Autismo em Movimento
Autismo em Movimento
Autismo em Movimento
AUTISMO EM MOVIMENTO:
Belo Horizonte
2022
Bianca Retes Carvalho
AUTISMO EM MOVIMENTO:
Belo Horizonte
2022
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Érica Souza, por ter contribuído com minha formação acadêmica
ainda na graduação e por ter aceito o convite para participar da defesa desta
dissertação. À Helena Fietz, agradeço pelas observações cuidadosas que trouxe à
esta pesquisa. Suas produções sempre tiveram minha admiração e fico grata pela
presença nesta trajetória acadêmica. E à Magda Ribeiro e Pedro Lopes agradeço
por também terem aceito o convite de participação na banca de defesa desta
pesquisa. Agradeço à Ana Flávia Santos que contribuiu na apresentação parcial
deste trabalho com uma leitura atenta e delicada. Agradeço ainda àqueles que
ofereceram relevantes reflexões nas discussões das apresentações que pude
realizar: Alessandra Rinaldi e Rafael Cerqueira Pinheiro no I Seminário Famílias,
Políticas e Direitos, promovido pelo GESEX; Adriana Dias, Fagner Carniel, Pedro
Lopes, Nádia Meinerz e Natan Monsores de Sá, no “GT Etnografias da deficiência”
durante a 32ª RBA; e Eugenia Brage, Marcia Longhi e Denise Pimenta no “GT O
cuidado na agenda política” na 44ª ANPOCS. Meu agradecimento também ao
Parent in Science e todas as mulheres cheias de força e afeto que integram o
movimento, nossos diálogos foram fundamentais para a continuidade desta
dissertação. Agradeço aos meus colegas dos grupos de pesquisa e orientação que
trouxeram debates relevantes para minha formação enquanto pesquisadora. E em
especial, à Lívia Duarte, minha gratidão e carinho por dividir antropologias, risadas e
desabafos que desde o começo deste mestrado fizemos tão bem.
Aos meus amigos de longa data, que aqui hesito em nomeá-los para não
correr o risco do esquecimento, meu agradecimento pelo constante apoio, diálogo,
amizade e por possibilitarem doses constantes de motivação para esta pesquisa e
para a vida. À minha família, obrigada pelo incentivo, confiança e afeto. À André, por
todo o cuidado, diálogo e amor nas grandes empreitadas e nas miudezas do dia a
dia. À minha filha, Catarina, obrigada pelos tantos encantamentos e possibilidades
de cada dia, por todo o amor que transborda.
“[...] Na condição de pessoa no espectro que opta por esse
suor e sangue, por esse imediatismo, em vez daquilo que é
traduzido e deslocado, minha resposta sobre quem eu gostaria
de ficar presa em uma ilha deserta é bem diferente da resposta
normal. Por exemplo, eu gostaria de ficar presa em uma ilha
deserta com algum ancestral remoto meu, ou uma pessoa dos
tempos atuais que entenda de sobrevivência em uma ilha.
Enquanto a maioria das pessoas pensa em um paraíso
desconectado de tudo, em que elas bebem drinques na praia
enquanto Einstein lhes presenteia com algum discurso
extraordinário ao pôr do sol, eu penso na necessidade de fogo,
de água, de se conhecer as plantas que são doces e as que
são amargas, em alguém que sente uma alegria permanente
em encontrar a coisa certa crescendo escondida perto da terra,
ou qualquer fio de água que seja limpa o bastante para beber,
que fica alegre com a habilidade de poder fazer um simples
abrigo para se dormir na floresta. As pessoas já me disseram
que eu faço esses tipos de escolhas em resposta à pergunta da
ilha porque eu sou ‘literal demais’. Mas não há nada mais literal
do que esta vida, este dia, esta sobrevivência, esta
oportunidade para uma velha e profunda conexão com esta
Terra-ilha em que vivemos, neste momento.”
This dissertation proposes to analyze the care relations and political actions of family
members of people on the autistic spectrum in the social and political recognition of
autism and the realization of rights and public policies. The research was carried out
through an ethnography in different networks of care and action in the city of Belo
Horizonte/MG; among them, associations, municipal spaces and social networks.
Interviews were also conducted with family members, autistic people and public
agents; as well as participation in events and documentary analysis of rights and
public policies related to autism. The trajectories of mothers and fathers of autistic
individuals show how disability, kinship, care and the State are articulated in complex
ways. Ethnography, therefore, based on theoretical discussions of kinship, social
movements and care, makes it possible to reflect on how family relationships
constitute and are constituted in the multiple meanings attributed to autism. Finally,
this work points to the limits and possibilities of care practices that also conform to
political practices, constituting democratic and participatory processes, in which the
subjects’ experiences gain centrality to the demand for a more inclusive society.
Introdução ………………………………………………………………………………… 14
3.3 Fórum TEA: “Nunca lutei por privilégios, mas por direitos já garantidos por
lei”……………………………………………………………………………………… 115
3.4 Famílias e políticas públicas: “É preciso colocar a máscara de oxigênio” ... 123
INTRODUÇÃO
1
Autism Spectrum Disorders in Global, Local and Personal Perspective: A Cross-Cultural Workshop,
realizado no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em setembro
de 2015. Organizado por Clarice Rios e Elizabeth Fein, o workshop contou com apresentações de
pesquisadores da temática do autismo em diferentes áreas. O conteúdo das apresentações está
disponível em: <https://vimeo.com/showcase/3897481>. Acesso em maio de 2021.
2
Exemplos de alguns trabalhos que trazem a abordagem de movimentos sociais em torno do
autismo, ao redor do mundo, são: Chamak, 2008; Ortega, 2009; Eyal e Hart, 2010; Hart, 2014; Nunes,
2014; Ortega, Zorzanelli e Rios, 2016; Rios, 2017; Lopes, 2019a; Rios e Fein, 2019.
15
A pesquisa
3
As terminologias relacionadas às pessoas diagnosticadas com autismo são cercadas de disputas
políticas e identitárias. Por um lado, há a preferência ao termo “pessoa com autismo”, em detrimento
de “autista”. O uso da expressão também faz referência à uma aproximação da opção sociopolítica e
legal da “pessoa com deficiência” no Brasil. Atualmente, é também consensual que o termo “portador”
não seja usado em uma variedade de contextos relativos à deficiência, e sim “pessoa com
deficiência”, conforme a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU (2006) e
a Lei Brasileira de Inclusão (2015). Em oposição à terminologia “pessoa com autismo”, defendido
principalmente por autistas ativistas, o termo “autista” é preferido por evidenciar a condição como
parte de suas identidades e subjetividades, uma diversidade humana (ORTEGA, 2009). Optei pelo
uso de ambas as terminologias, já que no campo etnográfico, muitas vezes, são utilizadas de modo
intercambiável. Neste mesmo sentido, adoto o termo “condição” em referência ao autismo.
4
Buscando preservar a privacidade e anonimato, os nomes dos interlocutores foram alterados nesta
dissertação, assim como das pessoas citadas por eles.
17
5
Entre os meses de fevereiro e junho as reuniões da CADDA priorizam a organização de eventos em
abril, o Mês da Conscientização do Autismo. Em agosto e setembro, a comissão contribui para a
promoção do Setembro Verde, o Mês da Luta pela Inclusão Social, junto à Prefeitura de Belo
Horizonte (PBH). Relativo ao Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, em dezembro, também
são mobilizadas ações públicas. No apêndice desta dissertação há um quadro explicativo das datas
significativas para os movimentos do autismo.
19
6
Participei de um congresso promovido por familiares e profissionais acerca do autismo, o
NeuroConecta, e do pioneiro congresso internacional realizado por pessoas com autismo, o Vez e
Voz do Autista.
7
Livros autobiográficos como: Unidas pelo Autismo (2021), organizado e produzido por mães de
autistas e Colapso Azul (2021), escrito por um autista.
8
O Instagram é uma rede social virtual de compartilhamento de fotos e vídeos. As interações
acontecem seguindo usuários, curtindo, comentando e compartilhando as publicações. Os termos
apresentados denominam formas distintas de publicações na rede social em questão. Os posts são
imagens colocadas nos perfis da rede social, que podem ou não ser acompanhadas de texto na
legenda. Stories são publicações curtas, com poucos segundos de duração e permanência de 24
horas. Costumam trazer divulgação de eventos, compartilhamento de outras publicações ou relatos e
fotos mais íntimos – devido a sua brevidade. Reels também é uma funcionalidade que permite a
criação de vídeos curtos, mas diferente dos stories, são publicados e permanecem no perfil da rede
social. Também permitem a criação e edição desses vídeos pela própria plataforma com o intuito de
torná-los mais atrativos, comunicativos ou performativos. Já as lives são recursos de transmissão ao
vivo pela plataforma permitindo a interação de mais pessoas, além da comunicação com os ouvintes
por mensagens de texto. Todas essas funcionalidades buscam formas distintas de interação e
engajamento.
9
As associações e coletivos acompanhados nesta pesquisa também passaram a utilizar com
frequência as redes sociais virtuais como forma de atuação durante a pandemia.
20
Percursos teóricos
10
O WhatsApp é um aplicativo e uma rede social virtual que permite o envio e recebimento
instantâneo de arquivos de mídia diversos, dentre eles, mensagens de texto, fotos, vídeos,
documentos, localização; além de possibilitar chamadas de voz e vídeo com uma ou mais pessoas.
21
11
Não é unânime a apropriação da deficiência por autistas, familiares ou mesmo profissionais, em
relação ao autismo. Ainda que essas disputas terminológicas existam e carreguem questões políticas
importantes, neste trabalho opto pela associação do autismo à deficiência que, além de se amparar
em uma fundamentação legal, é incorporada no contexto etnográfico na busca por políticas públicas e
efetivação de direitos, constituindo, desta forma, parte das experiências dos sujeitos.
12
Débora Diniz aprofunda este debate histórico sobre os Estudos da Deficiência, e aponta como o
modelo social da deficiência impacta, inclusive, na revisão de modelos médicos e abordagem de
organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS). A autora exemplifica,
apontando para o envolvimento das pessoas com deficiência na Classificação Internacional de
Funcionalidade, Deficiência e Saúde (CIF), elaborada em 2001, que passa a ponderar aspectos
socioculturais nas compreensões sobre lesão, deficiência e participação plena.
25
anos recentes tem havido uma profusão de novos estudos sobre o tema, com
formação de grupos diversos de pesquisa acerca da deficiência no Brasil. Com uma
abordagem da especificidade do contexto local, essas pesquisas passam a incluir
demandas e reivindicações específicas à legislação e política nacional, e do mesmo
modo, questões interseccionais, como classe, raça, gênero e sexualidade. É com
esta recente produção sobre o tema que esta dissertação dialoga mais diretamente.
13
A promulgação da Lei Berenice Piana é vista, pela maioria das famílias e ativistas da causa autista
como uma conquista pela efetivação de direitos e acesso a serviços públicos. Mas a representação
do autismo como uma deficiência não é apropriada de modo unânime. Portanto, a lei também
escancara esses posicionamentos e formas de assistência divergentes em relação ao autismo.
14
Algumas pesquisas relevantes nas ciências sociais sobre o autismo no Brasil, e que alicerçam esta
dissertação, podem ser encontradas em: Ortega (2008, 2009, 2013); López e Sarti (2013); Block e
Cavalcante (2014); Fietz e Aydos (2015); Rios et al. (2015); Campoy (2015, 2017); Aydos (2016,
2017, 2019); Rios (2017); Lopes (2019a); Rios e Fein (2019), dentre outras.
27
15
Alguns instrumentos governamentais e empresas privadas ainda incluem o autismo na rubrica da
deficiência intelectual/mental. Entretanto, de forma mais atualizada, o autismo é entendido como uma
deficiência relacional (RIOS, 2017; VALTELLINA, 2019), ou ainda uma deficiência psicossocial.
28
Neste sentido, através das experiências que são constituídas no cotidiano das
trajetórias pessoais e familiares, busco resgatar uma política que é atravessada por
processos complexos de construções de sentidos e representações do autismo.
Mais precisamente, abordo uma politização de aspectos cotidianos da vida familiar
(CARSTEN, 2004; 2007) para refletir como as práticas sociais e de gestão pública
são acionadas, manejadas e reiteradas nas experiências com a deficiência.
Goldman afirma que cabe uma “modesta tarefa” à antropologia acerca da política:
“elaborar teorias etnográficas capazes de devolver a política à quotidianidade, essa
espécie de tédio universal existente em toda cultura” (GOLDMAN, 2006, p.42). Ainda
que essa etnografia proponha articular essa “quotidianidade” dos fatos com a política
que perpassa a constituição de direitos, as experiências aqui apresentadas parecem
estar longe de ocupar um vazio tedioso do qual Goldman retrata o cotidiano. O
recorte do cotidiano que aqui se mostra é feito de movimento.
Arranjos e estruturas
para o entendimento desta posição, evidenciando também como essa relação entre
deficiência e classificação biomédica corroboram na efetivação de demandas e
direitos na especificidade do autismo. Em síntese, a partir de discussões teóricas
sobre as classificações do autismo, contextualizo o amplo cenário de debates e
trago como estes diferentes sentidos interpelam a vida dos sujeitos que vivem com o
autismo.
1 AS CONTROVÉRSIAS DO AUTISMO
16
Os conceitos elaborados pelos interlocutores são marcados em itálico ao longo desta dissertação.
Termos e expressões de outros autores que são relevantes para as discussões aqui empreendidas,
assim como categorias analíticas adotadas nesta dissertação, também são marcados em itálico.
17
Termo mencionado pelos próprios familiares que, além de demarcar a condição do filho ou filha, faz
referência às experiências dessas mães e pais diante da condição. Este uso terminológico é
carregado de controvérsias, sendo que, uma das críticas diz respeito à tentativa de igualar a
experiência de familiares às pessoas autistas. Optei por utilizar este termo, também como uma
categoria analítica, na medida em que explicita várias das experiências dessas mães e pais.
34
psiquiatria infantil. Em 1943, Kanner publicou seu famoso artigo “Distúrbio autista do
contato afetivo”18 que classificou pela primeira vez o diagnóstico de autismo. Em
suas primeiras observações, o psiquiatra identificou crianças com um relevante
apreço pelo isolamento social, o desejo obsessivo pela manutenção de semelhanças
e rotinas, pensamento concreto e questões sensoriais (GRINKER, 2010).
18
“Autistic Disturbances of Affective Contact” (1943), no original.
19
Exemplares são os escritos de J. Langdon Down sobre “crianças savants”, em 1887 (GRINKER,
2010), e o estudo de Grunya Sukhareva, sobre a “psicopatia autista” descrita em 1926, e que
desencadeou discussões polêmicas sobre o plágio de seu trabalho por Hans Asperger, outro
psiquiatra a se dedicar sobre o tema na década de 1940 (ZELDOVICH, 2018).
20
Exemplar desta constatação acerca dos resgates alternativos do processo histórico do diagnóstico
diz respeito à pesquisa invisibilizada da psiquiatra Grunya Sukhareva que emerge em discussões nas
redes sociais, no contexto do “Dia da Mulher Autista” – uma data defendida por mulheres com o
diagnóstico reivindicando o reconhecimento da diversidade de gênero dentro/sobre a condição.
36
um espaçamento simples, escrita pelo pai Beamon Triplett, descrevia Donald nos
seus primeiros quatro anos de vida (DONVAN e ZUCKER, 2017). Direcionada a Leo
Kanner, Beamon procurava uma explicação para o desenvolvimento do filho
apresentando na carta os mais pormenorizados detalhes de suas habilidades e
condutas. Como Donvan e Zucker (2017) investigam, após várias trocas entre os
pais e o psiquiatra, foi em uma carta particular à mãe, em 1942, que Kanner relatou
pela primeira vez a percepção de um “distúrbio” que passou a ser conhecido como
autismo. Essa motivação familiar impulsora é lembrada até os dias atuais por
familiares que, de maneira semelhante, buscam suas respostas e afirmam sua
expertise no autismo a partir de um conhecimento tácito e pragmático constituído no
cotidiano (RIOS, 2017; 2019; RIOS e CAMARGO JR, 2019).
21
Casos recentes contra o uso discriminatório do autismo como um adjetivo pejorativo foram pautas
de discussões e posicionamentos entre os interlocutores desta pesquisa. Mais informações sobre
esses casos estão disponíveis em: <https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/02/05/interna_po
litica,1235551/prefeito-diz-ter-sido-mal-interpretado-ao-comparar-bolsonaro-a-autista.shtml>; <https://
www.metropoles.com/colunas/leo-dias/maes-de-criancas-com-autismo-se-revoltam-com-humorista-le
o-lins-entenda>. Acesso em maio de 2021.
22
Grinker (2010) explora mais detidamente como as abordagens psicodinâmicas impactaram no
entendimento e reconhecimento do autismo ao longo das décadas.
23
Bettelheim era austríaco, emigrado para os Estados Unidos, e ganhou popularidade por teorizações
sobre psicologia humana e diversas publicações sobre o autismo. Donvan e Zucker (2017)
38
26
O termo causa é constantemente evocado no campo etnográfico. A depender de cada contexto, as
causas autistas dizem respeito aos movimentos de pessoas autistas, aos movimentos de familiares
em prol dos direitos dos autistas ou ambos; distinguindo-os, na maioria das vezes, dos especialistas
ou agentes públicos. Outro termo flexível adotado neste mesmo sentido é comunidade autista.
40
27
Refiro-me a pessoas que vivem com o autismo, abarcando tanto os autistas, quanto suas famílias,
entendendo, como argumento central desta dissertação, que as famílias também são atravessadas,
de diferentes formas, nas experiências com a condição.
41
28
Atualmente, o termo “excepcional” é considerado depreciativo, portanto, não sendo utilizado para
referenciar pessoas com deficiência ou transtornos mentais. Termos como “pessoas especiais” e
“portador de deficiência” também não são utilizados pelo mesmo motivo. Resultado da luta de
movimentos sociais da deficiência e relacionada diretamente à construção e promoção da cidadania,
a terminologia tida como a mais adequada é, atualmente, “pessoa com deficiência” (PcD). Esta
terminologia é incorporada na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº13.146/2015).
29
Neste contexto de atuação, o autismo não era um diagnóstico independente, mas associado ao
“retardo mental” e outras deficiências (LIMA et al., 2019).
43
30
A Reforma Psiquiátrica brasileira teve uma grande influência da lógica psicanalítica que marcou
também os movimentos pós-Reforma. Cascio, Andrada e Bezerra Jr (2019) apontam como a
psicanálise permanece muito forte nos campos de atuação da saúde mental. “Parte da controvérsia
relacionada às políticas e ao cuidado para o autismo no Brasil está emaranhada com a influência
psicanalítica no campo da saúde mental” (CASCIO, ANDRADA e BEZERRA JR, 2019, p.85).
31
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e a Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), que são abordados ao longo
desta dissertação.
45
32
Nas arenas de debates do autismo, são populares as intervenções comportamentais como a
Análise Comportamental Aplicada (Applied Behavioral Analysis, ou ABA), Floor Time, Terapia de
Integração Sensorial, Tratamento e Educação de Crianças com Autismo e Dificuldades de
Comunicação (Treatment and Education of Autistic and Related Communication-Handicapped
Children, ou TEACCH), dentre outras. Essas técnicas são utilizadas por muitos profissionais no
Brasil, principalmente na rede privada, que tem seus contatos constantemente trocados entre os
grupos de familiares da pesquisa etnográfica. Os debates sobre as melhores intervenções e
tratamentos são recorrentes, mas uma análise aprofundada não cabe ao escopo desta dissertação.
48
ativismo autista, que tem início na década de 1980, tem crescido exponencialmente
nos Estados Unidos trazendo as próprias experiências para o cerne das discussões
(LIMA et al., 2019). Os movimentos em defesa das pessoas com deficiência, na
década de 1970, também foram fundamentais para a construção do viés identitário,
através do deslocamento da visão biomédica para um modelo social, no qual a
deficiência deixa de ser uma tragédia pessoal e passa a ser vista como uma questão
social e política (ORTEGA, 2009). Esse fundamento político permite, portanto, em
relação ao autismo, a emergência de uma perspectiva baseada na afirmação da
identidade, constituindo afirmações do “orgulho autista” e da “comunidade autista”,
por exemplo. Atualmente, diversos grupos de autistas trabalham em conjunto aos
movimentos em defesa das pessoas com deficiência, na efetivação de políticas e na
valorização dos indivíduos. Lima, Feldman, Evans e Block apresentam o ativismo
autista que vem ganhando força nos Estados Unidos:
33
O termo é usado pela primeira vez pela socióloga Judy Singer com a publicação do texto “Por que
você não pode ser normal uma vez na sua vida? De um “problema sem nome” para a emergência de
uma nova categoria de diferença” (1999).
49
Os ativismos autistas, que têm ganhado força e destaque não apenas nos
Estados Unidos, mas ao redor de todo o mundo, têm reivindicado a
representatividade e o engajamento, e influenciado os posicionamentos críticos e
políticos, inclusive de grupos de familiares e profissionais. No Brasil, ainda que as
controvérsias sobre o autismo estejam centradas na pragmática da execução de
serviços, construção de políticas públicas e efetivação de direitos, a
neurodiversidade, por exemplo, tem adentrado as narrativas de atores sociais
envolvidos na temática do autismo. Acompanhei durante o período de isolamento
social, decorrente da crise sanitária de covid-19, a expansão rápida de perfis de
autistas ativistas nas redes sociais trazendo debates mais próximos ao movimento
da neurodiversidade e da identidade autista35. O movimento tem ganhado
legitimidade nas perspectivas de mães, pais, grupos organizados e associações; e
da mesma forma, a atuação por meio da internet tem adquirido mais intensidade
como atuação política, em consequência às novas formas de relacionamento,
disseminação e acesso de informações durante a pandemia36.
34
Ortega (2008, 2009), Hart (2014) e Campoy (2016) trazem com mais propriedade o movimento da
neurodiversidade e a relação com associações e grupos de pais. Ortega aponta como os movimentos
estão fundamentados na concepção de um “sujeito cerebral” que leva a diferentes modos de gestão e
posições políticas. Hart traz um debate mais amplo do movimento da neurodiversidade, para refletir
como a diversidade e a experiência autista exprimem-se nas relações de cuidados, nas adesões de
programas terapêuticos e na vida cotidiana das famílias. Campoy apresenta as disputas entre
familiares e ativistas da neurodiversidade na alocação de recursos e serviços de assistência e, assim
como Ortega, elucida sobre os limites do movimento quanto à diversidade do espectro autista.
35
O aumento da exposição em redes sociais e interações virtuais, em decorrência da situação de
isolamento, pode ter contribuído para a potencialidade do movimento no contexto brasileiro,
carecendo de uma investigação mais aprofundada dos impactos da pandemia nos processos de
reconhecimento do autismo.
36
O grupo de associações acompanhado nesta pesquisa também passou a adotar perfis em distintas
redes sociais virtuais como forma de atuação política.
50
Brendan Hart resgata Ian Hacking (2009) para explicar como as atuações de
autistas fornecem uma “infraestrutura para entender o que as pessoas com autismo
estão fazendo na vida diária” (HART, 2014, p.287), funcionando como alicerces entre
as diferentes experiências. Através de uma pesquisa em variados contextos
etnográficos, Hart busca refletir como a neurodiversidade, e mais especificamente, a
valorização da diversidade e experiência autista levantada pelo movimento,
exprime-se nas relações de cuidados e nas adesões de programas terapêuticos por
pais e familiares. Hart evidencia como o autismo adquire novos sentidos nos
contextos da vida cotidiana, ainda que perpassados por teorias e movimentos que, à
primeira vista, parecem contraditórios. No cotidiano, os embates e discrepâncias
tornam-se abstratos, “praticamente irrelevantes” (HART, 2014). Para o autor, as
terapias, também ampliadas na vida das famílias, fornecem uma “infraestrutura
técnica” para a profundidade e diversificação das vivências das pessoas autistas, tal
como advoga o movimento da neurodiversidade. Hart apresenta uma miríade de
exemplos de interações entre pais, mães, filhos e filhas autistas para a inclusão nos
ambientes sociais que estão longe de serem normativas, mas abarcam os modos
neurodiversos de interação.
37
A primeira referência de Asperger sobre o tema foi em 1938, entretanto, seu estudo mais
abrangente sobre o autismo foi publicado em 1944 (CZECH, 2018).
52
38
Com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e na Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), documentos médicos
que foram abordados no campo etnográfico e serão mencionados ao longo desta dissertação. Em
1980, o autismo é incluído como diagnóstico clínico no DSM III, colocado em uma nova classe de
transtornos de desenvolvimento (KLIN, 2006). Essa classe diagnóstica é, então, incorporada no
CID-10, publicada em 1989 e que sofreu diversas atualizações ao longo dos anos.
39
Um quadro sobre as transformações no DSM em relação ao diagnóstico de autismo pode ser
encontrado no apêndice desta dissertação, baseado nas formulações de Grandin e Panek (2015).
53
Tal como no espectro das cores, no qual não há uma divisão clara entre, por
exemplo, o vermelho e o laranja, ou o azul e o púrpura, o espectro do
autismo não apresenta fronteiras definidas entre as diferentes
manifestações de autismo (GRINKER, 2010, p.73).
40
Comumente os familiares que acompanhei também se referem aos filhos como aspergers quando a
diferenciação do diagnóstico é relevante para o contexto do diálogo, mostrando a construção da
identidade, assim como o uso frequente do termo, a despeito da exclusão da síndrome nos códigos
de classificação biomédicos.
41
Um ponto a se destacar é a exposição midiática de pessoas apresentadas como diagnosticadas
com Síndrome de Asperger associadas a características de genialidade. Em consequência, o paralelo
com o restante do espectro é, muitas vezes, associado a não inteligência. Essas imagens infundadas
sobre o autismo acentuam visões estereotipadas, reducionistas e discriminatórias. Por se tratar de um
espectro, há uma diversidade de manifestações comportamentais e cognitivas.
42
O movimento mobilizado por aspergers desencadeou a criação do Dia do Orgulho Autista (Autistic
Pride Day), em 2005, pelo grupo de defesa de direitos civis dos autistas Aspies for Freedom.
54
relatou sua preferência por não integrar a associação, acreditando que não seria
acolhida nas suas necessidades, sendo mãe de “um menino autista severo e
negro”43.
43
Sendo a maioria dos integrantes da associação, pessoas brancas, a questão racial aparece como
um fator determinante na participação através da fala desta mãe. A questão de classe também
aparece como uma discussão controversa, inclusive, dentro do próprio coletivo, ao ser evidenciada
por alguns integrantes a situação privilegiada das famílias atuantes. O espaço geográfico da cidade
ocupado pela associação, tendo a maioria dos eventos e reuniões realizados em áreas centrais e
nobres da cidade, é apontado como uma marca da questão de classe e raça em relação ao coletivo,
ainda que se priorize a participação independente de qualquer marcador social.
44
Essas discussões aparecem com mais frequência no ativismo autista nas redes sociais,
acompanhado no período desta pesquisa.
56
45
Há uma vertente do movimento de autistas no Brasil, presente também em outras partes do mundo,
que defende o autodiagnóstico de autismo. Considerando questões sociais e estruturais, como a
desigualdade de acesso a serviços de assistência e de saúde, os defensores desta proposta
enfatizam a importância de um diagnóstico, ainda que identificado pela própria pessoa ou família,
visando o direcionamento para ações específicas que possibilitem bem-estar e qualidade de vida.
Observei esse posicionamento mais expressivo em perfis de autistas ativistas em redes sociais. Outra
vertente do movimento, predominante nos Estados Unidos, enfatiza o autodiagnóstico e além, nega a
determinação médica. No contexto local desta pesquisa, essa vertente é inexpressiva.
59
46
Ian Hacking (2006) descreve o autismo como uma condição "tridimensional'', com um eixo
comunicacional, um social e um sensorial.
47
International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems (ICD-11), em inglês.
O documento, assim como algumas versões anteriores, pode ser acessado no site da OMS,
disponível em: <https://www.who.int/standards/classifications/classification-of-diseases>.
48
No código F84 (CID-10) encontra-se: Autismo infantil, Autismo atípico, Síndrome de Rett, Outro
transtorno desintegrativo da infância, Transtorno com hipercinesia associada a retardo mental e a
movimentos estereotipados, Síndrome de Asperger, Outros transtornos globais de desenvolvimento,
Transtornos globais não especificados do desenvolvimento.
60
49
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, em inglês.
50
É a partir desses níveis de suporte que as pessoas são comumente reconhecidas como “autistas
de grau leve, moderado e grave”. Mas essas divisões, em algumas vertentes do movimento autista,
são objetos de controvérsias pautadas no argumento de que criam subgrupos dentro da causa. Em
um mesmo nível de suporte, as particularidades quanto ao diagnóstico são variáveis, reafirmando o
espectro da condição.
61
51
Retomarei as discussões sobre o Fórum TEA no Capítulo 3 desta dissertação.
62
52
Várias pesquisas têm sido desenvolvidas buscando detectar alterações cerebrais que contribuam
para o diagnóstico do autismo. Recentemente foi publicada a notícia de um estudo que aprofunda
essas análises, e pode ser acessada em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-59529950>. Acesso
em janeiro de 2022.
53
O psiquiatra citou estudos de uma entidade nos Estados Unidos, Autism Speaks, que considera
que 1 a cada 54 pessoas é diagnosticada com TEA. Dados estão disponíveis em:
<https://www.autismspeaks.org/what-autism>.
54
O Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é
realizado a cada dez anos e visa identificar as condições demográficas, sociais e econômicas da
população brasileira. O Censo mais recente, marcado para acontecer em 2020, foi adiado frente à
crise sanitária de covid-19 que culminou no início do mesmo ano. Previsto para acontecer em 2021, o
Censo foi novamente cancelado após corte de 96% dos recursos previstos pelo Estado. A próxima
pesquisa censitária será realizada em 2022. É possível saber mais sobre essa discussão no site do
IBGE, disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticia
s/noticias/30602-estamos-preparados-para-realizar-o-censo-neste-ano-diz-presidente-do-ibge-sem-de
scartar-2022>. Acesso em junho de 2021.
63
2 FAMÍLIAS EM MOVIMENTO
55
Se referindo ao Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CMDPD/BH), no qual
Joaquim também integra. Acompanhei o trabalho do Conselho, sendo incluída como colaboradora na
Comissão de Políticas Sociais, desde junho de 2020, até o momento de escrita desta dissertação.
67
aparecer no canto das telas cores, objetos e disposições do que eram os cuidados
dentro das residências em tempos de isolamento social.
com autismo. Inspirada nas teorizações de Janet Carsten (2000, 2004, 2007) sobre
o parentesco e nas contribuições acerca das relações entre eventos críticos e vida
cotidiana de Veena Das (1995, 2007), neste capítulo analiso como após o
diagnóstico de autismo dos filhos e filhas, ocorrem transformações dentro do
parentesco e das relações familiares. Dessa forma, dou seguimento às discussões
já tratadas no início desta dissertação que abordam o diagnóstico como um
processo que não apenas classifica, mas reconfigura vidas. Igualmente, procuro
identificar como essas mudanças de ordem individual e relacional levam a alianças e
redes que se mobilizam por meio de movimentos sociais em prol dos direitos da
pessoa com autismo. Uma etnografia com familiares de pessoas com deficiência diz
respeito não apenas às formas elementares do parentesco, mas evidencia relações
políticas importantes em um contexto recortado por questões que atingem corpos,
subjetividades, relações, identidades e construções sobre as noções de pessoa em
nossa sociedade.
parentesco como relacionalidade é feito mais por práticas cotidianas do que por
regras formais (CARSTEN, 2000; 2004).
Veena Das e Lori Leonard (2007) em uma pesquisa com mulheres jovens
com HIV positivo em atendimentos em clínicas médicas norte-americanas, retomam
a ideia de evento crítico de Das para pensar o diagnóstico como um ponto de
partida, um evento característico que permite elaborar questões da ordem individual
assim como a emergência de conteúdos do parentesco. Tomar um diagnóstico
biomédico como esse ponto de origem, de ruptura, recupera a ideia de um evento
que vem de modo inesperado e, portanto, transforma o tempo comum, o cotidiano
(DAS e LEONARD, 2007). Ainda que procedam de outros contextos de análises,
72
56
É com ênfase nessas histórias que muitos familiares enfatizam a importância do diagnóstico
precoce, com a formação adequada de profissionais de saúde para a avaliação correta de possíveis
diagnósticos na infância. É unânime, em meu campo de pesquisa, a valorização do diagnóstico
precoce como uma forma de obter acesso a direitos e, consequentemente, bem estar e qualidade de
vida para a pessoa autista. Joaquim, durante uma reunião entre as associações, afirmou como o
diagnóstico pode ser o primeiro passo para a autonomia.
73
família, enfatizou como parecia que o pai, hoje já falecido, sempre soube das suas
“diferenças” e, como sua mãe lhe contou, “ele sempre o tratava de um jeito
especial”. Poderia, então, supostamente afirmar que, em relação ao autismo, a
imprevisibilidade do evento diagnóstico não existe, mas o processo de busca por
respostas às inquietações sobre as diferenças dos filhos e filhas, e a chegada a um
diagnóstico biomédico, muito se aproxima de um acontecimento, tal como a análise
trazida por Das e Leonard (2007). Ainda que a percepção da diferença já exista
dentro dessas famílias, o diagnóstico, descrito e formalizado em um laudo médico,
concretiza uma ruptura na vida familiar. A partir dessa semiótica clínica que passa a
atravessar a vida das pessoas, acontece uma ruptura do cotidiano, apresentando
novos rearranjos, através de terapias, medicamentos, consultas médicas, ou mesmo
nas práticas de cuidado domésticas e rotineiras. Ou ainda, através de atuações
políticas e sociais antes impensáveis por esses familiares, que passam a incluir em
seu repertório, o autismo, adentrando as trajetórias dessas famílias e transformando
o tempo comum.
57
Outros estudos também articulam essas experiências emocionais de familiares com o autismo, a
partir de diferentes abordagens e que são inspirações para a análise aqui construída (GRINKER,
2010; NUNES, 2014; CAMPOY, 2015; FONTOURA, 2015; RIOS, 2017; AYDOS, 2017).
78
O pediatra, quando falei que achava que meu filho era autista, me olhou
como se eu estivesse maluca e me pediu para nem repetir aquilo! Meu
esposo falava que “esse tal de autismo” era uma coisa da minha cabeça e
que o filho dele não tinha nada (GOMES, 2020, n.p.)59.
58
Assim como Fernanda Nunes (2014) apresenta sobre seu campo, em meu contexto de pesquisa a
religiosidade é constantemente evocada para dar justificativa aos acontecimentos. Roy Grinker (2010)
discute essa questão religiosa ao contrastar como em contextos diversos, e com religiosidades
também diversas, esse mesmo caminho é posto como ordenamento para a vida diante do
diagnóstico. A presença religiosa aparece, principalmente, em adjetivações de autistas como “anjos”
ou “presentes de deus”, o que é um tema de recorrente embate entre autistas ativistas e familiares.
59
Livro organizado por mães de pessoas com autismo, com relatos de suas experiências sobre o
diagnóstico. Material obtido com os interlocutores desta pesquisa e que apresenta o contexto local
abordado.
79
60
Acompanhei, com maior profundidade, apenas histórias familiares de autistas que já haviam, em
maior ou menor tempo, recebido o diagnóstico de autismo. Não pude acompanhar nenhum processo
de busca pelo diagnóstico. Amparo-me nas narrativas dos familiares que não apenas retomam
acontecimentos, mas ao narrar, elaboram suas experiências.
80
Aponto aqui como essa dúvida em relação à busca pelo diagnóstico está
associada, na maior parte das vezes, ao exercício da maternidade, evidenciando
marcas de relações e diferenças morais nas construções de gênero dentro das
famílias (ALMEIDA, 2004). Mas não raros são os relatos de pais que, ao
participarem da busca por entendimento sobre os filhos e filhas, também evidenciam
o desgaste com a família extensa61 na invalidação do diagnóstico de autismo. Tal
como traz Heloísa Buarque de Almeida (2004), a família não é apenas o lugar de
afeto, mas também o lugar onde se expressam conflitos. Fernanda Nunes ao relatar
sobre experiências de familiares com o diagnóstico, demonstra como há ainda uma
disruptiva dos laços afetivos e sociais vivenciados que se estende para além das
famílias, explicitado na fala de um interlocutor: “é como se uma bomba de nêutron,
aquela que mata tudo em volta, mas não destrói nada, tivesse explodido em nossos
relacionamentos” (NUNES, 2014, p.38). Portanto, cabe às famílias o suporte e
assistência adequados, assim como a lida com essa reconfiguração familiar, essa
incorporação das diferenças inesperadas em uma narrativa compreensível de
parentesco (RAPP e GINSBURG, 2001). Como bem descreve Campoy, os pais
passam pelo dilema de “como ler seu filho, esse estranho que a vida lhe colocou
como parente, esse outro que lhe veio como família, esse migrante que arrastou as
fronteiras da alteridade para dentro do seu lar” (CAMPOY, 2017, p.148).
61
Heloísa Buarque de Almeida (2004) traz a discussão sobre o que pressupõe a família nuclear na
sociedade moderna, em oposição à família extensa. A autora mostra que há um imaginário de um tipo
ideal de grupo de parentesco: um casal com seus filhos, formado por uma aliança e decorrente de
laços diretos de consanguinidade. Além da habitação na mesma moradia em boa parte do ciclo
familiar. Sem desconsiderar essas discussões acerca das relações de parentesco e das categorias
que emergem na sociedade moderna, utilizo das adjetivações de nuclear e extensa sem pressupor o
que significam essas famílias. Pretendo demonstrar apenas que há um núcleo (constituído das mais
variadas formas) que predispõem apoio e cuidado recíprocos, inclusive diante de diagnósticos
médicos e deficiência; e outro grupo familiar que geralmente está mais distante, podendo ou não
direcionar ações de apoio. Faço essa escolha metodológica buscando não generalizar as histórias
familiares com as quais tive contato, considerando também que conheci fragmentos dessas histórias,
portanto, os dados são insuficientes para afirmar com clareza quais são essas estruturas familiares
ou arranjos de moradia. Havia famílias monogâmicas, famílias monoparentais, famílias constituídas
com outros membros como figuras centrais, etc. Meu foco nesta dissertação foi a trajetória de mães e
pais de autistas, independente da consanguinidade ou do arranjo familiar.
81
desta classificação que interpela a vida dos indivíduos e cria novas categorias nas
quais as relações operam. Mas é também a dúvida, e consequentemente, a busca
por informações, que aproxima as famílias de um movimento de ativismo familiar.
Exemplar é o envolvimento de novos integrantes na associação que encontram a
ASATEA em redes sociais, indicação pessoal ou profissional, e a veem como uma
alternativa ao acesso de informações acerca do autismo, assim como à
reconstrução de laços afetivos e sociais. Joaquim, ao descrever a rotatividade de
participação na associação, enfatizou como muitas das mães e pais que fazem o
contato, estão em uma ânsia por respostas prontas, idealizando a associação como
o lugar de resolução de dilemas e um “guia do caminho a seguir”. Entretanto, mais
do que prescrições, Joaquim afirmou como o conhecimento e acolhimento das
subjetividades da parentalidade atípica é parte de um longo processo, assim como a
luta por direitos e reconhecimento do autismo também requer engajamento e uma
constante busca por respostas que perpassa tanto questões sociais e políticas,
como o próprio ordenamento pessoal e subjetivo.
Mesmo diante das dúvidas e incertezas sobre a condição dos filhos e filhas,
alguns pais preferem acreditar que não há nada a ser esclarecido, constituindo um
mecanismo de defesa, como afirma a terapeuta Sônia Calil62. Mas esta defesa não
está apenas relacionada ao sentido psicológico, ela coaduna com uma lógica
generalizada de produções de corpos e subjetividades circunscritas em uma
representação de normalidade. A condição do autismo, enquanto um diagnóstico e
uma deficiência, materializada em um laudo médico, além de uma “resposta” ou o
aparente fim de uma “jornada”, também gera a ruptura de certezas construídas no
ideal da parentalidade e da família. Neste sentido, a surpresa e o choque também
aparecem, frequentemente, nas narrativas e relatos das trajetórias familiares. Uma
das mães que contribuiu com o livro “Unidas pelo Autismo” (2020), material com
relatos de mães após o diagnóstico de autismo de seus filhos, conta como a dor e o
62
Vídeo circulado no grupo de whatsapp da associação que discute a saúde mental de pais e a
“estabilidade” da família, promovido por Mayra Gaiato, notável psicóloga especializada em autismo,
com a participação de Sônia Calil, psicóloga de adultos e terapeuta de pais. Trago este material como
algo que circulou entre o coletivo de familiares e foi muito apreciado. As demandas sobre “terapia de
pais” são recorrentes nas associações. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=2quH3Lf_
UhI&feature=youtu.be>. Acesso em março de 2021.
82
E aí tem o luto. Muitas partes dessa fase eu não lembro, e acho que
justamente por conta de todo sofrimento. Digerir tudo isso foi muito
complexo. Fiquei por um tempo em um lugar bebendo da fonte de onde
jorrava toda a tristeza do mundo. [...] No caso da minha família, minha
esposa não passou por esse processo. [...] O que pode levar uma pessoa a
ter esse sentimento? Sentir culpa ou procurar um culpado (Trechos
transcritos da fala de uma pai no Congresso NeuroConecta, realizado em
2020).
63
Ao longo desta dissertação abordarei mais detidamente sobre este estigma associado à deficiência
em uma lógica de produção de corpos. Cabe apontar que esta visão é classificada como capacitismo:
a suposição da relação entre deficiência e incapacidade.
84
parte das vezes, como responsabilidade materna. Em grande parte dos relatos, a
rede de apoio constituída por essas famílias é prioritariamente de mulheres,
incluindo mães, avós, tias e irmãs. E mais uma vez, a questão de gênero é colocada
em pauta quando pais afirmam que as mães não passam pelo processo de luto,
mas, ao contrário, nos relatos de mães, elas exprimem como precisam lidar com a
ruptura inicial para dar início aos tratamentos, estabelecer cuidados rotineiros e
buscar políticas de assistência. E por vezes, essas mães justificam o “breve luto”
pela necessidade de intervir no processo emocional de pais que recusam o
diagnóstico e “demoram a vivenciar o luto”, e consequentemente, não participam do
compartilhamento de cuidados em relação aos filhos. O abandono paterno é
também recorrente diante da deficiência e, portanto, dentre essas famílias há uma
quantidade significativa de casos de monoparentalidade feminina (FINAMORI e
CARVALHO, 2020). Irmãos e irmãs também emergem nas narrativas familiares, na
medida em que são reconduzidos a outros planos e projetos de vida. Por vezes é
dado aos irmãos o “direito” de seguir suas vidas, sem que as demandas acerca do
diagnóstico impactem em suas escolhas, justificando, assim, suas ausências. O
contrário também é recorrente, isto é, que esses membros da família – e, neste
caso, notadamente, as irmãs – passem a assumir a responsabilidade pelos irmãos
com deficiência (FIETZ, 2018). Não pretendo me deter aqui nas transformações dos
arranjos familiares, mas busco evidenciar como percorrer essas trajetórias permite
uma compreensão da experiência da deficiência para além da ordem individual, mas
parte da elaboração do parentesco e, de forma mais ampliada, da organização
social e coletiva.
64
É recorrente a associação de comorbidades à condição autista, sendo algumas delas: transtorno de
ansiedade, depressão, transtorno de déficit de atenção, distúrbios do sono, distúrbios alimentares,
epilepsia, etc. Em meu campo de pesquisa é muito comum a troca de informações e recomendações
médicas direcionadas aos cuidados dessas comorbidades.
85
65
Uma máxima do ativismo da deficiência, o “nada sobre nós sem nós” representa as reivindicações
de autonomia, independência e participação plena. Romeu Sassaki (2007a, 2007b) faz um detalhado
histórico dos movimentos das pessoas com deficiência, destacando os efeitos do “nada sobre nós
sem nós”. Pedro Lopes (2019c) aborda como o ativismo político protagonizado por pessoas com
deficiência na África do Sul, em 1970, também foi relevante para a consolidação do emblema.
88
Meu filho estava negando, odiando essa palavra, por isso eu precisei dar
uma recuada, para ele se entender, ter o momento dele. [...] Teve um
momento em que ele era super aberto, batia no peito e falava ‘eu sou
autista!’, depois ele negava. As coisas estão se encaminhando, então agora
eu posso me dedicar mais. [...] Chegou um momento em que ou eu fazia
bem a ele ou aos outros (Fala de Rute).
é, de fato, algo que acontece no fluxo da vida cotidiana e é significado nas relações
dispostas em contextos socioculturais específicos. No sentido apontado por Ian
Hacking (2006), o diagnóstico, além de uma classificação, é também criado pelos
sujeitos localizados nas dinâmicas dos efeitos e sentidos que produz. E a
deficiência, enquanto categoria analítica, deve ser também analisada na
potencialidade do cotidiano, dentro das casas, nas ruas, nas praças, ou mesmo em
telas que passam a contar tantas histórias.
relatos que abordam o autismo como uma condição extrema, com a exposição de
pais desesperados. Outra perspectiva que constituiu este inicial destaque, foi uma
apropriação sobre narrativas de autistas estrangeiros e matérias de cunho científico
com estudos e tratamentos advindos de fora do Brasil – o que, argumentam os
autores, poderia indicar a falta de recursos para lidar com o autismo no contexto
local. Ao longo dos anos, essa visibilidade foi ganhando outros contornos, e a
participação de familiares e autistas ativistas também foi fundamental para a
construção de narrativas mais amparadas nas experiências reais dessas pessoas66.
Ainda que esses reconhecimentos tenham sido atualizados, o autismo é uma
categoria que carrega muitos estigmas, sendo associado a visões estereotipadas ou
informações contestáveis. Assim, para muitos familiares, o decurso após receberem
o diagnóstico de seus filhos e filhas, é o empenho e procura por informações
confiáveis. Destrinchar matérias, sites, relatos, artigos científicos, revistas, livros de
especialistas, leis, cartilhas, bulas de medicamentos, dentre outros materiais e
narrativas, é parte da experiência de muitos familiares. Nas reuniões das
associações em meu campo etnográfico, não raro, mães e pais traziam consigo
algum livro ou artigo impresso em processo de leitura. Produções cinematográficas,
principalmente com protagonistas autistas, também ocupavam o repertório de
alternativas de obtenção de informações sobre o autismo67.
66
Hacking (2009), Hart (2014), Grandin e Panek (2015) e Valtellina (2019), são alguns autores que
abordam a constituição da visibilidade do autismo por meio de narrativas e autobiografias de autistas.
67
Alguns dos filmes e séries que me foram indicados ao longo desta pesquisa incluem: Rain Man
(1999), Missão especial (2004), Um certo olhar (2006), O nome dela é Sabine (2007), Sei que vou te
amar (2007), Temple Grandin (2010), Fly Away (2011), Vida Animada (2016), The Good Doctor
(2017), Tudo que eu quero (2017), Farol das Orcas (2017), Atypical (2017), Love on the Spectrum
(2019).
91
68
Abordarei sobre esta perspectiva das redes de expertise ao longo da dissertação. No capítulo 3, é
acionada para analisar as redes e alianças que são construídas por familiares na mobilização por
políticas públicas e direitos no contexto local. No capítulo 4, buscando esclarecer como o cuidado
está atrelado a essa produção de conhecimento cotidiano, a expertise é retomada novamente.
92
69
Lei nº 10.406 de janeiro de 2002, no Capítulo II dispõe sobre as associações.
94
Em uma das primeiras reuniões que participei, conheci Ivana que, na ocasião,
me ofereceu uma carona de volta para casa. Ivana é mãe de dois filhos autistas,
advogada, e é muito envolvida com a causa. Eloquente e extrovertida, é habilidosa
na comunicação de informações e é descrita, pelos outros integrantes, como a mais
apta a pleitear demandas com gestores e figuras públicas. Sua determinação e
carisma aliados, ganha espaços significativos nessas relações de alianças, mas
ganha também, conversas leves e muitos sorrisos durante as reuniões. Na ocasião,
nos acompanhava Rute, mãe de um filho autista já adulto, também advogada.
Resoluta e atenta, Rute é uma das integrantes mais respeitadas por sua longa
atuação na causa, como ela mesma afirmou em dado momento, “27 anos de luta”.
No momento de saída da reunião descrita, enquanto percorríamos o estacionamento
escuro e vazio do prédio, Ivana e Rute, davam continuidade à conversa iniciada
durante o encontro acerca dos cuidados com os filhos. Discorriam sobre suas
rotinas, elaboravam sobre as relações familiares, trocavam conselhos e
recomendações. Minha presença, aparentemente, não era incômoda aos relatos
pessoais trocados. Em tom de brincadeira, Ivana se direcionou à mim: “não liga para
as coisas que a gente fala aqui não! Você sabe da loucura de cuidar de filho, né?
Que a gente ama, mas também quer fugir para longe! Mas a gente faz a mala e põe
o filho dentro!”. A partir deste momento etnográfico, as relações foram se
estabelecendo dentro da associação: eu, enquanto pesquisadora, mas também
mãe, passei a criar vínculos e conexões em que a dimensão familiar era o ponto de
encontro entre as diferentes trajetórias. E foi a partir das conversas estabelecidas
nesta “etnografia de carona” que tive acesso ao “mito criador” da associação pela
primeira vez.
Cada associação possui uma linha própria de atuação, mas com o objetivo
comum de fornecer informações e acolhimento a autistas, familiares e profissionais.
Ainda que as linhas de atuação sejam permeáveis, podendo uma associação atuar
em múltiplos eixos a depender das situações locais, é possível descrever quatro
eixos de atuação pelas associações analisadas nesta pesquisa70: 1) ações políticas
públicas, como a atuação em instituições ou espaços de gestão municipal; 2)
visibilidade e comunicação, através de publicações de materiais, como livros,
vídeos, produção em redes sociais, etc.; 3) acolhimento de famílias, incluindo
serviços destinados à familiares e cuidadores com profissionais parceiros; 4)
acolhimento de autistas, também incluindo a ação de profissionais ou instituições
parceiras. Portanto, através de distintos exercícios políticos através das
associações, os agenciamentos em torno do autismo ora divergem-se, ora
aproximam-se. É a demanda por acolhimento de autistas e suas famílias, promoção
e efetivação de direitos e disseminação de informações sobre o autismo que essas
diferentes atuações se convergem em um movimento social fundamentado em
experiências subjetivas em torno do diagnóstico e da deficiência71.
70
As linhas de atuação elaboradas nesta dissertação partem de observação etnográfica, pesquisa
documental, entrevistas e conversas informais, não correspondendo, necessariamente, a dados
elaborados pelas associações.
71
Enfatizo as terminologias diagnóstico e deficiência na mesma sentença, sinalizando as
heterogêneas perspectivas ontológicas sobre o autismo neste movimento familiar mais amplo, e que,
longe de serem excludentes, compõem as nuances que marcam o debate e o reconhecimento do
espectro autista.
97
72
Comumente a máxima “diversidade dentro da diversidade” é utilizada para explicitar as múltiplas
experiências em relação ao espectro autista. No contexto da pesquisa etnográfica, a frase era
também relembrada para mobilizar reflexões a respeito das próprias experiências familiares em
relação ao diagnóstico, enfatizando, principalmente, questões de classe, raça, gênero e geração.
99
3 DIREITO À DIFERENÇA
73
Embora existam disputas e controvérsias a respeito da criação e autoria da lei – já que houve a
articulação de outros familiares, assim como alianças políticas –, Berenice Piana se tornou uma figura
central de representação para muitas famílias. Fernanda Nunes destaca essa atuação simbólica de
Berenice, afirmando: “Pude observar que Berenice atuou, simbolicamente, como uma espécie de
entidade mística frente a outras mulheres, mães de autistas em sua maioria” (NUNES, 2014, p.58).
Em meu contexto de pesquisa, Berenice também é vista como uma “mãe guerreira”, que lutou pelo
próprio filho e de tantas outras.
102
“uma menina bonita dessa, autista?”, “mas você parece normal”, “é bom que
nem dá pra ver, aí finge ser normal e não sofre muito”, “você não tem nada
demais, o que está fazendo no preferencial?”, “nem dá pra ver que é
diferente”, “só parece estranho mesmo”, “esse negócio de autismo é
exagero”, “não tem cara de autista” (Relatos de diversos interlocutores).
Mas e as pessoas que não conseguem fazer isso? Por exemplo, vocês
acham que uma mãe, pobre, negra, com o filho autista, num
estabelecimento que sente que nem era pra estar ali, vai querer passar por
esse tipo de desconforto? (Relato de Diego).
74
Segundo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), da Organização das
Nações Unidas (ONU), incorporada no sistema jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo nº186/2008
e Decreto nº 6.949; e a Lei nº 13.146/2015, a Lei Brasileira de Inclusão, no Art. 88.
75
No período de minha pesquisa, Diego idealizou e produziu uma campanha acerca do crime de
discriminação em relação ao autismo, em parceria com repartições públicas e privadas de Minas
Gerais.
104
Eu já ouvi que eu não podia ser autista, porque… olha só, eu tive vários
relacionamentos amorosos, eu era casado, porque eu tinha emprego,
porque eu faço sexo, porque eu sou essa delícia marrom que vocês estão
vendo! [em tom de brincadeira]. [...] Se você é um pouco funcional, não
pode ser autista. E se você não é nenhum pouco funcional, você não é
considerado gente. (Homem autista no Seminário Atípico, 2021, transcrição
minha).
76
O evento promovido pela Federação Internacional das Associações dos Estudantes de Medicina do
Brasil da Universidade Federal de Juiz de Fora, campus Governador Valadares, realizado nos dias 24
e 25 de junho de 2021, teve como público alvo estudantes de medicina. O evento, entretanto, trouxe a
participação de autistas em diversas palestras que abordavam tanto o diagnóstico como categoria
médica, quanto os entraves sociais e políticos relacionados. Cabe destacar como essas falas
aparecem em um espaço destinado à formação de futuros profissionais de saúde, evidenciando o
agenciamento dos participantes por meio de suas experiências com o diagnóstico. Neste sentido,
explicita-se a construção de sentidos e intenções dos discursos a partir dos diferentes contextos em
que são acionados.
77
Um debate controverso e inflamado na comunidade autista diz respeito à cor azul como símbolo do
autismo. Essas discussões evidenciam a pouca representação de meninas e mulheres autistas, e de
acordo com algumas ativistas, criam mais uma intersecção de estigma acerca da condição.
105
As pessoas acham que a mulher não vai ser autista, ela vai ser louca, ela
vai ser maluca, ela vai ser desequilibrada. [...] Então não, ela não vai ser
autista, ela é maluca, ela é bipolar, ela é depressiva... aí, ela não consegue
fazer tal coisa? Ah, isso não é disfunção executiva do autismo, isso é
78
Emily Martin (2007) explora de maneira primorosa o caso do transtorno bipolar associado a fatores
sociais e culturais.
106
depressão, frescura, ela é mimada. Então a gente cai nisso (Mulher autista
no Seminário Atípico, 2021, transcrição minha).
79
Os debates acerca da identificação autista em documentos oficiais já vêm de um longo período de
reivindicação. Inicialmente foi proposta a inclusão do diagnóstico nas Carteiras de Identidade. A
proposta foi repudiada por parte dos autistas e familiares por desconsiderar a escolha de exposição,
podendo ferir questões de privacidade. Atualmente, um símbolo para o autismo pode ser incluído na
emissão das Carteiras de Identidade, além da emissão da Ciptea. As identificações são
complementares e não obrigatórias.
80
O nome foi dado em homenagem ao filho de Marcos Mion, apresentador popular na mídia brasileira
e ativista da causa autista. Ainda que sua atuação e a exposição do filho sejam vistas de modos
controversos dentro do movimento autista, a homenagem da nomeação da lei com o nome de uma
pessoa autista é vista como emblemática.
81
Abordarei mais detidamente ao longo deste capítulo.
107
polícia é uma dos maiores medos dessas mães e pais. Diante de situações
adversas, não raros são os casos em que autistas têm dificuldades na identificação,
em seguir comandos ou entram em crises que são interpretadas como desacato e
violência. O “treinamento” dos filhos sobre uma abordagem policial é tido como um
assunto comum nas discussões entre familiares de autistas. Um dos grandes
benefícios da Ciptea, apontado por esses familiares, é o reconhecimento da
deficiência de seus filhos ante situações críticas. O medo, materializado em uma
abordagem policial, não apenas explicita a invisibilidade acerca da condição, no que
tange às corporalidades, mas também apresenta críticas às abordagens e práticas
de segurança e integridade por agentes públicos em relação à deficiência.
Meu maior medo não era falta de aceitação, mas abordagem policial a um
negro autista não verbal. Ao perceber que tinha um filho autista, meu medo
não era “não ter um filho aceito na sociedade”, porque afinal somos pretos e
periféricos e a sociedade não nos aceita. Nós aprendemos a resistir em
meio à estrutura racista que nos cerca. Meu maior medo em relação ao meu
filho deixou de ser preocupação e passou a ser a urgência, sendo o Luiz um
menino preto e autista não verbal. Há uma vivência que não é contada
sobre as famílias periféricas: abordagem policial, uma realidade comum,
mas autoritária, dentro das favelas. Um questionamento urgente surgiu em
minha cabeça: ao “autistar” pelo meu bairro, meu filho não seria confundido
pela polícia com um suspeito? Será que os policiais iriam ouvi-lo? Será que
daria tempo de ele sinalizar que não fala? Sabemos como a polícia nos
aborda e como somos tratados. A resposta é não. Ele não seria ouvido. Luiz
e outros garotos negros, neurodiversos ou não, sequer têm direito de fala ou
109
Valéria Aydos (2017) aponta como o debate sobre autismo tem ganhado
visibilidade na mídia e na cena pública brasileira, enfatizando a abordagem do tema
em novelas, séries, filmes, jornais, revistas e outros produtos de informação83.
Referindo-se ao “tema do momento”, Aydos também apresenta dados relativos a
grupos de trabalhos e comissões nos eventos e instituições governamentais, assim
como uma crescente visibilidade nos debates acadêmicos internacionais. A
justificativa para grande parte dos pesquisadores sobre a chamada “epidemia de
autismo” (HACKING, 2006; GRINKER, 2010; NUNES, 2014; RIOS et al, 2015;
AYDOS, 2017, 2019; RIOS e CAMARGO JR, 2019) se concentra nos estudos
epidemiológicos, com a crescente incidência de diagnósticos ao redor do mundo84.
Mas esta “epidemia”, situada inicialmente no campo biomédico, também apresenta
um cenário de contextualizações históricas, políticas e culturais. Esses
pesquisadores têm levantado hipóteses acerca das mudanças nos manuais
diagnósticos, da evolução do diagnóstico clínico, nas transformações da ciência
médica, nos grupos de autoadvocacia e acolhimento, além da repercussão midiática.
82
O relato completo está disponível em: <https://autismoerealidade.org.br/2020/11/20/luciana-viegas-
sobre-racismo-e-capacitismo/>. Acesso em junho de 2021.
83
Diversos foram os eventos sobre a temática do autismo ao longo do período da pesquisa, além da
crescente atuação e presença de ativistas nas redes sociais virtuais. Em decorrência da crise
sanitária de covid-19, e o consequente isolamento social como medida preventiva, os meios virtuais
se tornaram uma ferramenta decisiva na atuação e envolvimento em relação ao autismo. Para
discussões sobre autismo e redes sociais virtuais ver ORTEGA et al. (2013).
84
O TEA não é entendido mais como um transtorno raro, de acordo com relatórios da Organização
das Nações Unidas (ONU) 1% de toda população mundial possui algum grau de autismo. O Centers
for Disease Control and Prevention (CDC), entidade dos Estados Unidos, calcula que a prevalência
de diagnósticos de TEA aumentou exponencialmente e em 2016, a proporção é de 1 a cada 54
pessoas com autismo (MAENNER et al., 2020). No Brasil, ainda não há pesquisas sobre a
prevalência do autismo. O Censo é considerado o estudo estatístico mais abrangente, porém se
encontra defasado em 12 anos. O último foi realizado em 2010 e não incluía as especificidades do
autismo. Dessa forma, grande parte das pesquisas ou agendas políticas baseiam-se em estudos de
prevalência de outros países, tal como o CDC.
110
85
No contexto desta pesquisa, pude acompanhar a inserção de uma associação em políticas
participativas de um instrumento de gestão municipal que objetiva o controle social de políticas
públicas às pessoas com deficiência. Esse processo representativo da associação foi comemorado
pela possibilidade de dar destaque às demandas associadas ao autismo.
112
86
O termo aparece como uma expressão dos meus interlocutores, assim como nos movimentos mais
amplos pelo autismo no Brasil. Essa constatação se deu acompanhando redes sociais de ativistas da
causa e diferentes congressos destinados às discussões sobre o autismo por autistas, familiares e
profissionais. Fiz uma análise dessa temática, entre a luta e o afeto, em trabalho apresentado na 32ª
Reunião Brasileira de Antropologia (CARVALHO, 2020a).
113
87
Referentes às agendas da saúde e da deficiência, e que fazem uma relação mais clara com o
autismo, essas transformações democráticas foram mais bem descritas no início desta etnografia a
partir do surgimento das associações e a relação com a Reforma Sanitária.
114
3.3 FÓRUM TEA: “NUNCA LUTEI POR PRIVILÉGIOS, MAS POR DIREITOS JÁ
GARANTIDOS POR LEI”
[...] Eu sou mãe da Rosa e é por isso que eu estou aqui, por isso que eu
entrei nesse movimento há 15 anos atrás, pra poder dialogar com o poder
público a respeito dos direitos da minha filha. E em nome de várias pessoas
que vão falar daqui a pouco sobre a sua realidade, a nossa preocupação é
encontrar respostas para que o poder público possa atender a toda a
população, inclusive as pessoas com deficiência, e o autismo severo. É na
116
88
Os Fóruns TEA Centrais acontecem em abril, Mês da Conscientização do Autismo, ou em
setembro, no Mês da Pessoa com Deficiência, ou ainda, em dezembro, próximo ao Dia Internacional
das Pessoas com Deficiência. Meus interlocutores ressaltaram como nessas datas, o poder público
está “disposto a ouvir”, enquanto no restante do ano, as associações fazem um extenso trabalho para
trazer visibilidade ao autismo, porque “eles [a gestão pública] esquecem de nós”.
89
O Decreto Municipal regulamenta a Lei Municipal nº 10.418/2012, que dispõe sobre o
reconhecimento da pessoa com TEA como pessoa com deficiência, para a fruição de direitos
previstos pelo município de Belo Horizonte. A Lei Municipal foi promulgada meses antes da Lei
Berenice Piana, destacando a atenção à pessoa autista pelo município, mesmo que de maneira
incipiente.
117
90
Na elaboração do sistema de Fórum, em uma das reuniões da CADDA que pude acompanhar, um
dos participantes apontou para o alcance nas áreas periféricas: “nenhuma mãe vai sair lá da favela
para vir para o centro sul de Belo Horizonte, ficar uma tarde inteira discutindo com um monte de gente
que diz que está fazendo coisas e ainda não ser ouvida; ela não tem tempo nem dinheiro pra isso”. A
mudança para a realização virtual, ainda que nos limites do acesso tecnológico, contribuiu para uma
maior abrangência da participação da população.
91
Em um dos Fóruns, um dos gestores apresentou dados sobre a participação: 51% de agentes
públicos e 49% da sociedade civil.
118
92
Não pretendo elaborar aqui uma análise mais aprofundada e crítica sobre democracia. Ainda que a
estabilidade democrática possa ser analisada com mais profundidade, considerando-se, por exemplo,
a notória desigualdade social presente no contexto brasileiro.
119
entre diversos atores, uma espécie de “bem comum” ou, mais precisamente neste
contexto, a causa autista. Se por um lado, o Fórum se destaca como um objeto de
gestão pública e controle social que visa a articulação entre o Estado e as
mobilizações sociais civis, por outra perspectiva, o espaço de diálogo demarca
capitais sociais, relações hierárquicas e de poder, permeados, principalmente, por
orientações morais. Portanto, nas narrativas desses agentes autoidentificados pela
parentalidade atípica é recordada uma luta que é constantemente reiterada nessas
arenas políticas. Mas também, cabe ressaltar que, os representantes da sociedade
civil e suas experiências fazem parte de um grupo de pessoas com marcadores
sociais muito específicos, ainda que reafirmem a luta pelo direito de todos. São, em
sua maioria, pessoas brancas, de classe média, com ensino superior e
especializações, com áreas profissionais relativas às demandas sobre o autismo –
como saúde (e, em específico, saúde mental), educação, direito e cultura. As
desigualdades interseccionais se apresentam de modo mais contundente nas
discussões para além da estrutura organizacional do Fórum, como por exemplo, nos
chats de discussão nas salas virtuais de realização do Fórum e abertas ao público
interessado.
93
A CADDA é responsável pela articulação dos eventos, junto à Prefeitura, do Mês da
Conscientização do Autismo, em abril. São realizadas, para a efetivação desses eventos, parcerias
com profissionais parceiros, Assembleia Legislativa, espaços culturais, instituições educacionais,
dentre outras instituições públicas, como por exemplo, o SENAC.
120
94
No Fórum presencial que acompanhei havia, em média, 50 participantes, sendo a maioria
significativa, mulheres. Já nos fóruns virtuais, o número de participantes das salas de transmissão
atingiu 170 participantes. Nestes, a participação de pessoas de outros municípios do estado de Minas
Gerais, assim como de outros estados, foi ressaltada pelos gestores públicos. Em certa ocasião, o
evento contava com pessoas de 11 estados da federação, situação que o gestor disse revelar “o
mundo globalizado que precisa trocar experiências”.
95
A campanha fazia uma alusão à peça de quebra-cabeça, considerada um símbolo do autismo,
ainda que existam divergências na aceitação dessa simbologia. Na pesquisa realizada nas redes
sociais, autistas ativistas evidenciam a oposição ao quebra-cabeça: “eu não sou um mistério como
um quebra-cabeça, e nem tenho peças faltando”. Outras simbologias são o laço colorido e a fita de
Möbius colorida (ou símbolo do infinito, como é popularmente conhecida). O laço, que possui diversas
peças de quebra-cabeça coloridas no seu interior, foi adotado como simbologia oficial, estando
presente, por exemplo, nas placas de sinalização de atendimento prioritário. Já o “infinito colorido”
tem sido priorizado por autistas ativistas do movimento da neurodiversidade com a justificativa de
apresentar mais precisamente o espectro do autismo através do espectro de cores. Essas
simbologias constam no apêndice desta dissertação.
96
É interessante ressaltar que no movimento familiar, muitas vezes a causa autista é diferenciada da
atuação de agentes públicos e profissionais. Essa dicotomia localiza a “causa” e o “movimento” nas
experiências dos sujeitos que vivem com o autismo. Aos profissionais e agentes públicos que acabam
por se envolver na causa, ainda que haja uma exaltação da atuação desses sujeitos, é também
comum a ideia de que os agentes “só estão fazendo seu trabalho”.
124
97
É muito comum nesse grupo de parentalidade a associação aos nomes dos filhos nas
apresentações ou identificações: “mãe da Helen”, “pai do Antônio”, etc. Cabe destacar, portanto,
como as experiências das pessoas estão profundamente atreladas aos filhos e filhas.
126
98
Outras informações sobre o Decreto disponíveis em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-5472
7328> Acesso em 17 de setembro de 2021.
99
Pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência e apresentada na Revista Radis da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz). Disponível em: <https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/todas-as-edicoes/219> Acesso
em julho de 2021.
100
Essa situação evidencia a etiologia do autismo associada à genética.
127
101
Helena Fietz (2020) traz um relato sobre essas difíceis realidades na relação entre cuidados e
deficiência em sua tese.
102
Constantemente, nos grupos de whatsapp dos coletivos, são relatadas histórias de famílias
passando por necessidades ou mesmo situações que, embora aparentemente triviais, evidenciam as
desigualdades de recursos no bem-estar dos autistas. Exemplo disso foi o caso de uma mãe que
pedia a doação de um liquidificador, já que o filho, com seletividade alimentar, só ingeria alimentos
processados e a família estava impossibilitada, por recursos financeiros, de adquirir o
eletrodoméstico. Campanhas de arrecadação de dinheiro, fraldas e alimentos também foram comuns
nessa rede de familiares e associações. Além das recorrentes indicações de profissionais
especialistas, instituições educacionais e advogados.
128
apresentado nos Fóruns, tanto por parte dos agentes públicos, quanto dos próprios
representantes da sociedade civil. Durante a fala de Susana, frases como “quem
tem condições financeiras, paga, quem não tem, fica como nós, abandonadas pelo
sistema” e “estamos pedindo socorro urgente” eram comuns.
Retomo esse relato etnográfico para refletir sobre dois aspectos que abarcam
o papel da família nessa trama entre deficiência e políticas públicas e que, ainda que
aparentemente sejam empreendimentos distintos, são convergentes no plano de
ação social. Por uma perspectiva, a fala de Susana destaca como os familiares têm
reivindicado atenção e cuidado às famílias das pessoas com deficiência, neste caso,
apresentando as particularidades em relação ao diagnóstico de autismo. Este
“cuidado”, que passa a ocupar a dupla posição de categoria êmica e analítica,
abarca a demanda por políticas públicas que priorizem a atenção às famílias em
relação a questões de saúde, assistência e educação, para que, desta forma, os
direitos relativos às pessoas com deficiência sejam também priorizados por esses
cuidadores.
103
Cabe ponderar, entretanto, que essas mobilizações são realizadas no limite de seus recursos e
ainda que potencializem a garantia por direitos, podem também levar a ações que corroboram para
visões estereotipadas e capacitistas.
131
Assim, as discussões levantadas por Eyal e Hart (2010), Fietz (2018) e Rios
(2017, 2019) ficam evidentes no contexto do Fórum TEA ao explicitar como a
expertise é articulada em rede, promovida pelo agenciamento de familiares diante da
104
Rios (2019) exemplifica com a criação da AMA que trouxe, para o contexto local, profissionais e
técnicas advindas dos Estados Unidos e Europa. Mas ainda hoje, no contexto desta pesquisa, a
circulação global de informações e conhecimentos também é evidente nos congressos destinados às
discussões sobre autismo, com grande interlocução entre profissionais, familiares e autistas.
133
105
Além das agendas políticas de saúde, discussões do âmbito da educação e assistência social
também são recorrentes no Fórum e em outras instâncias com articulação com o poder público pelos
familiares. Exemplares desse rol de discussões estão a entrada e permanência escolar de autistas,
as emissões da Carteira de Identificação da Pessoa com TEA (Ciptea), vagas de estacionamento
prioritário, acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), vacinação contra covid-19, dentre
outros.
106
Idealmente construído junto às famílias e de forma intersetorial, o PDI e o AEE têm sido tema de
recorrente debate entre os grupos de familiares visando a inclusão educacional. Passou a fazer parte
desse rol de debates, o Desenho Universal de Aprendizagem (DUA), que Borges e Schmidt (2021)
descrevem: “o fundamental na abordagem do DUA é o entendimento de que cada aluno tem
necessidades únicas e aprende de forma diferente. Não existe uma solução única para todos e a
estrutura do DUA facilita o acesso do aluno ao currículo através do reconhecimento das diferenças
individuais” (BORGES e SCHMIDT, 2021, p.33). Um exemplo dessa adequação é brevemente
descrito na reportagem sobre uma escola de São Paulo, referência no atendimento às crianças e
jovens com deficiência. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2021/08/espelho-e-a
134
larme-musical-como-uma-escola-comum-inclui-alunos-com-deficiencia.shtml?pwgt=khm2t3sgi4d7mfw
mcwz6j1ds5b5vyz0fwni246wij7ts56v6&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=
compwagift> Acesso em 29 de agosto de 2021.
135
que relatou seu primeiro contato com o autismo ao descrever uma história
emocionalmente carregada com uma criança autista e a transformação que gerou
em sua vida. Outro agente destacou sua angústia, cansaço e insistência para travar
diálogos sobre a inclusão dentro do espaço municipal, dando enfoque nos processos
emocionais relativos a este trabalho. Ainda que não caiba ao escopo desta
dissertação um aprofundamento dos agenciamentos e subjetividades dos agentes
governamentais participantes da efetivação de políticas públicas e direitos, essas
demonstrações emocionais adquirem um duplo papel: enquanto uma constituição de
vínculos em espaços hierárquicos, mas também indicativo do Estado menos como
uma entidade dotada de autoridade e neutralidade, e mais constituído de pessoas,
com subjetividades, preferências, trajetórias pessoais, marcadas por raça, classe,
gênero, deficiência, sexualidade, geração, religião; e que vivenciam a assinatura do
Estado (DAS, 2007) em suas próprias práticas. Pretendo abordar aqui, como as
emoções nesses espaços de articulação e embate são cruciais para o entendimento
da luta de familiares. Se agentes governamentais utilizam de discursos emocionais
para a criação de vínculos, sejam essas estratégias ponderadas ou não, fazem esse
caminho articulando-se com a mobilização que advém da atuação dos familiares
quanto às emoções. No que toca a família, é comum o discurso associado à moral,
assim como a evocação de emoções. Portanto, esse desdobramento das políticas
emocionais é algo fundamental a ser analisado, e para isso, trago outra descrição
etnográfica também colhida em um Fórum TEA.
sobre cuidados às pessoas autistas e suas famílias, e também uma “mãe atípica”.
Ouvi de uma de minhas interlocutoras, que Olga sempre está à frente de ações
direcionadas ao autismo, principalmente em referência às políticas públicas, “ela que
tem a coragem”, ponderou. Quando fomos apresentadas e Olga soube de minha
pesquisa, enfatizou seu interesse em “entender o lugar dessas mulheres nos
cuidados”. Olga foi fundamental para perceber como as atuações em espaços
públicos eram articuladas pelos familiares. Ela trazia à cena a criação de redes de
expertise e demonstrava de modo muito claro as construções entre o discurso das
experiências, do familiar e a posição de atuação profissional e política. Tornou-se
evidente, tal como Adriana Vianna aponta, a transformação da multiplicidade de
experiências em “casos” e “causas”, através da gramática dos direitos, onde
“pessoas de carne e osso, objeto de afetos e desafetos” se tornam figuras centrais
de discursos e ações políticas (VIANNA, 2013, p.22).
107
Na ocasião de um dos Fóruns, foram apresentados vídeos com relatos de mães e pais sobre suas
experiências com o autismo de seus filhos. Foi enfatizado como são pessoas que têm conhecimento
sobre o autismo “que nenhuma outra formação vai dar”. Os vídeos foram recebidos com muita
emoção e várias foram as expressões de admiração e carinho pelas famílias que contavam suas
trajetórias.
139
O Fórum TEA foi um dos espaços mais significativos para a etnografia, onde
várias discussões emergiram, muitos dados foram levantados, havia uma interseção
entre a atuação governamental e a da sociedade civil, mães e pais tomavam a frente
das discussões. Mas também posso dizer que não se caracterizou como um evento
tranquilo em nenhuma das vezes que participei, e sim envolto em discussões
fervorosas e muita agitação. Em alguns momentos do Fórum, que ocorreu
presencialmente, foram levantadas críticas ao evento como um todo, com mães
140
Desde a década de 1980, nos Estados Unidos, vários estudos têm sido feitos
com foco no cuidado como potente categoria analítica no entendimento das relações
sociais (GUIMARÃES, HIRATA e SUGITA, 2011). A partir das críticas feministas, é
evidenciado como o cuidado está socialmente atrelado ao âmbito doméstico e
privado, e, principalmente, relacionado aos papéis sociais de gênero no trato com
142
108
Durante a crise sanitária de covid-19, uma série de trabalhos nas ciências sociais brasileiras têm
tematizado sobre a dimensão do cuidado e as relações de gênero, destacando, principalmente, as
desigualdades reveladas pela pandemia. A produção internacional também tem se debruçado sobre
essa emergência das relações de cuidado diante do contexto vivenciado nos últimos anos que
desencadeou novas disposições econômicas, sociais e políticas.
143
109
No movimento da deficiência no Brasil, a autonomia refere-se ao controle do próprio corpo no
ambiente e a independência é a capacidade e possibilidade de decisão. Anahí Guedes de Mello
(2009) aprofunda este debate, enfatizando a importância destas questões na vida das pessoas com
deficiência. Em meu campo etnográfico, a autonomia e a independência constantemente cruzavam as
fronteiras terminológicas ou eram apresentadas em conjunto.
146
110
Também referenciado como Treinamento Parental ou Psicoeducação Parental, é uma intervenção
comportamental conduzida, na maioria das vezes, por profissionais da psicologia com o objetivo de
dar continuidade ao tratamento também no ambiente domiciliar. A condução dos profissionais,
realizada principalmente no diagnóstico de autismo, consiste no ensino de estratégias de manejo
comportamental aos familiares. Este método, visto como positivo por grande parte dos interlocutores
da pesquisa, é demandado em diversos momentos da etnografia e mais do que um tratamento e
acompanhamento psicológico, o Treinamento de Pais é visto como um processo importante para o
ordenamento da parentalidade sobre as práticas de cuidado em relação ao autismo.
148
independência e direitos civis, tem início entre as décadas de 1960 e 1970, nos
Estados Unidos, Inglaterra e países nórdicos (MELLO, 2009). O movimento da “vida
independente”, liderado por Edward Roberts, fundamentava a independência como o
poder de escolha e a possibilidade de decisão da pessoa com deficiência. Em 1970,
o movimento sul-africano consolidou a máxima do ativismo da deficiência: o “nada
sobre nós, sem nós” reunia a independência e participação reivindicadas (LOPES,
2019c). Esses movimentos políticos culminaram também em um movimento teórico
que constituiu o modelo social da deficiência111. A promoção da independência das
pessoas com deficiência, entendida enquanto valor ético central na vida humana,
era a premissa fundamental do movimento reivindicatório, e o principal impeditivo
para sua efetivação eram as barreiras sociais. A partir deste modelo, a deficiência
adquiriu um caráter social e coletivo e tornou-se, desta forma, um debate público,
uma questão de direito, justiça social e políticas de bem estar (DINIZ, 2012).
Atrelada a essa mobilização da independência como valor crucial, a autonomia
também aparece como um reconhecimento pleno da condição de pessoa, tal como
explicita Fietz:
111
Para o modelo social da deficiência, a deficiência consiste em barreiras sociais que impedem a
plena participação, em contraste, a lesão é o aspecto biomédico marcado nos corpos (DINIZ, 2012;
FIETZ, 2020). Este modelo permitiu um afastamento do modelo médico da deficiência, focado nas
concepções biomédicas dos impeditivos do corpo como definidoras da deficiência.
151
Tal como Hughes, McKie, Hopkins e Watson (2019) apontam do embate entre
o movimento feminista e o movimento da deficiência, o cuidado é uma categoria
carregada de tensões e que explicita agendas políticas distintas, ainda que seja
comum a busca por direitos e cidadania, assim como a crítica às posições de
hierarquização e poder. Mais do que enfatizar essa cisão entre diferentes
perspectivas, o cuidado aparece múltiplo nos contextos situados e permite deslocar
pressupostos dados como antagônicos. Para além de uma categoria que corrobora
para corromper processos emancipatórios e de autodeterminação, ou uma
sacralização das práticas de solicitude e amor, o cuidado pode ser entendido como
um processo político, relacional e coletivo. Com base no argumento de Annemarie
Mol (2008a) acerca da multiplicidade de categorias ontológicas, o cuidado pode ser
152
O cuidado não pode ser tomado como uma solução definitiva e absoluta
para determinada situação, mas sim como um processo contínuo, uma
grande experimentação que se dá de forma atenta e preocupada com as
diferentes necessidades apresentadas naquele espaço e tempo específicos
(FIETZ e MELLO, 2018, p.136).
112
Exemplo desta discussão acerca do autismo, diz respeito à relação das famílias de autistas e o
movimento da neurodiversidade. O movimento pauta a autonomia e independência como
pressupostos essenciais no respeito à neurodiversidade, sendo que, em algumas vertentes do
movimento, qualquer forma de assistência e cuidado que impossibilite a escolha individual, é
repudiada veemente. Em oposição, os familiares apontam como o movimento da neurodiversidade é
majoritariamente articulado por autistas de “alto funcionamento” e criticam a facilidade de pautar este
ideal absoluto de autonomia e independência “sabendo falar aos quinze anos e sem usar fraldas aos
nove” (CAMPOY, 2016, p.10), enfatizando os diferentes graus de suporte necessários às pessoas do
espectro autista. Portanto, coexistem essas críticas a respeito do ideal de autonomia e independência
que não atenda todas as pessoas com deficiência, as quais têm, nas relações de cuidado, um
importante alicerce da cidadania.
155
113
Outros trabalhos que exploram a discussão do cuidado e família, para além da questão da
deficiência, têm evidenciado esses marcadores sociais. Referência desta análise é a etnografia de
Cláudia Fonseca (1995; 2006) sobre a adoção e “circulação de crianças” no contexto urbano de
baixa-renda no Brasil, que evidencia como as diferentes práticas de cuidado, ancoradas em versões
ideais do “bom” ou “mau” cuidado, conciliam diferentes projetos de família, reafirmando ou
subvertendo os pressupostos de parentalidade. Outros marcadores como gênero, classe e raça,
também são centrais nas discussões de monoparentalidade feminina e as práticas de cuidado que
perpassam essa construção parental (BERQUÓ, 2002; CAVENAGHI e ALVES, 2018). Mesmo os
papéis sociais e políticos da maternidade e da paternidade são balizados por conjecturas do cuidado.
Assim, a conjunção entre as práticas de cuidado e marcadores sociais são relevantes para o
entendimento do parentesco que é reafirmado ou subvertido nas diferentes realidades sociais.
156
114
Fietz (2020) apresenta como as famílias de pessoas com deficiência estão inscritas em um crip
time, ou seja, uma temporalidade outra que não a dominante, na qual a experiência com o tempo é
feita comportando as diferenças de corpos e mentes.
158
Quando eu luto pelos direitos do meu próprio filho, eu luto pelos direitos de
todos os filhos (Fala de Ivana).
“E nós que temos esse conhecimento, o que podemos fazer? Nós precisamos
olhar para todas as famílias”, ponderou uma mãe ao retomar a questão dos
privilégios. Nesta reunião, ficou clara a percepção dessas mães e pais de que são
as famílias propulsoras na visibilidade do autismo e que garantem o cuidado e
suporte necessário aos autistas. De acordo com esses familiares que refletiam sobre
as próprias práticas de cuidado diante dos vários entraves em relação à gestão
pública, é através da família que se garante a “participação social, visibilidade e
161
115
Exemplar desta situação foi a efetivação da emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) com vários relatos de famílias com dificuldades para solicitar
o documento e, em certas localidades, a informação sobre a Ciptea não ter sequer chegado à
população. Ainda sobre esta situação, a Ciptea é disponibilizada em via digital com a possibilidade de
impressão pelos próprios solicitantes, entretanto, algumas famílias sem recursos financeiros, não
puderam imprimir o documento ou portar sua versão digital. Dentre as ações almejadas pela CADDA
em um dos eventos do Mês da Conscientização do Autismo, estava a impressão gratuita desses
documentos nas dimensões de um documento oficial de identidade para facilitar o porte e manuseio
da Ciptea.
164
longo do curso de vida. Kittay (1999), Fietz e Mello (2018) apontam como os
cuidadores também podem se tornar vulneráveis à privação econômica, falta de
sono, interrupções de sua própria vida íntima, perda de oportunidades de lazer e
carreira, dentre outras questões que atingem suas condições pessoais para além do
trabalho de cuidado. Os encontros nas casas, as trocas de assuntos íntimos e
pessoais, a preocupação com a saúde de cada um, dentre outras práticas que
visavam o bem estar a partir do compartilhamento dessa posição de cuidador, eram
também fundamento para a constituição do coletivo. São assim elaboradas relações
de reciprocidade entre as mães e pais a partir de seus contextos e trajetórias
particulares. E a rede de acolhimento e assistência estabelecida através da
associação, é permeada por práticas de cuidado destinadas aos filhos e filhas
autistas, mas também aos próprios familiares116.
116
Algumas associações encontradas no campo etnográfico possuíam ações marcadamente
direcionadas ao “cuidado das famílias”. O repertório do “empoderamento familiar” também estava
presente neste tipo de direcionamento. Exemplar destas ações é o projeto 5 minutos para mim, com
encontros e rodas de conversa destinadas a “cuidar de quem cuida”. Atividades terapêuticas também
eram comumente oferecidas aos familiares em eventos promovidos por associações.
165
uma mãe em fornecer ligações entre sua filha e a comunidade, criando, dessa
forma, possibilidade de autonomia. Mais uma vez, a autonomia enquanto um valor
individualizante é questionada, ao enfatizar as redes constituídas. Fonseca e Fietz
retomam a lógica do cuidado, de Annemarie Mol (2008b) para enfatizar como esta
opera através de coletivos, ou seja, na qual os sujeitos são sempre relacionais. E
nesta lógica, o cuidado não procede através de regras claras e demarcadas, mas é
algo dinâmico, inventado e reinventado nos processos diários, onde práticas são
incorporadas em histórias complexas e ambivalentes (FONSECA e FIETZ, 2018). O
argumento geral das autoras é de que essas redes também são fonte relevante das
práticas de cuidado dispensadas às pessoas com deficiência e que, de diferentes
formas, possibilita agência e autonomia dessas pessoas. Ao elaborarem como as
redes, dentre elas, a família, comunidade e Estado, são constituídas de formas
interligadas e dinâmicas, as autoras apontam:
117
Ainda que o recorte analítico desta pesquisa não tenha sido feito em torno da questão de gênero,
tendo, portanto, entre os interlocutores, mães e pais; no campo etnográfico, a maioria substancial era
composta de mães ou mulheres cuidadoras, tanto nos coletivos, quanto nos eventos públicos.
167
Ao tomar o cuidado como uma questão de justiça social, tal qual Kittay (1999)
propõe, e aqui é apresentado pelos familiares no movimento do autismo, na prática,
trata-se de elaborar políticas públicas e direitos que atendam às pessoas com
deficiência, mas também suas famílias e cuidadores. Mais do que enfatizar uma
disposição moral do cuidado atribuída ao gênero ou ao âmbito doméstico, essas
reivindicações pautam um cuidado que é também responsabilidade social, um
cuidado também direcionado à sociedade e ao Estado. Bem como afirma Joan
Tronto (2007), é necessário que o cuidado passe a ser visto como uma premissa
fundamental e não um “fato lamentável da teoria democrática”. Assim, o cuidado é
acionado como uma das formas de promoção de justiça e de qualidade de vida às
pessoas com deficiência, sem desconsiderar as relações e redes que integram.
Trata-se, dessa forma, de uma desprivatização do cuidado e outra reelaboração
social da deficiência.
Diante de todas essas considerações, tal como Araujo (2018) propõe, cabe
refletir qual projeto político democrático pode ser construído com base na ideia de
interdependência. Cabe entender as possibilidades do cuidado no reconhecimento
da pessoa com deficiência e a constituição de dignidade e cidadania para todas as
partes. Sendo necessário também, conceber projetos democráticos reconhecendo
as desigualdades e limites que estão implicados no cuidado. Não pretendo aqui
fazer uma positivação moral, mas atentar para o caráter produtivo que o cuidado
169
Araujo (2018) afirma como a ética do cuidado oferece uma imagem normativa
e abstrata do cuidado, uma “utopia desencarnada e desincrustrada”. Espero, ao
contrário, ter demonstrado neste trabalho, como o cuidado que permeia este campo
de pesquisa e esta análise etnográfica é feito de éticas, práticas, políticas, redes,
cotidianos, afetos e desafetos. Busquei explorar ao longo desta dissertação, como o
cuidado relacionado às famílias diante da deficiência, tomando-a como categoria
analítica, envolve aspectos emocionais, pragmáticos, materiais, subjetivos, assim
como uma trama de questões históricas, políticas e sociais. Em síntese, o cuidado
também importa na construção do conhecimento (PUIG DE LA BELLACASA, 2017).
170
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Sra. Johnson para diante da minha carteira. Quer uma ajuda para
encontrar um grupo? Eu já tenho um grupo. E quem está no seu grupo? Eu.
E quem mais? Ninguém. Eu sou o meu próprio grupo. Alguém ri. Eu gostaria
que você fizesse parte de um grupo de verdade. Que tal se juntar a Emma e
Briana? Não. Mais crianças riem. A Sra. Johnson franze os olhos e a boca
para eles mas volta para mim. Como disse? Não Obrigada. É mais um
adesivo para a minha cartela de SUA EDUCAÇÃO. Todo mundo está rindo
agora. A Sra. Johnson respira fundo e solta o ar. Eu quero que você faça
parte de um grupo. Fico olhando para as mãos dela. Você entendeu?
Entendi. Entendi o que ela quer mas também sei o que eu quero. Então
quer ir para lá e se juntar a elas? Ela não entende. Abano a cabeça. Não.
Por que não? Suspiro e tento explicar para que ela Capte O Sentido. Eu sei
que é o que a senhora quer mas não é o que eu quero (ERSKINE, 2013,
p.47-48).
Entretanto, tomar o cuidado como uma categoria analítica que perpassa todo
o campo etnográfico e que estrutura grande parte dos argumentos apresentados
nesta dissertação, é entendê-lo em sua polissemia, como agregador de reflexões
acerca de suas potencialidades e suas limitações. Ao evocar o cuidado como uma
fração do reconhecimento do autismo, evidencia-se também algumas práticas que
incorporam um viés capacitista, entendendo que o capacitismo estrutura ainda
grande parte das relações com a deficiência. E a família pode também se configurar
como um espaço de invisibilidade de assimetrias e contradições nestas práticas de
cuidado (ARAUJO, 2018). Neste debate, apresento as controvérsias em torno das
noções de independência e autonomia, que repercutem nas experiências das
pessoas autistas através das práticas familiares. Na especificidade do autismo, o
dilema da falta de um biomarcador definido, explicitado em narrativas sobre uma
deficiência invisível pelos interlocutores, conduz a uma perspectiva capacitista
pautada na normalidade do visível. Se os corpos são parte deste ideal de
normalidade, espera-se que os comportamentos, cognições, habilidades e condutas
também estejam localizados nas medidas das expectativas sociais. Mas é contrário
a esses planos e ideais normativos que considero a interpelação cultural do autismo,
tornando múltiplos os modos de ser, estar e experienciar o mundo.
Por fim, chegar ao ultimato deste outro campo que é a escrita da dissertação
(STRATHERN, 2018), faz permanecer o sentimento melancólico da despedida. A
ânsia pelo muito ainda a ser dito, assim como a angústia do arremate, são resultado
das experiências em relação ao autismo que atingiram este próprio fazer
etnográfico, este próprio corpo-pesquisadora nas tentativas de transformar
movimentos e histórias em palavras. Goldman (2006) aponta para o processo pelo
qual o antropólogo ou antropóloga, em sua etnografia, experimenta um
deslocamento de convenções. Não é tornar-se o outro, mas ser afetado pelas
categorias operantes dos interlocutores, retirando-lhe de um lugar em que se
encontra sem lhe dar outro em troca, é devir. As apreensões sobre a deficiência, e
ainda mais as práticas em que o parir, gerar e cuidar são centrais, atravessam
minhas experiências e se tornam parte do conhecimento que produzo. Sou afetada
pelos tantos entrelaçamentos que constituem esta pesquisa. Até mesmo os toques,
movimentos, sons e silêncios são agora percebidos de outra forma. Resta-me, tentar
Captar Outros Sentidos.
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Folha de São Paulo. 29 de agosto de 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao
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gt=khm2t3sgi4d7mfwmcwz6j1ds5b5vyz0fwni246wij7ts56v6&utm_source=whatsapp&utm_medium=so
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STEVANIM, Luiz Felipe. Capa: SUS 30 anos. Revista Radis, n.219, p.12-21, 2020. Disponível em:
<https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/todas-as-edicoes/219> Acesso em 07/2021.
LEIS E DECRETOS
BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 2008. Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março
de 2007.
BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
BRASIL. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos
Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art. 98 da Lei n. 8.112, de
11 de dezembro de 1990.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
BRASIL. Lei nº 13.861, de 18 de julho de 2019. Altera a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, para
incluir as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista nos censos demográficos.
BRASIL. Lei nº 13.977, de 8 de janeiro de 2020. Altera a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012
(Lei Berenice Piana), e a Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996, para instituir a Carteira de
Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), e dá outras providências.
APÊNDICES
DATA SIGNIFICADO