Artigo 2
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Da Invisibilidade à Superexposição
Abstract
Today's dramas and worries are not the same as 100 years ago. The way in
which society deals with the issues of the world has been changing according to
time, and thus in every age there is its way of dealing with the sufferings of the
mind. Social networks have become a valve of escape and identification and, at
the same time, a field of self-recognition through the eyes of the other. This
article aims to reflect on how mental disorders have moved from the invisibility
field to a network overexposure, considering the transformations of psychic
suffering and social networks as a field of interaction. Through a bibliographical
review of the thinking and concepts of the following authors, this research aims
to identify how this transformation process took place over the decades and
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Jornalista. Mestranda em Comunicação na Universidade Federal do Piauí. Bolsista da
Fundação de Amparo a Pesquisa do Piauí (FAPEPI).
Rev. Episteme Transversalis, Volta Redonda-RJ, v.10, n.1, p.141-162, 2019.
how social networks reached this process. They are: psychic suffering by
Sigmund Freud (1930) and Christian Dunker (2015), the circuit of affections by
Vladimir Safatle (2015), the culture of narcissism in Christopher Lasch (1979)
and, finally, social networks as a tool of approximation with Rodriguez (2015).
Introdução
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O Sofrimento Psíquico e suas Variáveis
A vida, tal como nos coube, é muito difícil para nós, traz
demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis. Para
suportá-la, não podemos dispensar paliativos (...). Existem três
desses recursos, talvez: poderosas diversões, que nos
permitem fazer pouco de nossa miséria, gratificações
substitutivas, que a diminuem, e substâncias inebriantes, que
nos tornam insensíveis a ela. (FREUD, 1930, p. 20)
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a depressão se consolidam, bem como surgem novas diagnósticas que
circulam em torno do mal-estar na civilização. Eram as neuroses narcísicas,
ligadas a um vazio existencial, a uma inadequação.
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para denunciar os maus tratos acometidos dentro das instituições psiquiátricas
e para se auto organizarem nos movimentos sociais de saúde. Nos anos 90, se
instala um sistema baseado na medicalização maciça e de modo
institucionalizado, a mercantilização da loucura passa a fazer parte dos
protocolos da razão diagnóstica, dando suporte à psiquiatria brasileira.
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como resposta às transformações do mundo e de suas épocas. Isso não
significa que cada época determina e produz os sintomas dos indivíduos, mas
sim, de que em cada época há novas formas de lidar com o sofrimento e o mal-
estar cotidiano. Freud introduz uma teoria sobre a noção de mal-estar que
contempla os sintomas e outras formas de sofrimento.
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que lhe deram origem. O sofrimento individual, aliás, é ele
mesmo um efeito social bem delimitável por sentimentos que
lhe seriam atinentes: piedade e culpa, vergonha e desamparo,
indiferença e ressentimento. (DUNKER, 2015, p. 26)
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Desse modo, tanto a felicidade quanto o sofrimento se tornam refém do
olhar do outro, onde, se o outro não reconhece a minha felicidade, ela não é
suficiente; e onde se o outro não reconhece meu sofrimento, eu entro em um
estado de patologia de mim mesmo. Experiências cada vez mais comuns nos
dias atuais, onde sensibilidades são reprimidas em prol de velocidade e
efetividade. Percebemos que uma forma de organização política, econômica e
social alimenta e condiciona um certo ritmo de nossos desejos, nossas alegrias
e das nossas formas de sofrer.
Um campo de afetos se naturaliza e condicionados aos mesmos afetos
de sempre, os indivíduos não são mais capazes de criar novas formas de laços
sociais e os elos cotidianos vão se tornando cada vez mais frágeis. Vladimir
Safatle (2015) desenvolve o pensamento de transformação dos afetos como
forma de transformação política - enquanto prática fundamental de
produtividade social. Para Safatle, há um momento em que, de uma certa
maneira, a consciência humana precisa se angustiar2. Isso se faz necessário
para que essa consciência consiga redimensionar o campo da sua própria
experiência.
O autor compreende que os afetos que nos transformam têm
características de afetos ambivalentes, e que a angústia que acomete os
indivíduos pode ser compreendida como desamparo.
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Safatle (2015) utiliza a tradução do termo angústia trabalhado e desenvolvido por Sigmund Freud
(1930) como desamparo.
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ter como principal objetivo, cessar esse sentimento e se livrar dessa servidão.
Para Safatle, o desamparo não pode ser produzido apenas pela consciência da
vulnerabilidade do indivíduo em sua relação com o outro, “mas também pela
própria ausência de resposta adequada às excitações pulsionais internas”, ou
seja, para o autor, há uma articulação que ocorre duplamente entre fontes
internas e externas, e é isso que se configura como traumático para o
indivíduo.
Tal inadequação entre minha capacidade de reação, de
controle, em suma, de representação sob a forma de um
objeto, e a magnitude do que tenho diante de mim, dá à
situação um caráter traumático. (SAFATLE, 2015, p. 62)
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novas formas de reconhecimento de si através do olhar do outro, vão se
emancipando e originando novas formas de disputa. É o que Freud (1921)
denomina de narcisismo das pequenas diferenças.
Toda vez que duas famílias se unem por casamento, cada uma
delas se acha melhor ou mais nobre que a outra. Havendo
duas cidades vizinhas, cada uma se torna a maldosa
concorrente da outra; cada pequenino cantão olha com
desdém para o outro. Etnias bastante aparentadas se repelem,
o alemão do sul não tolera o alemão do norte, o inglês diz
cobras e lagartos do escocês, o espanhol despreza o
português. Já não nos surpreende que diferenças maiores
resultem numa aversão difícil de superar, como a do gaulês
pelo germano, do ariano pelo semita, do branco pelo homem
de cor. (FREUD, 1921, p. 43-44)
Cultura do Narcisismo
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Para Lasch, existe um histórico na qual a humanidade se manifesta
narcisicamente, porém, as formas, categorias, urgências e necessidades é que
se modificaram ao longo dos anos.
Os homens sempre foram egoístas, os grupos sempre foram
etnocêntricos, nada se ganha em se atribuir a essas qualidades
um rótulo psiquiátrico. Contudo, a emergência das desordens
do caráter como as mais proeminentes formas de patologia
psiquiátrica, junto com a mudança na estrutura da
personalidade que este desenvolvimento reflete, derivam-se de
mudanças bem específicas em nossa sociedade e cultura – da
burocracia, da proliferação de imagens, de ideologias
terapêuticas, da racionalização da vida interior, do culto do
consumismo e, em última análise, das mudanças na vida
familiar, assim como de padrões variáveis de socialização.
(LASCH, 1979, 27-28)
Assim, encontramos uma sociedade que busca cada vez mais se poupar
de determinados conflitos para que não haja nenhum tipo de desgaste físico ou
mental e para que não haja nenhum tipo de sofrimento. É importante destacar
que esse processo ocorre tanto de um indivíduo para com si mesmo, como de
um indivíduo para com outro indivíduo, como é o caso de pais super protetores
que não querem que seus filhos vivenciem momentos de conflitos internos e
externos.
A ética da autopreservação e da sobrevivência psíquica está,
então, radicada, não meramente nas condições objetivas da
guerra econômica, nas elevadas taxas de crimes e no caos
social, mas na experiência subjetiva do vazio e do isolamento.
Ela reflete a convicção – tanto uma projeção de ansiedades
interiores, como uma percepção de como são as coisas – de
que a inveja e a exploração dominam até mesmo as relações
mais íntimas. (LASCH, 1979, p. 38)
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A possibilidade de interação rápida e eficiente fez dessas tecnologias –
sobretudo das redes sociais – uma válvula de escape que permitia a existência
de uma grande rede de conexão. Essa grande rede possibilitou inúmeras
aproximações, mas também, reforçou um desligamento com a realidade, na
qual as pessoas optavam por viver o mundo digital ao invés do mundo real.
Escolher com quais pessoas conviver, com quais conflitos lidar, fizeram do
indivíduo contemporâneo um sujeito cômodo. Deletar uma postagem,
adicionar, curtir, excluir ou bloquear alguém, se tornaram as novas formas de
ação e reação humana.
3
Guy Debord, ASociedade do Espetáculo, 1967.
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em rede, se tornam compartilhados, abrindo o campo – embora de outra
maneira –, da identificação e pertencimento dos sofrimentos psíquicos.
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Assim, um indivíduo que na sociedade contemporânea se utiliza de
remédios controlados para se manter convivendo em harmonia, já não causa
nenhum tipo de estranhamento social, pois dificuldades em lidar com
determinadas questões e realidades é algo comum a todo indivíduo que
compartilha espaços, reflexões etc. Como citamos anteriormente, a forma com
que um indivíduo fala do seu sofrimento, altera e modifica a forma com que ele
vê o próprio sofrimento.
Considerações Finais
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Referências
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