Identidade, Corpos e Constituição Dos Sujeitos

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Desafios Contemporâneos das

Sociedades Ibero-Americanas
De 23 a 27 de agosto de 2021
EVENTO ONLINE

ANAIS
DO EVENTO
Realização Apoiadores

PROACAD
Pró-Reitoria
Acadêmica
Comissão
Organizadora
Presidenta da Comissão
Profª Dra. Giani Rabelo
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Vice-presidente da Comissão
Prof. Dr. Ismael Gonçalves Alves Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Diretor de Ensino de Graduação
Prof. Me. Marcelo Feldhaus Representante da Pró-Reitoria Acadêmica
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais - PPGCA


Profª. Dra. Birgit Harter-Marques
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE
Prof. Dr. Carlos Renato Carola
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Coordenadora do Curso de Artes Visuais
Profª. Dra. Aurélia Regina de
Representante dos cursos de Licenciatura
Souza Honorato
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Curso de Educação Física
Prof. Me. Bruno Dandolini Colombo Representante dos cursos de Licenciatura
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Coordenadora Adjunta do curso de Letras
Profª. Dra. Cibele Beirith
Representante dos cursos de Licenciatura
Figueiredo Freitas
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Comissão de Divulgação
Prof. Dr. Jeferson Luis Azeredo
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Representante discente do curso de Pós-Graduação
Lucene Cândido Magnus em Desenvolvimento Socioeconômico
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Representante do Conselho Editorial
Vanessa Marcos Medeiros
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Representante da Diretoria de Ensino de Graduação
Rafaela Ribeiro Pereira
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
Comissão
Científica
Presidenta da Comissão
Profª Dra. Giani Rabelo
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

Vice-presidente da Comissão
Prof. Dr. Ismael Gonçalves Alves
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais - PPGCA


Profª. Dra. Birgit Harter-Marques
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE


Profª. Dra. Graziela Fátima Giacomazzo
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

Prof. Dr. Antonio Fernando


Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI
Silveira Guerra

Profª. Dra. Maria Teresa Santos Cunha Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET)


Prof. Dr. José Antonio Mateo
Universidad Nacional de Entre Ríos - UNER (Argentina)

Profª. Dra. Ana Paula Vosne Martins Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Profª. Dra. Silvia Maria


Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
de Favero Arend

Profª. Dra. Amalia Morales Villena Universidad de Granada - Espanha

Profª. Dra. Maria Stephanou Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Profª. Dra. Denise Balarine


Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Cavalheiro Leite

Profª. Dra. Ana Sabrina Mora Universidad Nacional La Plata - UNLP (CONICET) - Argentina

Profa. Dra. Patrícia Ferraz de Matos Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa

Prof. Dr. Miguel Anxo Santos Rego Universidade de Santiago de Compostela - Espanha

Prof. Dr. Agustín Escolano Benito Centro Internacional de la Cultura Escolar (CEINCE) - Espanha

Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE


Prof. Dr. Alex Sander da Silva
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC

Prof. Dr. Christian Muleka Mwewa Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS

Prof. Dr. António Gomes Ferreira Universidade de Coimbra - Portugal

Profª Dra. Patricia Paola Ames


Pontificia Universidad Católica del Perú - Peru
Ramello

Instituto Universitário de Estudos Sociais da América Latina


Profª Dra. Maria Luiza Rico Gòmez
Universidade de Alicante - Espanha

Instituto de Educação
Profª Dra. Maria João Mogarro
Universidade de Lisboa - Portugal
Grupos de
Trabalho
Giani Rabelo e Ismael Gonçalves Alves Finanças

Amalhene Baesso Reddig, Aurélia Regina


Cultura
de Souza Honorato e Maxuel Sander Flor
Birgit Harter Marques e
Monitoria
Matheus Zimmermann
Caroline Bortot, Jeferson Luis de
Comunicação e Divulgação
Azeredo e Lucas Damásio

Lucene Cândido Magnus e


Secretaria Geral
Rafaela Ribeiro Pereira

Leila Laís Gonçalves, Paulo Martins


Tecnologia
e Wender Firmino
Carlos Renato Carola e
Apresentações de Pôsteres
Cibele Beirith Figueiredo Freitas

Secretaria
Secretária da Diretoria de Ensino de Graduação
Rafaela Ribeiro Pereira
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC

Diagramação
Victor Burato Designer
GT51
Identidades, corpos e
constituição dos sujeitos
em contextos formativos
diversos
SUMÁRIO
CLIQUE E SEJA DIRECIONADA/O PARA O TRABALHO

7 CAPOEIRA E PROCESSOS EDUCACIONAIS: UMA


EXPERIÊNCIA ITINERANTE
Norma Silvia Trindade de Lima

17 EMANCIPAÇÃO A FAVOR DA VIDA NA EDUCAÇÃO


FÍSICA ESCOLAR
Reard Michel dos Santos
Soraya Corrêa Domingues

29 POR ENTRE VÊNUS PALEOLÍTICAS, RUBENS E


BOTERO: O DISCURSO IMAGÉTICO GORDO COMO
ALAVANCA DE REPRESENTATIVIDADE E SAÚDE
MENTAL
Analu Steffen
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Educação
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CAPOEIRA E PROCESSOS EDUCACIONAIS: UMA EXPERIÊNCIA


ITINERANTE

Norma Silvia Trindade de Lima 1

Resumo: Uma educação inclusiva demanda tensionar o racismo epistêmico e seus dispositivos
coloniais em ambientes formativos. Considerando que as práticas culturais afrodiaspóricas
contribuem de modo significativo neste sentido, vimos desenvolvendo estudos, tendo como escopo a
capoeira, em suas interfaces com a educação, articulados em extensão universitária, pesquisa e
docência. O recorte neste trabalho, destaca o projeto de extensão universitária: "Capoeduca Itinerante:
interfaces entre patrimônio cultural imaterial e a educação", realizado entre comunidades acadêmica
e da capoeira, em 2017 e 2018, no interior de São Paulo. A partir de demandas das comunidades
envolvidas, foram estabelecidos diálogos horizontais e em itinerância entre territórios, saberes e
experiências, por meio de rodas de conversa, recursos audiovisuais e registros das experiências.
Produzimos, também, um documentário. Tomando a capoeira, como patrimônio e prática social
afrodiaspórica, escopo deste estudo, constatamos a potência dos encontros entre diferentes
comunidades de saber, visando posições outras de saber/poder e deslocamentos nas noções de centro
e periferia, podendo ampliar o campo epistêmico em ambientes formativos, na perspectiva pluriversal
e decolonial. Provocamos as comunidades acadêmica e da capoeira a repensar demarcações fixas e
excludentes de fronteiras coloniais e seus dispositivos de produção de identidades, lógicas, práticas,
experiências formativas, por fim, sociabilidades.
Palavras-chave: Educação. Capoeira. (De)Colonialidade. Inclusão. Epistemologias do sul.

Capoeira and educational processes: an itinerant experience

Abstract: An inclusive education demands tensioning epistemic racism and its colonial devices in
formative environments. Considering that the afrodiasporic cultural practices contribute significantly
in this sense, we have been developing studies, focusing on capoeira, in its interfaces with education,
articulated in university extension, research and teaching. The cutout in this work highlights the
university extension project: "Capoeduca Itinerante: interfaces between intangible cultural heritage
and education", carried out between academic and capoeira communities, in 2017 and 2018, in the
countryside of São Paulo. Based on demands from the communities involved, horizontal and itinerant
dialogues between territories, knowledge and experiences were established, through conversation
circles, audiovisual resources, and records of experiences. We also produced a documentary. Taking
capoeira as an Afrodiaspora social heritage and practice, the scope of this study, we see the power of
encounters between different communities of knowledge, aiming at other positions of
knowledge/power and displacements in the notions of center and periphery, which can expand the
epistemic field in training environments, in the pluriversal and decolonial perspective. We provoke
the academic and capoeira communities to rethink fixed and excluding demarcations of colonial

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Docente da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas/SP/Brasil. Contato: [email protected]

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borders and their devices for the production of identities, logics, practices, formative experiences, and
finally, sociabilities.
Keywords: Education. Capoeira. (De)Coloniality.

Percursos, afetos e perspectivas

Para contextualizar os movimentos desencadeadores deste trabalho, num primeiro momento,


tranço alguns fios de memória, por meio de uma narrativa autobiográfica, na sequência destaco
noções caras e mobilizadoras, constituindo o aporte teórico, inspirador dos diálogos empreendidos.
Apresento, a seguir o detalhamento do trabalho desenvolvido e por fim, algumas considerações finais.
Quem escreve estas linhas, por que e em qual cenário? Trata-se de uma mulher, pesquisadora
e docente universitária, iniciada na capoeira há pouco mais de trinta anos (graduada professora em
uma escola de capoeira, em Campinas/SP). O sentimento de pertencimento e a consciência de
ancestralidade africana demandaram a inclusão da capoeira no campo de estudos acadêmico,
desenvolvido na esteira das discussões educacionais inclusivas e decoloniais (LIMA, 2016, 2019,
2020, 2021). Para além de capoeirista, a implicação de tais sentimentos constituíram uma
responsabilidade com o universo cultural afrodiaspórico, em especial - a capoeira. Esta,
compreendida como expressão de força vital, axé, potência de vida, acervo de experiências e
memórias, materializadas em suas práticas, saberes, rituais, sociabilidades, afetos e (re)existências.
Nessa perspectiva, reconheço na capoeira um processo educacional. Isto é, uma perspectiva
identitária e comunitária cujos laços afetivos potencializam conexão e resgate do legado ancestral,
afirmando um “lugar no mundo”, uma sociabilidade coletiva referendada historicamente e
culturalmente, tornando-se muitas vezes um campo de trabalho, sobretudo para aquele/as em situação
de vulnerabilidade social. As comunidades de capoeira, em geral, estão implicadas em processos de
racismo, sexismo, subalternização e exploração – dispositivos estruturais e capilares da lógica
desumana e perversa da colonialidade, desdobramento do colonialismo, cujo princípio fundante é a
noção de raça (MIGNOLO, 2017).
Isto posto, em percursos e intentos profissionais-acadêmicos, navego em mares nada plácidos,
tratando-se da temática da inclusão (LIMA, 2003, 2013). Por inclusão, refiro-me às lutas e
negociações cotidianas, tendo em vista o usufruto de direitos constitucionais como: acesso à

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educação, aos bens culturais, manifestações religiosas, condições materiais e simbólicas de


desenvolvimento humano-sustentável (Constituição Federal, 1988).

Portanto, é urgente tensionar a perspectiva epistemológica hegemônica no campo educacional,


ainda, colonial, cujos efeitos, naturalizam ideais construídos por valores de um sistema-mundo
imperialista, eurocêntrico, capitalista, patriarcal, escravocrata e cristão. As noções de universalidade,
causalidade, binarismo, linearidade e hierarquia que regulam critérios de legitimidade de
conhecimento para a formação humana invisibilizam e descredibilizam gentes, territórios, práticas,
saberes e culturas historicamente produzidos como ausentes e inferiores, justificando a
subalternização, o racismo e tantas outras violências com as quais convivemos (BERNARDINO-
COSTA; MALDONADO-TORRES; GROSFOGUEL, 2019).
As práticas culturais, em especial as afrodiaspóricas, podem contribuir com a problematização
e alargamento das fronteiras epistêmicas e existenciais, no que tange a formação humana e social,
numa perspectiva inclusiva, decolonial e pluriversal.
Há rastros escravistas no cotidiano de nossas lógicas e vidas, ainda que o Ofício dos Mestres
de Capoeira e a Roda de Capoeira sejam reconhecidos e registrados como bens culturais, em 2008,
pelo Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, o IPHAN. E, a Roda de Capoeira como
patrimônio cultural imaterial da humanidade, em 2014, pela UNESCO. Tais conquistas ainda não
impactaram e/ou ressignificaram o “status” ou lugar/valor social e educacional da capoeira e de seus
detentores: mestras e mestres, professoras e professores, e a comunidade da capoeira. Permanece,
ainda, a sombra de uma marginalidade e um estereótipo produzidos historicamente desde o Brasil
colonial e escravocrata. Desse modo, uma outra percepção a respeito desse bem cultural e de seus/suas
detentores precisa ser fomentada, tendo em vista uma educação para todos e todas as cidadãs,
independente de credo, gênero, raça ou desempenho, como garante a Constituição Federal (1988) e
outros documentos/convenções.
Ocorre que, de um lado, é comum constatar, no ambiente acadêmico, a centralidade da
educação escolar e práticas educativas que desconhecem e/ou não valorizam o potencial dos saberes
patrimoniais imateriais e suas comunidades afrodiaspóricas, como é o caso da capoeira. Por outro
lado, há dificuldades para a comunidade da capoeira acessar e participar do ambiente e do
conhecimento produzido na universidade.

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Sendo assim, o intento do trabalho desenvolvido, buscou favorecer intercâmbios, diálogos e


aprendizagens mútuas entre espaços produtores e promotores de culturas, a acadêmica/escolar/formal
e a não acadêmica/não escolar/não formal. Além de, considerar necessário o reconhecimento do
potencial educativo e inclusivo dos patrimônios culturais imateriais. Tanto quanto, salvaguardar uma
cultura viva que vive e se atualiza por meio de suas comunidades, constituídas por detentores e
detentoras de saberes e rituais que zelam por um acervo (re)inventado, (re)criado, (re)significado em
território brasileiro no período colonial. Saberes e memórias de gentes africanas, ancestrais,
expatriadas e violentadas em sua condição humana, existencial e ontológica por um sistema-mundo
colonial, perverso e desumano. Entretanto, como efeito de um deslocamento compulsório e
escravocrata, laços, sociabilidades e culturas como modos de (re)existências e resistências
insurgiram, (re)matizando cosmogonias e (re)inventando diferentes práticas, como a capoeira (recorte
deste estudo), o candomblé, o jongo e outras, na escassez da condição (sub)humana imposta.
Diferentes autores, como Hall (2018) consideram a migração, forçada ou não, como uma
marca da modernidade ocidental. A noção de diáspora, originalmente atribuída ao deslocamento dos
hebreus, amplia-se, sobretudo com o fenômeno da escravidão e o tráfico de pessoas escravizadas
cruzando o Atlântico em direção às Américas. A noção derridiana de différence, cujo
conceito/significado desliza em um jogo sistemático de diferenças, num continuum, adiando a
definição ou fixação do enunciado, permite pensar a radicalidade da experiencia de migração forçada,
dos povos africanos escravizados e trazidos violentamente para o “Novo Mundo” como diaspórica.
A capoeira é um bem cultural imaterial afro-brasileiro, afrodiaspórico. E, nesse sentido,
afirma-se o reconhecimento da matriz ancestral africana em diáspora, que se atualiza nos ritos, rituais,
na musicalidade, na memória coletiva imaginada e reverenciada nas práticas e nos terreiros
instaurados para as rodas de capoeira. Terreiro aqui é um espaço simbólico, conforme defende Sodré
(2019), com respeito às práticas afrodiaspóricas, sejam as religiosas e/ou culturais, até porque os fios
se atravessam... cruzos ancestrais, ou elos de conexão com os antepassados, os que vieram antes e
nos possibilitaram estar aqui. A noção de ancestralidade é um elo conceitual que nos permite conexão,
vivência e sentimento de continuidade e pertencimento entre temporalidades que co-existem,
rompendo a lógica linear e binária da modernidade e colonialidade ocidental (LOPES e SIMAS,

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2020). Esta experiencia é comum nos terreiros e nas rodas de capoeira quando circula o axé, ainda
que sejam práticas de matriz africana distintas, as religiosas e as culturais.
Uma outra noção cara para esse trabalho são as epistemologias do sul, proposta por
Boaventura de Sousa Santos (2019), ao problematizar corolários do pensamento moderno ocidental
e abissal, como o racismo epistêmico, o epistemicídio e o eurocentrismo. As epistemologias do sul
são proposições políticas no âmbito dos saberes, oriundos das lutas e práticas sociais, posto que justiça
social implica em justiça cognitiva. Questiona a produção de ausência de gentes, saberes e culturas,
como desperdício de experiencias sociais dada a noção de neutralidade e descontextualização ética,
política e cultural na produção de conhecimentos. O mundo é pluriversal, sendo assim, o campo
educacional pode/deve se revigorar e se (re)encantar com visões e contribuições outras de mundo e
gentes, antes, historicamente invisibilizadas e descredibilizadas.

Diálogos acadêmicos e não acadêmicos

O projeto de extensão universitária “Capoeduca itinerante: interfaces entre educação e


patrimônio cultural imaterial”, foi proposto em 2017 e realizado em 2018, contemplado com apoio
da Pró Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários PREAC/PEC, edital 2017.
Estabelecemos diálogos entre saberes acadêmicos e não acadêmicos, tendo como ponto de
partida a capoeira na perspectiva de um patrimônio cultural imaterial, destacando as interfaces com a
educação e o papel d@ capoeirista como educad@r na sociedade contemporânea. Visamos contribuir
com a formação de educadores/capoeiristas, considerando como público-alvo as comunidades de
capoeira, especialmente as pessoas que ensinam a capoeira (educadores), e demais pessoas
interessadas, tematizando questões de interesse de cada comunidade. A equipe inicial foi composta
por três professoras universitárias e um graduando, e estabelecidas parcerias com lideranças e
comunidades de capoeira na Região Metropolitana de Campinas/SP, num total de seis
núcleos/espaços de trabalho com capoeira, além da participação e interlocução com Mestre Flávio
Saudade, socializando o Projeto Gingando pela Paz, realizado na República Democrática do Congo
e no Haiti, com apoio da Unicef, desde 2008.
Tomando a colonialidade como uma lógica que opera e produz efeitos materiais, epistêmicos
e simbólicos, como discute Maldonado-Torres (2019), relevante principalmente em espaços

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educacionais/formativos, a pluriversalidade e a justiça cognitiva foram premissas, inspirando as


estratégias teórico-metodológicas, a saber: a valorização da escuta para com a experiência
educacional/formativa desenvolvida nos ambientes/espaços das práticas de capoeira, a legitimidade
dos lugares, gentes e saberes, a possibilidade e potência dos diálogos horizontais entre diferentes
perspectivas - frutos das experiências, afetos e percepções de mundo..
Os recursos e procedimentos propriamente utilizados foram: itinerância/deslocamento em
diferentes comunidades/espaços de capoeira parceiros do projeto, visita prévia e conversa com
lideranças e participantes para a identificação de demandas e expectativas, documentários (recursos
audiovisuais) para mobilizar os diálogos desenvolvidos em rodas de conversa, após a projeção no dia
agendado para o encontro, produção de narrativas/registros das temáticas e reverberações produzidas
nos participantes, e avaliação em cada encontro realizado.
Foram realizados sete eventos. Quatro encontros ocorreram em diferentes espaços/núcleos de
aprendizagem da capoeira, com a discussão das respectivas temáticas identificadas previamente. Três
seminários, realizados. Dois foram com o Mestre Flávio Saudade, uma interlocução com o projeto de
capoeira “Gingando pela Paz”, com crianças e jovens em situações de vulnerabilidades em territórios
de conflitos armados. E, por fim, um seminário de encerramento do projeto, "Quando venho de
Aruanda... não venho só: capoeira e educação".

Com a finalidade de socializar o trabalho, disponibilizar as ações e registros produzidos


durante a execução do projeto, produzir memória e favorecer o acesso, criamos uma página no
facebook, disponível em https://pt-br.facebook.com/capoeducaitinerante/. Há também uma página no
site da FE/Unicamp, na galeria de memórias https://www.fe.unicamp.br/extensao/galerias/5691.
Produzimos também um documentário, disponível no Youtube em:
https://www.youtube.com/watch?v=-2sPs7Tbp5c.

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Os encontros

A seguir, a sequência dos eventos, temáticas abordadas e os materiais propostos.

1º Encontro, janeiro de 2018. Tema: história da capoeira.


Documentário: “Capoeiragem do Rio: resistência de uma cultura” (2017, 82 min.), direção de Ricardo
Hanszmann e apresentação de Mestre Russo de Caxias.
Material complementar: Dossiê “Inventário para registro e salvaguarda da Capoeira como Patrimônio
Cultural do Brasil” (IPHAN, 2007).

2º Encontro, fevereiro de 2018. Tema: Infância


Documentários:“Crianças invisíveis, episódio: Tanza” (2005, 18 min.), direção: Stefano
Veneruso, Jordan Scott, Mehdi Charef, Spike Lee, Emir Kusturica, John Woo, Ridley Scott. E, “A
invenção da infância” (2000, 26 min.); direção: Liliana Sulzbach

3º Encontro, março de 2018, Tema: Ancestralidade


Documentário: “Jogo de Corpo: Capoeira e Ancestralidade” (2013, 1h 27 min.), direção: Matthias
Assunção, Richard Pakleppa, Cinézio Peçanha. Roteiro Matthias Assunção.
Material complementar: Curta “Iê, Volta do Mundo: A ancestralidade e a oralidade no universo
cultural da capoeira” (2016, 34 min.)

4º Encontro, abril de 2018, Tema: Capoeira e Arte


Documentários: “Artes da Capoeira” (2012, 51 min.) e “FOLI: there is no movement without rhythm”
(2010, 11 min.)
Material complementar: Vídeo “Samba de Roda no Recôncavo Baiano” (2013, 11 min.) e Texto “A
Tradição Viva” (HampateBâ)

Seminário, junho de 2018. “A Capoeira em ações de proteção de crianças afetadas por conflitos
armados na região do Haiti de na República Democrática do Congo”

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Convidado: Mestre Flávio Saudade, projeto Capoeira "Gingando pela Paz"

Seminário, junho de 2018. Na escola de Capoeira IBECA, “A Capoeira em ações de proteção de


crianças afetadas por conflitos armados na região do Haiti de na República Democrática do Congo”
Convidado: Mestre Flávio Saudade, projeto Capoeira "Gingando pela Paz"

Seminário de encerramento “Quando venho de Aruanda, não venho só!”

O seminário realizou duas mesas redondas. Uma mesa redonda realizada à tarde, na Faculdade de
Educação da Unicamp/SP, no salão Nobre e outra, à noite, na Vila União/Campinas/SP, na sede do
Capoeira IBECA (um de nossos parceiros). As mesas redondas foram compostas pelas lideranças das
comunidades parceiras e uma professora universitária avaliando e socializando a experiência
produzida.

Considerações finais

Colaborar e problematizar a formação educacional de quem ensina a capoeira e das pessoas


afins, a partir de temáticas demandadas previamente como desafio e interesse de cada comunidade
parceira, foi o objetivo central do trabalho. Buscamos criar condições para possíveis deslocamentos
de percepções, pensamentos e concepções fixadas, pré-concebidas. As temáticas abordadas por meio
de recursos audiovisuais, como: história da capoeira, infância, ancestralidade, capoeira e arte, a
capoeira tomada como tecnologia social para o resgate humanitário de jovens em situações de conflito
armado, foram debatidas em rodas de conversa, a partir da sensibilidade e experiência de cada pessoa,
num clima socioafetivo acolhedor e horizontal. As avaliações dos participantes, nos encontros
realizados, destacaram que a itinerância foi um diferencial. A “universidade cruzou a ponte”, como
alguém comentou, referindo-se à relação centro-periferia, e noções de verdade (i)mobilizadas. Os
lugares de saber instituídos foram revisitados permitindo outros modos de enunciação e reflexão
coletiva, como: a capoeira numa narrativa outra, para além do treinamento corporal, num jogo ético
e político à luz do cotidiano das experiências, a capoeira como patrimônio cultural imaterial,
ancestral, e suas interfaces com a educação, ouvir uma sacerdotisa do candomblé falar sobre
ancestralidade... foram momentos únicos e mobilizadores de atravessamentos, afetos e conexões
ancestrais. A roda foi diferente: o papel/lugar do/a capoeirista como educador/a, as características da

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sociedade contemporânea, a responsabilidade com a formação humana estava em jogo. Por fim, a
capoeira nos mostrou o seu potencial múltiplo, inclusivo e intraduzível por um olhar de "fora".
Que fluxos e desdobramentos impulsionem outros modos de jogar, estar, dizer e ser capoeira,
(re) inventando horizontes e afetos outros! Axé!

Referências

BERNARDINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GROSFOGUEL, Ramón.


(Orgs.) Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. 2ª.Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Centro Gráfico, 1988.
CAPOEDUCA ITINERANTE: interfaces entre educação e patrimônio cultural imaterial. Pró-
Reitoria de Extensão e Cultura- PROEC/ Edital PEC, 2017. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=-2sPs7Tbp5c. Acesso em 21 set 2020.
LIMA, Norma Silvia Trindade. Inclusão escolar e pertencimento, cruzos a partir da experiência:
capoeira e decolonialidade. In MANTOAN, Maria Teresa Égler; LANUTI, José Eduardo de Oliveira
Evangelista (Orgs.). Todos pela inclusão escolar: dos fundamentos às práticas. Curitiba: CRV,
2021. p. 121-129.
HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. 2ª. Ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2013.
LIMA, Norma Silvia Trindade; MENDES, Jackeline Rodrigues; FERNANDES, Renata Sieiro.
Capoeira e Educação: pelo movimento, pelas narrativas e pela experiência. In: Educação, Ciência e
Cultura. v. 25, n. 2, 2020. p. 319-334.
LIMA, Norma Silvia Trindade. Capoeira: interfaces na educação e cultura. In SPIGOLON, Nima I.;
NETO, Nicola José Frattari; ATAIDE, Patrícia Costa; CASTRO, Rosa Betânia Rodrigues de. (Orgs.).
Tambores, Urucuns e Enxadas: práticas e saberes contribuindo para a formação humana. Ituiutaba:
Barlavento, 2019. p. 248-261
LIMA, Norma Silvia Trindade. ODE À CAPOEIRA: “além” mar, entre mundos e tambores. In
MANTOAN, Maria Teresa Égler (Org). Miscelâneas. LEPED; editoração, capa e digitalização:
Gustavo Machado Tomazi. Campinas, SP: Unicamp/Biblioteca central, 2016. p. 167-181
LIMA, Norma Silvia Trindade. “Narciso acha feio o que não é espelho”, ainda? In MANTOAN,
Maria Teresa Égler, (Org.) Para uma escola do século XXI. LEPED; editoração, capa e
digitalização: Gustavo Machado Tomazi. Campinas/SP. Unicamp/Biblioteca central. 2013.p. 85-96

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EMANCIPAÇÃO A FAVOR DA VIDA NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Reard Michel dos Santos 1


Soraya Corrêa Domingues 2

Resumo: A temática ambiental conquista espaço no contexto educacional como tema transversal.
Para contribuir neste debate, o presente artigo tem como objetivo entender a Educação Ambiental a
partir da abordagem da Educação da Emancipação a favor da Vida (EEV), analisada com base nas
metas e diretrizes da Carta de Belgrado. A metodologia utilizada foi do tipo pesquisa social qualitativa
que desenvolveu estudo teórico exploratório. As análises do estudo apontam como resultado deste
diálogo um conjunto de indicativos que poderá orientar o professor de educação física, referenciado
no paradigma da Ciência da Motricidade Humana (CMH), considerar as dimensões do pertencimento
ambiental, da afetividade e da experiência estética nas vivências corporais com seus estudantes.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Emancipação. Motricidade Humana.

Emancipation in favor of life in school physical education

Astract: The environmental theme conquers space in the educational context as a transversal theme.
To contribute to this debate, this article aims to understand Environmental Education from the
approach of Education of Emancipation for Life, analyzed based on the goals and guidelines of the
Belgrade Charter. The methodology used was of the qualitative social research type that developed
an exploratory theoretical study. The analysis of the study indicates as a result of this dialogue a set
of indications that can guide the physical education teacher, referenced in the paradigm of the Science
of Human Motricity, consider the dimensions of environmental belonging, affectivity and aesthetic
experience in bodily experiences with your students.
Keywords: Environmental Education. Emancipation. Human Motricity

O ser humano em movimento se caracteriza como complexo mediado por ação e comunicação
com a qual a pessoa intervém e interage com o mundo. Neste processo de intervenção e interação do
Eu-Mundo, que se constitui na cultura, a educação ocupa uma função social fundamental ao
considerarmos que o ser humano possui a capacidade de percepção amparada na intencionalidade e
na tomada de consciência, num constante processo de construção e num permanente devir, podendo
adquirir a responsabilidade frente à felicidade e ao bem-estar de todos os viventes planetários.

1
Mestre Ensino das Ciência Ambientais (PROFCIAMB-UFPR), professor de Educação Física na rede Estadual do Paraná
e da rede Municipal de Curitiba - Brasil.
2
Doutora em Educação Física – UFSC, Professora da Universidade Federal do Paraná – Departamento de Educação
Física. Curitiba, Paraná – Brasil.

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Nessa dinâmica de intervenção e interação na medida em que a consciência crítica e


fenomenológica se amplia, o ser humano consegue desenvolver uma postura que, de certa forma,
supera suas ações de intervenção para atitudes de interação, de forma que deixa enfatizar seus anseios
e necessidades como foco determinado. Neste sentido, a educação se constitui em importante veículo
capaz de propagar e debater as motivações, os meios e as consequências das ações que se realizam
em conjunto e não de forma determinista e invasora. Assim, “intervir na realidade, tarefa
incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos
adaptar a ela” (FREIRE, 2003, p.77). A capacidade de interação, mais do que intervenção, na
dinâmica da vida é reconhecida pelo respectivo autor como o nosso direito de ser. Identificando o
mundo como possibilidade, não como algo pronto e acabado, mas em movimento disponível para
novas possibilidades.
Nesta dinâmica da presença do ser humano no mundo, pela via corporal, afirma-se a
necessidade de agir, movimentar-se com potencial para Ser Mais. Conforme se apresenta o paradigma
da CMH “o ser humano, no movimento intencional e solidário da transcendência (ou superação)”
(SÉRGIO, 2019, p. 18).
Ao tratar do corpo, nosso meio de relação direta com o mundo, faz-se necessário
contextualizar com base na literatura, o movimento humano. Sendo o corpo e o movimento humano
o foco de estudo do componente curricular da Educação Física, utilizaremos nesta investigação o
entendimento a partir dos pressupostos da CMH, apresentada por Manuel Sérgio.
O motivo de escolher a CMH se dá, pela intenção de revisitar esta teoria que há mais de trinta
e cinco anos está presente em solo brasileiro. Esta proposta educativa vem conquistando o seu espaço
como ciência que aponta para o ser humano em sua globalidade, e não só para o físico, pois entende
que o movimento exige a participação de uma complexidade e não tão-só de uma das partes desta
complexidade.
Compreender o corpo em movimento, ou seja, o ser humano pelo viés da Motricidade Humana
se faz imprescindível, para o contexto educacional se sustentar em uma concepção de ambiente no
qual estamos inseridos. Nesse sentido, optamos pela proposta da Educação da Emancipação a favor
da Vida (KEIM, 2019). Essa abordagem se refere ao que é conhecido como Educação Ambiental, e
tem o propósito de consolidar a relação humana com os ambientes planetários, movido pela

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amorosidade e dignidade, constituindo-se como postura de responsabilidade com a vida, cujo


processo está em constante metamorfose.
Nesse estudo, debatemos em que medida a Educação da Emancipação a favor da Vida (EEV)
se caracteriza como possibilidade educativa na temática ambiental. Para realizar esse debate
utilizamos como categoria de análise as metas e princípios da Carta Belgrado (UNESCO, 1975). A
Carta de Belgrado foi o documento que impulsionou na década de 1970 a Educação Ambiental em
diversos países, inclusive o Brasil. Outro fator pela escolha desse documento é o fato dele alcançar
aspectos para debater os sistemas econômicos de produção e distribuição com foco nas
responsabilidades próprias do capital e não do humano e da vida como um todo (SANTOS, 2019,
p.57).
Sendo assim, os resultados deste estudo apresentam um conjunto de indicativos que poderá
orientar os professores de educação física, referenciado no paradigma da CMH, a qual se fundamenta
na visão sistêmica do ser humano, da sociedade e da natureza em uma perspectiva crítica e
fenomenológica.

Educação da emancipação a favor da vida: os meios e possibilidades de fazer valer a vida com
dignidade.

A Educação da Emancipação a favor da Vida (EEV), aqui compreendida como Educação


Ambiental, direciona o foco na reflexão sobre a responsabilidade dos humanos com a vida, na
perspectiva de reconhecer o que significa emancipar e o que significa vida com dignidade. Essa
abordagem é decorrente de quarenta anos de reflexão e investigação do professor e Dr. Ernesto Jacob
Keim referente ao tema, iniciada em 1981 quando, ao cursar mestrado em educação na UFRJ,
investigou o tema “A questão ambiental nos livros didáticos de ciências”.
A EEV traz para a educação a dimensão epistemológica e ontológica referendada nas relações
de poder, na ética, no cuidado, na alteridade e na dignidade com a vida planetária. Os referenciais
teóricos que fundamentam esta proposta de educação estão na pedagogia freiriana, na educação anti-
colonial, na fenomenologia Schiller-Goethiana e nos princípios ECO-VITAIS (KEIM, 2021a).
Nessa abordagem educativa a palavra emancipação da pessoa para priorizar a vida, é
compreendida pelo seu sentido e significado conforme aponta a sua constituição na língua portuguesa
em três partes, um prefixo “e” um radical “manus” e um sufixo “ação”, sendo que o prefixo “e”

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corresponde a uma intencionalidade afirmativa, manus na língua latina significa mãos e ação significa
atitude, assim, emancipação significa atitude afirmativa com suas próprias mãos (KEIM, 2020, p.
46).
Emancipação também pode significar algo como eu sou capaz de realizar o que é melhor e
mais adequado para minha vida, cabendo ainda, numa posição de enfrentamento a um opressor,
apontar que ela se manifesta como a determinação para que “tire a mão de mim” (KEIM, 2020, p.46).
No percurso de aprofundar a compreensão do que significa essa expressão, o professor e
pesquisador traz a explicação da língua alemã, que tem destaque no debate de expressões de cunho
filosófico, o destaque de que emancipação é escrita como Mündigslichtkeit, a qual ao ser fracionada,
também em três partes aponta Mündig que correspondente a maioridade, licht que significa luz a qual
ao ser acrescida do sufixo keit, significa ato luminoso, então emancipação significa maioridade
luminosa (KEIM, 2020, p.46).
Assim, esta abordagem educativa emancipatória se caracteriza um convite para o desafio dos
envolvidos no processo educativo exercitarem a maioridade luminosa com o domínio diante do que
as mãos fazem, e como elas interagem para consolidar vida com dignidade.
Nesse sentido, dialogamos com (Freire, 2005), que aponta a dimensão ontológica do ser
humano como seres que se educam, pois se apresentam como geradores e promotores de libertação e
autonomia, com vocação para Ser Mais a favor da vida com dignidade, pois são: incompletos, porque
estão em permanente relação; inacabados, por saberem que sempre podem ser diferente; e
inconclusos, por saberem que estão em permanente processo de ecorreorganização (desorganização
e organização) nas relações sociais e planetárias.
Nos aspectos referentes à posição de educação anticolonial, os argumentos que explicam a
colonização como processo, em que um agente externo impõe suas marcas, de forma a serem elas as
que devem ser seguidas, normalmente para ganhar alguma vantagem (KEIM, 2021c, p. 23). Assim,
diante do processo colonialista, a cultura e a cosmovisão do colonizador são propagadas pelo
colonizado, o qual muitas vezes não se dá conta de estar exercendo essa função de multiplicador e
repassador da visão e desejos do colonizador.
Com base nessas premissas destacamos três referenciais que sinalizam como um processo de
educação anticolonial pode romper com padrões postos pelo projeto colonizador, na medida em que:

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• ...valoriza as pessoas para superar as diferenças de classes. De forma que a escola deva
mediar essa posição social e adequar a sociedade ao homem e não o homem à sociedade.
• ...estimula cada pessoa a se compreender como alguém, que está a todo tempo construindo
seu próprio caminho. O ser humano, no processo anticolonial está em caminho de si próprio.
• ...pode emancipar o ser humano para a dimensão planetária de forma a se comprometer com
a vida, se colocando como parte, e não como o centro de todo o processo vital. (KEIM, 2021c,
p. 23)

A EEV se referencia, também, na fenomenologia de Friedrich Schiller e Johann W. von


Goethe, o que implica em compreender a educação como processo de refinamento do ser humano, no
sentido de aprimorar suas posturas diante da vida (SANTOS, 2019, p. 46). Neste processo de
humanização, entendemos que ela se consolida na medida em que cada pessoa busca compreender
que viver é ampliar sua sensibilidade quanto aos potenciais de relação e de responsabilidade inerentes
à interação com tudo que está em volta, ou seja, estamos constantemente em processo de
aprendizagem com o mundo.
Na sinergia da EEV com o processo de aprendizagem com o mundo pela Educação Motora
ou Corporal, expressa-se na tríade intensificação, sensibilização e ritmo, princípio de humanização
da fenomenologia Schiller-Goethiana (SANTOS, 2019 p.87). Esse princípio é representado pela
expressão Steigerung, no idioma alemão, e que é compreendido na língua portuguesa com a expressão
Paranauê (KEIM, 2021), pelo fato de ela apontar para a dança da Capoeira, que está implicada com
seus referenciais, ou seja: intensificação, sensibilização e ritmo
Essa posição se referencia na perspectiva de que a ação humana junto à natureza se
desenvolve a partir da intensificação, da sensibilização e da percepção e acolhida do ritmo,
com que cada elemento que constitui a natureza se manifesta diferentemente a cada momento,
e a cada evento como possibilidade de interação, altamente complexa e caótica (KEIM,
2021b, apr. 3.1 slide 08).

Os Princípios ECO-VITAIS, outro referencial da EEV, surgem da necessidade de apontar


aspectos fundamentais para disponibilizar a todos os humanos, recursos necessários à vida digna e
plena. Ernesto Jacob Keim com a colaboração de Leonardo Boff, desenvolveram esses referenciais
para uma vida digna que atenda à condição ontológica e existencial das pessoas e dos demais
integrantes ambientais. Esses princípios são aspectos dos quais não se pode abrir mão, sendo uma
proposição que referenda a condição humana como “ser de direito”, inalienável, para que todas as
pessoas possam usufruir com dignidade de: Alimento, Abrigo, Ocupação, Afeto, Partilha, Cuidado,
Pertencimento e Espiritualidade (KEIM, 2021d).

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Nesse conjunto de referências, a EEV se apresenta como uma abordagem educativa e


Emancipatória, em síntese, caracteriza-se no exercício cognitivo que tem como foco educar o olhar
para o outro e para o mundo, na tentativa de superar a visão egocêntrica que gera preconceitos e
exclusão. A educação nessa perspectiva, consolida-se na medida em que cada pessoa busca
compreender que viver é ampliar sua sensibilidade quanto aos potenciais de relação e de
responsabilidade inerentes à interação com tudo que está em volta, ou seja, estamos constantemente
em processo educativo com o mundo.

A Ciência Motricidade Humana como referencial para contexto da Educação Física Escolar

A Ciência da Motricidade Humana floresce com as inquietações do filósofo e pesquisador


lusitano Manuel Sérgio Vieira e Cunha, ao apresentar sua tese de doutoramento, intitulada “Para
uma Epistemologia da Motricidade Humana” pelo Instituto Superior de Educação Física da
Universidade Técnica de Lisboa, em 1986. Essa abordagem visa à superação da dualidade corpo e
mente presente nas interpretações das ciências do homem. O referido pesquisador propõe com a
Ciência da Motricidade Humana, a transição do paradigma cartesiano, disjuntivo e simplificador,
rumo ao paradigma sistêmico, no qual o movimento humano ganha sentido “desde que neles se
construam espaços onde o ser humano se forma pessoa, isto é, se reconheça como consciência e
liberdade e ainda capaz de transcendência” (SERGIO, 2019, p.125).
Diante das contribuições da teoria da Motricidade Humana em território brasileiro, a
professora e pesquisadora paranaense Ana Maria Pereira, doutora em Ciências do Desporto pela
Universidade da Beira Interior – Portugal, em seus estudos, entende que a CMH tem seus
pressupostos na fenomenologia, no pensamento complexo e no materialismo histórico dialético,
configurando-se como um método integrativo de pesquisa científica.
A CMH supera a visão reducionista da Educação Física, apresentando-se com a perspectiva
bio-psico-sócio-filosófica que visa a transcendência (Pereira, 2011, p.378), isto é, agir para ser mais.
A Motricidade Humana efetiva uma ruptura abissal, ou seja, um corte epistemológico com a
Educação Física, porque promove a passagem do físico tão-só à complexidade humana,
considerando o movimento intencional da transcendência, ao mesmo tempo em que sublinha
a intencionalidade operante, que emerge da essência e da existência da pessoa humana, ser-
agente-encarnado inserido no mundo (PEREIRA, 2011, p.378).

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Na Educação Motora, ramo pedagógico da CMH, o movimento se caracteriza como status


ontológico, em busca incessante da transcendência, em que a pessoa tem ensejo de pôr à prova suas
qualidades físicas e a sagacidade, a perspicácia, a inventividade, a afetividade, a inteligência, entre
outras capacidades humanas (Sérgio, 1995, p.58).
[...] porque no movimento da transcendência o praticante se sente permanentemente
inacabado, ele está em incessante diáspora, ele pratica, não uma disciplina, mas uma in-
disciplina – uma disciplina que nos remete ao corpo no ato poético da criatividade. A
motricidade humana é bem a expressão corporal da incompletude! (SÉRGIO, 1995, p. 58).

João Batista Freire, um dos precursores da Ciência da Motricidade Humana no Brasil,


apresenta a sua compreensão da teoria em palestra proferida no Colóquio Internacional Professor
Manuel Sérgio: Obra e Pensamento (Freire, 2017).
Na introdução da conferência, João Batista Freire inicia questionando quantas horas uma
criança passa todos os dias sentada, posição estabelecida socialmente, em uma sala de aula.
Considerando quatro horas diária, duzentos dias letivos, por doze anos (ensino fundamental e ensino
médio), o referido pesquisador e professor constata que a escola nega o corpo que somos. Segundo
ele, impor que os estudantes, nessas nove mil e seiscentas horas, permaneçam em sua maior parte do
tempo ocupando o espaço de um metro quadrado, é um crime que conta com a conivência de nós
adultos (Freire, 2017).
Quanto à concepção de corpo da sociedade ocidental, (Freire, 2017) evidencia a visão
dualista, temos um corpo. Com base neste posicionamento, o conferencista apresenta o conceito que
Manuel Sérgio defende, “nós não temos um corpo, somos corpo”. Tal posicionamento se justifica no
argumento que para estar neste mundo e manifestar a vida do que somos dotados, precisamos ser
corpo, precisamos encarnar e para realizar a intenção de viver, nosso desígnio primordial, precisamos
nos mover, sendo na motricidade que se realiza a vida.
Essa perspectiva, no chão da escola, nas aulas de Educação Física com base no paradigma da
Motricidade Humana, orientado pela abordagem da EEV visa educar as pessoas para viverem
corporalmente, em que as interações (tempo, espaço e conhecimento) se caracterizam como num
laboratório de reconhecimento do potencial de pertencimento, visto que cada aula pode favorecer a
realização do movimento intencional e solidário da transcendência. Sendo este o sentido das aulas de
Educação Motora que são “[...] difíceis e belas, onde se cria e convive com a incerteza, com a

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inquietação, com o sonho, com a alegria, com a gratuidade, com a vontade de ir mais além” (SÉRGIO,
1995, p. 62).

A Educação da Emancipação a favor da Vida e a Carta de Belgrado

A Carta de Belgrado (UNESCO, 1975), foi elaborada na conclusão do seminário realizado na


Iugoslávia, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) e o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).
Quanto ao conteúdo do documento, apresenta-se a situação da problemática ambiental,
evidenciando a preocupação com o crescimento e um progresso tecnológico, trazendo benefícios a
muitas pessoas, porém com graves consequências ambientais. A Carta, destaca o aumento das
desigualdades entre ricos e pobres, entre as nações dentro delas e a crescente degradação ambiental,
sob diferentes formas, em escala mundial.
Diante das declarações dos representantes mundiais, neste documento se pede um novo
conceito de desenvolvimento que não tenham repercussões prejudiciais para as pessoas, para seu
ambiente, nem para suas condições de vida. Clama-se um desenvolvimento que leve em consideração
a satisfação e necessidades e os desejos de todos os habitantes da Terra e o equilíbrio entre o homem
e o ambiente. Busca-se, assim, a erradicação das causas básicas da pobreza, da fome, do
analfabetismo, da contaminação, da exploração e da dominação, detalhe, problemática de 1975. O
documento clama:
Por uma nova ética global, uma ética dos indivíduos, e da sociedade que corresponda ao lugar
do homem na biosfera; uma ética que reconheça e responda com sensibilidade as relações
complexas, e em contínua evolução, entre o homem e a natureza e com seus similares
(UNESCO, 1975, p.01).

Nesse estudo, optamos pela Carta de Belgrado como referencial das temáticas ambientais, por
considerar que este documento, como dito antes, alcança aspectos para debater os sistemas
econômicos de produção e distribuição, com foco nas responsabilidades próprias do capital e não do
humano e da vida como um todo.
O resultado desse estudo teórico exploratório (Gil, 2008, p.27), sintetizado nos quadros 01 e
02, apresentam as sinergias dos pressupostos da Educação da Emancipação a Favor da Vida com as
Metas e Diretrizes Básica da Educação Ambiental elencadas na Carta da Belgrado (UNESCO, 1975).

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Quadro 01 - Meta da Educação Ambiental - Carta de Belgrado e a Meta da Educação da


Emancipação a favor da Vida:

Meta da Educação Ambiental conforme a Carta de Belgrado:


Formar uma população mundial consciente e preocupada com o meio ambiente e com os problemas associados, e que
tenha conhecimento, aptidão, atitude, motivação e compromisso para trabalhar individual e coletivamente na busca de
soluções para os problemas existentes e para prevenir novos.

Meta: Educação da Emancipação a favor da Vida:


Educar com foco no refinamento das pessoas, desencadeando ações e posturas de libertação, autonomia e criatividade,
com resistência à barbárie e a desumanização, presente em nosso contexto civilizatório, ou seja, no cotidiano de nossas
vidas, com base em uma ontologia planetária como Ser no Mundo, com vocação de Ser Mais, movidos para e pela
responsabilidade, dignidade e amorosidade, em constante processo de metamorfose.

Fonte: SANTOS, 2019 p.84

Identificamos neste diálogo que ambas as metas almejam educar pessoas com uma
consciência planetária, trazendo a compreensão de que todos, humanos e não humanos, compartilham
da vida na biosfera terrestre. Diante das demandas preocupantes de degradação do planeta, o modo e
a forma como interagimos com base em conhecimento, aptidão, atitude, motivação e compromisso
para agir com responsabilidade, dignidade e amorosidade com vocação de Ser Mais. Assim, almeja-
se educar pessoas na busca por soluções para superar os problemas existentes e superar a nós mesmos,
individual e coletivamente, construindo um ser humano melhor, mais fraterno, mais gentil, mais
amoroso (consigo mesmo, com o outro e com o ambiente) a favor da vida com dignidade.
Apesar dessa sinergia, cabe destacar no quadro 02 aspectos que delineiam interações e
complementarizações entre essas duas propostas de forma que a dimensão epistemológica e
ontológica, referendada nas relações de poder, na ética, no cuidado, na alteridade e na dignidade com
a vida planetária, configurem a educação como processo contínuo que acontece em interação
constante nos diferentes ambientes de convivência no percurso de toda a existência materializada da
pessoa.
Quadro 02- Diretrizes Básicas da Carta de Belgrado e os Pressupostos da Educação da
Emancipação a favor da Vida:

Diretrizes Básicas dos Programas de Educação Comparações com os pressupostos da EEV:


Ambiental, conforme a Carta de Belgrado:

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A Educação Ambiental deve considerar o ambiente em A EEV se refere a que devemos aprender com os
sua totalidade – natural e criado pelo homem, ecológico, ambientes e com a vida. Considerando o ambiente em sua
econômico, tecnológico, social, legislativo, cultural e totalidade - natural e criado pelo homem, ecológico,
estético. econômico, tecnológico, social, legislativo, cultural,
estético, acrescido do político, religioso e da corporeidade.

A Educação Ambiental deve ser um processo contínuo, A EEV é compreendida como um processo contínuo,
permanente, tanto dentro como fora da escola. permanente, tanto dentro como fora da escola, em que se
configura uma postura de cada pessoa diante da interação
com a vida.

A Educação Ambiental deve adotar um método A EEV adota o método disciplinar, multi e o
interdisciplinar. transdisciplinar.

A Educação Ambiental deve enfatizar a participação A EEV enfatiza a participação ativa na prevenção e solução
ativa na prevenção e solução dos problemas ambientais. dos problemas ambientais, considerando a necessidade de
nos reconhecermos, também, como ser político, consciente
das forças e poderes que sofre e exerce para então promover
mudanças no modelo civilizatório no qual estamos imerso.

A Educação Ambiental deve examinar as principais A EEV aponta para o desafio de construção da cidadania
questões ambientais em uma perspectiva mundial, planetária, referenciada nos Princípios ECO-VITAIS como
considerando, ao mesmo tempo, as diferenças regionais. exigência primária em disponibilizar a todos os humanos
recursos necessários à vida digna e plena (abrigo, ocupação,
afeto, partilha, cuidado, pertencimento e espiritualidade).

A Educação Ambiental deve se basear nas condições A EEV se baseia na realidade concreta para modificá-la a
ambientais atuais e futuras. favor da vida com dignidade, considerando dilemas e
desafios pautados no social, na materialidade e na
historicidade. Emancipar o ser humano para a dimensão
planetária de forma a se comprometer com a vida, se
colocando como parte, e não como o centro de todo o
processo vital.

A Educação Ambiental deve examinar todo o A EEV examina todo o desenvolvimento e crescimento a
desenvolvimento e crescimento a partir do ponto de vista partir do ponto de vista ambiental e de garantia dos
ambiental. Princípios ECO-VITAIS a todos os humanos.

A Educação Ambiental deve promover o valor e a A EEV valoriza o coletivo, de modo participativo, com
necessidade da cooperação a nível local, nacional e capacidade de gerar mudanças, para uma vida planetária
internacional, na solução dos problemas ambientais. com menos miséria e menos exclusões e com respeito ao
uso dos recursos naturais.

Fonte: SANTOS, 2019, p.86.

Com base nas análises dos quadros comparativos, constatamos que a proposta da Educação
da Emancipação a favor da Vida contemplam os propósitos educativos da Carta de Belgrado,
documento que impulsionou o movimento da Educação Ambiental na década de 1970. Assim a EEV,

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caracteriza-se como proposta de educação que pode desencadear novos conhecimentos, habilidades,
competências, valores e atitudes, ou seja, educar na construção de novas posturas diante da vida para
um bem viver as gerações contemporâneas e futuras.
Assim, a publicação desse quadro pode contribuir para que os professores de Educação Física
e das demais áreas do conhecimento, reflitam criticamente sobre a forma como a abordagem da EEV
possa ampliar o entendimento das competências com foco na humanização e na postura de
responsabilidade com a vida, desencadeada pelas ações educativas no ambiente escolar. Cabe
destacar que esse material é apenas referencial para reflexão que pode gerar mudanças nas ações
educativas escolares, para promover ações que ampliem a consciência da responsabilidade com a vida
planetária

Apontamentos Conclusivos

Motivada em desencadear ações educativas e emancipatórias, a perspectiva da Educação da


Emancipação a favor da Vida, refere-se ao conhecimento que almeja superar a concepção de
Educação Ambiental preservacionista, e o olhar fragmentário nas relações entre o ser humano, a
sociedade e a natureza. Entender o ser humano na sua integralidade passa ser o desafio apontado no
estudo.
Com base no levantamento teórico e nas análises realizadas, a respectiva investigação aponta
para educação no contexto escolar em uma lógica de valorização da existência humana permeada pela
postura de responsabilização, mediante ao processo de emancipação e libertação a favor da vida com
dignidade. Nessa perspectiva a educação se caracteriza uma possibilidade de reconhecer em cada
pessoa o potencial de inteligência, intuição, criatividade, autonomia e responsabilidade.
Nesse mesmo sentido, mas voltado para Educação Motora ou Corporal, os indicativos deste
estudo apontam para uma educação que valoriza o movimento humano como processo dinâmico de
aquisição do saber, de construção da saúde, de despertar potencialidades adormecidas e de descoberta
de nós mesmo, do outro e do ambiente.

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POR ENTRE VÊNUS PALEOLÍTICAS, RUBENS E BOTERO: O DISCURSO


IMAGÉTICO GORDO COMO ALAVANCA DE REPRESENTATIVIDADE E
SAÚDE MENTAL

Analu Steffen 1

Resumo: O preconceito e a discriminação contra o gordo ainda são predominantes na sociedade


contemporânea, que enaltece um corpo “sadio”, atlético e magro. O gordo é visto como lerdo,
propenso a doenças, incapaz e exemplo de anomalia. Assim, questiona-se: COMO A FRUIÇÃO DA
REPRESENTAÇÃO DO CORPO GORDO NAS ARTES VISUAIS PODE ATUAR NO
RECONHECIMENTO IDENTITÁRIO DE GORDOS E NÃO GORDOS? O projeto aqui descrito
deseja analisar o discurso imagético gordo através de produções artísticas como processo de produção
identitária saudável, partindo das esculturas paleolíticas e as produções de Rubens e Botero e
identificando outras possíveis manifestações no universo das Artes Visuais, assim como mapear a
trajetória social do corpo gordo na história, além de refletir sobre as questões de saúde subjacentes à
obesidade. Prevê-se o desenvolvimento de um laboratório de fruição estética e criação artística com
alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, produzindo documentos para análise através das
produções visuais e depoimentos dos participantes. A partir daí, averiguar a importância da percepção
do corpo gordo como DIFERENÇA e não como ANOMALIA no reconhecimento identitário da
pessoa gorda, diminuindo os impactos da pressão social. É possível elaborar a hipótese de que, ao se
verem reconhecidos em produções artísticas dos mais diversos tempos e espaços, consigam – gordos
e não gordos – reelaborarem suas identidades de forma saudável, compreendendo a construção social
do corpo como fenômeno arbitrário.
Palavras-chave: Representatividade. Corpo gordo. Artes visuais. Saúde mental.

Through paleolithic Venus, Rubens and Botero: fat imagetic discourse as a lever for
representativity and mental health.

Astract: Prejudice and discrimination against the fat body is still a predominant constant in modern
society, one which glorifies the lean and athletic, “healthy” body type. Overweight people are seen
as slow, unable, prone to sickness and an example of abnormality. Therefore, it is questioned: HOW
CAN A SUCCESSFUL REPRESENTATION OF THE FAT BODY IN VISUAL ARTS
INFLUENCE IDENTITY RECOGNITION OF BOTH FAT AND NON-FAT PEOPLE? The project
here described aims to analyze the visual discourse of the fat body type through artistic production as
a healthy means of identity development, starting at paleolithic sculptures and the works of Rubens
and Botero, and identifying other possible manifestations of such within the universe of visual arts,
as well as mapping the social trajectory of the fat body through history, while also reflecting upon the
health issues tied to obesity. The development of a laboratory dedicated to aesthetic enjoyment and
artistic creation by students of the final grades of elementary school, one which will produce

1
Colégio Pedro II, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

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documents for analysis through the visual productions and reports from the participants, is foreseen.
From there, the project will ascertain the importance of perceiving the fat body as a DIFFERENCE –
not an ANOMALY – in the identity recognition of the fat person, decreasing the impacts of social
pressure. It is possible to elaborate the hypothesis that, in seeing themselves recognized in artistic
productions of most diverse eras and places throughout space and time, both fat and non-fat people
can restructure their identities in a healthy manner, comprehending the social construct of the ideal
body as an arbitrary phenomenon.
Keywords: Representation. Fat body. Visual arts. Mental health.

INTRODUÇÃO

O preconceito e a discriminação contra o gordo ainda são predominantes na sociedade


contemporânea, que enaltece um corpo “sadio”, atlético e magro. O gordo é visto como lerdo,
propenso a doenças, incapaz e exemplo de anomalia. O ambiente escolar é um lugar onde tais
manifestações são comuns e preocupantes, por poderem causar danos à saúde física e mental dos
estudantes. Refletindo sobre a possibilidade de desestabilização desta realidade é que nasce a
problemática da presente pesquisa:
COMO A FRUIÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES DO CORPO GORDO NAS ARTES
VISUAIS PODE ATUAR NO RECONHECIMENTO IDENTITÁRIO DE GORDOS E NÃO
GORDOS NA ESCOLA BÁSICA, CONTRIBUINDO PARA O FORTALECIMENTO DE SUA
SAÚDE MENTAL?
Tem-se como objetivo geral da pesquisa:

• Analisar o discurso imagético gordo através de produções artísticas como


processo de produção identitária saudável na escola básica.

Os objetivos específicos:

1- Identificar artistas/obras/contextos que representem o corpo gordo nas Artes


Visuais e demonstrem sua representatividade social;
2- Promover experiências de fruição estética e criação artística relacionadas à
representação do corpo gordo com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental do Colégio
Pedro II, Campus São Cristóvão II, na cidade do Rio de Janeiro;

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3- Avaliar de que forma a fruição de obras de arte que representam o corpo gordo
podem atuar no processo de produção identitária saudável.

Prevê-se o desenvolvimento de um laboratório de fruição estética e criação artística visual


com ênfase na representação do corpo gordo com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental do
Campus São Cristóvão II, no Colégio Pedro II, com encontros semanais no contraturno. Objetiva-se
produzir documentos para análise através das produções visuais e depoimentos orais e escritos dos
participantes.
A partir daí, averiguar a importância da percepção do corpo gordo como DIFERENÇA e não
como ANOMALIA no processo de reconhecimento identitário da pessoa gorda, diminuindo os
impactos da pressão social e fortalecendo sua saúde mental.
É possível elaborar a hipótese de que, ao se verem reconhecidos em produções artísticas dos
mais diversos tempos e espaços, eleitos como objetos ilustres de representação, consigam – gordos e
não gordos – reelaborarem suas identidades de forma saudável e equilibrada, compreendendo a
construção social do corpo como fenômeno arbitrário.

PROCESSO METODOLÓGICO

O presente projeto de pesquisa parte da busca por referenciais teóricos que dêem conta, como
leitura preliminar, de situar e esclarecer o contexto do corpo gordo como objeto de pesquisa, em
especial as suas formas de representação visual.
Importante salientar que, como pesquisadora, também estou inserida neste universo, tendo
sido obesa desde a infância e realizado cirurgia bariátrica quando adulta, por ter atingido a obesidade
mórbida. A cirurgia, na ocasião, foi uma escolha visando aumentar as chances de engravidar e passar
por uma gestação com menores riscos de complicações. Hoje ainda conservo um corpo gordo, dentro
dos padrões numéricos estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), na medição de
massa corpórea (IMC). Segundo GOLDENBERG (2003,p.19), “os cientistas sociais que pesquisam
as ações sociais de outros indivíduos e deles próprios, são sujeito e objeto de sua pesquisa”. Assim,
minha experiência pessoal servirá como motivação para o desenvolvimento da pesquisa e como
suporte para a produção de hipóteses.

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Tendo como objetivo geral do projeto analisar o discurso imagético gordo através de
produções artísticas como processo de produção identitária saudável, é salutar observar como se
desdobrarão os objetivos específicos e a metodologia utilizada para alcançá-los, as quais
possibilitarão granjear os resultados esperados para a pesquisa.
A princípio, é necessário identificar artistas/obras/contextos que apresentem a representação
do corpo gordo nas Artes Visuais, o que será investigado através de pesquisa bibliográfica e análise
documental, elencando tais dados principalmente ao longo da História da Arte. Não só a pesquisa
bibliográfica clássica será um ferramental utilizado, mas também narrativas visuais contemporâneas
e manifestações artísticas não acadêmicas. Além dos autores consagrados nesta área, buscar-se-ão
informações através de pesquisas em ambientes virtuais e outros tipos de catalogações, além de
mostras, feiras e exposições de arte.
Além da trajetória de representação visual do corpo gordo, será necessário verificar a presença
e representatividade social do gordo na história do corpo, o que ocorrerá através do levantamento de
dados bibliográficos sobre o assunto, em especial os vinculados às áreas da História, Sociologia,
Filosofia, Antropologia e Saúde.
Howard Becker (apud GOLDENBERG, 2003, p.57), admite que
no lugar de procedimentos uniformes, prefere um modelo artesanal de ciência, no qual cada
pesquisador produz as teorias e técnicas necessárias para o trabalho que está sendo feito. Os
cientistas sociais podem e devem improvisar soluções para os seus problemas de pesquisa,
sentindo-se livres para inventar os métodos capazes de responder às suas questões.

Sendo assim, o projeto prevê a implantação de um laboratório de fruição estética e criação


artística, onde os jovens estudantes gordos e não gordos dos anos finais do Ensino Fundamental do
Campus de São Cristóvão II do Colégio Pedro II, participarão de oficinas com a temática. Fundado
em 1837, o Colégio Pedro II é a única Instituição de Ensino Federal que oferece atendimento desde
a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Médio Técnico, Educação de Jovens
e Adultos, Graduação, Especialização, Residência Docente e Mestrado Profissional, contando com
14 campi distribuídos pela cidade do Rio de Janeiro, além de Niterói e Duque de Caxias.
As oficinas serão oferecidas no contraturno, com duração de dois tempos de aula regulares
(total de 80 minutos semanais), para estudantes que manifestem o desejo de participar das dinâmicas
de fruição estética. Estas oficinas se caracterizarão pelo favorecimento e aprofundamento da leitura

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visual de manifestações artísticas envolvendo a representação do corpo gordo, assim como o


desenvolvimento de práticas de criação artística abarcando diferentes técnicas e procedimentos.
As produções visuais e escritas resultantes das oficinas serão compartilhadas entre os
participantes através de avaliações coletivas que discutirão não só as propriedades visuais dos
trabalhos, como também as motivações e impressões pessoais que impulsionaram a sua criação.
Durante a avaliação coletiva, os discursos orais também serão coletados e analisados como fonte de
dados para a pesquisa.
Existe a intenção de entrevistar pessoas gordas e não gordas, observando que todas, de alguma
forma, já tiveram ou ainda mantém envolvimento com o ambiente escolar. Isto caracterizaria uma
pesquisa de campo qualitativa, em que “a preocupação do pesquisador não é com a representação
numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de
uma instituição, de uma trajetória etc.” (GOLDENBERG, 2003, p.14)
Considerando que até aqui tratamos de demonstrar as ideias delineadoras da pesquisa e a
forma metodológica com a qual será colocada em prática, é tempo de abordar alguns fundamentos
teóricos que sustentarão o estudo.

Gordo ou obeso?

A utilização do termo gordo, na pesquisa, vem assinalar a diferenciação do termo obeso, que
está intrinsecamente ligado à medicina, desde que a American Medical Association (AMA)
reconheceu oficialmente, em 2013, a obesidade como doença. Assim, passou a ser considerado como
obeso todo indivíduo com IMC acima de 30, estabelecendo-se uma marcação numérica como critério
de classificação como “doentes” ou “saudáveis”. (SANT’ANNA, 2016)
A autora afirma ainda que
a invenção da epidemia da obesidade acabou por transformar os corpos obesos em objetos
passíveis de superação, como se eles fossem entulho tóxico que precisa de purificação e,
sobretudo, submissão incessante à vigilância dos pesos e medidas. Medicalizar a obesidade
corresponderia assim ao estabelecimento de indivíduos ‘sanitariamente corretos’ para os
quais todos os tipos de sofrimento são interpretados como doença. (2016, p.166-167)
Dessa forma, utilizar-se-ão aqui os conceitos gordo e corpo gordo, visando a dissociação e
dessubjugação desses corpos em relação ao entendimento de corpo doente.

Por quê vênus paleolíticas, Rubens e Botero?

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O título do projeto se refere a três manifestações específicas no campo das artes visuais, de
tempo e espaços distintos. Elegê-las como base deve-se ao fato de que sua popularidade como
representações artísticas do corpo gordo é notável. A forma como o título está articulado, entretanto,
dá margem à compreensão de que muitas outras citações poderão e farão parte de análises estéticas e
teóricas e comporão o acervo de obras/artistas/manifestações visuais trabalhadas no laboratório de
fruição estética e criação artística. Quando se intitula o projeto como : “Por entre vênus paleolíticas,
Rubens e Botero: o discurso imagético gordo como alavanca de representatividade e saúde mental”,
a expressão “por entre” já ´demonstra que existirão variantes além dos descritos no título.
As três representações de corpos gordos correspondem às manifestações/artistas elencados no
título do projeto de pesquisa. Em ordem: a “Vênus de Willendorf’ (Figura 1), esculpida no Paleolítico;
a obra “Bacanal”, de Rubens, artista do Barroco Flamengo (Figura 2) e “Banhista na praia”, do artista
colombiano contemporâneo Fernando Botero (Figura 3).

Figura 1 – Vênus de Willendorf

Fonte: https://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2018/03/facebook-se-desculpa-apos-
censura-de-venus-do-paleolitico.shtml
Figura 2 – Bacanal (1615), Pedro Paulo Rubens (1577-1640)

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Fonce: Visualizado em 25/02/2020,


https://www.meisterdrucke.pt/impressoes-artisticas-
sofisticadas/Peter-Paul-Rubens/19051/Bacanal.html.

Figura 12 – Banhista na praia (2001), Fernando Botero (1932- )

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Ao observarmos as obras, construídas em épocas tão distintas na história, podemos perceber


o quanto apresentam em comum: a mulher costuma deter o protagonismo da cena com suas formas
voluptuosas, não raro estabelecendo relação com a maternidade, como é o caso das duas primeiras
representações.
As vênus do Paleolítico, segundo os especialistas, aparecem como a representação da
fertilidade, saúde e bem-estar e acredita-se que serviam como amuleto. Rubens transforma gordura
em movimento e sensualidade barrocos: homens e mulheres volumosos se entrelaçam nas obras
exibindo seus corpos nus como divindades. Botero, apesar de afirmar que não pinta corpos gordos,
utiliza os volumes e curvas como recurso formal para embelezamento em suas composições.
Assim, através da fruição estética desses e de outros artistas e obras que representam o corpo
gordo e da produção artística de jovens estudantes do Campus São Cristóvão II do Colégio Pedro II,
espera-se poder observar um expressivo e saudável reconhecimento identitário de gordos e não
gordos, podendo comemorar a diferença entre os corpos no ambiente escolar.

O que é “fruição” estética?

BARBOSA (2002, p. 32) afirma que “o que a arte na escola principalmente pretende é formar
o conhecedor, fruidor, decodificador da obra de arte. (...) O conhecimento em artes se dá na
intersecção da experimentação, da decodificação e da informação.”
O que a arte/educadora Ana Mae vinha propondo, já na década de 80, era que o ensino de
artes nas escolas formasse o fruidor de arte. Não o artista, tampouco um observador superficial das
manifestações artísticas visuais. O fruidor de arte seria aquele que, utilizando o significado da palavra
“fruir” presente nos dicionários, tomaria “posse” da obra estudada, absorvendo-a sob diversos
aspectos. Na época de sua proposição, havia a discussão acalorada com os defensores remanescentes
do Modernismo, que defendiam ainda o fazer artístico como ato criador livre. Para a autora (2002,
p.119), “é necessário também refletir, exercitar o julgamento, comparar, analisar e interpretar imagens
para conhecer arte, além de ser imprescindível entender o lugar da arte no tempo e na cultura”.
A proposta sistematizada por Ana Mae Barbosa no Brasil como concepção da produção do
conhecimento em artes foi denominada “Proposta Triangular do Ensino da Arte”, elaborada a partir
de três ações básicas ao se relacionar com a Arte: ler as obras de arte, fazer arte e contextualizar.

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Para QUEIROZ (2014, p.40, 43), os significados das obras de arte também precisam ser
considerados em relação ao seu contexto cultural.
Esse contexto cultural deve referir-se a questões de localização e circunstância, como
também estender-se ao que está ”fora” da obra – relações de poder, formas de exclusão,
questões relacionadas com a identidade, o gênero, os valores. (...) Enfim, o que se quer é o
ensino da arte de qualidade como um ato político que precisa ser efetivado. Ou seja, o ensino
de arte no âmbito da educação escolar deve garantir para todos o acesso a conteúdos vivos e
concretos ligados às realidades sociais e suas contradições.

É preciso esclarecer que não há a intenção de implantar a Proposta Triangular - integral e


literalmente - no laboratório de fruição estética e criação artística previsto no projeto de pesquisa,
mas sim utilizar de seus pressupostos teóricos, transformados e reelaborados ao longo do tempo,
buscando com que os participantes fruam das manifestações artísticas estudadas da forma mais
profunda possível, combinando experiências sensoriais, racionais e sensíveis.

REFLEXÕES IMPORTANTES SOBRE O PROCESSO:

A pesquisa se encontra em andamento através de levantamento e análise documental e através


das entrevistas semiestruturadas, que estão ocorrendo de forma remota, pela plataforma Meet, sendo
gravadas e posteriormente transcritas para análise do discurso dos sujeitos. Tais etapas da pesquisa já
estavam previstas no projeto como iniciais, o que vem favorecendo em muito o andamento do
trabalho, considerando-se a situação de isolamento social causada pelo Sars-Cov-2 , quando os
estudantes do Colégio Pedro II estão tendo acesso apenas ao ensino remoto. Espera-se que com o
avanço da vacinação e diminuição de contaminação haja o retorno presencial das aulas na instituição
e a implantação das oficinas de fruição estética e criação artística previstas no projeto.
Faz-se importante salientar que a Arte, nesse contexto, não servirá como instrumento para
ensinar conteúdos formais em Ciências e Saúde prescritos curricularmente pela instituição onde a
pesquisa será realizada. Seu papel não será o de sensibilizador ou facilitador de aprendizagem de
conceitos normalmente estudados por outras áreas do conhecimento e tidos como “propriedade
intelectual” destas. A Arte não virá “enfeitar” ou “suavizar” conhecimentos endurecidos
racionalmente e de difícil compreensão ou reelaboração pelos jovens estudantes.
Será através da fruição das obras que representam o corpo gordo nas Artes Visuais e da
apropriação mais profunda de seu sentido que os jovens estudantes discutirão a arbitrariedade de

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significados e representações da forma corporal nos diferentes momentos da história da humanidade.


Dessa forma, terão a oportunidade de perceber que tanto a discriminação quanto a construção
identitária crítica e consciente são produtos de elaborações simbólicas humanas, que variam no tempo
e no espaço.
Portanto, a fruição estética das representações visuais do corpo gordo, somadas ao processo
de criação artística construídas no laboratório durante a pesquisa, servirão como imersão sensível à
temática e como gatilho para as discussões polêmicas que orbitam em torno da questão: diversidade
de corpos, bullying na escola, intolerância às diferenças, gordofobia, transtornos emocionais e seus
desdobramentos.
Além disso, não se deixar subjugar por padrões estéticos impostos socialmente e ter
consciência da pressão exercida por profissionais da saúde – que julgam o corpo gordo como corpo
obeso/doente – pode contribuir grandemente para o fomento das discussões sobre representatividade
social, capazes de revigorar emocionalmente gordos e não gordos, abrindo espaço para as diferenças
e assim fortalecendo a saúde mental dos estudantes.

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