Tese - Nivea Silva Vieira
Tese - Nivea Silva Vieira
Tese - Nivea Silva Vieira
Rio de Janeiro/ RJ
Março 2019
HEGEMONIA DO CAPITAL FINANCEIRO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:
a atuação do grupo Itaú Unibanco na política educacional
2019
RESUMO
Esta tese investiga a participação ativa da holding Itaú Unibanco, através da Fundação Itaú
Social e do CENPEC, na formulação e difusão de um modelo específico de educação de
tempo integral, materializado no Programa Mais Educação, instituído em 2007 e reformulado
em 2016. Ao longo de suas trajetórias, a Fundação Itaú Social e o CENPEC imprimiram os
interesses da fração financeira nas políticas educativas escolares, demonstrando ser um dos
mais importantes Aparelhos Privados de Hegemonia na organização do ativismo empresarial
neste campo. Ambos os aparelhos cumpriram a função histórica de formação da consciência
de sua própria classe e elaboração de estratégias para conquistar a adesão da classe
trabalhadora e frear a materialização de seu projeto de sociedade. A presente tese analisa os
produtos de divulgação dos aparelhos, relatórios institucionais, materiais pedagógicos e
documentos produzidos pelas entidades e por seus intelectuais orgânicos, além de documentos
produzidos por agências governamentais. O recorte temporal do trabalho abrange o momento
da fundação do CENPEC, em 1987, e o ano de 2016, que demarca a reformulação do
programa Mais Educação. Sob a luz do referencial teórico metodológico desenvolvido pelo
marxista italiano Antônio Gramsci, buscou-se compreender a habilidade das entidades em
organizar a atuação das diferentes frações do capital e das frações adversárias na sociedade
civil, e a capacidade do complexo pedagógico em materializar o projeto de educação escolar
do capital financeiro na sociedade política. Concluiu-se que a holding Itaú Unibanco obteve
êxito em educar a sociedade a partir dos princípios do projeto social liberal e em definir e
redefinir a política de expansão do tempo escolar em nível nacional, na atualidade.
VIEIRA, Nívea Silva. Hegemony of the financial capital: the action of Itaú Unibanco in
the educational policy. Rio de Janeiro, 2019. 286 p. Thesis (Doctorate in Education) -
Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
This thesis investigates the active participation of the Itaú Unibanco holding company,
through Fundação Itaú Social and CENPEC, in the formulation and diffusion of a specific
model of full-time education, materialized in the More Education Program, instituted in 2007
and reformulated in 2016. Throughout of its trajectories, Fundação Itaú Social and CENPEC
have impressed the interests of the financial fraction in school education policies, proving to
be one of the most important Private Hegemonic Devices in the organization of business
activism in this field. Both apparatuses fulfilled the historical function of forming the
consciousness of their own class and devising strategies to win the adhesion of the working
class and to curb the materialization of their project of society. This thesis analyzes the
products of the apparatus, institutional reports, pedagogical materials and documents
produced by the entities and their organic intellectuals, as well as documents produced by
government agencies. The temporal cut of work covers the time of the foundation of
CENPEC in 1987 and the year 2016, which marks the reformulation of the More Education
program. In the light of the theoretical methodological framework developed by the Italian
Marxist Antônio Gramsci, the aim was to understand the ability of entities to organize the
performance of the different fractions of capital and opposing fractions in civil society, and
the capacity of the pedagogical complex to materialize the project of school education of
financial capital in political society. It was concluded that the Itaú Unibanco holding company
succeeded in educating society from the principles of the liberal social project and in defining
and redefining the policy of expanding school time at the national level, at the present time.
Esta tese é um trabalho coletivo feito por mim e todos que os que contribuíram com
orientações diretas, estudos coletivos, reflexões, palavras amigas ou com o acolhimento de
minha pequena.
Agradeço à minha querida orientadora, Vania Motta, pela orientação, humanidade e
pela peculiar gentileza que tornou este percurso mais leve e mais seguro. Vânia, não é
possível expressar aqui o tamanho de minha felicidade em trabalhar com você. Gostaria de
deixar registrado que foi fundamental para a conclusão desta tese a sua demonstração de
confiança em meu trabalho e sua orientação de grande qualidade.
Agradeço a todos os membros desta banca de avaliação, que foram escolhidos em
função da qualidade de seus trabalhos, do profundo conhecimento do referencial teórico-
metodológico adotado nesta investigação e pelo compromisso com um projeto de educação
verdadeiramente emancipador. Ao Professor Frederico Loureiro, agradeço pela rica reflexão
teórica realizada em suas aulas e pelas contribuições feitas durante a qualificação desta tese. À
professora Sônia Mendonça, agradeço por socializar seu roteiro de investigação, por meio de
seus trabalhos e pelos apontamentos feitas durante a qualificação. À professora Virgínia
Fontes, agradeço pela orientação coletiva que realiza por meio de sua produção bibliográfica e
através dos muitos debates que participa. Ao professor Rodrigo Castelo, agradeço pelas
reflexões socializadas nos encontros de grupo de estudos sobre a obra de Antonio Gramsci.
Agradeço a todos os companheiros do grupos de estudos GIEP e “Gramsci na
Baixada” pelas agradáveis manhãs de sábado em que debatemos a obra de Gramsci e
tomamos um delicioso café da manhã. Agradeço também aos meus colegas de trabalho da
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, da UERJ, que por longos anos vêm
resistindo ao projeto de desmonte da universidade pública e lutado por uma educação de
qualidade socialmente referenciada na Baixada Fluminense.
Agradeço a minha família − pai, mãe, irmão e cunhada, por entenderem este
longuíssimo tempo em que mantive a casa fechada. Sim, novos tempos virão! A maioria dos
livros será arrumada nas estantes, as cadeiras e mesas terão a função tradicional e as portas se
abrirão com mais frequência. Amo muito todos vocês! Agradeço também à família de meu
companheiro, por ajudar na tarefa de tornar a vida da minha filha mais divertida.
Agradeço ao Rodrigo Lamosa, pelo amor, carinho e por todo tipo de incentivo em
todos os trabalhos que realizo. Não é possível descrever quantas vezes enxugou minhas
lágrimas, cuidou dos meus cansaços físico e mental e disse: “Vamos Juntos”! Foram muitos
momentos de ansiedade e tensão e outros muitos de estudo, alegria e amor.
Finalmente, agradeço a minha pequena Rosa, que sabe a dor e a delícia de ter uma mãe
“professora e escritora”. Com toda a sabedoria e pureza infantil, Rosa sempre afaga esta mãe
atarefada com as palavras: “mãe, faz do seu jeitinho”!
LISTA DE SIGLAS
OS Organização Social
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14
INTRODUÇÃO
Esta tese analisou criticamente a atuação da holding Itaú Unibanco junto à Sociedade
Civil, através de seus principais Aparelhos Privados de Hegemonia voltado para atuação na
política de educação escolar, tendo como foco a Fundação Itaú Social e o Centro de Estudos e
Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC). Nosso objetivo foi verificar
a capacidade da holding Itaú Unibanco em organizar politicamente a atuação das frações
dominantes e inserir seus interesses no interior da Sociedade Política, especialmente na
formulação das políticas educacionais direcionadas à Educação de tempo integral. A análise
da extensa produção intelectual dos Aparelhos de Hegemonia do Itaú1 permitiu compreender
sua função histórica e seu papel enquanto representante da fração do capital financeiro, tanto
no que diz respeito à formação da consciência de sua própria classe, quanto na elaboração de
estratégias que incidiram junto aos trabalhadores, suas organizações e a formação de sua
juventude.
A influência da holding Itaú Unibanco na política educacional escolar da atualidade
pode ser verificada pela capacidade de mobilização social e intervenção política, desde os
municípios e suas Secretarias de Educação, até agências que regulam as políticas federais de
educação. Seu raio de atuação, inicialmente circunscrito ao âmbito regional, adquiriu os
contornos nacionais a partir das três últimas décadas. Sob o mote de desenvolver ações que
contribuem para a redução das desigualdades e o desenvolvimento da qualidade da educação,
a Fundação Itaú Social e o CENPEC participam do bloco no poder2 que define e redefine
políticas públicas educacionais, dirigindo moral e intelectualmente outras organizações da
sociedade, agregando à aparelhagem do Estado e conformando fração da classe subalterna ao
projeto ético-político da fração burguesa que representa. Ciente da necessidade de estabelecer
relações mais íntimas e seguras entre e as classes dirigentes e a massa popular nacional 3, o
Itaú Unibanco construiu um complexo de Aparelhos Privados de Hegemonia voltados para a
1
Parte significativa dessa produção está disponível em formato de periódicos, livros e atas de seus conselhos.
Grande parte deste material está disponível nas páginas do Cenpec e do Itaú Social. As documentações não
disponibilizadas por estes meio poderão ser acessadas, como ocorreu na elaboração deste projeto, na sede do
CENPEC, localizada na cidade de São Paulo.
2
Poulantzas (1977) definiu Boco no Poder como uma unidade contraditória entre distintas classes e/ou frações
de classes, sob a hegemonia no seu interior de uma dessas frações ou classes, em suas relações com o Estado
capitalista. Para o marxista, o Bloco no Poder podia ser explicitado a partir de três elementos: 1-Pelo conjunto de
determinadas instituições – datadas historicamente – do Estado capitalista (no sentido ampliado) em sua relação
com a luta política de classe; 2- Pelo campo das práticas políticas das classes e frações dominantes numa
determinada conjuntura capitalista; 3-Pela divisão da classe burguesa em frações no interior do modo de
produção capitalista. Frações (comercial, industrial e financeira) estas que não se relacionam simplificadamente
com os efeitos particulares da instância política. Cif: PINTO e BALANCO, 2014, pp.45 e 46).
3
Ver conceito de hegemonia em LIGUORI, Guido e VOZA, Pasquale: Dicionário Gramsciano, 2017, p. 3062.
15
educação da sociedade, dentro dos princípios do projeto político. Desde os anos 1980, esses
Aparelhos se especializaram na disseminação de seu projeto na sociedade civil e na disputa
por sua transformação em políticas culturais, sociais e educacionais.
Nesta tese, priorizamos a análise da Fundação Itaú Social e do CENPEC, em função
destes desatacarem na capacidade de mobilização social, na transformação dos projetos da
fração financeira em interesses aparentemente universais, e por possuírem tarefas bem
definidas no tocante à construção de hegemonia na sociedade. Enquanto a Fundação Itaú
Social foi criada pelo capital financeiro para dirigir as frações aliadas, como denotam a
estruturação de seus programas e seu principal quadro dirigente, o CENPEC foi criado para
cumprir a tarefa histórica de formar intelectuais (individuais e coletivos) dispostos a
sedimentar na sociedade civil a ideologia do capital financeiro, assimilar os intelectuais e
programas das frações adversárias, adaptando-os aos seus interesses e travestindo-os em
solução para a crise da escola pública brasileira.4
Optamos por analisar o complexo pedagógico do Itaú Unibanco para a educação
escolar, sem nos deter à ordem cronológica dos acontecimentos. Nossa investigação se ateve
ao grau de complexidade da instituição no processo de formação do consenso na sociedade
civil e a penetração do projeto na sociedade política. Desta feita, analisamos destacadamente a
Fundação Itaú Social, em um capítulo sobre os Aparelhos Privados de Hegemonia da holding
Itaú Unibanco, e dedicamos um capítulo exclusivo para o CENPEC, em função de seu
pioneirismo na articulação da “ação social empresarial” e de sua longevidade. As informações
sobre a data de fundação da Fundação Itaú Social são contraditórias. Enquanto o Relatório
anual de 2017 indicou a data de 14 de outubro de 1988, a página eletrônica da Fundação
demarcou o ano 2000, como ano de seu lançamento. Esta fundação define-se como entidade
sem fins lucrativos e declara como finalidade:
4
A consolidação do CENPEC enquanto Aparelho Privado de Hegemonia, se deu na esteira de dois grandes
acontecimentos internacionais que delimitaram os rumos para educação dentro da perspectiva de recomposição
do sistema. Em 1990, a Conferência Mundial Educação para Todos, financiada pela UNESCO, UNICEF, PNUD
e Banco Mundial, realizada na cidade de Jointiem, na Tailândia, deliberou as diretrizes para a “reforma” da
educação nos países da periferia do capitalismo. Neste mesmo ano, foi realizada na cidade de Barcelona, na
Espanha, o Congresso Internacional Cidade Educadoras que difundiu um conjunto de princípios enfatizando o
papel educador da cidade. A partir destes encontros, um conjunto de intelectuais, em todo mundo, passou a
difundir uma perspectiva “ampliada” de educação básica, definindo como instâncias educativas, a família, a
comunidade, os meios de comunicação, a cidade e etc. Uma vasta documentação produzida por importantes
organismos também ajudou a organizar o consenso em torno do ideário de que a saúde da economia dependia de
uma “reforma” no sistema educativo dos países da América Latina e do Caribe. Cif (SHIROMA, MORAES e
EVANGELISTA, 2011). Foi neste período que a atuação do CENPEC ganhou dimensões nacionais, tornando-se
um dos principais arautos da “reforma “educativa.
16
O CENPEC, fundado em 1987, foi criado e presidido por Maria Alice Setubal5. O
Aparelho organizou diversos associados na Sociedade Civil, incluindo frações da classe
dominante, como bancos, indústrias, empresas de telecomunicações e Fundações
empresariais, além de frações da classe “subalterna”, como associações comunitárias e a
Central Única dos Trabalhadores (CUT). Entre seus “parceiros”, o CENPEC inclui agências
da Sociedade Política, como o Ministério da Cultura, o Ministério da Educação e o Ministério
da Justiça, além de uma agência de um Estado estrangeiro, o Ministério da Educação de Cabo
Verde. Ao longo dos seus 31 anos de existência, o CENPEC formulou currículos, produziu
materiais pedagógicos dirigidos programas de aceleração da aprendizagem em Secretarias
Estaduais e Municipais de Educação, além de participar da formulação e execução de projetos
destinados à formação docente.6 Durante a década de 1990, período que compreende marcos
importantes para a educação brasileira, como a implementação da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB), em 1996, e a “Reforma” da aparelhagem do Estado, em 1995, houve um crescimento
expressivo do número de organizações da sociedade civil empresariais, criadas para atuarem
na esfera social, destacadamente na educação com “soluções” para a questão do desempenho
escolar. Nesta conjuntura, o CENPEC ampliou sua capacidade de intervenção na escola
pública, atuando na coordenação de projetos, que contou com a parceria entre entidades
públicas e privadas, caracterizando-se como um dos principais articuladores desse movimento
de inserção empresarial nas redes públicas de ensino.
Como descreve em sua publicação, Cenpec: uma história e suas histórias (2007), a
entidade não se propõe a concorrer com outras organizações na promoção de projetos, seu
intuito é negociar e auxiliar outros grupos, garantindo, assim, a adesão de outras instituições e
5
Maria Alice de Setúbal é filha de Olavo Setúbal, Presidente do Banco ITAÚ S.A. entre 1975 e 2005.
6
No início dos anos 1990, o CENPEC participou da pesquisa que culminou no “Projeto Nordeste”, coordenado
pelo Ministério da Educação (MEC), criado com o propósito declarado de melhorar a qualidade do ensino nas
primeiras séries do ensino fundamental das redes estaduais e municipais de educação, promovendo a integração
entre estado e munícipio e a mudança no padrão de gestão da educação pública. Em 1994, o Cenpec produziu a
revista “Raízes e Asas”, composta por nove fascículos, duas fitas de vídeo, um livro e cartazes dirigidos a ação e
apoio a formação de educadores. A série foi produzida em parceria com o Banco Itaú, com o Unicef e MEC e foi
distribuída, em 1995, em 36 mil escolas. Os vídeos foram transmitidos pela TV Escola, TV Educativa e TV
Cultura. O material foi utilizado pela Universidade de São Paulo no Programa de Capacitação destinado a mil
coordenadores pedagógicos e técnicos da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. (Cenpec,2007). Em
1996, desenvolveu o “Programa de Aceleração da Aprendizagem” com material pedagógico destinado a alunos e
professores da 1ª a 4ª série: “Ensinar para Valer!” e “Aprender para Valer!” e da 5ª a 8ª série “Ensinar e
Aprender”, ambos adotados por diversas secretarias de educação. Em 2001 construiu um portal dirigidos as
escolas públicas, “EducaRede” lançados no ano seguinte. Esse programa tem parceria com a Fundação
Telefônica e a Fundação Vanzolini. Em 2002. Promoveu o Projeto Aulas Unidas, visando a integração entre
escolas de cinco países onde o Grupo Telefônica atua (Argentina, Brasil, Chile, Espanha e Peru). Realizou ente
2002 e 2005 políticas de capacitação nos estados de São Paulo, Ceará, Paraíba e Rio de Janeiro, atingindo cerca
de 600 educadores da rede pública. Além desses e outros programas dirigidos às escola pública o Cenpec e seus
parceiros também atuaram e atuam em projetos educativos e culturais fora da escola. C.f (Cenpec,2007).
18
criticamente este programa e o interpretou como uma modalidade de privatização que teve
origem no Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995) e na legislação local do
estado de Pernambuco. A pesquisadora concluiu que as ações privatizantes na escola pública
no Brasil difundiram um ethos contrastante com as bases do ensino público, laico e universal,
conquistados pelos trabalhadores da educação e pela sociedade como um todo, num longo
processo de construção democrática.
Luciana do Nascimento Simão contribui com o estudo sobre a hegemonia do “novo
discurso” de sustentabilidade, através da investigação sobre o Itaú Unibanco. A pesquisadora
analisou a construção do conceito de Desenvolvimento Econômico Sustentável diante da crise
ambiental contemporânea. De acordo com o estudo de Simão, os debates promoveram a
possibilidade de alinhamento das novas redes de reprodução capitalista, sem, no entanto,
romperem com fundamentos estruturais do capitalismo, contraditório à preservação da
natureza. Nessa dissertação defendida em 2014, no Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da UFRGN a pesquisadora abordou as denúncias da classe trabalhadora organizada,
vinculada ao Itaú Unibanco com a visão institucional sobre o que denominam de
“Performance Sustentável”.
Outra análise crítica à ação política do Itaú Unibanco foi feita por Simone Bitencourt
Braga (2013). A autora se debruçou sobre o Programa Excelência em Gestão Educacional da
Fundação Itaú Social e compreendeu que o modelo de gestão difundido pela Fundação Itaú
Social reproduz o modelo americano das Escolas Chartes. De acordo com a análise da autora,
tal modelo se destaca por priorizar parâmetros do mercado, que associam conceitos como
qualidade, participação, descentralização, autonomia e avaliação à ideia de gerenciamento de
recursos com vista à produtividade do sistema educacional, e não foi capaz de melhorar o
sistema educacional americano.
Outro trabalho que nos ajudou a refletir sobre a intervenção do capital financeiro nas
políticas de educação escolar foi a dissertação de mestrado de Lia Urbini Fuhrmann (2015),
sobre a participação do Itaú Unibanco nas políticas públicas de educação entre 2002 e 2014,
com o foco na educação de tempo integral. Urbini analisou o processo se expansão de
programa de ampliação do tempo escolar no Brasil e no estado de São Paulo, a partir do
Programa Novo Modelo de Escola de Tempo Integral, realizado por meio da parceria público-
privada entre governo do estado e empresários, organizados em movimentos de intervenção
na política educacional. A autora fez uma ampla análise da intervenção do Itaú Unibanco na
política de Educação de tempo integral, buscando compreender os nexos entre políticas
20
7
A “questão social” é uma categoria que está em disputa, na atualidade, devido às novas formas imediatas de
expressões e diferentes respostas dadas à elas. Autores vinculados à tradição marxiana no campo do Serviço
Social, como José Paulo Neto e Alejandra Pastorini (2004), analisam criticamente os usos da categoria “questão
social” contrapondo-se às concepções que afirmam estarmos diante de uma “nova” sociedade, com “novos”
problemas, novos atores sociais e portanto, diante da presença de um nova questão social resultado da
“revolução tecnológica” da sociedade “pós industrial”, “pós trabalho”. Para Pastorini, a ênfase no novo faz
perder de vista a processualidade dos fatos, não permitindo compreender continuidades e rupturas. Partindo do
reconhecimento de que há novos elementos, novas expressões imediatas da “questão social”, com diferentes
versões correspondentes aos diferentes estágios de formação do capitalismo, estes autores entendem que há nesta
categoria a manutenção de traços essenciais e constitutivos de sua origem. Seguindo esta interpretação
utilizaremos a categoria “questão social” acompanhada por aspas.
22
parceria com a Fundação Itaú Social e o CENPEC. De acordo com a autora, a pesquisa se
concentrou na análise de produções textuais de alunos do 8º ano do ensino fundamental de
uma escola pública do Centro de Campo Grande, no Estado de Mato Grosso. Oliveira foi
professora da turma analisada, durante o período da pesquisa. No entendimento da autora, a
Olimpíada de Língua Portuguesa impactou positivamente na aprendizagem dos alunos em
função de dar oportunidade aos estudantes para conhecerem, de forma mais detalhada, o
gênero textual e o relato de memória. No entanto, quando teceu considerações sobre os
critérios de avaliação, apontou aspectos negativos como a superficialidade de alguns
conteúdos contidos no “Caderno do Professor” e o curto prazo para colocar integralmente em
prática as orientações contidas no Caderno do Professor, oferecido à escola pelos
organizadores do concurso. (OLIVEIRA, 2010, p. 158)
Assim como nos trabalhos citados anteriormente, esta dissertação se propôs a
“verificar” a aplicabilidade do manual pedagógico do CENPEC e sugeriu pequenos ajustes na
orientação destinada aos professores que integraram o programa. Embora não se trate de uma
pesquisa feita em parceria com o CENPEC, como o trabalho de Breches (2015), a dissertação
analisa de forma acrítica este programa, ressaltando seu êxito na “melhoria” na aprendizagem
dos alunos. Observa-se neste trabalho uma forma de valoração do CENPEC enquanto agência
promotora da qualidade da educação pública brasileira.
Na contramão dos trabalhos supracitados, a dissertação de mestrado de Tayla Soares
Paixão, “Classe Social, Hegemonia e Educação: análise do Projeto de Educação do CENPEC
para (re)organização da Escola Pública”, defendida na Universidade de Juiz de Fora, em
2016”, faz uma análise crítica da atuação do CENPEC na formulação de políticas educativas.
Orientada pelo referencial teórico do materialismo histórico dialético, Paixão compreende a
inserção do CENPEC sobre a política de educação de tempo integral como uma estratégia de
poder para afirmar o projeto empresarial para a educação, numa referência para o conjunto da
sociedade (Paixão, 2016, p.168). Dentre os muitos aspectos que caracterizam sua ossatura
como um aparelho de educação política da sociedade, Paixão (2016) destaca que o CENPEC
não atua isoladamente, pois considera que sua força reside justamente na capacidade de
estabelecer conexões políticas com organizações da sociedade civil e instâncias da
aparelhagem estatal, para criar e difundir a iniciativa da “educação integral”. Considera assim,
que as redes de articulação políticas estabelecidas pelo CENPEC alcançam o MEC, resultando
em forte atuação desse organismo na definição da concepção do programa governamental
Mais Educação. (PAIXÃO, 2016, p 171)
23
8
O teórico/político Antônio Gramsci resgatou o conceito da sociedade civil, bastante presente na teoria liberal,
reinterpretando-o sob a luz da teoria marxista, para entender a complexa relação de poder nas sociedades
capitalistas contemporâneas. O conceito de hegemonia também foi reconstruído por Gramsci para explicar um
tipo de dominação de uma classe sobre a outra, partindo do princípio que para se tornar dirigente, a classe que se
pretende dominante precisa conquistar um conjunto de frações aliadas e do consenso passivo de grande parte da
classe dominada. De forma sucinta, o projeto de dominação de uma classe fundamental sobre a outra
compreende não apenas o uso da força, exige também mecanismo que viabilizem a construção do consenso
(GRAMSCI, 2016).
24
Em sua obra, o marxista italiano Antônio Gramsci abordou o Estado, distinguindo dois
momentos de articulação do campo estatal: (1) em seu sentido estrito, considerando apenas a
burocracia estatal e suas agências, secretarias, Ministérios e o Exército; (2) e em sua forma
ampliada. A dominação de classe, segundo o intelectual, é exercida não somente através da
coerção, mas através do papel educativo do Estado, procurando “realizar uma adequação entre
o aparelho produtivo e a moralidade das massas populares.” (BUCI-GLUCKSMANN,
1980:128). O debate acerca do conceito de Estado é muito anterior à formulação gramsciana.
Segundo Mendonça (1998a), é inegável a hegemonia dos liberais sobre este debate. Essa
hegemonia difundiu no senso comum um sentido que confunde o Estado, ora com um
determinado governante, ora com alguma agência da administração pública. Estas
formulações são responsáveis por retirar das relações que formam o Estado suas mediações
com a sociedade, produzindo uma espécie de coisificação do mesmo. (MENDONÇA, 1998a)
A simplificação decorrente da “coisificação”, produzida pela abordagem liberal,
presente nas formulações de uma importante matriz teórica, é denominada Jusnaturalista9 .
Esta matriz reúne um conjunto de autores considerados clássicos, mesmo reconhecendo as
diferenças existentes entre os mesmos. O conceito de Estado desta matriz, como expressa seu
próprio nome, parte de dois princípios (Ibidem, 1998a): 1) a pesquisa sobre o Estado deriva
do estudo do direito e, em particular, do direito público (Jus); 2) o direito, de que resulta o
Estado, pertenceria ao domínio da natureza. A produção teórica dos Jusnaturalistas ocorreu na
batalha das ideias contra o monopólio intelectual de sua época: a Igreja Católica e a teoria do
Direito Divino, que sustentava sua ideologia. Os Jusnaturalistas defendiam que os Homens
eram responsáveis por suas ações no mundo. Neste sentido, a formulação teórica de Hobbes,
Locke ou Rousseau foram um grande avanço para o pensamento político do ocidente. No
entanto, de forma diferente ao Direito Divino, a concepção de Estado do Jusnaturalismo
também parte de uma compreensão histórica.
Uma das principais preocupações do modelo explicativo Jusnaturalista era encontrar
explicações para as ciências humanas que fossem tão exatas quanto as respostas produzidas
pelas ciências da matemática, por exemplo. Era fundamental, portanto, encontrar leis naturais
e universais que explicassem as posturas humanas. Isto só poderia ter sucesso se a busca
9
Reconheço a existência de grandes diferenças entre os clássicos reunidos sob a nomenclatura Jusnaturalistas:
Hobbes, Locke, Rousseau, entre outros. Entretanto, considerando que neste trabalho o que se pretende é
ressaltar as ideias-força que configuram esta matriz, entendo ser possível, como Bobbio (op. Cit.), a
aproximação dos mesmos. Identifico como a principal discordância no que diz respeito ao conceito de “estado
de natureza”, sua característica pacífica ou beligerante que divide autores como Rousseau e Hobbes,
respectivamente.
28
ocorresse por fora da história. Somente assim seria possível estabelecer leis para a natureza
humana verificável em qualquer espaço e tempo. Os Jusnaturalistas classificavam os Homens
em dois estados (sociedade): 1) estado (sociedade) de natureza; 2) estado (sociedade) civil. A
diferença entre os dois estados diz respeito ao contrato social. O contrato social seria a forma
pela qual os Homens, vivendo um estado de natureza (permanente barbárie), acordam um
contrato social que funda o Estado, ou o estado (sociedade) civil. Fica claro, portanto, que no
lugar da ação divina, proposta pela tese do Direito Divino, os Jusnaturalistas identificam no
direito, derivado do contrato social, o responsável pela ordem social. Esse contrato foi aceito
pelos Homens que abdicaram de suas prerrogativas, existentes em um estado de natureza, em
razão de um soberano, responsável por resguardar o direito e novo estado civil, derivado do
latim civilitas (civilização) e civitas (cidadão).
Conforme salienta Mendonça (1998a), o conceito de Estado produzido pela matriz
Jusnaturalista tem como consequência dois problemas teórico-metodológicos. Primeiramente,
os Jusnaturalistas identificam o governante com Estado. Além disto, entendem que este
Estado corresponde ao somatório dos direitos individuais. Destes dois problemas, decorrem
mais dois: 1) os Jusnaturalistas acabam por conceber a ideia de um “Estado sujeito”, ou seja,
uma entidade que está acima dos interesses que conformam uma determinada sociedade, com
vontades próprias, independentes das classes ou conflitos sociais; 2) a sociedade torna-se, na
teoria Jusnaturalista, impotente diante do “Estado sujeito”, sem capacidade de intervenção e
submissa aos desígnios do soberano.
No Século XIX, Hegel criticou a formulação de Estado produzida pela matriz
Jusnaturalista, destacando o caráter histórico do processo de formação do Estado. A ideia de
um contrato social, de acordo com Hegel, retiraria da sociedade seu papel, tornando-a
coadjuvante na História, dando lugar a um “Estado sujeito”. Marx, inspirado em Hegel,
aprofundou a crítica ao “Estado sujeito” e identificou o caráter de classe do fenômeno estatal.
A originalidade da formulação de Max esteve no entendimento de que sua função era
conservar a divisão, assegurando que os interesses particulares de uma classe se sobrepusesse
sobre a outra. Em relação a estrutura do Estado, Max e Engels apontaram a repressão,
monopólio legal e ou violência como principal modo, através do qual o Estado em geral faz
valer esta natureza de classe. (COUTINHO, 2011) Essa definição, elaborada na época em que
a sociedade civil era pouco desenvolvida, gerou diversas interpretações que entendiam a tese
de Marx a partir do determinismo econômico sobre o político. De forma oposta à tese do
“Estado Sujeitos”, as interpretações que definem o Estado enquanto “comitê executivo da
burguesia” acabou produzindo uma espécie de “Estado objeto”. Essa formulação, identificada
29
por Gramsci como mecanicista ou economicista, não aborda a complexa ossatura do Estado,
supondo uma relação imediata entre as classes proprietárias e o Estado.
O Estado, segundo Gramsci, não é sujeito – uma espécie de entidade que paira sobre a
sociedade e os conflitos sociais, nem objeto, como propuseram no século XX alguns
marxistas denominados pelo italiano como economicistas, mas sim uma relação social, ou
seja, uma condensação das relações sociais que estão presentes numa dada sociedade
(GRAMSCI,1991). O marxista sardo distinguiu dois momentos da articulação do campo
estatal, no sentido unilateral e no sentido integral, de acordo com Glucksmann (1980, p.128).
No sentido estreito ou unilateral, o Estado se identifica com o governo, com os aparelhos de
ditadura de classe, tendo em vista que ele possui funções coercitivas e econômicas. Conforme
salienta a autora, Gramsci entende que a dominação de classe é exercida através do Aparelho
de Estado no sentido clássico (exército, polícia, administração, burocracia). Essa função
coercitiva, no entanto, não está separada do papel adaptativo-educativo do Estado, que busca
constantemente adequar o aparelho produtivo à moral das massas populares. Na concepção de
Gramsci, não é possível reduzir o “estado ocidental” às estruturas de governo, pois no
transcorrer do processo histórico de socialização da política, traço fundamental do exercício
para a conquista da Hegemonia, a burguesia criou um conjunto de casamatas, onde atuam as
organizações responsáveis por elaborar, sistematizar e difundir uma concepção de mundo.
Estas organizações formam uma outra dimensão Estatal: a sociedade civil.
Fontes (2010) salienta que antes de Gramsci, o conceito de sociedade civil era mais ou
menos comum entre os diversos autores, tendo em vista que destacavam nessas categorias, o
âmbito dos apetites incontroláveis, naturais, manifestados através dos interesses do mercado,
da concorrência, do âmbito privado. Gramsci se afasta da origem liberal do conceito,
recriando-o a partir das reflexões de Marx, Engels e Lenin, para analisar a situação concreta e
histórica, tanto da Itália quanto de outras formações sociais de sua época. O cerne da
sociedade civil em Gramsci remete para a organização e para a produção coletiva de visões de
mundo, da consciência social, as formas de serem adequadas aos interesses do mundo burguês
(a hegemonia) ou ao contrário, capazes de se opor a esta concepção e propor uma alternativa
rumo à sociedade igualitária (FONTES, 2010).
Conforme aponta a autora, na formulação de Gramsci, a vertebração da sociedade civil
são os Aparelhos Privados de Hegemonia que, distintamente das organizações empresariais e
estatais, apresentam-se como associatividade voluntária. Estas organizações não possuem uma
composição homogênea e se apresentam, muitas vezes, como deslocados da organização
econômico-política da vida social. Essa aparente neutralidade esconde o vínculo com as
30
formas de produção econômica (a infraestrutura) e política (ao Estado), embora sua atuação
seja de cunho cultural. (Fontes, 2010). O militante marxista defendeu que um Estado integral
pede um desenvolvimento rico e articulado das superestruturas. Analisar o Estado em sua
forma ampliada, segundo Mendonça (2003), implica em analisar a sociedade civil:
Concordamos com Mendonça (2003b) quando afirma que o primeiro passo para se investigar
qualquer aspecto do Estado ou das políticas estatais consiste no estudo das entidades de
classe, existentes no determinado momento histórico que se dedicam à agenda ou temática
que se quer pesquisar. Depois do rastreamento dos aparelhos responsáveis pela construção da
vontade coletiva que darão força e coesão ao projeto, a investigação sobre as demandas,
pressões setoriais e disputas por espaço nos aparelhos do Estado que, por vezes, culminam na
criação de novos órgãos, são, para a autora, o caminho mais seguro para análise das políticas
estatais.
ao contrário, as crises desnudavam um Estado encoberto por uma poderosa estrutura social
que funciona como sistema de trincheira na “guerra moderna”. (GRUPPI, 1978, p. X). Este
conceito está interligado a outras categorias de análise, que contribuíram com a renovação do
materialismo histórico e nos ajudam a compreender as estratégias da classe dominante para se
recompondo da crise orgânica do capitalismo, iniciada a partir de 1970.
A diferenciação entre sociedade de tipo Oriental (com Estado forte e sociedade civil
fraca e “gelatinosa”) e sociedade de tipo Ocidental (sociedade civil forte e bem integrada ao
Estado), realizada por Gramsci, foi elaborada com uma dupla finalidade: formular novas
estratégias para a superação do capitalismo e compreender a natureza do poder nas formações
sociais modernas. Ao perceber as diferenças históricas dessas sociedades, Gramsci evidenciou
a necessidade de se pensar uma renovação no materialismo histórico ou Teoria da Práxis,
tendo em vista que os métodos revolucionários aplicados na Rússia, em 1917, não
correspondiam às necessidades das sociedades de tipo Ocidental, formada por uma sociedade
civil mais complexa e com certa autonomia política em relação ao Estado. Como Gramsci
observou, no Ocidente não estava em jogo a conquista imediata do Estado, sem antes uma
intensa atividade intelectual (organizativa) e cultural (a partir da criação de uma concepção de
mundo própria), pois a luta girava em torno da conquista da hegemonia, a ser obtida no
âmbito da sociedade civil10.
A disputa por hegemonia na sociedade civil foi definida por Gramsci como Guerra de
Posição11. Esta estratégia, essencial para a construção da hegemonia, implica na conquista da
direção político-ideológica e do consenso dos setores mais expressivos da população
(SIMIONATTO, 2011). De acordo com Gramsci, desconhecer a ossatura do Estado era o
mesmo que desconhecer o inimigo, como na arte da guerra:
10
Ao considerar a batalha das ideias como fundamental nas formações sócias em que a sociedade civil estão
fortemente desenvolvidas, o intelectual militante não abandona as estratégias de disputa pelo poder.
11
As estratégias de conquista da hegemonia pela classe subalterna, são definidas por Antonio Gramsci com base
na comparação entre estratégias políticas e arte militar. Sua análise construída nos anos posteriores da Primeira
Guerra Mundial é repleta de conceito e personagem da guerra militar.
32
12
Segundo Gruppi quando Gramsci o conceito de “reforma intelectual e moral”, utilizado por Gramsci, foi
inspirado no conceito de “revolução cultural” elaborado por Lenin. Gruppi compreende que o conceito também
de “reforma intelectual e moral “também está em sintonia com uma orientação política–cultural italiana da época
que identificava o movimento do Resorgimento Italiano como uma Contra Reforma por não envolver
profundamente os costumes e criar uma nova relação como acontecera com a Reforma Protestante no século
XVI. Cif. (GRUPII, 1978).
13
Antônio Gramsci desenvolveu o conceito de crise orgânica, baseando-se no conceito leninista, que diz respeito
a síntese de todas as contradições de um sociedade determinada, em um determinado momento de seu
desenvolvimento.de acordo com Glucksman, esta concepção de crise renovou de forma contundente a dialética
Democracia/Socialismo, ao romper com a visa catastrófica da crise como econômica que provocaria fortes
abalos no capitalismo e necessariamente a passagem para o socialismo. Ao mesmo tempo, esta tese rejeita a
vertente revisionista de superação da crise. No contexto da guerra imperialista, sucedeu-se a crise econômica, a
crise de representação política, o que segundo Gramsci levou a uma verdadeira redistribuição das relações entre
as classes e partidos e da formação de novos partidos, que não gerou a adesão imediata das massas exploradas ao
projeto socialista Cif (GLUCKSMAN, 1980, pp.131 e 132, 1333).
33
preciso que todos aceitassem o Estado como legitimo (ACANDA, 2006). Dessa forma, afirma
Gramsci, a nova hegemonia da burguesia implicava na direção de grupos aliados e no
domínio dos grupos subalternos. Essa ampliação da política desembocou em competição
controlada entre os grupos dirigentes e dirigidos, no interior do bloco social. Como salienta
Gramsci (2011):
Em outra nota, Gramsci analisou com mais profundidade este processo, associando–o ao
movimento da Revolução Passiva que ocorreu na Itália, durante o processo de unificação na
segunda metade do século XIX:
Outra categoria que ocupa lugar de destaque nas reflexões de Antônio Gramsci e que
está intimamente ligada à “reforma intelectual e moral da sociedade” é a categoria de
intelectual. Como atesta Simionatto (2011), Gramsci avalia que o desenvolvimento do
capitalismo levou a uma nova organização social da produção e a um novo aparato de
produção e difusão ideológica que exigiu a criação de uma nova camada de intelectuais ligada
principalmente à classe dominante. Todos os homens, segundo Gramsci (2010), são filósofos,
entendendo os limites da filosofia espontânea localizada no senso comum, na linguagem, na
religião e no bom senso. “Assim, todos os homens são intelectuais porque fora de suas
profissões são filósofos, artistas, participam de uma concepção de mundo ou possuem uma
linha de conduta conscientemente definida e vinculada a essa concepção.” (BIANCHI, 2008,
p. 77). Entretanto, ao mesmo tempo em que se considera que todo homem é um intelectual,
também se tem em conta que só alguns exercem esta função na sociedade. Além disso, o
exercício desta função não é autônomo e independente, só sendo compreendido em sua
relação orgânica com uma determinada fração de classe social, como afirmou o marxista
italiano no caderno 12, dedicado à questão dos intelectuais:
36
Quadro 1
Estratificação das funções intelectuais
Exército Produção Cultura Partido Político
Estado maior Patronato
Oficiais Técnicos de nível Criadores Dirigentes Categoria 1
superiores superior, representantes de
realizam os engenheiros uma escola
planos filosófica (Croce)
Oficiais Empregados, Empregados de Quadro Categoria 2
subalternos contramestres, aparelhos intermediário
garantem a técnicos culturais
execução médios.... função
técnico
administrativa,
fiscalização
Soldados Operários Público Militante de base Categoria 3
Fonte: Glucksmann, 1980, p 53.
37
Como nos lembra Glucksmann (1980), os intelectuais são abordados por Gramsci a partir de
seu ser social, de seu lugar nas relações de produção, ou seja, compreende o “intelectual”
como aquele que está situado em certa divisão do trabalho. Os intelectuais são apreendidos a
partir de uma abordagem institucional, que se abre para a análise diferenciada dos Aparelhos.
Contudo, ressalva a autora, Gramsci não defende uma tese institucionalista que sobreponha a
história dos aparelhos à luta de classes. É importante salientar que a origem de classe de um
intelectual pode não corresponder à classe que está organicamente ligado. O intelectual com
origem na classe trabalhadora pode aderir ao projeto burguês e se tornar orgânico a esta classe
e vice versa. Estes produtores e difusores de determinadas visão de mundo atuam como os
funcionários construtores da hegemonia social de um grupo e seu domínio estatal, e o
desenvolvimento de suas funções, para Gramsci, está associado ao desenvolvimento do
sistema burocrático-democrático, típico das sociedades modernas. Na divisão hierárquica dos
intelectuais, de acordo com sua função, o topo é ocupado pelos intelectuais criadores das
várias ciências, da filosofia da arte. A base é ocupada pelos administradores e divulgadores
da riqueza intelectual produzida pelo escalão mais alto, pela cultura tradicional e acumulada.
Os “intelectuais tradicionais”, nesta visão ampliada, são os “funcionários da superestrutura no
sentido pleno”. Estes são porta vozes do grupo dominante para exercício das funções
subalternas da hegemonia social e do governo político.
Glucksmann (1980) problematiza esta estratificação por não levar em conta as
contradições do modo de produção capitalista que atravessam o ser social desses intelectuais.
Para a autora, a experiência da desqualificação, do desemprego, a perspectiva de um
desenvolvimento possível das ciências e das técnicas, liberadas da finalidade de lucro,
abririam brechas ideológicas políticas no lugar que a burguesia lhe atribuiu. Os intelectuais
modernos, na visão de Gramsci, não estão restritos às profissões de jornalistas, literatos e
filósofos. Os trabalhadores industriais, mesmo nos cargos mais primitivos, também compõem
a base intelectual do mundo moderno. Caracterizando-os como intelectuais de tipo urbano,
Gramsci defende que estes possuem tarefas essenciais na produção e reprodução das relações
sociais:
[...] A sua função pode ser comparada à dos oficiais subalternos do exército:
não possuem nenhuma iniciativa autônoma na elaboração dos planos de
construção; colocam em relação, articulando-a, a massa instrumental com o
empresário, elaborando a execução imediata do plano de produção
estabelecida pelo estado- maior da indústria, controlando suas fases
executivas elementares. Na média geral os intelectuais urbanos são bastante
estandardizados; os altos intelectuais urbanos confundem-se cada vez mais
com o estado-maior propriamente dito. (COUTINHO, 2011, p. 209).
38
Os Estados modernos criaram categorias profissionais que não são justificadas pelas
necessidades sociais da produção, ainda que justificada pelas necessidades políticas dos
grupos dominantes. Esta formação em massa, segundo o intelectual italiano, provocou uma
padronização, tanto no âmbito da qualificação, quanto no âmbito psicológico, que
determinariam fenômenos como concorrência, desemprego, superprodução escolar,
emigração. Como em outros conceitos elaborados por Gramsci, a ampliação da noção de
intelectual se desdobra em duas análises. Por um lado, lança luz sobre o papel do intelectual
que atua junto à classe dirigente, imbuído da tarefa de consolidar ou reformar uma concepção
de mundo conservadora que neutralize os projetos opositores. Por outro lado, permite
compreender e criar alternativas para a construção de um intelectual ligado organicamente à
classe trabalhadora, comprometido com a elaboração de uma nova visão de mundo, com a
difusão dessa e do esclarecimento das relações antagônicas.
[Sobre o Partido político] Será necessária a ação política (em sentido estrito)
para que se possa falar de “partido político”? Pode se observar que no
mundo moderno, em muitos países, os partidos orgânicos e
fundamentalmente, por necessidade de luta ou por alguma outar razão
dividiram-se em frações, cada uma das quais assume o nome de partido e
inclusive de partido independente. Por isso, o estado maior intelectual do
partido orgânico não pertence a nenhuma dessas frações, mas opera como se
fosse uma força dirigente em si mesma superior aos partidos e as vezes
reconhecida como tal pelo público. Esta função pode ser estudada com maior
precisão se partirmos do ponto de vista que um jornal (ou um grupo de
jornais) uma revista ou um grupo de revistas são também” partidos”,
“frações de partidos”, ou “funções de determinados partidos. Veja se a
função do Times na Inglaterra, a que teve o Corriere dela Serra na Itália, e
também a chamada função da imprensa da informação supostamente
apolítica e até função de imprensa esportiva e de imprensa técnica[...] ([17, §
37;3,349-351, apud COUTINHO, 2011, p. 303)
hegemônico reúne diversas frações da classe proprietária, dirige intelectual e moralmente este
conjunto de aliados e transforma os interesses particulares do grupo em interesses
aparentemente necessários a toda sociedade. Como observou Gramsci, por razões variadas, as
frações que aderem ao projeto do partido podem se diluir em outras organizações
complementares, aparentando independência em relação ao partido de origem e com funções
que vão além dos interesses políticos mais imediatos do grupo que representa. Conforme
indica este trecho da nota:
Com base no pensamento de Gramsci, Fontes (2010) nos auxilia com sua interpretação sobre
o conceito de Aparelho Privado de Hegemonia:
De acordo com Karl Kautsky, o imperialismo não se configurava em uma nova fase do
capitalismo, como compreendia Lenin (1979), e sim, em uma política econômica. Segundo
Lenin, no entanto, a teoria de Kautsky serviu apenas para iludir segmentos da classe sobre as
consequências reais dos princípios do imperialismo, em função de basear-se na premissa de
que através da democracia, e não dos violentos métodos do imperialismo o capital garantiria
45
padronização, este novo modelo garantiu ao industrial maior controle do ritmo de trabalho,
aumento da produtividade e elevação da mais-valia (GURGEL, 2003, p. 102). O modelo
fordista implicava na conformação de um novo tipo de trabalhador, além de assegurar um
novo padrão de produtividade na fábrica. De acordo com Antônio Gramsci (Coutinho,2001),
na América foi relativamente fácil racionalizar a produção e o trabalho. Esse processo
combinou com habilidade elementos de força (destruição do sindicalismo operário de base
territorial) e persuasão (altos salários, diversos benefícios, propaganda ideológica e política),
além de centrar toda a vida do país na indústria. O êxito do novo paradigma de organização da
produção se deu em virtude da compreensão de que para criar o novo tipo de homem, não
bastava o controle da disciplina no interior da fábrica:
A sustentação estatal à expansão do grande capital foi garantia fundamental para a criação da
infraestrutura necessária à realização burguesa. A garantia que a matéria-prima chegaria com
mais agilidade ao local de produção e que as mercadorias fossem escoadas da indústria para o
mercado com maior facilidade por meio de portos, ferrovias, rodovias, aeroportos financiados
pelo fundo público foi condição indispensável para a expansão do capitalismo no século XX.
A nova urbanização também foi financiada pelo fundo público com abastecimento de água,
saneamento, coleta de lixo, construção de meios de transporte, construção civil – prédios para
escritórios públicos, hospitais, escolas, subsídios para transportes coletivos, comunicação etc.
Montaño e Duriguetto (2010) chamam atenção para as vantagens proporcionadas ao capital
pelas políticas sociais que imbricavam na redução dos custos da reprodução da força de
trabalho. As despesas com educação gratuita, além de constituir um importante ganho para a
classe trabalhadora, visam instruir e capacitar o trabalhador para a produção especializada,
mais veloz e própria para o consumo em massa. As despesas com saúde pública, outra
conquista da classe trabalhadora, possibilita o descompromisso do capital com os custos de
prevenção e recuperação da saúde do trabalhador. Os subsídios estatais ao transporte coletivo,
a artigos da cesta básica e à construção civil também possibilitam aos empregadores deduzir
dos salários estes custos da reprodução.
Uma vez asseguradas as condições fundamentais para reorganização do capitalismo
sob as novas bases, as empresas multinacionais e as fundações empresariais desempenharam
um papel importante na difusão dos valores e princípios do capitalismo pelo mundo. Além de
mobilizar outros empresários para os novos desafios políticos e culturais, nacional e
internacionalmente, vários aparelhos foram preparados para educar a sociedade, como as
“agências de Comunicação”, que produziam e vendiam informações; o “rádio”, que cumpriu
o papel de difundir mercadorias e incentivar um novo padrão de consumo; o “cinema” que
instituiu novas referências de comportamento para a sociedade e a “igreja”, que ensinava seus
fiéis a resignação. (MARTINS, 2009). Cabe ratificar que a constituição dessa hegemonia não
descartou os instrumentos de coerção; pelo contrário: a combinação desses dois aspectos
asseguraram a supremacia burguesa. No Brasil, por exemplo, a ditadura estabelecida a partir
de 1964, foi a estratégia, como demonstrou Dreifuss (1981), de diversos grupos privados com
49
15
Este roteiro de pesquisa segue de perto o trabalho de Castelo (2009).
16
Em 1947, Friedrich Hayec convocou os principais intelectuais do pensamento conservador de então, Lionel
Hobbins, Karl Popper, von Mises e Milton Friedman, entre outros para uma reunião realizada na Suíça com o
objetivo de discutir estratégias contra o Keynesianismo e para preparar o futuro do capitalismo livre de regulação
e do planejamento centralizado pelo “Estado”.
17
Conforme destaca Leda Maria Paulani (2008, p.69), o neoliberalismo nasceu como doutrina e não como
ciência, demonstrando-se inconsistente do ponto de vista da teoria econômica. A autora lembra debates que
colocaram Hayek e von Miss de um lado e de outro, os defensores do planejamento central, que tiveram
resultados difíceis para os intelectuais do livre mercado. Oscar Lange, conhecido teórico da economia
planificada, conseguiu demonstrar que o cálculo racional era perfeitamente possível em sociedades não regidas
pelo mercado e que o comportamento humano, no que diz respeito às questões materiais, é plenamente
previsível.
51
intelectuais, mas compreende que todos possuem em comum o vínculo mais ou menos
estreito que os liga a uma classe determinada. Os intelectuais, portanto, não formam uma
classe independente. Eles são parte de uma categoria especializada para exercício da função
intelectual, em conexão com todos os grupos sociais mais importantes da sociedade.
A primeira fase da recomposição burguesa, edificada sobre princípios da doutrina
neoliberal ortodoxa, contou com o trabalho de intelectuais de diversas camadas que se
aproveitaram da crise orgânica do bloco histórico fordista/ keynesiano para atuar na disputa
pela direção política do movimento de recomposição burguesa. Nesse movimento de
recomposição burguesa, destacamos dois intelectuais de grande expressão na sistematização e
difusão do neoliberalismo: Friedrich August Hayek (1994; 1999), liberal austríaco, e Milton
Friedman (1988), economista norte-americano, ganhadores do Prêmio Nobel, em 1974 e
1976, respectivamente. Analisaremos aspectos da trajetória e produção destes intelectuais
orgânicos que ajudaram a edificar o neoliberalismo.
Friedrich August Hayek (1994; 1999) é um dos principais intelectuais que atuaram na
elaboração e difusão da ideologia neoliberal, na primeira fase da construção do bloco
histórico Gerencialista/Neoliberal. Autor de vários livros de divulgação da ideologia
neoliberal, Hayek se notabilizou por propor um programa político e um projeto de sociedade
radicalmente oposto ao projeto socialista, adotado pela União Soviética a partir de 1917, e
contra os métodos de regulação da economia, em voga nos países do centro do capitalismo,
entre as décadas de 1950 e 1970. O economista austríaco publicou aproximadamente 30 livros
e 251 artigos. Ao longo de sua trajetória, atuou organicamente pela consolidação da ideologia
neoliberal, iniciando a sistematização do projeto na fase em que o modelo econômico
keynesiano era a referência para a atuação nos governos. Sua obra de referência, Caminhos da
Servidão (1944), foi escrita na Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). No
prefácio do texto original, Hayek admitiu que o conteúdo do livro era essencialmente político
e que derivava de um conjunto de valores fundamentais:
Além de admitir seu compromisso com o projeto do livre mercado, Hayek (1994)
assumiu seu papel de levar o projeto para além dos grupos empresariais, direcionando seu
trabalho aos grupos de homens e mulheres afastados dos grandes debates econômicos. Seu
interesse declarado de orientar a opinião pública, em função da liberdade de mercado,
comprova que o intelectual tinha clareza do seu papel de fornecer a amálgama necessária à
estrutura social. Vale ressaltar que não há nesta obra qualquer citação clara de pesquisas
acadêmicas, nem explicitação de fontes primárias, ou qualquer regra exigida em trabalhos
científicos. Sua intenção em penetrar no senso comum com a ideologia neoliberal também foi
expressa neste prefácio da primeira edição:
Na tentativa de reabilitar o liberalismo que havia sido suplantado décadas antes pelo
modelo intervencionista keynesiano, o fundador da Sociedade Mont Pèlerin discorreu sobre
supostas aproximações entre o socialismo e o regime nazista alemão, argumentando que o
rigoroso planejamento econômico visava organizar a vida econômica pelo Estado,
transformando o mesmo em principal proprietário dos meios de produção e deslocando os
indivíduos no “caminho da servidão”. Embora seu alvo prioritário tenha sido o socialismo,
Hayek dirigiu críticas contundentes à Social-Democracia, sobretudo às restrições ao mercado
“impostas” pela regulação do Estado e os prejuízos ao individualismo em função da rede de
proteção social, promovida pelo política de bem-estar social:
A crise orgânica do capital que vem mobilizando a burguesia, desde a década de 1970,
oportunizou o retorno do debate sobre a eficácia do liberalismo para a recomposição
54
burguesa. Nessa conjuntura, F. Hayek ganhou notoriedade, sendo condecorado com o Prêmio
Nobel de Economia, em 1974. Apesar das grandes instabilidades política, social e econômica,
que colocaram na pauta do dia a necessidade de revisão do projeto de dominação burguesa,
Hayek, no prefácio da edição americana, avaliou como “calma” a atmosfera de 1975,
considerando o clima propício para a disseminação do projeto neoliberal.
Este livro pretende ser uma contribuição para esta tarefa. Espero que, na
atmosfera mais calma de hoje, seja ele enfim recebido no espirito dentro do
qual foi concebido. Não como uma exortação a resistência contra qualquer
progresso ou experiência, mas como uma advertência para que insistamos
em submeter previamente toda a modificação a certos testes (descritos no
capítulo central que trata do estado de direito) antes de nos comprometermos
a tomar um rumo do qual dificilmente conseguiremos nos afastar mais tarde.
(HAYEK, 1994, p. 16)
18
Hayek, inspirado no conceito de Estado da matriz liberal, compreendeu o Estado como um sujeito,
onipresente, onisciente, que paira acima da sociedade.
56
segundo ponto da conduta justa defendido por Hayek remete-se às necessidade de não
limitação das ações dos indivíduos em função de valores morais. O planejamento
empreendido pelo governo, com objetivo de atingir a justiça, é apontado como um empecilho
ao êxito do sistema de livre concorrência, tornando a posição dos indivíduos e dos grupos
vulneráveis às condições políticas predominantes.
19
Como foi dito no início deste capítulo, a expressão “capitalismo competitivo” não traduz a fase de
desenvolvimento do capitalismo a qual Milton Friedman se refere. Como sustentou Lenin, (1917) desde o século
XIX, as empresas estavam organizadas em grandes conglomerados para monopolizar a economia e expandir o
capital para outras nações. Cif (Lenin, 1987)
59
do grande capital, a partir de uma reorientação focada na preservação da lei e da ajuda aos
capitalistas para explorem o mercado de forma mais eficaz, e na garantia à sobrevivência de
grupos restritos de indivíduos. Por outro lado, defendeu a necessidade de limitação dos
poderes do governo, para casos como:
De acordo com Friedman, o êxito dos indivíduos e do mercado depende que os poderes
essenciais para organização da sociedade sejam redistribuídos entre os entes federados do
país:
O segundo grande princípio reza que o poder deve ser distribuído. Se o
governo deve exercer poder é melhor que seja no condado do que no estado,
e melhor no estado do que em Washington. Se eu não gostar do que minha
comunidade faz em termos de organização escolar ou habitacional, posso
mudar para outra e, embora muito possam tomar esta iniciativa, a
possibilidade como tal já constitui um controle. Se não gostar do que faz o
meu estado, posso mudar-me para outro. Se não gostar d que Washington
impõe, tenho muito poucas alternativas nesse mundo de nações ciumentas.
(FRIEDMAN, 1988, p. 12)
Assim como para toda a “sociedade de mercado”, o papel do “Estado” deveria ser
limitado à fiscalização das condições mínimas para o funcionamento da empresa escolar.
Novamente, sobressalta-se o princípio de liberdade de escolha dos pais, escamoteando o
interesse principal de eliminar a empresa estatal da concorrência do mercado escolar:
No balanço dos quinze anos de aplicação da agenda neoliberal nos países europeus e
nos Estados Unidos, o historiador Perry Anderson (1994) concluiu que o programa cumpriu
algumas de suas promessas. Esse êxito se concentrou no combate à inflação, na recuperar das
taxas de lucros das empresas, na diminuição dos impostos das rendas maiores e na contenção
da massa salarial que havia crescido nas décadas anteriores. No entanto, apesar do êxito
nesses quatros aspectos, as reformas não garantiram a expansão do sistema capitalista. O
aumento dos lucros não aumentou as taxas de inversão produtiva, pois essa conjuntura
65
20
Um dos traços marcantes do movimento de recomposição burguesa, a partir do viés social liberal, é e esforço
contumaz em promover a ideia de que não há mais distinção entre os projetos da classe trabalhadora, definidos
tradicionalmente como “esquerda” e os projetos das frações dominantes, identificados com a expressão “direita.
Essa interpretação sugere que a ideologia social liberal suplantaria o antagonismo entre as classes sociais
fundamentais, promovendo o equilíbrio entre as demandas dos trabalhadores e dos proprietários.
68
Não apenas por endossar o que estão fazendo, mas para fornecer aos
políticos maior senso de direção e propósito. Pois a esquerda, é claro, sempre
esteve ligada ao socialismo e, pelo menos como um sistema de
administração econômica, o socialismo não existe mais. (GIDDENS, 2005,
p.12)
categorias que já não faziam mais sentido. A ideia força do “desaparecimento” da linha
divisória entre “esquerda e direita” ratifica a ideologia do fim da possibilidade de se suplantar
o capitalismo enquanto sistema. A nova configuração do capitalismo teria gerado novas
demandas e novos problemas passíveis de serem corrigidos, sem necessidade de
transformação radical da estrutura:
21
Em 2010, a Revista Época publicou entrevista realizada com Touraine, que teceu críticas à Reforma Gerencial
do Estado no Brasil, conduzida por Bresser Pereira, a partir de 1995, e ao programa da “Terceira Via”
implementados nos mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Touraine, amigo do ex-
presidente brasileiro, caracterizou a Terceira via como tendência de centro–direita e considerou que o programa
brasileiro continha o essencial do sistema liberal, a herança de Margaret Thatcher e as três prioridades de Tony
Blair: educação, educação, educação. Revista Época 13/12/2010. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca. Acesso: 24/08/2017
73
O atual estágio do capitalismo, segundo Touraine (1999), não seria superado a partir
da reafirmação da identidade nacional, da defesa do Estado tecnocrático e burocrático, do
corporativismo das categorias profissionais com direitos adquiridos, tampouco com a eclosão
da revolução socialista. Em sua concepção, a “democracia cultural dos novos movimentos
sociais” valorizaria os sujeitos sociais a partir de suas identidades culturais, experiências de
vida e de trabalho, e os estimulariam primeiramente a defender suas liberdades individuais e,
em um segundo momento, a atuar em espaços públicos. Nessa perspectiva, as lutas dos novos
movimentos sociais não estariam mais centradas no combate à dominação de classe e sim,
pautadas na “apropriação coletiva dos bens culturais, conquistas dos direitos culturais e
reconhecimento da diversidade e da diferença.” (TOURAINE, 1999, p. 42) Em seu livro,
Como sair do neoliberalismo (1999), o autor expôs os fundamentos da sociedade possível.
Abordou inicialmente três ideias para a superação da crise da década de 1990. A primeira de
que a mundialização da economia não anularia a capacidade de ação política dos atores
sociais; a segunda de que as ações das categorias menos favorecidas poderiam se constituir
em uma ação inovadora para sociedade, ao exigir direitos em particular, direitos culturais e
não se restringindo às ações de sublevação contra a dominação, e, a terceira, de que a ordem
institucional seria ineficaz, e mesmo repressiva, se deixassem de apoiar em reivindicações de
igualde e solidariedade.
A globalização da economia ou mundialização do capital financeiro é considerada
pelo autor uma ideologia irreal, que tende a subjugar a sociedade ao mercado. Apesar de
divergir de suas consequências, não a considera incompatível às novas formas de atuação
política. A nova agenda de mobilização proposta pelo autor, que se identifica como intérprete
da realidade, não inclui as reivindicações da classe trabalhadora em sua forma clássica, com
negociações entre trabalhadores e empregados por meio de sindicatos, luta por direitos à
seguridade social, às férias remuneradas, estabilidade no emprego e etc. As lutas estariam
fragmentadas e tangenciariam o debate da inclusão das categorias menos favorecidas dentro
do sistema vigente, e não em oposição a este. Nessas circunstâncias, Touraine, como outros
intelectuais comprometidos com esta visão de mundo, admite fundamentos da sociedade de
mercado que são contraditórios a um projeto de esquerda, mas que precisam ser aceitos pela
sociedade, tais quais:
1º A globalização não é senão um conjunto de tendências, todas importantes,
mas não solidárias entre si. A afirmação de que se cria uma sociedade
mundial, de existência liberal, dirigida pelos mercados e impermeável à
intervenções políticas nacionais é puramente ideológica. 2º Os protestos
mais bem fundados podem levar a impasses, se aquele que os emitem não
acreditarem na possibilidade de transformar a sociedade e de instaurar novas
74
Durante os anos 1990, o crescimento foi muito muito débil, o que acarretou a
forte progressão do desemprego. Enquanto se agravava a situação
econômica, a França quis continuar no caminho do progresso social:
prolongamento de férias, aposentadoria mais precoces, aumento não
controlado dos gastos médicos. Mas tudo isso supunha um crescimento
maior. Ela entusiasmou-se, em maio de 1981, com as medidas tomadas por
François de Mitterrand, novo presidente da República, mas menos de dois
anos depois, decepcionada, aceitou uma reviravolta da política, que foi feita
75
Na sociedade “pós industrial”, a oposição à lógica neoliberal também não daria mais o tom
das reivindicações sociais. Novos atores sociais teriam despontado em maio de 1968 e
tornaram expressivos na década de 1980, simbolizando o renascimento da vida política,
caracterizado por reivindicações de perfil cultual. Na “nova agenda de mobilização social”, a
luta não deveria se concentrar no combate à dominação:
dar voz aos dominados, alienados (TOURAINE, 1999, p.146). Embora reconheça o papel
destes na sociedade, Touraine, critica-os por cumprirem um papel crítico, caracterizado mais
pela recusa do que pela interpretação das resistências. Diferentemente dos “intelectuais
denunciadores”, de acordo com o sociólogo, os intelectuais orgânicos estão ligados com a luta
dos oprimidos, ou tal força de oposição, mas na realidade, atuam como os ideólogos do
movimento. Dentro desta perspectiva, este tipo de intelectual estaria enfraquecido em virtude
do desmantelamento da ideologia e do poder dos partidos. Considerando seu papel como
limitado, Touraine critica a falta participação destes na elaboração do sentido da ação.
(TOURAINE, 1999)
Na terceira categoria encontram-se os intelectuais que intervêm na realidade, ou seja,
os intelectuais que, em nossa compreensão, estão comprometidos com a recomposição
burguesa diante da crise. Estes intelectuais, segundo o autor, se distanciam dos dois primeiros
tipos por acreditarem na existência, na consciência e na eficácia dos atores sociais, ainda que
reconhecessem seus limites. Estes intelectuais, de acordo com Touraine (1999), deveriam
distinguir as reivindicações que podem ser tratadas dentro das instituições, as que não são
negociáveis, e as que supostamente estariam impregnadas de ideologia. Estes intelectuais não
seriam “políticos”, visto que reconheceriam na ação social a presença de um princípio “não
político” que não pode ser inteiramente reconhecido pelo sistema político. O “intelectual
intérprete”, do qual Touraine acredita fazer parte, seria o tipo fundamental para sedimentar a
ideologia de que não há ideologia.
A quarta categoria de intelectual, o “intelectual utopista” compreenderia os
intelectuais que se identificam com as novas tendências da cultura, da sociedade e da
existência pessoal, tornando-as mais visíveis. Embora não aprofunde a definição desta
categoria, cita Edgar Morin como seu principal representante. De acordo com Touraine
(1999), os intelectuais que interpretam a ação dos atores sociais fora do “mundo envelhecido”
da sociedade moderna, seriam capazes de organizarem as vítimas individuais em grupos
conscientes e desejosos de agir (TOURAINE, 1999, p.155). Compreendendo o fim da crítica
marxista, identificada como lógica de denúncia e da crise, Touraine considera que a sociedade
entrou em uma nova fase em que pode reconhecer a capacidade de agir e inventar um discurso
político inédito, de formular novos desafios, novos conflitos e novas maneiras institucionais
de tratá-los.
A “Via 2 ½”, formulada por Touraine (1999), aponta três prioridades no projeto da
sociedade possível. O primeiro deles, a primazia do trabalho. Touraine defende a elaboração
de uma política do trabalho compatível com as novas condições da vida econômica e com a
77
22
A teoria do terceiro setor e a multiplicação de organizações que reivindicam esta identidade se fortaleceu com
a ideologia social liberal, sob a justificativa teórica de que o Estado e a Sociedade são esferas apartadas, sendo o
Estado o lugar da ineficiência e inoperância, o mercado o lugar do lucro e o terceiro setor o lugar das boas
práticas, das novas ações políticas, da racionalização e etc. Essa visão se opõe radicalmente da concepção de
sociedade civil em Gramsci, vista como uma “esfera” intimamente ligada ao Estado. Este debate será
aprofundado no capítulo IV de nossa tese.
78
No centro deste debate está a compreensão sobre a mudança na natureza do capitalismo, que
teria deixado de ser um regime de organização e exploração do trabalho, transformando-se em
um sistema de inovação comprometido com a mobilização da particularidade de cada um.
Hoje há uma palavra, ao mesmo tempo vaga e essencial, que parece refletir
essa busca: inserção, ou seja, a inserção social. A tentativa de encontrar um
novo relacionamento entre o emprego e o Estado Providência manifesta-se
em torno dessa palavra e o que ela representa. É uma tentativa feita e muitas
dimensões: a emergência de um vínculo inédito entre direitos sociais e
obrigações morais; a experimentação de novas formas de ofertas pública de
trabalho; a tendência a juntar indenização e remuneração; a criação de um
espaço intermediário entre emprego assalariado e atividade social.
(ROSANVALLON, 1998, p.130).
que, portanto, devem ser tratados particularmente para que se chegue a uma
verdadeira equidade. É preciso compreender, nesse sentido, que a RMI se
sobrepõe a oposição clássica entre direitos formais e direitos reais,
denunciada por Marx, ao tentar incorporar um princípio de equidade que não
seja calcado mecanicamente sobre o princípio da igualdade. No fundo
enriquece e amplia a noção de igualdade de oportunidade e caminha, desse
modo, no que se poderia chamar de direito processual. (ROSANVALLON,
1998, p.132)
23
24
Joseph E. Stiglitz ganhou o Prêmio Nobel em 2001 por ter criado os fundamentos da teoria de mercado com
informações assimétricas.
82
Menos teórico que os intelectuais anteriores, Stiglitz descreve sua participação ativa
no Fórum Social Mundial, realizado na Índia, em 2004, que reuniu mais 1000 mil pessoas
para discutir “um outro mundo possível”. Essa reunião de Movimentos Sociais com diferentes
demandas a serem inscritas na “nova” sociedade foi descrita pelo ex-assessor de Clinton como
“um evento caótico, sem foco e maravilhosamente animado” (STIGLITZ,2007, p.63). Stiglitz
também descreve sua participação ativa no Fórum Econômico de Davos, que reuniu donos
das maiores fortunas do mundo, governantes, jornalistas e representantes de Organizações não
Governamentais. Diferentemente do anterior, o encontro dos dirigentes da economia global
foi destacado por Stiglitz como “um bom lugar para se tomar o pulso dos líderes da economia
mundial” (Idem, p.64). Embora o primeiro encontro tenha suscitado em Stiglitz apenas a ideia
de troca de experiência entre militantes e o segundo seja considerado por ele um espaço de
tomada de decisões, sua presença em ambos os eventos revela seu compromisso em organizar
a confiança no interior das classes dominadas e das classes dominantes.
Stiglitz (2007), a partir da emergência de movimento antiglobalização no fim da
década de 1990, em especial os protestos ocorridos em Seattle 25 em 1999, formulou a
proposta de reforma da administração da globalização sistematizando um programa que
previa medidas de combate à pobreza extrema, alerta sobre a necessidade de ajuda aos países
“em desenvolvimento” para alívio da dívida externa, a proteção do meio ambiente, um regime
comercial mais justo, etc. O medo das manifestações antiglobalizações que projetaram para o
mundo as ações black blocs, motivaram a formulação de medidas para o ajuste da política
econômica mundial, vocalizadas por intelectuais coletivos e individuais, como Stiglitz, que
25
Em 1999, durante o Encontro da Organização Mundial do Comercio, cerca de 100 mil manifestantes, entre
trabalhadores sindicalizados, ecologistas, estudantes e pacifistas e anarquistas se mobilizaram por vários dias em
protestos com uma pauta ampla contra o capitalismo global.
84
Espero que este livro ajude a mudar as mentalidades, a medida que o mundo
desenvolvido veja com mais clareza algumas das consequências das políticas
que seus governos empreenderam. Espero que convença a muitas pessoas, de
que “um outro mundo é possível”. Mais ainda: que “um outo mundo é
necessário e inevitável”. Não podemos continuar no caminho que tomamos.
As forças das democracia são fortes demais. Os eleitores não permitiram a
continuação do modo como a globalização tem sido gerida. Já começamos a
ver manifestações disso na América Latina e em outros lugares. A boa
notícia é que a economia não é um jogo de soma zero. Podemos reestruturar
a globalização de modo a fazer com que tanto o mundo desenvolvido quanto
em desenvolvimento, as atuais gerações e as futuras, possam todos se
beneficiar _ embora existam algumas mudanças. Podemos ter economistas e
sociedades mais fortes que atribuam mais peso a valores como a cultura, o
meio ambiente, como a própria vida.” (STIGLITZ, 2007, p.90)
Stiglitz (1999) ratificou as orientações das doutrinas econômicas que defendem a centralidade
do mercado, e reforça que o papel do governo deve ser criar emprego e viabilizar o
funcionamento dos negócios, mas defende um “mix correto de governo e mercado” para
evitar conflitos. A lista de ação dos governos, segundo esta perspectiva, varia de acordo com a
realidade de cada país. Em linhas gerais, envolve o fornecimento de educação básica,
estruturas legais, infraestrutura e alguns elementos de uma rede de proteção social
(STIGLITZ, 1999). No que tange à educação, o foco do “novo mundo possível” deixa de ser a
universalização da educação para a qualidade do ensino que deveria atender as demandas do
sistema produtivo:
técnicas de trabalho, com vistas a gerar renda mínima e promover a qualificação dos
estudantes para atuarem nos postos de trabalho disponíveis em sua região. Neste sentido,
corrobora com a tese de que as economias contemporâneas devem focar nas escolas que
estimulam o “aprender ao longo da vida” (DELLORES, 2000) em detrimento dos
conhecimentos produzidos na escola convencional, classificado por ele como obsoletos. 26
Como ex-funcionário do Banco Mundial, Stiglitz demonstra ter clareza sobre a necessidade de
transformar as estratégias desta agência em políticas públicas, ao mesmo tempo em que
chama atenção para a dificuldade de implementação de projetos que não utilizaram
mediadores locais capazes de gerar confiança na sociedade:
26
Cif: Joseph Stiglitz: Inovação à moda estatal. Disponível em: http://www.fronteiras.com/artigos/joseph-
stiglitz-inovacao-a-moda-estatal . Acesso: 29/08/2017
86
Milênio27. Castelo (2013, p.312) chama atenção para a capacidade de intervenção na política
recente de Stiglitz e sublinha a preocupação do autor de destacar seu papel de intelectual, no
sentido tradicional, posicionando-se como supostamente neutro, pertencente a uma
comunidade autônoma e isento de influência política de grupos privados. Embora questione as
condicionalidades impostas por organismos internacionais que financiam projetos nos países
da periferia do capitalismo, a destruição do meio ambiente e a maior preocupação com o
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), suas críticas à globalização não podem ser
confundidas com as reivindicações dos movimentos antissistêmicos das décadas de 1990 e
2000. Os conflitos sociais que ameaçaram os donos do capital em todo o mundo geraram a
preocupação com a estabilidade política sobre os países de capitalismo dependente. No novo
receituário, deveria conter a garantia de um bom clima para expansão capitalista, que
envolveria reformas no sistema que, até então, não haviam sido realizadas.
27
Em 2000, a Organização das Nações Unidas promoveu a “Cimeira do Milênio”, com a reunião 191 delegações
com os dirigentes de vários países. O debate resultou na aprovação da Declaração do Milênio, que parte do
princípio de que o mundo já possui a tecnologia e o conhecimento para resolver a maioria dos problemas
enfrentados pelos países pobres. Neste encontro foram definidos oito objetivos gerais: a) Erradicar a extrema
pobreza e a fome, b) Atingir o ensino básico universal, c) Promover a igualdade de gênero e a autonomia das
mulheres, d) Reduzir a mortalidade infantil. e) Melhorar a saúde materna. f) Combater o HIV/AIDS, a malária e
outras doenças – g) Garantir a sustentabilidade ambiental, g) Estabelecer uma parceria mundial para o
desenvolvimento.
87
encontro sinalizou o início da destruição dos direitos sociais no Brasil. Os países endividados
com o FMI assumiram seguir o receituário proposto por este fórum, comprometendo-se como
as seguintes diretrizes econômicas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, fazer a
reforma tributária, manutenção de juros de mercado, câmbio alto, abertura comercial,
eliminação das restrições à circulação de capital, desregulamentação das leis econômicas e
trabalhistas e instituição do direito de propriedade intelectual.
Na primeira disputa eleitoral, após a ditadura empresarial militar, a classe dominante
sentiu-se ameaçada pela candidatura de Luís Inácio Lula da Silva, pelo Partido dos
Trabalhadores (PT). Ainda que pouco conhecido nacionalmente, o candidato do estado de
Alagoas ao Governo Federal, Fernando Collor de Mello, tornou-se a opção das frações
burguesas para garantir a reestruturação do Brasil dentro dos marcos do capitalismo
neoliberal. A eleição de Fernando Collor de Mello (1989) marcou o início da construção do
bloco histórico neoliberal no Brasil. No dia seguinte a sua posse, em 16 de março de 1990, o
então Presidente da República lançou mão do Plano Brasil Novo, que ficou conhecido como
Plano Collor, e ficou imortalizado pelo programa de privatizações de empresas estatais e pelo
confisco da poupança privada (LEHER, 2010).
Para o êxito do bloco histórico neoliberal, era imprescindível o controle sobre as
políticas sociais, notadamente as políticas voltadas para a educação pública. As orientações
disseminadas pelos organismos internacionais, defendidas em grandes conferências e
documentos produzidos a partir da reflexão sobre a relação entre educação e crescimento
econômico, serviram de referência para as plataformas de governos da década de 1990 e para
organizações ligadas aos interesses empresariais, que passaram a atuar de forma sistematizada
no campo da educação. O governo Fernando Color de Mello durou apenas dois anos.
Escândalos de corrupção abriram brecha para a queda do primeiro governo eleito
democraticamente, após 25 anos sem eleição presidencial. É preciso salientar, no entanto, que
a deflagração dos esquemas de corrupção que levaram a cassação do mandato do Presidente
da República, constituiu-se em um fenômeno aparente de crise de hegemonia. Como ressalta
Leher (2010), foi a incapacidade de garantir a governabilidade que motivou a classe
dominante a apoiar o impeachment do então Presidente Fernando Collor.
Após o curto mandato de Itamar Franco (193-1994), que manteve os princípios da
política macroeconômica, as frações dirigentes investiram na candidatura de um presidente
sem as características marcantes do neoliberalismo clássico. Para neutralizar os conflitos
89
28-Em
1989, economistas de instituições financeiras, situadas na cidade de Washington, nos Estados Unidos,
como FMI, Banco Mundial e Departamento do Tesouros dos Estados Unidos, acordaram dez princípios,
fundamentos no texto do economista John Williamson que veio se tornar a política oficial do Fundo Monetário
Internacional em 1990. As dez determinações que deveriam ser cumpridas pelos países da periferia do
capitalismo compreendiam: disciplina fiscal; redução de gastos públicos; reforma tributária, juros de mercado,
cambio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto, eliminação de restrições, privatização
das estatais, desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas) e direito à propriedade
intelectual.
90
De acordo com o levantamento feito por Castelo (2013, p 345) acerca dos intelectuais
vinculados à tradição social liberal no Brasil, a grande maioria deles eram profissionais, com
graduações em escolas nacionais de Economia (PUC-Rio, UERJ, UFRJ, sendo a PUC-Rio a
maior referência em nível de pós-graduação). Ainda de acordo com esta análise, grande parte
destes estudantes tornaram-se professores de instituições públicas (UFF e UFRJ) e privadas
(PUC, FGV-Rio), pesquisadores de Centros de Excelência e de organismos internacionais
como o Banco Mundial. Um dos principais intelectuais ligados organicamente ao projeto
social liberal difusor da “reforma” do Estado no Brasil foi Luís Carlo Bresser Pereira. Bresser
Pereira ocupou por três vezes o posto de ministro da República, sendo a primeira vez
nomeado à Ministro da Fazendo, em 1987, durante o governo de José Sarney; a segunda,
entre 1995-1998, nomeado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ao cargo de
Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado e, a terceira vez, nomeado Ministro
da Ciência e Tecnologia, em 1999, durante o segundo mandato de Cardoso.
Autor de vários livros, sobre a reforma estrutural do Estado, o economista, cientista
político, professor da Fundação Getúlio Vargas, articulou junto ao Estado ampliado o projeto
de reforma neoliberal, conhecido como Reforma Gerencial do Estado. O economista formado
pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) participou ativamente de organizações
políticas (no sentido restrito) historicamente ligadas as frações hegemônicas: entre 1953-54,
integrou o PDC (Partido Democrata Cristão); entre 1981-1988 foi membro do PMDB (Partido
do Movimento Democrático Brasileiro) e em 1988, fundou PSDB (Partido da Social-
Democracia Brasileira), em que foi Membro do Diretório Nacional desde 1988-1995; membro
da Comissão Executiva do PSDB (1988-1991 e 1994) e Tesoureiro Nacional –1994,
presidente do Comitê Financeiro da Campanha Fernando Henrique Cardoso Presidente, 1994
e 1998. Nos últimos anos, foi muito elogioso aos governos do Partido dos Trabalhadores que,
segundo o mesmo, deram prosseguimento à “Reforma” Gerencial do Estado. Bresser Pereira
declarou-se contra o golpe da presidenta Dilma Roussef.
Teve também destacada atuação em agências estratégicas da sociedade política, sendo
nomeado assessor do Presidente Fernando Henrique Cardoso, para assuntos relacionados com
a “governança progressista ou a terceira via”, como menciona em seu currículo, entre agosto
de 1999 e dezembro de 2002 (quando terminou o governo Cardoso); Ministro da Ciência e
Tecnologia, no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, no período de janeiro-julho
1999; Presidente do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, entre janeiro e julho 1999; Ministro da Administração Federal e da Reforma do
Estado, no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso: 1995-1998; Presidente do CLAD -
91
A globalização tem sido entoada pelos intelectuais orgânicos do projeto social liberal
como uma das características centrais do capitalismo na contemporaneidade. Nesta nova
roupagem do neoliberalismo, trabalha-se com a ideia de que os aspectos culturais são
determinantes para a formação de novas identidades e para superação do Estado-Nação. A
hegemonia do capital financeiro sobre a economia, a ausência de barreiras para o mercado e a
competição desigual entre os produtos nacionais e estrangeiros seriam fenômenos secundários
em relação aos efeitos positivos gerados pela relação entre indivíduos e culturas
geograficamente distantes. Ignorando o fato de os indivíduos não poderem transitar
livremente por qualquer país, os difusores da ideologia da globalização defendem a
configuração de um novo tipo de solidariedade, fincada nas identidades culturais.
Como vimos no capítulo anterior, o projeto social-liberal construiu-se sobre o ideário
de que as novas demandas geradas na atual fase do capitalismo exigem novas soluções e um
novo tipo de atuação política, com implicações na realização de metas globais, na
refuncionalização do papel do Estado, na criação de instituições para conciliação de interesses
e de programas de combate à pobreza extrema. Desde o fim do século XX, os problemas
estruturais do capitalismo foram tratados como novas demandas da sociedade. Dentro dessa
visão de mundo, as frações dominantes, notadamente do capital financeiro, colocaram-se
como protagonistas de ações voltadas para o tratamento das supostas “novas questões
sociais”, através da preparação de “novos atores sociais” e da incursão sobre as políticas
sociais e educacionais.
Entender como o novo bloco histórico se consolidou a partir da hegemonia do capital
financeiro é fundamental para compreender o atual modelos de educação e, para compreender
a construção da hegemonia da holding Itaú- Unibanco nos planos estrutural e superestrutural,
analisamos a formação e atuação dos Aparelhos Privados de Hegemonia dos grupos Itaú e
Unibanco, que capacitaram as frações financeiras e suas aliadas a incidirem sobre as políticas
sociais nos últimos 35 anos. Tendo em vista o auto grau de organização e a participação ativa
nos principais temas da política educacional da atualidade, daremos destaque à análise da
Fundação Itaú Social, criada no início da década de 2000 para orientar a ação empresarial
sobre a “questão social”.
96
.
Na América Latina, dois aspectos interligados ganham relevância na análise deste
processo, como considera Minella (2003): o primeiro, a maioria dos governos da região
incentivaram o processo de abertura financeira, em ritmo e intensidade distintas, resultando
no incremento de instituições financeiras estrangeiras e no volume de ativos sob o seu
controle. Segundo, ocorreu um intenso processo de fusões, incorporações e privatizações,
acarretando em maior concentração do sistema financeiro. As principais consequências da
hegemonia do capital financeiro na América Latina, por parte dos governos, ressalta o autor,
foram a adoção de políticas macroeconômicas que levaram a cortes em investimentos sociais
e infraestrutura, o aumento de impostos e políticas salariais restritivas para os trabalhadores
do setor público, privatizações de empresas, etc. Por parte das empresas, uma crescente
adoção de políticas que incluem a demissão de trabalhadores, a intensificação do ritmo de
trabalho, a terceirização e a precarização dos contratos de trabalho e para o cidadão comum,
há a subtração de sua renda por meio de cartão crédito, do cheque especial, do crédito ao
consumidor.
A hegemonia do capital financeiro não é determinada apenas pela capacidade de
controle de parte expressiva dos recursos e fluxo de capitais na economia. Para dirigir o
conjunto de frações aliadas e subjugar o projeto das frações adversárias, esta fração
dominante precisa criar condições para a intervenção nos espaços decisórios governamentais e
nas decisões estratégicas das empresas. Conforme destaca Minella (2003)
Mais que um símbolo, pode-se interpretar como uma garantia a mais de que
as políticas a serem adotadas estarão sob o escrutínio direto daqueles que se
constituem nos intelectuais orgânicos dos grandes interesses da área. O
indicado para presidir o Banco Central durante o início do governo Lula
também está vinculado a este universo. Para os interesses das instituições
financeiras, portanto, não basta que se criem as condições que limitam as
opções, mas é necessário ter garantias complementares através da presença
ativa em postos-chave do aparato estatal de decisão, constituindo-se tal
participação como elemento importante dentro do processo de hegemonia
financeira. (MINELLA, 2003, p.253)
qualquer ameaça militar. A tabela abaixo, transposta do livro de Pereira (2010), elucida as
áreas de investimentos que foram prioritárias do banco entre 1961 e 1982.
A fundação do Banco Itaú ocorreu em 1943, durante o Estado Novo (1937-1945), sob
a direção de Alfredo Egídio de Sousa Aranha, com o nome de Banco Central de Crédito. A
102
empresa pertencia à tradicional família Sousa Aranha, cuja riqueza estava ligada à economia
cafeeira da região de Campinas. Além do poder econômico, a família Souza Aranha
colecionava alguns títulos nobiliárquicos: Alfredo Egídio de Sousa Aranha era bisneto de
Joaquim Bonifácio do Amaral, Visconde de Inhaúma, e de Luísa Sousa Aranha, Viscondessa
de Campinas. Seu avô, Francisco Antônio de Sousa Queiros, ganhou do Imperador o título de
Barão de Sousa Queiros, exerceu o mandato de deputado provincial, deputado geral,
presidente interino da província de São Paulo e senador do Império, entre 1849-1989.
(BRANDÃO, 2015)
Ao final da década de 1950, a direção do Banco foi transferida para ao genro de
Alfredo Egídio, Eudoro Vilella e para seu sobrinho, Olavo Setúbal, em função da saúde
debilitada do então proprietário fundador do banco. Poucos anos depois, o Banco Itaú
aumentou consideravelmente seu tamanho, em função de ter sido um dos maiores
beneficiados pela reforma do sistema financeiro, empreendida pelos governos militares, a
partir de 1964, conforme sublinha Brandão (2015). Esse crescimento extraordinário se deu
por meio de fusões, aquisições e incorporações de outros bancos. No ano do golpe que
instaurou a ditadura empresarial/ militar, o grupo empresarial, ainda representado pelo nome
de Banco Federal de Crédito, era um banco basicamente de atuação regional, reunindo 58
agências, a maior parte delas no estado de São Paulo. 29 Na década de 1970, o banco se
transformara em Itaú, com agências em várias regiões do país. Nesse período, a empresa
passou por um processo de profissionalização de seus quadros, que o tornou conhecido como
“banco dos engenheiros”, devido ao grande número de profissionais com esta formação.
De acordo com os dados levantados e analisados por Minella (1988, p.136), o período
de mais intensa centralização bancária no Brasil ocorreu, entre 1966 e 1973, sendo os
primeiros anos dessa etapa os mais expressivos, com a fusão, incorporação ou simplesmente
29
O Banco Itaú/SA foi inaugurado em São Paulo, em 7 de setembro de 1944. Cinco dias depois, em 12 de
setembro foi inaugurada uma sucursal em Belo Horizonte. A partir desta fase, o grupo passou a investir em
outros investimentos, reunindo indústria de diferentes ramos. Em 1947, Olavo Setúbal e Renato Refinetti, dois
engenheiros recém formados na escola politécnica da USP, fundam a Deca- indústria de materiais sanitários. Em
1950, a família Setúbal e um grupo de investidores independentes fundaram a Duratex. Em 1972, houve a fusão
da Deca com a Duratex. Dois anos após, em 1974, foi criada a Itaúsa, a holding do grupo. Nesta época, a receita
da área financeira representava 85% do grupo. À parte industrial dos negócios, cabia apenas 15% do total. Em
1979, o grupo Itaú criou a Itautec - hoje Grupo Itautec Philco. Com grande experiência acumulada na área de
sistemas (software), que garantia um suporte tecnológico para impulsionar a criação da Itautec. Em 1984, a
Itaúsa movimentou-se em direção da indústria química e assumiu o controle da Elekeiroz, também fabricante de
fertilizantes, da qual já era acionista. Em 1989, o grupo se expandiu para a área eletrônica de consumo. Por US$
10 milhões, a Itaúsa adquiriu a Philco, a terceira maior empresa dessa área, no país. Em 1994, a Itautec fundiu-se
com a Philco.
103
saída do mercado de 107 bancos. De acordo com o autor, a incorporação foi o fenômeno mais
frequente, o que indica, exceto nos casos em que já havia uma associação real, a existência de
um momento de grande competição e expropriação entre as frações da burguesia bancário
financeira. Confirmando essa tese, Minella aponta quatorze incorporações e apenas duas
fusões no ano de 1969 e no período de dezembro de 1964, até o princípio de 1972, a
incorporação de 135 bancos e a fusão de apenas dez. Essa expansão e modernização, assevera
o autor, modificou a importância relativa dos grupos de intuições no financiamento privado e
em sua forma de organização interna e externa. Após a incorporação o grupo Aliança, em
1970, o Itaú América alcançou a oitava posição. Essa nova estratégia empresarial do grupo
Itaú, segundo Brandão (2015), prolongou-se nos anos seguintes. Na década de 1980, o Itaú já
ocupava a segunda posição entre os maiores bancos de investimentos do Brasil, a primeira
posição entre os grupos financeiros e a sexta posição entre as sociedades de crédito
imobiliário.
A perda dos dois principais nomes das dinastias controladoras do Itaú não
gerou grandes impactos administrativos na estrutura do grupo. Desde 1982,
as duas famílias já haviam reunido suas participações societárias na
companhia ESA, iniciais do sobrenome daquele do fundador do Itaú,
Alfredo Egydio de Souza Aranha. O acordo de acionistas tinha como
objetivo definir as regras entre os Setúbal e os Villela e perpetuar a unidade
do grupo. Atualizado em 2001, o acordo estabelece que os dois ramos
familiares devem votar de modo "uniforme e permanente". Os Setúbal têm
direito a indicar dois conselheiros na Itaúsa, e os Villela, outros dois. Os
demais são escolhidos por consenso. (BRANDÃO, 2015, p. 7)
Após a fusão com banco do grupo Unibanco, o Itaú Unibanco tornou-se o maior banco
privado da América Latina. Em 2017, o Itaú Unibanco teve R$ 24,9 bilhões de lucro líquido e
atuava em 21 países com cerca de 5 mil agências no Brasil e no exterior.
105
Em 1924, o Governo Federal concedeu autorização para abertura de uma sessão bancária
dentro da Casa Moreira Salles. Nesse período, o departamento bancário da Casa Moreira
Salles, em Poços de Caldas, representava cerca de 13 bancos e contava com pouco mais de
200 clientes. A casa aprofundou suas atividades bancárias e passou a realizar, sobretudo,
operações de cobrança, mas também de saques, depósitos, desconto de títulos, câmbio,
pagamentos e transferências. Todos dependiam da Casa, sejam os fazendeiros abastados,
sejam os roceiros que dependiam da casa comercial para seu abastecimento e todos os tipos de
encomenda. (COSTA, 2002)
Em 1931, uma nova carta patente permitiu o funcionamento enquanto casa bancária. A
partir de então, a Casa Moreira Salles transformou-se em Casa Bancária Moreira Salles. Casa
bancária, no entanto, não representava um banco propriamente dito. João Moreira Salles
continuou atuando prioritariamente nos negócios de café, aos poucos transferiu a
administração do empreendimento bancário para seu filho mais velho, Walter Moreira Salles.
Em 1933, Walter Salles ainda era estudante de Direito em São Paulo quando virou sócio da
firma do pai. Dois anos depois, em 1935, a empresa Castro, Salles e Cia se tornara Moreira
Salles, tendo como sócios o patriarca e o primogênito da família Salles. A partir de 1940, os
106
A fusão das empresas bancárias dos grupos Itaú e Unibanco aconteceu no ano de
2008, em meio à crise dos subprime30, deflagrada a partir de julho de 2007. Essa crise que
inicialmente assolou o sistema financeiro e em pouco tempo se tornou global, foi marcada
pelo elevado número de empresas em situação de insolvência no centro e na periferia do
capitalismo. Nesse contexto, as frações dirigentes dos países construíram estratégias de
recuperação do sistema financeiro que, em via de regra, contaram com investimentos do
fundo público para recuperação de empresas ameaçadas de falência 31 . Nessa fase de
agudização da crise orgânica do capital, em que as taxas de lucro de grandes conglomerados
30
O fenômeno dos subprime teve início em 2000, quando milhares de famílias norte-americanas, sem boa
avalição de crédito no mercado, tomaram empréstimos, os subprimes e colocaram seus imóveis como garantia de
pagamento. Quando os juros subiram, em 2007, cresceu a inadimplência que afetou diversos setores da
economia. Cif. O GLOBO 01/02/2008.
31
Analisando o impacto da crise sobre a economia dos Estados Unidos, Duménil e Lévy (2014, p.242)
destacaram as medidas de intervenção adotadas pelo Federal Reserve, Tesouro e as agências norte americana
para socorrer os bancos em crise, que em uma primeira categoria de medidas consistiam em: a) compra
definitiva de dívidas ´podres; b) um conjunto de medidas que visou à oferta de novos empréstimos às instituições
financeiras; c) compra pelo Tesouro de ações recém emitidas pelas instituições financeiras; d) ajuda associada
às aquisições, a transformação do status legal de uma corporação e novas regulamentações. Na segunda
categoria de intervenções, os autores destacam: e) facilidade de empréstimos para famílias e empresas, com
vistas a recuperar a economia; f) ajuda direta aos gastos das famílias, com ofertas de subsídios e redução de
impostos; g) substituições de mecanismos privados pelas instituições estatais para garantirem a continuação da
securitização. Cif Dumenil e Lévy (2014, p.254)
107
De acordo com Urbini (2015), estudos realizados por Poeta, Souza e Murcia (2010),
logo após o processo de fusão, concluíram que em média: i) houve uma redução no retorno
sobre os capital investido; (ii) um aumento na 142 imobilização do capital próprio; (iii) a taxa
de reinvestimento do lucro passou a ser menor após a fusão; (iv) houve um aumento no nível
de liquidez imediata e encaixe voluntário e, (v) pequena redução na margem de lucro (1%)
(POETA, SOUZA E MURCIA, 2010, p. 56, apud URBINI, 2015). No entanto, os autores
consideram que houve um significativo aumento na capacidade financeira dos bancos, tendo
em vista alta liquidez e solidez financeira, que garantiram o pagamento de obrigações com
terceiros. Ainda segundo Urbini (2015, p.143), a evidência está no índice de liquidez da
holding, que subiu 60% em relação ao Itaú e 68% ao Unibanco (ibidem).
Os índices pós-2010, assegura a autora, confirmam o aumento do poder do grupo,
acompanhado de outros bancos. A junção das operações com a Porto Seguro, uma das
maiores seguradoras brasileiras, formando a Porto Seguro Itaú Unibanco Participações S.A.
(Psiupar), em 2009, é mais uma expressão deste crescimento. Em função dessa negociação, o
Itaú Unibanco chegou a entrar no ranking da Revista Forbes como a 30 a maior empresa do
108
Companhia Johnston de
Participações
ITAÚSA
Free Float
50%ON/ 33,4% total
IUPAR ITAÚ Unibanco
Participações
ITAÚ UNIBANCO
HOLDING S.A
ITAÙ UNIBANCO SA
Itaú S.S
Quadro elaborado a partir dos dados disponíveis em: Itaú Relações com os Investidores. Documento: 4T17
Apresentação Institucional, Cenário Macroeconômico. Item 2 Governança Coorporativa, p.3. Disponível em:
http://www.itau.com.br. acesso em: 13/02/2019.
109
A fusão dos bancos não alterou a forma de intervenção dos grupos Itaú e Unibanco
sobre a “questão social”. A fusão dos empreendimentos bancários dos grupos, sem dúvida,
potencializou a intervenção de ambos em políticas culturais, sociais e educacionais. Os
Aparelhos de Hegemonia, criados entre os anos 1980 e 2000, longe de estarem apartados dos
investimentos financeiros e industriais de ambos os grupos, estão intimamente ligados aos
seus projetos de expansão dos lucros e aniquilação das forças contestadoras do projeto
societário hegemônico. Ampliando seus tentáculos para áreas não econômicas, no sentido
estrito, ambos os grupos se inseriram no programa de ajustes desenvolvido para países
capitalistas da periferia do sistema.
André Martins (2009) analisou as estratégias utilizadas pela classe dirigente para
produzir e reproduzir as condições objetivas e subjetivas de sua própria existência ao longo do
processo histórico. O estudo sinalizou uma mudança significativa no padrão de sociabilidade,
a partir da década de 1990, refletida em novos princípios de cidadania, participação e
organização. Segundo o autor, as estratégias para construção dessa nova sociabilidade foram
inspiradas no programa “neoliberal da Terceira Via” e está relacionada a mudança na
arquitetura do Estado brasileiro dos últimos anos. (MARTINS, 2009, p.11). O padrão de
sociabilidade anterior, alicerçado no projeto keyeneisiano, caracterizou-se pela ampliação das
funções da aparelhagem estatal, com vistas a assegurar a reorganização do capitalismo,
ameaçado pelas guerras mundiais e pelo avanço do projeto socialista na Europa. Nesse
contexto, empresas multinacionais e fundações empresarias passaram a auxiliar as classes
dirigentes na difusão de princípios e valores que legitimassem o capitalismo pelo mundo.
Como destaca Martins (2009), foi decisivo o investimento na preparação de diferentes tipos
de intelectuais, como membros do clero, professores universitários, militares, jornalista,
economista administradores, etc. A partir dessa ação, o bloco dirigente conseguiu assimilar
diversos movimentos sociais e intelectuais alinhados ao projeto da classe trabalhadora,
garantindo, parcialmente, a neutralização de manifestações que ameaçassem o funcionamento
do sistema. Diante da resistência dos trabalhadores e a intervenção política de seus
movimentos na disputa pelo fundo público, as frações dominantes intensificaram ações para
obtenção do consenso, como ressalva Martins (2009).
Martins também sublinha que neste contexto da Guerra Fria, foram fundamentais as
ações voltadas para a construção de uma nova identidade do homem coletivo, alinhadas com
110
O Instituto Moreira Salles (IMS) foi criado em 1990, declarando ter “a finalidade de
promover e desenvolver programas e atividades culturais com foco na guarda, na conservação
e na disponibilização de acervos relevantes para as artes e a memória brasileira" (Relatório de
Sustentabilidade 2008, p. 150, Apud Urbini, 2015, p. 148). O Instituto afirma priorizar
programas de médio e longo prazos, incluindo programas regulares, com foco na formação
cultural de seu público. O IMS destaca, em seu material de divulgação, ter autonomia em
relação ao banco e, diferentemente de outras instituições culturais, afirma não recorrer à lei
Rouanet ou outros editais públicos para captar recursos. Desde o ano de 2007, conforme
ressalta Urbini (2015), o IMS aparece nos Relatórios Anuais do Itaú- Unibanco de maneira
distinta dos outros investimentos sociais privados do grupo: suas atividades são relatadas, mas
a prestação de contas não é pública.
O acervo do IMS inclui matérias em áreas como fotografia, música e iconografia. Na
área da fotografia, o Instituto cuida de mais 2 milhões de imagens dos séculos XIX e XX, com
destaque para a fotografia de Marc Ferrez, principal fotógrafo brasileiro do século XIX. Com
esta vasta coleção, o IMS afirma ser o maior Instituto em fotografia do país. A coleção de
música do Instituto abarca canções dos primórdios das gravações de brasileiras e inclui um
repositório de 21 mil fonogramas e o acervo de notáveis compositores brasileiros, como
Chiquinha Gonzaga, Enesto Nasareth e Pinxinguinha. Na área da literatura, o aparelho reúne
cartas, papéis, documentos diversos, livros e arquivos pessoais de Otto Lara Resende, Erico
Verissimo, Clarisse Lispector, Carlos Drumont de Andrade, Rachel de Queiroz, Ligia
Fagundes Telles, Paulo Mendes Campos, entre outros. Segundo informações contidas em sua
página eletrônica, além de organizar e difundir conhecimento, o IMS tem a intenção de gerar
111
conhecimento a partir de seus acervos. Para tanto, o Instituto tem procurado desenvolver
convênios e intercambio com universidades brasileiras e estrangeiras e com museus.32
Enquanto ação social, o IMS destaca o projeto Memória Rocinha, realizado em
parceria com o Museu Sankofa Memória e História da Rocinha, que possui um site aberto a
inserção de novas fotografias, vídeos e narrativas sobre as identidades, memória locais, que
destacam a luta contra o estigma da violência, da desigualdade social e pelo reconhecimento
da Rocinha como espaço na cartografia oficial, na vida política e na história da sociedade,
conforme indicam em sua página social. Dentro desse projeto, foram desenvolvidos, em 2017,
oficinas de produção audiovisual pelo celular para agentes comunitários de saúde e jovens
comunicadores comunitários. De acordo com o IMS, as oficinas tiveram o objetivo de abordar
a cultura, a memória coletiva, as questões socioambientais, de saúde e de comunidade,
expandir a atuação do IMS no território da Rocinha e também ampliar a rede de colaboradores
e participantes. Os resultados são quatro curtas-metragens, realizados pela tecnologia do
celular.
Com baixo investimento em equipamentos e em recursos humanos, o Instituto passou
a dirigir a construção da memória desta comunidade que reúne uma parcela expressiva da
classe trabalhadora da cidade do Rio de Janeiro. Selecionado os elementos considerados pelo
Instituto como relevantes para construção da identidade local e negligenciando outros, os
moradores da Rocinha tiveram “seu olhar” sobre sua própria história orientado pela família
Moreira Salles e seus aliados para construção da cultura popular. O Instituto Moreira Salles
ficou conhecido por seu vasto acervo, pelas iniciativas de fomento à cultura de diversos
segmentos e pelo patrocínio de manifestações artísticas da alta cultura e da cultura popular
brasileira. O Instituto, criado no bojo do processo de redemocratização da política brasileira e
constituição de um novo bloco histórico social, nasceu com o compromisso de gerar uma ética
e um comportamento cívico e individual condizente com a reorganização do capitalismo no
mundo. Com a criação do ISM, o Unibanco, que hoje está unido ao Itaú, alterou sua imagem
associada à cobrança de altos juros para a imagem de uma empresa responsável e
patrocinadora das artes. Embora sua atuação esteja restrita ao sudeste do país, o Instituto faz
parte da estratégia de Responsabilização Social Empresarial do Unibanco.
Compreender a cultura como um campo que expressa o modo de ser, de viver, de
pensar e de sentir de uma sociedade implica em entendê-la como uma “estrutura de
atividades” constituída por uma linguagem historicamente determinada, como salienta
32
Disponível em: www //https://ims.com.br/ acesso em 11/07/2017
112
Gramsci (Coutinho, 2011). Para o intelectual, que analisa o nexo entre cultura e hegemonia,
este campo não é definido isoladamente, espontaneamente e tão pouco se configura em um
embate entre a cultura tradicional e a nova cultura. A cultura é uma dimensão da hegemonia e
portanto, exige organização, direção e assimilação das expressões culturais produzidas pelas
frações da classe dominante e pelas frações subalternas, com o intuito e forjar um “novo
homem” para a “nova sociedade” (BARATA: in LIGUORI, VOZA, 2017, p. 174).
A inauguração desse empreendimento foi apenas a primeira das iniciativas do grupo Itaú em
direção à educação da sociedade. Como destaca Setúbal, seu primeiro projeto logo estaria
penetrando nas instituições culturais e educacionais, públicas e privadas, para disputar a
memória histórica e da formação de uma nova identidade nacional:
113
O raio de ação do Instituto Itaú Cultural é mais amplo que o do IMS. Desde sua origem, o
aparelho privado do Itaú para intervenção na política cultural buscou firmar-se como
instituição de referência para a cultura e para a arte em todo o país, como alto proclama em
seu material:
Da década de 1980 até os dias de hoje, o Itaú Cultural se firmou como uma
instituição referencial para a cultura e a arte, atuante em todas as regiões do
Brasil e em várias partes do mundo. Suas atividades são desenvolvidas por
meio das verbas do próprio conglomerado mantenedor, o Itaú Unibanco, e
dos repasses obtidos pela lei de incentivo à cultura nº 8.313, de dezembro de
1991, conhecida como Rouanet, que permite aos cidadãos e a empresas a
aplicação de parte do imposto de renda em ações culturais – 6% para pessoa
física e 4% para pessoa jurídica. Há mais de dois anos, o Itaú Cultural
iniciou uma jornada para aprofundar a reflexão sobre o papel da instituição
nos cenários cultural e social contemporâneos e continuar a ter um trabalho
relevante e referencial na produção de arte e cultura no Brasil. Nesse sentido,
um dos desdobramentos foi repensar e reescrever a missão e a visão do
instituto. A conclusão foi perceber que a missão de gerar experiências
transformadoras no mundo da arte e da cultura brasileiras se dá através do
inspirar e ser inspirado pela sensibilidade e pela criatividade das pessoas.
Dessa forma, o Itaú Cultural, por meio do trabalho e de atividades que
realizam seus funcionários, se esmera em ser referência na valorização e na
articulação de experiências culturais e a mais acessível e confiável fonte de
conhecimento sobre a arte e a cultura brasileiras. (Idem, 2013, p.3)
De acordo com informações do relatório anual de 2016, o total executado pelo Itaú
Cultural, naquele ano, foi de R$ 87.956.204,66, sendo R$ 14.244.420,70 executados com
verba incentivada pela Lei Rouanet – Art. 26 e R$ 73.711.783,96 sem recurso da Lei Rouanet.
Desse montante sem o recurso, R$ 12.031.928,66 foram executados exclusivamente pelo
Auditório Ibirapuera. (RELATÓRIO DE ATIVIDADES, ITAÚ CULTURAL, 2016).
Organizar e publicar livros, vídeos e catálogos sobre arte brasileira, distribuir em escolas
públicas, bibliotecas, espaços e pontos de cultura, para professores e pesquisadores, estão
entre as atividades desenvolvidas pelo Itaú Cultural. Desde 1997, o Instituto possui um site
com a programação, as enciclopédias e uma web-rádio Itaú Cultural que transmite em tempo
real eventos realizados em sua sede. O Itaú cultural também ampliou seu alcance por meio da
revista Observatório Cultural e de parcerias firmadas com emissoras de TV e rádio (canais
114
Desde sua criação, o instituto conta com missão, visão e equipe próprias. A
relação com o Grupo Itaú Unibanco, que financia as atividades, é marcada
pela autonomia na gestão. A crença no potencial da instituição ao contribuir
para a arte e a cultura do país orienta a definição de diretrizes estratégicas e a
execução dos planos de ação, sem interferência das estruturas de marketing
da holding. Na base de toda a atuação está uma sólida estrutura de
governança, na qual se promovem princípios como transparência, equidade,
prestação de contas e responsabilidade corporativa, objetivando a perenidade
da instituição. (INSTITUTO ITAÚ CULTURAL RELATÒRIO ANUAL,
2013, p.14)
Membro permanente
do Conselho da
empresa Duralex
Alfredo Egydio Vice presidente Administração Membro do _____________
Conselho
Administrativo do
Itaú
Diretor de Relações
com Investidores
Vice Presidente da
Wesslh Managament
Servce
Fontes: autora, 2019. Elaborado a partir dos dados extraídos das Atas das Assembleias eleitorais do Instituto Itaú
Cultural: 2011.20013 e 2015.
Milú Vilella, que hoje ocupa o cargo de Presidente da organização, identifica-se como
herdeira dos trabalhos filantrópicos de sua avó, que fazia ações em uma casa de caridade de
São Paulo, conhecida como Casa da Mãe Solteira. Além da direção do Itaú Cultural, Milú
Villela, dirige o Museu de Artes Modena de São Paulo
Civita
Trabalhistas.
Marcos de Barros Conselheiro Economista, Foi diretor- Presidente do
Lisboa mestre em executivo do Instituto de Ensino
Economia e Unibanco, diretor- e Pesquisa (Insper).
Ph.D. em executivo do Itaú-
Economia pela Unibanco e vice-
University of presidente do Itaú-
Pennsylvania. Unibanco.
Ricardo Paes de Graduado em Não possui Integrou o Instituto
Barros engenharia carreira em de Pesquisa
eletrônica pelo empresas no Econômica e
Instituto sentido restrito Aplicada (IPEA)
Tecnológico da por mais de 30
Aeronáutica anos,
(ITA), com Diretor do
mestrado em Conselho de
estatística pelo Estudos Sociais do
Instituto de IPEA. Entre 2011 e
Matemática Pura 2015,
e Aplicada deixou o serviço
(IMPA) e público e assumiu o
doutorado em cargo de
Economia pela economista-chefe
Universidade de do Instituto Ayrton
Chicago Senna e também a
titularidade da
Cátedra Instituto
Ayrton Senna no
Inspe
Rodolfo Villela Conselheiro Graduado em Diretor e Diretor Executivo
Marino administração Conselheiro da da Sociedade
com mestrados Itaúsa Cultura Artística
em Economia e Presidente do Conselheiro do
Filosofia e em Conselho de Instituto Itaú
Estudos do Administração da Cultural
Desenvolvimento Elekeiroz
doutorado em Conselheiro de
Administração Administração da
Pública e Duratex
Governo na Suplente da
EAESP-FGV IUPAR - Itaú
Unibanco
Participações S.A.
Fonte: autora, 2019. Elaborado a partir das informações reunidas em:
https://www.institutounibanco.org.br. Acesso em: 30/01/2019
Ministro da Fazenda (1995 a 2002); Presidente do Banco Central do Brasil (1993 a 1994);
Consultor Especial e Negociador-chefe para Assuntos da Dívida Externa – Ministério da
Fazenda (1991 a 1993). Abaixo da Vice-Presidência, outro intelectual com destacada atuação
em agências da Sociedade Política foi Ricardo Henriques, professor de economia da UFF. Foi
Secretário Nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do
Ministério da Educação, entre 2004 e 2007, e Secretário Executivo do Ministério de
Assistência e Promoção Social, entre 2003 e 2004, quando coordenou o desenho e a
implementação do programa Bolsa Família. Também ocupou o cargo de Secretário de
Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro quando desenvolveu, em
2010, o programa UPP Social e, a partir de 2011, conduziu o programa na Prefeitura do Rio
de Janeiro.
Destacam-se também nesta lista os intelectuais Claudia Costim e Claudio de Moura e
Castro. A “Conselheira” do Instituto Unibanco exerceu função de diretora global em educação
no Banco Mundial e participou ativamente de conselhos de outros aparelhos da sociedade
civil, também sendo convidada a prestar consultoria para os governos de Angola, Cabo Verde,
Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. O “Conselheiro” Claudio de Moura e
Castro, autor de mais de 40 livros no campo da educação, também acumulou experiência em
organismos internacionais e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). A escolha desse quadro dirigente, formado por um número de intelectuais
aparentemente independentes dos interesses econômicos da empresa bancaria, além de
transparecer neutralidade em relação aos negócios financeiros do Itaú Unibanco, foi
estratégico para legitimação e viabilização da transformação da política definida no interior
aparelho como política de governo, tendo em vista o reconhecimento destes intelectuais como
portadores de conhecimento no campo da educação e expertise em agências multilaterais e em
órgão decisórios da sociedade política.
O fortalecimento do Instituto, enquanto Aparelho Privado de Hegemonia, também se
deu a partir do enraizamento da visão de mundo na Sociedade Civil por meio de alianças com
outros aparelhos: Ação Educativa, CENPEC, BAOBA, Comunidade Educativa CEPAC,
Centro e Estudos de relações de Desigualdade e Trabalho (CEERT), Colabora Educação,
Educação na Veia, Fundação Carlos Chagas, Conselho Nacional de Secretários da Educação(
CONSED), Folha de São Paulo, Fundação Carlos Chagas, Fundação Lemann, Fundação
Santillana, GEPEM, GIFE, INSPER, INSPIRARE, Instituto Ayrton Senna, JMJA, Instituto
Natura, Instituto Rodrigo Mendes, Itaú BBA, Fundação Itaú Social, Observatório das Favelas,
PUC São Paulo, Associação de Jornalistas de Educação (JEDUCA), Laboratório de
121
Educação, Movimento Pela Base Nacional Curricular Comum, ONU Mulheres, Rede
Brasileira de Melhoramento da Educação e com as universidades Universidade de São Paulo
(USP) e Universidade Feral de São Carlos (UFSCAR).
No início de sua trajetória, em 1982, o Instituto dedicava-se ao apoio de projetos de
organizações de diferentes áreas. Hoje, com uma estrutura operacional mais sólida e
apropriada às novas formas de intervenção na política educacional, o Instituto dirige projetos
de amplitude nacional e desenvolve trabalhos no campo da gestão escolar e em políticas
educacionais voltadas para a juventude, como a Reforma do Ensino Médio. O Aparelho
define como “gestão de qualidade”, a gestão participativa e orientada para resultados, que
supostamente pode impacta no aprendizado dos estudantes. O material pesquisado indicou
uma relativa autonomia em relação aos Aparelhos Privados de Hegemonia do grupo Itaú e os
Aparelhos Privados de Hegemonia do Unibanco. No entanto, observamos que essa aparente
independência não gerou nenhum conflito que indique relação de oposição, disputa ou
concorrência entre as instituições, pelo contrário: notamos uma relação complementariedade
entre as ações desenvolvidas por estas organizações ético politica
33
A análise do CENPEC será apresentada no capítulo 4 desta tese.
122
Fórum Econômico Mundial de Davos pelo Secretário Geral das Nações, em 1999, e
oficializada em 2000, no escritório da ONU em Nova Iorque, também esteve no contexto da
criação do novo aparelho para intervir na “questão social”. O Pacto Global declarou como
objetivo incentivar as empresas a desenvolverem ações de responsabilidade social e
sustentabilidade, e adoção em suas práticas de “valores fundamentais internacionalmente
aceitos nas áreas de direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à
corrupção”. O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social protagonizou o
processo de engajamento dos empresários brasileiros ao Pacto Global, reunindo 206
empresários no primeiro encontro. O Comitê Brasileiro do Pacto Global (CBPG) foi criado
em 2003 e, em 2018, sob a presidência da holding Itaú Unibanco esteve integrado às 150
redes espalhadas pelo mundo comprometidas em difundir os princípios da cidadania
empresarial. Dentro do contexto do “amadurecimento” da forma de intervenção empresarial
na política social e do fortalecimento das relações intraclasse em torno deste tipo de ativismo,
o principal órgão decisório da Fundação Itaú Social foi composto por empresários dirigentes
de outras empresas do conglomerado Itaú Unibanco. O Conselho Curador da entidade, órgão
comum a todas as fundações, foi integralmente ocupado por representantes das três famílias,
Setubal, Vilella e Moreira Salles com expertise no mundo dos negócios.
O “ativismo social” dos empresários passou para uma nova fase no século XXI. A
Responsabilidade Social Empresarial, difundida entre os donos do meio de produção na
década de 1990, deu lugar ao Investimento Social Privado que, além da mobilização dos
empresários na promoção de serviços de cunho social, compreendia a aplicação de recurso
financeiros privados nos programas sociais dirigidos pelos empresários e monitoramento
sistemático dos projetos sociais. Vania Motta (2016, p. 326) destaca a definição de
Investimento Social Privado definida no relatório do Grupo de Institutos, Fundações e
Empresas (GIFE):
É possível entender essa definição como a reunião de três grandes aspectos
definidores do investimento social: 1. a origem dos recursos: privada e
voluntária (o que a diferenciaria de outros tipos de investimento, de origem
compulsória, como parte dos recursos do Sistema S); 2. a forma de atuação:
planejada, monitorada e sistemática (fundamentalmente, buscando
resultados, em contraposição às práticas bem-intencionadas mais
voluntaristas, amadoras e supostamente ineficientes da caridade tradicional);
3. A finalidade: projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público
(colocando-o acima de interesses privados que a empresa ou o filantropo
possam ter ao investir no social) (NOGUEIRA e SCHOMMER, 2009, p.3)
Os números apontados no gráfico indicam que o grupo Itaú, entre 1993 à 1998,
considerava o investimento em “ação social” como estratégico para a instituição, mas ainda
investia timidamente em programas com esta natureza. Como se pode observar, entre os anos
127
1993 e 1996, chega a haver um decréscimo dos valores. Nos três anos seguintes, observa-se
um leve crescimento dos investimentos na ação filantrópica do grupo que, neste período,
ainda estava exclusivamente sob a direção do CENPEC, dirigida por Maria Alice Setúbal.
Ainda de acordo com o gráfico, houve um aumento significativo dos investimentos do grupo
em programas sociais, a partir da primeira década da Fundação Itaú Social, seguindo o
movimento mundial de engajamento empresarial nas ações sociais. Entre 2001 e 2010, a
Fundação conseguiu ampliar em 522, 6 % os recursos para a ação empresarial no campo
social. Em sua página eletrônica 34 , foram destacadas três linhas de atuação: Formação,
Avaliação e Recursos. Na Linha de formação, a Fundação investiu nos Programas: Agenda da
Juventude, Ambiente de Formação, Letras e Números, Escrevendo o Futuro, Melhorias da
Educação e Redes e Territórios; na Linha de Avaliação: Ambiente de Formação, Avaliação e
Monitoramento e Pesquisas; na linha Recursos, os programas Agenda da Juventude,
Destinação do Imposto de Renda, Investimento Social Civil, Edital de Fundos para a Infância
e Adolescência, Investimento Estratégicos, Prêmio Itaú Unicef, Redes de Territórios
Educativos e Voluntariados Destacamos, a seguir, uma das dimensões da Cultura do
Investimento social Privado, que se constitui na mola mestra dos trabalhos desenvolvido pelos
Aparelhos Privados de Hegemonia do capital financeiro: o trabalho Voluntário de Novo Tipo.
Como sustentando nesta tese, a ação dos empresários sobre as políticas sociais esteve
associada ao movimento de restruturação produtiva e ao movimento de “reforma” da
aparelhagem estatal, iniciado no Brasil em meados da década de 1990. Nessa conjuntura, as
frações dirigentes definiram um conjunto de táticas para o tratamento das desigualdades
sociais, restringindo as políticas sociais aos programas de alívio da pobreza. O receituário
aplicado na periferia do capitalismo para amenizar os efeitos da crise orgânica do capital
previa a delimitação da potencial “clientela” das políticas sociais, a difusão da cultura de um
novo tipo de trabalho vulnerário e a avaliação dos impactos sobre esta “clientela”. O aumento
vertiginoso da pauperização, decorrente da crise orgânica do capital e do projeto adotado
pelas frações dirigentes, foi interpretado por alguns intelectuais como o surgimento de uma
nova categoria na sociedade: a “nova pobreza”. Como nos lembra Eduardo Mendonça (2000),
34
https://www.itausocial.org.br Acesso em 21/01/2019
128
especifica” ou “populações alvo”. Essa concepção sobre a pobreza, segundo o autor, não só
limitou do escopo e da abrangência das políticas sociais de caráter universal, como
implantação dos direitos sociais e a consolidação do direitos previstos na Constituição de
1988. O Banco Mundial, principal credor dos países da periferia do capitalismo, desde a
década de 1980, produziu uma série de documentos induzindo a implementação de políticas
que, supostamente, conjugasse políticas de ajustes econômicos com políticas sociais de
atendimento das necessidades básicas dos “pobres”. No início dos anos 1990, o Banco
indicou a adoção de políticas sociais de proteção contra os impactos negativos do ajuste
econômico somente para os grupos da população mais “vulneráveis”. Com essa “orientação”
o Banco sinalizou a necessidade de se delimitar claramente a “clientela” alvo dos gastos
públicos, com objetivo de atenuar o declínio da renda e do consumo privado desses grupos
(MENDONÇA, 2000).
Paralelamente a este debate sobre “nova pobreza” e a incorporação na agenda pública
da noção de “vulnerabilidade”, houve o movimento de reformulação e disseminação de uma
nova cultura do trabalho voluntário. O trabalho voluntário constitui-se em uma prática
tradicional, que incide sobre problemas sociais gerados por questões estruturais do
capitalismo, por situações de guerra ou por catástrofes naturais. Tradicionalmente, as ações
voluntárias eram realizadas por indivíduos, notadamente por mulheres da classe dominante,
por grupos organizados temporariamente ou por instituições religiosas e/ou humanitárias,
fincadas em valores como caridade, compaixão, benevolência, solidariedade, etc. Dentro do
processo de crise estrutural do capital e do consequente agravamento das mazelas sociais, o
conceito do voluntariado foi revisitado e passou a ser estimulado pelas frações dominantes
como principal forma de ação sobre a “questão social”. Através de aparelhos como a
Fundação Itaú Social e seus aliados, tais frações ganharam protagonismo na gestão do
trabalho voluntário passando a atuar sistematicamente na identificação, assimilação e
formação de trabalhadores que estão dentro ou fora de suas corporações.
Esta ressignificação do conceito do voluntariado não representa apenas uma mudança
semântica. Todo o trabalho de disseminação da “nova cultura do voluntariado” está inserido
no processo de mudança do bloco histórico fordista/keyneisinao para o
gerencialista/neoliberal, que implicou no projeto de mudança do Estado assistencialista para
“investidor social”, na diminuição da rede de proteção social; na substituição de políticas
universais por políticas focais e nas mudanças radicais no mundo do trabalho. A análise da
“nova morfologia do trabalho”, forjada na crise orgânica do capital, elaborada por Antunes
(1999), identifica o crescimento acentuado de trabalhadores submetidos a contratos
130
temporários, sem estabilidade, sem registro em carteira, trabalhando dentro ou fora do espaço
produtivo da empresa, sob ameaça constante do desemprego. Antunes analisa os diferentes
modos de ser dos trabalhadores informais do século XXI: os trabalhadores informais do tipo
tradicional, que exercem atividades de baixa capitalização, buscando obter uma renda
individual ou complementar à renda das famílias, como as costureiras, pedreiros, jardineiros,
vendedores ambulantes; os trabalhadores informais recrutados temporárias e remunerados por
peças ou serviços que executam trabalhos eventuais pautados na força física, como
carregadores de serviços gerias, carroceiros e desempregados que esperam retornar ao
mercado formal. Um segundo modo de ser, apontado pelo autor, são os trabalhadores
informais assalariados, mas sem registro e à margem da legislação trabalhista. Esses deixaram
a condição de assalariados com carteira e passaram a ser excluídos das resoluções coletivas de
suas categorias. Um terceiro modo de ser da informalidade, são os trabalhadores por “conta
própria”, onde encontram-se pequenos negociantes ligados a grandes empresas que não se
interessam em investir diretamente no ramo em que estes atuam. Para Antunes, estes
fenômenos são expressões de uma “nova era de precarização estrutural” do trabalho que são
simbolizadas pela:
35
Marx identifica diferentes frações desta população excedente e necessária ao capitalismo: a população
flutuante seria formada por trabalhadores, ora atraídos e ora repelidos pelas empresas; A população Latente seria
formada por jovens e trabalhadores não industriais à espera de serem incorporados nas industrias; a população
estagnada seria composta pela força de trabalho que ocupa funções deterioradas e mal pagas com condições de
vida em níveis subnormais de existência. Já a população pauperizada seria formada pela massa de indigentes, de
doentes, acidentados e idosos. Cif. (BRAGA, 20012)
131
36
Max Define o Lumpemproletariado como excluídos por razões diversas (como os egressos do sistema
prisional, os aventureiros, os burgueses falidos, etc).
132
Este “voluntário de novo tipo”, peça chave do projeto social liberal, foi chamado a incorporar
as “ações sociais” planejadas e administradas pelas grandes empresas a partir de recursos de
empresas aliadas, do fundo público e, por vezes, de organismos internacionais. Embora a
chamada tenha sido feita para toda a sociedade, “independente da idade, profissão, e condição
social”, nota-se um apelo especial para os trabalhadores com algum nível de qualificação,
conclamados a oferecerem gratuitamente o que vendiam do mercado de trabalho, o
conhecimento, o tempo e sua experiência profissional. O Serviço de Voluntários online das
Nações Unidas, em 2015, publicou ofertas de trabalho voluntário, em português, para atrair
candidatos que não pudessem viajar o mundo a prestarem serviços no Brasil. Nessa chamada,
o ONU definiu como o público alvo, pessoas com algum nível de conhecimento a oferecer às
organizações cadastradas. De acordo com a chamada:
No contexto social liberal, as novas formas de ofertas de serviços sociais substitui o direito
coletivo pelo atendimento individual de pessoas necessitadas. Nesse quadro de
individualização dos serviços sociais, de acordo com Souza 2008, houve transferência do
fundo público para as organizações ditas do Terceiro Setor, que se apresentavam como parte
da racionalização de gastos, busca de maior eficiência, redução da burocracia estatal. No
plano internacional, a nova “cultura do voluntariado” ganhou incentivo a partir do final dos
anos 1980, quando a Assembleia Geral da Nações Unidas definiu, em 1985, o dia 5 de
dezembro como Dia Internacional do Voluntariado, para incentivar a participação dos
voluntários em todo o mundo. De acordo com a Declaração, todos os setores da sociedade,
governo, organizações e empresas, a divulgarem o trabalho voluntário. Cinco anos depois, em
1990, foi assina a Declaração Universal do Voluntariado que definiu os seguintes critérios
para ação voluntária:
É baseada em uma escolha e motivação pessoal livremente assumida;
É uma forma de estimular a cidadania ativa e o envolvimento
comunitário;
É exercido em grupos geralmente inseridos em uma organização;
Valoriza o potencial humano, a qualidade de vida, a solidariedade;
Dá resposta aos grandes desafios que colocam para a construção de um
mundo melhor e mais pacifico;
Contribui para a vitalidade econômica, criando empregos e novas
profissões. (Citado por Sousa, 2008, p. 62)
Dama, Ruth Cardoso, foi criado no mesmo período em que foram extintos o Conselho
Nacional de Segurança Alimentar 37 , a Legião Brasileira de Assistência 38 , o Ministério do
Bem-Estar Social e Centro Brasileiro para a Infância e para Adolescência. Segundo a política
de encolhimento das políticas de proteção social, todos esses órgãos foram substituídos pela
Secretaria de Assistência Social subordinada ao Ministério da Presidência e Assistência
Social. O Comunidade Solidária funcionou a partir de alianças entre agências dos governos
federal, estadual e municipal com organizações da sociedade civil, sob a justificativa de
buscar desvencilhar-se do que chamou de práticas políticas ultrapassadas como estatismo,
corporativismo fisiologismo e clientelismo. O Programa foi definido como um esforço de
racionalizar a atuação do Estado em políticas sociais, destacando a rede de parcerias como o
produto a maior inovação mais inovador para resolver a “questão social”: O “trabalho
voluntário de novo tipo” foi reconhecido na legislação brasileira com a sanção da Lei, n.
9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que definiu o trabalho voluntário como:
37
O Conselho Nacional de Seguraça Alimentar CONSEA foi criado a partir do Plano de Combate à Fome e à
Miséria PCFM), criado em abril de 1993 por Itamar Franco.
38
135
causada pela ação voluntária (MARCHI E SOSA, 2011, p.4). O Brasil foi escolhido pela
ONU, em 2002, para apresentar o relatório final do Ano Internacional do Voluntário. Milú
Villela, presidente da Fundação Itaú Cultural, do Centro de Voluntariado de São Paulo e do
Instituto Faça Parte, foi convidada a discursar na Assembleia Geral da ONU. Nesse evento, a
representante da holding Itaú Unibanco apresentou a proposta de que o voluntariado continue
a ser considerado como estratégia de inclusão e desenvolvimento social.
O “trabalho voluntário de novo tipo” foi a espinha dorsal dos programas sociais
desenvolvidos pelo Itaú Unibanco. Através da Fundação Itaú Social e outros Aparelhos
Privados de Hegemonia, a holding disseminou a cultura do “voluntariado de novo tipo” entre
seus funcionários, ativos e inativos, entre as organizações que incidem sobre áreas
consideradas vulneráveis e agentes individuais que viabilizassem a realização de “ações
sociais empresarias a baixo custo. Além de ganhos para imagem social do grupo, os
programas serviram de ferramentas educativas para formar e conformar a camada social do
precariado, composta por jovens, experientes ou não, trabalhadores qualificados e em
permanente qualificação que excediam às demandas imediatas do mercado. Esta camada de
trabalhadores que cresce a cada ano no país, aderiu ao trabalho voluntário organizado pela
empresa com a esperança de agregar a experiência “voluntaria” em seus currículos, e pleitear,
futuramente, um lugar no mercado de trabalho formal, seja na empresa que o contratasse
como voluntário ou em outra instituição.
A Fundação Itaú Social criou, em 2005, o Programa Voluntários Itaú, com o objetivo
de educar e organizar seus funcionários. Segundo a Fundação, o programa foi criado para
dirigir as iniciativas realizadas individualmente por seus trabalhadores em projetos sociais. O
projeto piloto foi desenvolvido em 2003, na Administração central de São Paulo. Dentre as
“oportunidades de trabalho voluntário” oferecidas nessa primeira fase, ainda restrita, a cidade
de São Paulo tinha cursos como oficina de informática, inglês, Consumo Responsável, Uso
Consciente do Dinheiro, Clube do Livro, Ingresso ao mercado de trabalho e outros. A partir
de 2005, o programa foi ampliado para a rede de agências e três anos depois, o grupo Itaú
promoveu o encontro para a troca das experiências em trabalhos voluntários com
trabalhadores do Banco dos doze maiores municípios do país. Em 2010, os grupos de
voluntários passaram a se organizar em Núcleos de Ação Social.
O Programa Itaú Criança também foi criado para disseminar a cultura do voluntariado
entre trabalhadores do banco e os trabalhadores fora do seu corpo de funcionários. O foco de
atuação foi o direito da criança e do adolescente. Para ampliar o raio de divulgação do
programa, a Fundação fez parceria com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância
136
(ANDI) e promoveu workshops com jornalistas dos principais órgãos da imprensa de cidades-
sede: Fortaleza (CE), Manaus (AM), Natal (RN) e Recife (PE). Segundo informações do
Relatório anual de 2013, foram impactados 120 profissionais da imprensa nessa iniciativa. A
Instituição promoveu também formações em mediação de leitura para os voluntários como
parte do Programa Itaú Criança. Em 2015, foram 1.378 voluntários formados, em 26 cidades,
que realizaram 1.318 ações de leitura em 98 organizações, beneficiando 2.578 crianças e
adolescentes.
O Programa Comunidade, Presente! foi outra ferramenta criada pelo grupo Itaú para
dirigir a ação voluntaria de seus trabalhadores. Nesse programa, os trabalhadores das agências
do Banco Itaú indicavam projetos nas áreas de educação e saúde para receberem apoio
financeiro da holding Itaú Unibanco. Segundo o relatório anual da Fundação de 2015, os
projetos deveriam estar alinhado aos valores, aos princípios e às diretrizes da Fundação Itaú
Social. O objetivo declarado foi manter um processo estruturado de atendimento, avaliação e
encaminhamento dos pedidos de apoio pontuais a projetos sociais. Nesse ano, foram 92
organizações apoiadas (8% a mais, em relação a 2014) com a destinação de R$ 5.037.473,31
do Itaú Social. Essas organizações receberam a destinação de mais de R$ 5 milhões do Itaú
Social. (FUNDAÇÂO ITAÚ SOCIAL, Relatório anual 2015). A holding Itaú Unibanco
estimulou, identificou, assimilou e também promoveu estratégias para a formação de outros
trabalhadores, em especial da camada do precariado que, em busca permanente de
qualificação e de emprego, é alvo prioritário para as “ações sociais” promovidas pelas
empresas.
Além dos programas desenvolvidos pela fundação, direcionados aos funcionários do
Itaú Unibanco, a Fundação promoveu pesquisas sobre o tema com a finalidade de estimular e
orientar a ação voluntária empresarial. Essas pesquisas resultaram nas publicações: Opinião e
Estudo do brasileiro sobre o trabalho voluntário (2014), Levantamento de Estudos sobre o
trabalho Voluntario (2015) e Lições do Prêmio Escola Voluntária. A Pesquisa sobre a
Opinião dos Brasileiros acerca do trabalho voluntário tratou das seguintes questões: o perfil
demográfico da população brasileira; Exercício da Atividade Voluntária; áreas de interesse
para atuação voluntária; Retorno Pessoal ao realizar atividade voluntária; Fontes de
Informação para atuar como voluntário; opinião sobre os responsáveis de promover a
atividade voluntária; Aspectos importantes na decisão de se tornar um voluntário; Disposição
para realização de atividade voluntária, doação em dinheiro e doação de coisas Principais
Resultados.
137
Esse levantamento de estudos sobre trabalho voluntário, feito pela Fundação Itaú
Social, foi realizado em duas direções: o estudo do trabalho voluntário realizado sob a direção
de empresas e o estudo do trabalho voluntária individual. No tocante à ação empresarial
voluntária, o estudo destacou questões apresentadas na bibliografia sobre o tema como, os
efeitos do voluntariado corporativo sobre os empregados, o capital social da empresa e a
percepção dos consumidores em relação à imagem da corporação, bem como sobre a
prevalência dessa prática, seus padrões de implementação e como os resultados são utilizados
pelos administradores da empresa. No tocante ao trabalho voluntário individual, a pesquisa se
baseou em artigos e dissertações que analisaram trabalhos espontâneos que abordaram
questões sobre os determinantes e incentivos das práticas de voluntariado, bem como a
relação do voluntariado com medidas de bem-estar pessoal e ao modelo teórico de alocação
de tempo entre a realização de ação voluntária e a doação de dinheiro (avaliando, assim, o
custo de oportunidade em voluntariar-se).
As pesquisas supracitadas se inserem no rol de iniciativas da Fundação Itaú Social
para sistematizar a ação voluntária empresarial através da definição do público alvo para
exercício da ação voluntaria, definição de metodologia para atração e a permanência desse
trabalhador voluntário nas atividades administradas pelas empresas, e na definição
metodologia de monitoramento do trabalho. Segundo estudo da ONU, o número de pessoas
que exerciam atividades voluntárias chegou a 140 milhões de pessoas e mobiliza cerca de 400
bilhões ao ano. Para Riccomini, diretora da Fundação Itaú Social, os voluntários contribuíam
para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ajudando na redução da
pobreza, no fomento à governança democrática, na promoção de políticas ambientais, na
prevenção e resposta a crises e na luta contra o aumento de doenças como o HIV/Aids.
(RICCOMINI, 2013)
Como já foi dito neste capítulo, há quase quatro décadas a educação foi considerada o
campo prioritário da ação empresarial para a preservar o projeto de dominação. Encontros
internacionais patrocinados por agências multilaterais, como o ONU e o Unicef, entidades
empresariais de todo os mundo e o Banco Mundial expressaram sistematicamente a
importância do investimento em políticas educacionais para assegurar a concertação social,
garantir o controle da violência e o desenvolvimento econômico. No relatório anual da FIS de
138
2016, a Fundação Itaú Social expôs as áreas sociais beneficiadas pelo fundo de Investimentos
em Ação Social holding:
ensino, neste ponto de vista, invocaria técnicas de gestão testadas no mundo empresarial.
Dessa feita, a modernização do sistema foi associada ao enxugamento da máquina pública, de
acordo com o plano de reformas da administração pública, que implicaria na redução do
número de funcionários estatutários no empenho das funções administrativas. Na experiência
em questão, uma nova fórmula de financiamento de escolas públicas foi introduzida, por meio
do Fair Student Funding (Financiamento Justo por Aluno), associando diretamente
investimentos aos alunos suas necessidades socioeconômicas e de aprendizagem. Ainda sob o
ponto de vista da economia de investimento, argumentou-se que cerca de 15 milhões foram
poupados com a descentralização e investidos no sistema de monitoramento e avaliação de
resultados de aprendizado, outra peça-chave da reforma.
Esta experiência remete a outro aspecto da escola, eficiente sob o ponto de vista
hegemônico: a priorização dos investimentos nos setores considerados “vulneráveis” dos
pontos de vista social e educacional. Os baluartes da “reforma” adotaram o conceito
“igualdade de oportunidades” sob a justificativa de atenderem, de forma diferenciada, os
estudantes, levando em consideração as trajetórias individuais, as trajetórias das famílias e as
demandas dos estudantes sem acesso aos níveis básicos de Bem-Estar Social. Este projeto que
se esconde sobre o véu progressista de elevar as massas carentes à cultura escolar, consiste na
adaptação da escola à visão empresarial de que o fundo público precisa reduzir “gastos” com
o atendimento social universal para não prejudicar o desenvolvimento econômico, ofertar uma
formação barata destinada ao trabalho simples e garantir uma formação mínima ao exército
industrial de reservas. As próprias escolas nova-iorquinas passaram a escolher e comprar os
serviços de assessoria que julgavam necessários para atingir as metas exigidas pela secretara.
Uma das três modalidades de auxilio técnico aos diretores foi a contratação de entidades ditas
do Terceiro Setor que, segundo este estudo, apresentavam mais vantagens por competirem
entre si e tratar os diretores como “cliente”. As Áreas de atuação das organizações de apoio
escola eram:
a) auxiliar diretores e equipes a desenvolver planos de ação para melhoria
dos resultados de aprendizado, de acordo com metas de desempenho
estabelecidas;
b) auxiliar escolas a desenvolver programas e serviços que melhorem o
desempenho de alunos com necessidades especiais e alunos que estão
aprendendo inglês;
c) apoiar a escola no desenvolvimento de atividades extracurriculares que
melhorem o envolvimento e sucesso acadêmico dos alunos;
d) auxiliar diretores para atrair, desenvolver e reter professores de qualidade,
que possam melhorar os resultados de aprendizado.
(FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL, 2009, P.31)
141
A avaliação da educação nestes moldes, ressalva o sociólogo francês, pode estimular um tipo
de normalização do ensino, dos conteúdos e dos métodos, tendo em vista que a única
referência para o julgamento do processo educativo seriam os resultados das provas em larga
escola. Sendo assim, adverte o autor que a educação corre o risco de se parecer com uma
criação industrial.
O estudo da Fundação Itaú considerou que a burguesia no Brasil se aproximou da
política de responsabilização por resultados a partir das aplicações dos testes padronizados
aplicados nas escolas, para aferir os níveis de aprendizado dos alunos. Identificou como falhas
na construção e divulgação dos dados, gerados a partir dos testes, que segundo a análise,
regulariam o trabalho de professores e gestores no alcance de metas. Na concepção dos
intelectuais da Fundação Itaú Social, os elementos relevantes da reforma foram a combinação
de incentivos e sanções que supostamente motivariam os professores e diretores a buscarem
melhores resultados:
3.7.5- O Sistema de apoio presencial aos professores: projeto de controle mais eficaz do
trabalho docente
essa metodologia entre técnicos, professores e gestores das escolas. Em 2016, o programa
alcançou as Secretaria Municipal de Educação de Santos (SP): 5 coordenadores de pais em
atuação, 5 escolas participantes, 2.853 estudantes beneficiados, 4 técnicos da secretaria de
educação formados, na Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo: 15 coordenadores
de pais em atuação, 15 escolas participantes, 4 técnicos da secretaria de educação formados,
14.200 mil estudantes beneficiados; na Secretaria Municipal de Educação de Sorriso (MT):
formações aos técnicos da secretaria de educação, mapeamento de demandas das
comunidades escolares; na Secretaria Estadual de Educação de São Paulo: formação de
professores coordenadores de núcleos pedagógicos - Regional de Ensino Sul 2, na cidade de
São Paulo.
3.7.6- A estratégias para conquistar adesão das famílias ao projeto educativo social
liberal
O estudo da Fundação Itaú Social apontou que algumas redes públicas, no Brasil,
começaram a experimentar estratégias para aumentar o envolvimento das famílias, como a
rede municipal de Taboão da Serra, cidade pobre da região metropolitana de São Paulo.
Segundo a Fundação, nesta experiência premiada pela Organização das Nações Unidas
(ONU), a prefeitura passou a pagar R$ 35 para cada visita que os professores fizessem aos
alunos. Eles deveriam visitar todos os estudantes de suas salas pelo menos uma vez por ano.
Outra experiência no Brasil, citada pelo estudo da Fundação, foi o projeto piloto desenvolvido
na grande São Paulo, a partir da parceria entre o Instituto Braudel, a Fundação Itaú Social e a
Secretaria de Educação do Estado. O Programa criou a categoria de “coordenador de pais” em
dez escolas da região leste da cidade. Ao descrever o “sucesso” desta experiência, a Fundação
Itaú Social destacou o êxito e mobilizar os pais para realizar trabalho voluntário na escola.
Os exemplos das escolas nova iorquinas e das escolas brasileiras, selecionados pela
Fundação Itaú Social, também elucidam a tendência de valorização dos “recursos humanos”
extraescolares, no interior da escola pública. No Brasil, essa modalidade de incorporação da
comunidade à escola veio ao encontro dos princípios defendidos pelos movimentos sociais da
década de 1980, que reivindicavam autonomia, participação e gestão democrática. No entanto,
a incorporação dessas bandeiras de luta à agenda de ações dos Aparelhos Privados de
Hegemonia dos empresários e sua adaptação aos interesses do mercado, reforçaram as
soluções denominadas como “sustentáveis”, sem previsão de ampliação dos recursos
financeiros, realizadas em curto prazo para solucionar problemas relativos à violência dos
estudantes e remediar os problemas gerados pelos altos níveis de precarização em que as
escolas públicas foram submetidas.
148
No longo prazo não é tão caro, já que estamos formando o topo de nossa
liderança. Mas na administração pública é um custo muito alto. Por isso
continuamos a buscar apoio do setor privado, pois trata-se de uma causa que
desperta o interesse de empresas que querem investir em educação”,
comenta Eric Nadelstern. Na Reforma de Nova York, a Academia de
Liderança se tornou uma estratégia importante para recrutar novos diretores
entre professores com pouca experiência de gestão, para que rapidamente
pudessem assumir cargos em novas escolas, nos bairros mais carentes. O
mais importante programa da Academia de Liderança é o Aspiring
Principals Program,12 (FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO ITAÚ
SOCIAL, 2009)
A contratação da empresa “academia de lideranças” foi feita pela própria escola interessada,
que ficou incumbida de pagar os serviços com recursos de seu próprio orçamento.
do que é ensinado foi intensificada com avaliações em grande escala, que mensuram apenas
um tipo de conhecimento determinado como fundamental para as novas gerações. A redução
da pluralidade de pensamento, foi induzida com a implantação de um modelo curricular
universal e a formação continuada dos profissionais da escola dentro do prisma liberal. Essa
solução para escola pública, definida no interior do Estado ampliado de diversos países
capitalistas com variados níveis de alinhamento ao projeto social liberal, possibilitou novas
formas de privatização e legitimação dos Aparelhos Privados de Hegemonia das frações
dirigentes como os portadores do remédio e dos instrumentos necessários à modernização das
escolas.
O papel das escolas Charter é estratégico em Nova York porque atua como
catalisador de novas atitudes e ações educativas “As escolas Charter na
cidade de Nova York nos ensinam sobre o que possível fazer na educação
pública. Elas servem uma porcentagem maior de alunos pobres, negros e
hispânicos que a média das outras escolas de nossa rede, e mesmo assim
conseguem um desempenho melhor”, declarou o secretário de Educação Joel
Klein, ao anunciar os resultados das avaliações na rede da cidade. “Estes
resultados são prova de que todas as crianças, independentemente de suas
condições socioeconômicas, podem ser bem-sucedidas se receberem uma
oportunidade”. (FERNANDO BRAUDEL E FUNDAÇÃO ITAÚ SOCIAL,
2009, p.99)
O diagnóstico da crise educacional começou a ser construído nos EUA, no início dos anos
1980. Ao longo das décadas seguintes, um conjunto de reformas variadas foi adotado com
base no consenso construído pelos pesquisadores do campo e da posição rebaixada dos
estudantes nos exames internacionais. Como analisou Sardinha (2013), apesar da crise
educacional estar relacionada à desresponsabilização dos governos pelo provimento da escola
básica pública, as reformas responsabilizam os professores e seus métodos e a rigidez da
estrutura das instituições públicas por esta crise. Essas reformas educacionais se concentraram
151
40
As fundações Robertson Foundation, Robin Hood Foundation, Pumpkin Foundation e Clark Foundation
são as principais financiadoras da New York City Center for Charter School Excellence.
152
42
Vale lembrar que embora a ampliação do Estado brasileiro tenha se intensificado nas últimas décadas do
século XX, a classe dominante brasileira, desde finais do século XIX, já havia desenvolvido diversas redes
associativas com diferentes perfis. Estudos sobre as relações de poder no início do século XIX (Honorato, 1998,
PIÑEIRO, 2003 e VIEIRA, 2014) e início do século XX, (MENDONÇA,1997 e seu conjunto de trabalhos)
comprovam a existência de aparelhos privados de hegemonia de diferentes frações da classe dominante,
anteriores a 1930, com representatividade nacional, e forte atuação política e ideológica.
43
A classe dominante que, na década de 1980, se reorganizou para dirigir o processo de redemocratização da
política brasileira, há muito estava organizada e integrada aos diversos espaços decisórios do Regime militar.
Renê Dreifuss (1987) em seu livro: “A conquista do Estado” lança luz sobre uma grande rede de entidades
empresariais, criadas antes de 1964, que foram dirigidas, influenciadas, ou mesmo financiada por agências norte
americanas. O autor reúne evidencias que comprovam a mobilização racional e sistemática destas organizações
no âmbito do Estado e na sociedade civil, através da preparação cultural e ideológica para conquista efetiva do
Estado. Como salienta Fontes (2010) Dreifuss demonstrou como estes organismos, ainda que não tenham
diretamente realizado o golpe, organizaram e apoiaram, conseguindo imediatamente ocupar os postos centrais do
Estado e reformando-o a partir de seus interesses.
156
Outro fato que marcou de forma estrutural o contexto em que o CENPEC passou investir
incisivamente na gestão educacional dos sistemas de ensino municipais e na formação de
intelectuais para intervir em regiões “vulneráveis” foi a “reforma” gerencial do Estado
brasileiro, iniciada, em 1995, por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado,
via Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare), durante o primeiro
governo de Fernando Henrique Cardoso. Seus dirigentes argumentavam que o intuito da
“reforma” era pôr fim ao Estado burocrático e substitui-lo por um modelo de gestão mais
dinâmico, baseado no público não estatal. Como lembram Macedo e Lamosa (2015), a
recomendação da “reforma” para os países periféricos se integrarem à “globalização” já havia
sido dada pela Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL), no início da
década de 1990. Ainda segundo os autores, na contrarreforma do Estado brasileiro, a
governança democrática teve um valor exacerbado, “por se tratar de uma sociedade em que o
Estado, como um sistema constitucional-legal, deixa de ser mera democracia representativa
para assumir o papel de uma democracia participativa”. (MACEDO e LAMOSA, 2015,
p.363).
Os desdobramentos dessa “reforma” do Estado na educação se verificaram na difusão
de novos modelos de gestão do trabalho escolar e em parcerias público-privadas sob a
justificativa de que as instituições públicas de ensino viviam uma crise que deveria ser
solucionada por um “choque de gestão”. A responsabilidade por este “choque” não deveria se
restringir às agências da sociedade política, devendo ser partilhada por toda a sociedade civil.
Nesse cenário, os empresários, com apoio dos agentes e agências da sociedade política e da
sociedade civil, passaram a se autodenominar salvadores da “escola falida”, com interesse
implícito de dirigir a formação do trabalhador de novo tipo (MACEDO e LAMOSA, 2015).
160
A terceira fase, descrita pelo CENPEC como o momento em que a instituição passou a
“caminhar decisivamente para o alargamento de educação pública como política de Estado”
está ligada ao momento em que o grupo imprimiu seu projeto de “educação integral” na
política federal, por meio do Programa Mais Educação, criado a partir de 2007. Conforme
demonstrou Paixão (2016), este programa federal incentivou a ampliação da jornada escolar,
vinculado ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e foi estruturado em princípios
defendidos pelo CENPEC, pela Fundação Itaú Social e pelo UNICEF.
O início desta “nova fase” do CENPEC também coincide com o período da fundação
do movimento empresarial “Todos pela Educação”, em 2007, do qual Maria Alice Setúbal é
sócia fundadora. Este movimento, considerado a maior expressão da “nova sociabilidade do
capital” (MARTINS, 2009) da atualidade, atua sob a bandeira do direito à educação de
qualidade pautada na aliança entre governo, empresas e organizações da sociedade civil. Com
assessoria especializada de consultores da Universidade de Harvard, o grupo de fundadores
desta organização se mobilizou para reunir empresários interessados no investimento social
em educação. A partir de 2005, o grupo conformou o Pacto Nacional pela Educação, que
abrangia estados municípios, empresas socialmente responsáveis, organização da sociedade
civil, educadores. Para Martins (2009), o TPE é um organismo comprometido com as
estratégias de hegemonia da classe burguesa, que está em luta para afirmar uma perspectiva
restrita de educação para os trabalhadores brasileiros dentro de um novo conformismo. A
bandeira da responsabilidade social é interpretada por Martins (2009) como uma referência
ideológica, articulada politicamente no âmbito do movimento da “direita para o social”, no
trabalho de legitimação do modo de produção capitalista. Compreendemos que a criação do
TPE fortaleceu o CENPEC nesta forma inovadora do obter o consenso na sociedade civil
(MARTINS, 2009) e na transformação do projeto social liberal em política pública.
Através de múltiplas ações, este Aparelho Privados de Hegemonia tem se dedicado à
defesa da ampliação da participação da sociedade civil (organizada e representativa dos
interesses empresariais) nas políticas públicas, à ressignificação do papel do Estado na
sociedade, à defesa da “revolução” das comunicações, à construção da coesão social, à
definição e execução de política de alívio da pobreza para contenção de conflitos sociais,
entre outras. Na edição comemorativa de 20 anos do CENPEC, em 2007, o grupo expressou
alguns destes princípios:
O CENPEC foi reconhecido pelo conjunto de seus aliados e pelos setores da classe subalterna,
que aderiram ao projeto social liberal como aparelho necessário para uma nova forma de
hegemonia do capital, que implicava em adoção de medidas de controle das tensões sociais. A
fundação e ampliação de seu raio de ação ocorreram concomitantemente ao período de
agudização das desigualdades sociais no Brasil que, graças a uma campanha ostensiva,
passaram a ser atribuídas à má gestão do Estado, aos “arcaicos” métodos de administração
estatal, aos excessivos gastos dos governos com as empresas e funcionários públicos. A
identificação das mazelas sociais com a inoperância da aparelhagem estatal, ao mesmo tempo
em que lançava uma cortina sobre os reais motivos do aumento da pobreza e do sucateamento
das agências públicas, sugeria a “estreia” de novos “atores sociais”, ligados organicamente às
frações rentistas e produtivas para gestão privada de recursos públicos e para incidir sobre
“questão social”. Somando-se a outros Aparelhos Privados de Hegemonia, forjados na década
de 1990 por frações da classe dominante para disputar a hegemonia das políticas sociais, o
CENPEC passou a entoar a bandeira da reforma da educação sob os princípios do projeto
social-liberal com o mote de desqualificar e pulverizar os projetos educacionais construídos
pelos movimentos sociais de cunho popular, que rejeitavam a ideia de reforma sob a direção
do capital.
44
Informações extraídas do Livro: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e
Normas Pedagógicas. O ensino de arte nas séries iniciais: ciclo I / Secretaria da Educação, Coordenadoria de
Estudos e Normas Pedagógicas; organização de Roseli Cassar Ventrella e Maria Alice Lima Garcia. - São Paulo
: FDE, 2006.
163
Ministério da Educação e pelo Itaú Leasing. Essa ação pedagógica, restrita inicialmente às
escolas públicas da cidade de São Paulo, oportunizou ao CENPEC dar início a sua função
histórica de organizar diferentes frações da classe dominante em torno do projeto social-
liberal e convencer as frações subalternas de que as premissas para a educação dos estudantes
da classe trabalhadora devem ser oferecidas pelo mundo empresarial por meio da escola
pública.
A construção do consenso em torno da parceria escola/empresa, no meio empresarial,
teve como ponto de partida a pesquisa intitulada: “A Participação do Setor Privado na
Melhoria da Educação Pública no Brasil”. O objetivo declarado do trabalho foi “investigar
os mecanismos existentes para a participação das empresas no processo e melhoria da
educação do país e apresentar propostas para o desenvolvimento de uma política de
cooperação entre empresa, governo e escola”45. O projeto destacou como supostos problemas
crônicos da educação pública brasileira a má gestão e a escassez de recursos, e apresentou
como alternativa, “a implementação de uma política de descentralização do sistema de
ensino” sob o argumento de fortalecer e dar autonomia às unidades escolares, envolver
alunos, professores, pais e comunidade, empresas e associações comunitárias”. Nesse
trabalho, o CENPEC defendeu textualmente que ações empresariais no interior das escolas
públicas deveriam ser realizadas de forma sistematizada:
45
Disponível em: http//www.cenpec.memoria.org. br Acesso em:15/02/2019.
164
46
Extraído do vídeo institucional” CENPE-25 Anos”.
166
O kit distribuído foi dividido em oito fascículos, organizados pelos seguintes eixos
temáticos: 1.A Escola e sua Função Social; 2. Gestão, Compromisso de Todos; 3. Trabalho
Coletivo na Escola; 4. Projeto de Escola; 5. Ensinar e Aprender; 6. Como Ensinar: Um
Desafio; 7. A Sala de Aula; 8. Avaliação e Aprendizagem. Juntamente com os livros, foram
distribuídos oito cartazes com os temas dos fascículos (“juntar forças para construir uma boa
escola”, “Afinal, para que serve a repetência?”, “Com o currículo nas mãos” e “Os olhos no
mundo”, etc. (BOMENY, 1998). De acordo com Bomeny (1998), em março de 1995, o
programa foi oficialmente lançado, em um evento realizado no Museu da Casa Brasileira, em
São Paulo. O evento inaugural contou com a presença de personalidades da sociedade política
e da sociedade civil, tais quais, do ministro da Educação e do Desporto, dos secretários de
educação dos estados de São Paulo, Ceará, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, do
representante do UNICEF no Brasil, do presidente do Banco Itaú, da diretora presidente do
CENPEC e de mais de 300 convidados entre autoridades, educadores, empresários e
jornalistas. Na cerimônia, foram distribuídos 32 mil conjuntos da publicação para secretarias
municipais e estaduais.
Compreendemos esta avaliação positiva da Fundação ITAÚ Social sobre o Programa
Raízes e Asas como parte da tática da tríade CENPEC/ITAÚ/UNICEF de convencer as
frações burguesas de sua capacidade de auxiliar na promoção da “nova pedagogia da
hegemonia” (NEVES, 2005). Nesse sentido, o aval do banco ao programa Raízes e Asas
serviu como selo de garantia do trabalho do CENPEC, demonstrando aos demais empresários
que a instituição estava apta à incidir sobre a escola pública brasileira. A construção da
hegemonia junto às organizações sociais que incidem sobre a “questão social” foi fortalecida
a partir de um conjunto de ações, elaboradas pelo CENPEC com vistas a multiplicar o número
de intelectuais difusores de sua pedagogia no interior da escola pública. O Programa Ação e
Participação é um exemplo desse movimento em direção ao “terceiro Setor”. O Programa foi
criado em 1995 e está dividido em dois trabalhos: 1) o Prêmio ITAÚ- UNICEF, que consiste
na premiação e encontros regionais de formação; 2) produção de publicações, pesquisa e
comunicação.
Conforme indicam na descrição do projeto, que ainda está em plena atividade, o
Prêmio Itaú-Unicef é dirigido à “ONGs” de todo o país que contribuem para a educação
integral de crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos, em condições de vulnerabilidade
socioeconômica, desenvolvendo atividades socioeducativas em horários alternados ao escolar.
O Prêmio compõe-se de duas ações articuladas: premiação nos anos ímpares e formação nos
anos pares. São premiados projetos com pelo menos um ano de atividade comprovada e que
167
47
Disponível em http//www.cenpec.memoria.org.br acesso em: 15/02/2019.
168
Problemas Soluções
Fonte: CASTRO, C.M; CARNOY, M. Como anda a reforma da educação na América Latina? Rio de Janeiro
FGV, 1997.
Incidência na Mídia
No total, o Cenpec contou com 790 inserções na imprensa em 2015. Entre os
temas com maior inserção estiveram:
Base Nacional Comum Curricular – 199 inserções
Reorganização da Rede Estadual de Ensino – 65 inserções:
Principais veículos:
Jornal da Gazeta – entrevista com Maria Alice Setubal
Jornal da Record News – entrevista com Cláudia Petri
Programa Repórter SP (TV Brasil) – entrevista com Anna Helena
Altenfelder.” (CENPEC 2015, p, 41)
Além de ocupar espaços em jornais de grande circulação, o CENPEC também busca incidir
sobre os intelectuais do campo da comunicação, visando formá-los dentro dos princípios do
projeto social-liberal. Como evidência desta ação, destacamos o projeto dirigido pelo
CENPEC, a partir de 1999, que culminou no Fórum Mídia e Educação reunindo em São
Paulo, 150 jornalistas, professores, representantes de governo e de “ONGs” para discutirem a
qualidade da cobertura dedicada à educação nas mídias. O evento foi realizado em parceria
com o Ministério da Educação (MEC), com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância
(ANDI), o Conselho Nacional de Secretários da Educação (CONSED), Fundo de
Fortalecimento da Escola, Instituto Ayrton Senna, Núcleo de Estudos de Mídia e Política da
Universidade de Brasília (UNB) e o UNICEF, com patrocínio e apoio do Banco do Brasil,
Fundação Orsa, da Fundação Roberto Marinho, do Governo de São Paulo, do Sindicato das
Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior de São Paulo e da Revista
Imprensa.
O “Fórum Mídia” e Educação forneceu subsídios para a publicação do CENPEC,
editada em 2001, intitulada Fontes em Educação- Guia para Jornalistas, composta por 280
fontes e mais 100 periódicos e sites em que discutem questões como sistema de avaliação,
financiamento, atividades complementares à escola, formação de professores, merenda
escolar, gestão e estrutura educacional, etc. O fórum também gerou a publicação “Mídia e
Educação: perspectiva para a qualidade da educação”. O cuidado do CENPEC com a
imprensa demonstra a visão tática da instituição de que os jornais são aliados decisivos para a
criação do senso comum. A publicação supracitada sobressalta a compreensão, compartilhada
por nós, de que o jornalismo, além da função informativa, possui a função formativa. Gramsci
(2001) considera a atividade jornalística como atividade militante, direcionada ao processo de
crescimento político. Partindo desta premissa, o intelectual sardo aponta a necessidade do
partido da classe trabalhadora criar sua própria “escola de jornalismo”.
172
da instituição sobre os temas abordados por meio de outras mídias. A instituição controla um
portal na internet que tem o objetivo assumido “irradiar o conhecimento produzido por meio
de seus projetos e influenciar o debate político sobre seus temas de atuação”. Este site
também divulga as ações do CENPEC em redes, movimentos e fóruns. O aparelho de
hegemonia também fortalece suas estratégias de divulgação e mobilização nas redes sociais.
Entre 2011 e 2012, contabilizou um aumento do número de “amigos” de 64, 3%, saltando de
3.265, em 2011, para 5.074. Igualmente ocorreu com o número de seguidores do CENPEC no
Twiter, o qual registrou o aumento de mais de 64,5%. O CENPEC também ocupa um canal na
rede social Youtube, onde exibe gravações, vídeos de projetos institucionais, gravações de
programas e entrevistas.
No ano de 2012, os temas mais abordados nas redes sociais do CENPEC foram: “135
matérias de educação, 11 matérias de cultura, 12 matérias a respeito da mobilização e 8
matérias sobre tecnologias de Informação e Comunicação, 7 matérias sobre sustentabilidade,
11 matérias sobre a juventude, 10 matérias institucionais.” (CENPEC, 2012, p.37). Nesse ano
em que a instituição comemorou de 25 anos da fundação, teve início um processo de
elaboração de diretrizes para a gestão estratégica da instituição, definindo quatro perspectivas
articuladas: a) sustentabilidade financeira; b) relacionamento com diversos públicos; c)
aprendizado; d) crescimento institucional e processo interno. Com vistas a dinamizar o
trabalho interno do grupo e multiplicar o seu potencial enquanto instrumento de educação
política, o CENPEC elaborou um mapa estratégico com metas e indicadores que passariam a
balizar o plano de ação dos cinco anos seguintes:
Nesse mesmo documento, o CENPEC explicitou as bandeiras prioritárias que orientariam sua
atuação técnica e política:
1. A Educação Integral é uma educação que articula atores, espaços e
saberes promove o desenvolvimento integral da criança e do adolescente; 2.
174
O CENPEC, por meio de estratégias bem definidas, alianças táticas com outros
Aparelhos Privados de Hegemonia e formação de intelectuais, tem conseguido inserir suas
concepções na agenda da reforma educacional no Brasil. A longevidade na representação dos
interesses empresariais, dentro do bloco no poder que define e redefine políticas sociais,
também é marca de seu êxito na tarefa de sedimentar a ideologia social liberal. Seu
reconhecimento na sociedade como agente “influenciador” de políticas públicas está
relacionado a sua capacidade atrair e organizar diferentes camadas de intelectuais de modo a
imprimir uma imagem aparentemente distante, tanto do Estado estrito e seus “arcaísmos”
burocráticos, quanto do mercado com seu objetivo fulcral pelo lucro, conforme analisaremos
a seguir.
Assessoria de
Coordenação de Coordenação
Desenvolvimento
Documentos e Administrativa
Metodológico
Informação
Gerência de Gerência de Gerencia de
Projetos Projetos Projetos
NacionaisCo Locais Apoiados
Logístico
C
organizar a massa de homens e agir politicamente em assuntos que não estão estritamente
ligados ao campo econômico.
No decorrer da pesquisa, ao tomar o Estado Ampliado como ferramenta teórica, mas,
sobretudo, metodológica, foi elaborado um quadro com os intelectuais orgânicos dirigentes do
aparelho privado de hegemonia. Este quadro foi produzido a partir das informações contidas
no Relatório de 2016, demostrando um Conselho Administrativo composto majoritariamente
por professores universitários que ocupam cargos em outros aparelhos da sociedade civil, da
sociedade política e em alguns casos, também possuem assentos em organismos
internacionais:
Quadro 11: Conselho Administrativo do CENPEC em 2016
N o me Atuação em outros Atuação Aparelhos Organismos
aparelhos da Sociedade da sociedade politica Internacionais
Civil
Maria Alice Presidente da Fundação Ministério da UNICEF (1992-
Setúbal Tide Setubal; Conselheira Educação 1995-1996 1993/19971998
do Instituto Democracia e Banco Mundial 1992
Sustentabilidade(IDS) e da
Rede de Ação Política pela
Sustentabilidade (RAPS),
Social Fundadora do
Movimento Todos Pela
Educação
Benedito Professor e pesquisador na Representante da Tem realizado
Rodrigues dos Universidade Católica de Secretaria Nacional de consultorias de longa
Santos Brasília, no Programa de Promoção dos Direitos duração para
pós-graduação em da Criança e do organismos das Nações
Psicologia. Adolescente Unidas, Fundo das
(SNPDCA), órgão da Nações Unidas para
estrutura da Secretaria Infância UNICEF-
Direitos Humanos da Brasil e organizações
Presidência da não-governamentais
República. (2008- internacionais como a
2010), Coordenação Childhood Brasil
da Comissão
Intersetorial Direitos
Convivência Familiar
e Comunitária(2008-
2010)
Bernardete Diretora e Vice Presidente Membro do Conselho Consultora da UNICEF
Angelina Gatti da Fundação Carlos Estadual de Educação para assuntos de
Chagas em São Paulo educação básica (1991-
1996); Consultora da
UNESCO – Brasil
(2008-2013)
Daniel Cara Doutorando da USP Membro do Fórum Comitê Diretivo da
Coordenador geral da Nacional de Educação Campanha Latino
Campanha Nacional pelo Americana de Direito a
Direito à Educação Educação
Figura 1 Dados Extraídos da Plataforma Lattes e da página eletrônica do CENPEC e do Movimento Todos Pela
Educação http://www.todospelaeducacao.org.br/ acesso em: 13/02/2017
49
Após se afastar do conselho em 2016, Daniela Cara filiou-se ao PSOL e candidatou-se ao cargo de Senador do
Partido Socialismo e Liberdade nas eleições de 2018.
181
Com exceção de Maria Alice Setúbal, então presidente, nenhum dos conselheiros tem origem
empresarial, apesar de se constituir em um Aparelho de Hegemonia do conglomerado Itaú-
50
LATTES, acesso em 21/02/2017
51
Cif Entrevista
183
Unibanco. O fato de seu conselho administrativo não ser composto por representantes direto
desta entidade, no entanto, não representa uma contradição. Uma das características mais
marcantes de todo o grupo que se desenvolve na direção de domínio, segundo Gramsci
(2002), é a luta pela assimilação e conquista “ideológica” dos intelectuais tradicionais. De
acordo com o marxista, estes intelectuais “preexistentes” se apresentam como figuras de uma
continuidade histórica interrupta que não é questionada nem pelas mais complexas e
imediatas mudanças sociais e políticas. (LIGUORI E VOSA, 2017, P432)
Consideramos que a estratégia de nomear intelectuais identificados com a
universidade brasileira para o Conselho Administrativo contribui para o êxito da entidade na
promoção da ideia que seus projetos estão em consonância com a produção cientifica e
atendem exclusivamente as demandas sociais. Estes intelectuais, ligados organicamente ao
CENPEC, gozam de autonomia relativa em relação aos interesses materiais das frações que
dirigem a entidade. Os projetos encampados por eles, por dentro e por fora do CENPEC,
geram credibilidade da entidade perante aos investidores financeiros e garantem seu
reconhecimento junto a sociedade. A inserção destes intelectuais em agências de fomento à
pesquisa, públicas e privadas, também contribui a assimilação de outros intelectuais alinhados
à matriz ideológica que orienta os trabalhos dirigidos pela entidade. A participação em
agências da sociedade política, como ministério e secretarias é fundamental para a
materialização dos projetos. O quadro de associados da entidade também aponta a relação
entre o CENPEC e estes intelectuais tradicional, as empresas e aparelhos responsáveis pela
pedagogia política da hegemonia (NEVES, 2005).
De acordo com o Estatuto Social, para tornar-se membro do quadro social, as pessoas naturais
ou jurídicas devem concordar com o Estatuto e expressar em sua atuação dentro do CENPEC
185
e fora dele, os princípios nele defendidos: ter idoneidade e reputação ilibada e ter sido
recomendado por outro associado. Os associados devem colaborar com o CENPEC, cumprir o
Estatuto e acatar com deliberações dos órgãos do CENPEC.
A análise sobre o quadro de intelectuais do CENPEC nos permitiu identificar que oito,
dos vinte nomes arrolados, são professores universitários, 10 representam instituições e
fundações ligados a interesses empresariais e 2 estão diretamente ligados às atividades
financeiras do conglomerado Itaú-Unibanco: Reginaldo José Camilo e Maria Grosbaum.
Reginaldo José Camilo é membro da Comissão de Integração e Controle do Itaú, responsável
pela definição de programas, projetos e critérios para investimento. A comissão também é
responsável pela análise dos resultados das atividades da Fundação Itaú Social. Maria
Grosbaum é gerente de conteúdo do Instituto Unibanco. Este instituto foi fundado em 1982 e
atualmente, é uma das instituições responsáveis pelo investimento privado do conglomerado
Itaú-Unibanco, cujo foco das ações é na escola pública brasileira. A presença dos
representantes do conglomerado Banco Itaú–Unibanco, responsáveis pelo investimento social
desta empresa, comprovam que a relação de autonomia e distinção entre o CENPEC e o grupo
empresarial é apenas relativa. O conglomerado é o principal parceiro financiador dos projetos
dirigidos pela CENPEC desde a fase inicial de investida no debate e ação sobre as questões
sociais.
Além dos associados propriamente ditos, o Estatuto Social prevê outra modalidade de
sociedade: de acordo com o artigo 8º, a pessoa natural e jurídica que, identificando-se com os
princípios e valores do CENPEC, queira colaborar com o seu trabalho para a consecução dos
objetivos sociais da entidade sem associar-se, podendo atuar como Colaborador Voluntário.
O estatuto também prevê a modalidade de contribuinte eventual. Esta categoria, definida
como Contribuinte Voluntário, não precisa se associar a entidade podendo colaborar pontual,
esporadicamente ou regularmente para consecução dos objetivos da entidade. Apesar de estar
localizada na cidade de São Paulo, sua ação não se restringe à realização de programas nesta
região. Ao longo dos anos, a entidade ampliou seu número de projetos, seu raio de ação e se
fortaleceu na disputa com outras entidades pela impressão dos interesses de seus
representados nas políticas educacionais e assistencialista. Na atualidade, o CENPEC
organiza um conjunto bastante diverso de associados na sociedade civil, incluindo frações da
classe dominante, como bancos, indústrias, empresas de telecomunicações e fundações
empresariais, e frações da classe “subalterna”, como associações comunitárias e a Central
Única dos Trabalhadores (CUT). Entre seus “parceiros”, o CENPEC inclui agências da
sociedade política, como o Ministério da Cultura, o Ministério da Educação e o Ministério da
186
Indústrias de
Calçados e
Vestuários de
Franca e Região
(SP)
Sociedade Itaúsa ------------
Amigos de Bairro
do Jardim
Horizonte Azul e
Vila do Sol (SP)
O GIFE, segundo Martins (2009), procura unificar esforços e orientar ações comuns de
grandes grupos empresarias atuantes no país, imprimindo uma marca ideológica única,
identificada com os preceitos da nova pedagogia da hegemonia, contribuindo para o processo
de afirmação do novo padrão de sociabilidade.
O Instituto ETHOS foi criado, em 1998, por um grupo de empresários, com a
finalidade de criar uma nova mentalidade empresarial sobrea relação entre economia e
política, tendo o social como a questão prioritária (MARTINS, 2009). A entidade se identifica
como “um polo de organização de conhecimento e troca de experiência e desenvolvimento de
ferramentas para auxiliar as empresas a analisar sua prática de gestão e aprofundar seu
compromisso com a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável.” (ETHOS,
191
A holding Itaú Unibanco, por meio de seus Aparelhos de Hegemonia, tem sido uma
das principais formuladoras e difusoras do projeto hegemônico de educação de tempo integral
no Brasil. O presente capítulo analisa o processo que levou da holding ao lugar de definidora
e redefinidora da políticas de educação de tempo integral, imprimindo seu ponto de vista
sobre “educação integral” na agenda pública, em nível nacional. A concepção de “educação
integral” 53 trabalhada pela fração do capital financeiro reúne princípios comuns aos
fundamentos do projeto ideológico social liberal, tais quais: a reconfiguração do papel do
Estado, a sistematização das “ações sociais” empresarias, o estímulo à “nova cultura do
voluntariado e a avaliação dos programas. Não esteve entre os nossos objetivos comparar os
diferentes modelos de ampliação do tempo escolar na história, tampouco avaliar as nuanças
entre os conceitos que embasam os programas que caminham neste sentido. Nosso mote foi
entender o modelo de educação de tempo integral, defendido pela holding Itaú-Unibanco,
para o tema. Neste sentido, consideramos relevante rastrear os caminhos da construção do
conceito de “educação integral” que tornou-se referência para a política nacional de
ampliação do tempo escolar, materializada do Programa Federal Mais Educação, a partir de
2007.
Ao considerar a educação como campo estratégico para a restruturação produtiva, a
holding Itaú Unibanco tem vocalizado a necessidade de aumentar o tempo diário da escola
para populações ditas vulneráveis, com a finalidade de promover a cultura da paz, da
cidadania e o desenvolvimento econômico, sem vincular este projeto ao debate sobre a
ampliação do orçamento da educação pública do país. Os aparelhos da holding defendem um
modelo de “Educação Integral” descentralizado, estruturado no trabalho voluntário e não
realizado exclusivamente pela escola. Este projeto, que hoje hegemoniza as políticas públicas
sobre o tema, tem sido organizado em torno de duas principais justificativas: a escola precisa
criar estratégias para garantir a permanência na escola de jovens e criança sem situação de
“vulnerabilidade” e para tornar seu currículo mais interessante estes estudantes.
Apesar de não ser recente, o debate sobre o aumento do tempo escolar vem ganhado
centralidade no conjunto de estratégias definidas internacionalmente para assegurar a
53
Segundo Lavinas, há 8 definições sobre o que é a Educação Integral: a) formação do homem integral; b)
preparação para a vida; c) formação integral; d) princípio organizador do currículo escolar; e) produto do
desenvolvimento de temas geradores; f) escola de tempo integral; g) articulação dos diferentes agentes sociais; h)
direito à aprendizagem. Pra maiores detalhes, ver Bairro Escola: Inovação na Estruturação da Rede de Proteção
Local em Nova Iguaçu. Relatório Parcial I, Coordenação-geral Lavinas L., 128 páginas, março de 2008, pág. 19
a 23.
196
restruturação produtiva. No início da década de 1990, dois grandes eventos, organizados pelas
entidades que compõem as Organizações das Nações Unidas (ONU) e pelo Banco Mundial
tornaram-se referências para as reformas educacionais: a Conferência Mundial Educação Para
Todos, realizada em Jomtien (1990), e a Conferência das Cidades Educadoras, realizada em
Barcelona (1990).
O presente capítulo está dividido em três partes. No primeiro bloco, analisamos a
construção da agenda de ampliação da jornada escolar no interior da Fundação Itaú Social e
no CENPEC e a disputa pelo conceito de “educação integral” desenvolvida a partir da década
de 1990, após a definição dos consensos internacionais que elegeram a educação como campo
estratégico para recuperação do crescimento econômico e estabilidade política. No segundo
momento, investigamos as ações e os fundamentos do capital financeiro para influenciar e
promover as políticas de ampliação do tempo escolar em todo território nacional. No terceiro
bloco, analisamos a influência do CENPEC e da fundação Itaú Social na formulação,
reformulação e difusão da política pública federal de fomento à ampliação da diária escolar,
materializada no Programa Mais Educação.
Este consenso apontou para a satisfação das necessidades básicas das crianças e
jovens, incorporando uma nova perspectiva de aprendizado. Além da leitura, escrita,
expressão oral, calculo, etc, a escola deveria se preocupar com conteúdos considerados
básicos para os estudantes sobreviverem, melhorarem sua qualidade de vida, trabalharem com
dignidade, participarem do desenvolvimento, tomarem decisões fundamentais e continuarem
aprendendo, enriquecerem valores culturais e morais comuns. Para ampliar a educação, o
documento final produzido pela conferência orientou os países signatários a promoverem, da
maneira que lhes fossem mais adequada, cinco ações: universalizar o acesso à educação e
promover a equidade; concentrar a atenção na aprendizagem; ampliar os meios e o raio da
educação básica; proporcionar um ambiente adequado para a aprendizagem; fortalecer
alianças.
. O conjunto de medidas propostas no plano de ação apontou para a ampliação da
escola sem, no entanto, prever o aumento do número de vagas disponíveis nas redes de
ensino. Antes da criação de novas instituições, os países deveriam “construir sobre os
esquemas de aprendizagens existentes, reabilitar as escolas deterioradas, aperfeiçoar a
capacidade e as condições de trabalho do pessoal docente e dos agentes de alfabetização, pois,
segundo o plano de ação, estas medidas seriam mais rentáveis e produziriam resultados mais
imediatos que os projetos iniciados a partir de zero (DECLARAÇÃO MUNDIAL SOBRE
EDUCAÇÃO PARA TODOS, 1990). As orientações também apontavam para o aumento de
trabalhadores na escola, por meio da adesão voluntária de grupos ou da comunidade,
sugerindo a incorporação de temas currículos escolares, que contribuíssem com a qualidade
de vida como nutrição, saúde, combate a Aids e para a cultura da paz. As ações deveriam
basear-se na premissa do diálogo entre múltiplas agências do governo, da “sociedade civil”
organizada e do mercado.
Em 1999, diversas entidades ligadas aos movimentos empresariais, representantes do
governo brasileiro e pesquisadores do campo da educação apresentaram a avalição dos
resultados da Conferência de Joimtien no Brasil, destacando mudanças no modo de formular e
executar a política brasileira. Em relação ao novo papel do Ministério da Educação, Maria
Aglaê de Medeiros Machado, Consultora do Conselho Nacional dos Secretários de Estado da
Educação (CONSED) destacou:
54
O PNE foi uma contraproposta do bloco no poder ao Plano Nacional de Educação, que ficou conhecido como
PNE proposta da Sociedade Brasileira, elaborado conjuntamente por cientistas, entidades acadêmicas,
estudantis e sindicais representantes de entidades ligadas aos movimentos sociais, em nível nacional e local, e
parcela da sociedade política , com base em principio opostos aos que foram impressos no PNE apresentado pelo
MEC.
200
55
A referida Carta foi ratificada em novo encontro internacional, ocorrido em Gênova, Itália, em 2004, quando
foi organizado o Movimento das Cidades Educadoras, cuja carta de princípios propôs a formação de uma rede
social educadora.
201
Algumas temáticas apontadas neste estudo seriam aprofundadas em múltiplos programas que
foram desenvolvidos pelo grupo Itaú, a partir da década de 1990. Sob o argumento de
202
56
A metodologia de ensino ativa, que caracterizam o movimento escolanovista, ou a escola ativa afirma-se como
contraponto da pedagogia tradicional, dando destaque ao aluno como protagonista do processo de construção do
conhecimento. Neste paradigma o aluno é o principal agente responsável pela sua aprendizagem. Este
movimento que nasceu ao final do século XIX compreende a educação enquanto um instrumento de correção
da” marginalidade”, ou seja, enquanto fator de equalização social que cumpre a função de ajustar, de adaptar os
indivíduos à sociedade.
203
57
Em 1995 os grupos Itaú e Unibanco ainda não haviam fundido os empreendimentos bancários.
204
A segunda lição nos mostra que não basta trabalhar apenas do lado da oferta
das vagas da educação básica. O desafio agora é qualificar a demanda. A
noção corrente em nossa sociedade é de que o direito a educação consiste em
vaga na escola. Devemos fazer ver a todos os nossos patrícios que o direito à
educação é muito mais que vagas na escola. O novo nome do direito à
educação deverá ser ingresso, regresso, permanência e sucesso de todas as
crianças na escola. (Idem, 1995, p.12)
Sobre a organização do espaço e dos materiais, o Guia assegurava aos dirigentes municipais
que o programa de ações complementares para alunos “desfavorecidos” fosse feito em
pareceria com a comunidade local, evitando gastos com investimentos em infraestrutura:
Premio Itaú
Seminário Unicef
Guia de Ações
Tecendo redes Gestores de Complementares à 1995
para a Educação
Fonte: Aut Aprendizagem escola
Integral Socioeducativa 1995
1995
2006 2001
207
Como já foi dito, o prêmio Itaú Unicef é um dos mais importantes e mais longevos
projeto do programa Educação e Participação. O Prêmio ampliou a capacidade do capital
financeiro em identificar e trazer para seu campo-ação um número expressivo de “ONG’s que
desenvolviam projetos socioeducativos em escolas públicas. Entendendo a ampliação de
tempo escolar como a chave para consolidar a “ação social empresarial” no interior da escola
pública brasileira o grupo Itaú, antes mesmo da fusão com o banco Unibanco, investiu em
mais esforços para estreitar a aliança com as “ONGs” e conformar seus integrantes e seus
gestores dentro de seu projeto. Ao final da década de 1990, o CENPEC produziu uma série de
dirigidos às organizações ditas do ‘Terceiro setor”: ONG sua função Social (1997), ONG:
tendências e necessidades; ONG, Nós, você e sua equipe (1998); ONG parceira da escola
(1998); ONG sua ação mobilizadora, ONG: Identidades e mutações (1999), ONG: espaços
de convivência (1999), ONG: Parceira da família, ONG e esportes: a cidadania entrando em
campo, ONG: a arte ampliando possibilidades (2000).
Para Paixão (2016, p119), a fase em que o CENPEC trabalhou com foco na ação
complementar à escola corresponde ao momento em que a política do Governo de Fernando
Henrique Cardoso concentrou-se na priorização do ensino Fundamental, visando ampliar a
permanêcia das crianças e adolescentes na escola para reverter o quadro de exclusão
educacional desta faixa etária, seguindo as orientações da conferência de Joimtien (1990).
Para a pesquisadora, a ação do CENPEC foi complementar a esta política de combate a
evasão escolar. A partir dos anos 2000, o grupo Itaú e, posteriormente, a holding Itaú
Unibanco passou a denominar seu projeto para a disputa da ampliação da escola pública
brasileira de “educação integral”. Neste ínterim, o Premio Itaú Unicef tornou-se o principal
canal de difusão do projeto pedagógico do grupo Itaú, como definem em um de seus materiais
de divulgação do projeto:
dos “agentes educadores”, garantindo uma ligação orgânica desses voluntários com projeto de
educação do grupo. O Projeto Gestores da Aprendizagem Socioeducativa entrou em fase
experimental, em agosto de 2002, até setembro de 2003. A primeira formação ocorreu no
município de São Paulo e no estado de Goiás, onde envolveu dez municípios. Posteriormente,
o projeto avançou para as cidades metropolitana de Curitiba e Belo Horizonte e para o estado
de São Paulo. Em 2003 o projeto contemplou também a formação de técnicos do poder
público. Após difundir seu projeto para expansão do tempo escolar entre os agentes da
política educacional, o grupo Itaú compreendeu que para disputar a direção da política
pública, em nível nacional, era necessário disputar a hegemonia sobre a concepção de
“educação integral” também no meio acadêmico.
Em 2003, a Fundação Itaú Social, o UNICEF e o CENPEC, através do Programa
Educação e Participação, publicaram o livro Muitos lugares para Aprender (2003), composto
por uma coletânea de textos escritos por intelectuais orgânicos do projeto educativo do capital
financeiro e intelectuais convidados, que, de certa forma, aproximavam-se da perspectiva de
“educação integral” defendida por eles. Os artigos selecionados incidem sobre o debate de
ações complementares à escola, alinhando de maneira mais direta, a concepção de proteção
social à aprendizagem e de educação para além do espaço e dos profissionais da escola. Na
apresentação do livro, cada uma das instituições destacou sua mobilização pela ampliação do
tempo escolar, dentro desta perspectiva que resinificou o conceito de educação integral, ao
longo da década de 1990. Apesar de estarem organicamente ligadas por laços familiares, pela
fonte de investimento financeiro e por defenderem o mesmo projeto societário, os aparelhos
Fundação Itaú Social e CENPEC reafirma-se como instituições distintas e autônomas,
interessadas na melhoria da educação e da qualidade de vida das crianças e dos jovens. O
livro reuniu os seguintes trabalhos:
cultural dos estudantes. Conforme lembra Laval (2004), o projeto parte do que é de interesse
imediato dos estudantes em função de seus meios, sua condição de vida, de seus desejos, de
seus destinos profissionais. Assim como em outros trabalhos desenvolvidos pela tríade
CENPEC/ Itaú/UNICEF, Guará (2003) apontou a educação “integral” das crianças e através
da integração entre a escola e outros espaços, como desfio dos novos tempos:
Na seção que aborda o público alvo das ações complementares, a equipe de comunicação e
comunidade do CENPEC destacou os critérios para escolha das escolas e dos estudantes:
Nesta perspectiva, a escola deve ser o esteio de toda a comunidade, que privada de
condições básicas de sobrevivência, encontra na escola o apoio para amenizar os efeitos da
pobreza. A escola foi (e ainda é) uma instituição pública utilizado para o atendimento “a
conta-gotas” das demandas sociais, como pondera Algebaile (2013). Não se pretende negar
que a escola possui uma função social para além de sua função prioritária de formar as novas
gerações a partir da difusão dos conhecimentos socialmente produzidos pela humanidade. No
entanto, compreendemos que a concepção corrente sobre a função social da escola tem
transformado esta instituição no centro de referência para realização de políticas sociais com
caráter universal e compreendidas como direito social e que não podem ser realizadas como
arremedos. A redefinição do papel social da escola, portanto, está em estreita sintonia com o
debate sobre redefinição do “Estado Providencia” (ROSAVALLON, 1998) que ao mesmo
213
tempo em que reconhece a importância do Estado para promover a coesão social, propõe sua
reconfiguração com vistas a envolver a sociedade e diminuir “despesas” com políticas sociais.
A dimensão afetiva do trabalho pedagógico foi considerada estratégica para inclusão dos
alunos “vulneráveis” à escola. Defendendo a ideia de que a escola é reconhecida por mães e
estudantes pobres como fonte de sentimentos negativos e, ao mesmo tempo, como única
esperança de tirar as crianças das ruas, a socióloga Bader Bulhan Sawai sublinhou a
“pedagogia do afeto” como método eficaz contra a banalização do sofrimento do estudante
em situação de “exclusão social”:
A categoria “sofrimento ético político, criada pela autora, vem sendo usada para
explicar o sofrimento de ordem estrutural e não individual, proveniente de desajustamentos e
desadaptações, mas um tipo de sofrimento determinado exclusivamente pela situação social
da pessoa. Embora faça críticas às políticas que aprofundaram a exclusão social em nome da
inclusão nas escolas, a autora contribui com seu arcabouço teórico para valoração do projeto
que superdimensiona a dimensão emocional em detrimento da dimensão racional. Apesar de
demonstrar cautela para evitar o que chama de “política da felicidade e da autoestima” e
apostar no estímulo a uma vontade de ação coletiva e o desejo de liberdade e felicidade
públicas, a autora aponta que o educador, em parceria com as “ONG’s”, deve priorizar a
educação por meio da afetividade:
Esta forma de compreender a aprendizagem, que hoje hegemoniza o debate sobre ensino e
aprendizagem e está no centro do projeto de ampliação do tempo da escola, estabelece uma
hierarquia valorativa na qual aprender sozinho está em um nível mais elevado do que a
216
Ulisses F. Araújo, professor da Universidade de São Paulo e Ana Maria Klein, mestre pela
mesma universidade, autores de um dos artigos desta edição temática, escrevem sobre a
importância da escola dedicar-se ao ensino de competências para formar a cidadania integrada
nos estudantes. O currículo escolar oferecido nas escolas, dividido em disciplinas como
ciências, língua, matemática, história, física, geografia, e artes não seria suficiente para a
formação ética e moral das furas gerações (ARAUJO, KLEIN, 2006). Nesta lógica, a escola
deveria fornecer as condições para que os alunos desenvolvessem capacidade dialógica,
tomassem a consciência de seus sentimentos e emoções e das demais pessoas e, por fim,
desenvolvessem autonomia para tomar decisões em situações conflitantes. Os estudantes
deveriam aprender com a escola a se comprometer com o que acontece na vida coletiva do
país. A proposta educativa pautada na formação da cidadania integrada deveria abarcar quatro
grandes eixos temáticos que, de acordo com os autores, configuram os campos principias de
preocupação da ética e da democracia: ética, convivência democrática, direitos humanos e
inclusão social. Estes quatro eixos temáticos trariam aspectos da vida social para o currículo
escolar e exigiriam a integração entre escola-comunidade. Esta parceria só seria consolidada
com o uso dos recursos disponíveis na cidade, de acordo com princípios definidos no
encontro Cidade Educadora, em Barcelona no ano de 1990. Das diretrizes definidas no
encontro os autores destacam quatro princípios:
Os autores reafirmam neste atrigo que os assuntos da escola não podem pertencer
exclusivamente à comunidade escolar. Nesta perspectiva, todos são educadores e aprendizes e
as barreiras entre a educação formal e informal devem ser suplantadas. A ampliação da escola
não necessitaria de aumento de recurso e sim, da abertura de seus muros para explorar o seu
entorno:
Tomando por referência discussões como estas, acreditamos que estudar
formas de ampliação dos espaços educativos, rompendo os limites físicos
222
dos muros escolares, pode ser um bom caminho para uma educação em
valores éticos e democráticos, que visam a cidadania. Reforçar a importância
da articulação entre sujeito e cultura/ sociedade na construção da cidadania e
de relações mais justas e solidárias no seio da comunidade onde cada um
vive, pode indicar possibilidades para o desenvolvimento de ações
educativas que levem a uma reorganização da escola na forma em que está
estruturada, tanto do ponto de vista físico quanto pedagógico.
Dessa maneira, embora trabalhemos com a ampliação dos espaços
educativos, incorporando os recursos da cidade e prioritariamente do entorno
da escola no desenvolvimento de projetos que contemplem a comunidade
como espaço de aprendizagem, o centro das ações continua sendo a escola.
Essa instituição, com seu papel social de instrução e formação das novas
gerações, é que possui os educadores capacitados ao exercício profissional
da educação. (Idem, p.124)
Em nosso ponto de vista, a escola não foi dispensada desta formulação por reunir um
grande número de estudantes custeados integralmente pelo fundo público, por já possuir as
instalações, mesmo que inapropriadas para o exercício das atividades e por reunir
trabalhadores assalariados pelas redes de ensino. Os profissionais da educação que, em geral,
são servidores públicos, também precisam ser assimilados por esta ideologia para garantirem
a credibilidade do projeto junto aos investidores da ação social, junto da própria comunidade e
para atrair a simpatia de pesquisadores e cientistas das universidades. A articulação
comunidade/escola foi destacada pelos autores no “Fórum Escolar de ética e cidadania”
composto por professores, estudantes, funcionários, diretores, famílias e membros da
comunidade. Isa Maria F. Rosa Guará, membro da direção da Fundação ABRINQ, conselheira
do CENPEC, também autora da edição em análise, defendeu que a longevidade dos projetos
depende dos planejadores das ações públicas trabalhem pela integração dos projetos com a
escola:
A integração de professores, educadores, projetos e instituições tem a
vantagem inegável de garantir maior sustentabilidade técnica e política e
envolver a todos num compromisso de participação mais ativa e próxima.
Considerando os objetivos colimados pelos que se propõem a programar
ações públicas de educação integral, todo esforço deve ser empreendido no
sentido de sustentar a integração dos projetos, programas, conteúdos,
disciplinas e intenções para que, de fato, se consiga assegurar uma política
pública regular e permanente que não sucumba às vicissitudes das novas
administrações. Nesse aspecto, a presença da sociedade civil organizada,
como parceira de empreitada, ajuda muito a dar sustentação institucional aos
programas.
São fatores facilitadores dessa legitimação: a credibilidade social que a
proposta alcance, o respeito à autonomia dos envolvidos, a clara definição de
papéis e responsabilidades das organizações ou pessoas participantes, o
planejamento e a realização conjunta de ações e a adoção de um processo
mais participativo dos beneficiários no planejamento do trabalho. (GUARÀ,
2006, p.19)
223
dos cidadãos com a política, descrença no futuro. A apresentação de Katerine Koltai elucida
esta ideia:
A verdade é que, tanto econômica quanto política e sociologicamente, nada
hoje em dia nos permite uma aposta no futuro. Aliás, uma das primeiras
coisas que chama nossa atenção é o fim das ideologias e das vanguardas. No
campo político, vivemos uma época em que a ilusão suprema parece ser a
total ausência de ilusões, a destruição de qualquer ilusão de um mundo
melhor. É como se a própria ideia de subversão social e intelectual tivesse se
tornado ilusória. No lugar da ilusão, nós nos encontramos perante o falso
consenso que diz que todas as coisas seriam equivalentes. Talvez o melhor
exemplo disso seja a lógica do “politicamente correto”. (KOLTAI, 2006,
p.33)
O fim das ideologias, o descrédito nos projetos revolucionários, a falta de esperança no futuro
também teriam gerado uma crise de autoridade na educação que só seria possível atenuar na
medida em que a sociedade se comprometesse com o modelo de “educação integral” que
fosse “possível realizar”, e não aquela que seria ideal. Neste sentido, a política de expansão do
tempo da escola deveria ser pautada pela intersetorialidade, pela mobilização de toda a
sociedade, sobretudo dos empresários e das organizações ditas do terceiro setor. Assim como
na Revista Cadernos de CENPEC, Maria do Carmo Brant defendeu a tese de que o fim do
Estado de Bem-Estar Social culminou na ascensão de uma nova fase do capitalismo em que
deslocou o foco da igualdade de oportunidades para igualdade de resultados, assim como a
mudança da ideia de sistemas de ensino para sistemas de aprendizagem, com novas formas de
se pensar e fazer política, novos espaços de aprendizagem, etc. Neste cenário, a escola deveria
ter autonomia para compartilhar o projeto político pedagógico e para se articular com outras
instituições e secretarias e aproveitar o trabalho oferecido pela ‘ONG’s:
Quer dizer, quando se diz que a escola tem de ter autonomia, ela tem de ter
autonomia político-pedagógico, articulado com as demandas e os interesses
do território a que ela pertence. E também autonomia para se flexibilizar e se
permitir adentrar nas redes existentes no território. E vice-versa: que as redes
de aprendizagem do território adentrem o espaço escolar. Nesse cenário,
estamos vendo que outras políticas adentram os espaços da educação para
desenhar um projeto com ofertas de aprendizagens socioeducativas que,
portanto, se deslocam da escola, mas a complementam.
É o caso da política de cultura que não só oferece bibliotecas, centros
culturais, museus, mas centros de cultura, muitos deles desenvolvidos por
organizações da comunidade. Também a assistência social sempre ofereceu
núcleos socioeducativos com um leque de aprendizagens para crianças e
adolescentes no contraturno escolar, além do meio ambiente e do esporte.
Temos enfim um conjunto de políticas públicas que estão ofertando
programas e serviços socioeducativos e visando um conjunto de
aprendizagens necessárias. (BRANT, 2006, p.3)
227
O fundamental, de acordo com Brant (2006, p.41) seria conceber um desenho de educação em
tempo integral que articule os sujeitos, envolvidos na política e espaços de aprendizagem
enquanto política da cidade, ou seja, numa articulação orgânica entre escola e projetos
socioeducativos do território.
O princípio da autonomia escolar, uma das bandeiras mais entoadas pelos defensores
da “reforma” da educação, está presente no discurso, tanto dos liberais ortodoxos, quanto no
projeto social-liberal. Baseada no tripé da autonomia administrativa, pedagógica e financeira,
tal política gerencilaista veio embalada pela promessa de desenvolver a autonomia, a
originalidade, a diversidade dos estabelecimentos, tanto para os sistemas quanto
estabelecimentos de ensino. A autonomia da escola, defendida pelos Organismos
Internacionais, como Banco Mundial58, Unesco59, OCDE60 e pelo fração financeira no Brasil,
daria à escola a oportunidade de conquistar espaços e dinheiro fora da escola e fora do
orçamento público. Com vimos, este princípio foi apresentado aos agentes das políticas
estadual e municipal, com a promessa de que a ampliação do tempo diário da escola não
implicaria em mais “custos”. Para esta ampliação, não seria necessário nem obras de
infraestrura, nem aumento do orçamento da educação, tendo em vista que as parcerias com a
“comunidade” dariam conta do espaço e do trabalho. Outro aspecto não considerado pelos
defensores do projeto neste livro é aprofundamento das desigualdades entre os
estabelecimentos de ensino, agravados pela escassez de “parceiros” e recursos para as escolas
situada nas regiões periféricas.
Guiomar Namo de Mello, uma das intelectuais responsável pela “reforma” gerencial
da educação durante o governo Fernando Henrique Cardoso, defendeu que o projeto de
educação integral deveria ser articulado à política social e ao território e considerar os
interesses dos alunos e das famílias. A intelectual fez considerações sobre a política municipal
de São Paulo e defendeu a expansão do tempo escolar, inicialmente para cinco horas, a
despeito de tal política interferir na carreira e nos direitos do professor:
São Paulo tem condição de dar escola de cinco horas para todas as crianças
com dois períodos: das 7 h às 12 h e das 13 h às 18 h, com uma hora de
intervalo. E se tiver isso para todas as crianças, se tiver projeto curricular
articulado, se tiver processo de assistência técnica para o professor na escola,
é possível garantir a melhoria de aprendizagem. Sobre a carreira de
professor: vai ter de dizer que aposentadoria aos 25 anos de serviço não é
uma política de acordo com a qualidade, que a jornada de trabalho vai ter de
mudar, sim, para ter cinco horas de aula. Vai ter de pedir que professor dê
58
CIF MARIA SYLVIA SIMÕES BUENO, O BANCO MUNDIAL E MODELOS DE GESTÃO EDUCATIVA
PARA A AMÉRICA LATINA, Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 122, p. 445-466, maio/ago. 2004.
59
Cif Uma gestão mais autônoma das escolas / Ibtisam Abu-Duhou. – Brasília: UNESCO, IIEP, 2002.
60
Cif Perspetivas das Políticas Educativas para 2015: Concretizar as Reformas
228
Namo de Mello considerou que as premissas básicas para o projeto educacional funcional
seriam o aumento das cinco horas, o ensino das competências básicas na leitura, na escrita e
no cálculo, a construção de escolas verticais, em função da falta de espaço e a adaptação da
carreira do professor ao relógio da educação de tempo integral. Nessa exposição a autora
demonstrou uma suave divergência em relação à premissa, então hegemônica, de que a
ampliação do currículo deveria levar em conta os interesses imediato dos alunos, priorizando
atividades de lazer, esporte e cultura. A perspectiva apontada por Melo, em 2006, foi
retomada em 2016, com a revisão do Programa.
Na mesa de debate Projetos pedagógicos: a educação integral e os arranjos possíveis,
formada por Adriana Mortara, Sandra Mara Corazza, Terezinha Azeredo Rios, as debatedoras
defenderam da ideia de que não se pode trabalhar com o ideal, e sim com os arranjos
possíveis para realizar a política de educação de tempo integral. Adriana Mortara considerou a
articulação entre a educação integral com espaços de cultura. Sandra Mara Corazza reafirmou
a tese de que a contemporaneidade, marcada pela pós modernidade, exige uma nova
concepção
Este é um tempo de desmanchar todas as pretensões da neutralidade
iluminada. É, portanto, um tempo de politizar radicalmente a educação;
tempo das pedagogias e dos currículos críticos; tempo de Paulo Freire e sua
educação libertadora; de relacionar a educação a questões de poder, de saber,
de identidade. Enfim, um tempo importantíssimo, porque ele vai justamente
preparar, vai compor elementos que preparam o terceiro tempo, que chamo o
“desafio da diferença pura”. (CORAZZA, 2006, 52)
Arranjos criativos e um esforço mais amplo dos educadores foram as sugestões defendidas
por Teresinha Azevedo Rio para a educação integral:
Julgamos que o possível está pronto, que é algo a ser apenas descoberto. Não
é verdade. O possível muitas vezes não está pronto. Não se trata de descobri-
lo, mas de inventá-lo. E então isso requer de nós, educadores, um trabalho
maior, um esforço mais amplo no sentido de construir esse possível com os
elementos que temos à nossa disposição, em nós e fora de nós, na cultura, na
história que estamos construindo. E é exatamente na invenção que eu acho
que aparece essa criatividade. A criatividade na invenção é que pode
efetivamente trazer esse aspecto novo para nossos projetos. (Idem, p. 53)
A transformação da visão tradicional de política pública para uma “nova gestão pública” foi
destacada por Fernando Luiz Abrucio, professor da FGV e ex-professor da PUC-SP, como
desafio para a promoção da educação de tempo integral. A “nova gestão pública”
compreenderia: trabalhar por metas e resultados, mudar o papel do Estado. De acordo com
Abrucio:
Não adianta dizer que a educação no Brasil é ruim. Ruim em relação a quê?
A segunda característica é a modificação do papel do Estado. Não se trata de
dizer que o Estado vai ser menor. Isso é uma bobagem. Portanto, não é esse
o tema, mas o perfil de atuação do Estado. Primeiro, o papel de indutor e
articulador junto à sociedade. É preciso que o Estado esteja mais articulado
com a sociedade. Depois, a mudança do papel do Estado em relação àquilo
que se pode chamar de transparência e accountability, ou seja, a capacidade
do Estado de responder à sociedade. Se as informações do Estado são
produzidas para que o cidadão mediano não entenda, não há accountability,
não há transparência. A terceira característica é o Estado para os cidadãos.
Essa é a ideia básica. Do Estado que volta a sua produção de políticas aos
cidadãos e não a si mesmo. Pode parecer novamente óbvio, mas vamos
pensar o que tem sido o Estado brasileiro. Primeiro, o Estado brasileiro foi
pensado para produzir empregos, não para garantir serviços ou direitos.
Além disso, o Estado brasileiro é muito burocratizado. Há um conjunto de
230
Maria Helena Guimarães Castro sintetizou o conceito de educação integral que foi
afinado entre os intelectuais durante o seminário:
Guimarães Castro retomou muitas questões que foram debatidas durante todo o evento e
destacou a política de educação integral como estratégica para o enfrentamento da violência,
na medida em atuava para o fortalecimento da coesão social e para o desenvolvimento das
camadas “vulneráveis”. Os principais Aparelhos de Hegemonia do grupo Itaú, em conjunto
com o UNICEF, finalmente lograram êxito em organizar o consenso sobre o conceito de
Educação Integral na sociedade civil, reunindo pressupostos do projeto social-liberal que
reafirmam a “reforma” da aparelhagem estatal, a conciliação entre as classes, o atendimento
demandas do século XXI e a neutralização do projeto societário que defende o fim ao sistema
capitalista. De forma sintética, o conceito passou a reunir os seguintes princípios: Sobre os
novos tempos: 1) Estamos vivenciando a era da pós modernidade, que pressupõe o fim das
ideologias, a era das incertezas, a fragmentação das identidades; 2) Não há possibilidade de
concretização de outro modelo de sociedade; Sobre o Estado 3) O Estado precisa ser
reformado para dar conta das demandas da sociedade contemporânea; 4) As formas de fazer
política exigem uma nova arquitetura política; 5) A participação da sociedade civil é
233
chamado Centro de Referência em Educação Integral, que está articulado para definir e
redefinir a política de ampliação do tempo escolar. Com a proposta de apoiar a pesquisa, o
desenvolvimento, o aprimoramento e a difusão de experiências e ferramentas que contribuam
para a implementação e gestão de ações e programas ligados à educação integral, o bloco
contribuiu com a formulação, gestão e avaliação de políticas públicas de Educação Integral.
O grupo é gerido e cofinanciado pela Fundação Itaú Social, Fundação SM, Instituto
Inspirare, Instituto Natura e Instituto C&A e Instituto Oi Futuro. A gestão está sob os
cuidados da Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO), o escritório
Cenários Pedagógicos, o Cenpec, o Centro Integrados de Estudos e Programas para o
Desenvolvimento Sustentável (CIEDS), o Instituto Alana, Instituto Rodrigo Mendes e o
Movimento de Ação e Inovação Social (MAIS).
61
O Projeto Gestores de Aprendizagem Socioeducativa foi desenvolvido dentro do Programa Educação e
Participação, pela Fundação Itaú Social, e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e coordenado
pelo Cenpec. Como já foi dito, o Programa teve como objetivo fortalecer o trabalho educativo de organizações
não-governamentais – ONG’s que atendem crianças e adolescentes.
235
seus pares a aderirem a cultura do Investimento Social Privado e como tal se propõe avaliar os
impactos sociais e econômicos do programa em ação. Neste caso especifico, o monitoramento
foi feito pelo Programa de Avaliação Econômica de Projetos Sociais, realizado pela Fundação
Itaú Social e pelo Banco Itaú.
A avaliação econômica, segundo o Grupo Itaú, tem a função de verificar se os
impactos esperados foram alcançados e se foram efetivamente causados pelo programa. O
Programa de avaliação investiga também o cálculo do retorno econômico, que é fruto de uma
análise de custo-benefício do programa. A avaliação da política de expansão da jornada
escolar, em Belo Horizonte, foi feita a partir da comparação de grupos da amostra das famílias
dos alunos e da amostra de escolas 62 , considerando diretores, professores, monitores e
professores comunitários, com a pesquisa de campo realizada nos meses de novembro e
dezembro de 2007. A pesquisa levou em conta: a) características gerais dos municípios; b)
características dos responsáveis dos domicílios: idade, sexo, raça, anos de escolaridade c)
características da criança, idade, sexo e raça; d) características do domicilio, condições de
vida, presença ou não de associações comunitárias; hábitos de higiene leitura, motivação para
ir à escola, etc, alocação do tempo das mães, alocação do tempo das crianças; perfil e opinião
dos professores; diretores, professores comunitários, monitores e agentes comunitários. As
principais categorias qualitativas de análise foram comportamento, motivação e interesse,
conhecimentos gerais, socialização e alocação do tempo.
No que diz respeito à percepção dos diferentes sujeitos envolvidos no Programa, o
Relatório destacou a percepção dos Diretores, professores, agentes comunitários, monitores.
Sobre a percepção dos professores:
62
Segundo a descrição do Relatório a amostra contempla 15 escolas que aderiram voluntariamente ao Programa
Escola Integrada e 15 escola que não aderiram ao Programa. A amostra de alunos/famílias foi obtida a partir da
amostra de escolas, e inclui 2.675 entrevistados, em um grupo de tratamento (982 observações) e dois grupos de
comparação: um dentro da própria escola participante (Comparação 1, com 900 observações) e outro em uma
escola não participante.
237
A maioria dos professores comunitários, de acordo com o documento, era formado por
mulheres, negros, com nível de ensino de pós-graduação, entre 40 e 49 anos de idade,
trabalhando em dois turnos na escola e com renda familiar superior a dois mil reais. A
percepção dos professores comunitários sobre o programa:
Os monitores, em sua maioria eram mulheres, negros, com nível de ensino superior, entre 21 e
30 anos de idade, cursando Pedagogia, não possuindo outra ocupação além desta atividade de
monitoria e com renda familiar superior a mil reais. A percepção dos monitores em relação ao
Programa era de que:
Segundo o relatório, o perfil dos agentes comunitários era semelhante aos dos monitores:
mulheres, negros, com nível de ensino médio, entre 21 e 30 anos de idade, cursando
Pedagogia, possuindo outra ocupação além desta atividade e com renda familiar inferior a mil
reais. A percepção deste grupo em relação ao Programa era e que:
Em termos gerais, a conclusão do relatório ressalta, como êxito, a motivação dos estudantes
em relação às atividades do programa e em contrapartida, destaca como insuficiente o
rendimento dos alunos nas atividades escolares propriamente ditas:
Ponto de Cultura e Segundo Tempo. "É interessante para esses jovens pois
antes eles só aprendiam uma determinada atividade. Agora, podem colocar
em prática o conhecimento adquirido", explica Judith Terreiro, coordenadora
do Centro de Formação da Cidade Escola Aprendiz, organização não-
governamental (ONG) que inspirou o projeto em Nova Iguaçu. "Atualmente,
para ser um cidadão completo, ter um emprego, é preciso conhecer coisas
novas, ter acesso a lazer, cultura. Há uma tendência grande à educação
integral, que é somar essas duas coisas, o que é muito importante," afirma
Terreiro. (https://portal.aprendiz.uol.com.br/ acesso em 21/11/2018).
63
O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação foi instituído pelo Decreto n° 6.094, de 24 de abril de
2007. O objetivo explicitado no Programa é de conjugar esforços da União, Estados, Distrito Federal,
Municípios, famílias e comunidade, em prol da melhoria da qualidade da educação básica. O Plano de Metas
Compromisso Todos Pela Educação expressa articula ações com gestores estaduais e municipais para colocar em
prática as 28 diretrizes do PDE, assumindo compromisso com metas estabelecidas até o ano 2021. As metas
abrangem: a alfabetização obrigatória das crianças até oito anos de idade; o combate à repetência e à evasão; a
promoção da educação infantil, e etc.
O Plano de Metas Compromisso todos Pela Educação definiu no artigo 2º 28 diretrizes para a melhoria da
“qualidade” da educação básica. No que diz respeito a educação de tempo integral, destaca-se parágrafo IV -
Combater a repetência, dadas as especificidades de cada rede, pela adoção de práticas como aulas de reforço no
contraturno, estudos de recuperação e progressão parcial; VII - Ampliar as possibilidades de permanência do
educando sob a responsabilidade da escola para além da jornada regular.
240
Antes do programa Mais Educação ser inaugurado pelo governo Federal, em 2007, o Grupo
Itaú organizou, no interior do CENPEC, o projeto Mais Educação, com o objetivo declarado
de:
Elaborar o caderno Gestão Intersetorial do Território, da Série Mais
Educação, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação, visando subsidiar
gestores dos estados e municípios de todo o Brasil para a implementação do
Programa Mais Educação nos territórios em que atuam, tendo em vista a
educação integral de crianças e adolescentes. (disponível em:
http://memoria.cenpec.org.br/, memoria)
64
A descrição do projeto está disponível na página do Centro de Referência e memória. Disponível em:
http://memoria.cenpec.org.br/. Acesso 19/2/2019
241
Tecendo Redes 2007 Contribuir para o desenvolvimento integral de Fundação Itaú e Unicef
para a crianças e adolescentes fomentando a
Educação implementação de educação integral nos
Integral municípios por meio da articulação dos
serviços locais de atendimento à infância e
juventude e da formação conjunta entre
profissionais de diferentes instituições
governamentais e não-governamentais.
etapas ou metas
Definição de matriz avaliativa, as precisam ter alto grau de
participação das criança e dos adolescentes.
3- descentralização
Destaca que programa Mais Educação está articulado a 25
programas ligados a 6 ministérios
Perspectiva territorial na política de Aponta para necessidade dos municípios produzirem
informações e princípio da informações para auxiliar (índices, taxas e indicadores) para
transparência: O IDEB como auxiliar no planejamento, monitoramento e avaliação das
referência para o Mais Educação políticas.
Aponta o IDB como Referência para o Programa Mais
Educação
Indica possibilidades de leitura dos dados
Apresenta dois compromissos: o primeiro, planejar e
executar políticas de equidade para diminuir as
desigualdades regionais e segundo compartilhar as
informações produzidas com os diversos setores
Indica a criação de sistematização dos dados alcançados.
Considera ser fundamental que as metas para a educação
integral possam ser replanejadas.
Quadro 21: Resumo do livro Educação Integral – Texto Referência para o Debate
Nacional
Capítulo Assunto
na década de 1950.
3.2 RELAÇÃO ESCOLA E Sugere que a escola deixe ser afetada positivamente,
COMUNIDADE pelas práticas comunitárias, pela liberdade e autonomia
presentes nos espaços de educação informal, pela
concretude e pelo movimento da vida cotidiana.
3.3. TEMPOS E ESPAÇOS DA
EDUCAÇÃO INTEGRAL
3.4. FORMAÇÃO DE EDUCADORES
NA PERSPECTIVA
DA EDUCAÇÃO
OS TRABALHADORES EM
247
EDUCAÇÃO NO CONTEXTO
DA EDUCAÇÃO INTEGRAL
3.6. PODER PÚBLICO: O PAPEL O governo possui ação indutora insubstituível, mas é
INDUTOR DO ESTADO coadjuvante,
O MEC tem o compromisso de reconhecer demandas,
identificar oportunidades e oferecer estratégias
sustentáveis, por meio de uma dinâmica
especificamente regulada entre os agentes, setores da
sociedade e esferas de governo, para manter as
condições de diálogo, reconhecer dissensos e construir
consensos.
É fundamental a intervenção do Poder Público na
organização das ações de diferentes áreas sociais em
que cabe, ao Estado, o planejamento, a coordenação da
implementação, o monitoramento e a avaliação das
ações pedagógicas que ocorrem no espaço e tempo
escolar e outros espaços sócio-educativos.
Compreende o ambiente social como espaço de
3.7. PAPEL DAS REDES SÓCIO- aprendizagem
EDUCATIVAS INTEGRAL Compreende a escola como locus catalizador
Defende a ideia de que a sociedade, ao se apropriar e
fazer uso de um território, compartilha o domínio das
condições de produção e reprodução da vida.
Aponta como caminho a construção de redes sócio-
educativas, a partir da relação dialógica entre a escola e
a comunidade.
Fonte: autora, 2019
Foram atribuídas ideias pejorativas ao currículo da escola formal como: sacrifício, tradicional,
antiquado e ao espaços informais ideias como inovação, prazer, ludicidade:
por uma escola mais viva, de modo que se rompa, também, gradativamente,
com a ideia de sacrifício, atrelada ao Ensino Formal e, por outro lado, de
prazer a tudo que é proposto como alternativo ou informal em relação a esse
sistema escolar. (Idem, p.32)
A nova organização curricular foi estimulada em nome da integração dos diversos campos do
conhecimento e das diversas dimensões formadoras da criança e do adolescente, do jovem e
do adulto na contemporaneidade. O aprendizado deveria se dar a partir da socialização, pelas
vivências culturais e pelo investimento na autonomia, por desafios, prazer, alegria, etc. Desse
modo, os assuntos que interessam às crianças e aos jovens e os que preocupam a comunidade
deveriam ser objeto do trabalho sistemático da escola. Além da associação direta com o
desenvolvimento econômico, o paradigma de “educação Integral” também foi associado ao
rompimento dos ciclos de pobreza:
65
Este programa foi abordado no capítulo 3 desta tese
250
Mandala Relações de Saberes. Defende que não pode haver uma relação de
assimetria entre os saberes da comunidade e
saberes escolares
Programas de Governo que Integram o Mais Síntese dos programas desenvolvidos pelos
Educação ministérios envolvidos no Mais Educação
Ministério do Esporte Ministério dos Esportes – Esporte e Lazer e
Ministério da Cultura Segundo Tempo.
Ministério do Desenvolvimento Social e Ministério da Cultura – Cineclube na Escola,
Combate à Fome Cultura Viva, Casas do Patrimônio. Ministério
Ministério da Ciência e Tecnologia do Desenvolvimento Social e Combate à
Ministério da Educação Fome – Programa Atenção Integral à Familia,
A Mandala como instrumento para ProJovem Adolescente, Centro de Referência
construção de projetos pedagógicos Especializado de Assistência Social – CREAS e
Pré-requisitos e método do Professor Programa de Erradicação do Trabalho Infantil –
Comunitário PETI. Ministério da Ciência e Tecnologia –
Sugestões de processos facilitadores. Casa Brasil Inclusão Digital, Centros
Vocacionais Tecnológicos e Centros Museus da
Ciência. Ministério da Educação – Com Vidas
– Comissão Meio Ambiente e Qualidade de
Vida, Educação e Direitos Humanos, Educação
Inclusiva: direito à diversidade, Escola que
Protege, Escola Aberta, Educar na Diversidade,
Salas Recursos Multifuncionais e ProInfo.
Ministério do Meio Ambiente – Sala Verde,
Municípios Educadores Sustentáveis e Viveiros
Educadores
A Mandala para as escolas Define pré requisitos professor comunitário, a
Construção de projetos pedagógicos de condição de ser um professor da escola
educação integral para escolas Definição das etapas para a implementação do
projeto
Mandalas para professores/ Planejamento de Orientação aos professores para pensarem sua
cursos estratégia de ação a partir das relações com os
saberes locais
Conclusão Afirma que o Pragaram visa a estimular o debate
e o amadurecimento das políticas pública
Fonte: autora, 2019
A circulação de saberes e bens culturais foram apontados como operação pedagógica e
política capazes de inspirar outras formas de organizações sociais alicerçadas em outras redes
de saberes. De acordo com as orientações para a implementação do Programa, a participação
da comunidade deve ir além da execução das atividades; ela deveria integra-se a uma espécie
de fórum permanente tornando-se “coautoras” do trabalho pedagógico em todas as suas
etapas:
Assim como os artistas precisam expor-se às interferências dos seus
espectadores, nós educadores devemos nos deixar envolver pelos
253
Foram selecionadas onze áreas possíveis de saber: habitação, corpo vestuário, alimentação,
brincadeira, organização política, organização ambiental, mundo do trabalho, curas e rezas,
expressões artísticas, narrativas locais, calendários locais. As disciplinas foram agrupadas em
áreas do conhecimento escolar, que se dividiram em: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias
reunindo língua portuguesa, estrangeira, artes, informática, educação física e literatura. •
Ciências da Natureza e Matemáticas, comportando as matemáticas e as ciências. • Sociedade
e Cidadania, onde se debatem filosofia, ciências humanas, história e geografia. O perfil do
Professor Comunitário, de acordo com o manual, foi pensado para facilitar assimilação das
organizações e pessoas da comunidade ao Programa:
O livro subscreve que este professor deve estar atento às regras de comunicação e promover o
diálogo com a comunidade. Para tanto, o profissional precisaria falar várias “línguas sociais”,
conversar, negociar espaços de existência, “convocar diferentes atores sociais. O material
oferece sugestões de processos facilitadores para a implementação deste modelo de expansão
do tempo da escola:
Tecnologias educacionais
Promoção de Saúde Promoção de Saúde e Prevenção de doenças
graves
Tecnologias educacionais
Comunicação e usos de mídias Fotografia
História em quadrinhos
Jornal escolar
Radio escolar
Vídeo
Tecnologias educacionais
Investigação no campo cientifico da natureza Laboratório, feira e projetos científicos
Robótica educacional
Tecnologia educacional
Educação econômica /Educação criativa Educação econômica e Educação criativa
Tecnologias educacionais
Fonte: Manual Operacional de Educação Integral, 2012
O programa não foi formulado para atender a todos os alunos da rede de ensino e nem
mesmo a totalidade dos alunos da escola. Ele foi fundamentado no princípio da inclusão de
crianças e jovens em “situação de risco, e vulnerabilidade”, tendo como consequência, a
exclusão dos demais estudantes que não se enquadravam nos critérios prescritos no PME,
como chamam atenção Coelho e Hora (2013)
257
Depoimento
Quando a gente pensa em identificar potenciais do bairro que passam ser
objeto de um programa de Educação Integral, sempre aparece “Ah! Cinema,
teatro, centro cultural...” e não tem nada disso nos bairros de Nova Iguaçu! E
aí esse era o grande desafio. O pessoal ia fazer mapeamento, voltava e falava
“não tem nada...” como não tem nada? Volta de novo! Não. ...não tem
nada.” E aí um dia a gente falou “gente, tem gente e a onde tem gente as
pessoas se relacionam, descobre que lugares são esses, que são esses nossos
parceiros!” E aí a gente identificou uma igreja, uma associação, um campo,
um salão de festas e aí fomos conversar com essas pessoas, com essas
instituições e ver de que forma a gente poderia trabalhar com a ociosidade
desses espaços. (Idem, p. 18)
O modelo de expansão do tempo escolar defendido pelo capital financeiro, quase uma década
antes da implementação do PME, em 2007, e por seus intelectuais orgânicos e intelectuais
acadêmicos afinados com a concepção de que a educação explica e soluciona os problemas
socioeconômicos, traduziu muitos dos princípios do projeto social liberal. Graças à
implementação do PME pelo Governo Federal, esta visão de ampliação da jornada escolar,
por meio do trabalho voluntário e da parceria público-privada alcançou todo o território
nacional e foi apresentada à toda a sociedade como única alternativa capaz salvar a escola, o
estudante e a sociedade. Dentro desta visão de mundo salvacionista, a escola seria salva do
isolamento da comunidade e do anacronismo, o estudante seria salvo da “vulnerabilidade”,
imposta por uma suposta desigualdade de oportunidades e a sociedade salva do risco da
violência que o jovem está “vulnerável” quando fora da escola.
O PME sintetizou as estratégias da “reforma” gerencial educacional, iniciadas em
1995, reunindo em torno do eixo da ampliação do tempo escolar, algumas das respostas
defendidas por este movimento como: o foco na aprendizagem e na gestão dos recurso,
ressignificação do papel da escola e da qualidade do ensino, descentralização, parceria como a
“comunidade” e responsabilização. Nesse sentido, o PME foi o grande laboratório que reuniu
e intensificou a “reforma” educacional e a penetração dos empresários e de seus interesses no
interior da escola pública brasileira. Analisando o PME dentro de um quadro mais amplo e a
partir do referencial metodológico gramsciano, observamos também que a reformulação do
261
Programa não pode ser traduzida como uma resposta imediata às mudanças conjunturais
provocadas pela mudança no governo federal. As transformações que desembocaram no
superdimensionamento do reforço pedagógico das disciplinas português e matemática estão
associadas a um conjunto de determinantes que comprovam, mais uma vez, que as questões
pedagógicas, a partir do ano de 2016, estão intimamente relacionadas às instâncias política e
econômica.
O “Novo” Programa Mais Educação também pode ser interpretada como sinal de
fissuras no interior do bloco que imprimiu o modelo de ampliação do tempo escolar na
política nacional entre 2007-2015. No entanto, o fato da redefinição do Programa ter sido
realizada com base no estudo de impacto conduzido pela Fundação Itaú Social e pelo Banco
Mundial aponta para o êxito da holding Itaú Unibanco em manter-se na direção do bloco,
mesmo diante das tensões. A parceria entre o Banco Mundial e a Fundação Itaú, acordada
partir de 2014, gerou vários estudos sobre a experiência brasileira no campo dos estudos sobre
a expansão da jornada escolar. Dentre os trabalhos, a Fundação Itaú Social destaca: o estudo
sobre o programa federal Mais Educação, definindo a sua governança e o seu desenho com
objetivo declarado de disseminar o exemplo brasileiro na indução/expansão da educação
integral no país. O Programa analisou a implementação do Mais Educação nos municípios de
Bonito (PE), Maracanaú (CE), Porto Alegre (RS) e São Bernardo do Campo (SP), bem como
nas redes estaduais do Distrito Federal e Goiás. O estudo também destacou as iniciativas de
ampliação do tempo escolar nas redes de ensino de Pernambuco, Piauí e Rio de Janeiro
(cidade) locais onde o Banco Mundial tem tido o acompanhamento mais próximo. E, por fim,
os estudos se dedicaram à avaliação de impacto do Programa Mais Educação sobre resultados
educacionais dos estudantes. A avaliação foi apresentada ao público com o seguinte texto:
programa, mas que não foram contempladas com o mesmo, chamada de grupo de controle.
No que diz respeito aos objetivos do Programa, o aparelho ressalva que foram avaliados
apenas parcialmente, como a análise das dimensões de aprendizagem cognitiva (mensurada
pela Prova Brasil) e no fluxo escolar. É possível notar que há uma mudança no foco
aprendizado/proteção social para o desempenho/fluxo escolar.
O capital financeiro optou por investigar escolas que ingressaram nos primeiros anos
no programa e ressalvou que os resultados obtidos nesta avaliação referiam -se às escolas que
aderiram ao programa em momentos específicos (2008 e 2010). Os resultados pouco
animadores apontados no relatório não levaram o capital financeiro a propor o fim da política
de expansão do tempo do tempo escolar. O documento enfatizou o traço positivo do programa
e a rápida expansão nos sistemas de ensino estaduais e municipais do país. Como foram
apontados nos objetivos da pesquisa da FIS/Banco Mundial, o estudo levou em consideração
a taxa de abandono, o desempenho nas avaliações em larga escala em matemática e concluiu
que o programa não alterou o quadro em relação a estes aspectos:
Novamente, a conclusão do estudo indicou a continuidade do Programa, mas lançou luz para
à necessidade de revisão do currículo, tendo em vista seu apontamento para a falta de
resultados positivos no que diz respeito ao desempenho dos estudantes e ao fluxo escolar.
Segundo Letícia Araújo, da equipe técnica do CENPEC, o Programa Novo Mais Educação
também hierarquizou o conhecimento, tendo em vista que a verba destinada ao
acompanhamento foi maior do que a destinada às outras atividades. De acordo com a
intelectual, esta “hierarquização” dos saberes poderia afetar o modelo como o programa
vinha sendo desenvolvido, com a valorização das artes, da cultura, do esporte (Educação e
Participação, 31/01/2017).
Apesar da mudança no paradigma norteador do Programa, há que se considerar os
elementos de continuidade que mantiveram a escola refém da políticas de expansão do tempo
a baixo custo. Foi mantido o trabalho voluntário de “educadores populares, de estudantes de
graduação e outros profissionais que desejavam atuar no campo educacional, sob a égide da
Lei 9.608/1998, que dispõe sobre o voluntariado” (MEC 2016). Em relação aos espaços, o
programa “novo” replicou a experiência anterior, orientando as escolas a buscarem pareceria
com associações de morares, clubes, igrejas, etc.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), peça chave do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), Compromisso Todos pela Educação, criado em 2007,
foi apontado como indicativo de ruptura com o formato anterior. Nota-se, no entanto, que
houve uma mudança em relação à utilização dos dados que passaram a ser utilizados não
apenas dentro da perspectiva compensatória para corrigir problemas das escolas com mal
desempenho, mas como parâmetro para a reorganizar do planejamento do trabalho
pedagógico desenvolvido. Em relação à escolha dos discentes, o novo programa deu
prioridade aos estudantes que apresentassem alfabetização incompleta ou letramento
insuficiente, conforme resultados de avaliações próprias. Embora indique, ao fim da lista de
prioridade, a participação de alunos interessados em permanecer mais tempo na escola, com
propósito de formar possíveis lideranças dentro do Programa, nota-se que o foco do “Novo”
Mais Educação manteve-se nos estudantes em situação de “vulnerabilidade”.
A mudança do paradigma na política de expansão do tempo escolar, em nível federal,
não significou a substituição da direção deste movimento que ampliou a penetração dos
interesses empresariais na escola pública brasileira nos últimos anos. Os Aparelhos Privados
de Hegemonia da holding Itaú Unibanco permaneceram no bloco que define a política de
educação de ampliação do tempo escolar, dirigindo uma das mais importantes frentes na
sociedade civil voltadas para este campo, o Centro de Referência em Educação Integral. O
Centro de Referência em Educação Integral se propõe a pesquisar e sistematizar “caminhos
possíveis” para a educação integral no país; é gerido pela Fundação Itaú Social, Fundação
SM, Instituto Inspirare, Instituto Natura e Instituto C&A e Instituto Oi Futuro, pela Faculdade
267
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscamos demonstrar com esta tese os nexos entre educação escolar e a natureza de
poder no Estado brasileiro, tendo como foco a análise de duas organizações ligadas à holding
Itaú Unibanco para intervenção na política educacional brasileira. Na formação social
contemporânea, em fase aguda de crise orgânica, o projeto de “reforma” neoliberal foi
apresentado como única alternativa capaz de salvar a escola da crise sistêmica, os alunos da
pobreza e a nação da condição de “subdesenvolvimento”. Há pelo menos 40 anos, as frações
dominantes têm demonstrado interesse contumaz nesta arena de lutas, construindo um
conjunto de estratégia para tornar hegemônica sua visão de mundo, conformar um novo tipo
de trabalhador e educar a sociedade para um novo modelo de Estado.
Os Aparelhos Privados de Hegemonia, travestidos de Organizações Não
Governamentais (ONG), Organizações Sociais (OS), e Fundações sem fins lucrativos,
ganharam protagonismo na atual fase do bloco histórico gerencialista/neoliberal, substituindo
o Estado na gestão e execução de políticas sociais. Entendemos que estes aparelhos foram
muito mais do que instrumentos deste novo modo de fazer a política social. Estas instituições,
representativas dos interesses das frações dominantes, forjaram um novo o consenso,
transformando em senso comum a ideologia que perpetua a desigual relação de poder diante
do quadro de aumento das taxas de desemprego, precarização do trabalho, aumento da
pobreza, perda de direitos sociais e desproteção de amplos setores da sociedade. No que diz
respeito à educação escolar, desde a década de 1990, tem se observado no Brasil um aumento
expressivo do número de Aparelhos Privados de Hegemonia com atuação neste campo.
Algumas frações, como o capital financeiro reunido na holding Itaú Unibanco, possuem vasta
experiência na sistematização de ações sobre a escola pública, aglutinando em tono do seu
eixo um conjunto de frações aliadas e assimilando frações subalternas para travestir seu
projeto em interesse de toda a sociedade.
O primeiro passo dessa incursão orquestrada pelos empresários sobre a escola pública
se deu a partir do diagnóstico de inoperância, desfuncionalidade e desconexão com a cultura
das novas gerações. O segundo passo consistiu na ação organizada para apresentar e executar
um conjunto de supostas soluções para o enfrentamento das desigualdades sociais e para
promoção desenvolvimento econômico da nação. Para seus aliados, os aparelhos garantiram a
segurança para expansão de seus lucros com a formação de uma classe trabalhadora dócil,
resiliente, conhecedora dos códigos mínimos de civilidade e das regras de convivência do
269
burguesa sobre os recursos naturais e sobre a classe trabalhadora. A partir de meados dos anos
1990, o modelo social liberal passou a referenciar os projetos de restruturação produtiva com
base em um conjunto de pressupostos que indicavam uma moderada crítica à sociedade de
mercado, à defesa de programas sociais fomentados pelos governos e gerido pelos
empresários e uma condenação contumaz ao projeto de transformação radical da sociedade.
Em linhas gerais, os princípios propagandeados por intelectuais individuais e
coletivos do projeto social liberal expressaram: a) críticas aos tempos modernos, declarando o
fim da modernidade e de suas instituições; b) críticas moderada ao neoliberalismo “ortodoxo”
e a rejeição ao modelo de Estado Providência e à política de amparo a amplos setores da
sociedade; c) a condenação dos movimentos sindicais e d) a desqualificação de projetos
comprometidos com as transformações radicais da sociedade. Em contrapartida, sugeriram
estratégias de alívio à pobreza, gestão eficaz das políticas sociais, substituição da política
universalista pelas políticas focais, substituição do conceito de igualdade pelo de “igualdade
de oportunidades” e a incorporação na política de novos atores e de novos movimentos sociais
de caráter indentitário. No bloco histórico gerencialista/neoliberal, o foco da educação migrou
da universalização para a qualidade do ensino que foi associada às demandas do sistema
produtivo e a promoção da assistência social.
Essa nova pedagogia, estruturada em todo mundo capitalista, ajudou sedimentar a
ideologia de que o capitalismo, apesar dos problemas, é um sistema indispensável e apenas
passível de reformas. O sistema de educação política do social-liberalismo construiu
verdadeiras “casamatas” para a proteção do sistema de dominação burguesa, minando a força
de sindicatos de trabalhadores, acusando-os de impotentes e ultrapassados e freando o projeto
de educação comprometida com os interesses da classe trabalhadora que estavam em um
movimento ascendente na década de 1990. A implementação do social-liberalismo no Brasil,
no interior da sociedade política, contou com a política de “reformas” da aparelhagem estatal,
em 1995, conduzido pelo Ministério da Administração Federal da Reforma do Estado
(MARE), com base em princípios como: refuncionalização do Estado, descentralização dos
poderes e recursos, controle do Estado por meio de programas em ampla divulgação de
estáticas e resultados contratação de organizações públicas não estatais de serviços,
administração pública gerencial, recrutamento de pessoal das agências e organizações da
sociedade civil, sistema de incentivo aos servidores públicos, envolvendo estimulo a
competição e avaliação do desempenho. A partir desta “reforma”, os Aparelhos Privados de
Hegemonia ganharam centralidade na execução e gestão de políticas sociais.
271
consenso de que a escola deveria se concentrar na satisfação das necessidades básicas das
crianças e jovens, incorporando uma nova perspectiva de aprendizado e de conteúdo. A partir
da conferência, cresceu em toda a América Latina o movimento pela “reforma” da escola a
partir da priorização de “saberes” considerado básico para os estudantes: sobreviverem,
melhorar sua qualidade de vida, trabalharem com dignidade, tomarem decisões fundamentais
e continuarem aprendendo valores culturais e morais comuns. Já as diretrizes definidas na
conferência Cidades Educadoras serviram de referência para o capital financeiro construir o
projeto de ampliação do tempo escolar pautado na parceria com instituições da sociedade civil
e incorporação de “novos atores” à escola.
A consolidação da aliança entre o CENPEC, a FIS e a agência da ONU, UNICEF, foi
fundamental para que o conceito de “educação integral” do capital financeiro conquistasse
hegemonia na sociedade. Esta parceria, firmada desde a década de 1990, culminou no
programa Prêmio Itaú Unicef, que se constituiu no mais importante programa dirigido pelos
aparelhos da holding Itaú Unibanco para a disseminação da metodologia e do conceito de
“educação integral” em escolas públicas de todo o país. Também foram fundamentais para a
materialização da ideologia da classe dominante em política pública a ocupação de espaços
em jornais e revistas de grande circulação, a organização de seminários sobre o tema, a
incorporação de intelectuais tradicionais ligados à tradição cientifica e de outros intelectuais
difusores dessa pedagogia, a extensa produção de manuais e cursos de formação, a histórica
parceria com a UNDIME, o CONSED, etc.
Os Aparelhos Privados de Hegemonia do capital financeiro atuaram em dois sentidos.
Primeiramente, aglutinou em torno de seu projeto as agências e agentes em âmbitos municipal
e estadual, penetrando nas secretarias, formando quadros, priorizando neste momento, a
uniformização ao discurso dos representantes da política. O Programa Escola Integrada,
desenvolvido no município de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e o Programa Bairro Escola,
do município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, portadores desta concepção de educação
integral foram apresentados, pelo governo federal, pelos Aparelhos Privados de Hegemonia
especializados no tema e pelas universidade como referências de política de ampliação da
jornada escolar. No segundo momento, os Aparelhos inseriram-se no bloco social de
construção da política federal de expansão do tempo escolar. Em 2007, o paradigma de
“educação integral” do capital financeiro transformou-se ganhou dimensões nacionais após a
incorporação pelo governo federal do instrumental teórico produzido e difundido pelos
Aparelhos, no Programa Mais Educação. O convite, feito pela Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), do Ministério da Educação (MEC) para
275
integrar o bloco definidor da política de educação de tempo integral, em âmbito nacional, deu
à holding Itaú Unibanco possibilitou a ocupação deste espaço de decisão das diretrizes da
política.
A análise exaustiva dos projetos desenvolvidos pelo CENPEC e pela FIS no âmbito da
expansão do tempo diário da escola e do material de orientação veiculado pelo Programa
Mais Educação, nos faz concluir que O Programa foi a síntese de todo o projeto educativo da
holding Itaú Unibanco. Esta solução do capital financeiro, expressa para garantir a
permanência e o interesse dos estudantes pela escola e promover a “justiça social”, implicou
em sérias consequências para a educação pública brasileira. Esta forma de ampliação do
espaço escolar, sem previsão de aumento dos recursos do fundo público para a escola,
prevista no PME, ajudou a desviar o debate sobre financiamento educacional para a questão
do gerenciamento. Por meio deste Programa, reforçou-se a ideia de que os problemas de
infraestrutura da escola eram consequência das más escolhas e ou da incapacidade das escolas
em estabelecerem boas parceria e administrarem os parcos recursos previstos no PME. O
PME reforçou também a política de diferenciação do tratamento entre as escolas, tendo em
vista a restrição ao atendimento de escolas em áreas consideradas de risco e com baixo
rendimento no índice de Desenvolvimento Educacional. Além de provocar a diferenciação
entre os estudantes da rede de ensino e da própria escola, com o foco nos estudantes em
situação “de vulnerabilidade”, possivelmente aumentando o estigma dos estudantes
matriculados no programa.
O Programa ajudou também a aprofundar os problemas de ensino e aprendizagem das
escolas com a secundarização dos saberes historicamente produzidos pela humanidade e a
limitação cultural dos alunos aos conhecimentos que a escola podia angariar na localidade,
por meio de contratações com alto nível de precarização. Com a contração dos estudantes
universitários, em fase de formação e de tabalhadores precariados como voluntários do
programa, o PME disseminou entre estes trabalhadores a cultura do fim do trabalho, fim dos
direitos sociais historicamente conquistados pela classe trabalhadora e inoperância dos
movimentos sindicais. Compreendemos que apesar do prejuízo à escola, aos estudantes e aos
trabalhadores envolvidos, este projeto de educação escolar burguês não pode ser considerado
um fracasso frente aos intentos da classe dominante. Não podemos limitar a crítica aos
problemas gerencias, como em muitos estudos no campo da educação de tempo integral que
focam apenas em aspectos superficiais e se furtam de fazer a crítica classista ao programa.
Somente a análise estrutural deste projeto, considerando seu vínculo orgânico com as
276
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