Texto 2 - Tese de Doutorado - Cristina Simões Bezerra
Texto 2 - Tese de Doutorado - Cristina Simões Bezerra
Texto 2 - Tese de Doutorado - Cristina Simões Bezerra
GLOBALIZAÇÃO E CULTURA
Caminhos e descaminhos para o nacional-popular na era da globalização
Rio de Janeiro
2006
2
Resumo
Abstract
The present work discusses the challenges placed for the category of national-popular,
elaborated by the Italian Marxist thinker Antonio Gramsci, in the contemporary capitalist
society, from where we can stand out the context of "mundialization" of the capital and
renovation of the imperialism. It has the objective, therefore, to problematize and to criticize
the announced "culture's globalization ", in your hegemonic approach, that announces the
appearance of a " global " culture, capable to substitute or, at least, to position local and
national cultures, and at an approach seemingly " alternative ", that highlights the
contemporary moment as that which was done possible a " encounter of different cultures ",
appeared of a scenery of political and technological development that places us in contact
with the characteristic diversity of this cultural sphere. So that, this thesis proposes a retaking
of the category of national-popular as a critic possibility to these previous perspectives,
understanding that the national and the international continue if constituting in a dialetic
relationship of statement and denial of your own proposes. It ends, then, that is necessary the
retaking of the wide conception of culture in Gramsci to understand and to feed the
contemporary need of a new one alternative project to the system of the capital in the
beginning of the XXI century.
Sumário
Introdução................................................................................................................ 11
perspectiva nacional-popular.......................................................................................
Referências............................................................................................................. 297
6
Agradecimentos
Aos meus pais, Elza e Antônio, que, por ocasião deste doutorado, praticamente me adotaram
novamente, garantindo-me tudo, absolutamente tudo, desde o pão, que eu não tive tempo de
comprar, até o carinho, que eu não tive tempo de pedir, para que eu pudesse concluir esta
tarefa. Amo vocês...
Ao meu orientador, Carlos Nelson Coutinho, com quem sempre aprendo tanto... lições de
Gramsci, lições de política, lições de afeto, lições de paciência histórica...Companheiro de
grandes expectativas e projetos de mudança numa perspectiva nacional-popular, devo a você
praticamente tudo que aprendi em minha vida intelectual... Obrigada, muito obrigada.
Aos professores que compõem esta banca examinadora, meu eterno obrigada, pela
disponibilidade e pela atenção dedicadas ao meu trabalho. Ao professor José Paulo Netto,
constante interlocutor e provocador de minha consciência crítica; à professora Myriam Lins
de Barros, pelo debate tão responsável e, ao mesmo tempo, tão carinhoso; à professora
Virgínia Fontes, “companheira militante” de uma verdadeira “vontade coletiva nacional-
popular”; à professora Lúcia Neves, encontro tardio, mas tão cheio de boas referências e
expectativas.
Ao Robson, meu companheiro, em todos os sentidos que esta palavra possa ter...
A Helena, minha filha, que mesmo sendo tão pequenina, entendeu e “perdoou” este
doutorado. “Filhota, mamãe acabou o dever de casa.”
A Beatriz, minha pequena esperança de felicidade e alegria, que está tão próxima de mim,
mesmo sem conhecê-la. Obrigada, minha florzinha, por me incentivar, da forma mais
inusitada possível, a terminar este “dever de casa”.
Aos meus sobrinhos e sobrinhas que, cada um a seu modo, não se cansaram de me mostrar
que minha vida era maior que este doutorado... Gostaria muito que este meu “passo adiante”
despertasse, em cada um deles, o gosto pelo estudo e a curiosidade intelectual...
8
A minhas colegas do “Lar de Maria”, professoras Sandra, Nair, Ana Amoroso, Ana Lívia,
Alexandra e Cláudia Mônica, porque entre o mar carioca e as montanhas mineiras, um pouco
de nossas vidas ficou por estas estradas. Nós, que nos julgávamos tão perdidas em meio a
nossas ideias e nossos ideais, nos fizemos presentes, PRESENÇA.
Às amigas Mônica Grossi e Verônica Borba, que sempre depositaram tanta confiança em mim
e em meu trabalho. Pessoas inigualáveis, com quem tenho repartido, em toda a minha vida
pessoal e profissional, tantas indignações e tantas esperanças...
Aos amigos, Cláudia Mônica e Rubinho, pelas eternas lições de carinho e de solidariedade
que tenho encontrado em vocês...
A Elisangela, a Meire e a Maria, que com tanta dedicação cuidaram de mim, do Robson, da
minha casa e da minha filha para que eu pudesse me dedicar ao doutorado.
A tantos outros amigos: Luciana, Joelcio, Fernanda, Edwiges, Claiton, Kiko, Karina, Marilda,
Marcus, Cláudia Lúcia, Gabriela, Adriana, Rui, Ana Justo, Pizetta... foram tantos “colos” que
ganhei ao longo destes cinco anos! Sem vocês, eu certamente teria desistido... Obrigada, do
fundo do meu coração!
À Faculdade de Serviço Social e à Universidade Federal de Juiz de Fora, por todo o apoio,
institucional e afetivo, para que chegássemos até este momento. Nestes espaços, temos
aprendido a apostar na emancipação humana e por ela trabalhar, em todas as suas
potencialidades.
Enfim, mas não por uma importância menor, à CAPES, pela bolsa de estudos que viabilizou
materialmente a realização deste trabalho.
9
Criança é bonito? É.
Mulher é bonito? É.
A lua é bonito? É.
A rosa é bonito? É.
Mas criança chega a homem se a bomba quiser
A mulher só tem seu homem se a bomba quiser
Homem sonha e faz seu sonho se a bomba quiser
Não é tempo de ver lua nem tirar rosa do pé.
Criança é bonito? É.
Mulher é bonito? É.
A lua é bonito? É.
A rosa é bonito? É.
Pois criança vai ser homem porque a gente quer
A mulher vai ter seu homem porque a gente quer
Homem vai fazer seu sonho porque a gente quer
Vai ser tempo de ver lua e de tirar rosa do pé”
(Mário Lago)
10
INTRODUÇÃO
defende como uma perspectiva nacional popular, ou, em outros momentos, como uma
vontade coletiva nacional-popular. Esta, que representa a categoria-chave para a tese que
iremos defender neste trabalho, significa, acreditamos, a mais ampla concepção gramsciana
para um projeto societário alternativo ao que hoje se apresenta como dominante. Mais do que
uma nova leitura do passado nacional, sob o ponto de vista e a perspectiva dos setores
populares, mais do que uma mera concepção ou orientação artística e/ ou intelectual, Gramsci
dá ao nacional-popular enquanto projeto a potencialidade e a força da transformação, no
sentido da superação material e ideo-cultural das condições de subalternidade nas quais vivem
as classes trabalhadoras.
A questão que tentamos, portanto, responder ao longo deste trabalho não foi acerca da
validade do nacional-popular enquanto categoria histórica no cenário da “globalização”, uma
vez que tal validade nos parece inquestionável. Foi, sim, a de tentar compreender os desafios
contemporâneos que a atual organização do sistema do capital, num cenário mundializado,
coloca para a perspectiva nacional-popular e o projeto societário que ela pretende construir.
Nesta direção, foi-nos necessária uma retomada sócio-histórica sobre o que se convencionou
chamar de “globalização” e, sobretudo, de “globalização da cultura”.
A esta retomada se destina, sobretudo, o segundo capítulo desta tese. Nele, podemos
observar que, após a “euforia globalizante” dos anos 1980 e 1990, surgem importantes
elaborações teóricas que se ocupam de realizar uma análise crítica deste momento da
reorganização do capital. Baseados nas elaborações que julgamos mais responsáveis,
procuramos, portanto, compreender o discurso acerca da “globalização”, bem como sua
materialidade histórica. Partimos, desta forma, da certeza de que o momento de reorganização
do sistema do capital que estamos vivenciando desde meados da década de 1970 foi capaz de
se consolidar e de estender suas determinações históricas ao longo de toda a sociabilidade
burguesa. Neste sentido, fala-se de uma “sociedade global”, onde os aspectos econômicos,
sociais e políticos estariam passando por uma reestruturação de seus espaços políticos e,
sobretudo, deliberativos. Assim, a “globalização” se apresentaria como um “caminho sem
volta”, uma orientação hegemônica da qual não teríamos como escapar ou para a qual
construir uma alternativa.
No entanto, compartilhamos com vários autores da idéia de que este processo de
globalização é marcadamente contraditório. Em outras palavras, a globalização, como foi
alardeada nos anos 1980 e 1990, constitui uma ideologia, no sentido da “falsa consciência” de
que nos falam Marx e Engels. As supostas interação e integração entre as nações, apregoadas
pelos espaços hegemônicos do capital, representam, na verdade, um discurso capaz de
13
1
É de Marshall McLuhan a metáfora da “aldeia global”, ou seja, de que o mundo caminha para uma
superação dos limites nacionais e de que, na verdade, a técnica e a eletrônica constituem hoje
elementos que garantem a organização, o funcionamento e a estrutura da vida social em uma
dimensão globalizada. Cf. IANNI, Octavio. Teorias da globalização. 5ª ed., Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1998.
14
primeira vez, tendo a oportunidade de vivenciar diferentes culturas, conhecer modos de vida
alternativos ao modelo ocidental, deparar-se com diferentes formas de viver e pensar
colocadas no cenário mundial pelos povos antes colonizados. Segunda esta perspectiva,
através de outro “nacionalismo”, agora dos “de baixo”, o imperialismo estaria sendo
questionado e potencialmente superado.
Estas duas concepções, como teremos a oportunidade de observar, nos parecem
limitadas e não apontam para as verdadeiras determinações da sociedade capitalista
contemporânea. Em poucas palavras, poderíamos dizer que partimos da certeza de que a
cultura não é o espaço só do conformismo ou da resistência, mas que está inserida em uma
relação hegemônica onde as lutas políticas e sociais, em sua dimensão mais ampla, são
determinantes para os caminhos que as sociedades contemporâneas irão trilhar.
Discordando, a princípio, destas duas concepções, nossa expectativa é de responder a
este debate recolocando a centralidade da categoria gramsciana de “nacional-popular”, a qual,
para autores como ORTIZ2, já não tem qualquer validade histórica. Neste capítulo, portanto,
interessou-nos particularizar, no momento contemporâneo, as determinações de uma cultura
nacional-popular como uma alternativa política e cultural ao discurso dominante da
“globalização da cultura”, que se apresenta construído, de diferentes formas, naquelas duas
concepções. Entendemos que este discurso oculta a real necessidade de se pensar a dimensão
social contemporânea a partir de premissas nacionais, não as compreendendo como elemento
de limitação do pensamento crítico, mas como o ponto de partida, como primeiro impulso de
compreensão da realidade societária em que estamos inseridos.
Nesta altura, faz-se necessário observar que Gramsci, ao construir sua discussão sobre
nacional-popular, jamais postulou que se deva, nesta perspectiva, abordar o nacional como
objetivo final de compreensão e, portanto, de intervenção. É importante observarmos que
Gramsci nunca abandonou a perspectiva internacionalista que deu o norte ao movimento
comunista desde sua origem. No entanto, acredita ele, nacional e internacional compõem um
todo orgânico e contraditório, necessitando ser abordados nesta orientação dialética.
Assim, procuramos abordar, nesta retomada de uma perspectiva nacional-popular na
cultura, os dois principais elementos apontados por Gramsci em sua crítica da ausência do
nacional-popular na vida cultural italiana. Em primeiro lugar, o fato de que é preciso haver
uma compreensão crítica do nacional e do popular, ou seja, é preciso que se resgate o
nacional de uma abordagem elitista e dominante e que se aproxime dos problemas, questões e
2
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
15
expectativas dos setores populares em suas lutas cotidianas. Assim, segundo Gramsci,
nacional-popular é uma perspectiva que, construída no interior da trama complexa da
sociedade civil, apresenta uma clara opção de classe, indicando caminhos capazes de dar
organicidade aos elementos fragmentados de um “projeto popular” para as classes
trabalhadoras no cenário mundial. Acreditamos que tais elementos, embora dispersos, já
existem e congregam necessidades nacionais e internacionais (ou “globalizadas”).
Em segundo lugar, surge a necessidade de se problematizar a relação, historicamente
frágil e inoperante, entre intelectuais e setores populares no cenário da “globalização”.
Diversos autores, dos quais destacamos CHAUÍ (2006), têm chamado a atenção para o fato de
que o débil engajamento da intelectualidade constitui hoje um grave problema social nas
sociedades contemporâneas, pois contribui para que estratégias neoconservadoras, ou mesmo
meramente reformistas, tomem força no cenário atual. Esta autora afirma que, no cenário de
avanço da pós-modernidade no qual estamos inseridos, os “intelectuais estão em silêncio”.
Eis por que não mais se pede à arte que seja nacional ou nacional-popular,
pois o sistema que formulou o projeto fundador dessa exigência não tem
mais lugar. Prescreve-se até que ela desterritorialize, intertextualize,
estabeleça o diálogo intercultural para além das fronteiras geográficas. Não
16
É com estas e outras questões que pretendemos dialogar ao longo deste trabalho.
17
nos para uma reflexão crítica e revolucionária acerca das características e das contradições
contemporâneas.
Temos clareza, por outro lado, de que, ao falarmos sobre a tradição marxista, não
estamos, de forma alguma, tratando de um bloco homogêneo. Muito pelo contrário,
compartilhamos da ideia de que o que se convencionou chamar de marxismo representa, na
verdade, um conjunto de tendências e formulações teóricas bastante diferenciadas entre si e,
até mesmo, divergentes. Partimos, aqui, da certeza de que não é possível medir qual destas
tendências seja mais ou menos marxista. A riqueza da herança marxiana, bem como os
diferentes contextos sócio-históricos nos quais ela se desenvolveu, deram origem a diversos
“marxismos” que, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, apresentaram-se com
força suficiente para reivindicar legitimidade e reconhecimento teórico.
Assim estão expressos, em NETTO (1989, p. 78-79), os avanços e os limites desta
pluralidade e desta “disputa” de tendências no interior da tradição marxista.
3
Dentre os países que vivenciaram estas experiências podemos destacar a Polônia, o Vietnã e a
China.
4
É importante observarmos que WILLIAMS chama atenção para o risco de ecletismo nesta
aproximação e, para isso, a fidelidade às categorias centrais do pensamento marxiano nos parece
essencial.
21
Demarca-se, então, o que ficou conhecido como “estudos culturais” que, originados na
Inglaterra trabalhista, buscavam abordar as diferenças e as diversidades culturais a partir de
uma “era dos três mundos”5. Em um momento de crise da perspectiva socialista e de
reorientação da sociedade capitalista, tais estudos se propunham a agir numa proposta de
reforma interdisciplinar e transdisciplinar das fronteiras acadêmicas. O momento de
reanimação e de renovação no pensamento radical e socialista colocava em cena a
necessidade de se pensar a relação entre a cultura e as demais esferas da vida em sociedade.
Intensificou-se, então, uma “volta às superestruturas”, uma reconsideração da cultura,
buscando-se atentar para as particularidades regionais e nacionais geralmente ignoradas pelo
internacionalismo abstrato do marxismo oficial.
Uma das principais questões que envolvem este momento de apropriação do termo
cultura pela teoria marxista é seu lugar no desenvolvimento do materialismo histórico. É
necessário, assim, retomarmos as bases desta proposta marxiana, a fim de melhor
fundamentarmos nossas análises.
GORENDER (1998) destaca a obra A Ideologia Alemã, escrita por Marx e Engels
entre os anos de 1845 e 1846, como o momento de nascimento do materialismo histórico, ou
seja, como a obra que demarca, pela primeira vez com maior clareza, a superação que tais
autores fizeram com relação à filosofia clássica alemã. Naquele momento, recuperando e
questionando o materialismo sob a forma que lhes apresentava Feuerbach, do humanismo
naturista, Marx e Engels realizam um processo de reelaboração da dialética hegeliana e
buscam integrá-la no corpo do materialismo, o qual se apresenta, a partir de então, como
materialismo histórico-dialético. Tal concepção constituía, naquele momento, uma
abordagem radicalmente nova acerca do desenvolvimento da sociedade, visando sua
transformação radical. A Ideologia Alemã foi, para seus autores, um importante momento de
redefinições e avanços, demonstrando, a partir de seus primeiros envolvimentos com o
movimento operário europeu, que uma proposta de absoluta renovação intelectual estava para
ser gerada.
O primeiro e talvez principal elemento de debate de Marx e Engels nesta obra é a
própria concepção de ideologia e esta nos parece essencial para todo o pensamento marxista
sobre a cultura. Partindo de uma compreensão de ideologia como o “estudo da origem e da
formação das idéias”, sustentada por Destutt de Tracy, em 1804, os autores demonstram sua
5
A denominada “era dos três mundos” diz respeito ao que ficou historicamente conhecido como
Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos, numa perspectiva claramente hegemônica do mundo
capitalista.
22
crítica e superação de parte do legado hegeliano, sobretudo quando este sustenta que “a Idéia
é o sujeito, cujo predicado são suas objetivações”. Para eles, a filosofia clássica alemã cai em
um grande equívoco ao postular que a “imaginação” e a “representação” que os homens
fazem de sua práxis real constitui a força realmente determinante e ativa. Tais filósofos se
movem no domínio do “espírito puro”, onde não existem interesses reais, nem interesses
políticos, mas apenas ideias “puras”. Nesta perspectiva, as concepções, os pensamentos, as
ideias, seriam produtos da consciência, com uma existência independente em relação à base
material e com a potencialidade de constituírem verdadeiras cadeias para os homens, cuja
libertação viria através de uma “modificação da consciência”.
Este será, num primeiro momento, o sentido negativo que Marx e Engels vão atribuir
ao termo “ideologia”, ou seja, uma falsa consciência, um conjunto de ilusões através das quais
os homens pensam conhecer sua realidade, mas que, na verdade, os fazem conhecer de forma
enviesada, distorcida. Para Marx e Engels, este conhecimento ideológico da realidade precisa
ser invertido, pois as ideias jamais se desenvolvem por si mesmas, como entidades
substantivas.
Na verdade, estes autores inovam a filosofia alemã ao compreenderem o
desenvolvimento das ideias como subordinado, como dependente; elas seriam, então,
derivadas do substrato material da história. A essência do homem é, assim, o conjunto de suas
relações sociais e seu processo de humanização. Sua elevação de ser natural a ser social só se
dá dentro da sociedade e pela sociedade. Assim, o que funda o materialismo histórico é a
certeza de que os indivíduos são constituídos por suas condições materiais de produção. Na
busca da satisfação de suas necessidades, os homens produzem seus próprios meios de
existência. Assim o que produzem e como produzem são os elementos-chave para a
compreensão da sociabilidade humana em diferentes tempos históricos. O modo de produção
constitui, assim, o elemento fundador das sociedades e dos próprios homens enquanto seres
sociais. Nas palavras dos autores,
As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases
reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua
ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já
encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação.
(MARX & ENGELS, 1998, p.10).
O materialismo histórico tem como princípio, desde seu momento originário, esta
compreensão de que o homem se constitui historicamente, primeiro em sua relação com a
natureza, depois em sua relação com os outros homens. É só com este processo de
23
socialização em curso que o homem se torna consciente e capaz de refletir sobre sua vida
material. Assim, é a vida que determina a consciência; a história é a história da natureza e a
história dos homens, que estabelecem suas mais diferentes relações sociais na expectativa de
atenção às suas necessidades materiais. O intercâmbio dos homens entre si, e tudo que está a
ele relacionado, está primeiramente condicionado pelo modo de produção. Este é o sentido da
produção material. Os homens, ao contrário de outros animais, começam a produzir seus
meios de existência e, neste caminho, produzem indiretamente toda a sua própria vida
material. O que os indivíduos são, enquanto seres “viventes e conscientes”, depende das
condições materiais da sua produção.
Esta produção, a cada momento de complexificação das sociedades, caracteriza-se,
cada vez mais, como um processo coletivo, um processo que pressupõe o intercâmbio dos
indivíduos entre si. Assim, os homens produzem em sociedade, em condições sociais
herdadas ou criadas por sua própria ação, se constroem e se organizam em sociedade tendo na
base deste processo as condições e relações de produção.
Ao apresentarem este postulado básico para o materialismo histórico, Marx e Engels
colocam em xeque, desde então, a suposta autonomia dos produtos da consciência, pregada
pelo idealismo clássico alemão. A partir de então, a produção de idéias, de representações, de
símbolos e de referências no plano da consciência passa a ser compreendida como parte do
processo de vida real dos homens, como conseqüência de um determinado desenvolvimento
das forças produtivas e das mais diferentes relações (sociais, econômicas e políticas) que a
elas correspondem. Esses elementos nos parecem indispensáveis para que possamos discutir,
posteriormente, a noção de cultura no interior do marxismo.
Assim, da relação do homem com a natureza, na busca da satisfação de suas
necessidades, podemos extrair os pontos essenciais da discussão marxiana sobre a questão do
trabalho em toda a sua riqueza de determinações. Estão colocadas, então, as premissas da
relação entre trabalho e cultura enquanto esferas constitutivas do ser social. A cultura surge
como esfera determinada pelo trabalho, constrói-se como a manifestação da consciência
social, só é possível se consideramos a imensa rede de relações produtivas que se estabelecem
em um determinado momento histórico. Assim, a cada forma diferenciada de organizar o
trabalho e a vida material corresponde um universo cultural equivalente, o qual se constrói
como algo dinâmico e historicamente referenciado.
Compreender o trabalho como elemento fundante da produção material e,
conseqüentemente, da socialização humana significa abordá-lo como o processo que garante
ao homem superar suas barreiras e limitações naturais e, atendendo às necessidades
24
se coloca como reflexo destas relações produtivas, como um universo capaz de conter as
características e as contradições originárias destas relações.
A história da evolução humana tem demonstrado que o trabalho se constitui,
gradativamente, em um processo cada vez mais social, ou seja, que envolve um número cada
vez maior de pessoas em sua constituição e em suas mediações com a natureza. Assim, a
relação homem-natureza se realiza e traz consigo uma relação do homem com outros homens,
do homem em sociedade. Através do trabalho, os homens se socializam, se interrelacionam,
constroem posições intersubjetivas que irão, por sua vez, intervir novamente nos diferentes
processos de trabalho em uma determinada sociedade.
O trabalho, inserido em uma divisão cada vez mais intensa, passa, assim, a depender
da cooperação entre muitas pessoas. Em outras palavras, para atuar sobre a natureza, é preciso
atuar teleologicamente também sobre outros seres sociais, visando o convencimento e a
interrelação com outras práticas. Na concepção lukacsiana, uma práxis social interativa
(ANTUNES, 2000) se constrói a partir do trabalho enquanto momento fundante e, aos
poucos, ganha uma aparente autonomia, que será posteriormente questionada.
É necessário observarmos a afirmação marxiana de que a época do indivíduo isolado é
precisamente aquela na qual as relações sociais alcançaram o mais alto grau de
desenvolvimento. Se hoje é possível pensar que o homem é um ser capaz de se isolar, é
porque ele encontra, na sociedade, o resultado de inúmeros processos de trabalho coletivos
que lhe garantem tais condições de isolamento. Assim, esta práxis social interativa só ganha
esta autonomia aparente porque se desenvolveu em um contexto societário em que o trabalho
humano é amplamente mediado, onde, muitas vezes, os homens não percebem, com clareza, a
importância deste elemento enquanto fundante da vida social. Nesta articulação de uma práxis
social interativa a partir do trabalho, os elementos componentes deste próprio processo de
trabalho se historicizam e se atualizam permanentemente. É porque se produzem valores de
uso em cooperação com outros seres humanos que o objeto, os meios e o próprio trabalho
podem se renovar e se adequar às novas necessidades sociais que se apresentam na sociedade
enquanto coletividade.
Assim, é importante reforçarmos que o processo de “humanização do homem”, em seu
sentido mais amplo, tem como fundamento o trabalho. Através deste processo, o ser humano
se descobre como parte da natureza, mas também como separado dela, uma vez que pode se
apoderar de seus elementos para satisfazer necessidades que só se colocam na vida em
sociedade. Ao mesmo tempo, o homem descobre também que este processo de apoderamento
não é individual, mas coletivo, pois, através do trabalho, a perspectiva de intersubjetividade
26
irá se constituir com mais força e dar origem a formas mais complexificadas da vida humana.
Assim se constrói o ser social, dotado de autonomia, inserido em uma intersubjetividade,
teleologicamente capacitado, enfim, inteiramente diferente de formas de ser anteriores. É este
ser social, que agora possui o controle consciente sobre si mesmo e sobre a natureza, que irá
construir um universo cultural correspondente, um modo de vida próprio a estas relações entre
homem-natureza e homem-homem. Cultura se apresenta, nesta discussão, como um conjunto
de elementos simbólicos, como um modo de sentir, pensar e viver que se constrói e se define
em sociedade, a partir dos enfrentamentos e das soluções que este próprio agrupamento
consegue desenvolver. A cultura seria, então, o outro componente de uma sociabilidade,
necessária enquanto espaço de reprodução de determinadas relações sociais.
Para que possamos aprofundar esta discussão acerca do “mundo da cultura”, é
necessário atentarmos para o fato de que, quanto mais complexas são as sociedades, maior é a
aparência de autonomia destas ações interativas, deste universo cultural, em relação ao
trabalho. Entretanto, problematizar esta autonomia coloca questões relevantes para este
debate. Evidentemente, a vida social não se resume ao trabalho. O ser social se constitui
também através de outras esferas, tais como a política, a arte, os valores morais, a
religiosidade, o lazer, dentre outras que, na verdade, realizam também a mediação com a
natureza e com os outros homens. No entanto, estas esferas são, inquestionavelmente
secundárias, em um sentido ontológico, em relação ao trabalho, que é o locus primeiro de
realização da vida social. Para recorrermos novamente às palavras de ANTUNES (2000, p.
141)
que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência. (MARX
& ENGELS, 1998:19-20).
(...) atuando sobre a natureza, tanto como atuando uns sobre os outros, os
sujeitos humanos se defrontam sempre com momentos nos quais sentem a
necessidade de rever suas idéias, suas impressões, percebem que lhes
convém reavaliar suas representações, repensar suas convicções. Dão-se
conta de que precisam fazer escolhas, tomar decisões importantes, assumir
riscos. A cultura é esse plano no qual os seres humanos exercem plenamente
seu poder de invenção, sua criatividade maior, sua efetiva liberdade.
Tais colocações são relevantes para que possamos evitar um duplo equívoco em
relação à análise da esfera cultural. O primeiro de, sobrevalorizando a esfera do trabalho, dar
a ela um status de exclusividade, ou seja, de que apenas através do trabalho o homem se
realiza e se constitui enquanto ser social. É evidente, sobretudo em sociedades mais
complexificadas, que nem só do trabalho vive o homem, mas de um conjunto de esferas
29
(cultural, religiosa, política, etc.) que compõem uma totalidade e que dão sentido a sua
existência e da coletividade da qual ele faz parte. Tais esferas, aos poucos, vão se
concretizando como espaços de lutas sociais, de construção de interesses diferenciados, de
correlação de forças nas sociedades, o que acaba por influenciar e, muitas vezes, redirecionar
a esfera da produção. Assim, o ser social é constituído no interior deste todo complexo e onde,
gradativamente, nenhuma esfera tem mais autonomia. Elas são absolutamente
interrelacionadas e mudanças significativas em uma dada sociedade dependem de mudanças
em todo este conjunto. Se todo modo de produção constrói e necessita também de um modo
de garantir sua própria reprodução, entendemos que as duas frentes se constituem como
momentos que comportam as lutas sociais e os projetos que se enfrentam em torno de uma
proposta hegemônica. Em outras palavras, é impossível pensarmos em transformações na
esfera do trabalho sem levarmos em conta, por exemplo, a configuração cultural e política de
uma sociedade.
Outro equívoco, este talvez mais forte e mais contemporâneo, é o de se acreditar que a
esfera cultural é autônoma na dinâmica das sociedades modernas. Parece-nos que boa parte da
discussão contemporânea sobre o multiculturalismo está pautada nesta premissa. Assim,
segundo esta orientação, estaríamos vivendo em sociedades onde, por elementos da
conjuntura histórica, o trabalho enquanto esfera fundante do ser social estaria em crise. O
desemprego, as novas tecnologias, os contratos temporários, o subemprego, e tantos outros
elementos da chamada reestruturação produtiva teriam feito do trabalho (e aqui, muitas vezes,
existe a infeliz confusão entre trabalho e emprego) uma esfera secundária na vida social, o
que teria dado a outras instâncias da esfera cultural, tais como o gênero, a geração, a opção
sexual, a etnia, dentre outras, um peso e uma relevância muito maiores na determinação do ser
social. Com isso, a cultura seria o espaço da identidade, que abortaria ou minimizaria,
conseqüentemente, a identidade de classe.
BIHR (1999), ao analisar o momento de crise do movimento operário europeu desde a
década de 70, nos apresenta importantes colocações acerca desta tendência de autonomização
da esfera cultural. Segundo este autor, ela é característica de um determinado momento do
desenvolvimento da sociedade capitalista e de seu correspondente processo, cada vez mais
acentuado, de alienação política. O capital é capaz de se apropriar de suas condições gerais de
reprodução, fazendo-as tomar a forma de forças sociais desencadeadas, externas e estranhas
ao “corpo social”, de forças sociais autonomizadas e reificadas. Assim, a cultura, enquanto
uma das condições de reprodução do sistema do capital, também estaria passando por este
processo ao ser colocada como uma esfera autônoma e estranha ao mundo do trabalho.
30
Duas palavras vão lhes permitir definir esta oposição dos dois sistemas de
valores: tudo que é autêntico e que contribui para o enriquecimento
intelectual e espiritual será considerado como vindo da cultura; ao contrário,
o que é somente aparência brilhante, leviandade, refinamento superficial,
pertence à civilização. A cultura se opõe então à civilização como a
profundidade se opõe à superficialidade. (1999, p. 25)
Para WILLIANS (1979), entretanto, as divergências entre os dois termos não são mais
importantes que o seu principal ponto de convergência, qual seja, a de trazer uma nova
possibilidade de interpretação acerca do homem enquanto ser social e de sua vida em
sociedade.
33
parâmetro de identidade que dela decorre também se define no interior de contextos sociais
que orientam as representações e as escolhas culturais. É no interior das mais diversas trocas
sociais, viabilizadas pela dinâmica produtiva de cada sociedade, que ocorrem também as
chamadas trocas culturais, que fazem da identidade este elemento em constante
(re)construção.
CUCHE (1999) chama atenção também para o fato de que o homem constrói, em
sociedade, diversas e diferentes vinculações, compondo este todo orgânico que irá caracteriza-
lo como ser social. Desta forma, existe também uma pluralidade de referências
identificatórias, que compõem a cultura e a identidade cultural como algo multidimensional.
Assim, ela pode ser instrumentalizada nas relações entre os grupos sociais, construindo
fronteiras (HANNERZ, 1997) como artifícios de separação e de diferenciação. Este uso
reafirma, como podemos observar em diferentes contextos, relações históricas de dominação,
onde a cultura aparece como algo superior ou inferior, estendendo esta concepção hierárquica
para os povos que compartilham desta ou daquela cultura.
Outra possibilidade de se abordar contemporaneamente o termo cultura mantém
referência com aquela ideia de um “processo íntimo” de refinamento intelectual, de um
“desenvolvimento do espírito” no sentido da aquisição de conhecimentos e de capacidade de
reflexão e crítica. Este uso aponta para uma apreensão mais “individual” de cultura, no
sentido de pessoas mais ou menos “cultas”, que desenvolveram mais ou menos esta
capacidade reflexiva. No entanto, esta capacidade está, mais uma vez, diretamente relacionada
ao conjunto das relações produtivas e das condições sociais nas quais os homens constroem os
diferentes espaços de relações sociais. A cultura, neste segundo sentido, também é uma esfera
coletiva e socialmente determinada. Virá da contribuição gramsciana, como veremos
posteriormente, um importante avanço nesta compreensão de cultura, ao afirmar que a
capacidade de trabalho intelectual é inerente ao homem, que a vivencia e a desenvolve de
diferentes maneiras, de acordo com as condições históricas nas quais vive.
Enfim, é necessário registrar ainda a compreensão de cultura num sentido mais
restrito, qual seja, o da produção artística e intelectual de determinada sociedade. Partindo da
certeza de que a autonomia desta produção é algo extremamente relativo, acreditamos que tal
produção é mais bem apreendida enquanto “manifestação ou expressão cultural”, no sentido
de que apresenta a potencialidade de “trazer à tona”, de tornar manifestas as relações sociais
constitutivas do modo de produção em torno do qual uma sociedade se organiza. A arte e a
vida intelectual explicam e explicitam a cultura, sendo, ao mesmo tempo, determinadas por
ela. Ao longo de toda a história da arte, podemos observar como ela sempre foi um forte
35
Nesse sentido, também, a cultura pode unir fato e valor, sendo tanto uma
prestação de contas do real como uma antecipação do desejável. Se o real
contém aquilo que o contradiz, então o termo “cultura” está destinado a olhar
em duas direções opostas. (IBIDEM, p. 37-38).
Segundo esta orientação, podemos perceber um duplo movimento, onde o que Marx e
Engels denominam de “consciência social” exprime e também contribui para a formação das
relações sociais. Através dela, que se constrói como a “linguagem da vida real”, os homens
pensam a si mesmos e aos outros, refletindo em seu interior relações de dependência,
alienação e antagonismo, presentes em sua vida social, assim como de convergência,
identidade e solidariedade. Através da consciência, os homens exercitam a capacidade de
36
Desta forma, em uma proposta de análise da cultura que tenha por orientação a
perspectiva marxista, é necessário e relevante analisarmos os processos reais específicos e
indissolúveis que se estabelecem entre a base e a superestrutura. Acreditamos que esta
perspectiva marxiana, longe de colocar a cultura numa posição subordinada e passiva, dá a ela
uma extrema dinamicidade e uma capacidade significativa de acompanhar o movimento
histórico do real. O conhecimento do mundo e, portanto, sua significação simbólica só são
possíveis através da ação exercida sobre ele e da transformação sofrida por ele. A consciência
social dos homens se modifica na mesma medida em que contribui para as mudanças
38
ocorridas na natureza e nas formas de intervir sobre ela. Nas palavras de MARX & ENGELS
(apud SAHLINS, 2003, p. 133)
(...) o mundo sensível que o rodeia não é algo diretamente dado desde toda
eternidade e sempre igual a si mesmo, mas o produto da indústria e do estado
da sociedade no sentido em que é um produto histórico, o resultado da
atividade de toda uma série de gerações, cada uma das quais se apóia nos
ombros da anterior, que desenvolve sua indústria e seu intercâmbio,
modificando sua organização social de acordo com as novas necessidades.
da cultura como algo estático, objetivista, que, por sua vez, se relacionaria com uma
concepção da realidade, da infra-estrutura passível de ser conhecida separadamente, por
critérios de verdade científica.
A partir desta “teoria do reflexo”, constrói-se, na maioria das vezes, uma abordagem
mecanicista do materialismo, onde o mundo real aparece isolado como um objeto em
condição abstrata, com “leis” já definidas e conhecidas deste processo. As diferentes
manifestações culturais seriam apenas o reflexo destas leis, teriam a função apenas de
externar, no plano das idéias e do mundo simbólico, o que já se constituía como a realidade
básica do processo social material. Neste sentido, na esfera cultural, não haveria espaço para a
criatividade e para relações mais dinâmicas, mas apenas para a reprodução ideal desta
realidade externa e estática. Na verdade, esta teoria acaba por eliminar o caráter material e
social da própria atividade artística e cultural. Tal modelo tende a reificar o movimento da
infra-estrutura, compreendendo-a como um objeto acabado. Não consegue apreendê-la como
um processo de vida material, como resultado da atividade humana, como algo dinâmico e
histórico, do qual a produção cultural é parte constitutiva, e não mero reflexo.
No momento mais contemporâneo da evolução do marxismo, sobretudo a partir dos
anos 1980, esta concepção da cultura como mero reflexo foi sendo questionada e, segundo
WILLIANS, desafiada pela idéia de “mediação”. A diferença principal estaria na
compreensão deste processo ativo na relação entre “base material” e “cultura”, entre “infra-
estrutura” e “superestrutura”. A cultura seria, então, uma mediação das diferentes relações
sociais nas quais os homens estão envolvidos, ou seja, um processo positivo e substancial,
onde são produzidos significados e valores compatíveis com e necessários para a produção
material mais ampla. Enquanto mediação, é possível compreender a cultura como algo
intrínseco à produção material, capaz de acompanhar e de redirecionar seu movimento, seus
altos e baixos, bem como, conforme analisaremos mais tarde, sua correlação de forças e seu
contexto de luta de classes. Assim, como propõe WILLIANS (1979, p. 101), “não devemos
esperar encontrar (ou encontrar sempre), realidades sociais “refletidas” diretamente na arte, já
que estas (sempre, ou com freqüência) passam através de um processo de “mediação”, no qual
seu conteúdo original é modificado”.
Vale, ainda, enfatizarmos a dimensão essencialmente coletiva que dá direção ao
universo cultural. Embora uma das questões mais relevantes para a antropologia cultural nos
dias de hoje seja compreender como os indivíduos incorporam e vivem sua cultura, ou seja,
como se adquire certa cultura, esta deve ser sempre problematizada em seu aspecto coletivo,
enquanto uma dimensão da práxis social interativa. Cada cultura comporta, em sua dinâmica
41
social, um conjunto de valores comuns àqueles que dela compartilham e que a torna
específica em relação a outras culturas. É, assim, uma esfera que gera identidade entre seus
membros e que define, portanto, não só categorias para a inclusão ou a exclusão, mas também
a afirmação dos sujeitos sociais enquanto produto e suporte das lutas sociais e políticas de
grupos ou comunidades inteiras. É neste sentido que se fala da cultura dos imigrantes, dos
setores populares, de classes sociais, etc., enquanto elemento da construção social destes
setores no interior de suas diversas relações sociais.
Todas estas questões exigem que reafirmemos a esfera cultural como altamente
dinâmica, estando sujeita a constantes transformações oriundas do quadro social mais amplo
no qual a cultura é gestada. Abordar esta dinamicidade significa questionar os caminhos que
podem contribuir para se modificar uma cultura e os sujeitos destas mudanças, sejam eles
indivíduos, grupos ou sociedades inteiras. É necessário, portanto, afastar o risco de reificação
da cultura, e entendê-la também como o espaço de reflexão acerca dos problemas que
envolvem uma sociedade, das lutas sociais empreendidas em seu interior, da reorganização da
esfera da produção, etc.
As configurações culturais devem ser estudadas no interior de diferentes quadros de
relações sociais, as quais favorecem os elementos de integração, de competição, de conflito,
etc. Os contatos e, sobretudo, as trocas culturais são realizadas a partir destas relações que são
desiguais, uma vez que estabelecem, no domínio cultural, uma mesma situação de hierarquia
e de dominação. Ao mesmo tempo, enquanto um espaço de reflexão (e não meramente como
reflexo), a cultura se constrói como alternativa, como questionamento desta dominação.
Define-se, neste sentido, como um pólo tenso em que convivem elementos de resistência e de
integração, de questionamento e de assimilação.
Percebemos, então, a partir destas formulações, a importância e a significação da
compreensão da cultura no interior da tradição marxista. O homem se constitui enquanto ser
participante de uma sociedade através de suas relações com outros homens, processos que o
potencializam a criar e a se identificar com uma cultura, a qual, por sua vez, dá nova
dinamicidade a estas mesmas relações produtivas e sociais. A partir destas considerações,
acreditamos que o debate acerca da cultura no contexto contemporâneo da globalização fica
enriquecido e, ao mesmo tempo, pode ser realizado numa perspectiva mais ampla de crítica e
de superação. Inserindo a cultura na dinâmica das relações produtivas de uma dada sociedade,
encontramos o espaço privilegiado tanto para a compreensão quanto para o questionamento
da estrutura desta sociedade, sobretudo quando estas se referem ao modo capitalista de
produção. Antes, porém, de realizarmos esta abordagem mais específica sobre a cultura na
42
Este momento da vida de Gramsci pode ser analisado como o início de uma produção
política mais madura, a qual iria caracterizá-lo como o grande revolucionário do qual a
história teria conhecimento mais tarde.
Deste primeiro período de elaboração teórica, quando Gramsci ainda era, como ele
próprio afirma, “sobretudo tendencialmente crociano”, podemos destacar alguns textos nos
quais as primeiras formulações de sua compreensão acerca da cultura ficam mais evidentes.
Neste momento, e até 1917, existia para Gramsci uma intrínseca relação entre a educação
formal e a questão da cultura, onde a primeira era um dos caminhos privilegiados para se
alcançar a segunda. Já existia, no entanto, a certeza de que esta educação não poderia ser
desinteressada, ou seja, alheia e desvinculada da perspectiva de um projeto societário mais
amplo. Neste sentido, já existia, segundo Gramsci, uma luta ideológica que envolvia, em
projetos diferenciados, tanto a educação quanto a cultura.
Em “Socialismo e Cultura”, de 29 de janeiro de 1916, Gramsci elabora um paralelo e
uma oposição entre duas concepções de cultura. Uma delas, que poderíamos chamar de
conservadora, aborda a cultura como um “saber enciclopédico”, como uma capacidade de
“acumular dados” que faz com que certas pessoas acreditem ser superiores ao resto da
humanidade, estando elas sustentadas pelo que o autor chama de “intelectualismo deletério”.
Evidentemente, Gramsci se opõe a esta concepção, e defende a compreensão do termo cultura
como “algo a mais”, como um processo de auto-domínio e de autoconhecimento que seria a
base de uma consciência crítica unitária, uma “nova cultura”. Em suas próprias palavras,
PSI, buscando consolidar a idéia de que uma renovação ideológica e cultural se fazia urgente
no movimento socialista italiano, e de que a ação no âmbito do domínio político e econômico
deveria ser acompanhada pelo trabalho do organismo de atividade cultural. Observe-se que,
desde já, Gramsci associa à cultura a capacidade historicamente construída de reflexão, de
crítica, de superação, por uma atividade consciente, das perspectivas de alienação e de
despolitização. A cultura já se apresenta como uma condição essencial para a emancipação
humana, proposta pela perspectiva socialista.
No único número de “La città futura”, em 11 de fevereiro de 1917, Gramsci, ao se
voltar para o problema do grande número de analfabetos na Itália, coloca a questão da cultura
e do acesso a ela, como o elemento capaz de elevar o indivíduo, preso a um pequeno círculo
de interesses imediatos, à condição de cidadão, aberto a um mundo mais amplo de novas
expectativas e de novos projetos societários alternativos ao capitalismo. Para ele, esta é uma
tarefa socialista: acabar com o analfabetismo e transformar os italianos, através do acesso à
cultura, em cidadãos ativos. A “cidade futura”, enquanto projeto socialista de Gramsci, só irá
se concretizar a partir da “obra inteligente” destes cidadãos, ou seja, das pessoas que, através
do acesso à cultura, conseguem superar a indiferença e a passividade. É neste sentido que
Gramsci propõe a “disciplina socialista”, autônoma e espontânea, construída a partir de uma
rigorosa coerência, alcançada a partir de todo o trabalho cultural proposto pelos socialistas no
sentido de “apressar o futuro”.
Em “Notas sobre a Revolução Russa”, de 29 de abril de 1917, Gramsci deixa clara
esta potencialidade revolucionária do trabalho cultural a ser desenvolvido pelos socialistas.
Ao questionar o caráter proletário da Revolução Russa6, nosso autor propõe que é necessário
que o fato revolucionário se revele, além de um fenômeno de poder, também como um
fenômeno de costumes. Assim, para que uma revolução, nestes termos, se efetive, para que
desemboque realmente na possibilidade de construção de um projeto socialista, é necessário
que novos costumes sejam criados, instaurando assim uma nova consciência moral. Neste
mesmo sentido, em “O Relojoeiro”, de 18 de agosto de 1917, Gramsci nos fala da
necessidade de uma série de “substituições revolucionárias”, onde, acredita ele, a primeira
seria aquela em que a inércia mental dá lugar a uma “vida de pensamento”, a um exercício de
reflexão e crítica que, paralelamente a ações no âmbito sócio-econômico e político,
possibilitariam a criação de uma nova ordem.
6
Gramsci se refere aqui ao primeiro momento da Revolução Russa, em fevereiro de 1917.
48
Desta forma, podemos afirmar que, após 1917, Gramsci intensifica seu debate em
torno da questão cultural, passando a denunciar uma liderança partidária que monopolizava o
conhecimento crítico e a cultura, comprometendo, assim, a luta social do conjunto da classe
trabalhadora. Na concepção de Gramsci, então, era preciso favorecer, no interior do partido,
um processo de educação em massa, para que se formasse uma base militante culturalmente
preparada e capaz de, coletivamente, elaborar estratégias e encaminhar deliberações por si
mesma.
Esta discussão já aponta para as questões que Gramsci irá aprofundar nos Cadernos
acerca do “novo tipo de intelectual” e do partido político como o grande “intelectual coletivo”
da classe trabalhadora. Está minimamente colocada, desde então, a necessidade de se eliminar
a perspectiva de exclusividade, de uma camada burocrática teórica e culturalmente preparada,
49
propondo uma formação ampla a todo o conjunto da classe trabalhadora, preparando-a para a
atividade deliberativa e revolucionária. Como se pode perceber, a defesa gramsciana de um
intelectual que “educa e organiza”, impulsionando a base para uma ação política consciente e
unitária já se apresenta nestes primeiros elementos de crítica ao PSI.
Gramsci demonstra constante preocupação com o caráter coletivo desta formação
crítica. Em “Intransigência, tolerância, intolerância, transigência”, de 8 de dezembro de
1917, o autor pondera que as deliberações tomadas coletivamente devem ter como base a
razão, devem ser resultado de um amplo, e tolerante, processo de debate, de discussões, onde
a síntese seja uma verdade global e integral porque resultado de um processo coletivo de
avanço cultural. Decisões e deliberações assim tomadas, coletivamente, justificam, para
Gramsci, ações intransigentes.
Outro elemento que podemos particularizar da concepção gramsciana sobre cultura
neste período pós-1917 é que a ênfase em um caráter de classe se torna cada vez mais
marcante, bem como a idéia de uma “cultura proletária”, que, em alguns momentos, Gramsci
também chama de “cultura popular”. Em “Para uma associação de cultura”, de 18 de
dezembro de 1917, Gramsci defende que tal associação, promovida pelos socialistas, deve ter
finalidade e limites de classe. Em Turim, o proletariado vivenciaria um elevado grau de
organização e desenvolvimento, entretanto, nem todos os que participam do movimento em
prol do socialismo assimilam o conjunto de questões que os envolvem da mesma forma. Por
isso, uma associação de cultura teria esta finalidade, de ampliar, ao proletariado enquanto
classe, esta preparação cultural, de discutir os problemas da construção do socialismo,
esclarecendo-o, propagando-o e fazendo dele a cultura a ser defendida pela classe
trabalhadora. Só assim os socialistas poderiam questionar, em igualdade de condições, a
mentalidade dogmática e intolerante dos setores populares na Itália, bastante influenciados
por uma formação católica, jesuítica e burguesa. Tal associação, ao construir as bases de uma
cultura proletária e socialista, instituiria, no interior da classe trabalhadora, novos costumes e
valores, mais livres, despreconceituosos e, portanto, revolucionários.
Ter vivenciado todo o desenvolvimento do processo revolucionário na Rússia
certamente favoreceu esta abordagem classista na concepção gramsciana de cultura e
impulsionou uma virada na abordagem “tendencialmente crociana” dos primeiros escritos de
Gramsci. Se, em 1916, existia uma vaga e questionável noção de como a mudança histórica
necessária seria culturalmente preparada (FORGACS & NOWELL-SMITH, 1999), a partir do
final de 1917, o contato mais próximo com o marxismo e com o trabalho político-prático traz
para Gramsci uma maior fundamentação para se incluir a luta ideo-cultural como uma frente
50
(...) põe sempre como o máximo fator da história não os fatos econômicos,
brutos, mas o homem, a sociedade dos homens, dos homens que se
aproximam uns dos outros, entendem-se entre si, desenvolvem através destes
contatos (civilização) uma vontade social, coletiva, e compreendem os fatos
econômicos, e os julgam, e os adequam à sua vontade, até que essa vontade
se torne o motor da economia, a plasmadora da realidade objetiva, a qual
vive, e se move, e adquire o caráter de matéria telúrica em ebulição, que
pode ser dirigida para onde a vontade quiser, do modo como a vontade
quiser. (GRAMSCI, 2004, p. 127)
Por isso, Gramsci afirma que a cultura é um conceito básico para o socialismo, que
deve ser organizada, como qualquer outro elemento, a partir da perspectiva socialista. Deve
possuir sua própria institucionalidade, através de associações de cultura que, ligadas ao
movimento socialista enquanto um projeto de totalidade, constituam em si uma necessidade
mais ampla para um projeto alternativo. Cultura se faz, assim, através do processo em que se
discutem e se investigam os problemas, onde se permite a participação e a contribuição de
51
todos, onde uma alternativa societária é gestada e assumida como projeto de uma
coletividade. Em torno desta idéia mais ampla de cultura, Gramsci particulariza algumas
questões, que nos interessarão particularmente no trato do objeto deste trabalho.
Em alguns textos do início de 1918 (“A crítica crítica”, “A Liga das Nações” e
“Individualismo e coletivismo”), percebemos uma primeira preocupação de Gramsci com a
questão nacional e o nacionalismo. Gramsci faz, nesta oportunidade, uma crítica às primeiras
formulações do movimento socialista italiano, as quais negligenciaram o estudo, o debate e a
solução dos grandes problemas nacionais que, segundo ele, interessavam a todo o proletariado
italiano. Posteriormente, Gramsci se preocupa em discutir e compreender o capitalismo como
um sistema de bases e leis internacionais e supranacionais, como o mercado externo e a livre
concorrência, mas que só conseguiu se construir como tal porque se desenvolveu, de forma
mais ou menos intensa, conforme as particularidades naturais e históricas oferecidas por cada
país. Na verdade, teríamos aqui o embrião de algo que posteriormente será central na obra
mais madura de Gramsci: a concepção de nacional-popular, ou, em outras palavras, a
necessidade de compreensão, por parte do proletariado, das questões específicas do
desenvolvimento capitalista em cada nação e da orientação que este fato acaba dando às
diferentes experiências do movimento socialista.
Neste debate em torno de uma “questão nacional” se coloca para Gramsci, por
exemplo, a questão de uma língua nacional que, enquanto construção histórica, está
diretamente vinculada à complexidade das atividades sociais das pessoas que a falam. Por
isso, pondera Gramsci, não é possível criar uma língua universal, como era a proposta do
Esperanto, no início do século XX, nem mesmo uma língua nacional que seja fixa no tempo e
no espaço. Novas correntes e novos usos da língua são introduzidos pela dinâmica das
relações sociais entre as diferentes classes, que surgem na história de forma politicamente
organizada e fazem com que
A partir destas ideias, Gramsci estará preocupado em desenvolver, com maior clareza,
os elementos que, segundo ele, deveriam caracterizar uma “cultura socialista”. Para ele, o
princípio orientador da ação do proletariado deveria ser a organização que, substituindo
diretamente o individualismo, deveria garantir à cultura proletária o “sentido de
52
7
GOODE (In BOTTOMORE, 2001: 78) afirma que esta concepção gramsciana beirava o “utopismo”.
55
A aproximação de Gramsci com esta discussão acerca dos conselhos o teria afastado
da temática específica da cultura? Poderíamos certamente afirmar que não. Muito pelo
contrário, Gramsci parece ter somado a esta discussão outras importantes determinações. Se
antes poderíamos afirmar que o binômio educação/ formação política resume bem a primeira
concepção gramsciana de cultura, agora o autor parece somar outros elementos, quais sejam, a
organização e a militância. Para ele, os Conselhos de Fábrica teriam também uma importante
função cultural, entendida como a de materializar, de tornar real, num primeiro momento,
aquela que ele mesmo denominou de uma “cultura socialista”. Nos Conselhos, o proletariado
teria a oportunidade de exercitar esta cultura, através da resistência à herança do capitalismo e
da afirmação de princípios e valores orientadores de uma prática socialista: o autogoverno, a
lealdade e a disciplina, a participação ativa e permanente, o sentimento rigoroso de
responsabilidade, o coletivismo e a experiência associativa, a solidariedade operária como
algo positivo e permanente. Os Conselhos seriam, assim, um órgão de educação recíproca e
de desenvolvimento de um novo espírito social, de uma nova cultura, enfim, capaz de garantir
uma unificação orgânica de toda a classe trabalhadora.
Gramsci reconhece, então, que, numa perspectiva radicalmente marxista, as mudanças
operadas pelos Conselhos na esfera da produção são determinantes na configuração desta
nova cultura.
Existia, no interior do PSI, uma forte resistência à proposta dos Conselhos. Para
Bordiga, por exemplo, era um equívoco acreditar que o proletariado poderia ganhar terreno e
emancipar-se no plano das relações econômicas enquanto o capitalismo ainda detinha a figura
do Estado e o poder político. Para Serrati, por outro lado, havia na elaboração de Gramsci,
uma confusão entre os soviets, que já atuavam no contexto de uma revolução vitoriosa, e os
conselhos, que trabalhavam no âmbito da ordenação industrial na sociedade capitalista.
Apesar da proposta de Gramsci obter minimamente um consenso, esta resistência do PSI
ficou evidente por ocasião da Greve de Abril8, em 1920, quando os industriais reagiram ao
movimento dos conselhos, crescente na Itália, e a classe trabalhadora não recebeu o apoio
esperado de seus dirigentes partidários e sindicais. Assim avalia Gramsci esta derrota
(...) é certo que a classe operária de Turim foi derrotada porque não existem,
porque ainda não amadureceram na Itália as condições necessárias e
suficientes para um movimento orgânico e disciplinado do conjunto da
classe operária e camponesa. Um indício desta imaturidade, dessa
insuficiência do povo trabalhador italiano é, sem dúvida, a “superstição” e a
mentalidade estreita dos responsáveis do movimento organizado do povo
trabalhador italiano (GRAMSCI, 2004, p. 346).
Gramsci conclui então que, embora o partido político e os sindicatos sejam co-
responsáveis pelos atos de libertação da classe trabalhadora no desenvolver revolucionário, na
Itália estes instrumentos não encarnaram este processo e, conseqüentemente, não superaram o
Estado burguês. A classe operária na Itália teria, então, adquirido consciência da necessidade
de uma unidade orgânica e da volta do poder industrial à fábrica sob a forma do Estado
operário no sistema dos conselhos. No entanto, faltava-lhe organização e direção. Faltava, e
isso ficou evidente após a Greve de abril, a capacidade organizativa de fazer da revolução um
ato contínuo, de reconstrução a partir de um sentido comunista, de introduzir uma nova ordem
e construir um novo Estado.
O PSI teria falhado, então, exatamente em sua função cultural de educar, formar
politicamente e capacitar as massas a se organizarem em classe dirigente e dominante. A
classe operária deveria estar preparada para uma gestão social diferente, com “a cultura e a
psicologia de uma classe dominante” capaz de debater e de se educar reciprocamente. Neste
sentido, então, o PSI não tinha contribuído na construção de uma verdadeira “cultura
8
A “Greve de abril” foi um movimento de greve geral, em abril de 1920, que chegou a reunir mais de
200 mil trabalhadores em Turim, Esgotou-se num prazo de dez dias, com a vitória substancial dos
patrões.
58
socialista”, estando tomado por uma retórica vazia e impotente no aspecto político, com uma
atuação meramente parlamentar.
Por isso, torna-se urgente para Gramsci, a partir deste momento, uma renovação do
Partido Socialista. Era preciso abandonar a atuação meramente parlamentar e os estreitos
limites da democracia burguesa, atuando diretamente no cotidiano das lutas empreendidas, no
caso, pelo sistema dos conselhos. Era preciso desenvolver um trabalho intensivo de educação
política das massas no sentido de uma orientação comunista, afastando o risco do reformismo
que pairava sobre todo o movimento socialista naquele momento.
É neste sentido de um reencontro do movimento socialista italiano com as questões
concretas da vida da classe trabalhadora, com vistas à criação de uma nova cultura que
Gramsci propõe a renovação do PSI na direção de um partido revolucionário, homogêneo e
coeso, com doutrina, tática e disciplina rígidas e com um importante trabalho de educação de
“consciências revolucionárias”. No entanto, esta posição de Gramsci começava a perder força
dentro do PSI. Havia uma crise interna no partido e se configurava com mais clareza uma
irreconciabilidade entre suas várias tendências. Começavam a se formar, com mais
organicidade, grupos comunistas no interior do partido, que, funcionando com mais
vitalidade, assumiam, em algumas fábricas, o governo de classes. Gramsci acreditava que a
tendência era que estes grupos iriam se expandir no interior do partido até conquistarem sua
direção, transformando sua figura histórica e eliminando, de vez, seus restos reformistas.
Este debate no interior do PSI tornou-se mais intenso após o movimento que, em
agosto e setembro de 1920, ficou conhecido como a “ocupação das fábricas”, com todos os
poderes sendo assumidos pelos Conselhos nas fábricas de Turim. Os trabalhadores assumem a
produção nos locais de trabalho, sendo disciplinados pelos Conselhos. Tal movimento, que
durou apenas 30 dias, aproximadamente, foi reconhecido, inclusive internacionalmente, como
uma “verdadeira revolução”, como uma primeira experiência de poder da classe trabalhadora
na Itália.
Gramsci, que participou ativamente do movimento de ocupação das fábricas, estava
também bastante envolvido com a preocupação de fazer avançar, no interior do partido, a
cultura e os grupos comunistas, fazendo-os conquistar a direção do PSI e de todo o
movimento da classe trabalhadora italiana naquele momento. No entanto, a ocupação das
fábricas não se expande como um grande movimento nacional e, ao fracassar em Turim,
recoloca o problema da ação reformista e parlamentar do Partido Socialista, trazendo, com
mais clareza, a intenção de ruptura dos grupos comunistas e de fundação de um novo partido.
59
Além disso, o fracasso do movimento turinense coloca em pauta outra questão, que
será central no debate gramsciano pré-cárcere: a restauração do Estado na Itália pela reação
neoconservadora do fascismo. O primeiro artigo de Gramsci que aponta mais diretamente
para esta questão data do final de 1920. Em “O que é a reação?”, ao fazer uma crítica à
atuação de Giolitti durante o movimento de ocupação das fábricas, Gramsci reconhece que o
capitalismo se torna reacionário quando não consegue mais dominar as forças produtivas.
Neste momento, Gramsci dá maior destaque à intervenção direta e violenta do Estado burguês
reacionário sobre a luta de classes, reprimindo as tentativas e iniciativas da classe
trabalhadora. No momento seguinte, sobretudo nos anos de 1921 e 1922, este autor estará
reconhecendo, no avanço e no fortalecimento do fascismo enquanto um movimento
internacional, o surgimento de um elemento de consenso, de apoio de massas, que demarcará
todo o Estado italiano entre as décadas de 20 e 40.
Compõe-se, assim o novo quadro de questões demarcadas por Gramsci neste período.
Em primeiro lugar, a ruptura com o PSI e a formação do PCI. Em segundo lugar, a reação
capitalista e o fascismo na Itália. Vejamos, portanto, os principais elementos deste debate e
sua contribuição específica para a noção gramsciana de cultura.
A partir da crise interna do PSI e da fundação do PCI, Gramsci reconhecia, neste
último, a necessidade de assumir uma postura de defesa do Estado operário, devendo retomar
o trabalho de orientação e de educação política abandonado pelos socialistas, refundando, em
bases inclusive culturais, a perspectiva revolucionária mais ampla, capaz de ultrapassar a
orientação parlamentar.
Ao pensar e questionar o papel que o recém-criado PCI deveria ter junto à classe
trabalhadora, Gramsci não hesita em atribuir a esta classe a função de “classe nacional”, ou
seja, daquela que deveria arrancar o poder econômico e político e resolver, com base em seus
princípios e em sua cultura, o problema central da vida nacional italiana, unificando
econômica e espiritualmente o povo italiano. Dialeticamente, Gramsci será enfático em
ponderar que tal recuperação da vida nacional italiana pelo projeto da classe trabalhadora só
será possível “nos quadros da revolução mundial” e, por isso, ele defende como
imprescindíveis a disciplina e a fidelidade à experiência soviética. Era necessário, assim, um
poder internacional fortemente centralizado, capaz de, atento às particularidades da vida
nacional, orientar as forças revolucionárias mundiais para o mesmo objetivo. Observamos
que, desde então, nacional e internacional se constituem, no pensamento gramsciano, a partir
de um movimento dialético, onde o primeiro aponta para os problemas e questões específicos
vivenciados pelas classes trabalhadoras em seu cotidiano e o segundo aponta para o espaço de
60
intervenção, para a perspectiva revolucionária mais ampla, sem a qual não se resolvem os
problemas em âmbito nacional. Como teremos a oportunidade de discutir, esta conclusão
gramsciana nos parece absolutamente contemporânea para as discussões que pretendemos
realizar.
Entre as expectativas gramscianas para a atuação do PCI, está a tentativa de se
recuperar a importância dos conselhos de fábrica como o organismo de poder operário sobre
os meios de produção. Segundo Gramsci, é no terreno deste controle que burguesia e
proletariado lutam para conquistar a posição de classe dirigente das grandes massas populares.
Ao assumir esta posição, a classe operária encontra bases concretas para iniciar o trabalho
positivo de organização do novo sistema econômico e social. Esta luta, portanto, é
revolucionária e só será levada adiante quando a classe operária conseguir elevar sua
consciência em torno de sua autonomia e de sua personalidade histórica. Desta forma,
Gramsci expõe, claramente, a relação intrínseca entre cultura e política que, de forma tão
intensa, caracteriza sua produção teórica, sobretudo no período do cárcere.
Neste sentido, o Partido Comunista incorpora, para Gramsci, o instrumento capaz de
congregar as inúmeras lutas particulares da classe operária em uma luta, mais ampla,
iluminada por um grande objetivo final. Assim, através da ação do PCI, Gramsci visualiza
uma maturidade material e moral do proletariado, capacitando-o a assumir concretamente um
novo poder, que não será conquistado e exercido através dos organismos do Estado burguês.
Desta forma, a produção de Gramsci neste momento estará construída em torno deste
grande enfrentamento, qual seja, entre diferentes projetos que se pretendem dominantes e
dirigentes da classe trabalhadora italiana. Por um lado, o debate com o PSI, do qual os
comunistas haviam se desligado e que aderia, cada vez mais, a uma perspectiva reformista,
enxergando o inimigo não mais na burguesia, mas nos comunistas e na possível concorrência
em torno da conquista da classe trabalhadora. O principal elemento de polarização será a
organização do proletariado em sindicatos ou em conselhos, sendo que Gramsci reafirmará
que os últimos são os grandes parlamentos operários, com a função de transformar as velhas
62
relações organizativas rompendo com o seu burocratismo. Para ele, nos conselhos, triunfam as
teses e os homens da revolução, organicamente formados no Partido Comunista, enquanto no
velho organismo sindical sustentam-se as teses do reformismo, uma vez que não questionam o
controle sobre a produção.
Em “Os partidos e a massa”, de 25 de setembro de 1921, Gramsci reconhece que,
orgânica e culturalmente, o PSI, desde sua formação, era um partido politicamente frágil.
Constituído principalmente por pequeno burgueses e camponeses, não podia deixar de ser
hesitante, carente de um programa claro e preciso, destituído de orientação e de consciência
revolucionária internacionalista. Assim se justificava, portanto, o nascimento do PCI,
reconhecido pelos seus fundadores como a primeira organização autônoma e consciente do
proletariado industrial revolucionário, que não se deixou iludir pela aparência forte e
conciliadora do Estado burguês. Gramsci apostava na necessidade de o PCI realizar um amplo
e efetivo trabalho cultural e político junto ao proletariado para efetivamente fazer dele um
partido das mais amplas massas, o que ainda não havia acontecido devido à grande
desmoralização e abatimento, após o fracasso da ocupação das fábricas.
Já em 1922, Gramsci visualiza que um acordo entre o Partido Socialista, o Partido
Popular e o fascismo, vivendo uma crise originária de sua ação coercitiva e repressiva, estaria
preparando a base de um futuro Estado social-democrata italiano, onde seria mantido, com
novos traços, o tradicional predomínio, no Estado italiano, de uma classe dirigente que tem
interesses opostos aos das classes populares e que quer exercer sobre elas uma dominação de
violência e engano. Este acordo e, principalmente, a participação dos socialistas neste Estado
teria um forte componente ideológico e cultural, uma vez que impediria as massas de tomar
consciência da verdadeira intencionalidade capitalista e burguesa de um Estado social-
democrata. Assim se estrutura a crítica gramsciana à social-democracia, como um caminho de
reconstrução de um organismo que historicamente priva o proletariado da liberdade e do bem-
estar.
Aos comunistas caberia, então, o papel de criticamente afastar as ilusões das massas
populares, realizando um trabalho de reorganização e de desenvolvimento que ia desde a
formação política e cultural, no sentido do questionamento e do enfrentamento de ideias até a
criação de uma força armada proletária capaz de derrotar a burguesia. Para Gramsci, os
comunistas deveriam aproveitar a fragilidade política dos socialistas e dos fascistas, bem
como a crise política vivida pelos fascistas, para divulgar, entre operários e camponeses, uma
consciência crítica da real situação da luta de classes e dos meios adequados para se derrotar a
reação capitalista.
63
Nos anos 1923 e 1924, na liderança do PCI, Gramsci vive um período de experiência
internacional, como representante italiano junto a Terceira Internacional, que irá demarcar
64
Para que o Partido viva e esteja em contato com as massas, é preciso que
todo membro do Partido seja um elemento político ativo, um dirigente.
Precisamente porque o Partido é fortemente centralizado, deve haver uma
ampla obra de propaganda e de agitação em suas fileiras; é preciso que o
Partido, de modo organizado, eduque seus membros e eleve seu nível
ideológico. Centralização significa, sobretudo, que – em qualquer situação,
mesmo sob um duro estado de sítio, mesmo quando os comitês dirigentes
não puderem funcionar por um determinado período ou não tiverem
condições de se ligar à periferia – todos os membros do Partido, cada qual
em seu ambiente, sejam capazes de se orientar, de saber extrair da realidade
os elementos para estabelecer uma diretriz, a fim de que a classe operária
não se abata, mas sinta que continua sendo dirigida e ainda pode lutar.
Portanto, a preparação ideológica de massa é uma necessidade da luta
revolucionária, uma das condições indispensáveis para a vitória.
(GRAMSCI, 2004, p. 297).
Mais uma vez está presente a percepção gramsciana de que o partido político é o
grande intelectual orgânico, responsável pela condução de uma luta econômica e política que
não pode estar desvinculada da luta ideológica e cultural. Esta perspectiva será desenvolvida
ao longo de todos os Cadernos do Cárcere e, com base nela, Gramsci já começa, pouco antes
de ser preso, seu exercício de crítica aos rumos que o Partido Comunista Russo vinha dando
para o movimento revolucionário internacional, ao assumir uma visão autoritária e
vanguardista do partido, confundindo centralização com obediência e submissão.
Em outras palavras, seus últimos anos de liberdade constituem um momento em que
Gramsci, precocemente, percebe a degeneração da experiência russa. Além da crítica à
condução política do “Estado dos soviets” e às contradições nas novas medidas econômicas
implementadas na URSS, Gramsci manifesta seu descontentamento com o que poderíamos
chamar de “orientação cultural da Revolução Russa”: a unidade e a disciplina tornaram-se
mecânicas, diante de um cenário onde a adesão das massas tornou-se um processo imediato,
não confirmado a cada nova ação política. A unidade do Partido Comunista, na Rússia e em
65
todo o mundo, estaria ameaçada. Afirma GRAMSCI (2004, p. 400), em carta a Palmiro
Togliatti,
A linha leninista consiste em lutar pela unidade do Partido, e não apenas por
uma unidade de fachada, mas por uma íntima unidade, que consiste em não
existir no Partido duas linhas políticas completamente divergentes em todas
as questões. A unidade do partido é condição existencial não só em nossos
países, no que se refere à direção ideológica e política da Internacional, mas
também na Rússia, no que diz respeito à hegemonia do proletariado, ou seja,
ao conteúdo social do Estado.
Sendo assim, parece-nos claro que Gramsci encerra seu momento de militância
política mais direta com questões essenciais para sua produção mais madura, as quais
envolvem uma compreensão da cultura como elemento de crítica e de organização. Este será o
grande legado gramsciano neste período pré-carcerário, para o debate acerca da cultura no
interior da tradição marxista: a certeza de que este elemento é fundamental para o processo de
organização revolucionária, para a instauração de um novo modo de viver, de pensar e de
agir, vinculado ao projeto societário de emancipação da classe trabalhadora.
Todo o universo militante e reflexivo vivenciado por Gramsci neste período
anteriormente traçado será objeto de uma abordagem mais sistematizada a partir de 1929,
quando este pensador recebe autorização para escrever no cárcere de Turi 9. A partir de então,
terá início uma produção mais complexa e “fur ewig” do pensamento gramsciano, o qual será
responsável por uma das mais ricas abordagens acerca da política no interior das Ciências
Sociais contemporâneas. Desde já, vale observarmos que Gramsci vai para a prisão com uma
clara lição de toda sua militância no período anterior: a necessidade de construir uma proposta
contra hegemônica. Sua grande preocupação não é apenas compreender o fracasso do
movimento comunista na Itália, mas contribuir para a retomada deste movimento, para a
capacitação e o fortalecimento das classes trabalhadoras em seu processo de conquista da
hegemonia.
Que significação e que importância terá a cultura neste momento da elaboração
gramsciana? Em primeiro lugar, podemos ponderar que não existe, nesta abordagem, uma
ruptura com os elementos anteriormente trabalhados. No cárcere, Gramsci reafirmou e
aprofundou análises e conclusões acerca da esfera cultural, resituando a batalha de idéias e a
construção de uma nova cultura como passos decisivos para a luta hegemônica e para os
projetos de conquista de poder. Nos Cadernos do Cárcere, Gramsci será responsável, por
9
Os primeiros elementos de reflexão no Cárcere estão organizados nas Cartas do Cárcere, única
produção permitida a Gramsci nos seus primeiros anos de prisão.
66
10
FORGACS & NOWELL-SMITH acreditam que cultura, para Gramsci, tem a palavra escrita como o
centro da formação cultural em indivíduos e na sociedade. Discordamos, a princípio, desta
formulação, pois Gramsci chama a atenção, repetidas vezes, para o fato de que todo homem,
67
Quais são as estruturas societárias nas quais a cultura é construída? De que forma a
cultura pode influenciar a consciência e o engajamento políticos? Que tipo de atitudes e de
compromissos intelectuais impedem ou favorecem a formação de uma “nova cultura”? Como
esta nova cultura se relaciona com as mudanças econômicas e políticas e como ela pode ser
racionalmente organizada e acelerada? Questões como estas parecem orientar a produção
gramsciana a partir deste momento e demonstram a preocupação deste autor em problematizar
esta esfera cultural no contexto das “superestruturas complexas”, nas mais diversas formações
societárias. Gramsci realiza, então, com relação à compreensão da cultura, no interior da
tradição marxista, um duplo movimento, profundamente dialético: em primeiro lugar,
reconhece-a como uma esfera determinada, superestrutural, com uma limitada autonomia com
relação a outras esferas menos “flexíveis” e mais sistematicamente relatadas. Em outras
palavras, não cabe a leitura da produção de Gramsci sobre cultura alheia à abordagem de
outras categorias de seu pensamento político, entre as quais destacamos as de intelectuais, de
hegemonia, do Estado ampliado e da sociedade civil. Por outro lado, para Gramsci, a cultura
não é meramente um reflexo desta estrutura mais ampla, mas também um elemento
constitutivo de suas relações e de seus embates mais profundos, demarcando, ela própria,
instâncias de luta política e de hegemonia. “Criar uma nova cultura” faz parte, portanto, da
proposta de uma “sociedade regulada” na orientação gramsciana.
Esta observação nos parece relevante para evitarmos a falsa impressão de que, a partir
de um determinado momento na produção carcerária gramsciana, a discussão sobre as
questões relativas à cultura tenha se tornado escassa ou mesmo desaparecido, dando lugar a
abordagens mais diretamente ligadas à dimensão da política. Nosso autor recorre
constantemente à complexidade desta esfera para orientar e fundamentar seu pensamento
político, enriquecendo-o e renovando-o substantivamente.
No momento de sua produção carcerária, Gramsci está se defrontando com grandes
embates nacionais e internacionais, os quais redimensionam este universo cultural e sua
importância na dinâmica societária: a experiência da revolução socialista ficou isolada em
poucos e diferenciados países, o nazi-fascismo se instalou com força em importantes países da
Europa, imprimindo uma orientação conservadora no enfrentamento político daquele
momento, o capitalismo internacional passou a se estruturar com novas características e novos
suportes ideológicos. Era preciso que as forças comunistas em todo o mundo reconstruíssem
independente de seu acesso à educação formal, é culto, pelo fato de que pensa e reflete sobre a
constituição de sua vida social.
68
Com efeito, a verdade é esta: toda coisa que existe é “racional”, isto é, teve
ou tem uma função útil. O fato de que aquilo que existe tenha existido, isto
é, tenha tido sua razão de ser enquanto “conforme” ao modo de vida, de
pensar, de operar da classe dirigente, não significa que se tenha tornado
“irracional” porque a classe dominante foi privada do poder e de sua força de
dar impulso a toda a sociedade. Uma verdade que se esquece é esta: aquilo
que existe teve sua razão de existir, serviu, foi racional, “facilitou” o
desenvolvimento histórico e a vida. (IBIDEM, 1999, p. 257).
11
Neste debate, Gramsci se dedica ao estudo sobre a língua na Itália, vendo o italiano e os dialetos
como diferentes concepções do mundo”, que apontavam para uma diferença entre ambiente cultural
e político-moral.
69
aliados para consolidar sua hegemonia, a “batalha de idéias”, o confronto cultural constrói
uma frente indispensável, ao lado daquelas meramente econômica e política. Em direção à
conquista da hegemonia, a luta política é sempre um processo de convencimento, de busca de
consenso, de alianças que se constroem em torno de um projeto societário que tem uma de
suas bases fundamentais no elemento cultural.
LIGUORI (2003) afirma, nesta direção, que o conceito fundamental dos Cadernos do
Cárcere não é o de sociedade civil, mas o de Estado ampliado. Sociedade política e sociedade
civil compõem um todo orgânico e a distinção é “puramente metodológica”. A hegemonia,
que se constrói no interior da sociedade civil, se estende até a sociedade política,
revitalizando-a com enfrentamentos políticos e ideo-culturais entre os grupos e as classes que
a definem. Assim, o consenso, base estrutural da hegemonia, se materializa na sociedade
política e se estende, através dela, por toda a sociedade nacional. As classes sociais
demonstram sua real capacidade hegemônica na medida em que podem “tornar-se Estado”,
atravessado sempre por embates cotidianos, cuja solução, imediata ou em longo prazo,
confirma ou redefine esta posição hegemônica.
A compreensão deste Estado ampliado está contida no que COUTINHO (2003) chama
de uma acepção mais ampla de política presente nos Cadernos do Cárcere. Para que ela se
realize, é necessário um movimento catártico, ou seja, uma passagem, por parte da classe que
se pretende hegemônica, do momento de determinismo econômico (ou econômico-
corporativo), para o momento de liberdade política (ou ético-político). Neste último, esta
classe não mais se reconhece apenas como um fenômeno econômico, mas se coloca agora
como um “sujeito consciente da história”, capaz de elaborar uma “vontade coletiva”, de se
tornar uma “classe nacional”, de representar interesses que tendem a ser universais. Este
momento, no qual se toma consciência da dimensão de totalidade, da possibilidade de
transformação ativa do mundo social é, sem dúvida, o contexto de maior materialidade
cultural de uma determinada classe. A cultura é, assim, um dos elementos que possibilita este
salto qualitativo para uma proposta hegemônica (ou contra-hegemônica), em direção a um
bloco histórico organicamente estabelecido.
O bloco histórico, neste sentido da perspectiva gramsciana, é a noção que supera,
dialeticamente, qualquer orientação determinista no interior da proposta marxista. Ao
contrário da idéia de “reflexo” que, como já observamos, é insuficiente, Gramsci propõe que
estrutura e superestrutura formam um bloco histórico que, na verdade, é o momento fundante
de uma sociedade. Nesta unidade orgânica, Gramsci aponta para relações e propostas que,
mais uma vez, recolocam o debate ideo-cultural em posição de destaque ao longo do seu
71
Estas notas gramscianas acerca do jornalismo demonstram, mais uma vez, a relação
intrínseca que este autor estabelece entre o partido político e as classes, trabalhadoras e
aliadas, na dinâmica revolucionária que ele sempre defendeu. A imprensa é, assim, um meio
crucial pelo qual a informação é transmitida à base do partido e a partir da qual novos
membros são conquistados. É, portanto, uma das estruturas da organização da cultura, capaz
de materializar a “reforma intelectual e moral” construída pelo materialismo histórico. Uma
“concepção de mundo” integral e uma “norma de conduta” constituem, portanto, os dois
aspectos desta reforma.
Em Gramsci, portanto, a esfera cultural, na mais ampla de suas conceituações, ganha
visibilidade e, muitas vezes, centralidade. A política se constrói a partir de uma dimensão
cultural e a cultura, por sua vez, não se constrói alheia às relações políticas e econômicas de
uma dada realidade social. Forças materiais e ideológicas, neste contexto, são diferenciadas e
complementares, representando espaços igualmente importantes de poder. Lutar por uma
nova cultura é, em Gramsci, mais um dos desafios das diferentes classes sociais na busca pela
hegemonia. Este debate nos será de absoluta importância para compreendermos o momento
contemporâneo ao longo deste trabalho.
Neste sentido, Gramsci se preocupa constantemente em distinguir e relacionar, ao
mesmo tempo, cultura e arte. Para ele, cultura é algo muito mais amplo e complexo do que
simplesmente o conjunto de manifestações artísticas e intelectuais, mas estas últimas não
estão isoladas na dinâmica societária.
Dentre as manifestações artísticas e intelectuais mais dinâmicas no início do século
XX, Gramsci dá importância destacada à literatura, mas suas conclusões podem orientar
reflexões mais generalizadas. Uma nova literatura ou arte não pode, portanto, ser criada “por
decreto”, mas só pode ser compreendida como efeito de uma nova cultura, através de um
processo que implica, como veremos, a criação de uma nova camada de intelectuais, capaz de
construir uma nova relação educativa com os setores populares, nesta oportunidade, na
condição de leitores. Assim, Gramsci está menos preocupado com o sentido artístico restrito,
e mais com o motivo pelo qual determinada manifestação artística é absorvida, os sentimentos
que ela desperta e sua capacidade de agir como instrumento de consenso. A premissa de toda
arte deve ser, portanto, histórico-política, popular, em seu sentido mais complexo.
73
Não se pode dizer, portanto, que se luta por um novo “conteúdo da arte”, pois este não
se manifesta abstratamente. Um novo “mundo cultural” gera, neste sentido, um novo modo de
sentir e de ver a realidade, o qual suscita a formação de um novo grupo de artistas, enquanto
nova intelectualidade, capaz de “historicizar suas fantasias”. Por isso, “também o artista e
74
toda sua atividade não podem ser pensados fora da sociedade, de uma determinada sociedade”
(GRAMSCI, 2002, p. 240).
Mais uma vez, percebemos a preocupação gramsciana em enfatizar a dimensão
cultural das lutas em torno de sua posição hegemônica, em torno da “capacidade de ser uma
época”. Por isso, toda classe que se torna dirigente e conquista, assim, este bloco hegemônico,
produz, necessariamente, a sua intelectualidade, inclusive artística.
Não existe uma formação cultural neutra, abstrata, alheia à luta de classes que se
realiza em determinada sociedade. Isso nos parece claro, por exemplo, quando analisamos a
sociedade capitalista e toda a estrutura cultural construída em torno desta relação social que é
o capital. Esta reflexão nos orienta, também, para projetarmos a materialidade contra-
hegemônica que se define em seu interior. Formar uma cultura, como fato vivo e necessário, é
um ato educativo a ser levado adiante por aqueles que Gramsci chamará de intelectuais
orgânicos, sejam eles individuais ou coletivos, como os partidos políticos.
75
Quem seriam, portanto, estes intelectuais que têm, entre outras funções, a de garantir
organicidade à cultura? Para Gramsci, “todo homem é intelectual”, no sentido de que toda
atividade humana prevê uma elaboração intelectual, todo homem participa de uma concepção
do mundo, de uma determinada maneira de pensar. Criar novos intelectuais, portanto, é uma
iniciativa que consiste em elaborar criticamente esta capacidade intelectual que já existe em
cada um, embora em graus de desenvolvimento determinados. Por isso, as escolas, afirma
Gramsci, têm fundamental importância na formação de intelectuais em diversos níveis.
Desta forma, se todos os homens são intelectuais, a diferença entre eles não deve ser
buscada em atividades específicas.
Por este motivo, uma das principais preocupações de Gramsci está justamente em
diferenciar os intelectuais orgânicos dos tradicionais, ou seja, aqueles que “criados” por um
determinado grupo social, lhe dão “homogeneidade e consciência da própria função”
essencial no mundo da produção econômica, e aqueles que este mesmo grupo social já
encontra formados a partir da estrutura econômica anterior, os quais “se põem a si mesmos
como autônomos e independentes” de quaisquer grupos sociais. No que se refere aos embates
no universo cultural, Gramsci realiza importantes reflexões sobre a participação e o
envolvimento destes dois tipos.
Aos intelectuais tradicionais, nosso autor atribui um sério problema histórico. Ao se
posicionarem como alheios e autônomos em relação aos projetos incorporados pelas classes
fundamentais no modo de produção contemporâneo, estes intelectuais acabam por reforçar
uma perspectiva elitista e restrita da cultura. Em suas mãos, a cultura se torna privilégio de
alguns grupos na sociedade, detentores de um “saber enciclopédico” e de um “modo de vida
global” distanciado das reais necessidades e dos embates mais significativos de uma
sociedade. Tais intelectuais não surgem organicamente ligados à estrutura desta sociedade e
se mantêm distantes do “povo-nação”, desconhecendo seus problemas e suas potencialidades,
ligando-se a embates e confrontos alheios à realidade em que vivem. Assumem, muitas vezes,
uma posição cosmopolita e reacionária, fortalecendo uma cultura conformista, alienada e
politicamente inepta.
76
12
Defendemos que esta múltipla denominação de Gramsci se dá em razão do processo de censura
que sua produção sofria no Cárcere, e não por uma diferença teórico-metodológica na compreensão
destes termos. Ao falar de “classes subalternas”, “povo-nação”, “simples”, Gramsci está se referindo,
indubitavelmente, ao conjunto das classes trabalhadoras em seu processo de constituição na
sociedade capitalista, sobretudo a italiana.
78
O senso comum, então, para Gramsci, não é uma “mentira” ou um “equívoco” dos
setores populares, mas uma concepção desagregada, incoerente, inconseqüente. Através dele,
pertencemos a uma “multiplicidade de homens-massa”, onde reunimos elementos de
diferentes momentos históricos, onde empregamos o princípio da causalidade, do
experimentalismo e da observação direta da realidade, mas de forma empírica e limitada.
Assim como toda concepção de mundo, o senso comum conduz necessariamente a uma ação,
a uma intervenção direta sobre a realidade, mas que também se apresenta de forma
fragmentada e, muitas vezes, inoperante.
Em sua perspectiva histórica e dialética, Gramsci defende, portanto, a necessidade de
um verdadeiro “trabalho intelectual”, que é função não de um grupo seleto de pessoas
“intelectualmente mais desenvolvidas”, mas de todo aquele que, organicamente vinculado ao
contexto histórico de desenvolvimento destas classes subalternas e ao compromisso de
emancipá-las, possa contribuir em seu processo de educação e de organização. A cultura,
conforme descrevemos anteriormente, é o mecanismo que permite esta superação, este salto
qualitativo em direção à crítica e a reflexão emancipatórias.
Para Gramsci, a relação entre uma “filosofia superior”, que coincide com o “bom
senso” e o senso comum só pode ser assegurada pela política, ou seja, a escolha e a crítica de
uma concepção de mundo são, necessariamente, fatos políticos, no sentido de que se observa
uma “luta de hegemonias” em torno da elaboração superior da própria concepção do real.
não fundamentada. Por isso, Gramsci enfatiza a necessidade deste trabalho intelectual que,
superando a desagregação histórica deste universo cultural popular, possa se apropriar de seus
elementos de crítica, de reflexão e de enfrentamento que, dispersos e fragmentados, devem
ganhar um perfil unitário e coerente.
Toda elaboração política de um grupo social homogêneo elabora, também, uma
filosofia homogênea, coerente e sistemática. Assim se forma o “homem coletivo”, que
pressupõe uma unidade conquistada também numa dimensão sócio-cultural. O momento da
crítica e da consciência é capaz de “soldar” uma multiplicidade de vontades desagregadas,
heterogêneas, em torno de um mesmo fim, de uma concepção de mundo “idêntica e comum”.
O desenvolvimento desta “renovação cultural e moral”, na perspectiva gramsciana, não é
simultâneo e homogêneo em todos os estratos sociais, o que pressupõe um longo trabalho de
construção desta crítica em torno de uma concepção de mundo primária e superficialmente
construída. Assim, não se substitui o senso comum pelo bom senso, negando, a priori, o
universo cultural destes setores, mas se organizam os elementos fragmentados do primeiro em
direção ao segundo.
13
Para Gramsci, toda relação de hegemonia é uma relação pedagógica.
81
Romano e a força política do papado na Itália teriam criado, desde muito cedo, a ilusão da
existência de uma “nação italiana”, quando, na verdade, o que se tinha era uma dominação
cultural de intelectuais tradicionais orientados por uma perspectiva clássica de dominação.
Neste processo, as classes dominantes buscaram prevenir a formação de uma orientação
ideológica e de uma vontade coletiva que, de alguma forma, pudesse potencializar os setores
populares (proletariado e campesinato) para uma luta política de emancipação e de
reorientação de suas propostas societárias. Temia-se que tal formação pudesse trazer “perigos
vitais para a vida nacional unitária” (GRAMSCI, 2002, p. 33) da forma como estava
tradicionalmente organizada, ou seja, em torno do modo de produção capitalista.
O que se observa, na realidade italiana do início do século XX, é a ausência
permanente de um movimento popular organizado em torno de uma proposta verdadeiramente
“nacional”, capaz de superar um interesse meramente “econômico-corporativo” em direção a
uma perspectiva “ético-política”. Constantes experiências de “revolução passiva” na história
italiana, dentre as quais Gramsci destaca o Risorgimento, fortaleceram a aliança defensiva
entre os industriais do norte e os latifundiários do sul, constituindo um consenso burguês que
garantiu, entre outras coisas, a reação conservadora que instituiu, anos mais tarde, o poder
fascista. A formação da “nação italiana” e a luta pela unidade política e territorial jamais
foram problematizadas, no sentido de que as questões vitais que as envolveram foram tratadas
por interesses polêmicos imediatos e, portanto, sem vontade de aprofunda-las. Daí resultou
que, para o elemento popular, tais questões receberam um tratamento “abstratamente cultural,
intelectualista, sem perspectiva histórica exata e, portanto, sem que se formulasse para eles
uma solução político-social concreta e coerente” (GRAMSCI, 2002, p. 33). Dentre este
conjunto de problemas, Gramsci menciona, por exemplo, a indiferença popular no período das
lutas pela independência e pela unidade nacional e o apolitiscismo do povo italiano,
elementos que nos auxiliam sobremaneira na análise da realidade contemporânea.
Desta forma, a unificação italiana não se constituiu a partir de uma perspectiva
popular, onde este elemento pudesse apresentar suas demandas e expectativas, suas
potencialidades e seus limites. Por outro lado, a burguesia, enquanto classe dominante,
também não se estabeleceu como “classe nacional” ou seja, não foi capaz de agregar em torno
de si e de seu projeto as principais questões de constituição econômica, política e social da
realidade italiana. Portanto, afirma Gramsci, a Itália era órfã de um projeto nacional e popular
que a fizesse conhecer e criticar sua própria existência e, portanto, se afirmar em torno de seus
principais dilemas. Nas palavras do próprio autor, para manter intacta uma orientação
83
dominante conservadora, a Itália “apaixona-se por um passado que não é seu”, ou seja, nutriu-
se política e culturalmente de um cosmopolitismo inepto e alienante.
É importante destacarmos, desde já, que Gramsci jamais perdeu de vista o
internacionalismo comunista. No entanto, para ele, este caráter internacional das lutas das
classes trabalhadoras não pode ser construído sem uma mediação viva e dinâmica do
elemento nacional. Em sua crítica, o fato de que o povo italiano tenha sofrido a hegemonia
cultural e política de intelectuais estrangeiros serviu para consolidar, nesta realidade, uma
posição de subalternidade e de dominação. A Itália viveria o paradoxo de, ao mesmo tempo,
construir grandiosos planos de hegemonia internamente e não se perceber como objeto de
hegemonias estrangeiras, sustentadas, inclusive, por elementos “intelectuais e morais”
(GRAMSCI, 2002, p. 127). Neste sentido, Gramsci reforça ainda mais sua preocupação com a
histórica separação entre “intelectuais e povo-nação”.
Neste processo, acredita Gramsci, a esfera cultural, em sua dimensão mais ampla, teve
um papel fundamental. A ausência deste alinhamento cultural e político entre os intelectuais e
o elemento popular fez com que as contradições inerentes à formação italiana não fossem
conhecidas ou problematizadas pelos setores populares e que, portanto, a orientação
dominante se apresentasse sustentada por um aparente consenso. Teríamos, portanto, no
âmbito cultural, ramificações de uma questão organicamente enraizada na história política
italiana: a falta de uma língua comum no passado, a ausência de um verdadeiro movimento
romântico no século XIX, a falta de popularidade da literatura italiana, o desprezo por temas e
questões da dinâmica italiana nas suas mais diversas manifestações artísticas e intelectuais, os
diferentes preconceitos que caracterizam o tratamento dispensado ao elemento popular nestas
manifestações, etc. Em poucas palavras, a Itália é carente desta orientação nacional-popular e
somente uma aliança orgânica dos setores populares pode suprir esta lacuna histórica.
Nesta tarefa histórica, as diferentes classes sociais falharam ao longo da vida política
italiana, não sendo capazes de satisfazer as exigências intelectuais do povo ou de elaborar um
“humanismo” moderno, que pudesse ser difundido junto às camadas populares. Nem mesmo
84
os católicos tiveram esta capacidade, pois garantiram uma razoável difusão de suas
orientações culturais e morais não por uma expansividade e coerência interna, mas pela
poderosa organização da Igreja. Assim, não existe uma “identidade de concepção do mundo”
entre intelectuais e povo, sendo que os primeiros não se propõem a elaborar os sentimentos e
as expectativas do segundo após tê-los revivido e deles se apropriado.
É necessário ponderarmos, neste ponto, duas questões essenciais, que qualificam
nossos debates para compreendermos com mais clareza a importância e a contemporaneidade
desta categoria.
Em primeiro lugar, Gramsci não restringe esta perspectiva nacional-popular
meramente à dinâmica da esfera cultural. Apesar de a maioria das referências a este termo nos
Cadernos dizer respeito a uma “literatura nacional-popular”, esta constitui, sem dúvidas, uma
abordagem bem mais ampla, que envolve uma extensa frente de luta econômica, social e
política. Como já observamos, a cultura em Gramsci não constitui uma esfera autônoma,
estando, sim, diretamente vinculada a estes elementos estruturais e superestruturais que
compõem a totalidade dinâmica da vida social.
Portanto, o nacional-popular se afirma como o ponto de partida e de chegada de uma
grande estratégia de construção contra-hegemônica. Em diferentes aspectos desta totalidade,
ficava demarcada, para Gramsci, a necessidade de um movimento de recuperação, de
retomada, pelos setores populares, de sua história e de seu destino. Esta “reapropriação”, se
tinha uma evidente face cultural, não se limitava a ela. Construir uma “cultura nacional-
popular” significa, então, para as classes subalternas, apoderar-se de uma cultura
historicamente determinada e orientada pelos interesses e pela ideologia burgueses e
reestruturá-la segundo objetivos e expectativas dos setores dominados, capacitando-os,
conscientizando-os e reorientando suas ações vitais a partir de novas bases. Neste caminho,
um duplo movimento se constrói, onde a cultura, naquela acepção mais ampla de Gramsci, se
apresenta como um elemento de mediação, de interface com outros momentos estruturais da
constituição do ser social. Em outras palavras, o nacional-popular se constrói, na cultura,
como impulsionador e como resultado de uma perspectiva revolucionária mais ampla, jamais
abandonada por Gramsci, mesmo em seus períodos de maior desalento no cárcere.
Assim como a cultura é capaz de manifestar as contradições e os enfrentamentos
presentes em uma sociedade, ela também constitui um espaço privilegiado para gestar
propostas diferenciadas e organizar outros elementos de consenso. O mundo cultural,
enquanto universo de luta, “é um fato vivo e necessário” (GRAMSCI, 2002, p. 260), que
aponta e faz a intermediação com as demais esferas da vida social, reorganizando a
85
esta constituição nacional pudesse reorganizar as forças políticas dominantes até então
existentes. Estas classes, organicamente frágeis, encontravam-se restritas a interesses
econômico-corporativos, e com base nestes interesses, unificaram-se e buscaram construir um
fictício “passado italiano”, onde já se encontrassem elementos de uma unidade nacional
constitutiva. Em sua análise, entretanto, tudo isso se fez pelo receio de que pudesse ocorrer
uma intervenção, ainda que restrita, das “massas populares” na vida política italiana e na
estrutura do Estado.
Em suas palavras,
Desta forma, buscando conter uma construção popular de nação, não deixando que
forças políticas efetivas pudessem emergir deste processo, o conjunto das classes dominantes
conseguiu, incluindo, em sua linha de frente, uma luta também intelectual, transformar a
unidade nacional em uma “dádiva”, e não em uma “conquista merecida dos italianos”. Fica
ausente, portanto, uma possibilidade de desenvolvimento permanente e contínuo desta
“unidade nacional”, a qual é dada de forma absoluta e acabada, sem possíveis reorientações
em torno de um movimento de caráter popular. Assim, segundo a crítica gramsciana, o termo
nação, na Itália, sempre esteve ligado a uma tradição intelectual e livresca, não tendo se
construído a partir de uma luta hegemônica em torno de diferentes projetos classistas. A
cultura italiana apresenta um sentimento nacional (e não popular-nacional), no sentido de que
é algo puramente subjetivo, não ligado a fatores e instituições objetivos. Este sentimento e
reconhecimento nacional são algo que fica restrito aos intelectuais enquanto camadas estreitas
e pequenas. O resultado seria, então, a marca constante do fatalismo e da expectativa passiva
por um futuro que chegará para o elemento popular, visto paternalisticamente, ausente da
dinâmica societária mais ampla.
Dois elementos são apontados por Gramsci como resíduos medievais e feudais na
Itália, e que contribuem na efetivação deste “nacional” despolitizado e amorfo: um
particularismo municipal, que demarca uma concepção de mundo restrita e vazia e, por outro
87
lado, um cosmopolitismo católico que “inventava”, desde muito cedo, uma nação italiana com
vocação internacional. Ambos devem ser superados, pondera Gramsci, por relações de
hegemonia que envolvem uma transformação cultural global.
Diante destas constatações, o conjunto das classes trabalhadoras deve ser o herdeiro
histórico de um novo projeto de nação, onde os caminhos para sua construção estejam
orientados não por uma perspectiva burguesa e conservadora, mas popular e revolucionária.
Nasce então, na construção gramsciana, uma unidade indissociável: o nacional-popular.
(...) O que importa é o fato de que se busque uma ligação com o povo, com a
nação, que se considere necessária não uma unidade servil, devida a uma
obediência passiva, mas uma unidade ativa, viva, qualquer que seja o
conteúdo desta vida. Esta unidade viva, independentemente de qualquer
conteúdo, não ocorreu na Itália ou, pelo menos, não ocorreu em medida
suficiente para convertê-la num fato histórico (...). (GRAMSCI, 2002, p.
254).
(...) uma obra de arte é tão mais “artisticamente popular” quanto mais seu
conteúdo moral, cultural e sentimental for aderente à moralidade, à cultura,
aos sentimentos nacionais, e não entendidos como algo estático, mas como
uma atividade em contínuo desenvolvimento. A imediata tomada de contato
entre leitor e escritor ocorre quando a unidade de conteúdo e forma no leitor
tem como premissa a unidade do mundo poético e sentimental; se não for
assim, o leitor deve começar por traduzir a “língua” do conteúdo em sua
própria língua. (GRAMSCI, 2002, p. 194).
Para nosso autor, fica evidente que é necessário superar o que ele denomina de um
conceito “puramente livresco” de cultura, onde se está alheio às profundas correntes de
orientação da vida nacional-popular. Na análise dos elementos de organização da cultura
italiana, Gramsci exemplifica:
14
Cf. Cadernos do Cárcere, 6, 124; 2, 159; 6, 161; 4, 301.
91
15
É importante observarmos que, para Gramsci, conteúdo é diferente de tema. Não existe um tema
nacional-popular.
92
realidade impõe, não se alcança ou se materializa este projeto, não se faz dele algo
potencialmente capaz de se impor em um cenário internacional. A hegemonia reúne, em si, as
exigências de caráter nacional, embora não se limite a elas. Portanto, uma perspectiva
internacional não se constrói sem se levar em consideração a combinação de forças nacionais
que a classe que pretende se tornar internacionalmente dirigente deverá dirigir e desenvolver.
A defesa do projeto societário desta classe deve ter como meta o cenário internacional, mas
não pode deixar de levar em conta os diferentes contextos nacionais, os quais absorvem e
encaminham este projeto a partir de orientações diferenciadas.
Não é possível, portanto, interpretar, numa perspectiva gramsciana, nacional e
internacional como esferas separadas, ou mesmo pensar que o segundo tem a possibilidade de
superar ou de substituir o primeiro. Uma relação dinâmica demarca a construção destas duas
esferas e uma determinada classe só pode se tornar hegemônica se interpretar exatamente esta
combinação, o que significa dar ao movimento de conquista da hegemonia, com uma
amplitude internacional, uma orientação política realista, de acordo com determinadas
perspectivas e particularidades nacionais.
Sem estar atento a estas questões e a esta relação dinâmica, qualquer movimento que
se pretenda internacional acaba se tornando vago e puramente ideológico, não se
instrumentalizando com um conteúdo de política realista e efetiva. Uma classe que se
pretenda internacionalmente hegemônica deve, desta forma, se “nacionalizar”, num certo
sentido, atravessando fases múltiplas em que as combinações regionais e nacionais,
estabelecidas em estruturas variadas, impõem um curso e um direcionamento específicos para
as diferentes lutas internacionais.
Neste sentido, Gramsci nos capacita para problematizar várias questões que, colocadas
hoje no cenário da globalização como “supranacionais”, se constroem de forma equivocada e
pejorativamente ideológica. Quando não se referem a nenhum país determinado, a nenhuma
realidade concreta de correlação de forças e de disputas políticas, estes conceitos e debates
não passam de “previsões genéricas”, que não se manifestam efetivamente.
Um globalismo inepto e alienado parece tomar conta de diferentes discursos, inclusive
de grupos historicamente vinculados a um projeto alternativo de sociedade. Na expectativa de
uma “identidade global”, que espera que todos se mobilizem simultaneamente, mas que não
se materializa a partir de nenhuma questão específica, vivenciamos uma imobilidade
generalizada, onde ninguém se impulsiona verdadeiramente para organizar movimentos mais
significativos de questionamento e de superação da ordem estabelecida. Por outro lado, o
renascimento de um “nacionalismo radical” tende a realizar um corte na realidade societária
93
16
Sobre esta evolução do termo “globalização”, remetemos a GOMEZ (2000, p. 18-19). Neste
momento, o autor afirma que “o alvo da argumentação desliza de imediato do domínio micro da
gestão interna das firmas para o interesse da macroeconomia (redefinição das políticas econômicas e
das instituições econômicas nacionais) e da arquitetura do sistema internacional.”
95
17
Segundo o Novo Dicionário Aurélio, globalização representa o “processo típico da segunda metade
do séc. XX que conduz a crescente integração das economias e das sociedades dos vários países,
especialmente no que toca à produção de mercadorias e serviços, aos mercados financeiros e à
difusão de informações.”
96
“fábrica global”, uma “modernidade-mundo”, apenas para citar algumas das metáforas18 de
que nos fala IANNI (1998).
Passada esta “euforia globalizante”, ganhou força, sobretudo a partir do início do
século XXI, a perspectiva de crítica a este discurso. As promessas de uma sociedade mais
harmoniosa porque interligada por uma extensa rede de relações e de tecnologias mostravam-
se irrealizadas e irrealizáveis, nos limites do sistema do capital. Discursos e práticas
alternativos foram se construindo e demonstrando a face negativa e contraditória do processo
de inserção de economias periféricas neste cenário globalizado, as quais agravaram, cada vez
mais, as contradições já existentes. Em diferentes e diversos aspectos da vida social, a
globalização foi sendo colocada em xeque. É sobre eles, portanto, que pretendemos nos
debruçar ao longo deste capítulo.
interior, já se tornou estrutural. Vale analisarmos cada um dos aspectos desta crise, norteados,
é importante destacar, pela certeza de que a “globalização”, apesar de suas evidentes
referências a um processo efetivo na realidade, guarda determinações e conseqüências que são
aparentes, e que, portanto, devem ser objeto de um desvelamento crítico rigoroso e
responsável.
Não é possível ponderarmos acerca da globalização enquanto momento de
reorganização do sistema do capital sem discursarmos acerca de um conjunto de
determinações históricas que envolvem, em sua origem, os elementos referentes à regulação
fordista e, principalmente, à sua crise. A estrutura de organização internacional do capital
vivia, então, uma fase relativamente estável, com a paridade fixa entre as moedas e com a
base produtiva estabelecida em torno do modelo fordista de inovações tecnológicas e
organizacionais e do consumo de massas19. Neste cenário, acomoda-se uma acumulação de
capital essencialmente ligada à economia regulada pelo Estado nacional, embora o fluxo de
investimento externo direto20 já se apresentasse como um elemento significativo para o
desenvolvimento econômico.
Uma série de legislações e mecanismos políticos passou a demarcar, no período pós
Segunda Guerra Mundial, um grau de efetiva autonomia para os Estados nacionais limitarem,
de certa forma, a ação de multinacionais cujo investimento estava subordinado a certas
convenções e a uma relação salarial fordista. Esta regulação era caracterizada, assim, por uma
certa rigidez no processo de acumulação de capital, rigidez esta que, resultante de uma
configuração específica na correlação de forças e na luta de classes naquele momento, pode
instaurar
19
HARVEY (1999, p. 121) deixa claro que é esta relação entre produção de massa e consumo de
massa o elemento chave para a compreensão do fordismo e de sua especificidade no processo de
acumulação capitalista e de constituição societária mais ampla. “A separação entre gerência,
concepção, controle e execução também já estava bem avançada em muitas indústrias. O que havia
de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do taylorismo) era a sua visão,
seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo
sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho,
uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática,
racionalizada, modernista e populista.”
20
CHESNAIS esclarece que um investimento estrangeiro é considerado direto quando o investidor
detém 10% ou mais das ações ordinárias ou do direito de voto de uma empresa.
100
Diante de todo este quadro de reestruturação capitalista é que podemos analisar, com
mais rigor, este conjunto de novas determinações que se convencionou chamar de
globalização. Valendo-nos das observações de CHESNAIS, que prefere a expressão
“mundialização do capital”, veremos que ela se refere, enquanto constituição da base material,
a uma nova configuração do capitalismo em escala mundial e a novos mecanismos que
comandam seu desempenho e sua regulação, remodelando a vida social em todas as suas
dimensões21. Apesar de constituir-se como um avanço e um prolongamento do processo de
internacionalização do capital de que nos falavam Marx e Engels já no Manifesto do Partido
Comunista, a atual fase guarda particularidades que a tornam diferente de etapas anteriores do
desenvolvimento capitalista.
IANNI (1998) observa que BRAUDEL e WALLERSTEIN constroem,
respectivamente, as discussões acerca da “economia-mundo” e do “sistema-mundo”, onde
cada um, com suas devidas particularidades, tende a dar primazia, neste processo de
globalização, ao aspecto econômico em seu sentido mais amplo22. Esta capacidade de se
expandir geograficamente, conquistando espaços os mais variados, é um dos elementos que
garantem, segundo estes autores, a sobrevivência do capitalismo e a superação de suas
sucessivas crises. A construção de uma rede de processos produtivos interligados permite que
este sistema, em seus repetitivos quadros críticos, “se recupere” em alguma parte do mundo e
possa, através de economias-mundo regionais, situadas em diferentes estágios de organização
e dinamização, manter sua lógica de acumulação e de reprodução societária.
Para estes autores, o Estado-nação ainda permanece como agente “real ou ilusório”, a
nação é um fato histórico e geográfico, um processo que se cria e recria continuamente, mas,
no que se refere à economia, tais realidades vivenciam um declínio através da emergência de
novos e poderosos centros mundiais de poder, soberania e hegemonia. A “economia-mundo”
transcende o local, o nacional e mesmo o regional, e se apresenta como um “todo em
movimento” atravessado por movimentos de integração e fragmentação.
21
Chesnais nos chama atenção para o fato de que a internacionalização do capital, em todas as suas
fases, sempre incluiu o comércio exterior, o investimento exterior direto e os fluxos internacionais do
capital que mantém a forma monetária. É necessário abordar estas três estratégias como um todo
hierárquico, que assume diferentes configurações ao longo da história do modo de produção
capitalista.
22
Para IANNI, Braudel está marcadamente influenciado pelo funcionalismo de Durkheim e
Wallerstein, por outro lado, demonstra clara aproximação com o estruturalismo marxista na análise do
capitalismo moderno.
103
O debate contemporâneo acerca deste cenário afirma que o capital perde, neste
sentido, as determinações de suas formas particulares e singulares de desenvolvimento,
subordinando-se às formas do capital em geral. Não bastam, neste momento, as formas
tradicionais de reprodução em âmbito nacional, que ainda existem, mas que não são mais
determinantes. As transnacionais precisam redesenhar o mapa geoeconômico e geopolítico,
libertando-se das amarras que antes eram colocadas pelos Estados nacionais e por suas
demandas mais específicas. As exigências de instituições, organizações e corporações
transnacionais, ou propriamente mundiais, parecem dar o novo tom deste momento
contemporâneo.
Segundo uma parte dos autores contemporâneos que trabalham esta temática, dentre os
quais destacamos IANNI (1998), uma das provas mais concretas desta internacionalização
está colocada justamente pelo fato de que o principal opositor do sistema do capital, que
historicamente ficamos conhecendo pela expressão “socialismo real”, vai, aos poucos
demandando a presença do capital como elemento essencial para a sua organização e
dinâmica. Aos poucos, as economias centralmente planificadas demonstram-se estimuladas e
105
Está decretado, para autores que defendem esta perspectiva, o “fim da geografia”, no
sentido de que a localização geográfica não importa mais em matéria de finanças e de
desenvolvimento capitalista. O “mundo”, enquanto uma concretude e uma determinação antes
não manifestadas, aparece como o caminho privilegiado para a definição, a gestão e a
realização dos interesses do capital, ou seja, para o processo de acumulação global de riqueza.
Entretanto, quando discutimos os caminhos da “mundialização do capital”, estamos
tratando de um fenômeno resultante não só da liberalização e da desregulamentação que
garantiram a abertura dos mercados nacionais. Também podemos afirmar que operações
altamente seletivas direcionam a finalidade lucrativa, dando aos grandes grupos do capital
internacional total liberdade para decidir quanto, como, onde e até quando investir. O livre
acesso às economias periféricas e, mais ainda, a crescente dependência destas últimas
garantem ao capital internacional a possibilidade de optar pela exploração dos diferentes
mercados através dos produtos importados, da produção local, ou meramente da especulação
financeira. Assim, consegue aproveitar as potencialidades lucrativas de cada região,
procurando aquelas que possam oferecer, em cada realidade específica, melhores
oportunidades de acumulação e reprodução23. Assim, podemos compreender que os vínculos
deste capital internacional com as diversas realidades nacionais dependem da importância
destas últimas na concorrência intercapitalista em escala mundial.
Esta constatação, de que o mercado globalizado busca se expandir através dos mais
diferentes caminhos, de acordo com a “vocação” de cada região para o desenvolvimento
capitalista, traz elementos que fortalecem a perspectiva de uma possível “interdependência
entre as nações”. Na verdade, para esta teoria, que se estrutura, segundo IANNI (1998),
enquanto uma análise sistêmica, a sociedade mundial já compõe um sistema econômico e
unitário, onde as potências mundiais estabelecem as condições de ordem neste sistema global.
23
IANNI (1998) chama a atenção para o fato de que as facilidades geradas pelo processo de
desterritorialização do capital acabam por facilitar também a confusão entre o dinheiro com origem
legal e aquele que se formou por atividades ilícitas, tais como o narcotráfico e a corrupção.
106
24
IANNI (1998) nos fala, inclusive, em tecno-estruturas, que reúnem profissionais diversificados, de
todas as qualificações, com o objetivo de diagnosticar, planejar e implementar diretrizes gerais em
conformidade com os interesses predominantes nas estruturas de dominação política e apropriação
econômica.
107
simplesmente dominantes, e deve ser seguido e almejado pelas que se encontram em uma
posição secundária e dominada.
Assim, se inaugura um padrão de racionalidade capitalista, onde são criados
parâmetros de organização das diversas ações sociais. Numa dimensão expansionista, o
mundo foi sendo permeado por valores, instituições e organizações característicos do
capitalismo enquanto modo de produção, que, como vimos, desde o seu início, já tinha uma
orientação internacionalizada. O direito, por exemplo, aparece como uma parte fundamental
desta racionalização da sociedade, traduzindo estes padrões e valores para o formato de um
aparato jurídico-administrativo que se une àquele universo de modernização capitalista.
Entretanto, o pensamento social crítico tem nos possibilitado compreender que uma
forte dose de idealização demarca esta tese da interdependência das nações, da modernização
e da racionalização das sociedades contemporâneas. A mundialização do capital não se
desenha como um momento de integração ou de igualdade nas condições de participação no
grande mercado mundial. Muito pelo contrário, apesar de todo o discurso da “crise do Estado-
nação”, vivemos em um cenário extremamente marcado por relações econômicas e políticas
de competição, de dominação e de dependência, acentuando elementos de hierarquização e de
hegemonia entre os países. A distância entre “países ricos e pobres” é cada vez maior, sendo
que os últimos permanecem em uma posição acentuadamente subordinada.
É diante de toda esta configuração crítica da base material do capitalismo
contemporâneo que J. L. FIORI (1999) recupera e dá nova significação ao tema da “riqueza
de algumas nações”. O que podemos perceber, neste início de século, é que o cenário de
internacionalização acima descrito aponta para um horizonte de incertezas e de
incontrolabilidade do livre movimento do capital, perpetuando, para os países de capitalismo
periférico, uma situação de “verdadeira tirania financeira”. Assim, em um contexto de
internacionalização, de flexibilização das fronteiras econômicas nacionais e da anunciada
“crise do Estado-nação”, a simples competição intercapitalista em mercados desregulados e
globalizados não assegura o desenvolvimento nem muito menos a convergência entre as
economias nacionais do centro e da periferia do sistema capitalista mundial. A “questão
nacional” permanece em voga, nesta perspectiva crítica, ganhando visibilidade e significação,
sob novos parâmetros de discussão. A lógica perversa dos mercados auto-regulados,
estabelecida agora em um quadro de hegemonia imperialista recomposta, demonstra ser a
responsável por uma gigantesca concentração empresarial e territorial da riqueza, com uma
subordinação cada vez maior dos países periféricos que
108
25
CHESNAIS afirma que o poderio econômico, político e social no contexto da mundialização do
capital esta construído em torno de uma tríade, que também é denominada de “imperialismo coletivo”.
Compõem esta tríade os Estados Unidos, a União Européia e o Japão, sendo que o primeiro
apresenta posição hegemônica.
109
Estas “relações com outras empresas” acontecem tendo como centro, mais uma vez, a
lógica da financeirização ou da especulação, através de novas formas de investimento, onde a
multinacional disponibiliza uma fração de capital e, portanto, conquista o direito de conhecer
a conduta de outra empresa não através de um aporte de capital, mas de um investimento sob
a forma de ativos imateriais. Tais investimentos apresentam, conseqüentemente, um caráter
altamente flexível e rentista, desligando-se da maioria dos riscos, e/ ou dos custos vivenciados
por estas empresas.
Assim se formam os chamados “oligopólios mundiais”, grupos que demarcam a
absoluta interdependência entre companhias, como espaços não só de concorrência e
rivalidade, mas também de colaboração, criando barreiras à entrada de outros grupos ou
empresas. Tais oligopólios se definem pela capacidade de se sustentar num cenário de
concorrência global, uma vez que atuam simultaneamente em mercados variados e
redesenham, inclusive, a questão da localização produtiva industrial. Identificar as “vantagens
de cada país” significa algo além de buscar mão-de-obra mais barata. Na verdade, tal
localização envolve demandas maiores, mercados mais promissores e, sobretudo, benefícios
fiscais que tornem determinados países “mais atraentes” para o grande capital mundial.
Torna-se muito mais ampla e definida, então, a noção de “concorrência mundializada”.
Em um primeiro plano, temos uma perspectiva mais direta desta concorrência, onde empresas,
em todo o mundo, que antes estavam limitadas, mas também “protegidas”, pelos freios e
entraves colocados pelos Estados-nação ao livre jogo do mercado, agora se enfrentam de uma
forma mais direta e radical, oriunda das políticas de liberalização e de desregulamentação das
economias nacionais. No entanto, em um contexto oligopolista mundial, esta concorrência
não é mais anônima. Estes grandes grupos não só conhecem seus rivais, como também
controlam suas estratégias de acumulação e seus graus de interdependência.
Entretanto, não podemos desprezar um outro nível de concorrência neste cenário
mundializado. Trata-se da disputa pelos próprios investimentos dos “oligopólios mundiais”, o
114
que atinge sobretudo a estrutura econômica, política e social dos chamados países em
desenvolvimento. Nesta questão, os Estados nacionais têm um papel fundamental, de
aumentar as “vantagens de seu país de origem”, tornando-o mais atrativo. Teremos a
oportunidade de analisar as conseqüências desta disputa para a configuração das classes
trabalhadoras nestes países, bem como para sua organização política.
Assim, esta “globalização”, longe de garantir uma maior integração ou equidade entre
economias nacionais de diferente porte, institui uma concorrência e uma rivalidade ainda mais
acirradas nesta arena, agora global, exigindo dos grupos oligopolistas novas estratégias e
novos modos de coordenação e controle, que sempre significa, em última instância, uma
maior exploração das desigualdades e das “vantagens” nacionais, mesmo dentro dos países
que compõem a Tríade. Como já tivemos a oportunidade de mencionar, com relação a estas
estratégias, as multinacionais norte-americanas gozam de melhores e maiores condições de
afirmação no cenário oligopolista mundial. São fatores de diferenciação para estas
multinacionais: a posição dos EUA no sistema financeiro mundial, com mercados
inigualáveis em suas dimensões e em sua diversidade, o poderio político e militar, que
estabelece uma total dependência de outros países com relação às decisões tomadas pelos
EUA e, finalmente, sua penetração cultural, com uma produção planetária de imagens e mitos
mercantilizados, tais como o inglês como “língua mundialmente dominante”, a influência
norte-americana nas indústrias de comunicação de massas e “o „sonho‟ projetado pela
indústria cultural do capitalismo e da mercantilização total das atividades e das dimensões da
vida social” (CHESNAIS, 1999, p. 24).
GUIMARÃES (1999) enumera, ainda sobre este debate, os principais objetivos a
serem alcançados pela estratégia norte-americana de afirmação e de sustentação de sua
posição hegemônica:
a) Implantar um sistema econômico internacional cujas normas garantam a mais
livre circulação de bens, serviços e capital;
b) Manter a capacidade de proteção de setores da economia americana ameaçados
pela competição estrangeira;
c) Induzir terceiros Estados a adotar instituições, normas de atividade e políticas
econômicas semelhantes às americanas;
d) Garantir o acesso americano direto às fontes de matéria-prima essenciais à
economia americana, em especial à energia;
e) Garantir a mais ampla liberdade de ação às empresas americanas que atuam em
terceiros países;
115
Nos dias de hoje, a versão mais sofisticada dessa visão teórica renovada
pode ser encontrada nas publicações de importantes agências multilaterais
que definem as possibilidades de expansão nacional como diretamente
associadas à maior integração do mercado mundial. A desregulamentação
dos mercados financeiros, de produtos e do trabalho constitui peça
fundamental no roteiro de medidas necessárias para o melhor acesso ao
desenvolvimento econômico e à ampliação dos postos de trabalho.
serviços, considerado como uma “nova fronteira” para a expansão capitalista. Algumas
atividades deste setor vivem uma internacionalização mais antiga, como o transporte marítimo
e a atividade mercantil. No entanto, as multinacionais industriais no período contemporâneo
criaram as condições e as exigências de novos serviços internacionalizados, como a auditoria,
a publicidade, a consultoria, o marketing, etc., tendo em vista, sobretudo, o atendimento a
uma demanda aparentemente homogeneizada em torno das expectativas de consumo do
capitalismo avançado.
Esta expansão do setor de serviços num quadro globalizado encontrou incentivo
também na contenção dos serviços públicos que, em uma fase anterior, eram os garantidores
da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento do capitalismo. Assim, o movimento de
liberalização e de desregulamentação, levado adiante pelos mais diversos Estados nacionais
comprometidos com a proposta neoliberal, permitiu o avanço destes serviços privados,
chegando a muitas áreas antes orientadas pelos monopólios estatais, tais como as
telecomunicações, os grandes meios de comunicação de massas e os serviços sociais. Abre-se,
portanto, um novo campo para o investimento externo direto, oferecendo oportunidades de
expansão para indústrias que buscam diversificar suas ações em direção àquela
superacumulação de que falávamos anteriormente.
CHESNAIS aponta dois elementos orientadores desta diversificação:
Quando ao comércio exterior, percebemos que este constitui uma esfera com
acentuada polarização, criando um quadro de total marginalização de muito países. O sistema
mundial do comércio exterior continua altamente hierarquizado, o que decorre de fatores
econômicos, de mudanças científicas e tecnológicas e de configurações políticas, onde pesa,
sobretudo, a intensidade da intervenção estatal nos quadros da economia nos países centrais e
periféricos, através de incentivos fiscais e do controle de taxas de importação e exportação.
O sistema mundial de intercâmbio parece reforçar alguns elementos dos quais já
tratamos anteriormente. Em primeiro lugar, as zonas mais intensas de comércio exterior se
formam em torno dos países que compõem a Tríade, caracterizando um fenômeno de
regionalização que se combina com uma crescente marginalização dos demais países.
Compõe-se então um paradigma de concorrência ou competição, onde a competitividade de
cada país designa, de antemão, “ganhadores” e “perdedores”. Neste cenário, o sucesso de uma
empresa significa, muitas vezes, a falência ou a absorção de outras que não se sustentaram
neste quadro de competitividade e cujos países de origem, tornados devedores externos, são
diretamente afetados na relação importação/ exportação.
As multinacionais dominam, sem maiores riscos, o comércio exterior mundial, sendo
responsáveis, segundo dados da OCDE, por 40% do total de produtos manufaturados. Entre
estas multinacionais, cresce um importante comércio “intracorporativo” ou “intragrupo”,
resultante de modalidades de integração industrial transnacional. Chesnais nos apresenta
dados que afirmam que 99% do comércio exterior dos EUA envolviam a participação de uma
multinacional americana ou estrangeira, como parte da transação.
O crescimento do comércio mundial, mas também sua subordinação à intensidade do
investimento externo direto, fizeram com que se acelerasse a formação de intercâmbios intra-
regionais e de blocos econômicos, com a crescente criação das áreas de livre comércio.
Alguns comentaristas afirmam que esta regionalização do mundo é contraditória com uma
“verdadeira” globalização, chegando a ameaçar as propostas dominantes. Na verdade, esta
ameaça não nos parece real, uma vez que a regionalização, para os países em
desenvolvimento, tem, no máximo, um objetivo defensivo, no sentido de se configurar como
um acúmulo de forças na tentativa de se inserir, em melhores condições, no cenário
globalizado hegemônico, que anteriormente descrevemos. Ainda que, politicamente, a
formação destas regiões traga algumas particularidades relevantes no enfrentamento aos
modelos dominantes de globalização, isso não se desenha no cenário econômico. Acreditamos
que a Tabela 1, abaixo apresentada, demonstra com clareza esta desigualdade nos processos
119
Tabela 1
Intercâmbios inter-regionais
(em % do intercâmbio total da zona e em % do comércio mundial)
diversas estratégias, onde cresce a importância das operações exclusivamente financeiras dos
grupos industriais. Nestas operações, o capital acumulado atua livremente, com poucos
controles ou freios, numa reprodução permanente e ilimitada.
A força econômica e mesmo política alcançada por este setor fica assim expressa, nas
palavras de SANTOS (2000, p. 101).
países em desenvolvimento. O próprio FMI afirma que estes títulos públicos representam o
centro deste processo de financeirização. “Seu volume de transações supera, de longe, o de
qualquer outro segmento dos mercados financeiros, com exceção dos mercados de câmbio”
(FMI apud CHESNAIS, 1999, p. 248). Tem início, a partir daí, uma “economia de
endividamento”, que tem seus sustentáculos tanto na economia norte-americana quanto
européia e que colocou todo o sistema mundial à mercê do capital rentista e de seu poder
opressivo.
Os vários elementos que envolvem o aspecto econômico da globalização revelam uma
reorganização que atinge o conjunto da sociedade em seus mais diferentes encaminhamentos.
Neste sentido, é importante ponderarmos os aspectos ou “custos sociais” deste processo de
globalização, tendo em vista alcançar, no próximo capítulo, o debate em torno do aparato
cultural.
26
Sobre a anunciada “crise da sociedade do trabalho”, vale acompanharmos o debate apresentado
por ANTUNES, 1997, p. 75-97.
27
POCHMANN (2001) nos fala de três fases da divisão internacional do trabalho, onde a primeira se
caracteriza pela introdução da grande indústria, que possibilitou a divisão do trabalho, atribuindo a
cada parte do globo papel determinado. A segunda fase, por sua vez, já no início do século XX, é
123
A partir da década de 80, podemos então considerar que esta terceira fase da divisão
internacional do trabalho ganha seus contornos mais definidos. Não só se reafirma o poder
econômico das corporações transnacionais, em números que demonstram cada vez mais a
marcada pela posição de nação hegemônica sendo assumida pelos Estados Unidos e pela
reformulação do próprio centro capitalista mundial.
124
28
Segundo dados apresentados por POCHMANN (2001), no setor de produção de computadores, 10
empresas concentram 70% da produção mundial. Quanto ao ramo de material de saúde, 7 empresas
concentram 92% da produção.
29
ANTUNES (2000) é enfático ao afirmar que, neste cenário, alterou-se profundamente o sentido
atual da compreensão da classe trabalhadora. Marcada por dimensões de diversidade,
heterogeneidade e complexidade, esta compreensão deve incluir, agora, a totalidade daqueles que
vendem sua força de trabalho, ou seja, desde os trabalhadores produtivos (diretamente ligados à
125
30
Uma ampla bibliografia se ocupa, hoje, de descrever e de analisar o desenvolvimento deste
“terceiro setor”. Apenas na intenção de exemplifica-la, citamos MONTANO (2002).
127
(...) lucra (em todos os sentidos do termo) com isso, e então esforça-se para
manter e até reforçar essas divisões nacionais e regionais. Enfim, a DIT
[divisão internacional do trabalho] hierarquiza severamente os diferentes
espaços econômicos mundiais, coloca-os em concorrência e pode, em certos
casos, tornar contraditórios os interesses imediatos de diferentes partes do
proletariado mundial.
da sociedade civil, os quais passaram, também, por uma refuncionalização, muitas vezes
orientada para a própria perspectiva neoliberal.
Estes movimentos e instituições, aparentemente situados fora da esfera do trabalho e
da produção31, apresentam, em geral, uma desconfiança (ou uma descrença) para com o
Estado enquanto gestor de ações públicas para o enfrentamento dos problemas oriundos
destas crises. Assim, passaram de uma fase de ação reivindicativa em relação ao Estado, para
uma fase quase “substitutiva”, buscando garantir a reapropriação, para grupos e segmentos
particularmente atingidos por estas crises, de melhores condições gerais de sobrevivência.
Independentemente daquela heterogeneidade que demarcamos, estes movimentos
passaram a ser considerados, em uma ampla bibliografia, como representantes de uma nova
“força progressista, se não revolucionária, do futuro”. No entanto, verifica-se o surgimento e a
ascensão de um grande número de movimentos que acabam por assumir e reproduzir uma
orientação conservadora (liberal) ou, no máximo, reformista (neo-social-democrata), com
ações que visam, no máximo, uma simples adequação social e cultural da sociedade ao
movimento do sistema do capital. Estes movimentos buscam se particularizar por propostas
de “parcerias responsáveis” com o poder público, fornecendo “elementos originais” não para
a solução, mas para o contorno temporário das diferentes crises sociais crônicas. Percebemos,
também, que justamente estes movimentos mais “funcionais” ao sistema do capital se
caracterizam por um alto grau de particularismo, ou seja, de isolamento dos interesses e das
ações de um grupo com problemas específicos, aparentemente sem conexão de uns com os
outros, favorecendo o desenvolvimento de práticas estreitamente localizadas e, na maioria das
vezes, paliativas e imediatistas.
Entretanto, é impossível negar que o surgimento destes movimentos, mesmo quando
voltados para terrenos de intervenção considerados “periféricos” quanto à relação social
restrita do capital, apresentam, também, elementos positivos que desafiam a compreensão e a
luta política contextuais. Em primeiro lugar, é importante demarcarmos que a existência
destes movimentos tende a ampliar as noções de luta de classes e de embate político, uma vez
que revela que as condições de reprodução do capital não se restringem ao econômico, mas se
estendem à totalidade das condições sociais de existência. Assim, movimentos e instituições
voltados para questões étnicas, culturais, de gênero, ambientais, dentre outras, quando
devidamente abordadas no interior de uma perspectiva de totalidade social, demonstram que
31
Para BIHR (1998), existe um amplo processo de apropriação capitalista da práxis social. Por isso,
estes movimentos estão apenas aparentemente fora do trabalho e da produção.
134
32
No estudo sobre este ativismo, é referência o Fórum Social Mundial, já em sua quarta experiência,
e cuja dinâmica, estrutura e conformações políticas podem ser analisadas a partir das informações
presentes em www.fsm.com.br.
135
FMI, o Banco Mundial e a OMC, enquanto setores amplos de regulação, pressão e controle
dos Estados e das economias nacionais. Esta mobilização social de âmbito transnacional, pelo
menos em suas propostas originárias, coloca-se contra estas agências, seja para combatê-las
frontalmente, seja para influir nas suas estruturas organizacionais e/ou em suas políticas
concretas.
Assim coloca GÓMEZ (2001, p.18)
Este autor ainda nos chama a atenção para algumas condições sócio-históricas que
teriam contribuído para o surgimento e para o desenvolvimento deste ativismo:
a) Evolução da tecnologia de informação e comunicação, permitindo o uso destes
meios na mobilização política e na dinâmica democratizante de contrapoder,
b) Configuração de novos centros de autoridade e de regulação para além dos
Estados nacionais, estimulando as populações de diferentes países a influenciar
em suas decisões;
c) Transformação do clima ideológico entre as elites internacionais e
transnacionais do centro, que passam a propor, diante dos custos sociais e da
fragilidade política do processo de mundialização do capital, fórmulas mais
atenuadas de liberalismo, políticas públicas mais interventivas e maior
receptividade às questões sociais reivindicadas.
É importante observarmos que as diversas mobilizações que compõem este ativismo
transnacional não são um movimento “antiglobalização em geral”, mas surgem e fazem parte
do que se convencionou chamar de um fenômeno “mais amplo da globalização”,
compartilhando de seus problemas e demonstrando as contradições estruturais deste
fenômeno. Portanto, estas mobilizações apresentam um potencial e, ao mesmo tempo, uma
limitação que se inscrevem “na dialética de antagonismos e conflitos inerente à configuração
de um espaço social global de poder e contrapoder em formação” (GOMEZ, 2001, p 20) e
marcado por imensas incompletudes. Assim, embora apresente um caráter abertamente
contra-hegemônico, está encoberto por grandes contradições.
136
(...) não são fáceis de superar os problemas analíticos, nem muito menos os
políticos, na abordagem da diversidade e do pluralismo irredutível de
identidades, formas organizacionais, níveis de recursos, interesses, táticas e
objetivos de movimentos sociais, ONGs e grupos de ação cívica que,
fazendo parte do ativismo transnacional, não são originários de uma mesma
sociedade ou região. (IBIDEM, p. 22).
Assim, a pretensa “sociedade civil global”, além de não ter, para equilibrar suas forças,
algo equivalente a um Estado global ou uma comunidade política global, também se constrói
como uma arena muito mais ampla de conflitos, como um espaço social marcado pela
dialética histórica de combinações e relações de forças hegemônicas e contra-hegemônicas.
Portanto, antes de qualquer perspectiva otimista acerca deste ativismo transnacional, é
importante analisar precisamente quais são as forças sociais que conduzem ou pretendem
conduzir o rumo desta proposta alternativa de globalização. Valem, pois, os questionamentos
de GOMEZ (2001, p. 13).
Esta polarização revela, dentre outras coisas, que existe hoje uma integração altamente
seletiva, ou seja, o investimento direto dos países que compõem a Tríade não ocorre na
mesma proporção quando o alvo é o conjunto dos países periféricos ou semiperiféricos. O
capitalismo mundializado continua, desta forma, a ampliar, numa escala cada vez maior, a
desigualdade e a heterogeneidade social entre países ricos e pobres, que, durante décadas,
sustentou a teoria de uma “era dos três mundos” (DENNING, 2005). O que antes
representava, no cenário capitalista, uma marginalização temporária e definida, transforma-se
agora em uma regra, uma condição, uma desigualdade social tão drasticamente acentuada que
se apresenta, muitas vezes, como inquestionável, impossível de ser resolvida.
LIMOEIRO-CARDOSO (2000, p. 111) destaca outro elemento importante deste
cenário:
Neste contexto, a dicotomia norte/ sul ameaça ambos os pólos com a “condição de
pobreza” para os que não conseguem, pelos mais diferentes caminhos, se integrar à economia
mundial”. Ações emergenciais são esperadas e propostas por parte do poder público, com
vistas a criar estratégias de enfrentamento da pobreza que sejam capazes de reordenar a
estrutura societária mais ampla e amenizar conflitos ainda compostos no âmbito nacional. O
Estado, em seu modelo neoliberal, acaba por se defrontar com uma parcela da população que,
a cada dia, depende mais das políticas sociais por ele oferecidas, ainda que precárias e
insuficientes. A necessidade de manter uma “clientela política” que lhe garanta um consenso
mínimo será um dos principais motivos para a permanência destas intervenções públicas
(LAURELL, 1995).
O redimensionamento dos negócios internacionais e mesmo a intensificação do fluxo
de capitais desde meados dos anos 80 não têm gerado, para os países de capitalismo periférico
e semiperiférico, profundas e significativas mudanças na diversidade de seus
desenvolvimentos. O que podemos observar é que a desigualdade global entre países, e
139
mesmo dentro de cada país, tem aumentado consideravelmente33, neste cenário de capital
globalizado.
Nos países periféricos ou semi-periféricos, observa-se, portanto, uma preocupante
contradição entre a homogeneidade na produção e a heterogeneidade nas condições sociais.
Graças às inovações tecnológicas, organizacionais e gerenciais, estes países podem produzir
bens e serviços absolutamente compatíveis com as exigências e orientações do capital
globalizado, garantindo, portanto, o pleno desenvolvimento do comércio exterior e do
investimento externo direito. No entanto, a força de trabalho, formal ou informalmente
empregada34, vivencia um quadro social cada vez mais comprometedor, onde a condição de
pobreza se desenvolve e se aprofunda.
Esta situação é assim descrita por GÓMEZ (2000, p. 154):
33
Autores afirmam que o caso do desenvolvimento econômico do Leste Asiático é um fenômeno
totalmente marginal por determinações econômicas e políticas que não teremos, infelizmente, a
oportunidade de tratar aqui.
34
Salama (2000) nos chama a atenção para o crescimento do número de pessoas nos empregos
informais de estrita sobrevivência.
140
Muito pelo contrário, o que podemos perceber com mais clareza é que a profunda
deterioração de toda uma série de serviços públicos, sobretudo nos países periféricos e
semiperiféricos, contribuiu para o agravamento do quadro de degradação social e de pobreza.
Por outro lado, verificamos que, nos países com uma maior capacidade estatal para assegurar
um padrão de igualdade, de segurança e de estabilidade social, os índices de desigualdade
tendem a ser menores.
Assim, compartilhamos com este autor as afirmações de que, para realizarmos uma
análise deste momento histórico capaz de superar a perspectiva de um “mundo do imediato”,
é preciso um retorno, a partir de novas determinações, ao paradigma do imperialismo. O
mesmo movimento que fizemos, na análise do campo econômico, nos parece necessário
agora, na abordagem da esfera política.
Este paradigma nos parece vital para que possamos evitar tanto concepções
estatocêntricas quanto globalistas acerca das sociedades contemporâneas. As primeiras
tendem a fecundar nacionalismos que se sustentam em uma concepção acrítica e fortemente
ideológica de soberania, relacionando-a com o “Estado soberano”, representante de uma
“nação” de onde se pode abstrair a diferença e a luta de classes. As últimas, por outro lado, se
dirigem a pensar, como já afirmamos, a reconfiguração do Estado sob a hegemonia do grande
capital mundializado e das propostas neoliberais, tendendo a visualizar a soberania e o Estado
nacionais em uma fase terminal, que dará lugar a um plano mais amplo de “política”, agora
em bases transnacionais. Evitar estas duas concepções significa, portanto, evitar o erro
primário e simplório de, para se opor à idéia da “globalização da política”, propor o retorno a
um nacionalismo sem ponderações ou críticas, como se este guardasse as perspectivas mais
desenvolvidas de conformação societária. Uma experiência muito mais ampla de
desvelamento crítico precisa ser, então, encaminhada.
O principal alvo de crítica do capital globalizado para a intervenção estatal é o modelo
construído sob a égide do Estado de Bem Estar Social, em sua versão socialdemocrata,
entendido como o mandatário da regulação econômica nacional, do pleno emprego, do
crescimento sustentado, da produção e do consumo de massas e do compromisso de classes
35
LADISLAU DOWBOR (2003), ao questionar se “os EUA preocupam?”, chega a afirmar que, neste
momento, todo o mundo nos preocupa, pois, “na era global, somos todos cidadãos do planeta”.
142
garantir a legitimidade das ações deste Estado, era necessária a construção de uma idéia
homogeneizadora, uma base de integração social capaz de acelerar os processos de destruição
das relações pré-capitalistas e de consolidação da burguesia como classe politicamente
dominante. Assim é que, no final do século XVIII, o Estado moderno e a nação moderna se
fundem para formar o Estado-nação. Inaugura-se aí toda a força política, social e ideológica
que o nacionalismo terá nos séculos XIX e XX. Neste sentido, é importante recuperarmos o
que afirma HABERMAS (1997, p. 281):
36
prosperidade. Do “princípio da nacionalidade” aos dilemas da “questão nacional” , fica
claro que
36
Valendo-se das observações de HOBSBAWN, CHAUÍ (2000, p. 16) mostra que a incorporação do
debate sobre nação no vocabulário político foi sendo feita gradativamente a partir de 1830. Assim, ela
estabelece três períodos deste processo: 1) 1830 a 1880, quando se fala em “princípio de
nacionalidade”; 2) de 1880 a 1918, fala-se em “idéia nacional” e 3) de 1918 a 1950, quando a ênfase
é na “questão nacional”.
146
alternativo ao sistema do capital. Poderíamos inclusive afirmar que esta mobilização ainda se
localiza no âmbito do que Gramsci chamaria de um “subversivismo esporádico”, carecendo
de significativos elementos para alcançar uma necessária organicidade.
Este debate conduz a questionamentos relativos à configuração e à defesa da
democracia política no quadro deste capitalismo globalizado. Em outras palavras, quais
seriam hoje os centros de poder e que classes ou segmentos teriam, democraticamente,
participação e força política em sua dinâmica? Este processo de mundialização do capital,
como tivemos a oportunidade de observar, se estabelece sobre um suposto distanciamento
entre o poder econômico e o espaço político. O primeiro se expande e se fortalece com um
alcance planetário cada vez mais intenso, onde as grandes corporações financeiras conquistam
poderes cada vez maiores e mais amplos. Por outro lado, os principais jogos e recursos de
poder político ainda continuam restritos às fronteiras territoriais, e a democracia só se sustenta
como forma de governo legítima nos limites do Estado-nação.
O que se questiona, portanto, é que alcance efetivo tem a democracia quando está
condicionada à posição que os Estados ocupam na hierarquia política e econômica global,
quando a maioria dos Estados se encontra reduzida em sua capacidade de ação em torno de
políticas autônomas. Assim questiona BORON (1999, p. 34)
(...) um poder sem sociedade, que tende a engendrar sociedades sem poder e
Estados em crise, e que desacredita a política submetendo-a às exigências de
mobilidade, flexibilidade, privatização, desregulação, redução dos gastos
públicos, sociais e salários, vale dizer, tudo aquilo que é considerado
150
deliberação para assegurar a expansão de uma “nova esfera pública”, que possa envolver as
questões relevantes em âmbitos ampliados. No entanto, a potencialização de amplos setores
desta “sociedade civil global” não pode estar restrita ao que Gramsci denominou de “pequena
política”, ou seja, a questões “parciais e cotidianas” que pouco ou nada interferem no
direcionamento mais amplo, na “grande política”, que, exercida exclusivamente pelos grupos
e classes dominantes, possibilitam as macro orientações de uma sociedade. Nas palavras de
CAMPIONE (2003, p. 61)
esfera cultural são de extrema relevância. Sobre eles é que iremos tratar no próximo capítulo
deste trabalho.
153
se ou desenvolvendo alternativas ao que está colocado. É neste sentido que afirmamos, desde
já, a existência de uma “cultura da globalização”, mais que uma “globalização da cultura”.
insatisfação, gerada pelo conhecimento, com o quadro que se constrói, despertando o interesse
pela inovação e pela mudança. Num contexto de “mundo globalizado”, a cultura permanece
com uma capacidade de estranhamento e, portanto, de reflexão crítica, que expressa e traz à
tona o que este cenário tem de fratura e de segregação.
Daí advêm as dificuldades e os embates que envolvem esta esfera da cultura no
cenário da globalização. Por inúmeras razões, que iremos abordar ao longo deste capítulo, é
difícil hoje tanto conhecer quanto transformar:
Criar uma “cultura da globalização” ou, por outro lado, uma “cultura global” se
apresentou, desde o princípio, portanto, como uma necessidade para o capital mundializado.
Esta esfera representava a possibilidade de imprimir, ideologicamente, uma orientação
dominante ao que os diversos grupos e classes sociais poderiam imaginar, defender e esperar
da “globalização” em curso. Assim, “muitos globalizadores vão pelo mundo simulando a
globalização” (IBIDEM, p. 11) e buscando redirecionar, sob uma ótica dominante, os
conflitos culturais advindos da desigualdade de acesso à “economia global”. Daí se
compreende elementos como o avanço e a aceleração dos intercâmbios midiáticos, o
incremento e o desenvolvimento incontrolável da indústria cultural, agora com padrões
transnacionais de competência, o vazio político e informativo dos meios de comunicação de
massas e o acirramento da dependência cultural, como demonstram os dados abaixo:
Este processo não se constrói, no entanto, em uma única direção. Sendo a globalização
um processo diversificado e desigual, como já tivemos a oportunidade de demonstrar, a
existência de uma possível “cultura global” também encontra fortes e importantes
resistências. Esta esfera, sobretudo no que se refere a valores simbólicos e significações, traz à
tona o que a globalização tem de utopia e o que ela, sendo desenvolvida sob o jugo do capital,
não tem capacidade de integrar.
O exemplo concreto da União Européia ilustra com clareza estas afirmações. Apesar
do grande número de programas educativos e culturais que abrangem os países membros e
que buscam criar uma identidade simbólica “européia”, os diferentes governos ainda não
conseguiram trabalhar de forma satisfatória com a heterogeneidade, as diferenças e os
conflitos que parecem irredutíveis a esta identidade homogênea.
A cultura deixa claro, portanto, que persiste uma fração de dimensões significativas
entre a globalização que os mercados e os governos entendem e divulgam e aquela que os
cidadãos vivenciam em seu cotidiano. As diferenças culturais não se dissolvem com meros
acordos econômicos de integração, sobretudo quando estes reafirmam e aprofundam um
quadro de tantas disparidades sociais e econômicas. Muito pelo contrário, estas diferenças
culturais não só se afirmam, como também colocam em cena críticas e interesses que se unem
àqueles de ordem política, econômica ou social no momento de construção de esferas públicas
supranacionais.
Assim, por caminhos e motivos bastante diferenciados, a cultura não se manteve alheia
ao processo de globalização em curso, servindo, muitas vezes, como elemento de reorientação
e de reordenamento das forças hegemônicas neste processo.
Partindo desta compreensão mais dinâmica acerca da dimensão cultural dos processos
de globalização hoje em curso, podemos identificar diferentes posições acerca deste debate.
Tentamos organizá-las em dois grandes blocos, a partir da compreensão mais ampla ou mais
157
restrita do que podemos chamar de “globalização da cultura”. Vale observarmos cada uma
destas abordagens.
Segundo esta perspectiva, o “mundo” se apresenta agora como uma nova categoria
analítica, com uma nova dimensão. Ele não representa mais apenas a “soma de realidades
nacionais”, onde cada uma delas tinha sua autonomia e independência, embora estivessem
interligadas por um amplo leque de relações. Ele se apresenta como um “sistema mundo”, um
elemento constitutivo de vivência e de reflexão que impõe novos desafios teóricos e práticos.
No que tange ao universo cultural, esta nova categoria traria elementos significativos
de reorientação. As novas relações econômicas e sociais nas quais estamos inseridos, agora
em uma escala global, materializariam a possibilidade de emergência de uma “cultura global”
ou de uma “globalização da cultura”. Em outras palavras, o homem, enquanto “cidadão do
mundo” teria, pela primeira vez na história da humanidade, a oportunidade de construir
valores, hábitos, representações, costumes, reflexões, críticas e questionamentos que seriam
oriundos de sua inserção não em um espaço local ou nacional, mas de uma suposta integração
158
cada vez maior da “sociedade global”. No interior desta discussão, esta perspectiva
aponta para um conjunto de transformações societárias que estariam criando, para a
humanidade em geral, o que poderíamos chamar de “referências culturais globais”. É
importante observarmos minimamente o debate acerca destas transformações no universo
cultural.
A própria idéia de globalização já aponta para reorientações e novas determinações no
que se refere às noções de espaço e de tempo, agora materialmente menores. Por diferentes
caminhos, ouvimos as posições que reconhecem um processo de “compressão-aceleração do
mundo”, onde o conjunto das novas tecnologias disponíveis incide diretamente sobre estas
noções, criando a expectativa da integração e da sincronia. As pessoas estariam, então, mais
próximas, convivendo em um mundo que, em termo simbólicos, estaria cada vez menor e
mais parecido, o que facilitaria os contatos, a mobilidade das fronteiras e a diluição da
oposição entre o autóctone e o estrangeiro.
A desterritorialização da produção, bem como o maior fluxo de mercadorias e de
pessoas, estabelece uma aparente dinâmica onde o espaço se esvazia de seus conteúdos
particulares, os lugares se globalizam e constroem um universo habitado por referências
compartilhadas: corporações transnacionais, produtos mundializados, marcas facilmente
identificáveis. Neste processo em que cada local é capaz de revelar o mundo, o mercado
parece ser o elemento homogeneizador, capitalizando determinados signos e padrões de
consumo mundialmente reconhecidos e aceitos.
Esta experiência de coabitar um mundo mais parecido traria para os homens, pela
primeira vez, a possibilidade de compartilhar também de uma mesma cultura, desta vez,
mundializada. ORTIZ é um dos autores que acredita nesta possibilidade e afirma, inclusive,
que o mais importante, para esta cultura, é a sua especificidade, é a sua capacidade de fundar
uma nova maneira de “estar no mundo”, a partir de novos valores e de novas legitimações.
Não só os objetos, mas também as referências culturais devem se desenraizar, tornando-se
mundialmente inteligíveis.
36
A Internet, por exemplo, é apontada contemporaneamente como espaço constante de
democratização e de livre acesso a informações, propostas e descobertas científicas.
160
acumulação capitalista. O mercado surge, nestes meios, como o grande regulador das
demandas coletivas, inserindo mudanças cada vez mais rígidas no cotidiano da vida social, as
quais se manifestam também nos processos de sociabilidade e de trabalho.
O debate que então se coloca visa a questionar até que ponto esta comunicação
tecnológica estaria se convertendo em agente privilegiado na formação e na fixação de
identidades culturais que desprezam ou dispensam os horizontes historicamente reconhecidos
do local e do nacional. Em outras palavras, até que ponto as informações de abrangência
ilimitada como as que são hoje produzidas poderiam redimensionar culturalmente os povos de
diferentes espaços territoriais, a partir do momento em que tornam próximos e presentes
diferentes acontecimentos.
Algumas características destes meios de comunicação e das informações por eles
produzidas se colocam como elementos norteadores para uma avaliação das questões
anteriormente colocadas. Em primeiro lugar, pesa a sua temporalidade. O mercado precisa
constantemente de inovações tecnológicas que renovem e garantam a chegada de novas
informações e de novos padrões de divulgação desta. A fugacidade e a efemeridade que as
particularizam tornaram-se constantes desafiadores e, ao mesmo tempo, impulsionadores da
expansão capitalista nesta área. Dados apresentados por MORAES (1997) sobre a década de
90 demonstram, comparados aos atuais, a magnífica capacidade de expansão desta fatia do
mercado e, principalmente, sua vinculação ideológica cada vez mais bem definida.
Esta inovação constante traz, para o universo da informação e da comunicação, o traço
também da diferenciação. Com vistas a negar quaisquer estratégias que recuperem o
consumidor indiferenciado e perdido na massa, característico do mmomento fordista de
produção, o modelo atual prima pela atenção cada vez mais específica, buscando chegar a
padrões extremos de comportamento e de preferências. Uma rede mundializada de
informações sobre vendas permite analisar os diferentes comportamentos dos mercados,
permitindo inclusive concluir quais produtos devem ser retirados de circulação ou
modificados, definindo, portanto, o desenvolvimento de novos produtos. Para cada segmento
do mercado consumidor, um produto, uma mídia e uma informação adequados, reconstruindo,
em outros parâmetros, a fragmentação e a diversidade culturais. É preciso, desde já, criticar
esta perspectiva de diferenciação, partindo da certeza de que o fato de estar materialmente
diversificado não significa, necessariamente, que esta parcela do mercado garanta a
diversidade e o pluralismo em torno das questões culturais, uma vez que estas se encontram
igualmente concebidas e desenvolvidas nos limites do sistema do capital. O mercado se
161
38
DREIFUSS (1997) menciona que, em 1996, apenas o tráfego aéreo respondia pelo deslocamento
de 1,3 bilhão de passageiros por ano, sem contar os “viajantes virtuais”, 2 bilhões de pessoas que,
através das redes informáticas de consumo, buscavam este duplo movimento de uniformização e de
diversidade de produtos.
162
apresentados por MORAES, 1997, tendo como referência o ano de 1996), o elemento de uma
“identidade planetária” também precisa ser garantido pelo mercado.
Diferentes debates se travam em torno destas características. MUNIZ SODRÉ (1997),
juntamente com outros tantos autores, se preocupa em destacar que estas tecnologias da
informação criam, portanto, a ideologia de uma comunicação universal, a ser medida e
avaliada pelos elementos da velocidade, da probabilidade e da instabilidade. Os meios de
comunicação, nesta compreensão, desempenham papéis estratégicos ao possibilitarem uma
naturalização ideológica da economia neoliberal de mercado, da qual a sociedade humana
aparece apenas como um acessório. As diferentes configurações societárias, compartilhando
do mesmo tempo e do mesmo espaço, devem agora trabalhar para se desenvolver e para
evoluir rumo a uma perfeita integração ao desenvolvimento mundial, modelo único e
inquestionável da sociedade de mercado.
Tais meios de comunicação e de produção de informações contribuem para a forte
operação ideológica que busca reforçar o sentido universalista da globalização. Tal sentido se
constrói, na verdade, como abstrato e superficial, uma vez que o que assistimos é a
“universalização do particular”. Como já tivemos a oportunidade de observar, o controle do
processo de globalização se restringe a poucos países e tende a excluir, das instâncias de
deliberação e de decisão, a maior parte da população mundial. A força com que se desenvolve
a multimídia39 contribui, então, para a produção retórica de um real compatível com a lógica
do mercado e com a ideologia da globalização.
Diante deste cenário e das discussões que o interpenetram, um duplo desafio se coloca
para os diferentes padrões de cidadania e de políticas públicas de gestão das comunicações.
Em primeiro lugar, a técnica, ou o universo material destes meios de comunicação, uma vez
que o desenvolvimento tecnológico continua restrito a poucas corporações econômicas, que
ditam padrões de consumo destas tecnologias e monopolizam sua produção, dando início ao
que poderíamos caracterizar como um novo processo de colonialismo, agora garantido pelos
meios de comunicação e de produção de informações. Além disso, desafia-nos também a
questão dos conteúdos veiculados, os quais, num momento em que se põe em xeque a relação
cultura/ nacionalidade, encontram-se ligados a uma nova “armadilha teórica”, qual seja a de
uma globalização informativo-cultural que não se mostra desvinculada de fortes interesses de
39
RAMOS (1997) afirma que a multimídia representa a convergência de três elementos principais, a
saber: as telecomunicações (infra-estrutura e serviços básicos), os meios de comunicação de massa
e a informática. Neste sentido, podemos afirmar que estes veículos se caracterizam, no cenário
neoliberal, pelos processos de privatização, de concentração de capital e de centralização ideológica,
agora em um cenário mundial.
163
classe. Acreditamos que, nos dias atuais, o debate sobre a democratização da cultura não pode
se furtar a responder a este duplo desafio, que BRASIL (1997) define como “saber quem
decide e realiza a enunciação de valor univocal”.
Nas palavras de GALEANO (apud BRASIL, 1997, p. 248-249)
Nunca tantos foram tão comunicados por tão poucos. Cada vez são mais os
que têm o direito de escutar e de olhar, mas cada vez são menos os que têm o
privilégio de informar, opinar e criar. A ditadura da palavra única e da
imagem única está impondo um modo de vida que tem por cidadão exemplar
o consumidor dócil e o espectador passivo, que se fabricam em série, escala
planetária, segundo o modelo norte-americano da televisão comercial.
40
BRASIL (1997) contribui para este debate com dados sobre os índices de concentração dos meios
audiovisuais: 90% na Irlanda; 75% no Reino Unido; 65% na Itália e 50% na Bélgica, Dinamarca e
Holanda, no ano de 1996.
164
pouco ou nada sabem acerca do funcionamento das comunicações. Nas palavras de DANTAS
(1996, p. 15)
O que demarcaria o momento contemporâneo de expansão deste setor teria suas raízes
em um movimento iniciado na passagem do século XIX para o século XX, justamente
quando, através dos recursos garantidos pelo capital financeiro, teriam surgido indústrias
tipicamente produtoras de tecnologias de informação, a qual, a partir daí, se tornou o objeto
imediato de trabalho da maioria dos indivíduos. A informação se transforma, a cada dia, em
um elemento necessário para que o capital possa se desenvolver e a importância das diferentes
formas de trabalho humano nesta sociedade se mede a partir da quantidade e da qualidade da
informação com a qual se desenvolve. A principal atividade das pessoas, no universo do
mundo do trabalho, é tornar disponíveis diferentes dados, e o valor da informação, neste
processo, é o de poupar tempo de trabalho, o que interfere diretamente nos processos de
produção de mais-valia nas sociedades capitalistas contemporâneas.
A partir de então, a produção cultural, neste sentido, torna-se indistinguível da
produção material, no que se refere aos processos de trabalho e à necessidade que apresentam
para o desenvolvimento da sociedade. Tal produção passa a ser integrada à produção material
capitalista geral através de dois caminhos: como meio de acumulação direta, através da venda
de equipamentos e de difusão de tecnologia, e indireta, formando e redefinindo hábitos de
consumo para a expansão de mercados cada vez mais amplos e diversificados.
Questões objetivas, assim como decisões políticas e empresariais, acabam criando um
sistema de monopólios também nesta área, onde a indústria que produzia equipamentos para
registrar e comunicar informação torna-se, a partir do final do século XX, produtora da
própria informação a ser registrada e comunicada. No âmbito exclusivo do capital, percebe-se
a constante tendência à cooperação, no sentido de que há um intercâmbio de soluções e de
produtos que estejam sendo desenvolvidos pelas corporações transnacionais, através de
alianças cada vez mais estreitas e economicamente fortes. Nos países de capitalismo central,
165
detentores destes monopólios, isto acontece sem uma maior intervenção política de cunho
público por parte de outros atores, e, por outro lado, nos países periféricos, não houve
qualquer incentivo para o desenvolvimento de sistemas próprios e autônomos de produção de
informação ou de tecnologias para este setor, sendo que esta ficou, desde o século passado,
sob o controle de empresas estrangeiras, especializadas nas comunicações internacionais. Os
grandes blocos tendem a segmentar e fragmentar a geração e a comunicação das informações
estratégicas para o conjunto da sociedade, as quais podemos chamar de “informação-valor”.
Tais blocos se especializam no atendimento a esta ou aquela região, disponibilizando a
tecnologia específica. Um mundo redividido em novos grupos de poder econômico significa
também um novo mundo informacional, o qual redefine relações políticas, sociais e,
principalmente, culturais.
Verifica-se uma enorme disparidade na distribuição mundial destes recursos
informacionais, o que torna os países periféricos despreparados para as mudanças neste
campo e transforma a articulação da informação no mundo todo em um movimento de mão
única, dos países centrais para os países periféricos, onde estes últimos importam não só os
conjuntos técnicos, mas também os conteúdos culturais neles embutidos. Podemos inclusive
configurar este processo como uma “expropriação simbólica de outras culturas”, que acabam
substituídas por padrões de racionalidade, representação, identidade, premiações e punições
próprios dos países de capitalismo central. Cópias perfeitas de programas e de padrões de
produção cultural são trazidos de forma avassaladora para a realidade dos países periféricos,
sendo apresentados como “modas culturais” que devem ser mundialmente reconhecidas. Mais
uma vez está colocada a perspectiva de uma homogeneização da cultura, com todo o mundo
compartilhando, pela intervenção da “mão nada invisível do mercado” de um mesmo padrão
cultural
Portanto, o que se forma a partir daí é o que poderíamos chamar de um sistema de
informações globalizado, nas mãos de grupos cada vez mais concentrados e centralizados,
consolidando, através de suas ações em escala mundial os laços de dependência política e
cultural já amplamente desenvolvidos. Emerge, neste momento, o problema da
“subinformação” de regiões inteiras do globo terrestre, assim descritas:
mundo”. Quanto às maiorias, não lhes restará muito mais do que uma
violenta exclusão social. Subinformação: eis o novo nome para o
subdesenvolvimento nesta nova etapa histórica da evolução capitalista.
(DANTAS, 1996, p. 95)
produtos por canais controlados pelo grande capital. Aqui também se afirma o “imperialismo
coletivo”, uma vez que estas empresas estão concentradas nos Estados Unidos, na União
Européia e no Japão, com produções marcadamente transnacionalizadas. Esta ação
oligopolista reconfigura a comunicação social, a informação e o entretenimento, os quais se
encontram cada vez mais distribuídos de maneira desigual.
Assim afirma CANCLINI (2003, p. 135)
não são as únicas que existem nos dias atuais, mas, na análise sobre a desterritorialização, elas
ganham força e se divulgam com tamanha rapidez, que poderiam conquistar uma perspectiva
realmente hegemônica no cotidiano das mais diferentes realidades nacionais.
A citação abaixo exemplifica esta perspectiva:
Entendemos que esta perspectiva não pode ser absorvida sem contestações. No que se
refere especificamente ao estudo das relações e das identidades culturais, constata-se que não
existe uma completa oposição entre local, nacional e global, uma vez que os dois primeiros,
se aparentemente perderam o status de espaço para a construção da cultura (argumento que
posteriormente, pretendemos desconstruir), ganharam a condição de locus onde o global se
realiza, ou seja, onde se manifestam as relações de identidade dos grupos com estas
referências globais. Neste encaminhamento, a idéia de globalização como homogeneização
poderia ser relativizada, uma vez que, ao se reterritorializar, ao ser absorvida em diferentes
locais e nações, esta globalização é também alterada pelas particularidades dos grupos. Desta
forma, longe de ser uma fatalidade, a globalização também está atravessada pelas lutas sociais
presentes na história e, portanto, marcada pelas contradições inerentes ao próprio sistema que
a criou. Assim, esta relação entre local, nacional e global na esfera cultural não é um processo
livre de hierarquias e distinções.
Entender estes vetores de dominação e, ao mesmo tempo, as possibilidades e as
formas de conflito que atravessam as sociedades neste contexto de sociedade global nos
parece um desafio marcante para as Ciências Sociais hoje. Parece-nos que este conhecimento
é a única possibilidade de afastar o risco de imaginarmos a globalização como algo harmônico
e incontrolável, ignorando, assim, o movimento de crítica e de questionamento,
principalmente dos setores populares. Este nos parece ser o ponto fraco desta perspectiva de
análise acerca da globalização, ou seja, a idéia de que os processos de integração,
homogeneização e unificação pretendidos pelo capital em seu momento mundializado não
seriam elementos de contestação e de resistência.
173
Os ocidentais vieram a perceber que o que eles têm a dizer sobre a história e
as culturas dos povos “subordinados” é questionável para esses mesmos
povos, os quais, até poucos anos atrás, estavam simplesmente incorporados,
com cultura, terras, história e tudo, nos grandes impérios ocidentais e seus
discursos disciplinares.
Em outras palavras, o império ocidental, que sempre sustentou uma reflexão sobre o contato
cultural baseada na dominação e na apropriação pela força, passou por um processo em que se
criavam condições para que ele fosse minimamente enfrentado e questionado.
dos antigos povos colonizados, que tenham por princípio superar a consciência de um Outro
designado historicamente como inferior. As experiências do pós-colonialismo se mostram,
assim, reinterpretáveis e revivíveis, pois o “nativo” agora poderia falar e agir em seu próprio
território, reconstruindo as interpretações nativas sobre si mesmos, que não poderiam agora
ser apenas descartadas ou silenciadas. Tais povos buscam ver a vida de suas comunidades
como passíveis de desenvolvimento, como parte de um processo de trabalho, crescimento e
maturidade a que anteriormente apenas os europeus pareciam ter direito.
As perspectivas de análise desta “cultura de resistência” reconhecem que sua
construção não se faz, entretanto, sem profundas contradições. O imperialismo foi função
tanto da expansão dominante européia quanto de uma relativa “colaboração” por parte dos
povos colonizados que, em certa medida, viam nesta experiência a possibilidade de acesso a
um “mundo desenvolvido” que lhes parecia inalcançável por seus próprios esforços. Assim,
no momento de independência, não faltou, junto a estes povos, uma tendência a se “imitar” o
estilo europeu moderno, procurando se modernizar segundo aqueles padrões de progresso.
SAID (1995) nos fala, inclusive, de missões nativas enviadas a países do Ocidente com o
objetivo de “aprender” os usos e os hábitos do “homem desenvolvido”.
Uma das questões que exemplificam estas contradições no processo de resistência
cultural é a própria idéia de nacionalismo. Neste sentido, cresce junto a estas populações o
que poderíamos chamar de um “nacionalismo antiimperialista”. Este é um ponto altamente
polêmico no debate acerca do pós-colonialismo, pois, em muitos casos, este nacionalismo
significou apenas uma substituição de autoridades e de burocratas imperialistas por
equivalentes nativos, aumentando, assim, os perigos de chauvinismo e da xenofobia. Para
parte dos autores que analisam este fenômeno41, este nacionalismo, herdado da cultura
ocidental, não levou estes povos à consciência da própria história como um aspecto da
história de todos os homens e mulheres subjugados.
Constrói-se como uma necessidade para estes povos reencontrar e construir uma
“nação”, em seu sentido mais específico, onde elementos como a língua e a cultura nacionais
eram formas de se organizar e sustentar uma nova memória, com narrativas locais,
autobiografias, memórias que procuravam fazer um contraponto às histórias monumentais e
aos discursos oficiais reproduzidos pelo imperialismo em sua fase expansiva. Assim, uma das
primeiras tarefas da cultura de resistência foi a busca de uma origem nacional mais adequada,
tentando reivindicar a retomada da terra e da cultura colocadas sob dominação imperialista.
41
SAID avalia estas posições através das formulações de Elie Kedourie, Eric Hobsbawn,
Ernest Gellner e Partha Chatterjee.
177
Neste processo, redefine-se o que vemos ser denominado por cultura global. Ao
contrário da idéia de que uma única nação predominante poderia desenvolver uma cultura
global comum, como anteriormente especificamos, nesta abordagem tal cultura seria
caracterizada por uma maior diversidade de intercâmbios, onde encontros transculturais e
transnacionais se tornam freqüentes, principalmente a partir de imagens e informações
socializadas a partir da mídia. Estes contatos e trocas culturais não ocorrem, entretanto, sem
conflitos e sem enfrentamentos. Falar de uma cultura global, neste sentido, significa incluir
diferentes formas de conformação cultural, onde a idéia da “tolerância” ainda é a
determinante e uma perspectiva cosmopolita ainda esta por se construir e afirmar.
A atual fase de globalização teria, então, apresentado para os países dominantes, a
necessidade de “aprender a tolerar” uma maior diversidade cultural no interior de suas
fronteiras, manifestada pelo multiculturalismo e pela polietnicidade. Isso aumentaria a
demanda por uma igual participação, pela expansão de direitos de cidadania e por maior
autonomia para minorias regionais e étnicas.
É neste sentido, de uma maior interação e de um maior envolvimento de diferentes
processos culturais em todo o mundo que um outro conceito de “cultura global” estaria
ganhando força e se tornando tão significativo quanto o anterior conceito de uma cultura
nacional ou local. Esta perspectiva tenta relativizar a idéia de que existe uma ameaça à cultura
local a partir do momento em que ela se integra a redes regionais, nacionais e transnacionais
mais amplas, por meio do desenvolvimento de uma alta tecnologia em termos dos meios de
comunicação. Longe de perder sua particularidade e sua força referencial, as culturas locais se
tornariam mais imediatas e enfrentariam a necessidade urgente de se fazerem inteligíveis, uma
vez que suas fronteiras tornaram-se algo mais permeável e difícil de manter. Neste caminho,
uma série de reações nacionalistas, étnicas e fundamentalistas à globalização em curso foi se
construindo no mundo todo, mas, segundo FEATHERSTONE (1997), este não seria o
caminho mais apropriado para se pensar as relações culturais no mundo contemporâneo, às
quais deveriam ser pensadas a partir da lógica da interação e do intercâmbio capazes de
compor esta cultura global marcada, principalmente, pela diversidade. Reage-se, assim, a uma
forma de globalização, propondo-se outra, onde se reconstituam identidades coletivas locais
dentro de uma linha pluralística e multicultural, onde as diferenças étnicas e regionais sejam
levadas em conta. O mundo agora seria um “espaço dialógico”, embora com discordâncias,
colisão de perspectivas e conflito.
Para os autores que defendem esta concepção, encarar o global e o nacional (ou local)
como dicotomias separadas no espaço e no tempo não seria, contemporaneamente, o caminho
181
Este autor nos propõe a análise do momento contemporâneo, então, como uma
“cultura mundial da(s) cultura(s)”, o que, em sua essência, seria radicalmente distinto de uma
“cultura global”. O que estaria em jogo neste novo esquema seria uma organização e uma
compreensão racional da diversidade, e não uma replicação da uniformidade. As formas de
adaptação dos povos locais ao sistema mundial não devem ser compreendidas como
“inautênticas”, mas como parte integrante desta diversidade cultural, que se constrói em um
intercâmbio dialético do global e do local. Para citar novamente o autor, “o imperialismo não
está lidando com amadores nesse negócio de construção de alteridades ou de produção de
identidades” (1997, p. 133).
Outro autor que também se preocupa em determinar com maior precisão as formas
contemporâneas de contatos e trocas culturais originados do processo de globalização é Ulf
Hannerz. Ele reconhece que, durante muito tempo, o tema das interconexões culturais no
espaço não constituía uma área de grande interesse para a Antropologia, que, ao contrário,
183
dava mais valor àquilo que caracterizava a “pureza” e a “originalidade” das culturas nativas.
Para ele, somente nos anos 90, a globalização e a transnacionalização tornaram-se um novo
objeto de pesquisas para esta área.
Frente a isso, HANNERZ (1997) se propõe a dimensionar termos e expressões que, no
contexto contemporâneo, aparecem associados à problemática da globalização e dos contatos
e trocas culturais. Detendo-se, sobretudo, em três termos, quais sejam, fluxos, limites e
híbridos, o autor não deixa de afirmar que tais termos constituem, na verdade, metáforas que
se encontram sujeitas a oscilações e contestações. Vale observarmos o que ele compreende
por cada um destes termos.
O termo fluxos se relaciona, em sua acepção mais imediata, a “coisas que não
permanecem no seu lugar, a mobilidades e expansões variadas”. No estudo da globalização,
este termo parece essencial, pois o que vivenciamos nos dias atuais é a intensificação dos
fluxos do capital, de trabalho, de pessoas, de mercadorias, de informações e de imagens. A
noção de fluxo nos capacita, no que se refere à cultura, a pensá-la em termos processuais,
evitando o risco da reificação. Assim, esta noção sustenta dimensões espacial e temporal. Esta
última implica em pensar nos elementos culturais em constante movimento, capazes de serem
sempre recriados, o que os torna, na verdade, passíveis de permanecerem duradouros. É o
fluxo cultural, numa dimensão temporal, que faz com que as pessoas possam refletir e
transmitir uma cultura, mantendo-a viva. No entanto, para as discussões referentes à questão
da globalização, é a dimensão espacial que dá à noção dos fluxos um papel relevante.
Segundo HANNERZ, os fluxos têm direções e o que acontece é uma reorganização da cultura
no espaço mundial. Este processo, no entanto, não acontece sem conflitos ou contradições,
pois se deve sempre observar, no cenário global de fluxos, um centro no qual eles se originam
e uma “periferia” para a qual se destinam. O autor duvida que tenhamos chegado a um ponto
onde seja impossível distinguir os centros das periferias. Este é, aliás, o ponto crítico para o
debate atual, pois o que se observa é uma tendência a que se dê maior atenção à
multicentralidade, aos fluxos entrecruzados, à descentralização. Para estas formulações, a
dicotomia centro/ periferia coloca a questão dos fluxos como uma questão de simples
transposição, simples transmissão unilateral de significados, o que parece ser um equívoco
diante das mudanças contemporâneas em nossa sociedade.
Em oposição à idéia de fluxo, fronteira (ou limite) vai indicar descontinuidades e
obstáculos, ou seja, a linha em relação à qual se está dentro ou fora de determinados limites.
A partir dos nos 50, afirma HANNERZ, a cultura passou a ser considerada como um
“marcador de grupos”, implicando, ao mesmo tempo, pertencimentos e exclusões, o que está
184
de produção e de consumo que, muitas vezes, demarcam de forma coercitiva estes momentos.
Neste sentido, tal mecanismo nem sempre é um momento de adaptação e de acomodação aos
novos contextos globalizados, mas muitas vezes funciona como recurso para resistir ou
modificar a globalização através de alianças entre atores sociais marginalizados ou excluídos
deste contexto. CANCLINI (2000) nos adverte para o que ele considera “uma visão
simplificada da hibridação”, ou seja, a sedução de um mercado globalizante que tende a
reduzir a arte a um discurso de reconciliação planetária, que, na maioria das vezes, oculta
estes movimentos como campos conflitivos, instáveis e de tradução.
Em Culturas Híbridas, CANCLINI (1998) chama a atenção, ainda, para a necessidade
de um “olhar transdisciplinar” sobre estes circuitos culturais híbridos, pois os mesmos não
podem mais ser estudados com ferramentas das disciplinas que anteriormente os estudavam
separadamente. Problematizando a questão da diferença entre culto, popular e massivo, o
autor observa que as Ciências Sociais estabeleciam diferentes escalas de observação, fazendo
com que cada uma construísse uma visão diferente e, portanto, parcial. Assim, a história da
arte, a literatura e o conhecimento científico dominariam conteúdos cultos; a antropologia e o
folclore teriam como objeto de estudos o universo do popular e as indústrias culturais
gerariam o sistema de mensagens massivas. Assim, nesta busca de se construir objetos puros,
também estariam organizados de forma diferenciada os bens e as instituições responsáveis por
cada um deles, tais como as feiras populares, os museus e os meios de comunicação de massa.
Hoje, postula CANCLINI (1998), assistimos a processos de hibridação que fazem com
que esta divisão maniqueísta dê lugar a uma visão mais complexa sobre as relações entre
tradição e modernidade. Ao contrário do que se imaginava, o culto tradicional não foi
apagado pela industrialização de bens simbólicos, mas sim, muitas vezes, incorporado por ela.
O que parece estar se desvanecendo não são os bens conhecidos como cultos ou populares,
mas a pretensão de uns e de outros de constituir um universo auto-suficiente e de que as obras
produzidas em cada campo sejam unicamente “expressão” de seus criadores.
Entretanto, entender que esta relação de dominação, que produz uma cultura de
passividade e de conformismo atingindo, sobretudo, as classes subalternas é a única via em
que se processam os contatos e as trocas culturais também nos parece um posicionamento
limitado. Compartilhamos da idéia de que tal dominação burguesa não acontece sem conflitos
e resistências.
Assim, as discussões e afirmações realizadas no âmbito da segunda perspectiva
contribuem para o debate contemporâneo ao alertarem para as formas como os grupos, as
classes e, até mesmo, os povos historicamente subalternos tentam encontrar espaço para fazer
189
étnicos, nacionais ou mesmo culturais ocorridos neste início de século não parecem apontar
para respostas muito positivas a este tipo de questão.
Assim, reforçamos a idéia que anteriormente buscamos sustentar: a globalização em
curso coloca a necessidade e abre a possibilidade para a busca de uma contra-hegemonia,
potencializa grupos, classes, ou mesmo povos inteiros, para, numa perspectiva transnacional,
construir um novo bloco de forças capaz de superar as contradições e fragilidades de nossa
realidade social. Todavia, este processo ainda nos parece algo absolutamente embrionário.
Não nos parece constituída, ou mesmo em vias concretas de constituição, a tão anunciada
“sociedade civil global”, enquanto um espaço real de construção de consensos e de projetos
para a humanidade, numa perspectiva transnacional. Neste contexto, a cultura ainda guarda
fortes elementos de subordinação, de dominação e de conformismo, os quais precisam ser
questionados e superados para que possamos realmente compreender uma outra perspectiva,
de uma situação globalizada das manifestações culturais, enquanto elementos de emancipação
e de conhecimento de todos os povos.
É neste momento que a recuperação da categoria nacional-popular se faz necessária e
urgente. Como tivemos a oportunidade de detalhar, no primeiro capítulo deste trabalho, tal
perspectiva se constrói, no pensamento gramsciano, como claramente contra-hegemônica, ou
seja, como capaz de potencializar um projeto alternativo da classe trabalhadora, como sempre
imaginou Gramsci, onde o auto-conhecimento e o conhecimento da realidade societária em
que se vive se faz com uma orientação crítica e reflexiva, cultural, em seu sentido mais pleno.
Neste momento, em Gramsci, nacional e transnacional se constroem mutuamente,
determinando-se enquanto particularidade e totalidade.
Para melhor fundamentarmos esta reatualização do nacional-popular diante dos
desafios contemporâneos, caberia refletirmos sobre elementos que estão presentes na acepção
gramsciana e que precisam ser, no atual cenário, criticamente problematizados.
42
É de Boaventura de Souza Santos a discussão sobre esta “autonomia racional” na sociedade
contemporânea, quando ele reconhece o momento de crise do projeto societário da modernidade e o
avanço do que ficou denominado como “pós-modernidade”. Cf. SANTOS, Boaventura S. Pela mão
de Alice; o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.
193
transformado em consumidor, até mesmo de serviços sociais que são agora, abraçados pela
lógica de mercado, parece desnecessária a figura do intelectual.
Como podemos observar, a noção de intelectual e a função atribuída a esta camada por
Gramsci ao longo de toda a sua produção, se fazem cada vez mais necessárias e urgentes. O
intelectual que “educa e organiza”, sobretudo a partir de um projeto de classe, ou seja, o
intelectual orgânico, reforça neste cenário a sua importância, no sentido de potencializar o
movimento das classes em luta e de problematizar criticamente este aparato ideológico
burguês. Os “tempos pós-modernos” necessitam, cada vez mais, do intelectual enquanto
impulsionador de uma “verdadeira revolução de idéias”, capaz de alimentar os elementos de
195
43
Literalmente, a formulação do “pessimismo da inteligência, otimismo da vontade” é de Romain
Rolland, embora tenha ganhado, com Gramsci, a visibilidade que hoje conhecemos.
196
44
É interessante observarmos que Gramsci sempre menciona, como exemplos de uma literatura
nacional-popular, obras de Shakespeare, Goethe, Tolstoi, dentre outros. Em outras palavras, o que
caracterizaria esta literatura não é a nacionalidade dos autores, mas a realização orgânica e
verdadeira da relação entre intelectuais, povo e nação.
197
Neste sentido, podemos observar que um dos grandes obstáculos para a construção de
uma concepção de mundo “alternativamente globalizada” hoje é esta dificuldade de se
198
trabalhar com a identidade e a diferenciação de uma forma dialética. Na análise desta questão
nacional, vale lembrar a formulação gramsciana de que
Neste sentido, a cultura apresenta uma potencialidade indiscutível, naqueles três níveis
de compreensão que construímos no primeiro capítulo do trabalho. Enquanto “modo de vida
global”, a cultura deixa manifesto o conjunto de valores, tradições, conceitos e representações
que, histórica e socialmente determinados, dão a dimensão do que seja uma “cultura nacional”
e, ao mesmo tempo, situam esta cultura num plano mais amplo, enquanto parte constitutiva de
uma cultura mundial marcada por relações de dominação e de consenso.
Assim também estão caracterizadas as manifestações artísticas e intelectuais, que
expressam estas relações e, portanto, são envolvidas por elementos desta identidade e desta
diferenciação. Estas manifestações, quando orientadas por uma lógica nacional-popular, têm a
potencialidade de promover o debate, de tornar evidente as relações de dominação capitalista
nas quais estamos envolvidos e de articular a experiência nacional e a consciência da
necessidade internacionalista, de expressar o próprio lugar e, ao mesmo tempo, o mundo em
seu conjunto.
Neste momento, é importante lembrarmos também que, para Gramsci, as relações
hegemônicas não ocorrem somente em nível nacional, mas também internacional. É neste
sentido que ele constrói sua idéia de nação hegemônica, que tem, entre seus elementos
constitutivos enquanto potência internacional, o elemento ideológico, ou cultural em seu
sentido mais pleno, que tende a minimizar o uso do poder coercitivo, fortalecendo e dando
novas determinações ao domínio, também cultural e ideológico. Em suas próprias palavras,
A nação hegemônica (ou, as nações hegemônicas), nos dias de hoje, tem, portanto, a
necessidade de criar uma “cultura da globalização”, ou seja, um aparato cultural,
principalmente no campo das artes e das manifestações intelectuais, que dê “vida” e, ao
mesmo tempo, justifique a lógica da globalização em suas dimensões econômica, política e
social. A produção de Gramsci nos capacita a acentuar, assim, o papel ideológico da
globalização, ou seja, a necessidade de elementos culturais que afirmem a hegemonia do
grande capital nos dias de hoje. O capital mundializado retira suas forças, também, dos seus
poderes e mecanismos de persuasão. Neste cenário, uma perspectiva “nacional-popular”,
criticamente recolocada, tem por proposta garantir o conhecimento deste processo como um
momento de renovação da lógica imperialista, destacando a ênfase contemporânea às
estratégias de conquista de hegemonia, e buscar, nas dimensões nacional e supranacional, o
caminho para, capacitando, também culturalmente, o conjunto das classes trabalhadoras,
buscar reais alternativas de superação desta nova ordem do capital. Este nos parece ser um
importante exercício a ser levado adiante pelas forças contra-hegemônicas em nossa
sociedade, em especial por intelectuais coletivos, tais como os partidos políticos.
Discordando, a princípio, desta formulação, acreditamos que ela representa uma leitura
muito imediatista da obra de Gramsci. A utilização de termos “alternativos” nesta produção,
tais como “grupos subalternos”, nos parece fruto da censura e da autocensura a que Gramsci
esteve submetido, e não uma diferenciação teórico-conceitual significativa. A análise do
conjunto desta produção nos faz afirmar que Gramsci nunca abandonou, ou mesmo
relativizou, a perspectiva de classe que o orientava desde seus escritos políticos, quando a
militância nos partidos socialista e comunista da Itália o aproximou definitivamente do
cotidiano da classe operária italiana e da perspectiva marxista.
Esta análise feita por MONAL (2003) nos parece, entretanto, justificada por uma
configuração contemporânea. Durante as décadas de 80 e 90, ou seja, no momento de auge da
redefinição do processo contemporâneo de acumulação de capital, ganharam força as análises
teóricas que passaram a compreender o “povo” e a “classe trabalhadora” como agrupamentos
complexos de múltiplos atores que se entrecruzam e se renovam continuamente. Da mesma
forma, cresceu, neste momento, a proposta de análise, nos marcos do que se convencionou
chamar de “pós-modernidade”, de que estaríamos vivenciando uma verdadeira disputa de
diferentes formas de subjetividades. Seríamos, assim, constituídos por uma rede de sujeitos
com estas diferentes subjetividades, as quais correspondem às várias formas de poder que
circulam na sociedade. Desta forma, dependendo das múltiplas circunstâncias pessoais e
coletivas, uma de nossas subjetividades poderia se destacar, tais como etnia, gênero, classe,
cultura, etc. Assim, esta subjetividade é que daria o tom, naquela circunstância específica, das
perspectivas de transformação social que se apresentam para o sujeito. Assim, este seria, ao
mesmo tempo, livre, porque não estaria orientado por um único elemento de sua vida social, e
determinado, porque estas múltiplas subjetividades o colocariam, a cada momento, dentro de
comportamentos e valores específicos.
Parece-nos claro que a proposta pós-moderna tem, assim, uma explícita intenção
substitutiva. Ao privilegiar tópicos como a sexualidade, o corpo, o gênero, a etnicidade, entre
outros, a lógica pós-moderna coloca uma nova pauta política, onde antes vigoravam questões
como classe, Estado, ideologia, revolução, modos de produção, etc. As questões mais
imediatas para a compreensão do cotidiano vêm à tona, são politizadas e mobilizam a
população em torno de novos e diversificados movimentos sociais. Enquanto isso, as
chamadas “formas clássicas” são desqualificadas e negadas, diante de um processo evidente
de naturalização do capitalismo. Assim, o que vigora hoje seria um “paradigma da diferença”,
quando uma grande variedade de conflitos parece substituir a luta de classes.
201
interação dialética de que nos fala BUTTIGIEG (2003), entre o “saber” de uma nova
intelectualidade e o “sentir” do “povo”, não enquanto elemento abstrato e a-histórico, mas
como materialidade construída a partir das relações sociais nas quais estão envolvidas as
classes trabalhadoras contemporâneas em toda a sua complexidade e heterogeneidade, como
nos propunha ANTUNES (2000).
Desta forma, se o nacional-popular é um projeto alternativo das classes trabalhadoras,
ele pode se afirmar a partir do que SEMERARO (2003) chamou de outras “armas” para a luta
hegemônica, armas estas que devem ser “entregues” e, ao mesmo tempo, construídas pelas
classes subalternas em luta:
Acreditamos que é esta perspectiva mais ampla de “cultura” que está absolutamente
ausente do debate contemporâneo, e esta ausência acaba por permitir a vitória ideológica de
propostas de “globalização da cultura” pelas mãos do grande capital mundializado. Mais uma
vez, também neste aspecto, ler Gramsci tem se mostrado como um importante exercício para
não só entender, mas também intervir e transformar a realidade.
Neste contexto, NOGUEIRA (2003) nos aponta uma série de questões que precisam
ser abordadas criticamente a fim de que possamos fortalecer o desafio de construir uma
“vontade coletiva nacional-popular”. Dentre elas poderíamos citar:
a) A investida neoliberal, com sua proposta conservadora de redução do Estado,
sobretudo em suas antigas funções, tem fortalecido o que este autor denominou
de uma “sociedade civil liberal”, com novas feições e novos encargos.
b) Com o enfraquecimento da dimensão e das instituições públicas, assim como
da capacidade de influenciar decisivamente nas grandes questões da sociedade,
esta esfera vem, a cada dia, substituindo o Estado em suas funções e
enfraquecendo-se em termos de projetos societários, compondo-se cada vez
mais como uma estrutura de mera reprodução e legitimação do poder
dominante.
207
Considerações finais
Referências
BARATTA, Giorgio. Antonio Gramsci: entre a Itália e o Brasil. In: COUTINHO, Carlos
Nelson & TEIXEIRA, Andréa de Paula (orgs.). Ler Gramsci, entender a realidade.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
BEZERRA, Cristina Simões. Cultura e democracia no Brasil; uma análise dos anos
70. Rio de Janeiro, 1998. 287 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social)-Curso de
Serviço Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1998.
BÓRON, Atílio. A sociedade civil depois do dilúvio neoliberal. In SADER, Emir &
GENTILI, Pablo (orgs.). Pós-Neoliberalismo; as políticas sociais e o Estado
Democrático, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
BOSI, Alfredo (org.). Cultura Brasileira; temas e situações. São Paulo: Ática, 1987.
CHAUI, Marilena. Brasil; mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu
Abramo, 2000.
______. Intelectual engajado: uma figura em extinção?. In: NOVAES, Adauto (org.). O
silêncio dos intelectuais. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
______. Gramsci; um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus,
1992.
______. O conceito de política nos Cadernos do cárcere. In: COUTINHO, Carlos Nelson
& TEIXEIRA, Andréa de Paula (orgs.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de
215
CUCHE, Denis. A noção de cultura nas Ciências Sociais. Bauru: EDUSC, 1999.
DENNING, Michael. A cultura na era dos três mundos. São Paulo: Francis, 2005.
DOWBOR, Ladislau, Os EUA preocupam? In: DOWBOR, Ladislau, IANNI, Octavio &
ANTAS JÙNIOR, Ricardo Mendes. Estados Unidos; a supremacia contestada. São
Paulo: Cortez, 2003.
FIORI, Giuseppe. A vida de Antônio Gramsci. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
FIORI, José Luís (org.) Estados e moedas no desenvolvimento das nações. 2 ed.
Petrópolis: Vozes, 1999.
GORENDER, Jacob. Prefácio. In: MARX, Karl & Engels, Friedrich. A ideologia
alemã. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.
HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos; o breve século XX. São Paulo: Companhia das
218
Letras, 1995.
IANNI, Octavio. A sociedade global. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.
KONDER, Leandro. Teses sobre política cultural. In SADER, Emir (org.). 1994; idéias
para uma alternativa de esquerda à crise brasileira. Rio de Janeiro: Relume-Dumará,
1993.
LIGUORI, Guido. Estado e sociedade civil; ler Gramsci para entender a realidade. In:
COUTINHO, Carlos Nelson & TEIXEIRA, Andréa de Paula (orgs.). Ler Gramsci,
entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
MARX, Karl. Coleção Os pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
MARX, Karl & Engels, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Martins Fontes,
1998.
______. Prólogo. In: MARX, Karl & Engels, Friedrich. Manifesto do Partido
Comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
NOVAES, Adauto (org.). O silêncio dos intelectuais. São Paulo: Companhia das
220
Letras, 2006.
______. Um outro território; ensaios sobre a mundialização. 2 ed., São Paulo: Olho
d'água, 1999.
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
SADER, Emir (org.). O mundo depois da queda. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1995.
221
SAHLINS, Marshall David. Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2003.
SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SALAMA, Pierre. Novas formas de pobreza na América Latina. In: GENTILI, Pablo
(org.) Globalização excludente; desigualdade, exclusão e democracia na nova ordem
mundial. 2 ed., Petrópolis: Vozes, 2000.
SIQUEIRA, Carlos Eduardo, CASTRO, Hermano & ARAÙJO, Tânia Maria de. A
globalização dos movimentos sociais; resposta social à globalização corporativa
neoliberal. Revista Ciência e Saúde Coletiva. v. 8, n. 4, p. 847-858, 2003. Disponível
em <http://www.scielo.br/pdf/csc/v8n4/a02v8n4.pdf> Acesso em 10 de fevereiro de
2005.