Indice Toeplitz Mezzovilla
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2020-II
Resumo
Discorremos sobre como calcular o índice de Fredholm de uma classe de Operadores.
O presente documento é um registro de duas aulas apresentadas por Severino T. Melo
na disciplina de Panorama de Matemática do Instituto de Matemática e Estatística da
Universidade de São Paulo (IME-USP). Tais notas foram registradas por Gustavo Pauzner
Mezzovilla Gonçalves.
Zb
(T u)(x) = u(x) + κ(x, y)u(y) dy
a
1.1 Introdução
Definição 1.2. Sejam X e Y espaços vetoriais complexos1 . Uma aplicação T : X −! Y
linear é um operador de Fredholm se ker T e Y /T (X) tiverem dimensão finita. Definimos o
índice de T como sendo a diferença das dimensões:
1
Exemplo 1.3. Se X e Y tem dimensões finitas, não tem graça nenhuma porque todo ope-
rador linear é de Fredholm. De fato, como X tem dimensão finita e ker T é um subespaço,
dim ker T < ∞. O quociente Y /T (X) também tem dimensão finita. Segue do teorema do
núcleo e da imagem que:
dim X = dim ker T + dim T (X) = dim ker T + dim Y − dim Y/T (X)
T0 T1 Tn−1 Tn
V0 V1 ··· Vn Vn+1
é uma sequência exata se ker Ti = Ti−1 (Vi−1 ) para todo i. Inclusive, Ti ◦ Ti−1 = 0 para todo
natural i 6 n.
T S
Proposição 1.8. Se U −! V −! W é uma sequência exata com U e W espaços de dimensão
finita, então necessariamente V também tem dimensão finita.
Demonstração. Note que dim U = dim ker T + dim T (U ) por U ser de dimensão finita. Como
ker T ⊂ U , segue que dim T (U ) 6 dim U . Então2 ,
Proposição 1.9. Seja (Vn )n∈N uma coleção de espaços de dimensão finita. Se
T1 Tn−1
0 V1 ··· Vn 0
2
Aqui tem um teorema dual ao teorema do núcleo e da imagem.
2
é uma sequência exata, então:
n
(−1)i+1 dim Vi = 0.
X
i=1
Considere a sequência
T1 Tn−2 Tn−1 Tn
0 V1 ··· Vn−1 Vn Vn+1 0
supondo que ela seja exata (note que esta exigência faz com que Tn seja sobrejetora). Res-
trinja tal sequência até a imagem do penúltimo espaço não nulo:
T1 Tn−2 Tn−1
0 V1 ··· Vn−1 Im Tn−1 0
i=1
Isolando dim Im Tn−1 na relação acima, basta substituir tal expressão na equação (1) e con-
cluir o a demonstração do teorema pelo princípio da indução finita.
Demonstração. Vamos montar uma sequência exata especial. O início dela será a inclu-
são ker T ,−! ker(ST ). Como ST (U ) ⊂ S(V ) ⊂ W , então temos W/ST (U ) −! W/S(V )
definida naturalmente. Formamos a seguinte sequência:
T
0 ker T ker(ST ) ker S
π
V/T (U ) W/ST (U ) W/S(V ) 0
S
e
3
ker π ⊂ T (ker(ST )) Seja x ∈ ker π, ou seja: x ∈ ker S ∩ T (U ). Se y ∈ U é tal que x = T y, segue que
x0 + T (U ) = x + T (U ) = π(x0 )
As demais inclusões ficam como exercício. Da proposição 1.8 segue que todos os espaços
da sequência exata são de dimensão finita. E pela proposição 1.9, segue que:
2 Operadores de Toeplitz
2.1 Preliminares da Análise Funcional
Definição 2.1 (Espaços de Hilbert). Um espaço de Hilbert é um espaço vetorial (complexo)
H com produto interno h · , · i que se torna completo3 quando munido da norma induzida
pelo produto interno:
kxk = hx, xi1/2 , (x ∈ H)
Definição 2.2. Um subconjunto {x1 , x2 , · · · } de um espaço de Hilbert H é um conjunto
ortonormal completo se
0 se j 6= k.
(
hxj , xk i =
1 se j = k.
e se x ∈ H é tal que hx, xk i = 0 para todo k, então x = 0.
3
No sentindo de sequências de Cauchy.
4
Esta definição acima substitui a noção de uma base ortonormal em espaços de dimensão
finita, mas não sendo uma base no sentido de álgebra linear.
Neste contexto, trabalhamos apenas com os espaços Hilbert com conjuntos ortonormais
completos enumeráveis. Estes são chamados separáveis (existe um subconjunto denso e
enumerável - alvo da próxima proposição).
Proposição 2.3. O conjunto hβi das combinações lineares de um conjunto ortonormal com-
pleto β = {x1 , x2 , · · · } ⊂ H de um espaço de Hilbert é denso em H. Reciprocamente, se β é
um conjunto ortonormal e hβi é denso em H, então β é completo.
Proposição 2.4. Dado M um subespaço de H (de Hilbert), definimos o M ⊥ como a coleção
dos vetores x ∈ H tais que hx, yi = 0 para qualquer y ∈ M . Dado x ∈ H e um subespaço M
fechado, existe um único xM ∈ M tal que x − xM ∈ M ⊥ .
M
xM
(ii) T é contínua em 0.
Inclusive, kT k é a menor constante C tal que kT xk 6 Ckxk para todo x, e B(H) é completo
nesta norma, mas não vem ao caso.
Proposição 2.6. Dado T ∈ B(H), existe um único T ∗ ∈ B(H) tal que hT x, yi = hx, T ∗ yi
para todos x, y ∈ H.
Definição 2.7. Um operador compacto em H é uma transformação linear K : H −! H tal
que, para toda bola B contida em H, o fecho de T (B) é compacto. Denotamos por K(H) o
conjunto de todos os operadores compactos em H.
5
Note que todo operador compacto manda conjuntos limitados em limitados e portanto,
é limitado e contínuo.
Proposição 2.8. K(H) é um ideal fechado da álgebra B(H). Um operador T ∈ B(H) é
compacto se e somente se existem Tn ∈ B(H), a imagem Tn (H) tem dimensão finita, tais
que limn!∞ kTn − T k = 0.
Vale comentar que a segunda parte dessa proposição ficou por meio século como um
problema em aberto para de espaços de Banach em geral (um espaço de Banach é um espaço
vetorial normado completo). Em 1972, Enflo encontrou um contraexemplo.
Teorema 2.9. Se K ∈ K(H), então I + K é um operador de Fredholm de índice zero.
Este resultado, conhecido como a Alternativa de Fredholm, deu origem à teoria do índice.
Denote por F(H) o espaço dos operadores limitados T ∈ B(H) tal que T é um operador
de Fredholm.
Teorema 2.10 (Atkinson). Um operador limitado T ∈ B(H) em um espaço de Hilbert é de
Fredholm se, e somente se, ele é invertível modulo pertubação compacta. Ou seja: Se existe
um S ∈ B(H) tal que I − T S e I − ST são operadores compactos, então T é um operador
de Fredholm.
Teorema 2.11. O conjunto dos operadores de Fredholm limitados F(H) é um aberto em
B(H). Além disso, o índice de Fredholm ind : F(H) −! Z é uma aplicação contínua (local-
mente constante). Além disso, existe uma curva contínua contida em F(H) conectando dois
operadores de Fredholm T1 , T2 ∈ F(H) se e somente se ind T1 = ind T2 .
F(H)
ind ind T1 = ind(tT1 + (1 − t)T2 )
T1 T2
= ind T2 ∈ Z
Z2π
1
hf, gi = f (eiθ )g (eiθ ) dθ. (2)
2π
0
é ortonormal. As combinações lineares dos elementos deste conjunto são chamadas de po-
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linômios trigonométricos. Tal nome surge da análise das partes reais e imaginárias destes
polinômios que moram em C[sen(θ), cos(θ)].
Teorema 2.12. (Rudin, 1987, Theorem 4.25) Dados f ∈ C S 1 e ε > 0, existe um polinômio
2
kf − gk2 6 sup |f (z) − g(z)| ,
z∈S 1
como gostaríamos.
ortonormal completo de L2 S 1 .
Definição 2.14. O espaço de Hardy H2 (S 1 ) é o menor subespaço fechado de L2 S 1 que
com an = hf, en i, define uma função analítica no disco aberto delimitado por S 1 . Ou seja, as
funções de S 1 pertencentes a H 2 (S 1 ) podem ser estendidos analiticamente ao disco aberto.
Pode-se provar, indo um pouco mais além, que o espaço de Hardy H 2 (S 1 ) consiste preci-
samente do conjunto das funções de L2 (S 1 ) que são valores de fronteira em S 1 de funções
holomorfas definidas no disco aberto.
Segue que {e0 , e1 , e2 , · · · } é um sistema ortonormal completo de H2 (S 1 ).
Definição 2.15. Dada ϕ ∈ C S 1 , o operador de Toeplitz com simbolo ϕ, é definido por
Tϕ : H2 (S 1 ) −! H2 (S 1 )
.
f 7−! P (ϕf )
7
Definindo kϕk∞ = supz∈S 1 |ϕ(z)|, temos que
Z
kTϕ (f )k = kP (ϕf )k 6 kϕf k2 6 |ϕf |2 6 kϕk∞ kf k2 (3)
kϕk∞ (isso se pode provar com técnicas de C ∗ -álgebras, como veremos ao final da seção).
É fácil ver que Te1 (ek ) = ek+1 para todo k inteiro não negativo, Te−1 (e0 ) = 0 e Te−1 (ek ) =
ek−1 com k um inteiro positivo. Além disso, vemos também que
Demonstração. Qualquer elemento x num espaço de Hilbert com base ortonormal {e0 , e1 , e2 , · · · }
pode ser escrito como x = ∞ n=0 hen , xien . Assim, podemos encarar um espaço de Hilbert
P
como um espaço de sequências, e em alguns casos, é melhor estudar o operador atuando nas
sequências do mesmo.
Seja f ∈ H2 (S 1 ) visto como uma sequência (fn )n∈N com fn = hf, en i. Note que a
sequência e1 f é a sequência “shifitada”:
f∼
= (f0 , f1 , f2 · · · ) ⇒ e1 f ∼
= (0, f0 , f1 , · · · )
f∼
= (f0 , f1 , f2 · · · ) ⇒ Tek (f ) ∼
= (fk , fk+1 , · · · )
.
Vamos provar a proposição então:
• Sejam k, ` ∈ Z inteiros de mesmo sinal. Então Tek Te` = Tek+` evidentemente. Além
disso, se k é positivo,
Tek Te−k (f ) ∼
= Tek (fk , fk+1 , fk+2 , · · · ) = (0, 0, · · · , 0, fk , fk+1 , · · · ).
| {z }
k casas
Portanto, se ` tem o mesmo sinal de k, Te` (Tek Te−k ) = Te` − Te` Pk e, já que Te` Pk tem
posto finito e portanto é compacto, o operador
8
• Como ϕ 7! Tϕ é uma aplicação linear, se p e q são polinômios trigonométricos, então
Tpq − Tp Tq é um operador compacto (pelo passo anterior). Segue da desigualdade (3)
que a aplicação ϕ 7! Tϕ , definida de C(S 1 ) em B é limitada e portanto contínua.
Veremos em seguida que segue da densidade dos polinômios trigonométricos em C(S 1 )
(corolário 2.13) o resultado geral.
De fato, sejam (pn )n∈N e (qm )m∈N sequências de polinômios trigonométricos tais
que pn ! f e qm ! g, com f, g ∈ C(S 1 ). Dado ε > 0, sejam nε , mε ∈ N tais que
ε ε
kf − pn k < e kg − qm k <
2L1 2L2
onde L1 e L2 são constantes a determinar, para quaisquer n > nε e m > mε . Suponha
sem perda de generalidade que nε > mε . Das desigualdades triangular e (3), temos
kTpn qn − Tf Tg k 6 kpn qn − f gk
= kpn qn − f qn + f qn − f gk
6 kpn − f k · kqn k + kf k · kqn − gk
Como g pode ser aproximado por qn , a sequência kqn k é limitada. Podemos tomar
portanto um L1 > 0 tal que L1 > kqn k para todo n > nε . Tomando L2 = kf k, vem
Tϕ T1/ϕ = Tϕ(1/ϕ) + K = I + K.
9
Teorema 2.18. Sejam f, g ∈ C(S 1 , C −{0}). Existe uma homotopia entre f e g se, e somente
se, n(f ) = n(g).
Dessa forma, dada f ∈ C(S 1 ) que nunca se anula, sabemos que f é homotópica ao
monômio en(f ) . Denote por
ψ : [0, 1] −! F(H2 (S 1 ))
h 7−! fh
a homotopia entre f e en(f ) . Sabemos que se h1 ! h2 , então kfh1 − fh2 k ! 0. Pela estimativa
(3),
h1 !h2
kTfh1 − Tfh2 k 6 kfh1 − fh2 k −! 0.
Portanto, a função ψ̃(h) = Tfh ∈ F(H) é contínua, e ind ◦ ψ̃ também é contínua, logo
constante. Em particular, ind(ψ̃(1) = ind(ψ̃(0). Isto prova a seguinte fórmula para o índice
de Fredholm de um operador de Toeplitz Tϕ , quando ϕ é contínua e nunca se anula:
É interessante observar que vale a volta do critério de Fredholmness que usamos acima.
Com a realização concreta da álgebra de Toeplitz (definição A.2), temos K(S 1 ) ⊂ T ⊂
B(H2 (S 1 )), além de que
T/K(S 1 ) −! ∼
C (S 1 )
[Tϕ ] 7−! ϕ
é um isomorfismo, e pela teoria geral de C ∗ -álgebras, todo isomorfismo é uma isometria.
Segue que se T ϕ, ϕ ∈ C(S 1 ), é um operador de Fredholm, então ϕ nunca se anula, de modo
que a fórmula para o índice de Tϕ que obtivemos cobre todos os casos em que Tϕ , ϕ ∈ C(S 1 ),
é um operador de Fredholm.
Também segue deste isomorfismo de C*-álgebras que
(3)
kTϕ k 6 kϕk∞ = k[Tϕ ]kT/ = inf kTϕ + Kk 6 kTϕ k,
K(S 1 ) K∈K(S 1 )
10
Teorema A.3. (Douglas, 2012, Theorem 7.23) K(H) ⊂ T e existe um *isomorfismo de
álgebras
T/K(H) −! C(S 1 )
que leva [S] na função identidade z 7−! z.
Uma demonstração deste teorema sem precisar desbravar os 7 capítulos da referência ori-
ginal pode ser consultada em https://www.ime.usp.br/~toscano/disc/2017/toeplitz.
pdf.
Referências
[Cordes 1979] Cordes, Heinz O.: Elliptic pseudo-differential operators: An abstract theory.
Bd. 756. Springer, 1979
[Douglas 2012] Douglas, Ronald G.: Banach algebra techniques in operator theory. Bd.
179. Springer Science & Business Media, 2012
[Lima 1977] Lima, Elon L.: Grupo fundamental e espaços de recobrimento. Instituto de
Matemática Pura e Aplicada do CN Pq., 1977
[Rudin 1987] Rudin, Walter: Real and complex analysis. 3. Tata McGraw-hill education,
1987. – 433 S
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