Design de Interacao e Cultura Ficcional

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DESIGN DE INTERAÇÃO E CULTURA

FICCIONAL
Paradigmas, tendências e possibilidades

Cleomar Rocha cleomar

Márcio Alves da Rocha

“I do not fear computers. I fear the lack of them.”


ISAAC ASIMOV
Resumo O presente artigo traça um breve panorama sobre alguns dispositivos e artefatos digitais de

interação, desenvolvidos e expostos em ilmes de conteúdo prioritariamente iccional (telas, ambientes imer-

sivos, interfaces gráicas, etc.), e tece análises e considerações dentro da perspectiva do design de interação,

como área do conhecimento. Estudos culturais, sobretudo amparados na cultura visual, podem-se tornar cres-

centemente importantes e fortes referenciais para o desenvolvimento de dispositivos e artefatos de intera-

ção, aliados às boas práticas metodológicas de design e técnicas de design centrado no usuário. Encontra-
Palavras-chave -se no cerne do design de interação a possibilidade de utilizar-se do caráter interdisciplinar, da observação,
design de
da cultura e da etnograia como referencial para a criação de artefatos digitais. Analisar como as pessoas
interação; IXDA;
UI interface fazem suas tarefas cotidianas é uma premissa básica para o bom desenvolvimento desses gadgets e dis-
computacional; positivos. Todavia, é preciso atentar para um fato importante: as narrativas fílmicas apontam tendências
icção cientíica;
e criam direcionamentos importantes para que os designers possam vislumbrar uma perspectiva futura de
tendências.
como poderá vir a ser um mundo povoado de telas e artefatos digitais. É importante ressaltar, neste caso,

que nem sempre é possível veriicar a viabilidade técnica e de interação para esses dispositivos presentes

que, invariavelmente, se propõem a construir a narrativa do ilme e estão mais voltados para essa condição.

Muitas vezes esses produtos não oferecem condições ideais dentro da perspectiva e dos parâmetros do de-

sign para o funcionamento e o uso desses artefatos. Portanto, é parte do objetivo desse artigo relatar e dis-

cutir paradigmas, tendências e possibilidades a respeito desses dispositivos interativos em ilmes de icção.
INTRODUÇÃO
A indústria do cinema é vista como fonte permanente de inspiração de como
poderá vir a ser o futuro da tecnologia. A cultura presente nos ilmes de
icção cientíica aponta para tendências interessantes e ao mesmo tempo
contraditórias no que diz respeito à sua viabilidade e às suas possibilida-
des. Ainda sobre essa questão, é preciso atentar para o fato de que grande
parte dessas tendências faz parte de um sistema retroalimentado, de tal
forma que não somente o ilme de icção produz elementos inspiradores
indicativos que apontam para o futuro da tecnologia e do design de intera-
ção, como também os designers são constantemente desaiados a contribuir
para a criação dessas tendências para a indústria cinematográica e para o
auxílio de suas produções. A viabilidade da implementação dessa tecnolo-
gia é discutível. Muitas vezes, a tecnologia é utilizada para a construção da
narrativa e o bom andamento do enredo cinematográico, sendo uma po-
derosa inluência cultural para seus entusiastas e, sobretudo, para o design
e para a tecnologia, ao passo que traz contradições importantes sobre tais
tendências, suas possibilidades e sua viabilidade, considerando parâmetros
ergonômicos, culturais, dentre outros.

Essas preocupações já foram relatadas anteriormente, em setembro de 2009,


pelos pesquisadores Nathan Shedroff e Chris Noessel, que apresentaram um
paper intitulado “Make It So: What Interaction Designers Can Learn from
Science Fiction Interfaces”, no d´Construct 09´ Conference, em Brighton, UK.
Essa apresentação propunha relatar alguns aspectos sobre IHC – interação
humano-computador nos ilmes de icção, com análises importantes nesse
aspecto. O presente artigo pretende, portanto, contribuir para este debate e
se somar ao campo teórico da comunidade de pesquisadores que entende
os ilmes de icção como parte importante da cultura e, consequentemente,
para o design de interação. Pretendemos, ainda, ampliar essa análise, suas
possibilidades, assim como integrar, como pesquisadores, o ambiente cientí-
ico que aborda esse tema no âmbito do design de interação vinculado aos
estudos culturais. A ideia de que o designer é apenas um solucionador de

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problemas é aqui desmantelada na medida em que avaliamos a complexi-
dade de sua atuação nos dias de hoje. Não somente resolver problemas está
no escopo de sua atuação, mas, sobretudo, o designer deve ser visto também
como um mediador da cultura. A cultura e o projeto voltado para o design
de produtos interativos e suas interfaces exigem que o designer atue como
um intérprete, e na medida em que projeta formas de mediação entre os se-
res humanos e os objetos que os cercam; há, neste sentido, um incremento
exponencial das exigências para a criação de projetos, e sua abordagem se
torna também exponencialmente complexa.

SOBRE O GÊNERO DA FICÇÃO


A icção cientíica é uma modalidade de icção que compreende o impacto
da ciência, verdadeira ou imaginada, sobre a sociedade ou os indivíduos.
Geralmente, o termo é utilizado para deinir qualquer gênero de fantasia
literária que tem a ciência como componente essencial; num sentido ain-
da mais amplo, tanto para referenciar qualquer tipo de fantasia literária
que consista numa cuidadosa e bem informada extrapolação sobre fatos e
princípios cientíicos como para abranger profundamente áreas complexas,
que contrariam deinitivamente esses fatos e princípios. Sua construção de
forma plausível, baseada na ciência, é um requisito indispensável.

Há, no entanto, a título de informação, muitos casos de obras que se situ-


am na fronteira do gênero de icção, usando a situação no espaço exterior
ou a tecnologia de aspecto futurista apenas como pano de fundo para
narrativas, a exemplo da série Guerra nas estrelas. Os entusiastas mais tra-
dicionalistas do gênero Sci-Fi compreendem estes ilmes como exemplos
de fantasia, ao passo que o público em geral, no âmbito da icção cientíica.

O DESIGN DE INTERAÇÃO E SEU CAMPO DE ESTUDO

Segundo Preece, Rogers e Sharp (2002), design de interação corresponde ao


design de produtos interativos que fornecem suporte às atividades cotidia-
nas das pessoas, seja no lar ou no trabalho. Trata-se de criar experiências

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que melhorem e estendam a maneira como as pessoas trabalham, se comu-
nicam e, enim, interagem. Winograd (1997) considera design de interação
como o projeto de espaços para comunicação e interação humana, já que
ele consiste em fornecer suporte às pessoas. O conceito é compreendido
como fundamental para todas as disciplinas, campos ou abordagens que
se preocupam em pesquisar e projetar sistemas baseados em computador
ou dispositivos para pessoas. O campo interdisciplinar mais conhecido é a
interação homem-computador (IHC), que se fundamenta no design, na ava-
liação e na implementação de sistemas computacionais interativos para uso
humano e com o estudo de fenômenos importantes que os permeiam (Acm
Sigchi, 1992). Moran deiniu esse termo como aqueles aspectos de um siste-
ma, com os quais os usuários têm contato” (morAn, 1981), o que por sua vez
signiica uma linguagem de entrada para o usuário, uma linguagem de saí-
da para a máquina, e um protocolo para a interação dos dois” (chi ‘85, 1985).

Os sistemas de informação constituem uma outra área preocupada com a apli-


cação de tecnologia e da computação no domínio dos negócios, da saúde e da
educação. Outros campos relacionados ao design de interação incluem fatores
humanos, ergonomia cognitiva e engenharia cognitiva, dentre outros. Consti-
tuem áreas de estudo dedicadas a projetar sistemas que vão ao encontro dos
objetivos dos usuários, ainda que cada um com o seu foco e metodologia.

Um dos maiores desaios do design de interação foi ter desenvolvido dis-


positivos que pudessem ser acessíveis e facilmente utilizados por qualquer
pessoa, além de engenheiros, para a realização de tarefas que envolvessem
a cognição humana. Como consequência natural da evolução tecnológica, as
diferentes áreas de estudo procuram uma relação capaz de abarcar a com-
plexidade envolvida no desenvolvimento desses produtos de maneira que
respondam de forma mais adequada, otimizada e eicaz.

Dentro do processo de design de interação, temos essencialmente quatro


atividades básicas, que englobam processos de grande complexidade (Pree-
ce, rogerS & ShArp, op. cit.):

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— identiicar necessidades e estabelecer requisitos;
— desenvolver designs alternativos que preencham esses
requisitos;
— construir versões interativas dos designs, de maneira que
possam ser comunicados e analisados;
— avaliar o que está sendo construído durante o processo.

Avaliar o que está sendo construído está no centro do design de inte-


ração. Existem várias maneiras de se atingir esse objetivo: por exemplo,
entrevistando os usuários, observando-os no desempenho das tarefas,
conversando com eles, aplicando tarefas de desempenho, modelando sua
performance, solicitando preenchimento de questionários e até mesmo
pedindo que se tornem codesigners; trata-se, em suma, de envolver os
usuários no processo de design de interação. Compreender como as pes-
soas realizam tarefas do cotidiano deve ser feito antes da construção de
um produto interativo.

Um ponto essencial quando se executa uma análise destes fatores é que


os usuários não são homogêneos em suas características pessoais nem
em termos de suas necessidades. Apesar de seres humanos partilharem
certas características físicas e psicológicas, eles são heterogêneos em
termos de qualidades como tamanho corporal, forma, habilidades cog-
nitivas e motivação. Estas diferenças individuais se traduzem em impor-
tantes implicações para o design e para o cumprimento de requisitos. As
crianças, por exemplo, apresentam expectativas diferentes dos adultos
quanto à maneira como querem aprender ou jogar. Desaios interativos e
personagens animados podem ser altamente motivadores para as crian-
ças, ao passo que, para os adultos, podem-se tornar algo aborrecedor. Em
contrapartida, os adultos geralmente apreciam discussões sobre tópicos
não raro sob forma de fórum ou conteúdo textual, sendo que as crianças
podem considerá-los maçantes.

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Essas diferenças izeram com que o design de interação recebesse contribui-
ções de diversas outras disciplinas. Não apenas as ciências da computação
e a psicologia estão envolvidas no processo. Para que os estudos nessa área
pudessem avançar, foram necessárias contribuições da inteligência artiicial,
linguística, ilosoia, sociologia, antropologia, engenharia, design, dentre ou-
tras. Dessa forma, é importante notar que, subjetivamente, o que pode ser
esteticamente agradável e motivador para um indivíduo pode parecer frus-
trante para outro. É preciso considerar, pois, aquilo de que as pessoas gostam
ou não, e como compreender essas diferenças.

Um dos métodos atuais para a geração de interface baseia-se na observação


detalhada de situações particulares e do cotidiano, o que abrange o modo
como os usuários realizam suas tarefas, a documentação de suas diiculdades
e o porquê de cometerem erros no desempenho de tarefas. Nesse caso, a pes-
quisa aponta para o desenvolvimento de elementos precisos que modelam a
concepção do diálogo e a escolha das funções do aparelho.

PARADIGMAS DO DESIGN DE INTERAÇÃO


Segundo Preece, Rogers e Sharp (idem), vários paradigmas de interação al-
ternativos foram propostos por pesquisadores no intuito de guiar futuros
designers de interação e o desenvolvimento de sistemas. Dentre eles, pode-
mos destacar os seguintes:

— computação ubíqua (tecnologia inserida no ambiente);


— computação pervasiva (integração total de tecnologias);
— computação vestível (ou wearables);
— bits tangíveis, realidade aumentada e integração física/virtual;
— ambientes imersivos (os computadores atendem às necessida-
des do usuário);
— o Workday World (aspectos sociais do uso da tecnologia);

A indústria do cinema – principalmente, do cinema de icção – contemplou


a exposição de vários produtos ou sistemas que dialogam com esses princí-
pios alternativos que foram propostos.

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O FUTURO DO DESIGN DE INTERAÇÃO

FIGURA 1
Imagens do
ilme Minority
Report (Inter-
face de inte-
ração baseada
em gestos).

INTERFACE BASEADA EM GESTOS


Em Minority Report (2002), adaptado de um conto do americano Philip K.
Dick, é possível observar um mundo imaginado que se passa no ano de
2054, quando a tecnologia permeia todos os aspectos da vida humana, de
uma forma que tanto celebra os feitos da inovação e ao mesmo tempo in-
corpora as falhas da imperfeição do mundo real. O resultado apresenta um
mundo em que os computadores e os seres humanos interagem de maneira
signiicativa e cada indivíduo assume tarefas mais adequadas às suas ha-
bilidades. A interação é baseada em gestos através da visualização em uma
base transparente, na qual é visualizado um conjunto de dados, manipulado
não somente pelo movimento gestual das mãos, como também da cabeça, em
uma técnica conhecida como headtracking, para melhoria da percepção de
imersão. Esse cenário iccional une ambiente imersivo, o design da sua inter-
face gráica, além do design de interação baseada em gestos e movimentos
das mãos, da cabeça e do corpo do usuário.

Sobre sua viabilidade, é possível observar marcadores nas mãos do usuário


na medida em que alguns movimentos curiosamente não são captados pelo
sistema, ou os movimentos gestuais são simplesmente ignorados, sobretudo
quando o usuário, no ilme, interage com outros personagens na frente da
tela. Esse é um exemplo de um sistema interativo em que, para a constru-
ção narrativa do ilme, comporta-se mais em decorrência dessa construção.

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Os designers que se propõem a criar esse tipo de interação precisam pro-
gramar o que o sistema irá captar como gesto a ser considerado e a ser
ignorado. Parte fundamental do processo de entender as necessidades do
usuário consiste em ser claro quanto ao objetivo principal. Nesse sentido, é
importante reletir sobre o que é realidade e o que é icção. O que atende
requisitos reais e, sobretudo, dentro da perspectiva do usuário.

IGURA 2
Imagens do
ilme Minority
Report (inte-
ração baseada
em gestos
através de
marcadores).

A Oblong desenvolveu um ambiente operacional imersivo denominado


g-speak. Trata-se de uma plataforma de desenvolvimento de aplicativos
em um ambiente de execução, baseada em gestos humanos, que desaia
a navegação imposta pelas GUIs (Graphical User Interfaces) tradicionais.
Seu desenvolvimento é baseado na proximidade do homem com amplo
sistema espacial imersivo, que produz respostas em tempo real, tendo
sua navegação mapeada e modelada pela expressão humana, na busca
de uma linguagem natural e luida. A semelhança não é coincidência: um
dos fundadores da Oblong baseou-se em seu trabalho acadêmico ante-
rior realizado no MIT e serviu como consultor para a produção do ilme
Minority Report, cujos personagens realizam análises forenses utilizando
navegação gestualmente conduzida. Revestida de uma realidade mais
concreta, o g-speak caminha para se tornar um produto comercialmente
viável. Hoje sua aplicação parece lógica e até mesmo necessária. Para o
bom andamento do projeto é preciso que os designers e programadores
estejam preocupados com as questões humanistas, e não somente com a
tecnologia utilizada para sua viabilidade. É fácil notar, neste caso, o dis-
tanciamento entre a realidade e a icção.

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FIGURA 3
Imagens
do g-speak
(interação
baseada em
gestos através
de utilização
de luvas e
marcadores).

AMBIENTES IMERSIVOS
Alex McDowell, da equipe Three Ring, concebeu um ambiente imersivo e
intrusivo no qual a identidade de um indivíduo é digitalizada e os conte-
údos em torno respondem de forma personalizada: as lojas identiicam
seus clientes pelo nome e sugerem itens baseados em seu peril. A na-
tureza intrusiva da tecnologia é amplamente enfatizada a im de servir
à narrativa do ilme. Os cidadãos estão sujeitos à identiicação de suas
retinas a cada passo. Tecnologias imersivas similares estão sendo de-
senvolvidas não só para identiicar o participante, mas para controlar os
olhos e a cabeça do usuário, permitindo que eles se sintam como se eles
coexistem dentro do conteúdo 3D. A tecnologia imersiva busca extrair

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informações do mundo físico e utilizar essa informação para apresentar-
-se de uma forma mais real e intuitiva ao usuário. Utilizando um con-
ceito de projeções animadas em grande escala, quiosques interativos e
projeções holográicas, o conceito de mídia inevitável e onipresente é
ressaltado para a construção poética e fílmica. Em condições e tamanhos
superdimensionados, a sensação é igualmente ampliada. A aplicação real
destas tecnologias começa a dar seus primeiros passos, e a discussão
ética dessas interações está muito próxima de acontecer na tentativa de
se evitar um mundo intrusivo e distópico.

FIGURA 4
Ambiente “vivo
e intrusivo” de
Minority Report.

FIGURA 5
A natureza
intrusiva da
tecnologia é
amplamente
enfatizada.

FIGURA 6
Projeções em
grande escala
constroem o
conceito de
mídia inevitável
e onipresente.

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Para a criação do ambiente do ilme Star Trek, o designer Scott Chambliss
queria projetar a tecnologia em um ambiente onde todas as superfícies
são pontos de interação, criando um ambiente de tecnologia onipresente.
Para atingir esse objetivo, foi utilizado um grande número de computa-
dores com processamento de conteúdo dinâmico e transmissão de dados,
para criar o que parece ser um mundo contínuo em que todas as telas atu-
am como janelas. Este tipo tendência reairmada pelo ilme é fato, embora
seja também necessário para que os designers possam melhorar continua-
mente a estética das interfaces e criar projeções de vislumbre do futuro, de
forma emocionalmente intrigante. Um estudo mais aprofundado da ergo-
nomia, do design informacional e, sobretudo, de aspectos relacionados ao
conforto pode revelar dados curiosos a respeito do design de interação e
da conformação de um ambiente imersivo dentro de uma perspectiva real.
Uma questão importante é considerar o isolamento, a grande quantidade
de informações, a consequente carga cognitiva e o quanto isso pode ser
benéico ou nocivo do ponto de vista do usuário.

FIGURA 7
Star Trek /
ambiente
imersivo mul-
tiscreen 360º.

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Não é preciso ir muito longe na questão da evolução tecnológica e de
como isso tem afetado as pessoas em seu cotidiano. Atualmente já é
possível veriicar essa preocupação. Segundo Julio Van Der Linden (2007),
com a evolução das tecnologias, em particular na área da informação e
da comunicação, as condições em que vivemos, trabalhamos, estudamos
e nos divertimos, enim, os ambientes em que estamos inseridos têm
mudado rapidamente, trazendo inúmeras novidades, nem sempre com
resultados positivos para a saúde e o conforto de todos. Experimentamos
hoje uma renovação do pensamento da ergonomia. O desenho do mundo
contemporâneo envolve, além das questões de natureza organizacional,
típicas de ambientes de trabalho, questões cognitivas e afetivas implica-
das na interação entre o ser humano e a tecnologia.

DIGITAL PAPER

FIGURA 8
Jornal digital
(dados atu-
alizados de
forma remota
em um papel
interativo).

Ao combinar o conhecimento tátil da mídia tradicional com o poder do


serviço remoto de gerenciamento de conteúdo, Minority Report apre-
sentou em algumas cenas um jornal que cria uma experiência futura
de grande potencial, utilizando um papel interativo no qual imagens e
notícias se movimentam e interagem com o leitor. Empresas como a E-
-Ink e produtos como o Kindle, da Amazon, e mais recentemente o iPad,
da Apple, desenvolveram produtos que se inserem em uma lógica mui-
to parecida e dentro da visão compartilhada de seus usuários. Compre-
enderam que a chave para qualquer sucesso na adoção de uma nova

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tecnologia é a idelidade ao que é familiar dentro da perspectiva humana.
Embora pequena em tamanho, a tecnologia E-Ink tem um grande potencial
na expansão do mercado de exibição de dados, unindo e oferecendo porta-
bilidade e comodidade aos seus usuários. Outros materiais de visualização
lexíveis também estão começando a aparecer, permitindo a visualização da
informação de forma portátil, interativa e inovadora.

FIGURA 9
Respectiva-
mente: Kindle
1 e Kindle 2
da Amazon.

FIGURA 10
Eletronic
paper desen-
volvido pela
E-ink e iPad,
da Apple.

HEAD TRACKING
Introduzido pela primeira vez em capacetes de aviação e cabines de avi-
ões, a navegação baseada em movimentos da cabeça e em movimento dos
olhos, o chamado eye tracking, permite a apresentação do conteúdo de for-
ma natural e altamente imersiva. Projetando em superfícies translúcidas,
permite uma experiência de realidade mista, unindo o ambiente natural e

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os conteúdos digitais na mesma visada. Esta técnica já está sendo uti-
lizada em experimentos que se utilizam de uma base um pouco mais
ampla, como a utilização de dispositivos móveis e celulares, câmeras e
computadores, na utilização de realidade aumentada e realidade virtual.

FIGURA 11
– Sistema de
navegação por
head tracking
/ Minority
report (2002)
de Steven
Spielberg.

FIGURA 12
– Sistema de
navegação por
head tracking
(Iron Man 2,
2010).

DISPLAYS E TELAS TRANSLÚCIDAS


A Samsung lançou recentemente seu laptop com tela translúcida, com a
tecnologia AMOLED – Active-Matrix Organic Light-Emitting Diode (matriz-
-ativa de emissão de luz orgânica por diodos). É uma tecnologia baseada
na OLED, em que os pixels são ligados a um Transistor de Película Fina
(TFT, ou Thin-Film Transistor).

É possível ver em vários ilmes a utilização de telas que oferecem a mes-


ma lógica de visualização de dados. A ideia de dados compartilhados e
visíveis mesmo a distancia, em qualquer lugar do ambiente, mostra-se
tão interessante quanto contraditória. Questões de privacidade podem
interferir na viabilidade de um projeto como esse. É preciso compreender

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melhor, dentro da perspectiva do design de interação, que consequências
essas telas podem trazer quando da sua utilização no dia a dia, como se dará
a interação do homem com essas telas e, sobretudo, compreender melhor
como o homem executa suas atividades dentro dos parâmetros de design
de interação.

Por outro lado, a aplicação de telas em capacetes e óculos para a utilização


de navegação baseada em headtracking e eyetracking, além da utilização
de dados variáveis que transformam a realidade em uma realidade mis-
ta e ampliada, com aplicações em parabrisas de automóveis, como exem-
plo, parece ser uma ideia bem promissora, mas que demanda estudos mais
aprofundados.

FIGURA 13
Displays e
telas translú-
cidas em Iron
Man 2 (2010)
e Avatar
(2009), de Ja-
mes Cameron.

FIGURA 14
Laptop da Samsung com display
translúcido AMOLED.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os argumentos apresentados neste artigo evidenciam as relações anterior-
mente supostas entre design de interação e cultura sobre ilmes e icção
cientíica para a criação de produtos de design de interação e artefatos

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interativos, fazendo avaliações panorâmicas, e por vezes empíricas, de seus
paradigmas, tendências e possibilidades, demonstrando paralelamente pro-
dutos ora da icção, ora do mundo que nos cerca.

A tecnologia caminha a passos largos, de modo que é preciso sempre ob-


servar a viabilidade desses projetos, não do ponto de vista econômico ou
somente tecnológico que se encontra lutuante, rápido e mutável, mas prin-
cipalmente da perspectiva do próprio homem e na leitura atenta de seu co-
tidiano quando da realização de suas tarefas. Observar a praticidade desses
projetos dentro da perspectiva do usuário garante que todas as premissas
sejam contempladas, de forma a impedir que as decisões não se baseiem
somente em atributos estéticos ou, em última instância, em produtos so-
mente presentes para caracterizar uma narrativa futurística fílmica, mas dis-
tanciada das necessidades cotidianas do próprio homem.

É possível detectar uma diiculdade em se relatarem as experiências oriundas


da prática da produção voltada para a indústria do cinema, que se manifesta
de forma antecipatória a novas tendências de mercado sem preocupações
técnicas reais, e o seu vínculo com a teoria voltada para o desenvolvimento
de projetos de design de interação, que se preocupa com projetos e soluções
baseadas em um mundo concreto, considerando condições socioeconômicas,
que operam como condicionantes dos projetos de design.

Por outro lado, é possível notar que a cultura que nos cerca, a análise e a
observação desses fenômenos devem ser amplamente consideradas para o
desenvolvimento de produtos de design de interação, pois, apesar de esta-
rem algumas vezes desvinculadas de nossas necessidades reais, sugerem
uma quebra de paradigmas e de modelos que representam padrões estabe-
lecidos, que invariavelmente nos impedem de avançar.

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<http://www.digitaldomain.com>. Acesso em: 20.7.2009.

SOBRE OS AUTORES/

Cleomar Rocha Márcio Rocha


Pós-doutor em Estudos Culturais (UFRJ), Doutorando no grupo Transte-
pós-doutor em Tecnologias da Inteligên- chnology, Universidade de Ply-
cia e Design Digital (PUC-SP), doutor em mouth, UK Mestre em Gestão
Comunicação e Cultura Contemporâneas do Patrimônio Cultural pela
(UFBA), mestre em Arte e Tecnologia da PUC-GO, bacharel em Artes Vi-
Imagem (UnB). Professor do Programa de suais (com habilitação em De-
Pós-graduação em Cultura Visual da Fa- sign Gráico) pela UFG. Desig-
culdade de Artes Visuais da Universidade ner. Professor da Faculdade de
Federal de Goiás. Coordenador do Media Artes Visuais da Universidade
Lab UFG Artista-pesquisador. Federal de Goiás.

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Cleomar Rocha cleomar / Márcio Alves da Rocha

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