Minha Buceta É O Poder! (Ensaio Ritmado para Um Corpo Pensante)

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MINHA BUCETA É O PODER!

1
[ENSAIO RITMADO PARA UM CORPO PENSANTE]

Michelle Bastos da Cunha2


Raphaella Marques de Oliveira3

...Caio Fernando Abreu gostava de sentir o ritmo do texto que criava. Quando começara
a escrever, desejava um capítulo em ritmo de blues ou rock ou heavy _e conseguia dançar,
talvez por isso, tornou-se uma divindade4 da grafia marginal.
Ouvia música para pensar, pensava para se libertar, libertava-se escrevendo. Escrevia para
ouvir música e dançava, conforme suas letras um ciclo de vício à margem
Ele e sua geração de poetas, que percorreram tantas cidades e sentimentos comuns a todos,
como o amor, não imaginavam a guerra paradoxal que se intensificaria. [:] como lidar com a cidade?
Com os sentimentos? Como lidar com um mundo que insiste em ignorar os sensíveis?
Antes mesmo de todas essas questões, a tal guerra cultivava em seu objeto gerador o
principal alvo: as pessoas >especialmente as mulheres< – como lidar com o feminino que marca
historicamente seu pensamento e seu território nas cidades, nos sentimentos, na poesia, no
mundo? – como lidar com o feminino que quer ser livre?

eu não te olho com o teu olho que sabe que quase tudo em ti é transitório.5

A arte, tão culpada, tão alvo, tão criminalizada, parece ser o caminho do desvio. Escapa
espraia espalha impregna enlouquece reafirma os territórios tanto dos sensíveis quanto dos
manipuladores, está em todo canto esquina zona beco boca mãos e mentes. [por mais que você
não goste, ou queira. está aí também. dentro e fora.
Nas cidades, as zonas de conflito e a linha sutil entre o que é ou não arte nos atravessa sem
termos tempo para pensar. ainda assim, o que a define está exatamente em cada um: a
subjetividade + a pessoalidade + a experiência dos indivíduos é que expressam o que é ou não tudo,
até mesmo a arte. >>>por mais que você não goste, ou queira está aí também no meio [–] e um
paradoxo: impossível a experiência de um indivíduo na rua ser individual, apenas. Impossível
mesmo à solidão de um indivíduo na rua ser individual, ele está sempre atravessado e deslizando.

~ não há saída para a solidão nas cidades ~

No meio no entre no vão o eu-nós vários nós, nós-agirexperimentarpensar, escritura


cartografável em por vir experimentação ramificada em aproximações-diferenças.

1
Pixo assinado por MiC, bairro da Campina, Belém-PA. Tornou-se domínio público na internet. Refere-se à
música My Pussy é o Poder, Gaiola das Popozudas.
2
Licenciada em Educação Artística, com habilitação em Artes Visuais, pela Faculdade Dulcina de Moraes. Suas
pesquisas atravessam a rua, a partir dos lugares de experiência e das narrativas de cotidianos compartilhados. É
grafiteira, assina como MiC. E-mail: [email protected]
3
Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Pará – UFPA.
Mestra em Arte, Cultura e Sociedade pela mesma universidade, pesquisa Corpo, Estética e Cidade a partir dos
campos da Arte, da Filosofia e da Comunicação. E-mail: [email protected]
4
Eu só poderia crer em um Deus que soubesse dançar. – afirmava Friedrich Nietzsche em Assim Falou Zaratustra.
5
Árias Amaríssima de um Instante. Hilda Hilst. Cadernos da Literatura Brasileira.

LINHA MESTRA, N.28, P.48-52, HTTPS://DOI.ORG/10.34112/1980-9026A2016N28P48-52, JAN.ABR.2016 48


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Rupturas, múltiplos afetos com velocidades variáveis. Afinal, há rizoma quando os ratos
deslizam um sobre os outros 6.

antes que o mundo se acabe


antes que acabe em nós
nosso desejo7

A normatividade, a excludência e o discurso de unidade construído a partir de uma


igualdade patriarcal não estão apenas nos muros higienizados, estão nas gentes, as questões de
gênero nascem por revelarem as humanidades, diferenças, e interseções, o encontro arte +
pessoas suja os muros, suja as gentes, vira o disco, muda a cadência normativa, excludente e
unitária, humaniza, feminiza e dão cor à brancura de paredes, muros, postes, calçadas e afetam,
de alguma forma, as pessoas. Afinal, a cidade é culpa sua também.

sem sonho algum


enquanto chove dentro e fora a chuva fria.
amanhã tem mais.8

O ato essencialmente individual da escrita > provocado e atravessado pelo ritmos


musicados das palavras-desordens de um funk > pixadas nos muros de uma cidade [:]

você que não conhece eu apresento pra você


sabe de quem eu tô falando?9

Arte:
rizoma-caos. rizoma-crime.

Foto 1: bairro da Campina (área comercial), em Belém-PA.


Fonte: Internet.

6
Sobre Rizoma. Deleuze; Guattari, 1995, p. 15.
7
Árias Pequenas. Para Bandolim XI. HILST, 1974. Disponível em: <http://www.jornaldepoesia.jor.br/hilda.html#ama>.
8
Em Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu. CHAPLIN; LIMA e SILVA (Org.). 2012, p. 120.
9
Trecho de My Pussy é o Poder, Gaiola das Popozudas.

LINHA MESTRA, N.28, P.48-52, HTTPS://DOI.ORG/10.34112/1980-9026A2016N28P48-52, JAN.ABR.2016 49


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A busca de identidade e reconhecimento histórico enquanto seres pensantes, de direitos


reafirmáveis e conscientemente resistentes a partir da força da libertação proporcionada pela
arte, pela arte na rua, em suas diversas linguagens – literatura, música, circo, cinema, desenho
– infiltram a carne, a pele, a mente, os esgotos, o limo.

o caos é anterior a todos os princípios


de ordem e entropia, não é nem um deus
nem uma larva, seus desejos primais
englobam e definem
todas coreografia possível_10

Tudo no meio, o muro o feminino a arte. A liberdade de pensamento que gera liberdade
de enfrentamento –

não apenas sobreviva, enquanto espera que a revolução de alguém ilumine


as suas ideias, (...) mas arrisque-se, dance antes que fique calcificado11.

(então, por que citar um homem na primeira linha?


gênero não é conceito_
, nem amor, nem arte o são.
também não é de graffiti ou pixo ou outra intervenção urbana criminalizada que se fala aqui. É
de algo anterior, daquele tempo para pensar, para agir, da resistência cotidiana que só existe
quando o corpo torna-se pensante.
Assim como a poesia de qualquer linguagem artística está na presença do pensamento, na
força do signo-símbolo que cria estéticas de resistência, o amor está no crime, na ideia, no meio
de todos _o gênero é movente e está no sentir. Caio não é um homem, é um feminino, sua
memória é real, está escrita, cantada, ritmada – para dançarmos.]
Para além do poema da partitura da coreografia do filme do espetáculo do pixo do graffiti,
os signos-símbolos das linguagens devem provocar incidentes, memórias eternas em uma
criança, cegueira sensível em um adulto, possibilidades de escolha para uma pessoa ou uma
população inteira – Oxalá que a dança seja coletiva.

Arte como crime, crime como arte.12

, Pensar é a única forma de agir.


O pensamento tem efeitos tangíveis, por isso deve ser real e criminoso, assim como o mundo.

O crime de pensar resiste. O amor também.


+ a arte + a linguagem + o corpo

A metamorfose do espaço cotidiano depende do crime [:] ideia expandida pelo corpo. sujeira-
culpa.
>>> símbolos [que também são coisas] e pessoas [que também são simbólicas] – ioga da
imagem ou feitiçaria.13

10
Referente a Caos, capítulo de CAOS: Os Panfletos do Anarquismo Ontológico, de Hakim Bey.
11
Referente a Crime, capítulo de CAOS: Os Panfletos do Anarquismo Ontológico, de Hakim Bey.
12
Última frase de Terrorismo Poético, capítulo de CAOS: Os Panfletos do Anarquismo Ontológico, de Hakim Bey.
13
Referente à Feitiçaria, capítulo de CAOS: Os Panfletos do Anarquismo Ontológico, de Hakim Bey.

LINHA MESTRA, N.28, P.48-52, HTTPS://DOI.ORG/10.34112/1980-9026A2016N28P48-52, JAN.ABR.2016 50


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...definimos uma nova cultura com


a nossa excomungada união de corpos,
fusão de líquidos –
as fronteiras imaginárias da nossa cidade-estado
se borram com o nosso suor.14

Canhão da máquina-linguagem | gatilho | palavra-soldado-de-guerra | >>>>> disparo


>>>>>

Foto 2: bairro Cidade Velha, em Belém-PA.


Fonte: arquivo pessoal.

e outro paradoxo: manipuladores e a arte de criminalizar a arte. sensíveis e a arte da crime-ideia


dançando com seus corpos pensantes.

Arte
: crianças selvagens dançando feitiçaria, o caos de um amor louco.

P. S.: as palavras pertencem àqueles que as usam apenas até alguém as roube de volta.15
P. S.2: cidadesar-me-se.

e, sim, este ensaio é fruto de um Amor Louco_

14
Em Amor Louco, capítulo de CAOS: Os Panfletos do Anarquismo Ontológico, de Hakim Bey.
15
idem.

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Referências

BEY, Hakim. Caos: os panfletos do Anarquismo ontológico. Tradução colaborativa. Fonte


Digital Protopia.at.

CHAPLIN, Letícia C.; LIMA e SILVA, Márcia I. (Org.). Poesias nunca publicadas de Caio
Fernando Abreu. RJ: Record, 2012.

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix. Mil Platôs 1. SP: Ed. 34, 1995.

INSTITUTO MOREIRA SALLES. Cadernos da Literatura Brasileira. Encarte. São Paulo, n.


8, 1999.

JORNAL DE POESIA. Árias Pequenas para Bandolim XI. Hilda Hilst. Disponível em:
<http://www.jornaldepoesia.jor.br/hilda.html#ama>.

NIETZSCHE, Friedrich W. Assim Falou Zaratustra. Os Discursos de Zaratustra. Tradução José


M. de Souza. Fonte Digital eBooksBrasil.com.

RB; MANDRAK. My Pussy é o Poder. Intérprete: Gaiola das Popozudas. Produção musical:
RB Dj e Mandrak. RJ: Independente, 2010. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=pXcZxiv_5Qs>.

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