A Oração Profética

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A oração dos profetas

Estudo realizado para o sétimo congresso em Belo


Horizonte. Um artigo feito pelo Pr Ronaldo Jose Vicente
[email protected] / www.lagrimasportuacausa.com.br

1
A oração dos profetas

“Quando isso acontecer, como de fato acontecerá,


saberão que havia um profeta no meio deles” (Ez 33.33).

O intuito deste artigo é observar a atuação dos profetas na oração. De


que maneira os profetas percorriam o ambiente da oração. Como os profetas
envolviam-se na intercessão? Como estes homens descobriram que a atitude de
mediar, trouxe mudanças para a realidade em que estavam vivendo? Algo que
precisamos entender é que o profeta luta em um grupo, ou, medeia por um
grupo. O profeta faz parte de uma equipe. Em vários artigos anteriores,
desenvolvi a submissão dos profetas na missão de Deus na terra. Assim,
pesquisei como relacionam-se nesta visão e a forma que se envolvem com as
pessoas que fazem parte disso. Desta maneira, caminharemos neste texto,
compreendendo que estes homens, vassalos da vontade de Deus e
participantes do povo escolhido; lutam através das palavras, para que os planos
do grande YHWH1 sejam realizados. Sicre comenta sobre as muitas dificuldades
e perseguições que os profetas sofrem ao longo da vida. Mas seria falso pensar
que o profeta só encontra a oposição da sociedade: “Encontra nela também, pelo
menos em certos grupos, um ponto de apoio que possibilita sua missão. Como
realçam os estudos recentes sobre a função social do profeta, para que exista
um mediador é preciso haver um grupo, amplo ou reduzido, que aceite sua
mediação”. Desta forma podemos começar a explorar o caminho da mediação
profética. Ou seja, da oração profética. Essa oração não é aleatória. Ela possui
vida e segue um caminho. É a oração do coração de YHWH sendo manifestado
através da boca dos profetas. Eugene Merril comenta que os profetas eram
instrumentos nas mãos de Deus, sendo assim, não agiriam como adivinhadores
e pagãos com suas artes mágicas satisfazendo suas divindades. De certa forma,
haveria manipulação para seus próprios planos:

Os profetas de Yahweh não conheciam a mente de seu Deus, a menos que Ele
decidisse revelar-se mediante sonhos, visão ou outra maneira. Nem podiam
mudar os propósitos de Deus através de encantamentos ou outros meios
mecânicos. Entretanto, podiam orar com perseverança e induzir outros a fazer o
mesmo; e em resposta poderia acontecer de Deus mudar as suas intenções. Mas
tal resposta nunca estava baseada em qualquer habilidade ou simpatia do profeta.
Pelo contrário, ela procedia da misericórdia e graça de Deus, e era concedida
exclusivamente para a glória de seu santo nome e para o bem do seu povo
(MERRIL p.402, 2018)

Note a submissão dos profetas aos planos de Deus. Totalmente diferente


de outros povos e até dos falsos profetas. O servo não direciona o seu senhor.
Submete aos planos do seu líder. O profeta não muda as intenções de Deus.
Sua oração ao ser concedida, é realizada mediante concessão do próprio Javé
para sua glória e seu plano na terra. Deus tem uma missão. Essa incumbência
santa envolve um povo escolhido. O povo é alcançado pelo sacrifício do Seu
Filho. Os profetas enxergam o plano. Os profetas vivem em uma realidade
oposta. A realidade do plano divino. Assim os profetas nunca aceitariam viver de
forma diferente. Pois tornam-se agentes explosivos de palavras impetuosas;

1
‫ – י ְהוֹ ָה‬YHWH. Javé. Aquele que existe. O nome próprio do Único Deus verdadeiro. Nome impronunciável.

2
incessantemente lançam para os ares o intenso desejo de presenciar o plano
sendo concluído.

“Por que me mostras a iniquidade e me fazes ver a opressão?... Pôr-me-ei na


minha torre de vigia, colocar-me-ei sobre a fortaleza e vigiarei para ver o que
Deus me dirá e que resposta eu terei à minha queixa.” (Hb 1.3; 2.1).

Os profetas são pioneiros em quebrar a barreira da normalidade através


da oração. A aceitação social com a impiedade difere da personalidade profética.
O Navi’ Habacuque2 recebe a vista, através de YHWH, a injustiça comemorada
de um povo que deveria ser santo. G. von Rad diz que “os papéis parecem estar
invertidos, pois o profeta é quem toma a iniciativa, insiste e está insatisfeito. Javé
é o interrogado. Entretanto, é preciso contar com a possibilidade de que a
intercessão e o recebimento das respostas de Deus faziam parte desde sempre
da profissão de quem, ao atuar na profecia, tendia mais para o cargo de
funcionário do culto” (p.614, 2006). Obviamente Deus espera de seus profetas
atividade santa contra a passividade da normalidade. Não contra Ele, mas contra
o povo. Por isso presenciamos no profeta Habacuque essa postura. Uma
conversa interrogatória. Para homens normais, isso seria mais uma notícia no
jornal. Um relato trágico, porém, corriqueiro enquanto uma família janta. Após
isso, a vida segue seu fluxo normalmente. Mas para os profetas é uma
catástrofe. Enquanto dormimos, os profetas estão acordados. Na medida que
aproveitamos os momentos de lazer, para divertirmos, eles peregrinam por
lugares solitários e sem comida. Oramos motivados pelo sofrimento. Eles oram
porque sentem o coração de Deus. Queremos aproveitar a vida, o tempo, termos
prazer e nos dedicar para momentos felizes. Eles querem guerra. Lutam contra
o “normal” estabelecido por mentes profanas. Onde vemos habitual, eles veem
desgraça. Onde vemos ordinário, eles veem desastre.

A palavra do profeta é um grito na noite. Enquanto o mundo dorme


despreocupado, o profeta sente o golpe vindo do céu...O tipo de crime e até
mesmo o nível de delinquência que deixam atônitos os profetas de Israel não são
mais graves que aquilo que consideramos ingredientes normais e típicos da
dinâmica social. Para nós, um ato isolado de injustiça – desonestidade nos
negócios, exploração dos pobres – é insignificante; para os profetas, um desastre
mortal na existência; para nós, um incidente; para eles, uma catástrofe, uma
ameaça ao mundo. O tempo todo somos testemunhas de injustiças,
manifestações de hipocrisia, falsidade, ofensas, situações de penúria, porem
raramente isso nos deixa indignados ou afeta de modo significativo nossas
emoções (HESCHEL p.906, 2015).

Os profetas caminham diferente. Precisam muitas vezes ausentar-se para


quando retornarem, impulsionarem decisões. Não podem negociar as ordens de
YHWH. São agentes ativos da altíssima santidade exigida. São os primeiros a
morrer. Os primeiros a gritar. Os primeiros a socorrer. Os primeiros a se
entregarem totalmente pela causa de Deus. São impulsivos quando se trata da
execução da vontade divina. São mediadores entre Deus e os homens, mas

2
‫ֲחַבקּוּק‬, Chabaqqûq: Habacuque. Significa “abraço”. Um profeta de Israel que escreveu o livro com o
mesmo nome; provavelmente viveu no décimo segundo ou décimo terceiro ano de reinado do rei Josias.

3
nunca passivos com as artimanhas humanas. Odeiam o erro que desdenha do
nome Santo de YHWH. São ousados, porém fiéis. São irritados e ao mesmo
tempo misericordiosos. São humanos, mas também agem como os anjos.
Estabelecendo este pensamento sobre os profetas, compreendemos a oração
de Habacuque: “vigiarei para ver o que Deus me dirá e que resposta eu terei à
minha queixa” (2.1).

O linguajar é radiante e explosivo, firme e contingente, duro e compassivo, uma


fusão de opostos. O profeta faz mais que traduzir a realidade numa chave poética:
é um pregador cujo propósito não é se expressar ou purificar as emoções, e sim
comunicar. As imagens que emprega não devem brilhar: devem arder (HESCHEL
p.907, 2015).

Vamos recordar de Moisés. Um homem já de idade sendo chamado para


realizar algo extraordinário (At 7.23-34). Provavelmente a maioria dos homens
nesta idade estariam doentes ou aproveitando o restante dos seus dias com
aquilo que construiu. Um pouco difícil retratarmos o que cada homem estaria
fazendo nessa idade. Mas uma coisa concordamos: ninguém estaria
atravessando um deserto para enfrentar um tirano. Diferentemente deste
profeta. YHWH não respeitou seus limites e o fez estar em guerra contra o
homem mais poderoso da terra. Faraó. Podemos pensar que o objetivo de Deus
se limitasse apenas a isso. Usar um homem limitado para envergonhar outro que
se achava ilimitado. YHWH operou através de Moisés para envergonhar em
publico um Faraó que se achava um deus. Mesmo sendo excepcional este
evento. Encontramos uma importância neste relacionamento. Em tudo o que
Moisés fez, podemos ressaltar: “Falava o SENHOR a Moisés face a face, como
qualquer fala a seu amigo” (Ex 33.11). A questão não é sobre um Deus que
deseja encontrar amigos; mas sim se há na terra homens dispostos a caminhar
com este Deus. Todos temos o desejo de encontrar amigos. Mas a maioria não
consegue realizar este anseio porque não há alguém disposto a ser este amigo.
Os profetas estão prontos para serem amigos de YHWH. Os profetas estão
disponíveis para ouvir o coração de Deus. Os profetas têm tempo com o Senhor.
Os profetas priorizam a vontade de Deus na terra. Os profetas defendem
aquilo que Deus defende. Os profetas protegem o que Deus estabelece como
santo. Por fim, os profetas priorizam gastar seus dias desenvolvendo uma
amizade com Deus. Para eles, YHWH torna-se único, o centro, a realização e o
melhor amigo. A maioria de nos queremos ser amigos de Deus; mas a maioria
não está disposto a fazer isso. O apóstolo Tiago nos da uma explicação exata
sobre isso: “Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de
Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de
Deus” (Tg 4.4). Os profetas entendem isso. Compreendem que para ser amigo
de Deus precisam não ser mais amigo de ninguém. Quando temos “muitos
amigos”, provavelmente não temos um amigo. Quando temos um amigo,
provavelmente não teremos tantos amigos. Uma amizade requer tempo. Uma
amizade requer exclusividade. Uma amizade querer fidelidade e disposição. A
pergunta para todos nos seria:

Você está disposto a isso? Os profetas estão!

4
Embora “servo de YHWH” seja usado para outras pessoas também, a forma
acrescida de sufixo do título (“servo meu/seu/dele”) é aplicada frequentemente aos
profetas. Moisés é o servo profético par excellence (BLOCK. p.96, 2017).

Vamos profundar mais um pouco sobre o relacionamento de Deus com


Moisés. O profeta passa por uma experiência peculiar. Vejamos: “Estando
Moisés no caminho, numa estalagem, encontrou-o o SENHOR e o quis matar”
(Ex 4.24). Antes de focarmos neste episódio, vamos retroceder um pouco o
relato. Anteriormente YHWH revela-se a Moisés e lhe chama para uma missão:
“Apareceu-lhe o Anjo do SENHOR numa chama de fogo, no meio de uma sarça;
Moisés olhou, e eis que a sarça ardia no fogo e a sarça não se consumia. Então,
disse consigo mesmo: Irei para lá e verei essa grande maravilha; por que a sarça
não se queima? Vendo o SENHOR que ele se voltava para ver, Deus, do meio
da sarça, o chamou e disse: Moisés! Moisés! Ele respondeu: Eis-me aqui! Deus
continuou: Não te chegues para cá; tira as sandálias dos pés, porque o lugar em
que estás é terra santa” (Ex 3.2-5). A conversa continua sobre os filhos de Israel,
a libertação, o envio, quem estaria enviando, o poder sendo derramado para
Moisés usar, os sinais, as preocupações e limitações do enviado e a ajuda do
irmão Arão. Se formos observar todo o relato e a forma que Deus trabalhou na
preparação de Moises. Iremos concordar: Foi uma grande ordenação. Era a
revelação de um Deus grande e poderoso. A resposta submissa de Moisés
resulta da compreensão em estar do lado certo. O lado mais poderoso. Após
isso, chegamos ao texto e nos deparamos com a ação de YHWH tentando matar
aquele que Ele próprio preparou para Sua missão. O motivo disso todos
sabemos, porque o próprio texto relata. A causa foi a circuncisão (Ex 4.26).

O episodio de Êxodo 4.24-26, inserido tardiamente, no qual Yhwh vem para atacar
Moisés, permanece enigmático. Na perspectiva de nossa pesquisa, pode-se
realçar que esse ataque se da no caminho de Madiã para o Egito e que é a mulher
madianita de Moisés que o salva, circuncidando o seu filho e pondo seu sangue
no sexo do seu esposo. Esse episodio reflete o fato de que os madianitas
praticavam a circuncisão? Yhwh é apresentado, nesse texto, como uma divindade
perigosa da qual é preciso se proteger Gn 32.23-32, em que o patriarca Jacó é
atacado por um ser misterioso que é, em seguida, identificado como Deus,
sublinha o caráter iniciático do encontro. Mas enquanto Jacó se salva, Moisés tem
necessidade do apoio de uma madianita. Ex 4.24-26 sublinha a implicação de uma
mulher madianita na pratica da circuncisão, que aparece, aqui, como um meio de
se proteger de Yhwh, que é descrito, nessa breve narrativa, como uma divindade
extremamente perigosa (ROMER p.68, 2016).

O ponto que desejo ressaltar é o seguimento do relacionamento entre Deus


e Moisés. Mesmo havendo ocorrido essa situação. Todos concordam comigo
que não foi um simples ato, mas algo extremamente preocupante. Ou seja,
Moisés iria morrer. O contato entre ambos seguiu em ordem crescente e não
decrescente. O convívio cresceu para uma amizade e não inimizade. Ao andar
com Deus, Moisés o amou mais e não se decepcionou mais. A cada revelação
de quem é Deus, sua obra, cobrança e vontade; gerava em Moisés mais
admiração, amor, apego e fidelidade. Moisés nunca viu Deus como tirano, mas
Justo. Leia a história deste homem e seu relacionamento com YHWH. Houve
milagres, mas houve também tragédias. Ocorreram decisões difíceis, rebeldia,
morte. Entretanto, Moisés sempre olhou para Deus com grande admiração: “Por
intermédio dos discursos de Moisés e das canções no final, o narrador

5
(Deuteronômio) ensina aos ouvintes e leitores que não há Deus além de YHWH,
mas também ensina que Moisés é seu profeta” (BLOCK. p.103. 2017).

Inclinai os ouvidos, ó céus, e falarei; e ouça a terra as palavras da minha boca.


Goteje a minha doutrina como a chuva, destile a minha palavra como o orvalho,
como chuvisco sobre a relva e como gotas de água sobre a erva. Porque
proclamarei o nome do SENHOR. Engrandecei o nosso Deus. Eis a Rocha! Suas
obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade,
e não há nele injustiça; é justo e reto (Dt 32.1-4).

Os profetas não viam YHWH como um Deus devedor. Mas um amigo e um


Pai. Um Deus bom, misericordioso e justo. Os profetas não se relacionavam com
Deus pelo interesse daquilo que Ele podia oferecer, ou pelas promessas.
Relacionavam-se com o Senhor por ser quem Ele é. Através deste
relacionamento haveria promessas. Este é o correto fundamento para
entendermos a oração na vida dos profetas. Quando uma criança nasce, os pais
não iniciam o relacionamento através de cobranças, imposições, espera de amor
e dívida. No primeiro sinal de vida há amor, entrega, dedicação, tempo e
renúncia. Os pais estão prontos para amar. Estão dispostos a se lançar para
conhecer o filho e desenvolver com ele um relacionamento único. Isso é o
fundamento para as cobranças e não o contrário. Estou usando o termo
cobrança para explorarmos a ideia errada sobre a oração. Quando usamos a
oração como cobrança, passamos a ver a Deus como um devedor. Quando
usamos a cobrança nos relacionamentos, passamos a enxergar as pessoas
como devedoras. Essa é a forma tóxica do convívio. Neste caminho não há a
crescente intimidade para a admiração. Mas é decrescente. Levando-nos a
decepção e amargura. A oração é consequência de um lugar que eu habito:
“Uma coisa peço ao SENHOR, e a buscarei: que eu possa morar na Casa do
SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do SENHOR e
meditar no seu templo” (Sl 27.4).

Oração é mais que um lamento pela misericórdia de Deus. É mais que uma
improvisação espiritual. A oração é uma condensação da alma. É a alma inteira
em um momento, a quintessência de todos os nossos atos, o clímax de todos os
nossos pensamentos. Para a oração viver no homem, o homem tem de viver nela.
De certa forma, a oração é parte de um assunto mais amplo. Ela depende de toda
a situação moral e espiritual do homem, depende de uma mente na qual Deus
sinta-se à vontade (HESCHEL. 2002. p.82)

Note que o autor diz que a oração é a quintessência de tudo o que fazemos,
ou seja; é o refinamento, a elevação ao mais alto grau de pureza extrema. Sendo
direcionado totalmente a um objetivo. Contatar o grande EU SOU. Manter-se
N’Ele. Permanecer em Sua presença. Andar com Ele no nível exigido. Desta
forma conseguimos captar a essência da oração dos profetas. Eles oravam não
estando a parte de YHWH; eles oravam com YHWH. Eles oravam junto de Deus.
Em Deus e por Ele. Os profetas estão inseridos na intimidade de YHWH. Neste
ambiente partem para o clamor. Moisés estava na presença de Deus. Assim
pode interceder pelo povo:

No dia seguinte, disse Moisés ao povo: Vós cometestes grande pecado; agora,
porém, subirei ao SENHOR e, porventura, farei propiciação pelo vosso pecado.
Tornou Moisés ao SENHOR e disse: Ora, o povo cometeu grande pecado,

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fazendo para si deuses de ouro. Agora, pois, perdoa-lhe o pecado; ou, se não,
risca-me, peço-te, do livro que escreveste (Ex 32.30-32).

Waltke comenta que Isaías suplicou por Israel (6.11), gemeu por Moabe
(15.5) e chorou amargamente por Jerusalém (22.4). Repetidas vezes, EU SOU
ordenou a Jeremias que parasse de orar pelo povo (Jr 7.16; 11.14; 14.11):
“Disse-me, porém, o SENHOR: Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante
de mim, meu coração não se inclinaria para este povo; lança-os de diante de
mim, e saiam” (15.1). Jesus chorou por Jerusalém (Mt 23.37-39), e a igreja uniu-
se a Paulo em oração pela conversão do Israel étnico (Rm 9.1-3), o
remanescente que existirá até que todo Israel seja salvo (Rm 11) (WALTKE.
p.909 2015). Os profetas seguiram o mesmo caminho de Moisés. Da mesma
forma que se relacionou com Deus e por meio desta amizade, construiu um elo
progressivo de intimidade. Neste lugar, surgiu o clamor exato desvendado do
coração de YHWH. Moisés descobriu o que Deus queria ouvir. Moisés sentiu o
que o Senhor gostaria de escutar: “Assim como Davi estabeleceu a medida pela
qual todos os reis posteriores seriam medidos, assim Moisés estabeleceu o
padrão para os profetas de Israel” (BLOCK. p.103. 2017). Desta maneira Moisés
expos que YHWH não tem prazer em punir; Javé tem deleite em corações
arrependidos:

Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, não tenho prazer na morte do
perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Convertei-
vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que haveis de morrer, ó
casa de Israel? (Ez 33.11).

Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração


quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás (Sl 51.17).

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Os profetas andam e oram

“ Agora, pois, restitui a mulher a seu marido, pois ele é profeta e intercederá
por ti, e viverás; se, porém, não lha restituíres, sabe que certamente morrerás,
tu e tudo o que é teu... E, orando Abraão, sarou Deus Abimeleque, sua mulher
e suas servas, de sorte que elas pudessem ter filhos; porque o SENHOR havia
tornado estéreis todas as mulheres da casa de Abimeleque, por causa de Sara,
mulher de Abraão” (Gn 20.7,17).

Iniciamos esta parte do artigo com a história de um homem chamado


Abraão. Ou podemos dizer; O profeta Abraão. Essa é a primeira vez nas
Escrituras que um homem é chamado desta forma. Mas vamos nos atentar sobre
o ocorrido. Abraão está peregrinando com sua esposa Sara e se depara em um
território nada amigável. Ele sabe que precisa estar atento. A fama de um rei
chamado Abimeleque não é boa em se tratando de mulheres bonitas. Então
Abraão decide dizer que Sara é sua irmã. Obviamente pensava em ambos para
sobreviver. Porém isso deu razão para o rei mandar buscar Sara para a possuir.
Não iremos entrar em cada detalhe desta história, os costumes e qual a
verdadeira razão do rei desejar a Sara. Mas ressaltaremos que essa atitude de
Abimeleque despertou a ira de YHWH. Tal seria a punição, que Deus mataria o
rei e o seu povo. Além disso, o texto fornece que houve um tempo maior da
estadia de Sara com o rei e um tempo maior para a punição. Pois o rei estava
enfermo e suas mulheres e servas estavam estéreis. Mas Abimeleque em certo
sentido, não estava totalmente inclinado ao erro. Observamos no relato o próprio
YHWH em sonhos trazendo a sentença e Abimeleque intercedendo por si
mesmo: “Senhor, matarás até uma nação inocente? Não foi ele mesmo que me
disse: É minha irmã? E ela também me disse: Ele é meu irmão. Com sinceridade
de coração e na minha inocência, foi que eu fiz isso. Respondeu-lhe Deus em
sonho: Bem sei que com sinceridade de coração fizeste isso; daí o ter impedido
eu de pecares contra mim e não te permiti que a tocasses” (20.4-6). Mesmo o rei
indo por uma armadilha de forma inocente e sendo punido por tomar Sara,
iniciando assim uma defesa. Deus não aceita e lhe direciona para Abraão.
Primeiro pede para que restitua Sara e depois o entrega nas mãos de Abraão.
Tanto sua vida como do seu povo: “Agora, pois, restitui a mulher a seu marido,
pois ele é profeta e intercederá por ti, e viverás; se, porém, não lha restituíres,
sabe que certamente morrerás, tu e tudo o que é teu”. Então percebemos que
no decorrer da história Abraão intercede por Abimeleque e Deus o salva e tira o
castigo da sua casa: “E, orando Abraão, sarou Deus Abimeleque, sua mulher e
suas servas, de sorte que elas pudessem ter filhos; porque o SENHOR havia
tornado estéreis todas as mulheres da casa de Abimeleque, por causa de Sara,
mulher de Abraão” (20.17,18).

Semelhante a oração de súplica e a oração de intercessão, na qual o suplicante


apresenta a Deus os desejos e preocupações de outrem e implora as bênçãos
para ele, ou na qual o suplicante intervém em nome e em favor de alguém que se
tornou culpado. Esse tipo de oração intercessora já era atribuído a Abraão,
qualificado então como profeta (Gn 20.7), e se encontra muitas vezes nos profetas
(Am 7.1), desde que não tivesse sido proibida (Jr 11.14) (FOHRER p.120, 2007).

Você percebe o que acabamos de ler? O tipo de relato que temos em


mãos? Deus deu a um homem a vida e o destino de outro homem. Deus entregou

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nas mãos de um homem o destino de um povo. Deus deu a um homem o futuro
de pessoas que ainda não tinham nascido. Foi isso que YHWH fez nessa
situação. Mas para seguirmos o foco deste artigo devemos falar assim: YHWH
entregou nas mãos de um profeta o destino daqueles habitantes. Deus entregou
a decisão do continuar de uma linhagem nas mãos de um Navi’.

Deus dissera a Abimeleque que Abraão poderia interceder por ele. Aqui, vê-se
que tal intervenção é mais necessária do que se pensava. Graças a ela, “Deus
curou Abimeleque, sua mulher e suas servas, que ganharam filhos”. Deus tinha
tornado Abimeleque impotente, e as mulheres estéreis. Deus “fechara cada seio”,
assim como Sara fora impedida de gerar (16.2). A ação de Deus não era uma
punição, mas uma ação passageira preventiva. Deus agira assim “por causa de
Sara, a mulher de Abraão” (VOGELS p.140 2000).

Agora o que podemos pensar é como o profeta Abraão pode chegar a esse
nível? Como um homem recebe tal autoridade? Podemos relembrar um episódio
anterior relacionado a Sodoma e Gomorra onde o próprio YHWH diz: “Ocultarei
a Abraão o que estou para fazer?” (Gn 18.16). Nesta situação os três homens
(18.1), sendo o próprio Senhor, conversavam sobre os planos de destruir
Sodoma e Gomorra. Pois o próprio Deus diz: “Com efeito, o clamor de Sodoma
e Gomorra tem-se multiplicado, e o seu pecado se tem agravado muito. Descerei
e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que é vindo
até mim; e, se assim não é, sabê-lo-ei” (18.20,21). Provavelmente dois daqueles
homens vão até a cidade e Abraão permanece na presença do Senhor: “Então,
partiram dali aqueles homens e foram para Sodoma; porém Abraão permaneceu
ainda na presença do SENHOR” (18.22). O profeta está onde deve estar.
Permanentemente na presença de Deus. É neste lugar que começa a
intercessão:

Abraão permaneceu ainda na presença do SENHOR. E, aproximando-se a ele,


disse: Destruirás o justo com o ímpio?.. Disse mais Abraão: Eis que me atrevo a
falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza...Insistiu: Não se ire o Senhor, falarei
ainda... Continuou Abraão: Eis que me atrevi a falar ao Senhor... Disse ainda
Abraão: Não se ire o Senhor, se lhe falo somente mais esta vez: Se, porventura,
houver ali dez? Respondeu o SENHOR: Não a destruirei por amor dos dez. Tendo
cessado de falar a Abraão, retirou-se o SENHOR; e Abraão voltou para o seu lugar
(18.22-33).

Realmente a intercessão de um homem fez a diferença. A mediação deste


profeta fez Deus lembrar: “lembrou-se Deus de Abraão e tirou a Ló do meio das
ruínas” (Gn 19.29). Novamente eu lhes pergunto: Vocês conseguem imaginar o
tipo de relato que temos em mãos? Vamos tentar explorar este ponto para
compreendermos sua dimensão. Aquele que fez os céus e a terra, o Senhor forte
e poderoso. O grande Eu Sou que destruiu a nação mais poderosa da
antiguidade, o Egito - através de um velho com um cajado - Quase destruiu o
mundo todo através das águas do dilúvio. Criou todas as coisas. Nada existe
sem Ele. Seu poder é tão grande que os milhares de anos escritos, seriam
insuficientes para descrever tamanha gloria, poder, beleza, magnitude,
misericórdia, justiça, perfeição, realeza, sabedoria e amor. Observe o que os
profetas diziam:

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Deus vem de Temã, e do monte Parã vem o Santo. A sua glória cobre os céus, e
a terra se enche do seu louvor. O seu resplendor é como a luz, raios brilham da
sua mão; e ali está velado o seu poder. Adiante dele vai a peste, e a pestilência
segue os seus passos. Ele pára e faz tremer a terra; olha e sacode as nações.
Esmigalham-se os montes primitivos; os outeiros eternos se abatem. Os caminhos
de Deus são eternos (Hab 3.3-6).

Bendize, ó minha alma, ao SENHOR! SENHOR, Deus meu, como tu és


magnificente: sobrevestido de glória e majestade, coberto de luz como de um
manto. Tu estendes o céu como uma cortina, pões nas águas o vigamento da tua
morada, tomas as nuvens por teu carro e voas nas asas do vento. Fazes a teus
anjos ventos e a teus ministros, labaredas de fogo. Lançaste os fundamentos da
terra, para que ela não vacile em tempo nenhum. Tomaste o abismo por vestuário
e a cobriste; as águas ficaram acima das montanhas; à tua repreensão, fugiram,
à voz do teu trovão, bateram em retirada. Elevaram-se os montes, desceram os
vales, até ao lugar que lhes havias preparado. Puseste às águas divisa que não
ultrapassarão, para que não tornem a cobrir a terra. Tu fazes rebentar fontes no
vale, cujas águas correm entre os montes; dão de beber a todos os animais do
campo; os jumentos selvagens matam a sua sede. Junto delas têm as aves do
céu o seu pouso e, por entre a ramagem, desferem o seu canto. Do alto de tua
morada, regas os montes; a terra farta-se do fruto de tuas obras. Fazes crescer a
relva para os animais e as plantas, para o serviço do homem, de sorte que da terra
tire o seu pão, o vinho, que alegra o coração do homem, o azeite, que lhe dá brilho
ao rosto, e o alimento, que lhe sustém as forças. Avigoram-se as árvores do
SENHOR e os cedros do Líbano que ele plantou, em que as aves fazem seus
ninhos; quanto à cegonha, a sua casa é nos ciprestes. Os altos montes são das
cabras montesinhas, e as rochas, o refúgio dos arganazes. Fez a lua para marcar
o tempo; o sol conhece a hora do seu ocaso. Dispões as trevas, e vem a noite, na
qual vagueiam os animais da selva. Os leõezinhos rugem pela presa e buscam de
Deus o sustento; em vindo o sol, eles se recolhem e se acomodam nos seus covis.
Sai o homem para o seu trabalho e para o seu encargo até à tarde. Que variedade,
SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das
tuas riquezas. Eis o mar vasto, imenso, no qual se movem seres sem conta,
animais pequenos e grandes. Por ele transitam os navios e o monstro marinho
que formaste para nele folgar. Todos esperam de ti que lhes dês de comer a seu
tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se fartam de bens. Se
ocultas o rosto, eles se perturbam; se lhes cortas a respiração, morrem e voltam
ao seu pó. Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da
terra. A glória do SENHOR seja para sempre! Exulte o SENHOR por suas obras!
Com só olhar para a terra, ele a faz tremer; toca as montanhas, e elas fumegam.
Cantarei ao SENHOR enquanto eu viver; cantarei louvores ao meu Deus durante
a minha vida. Seja-lhe agradável a minha meditação; eu me alegrarei no
SENHOR. Desapareçam da terra os pecadores, e já não subsistam os perversos.
Bendize, ó minha alma, ao SENHOR! Aleluia! (Salmo 104.1-34).

Leia todo o texto e tente imaginar tamanha glória. Leia atentamente cada
detalhe e outros textos das Escritura e tente conceber espantosa perfeição.
Force sua percepção e experimente sonhar estar diante e contemplando imensa
e infinita beleza. Se você conseguiu imaginar uma pequena fração disso tudo,
prossiga para o meu raciocínio. Um dia, um belo dia, um dia normal; este grande
Deus resolve passar em frente a sua casa. Foi o que ocorreu com Abraão. A
atitude deste homem nos faz entender por que ele é o primeiro a ser chamado
profeta de YHWH. Ele corre! Não de Deus e sim para Deus. O primeiro homem
que pecou se escondeu de Deus, fugiu ao ouvir a voz do Todo Poderoso (Gn

10
3.8). Porém Abraão, violentamente apressa-se para se encontrar com Deus e
lhe oferece seus serviços:

Levantou ele os olhos, olhou, e eis três homens de pé em frente dele. Vendo-os,
correu da porta da tenda ao seu encontro, prostrou-se em terra e disse: Senhor
meu, se acho mercê em tua presença, rogo-te que não passes do teu servo; traga-
se um pouco de água, lavai os pés e repousai debaixo desta árvore; trarei um
bocado de pão; refazei as vossas forças, visto que chegastes até vosso servo;
depois, seguireis avante. Responderam: Faze como disseste (Gn 18.2-5).

A maioria dos homens correria, ou se esconderia, ou até poderíamos dizer


que se prostrariam e nesta posição permaneceriam. Mas não um profeta. Ele se
oferece para presentear. Deseja estar perto. Prestar serviço. Entretanto, há um
segredo mais profundo para que Abraão esteja nessa posição. Voltaremos um
pouco nos relatos bíblicos e iremos notar uma palavra em hebraico %‫( ָהַל‬halak).
Essa palavra pode-se entender como andar, vir, partir, viver, ter um modo de
vida, liderar, agir, ser, ter um estilo de vida. Se formos encarnar em alguma
pessoa poderíamos concluir: este individuo terá que ter um pensamento próprio.
Com decisões pautadas em uma realidade única. Um modo de vida original. Isso
o fará decidir, agir e ser alguém que possui uma personalidade fora de uma
realidade manipulada. Alguém com uma identidade acima de influências baixas.
Quem poderia viver desta forma? Ou, o mais importante: Quem poderia ensinar
alguém a viver desta forma? A resposta é simples. O grande EU SOU e o
primeiro homem. Note este texto: “Quando ouviram a voz do SENHOR Deus,
que andava (%‫ָהַל‬, halak) no jardim pela viração do dia, esconderam-se da
presença do SENHOR Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do
jardim” (Gn 3.8). Se você interpretar essa palavra apenas literalmente, então
compreenderá uma simples atuação de Deus andando até Adão e Eva após
terem optado por uma posição de rebeldia. Mas não é isso o que as Escrituras
querem dizer quando usa a palavra %‫ָהַל‬, halak. Existe um sentido mais profundo.
Vamos analisar. Após a queda os homens continuaram a andar ( %‫ָהַל‬, halak). Ou
seja, continuaram a ter um estilo de vida, um modo de vida. Porém, este modo
agora é totalmente contrário daquele ensinado por YHWH.
Podemos perceber isso nos relatos após a queda. O primeiro assassinato
ocorre entre dois irmãos (Gn 4.8-16). Após isso, mais assassinatos ocorrem
através de Lameque, descendente de Caim (Gn 4.23). Então chegamos ao
declínio máximo da criação: “A Sete nasceu-lhe também um filho, ao qual pôs o
nome de Enos; daí se começou a invocar o nome do SENHOR” (Gn4.26).
Quando lemos este texto apenas separado do contexto, não entendemos toda
uma situação que o levou a isso. O próprio versículo nos fornece a gravidade:
“começou-se a invocar o nome do Senhor”. Este versículo deve ser entendido
como iniciou-se novamente algo que estava perdido na sociedade. A invocação
neste versículo se compara a um grito desesperador para YHWH. Mas não é um
grito para que a mudança permaneça num modelo subjetivo apenas; uma teoria
limitada em retóricas. É uma música alta de socorro para que o %‫ָהַל‬, halak volte
a ser o normal entre os homens. Através deste brado temos a resposta: “Andou
Enoque com Deus e já não era, porque Deus o tomou para si” (Gn 5.24). O
mesmo termo é usado para este homem chamado Enoque. A melhor forma de
entendermos este versículo é: “teve um estilo de vida, um modo de agir, pensar,
analisar, fazer e esperar; se posicionou, reteve, tomou decisões, compreendeu,

11
esperou, desejou, aproveitou, viveu, sorriu, brigou, observou, conquistou,
perdeu, avançou, parou, repreendeu, criou, arruinou, limpou, perdoou, reteve,
refez, levantou, restaurou”. Por fim, andou ( %‫ָהַל‬, halak) com Deus.
Porém, a situação não melhorou. Na verdade, socialmente as
circunstâncias pioraram. O homem após a queda tornou-se um rebelde social.
Tudo a sua volta é produzido como sinal de revolta contra Deus. O homem passa
a ter um modo de vida que afronta os princípios estabelecidos por YHWH. Ou
seja, a maneira que o Senhor andava ( %‫ָהַל‬, halak) no jardim, ensinando Adão.
Agora é praticado de maneira oposta. Uma subversão dos valores eternos por
medidas revoltosas. Observe:

Viu o SENHOR que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era
continuamente mau todo desígnio do seu coração... A terra estava corrompida à
vista de Deus e cheia de violência. Viu Deus a terra, e eis que estava corrompida;
porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra (Gn 6.5,11).

O texto diz que o homem continuamente desejava o mau. Não havia pausa
para ansiar a maldade. Dia e noite esperavam-se pela oportunidade de realizar
perversidade. O mais agravante é perceber que todos estavam nessa posição.
A terra estava corrompida. Todos os habitantes da terra estavam cheios de
violência. Ou seja; todos tinham “um estilo de vida, um modo de agir, de pensar,
analisar, fazer e esperar; se posicionar, reter, tomar decisões, compreender,
esperar, desejar, aproveitar, viver, sorrir, brigar, observar, conquistar, perder,
avançar, parar, repreender, criar, arruinar, limpar, perdoar, reter, refazer,
levantar, restaurar para o mal”. Neste ambiente o texto mostra um homem. Um
homem como aqueles, porém com um diferencial: “Noé era homem justo e
íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava ( %‫ָהַל‬, halak) com Deus” (Gn
6.9). Como já trabalhamos bastante o conceito de “andar”, podemos
compreender mais facilmente. Noé é alguém disposto a viver totalmente
diferente da normalidade rebelde que o mundo propõe. Ele é um pai de família.
Um homem normal. Possivelmente fraco e influenciável. Sem poder para ir
contra um poder maior de manipulação social para o mal. Mesmo com toda essa
avalanche mundial de desprezo a vontade de YHWH. Este homem decide ter um
modo de vida estabelecido por Deus desde a criação. Conhecemos todo o
restante da história e como o Senhor se alegrou de Noé.
Trilhei este pensamento no artigo para leva-lo ao segredo de Abraão.
Obviamente observaremos em sua vida inúmeros pontos positivos que podemos
usar como exemplo na nossa caminhada cristã. Um deles está relacionado a
postura de Abraão de sempre levantar um altar ao Senhor e invoca-lO. Em várias
situações. Momentos específicos. Este homem mantinha a rotina de estar em
conexão com YHWH:

Apareceu o SENHOR a Abrão e lhe disse: Darei à tua descendência esta terra.
Ali edificou Abrão um altar ao SENHOR, que lhe aparecera... Fez as suas jornadas
do Neguebe até Betel, até ao lugar onde primeiro estivera a sua tenda, entre Betel
e Ai, até ao lugar do altar, que outrora tinha feito; e aí Abrão invocou o nome do
SENHOR... E Abrão, mudando as suas tendas, foi habitar nos carvalhais de
Manre, que estão junto a Hebrom; e levantou ali um altar ao SENHOR. (12.7;
13.3,4,18).

12
Seria esse o objetivo central de Deus para Abraão? Creio que não. Se
notarmos, desde o chamado deste homem. YHWH vem trabalhando para
desenvolver em Abraão um estilo de vida que Ele estabeleceu. No início do seu
chamado vemos: “Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua
parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei” (Gn 12.1).
Esse tipo de ordem é um pouco estranho. Para nós pode não haver tanta
singularidade, mas para o período de Abraão sim. Os deuses não eram
misericordiosos. Os deuses não eram relacionais. Os deuses não se importavam
se você estava feliz ou não. Se você tinha uma terra para morar ou não. Se você
tinha um filho para ter uma descendência ou não. Os homens procuravam os
deuses e não os deuses procuravam os homens. Abraão está neste contexto e
dificilmente agiria fora dele. Porém YHWH possui outros planos. Deus deseja
homens que andem com Ele. Homens dispostos a viver o padrão que Ele
determina. Enquanto Abraão ainda mantém seu ritual de sacrifícios. Agora o
grande Eu Sou o procura para ensiná-lo uma maneira correta de viver e se
relacionar. Deus está preocupado onde e como Abraão vai morar (12.1). Deus
se preocupa com a esposa de Abraão, pois quando Faraó a toma, igual o rei
Abimeleque – Deus pune os dois (12.10-20; 201-18). Deus se importa se Abraão
e Sara teria um filho. Era um milagre, mas também uma enorme alegria para
ambos (15.1-11). YHWH é ativo em iniciar uma aliança com Abraão.
Primeiramente parte de Deus e a resposta vem do homem (15.12-21). Abraão
tenta fazer conforme o costume dos povos, gerar um filho usando outra mulher.
Mesmo amando Ismael, Deus não aceita isso. O Senhor mantém sua palavra e
Abraão precisa aprender isso (16-21). Deus muda o seu nome. De pai para um
pequeno grupo, agora ele seria pai de multidões; pai de nações. Da mesma
forma que Deus é um Pai para todos nós (17.1-27). O Senhor estabelece um
sinal. O pacto da aliança. A circuncisão. Todos da casa, futuramente, deveriam
manter-se fiel nisso para que o Senhor fosse respeitado (17.23-27). Deus em
pessoa resolve aparecer na casa de Abraão. O grande Deus se assenta para
comer a refeição oferecida pelo profeta (Gn 18.1-15). Deus ouve a intercessão
de Abraão para poupar a vida do seu sobrinho Ló (18-19). Nasce Isaque e Deus
prova Abraão pedindo-lhe o filho como sacrifício. Algo totalmente normal naquele
período. Os deuses pediam sacrifícios principalmente de primogênitos. Mas
quando Abraão vai realizar. YHWH lhe ensina que é um Deus de vida e não de
morte, apontando assim para o Seu futuro filho que morreria por todos. Provendo
assim o carneiro para o sacrifício (22.1-19). Este pequeno relato da vida deste
homem. O descrevi de forma superficial. Com o objetivo de levá-lo para este
pronunciamento:

Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o SENHOR


e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda ( y‫ָהַל‬, halak) na minha presença
e sê perfeito” (Gn 17.1).

YHWH poderia se contentar com os sacrifícios feitos por Abraão. Nisso


concordamos ser um ponto positivo nele. Em todo lugar, Abraão invocava o
nome do Senhor e levantava um altar. Mas havia um plano. O retorno ao
princípio estabelecido no Éden. A prática santa. O caminho dos justos. A
integridade aprovada por Deus. Observe que na fala do Senhor está a ordem:
“anda e seja perfeito”. Ou seja, tenha um modo de vida santo em minha
presença. Caminhe no dia a dia, sendo integro diante dos meus olhos. A palavra

13
perfeito é ‫ָתִּמים‬, tamiym sendo entendido também como completo, puro, inteiro,
saudável e sem defeito. O mesmo termo é usado para descrever a justiça de
Noé: “homem justo e íntegro (‫ָתִּמים‬, tamiym)”. Assim essa palavra é usada
também para a importância de como deveria ser o cordeiro para o sacrifício: “O
cordeiro será sem defeito (‫ָתִּמים‬, tamiym)”. Para uma melhor compreensão, a
tradução deveria ser “um cordeiro perfeito”. Porque este cordeiro apontava para
o sacrifício perfeito do homem sem pecado – Cristo, nosso Senhor. O
comentarista Voz relata desta forma: “Eu sou El-Shaddai; anda diante de mim,
então tu serás inculpável”. O “andar perante Yahweh” ilustra a presença
constante de Yahweh em sua mente como se estivesse andando atrás dele e
supervisionando-o. A ideia da aprovação divina fornece o motivo para a
obediência. A força de El-Shaddai também deve ser notada. O que modela sua
conduta não é somente a ideia geral de Deus com o um governante moral, mas
especificamente a ideia de El-Shaddai, aquele que preenche sua vida com graça
miraculosa. Assim, a moralidade é posta numa base redentora e é inspirada pelo
princípio de fé́ (VOS. p.115, 2010).

Ele é o Deus Todo-poderoso que tudo pode fazer, até mesmo tornar possível o
impossível. Ele prossegue ordenando: “Anda em minha presença” (literalmente:
diante da minha face). Javé ordenara a Abrão deixar sua terra natal, e ele
obedecera. Assim realizava algo que só faria uma vez em sua vida. Javé lhe
ordena agora que ande diante da sua face. Todo ato da vida de Abrão é que
deverá ser feito em referência a Deus. Seu comportamento deve-se aproximar-se
do de Henoc e do de Noé, que estavam ainda mais próximos de Deus, já que
“andavam com Deus” (Gn 5.24; 6.9), lado a lado. E Deus acrescenta: “Sê integro”.
Também nisso Abrão deve assemelhar-se a Noé (Gn 6.9). Deus lhe pede que seja
um homem de vida ordenada e harmoniosa. Essa solicitação implica que Abrão,
ate então, não levou tal vida? Talvez! Com efeito, Abrão teve procedimentos
generosos, como em seu comportamento com Lot (13) e com os reis (14), mas
também adotou outros edificantes, como em seu comportamento com Sarai no
Egito (12.10-20) e com Hagar no relato precedente (16). A ordem de Deus indica
ainda, de modo igualmente claro, que a realização da promessa depende do
comportamento de Abrão (VOGELS p.107 2000)

Todo este caminho nos leva a um entendimento. Javé mantém seu padrão
altíssimo nos homens, chamando-os a caminharem ao seu lado. Muitos homens
rebelam-se por causa do pecado. Inicia-se então o caminho impetuoso dos
rebeldes. O Salmista relata: “conselho dos ímpios, caminho dos pecadores e
roda de escarnecedores” (1.1). Quando desprendemos nossa mente de jargões
evangélicos e passamos a estudar o conceito das palavras e seu contexto,
compreendemos que a palavra “conselho” se refere a formadores de opinião que
designavam um proposito de vida para as pessoas. Aconselhavam que vivessem
de uma maneira ímpia. Profanando o as exigências do Santo de Israel. Da
mesma forma, estes projetavam um “caminho”, como uma jornada, ou uma
maneira de viver; porém ímpia, suja e rebelde. Por fim, a “roda” que sentam os
escarnecedores, na verdade é a residência que habitam, congregam pessoas,
ensinam outros e constroem cidades malignas. E geração após geração,
seguem o procedimento do inferno. Pensam contra o Altíssimo. Vivem como se
fossem deuses. Cospem nas orientações sagradas de Deus. Tornam-se animais
a procura de saciar seus desejos. Usando uns aos outros como objetos. Essa é

14
a civilização que YHWH retirou Abraão e disse: “Anda ao meu lado”. A resposta
dele é a resposta de todo profeta:

No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime


trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima
dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus
pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo,
santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória. As bases
do limiar se moveram à voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaça.
Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros,
habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o
SENHOR dos Exércitos! Então, um dos serafins voou para mim, trazendo na mão
uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha
boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios; a tua iniquidade foi tirada, e
perdoado, o teu pecado. Depois disto, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem
enviarei, e quem há de ir por nós? Disse eu: eis-me aqui, envia-me a mim (Is 6.1-
8).

Eis-me aqui! Estou aqui, oh Senhor! Estou a sua disposição. Estou certo
que exista apenas um modo de viver. O seu modo e não o nosso. Estou pronto
para viver no modelo que designaste e pronto para impor essa maneira aos
outros. Basicamente essa é a resposta de Isaias. Em qual contexto o profeta tem
essa visão do Senhor e consequentemente a motivação da sua resposta. Para
compreendermos isso precisamos estudar um pouco sobre os reis de Israel.
Vamos partir do primeiro rei após a divisão. Roboão permanece no Sul e
Jeroboão inicia seu reino no Norte (IRs 12-15). Vários acontecimentos ocorrem
entre os reis. Guerras, alianças e muita influência profética. Não irei entrar em
todos as ocorrências. Sugiro que vejam meus artigos e aulas sobre “Deus,
deuses e reis”, onde trabalho detalhadamente esses episódios. Vamos iniciar no
tempo do rei Acabe em Israel e no tempo do rei Josafá em Judá. Sabemos da
trajetória de Acabe e sua aliança com a profetisa Jezabel (IRs 16-22; 2Cr 18).
Jezabel foi uma semente maligna no Norte. Disseminando toda sorte de mistura,
matando profetas, mesclando a religião e se opondo abertamente contra a
vontade de YHWH. Entretanto sabemos o seu fim. A espada de Jeú não perdoou
toda a casa de Acabe, destruindo assim Jezabel (2Rs 9-10). Quando nos
concentramos no reino de Judá (Sul), iremos notar que a filha de Jezabel, casa-
se com o filho do rei Josafá: “Andou nos caminhos dos reis de Israel, como
também fizeram os da casa de Acabe, porque a filha deste era sua mulher; e fez
o que era mau perante o SENHOR” (2Rs 8.18). Então no reino de Judá temos o
rei Jeorão e a rainha Atalia. O rei Jeorão é filho de Josafá e a rainha Atalia é filha
de Jezabel. Vejamos a cronologia citada por Richard Pratt: “O texto compara
Jeorão com os outros reis de Israel, e especificamente com a casa de Acabe
(21.6). Os livros de Reis e Crônicas comparam outros reis de Judá com os reis
israelitas do Norte (2Rs 16.3) e Acabe, especificamente (2Rs 8.27; 21.3), para
indicar como alguns reis judaítas tinham se tornado perversos (2Cr 21.6,13; 22.4;
28.2-4). O ponto de comparação aqui e em outros lugares é principalmente o
sincretismo religioso. A ligação com Acabe é feita mais diretamente porque a
filha deste (de Acabe) era sua mulher (de Jeorão) (21.6). Jeorão buscou uma
aliança de casamento com o Norte da mesma forma que seu pai Josafá (18.1).
Ficamos sabendo mais tarde que o nome da filha de Acabe era Atalia. Ela
influenciou Jeorão na direção do mal da mesma forma que fez com seu filho

15
Acazias” (PRATT p.483, 2008). Este rei foi mau aos olhos do Senhor a tal ponto,
que o profeta Elias lhe envia uma carta de condenação:

Então, lhe chegou às mãos uma carta do profeta Elias, em que estava escrito:
Assim diz o SENHOR, Deus de Davi, teu pai: Porquanto não andaste nos
caminhos de Josafá, teu pai, e nos caminhos de Asa, rei de Judá, mas andaste
nos caminhos dos reis de Israel, e induziste à idolatria a Judá e os moradores de
Jerusalém, segundo a idolatria da casa de Acabe, e também mataste a teus
irmãos, da casa de teu pai, melhores do que tu, eis que o SENHOR castigará com
grande flagelo ao teu povo, aos teus filhos, às tuas mulheres e todas as tuas
possessões. Tu terás grande enfermidade nas tuas entranhas, enfermidade que
aumentará dia após dia, até que saiam as tuas entranhas. Despertou, pois, o
SENHOR contra Jeorão o ânimo dos filisteus e dos arábios que estão do lado dos
etíopes. Estes subiram a Judá, deram contra ele e levaram todos os bens que se
acharam na casa do rei, como também a seus filhos e as suas mulheres; de modo
que não lhe deixaram filho algum, senão Jeoacaz, o mais moço deles. Depois de
tudo isto, o SENHOR o feriu nas suas entranhas com enfermidade incurável. E,
aumentando esta dia após dia, ao cabo de dois anos, saíram-lhe as entranhas por
causa da enfermidade, e morreu com terríveis agonias. O seu povo não lhe
queimou aromas, como se fez a seus pais. Era ele da idade de trinta e dois anos
quando começou a reinar e reinou oito anos em Jerusalém. E se foi sem deixar
de si saudades; sepultaram-no na Cidade de Davi, porém não nos sepulcros dos
reis (2Cr 21.12-20).

Com a morte do rei Jeorão, temos o início do reinado do seu filho Acazias.
Este rei é neto de Acabe e Jezabel. Sua mãe Atalia lhe aconselha no reino de
forma maligna: “Era Acazias de vinte e dois anos de idade quando começou a
reinar e reinou um ano em Jerusalém. Sua mãe, filha de Onri, chamava-se Atalia.
Ele também andou nos caminhos da casa de Acabe; porque sua mãe era quem
o aconselhava a proceder iniquamente” (2Cr 22.2,3). Com o levante de Jeú, os
registros mostram que ambos são mortos. O rei de Israel, Jorão e o rei do Sul,
Acazias. Pratt comenta que “o primeiro passo desta história descreve Acazias
visitando o rei Jorão, do norte, que estava ferido. Quando a história começa,
Acazias aparentemente ignorava o perigo. Ele visitou Jorão em Jezreel, um
palácio de verão dos reis de Israel (IRs 18.45,46; 21.1; 2Rs 9.30), e se reuniu a
Jorão para encontrar Jeú. A gramática hebraica de 22.7a sugere que esta
sentença tinha a intenção de ser uma nota parentética. O cronista explica que
Deus tinha um proposito secreto para a visita de Acazias a Jorão. Era o meio
qual o Senhor escolhera para levar a ruína a Acazias. De fato, o cronista também
observa que o Senhor tinha ungido (a Jeú) para desarraigar a casa de Acabe
(22.7b). Justamente como ele fizera em muitas ocasiões, o cronista mostra os
meios secretos de Deus agir por meio de eventos normalmente ordinários”
(PRATT p.495, 2008).

Disse Jorão: Aparelha o carro. E lhe aparelharam o carro. Saiu Jorão, rei de Israel,
e Acazias, rei de Judá, cada um em seu carro, e foram ao encontro de Jeú, e o
acharam no campo de Nabote, o jezreelita. Sucedeu que, vendo Jorão a Jeú,
perguntou: Há paz, Jeú? Ele respondeu: Que paz, enquanto perduram as
prostituições de tua mãe Jezabel e as suas muitas feitiçarias? Então, Jorão voltou
as rédeas, fugiu e disse a Acazias: Há traição, Acazias! Mas Jeú entesou o seu
arco com toda a força e feriu a Jorão entre as espáduas; a flecha saiu-lhe pelo
coração, e ele caiu no seu carro. Então, Jeú disse a Bidcar, seu capitão: Toma-o,
lança-o no campo da herdade de Nabote, o jezreelita; pois, lembra-te de que, indo

16
eu e tu, juntos, montados, após Acabe, seu pai, o SENHOR pronunciou contra ele
esta sentença: Tão certo como vi ontem à tarde o sangue de Nabote e o sangue
de seus filhos, diz o SENHOR, assim to retribuirei neste campo, diz o SENHOR.
Agora, pois, toma-o e lança-o neste campo, segundo a palavra do SENHOR. À
vista disto, Acazias, rei de Judá, fugiu pelo caminho de Bete-Hagã; porém Jeú o
perseguiu e disse: Feri também a este; e o feriram no carro, à subida de Gur, que
está junto a Ibleão. E fugiu para Megido, onde morreu. Levaram-no os seus
servos, num carro, a Jerusalém e o enterraram na sua sepultura junto a seus pais,
na Cidade de Davi (2Rs 9.21-28).

Então temos através da espada de Jeú a morte de dois reis. No mesmo


dia, Jeú aniquila dois poderes de uma nação. Logo em seguida, Jeú vai até a
cidade de Jezreel atrás da rainha do Norte. A tão temível Jezabel. Ela é lançada
pelos próprios eunucos do seu palácio. Após isso, Jeú a atropela com seu carro
e cavalos. Nada sobra desta maligna mulher, se não ossos, pois foi devorada
por cães e cumprindo a palavra do profeta Elias: “Foram para a sepultar; porém
não acharam dela senão a caveira, os pés e as palmas das mãos. Então,
voltaram e lho fizeram saber. Ele disse: Esta é a palavra do SENHOR, que falou
por intermédio de Elias, o tesbita, seu servo, dizendo: No campo de Jezreel, os
cães comerão a carne de Jezabel. O cadáver de Jezabel será como esterco
sobre o campo da herdade de Jezreel, de maneira que já não dirão: Esta é
Jezabel” (2Rs 9.30-37). Após isso, Jeú continua exterminando a casa de Acabe.
Setenta filhos são mortos pelos próprios chefes da cidade. As cabeças são
cortadas e enviada a Jeú que permanece em Jezreel. Jeú pega as cabeças e as
empilha na frente da cidade em dois montões. Em seguida encontra todos os
contatos do rei Acabe e Jezabel, sacerdotes e conselheiros e os mata. Então
segue para Samaria e no caminho encontra parentes do rei Acazias (Judá). Ele
também os extermina. São quarenta e dois homens (2Rs 10.1-14).

Samaria era a capital do Reino do Norte e é, portanto, um sítio muito importante


para o estudo da arqueologia de Israel no Ferro II em geral, e os dias da dinastia
omrida em particular. No entanto, datar os estratos de Samaria de acordo com a
tipologia cerâmica é, infelizmente, impossível, por causa do local montanhoso e
do caráter das escavações passadas no início do século XX e nos anos de 1940
(FINKELSTEIN p.110, 2015).

Jeú é tão temível e a situação foi tão catastrófica que até os profetas
verdadeiros evitavam ter algum contato. Quando foi ungido. Eliseu envia um dos
discípulos dos profetas. A ordem é: “ungir e fugir”. Após fazer isso, os capitães
de Jeú tentam pegá-lo e o chamam de louco! (2Rs 9.1-13). Esse foi o estrago
que os reis profanos, e mulheres malignas no poder geraram em Israel. Uma
mistura a tal ponto que não se sabia mais reconhecer o certo. Jeú chega em
Samaria e continua a aniquilar a casa de Acabe. Reúne todos os profetas de
Baal e todos os sacerdotes. Engana-os dizendo que servirá o deus de forma
mais intensa que Acabe. Convida a todos para um grande sacrifício: “Consagrai
uma assembléia solene a Baal; e a proclamaram” (2Rs 10.20). Jeú ajuntou a
todos e deixou soldados do lado de fora, caso algum fugisse. Assim termina:
“Sucedeu que, acabado o oferecimento do holocausto, ordenou Jeú aos da sua
guarda e aos capitães: Entrai, feri-os, que nenhum escape. Feriram-nos a fio de
espada; e os da guarda e os capitães os lançaram fora, e penetraram no mais
interior da casa de Baal, e tiraram as colunas que estavam na casa de Baal, e

17
as queimaram. Também quebraram a própria coluna de Baal, e derribaram a
casa de Baal, e a transformaram em latrinas até ao dia de hoje. Assim, Jeú
exterminou de Israel a Baal. Porém não se apartou Jeú de seguir os pecados de
Jeroboão, filho de Nebate, que fez pecar a Israel, a saber, dos bezerros de ouro
que estavam em Betel e em Dã. Pelo que disse o SENHOR a Jeú: Porquanto
bem executaste o que é reto perante mim e fizeste à casa de Acabe segundo
tudo quanto era do meu propósito, teus filhos até à quarta geração se assentarão
no trono de Israel. Mas Jeú não teve cuidado de andar de todo o seu coração na
lei do SENHOR, Deus de Israel, nem se apartou dos pecados que Jeroboão fez
pecar a Israel (2Rs 25-31).

Tendo subido ao trono de Israel por intermédio de sanguinária insurreição,


aparentemente Jeú nunca conseguiu unificar sua nação o bastante para resistir
ao poder de Hazael. É duvidoso que Hazael tenha conseguido reduzir Jeú a um
vassalo sírio; porém, por todo o resto dos dias de Jeú, Israel foi molestado e
perturbado por esse agressivo monarca sírio. Embora Jeú tenha eliminado o
baalismo, não se moldou a lei de Deus. A idolatria continuava prevalecendo de Dã
a Betel – daí o aviso divino de que seus filhos reinariam após ele somente a quarta
geração” (SCHULTZ p.186, 2007).

Voltando os olhos para o reino de Judá, temos a rainha Atalia. Filha de


Jezabel e mãe do rei morto, Acazias. Quando percebe toda a matança através
de Jeú, para se livrar, comete uma atrocidade. Assassina toda a descendência
real. Atalia faz isso para assumir o trono e ao mesmo tempo livrar-se da espada
de Jeú: “Vendo Atalia, mãe de Acazias, que seu filho era morto, levantou-se e
destruiu toda a descendência real da casa de Judá. Mas Jeosabeate, filha do rei,
tomou a Joás, filho de Acazias, e o furtou dentre os filhos do rei, aos quais
matavam, e o pôs e à sua ama numa câmara interior; assim, Jeosabeate, a filha
do rei Jeorão, mulher do sacerdote Joiada e irmã de Acazias, o escondeu de
Atalia, e não foi morto. Joás esteve com eles seis anos na Casa de Deus, e Atalia
reinou no país” (2Cr 22.10-12).

Ocorreu drástica mudança no clima religioso, depois do falecimento de Josafá.


Sendo adepta de Baal, tal como sua mãe, Jezabel, Atalia promoveu essa prática
idólatra em Jerusalém e por todo o Judá. Os objetos consagrados no templo foram
apropriados para servir na adoração a Baal. Matã servia a Baal como sumo
sacerdote, em Jerusalém. Não há que duvidar que o derramamento de sangue e
as perseguições contra o baalismo, no reino do Norte, sob Jeú, fizeram Atalia
tornar-se ainda mais ardorosa no estabelecimento do culto da fertilidade em Judá,
nessa ocasião (SCHULTZ p.193, 2007).

Entretanto, mesmo havendo enorme matança no palácio real, um filho é


salvo. Seu nome é Joás. O menino cresce com o sacerdote Joiada na Casa de
Deus. No sétimo ano, eles ungem o menino rei sobre Judá. A rainha Atalia se
revolta, mas não tem mais força. Então é assassinada diante do povo (2Cr 23.12-
15). O rei Joás é um bom rei enquanto o sacerdote Joiada o aconselha.
Provavelmente, o sacerdote administra o reino e enquanto isso ocorre. Há
restauração e um certo retorno daquilo que YHWH ordenara. Mas quando o
sacerdote morre, o rei Joás passa a ouvir homens ímpios. Seu declínio é tão
horrível que acaba assassinando o próprio filho do sacerdote que cuidou dele.
Poderíamos até pensar ser seu “meio irmão”. Zacarias é morto por transmitir a
palavra do Senhor contra as atrocidades do rei. Por fim, futuramente o rei, acaba

18
sendo assassinado pelos próprios servos (2Cr 24.1-27). Então chegamos ao
reinado de Amazias. Já no início recebemos uma descrição infeliz: “Fez ele o
que era reto perante o SENHOR; não, porém, com inteireza de coração” (2Cr
25.2). Algumas coisas ele fez de benéfico ao reino, entretanto não quis ouvir os
profetas, seguindo para deuses que despertaram a ira de YHWH. Mesmo sendo
reprendido por um profeta. Ameaça-o: “Então, a ira do SENHOR se acendeu
contra Amazias, e mandou-lhe um profeta que lhe disse: Por que buscaste
deuses que a seu povo não livraram das tuas mãos? Enquanto lhe falava o
profeta, disse-lhe o rei: Acaso, te pusemos por conselheiro do rei? Pára com
isso. Por que teríamos de ferir-te? Então, parou o profeta, mas disse: Sei que
Deus resolveu destruir-te, porque fizeste isso e não destes ouvidos ao meu
conselho” (2Cr 25.15,16). No final de sua vida é ser um fugitivo e após isso ser
morto. Neste rei percebemos sua incapacidade de lutar contra toda catástrofe
real que já vinha afundando o reino do Sul. Seu pulso fraco apenas o descreve
como mais um rei manipulável que contribuiu para o declínio de Judá.
Finalmente chegamos ao reinado de Uzias. O rei descrito pelo profeta
Isaias. Há um diferencial. Este rei tem pulso firme e exerce enormes mudanças
em Judá. A descrição do início do seu reinado é positiva: “Propôs-se buscar a
Deus nos dias de Zacarias, que era sábio nas visões de Deus; nos dias em que
buscou ao SENHOR, Deus o fez prosperar” (2Cr 26.5). Deus estava com ele.
Fez inúmeras guerras e alcançou vitórias. Seu nome começou a ser conhecido
e reconhecido: “deram presentes a Uzias, cujo renome se espalhara até à
entrada do Egito, porque se tinha tornado em extremo forte” (26.8). Fez
restauração em Jerusalém e desenvolveu um exército poderoso. Este rei fez
grandes coisas no reino de Judá. Trouxe esperança, mudança e um renovo.
Após tantos acontecimentos brutais na família real. Era sábio, guerreiro e
extremamente forte: “divulgou-se a sua fama até muito longe, porque foi
maravilhosamente ajudado, até que se tornou forte” (26.15). Os historiadores
dos reis de Israel dizem:

Segundo a vontade de Alexandre, desde a época helenística tornou-se costume,


no Ocidente, conceder aos líderes de exceção o atributo de “Grande”. Ora, pelos
seus feitos em muitas áreas do governo, Uzias merece certamente ser chamado
de “Uzias, o Grande (GICHON p.238, 2009).

O autor continua dizendo que Uzias reduziu os filisteus a um estado de


absoluta vassalagem. Para garantir o seu domínio, desmantelou as fortificações
de algumas das suas principais cidades e instalou guarnições judaicas em
cidades e territórios filisteus, construindo fortalezas especiais para as proteger.
A submissão foi praticamente absoluta, pois em outra passagem bíblica (2Rs
14.22) é dito que Uzias “reconstruiu Elat e restituiu-a ao domínio de Judá. Uzias
foi o primeiro rei que instaurou todo um armamento uniformizado para o exército
nacional, ou pelo menos foi o primeiro a mandar registrar o fato. Entre os itens
de armamento mencionados incluem-se armaduras em geral. Podemos deduzir
que cada corpo de tropas envergava uma couraça ou armadura diferente, em
função dos vários tipos de armamento ofensivo e missões. Os membros da
célebre falange judaica poderão ter usado capacete, cota de malha e sandálias
pesadas, a imagem dos seus equivalentes assírios. Um outro componente do
exército de Uzias é digno de menção: a casta hereditária, os “homens valorosos”.
Estes parecem-nos ser, pelo menos em parte, os descendentes da guarda de
elite de Davi, os gibborim (heróis), que recebiam terras do rei, permanentemente

19
ou como feudos, e que formavam uma casta “nobre” que constituía uma espinha
dorsal do exercito – ainda que, por serem proprietários de terras, fizessem mais
parte do “povo em armas” do que dos regulares. Sendo homens de posse,
tinham tempo disponível para se exercitarem nas armas mais diligentemente do
que o cidadão comum. O seu número é plausivelmente colocado em 2.500
famílias, e “sob a sua mão” encontrava-se a leva nacional: “O número total dos
cabeças das famílias, homens valentes, era de dois mil e seiscentos. Debaixo
das suas ordens, havia um exército guerreiro de trezentos e sete mil e
quinhentos homens, que faziam a guerra com grande poder, para ajudar o rei
contra os inimigos” (2Cr 26.12,13), (GICHON p.242,243, 2009).
Com toda a fama que alcançou, trazendo esperança de novamente Judá
reviver a glória que tinham com o rei Davi. Uzias comete o pior erro que um rei
poderia fazer. Permitiu-se o orgulho entrar: “exaltou-se o seu coração para a sua
própria ruína” (26.16). Desta forma, alimentou o desejo que todo rei queria na
antiguidade. Algo totalmente proibido por YHWH. O anseio de alcançar todo o
poder. O poder militar e o poder religioso. Era extremamente vetado isso em
Israel. Os reis não poderiam ter o controle sacerdotal. Mas Uzias suas conquistas
militares para passar por cima dos sacerdotes. Ao tentar fazer o sacrifício, é
contestado por oitenta sacerdotes. Mesmo sendo impedido, resolve não se
submeter e seguir adiante para aquilo que desejava realizar. Seu caminho de
enfrentamento contra as ordens de Javé o faz ter um final deprimente. A ira de
Deus cai sobre ele com uma doença terrível:

Porém o sacerdote Azarias entrou após ele, com oitenta sacerdotes do SENHOR,
homens da maior firmeza; e resistiram ao rei Uzias e lhe disseram: A ti, Uzias, não
compete queimar incenso perante o SENHOR, mas aos sacerdotes, filhos de
Arão... Então, Uzias se indignou; tinha o incensário na mão para queimar incenso;
indignando-se ele, pois, contra os sacerdotes, a lepra lhe saiu na testa perante os
sacerdotes, na Casa do SENHOR, junto ao altar do incenso. Então, o sumo
sacerdote Azarias e todos os sacerdotes voltaram-se para ele, e eis que estava
leproso na testa, e apressadamente o lançaram fora; até ele mesmo se deu pressa
em sair, visto que o SENHOR o ferira. Assim, ficou leproso o rei Uzias até ao dia
da sua morte; e morou, por ser leproso, numa casa separada, porque foi excluído
da Casa do SENHOR (2Cr 26.16-23).

A descrição dos reis anteriores no leva para um nível de estarrecimento. A


cada família real, um grau mais calamitoso surgia na nação. Obviamente se isso
ocorria nos palácios reais, imagine a influência que isso geraria na nação.
Famílias eram destruídas por causa da falta de temor que as famílias reais
representavam. Os profetas sempre combateram essa representatividade. Se
observarmos, muito da atuação dos profetas estava destinada aqueles que
estavam no poder. Influenciando as autoridades, haveria maior chance de
ocorrer grandes mudanças sociais. Brueggmann comenta que “especificamente,
a emergência da mediação profética em Israel ocorre caracteristicamente na
presença do poder real e em reação a ele. No período pré-exílico, os profetas
regularmente têm encontros com reis, os quais são considerados como
encarregados por Javé de grandes responsabilidades, e que caracteristicamente
tem falhado em sua implementação. Elias (IRs 18.1,17; 21,17) e Micaías (IRs
22.8) são justapostos a Acabe, no século IX. Isaías, no século VIII, lida por sua
vez com Acaz (Is 7.3-17) e Ezequias (Is 37.1-7). Amós tem seu “encontro
privado” com Amazias, sacerdote de Jeroboão (Am 7.10-17), e Jeremias precisa

20
lidar com Zedequias (Jr 37-38)” (p.808, 2014). Desta forma parecia que Isaías
tinha alcançado o objetivo. Aparentemente havia uma mudança na família real.
Sem assassinatos. Iniciando uma restauração no Templo e na cidade de
Jerusalém. Mas então tudo se torna ruinas por causa do orgulho do rei. Um
homem que todos depositavam esperanças. Por isso o profeta declara: “No ano
da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”.
Na verdade, o que o profeta está dizendo é: “No ano que morreu o rei, eu vi o
Rei dos reis! No ano que morreu nossa esperança, eu vi a verdadeira esperança!
No ano que morreu aquele que depositamos nossa confiança, eu vi assentado
no trono o Único que podemos confiar!”. Era exatamente isso que Isaías estava
relatando na sua visão. Os profetas entenderam que só através de Javé toda a
terra é preenchida por toda a Sua glória: “Santo, santo, santo é o SENHOR dos
Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” (6.3). Há um enorme contraste
revelado por Deus nesta visão ao profeta. Nessa discordância não há conversa.
YHWH está enfatizando: “Eu sou Santo, o meu Reino é Santo, o meu Governo
é Santo e tudo que for contrário a este padrão é profano”. Quando o Navi’
enxerga o modelo de Deus, consequentemente reconhece a referência que
estava vivendo. O tipo de reino que representava: “Então, disse eu: ai de mim!
Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo
de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!” (6.5).
Por que os profetas combatem os reis, se levantam contra os líderes, se
posicionam contra todo governo injusto? Por que são partidários? Possuem
interesse tribal? Não! Eles o fazem, porque viram o padrão celestial inegociável
de YHWH.

No versículo 6, o serafim se aproxima de Isaías, trazendo uma brasa viva na mão;


no 7, toca-lhe a boca com a brasa para simbolizar que Isaías recebera a graça
perdoadora de Deus. Ele é declarado santo pelo Deus santo; daí em diante, a vida
do profeta tem de ser vivida para a glória de Deus. Isaías não se fez santo; Deus
o declarou santo. Depois de perdoar a impureza de Isaías, Deus o escolhe para
falar praticamente ao impuro Israel, comissionando-o como profeta. Isaías é
alguém que reverencia Deus e, portanto, reflete a santidade divina, o que resulta
em sua restauração e nomeação como profeta (BEALE p.38,39-2008).

Assim, tornam-se agentes incansáveis para mostrar que não há aliança


entre o Senhor e o padrão humano de pecado. Como diz Tozer: “Coisa terrível
é a ideia atual de que os cristãos podem servir a Deus do jeito deles”. Não é só
servir, mas servir do jeito que Ele quer. Não é só adorar, mas adorar da forma
que Ele deseja. Os profetas veem a adoração sendo feita a Javé e nunca
aceitariam os homens fazendo de uma maneira incompleta, errada, diferente e
relaxada: “Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos”. Os profetas
conhecem a linha da intercessão que toca o coração de Deus. Assim seguiram
Abraão, Moisés, Isaías, Jeremias, Daniel, Habacuque e outros. Eles conhecem
o Senhor e assim clamam segundo o coração de Deus. Quando respondem:
“Eis-me aqui”. Não é, estou aqui para entrar em acordo com Sua vontade. Estou
disponível, porém irei avaliar sua posição. Não! Estou aqui, porque Seu padrão
é o único padrão perfeito, vivo, justo e eterno. Me submeto e por ele irei lutar e
servir. Por essa causa Oséias é chamado de louco e insensato (9.7):

Jeremias, de traidor da pátria. Em outros casos eles se veem perseguidos. Elias


precisa fugir do rei em muitas ocasiões; Miqueias filho de Jemla acaba no cárcere;

21
Amós é expulso do Reino do Norte; Jeremias passa vários meses de sua vida na
prisão; o mesmo acontece com Hanani. E no caso extremo chega-se à morte: é o
destino dos profetas no tempo de Acabe e Jezabel; também Urias é assassinado
e jogado na fossa comum (Jr 26,20-23). Esta perseguição não é feita só pelos reis
e pelos poderosos; nela intervêm também os sacerdotes e os falsos profetas.
Inclusive o povo se volta contra eles, os critica, despreza e persegue (DÍAZ, Luís
Sicre).

Mas mesmo assim, Javé assegura os seus profetas. Pois aquilo que
pronunciam, firma-se na força dos céus. Os homens irão ouvir e não respeitar.
Provavelmente lutarão contra. Farão de tudo para tentar mudar as palavras
desagradáveis dos profetas para palavras aprazíveis aos seus corações
doentios. Mas os profetas são fiéis a YHWH. Preferem a morte do que vender-
se. Preferem a tortura a manipular a palavra profética. Apenas assim são
mantidos pela força de Deus:

Quanto a ti, ó filho do homem, os filhos do teu povo falam de ti junto aos muros e
nas portas das casas; fala um com o outro, cada um a seu irmão, dizendo: Vinde,
peço-vos, e ouvi qual é a palavra que procede do SENHOR. Eles vêm a ti, como
o povo costuma vir, e se assentam diante de ti como meu povo, e ouvem as tuas
palavras, mas não as põem por obra; pois, com a boca, professam muito amor,
mas o coração só ambiciona lucro. Eis que tu és para eles como quem canta
canções de amor, que tem voz suave e tange bem; porque ouvem as tuas
palavras, mas não as põem por obra. Mas, quando vier isto e aí vem, então,
saberão que houve no meio deles um profeta (Ez 33.30-33).

O próprio Javé diz que quando acontecer aquilo relatado pela boca dos
profetas, como de fato acontecerá. Saberão que havia um profeta do meio deles.
Assim o Senhor firma a Sua palavra por meios dos seus servos. Os profetas.
Hamilton comenta: “Um intercessor é alguém que faz “contato” com Deus, ao
contrário de muitos cuja oração não passa de brincadeira” (V.P.H p.1199). Assim
podemos descrever o profeta Isaias. Um advogado em prol da vontade de YHWH
para seu povo. Porém, um mediador profético apontando para o perfeito
mediador divino. Onde os profetas surgem? Qual o momento específico de sua
proclamação? Por que aparecem? Qual a finalidade? APONTAR PARA O
FILHO! Pense comigo: que homem em sã consciência colocaria seu destino e
sua eternidade para se por diante da ira de um Deus. Que tipo de homem ousaria
persistir em súplicas para tentar salvar um povo já condenado. A resposta é
simples. São os profetas de YHWH. Assim proclamam misericórdia para pessoas
que se apressam para viver em iniquidades: “Eis que a mão do SENHOR não
está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não
poder ouvir” (Is 59.1). Mas o modo de vida destas pessoas causa enorme
separação com Deus: “Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e
o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos
não ouça” (59.2). A prática do mal é tão normal que não há ninguém desejando
justiça: “Ninguém há que clame pela justiça, ninguém que compareça em juízo
pela verdade; confiam no que é nulo e andam falando mentiras; concebem o mal
e dão à luz a iniquidade” (59.4). Na verdade, vivem de maneira contrária. Ao
invés de buscarem justiça, se apressam para praticar maldades: “Os seus pés
correm para o mal, são velozes para derramar o sangue inocente; os seus
pensamentos são pensamentos de iniquidade; nos seus caminhos há desolação
e abatimento” (59.7).Em todo lugar, em qualquer ambiente, não há vestígios de

22
intercessão, clamor e arrependimento. Então o próprio Senhor se levanta para
bradar:

Viu que não havia ajudador algum e maravilhou-se de que não houvesse um
intercessor; pelo que o seu próprio braço lhe trouxe a salvação, e a sua própria
justiça o susteve. Vestiu-se de justiça, como de uma couraça, e pôs o capacete
da salvação na cabeça; pôs sobre si a vestidura da vingança e se cobriu de zelo,
como de um manto. Segundo as obras deles, assim retribuirá; furor aos seus
adversários e o devido aos seus inimigos; às terras do mar, dar-lhes-á a paga.
Temerão, pois, o nome do SENHOR desde o poente e a sua glória, desde o
nascente do sol; pois virá como torrente impetuosa, impelida pelo Espírito do
SENHOR. Virá o Redentor a Sião e aos de Jacó que se converterem, diz o
SENHOR. Quanto a mim, esta é a minha aliança com eles, diz o SENHOR: o meu
Espírito, que está sobre ti, e as minhas palavras, que pus na tua boca, não se
apartarão dela, nem da de teus filhos, nem da dos filhos de teus filhos, não se
apartarão desde agora e para todo o sempre, diz o SENHOR (Is 59.16-21).

O Senhor ruge através dos seus profetas apontando para o mediador


eterno. Seu Filho amado. Os profetas são este sinal. O apontamento profético
destina para a obra de Jesus. Antes de Cristo apontavam para sua primeira
vinda. Agora apontam para a sua volta. Por isso os profetas não desistem,
porque o Filho nunca irá renunciar o mundo. Os profetas não oram por
partidarismo. Os profetas não clamam por ter algum interesse familiar. Os
intercessores não se posicionam porque há valor tribal envolvido. Os profetas
vigiam porque assim o Filho faz. Eles são um sinal profético daquilo que Jesus
faria.

Deve ser acrescentado neste ponto que a profecia de Isaías, além de incorporar
eventos do período de 680-536 a.C., também contém referencias a grandes
acontecimentos espirituais, nacionais e internacionais, além desse tempo. Ele
profetizou a respeito da vinda de Jesus Cristo, seu reino desde o tempo de sua
ascensão à eternidade, e a inclusão das nações no povo do pacto de Yahweh (Is
2.1-4; 11.10,11; 19.23-25). Essas profecias não eram expressões proféticas
surgidas de expectativas e esperanças de um povo atribulado; ao contrário, eram
profecias reveladas por Yahweh para Isaías proclamar. Elas se tornaram a razão,
a fonte e a base para as esperanças do povo ou para as expectativas messiânicas
(GRONINGEN p.491 2018).

Desta forma podemos entender o profeta Jeremias. Não haveria lógica para
um homem orar por um povo assumidamente rebelde contra YHWH. Eles tinham
seus profetas (falsos), seus sacerdotes (falsos), apoio real e ainda incentivo do
povo. Além de haver rejeição com o profetismo real, Jeremias era perseguido e
torturado. Para ajudar, o próprio Deus estava decidido em destruir o povo. Suas
ordens são para que Jeremias parasse de clamar. Porém, ele continua. Por quê?
Porque o Filho jamais desistiria:

Tu, pois, não intercedas por este povo, nem levantes por ele clamor ou oração,
nem me importunes, porque eu não te ouvirei. Acaso, não vês tu o que andam
fazendo nas cidades de Judá e nas ruas de Jerusalém? Os filhos apanham a
lenha, os pais acendem o fogo, e as mulheres amassam a farinha, para se fazerem
bolos à Rainha dos Céus; e oferecem libações a outros deuses, para me
provocarem à ira. Acaso, é a mim que eles provocam à ira, diz o SENHOR, e não,
antes, a si mesmos, para a sua própria vergonha? Portanto, assim diz o SENHOR

23
Deus: Eis que a minha ira e o meu furor se derramarão sobre este lugar, sobre os
homens e sobre os animais, sobre as árvores do campo e sobre os frutos da terra;
arderá e não se apagará (Jr 7.16-20).

A ordem era clara para Jeremias. Cessar de orar pelo povo. Note a
descrição do porquê Deus disse isso. Não eram só homens envolvidos na afronta
contra YHWH. Eram famílias. Este é o nível mais decadente. Pois toca no
fundamento de uma sociedade. Na história de Israel houve momentos em que
reis estavam contra YHWH. Suas famílias eram o terror de um povo. Também
percebemos que os líderes estavam envolvidos. Assim, tanto chefes como
homens influentes em Israel tornavam-se alvo da justiça divina. Entretanto,
mesmo ocorrendo estes níveis de declínio, a base social que podemos apontar,
seriam as famílias. Boa parte estava sendo influenciada pelos profetas. Por isso
tínhamos Samuel percorrendo as tribos e julgando-as. A escola de profetas no
tempo de Elias e Eliseu. Essa escola estava separada do reino de Israel durante
a dinastia de Acabe e Jezabel.

O profeta Samuel é um dos mais ilustres, em razão do seu ministério de mediação


entre Yahweh e o povo desde bem cedo em sua vida, e também do papel de
embaixador de Deus para estabelecer o reino. Mas o seu grande legado é a escola
de profetas que aparentemente fundou, e cujos membros, tais como Natã e Gade,
eventualmente apareciam para anunciar a palavra de Deus aos reis sob quem
serviam. Embora seja difícil saber até que ponto os profetas foram organizados
formalmente sob Samuel, está claro que apareciam em grupos ou bandos, e
participavam de um estilo de vida comunitário. Entretanto, grande parte deles
parecia viver isolada, agindo conforme a orientação do Espírito de Deus (MERRIL
p.401, 2018)

Então, por um tempo, as famílias de Israel eram muito influenciadas pelos


profetas. Diferentemente no tempo de Jeremias. Aqui o próprio Deus está
dizendo. A base social. O fundamento de Israel agora foi abalado. Chegaram a
um grau aterrorizador. Então o Senhor proíbe o profeta de clamar: “Assim diz o
SENHOR sobre este povo: Gostam de andar errantes e não detêm os pés; por
isso, o SENHOR não se agrada deles, mas se lembrará da maldade deles e lhes
punirá o pecado. Disse-me ainda o SENHOR: Não rogues por este povo para o
bem dele. Quando jejuarem, não ouvirei o seu clamor e, quando trouxerem
holocaustos e ofertas de manjares, não me agradarei deles; antes, eu os
consumirei pela espada, pela fome e pela peste” (14.10-12). Era inevitável. A
justiça viria. O Senhor se vingaria. Mas também era preciso. O profeta
continuaria clamando. O Navi’ permaneceria declarando os oráculos de Javé. Os
profetas gritam as misericórdias de Deus. Os profetas falam da justiça de YHWH.
Eles veem o futuro de um Cordeiro que virá para remir o seu povo. Eles
enxergam a volta de um Leão que trará justiça eterna: “Ele foi oprimido e
humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e,
como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca” (Is 53.7).
Na proclamação profética esta a esperança, a misericórdia, o amor, o renovo, as
mudanças e a vinda do Filho que vem para remir e salvar o seu povo. Assim os
profetas contemplam a entrega do Filho Jesus. Seu sofrimento em prol do povo
escolhido. Os profetas sofrem porque haverá um sofrimento futuro. Os profetas
são perseguidos e permanecem fiéis, porque viram o Cordeiro ser morto e
alcançar vitória sobre os inimigos. Enquanto os profetas caminham pelo âmbito

24
do sofrimento, da calunia, da revolta, da vergonha e perseguições por causa da
mensagem que proclamam. Os profetas também são levados a ver a glória na
volta do Filho. É o acerto de contas. É o cumprimento de toda justiça do Pai
sendo realizada pelo Rei dos reis. Neste momento YHWH levanta a cabeça dos
seus profetas para verem tamanho poder que descerá sobre a terra. Então os
profetas gritam. Os profetas ousadamente correm para a mais alta torre e
berram. Tocam as trombetas. Estufam os peitos e bradam corajosamente em
uma só voz: “Amós harmoniza, no final, o rugido do Leão com a voz do profeta
(3.8); a sua própria voz clama, em nome de Deus, que o povo o ouça antes que
seja tarde demais” (MOTYER p.11, 1991)

O SENHOR rugirá de Sião e de Jerusalém fará ouvir a sua voz... Rugiu o leão,
quem não temerá? Falou o SENHOR Deus, quem não profetizará?... Portanto,
assim diz o Senhor, o SENHOR, Deus dos Exércitos: Em todas as praças
haverá pranto; e em todas as ruas dirão: Ai! Ai! E ao lavrador chamarão para o
pranto e, para o choro, os que sabem prantear. Em todas as vinhas haverá
pranto, porque passarei pelo meio de ti, diz o SENHOR. Ai de vós que desejais
o Dia do SENHOR! Para que desejais vós o Dia do SENHOR? É dia de trevas
e não de luz. Como se um homem fugisse de diante do leão, e se encontrasse
com ele o urso; ou como se, entrando em casa, encostando a mão à parede,
fosse mordido de uma cobra. Não será, pois, o Dia do SENHOR trevas e não
luz? Não será completa escuridão, sem nenhuma claridade?... Porque o
Senhor, o SENHOR dos Exércitos, é o que toca a terra, e ela se derrete, e
todos os que habitam nela se enlutarão; ela subirá toda como o Nilo e abaixará
como o rio do Egito. Deus é o que edifica as suas câmaras no céu e a sua
abóbada fundou na terra; é o que chama as águas do mar e as derrama sobre
a terra; SENHOR é o seu nome. Não sois vós para mim, ó filhos de Israel,
como os filhos dos etíopes? -- diz o SENHOR. Não fiz eu subir a Israel da terra
do Egito, e de Caftor, os filisteus, e de Quir, os siros? Eis que os olhos do
SENHOR Deus estão contra este reino pecador, e eu o destruirei de sobre a
face da terra; mas não destruirei de todo a casa de Jacó, diz o SENHOR.
Porque eis que darei ordens e sacudirei a casa de Israel entre todas as nações,
assim como se sacode trigo no crivo, sem que caia na terra um só grão. Todos
os pecadores do meu povo morrerão à espada, os quais dizem: O mal não nos
alcançará, nem nos encontrará. Naquele dia, levantarei o tabernáculo caído de
Davi, repararei as suas brechas; e, levantando-o das suas ruínas, restaurá-lo-ei
como fora nos dias da antiguidade; para que possuam o restante de Edom e
todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o SENHOR, que faz
estas coisas. Eis que vêm dias, diz o SENHOR, em que o que lavra segue logo
ao que ceifa, e o que pisa as uvas, ao que lança a semente; os montes
destilarão mosto, e todos os outeiros se derreterão. Mudarei a sorte do meu
povo de Israel; reedificarão as cidades assoladas e nelas habitarão, plantarão
vinhas e beberão o seu vinho, farão pomares e lhes comerão o fruto. Plantá-
los-ei na sua terra, e, dessa terra que lhes dei, já não serão arrancados, diz o
SENHOR, teu Deus” (1.2; 3.8; 5.16-20; 9.5-11).

25
Bibliografia:

BEALE. G. K. Você se torna aquilo que adora. Vida Nova. São Paulo: 2008
BLOCK. Daniel. I. O evangelho segundo Moisés. Cultura Cristã. São Paulo: 2017
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