Bisoffi Rafaelaugustobonin TCC
Bisoffi Rafaelaugustobonin TCC
Bisoffi Rafaelaugustobonin TCC
CAMPINAS
2010
RAFAEL AUGUSTO BONIN BISOFFI
CAMPINAS
2010
2
AGRADECIMENTOS
3
Venía el labrador cantando aquel romance que dice:
Mala la hubistes, franceses,
en esa de Roncesvalles.
4
RESUMO
O objetivo dessa pesquisa é estabelecer uma aproximação entre o Romancero gitano (1928),
do poeta espanhol Federico García Lorca (1898-1936), e o Romanceiro da Inconfidência
(1953), da poeta brasileira Cecília Meireles (1901-1964), no que concerne à recepção crítica
dos dois livros. De fato, os dois livros possuem características similares: usam a forma
romance, típica da poesia tradicional ibérica e foram escritos na primeira metade do século
XX. Com este trabalho, pretende-se levantar algumas das respostas que foram suscitadas pelo
uso da forma romance pelos dois poetas nos livros em questão.
5
ABSTRACT
The objective of this research is to establish an approximation between the Romancero gitano
(1928), by the Spanish poet Federico Garcia Lorca (1898-1936), and the Romanceiro da
Inconfidência (1953), by the Brazilian poet Cecília Meireles (1901-1964), in regard of the
critical reception of both books. In fact, both books share similar characteristics: they have the
romance form, typical in the traditional Iberian poetry and they were written in the first half
of the 20th Century. This work was intended to research some of the critical responses that
were raised by the usage of the romance form in the books of both poets.
6
SUMÁRIO
Introdução..............................................................................................................................8
O gênero................................................................................................................................10
O romanceiro no Brasil................................................................................................17
Os poetas...............................................................................................................................18
Federico García Lorca..................................................................................................18
Cecília Meireles............................................................................................................20
Os romanceiros....................................................................................................................22
Romancero gitano........................................................................................................22
Romanceiro da Inconfidência......................................................................................25
Recepção...............................................................................................................................28
Conclusão..............................................................................................................................33
Bibliografia...........................................................................................................................36
7
Introdução
1
Em português, também é denominado rimance.
2
Ver ensaio de Pedro Salinas, no qual ele menciona vários outros autores que compuseram nessa forna:
SALINAS, Pedro. “El romancismo y el siglo XX”. In Ensayos de literatura hispânica. Madrid: Aguilar, 1961. p.
. 310 a 341
8
empregado aqui, para designar o período histórico e também artístico, no qual várias correntes
renovadoras foram lançadas.
Contudo, não só uma comparação de gênero e de momento histórico pareceu possível,
mas também, em certo sentido, temática. Não que os livros partilhem diretamente um tema
semelhante – Romancero gitano é um livro sobre a Andaluzia, sobre os ciganos, enquanto o
Romanceiro da Inconfidência trata da tentativa de conflagração mineira contra a Coroa
portuguesa no contexto da exploração do ouro em Minas Gerais, no século XVIII. Ou seja,
trata-se de uma distância temática marcada pela própria distância espacial e temporal.
É possível, apesar disso, argumentar que a relação do tema com o país de cada livro
tenha uma certa semelhança. Explicar o motivo de o Romanceiro da Inconfidência tratar de
uma história marcadamente nacionalista seria desnecessário. Não que Cecília Meireles fosse
ingenuamente nacionalista, mas ao falar de um dos primeiros grandes ensejos em direção à
independência da então colônia explorada, não escapou desse sentimento. Que a poeta não
nega de forma alguma no livro, como se pode ver, ao representar, por exemplo, Tiradentes
como um tipo idealista e de impulso heróico.
Argumentar uma possível relação nacionalista no que tange ao Romancero gitano é,
de fato, muito mais complicado. Primeiro, porque o nacionalismo na Espanha sempre foi
complexo, visto que existem divisões profundas dentro da própria nação (haja visto que ainda
recentemente a mídia vêm vinculando informações sobre o conflito com a Catalunha, por
exemplo). Em segundo, porque o livro é muito mais heterogêneo em termos de assunto do
que o Romanceiro da Inconfidência, tendo muito mais a Andaluzia como fundo temático do
que como um tema explícito presente em absolutamente todos os seus romances.
Todavia, Lorca afirmou que julgava os ciganos aquilo que havia de mais nobre em seu
país3. É sabido que os ciganos são um grande clichê relacionado à Espanha (apesar de que sua
origem verdadeira ser indiana, e de serem um povo nômade). Também a própria Andaluzia é
uma região notável do país, por toda sua história (a florescência cultural no período da Idade
Média, sob o domínio muçulmano, a Reconquista, etc.).
Há que se pesar o fato de que a própria geração da qual Lorca participou não estava
livre da ideologia nacionalista. Uma das grandes influências e convivências do poeta foi o
grande crítico e estudioso Ramón Menéndez Pidal (1869-1968), reconhecidamente
nacionalista, cuja obra teve e ainda tem grandes ressonâncias nesse sentimento, no país.
Também o músico Manuel de Falla (1876-1946), conhecido por seu estudo das melodias e
3
Ver nota 33 deste presente trabalho.
9
músicas tradicionais espanholas, que influenciaram profundamente sua música, foi amigo
íntimo de Lorca.
Tudo isso indica que um certo sentimento de nacionalismo não estava fora dos
horizontes do livro. Inclusive a própria tradição da composição de romances se encaixa nesse
contexto. Novamente, não se trata de um nacionalismo ingênuo e superficial, mas um desejo
de circunscrever os livros dentro de uma região cultural e histórica específica, com grande
importância para a nação como um todo.
Tendo isso em mente, uma comparação entre os dois livros pareceu mais do que
viável. Dessa forma, o projeto inicial de estudar as relações do Romanceiro da Inconfidência
com o gênero tradicional foi abandonado em favor dessa nova idéia. A fim de que o trabalho
não se tornasse muito amplo e vago, o orientador sugeriu que a comparação fosse mantida em
um ponto específico: como indica o título, em que consistiriam as semelhanças e diferenças
entre os modos com que os dois livros foram recebidos. Ou seja, até que ponto as
semelhanças levantadas, e também as diferenças óbvias (as quais não devem, de forma
alguma, serem esquecidas) entre os dois livros e seus contextos históricos, sociais e artísticos
produziram uma apreciação crítica similar ou diversa.
O gênero
4
“Prólogo”, In ANÔNIMO. Romancero. Ed. Paloma Díaz-Mas. Barcelona: Crítica, 1994. p. 5
10
editavam os poemas geralmente como octassílabos, e os poetas do romanceiro culto também
preferiam essa forma.
Existem, às vezes, contudo, versos de sete ou nove sílabas dentro de um romance
octossílabo, e até mesmo vários romances compostos em hexassílabos e endecassílabos5. O
uso de rimas assonantes também pode ser substituído pelo uso de rimas consoantes, mas isso
é mais usado no romanceiro culto. O estrofismo às vezes também pode ser detectado em
romances antigos através de análises das assonâncias, mas esse tipo de característica também
é mais comum no romanceiro culto, bem como o uso de estribilho.
Estilisticamente, o romance é marcado pelo uso de arcaísmos, tanto nos tradicionais
quanto nas imitações posteriores, pelo uso majoritário de tempos verbais específicos, em
especial o presente histórico e o pretérito imperfeito; pela dicção formulística, que é típica
também da épica, e pelo caráter fragmentário de vários poemas, dotados de um final abrupto.
Tipologicamente o romanceiro geralmente é dividido nas seguintes classes: velho,
novo, vulgar e tradicional. Segundo Paloma Díaz-Mas, a definição de romanceiro velho é
complexa, apesar do termo já ser empregado para designar os romances mais antigos, de
suposta composição medieval. Em primeiro lugar, o romance era um gênero de cantar e de
transmissão oral; em segundo, os testemunhos mais antigos não são neutros e havia muita
censura (não eram raros os romances que narravam casos de incesto e adultério, por exemplo,
o que provavelmente horrorizava os moralistas). Por isso, geralmente chama-se de romanceiro
velho aquele que nos foi legado por manuscritos tardios, sendo pouquíssimos realmente
medievais.6
O romanceiro novo, por oposição, refere-se à “mania” de compendiar e compor
romances que se instaurou nos finais do século XVI, envolvendo inclusive grandes autores
como Góngora e Lope de Vega. Esses poetas se utilizavam da métrica e das convenções,
como a linguagem arcaica, embora introduzindo outros recursos, como, por exemplo, a rima
consonante (como referido acima), e adaptando temas em voga, como o amor pastoril e as
aventuras mouriscas. Apesar de compostos sabidamente por autores individuais, muitos
desses textos circularam de forma anônima.
Os romances vulgares seriam os compostos posteriormente para uso das classes
populares, urbanas e campestres, impressos nos pliegos sueltos (forma análoga a da literatura
de cordel no nordeste brasileiro), criados e divulgados por autores dessas mesmas classes. O
5
“Introdução”. In ANÔNIMO. Romancero viejo. Introdução e edição de Maria Cruz García de Enterría. Madrid:
Castalia, 1987. p. 17
6
“Prólogo”, In ANÔNIMO. Romancero. Ed. Paloma Díaz-Mas. Barcelona: Crítica, 1994. p. 7
11
gênero foi associado com a figura do cantor cego que vagava pelas estradas vendendo esses
folhetos.
Por fim, romanceiro tradicional é aquele cantado de geração para geração por um
longo período de tempo. Transmitidos oralmente de pais para filhos, avós para netos, esses
romances sobrevivem cantados ainda hoje, em várias comunidades tradicionais portuguesas,
espanholas e até mesmo entre descendentes de judeus ladinos no Oriente.
Menéndez Pidal também classificou os romances de outra forma, cunhando os termos
juglaresco, artificioso, erudito e artísitico. A idéia de romances juglarescos se baseia na
suposição da existência de uma classe de cantores profissionais no século XV que teriam
criado ou adaptado romances para a corte. O termo artificioso se refere a romances compostos
na passagem do século XV para o seguinte, por poetas cortesões, em um novo gosto pelo
“popular”, que voltava a atenção para formas antes desprezadas. Erudito seria o romance
composto com base em textos históricos ou bíblicos, enquanto artístico seria o mesmo que
romance novo.7
Outra forma de tentar classificar os romances é pelo seu conteúdo, o que não é
necessariamente mais simples. Em primeiro lugar, porque as divisões não são muito claras –
um romance pode ter o tema bíblico e de incesto ao mesmo tempo, por exemplo; em segundo,
várias versões de um mesmo romance podem ter focos temáticos diversos, e o leque temático
do gênero é bastante amplo.
Por isso, cada estudioso ou compilador usa ou cria a organização que achar mais
conveniente. Geralmente eles são divididos considerando suas características narrativas,
épicas, históricas ou religiosas. Menéndez Pidal dividiu-os em “de tema épico”, “históricos”,
“novelescos”, “de tema bíblico”, “tema da antiguidade”, “de tema hagiográfico” e os “de tema
mourisco”8.
Pelas características de transmissão oral e pelo desprezo inicial que o gênero sofreu, a
datação do romanceiro é complexa. Os historiados usam dois métodos: procurar os primeiros
registros escritos de romances, por um lado, e por outro, tentar buscar informação dentro do
próprio texto, em especial os textos de conteúdo histórico e épico. A maioria dos romances
está registrada no século XVI, mas é sabido que o gênero é anterior, pois já haviam registros
desde o início do século XV.
Também houve esforços para classificar o romance por sua estrutura narrativa.
Menéndez Pidal dividia os romances em romance-conto e romance-cena, sendo os romances
7
Idem, p. 10
8
Idem, p. 23
12
dialogados um exemplo do segundo. Mas a divisão não é muito clara. Di Stefano propôs a
teoria da estrutura alfa e estrutura ômega: estrutura alfa seria aquela em que a narração segue
a ordem cronológica normal, enquanto estrutura ômega seria uma quebra com essa ordem,
quando, por exemplo, uma personagem narra a própria morte. Também houve tentativas de
usar os aportes teóricos do formalismo russo, como a tipologia de Vladimir Propp, mas a
diferenças profundas entre o romanceiro e o conto fantásticos russo tornam esse tipo de
trabalho difícil.9
Outra questão delicada é a da autoria, pois a maior parte dos romances são anônimos
(com exceção do romance novo e artificioso, que é uma imitação do tradicional). O problema
do autor sempre gerou polêmicas na área. A teoria mais aceita é a de que os romances sejam
fragmentos de cantares de gesta tardios, que eram preferidos pelo povo, e por isso
memorizados e cantados individualmente. Isso não resolve muito bem a questão da autoria,
pois, nesse caso, o autor ou seria o próprio que compôs a gesta ou então um outro que compôs
um texto baseado nela.
Contudo, a idéia permitiu que Menéndez Pidal criasse seu conceito de autor legião,
que diferente da idéia romântica de autor coletivo, se baseia na forma de transmissão oral – ou
seja, cada indivíduo, ao transmitir para a geração seguinte o texto de memória, comete
enganos e faz modificações, ao mesmo tempo, criando uma versão diferente.
Mas nem todos os romances têm caráter épico, o que leva a crer que o gênero se
relaciona também a outros modelos literários. Por exemplo, os romances de caráter mais
lírico, que teriam uma origem erudita inspirada justamente pela poesia lírica, devido a seu
ponto de vista mais subjetivo e rasgos sentimentais.
Os romances também podem se relacionar a gêneros fora da Espanha, como a épica
francesa (não são poucos os romances com conteúdo dos cantares franceses) e, obviamente, as
baladas, que são um gênero análogo que se espalha por toda Europa, com o qual partilha
inúmeras semelhanças de conteúdo.
Esses poemas sempre foram populares na Idade Média, por um lado, por sua exaltação
dos valores cavaleirescos, e por outro, pelos temas de comoção popular, entre eles, inclusive,
temas imorais para a época. No século XVI, com o interesse editorial e erudito, o romance
passa a ser usado como fonte de inspiração para o teatro (para autores como Gil Vicente, por
exemplo), para aprendizado de leitura, para festividades, para embalar trabalhos, etc. Também
carregavam consigo, muitos deles, fatores de crítica política e ideológica.
9
Idem, p. 29
13
Por volta do final desse século, o romanceiro se torna uma verdadeira mania, a ponto
de ser tornar anedotas em comédias.10 A primeira grande coleção de romances foi impressa
por Martín Núncio, entre 1547 e 1548, mas logo após dois anos, mais três outras edições
semelhantes são lançadas. Floresceu o gênero na tradição culta, que, se não copiou
exatamente as formas do romancero tradicional (como mencionado anteriormente, o uso de
estribilho, divisão estrófica, uso rimas consoantes ou de assonâncias pouco usuais diferencia
os romances cultos), se inspirou profundamente nele. Grandes nomes do período como
Góngora, Lope de Vega e Quevedo compuseram romances, e muitas vezes disputavam entre
si. Mas vários outros poetas menores do período se utilizaram do romance, e muitas dessas
composições individuais entraram para as antologias de romances da época anonimamente11.
Depois do florescimento do romanceiro culto no período barroco, o gênero caiu em
certo esquecimento. Os romances chamariam nova e particularmente a atenção dos poetas
românticos, de várias nações, que passaram a colecioná-los. “Los primeros en prestar atención
al romancero como género fueron los eruditos y literatos románticos”12. Em 1815, Jacob
Grimm publicaria uma antologia do gênero em Viena. Poetas como Goethe, Heine e Victor
Hugo se interessariam pelo romanceiro. Um dos primeiros estudos dedicados a esse gênero
foi a antologia feita por Almeida Garret (1799-1854). Os escritores românticos estavam muito
preocupados com o problema da identidade nacional. Como conseqüência disso, buscavam
uma expressão literária nacional, e voltaram seu olhar para as manifestações populares, que
estariam profundamente ligadas ao lugar, clima, raça e língua que definiam a nação.
É certo que o Romanceiro de Garret não é uma antologia objetiva – o autor se deu o
luxo de fazer alterações em vários dos textos que coletou, a fim de fazê-los parecer mais
"poéticos". Contudo, foram trabalhos como esse que mudaram a perspectiva de muitos
intelectuais em relação aos romances, tornando-os objetos válidos de estudos13. Ainda em
Portugal, também nesta época, estudou o romanceiro Teófilo Braga, que, ao fim do século
XIX, publicou a sua própria antologia14.
10
Antonio Carreño, em sua introdução à compilação de romances de Góngora, cita a comédia El vaquero de
Moraña, de Lope de Vega, na qual um jovem é flagrado pelo pai folheando um romance, e não julga isso coisa
de bem.
11
Para mais informações sobre o romance no período barroco, ver a supracitada introdução em: GÓNGORA,
Luis de. Romances. 5a. ed. Editor Antonio Carreño. Madri, CATEDRA, 2000.
12
Prólogo”, In ANÔNIMO. Romancero. Ed. Paloma Díaz-Mas. Barcelona: Crítica, 1994., p. 34
13
Almeida Garret. Romanceiro. 2a edição. Lisboa: Estampa, 1983. Volumes I, II e III. Para mais informações
sobre a relação do poeta com os romances, ver a introdução de Luiz Augusto Costa Dias nos dois primeiros
volumes desta edição.
14
BRAGA, Teófilo. Romanceiro geral português. Lisboa: Vega, 1982.
14
Segundo Paloma Díaz-Mas, em seu Prólogo acima citado, o interesse dos estrangeiros
pelo romanceiro despertaria a atenção dos próprios eruditos espanhóis, por duas vias: uma
através de antologias, como a de Agustín Duran, que publicou um Romancero General em
dois tomos, em 1829; e, por outra, poetas como Espronceda e Zorilla começaram novamente a
compor romances, depois do hiato que havia se estabelecido após o florescimento do gênero
de romance artificial no Século de Ouro. Muitas outras antologias foram lançadas na Espanha
e no estrangeiro, retomando, inclusive, compilações do século XVI.
Manuel Milá y Fontanals foi o primeiro a levantar a hipótese de que o romance teria
origem no épico. Os românticos acreditavam, ao contrário, que o épico teria origem na
aglutinação de vários poemas menores, e julgavam que os romances seriam esses poemas15.
Menéndez y Pelayo, seu discípulo e importante estudioso das Letras Hispânicas no século
XIX, desenvolveu a teoria, já apontada pelo mestre, da origem épica, além de reeditar
compilações anteriores e recolher romances da tradição oral. Em 1885, Juan Menéndez Pidal
publicaria uma compilação de romances asturianos de tradição oral.
Posteriormente, seu irmão e o já mencionado Menéndez Pidal (reconhecidamente
nacionalista), dedicou bastante tempo ao recolhimento e estudo de romances, em especial dos
tradicionais orais, e à criação de antologias. Com mais rigor acadêmico e filológico que seus
antecessores românticos, mas influenciado por Milá y Fontanals e Menéndez y Pelayo, lançou
uma nova luz sobre os romances e criou uma tradição de pesquisa na área. Menéndez Pidal
afirmava que o romance tradicional seria constantemente reelaborado em sua transmissão, o
que o levou a criar o conceito de autor-legião, em referência à passagem do Evangelho de São
Marcos16. Essa teoria, pelo foco na questão da transmissão tradicional, rendeu-lhe o nome de
neo-tradicionalista.
Menéndez Pidal foi profundamente influente nos estudos do romanceiro, por ter dado
atenção, pioneiramente, a diversos aspectos do gênero, não só ao da sua origem, além de ser
um dos maiores coletores de romances orais modernos (inclusive, em algumas destas coletas,
participou Lorca)17. Contou ainda com a ajuda de muitas pessoas, a começar de sua própria
esposa, María Goyri, também hispanista importante.
15
“Introdução”. In ANÔNIMO. Romancero viejo. Introdução e edição de Maria Cruz García de Enterría.
Madrid: Castalia, 1987. p. 17
16
“Legio mihi nomen est, quia multi sumus”, Marcos 5.9 – é a resposta que um demônio, que possuía um
enfermo, dá a Jesus Cristo, quando este lhe indaga o nome.
17
O poeta, em uma de suas cartas, faz referências a uns romances que coletou. Um dos editores do epistolário,
Christopher Maurer, explica em nota de rodapé: "Se refiere, probablemente , a las copias de los romances
tradicionais que había recogido días o semanas antes en Granada en compañia de Ramón Menéndez Pidal: por
15
Sua obra é continuada pela Cátedra – Seminário Menéndez Pidal, que conta com a
contribuição de muitos pesquisadores, dedicada a preservar e ampliar a obra do mestre, e
avançar os estudos no gênero. Os colaboradores levantaram novos aportes críticos, como a
semiótica, e usaram novos métodos e tecnologias, como a análise geográfica com
mapeamento das regiões de origem, e o uso de banco de dados e análises computacionais18.
Também grandes pesquisadores internacionais buscaram conexões entre gênero e
outras manifestações literárias internacionais, como William Entwistle, que pesquisou a
relação dos romances nas baladas de outras nações, sendo seguido por Samuel G. Armistead e
Joseph Silverman, bastante concentrados no romanceiro sefardí. Outros, como Paul Bénichou
e Giuseppe Di Stefano seguiram linhas um pouco diversas da de Menéndez Pidal, se
concentrando em aspectos sincrônicos, como a criatividade no gênero e a sua difusão pelos
pliegos sueltos.
Fora da linha neo-tradicionalista pidaliana, e também em oposição às idéias
românticas sobre a autoria do romance, surgiram os teóricos individualistas, que
argumentavam que o romance, bem como a épica, tinha uma origem pontual, compostos por
um único indivíduo, cujo nome foi esquecido no decorrer da História. As teorias
individualistas baseiam seus argumentos principalmente no caráter novo que o romance têm,
que não permite explicá-lo completamente como um desdobramento do épico.
Entre esses estão Leo Spitzer, Vossler, Bédier, etc., grandes nomes dos estudos das
letras hispânicas. Diferente dos pidalianos, que costumam trabalhar cotejando várias versões
de um mesmo romance, os individualistas geralmente se fixam em um só romance, e
consideram as variantes como forma autônoma, o que é a diferença mais profunda entre os
dois tipos de teóricos19.
Outro aspecto importante dos estudos acadêmicos modernos sobre o gênero é o
bibliográfico. As coleções de romances, coletados das tradições orais modernas ou dos
pliegos sueltos e das compilações antigas, formam um acervo inumerável e de valor
imprescindível para os pesquisadores.
Por outro lado, na literatura moderna do começo do século XX, que também trazia
com muitos artistas uma preocupação com o nacional, as formas tradicionais do romance
ejemplo, el romance de 'Gerineldos'." In LORCA, Federico García. Epistolario completo. Andrew A. Anderson
et Christopher Maurer (Eds.). Madrid: Cátedra, 1997. Livro I, nota 183, pg 81
18
Vários. El romancero en la tradición oral moderna – 1ercoloquio internacional. Madri: Cátedra-Seminário
Menéndez Pidal e Reitorado da Universidade de Madri, 1972.
19
“Introdução”. In ANÔNIMO. Romancero viejo. Introdução e edição de Maria Cruz García de Enterría.
Madrid: Castalia, 1987. p. 22
16
também inspiraram poetas preocupados com as suas raízes, como mostra o ensaio de Pedro
Salinas “El romancismo y el siglo XX”: Miguel de Unamuno, António Machado, Juan Jamón
Jiménez, etc. Inscrito nessa tradição, surge o Romancero gitano (1928), do espanhol Federico
García Lorca (1898-1936).
O romanceiro no Brasil
Sendo um país de colonização ibérica, não seria incorreto presumir que algo da
tradição do romanceiro também tivesse vindo para o Brasil (já que o gênero também está
presente em Portugal – vide a antologia de Garret). Nesse sentido, publicou um artigo, nos
anais do primeiro colóquio internacional da Cátedra-Seminário Menéndez Pidal, Bráulio do
Nascimento, pesquisador nacional do romanceiro de tradição oral, intitulado “Pesquisa do
Romanceiro Tradicional no Brasil”.20
Segundo o autor, os primeiros registros de coleta de romances no país datam de 1873,
em artigos publicados por Celso Magalhães em Pernambuco, que dispunha apenas dos
romanceiros portugueses de Garret e de Teófilo Braga. Os colonizadores portugueses no
século XVI trariam consigo os romances, especialmente os vindos de Açores, que se
espalhava, como é normal da tradição do gênero, oralmente por todos os lugares,
surpreendentemente até entre os índios.21
Grandes críticos nacionais do século XIX, como Sílvio Romero e José Veríssimo,
também se dedicaram à coleta e estudo de romances. As pesquisas de Sílvio Romero são
particularmente interessantes porque são mais amplas que as iniciais de Celso Magalhães, e,
ao contrário desse último, não aprovava o método de emendas que era usado por Garret.
No século seguinte, as pesquisas continuariam, contando com muito mais coletores,
entre eles nomes como o de Mário de Andrade e Luís Câmara de Cascudo. Esses estudos
expandiram os conhecimentos para outras áreas do país, pois antes a pesquisa se concentrava
mais no Nordeste.
Em sua conclusão, o autor demonstra que o romanceiro é bastante difundido pelo
Brasil, mas as pesquisas ainda não estão completas. Segundo ele, muitos romances deixaram
de ser cantados individualmente e se tornaram parte de comemorações ou rondas infantis.
20
In Vários. El romancero en la tradición oral moderna – 1ercoloquio internacional. Madri: Cátedra-Seminário
Menéndez Pidal e Reitorado da Universidade de Madri, 1972. p. 65-83
21
Para essa curiosa observação, ver nota 3 do supracitado artigo, página 66, na qual o autor menciona um
romance encontrado por José Veríssimo entre os índios Maué.
17
O romanceiro também teria sua presença entre os poetas brasileiros, apesar de não ser
um gênero absolutamente popular (Olavo Bilac, por exemplo, em seu Tratado de
versificação, não menciona o romance, mas apenas a balada, a qual não relaciona com a
poesia ibérica22). É sabido que os poetas barrocos brasileiros conheciam os espanhóis:
“Gregório de Matos, entre nós, compôs cerca de 90 romances, ortodoxamente modelados no
paradigma tradicional, com bafejos de Góngora e Quevedo”23. Os simbolistas brasileiros
também usavam o romance, que não é raro na obra de Alphonsus de Guimarães, como, por
exemplo, o Rimance de Dona Celeste (do livro Dona Mística) e os dois “Rimances” (do livro
Pastoral aos crentes do amor e da morte)24. Esses romances têm clara influência do
romanceiro novo, vistos sua métrica, a divisão estrófica e o uso de rima consoante.
Os poetas
Federico García Lorca nasceu em 1898, em Fuente Vaqueros, no seio de uma família
com pendor para as artes, em especial a música.25 O pai, Federico García Rodriguez, nascido
no mesmo lugar, era viúvo de um casamento anterior com outra jovem local; e sua mãe,
Vicenta Lorca Romero, era de Granada, professora da escola feminina primária também em
Fuente Vaqueros.
Aproveitando a onda de crescimento dos negócios açucareiros, a família plantou
beterraba e enriqueceu. O poeta passou sua infância feliz em Fuente Vaqueros, em forte
contato com o povo (apesar de ser de família abastada), inclusive com muitas famílias de
ciganos, o que seria uma das influências para sua gitanería.
Em 1907 a família mudou-se para a aldeia de Asquerosa [sic]. No ano seguinte, Lorca
se inscreve no Instituto de Almería, e fica aos cuidados do eminente professor Antonio
Rodriguez. Mas logo a família chega a Granada, cidade de intensa força histórica na
Andaluzia. Lorca seguiu seus estudos no Colégio do Sagrado Coração de Jesus, que não tinha
o controle religioso (apesar do nome), pois seu pai tinha ideais liberais e não queria educar os
22
BILAC, Olavo. Tratado de versificação. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1938.
23
LISBOA, José Carlos. Verde que te quero verde. Rio de Janeiro: Zahar; [Brasília]: INL, 1983. P. 12
24
GUIMARAENS, Alphonsus de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
25
Assim afirma Ian Gibson em sua biografia do poeta. GIBSON, Ian. Federico García Lorca. Trad. Augusto
Klein. São Paulo: Globo, 1989. p. 28
18
filhos sob essa influência. Lorca era muito inteligente, mas um aluno pouco aplicado, por isso
sempre tinha um desempenho inferior ao de seu irmão. Estudou também música, que lhe
atraia mais o interesse.
Em 1915 terminou os estudos do ginásio e se matriculou nos cursos superiores de
Direito e Letras, em Granada mesmo. Tinha uma promissora carreira como pianista, mas nos
primeiros anos de universidade seu adorado professor de piano morrera, e sem seu apoio, a
carreira arrefecera. Na mesma época, fez uma viagem com seu professor de literatura a Baeza,
onde conheceu Antonio Machado. Esses foram algum dos fatores que possivelmente fizeram
o poeta voltar seus interesses criativos para a poesia.
Em 1917, lançou Impresiones y paisajes, com clara influência de Darío. Depois de ser
considerado inepto para o serviço militar devido a problemas de saúde, Lorca ganhou
permissão para passar uma temporada na Residência dos Estudantes em Madri, o famoso
pensionato universitário. Chega à capital em 1919 para fazer os preparativos.
O espírito liberal regia a casa. Inúmeros conferencistas ilustres da Espanha e do
mundo davam palestras na Residência. Nela, Lorca conviveu com inúmeras figuras
importantes da sua geração, como Buñuel, Dalí, Jorge Guillén, Juan Jamón Jiménez, etc, sob
a influência de intelectuais como o filósofo Ortega y Gasset26. Nessa instituição encena sua
primeira peça, El maleficio de la mariposa, que passou longe de ser um sucesso de crítica.
Prestando alguns exames, com a ajuda de amigos, conseguiu satisfazer os pais, que já
haviam desistido de obrigá-lo a seguir uma profissão liberal tradicional, e ganhou permissão
para se mudar para Madri, permanecendo na Residência. Ganhou também apoio financeiro
paterno para realizar seus projetos literários, e em 1921 lançou seu Livro de poemas, que
também não obteve grande divulgação, para a decepção dos pais.
Nessa época, o músico Manuel de Falla começava a estudar as melodias populares,
bem como Menéndez Pidal começava a transcrever melodias que acompanhavam os
romances tradicionais. A influência do primeiro, que morava na Residência, foi direta, e o
próprio Lorca começaria a estudar o cante jondo. No mesmo ano lança Poema del cante
jondo, tido como passo essencial para a criação do Romancero. Apesar de estar escrevendo
romances há um certo tempo, a idéia mais cristalizada de escrever o livro se deu em 1924,
como afirma Gibson27.
26
Para influência deste homem na geração poética de Lorca, ver: CATE-ARRIES, Francie. José Ortega y Gasset
and the Generation of 1927. Disponível em http://www.jstor.org/stable/342885. 10/09/2009.
27
“Em 29 de julho abriu seu caderno e, abaixo do cabeçalho geral Romancero gitano, escreveu no alto da página
um resoluto número 1 e copiou, sem título, o ‘Romance de la luna, luna [...]”GIBSON, Ian. Federico García
Lorca. Trad. Augusto Klein. São Paulo: Globo, 1989. p. 165
19
Em 1926 lançou Ode a Dalí, que foi bem recebida. O poema fora fruto de uma intensa
amizade com o pintor, que nos anos anteriores havia crescido com o convívio e com várias
viagens feitas em companhia um do outro. Dois anos depois veio a público o Romancero. O
livro foi aclamado por muitos, ao mesmo tempo em que foi criticado por alguns amigos
íntimos do poeta. Desta forma, a recepção lhe foi duplamente perturbadora: por um lado, o
grande sucesso deixou-lhe perplexo, por outro, a crítica negativa dos seus amigos (em
especial do querido Dalí) deixou-lhe magoado.
No ano seguinte, Lorca começa a entrar em depressão, por causa de problemas com o
governo e pela ausência de Dalí. No meio do ano, faz a sua famosa viagem a Nova York, que
muito impressionou o poeta (viveu na cidade intensamente, fazendo inúmeras amizades), e
que rendeu o livro Poeta en Nueva York, de 1930. Nesse mesmo ano deixa a cidade. Viajou
também para Cuba.
Em sua volta a Granada e Madri, passou a contribuir ativamente com o teatro,
lançando Bodas de Sangre, que foi um grande sucesso. Viajou também a Buenos Aires, onde
conheceu Neruda e foi aclamado. Em 1934 retorna à Espanha. Seu navio fez uma parada no
Rio de Janeiro.
Nesse momento, a extrema direita já havia tomado o poder. Em 1935 lança Llanto por
Ignácio Sánchez Mejías, dedicado ao amigo toureiro, morto num dos combates na arena.
Muitas obras de Lorca, em especial Yerma, começam a irritar os conservadores.
Com trinta e oito anos de idade Lorca foi assassinado pelos anti-republicanos, no meio
de toda a violência que se espalhava na Espanha da época. O apoio de Lorca à Frente Popular,
seus ideais liberais e sua homossexualidade foram insuportáveis para a direita conservadora.
Sua obra ficou proscrita no país até por volta de 1953.
Cecília Meireles
20
marcante28. Terminou o curso primário em 1910, na recém construída Escola Estácio de Sá.
Apesar da infância conturbada, a poeta testemunharia ter lembranças boas das sensações e
descobertas da época, e que julgava a solidão e o silêncio pelos quais passou como algo
bom.29 Entre essas lembranças, a descoberta dos livros e as influências da avó e da pajem que
lhe contavam histórias e coisas do folclore, que produziam grande efeito sobre ela.
Em 1917 diplomou-se professora pela Escola Normal. Ao mesmo tempo estudava
línguas e ingressou no Conservatório de Música, mas com as primeiras tentativas literárias,
decidiu dedicar-se apenas a um caminho, para não dissipar seus esforços. Depois de formada,
dedicou-se à carreira de professora, ao mesmo tempo em que praticava a literatura. Seu
primeiro livro de poemas, Espectros saiu em 1919 e continha poemas sobre vultos do passado
que vinham falar à poeta. O livro foi bem aceito.
Casou-se em 1921 com Fernando Correia Dias, pintor e desenhista, com quem teve
três filhas. Dois anos depois publica Nunca mais... e outros poemas, e dois anos depois,
Baladas para El-Rei, com ilustrações do esposo. Este sofria de depressão e suicidou-se em
1935. Em 1940 casa-se novamente com Heitor Grilo.
Seguiu trabalhando intensamente com educação, tendo, inclusive, uma coluna
jornalística sobre o tema. Unindo isso ao seu amor pelos livros, abriu uma Biblioteca Infantil
especializada em 1934, trabalho pioneiro que durou quatro anos, sendo encerrado pelo
governo de Getúlio Vargas.
Nesse mesmo ano viajou a Portugal, dando várias conferências em universidades
portuguesas. No ano seguinte, com a fundação da Universidade do Distrito Federal, lecionou
Literatura Luso-Brasileira e Técnica e Crítica, função que exerceu até 1938. Também foi
responsável por vários cursos de Literatura Comparada e Literatura Oriental, que lhe havia
despertado o interesse desde a adolescência.
Em 1938, Viagem recebeu o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras, e no
ano seguinte foi publicado em Lisboa. Viajou também para os Estados Unidos, onde ensinou
Literatura e Cultura Brasileira. Visitou ainda o México, o Uruguai, a Argentina, Açores, a
Europa, Índia, Porto Rico e Israel. Em 1942 publica Vaga Música, e três anos depois, Mar
Absoluto e Outros Poemas.
28
Em um artigo publicado nos anais da Cátedra Menéndez Pidal, Joanne B. Purcell atesta que a tradição do
romance oral é riquíssima na ilha de Açores. É plausível que a avó da poeta tenha sido um ponto de contato com
essa tradição. PURCELL, Joanne B. “Sobre o Romanceiro Português: Continental, Insular e Transatlântico.
Uma recolha recente” In Vários. El romancero en la tradición oral moderna – 1ercoloquio internacional. Madri:
Cátedra-Seminário Menéndez Pidal e Reitorado da Universidade de Madri, 1972. p. 55-64
29
Consultar transcrição parcial de entrevista dada à Manchete na introdução geral de suas obras completas em
MEIRELES, Cecília. Obra Poética. 3a. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985. p. 58
21
Colaborou em vários jornais, principalmente no Diário de Notícias e n’A Manhã. Em
1951 foi secretária do primeiro Congresso Nacional de Folclore, e sempre foi profundamente
interessada em questões folclóricas. Nesse mesmo ano publicou Amor em Leonoreta, e no
ano seguinte Doze Noturnos da Holanda. Também foi sócia honorária do Gabinete Português
de Leitura, no Rio de Janeiro, do Instituto Vasco da Gama, em Goa, e do Instituto Histórico
de Minas Gerais. Recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Delhi. Em
1953, saiu o Romancero da Inconfidência.
Publicou ainda em vida Pequeno Oratório de Santa Clara (1955), Pistóia, Cemitério
Militar Brasileiro (1955), Canções (1956), Romance de Santa Cecília (1957), A Rosa (1957),
Metal Rosicler (1960) e Solombra (1963). Também saíram em 1958 uma Obra Poética, pela
editora Aguilar, e uma Antologia poética, pela Editora do Autor, em 1963.
Morreu na cidade do Rio de Janeiro, em 9 de novembro de 1964. No ano seguinte a
Academia Brasileira de Letras rendeu-lhe homenagem póstuma com o prêmio Machado de
Assis, pelo conjunto da obra.
Os romanceiros
Romancero gitano
O Romancero Gitano saiu em 1928. Não foi o primeiro livro de Lorca – o poeta já
havia publicado antes Poema del cante jondo (1921) e Libro de Poemas (1921). Porém, para
muitos estudiosos, como Ian Gibson e Jaroslaw M. Flys, foi o livro que o tornou popular, a
ponto de deixá-lo perturbado com a fama súbita: "El hombre famoso tiene la amargura de
llevar el pecho frío y traspasado por liternas sordas que dirigen sobre él los otros", escreve o
poeta, em carta de agosto do ano de lançamento do livro, a Jorge Zalamea30.
Trata-se de uma reunião de dezoito “romances” heterogêneos, mas unidos por um
mesmo tema: a Andaluzia e o mito cigano31. Nesse sentido, o título não engana - Romancero
gitano quer dizer “romanceiro cigano” e é uma óbvia referência ao folclore da região.
30
LORCA, Federico García. Epistolario completo. Andrew A. Anderson et Christopher Maurer (Eds.). Madrid:
Cátedra, 1997. P. 577.
31
Mesmo nos poemas em que os ciganos não aparecem diretamente. Nas palavras de Miguel García-Posada:
“Cabe también la auséncia de todo gitanismo, como sucede em vários romances; lo que importa es la presencia
de la Andalucia profunda”. LORCA, Federico García. Primer romancero gitano & Llanto por Ignácio Sánchez
Mejías. Editor: Miguel García-Posada. Madrid: Clássicos Castalia, 1990. p. 37
22
Considerado um dos maiores livros do poeta, ainda hoje é bastante popular, popularidade que
não pôde, contudo, impedir sua execução no contexto da Guerra Civil espanhola.
O poeta insistiu no fato de que pessoalmente não era cigano (e que perturbava-lhe o
fato que confundissem o tema de um livro32), mas assumia que sua infância na Andaluzia
havia sido decisiva para a composição da obra. Segundo ele, o cigano seria “o mais profundo,
o mais elevado, o mais aristocrático” que há em seu país33.
Como apontam vários críticos, Lorca não só se baseou na tradição do romanceiro culto
(o que é óbvio, já que se tratam de romances compostos por um poeta individual e conhecido,
definição do gênero), mas também recebeu forte influência da tradição oral, que conhecia
pessoalmente (sobre a participação de Lorca na coleta de romances tradicionais orais, ver nota
17 deste trabalho).
Romance de la luna, luna conta sobre um menino em uma forja, que agoniza vendo a
lua. Esta, por sua vez, é personificada em uma dançarina com a qual ele dialoga, até que
chegam os ciganos para pranteá-lo. Preciosa y el aire também traz uma personificação – do
vento em uma espécie de fauno e em São Cristóvão, perseguindo a pobre moça chamada
Preciosa, que vinha tocando pandeiro. A jovem corre desesperada e consegue, finalmente, se
refugiar na casa do cônsul inglês.
Reyerta narra uma refrega entre os ciganos, mas de forma absolutamente dramática e
não realistas, com anjos negros, touros e ginetes. A guarda-civil aparece ao final muito
32
Confessa ao amigo Jorge Guillén, em carta de janeiro de 1927: “Y ya tengo varias suscripciones. Pero
mandaros algo no puedo. Más adelante. Y desde luego, no serán romances gitanos. Me va molestando um poco
mi mito de gitanería. Confunden mi vida y mi carácter. No quiero de ninguna manera. Los gitanos son um tema.
Y nada más. Yo podia ser lo mismo poeta de agujas de coser o de paisajes hidráulicos. Además el gitanismo me
da um tono de incultura, de falta de educación y de poeta salvaje que tu sabes bien no soy. No quiero que me
encasillen. Siento que me van echando cadenas.” LORCA, Federico García. Epistolario completo. Andrew A.
Anderson et Christopher Maurer (Eds.). Madrid: Cátedra, 1997. p. 414.
33
apud LISBOA, José Carlos. Verde que te quero verde. Rio de Janeiro: Zahar; [Brasília]: INL, 1983. p. 13
23
tardiamente, apenas para receber o anúncio do acontecido, e a afirmação de que se trata de
algo comum. Romance Sonámbulo contém o famoso verso “Verde que te quiero verde”34. O
romance narra de forma muito truncada e vaga a história de uma mulher que espera seu
amado, que vem ferido conversar com o sogro. As antecipações e lacunas, contudo, tornam o
poema de difícil interpretação.
La monja gitana pinta o quadro de uma monja tecendo em seu claustro, animada,
contudo, por várias imagens coloridas e vívidas. La casada infiel narra o adultério sob o ponto
de vista do amante, um conquistador cigano, que, curiosamente, também se sente traído pela
mulher, pois esta havia dito que ainda era virgem, quando na realidade era casada.
Romance de la pena negra conta muito vagamente sobre uma mulher amorosamente
desiludida, que fala de sua dor. Lorca afirmou “La pena de Soledad Montoya es la raiz del
pueblo andaluz”, indeficando-a com uma característica melancólica do próprio cigano,
baseado na sua perene preocupação com a morte35. San Miguel é o primeiro dos três romances
ligados aos arcanjos, e é relacionado à cidade de Granada. O arcanjo é posto no alto de sua
torre observando a paisagem, vestido de forma afeminada com rendas e anáguas, e exibindo
as coxas.
San Rafael é o segundo dos arcanjos, relacionado à Córdoba. Neste romance, o arcanjo
é representado com traços e características árabes, observando a vida da cidade, com muitos
elementos modernos, como veículos. San Gabriel é o último da série dos arcanjos, ligado à
Sevilha. O arcanjo é descrito minuciosamente como menino no começo do poema; em
seguida, andando pela cidade, como cidadão integrado, interagindo com os passantes.
Prendimiento de Antoñito el Camborio descreve o herói pela primeira vez, como belo
jovem cigano, preso pela guarda-civil e atirado ao calabouço, enquanto os guardas bebericam
limonada, indiferentes. Morte de Antoñito el Camborio narra de forma bastante dramática a
morte da mesma personagem, atacado por quatro primos, que sucumbe, apesar da coragem e
bravura, por causa da desvantagem numérica.
Muerto de amor não narra nenhuma história que tenha um protagonista como consta o
título, mas descreve uma noite onírica entrecortada pela conversa entre mãe e filho, que mais
sugere do que narra fatos concretos. Romance del emplazado descreve, dramaticamente, um
homem cuja morte está prevista, e que se concretiza ao final do poema.
34
LORCA, Federico García. Primer romancero gitano & Llanto por Ignácio Sánchez Mejías. Editor: Miguel
García-Posada. Madrid: Clássicos Castalia, 1990. p. 120
35
Apud LISBOA, José Carlos. Verde que te quero verde. Rio de Janeiro: Zahar; [Brasília]: INL, 1983. p. 91
24
Romance de la guarda-civil española é provavelmente o mais dramático e longo do
Romancero gitano, e descreve em detalhes a invasão de uma cidade cigana em festa feita pela
cruel e arbitrária guarda-civil, que destrói e arrasta tudo que pode. El martírio de Santa Olalla
é o primeiro dos três romances ditos “históricos”. É divido em três partes, nas quais se
descreve a cidade da santa, seu martírio e mutilação, de forma surrealista, e, finalmente, a
situação de seu cadáver.
Burla de don Pedro a caballo tem o subtítulo de “romance com lacunas”, e é o que
tem o metro mais variado, divido em seis partes, três delas intituladas “lagunas” (que em
espanhol quer dizer tanto “lacuna” quanto “lagoa, laguna” – o que torna a tradução espinhosa,
pois a ambigüidade se perde em português). A narração do cavalgar do protagonista é
entrecortada por outras imagens não diretamente relacionadas, nas partes ditas “lacunas”.
Thamar y Amnón é o último romance que aparece na edição príncipe, de tema explicitamente
bíblico (note-se que existem romances tradicionais que tratam do tema). É a história do
incesto entre Amnón e sua irmã Tamar, ambos filhos de Davi, narrada aqui com imagens
fortes e dramáticas, típicas da poesia de Lorca. Esses resumos são, contudo, muito breves e
diretos para dar uma verdadeira noção da força poética do livro.
Romanceiro da Inconfidência
Os poemas do livro têm clara inspiração no romanceiro novo ou erudito, visto que não
obedecem necessariamente à métrica tradicional nem ao uso da rima assonante, ao mesmo
tempo em que variam de metro, de uso da rima consoante ou verso livre. Ainda apresentam o
uso de estribilho e da divisão estrófica, que joga com a disposição das partes impressas no
25
papel, o que é, evidentemente, típico da poesia composta para ser impressa. Muitas vezes a
poeta se utiliza do vocabulário e das formas usadas pelos poetas árcades envolvidos36.
O livro foi inspirado à poeta por uma viagem a Ouro Preto. Interessada nas
personagens do episódio da Inconfidência, pensou inicialmente em compor uma peça teatral.
Mas como não poderia pôr a fala das personagens exatamente como fora, pois sua linguagem
antiga pareceria estranha, decidiu mudar a forma de sua imaginada composição – escolheu o
romance, devido ao seu caráter lírico e narrativo, como afirma em sua conferência sobre o
livro37.
Como um épico, o livro se inicia com uma fala inicial, na qual a poeta define seus
propósitos. Segue-se um “cenário”, no qual ela descreve e examina Ouro Preto, conforme faz
sua própria viagem. Os romances de I a XI dedicam-se a uma descrição da história de Ouro
Preto, desde os acontecimentos que demarcaram sua fundação até a obsessão com o ouro,
36
“Também o vocabulário é típico daqueles poetas: diáfana, suspiro d’água, fenece, aljava, grinalda [...]” –
“Comentário ao romance XX”, In MANNA, Lucia H. Sgaraglia. Pelas trilhas do Romanceiro da Inconfidência.
Niteró: EDUFF, 1985. p.58
37
MEIRELES, Cecília. “Como escrevi o Romanceiro da Inconfidência”. In Romanceiro da Inconfidência. Rio
de Janeiro: MEDIAfashion, 2008.
38
Apud MANNA, Lucia H. Sgaraglia. Pelas trilhas do Romanceiro da Inconfidência. Niteró: EDUFF, 1985.
p.24
26
passando pela vida cotidiana privada e pública da época em questão e pelos âmbitos das
classes baixas e altas, da vida religiosa e também do trabalho escravo.
O herói Tiradentes, ainda criança, aparece pela primeira vez no romance XII. A partir
do romance seguinte começa o ciclo que narra a famosa história de Chica da Silva, negra
casada com um rico contratador chamado João Fernandes, até sua decadência. O romance
XIX já dá os presságios da desgraça que acontecerá região, a partir da queda de Chica da
Silva.
O próximo cenário descreve o jardim da casa do poeta Gonzaga. Até o romance LXXI
a poeta descreve o destino deste homem, seu exílio em terras africanas, o abandono da noiva
no Brasil e as bodas com outra mulher; série que culmina numa “Imaginária serenata”,
cantada por Marília, a abandonada.
Recepção
Em “La Poesía de Federico García Lorca”, Júlio Morejón afirma que, antes mesmo da
publicação do Romancero Gitano, “muchos españoles ya se sabían de memoria los romances
del poeta de Fuentevaqueros. Corrían de boca en boca antes de ser impresos, como los viejos
romances medievales que la tradición oral transmitió hasta nuestros días”40 - a ponto de o
poeta ser chamado de “último aedo”.
A informação é confirmada por várias cartas do epistolário pessoal do poeta, inúmeras
delas com romances anexados, a fim de que os amigos tivessem notícia dos poemas antes da
publicação. “A pesar de todo, no quiero dejar de enviarte este fragmento del Romance de La
Guardia civil que compongo estos días” 41. Outros romances já havia saído individualmente
em revistas: “Mis dos romances escribo ahora mismo. El primero de Antoñito El Camborio há
salido con enormes erratas em Litoral – admirable revista de Málaga”42. A observação de
Morejón ilustra bem a idéia que o romanceiro evoca, com todo o peso de tradição popular
antiga que o conceito carrega consigo.
Também Ian Gibson comenta a recepção do livro, que, em suas as palavras, foi de
“embevecimento” geral. São bastante significativas as palavras de uma carta do amigo Juan
39
Vide, por exemplo, Baladas para El-Rei (1925) e Canções (1956), também inscritos nessa tradição.
40
Júlio García Morejón. La poesia de Federico García Lorca – introducción y antología. São Paulo: Faculdade
Íbero-Americana, 1998. p. 6
41
Carta a Jorge Guillén, 8 de novembro de 1926. In LORCA, Federico García. Epistolario completo. Andrew A.
Anderson et Christopher Maurer (Eds.). Madrid: Cátedra, 1997. p. 392
42
Carta a José Maria de Cossío, janeiro de 1927. Idem, p. 411
28
Guerrero Ruiz: “Tuas baladas, inspiradas na tradição da poesia popular, irão elas próprias
engrossar essa tradição, depois de deleitar os mais delicados paladares da Espanha culta de
hoje”43.
Coisa análoga diz Maria Cruz García de Enterría na Introdução de sua antologia do
romanceiro velho, sobre a contribuição da retomada do gênero para a própria tradição em si:
“Federico García Lorca, [...] muy probablemente haya sido el poeta que más hay contribuído
a que se conozca la palavra romancero y algo de lo que ella significa; su Romancero gitano
acentúa la veta dramática que ya habíamos visto suyacente em los romances tradicionales,
pero hace poniendo em sus octosílabos toda la carga aplastante de su sorpriendente
personalidad poética.”44. Também diz um dos maiores editores atuais do poeta: “En García
Lorca, culmina la renovación del romance que habián iniciado em el XIX el duque de Rivas y
Zorilla”45.
Muitos amigos íntimos do poeta parecem ter recebido o livro com entusiasmo. Em
novembro do ano da publicação, Lorca escreve a Melchor Fernández Almagro: “Queridíssimo
Melchorito: Mil gracias por tu admirable artículo, que es seguramente lo mejor que se há
hecho de mi libro”. O artigo havia sido publicado na própria revista Ocidente, em setembro do
mesmo ano (ano VI, número LXIII, pgs. 373-378)46. Em uma carta inédita a Juan Guerrero
Ruiz, de 28 de agosto de 1928, Jorge Guillén diz que “Melchor [Fernández Almagro] me ha
dejado ver un instante el Romancero de Federico. Todavía no he recibido mi ejemplar. !Qué
estupendo libro!"47. Pedro Salinas, em seu citado ensaio, não poupa elogios: “El Romancero
gitano, de Federico García Lorca, el libro de poesia más sonado, más triunfal, del siglo
XX”48.
Mas nem todos viram o livro com bons olhos. Segundo Gibson, Dalí, o pintor
surrealista e amigo íntimo do poeta, ficou insatisfeito com o Romancero. Para ele, o livro era
ligado demais ao passado e a suas normas líricas. Era ainda anedótico e “local” demais. O
Romancero era excessivamente conformado, e isso era inaceitável para o surrealista. “Tu
43
apud GIBSON, Ian. Federico García Lorca. Trad. Augusto Klein. São Paulo: Globo, 1989. p. 249
44
ANÔNIMO. Romancero viejo. Introdução e edição de Maria Cruz García de Enterría. Madrid: Castalia, 1987.
p. 41-42
45
LORCA, Federico García. Primer romancero gitano & Llanto por Ignácio Sánchez Mejías. Editor: Miguel
García-Posada. Madrid: Clássicos Castalia, 1990. p. 20
46
LORCA, Federico García. Epistolario completo. Andrew A. Anderson et Christopher Maurer (Eds.). Madrid:
Cátedra, 1997. p 597.
47
apud idem, p. 596, nota 540 do editor.
48
SALINAS, Pedro. “El romancismo y el siglo XX”. In Ensayos de literatura hispânica. Madrid: Aguilar, 1961.
P. . 310 a 341
29
poesía está ligada de pies e brazos a la poesía vieja”49. O fato é que ele mandou uma carta ao
poeta revelando todas as suas opiniões, que magoaram profundamente o amigo: “Ayer me
escrebió una carta muy larga Dalí sobre mi livro (¿lo has recibido ya? Yo te lo mande hace
días). Carta aguda y arbitraria que plantea um pleito poético interesante. Claro que mi libro no
lo han entendido los putrefactos, aunque ellos digan que sí.”50 Contudo, como observa García-
Posada, em sua já citada introdução à edição do Romancero, o próprio pintor mudaria de
opinião tempos depois, quanto à ligação da poesia de Lorca com a “poesía vieja”.
Tampouco Buñuel simpatizou com o livro de Lorca. Ele havia se aproximado de Dali
naquela época, e, de acordo com Gibson, foi provavelmente influenciado pelo pintor na sua
opinião sobre os romances. Gibson ilustra-o com um trecho de carta do cineasta: “É dramático
para quem gosta dessa espécie de drama flamenco; um sabor de balada clássica para quem
quer continuar pelos séculos afora com baladas clássicas”51. Os dois exemplos revelam como
o caráter tradicional da forma irritou as personalidades mais inconformistas do grupo de
amigos do poeta.
Mais tarde, outro artista de renome também se incomodaria com o livro: o escritor
argentino Jorge Luis Borges. Para Eutimio Martín, a animosidade de Borges para com Lorca
se explica pelas opiniões elitistas daquele, que pregava que a qualidade artística de um poeta é
inversa à sua popularidade. Ou seja, nem tanto a tradição, mas o caráter popular, é o
problema. Borges até confere ao poeta espanhol a alcunha mordaz de “andaluz profissional”,
que decerto é uma referência ao Romancero gitano52.
Contudo, Mario Vargas Llosa veio em sua defesa. O escritor peruano discordava da
opinião do argentino. Para ele, a idéia de que o folclore de Lorca era vulgar e pitoresco
demais era devida a uma má interpretação, uma confusão entre “la palabra poética con el
objecto que designa, o mejor dicho, que parece designar”53. Ou seja, Lorca não poderia ser
acusado de exagerado nem de mentiroso, pois as suas imagens não deveriam ser entendidas
como representações realistas, mas sim como imagens do seu eu interior.
49
apud LORCA, Federico García. Primer romancero gitano & Llanto por Ignácio Sánchez Mejías. Editor:
Miguel García-Posada. Madrid: Clássicos Castalia, 1990. p. 52
50
Carta a Sebastià Gasch, 8 de setembro de 1928. In LORCA, Federico García. Epistolario completo. Andrew
A. Anderson et Christopher Maurer (Eds.). Madrid: Cátedra, 1997. p. 585
51
apud GIBSON, Ian. Federico García Lorca. Trad. Augusto Klein. São Paulo: Globo, 1989. p. 257
52
E que provavelmente irritaria muito Lorca, que já se mostrava aborrecido com a obsessão que o tema cigano
causava nas pessoas que liam sua obra – ver nota 32 do presente trabalho.
53
apud MARTIN, Eutimio. Federico García Lorca – heterodoxo y mártir. Cidade do México: Siglo Veintiuno,
1986. p. 18
30
Dessa forma, o Romanceiro gitano teve uma forma dupla de recepção – por um lado,
largamente positiva, por outro, negativa, sendo duramente criticado por personalidades de
muito renome (o que não diminuiu em nenhum momento sua popularidade: “Pero el hecho
queda invariable: el Romancero gitano es um gran libro; tal vez el más grande que la tierra
andaluza puede inspirar”54).
Antes mesmo do Romanceiro, Cecília já era valorizada. Seu primeiro livro de poemas,
Espectros, havia sido bem recebido pelos críticos. Sobre ele disse João Ribeiro “Com o
talento e as qualidades aqui reveladas, Cecília Meireles em breve, e sem grande esforço,
poderá lograr a reputação de poetisa que de justiça lhe cabe”56. Em Anteu e a Crítica, Alvim
Corrêa Roberto discorre positivamente sobre outro livro da poeta, Vaga Música. Também
Mário de Andrade, em seu O empalhador de passarinho (publicado originalmente em 1944),
elabora um ensaio bastante apaixonado sobre a poesia, e se diz inspirado por Cecília:
“Sentimento profundo, definição reveladora que só pude ter pela graça da poesia. E pela força
criadora de Cecília Meireles”57.
54
FLYS, Jaroslaw M. El lenguaje poetico de Federico García Lorca. Madrid: Editorial Gredos, 1955. p. 37
55
Ana Maria Domingues de Oliveira. Estudo crítico da bibliografía de Cecília Meireles. Campinas: Unicamp,
1988. Tese – programa de pós-graduação em Teoria Literária, Instituto de Estudos de Linguagem, Universidade
de Campinas, Campinas, 1988.
56
apud in MEIRELES, Cecília. Obra Poética. 3a. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985. pg 62
57
Mário de Andrade. “Cecília e a poesia”. In O empalhador de passarinho. São Paulo: Martins Fontes, 1972. p.
71
31
toantes dos simbolistas, as aproximações inesperadas dos hiper-realistas. Tudo bem
assimilado e fundido numa técnica pessoal, segura de si e do que quer dizer”58.
Fica claro que não só o Romanceiro se inscreve em uma tradição anterior, mas toda a
obra da poeta. O que não desagrada em absoluto a Manuel Bandeira. Tampouco Mário de
Andrade parecia incomodado com isso, muito diferente dos amigos mais radicais de Lorca em
relação ao Romancero gitano.
Também Menotti del Picchia, numa resenha de Raça, de Guilherme de Almeida (com
o qual pretende comparar o Romanceiro), tece elogios ao livro: “Cecília, realizando poesia
pura, respirou a fluidez da sua forma na emoção do seu tempo. A espontaneidade da sua arte,
isenta de qualquer estrutura que denunciasse seu noviciado numa escola, situa-a numa área
lírica inédita e pessoal, fundida na atmosfera do inefável. O universo da nossa história é visto
pelos dois grandes poetas – Romanceiro da Inconfidência, de Cecília, e Raça, de Guilherme –
embora de igual atitude, com olhos e temperamentos diferentes. Cecília envolve o
acontecimento numa ambiência de mágico lirismo”59.
Outro aspecto importante ressaltado do livro é a sua unidade. Mário Faustino diz em
Poesia-Experiência: “É também autora do mais harmonioso livro de poemas já publicado no
Brasil: o Cancioneiro da Inconfidência [sic]”61. Apesar disso, para o autor, que buscava
algum poeta contemporâneo que houvesse revolucionado a poesia nacional, Cecília Meireles
não pôde cumprir esse papel renovador.
Em sua Presença da literatura brasileira, Antônio Cândido diz: “Às vezes, se deixa
seduzir pelo medievalismo e busca sugestões no lirismo trovadoresco, incorrendo então num
58
Manuel Bandeira. Apresentação da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Casa do Estudante, 1940. pg.153
59
In ALMEIDA, Guilherme de. Raça. Rio de Janeiro: José Oympio, 1972.
60
Murilo Mendes. “Poesia social”. In MEIRELES, Cecília. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.
61
Mário Faustino. Poesia-experiência. São Paulo: Perspectiva, 1977. p. 212. Faustino não foi o único a cometer
esse erro. É uma confusão recorrente nas referências do estudo bibliográfico de Ana Maria Domingues de
Oliveira.
32
falso virtuosismo”62. O trecho pode ser uma referência ao Romanceiro da Inconfidência,
apesar de o crítico nunca o citar diretamente. Em outra passagem anterior, ele também afirma
que não se encontra impulso de pesquisa temática na obra da poeta, o que leva a pensar que
ele não tinha o Romanceiro em mente, pois é o livro em que a autora mais inova
tematicamente em relação ao resto de sua obra.
Leila Gouvêa, em seu recente estudo sobre a poesia de Cecília, propõe que o livro
poderia ser lido como Os Lusíadas de Camões – um grande épico que se encontra no centro
do sentimento nacional63. De fato, o Romanceiro da Incofidência parece ser muito mais
conciso no seu tema do que o Romancero Gitano. Lorca se inspira no mito do cigano,
associado à Andaluzia; Cecília se propõe a cantar não só a região de Minas Gerais, mas um
momento histórico bastante específico – a Inconfidência, o que toca bastante perto no
problema do nacional.
É fato que a autora toma liberdade nas disposições internas do livro. As formas,
tamanhos e recursos poéticos dos romances variam bastante. Os fatos seguem uma linha
cronológica, mas não uma narrativa contínua. Mas as relações dos próprios romances dentro
do livro parecem ser mais coerentes do que as do Romancero Gitano. O Romanceiro da
Inconfidência foi até recomendado por intelectuais para as escolas, com fins didáticos, devido
à qualidade das pesquisas históricas empreendidas para sua composição64.
Conclusão
Para tentar entender essa diferença na forma com que os dois livros foram recebidos,
poderiam ser levantadas várias hipóteses. Em especial, as diferenças óbvias entre os livros.
Primeiramente, a temporal. Lorca estava no “olho do furacão” das vanguardas mais
iconoclastas do começo do século passado. Em especial do Surrealismo, do qual conhecia
dois adeptos espanhóis centrais: Salvador Dalí e Luis Buñuel (que, como foi mencionado,
foram duas das principais pessoas a se incomodarem com o livro), amigos muito próximos na
Residência dos Estudantes.
62
CÂNDIDO, Antonio et CASTELO, J. Aderaldo. Presença da literatura brasileira – volume III – Modernismo.
3a edição. São Paulo: Difusão européia do livro, 1969.
63
Leila V. B Gouvêa. Pensamento e “Lirismo Puro” na poesia de Cecília Meireles. São Paulo: EDUSP, 2008.
64
Ver por exemplo: Walmir Ayala. “Romanceiro da Inconfidência”. In MEIRELES, Cecília. Romanceiro da
Inconfidência. 2a. ed. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1965.
33
Quanto à Cecília Meireles, ela nunca esteve na mesma posição. Não participou da
Semana de 22, que representou o primeiro movimento de vanguarda iconoclasta do país.
Quando foram escrever sobre ela, o espírito desse momento já havia arrefecido nos
modernistas, haja visto que participantes centrais da Semana, como Mário de Andrade, e
outros próximos ao movimento, como Manuel Bandeira, não se mostraram nem um pouco
incomodados com os elementos clássicos presentes na obra da poeta; pelo contrário, acharam-
nos dignos de elogio. Há também que considerar que Lorca participava ativamente da vida
literária e artística do seu tempo, entrando em contato com um número grande de pessoas
diversas. Se Cecília Meireles não se isolava completamente, não era tão socialmente ativa
quanto o espanhol65.
A segunda grande diferença óbvia é a espacial. É provável que ela influencie em dois
sentidos. Em primeiro, o tema da Inconfidência é muito mais tocante ao sentimento nacional
brasileiro do que o tema do cigano e da Andaluzia é tocante ao espanhol. O livro da poeta já
foi sugerido como material didático para ensino de História, o que não se tem notícia de ter
acontecido com o Romancero gitano (e o que seria bastante improvável, visto que o livro não
tem um material histórico específico e tangível)66. A Espanha é um país muito mais divido
politicamente do que o Brasil, o que torna o nacionalismo lá sempre algo complexo (um livro
sobre a Andaluzia não tocará no sentimento nacionalista de um catalão ou de um basco, por
exemplo).
No Brasil, não se pode dizer que escrever romances seja uma inovação, mas não é algo
que seja tão difundido quanto na Espanha. Portanto, escrever um romanceiro inteiro e
completo como fez Cecília é, de certa forma, original. Veja-se, por exemplo, que Mário
65
Para mais detalhes, ver a introdução de: Obra Poética. 3a. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985.
66
Nas palavras de Jaroslaw Flys: “Siendo de Granada, nos sorprende el hecho de que la poesía de Lorca no
contiene elementos históricos, temas árabes (tan ricamente aprovechados em la literatura española, motivos de
reconquista, etc).” In. FLYS, Jaroslaw M. El lenguaje poetico de Federico García Lorca. Madrid: Editorial
Gredos, 1955. p. 23
34
Faustino confundiu o nome de Romanceiro com Cancioneiro, o que um espanhol dificilmente
faria.
Soma-se a tudo, ainda, o fato de que o Romancero gitano é muito mais famoso e
divulgado mundialmente que o livro de Cecília Meireles, o que quer dizer que é muito mais
provável que seja alvo de opiniões mais diversas. De resto, ambos os livros parecem ter sido
recebidos muito mais positivamente do que negativamente, seja por suas qualidades
tradicionais, inovadores, sua unidade, sua variação temática, sua força poética, etc.
35
Bibliografia
Romanceiro
ALVAR, Carlos; MORENO, Angel Gómez. La poesia épica y de clerecía medievales. Madri:
Taurus, 1990.
Idem. Romancero viejo. Introdução e edição de Maria Cruz García de Enterría. Madrid:
Castalia, 1987.
Idem. Romances viejos. Editor: José Gella Itumiaga. 6ª edição. Zaragoza: Editorial Ebro,
1957.
CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura oral no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984.
GÓNGORA, Luis de. Romances. 5a. ed. Editor Antonio Carreño. Madri, CATEDRA, 2000.
GUIMARAENS, Alphonsus de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
36
Historia y Crítica de la Literatura Española. Org. Francisco Rico. Barcelona: Editorial
Crítica, 1980.
Idem. “El estilo tradicional del romancero”. In Historia y Crítica de la Literatura Española.
Org. Francisco Rico. Barcelona: Editorial Crítica, 1980.
Idem. Flor nueva de romances viejos. 10ª edição. Madrid: ESPASA-CALPE, 1955.
Idem. “Los temas del romancero”. In Historia y Crítica de la Literatura Española. Org.
Francisco Rico. Barcelona: Editorial Crítica, 1980.
Idem. “La tradición impresa del romancero: el pliego suelto”. In Historia y Crítica de la
Literatura Española – Primer Suplemento. Barcelona: Editorial Crítica, 1991.
Idem. El Romancero hoy: Poética. Editores: Diego Catalán, Samuel G. Armistead e Antonio
Sánchez Romeralo. Madrid: Cátedra Seminário Menéndez Pidal, 1979.
Idem. “El Romancero.” In Idem. Historia y crítica de la literatura española – Edad Media.
Barcelona: Editorial Crítica, 1980. pg. 255 a 294
37
Idem. “El Romancero”. In Idem. Historia y crítica de la literatura española – Edad Media –
Primer Suplemento. Barcelona: Editorial Crítica, 1991. pg. 209 a 234
Cecília Meireles
AZEVEDO FILHO, Leodegário A. Poesia e estilo de Cecília Meireles. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1970.
CORRÊA, Roberto Alvim. “Cecília Meireles”. In Anteu e a crítica. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1948.
DEL PICCHIA, Menotti. “Raça”. In ALMEIDA, Guilherme de. Raça. Rio de Janeiro: José
Oympio, 1972.
38
GOUVÊA, Leila V. B. Pensamento e “Lirismo Puro” na poesia de Cecília Meireles. São
Paulo: EDUSP, 2008.
Idem. Obra Poética. 3a. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985
Idem. Poesia completa – volume II. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001
MENDES, Murilo “Poesia social”. In MEIRELES, Cecília. Obra poética. 3a. ed. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1985.
OLIVEIRA, Ana Maria de. “Diálogo com a tradição portuguesa”. In Ensaios sobre Cecília
Meireles. Org. Leila V. B. Gouvêa. São Paulo: Humanitas, 2007.
OLIVEIRA, Ana Maria Domingues de. Estudo crítico da bibliografía de Cecília Meireles.
Campinas: Unicamp, 1988. Tese – programa de pós-graduação em Teoria Literária, Instituto
de Estudos de Linguagem, Universidade de Campinas, Campinas, 1988.
39
Federico García Lorca
BAROJA, Julio Caro. “Los gitanos em cliche”. In Temas Castizos. Madri: Ediciones Istmo,
1980.
CORREA, Gustavo. La poesia mítica de Federico García Lorca. Madrid: Editorial Gredos,
1970
CATE-ARRIES, Francie. José Ortega y Gasset and the Generation of 1927. Disponível em
http://www.jstor.org/stable/342885. 10/09/2009.
CASALDUERO, Joaquin. Review: “La poesia mítica de Federico García Lorca” by Gustava
Correa. Hispanic Review, vol. 26, no. 2, 1958. Disponível em:
http://www.jstor.org/stable/471008. Acessado em 23/12/2009.
Idem. La poesía mítica de Federico García Lorca. Madri: Editorial Gredos, 1970.
FLYS, Jaroslaw M. El lenguaje poetico de Federico García Lorca. Madrid: Editorial Gredos,
1955.
GIBSON, Ian. Federico García Lorca. Trad. Augusto Klein. São Paulo: Globo, 1989.
40
GREENFIELD, Summer M. Review : “Primer romancero Gitano/ Llanto por Ignacio
Sánchez Mejías” by Miguel García-Posada/ Federico García Lorca. Hispanic Review, vol.
59, no. 2, 1991. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/473744. Acessado em
23/12/2009.
GUILLÉN, Jorge. “Prólogo”. In LORCA, Federico García. Obras completas, tomo I. 21ª
edição. Bilbao: Aguilar, 1980.
LISBOA, José Carlos. Verde que te quero verde. Rio de Janeiro: Zahar; [Brasília]: INL, 1983.
Idem. Obra completa. Trad. William Agel de Mello. 4a. Edição. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
Idem. Romanceiro Gitano. Trad. Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
Idem. Primer romancero gitano & Llanto por Ignácio Sánchez Mejías. Editor: Miguel
García-Posada. Madrid: Clássicos Castalia, 1990.
Idem. “Lectura: El Romancero Gitano” In Idem. Obras completas, tomo I. 21ª edição. Bilbao:
Aguilar, 1980. pg. 1113 a 1120
MARTIN, Eutimio. Federico García Lorca – heterodoxo y mártir. Cidade do México: Siglo
Veintiuno, 1986.
MOREJÓN, Júlio García. Federico García Lorca – la palabra del amor y de la muerte. São
Paulo: Faculdade Íbero-Americana, 1998.
Idem. La poesia de Federico García Lorca – introducción y antología. São Paulo: Faculdade
Íbero-Americana, 1998.
41