Livro Sauturi Maiado As Encantarias Das Serpentes 1

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Sauturi

AS ENCANTARIAS DAS SERPENTES


Líllian Pacheco Mestra Griô Maria Eunice Chagas Márcio Caires

ESCOLA DE FORMAÇÃO
EM PEDAGOGIA GRIÔ
CHAPADA DIAMANTINA
BA 2022
Créditos
Autoria:
Líllian Pacheco
Referência Oral da História de Sauturi Maiado
Dona Nice, Mestra Griô Maria Eunice Chagas
Velho Griô, o encantado de Márcio Caires
Comunidade do Brejão Ibicoara

Ilustração:
Rosevania Machado

Projeto Gráco:
Márcio Pial e Líllian Pacheco

Produção
Líllian Pacheco

Assistente de Produção e Revisão


Greyce Sampaio e Lessi Pacheco

Edição:
Escola de Formação em Pedagogia Griô
Lençóis Chapada Diamantina BA, 2022
Um dia, o Velho Griô caminhava entre escolas e
comunidades na Chapada Diamantina. Na estrada que
vai pro quilombo do Remanso, lá no pantanal do
Marimbus, onde as águas alagam e giram mansas entre
as plantas e matas de cerrado, caatinga e mata
atlântica, de repente ele viu uma cobra grande na
estrada. Que cobra era?

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Podia ser uma cascavel, ou uma cainana, ou coral.
Será que era jararaca ou jibóia? Não. Era a maior de
todas - a sucuiu. O rabo escondido de um lado na
mata, o corpo atravessando a estrada, a cabeça
escondida já do outro lado. Ele esperou encantado sua
passagem e quando chegou na comunidade, perguntou
à professora:

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Pró, o que significa
encon ar uma
serpente?

Daí ela respondeu:

Em cada lugar do mundo,


cada povo que vê
uma serpente conta
uma história diferente.

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Era uma vez um povo da Europa, de religião cristã que
atravessou o mar e invadiu as Américas, terras
chamadas de Abya Yala, a terra viva dos povos
nativos que tinham várias religiões diferentes.

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O povo cristão contou que Deus criou um paraíso na
terra, o primeiro homem - Adão - e da costela dele, a
primeira mulher - Eva. Era um mundo belo, cheio de
frutas e bichos irmãos. Só que Deus disse pra não comer a
fruta da árvore do conhecimento - a maçã.
Mas um ser muito malvado chamado Diabo se disfarçou
numa serpente e falou com Eva para comer a maçã. Ela
ficou com água na boca quando viu a fruta, porque
desejava ter conhecimento. E foi assim que eles perderam
o paraíso.

07
Nessa história ,
o que significa
encon ar uma
serpente?

A serpente significa esperteza


e tentação. Mas ...

Porque Eva não nha o


dire o ao conhecimento?

08
Vamos conhecer outros povos? Nas escolas
fala-se muito do povo da Grécia e do império
romano. Eles tinham conhecimentos que
também vieram naqueles navios invasores.

ÁFRICA

EUROPA

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Eles contam a história de um Deus - Apolo - que
envia duas grandes serpentes para matar um
sacerdote desobediente. E de outro Deus –
Hércules - muito forte, que enfrenta o monstro
Hidra que tinha corpo de dragão e NOVE
cabeças de serpente.

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E nessa história,
o que significa
encon ar uma
serpente?

Aqui as serpentes são


mons os assassinos
mandados por Deus.
Nas histórias,Deuses e
serpentes se parecem mu o,
seja o povo negro,
branco, vermelho
ou amarelo,
mas será que todos são
vinga vos assim?
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Outros povos do norte
do mundo, onde
nascem e morrem
geleiras, também
AMÉRICA
DO NORTE EUROPA vieram para o
Brasil e contaram
ÁFRICA que a serpente é
u m a n i m a l
“gigante das águas”
que engole tudo, até seu próprio rabo, formando um
círculo com o céu, os planetas, o universo, a energia que
gira da morte, da vida, depois a morte de novo e a vida.

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E agora,
o que significa
encon ar uma
serpente?

Para esses povos, a serpente é diferente,


não é assassina, nem mons uosa, nem é
mandada pelo Diabo nem por Deus. Ela é
o Deus ou a Deusa, que cuida do ciclo
da vida, do tempo que é redondo.
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Já no oriente, na Índia,
onde os hindus e os
budistas vivem, existe
a Naga, um ser
feminino humano
que não possui
pernas, ela tem uma
cauda e se arrasta para
se movimentar como
uma Cobra Grande.

Naga ensina a gente a


meditar para acordar a
energia da vida que fica na
base da coluna.
Quando ela sobe dentro do
corpo traz a iluminação da
mente, a gente pode virar
uma mestra ou um mestre.

Você sabe
Meditar?

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Velho Griô, e os povos
indígenas de
Pindorama? Você
ouviu o que contam
sobre as serpentes?

Nas terras de Pindorama haviam mais


de 1.000 povos. Depois de 522 anos de
guerra e roubo fe os pelos invasores que
deram a essas terras o nome de Brasil,
o Morubixaba Ramón Tupinambá conta
que seu povo resiste na Bahia junto
com os povos:

Pataxó Pataxó Hãhãhãe Mongoió


Gwerem Kiriri Tuxá Tumbalalá Kaimbé
Pankararé Xukuru Kariri Po gwara Tapuia
A kum Kambiwá Tuxi Kantaruré Truká
Kariri Xokó Funiô Camacam Paiaiá

São mais de 300 povos indígenas no Brasil,


cuidadores da floresta, dos bichos, da terra, da
água, do fogo, dos ares e das serpentes. 15
Os Sateré-Mawé vivem no Rio
Amazonas. Eles contam no seu
livro falado e sagrado - o
Sehaypóri - que no começo de tudo
foram criados o Sol e a Lua -
Aate e Waty. Porém os deuses
´

Tupanã e Yurupari queriam que


os dois as os conversassem,
mas isso não era possível,
porque um vivia de dia e o
ou o de no e.

Por isso os deuses fizeram sair do infin o negro a


gigantesca serpente. Ela se de ava e amava a lua de
no e e o sol de dia, até que engravidou
e pariu filhos gêmeos: o planeta
água e o planeta terra.
Tupanã adorou e criou
hab antes e líderes
chamados Painí-Pajé
com poderes mágicos
para curar e cuidar do
bem estar de todos.

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Para esse povo,
o que significa
encon ar uma
serpente?

A serpente é uma criatura


poderosa, perfe a e amiga
dos deuses, porque vive em
todos os reinos da
natureza. Ela se move mu o
ágil na água e na terra. Se
move quase voando no ar
en e as galhas mais a as
das árvores. Ela também
possui uma língua de fogo
com o veneno que esquenta
e arde o corpo.

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E o povo da Chapada
Diaman na?
O que conta sobre o
significado das serpentes?

O Velho Griô e a professora foram pra uma roda na


casa de Jarê, religião do povo negro nagô chapadense.
Milhões de pessoas foram sequestradas por invasores
na África e trazidas para o Brasil. Vieram forçadas e
violentadas rainhas, reis, griôs, além de pessoas
talentosas em contabilidade, engenharia, agricultura e
todas as áreas.

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Os descendentes do povo Yorubá
da Chapada cultuam a serpente de
plumagem colorida que por muitos
anos rastejou pela região criando os
vales, cânions, lagos, rios, serras e
montanhas.

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Eles fazem procissão todo ano e atravessam a imagem
do santo Senhor dos Passos sobre a ponte do rio
Lençóis para cuidar do sono da serpente. Ela dorme
um sono profundo em baixo e ao longo de todo o rio.

Se ela acordar tudo desmorona.

Ela também é Oxumaré, corpo


de gente e de cobra ao
mesmo tempo que criou o
Arco Iris porque
d e s e j a v a p a ra r a s
chuvas e fazer um
caminho entre o
Céu e a Terra, o
Orun e o Ayé na
língua yorubá
do oeste da
África.

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E numa noite de primavera quente, quando tudo seca
e queima no cerrado, quando o povo luta contra o
dragão feroz do fogo na serra, o Velho Griô chegou na
Roda de Contação de Histórias na comunidade do
Brejão em Ibicoara, no terreiro da trilha griô na casa de
da Dona Nice. Lá ele perguntou:

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- Dona Nice, o que significa encontrar uma serpente?
Em volta da fogueira, Dona Nice contou uma
história e a professora Líllian recontou escrita
assim:

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Era uma vez uma menina filha única que nasceu em
uma família paiaiá da roça na Chapada Diamantina,
numa casa com quintal e um jardim muito bonito,
cheio de flores coloridas que o pai cuidava
carinhosamente. Em volta da casa tudo crescia junto
com a menina que era irmã da floresta, dos animais,
dos ventos, do sol, dos rios e das cachoeiras.

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Um dia, os pais viram que ela estava diferente.

- Você viu, Zé, não tô conhecendo essa menina. Ela


não canta mais em casa, não brinca mais com os
bichos, não veste mais os vestidos bonitos da feira que
você comprou.
- É Zefa, até o jeito de falar e de comer mudou! Ela
anda calada e quieta, ora parece zangada ora parece
triste. Já não acorda cedo nem me ajuda no jardim.
- O sangue dela desceu, Zé, vai ver é isso, é hora de
explicar as coisas, mas ela não quer me ouvir.
- Ela não me deixa mais dar colo, me rejeita. Não
posso chegar nem perto. Eu vou dar um castigo nessa
menina. Tô de olho nela!

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O pai desconfiado começou a olhar mais para a menina
no dia a dia. Acabou seguindo sua filha e descobriu que
ela separava uma parte da comida, arrumava bem
bonito com flores e escondia no armário do quarto.

Mais tarde, o pai viu que ela levava a comida como


oferenda junto a uma toca de uma pedra, onde
batia palmas e cantava num tom encantado:
Sauturi, Sauturi, Sauturi maiado,
Sauturi ...

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Quando ela cantava saia da toca uma
serpente que rastejava em sua direção.
A menina recebia a serpente com uma
dança de reverência muito bonito, parecendo o animal
rastejante.
A cobra comia e a menina dançava forte e feliz. O pai
ficou impressionado com as ondas do corpo da
menina.
Começava pelo pescoço e fazia curvas em “S”,
lembrando uma serpente rastejando.
Todo dia ela levava a oferenda, cantava e
dançava encantada: Sauturi, Sauturi, Sauturi
maiado, Sauturi ...

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O pai seguia sua filha preocupado. Ele
ficava ora assustado ora encantado, mas
planejou proteger a filha daquela
serpente perigosa, traiçoeira e venenosa.

Estava convencido que aquela cobra


grande era a culpada por sua filha ter
ficado tão estranha.

Ele resolveu separar a comida, levar para


a toca, colocar a oferenda e cantar para a
serpente. Mas ele cantou, cantou, cantou
e a serpente não apareceu.

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Ele ficou matutando:

- Por que a serpente sai da


toca com a cantoria de minha
filha e não sai quando canto a
mesma cantiga?

Ele chegou a conclusão que a voz da


filha tinha o poder de encantar a
serpente.

Todo dia ele acompanhava sua filha escondido e


aprendia o tom da voz que ela cantava. Quando
se sentiu preparado ele foi à toca sozinho,
cantou igual à filha e a serpente apareceu.

Daí, o pai matou a serpente num só


golpe na cabeça.

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A partir desse dia, tudo perdeu o canto e o encanto da vida
naquela família.

As flores do jardim começaram a murchar.

As árvores da floresta começaram a secar.

Os rios foram parando de correr.

Os pássaros parando de voar.

Era o dragão do fogo ganhando a guerra contra o povo.

Uma tristeza escondida foi tomando conta da menina, do


seu pai, de sua mãe e do lugar.

E tudo, mesmo vivendo, morria devagar.

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Depois dessa história de Dona Nice, o Velho Griô
encheu os olhos d’ água e ficou perguntando:

Por que a gente conta tanta história de serpente?

Por que tanta gente mata as serpentes?

E pra você, o que significa


encon ar uma serpente?

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Escola de Formação

Realização:
Escola de Formação em Pedagogia Griô
Líllian Pacheco

Financiamento:
Instituto Neoenergia, por meio da Neoenergia Coelba e
Governo do Estado, através do Fazcultura, Secretaria
de Cultura e Secretaria da Fazenda

Parceria:
Associação Grãos de Luz e Griô
e Terre des Homme Suisse

INICIATIVA: PATROCÍNIO:

PARCERIA:
Referências Bibliográficas
>Serpente do Eden
BÍBLIA. Gênesis. Português. In: A Bíblia sagrada: an go e novo testamento. Tradução João
Ferreira de Almeida. Várzea Paulista: Casa Publicadora Paulista, 2019. Cap. 3.

>Serpente de Hércules e Apolo - Mitologia grega


GRAVES, Robert. Os mitos gregos: 1 e 2. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.

>Serpente Povo Nórdico


GAIMAN, Neil. Mitologia Nórdica. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017.

>Serpente Naga Hindus e Budistas


SARASWATI, Aghorananda. Mitologia Hindu. São Paulo: Madras, 2014.

>Serpente do povo Sateré Mawé


IBGE, Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca. Os indígenas no censo demográfico 2010.
Rio de Janeiro, 2012.
IBGE, Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de
Janeiro, 2000.
YAMÃ, Yaguarê. Sehaypóri: o livro sagrado do povo Saterê-Mawé. São Paulo: Peirópolis, 2007.
Morubixaba Ramón Tupinambá (Ramon Souza Santos), mestre griô da Ação Griô Nacional e
cacique da Aldeia Tucum-Tupinambá, Olivença, Bahia.

>Serpente Sauturi Maiado


CAIRES, Márcio. O encantado do Griô Aprendiz e a Pedagogia Griô. 2021. Dissertação
(Mestrado em Ciências Ambientais) - Universidade Estadual de Feira de Santana, Lençóis/Feira
de Santana, 2021.

>Serpente Emplumada
ARAÚJO, Delmar Alves de. Aspectos Culturais de Lençóis: Apos la de Capacitação de Guias
SECTUR/SENAC. Lençóis, 2012. (Apos la)

>Serpente Oxumaré
VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos Orixás. Salvador: Fundação Pierre Verger, 2019.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
EBOMI CICI, VÓVÓ CICI, mestra griô da Ação Griô Nacional e da Fundação Pierre Verger,
contadora de Histórias de Ifá. Engenho Velho de Brotas em Salvador, Bahia.
PRANDI, Reginaldo. Oxumaré, o Arco Iris. Ilustração Pedro Rafael, São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
Escola de Formação REDES SOCIAIS
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