Tese - Nivea Silva Vieira

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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NÍVEA SILVA VIEIRA

HEGEMONIA DO CAPITAL FINANCEIRO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: a


atuação do Itaú Unibanco na política educacional

Rio de Janeiro/ RJ
Março 2019
HEGEMONIA DO CAPITAL FINANCEIRO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:
a atuação do grupo Itaú Unibanco na política educacional

NÍVEA SILVA VIEIRA

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PPGE-UFRJ), na linha de pesquisa Estado- Trabalho-
Educação e Movimentos Sociais.

Orientadora Vânia Motta

2019
RESUMO

VIEIRA, Nívea Silva. Hegemonia do capital financeiro: a atuação do Itaú Unibanco na


política educacional. Rio de Janeiro, 2019. 286 p. Tese (Doutorado em Educação) -
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

Esta tese investiga a participação ativa da holding Itaú Unibanco, através da Fundação Itaú
Social e do CENPEC, na formulação e difusão de um modelo específico de educação de
tempo integral, materializado no Programa Mais Educação, instituído em 2007 e reformulado
em 2016. Ao longo de suas trajetórias, a Fundação Itaú Social e o CENPEC imprimiram os
interesses da fração financeira nas políticas educativas escolares, demonstrando ser um dos
mais importantes Aparelhos Privados de Hegemonia na organização do ativismo empresarial
neste campo. Ambos os aparelhos cumpriram a função histórica de formação da consciência
de sua própria classe e elaboração de estratégias para conquistar a adesão da classe
trabalhadora e frear a materialização de seu projeto de sociedade. A presente tese analisa os
produtos de divulgação dos aparelhos, relatórios institucionais, materiais pedagógicos e
documentos produzidos pelas entidades e por seus intelectuais orgânicos, além de documentos
produzidos por agências governamentais. O recorte temporal do trabalho abrange o momento
da fundação do CENPEC, em 1987, e o ano de 2016, que demarca a reformulação do
programa Mais Educação. Sob a luz do referencial teórico metodológico desenvolvido pelo
marxista italiano Antônio Gramsci, buscou-se compreender a habilidade das entidades em
organizar a atuação das diferentes frações do capital e das frações adversárias na sociedade
civil, e a capacidade do complexo pedagógico em materializar o projeto de educação escolar
do capital financeiro na sociedade política. Concluiu-se que a holding Itaú Unibanco obteve
êxito em educar a sociedade a partir dos princípios do projeto social liberal e em definir e
redefinir a política de expansão do tempo escolar em nível nacional, na atualidade.

Palavras-Chave: Capital Financeiro - Estado ampliado -Política Educacional


ABSTRACT

VIEIRA, Nívea Silva. Hegemony of the financial capital: the action of Itaú Unibanco in
the educational policy. Rio de Janeiro, 2019. 286 p. Thesis (Doctorate in Education) -
Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

This thesis investigates the active participation of the Itaú Unibanco holding company,
through Fundação Itaú Social and CENPEC, in the formulation and diffusion of a specific
model of full-time education, materialized in the More Education Program, instituted in 2007
and reformulated in 2016. Throughout of its trajectories, Fundação Itaú Social and CENPEC
have impressed the interests of the financial fraction in school education policies, proving to
be one of the most important Private Hegemonic Devices in the organization of business
activism in this field. Both apparatuses fulfilled the historical function of forming the
consciousness of their own class and devising strategies to win the adhesion of the working
class and to curb the materialization of their project of society. This thesis analyzes the
products of the apparatus, institutional reports, pedagogical materials and documents
produced by the entities and their organic intellectuals, as well as documents produced by
government agencies. The temporal cut of work covers the time of the foundation of
CENPEC in 1987 and the year 2016, which marks the reformulation of the More Education
program. In the light of the theoretical methodological framework developed by the Italian
Marxist Antônio Gramsci, the aim was to understand the ability of entities to organize the
performance of the different fractions of capital and opposing fractions in civil society, and
the capacity of the pedagogical complex to materialize the project of school education of
financial capital in political society. It was concluded that the Itaú Unibanco holding company
succeeded in educating society from the principles of the liberal social project and in defining
and redefining the policy of expanding school time at the national level, at the present time.

Key Words: Financial Capital - Expanded State - Educational Policy


Agradecimentos

Esta tese é um trabalho coletivo feito por mim e todos que os que contribuíram com
orientações diretas, estudos coletivos, reflexões, palavras amigas ou com o acolhimento de
minha pequena.
Agradeço à minha querida orientadora, Vania Motta, pela orientação, humanidade e
pela peculiar gentileza que tornou este percurso mais leve e mais seguro. Vânia, não é
possível expressar aqui o tamanho de minha felicidade em trabalhar com você. Gostaria de
deixar registrado que foi fundamental para a conclusão desta tese a sua demonstração de
confiança em meu trabalho e sua orientação de grande qualidade.
Agradeço a todos os membros desta banca de avaliação, que foram escolhidos em
função da qualidade de seus trabalhos, do profundo conhecimento do referencial teórico-
metodológico adotado nesta investigação e pelo compromisso com um projeto de educação
verdadeiramente emancipador. Ao Professor Frederico Loureiro, agradeço pela rica reflexão
teórica realizada em suas aulas e pelas contribuições feitas durante a qualificação desta tese. À
professora Sônia Mendonça, agradeço por socializar seu roteiro de investigação, por meio de
seus trabalhos e pelos apontamentos feitas durante a qualificação. À professora Virgínia
Fontes, agradeço pela orientação coletiva que realiza por meio de sua produção bibliográfica e
através dos muitos debates que participa. Ao professor Rodrigo Castelo, agradeço pelas
reflexões socializadas nos encontros de grupo de estudos sobre a obra de Antonio Gramsci.
Agradeço a todos os companheiros do grupos de estudos GIEP e “Gramsci na
Baixada” pelas agradáveis manhãs de sábado em que debatemos a obra de Gramsci e
tomamos um delicioso café da manhã. Agradeço também aos meus colegas de trabalho da
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, da UERJ, que por longos anos vêm
resistindo ao projeto de desmonte da universidade pública e lutado por uma educação de
qualidade socialmente referenciada na Baixada Fluminense.
Agradeço a minha família − pai, mãe, irmão e cunhada, por entenderem este
longuíssimo tempo em que mantive a casa fechada. Sim, novos tempos virão! A maioria dos
livros será arrumada nas estantes, as cadeiras e mesas terão a função tradicional e as portas se
abrirão com mais frequência. Amo muito todos vocês! Agradeço também à família de meu
companheiro, por ajudar na tarefa de tornar a vida da minha filha mais divertida.
Agradeço ao Rodrigo Lamosa, pelo amor, carinho e por todo tipo de incentivo em
todos os trabalhos que realizo. Não é possível descrever quantas vezes enxugou minhas
lágrimas, cuidou dos meus cansaços físico e mental e disse: “Vamos Juntos”! Foram muitos
momentos de ansiedade e tensão e outros muitos de estudo, alegria e amor.
Finalmente, agradeço a minha pequena Rosa, que sabe a dor e a delícia de ter uma mãe
“professora e escritora”. Com toda a sabedoria e pureza infantil, Rosa sempre afaga esta mãe
atarefada com as palavras: “mãe, faz do seu jeitinho”!
LISTA DE SIGLAS

CAPES  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CENPEC  Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária

CEPAL Comissão Econômica para América Latina e Caribe

COLEMARX Coletivo de Estudos Marxistas

CUT  Central Única dos Trabalhadores

FMI  Fundo Monetário Internacional

ISEB  Instituto Superior de Estudos Brasileiros

LIEAS  Laboratório de Investigação em Estudos Ambientais

MARE  Ministério da Administração da Reforma do Estado

MEC  Ministério da Educação

PMDB  Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PME  Programa Mais Educação

PSDB  Partido da Social-Democracia Brasileira

PT  Partido dos Trabalhadores

OCDE  Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico

ONG  Organização não Governamental

OS  Organização Social

OSCIP  Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

ONU  Organização das Nações Unidas

UERJ  Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFRJ  Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFF  Universidade Federal Fluminense

UFRRJ  Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

UNIFESP  Universidade Federal de São Paulo


UNDIME  União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNICEF  Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNESCO  United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

CONSED  Conselho Nacional de Secretário de Educação


LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Estratificação das funções intelectuais..................................................................100


Quando 2- Empréstimos do Banco Mundial por setor – 1961-82..........................................100
Quadro 3- Brasil, maiores bancos de investimentos, financeiras, e instituições de crédito
imobiliário dez. 1980, por empréstimo...................................................................................103
Quadro 4- estrutura acionárias do conglomerado Itaú –Unibanco em 31 de março de
2017.........................................................................................................................................108
Quadro 5-Conselho Administrativo do Instituto Itaú Cultural 2011, 2013,
2015:.......................................................................................................................................114
Quadro 6-Diretoria do Instituto Unibanco (2016) .................................................................116
Quadro 7-Conselho Curador da Fundação Itaú Social...........................................................124
Quadro 8- Campos do “Ativismo Social” do Itaú Unibanco..................................................138
Quadro 9 -Grandes temas da reforma educativa na América Latina......................................168
Quadro 10: Estrutura organizativa do CENPEC.....................................................................175
Quadro 11-Conselho Administrativo do CENPEC em 2016..................................................178
Quadro 12 -Intelectuais orgânicos do CENPEC.....................................................................183
Quadro 13-Parceiros do CENPEC na Sociedade Civil 1988-2006............................187
Quadro14: Resumo do Livro: Muitos lugares para aprender (2003)..................................... 209
Quadro 15-Definição do conceito “Comunidade da Aprendizagem”.....................................214
Quadro16- Resumo do livro Cadernos do Cenpec – “Educação Integral”............................217
Quadro17- Resumo do Livro: Tecendo redes sobre educação integral..................................223
Quadro 18-Resumo do Livro: Comunidade Integrada: A cidade das Crianças......................235
Quadro 19- Projetos de referência para o Programa Mais Educação.....................................241
Quadro 20-Resumo do caderno: Gestão Interssetorial do
território..................................................................................................................................243
Quadro 21-Resumo do livro Educação Integral – Texto Referência para o Debate
Nacional..................................................................................................................................245
Quadro22-Resumo do Caderno: Redes de Saberes Mais Educação.......................................250
Quadro 23- Organização do currículo do Programa Mais Educação......................................255
Figura 1- Investimento Social do grupo Itaú (1993-2016) ...................................................126
Figura 2 - Mapa da atuação da Fundação Itaú Social/CENPEC/UNICEF sobre o campo da
educação de tempo integral....................................................................................................206
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14

1-HEGEMONIA, CLASSE SOCIAL E APARELHO PRIVADO DE HEGEMONIA NO


SÉCULO XXI..........................................................................................................................26
1.1-A ampliação do Estado e da Sociedade Civil na concepção de Antonio
Gramsci....................................................................................................................................26
1.2-Hegemonia da classe: domínio e direção...........................................................................30
1.3-O papel do Intelectual no exercício da hegemonia............................................................35
1.4-Os Aparelhos Privados de Hegemonia e a conformação social........................................ 38

2-O MOVIMENTO DE RECOMPOSIÇÃO BURGUESA: A CONSTRUÇÃO DO


BLOCO HISTÓRICO GERENCIALISTA/NEOLIBERAL.............................................43
2.1-Antecedentes: formação e crise do bloco histórico fordista/keyneisiano..........................43
2.2-A construção do bloco histórico neoliberal ......................................................................50
2.3- Fissuras no Bloco histórico neoliberal e o segundo movimento da recomposição
burguesa...................................................................................................................................64
2.4-A recomposição burguesa no Brasil..................................................................................86

3- O PROJETO DE EDUCAÇÃO DO CAPITAL FINANCEIRO...................................95


3.1- A mundialização da economia..........................................................................................96
3.2-A organização do consenso na sobre a educação escolar na periferia do
capitalismo...............................................................................................................................99
3.3- O crescimento econômico do grupo Itaú........................................................................101
3.4- O crescimento econômico do grupo Unibanco...............................................................105
3.5- A formação da holding Itaú e a incursão sobre a “questão social”.................................106
3.6- Os Aparelhos Privados de Hegemonia da holding Itaú Unibanco................................. 109
3.6.1- Instituto Moreira Salles: ..............................................................................................110
3.6.2- Instituto Itaú Cultural...................................................................................................112
3.6.3- Instituto Unibanco........................................................................................................115
3.7- A fundação Itaú Social ...................................................................................................121
3.7.1-A construção da “nova cultura do voluntariado”..........................................................127
3.7.2- A educação como campo estratégico da “ação social empresarial”............................ 137
3.7.3- A promessa de autonomia escolar............................................................................... 139
3.7.4- O princípio da “responsabilização por resultados” e a desresponsabilização dos
governos sobre a escola pública..............................................................................................141
3.7.5- O sistema de apoio presencial dos professores: projeto de controle mais eficaz do
trabalho docente......................................................................................................................144
3,7.6- Estratégias para conquistar a adesão das famílias........................................................146
3.7.7- A legitimação da precarização do trabalho docente.....................................................148
3.7.8- Escola Charter: a menina dos olhos da Fundação Itaú Social......................................150

4-CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E AÇÃO


COMUNITÁRIA: o mais importante aparelho pedagógico da holding Itaú
Unibanco............................................................................................................................... 154

4-1-Marcos histórico do CENPEC: da função à construção da hegemonia na sociedade civil e


no Estado ampliado................................................................................................................154
4.2-O CENPEC e a incursão sobre as políticas educativas....................................................161
4.3- A hegemonia nas políticas educativas do século XXI....................................................169
4.4- Os intelectuais orgânicos do CENPEC.........................................................................174
4.5- Alianças para o equilíbrio instável: parceiros e financiadores........................................186

5-A POLÍTICA EDUCACIONAL DOS BANQUEIROS.................................................195


5.1- A construção da agenda de expansão do tempo escolar no interior da Fundação Itaú
social e do CENPEC................................................................................................ ..............196
5.2- Ações da Fundação Itaú Social e do CENPEC para a organização do consenso na
sociedade sobre a ampliação do tempo escolar.......................................................................206
5.3- A inserção do capital financeiro na política municipal ampliação do tempo
escolar.....................................................................................................................................234
5.4-A hegemonia do capital financeiro na política nacional de expansão do tempo escola; uma
análise do Programa Mais Educação......................................................................................238
5.5-As orientações práticas para o funcionamento do Programa Mais Educação..................254
5.6- O capital financeiro avalia o Programa Mais Educação e redefine as diretrizes do
Programa de fomento a ampliação do tempo escolar............................................................ 261
CONSIDERAÇOES FINAIS.............................................................................................. 268
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 277
14

INTRODUÇÃO

Esta tese analisou criticamente a atuação da holding Itaú Unibanco junto à Sociedade
Civil, através de seus principais Aparelhos Privados de Hegemonia voltado para atuação na
política de educação escolar, tendo como foco a Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos e
Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). Nosso objetivo foi verificar
a capacidade da holding Itaú Unibanco em organizar politicamente a atuação das frações
dominantes e inserir seus interesses no interior da Sociedade Política, especialmente na
formulação das políticas educacionais direcionadas à Educação de tempo integral. A análise
da extensa produção intelectual dos Aparelhos de Hegemonia do Itaú1 permitiu compreender
sua função histórica e seu papel enquanto representante da fração do capital financeiro, tanto
no que diz respeito à formação da consciência de sua própria classe, quanto na elaboração de
estratégias que incidiram junto aos trabalhadores, suas organizações e a formação de sua
juventude.
A influência da holding Itaú Unibanco na política educacional escolar da atualidade
pode ser verificada pela capacidade de mobilização social e intervenção política, desde os
municípios e suas Secretarias de Educação, até agências que regulam as políticas federais de
educação. Seu raio de atuação, inicialmente circunscrito ao âmbito regional, adquiriu os
contornos nacionais a partir das três últimas décadas. Sob o mote de desenvolver ações que
contribuem para a redução das desigualdades e o desenvolvimento da qualidade da educação,
a Fundação Itaú Social e o CENPEC participam do bloco no poder2 que define e redefine
políticas públicas educacionais, dirigindo moral e intelectualmente outras organizações da
sociedade, agregando à aparelhagem do Estado e conformando fração da classe subalterna ao
projeto ético-político da fração burguesa que representa. Ciente da necessidade de estabelecer
relações mais íntimas e seguras entre e as classes dirigentes e a massa popular nacional 3, o
Itaú Unibanco construiu um complexo de Aparelhos Privados de Hegemonia voltados para a

1
Parte significativa dessa produção está disponível em formato de periódicos, livros e atas de seus conselhos.
Grande parte deste material está disponível nas páginas do Cenpec e do Itaú Social. As documentações não
disponibilizadas por estes meio poderão ser acessadas, como ocorreu na elaboração deste projeto, na sede do
CENPEC, localizada na cidade de São Paulo.
2
Poulantzas (1977) definiu Boco no Poder como uma unidade contraditória entre distintas classes e/ou frações
de classes, sob a hegemonia no seu interior de uma dessas frações ou classes, em suas relações com o Estado
capitalista. Para o marxista, o Bloco no Poder podia ser explicitado a partir de três elementos: 1-Pelo conjunto de
determinadas instituições – datadas historicamente – do Estado capitalista (no sentido ampliado) em sua relação
com a luta política de classe; 2- Pelo campo das práticas políticas das classes e frações dominantes numa
determinada conjuntura capitalista; 3-Pela divisão da classe burguesa em frações no interior do modo de
produção capitalista. Frações (comercial, industrial e financeira) estas que não se relacionam simplificadamente
com os efeitos particulares da instância política. Cif: PINTO e BALANCO, 2014, pp.45 e 46).
3
Ver conceito de hegemonia em LIGUORI, Guido e VOZA, Pasquale: Dicionário Gramsciano, 2017, p. 3062.
15

educação da sociedade, dentro dos princípios do projeto político. Desde os anos 1980, esses
Aparelhos se especializaram na disseminação de seu projeto na sociedade civil e na disputa
por sua transformação em políticas culturais, sociais e educacionais.
Nesta tese, priorizamos a análise da Fundação Itaú Social e do CENPEC, em função
destes desatacarem na capacidade de mobilização social, na transformação dos projetos da
fração financeira em interesses aparentemente universais, e por possuírem tarefas bem
definidas no tocante à construção de hegemonia na sociedade. Enquanto a Fundação Itaú
Social foi criada pelo capital financeiro para dirigir as frações aliadas, como denotam a
estruturação de seus programas e seu principal quadro dirigente, o CENPEC foi criado para
cumprir a tarefa histórica de formar intelectuais (individuais e coletivos) dispostos a
sedimentar na sociedade civil a ideologia do capital financeiro, assimilar os intelectuais e
programas das frações adversárias, adaptando-os aos seus interesses e travestindo-os em
solução para a crise da escola pública brasileira.4
Optamos por analisar o complexo pedagógico do Itaú Unibanco para a educação
escolar, sem nos deter à ordem cronológica dos acontecimentos. Nossa investigação se ateve
ao grau de complexidade da instituição no processo de formação do consenso na sociedade
civil e a penetração do projeto na sociedade política. Desta feita, analisamos destacadamente a
Fundação Itaú Social, em um capítulo sobre os Aparelhos Privados de Hegemonia da holding
Itaú Unibanco, e dedicamos um capítulo exclusivo para o CENPEC, em função de seu
pioneirismo na articulação da “ação social empresarial” e de sua longevidade. As informações
sobre a data de fundação da Fundação Itaú Social são contraditórias. Enquanto o Relatório
anual de 2017 indicou a data de 14 de outubro de 1988, a página eletrônica da Fundação
demarcou o ano 2000, como ano de seu lançamento. Esta fundação define-se como entidade
sem fins lucrativos e declara como finalidade:

I. Gerir projetos de interesse da comunidade, de forma ampla e objetiva,


apoiando ou desenvolvendo projetos sociais, científicos e culturais, nas

4
A consolidação do CENPEC enquanto Aparelho Privado de Hegemonia, se deu na esteira de dois grandes
acontecimentos internacionais que delimitaram os rumos para educação dentro da perspectiva de recomposição
do sistema. Em 1990, a Conferência Mundial Educação para Todos, financiada pela UNESCO, UNICEF, PNUD
e Banco Mundial, realizada na cidade de Jointiem, na Tailândia, deliberou as diretrizes para a “reforma” da
educação nos países da periferia do capitalismo. Neste mesmo ano, foi realizada na cidade de Barcelona, na
Espanha, o Congresso Internacional Cidade Educadoras que difundiu um conjunto de princípios enfatizando o
papel educador da cidade. A partir destes encontros, um conjunto de intelectuais, em todo mundo, passou a
difundir uma perspectiva “ampliada” de educação básica, definindo como instâncias educativas, a família, a
comunidade, os meios de comunicação, a cidade e etc. Uma vasta documentação produzida por importantes
organismos também ajudou a organizar o consenso em torno do ideário de que a saúde da economia dependia de
uma “reforma” no sistema educativo dos países da América Latina e do Caribe. Cif (SHIROMA, MORAES e
EVANGELISTA, 2011). Foi neste período que a atuação do CENPEC ganhou dimensões nacionais, tornando-se
um dos principais arautos da “reforma “educativa.
16

comunidades onde o Itaú Unibanco S.A. atua, prioritariamente nas áreas de


ensino fundamental e saúde; e
II. Apoiar projetos ou iniciativas já em curso, sustentados ou patrocinados
por entidades de reconhecida idoneidade.
(Fundação Itaú Social, Relatório Anual, 2017)

Segundo a ata de reunião da entidade (10/03/2016), as principais mantenedoras da Fundação


Itaú Social são a holding Itaú Unibanco e as entidades que integram o conglomerado ITAÚSA
(instituição do Itaú Unibanco que centraliza as decisões financeiras e estratégicas de um
conjunto de empresas). Em 2017, o orçamento do aparelho foi de R$ 120,9 milhões de reais.
Dentre as “parcerias” na sociedade civil, a Fundação destaca em sua página
eletrônica: Associação Cidade Aprendiz, Associação Cultural Esportiva Amigos (Acesa),
Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, Comunidade Educativa
CEDAC, Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec),
Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds), Fundação
Lemann, Fundação Roberto Marinho, Fundação SM, Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef),Instituto Ayrton Senna, Instituto C&A, Instituto Chapada de Educação e
Pesquisa Instituto Fernand Braudel, Oficina Municipal, Projeto Comunitário Sorriso da
Criança, Sidarta. Na sociedade política, a fundação destaca parceria com alguns fundos
municipais de direito da criança e do adolescente, o Ministério da Educação e Ministério do
Desenvolvimento Social. Este Aparelho se apresentou como uma das frentes de
investimentos do Itaú Unibanco para o desenvolvimento de programas voltados à “melhoria”
da educação pública no Brasil. De acordo com seu relatório anual de 2016, o conjunto dos
trabalhos, desenvolvido pela entidade, visa conectar as múltiplas faces do público
educacional reunindo ações “para aprimorar o dia a dia do professor” e para “qualificar” a
gestão das redes de ensino. (Fundação Itaú Social, Relatório anual, 2016)
O lançamento público da Fundação Itaú Social ocorreu 14 anos depois da fundação do
CENPEC, em 1987. Em 2000, o Brasil já havia passado pelo evento da ressocialização da
política que marcou o contexto da fundação do CENPEC e passava pelo período do
aprimoramento da organização da ação empresarial sobre as políticas sociais. Nesta fase, em
que algumas frações da classe dominante já estavam organizadas em instituições próprias,
voltadas para a formação de pensamento e educação política da sociedade, o então grupo Itaú
lançou mão da Fundação Itaú Social para organizar os interesses empresariais dentro de seu
projeto, com aprimoramento das técnicas de avaliação de impacto social e econômico dos
projetos para garantir mais “segurança” aos investidores da ação social.
17

O CENPEC, fundado em 1987, foi criado e presidido por Maria Alice Setubal5. O
Aparelho organizou diversos associados na Sociedade Civil, incluindo frações da classe
dominante, como bancos, indústrias, empresas de telecomunicações e Fundações
empresariais, além de frações da classe “subalterna”, como associações comunitárias e a
Central Única dos Trabalhadores (CUT). Entre seus “parceiros”, o CENPEC inclui agências
da Sociedade Política, como o Ministério da Cultura, o Ministério da Educação e o Ministério
da Justiça, além de uma agência de um Estado estrangeiro, o Ministério da Educação de Cabo
Verde. Ao longo dos seus 31 anos de existência, o CENPEC formulou currículos, produziu
materiais pedagógicos dirigidos programas de aceleração da aprendizagem em Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação, além de participar da formulação e execução de projetos
destinados à formação docente.6 Durante a década de 1990, período que compreende marcos
importantes para a educação brasileira, como a implementação da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB), em 1996, e a “Reforma” da aparelhagem do Estado, em 1995, houve um crescimento
expressivo do número de organizações da sociedade civil empresariais, criadas para atuarem
na esfera social, destacadamente na educação com “soluções” para a questão do desempenho
escolar. Nesta conjuntura, o CENPEC ampliou sua capacidade de intervenção na escola
pública, atuando na coordenação de projetos, que contou com a parceria entre entidades
públicas e privadas, caracterizando-se como um dos principais articuladores desse movimento
de inserção empresarial nas redes públicas de ensino.
Como descreve em sua publicação, Cenpec: uma história e suas histórias (2007), a
entidade não se propõe a concorrer com outras organizações na promoção de projetos, seu
intuito é negociar e auxiliar outros grupos, garantindo, assim, a adesão de outras instituições e

5
Maria Alice de Setúbal é filha de Olavo Setúbal, Presidente do Banco ITAÚ S.A. entre 1975 e 2005.
6
No início dos anos 1990, o CENPEC participou da pesquisa que culminou no “Projeto Nordeste”, coordenado
pelo Ministério da Educação (MEC), criado com o propósito declarado de melhorar a qualidade do ensino nas
primeiras séries do ensino fundamental das redes estaduais e municipais de educação, promovendo a integração
entre estado e munícipio e a mudança no padrão de gestão da educação pública. Em 1994, o Cenpec produziu a
revista “Raízes e Asas”, composta por nove fascículos, duas fitas de vídeo, um livro e cartazes dirigidos a ação e
apoio a formação de educadores. A série foi produzida em parceria com o Banco Itaú, com o Unicef e MEC e foi
distribuída, em 1995, em 36 mil escolas. Os vídeos foram transmitidos pela TV Escola, TV Educativa e TV
Cultura. O material foi utilizado pela Universidade de São Paulo no Programa de Capacitação destinado a mil
coordenadores pedagógicos e técnicos da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. (Cenpec,2007). Em
1996, desenvolveu o “Programa de Aceleração da Aprendizagem” com material pedagógico destinado a alunos e
professores da 1ª a 4ª série: “Ensinar para Valer!” e “Aprender para Valer!” e da 5ª a 8ª série “Ensinar e
Aprender”, ambos adotados por diversas secretarias de educação. Em 2001 construiu um portal dirigidos as
escolas públicas, “EducaRede” lançados no ano seguinte. Esse programa tem parceria com a Fundação
Telefônica e a Fundação Vanzolini. Em 2002. Promoveu o Projeto Aulas Unidas, visando a integração entre
escolas de cinco países onde o Grupo Telefônica atua (Argentina, Brasil, Chile, Espanha e Peru). Realizou ente
2002 e 2005 políticas de capacitação nos estados de São Paulo, Ceará, Paraíba e Rio de Janeiro, atingindo cerca
de 600 educadores da rede pública. Além desses e outros programas dirigidos às escola pública o Cenpec e seus
parceiros também atuaram e atuam em projetos educativos e culturais fora da escola. C.f (Cenpec,2007).
18

docentes de universidades públicas e privadas. Partimos do entendimento de que as políticas


públicas educacionais brasileiras não foram e não são impostas ao país por organismos
internacionais sem a mediação, tão pouco são implementadas por um Estado burocrático,
independente e sobreposto aos interesses de uma Sociedade Civil frágil e impotente.
Compreendemos que analisar o Estado em seu modo ampliado (Gramsci, 2011) é romper com
a falsa dualidade, Estado-Sociedade.
As políticas públicas resultam da correlação de forças entre as frações de classe em
permanente disputa e produção de consensos provisórios, tanto no interior da Sociedade Civil,
esfera em que as classes sociais, assim como suas frações, difundem seus aparelhos privados
de hegemonia, quanto junto às agências da Sociedade política (Ministérios, Secretarias,
Conselhos, Câmaras setoriais) visando dirigir de forma privada a execução do fundo público.
As políticas públicas, incluindo aquelas que interessam a este projeto, não resultam, portanto,
de um “Estado sujeito”, que paira sob a sociedade e seus conflitos, nem um “Estado objeto”,
que se reduz a um mero instrumento de uma determinada classe social ou fração de classe.
Elas resultam das disputas iniciadas na Sociedade Civil que se estendem ao interior da
Sociedade Política que, por sua vez, podem reforçar posições conquistadas na luta política. As
estratégias que permitem a hegemonia das políticas públicas e a direção do Estado ampliado,
no entanto, só estiveram historicamente ao alcance das frações de classe que conseguiram
produzir a consciência do seu papel histórico na luta de classes. Neste sentido, os intelectuais
orgânicos cumprem um papel fundamental. A longa trajetória da Fundação Itaú Social e do
CENPEC na incursão nas políticas educacionais brasileiras nas últimas décadas, provocaram
pesquisadores de diferentes campos do conhecimento, e filiados a distintos paradigmas, a
analisarem a trajetória e os trabalhos desenvolvidos pela entidade. Algumas pesquisas se
dedicaram a análise de projetos educacionais, desenvolvidos por estes aparelhos, em parceria
com os governos federal, estaduais e municipais. Já outros se concentraram na compreensão
de seu papel na formação social brasileira.
A dissertação de mestrado de Rafaela Sardinha, defendida no Programa de Pós-
Graduação da UFRJ, em 2013, investigou uma experiência de aplicação do modelo das
escolas charter no Brasil, defendido pela Fundação Itaú Social, através do projeto “piloto” em
Pernambuco, denominado Procentro (2005 - 2007). Como ressalta a autora, este modelo de
escola, difundido nos Estados Unidos por meio do programa No Child Left Behind (Nenhuma
criança deixada para trás), foi adotado em Pernambuco, com intermédio da Fundação Itaú
Social e defendido como alternativa para melhoria da qualidade das escolas que apressem
baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação. Sardinha analisou
19

criticamente este programa e o interpretou como uma modalidade de privatização que teve
origem no Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995) e na legislação local do
estado de Pernambuco. A pesquisadora concluiu que as ações privatizantes na escola pública
no Brasil difundiram um ethos contrastante com as bases do ensino público, laico e universal,
conquistados pelos trabalhadores da educação e pela sociedade como um todo, num longo
processo de construção democrática.
Luciana do Nascimento Simão contribui com o estudo sobre a hegemonia do “novo
discurso” de sustentabilidade, através da investigação sobre o Itaú Unibanco. A pesquisadora
analisou a construção do conceito de Desenvolvimento Econômico Sustentável diante da crise
ambiental contemporânea. De acordo com o estudo de Simão, os debates promoveram a
possibilidade de alinhamento das novas redes de reprodução capitalista, sem, no entanto,
romperem com fundamentos estruturais do capitalismo, contraditório à preservação da
natureza. Nessa dissertação defendida em 2014, no Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da UFRGN a pesquisadora abordou as denúncias da classe trabalhadora organizada,
vinculada ao Itaú Unibanco com a visão institucional sobre o que denominam de
“Performance Sustentável”.
Outra análise crítica à ação política do Itaú Unibanco foi feita por Simone Bitencourt
Braga (2013). A autora se debruçou sobre o Programa Excelência em Gestão Educacional da
Fundação Itaú Social e compreendeu que o modelo de gestão difundido pela Fundação Itaú
Social reproduz o modelo americano das Escolas Chartes. De acordo com a análise da autora,
tal modelo se destaca por priorizar parâmetros do mercado, que associam conceitos como
qualidade, participação, descentralização, autonomia e avaliação à ideia de gerenciamento de
recursos com vista à produtividade do sistema educacional, e não foi capaz de melhorar o
sistema educacional americano.
Outro trabalho que nos ajudou a refletir sobre a intervenção do capital financeiro nas
políticas de educação escolar foi a dissertação de mestrado de Lia Urbini Fuhrmann (2015),
sobre a participação do Itaú Unibanco nas políticas públicas de educação entre 2002 e 2014,
com o foco na educação de tempo integral. Urbini analisou o processo se expansão de
programa de ampliação do tempo escolar no Brasil e no estado de São Paulo, a partir do
Programa Novo Modelo de Escola de Tempo Integral, realizado por meio da parceria público-
privada entre governo do estado e empresários, organizados em movimentos de intervenção
na política educacional. A autora fez uma ampla análise da intervenção do Itaú Unibanco na
política de Educação de tempo integral, buscando compreender os nexos entre políticas
20

sociais e a mundialização do capital, enquadrando as questões brasileiras como Estado-nação


a partir de um problema de escala mundial: a crise da acumulação de capital.
Esses trabalhos, em especial dissertação de Urbini (2014), nos ajudaram a refletir
sobre a trajetória de acumulação da holding Itaú Unibanco e seu fortalecimento no campo
político, a partir da atuação da Fundação Itaú Social. Os estudos citados lançaram luz sobre as
estratégias do capital financeiro para disseminar sua visão de mundo no interior de políticas
educativas, tendo em vista que a política não é uma simples reflexo de políticas estrangeiras,
nem a reprodução dos interesses imediatos da burguesia brasileira. Nossa tese se somou a
esses estudos no esforço de identificar os mecanismos que possibilitaram ao direção do capital
financeiro à política de educação escolar na contemporaneidade. Diferentemente dos estudos
sobre a Fundação Itaú Social, em que as críticas à atuação do Itaú Unibanco foram bem
demarcadas, a maior parte das pesquisas produzidas e defendidas em Programas de Pós-
Graduação sobre o CENPEC, selecionadas no Banco de Teses e Dissertações da Capes,
reforçaram o projeto de educação do aparelho.
A tese de doutorado de Maria de Fátima Duarte Angeira, defendida, em 2007, no
Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco, com o título “O Papel
do CENPEC nas definições do Programa Melhoria da Educação no Município: um estudo de
caso sobre a relação da sociedade civil e a política educacional municipal” analisa a atuação
do CENPEC junto às políticas municipais de diversos municípios brasileiros. Diferentemente
da nossa compreensão, esta autora trabalha com a perspectiva de que sociedade civil e
sociedade política ocupam lados distintos e por vezes, antagônicos. Neste sentido, a autora
interpreta que a atuação do CENPEC nas políticas educacionais municipais é um indicativo de
que, mesmo com avanço do neoliberalismo, há na atualidade, maior participação da sociedade
civil nas políticas locais.
Essa tese vem ao encontro da visão de mundo promovida pelo CENPEC de que o
Programa Melhoria da Educação no Município “visa a apoiar os municípios brasileiros na
formação de equipes para liderar o desenvolvimento de propostas educacionais adequadas às
necessidades locais e a participação de Organizações Não Governamentais. (ANGEIRA,
2007, p.17). Partindo do referencial metodológico da análise do discurso, Angeira (2007)
investiga o material pedagógico desenvolvido pelo CENPEC e distribuído em diversos
municípios brasileiros, e analisa entrevistas realizadas como alguns de seus integrantes.
Segundo a autora, seu objetivo era identificar os diversos sentidos contidos nesta formação
discursiva. Depois de defender a revisão do conceito de sociedade civil, sob a perspectiva
pós-estruturalista, concluiu que a trajetória do CENPEC representa “o desenvolvimento de
21

construção de espaço democrático, num esforço de fazer emergir diferentes formas de


organização e emancipação sociais locais (ANGEIRA, 2007, p.182)
A dissertação de Bryann Breches, defendida em 2015, no Programa de Mestrado em
Educação da Universidade Cidade de São Paulo, “Formação Continuada, em uma Escola de
Território Vulnerável do Município de São Paulo”, além de ter como temática um dos eixos
de ações do CENPEC, compõe um projeto de estudo coordenado por este aparelho realizado
em parceria com a UNIFESP. O trabalho foi norteado pelo conceito de que o problema da
educação pública brasileira está relacionado à desigualdade de oportunidades escolares.
Dentro desta perspectivava, a formação continuada é defendida como uma importante
ferramenta de promoção da qualidade da educação nas escolas inseridas neste contexto.
Breches (2015) dialoga com trabalhos sobre formação continuada e com a literatura que
relaciona território “vulnerável” e educação. A “vulnerabilidade” é vista pelo autor como uma
importante variável para a compreensão da diferença entre os sujeitos, a escola e a sociedade.
Além de descrever o que pensam os professores das escolas localizadas em território
de vulnerabilidade, o trabalho defende política de formação diferenciada para escolas
localizadas em áreas em que as “novas expressões da questão social”7 se apresentam de forma
mais aguda. O trabalho propõe um determinado tipo de intervenção na realidade que passa ao
largo do projeto de transformação social e deixa de lado a perspectiva de educação como um
direito universal. O autor, que integra o grupo de pesquisa do CENPEC, fortalece a concepção
de políticas focais e legitima a atuação do CENPEC em políticas promovidas com o foco no
alívios da pobreza no Brasil.
Outra pesquisa acadêmica que tem como objeto um programa desenvolvido pelo
CENPEC é a dissertação de mestrado de Neila Silveira de Oliveira, apresentada no Programa
de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens, da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, em 2010, intitulada: “Apreensão do gênero textual: relato de memória em produções
escritas da Olimpíada de Língua Portuguesa (2008)”. O estudo foi feito a partir do programa
“Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro – 2008”, promovido pelo MEC em

7
A “questão social” é uma categoria que está em disputa, na atualidade, devido às novas formas imediatas de
expressões e diferentes respostas dadas à elas. Autores vinculados à tradição marxiana no campo do Serviço
Social, como José Paulo Neto e Alejandra Pastorini (2004), analisam criticamente os usos da categoria “questão
social” contrapondo-se às concepções que afirmam estarmos diante de uma “nova” sociedade, com “novos”
problemas, novos atores sociais e portanto, diante da presença de um nova questão social resultado da
“revolução tecnológica” da sociedade “pós industrial”, “pós trabalho”. Para Pastorini, a ênfase no novo faz
perder de vista a processualidade dos fatos, não permitindo compreender continuidades e rupturas. Partindo do
reconhecimento de que há novos elementos, novas expressões imediatas da “questão social”, com diferentes
versões correspondentes aos diferentes estágios de formação do capitalismo, estes autores entendem que há nesta
categoria a manutenção de traços essenciais e constitutivos de sua origem. Seguindo esta interpretação
utilizaremos a categoria “questão social” acompanhada por aspas.
22

parceria com a Fundação Itaú Social e o CENPEC. De acordo com a autora, a pesquisa se
concentrou na análise de produções textuais de alunos do 8º ano do ensino fundamental de
uma escola pública do Centro de Campo Grande, no Estado de Mato Grosso. Oliveira foi
professora da turma analisada, durante o período da pesquisa. No entendimento da autora, a
Olimpíada de Língua Portuguesa impactou positivamente na aprendizagem dos alunos em
função de dar oportunidade aos estudantes para conhecerem, de forma mais detalhada, o
gênero textual e o relato de memória. No entanto, quando teceu considerações sobre os
critérios de avaliação, apontou aspectos negativos como a superficialidade de alguns
conteúdos contidos no “Caderno do Professor” e o curto prazo para colocar integralmente em
prática as orientações contidas no Caderno do Professor, oferecido à escola pelos
organizadores do concurso. (OLIVEIRA, 2010, p. 158)
Assim como nos trabalhos citados anteriormente, esta dissertação se propôs a
“verificar” a aplicabilidade do manual pedagógico do CENPEC e sugeriu pequenos ajustes na
orientação destinada aos professores que integraram o programa. Embora não se trate de uma
pesquisa feita em parceria com o CENPEC, como o trabalho de Breches (2015), a dissertação
analisa de forma acrítica este programa, ressaltando seu êxito na “melhoria” na aprendizagem
dos alunos. Observa-se neste trabalho uma forma de valoração do CENPEC enquanto agência
promotora da qualidade da educação pública brasileira.
Na contramão dos trabalhos supracitados, a dissertação de mestrado de Tayla Soares
Paixão, “Classe Social, Hegemonia e Educação: análise do Projeto de Educação do CENPEC
para (re)organização da Escola Pública”, defendida na Universidade de Juiz de Fora, em
2016”, faz uma análise crítica da atuação do CENPEC na formulação de políticas educativas.
Orientada pelo referencial teórico do materialismo histórico dialético, Paixão compreende a
inserção do CENPEC sobre a política de educação de tempo integral como uma estratégia de
poder para afirmar o projeto empresarial para a educação, numa referência para o conjunto da
sociedade (Paixão, 2016, p.168). Dentre os muitos aspectos que caracterizam sua ossatura
como um aparelho de educação política da sociedade, Paixão (2016) destaca que o CENPEC
não atua isoladamente, pois considera que sua força reside justamente na capacidade de
estabelecer conexões políticas com organizações da sociedade civil e instâncias da
aparelhagem estatal, para criar e difundir a iniciativa da “educação integral”. Considera assim,
que as redes de articulação políticas estabelecidas pelo CENPEC alcançam o MEC, resultando
em forte atuação desse organismo na definição da concepção do programa governamental
Mais Educação. (PAIXÃO, 2016, p 171)
23

A pesquisa realizada por nós no Banco de dados de teses e dissertações da Comissão


de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) identificou 23 trabalhos a partir
da palavra-chave “CENPEC”. Deste total de trabalhos, selecionamos os estudos que
analisaram centralmente os trabalhos desenvolvidos pelo CENPEC ou focalizam a instituição
propriamente dita. Dentre os trabalhos listados, identificamos que apenas a dissertação de
Paixão (2016) analisa o CENPEC de forma mais crítica, abordando aspectos de sua criação e
consolidação enquanto Aparelho Privado de Hegemonia 8 , sua integração ao Estado e sua
participação ativa no projeto contemporâneo de educação de tempo Integral. Este trabalho
contribui significativamente na compreensão de como este aparelho foi forjado no processo
de consolidação do bloco histórico neoliberal, indo além da memória virtuosa produzida por
seus intelectuais orgânicos.
O presente trabalho se aproxima desta compreensão e reforça a tese de que o CENPEC
e a Fundação Itaú Social compõem o complexo pedagógico da holding Itaú Unibanco e
cumprem o papel de educador da sociedade brasileira, atuando na promoção, consolidação e
manutenção do projeto de hegemonia do bloco histórico neoliberal/gerencial. Ao reconhecer
que as políticas realizadas no Estado estrito são resultado da força política de determinadas
frações de classe, e que estas se organizam na sociedade civil em aparelhos privados de
hegemonia, tornou-se uma prerrogativa metodológica iniciar a pesquisa pelas formas de
organização, mobilização e formação de seus intelectuais orgânicos. Portanto, buscamos
entender o Estado estrito e as políticas realizadas por suas agências, a partir do estudo da
sociedade civil, e não o contrário, como grande número de autores tem feito respaldados pela
matriz liberal. Neste sentido, a pesquisa documental iniciou-se pelos documentos produzidos
pelo CENPEC.
A pesquisa inicial consistia na investigação do trabalho voluntário realizado nas
escolas públicas localizadas em municípios da baixada fluminense, capital e região
metropolitana do Rio de Janeiro, por meio do Programa Mais Educação, entre os anos de
2007 e 2015. O foco da análise estava na produção documental dos aparelhos do complexo
pedagógico do Itaú Unibanco e nas entrevistas semiestruturadas, realizadas com estudantes

8
O teórico/político Antônio Gramsci resgatou o conceito da sociedade civil, bastante presente na teoria liberal,
reinterpretando-o sob a luz da teoria marxista, para entender a complexa relação de poder nas sociedades
capitalistas contemporâneas. O conceito de hegemonia também foi reconstruído por Gramsci para explicar um
tipo de dominação de uma classe sobre a outra, partindo do princípio que para se tornar dirigente, a classe que se
pretende dominante precisa conquistar um conjunto de frações aliadas e do consenso passivo de grande parte da
classe dominada. De forma sucinta, o projeto de dominação de uma classe fundamental sobre a outra
compreende não apenas o uso da força, exige também mecanismo que viabilizem a construção do consenso
(GRAMSCI, 2016).
24

universitários que participaram do programa nesse período como monitores. Com a


reformulação do Programa, em 2006, optamos por dar uma nova direção para investigação,
em virtude da dificuldade de localizar os estudantes “voluntários” do programa recém-extinto.
Com a nova orientação, passamos a investigar de forma mais sistemática o material produzido
pelos Aparelhos Privados de Hegemonia do Itaú Unibanco e do Programa Mais Educação,
com o mote de identificar o processo de construção da hegemonia do capital financeiro no
campo da política de ampliação do tempo escolar. Diferentemente de grande parte dos estudos
considerados referência no campo da educação de tempo integral, cujo cerne está no
apontamento de problemas pontuais do Mais Educação, nos concentramos em identificar
questões estruturais do Programa, relacionando-o ao amplo programa de “reforma”
educacional em curso na América Latina desde a década de 1990.
Nossa pesquisa foi de cunho documental e analítico. Segundo Gil (1991), a pesquisa
documental deverá ocorrer a partir de materiais que não receberam tratamento analítico. Estes
materiais podem ser fontes primárias, como os próprios documentos do CENPEC e da
Fundação Itaú Social, disponíveis em seus sites ou formatados em relatórios e informativos,
além de obras produzidas ou editadas pela organização, muitas delas escritas pelos seus
próprios diretores. A pesquisa bibliográfica, fundamental, segundo Gil (1991) e Silva e
Menezes (2001), deve ser baseada no levantamento e análise da literatura publicada e
disponível através de livros, artigos científicos e revistas acadêmicas reconhecidas. Faz-se
necessário destacar o diálogo não apenas com os trabalhos de autores que se afinam com os
referenciais teóricos assumidos no projeto e apresentados com mais ênfase no quadro teórico,
mas também com outras matrizes teórico-metodológicas que tenham analisados o tema
proposto ou o contexto em que está situado o objeto de pesquisa.
O conjunto de trabalhos produzidos pela Fundação Itaú Social e pelo CENPEC
incluem os Cadernos do Cenpec, os relatórios de atividades das entidades e a literatura
produzida pelo Itaú Social sob a coordenação técnica do CENPEC, manuais operacionais que
compõem o Programa Federal de Ampliação do tempo escolar, o Mais Educação (2007-
2015), destinados a professores e agentes da sociedade política. Essas fontes foram utilizadas
por nossa investigação, que resultou nesta tese, tendo sido coletadas nas páginas eletrônicas
das entidades e do governo e em acervos privados (digitalizados). A tese foi dividida em
cinco capítulos: o primeiro capítulo expõe o debate teórico-metodológico, que orienta esta
tese, demarcando a categorias de análise desenvolvidas pelo marxista sardo Antônio Gramsci.
É importante ressaltar que esta reflexão resulta de um intenso exercício de interlocução com
pesquisadores e grupos de pesquisa que se dedicam à análise da obra do marxista sardo.
25

O segundo capítulo analisa o movimento de restruturação burguesa, após a crise


orgânica do bloco histórico Fordista/Keynesiano, que culminou na construção de um novo
bloco histórico Gerencialista/ Neoliberal. Buscou-se demonstrar como a estrutura e a
superestrutura estão intimamente articuladas, sendo ambas as esferas ao mesmo tempo
influenciadoras e influenciadas. O capítulo analisa também o papel central dos intelectuais
orgânicos, individuais e coletivos, na construção, consolidação e manutenção do projeto
hegemônico.
O terceiro capítulo analisou a trajetória de acumulação da Holding Itaú Unibanco,
destacando os aspectos históricos da consolidação destes grupos nos ramos industrial e
financeiro, e a construção de seu complexo pedagógico, formado por um conjunto de
Aparelhos Privados de Hegemonia que aparentam distanciar-se dos interesses imediatos do
mundo financeiro. Optamos por analisar com mais profundidade a Fundação Itaú Social, em
função de sua complexidade organizativa e sua participação ativa nos principais temas da
política educacional da atualidade.
O quarto capítulo abordou o processo de fundação e consolidação do CENPEC
enquanto aparelho privado de hegemonia, vinculado a holding Itaú Unibanco. A abordagem
tem como referência a relação entre a trajetória do CENPEC e as transformações na ossatura
do Estado ampliado brasileiro, e parte da investigação do processo fundacional do CENPEC
em articulação com o processo de redemocratização da política brasileira, com a nova onda de
associativismo e com a “reforma” do Estado e da educação brasileira. O capítulo também se
debruçou sobre as táticas do CENPEC para construir a hegemonia em torno do projeto para
educação pública no país, sob os princípios da “Terceira Via”; na terceira seção, investigamos
a estrutura organizacional do Aparelho, tendo em vista seus quadros burocráticos, sua relação
com outros Aparelhos da sociedade civil e sua inserção na sociedade política. Na quarta
seção, analisamos o papel do CENPEC na transposição de diretrizes internacionais para
educação brasileira, a partir dos anos 2000.
O quinto capítulo foi dedicado à pesquisa sobre a materialização dos interesses do
capital financeiro na sociedade política, através do Programa de fomento a educação de tempo
integral do governo federal, o Mais Educação (2007- 2015). Nessa sessão, analisamos
fundamentos e as ações orquestradas pelo capital financeiro para influenciar e promover as
políticas de “educação Integral “em todo território nacional. Destacamos a influência do
CENPEC e da fundação Itaú Social na formulação, reformulação e difusão da política pública
federal de fomento da diária escolar, materializada no Programa Mais Educação.
26

1 HEGEMONIA, CLASE SOCIAL E APARELHO PRIVADO DE HEGEMONIA

As políticas públicas educacionais brasileiras não foram impostas ao país por


organismos multilaterais sem mediação, tampouco foram implementadas por um Estado
burocrático, independente e sobreposto aos interesses de uma Sociedade Civil frágil e
impotente. O Estado, em sua condição moderna, não é nem “sujeito” que opera acima dos
conflitos que caracterizam a sociedade, nem se reduz a um mero instrumento de uma classe
social. O Estado se define na correlação de forças estabelecida socialmente entre as classes
sociais e as frações de classe (Poulantzas, 1975). Esta tese parte do entendimento de que o
Estado, em uma conjuntura democrática, mesmo no capitalismo dependente, inclui tanto as
agências estatais (ministérios, secretarias, conselhos, câmaras) organizadas na Sociedade
Política, quanto a Sociedade Civil, dimensão em que as classes sociais difundem seus
Aparelhos Privados de Hegemonia (Coutinho, 2011), responsáveis pela construção da
hegemonia, ou seja, dominação garantida pelo consenso e conquista da adesão. O Estado
Ampliado, segundo Mendonça (2010; 2011), mais do que uma categoria ou um conceito que
rompe com a falsa dualidade entre Estado e Sociedade, fornece uma importante chave
metodológica para investigação.
Compreendemos que as políticas públicas produzidas no interior do Estado resultam,
portanto, da correlação de forças entre as frações de classe em permanente disputa e produção
de consensos provisórios, tanto no interior da Sociedade Civil, quanto junto às agências da
Sociedade Política onde buscam dirigir, de forma privada, a execução do fundo público. As
políticas públicas, incluindo aquelas direcionadas à educação, resultam das disputas iniciadas
na Sociedade Civil que se estendem ao interior da Sociedade Política que, por sua vez,
segundo Poulantzas (1975), podem reforçar posições conquistadas na luta política. Neste
capítulo, analisamos alguns conceitos elaborados no início do século XX pelo marxista sardo
Antônio Gramsci, com a finalidade de compreender a complexa ossatura do Estado moderno
e discutir as estratégias necessárias para construção e viabilização de um projeto societário
alternativo ao sistema capitalista. O quadro teórico-metodológico, desenvolvido por este
intelectual orgânico da classe trabalhadora nos ajuda a compreender como as frações da classe
dirigente imprimem seus interesses particulares na sociedade civil e no interior da sociedade
política, travestido demandas aparentemente universais.

1.1-A ampliação do Estado e a sociedade civil na concepção de Antonio Gramsci


27

Em sua obra, o marxista italiano Antônio Gramsci abordou o Estado, distinguindo dois
momentos de articulação do campo estatal: (1) em seu sentido estrito, considerando apenas a
burocracia estatal e suas agências, secretarias, Ministérios e o Exército; (2) e em sua forma
ampliada. A dominação de classe, segundo o intelectual, é exercida não somente através da
coerção, mas através do papel educativo do Estado, procurando “realizar uma adequação entre
o aparelho produtivo e a moralidade das massas populares.” (BUCI-GLUCKSMANN,
1980:128). O debate acerca do conceito de Estado é muito anterior à formulação gramsciana.
Segundo Mendonça (1998a), é inegável a hegemonia dos liberais sobre este debate. Essa
hegemonia difundiu no senso comum um sentido que confunde o Estado, ora com um
determinado governante, ora com alguma agência da administração pública. Estas
formulações são responsáveis por retirar das relações que formam o Estado suas mediações
com a sociedade, produzindo uma espécie de coisificação do mesmo. (MENDONÇA, 1998a)
A simplificação decorrente da “coisificação”, produzida pela abordagem liberal,
presente nas formulações de uma importante matriz teórica, é denominada Jusnaturalista9 .
Esta matriz reúne um conjunto de autores considerados clássicos, mesmo reconhecendo as
diferenças existentes entre os mesmos. O conceito de Estado desta matriz, como expressa seu
próprio nome, parte de dois princípios (Ibidem, 1998a): 1) a pesquisa sobre o Estado deriva
do estudo do direito e, em particular, do direito público (Jus); 2) o direito, de que resulta o
Estado, pertenceria ao domínio da natureza. A produção teórica dos Jusnaturalistas ocorreu na
batalha das ideias contra o monopólio intelectual de sua época: a Igreja Católica e a teoria do
Direito Divino, que sustentava sua ideologia. Os Jusnaturalistas defendiam que os Homens
eram responsáveis por suas ações no mundo. Neste sentido, a formulação teórica de Hobbes,
Locke ou Rousseau foram um grande avanço para o pensamento político do ocidente. No
entanto, de forma diferente ao Direito Divino, a concepção de Estado do Jusnaturalismo
também parte de uma compreensão histórica.
Uma das principais preocupações do modelo explicativo Jusnaturalista era encontrar
explicações para as ciências humanas que fossem tão exatas quanto as respostas produzidas
pelas ciências da matemática, por exemplo. Era fundamental, portanto, encontrar leis naturais
e universais que explicassem as posturas humanas. Isto só poderia ter sucesso se a busca

9
Reconheço a existência de grandes diferenças entre os clássicos reunidos sob a nomenclatura Jusnaturalistas:
Hobbes, Locke, Rousseau, entre outros. Entretanto, considerando que neste trabalho o que se pretende é
ressaltar as ideias-força que configuram esta matriz, entendo ser possível, como Bobbio (op. Cit.), a
aproximação dos mesmos. Identifico como a principal discordância no que diz respeito ao conceito de “estado
de natureza”, sua característica pacífica ou beligerante que divide autores como Rousseau e Hobbes,
respectivamente.
28

ocorresse por fora da história. Somente assim seria possível estabelecer leis para a natureza
humana verificável em qualquer espaço e tempo. Os Jusnaturalistas classificavam os Homens
em dois estados (sociedade): 1) estado (sociedade) de natureza; 2) estado (sociedade) civil. A
diferença entre os dois estados diz respeito ao contrato social. O contrato social seria a forma
pela qual os Homens, vivendo um estado de natureza (permanente barbárie), acordam um
contrato social que funda o Estado, ou o estado (sociedade) civil. Fica claro, portanto, que no
lugar da ação divina, proposta pela tese do Direito Divino, os Jusnaturalistas identificam no
direito, derivado do contrato social, o responsável pela ordem social. Esse contrato foi aceito
pelos Homens que abdicaram de suas prerrogativas, existentes em um estado de natureza, em
razão de um soberano, responsável por resguardar o direito e novo estado civil, derivado do
latim civilitas (civilização) e civitas (cidadão).
Conforme salienta Mendonça (1998a), o conceito de Estado produzido pela matriz
Jusnaturalista tem como consequência dois problemas teórico-metodológicos. Primeiramente,
os Jusnaturalistas identificam o governante com Estado. Além disto, entendem que este
Estado corresponde ao somatório dos direitos individuais. Destes dois problemas, decorrem
mais dois: 1) os Jusnaturalistas acabam por conceber a ideia de um “Estado sujeito”, ou seja,
uma entidade que está acima dos interesses que conformam uma determinada sociedade, com
vontades próprias, independentes das classes ou conflitos sociais; 2) a sociedade torna-se, na
teoria Jusnaturalista, impotente diante do “Estado sujeito”, sem capacidade de intervenção e
submissa aos desígnios do soberano.
No Século XIX, Hegel criticou a formulação de Estado produzida pela matriz
Jusnaturalista, destacando o caráter histórico do processo de formação do Estado. A ideia de
um contrato social, de acordo com Hegel, retiraria da sociedade seu papel, tornando-a
coadjuvante na História, dando lugar a um “Estado sujeito”. Marx, inspirado em Hegel,
aprofundou a crítica ao “Estado sujeito” e identificou o caráter de classe do fenômeno estatal.
A originalidade da formulação de Max esteve no entendimento de que sua função era
conservar a divisão, assegurando que os interesses particulares de uma classe se sobrepusesse
sobre a outra. Em relação a estrutura do Estado, Max e Engels apontaram a repressão,
monopólio legal e ou violência como principal modo, através do qual o Estado em geral faz
valer esta natureza de classe. (COUTINHO, 2011) Essa definição, elaborada na época em que
a sociedade civil era pouco desenvolvida, gerou diversas interpretações que entendiam a tese
de Marx a partir do determinismo econômico sobre o político. De forma oposta à tese do
“Estado Sujeitos”, as interpretações que definem o Estado enquanto “comitê executivo da
burguesia” acabou produzindo uma espécie de “Estado objeto”. Essa formulação, identificada
29

por Gramsci como mecanicista ou economicista, não aborda a complexa ossatura do Estado,
supondo uma relação imediata entre as classes proprietárias e o Estado.
O Estado, segundo Gramsci, não é sujeito – uma espécie de entidade que paira sobre a
sociedade e os conflitos sociais, nem objeto, como propuseram no século XX alguns
marxistas denominados pelo italiano como economicistas, mas sim uma relação social, ou
seja, uma condensação das relações sociais que estão presentes numa dada sociedade
(GRAMSCI,1991). O marxista sardo distinguiu dois momentos da articulação do campo
estatal, no sentido unilateral e no sentido integral, de acordo com Glucksmann (1980, p.128).
No sentido estreito ou unilateral, o Estado se identifica com o governo, com os aparelhos de
ditadura de classe, tendo em vista que ele possui funções coercitivas e econômicas. Conforme
salienta a autora, Gramsci entende que a dominação de classe é exercida através do Aparelho
de Estado no sentido clássico (exército, polícia, administração, burocracia). Essa função
coercitiva, no entanto, não está separada do papel adaptativo-educativo do Estado, que busca
constantemente adequar o aparelho produtivo à moral das massas populares. Na concepção de
Gramsci, não é possível reduzir o “estado ocidental” às estruturas de governo, pois no
transcorrer do processo histórico de socialização da política, traço fundamental do exercício
para a conquista da Hegemonia, a burguesia criou um conjunto de casamatas, onde atuam as
organizações responsáveis por elaborar, sistematizar e difundir uma concepção de mundo.
Estas organizações formam uma outra dimensão Estatal: a sociedade civil.
Fontes (2010) salienta que antes de Gramsci, o conceito de sociedade civil era mais ou
menos comum entre os diversos autores, tendo em vista que destacavam nessas categorias, o
âmbito dos apetites incontroláveis, naturais, manifestados através dos interesses do mercado,
da concorrência, do âmbito privado. Gramsci se afasta da origem liberal do conceito,
recriando-o a partir das reflexões de Marx, Engels e Lenin, para analisar a situação concreta e
histórica, tanto da Itália quanto de outras formações sociais de sua época. O cerne da
sociedade civil em Gramsci remete para a organização e para a produção coletiva de visões de
mundo, da consciência social, as formas de serem adequadas aos interesses do mundo burguês
(a hegemonia) ou ao contrário, capazes de se opor a esta concepção e propor uma alternativa
rumo à sociedade igualitária (FONTES, 2010).
Conforme aponta a autora, na formulação de Gramsci, a vertebração da sociedade civil
são os Aparelhos Privados de Hegemonia que, distintamente das organizações empresariais e
estatais, apresentam-se como associatividade voluntária. Estas organizações não possuem uma
composição homogênea e se apresentam, muitas vezes, como deslocados da organização
econômico-política da vida social. Essa aparente neutralidade esconde o vínculo com as
30

formas de produção econômica (a infraestrutura) e política (ao Estado), embora sua atuação
seja de cunho cultural. (Fontes, 2010). O militante marxista defendeu que um Estado integral
pede um desenvolvimento rico e articulado das superestruturas. Analisar o Estado em sua
forma ampliada, segundo Mendonça (2003), implica em analisar a sociedade civil:

“(...) superar a suposição de que o Ministério da Fazenda, por exemplo,


identifique-se a um ministro “x” ou “y” ou de que o Estado brasileiro seja o
próprio presidente. Há que se verificar, por exemplo, a que grupos
organizados da sociedade civil estão eles ligados? Quais os interesses destes
grupos? Quais são os demais grupos da sociedade civil que contam com
representantes – mesmo que em posições não hegemônicas – dentro de cada
órgão público? Somente assim será viável explicar o porquê de determinada
política pública e não outra; ou ainda porque duas políticas distintas
encontram-se, muitas vezes, superpostas, uma vez emanadas de organismos
públicos diferentes.
A análise histórica da relação entre Estado e Sociedade exige, assim, uma
tarefa primordial: verificar que relações sociais constituíram historicamente
o Estado e como se modificaram? Que grupos sociais asseguraram sua
presença junto às distintas agências do Estado restrito e que outros grupos,
em certos momentos, tiveram seu acesso e representação, junto a eles,
eliminados? Ou ainda: no que é possível interferir para que, lenta e
molecularmente, como diria Gramsci, a correlação de forças se altere,
mediante a difusão de um projeto contra- hegemônico?” (MENDONÇA,
2003, p.3).

Concordamos com Mendonça (2003b) quando afirma que o primeiro passo para se investigar
qualquer aspecto do Estado ou das políticas estatais consiste no estudo das entidades de
classe, existentes no determinado momento histórico que se dedicam à agenda ou temática
que se quer pesquisar. Depois do rastreamento dos aparelhos responsáveis pela construção da
vontade coletiva que darão força e coesão ao projeto, a investigação sobre as demandas,
pressões setoriais e disputas por espaço nos aparelhos do Estado que, por vezes, culminam na
criação de novos órgãos, são, para a autora, o caminho mais seguro para análise das políticas
estatais.

1.2- Hegemonia de classe: domínio e direção

O conceito de hegemonia, construído por Gramsci, a partir do aporte do intelectual/


revolucionário Lenin, foi elaborado para entender as relações de poder nas formações sociais
dos Estados capitalistas avançados, em que a sociedade civil se transformara em uma
estrutura complexa e resistente, capaz de superar crises fenomênicas. Como bem analisou o
marxista sardo, nestas formações sociais, as catástrofes econômicas imediatas não levam à
derrocada do sistema, como acreditavam algumas correntes economicistas do marxismo, mas,
31

ao contrário, as crises desnudavam um Estado encoberto por uma poderosa estrutura social
que funciona como sistema de trincheira na “guerra moderna”. (GRUPPI, 1978, p. X). Este
conceito está interligado a outras categorias de análise, que contribuíram com a renovação do
materialismo histórico e nos ajudam a compreender as estratégias da classe dominante para se
recompondo da crise orgânica do capitalismo, iniciada a partir de 1970.
A diferenciação entre sociedade de tipo Oriental (com Estado forte e sociedade civil
fraca e “gelatinosa”) e sociedade de tipo Ocidental (sociedade civil forte e bem integrada ao
Estado), realizada por Gramsci, foi elaborada com uma dupla finalidade: formular novas
estratégias para a superação do capitalismo e compreender a natureza do poder nas formações
sociais modernas. Ao perceber as diferenças históricas dessas sociedades, Gramsci evidenciou
a necessidade de se pensar uma renovação no materialismo histórico ou Teoria da Práxis,
tendo em vista que os métodos revolucionários aplicados na Rússia, em 1917, não
correspondiam às necessidades das sociedades de tipo Ocidental, formada por uma sociedade
civil mais complexa e com certa autonomia política em relação ao Estado. Como Gramsci
observou, no Ocidente não estava em jogo a conquista imediata do Estado, sem antes uma
intensa atividade intelectual (organizativa) e cultural (a partir da criação de uma concepção de
mundo própria), pois a luta girava em torno da conquista da hegemonia, a ser obtida no
âmbito da sociedade civil10.
A disputa por hegemonia na sociedade civil foi definida por Gramsci como Guerra de
Posição11. Esta estratégia, essencial para a construção da hegemonia, implica na conquista da
direção político-ideológica e do consenso dos setores mais expressivos da população
(SIMIONATTO, 2011). De acordo com Gramsci, desconhecer a ossatura do Estado era o
mesmo que desconhecer o inimigo, como na arte da guerra:

Na política o erro acontece por uma inexata compreensão do que é o Estado


(no significado integral: ditadura + hegemonia) na guerra, tem se um erro
semelhante, transportado ao campo inimigo (incompreensão não só do
próprio Estado, mas também do Estado inimigo) num e no outro caso, o erro
está ligado ao particularismo individual, de município de região que leva a
subestimar o adversário e sua organização de luta. [6,155;3,257, Apud
COUTINHO, 2011, p.296)

Refletindo, primeiramente, sobre as estratégias para elevar a classe subalterna à


condição de classe dirigente, Gramsci se dedicou a construção do conceito de hegemonia do

10
Ao considerar a batalha das ideias como fundamental nas formações sócias em que a sociedade civil estão
fortemente desenvolvidas, o intelectual militante não abandona as estratégias de disputa pelo poder.
11
As estratégias de conquista da hegemonia pela classe subalterna, são definidas por Antonio Gramsci com base
na comparação entre estratégias políticas e arte militar. Sua análise construída nos anos posteriores da Primeira
Guerra Mundial é repleta de conceito e personagem da guerra militar.
32

proletariado. Para o intelectual, a conquista de hegemonia pelo proletariado nas sociedades


modernas exigia a construção de uma nova sociedade, de uma nova estrutura econômica, de
uma nova organização política e também de uma nova orientação ideológico-cultural. Dessa
forma, o intelectual /político defendia que uma revolução necessitaria, além da ocupação dos
espaços de poder, de uma prévia transformação radical da classe por meio de uma reforma
intelectual e moral12. (GRUPPI, 1978, p.3). A realização de um aparato hegemônico, portanto,
compreenderia a inserção sobre a estrutura, sobre as organizações políticas da sociedade e
sobre as orientações ideológicas, inclusive com a elaboração de novos métodos de conhecer.
O marxista italiano, ao longo do período em que esteve preso, se dedicou mais
profundamente ao estudo do sistema de dominação burguesa e passou a empregar o termo
hegemonia para além do sentido de estratégia da classe operaria de derrubar o Estado burguês.
A partir deste escritos, Gramsci passou a empregar o termo hegemonia para identificar o
modo pelo qual a burguesia estabelece e mantém sua dominação mesmo durante os anos mais
agudos da crise orgânica do capitalismo 13 . A “nova morfologia da hegemonia burguesa”
comprovou sua solidez histórica (Acanda, 2006) e impôs ao pensamento revolucionário o
desafio de renovação das intepretações das formas de dominação de uma classe sobre outra.
Respondendo esta tarefa histórica, Antônio Gramsci analisou como a burguesia recompôs sua
hegemonia mediante ao processo que deslocou a política para outros espaços antes
considerados privados. (ACANDA, 2006).
As frações da burguesia na Europa, exercendo o papel de classe dominante, logo
compreenderam que a luta das massas populares, lenta, porém latente, não podia ser contida
apenas pela coerção e que esta mesma luta impedia-as de seguir dirigindo unilateralmente o
Estado. Diante do aumento das organizações representativas dos interesses da classe
subalterna, a classe dominante entendeu que para manter o domínio do conjunto social, era

12
Segundo Gruppi quando Gramsci o conceito de “reforma intelectual e moral”, utilizado por Gramsci, foi
inspirado no conceito de “revolução cultural” elaborado por Lenin. Gruppi compreende que o conceito também
de “reforma intelectual e moral “também está em sintonia com uma orientação política–cultural italiana da época
que identificava o movimento do Resorgimento Italiano como uma Contra Reforma por não envolver
profundamente os costumes e criar uma nova relação como acontecera com a Reforma Protestante no século
XVI. Cif. (GRUPII, 1978).
13
Antônio Gramsci desenvolveu o conceito de crise orgânica, baseando-se no conceito leninista, que diz respeito
a síntese de todas as contradições de um sociedade determinada, em um determinado momento de seu
desenvolvimento.de acordo com Glucksman, esta concepção de crise renovou de forma contundente a dialética
Democracia/Socialismo, ao romper com a visa catastrófica da crise como econômica que provocaria fortes
abalos no capitalismo e necessariamente a passagem para o socialismo. Ao mesmo tempo, esta tese rejeita a
vertente revisionista de superação da crise. No contexto da guerra imperialista, sucedeu-se a crise econômica, a
crise de representação política, o que segundo Gramsci levou a uma verdadeira redistribuição das relações entre
as classes e partidos e da formação de novos partidos, que não gerou a adesão imediata das massas exploradas ao
projeto socialista Cif (GLUCKSMAN, 1980, pp.131 e 132, 1333).
33

preciso que todos aceitassem o Estado como legitimo (ACANDA, 2006). Dessa forma, afirma
Gramsci, a nova hegemonia da burguesia implicava na direção de grupos aliados e no
domínio dos grupos subalternos. Essa ampliação da política desembocou em competição
controlada entre os grupos dirigentes e dirigidos, no interior do bloco social. Como salienta
Gramsci (2011):

Entre os muitos significados de democracia, parece-me que o mais realista e


concreto se possa deduzir em conexão com o conceito de hegemonia. No
sistema hegemônico existe democracia entre os grupos dirigentes e os
grupos dirigidos na medida em que o desenvolvimento da economia e, por
conseguinte, a legislação que expressa esse desenvolvimento favorecem a
passagem molecular dos grupos dirigidos para o grupo dirigente. Existia no
Império Romano uma democracia imperial-territorial na concessão da
cidadania aos povos conquistados etc. não podia existir democracia no
feudalismo em virtude da constituição de grupos fechados etc. (GRAMSCI,
2011, p. 32870)

A classe dominante, em sua tarefa de dirigir o conjunto dos dominantes e dominar os


dominados, teve que ir além de seus interesses corporativos estreitos e exercer uma liderança
moral e intelectual através de concessões, dentro de certos limites, a um grupo de variados
aliados reunido em um bloco social de forças (BOTTOMORE, 2011). Acanda (2006) destaca
dois momentos importantes na teoria de Gramsci sobre hegemonia: o primeiro diz respeito a
separação aparente entre sociedade política e sociedade civil, que segundo o autor dos
Cadernos, trata-se apenas separação formal com objetivos metodológicos, em função de:

Uma instituição pode ao mesmo tempo, pertencer à sociedade política e à


sociedade civil, ou estar num momento concreto em uma e, noutro momento
em outra. Um partido político faz parte da sociedade política, mas consegue
inserir-se no processo de produção e/ou distribuição de normas de valor e de
comportamento, estará ao mesmo tempo inscrito na sociedade civil. Gramsci
concebe as duas sociedades com base na ideia de “unidade – distinção.
(ACANDA, 2006, p.181)

Em segundo lugar, Acanda (2006) chama atenção para a importância de não


considerar a Sociedade Civil como lugar de enraizamento do sistema hegemônico. Como
orienta o autor, ela deve ser vista como uma arena de disputa entre projetos de sociedade:

A maior penetração da sociedade política na sociedade civil apenas para


fortalecer a hegemonia burguesa. Abriu novas possibilidades para um
projeto contestatório e emancipador. O conflito social se expressa na
sociedade civil. Se alguns de seus componentes transmitem a mensagem da
aceitação tácita da subordinação, outros são geradores de códigos de
descensos e transgressão. A sociedade civil tem um duplo aspecto em
relação ao sistema hegemônico da classe no poder. Uma parte dela é
favorável a esta hegemonia. Portanto, a reflexão política dos grupos
34

empenhados em subverter a hegemonia burguesa não deve centrar-se só na


confrontação ‘sociedade civil vesus Estado’, mas também, e principalmente
na confrontação ‘sociedade civil’ versus ‘sociedade civil’. (ACANDA, 2006,
p.182).

Gramsci compreende que a sociedade civil é um espaço de permanente disputa pela


hegemonia. Neste sentido, o conceito de hegemonia serve de instrumento para pensar como as
frações que detém o poder conseguem manter o domínio, sem impedir de forma direta e
imediata as manifestações dos grupos contrários aos seus interesses. Dentro desta forma de
hegemonia, típica da sociedade moderna, uma das táticas de neutralização das forças
opositoras se traduz na busca incessante da adesão dos intelectuais orgânicos (individuais e
coletivos) da classe trabalhadora para seu projeto global de construção da trama social
(ACANDA, 2006). Gramsci analisou o processo de incorporação de pessoas e grupos inteiros
progressistas à “classe política” conservadora e moderada, na Itália, chamando esta tática de
ampliação do bloco dirigente de transformismo. Este movimento, como assegura o marxista
italiano, tende a tornar-se mais latente nos períodos de crise:

A formação da classe intelectual italiana. Eficácia do movimento operário


socialista na criação de importantes setores da classe dominante. A diferença
entre o fenômeno italiano e o de outros países consiste, objetivamente, no
seguinte: que, enquanto nos outros países o movimento operário e socialista
personalidades políticas singulares que passaram para outra classe, na Itália
ao contrário, elaborou grupos intelectuais inteiros, que realizaram esta
passagem como grupos. A causa do fenômeno italiano, ao que me parece,
deve ser buscada na escassa aderência das classes altas ao povo: na luta de
gerações, os jovens se aproximam do povo; nas crises de mudanças tais
jovens voltam a sua classe (foi o que ocorreu com os sindicalistas-
nacionalistas e com os fascistas). No fundo trata-se do mesmo fenômeno do
transformismo em condições diversas.” (GRAMSCI, 2011, p.318).

Em outra nota, Gramsci analisou com mais profundidade este processo, associando–o ao
movimento da Revolução Passiva que ocorreu na Itália, durante o processo de unificação na
segunda metade do século XIX:

Revolução Passiva e Transformismo [...] Todavia a vida estatal italiana, a


partir de 1848, é caracterizada pelo transformismo, ou seja, pela elaboração
de uma classe dirigente cada vez mais ampla [...], com a absorção gradual
mais contínua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos
ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos grupos adversários que
pareciam irreconciliavelmente inimigos. Neste sentido, a direção política se
tornou um aspecto da função de domínio, uma vez que a absorção das elites
dos grupos inimigos leva à decapitação destes e sua aniquilação por um
período frequentemente muito longo. [...] Torna-se muito claro que pode e
deve haver uma atividade hegemônica mesmo antes da ida ao poder e que
não se deve contar apenas com a força material que o poder confere para
35

exercer uma direção eficaz: de fato a brilhante solução desse problema


tornou possível o Risorgimento nas formas e nos limites em que se realizou,
sem “Terror”, como “revolução sem revolução, ou seja, com revolução
passiva”. (GRAMSCI, 2011, p.318).

De acordo com Simionato (2011), falar de hegemonia no sentido gramsciano implica


falar de crise de hegemonia, que consiste no enfraquecimento da direção política da classe no
poder, no enfraquecimento de seu poder na direção política e na consequente perda de
consenso. No momento em que classe dominante perde a capacidade de dirigir o conjunto da
sociedade e passa exercer o domínio puramente através da força, há um descolamento das
massas das ideologias tradicionais. Nestas situações de crise, ocorrem movimentos que
podem auxiliar na recomposição do bloco dominante e nos deslocamento de poder entre as
frações de classe ou provocar a sua suplantação. A classe dominante pode recompor sua
hegemonia através da coerção, de “sacrifícios”, de concessões ou promessas demagógicas e,
de outro lado, a classe dominada pode ampliar a sua articulação e, portanto, o seu consenso
ativo e reverter as relações de hegemônicas a seu favor, ocupando espaço para se tornar
dirigente (SIMIONATTO, 2011).

1.3-O papel dos intelectuais no exercício da hegemonia

Outra categoria que ocupa lugar de destaque nas reflexões de Antônio Gramsci e que
está intimamente ligada à “reforma intelectual e moral da sociedade” é a categoria de
intelectual. Como atesta Simionatto (2011), Gramsci avalia que o desenvolvimento do
capitalismo levou a uma nova organização social da produção e a um novo aparato de
produção e difusão ideológica que exigiu a criação de uma nova camada de intelectuais ligada
principalmente à classe dominante. Todos os homens, segundo Gramsci (2010), são filósofos,
entendendo os limites da filosofia espontânea localizada no senso comum, na linguagem, na
religião e no bom senso. “Assim, todos os homens são intelectuais porque fora de suas
profissões são filósofos, artistas, participam de uma concepção de mundo ou possuem uma
linha de conduta conscientemente definida e vinculada a essa concepção.” (BIANCHI, 2008,
p. 77). Entretanto, ao mesmo tempo em que se considera que todo homem é um intelectual,
também se tem em conta que só alguns exercem esta função na sociedade. Além disso, o
exercício desta função não é autônomo e independente, só sendo compreendido em sua
relação orgânica com uma determinada fração de classe social, como afirmou o marxista
italiano no caderno 12, dedicado à questão dos intelectuais:
36

Todo grupo social, nascendo sobre o terreno originário de uma função


essencial no mundo da produção econômica, cria conjuntamente,
organicamente, um ou mais estratos de intelectuais que lhe dão
homogeneidade e consciência da própria função não apenas no campo
econômico, como também no social e político [...] (GRAMSCI, 2010, p. 15).

Ao se referir aos empresários, por exemplo, Gramsci identifica a capacidade de estes


desempenharem o papel de intelectuais, ou seja, organizadores de uma sociedade capitalista:

[...] o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o cientista da


economia política, o organizador de uma nova cultura, de um novo direito,
etc., etc. Deve-se observar o fato de que o empresário representa uma
elaboração social superior, já caracterizada por uma certa capacidade
dirigente e técnica (isto é, intelectual): ele deve possuir capacidade técnica,
não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua iniciativa, mas
também em outras esferas, pelo menos nas mais próximas da produção
econômica (deve ser um organizador de massa de homens, deve ser um
organizador da ‘confiança’ dos que investem em sua empresa, dos
compradores de sua mercadoria, etc.). (GRAMSCI, 2010, p. 15).

Glucksmann (1980) interpretando o conceito de intelectual orgânico do autor dos


Cadernos, produziu um quadro esquemático que nos ajuda a compreender a distribuição de
funções dos intelectuais na batalha nas ideia.

Quadro 1
Estratificação das funções intelectuais
Exército Produção Cultura Partido Político
Estado maior Patronato
Oficiais Técnicos de nível Criadores Dirigentes Categoria 1
superiores superior, representantes de
realizam os engenheiros uma escola
planos filosófica (Croce)
Oficiais Empregados, Empregados de Quadro Categoria 2
subalternos contramestres, aparelhos intermediário
garantem a técnicos culturais
execução médios.... função
técnico
administrativa,
fiscalização
Soldados Operários Público Militante de base Categoria 3
Fonte: Glucksmann, 1980, p 53.
37

Como nos lembra Glucksmann (1980), os intelectuais são abordados por Gramsci a partir de
seu ser social, de seu lugar nas relações de produção, ou seja, compreende o “intelectual”
como aquele que está situado em certa divisão do trabalho. Os intelectuais são apreendidos a
partir de uma abordagem institucional, que se abre para a análise diferenciada dos Aparelhos.
Contudo, ressalva a autora, Gramsci não defende uma tese institucionalista que sobreponha a
história dos aparelhos à luta de classes. É importante salientar que a origem de classe de um
intelectual pode não corresponder à classe que está organicamente ligado. O intelectual com
origem na classe trabalhadora pode aderir ao projeto burguês e se tornar orgânico a esta classe
e vice versa. Estes produtores e difusores de determinadas visão de mundo atuam como os
funcionários construtores da hegemonia social de um grupo e seu domínio estatal, e o
desenvolvimento de suas funções, para Gramsci, está associado ao desenvolvimento do
sistema burocrático-democrático, típico das sociedades modernas. Na divisão hierárquica dos
intelectuais, de acordo com sua função, o topo é ocupado pelos intelectuais criadores das
várias ciências, da filosofia da arte. A base é ocupada pelos administradores e divulgadores
da riqueza intelectual produzida pelo escalão mais alto, pela cultura tradicional e acumulada.
Os “intelectuais tradicionais”, nesta visão ampliada, são os “funcionários da superestrutura no
sentido pleno”. Estes são porta vozes do grupo dominante para exercício das funções
subalternas da hegemonia social e do governo político.
Glucksmann (1980) problematiza esta estratificação por não levar em conta as
contradições do modo de produção capitalista que atravessam o ser social desses intelectuais.
Para a autora, a experiência da desqualificação, do desemprego, a perspectiva de um
desenvolvimento possível das ciências e das técnicas, liberadas da finalidade de lucro,
abririam brechas ideológicas políticas no lugar que a burguesia lhe atribuiu. Os intelectuais
modernos, na visão de Gramsci, não estão restritos às profissões de jornalistas, literatos e
filósofos. Os trabalhadores industriais, mesmo nos cargos mais primitivos, também compõem
a base intelectual do mundo moderno. Caracterizando-os como intelectuais de tipo urbano,
Gramsci defende que estes possuem tarefas essenciais na produção e reprodução das relações
sociais:
[...] A sua função pode ser comparada à dos oficiais subalternos do exército:
não possuem nenhuma iniciativa autônoma na elaboração dos planos de
construção; colocam em relação, articulando-a, a massa instrumental com o
empresário, elaborando a execução imediata do plano de produção
estabelecida pelo estado- maior da indústria, controlando suas fases
executivas elementares. Na média geral os intelectuais urbanos são bastante
estandardizados; os altos intelectuais urbanos confundem-se cada vez mais
com o estado-maior propriamente dito. (COUTINHO, 2011, p. 209).
38

Os Estados modernos criaram categorias profissionais que não são justificadas pelas
necessidades sociais da produção, ainda que justificada pelas necessidades políticas dos
grupos dominantes. Esta formação em massa, segundo o intelectual italiano, provocou uma
padronização, tanto no âmbito da qualificação, quanto no âmbito psicológico, que
determinariam fenômenos como concorrência, desemprego, superprodução escolar,
emigração. Como em outros conceitos elaborados por Gramsci, a ampliação da noção de
intelectual se desdobra em duas análises. Por um lado, lança luz sobre o papel do intelectual
que atua junto à classe dirigente, imbuído da tarefa de consolidar ou reformar uma concepção
de mundo conservadora que neutralize os projetos opositores. Por outro lado, permite
compreender e criar alternativas para a construção de um intelectual ligado organicamente à
classe trabalhadora, comprometido com a elaboração de uma nova visão de mundo, com a
difusão dessa e do esclarecimento das relações antagônicas.

1.4- Os Aparelhos Privados de Hegemonia e a conformação social

O Estado moderno capitalista, segundo Gramsci (2002, p. 139), é “educador” por


“substituir o bloco mecânico dos grupos sociais por uma subordinação destes à hegemonia
ativa do grupo dominante e dirigente”. Ao Estado capitalista impõe-se a “tarefa de formar um
certo ‘homem coletivo’, ou seja, conformar técnica e eticamente as massas populares à
sociabilidade burguesa.” (NEVES, 2005, p. 26). Assim o Estado educador deve:

Criar novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a ‘civilização’ e


a moralidade das mais amplas massas populares às necessidades do contínuo
desenvolvimento do aparelho econômico de produção e, portanto, de
elaborar também fisicamente tipos novos de humanidade. (GRAMSCI, 2000,
p. 23)

No papel de educador, o Estado moderno e, mais especificamente, as frações dominantes e


hegemônicas deste Estado, cumprem uma função pedagógica. Esta função se traduz em ações
concretas, tanto nas agências estatais (ministérios, agências e secretarias), quanto na
sociedade civil. Na realidade:

Toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica, que


se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas que a
compõem, mas em todo o campo internacional e mundial, entre conjuntos de
civilizações nacionais e continentais. (GRAMSCI, 1999, p.399).

Nas sociedades em que o Estado moderno se desenvolveu, a pedagogia da hegemonia é


exercida por meio de ações de aparelhos de hegemonias política e cultural das classes
dominantes. Por meio de ações, formulações e divulgações, escolas, associações, meios de
39

comunicação, igrejas, partidos e outras instituições, articulam-se às classes socialmente


dominantes, constituindo-se num bloco histórico responsável. Assim, estes aparelhos
cumprem uma dupla e complexa tarefa de, preservando suas maneiras específicas e próprias
de atuação nas questões sociais, visam harmonizar os “interesses das classes e frações de
classes em nome das quais atuam, como também organizar as proposições mais afeitas a esses
interesses particulares, constituindo-os como gerais.” (NEVES, 2005, p. 27). A tarefa
cumprida pelos Aparelhos Privados de Hegemonia é fundamental, uma vez que sem a
organização do consenso, é impossível transformar interesses particulares de algumas frações
da classe dominante em interesses gerais de um país. A análise histórica sobre a formação e
desenvolvimento de um Estado específico e a relação entre este e a sociedade exige, portanto,
resposta há algumas questões: quais relações sociais constituíram historicamente o Estado?
Qual a correlação de forças entre grupos sociais que possibilitaram a ocupação de alguns nas
agências do Estado estrito, em detrimento de outros grupos? A resposta para estas questões
deve ser encontrada no exame da sociedade civil, mas principalmente, nas formas como
operam as frações hegemônicas da classe dominante por meio de seus intelectuais, individuais
e coletivos, no interior do Estado Ampliado. Ao analisar o papel do “partido” no mundo
moderno, Gramsci faz referência às “frações de partidos” que auxiliam as frações dirigentes
no exercício da hegemonia:

[Sobre o Partido político] Será necessária a ação política (em sentido estrito)
para que se possa falar de “partido político”? Pode se observar que no
mundo moderno, em muitos países, os partidos orgânicos e
fundamentalmente, por necessidade de luta ou por alguma outar razão
dividiram-se em frações, cada uma das quais assume o nome de partido e
inclusive de partido independente. Por isso, o estado maior intelectual do
partido orgânico não pertence a nenhuma dessas frações, mas opera como se
fosse uma força dirigente em si mesma superior aos partidos e as vezes
reconhecida como tal pelo público. Esta função pode ser estudada com maior
precisão se partirmos do ponto de vista que um jornal (ou um grupo de
jornais) uma revista ou um grupo de revistas são também” partidos”,
“frações de partidos”, ou “funções de determinados partidos. Veja se a
função do Times na Inglaterra, a que teve o Corriere dela Serra na Itália, e
também a chamada função da imprensa da informação supostamente
apolítica e até função de imprensa esportiva e de imprensa técnica[...] ([17, §
37;3,349-351, apud COUTINHO, 2011, p. 303)

Compreendemos que o partido, no sentido definido por Gramsci, não é um bloco


monolítico formado por uma única fração de classe, tão pouco é um órgão imbuído de
funções estritamente políticas. No sentido ampliado, o partido aglutina funções que permitem
a adesão voluntária dos aliados e a subalternidade das frações dominadas. O partido
40

hegemônico reúne diversas frações da classe proprietária, dirige intelectual e moralmente este
conjunto de aliados e transforma os interesses particulares do grupo em interesses
aparentemente necessários a toda sociedade. Como observou Gramsci, por razões variadas, as
frações que aderem ao projeto do partido podem se diluir em outras organizações
complementares, aparentando independência em relação ao partido de origem e com funções
que vão além dos interesses políticos mais imediatos do grupo que representa. Conforme
indica este trecho da nota:

[...]apresentam-se , portanto, duas formas de “partido”, como tais ao que


parece, fazem abstração da ação política imediata , o partido constituído por
uma elite de homens de cultura, que tem a função de dirigir, do ponto de
vista da cultura, da ideologia geral, um grande movimento de partidos afins
(que são na realidade frações de um mesmo partido orgânico); e no período
mais recente, o partido não de elite, mas de massas, que como massas não
tem outra função política senão a de uma finalidade genérica, de tipo militar,
a um centro político visível ou invisível (frequentemente, o centro visível é o
mecanismo de comando de forças que não desejam mostrar-se sob plena luz,
mas apenas operar indiretamente por interposta pessoa e por “interposta
ideologia”). A massa é simplesmente de manobra e é “ocupada” com
pregações morais, incentivos sentimentais, mitos messiânicos de
expectativas de épocas fabulosas nas quais todas as contradições e misérias
do presente serão automaticamente resolvidas e sanadas. (Idem, p.303)

Com base no pensamento de Gramsci, Fontes (2010) nos auxilia com sua interpretação sobre
o conceito de Aparelho Privado de Hegemonia:

Os aparelhos de hegemonia são a vertebração da sociedade civil e se


constituem das instâncias associativas que formalmente distinta da
organização das empresas e das instituições estatais, apresentam-se como
associatividade voluntária sob inúmeros formatos. Clubes, jornais, revistas,
entidades as mais diversas se implantam ou se reconfiguram a partir da
própria complexificação da vida urbana capitalista e de múltiplos
sofrimentos, possibilidades e embates que dela derivam. Não são
homogêneos sem sua composição e se apresentam muitas vezes como
deslocados da organização econômica da vida social. Clubes, associações
culturais e recreativas tendem a considerar-se como descontentada do solo
social no qual emergem e como distantes do conjunto da vida social.
Certamente os sindicatos patronais ou de trabalhadores- sendo também
formas associativas desde já enfatizam sua proximidade econômica e sua
característica mais direta de interesses de tipo corporativo. Porém muitos
partidos políticos e jornais- na maioria das vezes comprometidos com
determinados segmentos de classe – tendem a apagar tal comprometimento,
apresentando-se seja como expressão da “unidade nacional” ou como porta
vozes de uma neutralidade informativa inexistente. Todos, porém, são
formas organizativas que remetem às formas de produção econômica
(infraestrutura) e política (ao Estado), embora sua atuação seja
eminentemente de cunho cultural. (FONTES, 2010, p. 134).
41

Os Aparelhos Privados de Hegemonia não podem ser confundidos com as empresas


propriamente ditas. Embora estejam ligados à produção e, em muitos casos, sejam dirigidos
burocraticamente por empresários, eles não possuem a finalidade de defender interesses
corporativos. Estes aparelhos se apresentam sobre múltiplos formatos e são criados com a
finalidade de disputar o domínio intra e entre classes sócias por meio da produção do
consenso. É importante salientar que os conflitos e negociações na sociedade civil também
repercutem na sociedade política, uma vez que as frações, por meio de seus aparelhos, lutam
por espaço na aparelhagem estatal, como atenta Mendonça (2012):

Logo, qualquer modificação na correlação de forças vigente na sociedade


civil, dentro ou entre aparelhos privados de hegemonia distintos tem,
necessariamente, repercussões junto à sociedade política e aos organismos
estatais, em particular. Afinal, os agentes sociais engajados nas agências da
sociedade civil e da sociedade política não representam classes em abstrato
inscritas num Estado etéreo. Este vasto e complexo tecido de relações se
constrói e reconstrói no cotidiano de suas práticas políticas e conta com
rostos, projetos, embates, história, enfim. Em síntese, tomar o Estado como
uma Relação Social não somente nos permite evitar as armadilhas do
conhecimento reificado e simplificador, como estimula a desnaturalização
dos mecanismos mais profundos de seu funcionamento, não fosse ele uma
permanente reconstrução. Isso significa que nesta relação ampliada entre
Estado restrito e sociedade civil, o convencimento se exerce numa dupla
direção: dos aparelhos privados de hegemonia rumo à ocupação das agências
do Estado restrito, e, inversamente, da sociedade política e da coerção em
direção ao fortalecimento da direção das frações de classe dominantes
através da sociedade civil, reforçando, a partir do próprio Estado restrito,
seus respectivos aparelhos privados de hegemonia. (MENDONÇA, 2012,
p.3)

Os Aparelhos Privados de Hegemonia, representante de interesses de classe distintas, podem


contrapor-se e disputar a inscrição de seus projetos, por vezes de forma violentas, jogando por
terra as interpretações que enxergam a sociedade civil como reino do consenso. Mendonça
(2012) nos alerta que para Gramsci, a sociedade civil, além da forte dose de conflito, também
admite coerção, e, portanto, estas caraterísticas não podem ser interpretadas como exclusiva
de cada esfera. As leituras que apartam a sociedade civil do Estado, coerção e consenso,
interesse público e interesse social, fortalecem ao novo padrão de sociabilidade (MARTINS,
2005) e de produção de estratégias de hegemonia da classe proprietária. Esta nova
sociabilidade, destinada a organizar a dinâmica da sociedade civil e a aparelhagem estatal,
vem ajudando a classe dominante a recompor sua hegemonia abalada pela crise orgânica que
abate o mundo capitalista desde a década de 1970. Nesse contexto de crise orgânica do
sistema, a educação foi considerada campo estratégico para a recomposição da dominação
burguesa. Por meio de um forte aparato criado pelas frações dominantes para atuar na
42

organização do consenso na sociedade civil e no interior da sociedade política, o “receituário”


para a “reforma” da escola, afinado com os preceitos do social liberalismo, que se constitui na
ideologia orgânica das classe dominante, foi apresentado como única alternativa capaz de
solucionar a crise da escola pública.
Desde a redemocratização da política no Brasil, as frações dominantes ampliaram seus
investimentos na criação de Aparelhos Privados de Hegemonia, escondidos sob uma
aparência de neutralidade, com a finalidade de definir todas as dimensões da política
educativa escolar. Em tempos recentes, sob a direção da fração financeira, diferentes frações
da burguesia trabalharam pela hegemonia de seus interesses na escola, definindo o que deve
ou não ser ensinado, como devem ser formados os docentes que nela atuam, como estes
devem ser selecionados, como deve ser avaliado o sucesso escolar e etc. A disputa pela
política educativa é fundamental para as frações dirigentes recuperarem o ritmo de expansão
de seus lucros, por meio da formação de um tipo de trabalhador ajustado às demandas atuais
do mercado, para assegurar a estabilidade política isolando ideologias e manifestações
antissistêmicas e para convencer toda a sociedade sobre sua capacidade de unir crescimento
econômico com o que chamam de “justiça social”.
43

2 O MOVIMENTO DE RECOMPOSIÇÃO BURGUESA

Este capítulo aborda o processo desencadeado pelo movimento de recomposição


burguesa, que expressou o vínculo orgânico entre as forças materiais e políticas da atual fase
do capitalismo. A crise orgânica do bloco histórico fordista/keynesiano, nos anos 1970,
implicou na rearticulação das frações dirigentes burguesas dentro de um projeto político que
assegure a retomada da expansão do capital, garanta a conciliação entre as classes sociais e,
por fim, mas não menos importante, neutralize as lutas sociais e o projeto societário
alternativo com a expectativa de recompor o sistema produtivo e recuperar a legitimidade
frente aos grupos subalternos.
Na década de 1990 o movimento de recomposição burguesa sob as bases neoliberais
demostrou incapacidade em cumprir a promessa de recuperar o crescimento das taxas de
lucros e conter as tensões sociais. Nessa conjuntura, as classes dirigentes articularam uma
nova resposta para a crise orgânica. Difundem-se diversos projetos reformadores com
propostas de ajustes e afastados da perspectiva de transformação radical da sociedade. O
primeiro movimento da recomposição burguesa, iniciada no período pós-crise dos anos 1970,
caracterizada por uma agenda de contrarreformas neoliberais e grande influência dos
intelectuais liberais organizados na Sociedade de Mont’Pelerin, foi sucedido por um segundo
movimento caracterizado pela difusão de movimentos que se autodenominaram e foram
denominados pela literatura de diferentes maneiras: Terceira Via, Sociedade do
Conhecimento, social-liberalismo, neoliberalismo de Terceira Via, neodesenvolvimentismo.
A partir do arcabouço teórico desenvolvido por Antônio Gramsci, compreendemos
que o mundo das ideias é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção, e não um
retrato estático da realidade. Partindo desta premissa, entendemos que qualquer ato ou
ideologia orgânica deve ser necessário à estrutura, sendo sua função organizar os grupos
sociais e dirigi-los de acordo com as condições socioeconômicas. (PORTELLI, 1977). É neste
sentido que entendemos que o movimento de recomposição burguesa vem sendo assegurado
por um conjunto de intelectuais, individuais e coletivos, que trabalham no exercício da
hegemonia em um contexto de exacerbação das contradições. Analisamos, neste capítulo, o
papel dos intelectuais ligados às frações dirigentes que exercem atração nas demais camadas
de intelectuais e anulam as tentativas de sobrevivências dos grupos rivais e da antiga classe
dirigente. (Idem, 1977)

2.1-Antecedentes: Formação e crise do bloco histórico fordista/keynesiano


44

Ao se deparar com transformações estruturais no modo de produção capitalista,


durante o século XIX, Vladimir Ilyich Ulyanov  Lenin (1870-1924)  compreendeu que se
tratava de uma nova fase do desenvolvimento do sistema, fase monopolista, e que esta tinha
como uma de suas expressões o imperialismo. De acordo com o intelectual comunista, o
sistema de dominação burguês vinha penetrando nas classes operárias em função de seus
intelectuais, que dissimulavam a essência de sua dominação propondo “reformas” superficiais
incapazes de mudarem suas bases:

Os mestres e publicitas burgueses defendem geralmente o imperialismo sob


uma forma um pouco velada; dissimulam nele sua dominação total e as suas
profundas raízes, esforçam-se para colocar em primeiro plano
particularidades, detalhes secundários, aplicando-se em desviar a atenção do
que é essencial através de fúteis projetos de “reformas” tais como a
fiscalização policial dos trustes e dos bancos. Os imperialistas confessos,
cínicos, que tem a coragem de confessar como é absurdo o querer reformar
os traços essenciais do imperialismo, esses são mais raros. (LENIN,
[1917],1979, p.108).

Lenin (1979) criticou Karl Kautsky (1854-1938), acusando-o de articular na Europa um


movimento de oposição à dominação capitalista que não se contrapunha a essência do
sistema. Kautsky, filiado ao Partido da Social Democrata Austríaco, desde 1875 tornou-se um
dos principais teórico do Partido Social-Democrata Alemão e foi reconhecido como o
intelectual mais influente da Segunda Internacional, organizada e vigente entre 1889 e 1914.
Contestando suas ideias, Lenin (1979) escreveu:

Será possível modificar através de reformas, as bases do imperialismo? Será


preciso avançar para salientar e aprofundar os antagonismos gerados por ele
ou recuar para atenuá-los? Tais sãos as questões fundamentais da crítica ao
Imperialismo. Dado que as particularidades políticas são a reação em toda a
linha e o revigoramento da repressão nacional em consequência do julgo da
oligarquia financeira e da eliminação da livre concorrência, o imperialismo
desde o início do século XX, vê voltar-se contra ele, mais ou menos em
todos os países imperialistas, uma oposição democrática pequeno burguesa.
A ruptura de Kautsky e da vasta corrente internacional Kautskista com o
marxismo, consiste precisamente no fato de Kautsky, longe de ter querido
saber tomar o caminho oposto a esta oposição pequeno burguesa reformista,
substancialmente reacionária no plano econômico, se ter pelo contrário
praticamente fundido a ela.” (LENIN, 1979, p.110).

De acordo com Karl Kautsky, o imperialismo não se configurava em uma nova fase do
capitalismo, como compreendia Lenin (1979), e sim, em uma política econômica. Segundo
Lenin, no entanto, a teoria de Kautsky serviu apenas para iludir segmentos da classe sobre as
consequências reais dos princípios do imperialismo, em função de basear-se na premissa de
que através da democracia, e não dos violentos métodos do imperialismo o capital garantiria
45

sua expansão. No plano estrutural, o imperialismo culminou na partilha do mundo pelas


grandes potências e na deflagração do primeiro grande conflito armado contemporâneo: a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Segundo o historiador Hobsbawm (1995), no período
que sucedeu o conflito, a globalização da economia dava sinais de que parara de avançar em
função de muitas determinações, dentre as quais a estagnação das economias nacionais em
disputa pela hegemonia no mundo e a autossuficiência da maior economia do mundo, os
Estados Unidos, assim como a Grã Bretanha e os Estados Escandinavos. Como indica o autor,
seis anos após a Primeira Guerra Mundial, houve um relativo crescimento econômico, mas
ainda havia altos índices de desemprego na maior parte da Europa Ocidental, além da queda
dos preços dos produtos primários e de estoques cada vez maiores.
O intelectual marxista Antônio Gramsci (1891-1937) foi capaz de identificar que a
crise de superprodução, iniciada em 1929, apesar de seus efeitos catastróficos sobre a classe
subalterna, não culminaria na derrocada do modo de produção capitalista em virtude da
complexidade da natureza do Estado e da capacidade da classe dirigente de recompor o
regime. De acordo com o militante sardo, a fragilidade do movimento operário diante da
organização e da supremacia da classe dominante também era um obstáculo para a
concretização da revolução nos países do centro do capitalismo.
Um dos principais efeitos políticos da crise de 1929 foi o crescente questionamento ao
liberalismo tradicional do século XIX. Três alternativas de contenção dos impactos da crise
foram postas em práticas. A primeira, adotada pelo Estado Soviético, foi a ruptura com o
modo de produção capitalista e a adoção de um modelo econômico baseado no planejamento
e planificação da economia. A segunda, seguida pelo bloco no poder na Itália e na Alemanha,
consistia no controle estatal da economia em conjunto com grandes industriais e na aplicação
de grande volume de recursos públicos em obras, armamentos e propaganda para demostrar a
recuperação econômica e justificar o projeto fascista. A terceira alternativa visava a
reestruturação do sistema capitalista a partir da combinação da forte presença do Estado
estrito na economia e políticas sociais para recuperar o consumo e o crescimento econômico.
Esta última opção foi adotada em diversos países do centro do capitalismo. (HOBSBAWM,
1995).
O sistema fordista de produção, que havia impactado positivamente a economia
americana nas primeiras duas décadas do século XX, tornou-se um modelo de organização do
trabalho utilizado como referência mundialmente nas décadas seguintes. O engenheiro e
proprietário Henry Ford havia criado uma linha de montagem mecanizada, aprofundando a
padronização e especialização introduzidas por Taylor (1903) e Gilberth (1911). Mais que a
46

padronização, este novo modelo garantiu ao industrial maior controle do ritmo de trabalho,
aumento da produtividade e elevação da mais-valia (GURGEL, 2003, p. 102). O modelo
fordista implicava na conformação de um novo tipo de trabalhador, além de assegurar um
novo padrão de produtividade na fábrica. De acordo com Antônio Gramsci (Coutinho,2001),
na América foi relativamente fácil racionalizar a produção e o trabalho. Esse processo
combinou com habilidade elementos de força (destruição do sindicalismo operário de base
territorial) e persuasão (altos salários, diversos benefícios, propaganda ideológica e política),
além de centrar toda a vida do país na indústria. O êxito do novo paradigma de organização da
produção se deu em virtude da compreensão de que para criar o novo tipo de homem, não
bastava o controle da disciplina no interior da fábrica:

Deve -se observar como os industriais, especialmente Ford se interessam


pelas relações sexuais de seus empregados, e em geral, pela organização de
suas famílias, a aparência de “puritanismo” assumida por este interesse
(como no caso do proibicionismo), não deve levar a avaliações erradas, a
verdade é que não e pode desenvolver o novo tipo de homem exigido pela
racionalização da produção e do trabalho, enquanto o instinto sexual for
adequadamente regulamentado, não for também ele racionalizado.
(COUTINHO, 2001, p. 335)

Gramsci (2001) compreendeu o americanismo como uma resposta político-cultural da


burguesia norte-americana à crise orgânica que se iniciara na Primeira Guerra Mundial. Na
redação do Caderno 22 (1934), definiu o americanismo-fordismo como uma ideologia
soldadora do novo bloco histórico, concebido e erguido após a longa crise capitalista da
década de 1920 (CASTELO, 2009, p.138). O intelectual sardo não tinha certeza se esta seria
uma estratégia burguesa capaz de superar a crise orgânica e se esta resposta estava restrita à
formação social dos Estados Unidos. No entanto, contrariando sua perceptiva, o paradigma se
expandiu para outras economias capitalistas (GURGEL, 2003). O modelo fordista de
organização da produção em massa, seriada e de baixo custo, mesmo em crise com a
depressão pós-1929, permaneceu como padrão de produção e distribuição, sendo resgatado
pelo modelo de gestão macroeconômico keynesiano nas décadas seguintes (GURGEL, 2003,
p.103).
Opondo-se às ideias da economia liberal clássica, o economista britânico John
Maynard Keynes tornou-se um dos principais influenciadores da política no século XX. Seu
livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, marcado pela defesa da ideia de
planificação da economia centrada no Estado, sem abandonar os princípios da propriedade
privada capitalista, tornou-se referência para um conjunto de países que adotaram o “novo
modo de vida”, tendo em vista a recuperação do crescimento das taxas de lucros e a
47

manutenção da ordem. O bloco histórico em formação, também contou com um sistema


público de atendimento social que variou de acordo com as opções do Estado ampliado de
cada país. De acordo com Gurgel (2003), foi realizada nestes países uma ampla reforma na
administração pública. A meritocracia passou a ser um aspecto relevante na burocracia
moderna e inúmeros trabalhos e grupos de pesquisas das universidades passaram a se dedicar
ao estudo dos aparelhos de Estado estrito e a formação do burocrata, com base na teoria do
sociólogo alemão Max Weber (1864-1920)14.
Após a Segunda Guerra Mundial, a economia dos países industrializados tornou a
crescer. Os Estados Unidos continuaram sua expansão dos anos de guerra e outros países do
centro do capitalismo experimentaram a “era de ouro” do capital, batendo todos os recordes
de crescimento anteriores. De acordo com Hobsbawm (1995), esse período de recomposição
do crescimento foi um fenômeno mundial, embora a riqueza ainda tenha permanecido
concentrada nos países do centro do sistema. Assim, os problemas experimentados pelo
capitalismo no período entre guerras pareciam ter acabado. A reestruturação da burguesia com
base no paradigma Keynesiano e no modelo de organização da produção fordista produziu
uma economia pautada no planejamento e no compromisso político dos governos com o pleno
emprego, seguridade social, previdência e também tornou a divisão internacional do trabalho
mais elaborada (HOBSBAWM, 1995). O movimento burguês foi vitorioso em recuperar, por
um longo prazo, o crescimento econômico e em neutralizar a alternativa socialista do
horizonte da classe trabalhadora e dos movimentos sociais. É preciso salientar que o Bloco
histórico fordista Keyneisiano não foi construído apenas a partir do consenso. A
recomposição do projeto de dominação burguesa, após a Segunda Guerra Mundial, também
foi “encouraçado de coerção”, nos termos do marxista sardo. Na América Latina, na África e
na Ásia, a expansão do capital foi garantida por meio de ditaduras e guerras.
Nos países do centro do capitalismo, o fundo público foi utilizado para estimular a
produção em massa na grande indústria, para investir em tecnologia, em infraestrutura para a
produção, e o consumo e para estabilização de conflitos. O fundo público passou a ser peça
fundamental na valorização e sustentação dos investimentos privados. Como sublinharam
Montaño e Duriguetto (2010), o Estado interviu como fonte de crédito para a nova indústria
nos seguintes níveis:
14
Max Weber, considerado um dos fundadores da sociologia moderna, foi um intelectual influente na política
alemã, tendo assumido a função de consultor dos negociadores alemães no Tratado de Versalhes (1919) e da
comissão encarregada de redigir a Constituição de Weimar. Dedicou grande parte de seu trabalho aos estudos do
capitalismo e desenvolveu a teoria da burocracia, em que defendeu a necessidade de racionalização,
impessoalidade e eficiência ao processo.
48

a) o fundo público do Estado foi destinada a integração e fusão de indústrias;


b) o “Estado Providência” efetivamente atuou no financiamento de longo
prazo para a compra de capital fixo; c) o fundo público também financiou
grandes empresas na aquisição de capital de giro, matérias primas e material
em grande quantidade; d) Financiou altos riscos derivados de investimentos.
(MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p.165)

A sustentação estatal à expansão do grande capital foi garantia fundamental para a criação da
infraestrutura necessária à realização burguesa. A garantia que a matéria-prima chegaria com
mais agilidade ao local de produção e que as mercadorias fossem escoadas da indústria para o
mercado com maior facilidade por meio de portos, ferrovias, rodovias, aeroportos financiados
pelo fundo público foi condição indispensável para a expansão do capitalismo no século XX.
A nova urbanização também foi financiada pelo fundo público com abastecimento de água,
saneamento, coleta de lixo, construção de meios de transporte, construção civil – prédios para
escritórios públicos, hospitais, escolas, subsídios para transportes coletivos, comunicação etc.
Montaño e Duriguetto (2010) chamam atenção para as vantagens proporcionadas ao capital
pelas políticas sociais que imbricavam na redução dos custos da reprodução da força de
trabalho. As despesas com educação gratuita, além de constituir um importante ganho para a
classe trabalhadora, visam instruir e capacitar o trabalhador para a produção especializada,
mais veloz e própria para o consumo em massa. As despesas com saúde pública, outra
conquista da classe trabalhadora, possibilita o descompromisso do capital com os custos de
prevenção e recuperação da saúde do trabalhador. Os subsídios estatais ao transporte coletivo,
a artigos da cesta básica e à construção civil também possibilitam aos empregadores deduzir
dos salários estes custos da reprodução.
Uma vez asseguradas as condições fundamentais para reorganização do capitalismo
sob as novas bases, as empresas multinacionais e as fundações empresariais desempenharam
um papel importante na difusão dos valores e princípios do capitalismo pelo mundo. Além de
mobilizar outros empresários para os novos desafios políticos e culturais, nacional e
internacionalmente, vários aparelhos foram preparados para educar a sociedade, como as
“agências de Comunicação”, que produziam e vendiam informações; o “rádio”, que cumpriu
o papel de difundir mercadorias e incentivar um novo padrão de consumo; o “cinema” que
instituiu novas referências de comportamento para a sociedade e a “igreja”, que ensinava seus
fiéis a resignação. (MARTINS, 2009). Cabe ratificar que a constituição dessa hegemonia não
descartou os instrumentos de coerção; pelo contrário: a combinação desses dois aspectos
asseguraram a supremacia burguesa. No Brasil, por exemplo, a ditadura estabelecida a partir
de 1964, foi a estratégia, como demonstrou Dreifuss (1981), de diversos grupos privados com
49

atuação na sociedade civil. No primeiro ano de ditadura, a constituição da Rede Globo, em


uma transação transnacional, organizou um poderoso Aparelho Privado de Hegemonia em
parceria com os mesmos setores repressivos e responsáveis por anos de torturas e censuras
aos movimentos opositores.
No final dos anos 1960 e início da década de 1970, quando a sombra da crise
novamente bateu à porta das economias capitalistas, o bloco no poder dos países do centro do
capitalismo avaliou que os instrumentos Fordistas/Keynesianos já não garantiam a expansão
da acumulação do capital. Na esteira da crise de hegemonia desse modelo, o recém-criado
“Premio Nobel de Economia” (1969), foi entregue a dois economistas liberais, defensores da
“livre concorrência” que há muito qualificavam a Social-Democracia como um modelo de
gestão perigoso: Friedrich Von Hayek, em 1974, e Milton Friedman, em 1976. Frações da
classe trabalhadora agudizaram a crise orgânica, organizando movimentos de contestação da
supremacia burguesa:

Os movimentos de Maio de 1968 não dispunham de uma direção


centralizada, na verdade eram formados por uma ampla gama de grupos
revolucionários libertários. Neles figuravam anarquistas, trotskistas,
maoístas, utópicos, românticos revolucionários e uns cem números de
organizações independentes e avessas aos “rótulos”, então modernistas.
Dentro de sua imensa pluralidade, identificava-se um programa de
transformação social composto de itens de todo o espectro político-cultural:
o fim da alienação no trabalho e na vida cotidiana, da opressão de gênero e
raça e da destruição do meio ambiente, a defesa da liberdade de expressão de
pensamento e comportamento, o desarmamento nuclear, a libertação do
Terceiro Mundo do julgo colonial e imperialista, os direitos humanos e
muitos outros. Desta Torre de Babel constavam antigos movimentos da
classe trabalhadora – operário, estudantil e negro e organizações da Nova
Esquerda, como os movimentos feministas, ambientalistas, pacifistas de
defesa à diversidade sexual etc, com predomínio das lutas particularistas.
(CASTELO, 2009, p. 153)

De acordo com Mészáros (2009), as manifestações de maio de 1968, bem como a


queda da taxa de lucros, foram as primeiras expressões de uma longa e profunda crise que
afetaria o sistema global do capital. Essa era uma fase inédita para o capitalismo. A crise
estrutural faria a fase cíclica anterior virar história. A expansão sem limites do capitalismo,
segundo o autor, acaba por converter-se em uma processualidade incontrolável e
profundamente destrutiva. Distanciando da análise keynesiana, que julgava que a crise seria
passageira, e dos liberais, que acreditavam que o corte dos custos da administração pública e
da inciativa privada recuperariam logo as economias da estagnação, Mészáros (2009)
compreende que essa crise desnudou um problema intrínseco ao capitalismo, que trabalha
para sua autoprodução e reprodução e não para atender as reais necessidades humanas.
50

2.2. A construção do Bloco Histórico Neoliberal15

No momento em que as bases teóricas do neoliberalismo estavam sendo criadas por


um conjunto de intelectuais reunidos na Sociedade de Mont Pelerin16, o sistema capitalista
experimentou a fase promissora de expansão do capital, inclusive para a periferia do sistema,
entre as décadas de 1950 e 1970. Nese período, as condições históricas não eram favoráveis
para o desenvolvimento de uma ideologia que defendia um receituário oposto ao programa
que combinava medidas de proteção social, consumo em massa e ao mesmo tempo garantia
altas taxas de lucro. Enquanto o programa do Estado de bem-estar social atendeu as demandas
dos grupos dirigentes e manteve a adesão voluntária dos dirigidos, o neoliberalismo
permaneceu uma ideologia arbitrária e inorgânica, e sem influências sobre as decisões
políticas da classe dominante.
A depressão econômica e a crise de legitimidade, a partir dos anos 1970, exigiram das
frações dirigentes a elaboração de novas estratégias para a recomposição das suas bases de
dominação. Diante da longa e profunda recessão, combinada às altas taxas de inflação e à
queda das taxas de lucros, os intelectuais orgânicos do neoliberalismo encontraram terreno
fértil para a construção da hegemonia neoliberal. A transformação da doutrina17 neoliberal em
ideologia orgânica da classe dominante, e assim em política de Estado, somente ocorreu no
fim da década de 1970. Entre 1979/1989, o Partido Conservador na Inglaterra, sob a direção
de Margareth Thatcher, pôs em prática o programa de desestatização. Logo após a ascensão
de Thatcher, o republicano Ronald Reagan (1980/1989) foi eleito nos Estados Unidos, o
democrata cristão Helmut Kohl (1982/1998) foi eleito na Alemanha e na Dinamarca, a
“Coalização de Direita” (1993) ganhou o pleito eleitoral. Nos anos seguintes, todos os países
do europeu, com exceção da Suíça e da Áustria, aderiram ao programa neoliberal
(ANDERSON, 1996).

15
Este roteiro de pesquisa segue de perto o trabalho de Castelo (2009).
16
Em 1947, Friedrich Hayec convocou os principais intelectuais do pensamento conservador de então, Lionel
Hobbins, Karl Popper, von Mises e Milton Friedman, entre outros para uma reunião realizada na Suíça com o
objetivo de discutir estratégias contra o Keynesianismo e para preparar o futuro do capitalismo livre de regulação
e do planejamento centralizado pelo “Estado”.
17
Conforme destaca Leda Maria Paulani (2008, p.69), o neoliberalismo nasceu como doutrina e não como
ciência, demonstrando-se inconsistente do ponto de vista da teoria econômica. A autora lembra debates que
colocaram Hayek e von Miss de um lado e de outro, os defensores do planejamento central, que tiveram
resultados difíceis para os intelectuais do livre mercado. Oscar Lange, conhecido teórico da economia
planificada, conseguiu demonstrar que o cálculo racional era perfeitamente possível em sociedades não regidas
pelo mercado e que o comportamento humano, no que diz respeito às questões materiais, é plenamente
previsível.
51

Na Inglaterra, a primeira ministra Margareth Thatcher executou um programa de


contração de emissão monetária; aumento de juros, diminuição dos impostos sobre
rendimentos altos, abolição do controle de fluxo monetário, que resultou no aumento dos
índices de desemprego; diminuição dos gastos sociais e previdenciários, legislação
antissocial, em largo programa de privatizações. Nos Estados Unidos, a variante do modelo
keynesiano foi bem distinta. Na América do Norte, não houve a consolidação de Estado de
bem-estar social propriamente dito, como o modelo que caracterizou a Europa. Na política
externa, o programa neoliberal se concentrou no combate ao anticomunismo. No plano
interno, a ênfase foi no aumento dos juros, diminuição dos impostos em grandes fortunas. Os
países do norte da Europa implementaram uma espécie de neoliberalismo heterodoxo, com
ênfase no controle dos gastos sem atentar diretamente contra o Estado de bem-estar social. No
sul da Europa, partidos tradicionalmente de esquerda promoveram inicialmente reformas
progressistas, mas acabaram por adotar medidas da agenda neoliberal (ANDERSON, 1995).
A adoção de “programas de recuperação fiscal”, por parte dos governos e suas
agências da sociedade política, não foi o único recurso utilizado para reformar a
superestrutura e para transformar a doutrina neoliberal em política de Estado. Para se tornar
hegemônica e dominante, entre as classes dirigentes e dirigidas, a ideologia neoliberal contou
com o auxílio de um conjunto de intelectuais que, a partir de distintas maneiras, aturam na
edificação desse novo bloco histórico no âmbito da sociedade civil. Neste mesmo contexto, no
chão das fábricas, o “fordismo” foi progressivamente substituído por novos métodos de
gestão do trabalho denominados como “gerenciais”, caracterizados por uma intensificação da
exploração e justificados por argumentos como “excelência”, “racionalização” e “mérito”.
Como nos lembra Portelli (1977), inspirado em Gramsci, a sociedade política e a
sociedade civil são estreitamente imbricadas no seio da superestrutura. Sendo assim, para que
um bloco histórico seja formado, é preciso que a estrutura e a superestrutura estejam ligadas
organicamente. Um dos aspectos dessa relação, apontado pelo autor, remete a concepção de
Gramsci (2002) de que qualquer ato ou ideologia orgânica deve ser necessário à estrutura,
servindo assim, para organizar os grupos sociais e dirigi-los de acordo com as condições
socioeconômicas. Outro aspecto é o caráter permanente da superestrutura orgânica, que deve
dirigir os vastos agrupamentos sociais, indo além das pessoas diretamente responsáveis.
(Portelli, 1977). Esse vínculo orgânico, entre estrutura e superestrutura, é assegurado pelos
intelectuais. Segundo Gramsci (2011), os intelectuais orgânicos atuam como funcionários na
superestrutura, atuando em nome da classe social que representam e organizados em partidos
ou Aparelhos Privados de Hegemonia. O marxista italiano distingue diferentes categorias de
52

intelectuais, mas compreende que todos possuem em comum o vínculo mais ou menos
estreito que os liga a uma classe determinada. Os intelectuais, portanto, não formam uma
classe independente. Eles são parte de uma categoria especializada para exercício da função
intelectual, em conexão com todos os grupos sociais mais importantes da sociedade.
A primeira fase da recomposição burguesa, edificada sobre princípios da doutrina
neoliberal ortodoxa, contou com o trabalho de intelectuais de diversas camadas que se
aproveitaram da crise orgânica do bloco histórico fordista/ keynesiano para atuar na disputa
pela direção política do movimento de recomposição burguesa. Nesse movimento de
recomposição burguesa, destacamos dois intelectuais de grande expressão na sistematização e
difusão do neoliberalismo: Friedrich August Hayek (1994; 1999), liberal austríaco, e Milton
Friedman (1988), economista norte-americano, ganhadores do Prêmio Nobel, em 1974 e
1976, respectivamente. Analisaremos aspectos da trajetória e produção destes intelectuais
orgânicos que ajudaram a edificar o neoliberalismo.
Friedrich August Hayek (1994; 1999) é um dos principais intelectuais que atuaram na
elaboração e difusão da ideologia neoliberal, na primeira fase da construção do bloco
histórico Gerencialista/Neoliberal. Autor de vários livros de divulgação da ideologia
neoliberal, Hayek se notabilizou por propor um programa político e um projeto de sociedade
radicalmente oposto ao projeto socialista, adotado pela União Soviética a partir de 1917, e
contra os métodos de regulação da economia, em voga nos países do centro do capitalismo,
entre as décadas de 1950 e 1970. O economista austríaco publicou aproximadamente 30 livros
e 251 artigos. Ao longo de sua trajetória, atuou organicamente pela consolidação da ideologia
neoliberal, iniciando a sistematização do projeto na fase em que o modelo econômico
keynesiano era a referência para a atuação nos governos. Sua obra de referência, Caminhos da
Servidão (1944), foi escrita na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). No
prefácio do texto original, Hayek admitiu que o conteúdo do livro era essencialmente político
e que derivava de um conjunto de valores fundamentais:

Quando um estudioso das questões sociais escreve um livro político, seu


primeiro dever é declara-lo francamente. Este é um livro político. Não quero
disfarçar atribuindo-lhe, como talvez pudesse ter feito - o nome mais
elegante e ambicioso de ensaio de filosofia social. Mas, seja que rótulo for,
permanece a questão central de que tudo que deveria dizer deriva de
determinados valores fundamentais. Espero ter cumprido no próprio livro
uma segunda e não menos importante obrigação: deixar claro, acima de
qualquer dúvida, quais são estes valores fundamentais de que depende toda a
argumentação. Há, no entanto, algo que desejaria acrescentar. Embora este
seja um livro político, tendo a máxima certeza, que nele se expressam não
são de meus interesses pessoais. (HAYEK, 1944, p. 9)
53

Além de admitir seu compromisso com o projeto do livre mercado, Hayek (1994)
assumiu seu papel de levar o projeto para além dos grupos empresariais, direcionando seu
trabalho aos grupos de homens e mulheres afastados dos grandes debates econômicos. Seu
interesse declarado de orientar a opinião pública, em função da liberdade de mercado,
comprova que o intelectual tinha clareza do seu papel de fornecer a amálgama necessária à
estrutura social. Vale ressaltar que não há nesta obra qualquer citação clara de pesquisas
acadêmicas, nem explicitação de fontes primárias, ou qualquer regra exigida em trabalhos
científicos. Sua intenção em penetrar no senso comum com a ideologia neoliberal também foi
expressa neste prefácio da primeira edição:

Se apesar disso passei a considerar a elaboração deste livro como um dever a


que não posso me furtar, tal atitude decorreu, sobretudo, de uma
característica peculiar das atuais discussões acerca dos problemas da futura
política econômica, problemas sobre os quais a população não está de modo
algum suficientemente informada. Refiro-me ao fato de que a maioria dos
economistas esteve no decorrer dos últimos anos, absorvidos pela máquina
da guerra e silenciada pelos seus cargos oficiais, de modo que a opinião
pública no que se refere a esse problema é numa, medida alarmante,
orientada por amadores visionários, que por gente tem um interesse próprio a
defender ou uma panaceia a vender. (HAYEK, 1994, p. 10)

Na tentativa de reabilitar o liberalismo que havia sido suplantado décadas antes pelo
modelo intervencionista keynesiano, o fundador da Sociedade Mont Pèlerin discorreu sobre
supostas aproximações entre o socialismo e o regime nazista alemão, argumentando que o
rigoroso planejamento econômico visava organizar a vida econômica pelo Estado,
transformando o mesmo em principal proprietário dos meios de produção e deslocando os
indivíduos no “caminho da servidão”. Embora seu alvo prioritário tenha sido o socialismo,
Hayek dirigiu críticas contundentes à Social-Democracia, sobretudo às restrições ao mercado
“impostas” pela regulação do Estado e os prejuízos ao individualismo em função da rede de
proteção social, promovida pelo política de bem-estar social:

Essa mistura de ideias contraditórias e com frequência inconsistente que sob


o rótulo de Estado previdenciário, em grande parte substituiu o socialismo
como objetivo dos reformadores, precisa ser analisada com discernimento, se
não quisermos que seus resultados sejam semelhantes ao do socialismo
extremado. Não negamos que alguns de seus alvos, além de praticáveis
sejam louváveis. Mais há muitos meios de buscar o mesmo alvo, e nas
presentes condições há um certo perigo de nossa impaciência de obter
resultados rápidos. [...] (HAYEK, 1994, p. 16)

A crise orgânica do capital que vem mobilizando a burguesia, desde a década de 1970,
oportunizou o retorno do debate sobre a eficácia do liberalismo para a recomposição
54

burguesa. Nessa conjuntura, F. Hayek ganhou notoriedade, sendo condecorado com o Prêmio
Nobel de Economia, em 1974. Apesar das grandes instabilidades política, social e econômica,
que colocaram na pauta do dia a necessidade de revisão do projeto de dominação burguesa,
Hayek, no prefácio da edição americana, avaliou como “calma” a atmosfera de 1975,
considerando o clima propício para a disseminação do projeto neoliberal.

Este livro pretende ser uma contribuição para esta tarefa. Espero que, na
atmosfera mais calma de hoje, seja ele enfim recebido no espirito dentro do
qual foi concebido. Não como uma exortação a resistência contra qualquer
progresso ou experiência, mas como uma advertência para que insistamos
em submeter previamente toda a modificação a certos testes (descritos no
capítulo central que trata do estado de direito) antes de nos comprometermos
a tomar um rumo do qual dificilmente conseguiremos nos afastar mais tarde.
(HAYEK, 1994, p. 16)

Reconhecendo a necessidade de adaptabilidade da ideologia neoliberal para realidades


distintas, o intelectual premiado chamou a atenção para necessidade de flexibilidade para o
êxito do programa de “reformas”:

Os princípios básicos do liberalismo não contém nenhum elemento que o


faça um credo estacionário nenhuma regra fixa e imutável. O princípio
fundamental segundo o qual devemos utilizar ao máximo as forças
espontâneas da sociedade e recorrer o menos possível à coerção pode ter
uma infinita variedade de aplicações. Há em particular enorme variedade de
diferenças entre criar deliberadamente um sistema no qual a concorrência
produzam os maiores benefícios possível, e aceitar passivelmente as
instituições tais como elas são. Talvez nada tenha sido mais prejudicial à
causa liberal do que a obstinada insistência de alguns liberais em certas
regras gerais primitivas, sobretudo o princípio do laissez-faire. Contudo, de
certa maneira essa insistência era necessária e inevitável. Diante de
inumeráveis interesses a demostrar que certas medidas teriam benefícios
óbvios e imediatos a alguns, ao passo que o al por elas causado era muito
mais indireto e difícil de perceber, apenas regras fixas e imutáveis teriam
sido eficazes. E como se firmara uma forte convicção de que era
imprescindível haver liberdade na área industrial, a tentação de apresentar
como regra sem exceções foi grande demais para ser evitada. (HAYEK,
1994, p. 43)

Ao definir os princípios básicos da ideologia neoliberal, o economista austríaco F.Hayek


(1999) enfatizou que a “ordem espontânea” seria baseada em normas abstratas, que deixa os
indivíduos livres para utilizarem seus próprios conhecimentos na consecução de seus
objetivos (HAYEK, 1999, p. 49). A “ordem espontânea” conteria organizações, dentre elas o
próprio governo, com funções distintas das economias planejadas – chamada por ele de
“organização” ou “arranjo”. Em contraste com o projeto socialista e com o modelo
estabelecido pela Social-Democracia no pós-guerra, o filósofo da sociedade espontânea
55

desconstrói a ideia de bem comum ou bem público, centrando-se na promessa de proporcionar


melhores oportunidades aos indivíduos e de utilizarem com sucesso seus conhecimentos para
consecução de seus objetivos. Defende que os governos devem se restringir à aplicação das
regras uniformes de conduta justa e a atuar em serviços que não interesse ao mercado ou em
atividades que os empresários não fossem capazes de executarem.
Hayek (1999) trabalha com o conceito de “conduta justa” para contrapor-se aos
conceitos de “igualdade social” que fundamentaria o projeto socialista e ao princípio de
“justiça social”, que orientaria o programa social-democrata. Hayek argumenta que os
esforços para assegurar a distribuição “justa” teriam levado a transformação da ordem
espontânea em uma ordem totalitária. A crítica se direciona igualmente à Social-Democracia
europeia, que teria produzido os “vários degraus” que teriam destruído, gradualmente, as
fundações em que deveria repousar uma ordem espontânea.” (HAYEK, 1999, p.57). Assim
definiu os quatro pontos capital da conduta justa:

As regras de conduta justa podem exigir que os indivíduos


levem em consideração, em suas decisões, apenas as
consequências de seus atos que ele possa prever. Os resultados
concretos da catalaxia para as pessoas especificas são, no
entanto essencialmente imprevisível; e como não são o efeito do
desígnio ou das intenções de quem quer que seja, não faz sentido
descrever como justa ou injusta a forma pela qual o mercado
distribui as coisas boas deste mundo entre as pessoas especificas.
Mas esse é o objetivo da chamada justiça social ou distributiva,
em nome da qual a ordem jurídica liberal está sendo
progressivamente destruída. Mais tarde veremos que ainda não
se encontrou, nem se pode encontrar um teste ou um critério
pelos quais se possa avaliar tais regras de “justiça social” e que,
em consequência, e em contraste com as regras de conduta justa,
elas teriam de ser determinada pela vontade arbitraria dos
detentores de poder. (HAYEK, 1999, p.53)

Hayek (1994) legitima as desigualdades sociais geradas pelo capitalismo e agudizadas


pela livre concorrência do mercado, naturalizando a concentração de riquezas entre a classe
dominante. As tentativas de correção do desequilíbrio do sistema, por meio de uma ampla
rede de proteção social, teriam sido os grandes entraves para o livre crescimento da sociedade
espontânea. A partir desta premissa, o intelectual defende que o “Estado” deve garantir um
mínimo suficiente para conservar a saúde e a capacidade de trabalho. A proteção do
“Estado” 18 seria justificável ainda em casos de catástrofes naturais e para auxiliar em
circunstâncias em que os indivíduos não fossem capazes de prever (HAYEK, 1994). O

18
Hayek, inspirado no conceito de Estado da matriz liberal, compreendeu o Estado como um sujeito,
onipresente, onisciente, que paira acima da sociedade.
56

segundo ponto da conduta justa defendido por Hayek remete-se às necessidade de não
limitação das ações dos indivíduos em função de valores morais. O planejamento
empreendido pelo governo, com objetivo de atingir a justiça, é apontado como um empecilho
ao êxito do sistema de livre concorrência, tornando a posição dos indivíduos e dos grupos
vulneráveis às condições políticas predominantes.

Nenhuma ação humana específica é integralmente determinada sem um


objetivo concreto que ela pretenda atingir. Homens livres a quem se permita
o uso de seus próprios meios e de seu próprio conhecimento para a
consecução de seus próprios objetivos não deve estar sujeito a regras que lhe
digam o que devem positivamente fazer , mas somente as regras que lhe
digam o que não devem fazer; com exceção do cumprimento das obrigações
que o indivíduo voluntariamente contraiu, as regras de conduta justa
simplesmente delimitam, assim, a gama das ações permissíveis, mas não
determina as ações que um homem deva executar em um determinado
momento. (HAYEK,1999, p.53).

Os rendimentos pagos aos indivíduos não deveriam ser calculados em função de um


padrão absoluto e universal de justiça. Segundo Hayek (1994), as remunerações deveriam ser
determinadas em parte pelo acaso ou pela boa ou má-sorte, e a estratégias de redução das
desigualdades de oportunidades só seriam justificáveis desde que não interferissem no caráter
impessoal do processo em que cada um deveria assumir os próprios riscos. Neste sentido,
Hayek classifica “injustiça” partindo de parâmetros distintos da concepção corrente de justiça
social:
A injustiça proibida pelas regras de conduta justa é qualquer intromissão
no domínio protegido de outros indivíduos, e elas devem, portanto, nos
permitir certificar-nos quanto à esfera protegida dos demais. Desde o
tempo de John Locke, tem se costumado descrever esse domínio
protegido como a propriedade (que o próprio Locke definiu como “a
vida, a liberdade e as posses de um homem”). Esse termo sugere, no
entanto, uma concepção demasiada estreita e puramente material do
domínio do protegido, que se compõe não apenas de bens materiais, mas
também de vários direitos sobre outrem e de certas expectativas. Se o
conceito de propriedade for, no entanto (com Locke) interpretado no
sentido amplo, ver-se-que é verdade no sentido de regras de justiça, e a
instituição da propriedade são inseparáveis. (HAYEK, 1999, p.54)

O principal fundamento do liberalismo, o direito à propriedade privada, é defendido como a


mais importante garantia de liberdade, até para aqueles indivíduos que não são proprietários.
Seguindo sua exposição, em contraste com o projeto socialista e o modelo keyneisiano de
administração pública, o controle dos meios de produção, espalhados entre muitas pessoas,
beneficiaria toda a sociedade, por evitar a concentração dos poderes em uma única entidade
ou um ditador. No livro Caminhos da Servidão (1994), Hayek compara o poder de um
57

empresário multimilionário sobre seus empregados com o poder de um burocrata,


representante do Estado. Conclui, afirmando que é preferível um mundo com ricos poderosos
a um mundo em que só os poderosos podem adquirir riquezas. O último elemento
característico da “conduta justa” hayekiana diz respeito ao senso de justiça das regras
aplicadas à sociedade:

É impossível decidir quanto à justiça de qualquer regra especifica de conduta


justa a não ser dentro da estrutura de um sistema integral e tais regras, a
maior parte das quais para esse fim, deve ser considerada como não
questionada: sempre se podem testar valores, mas somente em termos de
outros valores. O teste de justiça de uma regra é geralmente (desde Kant)
descrito como o de sua “universabilização”, isto é da possibilidade de
desejar que as regras sejam aplicadas a todas as instâncias que correspondem
às condições nela contida (“o imperativo categórico”). O que isso significa é
que na sua aplicação a quaisquer circunstância concretas, ela não entre em
conflito com quaisquer outras regras aceitas. O teste é assim, em última
análise, o da compatibilidade ou não contraditoriedade de todos os sistemas
de regras não apenas no sentido lógico mas no sentido de que o sistema de
ações permitidos pelas normas não leve a conflitos. (HAYEK, 1999, p.54).

A sociedade liberal pauta-se na premissa de que o indivíduo deve ser obrigado a


obedecer somente às regras do direito privado e criminal. Nesta perspectiva, as regras
baseadas no conceito de justiça positiva (social e distributiva) levariam à transformação da
sociedade de mercado em uma sociedade totalitária, por incidir sobre a liberdade individual.
De acordo com Hayek, só quando os indivíduos são responsáveis pelos seus interesses e livres
para sacrificá-los, suas decisões têm valor moral. Assim, enfatiza que os membros de uma
sociedade que são compelidos a fazerem sempre o que é justo, não têm direito ao louvor
(HAYEK, 1994). Neste sentido, o trabalho voluntário, visto como um valor necessário para
garantir a liberdade do indivíduo e a liberdade na esfera da concorrência, deveria ser encarado
como uma virtude dos indivíduos, pois isto dependente apenas de seu livre arbítrio. Desta
forma, julga que a responsabilidade do indivíduo seria mais valiosa se fosse construída não a
partir de uma exigência superior, mas perante sua própria consciência. Deixar a economia de
lado para construir um mundo justo parecia, para Hayek, “uma atitude de todo irresponsável”
(HAYEK, 1994, p.190). Para o intelectual, a única possibilidade de se construir um mundo
decente era continuar a melhorar o nível geral da riqueza, pois em sua crença, as democracias
modernas entrariam em colapso se houvesse a necessidade de redução dos padrões de vida em
tempos de paz ou mesmo a estagnação prolongada das condições econômicas.
Milton Friedman (1988) foi outro grande formulador e divulgador da ideologia
neoliberal, vinculado também à Sociedade de Mont Pelerin e premiado com Nobel de
58

economia nos anos de crise de hegemonia do bloco histórico fordista/keynesiano. No início de


sua carreira, Friedman trabalhou para o Conselho Nacional de Recursos dos Estados Unidos,
órgão responsável por fazer inquérito junto aos consumidores para o governo norte
americano. Entre 1941 e 1943, trabalhou como conselheiro do Tesouro dos Estados Unidos.
Três anos depois, foi convidado pela faculdade de Chicago para ensinar teoria econômica,
onde constituiu um grupo de influentes intelectuais, que ficou conhecido como Escola de
Chicago. Em seu livro Capitalismo e Liberdade, formulado a partir de uma série de palestras
que proferiu no Wabash College, em 1956, se contrapôs ao modelo de gestão política
keynesiano e defendeu o programa pautado na bandeira do “capitalismo competitivo”19. De
acordo com o liberal norte americano, a palavra “neoliberalismo” estava sendo usada para
substituir o liberalismo clássico, em função da distorção da teoria por parte dos defensores da
política do Estado de bem-estar social:

A partir do século XIX, e especialmente depois de 1930, nos Estados


Unidos, o termo liberalismo passou a ser associado a predisposição de
contar, principalmente com o Estado- em vez de contar com a providencia
privada voluntária- para alcançar os objetivos considerados desejáveis. A
palavra chave era agora bem estar e igualdade, em vez de liberdade. O
liberal do século XIX considerava a extensão da liberdade como o meio mais
efetivo de promover o bem estar e a igualdade; o liberal do século XX
considera o bem-estar e a igualdade ou como pré- requisito ou como
alternativa para a liberdade. Em nome do bem estar e da igualdade, o liberal
do século XX acabou por favorecer o renascimento das mesmas políticas de
intervenção estatal e paternalismo contra as quais tinha lutado o liberalismo
clássico. No momento exato em que faz recuar o relógio para o
mercantilismo do século XVII, acusa os verdadeiros liberais de serem
reacionários. (FRIEDMAN, 1989, p. 61).

Em conjunto com Hayek e outros intelectuais, Friedman contribuiu com a


sistematização e difusão da ideologia neoliberal, lançando mão de argumentos que contra-
atacavam os modelos econômicos intervencionistas. Discutiu temas como a relação entre a
liberdade econômica e a liberdade política, o papel do governo na sociedade neoliberal, o
controle do dinheiro, as finanças internacionais, a política fiscal, o papel do governo na
educação, a discriminação na sociedade capitalista, monopólio e responsabilidade social do
capital e do trabalho, licença dos trabalhadores, distribuição de renda e o problema da
pobreza. Em nome da liberdade individual, defendeu a reorganização do “Estado”,
compreendido como pressuposto neoliberal, para garantir essencialmente a defesa da ordem

19
Como foi dito no início deste capítulo, a expressão “capitalismo competitivo” não traduz a fase de
desenvolvimento do capitalismo a qual Milton Friedman se refere. Como sustentou Lenin, (1917) desde o século
XIX, as empresas estavam organizadas em grandes conglomerados para monopolizar a economia e expandir o
capital para outras nações. Cif (Lenin, 1987)
59

do grande capital, a partir de uma reorientação focada na preservação da lei e da ajuda aos
capitalistas para explorem o mercado de forma mais eficaz, e na garantia à sobrevivência de
grupos restritos de indivíduos. Por outro lado, defendeu a necessidade de limitação dos
poderes do governo, para casos como:

Primeiro: os objetivos do governo deveriam ser limitados. Sua principal


função deve ser proteger nossas liberdades individuais contra os inimigos
externos e contra nossos próprios compatriotas: preservar a lei e a ordem,
reforçar os contratos privados; promover mercados competitivos. Além desta
função principal, o governo pode algumas vezes, nos levar a fazer em
conjunto o que seria mais difícil ou dispendioso fazer separadamente.
Entretanto, qualquer ação do governo nesse sentido representa um perigo.
Nós não podemos nem devemos evitar o governo nesse sentido. Mas é
preciso que haja uma boa e clara quantidade de vantagens, antes que o
façamos. É contanto, principalmente com cooperação voluntária e a empresa
privada tanto na atividade econômica quanto em outra, que podemos
constituir o setor privado em limite contra o governo e uma proteção efetiva
a nossa liberdade de palavra religião e pensamento. (FRIEDMAN, 1988, p.
12).

De acordo com Friedman, o êxito dos indivíduos e do mercado depende que os poderes
essenciais para organização da sociedade sejam redistribuídos entre os entes federados do
país:
O segundo grande princípio reza que o poder deve ser distribuído. Se o
governo deve exercer poder é melhor que seja no condado do que no estado,
e melhor no estado do que em Washington. Se eu não gostar do que minha
comunidade faz em termos de organização escolar ou habitacional, posso
mudar para outra e, embora muito possam tomar esta iniciativa, a
possibilidade como tal já constitui um controle. Se não gostar do que faz o
meu estado, posso mudar-me para outro. Se não gostar d que Washington
impõe, tenho muito poucas alternativas nesse mundo de nações ciumentas.
(FRIEDMAN, 1988, p. 12)

A estratégia de conquistar a adesão de amplos setores da sociedade ao projeto


neoliberal levou Friedman (1988) a apresentar, inclusive em programas de televisão, as
vantagens oferecidas por uma economia de livre mercado ao cidadão comum, dando destaque,
em primeiro plano, a possibilidade do indivíduo optar por instituições que melhor atendessem
as suas exigências. Em segundo plano, o intelectual apresenta os ganhos que a burguesia teria
em função de poder escolher os estados que melhor vantagens lhe oferecesse, como menos
impostos, menos encargos trabalhistas e maiores possibilidades de lucro. Com essa
argumentação, Friedman deu aos interesses da classe dominante a aparência de
universalidade, caracterizando-os como fundamentais a todos os integrantes da sociedade,
independente da sua posição na esfera da produção. O papel do “Estado” enquanto uma
espécie de árbitro do mercado, foi definido com mais clareza neste trecho:
60

A existência de um mercado livre não elimina, evidentemente, a necessidade


de um governo. Ao contrário, um governo é essencial para a determinação
das “regras do jogo” e um arbitro para interpretar e pôr em vigor as regras do
jogo estabelecidas. O que o mercado faz é reduzir sensivelmente o número
de questões que devem ser decididas por meios políticos- e por isso
minimizar a extensão em que o governo tem que participar do jogo. O
aspecto característico da ação política é o de exigir ou reforçar uma
quantidade substancial. A grande vantagem do mercado, de outro lado é
permitir uma grande diversidade, significando em termos políticos um
sistema de representação proporcional. (FRIEDMAN, 1988, p. 23)

Em relação às políticas sociais, a pedra de toque do Estado de bem-estar social,


Friedman considera pertinente diferenciar as crianças e os insanos do restante dos indivíduos.
A partir desta diferenciação, o Estado restringiria o número de pessoas dependentes dos
benefícios governamentais, considerando que o chamado “paternalismo” deveria ser
destinado apenas ao grupo dos “irresponsáveis”. As considerações de Friedman sobre a
educação também foram feitas para servirem de base para um projeto alternativo à política
educacional, que estava sendo operada nos países europeus. Friedman questiona o
financiamento e a administração realizada por entidades governamentais ou instituições sem
fins lucrativos. O intelectual orgânico do neoliberalismo considerava que o “Estado” deveria
se responsabilizar apenas pela educação elementar, pois o ganho com o mínimo de instrução
não seria desfrutado apenas pela criança e seus pais, em função deste nível de instrução
contribuir para a promoção de uma sociedade estável e democrática. No entanto, como o
“Estado” não poderia simplesmente obrigar as famílias a matricularem seus filhos na escola
primária, mediante a ameaça de perda de sua criança, caso não cumprisse com esta obrigação,
poderia auxiliar as famílias com subsídios, destinados apenas às famílias necessitadas. À
medida que o nível geral de vida aumentasse, a necessidade de tal subsídio também
diminuiria, o que desobrigaria o “Estado” a sustentar as escolas e também evitaria que o
governo a administrasse. Friedman descreve este sistema:

O governo poderia exigir um nível mínimo de instrução financiada dando


aos pais uma soma máxima anual por filho, a ser utilizada em serviços
educacionais “aprovados”. Os pais poderiam usar essa soma e qualquer outra
adicional acrescentadas por eles próprios na compra de serviços
educacionais numa instituição “aprovada” de sua própria escolha. Os
serviços educacionais poderiam ser fornecidos por empresas privadas com
fins lucrativos, ou por instituições sem finalidade lucrativa. O papel do
governo estaria limitado a garantir que as escolas mantivessem padrões
mínimos tais como a inclusão de um conteúdo mínimo comum em seus
programas da mesma forma que a obediência à padrões sanitários mínimos.
Excelente tipo de programa deste tipo é o programa educacional dos Estados
Unidos para veteranos da Segunda Guerra Mundial. Cada veterano recebia a
soma máxima por ano que poderia ser aplicada em qualquer instituição de
61

sua escolha, desde que apresentasse padrões mínimos. Exemplo mais


limitado pode ser encontrado na Inglaterra, onde as autoridades locais pagam
as mensalidades de alguns estudantes que frequentam escolas particulares.
Na França também há exemplo de governo pagar parte dos custos dos
estudantes que frequentavam escolas não estatais. (FRIEDMAN, 1988, p.
84)

Assim como para toda a “sociedade de mercado”, o papel do “Estado” deveria ser
limitado à fiscalização das condições mínimas para o funcionamento da empresa escolar.
Novamente, sobressalta-se o princípio de liberdade de escolha dos pais, escamoteando o
interesse principal de eliminar a empresa estatal da concorrência do mercado escolar:

A escola administrada pelos governos estão disponíveis mas não são


compulsórios. Entretanto, a ligação existente entre o financiamento da
instrução e sua administração coloca as outras escolas em posição de
desvantagem: elas obtém pouco ou nada dos fundos do governos para a
instrução - uma situação que tem originado sérias disputas políticas,
particularmente na França e agora nos Estados Unidos. A eliminação desta
desvantagem forneceria as escolas paroquias e tornaria mais difícil o
problema de chegar a base comum de valores. (FRIEDMAN, 1988, p. 84).

De acordo com o liberal norte americano, outro problema relacionado à administração da


escola pelo “Estado” seria a pressão exercida pelos sindicatos dos trabalhadores nas
negociações salariais. Os professores estariam ganhando salários superiores aos profissionais
de outras áreas em função do possuírem o “controle principal” na relação capital x trabalho. A
uniformização dos salários impediria que o pagamento fosse feito em função do mérito e da
produtividade. A escola administrada pela iniciativa privada promoveria a competição entre
os professores e neutralizaria o poder dos sindicatos na fixação dos salários:

Com relação aos salários dos professores, o principal problema não é de


serem em média tão baixos – eles podem até mesmo serem muito altos em
média, mas o de serem demasiadamente uniformes e rígidos. Professores de
nível baixo têm salários muito altos e bons professores têm salários muito
baixos. Os níveis de salários tendem a ser uniformes e determinados por
tempo de serviço, diplomas obtidos de curso- mais do que por mérito. Isso
também, em grande parte, é o resultado do atual sistema de administração
governamental das escolas, e torna-se mais grave à medida que a área sobre
a qual o governo exerce controle torna-se maior. Aliás, esse é o motivo
porque as organizações educacionais profissionais são tão entusiasticamente
favoráveis ao Estado, do estado ao Governo Federal. Em toda organização
burocrática, as escalas de salários padronizadas são quase inevitáveis e
praticamente impossível de se estimular uma competição por mérito. Os
educadores, o que significa os próprios professores, passam a exercer o
controle principal. A comunidade local passa a exercer o controle menor. Em
qualquer área seja a da carpintaria ou a do magistério, a maioria dos
trabalhadores é favorável à escala de salários padronizados e opõe-se a
diferença baseada no mérito, pela razão óbvia de que os especialmente
talentosos são poucos. Trata-se de um caso especial da tendência geral que
62

as pessoas têm de se associarem para fixar preços por meio de sindicatos ou


por monopólios industriais. Mas esse tipo de acordo é sempre destruído pela
competição, a não ser que o governo os oficialize ou pelo menos de apoio
razoável. (FRIEDMAN, 1988, p.89)

Ao longo de sua trajetória, Milton Friedman se opôs fortemente ao poder de


mobilização dos sindicatos dos trabalhadores, argumentando ser este um “monopólio”
prejudicial para a sociedade em geral e para os trabalhadores como um todo. Em sua visão, os
sindicatos fortes conseguiam aumentar ainda mais o salário de determinadas profissões,
tornando um volume menor de empregos disponíveis nestes ramos. Em contrapartida, as áreas
com salários mais baixos estariam disponíveis à grande maioria dos trabalhadores. Sendo
assim, responsabiliza os sindicatos por tornarem os salários da classe trabalhadora mais
desigual e por reduzirem as oportunidades disponíveis aos trabalhadores com menor
formação. No caso especifico dos sindicatos de professores, sua pressão seria impeditiva para
remuneração diferenciada para um reduzido grupo de professores talentosos.
Diverso do que expôs Friedman (1988), os altos salários, característicos de setores
restritos da classe trabalhadora no modo de organização fordista da produção, não afetavam
os lucros das empresas, pois garantiam um mercado consumidor para a expansão da produção,
afastavam os trabalhadores do projeto socialista e proporcionavam ao bloco no poder o
consenso necessário para a direção moral e política da sociedade. O investimento do dinheiro
público em educação de nível superior é considerado, pelo liberal norte americano, como algo
inaceitável. O Estado não deveria subvencionar qualquer instituição de nível superior em
função de acarretar desigualdades na competição entre as instituições públicas, privadas e
comunitárias, além de inibir a ação empreendedora empresarial. Além de cobrarem
mensalidades bem mais baixas que as universidades não subvencionadas, o investimento
público não se justificava pela necessidade de difusão de uma base de valores comuns, em
função dessa necessidade ter sido suplantada pela universalização da escola primária no
século XX. A nova problemática da universidade seria garantir a diversidade, que só seria
possível pela via privada. Sobre a educação profissional, no entanto, Friedman considera este
um investimento em capital humano equivalente ao investimento em capital físico,
considerando a taxa de retorno sobre o investimento em treinamento muito mais alto que a
taxa de investimento em capital físico, apesar de reconhecer o investimento em capital
humano como inseguro para o investidor, pois:

Num Estado em que não existe escravatura, o indivíduo que representa o


investimento não pode ser comprado ou vendido. Mesmo se pudesse a
segurança não seria a mesma. A produtividade do capital físico não depende
63

em geral da cooperação do que tomou emprestado. A produtividade do ser


humano está evidentemente presa a esta dependência. Um empréstimo para
financiar um o treinamento de um indivíduo, que não tem nada a oferecer a
não ser os seus ganhos futuros, é portanto, bem menos atrativo do que um
empréstimo para financiar a construção de um prédio- a garantia é menor e o
custo do recolhimento dos juros e do principal é bem maior. (FRIEDMAN,
1988, p.94).

Neste sentido, considerando que o investimento em treinamento é arriscado, em


função da ampla variação, como morte, invalidez, capacidade, energia, sorte, Friedman
defende que a intervenção do governo nesta área deve se restringir à criação de uma agência
responsável por oferecer a soma anual limitada durante número específico de anos para
financiar treinamento em uma instituição reconhecida. O indivíduo que recorresse ao
financiamento deveria concordar em pagar ao governo, a cada ano futuro, determinada
percentagem de sua renda superior a uma soma fixada para cada 1000 dólares recebidos do
governo. O indivíduo que recebesse o treinamento estaria arcando com os custos do
investimento. O desenvolvimento dos programas apresentados neste compêndio, segundo
Friedman (1988), tornaria o capital disponível de modo mais amplo e contribuiria para tornar
real a igualdade de oportunidades, diminuindo as desigualdades de renda e de riqueza, e
promovendo o uso completo dos novos recursos humanos.
O projeto educacional defendido por Friedman (1988) influenciou importantes
princípios que foram incorporados em estudos desenvolvidos no campo da Sociologia da
Educação norte americana, nas décadas de 1950 e 1960. Neste período, também marcado pela
Guerra Fria (1945-1991) entre os países do bloco socialista e os países do bloco capitalista, o
treinamento, em vez do desenvolvimento do indivíduo, passou a ser o novo objetivo
educacional, conforme salienta Oliveira (1992). As escolas norte-americanas mudaram o
conteúdo, as práticas pedagógicas, o processo de avaliação, tendo em vista a crença de que a
homogeneização da sociedade americana já havia sido alcançada, devendo a educação se
ocupar da missão externa, preparando os recursos humanos, mediante a qualificação para
atender as necessidades do complexo industrial militar. As reorientações do sistema
educacional ganharam uma fundamentação teórica mais elaborada com a teoria do Capital
Humano, desenvolvida por Theodore Schultz (1961), segundo a qual a recuperação
econômica dos países que sofreram grande destruição durante a Segunda Guerra Mundial só
foi possível com investimentos em termos de pessoal qualificado. Segundo Oliveira (1972), a
partir dessa tese, o progresso econômico passou a ser justificado pelo montante e pela
64

qualidade de seus recursos humanos e, em contrapartida, os países mais pobres ocupavam


estas posições em virtude de sua carência em investimento capital humano.
Os intelectuais organizados na Sociedade de Mont Pelerin difundiram a ideia que
mundo construído após a Segunda Guerra Mundial (1945) foi envolto por uma grande crise
moral e ética, na qual os principais valores da civilização ocidental estavam ameaçados pelo
terror do poder arbitrário e tirano das ideologias totalitárias. A ofensiva do intervencionismo
estatal e do planejamento centralizado também impactaria negativamente a propriedade
privada e os mercados competitivos. Propondo-se a recompor os valores capazes de resgatar a
liberdade e a dignidade humana, este aparelho ideológico da classe dominante elencou seis
pontos fundamentais: 1) um estudo da natureza da crise com destaque para fatores morais e
econômicos; 2) a redefinição do papel do Estado, distinguindo-se liberalismo de totalitarismo;
3) o restabelecimento do regime da lei; 4) a defesa do livre mercado; 5) o combate aos credos
hostis a liberdade; 6) a criação de uma ordem internacional assegurada na paz; a liberdade e
da harmonia nas relações econômicas internacionais (MONT PÉLERIN, 1947, apud
CASTELO, 2009, p 219)
Essa harmonia necessária para assegurar a expansão do capital e reestruturar a
hegemonia burguesa não foi garantida com a adoção do projeto neoliberal, pautado em
princípios difundidos, desde os anos 1940, pelos intelectuais orgânicos da Sociedade de Mont
Pelerin. A partir do final da década de 1980 e início dos 1990, a defesa das desigualdades
sociais como estímulo da produtividade do trabalho no capitalismo demonstrou não ser mais
capaz de retomar os índices de expansão do capital, verificadas nas décadas anteriores, nem
aplacar as contradições da luta de classes. Seria necessária uma revisão no movimento de
recomposição burguesa.

2.3- Fissuras no Bloco Histórico Neoliberal e o segundo movimento da recomposição


burguesa

No balanço dos quinze anos de aplicação da agenda neoliberal nos países europeus e
nos Estados Unidos, o historiador Perry Anderson (1994) concluiu que o programa cumpriu
algumas de suas promessas. Esse êxito se concentrou no combate à inflação, na recuperar das
taxas de lucros das empresas, na diminuição dos impostos das rendas maiores e na contenção
da massa salarial que havia crescido nas décadas anteriores. No entanto, apesar do êxito
nesses quatros aspectos, as reformas não garantiram a expansão do sistema capitalista. O
aumento dos lucros não aumentou as taxas de inversão produtiva, pois essa conjuntura
65

favoreceu a desregulamentação financeira e a explosão do mercado de cambio internacional.


Contraditoriamente ao principal preceito do neoliberalismo, os gastos públicos com seguro
desemprego e aposentadoria aumentaram significativamente. Esse período também expressa
uma ofensiva generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora e contra as
condições vigentes do Bloco Histórico Fordista /Keiyneisiano, como expressa Ricardo
Antunes (1999):

Uma vez encerrado o ciclo expansionista do pós guerra, presenciou-se então


a completa desregulação dos capitais produtivos transnacionais, além da
forte expansão e liberalização dos capitais financeiros. As novas técnicas de
gerenciamento da força de trabalho, somadas a liberação comercial e as
novas formas de domínio técnico- cientifico, acentuaram o caráter
centralizador e destrutivo deste processo, que tem como núcleo central os
países do capitalismo avançado, particularmente a sua tríade composta pelos
EUA e o Nafta, a Alemanha à frente da União Europeia e o Japão liderando
os países asiáticos, com o primeiro bloco exercendo papel de comando.
(ANTUNES, 1999, p. 10)

A política neoliberal acabou por intensificar as contradições do capitalismo,


provocando a mobilização da resistência organizada nos instrumentos históricos de luta da
classe trabalhadora (partidos, sindicatos e movimentos sociais) no Brasil e no mundo.
Segundo Anderson (1994), as medidas de arrocho fiscal e os consequentes cortes em políticas
sociais, além das privatizações de empresas estatais, não foram capazes de garantir o aumento
das taxas de lucros desejadas. Não foram também capazes de conter o crescimento do
desemprego e diminuir os índices de pobreza. Diante desse quadro, os grupos dominantes,
tanto do centro quanto da periferia do capitalismo, reformularam suas táticas para garantir
hegemonia. A partir de então, o tema “justiça social” passou integrar os debates dos
construtores do novo bloco histórico neoliberal.
As mudanças de orientação na recomposição burguesa foram, segundo Castello
(2013), um suave ajuste que manteve os princípios do neoliberalismo, formulado na
Sociedade de Mont Pelerin em sua essência. As frações da classe dominante entenderam que
era preciso remover as barreiras e promover o aprofundamento das medidas liberalizantes,
dando ênfase aos mecanismos de mercados na produção da riqueza e, ao mesmo tempo,
reconhecer suas falhas no que diz respeito a distribuição de renda, além dos problemas
ambientais. Nessa nova reconfiguração, o “Estado” continuou seguindo a lógica da retomada
do crescimento das taxas de lucro, da estabilidade monetária, do equilíbrio fiscal, da
desoneração dos impostos dos ricos, da desestabilização do poder dos sindicatos e do controle
social sobre a força de trabalho. (CASTELO, 2013, p. 244).
66

A constatação da insuficiência do “neoliberalismo ortodoxo”, segundo Martins (2009),


não pode ser confundida com um resgate da teoria Keynesiana As novas proposições
correspondem a uma releitura do neoliberalismo para se adaptar à realidade do mundo pós-
guerra fria. As forças neoliberais passaram a reconhecer que a participação popular poderia
ser considerada articuladora da nova sociabilidade e não como um fenômeno a ser contido.
Segundo Martins (2009), a simples eliminação das políticas sociais, como defendia Friedrich
Hayek, ou sua precarização, como as praticadas pelos governos neoliberais, não parecia
apropriado às sociedades que haviam atingido um nível alto de proteção social e guardam um
potencial de mobilização social. A novidade, formulada e propagandeada por agências
multilaterais e por velhos e novos Aparelhos Privados de Hegemonia, era de que o Estado
passaria a exercer uma função reguladora das atividades econômicas e atuaria em parceria
com setor privado na promoção de políticas sociais assistencialistas para setores da população
considerados “vulneráveis”. Dessa forma, o bloco no poder passou a defender a aliança entre
crescimento econômico e justiça social. Os ajustes feitos na teoria neoliberal não romperam
com a concepção de “Estado” atemporal, sujeito, portador de uma razão própria (Poulantzas,
1974).
O insucesso da implementação do programa neoliberal pelos partidos conservadores
na Europa, particularmente na Inglaterra, durante o governo da Primeira Ministra Margareth
Thatcher, e nos Estados Unidos, durante os mandatos do Presidente Ronald Reagan, exigiram
da burguesia a reformulação do projeto de dominação. Para assegurar o consenso dos
subalternos mediante o questionamento das medidas adotadas nos países do centro e da
periferia do capitalismo, a partir da década 1990, novas adaptações foram sistematizadas. A
crise, no movimento de recomposição burguesa, não seria sucedida por um projeto
revolucionário. Analisando as vicissitudes do capitalismo moderno, Gramsci (2002) observou
que, por décadas, o projeto da classe dominante demonstrou sua capacidade de assimilar as
proposições e anseios subalternos, retirando-lhes qualquer resquício de sua expressão
revolucionária, em um movimento caracterizado pela força hegemônica da burguesia frente às
demandas da classe trabalhadora, materializado em processos de transformação
“moleculares”. (GRAMSCI, 2002). Nesse sentido, compreendeu que o aspecto restaurador
não anularia a existência de elementos objetivos de modificação, que poderiam contribuir com
o deslocamento das condições da correlação de forças entre as classes sociais. Partindo desta
mesma premissa, Coutinho, analisando Gramsci (2010), compreende que a proposta
reformista da socialdemocracia, posta em prática na década de 1990, abandonou qualquer
disposição em realizar transformação, mesmo que molecular, configurando-se na realidade
67

em uma “contrarreforma”. Enquanto no processo de “revolução passiva” existem


“restaurações” que acolhem parte das exigências dos subalternos, na contrarreforma “é
preponderante não o momento do novo, mas precisamente o do velho” (COUTINHO, 2010,
p. 35).
O social-liberalismo e suas variadas expressões constitui-se um em programa político
que visou ordenar um compromisso social amplo, que torne concreto a realização de desejos
históricos amplos da burguesia mundial (MARTINS, 2009). Conforme salienta Martins, o
programa social liberal destinou orientar a elaboração teórica e a intervenção prática das
forças comprometidas com o capital, com vistas à restauração ampliada da hegemonia
burguesa. Anthony Giddens (2005), Alain Touraine (1999), Joseph Stiglitz (1999) e Pierre
Rosanvallon (1998,2014) foram alguns dos intelectuais orgânicos do campo da filosofia que
atuaram neste sentido. Com base nos trabalhos destes mediadores da recomposição burguesa e
nos estudos de Castelo (2013) sobre suas formulações, apresentaremos aspectos centrais de
seus trabalhos.
O sociólogo Antony Giddens (2005) é um dos principais intelectuais orgânicos no
projeto social liberal. Professor da Universidade de Cambridge, desde 1969, onde conquistou
o título de Professor Titular em 1985, Antony Giddens é considerado um grande pesquisador
no campo da sociologia, tendo publicado mais trinta livros ao longo de sua carreira. Desde a
década de 1990, expressa seus interesses sobre os debates acerca da modernidade, da
globalização, da política e sobre os impactos da modernidade sobre o social e a vida pessoal
dos indivíduos. Sua obra tem influenciado muitos programas políticos contemporâneos.
Durante toda a década de 1990, Giddens foi assessor do ex- primeiro ministro britânico Tony
Blair. Embora tenha como principal referência a formação social britânica, Giddens
preocupava-se em construir uma formulação teórica para substanciar programas políticos de
orientação, tanto de “esquerda” quanto de “direita”20, de um amplo número de países, que na
prática, vinham aplicando medidas pontuais:

Meu principal ponto de referência é a Grã – Bretanha, embora muito de


minha argumentação tenha um âmbito mais vasto. No Reino Unido, como
em muitos outros países no momento, a teoria está em atraso em relação a
prática. Despojados das velhas certezas, governos que proclamam
representar a esquerda estão criando política, sem pensar no que estão
fazendo. É preciso pôr carne teórica no esqueleto de uma prática política.

20
Um dos traços marcantes do movimento de recomposição burguesa, a partir do viés social liberal, é e esforço
contumaz em promover a ideia de que não há mais distinção entre os projetos da classe trabalhadora, definidos
tradicionalmente como “esquerda” e os projetos das frações dominantes, identificados com a expressão “direita.
Essa interpretação sugere que a ideologia social liberal suplantaria o antagonismo entre as classes sociais
fundamentais, promovendo o equilíbrio entre as demandas dos trabalhadores e dos proprietários.
68

Não apenas por endossar o que estão fazendo, mas para fornecer aos
políticos maior senso de direção e propósito. Pois a esquerda, é claro, sempre
esteve ligada ao socialismo e, pelo menos como um sistema de
administração econômica, o socialismo não existe mais. (GIDDENS, 2005,
p.12)

O trabalho de elaboração e divulgação do projeto social liberal, defendido por Giddens


como “Terceira Via,” foi iniciado a partir de encontros informais com Ian Hargreaves e Golff
Mulgan que resultaram em um documento coletivo sobre o ressurgimento da social-
democracia. O documento não chegou a ser redigido, mas segundo Giddens, serviu de
inspiração para a sistematização de seu livro. O programa previa a restauração do capitalismo
e foi apresentado como uma tentativa de transcender tanto a socialdemocracia do velho estilo,
quanto o neoliberalismo. O debate da renovação da Social-Democracia deveria se sobrepor
sobre cinco dilemas: 1) a globalização e suas implicações; b) Individualismo e as sociedades
modernas; 3) Esquerda e Direita e seus novos sentidos; 4) Ação política e 5) os problemas
ecológicos. As diferenças entre o movimento da “Terceira Via” e o neoliberais não são de
conteúdo e de princípio, mas sim de forma e estratégia, segundo André Martins (2009).
Enquanto projeto de reforma, e não de ruptura, o movimento de recomposição denominado
por Giddens de “Terceira Via” prevê redução dos antagonismos por meio de políticas sociais
focais para garantir um equilíbrio social mais estável e duradouro da ordem capitalista.
(MARTINS, 2009)
Uma das temáticas centrais desta nova roupagem do neoliberalismo é a
“globalização”. Giddens (2005) destaca elementos que ultrapassam os aspectos estritamente
econômicos, sublinhando elemos culturais que influenciariam a formação das “novas
identidades”:
No entanto, a ideia de globalização não é bem entendida se aplicada somente
a conexão literalmente de âmbito mundial e se tratada como unicamente, ou
basicamente econômica. A globalização como vou concebê-la no que se
segue, não diz respeito em absoluto, ou mesmo basicamente a relação de
interdependência econômica, mas a transformação do tempo de do espaço
em nossas vidas. Eventos distantes, quer econômicos ou não, afetam-nos
mais direta ou indiretamente que jamais antes. Inversamente, decisões que
tomamos como indivíduos são com frequência globais em suas implicações.
Os hábitos alimentares que os indivíduos têm, por exemplo, têm
consequências maiores para os produtores de alimentos, que podem viver do
outro lado do mundo. (GIDDENS, 2005, p.41)

A “globalização cultural” seria o fenômeno mais importante da sociedade contemporânea,


superando a mundialização do capital financeiro por aproximar indivíduos e culturas
distantes, provocando a crise das culturas tradicionais. Analisando criticamente esta
69

interpretação, Martins (2009) considerou que a teoria é baseada em elevado grau de


abstrações e generalizações. Segundo o autor, dentro desta premissa, os homens perdem a
condição humana de sujeito histórico para se tornarem simples objetos, sem capacidade de
construir estratégias de intervenção coletiva em prol da mudança, restando apenas as
alternativas de se adaptarem à ordem natural das coisas. A expansão do capital para regiões
do planeta ainda não exploradas, identificada por Lenin (1917) como um movimento
característico do “Imperialismo”, é interpretada pelo sistematizador da “Terceira Via” como
uma das facetas da globalização que exigiria a “cooperação” com os grupos e associações
transacionais:
As nações conservam, e vão conservar por um futuro previsível, considerável
poder governamental, econômico e cultural sobre seus cidadão e na arena
externa. Frequentemente, contudo, elas só serão capazes de manipular esses
poderes em ativa colaboração umas com as outras, com suas próprias
localidades e regiões, e com grupos e associações transnacionais. Governo assim
torna-se menos identificados com “o” governo – governo nacional – e mais
abrangente. A “governação” torna-se um conceito mais relevante para designar
algumas formas de capacidade administrativas ou reguladoras. Agências que já
não são parte de nenhum governo – organizações não governamentais – ou são
de caráter transnacional ou contribuem para o governo. (GIDDENS 2005, p. 45).

O segundo dilema da “Terceira Via”, a questão da individualidade, fundamento


estruturante da teoria liberal, foi revigorado sob a perspectiva de um “novo individualismo”
para dar ênfase à liberdade pessoal, que teria sido pouco valorizada pela Social-Democracia
clássica. O “novo individualismo” deveria amenizar as consequências da supervalorização da
competição entre os indivíduos, prevista pelo liberalismo, e ao mesmo tempo, neutralizar a
perspectiva de coletivismo e solidariedade de classe, central no projeto socialista:

O novo individualismo, em suma, está associado ao tratamento da tradição e


do costume de nossas vidas, um fenômeno relacionado mais com o impacto
da globalização no sentido amplo do que com mera influência de mercado. O
welfare state desempenhou seu papel. Erigida sob a égide do coletivismo,
instituições do welfare ajudaram aos indivíduos de algumas fixidades do
passado. Em vez de ver a nossa época marcada pela decadência moral,
portanto faz sentido vê-la como uma época de transição moral. Se o
individualismo institucional não é sinônimo de interesses pessoal ele
representa uma ameaça menor para a solidariedade social, mas implica que
devemos buscar novos meios para produzir essa solidariedade.” (GIDENS,
2005, p.46).

No que diz respeito a divisão político-ideológica entre “esquerda e direita”, a posição


assumida pelo intelectual foi defender a tese do fim desta distinção. Os contrastes entre
“Esquerda e Direita” teriam sido esvaziado com a globalização e do fim do regime socialista,
tendo levado tanto a “velha esquerda”, quanto à “velha direita” a abandonarem velhas
70

categorias que já não faziam mais sentido. A ideia força do “desaparecimento” da linha
divisória entre “esquerda e direita” ratifica a ideologia do fim da possibilidade de se suplantar
o capitalismo enquanto sistema. A nova configuração do capitalismo teria gerado novas
demandas e novos problemas passíveis de serem corrigidos, sem necessidade de
transformação radical da estrutura:

À medida que essas circunstâncias mudaram, toda uma variedade de outros


problemas e possibilidades que não estão no âmbito da esquerda/direita
passaram para o primeiro plano. Eles incluem questões ecológicas, mas
problemas ligados à natureza em mudanças nas famílias, trabalho em
identidade pessoal e cultural. Evidentemente, valores de justiça social e
emancipação tem uma conexão com tudo isso, mas cada uma destas questões
cortam transversalmente estes valores. As políticas emancipatórias da
esquerda clássica temos de acrescentar o que chamei em outra obra de
política da vida. A expressão pode ser boa ou não[...]. Essas considerações
sugerem que a social democracia deveria lançar um novo olhar sobre o
centro político. Partidos sócias democratas lançaram-se para o centro por
questões oportunísticas. O centro político, no contexto de esquerda e direta
só pode significar é claro ideia de conciliação, o “meio” entre duas
alternativas mais bem definidas. Contudo, se esquerda e direita são menos
abrangente do que foram outrora, esta conclusão já não procede.”
(GDDENS, 2005, p. 55)

No tocante a ação política, o programa social liberal propôs a redefinição do papel do


Estado, que não poderia espelhar-se na centralidade defendida pela Social-Democracia
Clássica, tampouco na completa submersão do “Estado” ao mercado global. A orientação para
o bloco no poder compreendia renovação da ação política, recuperação do desenvolvimento
econômico e controle das tensões sociais. A reforma da aparelhagem estatal, no entanto, não
rompia com a visão liberal de “Estado Sujeito”. Para atuarem dentro da perspectiva de
“renovação” da administração do “Estado”, os governos deveriam:

 Prover meios para representação dos diversos interesses;


 Oferecer um fórum para a conciliação das reivindicações concorrentes
destes interesses; criar e proteger uma esfera pública aberta, em que o
debate irrestrito sobre questões políticas possa ser desenvolvido;
 Prover uma diversidade de bens públicos, entre as quais formas de
seguridade coletiva e bem-estar social;
 Regular mercado no interesse público e fomentar competição no
mercado onde há ameaça de monopólio;
 Fomentar a paz social mediante o controle dos meios de violência,
mediante a provisão de policiamento;
 Promover o desenvolvimento ativo do capital humano através de seu
papel essencial no sistema educacional;
 Sustentar um sistema jurídico eficaz;
 Ter um papel diretamente econômico, como um empregador por
excelência, na intervenção macroeconômica, além da provisão de
71

infraestrutura; de macro e microeconômica, além da provisão da


infraestrutura;
 De maneira mais controversa, ter um proposito civilizatório – o governo
reflete normas e valores amplamente sustentáveis, mas pode também
ajudar a molda-lo, no sistema educacional e em outros setores;
 Fomentar alianças regionais e transnacionais e buscar a realização de
metas globais. (GIDDENS, 2005, p. 57)

Para fomentar a renovação e o desenvolvimento da comunidade, os governos deveriam agir


em parcerias com instituições da sociedade civil e modernizar as instituições do Estado do
bem-estar social. O “Welfare positivo”, como chamou a reformulação do “Estado de bem-
estar social”, implicaria na mudança do “Estado assistencialista para o Estado investidor
social”, do “Estado nação para a nação cosmopolita” e de “democracia eleitoral para
democracia cosmopolita” (GIDDENS, 2005). O Estado deveria passar por um processo de
descentralização, delegando poder de cima para baixo e, ao mesmo tempo, abrindo-se a uma
delegação de poder de baixo para cima, para garantir a “democratização da democracia”, em
tempos de “globalização” e “pós-materialismo”. A aparelhagem estatal deveria ampliar a
participação da sociedade civil através da modernização da Constituição, visando a garantia
de transparência, abertura e salvaguardas contra a corrupção; preocupar-se em garantir
eficiência administrativa, inspirando-se no modelo de administração empresarial; estabelecer
contatos mais diretos com o cidadão, que não deveria substituir o sistema de voto, mas
deveria tornar-se um complemento deles; ser capaz de administrar riscos, demostrando-se
apto à regulamentar as mudanças cientificas e tecnológicas bem como as questões éticas e,
por fim, ampliar e aprofundar a democracia partindo de uma perspectiva cosmopolita que
implicaria na renovação da sociedade civil.
A preocupação com a segurança econômico-social, historicamente fundamental para a
Social-Democracia, e com a competitividade e geração de riqueza, defendidas como
prioritárias pelos intelectuais da Sociedade de Mont Pelerin, foram incorporadas pelos
defensores desta corrente social liberal. A esses princípios somou-se a premissa de que o
governo deveria ter papel essencial no investimento de recursos humanos e na infraestrutura e,
neste sentido, caminhar em direção uma nova economia mista que congregasse o dinamismo
do mercado e o interesse público. O programa social liberal, traduzido na “Terceira Via”, de
acordo com Martins (2009), tinha como objetivo construir uma nova sociabilidade em que
predominariam organizações sociais, operando nos níveis mais elementares da consciência
política coletiva. Nesta nova dinâmica social, destaca Martins (2011), o Estado deixaria de ser
“protetor” e passaria ao papel de indutor do “progresso”, em contrapartida, cada um deixaria
de ser receptor de bens sociais e culturais para torna-se o empreendendo de seu próprio
72

sucesso ou fracasso, conforme a premissa da liberdade de escolha. (MARTINS, 2009). O


sociólogo Alan Touraine (1999), destacado cientista da sociologia francesa, compõe o quadro
dos organizadores desta recomposição burguesa no plano da batalha das ideias. Em grande
parte de seus escritos, dedicados às temáticas da diversidade, da democracia e da questão de
gênero, o intelectual divulgou o projeto da “Sociedade Pós-industrial”, segundo o qual, os
antigos temas da sociologia do trabalho teriam sido suplantados pela sensibilidade cultural.
Desde o final da década de 1960, Touraine vem se dedicando ao projeto de superação da crise
de hegemonia do modelo Fordista/Keynesiano, formulando respostas para a reestruturação do
sistema, sob a maquiagem de não se filiar a nenhum projeto ideológico. A nova sociedade
proposta pelo intelectual é marcada por elementos como a expansão do setor de serviços,
declínio do operariado fabril e do surgimento de novas demandas de natureza cultural.
Alain Touraine tonou-se conhecido por defender uma teoria crítica à modernidade, ao
liberalismo ortodoxo e por posiciona-se como defensor de fatores sociais como, educação,
organização do Estado e distribuição de renda, a partir de um projeto alternativo ao “Estado
providência” na França. A superação da modernidade ou da sociedade industrial pela
sociedade da informação teria sido provocada pelas mudanças estruturais econômica do
capitalismo, iniciadas na década de 1970. Embora aponte problemas na preponderância do
mercado enquanto instância reguladora das atividades social dos seres humanos, defende que
o desafio para a “nova sociedade” seria combinar o realismo econômico com a formulação de
grandes projetos de combate à exclusão social, resultantes da configuração financeira do
capitalismo. Touraine considerou-se partidário da “esquerda moderna” e defensor de um
programa político que contempla a modernização econômica com valores e práticas de justiça
social e de neutralidade (CASTELO, 2013). Touraine (1999) dizia representar a “Via 2¹/²”
como saída para os impasses da sociedade da informação. A diferença entre seu programa e
os demais, segundo o autor, seria sua inclinação para a centro-esquerda e sua prioridade a
inclusão dos marginalizados pela via do crescimento econômico e das políticas de promoção,
geração de emprego e renda, ao passo que a “Terceira Via” se concentraria em políticas de
capacitação e emponderamento dos indivíduos.21

21
Em 2010, a Revista Época publicou entrevista realizada com Touraine, que teceu críticas à Reforma Gerencial
do Estado no Brasil, conduzida por Bresser Pereira, a partir de 1995, e ao programa da “Terceira Via”
implementados nos mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Touraine, amigo do ex-
presidente brasileiro, caracterizou a Terceira via como tendência de centro–direita e considerou que o programa
brasileiro continha o essencial do sistema liberal, a herança de Margaret Thatcher e as três prioridades de Tony
Blair: educação, educação, educação. Revista Época 13/12/2010. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca. Acesso: 24/08/2017
73

O atual estágio do capitalismo, segundo Touraine (1999), não seria superado a partir
da reafirmação da identidade nacional, da defesa do Estado tecnocrático e burocrático, do
corporativismo das categorias profissionais com direitos adquiridos, tampouco com a eclosão
da revolução socialista. Em sua concepção, a “democracia cultural dos novos movimentos
sociais” valorizaria os sujeitos sociais a partir de suas identidades culturais, experiências de
vida e de trabalho, e os estimulariam primeiramente a defender suas liberdades individuais e,
em um segundo momento, a atuar em espaços públicos. Nessa perspectiva, as lutas dos novos
movimentos sociais não estariam mais centradas no combate à dominação de classe e sim,
pautadas na “apropriação coletiva dos bens culturais, conquistas dos direitos culturais e
reconhecimento da diversidade e da diferença.” (TOURAINE, 1999, p. 42) Em seu livro,
Como sair do neoliberalismo (1999), o autor expôs os fundamentos da sociedade possível.
Abordou inicialmente três ideias para a superação da crise da década de 1990. A primeira de
que a mundialização da economia não anularia a capacidade de ação política dos atores
sociais; a segunda de que as ações das categorias menos favorecidas poderiam se constituir
em uma ação inovadora para sociedade, ao exigir direitos em particular, direitos culturais e
não se restringindo às ações de sublevação contra a dominação, e, a terceira, de que a ordem
institucional seria ineficaz, e mesmo repressiva, se deixassem de apoiar em reivindicações de
igualde e solidariedade.
A globalização da economia ou mundialização do capital financeiro é considerada
pelo autor uma ideologia irreal, que tende a subjugar a sociedade ao mercado. Apesar de
divergir de suas consequências, não a considera incompatível às novas formas de atuação
política. A nova agenda de mobilização proposta pelo autor, que se identifica como intérprete
da realidade, não inclui as reivindicações da classe trabalhadora em sua forma clássica, com
negociações entre trabalhadores e empregados por meio de sindicatos, luta por direitos à
seguridade social, às férias remuneradas, estabilidade no emprego e etc. As lutas estariam
fragmentadas e tangenciariam o debate da inclusão das categorias menos favorecidas dentro
do sistema vigente, e não em oposição a este. Nessas circunstâncias, Touraine, como outros
intelectuais comprometidos com esta visão de mundo, admite fundamentos da sociedade de
mercado que são contraditórios a um projeto de esquerda, mas que precisam ser aceitos pela
sociedade, tais quais:
1º A globalização não é senão um conjunto de tendências, todas importantes,
mas não solidárias entre si. A afirmação de que se cria uma sociedade
mundial, de existência liberal, dirigida pelos mercados e impermeável à
intervenções políticas nacionais é puramente ideológica. 2º Os protestos
mais bem fundados podem levar a impasses, se aquele que os emitem não
acreditarem na possibilidade de transformar a sociedade e de instaurar novas
74

formas de controle social da economia. 3º este trabalho de reconstrução


supõe uma complementariedade – não desprovidas de tensões e de conflitos
entre ação social e intervenção política. (TOURAINE, 1999, p. 14).

Neste pequeno conjunto de proposições, Touraine (1999) desnudou algumas de suas


intenções: ressaltar a premissa de que o capitalismo é um sistema permanente e insuperável;
assegurar a impotência dos protestos mobilizados por sindicatos dos trabalhadores de caráter
corporativo ou revolucionário. Como nos chama atenção, Geovanni Semeraro (2006), no
contexto neoliberal na economia e definido por alguns de hegemonia “pós modernidade” na
cultura, a figura do intelectual “engajado” entrou em declínio, despontando a imagem dos
gestores, dos intelectuais céticos, dos políticos pragmáticos. Para o autor, a maior parte dos
intelectuais funcionais à classe dominante de nossa época precisa conformar o conhecimento
às necessidade dos novos donos do poder. Para esta nova ordem, completa Semeraro (2016),
só serve, de fato, a formação de uma camada de intelectuais com um conhecimento
tecnológico-utilitarista e não com uma formação ético política. O “ideólogo da não ideologia”
acusou diretamente os antigos movimentos sociais de abrirem caminho para o liberalismo
selvagem, considerando a responsabilidade dos sindicatos dos trabalhadores sobre a crise
maior que a do próprio mercado:

A debilidade da ação sindical e, sobretudo na França, sua identificação quase


total com a defesa das categorias do setor público, deixou finalmente o
terreno livre para os atores econômicos e financeiros que procuraram-nos
convencer de que nada é mais contrário ao exercício de sua liberdade do que
a manutenção de vantagens adquiridas, cujos efeitos econômicos negativos
são superiores são pagos por um preço elevado pelas categorias mais fracas.
Dito de outro modo, é menos a situação econômica, do que a situação social
que encorajou a difusão maciça da ideologia capitalista que convém tanto ao
conservantismo social de direita e de esquerda quanto aos Golden boys da
finança. (TOURAINE, 1999, p. 152).
.
Ao explicar a crise econômica na França, na década de 1990, considerada por nós como
expressão da crise orgânica do capital, Touraine deslocou a crítica do “programa neoliberal”
para o “Estado providência” considerando-o menos eficaz e pouco estimulante para o
crescimento econômico:

Durante os anos 1990, o crescimento foi muito muito débil, o que acarretou a
forte progressão do desemprego. Enquanto se agravava a situação
econômica, a França quis continuar no caminho do progresso social:
prolongamento de férias, aposentadoria mais precoces, aumento não
controlado dos gastos médicos. Mas tudo isso supunha um crescimento
maior. Ela entusiasmou-se, em maio de 1981, com as medidas tomadas por
François de Mitterrand, novo presidente da República, mas menos de dois
anos depois, decepcionada, aceitou uma reviravolta da política, que foi feita
75

de maneira tão incoerente quanto à política anterior. Viu se assim a


esquerda, no início dos anos 90, adotar o monetarismo mais estrito,
sacrificando tudo ao franco forte. (TOURAINE, 1999, p.153)

Na sociedade “pós industrial”, a oposição à lógica neoliberal também não daria mais o tom
das reivindicações sociais. Novos atores sociais teriam despontado em maio de 1968 e
tornaram expressivos na década de 1980, simbolizando o renascimento da vida política,
caracterizado por reivindicações de perfil cultual. Na “nova agenda de mobilização social”, a
luta não deveria se concentrar no combate à dominação:

Para que um movimento se forme não basta que se oponha a uma


dominação, é preciso que reivindique em nome e um atributo positivo. Os
sindicalistas defendem o trabalho e a profissão contra a exploração
capitalista; o que animou os movimentos anticoloniais foi a consciência da
identidade nacional ou cultural; o que animou as mulheres, na sua luta contra
dependência foi a afirmação de uma personalidade própria. É preciso, enfim,
que a luta não seja levada só contra a ordem de dominação, mais em nome
dos valores considerados como centrais por toda a sociedade. (TOURAINE,
1999, p.71)

Três componentes caracterizam as ações destes atores: a revolta inicial, manifesta em


atos de transgressão e rejeição às regras; o recurso a um princípio geral de legitimidade e a
instrumentalização da ação coletiva por vanguardas. Touraine defende a ideia de que o
verdadeiro movimento estava em formação, mas estaria sendo constantemente ameaçado pelo
que chamou de arcaísmo ideológico. Nesse sentido, ponderou sobre a responsabilidade dos
intelectuais com o projeto da sociedade pós-industrial, particularmente nas formações sociais
em que não existe nenhum princípio efetivo de unidade da vida social e política. Touraine,
frente ao crescente movimento de contestação do programa neoliberal na Europa, da
multiplicação das greves, do aumento expressivo do número de desempregados e de
manifestações de oposição ao modo de produção capitalista, orienta aos intelectuais da “nova
cultura” a intervirem nos conflitos e debates sociais para revelar o sentido destes, tendo em
vista a falta de consciência dos atores sociais, em situações de crise ou dependência.
Analisando a realidade da sociedade francesa contemporânea, o autor dividiu os intelectuais
em quatro categorias: o intelectual denunciador, o intelectual orgânico comunista, os
intelectuais interprestes e o intelectual utopista (TOURAINE, 1999).
Os intelectuais denunciadores foram considerados pelo autor o tipo mais clássico e
mais visível na sociedade francesa, por dominarem uma parte importante da imprensa. O
autor caracteriza este tipo de intelectual como crítico do sistema dominante, que estaria
comprometido em revelar os interesses que se escodem por trás dos discursos moralizantes e
76

dar voz aos dominados, alienados (TOURAINE, 1999, p.146). Embora reconheça o papel
destes na sociedade, Touraine, critica-os por cumprirem um papel crítico, caracterizado mais
pela recusa do que pela interpretação das resistências. Diferentemente dos “intelectuais
denunciadores”, de acordo com o sociólogo, os intelectuais orgânicos estão ligados com a luta
dos oprimidos, ou tal força de oposição, mas na realidade, atuam como os ideólogos do
movimento. Dentro desta perspectiva, este tipo de intelectual estaria enfraquecido em virtude
do desmantelamento da ideologia e do poder dos partidos. Considerando seu papel como
limitado, Touraine critica a falta participação destes na elaboração do sentido da ação.
(TOURAINE, 1999)
Na terceira categoria encontram-se os intelectuais que intervêm na realidade, ou seja,
os intelectuais que, em nossa compreensão, estão comprometidos com a recomposição
burguesa diante da crise. Estes intelectuais, segundo o autor, se distanciam dos dois primeiros
tipos por acreditarem na existência, na consciência e na eficácia dos atores sociais, ainda que
reconhecessem seus limites. Estes intelectuais, de acordo com Touraine (1999), deveriam
distinguir as reivindicações que podem ser tratadas dentro das instituições, as que não são
negociáveis, e as que supostamente estariam impregnadas de ideologia. Estes intelectuais não
seriam “políticos”, visto que reconheceriam na ação social a presença de um princípio “não
político” que não pode ser inteiramente reconhecido pelo sistema político. O “intelectual
intérprete”, do qual Touraine acredita fazer parte, seria o tipo fundamental para sedimentar a
ideologia de que não há ideologia.
A quarta categoria de intelectual, o “intelectual utopista” compreenderia os
intelectuais que se identificam com as novas tendências da cultura, da sociedade e da
existência pessoal, tornando-as mais visíveis. Embora não aprofunde a definição desta
categoria, cita Edgar Morin como seu principal representante. De acordo com Touraine
(1999), os intelectuais que interpretam a ação dos atores sociais fora do “mundo envelhecido”
da sociedade moderna, seriam capazes de organizarem as vítimas individuais em grupos
conscientes e desejosos de agir (TOURAINE, 1999, p.155). Compreendendo o fim da crítica
marxista, identificada como lógica de denúncia e da crise, Touraine considera que a sociedade
entrou em uma nova fase em que pode reconhecer a capacidade de agir e inventar um discurso
político inédito, de formular novos desafios, novos conflitos e novas maneiras institucionais
de tratá-los.
A “Via 2 ½”, formulada por Touraine (1999), aponta três prioridades no projeto da
sociedade possível. O primeiro deles, a primazia do trabalho. Touraine defende a elaboração
de uma política do trabalho compatível com as novas condições da vida econômica e com a
77

rapidez das mudanças tecnológicas, entendendo reduzir os custos do trabalho sem


necessariamente reduzir os salários. Isto implicaria o deslocamento do emprego industrial
clássico para outros setores, com a formação de novas atividades que também levariam às
transformações na educação do país. Estes empregos, no entanto, não deveriam vir apenas dos
Estados; deveriam ser implementados como uma política ativa de empregos das cidades, das
regiões e do “terceiro setor” 22 . A segunda prioridade, o desenvolvimento durável ou
sustentável. Este desenvolvimento compreenderia a prevenção de riscos principais:
ecológicos, nucleares, médicos, sociais e culturais. Nesta perspectiva, o crescimento está
associado a investimentos em inovação tecnológica, no consumo interno e nos equilíbrios
internos sociais e políticos. Defende o investimento em solidariedade e inovação não só por
uma questão de justiça social, mas por se constituírem em elementos fundamentais para o
crescimento durável. A terceira prioridade, a “comunicação intercultural”, compreende
programas de reintegração na cultura e na vida social das categorias de imigrantes. A
problemática da integração das minorias de imigrante à sociedade francesa é de longa data, e
se agudizara na década de 1990. No bojo da crise, a extrema esquerda francesa defendia como
impossível esta integração. No Pós-Segunda Guerra Mundial (1945), a integração dos
imigrantes, embora parcial, ocorreu por meio da incorporação ao mundo do trabalho,
prevalecendo sobre referências do tipo cultural ou étnico. Como parte da ideologia do “fim do
trabalho” e da globalização, esse modelo de assimilação foi considerado superado,
prevalecendo a perspectiva de combinação da chamada igualdade de oportunidades com
reconhecimento da personalidade cultural dos imigrantes na sociedade francesa.
Com o compromisso de instrumentalizar a ação dos novos atores sociais, Alain
Touraine ocupou diferentes espaços de divulgação de seus projeto. Em defesa de
problemáticas que não tangenciam o conflito entre as classes sociais, projetou o intelectual
como defensor da inclusão social em substituição das bandeiras da proteção social, prescritas
no Estado Providência. O historiador e cientista político francês, Pierre Rosanvallon (1998),
titular da cátedra de História Moderna e Contemporânea do Político no Collége de France,
também vem se dedicando ao debate sobre as controvérsias da globalização e a renovação da
teoria socialdemocrata. Trabalhando na sedimentação do ideário de que ingressamos em nova
era do social e do novo político, Rosanvallon insere-se no projeto de reconfiguração do

22
A teoria do terceiro setor e a multiplicação de organizações que reivindicam esta identidade se fortaleceu com
a ideologia social liberal, sob a justificativa teórica de que o Estado e a Sociedade são esferas apartadas, sendo o
Estado o lugar da ineficiência e inoperância, o mercado o lugar do lucro e o terceiro setor o lugar das boas
práticas, das novas ações políticas, da racionalização e etc. Essa visão se opõe radicalmente da concepção de
sociedade civil em Gramsci, vista como uma “esfera” intimamente ligada ao Estado. Este debate será
aprofundado no capítulo IV de nossa tese.
78

Estado Providencia francês, buscando redefinir seu conjunto de valores e métodos do


progresso social (ROSANVALON, 1998). Na visão do intelectual, a crise do modelo de
administração keyneisiano, materializada no crescimento do desemprego e nas novas formas
de pobreza, não poderia ser resolvida com políticas universais pautadas na ideia de seguridade
social. O intelectual defendeu que a renovação do Estado Providência exigia o deslocamento
do foco da seguridade social para a solidariedade pautada da reconstrução do sentimento
cívico; a formulação de contrapartidas aos direitos sociais; o barateamento dos custos do
trabalho para os empresários; uma rede de proteção social mínima; a criação de espaços
econômicos intermediários e a substituição das políticas universais para políticas com base
em trajetórias individuais.
Em 1981, Rosanvallon publicou A Crise do Estado Providência, com duras críticas à
administração da questão social pelo “Estado” francês. O livro, reeditado em 1992, foi escrito
no contexto em que o programa neoliberal estava sendo implementado na Inglaterra e nos
Estados Unidos, como tentativa de recomposição do sistema produtivo. Os alvos da crítica
foram as elevadas despesas com programas sociais que, na visão do autor, geraram o aumento
de tributos obrigatórios (como impostos e contribuições sociais) e o Estado “burocratizado”
incapaz de cumprir com sua finalidade. Com o desemprego em massa e de longa duração, e o
acirramento dos conflitos sociais na França e no mundo capitalista, durante a década de 1990,
Rosanvallon dedicou-se ao movimento de redefinição do Estado Providência, propondo o
surgimento de uma “nova questão social” que refletiria a incapacidade dos “antigos” métodos
de gestão dos problemas sociais. Publicou, em 1995, o livro A Nova Questão Social, onde
expôs um diagnóstico explicativo da crise da década de 1990 e propôs um conjunto de valores
e estratégias para garantir a coesão social e a legitimidade do sistema, distanciando-se de
aspectos do modelo keynesiano e de aspectos do modelo neoliberal. De acordo com
Rosanvallon,
Não se trata apenas de encontrar o caminho da relegitimação do Estado,
como há dez anos; com efeito, diante das fraturas sociais que se agravaram
nos anos 1980, a intervenção pública voltou a encontrar plena justificação. A
ideologia do Estado ultra mínimo já passou de moda. Todos reconhecem
agora o papel insubstituível do Estado Providência para manter a coesão
social. O importante passou a ser repensa-lo para que ele possa continuar
desempenhando um papel positivo. A reinstituição intelectual e moral do
Estado Providencia tornou-se condição da sua sobrevivência, e o objetivo
deste ensaio é contribuir para este esforço, avançando os primeiros
elementos para uma reproblematização de conjunto das questões sociais.
(ROSANVALLON, 1998, p.25)
79

Sua crítica ao “Estado Providência francês” e sua orientação para organização de um


novo modelo político não restringiu seu campo de influência à realidade francesa. A Nova
Questão Social tornou-se referência em diversos países e ao ser publicado no Brasil, em 1998,
foi recomendado pelo então Senador, Lúcio Alcântara, para orientar os estudos dos
intelectuais representantes do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), realizados no
Instituto Teotônio Vilela:

Em que se pese a divergência, A Nova Questão Social, atende plenamente ao


espirito com o qual criamos esta Coleção [Coleção Pensamento Social
Democrata], isto é, eliminar a defasagem em que nos encontrávamos em
relação ao processo de formação da social democracia e inserimo-nos
plenamente no debate em que se acha envolvido no presente.
(ALCÂNTARA, 1998, p.21)

No centro deste debate está a compreensão sobre a mudança na natureza do capitalismo, que
teria deixado de ser um regime de organização e exploração do trabalho, transformando-se em
um sistema de inovação comprometido com a mobilização da particularidade de cada um.

Hoje, a boa liderança não se mede em termos de organização racional, e sim


de mobilização dos indivíduos a darem no trabalho o melhor de suas
capacidades individuais. A exploração passa pela mobilização dos
indivíduos a darem no trabalho o melhor de suas capacidades individuais. A
exploração passa pela mobilização dos talentos particulares de cada
indivíduo, o que é algo diferente da exploração clássica do trabalho de uma
massa de trabalhadores encarregado de desempenhar tarefas mecânicas
idênticas. (ROSAVALLON, 2014, p.2).

Diante da suposta mudança dos “sujeitos” da sociedade, a construção de um novo “Estado


Providência” exigiria um reforço no sentimento de participação da comunidade, semelhante
ao modelo norte-americano de “reparação generalizada”. Neste modelo, a redistribuição
social não se fundamentava no reconhecimento de direitos sociais, mas na ideia de
radicalização dos direitos civis.

Nos Estados Unidos, as minorias e os grupos desfavorecidos reclamam ajuda


governamental a título de compensação por um prejuízo e não em
consequência de um direito a certa parte de riqueza nacional. Neste
movimento, as lutas sociais tradicionais em favor da redistribuição cedem
lugar a um novo tipo de conflito, baseado na interpretação das categorias
jurídicas. Nos Estados Unidos de hoje a questão da justiça social é dedicada
pela Corte Suprema, e não no campo da luta de classes. (ROSAVALLON,
2014, p.64)

As reivindicações por direitos sociais, caraterísticas das tradicionais formas de lutas,


de acordo com Rosanvallon (2014), estariam superadas em função da sociedade na atual
conjuntura estar fragmentada em diversas categorias com interesses distintos. Por isso, a
80

radicalização dos direitos civis culminaria na substituição da luta em prol da redistribuição de


riqueza para a confiança de todos os grupos na lei civil que organiza a autonomia. A vida
social contemplaria a vida política e, neste sentido, o refazer da nação também foi
considerado condição primordial para a renovação do “Estado Providência”. A partir da
reconstrução de sentimento cívico, seria possível recriar o sentimento de bem comum e este
funcionaria como um novo cimento coletivo. As instituições nas quais os indivíduos se
projetavam para identificar-se com a nação como o recrutamento militar, a escola e o bairro,
estariam fragilizadas e não corresponderiam a necessidade do novo civismo. A tarefa da
política seria contribuir para reforçar o vínculo social, de modo a torna-lo “visível e mais
legível”. A radicalização da modernidade também exigiria o abandono da concepção de
direitos sociais. A indenização pelas disfunções sócias (doenças, desemprego, acidentes)
deveria ser substituída por uma eventual zona intermediária entre a indenização e a garantia
de emprego definida assim pelo autor:

Hoje há uma palavra, ao mesmo tempo vaga e essencial, que parece refletir
essa busca: inserção, ou seja, a inserção social. A tentativa de encontrar um
novo relacionamento entre o emprego e o Estado Providência manifesta-se
em torno dessa palavra e o que ela representa. É uma tentativa feita e muitas
dimensões: a emergência de um vínculo inédito entre direitos sociais e
obrigações morais; a experimentação de novas formas de ofertas pública de
trabalho; a tendência a juntar indenização e remuneração; a criação de um
espaço intermediário entre emprego assalariado e atividade social.
(ROSANVALLON, 1998, p.130).

Em nome da luta contra exclusão, Rosanvallon sugere a substituição da categoria trabalho


pela categoria emprego e a reconfiguração das noções de direitos sociais clássicas. A política
como Renda Mínima de Inserção, criada na França em 1988, é apontada como referência de
um novo tipo de direito social, intermediário entre o direito e o contrato. Ao mesmo tempo em
que corresponderia a institucionalização e uma dívida social, teria, como contrapartida, o
empenho pessoal para a busca do benefício. (ROSAVALLON, 1998, p.131). Essa nova forma
de direito foi apontada como princípio geral da vida social:

De modo experimental, ainda sem maior elaboração, a RMI exemplifica uma


nova forma de entender o direito que se está inventando. O objeto desse
direito não é só um pagamento, um “benefício” (no sentido em que os
ingleses falam de social benefits), mas sim um princípio geral da vida social.
Um tipo de direito que já era reconhecido: podia se falar de direito à vida, à
moralidade e à segurança, etc., mas esses direitos não poderiam ser
instrumentalizados, permaneceriam necessariamente direitos “formais”. Ora,
a RMI inova nesse campo, deslocando o limite da universalidade imposto à
definição de direito; substitui a universalidade abstrata de meios pela busca
de uma equivalência prática de resultados. Aplica um tipo de norma que
integra o fato de que os indivíduos se encontram em situações singulares e
81

que, portanto, devem ser tratados particularmente para que se chegue a uma
verdadeira equidade. É preciso compreender, nesse sentido, que a RMI se
sobrepõe a oposição clássica entre direitos formais e direitos reais,
denunciada por Marx, ao tentar incorporar um princípio de equidade que não
seja calcado mecanicamente sobre o princípio da igualdade. No fundo
enriquece e amplia a noção de igualdade de oportunidade e caminha, desse
modo, no que se poderia chamar de direito processual. (ROSANVALLON,
1998, p.132)

A redefinição das políticas sociais previa a substituição da premissa da universalidade


pelas políticas focais, baseada nas trajetórias individuais e a suplantação do conceito de
igualdade, pautado na extinção do conflito entre as classes fundamentais e pela premissa da
igualdade de oportunidades. Esta nova configuração implicaria no reconhecimento de novas
organização sociais, identificadas como “terceiro setor”, as únicas a criarem atividades sociais
capazes de ultrapassar o “Estado Providência”. A contrapartida aos direitos sociais clássicos,
segundo o intelectual, avançaria do direito de subsistência para o direito à utilidade social que
articularia assistência social à participação social. Como exemplo desta implicação recíproca
entre indivíduo e sociedade, citou a noção de contrato do trabalho social:

Um trabalhador social observa que “o contrato estabelece uma relação


recíproca, uma responsabilização do beneficiário, considerado como autor
do seu próprio futuro, uma obrigação de meios por parte da sociedade “23.
Embora possa se encontrar em situação difícil, talvez mesmo em grave
dificuldade, o sujeito da ação social é considerado como pessoa autônoma
responsável, capaz de assumir compromissos e honrá-los.
(ROSANVALLON, 1998, p.138)

Diferentemente de nossa análise, que considera a crise como um problema orgânico do


sistema, o formulador e difusor do projeto social-liberal interpreta que a crise é fruto da
disfunção do organismo que se divide em três dimensões: financeira, ideológica e filosófica.
Para ampliar a capacidade de expansão do capital e restaurar a dominação burguesa, o
intelectual trabalhou com este conjunto de proposta, afastado do projeto de ruptura com o
modo de produção capitalista e do antigo Estado providência, aproximando-se do movimento
de revitalização do neoliberalismo.
A reforma do capitalismo, através de mudanças na “gestão da globalização”, é a
principal diretriz difundida pelo economista norte-americano Joseph Eugene Stiglitz,
vencedor do Prêmio Nobel de Economia, em 200124, de outra variante do programa “social-
liberal”. No currículo de Stiglitz, destacam-se anos de magistério em centros de ensino e

23
24
Joseph E. Stiglitz ganhou o Prêmio Nobel em 2001 por ter criado os fundamentos da teoria de mercado com
informações assimétricas.
82

pesquisa nos Estados Unidos, a presidência no Conselho de Assessores Econômicos do


governo Bill Clinton (1993-1997) e o cargo de economista chefe e vice-presidente sênior do
Banco Mundial (1997-2000). Apresentando-se como crítico da globalização capitalista,
Stiglitz parte do princípio de que este poderia ser um processo benéfico para todos os países e
seres humanos. No entanto, afirmam as consequências negativas de seus desdobramentos,
apontando como efeitos, o aumento efetivo dos números dos que vivem abaixo da linha da
pobreza e a falta de estabilidade da economia mundial. Em seus inúmeros livros, artigos e
entrevistas, propôs um programa social liberal como saída para restauração da ordem
econômica.
Como assessor econômico da gestão do presidente norte americano Bill Clinton,
Stiglitz compôs o bloco no poder que dirigiu o programa norte americano de reestruturação da
política econômica. No entanto, o social liberalismo estadunidense, segundo Castelo (2013),
ficou preso à agenda conservadora neoliberal, abdicando-se de fazer uma crítica da tese e
limitou-se às fronteiras do programa adversário. A explicação para esse alinhamento com a
agenda conservadora estaria no conflito permanente entre as forças adversárias no interior do
governo de Bill Clinton. O livro A Globalização e seus malefícios: a promessa não cumprida
de benefícios globais (2002) foi escrito logo após Stiglitz deixar o cargo de vice-presidente
sênior e economista chefe do Banco Mundial, ocupado entre 1993-1997. Nesse trabalho,
defendeu a globalização como um fenômeno neutro, mas mal administrado por ser conduzido
por ideologias dos mercados livres e competitivos. De acordo com o economista, os países
avançados deveriam desenvolver mecanismos de auxílio às economias dos países em
desenvolvimento, indo além da transferência de recursos financeiros das nações ricas para as
nações pobres, ampliando a troca para a transferência de conhecimento, tecnologia, prestação
de assessoria e planejamento para as reformas estruturais necessárias.
Os limites das críticas de Stiglitz à globalização e ao Consenso de Washington estão
evidenciados em sua defesa de alguns pilares da política do Fundo Monetário Internacional
(FMI) e do Banco Mundial, como austeridade fiscal, das privatizações e da liberalização do
comércio. Stiglitz também fez questionamentos ao Banco Mundial e ao FMI, sem se opor
frontalmente às duas instituições financeiras. O Banco foi apontado como um “intermediário
honesto” e uma instituição chave no combate à pobreza mundial (STIGLITZ, 2007 a, p. 33) O
vencedor do Nobel de Economia de 2001 também é autor do livro “Globalização como dar
certo?”, publicado em 2007 no Brasil e traduzido para 21 idiomas. Propondo os novos rumos
da globalização, o autor discutiu o papel dos governos na sociedade e reiterou a posição de
83

que a globalização é essencialmente positiva, tanto para os países “em desenvolvimento”,


como para os países desenvolvidos:

Entre as escolhas centrais em que toda a sociedade se defronta está o papel


do governo. O sucesso econômico exige obter o equilíbrio certo entre o
governo e o mercado. Que serviços devem ser oferecidos pelo governo?
Deve haver programas de pensão públicos? O governo deve estimular
setores particulares com incentivos? Que regulamentação ele deve adotar _se
é que deve adotar alguma _ para proteger os trabalhadores, os consumidores
e o meio ambiente? Esse equilíbrio muda obviamente ao longo do tempo e
será diferente de país para país. Mas vou sustentar que a globalização tal
qual ela foi imposta, tornou-se com frequência obter o equilíbrio necessário.
(STIGLITZ, 2007, p. 47).

Menos teórico que os intelectuais anteriores, Stiglitz descreve sua participação ativa
no Fórum Social Mundial, realizado na Índia, em 2004, que reuniu mais 1000 mil pessoas
para discutir “um outro mundo possível”. Essa reunião de Movimentos Sociais com diferentes
demandas a serem inscritas na “nova” sociedade foi descrita pelo ex-assessor de Clinton como
“um evento caótico, sem foco e maravilhosamente animado” (STIGLITZ,2007, p.63). Stiglitz
também descreve sua participação ativa no Fórum Econômico de Davos, que reuniu donos
das maiores fortunas do mundo, governantes, jornalistas e representantes de Organizações não
Governamentais. Diferentemente do anterior, o encontro dos dirigentes da economia global
foi destacado por Stiglitz como “um bom lugar para se tomar o pulso dos líderes da economia
mundial” (Idem, p.64). Embora o primeiro encontro tenha suscitado em Stiglitz apenas a ideia
de troca de experiência entre militantes e o segundo seja considerado por ele um espaço de
tomada de decisões, sua presença em ambos os eventos revela seu compromisso em organizar
a confiança no interior das classes dominadas e das classes dominantes.
Stiglitz (2007), a partir da emergência de movimento antiglobalização no fim da
década de 1990, em especial os protestos ocorridos em Seattle 25 em 1999, formulou a
proposta de reforma da administração da globalização sistematizando um programa que
previa medidas de combate à pobreza extrema, alerta sobre a necessidade de ajuda aos países
“em desenvolvimento” para alívio da dívida externa, a proteção do meio ambiente, um regime
comercial mais justo, etc. O medo das manifestações antiglobalizações que projetaram para o
mundo as ações black blocs, motivaram a formulação de medidas para o ajuste da política
econômica mundial, vocalizadas por intelectuais coletivos e individuais, como Stiglitz, que

25
Em 1999, durante o Encontro da Organização Mundial do Comercio, cerca de 100 mil manifestantes, entre
trabalhadores sindicalizados, ecologistas, estudantes e pacifistas e anarquistas se mobilizaram por vários dias em
protestos com uma pauta ampla contra o capitalismo global.
84

incorporam algumas das reivindicações estes movimentos para garantir a manutenção da


ordem dominante mundial. De acordo com Stiglitz (2007):

Espero que este livro ajude a mudar as mentalidades, a medida que o mundo
desenvolvido veja com mais clareza algumas das consequências das políticas
que seus governos empreenderam. Espero que convença a muitas pessoas, de
que “um outro mundo é possível”. Mais ainda: que “um outo mundo é
necessário e inevitável”. Não podemos continuar no caminho que tomamos.
As forças das democracia são fortes demais. Os eleitores não permitiram a
continuação do modo como a globalização tem sido gerida. Já começamos a
ver manifestações disso na América Latina e em outros lugares. A boa
notícia é que a economia não é um jogo de soma zero. Podemos reestruturar
a globalização de modo a fazer com que tanto o mundo desenvolvido quanto
em desenvolvimento, as atuais gerações e as futuras, possam todos se
beneficiar _ embora existam algumas mudanças. Podemos ter economistas e
sociedades mais fortes que atribuam mais peso a valores como a cultura, o
meio ambiente, como a própria vida.” (STIGLITZ, 2007, p.90)

Stiglitz (1999) ratificou as orientações das doutrinas econômicas que defendem a centralidade
do mercado, e reforça que o papel do governo deve ser criar emprego e viabilizar o
funcionamento dos negócios, mas defende um “mix correto de governo e mercado” para
evitar conflitos. A lista de ação dos governos, segundo esta perspectiva, varia de acordo com a
realidade de cada país. Em linhas gerais, envolve o fornecimento de educação básica,
estruturas legais, infraestrutura e alguns elementos de uma rede de proteção social
(STIGLITZ, 1999). No que tange à educação, o foco do “novo mundo possível” deixa de ser a
universalização da educação para a qualidade do ensino que deveria atender as demandas do
sistema produtivo:

A escolaridade é um indicador importante do progresso da educação em um


país, mas tão importante quanto isso é o que a escola ensina. A educação
precisa ser compatível com o trabalho que as pessoas realizarão depois. Na
Etiópia, o governo de Meles Zenawi percebeu que mesmo que seus
programas de desenvolvimento mais ambicioso tenham êxito, a maioria dos
indivíduos que frequentam a escola rural hoje continuará a ser agricultor
quando crescer, então vem trabalhando para redimensionar o currículo a fim
de torna-lo melhores agricultores. A educação era vista como uma saída,
uma oportunidade para obter empregos melhores nas cidades. Agora, é vista
também como subida, uma chance de aumentar a renda até para aqueles que
permanecem no setor rural. A educação pode ser utilizada para promover a
saúde o meio ambiente, vem como partilhar a qualificação técnica. Os alunos
podem aprender na escola sobre o perigo de fazer as latrinas acima de suas
fontes de água potável, ou da poluição do ar dentro de casa- a fumaça
sufocante em choças sem ventilação- e as soluções para isso. (STIGLITZ,
2007, p.124)

Na perspectiva desse intelectual, a educação escolar, em nível elementar, seria


utilizada para diminuir os problemas relativos ao saneamento básico e ao aprimoramento de
85

técnicas de trabalho, com vistas a gerar renda mínima e promover a qualificação dos
estudantes para atuarem nos postos de trabalho disponíveis em sua região. Neste sentido,
corrobora com a tese de que as economias contemporâneas devem focar nas escolas que
estimulam o “aprender ao longo da vida” (DELLORES, 2000) em detrimento dos
conhecimentos produzidos na escola convencional, classificado por ele como obsoletos. 26
Como ex-funcionário do Banco Mundial, Stiglitz demonstra ter clareza sobre a necessidade de
transformar as estratégias desta agência em políticas públicas, ao mesmo tempo em que
chama atenção para a dificuldade de implementação de projetos que não utilizaram
mediadores locais capazes de gerar confiança na sociedade:

O sucesso do desenvolvimento não requer apenas uma visão, uma estratégia:


as ideias precisam ser convertidas em projetos políticas. Quando eu estava
no Banco Mundial, costumava-se dizer diante do fracasso óbvio que nossa
estratégia estava correta, mas não tinha sido implementada. Atribuía-se aos
burocratas – especialmente ao dos países em desenvolvimento, mas às vezes
também aos do Banco Mundial e do FMI - a culpa de não dar atenção
acertos detalhes. Mas as políticas devem ser projetadas para serem
implementadas por mortais comuns, e, se tudo indica que não é esse o caso,
se ocorrem problemas de implementação repetidas vezes, então há algo
fundamentalmente errado.” (STIGLITZ, 2007, p.129)

Nessa avaliação sobre desenvolvimento econômico exitoso está implícita a ideia de


que a comunidade e seus agentes, considerados fundamentais para garantir o funcionamento
de programas sociais, são chamadas a executar os projetos que compõem o conjunto de
estratégias definidas previamente em outros fóruns e verbalizadas pelo Banco Mundial.
Stiglitz (2007) propõe os pontos de uma reforma e uma agenda mais ampla para globalização.
Partindo da premissa de que a globalização implica na integração mais estreita entre os países,
defende a urgência de ações coletivas que se voltem para a melhoria de “bens” considerados
públicos que, em tese, contribuiriam para a melhoria de vida dos participantes da comunidade
mundial. Os exemplos citados por Stiglitz (2007) repousam sobre saúde – descoberta de
vacinas contra o HIV e Malária; e meio ambiente (redução de emissão de gases de efeito
estufa, manutenção da biodiversidade e etc.). Para tanto, propõe a criação de um novo sistema
global de reservas que financiaria tanto os bens públicos, quanto fornecer auxílio aos países
mais pobres do mundo. Parte desse fundo deveria se destinar ao alcance das Metas do

26
Cif: Joseph Stiglitz: Inovação à moda estatal. Disponível em: http://www.fronteiras.com/artigos/joseph-
stiglitz-inovacao-a-moda-estatal . Acesso: 29/08/2017
86

Milênio27. Castelo (2013, p.312) chama atenção para a capacidade de intervenção na política
recente de Stiglitz e sublinha a preocupação do autor de destacar seu papel de intelectual, no
sentido tradicional, posicionando-se como supostamente neutro, pertencente a uma
comunidade autônoma e isento de influência política de grupos privados. Embora questione as
condicionalidades impostas por organismos internacionais que financiam projetos nos países
da periferia do capitalismo, a destruição do meio ambiente e a maior preocupação com o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), suas críticas à globalização não podem ser
confundidas com as reivindicações dos movimentos antissistêmicos das décadas de 1990 e
2000. Os conflitos sociais que ameaçaram os donos do capital em todo o mundo geraram a
preocupação com a estabilidade política sobre os países de capitalismo dependente. No novo
receituário, deveria conter a garantia de um bom clima para expansão capitalista, que
envolveria reformas no sistema que, até então, não haviam sido realizadas.

2.4. A recomposição burguesa no Brasil

A crise orgânica do capital, iniciada na década de 1970, no centro do capitalismo,


impactou o bloco histórico construído durante a ditadura empresarial militar (1964-1985) no
Brasil. No plano estrutural, as frações dirigentes se articularam para superar a crise de
retração do capital, na década de 1980, a partir de planos econômicos destinados à
estabilização econômica e ao combate gradual da inflação. A ditadura empresarial militar não
desenvolveu no Brasil a política de proteção social característica do Estado de Bem-Estar
Social dos países do centro do capitalismo na Europa. Segundo Fontes (2010), a
universalização de serviços públicos direcionados aos setores populares como saúde,
educação, transporte e previdência não foi concluída e, mesmo quando foi possível a
universalização, foi limitada pelo número de servidores e pelos escassos recursos
direcionados para esta área. Tão significativo quanto a fragilidade do “Estado de Bem-Estar
Social” no Brasil foi o crescente número de organizações da sociedade civil brasileira ligadas
aos interesses empresarias, que se expandiu durante a ditadura empresarial-militar
(DREIFUSS, 1987). Fontes (2010) destaca uma característica peculiar dos processos políticos

27
Em 2000, a Organização das Nações Unidas promoveu a “Cimeira do Milênio”, com a reunião 191 delegações
com os dirigentes de vários países. O debate resultou na aprovação da Declaração do Milênio, que parte do
princípio de que o mundo já possui a tecnologia e o conhecimento para resolver a maioria dos problemas
enfrentados pelos países pobres. Neste encontro foram definidos oito objetivos gerais: a) Erradicar a extrema
pobreza e a fome, b) Atingir o ensino básico universal, c) Promover a igualdade de gênero e a autonomia das
mulheres, d) Reduzir a mortalidade infantil. e) Melhorar a saúde materna. f) Combater o HIV/AIDS, a malária e
outras doenças – g) Garantir a sustentabilidade ambiental, g) Estabelecer uma parceria mundial para o
desenvolvimento.
87

brasileiros: a repressão seletiva. Ao mesmo tempo em que favoreceu a expansão de entidades


destinadas ao convencimento social e ligadas aos interesses dos empresários, a ditadura
empresarial militar constrangeu o desenvolvimento das iniciativas de cunho popular
(FONTES, 2010, p.26).
No plano superestrutural, o bloco no poder foi exitoso em controlar a onda de
protestos, crescente no país, desde o início de 1980, que desnudava a crise de legitimidade da
ditadura empresarial militar. Segundo Leher (2010), neste período, educadores
comprometidos com a luta pela escola pública se reuniram em importantes entidades
acadêmicas como: a Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação
(ANPED), o Centro de Estudos, educação e Sociedade (Cedes) e a Associação Nacional de
Educação (Ande). Reuniram-se também em entidades trabalhistas como: Central Única dos
Trabalhadores (CUT), o Sindicato Nacional de Instituições do Ensino Superior (Andes-SN), a
Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra)
e a Confederação dos Professores do Brasil (CPB).
Do outro lado, as frações dominantes se reuniram em grupos de interesses e em
Coordenação, chamada Centrão, visando garantir que a nova Constituição assegurassem os
interesses essenciais do capital. Leher (2010) reconhece que mesmo com a fragilidade dos
movimentos sociais, houve certos avanços da Carta Constitucional, como o art. 205, que
definiu a “educação como direito de todos e dever do Estado”, o Art. 206 IV, “gratuidade nos
estabelecimentos oficiais”, e o art. 142, que determina a elaboração de Plano Nacional de
Educação. Para o autor, a reação conservadora estava organizada no lobby das maiores
corporações ligadas a um banqueiro, que posteriormente, ocuparia o Banco Central no
governo Lula da Silva, Henrique Meireles. Este rearranjo conseguiu barrar diversas
conquistas da Carta, quando teve início a regulamentação dos dispositivos constitucionais.
A presença de representantes do Brasil, no encontro “Latin American Adjustimenti:
How Much Has Happenened?”, realizada na cidade de Washington, em 1989, que ficou
conhecida como Consenso de Washington, sinalizou a simetria entre o projeto de sociedade
neoliberal e o movimento de recomposição burguesa no Brasil. Os três nomes indicados para
representar o Brasil nesse encontro ocuparam postos de direção na Nova República: Marcio
Marques Moreira foi nomeado Ministro da Fazenda no governo Collor; Pedro Malan ocupou
Ministério da Fazendo no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e, Bresser
Pereira, que ocupou o Ministério da Ciência e Tecnologia no governo do presidente José
Sarney e dirigiu a reforma do Estado no governo Cardoso, em 1995, no Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). De acordo com Leher (2010), esse
88

encontro sinalizou o início da destruição dos direitos sociais no Brasil. Os países endividados
com o FMI assumiram seguir o receituário proposto por este fórum, comprometendo-se como
as seguintes diretrizes econômicas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, fazer a
reforma tributária, manutenção de juros de mercado, câmbio alto, abertura comercial,
eliminação das restrições à circulação de capital, desregulamentação das leis econômicas e
trabalhistas e instituição do direito de propriedade intelectual.
Na primeira disputa eleitoral, após a ditadura empresarial militar, a classe dominante
sentiu-se ameaçada pela candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, pelo Partido dos
Trabalhadores (PT). Ainda que pouco conhecido nacionalmente, o candidato do estado de
Alagoas ao Governo Federal, Fernando Collor de Mello, tornou-se a opção das frações
burguesas para garantir a reestruturação do Brasil dentro dos marcos do capitalismo
neoliberal. A eleição de Fernando Collor de Mello (1989) marcou o início da construção do
bloco histórico neoliberal no Brasil. No dia seguinte a sua posse, em 16 de março de 1990, o
então Presidente da República lançou mão do Plano Brasil Novo, que ficou conhecido como
Plano Collor, e ficou imortalizado pelo programa de privatizações de empresas estatais e pelo
confisco da poupança privada (LEHER, 2010).
Para o êxito do bloco histórico neoliberal, era imprescindível o controle sobre as
políticas sociais, notadamente as políticas voltadas para a educação pública. As orientações
disseminadas pelos organismos internacionais, defendidas em grandes conferências e
documentos produzidos a partir da reflexão sobre a relação entre educação e crescimento
econômico, serviram de referência para as plataformas de governos da década de 1990 e para
organizações ligadas aos interesses empresariais, que passaram a atuar de forma sistematizada
no campo da educação. O governo Fernando Color de Mello durou apenas dois anos.
Escândalos de corrupção abriram brecha para a queda do primeiro governo eleito
democraticamente, após 25 anos sem eleição presidencial. É preciso salientar, no entanto, que
a deflagração dos esquemas de corrupção que levaram a cassação do mandato do Presidente
da República, constituiu-se em um fenômeno aparente de crise de hegemonia. Como ressalta
Leher (2010), foi a incapacidade de garantir a governabilidade que motivou a classe
dominante a apoiar o impeachment do então Presidente Fernando Collor.
Após o curto mandato de Itamar Franco (193-1994), que manteve os princípios da
política macroeconômica, as frações dirigentes investiram na candidatura de um presidente
sem as características marcantes do neoliberalismo clássico. Para neutralizar os conflitos
89

sociais e garantir que as medidas acordadas no Consenso de Washington28 fossem realizadas,


o bloco no poder apostou na candidatura do sociólogo, cientista político e professor da USP,
Fernando Henrique Cardoso. Para Leher (2010), o compromisso entre o governo de Fernando
Henrique Cardoso com as medidas impostas às economias dependentes pelo Consenso de
Washington é evidenciado por encaminhamentos definidos em seu governo como: ocupação
de postos-chave por representantes de organismos internacionais; profundas transformações
no mundo do trabalho; difusão da ideologia da globalização em simetria com as diretrizes do
Banco Mundial; mudanças profundas na economia brasileira, tornando-se mais dependentes
das commodities, em função da internacionalização da economia; crescente abertura aos
produtos importados; decréscimo da renda per capta da população; fechamento dos melhores
postos de trabalho, agravamento do desemprego da juventude e necessidade de ajustar os
sistema educacional. (LEHER, 2010, p.38)
Acompanhando o movimento das frações dominantes internacionais, que buscavam
uma alternativa capaz de conter a forte onda de protesto que as medidas do Consenso
Washington geraram no mundo, o bloco no poder no Brasil também definiu como necessária
a reforma do neoliberalismo, considerando-a estratégica para superação da crise de
hegemonia do bloco histórico. Dessa forma, o social liberalismo tornou-se a opção das frações
dirigentes brasileiras, preocupadas com a manutenção da ordem e com sua recomposição.
Assim como nos países do centro do capitalismo e nas economias dependentes, o projeto
neoliberal enfrentou uma crise conjuntural no Brasil em meados da década de 1990. Alguns
analistas afirmam que a chegada do programa social liberal ao Brasil se deu a partir das
eleições de Luís Inácio Lula da Silva, em 2002 (RUY BRAGA e BIANCHI, 2003), e outros
apontam o governo de Fernando Henrique Cardoso como marco da hegemonia desse projeto
de dominação (CASTELO, 2013; NEVES, 2005), aproximando-nos da segunda interpretação
que considera como marco inaugural da revisão programática, o governo de Fernando
Henrique Cardoso e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva como momento de
aprofundamento do programa do social liberal.

28-Em
1989, economistas de instituições financeiras, situadas na cidade de Washington, nos Estados Unidos,
como FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouros dos Estados Unidos, acordaram dez princípios,
fundamentos no texto do economista John Williamson que veio se tornar a política oficial do Fundo Monetário
Internacional em 1990. As dez determinações que deveriam ser cumpridas pelos países da periferia do
capitalismo compreendiam: disciplina fiscal; redução de gastos públicos; reforma tributária, juros de mercado,
cambio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto, eliminação de restrições, privatização
das estatais, desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas) e direito à propriedade
intelectual.
90

De acordo com o levantamento feito por Castelo (2013, p 345) acerca dos intelectuais
vinculados à tradição social liberal no Brasil, a grande maioria deles eram profissionais, com
graduações em escolas nacionais de Economia (PUC-Rio, UERJ, UFRJ, sendo a PUC-Rio a
maior referência em nível de pós-graduação). Ainda de acordo com esta análise, grande parte
destes estudantes tornaram-se professores de instituições públicas (UFF e UFRJ) e privadas
(PUC, FGV-Rio), pesquisadores de Centros de Excelência e de organismos internacionais
como o Banco Mundial. Um dos principais intelectuais ligados organicamente ao projeto
social liberal difusor da “reforma” do Estado no Brasil foi Luís Carlo Bresser Pereira. Bresser
Pereira ocupou por três vezes o posto de ministro da República, sendo a primeira vez
nomeado à Ministro da Fazendo, em 1987, durante o governo de José Sarney; a segunda,
entre 1995-1998, nomeado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ao cargo de
Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado e, a terceira vez, nomeado Ministro
da Ciência e Tecnologia, em 1999, durante o segundo mandato de Cardoso.
Autor de vários livros, sobre a reforma estrutural do Estado, o economista, cientista
político, professor da Fundação Getúlio Vargas, articulou junto ao Estado ampliado o projeto
de reforma neoliberal, conhecido como Reforma Gerencial do Estado. O economista formado
pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) participou ativamente de organizações
políticas (no sentido restrito) historicamente ligadas as frações hegemônicas: entre 1953-54,
integrou o PDC (Partido Democrata Cristão); entre 1981-1988 foi membro do PMDB (Partido
do Movimento Democrático Brasileiro) e em 1988, fundou PSDB (Partido da Social-
Democracia Brasileira), em que foi Membro do Diretório Nacional desde 1988-1995; membro
da Comissão Executiva do PSDB (1988-1991 e 1994) e Tesoureiro Nacional –1994,
presidente do Comitê Financeiro da Campanha Fernando Henrique Cardoso Presidente, 1994
e 1998. Nos últimos anos, foi muito elogioso aos governos do Partido dos Trabalhadores que,
segundo o mesmo, deram prosseguimento à “Reforma” Gerencial do Estado. Bresser Pereira
declarou-se contra o golpe da presidenta Dilma Roussef.
Teve também destacada atuação em agências estratégicas da sociedade política, sendo
nomeado assessor do Presidente Fernando Henrique Cardoso, para assuntos relacionados com
a “governança progressista ou a terceira via”, como menciona em seu currículo, entre agosto
de 1999 e dezembro de 2002 (quando terminou o governo Cardoso); Ministro da Ciência e
Tecnologia, no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, no período de janeiro-julho
1999; Presidente do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, entre janeiro e julho 1999; Ministro da Administração Federal e da Reforma do
Estado, no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso: 1995-1998; Presidente do CLAD -
91

Centro Latinoamericano de Administración para el Desarollo, Caracas (março 1995-outubro


1997); Presidente do Conselho Científico do CLAD (Centro Latinoamericano de
Administración para el Desarrollo) no período 1997-2003; Ministro de Estado dos Negócios
da Fazenda, no Governo José Sarney, entre os meses de 29 abril e dezembro de 1987;
Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, no Governo Quércia, março-abril
1987;Secretário do Governo (Chief of Staff) do Estado de São Paulo, no Governo Franco
Montoro entre 1985 e 1987; Presidente do Banco do Estado de São Paulo, no Governo Franco
Montoro período de 1983 e 1985. Na década de 1990, Bresser-Pereira dirigiu, por meio do
Ministério da Administração Federal da Reforma do Estado (MARE), o programa de
“Reforma Gerencial do Estado”. Em entrevista concedida ao pesquisador Leonardo Leite, em
2014, Bresser-Pereira admitiu que o projeto de Reforma Gerencial do Estado brasileiro, foi
inspirado na reforma do Estado norte-americano e em sua relação com as organizações não
governamentais.
Surgiu imediatamente e foi ganhando corpo nos três meses seguintes. Na
hora que o presidente me convidou para o cargo, eu já comecei a pensar
nela. Eu havia lido, uns dois anos atrás, o livro de Osborne e Gaebler,
Reinventando o governo, e havia achado muito interessante. Não tinha teoria
nenhuma, mas tinha uma história das coisas que estavam acontecendo na
administração pública norte-americana que me pareciam muito boas, que
faziam toda a lógica, segundo minha visão. Havia outra coisa importante que
esqueci de dizer. Desde os anos 1980 eu já tinha clara a ideia da organização
social. Contar com organizações mais flexíveis, sem administradores
públicos concursados estáveis ou quase estáveis, nas áreas em que não havia
poder de Estado envolvido, seria muito bom; implicaria um grande ganho de
eficiência. Eu havia sido, nos anos 1980, presidente da Sociedade Amigos da
Cinemateca, que é um pequeno órgão do governo federal. E eu vi que
precisava fazer isso, e que havia a solução das fundações de apoio, que eram
uma resolução de pé quebrado, ilegal mas necessária. Então eu já tinha essa
ideia da organização social na cabeça. Creio que as fundações públicas de
direito privado, Decreto-Lei no 200, de 1967, me haviam de alguma forma
inspirado a ideia.” (BRESSER-PEREIRA, 2014, p.1055)

No livro Construindo o Estado Republicano: Democracia e reforma da gestão


pública, um de seus trabalhos de divulgação dos princípios do social-liberalismo no Brasil,
Bresser Pereira identificou as mudanças substanciais que deveriam ocorrer na ossatura do
Estado e que seriam necessárias à “reforma gestão pública”. Apesar de não se identificar com
o “neoliberalismo ortodoxo”, o ministro articulador da “reforma” comunga da visão de que no
“Estado social democrático”, ou “Estado de Bem-Estar Social”, o Estado assumiu excessivas
responsabilidades sobre a educação, assistência social, cultura, empresas de transporte de
transmissão de energia e comunicação, tornando seus funcionários, servidores públicos
estatuários. Em alguns países, a solução encontrada para resolver os males provocados pela
92

burocracia foi a demissão dos servidores públicos desnecessários; em outros, a


descentralização e a subcontratação de serviços sociais, destaca o autor. Apesar da defesa da
“reforma” na aparelhagem estatal estar associada à ideia de “enxugamento da máquina do
Estado”, Bresser Pereira alerta que a mesma não deveria ser entendida com um rompimento
radical com a estrutura burocrática, tampouco que deveria ocorrer com a mesma intensidade
em todos os setores. A administração pública gerencial deveria ser construída sobre a
administração pública burocrática. Seria um projeto de longo prazo que levaria anos para ser
razoavelmente concluída.
Citando Arigapudi Premchand (1998), Bresser Pereira (2009, p.265) destacou oito
características da “Reforma Gerencial do Estado” que só prevaleceriam a partir de 2020:
agências estatais menores e mais flexíveis, nítida separação entre departamentos que definem
as políticas públicas e as agências que as realizam; padrões éticos públicos bem definidos,
tanto para burocratas quanto para políticos; transparência, com ampla divulgação de
estatísticas e resultados; processos orçamentários claros, com uma perspectiva de médio prazo
e um detalhamento de curto prazo dos indicadores de desempenho, abolição da estabilidade
do serviço público; pagamentos totalmente eletrônicos; e sistemas contábeis gerenciam
públicos. Definiu como “reforma da gestão pública” a transição institucional, cultural e
gerencial da administração pública burocrática, para a “moderna gestão pública”. A “reforma”
compreenderia:
 Descentralizar os poderes e recursos para agências reguladoras e executivas
que desempenham atividades exclusivas de Estado, aumentando, ao mesmo
tempo, o poder do núcleo estratégico do estado sobre os resultados, e das
secretarias formuladoras de políticas sobre as reformas e políticas
institucionais;
 Contratar com organizações públicas não estatais de serviços, reconhecidas
como “organizações sociais” os serviços sociais e científicos que a sociedade
decidir financiar com recursos do Estado por envolverem alta externalidade
e direitos humanos básicos;
 Terceirizar para empresas comerciais as atividades de apoio ou auxiliares
que não envolvam nem o poder do Estado (e são responsabilizadas pelas
agências) nem direitos humanos básicos (que devem ser prestado por
organizações sociais)
(BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 266)

A atuação de organizações da sociedade civil é fundante neste projeto de dominação.


Tornar o Estado “mais eficiente”, “mais eficaz”, melhorando a “governança pública”,
aumentando a “participação política da sociedade” foi a justificativa apresentada para
legitimar a “reforma da gestão pública”. O Estado, no sentido estrito, deveria se ocupar
apenas das atividades estratégicas para o crescimento econômico e assumir um papel
93

regulador. No Estado Gerencial” a “sociedade civil organizada” executaria os programas


sociais que, no Estado de Bem-Estar Social, eram dirigidos exclusivamente por agências
públicas, como educação, saúde, assistência social. O mercado assumiria todas as atividades
auxiliares, como serviço de limpeza, segurança, alimentação. Mais adiante, destaca outras
dimensões da “reforma”:

 Recrutar diferentemente o pessoal das agências e das organizações


sociais: enquanto as agências terão servidores públicos, as organizações
sociais trabalharão com funcionários privados;
 Reforçar o serviço público, que se limitará a desempenhar as atividades
exclusivas de Estado e constituirá a ser organizado em carreiras ou
“corpos”.
 Exigir dos servidores não apenas competência técnica e comportamento
ético, mas autonomia razoável de decisão, além de capacidade política;
 Estabelecer um sistema de incentivo, envolvendo diferencias de
remuneração, avaliação transparente do desempenho e reais
oportunidades de treinamento e progressão de carreira;
 Adotar exaustivamente a informática e, em especial, a tecnologia da
internet para auditoria, compras, pagamentos e todo o tipo de registros
oficiais.
(BRESSER-PEREIRA, 2009, p.267)

Bresser-Pereira e os defensores do social liberalismo compreendem que todas as


sociedades possuiriam três mecanismos institucionais de coordenação abrangente: Estado,
sociedade e mercado. Nesta perspectiva, o Estado e a Sociedade estariam em esferas distintas,
mas deveriam atuar juntos para garantir uma gestão eficiente. O Estado compreenderia o
sistema legal e judiciário, constituído pelas normas e pelas instituições fundamentais da
sociedade e o aparelho do Estado com governo e administração. O mercado reuniria os
recursos através da competição e a sociedade civil, entendida como dimensão política positiva
da sociedade, constituíra o terceiro mecanismo básico de controle e o peso de cada grupo de
interesse e de cada indivíduo depende de sua capacidade organizacional, de sua riqueza ou de
seu conhecimento.
O intelectual orgânico mencionou o “leque de mecanismos de responsabilização
organizacionais” e destaca alguns instrumentos como “responsabilização social”, os “quase-
mercado ou competição administrada pela excelência”, e a “administração por resultado
através de contratos de gestão”. A “reforma” visava garantir que o Estado detivesse o poder
de Estado, administrasse a organização do Estado e decidisse sobre as transferências
econômicas para os pobres ou para os setores selecionados; a sociedade civil faria cumprir a
lei, tornando efetiva e eficiente as políticas públicas por meio de um grande número de
mecanismos de controle ou “responsabilização”. Esta responsabilização ou controle
94

compreenderia, no nível da sociedade, tomadas de decisões executivas especificas e a


formulação de políticas até mecanismos institucionais mais gerais, sistema jurídico que é
parte e o sistema de mercado (BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 279). Sobre as organizações
públicas, o controle informal seria operado quando a sociedade se organiza politicamente para
influenciar as instituições que o cidadão não tem poder formal e, formalmente, quando o
Congresso cria conselhos de administração e conselhos de auditoria.
Já a competição administrada pela excelência seria aplicável onde não há lucros ou
onde este não seria o objetivo básico. Os administradores de cada organização concorrente
teriam acesso aos resultados obtidos pelos os outros e receberiam incentivos morais e ou
financeiros, de acordo com o sucesso relativo. A “administração por resultados através de
contrato de gestão” também corresponde a um mecanismo de gestão pública, no entanto,
segundo o autor, difere dos outros pela forma de controle hierárquico. Os principais
problemas enfrentados neste modelo seriam a definição dos indicadores de desempenho e o
valor relativo a ser atribuído a cada indivíduo. Outro mecanismo hierárquico de controle seria
a supervisão direta e a auditoria, que para Bresser Pereira, seriam opções a serem tratadas de
forma moderada, que mesmo sendo ferramentas essenciais para a gestão pública.
Lucia Neves e seu coletivo de estudos (2005) compreendem que este programa
político, implementado no Brasil e em outros países capitalistas, é parte das novas ideias e
práticas voltadas à construção de uma “nova pedagogia da hegemonia”, comprometida com a
educação para um novo consenso sobre os sentidos de democracia, cidadania, ética e
participação adequadas aos interesses privados do grande capital nacional e internacional.
(NEVES, 2005, p.15). Como estratégia de legitimação da dominação burguesa, o Estado
ampliado brasileiro também redefiniu sua prática a partir de uma pedagogia da hegemonia que
previa uma nova relação entre a aparelhagem estatal e a sociedade civil, com o propósito de
estabilizar, no espaço brasileiro, o projeto neoliberal de sociabilidade. Os intelectuais
orgânicos do capital, por vezes travestidos de intelectuais independentes, auxiliaram o bloco
no poder a reorientar o projeto de dominação, realizando uma ampla reforma na aparelhagem
estatal a partir de meados da década de 1990. Há muito, no Brasil, os múltiplos sujeitos
políticos coletivos estão organizados em aparelhos privados de hegemonia, que possuem a
função de organizar os consensos ativo e passivo em torno dos projetos das classes que
representam. Através dessas organizações, as classes dominantes e dominadas buscaram
convencer a totalidade da sociedade sobre a legitimidade de seus projetos, assim como os
intelectuais orgânicos do capital, por vezes trasvestidos de intelectuais independentes,
auxiliaram o bloco no poder à reorientar o projeto de dominação.
95

3 O PROJETO DE EDUCAÇÃO DO CAPITAL FINANCEIRO

A globalização tem sido entoada pelos intelectuais orgânicos do projeto social liberal
como uma das características centrais do capitalismo na contemporaneidade. Nesta nova
roupagem do neoliberalismo, trabalha-se com a ideia de que os aspectos culturais são
determinantes para a formação de novas identidades e para superação do Estado-Nação. A
hegemonia do capital financeiro sobre a economia, a ausência de barreiras para o mercado e a
competição desigual entre os produtos nacionais e estrangeiros seriam fenômenos secundários
em relação aos efeitos positivos gerados pela relação entre indivíduos e culturas
geograficamente distantes. Ignorando o fato de os indivíduos não poderem transitar
livremente por qualquer país, os difusores da ideologia da globalização defendem a
configuração de um novo tipo de solidariedade, fincada nas identidades culturais.
Como vimos no capítulo anterior, o projeto social-liberal construiu-se sobre o ideário
de que as novas demandas geradas na atual fase do capitalismo exigem novas soluções e um
novo tipo de atuação política, com implicações na realização de metas globais, na
refuncionalização do papel do Estado, na criação de instituições para conciliação de interesses
e de programas de combate à pobreza extrema. Desde o fim do século XX, os problemas
estruturais do capitalismo foram tratados como novas demandas da sociedade. Dentro dessa
visão de mundo, as frações dominantes, notadamente do capital financeiro, colocaram-se
como protagonistas de ações voltadas para o tratamento das supostas “novas questões
sociais”, através da preparação de “novos atores sociais” e da incursão sobre as políticas
sociais e educacionais.
Entender como o novo bloco histórico se consolidou a partir da hegemonia do capital
financeiro é fundamental para compreender o atual modelos de educação e, para compreender
a construção da hegemonia da holding Itaú- Unibanco nos planos estrutural e superestrutural,
analisamos a formação e atuação dos Aparelhos Privados de Hegemonia dos grupos Itaú e
Unibanco, que capacitaram as frações financeiras e suas aliadas a incidirem sobre as políticas
sociais nos últimos 35 anos. Tendo em vista o auto grau de organização e a participação ativa
nos principais temas da política educacional da atualidade, daremos destaque à análise da
Fundação Itaú Social, criada no início da década de 2000 para orientar a ação empresarial
sobre a “questão social”.
96

3.1-A mundialização da economia

No Plano estrutural, a “globalização” da economia se manifestou no rompimento de


barreiras nacionais e em transformações, como maior liberdade de trânsito para o capital e
transferência de recursos excedentes para o sistema financeiro (MINELLA, 2003). No plano
social, a hegemonia do capital financeiro provocou uma nova morfologia trabalho
(ANTUNES, 2004) com agravamento do desemprego, aumento desigualdades sociais, a
diminuição drástica da rede de proteção social, e a ressignificação dos processos educativos e
formativos (FRIGOTO, 2008). A nova etapa da acumulação do capital, iniciada a partir da
década de 1980, vem sendo chamada de mundialização do capital (CHESNAIS, 1994), em
virtude de apresentar características distintas da acumulação, realizadas nas etapas anteriores.
Como destaca Alves (1999), a partir da análise de Chesnais, o novo regime de acumulação
financeira caracteriza-se por:

1. Taxas de crescimento do PIB muito baixas, inclusive em países (como o


Japão) que desempenharam tradicionalmente o papel de “locomotiva” junto
ao resto da economia mundial.
2. Deflação rastejante.
3. Conjuntura mundial extremamente instável, marcada por constantes
sobressaltos monetários e financeiros.
4. Alto nível de desemprego estrutural
5. Marginalização de regiões inteiras em relação ao sistema de trocas
6. Concorrência internacional cada vez mais intensa, geradora de sérios
conflitos comerciais entre as grandes potências da “Tríade” (Estados Unidos,
Europa Ocidental e Japão). (ALVES, 1999, p.53)

A “mundialização do capital” foi interpretada como a um processo que se constituiu a


partir da crise orgânica do capital e seu programa de reajuste. Não é possível confundi-la
como internacionalização das trocas, caracterizada pelo mero intercâmbio de mercadorias
entre oriente e ocidente, iniciados há cinco séculos; a “mundialização do capital” se distingue
pela “globalização de uma massa de dinheiro que se valoriza”, seja através da produção de
mercadorias, seja por meio do “dinheiro que se valoriza conservando a forma dinheiro, (o
mercado financeiro)” (ALVES, 1999, p. 62). De acordo com o sociólogo, as instituições
financeiras que cresceram a partir da década de 1980 e hoje concentram importantes massas
de capital dinheiro: são:

(1) grandes fundos de pensão por capitalização e fundos de aposentadoria


anglo-saxões e japoneses
(2) os grandes fundos de aplicação coletiva de fundos privados e de gestão
de carteiras de títulos (os Fundos Mútuos de Investimento)
97

(3) os grupos de seguros, especialmente os engajados na “indústria” de


pensões privadas e de aposentadorias complementares
(4) os enormes bancos multinacionais, embora sua posição tenha baixado na
hierarquia mundial do capital. (ALVES, 1999, p.66)

.
Na América Latina, dois aspectos interligados ganham relevância na análise deste
processo, como considera Minella (2003): o primeiro, a maioria dos governos da região
incentivaram o processo de abertura financeira, em ritmo e intensidade distintas, resultando
no incremento de instituições financeiras estrangeiras e no volume de ativos sob o seu
controle. Segundo, ocorreu um intenso processo de fusões, incorporações e privatizações,
acarretando em maior concentração do sistema financeiro. As principais consequências da
hegemonia do capital financeiro na América Latina, por parte dos governos, ressalta o autor,
foram a adoção de políticas macroeconômicas que levaram a cortes em investimentos sociais
e infraestrutura, o aumento de impostos e políticas salariais restritivas para os trabalhadores
do setor público, privatizações de empresas, etc. Por parte das empresas, uma crescente
adoção de políticas que incluem a demissão de trabalhadores, a intensificação do ritmo de
trabalho, a terceirização e a precarização dos contratos de trabalho e para o cidadão comum,
há a subtração de sua renda por meio de cartão crédito, do cheque especial, do crédito ao
consumidor.
A hegemonia do capital financeiro não é determinada apenas pela capacidade de
controle de parte expressiva dos recursos e fluxo de capitais na economia. Para dirigir o
conjunto de frações aliadas e subjugar o projeto das frações adversárias, esta fração
dominante precisa criar condições para a intervenção nos espaços decisórios governamentais e
nas decisões estratégicas das empresas. Conforme destaca Minella (2003)

A “comunidade financeira”, principalmente as grandes instituições


financeiras, definem as linhas gerais da economia dentro das quais as
corporações não financeiras atuam. Isto é realizado, principalmente, através
de três caminhos indiretos: impulso ao desenvolvimento de áreas
promissoras; diminuição progressiva do compromisso em setores em
declínio ou ameaçados; restrição ao compromisso para com um setor, ou
uma empresa, ou um país com sinais de ameaça à confiança de sua
viabilidade econômica. Além disso, pode intervir de forma mais direta
retirando ou recusando capital, intervindo assim na dinâmica interna de uma
empresa ou de uma economia. O exercício desta hegemonia está relacionado
com a maior ou menor liquidez de capital dentro do sistema e tem a ver com
as diferentes fases do ciclo econômico. Nos períodos críticos, quando a
disponibilidade de capitais diminui, este poder hegemônico se faz sentir mais
claramente. Países e empresas em condições de alto endividamento,
98

necessitando renovar urgentemente seus créditos, estão submetidos de forma


mais intensa aos constrangimentos dessas instituições financeiras, incluídas
aqui, no caso dos países, a ação de organismos financeiros como o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial. (MINELLA, 2003, p. 249)

No Brasil, essa intervenção do capital financeiro nos órgão decisórios da sociedade


política foi fortalecida no processo de ressocialização da política. A nomeação do Presidente
da Associação Brasileira de Bancos Comerciais (hoje Associação Brasileira de Bancos) para a
cadeira de Presidente do Banco Central, feita pelo Presidente José Sarney, em 1985, evidencia
o peso do capital financeiro na correlação de forças no interior do bloco no poder. Durante o
governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, esse vínculo com o capital financeiro foi
reiterado com a nomeação de um presidente representante dos interesses financeiros
interacionais. Para Minella, estas indicações são mais que um símbolo da globalização
financeira, pois são estratégicas para garantir a direção política da sociedade:

Mais que um símbolo, pode-se interpretar como uma garantia a mais de que
as políticas a serem adotadas estarão sob o escrutínio direto daqueles que se
constituem nos intelectuais orgânicos dos grandes interesses da área. O
indicado para presidir o Banco Central durante o início do governo Lula
também está vinculado a este universo. Para os interesses das instituições
financeiras, portanto, não basta que se criem as condições que limitam as
opções, mas é necessário ter garantias complementares através da presença
ativa em postos-chave do aparato estatal de decisão, constituindo-se tal
participação como elemento importante dentro do processo de hegemonia
financeira. (MINELLA, 2003, p.253)

Pode-se afirmar que a preocupação do capital financeiro em inserir seus intelectuais em


espaços decisórios e disputar a hegemonia no interior do bloco no poder incluiu a nomeação
de prepostos para agências estatais que não estão diretamente ligadas aos assuntos
econômicos, como secretarias e ministérios responsáveis pela execução de políticas do
trabalho, da saúde, da educação, da moradia, etc. Embora defendam com veemência cortes
governamentais nestas áreas, a presença de seus representantes em tais agências viabilizam a
nova sociabilidade do capital (MARTINS,2005) e a hegemonia de seu projeto societário. A
atuação política desta e de outras frações dominantes também incluiu a criação de instituições,
que aparentassem neutralidade em relação à lógica do mercado; que resinificassem bandeiras
construídas pelos movimentos sociais ligados à classe trabalhadora e se apresentassem como
canal de vociferação dos setores prejudicados pelo sistema.
A expansão das organizações empresariais em espaços de decisão e difusão das
políticas públicas sociais constitui-se em uma estratégia típica da classe dominante nos
Estados Ocidentais e vem sendo um dos traços característicos dessa nova etapa de
99

acumulação do capital sob a hegemonia do capital financeiro. Nesta conjuntura, a educação


foi considerada como campo estratégico de ação social dos empresários, e o Banco Mundial e
outros intelectuais coletivos tornaram–se grandes organizadores da pedagogia da classe
dominante para a “reforma” da educação escolar dos países da periferia do capitalismo.

3.2 – A organização do Consenso sobre educação escolar na periferia do capitalismo

As conferências internacionais sobre educação das últimas décadas ajudaram a


ratificar o consenso em torno da Teoria do Capital Humano, apontando um receituário para
solucionar a crise do sistema educacional, embasado na associação entre educação, redução
da pobreza e crescimento econômico. Esse projeto para educação escolar, típico do projeto
social-liberal, foi entoado por instituições internacionais, como Banco Mundial, fortemente
respaldado no campo educacional em função de sua posição de maior credor do mundo. Com
o crescimento dos movimentos de contestação da política de defesa norte-americana, a partir
da década de 1960, a crise orgânica do capital, iniciada na década de 1970, e com aumento
das tensões sociais nos países periféricos, a educação ganhou destaque na escala de
prioridades do Banco Mundial (LEHER, 2015). O então Secretário de Defesa do
Departamento de Segurança norte- americano, MecNamarra, deixou este órgão,
essencialmente militar, para presidir o Banco Mundial entre 1968-1981. Conforme salienta
Leher (2015), gradativamente o Banco abandonou a política de substituição das importações,
deslocando as questões sobre pobreza e segurança para o centro das preocupações. Tornaram-
se prioritárias na agenda do Banco, a prescrição de programas de escolas técnicas, programas
de saúde e controle da natalidade, ao mesmo tempo em que se mudava a orientação estruturais
na ecoomia destes países.
João Marcio Pereira (2010), que analisou a história da ideia de combate à pobreza no
interior do Banco Mundial, considerou que a gestão de MecNamarra foi um marco na
construção da agenda de combate à pobreza do Banco. Essa questão teve um período de
refluxo na primeira metade dos 1980 e retomada em meados dessa década, quando passou a
ser associada à governabilidade de programas de ajustamento estrutural, promovidos em
conjunto com o Fundo Monetário Internacional (FMI). A ideologia do alívio da pobreza foi
difundida no livro: A essência da segurança (1968, p.143), escrito e pulicado antes de
MecNamarra assumir a presidência do Banco. O argumento do presidente do Banco era de
que pobreza e a injustiça social poderiam pôr em perigo a segurança do país tanto quanto
100

qualquer ameaça militar. A tabela abaixo, transposta do livro de Pereira (2010), elucida as
áreas de investimentos que foram prioritárias do banco entre 1961 e 1982.

Quadro 2: Empréstimos do Banco Mundial por setor – 1961-82


Setores 1961-69 1969-73 a 1974-82
Transporte, energia e 64.1 47 35
telecomunicações (b)
Agricultura 12.2 20 29
Educação 2.5 5 4
População, saúde e 0 1 1
nutrição
Desenvolvimento urbano 0 Menos e 0.5 2
Água e saneamento 1.7 5 5
Outros 19.5 21.5 24
Fonte: (Kapur, 1997, p. 141 e 335, Apud PEREIRA, 2010, p. 264)

Segundo o estudo, o Banco passou a fomentar programas que incidiam sobre


problemas sociais nos países credores através de incentivos financeiros aos programas de
planejamento familiar e controle populacional, nutrição, saúde, educação, urbanização de
favelas, entre outros. O Banco Mundial criou demandas para seus recursos financeiros a partir
do envio de seus técnicos para que vendiam projetos financiáveis aos governos dos Estados
clientes. Assim, sublinha Pereira (2010), do ponto de vista governamental, o acesso ao
dinheiro do Banco funcionava como um catalisador de empréstimos externos públicos e
privados. A partir dos anos 1980, o Banco Mundial incorporou os princípios neoliberais e
passou a exigir dos seus credores a aplicação dessas diretrizes. Conforme salienta Leher
(2015), esse processo provocou o aumento da subordinação dos países endividados.

Os países que no início dos anos 1980 resistiram ao intervencionismo e à


imposição do neoliberalismo, sustentando políticas neoestruturalistas, logo
submeteram-se aos ditames dos “Novos Senhores do Mundo”. Este é o caso
do Brasil, especialmente nos governos Collor e Cardoso.
O ajuste estrutural que desmonta o precário Estado Social é feito em nome
da globalização, um processo apresentado como inexorável e irresistível,
contra o qual nada é possível fazer, a não ser se adaptar, mesmo que às
custas de exponencial desemprego, privatizações selvagens, crise cambial,
aumento da taxa de juros e destruição dos direitos do trabalho. (LEHER,
2015, p.24)
101

Os investimentos do Banco em educação, antes dirigidos ao ensino técnico, passaram


a focalizar o ensino elementar. De acordo com Leher (2015), o binômio pobreza – segurança,
permanecem central nos documentos do Bancos e os investimentos na educação elementar e
na formação profissional passaram a ser considerados remédio contra os males do
desemprego. Para Gaudêncio Frigoto (2008, p.45), os intelectuais coletivos como Banco
Mundial, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os organismos vinculados aos
organismos produtivos de cada país criam um novo conformismo sobre educação e formação
com base em teorias sobre o desenvolvimento de habilidades básicas no plano do
conhecimento, das atitudes e dos valores, produzindo competência para a gestão da
qualidade, para a produtividade e competitividade e, como consequência, para a
empregabilidade. As frações dirigentes dos países periféricos, como o Brasil, compreenderam
que a recomposição do sistema de dominação precisava conjugar o crescimento econômico
com os investimentos de política de alívio da pobreza, encarado nesse período como o maior
entrave para a recuperação do crescimento. Neste sentido, a educação tornou-se prioridade na
agenda política destes países e a reforma do sistema escolar uma das estratégias a serem
mobilizadas.
A articulação dos empresários brasileiros em torno da política educacional escolar foi
fortalecida nesse contexto sob o protagonismo da fração do capital financeiro, reunida na
holding Itaú Unibanco. O patrimônio e os lucros desse conglomerado aumentaram
consideravelmente no período de restruturação do sistema produtivo da década de 1990. A
restruturação provocou na classe trabalhadora a perda de direitos historicamente conquistados,
aumento dos níveis de desemprego e o fim de instituições e políticas para seguridade social.
Para as frações das classes dominante, financeira, industrial, agronegócio, a política de
austeridade econômica e as privatizações de empresas estatais aumentaram a concentração de
renda e ampliaram o abismo entre as classes sociais. Esse processo elevou o grau de
concentração dos recursos em algumas intuições, aumentando o poder econômico a partir do
gerenciamento de um grande fluxo de capital, e intensificando o poder sobre as políticas
macroeconômicas e sociais (MINELLA, 2007)

3.3- O crescimento econômico do Grupo Itaú

A fundação do Banco Itaú ocorreu em 1943, durante o Estado Novo (1937-1945), sob
a direção de Alfredo Egídio de Sousa Aranha, com o nome de Banco Central de Crédito. A
102

empresa pertencia à tradicional família Sousa Aranha, cuja riqueza estava ligada à economia
cafeeira da região de Campinas. Além do poder econômico, a família Souza Aranha
colecionava alguns títulos nobiliárquicos: Alfredo Egídio de Sousa Aranha era bisneto de
Joaquim Bonifácio do Amaral, Visconde de Inhaúma, e de Luísa Sousa Aranha, Viscondessa
de Campinas. Seu avô, Francisco Antônio de Sousa Queiros, ganhou do Imperador o título de
Barão de Sousa Queiros, exerceu o mandato de deputado provincial, deputado geral,
presidente interino da província de São Paulo e senador do Império, entre 1849-1989.
(BRANDÃO, 2015)
Ao final da década de 1950, a direção do Banco foi transferida para ao genro de
Alfredo Egídio, Eudoro Vilella e para seu sobrinho, Olavo Setúbal, em função da saúde
debilitada do então proprietário fundador do banco. Poucos anos depois, o Banco Itaú
aumentou consideravelmente seu tamanho, em função de ter sido um dos maiores
beneficiados pela reforma do sistema financeiro, empreendida pelos governos militares, a
partir de 1964, conforme sublinha Brandão (2015). Esse crescimento extraordinário se deu
por meio de fusões, aquisições e incorporações de outros bancos. No ano do golpe que
instaurou a ditadura empresarial/ militar, o grupo empresarial, ainda representado pelo nome
de Banco Federal de Crédito, era um banco basicamente de atuação regional, reunindo 58
agências, a maior parte delas no estado de São Paulo. 29 Na década de 1970, o banco se
transformara em Itaú, com agências em várias regiões do país. Nesse período, a empresa
passou por um processo de profissionalização de seus quadros, que o tornou conhecido como
“banco dos engenheiros”, devido ao grande número de profissionais com esta formação.
De acordo com os dados levantados e analisados por Minella (1988, p.136), o período
de mais intensa centralização bancária no Brasil ocorreu, entre 1966 e 1973, sendo os
primeiros anos dessa etapa os mais expressivos, com a fusão, incorporação ou simplesmente

29
O Banco Itaú/SA foi inaugurado em São Paulo, em 7 de setembro de 1944. Cinco dias depois, em 12 de
setembro foi inaugurada uma sucursal em Belo Horizonte. A partir desta fase, o grupo passou a investir em
outros investimentos, reunindo indústria de diferentes ramos. Em 1947, Olavo Setúbal e Renato Refinetti, dois
engenheiros recém formados na escola politécnica da USP, fundam a Deca- indústria de materiais sanitários. Em
1950, a família Setúbal e um grupo de investidores independentes fundaram a Duratex. Em 1972, houve a fusão
da Deca com a Duratex. Dois anos após, em 1974, foi criada a Itaúsa, a holding do grupo. Nesta época, a receita
da área financeira representava 85% do grupo. À parte industrial dos negócios, cabia apenas 15% do total. Em
1979, o grupo Itaú criou a Itautec - hoje Grupo Itautec Philco. Com grande experiência acumulada na área de
sistemas (software), que garantia um suporte tecnológico para impulsionar a criação da Itautec. Em 1984, a
Itaúsa movimentou-se em direção da indústria química e assumiu o controle da Elekeiroz, também fabricante de
fertilizantes, da qual já era acionista. Em 1989, o grupo se expandiu para a área eletrônica de consumo. Por US$
10 milhões, a Itaúsa adquiriu a Philco, a terceira maior empresa dessa área, no país. Em 1994, a Itautec fundiu-se
com a Philco.
103

saída do mercado de 107 bancos. De acordo com o autor, a incorporação foi o fenômeno mais
frequente, o que indica, exceto nos casos em que já havia uma associação real, a existência de
um momento de grande competição e expropriação entre as frações da burguesia bancário
financeira. Confirmando essa tese, Minella aponta quatorze incorporações e apenas duas
fusões no ano de 1969 e no período de dezembro de 1964, até o princípio de 1972, a
incorporação de 135 bancos e a fusão de apenas dez. Essa expansão e modernização, assevera
o autor, modificou a importância relativa dos grupos de intuições no financiamento privado e
em sua forma de organização interna e externa. Após a incorporação o grupo Aliança, em
1970, o Itaú América alcançou a oitava posição. Essa nova estratégia empresarial do grupo
Itaú, segundo Brandão (2015), prolongou-se nos anos seguintes. Na década de 1980, o Itaú já
ocupava a segunda posição entre os maiores bancos de investimentos do Brasil, a primeira
posição entre os grupos financeiros e a sexta posição entre as sociedades de crédito
imobiliário.

Quadro 3: Brasil, maiores bancos de investimentos, financeiras, e instituições de crédito


imobiliário, dez. 1980, por empréstimo.

Banco de Investimentos Financeiras Crédito Imobiliário (por


aplicação)
Bradesco (SP) Itaú (SP) Bradesco
Itaú (SP) Bradesco (SP) Delfin
Real (SP) Finasa (SP) Sul Brasileiro
Unibanco (RJ) Real (SP) Economisa
Bozano Simonse (RJ) General Motors (SP) Continental
BCN (SP) Bamerindus (PR) Itaú
Safra (SP) Safra (SP) Haspa
Finasa (Mercantil de SP) Unibanco (RJ) Banerj
Comind (Com. Ind. De São Ford (SP) Real
Paulo
Bamerindus Mappin (SP) BMG
Econômico Banespa (SP) Banorte
Credibanco Credisul Residência
Nacional Volkswagen Comind
Brascan Econômico Grande Rio
104

Sinal (grupo nacioanl Letra


Fontes: Banas, As grandes companhias, 1981, nº 1.261/62, ago. de 1981, pp 122,130,138. Negócios em
Exame, Melhores e Maiores, 1980 (Ed. Especial), set. de 1980, pp.71-74; idem,1982, set.1982,
pp.67.72. Apud, MINELLA, 1988.p167

Em 1981, o grupo Itaú reuniu 43 empresas e mais de setenta mil trabalhadores. O


grupo controlava o segundo maior banco nacional e possuía vínculo externo com as seguintes
empresas: Itaú Winterthur S.A., controlada pela Itaú Seguradora, participação minoritária na
empresa; Winterthur Participações S. C. Ltda. Grupo Winterthur Schweizerische
Versicherung; Banco Itaú de Investimentos, controlando 79,20 % de seu capital. (Minella,
1988). No início dos anos 1990, um novo ciclo de aquisições e incorporações, no contexto das
reformas do sistema financeiro do governo Fernando Henrique Cardoso, aumentaram o
patrimônio do grupo. Brandão assegura que o Itaú foi o maior beneficiado pela privatização
dos bancos estaduais, adquirindo quatro instituições financeiras, três delas de grande porte:
Banerj, Bemge e Banestado, além do Banco do Estado de Goiás (BEG). O Bradesco adquiriu,
nesse processo, cinco instituições de médio e pequeno porte, com exceção da Credirea
(Baneb, BEA e o BEC) (BRANDÃO, 2015)
Eudoro Vilellla, presidente e maior acionista individual do grupo financeiro, faleceu
em 2001, aos 93 anos. Oito anos depois, em 2008, o patriarca da família Olavo Setubal,
também morreu aos 85 anos de idade, no momento em que ocupava a presidência executiva
do Itaúsa e a presidência do Conselho administrativo do Itaú. De acordo com Brandão (2015),
o falecimento desses dois agentes, responsáveis pela extraordinária ampliação da empresa não
gerou impacto no grupo, em função de acordos predefinidos entre as duas famílias:

A perda dos dois principais nomes das dinastias controladoras do Itaú não
gerou grandes impactos administrativos na estrutura do grupo. Desde 1982,
as duas famílias já haviam reunido suas participações societárias na
companhia ESA, iniciais do sobrenome daquele do fundador do Itaú,
Alfredo Egydio de Souza Aranha. O acordo de acionistas tinha como
objetivo definir as regras entre os Setúbal e os Villela e perpetuar a unidade
do grupo. Atualizado em 2001, o acordo estabelece que os dois ramos
familiares devem votar de modo "uniforme e permanente". Os Setúbal têm
direito a indicar dois conselheiros na Itaúsa, e os Villela, outros dois. Os
demais são escolhidos por consenso. (BRANDÃO, 2015, p. 7)

Após a fusão com banco do grupo Unibanco, o Itaú Unibanco tornou-se o maior banco
privado da América Latina. Em 2017, o Itaú Unibanco teve R$ 24,9 bilhões de lucro líquido e
atuava em 21 países com cerca de 5 mil agências no Brasil e no exterior.
105

3.4- O crescimento econômico do Grupo Unibanco

A família Moreira Salles, fundadora e dirigente do grupo Unibanco, também tem a


origem de seu patrimônio no setor cafeeiro. João Moreira Salles se estabeleceu como
comprador de café e, com a expansão dos negócios, mudou-se com a família para Santos,
principal porto de exortação de café do país. Segundo Brandão (2015), a partir de então, o
tripé de suas atividades empresariais foi estruturado: compra de café nos mercados regionais
de São Paulo e Minas Gerais; exportação para o mercado internacional, pela via do porto de
Santos; e intermediação dessa transação pela casa Moreira Salles. A Casa Moreira Salles já
exercia atividades bancárias quando ainda era apenas uma casa comercial, como outras casas
comerciais estabelecidas no interior do país, como chama atenção, Costa (2002):

O comércio brasileiro nessa época, no interior do Brasil, especialmente no


Centro-Sul, era realizado ou por lojas comerciais ou por caixeiros-viajantes.
Estes faziam a ligação entre os produtores ou importadores de mercadorias,
nos grandes centros, e as lojas do interior. Eram eles que as abasteciam. Para
não transportar grandes quantias, os caixeiros juntavam o dinheiro que
haviam recebido dos comerciantes e o depositavam junto aos
correspondentes bancários, que em troca emitiam cheques a serem
descontados contra os bancos em que trabalhavam. (COSTA, 2002, p.7)

Em 1924, o Governo Federal concedeu autorização para abertura de uma sessão bancária
dentro da Casa Moreira Salles. Nesse período, o departamento bancário da Casa Moreira
Salles, em Poços de Caldas, representava cerca de 13 bancos e contava com pouco mais de
200 clientes. A casa aprofundou suas atividades bancárias e passou a realizar, sobretudo,
operações de cobrança, mas também de saques, depósitos, desconto de títulos, câmbio,
pagamentos e transferências. Todos dependiam da Casa, sejam os fazendeiros abastados,
sejam os roceiros que dependiam da casa comercial para seu abastecimento e todos os tipos de
encomenda. (COSTA, 2002)
Em 1931, uma nova carta patente permitiu o funcionamento enquanto casa bancária. A
partir de então, a Casa Moreira Salles transformou-se em Casa Bancária Moreira Salles. Casa
bancária, no entanto, não representava um banco propriamente dito. João Moreira Salles
continuou atuando prioritariamente nos negócios de café, aos poucos transferiu a
administração do empreendimento bancário para seu filho mais velho, Walter Moreira Salles.
Em 1933, Walter Salles ainda era estudante de Direito em São Paulo quando virou sócio da
firma do pai. Dois anos depois, em 1935, a empresa Castro, Salles e Cia se tornara Moreira
Salles, tendo como sócios o patriarca e o primogênito da família Salles. A partir de 1940, os
106

dirigentes da Casa Bancária, associaram-se a outros estabelecimentos com o mesmo perfil,


como a Casa Bancária de Botelhos (de Pedro di Perna, que assumiria um papel chave no
Banco Moreira Salles) e o Banco Machadense (que pertencia à grandes fazendeiros). Na
década seguinte, conforme Costa (2002), o banco se adaptou ao processo de concentração
urbana e começou a inaugurar uma série de agências urbanas pelo país. Neste ínterim, o grupo
Moreira Salles adotou o nome de União de Bancos Brasileiros e mudou sua sede para o Rio
de Janeiro. Sob o nome de Unibanco, o grupo passou a reunir 333 agências, tornando-se a
maior rede do Brasil, com mais de 1 milhão de correntistas. As agências se distribuíam por
nove estados mais o Distrito Federal, sendo 150 em São Paulo, 102 no Rio Grande do Sul, 27
na Guanabara, 25 em Minas Gerais. Eram 242 os municípios alcançados pela rede. Eram 8570
o número de funcionários. Dois anos após, a UBB figurava no ranking dos bancos privados
nacionais em 2º lugar. O Unibanco continuou a expandir-se por meio de fusões, aquisições e
incorporações (COSTA, 2002).

3.5- a formação da holding Itaú Unibanco e a incursão sobre a “questão social”

A fusão das empresas bancárias dos grupos Itaú e Unibanco aconteceu no ano de
2008, em meio à crise dos subprime30, deflagrada a partir de julho de 2007. Essa crise que
inicialmente assolou o sistema financeiro e em pouco tempo se tornou global, foi marcada
pelo elevado número de empresas em situação de insolvência no centro e na periferia do
capitalismo. Nesse contexto, as frações dirigentes dos países construíram estratégias de
recuperação do sistema financeiro que, em via de regra, contaram com investimentos do
fundo público para recuperação de empresas ameaçadas de falência 31 . Nessa fase de
agudização da crise orgânica do capital, em que as taxas de lucro de grandes conglomerados

30
O fenômeno dos subprime teve início em 2000, quando milhares de famílias norte-americanas, sem boa
avalição de crédito no mercado, tomaram empréstimos, os subprimes e colocaram seus imóveis como garantia de
pagamento. Quando os juros subiram, em 2007, cresceu a inadimplência que afetou diversos setores da
economia. Cif. O GLOBO 01/02/2008.
31
Analisando o impacto da crise sobre a economia dos Estados Unidos, Duménil e Lévy (2014, p.242)
destacaram as medidas de intervenção adotadas pelo Federal Reserve, Tesouro e as agências norte americana
para socorrer os bancos em crise, que em uma primeira categoria de medidas consistiam em: a) compra
definitiva de dívidas ´podres; b) um conjunto de medidas que visou à oferta de novos empréstimos às instituições
financeiras; c) compra pelo Tesouro de ações recém emitidas pelas instituições financeiras; d) ajuda associada
às aquisições, a transformação do status legal de uma corporação e novas regulamentações. Na segunda
categoria de intervenções, os autores destacam: e) facilidade de empréstimos para famílias e empresas, com
vistas a recuperar a economia; f) ajuda direta aos gastos das famílias, com ofertas de subsídios e redução de
impostos; g) substituições de mecanismos privados pelas instituições estatais para garantirem a continuação da
securitização. Cif Dumenil e Lévy (2014, p.254)
107

se estagnaram e as contradições do capital se tornaram ainda mais latentes, os grupos Itaú e


Unibanco decidiram fundir seus empreendimentos bancários a fim de ampliarem o seu raio de
ação para a América Latina. A essa altura, o banco do grupo Itaú já era o segundo maior
banco privado do Brasil, e o banco da família Moreira Salles ocupava a posição de quarto
maior banco do país. A união dos empreendimentos foi noticiada pelo jornal O Dia, em 4 de
novembro de 2008, como um grande reforço contra a crise:

Reforço contra a crise


A fusão do Itaú Unibanco, anunciada ontem, além de criar o maior banco do
hemisfério Sul, deixa claro que o mercado financeiro brasileiro está de olho
na crise e buscando se fortalecer para enfrenta-la. Os dirigentes das duas
instituições informam que as negociações já duravam um ano, mas é certo
que a crise apressou a criação do superbanco.
A decisão do Itaú –Unibanco traz um novo ânimo para a toda a economia
brasileira, pois reforça a possibilidade de, com a força da instituição que a
criou, superar a falta de liquidez. E, para o governo, ele deve servir de
exemplo de que, mais que tentar minimizar a crise, é preciso agir com
rapidez e eficácia para reduzir os impactos no país.
Cabe agora as autoridades monetárias acompanharem o processo de fusão
que vai resultar no maior banco brasileiro. Ele pode, e deve, ser ao lado dos
bancos estatais, uma ferramenta para garantir o credito a quem produz e gera
emprego. Num momento de instabilidade, com que o mundo atravessa,
contar com uma instituição do porte do novo banco pode ser um diferencial a
favor do Brasil. (O DIA: 04/11/2008).

De acordo com Urbini (2015), estudos realizados por Poeta, Souza e Murcia (2010),
logo após o processo de fusão, concluíram que em média: i) houve uma redução no retorno
sobre os capital investido; (ii) um aumento na 142 imobilização do capital próprio; (iii) a taxa
de reinvestimento do lucro passou a ser menor após a fusão; (iv) houve um aumento no nível
de liquidez imediata e encaixe voluntário e, (v) pequena redução na margem de lucro (1%)
(POETA, SOUZA E MURCIA, 2010, p. 56, apud URBINI, 2015). No entanto, os autores
consideram que houve um significativo aumento na capacidade financeira dos bancos, tendo
em vista alta liquidez e solidez financeira, que garantiram o pagamento de obrigações com
terceiros. Ainda segundo Urbini (2015, p.143), a evidência está no índice de liquidez da
holding, que subiu 60% em relação ao Itaú e 68% ao Unibanco (ibidem).
Os índices pós-2010, assegura a autora, confirmam o aumento do poder do grupo,
acompanhado de outros bancos. A junção das operações com a Porto Seguro, uma das
maiores seguradoras brasileiras, formando a Porto Seguro Itaú Unibanco Participações S.A.
(Psiupar), em 2009, é mais uma expressão deste crescimento. Em função dessa negociação, o
Itaú Unibanco chegou a entrar no ranking da Revista Forbes como a 30 a maior empresa do
108

mundo em 2012. (URBINI, 2015, p.143) Atualmente, a distribuição de ações no


conglomerado Itaú Unibanco está distribuída da seguinte forma:

Quadro 4: estrutura acionárias do conglomerado Itaú –Unibanco em 31 de março de


2017

Família E.S.A. Free Float*


Família Moreira
Salles (Empresa Egydio Sousa
Aranha)
100% total

Companhia Johnston de
Participações

ITAÚSA

Free Float
50%ON/ 33,4% total
IUPAR ITAÚ Unibanco
Participações

ITAÚ UNIBANCO
HOLDING S.A

ITAÙ UNIBANCO SA

Itaú S.S

Free Foat é a quantidade de ações livre para negociações no mercado.

Quadro elaborado a partir dos dados disponíveis em: Itaú Relações com os Investidores. Documento: 4T17
Apresentação Institucional, Cenário Macroeconômico. Item 2 Governança Coorporativa, p.3. Disponível em:
http://www.itau.com.br. acesso em: 13/02/2019.
109

A fusão dos bancos não alterou a forma de intervenção dos grupos Itaú e Unibanco
sobre a “questão social”. A fusão dos empreendimentos bancários dos grupos, sem dúvida,
potencializou a intervenção de ambos em políticas culturais, sociais e educacionais. Os
Aparelhos de Hegemonia, criados entre os anos 1980 e 2000, longe de estarem apartados dos
investimentos financeiros e industriais de ambos os grupos, estão intimamente ligados aos
seus projetos de expansão dos lucros e aniquilação das forças contestadoras do projeto
societário hegemônico. Ampliando seus tentáculos para áreas não econômicas, no sentido
estrito, ambos os grupos se inseriram no programa de ajustes desenvolvido para países
capitalistas da periferia do sistema.

3.6- Os Aparelhos Privados de hegemonia da holding Itaú Unibanco

André Martins (2009) analisou as estratégias utilizadas pela classe dirigente para
produzir e reproduzir as condições objetivas e subjetivas de sua própria existência ao longo do
processo histórico. O estudo sinalizou uma mudança significativa no padrão de sociabilidade,
a partir da década de 1990, refletida em novos princípios de cidadania, participação e
organização. Segundo o autor, as estratégias para construção dessa nova sociabilidade foram
inspiradas no programa “neoliberal da Terceira Via” e está relacionada a mudança na
arquitetura do Estado brasileiro dos últimos anos. (MARTINS, 2009, p.11). O padrão de
sociabilidade anterior, alicerçado no projeto keyeneisiano, caracterizou-se pela ampliação das
funções da aparelhagem estatal, com vistas a assegurar a reorganização do capitalismo,
ameaçado pelas guerras mundiais e pelo avanço do projeto socialista na Europa. Nesse
contexto, empresas multinacionais e fundações empresarias passaram a auxiliar as classes
dirigentes na difusão de princípios e valores que legitimassem o capitalismo pelo mundo.
Como destaca Martins (2009), foi decisivo o investimento na preparação de diferentes tipos
de intelectuais, como membros do clero, professores universitários, militares, jornalista,
economista administradores, etc. A partir dessa ação, o bloco dirigente conseguiu assimilar
diversos movimentos sociais e intelectuais alinhados ao projeto da classe trabalhadora,
garantindo, parcialmente, a neutralização de manifestações que ameaçassem o funcionamento
do sistema. Diante da resistência dos trabalhadores e a intervenção política de seus
movimentos na disputa pelo fundo público, as frações dominantes intensificaram ações para
obtenção do consenso, como ressalva Martins (2009).
Martins também sublinha que neste contexto da Guerra Fria, foram fundamentais as
ações voltadas para a construção de uma nova identidade do homem coletivo, alinhadas com
110

as determinações políticas e econômicas do capitalismo monopolista. Desde a década de


1980, as frações do capital financeiro se dedicaram à construção do novo homem coletivo por
meio de instituições que atuaram em prol de uma “nova pedagogia da hegemonia”. Nesta
seção, cujo foco é atuação da Fundação Itaú Social, os Aparelhos Privados de Hegemonia, da
holding que auxiliam os empresários nesse novo padrão de sociabilidade, foram analisados
separadamente para fins didático.

3.6.1- Instituto Moreira Salles

O Instituto Moreira Salles (IMS) foi criado em 1990, declarando ter “a finalidade de
promover e desenvolver programas e atividades culturais com foco na guarda, na conservação
e na disponibilização de acervos relevantes para as artes e a memória brasileira" (Relatório de
Sustentabilidade 2008, p. 150, Apud Urbini, 2015, p. 148). O Instituto afirma priorizar
programas de médio e longo prazos, incluindo programas regulares, com foco na formação
cultural de seu público. O IMS destaca, em seu material de divulgação, ter autonomia em
relação ao banco e, diferentemente de outras instituições culturais, afirma não recorrer à lei
Rouanet ou outros editais públicos para captar recursos. Desde o ano de 2007, conforme
ressalta Urbini (2015), o IMS aparece nos Relatórios Anuais do Itaú- Unibanco de maneira
distinta dos outros investimentos sociais privados do grupo: suas atividades são relatadas, mas
a prestação de contas não é pública.
O acervo do IMS inclui matérias em áreas como fotografia, música e iconografia. Na
área da fotografia, o Instituto cuida de mais 2 milhões de imagens dos séculos XIX e XX, com
destaque para a fotografia de Marc Ferrez, principal fotógrafo brasileiro do século XIX. Com
esta vasta coleção, o IMS afirma ser o maior Instituto em fotografia do país. A coleção de
música do Instituto abarca canções dos primórdios das gravações de brasileiras e inclui um
repositório de 21 mil fonogramas e o acervo de notáveis compositores brasileiros, como
Chiquinha Gonzaga, Enesto Nasareth e Pinxinguinha. Na área da literatura, o aparelho reúne
cartas, papéis, documentos diversos, livros e arquivos pessoais de Otto Lara Resende, Erico
Verissimo, Clarisse Lispector, Carlos Drumont de Andrade, Rachel de Queiroz, Ligia
Fagundes Telles, Paulo Mendes Campos, entre outros. Segundo informações contidas em sua
página eletrônica, além de organizar e difundir conhecimento, o IMS tem a intenção de gerar
111

conhecimento a partir de seus acervos. Para tanto, o Instituto tem procurado desenvolver
convênios e intercambio com universidades brasileiras e estrangeiras e com museus.32
Enquanto ação social, o IMS destaca o projeto Memória Rocinha, realizado em
parceria com o Museu Sankofa Memória e História da Rocinha, que possui um site aberto a
inserção de novas fotografias, vídeos e narrativas sobre as identidades, memória locais, que
destacam a luta contra o estigma da violência, da desigualdade social e pelo reconhecimento
da Rocinha como espaço na cartografia oficial, na vida política e na história da sociedade,
conforme indicam em sua página social. Dentro desse projeto, foram desenvolvidos, em 2017,
oficinas de produção audiovisual pelo celular para agentes comunitários de saúde e jovens
comunicadores comunitários. De acordo com o IMS, as oficinas tiveram o objetivo de abordar
a cultura, a memória coletiva, as questões socioambientais, de saúde e de comunidade,
expandir a atuação do IMS no território da Rocinha e também ampliar a rede de colaboradores
e participantes. Os resultados são quatro curtas-metragens, realizados pela tecnologia do
celular.
Com baixo investimento em equipamentos e em recursos humanos, o Instituto passou
a dirigir a construção da memória desta comunidade que reúne uma parcela expressiva da
classe trabalhadora da cidade do Rio de Janeiro. Selecionado os elementos considerados pelo
Instituto como relevantes para construção da identidade local e negligenciando outros, os
moradores da Rocinha tiveram “seu olhar” sobre sua própria história orientado pela família
Moreira Salles e seus aliados para construção da cultura popular. O Instituto Moreira Salles
ficou conhecido por seu vasto acervo, pelas iniciativas de fomento à cultura de diversos
segmentos e pelo patrocínio de manifestações artísticas da alta cultura e da cultura popular
brasileira. O Instituto, criado no bojo do processo de redemocratização da política brasileira e
constituição de um novo bloco histórico social, nasceu com o compromisso de gerar uma ética
e um comportamento cívico e individual condizente com a reorganização do capitalismo no
mundo. Com a criação do ISM, o Unibanco, que hoje está unido ao Itaú, alterou sua imagem
associada à cobrança de altos juros para a imagem de uma empresa responsável e
patrocinadora das artes. Embora sua atuação esteja restrita ao sudeste do país, o Instituto faz
parte da estratégia de Responsabilização Social Empresarial do Unibanco.
Compreender a cultura como um campo que expressa o modo de ser, de viver, de
pensar e de sentir de uma sociedade implica em entendê-la como uma “estrutura de
atividades” constituída por uma linguagem historicamente determinada, como salienta

32
Disponível em: www //https://ims.com.br/ acesso em 11/07/2017
112

Gramsci (Coutinho, 2011). Para o intelectual, que analisa o nexo entre cultura e hegemonia,
este campo não é definido isoladamente, espontaneamente e tão pouco se configura em um
embate entre a cultura tradicional e a nova cultura. A cultura é uma dimensão da hegemonia e
portanto, exige organização, direção e assimilação das expressões culturais produzidas pelas
frações da classe dominante e pelas frações subalternas, com o intuito e forjar um “novo
homem” para a “nova sociedade” (BARATA: in LIGUORI, VOZA, 2017, p. 174).

3.6.2- O Instituto Itaú Cultural

Na esteira do processo de reabertura política e do crescente movimento de denúncias


contra a censura das manifestações culturais de diferentes matizes, o presidente do grupo Itaú
e ex-interventor da cidade de São Paulo, nomeado durante a ditadura empresarial/ militar,
Olavo Egydio Setúbal, tornou-se patrocinador da livre expressão e da divulgação da
diversidade cultural. O patriarca da família Setúbal fundou, em 1986, o Itaú Cultural com
vistas a mapear manifestações artísticas e incentivar a pesquisa e a produção artística e teórica
sobre diversos segmentos da cultura. Ao apresentar ao público os objetivos da nova entidade,
o empresário destacou:

Ao mobilizar recursos vultosos próprios, conjugados com sua capacidade de


formulação, desenvolvimento e gestão de projetos, as empresas Itaú
atribuíram ao Instituto Cultural, que leva o seu nome, três grandes objetivos
básicos:
• valorizar a diversidade das experiências culturais da nossa sociedade
heterogênea, complexa e caracterizada por fortes contrastes sociais, setoriais
e regionais;
• apoiar, com base numa moderna estrutura audiovisual, a divulgação das
manifestações culturais que, resultando dos diferentes modos de agir e
pensar da população brasileira, contribuam decisivamente para a expansão
das liberdades de expressão, de iniciativa e de criação artística ou intelectual;
• contribuir para a emergência de políticas culturais plurais e paralelas às
desenvolvidas pelo Estado, na consciência de que as sociedades abertas
requerem, para sua própria vitalidade, entrechoques de opiniões, críticas e
reflexões sob a forma de símbolos culturais. Nós, do Instituto Cultural Itaú,
sabemos que nenhum processo cultural pode ser concebido e estimulado
isoladamente, ou seja, de modo desconectado com os demais processos
vitais de nossa. (INSTITUTO ITAÚ CULTURAL RELATÒRIO ANUAL,
2013, p.3)

A inauguração desse empreendimento foi apenas a primeira das iniciativas do grupo Itaú em
direção à educação da sociedade. Como destaca Setúbal, seu primeiro projeto logo estaria
penetrando nas instituições culturais e educacionais, públicas e privadas, para disputar a
memória histórica e da formação de uma nova identidade nacional:
113

Meus amigos, decidimos concentrar nossa atenção inicial na área de


comunicação e divulgação da cultura. Valendo-se da experiência de nossa
organização no campo da informática e contando com o domínio da
tecnologia da informação, nosso primeiro projeto tem por objetivo contribuir
para a ampliação dos conceitos de divulgação da cultura na formação da
memória histórica e da identidade nacional. (Idem, 2013, p.3)

O raio de ação do Instituto Itaú Cultural é mais amplo que o do IMS. Desde sua origem, o
aparelho privado do Itaú para intervenção na política cultural buscou firmar-se como
instituição de referência para a cultura e para a arte em todo o país, como alto proclama em
seu material:

Da década de 1980 até os dias de hoje, o Itaú Cultural se firmou como uma
instituição referencial para a cultura e a arte, atuante em todas as regiões do
Brasil e em várias partes do mundo. Suas atividades são desenvolvidas por
meio das verbas do próprio conglomerado mantenedor, o Itaú Unibanco, e
dos repasses obtidos pela lei de incentivo à cultura nº 8.313, de dezembro de
1991, conhecida como Rouanet, que permite aos cidadãos e a empresas a
aplicação de parte do imposto de renda em ações culturais – 6% para pessoa
física e 4% para pessoa jurídica. Há mais de dois anos, o Itaú Cultural
iniciou uma jornada para aprofundar a reflexão sobre o papel da instituição
nos cenários cultural e social contemporâneos e continuar a ter um trabalho
relevante e referencial na produção de arte e cultura no Brasil. Nesse sentido,
um dos desdobramentos foi repensar e reescrever a missão e a visão do
instituto. A conclusão foi perceber que a missão de gerar experiências
transformadoras no mundo da arte e da cultura brasileiras se dá através do
inspirar e ser inspirado pela sensibilidade e pela criatividade das pessoas.
Dessa forma, o Itaú Cultural, por meio do trabalho e de atividades que
realizam seus funcionários, se esmera em ser referência na valorização e na
articulação de experiências culturais e a mais acessível e confiável fonte de
conhecimento sobre a arte e a cultura brasileiras. (Idem, 2013, p.3)

De acordo com informações do relatório anual de 2016, o total executado pelo Itaú
Cultural, naquele ano, foi de R$ 87.956.204,66, sendo R$ 14.244.420,70 executados com
verba incentivada pela Lei Rouanet – Art. 26 e R$ 73.711.783,96 sem recurso da Lei Rouanet.
Desse montante sem o recurso, R$ 12.031.928,66 foram executados exclusivamente pelo
Auditório Ibirapuera. (RELATÓRIO DE ATIVIDADES, ITAÚ CULTURAL, 2016).
Organizar e publicar livros, vídeos e catálogos sobre arte brasileira, distribuir em escolas
públicas, bibliotecas, espaços e pontos de cultura, para professores e pesquisadores, estão
entre as atividades desenvolvidas pelo Itaú Cultural. Desde 1997, o Instituto possui um site
com a programação, as enciclopédias e uma web-rádio Itaú Cultural que transmite em tempo
real eventos realizados em sua sede. O Itaú cultural também ampliou seu alcance por meio da
revista Observatório Cultural e de parcerias firmadas com emissoras de TV e rádio (canais
114

educativos, comunitários, universitários e legislativos), como a TV cultura de São Paulo e


suas afiliadas. O documento comemorativo da entidade, publicado em 2013, ressaltou a
longevidade da entidade e uma aparente autonomia em relação às estratégias definidas pela
holding Itaú- Unibanco:

Desde sua criação, o instituto conta com missão, visão e equipe próprias. A
relação com o Grupo Itaú Unibanco, que financia as atividades, é marcada
pela autonomia na gestão. A crença no potencial da instituição ao contribuir
para a arte e a cultura do país orienta a definição de diretrizes estratégicas e a
execução dos planos de ação, sem interferência das estruturas de marketing
da holding. Na base de toda a atuação está uma sólida estrutura de
governança, na qual se promovem princípios como transparência, equidade,
prestação de contas e responsabilidade corporativa, objetivando a perenidade
da instituição. (INSTITUTO ITAÚ CULTURAL RELATÒRIO ANUAL,
2013, p.14)

Em seu posicionamento estratégico, o Itaú Cultural afirmou buscar contribuir para a


formação de gestores culturais. Para tanto, a entidade oferecia gratuitamente o curso de
especialização em gestão, economia e política cultural, em parceria com a Universidade de
Girona, da Espanha, e com o apoio da Organização dos Estados Ibero-Americanos. O quadro
diretivo do Itaú Cultural, indicado por três eleições consecutivas (2011, 2013 e 2015) para o
Conselho administrativo, foi composto integralmente por membros da família Villela e
Setúbal. Estes dados indicam que o instituto que afirma não possuir fins lucrativos, segue a
lógica dos empreendimentos bancário e industriais do Grupo Itaú, reunindo no “Estado
maior” da instituição apenas os herdeiros de Eldouro Souza Araha.

Quadro 5: Conselho Administrativo do Instituto Itaú Cultural 2011, 2013, 2015

Nome Cargo Formação Cargo em outros Outros Aparelhos


Acadêmica empreendimentos e privados de
hegemonia
Maria de Lourdes Presidente Psicologia Presidente do Museu Comitê Nacional
Egydio Villela de Artes Modernas para o Ano
(Milú) de São Paulo (MAM) Internacional do
Vice Presidente da Voluntário-
ItaúSA, instituído pela
ONU, em 2001,
Presidente do
Centro Voluntário
de São Paulo
Fundadora do
Instituto Faça Parte
Paulo Setúbal Vice presidente Engenharia Foi presidente da ___________
Neto indústria Deca
Presidente da Itaú
Tec
115

Membro permanente
do Conselho da
empresa Duralex
Alfredo Egydio Vice presidente Administração Membro do _____________
Conselho
Administrativo do
Itaú
Diretor de Relações
com Investidores
Vice Presidente da
Wesslh Managament
Servce
Fontes: autora, 2019. Elaborado a partir dos dados extraídos das Atas das Assembleias eleitorais do Instituto Itaú
Cultural: 2011.20013 e 2015.

Milú Vilella, que hoje ocupa o cargo de Presidente da organização, identifica-se como
herdeira dos trabalhos filantrópicos de sua avó, que fazia ações em uma casa de caridade de
São Paulo, conhecida como Casa da Mãe Solteira. Além da direção do Itaú Cultural, Milú
Villela, dirige o Museu de Artes Modena de São Paulo

3.6.3- Instituto Unibanco:

O Instituto Unibanco foi fundado em 1982, ainda no contexto ditadura empresarial


militar, e criado com propósito de coordenar as atividades sociais do grupo Unibanco. Nos
primeiros anos de atuação, o aparelho se dedicou ao apoio de programas de proteção à
infância, auxílio aos desabrigados e inclusão social. A partir dos anos 1990, a ação foi
dirigida para influir em temas sobre a preservação do ambiente, através do Unibanco Ecologia
e redução do analfabetismo, atuando como patrocinador do Programa Alfabetização Solidária.
Na década de 2000, o Instituto Unibanco reviu suas estratégias de intervenção na “questão
social” e acompanhou outros aparelhos ligados aos interesses empresariais, estabelecendo
como prioridade, os debates sobre a educação, sobretudo aos temas ligados à proteção do
meio ambiente e a inclusão social de adolescentes e jovens adultos “menos favorecidos”
(Relatório anual do Instituto Unibanco, 2016, p. 5). Nesse contexto, o aparelho passou a
empreender ações voltadas para redução da defasagem escolar, preparação para o trabalho,
incentivo ao voluntariado e capacitação de professores da rede pública de ensino, e foi co-
responsáveis pelo desenvolvimento da personalidade e construção de valores na juventude. A
direção burocrática do Instituto Unibanco foi composta por um membro da Família Moreira
Salles, Pedro Moreira Salles, e outros importantes intelectuais do país com destacada atuação
em outros aparelhos da sociedade civil e do governo.
116

Quadro 6: Diretoria do Instituto Unibanco (2016)


Nome Cargo Formação Cargo em outros Outros Aparelhos
Acadêmica empreendimentos Privados de
Hegemonia
Pedro Moreira Presidente do Graduado em Presidente Membro do
Salles Conselho de economia e Conselho de Conselho de
Administração do História Administração do Administração da
Instituto Unibanco Itaú Unibanco Falconi Consultores
Holding Associados
Mem
bro do Conselho
Orientador da
Fundação Osesp e
do Conselho
Deliberativo do
Inspe
Pedro Sampaio Vice presidente Graduação em Presidente do Membro do
Malan engenharia Conselho Conselho curador
PhD em Consultivo da IFRS
economia Internacional do Foundation (2008-
Itaú Unibanco 2013);
(desde 2009); Membro do
Membro dos Conselho
Conselhos de Consultivo da
Administração da BUNGE - Brasil
EDP - Energias do (2011-2013)
Brasil (desde Diretor Executivo
2006) e BAT do Banco Mundial
British American (1986 a 1990 e
Tobacco p.l.c. 1992 a 1993);
(desde 2015). Diretor Executivo
Membro do do Banco
Temasek Interamericano de
International Panel Desenvolvimento
(desde 2012); (1990 a 1992);
Membro do Diretor do Centro
Conselho de Empresas
Consultivo Transnacionais da
Internacional da Organização das
Rolls-Royce Plc Nações Unidas–
(desde 2014). ONU (1983 a
Membro do 1984);
Conselho Curador Diretor do
(Trustee) - Departamento de
Thomson Reuters Economia
Principles (desde Internacional e
2011). Assuntos Sociais da
ONU (1985 a
1986).
Ricardo Superintendência economia Presidente do Presidiu a
Henriques executiva Instituto Comissão de
Municipal de Educação da 34ª
Urbanismo Pereira Conferência Geral
Passos (IPP) da UNESCO e,
Professor de entre 2008 e 2015,
117

economia da UFF foi membro do


Conselho de
Administração do
Instituto
Internacional de
Planejamento da
Educação (IIPE) da
UNESCO.
Presidente da Rede
Latino Americana
de Vice-Ministros
para a Redução da
Pobreza e Proteção
Social do Banco
Interamericano de
Desenvolvimento
(BID).
Antonio Matias Conselheiro Engenheiro de Membro do Diretor Executivo e
produção Comitê Executivo membro do
Pós graduação e Vice Presidente Conselho do
em Sênior do Itaú até Instituto Itaú
administração 2009, Cultural,
fundador e membro
do Conselho de
Governança do
Movimento Todos
pela Educação
Membro do
Conselho Curador
da Fundação
Roberto Marinho.
membro do
Conselho de
Associados da
Escola Superior de
Propaganda e
Marketing (ESPM),
do membro do
Conselho
Deliberativo do
Museu de Arte
Moderna (MAM)
membro da
Academia
Brasileira de
Marketing.
Foi Vice Presidente
da Federação
Brasileira de
Bancos
(FEBRABAN)
Claudia Costin Conselheira Doutor em Professora da Foi Diretora global
Gestão, Mestre FGV de educação do
em Economia e INSPER, PUC-SP, Banco Mundial
graduado em UnB e FAAP. Vice-Presidente
Administração executiva da
Pública Fundação Victor
118

Civita

Cláudio de Moura Conselheiro Doutor em Presidente do Foi Chefe da


Castro economia Conselho Divisão de Políticas
Consultivo da de Formação da
Faculdade OIT (Genebra),
Pitágoras. Foi Economista
Atualmente, é Sênior de Recursos
assessor especial Humanos do Banco
da Presidência do Mundial, passando
Grupo Positivo. para o BID como
Chefe da Divisão
de Programas
Sociais. Ao
aposentar-se do
BID,
Cláudio Luiz da Conselheiro Ph.D. e M.A. em Membro do Fundador e
Silva Haddad Economia pela Conselho de presidente do
Universidade de Administração da Conselho
Chicago (1974), BM&FBovespa, Deliberativo do
OPM pela da Ideal Invest Insper,
Harvard S.A., do Instituto
Business School Unibanco e do
(1987) Hospital Israelita
Albert Einstein.
Engenheiro Presidente do
Mecânico e Conselho do
Industrial pelo Brazil Harvard
Instituto Militar Office, do David
de Engenharia Rockfeller Center
(1969) for Latin
American Studies.
Foi sócio e diretor
Superintendente
do Banco
Garantia, diretor
do Banco Central
do Brasil e
professor de
economia da
Escola de Pós-
Graduação de
Economia,
Fundação Getúlio
Vargas.
Marcelo Luis Conselheiro Graduado em Trabalha desde _________
Orticelli Administração 1988 no Itaú-
de Empresas. Unibanco, tendo
Mestrado (MBA atuado como
profissional) pela Diretor das áreas
Fundação de Planejamento,
Getúlio Vargas de RH, de Riscos,
(FGV-SP), com Ouvidoria e
extensão na Eficiência.
University of Atualmente é
Texas, Austin Diretor de RH e
Relações
119

Trabalhistas.
Marcos de Barros Conselheiro Economista, Foi diretor- Presidente do
Lisboa mestre em executivo do Instituto de Ensino
Economia e Unibanco, diretor- e Pesquisa (Insper).
Ph.D. em executivo do Itaú-
Economia pela Unibanco e vice-
University of presidente do Itaú-
Pennsylvania. Unibanco.
Ricardo Paes de Graduado em Não possui Integrou o Instituto
Barros engenharia carreira em de Pesquisa
eletrônica pelo empresas no Econômica e
Instituto sentido restrito Aplicada (IPEA)
Tecnológico da por mais de 30
Aeronáutica anos,
(ITA), com Diretor do
mestrado em Conselho de
estatística pelo Estudos Sociais do
Instituto de IPEA. Entre 2011 e
Matemática Pura 2015,
e Aplicada deixou o serviço
(IMPA) e público e assumiu o
doutorado em cargo de
Economia pela economista-chefe
Universidade de do Instituto Ayrton
Chicago Senna e também a
titularidade da
Cátedra Instituto
Ayrton Senna no
Inspe
Rodolfo Villela Conselheiro Graduado em Diretor e Diretor Executivo
Marino administração Conselheiro da da Sociedade
com mestrados Itaúsa Cultura Artística
em Economia e Presidente do Conselheiro do
Filosofia e em Conselho de Instituto Itaú
Estudos do Administração da Cultural
Desenvolvimento Elekeiroz
doutorado em Conselheiro de
Administração Administração da
Pública e Duratex
Governo na Suplente da
EAESP-FGV IUPAR - Itaú
Unibanco
Participações S.A.
Fonte: autora, 2019. Elaborado a partir das informações reunidas em:
https://www.institutounibanco.org.br. Acesso em: 30/01/2019

A organização burocrática do Instituto Unibanco seguiu uma lógica distinta dos


aparelhos do grupo Itaú, cuja característica é presença majoritária de membros das famílias
Setúbal e Vilella. O aparelho de hegemonia para a educação escolar do grupo Unibanco
compôs sua “governança” com intelectuais proeminentes nas sociedades civil e política. O
cargo de vice-presidente do Conselho foi ocupado por Pedro Malan. Além do extenso
currículo em conselhos de empresas de diferentes ramos e passagem em organismo
internacional, como Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento, foi
120

Ministro da Fazenda (1995 a 2002); Presidente do Banco Central do Brasil (1993 a 1994);
Consultor Especial e Negociador-chefe para Assuntos da Dívida Externa – Ministério da
Fazenda (1991 a 1993). Abaixo da Vice-Presidência, outro intelectual com destacada atuação
em agências da Sociedade Política foi Ricardo Henriques, professor de economia da UFF. Foi
Secretário Nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do
Ministério da Educação, entre 2004 e 2007, e Secretário Executivo do Ministério de
Assistência e Promoção Social, entre 2003 e 2004, quando coordenou o desenho e a
implementação do programa Bolsa Família. Também ocupou o cargo de Secretário de
Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro quando desenvolveu, em
2010, o programa UPP Social e, a partir de 2011, conduziu o programa na Prefeitura do Rio
de Janeiro.
Destacam-se também nesta lista os intelectuais Claudia Costim e Claudio de Moura e
Castro. A “Conselheira” do Instituto Unibanco exerceu função de diretora global em educação
no Banco Mundial e participou ativamente de conselhos de outros aparelhos da sociedade
civil, também sendo convidada a prestar consultoria para os governos de Angola, Cabo Verde,
Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. O “Conselheiro” Claudio de Moura e
Castro, autor de mais de 40 livros no campo da educação, também acumulou experiência em
organismos internacionais e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). A escolha desse quadro dirigente, formado por um número de intelectuais
aparentemente independentes dos interesses econômicos da empresa bancaria, além de
transparecer neutralidade em relação aos negócios financeiros do Itaú Unibanco, foi
estratégico para legitimação e viabilização da transformação da política definida no interior
aparelho como política de governo, tendo em vista o reconhecimento destes intelectuais como
portadores de conhecimento no campo da educação e expertise em agências multilaterais e em
órgão decisórios da sociedade política.
O fortalecimento do Instituto, enquanto Aparelho Privado de Hegemonia, também se
deu a partir do enraizamento da visão de mundo na Sociedade Civil por meio de alianças com
outros aparelhos: Ação Educativa, CENPEC, BAOBA, Comunidade Educativa CEPAC,
Centro e Estudos de relações de Desigualdade e Trabalho (CEERT), Colabora Educação,
Educação na Veia, Fundação Carlos Chagas, Conselho Nacional de Secretários da Educação(
CONSED), Folha de São Paulo, Fundação Carlos Chagas, Fundação Lemann, Fundação
Santillana, GEPEM, GIFE, INSPER, INSPIRARE, Instituto Ayrton Senna, JMJA, Instituto
Natura, Instituto Rodrigo Mendes, Itaú BBA, Fundação Itaú Social, Observatório das Favelas,
PUC São Paulo, Associação de Jornalistas de Educação (JEDUCA), Laboratório de
121

Educação, Movimento Pela Base Nacional Curricular Comum, ONU Mulheres, Rede
Brasileira de Melhoramento da Educação e com as universidades Universidade de São Paulo
(USP) e Universidade Feral de São Carlos (UFSCAR).
No início de sua trajetória, em 1982, o Instituto dedicava-se ao apoio de projetos de
organizações de diferentes áreas. Hoje, com uma estrutura operacional mais sólida e
apropriada às novas formas de intervenção na política educacional, o Instituto dirige projetos
de amplitude nacional e desenvolve trabalhos no campo da gestão escolar e em políticas
educacionais voltadas para a juventude, como a Reforma do Ensino Médio. O Aparelho
define como “gestão de qualidade”, a gestão participativa e orientada para resultados, que
supostamente pode impacta no aprendizado dos estudantes. O material pesquisado indicou
uma relativa autonomia em relação aos Aparelhos Privados de Hegemonia do grupo Itaú e os
Aparelhos Privados de Hegemonia do Unibanco. No entanto, observamos que essa aparente
independência não gerou nenhum conflito que indique relação de oposição, disputa ou
concorrência entre as instituições, pelo contrário: notamos uma relação complementariedade
entre as ações desenvolvidas por estas organizações ético politica

3.7-A Fundação Itaú Social

A Fundação Itaú Social, juntamente com o CENPEC 33 , constituiu-se no principal


Aparelho Privado de Hegemonia do Itaú Unibanco forjado para atuar sobre a política
educacional escolar. Esse aparelho, que também atuou no fomento de estudos e pesquisas
sobre educação escolar, teve como tarefa primordial a organização e a construção de uma
nova hegemonia política e cultural no interior da classe dominante. Diante do crescimento de
organizações voltadas para a construção do ativismo empresarial, ao longo dos anos 1990, o
capital financeiro aprimorou suas estratégias de substituição da esfera pública na satisfação
das demandas sociais e de articulação do empresariado na ação política. Essa entidade tornou-
se o principal catalizador dos projetos desenvolvidos pelo complexo de aparelhos do Itaú
Unibanco e de outras organizações aliadas à sua visão de mundo.
A Fundação Itaú Social goza de imunidade tributária nos termos do artigo n° 150 da
Constituição Federal. Com relação à tributação federal, a Fundação é imune ao Imposto de
Renda das pessoas Jurídicas - (IRPJ), conforme o artigo 12 da lei n° 9.532, de 10 de dezembro
de 1997, e isenta da Contribuição Social sobre Lucro Líquido - (CSLL), conforme o § 1 do
artigo 15 da lei n° 9.532, de 10 de dezembro de 1997; também é imune do imposto incidente

33
A análise do CENPEC será apresentada no capítulo 4 desta tese.
122

das contribuições sociais sobre as receitas financeiras a partir de 1º de julho de 2015,


conforme o decreto nº 8.426/2015, de 1 de abril de 2015; não precisa pagar o Imposto de
Renda Retido na Fonte - (IRRF) para fins da não retenção do imposto de renda sobre
rendimentos de aplicações financeiras, realizadas através do Itaú Unibanco S.A., com
fundamento na decisão do Supremo Tribunal Federal, que deferiu, em parte, o pedido da
medida cautelar na ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1802-3. Com relação à tributação
estadual, a Fundação é imune ao Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de
Quaisquer Bens ou Direitos – (ITCMD) conforme temos do art. 7º do Decreto n° 46.655/02.
No Relatório anual de 2017, a organização apresentou o valor do tributo para o qual a
Fundação se considera imune e que foi calculado como se devido fosse, apenas para fins de
divulgação em atendimento aos normativos vigentes. Segundo seus cálculos, com a isenção
do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, a Fundação deixou e pagar aos cofres públicos
em 2016 a quantia de R$ 11.527,00 e em 2017, R$ 12.685,00 e, com a isenção da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido a Fundação, economizou em 2016, a quantia de
R$ 4.575,00 e em 2017, R$ 4.158,00, Ou seja, só neste dois anos, com a liberação do
pagamento desses dois impostos, a Fundação deixou de contribuir com R$ 32.787,00 (trinta e
dois mil setecentos e oitenta e sete reais).
Observamos um desencontro nas informações referente à data de inauguração da
Fundação Itaú Social. No Relatório anual de 2017, a Fundação registra como marco
fundacional, a data de 14 de setembro de 1988. Já em sua página eletrônica, estabelece o ano
de 2000 como data de fundação do aparelho, A data mais recente também como origem da
Fundação no que diz respeito a pesquisa cientifica. Embora trabalhe publicamente com a data
de 2000, como ano do lançamento da Fundação, observamos que este importante organismo
de educação política do Itaú Unibanco reivindica a direção de programas desenvolvidos no
início da década de 1990, por outro aparelho do grupo Itaú, o CENPEC, também dirigido pela
família Setúbal. Dessa feita, foram destacados como trabalhos pioneiros da Fundação os
programas Raízes e Asas, iniciado em 1993, o Prêmio Itaú Unicef, criado partir de 1995, e o
Programa Melhorias da Educação do Município, desenvolvido a partir de 1999. Esses
programas ajudaram o capital financeiro a disseminar um novo modelo de escola pública,
pautada na premissa de que o Estado, no sentido restrito, não é capaz de definir e executar as
políticas públicas de educação escolar de forma centralizada. Este modelo de educação,
fundamenta-se no ideário de que só por meio da parceria entre o governo e sociedade civil
organizada, notadamente organizações empresarias e suas aliadas, a crise sistêmica da escola
pública será sanada.
123

O ano refundação da Fundação Itaú Social, em 2000, corresponde ao período em que


as frações dirigentes do mundo capitalista amadureceram o modus operand para incidir sobre
a “questão social”. Visando recuperar a estabilidade política e o crescimento econômico,
intensificaram os esforços para dar continuidade da “reforma” da aparelhagem estatal e barrar
a universalização de direitos sociais, por meio da “ação social empresarial”. A estratégia da
burguesia para recompor o sistema produtivo no novo milênio compreendeu a intensificação
dos investimentos em programas sociais, antes garantidos pelos governos, e a demonstração
dos resultados aos investidores da “ação social” empresarial por meio do monitoramento dos
programas com a avaliação do impacto e dos retornos “social” e econômico. Essas estratégias
foram desenhadas internamente e externamente com a ajuda de velhos intelectuais individuais
e coletivos emprenhados na restruturação produtiva.
O grupo Itaú refundou o Aparelho Privado de Hegemonia em parcerias público-
privado (PPP) para regulamentação no Brasil. A aprovação da Emenda Constitucional nº 19,
de 04 de junho de 1998 e, posteriormente, da Lei Federal 11.079/2004, sancionada em 30 de
dezembro de 2004 e que institui normas gerais para licitação e contratação de organizações
privadas ditas sem fins lucrativos, no âmbito da administração pública, estimulou e fortaleceu
a ação empresarial sobre a “questão social”. No plano externo, um importante evento ajudou a
alinhar os empresários dentro da ideologia do progresso econômico conjugado com medidas
de promoção de uma suposta justiça: a Cúpula do Milênio, realizado pela ONU, em 2000 na
cidade de Nova Iorque, com participação de vários governos e de organismos multilaterais. O
encontro, que reuniu 189 representante de países, incluindo Brasil, e produziu o documento
Declaração do Milênio, com compromissos assumidos em diferentes conferências
internacionais da década de 1990 sobre temas como erradicação da extrema pobreza e fome
até 2015, promoção do nível de escolaridade e melhoria da saúde das populações de países
pobres, garantia a sustentabilidade do meio ambiente, fortalecer os direitos humanos, a
democracia e a “boa governação”, proteção dos grupos vulneráveis, etc. A Assembleia Geral
das Nações Unidas proclamou a Década das Nações Unidas da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável, por meio da Resolução n.º 57/25471. Para Motta (2007), o que
se pretendeu com as políticas de desenvolvimento do milênio foi amenizar as consequências
sociais que o próprio modo de produção dominante, em sua gênese, deflagrou, tendo em vista
o risco de romper a coesão social. Estes foram os ajustes necessários para manter as condições
de produção e reprodução do capital.
Somada a essas mobilizações em prol do reforço da “cidadania empresarial”, podemos
destacar ainda a reunião de empresários, Pacto Global das Nações Unidas, anunciada no
124

Fórum Econômico Mundial de Davos pelo Secretário Geral das Nações, em 1999, e
oficializada em 2000, no escritório da ONU em Nova Iorque, também esteve no contexto da
criação do novo aparelho para intervir na “questão social”. O Pacto Global declarou como
objetivo incentivar as empresas a desenvolverem ações de responsabilidade social e
sustentabilidade, e adoção em suas práticas de “valores fundamentais internacionalmente
aceitos nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à
corrupção”. O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social protagonizou o
processo de engajamento dos empresários brasileiros ao Pacto Global, reunindo 206
empresários no primeiro encontro. O Comitê Brasileiro do Pacto Global (CBPG) foi criado
em 2003 e, em 2018, sob a presidência da holding Itaú Unibanco esteve integrado às 150
redes espalhadas pelo mundo comprometidas em difundir os princípios da cidadania
empresarial. Dentro do contexto do “amadurecimento” da forma de intervenção empresarial
na política social e do fortalecimento das relações intraclasse em torno deste tipo de ativismo,
o principal órgão decisório da Fundação Itaú Social foi composto por empresários dirigentes
de outras empresas do conglomerado Itaú Unibanco. O Conselho Curador da entidade, órgão
comum a todas as fundações, foi integralmente ocupado por representantes das três famílias,
Setubal, Vilella e Moreira Salles com expertise no mundo dos negócios.

Quadro 7: “Conselho Curador da Fundação Itaú Social


Cargo na Fundação Nome Formação Participação em
Itaú Social outras empresas
da Holding Itaú
Unibanco
Presidente Alfredo Egydio Formado e pós- Membro do
Setubal graduado em Conselho de
Administração de Administração do
Empresas pela Itaú –Unibanco
Fundação Getúlio Diretor de Relações
Vargas com curso de com os
especialização no Investidores
Insead (França). vice-presidente da
Wealth
Management &
Services.
Conselheiro Alfredo Egydio Arruda Formado em Presidente da
Vilella Filho Engenharia Mecânica, Itaúsa,
pela Escola de holding que
Engenharia Mauá, do controla
Instituto Mauá de o Itaú Unibanco.
Tecnologia em 1992, e
pós-graduado em
Administração, pela
Fundação Getúlio
Vargas.
125

Conselheiro Pedro Moreira Salles Pelo Unibanco, um


dos
mentores da fusão
e atual presidente
do Conselho de
Administração do
Itaú
Unibanco.
Conselheiro Ricardo Villela Marino Formado em Vice-presidente
engenharia Mecânica do Itaú Unibanco
pela USP, Estudou para
gestão de empresas a América Latina.
familiares em Harvard
Conselheiro Roberto Egydio Formado em Pelo lado do Itaú,
Setubal Engenharia de mentor da fusão e
Produção, pela Escola atual
Politécnica da presidente
Universidade de São executivo
Paulo, em 1977, e do Itaú Unibanco.
Master of Science
Engineering, pela
Stanford University, em
1979.
Fonte, autora, 2019. Dados extraídos do site http://www.itauunibanco90anos.com.br/pdfs/as_familias.pdf

O “ativismo social” dos empresários passou para uma nova fase no século XXI. A
Responsabilidade Social Empresarial, difundida entre os donos do meio de produção na
década de 1990, deu lugar ao Investimento Social Privado que, além da mobilização dos
empresários na promoção de serviços de cunho social, compreendia a aplicação de recurso
financeiros privados nos programas sociais dirigidos pelos empresários e monitoramento
sistemático dos projetos sociais. Vania Motta (2016, p. 326) destaca a definição de
Investimento Social Privado definida no relatório do Grupo de Institutos, Fundações e
Empresas (GIFE):
É possível entender essa definição como a reunião de três grandes aspectos
definidores do investimento social: 1. a origem dos recursos: privada e
voluntária (o que a diferenciaria de outros tipos de investimento, de origem
compulsória, como parte dos recursos do Sistema S); 2. a forma de atuação:
planejada, monitorada e sistemática (fundamentalmente, buscando
resultados, em contraposição às práticas bem-intencionadas mais
voluntaristas, amadoras e supostamente ineficientes da caridade tradicional);
3. A finalidade: projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público
(colocando-o acima de interesses privados que a empresa ou o filantropo
possam ter ao investir no social) (NOGUEIRA e SCHOMMER, 2009, p.3)

A modalidade Investimento Social Privado incluía elementos de responsabilidade social,


enquanto uma conduta neofilantrópica, com o compromisso de amenizar a “questão social”, e
somou uma determinada forma de gerenciamento do investimento revestida do caráter
126

empreendedor do empresário – retorno, resultados, que insere também atitude inovadora


(DEBONI, 2013, Apud MOTTA, 2016, 327).
Compreendemos que a Fundação Itaú Social foi criada para cumprir a tarefa histórica
de dirigir os empresários sob a perspectiva do Investimento Social Privado, direcionada a
projetos sociais, científicos e culturais. No ano de refundação da instituição, em 2000, a
Fundação Itaú Social criou um fundo patrimonial, composto de doações de empresas do
Grupo Itaú com recursos aplicados em fundos de investimento (curto prazo e renda fixa) e em
ações do conglomerado Itaú. Segundo documentos da Instituição, houve, a partir de então,
maior alinhamento conceitual, estratégico e operacional entre as áreas de negócios do banco,
que passaram a colaborar com a viabilização dos programas sociais. (FUNDAÇÃO ITAÚ
SOCIAL, Relatório, 2011, p.7) O quadro abaixo demonstra o histórico dos investimentos em
programas sociais do grupo Itaú e, posteriormente, da holding Itaú Unibanco, por meio de
instituições criadas para dirigir os negócios em “ação social” das famílias Setúbal, Villela e
Moreira Salles:
FIGURA 1- Investimento Social do grupo Itaú (1993-2016).

Os números apontados no gráfico indicam que o grupo Itaú, entre 1993 à 1998,
considerava o investimento em “ação social” como estratégico para a instituição, mas ainda
investia timidamente em programas com esta natureza. Como se pode observar, entre os anos
127

1993 e 1996, chega a haver um decréscimo dos valores. Nos três anos seguintes, observa-se
um leve crescimento dos investimentos na ação filantrópica do grupo que, neste período,
ainda estava exclusivamente sob a direção do CENPEC, dirigida por Maria Alice Setúbal.
Ainda de acordo com o gráfico, houve um aumento significativo dos investimentos do grupo
em programas sociais, a partir da primeira década da Fundação Itaú Social, seguindo o
movimento mundial de engajamento empresarial nas ações sociais. Entre 2001 e 2010, a
Fundação conseguiu ampliar em 522, 6 % os recursos para a ação empresarial no campo
social. Em sua página eletrônica 34 , foram destacadas três linhas de atuação: Formação,
Avaliação e Recursos. Na Linha de formação, a Fundação investiu nos Programas: Agenda da
Juventude, Ambiente de Formação, Letras e Números, Escrevendo o Futuro, Melhorias da
Educação e Redes e Territórios; na Linha de Avaliação: Ambiente de Formação, Avaliação e
Monitoramento e Pesquisas; na linha Recursos, os programas Agenda da Juventude,
Destinação do Imposto de Renda, Investimento Social Civil, Edital de Fundos para a Infância
e Adolescência, Investimento Estratégicos, Prêmio Itaú Unicef, Redes de Territórios
Educativos e Voluntariados Destacamos, a seguir, uma das dimensões da Cultura do
Investimento social Privado, que se constitui na mola mestra dos trabalhos desenvolvido pelos
Aparelhos Privados de Hegemonia do capital financeiro: o trabalho Voluntário de Novo Tipo.

3.7.1- O debate sobre a “nova pobreza” e a construção da “Nova Cultura do


Voluntariado”

Como sustentando nesta tese, a ação dos empresários sobre as políticas sociais esteve
associada ao movimento de restruturação produtiva e ao movimento de “reforma” da
aparelhagem estatal, iniciado no Brasil em meados da década de 1990. Nessa conjuntura, as
frações dirigentes definiram um conjunto de táticas para o tratamento das desigualdades
sociais, restringindo as políticas sociais aos programas de alívio da pobreza. O receituário
aplicado na periferia do capitalismo para amenizar os efeitos da crise orgânica do capital
previa a delimitação da potencial “clientela” das políticas sociais, a difusão da cultura de um
novo tipo de trabalho vulnerário e a avaliação dos impactos sobre esta “clientela”. O aumento
vertiginoso da pauperização, decorrente da crise orgânica do capital e do projeto adotado
pelas frações dirigentes, foi interpretado por alguns intelectuais como o surgimento de uma
nova categoria na sociedade: a “nova pobreza”. Como nos lembra Eduardo Mendonça (2000),

34
https://www.itausocial.org.br Acesso em 21/01/2019
128

no período anterior de prosperidade e crescimento das economias capitalistas centrais, a


pobreza era vista como um fenômeno residual, passível de erradicada com políticas públicas
assistencialistas.
De acordo com Mendonça, nos Estados Unidos da América, o debate sobre a “nova
pobreza” orientou-se, em boa medida pela noção de “subclasse”, associada principalmente à
questão racial e às áreas segregadas dos guetos. Outro enfoque presente no debate norte
americano foi a noção de “isolamento social” que implicava no rompimento, por parte dos
moradores dos guetos, com os padrões de comportamento dominantes na sociedade e,
consequentemente, na “impossibilidade” do estabelecimento de normas e sanções estáveis
contra os comportamentos sociais ditos desviantes. Embora haja muitas nuanças neste debate,
Mendonça destaca que a abordagem da “nova pobreza” nos Estados Unidos da América foi
fortemente marcada pela ideia da “igualdade de oportunidades” e desvinculada das questões
estruturais. Dentro dessa perspectiva, a equidade restringia-se à garantia e igualdade de acesso
aos recursos básicos e em condições idênticas para dar oportunidade aos indivíduos de
competirem em condições “idênticas” no mercado.
Na Europa Ocidental, especialmente na França, o debate sobre a “nova pobreza”teve a
marca da sociologia de Durkheim, sendo influenciado particularmente pelas categorias de
“solidariedade” e “coesão social”. Tais categorias foram produzidas por Durkheim, no período
em que predominava a livre contratação do trabalhador e a inexistência de qualquer
mecanismo de amparo. No debate francês, o cerne da suposta “nova questão social”, é a
ruptura de integração do indivíduo aos círculos de troca, anteriormente predominante. Visto
sob o aspecto da socialização, o trabalho seria o local privilegiado para inserir os indivíduos
nas redes de solidariedade e proteção. Com a proliferação das relações de trabalho
precarizadas e a diminuição das ofertas de emprego o desafio para a sociedade seria reintegrar
estes indivíduos ao mundo do trabalho, de modo a reintroduzi-lo em redes de sociabilidade
(MENDONÇA, 2000). O “Estado” deveria ter suas funções redefinidas para passar a cumprir
o papel de articulador e fiador do novo pacto de solidariedade. O modelo de proteção social
universal, estendido a todos os indivíduos, teria perdido a funcionalidade seria mais
apropriado ao período de “recessão” econômica.
No Brasil, o tema da pobreza ressurgiu no final da década de 1980, no mesmo período
em que a ideologia neoliberal tornou-se ideologia dominante. De acordo com Mendonça
(2000), na produção acadêmica, destacou-se a noção de construção da pobreza a partir do
paradigma da “pobreza absoluta” que, em linhas gerais, reduziu a questão social à
problemática da pobreza e abriu caminho para produção de políticas focalizadas em “clientela
129

especifica” ou “populações alvo”. Essa concepção sobre a pobreza, segundo o autor, não só
limitou do escopo e da abrangência das políticas sociais de caráter universal, como
implantação dos direitos sociais e a consolidação do direitos previstos na Constituição de
1988. O Banco Mundial, principal credor dos países da periferia do capitalismo, desde a
década de 1980, produziu uma série de documentos induzindo a implementação de políticas
que, supostamente, conjugasse políticas de ajustes econômicos com políticas sociais de
atendimento das necessidades básicas dos “pobres”. No início dos anos 1990, o Banco
indicou a adoção de políticas sociais de proteção contra os impactos negativos do ajuste
econômico somente para os grupos da população mais “vulneráveis”. Com essa “orientação”
o Banco sinalizou a necessidade de se delimitar claramente a “clientela” alvo dos gastos
públicos, com objetivo de atenuar o declínio da renda e do consumo privado desses grupos
(MENDONÇA, 2000).
Paralelamente a este debate sobre “nova pobreza” e a incorporação na agenda pública
da noção de “vulnerabilidade”, houve o movimento de reformulação e disseminação de uma
nova cultura do trabalho voluntário. O trabalho voluntário constitui-se em uma prática
tradicional, que incide sobre problemas sociais gerados por questões estruturais do
capitalismo, por situações de guerra ou por catástrofes naturais. Tradicionalmente, as ações
voluntárias eram realizadas por indivíduos, notadamente por mulheres da classe dominante,
por grupos organizados temporariamente ou por instituições religiosas e/ou humanitárias,
fincadas em valores como caridade, compaixão, benevolência, solidariedade, etc. Dentro do
processo de crise estrutural do capital e do consequente agravamento das mazelas sociais, o
conceito do voluntariado foi revisitado e passou a ser estimulado pelas frações dominantes
como principal forma de ação sobre a “questão social”. Através de aparelhos como a
Fundação Itaú Social e seus aliados, tais frações ganharam protagonismo na gestão do
trabalho voluntário passando a atuar sistematicamente na identificação, assimilação e
formação de trabalhadores que estão dentro ou fora de suas corporações.
Esta ressignificação do conceito do voluntariado não representa apenas uma mudança
semântica. Todo o trabalho de disseminação da “nova cultura do voluntariado” está inserido
no processo de mudança do bloco histórico fordista/keyneisinao para o
gerencialista/neoliberal, que implicou no projeto de mudança do Estado assistencialista para
“investidor social”, na diminuição da rede de proteção social; na substituição de políticas
universais por políticas focais e nas mudanças radicais no mundo do trabalho. A análise da
“nova morfologia do trabalho”, forjada na crise orgânica do capital, elaborada por Antunes
(1999), identifica o crescimento acentuado de trabalhadores submetidos a contratos
130

temporários, sem estabilidade, sem registro em carteira, trabalhando dentro ou fora do espaço
produtivo da empresa, sob ameaça constante do desemprego. Antunes analisa os diferentes
modos de ser dos trabalhadores informais do século XXI: os trabalhadores informais do tipo
tradicional, que exercem atividades de baixa capitalização, buscando obter uma renda
individual ou complementar à renda das famílias, como as costureiras, pedreiros, jardineiros,
vendedores ambulantes; os trabalhadores informais recrutados temporárias e remunerados por
peças ou serviços que executam trabalhos eventuais pautados na força física, como
carregadores de serviços gerias, carroceiros e desempregados que esperam retornar ao
mercado formal. Um segundo modo de ser, apontado pelo autor, são os trabalhadores
informais assalariados, mas sem registro e à margem da legislação trabalhista. Esses deixaram
a condição de assalariados com carteira e passaram a ser excluídos das resoluções coletivas de
suas categorias. Um terceiro modo de ser da informalidade, são os trabalhadores por “conta
própria”, onde encontram-se pequenos negociantes ligados a grandes empresas que não se
interessam em investir diretamente no ramo em que estes atuam. Para Antunes, estes
fenômenos são expressões de uma “nova era de precarização estrutural” do trabalho que são
simbolizadas pela:

1) A erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante no século


XXI, e sua substituição pelas diversas formas de trabalho atípicos,
precarizados e “voluntário”
2) A criação de “falsas” cooperativas a fim de dilapidar ainda mais as
condições de remuneração dos trabalhadores e erudir seus direitos e
aumentar os níveis de exploração de sua força de trabalho;
3) O “empreendedorismo” que se configura cada vez mais como forma
oculta de trabalho assalariado e multiplica as distintas formas de
flexibilização do horário, salarial, funcional e organizativa;
4) A degradação ainda mais intensa do trabalho imigrante em escala global.
(ANTUNES, 2013, p,21)

Analisando o modo de produção capitalista do século XIX, Kal Marx já havia


identificado a existência de uma massa de desempregados estruturais ou parcialmente
empregados, a qual chamou de exército de reserva do trabalho, ou “exército industrial de
reserva”35. Segundo sua teoria, este contingente de desempregados, formado pela população
ativa da sociedade, não está excluído do modo de produção capitalista; ao contrário: ele é
produzido e reproduzido diretamente pela própria acumulação do capital. Os trabalhadores

35
Marx identifica diferentes frações desta população excedente e necessária ao capitalismo: a população
flutuante seria formada por trabalhadores, ora atraídos e ora repelidos pelas empresas; A população Latente seria
formada por jovens e trabalhadores não industriais à espera de serem incorporados nas industrias; a população
estagnada seria composta pela força de trabalho que ocupa funções deterioradas e mal pagas com condições de
vida em níveis subnormais de existência. Já a população pauperizada seria formada pela massa de indigentes, de
doentes, acidentados e idosos. Cif. (BRAGA, 20012)
131

excedentes são alijado do sistema produtivo pelo aumento da exploração do capital e


mecanização do trabalho e ficam na reserva, esperando o momento em que os empresários os
chamem novamente. Desta forma, os trabalhadores que excedem as necessidades imediatas do
mercado atuam como inibidores das reivindicações por melhorias no trabalho e aumento dos
salários na medida em que alimentam o mercado com trabalhadores dispostos a ganharem
menos e sob condições de trabalho ainda mais precárias (BOTTOMORE, 2001).
Braga (2012), com base na teoria marxiana, nos ajudou entender a categoria de
trabalhadores “precariado” composta pela fração “mais mal paga e explorada do proletariado
urbano e dos trabalhadores agrícolas, excluídos da população e o lumpemproletariado36, por
considerá-la própria à reprodução do capitalismo periférico” (BRAGA 2012, p.19). Para o
sociólogo, o precariado não é uma nova classe, como sugere Guy Standing (2013), forjada a
partir da crise da cidadania do sistema fordista, mas se constitui em uma categoria intrínseca
ao modo de produção capitalista. Alves (2012) converge com Braga (2012) no tocante a
identificação do precariado como uma nova camada do proletariado com direitos trabalhistas
ainda mais restritos, submetidos a contratações temporárias e outros tipos de precarização
pós- fordista, mas discorda de Braga no que diz respeito a sua identificação apenas com os
trabalhadores mal qualificados e mal pagos:

Portanto, em nossas intervenções críticas, procuramos salientar o precariado


como sendo, não uma nova classe social, mas sim uma nova camada da
classe social do proletariado com demarcações categorias bastante precisas
no plano sociológico: precariado é a camada média do proletariado urbano
precarizado, constituída por jovens-adultos altamente escolarizados com
inserção precária nas relações de trabalho e vida social.
Deste modo, num plano sociológico, o precariado como camada
social média do proletariado urbano precarizado seria constituído, por
exemplo, por um conjunto de categoriais sociais imersas na condição de
proletariedade como, por exemplo, jovens empregados do novo (e precário)
mundo do trabalho no Brasil, jovens empregados ou operários altamente
escolarizados, principalmente no setor de serviços e comércio, precarizados
nas suas condições de vida e trabalho, frustrados em suas expectativas
profissionais; ou ainda os jovens-adultos recém-graduados desempregados
ou inseridos em relações de emprego precário; ou mesmo estudantes de nível
superior (estudantes universitários são trabalhadores assalariados em
formação e muitos deles, estudam e trabalham em condições de precariedade
salarial). (ALVES, 2013)

Toda a classe trabalhadora, sobretudo as diferentes frações do exército de


trabalhadores e, em especial, a camada do precariado, diante da “nova cultura do
voluntariado”, tem sido convocada pelas grandes corporações a prestarem serviços em nome

36
Max Define o Lumpemproletariado como excluídos por razões diversas (como os egressos do sistema
prisional, os aventureiros, os burgueses falidos, etc).
132

da formação de uma cidadania ativa, do aperfeiçoamento de habilidades pessoais e


profissionais, aumento da satisfação com trabalho, melhoria de currículo, etc. As empresas,
organizadoras da “ação social”, foram convocadas a encampar a ideologia do Investimento
Social Privado, intimamente ligada a “cultura do voluntariado”. A expectativa entre as frações
dominantes era de fortalecer a imagem da empresas como socialmente responsável, junto ao
público interno e externo, agregar valor à marca, ampliar os lucros a partir da adoção de
preceitos aparentemente éticos. No livro produzido pelo Instituto Faça Parte, editado para a
preparação do ano Internacional do voluntariado, em 2001: Para o Brasil dar Certo...Faça
parte, Faça sua Parte! a definição do voluntariado é apresentada da seguinte maneira:

 Realiza um trabalho gerado pela energia de seu impulso solidário.


 Dedica parte do seu tempo, espontaneamente e sem remuneração, a uma
atividade que possa ajudar alguém.
 Acredita que sua contribuição individual é essencial para mudar a
realidade que não o satisfaz.
 Está disposto a oferecer seu conhecimento, sua experiência e,
principalmente, o seu tempo, a uma causa que irá beneficiar a
comunidade onde vive. Todos podem ser voluntários. Ser voluntário
independe de idade, condição social ou profissão. Basta querer ser.
(MARCHI e SOSA, 2011, p.6)

Este “voluntário de novo tipo”, peça chave do projeto social liberal, foi chamado a incorporar
as “ações sociais” planejadas e administradas pelas grandes empresas a partir de recursos de
empresas aliadas, do fundo público e, por vezes, de organismos internacionais. Embora a
chamada tenha sido feita para toda a sociedade, “independente da idade, profissão, e condição
social”, nota-se um apelo especial para os trabalhadores com algum nível de qualificação,
conclamados a oferecerem gratuitamente o que vendiam do mercado de trabalho, o
conhecimento, o tempo e sua experiência profissional. O Serviço de Voluntários online das
Nações Unidas, em 2015, publicou ofertas de trabalho voluntário, em português, para atrair
candidatos que não pudessem viajar o mundo a prestarem serviços no Brasil. Nessa chamada,
o ONU definiu como o público alvo, pessoas com algum nível de conhecimento a oferecer às
organizações cadastradas. De acordo com a chamada:

Entre o público-alvo estão jovens universitários que querem ganhar suas


primeiras experiências laborais, executivos que buscam ganhar
conhecimento em outras áreas e idosos que encontram neste programa uma
chance de compartilhar a sabedoria adquirida ao longo da vida, disse
Lizcano. O voluntariado ainda permite trabalhar em um ambiente
multicultural e expandir redes, algo essencial em um mundo cada vez mais
globalizado. (ORGANIZAÇÂO DA NAÇÔES UNIDAS, 2015)
133

A principal organização internacional responsável por dirigir ações humanitárias


também prometeu certificar os voluntários como forma de incentivo a esta prática. Ao se
cadastrarem, os candidatos ao trabalho deviam apontar suas habilidades. Assim dizia o
chamado, publicado na página eletrônica da ONU, em 29/04/2015:

Para inscreve-se basta visitar o site www.onlinevolunteering.org e criar um


perfil que descreva suas habilidades. Os usuários podem optar por receber
alertas com as oportunidades que se encaixem com seu perfil. Diariamente, o
programa de voluntariado da ONU também publica cerca de 100
oportunidades em sua conta do Twitter. Os voluntários podem postular para
qualquer vaga publicada; a seleção fica a critério de cada organização. Os
voluntários podem receber um certificado ao final de cada trabalho, mas
muitos optam por não pedi-lo. O maior interesse dos voluntários é conhecer
os projetos de outras organizações e verdadeiramente contribuir para uma
causa”, concluiu Lizcano.” (Idem, ONU)

No contexto social liberal, as novas formas de ofertas de serviços sociais substitui o direito
coletivo pelo atendimento individual de pessoas necessitadas. Nesse quadro de
individualização dos serviços sociais, de acordo com Souza 2008, houve transferência do
fundo público para as organizações ditas do Terceiro Setor, que se apresentavam como parte
da racionalização de gastos, busca de maior eficiência, redução da burocracia estatal. No
plano internacional, a nova “cultura do voluntariado” ganhou incentivo a partir do final dos
anos 1980, quando a Assembleia Geral da Nações Unidas definiu, em 1985, o dia 5 de
dezembro como Dia Internacional do Voluntariado, para incentivar a participação dos
voluntários em todo o mundo. De acordo com a Declaração, todos os setores da sociedade,
governo, organizações e empresas, a divulgarem o trabalho voluntário. Cinco anos depois, em
1990, foi assina a Declaração Universal do Voluntariado que definiu os seguintes critérios
para ação voluntária:
 É baseada em uma escolha e motivação pessoal livremente assumida;
 É uma forma de estimular a cidadania ativa e o envolvimento
comunitário;
 É exercido em grupos geralmente inseridos em uma organização;
 Valoriza o potencial humano, a qualidade de vida, a solidariedade;
 Dá resposta aos grandes desafios que colocam para a construção de um
mundo melhor e mais pacifico;
 Contribui para a vitalidade econômica, criando empregos e novas
profissões. (Citado por Sousa, 2008, p. 62)

Um dos marcos históricos da disseminação deste modelo trabalho voluntariado no país


foi o Programa Comunidade Solidária, instituído em 1995, durante o primeiro mandato do
Presidente Fernando Henrique Cardoso. Thais Peres (2005), contextualizando o período de
criação do Comunidade Solidária, comenta que o Programa presidido pela então Primeira
134

Dama, Ruth Cardoso, foi criado no mesmo período em que foram extintos o Conselho
Nacional de Segurança Alimentar 37 , a Legião Brasileira de Assistência 38 , o Ministério do
Bem-Estar Social e Centro Brasileiro para a Infância e para Adolescência. Segundo a política
de encolhimento das políticas de proteção social, todos esses órgãos foram substituídos pela
Secretaria de Assistência Social subordinada ao Ministério da Presidência e Assistência
Social. O Comunidade Solidária funcionou a partir de alianças entre agências dos governos
federal, estadual e municipal com organizações da sociedade civil, sob a justificativa de
buscar desvencilhar-se do que chamou de práticas políticas ultrapassadas como estatismo,
corporativismo fisiologismo e clientelismo. O Programa foi definido como um esforço de
racionalizar a atuação do Estado em políticas sociais, destacando a rede de parcerias como o
produto a maior inovação mais inovador para resolver a “questão social”: O “trabalho
voluntário de novo tipo” foi reconhecido na legislação brasileira com a sanção da Lei, n.
9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que definiu o trabalho voluntário como:

Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade


não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer
natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos
cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à
pessoa.
Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem
obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.
Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de
adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço
voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.
Art. 3º O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas
despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades
voluntárias.
Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar
expressamente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço
voluntário. (Governo Federal, Brasília, 18 de fevereiro de 1998)

No mesmo ano em que o Governo federal sancionou a lei regulamentado o trabalho


voluntário, uma resolução das Nações Unidas declarou o ano 2001 como ano Internacional
dos voluntários39. A campanha, que contou o apoio de 123 países, definiu como objetivos:
fortalecer, divulgar e incentivar o trabalho voluntário, promover a educação para o exercício
da consciência da solidariedade e da cidadania, criar oportunidades facilitando o trabalho dos
voluntários; estimular novas organizações da sociedade civil, ampliar o impacto social

37
O Conselho Nacional de Seguraça Alimentar CONSEA foi criado a partir do Plano de Combate à Fome e à
Miséria PCFM), criado em abril de 1993 por Itamar Franco.
38
135

causada pela ação voluntária (MARCHI E SOSA, 2011, p.4). O Brasil foi escolhido pela
ONU, em 2002, para apresentar o relatório final do Ano Internacional do Voluntário. Milú
Villela, presidente da Fundação Itaú Cultural, do Centro de Voluntariado de São Paulo e do
Instituto Faça Parte, foi convidada a discursar na Assembleia Geral da ONU. Nesse evento, a
representante da holding Itaú Unibanco apresentou a proposta de que o voluntariado continue
a ser considerado como estratégia de inclusão e desenvolvimento social.
O “trabalho voluntário de novo tipo” foi a espinha dorsal dos programas sociais
desenvolvidos pelo Itaú Unibanco. Através da Fundação Itaú Social e outros Aparelhos
Privados de Hegemonia, a holding disseminou a cultura do “voluntariado de novo tipo” entre
seus funcionários, ativos e inativos, entre as organizações que incidem sobre áreas
consideradas vulneráveis e agentes individuais que viabilizassem a realização de “ações
sociais empresarias a baixo custo. Além de ganhos para imagem social do grupo, os
programas serviram de ferramentas educativas para formar e conformar a camada social do
precariado, composta por jovens, experientes ou não, trabalhadores qualificados e em
permanente qualificação que excediam às demandas imediatas do mercado. Esta camada de
trabalhadores que cresce a cada ano no país, aderiu ao trabalho voluntário organizado pela
empresa com a esperança de agregar a experiência “voluntaria” em seus currículos, e pleitear,
futuramente, um lugar no mercado de trabalho formal, seja na empresa que o contratasse
como voluntário ou em outra instituição.
A Fundação Itaú Social criou, em 2005, o Programa Voluntários Itaú, com o objetivo
de educar e organizar seus funcionários. Segundo a Fundação, o programa foi criado para
dirigir as iniciativas realizadas individualmente por seus trabalhadores em projetos sociais. O
projeto piloto foi desenvolvido em 2003, na Administração central de São Paulo. Dentre as
“oportunidades de trabalho voluntário” oferecidas nessa primeira fase, ainda restrita, a cidade
de São Paulo tinha cursos como oficina de informática, inglês, Consumo Responsável, Uso
Consciente do Dinheiro, Clube do Livro, Ingresso ao mercado de trabalho e outros. A partir
de 2005, o programa foi ampliado para a rede de agências e três anos depois, o grupo Itaú
promoveu o encontro para a troca das experiências em trabalhos voluntários com
trabalhadores do Banco dos doze maiores municípios do país. Em 2010, os grupos de
voluntários passaram a se organizar em Núcleos de Ação Social.
O Programa Itaú Criança também foi criado para disseminar a cultura do voluntariado
entre trabalhadores do banco e os trabalhadores fora do seu corpo de funcionários. O foco de
atuação foi o direito da criança e do adolescente. Para ampliar o raio de divulgação do
programa, a Fundação fez parceria com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância
136

(ANDI) e promoveu workshops com jornalistas dos principais órgãos da imprensa de cidades-
sede: Fortaleza (CE), Manaus (AM), Natal (RN) e Recife (PE). Segundo informações do
Relatório anual de 2013, foram impactados 120 profissionais da imprensa nessa iniciativa. A
Instituição promoveu também formações em mediação de leitura para os voluntários como
parte do Programa Itaú Criança. Em 2015, foram 1.378 voluntários formados, em 26 cidades,
que realizaram 1.318 ações de leitura em 98 organizações, beneficiando 2.578 crianças e
adolescentes.
O Programa Comunidade, Presente! foi outra ferramenta criada pelo grupo Itaú para
dirigir a ação voluntaria de seus trabalhadores. Nesse programa, os trabalhadores das agências
do Banco Itaú indicavam projetos nas áreas de educação e saúde para receberem apoio
financeiro da holding Itaú Unibanco. Segundo o relatório anual da Fundação de 2015, os
projetos deveriam estar alinhado aos valores, aos princípios e às diretrizes da Fundação Itaú
Social. O objetivo declarado foi manter um processo estruturado de atendimento, avaliação e
encaminhamento dos pedidos de apoio pontuais a projetos sociais. Nesse ano, foram 92
organizações apoiadas (8% a mais, em relação a 2014) com a destinação de R$ 5.037.473,31
do Itaú Social. Essas organizações receberam a destinação de mais de R$ 5 milhões do Itaú
Social. (FUNDAÇÂO ITAÚ SOCIAL, Relatório anual 2015). A holding Itaú Unibanco
estimulou, identificou, assimilou e também promoveu estratégias para a formação de outros
trabalhadores, em especial da camada do precariado que, em busca permanente de
qualificação e de emprego, é alvo prioritário para as “ações sociais” promovidas pelas
empresas.
Além dos programas desenvolvidos pela fundação, direcionados aos funcionários do
Itaú Unibanco, a Fundação promoveu pesquisas sobre o tema com a finalidade de estimular e
orientar a ação voluntária empresarial. Essas pesquisas resultaram nas publicações: Opinião e
Estudo do brasileiro sobre o trabalho voluntário (2014), Levantamento de Estudos sobre o
trabalho Voluntario (2015) e Lições do Prêmio Escola Voluntária. A Pesquisa sobre a
Opinião dos Brasileiros acerca do trabalho voluntário tratou das seguintes questões: o perfil
demográfico da população brasileira; Exercício da Atividade Voluntária; áreas de interesse
para atuação voluntária; Retorno Pessoal ao realizar atividade voluntária; Fontes de
Informação para atuar como voluntário; opinião sobre os responsáveis de promover a
atividade voluntária; Aspectos importantes na decisão de se tornar um voluntário; Disposição
para realização de atividade voluntária, doação em dinheiro e doação de coisas Principais
Resultados.
137

Esse levantamento de estudos sobre trabalho voluntário, feito pela Fundação Itaú
Social, foi realizado em duas direções: o estudo do trabalho voluntário realizado sob a direção
de empresas e o estudo do trabalho voluntária individual. No tocante à ação empresarial
voluntária, o estudo destacou questões apresentadas na bibliografia sobre o tema como, os
efeitos do voluntariado corporativo sobre os empregados, o capital social da empresa e a
percepção dos consumidores em relação à imagem da corporação, bem como sobre a
prevalência dessa prática, seus padrões de implementação e como os resultados são utilizados
pelos administradores da empresa. No tocante ao trabalho voluntário individual, a pesquisa se
baseou em artigos e dissertações que analisaram trabalhos espontâneos que abordaram
questões sobre os determinantes e incentivos das práticas de voluntariado, bem como a
relação do voluntariado com medidas de bem-estar pessoal e ao modelo teórico de alocação
de tempo entre a realização de ação voluntária e a doação de dinheiro (avaliando, assim, o
custo de oportunidade em voluntariar-se).
As pesquisas supracitadas se inserem no rol de iniciativas da Fundação Itaú Social
para sistematizar a ação voluntária empresarial através da definição do público alvo para
exercício da ação voluntaria, definição de metodologia para atração e a permanência desse
trabalhador voluntário nas atividades administradas pelas empresas, e na definição
metodologia de monitoramento do trabalho. Segundo estudo da ONU, o número de pessoas
que exerciam atividades voluntárias chegou a 140 milhões de pessoas e mobiliza cerca de 400
bilhões ao ano. Para Riccomini, diretora da Fundação Itaú Social, os voluntários contribuíam
para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ajudando na redução da
pobreza, no fomento à governança democrática, na promoção de políticas ambientais, na
prevenção e resposta a crises e na luta contra o aumento de doenças como o HIV/Aids.
(RICCOMINI, 2013)

3.7.2- O Campo estratégico da “Ação Voluntária Empresarial”

Como já foi dito neste capítulo, há quase quatro décadas a educação foi considerada o
campo prioritário da ação empresarial para a preservar o projeto de dominação. Encontros
internacionais patrocinados por agências multilaterais, como o ONU e o Unicef, entidades
empresariais de todo os mundo e o Banco Mundial expressaram sistematicamente a
importância do investimento em políticas educacionais para assegurar a concertação social,
garantir o controle da violência e o desenvolvimento econômico. No relatório anual da FIS de
138

2016, a Fundação Itaú Social expôs as áreas sociais beneficiadas pelo fundo de Investimentos
em Ação Social holding:

Quadro 8: Campos do “Ativismo Social” do Itaú Unibanco


Área Percentual dos investimentos
Educação 45%
Mobilização Social 31%
Avaliação Econômica de Projetos 5%
Apoios e Parcerias 9%
Comunicação 5%
Administração 5%
Fonte: Relatório anual 2916, Fundação Itaú Social

A educação e a mobilização de trabalhadores voluntários para a “Ação Social Empresarial”


com baixo custo foram as áreas de investimentos prioritários da holding Itaú Unibanco, no
ano de 2016. Os múltiplos programas desenvolvidos conjuntamente pela Fundação Itaú Social
e pelo CENPEC, voltados para a pretensa melhoria da escola pública brasileira, demonstram
uma perspectiva de educação em fina sintonia com as orientações para a educação dos
organismos internacionais e alinhados ao projeto societário social liberal.
O projeto de educação defendido pelo complexo pedagógico do Itaú Unibanco foi
expresso em diversos materiais produzidos pelo grupo, veiculados pela imprensa ou por seus
canais de divulgação. O Programa Excelência em Gestão Educacional da Fundação Itaú
Social e do Instituto Broudel gerou duas publicações em formato de pesquisa de campo, que
sistematizam os principais eixos da “reforma” conservadora educacional: o livro “A Reforma
Educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil” e “Escolas Charter no Brasil: a
experiência de Pernambuco”. Na página de apresentação do primeiro livro, a Fundação Itaú
Social destacou como objetivo “servir de inspiração para gestores, educadores, empresários e
políticos brasileiros interessados em melhorar a qualidade de nossas escolas públicas”. O
livro, lançado no dia 3 de agosto de 2009, abordou em 80 páginas, questões relativas ao
programa de “reformas” para educação, implementado em diversos países há mais de 30 anos,
orientados pela competição econômica entre os sistemas educativos e a adaptação às
demandas do mercado. A questões abordadas foram: 1. Descentralização e autonomia escolar:
Empowerment Schools; 2. Monitoramento e Responsabilização por Resultados: O Princípio
de Accountability; 3. Professores mentores e o apoio presencial ao professor em sala de aula:
139

Coaching; 4. Coordenadores de pais: aproximação entre a escola e a família; 5. Vias


alternativas para seleção e contratação de professores e diretores; 6. Segurança escolar; 7. A
participação do setor privado: as escolas charter; 8. Relação com os sindicatos; 9.
Desdobramentos da Autonomia e descentralização escolar.
A “reforma” no sistema educacional foi emplacada em países no centro e da periferia
do capitalismo, apresentando-se como resposta às reivindicações pela democratização do
ensino e incorporação de todos os setores da classe trabalhadora à escola. As frações
dominantes entraram com força neste campo de disputa e conseguiram conduzir os anseios
por transformações sociais, rebaixando o projeto de escola democrática para uma renovação
programática que garantisse um ensino “eficiente” e o atendimento dos alunos “vulneráveis”.
Em Nova Iorque, como em outros países, a “reforma” intitulada Children First foi realizada a
partir do diagnóstico da existência de uma cultura de fracasso nas escolas associado aos altos
índices de criminalidade da cidade e tornou-se referência nos debates sobre a modernização
da escola a partir de preceitos importado do mundo das empresas.

3.7.3- A promessa da autonomia escolar

Um dos fundamentos da reforma educacional de Nova Iorque, vista como referência


para a reforma educacional brasileira, foi autonomia da escola para captação de recursos,
montagem da equipe de profissionais, escolha do currículo significativo, etc. Dentro desta
perspectiva, os diretores escolares teriam autonomia para montarem seu orçamento,
contratarem professores e vice-diretores, decidirem sobre currículo e grade horária, e escolher
os tipos de assessoria técnica necessárias à equipe escolar (FERNADO BRAUDEL e
FUNDAÇÂO ITAÙ SOCIAL, 2009, p.28). Antes da reforma, um projeto piloto foi adotado,
criando uma suposta zona de autonomia com adesão voluntária das escolas interessadas em
experimentar o projeto. Segundo os entusiastas da “reforma” educacional, essas experiências
teriam demonstrado que os recursos financeiros poderiam ser usados de forma mais eficiente e
a administração escolar teria apresentado melhorias partir da independente da burocracia
central, em função da rede conseguir eliminar duzentos de dez cargos administrativos e
poupar cerca de 80 milhões de dólares.
Contraditoriamente, a diminuição drástica do número de trabalhadores envolvidos na
administração foi apontada como indicativo da melhoria da eficiência da gestão. Como
destaca Cristian Laval (2004) com o neoliberalismo, a escola “eficaz” passou estar
relacionada à redução ou, ao menos, ao controle dos custos educativos. A massificação do
140

ensino, neste ponto de vista, invocaria técnicas de gestão testadas no mundo empresarial.
Dessa feita, a modernização do sistema foi associada ao enxugamento da máquina pública, de
acordo com o plano de reformas da administração pública, que implicaria na redução do
número de funcionários estatutários no empenho das funções administrativas. Na experiência
em questão, uma nova fórmula de financiamento de escolas públicas foi introduzida, por meio
do Fair Student Funding (Financiamento Justo por Aluno), associando diretamente
investimentos aos alunos suas necessidades socioeconômicas e de aprendizagem. Ainda sob o
ponto de vista da economia de investimento, argumentou-se que cerca de 15 milhões foram
poupados com a descentralização e investidos no sistema de monitoramento e avaliação de
resultados de aprendizado, outra peça-chave da reforma.
Esta experiência remete a outro aspecto da escola, eficiente sob o ponto de vista
hegemônico: a priorização dos investimentos nos setores considerados “vulneráveis” dos
pontos de vista social e educacional. Os baluartes da “reforma” adotaram o conceito
“igualdade de oportunidades” sob a justificativa de atenderem, de forma diferenciada, os
estudantes, levando em consideração as trajetórias individuais, as trajetórias das famílias e as
demandas dos estudantes sem acesso aos níveis básicos de Bem-Estar Social. Este projeto que
se esconde sobre o véu progressista de elevar as massas carentes à cultura escolar, consiste na
adaptação da escola à visão empresarial de que o fundo público precisa reduzir “gastos” com
o atendimento social universal para não prejudicar o desenvolvimento econômico, ofertar uma
formação barata destinada ao trabalho simples e garantir uma formação mínima ao exército
industrial de reservas. As próprias escolas nova-iorquinas passaram a escolher e comprar os
serviços de assessoria que julgavam necessários para atingir as metas exigidas pela secretara.
Uma das três modalidades de auxilio técnico aos diretores foi a contratação de entidades ditas
do Terceiro Setor que, segundo este estudo, apresentavam mais vantagens por competirem
entre si e tratar os diretores como “cliente”. As Áreas de atuação das organizações de apoio
escola eram:
a) auxiliar diretores e equipes a desenvolver planos de ação para melhoria
dos resultados de aprendizado, de acordo com metas de desempenho
estabelecidas;
b) auxiliar escolas a desenvolver programas e serviços que melhorem o
desempenho de alunos com necessidades especiais e alunos que estão
aprendendo inglês;
c) apoiar a escola no desenvolvimento de atividades extracurriculares que
melhorem o envolvimento e sucesso acadêmico dos alunos;
d) auxiliar diretores para atrair, desenvolver e reter professores de qualidade,
que possam melhorar os resultados de aprendizado.
(FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL, 2009, P.31)
141

Além de formalizar a penetração dos empresários no interior da escola pública, essa


iniciativa deslegitimou o trabalho diretor escolar e de outros profissionais ligados a
administração, tendo em vista que sua formação e sua experiência foram consideradas
inadequadas, arcaicas e sujeita à falhas. Com a hegemonia desta lógica, os administradores
escolares foram “estimulados” a contratarem o receituário dos empresários para defenderem
seus empregos. Apesar da autonomia dos diretores em contratar professores, decidir sobre seu
orçamento e escolher a modalidade de planejamento, o secretário manteve sua autoridade para
intervir em qualquer escola que não estivesse cumprindo suas metas. Neste modelo cabem aos
órgãos centrais:
a) estabelecer padrões e metas para o aprendizado;
b) mensurar e monitorar o desempenho de escolas e alunos, publicando
relatórios periódicos;
c) aplicar avaliações periódicas e implantar o Achievement Reporting and
Innovation System (ARIS/Sistema de Inovação e Publicação de Resultados);
d) matrícula de alunos;
e) decidir sobre investimento na infraestrutura física, incluindo, mas não se
limitando, decisões sobre grandes reformas e construções de novas escolas;
f) processar folha de pagamentos e de pessoal;
g) monitorar se escolas as estão cumprindo com as obrigações legais no
âmbito federal e estadual. (Idem, p.32)

Comparando as medidas descentralizadoaras adotadas no Brasil, os autores do estudo


consideraram que as redes estaduais e municipais de ensino ainda estão longe de oferecerem o
tipo de autonomia de gestão que Nova York implantou em suas escolas. Destacam como o
problema o fato dos diretores não poderem selecionar seus professores e contratarem a
assessoria técnica que considerem ideal para sua escola.

3.7.4- O Princípio da Responsabilização por resultados e a desresponsabilização dos


governos sobre a escola pública

A contrapartida da autonomia da gestão escolar, na visão dos defensores da “reforma”


educacional, seria a prestação de contas focada no resultado das aprendizagens. A Secretaria
de Educação de Nova Iorque firmou, em 2007, um contrato de cinco anos com a IBM no
valor de 80 milhões de dólares para desenvolver um sistema de dados educacionais com
informações sobre o progresso de cada um dos 1,1 milhão de estudantes da rede. A
justificativa desta contratação milionária estaria na facilidade de diretores e professores em
identificar os problemas de aprendizagem por meio do uso desta tecnlogia desenvolvida pela
IBM:
142

Diretores e professores conseguem rapidamente identificar problemas e


avanços de cada aluno, ou cada turma, ou cada série, e por disciplina. Podem
também perceber tendências de desempenho ao longo dos anos, e cruzar
com outros dados como frequência escolar ou repetência. Esse tipo de
informação ajuda diretores e professores a identificar quais os alunos que
estão com mais problemas, além de planejar estratégias de ação e focar nas
necessidades específicas de cada aluno. (FERNANDO BRAUDEL E
FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL, 2009, P.38)

As secretarias também usaram os dados para escrever um “boletim de progresso”, com a


finalidade de divulgarem a classificação que cada escola recebe um entre A e F. A cada ano, a
escola estabelece novas metas para o ano seguinte. As secretarias tornaram-se responsáveis
pelo banco de dados e pelo treinamento para que as equipes escolares possam utilizá-lo no dia
a dia. Os alunos também foram submetidos a avaliações periódicas, com um mínimo de cinco
testes por ano, de inglês e matemática. Toda escola precisa aplicar um mínimo de cinco testes,
por ano, em inglês e em matemática. Os testes são oferecidos pelas secretarias a partir de um
repertório básico, mas cada escola pode desenvolver seus próprios, ou contratar um consultor
externo para desenvolvê-los. Além dos testes padronizados, os sistemas de avaliação da rede
contaram com outros instrumentos como: 1) Boletins de Progresso Escolar (School Progress
Reports); 2) Avaliações Qualitativas (Quality Reviews); 3) Equipes de Investigação (Inquiry
Teams); 4) Incentivos e sanções baseados nos resultados de aprendizado. Novamente
recorremos a Laval (2004.) para entender a lógica da política de resultados para mensuração
da aprendizagem. Segundo o autor, uma das falhas deste sistema está em não levar em conta
os limites da avaliação, por consideram somente os resultados mensuráveis, e, em particular,
os resultados que estão na articulação entre a escola e o mercado de trabalho.
O movimento de avaliação do desempenho da instituição, por meio dos testes
produzidos tem sido apresentado como o máximo da modernidade, supostamente por
demonstrar eficiência no combate às desigualdades, ao desperdício e à ineficiência dos
profissionais. No entanto, o objeto de medição é sempre uma parte fragmentada da realidade
que se pode medir, que se quer e acredita poder modificar, como destaca Laval. Este modelo
de avaliação que se reduz a mensurar o que o estudante reteve ou ignorou do conhecimento
escolar é, segundo Lucy Tanguy (Apud Laval, 2004, p.215), uma ferramenta para modificar
os modelos cognitivos e culturais que dominam na escola. A ideologia da avaliação, segundo
Laval, deve sofrer os seguintes questionamentos:

Quais são, com efeito, as consequências dessa ideologia da avaliação sobre


aquilo que é ensinado, no sentido que é aprendido, sobre os conteúdos e
valor destes conteúdos para os próprios alunos? Como, por exemplo medir a
143

parte crítica e cívica da cultura transmitida? Como apreciar a integração de


valores de igualdade, de honestidade, de tolerância, que se dizem muitas
vezes no coração das escolas? E se soluções segregacionista produzissem
resultados escolares melhores que os de uma organização escolar
socialmente ou eticamente mista, seria preciso adotá-lo em nome da
eficácia? (LAVAL, 2004, p214)

A avaliação da educação nestes moldes, ressalva o sociólogo francês, pode estimular um tipo
de normalização do ensino, dos conteúdos e dos métodos, tendo em vista que a única
referência para o julgamento do processo educativo seriam os resultados das provas em larga
escola. Sendo assim, adverte o autor que a educação corre o risco de se parecer com uma
criação industrial.
O estudo da Fundação Itaú considerou que a burguesia no Brasil se aproximou da
política de responsabilização por resultados a partir das aplicações dos testes padronizados
aplicados nas escolas, para aferir os níveis de aprendizado dos alunos. Identificou como falhas
na construção e divulgação dos dados, gerados a partir dos testes, que segundo a análise,
regulariam o trabalho de professores e gestores no alcance de metas. Na concepção dos
intelectuais da Fundação Itaú Social, os elementos relevantes da reforma foram a combinação
de incentivos e sanções que supostamente motivariam os professores e diretores a buscarem
melhores resultados:

Em Nova York, a autonomia e o sistema de avaliação só deram resultado


porque puderam contar com um sistema de incentivos e sanções, em que
gestores precisaram sair de uma zona de conforto muito parecida com a
criada pela estabilidade de emprego de um diretor ou professor concursado.
Vários Estados já iniciaram o processo de implantação de incentivos
financeiros por mérito, como Minas Gerais e São Paulo, onde há o
pagamento de bônus anual a escolas que apresentam progresso no
aprendizado de seus alunos. Contudo, tanto redes estaduais quanto
municipais precisariam também encontrar estratégias políticas e
flexibilidades legais para introduzir sanções a diretores, professores,
supervisores de escolas que não conseguem reverter o fracasso escolar.
Faltam, muitas vezes, mecanismos de responsabilização do diretor pelos
resultados de aprendizado. (Idem, p. 38)

O sistema de competição, estimulado pelo princípio da responsabilização por resultados,


longe de sanar os problemas das desigualdades de oportunidades educacionais, como
frequentemente defendem seus intelectuais, aprofundam ainda mais as disparidades entre as
intuições de ensino. A burguesia nos países do centro e da periferia do capitalismo tem
aplicado esta fórmula, inspirada na relação entre a empresa e o consumidor, justificando a
adoção deste modelo com a ideologia da “transparência” e da “eficiência”. Esta
responsabilização que prevê a premiação dos bons profissionais e a exposição dos
144

profissionais com baixo desempenho tem tornado palatável a política de baixíssimos


investimentos nas escolas públicas, por meio da identificação de algumas escolas como ilhas
de excelência.

3.7.5- O Sistema de apoio presencial aos professores: projeto de controle mais eficaz do
trabalho docente

A autonomia dos professores em sala de aula também foi questionada pelos


condutores da “reforma” educativa em Nova Iorque e pelos seus entusiastas no Brasil. Para
incidir de forma mais direta sobre o trabalho docente, foi instituído um tipo de funcionário,
chamado de professor/tutor/mentor ou coach, diretamente subordinado à Secretaria de
Educação. Com essa medida, esperava-se o controle mais eficiente do trabalho do professor
em seu cotidiano escolar por meio da fiscalização de seu trabalho de maneira ordinária, como
se pode constatar no texto que introduziu o capítulo de apresentação desta medida:

Um dos maiores desafios de qualquer reforma do ensino é conseguir


atravessar a burocracia e chegar até a sala de aula. “Uma das coisas que
aprendi nestes quase 40 anos na rede é que quando o professor entra na sala
de aula e fecha a porta, não importa quem seja o secretário de Educação ou
qual seja o currículo. Na hora de dar aula, ele vai acabar fazendo o que
preferir. A tarefa, então, é fazer com que ele se sinta envolvido para que faça
o que gostaríamos que fizesse. No final, tudo depende dele”, afirma Eric
Nadelstern, ao explicar por que a Reforma de Nova York se preocupou em
criar sistemas de apoio presencial ao professor em sala de aula.
(FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL, 2009, p.48)

Esses funcionários, representantes da secretaria na escola, possuíam a autoridade de


supervisão, mas para conquistar a confiança dos profissionais da escola, deveriam se apoiar
em estratégias de tutoria como visitas informais, feedback imediato e identificação de
lideranças entre professores e gestores. O objetivo declarado dos “reformadores”
novaiorquinos foi a valorização e o compromisso com o desempenho escolar, o
fortalecimento da liderança pedagógica e dos demais gestores, e a instrução diferenciada.
Táticas para garantir a subordinação entre a chefia e os funcionários, típicas do gerencialimo,
foram importadas do mundo empresarial para escola com a finalidade de impor o
cumprimento da “reforma” da administração pública no interior da escola e o impedimento da
realização de trabalhos críticos à perspectiva hegemônica. Nessa medida, a fiscalização do
trabalho docente foi maquiada pela aparência progressista de orientação.
A primeira fase do trabalho do professor tutor/mentor ou coach consistiu na conquista
da confiança dos professores, em seguida na “participação” do coach no trabalho pedagógico
do professor e posteriormente, em uma intervenção mais incisiva sob a aparência de conselho:
145

Depois desta primeira fase de conquista da confiança do professor, uma


estratégia importante é realizar visitas informais à sala de aulas com retorno
rápido e prático para o professor, e, de preferência, colocando o tutor como
um “ajudante” que vai fazer algo junto com o professor. No início da
Reforma de Nova York, coachs faziam observações de sala de aula muito
longas e produziam relatórios que tinham pouco impacto na prática do
professor. Aprenderam que precisam fazer visitas mais rápidas e informais, e
dar um retorno menos formal para o professor. Na visita, o tutor precisa ter
um foco claro em que vai prestar atenção. Por exemplo, é preciso determinar
antes da visita se o foco é disciplina, ou avaliar como o professor está
trabalhando em pequenos grupos, ou como alunos com dificuldade de
aprendizado estão sendo atendidos. Uma das estratégias mais bem-sucedidas
desse trabalho conjunto são as visitas do tutor/mentor para dar uma aula em
parceria com o professor. Este fazer junto tira o tom de “supervisão”,
“observador externo”, ao qual muitos professores resistem. O fazer junto
também ajuda o tutor a modelar boas práticas, sem tirar o brilho do
professor, pois este ainda é o “anfitrião”. Essa estratégia vence também
aqueles mais resistentes, que dizem que o tutor está dando conselhos “mas
não sabe o que é enfrentar a sala de aula”. Alguns tutores se utilizam de
filmes para gerar reflexão nas reuniões com professores. Algumas vezes
filmam sua aula, ou filmam um professor interessado de outra escola para
utilizar aquela aula filmada como um instrumento de discussão na reunião de
professores. Assim, não estão criticando um colega nem a si próprios, mas
podem olhar o que deu certo, o que não deu, em que momento o professor
perdeu ou ganhou a classe. (FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO
ITAÚ SOCIAL, 2009, p.50)

A realização de “orientação” do professor em sala de aula também compõem receituário


social liberal propagandeado pelos organismos internacionais que sugeriram medidas
substanciais e “sustentáveis” para impactar a qualidade do trabalho docente. A falta de
qualidade do professor foi apontada como um dos aspectos da crise educacional.
Frequentemente, três medidas foram citadas como fundamentais para sanar o problema: a
melhoria do nível dos professores, os gastos em treinamentos eficazes e recompensa aos bons
professores. O programa de tutoria promovido pela “reforma” de Nova Iorque, além de
fiscalizar o trabalho docente e garantir o ensino de uma única visão de mundo, visou colocar
em prática o treinamento do professor em serviço. Essa perspectiva de formação continuada
foi abraçada pelos reformadores por não preverem a necessidade de afastamento do docente
no período da formação, por garantirem que a formação fosse feita a partir da reprodução
acrítica do projeto dominante e por legitimar os Aparelhos Privados de Hegemonia com
prática de formação em escola, favorecendo a onda de privatização de serviços educacionais.
No Brasil, um projeto piloto com esse perfil foi desenvolvido em dez escolas estaduais
da zona leste de São Paulo, a partir da parceria entre a Secretaria da Educação, a Fundação
Itaú Social e o Instituto Fernand Braudel. O Programa Tutoria do Itaú proporcionou um curso
para formação em tutoria, dirigido a técnicos de Secretaria de Educação, para multiplicarem
146

essa metodologia entre técnicos, professores e gestores das escolas. Em 2016, o programa
alcançou as Secretaria Municipal de Educação de Santos (SP): 5 coordenadores de pais em
atuação, 5 escolas participantes, 2.853 estudantes beneficiados, 4 técnicos da secretaria de
educação formados, na Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo: 15 coordenadores
de pais em atuação, 15 escolas participantes, 4 técnicos da secretaria de educação formados,
14.200 mil estudantes beneficiados; na Secretaria Municipal de Educação de Sorriso (MT):
formações aos técnicos da secretaria de educação, mapeamento de demandas das
comunidades escolares; na Secretaria Estadual de Educação de São Paulo: formação de
professores coordenadores de núcleos pedagógicos - Regional de Ensino Sul 2, na cidade de
São Paulo.

3.7.6- A estratégias para conquistar adesão das famílias ao projeto educativo social
liberal

Sob a bandeira da democratização da escola e da incorporação da comunidade ao


cotidiano escolar, os idealizadores de condutores da “reforma” gerencialista convocaram
indivíduos e organizações da sociedade civil a prestarem serviços na escola, antes realizados
pelos governos. Em Nova Iorque, a secretaria de educação criou a função de “coordenador de
pais” para fazer a mediação entre o trabalho do diretor escolar com as famílias, com a
finalidade de desenvolver estratégias para envolver os pais no cotidiano da escola. Um dos
objetivos do envolvimento das famílias com a escola foi a mobilização de pais para realização
de trabalhos voluntários nas escolas. Os “coordenadores de pais” deveriam atrair as família
com a realização de atividades em horários adaptados às famílias, como: Noite em família,
com a exibição de filmes e pipoca, premiação de alunos, mutirão voluntário. A incorporação
das famílias à escola, seja por meio do trabalho voluntário ou da participação em conselhos
administrativos, foi justificada pelo princípio da descentralização, que incidiu na
reconfiguração de toda marquinha pública. Esse modelo de “governança” foi embasado na
ideia de que o bem público só poderia ser alcançado por meio da negociação de múltiplos
parceiros, obedecendo a interesses e lógica que lhes são próprios (LAVAL, 2004).
Esse modelo de administração descentralizada, com previsão da inscrição das
demandas individuais das famílias e da sociedade civil na direção da escola, intensificou as
novas modalidades de privatização do sistema, como adverte Laval (2004):

Uma vez colocado que a escola é um serviço descentralizado, satisfazendo


uma clientela diferenciada e não, de início, uma instituição encarregada de
147

educar todos os membros de uma sociedade, segundo regras comuns de


instruir cidadãos capazes de se encarregarem dos negócios coletivos,
suprimiram-se muitos obstáculos à privatização de fato dos estabelecimentos
escolares, quer dizer sua subordinação a todo nível de interesses privados.
(LAVAL, 2004, p.241)

O estudo da Fundação Itaú Social apontou que algumas redes públicas, no Brasil,
começaram a experimentar estratégias para aumentar o envolvimento das famílias, como a
rede municipal de Taboão da Serra, cidade pobre da região metropolitana de São Paulo.
Segundo a Fundação, nesta experiência premiada pela Organização das Nações Unidas
(ONU), a prefeitura passou a pagar R$ 35 para cada visita que os professores fizessem aos
alunos. Eles deveriam visitar todos os estudantes de suas salas pelo menos uma vez por ano.
Outra experiência no Brasil, citada pelo estudo da Fundação, foi o projeto piloto desenvolvido
na grande São Paulo, a partir da parceria entre o Instituto Braudel, a Fundação Itaú Social e a
Secretaria de Educação do Estado. O Programa criou a categoria de “coordenador de pais” em
dez escolas da região leste da cidade. Ao descrever o “sucesso” desta experiência, a Fundação
Itaú Social destacou o êxito e mobilizar os pais para realizar trabalho voluntário na escola.

[...]Embora ainda em seus primeiros meses de implantação em 2009, o


projeto tem demonstrado como membros da comunidade, muitas vezes ex-
inspetoras, merendeiras, mães e avós de ex-alunos, são um recurso humano
precioso e pouco aproveitado para apoiar o trabalho de professores e
diretores, atuando como intermediários entre os pais e a escola. Em muitos
casos, nas escolas que sofrem de alta rotatividade de professores e gestores,
esses profissionais tornam-se referência e são os adultos que mais oferecem
continuidade e vínculo aos alunos e profissionais que chegam.
(FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL, 2009, p.69)

Os exemplos das escolas nova iorquinas e das escolas brasileiras, selecionados pela
Fundação Itaú Social, também elucidam a tendência de valorização dos “recursos humanos”
extraescolares, no interior da escola pública. No Brasil, essa modalidade de incorporação da
comunidade à escola veio ao encontro dos princípios defendidos pelos movimentos sociais da
década de 1980, que reivindicavam autonomia, participação e gestão democrática. No entanto,
a incorporação dessas bandeiras de luta à agenda de ações dos Aparelhos Privados de
Hegemonia dos empresários e sua adaptação aos interesses do mercado, reforçaram as
soluções denominadas como “sustentáveis”, sem previsão de ampliação dos recursos
financeiros, realizadas em curto prazo para solucionar problemas relativos à violência dos
estudantes e remediar os problemas gerados pelos altos níveis de precarização em que as
escolas públicas foram submetidas.
148

3.7.7- A legitimação da precarização do trabalho docente

A flexibilização da escolha dos professores pela escola compõe o repertório de


incorporação da lógica empresarial à política educacional escolar. Essa política reforçou a
aparente possibilidade dos gestores das escolas formarem suas equipes de acordo com as
demandas locais, abriu caminho para a contratação de trabalhadores sem concurso público nas
escolas e pretendeu livrar a educação dos “entraves” impostos pelos sindicatos aos interesses
do mercado. O programa, Teach for America foi criado a partir de um trabalho monográfico
que defendia a alternativas para atração de jovens graduados para as escolas. Esse programa
foi transformado em política pública em alguns estados americanos. O Programa oferecia mil
dólares ao ano a estudantes universitários que buscassem, em sites de relacionamentos,
potenciais candidatos para o programa, além de promoverem a ideia entre seus colegas. Os
candidatos ao cargo deveriam demonstrar “habilidades organizacionais, perseverança e
resiliência através de entrevistas e testes. Após um breve treinamento de cinco semanas, os
candidatos a professor eram considerados aptos a trabalharem em escolas de bairros
considerados pobres e violentos.
Com a regulamentação dessa flexibilização nas formas de contratação para o trabalho
escolar, as frações dirigentes da reforma conseguiram sanar, de forma precária e imediata, a
falta de professores nas escolas públicas, sobretudo nas escolas localizadas na periferia e
destinado a educar os trabalhadores afetados pelo desemprego estrutural, dentro da “nova
morfologia do trabalho” (ANTUNES, 2005). Essa nova geração de trabalhares passou a ser
educada dentro da perspectiva de que o direito às férias, à seguridade social, à construção de
uma carreira sólida e à estabilidade do emprego compunham um repertório obsoleto que
emperrava a efetiva modernização da relação capital - trabalho. Sintonizada com essa
ideologia, a escola deveria ser reformulada para uma formação dirigida ao trabalho simples e
a formação de “competências socioemocionais” que estivessem de acordo com as condições
estabelecidas pela nova “morfologia do trabalho”. A nova pedagogia da hegemonia (NEVES,
2005) também identificou os sindicatos como um reduto de profissionais sem compromisso
com a educação pública, interessados em ganhos corporativos, e inimigos da competitividade
entre as escolas.
Outro programa criado em Nova Iorque, em 1997, com o apoio do programa Teach for
America, foi o New Teacher Project (“Projeto Novo Professor”). Esse programa desenvolveu
parceria com mais de 200 Secretarias de Educação, incluindo a de Nova Iorque, e promoveu
recrutamento e treino de profissionais de outras áreas que desejam ingressar na carreira de
149

professor, além de auxiliar as secretarias a melhorarem suas práticas e regras de recrutamento


e seleção de pessoal. Através de programa profissionais de distintas carreiras, como
engenheiros, economistas, advogados publicitários, foram reconhecidos com aptos para
atuarem no magistério. Os diretores escolares também tiveram sua função renovada e sua
formação questionada por este modelo de “reforma”. A “habilitação dos profissionais não
formados em administração escolar foi feita de forma aligeirada, por meio da contratação de
instituições privadas que se especializaram na formação em serviço dos profissionais da
escola. As altas somas definidas nos contratos eram justificadas pela aceleração no tempo de
formação e pelo ensino de técnicas administrativas eficientes:

No longo prazo não é tão caro, já que estamos formando o topo de nossa
liderança. Mas na administração pública é um custo muito alto. Por isso
continuamos a buscar apoio do setor privado, pois trata-se de uma causa que
desperta o interesse de empresas que querem investir em educação”,
comenta Eric Nadelstern. Na Reforma de Nova York, a Academia de
Liderança se tornou uma estratégia importante para recrutar novos diretores
entre professores com pouca experiência de gestão, para que rapidamente
pudessem assumir cargos em novas escolas, nos bairros mais carentes. O
mais importante programa da Academia de Liderança é o Aspiring
Principals Program,12 (FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO ITAÚ
SOCIAL, 2009)

A contratação da empresa “academia de lideranças” foi feita pela própria escola interessada,
que ficou incumbida de pagar os serviços com recursos de seu próprio orçamento.

De acordo com as diretrizes do novo sistema de autonomia escolar


implantado pela reforma, as escolas de Nova York podem pagar pelos
serviços da Academia. Um diretor que queira receber tutoria individual de
um diretor mentor por um ano paga cerca de 9 mil dólares. Se ele preferir
tutoria em grupo, por meio de encontros mensais com um pequeno grupo de
diretores e um diretor mentor, custa cerca de 4 mil dólares ao ano. Um
diretor também tem a opção de chamar um especialista da Academia para
uma consultoria rápida, a fim de resolver um problema pontual. Nesse caso,
é cobrado 150 dólares por hora. (Idem)

Essa autonomia administrativa e orçamentaria foi implementada conjuntamente com


medidas que aumentaram o controle da “administração central” sobre o trabalho pedagógico,
por meio da construção de um sistema que integrou uma série de medidas com aparência
progressista e democrática. A fiscalização do docente no local de trabalho foi ampliada por
meio da supervisão do trabalho docente, por funcionários contatados pela Secretaria de
Educação para atuarem nas escolas, pelas famílias integradas às esferas administrativas da
escola e pelos diretores, que incorporaram as funções do gerente empresarial. A fiscalização
150

do que é ensinado foi intensificada com avaliações em grande escala, que mensuram apenas
um tipo de conhecimento determinado como fundamental para as novas gerações. A redução
da pluralidade de pensamento, foi induzida com a implantação de um modelo curricular
universal e a formação continuada dos profissionais da escola dentro do prisma liberal. Essa
solução para escola pública, definida no interior do Estado ampliado de diversos países
capitalistas com variados níveis de alinhamento ao projeto social liberal, possibilitou novas
formas de privatização e legitimação dos Aparelhos Privados de Hegemonia das frações
dirigentes como os portadores do remédio e dos instrumentos necessários à modernização das
escolas.

3.7.8-- Escola Charter: a menina dos olhos da Fundação Itaú Social

O programa Escolas Charter é o modelo de escola almejado pelas frações dominantes


como solução para a escola pública da atualidade. Esse modelo, desenvolvido originalmente
nos Estados Unidos, sintetizou a doutrina hegemônica sobre eficiência educacional e reuniu
todos os elementos considerados pelo movimento “reformador” conservador como
necessários à modernização dos sistemas de ensino. Foi com esse entusiasmo que a Fundação
Itaú Social apresentou esse programa como solução para a educação do segmento da
população jovem, negro, pauperizado e morador de bairros violentos:

O papel das escolas Charter é estratégico em Nova York porque atua como
catalisador de novas atitudes e ações educativas “As escolas Charter na
cidade de Nova York nos ensinam sobre o que possível fazer na educação
pública. Elas servem uma porcentagem maior de alunos pobres, negros e
hispânicos que a média das outras escolas de nossa rede, e mesmo assim
conseguem um desempenho melhor”, declarou o secretário de Educação Joel
Klein, ao anunciar os resultados das avaliações na rede da cidade. “Estes
resultados são prova de que todas as crianças, independentemente de suas
condições socioeconômicas, podem ser bem-sucedidas se receberem uma
oportunidade”. (FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL,
2009, p.99)

O diagnóstico da crise educacional começou a ser construído nos EUA, no início dos anos
1980. Ao longo das décadas seguintes, um conjunto de reformas variadas foi adotado com
base no consenso construído pelos pesquisadores do campo e da posição rebaixada dos
estudantes nos exames internacionais. Como analisou Sardinha (2013), apesar da crise
educacional estar relacionada à desresponsabilização dos governos pelo provimento da escola
básica pública, as reformas responsabilizam os professores e seus métodos e a rigidez da
estrutura das instituições públicas por esta crise. Essas reformas educacionais se concentraram
151

sobre as questões pedagógicas e sobre questões estruturais e institucionais (SARDINHA,


2013). O conjunto de reformas incentivou o crescimento do ensino privado e criou formas
renovadas de privatização do ensino. Essa situação foi agravada ao final da década de 2000,
com o aprofundamento da crise econômica e diminuição drástica do orçamento público para
os programas sociais.
Durante o governo do então Presidente Barack Obama (2009-2013), foi dada
continuidade ao programa de George W. Bush, No Child Left Behind (Nenhuma criança
deixada para trás), que se embasou nos seguintes eixos: 1) a avaliação de professores segundo
os dados provenientes de testes padronizados; 2) fechamento e “reconstituição” das escolas
prestes a falirem e a expansão gestão privada, através das escolas Charter; 3) a padronização
dos currículos e a extensão da jornada escolar (SARDINHA, 2013). Essa correlação de
forças imensamente desfavorável ao projeto de educação, dirigido pela classe trabalhadora,
oportunizou a expansão da escola Charter, que logo se tornou referência do movimento
“reformador” conservador. As escolas Charter se caracterizam por serem escolas financiadas
prioritariamente pelo fundo público, sendo este financiamento definido com base no número
de estudantes. A gestão destas escolas, entretanto, é compartilhada com setor privado.
Diferente das escolas públicas comuns, estes modelos são gerenciados por instituições do
setor privado ou organizações ditas sem fins lucrativos. Estes estabelecimentos possuem
autonomia para contratar professores não sindicalizados, desenhar dos próprios currículos e
oferecer de carga horária estendida. A primeira cidade norte americana a aplicar o modelo de
escola Charter foi Chicago.
Os resultados das avaliações externas, restritas à medição do conhecimento em inglês
e matemática, foram considerados indicadores do sucesso deste programa. A instituição dita
sem fins lucrativos, New York City Center for Charter School Excellence, criada com auxílio
da municipalidade e financiada por fundações privadas40, ficou responsável pela criação das
escolas e pela divulgação do programa junto às famílias, os órgãos da imprensa e a sociedade
política. Na avaliação da Fundação Itaú Social, a importância da escola Charter não diz
respeito ao número de instituições que adotaram este modelo, pois, como a Fundação
reconhece, é pequeno o percentual do total de escolas da rede. De acordo com o Aparelho
Privado de Hegemonia do Itaú Unibanco, o papel estratégico deste programa está em possuir
mais flexibilidade e contar com a “criatividade “do setor privado e em auxiliar as secretarias a
‘elevarem’ os padrões de desempenho no sistema.”

40
As fundações Robertson Foundation, Robin Hood Foundation, Pumpkin Foundation e Clark Foundation
são as principais financiadoras da New York City Center for Charter School Excellence.
152

Na publicação Modelo de Escola Charter: a Experiência de Pernambuco (2010), a


Fundação Itaú Social apresentou o estudo de caso sobre a experiência dos Centros de Ensino
em Tempo Integral (Procentro), implantado pela Secretaria de Educação do Estado de
Pernambuco, em parceria com o Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE), entre
2005 a 2007. Além de ratificar todos os princípios da “reforma” educativa conservadora,
expressos na pesquisa sobre a reforma nova iorquina, a Fundação Itaú Social buscou
incentivar a adoção do modelo de escola Charter nas redes de ensino brasileira, deixando
claro que a legislação brasileira permitia a parceria público privada para a gestão das escolas
com financiamento do findo público:

Enquanto as escolas Charter são um elemento comum nos esforços de


reforma de ensino em outros países, como nos Estados Unidos, no Brasil
essa experiência ainda é pouco debatida e se encontra limitada
geograficamente a iniciativas pioneiras em algumas regiões do país.
Entretanto, a legislação brasileira permite esse tipo de gestão compartilhada
há mais de uma década. As Organizações Sociais (OS), entidades do direito
privado, foram legalmente reconhecidas a partir da Lei 9.637, aprovada em
1998. A principal inovação foi a admissão de que as OS, desde que
legalmente constituídas, podem firmar convênios para exercer atividades
típicas do Estado, recebendo para isso repasse de recursos públicos em
forma de valores orçamentários, material, bens imóveis e pessoal. Para
serem OS, as instituições precisam ter caráter não lucrativo descrito em
estatuto, além de suas atividades estarem “dirigidas ao ensino, à pesquisa
científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do
meio ambiente, à cultura e à saúde” (art. 1º). (FUNDAÇÃO ITAÙ SOCIAL,
2010, p. 20)

De acordo com a legislação brasileira, a gestão compartilhada deve preservar de 20 % a 40%


de representantes do Poder Público. Os ministérios e as secretarias correspondentes também
se encarregam dos repasses dos recursos, do reconhecimento da qualidade das Organizações
ditas sem fins lucrativos, das ações de fiscalização, do controle, acompanhamento,
estabelecimento e verificação do cumprimento de metas. O projeto do Procentro teve início
em 2001, em Pernambuco. As escolas funcionavam em regime de tempo integral – das 7 às
17 horas – com capacidade máxima para mil alunos, ou 320 jovens em cada uma das três
séries do ensino médio, e uma equipe docente de até 33 professores. Esse crescimento foi
gradativo. O total foi alcançado apenas no terceiro ano de funcionamento, pois cada Centro se
iniciava com 330 alunos na primeira série do ensino médio. No segundo ano de
funcionamento, esses alunos passaram para a segunda série e uma nova turma de alunos foi
matriculada.
O estudo apontou como motivo inibidor da implantação do modelo Charter no Brasil,
a Lei das Diretrizes Básicas da Educação (LDB), de 1996, que estabeleceu que recursos
153

públicos da educação só podem financiar escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas


em forma de bolsas de estudo. A Fundação defendeu a importância de uma revisão da LDB
para contemplar de forma mais clara e criar maior segurança jurídica e institucional às
iniciativas de parceria público-privada na educação. A implantação das escolas Charter não
tratou da adoção universal do modelo na totalidade da rede pública de ensino. As escolas-
modelo deveriam tornar-se centros de referência para formação de gestores e professores de
outras escolas públicas, incentivando a adoção de medidas parecidas. As Secretarias deveriam
promover esta aproximação para romperem com a tendência de transformação da escola
Charter em ilha de excelência dentro do sistema. Ainda no âmbito das secretarias, a Fundação
sublinha a necessidade de fortalecimento técnico e gerencial dos órgãos públicos de educação
e apoio de governadores e prefeitos no processo de implementação e consolidação do modelo.
O modelo de escola Charter se tornou referência entre os intelectuais individuais e
coletivos difusores da ideologia da “reforma” educacional social liberal por sistematizar os
fundamentos do projeto de escola, uma supostamente eficiente calcada na parceria entre
instituições pública e privada. Devemos considerar que além das vantagens no campo da
formação de uma nova cultura educacional, há vantagens econômicas neste tipo de
investimento “social”. Como Laval (2004, p.123) destaca, o Center for Education Research,
Analysis, and Innovation (CERAI), organização especializada em pesquisa e difusão de
projeto “inovador” para a educação, identificou entre 1999 e 2000, um total de 21 grandes
empresas gerindo um total de 285 escolas nos Estados Unidos. Os especialistas de Wall
Street, responsáveis por estimar colocar as ações dessas sociedades na bolsa, consideravam
ser este um mercado promissor. Segundo estimativas citadas pelo autor, em 2004, 10% dos
fundos públicos investidos nas escolas, do maternal até o high school, deveriam transitar pela
“indústria do gerenciamento privado” em 10 anos, ou seja um mercado de 30 milhões de
dólares.
154

4 CENTRO DE ESTUDOS EM EDUCAÇÃO, CULTURA E AÇÃO COMUNITÁRIA:


o primeiro e mais importante aparelho pedagógico do Itaú Unibanco

Desde 1987, o Centro de Estudo e Pesquisa em Educação e Ação Comunitária


(CENPEC), vem desenvolvendo um conjunto de ações voltadas para intervenção sistemática
nas novas expressões da “questão social” 41 e para educação política da sociedade brasileira.
Investindo na imagem de entidade autônoma, em relação ao Estado (no sentido restrito) e ao
mercado, este organismo tem cumprido um importante papel na consolidação do bloco
histórico gerencialista/neoliberal e na contrarreforma da educação pública brasileira em curso
no Brasil desde meados da década de 1990. O presente capítulo aborda o processo de
construção e consolidação do CENPEC, enquanto Aparelho Privado de Hegemonia associado
à fração financeira do capital no Brasil, tendo como referência a relação entre sua trajetória e
as transformações na ossatura do Estado Ampliado. O capítulo se divide em quatro partes: na
primeira seção, analisamos o processo fundacional do CENPEC em articulação com o
processo de redemocratização da política brasileira com a nova onda de associativismo e com
a contrarreforma do Estado e da educação brasileira; na segunda, analisamos as táticas do
CENPEC para construir a hegemonia em torno do projeto social liberal para educação
pública; na terceira seção, investigamos a estrutura organizacional do aparelho, tendo em vista
seus quadros burocráticos, sua relação com outros aparelhos da sociedade civil e sua inserção
na sociedade política.

4.1- Marcos histórico do CENPEC: da fundação à construção da hegemonia no Estado


ampliado

O CENPEC foi fundado em 1987, em meio à crise de legitimidade do modelo fordista


/keynesiano no mundo capitalista e durante o processo de ressocialização da política no
Brasil. Como foi visto nos capítulos anteriores, as classes dirigentes do centro e da periferia
do capitalismo, desde a década de 1970, aderiram ao projeto neoliberal acreditando na
promessa do retorno do crescimento econômico e da estabilidade política. Nesse contexto,
frações da burguesia definiram novas táticas para operacionalizar um novo bloco histórico
que compreendia a redefinição do papel do Estado, o uso de coerção contra seus opositores, a
definição de uma nova relação entre capital e trabalho e a criação e o fortalecimento de
aparelhos produtores e difusores de uma nova pedagogia para educar o consenso.
155

O período que precedeu a inserção da classe dominante no Brasil na recomposição burguesa


foi marcado pela criação de múltiplos movimentos sociais de diferentes orientações
ideológicas, pelo surgimento de um sindicalismo de novo tipo, o ressurgimento de
movimentos campesinos, movimentos indígenas com uma extensa pauta de reivindicação
(FALLEIROS, PRONKO, OLIVEIRA 2010). Este crescimento de organizações
representativa de distintos interesses, experimentado durante a redemocratização política no
país, foi sendo contido, de um lado, pela deterioração das condições gerais de vida e freado
por outras formas associativas baseadas não mais no confronto, e sim, na colaboração,
conforme afirmam Faleiros, Pronko e Oliveira (2010). 42 A classe dominante também se
mobilizou para dirigir o processo de retorno à democracia política no Brasil.43 Essa ampliação
das organizações de cunhos empresarial, popular e sindical, criadas no bojo da socialização da
política, veio acompanhada pela difusão acrítica do termo “sociedade civil”, que passou a ser
empregado como contraponto do Estado (no sentido restrito), identificado com o
autoritarismo, as opressões, da burocracia, etc. Como ressalta Fontes (2010):

Operava-se uma identificação entre forma de governo e Estado, na qual a


recusa da ditadura passava a se constituir, simultaneamente, numa negação
da luta no âmbito do Estado. Essa recusa, entretanto de fato obstacularizava
um projeto de superação do Estado capitalista, ao desconsidera-la como
momento importante da luta popular. Enaltecia uma atuação de “costas” para
o Estado sem a intermediação de partidos, ou organizações estáveis
consideradas “camisas de força” para certos movimentos.” (FONTES, 2010,
p.227)

A tática de depreciação do Estado (no sentido restrito) e da defesa pela ampliação da


participação ou controle pela sociedade civil, de espaços antes restritos às agências
governamentais, ao mesmo tempo em que evidencia as disputas inter e entre classes pelo
controle dos recuso públicos, expressam a tentativa do empresariado de proteger-se das lutas

42
Vale lembrar que embora a ampliação do Estado brasileiro tenha se intensificado nas últimas décadas do
século XX, a classe dominante brasileira, desde finais do século XIX, já havia desenvolvido diversas redes
associativas com diferentes perfis. Estudos sobre as relações de poder no início do século XIX (Honorato, 1998,
PIÑEIRO, 2003 e VIEIRA, 2014) e início do século XX, (MENDONÇA,1997 e seu conjunto de trabalhos)
comprovam a existência de aparelhos privados de hegemonia de diferentes frações da classe dominante,
anteriores a 1930, com representatividade nacional, e forte atuação política e ideológica.
43
A classe dominante que, na década de 1980, se reorganizou para dirigir o processo de redemocratização da
política brasileira, há muito estava organizada e integrada aos diversos espaços decisórios do Regime militar.
Renê Dreifuss (1987) em seu livro: “A conquista do Estado” lança luz sobre uma grande rede de entidades
empresariais, criadas antes de 1964, que foram dirigidas, influenciadas, ou mesmo financiada por agências norte
americanas. O autor reúne evidencias que comprovam a mobilização racional e sistemática destas organizações
no âmbito do Estado e na sociedade civil, através da preparação cultural e ideológica para conquista efetiva do
Estado. Como salienta Fontes (2010) Dreifuss demonstrou como estes organismos, ainda que não tenham
diretamente realizado o golpe, organizaram e apoiaram, conseguindo imediatamente ocupar os postos centrais do
Estado e reformando-o a partir de seus interesses.
156

populares, que reivindicavam a ampliação dos serviços públicos, especialmente transportes,


educação, habitação, saneamento e saúde (FONTES, 20101). Foi nesta conjuntura que as
primeiras entidades associativas, que ficaram conhecidas como “Organização Não
Governamental” (ONG), iniciaram sua incursão sobre as políticas sociais. Fontes (2010)
considera que estas “novas” formas associativas traziam diferenças substantiva em relação as
formas de organizações populares mais conhecidas: contavam com recursos financeiros de
fontes de financiamentos internacionais, não estavam coligadas à partidos ou projeto social e
político comum e se mobilizavam por demandas especificas.
No terreno na luta hegemônica, a autora destaca formas de associativismo que
disputaram a inscrição dos interesses da classe trabalhadora no processo de ampliação da
participação política, tais quais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
criado em 1984, as associações de cunho popular dirigidas pelas Comunidades Eclesiásticas
de Base (CEBs) e Centos de Pesquisas que acabaram se transformando em “ONGs”. Esses
centros tiveram origem em pequenos grupos de estudos e educação, criados durante a ditadura
empresarial militar, voltados para a formação populares e atuavam junto aos sindicatos,
Partidos políticos, CEBs. Alguns destes grupos foram criados a partir de financiamento
internacional, como o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), financiado
pela fundação FORD e o CENPEC, criado em 1987. O crescimento expressivo deste tipo de
“organização” nos anos 1980, foi documentado por uma pesquisa desenvolvida, em 1986, que
listou a existência de 1041 organizações com esta natureza no Brasil, espalhadas por 24
unidades da federação e 213 cidades (FERNANDES e LADIN, 1986, p.47. Apud, FONTES:
2010, p. 235). Com forte influência dos centros de estudos originais, grande parte dessas
organizações prestavam assessorias voltadas para a área de educação e setores populares.
Essas “novas” organizações passaram a atrair uma militância progressista e um grande
número de pesquisadores universitários que, paulatinamente, se transformaram em
intelectuais orgânicos desses movimentos. Sobre estes novos intelectuais, Fontes considerou:

Educadores de um novo tipo, pois sua função deveria se limitar, sobretudo, a


reproduzir a própria fala dos envolvidos. Cumpriram um papel segmentador,
educando e consolidando as lutas locais por um lado e, de outro,
cristalizando-as e favorecendo sua manutenção naqueles formatos, modo
inclusive de assegurarem sua própria reprodução enquanto ONGs ‘a serviço
de. (FONTES, 2010, p.237)

Esse conjunto de transformações na forma de se fazer a política no Brasil, expresso no


novo perfil de militante, nos “novos” modelos de associativismo e na substituição das lutas
contra questões macroestruturais por lutas focalizadas em demandas especificas, está inscrito
157

no processo de construção de uma nova sociabilidade (MARTINS, 2009), que levou a


sobreposição de práticas da pequena política às práticas da grande política. Essa nova forma
de fazer política, muito próxima do modelo americano, foi estimulada no período da
redemocratização e fortalecida nos anos subsequentes de implementação e revisão do projeto
neoliberal. Este modelo de “democracia consentida” revela uma modalidade de participação,
apoiada na ideia do fim da luta entre classes, concentração de diversos segmentos da
sociedade, trabalhadores, empresários e governo na construção de um consenso e na criação e
reformulação de espaços “legítimos” para a solução das diferenças (OLIVEIRA e BARROS,
2015). A origem do CENPEC precede esta onda de associativismo empresarial em torno da
“questão social”. No entanto, a ampliação do seu raio de ação e seu reconhecimento como
organização capaz de mobilizar e intervir na educação pública brasileira se deu a partir da
década de 1990, na esteira da mobilização empresarial, identificado por André Martins (2009)
como um movimento da “Direita para o social”. A partir dessas condições históricas, o
CENPEC consolidou-se como aparelho privado de hegemonia das frações rentistas e
produtivas da burguesia, notadamente dos interesses do Itaú, que hoje está organizado na
holding Itaú-Unibanco.
Em seu material de divulgação, o CENPEC divide sua história institucional em três
fases de atuação que se articulam continuamente. Na primeira fase, concentrou sua ação em
escolas da rede pública do município de São Paulo, elaborando propostas curriculares,
produzindo material voltado para à aceleração de aprendizagem, correção da distorção idade-
série e do suposto “fracasso” escolar e de programas voltados para a formação docente.
Embora os vídeos institucionais ressaltem as condições limitadas na fase inicial, sua fundação
foi viabilizada pelo apoio financeiro do Banco Itaú e do UNICEF. O CENPEC foi criado por
iniciativa de Maria Alice Setúbal, filha de Olavo Setúbal, presidente do banco Itaú. Além de
grande empresário, Olavo Setúbal teve uma destacada atuação política no período da ditadura
empresarial militar, ocupando cargos diretivos em agência da sociedade política da principal
cidade do país. Filiado à Aliança Nacional Renovadora (ARENA), Setúbal foi prefeito de São
Paulo (1975-1979) por indicação do governador do Estado do mesmo partido e com apoio do
Presidente Geisel (1974-1979). Fundou, ao lado de Tancredo Neves, em 1980, o Partido
Popular, legenda que reuniu dissidentes da Arena e do Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), frente que reuniu à oposição ao regime ditatorial. No período democrático, Olavo
Setúbal se filiou ao Partido da Frente Liberal (PFL) e durante governo Sarney (1985-1990) foi
nomeado Ministro das Relações Exteriores, onde permaneceu de 1985-1986 (PAIXÃO,
2016).
158

Do mesmo modo que outras “Primeiras Damas”, acostumadas a intervirem sobre a


“questão social” por meio de obras de caridade, chás beneficentes e programas sociais, com o
objetivo implícito de controlar e moralizar as frações adversárias, Mathilde Azevedo Setúbal,
esposa do financista Olavo Setúbal, também dirigiu um projeto filantrópico no período em
que o patriarca da família Setúbal esteve na direção da Prefeitura de São Paulo. O Projeto
criado por “Thide” Setúbal, “Corpo Municipal de Voluntários”, foi findado em 1975, com o
objetivo de reunir esposas de empresários da cidade de São Paulo para realizarem ações
filantrópicas na periferia da cidade. Como ressalva Paixão (2016, p.98), o foco do projeto foi
atenuar, de forma pontual, os problemas de desigualdade social no contexto do modelo de
desenvolvimento econômico dos governos ditatórias. A trajetória do CENPEC e seu êxito na
inserção nas políticas públicas da cidade de São Paulo certamente estão ligados aos recursos
financeiros da família Setúbal e sua histórica integração ao bloco no poder. Contra o
argumento de que Maria Alice Setúbal não se envolvia com as questões ligadas ao capital
financeiro e, portanto, distanciava-se de seus interesses. Concordamos com Castelo (2009,)
quando afirma que o que faz de alguém representante da burguesia é a ideologia produzida,
seus horizontes intelectuais, os encaminhamentos políticos e efeitos sociais que daí derivam.
A segunda fase de ação foi considerada pela CENPEC como fase da gestão
educacional dos sistemas municipais de ensino e de formação de intelectuais para agir em
“contexto de pobreza”. Observamos que essa fase foi marcada pela direção de grandes
projetos no campo educacional, formação de alianças com outras frações do empresariado e
com organizações e intelectuais assimilados da classe subalterna para auxiliar o aparelho na
pedagogia política da conciliação. A partir deste período, o CENPEC intensificou a
capacidade de incursão sobre a escola pública e conquistou a adesão de dirigentes municipais,
tornando-se um dos grandes mensageiros da “reforma” gerencial do Estado e da educação
pública brasileira. A principal bandeira da entidade, “a incorporação da sociedade na luta pela
salvação da escola pública”, foi defendida em meio ao diagnóstico de que a “velha escola” era
excludente, antidemocrática, mal administrada e pouco atraente para os estudantes.
Essa fase também coincide com o contexto em que o CENPEC passou a sistematizar e
difundir as diretrizes definidas na Conferência Mundial Educação Para Todos, realizada na
cidade de Jomtien, na Tailândia, em 1990. Embora não haja registro da participação direta
deste aparelho, neste encontro organizado por organismos internacionais como UNESCO,
UNICEF e apoio do Banco Mundial, há, por parte da instituição, o reconhecimento desta
Conferência como referência para política educacional brasileira:
159

A década de 90 amplificou olhares e forças em torno de uma mobilização em


prol da educação agora pensada como meta mundial. A Conferência Mundial
de Educação para Todos foi, talvez, o mais importante evento educacional
ocorrido nas últimas décadas, pois viabilizou a formação de um enorme
consenso mundial em relação à centralidade da “educação para todos” como
necessidade que se impõe tanto em termos éticos, quanto econômicos. A
declaração aprovada em Jomtien, Tailândia/1990, transformou-se em
documento de referência ao longo dos anos 90, em parte por ser a expressão
desse consenso mundial, mas também por ter adotado um conceito amplo de
educação, cujo objetivo, expresso em seu artigo 1º, inclui a satisfação das
necessidades básicas de aprendizagem de toda e de cada pessoa – criança,
jovem, adulto –, “para que os seres humanos possam sobreviver, desenvolver
plenamente suas potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida, tomar
decisões fundamentais e continuar aprendendo (Unicef, in Setúbal, 2001, p.
7, Apud, CENPEC, 2005, p.14).

Outro fato que marcou de forma estrutural o contexto em que o CENPEC passou investir
incisivamente na gestão educacional dos sistemas de ensino municipais e na formação de
intelectuais para intervir em regiões “vulneráveis” foi a “reforma” gerencial do Estado
brasileiro, iniciada, em 1995, por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado,
via Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare), durante o primeiro
governo de Fernando Henrique Cardoso. Seus dirigentes argumentavam que o intuito da
“reforma” era pôr fim ao Estado burocrático e substitui-lo por um modelo de gestão mais
dinâmico, baseado no público não estatal. Como lembram Macedo e Lamosa (2015), a
recomendação da “reforma” para os países periféricos se integrarem à “globalização” já havia
sido dada pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), no início da
década de 1990. Ainda segundo os autores, na contrarreforma do Estado brasileiro, a
governança democrática teve um valor exacerbado, “por se tratar de uma sociedade em que o
Estado, como um sistema constitucional-legal, deixa de ser mera democracia representativa
para assumir o papel de uma democracia participativa”. (MACEDO e LAMOSA, 2015,
p.363).
Os desdobramentos dessa “reforma” do Estado na educação se verificaram na difusão
de novos modelos de gestão do trabalho escolar e em parcerias público-privadas sob a
justificativa de que as instituições públicas de ensino viviam uma crise que deveria ser
solucionada por um “choque de gestão”. A responsabilidade por este “choque” não deveria se
restringir às agências da sociedade política, devendo ser partilhada por toda a sociedade civil.
Nesse cenário, os empresários, com apoio dos agentes e agências da sociedade política e da
sociedade civil, passaram a se autodenominar salvadores da “escola falida”, com interesse
implícito de dirigir a formação do trabalhador de novo tipo (MACEDO e LAMOSA, 2015).
160

A terceira fase, descrita pelo CENPEC como o momento em que a instituição passou a
“caminhar decisivamente para o alargamento de educação pública como política de Estado”
está ligada ao momento em que o grupo imprimiu seu projeto de “educação integral” na
política federal, por meio do Programa Mais Educação, criado a partir de 2007. Conforme
demonstrou Paixão (2016), este programa federal incentivou a ampliação da jornada escolar,
vinculado ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e foi estruturado em princípios
defendidos pelo CENPEC, pela Fundação Itaú Social e pelo UNICEF.
O início desta “nova fase” do CENPEC também coincide com o período da fundação
do movimento empresarial “Todos pela Educação”, em 2007, do qual Maria Alice Setúbal é
sócia fundadora. Este movimento, considerado a maior expressão da “nova sociabilidade do
capital” (MARTINS, 2009) da atualidade, atua sob a bandeira do direito à educação de
qualidade pautada na aliança entre governo, empresas e organizações da sociedade civil. Com
assessoria especializada de consultores da Universidade de Harvard, o grupo de fundadores
desta organização se mobilizou para reunir empresários interessados no investimento social
em educação. A partir de 2005, o grupo conformou o Pacto Nacional pela Educação, que
abrangia estados municípios, empresas socialmente responsáveis, organização da sociedade
civil, educadores. Para Martins (2009), o TPE é um organismo comprometido com as
estratégias de hegemonia da classe burguesa, que está em luta para afirmar uma perspectiva
restrita de educação para os trabalhadores brasileiros dentro de um novo conformismo. A
bandeira da responsabilidade social é interpretada por Martins (2009) como uma referência
ideológica, articulada politicamente no âmbito do movimento da “direita para o social”, no
trabalho de legitimação do modo de produção capitalista. Compreendemos que a criação do
TPE fortaleceu o CENPEC nesta forma inovadora do obter o consenso na sociedade civil
(MARTINS, 2009) e na transformação do projeto social liberal em política pública.
Através de múltiplas ações, este Aparelho Privados de Hegemonia tem se dedicado à
defesa da ampliação da participação da sociedade civil (organizada e representativa dos
interesses empresariais) nas políticas públicas, à ressignificação do papel do Estado na
sociedade, à defesa da “revolução” das comunicações, à construção da coesão social, à
definição e execução de política de alívio da pobreza para contenção de conflitos sociais,
entre outras. Na edição comemorativa de 20 anos do CENPEC, em 2007, o grupo expressou
alguns destes princípios:

Quanto mais se fala em parcerias, na sua importância e legitimidade, mais se


faz necessário refletir sobre elas e sobre o modo de sua implementação. A
ideia de parceria entre público-privado pede, no mundo atual,
161

reconceitualização, já que vem contaminada pelo receituário neoliberal e, em


consequência, gera desconfianças sobre seu possível efeito
desresponsabilizador da ação do Estado. A implementação de parcerias na
ação social pública exige cuidados éticos, democráticos e– por que não? –
republicanos:
– Reconhecimento do papel regulador do Estado e fortalecimento de sua
condição de intelligentsia do fazer social público. Nunca é demais reforçar
que a educação é uma das missões nobres do Estado. O Estado é a garantia e
o garantidor da educação de seu povo. Aceita essa premissa, é legítimo dizer
que em um Estado democrático, a sociedade participa do esforço estatal na
melhoria da educação.
– Adensamento de bons projetos com base na realidade, nas questões
críticas da política, nas demandas do público-alvo e gestores finais.
– Implementação de projetos a partir das demandas e interesses colocados
pela governança social pública, estabelecendo co-autoria e co-participação
na condução e oferta de programas sociais públicos. Este é o princípio
fundamental se nosso propósito é contribuir para a melhoria da ação pública.
– Negociação e complementaridade e, não, paralelismo ou concorrência. A
negociação exige necessariamente flexibilização. Projetos ofertados por
parcerias externas só ganham cor e identidade local, quando redesenhados
com a participação de seus atores principais.” (CENPEC, 2007, p.21)

O CENPEC foi reconhecido pelo conjunto de seus aliados e pelos setores da classe subalterna,
que aderiram ao projeto social liberal como aparelho necessário para uma nova forma de
hegemonia do capital, que implicava em adoção de medidas de controle das tensões sociais. A
fundação e ampliação de seu raio de ação ocorreram concomitantemente ao período de
agudização das desigualdades sociais no Brasil que, graças a uma campanha ostensiva,
passaram a ser atribuídas à má gestão do Estado, aos “arcaicos” métodos de administração
estatal, aos excessivos gastos dos governos com as empresas e funcionários públicos. A
identificação das mazelas sociais com a inoperância da aparelhagem estatal, ao mesmo tempo
em que lançava uma cortina sobre os reais motivos do aumento da pobreza e do sucateamento
das agências públicas, sugeria a “estreia” de novos “atores sociais”, ligados organicamente às
frações rentistas e produtivas para gestão privada de recursos públicos e para incidir sobre
“questão social”. Somando-se a outros Aparelhos Privados de Hegemonia, forjados na década
de 1990 por frações da classe dominante para disputar a hegemonia das políticas sociais, o
CENPEC passou a entoar a bandeira da reforma da educação sob os princípios do projeto
social-liberal com o mote de desqualificar e pulverizar os projetos educacionais construídos
pelos movimentos sociais de cunho popular, que rejeitavam a ideia de reforma sob a direção
do capital.

4.2--O CENPEC e a incursão sobre as políticas educativas


162

O Aparelho Privado de Hegemonia da holding Itaú-Unibanco estabeleceu, desde sua


origem, vínculo com intelectuais das universidades e agências de fomento à pesquisa e da
gestão pública da cidade de São Paulo. O núcleo fundador foi composto, inicialmente, por
Maria Alice Setúbal, Beatriz Almeida Bessa e Beatriz Penteado Lomônaco, na época
professoras em turmas de alfabetização. Outros intelectuais foram aderindo ao projeto do
CENPEC e passaram a atuar de forma orgânica à instituição. Dentre os intelectuais que
passaram a difundir a pedagogia do CENPEC, ainda nesta fase inicial, destacam-se: Sonia
Maria Madi Rezende, especialista em formação docente em língua portuguesa, atualmente
coordenadora de projetos do CENPEC; Claudia Davis, pesquisadora da área de psicologia
escolar da Fundação Carlos Chagas e Professora da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, atualmente editora do periódico: Cadernos do Cenpec; Maria Alice Lima Garcia,
psicóloga e integrante da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria
Estadual de Educação de São Paulo, em 199744; Sônia Miguel Ferrari, professora de filosofia
da PUC- São Paulo e Isabel Brunsizian, coordenadora de projeto na Fundação Thide Setúbal.
Os intelectuais ligados ao campo acadêmico são estratégicos para a projeção da
imagem de um centro de estudos e pesquisa moderno, especializado, comprometido com a
missão de produção e difusão de conhecimento, pois oferecem, além de seus serviços, a
chancela das universidades imprimindo nas ações do CENPEC uma face aparentemente
desinteressada de determinações classista e neutraliza a crítica dos opositores da sociedade de
mercado e do social-liberalismo. Neste exercício, o CENPEC realiza sua função histórica de
Aparelho Privado de Hegemonia escamoteando a natureza privada de suas ações e estratégias,
apresentando-as travestidas de universais sob a bandeira do “todos pela educação”.
O primeiro programa da equipe, “Letra Viva – Programa de Leitura e Escrita” foi
testado em uma escola pública estadual de Osasco, em São Paulo, durante o ano de 1988. O
material foi transformado em três livros, do aluno e do professor, e distribuído por cerca de
trinta turmas de alfabetização. Seis anos depois, a publicação foi revisada e imprenso pela
editora Fontana, que a registrou com o título Letra Viva. Em 1996, o livro ganhou o Prêmio
Jabuti, na categoria Melhor Livro Didático e foi recomendado pelo Guia do Livro Didático do
Ministério da Educação. A partir deste reconhecimento, o Programa atingiu 26 estados
brasileiros e o Distrito Federal, e foi financiado por: DPZ Propaganda, pela Indústria de papel
Simão S.A; pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), pelo

44
Informações extraídas do Livro: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas. O ensino de arte nas séries iniciais: ciclo I / Secretaria da Educação, Coordenadoria de
Estudos e Normas Pedagógicas; organização de Roseli Cassar Ventrella e Maria Alice Lima Garcia. - São Paulo
: FDE, 2006.
163

Ministério da Educação e pelo Itaú Leasing. Essa ação pedagógica, restrita inicialmente às
escolas públicas da cidade de São Paulo, oportunizou ao CENPEC dar início a sua função
histórica de organizar diferentes frações da classe dominante em torno do projeto social-
liberal e convencer as frações subalternas de que as premissas para a educação dos estudantes
da classe trabalhadora devem ser oferecidas pelo mundo empresarial por meio da escola
pública.
A construção do consenso em torno da parceria escola/empresa, no meio empresarial,
teve como ponto de partida a pesquisa intitulada: “A Participação do Setor Privado na
Melhoria da Educação Pública no Brasil”. O objetivo declarado do trabalho foi “investigar
os mecanismos existentes para a participação das empresas no processo e melhoria da
educação do país e apresentar propostas para o desenvolvimento de uma política de
cooperação entre empresa, governo e escola”45. O projeto destacou como supostos problemas
crônicos da educação pública brasileira a má gestão e a escassez de recursos, e apresentou
como alternativa, “a implementação de uma política de descentralização do sistema de
ensino” sob o argumento de fortalecer e dar autonomia às unidades escolares, envolver
alunos, professores, pais e comunidade, empresas e associações comunitárias”. Nesse
trabalho, o CENPEC defendeu textualmente que ações empresariais no interior das escolas
públicas deveriam ser realizadas de forma sistematizada:

O trabalho defende que o envolvimento das empresas para a melhoria da


educação pública deve ir além de ações pontuais, como por exemplo, cobrir
necessidades físicas e materiais da escola. Propõe que as empresas
comprometam-se com o desenvolvimento pleno do projeto pedagógico das
escolas, apoiando programas para a melhoria da qualidade do ensino. O fim
da visão paternalista de colaboração deve vir acompanhado do estimulo do
estado para investimentos privados como a utilização de salário educação e
da dedução do Imposto de Renda de contribuições a escola. Já a empresa
pode começar com a educação estimulando funcionários e familiares a
permanecer ou voltar aos estudos. (CENPEC, 1992)

Esse trabalho desenvolvido pelo CENPEC foi ao encontro da ideologia da


“Responsabilidade Social Empresarial” e das diretrizes para educação, aprovadas em Jontien,
na Conferência Mundial Educação para Todos, em 1990, que sublinharam mobilização da
sociedade civil como ação estratégica para fomento de políticas educacionais nos países
“atrasados”, conforme foi expresso na Declaração produzida neste encontro:

Para que as necessidades básicas de aprendizagem para todos sejam


satisfeitas mediante ações de alcance muito mais amplo, será essencial
mobilizar atuais e novos recursos financeiros e humanos, públicos, privados

45
Disponível em: http//www.cenpec.memoria.org. br Acesso em:15/02/2019.
164

ou voluntários. Todos os membros da sociedade têm uma contribuição a dar,


lembrando sempre que o tempo, a energia e os recursos dirigidos à educação
básica constituem, certamente, o investimento mais importante que se pode
fazer no povo e no futuro de um país. Um apoio mais amplo por parte do
setor público significa atrair recursos de todos os órgãos governamentais
responsáveis pelo desenvolvimento humano, mediante o aumento em valores
absolutos e relativos, das dotações orçamentárias aos serviços de educação
básica. Significa, também, reconhecer a existência de demandas
concorrentes que pesam sobre os recursos nacionais, e que, embora a
educação seja um setor importante, não é o único. Cuidar para que haja uma
melhor utilização dos recursos e programas disponíveis para a educação
resultará em um maior rendimento, e poderá ainda atrair novos recursos. A
urgente tarefa de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem poderá
vir a exigir uma realocação dos recursos entre setores, como por exemplo,
urna transferência de fundos dos gastos militares para a educação. Acima de
tudo, é necessária uma proteção especial para a educação básica nos países
em processo de ajustes estruturais e que carregam o pesado fardo da dívida
externa. Agora, mais do que nunca, a educação deve ser considerada uma
dimensão fundamental de todo projeto social, cultural e econômico.
(Declaração Mundial sobre Educação para Todos - Conferência de
Jomtien – 1990).

A conquista de aliados para a condução de seu projeto está inserida na estratégia de


construção de hegemonia que, segundo Gramsci (2002; 2011), pressupõe direção e
dominação. De acordo com o marxista sardo, uma classe mantém seu domínio sobre a outra,
não somente pela organização específica da força, mas por ser capaz de ir além de seus
interesses coorporativos estreitos, exercendo uma liderança moral e intelectual, fazendo
concessões, dentro de certos limites a uma variedade de aliados unificados num bloco social
de forças, identificado por ele de bloco histórico (PORTELLI, 1978). Essa aproximação
explicita do CENPEC junto ao empresariado evidencia sua diferença em relação aos centros
de estudos e pesquisas, criados durante a ditadura empresarial/ militar que apoiava entidades
sindicais, escolas, partidos políticos e que, na década de 1980, passaram se especializar em
assessoria aos movimentos sociais. Como defendemos, o CENPEC, desde sua origem, possui
estreita relação banco Itaú, e sobretudo a partir da década de 1990, passou a colocar à
disposição de outras frações, seus serviços em prol da construção do consenso na sociedade.
Essa tática de aproximação mais direta dos empresários brasileiros também nos leva a
refletir sobre as mudanças no terreno do associativismo civil, supostamente preenchido pelas
“ONG’s”, a partir da década de 1990, apontadas por Fontes (2010):

Observa-se expressiva redução do montante assegurado pelas agências


internacionais de cooperação: de 75,9% no orçamento total de 1993, esta
rubrica caiu para 50,61, mesmo assim continuavam assegurando a metade
dos recursos com que contavam tais ONGs o que de certo lhes permitiu uma
certa desenvoltura no plano interno, mantendo perfil cosmopolita. Não
165

obstante as agências de cooperação internacional passaram a consolidar (e a


exigir) formatos de prestação de contas voltados para eficiência na aplicação
de recursos, com critério a cada dia mais gerenciais, estreitando o controle
sobre as entidades financiadas na definição de suas atividades. (FONTES,
2010, p.286)

Se por um lado, houve a redução e aumento do controle dos investimentos internacionais em


trabalhos dirigidos por associações com a mesma natureza do CENPEC, por outro lado,
observa-se o crescimento de recursos de órgãos governamentais (federais, estaduais e
municipais), tendo sido registrado em aumento de 3,2% em 2003, para 18,43% do total de
recursos, em 2001. De acordo com Fontes (2010) estes são indicativos da atuação destes
parelhos privados de hegemonia.
O CENPEC, um ano após a consolidação desse trabalho junto ao empresariado, deu
início ao primeiro programa de grande monta, desenvolvido em parceria com o Banco Itaú,
Unicef e MEC. O programa “Raízes e Asas”, conforme afirmou Maria do Carma Branti, “é o
grande projeto que fundou o CENPEC e a Maria Alice na Educação46. O CENPEC, por meio
desse projeto, distribuiu às secretarias municipais do país o material produzido por seus
intelectuais, com o objetivo de instrumentalizar ações de diretores e professores do sistema
educacional público a partir de sua concepção de educação e de escola pública. O material
abordou temáticas como: o papel social da escola, currículo, gestão e projeto escolar. Uma
equipe de técnicos do CENPEC percorreu o país em busca de experiências de parceria entre a
escola e organizações sociais. O Raízes e Asas foi desenvolvido em parceria com o Programa
de Apoio Comunitário (Proac) do Banco Itaú, com o Unicef e com o Ministério da Educação
(MEC). Ganhou diversas premiações do setor empresarial: Prêmio ECO 1995 na Categoria
“Contribuição à edição, promovido pela Câmara Americana de Comércio; Prêmio ECO 1998,
na Categoria Prêmio Especial do Júri para a Fundação Itaú Social pelo conjunto dos projetos
desenvolvidos; Prêmio Top Social ADBV 2000 pela atuação na área de Educação com os
projetos Educação e Participação e Raízes e Asas; Prêmio Guia Exame 2002 da Boa
Cidadania Coorporativa, 2000, pelo destaque na área de educação pelos projetos
desenvolvidos; e o Prêmio ECO especial 20 anos, em 2002 pela categoria Melhor projeto dos
20 anos de Prêmio ECO. A finalidade do Programa Raízes e Asas, segundo o CENPEC, é:

Colaborar para a melhoria da qualidade do ensino Fundamental, garantindo o


sucesso escolar do aluno na escola pública, mediante o apoio técnico e
profissional a escola e profissionais de educação com participação da
comunidade. (CENPEC, 1993, p. X)

46
Extraído do vídeo institucional” CENPE-25 Anos”.
166

O kit distribuído foi dividido em oito fascículos, organizados pelos seguintes eixos
temáticos: 1.A Escola e sua Função Social; 2. Gestão, Compromisso de Todos; 3. Trabalho
Coletivo na Escola; 4. Projeto de Escola; 5. Ensinar e Aprender; 6. Como Ensinar: Um
Desafio; 7. A Sala de Aula; 8. Avaliação e Aprendizagem. Juntamente com os livros, foram
distribuídos oito cartazes com os temas dos fascículos (“juntar forças para construir uma boa
escola”, “Afinal, para que serve a repetência?”, “Com o currículo nas mãos” e “Os olhos no
mundo”, etc. (BOMENY, 1998). De acordo com Bomeny (1998), em março de 1995, o
programa foi oficialmente lançado, em um evento realizado no Museu da Casa Brasileira, em
São Paulo. O evento inaugural contou com a presença de personalidades da sociedade política
e da sociedade civil, tais quais, do ministro da Educação e do Desporto, dos secretários de
educação dos estados de São Paulo, Ceará, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, do
representante do UNICEF no Brasil, do presidente do Banco Itaú, da diretora presidente do
CENPEC e de mais de 300 convidados entre autoridades, educadores, empresários e
jornalistas. Na cerimônia, foram distribuídos 32 mil conjuntos da publicação para secretarias
municipais e estaduais.
Compreendemos esta avaliação positiva da Fundação ITAÚ Social sobre o Programa
Raízes e Asas como parte da tática da tríade CENPEC/ITAÚ/UNICEF de convencer as
frações burguesas de sua capacidade de auxiliar na promoção da “nova pedagogia da
hegemonia” (NEVES, 2005). Nesse sentido, o aval do banco ao programa Raízes e Asas
serviu como selo de garantia do trabalho do CENPEC, demonstrando aos demais empresários
que a instituição estava apta à incidir sobre a escola pública brasileira. A construção da
hegemonia junto às organizações sociais que incidem sobre a “questão social” foi fortalecida
a partir de um conjunto de ações, elaboradas pelo CENPEC com vistas a multiplicar o número
de intelectuais difusores de sua pedagogia no interior da escola pública. O Programa Ação e
Participação é um exemplo desse movimento em direção ao “terceiro Setor”. O Programa foi
criado em 1995 e está dividido em dois trabalhos: 1) o Prêmio ITAÚ- UNICEF, que consiste
na premiação e encontros regionais de formação; 2) produção de publicações, pesquisa e
comunicação.
Conforme indicam na descrição do projeto, que ainda está em plena atividade, o
Prêmio Itaú-Unicef é dirigido à “ONGs” de todo o país que contribuem para a educação
integral de crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos, em condições de vulnerabilidade
socioeconômica, desenvolvendo atividades socioeducativas em horários alternados ao escolar.
O Prêmio compõe-se de duas ações articuladas: premiação nos anos ímpares e formação nos
anos pares. São premiados projetos com pelo menos um ano de atividade comprovada e que
167

realizam formação direcionada à cidadania e à ampliação do repertório cultural, da


sociabilidade, dos conhecimentos, dos valores e das habilidades de crianças e jovens. A
premiação também envolve agentes públicos que também participam de reuniões formativas.
Os Encontros Regionais de Formação são destinados às escolas parceiras dos projetos
finalistas e dos profissionais que compuseram a equipe de avaliação e de convidados da área
de Educação e Serviço Social. O curso de formação é estruturado em três dias de seminários,
com programação de palestras, oficinas, espaços interativos e etc. Sobre as parceiras nas
ações, os promotores do projeto ressaltam:

O Projeto Prêmio Itaú-Unicef acredita na busca conjunta de soluções que


visem ao benefício das comunidades. Para seus idealizadores, a articulação
entre poder público, organizações não-governamentais e setor empresarial é
decisiva para a promoção da equidade social. Para a concretização dessa
crença a Fundação Itaú Social e o Unicef agregaram importantes parceiros à
sua iniciativa: a Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação), o Congemas (Colegiado Nacional dos Gestores Municipais de
Assistência Social), o Consed (Conselho Nacional dos Secretários de
Educação) e o Canal Futura, que participam ativamente em todas as fases do
prêmio: lançamento, divulgação, capacitação das equipes de avaliadores, de
seleção e de premiação. Os parceiros mantêm-se ativo durante os encontros,
quando se tornam multiplicadores das ações de formação. O projeto tem um
tema mobilizador a cada edição (válido para o prêmio e para os encontros),
com o intuito de colocar a discussão da importância da educação integral na
pauta nacional. Na edição de 2005, o tema "Educação e Participação:
Tecendo Redes" pretendeu sensibilizar a sociedade para a importância da
articulação de iniciativas e redes de educação e proteção social que
contribuam para o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes.
(CENPEC, 1994)47

O Guia de Ações Complementares às escolas, publicado em 1995, sistematizou pela primeira


vez os princípios e ações do projeto de premiação e formação que compõem o Premio Itaú
Social. Seu conteúdo expressa o modelo de expansão do tempo diário escolar que substanciou
o programa de fomento ao ensino de tempo integral do Governo Federal, Programa Mais
Educação, criado em 2007. Conforme está explicitado na apresentação do Guia, esse material
foi produzido para orientar técnicos do governo, “responsáveis” pela política pública, e
executores de programas que atendem crianças e jovens. Trata-se de um manual com
orientações que apontam sugestões para se formar a equipe de trabalho para atuar no
contraturno da escola, propostas de ações e planejamentos, orientações para o aproveitamento
de espaços e recursos materiais, orientações para captação de recursos, táticas para conquistar
o envolvimento das famílias, propostas para avaliações das ações, entre outras. O Guia está
baseado na defesa da integração entre programas sociais que trabalham com crianças,

47
Disponível em http//www.cenpec.memoria.org.br acesso em: 15/02/2019.
168

adolescentes e a escola, dentro da perspectiva da “reforma” gerencial da educação que


pressupõe mudanças no papel do Estado (no sentido restrito) e protagonismo das organizações
da sociedade civil.
A “reforma” gerencial da educação, iniciada em meados da década de 1990, contou e
conta com a participação ativa de Aparelhos Privados de Hegemonia, como o CENPEC que
em fina sintonia com orientações de organismos multilaterais vêm trabalhando na construção
ideológica de que o Estado (no sentido restrito) e suas instituições precisam ter seu papel
redimensionado para melhorar a gestão dos recursos e garantir a eficiência dos serviços.
Investindo em uma vasta produção de material pedagógico, pesquisas com caráter cientifico e
alianças com outras frações da classe dominante e subalterna e com agências estaduais e
municipais, o CENPEC influiu na construção de políticas fundamentadas no princípio da
parceria público/privada. A partir da década 1990, as frações dominantes passaram a incidir
de forma mais orgânica nas políticas educativas, trabalhando por meio de seus Aparelhos
Privados de Hegemonia na produção do diagnóstico de falência da educação pública para em
seguida, apresentarem o conjunto de soluções que corrigiriam tais mazelas.
Conforme apontam Evangelista, Moraes e Shiroma (2011), existe um grau de
homogeneidade nas “reformas” educativas, implementadas na década de 1990, na América
Latina, Caribe e até mesmo em países da Europa. O quadro a seguir, reproduzido do livro
destas autoras, a partir do trabalho de Castro e Carnoy (1997), expressam os problemas e
soluções mais entoados pelos intelectuais individuais e coletivos responsáveis pela construção
da hegemonia deste projeto.

Quadro 9: Grandes temas da reforma educativa na América Latina

Problemas Soluções

Altas taxas de repetência e evasão Aumentar a capacidade de atendimento do sistema


educacional
Elevado gasto público por estudante Eficiência no gasto educacional destinado a
melhorar o ensino.
Formação prévia dos professores de baixa Necessidade de boa administração de escola,,
qualidade supervisão, participação dos pais, assistência
técnica e objetivos claros.
Resistência dos sindicatos à mudança Incentivos salariais ligados à formação no emprego
e ao desempenho
Avaliação não tem sido usada para melhorar as Usar a avaliação para medir desempenho dos
escolas, nem julgar o desempenho dos professores alunos, dos professores e da escola. Essas
e das escolas avaliações
O nível secundário é o máximo atingido pela Reforma curricular com vistas à aprendizagem
maioria dos jovens nesta região baseada na solução de problemas. O ensino deve
enfatizar aspectos práticos do mercado de trabalho
e aumentar o relacionamento com as empresas.
169

Fonte: CASTRO, C.M; CARNOY, M. Como anda a reforma da educação na América Latina? Rio de Janeiro
FGV, 1997.

O diagnóstico de falência da escola pública, construído paulatinamente desde a década de


1980 por diferentes frações do capital com ajuda da mídia e de pesquisadores, foi o ponto de
partida para a apresentação de um conjunto de soluções afinadas com as diretrizes do novo
bloco histórico, apropriado as demandas mais imediatas do capital.

4.3-A hegemonia nas políticas educativas no século XXI

Os problemas educacionais do país vêm sendo redimensionados pelo CENPEC que,


em conjunto com outros aparelhos comprometidos com o bloco histórico gerencialista/
liberal, passou a relacionar os problemas da educação brasileira à má administração dos
recursos, a falta de desempenho dos profissionais, falta de participação da comunidade em sua
gestão, aos “atrasados” método de ensino, etc. Ao longo de seus 30 anos, a instituição vem
defendendo a reforma da educação brasileira por meio de bandeiras como qualidade do
ensino, da participação da comunidade na escola, da valorização de outros espaços de
aprendizagem, de um modelo renovado de gestão escolar e etc. Enquanto Aparelho Privado
de Hegemonia, sua função primordial consiste na tarefa de organizar, de forma sistemática, o
consenso das frações aliadas e dos dominados, introduzindo uma nova moral, conforme uma
determinada visão de grupo (LIGORI, 2017, p 45). Dentro desta premissa, o CENPEC atua
em aliança estratégica com outras organizações, como expressa seu relatório anual de 2014,
em que elenca sua participação ativa em debates públicos e “parcerias” com outras
organizações da sociedade civil para garantir a presença de seus princípios no Plano Nacional
de Metas da Educação:

Em conjunto com outras organizações, articuladas à Campanha Nacional


pelo Direito à Educação, o Cenpec acompanhou e participou ativamente da
mobilização que culminou na aprovação do Plano Nacional de Educação
(PNE). Fruto de intensa pressão da sociedade civil organizada, a sanção do
PNE, em junho de 2014, trouxe consigo a necessidade de que estados e
municípios elaborem ou adaptem seus planos específicos até junho de 2015.
Neste contexto, o Núcleo de Participação Política do Cenpec focou sua
atuação nas instâncias responsáveis pela produção dos planos de educação
regionais. O processo de construção do Plano Municipal de Educação na
cidade de São Paulo foi retomado em 2013, quando a Comissão de
Educação, Cultura e Esportes, resgatou o Grupo de Trabalho para a
elaboração do Plano com a participação de diversas instituições (além da
comunidade escolar) para discutir propostas e elaborar a minuta que,
posteriormente, seria debatida em audiências públicas. O Cenpec estava
entre estas organizações, assim como integrado no Fórum Municipal de
170

Educação de SP, que se constituía também como um espaço de debates e


reflexões entre diversos atores sociais, sobre os rumos da educação na
capital paulista. Ao final do primeiro semestre de 2014, as propostas
elaboradas culminaram no texto substitutivo, que foi apresentado à
sociedade em seis audiências públicas temáticas, das quais o Cenpec
participou em sua totalidade, contribuindo com propostas concretas aos
temas de Ensino Médio, Valorização Profissional, Educação para os Direitos
Humanos e Gestão Democrática. (CENPEC, 2014, p. 36)

A conquista do consentimento de toda a sociedade necessita de ações em âmbito nacional e


também regional:
A repercussão desta cobertura gerou o convite para a participação na Sessão
de Estudos da Diretoria de Ensino Norte 1, em São Paulo, onde os
representantes puderam compartilhar a experiência do Cenpec nesta área, de
forma a estimular nos professores e gestores o sentimento de envolvimento e
participação, relacionando os planos estaduais e municipais, à prática
cotidiana em sala de aula.
A participação do Cenpec nessas instâncias foi disseminada tanto para o
público externo, como para o interno, gerando debates e conteúdos
informativos para os públicos dos projetos. Tal medida faz parte de uma
importante diretriz do Cenpec de formar sua equipe interna com o foco na
macro política, com o objetivo de contribuir para o envolvimento dos
públicos dos projetos nas ações informativas e de mobilização, fortalecendo
a atuação dos segmentos envolvidos com a educação nos processos de
participação e controle social.
Acompanhando também o processo de construção do Plano Estadual de
Educação de São Paulo, via Fórum Estadual de Educação, o Cenpec passou
a integrar a Comissão de Educação Integral, responsável em elaborar um
diagnóstico e propostas para o PEE, cujo andamento do trabalho seguirá em
2015. Outro foco de atuação do Núcleo foi a discussão e debates em torno da
Lei nº 13.019/14, conhecido como Novo Regulatório das Organizações da
Sociedade Civil, em articulação com a Abong (Associação Nacional de
Organizações Não Governamentais).” (CENPEC, 2014, p. 36).

O CENPEC conta com aparelhos do campo da comunicação que contribuem com a


ampliação de seu raio de ação, aumentando a capacidade de divulgação de seu trabalho e de
sua visão de mundo. Esta aliança é eficaz para reforçar a educação ético-política da sociedade
e fortalecer a instituição dentro do bloco social que disputa as políticas educacionais.
Seguindo a interpretação de Gramsci, a construção da hegemonia política exige a formação da
opinião pública para organizar e centralizar elementos da sociedade. Conforme salienta o
intelectual sardo, quando o Estado quer iniciar uma ação pouco popular, o primeiro passo é
criar a opinião pública adequada, que moldará a vontade política nacional e disporá os
discordantes numa nuvem de poeira isolada e inorgânica (LA PORTA, 2017, p. 585). Mais
uma vez o relatório institucional de 2015 nos fornece as pistas para entender esta estratégia
publicidade do trabalho do CENPEC.
171

Incidência na Mídia
No total, o Cenpec contou com 790 inserções na imprensa em 2015. Entre os
temas com maior inserção estiveram:
 Base Nacional Comum Curricular – 199 inserções
 Reorganização da Rede Estadual de Ensino – 65 inserções:
Principais veículos:
 Jornal da Gazeta – entrevista com Maria Alice Setubal
 Jornal da Record News – entrevista com Cláudia Petri
 Programa Repórter SP (TV Brasil) – entrevista com Anna Helena
Altenfelder.” (CENPEC 2015, p, 41)

Além de ocupar espaços em jornais de grande circulação, o CENPEC também busca incidir
sobre os intelectuais do campo da comunicação, visando formá-los dentro dos princípios do
projeto social-liberal. Como evidência desta ação, destacamos o projeto dirigido pelo
CENPEC, a partir de 1999, que culminou no Fórum Mídia e Educação reunindo em São
Paulo, 150 jornalistas, professores, representantes de governo e de “ONGs” para discutirem a
qualidade da cobertura dedicada à educação nas mídias. O evento foi realizado em parceria
com o Ministério da Educação (MEC), com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância
(ANDI), o Conselho Nacional de Secretários da Educação (CONSED), Fundo de
Fortalecimento da Escola, Instituto Ayrton Senna, Núcleo de Estudos de Mídia e Política da
Universidade de Brasília (UNB) e o UNICEF, com patrocínio e apoio do Banco do Brasil,
Fundação Orsa, da Fundação Roberto Marinho, do Governo de São Paulo, do Sindicato das
Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de São Paulo e da Revista
Imprensa.
O “Fórum Mídia” e Educação forneceu subsídios para a publicação do CENPEC,
editada em 2001, intitulada Fontes em Educação- Guia para Jornalistas, composta por 280
fontes e mais 100 periódicos e sites em que discutem questões como sistema de avaliação,
financiamento, atividades complementares à escola, formação de professores, merenda
escolar, gestão e estrutura educacional, etc. O fórum também gerou a publicação “Mídia e
Educação: perspectiva para a qualidade da educação”. O cuidado do CENPEC com a
imprensa demonstra a visão tática da instituição de que os jornais são aliados decisivos para a
criação do senso comum. A publicação supracitada sobressalta a compreensão, compartilhada
por nós, de que o jornalismo, além da função informativa, possui a função formativa. Gramsci
(2001) considera a atividade jornalística como atividade militante, direcionada ao processo de
crescimento político. Partindo desta premissa, o intelectual sardo aponta a necessidade do
partido da classe trabalhadora criar sua própria “escola de jornalismo”.
172

Os grupos de trabalho reunidos no Fórum Mídia e Educação formularam questões de


âmbito técnico profissional e de âmbito político. Trabalharam com a categoria
“Ecocomunicadores” para identificar e definir como deveriam atuar os jornalistas
comprometidos com a divulgação e legitimação do modelo de educação, defendido pelos
organismos responsáveis pelo Fórum:

Principais funções dos Educomunicadores


Do ponto de vista das habilidades os educomunicadores desempenham
funções consideradas estratégicas e pró-ativas no contexto político
institucional, organizacional e/ou empresarial. Assim, entre as principais
funções desenvolvidas por esses profissionais podem ser destacadas: a)
elaborar diagnósticos no campo da interrelação comunicação/educação,
planejando, executando e avaliando processos comunicacionais; b) construir
uma visão de conjunto dos processos da educomunicação, conhecimentos
técnicos específicos que se aplicam tanto a macro-sistemas - globalização,
mundialização - quanto a espaços reduzido de atividades humanas - cultural,
local; c) refletir sobre o novo campo, sistematizando informações que
permitam um maior esclarecimento sobre as demandas da
sociedade/comunidade no que concerne a inter-relação
comunicação/educação; d) coordenar ações e gestões de processos,
traduzindo em políticas públicas; e) implementar programas de ‘educação
para os meios’, considerando os estudos de recepção e as práticas
desenvolvidas nos vários países que mantêm experiências avaliadas a
respeito do tema; f) assessorar os educadores no uso adequado dos recursos
da comunicação, promovendo o emprego, cada vez mais intenso, das novas
tecnologias e das diversas linguagens artísticas, como métodos e
instrumentos didáticos envolvidos no processo educativo/comunicacional.”
(CENPEC, 2001, p.26)

Este material evidencia o movimento tático do CENPEC, de orientar a escrita destes


intelectuais tanto no que diz respeito aos aspectos técnicos de seu ofício quanto à sua
formação ético-política. O documento que também sugere aos Ecocomunicadores atuar no
sentido de reorientar da empresa jornalística, intervir em políticas públicas e auxiliar
educadores no uso das ferramentas da comunicação, desnuda a finalidade do projeto de
transformar estes jornalistas em seus interpretes. Maria Alice Setúbal também divulga a visão
de mundo do CENPEC na Folha de São Paulo, onde publicou artigos sobre a concepção de
educação. Os artigos giram em torno das seguintes temáticas: “O que queremos do novo
ministro da Educação”, “Educar para a sustentabilidade”, “O professor no centro do debate
educacional”, “A cooperação como eixo da sustentabilidade”, “O papel estratégico da
educação”, “Tempos de ética e participação Educação” e “Proteção especial Educação para os
novos tempos”. (CENPEC, Relatório, 2014).
Além de acompanhar e disseminar seu projeto educativo na grande imprensa, a equipe
de comunicação do CENPEC produz matérias especiais que visam reforçar o posicionamento
173

da instituição sobre os temas abordados por meio de outras mídias. A instituição controla um
portal na internet que tem o objetivo assumido “irradiar o conhecimento produzido por meio
de seus projetos e influenciar o debate político sobre seus temas de atuação”. Este site
também divulga as ações do CENPEC em redes, movimentos e fóruns. O aparelho de
hegemonia também fortalece suas estratégias de divulgação e mobilização nas redes sociais.
Entre 2011 e 2012, contabilizou um aumento do número de “amigos” de 64, 3%, saltando de
3.265, em 2011, para 5.074. Igualmente ocorreu com o número de seguidores do CENPEC no
Twiter, o qual registrou o aumento de mais de 64,5%. O CENPEC também ocupa um canal na
rede social Youtube, onde exibe gravações, vídeos de projetos institucionais, gravações de
programas e entrevistas.
No ano de 2012, os temas mais abordados nas redes sociais do CENPEC foram: “135
matérias de educação, 11 matérias de cultura, 12 matérias a respeito da mobilização e 8
matérias sobre tecnologias de Informação e Comunicação, 7 matérias sobre sustentabilidade,
11 matérias sobre a juventude, 10 matérias institucionais.” (CENPEC, 2012, p.37). Nesse ano
em que a instituição comemorou de 25 anos da fundação, teve início um processo de
elaboração de diretrizes para a gestão estratégica da instituição, definindo quatro perspectivas
articuladas: a) sustentabilidade financeira; b) relacionamento com diversos públicos; c)
aprendizado; d) crescimento institucional e processo interno. Com vistas a dinamizar o
trabalho interno do grupo e multiplicar o seu potencial enquanto instrumento de educação
política, o CENPEC elaborou um mapa estratégico com metas e indicadores que passariam a
balizar o plano de ação dos cinco anos seguintes:

Assessoria à órgãos públicos e organizações da sociedade civil no


desenvolvimento de projetos educativos nas áreas de educação
(propriamente no ensino fundamental) cultura e Assistência Social;
Concepção e implementação de programas e projetos de formação de
educadores e gestores; Produção de material educativo para gestores e
educadores; Produção de material educativo para crianças; Desenvolvimento
de metodologia e sistematização de práticas educativas; Concepção e
organização de prêmios que visem a mobilização e formação;
Desenvolvimento de pesquisas para compreender os mecanismos que
(re)produzem desigualdades educacionais, de modo a colaborar com
políticas públicas que promovem a equidade; Disseminação do
conhecimento produzido em pesquisas, projetos e programas. (CENPEC,
2012, p. 26)

Nesse mesmo documento, o CENPEC explicitou as bandeiras prioritárias que orientariam sua
atuação técnica e política:
1. A Educação Integral é uma educação que articula atores, espaços e
saberes promove o desenvolvimento integral da criança e do adolescente; 2.
174

As escolas situadas nos territórios de alta vulnerabilidade social demandam


políticas educacionais específicas; 3. A profissionalização docente exige
novos parâmetros; 4. Cultura e educação articuladas constituem-se o eixo
das práticas socioeducativas; 5. O letramento da população brasileira deve
ser ampliado e diversificado; 6. A gestão escolar em todas as suas instâncias
tem como fim o processo de ensino aprendizagem. (CENPEC, 2012, p. 27).

Em 2013, o CENPEC delineou como objetivo que as políticas educacionais estariam no


centro estratégico de sua intervenção. Neste sentido, o CENPEC deveria:

1.Contribuir para o fortalecimento de políticas de educação integral que


visem ao desenvolvimento da criança, adolescentes e jovens por meio da
articulação de organizações, atores, espaços e saberes; 2. Contribuir para a
formulação e implementação de políticas para infância, adolescência e
juventude que enfrentem as desigualdades sociais. 3. Contribuir para a
valorização e formação dos profissionais da educação, visando à melhoria da
qualidade do processo de ensino e aprendizagem nas escolas públicas. 4.
Promover a ampliação e a diversificação do letramento. 5. Fortalecer a
gestão escolar na identidade da escola, nas relações com as escolas com as
quais se relaciona e como integrante de um sistema, com a finalidade de
promover o desenvolvimento integral da criança, adolescente e jovens. 6.
Contribuir para a construção de uma base curricular nacional comum.
(CENPEC, 2013, p. 1)

O CENPEC, por meio de estratégias bem definidas, alianças táticas com outros
Aparelhos Privados de Hegemonia e formação de intelectuais, tem conseguido inserir suas
concepções na agenda da reforma educacional no Brasil. A longevidade na representação dos
interesses empresariais, dentro do bloco no poder que define e redefine políticas sociais,
também é marca de seu êxito na tarefa de sedimentar a ideologia social liberal. Seu
reconhecimento na sociedade como agente “influenciador” de políticas públicas está
relacionado a sua capacidade atrair e organizar diferentes camadas de intelectuais de modo a
imprimir uma imagem aparentemente distante, tanto do Estado estrito e seus “arcaísmos”
burocráticos, quanto do mercado com seu objetivo fulcral pelo lucro, conforme analisaremos
a seguir.

4.4- Os intelectuais orgânicos do CENPEC

O CENPEC é uma organização formada por diferentes camadas de intelectuais que


assumem distintos papéis. A governança do CENPEC está estruturada em uma diretoria
(Presidência, Vice Presidência e Direção Administrativa), dois conselhos (de Administração e
Fiscal) e uma equipe de gestão (Coordenação Geral, Assessoria da Coordenação e
Coordenação Administrativo-Financeira), além das Coordenações de Áreas e Equipe e de um
175

Núcleo de Comunicação. Os intelectuais do CENPEC assumem o papel de intelectuais


orgânicos, uma vez que executam aquelas tarefas, identificadas por Gramsci (2002), que
caracterizam a função histórica dos intelectuais orgânicos da burguesia no interior do Estado
Ampliado:
Quadro 10: Estrutura organizativa do CENPEC
ORGRONOGRAMA48

Superintendência Geral Ouvidoria

Comitê de Alinhamento Assessoria de


Estratégico de Demanda Comunicação

Assessoria de
Coordenação de Coordenação
Desenvolvimento
Documentos e Administrativa
Metodológico
Informação
Gerência de Gerência de Gerencia de
Projetos Projetos Projetos
NacionaisCo Locais Apoiados

Logístico
C

24 Este organograma foi reproduzido do Relatório anual do CENPEC, 2008.


176

Esta estrutura organizativa tem garantido a longevidade e o reconhecimento da


instituição no bloco social que define e difunde políticas que incidem sobre a “questão
social”, e particularmente, as políticas educacionais no Brasil. Seu êxito em dirigir a cultura e
ideologia de outros grupos aliados não está relacionado apenas aos recursos financeiros que
sustentam o aparelho e permitem a materialização das bandeiras que encampa. A partir da
definição precisa das atividades que cada intelectual deve realizar no interior do aparelho
privado de hegemonia, o CENPEC tem mantido a unidade ideológica, atuado na formulação,
sistematização e difusão de uma “frente teórica”, incidindo sobre a política pública.
No topo da organização estão reunidos os intelectuais que dirigem o aparelho e
formulam a pedagogia política do CENPEC. Neles encontram-se os homens e as mulheres
que (re) criam a nova concepção de mundo, a partir das orientações internacionais e nacionais
que expressam fundamentos do projeto social-liberal e estão ligados diretamente ao mundo
dos negócios, às universidades, às agências de fomento, à pesquisa e às outras organizações
da sociedade civil com a mesma natureza do CENPEC. Estes intelectuais /dirigentes definem
o alinhamento teórico de todo o grupo. Logo abaixo destes conselhos estão os intelectuais que
administram as ações do grupo, formando comitês para alinhar as estratégias de ação de todo
aparelho e a comunicação interna entre as comissões. Para completar esta tarefa de
gerenciamento interno, outros intelectuais cumprem o papel de administrar os recursos
financeiros, os recursos humanos e a organização do material interno e do acervo da
instituição.
No patamar abaixo, encontram-se os intelectuais administradores dos projetos
desenvolvidos pelo CENPEC, que estão subdivididos em projetos de amplitude nacional,
como a Olimpíada Portuguesa, Cultura Viva, Educação de Tempo Integral, projetos de
amplitude local, realizados em parcerias com secretarias municipais e projetos desenvolvidos
por outras entidades apoiadas pelo CENPEC. Entre estes intelectuais e os intelectuais que
atuam diretamente na formação política da sociedade estão os intelectuais que sistematizam
os princípios defendidos por este Aparelho Privado de Hegemonia e organizam como seus
interesses particulares serão transformados em aparentemente universais. Na base desta
estrutura estão os intelectuais educadores, que atuam diretamente com a educação ético-
política das classes subalternas. Estes homens e mulheres, sob a coordenação de outros
intelectuais, vêm multiplicando a pedagogia política do CENPEC, por meio de cursos de
formação de agentes para atuarem em áreas ditas vulneráveis, por meio de cursos de formação
continuadas, premiações, palestras, fóruns de debates, etc.
177

A partir deste conjunto de intelectuais, divididos de forma hierárquica e complementar no


interior do CENPEC, o aparelho privado de hegemonia tem cumprido com êxito no exercício
subalterno da hegemonia social e do governo político. Neste sentido, o aparelho da holding
Itaú-Unibanco também incide no desarmamento de toda e qualquer tentativa de ruptura deste
bloco histórico, isolando de suas massas os intelectuais subalternos que não se alinham a sua
concepção de mundo, inserindo-os em um sistema cultural desligados do contexto social, a
serviço da classe dominante. (PORTELLI, 1978).
O principal objetivo das frações organizadas no CENPEC não é a obtenção de lucros
imediatos, uma vez que o investimento em empresas (propriamente ditas), em ações e títulos
já lhes garante poder econômico. O CENPEC oferece ao grupo que representa a garantia de
educação política da sociedade dentro dos parâmetros do social liberalismo e o controle da
educação dos trabalhadores de novo tipo. Conforme indica o capítulo II do seu Estatuto,
aprovado em 27 de abril de 2017, o objetivo social do grupo é:

Capitulo II -Objetivo Social


Artigo 4º Constitui objetivo social CENPEC a promoção de atividades e
finalidade de relevância pública social mediante:
I- A promoção da assistência social;
II- A promoção da cultura;
III- A promoção gratuita da educação de qualidade
IV- A promoção do voluntariado, da ótica da paz, da cidadania, dos
direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;
V- A redução de estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias
alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimento
técnico e cientifico que digam respeito as atividades mencionadas
nos anos anteriores.
Parágrafo único: em atendimento ao dispositivo da lei 9780, de23 /03/1999 e
nas normas que regulamentam as atividades de educação serão gratuitas e
custeadas com recursos do próprio CENPEC.
(CENPEC, Estatuto Social, 2017, p.1)

O CENPEC organiza outras frações do capital promovendo a cultura que defende a


perspectiva do crescimento econômico aliado à justiça social. Seus intelectuais orgânicos,
formados por meio de cursos, especializações dirigidas pela instituição e por meio de
parcerias com instituições de ensino, não precisam dominar as funções essências do mundo da
produção. Como compreende Gramsci (2002; 2011), eles precisam ter capacidade
organizativa das relações gerais exteriores à empresa. Nenhum empresário que decide
estabelecer parceria com o CENPEC espera receber instruções técnicas para gerenciar melhor
seus investimentos. Quem investe e se aliança a esta organização, confia em sua capacidade
178

organizar a massa de homens e agir politicamente em assuntos que não estão estritamente
ligados ao campo econômico.
No decorrer da pesquisa, ao tomar o Estado Ampliado como ferramenta teórica, mas,
sobretudo, metodológica, foi elaborado um quadro com os intelectuais orgânicos dirigentes do
aparelho privado de hegemonia. Este quadro foi produzido a partir das informações contidas
no Relatório de 2016, demostrando um Conselho Administrativo composto majoritariamente
por professores universitários que ocupam cargos em outros aparelhos da sociedade civil, da
sociedade política e em alguns casos, também possuem assentos em organismos
internacionais:
Quadro 11: Conselho Administrativo do CENPEC em 2016
N o me Atuação em outros Atuação Aparelhos Organismos
aparelhos da Sociedade da sociedade politica Internacionais
Civil
Maria Alice Presidente da Fundação Ministério da UNICEF (1992-
Setúbal Tide Setubal; Conselheira Educação 1995-1996 1993/19971998
do Instituto Democracia e Banco Mundial 1992
Sustentabilidade(IDS) e da
Rede de Ação Política pela
Sustentabilidade (RAPS),
Social Fundadora do
Movimento Todos Pela
Educação
Benedito Professor e pesquisador na Representante da Tem realizado
Rodrigues dos Universidade Católica de Secretaria Nacional de consultorias de longa
Santos Brasília, no Programa de Promoção dos Direitos duração para
pós-graduação em da Criança e do organismos das Nações
Psicologia. Adolescente Unidas, Fundo das
(SNPDCA), órgão da Nações Unidas para
estrutura da Secretaria Infância UNICEF-
Direitos Humanos da Brasil e organizações
Presidência da não-governamentais
República. (2008- internacionais como a
2010), Coordenação Childhood Brasil
da Comissão
Intersetorial Direitos
Convivência Familiar
e Comunitária(2008-
2010)
Bernardete Diretora e Vice Presidente Membro do Conselho Consultora da UNICEF
Angelina Gatti da Fundação Carlos Estadual de Educação para assuntos de
Chagas em São Paulo educação básica (1991-
1996); Consultora da
UNESCO – Brasil
(2008-2013)
Daniel Cara Doutorando da USP Membro do Fórum Comitê Diretivo da
Coordenador geral da Nacional de Educação Campanha Latino
Campanha Nacional pelo Americana de Direito a
Direito à Educação Educação

Is a M a r i a Professora do Mestrado ---- -----


Ferreira da Profissional Adolescente
179

Rosa Guará em Conflito com a Lei –


Universidade Anhanguera
de São Paulo. Atuou como
Vice-Presidente da
Fundação ABRINQ pelos
Direitos da Criança e do
Adolescente
La d i s l a u Professor Titular do Coordenador Técnico Consultor da Secretaria
Dowbor Programa de Pós- de Planejamento de Geral da ONU (1980-
graduação em Guiné Bissau (1977- 1981)
Administração da 1981)
Pontifícia Universidade Secretaria de Negócios
Católica de São Paulo – Extraordinários da
PUC/SP Prefeitura de São
Paulo-1989-199
Maria de Atuou em Organizações Secretaria de Trabalhou como
Salete Silva privadas Administração (1993- Coordenadora do
1994) e Educação Programa de Educação
(1995-1996) de do Unicef no Brasil de
Salvador 2007- 2014.

Figura 1 Dados Extraídos da Plataforma Lattes e da página eletrônica do CENPEC e do Movimento Todos Pela
Educação http://www.todospelaeducacao.org.br/ acesso em: 13/02/2017

O Conselho Administrativo é o órgão dirigente ao qual cabe a definição de políticas de


governança e o direcionamento político e estratégico da entidade, visando o alcance pleno dos
seus objetivos sociais. Este conselho é composto por no mínimo três e no máximo sete
membros, naturais, residentes no Brasil, que devem ser eleitos para um mandato de três anos.
Seus membros são responsáveis pela direção moral e intelectualmente do CENPEC e de seus
aliados provisórios.
A presidência da instituição, até 2016, foi ocupada por Maria Alice Setúbal, filha de
Olavo Setúbal, Presidente do Banco ITAÚ por 30 anos (entre 1975 – 2005). Neca Setúbal,
como também é conhecida, fez mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo,
em 1979, e doutorou-se em Psicologia da Educação, pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), em 1992. Atuou como professora do ensino básico por sete anos na rede
privada e como docente na Universidade Presbiteriana Mackenzie, por dois anos, entre 1975 e
1978. Em 1992, atuou como coordenadora do Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento (Banco Mundial) e entre 1992 e 1993, coordenou o UNICEFF –Brasil. No
período de 1995 e 1997, ocupou o cargo de Assessora Regional de Educação para a América
Latina e Caribe na UNICEF e, ao mesmo tempo, exerceu a função de Coordenadora no
Ministério da Educação entre 1995-1996. A fundadora do CENPEC ainda preside a Fundação
Tide Setúbal, organização que atua por meio de parcerias público-privadas em projetos sociais
em áreas ditas vulneráveis. Neca também é sócia fundadora do movimento empresarial Todos
180

pela Educação, fundado em 2007, e compõem o conselho de governança da Fundação Itaú


Social.
O Conselheiro Benedi t o R odri gues dos S ant os concluiu mestrado em Ciências
Sociais Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996) e doutorou-
se em Antropologia pela Universidade da Califórnia Berkeley (2002). Realizou pós-doutorado
nas universidades Johns Hopkins (2005) e da Califórnia em Los Angeles (2006). Conforme
informa em seu currículo, trabalha atualmente como professor e pesquisador na Universidade
Católica de Brasília, no Programa de pós-graduação, stricto senso, em Psicologia da mesma
universidade e como pesquisador associado do International Institute for Child Rights and
Development (IICRD), Universidade de Victoria, Canadá. Santos dedica-se à produção de
conhecimento relacionado às seguintes temáticas. O intelectual pesquisa os seguintes temas:
“Formações culturais globais, contextos locais e construção de subjetividades”; “Cidadania,
direitos humanos de crianças e adolescentes e políticas públicas”; “Poder, alteridade e formas
de violência contra crianças e adolescentes”; “Urbanismo e formas de subjetivação”;
“Antropologia da emoção”; “Estudos históricos e psicoantropológicos da infância e da
adolescência”; e “processos de construções/negociações identitárias”.
A Conselheira Bernadete Angelina Gatti é professora aposentada da Universidade de
São Paulo. Ingressou no CENPEC como consultora técnica, em 1997, e está no Conselho
Administrativo desde 2008. Há quarenta anos, Gatti trabalha na Fundação Carlos Chagas
(FAPERJ) e hoje ocupa o cargo de vice-presidente da Fundação. Sua produção cientifica
reúne trabalhos sobre avaliação de sistemas escolares, avaliação do processo de ensino
aprendizagem e formação de professores.O conselheir o Daniel Cara 49 ganhou o prêmio
Personalidade da Educação em 2012, promovido pela Revista Nova Escola e o Prêmio Darcy
Ribeiro de Educação, em 2015. Atualmente, está doutorando-se no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Estadual de São Paulo. Desde 2006, é o
coordenador da Campanha Nacional Pelo Direito a Educação, organização que reúne
diversas empresas, organizações sociais (OSs) e movimentos sociais. Em artigo intitulado
Participação Social e o Novo Projeto de Educação, publicado em 2013, Cara defendeu a
necessidade de se reconhecer o papel da sociedade civil, tanto na construção de políticas
educacionais, quanto na execução de projetos:
A construção conflituosa das leis educacionais com a sociedade civil e a
dificuldade de reconhecer o papel dela na feitura das políticas, dificulta a
implementação de um projeto educacional capaz de alimentar um novo

49
Após se afastar do conselho em 2016, Daniela Cara filiou-se ao PSOL e candidatou-se ao cargo de Senador do
Partido Socialismo e Liberdade nas eleições de 2018.
181

modelo de desenvolvimento socioeconômico. Mais grave, na pauta da


educação, muitas gestões, mesmo de esquerda, tem optado por visões
mercantilistas promovidas por consultorias e fundações empresariais, em
detrimento do diálogo com sindicatos, movimentos sociais e ONGs
dedicadas aos direitos educacionais. (CARA, 2013, p.114)

Daniel Cara, que também sublinha a necessidade do investimento em educação de qualidade


que vise a formação de bons legisladores, operadores do direito, professores, engenheiros,
artistas, arquitetos, empreendedores da nova economia pós-industrial, em consonância com o
projeto do CENPEC, defende que o Estado (no sentido estrito), na figura de seus gestores, não
está apto implementar sozinho a política pública. Conclui sua análise com uma frase do ex-
Presidente da República, Luís Inácio da Silva: “Sociedade Civil não é para ficar na torcida, é
para fazer parte do Jogo”.
A Conselheira Isa Maria Ferreira da Rosa Guará cursou graduação em Pedagogia pela-
UNIVAP - SP e concluiu os cursos de mestrado e doutorado em Serviço Social na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Apresenta-se como “pesquisadora e assessora
de programas e projetos na interface educação, educação social, justiça e assistência social nas
áreas de formação, avaliação, pesquisa, gestão e implementação de projetos e políticas
públicas”. Entre os projetos coordenados por Guará, destacam-se: Organizações Sociais de
Educação Complementar, que se propõe a analisar as informações coletadas pelas 1500
organizações sociais inscritas no Prêmio Itau-Unicef para subsidiar processos de formação; o
Programas complementares à escola, cujo objetivo é levantar a situação e sistematizar
conteúdos para o desenvolvimento de projetos de educação social em organizações que atuam
no contraturno escolar; o projeto Políticas e programas de proteção social para crianças,
adolescentes e famílias em situação de vulnerabilidade social, que trabalha com pesquisar as
redes municipais de atenção à criança e ao adolescente nos município de S. José dos Campos,
Lorena e Paraibuna.
O Conselheiro Ladi sl a u Dowbor graduou-se em economia na Economie Politique
- Universite de Lausanne (1968), concluiu mestrado em Economia Social pela Escola
Superior de Estatística e Planejamento (1974) e doutorou-se em Ciências Econômicas pela
Escola Superior de Estatística e Planejamento (1976). Desde 2013, é professor titular do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil, professor da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo e professor da Universidade Metodista de São Paulo.
Atualmente, assessora os projetos Governos Locais pela Sustentabilidade (2015-2017);
assessora a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (2014- 2017). Dentre os
projetos de pesquisa que esteve ou está inserido, destacamos: Governança Coorporativa
182

(2014-2017); Resgatando o potencial do Sistema Financeiro Brasileiro (2013-17); Núcleo de


Estudos do Futuro (2012-2017). Conforme descreve, o Núcleo de Estudos do Futuro busca
representar e implementar no Brasil a proposta do Projeto Milênio da Universidade das
Nações Unidas, com apoio de “recursos internacionais para ajudar na organização de estudos
e pesquisa através da atualização constante e aprimoramento do pensamento humano acerca
do futuro.” 50
A Conselheira Maria de Salete Silva graduou-se em Arquitetura pela Universidade
Federal da Bahia. Foi Secretária de Administração do munícipio de Salvador, na Bahia entre
1993-1994 e no Biênio seguinte, dirigiu a Secretária de Educação da capital baiana. Entre
2007 e 2014 foi coordenadora do Programa de Educação do UNICEF no Brasil de 2007.
Maria de Salete Silva apresenta-se na mídia televisiva e impressa como consultora de políticas
educacionais.51 Coordenou o estudo Aprova Brasil: o direito a aprender: boas práticas em
escolas públicas avaliadas pela Prova Brasil, realizado em parceria entre a UNICEF,
Ministério da Educação e o Inep, publicado em 2007. Na edição nº 3 do periódico Cadernos
do Cenpec, de 2007, Salete Silva aponta seu entendimento sobre parcerias privadas com
escolas da rede pública

A ideia de parcerias externas vem da compreensão de que a escola, sozinha,


não é capaz de garantir a totalidade dos direitos de crianças e adolescentes.
A garantia do direito à vida, à saúde, à liberdade, à convivência familiar e
comunitária é resultado da ação de inúmeros organismos, governamentais ou
não, das esferas públicas e privadas. A parceria dessas instituições com a
escola, além de cooperar para o fortalecimento da própria instituição,
contribui efetivamente para a garantia de alguns desses direitos,
principalmente, o de aprender. As escolas analisadas exercitam ricas
experiências de parcerias com as instituições da comunidade, do município e
até mesmo regionais ou nacionais. Os parceiros têm perfis diferenciados, são
do setor empresarial (bancos, empresas de comunicação ou pequenos
comerciantes), outras escolas, fundações, ONGs, universidades, sindicatos e
associações comunitárias ou de moradores.
A maioria delas apoia projetos realizados pelas próprias escolas, como
laboratórios de informática, programas de empreendedorismo e segurança no
trânsito, combate à violência, apoio a famílias, preservação ambiental e
atividades artísticas.
Além de viabilizar projetos, elas criam importantes espaços de mobilização
social pela qualidade na educação.” (Cadernos do CENPEC, 2007, p 105)

Com exceção de Maria Alice Setúbal, então presidente, nenhum dos conselheiros tem origem
empresarial, apesar de se constituir em um Aparelho de Hegemonia do conglomerado Itaú-

50
LATTES, acesso em 21/02/2017
51
Cif Entrevista
183

Unibanco. O fato de seu conselho administrativo não ser composto por representantes direto
desta entidade, no entanto, não representa uma contradição. Uma das características mais
marcantes de todo o grupo que se desenvolve na direção de domínio, segundo Gramsci
(2002), é a luta pela assimilação e conquista “ideológica” dos intelectuais tradicionais. De
acordo com o marxista, estes intelectuais “preexistentes” se apresentam como figuras de uma
continuidade histórica interrupta que não é questionada nem pelas mais complexas e
imediatas mudanças sociais e políticas. (LIGUORI E VOSA, 2017, P432)
Consideramos que a estratégia de nomear intelectuais identificados com a
universidade brasileira para o Conselho Administrativo contribui para o êxito da entidade na
promoção da ideia que seus projetos estão em consonância com a produção cientifica e
atendem exclusivamente as demandas sociais. Estes intelectuais, ligados organicamente ao
CENPEC, gozam de autonomia relativa em relação aos interesses materiais das frações que
dirigem a entidade. Os projetos encampados por eles, por dentro e por fora do CENPEC,
geram credibilidade da entidade perante aos investidores financeiros e garantem seu
reconhecimento junto a sociedade. A inserção destes intelectuais em agências de fomento à
pesquisa, públicas e privadas, também contribui a assimilação de outros intelectuais alinhados
à matriz ideológica que orienta os trabalhos dirigidos pela entidade. A participação em
agências da sociedade política, como ministério e secretarias é fundamental para a
materialização dos projetos. O quadro de associados da entidade também aponta a relação
entre o CENPEC e estes intelectuais tradicional, as empresas e aparelhos responsáveis pela
pedagogia política da hegemonia (NEVES, 2005).

Quadro 12: Intelectuais orgânicos do CENPEC


Nome Atuação profissional e Ligações com outras
entidade

Aldaíza de Oliveira Sposati Professora Titular e Coordenadora do Centro


de Estudos de Desigualdades Sócio-
Territoriais (CEDEST) da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)

Ana Beatriz Mose Presidente do Instituto Esporte & Educação

Ana Lucia Império Lima Diretora Executiva do Instituto Paulo


Montenegro

Antonio Carlos Ronca Professor na Pontifícia Universidade Católica


PUC-SP e Conselheiro e Vice-Presidente do
Conselho da Câmara de Educação Básica
Benedito Rodrigues dos Santos Professor e pesquisador na Universidade
184

Católica de Brasília, no Programa de pós-


graduação em Psicologia
Bernardete Angelina Gatti Diretora e Vice Presidente da Fundação
Carlos Chagas.

Celso Fernando Favaretto Professor da Faculdade de Educação da


Universidade de São Paulo (USP)

Eduardo Dias de Souza Ferreira Professor da Escola Paulista de Ensino


Superior, Universidade Metropolitana de
Santos, Escola Superior do Ministério Público
de São Paulo
Fernando Rossetti Ferreira Diretor Executivo do Greenpeace Brasil

Helio Mattar Presidente do Instituto Akatu

Jose Roberto Sadek Executivo diretor do APAA – Associação


Paulista de Amigos da Arte

Ladislau Dowbor Professor Titular do Programa de Pós-


graduação em Administração da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP

Marta Grosbaum Gerente de Desenvolvimento e Conteúdo do


Instituto Unibanco

Oded Grajew Integrante do Instituto São Paulo Sustentável


(ISPS) e da secretaria executiva da rede Nossa
São Paulo
Odilon Guedes Pinto Junior Professor Adjunto do Departamento de
Economia das Faculdades Oswaldo Cruz e
professor convidado da Fundação Armando
Álvares Penteado – FAAP. É também
conselheiro do Conselho Regional de
Economia de São Paulo
Reginaldo José Camilo Superintendente de Finanças do Banco Itaú

Ricardo Campos Caiuby Ariani Consultor na empresa Ariani Consultores


Associados
Vera Lucia Wey Consultora na empresa Novação Consultoria
Social e Educacional
Vera Masagão Ribeiro Coordenadora de Programas da Ação
Educativa e Membro do Conselho Diretor da
Associação Brasileira de Organizações Não-
Governamentais – Abong
Zita Porto Pimentel Consultora Pedagógica da Fundação Iochpe

De acordo com o Estatuto Social, para tornar-se membro do quadro social, as pessoas naturais
ou jurídicas devem concordar com o Estatuto e expressar em sua atuação dentro do CENPEC
185

e fora dele, os princípios nele defendidos: ter idoneidade e reputação ilibada e ter sido
recomendado por outro associado. Os associados devem colaborar com o CENPEC, cumprir o
Estatuto e acatar com deliberações dos órgãos do CENPEC.
A análise sobre o quadro de intelectuais do CENPEC nos permitiu identificar que oito,
dos vinte nomes arrolados, são professores universitários, 10 representam instituições e
fundações ligados a interesses empresariais e 2 estão diretamente ligados às atividades
financeiras do conglomerado Itaú-Unibanco: Reginaldo José Camilo e Maria Grosbaum.
Reginaldo José Camilo é membro da Comissão de Integração e Controle do Itaú, responsável
pela definição de programas, projetos e critérios para investimento. A comissão também é
responsável pela análise dos resultados das atividades da Fundação Itaú Social. Maria
Grosbaum é gerente de conteúdo do Instituto Unibanco. Este instituto foi fundado em 1982 e
atualmente, é uma das instituições responsáveis pelo investimento privado do conglomerado
Itaú-Unibanco, cujo foco das ações é na escola pública brasileira. A presença dos
representantes do conglomerado Banco Itaú–Unibanco, responsáveis pelo investimento social
desta empresa, comprovam que a relação de autonomia e distinção entre o CENPEC e o grupo
empresarial é apenas relativa. O conglomerado é o principal parceiro financiador dos projetos
dirigidos pela CENPEC desde a fase inicial de investida no debate e ação sobre as questões
sociais.
Além dos associados propriamente ditos, o Estatuto Social prevê outra modalidade de
sociedade: de acordo com o artigo 8º, a pessoa natural e jurídica que, identificando-se com os
princípios e valores do CENPEC, queira colaborar com o seu trabalho para a consecução dos
objetivos sociais da entidade sem associar-se, podendo atuar como Colaborador Voluntário.
O estatuto também prevê a modalidade de contribuinte eventual. Esta categoria, definida
como Contribuinte Voluntário, não precisa se associar a entidade podendo colaborar pontual,
esporadicamente ou regularmente para consecução dos objetivos da entidade. Apesar de estar
localizada na cidade de São Paulo, sua ação não se restringe à realização de programas nesta
região. Ao longo dos anos, a entidade ampliou seu número de projetos, seu raio de ação e se
fortaleceu na disputa com outras entidades pela impressão dos interesses de seus
representados nas políticas educacionais e assistencialista. Na atualidade, o CENPEC
organiza um conjunto bastante diverso de associados na sociedade civil, incluindo frações da
classe dominante, como bancos, indústrias, empresas de telecomunicações e fundações
empresariais, e frações da classe “subalterna”, como associações comunitárias e a Central
Única dos Trabalhadores (CUT). Entre seus “parceiros”, o CENPEC inclui agências da
sociedade política, como o Ministério da Cultura, o Ministério da Educação e o Ministério da
186

Justiça, além de uma agência de um Estado estrangeiro: o Ministério da Educação de Cabo


Verde. O CENPEC tem no Instituto Itaú Social seu principal parceiro e financiador de seus
projetos, programas e assessorias.
Nessas três décadas, o CENPEC formulou currículos, produziu materiais pedagógicos
dirigidos a programas de aceleração da aprendizagem em Secretarias estaduais e municipais
de Educação e participou da formulação e execução de projetos destinados à formação
docente52. Durante a década de 1990, obteve êxito na coordenação de projetos, que contou
com a parceria entre entidades públicas e privadas, caracterizando-se como um dos principais
articuladores desse movimento de inserção empresarial nas redes públicas de ensino. Como
descreve em sua publicação, CENPEC: uma história e suas histórias (2007), a entidade não
se propõe a concorrer com outras organizações na promoção de projetos. Seu intuito é
negociar e auxiliar outros grupos, garantindo assim, a adesão de outras instituições e docentes
de universidades públicas e privadas.

4.5- Alianças para o equilíbrio instável: parceiros e financiadores

O CENPEC organizou, ao longo de sua história, uma estrutura própria de recursos


humanos, materiais, físicos e financeiros, voltada para o desenvolvimento de ações
pedagógica e cultural, de caráter profissional dos serviços e com capacidade de administração
do cotidiano, divulgação das ações e introdução de seus interesses no interior das agências do
Estado estrito, responsáveis pelas políticas educacionais, além de intensa articulação com
demais organizações da iniciativa privada e outros Aparelhos Privados de Hegemonia. As
receitas do CENPEC são constituídas pelas seguintes fontes:

Artigo 6º Constituem as receitas do CENPEC:


I. As contribuições periódicas ou eventuais de pessoas naturais ou jurídicas,
associadas ou não;
II. As doações, legados subvenções, auxílios, diretos ou créditos e outras
aspirações proporcionada por pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou
públicas, inclusive governamentais, nacionais ou internacionais ou de outros
países;
III. As receitas advindas das suas atividades próprias compreendidas nos
objetivos social permitidas pela lei; e
IV. Os rendimentos produzidos por todos os seus bens, valores, títulos e outros
direitos, bem com a iniciativa destinadas a captação de recursos.
(CENPEC, Estatuto, 27/04/2017, p.2)
187

De acordo com os dados do CENPEC, presentes no relatório de 2006 analisados por


Luz (2009), a maior parte dos recursos financeiros que movimentavam suas ações tinham
origem nas fundações empresariais (76%), seguidos da União (17%); em menor número,
recursos dos municípios (3%) e agências multilaterais (2%) e um montante menor ainda dos
estados (1%) e de recursos próprios (1%). Nos relatórios anuais de atividades de 2008 e 2010,
observamos o aumento da contribuição da União e a queda na contribuição das fundações
empresariais para os fundos do CENPEC. No relatório de 2008, o CENPEC demostrou um
balanço das receitas de 2006, 2007 e 2008 e revelou que em 2006, a contribuição das
fundações empresariais compunha (77,3%) da receita da organização, em 2007 esta
contribuição sofreu uma leve queda para (72%), em 2008, diminuiu um pouco mais para
65,7%.
O relatório de 2010 apontou nova diminuição da participação das Fundações
empresariais na composição de seu orçamento. Em contrapartida, houve um aumento
expressivo da contribuição do poder público (União, Estado e Município). Em 2006, o
“poder público” (não especificado) contribuiu com (20,8%); em 2007, com 33, 9%; em 2008,
a contribuição da União chegou a 25, 3%. Já em 2010, a contribuição da União subiu para
34% da receita. Estados e municípios compuseram 8% e 4% da receita do CENPEC. Não foi
possível identificar nos demais relatórios pesquisados o percentual de investimentos do
CENPEC dividido por setores. Esse período de crescimento da participação da União na
receita do CENPEC, entre 2007-2010, coincide com a implementação do Programa do
governo federal Mais Educação. Na autobiografia, produzida pelo CENPEC, em 2006, foram
listadas as empresas, institutos e organizações das sociedades civil e política que
estabeleceram algum tipo de aliança com o aparelho no período entre 1988 e 2006:

Quadro 13: Parceiros do CENPEC na Sociedade Civil 1988-2006


Associações Bancos Institutos Fundações Empresas

Associação Banco do Brasil Instituto Algar de Rede Globo de


Beneficente AS Responsabilidade Fundação Athos Televisão
Provisão (SP) Social Bulcão

Associação Banco Instituto Ayrton Fundação Belgo Magazine


Cairuçu (RJ) Interamericano de Sena Mineira Luiza
Desenvolvimento
Associação Banco Itaú Instituto Brasileiro Fundação Carlos Metrô:
Comunitária de Estudos e Chagas Companhia
Monte Azul (SP) Apoio do
Comunitário Metropolitano
Queiroz Filho de São Paulo
(IBEAC)
188

Associação Banco Mundial Instituto C&A Fundação Rede


Cultural e Clemente Bandeirantes
Desportiva Mariano de Rádio e
Bandeirantes (SP) Televisão
Associação Banco Nacional de Instituto Camargo Fundação de Tv Cultura
Cultural, Desenvolvimento Correia Ação Social de
Recreativa e Econômico e Curitiba (PR)
Social Turma da Social (BNDS)
Touca (SP)
Associação de Banco Volkswagen Instituto Cardeal Fundação Imprensa
Ensino de Rossi (SP) Estadual do Bem Oficial do
Arquitetura e Estar do Menor Estado de São
Urbanismo de São (Febem/SP) Paulo
Paulo - Escola da
Cidade
(AEAUSP)
Associação de --------------- Instituto Credicard Fundação Estudar Natura
Moradores
Cantareira (SP)
Associação de ----------------- Instituto Criança é Fundação Gol de Empresa de
Moradores do Vida Letra Correios e
Instituto Rural e Telegráfos
Adjacências (SP
Associação de ----------------- Instituto Criar Fundação Empresa
Moradores do Instituto de Brasileira de
Jardim Horizonte Administração Pesquisa e
Azul (SP) (FIA/USP) Agropecuária
Associação de ------------------ Instituto Cultural e Fundação Itaú Votorantin
Moradores do Filantrópico Alcoa Social Celulose e
Jardim Rosana Papel
(SP)*
Associação de ------------------ Instituto de Fundação Orsa Terra
Mulheres Cidadania Networks S.A.
Empresárias do Empresarial (ICE)
Brasil
(Amebras/RJ)
Associação dos -------------------- Instituto de Fundação Paparazzi
Moradores Vale Educação de Osvaldo Cruz Estúdio
Verde (SP) Resende (RJ) (Fiocruz) Fotográfico
Ltda (SP)
Associação ------------------- Instituto de Petrobras -
Educacional Estudos Especiais Petróleo
Labor (IEE-PUC/SP) Brasileiro S/A
Associação --------------------- Instituto Ethos de Fundação para o Porto Seguro
Movimento de Empresas e Desenvolvimento Cia de Seguros
Educação Popular Responsabilidade da Educação Gerais
Integral Paulo Social (FDE-SEE/SP)
Englert
(AMEPPE/MG)
Popular Integral ---------------------- Instituto Mauá de Fundação Sistema ---------
Paulo Englert Tecnologia (IMT) Estadual de
(AMEPPE/MG) Análise de Dados
Associação (Seade)
Projeto Roda Viva
(RJ)
Federação das ------------------ Instituto Minidi Fundação SOS --------------
Associações de Pedroso de Arte e Amazônia (AC)
189

Municípios do Rio Educação Social


Grande do Sul (IMPAES)
(FAMURS)
Federação das Instituto Nacional Fundação -----------
Indústrias do de Estudos e Telefônica
Estado do Rio de Pesquisas
Janeiro (Firjan) Educacionais
(Inep)

Federação das Instituto Paulo Fundação Vale do -------------


Indústrias do Freire (IPF) Rio Doce
Estado do Rio de
Janeiro (Firjan)

Grupo de Instituto Regional Fundação ------------


Institutos, da Pequena Vanzolini
Fundações e Agropecuária (USP/SP)
Empresas (Gife) Apropriada
(IRPAA)
Serviço Brasileiro Instituto Tide Fundação Vitae ---------
de Apoio às Micro Setubal (Itas)
e Pequenas
Empresas
(Sebrae)

Serviço Nacional Instituto Tomie Fundação --------------


de Aprendizagem Ohtake Volkswagen
Comercial (Senac)
Serviço Nacional Instituto Fundo das Nações ---------------
de Aprendizagem Universidade Unidas para a
Industrial (Senai) Popular Infância (Unicef)
(Unipop/PA)
Serviço Social Instituto Grupo de -----------
Bom Jesus (SP) Votorantim Institutos,
Fundações e
Empresas (Gife)

Serviço Social do Instituto WCF- Grupo Vicunha -------------


Comércio/SP Brasil
(Sesc)
Sindicato das Itaú BBA ------------
Entidades
Mantenedoras de
Estabelecimentos
de Ensino
Superior do
Estado de São
Paulo (Semesp)
Sindicato dos Itaú Cultural ---------------
Trabalhadores nas
190

Indústrias de
Calçados e
Vestuários de
Franca e Região
(SP)
Sociedade Itaúsa ------------
Amigos de Bairro
do Jardim
Horizonte Azul e
Vila do Sol (SP)

O quadro explicita a aliança do CENPEC com associações de moradores da cidade de


São Paulo, sindicatos de trabalhadores, instituições de ensino, fundações empresariais, além
de empresas de comunicação, comércio, agronegócio e bancos. Destacamos a presença de
duas importantes representantes das frações do capital, que se uniram em aliança instável ao
CENPEC para viabilizarem sua incursão sobre as políticas para escolas públicas brasileiras: o
GIFE e o Instituto Ethos. O GIFE reúne, na atualidade, 129 empresários e seus investimentos
na área social somam 30 bilhões por ano. O grupo, pioneiro na representação empresarial em
políticas sociais, conta com incentivos fiscais, por meio do poder público, para realizar grande
parte do chamado “Investimento social Privado”. Segundo Martins (2009), o GIFE, criado em
1995, foi fundado com a missão de incentivar a intervenção burguesa na “questão social”. O
grupo original foi formado por vinte e cinco grandes empresários, com sede no Brasil, com a
intenção de oferecer um novo horizonte político às intervenções empresarias. No artigo 3º do
Estatuto Social de 1999 da entidade estão descritos seus objetivos:

O GIFE tem por objetivo contribuir para a formação do desenvolvimento


sustentável do Brasil, através do fortalecimento político institucional e do
apoio à atuação estratégica de institutos e fundações de origem empresarial e
de outras entidades privadas que realizam investimento social voluntário e
sistemático, voltado para o interesse público. (MARTINS, 2009, p.146).

O GIFE, segundo Martins (2009), procura unificar esforços e orientar ações comuns de
grandes grupos empresarias atuantes no país, imprimindo uma marca ideológica única,
identificada com os preceitos da nova pedagogia da hegemonia, contribuindo para o processo
de afirmação do novo padrão de sociabilidade.
O Instituto ETHOS foi criado, em 1998, por um grupo de empresários, com a
finalidade de criar uma nova mentalidade empresarial sobrea relação entre economia e
política, tendo o social como a questão prioritária (MARTINS, 2009). A entidade se identifica
como “um polo de organização de conhecimento e troca de experiência e desenvolvimento de
ferramentas para auxiliar as empresas a analisar sua prática de gestão e aprofundar seu
compromisso com a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável.” (ETHOS,
191

2017). Martins (2009) considera que o Grupo ETHOS proporcionou o amadurecimento e a


radicalização das ações políticas do empresariado na sociedade civil. Observamos que
parceria entre o Instituo ETHOS e o CENPEC gerou muitos projetos de estímulo a atuação
empresarial em escolas públicas. Em 1998, a dupla produziu o livro: Parceria:
Responsabilidade Social com apoio do Banco Itaú.
O CENPEC não procura seus parceiros apenas entre os empresários e os movimentos
da sociedade civil. Ele também depende da unidade relativa com agências do Estado no
sentido restrito, para manter-se financeiramente e garantir a universalização de seus
interesses. Encontramos em seus relatórios alianças com secretarias municipais de Educação,
de Saúde, Assistência Social, com Secretarias Estaduais de vários estados brasileiros, com o
Mistério da educação, Ministério da Cultura, “Ministério da Previdência e Assistência social”,
Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho, etc. Chama atenção a parceria entre o CENPEC
e duas agências que organizam representantes dos municípios e dos Estados a União Nacional
dos Dirigentes Municipais (UNDIME) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação
(CONSED).
A UNDIME foi fundada em 1986, um ano antes da criação do CENPEC, durante a
efervescência das lutas pela redemocratização do país. A instituição define como finalidade a
articulação, mobilização e integração dos dirigentes municipais de educação para construir e
defender a educação pública com qualidade social. Declara como princípio: a democracia que
garante a unidade de ação institucional; a afirmação da diversidade do pluralismo, gestão
democrática com base na construção do consenso, ações pautadas pela ética com
transparência, legalidade e impessoalidade, autonomia frente aos governos, partidos políticos,
credos e a outras instituições, visão sistêmica na organização da educação fortalecendo o
regime de colaboração entre os entes federados. (UNDIME, 2017).
A UNDIME reúne secretários de educação (identificadas por ela como dirigente que
estão em exercício, os “membros natos”, ex-dirigentes municipais de educação, “membros
solidários” e os “membros honorários”, pessoas com reconhecida contribuição na melhoria da
educação em âmbito municipal. Mantém relações com sindicatos, confederações, associações,
“organizações não governamentais”, movimentos sociais, interessadas no campo educacional.
Como afirma em seu site, a principal rede que integra é a Campanha Nacional pelo Direito à
Educação que reúne mais de 200 organizações. De acordo com Neves (2015), a UNDIME,
depois de se constituir nos anos de abertura política, se reconstituiu a partir de 1995, com
apoio de organismos internacionais, para socializar as diretrizes político-ideológicas dos
governos neoliberais e implementar as políticas formuladas pelo núcleo estratégico da
192

aparelhagem estatal federal, a partir de diretrizes internacionais. Sua secretaria em Brasília,


que estava fechada em 1992 por falta de recursos financeiros, foi reaberta e hoje, recebe apoio
permanente do UNICEF, UNESCO e Fundações Internacionais. Esta interpretação sobre a
trajetória da UNDIME esclarece a aliança deste organismo com o CENPEC, no
desenvolvimento de diversos projetos e, em particular, na elaboração e implementação do
Programa Melhoria da Educação no Município, estruturado em conjunto com o UNICEF e a
Fundação Itaú Social (FIS), a partir de 1999.
O Conselho Nacional de Secretários da Educação (CONSED) é outro importante
aparelho aliado do CENPEC na educação política da sociedade. Assim como a UNDIME, o
CONSED não se define como um aparelho da sociedade política, mas reúne representantes do
poder público: os Secretários de Educação Estaduais e do Distrito Federal. Fundado no
mesmo ano da UNDIME, em 1986, o CONSED se declara como associação de direito
privado, criada com o objetivo de “promover a integração das Secretarias Estaduais de
Educação” em prol do “desenvolvimento de uma educação pública de qualidade”. No
conjunto de ações do grupo está descrito: participar na formulação e avaliação das políticas
nacionais de educação, coordenar e articular ações de interesse comum das Secretarias,
promover intercâmbio de informações e de experiências nacionais e internacionais, realizar
seminários, conferências, cursos e outros eventos, desenvolver programas e projetos, e
articular com instâncias do governo e da sociedade civil. Os principais “parceiros” do
CONSED são Fundação Roberto Marinho, Fundação Itaú Social, Instituto Unibanco,
CENPEC, Fundação Victor Civita, Gerdau, British Council no Brasil, Embaixada da América
UNESCO, UNDIME, MEC.´
O CONSED, segundo Faleiro e Neves (2015), deixou seu papel original de crítico da
política educacional para atuar como disseminador das diretrizes político-ideológicas dos
governos neoliberais, inspiradas, por sua vez, nas diretrizes internacionais. O CONSED
também reconfigurou sua organização e suas práticas, implantou uma secretaria executiva em
Brasília, aprovou um novo estatuto e regimento interno. Aproximou-se do MEC, do Conselho
Nacional de Educação e da UNDIME. Segundo as autoras, em relação ao conjunto de
recursos financeiros aplicados no CENPEC, entre os anos de 1995 e 1996, somente 26% eram
provenientes das anuidades pagas pelos sócios da organização, 67% foram provenientes de
doações, contratos, convênios e apoio financeiro específico de organismos internacionais.
(CONSELHO NACIONAL DE SECRETARIAS DA EDUCAÇÂO, 1996, p.63 apud
FALEIROS e NEVES, 2015, p.117). O CONSED tornou-se especialista na área de gestão
escolar, desde 1996. Criou a Rede Nacional de Referência em Gestão Escolar (Renagester), a
193

Revista Gestão em Rede, o Programa de Capacitação à Distância de Gestores (Progestão) e


o Prêmio Gestão Escolar.
A Fundação Itaú Social e o CENPEC, enquanto Aparelhos Privados de Hegemonia
vinculados ao capital financeiro, têm o papel histórico de legitimar e reproduzir a estrutura
econômica e o projeto político de sua classe. Encoberto por uma capa de neutralidade, o
complexo pedagógico do Itaú-Unibanco possuiu uma ampla rede de organismos aliados que
auxiliam a fração financeira na organização das “vontades coletivas”. Nas últimas décadas,
essas instituições apropriaram-se de bandeiras históricas da classe trabalhadora e penetraram
de forma contumaz na escola pública e na política educacional, sob a justificativa de abrir a
escola à participação da comunidade. É importante destacar a atuação complementar e
sistemática destes organismos na disputa por hegemonia na sociedade civil e na construção o
consenso no interior dos aparelhos da sociedade política. Tiradentes (2012) se dedicou ao
estudo de novas modalidades de privatização da escola pública e identificou alguns elementos
que contribuíram para a materialização desta ideologia nas últimas décadas:

 Crise de paradigma no mundo acadêmico, que passa a desqualificar as


ciências sociais de base marxista, substituindo-a por referenciais mais
preocupados com o âmbito focal da crítica;
 Comprometimento de centrais sindicais de trabalhadores com novos
governos e a limitação /autolimitação de sua capacidade crítica;
 Práticas autofágicas no interior do movimento dos trabalhadores na luta
política interna;
 Adesão de importantes intelectuais originalmente vinculados à luta pela
pedagogia critica a governos “contraditórios”, avalizando as pedagogias do
mercado como se assim não fossem, por sua reputação histórica de
“intelectual de esquerda”;
 Capitulação de parcela dos intelectuais ao paradigma d mercado e/ou aos
ditames de políticas educacionais oriundas do Banco Mundial e outros,
abandonando relativizando sua ação como intelectual da classe trabalhadora;
 Emersão de movimentos sociais foquistas, setorizados, não classistas;
 Desencanto de antigos militantes com a onda hegemônica de críticas aos
“Socialismo Real”;
 Poder de controle da opinião pública pelos meios de comunicação de massa,
que silenciam sobre os movimentos sociais críticos ou ridicularizam e
“demonizam” gerando modos de percepção desfavorável à ação
transformadora;
 Intensa campanha de desmoralização dos poderes públicos e aos desencanto
com qualquer possibilidade de mudança. Difusão no senso comum da
associação entre política e corrupção.
(TIRADENTES, 2012, p.58)

As determinantes elencadas pela autora, somadas à conhecida ideologia da crise da


escola pública e ao enfraquecimento dos movimentos sociais comprometidos com a educação
194

transformadora, favoreceram a incorporação da ideologia do capital financeiro pelo senso


comum e fortaleceram os Aparelhos Privados de Hegemonia na disputa pela impressão de
seus interesses no interior da sociedade política. Desde a década de 1980, além de participar
da definição e redefinição de políticas macroeconômicas, o capital financeiro transformou-se
no principal articulador da política educacional escolar. Sob sua direção e com ajuda de
organismos e de intelectuais aliados, a educação deixou de ser tratada como um direito e
passou a ser considerada um serviço. Nesta “nova pedagogia da hegemonia” (NEVES,2005),
a função tradicional da escola, seu currículo, sua forma de administração e o trabalho docente
foram questionados, passando a ser considerados entraves para aprendizagem dos estudantes e
para o desenvolvimento econômico do pais. O complexo pedagógico do Itaú-Unibanco atuou
de forma sistemática para difusão do diagnóstico da falência da escola pública e na promoção
do receituário social- liberal comprometido com a recomposição do sistema.
195

5 A POLÍTICA EDUCACIONAL DOS BANQUEIROS

A holding Itaú Unibanco, por meio de seus Aparelhos de Hegemonia, tem sido uma
das principais formuladoras e difusoras do projeto hegemônico de educação de tempo integral
no Brasil. O presente capítulo analisa o processo que levou da holding ao lugar de definidora
e redefinidora da políticas de educação de tempo integral, imprimindo seu ponto de vista
sobre “educação integral” na agenda pública, em nível nacional. A concepção de “educação
integral” 53 trabalhada pela fração do capital financeiro reúne princípios comuns aos
fundamentos do projeto ideológico social liberal, tais quais: a reconfiguração do papel do
Estado, a sistematização das “ações sociais” empresarias, o estímulo à “nova cultura do
voluntariado e a avaliação dos programas. Não esteve entre os nossos objetivos comparar os
diferentes modelos de ampliação do tempo escolar na história, tampouco avaliar as nuanças
entre os conceitos que embasam os programas que caminham neste sentido. Nosso mote foi
entender o modelo de educação de tempo integral, defendido pela holding Itaú-Unibanco,
para o tema. Neste sentido, consideramos relevante rastrear os caminhos da construção do
conceito de “educação integral” que tornou-se referência para a política nacional de
ampliação do tempo escolar, materializada do Programa Federal Mais Educação, a partir de
2007.
Ao considerar a educação como campo estratégico para a restruturação produtiva, a
holding Itaú Unibanco tem vocalizado a necessidade de aumentar o tempo diário da escola
para populações ditas vulneráveis, com a finalidade de promover a cultura da paz, da
cidadania e o desenvolvimento econômico, sem vincular este projeto ao debate sobre a
ampliação do orçamento da educação pública do país. Os aparelhos da holding defendem um
modelo de “Educação Integral” descentralizado, estruturado no trabalho voluntário e não
realizado exclusivamente pela escola. Este projeto, que hoje hegemoniza as políticas públicas
sobre o tema, tem sido organizado em torno de duas principais justificativas: a escola precisa
criar estratégias para garantir a permanência na escola de jovens e criança sem situação de
“vulnerabilidade” e para tornar seu currículo mais interessante estes estudantes.
Apesar de não ser recente, o debate sobre o aumento do tempo escolar vem ganhado
centralidade no conjunto de estratégias definidas internacionalmente para assegurar a

53
Segundo Lavinas, há 8 definições sobre o que é a Educação Integral: a) formação do homem integral; b)
preparação para a vida; c) formação integral; d) princípio organizador do currículo escolar; e) produto do
desenvolvimento de temas geradores; f) escola de tempo integral; g) articulação dos diferentes agentes sociais; h)
direito à aprendizagem. Pra maiores detalhes, ver Bairro Escola: Inovação na Estruturação da Rede de Proteção
Local em Nova Iguaçu. Relatório Parcial I, Coordenação-geral Lavinas L., 128 páginas, março de 2008, pág. 19
a 23.
196

restruturação produtiva. No início da década de 1990, dois grandes eventos, organizados pelas
entidades que compõem as Organizações das Nações Unidas (ONU) e pelo Banco Mundial
tornaram-se referências para as reformas educacionais: a Conferência Mundial Educação Para
Todos, realizada em Jomtien (1990), e a Conferência das Cidades Educadoras, realizada em
Barcelona (1990).
O presente capítulo está dividido em três partes. No primeiro bloco, analisamos a
construção da agenda de ampliação da jornada escolar no interior da Fundação Itaú Social e
no CENPEC e a disputa pelo conceito de “educação integral” desenvolvida a partir da década
de 1990, após a definição dos consensos internacionais que elegeram a educação como campo
estratégico para recuperação do crescimento econômico e estabilidade política. No segundo
momento, investigamos as ações e os fundamentos do capital financeiro para influenciar e
promover as políticas de ampliação do tempo escolar em todo território nacional. No terceiro
bloco, analisamos a influência do CENPEC e da fundação Itaú Social na formulação,
reformulação e difusão da política pública federal de fomento à ampliação da diária escolar,
materializada no Programa Mais Educação.

5.1- A construção da agenda de expansão do tempo escolar no interior da Fundação Itaú


Social e do CENPEC.

O CENPEC e a Fundação Itaú Social são as principais organizações da sociedade


civil, representantes do capital financeiro, presentes na definição e redefinição da política de
ampliação do tempo escolar. O Relatório anual da Fundação Itaú Social, produzido para
demonstrar as atividades do grupo no ano de 2016, apontou uma ampla rede de ações
desenvolvidas conjuntamente pelos aparelhos da holding Itaú Unibanco para promover esta
política.
O Prêmio Itaú-Unicef, criado em 1995, constitui-se em uma das principais estratégias
do Itaú Unibanco para expandir seu modelo de ampliação do tempo da escola e conformar os
trabalhadores “voluntários” dentro de sua visão de mundo. A partir dessa iniciativa, o
CENPEC e a Fundação Itaú Social, mapearam as “organizações da sociedade civil” que
atuavam no interior de escolas públicas em todo Brasil e garantiram a multiplicação do
número de intelectuais difusores de sua visão de mundo. O Prêmio faz parte do Programa
Educação e Participação, que se se estrutura em torno de duas ações consideradas
estratégicas: mobilização social e formação extensiva e sensibilizadora de agentes
locais/regionais para ações complementares socioeducativas. De acordo com a descrição do
197

CENPEC, a originalidade do programa estava no investimento em ações complementares à


escola (e não propriamente na escola), na crença de que crianças e adolescentes
“vulnerabilizados” pela pobreza necessitavam desenvolver e ampliar seu universo de
experiências culturais, lúdicas e socializadoras para conquistar acesso, permanência,
aprendizagem e participação escolar (Centro de Referência e Memória, Projeto: Prêmio Itaú -
Unicef 019).
Esta ação envolveu o reconhecimento e a conformação das agências e agentes que
atuavam no interior da escola pública brasileira, dentro da ideologia de que a escola precisava
abrir suas portas aos saberes da comunidade, deveria estabelecer parceria com instituições
fincadas na cidade e garantir a proteção social de crianças e jovens em situação de
“vulnerabilidade” social. Para a holding Itaú Unibanco, o Prêmio Itaú-Unicef foi fundamental
porque organizou o ativismo empresarial no interior da escola, atraiu novos funcionários para
viabilizar sua ação e serviu de balão de ensaio para as experiências de expansão do tempo
escolar por meio da ações complementares à escola. No ano de 2016, o CENPEC foi
solicitado pelo Fundo das nações Unidas para a Infância (UNICEF), para realizar o Projeto
Seminário de Educação Integral com a finalidade de estimular a reflexão e a divulgação de
experiências construídas a partir da escola ou da parceria desta com outras “agências formais
e informais de educação, cultura e proteção”.
A agenda da expansão do tempo escolar foi construída pelo capital financeiro, com
base nas diretrizes definidas na Conferência Mundial Todos pela Educação e no Encontro
Mundial de Cidades Educadoras. Os eventos foram realizados em 1990 e influenciaram uma
série de políticas públicas educativas em toda a América Latina. Segundo Moacir Gadotti
(2000), nas reuniões preparatórias da Conferência, cada agência defendeu um tipo de proposta
que se tornou complementar. A UNESCO priorizou o combate ao analfabetismo das
mulheres, tomando como bandeiras: a defesa da equidade, no lugar de igualdade; a
diversidade cultural e a formação do magistério. O UNICEF trabalhou com a bandeira da
“educação integral” e suas necessidades básicas. Segundo o autor, a partir de Joimtiem, a
educação passou a não ser mais identificada apenas com a escolaridade, pois apesar do
propósito quantitativo da Conferência de reduzir o analfabetismo no mundo, o UNICEF
tentou dar uma conotação qualitativa, abordando a qualidade de vida, de nutrição e de saúde
das crianças. O PNUD deu ênfase à ideia de que a melhoria dos índices de educação, tendo
em vista o crescimento econômico e o Banco Mundial, preocupou-se com o gerenciamento
dos recursos, insistindo na tese de que havia recursos para a educação, mas havia mau
aproveitamento (GADOTTI, 2000, p. 28).
198

Este consenso apontou para a satisfação das necessidades básicas das crianças e
jovens, incorporando uma nova perspectiva de aprendizado. Além da leitura, escrita,
expressão oral, calculo, etc, a escola deveria se preocupar com conteúdos considerados
básicos para os estudantes sobreviverem, melhorarem sua qualidade de vida, trabalharem com
dignidade, participarem do desenvolvimento, tomarem decisões fundamentais e continuarem
aprendendo, enriquecerem valores culturais e morais comuns. Para ampliar a educação, o
documento final produzido pela conferência orientou os países signatários a promoverem, da
maneira que lhes fossem mais adequada, cinco ações: universalizar o acesso à educação e
promover a equidade; concentrar a atenção na aprendizagem; ampliar os meios e o raio da
educação básica; proporcionar um ambiente adequado para a aprendizagem; fortalecer
alianças.
. O conjunto de medidas propostas no plano de ação apontou para a ampliação da
escola sem, no entanto, prever o aumento do número de vagas disponíveis nas redes de
ensino. Antes da criação de novas instituições, os países deveriam “construir sobre os
esquemas de aprendizagens existentes, reabilitar as escolas deterioradas, aperfeiçoar a
capacidade e as condições de trabalho do pessoal docente e dos agentes de alfabetização, pois,
segundo o plano de ação, estas medidas seriam mais rentáveis e produziriam resultados mais
imediatos que os projetos iniciados a partir de zero (DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE
EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990). As orientações também apontavam para o aumento de
trabalhadores na escola, por meio da adesão voluntária de grupos ou da comunidade,
sugerindo a incorporação de temas currículos escolares, que contribuíssem com a qualidade
de vida como nutrição, saúde, combate a Aids e para a cultura da paz. As ações deveriam
basear-se na premissa do diálogo entre múltiplas agências do governo, da “sociedade civil”
organizada e do mercado.
Em 1999, diversas entidades ligadas aos movimentos empresariais, representantes do
governo brasileiro e pesquisadores do campo da educação apresentaram a avalição dos
resultados da Conferência de Joimtien no Brasil, destacando mudanças no modo de formular e
executar a política brasileira. Em relação ao novo papel do Ministério da Educação, Maria
Aglaê de Medeiros Machado, Consultora do Conselho Nacional dos Secretários de Estado da
Educação (CONSED) destacou:

Rompimento do MEC com a tradição autoritária


O reconhecimento pelo MEC do esgotamento de um modelo de
relacionamento gerado no período autoritário, no qual as políticas eram
definidas verticalmente, bem como a falência das práticas de políticas
pontuais e desarticuladas e dos modelos de atuação unilateral do Estado,
199

entre outros, recomendava a emergência de uma atuação institucional,


compatível com os avanços democratizantes alcançados pela sociedade
brasileira. O MEC teve coragem e ousadia de romper seu isolamento, saindo
da torre e experimentando um novo formato de liderança na formulação das
políticas educacionais, pondo-se na condição de parceiro dos segmentos de
governo e da sociedade com os quais pudesse associar-se no esforço para
definir os rumos da mudança requerida no panorama da educação básica,
assegurando, de outra parte, mecanismos para a sustentação e continuidade
das políticas. (MACHADO, 2000, p.46)

Sem dúvida, a redefinição do papel do MEC na política educacional como indutor,


mas não executor da política educacional, foi uma das heranças da Conferência Mundial de
Joimtien. A atual política nacional de ampliação da jornada escolar vem sendo implementada
com base nesta estrutura descentralizada em que o MEC induz os programas de ampliação do
tempo da escola, através do Programa Dinheiro Direto da Escola, e a gestão dos programas
fica sob a responsabilidade dos municípios. A municipalidade vem assumindo encargos como
elaboração de diagnóstico, para identificar as necessidades da população, a elaboração dos
planos, a contratação dos trabalhadores e sua formação, a articulação com as escolas públicas
e etc.
Os acordos firmados em Joimtien foram assegurados pelo Estado ampliado brasileiro,
através da elaboração de um Plano Decenal para a Educação. A partir do encontro realizado
em Nova Delhi, em 1993, as frações dirigentes no Brasil organizaram, através do MEC, um
grande seminário internacional com a presença de vários empresários brasileiros, em que
definiu o Plano Decenal de Educação para Todos. Em 1997, o poder executivo apresentou ao
Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação (PNE) para dar continuidade a
implementação da agenda definida em Joimtiem, baseando-se nos princípios, definidos quatro
anos antes, no Plano Decenal de Educação para Todos. 54 Em função dos embates para
implementação do plano, o PNE só foi aprovado pelo governo Fernando Henrique Cardoso
quatro nãos depois, em 2001.
No mesmo ano em que a Conferência Educação Para Todos organizou o consenso
sobre as novas bases para a educação dos países da periferia do capitalismo, outro evento
internacional, realizado na cidade espanhola de Barcelona, serviu de anteparo para ampliação
da participação dos empresários e de seus aparelhos de hegemonia na escola: a Conferência

54
O PNE foi uma contraproposta do bloco no poder ao Plano Nacional de Educação, que ficou conhecido como
PNE proposta da Sociedade Brasileira, elaborado conjuntamente por cientistas, entidades acadêmicas,
estudantis e sindicais representantes de entidades ligadas aos movimentos sociais, em nível nacional e local, e
parcela da sociedade política , com base em principio opostos aos que foram impressos no PNE apresentado pelo
MEC.
200

Cidades Educadoras. O encontro culminou na redação do documento “Carta das Cidades


Educadoras” e o Brasil, mais uma vez, foi signatário55. A Carta foi revista no III Congresso
Internacional (Bolonha, 1994) e no congresso de Gênova (2004). Segundo os conferencistas,
foi redigida com base na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), no Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), na Declaração Mundial da
Educação para Todos (1990), na Convenção nascida da Cimeira Mundial para a Infância
(1990) e na Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (2001). O encontro ratificou a
ideia de que a escola não deveria ser considerada a única instituição responsável pela
educação e foi o ponto de partida para a difusão de um novo conceito de cidade educadora
que, posteriormente, impregnou os projetos de ampliação do tempo escolar e consubstanciou
o novo conceito de educação integral, defendido pelo capital financeiro. Os conferencistas
afirmaram preocupar-se com a fusão entre a etapa educativa formal com a vida adulta e com
os recursos “potencial formativo da cidade” e, no documento final do encontro, destacaram 20
princípios para uma cidade ser reconhecida como educadora. Dentre os princípios,
destacamos os que suscitam a relação direta entre a escola e a cidade.
Somando-se ao projeto de ampliação da educação formal, da incorporação de novos
“atores” e novos espaços da cidade e dos recursos da cidade à escola, o projeto de Cidade
Educadora caminhou no mesmo sentido da descentralização da educação para a esfera
municipal, por meio da responsabilização da “gestão” dos recursos para a educação, dando
assim, mais combustível ao debate sobre a reconfiguração do papel social da escola e da
reforma do currículo escolar. Neste contexto, o grupo Itaú, o CENPEC e o UNICEF passaram
a dirigir um conjunto de programas alinhados aos princípios de ambas as conferências
internacionais comprometidas com a recomposição do capital e com a concertação social.
Diante do grande número de trabalhos dirigidos pela tríade Itaú/ UNICEF e CENPEC,
selecionamos os estudos e manuais que serviram de referência para a construção do
paradigma de “educação integral” do grupo e que, posteriormente, foram utilizados como
apoio para a construção da política nacional de aumento do tempo escolar, materializada no
programa do governo federal “Mais Educação”.
Ao analisar a construção do conceito de “educação integral” pelo CENPEC, Paixão
(2015) dividiu o processo em duas fases: 1995-2002 e 2002 -2015. Na fase 1, a ideia de
educação estava relacionada a algo complementar ao tempo escolar; a fase 2 apresenta outra

55
A referida Carta foi ratificada em novo encontro internacional, ocorrido em Gênova, Itália, em 2004, quando
foi organizado o Movimento das Cidades Educadoras, cuja carta de princípios propôs a formação de uma rede
social educadora.
201

definição ao conceito de “educação Integral” como ação socioeducativa vinculada ao tempo


da escola. Para Paixão, o marco inicial da fase 1 seria a primeira edição do Prêmio Itaú Unicef
e o marco da fase 2 foi a 5ª edição do Prêmio com o título, Muitos Lugares para Aprender
(2003-2004). O conceito, então, foi sendo desenhado inicialmente com o foco na ação
complementar à escola para ação socioeducativa voltada para a aprendizagem. No entanto,
consideramos que os primeiros passos da tríade CENPEC/ITAÙ /UNICEF datam de dois anos
antes, com a divulgação de trabalhos que teriam materializado o Plano de Ações da
Conferência de Jomtiem (1990).
Na fase inicial da construção do projeto “educação integral”, o UNICEF e o CENPEC
selecionaram e divulgaram, em 1993, experiências de complementação do tempo escolar,
desenvolvidas em 15 municípios brasileiros de pequeno e médio porte, a partir de projetos que
demonstravam comprometimento com o Plano de Ação da Conferência Mundial Educação
para Todos. O material ganhou o nome de A democratização do ensino em 15 municípios
brasileiros e divulgou o trabalho de escolas que se destacaram na:

•A promoção de oportunidades de educação para crianças de 0 a 6 anos e a


busca de um início educativo mais justo;
•A universalização do acesso à escola e da permanência das crianças mais
vulneráveis à exclusão, como as provenientes de famílias de baixa renda, as
crianças trabalhadoras e de rua, as crianças no meio rural e as portadoras de
deficiência; a melhoria das condições da escola e do ensino,
•A diminuição da repetência e da evasão, buscando adequação das condições
físicas da rede, a disponibilidade de insumos pedagógicos, escolas com
pedagogias ativas e participativas, redes que ofereçam maior tempo e
oportunidades de aprendizagem e que mudem sua prática de avaliação
respeitando as diferenças no ritmo de aprendizagem;
•A valorização do professor, assegurando seu status como profissional
(carreira e estatuto do magistério), assim como permitindo sua habilitação,
profissionalização e capacitação permanente;
•A democratização da gestão escolar com participação da com unidade para
fortalecê-la como o centro das decisões;
•A modernização dos sistemas de gestão, visando a desconcentração e a
descentralização do sistema educacional, e a criação de um sistema
avaliativo dos vários segmentos administrativos e do ensino de modo a se
detectar necessidades de formação, reciclagem e apoio técnico das equipes; o
desenvolvimento de uma adequada articulação União/Estado/ Município,
para uma gestão mais eficiente do sistema, assim como a ampliado das
parcerias com as comunidades locais, sindicatos, organizações não-
governamentais (ONGs), setor privado, etc;
•A criação de oportunidades educacionais para toda a população, no intuito
de aproveitar todos os recursos educacionais do município e ampliar seus
benefícios para todos. (CENPEC/ UNICEF,1993, p.12)

Algumas temáticas apontadas neste estudo seriam aprofundadas em múltiplos programas que
foram desenvolvidos pelo grupo Itaú, a partir da década de 1990. Sob o argumento de
202

“melhorar as oportunidades de aprendizagem” e garantir a permanência na escola dos


estudantes em situação e risco pessoal e risco social, o livro sublinhou a importância de
priorizar os investimentos na educação das crianças e a reinterpretação da bandeira de
universalização do ensino, agora restrita à universalização da aprendizagem dos setores da
sociedade que podem oferecer ameaça à “paz social”. O fomento à política de ampliação do
tempo da escola nas redes foi defendido a partir da adoção de currículos focados na pedagogia
ativa56, que tornaria a escola mais atrativa para os estudantes atendidos pelo programa. De
acordo com Demerval Saviani (1994, p.20) esta maneira de compreender a educação deslocou
o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento, do aspecto lógico para o
psicológico, dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processo pedagógicos, do professor
para o aluno, do esforço para o interesse; da disciplina para espontaneidade; do diretivismo,
para o não diretivismo; da quantidade para não qualidade; de uma pedagogia de inspiração
filosófica centrada na ciência lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada
principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. Ou seja, esta teoria pedagógica
considera que mais importante que aprender é o “aprender a aprender” (DELORS, 1996)
O trabalho de divulgação das experiências de complementação do tempo escolar
também destacou a necessidade de formação permanente dos professores que cada vez mais
passou estar atrelada aos programas de formação continuada, proporcionada por entidades
promotoras da “nova pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005). A bandeira da
democratização da gestão escolar, da modernização da administração escolar pela via da
descentralização e da participação das “ONG’s foram mencionadas como exemplos de
experiência bem sucedidas em escolas, sem discutir, no entanto, os fundamentos filosóficos
destes princípios, que logo se tornariam hegemônicos na política educacional dos países do
centro e da periferia do capitalismo. A conclusão do estudo foi que os avanços com a
universalização do ensino, na década de 1980, já haviam sido significativos e mesmo
identificando a escassez de recursos, confirmava a orientação do UNICEF de que o novo
desafio da educação para a década de 1990 não se restringia à quantidade de escolas e sim, à
mobilização por uma escola de qualidade que garantisse a permanência do aluno na escola
A partir de 1994, a tríade ITAÙ /CENPEC/UNICEF reuniu estas bandeiras da defesa
da permanência de crianças e jovens na escola, da descentralização da política educacional,

56
A metodologia de ensino ativa, que caracterizam o movimento escolanovista, ou a escola ativa afirma-se como
contraponto da pedagogia tradicional, dando destaque ao aluno como protagonista do processo de construção do
conhecimento. Neste paradigma o aluno é o principal agente responsável pela sua aprendizagem. Este
movimento que nasceu ao final do século XIX compreende a educação enquanto um instrumento de correção
da” marginalidade”, ou seja, enquanto fator de equalização social que cumpre a função de ajustar, de adaptar os
indivíduos à sociedade.
203

democratização da gestão escolar e da pareceria da escola com a “comunidade” na agenda


para a ampliação do tempo escolar que esteve atrelada à proteção social dos estudantes em
situação de vulnerabilidade. A aliança entre o grupo Itaú e o Unicef tornou-se ainda mais
sólida, culminando no programa Educação e Participação que passou a operacionalizar um
conjunto de táticas, que inclui o Premio Itaú –Unicef. Com esta ação tática, a tríade Itaú
/Unicef/CENPEC aproximou-se mais assertivamente das agência e agentes dos governos
estaduais e municipais; de organizações e da comunidade que já desenvolviam ou trabalho em
escola e de setores do campo acadêmico que discutiam a ampliação do tempo escolar a
educação integral
O Guia de Ações Complementares, publicado em 1995, foi um dos primeiros materiais
de orientação, dirigido pela tríade para influenciar a política de ampliação do tempo escolar
nos municípios do país. Os alvos foram os administradores, os técnicos, os professores e as
pessoas que realizavam ou, pretendiam realizar, trabalhos em escola. O material foi elaborado
para induzir os governos municipais e estaduais a criarem um plano municipal de assistência
social para a infância e juventude. A escola voltada para atendimento das “questões sociais”
também está inscrita na reestruturação do modelo de gestão da política para infância e
juventude, que ocorreu logo após aprovação do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), em
1990. A partir da aprovação do ECA, as políticas para a infância também foram restruturadas
nos princípios da descentralização e da participação de organizações privadas. Desde então, o
governo federal passou a coordenar e estabelecer normas gerais e os governos estadual e
municipal passaram a planejar e executar as ações de atendimento em conjunto com
organizações da sociedade civil. O novo modelo de gestão das políticas para infância e
juventude estimulava fortemente a entrada de organizações ditas do terceiro setor, para
viabilizar o estatuto, através de prestação de serviço.
O manual ainda não portava uma reflexão teórica sobre a concepção de “educação
integral” da holding Itaú Unibanco57. O prisma da proteção social estruturava os programas
voltados para garantir permanência de estudantes em situação de “risco” na escola, através de
atividades complementares desenvolvidas no contraturno escolar. As orientações para
construção de uma plano municipal de assistência para este segmento da população
compreenderam: à construção do diagnóstico da situação local, formas de envolver os pais
nas ações, sugestões de espaço físicos e recursos materiais a serem ocupados, procedimentos
para obtenção de verbas públicas e privadas, modelo de solicitação de recursos, lista de

57
Em 1995 os grupos Itaú e Unibanco ainda não haviam fundido os empreendimentos bancários.
204

agências financiadoras, avaliação do programa e dos resultados. As seguintes afirmativas


foram destacas como lição do encontro: “1- Se quisermos educação de qualidade para todos,
temos que ter todos pela qualidade da educação; 2º- se quisermos melhorar e ampliar a oferta
de educação teremos que melhorar a demanda por educação básica no Brasil”
(CENPEC/ITAÙ/UNICEF, 1995, p12). Ampliar deveria envolver a concepção de regresso e
permanência na escola:

A segunda lição nos mostra que não basta trabalhar apenas do lado da oferta
das vagas da educação básica. O desafio agora é qualificar a demanda. A
noção corrente em nossa sociedade é de que o direito a educação consiste em
vaga na escola. Devemos fazer ver a todos os nossos patrícios que o direito à
educação é muito mais que vagas na escola. O novo nome do direito à
educação deverá ser ingresso, regresso, permanência e sucesso de todas as
crianças na escola. (Idem, 1995, p.12)

Embora o grupo defendesse, naquele momento, que as ações completares fossem


realizadas na escola para garantir a permanência dos jovens e estudantes nestes espaços,
defendiam categoricamente que os projetos não poderiam reproduzir as atividades da escola
formal.

Todo e qualquer Programa Complementar, portanto, deve ter uma proposta


educacional coesa, visando proporcionar as crianças e jovens a oportunidade
de adquirir conhecimento, habilidades, atitudes que favoreçam sua
permanecia e sucesso na escola. Desde o início os organizadores do
programa deve também estabelecer uma organização estreita e sistemática
com a/s escola/s frequentadas por sua clientela, de modo assegurar uma ação
integrada. No entanto, a proposta educacional das ações complementares não
podem reproduzir, nem replicar a escola formal, visto que oferece atividades
de outra natureza. Mais do que transmitir conhecimentos específicos, os
programas buscam desenvolver valores e atitudes, promover a solidariedade
e a capacidade criativa, valores e atitudes positivas frente ao conhecimento e
a vontade de aprender sempre mais. As atividades oferecidas pelos
programas devem incentivar o conhecimento da tecnologia, levando as
crianças e jovens a buscar melhor sua própria qualidade de vida. Aprender a
tomar decisões, construir relações afetivas saudáveis e reconhecer-se como
sujeitos ativos e participantes dentro do seu grupo social. É na proposta
educacional que a equipe explicita esses valores e atitudes que pretendem
fornecer. (CENPEC, 1995, p59)

O projeto embrionário de ampliação do tempo escolar do Itaú e de seus aparelhos, em aliança


com o UNICEF, centrava-se na perspectiva de aprendizagem calcada na difusão de valores,
atitudes e desenvolvimento de habilidades, conforme as orientações definidas no encontro de
Jomtien (1990) e aprimoradas no relatório Jacks Dellor (1996). A educação e o
desenvolvimento das potencialidades dos estudantes, tratados como clientela, não dependeria
da construção de novas instalações que possibilitassem a permanência de todos os alunos na
205

escola e promovessem espaços adequados ao ensino, aos esportes e à cultura como


laboratórios, sala de seminários, auditórios, piscinas, quadra de esportes, bibliotecas, salas de
informática, etc. As ações implementadas no contraturno da escola deveriam ser feita com o
mínimo de investimento material e pessoal, conforme indica o guia:

É importante que as modalidades esportivas oferecidas tenham significado


para a clientela a que se destina e utilizarem o mínimo de recursos humanos
disponíveis na comunidade – a quadra de esportes da sociedade amigos do
bairro, o espaço do clube, um terreno disponível e etc. os educadores podem
ser moradores do local, desde que tenham domínio mínimo da modalidade
da escola. As empresas situadas envolvidas pelo programa, fornecem
monitores espaços físicos, recursos materiais, etc. (CENPEC, 1995, p. 67)

Sobre a organização do espaço e dos materiais, o Guia assegurava aos dirigentes municipais
que o programa de ações complementares para alunos “desfavorecidos” fosse feito em
pareceria com a comunidade local, evitando gastos com investimentos em infraestrutura:

Quando dirigentes de órgãos públicos o de organizações provadas se


propõem a desenvolver um trabalho de atendimento às crianças e
adolescentes das classes desfavorecidas, é comum associar essa ideia a
construção de prédios e edificações. No entanto, essa não é uma condição
necessária para o desenvolvimento de um bom trabalho de cunho social
cultural. Com uma boa dose de imaginação e criatividade aliada a
racionalidade, é possível encontrar alternativas que além de representar uma
economia de investimentos, podem redundar num maior envolvimento da
sociedade na busca de soluções para problemas. (Idem, p.97)

Os espaços e ambientes também poderiam ser adaptados para acomodar os estudantes


inscritos no programa que precisariam de “condições mínimas” de conforto para a
permanência na escola:
Adaptando o espaço existente:
Como proceder para localizar um espaço já existente que possa servir aos
objetivos do programa? O primeiro passo é fazer um mapeamento dos espaços
comunitários existentes em cada localidade para identificar e localizar quais
estariam em condições de abrigar os programas em vista: salão paroquial, galpão
vazio, salão da associação amigos do bairro, salas ociosas em escolas,
sindicatos, clubes esportivos e etc. podem perfeitamente ser utilizados pela
escola é importante verificar o fornecimento de água potável, a necessidade de
adaptar banheiros e chuveiros, bem como providenciar espaços para prepararem
a merenda, de forma proporcionar condições mínimas para o conforto, tanto da
clientela quanto dos profissionais. (Idem, p.97)

Os executores das ações deveriam ser selecionados em função do seguinte perfil:


“gostar de crianças e adolescentes e saber se relacionar bem com eles; ter disposição tanto
para trabalhar como ter tato para trabalhar com pessoas das camadas menos favorecidas; ser
paciente e saber tratar o outro com respeito”. (CENPEC, 1995, p.97). Ainda não havia
206

qualquer indicação de qualificação mínima para o trabalho na escola, a proposta de seleção


dos trabalhadores voluntários apontavam apenas para critérios que garantiriam o bom
relacionamento entre “voluntários” e os estudantes. Embora apontasse a “parceria” com as
“ONG’s” especializadas na assimilação de trabalhadores voluntários, como alternativa para a
montagem da equipe, esta orientação prática ainda não tratava esta modalidade de
recrutamento como prioritária. Os dirigentes municipais poderiam formar a equipe através de
indicações da própria comunidade, convênio com universidades parceiras e prestadores de
serviços voluntário temporário. Para garantir que todos se alinhassem ao projeto definido no
plano Municipal e comungassem sobre os mesmos valores, todos deveriam passar por cursos
de capacitação promovidos pelas secretarias com auxílio do CENPEC.
Esse material de educação pedagógica do capital financeiro, destinado aso dirigentes
municipais, integrou o programa Educação e Participação, que expressa o entendimento de
que “as crianças vulnerabilizadas pela pobreza necessitam de experiências culturais, lúdicas e
socializadoras para conquistar acesso, permanecia de participação na escola”
(memora.Cenpec.org.br).

5.2- Ações da Fundação Itaú Social e do CENPEC para a organização do consenso na


sociedade sobre a ampliação do tempo escolar

Além do trabalho de pesquisas sobre o tema da educação de tempo integral, a


Fundação Itaú Social e o CENPEC desenvolveram um conjunto de ações voltadas para
“mobilização social” e para a formação de agentes com atuação nas escolas, destinadas às
frações da classe trabalhadoras mais prejudicadas pelo sistema.

Figura 2: Mapa da atuação da Fundação Itaú Social/CENPEC/UNICEF sobre o campo


da educação de tempo integral

Programa Educação e Raízes e Asas


Projeto Tecendo Participação
Redes para 1994
Educação Integral Itaú/CENPEC/UNICEF
2007

Premio Itaú
Seminário Unicef
Guia de Ações
Tecendo redes Gestores de Complementares à 1995
para a Educação
Fonte: Aut Aprendizagem escola
Integral Socioeducativa 1995
1995
2006 2001
207

Fonte, autora, 2019

Como já foi dito, o prêmio Itaú Unicef é um dos mais importantes e mais longevos
projeto do programa Educação e Participação. O Prêmio ampliou a capacidade do capital
financeiro em identificar e trazer para seu campo-ação um número expressivo de “ONG’s que
desenvolviam projetos socioeducativos em escolas públicas. Entendendo a ampliação de
tempo escolar como a chave para consolidar a “ação social empresarial” no interior da escola
pública brasileira o grupo Itaú, antes mesmo da fusão com o banco Unibanco, investiu em
mais esforços para estreitar a aliança com as “ONGs” e conformar seus integrantes e seus
gestores dentro de seu projeto. Ao final da década de 1990, o CENPEC produziu uma série de
dirigidos às organizações ditas do ‘Terceiro setor”: ONG sua função Social (1997), ONG:
tendências e necessidades; ONG, Nós, você e sua equipe (1998); ONG parceira da escola
(1998); ONG sua ação mobilizadora, ONG: Identidades e mutações (1999), ONG: espaços
de convivência (1999), ONG: Parceira da família, ONG e esportes: a cidadania entrando em
campo, ONG: a arte ampliando possibilidades (2000).
Para Paixão (2016, p119), a fase em que o CENPEC trabalhou com foco na ação
complementar à escola corresponde ao momento em que a política do Governo de Fernando
Henrique Cardoso concentrou-se na priorização do ensino Fundamental, visando ampliar a
permanêcia das crianças e adolescentes na escola para reverter o quadro de exclusão
educacional desta faixa etária, seguindo as orientações da conferência de Joimtien (1990).
Para a pesquisadora, a ação do CENPEC foi complementar a esta política de combate a
evasão escolar. A partir dos anos 2000, o grupo Itaú e, posteriormente, a holding Itaú
Unibanco passou a denominar seu projeto para a disputa da ampliação da escola pública
brasileira de “educação integral”. Neste ínterim, o Premio Itaú Unicef tornou-se o principal
canal de difusão do projeto pedagógico do grupo Itaú, como definem em um de seus materiais
de divulgação do projeto:

Ao longo de seus anos de existência, o Prêmio Itaú-Unicef acompanhou as


demandas da sociedade e dessa forma deixou de falar em ações
complementares à escola para sinalizar em uníssono com as forças vivas
societárias a reivindicação por uma educação integral. Ou seja, uma
educação integral que não compartimenta intencionalidades nem fragmenta
os aprendizados e pode compartilhá-los com organizações da sociedade civil
e demais serviços públicos como os de cultura, esporte, meio ambiente. Com
direção mais propositiva, integrou novos parceiros como a Undime, o
Congemas, o Consed e o Canal Futura 6. Foi assim que o Prêmio Itaú-Unicef
com seus novos parceiros assumiu papel indutor na introdução da educação
integral na agenda pública. Envolveu um vasto conjunto de organizações da
sociedade civil, avaliadores regionais, universidades, mobilizados em
208

eventos de análise e premiação de práticas, de seminários nacionais, da


formação de agentes, produção de pesquisas e de publicações voltadas a
socializar, adensar e disseminar um debate tão caro à política educacional
brasileira. (FUNDAÇÃO ITAÙ –UNICEF, 2011, p.10)

Entre 1999 e 2000, o Unicef solicitou ao CENPEC a organização de um projeto


denominado Seminário de Educação Integral, com o propósito de “estimular as reflexões e
divulgação de experiências em “educação integral”, construídas a partir da escola ou da
articulação desta com outras agências formais e informais da educação, cultura e proteção”
(Centro de Referência e Memória, CENPEC, Projeto Subsídios para Educação Integral –
050). O Projeto teve início com uma pesquisa sobre os debates acerca da “educação integral”
em três universidades: PUC/SP, USP e Unicamp. A pesquisa se concentrou no levantamento
de livros, artigos, dissertações e teses produzidos a partir da década de 1990. Posteriormente,
o projeto visitou quatro organizações finalista do Prêmio Itaú Unicef que desenvolviam
trabalhos escolas públicas de São Paulo.
Além de dirigir a pesquisa e a visitação das entidades, realizou três oficinas nas suas
dependências com a participação de intelectuais especialistas no tema “educação integral”,
sob a ótica da proteção social. A culminância do Projeto foi a realização do Seminário de
Educação Integral, que debateu os supostos avanços e supostos entraves teóricos e práticos
para a implementação de uma agenda pública de “educação integral”. Conforme relatam em
seu acervo de projetos, memória.cenpec.br, o evento teve a duração de dois dias com um
público de 200 participantes. O Seminário contou com os seguintes expositores: Maria Alice
Setúbal com a palestra: “Panorama da Educação no Brasil hoje - A LDB e o Novo Plano
Nacional de Educação”; Isa Guará: “ A articulação das ONGs e a escola”; Bernardo Toro: “O
saber social e os diferentes contextos de aprendizagem; Antônio Carlos Gomes da Costa:
Educação Integral no espelho do direito da infância e da adolescência; Rosa Maria Torres;
“comunidade da aprendizagem e Maria das Mercês Ferreira Sampaio: “Escola ampliando os
espaços de inclusão”.
A aliança estratégica entre o grupo Itaú e o UNICEF também gerou o projeto Gestores
da Aprendizagem Socioeducativa que, assim como o Prêmio Itaú Unicef, pertencia ao
Programa Educação e Participação. O Projeto voltava-se para a formação de profissionais
das “ONG’s” e das secretarias municipais de assistência social e educação, e foi criado a
partir do estudo sobre o perfil das “ONG’s” inscritas no Prêmio Itaú- Unicef. Os empresários
já vinham investindo na formação dos gestores das entidades ditas do “Terceiro Setor”, com o
objetivo de aprimorar as técnicas de gerenciamento administrativo e garantir a
“sustentabilidade” dos projetos. Com a direção do CENPEC, passaram a investir na formação
209

dos “agentes educadores”, garantindo uma ligação orgânica desses voluntários com projeto de
educação do grupo. O Projeto Gestores da Aprendizagem Socioeducativa entrou em fase
experimental, em agosto de 2002, até setembro de 2003. A primeira formação ocorreu no
município de São Paulo e no estado de Goiás, onde envolveu dez municípios. Posteriormente,
o projeto avançou para as cidades metropolitana de Curitiba e Belo Horizonte e para o estado
de São Paulo. Em 2003 o projeto contemplou também a formação de técnicos do poder
público. Após difundir seu projeto para expansão do tempo escolar entre os agentes da
política educacional, o grupo Itaú compreendeu que para disputar a direção da política
pública, em nível nacional, era necessário disputar a hegemonia sobre a concepção de
“educação integral” também no meio acadêmico.
Em 2003, a Fundação Itaú Social, o UNICEF e o CENPEC, através do Programa
Educação e Participação, publicaram o livro Muitos lugares para Aprender (2003), composto
por uma coletânea de textos escritos por intelectuais orgânicos do projeto educativo do capital
financeiro e intelectuais convidados, que, de certa forma, aproximavam-se da perspectiva de
“educação integral” defendida por eles. Os artigos selecionados incidem sobre o debate de
ações complementares à escola, alinhando de maneira mais direta, a concepção de proteção
social à aprendizagem e de educação para além do espaço e dos profissionais da escola. Na
apresentação do livro, cada uma das instituições destacou sua mobilização pela ampliação do
tempo escolar, dentro desta perspectiva que resinificou o conceito de educação integral, ao
longo da década de 1990. Apesar de estarem organicamente ligadas por laços familiares, pela
fonte de investimento financeiro e por defenderem o mesmo projeto societário, os aparelhos
Fundação Itaú Social e CENPEC reafirma-se como instituições distintas e autônomas,
interessadas na melhoria da educação e da qualidade de vida das crianças e dos jovens. O
livro reuniu os seguintes trabalhos:

Quadro14: Resumo do Livro: Muitos lugares para aprender (2003)

Título do artigo Autor Instituição Temática


Ações Equipe Educação e CENPEC
Complementares à Comunidade
escola
O Direito da Infância e Reinaldo Bulgarelli FGV/SP Discute “novas”
da Adolescência Professora da formas de se fazer e
Unicampr pensar a política social
Professor do Instituto para crianças e
Palas Athena, adolescentes,
Sustentare (Joinville) e considerando de que é
Fundação Dom preciso “reorganizar a
Cabral. sociedade “ em torno
210

Foi membro do do direito da criança e


UNICEF dos jovens. Destaca a
diretor da Fundação Participação de
BankBoston, diretor empresários e das
da Secretaria do fundações nesta
Menor do Estado de questão
São Paulo e um dos
fundadores do
Movimento Nacional
de Meninos e Meninas
de Rua, em 1985.
Educação e Proteção Isa Maria Ferreira Assessora de Destaca a centralidade
Social e muitos Guará Coordenação do da educação para
espaços para aprender CENPEC e vice melhoria de
presidente indicadores sociais e
do Conselho “superação da
Consultivo da pobreza”. O artigo
Fundação menciona que o tempo
Abrinq pelos Direitos dedicado a educação
da Criança. estava a quem do
necessário. Destaca a
necessidade de
parceria entre os
governos, as empresas
e as organizações da
sociedade civil
O Público alvo das Equipe Educação e CENPEC Define o perfil do
ações completares à Comunidade público alvo dos
escola projetos
Fome de Felicidade e Bader Bulhan Sawai Coordenadora Defende que para
liberdade do Núcleo de Estudos superar a banalização
Psicossociais da do sofrimento da
Inclusão/ população pauperizada
Exclusão (NEXIN) da as escolas e as ONG’
PUC-SP, devem atuar em
coordenadora e parceria para
professora do promover um espaço
Programa de Estudos acolhedor e a
Pós Graduados “pedagogia do afeto”
em Psicologia Social
da PUC-SP
Direitos sociais afinal Vera Telles Professora da USP Discute o papel do
do que se trata Estado na politica
social, reconhecendo
que o mesmo tem o
papel de organizar e
universalizar aquilo
que é feito no plano da
sociedade.
A concepção e Equipe Educação e CENPEC Aborda a concepção
aprendizagem das Comunidade de aprendizagem,
ações complementares defendida pelo
à escola UNICEF e os
múltiplos espaços para
o aprendizado
A educação em função Rosa María Torres Foi ministra da
do desenvolvimento Educação no Equador
211

local e da e esteve à frente de


aprendizagem cargos importantes em
organismos
internacionais, como a
Organização das
Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco),
Aprendendo na escola Mário Sérgio Cortella Profesor titular da
e na ONG PUC/ SP
Professor convidado
da Fundação Dom
Cabral
Desafios para o nosso Frei Betto ocupou a função de
empenho educativo assessor especial do
presidente da
República Luiz Inácio
Lula da Silva entre
2003 e 2004. Foi
coordenador de
Mobilização Social do
programa Fome Zero
Narrativas de Maria Cristina Rocha Psicóloga da USP e
aprendizagem colaboradora do
CENPEC
Fonte: autora ,2019

Na seção dedicada às ações complementares à escola, a coordenadora do CENPEC,


Isa Guará, defendeu a ampliação do tempo escolar apenas para a formação do estudante mais
“pauperizado”, a partir da parceria da escola com as “ONG’s”. Nesse artigo, Guará sublinhou
a importância da unidade entre a dimensão do cuidado com as dimensões pedagógicas para
proporcionar o que chamou de desenvolvimento integral das crianças e jovens pobres. Na
visão da autora: “a precariedade da situação social, emocional e econômica da população mais
pauperizada exige atenção socializadora e zelo afetivo; exige um tipo de cuidado que ajude a
moldar o movimento de emancipação, e não a dependência dos sujeitos da ação” (GUARÁ,
2003, p.39). Na perspectiva da intelectual do CENPEC, a escola deveria ampliar seu tempo
com a finalidade de proporcionar à crianças e jovens vulneráveis o controle emocional e
sentimental e a convivências harmônica em sociedade.
Concordamos com Laval (2004) quando afirma que essa “pedagogia inovadora”,
defendida pelos organismos internacionais (e pelo complexo pedagógico do capital financeiro
no Brasil) trabalha sob a ótica de uma nova ordem educativa mundial, em que os saberes
escolares propriamente ditos foram considerados inúteis e antidemocráticos, tornado
desnecessário estabelecer as possibilidades dos alunos acessá-los. Este projeto não visava o
estabelecimento de meios para que os alunos acessassem as bases cientificas e as
manifestações culturais da sociedade, o que de fato permitiria a emancipação política e
212

cultural dos estudantes. Conforme lembra Laval (2004), o projeto parte do que é de interesse
imediato dos estudantes em função de seus meios, sua condição de vida, de seus desejos, de
seus destinos profissionais. Assim como em outros trabalhos desenvolvidos pela tríade
CENPEC/ Itaú/UNICEF, Guará (2003) apontou a educação “integral” das crianças e através
da integração entre a escola e outros espaços, como desfio dos novos tempos:

O desafio dos novos tempos é o da construção das novas estruturas que


sustentarão os sistemas educativos, articulando na prática a malha de
serviços e de projetos necessários para garantir que a criança e o jovem
possam desenvolver-se integralmente. A cooperação entre os vários espaços
e processos de educação pode ser um motor importante para ultrapassar os
obstáculos ao acesso, à permanência e ao sucesso escolar e para melhorar a
qualidade da aprendizagem e a qualidade de vida das crianças e adolescentes
brasileiros. (GUARÁ in: CENPEC/Fundação Itaú Social /UNICEF, 2003,
p.45)

Na seção que aborda o público alvo das ações complementares, a equipe de comunicação e
comunidade do CENPEC destacou os critérios para escolha das escolas e dos estudantes:

Consideramos o público-alvo das ações complementares, as crianças e


adolescentes em idade de escolarização, cursando ou não a escola, filhos de
famílias moradoras em comunidades vulnerabilizadas economicamente.
As comunidades onde vivem essas crianças e adolescentes,
independentemente de sua localização (rural, pequenos ou grandes centros
urbanos), na maior parte das vezes, não oferecem acesso a: sistemas de
saneamento básico e de energia eficientes; serviços de saúde de qualidade;
moradias adequadas; escolas com boas condições físicas e materiais e
investimento satisfatório tanto na formação, como na remuneração dos
profissionais responsáveis pela tarefa educacional. (idem, p.46)

Nesta perspectiva, a escola deve ser o esteio de toda a comunidade, que privada de
condições básicas de sobrevivência, encontra na escola o apoio para amenizar os efeitos da
pobreza. A escola foi (e ainda é) uma instituição pública utilizado para o atendimento “a
conta-gotas” das demandas sociais, como pondera Algebaile (2013). Não se pretende negar
que a escola possui uma função social para além de sua função prioritária de formar as novas
gerações a partir da difusão dos conhecimentos socialmente produzidos pela humanidade. No
entanto, compreendemos que a concepção corrente sobre a função social da escola tem
transformado esta instituição no centro de referência para realização de políticas sociais com
caráter universal e compreendidas como direito social e que não podem ser realizadas como
arremedos. A redefinição do papel social da escola, portanto, está em estreita sintonia com o
debate sobre redefinição do “Estado Providencia” (ROSAVALLON, 1998) que ao mesmo
213

tempo em que reconhece a importância do Estado para promover a coesão social, propõe sua
reconfiguração com vistas a envolver a sociedade e diminuir “despesas” com políticas sociais.
A dimensão afetiva do trabalho pedagógico foi considerada estratégica para inclusão dos
alunos “vulneráveis” à escola. Defendendo a ideia de que a escola é reconhecida por mães e
estudantes pobres como fonte de sentimentos negativos e, ao mesmo tempo, como única
esperança de tirar as crianças das ruas, a socióloga Bader Bulhan Sawai sublinhou a
“pedagogia do afeto” como método eficaz contra a banalização do sofrimento do estudante
em situação de “exclusão social”:

O AFETO COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA


O sofrimento ético-político, ao apontar as necessidades afetivas e
emocionais dos excluídos, revela o lado perverso da inclusão que é o da
exclusão integrativa, aquela que inclui para excluir, que acolhe as diferenças
para administrá-las, que precisa da tristeza e da impotência para se
reproduzir, aquela traduzida exclusivamente por indicadores sócio
econômicos. Na área da educação, por exemplo, a “aprovação automática”
diminui o índice de evasão escolar e a educação inclusiva, por sua vez,
coloca todas as crianças na escola, alegando a “aceitação das diferenças”.
Mas, para melhorar a qualidade dessa inclusão, é preciso conhecer o sentido
de tais ações, saber como elas afetam as crianças. Daí a importância de se
perguntar: a escola colabora com a superação do sofrimento ético-político ou
o reproduz às avessas? Ela está potencializando essas crianças para aumentar
sua capacidade de agir e de interagir com os outros ou para a heteronomia?
Não se pode esquecer que “potencializar” pressupõe o desenvolvimento de
valores éticos na forma de sentimentos, desejos e necessidades, tendo em
vista a superação do sofrimento ético-político. (SAWAI in:
CENPEC/Fundação Itaú Social /UNICEF,2003, p. 58)

A categoria “sofrimento ético político, criada pela autora, vem sendo usada para
explicar o sofrimento de ordem estrutural e não individual, proveniente de desajustamentos e
desadaptações, mas um tipo de sofrimento determinado exclusivamente pela situação social
da pessoa. Embora faça críticas às políticas que aprofundaram a exclusão social em nome da
inclusão nas escolas, a autora contribui com seu arcabouço teórico para valoração do projeto
que superdimensiona a dimensão emocional em detrimento da dimensão racional. Apesar de
demonstrar cautela para evitar o que chama de “política da felicidade e da autoestima” e
apostar no estímulo a uma vontade de ação coletiva e o desejo de liberdade e felicidade
públicas, a autora aponta que o educador, em parceria com as “ONG’s”, deve priorizar a
educação por meio da afetividade:

A escola e as ONGs devem procurar transformar a sala de aula ou de


atividades em espaço de bons encontros, que favoreçam a potência de
aprendizagem e a aquisição de habilidades requeridas pelo desenvolvimento
individual e também para expansão desse. A opção pelas relações,
intersubjetividade e ideia de coletividade procura evitar que a criança e o
214

jovem tornem-se insensíveis ao próprio sofrimento e ao do outro. É


importante que o educador fique atento aos padrões impostos pela política da
afetividade (como, por exemplo, a moda da autoajuda), e que os avalie
constantemente. Precisamos, antes de tudo, olhar a criança de outro lugar
que não o da dominação e sujeição e da competência e incompetência.
Questionar a nossa concepção de homem e fazer opções teóricas e
pedagógicas que priorizem a felicidade e a liberdade como condição
humana. (Ibdem , p. 62)

Na seção de trabalhos dedicada ao tema da aprendizagem, a ex-ministra da educação no


Equador, Rosa Maria Torres, ratificou a ideia de que a única forma de assegurar a expansão
da educação é pelo caminho da mobilização social, e endossou a tese de que a escola não
possui uma função em si devendo, portanto, dar conta da qualidade de vida das pessoas, das
famílias, do desenvolvimento comunitário e do desenvolvimento nacional. A autora, que
difundiu a noção de aprendizagem apresentada na Conferência Mundial de educação para
Todos e nos documentos da Unesco sobre educação, evidencia o conceito “Comunidade de
Aprendizagem” para defender uma suposta ampliação da comunidade escolar e da cultura dos
estudantes. O quadro abaixo, produzido por Torres, expressa sinteticamente a noção de
“Comunidade da Aprendizagem”.

Quadro 15: Definição do conceito “Comunidade da Aprendizagem”


DE PARA
Comunidade Escolar Comunidade de Aprendizagem Crianças
Crianças e jovens aprendendo Crianças, jovens e adultos aprendendo
Adultos ensinando crianças e jovens Aprendizagem entre gerações e entre pares
Educação escolar Educação escolar e extra –escolar
Educação formal Educação formal, não-formal e informal
Agentes escolares (professores) Agentes educativos (professores e outros
sujeitos que assumem funções educativas)
Agentes escolares como agentes de mudança Agentes educativos como agentes de mudança
Alunos como sujeitos da aprendizagem Alunos e educadores como sujeitos da
aprendizagem
Visão fragmentada do sistema Visão sistêmica e unificada do sistema escolar
(por níveis educativos) escolar (desde a
educação pré-escolar até a educação superior
Planos institucionais Planos e alianças interinstitucionais
Inovações isoladas Redes de inovações
Rede de instituições escolares Rede de instituições educativas
Projeto educativo institucional (escola) Projeto educativo comunitário
Enfoque setorial e intra-escolar Enfoque intersetorial e territorial
215

Ministério da Educação Vários ministérios


Estado Estado, sociedade civil, comunidade local
Educação permanente Aprendizagem permanente
Fonte: (TORRES in: CENPEC/Fundação Itaú Social /UNICEF, 20032003, p.88)

O conceito de “Comunidade da Aprendizagem” se baseia no paradigma de que o


Estado e a sociedade civil ocupam esferas distintas, sendo a primeira o lugar de paralisia das
inovações e da cultura obsoleta e o segundo, o reino harmônico e portador dos novos códigos
da “pós modernidade”. O Estado e a escola formal, a ele subordinada, é caracterizado pelo
atraso, pela falta de diálogo, pelo isolamento, pelo autoritarismo de seus agentes, etc,
enquanto a sociedade civil e a comunidade, portadoras da cultura “útil”, reúnem as qualidades
necessárias para responder às demandas do mundo globalizado. Nesta lógica, a sociedade
civil e a comunidade assumem o papel de educador, seguindo a perspectiva da aprendizagem
premente. Segundo Laval (2009, p.46), a noção de “aprendizagem ao longo da vida” sugere
que o ensino escolar é apenas uma “formação inicial”, ou seja, uma etapa preparatória para a
formação profissional que será proporcionada pelas empresas. A escola seria importante para
assegurar um tipo de acumulação primitiva do capital humano e proporcionar uma base de
competências necessária ao trabalhador polivalente e flexível.
A pedagogia do “aprender a aprender” foi reforçada por Maria Cristina Rocha,
supervisora do Estágio em Psicologia do Instituto de Psicologia da USP no artigo intitulado:
“Narrativas de aprendizagem”.

E assim, vive-se aprendendo e aprende-se vivendo. O afetivo e o cognitivo


integrados. As visões de cada um valorizadas. Não podemos esquecer que
refletem a visão de alguém singular, porque não há uma pessoa igual a outra,
e plural, por sermos todos iguais, seres humanos, terráqueos... até prova em
contrário!! Toda experiência relatada, portanto, é uma interpretação
individual e uma representação coletiva, revelando as várias facetas do
processo de aprendizagem. Aprendizagem significada em cada gesto,
palavra, reflexão, discordância, argumentação, descompasso, dúvida. Trazer
o educador para o lugar de aprendiz, sem negar sua ludicidade, é facilitar
uma vivência integrada dos deslocamentos constantes e inevitáveis entre
educador e educando. Ninguém aprende sozinho... nem ensina. Ninguém é
só educador... nem só educando. Se o conhecimento inclui as experiências e
afetividades, todos temos muito a ensinar e aprender (ROCHA in:
CENPEC/Fundação Itaú Social /UNICEF, 2003, p. 130)

Esta forma de compreender a aprendizagem, que hoje hegemoniza o debate sobre ensino e
aprendizagem e está no centro do projeto de ampliação do tempo da escola, estabelece uma
hierarquia valorativa na qual aprender sozinho está em um nível mais elevado do que a
216

aprendizagem resultante da transmissão de conhecimentos por alguém, como assegura Duarte


(2011). O autor, que se posicionou contrário a este princípio, considera ser possível uma
educação que fomente a autonomia intelectual e moral através da transmissão das formas mais
elevadas e desenvolvidas do conhecimento socialmente existente. Nesta forma de conceber a
aprendizagem, é mais importante o aluno desenvolver um método de aquisição, elaboração,
descoberta, construção de conhecimentos, do que esse aluno aprender os conhecimentos que
foram descobertos e elaborados por outras pessoas, ressalta o autor. Duarte (2011) também
critica o fato da educação estar inserida de maneira funcional nas atividades das crianças e da
nova educação, pautar-se no fato de que vivemos em uma sociedade dinâmica, na qual as
transformações em ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais provisórios,
tendo em vista a ideia de que um conhecimento que hoje é tido como verdadeiro pode ser
superado em poucos anos ou mesmo em alguns meses.
O grupo Itaú e seus aparelhos de hegemonia, que ao longo da década de 1990, haviam
dialogado com empresários, com representantes de secretarias estaduais e municipais e
representantes de organizações ditas do “Terceiro Setor”, na primeira metade dos anos 2000,
passaram a investir fortemente na difusão de seu projeto de ampliação do horário escolar entre
os intelectuais acadêmicos das universidades brasileiras. O conceito de “educação integral” do
capital financeiro incorporou a “pedagogia do aprender a aprender”, o conceito da cidade
educadora, a “pedagogia do afeto” e outros conceitos que sugerem a ampliação da escola e a
promoção de uma suposta cultura útil aos estudantes “vulneráveis”. Esse conceito precisava
da legitimidade do corpo de intelectuais das universidades para convencer os profissionais da
escola de que esta é a única possibilidade de inclusão à escola das crianças e jovens em
situação de risco individual e social. Nesta direção, o CENPEC deu a início, em 2006, à
publicação do periódico Cadernos do CENPEC, que reúne em seu conselho editorial,
professores de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, constituindo-se uma
importante iniciativa para organizar o consenso entre os especialistas no tema. A revista
semestral dirigida à “pesquisadores, educadores, gestores e atores da sociedade civil
organizada” teve a primeira edição lançada em 2006 e seus primeiros números abordavam
uma perspectiva temática que apontava diferentes aspectos da “reforma da escola educação” :
o número 1- educação e cidade; número 2- educação integral; número 3- avaliação em
educação; número, 4- educação na segunda etapa do ensino fundamental; 5- juventudes
urbanas; 6- escola família e comunidade e 7- educação e cultura.
O volume 1 do Cadernos do CENPEC, Educação e Cidade buscou se debruçar sobre
o conceito “cidade educadora” para renovar o trabalho de professores e “agentes
217

educacionais” em novas práticas em educação. O periódico reuniu artigos de autores


reconhecidos na pesquisa educacional com os seguintes títulos: 1- Pensar e repensar , fazer
refazer a juntos a ação social pública, autoria de Maria do Carmo Brant Carvalho; 2-
Educação na cidade, responsabilidade contemporânea e solidariedade institucional de Silvia
S. Aderoqui; 3- Educadora, protetora e saudável uma cidade feita de pertencimento, escrito
por Maria do Carmo Brant de Carvalho; 4- Os habitantes fazem a diferença nos projetos
municipais de educação, autoria de Eloísa Blasis; 5- Tempo, cidade e educação, de Selma
Rocha; 6-Escola e cidade que se educa, escrito por Marcos Antônio Lerieri; 7- Educação
pública de qualidade para além de um aparente consenso, autoria de Denise Carreira; 8-
Tecnologia carta à prefeita, carta ao prefeito: uma cidade para a criança; escrito por Vital
Dionet; 9- Tecnologia da comunicação para a cidade educativa, escrito por Fernanda José de
Almeida; 10- A escola na cidade que educa, autoria de Moacir Gadotti; 11- Por que educação
e cultura, escrito por Maria Alice Setubal e Mauricio Enrica.
O segundo volume da revista, publicado em 2006, sobre o tema especifico da
“educação integral”, denota no editorial, escrito por Maria Alice Setúbal, a busca do consenso
sobre o termo:
Cresce o debate em busca de consenso em relação aos conceitos e conteúdos
da educação integral. Para contribuir com essa discussão e ampliar o
conhecimento sobre o tema, esta edição do Cadernos Cenpec procura lançar
luz sobre o “estado da arte” da educação integral no Brasil, apresentando as
reflexões e as práticas que se embasam nessa concepção ou bebem nessa
referência. O tema da educação assume uma centralidade indiscutível. É
unânime que ela deve ser apoiada e melhorada, e que todos, além dos
governos e da iniciativa privada, somos responsáveis pelos resultados que
precisam ser alcançados nos próximos anos em relação à inclusão justa e
qualificada de todos os brasileiros no mundo do conhecimento. Na área
pública, organizações governamentais, sociedade, organizações sociais e
cidadãos vocalizam seu desejo de uma boa educação para crianças e jovens,
considerada agora numa perspectiva mais ampla, como já indicam as leis
nacionais. Nesse cenário, ressurge a ideia da educação integral, pensada e
concretizada de variados modos e a partir de diferentes concepções, todos
eles devedores do entusiasmo e da ousadia de Anísio Teixeira e herdeiros
das contradições inerentes aos projetos mais arrojados de mudança.
(CENPEC, 2006, p.3)

Quadro16: Resumo do livro Cadernos do Cenpec – Educação Integral”


Título do artigo Autor Instituição Tema
Editorial: o Maria Alice Setúbal Diretora e Presidente Propõe lançar luz
ressurgimento da do CENPEC sobre o estado da arte
educação integral da educação integral
no Brasil
O lugar da educação Maria do Carmo Brant Professora do discute conceito,
integral na política de Carvalho Programa de conteúdo e o lugar da
218

social Estudos Pós- educação integral,


graduados em Serviço Defende-se que a
Social da PUC/SP e política .educacional
coordenadora deve ser pensada de
geral do Cenpec – forma multissetorial, e
Centro de Estudos e a escola é vista como
Pesquisas em mais um dos muitos
Educação, espaço de
Cultura e Ação aprendizagem.
Comunitária.
É imprescindível Isa Maria F. Rosa Vice-Presidente Discute diferentes
educar integralmente Guará da Fundação ABRINQ conceitos de educação
pelos Direitos da integral e afirma se
Criança e do aproximar da ideia de
Adolescente e formação integral
Assessora de humana. No entanto,
Coordenação do aponta como exemplo
Cenpec bem sucedido
experiências que
valorizam vinculação
da escola com o
território, e com a
criação de
comunidades de
aprendizagem que se
ampliam com o
conceito de cidade
educadora.
A condição humana Dulce Critelli É titular de Filosofia Discute o papel das
como valor e princípio da PUC-SP, onde ideologias que
para a educação obteve os títulos adentram a vida
de Mestra em Filosofia humana e se tornam
da Educação e ética fundamental
Doutora em Psicologia
da
Educação, Articulista
do “Caderno
Equilíbrio” da Folha
de São Paulo,
Terapeuta Existencial
e Coordenadora do
Existentia entro de
Orientação e Estudos
da Condição Humana.
O que se diz sobre a Lucia Velloso Lúcia Velloso Expõe um
escola pública de Maurício Maurício é Doutora levantamento
horário integral em Educação pela bibliográfico e faz
Universidade uma reflexão dos
Federal do Rio de aspectos positivos e
Janeiro (UFRJ); negativos acerca o
Professora adjunta do CIEP’s. A autora
mestrado defende a interação
em Educação da entre escola e
Universidade Estácio comunidade,
de Sá; Professora instâncias de
adjunta da participação e decisão
Faculdade de dos pais, e de todos os
219

Formação de espaços cotidianos que


Professores da favoreçam a inclusão
Universidade do da expectativa dos pais
Estado no projeto pedagógico
do Rio de Janeiro da escola
(UERJ); Consultora da
Fundação Darcy
Ribeiro.
Educação integral com Maria Júlia Azevedo Maria Júlia Azevedo descreve o processo de
a infância e a Gouvea Gouveia é psicóloga, valorização da criança
juventude mestre em Educação entre os séculos XVI e
e coordenadora da área XIX. E adota a
da Educação e perspectiva da
Comunidade do educação integral, em
Cenpec. que todos os
Colaboraram na envolvidos são
reflexão e elaboração sujeitos da
deste texto: Lúcia aprendizagem (adultos
Helena Nilson, e crianças) e os
Ivana Boal, Stela campos ético, estético
Ferreira, Célia Pecci, e político como
Tatiana Bello, Wagner cenário e roteiro de
Santos. aprendizagem. Assim,
a educação integral é
realizada por meio da
articulação sujeitos da
aprendizagem, objetos
de conhecimento,
tempos e espaços.
Em busca do tempo de Ana Maria Cavalieri Discute o tempo
aprender escolar enquanto
jornada integral e
organização social do
tempo, tendo como
base a experiência do
Rio de Janeiro com o
Programa dos CIEPs
(Centros Integrados de
Educação Pública). A
organização social do
tempo é um elemento
que, simultaneamente,
reflete e constitui as
formas
organizacionais mais
amplas de uma dada
sociedade.
Escola e Comunidade, Ulisses F. Araújo e
juntas para uma Ana Maria Klein
cidadania integral
Reflexões sobre Antônio Sergio
educação integral Gonçalves
Dos outros de quem Maurício Ernica
somos feitos: cultura e
conflitos sociais
Fonte: autora, 2019
220

Em fina sintonia com os fundamentos da ideologia orgânica social-liberal, os


intelectuais convidados pelo CENPEC reproduziam a ideia de uma nova cultura política,
mudança na arquitetura da ação política, no modelo de construção de ações em rede e na
suposta necessidade de adaptação às novas demanda. Segundo Brant Carvalho, autora de um
dos artigos:

Uma arquitetura de gestão pública fundamentada na lógica da cidadania que


promova ações integradoras em torno do cidadão e do local como eixos de
um desenvolvimento sustentável.
O cidadão já não quer ser reconhecido como um somatório de necessidades e
direitos; deseja atenções integrais (integralizadas). O Estatuto da Criança e
do Adolescente é, nesse sentido, uma lei exemplar, pois anuncia de forma
enfática o direito de crianças a adolescentes a uma proteção e
desenvolvimento integral.
Políticas e programas desenhados pelo prisma da multisetorialidade,
substituindo os tradicionais recortes setoriais e especializações estanques.
O reconhecimento da incompletude e necessária complementaridade entre
serviços e atores sociais. Estes princípios reforçam uma nova tendência:
ações em rede fortemente conectadas com o conjunto de sujeitos,
organizações e serviços da cidade. Não mais ações isoladas.
Por isso mesmo, os serviços na ponta ganham uma margem fundamental de
autonomia para produzir respostas assertivas, flexíveis e combinadas, de
direito do cidadão e de direito ao desenvolvimento sustentável do território a
que pertencem. (CARVALHO, 2006, p 8)

Os projetos de complementação da carga horária, construídos no interior da própria escola,


foram apontados como algo incompatível com a nova tendência de articular a política
educacional com a política das cidades, quebra da sociedade salarial, existência de um novo
perfil de trabalhador, nova cidadania. O projeto deveria emanar da própria comunidade, que
apontaria suas demandas, seus interesses para a formação de um currículo que articulasse
proteção social e novas “oportunidades de aprendizagem:

Nesta perspectiva, já se torna obsoleta a ideia de compor o pós-escola apenas


com iniciativas internas da própria política de educação. O fundamental é
concebê-las como políticas da cidade, articulando aí o mosaico de ofertas de
aprendizagem disponibilizadas pelo conjunto das políticas públicas setoriais
de assistência social, educação, cultura, esporte, e das ações originárias nas
próprias comunidades. Abarcam o conjunto de sujeitos e espaços de
aprendizagem construídos no local e operados/conduzidos por organizações
sociais e poder público. Aprofundemos os sentidos desta ação
socioeducativa. Primeiro, ela produz oportunidades de aprendizagem sem ser
repetição do espaço escolar. Não possui um currículo e uma programação
pedagógica padrão. Ao contrário, sua eficácia educacional está apoiada num
currí culo -projeto que nasce nas comunidades, de suas demandas, interesses,
particularidades, potencialidades, e por seu próprio protagonismo. O termo
socioeducativo, contido, na programática da educação integral, designa um
campo de múltiplas aprendizagens para além da escolaridade, voltadas a
assegurar proteção social e oportunizar o desenvolvimento de interesses e
221

talentos múltiplos que crianças e jovens aportam. Designa igualmente


finalidades, como a convivência, sociabilidade e participação na vida pública
comunitária, entendendo este campo como privilegiado para tratar, de forma
intencional, valores éticos, estéticos e políticos. (CARVALHO, 2006, p.10)

Ulisses F. Araújo, professor da Universidade de São Paulo e Ana Maria Klein, mestre pela
mesma universidade, autores de um dos artigos desta edição temática, escrevem sobre a
importância da escola dedicar-se ao ensino de competências para formar a cidadania integrada
nos estudantes. O currículo escolar oferecido nas escolas, dividido em disciplinas como
ciências, língua, matemática, história, física, geografia, e artes não seria suficiente para a
formação ética e moral das furas gerações (ARAUJO, KLEIN, 2006). Nesta lógica, a escola
deveria fornecer as condições para que os alunos desenvolvessem capacidade dialógica,
tomassem a consciência de seus sentimentos e emoções e das demais pessoas e, por fim,
desenvolvessem autonomia para tomar decisões em situações conflitantes. Os estudantes
deveriam aprender com a escola a se comprometer com o que acontece na vida coletiva do
país. A proposta educativa pautada na formação da cidadania integrada deveria abarcar quatro
grandes eixos temáticos que, de acordo com os autores, configuram os campos principias de
preocupação da ética e da democracia: ética, convivência democrática, direitos humanos e
inclusão social. Estes quatro eixos temáticos trariam aspectos da vida social para o currículo
escolar e exigiriam a integração entre escola-comunidade. Esta parceria só seria consolidada
com o uso dos recursos disponíveis na cidade, de acordo com princípios definidos no
encontro Cidade Educadora, em Barcelona no ano de 1990. Das diretrizes definidas no
encontro os autores destacam quatro princípios:

1. a liberdade e a diversidade cultural;


2. a organização do espaço físico urbano, colocando em evidência o
reconhecimento das necessidades de jogos e lazer;
3. a garantia da qualidade de vida a partir de um meio ambiente saudável e
de uma paisagem urbana em equilíbrio com seu meio natural;
4. a consciência dos mecanismos de exclusão e marginalidade que as afetam.
(ARAUJO, KLEIN, 2006, p 124)

Os autores reafirmam neste atrigo que os assuntos da escola não podem pertencer
exclusivamente à comunidade escolar. Nesta perspectiva, todos são educadores e aprendizes e
as barreiras entre a educação formal e informal devem ser suplantadas. A ampliação da escola
não necessitaria de aumento de recurso e sim, da abertura de seus muros para explorar o seu
entorno:
Tomando por referência discussões como estas, acreditamos que estudar
formas de ampliação dos espaços educativos, rompendo os limites físicos
222

dos muros escolares, pode ser um bom caminho para uma educação em
valores éticos e democráticos, que visam a cidadania. Reforçar a importância
da articulação entre sujeito e cultura/ sociedade na construção da cidadania e
de relações mais justas e solidárias no seio da comunidade onde cada um
vive, pode indicar possibilidades para o desenvolvimento de ações
educativas que levem a uma reorganização da escola na forma em que está
estruturada, tanto do ponto de vista físico quanto pedagógico.
Dessa maneira, embora trabalhemos com a ampliação dos espaços
educativos, incorporando os recursos da cidade e prioritariamente do entorno
da escola no desenvolvimento de projetos que contemplem a comunidade
como espaço de aprendizagem, o centro das ações continua sendo a escola.
Essa instituição, com seu papel social de instrução e formação das novas
gerações, é que possui os educadores capacitados ao exercício profissional
da educação. (Idem, p.124)

Em nosso ponto de vista, a escola não foi dispensada desta formulação por reunir um
grande número de estudantes custeados integralmente pelo fundo público, por já possuir as
instalações, mesmo que inapropriadas para o exercício das atividades e por reunir
trabalhadores assalariados pelas redes de ensino. Os profissionais da educação que, em geral,
são servidores públicos, também precisam ser assimilados por esta ideologia para garantirem
a credibilidade do projeto junto aos investidores da ação social, junto da própria comunidade e
para atrair a simpatia de pesquisadores e cientistas das universidades. A articulação
comunidade/escola foi destacada pelos autores no “Fórum Escolar de ética e cidadania”
composto por professores, estudantes, funcionários, diretores, famílias e membros da
comunidade. Isa Maria F. Rosa Guará, membro da direção da Fundação ABRINQ, conselheira
do CENPEC, também autora da edição em análise, defendeu que a longevidade dos projetos
depende dos planejadores das ações públicas trabalhem pela integração dos projetos com a
escola:
A integração de professores, educadores, projetos e instituições tem a
vantagem inegável de garantir maior sustentabilidade técnica e política e
envolver a todos num compromisso de participação mais ativa e próxima.
Considerando os objetivos colimados pelos que se propõem a programar
ações públicas de educação integral, todo esforço deve ser empreendido no
sentido de sustentar a integração dos projetos, programas, conteúdos,
disciplinas e intenções para que, de fato, se consiga assegurar uma política
pública regular e permanente que não sucumba às vicissitudes das novas
administrações. Nesse aspecto, a presença da sociedade civil organizada,
como parceira de empreitada, ajuda muito a dar sustentação institucional aos
programas.
São fatores facilitadores dessa legitimação: a credibilidade social que a
proposta alcance, o respeito à autonomia dos envolvidos, a clara definição de
papéis e responsabilidades das organizações ou pessoas participantes, o
planejamento e a realização conjunta de ações e a adoção de um processo
mais participativo dos beneficiários no planejamento do trabalho. (GUARÀ,
2006, p.19)
223

No mesmo período em que a revista Cadernos do CENPEC foi lançada, em 2006, a


tríade CENPEC, Itaú e UNICEF organizou o Seminário Nacional que culminou no livro:
Tecendo Redes para a Educação Integral, idealizado pela 6ª edição do Prêmio Itaú –Unicef
(2005). O Seminário, realizado no Memorial da América Latina em São Paulo, com apoio do
Canal Futura, da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do
Colegiado Nacional de Gestores Municipais da Assistência Social (Congemas), discutiu
questões relativas à agenda política da Educação Integral tratando de questões como objetivos
da Educação Integral, os arranjos considerados possíveis, as parcerias necessárias para
consolidação do projeto nos moldes propostos pelo Itaú/Uicef, etc. Intelectuais das
universidades USP, PUC-SP, UFRJ, jornalistas e representantes de órgãos públicos foram
convidados a compor a mesa de debates que focou no “engajamento de toda a sociedade
brasileira e a mobilização dos muitos lugares de aprendizagem na construção de redes capazes
de promover educação integral”.
O livro Tecendo Redes para Educação Integral imprimiu os debates desse Seminário,
retirando apenas as marcas de oralidade das falas dos debatedores. Reuniu o conjunto de
fundamentos sobre a “educação integral” que vinha sendo construída desde os meados da
década de 1990 e aparando algumas arestas para tornar o discurso mais universal. O
Seminário abarcou os seguintes debates:

Quadro17: Resumo do Livro: Tecendo redes sobre educação integral


Mesa Intelectuais convidados Instituições
Percursos da Educação Mario Ernica
Integral no Brasil
Propósitos da Educação 1 Catarina Koltair 1psicanalista e doutora em
Integral no Brasil 2-Heloisa Helena Mesquita Psicologia pela Pontifícia
3-Maria do Carmo Brant Universidade Católica de
4-Guiomar Namo de Melo São Paulo (PUC-SP)
2- secretária municipal de
Assistência Social de
Niterói
3- doutora em Serviço
Social e Coordenadora
Geral do Cenpec
4-educadora e assessora de
projetos de reforma
educacional
Projetos Pedagógicos a 1-Adriana Mortara
educação integral e os 2-Sandra Mara Corazza
avanços possíveis 3-Terezinha Azevedo Rios
Governança das políticas e 1-João Antônio Cabral
Educação Integral Monte Vale
224

2-Fernado Luís Abrão


3- Ricardo Henrique
Melhoramento e avaliação 1-Elie Ghanen 1-professor doutor da
de resultados 2-Marcio Aquino Menezes Faculdade de Educação da
3-Tereza Pennafil Universidade de São Paulo
(USP)
2- economista, doutor pela
University of London
3-professora da
Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ),
doutora em Educação pela
Universidade de Stanford
Tecendo redes para a 1-Ladislaw Doubor 1- doutor em Ciências
educação integral 2- Lucia Araújo Econômicas pela Escola
3-Maria Helena Guimaraes Central de Planejamento e
Estatística de Varsóvia
(Polônia) e professor da
Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo
(PUC-SP)
2- Jornalista e gerente geral
do Canal Futura
3- doutora em Ciência
Política pela Universidade
de São Paulo (USP) e
secretária de Ciência
e Tecnologia do Estado de
São Paulo
Irradiação CENPEC ----
Fonte: autora, 2019
Com a produção deste material e a larga difusão por meio do Programa Mais
Educação, a tríade Itaú-Unicef e CENPEC logrou êxito na direção cultural e ideológica do
projeto, dando a sua visão particular de educação integral a aparência de ser interessante para
toda a sociedade. A intencionalidade da fração financeira em promover não só uma inserção
sobre a estrutura (que corresponde seu interesse mais imediato), mas sobre as orientações
ideológicas está demarcada nesta passagem do artigo escrito por Mario Ernica, em que
ressalta a necessidade de organizar politicamente as organizações ditas do Terceiro Setor:

Não é raro vermos instituições parceiras tendo interesses e


necessidades diferentes nem é raro percebermos que elas estão submetidas a
restrições e pressões distintas. Por vezes, na atuação cotidiana, os parceiros
podem mergulhar na especificidade de seus trabalhos e nos desafios que
surgem a cada instante, o que pode gerar dificuldades para organizar as
atuações, em vistas de um objetivo comum.
Os parceiros, ainda, podem ter concepções ético-políticas divergentes
e podem ter importantes discordâncias sobre as prioridades de atuação e
225

sobre como a rede deve atuar. Apagar artificialmente essas diferenças em


nome de uma concepção técnico-gerencial ao mesmo tempo que se esforça
para impor aos parceiros um modelo de atuação elaborado em esferas
restritas de decisão política pode colocar em risco a colaboração e a atuação
conjunta (TATAGIBA, 2006).
Tecer redes não é juntar esforços, pura e simplesmente. Uma rede é
efetiva quando ela abre uma arena pública de debate sobre prioridades e
formas de atuação, uma arena de dissenso na qual as decisões serão tomadas.
Uma vez que a rede democratize o poder de decisão sobre sua atuação,
outro desafio é organizar a atuação dos parceiros de modo a que cada um
esteja cooperando com o outro num projeto comum e de forma que todos
possam se reorganizar ao longo do caminho de sua realização.
Um projeto de educação integral, portanto, implica uma reorganização
das relações educacionais e a instituição de ações diferentes em busca de um
objetivo comum decidido coletivamente a partir de uma situação inicial de
dissenso. (TECENDO REDES PARA EDUCAÇÃO INTERAL, 2006, p.
29.)

Além de organizar a atuação dos “parceiros”, ou voluntários mobilizados pelas “ONG’s” em


torno de seu projeto de “educação integral”, o projeto também implica na adesão dos
professores das escolas:

Assim, mudanças qualitativas nas propostas educacionais não serão efetivas


se não derem conta de acolher o saber-fazer acumulado longa e
coletivamente pelos professores, incluindo a dimensão daquilo que é
possível e necessário fazer, mas que permanece como agir não realizado,
como agir impedido. Essas mudanças tampouco serão efetivas se não
mexerem a fundo nas estruturas que organizam o trabalho do professor,
inclusive as que dizem respeito às relações de poder e às restrições
econômicas. Sem isso, as tentativas de mudança correm vários riscos, como
o de abrir possibilidades que não se consolidam, de ser engolidas pelas
práticas que querem superar ou de promover mudanças apenas superficiais.
Os educadores estão submetidos a toda uma série de prescrições de várias
ordens que lhes dizem o que devem e o que não devem fazer. Em suma,
aquilo que um professor faz e pode fazer não é, de modo algum, fruto
exclusivo de sua vontade individual. Se há um campo de possibilidades ao
alcance das ações dos educadores e se é importante apostar nos caminhos a
que esse campo pode levar, também é prudente levar em conta que essas
ações serão efetivamente criadoras se elas forem respaldadas por
transformações estruturais que generalizem e institucionalizem as inovações.
(Idem, p30)

O artigo intitulado “Diversas perspectivas, produções teóricas e compromissos com o


desenvolvimento integral de crianças e adolescentes” não expressa grandes divergências no
tocante ao modelo de expansão do tempo escolar, a concepção de aprendizagem e ao papel da
escola. Em linhas gerais, o artigo escrito a partir das falas de Caterina Koltai, Heloisa de
Mesquita, Maria do Carmo Branti e Guiomar Namo de Melo esboça a visão de que
vivenciamos a era da pós-modernidade, pela globalização, marcada pela fluidez das
identidades, pela degradação dos laços de solidariedade, fracasso das instituições, decepção
226

dos cidadãos com a política, descrença no futuro. A apresentação de Katerine Koltai elucida
esta ideia:
A verdade é que, tanto econômica quanto política e sociologicamente, nada
hoje em dia nos permite uma aposta no futuro. Aliás, uma das primeiras
coisas que chama nossa atenção é o fim das ideologias e das vanguardas. No
campo político, vivemos uma época em que a ilusão suprema parece ser a
total ausência de ilusões, a destruição de qualquer ilusão de um mundo
melhor. É como se a própria ideia de subversão social e intelectual tivesse se
tornado ilusória. No lugar da ilusão, nós nos encontramos perante o falso
consenso que diz que todas as coisas seriam equivalentes. Talvez o melhor
exemplo disso seja a lógica do “politicamente correto”. (KOLTAI, 2006,
p.33)

O fim das ideologias, o descrédito nos projetos revolucionários, a falta de esperança no futuro
também teriam gerado uma crise de autoridade na educação que só seria possível atenuar na
medida em que a sociedade se comprometesse com o modelo de “educação integral” que
fosse “possível realizar”, e não aquela que seria ideal. Neste sentido, a política de expansão do
tempo da escola deveria ser pautada pela intersetorialidade, pela mobilização de toda a
sociedade, sobretudo dos empresários e das organizações ditas do terceiro setor. Assim como
na Revista Cadernos de CENPEC, Maria do Carmo Brant defendeu a tese de que o fim do
Estado de Bem-Estar Social culminou na ascensão de uma nova fase do capitalismo em que
deslocou o foco da igualdade de oportunidades para igualdade de resultados, assim como a
mudança da ideia de sistemas de ensino para sistemas de aprendizagem, com novas formas de
se pensar e fazer política, novos espaços de aprendizagem, etc. Neste cenário, a escola deveria
ter autonomia para compartilhar o projeto político pedagógico e para se articular com outras
instituições e secretarias e aproveitar o trabalho oferecido pela ‘ONG’s:

Quer dizer, quando se diz que a escola tem de ter autonomia, ela tem de ter
autonomia político-pedagógico, articulado com as demandas e os interesses
do território a que ela pertence. E também autonomia para se flexibilizar e se
permitir adentrar nas redes existentes no território. E vice-versa: que as redes
de aprendizagem do território adentrem o espaço escolar. Nesse cenário,
estamos vendo que outras políticas adentram os espaços da educação para
desenhar um projeto com ofertas de aprendizagens socioeducativas que,
portanto, se deslocam da escola, mas a complementam.
É o caso da política de cultura que não só oferece bibliotecas, centros
culturais, museus, mas centros de cultura, muitos deles desenvolvidos por
organizações da comunidade. Também a assistência social sempre ofereceu
núcleos socioeducativos com um leque de aprendizagens para crianças e
adolescentes no contraturno escolar, além do meio ambiente e do esporte.
Temos enfim um conjunto de políticas públicas que estão ofertando
programas e serviços socioeducativos e visando um conjunto de
aprendizagens necessárias. (BRANT, 2006, p.3)
227

O fundamental, de acordo com Brant (2006, p.41) seria conceber um desenho de educação em
tempo integral que articule os sujeitos, envolvidos na política e espaços de aprendizagem
enquanto política da cidade, ou seja, numa articulação orgânica entre escola e projetos
socioeducativos do território.
O princípio da autonomia escolar, uma das bandeiras mais entoadas pelos defensores
da “reforma” da educação, está presente no discurso, tanto dos liberais ortodoxos, quanto no
projeto social-liberal. Baseada no tripé da autonomia administrativa, pedagógica e financeira,
tal política gerencilaista veio embalada pela promessa de desenvolver a autonomia, a
originalidade, a diversidade dos estabelecimentos, tanto para os sistemas quanto
estabelecimentos de ensino. A autonomia da escola, defendida pelos Organismos
Internacionais, como Banco Mundial58, Unesco59, OCDE60 e pelo fração financeira no Brasil,
daria à escola a oportunidade de conquistar espaços e dinheiro fora da escola e fora do
orçamento público. Com vimos, este princípio foi apresentado aos agentes das políticas
estadual e municipal, com a promessa de que a ampliação do tempo diário da escola não
implicaria em mais “custos”. Para esta ampliação, não seria necessário nem obras de
infraestrura, nem aumento do orçamento da educação, tendo em vista que as parcerias com a
“comunidade” dariam conta do espaço e do trabalho. Outro aspecto não considerado pelos
defensores do projeto neste livro é aprofundamento das desigualdades entre os
estabelecimentos de ensino, agravados pela escassez de “parceiros” e recursos para as escolas
situada nas regiões periféricas.
Guiomar Namo de Mello, uma das intelectuais responsável pela “reforma” gerencial
da educação durante o governo Fernando Henrique Cardoso, defendeu que o projeto de
educação integral deveria ser articulado à política social e ao território e considerar os
interesses dos alunos e das famílias. A intelectual fez considerações sobre a política municipal
de São Paulo e defendeu a expansão do tempo escolar, inicialmente para cinco horas, a
despeito de tal política interferir na carreira e nos direitos do professor:
São Paulo tem condição de dar escola de cinco horas para todas as crianças
com dois períodos: das 7 h às 12 h e das 13 h às 18 h, com uma hora de
intervalo. E se tiver isso para todas as crianças, se tiver projeto curricular
articulado, se tiver processo de assistência técnica para o professor na escola,
é possível garantir a melhoria de aprendizagem. Sobre a carreira de
professor: vai ter de dizer que aposentadoria aos 25 anos de serviço não é
uma política de acordo com a qualidade, que a jornada de trabalho vai ter de
mudar, sim, para ter cinco horas de aula. Vai ter de pedir que professor dê

58
CIF MARIA SYLVIA SIMÕES BUENO, O BANCO MUNDIAL E MODELOS DE GESTÃO EDUCATIVA
PARA A AMÉRICA LATINA, Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 122, p. 445-466, maio/ago. 2004.
59
Cif Uma gestão mais autônoma das escolas / Ibtisam Abu-Duhou. – Brasília: UNESCO, IIEP, 2002.
60
Cif Perspetivas das Políticas Educativas para 2015: Concretizar as Reformas
228

bons resultados. Temos de avaliar. A cidade de São Paulo, em 27 capitais,


ficou em vigésimo primeiro lugar na Prova Brasil! E a média da prova é
baixa demais. Entrem lá na escala do Inep3. Está lá, escola por escola deste
país. (MELO, 2006, p.46)

Namo de Mello considerou que as premissas básicas para o projeto educacional funcional
seriam o aumento das cinco horas, o ensino das competências básicas na leitura, na escrita e
no cálculo, a construção de escolas verticais, em função da falta de espaço e a adaptação da
carreira do professor ao relógio da educação de tempo integral. Nessa exposição a autora
demonstrou uma suave divergência em relação à premissa, então hegemônica, de que a
ampliação do currículo deveria levar em conta os interesses imediato dos alunos, priorizando
atividades de lazer, esporte e cultura. A perspectiva apontada por Melo, em 2006, foi
retomada em 2016, com a revisão do Programa.
Na mesa de debate Projetos pedagógicos: a educação integral e os arranjos possíveis,
formada por Adriana Mortara, Sandra Mara Corazza, Terezinha Azeredo Rios, as debatedoras
defenderam da ideia de que não se pode trabalhar com o ideal, e sim com os arranjos
possíveis para realizar a política de educação de tempo integral. Adriana Mortara considerou a
articulação entre a educação integral com espaços de cultura. Sandra Mara Corazza reafirmou
a tese de que a contemporaneidade, marcada pela pós modernidade, exige uma nova
concepção
Este é um tempo de desmanchar todas as pretensões da neutralidade
iluminada. É, portanto, um tempo de politizar radicalmente a educação;
tempo das pedagogias e dos currículos críticos; tempo de Paulo Freire e sua
educação libertadora; de relacionar a educação a questões de poder, de saber,
de identidade. Enfim, um tempo importantíssimo, porque ele vai justamente
preparar, vai compor elementos que preparam o terceiro tempo, que chamo o
“desafio da diferença pura”. (CORAZZA, 2006, 52)

Arranjos criativos e um esforço mais amplo dos educadores foram as sugestões defendidas
por Teresinha Azevedo Rio para a educação integral:

Julgamos que o possível está pronto, que é algo a ser apenas descoberto. Não
é verdade. O possível muitas vezes não está pronto. Não se trata de descobri-
lo, mas de inventá-lo. E então isso requer de nós, educadores, um trabalho
maior, um esforço mais amplo no sentido de construir esse possível com os
elementos que temos à nossa disposição, em nós e fora de nós, na cultura, na
história que estamos construindo. E é exatamente na invenção que eu acho
que aparece essa criatividade. A criatividade na invenção é que pode
efetivamente trazer esse aspecto novo para nossos projetos. (Idem, p. 53)

Os arranjos possíveis e criativos também denotam que o centro do debate da educação


integral do capital financeiro, não está na emancipação do estudante e no desenvolvimento de
suas potencialidades, como afirmam em alguns materiais, o cerne do projeto está na redução
229

das despesas com educação, na reorganização do aparato institucional do Estado e um novo


modelo de gestão, que assegurasse a penetração dos interesses empresarias de forma mais
orgânica no interior dos estabelecimentos de ensino.
Na mesa de debate Governança das políticas de educação integral, os debatedores
João Antônio Cabral de Monlevade, Fernando Luiz Abrucio e Ricardo Henriques discutiram
as parcerias e financiamentos da política pública multisetorial. João Cabral Monlevade
abordou aspectos da história da educação brasileira, ressaltando o caráter elitista e o grau de
seletividade do ensino no Brasil, desde a escola jesuítica à escola contemporânea. Após o
preâmbulo geral o, então, assessor do Senado, abordou os gastos do Estado com a educação
no país, calculando que o governo gasta em média 60 bilhões com 50 milhões de alunos.
Apesar de considerar o gasto elevado, o debatedor ponderou que o investimento era
insuficiente para garantir educação de qualidade para 50 milhões de alunos matriculados nas
redes públicas. A saída para este problema seria a adoção das parcerias e da política
multisetorial.
Em todas as modalidades e em todas as etapas de educação escolar, vamos
ter de estruturar parcerias e políticas multissetoriais. Na creche, por exemplo,
isso é automático; precisa continuar a assistência social, claro que precisa.
Então, na creche vai ter de ter parceria com assistência, com a justiça, com o
Fundo da Criança e do Adolescente, com um bocado de coisas, senão não
vamos dar conta. A Educação de Jovens e Adultos vai precisar ter a parceria
com o Ministério do Trabalho, e para isso já está entrando o PIS/Pasep etc.
(Idem, p 60)

A transformação da visão tradicional de política pública para uma “nova gestão pública” foi
destacada por Fernando Luiz Abrucio, professor da FGV e ex-professor da PUC-SP, como
desafio para a promoção da educação de tempo integral. A “nova gestão pública”
compreenderia: trabalhar por metas e resultados, mudar o papel do Estado. De acordo com
Abrucio:
Não adianta dizer que a educação no Brasil é ruim. Ruim em relação a quê?
A segunda característica é a modificação do papel do Estado. Não se trata de
dizer que o Estado vai ser menor. Isso é uma bobagem. Portanto, não é esse
o tema, mas o perfil de atuação do Estado. Primeiro, o papel de indutor e
articulador junto à sociedade. É preciso que o Estado esteja mais articulado
com a sociedade. Depois, a mudança do papel do Estado em relação àquilo
que se pode chamar de transparência e accountability, ou seja, a capacidade
do Estado de responder à sociedade. Se as informações do Estado são
produzidas para que o cidadão mediano não entenda, não há accountability,
não há transparência. A terceira característica é o Estado para os cidadãos.
Essa é a ideia básica. Do Estado que volta a sua produção de políticas aos
cidadãos e não a si mesmo. Pode parecer novamente óbvio, mas vamos
pensar o que tem sido o Estado brasileiro. Primeiro, o Estado brasileiro foi
pensado para produzir empregos, não para garantir serviços ou direitos.
Além disso, o Estado brasileiro é muito burocratizado. Há um conjunto de
230

procedimentos que cada vez mais se multiplicam enormemente. Nós não


sabemos quantas leis de direito administrativo há no Brasil. Não sabemos.
Nem o maior jurista na área sabe. (ABRUCIO, 2006, p.60)

O debate sobre a funcionalidade do Estado foi revisitado para reforçar a defesa do


“Estado indutor” da política, do progresso, investidor de recursos humanos e da infraestrutura,
em substituição à tese liberal ortodoxa do Estado mínimo e a tese do Estado providência.
Além das ideias difundidas pelos intelectuais do social-liberalismo, como controle do Estado
pelo cidadão, transparência, participação da sociedade civil, Abrucio também considerou que
a perda direitos e de serviços sociais são inerente a transformação deste “Estado indutor”. Esta
fala que também faz referência à política municipal de São Paulo, joga luz sobre a tese do
“Estado Investidor social” e reforça a ideia de robustecimento da sociedade civil organizada
para aumentar o serviço na escola. Na mesa de debate Monitoramento e avaliação de
resultados, o professor da USP Elie Ghanem, o economista Naércio Aquino Menezes e a
professora da UFRJ Thereza Penna Firme debateram o tema: Parâmetros no acompanhamento
e na apreciação de políticas públicas de educação. Importante pilar do projeto educacional
social liberal, o monitoramento da política educacional estava em sintonia fina com a
tendência de monitoração dos investimentos sociais empresarias, que pressupunha a
sistematização e consistência da política, avaliação de impacto social, etc. Tereza Pena Firme
sintetizou bem este princípio nesta passagem:

Estão aí os quatro aspectos importantes da verdadeira avaliação; são quatro


aspectos essenciais: Utilidade - a avaliação deve atender as necessidades de
formação prática dos usuários, ser útil. A segunda, viabilidade, é ser
realística, prudente, diplomática e simples. A terceira, a ética, é ser realizada
legalmente, eticamente, com o devido respeito ao bem-estar dos envolvidos.
Todas as pessoas têm de se sentir bem com a avaliação. E a precisão é
revelar e transmitir tecnicamente informações adequadas para permitir juízos
de mérito e relevância. Quer dizer, o encontro bem construído, bem
realizado, pleno, teve mérito. Relevância é a mesma coisa que impacto.

A avaliação da política educacional previa a criação de metas e indicadores que


comprovassem se os resultados esperados foram alcançados. Segundo defensores deste
modelo, esta avaliação contribui para a divulgação das ações para o público externo, para
compor os relatórios para a Diretoria, como insumo para melhorar futuras ações e para
aumentar o acesso a mais recursos. Ela está diretamente relacionada a cultura do voluntariado
empresarial. Finalmente, na mesa de debate Tecendo redes para a educação integral
composta pelo professor da PUC São Paulo, Ladislau Dowbor, pela jornalista Lucia Araújo e
pela então Secretária de Ciência de Tecnologia do Estado de São Paulo, Maria Helena
231

Guimarães, os debatedores se debruçaram sobre o tema Desenvolvimento local e


comunicação como forças. Ladislau Dowbor apontou a importâncias das rádios comunitárias
para os estudantes fora da escola e prosseguiu com críticas ao currículo “tradicional” das
universidades brasileiras:

Levando isso em conta, diria que os nossos currículos são basicamente


orientados da maneira vista por gente que os elaborou, gente de classe média ou
alta que pensou: “as pessoas vão estudar história, geografia, matemática
direitinho. Vão para o ensino médio e depois vão prestar o vestibular e entrar
para a faculdade.” O que é simpático. Mas é simpático para um segmento da
sociedade. O aluno terá estudado tudo sobre a dona Carlota Joaquina. Nada
contra ela, nem contra D. João VI. Mas essas pessoas não sabem a população da
cidade onde moram, não sabem as tradições históricas e culturais trazidas pelos
imigrantes. Não sabem quais são os potenciais econômicos do seu futuro
profissional naquela região. Enfim, a educação não está servindo para inseri-los
na realidade que eles vão ter de construir. Quer dizer, esse “desgarramento”
entre as condições de vida reais e os desafios reais que as pessoas vão enfrentar
e o que lhes é ensinado. (DOUBOR, 2006, p 77)

O professor propôs, de forma explícita, o rebaixamento dos currículos para se aproximar da


realidade prática dos estudantes:

A minha convicção é de que precisamos dar um forte “puxão” na forma


como concebemos a educação, para abaixar mais até o chão, trazê-la para
perto da realidade, da demanda. Na verdade, é ver o conhecimento como um
processo que tem de permear todas as atividades, e não como uma fatia da
vida em que se aprende e depois se vai trabalhar. A relação entre o
conhecimento e o trabalho é um bordado permanente. Nós temos de ter
centros e radiadores de conhecimento e de articulação do conhecimento em
cda município, em cada local. (DOWBOR, 2006, p. 78)

Maria Helena Guimarães Castro sintetizou o conceito de educação integral que foi
afinado entre os intelectuais durante o seminário:

A definição do conceito de educação integral comporta diferentes


abordagens. Para desenvolver meu argumento, defino educação integral
como um conceito relacionado ao desenvolvimento das capacidades
substantivas das pessoas para promover maior grau de equidade e justiça
social. Distingue-se da ideia de escola de tempo integral, mas supõe
educação de qualidade para todos e articulação das políticas públicas nas
áreas de saúde, assistência social, cultura, esportes; enfim, o conjunto de
políticas indispensáveis para formar cidadãos efetivos e incentivar formas de
coesão social, que são a base de uma sociedade mais solidária, pluralista e
democrática. (idem, p. 81)
232

A escola foi considerada o ponto de partida da educação integral em função da capilaridade da


rede, com unidades distribuída em todo território brasileiro. No entanto, as escolas e seus
profissionais deveriam ser incentivadas a construir as redes para fomentar a educação integral:

No entanto, a escola muitas vezes tem dificuldade de sair de seus próprios


muros ou, até mesmo, de construir pontes internas ao espaço escolar que
estimulem a formação de redes do saber e de comunicação social. A escola
pode até querer mudar e inovar suas rotinas, incentivando redes interativas
que fortaleçam a integração e a articulação de políticas públicas. Mas há
entraves burocráticos, institucionais e organizacionais que tendem a
dificultar a construção das pontes necessárias ao fortalecimento das redes de
sustentação de uma política de educação integral. Promover a educação
integral não é uma tarefa simples, mas um grande desafio. A construção de
redes é um processo que exige muito esforço e muita persistência. Primeiro,
a educação integral tem a ver com um conjunto de atividades que vão além
do currículo formal. Não se limita, como já destacado, à educação de tempo
integral. Tem muito mais a ver com o fato de a escola construir pontes e
fortalecer redes de ação integrada. Ou seja, depende muito do estilo de
gestão, da liderança dos dirigentes, dos incentivos à participação da
comunidade, da equipe escolar. Mas depende também do compromisso dos
governantes responsáveis pelas políticas que embasam a proposta de
educação integral, pois é impossível implementar ações multissetoriais
integradas, dentro e fora da escola, sem promover mudanças burocrático-
legais no funcionamento das estruturas governamentais. Outro aspecto
importante relaciona-se aos recursos. Não estou me referindo apenas a
recursos financeiros, mas a recursos físicos e, principalmente, humanos que
viabilizem uma política efetiva de educação de qualidade articulada a um
conjunto de ações, fora da escola, para promover a atenção integral às
crianças e aos adolescentes. (Idem, p. 81)

Guimarães Castro retomou muitas questões que foram debatidas durante todo o evento e
destacou a política de educação integral como estratégica para o enfrentamento da violência,
na medida em atuava para o fortalecimento da coesão social e para o desenvolvimento das
camadas “vulneráveis”. Os principais Aparelhos de Hegemonia do grupo Itaú, em conjunto
com o UNICEF, finalmente lograram êxito em organizar o consenso sobre o conceito de
Educação Integral na sociedade civil, reunindo pressupostos do projeto social-liberal que
reafirmam a “reforma” da aparelhagem estatal, a conciliação entre as classes, o atendimento
demandas do século XXI e a neutralização do projeto societário que defende o fim ao sistema
capitalista. De forma sintética, o conceito passou a reunir os seguintes princípios: Sobre os
novos tempos: 1) Estamos vivenciando a era da pós modernidade, que pressupõe o fim das
ideologias, a era das incertezas, a fragmentação das identidades; 2) Não há possibilidade de
concretização de outro modelo de sociedade; Sobre o Estado 3) O Estado precisa ser
reformado para dar conta das demandas da sociedade contemporânea; 4) As formas de fazer
política exigem uma nova arquitetura política; 5) A participação da sociedade civil é
233

necessária para a elaboração e execução de políticas públicas eficazes ; Sobre a política


educacional: 6) A política educacional precisa se articular com outros setores de Governo,
com o território e com a sociedade; 7) A Escola precisa ter o seu papel redimensionado; 8) A
escola é uma instituição central para a promoção da cultura da paz, 9) A escola deve ampliar
as suas funções para atender e proteger estudantes em situação de risco pessoal e social, 10)
O foco deve se deslocar do ensino para a aprendizagem; 11) A “reforma “da escola depende
do gerenciamento dos recursos. 12) A escola formal precisa se articular com a escola não
formal; o monitoramento dos resultados garante o bom funcionamento da política; 13) Na
escola de tempo integral, o trabalho será realizado por meio de voluntários contratados pelas
“ONGs; Sobre o currículo: 13) A qualidade da educação precisa ser ampliada; 14) O
currículo deve responder os interesses dos estudantes das famílias “vulneráveis; 15) O foco
deve estar nas competências sociais e habilidades. A Tríade CENPEC/Itaú/UNICEF sintetizou
em uma publicação de 2011, as supostas referências para do debate contemporâneo sobre
educação integral:

Que novos paradigmas?


• os que ressignificam a educação integral e com ela a educação pública
brasileira;
• os que contextualizam a educação e a aproximam das práticas
socioculturais da cidade e da comunidade, rompendo o isolamento em que a
maioria das escolas se encontra;
• os que reinventam a orientação curricular e compartilham sua
intencionalidade pedagógica com a comunidade;
• os que integram a política educacional à política social, buscando
intersetorialidade no desenvolvimento de projetos educacionais; • os que
criam novas redes de relação com a família, com a comunidade, com a
sociedade e a cidade; • os que firmam um novo olhar para o território não
apenas para compor uma cesta mais robusta de oportunidades de
aprendizagem a seus alunos, mas igualmente para abrir-se à participação;
• os que protagonizam mobilizações e articulações em prol de um projeto
político educacional impulsionado por secretarias de Educação que abraçam
uma ação intersetorial e assumem um comando articulador e coordenador
nas demais secretarias para efetivar a educação integral. (Fundação Itaú
/CENPEC/UNICEF, 2011)

É importante destacar que outros Aparelhos Privados de Hegemonia, ligados à outras


frações do capital, passaram a se articular em tornos deste projeto educativo. Deste de 2013, o
Instituto Inspirare, Instituto Natura e Fundação Itaú Social, Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), União dos Dirigentes Municipais de
Educação (Undime), Fundação SM, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
(FLACSO), CENPEC, Centro Integrados de Estudos e Programas para o Desenvolvimento
Sustentável (CIEDS) e Associação Cidade Escola Aprendiz estão organizados em um bloco,
234

chamado Centro de Referência em Educação Integral, que está articulado para definir e
redefinir a política de ampliação do tempo escolar. Com a proposta de apoiar a pesquisa, o
desenvolvimento, o aprimoramento e a difusão de experiências e ferramentas que contribuam
para a implementação e gestão de ações e programas ligados à educação integral, o bloco
contribuiu com a formulação, gestão e avaliação de políticas públicas de Educação Integral.
O grupo é gerido e cofinanciado pela Fundação Itaú Social, Fundação SM, Instituto
Inspirare, Instituto Natura e Instituto C&A e Instituto Oi Futuro. A gestão está sob os
cuidados da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO), o escritório
Cenários Pedagógicos, o Cenpec, o Centro Integrados de Estudos e Programas para o
Desenvolvimento Sustentável (CIEDS), o Instituto Alana, Instituto Rodrigo Mendes e o
Movimento de Ação e Inovação Social (MAIS).

5.3- A inserção do capital financeiro na política municipal ampliação do tempo escolar

Antes de o governo federal anunciar o programa nacional de fomento à educação de


tempo Integral, muitos municípios desenvolveram pequenas experiências de ampliação do
tempo escolar dentro da perspectiva de inclusão social, através da expansão da aprendizagem,
por meio da “parceria” com espaços e instituições não formais de ensino. O município de
Belo Horizonte, em Minas Gerais, iniciou a experiência neste campo a partir da parceria com
a Universidade Federal de Minas Gerais, em 2006, implementando um projeto piloto em seis
escolas de sua rede. Orientado pelo conceito Cidade Educadora, o projeto comungava da ideia
de que a escola deveria compartilhar a educação com outros “espaços educativos”, como
praças, clubes, associações, empresas, etc. Um ano após o lançamento do projeto piloto, o
programa foi estendido para as demais escolas da rede com o financiamento da Fundação Itaú
Social e da Prefeitura municipal de Belo Horizonte, em “parceria com o CENPEC e a
organização Cidade Escola Aprendiz.
A prefeitura de Belo Horizonte e o Grupo Itaú, desde 2004, vinham desenvolvendo
algumas ações em conjunto por meio do 'Projeto Gestores de Aprendizagem Socioeducativa61,
2005/2006, por meio do 'Projeto Gestores de Aprendizagem Socioeducativa – Formação de
Formadores' na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O foco do Projeto Gestores de

61
O Projeto Gestores de Aprendizagem Socioeducativa foi desenvolvido dentro do Programa Educação e
Participação, pela Fundação Itaú Social, e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e coordenado
pelo Cenpec. Como já foi dito, o Programa teve como objetivo fortalecer o trabalho educativo de organizações
não-governamentais – ONG’s que atendem crianças e adolescentes.
235

Aprendizagem Socioeducativa estava na formação dos profissionais das “ONG’s” e das


secretarias municipais. A ação visava a constituição de um marco-referência para alinhar as
organizações com trabalho de intervenção na escola dentro da perspectiva de educação do
capital financeiro. O projeto Comunidade Integrada, desenvolvido pelo CENPEC/ Fundação
Itaú Social e a organização Cidade Aprendiz orientou o Programa da Prefeitura de Belo
Horizonte, Escola Integrada. O Trabalho forneceu subsídios para o livro Comunidade
Integrada: a cidade para as crianças (2008), voltados para os administradores, agentes
governamentais e agentes da sociedade civil. A publicação, dividida em três capítulos,
abordou as seguintes questões:

Quadro 18: Resumo do Livro: Comunidade Integrada: a cidade das Crianças


Capítulo Questões abordas Breve Resumo
A criança e o adolescente como  O projeto Discute a condição de
sujeitos de direitos Comunidade cidadania da criança e do
Integrada adolescente
 Política de educação
integral
A descentralização e o novo papel dos  Descentralização e Discute a articulação
municípios intersetorialidade Entre diferentes políticas
 Estratégias de setoriais,
formação do projeto E aponta as estratégias de
Comunidade formação do
Integrada Comunidade Integrada
 Descentralização e para efetivar a
territorialização articulação em Belo
 Estratégias para Horizonte
conhecimento do
território
Cidade Educadora e a participação  Participação e Discute o conceito de
social desenvolvimento cidade educadora e
local aponta algumas
 Mobilização social e estratégias de
garantia de direitos mobilização para uma
 Parcerias intervenção dentro desta
 Redes sociais perspectiva
 Sustentabilidade:
desafio da ação
intersetorial
Fonte: Comunidade Integrada: A cidade das Crianças: Prefeitura de BH, 2008

O CENPEC, com financiamento da Fundação Itaú Social e do Unicef, realizou o


monitoramento da educação de tempo integral em Belo Horizonte, entre 2007 e 2009, com a
finalidade declarada de reconhecer potências e fragilidades das diferentes modalidades de
educação integral para permitir aos seus implementadores agregar maior efetividade às ações
dos programas. O monitoramento compõe o conjunto de estratégias do capital para convencer
236

seus pares a aderirem a cultura do Investimento Social Privado e como tal se propõe avaliar os
impactos sociais e econômicos do programa em ação. Neste caso especifico, o monitoramento
foi feito pelo Programa de Avaliação Econômica de Projetos Sociais, realizado pela Fundação
Itaú Social e pelo Banco Itaú.
A avaliação econômica, segundo o Grupo Itaú, tem a função de verificar se os
impactos esperados foram alcançados e se foram efetivamente causados pelo programa. O
Programa de avaliação investiga também o cálculo do retorno econômico, que é fruto de uma
análise de custo-benefício do programa. A avaliação da política de expansão da jornada
escolar, em Belo Horizonte, foi feita a partir da comparação de grupos da amostra das famílias
dos alunos e da amostra de escolas 62 , considerando diretores, professores, monitores e
professores comunitários, com a pesquisa de campo realizada nos meses de novembro e
dezembro de 2007. A pesquisa levou em conta: a) características gerais dos municípios; b)
características dos responsáveis dos domicílios: idade, sexo, raça, anos de escolaridade c)
características da criança, idade, sexo e raça; d) características do domicilio, condições de
vida, presença ou não de associações comunitárias; hábitos de higiene leitura, motivação para
ir à escola, etc, alocação do tempo das mães, alocação do tempo das crianças; perfil e opinião
dos professores; diretores, professores comunitários, monitores e agentes comunitários. As
principais categorias qualitativas de análise foram comportamento, motivação e interesse,
conhecimentos gerais, socialização e alocação do tempo.
No que diz respeito à percepção dos diferentes sujeitos envolvidos no Programa, o
Relatório destacou a percepção dos Diretores, professores, agentes comunitários, monitores.
Sobre a percepção dos professores:

Quanto à percepção dos professores sobre a situação atual, destaca-se a visão


mais positiva do grupo de tratamento relativa a: comunicação oral dos
estudantes, interesse e motivação dos alunos com relação ao conteúdo e
agressividade dos alunos. Não se diferenciam os seguintes aspectos: disciplina
e concentração dos estudantes em sala de aula, interação entre os estudantes
e aluno-professor em sala de aula, aprendizado dos alunos com relação ao
conteúdo, responsabilidade dos alunos com relação às lições de casa,
envolvimento dos alunos com a manutenção e preservação da escola, nível
cultural geral dos alunos, relação da comunidade com a escola e participação
dos pais dos alunos nas reuniões. Quanto à percepção relativa ao programa
Escola Integrada, avaliam com impacto positivo, 67% dos professores,
ressaltando novamente a interação entre os estudantes. Chamam a atenção,

62
Segundo a descrição do Relatório a amostra contempla 15 escolas que aderiram voluntariamente ao Programa
Escola Integrada e 15 escola que não aderiram ao Programa. A amostra de alunos/famílias foi obtida a partir da
amostra de escolas, e inclui 2.675 entrevistados, em um grupo de tratamento (982 observações) e dois grupos de
comparação: um dentro da própria escola participante (Comparação 1, com 900 observações) e outro em uma
escola não participante.
237

como pontos negativos, a desorganização do programa na escola, o cansaço


dos alunos, o espaço físico da escola e a falta de participação na escola da
comunidade e dos pais. (Relatório de avaliação econômica – Programa
Escola Integrada de Belo Horizonte, 2008, pp 7,8)

Em relação a percepção dos Diretores:

Quanto à percepção relativa ao programa Escola Integrada, avaliam de forma


positiva sobretudo o envolvimento dos alunos com o programa, a aceitação
dos alunos em relação aos monitores e às oficinas, o conteúdo das oficinas e
a relação da comunidade com o programa; de forma menos positiva, avaliam
a violência dentro e fora da escola, as condições dos trajetos até as oficinas e
os locais onde são realizadas as oficinas. Chama a atenção como impacto
positivo o aumento da relação 9 comunidade/escola e como maior
dificuldade de implementação do programa a falta de estrutura física das
escolas. (Idem, p.9)

A maioria dos professores comunitários, de acordo com o documento, era formado por
mulheres, negros, com nível de ensino de pós-graduação, entre 40 e 49 anos de idade,
trabalhando em dois turnos na escola e com renda familiar superior a dois mil reais. A
percepção dos professores comunitários sobre o programa:

Quanto à percepção relativa ao programa Escola Integrada, avaliam de forma


positiva sobretudo o envolvimento dos alunos com o programa, a aceitação
dos alunos em relação aos monitores e às oficinas, o conteúdo das oficinas e
a aceitação das famílias. De forma menos positiva, avaliam as condições dos
trajetos até as oficinas, os locais onde são realizadas as oficinas e a aceitação
dos professores. Chama a atenção como maior dificuldade de implementação
do programa a falta de experiência dos monitores e a falta de estrutura física
das escolas. Como impactos positivos, destacam a relação
comunidade/escola e a agressividade dos alunos. Como motivos para
identificação de impactos negativos, destacam o cansaço dos alunos e a alta
evasão de alunos do programa (Idem, p. 9).

Os monitores, em sua maioria eram mulheres, negros, com nível de ensino superior, entre 21 e
30 anos de idade, cursando Pedagogia, não possuindo outra ocupação além desta atividade de
monitoria e com renda familiar superior a mil reais. A percepção dos monitores em relação ao
Programa era de que:

Quanto à percepção relativa ao programa Escola Integrada, avaliam de forma


positiva sobretudo o envolvimento dos alunos com o programa, a aceitação
dos alunos em relação aos monitores e às oficinas, o conteúdo das oficinas e
os locais onde são realizadas as oficinas. De forma menos positiva, avaliam
a violência dentro e fora da escola, as condições dos trajetos até as oficinas e
a relação da comunidade com o programa. Chama a atenção como maior
dificuldade de implementação do programa a falta de interação com os
professores e a falta de estrutura física das escolas. (Idem, p 10).
238

Segundo o relatório, o perfil dos agentes comunitários era semelhante aos dos monitores:
mulheres, negros, com nível de ensino médio, entre 21 e 30 anos de idade, cursando
Pedagogia, possuindo outra ocupação além desta atividade e com renda familiar inferior a mil
reais. A percepção deste grupo em relação ao Programa era e que:

Quanto à percepção relativa ao programa Escola Integrada, avaliam de forma


positiva o envolvimento dos alunos com o programa, a aceitação dos alunos
em relação aos monitores e às oficinas e o conteúdo das oficinas. De forma
menos positiva, avaliam a violência dentro e fora da escola, as condições dos
trajetos até as oficinas, os locais onde são realizadas as oficinas e a relação
da comunidade com o programa. Chama a atenção como maior dificuldade
de implementação do programa a falta de estrutura física das escolas; e como
principais impactos sobre a comunidade, o aumento da relação comunidade-
escola, o aumento da segurança e da preservação na localidade (Idem, p. 10)

Em termos gerais, a conclusão do relatório ressalta, como êxito, a motivação dos estudantes
em relação às atividades do programa e em contrapartida, destaca como insuficiente o
rendimento dos alunos nas atividades escolares propriamente ditas:

Em termos gerais, todos os agentes destacam um aumento da motivação das


crianças participantes do programa, ainda, neste momento, insuficiente para
aumentar o desempenho escolar, na opinião dos professores. Somente os
professores comunitários mencionam um aumento da recuperação de
rendimento dos alunos. Todos os pontos positivos ou diferenciais percebidos
pela existência do programa Escola Integrada são no sentido da construção
do ambiente propício à melhoria do desempenho, como pré-requisitos para
tal. As maiores dificuldades se referem à questões de implementação do
programa ou a características intrínsecas às famílias, e não diretamente à
concepção do programa relatório em termos gerais (Idem)

No mesmo período em que a municipalidade de Belo Horizonte inaugurou o Programa


Escola Integrada, a Prefeitura de Nova Iguaçu, localizada na Baixada Fluminense no Estado
do Rio de Janeiro, implementou o projeto de expansão do tempo escolar, Bairro Escola, com
base nos princípios da cidade educadora. A prefeitura foi orientada pela organização Cidade
Aprendiz. O projeto, que ganhou prêmios nacionais e serviu de referência para o programa
nacional de fomento à educação de tempo integral, utilizava a mão de obra de jovens
beneficiados por programas sociais para dar conta das atividades fora das escolas, como
destaca a matéria “Em Nova Iguaçu, bairro escola é política pública efetiva”, publicada em 7
de dezembro de 2006, no portal Aprendiz da UOL:

Nas atividades externas, os alunos são acompanhados por monitores da


prefeitura municipal para circularem no bairro. Quem fica com as crianças
no horário contrário ao escolar, são jovens beneficiados por programas
federais e estaduais, voltados para a geração de renda como Pró-Jovem,
239

Ponto de Cultura e Segundo Tempo. "É interessante para esses jovens pois
antes eles só aprendiam uma determinada atividade. Agora, podem colocar
em prática o conhecimento adquirido", explica Judith Terreiro, coordenadora
do Centro de Formação da Cidade Escola Aprendiz, organização não-
governamental (ONG) que inspirou o projeto em Nova Iguaçu. "Atualmente,
para ser um cidadão completo, ter um emprego, é preciso conhecer coisas
novas, ter acesso a lazer, cultura. Há uma tendência grande à educação
integral, que é somar essas duas coisas, o que é muito importante," afirma
Terreiro. (https://portal.aprendiz.uol.com.br/ acesso em 21/11/2018).

Um ano após a realização do Seminário, da inauguração da revista Cadernos do CENPEC e


da direção do programa Escalo Integrada, em Belo Horizonte, o CENPEC foi convidado pela
então Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do
Ministério da Educação, para compor o bloco que formularia a política federal de fomento à
ampliação do tempo escolar denominada “Programa Mias Educação”. Como veremos a
seguir, os pressupostos teóricos definidos e difundidos conjuntamente pelos aparelhos de
hegemonia do grupo Itaú e pelo Unicef tornaram referência para a construção do projeto de
ampliação do tempo escolar do governo Federal.

5.4-A hegemonia do capital financeiro na política nacional de expansão do tempo escola:


uma análise do Programa Mais Educação

Após mobilizar-se na sociedade civil, a tríade Itaú/CENPEC/UNICEF conseguiu


imprimir seu projeto na política nacional de educação de tempo Integral. A materialização dos
interesses da holding Itaú-Unibanco não se restringiu à pauta da “educação integral”. O
complexo pedagógico conseguiu orientar planos municipais de educação e a construção do
Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação 63 , instituído pelo governo federal em
2007, conforme destaca o Relatório anual de atividades do CENPEC de 2008. A metodologia
desenvolvida pelo CENPEC serviu de inspiração para o planejamento das políticas públicas
educacionais:
O resultado do conjunto dessas ações é formalizado na incorporação de
novos procedimentos e instrumentos de gestão pública no cotidiano das

63
O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação foi instituído pelo Decreto n° 6.094, de 24 de abril de
2007. O objetivo explicitado no Programa é de conjugar esforços da União, Estados, Distrito Federal,
Municípios, famílias e comunidade, em prol da melhoria da qualidade da educação básica. O Plano de Metas
Compromisso Todos Pela Educação expressa articula ações com gestores estaduais e municipais para colocar em
prática as 28 diretrizes do PDE, assumindo compromisso com metas estabelecidas até o ano 2021. As metas
abrangem: a alfabetização obrigatória das crianças até oito anos de idade; o combate à repetência e à evasão; a
promoção da educação infantil, e etc.
O Plano de Metas Compromisso todos Pela Educação definiu no artigo 2º 28 diretrizes para a melhoria da
“qualidade” da educação básica. No que diz respeito a educação de tempo integral, destaca-se parágrafo IV -
Combater a repetência, dadas as especificidades de cada rede, pela adoção de práticas como aulas de reforço no
contraturno, estudos de recuperação e progressão parcial; VII - Ampliar as possibilidades de permanência do
educando sob a responsabilidade da escola para além da jornada regular.
240

Secretarias Municipais de Educação e na elaboração de Planos Municipais


de Educação que consideram as principais prioridades do município.
Esta metodologia foi adotada como referência para a elaboração do PAR –
Plano de Ação Articulada. O PAR faz parte do Plano de Metas Todos Pela
Educação, do Ministério da Educação composto de um conjunto variado e
integrado de ações que têm como premissa o compromisso de melhorar os
indicadores educacionais dos 1224 municípios que obtiveram baixo
resultado no Índice de Desenvolvimento da Escola Básica (IDEB), visando à
melhoria da qualidade da Educação ofertada pelos municípios brasileiros.
(Relatório, CENPEC, 2008, p. 15)

Antes do programa Mais Educação ser inaugurado pelo governo Federal, em 2007, o Grupo
Itaú organizou, no interior do CENPEC, o projeto Mais Educação, com o objetivo declarado
de:
Elaborar o caderno Gestão Intersetorial do Território, da Série Mais
Educação, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação, visando subsidiar
gestores dos estados e municípios de todo o Brasil para a implementação do
Programa Mais Educação nos territórios em que atuam, tendo em vista a
educação integral de crianças e adolescentes. (disponível em:
http://memoria.cenpec.org.br/, memoria)

As conversas entre o CENPEC e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização


e Diversidade (Secad), do Ministério da Educação (MEC), vinham acontecendo desde 2001.
Conforme afirmam na descrição do projeto 64 , os Pesquisadores da Área Educação e
Comunidade participaram de eventos desde 2001, onde se discutia ações complementares à
escola, ações socioeducativas e finalmente, educação integral, e foi esta participação contínua
e o reconhecimento do trabalho do CENPEC no tema da “educação integral” que
contribuíram para o convite para a participação do dois cadernos. O CENPEC integrou o
bloco que produziu a série Mais Educação formada por três cadernos: Gestão Intersetorial no
Território; Educação Integral: Texto Referência para o Debate Nacional; Rede de Saberes
Mais Educação. De acordo com informações de sua página eletrônica, o Caderno Gestão
Intersetorial no Território foi elaborado exclusivamente pelo CENPEC. O Caderno Educação
Integral: Texto Referência para o Debate Nacional foi redigido por um grupo de trabalho
composto por gestores e educadores municipais e estaduais, representantes da União Nacional
de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Conselho Nacional de Secretários de
Educação (Consed), da Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação (CNTE), da
Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (Anfope), de

64
A descrição do projeto está disponível na página do Centro de Referência e memória. Disponível em:
http://memoria.cenpec.org.br/. Acesso 19/2/2019
241

Universidades e de ONGs, entre as quais o CENPEC. Já o Caderno Rede de Saberes Mais


Educação sugere caminhos para a elaboração de propostas pedagógicas de Educação Integral
por meio do diálogo entre saberes escolares e comunitários, e foi elaborado pela ONG Casa
das Artes – RJ. O CENPEC também ficou responsável pelo kit composto por materiais já
existentes sobre o tema Educação Integral e disponibilizou a cessão de direitos para
reimpressão dos seguintes materiais: Cadernos Cenpec – Educação Integral e Tecendo Redes
para Educação Integral.
Alguns projetos desenvolvidos pelo CENPEC, Itaú e UNICEF foram citados como
referência para formulação do Programa Mais Educação:

Quadro 19: Projetos de referência para o Programa Mais Educação


Projeto ano Objetivo declarado pelo CENPEC Financiadores
Prêmio Itaú 1995 Identificar, reconhecer e dar visibilidade ao Fundação Itaú Social e
Unicef 019 trabalho de organizações da sociedade civil Unicef
sem fins lucrativos que estimulam o ingresso, o
regresso, a permanência, a aprendizagem e a
participação de crianças e adolescentes na
escola pública. Fortalecer e divulgar
experiências inovadoras comprometidas com a
educação e com a cidadania na luta contra as
desigualdades do país. Favorecer a qualificação
de suas equipes técnicas e de agentes públicos
das áreas da Educação e da Assistência Social.
Contribuir no debate e na formulação de
políticas públicas dedicadas à infância e à
juventude.
Gestores de 2006 Aprimorar a gestão socioeducativa das ONGs Fundação Itaú Social e
Aprendizagem envolvidas, direcionando o foco de atuação UNICEF
socioeducativa para o processo de aprendizagem tendo em
069 vista o desenvolvimento integral de crianças e
adolescentes.
Monitoramento 2007 Realizar um estudo avaliativo exploratório Fundação Itaú Social e
da Educação comparando as modalidades de educação Unicef
integral em integral em curso no município de Belo
Belo Horizonte Horizonte e investigar os ganhos percebidos e
125 vivenciados pelas crianças, adolescentes e suas
famílias. O estudo busca explicitar pontos de
atenção para o aprimoramento da política
educacional local.
Comunidade 2007 O Projeto Comunidade Integrada objetiva Fundação Itaú Social
Integrada potencializar a articulação dos serviços e Prefeitura de Belo
espaços públicos, comunitários e privados da Horizonte
cidade na perspectiva do desenvolvimento
integral de crianças e adolescentes. Objetiva
também fortalecer a implementação do
Programa Escola Integrada em Belo Horizonte
e produzir um Caderno com orientações e
subsídios para o fortalecimento de ações no
microterritório.
242

Tecendo Redes 2007 Contribuir para o desenvolvimento integral de Fundação Itaú e Unicef
para a crianças e adolescentes fomentando a
Educação implementação de educação integral nos
Integral municípios por meio da articulação dos
serviços locais de atendimento à infância e
juventude e da formação conjunta entre
profissionais de diferentes instituições
governamentais e não-governamentais.

Fonte: autora, 2019

A longa experiência do CENPEC no diálogo com representantes estaduais e


municipais e sua aliança histórica com a União Nacional dos Dirigentes Municipais
(UNDIME), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e sua consequente
inserção nos planejamentos de educação locais, contribui para que o Estado Ampliado lhe
atribuísse a confecção do caderno destinado aos gestores estaduais e municipais. O caderno
Gestão Intersetorial no Território foi o primeiro caderno da Série Mais Educação a abordar
os marcos legais do Programa Mais Educação, as temáticas Educação Integral e Gestão
Intersetorial, a estrutura organizacional e operacional do Programa Mais Educação, os
projetos e programas ministeriais que o compõem e orienta procedimentos de gestão nos
territórios. O material busca orientar os agentes públicos na sistematização e uso de dados na
construção do planejamento de educação em articulações com outras secretarias, no
monitoramento e na avaliação de resultados.
A metodologia Bairro Escola, aplicada no Município de Nova Iguaçu na Baixada
Fluminense, produzida pela Organização Cidade Aprendiz, foi indicada como referência tanto
em função das afinidades conceituais, quanto em função da afinidade operacional. Tal
metodologia foi organizada em torno dos seguintes princípios:

Transcendência: educação para a vida toda, em todo momento e em todo


lugar, parte do princípio de que a educação transcende a escola, juntamente
com a própria comunidade escolar; As fronteiras se expandem, o tempo se
alarga.
Permeabilidade, a educação é incorporada pela comunidade como direito e
dever, mas principalmente e como valor construtivo que lhe pertence;
Co- reponsabilidade, poder público, empresários, organizações da sociedade
civil e comunidade assumem, todos juntos, o desafio de promover a formação
de suas crianças jovens e adultos;
Conectividade, cada um envolvido disponibiliza sua expertise, seu recurso e
sua força de trabalho que se conecta e que se fundem constituindo uma malha
complementar e coesa capaz de atender as diferentes demandas levantadas
pelo processo
Pluralidade, a educação comunitária depende de uma ação intersetorial.
Baseia-se na interdependência construída por meio do respeito, do diálogo e
da valorização da diversidade como componentes complementares de uma
243

ação integral. (SERIE MAIS EDUCAÇÂO, Gestão Intersetorial no Território,


2009, p.45)

O quadro a seguir expõe sinteticamente o conteúdo do Caderno e expressa uma


suposta transição do paradigma de “educação integral” para sociedade contemporânea. O
conteúdo expressa a fina sintonia entre o modelo de “educação integral”, proposto pelo
programa, com o projeto construído e difundido pelo grupo Itaú e atualmente pela holding
ITAÚ/UNIBANCO por pelo menos 25 anos.

Quadro 20: Resumo do caderno: Gestão Intersetorial do território


Capítulos Assunto
O Programa Mais Educação uma Sinaliza os marcos legais do Programa Mais Educação.
ação interministerial Destaca o Plano de Metas Compromisso Todos Pela
Educação instituído em 2007, que define 28 metas para
melhoria da “qualidade “da educação no país e o Plano de
Ações Articuladas (PAR) elaborado por municípios e
estados para o recebimento de transferências voluntárias e
assistência técnica do MEC. O PME é um dos componentes
do PAR
Aponta os Critérios definidos para adesão dos estado e
municípios ao Programa

Uma proposta de Educação Integral Propõe-se discutir a transição paradigmática da sociedade


contemporânea
Considera a nova perspectiva sobre a criança e o
adolescente
Aponta experiências consideradas exitosas no que diz
respeito à política de Educação de tempo integral, citando
como Exemplo o Programa Bairro Escola,
Defende a ampliação de tempo, espaço e oportunidades
educativas sem a necessidade de ampliação da escola como
instituição total.
Defende a inersetorialidade na ação política para crianças e
adolescentes
No que tange a qualidade da aprendizagem, afirma que a
criança e adolescente precisam aprender: a) confiar em si
mesmo e nos outros; b) realizar um projeto, c) dominar as
capacidades necessárias para concluir um projeto d)
relacionar-se com os demais de maneira saudável c)
Explicar sua própria vida e o mundo

Intersetorialidade: Nova Forma de Defende a necessidade de alinhamento entre as políticas


gestão da política públicas sociais
Os programas ministeriais e suas Afirma que o no contexto está delineando um novo modelo
potencialidades de gestão, a “gestão da incerteza” que passa a conviver com
o anterior sem, no entanto, superá-lo inteiramente:
Aponta a necessidade de destacar um elemento que tenham
poder de mobilizar os diversos atores em torno de um
objetivo comum
Aponta princípios para levar a cabo os programas:
1-construção de recursos de poder e legitimidade, busca de
consenso em torno dos programas
2- princípio da gradualidade, atuar de forma gradual por
244

etapas ou metas
Definição de matriz avaliativa, as precisam ter alto grau de
participação das criança e dos adolescentes.
3- descentralização
Destaca que programa Mais Educação está articulado a 25
programas ligados a 6 ministérios
Perspectiva territorial na política de Aponta para necessidade dos municípios produzirem
informações e princípio da informações para auxiliar (índices, taxas e indicadores) para
transparência: O IDEB como auxiliar no planejamento, monitoramento e avaliação das
referência para o Mais Educação políticas.
Aponta o IDB como Referência para o Programa Mais
Educação
Indica possibilidades de leitura dos dados
Apresenta dois compromissos: o primeiro, planejar e
executar políticas de equidade para diminuir as
desigualdades regionais e segundo compartilhar as
informações produzidas com os diversos setores
Indica a criação de sistematização dos dados alcançados.
Considera ser fundamental que as metas para a educação
integral possam ser replanejadas.

Operacionalização do Programa no Convoca as diferentes secretarias estaduais e municipais


Território para uma intervenção que busca sinergia entre iniciativas
Instâncias de gestão político- federais, estaduais, municipais, governamentais e da
pedagógica do Programa MAIS sociedade civil.
EDUCAÇÃO. Apresenta as estratégias e procedimentos das res esferas do
Implementação do Programa MAIS governo:
EDUCAÇÃO no território Em nível Federal: O Fórum Interminiterial Mais Educação
Em nível “metropolitano”: O Comitê Metropolitano Mais
Educação
Em nível local: O Comitê Local Mais Educação
Indica a metodologia do “Bairro Escola” produzida pela
Organização Cidade Aprendiz, devido as afinidades
conceituais e operacionais com o programa

O Programa Mais Educação na Define algumas orientações para a escola: compromisso


Escola com a busca e criação de oportunidades diversificadas de
aprendizagem para as crianças e adolescentes;
Instâncias de Gestão Administrativa • participação ativa das famílias, crianças e profissionais;
Planejamento e financiamento • articulação e cooperação entre diversos espaços
educativos;
• transparência e publicização dos resultados alcançados.
No Programa MAIS EDUCAÇÃO os profissionais
diretamente responsáveis pela elaboração e implementação
do plano
São: o diretor da escola, o presidente da unidade executora
e o professor comunitário,
Define o papel do Diretor, da Unidade Executiva e do
agente Comunitário
Fonte: autora, 2019

O segundo caderno “Educação Integral: Referência para o Debate Nacional,” foi


produzido pelo Grupo de Trabalho composto por gestores e educadores municipais,
UNDIME, CONSED, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da
245

Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (ANFOPE), de


Universidades e de Organizações como o CENPEC, sob a coordenação da SECAD/MEC. A
proposta declarada no livro foi de “contribuir para o debate nacional, com vistas à formulação
de uma política de Educação Integral, sustentada na intersetorialidade da gestão pública, na
possibilidade de articulação com a sociedade civil e no diálogo entre saberes clássicos e
contemporâneo” (2008, p.10). Embora esteja em destaque a contribuição para o debate sobre
o tema, não houve espaço nesta publicação destinado a concepção de educação integral
antagônica ao conceito hoje dominante. Essa publicação serviu para uniformizar a visão sobre
ampliação do tempo escolar dentro da perspectiva de “educação integral” social-liberal.
Através da seleção de determinadas categorias de análise, do destaque de experiências
inspiradas no movimento escolanovista, os objetivos expostos, etc, o livro, que alcançou um
número expressivo de leitores, finalmente difundiu a ideologia em nível nacional e
neutralizou potenciais proposta alternativas, fincadas em outros referenciais teóricos imbuídas
de outros objetivos, como expressa este quadro com a síntese do livro:

Quadro 21: Resumo do livro Educação Integral – Texto Referência para o Debate
Nacional
Capítulo Assunto

Introdução Propõe o desenho de um modelo de “educação


Integral” com vistas à formulação de uma política de
1-POR QUE EDUCAÇÃO INTEGRAL Educação Integral, sustentada na intersetorialidade da
NO CONTEXTO BRASILEIRO gestão pública, na possibilidade de articulação com a
CONTEMPORÂNEO? sociedade civil e no diálogo entre saberes clássicos e
contemporâneos

Destaca os processos de” globalização”, as mudanças


no mundo do trabalho, as transformações técnico-
científicas e as mudanças sócio- ambientais globais,
dentre outras.

Supõe que a vulnerabilidade e risco social contribuem


para o baixo rendimento escolar, defasagem idade e
série, reprovação e evasão escolar

A expansão das vagas não garantiu a qualidade das


vagas

Destaca que debate não se pauta pelo acesso, mas


também pela permanecia dos estudantes na escola

2-EDUCAÇÃO INTEGRAL: Menciona o projeto de “educação integral” dos


CONTEXTO HISTÓRICO E Integralistas e dos anarquistas da década de 1930

PRESENÇA NA EDUCAÇÃO Aborda o projeto de Educação Integral de Anísio


BRASILEIRA. Teixeira materializada no Centro Educacional

Carneiro Ribeiro, implantado em Salvador, na Bahia,


246

na década de 1950.

Rememora a experiência dos Centros Integrados de


Educação Pública – os CIEPs, na década de 1980,
concebidos por Darcy Ribeiro, a partir da experiência
de Anísio Teixeira, a experiência dos Centros
Educacionais Unificados (CEUs), instituída por
Decreto Municipal, vivida na cidade de São Paulo
(2000-200

2.1-AMPLITUDE DO DEBATE: DO Faz referência a Constituição de 1988, a Lei de


CONCEITUAL AO LEGAL Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei
nº 9.394/96 que prevê a ampliação progressiva da
jornada escolar do ensino fundamental para o regime de
tempo integral (Arts. 34 e 87) e que admite e valoriza
as experiências extraescolares (Art. 3º, inciso X),

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Cita a Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que


instituiu o Plano Nacional de Educação (PNE), o Plano
Decenal de Educação, lançado em abril de2007

Aponta a criação do O FUNDEB que ampliou as


possibilidades de oferta de Educação Integral ao
diferenciar o Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação, instituído em abril de 2007

Destaca Programa Mais Educação como avanços na


legislação brasileira no tocante a formação integral dos
estudantes

EDUCAÇÃO INTEGRAL: UMA Demarca a relação da aprendizagem das crianças e dos


PROPOSTA EM CONSTRUÇÃO adolescentes com a sua vida e com sua comunidade

3.1 A INSTITUIÇÃO ESCOLAR: Propõe o alargamento da visão sobre a instituição


SABERES, CURRÍCULO E escolar
APRENDIZAGEM
Afirma que neste momento, a escola tem ocupado esse
lugar central no “cuidado” às crianças e aos jovens,
ainda que enfrentando inúmeros desafios e fazendo-o
de modo solitário.
Reconhece a condição da universidade como locus da
formação dos educadores

Reconhece a condição da escola como locus do


trabalho empírico dessa formação.

3.2 RELAÇÃO ESCOLA E Sugere que a escola deixe ser afetada positivamente,
COMUNIDADE pelas práticas comunitárias, pela liberdade e autonomia
presentes nos espaços de educação informal, pela
concretude e pelo movimento da vida cotidiana.
3.3. TEMPOS E ESPAÇOS DA
EDUCAÇÃO INTEGRAL
3.4. FORMAÇÃO DE EDUCADORES
NA PERSPECTIVA
DA EDUCAÇÃO

OS TRABALHADORES EM
247

EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DA EDUCAÇÃO INTEGRAL
3.6. PODER PÚBLICO: O PAPEL O governo possui ação indutora insubstituível, mas é
INDUTOR DO ESTADO coadjuvante,
O MEC tem o compromisso de reconhecer demandas,
identificar oportunidades e oferecer estratégias
sustentáveis, por meio de uma dinâmica
especificamente regulada entre os agentes, setores da
sociedade e esferas de governo, para manter as
condições de diálogo, reconhecer dissensos e construir
consensos.
É fundamental a intervenção do Poder Público na
organização das ações de diferentes áreas sociais em
que cabe, ao Estado, o planejamento, a coordenação da
implementação, o monitoramento e a avaliação das
ações pedagógicas que ocorrem no espaço e tempo
escolar e outros espaços sócio-educativos.
Compreende o ambiente social como espaço de
3.7. PAPEL DAS REDES SÓCIO- aprendizagem
EDUCATIVAS INTEGRAL Compreende a escola como locus catalizador
Defende a ideia de que a sociedade, ao se apropriar e
fazer uso de um território, compartilha o domínio das
condições de produção e reprodução da vida.
Aponta como caminho a construção de redes sócio-
educativas, a partir da relação dialógica entre a escola e
a comunidade.
Fonte: autora, 2019

Os intelectuais dirigentes do Programa Mais Educação afirmavam valorizar a


pluralidade de saberes e a criação de momentos privilegiados afim de compreender a
importância das distintas formas de conhecimento e suas expressões no mundo
contemporâneo. Desse modo, apontaram a reunião de alguns debates presentes na sociedade
sob a ótica social liberal, fincada em princípios como sustentabilidade, da responsabilização,
da “participação ativa” da sociedade civil:

Retomam-se questões candentes como a da necessidade de ressignificação


da relação com a natureza, na perspectiva da sustentabilidade ambiental, na
pauta da construção de um projeto de sociedade democrática em relação ao
acesso, usufruto, produção e difusão de saberes, espaços, bens culturais e
recursos em geral, numa interação em rede com diferentes espaços sociais da
cidade. A construção da oferta de Educação Integral, tal como afirma Torres
(2006), está implicada na participação social para orientar, influenciar e
decidir sobre os assuntos públicos. (MEC, 2008, p.27)

Foram atribuídas ideias pejorativas ao currículo da escola formal como: sacrifício, tradicional,
antiquado e ao espaços informais ideias como inovação, prazer, ludicidade:

A tensão instituidora permanece: estar na escola até os dias de hoje pode


representar a possibilidade de imbricar-se na estrutura societária e, ao
mesmo tempo, na de homogeneização. Por isso mesmo, o papel da escola na
proposição do projeto de Educação Integral deve se constituir a partir da luta
248

por uma escola mais viva, de modo que se rompa, também, gradativamente,
com a ideia de sacrifício, atrelada ao Ensino Formal e, por outro lado, de
prazer a tudo que é proposto como alternativo ou informal em relação a esse
sistema escolar. (Idem, p.32)

A nova organização curricular foi estimulada em nome da integração dos diversos campos do
conhecimento e das diversas dimensões formadoras da criança e do adolescente, do jovem e
do adulto na contemporaneidade. O aprendizado deveria se dar a partir da socialização, pelas
vivências culturais e pelo investimento na autonomia, por desafios, prazer, alegria, etc. Desse
modo, os assuntos que interessam às crianças e aos jovens e os que preocupam a comunidade
deveriam ser objeto do trabalho sistemático da escola. Além da associação direta com o
desenvolvimento econômico, o paradigma de “educação Integral” também foi associado ao
rompimento dos ciclos de pobreza:

Ao considerar os contextos de vulnerabilidade e risco social, é preciso


reconhecer que a educação constitui-se em importante recurso para o
rompimento com os ciclos de pobreza, e este é o desafio convergente e o
compromisso das principais políticas sociais do Brasil na atualidade. Vale
destacar que já são observadas, no país, iniciativas de articulação entre as
políticas públicas de diferentes áreas sociais. A Assistência Social e a
Educação, por exemplo, têm a frequência à escola como critério para a
permanência no Programa Bolsa Família, sendo verificada por uma
articulação de ações interministeriais. (Idem, p.45)

O repertório sócio-cultural dos estudantes, segundo esta ideologia, deveria ser


“ampliado” não por meio da socialização do conhecimento cientifico, artístico e filosófico em
sua forma mais desenvolvida, mas por meio da valorização da cultura acumulada pelo
estudante ao longo de sua vida e dos espaços de produção desta cultura:

Para isso, é importante que a escola reconheça os outros territórios do


exercício da vida, do conhecer e do fazer. Assim, a Educação Integral, em
questão, não se restringe à possibilidade de ampliação do tempo que a
criança ou o jovem passa na escola, mas à possibilidade de integração com
outras ações educativas, culturais e lúdicas presentes no território e
vinculadas ao processo formativo. Dessa forma, busca garantir a eles o
direito fundamental à circulação pela cidade, como condição de acesso às
oportunidades, espaços e recursos existentes, como direito à ampliação
contínua do repertório sociocultural e à expressão autônoma e crítica da
sociedade e como possibilidade de projeto mais generoso de nação e de país.
(Idem, p. 47)

No que tange à formação do corpo de educadores, o programa apontou o envolvimento de


estudantes universitários dos cursos de Pedagogia e das licenciaturas, com a justificativa de
proporcionar aos mesmos uma formação mais completa e oportunizar sua entrada na escola e
o contato com os educandos, antes de sua formação ser concluída. A escola é discutida no
249

documento como um importante “laboratório” para a formação dos futuros profissionais da


educação:

Nesse sentido, para além do debate curricular dos cursos de graduação, a


Educação Integral requer uma maior interação com os estudantes da
pedagogia e das licenciaturas em seu universo cotidiano. A escola pautada
pela Educação Integral representa um laboratório permanente desses futuros
profissionais que, desde o início de seus cursos, passarão a manter intenso
contato com as crianças e com os jovens, numa troca de experiências úteis
para a formação e o trabalho de ambos, bem como para o aprimoramento das
instituições – básica e universitária – que poderão adequar seus conteúdos
programáticos teóricos e práticos, ao longo desse processo inter-relacional.
(Idem, p 39)

Os estudantes universitários seriam incorporados ao programa na categoria de monitores,


juntamente com as pessoas da comunidade com “habilidade apropriadas” como judô, mestres
de capoeira, contador de histórias, agricultor para a horta escolar, etc, e os estudantes da EJA
e do ensino médio. Os professores da própria escola só poderiam trabalhar como monitores,
caso não fossem ressarcidos de despesas com transporte e alimentação com recursos do
FNDE. (MANUAL OPERACIONAL DE EDUCAÇÂO INTEGRAL 1021). Cabe ressaltar a
semelhança com o programa, transformado em política pública em alguns estados
americanos65, que ampliou o corpo docente das escolas públicas a partir da incorporação de
estudantes universitários recrutados nas redes sociais. O programa Mais Educação,
diferentemente do programa adotados nos estados americanos, demarca a preferência pelos
estudantes universitários para preenchimento do cargo de monitor, mas não estabelece
critérios de formação mínimas dos candidatos interessados à vaga, uma vez que define como
critério apenas “habilidades” sem necessidade de comprovação de formação técnica.
A solução do voluntariado para a questão do trabalho docente indica a opção pelo
aprofundamento do processo de precarização dos profissionais da educação, com respaldo
ativo do empresariado, afirma COSTA (2016, p.65). Para o autor, esta espécie de estágio
profissional coloca o monitor em situações de “grandes desafios pedagógicos”, como a
condução de oficinas em turmas multisseriadas,, compostas por alunos com distorção
idade/série e dificuldades de aprendizagem e provável dificuldade de integração do
planejamento das oficinas com o trabalho desenvolvido pelos docentes do turno. Para nós, os
“desafios pedagógicos” gerados pelas condições de trabalho inapropriadas está longe de
oferecer, aos docentes em formação, a oportunidade para desenvolver o trabalho criativo. Tais
situações, além de impedirem a realização de um trabalho pedagógico qualificado, impacta

65
Este programa foi abordado no capítulo 3 desta tese
250

negativamente a formação do futuro professor, que é educada a aceitar a escassez de recursos


matérias e humanos dentro da instituição escolar.
O Programa também educava as equipes “educadoras” dentro da “nova morfologia do
trabalho” (ANTUNES, 2013). Ao contratar os estudantes universitários e os demais
trabalhadores “precariados” (BRAGA, 20012, ALVES 2013) no regime de voluntariado, o
programa conformava esta camada de assalariados em formação (ALVES 2013) a aceitar a
informalização da força de trabalho, a restrição de direitos sócias, a submissão à contratos
temporários, sem registro em carteira, sob ameaça permanente do risco de desemprego. O
Programa acabava por cumprir duas funções importantes para o projeto de ampliação do
tempo escola no contexto da reforma administrativa: 1- ampliou o tempo escolar sem ampliar
um correspondente financiamento, com base no modelo de gestão anunciado como
“eficiente”, “responsável” “sustentável”; 2- conformou futuras gerações de trabalhadores da
educação aos processos de intensificação da precariedade do trabalho.
O terceiro caderno da série Mais Educação: Rede de Saberes: Pressupostos para
Projetos Pedagógicos de Educação Integral (2009) foi o material preparado pelo bloco que
definiu a política para servir de referência às equipes responsáveis pela execução do Programa
no interior da escola. O livro foi redigido em conjunto pela organização Casa das Artes pela
Secretaria de Educação de Pernambuco, pelo Fórum Mais Educação, formado pelos Ministério
da Cultura; Ministério do Esporte, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério do Meio Ambiente, Secretaria Nacional da
Juventude / Presidência da República. Para os “educadores” que atuariam no PME foi
apresentado como referenciais os estudos da antropologia, da arte e da cultura contemporânea
citando intelectuais como Nestor Canclini, Clifford Geertz, Pierre Bourdieu, Michel Foucault,
Boaventura de Souza Santos e Umberto Eco para pensar sobre a relação intrerrelações entre
culturas. Este manual sobressaltou a parceria público-privada, camuflada na perspectiva da
integração entre escola e comunidade. O quadro a seguir expressa sinteticamente algumas das
orientações apontadas para a equipe.

Quadro22: Resumo do Caderno: Redes de Saberes Mais Educação


Título do Capítulo Assunto
Introdução Apresenta o programa Mais Educação aos
professores das escolas públicas
Destaca como objetivo do programa a
implementação de “educação integral” a partir da
reunião dos projetos sociais desenvolvidos pelos
ministérios envolvidos – inicialmente para
estudantes do ensino fundamental nas escolas
com baixo Ideb
251

Demarca a necessidade de sintonia entre as


práticas realizadas além do horário escolar
sintonizem com o currículo das escolas
Afirma propor um trabalho aberto capaz de se
adaptar as diversidades locais
As diferenças na escola, a comunidade sem Considera que além de reconhecer as diferenças,
lugar.... corrigir desigualdades e promover os ambientes
de trocas.
Defende que a circulação de saberes e bens
culturais pode ser uma operação pedagógica e
política, suscetível de instaurar outras formas de
organização social bem como outras visões de
aprendizagem estruturadas em noções mais
amplas de saberes
Indica a “Mandala de Saberes” como símbolo
representante da estratégia para implementação
da educação integral

Apresentando a Mandala.. Explica que a escolha da mandala pelo Grupo


Casa das artes foi feita em função deste símbolo
ser utilizado por muitas culturas e por representar
inúmeras possibilidades de trocas, diálogos e
mediações entre a escola e a comunidade.
A educação é interpretada como um laboratório
de experiências culturais, sociais e históricas em
que a realidade e o conhecimento adquirem
sucessivamente novas formas.
. Os Saberes e as Mandalas. Pressupõe que entre a escola e a comunidade
existem pelos menos dois saberes: o saber
produzido pela academia e os saberes que tem
origem no fazer, em outras palavras, um saber
teórico e um saber prático.
Compara a “Mandala dos Saberes” às obras de
arte contemporânea, destacando o pensamento de
Umberto Eco que define a arte contemporânea
com arte aberta em permanente interação com o
espectador
Reafirma a ideia de que a deducação deve
acontecer em todo o território e expressar um
projeto comunitário
Mandala do Mais Educação
Saberes Comunitários. Foram definidos onze campos como possíveis
áreas do saber: Habitação, corpo vestuário,
alimentação, brincadeira, organização política,
organização ambiental, mundo do trabalho,
curas e rezas, expressões artísticas, narrativas
locais, calendários locais,
Saberes Escolares. Propõe pensar a vida escolar para além dos
As áreas do conhecimento escolar. desafios que os diversos conteúdos propõem
cotidianamente a nossos estudantes.
Esclarece que por saberes escolares se alinham a
perceptiva que se propõe ir “além” dos
conteúdos específicos de cada disciplina escolar;
considerando também as habilidades,
procedimentos e práticas que nos tornam
sujeitos formuladores de conhecimento
Foram definidas áreas do conhecimento escolar:
252

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias reúne


língua portuguesa, estrangeira, artes,
informática, educação física e literatura. •
Ciências da Natureza e Matemáticas,
comportando as matemáticas e as ciências. •
Sociedade e Cidadania, onde se debatem
filosofia, ciências humanas, história e geografia.

Mandala Relações de Saberes. Defende que não pode haver uma relação de
assimetria entre os saberes da comunidade e
saberes escolares
Programas de Governo que Integram o Mais Síntese dos programas desenvolvidos pelos
Educação ministérios envolvidos no Mais Educação
Ministério do Esporte Ministério dos Esportes – Esporte e Lazer e
Ministério da Cultura Segundo Tempo.
Ministério do Desenvolvimento Social e Ministério da Cultura – Cineclube na Escola,
Combate à Fome Cultura Viva, Casas do Patrimônio. Ministério
Ministério da Ciência e Tecnologia do Desenvolvimento Social e Combate à
Ministério da Educação Fome – Programa Atenção Integral à Familia,
A Mandala como instrumento para ProJovem Adolescente, Centro de Referência
construção de projetos pedagógicos Especializado de Assistência Social – CREAS e
Pré-requisitos e método do Professor Programa de Erradicação do Trabalho Infantil –
Comunitário PETI. Ministério da Ciência e Tecnologia –
Sugestões de processos facilitadores. Casa Brasil Inclusão Digital, Centros
Vocacionais Tecnológicos e Centros Museus da
Ciência. Ministério da Educação – Com Vidas
– Comissão Meio Ambiente e Qualidade de
Vida, Educação e Direitos Humanos, Educação
Inclusiva: direito à diversidade, Escola que
Protege, Escola Aberta, Educar na Diversidade,
Salas Recursos Multifuncionais e ProInfo.
Ministério do Meio Ambiente – Sala Verde,
Municípios Educadores Sustentáveis e Viveiros
Educadores
A Mandala para as escolas Define pré requisitos professor comunitário, a
Construção de projetos pedagógicos de condição de ser um professor da escola
educação integral para escolas Definição das etapas para a implementação do
projeto
Mandalas para professores/ Planejamento de Orientação aos professores para pensarem sua
cursos estratégia de ação a partir das relações com os
saberes locais
Conclusão Afirma que o Pragaram visa a estimular o debate
e o amadurecimento das políticas pública
Fonte: autora, 2019
A circulação de saberes e bens culturais foram apontados como operação pedagógica e
política capazes de inspirar outras formas de organizações sociais alicerçadas em outras redes
de saberes. De acordo com as orientações para a implementação do Programa, a participação
da comunidade deve ir além da execução das atividades; ela deveria integra-se a uma espécie
de fórum permanente tornando-se “coautoras” do trabalho pedagógico em todas as suas
etapas:
Assim como os artistas precisam expor-se às interferências dos seus
espectadores, nós educadores devemos nos deixar envolver pelos
253

comentários de alunos/comunidade, pois dessa forma estaremos em meio a


um processo educacional e não no centro dele; estaremos engajados no
processo de construção de conhecimento, reavaliando nosso poder sobre ele,
pois experimentaremos a noção de que nosso poder existe na justa medida
em que o compartilharmos. Referência (REDE DE SABERES MAIS
EDUCAÇÃO, 2009, p.31)

Foram selecionadas onze áreas possíveis de saber: habitação, corpo vestuário, alimentação,
brincadeira, organização política, organização ambiental, mundo do trabalho, curas e rezas,
expressões artísticas, narrativas locais, calendários locais. As disciplinas foram agrupadas em
áreas do conhecimento escolar, que se dividiram em: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
reunindo língua portuguesa, estrangeira, artes, informática, educação física e literatura. •
Ciências da Natureza e Matemáticas, comportando as matemáticas e as ciências. • Sociedade
e Cidadania, onde se debatem filosofia, ciências humanas, história e geografia. O perfil do
Professor Comunitário, de acordo com o manual, foi pensado para facilitar assimilação das
organizações e pessoas da comunidade ao Programa:

Preferencialmente, o articulador deve ser um professor que já tenha relações


com a comunidade; que seja parte dela (se possível); que conheça seus
líderes, vocações locais (equipamento público: clubes, igrejas, bibliotecas,
museus, outras escolas, centros culturais, centros comerciais, fábricas, praças
etc.). É importante também que conheça (ou pesquise) a história local.
O professor comunitário deve ter em mente que cada comunidade possui um
(ou mais de um) modelo de si mesma e do que deseja para si; o articulador
deve respeitar e incentivar essas escolhas. Por outro lado, é bom reforçar que
a ordem social está em constante mutação e é criada por todos; cabe a ele
incentivar que o desenvolvimento do projeto possa transformar escola e
comunidade através do enfrentamento das diferenças e da ampliação da
esfera da negociação e diálogo entre elas. (Idem, p. 79).

O livro subscreve que este professor deve estar atento às regras de comunicação e promover o
diálogo com a comunidade. Para tanto, o profissional precisaria falar várias “línguas sociais”,
conversar, negociar espaços de existência, “convocar diferentes atores sociais. O material
oferece sugestões de processos facilitadores para a implementação deste modelo de expansão
do tempo da escola:

– Criação de espaços de encontro (nas escolas ou outros espaços


comunitários) para que diferentes possam expressar-se e estabelecer trocas;
– Intercâmbio entre crianças e jovens, entre culturas e gerações; –
– Incentivo à promoção de organizações juvenis; – Incentivo a métodos de
comunicação oral (debates, contação de histórias) e escrita (leitura); –
– Incentivo ao domínio de tecnologia digital (internet, vídeos etc.). A
comunicação tem como meta a qualidade-padrão de toda a sociedade. (Idem,
2009, p. 80)
254

As recomendações para a construção do planejamento pedagógico indicam o desenho


de uma mandala. No centro da mandala sugere-se colocar o nome da escola; no segundo
círculo, o objetivo: a construção de projeto de educação integral. No terceiro círculo, a
indicação dos saberes comunitários, recomenda-se a decisão prévia dos saberes a serem
trabalhados. Indica à escola que pense as relações que pretendem construir com os programas
de governo, ou seja, com o próximo círculo. No quarto círculo – a escola deve definir os
macrocampos que integraram o programa, a partir dos saberes da comunidade. No quinto
círculo, a escola deve indicar o programa de Governo. No sexto círculo, os saberes escolares
devem ser identificados em diálogo com os círculos e saberes já apontados nos círculos
anteriores. No 7º e último círculo, os profissionais da escola que optarem por participar do
programa podem indicar algumas relações com as áreas do conhecimento escolar: linguagens,
códigos e suas tecnologias, ciências da natureza e matemáticas e sociedade e cidadania.
Esse conjunto de manuais com orientações práticas e teóricas direcionado às escolas
das redes de ensino de todo país, por meio do programa Mais Educação (2007-2016), buscou
uniformizar o projeto de ampliação do tempo escolar em conformidade com a ideologia social
liberal. Todo arcabouço teórico desta ideologia foi incorporado ao programa sem a linguagem
típica dos trabalhos acadêmicos para facilitar a adesão da comunidade de dentro e de fora da
escola ao programa e viabilizar assim, sua execução. As orientações operacionais também
foram detalhadas em outras matérias para organizar a interlocução entre os profissionais da
escola, os agentes “educadores” e os estudantes.

5.5- As orientações práticas para o funcionamento do Programa Mais Educação (2007-


2015)

As orientações do bloco definidor da política para implementação do programa foram


impressas nos livros Mais Educação: passo a passo e Manual Operacional de Educação
Integral (2012). Entre 2007 e 2016, o programa foi administrado pela Secretaria de Educação
Básica – SEB, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação –FNDE para as escolas prioritárias. De acordo com as
orientações, as atividades oferecidas pelas escolas deveriam se inserir nos seguintes
macrocampos: 1- acompanhamento pedagógico; 2- Educação ambiental; 3- Esporte e lazer; 4-
Direitos Humanos em Educação; 5- Cultura e arte, 6-Cultura digital; 7- Promoção da saúde; 8-
Comunicação e uso da mídia; 9- Investigação no campo da ciência da natureza; 10-educação
econômica. Em tese, o acompanhamento pedagógico é a interlocução com o currículo escolar, a
partir do incentivo aos estudos às disciplinas: ciências, história e geografia, letramento e
255

alfabetização, línguas estrangeiras, matemática e tecnologias educacionais (prevendo o


direcionamento das tecnologias à cada área do conhecimento). As atividades de acompanham
amento pedagógico em língua portuguesa e matemática eram obrigatórias
Os macrocampos foram criados com o mote de trabalhar a construção de valores
sociais, de conhecimentos, de habilidades, de competências e de atitudes voltadas para a
conquista da sustentabilidade socioambiental. Buscava-se dar ênfase ao debate sobre a
transformação das escolas em espaços educadores sustentáveis, com intencionalidade
pedagógica de estimular, debater e desenvolver formas sustentáveis de ser e estar no mundo, a
partir de três dimensões: espaço físico, gestão e currículo, O acesso à prática esportiva visava
incorporá-la ao modo de vida cotidiano (Manual Operacional de Educação Integral, 2012).

Quadro 23: Organização do currículo do Programa Mais Educação


Macrocampo Atividade
Educação Ambiental Educalção ambiental
Desenvolvimento sutentável
Tecnologias educacionais
Esporte e Lazer Atletismo, Basquete, Futebol, Handbol, Voleibol,
Natação, Tênis de campo, Tênis de mesa, Xadrez,
tradicional, Xadrez virtual
Judô, Karatê, Taekwondo
Basquete de rua
Corrida de Orientação
Ginastica Rítmica
Recreação lazer/brinquedo
Yoga e meditação
Tecnologias educacionais

Educação em direitos Educação em direitos humanos


Tecnologias educacionais
Cultura /Artes / Educação Patrimonial Artesanato popular
Banda Fanfarra
Canto Coral
Capoeira
Cineclube
Dança
Desenho
Educação Patrimonial
Ensino Coletivo e Cordas
Escultura
Grafite
Hip Hop
Iniciação Musical por meio de flauta doce
Leitura e produção textual
Mosaico
Percussão
Pintura,
Pratica
Circense
Tecnologia educacional
Cultura Digital Cultura Digital Ambientes de redes sócias
256

Tecnologias educacionais
Promoção de Saúde Promoção de Saúde e Prevenção de doenças
graves
Tecnologias educacionais
Comunicação e usos de mídias Fotografia
História em quadrinhos
Jornal escolar
Radio escolar
Vídeo
Tecnologias educacionais
Investigação no campo cientifico da natureza Laboratório, feira e projetos científicos
Robótica educacional
Tecnologia educacional
Educação econômica /Educação criativa Educação econômica e Educação criativa
Tecnologias educacionais
Fonte: Manual Operacional de Educação Integral, 2012

A escolha e o desenvolvimento dos Macrocampos deveriam ser feitos em função do Projeto


Político-Pedagógico. Os macrocampos seriam a porta de entrada dos saberes da comunidade
para o interior da escola. Os interesses emanados da comunidade formariam o currículo que,
em tese, articularia proteção social com novas oportunidades de aprendizagem. O que se nota,
no entanto, é que a afinidade com o projeto político-pedagógico da escola não era o fator
determinante para a escolha das oficinas. Em nome da integração com os saberes da
comunidade, as escolas só poderiam contar com os recursos humanos e físicos disponíveis na
comunidade em que estavam inseridas. Sendo assim, em áreas periféricas, carentes de
voluntários com formação mínima, as habilidades predominantes passaram a ser prioritárias
para o programa. A seleção dos estudantes deveria ter como referência os seguintes critérios:

–Estudantes que estão em situação de risco e vulnerabilidade social;


– Estudantes que congregam, lideram, incentivam e influenciam
positivamente seus colegas;
− Estudantes em defasagem ano escolar/idade;
− Estudantes dos anos finais da 1ª fase do ensino fundamental (4ªsérie /
5ºano) e da 2ª fase do ensino fundamental (8ª série/ 9º ano), entre os quais há
maior saída extemporânea;
− Estudantes de séries/anos nos quais são detectados índices de saída
extemporânea e/ou repetência;
− Estudantes que demonstram interesse em estar na escola por mais tempo
(MEC. Programa Mais Educação: Passo à Passo, 2009, p.14)

O programa não foi formulado para atender a todos os alunos da rede de ensino e nem
mesmo a totalidade dos alunos da escola. Ele foi fundamentado no princípio da inclusão de
crianças e jovens em “situação de risco, e vulnerabilidade”, tendo como consequência, a
exclusão dos demais estudantes que não se enquadravam nos critérios prescritos no PME,
como chamam atenção Coelho e Hora (2013)
257

A inclusão ou a suposta inclusão, no caso de alunos dos anos iniciais do


ensino fundamental, pode ser interpretada como inclusão do ponto de vista
de estarem ali, na escola, mas se não são incluídos em todas as atividades
ofertadas no PME, tornam-se rapidamente excluídos. Depois de tantos anos
de luta por universalização de oportunidades educacionais para a população,
grande parcela de nossas crianças dos anos iniciais do ensino fundamental
conseguiu chegar à escola, mas ali novamente estarão fora ou dentro do
claustro, ou seja, participarão das oportunidades de maneira diferenciada, em
nome da equidade. (COELHO e HORA, 2013, p.12)

O foco no segmento da população classificada como “vulnerável”, apresentado pelos agentes


que forjaram o PME foi considerado como estratégico para combater o secular problema da
desigualdade sociais. De acordo com Theodoro e Delgado (2003), além de realizar o
afunilamento da questão social para a política social, a defesa da política focal transfere o
debate sobre essa política da órbita do direito para a órbita do gasto social. Concordamos com
os autores, quando afirmam que para o enfrentamento efetivo desse quadro é necessário que a
ação pública tenha um escopo mais amplo, tendo em vista que uma única política social é
incapaz de dar conta do combate às desigualdades sociais, sendo portanto, necessário um
esforço mais geral. No entanto, lembramos que apesar dos esforços ou investimentos, as
desigualdades sociais são estruturais no capitalismo, não sendo possível transforma-los por
emendasse reformas.
Em relação ao trabalho docente, os agentes dividiram o trabalho dos professores em
algumas categorias. O cargo de professor comunitário deveria ser exercida preferencialmente
por um professor do quadro efetivo com 40 horas semanais, tendo o compromisso de a)
coordenar as ofertas e execução das atividades de “educação integral”; b) organizar do tempo
ampliado como tempo contínuo no currículo escolar; c)acompanhar os monitores; d) dialogar
com a comunidade; c) propor de itinerários formativos que transcendam os muros das escola
alcançando as praças, os teatros, os museus, os cinemas, entre outros; e) construir pontes entre
a escola e a comunidade. Sugeria-se as seguintes características para a escolha do professor
comunitário:

• Aquela professor(a) solícito e com um forte vínculo com a comunidade


escolar.
• Aquela que escuta os companheiros e estudantes, que busca o consenso e
acredita no trabalho coletivo.
• Aquela que é sensível e aberto as múltiplas linguagens e aos saberes
comunitários.
• Aquela que apoia novas ideias, transforma dificuldades em oportunidades e
dedica-se a cumprir o que foi proposto coletivamente.
• Aquele que sabe escutar as crianças, adolescentes e jovens e que tem gosto
pela convivência com a comunidade na qual atua.
258

• Aquele que se emociona e compartilha as histórias das famílias e da


comunidade. (MEC. Programa Mais Educação :Passo à Passo, 2009, p. 17)

O Professor Comunitário é um dos principais pilares para a execução do PME no


interior da escola. Foram atribuídas a este profissional as responsabilidades sobre a gestão,
oferta e execução do Programa e, em última instância, o sucesso ou o fracasso do programa.
Esta intensificação e precarização do trabalho docente estão inseridos em um quadro mais
amplo que vem se desenhando desde a década de 1990, com a “reforma” da educação. Neste
contexto de ressignificação da função da escola, o professor passou a responder exigências
que estão para além de sua formação, como funções de agentes públicos, assistente social,
enfermeiro psicólogo, inspetor, etc. De acordo com Oliveira (2004), essa situação é reforçada
pelas estratégias de gestão que apelam ao comunitarismo e voluntariado, na promoção de uma
educação para todos. O reconhecimento social e legal desse processo, destaca Oliveira (2004),
pode ser encontrado na própria legislação educacional, onde se encontra a expressão
“valorização do magistério” para designar as questões relativas à política docente, como
carreira, remuneração e capacitação. O trabalho docente passou a incluir, além das atividades
em sala de aula, as atividades de gestão da escola no que se refere à dedicação dos professores
ao planejamento, à elaboração de projetos, à discussão coletiva do currículo e da avaliação.
O Programa também ampliou de modo significativo as atribuições do diretor da
escola. Além das atividades típicas destra função, como administrar o orçamento, as vagas, os
materiais, cuidar do calendário escolar, garantir a execução do projeto político pedagógico, o
diretor deveria criar estratégias para envolver à comunidade escolar, as família e a
comunidade da região no programa, como orienta o guia passo a passo:
O diretor da escola, por meio de sua atuação com o Conselho Escolar, tem o
papel de incentivar a participação, o compartilhamento de decisões e de
informações com professores, funcionários, estudantes e suas famílias. Nesse
sentido, o trabalho do diretor também tece as relações interpessoais,
promovendo a participação de todos os segmentos da escola nos processos
de tomada de decisão, de previsão de estratégias para mediar conflitos e
solucionar problemas. Cabe ao diretor promover o debate da Educação
Integral nas reuniões pedagógicas, de planejamento, de estudo, nos
conselhos de classe, nos espaços do Conselho Escolar. Isso porque a
Educação Integral representa o debate sobre o próprio projeto educacional da
escola, da organização de seus tempos, da relação com os saberes e práticas
contemporâneos e com os espaços potencialmente educacionais da
comunidade e da cidade. O resultado esperado é o envolvimento de toda a
comunidade, em especial dos estudantes, em um ambiente favorável à
aprendizagem. Cabe também ao diretor garantir a tomada coletiva das
decisões acerca das escolhas pressupostos pelo Programa Mais Educação e
garantir a transferência (exposições, prestação de contas dos recursos
recebidos). (MEC. Programa Mais Educação: Passo à passo
259

De acordo com o programa, caberia ao diretor da escola a responsabilidade de


envolver a comunidade escolar, inserindo o debate da “educação integral” em todas as
reuniões ordinárias da escola. Além da articulação com a totalidade da escola, o diretor
também tornou-se responsável pela inscrição da escola no PME, prestação de contas dos
recursos recebidos e pelo incentivo ao funcionamento do Comitê Local. Este Comitê era
composto pelo diretor/diretora da escola, pelo professor/professora comunitário, profissional
responsável pela Unidade Executora do PDDE, professoras; agentes culturais, monitores,
estagiários, funcionários da escola, estudantes, profissionais que atuam em diferentes
programas governamentais e não-governamentais, representante do Comitê Metropolitano;
representantes dos pais e da comunidade onde está situada a escola. A função do Comitê
Local consistia na integração dos diferentes atores do território em que a escola estava situada
para formular e acompanhar o Plano de Ação Local de Educação Integral – plano que
contempla as atividades escolhidas, as parcerias estabelecidas, o número de estudantes
atendidos. Os agentes também previram a implantação do programa em escolas sem
instalações adequadas para a ampliação do tempo diário, seguindo os mesmos princípios
defendidos pelo complexo pedagógico da holding Itaú -Unibanco em aliança com o UNICEF
nas décadas de 1990 e 2000:

O espaço físico da escola não é determinante para a oferta de Educação


Integral. O reconhecimento de que a escola não tem espaço físico para
acolher as crianças, adolescentes e jovens nas atividades de Educação
Integral não o pode desmobilizar. Mapeamento de espaços, tempos e
oportunidades é tarefa que deve ser feita com as famílias, os vizinhos, enfim,
toda a comunidade. (MEC. Programa Mais Educação: Passo à Passo, p. 18)

A adaptação dos espaços já existentes para acomodação das atividades e a parceria


com as instituições da comunidade foram indicadas como possibilidades de realização dos
programas.
Muitas vezes, a escola tem uma sala onde são deixadas somente as caixas
com os materiais que o MEC envia! Os manuais, os livros, os jogos devem
chegar nas mãos de quem precisa deles. Vamos lá, professora! Distribua os
materiais! Faça uma estante e ponha os livros no canto da sala que vira um
projeto de biblioteca! Esvazie a sala e tenha um espaço a mais para as
atividades de Educação Integral! Em outros lugares há salas com entulhos:
cadeiras e mesas quebradas, matérias ultrapassados, caixas com atas e
registros antigos É preciso arejar estes espaços e ressignificá-los. No pátio
podem ser colocadas mesas para os jogos de xadrez e tênis de mesa. Em
alguns lugares, as escolas colocaram toldos/ pequenas coberturas que vêm
permitindo atividades de teatro, de dança, jornal escolar, entre outros. Enfim
o desafio que está posto é de redescobrir a escola e seu entorno,
ressignificando seus espaços! (MEC. Programa Mais Educação: Passo à
Passo, p. 18)
260

As dificuldades e soluções encontradas para a implementação do programa Bairro Escola no


município de Nova Iguaçu, área metropolitana do Rio de Janeiro, foram expostas no Guia
como referencial de superação de obstáculos para os municípios distantes da capital, com
dificuldade de estabelecer parcerias com intuições públicas ou privadas para organização das
oficinas.

Depoimento
Quando a gente pensa em identificar potenciais do bairro que passam ser
objeto de um programa de Educação Integral, sempre aparece “Ah! Cinema,
teatro, centro cultural...” e não tem nada disso nos bairros de Nova Iguaçu! E
aí esse era o grande desafio. O pessoal ia fazer mapeamento, voltava e falava
“não tem nada...” como não tem nada? Volta de novo! Não. ...não tem
nada.” E aí um dia a gente falou “gente, tem gente e a onde tem gente as
pessoas se relacionam, descobre que lugares são esses, que são esses nossos
parceiros!” E aí a gente identificou uma igreja, uma associação, um campo,
um salão de festas e aí fomos conversar com essas pessoas, com essas
instituições e ver de que forma a gente poderia trabalhar com a ociosidade
desses espaços. (Idem, p. 18)

O modelo de expansão do tempo escolar defendido pelo capital financeiro, quase uma década
antes da implementação do PME, em 2007, e por seus intelectuais orgânicos e intelectuais
acadêmicos afinados com a concepção de que a educação explica e soluciona os problemas
socioeconômicos, traduziu muitos dos princípios do projeto social liberal. Graças à
implementação do PME pelo Governo Federal, esta visão de ampliação da jornada escolar,
por meio do trabalho voluntário e da parceria público-privada alcançou todo o território
nacional e foi apresentada à toda a sociedade como única alternativa capaz salvar a escola, o
estudante e a sociedade. Dentro desta visão de mundo salvacionista, a escola seria salva do
isolamento da comunidade e do anacronismo, o estudante seria salvo da “vulnerabilidade”,
imposta por uma suposta desigualdade de oportunidades e a sociedade salva do risco da
violência que o jovem está “vulnerável” quando fora da escola.
O PME sintetizou as estratégias da “reforma” gerencial educacional, iniciadas em
1995, reunindo em torno do eixo da ampliação do tempo escolar, algumas das respostas
defendidas por este movimento como: o foco na aprendizagem e na gestão dos recurso,
ressignificação do papel da escola e da qualidade do ensino, descentralização, parceria como a
“comunidade” e responsabilização. Nesse sentido, o PME foi o grande laboratório que reuniu
e intensificou a “reforma” educacional e a penetração dos empresários e de seus interesses no
interior da escola pública brasileira. Analisando o PME dentro de um quadro mais amplo e a
partir do referencial metodológico gramsciano, observamos também que a reformulação do
261

Programa não pode ser traduzida como uma resposta imediata às mudanças conjunturais
provocadas pela mudança no governo federal. As transformações que desembocaram no
superdimensionamento do reforço pedagógico das disciplinas português e matemática estão
associadas a um conjunto de determinantes que comprovam, mais uma vez, que as questões
pedagógicas, a partir do ano de 2016, estão intimamente relacionadas às instâncias política e
econômica.

5.6- O capital financeiro avalia o Programa Mais Educação e redefine as diretrizes do


Programa de fomento a ampliação do tempo escolar

No levantamento bibliográfico, percebemos que ainda há poucos trabalhos acadêmicos


que abordaram com profundidade o tema da reformulação do PME, iniciada em 2016, que
culminou no Programa Novo Mais Educação. Os artigos que encontramos possuem um
caráter introdutório e foram publicados em anais de congressos acadêmicos como JOINPP,
CONEDU (Congresso Nacional de Educação). Os trabalhos comungam da tese de que a
reformulação do Programa Mais Educação está diretamente relacionada à mudança na
orientação na política do governo, após a polêmica posse de Presidente Michel Temer à
presidência da República, em dezembro de 2015. Mônica Monteiro (2017), por exemplo,
considera que os aspectos regressivos do “novo” programa estão associados à direção política
do então Presidente, que teria promovido uma reforma com conteúdo diverso e conflitante,
em relação à política de “educação integral” do governo anterior. O prejuízo da formação
integral também foi considerado pelo trabalho de Barbosa e Rodrigues (2017) como um
aspecto negativo da reformulação do Programa, uma vez que determinou como prioridade as
aulas de reforço em Português e Matemática em detrimento dos outros campos do
conhecimento que fundamentavam a perspectiva de “educação integral” veiculada pelo
programa em sua origem.
Em ambos os artigos, o atrelamento do “novo” Programa à política de avaliação em
larga escala é sobressaltada e interpretado como um traço do alinhamento do governo de
Michel Temer às políticas neoliberalizantes. Após análise exaustiva do material produzido
pela holding Itaú-Unibanco em aliança como o UNICEF e do conjunto de livros que orientam
a implementação do PME nas redes de ensino e nas escolas, constatamos que a política de
avaliação externa é um componente que está na estrutura do Programa Mais Educação desde
sua formulação original. Conforme demonstramos neste capítulo, as escolas interessadas em
executar o Programa deveriam comprovar que estavam enquadradas dentro de um perfil
estabelecido, que incluía o baixo rendimento nas avaliações externas.
262

Consideramos assertiva a avaliação de Montero (2017) quando afirma que a mudança


do programa atendeu à pressão de expansão do capital. No entanto, questionamos a
compreensão da autora que tal formulação tenha sido dirigida unilateralmente pelo Presidente
da República e pelo seu interesse repentino de alinhar a política educacional aos ditames do
capital externo. A política de educação de tempo integral, que hoje ocupa um espaço menor
na agenda política, não pode ser considerada obra de uma única agência da sociedade política
ou de um governante. Assim como sua formulação, sua redefinição é compreendida como
fruto de embates e negociações dentro de um campo em permanente conflito. Nos anos mais
agudos de crise orgânica, a fração dominante que pretende manter-se na direção do
movimento precisa fazer alguns ajustes que contemplem o interesse das frações aliadas e
neutralize as forças opositoras. (COUTINHO, apud GRAMSCI, 2011). Compreendemos que
a hegemonia da holding Itaú-Unibanco sobre a política de educação de tempo integral, longe
de ter sido abalada pela “novo” Programa, foi confirmada, após alguns ajustes que
culminaram na redefinição em 2016. A principal evidência de que a reformulação foi
realizada com base nas orientações do grupo que dirigiu o PME original é o relatório
produzido pela Fundação Itaú Social em conjunto com o Banco Mundial, em 2015.
Conforme sustentamos nesta tese, o monitoramento dos programas sociais
encampados pelos empresários é um componente na lógica do Investimento Social Privado,
elaborada pelo conjunto de Aparelhos Privados de Hegemonia do Itaú Unibanco, destacando-
se o papel da Fundação Itaú Social. Este investimento, vinculado à ideologia do crescimento
econômico sustentável, diz respeito à aplicação de recursos financeiros com exigência de
retornos, como nos lembra Motta (2016, p.326). Esta modalidade de organização dos
empresários implica em avaliar o impacto social, a divulgação das ações ao público externo e
o retorno econômico para os chamados parceiros da “ação social”. O monitoramento responde
o propósito de apresentar informações e orientações que podem indicar organizadores do
programa continuidade, a suspenção ou a reformulação do programa. Dentro do contexto em
que o Estado (no sentido restrito) assume o papel de indutor e os empresários e seus
Aparelhos de Hegemonia o papel de formulado, gestor e executor da política, o
monitoramento pode determinar o fracasso, o êxito, a confirmação, a redefinição ou mesmo a
extinção da política. A avaliação feita pelo capital financeiro sobre o Programa Mais
Educação veio ao encontro dos imperativos da cultura dos investimentos empresarias em
política social e da máxima em política educacional, de que o ensino e a aprendizagem devem
ser mensurados por avaliação padronizadas feitas em larga escala.
263

O “Novo” Programa Mais Educação também pode ser interpretada como sinal de
fissuras no interior do bloco que imprimiu o modelo de ampliação do tempo escolar na
política nacional entre 2007-2015. No entanto, o fato da redefinição do Programa ter sido
realizada com base no estudo de impacto conduzido pela Fundação Itaú Social e pelo Banco
Mundial aponta para o êxito da holding Itaú Unibanco em manter-se na direção do bloco,
mesmo diante das tensões. A parceria entre o Banco Mundial e a Fundação Itaú, acordada
partir de 2014, gerou vários estudos sobre a experiência brasileira no campo dos estudos sobre
a expansão da jornada escolar. Dentre os trabalhos, a Fundação Itaú Social destaca: o estudo
sobre o programa federal Mais Educação, definindo a sua governança e o seu desenho com
objetivo declarado de disseminar o exemplo brasileiro na indução/expansão da educação
integral no país. O Programa analisou a implementação do Mais Educação nos municípios de
Bonito (PE), Maracanaú (CE), Porto Alegre (RS) e São Bernardo do Campo (SP), bem como
nas redes estaduais do Distrito Federal e Goiás. O estudo também destacou as iniciativas de
ampliação do tempo escolar nas redes de ensino de Pernambuco, Piauí e Rio de Janeiro
(cidade) locais onde o Banco Mundial tem tido o acompanhamento mais próximo. E, por fim,
os estudos se dedicaram à avaliação de impacto do Programa Mais Educação sobre resultados
educacionais dos estudantes. A avaliação foi apresentada ao público com o seguinte texto:

Esta avaliação, realizada em parceria com o Banco Mundial, alinha-se ao


comprometimento da instituição em embasar debates e subsidiar tomadas de
decisão da gestão pública a partir de evidências concretas. A educação
integral, foco do estudo, é tema de atuação prioritário da Fundação Itaú
Social, que considera essencial a oferta de múltiplas atividades
socioeducativas, de forma articulada com políticas públicas educacionais e
assistenciais, a fim de proporcionar o desenvolvimento pleno de crianças,
adolescentes e jovens. (FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL e BANCO
MUNDIAL: Avaliação Econômica Programa Mais Educação Ministério da
Educação, 2015 p.1)

O estudo apresentado ao conjunto de empresários que orbitam a holding Itaú na


incursão sobre as políticas educacionais foi mais uma prova do compromisso da Fundação
Itaú com a orientação da política educacional. De acordo com o Relatório, a avalição buscou
examinar a capacidade do Programa em elevar o fluxo e o desempenho escolar nas escolas
participantes e observar possíveis variações no impacto de acordo com as especificidades de
cada escola ou do município em que estava inserida. No que diz respeito à metodologia
aplicada, a Fundação Itaú Social destaca que a avaliação foi feita a partir da comparação entre
as escolas que aderiram ao programa, chamada de grupo tratamento. A pesquisa foi
complementada com escolas inseridas em contexto semelhantes ao grupo que adotou o
264

programa, mas que não foram contempladas com o mesmo, chamada de grupo de controle.
No que diz respeito aos objetivos do Programa, o aparelho ressalva que foram avaliados
apenas parcialmente, como a análise das dimensões de aprendizagem cognitiva (mensurada
pela Prova Brasil) e no fluxo escolar. É possível notar que há uma mudança no foco
aprendizado/proteção social para o desempenho/fluxo escolar.
O capital financeiro optou por investigar escolas que ingressaram nos primeiros anos
no programa e ressalvou que os resultados obtidos nesta avaliação referiam -se às escolas que
aderiram ao programa em momentos específicos (2008 e 2010). Os resultados pouco
animadores apontados no relatório não levaram o capital financeiro a propor o fim da política
de expansão do tempo do tempo escolar. O documento enfatizou o traço positivo do programa
e a rápida expansão nos sistemas de ensino estaduais e municipais do país. Como foram
apontados nos objetivos da pesquisa da FIS/Banco Mundial, o estudo levou em consideração
a taxa de abandono, o desempenho nas avaliações em larga escala em matemática e concluiu
que o programa não alterou o quadro em relação a estes aspectos:

Não há indícios de que a proporção de alunos participantes, o tamanho dos


municípios (população) e o investimento público em educação e cultura
interfiram nos impactos que o programa gera.
 No ciclo I do Ensino Fundamental, a taxa de abandono tende a reduzir-se
em escolas com mais recursos financeiros (por aluno participante) e em
municípios menos ricos (PIB per capita).
 No 5º ano, o desempenho médio em matemática tende a aumentar em
municípios mais ricos (PIB per capita).
 Resultados negativos em desempenho mostram-se relacionados à escolha
dos seguintes macrocampos: reforço de português (5º ano), esportes (ambos)
e cultura e artes (9º ano).
 Entre as escolas entrantes em 2008, verifica-se o impacto negativo em
matemática naquelas que possuíam média inicialmente mais elevada nessa
disciplina, sendo que, no curto prazo, esse efeito foi mais intenso.
 Entre as escolas entrantes em 2010 (no curto prazo), esse efeito se reverte,
ou seja, verifica-se o impacto negativo em matemática naquelas que
possuíam média inicialmente menor em matemática. (Idem, 2015, p.8).

Novamente, a conclusão do estudo indicou a continuidade do Programa, mas lançou luz para
à necessidade de revisão do currículo, tendo em vista seu apontamento para a falta de
resultados positivos no que diz respeito ao desempenho dos estudantes e ao fluxo escolar.

A criação e implementação do programa Mais Educação é um importante


passo na política pública educacional, que se alinha às reformas educacionais
já adotadas em países desenvolvidos (OCDE) e que é endossado por outras
experiências recentes na América Latina. Ainda assim, apesar da enorme
diversidade de modelos de educação integral introduzidos em todo o mundo,
265

a literatura relacionada à avaliação de impacto das políticas aponta que, em


geral, seus impactos positivos apenas podem ser identificados no médio
prazo. A atualização futura do estudo, com a inclusão de dados mais
recentes, poderá comprovar se esse é também o caso brasileiro. (Idem, 2015,
p 8):

Apesar do relatório indicar a necessidade de adequação às novas exigências do mercado para


a escola, reconhece no Programa Mais Educação o mérito de alinhar–se às reformas
educacionais que introduziram métodos gerencialistas na educação e potencializaram a
intervenção das frações dominantes nas escolas e em seus currículos. As soluções provisórias,
os arranjos precários, a parceria com agências e agentes sem a devida qualificação que tanto
precarizam a escola e o trabalho docente, foram e continuam sendo vendidas na periferia do
capitalismo como receitas salvadoras contra a crise educacional.
O Novo Mais educação foi criado pela Portaria MEC nº 1.144/2016 e regido pela
Resolução FNDE nº 17/2017, em consonância com as orientações impressas no Relatório da
Fundação Itaú Social / Banco Mundial. O novo formato concentrou-se em estratégias que
priorizam a aprendizagem em língua portuguesa e matemática e destacou como finalidades:
contribuir para a: I - alfabetização, ampliação do letramento e melhoria do desempenho em
língua portuguesa e matemática das crianças e dos adolescentes, por meio de
acompanhamento pedagógico específico; II - redução do abandono, da reprovação, da
distorção idade/ano, mediante a implementação de ações pedagógicas para melhoria do
rendimento e desempenho escolar; III - melhoria dos resultados de aprendizagem do ensino
fundamental, nos anos iniciais e finais – 3º e o 9º ano do ensino fundamental regular IV -
ampliação do período de permanência dos alunos na escola. No formato atual, há duas opções
de carga horária, 5 (cinco) ou 15 (quinze) horas semanais em contraturno escolar. A opção por
5 horas requer a realização de duas atividades de acompanhamento pedagógico: língua
portuguesa e a outra matemática. A opção por 15 horas exige adoção das duas atividades de
acompanhamento, com quatro horas de dedicadas a cada uma delas e a oferta de três
atividades (arte, cultura e lazer) divididas nas sete horas restantes.
A mudança na proposta curricular que colocou no centro o acompanhamento
pedagógico dos estudantes no lugar dos saberes da “comunidade” foi apontada como principal
indicativo de ruptura com o programa original. O reforço em língua portuguesa e em
matemática passou a ser considerado a principal estratégia para enfrentamento das
dificuldades de aprendizagem e superação do fracasso escolar, ao passo que no modelo
original, a estratégia foi pensada com base da ideia de evita a repetição do currículo da própria
escola e aproveitar o conjunto das “ofertas de aprendizagem” disponíveis na comunidade.
266

Segundo Letícia Araújo, da equipe técnica do CENPEC, o Programa Novo Mais Educação
também hierarquizou o conhecimento, tendo em vista que a verba destinada ao
acompanhamento foi maior do que a destinada às outras atividades. De acordo com a
intelectual, esta “hierarquização” dos saberes poderia afetar o modelo como o programa
vinha sendo desenvolvido, com a valorização das artes, da cultura, do esporte (Educação e
Participação, 31/01/2017).
Apesar da mudança no paradigma norteador do Programa, há que se considerar os
elementos de continuidade que mantiveram a escola refém da políticas de expansão do tempo
a baixo custo. Foi mantido o trabalho voluntário de “educadores populares, de estudantes de
graduação e outros profissionais que desejavam atuar no campo educacional, sob a égide da
Lei 9.608/1998, que dispõe sobre o voluntariado” (MEC 2016). Em relação aos espaços, o
programa “novo” replicou a experiência anterior, orientando as escolas a buscarem pareceria
com associações de morares, clubes, igrejas, etc.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), peça chave do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), Compromisso Todos pela Educação, criado em 2007,
foi apontado como indicativo de ruptura com o formato anterior. Nota-se, no entanto, que
houve uma mudança em relação à utilização dos dados que passaram a ser utilizados não
apenas dentro da perspectiva compensatória para corrigir problemas das escolas com mal
desempenho, mas como parâmetro para a reorganizar do planejamento do trabalho
pedagógico desenvolvido. Em relação à escolha dos discentes, o novo programa deu
prioridade aos estudantes que apresentassem alfabetização incompleta ou letramento
insuficiente, conforme resultados de avaliações próprias. Embora indique, ao fim da lista de
prioridade, a participação de alunos interessados em permanecer mais tempo na escola, com
propósito de formar possíveis lideranças dentro do Programa, nota-se que o foco do “Novo”
Mais Educação manteve-se nos estudantes em situação de “vulnerabilidade”.
A mudança do paradigma na política de expansão do tempo escolar, em nível federal,
não significou a substituição da direção deste movimento que ampliou a penetração dos
interesses empresariais na escola pública brasileira nos últimos anos. Os Aparelhos Privados
de Hegemonia da holding Itaú Unibanco permaneceram no bloco que define a política de
educação de ampliação do tempo escolar, dirigindo uma das mais importantes frentes na
sociedade civil voltadas para este campo, o Centro de Referência em Educação Integral. O
Centro de Referência em Educação Integral se propõe a pesquisar e sistematizar “caminhos
possíveis” para a educação integral no país; é gerido pela Fundação Itaú Social, Fundação
SM, Instituto Inspirare, Instituto Natura e Instituto C&A e Instituto Oi Futuro, pela Faculdade
267

Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO), o escritório Cenários Pedagógicos, o


Cenpec – Educação, Cultura e Ação Comunitária, o Centro Integrados de Estudos e
Programas para o Desenvolvimento Sustentável (CIEDS), o Instituto Alana,Instituto Rodrigo
Mendes e o Movimento de Ação e Inovação Social (MAIS).
268

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos demonstrar com esta tese os nexos entre educação escolar e a natureza de
poder no Estado brasileiro, tendo como foco a análise de duas organizações ligadas à holding
Itaú Unibanco para intervenção na política educacional brasileira. Na formação social
contemporânea, em fase aguda de crise orgânica, o projeto de “reforma” neoliberal foi
apresentado como única alternativa capaz de salvar a escola da crise sistêmica, os alunos da
pobreza e a nação da condição de “subdesenvolvimento”. Há pelo menos 40 anos, as frações
dominantes têm demonstrado interesse contumaz nesta arena de lutas, construindo um
conjunto de estratégia para tornar hegemônica sua visão de mundo, conformar um novo tipo
de trabalhador e educar a sociedade para um novo modelo de Estado.
Os Aparelhos Privados de Hegemonia, travestidos de Organizações Não
Governamentais (ONG), Organizações Sociais (OS), e Fundações sem fins lucrativos,
ganharam protagonismo na atual fase do bloco histórico gerencialista/neoliberal, substituindo
o Estado na gestão e execução de políticas sociais. Entendemos que estes aparelhos foram
muito mais do que instrumentos deste novo modo de fazer a política social. Estas instituições,
representativas dos interesses das frações dominantes, forjaram um novo o consenso,
transformando em senso comum a ideologia que perpetua a desigual relação de poder diante
do quadro de aumento das taxas de desemprego, precarização do trabalho, aumento da
pobreza, perda de direitos sociais e desproteção de amplos setores da sociedade. No que diz
respeito à educação escolar, desde a década de 1990, tem se observado no Brasil um aumento
expressivo do número de Aparelhos Privados de Hegemonia com atuação neste campo.
Algumas frações, como o capital financeiro reunido na holding Itaú Unibanco, possuem vasta
experiência na sistematização de ações sobre a escola pública, aglutinando em tono do seu
eixo um conjunto de frações aliadas e assimilando frações subalternas para travestir seu
projeto em interesse de toda a sociedade.
O primeiro passo dessa incursão orquestrada pelos empresários sobre a escola pública
se deu a partir do diagnóstico de inoperância, desfuncionalidade e desconexão com a cultura
das novas gerações. O segundo passo consistiu na ação organizada para apresentar e executar
um conjunto de supostas soluções para o enfrentamento das desigualdades sociais e para
promoção desenvolvimento econômico da nação. Para seus aliados, os aparelhos garantiram a
segurança para expansão de seus lucros com a formação de uma classe trabalhadora dócil,
resiliente, conhecedora dos códigos mínimos de civilidade e das regras de convivência do
269

mundo do trabalho. Para a classe subalterna, prometeram a possibilidade de inserção no


mercado de trabalho dentro de um quadro com níveis assustadores de desemprego. .
Sabemos que a escola pública contemporânea tem enfrentado sérios problemas que
afetam o funcionamento da instituição em todas as dimensões. No entanto, compreendemos
que estes problemas não são recente, não são exclusividade da formação social brasileira,
tampouco são determinados por problemas estritamente pedagógicos. Embora muitas
pesquisas acadêmicas e um grande número de documentos produzidos por organismos
internacionais e nacionais tenham enfatizado fenômenos como a má formação dos
professores, a baixa remuneração do trabalho docente, a evasão de estudantes, a distorção
idade /série como faces do colapso do sistema educacional, entendemos que a “crise” está
relacionada ao um quadro mais amplo e mais complexo que envolve a restruturação da
produção e da recomposição do projeto de dominação. Partindo deste entendimento,
discordamos das teses que apostam que a transformação da educação se dará por meio da
equação “Mais escola” igual a “Menos pobreza”, ou seja, de que a premissa fundamental da
escola é promover a equalização social, por meio de programas de assistência social e de
formação da mão obra que atendam aos interesses imediatos do mercado. Esta solução vem
sendo defendida por diversos aparelhos privado de hegemonia e por intelectuais ligados à
tradição cientifica e aparentemente, desvinculado dos interesses sócio econômicos. Como
ideologia hegemônica, vem educando as classes dominantes e subalternas dentro cultura de
que a “crise” da escola será resolvida por toda a sociedade sob a direção dos empresários, com
baixo recursos financeiro e a partir de arranjos provisórios.
Compreendemos que o projeto para a educação escolar, promovido pelos aparelhos da
holding Itaú Unibanco, foi uma resposta política e cultural burguesa ante a crise orgânica do
bloco histórico fordista/ keyneisiado, com vistas a consolidação de um novo bloco histórico,
gerencilista/ neoliberal. A associação entre educação, gerenciamento de recursos, proteção
social e diminuição dos impactos da pobreza foi o cimento ideológico criado pelos dirigentes
do projeto social liberal para o enfrentamento dos problemas estruturais gerados pela crise do
modo de produção capitalista, acirrada desde a década de 1970. Conforme indicam os
estudiosos do tema, o modelo neoliberal ortodoxo, com a política de arrocho fiscal,
privatizações de empresas estatais e corte drástico em políticas sociais, foi adotado pelas
frações dirigentes nos anos 1970 na primeira fase da reestruturação produtiva, após a
estagnação econômica e crise política. No entanto, diante da incapacidade de conter os efeitos
deletérios da crise, o bloco no poder optou por ajustes neste projeto com a inserção de
políticas ambientais e de distribuição de renda para amenizar os efeitos da exploração
270

burguesa sobre os recursos naturais e sobre a classe trabalhadora. A partir de meados dos anos
1990, o modelo social liberal passou a referenciar os projetos de restruturação produtiva com
base em um conjunto de pressupostos que indicavam uma moderada crítica à sociedade de
mercado, à defesa de programas sociais fomentados pelos governos e gerido pelos
empresários e uma condenação contumaz ao projeto de transformação radical da sociedade.
Em linhas gerais, os princípios propagandeados por intelectuais individuais e
coletivos do projeto social liberal expressaram: a) críticas aos tempos modernos, declarando o
fim da modernidade e de suas instituições; b) críticas moderada ao neoliberalismo “ortodoxo”
e a rejeição ao modelo de Estado Providência e à política de amparo a amplos setores da
sociedade; c) a condenação dos movimentos sindicais e d) a desqualificação de projetos
comprometidos com as transformações radicais da sociedade. Em contrapartida, sugeriram
estratégias de alívio à pobreza, gestão eficaz das políticas sociais, substituição da política
universalista pelas políticas focais, substituição do conceito de igualdade pelo de “igualdade
de oportunidades” e a incorporação na política de novos atores e de novos movimentos sociais
de caráter indentitário. No bloco histórico gerencialista/neoliberal, o foco da educação migrou
da universalização para a qualidade do ensino que foi associada às demandas do sistema
produtivo e a promoção da assistência social.
Essa nova pedagogia, estruturada em todo mundo capitalista, ajudou sedimentar a
ideologia de que o capitalismo, apesar dos problemas, é um sistema indispensável e apenas
passível de reformas. O sistema de educação política do social-liberalismo construiu
verdadeiras “casamatas” para a proteção do sistema de dominação burguesa, minando a força
de sindicatos de trabalhadores, acusando-os de impotentes e ultrapassados e freando o projeto
de educação comprometida com os interesses da classe trabalhadora que estavam em um
movimento ascendente na década de 1990. A implementação do social-liberalismo no Brasil,
no interior da sociedade política, contou com a política de “reformas” da aparelhagem estatal,
em 1995, conduzido pelo Ministério da Administração Federal da Reforma do Estado
(MARE), com base em princípios como: refuncionalização do Estado, descentralização dos
poderes e recursos, controle do Estado por meio de programas em ampla divulgação de
estáticas e resultados contratação de organizações públicas não estatais de serviços,
administração pública gerencial, recrutamento de pessoal das agências e organizações da
sociedade civil, sistema de incentivo aos servidores públicos, envolvendo estimulo a
competição e avaliação do desempenho. A partir desta “reforma”, os Aparelhos Privados de
Hegemonia ganharam centralidade na execução e gestão de políticas sociais.
271

Na sociedade civil, espaço fundamental da luta de classes, o projeto social liberal


contou com um conjunto de Aparelhos Privados de Hegemonia que organizaram a vontade
coletiva adequando-as aos interesses das frações dominantes. Embora saibamos que não há
oposição entre sociedade civil e sociedade política, optamos por analisar a sociedade civil em
um plano distinto, a fim de entender como o capital financeiro formulou, refletiu, disputou
com outros grupos e transformou seu projeto de política educacional escolar em vontade
coletiva. Em seguida, observamos as estratégias construídas por meio de seus Aparelhos
Privados de Hegemonia para materialização do projeto no âmbito da sociedade política.
Compartilhamos da perspectiva que analisa que a hegemonia do capital financeiro foi
construída a partir de sua atuação nos planos estrutural e supetestrutural. No plano estrutural,
a fração reunida inicialmente no grupo Itaú tornou-se dominante após um longo processo de
incorporações e fusões na década de 1970, ampliando significativamente seu patrimônio no
contexto da reforma do sistema financeiro da década de 1990. Nos anos 2000, este patrimônio
aumentou ainda mais após a fusão com as empresas bancárias do grupo Unibanco. Contudo,
para ocupar o lugar de fração dirigente no Estado ampliado brasileiro, dois movimentos foram
estratégicos para o Itaú Unibanco: 1- a ocupação de postos em agências estatais que não
estavam ligadas estritamente a agenda econômica e 2- a criação de aparelhos especializados
em educar a sociedade dentro do receituário que assegurasse a estabilidade política para
expansão de seus negócios. Nesse sentido, os grupos Itaú e Unibanco criaram, ao longo das
décadas de 1980, 1990 e 2000, alguns Aparelhos Privados de Hegemonia para intervirem na
política social, cultural e educacional como o Instituto Unibanco, o Instituto Moreira Sales, a
Fundação Itaú Cultural, o Centro de Estudos, Pesquisa em Educação, Cultura e Ação
Comunitária, e a Fundação Itaú Social.
A análise da história dos Grupos Itaú e Unibanco, tanto no mundo da produção, quanto
no mundo da reprodução social, ajudou-nos a identificar o pioneirismo desta fração em
organizar os empresariais em torno da “questão social” e, simultaneamente, assimilar anseios
da classes subalternas, freando projetos com teor anticapitalista em ascensão na década de
1980. As evidência comprovaram que a Fundação Itaú Social e o CENPEC são os principais
Aparelhos de Hegemonia da holding para educação política da sociedade na atualidade.
Ambos os aparelhos vêm promovendo um conjunto de ações com a finalidade de compensar
as frações da sociedade prejudicadas pelo aniquilamento das políticas sociais e estimular em
toda a sociedade a adesão voluntária ao seu projeto. Enquanto a Fundação Itaú Social financia
os programas e organiza politicamente os empresários, o CENPEC formula e mobiliza
intelectuais coletivos e individuais para enraizarem o projeto educativo do capital financeiro
272

na sociedade. A inauguração desses aparelhos possui um intervalo de 13 anos e estão


articulados ao processo mundial de restruturação do projeto de dominação burguesa.
A Fundação Itaú Social foi criada mais de uma década depois do CENPEC e constitui-
se no braço da holding Itaú Unibanco para financiar e avaliar todos os projeto de
Responsabilidade Social Privado dirigido pela holding. A FIS foi inaugurada publicamente,
em 2000, no contexto em que o capital internacional se uniu em torno de novos acordos para
promover e intensificar as políticas ditas sustentáveis e a ação sobre grupos considerados
vulneráveis, com potencial de por em risco a segurança do sistema de produção. Foi
construído o consenso, entre as frações dominantes de todo mundo capitalista, de que a
segurança do capital necessitava da inclusão das políticas sociais e ambientais no topo das
prioridades da agenda pública. No entanto, este consenso também acordou que a pauta da
“justiça social” não deveria implicar em aumento do orçamento para estas áreas.
No período analisado (2000-2015) a FIS foi dirigida, exclusivamente, por membros
das Famílias Setúbal/ Vilella, com a participação minoritária da família Moreira Salles,
seguindo o modelo das empresas propriamente ditas do conglomerado Itaú Unibanco. Há que
se destacar que o Conselho Curador, órgão burocrático decisório do aparelho, foi
integralmente composto por membros das três famílias com cargos diretivos em outras
empresas da holding. Esta opção de compor a direção burocrática da FIS apenas com
membros das famílias Setúbal, Velella e Moreira Salles pode estar relacionada à função de
administrar os recursos financeiros da holding para ação social e a estratégia para conquistar a
confiança dos empresários aliados garantindo-lhes retorno político e econômico das ações
organizadas por seu complexo de aparelhos privados de hegemonia.
Mesmo antes de sua fundação pública, a FIS trabalhou na difusão da cultura de um
novo tipo de voluntariado e orientou a intervenção sistematizada dos empresários em políticas
públicas. Este trabalho voluntário de novo tipo, formado por funcionários ativos e inativos das
empresas, estudantes, integrantes de “ONGs” constituiu-se na espinha dorsal dos programas
sociais desenvolvidos pela holding Itaú Unibanco.
Na divisão de tarefas para a a construção da hegemonia, a FIS atuou na disputa
intraclasse, enquanto o CENPEC atuou na disputa extra classe, focando na adesão dos grupos
subalternos e no convencimento de toda a sociedade. Fundado em 1987, no bojo do processo
de ressocialização da política, o CENPEC cumpriu a tarefa histórica de neutralizar as forças
sociais reunidas em torno de um projeto para educação escolar verdadeiramente
comprometido com a classe trabalhadora. De forma distinta da Fundação Itaú Social, este
aparelho apresenta-se à sociedade como uma organização autônoma em relação aos governos
273

e ao mercado. Este aparelho pioneiro na representação dos interesses empresariais do Itaú no


Brasil, foi um dos principais difusores da ideologia de que a sociedade está dividida em três
setores: o Estado, o mercado e a sociedade civil. Dentro deste ideário, o CENPEC apresentou-
se como articulador entre o setor público, o setor privado e o “terceiro setor”. Por ser um
aparelho voltado para disputas extra classe, o material produzido e reunido em suas página
eletrônica: relatórios, artigos apresentados em revista e em congresso, resumo de projeto, auto
biografia, etc, expressam com mais clareza as estratégia devolvidas pelo grupo para
intervenção na política de educação escolar.
Diferentemente da FIS, que foi dirigida exclusivamente pelos empresários (no sentido
restrito) da família Setúbal, Vilella e Moreira Salles, o CENPEC foi fundado e presidido por
Maria Alice Setúbal, experiente na direção de outras intuições com a mesma natureza e com
um currículo recheado por passagem em agências das sociedades civil e política, como Banco
Mundial, UNICEF e Ministério da Educação. Desde sua origem, o vínculo com intelectuais
das universidades e agências de fomento à pesquisa e da gestão pública da cidade de São
Paulo, imprimiu no CENPEC uma face aparentemente distantes das determinações do capital
financeiro. Em função de seu pioneirismo na difusão da “nova pedagogia da hegemonia”, o
CENPEC produziu, inicialmente, um conjunto de trabalhos voltados para orientar a
intervenção dos empresariados sobre a escola e posteriormente especializou-se na formação
de agentes da sociedade política e de intelectuais coletivos para intervir na escolas públicas a
partir de seu projeto. Dentre seus aliados destacam-se representações de frações da classe
dominante e da classe subalterna, assimiladas pelo seu projeto como: associações de
moradores, sindicatos de trabalhadores, instituições de ensino, fundações empresariais, além
de empresas de comunicação, comércio, agronegócio e bancos, União Nacional dos
Dirigentes Municipais (UNDIME) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação
(CONSED).
Entre 2000 e 2015, o CENPEC priorizou as ações voltadas para a construção da
política de expansão do tempo escolar. Assim como todo o projeto educativo defendido pelos
aparelhos da holding Itaú Unibanco, o conceito de “educação integral” reuniu princípios
como: reconfiguração do papel do Estado, sistematização das “ações sociais” empresarias,
estímulo a “nova cultura do voluntariado, e a avaliação dos programas. Como sustentamos
na tese, em termos políticos, o conceito de “educação integral” do capital financeiro possuiu
estreita relação com projeto social liberal e em termos pedagógicos, traduz os princípios
definas nas Conferências Mundial de Educação Para Todos de Jomtien (1990) e Cidades
Educadoras, realizada Barcelona (1990). A Conferência de Jointien ajudou a organizar o
274

consenso de que a escola deveria se concentrar na satisfação das necessidades básicas das
crianças e jovens, incorporando uma nova perspectiva de aprendizado e de conteúdo. A partir
da conferência, cresceu em toda a América Latina o movimento pela “reforma” da escola a
partir da priorização de “saberes” considerado básico para os estudantes: sobreviverem,
melhorar sua qualidade de vida, trabalharem com dignidade, tomarem decisões fundamentais
e continuarem aprendendo valores culturais e morais comuns. Já as diretrizes definidas na
conferência Cidades Educadoras serviram de referência para o capital financeiro construir o
projeto de ampliação do tempo escolar pautado na parceria com instituições da sociedade civil
e incorporação de “novos atores” à escola.
A consolidação da aliança entre o CENPEC, a FIS e a agência da ONU, UNICEF, foi
fundamental para que o conceito de “educação integral” do capital financeiro conquistasse
hegemonia na sociedade. Esta parceria, firmada desde a década de 1990, culminou no
programa Prêmio Itaú Unicef, que se constituiu no mais importante programa dirigido pelos
aparelhos da holding Itaú Unibanco para a disseminação da metodologia e do conceito de
“educação integral” em escolas públicas de todo o país. Também foram fundamentais para a
materialização da ideologia da classe dominante em política pública a ocupação de espaços
em jornais e revistas de grande circulação, a organização de seminários sobre o tema, a
incorporação de intelectuais tradicionais ligados à tradição cientifica e de outros intelectuais
difusores dessa pedagogia, a extensa produção de manuais e cursos de formação, a histórica
parceria com a UNDIME, o CONSED, etc.
Os Aparelhos Privados de Hegemonia do capital financeiro atuaram em dois sentidos.
Primeiramente, aglutinou em torno de seu projeto as agências e agentes em âmbitos municipal
e estadual, penetrando nas secretarias, formando quadros, priorizando neste momento, a
uniformização ao discurso dos representantes da política. O Programa Escola Integrada,
desenvolvido no município de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e o Programa Bairro Escola,
do município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, portadores desta concepção de educação
integral foram apresentados, pelo governo federal, pelos Aparelhos Privados de Hegemonia
especializados no tema e pelas universidade como referências de política de ampliação da
jornada escolar. No segundo momento, os Aparelhos inseriram-se no bloco social de
construção da política federal de expansão do tempo escolar. Em 2007, o paradigma de
“educação integral” do capital financeiro transformou-se ganhou dimensões nacionais após a
incorporação pelo governo federal do instrumental teórico produzido e difundido pelos
Aparelhos, no Programa Mais Educação. O convite, feito pela Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do Ministério da Educação (MEC) para
275

integrar o bloco definidor da política de educação de tempo integral, em âmbito nacional, deu
à holding Itaú Unibanco possibilitou a ocupação deste espaço de decisão das diretrizes da
política.
A análise exaustiva dos projetos desenvolvidos pelo CENPEC e pela FIS no âmbito da
expansão do tempo diário da escola e do material de orientação veiculado pelo Programa
Mais Educação, nos faz concluir que O Programa foi a síntese de todo o projeto educativo da
holding Itaú Unibanco. Esta solução do capital financeiro, expressa para garantir a
permanência e o interesse dos estudantes pela escola e promover a “justiça social”, implicou
em sérias consequências para a educação pública brasileira. Esta forma de ampliação do
espaço escolar, sem previsão de aumento dos recursos do fundo público para a escola,
prevista no PME, ajudou a desviar o debate sobre financiamento educacional para a questão
do gerenciamento. Por meio deste Programa, reforçou-se a ideia de que os problemas de
infraestrutura da escola eram consequência das más escolhas e ou da incapacidade das escolas
em estabelecerem boas parceria e administrarem os parcos recursos previstos no PME. O
PME reforçou também a política de diferenciação do tratamento entre as escolas, tendo em
vista a restrição ao atendimento de escolas em áreas consideradas de risco e com baixo
rendimento no índice de Desenvolvimento Educacional. Além de provocar a diferenciação
entre os estudantes da rede de ensino e da própria escola, com o foco nos estudantes em
situação “de vulnerabilidade”, possivelmente aumentando o estigma dos estudantes
matriculados no programa.
O Programa ajudou também a aprofundar os problemas de ensino e aprendizagem das
escolas com a secundarização dos saberes historicamente produzidos pela humanidade e a
limitação cultural dos alunos aos conhecimentos que a escola podia angariar na localidade,
por meio de contratações com alto nível de precarização. Com a contração dos estudantes
universitários, em fase de formação e de tabalhadores precariados como voluntários do
programa, o PME disseminou entre estes trabalhadores a cultura do fim do trabalho, fim dos
direitos sociais historicamente conquistados pela classe trabalhadora e inoperância dos
movimentos sindicais. Compreendemos que apesar do prejuízo à escola, aos estudantes e aos
trabalhadores envolvidos, este projeto de educação escolar burguês não pode ser considerado
um fracasso frente aos intentos da classe dominante. Não podemos limitar a crítica aos
problemas gerencias, como em muitos estudos no campo da educação de tempo integral que
focam apenas em aspectos superficiais e se furtam de fazer a crítica classista ao programa.
Somente a análise estrutural deste projeto, considerando seu vínculo orgânico com as
276

transformações no mundo da produção e do trabalho, e com a ossatura do Estado moderno é


capaz de revelar o novo tipo de homem que se projetou com esta ampliação do tempo escolar
Em função das transformações do modo de produção, da luta de classes e da
organização dos movimentos sociais com víeis classista e indenitário, a burguesia foi forçada
a incorporar algumas demandas ao seu projeto educativo, depurando-os da proposta de
rompimento com capitalismo e adaptando-os aos interesses da classe dominante na formação
social brasileira. Concluímos também que a reformulação do PME, em 2016, não foi um
reflexo de incongruências no interior da sociedade política, nem fruto da incapacidade do
projeto de educação de tempo integral social-liberal em concretizar seus objetivos originais de
garantir a permanência e o fim da evasão escolar dos estudantes classificados como
vulneráveis. Os novos ajustes no PME, certamente estão associados ao aprofundamento da
crise econômica e crise política que acarretaram fissuras no bloco no poder e em particular no
bloco social que definiu a política nacional de escola em tempo integral entre 2007 e 2015. É
preciso salientar, no entanto, que o rompimento do equilíbrio em torno da agenda educacional
não interrompeu a direção da holding Itaú Unibanco no que diz respeito à articulação do
ativismo dos setores dominantes nem a sua capacidade de universalização de seu projeto
pedagógico. Em nossa percepção, o Novo Mais Educação comprova que a hegemonia
conquistada pela fração do capital financeiro, há décadas, foi assegurada por meio de ajustes
que incorporaram alguns princípios mais afinados com o modelo neoliberal conservador,
resgatado por alguns intelectuais individuais e coletivos neste contexto de agudização da crise
orgânica do capital.
Outro ponto que devemos salientar é de a aparente discordância entre o CENPEC e a
FIS sobre o novo formato do Programa, após 2016, longe de ser uma contradição, expressa o
modus operandi do capital financeiro organizar o consenso na sociedade. A FIS,
declaradamente financiadora da ação social dos empresários, precisa dialogar diretamente
com as demandas da classe dominante dentro da nova condição do bloco histórico
gerencialista/ neoliberal. Já o CENPEC, na condição de movimento social de “novo tipo”
precisa aparentar independência, para manter se em diálogo com a universidade, com as
escolas públicas e outras organizações da sociedade voltadas para educação escolar.
277

REFERÊNCIAS

Fontes secundárias:

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Educação, vol.8, n. 15, janeiro/julho de 2013.
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ANDERSON, Perry. “Balanço do Neoliberalismo”. In: SADER, Emir.(org) Pós
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 Mídia e Educação: perspectiva para a qualidade da educação
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 A Reforma Educacional de Nova York: possibilidades para o Brasil. São Paulo: Fundação
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 O Caderno Educação Integral: Texto Referência para o Debate Nacional. Série Mais
Educação. Brasília: MEC, 2009
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 Caderno Rede de Saberes Mais Educação Série Mais Educação. Brasília: MEC, 2009
 Programa Mais Educação: passo à passo
 Manual Operacional de Educação Integral. Brasília: MEC,2013

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