Indice Toeplitz Mezzovilla

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O Índice de Fredholm dos operadores de Toeplitz

Severino Toscano Melo & Gustavo Mezzovilla Gonçalves

2020-II

Resumo
Discorremos sobre como calcular o índice de Fredholm de uma classe de Operadores.
O presente documento é um registro de duas aulas apresentadas por Severino T. Melo
na disciplina de Panorama de Matemática do Instituto de Matemática e Estatística da
Universidade de São Paulo (IME-USP). Tais notas foram registradas por Gustavo Pauzner
Mezzovilla Gonçalves.

1 Resultados da Álgebra Linear


Exemplo 1.1 (A alternativa de Fredholm). Denote por C[a, b] o conjunto das funções con-
tínuas definidas no intervalo [a, b] e considere um operador T : C[a, b] −! C[a, b] dado por

Zb
(T u)(x) = u(x) + κ(x, y)u(y) dy
a

onde κ ∈ C [a, b]×[a, b] . Em determinado contexto, tem-se interesse em estudar as equações




do tipo T u = f , para uma dada f ∈ C[a, b].


Um resultado obtido por Fredholm é que existe um subespaço Y ⊂ C[a, b] de modo que
o quociente C[a, b]/Y tenha dimensão finita. Além disso, para qualquer f ∈ Y , existe uma
solução u, tal que T u = f . Na verdade, ele ainda provou que dim C[a, b]/Y = dim ker T .
Ou seja, para toda f em um subespaço de codimensão finita, a equação T u = f admite
solução, e a diferença de duas dessas soluções pertencem a um subespaço de dimensão finita.
Tal propriedade de uma equação linear é classicamente conhecida como solvabilidade normal,
que poderia ser descrita como uma espécie de “existência e unicidade a menos de subespaços
de dimensão finita”.

1.1 Introdução
Definição 1.2. Sejam X e Y espaços vetoriais complexos1 . Uma aplicação T : X −! Y
linear é um operador de Fredholm se ker T e Y /T (X) tiverem dimensão finita. Definimos o
índice de T como sendo a diferença das dimensões:

ind T := dim ker T − dim Y/T (X).


1
Assim como todos os demais espaços aqui abordados.

1
Exemplo 1.3. Se X e Y tem dimensões finitas, não tem graça nenhuma porque todo ope-
rador linear é de Fredholm. De fato, como X tem dimensão finita e ker T é um subespaço,
dim ker T < ∞. O quociente Y /T (X) também tem dimensão finita. Segue do teorema do
núcleo e da imagem que:
 
dim X = dim ker T + dim T (X) = dim ker T + dim Y − dim Y/T (X)

e portanto, dim Y /T (X) < ∞.


Exemplo 1.4. Considere C[x] o conjunto dos polinômios com coeficientes complexos na
variável x. Dado p ∈ C[x], T p(x) := xp(x) e Sp(x) := p0 (x) são operadores de Fredholm com
ind T = −1 e ind S = 1.
Exercício 1.5. Suponha que V = V1 ⊕ V2 seja uma soma direta de espaços vetoriais e
consideremos operadores de Fredholm Ti : Vi −! Vi , com i ∈ {1, 2}. Defina a soma direta
T = T1 ⊕ T2 por
T (v1 + v2 ) := T1 v1 + T2 v2 ,
onde vi ∈ Vi para cada i. Prove que T é de Fredholm e ind T = ind T1 + ind T2 .
Exercício 1.6. Se X é um espaço vetorial de dimensão infinita, mostre que para todo n ∈ Z,
existe um Tn : X −! X de Fredholm tal que ind Tn = n.
Note que todo operador X −! X inversível é de Fredholm com índice 0.

1.2 Sequências Exatas de Espaços Vetoriais


Definição 1.7. Considere uma família de espaços vetoriais Vn com transformações lineares
da forma Ti : Vi −! Vi+1 para todo i. Dizemos que a sequência

T0 T1 Tn−1 Tn
V0 V1 ··· Vn Vn+1

é uma sequência exata se ker Ti = Ti−1 (Vi−1 ) para todo i. Inclusive, Ti ◦ Ti−1 = 0 para todo
natural i 6 n.
T S
Proposição 1.8. Se U −! V −! W é uma sequência exata com U e W espaços de dimensão
finita, então necessariamente V também tem dimensão finita.

Demonstração. Note que dim U = dim ker T + dim T (U ) por U ser de dimensão finita. Como
ker T ⊂ U , segue que dim T (U ) 6 dim U . Então2 ,

dim U + dim W > dim T (U ) + dim W/S(V )


= dim ker S + dim W/S(V )
= dim V.

Como U e W tem dimensões finitas, terminamos.

Proposição 1.9. Seja (Vn )n∈N uma coleção de espaços de dimensão finita. Se

T1 Tn−1
0 V1 ··· Vn 0
2
Aqui tem um teorema dual ao teorema do núcleo e da imagem.

2
é uma sequência exata, então:
n
(−1)i+1 dim Vi = 0.
X

i=1

Demonstração. Seguimos por indução sobre n. Se 0 V1 0 é exata, então dim V1 =


T1
0. Agora, se 0 V1 V2 0 é exata, então T1 é necessariamente um isomorfismo e
portanto, dim V1 − dim V2 = 0.
Para o passo indutivo, suponha que para algum n, qualquer sequência exata da forma
0 U1 ··· Un 0 satisfaz a identidade desejada:

dim U1 − dim U2 + · · · + (−1)n+1 dim Un = 0.

Considere a sequência

T1 Tn−2 Tn−1 Tn
0 V1 ··· Vn−1 Vn Vn+1 0

supondo que ela seja exata (note que esta exigência faz com que Tn seja sobrejetora). Res-
trinja tal sequência até a imagem do penúltimo espaço não nulo:

T1 Tn−2 Tn−1
0 V1 ··· Vn−1 Im Tn−1 0

Por hipótese de indução, segue que


n−2
(−1)i+1 dim Vi + (−1)n dim Vn−1 − dim Im Tn−1 = 0. (1)
X 

i=1

Pelo Teorema do Núcleo e da Imagem sobre Tn (e por sua sobrejetividade),

dim Vn = dim ker Tn + dim Im Tn = dim Im Tn−1 + dim Vn+1 .

Isolando dim Im Tn−1 na relação acima, basta substituir tal expressão na equação (1) e con-
cluir o a demonstração do teorema pelo princípio da indução finita.

Teorema 1.10. Sejam T : U −! V e S : V −! W operadores de Fredholm. Então ST é


um operador de Fredholm e além disso ind(ST ) = ind S + ind T .

Demonstração. Vamos montar uma sequência exata especial. O início dela será a inclu-
são ker T ,−! ker(ST ). Como ST (U ) ⊂ S(V ) ⊂ W , então temos W/ST (U ) −! W/S(V )
definida naturalmente. Formamos a seguinte sequência:
T
0 ker T ker(ST ) ker S
π
V/T (U ) W/ST (U ) W/S(V ) 0
S
e

onde π : V −! V /T (U ) é a projeção natural e Se : x + T (U ) 7−! Sx + ST (U ) (que de fato


está bem definida).
Afirmamos que a sequência acima é exata. Mostremos algumas inclusões:

3
ker π ⊂ T (ker(ST )) Seja x ∈ ker π, ou seja: x ∈ ker S ∩ T (U ). Se y ∈ U é tal que x = T y, segue que
 

0 = Sx = (ST )y. Dessa forma, y ∈ ker(ST ) e portanto x ∈ T (ker(ST )).

ker Se ⊂ π(ker S) Seja x ∈ V tal que S(x


e + T (U )) = 0. Dessa forma, Sx + ST (U ) = 0, i.e., Sx ∈ ST (U ).
 

Se y ∈ U é tal que ST y = Sx, defina x0 := x − T y ∈ ker S. Logo:

x0 + T (U ) = x + T (U ) = π(x0 )

e portanto x + T (U ) ∈ π(ker S).

As demais inclusões ficam como exercício. Da proposição 1.8 segue que todos os espaços
da sequência exata são de dimensão finita. E pela proposição 1.9, segue que:

dim ker T − dim ker(ST ) + dim ker S


= 0.
− dim V/T (U ) + dim W/ST (U ) − dim W/S(V )

Ou seja: ind T + ind S = ind(ST ).

Teorema 1.11. Um operador T : X −! Y é de Fredholm se, e somente se, existe um


aplicação S : Y −! X tal que ST − IX e T S − IY tem a dimensão da imagem finita.
Corolário 1.12. Dado X um espaço vetorial, definimos E(X) o conjunto dos automorfismos
X −! X de posto finito. Então: E(X) é um ideal da álgebra L(X).
Se π : L(X) −! L(X)/E(X) é a projeção usual, podemos reformular este enunciado da
seguinte maneira: T ∈ L(X) é Fredholm se, e somente se, π(T ) é inversível.
Teorema 1.13. Se T : X −! Y é Fredholm e F : X −! Y tem posto finito, então T + F é
Fredholm e ind(T + F ) = ind T .
Para uma referência sobre estes teoremas, consulte a seção “Algebraic theory of Fredholm
operators” do apêndice 2 de Cordes (1979).

2 Operadores de Toeplitz
2.1 Preliminares da Análise Funcional
Definição 2.1 (Espaços de Hilbert). Um espaço de Hilbert é um espaço vetorial (complexo)
H com produto interno h · , · i que se torna completo3 quando munido da norma induzida
pelo produto interno:
kxk = hx, xi1/2 , (x ∈ H)
Definição 2.2. Um subconjunto {x1 , x2 , · · · } de um espaço de Hilbert H é um conjunto
ortonormal completo se
0 se j 6= k.
(
hxj , xk i =
1 se j = k.
e se x ∈ H é tal que hx, xk i = 0 para todo k, então x = 0.
3
No sentindo de sequências de Cauchy.

4
Esta definição acima substitui a noção de uma base ortonormal em espaços de dimensão
finita, mas não sendo uma base no sentido de álgebra linear.
Neste contexto, trabalhamos apenas com os espaços Hilbert com conjuntos ortonormais
completos enumeráveis. Estes são chamados separáveis (existe um subconjunto denso e
enumerável - alvo da próxima proposição).
Proposição 2.3. O conjunto hβi das combinações lineares de um conjunto ortonormal com-
pleto β = {x1 , x2 , · · · } ⊂ H de um espaço de Hilbert é denso em H. Reciprocamente, se β é
um conjunto ortonormal e hβi é denso em H, então β é completo.
Proposição 2.4. Dado M um subespaço de H (de Hilbert), definimos o M ⊥ como a coleção
dos vetores x ∈ H tais que hx, yi = 0 para qualquer y ∈ M . Dado x ∈ H e um subespaço M
fechado, existe um único xM ∈ M tal que x − xM ∈ M ⊥ .

M
xM

Figura 1: Ilustração da proposição 2.4

Tal proposição induz a aplicação PM : H −! H definida por PM x := xM , que é linear e


satizfaz kPM xk 6 kxk para todo x ∈ H. Além disso, PM2 = PM , PM (H) = M e ker PM = M ⊥ .
Ela é chamada de projeção ortogonal sobre M .
Proposição 2.5. Seja H um espaço de Hilbert e T : H −! H um operador linear. As
afirmações a seguir são equivalentes:
(i) T é continua.

(ii) T é contínua em 0.

(iii) Existe C > 0 tal que kT xk 6 Ckxk para todo x ∈ H.

(iv) Se S ⊂ H é limitado (isto é, contido em uma bola), então T (S) também é.


Define-se uma norma no espaço vetorial B(H) de todas as transformações lineares satis-
fazendo uma das quatro (e portanto todas) condições da proposição 2.5 por
kT xk
kT k := sup .
x6=0 kxk

Inclusive, kT k é a menor constante C tal que kT xk 6 Ckxk para todo x, e B(H) é completo
nesta norma, mas não vem ao caso.
Proposição 2.6. Dado T ∈ B(H), existe um único T ∗ ∈ B(H) tal que hT x, yi = hx, T ∗ yi
para todos x, y ∈ H.
Definição 2.7. Um operador compacto em H é uma transformação linear K : H −! H tal
que, para toda bola B contida em H, o fecho de T (B) é compacto. Denotamos por K(H) o
conjunto de todos os operadores compactos em H.

5
Note que todo operador compacto manda conjuntos limitados em limitados e portanto,
é limitado e contínuo.
Proposição 2.8. K(H) é um ideal fechado da álgebra B(H). Um operador T ∈ B(H) é
compacto se e somente se existem Tn ∈ B(H), a imagem Tn (H) tem dimensão finita, tais
que limn!∞ kTn − T k = 0.
Vale comentar que a segunda parte dessa proposição ficou por meio século como um
problema em aberto para de espaços de Banach em geral (um espaço de Banach é um espaço
vetorial normado completo). Em 1972, Enflo encontrou um contraexemplo.
Teorema 2.9. Se K ∈ K(H), então I + K é um operador de Fredholm de índice zero.
Este resultado, conhecido como a Alternativa de Fredholm, deu origem à teoria do índice.
Denote por F(H) o espaço dos operadores limitados T ∈ B(H) tal que T é um operador
de Fredholm.
Teorema 2.10 (Atkinson). Um operador limitado T ∈ B(H) em um espaço de Hilbert é de
Fredholm se, e somente se, ele é invertível modulo pertubação compacta. Ou seja: Se existe
um S ∈ B(H) tal que I − T S e I − ST são operadores compactos, então T é um operador
de Fredholm.
Teorema 2.11. O conjunto dos operadores de Fredholm limitados F(H) é um aberto em
B(H). Além disso, o índice de Fredholm ind : F(H) −! Z é uma aplicação contínua (local-
mente constante). Além disso, existe uma curva contínua contida em F(H) conectando dois
operadores de Fredholm T1 , T2 ∈ F(H) se e somente se ind T1 = ind T2 .

F(H)
ind ind T1 = ind(tT1 + (1 − t)T2 )
T1 T2
= ind T2 ∈ Z

Figura 2: Caracterização das componentes conexas

2.2 Operadores de Toeplitz


Os operadores de Toeplitz surgem num contexto de análise clássica (principalmente dentro
dos estudos de funções analíticas de uma variável complexa), fora do domínio da Álgebra de
Operadores.
Seja S 1 ⊂ C a circunferência unitária centrada na origem do plano complexo e defina em
C S 1 o seguinte produto interno:


Z2π
1
hf, gi = f (eiθ )g (eiθ ) dθ. (2)

0

Para cada k ∈ Z, seja ek ∈ C S 1 definida por ek (z) = z k , z ∈ S 1 . O conjunto {ek | k ∈ Z}




é ortonormal. As combinações lineares dos elementos deste conjunto são chamadas de po-

6
linômios trigonométricos. Tal nome surge da análise das partes reais e imaginárias destes
polinômios que moram em C[sen(θ), cos(θ)].
Teorema 2.12. (Rudin, 1987, Theorem 4.25) Dados f ∈ C S 1 e ε > 0, existe um polinômio


trigonométrico p tal que |f (z) − p(z)| < ε para todo z ∈ S 1 .


Ou seja, toda função contínua em S 1 pode ser uniformemente aproximada por polinômios
trigonométricos. Tal sequência que pode ser obtida não diz nada a respeito da convergência
da série de Fourier de f . O teorema de Férjet (veja Figueiredo (1987)) afirma que a média das
somas parciais simétricas da série de Fourier da função de fato convergem uniformemente.
Corolário 2.13. O conjunto dos polinômios trigonométricos é denso em C S 1 munido da


métrica induzida pelo produto interno (2).

Demonstração. Dadas f, g ∈ C S 1 quaisquer, note que




 2
kf − gk2 6 sup |f (z) − g(z)| ,
z∈S 1

como gostaríamos.

O espaço com produto interno C S 1 , h · , · i não é completo e seu completamento (via


 

sequências de Cauchy) é L S . Segue do corolário 2.13 que {ek | k ∈ Z} é um conjunto


2 1


ortonormal completo de L2 S 1 .
Definição 2.14. O espaço de Hardy H2 (S 1 ) é o menor subespaço fechado de L2 S 1 que


contém o conjunto ortonormal {e0 , e1 , e2 , · · · }. Denotamos por P = PH2 (S 1 ) a projeção orto-


gonal de L S em H2 (S 1 ).
2 1


Equivalentemente, dada uma função f ∈ L2 (S 1 ), f ∈ H2 (S 1 ) se e somente se, os coefici-


entes hf, ek i da série de Fourier de f são todos nulos para k < 0. Em particular,

f (z) =
X
an z n ,
n=0

com an = hf, en i, define uma função analítica no disco aberto delimitado por S 1 . Ou seja, as
funções de S 1 pertencentes a H 2 (S 1 ) podem ser estendidos analiticamente ao disco aberto.
Pode-se provar, indo um pouco mais além, que o espaço de Hardy H 2 (S 1 ) consiste preci-
samente do conjunto das funções de L2 (S 1 ) que são valores de fronteira em S 1 de funções
holomorfas definidas no disco aberto.
Segue que {e0 , e1 , e2 , · · · } é um sistema ortonormal completo de H2 (S 1 ).
Definição 2.15. Dada ϕ ∈ C S 1 , o operador de Toeplitz com simbolo ϕ, é definido por


Tϕ : H2 (S 1 ) −! H2 (S 1 )
.
f 7−! P (ϕf )

Escrevendo Tϕ em termos de e0 , e1 , . . ., a “matrix infinita” de Tϕ possui diagonais constan-


tes paralelas a diagonal principal. Estas são chamadas de matrizes de Toeplitz. Foi estudando
propriedades dessas matrizes que Toeplitz deu origem à teoria dos que viriam a ser chamado
de operadores de Toeplitz.

7
Definindo kϕk∞ = supz∈S 1 |ϕ(z)|, temos que
Z
kTϕ (f )k = kP (ϕf )k 6 kϕf k2 6 |ϕf |2 6 kϕk∞ kf k2 (3)

para qualquer ϕ ∈ C S 1 e portanto, Tϕ é limitado. Inclusive, vale na verdade que kTϕ k =




kϕk∞ (isso se pode provar com técnicas de C ∗ -álgebras, como veremos ao final da seção).
É fácil ver que Te1 (ek ) = ek+1 para todo k inteiro não negativo, Te−1 (e0 ) = 0 e Te−1 (ek ) =
ek−1 com k um inteiro positivo. Além disso, vemos também que

Tek = Tek1 e Te−k = Tek−1

para todo inteiro positivo k.


Proposição 2.16. Para quaisquer f, g ∈ C(S 1 ), Tf g − Tf Tg é um operador compacto no
espaço de Hardy H 2 (S 1 ).

Demonstração. Qualquer elemento x num espaço de Hilbert com base ortonormal {e0 , e1 , e2 , · · · }
pode ser escrito como x = ∞ n=0 hen , xien . Assim, podemos encarar um espaço de Hilbert
P

como um espaço de sequências, e em alguns casos, é melhor estudar o operador atuando nas
sequências do mesmo.
Seja f ∈ H2 (S 1 ) visto como uma sequência (fn )n∈N com fn = hf, en i. Note que a
sequência e1 f é a sequência “shifitada”:

f∼
= (f0 , f1 , f2 · · · ) ⇒ e1 f ∼
= (0, f0 , f1 , · · · )

. Para k inteiro positivo qualquer, ek f ∈ H2 (S 1 ) e Tek (f ) = ek f . Além disso, se

f∼
= (f0 , f1 , f2 · · · ) ⇒ Tek (f ) ∼
= (fk , fk+1 , · · · )

.
Vamos provar a proposição então:

• Sejam k, ` ∈ Z inteiros de mesmo sinal. Então Tek Te` = Tek+` evidentemente. Além
disso, se k é positivo,

Te−k Tek = I e Tek Te−k = I − Pk

onde Pk é a projeção das primeiras k-componentes. De fato,

Tek Te−k (f ) ∼
= Tek (fk , fk+1 , fk+2 , · · · ) = (0, 0, · · · , 0, fk , fk+1 , · · · ).
| {z }
k casas

Portanto, se ` tem o mesmo sinal de k, Te` (Tek Te−k ) = Te` − Te` Pk e, já que Te` Pk tem
posto finito e portanto é compacto, o operador

Te` − Tek+` Te−k ∈ K(H2 (S 1 ))

também é compacto. Assim se prova o resultado para os monômios en , n ∈ Z.

8
• Como ϕ 7! Tϕ é uma aplicação linear, se p e q são polinômios trigonométricos, então
Tpq − Tp Tq é um operador compacto (pelo passo anterior). Segue da desigualdade (3)
que a aplicação ϕ 7! Tϕ , definida de C(S 1 ) em B é limitada e portanto contínua.
Veremos em seguida que segue da densidade dos polinômios trigonométricos em C(S 1 )
(corolário 2.13) o resultado geral.
De fato, sejam (pn )n∈N e (qm )m∈N sequências de polinômios trigonométricos tais
que pn ! f e qm ! g, com f, g ∈ C(S 1 ). Dado ε > 0, sejam nε , mε ∈ N tais que
ε ε
kf − pn k < e kg − qm k <
2L1 2L2
onde L1 e L2 são constantes a determinar, para quaisquer n > nε e m > mε . Suponha
sem perda de generalidade que nε > mε . Das desigualdades triangular e (3), temos

kTpn qn − Tf Tg k 6 kpn qn − f gk
= kpn qn − f qn + f qn − f gk
6 kpn − f k · kqn k + kf k · kqn − gk

Como g pode ser aproximado por qn , a sequência kqn k é limitada. Podemos tomar
portanto um L1 > 0 tal que L1 > kqn k para todo n > nε . Tomando L2 = kf k, vem

kTpn qn − Tf Tg k 6 kpn − f k · kqn k + kf k · kqn − gk


ε ε
< · kqn k + kf k ·
2L1 2L2
ε ε
< + = ε,
2 2
para todo n > n . Provamos que Tpn qn − Tf Tg ! Tf g − Tf Tg . Como K(H2 (S 1 ))
é fechado, Tf g − Tf Tg é o limite de de operadores compactos e portanto, também é
compacto.

Decorre agora o seguinte critério de “Fredholmness”. Se ϕ ∈ C(S 1 ) onde ϕ(z) 6= 0 para


todo z ∈ S 1 , então existe um operador compacto K no espaço de Hardy H2 (S 1 ) tal que

Tϕ T1/ϕ = Tϕ(1/ϕ) + K = I + K.

Segue do Teorema de Atkinson 2.10 de que Tϕ é um operador de Fredholm se ϕ nunca se


anula.
Exercício 2.17. Prove que se k é inteiro, então ind Tek = −k.
Dada uma função γ : S 1 ! C \{0} continuamente derivável, definimos o número de
rotação de γ por
1 1
Z
n(γ) =  dz
2πi γ z
(γ pode ser vista como uma curva fechada no plano complexo). É possível estender a definição
de número de rotação supondo apenas que γ seja contínua (veja Lima (1977)) de modo que
valha o seguinte teorema:

9
Teorema 2.18. Sejam f, g ∈ C(S 1 , C −{0}). Existe uma homotopia entre f e g se, e somente
se, n(f ) = n(g).
Dessa forma, dada f ∈ C(S 1 ) que nunca se anula, sabemos que f é homotópica ao
monômio en(f ) . Denote por

ψ : [0, 1] −! F(H2 (S 1 ))
h 7−! fh

a homotopia entre f e en(f ) . Sabemos que se h1 ! h2 , então kfh1 − fh2 k ! 0. Pela estimativa
(3),
h1 !h2
kTfh1 − Tfh2 k 6 kfh1 − fh2 k −! 0.
Portanto, a função ψ̃(h) = Tfh ∈ F(H) é contínua, e ind ◦ ψ̃ também é contínua, logo
constante. Em particular, ind(ψ̃(1) = ind(ψ̃(0). Isto prova a seguinte fórmula para o índice
de Fredholm de um operador de Toeplitz Tϕ , quando ϕ é contínua e nunca se anula:

ind Tf = ind Tfk = ind Ten(f ) = −n(f ).

É interessante observar que vale a volta do critério de Fredholmness que usamos acima.
Com a realização concreta da álgebra de Toeplitz (definição A.2), temos K(S 1 ) ⊂ T ⊂
B(H2 (S 1 )), além de que
T/K(S 1 ) −! ∼
C (S 1 )
[Tϕ ] 7−! ϕ
é um isomorfismo, e pela teoria geral de C ∗ -álgebras, todo isomorfismo é uma isometria.
Segue que se T ϕ, ϕ ∈ C(S 1 ), é um operador de Fredholm, então ϕ nunca se anula, de modo
que a fórmula para o índice de Tϕ que obtivemos cobre todos os casos em que Tϕ , ϕ ∈ C(S 1 ),
é um operador de Fredholm.
Também segue deste isomorfismo de C*-álgebras que
(3)
kTϕ k 6 kϕk∞ = k[Tϕ ]kT/ = inf kTϕ + Kk 6 kTϕ k,
K(S 1 ) K∈K(S 1 )

melhorando a estimativa (3) para uma igualdade.

A A Álgebra de Toeplitz Abstrata


Seja H um espaço de Hilbert com um sistema ortonormal completo {e0 , e1 , e2 , · · · }.
Proposição A.1. Existe um único S ∈ B(H) tal que Sej = ej+1 , para todo j inteiro não
negativo. Além disso, S satisfaz kSxk = kxk para todo x ∈ H e S ∗ é dado por S ∗ e0 = 0 e
S ∗ ej = ej−1 para todo inteiro j positivo.
Um exemplo de tal espaço é o espaço de Hardy dada na definição 2.14 com os monômios
en (z) := z n , e S é o operador de Toeplitz com símbolo e1 .
Definição A.2. A álgebra de Toeplitz gerada por S é a menor subálgebra fechada T de B(H)
que contém S, S ∗ e a identidade I.
A menos de isomorfismos, T não depende da escolha de H e do conjunto ortonormal
completo.

10
Teorema A.3. (Douglas, 2012, Theorem 7.23) K(H) ⊂ T e existe um *isomorfismo de
álgebras
T/K(H) −! C(S 1 )
que leva [S] na função identidade z 7−! z.
Uma demonstração deste teorema sem precisar desbravar os 7 capítulos da referência ori-
ginal pode ser consultada em https://www.ime.usp.br/~toscano/disc/2017/toeplitz.
pdf.

Referências
[Cordes 1979] Cordes, Heinz O.: Elliptic pseudo-differential operators: An abstract theory.
Bd. 756. Springer, 1979

[Douglas 2012] Douglas, Ronald G.: Banach algebra techniques in operator theory. Bd.
179. Springer Science & Business Media, 2012

[Figueiredo 1987] Figueiredo, Djairo G.: Análise de Fourier e equações diferenciais


parciais. Instituto de Matemática Pura e Aplicada, CNPq, 1987

[Lima 1977] Lima, Elon L.: Grupo fundamental e espaços de recobrimento. Instituto de
Matemática Pura e Aplicada do CN Pq., 1977

[Rudin 1987] Rudin, Walter: Real and complex analysis. 3. Tata McGraw-hill education,
1987. – 433 S

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