A Identidade Civilizacional da Europa Ocidental

1 A Multiplicidade de Poderes
Aps a queda de Roma, a Europa Ocidental permaneceu, durante muito tempo, um mundo politicamente instvel. Ficou assim fragmentada em vrios tipos de clulas, de extenso e estrutura variadas.

Os Senhorios Um senhorio era a terra de um senhor, nobre ou membro do alto clero. Em relao extenso podiam ser muito variados, mas geralmente eram constitudos por um ncleo mais significativo, com o castelo do senhor, que agrupava terras, bosques, etc. O senhor retirava do senhorio os rendimentos econmicos e detinha tambm autoridade sobre os homens que nele habitavam. Este duplo poder do senhor o domnio econmico e a autoridade sobre os homens uma das caractersticas mais marcantes dos tempos medievais. Dentro dos senhorios os pertencentes a duques eram chamados ducados e os a condes, condados. Como eram de um escalo superior tinham uma poro de terra imensa, que podia englobar muitas vilas e cidades.

Os Reinos A constituio de um reino implicava dois elementos essenciais: y O reconhecimento da superioridade de uma famlia, qual compete exercera realeza em regime hereditrio. O rei detm uma autoridade suprema sobre todas e deve utiliz-la para o bem comum; A delimitao de um territrio, que a base do vnculo entre o rei e os seus sbditos. Todo o homem nascido no reino estava automaticamente dependente do rei.

Resumindo, um reino tem sempre a presena de um rei, um territrio e os seus habitantes. A identificao destes elementos gera a convico de que existem laos de todos os tipos que unem a comunidade.

O Imprio Carlos Magno, rei dos Francos, fez uma tentativa falhada de criar um Imprio ao ser coroado imperador do Ocidente pelo Papa, no ano 800. No sculo X, o rei da Germnia, Oto I, tambm se aliou ao Papa e da unio dos territrios germnicos e italianos vai nascer o Sacro Imprio Romano-Germnico. Este

Imprio procurava restaurar a unio da Europa, perdida com o fracasso do Imprio de Carlos Magno. Porm, a rivalidade do poder entre o imperador e o Papa, a par da oposio feita pelos grandes senhores, anulou a possibilidade de sucesso do Imprio. A Oriente, o imperador Bizantino nunca reconheceu o poder do Santo Imprio, considerando-se assim o nico herdeiro do Imprio Romano. Outro dos factores que levaram a esta rejeio do Imprio prende-se com o facto de Oto I ser considerado, aos olhos de Bizncio, um brbaro.

As Comunas A comuna foi um juramento solene de entreajuda e lealdade, uma associao de gentes da cidade, que se criou para o movimento de luta pela liberdade citadina. Foi no sculo XI que isto se criou, como protesto contra o abuso de poder que os senhorios exerciam sobre as cidades. Assim, a comuna apresentava ao senhor as coisas que queria ver satisfeitas e, se o senhor resistia, lutava por elas. As lutas comunais acabaram por dar origem a episdios violentos por toda a Europa. No sculo XII grande parte das cidades europeias recebeu a sua carta comunal, onde estavam registadas as garantias e liberdades concedidas pelo senhor cidade. Resumindo: Ao contrrio do tempo em que vivemos, caracterizado por Estados durveis, com um poder central forte e bem estruturado, nos tempos medievais o poder poltico fragmentava-se em mltiplas clulas e revestia a mais variadas formas. As fronteiras externas eram, em geral, imprecisas e alteravam-se frequentemente. O mesmo acontecia a nvel interno: o desmembramento de senhorios, as liberdades conquistadas pelas cidades, as usurpaes senhoriais ou, ao contrrio, os progressos da autoridade real traavam delimitaes efmeras, de contornos mal definidos. Nesta Europa ainda em formao podemos identificar trs grandes reas distintas: a oeste, afirmam-se as grandes monarquias (Inglaterra, Frana, Arago, Castela, Portugal).Do seu fortalecimento emergir aquilo que designamos por Estado moderno ; no centro, sob a designao de Imprio, fica uma extensa rea que agrupa um aglomerado de principados territoriais e cidades autnomas; a leste, estende-se uma zona muito instvel, onde a autoridade real tem dificuldade em se afirmar face ao poder dos grandes senhores.

2 A Unidade da Crena

Em relao religio, a Europa Ocidental assumia-se como um conjunto unido pela mesma F. Desta forma, o Ocidente converteu-se numa realidade cultural, a Cristandade latina, conjunto de terras e povos cuja lngua era o latim e que obedecia ao bispo de Roma, o Papa. O poder do bispo de Roma Foi em grande parte o Papa Gregrio VII que consolidou o poder da Igreja de Roma. A reforma gregoriana no s moralizou os costumes e a actuao dos clrigos como proclamou a supremacia absoluta do papado. O Papa considerou-se detentor do imperium christianum (poder sobre a Cristandade), o que o colocava acima de qualquer monarca. Isto originou vrios conflitos entre o Papa e os monarcas, que acabaram por no dar vitria total s pretenses do papado mas que contriburam, no entanto, para o reforo da autoridade e prestgio da Igreja, que no sculo XIII , sem dvida, a instituio mais poderosa do Ocidente: y y y y Tem um centro reconhecido, Roma, e um chefe supremo, o Papa. Domina um territrio vasto e vincula todos os seus habitantes. Possui meios humanos e materiais um numeroso corpo de clrigos, a cobrana de taxas e juros, etc. Rege-se por um cdigo de leis prprias o Direito Cannico.

A Cristandade ocidental face a Bizncio S em 1453 que o Imprio Romano do Oriente sucumbe ao poder do Imprio Turco. Este Imprio do Oriente, mais designado por Imprio Bizantino, considerava-se o herdeiro directo do mundo romano. Assumia-se civilizado, requintado e superior aos brbaros ocidentais. Constantinopla (ou Bizncio) era o smbolo do esplendor do imprio e o seu centro religioso. A rivalidade entre os bispos de Roma e de Constantinopla sempre existiu, pois discordavam em pormenores doutrinais e o bispo de Roma opunha-se recusa do patriarca bizantino em aceitar a supremacia romana. Em 1504, este confronto tornouse numa ruptura efectiva: os legados do Papa e o Bispo de Constantinopla excomungaram-se mutuamente. A partir da, a oriente, no Imprio Bizantino, existe uma Igreja de lngua grega que se intitula ortodoxa, e a ocidente, no Sacro Imprio, existe uma Igreja latina. Esta grave crise religiosa agrava o fosso poltico e cultural entre as duas partes da Cristandade, que se afrontam declaradamente.

A Cristandade ocidental face ao Islo

Maomet, que acreditava ter sido mandado por Deus para conduzir os rabes salvao, fundou uma nova religio O Islo cujos princpios registou num livro sagrado, o Coro. No Coro esto definidos os cinco pilares do Islo: a crena num s Deus, Allah, e o reconhecimento de Maomet como seu profeta, a orao, a esmola, o jejum do Ramado e a peregrinao a Meca. Para alm destes princpios estabeleceu-se o ideal da Jihad, a guerra santa, destinada a espalhar a f. O Islo comeou a espalhar-se e aumentou ao ponto de se tornar maior que o mundo cristo. Por causa disso, em 1095 o Ocidente desencadeou a primeira de grandes ofensivas militares, conhecidas por Cruzadas. O seu objectivo era libertar os Lugares Santos da Palestina, sobre o poder dos muulmanos. Embora no tenha havido muito xito militar, o movimento das Cruzadas fortaleceu a ideia de uma sociedade encabeada por um ideal religioso forte. Este mpeto guerreiro fez-se sentir em todas as zonas de confronto do mundo cristo com o mundo muulmano: na Pennsula Ibrica, a Reconquista avanou rapidamente; no sul da Europa diminuram as razias muulmanas s zonas costeiras; no Mediterrneo as embarcaes crists retomaram rotas h muito abandonadas. No sculo XIII, a Europa Ocidental tinha claramente recuperado do abatimento face ao Islo. O Ocidente era cristo e o Oriente muulmano.

3 A Expanso Agrria e o Crescimento Demogrfico

Nota: O Feudalismo As caractersticas do sistema feudal assentam sobretudo numa economia agrria e rural, economia essa geralmente auto-suficiente. No feudalismo, o modo de produo baseia-se no sistema de cultivo rotativo trienal. Durante a poca feudal, verificamos a existncia de um sistema de comrcio muito reduzido, limitando-se a ser, meramente, local. A nvel das tcnicas e dos instrumentos, encontramos muito pouco desenvolvimento, traduzindo-se num baixo nvel tcnico. Por ltimo, o uso da moeda pouco corrente, denotando-se um frgil sistema monetrio.

As relaes feudo-vasslicas As relaes que se estabelecem neste regime so caracterizadas por uma grande obedincia por parte do servo para com o senhor. troca de proteco, o servo compromete-se a ser obediente e a prestar vassalagem ao seu senhor, tendo ainda a obrigao de tratar e cultivar as terras, entregando ao senhor a parte que foi previamente estabelecida neste contrato vasslico. Manso servil local onde os servos viviam, dentro do manso senhorial.

Terras comunais zona onde os nobres vivem.

O desenvolvimento agrcola A prosperidade dos sculos XI e XII teve por base o crescimento agrcola, graas expanso dos terrenos para cultivo (arroteamentos), pela aco conjunta dos camponeses, monarcas, senhores nobres e ordens monsticas. A nvel dos progressos tcnicos, verificamos o aparecimento de novos utenslios: y y y O maior emprego do ferro; O melhor aproveitamento da fora animal; A rotao trienal de culturas;

Todos estes progressos permitiram melhorar o sistema agrrio, de forma a obter melhores colheitas que se traduzem no aumento de numa maior qualidade de alimentao na Europa.

O crescimento demogrfico Com o desenvolvimento agrcola, as condies alimentares aumentaram. Uma populao bem alimentada tornou-se mais resistente a epidemias, e assim deu-se um crescimento demogrfico.

4 O Renascimento das Cidades e a Dinamizao das Trocas

O surto urbano Para alm do crescimento das novas povoaes, que surgiram no contexto do desbravamento das terras, os sculos X a XIII foram essencialmente marcados pelo renascimento das cidades. Aps um perodo marcado por algum obscurantismo derivado da queda do Imprio Romano, vamos verificar a importncia da urbe, que aumenta em nmero e tamanho. As cidades medievais assumem um carcter essencialmente econmico, e surge um novo grupo social a burguesia (mercadores, banqueiros, artesos, lojistas). Estabelece-se a economia monetria na Europa, no sculo XIV.

A dinamizao das trocas locais e regionais A necessidade de abastecer as cidades de gneros alimentares provenientes do campo conduziu ao desenvolvimento de rotas comerciais, favorecendo as trocas. Estas trocas eram inicialmente realizadas com base em gneros, mas rapidamente passou a usar-se a moeda.

5 - As Grandes Rotas do Comrcio Externo

Nos sculos XII e XIII organizam-se dois conjuntos econmicos na Europa: um a Norte, flamengo e alemo, que faz as suas trocas no Atlntico, no mar do Norte e no Bltico, e outro a Sul, liderado pelos mercadores italianos, que circula pelo mar Mediterrneo. Os dois territrios ligam-se atravs de via terrestre, numa estrada norte-sul. nessa via que se cria um terceiro conjunto econmico: as feiras da Champagne.

A Flandres Na Flandres havia uma indstria de lanifcios activa que fez prosperar as cidades. Alm da prosperidade da indstria tambm se conseguia riqueza no comrcio porque a Flandres atraa mercadores dos quatro cantos da Europa graas posio geogrfica em que se encontrava. Os Alemes importavam produtos do Bltico e da Rssia. Os Italianos transportavam produtos mediterrnicos e especiarias orientais, primeiro por terra e depois por via martima. Castelhanos, Portugueses, Ingleses, Franceses, entre outros, faziam o mesmo, comprando e vendendo produtos. Bruges, cidade flamenga, acolhia os mercadores mais ricos privilegiando-os comum a casa onde viver e autorizao para construrem zonas de comrcio (oficinas, armazns, etc.). Assim, Bruges torna-se um local de preferncia a nvel de indstria e comrcio na Europa, onde se negociavam produtos de todos os cantos: peles, madeira e cera do Norte, vinhos, sal e azeite da Pennsula Ibrica, ls de Inglaterra, almen da Sria e especiarias do Oriente.

O comrcio da Hansa Como o comrcio distncia punha os homens e os produtos em perigo, so criadas, no sculo XI, associaes mercantis s quais foi dado o nome de hansas ouguildas. Estas associaes garantiam a proteco dos comerciantes e defendiam os seus interesses. De todas as associaes criadas, a mais poderosa foi a Hansa Teutnica, pois uniu as cidades do mar do Norte de do mar Bltico. Teve incio no sculo XIII e atingiu o expoente mximo no sculo seguinte, ou seja, sculo XIV. Por ser to poderosa e conhecida, a Hansa Teutnica passou a ser referida simplesmente como a Hansa . Era uma associao de cidades muito vasta, que assegurava o trfico do comrcio no mar Bltico e do Norte. As principais cidades hanseticas eram Hamburgo, Dantzig, Riga, Colnia e Lubeque. Os comerciantes hanseticos transportavam para o Sul os cereais da Prssia e da Polnia e as peles, as gorduras, a cera e as madeiras da Rssia e da Noruega; de volta, enchiam os Kogge (navios grandes e pesados) com vinho e sal de Frana, ls de Inglaterra, azeite do Mediterrneo e tecidos da Flandres. Tambm desempenhavam

um papel importante no comrcio entre a Flandres e a Inglaterra, pois chegaram a transportar mais de 70% das mercadorias.

As cidades italianas e o domnio do comrcio mediterrnico As cidades italianas foram, de todas as regies europeias, as que melhor preservaram a memria e o saber das ligaes mercantis. A 1 Cruzada, em 1905, marcou o recuo do domnio muulmano no Mediterrneo e a sua abertura ao comrcio europeu. Inimigos e rivais (Genoveses, Venezianos, Pisanos) concorriam entre si nas rotas comerciais que levavam sia Menor, Sria, ao Egipto. Por elas faziam chegar especiarias, tecidos, prolas preciosas.

As feiras de Champagne Nesta poca, os mercadores eram sobretudo viajantes, que se deslocavam incessantemente. Em algumas regies, onde as condies geogrficas e os privilgios eram melhores, desenvolveram-se feiras peridicas. Para atrair feirantes, reis e senhores ofereciam condies vantajosas de alojamento e armazenamento, reduo dos impostos, segurana. Entre todas as feiras medievais destacam-se as feiras de Champagne, nas cidades de Lagny, Bar-sur-Aube, Provins e Troyes.

As novas prticas comerciais e financeiras Com o desenvolvimento comercial da Idade Mdia inventaram-se prticas novas que proporcionavam aos mercadores facilidade e segurana. Surgiram assim as primeiras sociedades comerciais, os primeiros seguros e os primeiros pagamento sem papel, como o cheque.Com isto desenvolveu-se a actividade dos cambistas ou banqueiros, assim como outras profisses ligadas ao comrcio e economia.

6 A Fragilidade do Equilbrio Demogrfico

Durante o sculo XI a XIII verificou-se um crescimento demogrfico acentuado. Seguidamente, com o incio do sculo XIV, vamos encontrar diversos factores que conduziram a uma crise demogrfica: a peste negra, a fome e as guerras, sendo a fome a principal responsvel pelo frgil equilbrio demogrfico dos tempos medievais.

A quebra demogrfica do sculo XIV A fome

No fim do sculo XIII j os alimentos produzidos no chegavam para alimentar toda a populao. Os solos comearam as esgotar-se por causa das larvas, e a isto juntaram-se as mudanas climticas. A fome regressou ao Ocidente: m Provena, um ano em cada trs era de ms colheitas; Em Navarra, quase todo o sculo XIV de escassez e subalimentao; Em Portugal so conhecidas diversas crises de subsistncia que afectaram no s os grandes centros urbanos como tambm a provncia.

A grande peste Em 1348, repentinamente, uma terrvel epidemia abateu sobre o Ocidente: a Peste Negra. Foi a mais grave epidemia de que h memria. Propagou-se por toda a Europa em pouco tempo, deixando um rasto de misria e morte nunca antes visto. A primitiva medicina dava pouca proteco aos mdicos e instrumentos usados, que, com a falta de higiene individual e colectiva, quase nada puderam fazer. A peste agravou-se durante meses a fio e, no total, entre 1348 e 1350, um tero da populao foi morta pela Peste Negra.

A guerra Nesta poca, os efeitos devastadores da guerra resultavam mais das violncias exercidas pelos exrcitos sobre as populaes do que as batalhas propriamente ditas. No entanto, registam-se guerras importantes como a guerra dos 100 anos (entre Inglaterra e Frana). Em Portugal, entre 1383 e 1385, ocorreram as Guerras Fernandinas. Em resumo, nos sculos XIV e XV, a vida assumia um contedo muito violento e sombrio.