Dissertação Luciene Da Silva Santos

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

BAIANO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO


PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA - PROFEPT

LUCIENE DA SILVA SANTOS

O TRABALHO AGROINDUSTRIAL COMO ARTICULADOR


DA PRÁTICA EDUCATIVA DO ESTÁGIO CURRICULAR NO
CURSO TÉCNICO EM AGROINDÚSTRIA NA PERSPECTIVA
DA FORMAÇÃO OMNILATERAL

Catu, BA

2021
LUCIENE DA SILVA SANTOS

O TRABALHO AGROINDUSTRIAL COMO ARTICULADOR


DA PRÁTICA EDUCATIVA DO ESTÁGIO CURRICULAR NO
CURSO TÉCNICO EM AGROINDÚSTRIA NA PERSPECTIVA
DA FORMAÇÃO OMNILATERAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Educação Profissional e Tecnológica – PROFEPT, do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano, como
requisito de obtenção do título de Mestra em Educação
Profissional e Tecnológica.

Orientador: Prof. Dr. Antonio Leonan Ferreira

Catu, BA

2021
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano – Campus Catu
Setor de Biblioteca
S237 Santos, Luciene da Silva
O trabalho agroindustrial como articulador da prática educativa do
estágio curricular no curso técnico em Agroindústria na perspectiva da
formação omnilateral / Luciene da Silva Santos. – 2021.

202 f. il.:

Orientador(a): Prof. Dr. Antonio Leonan Alves Ferreira.


Dissertação (Mestrado), Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Baiano, Mestrado Profissional em Educação Profissional e
Tecnológica (ProfEPT), Catu, 2021.

1. Pedagogia Histórico-Crítica. 2. Formação Politecnica. 3. Estágio


supervisionado. 4. Educação profissional integrada. 5. IF Baiano –
Campus Governador Mangabeira. I. Ferreira, Antonio Leonan Avles. II.
Título.
CDU: 37.035.3
LUCIENE DA SILVA SANTOS

O TRABALHO AGROINDUSTRIAL COMO ARTICULADOR DA


PRÁTICA EDUCATIVA DO ESTÁGIO CURRICULAR NO CURSO
TÉCNICO EM AGROINDÚSTRIA NA PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO
OMNILATERAL

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em Educação
Profissional e Tecnológica, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano.

Aprovada em 19 de julho de 2021

Antonio Leonan Alves Ferreira – Orientador _______________________________________


Doutor em Educação, Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Bahia.
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IFBAIANO)

Edilson Fortuna de Moradillo (Titular)_____________________________________________


Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências, Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)

José Claudinei Lombardi (Titular)________________________________________________


Doutor em Educação, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Mad Ana Desiree Ribeiro de Castro (Titular)________________________________________


Doutora em Educação, Universidade Federal de Goiás (UFG)
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG)

Tatiana Ribeiro Velloso (Titular)_________________________________________________


Doutora em Geografia, Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

Elza Margarida de Mendonça Peixoto (Suplente)_____________________________________


Doutora em Filosofia e História da Educação, Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), Campinas, São Paulo.
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Dedicatória

Dedico esta pesquisa aos trabalhadores e trabalhadoras em geral e a todos os alunos da


formação sócio técnica; por um desenvolvimento humano integral e uma educação
emancipatória!
AGRADECIMENTOS

Ao meu núcleo familiar basilar: meus filhos, Daniel Vítor e João Felipe, razões do amor
incondicional. À minha mãe Leonor e ao meu pai Daniel (in memoriam), a vocês meu muito
obrigada por terem me dado os primeiros alicerces na vida. Aos meus irmãos, sobrinhos, e a
todos os demais familiares, porque as minhas conquistas são as conquistas de todos eles.

Às amigas Maria, Clara, Joana e Cira, e aos amigos Benedito, Ítalo, e Theo, pelo
intercâmbio carinhoso, pelo cuidado e humanidade; com quem se aprende que amigos
importam para toda existência.

Ao querido Francisco, pelo cuidado, carinho e restabelecimento de energias para


continuar prosseguindo e acreditando que o trabalho também é uma prece diária.

À Iracema (in memoriam), minha pró inesquecível, que me iniciou no maravilhoso


mundo do letramento, com quem tive a oportunidade de trilhar a jornada profissional como
alfabetizadora e com quem aprendi que a educação é uma chave para o desenvolvimento
humano. Obrigada querida! Para sempre!

Aos queridos professores do Programa Prof. Davi Costa e Prof. Heron Ferreira, a quem
chamo de dupla dinâmica, pelos quais tenho muita admiração como educadores e seres
humanos, pelas primeiras aproximações à base conceitual da Educação Profissional e
Tecnológica, pelos diálogos, incentivo e pelo direcionamento ao objeto da pesquisa.

A todo corpo docente do ProfEPT do Campus Catu, pelos valiosos conhecimentos que
proporcionaram no percurso da formação, em particular, aos professores (as) Patrícia Oliveira,
Saulo Capim, Maria Nazareh e Gilvan Duraes, pelas orientações iniciais ao trabalho de pesquisa
científica.

Aos (às) queridos (as) colegas da turma do mestrado, pelo coleguismo, pelo incentivo,
pelas alegrias, desafios, risos, lágrimas, e happy hours compartilhados. Em especial a Jose
(Joseane), pelas trocas e companhia nas viagens, e também a Dalcy e a Kati (Katiane), pelos
incentivos e ajuda mútua.

Aos professores das disciplinas eletivas Davi Costa, Leonardo Muline e Marcelo
Oliveira, pelas apropriações à temas de muita importância ao campo da Educação Profissional
e Tecnológica.

Aos (às) companheiros (as) do Grupo de Pesquisa Laboratório Escola, pelas trocas
importantíssimas nas aproximações às bases teórico-metodológicas da dialética crítica
marxista.

Ao IFES, pela política de ordenamento e gerenciamento do ProfEPT.


Ao IFBAIANO, pela concessão do afastamento parcial; à Direção Geral do Campus de
Governador Mangabeira, pelo apoio prestado à execução da pesquisa.

Aos servidores docentes, técnico-administrativos e terceirizados do Campus Catu, com


que mantive relação direta contando com a colaboração e prestação de serviços e mesmo
àqueles que indiretamente contribuíram para a realização do curso.

Aos colegas do Campus Governador Mangabeira, que me incentivaram nessa


caminhada formativa.

Às professoras Cristiane Brito e Luzia Matos Mota, pelas contribuições relevantes


trazidas à qualificação da pesquisa.

Aos professores da Banca de Defesa, Prof.ª. Mad Castro, Prof.ª. Tatiana Veloso, Prof.
José Claudinei Lombardi e ao Prof. Edilson Moradillo, Prof.ª Elza Peixoto, pelo olhar crítico,
pela valiosa análise e contribuição ao trabalho de pesquisa.

E por fim, agradeço ao meu orientador, Prof. Antonio Leonan A. Ferreira, um autêntico
educador histórico-crítico, a quem sou muitíssimo grata por conduzir-me com muito zelo e
qualidade no desafio de trilhar os caminhos da pesquisa, a partir do qual me lancei à empreitada
de abraçar a concepção dialética crítica da história enquanto princípio teórico-metodológico
norteador do meu trabalho pedagógico, o que permitiu ampliar o olhar sobre a formação
humana omnilateral e compreensão crítica de educação, de mundo e de sociedade.
Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que
importa é transformá-lo.
Karl Marx

Nem se aprende e nem se luta espontaneamente. A luta é uma dura necessidade que ensina.
Luiz Carlos de Freitas.
RESUMO

A pesquisa tem como objeto a prática educativa do estágio curricular na EPT, e o curso de
opção para o estudo foi o Curso Técnico de Nível Médio em Agroindústria, na forma integrada,
do Campus Governador Mangabeira do IF Baiano. A problemática da desarticulação entre
ensino e trabalho produtivo na prática educativa do estágio curricular, tem comprometido o
desenvolvimento dos estudantes na perspectiva da omnilateralidade e da politecnia, na medida
em que ao cindir concepção e execução, limita os estudantes a entenderem como e porque se
dá a incorporação da ciência e da tecnologia aos instrumentos dos processos produtivos,
reforçando a concepção de uma formação monotécnica numa perspectiva unilateral da
formação humana. Para análise da questão, definiu-se dois objetivos: primeiro, discutir o papel
do trabalho em geral e do trabalho agroindustrial para formação técnica na perspectiva da
politecnia e da omnilateralidade, no sentido de explicitar estrutura, desenvolvimento, e
contribuição do trabalho em geral e do trabalho agroindustrial para a formação politécnica numa
perspectiva omnilateral; segundo, elucidar a relação entre ensino e produção material na prática
educativa do estágio curricular no curso em agroindústria. O aporte teórico-metodológico tem
por base a dialética crítica marxista e os instrumentos de análise são os relatórios dos estágios
e o projeto pedagógico do curso. A investigação no campo do estágio curricular na EPT, por
uma perspectiva omnilateral da formação, propicia a análise da relação entre o processo
educativo e o mundo do trabalho, partindo do pressuposto de que a realização dessa prática é
fundamental na consolidação da formação sócio técnica, uma vez que subtende tratar-se de um
processo de objetivação da apropriação do conhecimento relacionado à área produtiva da
formação. Pondera-se que na relação com a prática dos estágios os estudantes articulem os
saberes científicos e tecnológicos inerentes ao processo produtivo agroindustrial, enquanto
atividade que se apresenta em interface com o processo do trabalho educativo e o processo do
trabalho produtivo. Parte-se, assim, da concepção do trabalho como atividade humana de
produção da existência. Nesse sentido, presume-se que o trabalho agroindustrial, enquanto
práxis social educativa, deva exercer papel central como eixo articulador do currículo
interligando o ensino ao trabalho produtivo na prática educativa dos estágios. A relação da
prática do estágio com a atividade produtiva agroindustrial objetiva a aproximação dos
estagiários com a estrutura, desenvolvimento e finalidades do trabalho nas agroindústrias no
processo de transformação industrial de matérias-primas agropecuárias e em suas relações
sociais. Pressupõe-se que os procedimentos técnicos imanentes à produção agroindustrial
estejam respaldados, na prática e nos relatórios de estágio, pelos princípios técnico-científicos
que orientam o saber técnico acessado pelos estudantes no percurso formativo. A objetivação
dos múltiplos saberes relacionados aos processos produtivos postos em prática nos ambientes
do trabalho nas agroindústrias implicaria numa formação politécnica, mas, contraditoriamente,
conclui-se que as dicotomias que emergem nos limites da prática educativa, decorrentes do
processo de interiorização da divisão social e técnica do trabalho no modo de produção
capitalista, tem determinado uma educação monotécnica e unilateral a partir de uma formação
subsumida pela prevalência do tecnicismo, o que se impõe à materialidade da formação
profissional pelo viés da educação politécnica e omnilateral, consubstanciada na relação entre
trabalho, ciência, cultura e tecnologia; na articulação entre trabalho intelectual e trabalho
manual, cultura geral e cultura técnica, como objetivações da educação unitária da formação
humana.

Palavras-Chave: Trabalho Agroindustrial. Estágio Curricular. Educação Profissional e


Tecnológica. Pedagogia Histórico-Crítica. Politecnia. Formação Omnilateral.
ABSTRACT

The object of the research is the educational practice of the curricular internship at the EPT,
and the option course for the study was the High School Technical Course in Agroindustry, in
the integrated form, of the Campus Governador Mangabeira of the IF Baiano. The problem of
the disarticulation between teaching and productive work in the educational practice of the
curricular internship has compromised the development of students from the perspective of
omnilaterality and polytechnics, as by dividing conception and execution, it limits students to
understanding how and why it happens. The incorporation of science and technology to the
instruments of productive processes, reinforcing the concept of monotechnical training from a
unilateral perspective of human training. To analyze the issue, two objectives were defined:
first, to discuss the role of work in general and agro-industrial work for technical training from
the perspective of polytechnics and omnilateralism, in order to clarify the structure,
development, and contribution of work in general and from agro-industrial work to polytechnic
training in an omnilateral perspective; second, to elucidate the relationship between teaching
and material production in the educational practice of the curricular internship in the
agroindustry course. The theoretical-methodological contribution is based on the Marxist
critical dialectic and the analysis tools are the internship reports and the pedagogical project of
the course. Research in the field of curricular internship at EPT, from an omnilateral perspective
of training, provides an analysis of the relationship between the educational process and the
world of work, based on the assumption that the realization of this practice is fundamental in
the consolidation of socio-technical training, since it implies that it is a process of objectifying
the appropriation of knowledge related to the productive area of training. It is considered that
in the relationship with the practice of internships, students articulate the scientific and
technological knowledge inherent in the agro-industrial productive process, as an activity that
presents itself in interface with the educational work process and the productive work process.
Thus, we start from the conception of work as a human activity for the production of existence.
In this sense, it is assumed that agro-industrial work, as an educational social praxis, should
play a central role as the articulating axis of the curriculum, linking teaching to productive work
in the educational practice of internships. The relationship of the internship practice with the
agro-industrial productive activity aims at bringing the interns closer to the structure,
development and purposes of work in agribusiness in the industrial transformation process of
agricultural raw materials and in their social relations. It is assumed that the technical
procedures inherent to agro-industrial production are supported, in practice and in internship
reports, by the technical-scientific principles that guide the technical knowledge accessed by
students in their training path. The objectification of the multiple knowledge related to the
productive processes put into practice in the work environments in agribusiness would imply a
polytechnic formation, but, contradictorily, it is concluded that the dichotomies that emerge
within the limits of educational practice, resulting from the process of interiorization of the
social division and technique of the work in the capitalist mode of production, has determined
a monotechnical and unilateral education from a training subsumed by the prevalence of
technicality, which imposes itself on the materiality of professional training by the bias of
polytechnic and omnilateral education, embodied in the relationship between work, science,
culture and technology; in the articulation between intellectual work and manual work, general
culture and technical culture, as objectifications of the unitary education of human formation.

Keywords: Agroindustrial work. Curricular stage. Professional and Technological Education.


Historical-Critical Pedagogy. Polytechnics. Omnilateral Formation.
LISTA DE SIGLAS

ABAG – Associação Brasileira de Agribusiness

CAI – Complexo Agroindustrial

CAR – Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional

CEPEA – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada

CPAs – Cooperativas de Produção Agropecuária

CONTAG – Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura

CUT – Central Única dos Trabalhadores

EPT – Educação Profissional e Tecnológica

EPTNM – Educação Profissional Técnica de Nível Médio

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FERAESP – Federação do Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo

IFBAIANO – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano

IFs – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra

NURI – Núcleo de Relações Institucionais

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

PAA – Programa da Aquisição de Alimentos

PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar

PROFEPT – Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica

PRONAF – Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar

RFEPCT – Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica

SDR – Secretaria de Desenvolvimento Rural

ÚNICA – União da Indústria Canavieira


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
METODOLOGIA ................................................................................................................... 25
A Produção do Conhecimento no Campo da Prática Educativa do Estágio Curricular na EPT
............................................................................................................................................... 28
Pressupostos Metodológicos para a Análise do Problema .................................................... 34
Os Procedimentos de Análise na Pesquisa............................................................................ 37
CAPÍTULO I - A PRÁTICA EDUCATIVA DO ESTÁGIO CURRICULAR NO ÂMBITO
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: UMA ANÁLISE DIALÉTICA-
CRÍTICA ................................................................................................................................. 41
1.1 A Prática Educativa do Estágio no Curso Técnico em Agroindústria e a Relação Prático-
Utilitarista com o Trabalho Agroindustrial ........................................................................... 41
1.2 A Prática Educativa do Estágio Curricular no Curso Técnico em Agroindústria do
IFBAIANO - Campus Governador Mangabeira: Uma Análise Dialética Crítica ................ 44
1.2.1 A Desarticulação entre Ensino e Trabalho Produtivo na Prática Educativa do Estágio
no Curso Técnico em Agroindústria ..................................................................................... 48
1.2.2 A visão da prática educativa do estágio como cumprimento da carga horária obrigatória
do Curso. ............................................................................................................................... 51
1.2.3 A concepção da prática educativa do estágio como etapa de complementaridade para
certificação no curso, comprometendo a ênfase epistemológica no projeto pedagógico como
um ato educativo que aproxima o estagiário da dimensão do trabalho produtivo social. .... 52
1.2.4 A prática do ensino e do estágio curricular com base numa perspectiva tecnicista da
formação. .............................................................................................................................. 55
CAPÍTULO II - O TRABALHO EM GERAL E O TRABALHO AGROINDUSTRIAL
NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-ONTOLÓGICA .......................................................... 59
2.1 CONCEPÇÃO HISTÓRICO-DIALÉTICA DO TRABALHO EM GERAL ............. 59
2.1.1 Princípios Ontológicos e Epistemológicos do Trabalho em Geral .............................. 59
2.2 CONCEPÇÃO HISTÓRICO-DIALÉTICA DO TRABALHO AGROINDUSTRIAL
.................................................................................................................................................. 80
2.2.1 Estrutura, Desenvolvimento e Finalidades do Trabalho Agroindustrial ...................... 80
2.2.2 O Processo de Abertura à Atividade Agroindustrial no Brasil: um breve histórico .... 95
2.2.3 O Trabalho Agroindustrial nos Limites das Agroindústrias Hegemônicas ................. 99
2.2.4 A Questão da Apropriação da Terra nas Relações Capitalistas de Produção Agrícola e
Agroindustrial ..................................................................................................................... 107
2.2.5 O Trabalho Agroindustrial no Âmbito da Agricultura Familiar ................................ 111
CAPÍTULO III - A DIALÉTICA TRABALHO, EDUCAÇÃO, CONHECIMENTO:
FUNDAMENTOS DE ARTICULAÇÃO COM A PRÁTICA EDUCATIVA DO
ESTÁGIO CURRICULAR .................................................................................................. 130
3.1 Bases Conceituais e Teóricas da Politecnia e da Formação Omnilateral dos Sujeitos . 143
3.2 Breve Ensaio sobre o Processo Histórico de Abertura ao Ensino Politécnico ............. 150
3.3 Desafios para Implantação da Politecnia no Contexto da Educação Profissional e
Tecnológica no Brasil ......................................................................................................... 153
CAPÍTULO IV - RECONCEPTUALIZAÇÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA DO
ESTÁGIO CURRICULAR NA EPT NUMA PERSPECTIVA OMNILATERAL DA
FORMAÇÃO HUMANA ..................................................................................................... 164
4.1 Elementos Centrais da Proposta de Reconceptualização da Prática Educativa do Estágio
Curricular no Curso Técnico em Agroindústria.................................................................. 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 192
REFERÊNCIAS CATALOGRÁFICAS............................................................................. 196
APÊNDICES ......................................................................................................................... 199
14

INTRODUÇÃO

Estudar a relação entre trabalho e educação, criticamente, pressupõe estruturar a


investigação na articulação entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia. E implica, do mesmo
modo, na discussão das dissociações e contradições envolvidas nos processos dessa relação
dialética, ainda mais em se tratando da educação dos filhos dos trabalhadores e trabalhadoras –
alunos do ensino básico, profissional e tecnológico – e das práticas inerentes à formação sócio
técnica desses sujeitos, em prol de sua formação humana integral.
Pensando a relação dialética trabalho e educação no âmbito da Educação Profissional e
Tecnológica (EPT), esta pesquisa tem como base teórico-metodológica o Materialismo
Histórico Dialético, e parte da análise do objeto da prática educativa do estágio curricular no
Curso Técnico Integrado de Nível Médio em Agroindústria, do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Baiano (IFBAIANO), Campus de Governador Mangabeira, tomando
como abordagem crítica a dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual identificada
no contexto da prática do estágio analisada, o que compromete demasiadamente o processo
educativo numa perspectiva omnilateral da formação humana.
Nesse sentido, a concepção de uma educação omnilateral e politécnica faz-se necessária
diante da problemática analisada, em que se constatou a desarticulação entre ensino e trabalho
produtivo na execução da prática do estágio curricular. Tal dissociação tem comprometido o
processo de desenvolvimento dos estudantes na perspectiva da omnilateralidade e da politecnia,
na medida em que ao cindir concepção e execução, limita os estudantes a entenderem como e
porque se dá a incorporação da ciência e da tecnologia aos instrumentos dos processos
produtivos agroindustriais, reforçando a concepção de uma formação monotécnica numa visão
unilateral da formação humana.
Para condução da análise, tomamos dois objetivos: primeiro, discutir o papel do
trabalho em geral e do trabalho agroindustrial para a formação técnica na perspectiva da
politecnia e da omnilateralidade, no sentido de explicitar a estrutura e desenvolvimento do
trabalho em geral e a estrutura e finalidades do trabalho agroindustrial, bem como, explicitar a
contribuição do trabalho em geral e do trabalho agroindustrial para a formação politécnica numa
perspectiva omnilateral; e segundo, elucidar a relação entre ensino e produção material na
prática educativa do estágio curricular no Curso Técnico Integrado em Agroindústria na
Educação Profissional e Tecnológica.
15

A investigação no campo do estágio curricular na EPT, por uma perspectiva omnilateral


da formação, propicia a análise da relação entre o processo educativo e o mundo do trabalho,
partindo do pressuposto de que a prática educativa dos estágios é uma etapa fundamental na
consolidação da formação sócio técnica, uma vez que subtende-se de um processo de
objetivação da apropriação do conhecimento científico e tecnológico adquirido no percurso
formativo com intrínseca relação com o mundo do trabalho produtivo da área para qual se está
em formação.
Por meio dessa objetivação, é necessária a compreensão de que o estágio se configura
como um campo de conhecimento, o que significa situá-lo em seu caráter pedagógico e
epistemológico, como preconizam PIMENTA & LIMA (2005-2006). A par desse pressuposto,
entende-se que o estágio é um campo científico, de relação social, de apropriação e produção
científica e tecnológica, e, portanto, espaço político-social de relação teórica e prática com o
mundo do trabalho.
Assim, a prática educativa do estágio curricular, assume um conceito de práxis
educativa enquanto processo estruturado no currículo de articulação entre o trabalho e o ensino
concernente à determinada área produtiva. Nesse aspecto, considerando o conceito de práxis
com base na dialética crítica da história, subtende-se que a análise empreendida precede do
entendimento das relações sociais da atividade do trabalho, assim, referindo-nos tanto ao
trabalho em geral como ao trabalho agroindustrial, tratado em específico na pesquisa. Convém
ponderar, no entanto, que esta relação é mediada dentro do conjunto das relações humanas
sociais objetivas, salientando nessa relação o trabalho educacional.
Desse modo, é preciso compreender, antes de mais nada, que a configuração do trabalho
no conjunto das relações sociais na sociedade de classes, é regulada pelo modo de produção
capitalista, reverberando consequentemente no conjunto da formação humana no contexto da
escola, constituindo-se numa problemática complexa, pois, que não se iniciam e nem se
encerram no sistema educacional. A escola, portanto, como espaço institucionalizado na
sociedade, é fruto das relações estabelecidas pelo conjunto dos homens e mulheres, e, dessa
forma, ao longo do processo histórico, tende a reproduzir as contradições da sociedade dividida
economicamente.
A escola, com efeito, tendo interiorizado num tempo e espaço o modelo hegemônico
hodierno, tem se colocado em função da reprodução da dualidade estrutural da sociedade,
assumindo em grande parte um viés acrítico em conformidade à organização político-
econômica em vigor, e assim, tem aliado o fenômeno educativo às determinações sociais
16

simbolizadas pelas correntes pedagógicas não-críticas cujas propostas se subordinam à


ideologia dominante.
O processo de interiorização de reprodução da hegemonia, atrelado à divisão social do
trabalho nos limites do capitalismo, moldou os alicerces primeiros da educação profissional
desde a implantação das Escolas de Aprendizes Artífices, no início do Século XX, que destinava
à classe trabalhadora os ofícios práticos-manuais de formação operária consonante ao advento
da era da industrialização. Num contraponto à reprodução desse modelo, é um tanto quanto real
a luta histórica empreendida pelas correntes progressistas para que a classe trabalhadora
desfrute do direito da educação humana integral, sem que esteja limitada à submissão dos
interesses hegemônicos.
A escola e a própria educação profissional, frente aos interesses dominantes da
sociedade de classes, sobrevêm enquanto instrumentos de disputa entre a manutenção da
subordinação e a luta contra hegemônica, e mesmo que já se tenha avançado na abertura à
concepções críticas de mundo e de sociedade, só conseguirá abandonar por completo as
contradições do modo de produção capitalista, que seguem entranhadas em seus projetos e
práticas, quando o conjunto dos homens e mulheres em sociedade conseguirem superar os
impositivos do capital.
Por conseguinte, não se pode apostar no idealismo, mas alimentar o horizonte ainda
utópico de superação do estado das coisas ao se travar o enfretamento de questionar os limites,
as contradições e as possibilidades inerentes à educação profissional na contemporaneidade,
especialmente por articular a ciência à tecnologia, dado que a relação entre trabalho e educação,
até o presente tempo, situa-se sob as maquinações do capital, e mesmo que se tenha alcançado
a política de integração com o ensino médio, ainda é tida como uma “educação” da camada
proletária, à qual se prescinde o aprendizado da técnica aliada à base científica que a estrutura.
No quadro dos limites e contradições, a dissociação entre trabalho intelectual e trabalho
manual, entre cultura geral e cultura técnica, entre teoria e prática, entre conhecimento científico
e tecnológico, são fatores que distanciam a articulação entre ensino e trabalho produtivo, com
sérias implicações à formação humana integral. Essas dicotomias irrompem das estruturas
macro da sociedade capitalista, e impactam fortemente na prática educativa da EPT, afetando
por consequência a prática educativa do estágio curricular, e dessa forma, compromete o
desenvolvimento de uma práxis pedagógica politécnica e omnilateral, fundamental à formação
crítica e humana-integral dos sujeitos.
Em decorrência do processo histórico de divisão social e técnica do trabalho no modo
de produção capitalista, tanto a educação escolar em geral como a educação profissional, sofrem
17

as determinações de um sistema que requer um ensino prático-utilitário, muito à forma das


práticas instrucionais destituídas do respaldo científico que lhes são próprias e do sentido amplo
de educação e sociedade. Com isso, direciona-se para uma formação unilateral, do aprender a
fazer, em acordo às regras do mercado de trabalho capitalista, ordenado na exploração da classe
trabalhadora.
Em vista disso, tomando o estado da realidade social historicamente determinada pelos
interesses do capital, o desafio que se impõe é pensar na construção e implementação de
proposições educacionais com prioridade para um processo de formação omnilateral,
politécnico, numa perspectiva política e social de humanização e conscientização crítica dos
sujeitos em totalidade, sobretudo, pensando as necessidades educacionais e sociais da classe
trabalhadora, enquanto classe expressiva na composição das fileiras da EPT.
Refletindo essa realidade, surgem uma série de inquietações sobre a função social e o
tipo de projeto educativo que se pretende conceber nos limites das escolas públicas no Brasil,
porquanto, as discussões sobre a formação humana integral não se constituem em nenhuma
novidade histórica, embora permaneçam como sendo uma necessidade sociológica e filosófica
atual. Nesses termos, tomamos como propositura a formação na EPT pelo viés marxista de
educação, cujo prisma se situa na emancipação da classe trabalhadora, tendo como cerne o
trabalho enquanto princípio educativo, dada a consideração de que é por meio do trabalho que
os seres humanos produzem a existência e conquanto, sob condições determinadas, avançam
no domínio das bases científicas necessárias à produção e manutenção da vida.
Nesse sentido, as reais aspirações para uma educação politécnica e omnilateral,
pressupõem a instauração dos princípios da formação humana integral nos limites da educação
profissional, e isto se constitui como um grande desafio diante das evidências que estão postas
em meio à ordem socioeconômica no capitalismo, o qual impõe os ditames por mão-de-obra
cada vez mais qualificada, e dessa forma, estimula à uma prática contraditória, na medida em
que se localiza na manutenção da ideologia das cisões, custando à escola abrir espaços de
reflexão e de questionamento crítico-dialético, por colocar-se fixada no privilégio da relação
capital, trabalho, escola.
Mediante esse contexto, a instituição de um processo educativo baseado nos conceitos
da politecnia e da formação omnilateral demanda a adoção de um pensamento crítico com
empreendimento pedagógico que abarque as bases teóricas e práticas da educação integral,
provendo os sujeitos de sua essência histórica que foi sendo subjugada pelas relações produtivas
centradas na propriedade privada. Sendo assim, do ponto de vista da dialética crítica da história,
a acepção a uma formação assentada nos fundamentos da politecnia e da omnilateralidade,
18

pressupõe a concepção do trabalho enquanto princípio constituído na relação da práxis humana


social, e que se desenvolve ao alcance da produção do conhecimento científico e tecnológico.
Partindo desse pressuposto, a necessidade de problematização e aprofundamento do
conceito ontológico-crítico1 do trabalho, suscitou a discussão dialética sobre o trabalho em geral
e sobre o trabalho agroindustrial, que por justaposição, forneceu elementos à proposição de
reflexão da prática educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria, objetivada
nas apropriações do estudo empreendido em relação à indissociabilidade entre trabalho e
educação, tomando a ênfase do trabalho enquanto princípio educativo.
Considerando essa abordagem, tomamos o trabalho agroindustrial, na relação com o
curso técnico em agroindústria, como o elemento central de articulação entre ensino e trabalho
produtivo na prática educativa do estágio curricular. Desse modo, destacamos o cerne da
categoria trabalho em virtude de que na execução da prática do estágio os estudantes se colocam
numa correlação direta com a práxis social do trabalho ligado a área da formação, e, nesse
aspecto, enfatizou-se a discussão pautada na explicitação da centralidade do trabalho
agroindustrial no curso, interpretado à luz do conceito ontológico da práxis social.
Isto posto, a reflexão de que é por meio do trabalho que os homens se educam ganha
sentido na apreensão marxiana da definição ontológica de trabalho educativo, e essa
compreensão tem se configurado num processo de luta constante por parte dos estudiosos
críticos, nos limites da educação escolar e profissional, para uma conscientização ampla de que
o processo do trabalho determina a produção do conhecimento e da própria história da
humanidade, já que é mediante o trabalho que os homens produzem a existência em todas as
suas dimensões, incluindo a ciência, a ética, a estética e a própria sociabilidade, e se fazem
humanos, distinguindo-se dos animais.
A compreensão do sentido ontológico e educativo do trabalho nas práticas escolares, a
exemplo da prática do estágio, permite apreendermos a ideia de que “[...] o que não é garantido
pela natureza tem que ser produzido historicamente pelos homens [...]” (SAVIANI, 2013, p.
13), assim, “[...] podemos, pois, dizer que a natureza humana não é dada ao homem, mas é por
ele produzida sobre a base da natureza biofísica [...]” (Ibidem), e, portanto, entender que “[...]
o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular,
a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens [...]”
(Ibidem), posto que “[...] são os indivíduos reais, a sua ação e as condições materiais de vida,

1
Termo empregado nas obras de Newton Duarte (2008), e de Demerval Saviani e Newton Duarte (2015), em
referência a dialética crítica marxiana que tem na ontologia do trabalho a constituição do humano enquanto ser
social.
19

tanto as que encontraram quanto as que produziram pela própria ação [...]” (MARX e ENGELS,
2009, p. 23-24) que determinam a existência humana e a sua cultura social.
Mediante essas premissas, compreende-se que a ação humana é o seu trabalho posto em
prática no conjunto da sociedade, e dessa forma, corroboramos com o pensamento de Saviani
(2013, p.13), quando este argumenta que o objeto da educação diz respeito à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos, bem como, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse
objetivo. Nesse sentido, em acordo à reflexão trazida por Saviani, respalda-se com a ideia de
que a educação escolar se situa numa posição privilegiada, pois, a partir dela se pode detectar
a dimensão pedagógica que subsiste ao conceito ontológico do trabalho no interior da prática
social global. Este pensamento se apoia na ideia gramsciana do princípio educativo do trabalho.
A ideia de uma educação apoiada na centralidade do trabalho enquanto um princípio
educativo, é, porquanto, uma bandeira do campo da concepção histórico-crítica. Nessa linha,
ao refletirmos sobre a educação sócio técnica, primamos pela defesa da formação humana
integral embasada na dimensão pedagógica da práxis social, como um antídoto à divisão entre
o ensino científico-tecnológico e o trabalho produtivo referente não apenas à prática educativa
do estágio curricular do curso ora analisado, mas, em outras áreas da formação sócio técnica de
modo geral, ensejando um processo de ensino e de aprendizagem por um caráter politécnico.
Um processo pedagógico com base na politecnia sistematiza o trabalho, a ciência, a
tecnologia e a cultura como eixos estruturantes para um amplo domínio dos conhecimentos
gerais que envolve as ciências humanas, as ciências naturais e as ciências da matemática
associadas às ciências tecnológicas no escopo dos cursos da formação sócio técnica em geral,
ampliando as possibilidades da formação humana integral ou omnilateral. A oferta de uma
formação ampla contribuirá para que os sujeitos sociais se apropriem criticamente dos saberes
acumulados historicamente pela humanidade e não apenas dos saberes que lhes deem uma
profissão específica limitada ao conhecimento técnico para atuar no mercado de trabalho.
A educação sócio técnica de cunho politécnico e omnilateral, sistematizada pela práxis
humana social, assume um viés sociopolítico de promoção de processos educativos com
princípios emancipatórios e compromisso com o saber científico, no qual se educa para o
domínio intelectual da técnica, para a vida plena em sociedade, com senso artístico, afetivo,
ético-moral e de união da instrução com o trabalho material, como eixo condutor das
formulações no campo educacional, devendo compreender a educação mental (intelectual), a
educação física e a instrução tecnológica, como orienta Marx (1982), nas Instruções para os
delegados do Conselho Geral Provisório.
20

Com base no princípio ontológico-educativo do trabalho, objetiva-se apresentar uma


proposta com um aprofundamento teórico-metodológico para a prática educativa do estágio
curricular no curso em agroindústria, partindo da concepção baseada nos fundamentos da
omnilateralidade e da politecnia em que se evidencie a articulação entre trabalho, ciência,
tecnologia e cultura, com destaque aos elementos político-sociais e econômicos relacionados à
atividade produtiva agroindustrial tanto em geral como àquela acessada pelos estudantes na
execução da prática educativa do estágio curricular no processo de formação.
Compreende-se que a ausência de maior entendimento de uma formação com base na
omnilateralidade e na politecnia, limita o entendimento dos estudantes sobre como a ciência se
incorpora à tecnologia, evidenciando a prevalência de uma visão monotécnica da formação,
muito assentada nas correntes hegemônicas com fortes traços de neutralidade científica,
inteiramente voltada às determinações do modo de produção capitalista e inspirada nos
princípios da eficiência e da produtividade com ordenamento operacional, dificultando o
entendimento dos princípios para uma práxis educativa com destaque ao cerne onto-histórico
do trabalho nos cursos da educação científica e tecnológica em geral.
Em contraposição ao fenômeno mencionado acima, reforça-se o entendimento de que
tal direcionamento pedagógico elimina a objetivação de um processo politécnico de formação
numa perspectiva omnilateral, implicando consequentemente na compreensão de que a teoria e
a prática não se cindem em nenhuma etapa da formação, pois, que são pares dialéticas
complementares e não dualísticas, de modo que esse tipo de visão incide no comprometimento
do desenvolvimento integral dos sujeitos.
Contrariamente à tendência monotécnica da formação, enfatiza-se em relação a prática
educativa do estágio, a convergência entre ensino e trabalho produtivo, com a finalidade de
evidenciar o sentido unitário entre trabalho intelectual e trabalho manual, e possibilitar a
reflexão do trabalho enquanto práxis da atividade humana e não como um receituário de normas
técnicas manuais comumente interiorizado ao longo do processo histórico de alienação da força
de trabalho no sistema capitalista de produção.
As repercussões da realidade societária reproduzidas no contexto da formação no curso
em agroindústria, tem objetivado uma prática de estágio mais preocupada com a observação
das técnicas operacionais envolvidas nos processos produtivos em detrimento dos conceitos
científicos que normatizam tais técnicas. Não obstante, esse fato não se caracteriza por uma
supressão da apropriação do conhecimento científico direcionado aos estudantes no processo
de formação, mas, demonstra sobre qual concepção se está arraigada à desarticulação do
21

trabalho intelectual ao trabalho manual nos processos de produção agroindustrial verificados


na prática do estágio.
Esta evidência se apresenta bem delineada nos relatórios de estágio, e corroboram com
os estudos de Kuenzer (2009), os quais demostram a visão hegemônica na arena do trabalho
concreto, no seu acontecendo e, portanto, na realidade objetiva regulada pela divisão social e
técnica do trabalho, que resvala, também, na arena da prática educativa do estágio curricular
em sua relação com o trabalho concreto no modo de produção capitalista e, assim, determina
as dissociações na educação sócio técnica assentada na preparação para o mercado:

É no e para esse trabalho, com suas formas peculiares de fragmentação, organização


e heterogestão, que o trabalhador vem sendo educado; é ele que determina, a partir da
necessidade de exploração cada vez mais eficaz da força de trabalho comprada, o
saber necessário e as formas de comportamento convenientes que devem caracterizar
o trabalhador no modo de produção capitalista. Este não é um trabalhador qualquer; é
um homem que, ao vender sua força de trabalho, se transforma em fator de produção,
perdendo, junto com o controle do processo e do produto do trabalho, o controle sobre
si mesmo. Ele já não é mais o artesão que domina o processo produtivo em sua
totalidade, mas o assalariado que se submete real e formalmente ao capital e à ciência
a seu serviço, devendo desempenhar suas funções num processo de trabalho
fragmentado e heterogerido, para o que ele precisa ser educado. (KUENZER, 2009,
p. 12).

Kuenzer (2009, p. 15), diz que é nesse sentido que Gramsci, mostra como o capitalismo,
a partir da modernização da indústria no início do século XIX, introduziu pelo taylorismo o
fundamento da heterogestão do trabalho, como uma forma de organização e de relações técnicas
com uma concepção de trabalho coerente aos interesses hegemônicos da classe dominante que
exigia mão de obra cada vez mais qualificada para o trabalho complexo no chão da fábrica. Esta
forma estrutural e superestrutural, na visão de Kuenzer, trabalhou no sentido da formação de
um tipo adequado de trabalhador, isto é, um trabalhador especializado nos processos produtivos
da indústria moderna, demonstrando que, em essência, “a hegemonia vem da fábrica e toda
relação hegemônica é uma relação pedagógica, devendo ser entendida não só como direção
política, mas como direção moral e cultural” (KUENZER, 2009, p. 15).
Se as relações sociais e técnicas de produção são determinadas pelo processo produtivo
capitalista, e o processo pedagógico que tem por objetivo a educação política e técnica do
trabalhador é heterogerida pelas determinações da divisão do trabalho, então, a formação sócio
técnica está regulada predominantemente pelos fundamentos da pedagogia do trabalho
capitalista, e assim, mesmo que esta educação política não seja explícita, como postula Kuenzer
(2009), e ao contrário, se apresente como uma não-política, traz em seu bojo um projeto
definido de hegemonia exercido pela veiculação de certa concepção de mundo.
22

Diante desse cenário, vimos que o trabalho agroindustrial exercido nos limites do
sistema capitalista, sofre os reveses do modelo de produção taylorista, ainda mais se for
considerada a apropriação pelo capital dos avanços científicos e tecnológicos de automação
eletromecânica, e por se tratar de um campo de produção expressivo à economia tanto brasileira
quanto mundial, gerando ao capital grandes somas da mais valia na exploração da força de
trabalho, nas condições compatíveis à forma de organização do trabalho heterogerido, ou seja,
na forma do trabalho em que o trabalhador é regulado e exteriorizado em seu processo de
produção.
As determinações da divisão social e técnica do trabalho agroindustrial, se ampliam
mediante essa condição, ao ocorrer a cisão entre concepção e execução em relação ao processo
produtivo. Desta forma, o conhecimento sobre o trabalho agroindustrial, e a própria relação do
ensino com o trabalho produtivo na prática educativa do estágio, se dissolve na apropriação de
um conjunto de habilidades genéricas, constituindo numa prática de condicionamento técnico-
procedimental na observação dirigida ao processo produtivo.
Deduz-se, do processo de heterogestão do trabalho, que quanto mais o regime capitalista
simplifica o trabalho pela mecanização e tecnificação, mais aumentam as dificuldades de uma
qualificação politécnica e omnilateral, seja na área da formação em agroindústria como em
qualquer outra área do campo da educação profissional e tecnológica, pois, que são
determinações das relações capitalistas de produção na sociedade dividida em classes, e que
esbarram nos limites da formação escolar, determinando-a.
Isto acaba evidenciando um processo de contradições históricas, mesmo diante da
implementação de importantes avanços em políticas públicas para a EPT, como o fato do
Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004, que articulou o ensino médio à educação profissional,
e com o advento da Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008, que criou a Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica com os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia (IF’s), enquanto instituições especializadas na oferta de educação
profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino e, também, em relação às
instruções dadas pelo Decreto nº 8.268 de 18 de junho de 2014, com premissas à educação
profissional articulada as áreas da educação básica, do trabalho e emprego, da ciência e
tecnologia, tendo como cerne “o trabalho como princípio educativo” (grifo nosso) e a
“indissociabilidade entre teoria e prática” (Idem.) (BRASIL, 2014), pressupondo uma
educação de base politécnica.
Com isso, no embate teórico produzido, buscou-se proceder à reflexão para os
elementos intervenientes do modelo hegemônico de sociedade e que interferem fortemente na
23

estruturação das concepções e práticas educativas na escola, e nos cursos da educação


profissional em totalidade. A reprodução recorrente da formação monotécnica nos limites dos
cursos técnicos de nível médio é ratificada por reformas do Estado em benefício do capital
financeiro e movidas por ideologias políticas e econômicas que reforçam tal reprodução, que
hora se sustentam e se retroalimentam, e ora são amenizadas a depender do jogo de forças em
disputa na arena político-social.
Em suma, ao investigarmos a prática educativa do estágio curricular no Curso Técnico
de Nível Médio em Agroindústria, apontamos para a necessidade da concepção do trabalho
enquanto princípio educativo, e de uma formação objetivada na educação politécnica e
omnilateral. Assim, partiu-se sob essas abstrações, com base na reflexão da realidade, para a
análise da relação do ambiente da formação com o ambiente produtivo do trabalho
agroindustrial, discorrendo sobre a visão proeminente que emerge de trabalho, de educação e
de sociedade.
Dentro desse escopo, abordamos a relação intrínseca entre trabalho e educação na
prática educativa do estágio no intuito de discutir sobre a dualidade estrutural entre o processo
do conhecimento e o processo do trabalho produtivo, o que se desenvolveu para o
aprofundamento da concepção dialética do trabalho em geral, apreendido como fundamento
ontológico-educativo. Neste ponto, encontramos em Marx, o referencial conceitual principal,
por sua profunda análise sobre o trabalho nos limites da economia política na sociedade dividida
em classes antagônicas, como uma contradição conveniente ao capital.
Com esse entendimento, foi possível elaborar uma análise para compreensão da
estrutura, desenvolvimento e finalidades do trabalho agroindustrial, salientando a sua
centralidade em relação ao processo de formação no curso técnico em agroindústria, nas mais
diversas dimensões sociais dessa área, dada a abrangência que vai desde o grande conglomerado
produtivo, como às médias e às pequenas produções, assim como, na dimensão da agricultura
familiar e da organização dos movimentos cooperados de produção agrícola e agroindustrial,
que adotam uma linha socioeconômica mais sustentável em contraste com o modus operandi
das indústrias direcionadas sob o conceito do agronegócio, em sua sanha exploratória.
A análise, vista pelo prisma dimensional do trabalho nas agroindústrias, tornou-se
fundamental, pois, apontou bases de discussão para formação ampla dos sujeitos da prática na
relação entre trabalho e educação, e de modo próprio, em relação à atividade produtiva
agroindustrial enquanto núcleo de estruturação do currículo, o que subsidiou a reflexão dos
elementos centrais de reconceptualização da prática educativa do estágio curricular no curso de
agroindústria com base no conceito da politecnia, que de acordo a Saviani (1989), trata-se do
24

“domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de
trabalho produtivo moderno” (SAVIANI, 1989, p. 17). E, também, com base nos fundamentos
da educação omnilateral como princípio que concebe a formação humana em sua integralidade.
Buscou-se, assim, analisar qual sentido é atribuído ao trabalho no contexto do curso,
refletir sobre a apropriação do conhecimento dos estudantes, a forma como esta apropriação
repercute na prática do estágio, e o entendimento dos discentes na relação com o processo
produtivo agroindustrial. Além disso, para que fosse possível o exame das mediações contidas
nesse processo, buscou-se, sobretudo, compreender as determinações histórico-sociais da
relação entre trabalho e educação que emergem no contexto do processo educativo do curso
técnico em agroindústria, a fim de encontrar respostas à problemática a que a pesquisa se
propôs.
25

METODOLOGIA

A análise a que nos propomos sobre a prática educativa do estágio curricular no curso
técnico de nível médio em agroindústria, tem como base norteadora os fundamentos da dialética
crítica marxiana, como teoria do conhecimento que parte da análise da realidade concreta do
processo e materialidade objetiva da relação sujeito/objeto em suas determinações sócio
históricas. O método se constitui num potente referencial para explicação das contradições
presentes no âmbito da sociedade de base capitalista. Nesse aspecto, a dialética materialista da
história, enquanto ciência, estuda os princípios gerais objetivos da existência e as leis de
desenvolvimento do mundo material concreto.
O aporte analítico da lógica dialética está nas múltiplas determinações da concretude da
realidade como pressuposto ontológico do método de investigação, como se deduz da
explicitação feita por Marx, de que:

O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo unidade na


diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um
resultado e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e,
portanto, igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação.
(MARX, 2003, p. 248).

Para exemplificar, em síntese, dois movimentos que compõem o método, pode-se


determinar: o ponto de partida que é o concreto – a realidade material – e o ponto de chegada,
concreto pensado, síntese de múltiplas determinações mediadas pelas abstrações do
pensamento sobre a realidade. KOSIK (2002), na obra Dialética do Concreto, observa em
relação a este movimento que:

O ponto de partida é apenas formalmente idêntico ao ponto de chegada, uma vez que,
em seu movimento em espiral crescente e ampliada, o pensamento chega a um
resultado que não era conhecido inicialmente, e projeta novas descobertas. Não há,
pois, outro caminho para a produção do conhecimento senão o que parte de um
pensamento reduzido, empírico, virtual, com o objetivo de reintegrá-lo ao todo depois
de compreendê-lo, aprofundá-lo, concretizá-lo. E, então, tomá-lo como novo ponto de
partida, de novo limitado, em face das compreensões que se anunciem” (KOSIK,
2002, p. 36).

Os dados da realidade – o nível fenomênico, a experiência imediata – seria a sua


pseudoconcreticidade, como afirma Kosik (2002), que é o ponto de partida de qualquer
conhecimento. Esse processo inicial conta com apoio da teoria que submete à crítica os
conceitos simples, abstraídos em sua origem concreta empírica para se chegar no concreto
pensado em sua essência, ou seja, não na forma aparente em que se apresentam.
26

Marx, analisando as condições concretas da sociedade controlada pelo sistema


capitalista de produção, cuidou de explicar racionalmente a realidade social e histórica e
apreendê-la na complexidade das contradições que só podem ser entendidas se forem analisadas
as condições concretas que condicionaram e condicionam sua produção. Seguindo essa lógica,
Maria Amália Andery (1996), contribui ao afirmar que:

(...) qualquer fenômeno, qualquer objeto de conhecimento é constituído de elementos


que encerram movimentos contraditórios, elementos e movimentos que levam
necessariamente a uma solução, um novo fenômeno, uma síntese. No entanto, essa
síntese não é solução definitiva, não significa que cessam as contradições, mas é
apenas a solução de uma contradição, solução que já contém nova contradição
(ANDERY, 1996, p. 410).

Para a concreticidade da dialética, se torna fundamental conhecer a realidade concreta


para poder compreender a essência do problema estudado, o que requer analisar criticamente a
realidade objetiva, de maneira diversa ao que é defendido pelas ciências naturais e pelo
positivismo, cuja maior tendência é o aprisionamento da realidade, ocasionando numa leitura
fragmentada do objeto em estudo, pela ausência da compreensão de suas múltiplas
determinações no conjunto das relações sociais. Por chegar nessa conclusão, Marx migrou para
oposição à teoria de Hegel:

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele
inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento (...) é o criador do real, e
o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais
do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ele interpretado (Marx,
1988, p. 16).

Essa afirmação de Marx, pressupõe que a apreensão da realidade concreta se dá no plano


material, exigindo para tal um método de investigação para interpretação do pesquisador. Nesse
sentido, Paulo Netto (2011), mostra que “para Marx, a teoria é uma modalidade peculiar de
conhecimento [...]” (NETTO, 2011, p. 20), e nesse aspecto, “ [...] o conhecimento teórico é o
conhecimento do objeto – de sua estrutura e dinâmica – tal como ele é em si mesmo, na sua
existência real e efetiva, independentemente dos desejos, das aspirações e das representações
do pesquisador [...]” (Ibidem). A relação do pesquisador com o método da dialética marxista,
é, também, tratado nos estudos desenvolvidos por Martins e Lavoura (2018), os quais salientam
que:

Ademais, o método materialista dialético, conforme disposto por Marx (2011), não
ignora a relação existente entre sujeito investigador e objeto investigado. Ocorre que,
para o método em questão, o sujeito investigador tem um papel essencialmente ativo
na pesquisa, pois é ele quem deve manejar um conjunto de abstrações de ordem
27

superior que se configura como instrumento de pesquisa essencial para a análise


teórica do objeto em questão. Sem esse recurso intelectivo de nada serve os tão
disseminados instrumentos de pesquisa como questionários, entrevistas e softwares
de análise de dados, dentre outros. Por outro lado, se o sujeito possui papel
fundamental na análise e síntese operatória da pesquisa, para o materialismo histórico-
dialético, é o objeto quem, pode-se assim dizer, “comanda” a pesquisa, o que significa
dizer que procedimentos e técnicas de pesquisas não são escolhas individuais feitas
pelo investigador segundo critérios pessoais, como tampouco devem ser determinados
aprioristicamente. É o próprio objeto quem confere as possibilidades do alcance de
suas determinações, visto que elas são imanentes do próprio objeto da investigação, e
não do desejo ou capacidade intuitiva do pesquisador. A análise da correlação entre a
estrutura teórico-metodológica da investigação científica e o método materialista
histórico-dialético, aqui exposta abordando a dimensão do problema, da justificativa,
da hipótese e dos procedimentos da investigação, por sua vez, está relacionada a um
problema político-formativo que atinge diretamente – mas não somente – os
pesquisadores em educação que reivindicam realizar pesquisas sustentadas no método
aqui discutido (...)” (MARTINS & LAVOURA, 2018, p. 236).

Com essa compreensão, ao analisarmos a prática educativa do estágio curricular no


curso técnico em agroindústria, não buscamos apresentar soluções definitivas para
problemáticas tão complexas como a cisão entre concepção e execução e a desarticulação entre
ensino e trabalho produtivo – considerando a organização pedagógica da escola na sociedade
controlada pelo capital – mas objetivamos uma síntese reflexiva em consonância com o aporte
teórico-metodológico da dialética crítica da história, da qual nos aproximamos em certa medida,
partindo da observância da realidade empírica da prática do estágio no curso em agroindústria,
para atingirmos, concretamente, a complexidade das contradições que envolvem não somente
a prática do estágio por ora analisada, mas, que dizem respeito às contradições e dualidades
históricas interiorizadas na atividade pedagógica da escola de um modo geral.
A aproximação com os pressupostos teóricos-metodológicos da dialética crítica
marxista, direcionou para o entendimento do objeto da prática educativa do estágio curricular
enquanto prática das relações pedagógicas-humanas-sociais, objetivadas nas inter-relações do
mundo do trabalho escolar com o mundo do trabalho produtivo. O trabalho em geral e o
trabalho agroindustrial, nesse sentido, em relação com o objeto pesquisado, se constituem
como categorias centrais da análise. E de modo particular, o trabalho agroindustrial, é
concebido neste estudo como princípio articulador – na prática educativa do estágio curricular,
na ambiência da formação sócio técnica em agroindústria – entre trabalho pedagógico e trabalho
produtivo.
Assim, pressupomos a categoria trabalho, em sua centralidade ontológica, como práxis
da produção da existência humana e de produção do conhecimento, objetivada nas relações
sociais. Esse entendimento faculta-nos uma compreensão ampla de educação que conduz para
28

uma concepção dialética da prática educativa do estágio curricular pensada como práxis
pedagógica na relação entre trabalho e educação.
O trabalho, portanto, do ponto de vista da teoria marxiana, por sua dimensão ontológica,
é fonte de compreensão da realidade e de produção do conhecimento, pois, no seu processo de
objetivação, possibilita ao homem transformar a natureza, criar as condições que irão garantir
sua existência, e assim, produzir cultura, educar-se e transformar-se, num processo de
movimento constante, para além das práticas realizadas no âmbito formal das instituições
escolares. Em síntese, compreende-se que é na relação dialética dos sujeitos com a atividade do
trabalho, que se constrói conhecimento, estabelece-se relações sociais e se produz a história,
como enfatizam Marx e Engels (2009). Assim, o trabalho, dialeticamente, é o princípio
educativo que produz a existência humana, e consequentemente, produz a realidade escolar e
suas práticas pedagógicas.
Nesse sentido, ao tomarmos como ponto de partida a prática educativa do estágio
curricular, pensada concretamente enquanto práxis de relação social entre sujeito e objeto da
prática, objetivamos explicitar a problemática que emerge na essência social educativa da
prática em epígrafe, partindo inicialmente da análise das determinações que se apresentam no
plano da realidade em sua aparência imediata para uma compreensão mais elaborada dessa
mesma realidade ao chegar nas evidências do plano concreto pensado, dado ao esforço de
aproximação com a base teórico-metodológica da dialética crítica da história.

A Produção do Conhecimento no Campo da Prática Educativa do Estágio Curricular na


EPT

Para apropriarmo-nos do conhecimento já produzido sobre o objeto da pesquisa, foi


realizado um levantamento de produções científicas que tratam o estágio curricular na EPT,
assim como em outras áreas do conhecimento, utilizando como fonte de busca o Catálogo de
Teses e Dissertações da Capes, a partir das expressões “estágio curricular”, e “estágio curricular
na educação profissional e tecnológica”. No levantamento, foi imperativo limitarmos a busca
em um número de 25 (vinte e cinco) trabalhos, levando em consideração o volume de produções
que tratam o estágio nas diversas modalidades de ensino e, também, por não dispormos de um
tempo compatível para um exame mais aprofundado de um quantitativo maior de pesquisas.
Dessa forma, ressalta-se que foram priorizadas as produções científicas que adotam a
perspectiva da dialética histórico-crítica em suas abordagens, mas também, foram examinadas
29

produções cuja lógica se pauta nos interesses do capital, a fim de se estabelecer parâmetros
analíticos com a concepção que defendemos.
Foi possível verificar que a maioria significativa das produções abordam o estágio
curricular em torno da discussão da dicotomia entre teoria e prática, o que não deixa de ser,
também, uma questão evidenciada na pesquisa de que nos ocupamos. Entretanto, do ponto de
vista do estado do conhecimento a que nos propomos discutir, parte dos trabalhos científicos
analisam o estágio curricular na EPT numa perspectiva politécnica e omnilateral da formação,
porém não foram identificados dentre estes os que abordam o trabalho diretamente relacionado
com a área da formação como centralidade.
Assim, dentre as pesquisas que apresentam uma visão crítica da formação, encontramos
as que buscam compreender o papel do estágio como prática pedagógica, dissertação de
RASSELE (2011); identificar a contribuição do estágio curricular supervisionado para a
formação profissional do Técnico Agrícola, dissertação de FARIA (2009); investigar o nível de
formação técnica do aluno egresso do ensino médio, dissertação de KLUGE (2008); as
implicações dessa prática na formação dos futuros profissionais, dissertação de VIEIRA (2010);
compreender quais as possibilidades e os limites de o estágio curricular se constituir como
estratégia para articulação escola, serviço e gestão, dissertação de MEDEIROS (2016); verificar
se a organização do trabalho pedagógico possibilita de fato, a articulação entre teoria e prática
dentro de um contexto educacional, e frente à realidade econômica, social e cultural, dissertação
de NAZÁRIO (2014); analisar o estágio do técnico de nível médio em empresas flexíveis, com
o intuito de desvelar a pedagogia fabril presente nessa experiência formativa, dissertação de
PONTES (2007); analisar a proposta e a prática do Estágio Supervisionado a partir dos sujeitos
envolvidos neste processo, dissertação de VIEIRA (2010); conhecer seus aspectos e sua
contribuição na constituição do técnico industrial de nível médio, dissertação de DUTRA
(2009); contribuir teoricamente para a construção de referências sintonizadas com a formação
omnilateral para a (re)organização do estágio supervisionado no currículo dos cursos,
dissertação de RODRIGUES (2007); analisar o cotidiano da supervisão de estágio
(re)significando-o no sentido da práxis profissional no âmbito das situações concretas que se
colocam à supervisão, tese de CAPUTI (2014); verificar se a organização do trabalho
pedagógico propicia que o estágio curricular cumpra seu papel como ato educativo e
instrumento de aperfeiçoamento técnico-cultural e científico, constituindo-se como
complementação do ensino e da aprendizagem do estudante em sua formação profissional,
dissertação de SANTOS (2014); refletir sobre os processos de formação docente e do estágio
supervisionado como um espaço privilegiado dessa formação, dissertação de GALINDO
30

(2012); realizar estudo sobre estágio supervisionado em Serviço Social direcionando a pesquisa
para debates e análises sobre a perspectiva da centralidade do estágio supervisionado na
formação, entretanto, na sua dimensão e nas considerações de todos os determinantes que
imprimem o que é e o que deveria ser de fato o mesmo no processo, tese de HONORATO
(2016); ouvir professores que recebem o estagiário em sua sala de aula, tese de SILVEIRA
(2008).
Dentre os trabalhos analisados cuja abordagem pensa o estágio curricular como
vivência prática para atuação no mercado de trabalho, se evidenciam as contradições do modo
capitalista de produção com ênfase à discussão da qualificação para o trabalho com prioridade
à aquisição de aptidões técnico-práticas para as quais o estágio se apresenta como uma
oportunidade de aprimoramento e consolidação da formação. Dentre as pesquisas que seguem
esta justaposição de intenções encontramo-las com os objetivos de: analisar o programa de
estágio oferecido pelas empresas conveniadas e propor políticas internas ao setor de estágio,
tendo como parâmetros a legislação, as competências e habilidades previstas no currículo do
curso de engenharia de produção, dissertação de FERREIRA (2016); ); compreender como os
conhecimentos dos alunos são adquiridos na escola e recontextualizados em suas funções
desempenhadas durante a atividade curricular de estágio, dissertação de CRUZ (2012); analisar
o estágio supervisionado como espaço de formação e desenvolvimento de saberes e habilidades
fundamentais à docência, articulando teoria e prática no processo de ensino e aprendizagem,
dissertação de OLIVEIRA (2016); aprimorar a aprendizagem organizacional do estágio
supervisionado, fortalecida pelo intuito de se identificar oportunidades de melhoria, e de se
entender como o estágio estimula a aproximação entre teoria e prática nas ações educacionais,
de modo a contribuir com os processos de auto avaliação e auto referência institucional,
dissertação de MATTOS (2008); caracterizar o processo de construção da identidade
profissional de professores orientadores de Estágio Curricular de modo a contribuir para uma
melhor compreensão das especificidades inerentes ao desempenho dessa função e das
atividades formativas e profissionais, dissertação de WINCH (2009); identificar o significado
que os alunos têm a respeito do estágio supervisionado e diagnosticar a influência do estágio
na formação do aluno e as perspectivas da disciplina práticas profissionais em relação ao
estágio, dissertação de PEREIRA (2008); oportunizar a formação prática, situando o estagiário
no contexto real da empresa, com suas exigências e ritmos próprios, considerando que as
empresas exercem influência preponderante na formação dos estagiários pelo fato das
instituições de ensino se omitirem de sua responsabilidade precípua nesta etapa formativa e
caracterizar o processo de construção da identidade profissional de professores orientadores de
31

estágio curricular pré profissional, dissertação de PONTES (2007); investigar o papel que o
estágio curricular obrigatório vem desempenhando na formação do técnico, a partir da
perspectiva dos discentes, dissertação de SANTOS (2012); identificar a contribuição do estágio
curricular supervisionado para a formação profissional do Técnico Agrícola, dissertação de
FARIA (2009); analisar a relação teoria e prática no currículo do curso técnico a partir da
percepção dos discentes, tendo como foco o estágio curricular supervisionado, dissertação de
ESCOBAR (2016); compreender como os alunos trabalhadores dos referidos cursos que estão
em experiências de trabalho no estágio, mobilizam os saberes profissionais e os
recontextualizam no desempenho das suas atividades de estágio, dissertação de CRUZ (2012);
analisar o processo de realização do estágio curricular supervisionado em um curso técnico
ofertado a distância, via Rede e-Tec Brasil, dissertação de SILVA (2018).
Os métodos e instrumentos de pesquisa são os mais diversos, sobre estes, há as que
optaram pela pesquisa de natureza qualitativa em sua maioria, havendo, também, as que
utilizaram dados quantitativos; outras ainda, optaram pela pesquisa-ação; e grande parte
utilizaram como instrumentos questionários semiestruturados, entrevistas, pesquisa
bibliográfica, estudo de caso, análise documental e revisão de literatura. Em relação aos
métodos de pesquisa, o método positivista aparece em quantidade significativa, além de
pesquisas com viés crítico, em menor parte, com destaque para a utilização da dialética
humanista e do materialismo histórico dialético, que é o método do nosso interesse.
Os inúmeros resultados trazidos nas pesquisas catalogadas apontaram para diversas
constatações: problemas referentes à adequação da infraestrutura e supervisão dos estágios nas
empresas/instituições e à contextualização curricular, orientação, carga horária e em relação à
contribuição das aulas práticas realizadas, RASSELE (2011) (dissertação); verificação de um
modelo formal e burocrático, desprovido de planejamento, acompanhamento, supervisão e
avaliação de resultados, cuja importância centra-se no cumprimento da carga horária, não se
mostrando integrado à proposta pedagógica, SANTOS (2009) (dissertação); constatação de que
as diretrizes darão ampla contribuição ao autoconhecimento institucional, facilitando a
implantação e o acompanhamento de indicadores de desempenho, havendo garantia de
acompanhamento sistemático, da aprendizagem da organização dos estágios, período-a-período
letivo, através de meta avaliações tanto no que diz respeito às atividades de gestão dos processos
envolvidos com o estágio supervisionado quanto do atendimento das expectativas da sociedade,
MATTOS (2008) (dissertação); caracterização do individualismo tendo por base a descoberta
de como desempenhar essa função, a partir da própria atuação ou a partir do momento em que
as ações dos orientadores se desvinculam de modelos e de práticas que vivenciaram na condição
32

de alunos, WINCH (2009) (dissertação); os alunos em experiências de trabalho no estágio


recontextualizam seus conhecimentos, dando sentido ao que aprendem para atuarem de maneira
segura no mercado de trabalho, CRUZ (2012) (dissertação); constatação de que as empresas,
cada vez mais, exigem profissionais prontos e com conhecimentos muito específicos em
determinadas áreas, profissionais do tipo “especialistas”, KLUGE (2008) (dissertação); estágio
como possibilidade de adquirir e ampliar conhecimento, tendo em vista um panorama de
mercado de trabalho, VIEIRA (2010) (dissertação); contribuição do estágio para a formação
profissional, acadêmica e para o desenvolvimento das competências e habilidades do curso em
estudo, BOLHÃO (2013) (dissertação); o estágio visto como espaço de troca de conhecimento
em sua organização dada pela escola e pelos serviços prestados, porém, havendo falta de
liberação dos alunos, resistência de preceptores, estrutura precária, falta de materiais e recursos
humanos MEDEIROS (2016) (dissertação); o estágio em sua relação entre teoria e prática,
como horizonte da inserção profissional, na dinâmica da precarização do trabalho e das
dimensões contraditórias do estágio como trabalho, DUTRA (2009) (dissertação); contribuição
para a formação profissional, acadêmica e para o desenvolvimento das competências e
habilidades do curso em estudo, ressaltando o relevante trabalho dos supervisores de estágio na
empresa, que se destacam como atores que desempenharam com qualidade a função a eles
incumbida, ARAÚJO (2010) (dissertação); relevância na busca de elementos para evidenciar a
distância entre os paradigmas pedagógicos dominantes na atualidade e as proposições das
políticas públicas educacionais, de um lado, e a prática docente existente de outro, OLIVEIRA
(2016) (dissertação); estruturação no sentido da relação entre teoria e prática, o horizonte da
inserção profissional, a dinâmica da precarização do trabalho e das dimensões contraditórias do
estágio como trabalho, ARAÚJO (2010) (dissertação); constatação de uma consonância para a
necessidade de uma melhor aplicação dos conceitos e dos procedimentos investigados, sendo
que os instrumentos utilizados permitiram uma análise concreta para o aperfeiçoamento do
programa de estágio curricular supervisionado, FARIA (2009) (dissertação); constatação de
que o conjunto de atos, fatos e interações que permeou o contexto da realização desses estágios,
além de deixarem aquém as potencialidades desse ato educativo, minimizando as aprendizagens
possíveis, possibilitam implicações negativas para a formação profissional do aluno, SANTOS
(2009) (dissertação); indicação de que para os alunos o estágio supervisionado é de grande
importância, pois segundo eles, é nesse momento a única oportunidade para colocar em prática
o que foi aprendido na teoria, além da oportunidade de conhecer o futuro mercado de trabalho,
PEREIRA (2008) (dissertação); concepção do Estágio Supervisionado como eixo articulador
do conhecimento cientificamente produzido no currículo, embora, a organização do trabalho
33

pedagógico seja da forma fragmentada e conservadora, não contribuindo para alterar a


formação do futuro professor na perspectiva omnilateral, RODRIGUES (2007) (dissertação); o
estágio curricular nem sempre tem cumprido seu papel como ato educativo, se tornando um
mecanismo de precarização do trabalho, SANTOS (2014) (dissertação); verificação de que a
instituição investigada, não está conseguindo garantir que o estágio supervisionado se configure
como um ato educativo, uma complementação do ensino e da aprendizagem NAZÁRIO (2014)
(dissertação); dualidade no processo de trabalho do técnico em enfermagem, onde a relação
teoria e prática se dá unidirecionalmente, ESCOBAR (2016) (dissertação); possibilidade de
identificar algumas discrepâncias em relação à articulação entre escola, estágio e mundo do
trabalho, SANTOS (2012) (dissertação); percebeu-se que eles consideram a realização do
estágio importante, para que possam aproximar da realidade na qual irão atuar e também para
obterem uma qualificação prática; contudo pontuaram que possuem dificuldade para encontrar
uma empresa para realizar o estágio, consideram o processo de formalização do estágio muito
burocrático e que não foram adequadamente orientados pela instituição, SILVA (2018 (tese);
contribuição ao autoconhecimento institucional, facilitando a implantação e o acompanhamento
de indicadores de desempenho, havendo garantia de acompanhamento sistemático, da
aprendizagem da organização dos estágios, período a período letivo, através de meta-avaliações
tanto no que diz respeito às atividades de gestão dos processos envolvidos com o estágio
supervisionado quanto do atendimento das expectativas da sociedade relativas ao mesmo, os
estagiários são expostos a uma influência unilateral, o perfil de técnicos de nível médio que as
empresas flexíveis pretendem formar a partir da experiência do estágio guarda correspondência
com o setor em que o mesmo atuará, voltando-se para uma formação técnica (conceitual e
procedimental) de maior ou menor complexidade, considerada complementar à sólida formação
geral a ser viabilizada pela escola, assim, a empresa defende e valoriza uma formação prática
(relação teoria-prática numa perspectiva aditiva e dicotômica), enriquecida com o
desenvolvimento das chamadas atitudes generalizáveis visando à rápida adaptação a contextos
produtivos cambiantes e instáveis, PONTES, (2007) (dissertação); tem se materializado nos
princípios do debate hegemônico da categoria profissional expresso na Política Nacional de
Estágio, os desafios próprios do imperioso capitalismo globalizado e da ofensiva neoliberal,
CAPUTI (2014) (tese); indicação de que os sujeitos da investigação percebem-se como
formadores e, com diferentes posições acreditam na possibilidade da escola como campo de
formação e se mostraram dispostos a partilhar com os futuros professores os diferentes saberes
da e na prática, SILVEIRA (2008) (tese); realizar estudo sobre estágio supervisionado em
Serviço Social direcionando a pesquisa para debates e análises sobre a perspectiva da
34

centralidade do estágio supervisionado na formação, entretanto, na sua dimensão e nas


considerações de todos os determinantes que imprimem o que é e o que deveria ser de fato o
mesmo no processo, HONORATO (2016) (tese); necessidade de ações intencionais na direção
de uma maior aproximação entre a universidade e a escola, visto que há na situação de estágio
e, em especial, no contato com o professor parceiro uma série de possibilidades de atendimento
de exigências legais atuais e de atuação para a melhoria da formação inicial e continuada através
de uma melhor compreensão dos contextos e das práticas docentes, GALINDO (2012) (tese);
necessidade de aprofundamento dos estudos sobre educação-trabalho no processo de formação
dos profissionais de educação, seja do ponto de vista teórico, seja na sua relação com as
estruturas da universidade e com o fortalecimento da “formação continuada”, sem deixar de
considerar os limites do momento histórico, FREITAS (1993) (tese).
Por outro lado, não obstante os delineamentos regulatórios e práticos para realização
do estágio curricular numa perspectiva enquanto ato educativo que integra o itinerário
formativo do educando (BRASIL, 2008), o trabalho de pesquisa constatou, pelo esforço de
investigação mais aprofundada sobre a realidade objetiva, que os fundamentos e objetivos
traçados nos moldes do tecnicismo, se apresentam sumariamente na prática dos estágios,
causando a desarticulação entre o ensino-aprendizagem e o trabalho produtivo. Esta
constatação, deve-se ao imperativo de sair do campo aparente da realidade e apreender a sua
estrutura e dinâmica, operando a sua síntese, como aponta José Paulo Netto (2011, p. 22), em
seus estudos do método dialético em Marx.

Pressupostos Metodológicos para a Análise do Problema

A questão da prática educativa dos estágios curriculares na Educação Profissional e


Tecnológica, entendida como um processo que aproxima o sujeito da prática com ambiente do
trabalho produtivo, se constitui num relevante objeto de análise considerando que é na realidade
da prática dos estágios curriculares que irá se estabelecer a unidade de convergência entre a
materialidade do trabalho diretamente relacionado à área da formação sócio técnica e o
conhecimento construído ao longo do percurso formativo.
Nesse aspecto, a prática do estágio curricular se apresenta na pesquisa como um ponto
de partida para análise da relação entre trabalho, educação e conhecimento, por consistir no
plano conceitual dialético-histórico-crítico, como uma objetivação teórico-prática entre o
ensino e o trabalho produtivo, se constituindo num processo experimental de trabalho e
aprendizagem, como esclarecem PIMENTA & LIMA (2005-2006). Desse modo, por
35

estabelecer a ponte relacional da educação escolar com o mundo do trabalho, e assim, pensado
enquanto objeto passível de patentear o trabalho como ação humana educativa e produtiva, se
apresenta como uma prática educativa social, não somente no nível de observação e
proximidade do aluno estagiário com um ambiente de trabalho, mas enquanto processo no qual
se consolida a relação entre trabalho intelectual e trabalho material, entre cultura geral e cultura
técnica, entre conhecimento científico e conhecimento tecnológico.
De acordo a este pressuposto teórico-metodológico, parte-se da concepção da
centralidade do trabalho tanto em geral como do trabalho agroindustrial, enquanto princípio
articulador da prática educativa dos estágios realizados no curso técnico em agroindústria.
Contudo, a realidade analisada na prática do estágio no curso em epígrafe, tem demonstrado a
ocorrência da desarticulação entre ensino e trabalho produtivo, o que gera a cisão entre
concepção e execução no plano da formação de modo geral, e compromete o desenvolvimento
integral dos estudantes na perspectiva da omnilateralidade e da politecnia, evidenciando uma
concepção monotécnica e unilateral da formação humana, com forte tendência da visão prático-
utilitária e tecnicista da formação para o mercado de trabalho, interiorizada como uma
determinação histórica da divisão social e técnica do trabalho na sociedade capitalista.
A concepção monotécnica e unilateral da formação humana, tende a reproduzir as
relações dominantes na sociedade de classes da qual emerge a dissociação entre teoria e prática,
entre o ensino propedêutico e o ensino técnico, provocando a cisão estrutural entre concepção
e execução no próprio corpo da formação, ocasionando num processo de fragmentação do
conhecimento que impede o entendimento da relação unitária entre o sujeito da prática e o
objeto de estudo/trabalho.
Assim, este estudo assume a defesa de práticas educativas emancipatórias na Educação
Profissional e Tecnológica, concebida por uma dimensão ampla de educação e enquanto práxis
social educativa com possibilidades de objetivar projetos pedagógicos que tenha por base a
concepção do trabalho como princípio educativo da formação humana, alicerçada na
perspectiva da omnilateralidade e da politecnia para a superação da dualidade estrutural entre
trabalho e educação com vistas ao desenvolvimento de uma educação unitária e integral.
Para tanto, o percurso teórico-metodológico, referenciou-se na dialética crítica da
história, e a obra O capital de Karl Marx (2017), é fonte essencial à dissertação, principalmente
no Capítulo: O processo de trabalho e o processo de valorização, o qual garantiu as bases para
pensar o trabalho enquanto princípio fundamental da produção da existência humana, no
processo de humanização dos indivíduos e na compreensão da forma com que o capital se
apropria da força de trabalho, explorando-a. A obra Para Uma Ontologia do Ser Social II de
36

Georg Lukács, do mesmo modo, é um referencial importante na concepção do princípio


ontológico do trabalho.
Outras referências, também, foram fundamentais, especialmente na aproximação com o
método científico histórico dialético, e no entendimento da divisão social do trabalho, assim,
autores como Marx (2003, 2004, 2017), Marx e Engels (2009), Kosik (1995), Kopnin (1978),
Braverman (1981), Andery (1996), Lefebvre (1973), Antunes (2013, 2014, 2020), foram fontes
importantíssimas, entre outras.
No aprofundamento sobre escola unitária, politecnia e trabalho como princípio
educativo, buscou-se as relevantes referências de autores como Gramsci (1978, 1982, 2008)
Manacorda (2017), Mészáros (2008), Sánchez Vásquéz (1968), Lucília Machado (2015, 2020),
dentre as mais principais.
Dentre os autores que abordam sobre a pedagogia crítica da história, a relação trabalho-
educação e a formação humana integral, e estabelecem a crítica às pedagogias hegemônicas,
tomamos os valiosos trabalhos de Dermeval Saviani (1989, 2003, 2005, 2007), Newton Duarte
(2008), Saviani e Newton Duarte (2015), Acácia Kuenzer (2001, 2002, 2006, 2009), Gaudêncio
Frigotto (1995, 2005, 2006, 2012), Maria Ciavatta (2008), Luiz Carlos de Freitas (2011), entre
outros.
Entre os autores que tratam o objeto da pesquisa, ou seja, sobre a prática do estágio
curricular, referenciamos as importantes contribuições de Helena de Freitas (1993, 2002), Stela
Piconez (1991, 2013), Marta Buriolla (1999), Selma Garrido Pimenta (1995), Selma Pimenta e
Maria Lucena Lima (2005-2006), entre outros referenciais significativos.
Nas apropriações em relação ao campo do trabalho agroindustrial e modos de produção
nas agroindústrias, assim como em relação ao campo da agricultura familiar e da agroecologia,
utilizamos as referências de Graziano da Silva (1991, 1995, 1998, 2002, 2004), Sorj (1980,
1998); Schneider (1999, 2003), Sorj e Wilkinson (2008), Kageyama (1989, 1990), kautsky
(1970, 1986), Mendonça (2005), entre outros.
A partir desses referenciais, buscou-se as apropriações necessárias para desenvolvermos
o trabalho de pesquisa. Contudo, é preciso que se diga, que tenta-se aqui trazer elementos
críticos à discussão do objeto da prática educativa do estágio curricular no curso técnico em
agroindústria sem nenhuma intenção de apresentar uma solução à problemática analisada, ou
mesmo em dar conta de tratar todas as determinações que o compõem, mas objetivá-lo numa
concepção crítica da relação entre sujeito-objeto-sociedade, da relação entre trabalho e
educação e das relações produtivas objetivadas na prática do trabalho, como um processo da
37

atividade do trabalho escolar em sua relação social com o mundo produtivo do trabalho
agroindustrial.
Para a proposta de reconceptualização da prática do estágio no curso de agroindústria,
discorreu-se sobre uma base contendo elementos centrais na perspectiva da politecnia e da
omnilateralidade, cujo prisma de elaboração se pauta numa visão mais ampliada e crítica de
educação profissional com entendimento da prática educativa do estágio enquanto práxis, na
qual eixo articulador do conhecimento no currículo é o trabalho agroindustrial e o trabalho em
geral, no sentido ontológico enquanto práxis educativa social.
A práxis educativa do estágio orientada numa perspectiva politécnica e omnilateral
direciona para a compreensão da unidade teoria-prática, a partir da apreensão da categoria
trabalho, como elemento fundante da produção da existência e humanização dos homens e
mulheres, o que traduz-se pelo entendimento do trabalho enquanto princípio educativo para
eliminação das contradições presentes na sociedade dominada pela lógica do capital e das
dualidades estruturais impostas à atividade do trabalho pedagógico.
A compreensão dos conceitos de politecnia e da omnilateralidade caminha na direção
da superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução
profissional e instrução geral e na apreensão da concepção do trabalho como princípio
educativo que concorre para o processo de apropriação do conhecimento historicamente
acumulado – conceitos centrais que constituem a base para a formação unitária e integral, de
modo especial, quando se trata da formação dos filhos da classe trabalhadora.
O desenvolvimento da formação humana integral para classe trabalhadora, com vistas à
sua emancipação, exige para tanto, o aprofundamento da base teórica que fundamenta o projeto
educativo na concepção da práxis social para superação da divisão social do trabalho. A escola,
nesse ínterim, tem um papel fundamental para construção de uma sociedade mais justa,
contribuindo para a formação crítica e emancipatória dos sujeitos a partir do desenvolvimento
de práticas educativas com base em uma educação politécnica para superação das cisões
estruturais, fomentando, assim, a sua parcela de contribuição na transformação da sociedade.

Os Procedimentos de Análise na Pesquisa

Para análise do objeto em estudo, utilizamos a pesquisa bibliográfica com destaque para
a análise documental dos relatórios de estágio e do projeto pedagógico do curso técnico em
agroindústria, com ênfase nos pressupostos da dialética histórico-crítica, cujo método
“representa o caminho teórico que aponta a dinâmica do real na sociedade [...]” (MINAYO,
38

1996, p. 65). Minayo explica que o método histórico dialético parte da perspectiva histórica, e
investiga o objeto de conhecimento por meio da compreensão de todas as mediações e
correlações da realidade social e histórica, tendo por princípio básico de sua metodologia a
totalidade2.
Nessa perspectiva, a investigação científica das determinações sociais e históricas é
objetivada por dois princípios: o materialismo histórico como caminho teórico e o materialismo
dialético como estratégia metodológica. Na ótica teórico-metodológica do materialismo
histórico dialético, a categoria básica de análise da sociedade é o modo de produção
historicamente determinado, tendo o trabalho como categoria mediadora das relações sociais.
Minayo (1996), diz que podemos entender a pesquisa como uma atitude e uma prática
teórica de constante busca, definido por um processo intrinsecamente inacabado e permanente,
ou seja, uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo
uma combinação particular entre a teoria e os dados obtidos. Desse modo, com base na dialética
crítica marxista, na interpretação dos dados analisados nos instrumentos de pesquisa, buscou-
se apreender o movimento da realidade concreta em suas contradições, no esforço de
compreensão do objeto de análise enquanto elemento da práxis humana-social, cujo sentido se
traduz na firmeza ético-política do pensamento, como enfatiza Minayo (1996, p. 226).
Na análise dos dados obtidos pode-se discernir sobre as categorias que dão sustentação
à investigação científica, as quais de acordo com os postulados da dialética histórico-crítica,
emergem da crítica da realidade social determinada em sua totalidade, e que podem ser
analisadas concretamente, partindo do movimento das ideias abstratas para um movimento do
pensamento lógico superior, e por esta razão, pode ser racionalmente conhecida e explicada.
Assim, produz-se o seu conhecimento ao se formular as leis de sua estruturação e de seu
desenvolvimento quando se consegue atingir seus determinantes fundamentais através dos
conceitos tomados no plano teórico para explicação da realidade. Porém, não se trata da
realidade imediata e sim da sua concretude na totalidade real, considerando-se que “o concreto

2
“A categoria de totalidade é entendida na perspectiva do materialismo histórico-dialético como uma unidade de
máxima complexidade constituída por diferentes elementos também complexos (com menores graus de
complexidade), os quais, em suas relações, constituem e sintetizam aquela totalidade. Conforme afirmou Lukács
(2013), a totalidade é um complexo constituído de complexos, uma vez que cada parte ou elemento constitutivo
da totalidade é por ela determinado, bem como, também a determina. Conhecer a totalidade de um objeto ou
fenômeno não significa conhecer tudo, mas, sim, apreender a lógica determinante dessa totalidade”. (MARTINS
& LAVOURA, 2018, p. 227).
39

é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações” como é ponderado por Marx (2003,
p. 248).
Em vista disso, optou-se pela realização da análise documental e da revisão bibliográfica
que foi utilizada de forma concomitante em todas as fases da pesquisa, para melhor analisar o
objeto investigado, já que à medida que se ampliava a aproximação com os pressupostos da
dialética histórico-crítica, saíamos da visão empírica da realidade imediata relatada da prática
do estágio no curso de agroindústria para uma visão mais ampliada das determinações que
emergem do plano concreto evidenciados nos registros dos relatórios de estágio. E da mesma
forma, ampliou-se a visão crítica dos dados que correspondem a conjuntura do projeto do curso
estudado, chegando-se, assim, a uma maior percepção das categorias que compõem o quadro
analítico para explicitação da problemática da pesquisa.
Este movimento significou contextualizar dialeticamente a realidade objetiva da
problemática que buscamos analisar e que foi pensada enquanto determinação do plano real da
sociedade, cuja lógica se volta para o modo capitalista de produção e que acaba reverberando
suas contradições para o plano concreto do contexto educacional. Dessa forma, a
contextualização crítica-dialética da análise, exigiu a organização da pesquisa a partir do
entendimento da totalidade social da sociedade baseada no capital. Tais determinações
necessitam ser tomadas pelas suas relações históricas e sociais com a realidade material, pois,
a compreensão do objeto deverá tomar as contradições da sociedade capitalista que repercutem
fortemente no processo educacional, para se estabelecer na linha da intencionalidade do estudo,
as bases teóricas que objetivam a transformação social em sua totalidade.
Além disso, a evidência concreta das categorias que determinaram a análise, a partir dos
recursos utilizados, permitiu a constatação de que os elementos presentes na problemática
tratada são de ordem estrutural e atingem a totalidade dos processos e práticas do campo da
formação sócio técnica de modo geral, os quais determinam a elaboração do currículo na
educação profissional, e assim, como consequência, determinam a etapa de terminalidade dos
cursos técnicos profissionais que geralmente se dá com a realização da prática educativa do
estágio curricular.
De tal maneira, com a análise dos relatórios de estágio e do projeto pedagógico do curso
de agroindústria, em específico na parte que se discorre sobre o estágio curricular, foi possível
sistematizar os dados encontrados e aprofundar o entendimento da problemática analisada, o
que enuncia à conclusão da determinação histórica da dualidade estrutural entre trabalho e
educação, para explicar a cisão entre concepção e execução que compromete o
desenvolvimento dos estudantes do curso supracitado na perspectiva da politecnia e da
40

omnilateralidade, como determinação do plano concreto da sociedade de base capitalista em


que a práxis social da existência humana é fragmentada numa pragmática utilitarista que separa
o conhecimento científico do conhecimento tecnológico e o trabalho intelectual do trabalho
manual no conjunto do processo educativo. Esta separação é reproduzida na prática educativa
do estágio curricular, revelando os impactos da hegemonia do capital na lógica de formação
para atuação no mercado de trabalho, e interfere diretamente na política educacional da
Educação Profissional e Tecnológica no IFBaiano. Eis que, portanto, nos incumbimos em
demonstrá-la, tomando um ponto em particular na totalidade dessa modalidade de ensino.
41

CAPÍTULO I - A PRÁTICA EDUCATIVA DO ESTÁGIO CURRICULAR NO


ÂMBITO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: UMA ANÁLISE
DIALÉTICA-CRÍTICA

1.1 A Prática Educativa do Estágio no Curso Técnico em Agroindústria e a Relação


Prático-Utilitarista com o Trabalho Agroindustrial

Ao analisarmos a relação entre ensino e trabalho produtivo na prática educativa dos


estágios, no curso técnico em agroindústria, por uma perspectiva dialética-histórico-crítica,
esforçamo-nos em transpor o imediatismo da pseudoconcreticidade de que nos fala Kosik
(1995), para entendermos de que forma se dá a desarticulação entre concepção e execução, ou
seja, entre trabalho intelectual e trabalho manual, entre teoria e prática, que limita os estudantes
a articularem os conceitos da ciência e da tecnologia, da cultura geral e da cultura técnica
intrínsecas nos processos produtivos do ambiente do trabalho agroindustrial em que realizam o
estágio.
A desarticulação entre o ensino e trabalho produtivo na agroindústria, na concepção que
emerge da prática educativa dos estágios, e que se evidencia nos registros dos relatórios de
estágio, demonstram uma concepção de base monotécnica no processo do trabalho educativo
do curso – processo de conhecimento – em sua relação com o processo do trabalho produtivo,
comprometendo o entendimento dos alunos/estagiários, de como se dá a relação entre a teoria
e a prática, de como a ciência se incorpora à tecnologia, e sobretudo, reforçando a concepção
prático-utilitarista e tecnicista para formação, o que impede a compreensão e o desenvolvimento
de uma práxis educativa em que o trabalho é o princípio educativo fundamental.
Constata-se, assim, no plano da realidade concreta, e considerando os aspectos
levantados na análise dos relatórios de estágio, que a concepção que emerge da prática
educativa se baseia no domínio de habilidades técnicas, com uma prevalência à execução de
normas, à observância dos padrões de qualidade da produção, dos recursos maquínicos
utilizados e dos insumos agroindustriais necessários ao processo produtivo.
Assim, portanto, evidencia-se uma concepção da prática enquanto processo de
mecanização, desenvolvida de forma fragmentária e automatizada, sem que se necessite do
domínio do saber científico sobre o trabalho técnico executado e mesmo sem que se necessite
pensar sobre a totalidade do trabalho envolvido e as condições dos trabalhadores, revelando a
falta de compreensão do processo do trabalho social presente na produção agroindustrial.
Como efeito da análise da composição do trabalho agroindustrial na sociedade
capitalista, chega-se a uma primeira conclusão de que na prática educativa do estágio curricular
42

do curso técnico em agroindústria, em decorrência do processo de alienação introduzido na


educação pelo conceito que se tem do trabalho na sociedade capitalista, não se apreende
criticamente sobre o sentido do par dialético concepção e execução. A visão equivocada dessa
relação na prática educativa do estágio no curso, se limita à reprodução da técnica
procedimental, na qual se desvincula o trabalho intelectual do trabalho manual, como
consequência da própria desvinculação à práxis social educativa.
Nesse sentido, o que se nota, corresponde às ponderações de Kosik (1995, p. 13-14), ao
afirmar que o sujeito apenas exercita uma atividade prático-sensível, de intuição imediatista
prática da realidade, com trato prático-utilitário das coisas, fixando tão somente o aspecto
fenomênico da realidade, que povoa o ambiente cotidiano e comum da vida humana,
configurando-se assim, como o mundo da pseudoconcreticidade, pois que se distancia da
estrutura da coisa, do seu núcleo interno essencial e do seu conceito correspondente.
Assim, o entendimento da prática dos estágios, como uma prática social pedagógica, no
curso técnico em agroindústria, se mostra desarticulada pela cisão entre a conceituação
científica envolvida no processo produtivo e a execução da técnica, indicando uma concepção
da prática educativa meramente prático-sensível, resultado de um processo histórico de
impregnação das ideologias pedagógicas que servem ao sistema capitalista e que se baseiam na
separação entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia, circunscrevendo a atividade educativa
dos estágios a uma atividade prático-utilitária no conjunto da formação.
Isso reforça a evidência de que os níveis de reprodução monopolista do capital se
ampliam de forma estratégica para exercer maior controle e domínio da formação escolar,
especialmente através da simplificação do trabalho e da desqualificação do trabalhador. Os
elementos-chave dessa desqualificação, segundo Braverman (1974), tem como meio impedir o
domínio dos trabalhadores sobre o processo de trabalho, como forma de quebrar a unidade
natural do trabalho, separando concepção e execução. Para efetuar essa ruptura, as tarefas foram
simplificadas e fragmentadas, exigindo destreza mais especializada e menor qualificação
global. Processo este, que de acordo a Braverman, ocorreu efetivamente com o advento da
administração científica, ou seja, com o surgimento do taylorismo, no qual a desqualificação
do trabalhador tornou-se sinônimo de degradação do trabalho.
Como as práticas no campo educacional, assim como com toda e qualquer prática social
na sociedade, são fortemente marcadas pelos ditames do capital, o direcionamento dado à
formação técnica-profissional, ou melhor, sócio técnica, reproduz as tendências hegemônicas,
e, por isso, não se consegue pensar as relações do trabalho social educativo presente no processo
produtivo. Dessa forma, as contradições que permeiam o ambiente educacional, sob os moldes
43

do capital, interferem nas práticas pedagógicas da escola, pois que a escola, tão somente,
expressa a forma como está organizada a sociedade de classes, e com isso, o que se observa em
relação aos elementos trazidos nos relatórios de estágio é a reprodução de técnicas manuais
prático-utilitaristas, de que nos fala Kosik (1995).
Sobre esse controle do capital a professora Kuenzer (2009), observa que em Marx, é
possível entender como a subsunção real do trabalho ao capital resulta na destruição do saber
do trabalhador. Nesse aspecto, a subsunção ao capital impede que o trabalhador conheça o
processo do trabalho como um todo, ficando limitado apenas a um fragmento do mesmo.
Como se verifica, a reprodução das técnicas de produção na prática dos estágios dá-se,
muitas vezes, pelo fato de que os estagiários atuam apenas na observação simples do processo
produtivo, sem que haja uma participação mais direta no processo em que possam atuar
conforme o conhecimento adquirido durante o percurso formativo. Essa reprodução implica,
não somente, para que com os estágios se possa dá uma melhor contribuição ao processo de
produção das instituições estagiadas, mas no próprio aprofundamento da formação científica e
tecnológica, considerando que durante a formação ocorre uma apropriação significativa em
relação ao conhecimento científico e tecnológico. Com isso, um manancial relevante de
conhecimentos adquiridos na formação se desarticula na execução da prática, descambando no
que entendemos como uma cisão entre os processos de concepção e execução.
Por conta da cisão entre concepção e execução verificada na prática educativa do estágio
do curso analisado, buscou-se as bases conceituais do ensino politécnico como vertente de
alinhamento teoria/prática, cujos princípios promulgam pela formação omnilateral dos sujeitos.
Desse modo, pensa-se em possibilidades metodológicas para dar conta, em certa medida, de
resolver a desarticulação entre ensino e trabalho produtivo na prática do estágio no curso de
agroindústria. Objetiva-se, assim, a construção de uma educação para superação dos processos
dicotômicos entre teoria e prática, trabalho intelectual e trabalho manual.
Partindo dessa objetivação, conclui-se que “[...] a ideia de politecnia envolve a
articulação entre trabalho intelectual e trabalho manual e envolve uma formação a partir do
próprio trabalho social, que desenvolve os fundamentos, os princípios, que estão na base da
organização do trabalho na nossa sociedade e que, portanto, nos permitem compreender o seu
funcionamento [...]” (SAVIANI, 1989, p. 19).
A referida união entre trabalho intelectual e trabalho manual de que fala Saviani (1989),
só poderá realizar-se, no entanto, na “[...] base da superação da apropriação privada dos meios
de produção, com a socialização dos meios de produção, colocando todo o processo produtivo
a serviço da coletividade, do conjunto da sociedade [...]” (SAVIANI, 1989, p. 15).
44

Por isso, há a necessidade de uma mudança conceitual radical para romper com a lógica
dominante do capital a nível educacional. Isto implicaria, sobretudo, numa mudança estrutural
do processo de trabalho visto dentro do modo de produção capitalista como resultado de um
amplo processo de conscientização da classe trabalhadora, assim como, de sua
instrumentalização intelectual na apropriação do conhecimento historicamente acumulado,
dada pela compreensão dos princípios científicos e tecnológicos envolvidos no processo de
produção.
Desse modo, um processo mais abrangente de conscientização da classe trabalhadora
poderia alcançar êxito ao se atingir a ruptura com o modo de produção capitalista o que, por
consequência, traria uma mudança no interior do processo de trabalho. Portanto, do ponto de
vista dialético-histórico-crítico, a educação escolar constitui-se como via principal de
intelectualização do trabalho social, de conscientização da classe trabalhadora, ensejando-lhe
uma compreensão crítica de mundo e sociedade a partir da implementação de processos
formativos pelo viés politécnico no qual o trabalho, entendido como princípio educativo, ocupa
a centralidade.
Dada essa compreensão, a articulação entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia,
estaria em melhores condições teórico-práticas de efetivação. E, a partir da formação crítica, os
estudantes teriam melhor e mais ampla percepção sobre a hegemonia do capital em nossa
sociedade, conseguindo entender, enfim, que a riqueza econômica é, tão somente, produzida
pelo dispêndio da força física e espiritual dos trabalhadores, e os capitalistas apenas são os
detentores dos meios de produção, e os agentes de apropriação da mais-valia daquilo que é
produzido pela força de trabalho.

1.2 A Prática Educativa do Estágio Curricular no Curso Técnico em Agroindústria do


IFBAIANO - Campus Governador Mangabeira: Uma Análise Dialética Crítica

Uma análise da prática educativa do estágio curricular dentro do escopo conceitual de


base sócio crítica, pressupõe uma visão mais aprofundada do trabalho pedagógico enquanto
prática educativa social em relação com o mundo do trabalho produtivo. Assim, considerando
o contexto da prática educativa do estágio curricular pelo viés da dialética histórico-crítica, o
enfoque relacional entre teoria e prática, cultura geral e cultura técnica, tem um caráter de
unidade de importante significado, pois orienta a formação num conceito de práxis pedagógica,
ou seja, pela unidade de relação entre trabalho intelectual e trabalho manual.
45

Desse modo, o conceito de trabalho, como observa Kuenzer (2009, p. 13), se apresenta
como eixo do currículo, compreendido como práxis humana e não somente como práxis
produtiva tornando, portanto, a unidade concepção e execução melhor articulada.
O conceito do trabalho como eixo do currículo consistiria na articulação dos
conhecimentos, atitudes e comportamentos necessários ao domínio da cultura e da compreensão
da prática laboral. Contudo, para que isto se evidencie, dois desafios, conforme instrui Kuenzer
(2009), precisam ser transpostos. Primeiro, o da mera instrumentalização da ciência e da cultura
a partir de uma área de trabalho; segundo, o da mera formalização cientificista, tão comum à
versão de educação secundarista dominante ao longo da história, pela tendência interiorizada
de se afastar do movimento de construção da realidade.
Entendemos que estes dois desafios apontados por Kuenzer, se referem a um currículo
que abrangesse a cultura geral da sociedade, sua forma de organização política e social, e que
tivesse como cerne principal a práxis social humana, isto é, reconhecesse o trabalho “[...] como
todas as formas de ação humana para construir a existência, sejam elas materiais ou espirituais
[...]” (KUENZER, 2009, p. 13).
Para tanto, tendo em vista a superação da lógica da fragmentação, Kuenzer esclarece
que é necessário, também, que não se incorra na ilusão de um sistema científico único que
articule todos os conhecimentos, mas na organização de um currículo que tome as diferentes
práticas definidas pelas demandas sociais e produtivas, no qual se compreenda a autonomia
como capacidade de enfrentar os desafios do trabalho e da vida social, com articulação dos
conhecimentos científicos, tecnológicos, sócio históricos e tácitos para que se construam
respostas adequadas do ponto de vista intelectivo, afetivo e ético.
Com essas diretrizes, tem-se a noção das adequações necessárias à prática educativa do
estágio para que esta consista numa práxis educativa social, em que o trabalho seja o eixo
central. Nesse sentido, serão necessárias, sem dúvidas, reformulações no currículo como um
todo para um alinhamento no projeto político-pedagógico de uma educação/formação com
compreensão crítica da realidade para emancipação dos sujeitos da prática.
Portanto, é fundamentalmente necessário compreender que na “[...] organização do
trabalho pedagógico devemos recuperar, de imediato, que o trabalho, no interior da atual
organização da escola, é “trabalho” desvinculado da prática social mais ampla [...]” (FREITAS,
2009, p. 99), entendendo, do mesmo modo, que na educação baseada nos interesses de classe
“[...] o papel mais importante da escola na reprodução da divisão do trabalho diz respeito a um
aspecto mais preciso desta: a cisão entre trabalho manual e trabalho intelectual…” (ENGUITA,
1989, p. 201 Apud FREITAS, 2009, p. 103). Nesse cenário, “a organização do trabalho
46

pedagógico da escola e da sala de aula é desvinculada da prática, porque desvinculada do


trabalho manual”, e nesse contexto, só pode criar uma prática artificial, que não é o trabalho
vivo” (FREITAS, 2009, p. 99).
É importante que a escola entenda, então, que o trabalho está em antagonismo com a
divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual e assim em antagonismo com o capital,
como pondera Freitas (2009, p. 98), pelo fato de que é por meio do trabalho, da exploração da
força de trabalho, que o capital se valoriza. Nesse sentido, a apropriação do conhecimento e a
própria concepção de conhecimento que se poderia objetivar nas práticas educativas da escola,
ficam comprometidas sob a subsunção do conhecimento ao capital, uma vez que, “separa-se o
sujeito que conhece do objeto a conhecer” (FREITAS, 2009, p. 98). E desse modo, não é sem
razão que:

[...] em nossa sociedade a teoria esteja frequentemente separada da prática. Não é sem
razão, também, que se conceba que primeiro devamos dominar a teoria para, depois,
aplicá-la em uma dada realidade. Se a escola pode, dentro de certos limites, lidar, de
forma particular, com o impacto da divisão do trabalho manual e intelectual em seu
interior, por outro lado, incorpora a divisão entre teoria e prática, de forma bastante
marcante, na sua organização curricular. A própria história da escola indica que ela
cresceu separada do mundo do trabalho (ENGUITA, 1989 Apud FREITAS, 2009, p.
98).

Diante dessas razões, Freitas enfatiza que “a organização do trabalho (mesmo o trabalho
pedagógico, em seus vários sentidos) se dá no seio de uma organização social historicamente
determinada. As formas que essa organização assume, na escola, mantêm ligação com tal tipo
de organização social” (FREITAS, 2009, p. 98). A forma, então, de organização social é um
entrave bastante significativo “[...] às inovações no campo da organização do trabalho
pedagógico [...]” (Ibidem), já que “[...] a escola não é uma ilha na sociedade [...]” (Ibidem),
mesmo que não esteja totalmente determinada por esta organização, não está totalmente livre
dela.
Dessa maneira, “entender os limites existentes para a organização do trabalho
pedagógico ajuda-nos a lutar contra eles; desconsiderá-los conduz à ingenuidade e ao
romantismo” (Ibid. p. 99). Portanto, é crucial ao desenvolvimento de uma organização mais
ampla do trabalho pedagógico, uma compreensão dialética da realidade material da organização
da sociedade, pois, “[...] esta propriedade privada material, diretamente perceptível, é a
expressão material e sensorial da vida humana alienada” (MARX, 1983, p. 117 Apud FREITAS,
2009, p. 99).
Assim, ao assumirmos uma concepção mais ampla de educação, objetivando uma
reconceptualização crítica para a prática educativa do estágio curricular no curso técnico em
47

agroindústria do Campus Governador Mangabeira, construímos a consciência de que “[...] a


concepção de conhecimento que orienta a organização da escola admite a separação
sujeito/objeto, teoria/prática, seja porque a escola nasceu como escola para as classes ociosas
e, portanto, para quem não trabalha [...]” (ENGUITA, 1989 Apud FREITAS, 2009, p. 99), e por
isso, separa-se progressivamente da prática desde sua origem, ou “[...] seja porque a tarefa da
escola inclui a necessidade de legitimar hierarquias sociais, através de hierarquias escolares”
(Ibidem).
Com essa ponderação, temos consciência de que nossa análise, reconhecendo todas as
suas limitações, mesmo sem a pretensão de ir além de uma contribuição para reflexão da
dimensão processual da prática que se realiza no estágio curricular do curso técnico em
agroindústria, se constitui, também, em certo limite, numa contribuição que se soma a outras
reflexões da dimensão processual do trabalho pedagógico e das práticas educativas na Educação
Profissional e Tecnológico como todo.
À vista disso, é preciso deixar claro que este trabalho nem de longe pretende apresentar
uma solução pronta para superação das dualidades/desarticulações presentes no processo
educativo da formação sócio técnica, bem como, da prática educativa do estágio curricular, o
que demandaria uma diretriz política e conceitual mais geral, mas busca trazer uma abordagem
num sentido que reflete a nossa compreensão e compromisso por uma sociedade e por uma
escola em que a classe trabalhadora tenha condições de se emancipar social e politicamente,
com uma qualidade de vida digna e justa, como deveria ser de fato.
De tal forma, concebe-se que a prática educativa do estágio não é meramente um campo
experimental de observação para conclusão da formação, e sim um campo científico-educativo-
social, de apropriação e produção do conhecimento e, portanto, um campo de relação
socioeducativo com o mundo do trabalho produtivo. Assim, pressupomos a análise que se segue
com a finalidade de correlacionar, numa abordagem sócio crítica, os aspectos da relação entre
trabalho pedagógico e trabalho produtivo, destacando na referida prática, as desarticulações e
cisões identificadas entre trabalho intelectual e trabalho manual, categorizando o curso médio-
técnico em agroindústria no plano de fundo da investigação.
Assim sendo, daremos seguimento à análise de pontos diagnosticados nos relatórios de
estágio, de algumas questões pertinentes ao projeto pedagógico do curso e, também, daquelas
apreendidas de forma empírica na vivência com o trabalho de acompanhamento pedagógico
realizado junto às turmas do lócus da pesquisa. Os referidos pontos e questões estarão discutidos
pelo prisma da práxis social da atividade humana na relação sujeito/objeto, teoria/prática e com
base na perspectiva politécnica e omnilateral da formação humana.
48

Desse modo, foram analisados um total de 08 (oito) relatórios de estágio, número que
correspondeu ao total de alunos do curso técnico em agroindústria, concluintes da turma do 3º
ano do ano letivo de 2019. Dentre os locais dos estágios 03 (três) foram realizados numa
empresa de processamento de sorvetes, picolés e açaí in natura; 02 (dois) foram realizados numa
empresa de panificação; 01 realizado na estatal Embrapa; 01 (um) realizado numa empresa de
processamento de derivados do leite; e 01 (um) numa empresa de processamento de bolos,
doces em conserva e sequilhos doces e salgados. As referidas empresas são classificadas como
de médio ou de pequeno porte, além da instituição pública de pesquisas agropecuárias citada
acima.
Já em relação à coordenação dos estágios no Campus Governador Mangabeira, esta fica
a cargo do Núcleo de Relações Institucionais (NURI), e tem por objetivo dar apoio técnico-
administrativo a todos os envolvidos no Programa de Estágio Curricular , segundo o que consta
em regulamento próprio. Os estágios são realizados através de acordo firmado entre o
Campus/NURI e a instituição ou empresa que receberá os alunos/estagiários. Os (as) estagiários
(as), por sua vez, são orientados (as) por um (a) professor (a) da área técnica do curso e ficam
sob a supervisão de um (a) profissional designado (a) na instituição/empresa onde o estágio
acontece, que os (as) acompanha tanto para situá-los (as) em relação às atividades
desenvolvidas como direcioná-los (as) para alguma atividade a ser desempenhada durante o
período de realização dos estágios.
Dada essa contextualização, elencaremos os pontos mais proeminentes evidenciados na
análise documental dos relatórios de estágio e projeto pedagógico do curso, relacionados à
questão-problema levantada na pesquisa.

1.2.1 A Desarticulação entre Ensino e Trabalho Produtivo na Prática Educativa do


Estágio no Curso Técnico em Agroindústria

A questão da desarticulação entre o ensino (concepção/teoria) e o trabalho produtivo


(execução/prática) na prática educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria,
é a questão crucial no âmbito da pesquisa, e se apresenta nos relatórios dos sujeitos da prática
(estagiários) na medida em que os registros contidos nestes documentos revelam tão somente o
entendimento da prática convertida em procedimentos técnicos, adotados como um passo a
passo descritivo do que é executado no processo produtivo, sobre os instrumentos e matérias-
primas utilizadas e sobre os elementos que dizem respeito ao tempo e etapas de processamento,
de conservação, embalagem e de armazenamento do que se produz.
49

Esta evidência fica demonstrada pela ausência de registro dos elementos científico-
tecnológicos articulados ao processo produtivo, e mesmo pela ausência de registro das relações
educativas, econômicas e sociais presentes na atividade, como da questão das condições do
trabalho que é realizado, da situação dos trabalhadores em relação ao desempenho de suas
funções e condição remuneratória, das relações de comercialização daquilo que é produzido, e
da própria relação do sujeito/estagiário com o ato educativo posto no processo produtivo, dando
a transparecer duas situações: primeiro, ou os sujeitos da prática se colocam por conta própria
apenas como observadores do processo produtivo que é realizado ou são dispostos dessa forma,
sem que necessariamente esteja demonstrada uma participação mais direta no processo real
objetivado em termos da cooperação, da assistência técnica-científica e da mediação com a
prática educativa em sua relação ensino/trabalho produtivo; e segundo, estes sujeitos não
conseguem perceber que no processo da produção agroindustrial os produtos (matérias-primas),
assim como, os meios utilizados (instrumentos) não expressam por si só a prática real, o que
significa dizer que a prioridade do conhecimento está somente no objeto observado, e que por
mais instrumentalizada que seja a intervenção para conhecer a realidade, apenas uma parte
desse real é acessada e não a totalidade do processo como esclarece Kopnin (1978).
Nesse sentido, a atividade do conhecimento dos alunos/estagiários se daria na própria
relação com o real, ou seja, na relação do conhecimento com o trabalho produtivo, e não por
uma relação unilateral na qual o estudante estabelece uma mera vinculação pedagógica, por um
período determinado, apenas para cumprir com um requisito obrigatório presente na grade
curricular do curso e na reprodução do que é visto, sem que exista nessa vinculação um sentido
educativo amplo, do ponto de vista da formação politécnica e omnilateral da relação
teoria/prática. A apreensão da articulação dos conceitos científicos e tecnológicos aliados ao
trabalho produtivo que é desenvolvido, estabelecer-se-ia, dessa forma, numa relação dialética,
de compreensão da estrutura, das particularidades, finalidades e contradições envolvidas no
processo do trabalho agroindustrial.
Este entendimento, alia-se à compreensão dialética de formação humana, e nos permite
verificar as cisões no processo educativo que se deslocam para a prática educativa do estágio
curricular no curso e nos impulsiona a “[...] defender a necessidade de buscar-se a compreensão
das especificidades do processo de produção e reprodução da realidade humana, como realidade
essencialmente social e histórica”, como propõe Duarte (2008, p. 23), o que não significa dizer,
que se adotada a perspectiva de Marx, se estabeleceria uma rígida oposição entre o mundo da
natureza e o mundo social em que se divide o processo da práxis humana em essência do
processo entre natureza e sociedade, como também aponta Duarte (2008).
50

O sentido ontológico da práxis humana que se está a defender nesse ponto, possibilita
uma visão ampla de mundo, de sociedade e de educação para que os filhos da classe
trabalhadora tenham direito a uma formação humana crítica, uma vez que detecta-se como
evidência que os alunos – sujeitos da prática educativa do estágio curricular – não conseguem
entender os processos reais de trabalho produzido no ambiente do estágio, e assim, atinjam as
apropriações não apenas práticas, mas também, teóricas dos processos científicos que estão na
base do processo produtivo realizado, para uma superação da visão dualística da práxis humana
em que o processo do conhecimento e o processo do trabalho ficam subsumidos à pragmática
utilitária do processamento de matérias-primas através do maquinário, como se o sentido da
prática estivesse posta apenas na execução técnica-manual, o que denota uma formação
unilateral e desarticulada da práxis social, prevalecendo a dicotomia teoria-prática.
A questão da cisão entre teoria e prática nesse processo é atribuída por Piconez (1991),
pelo caráter complementar ou mesmo suplementar que é conferida à prática do estágio, e desta
maneira, a teoria é colocada no contexto apenas do ensino na vivência da escola e a prática
colocada no contexto da vivência do estágio. Com isso, o entendimento mais comum, segundo
Piconez (1991), é que as orientações para o estágio são dirigidas “em função de atividades
programadas a priori, sem que tenham surgido as discussões entre educador-educando, no
cotidiano da sala de aula, da escola” (PICONEZ, 1991, p. 17).
Nesse contexto, o processo educativo/produtivo vivenciado pelos estudantes durante o
estágio não é tratado e nem discutido como um processo epistemológico a nível dos conceitos
científicos e tecnológicos. Dessa forma, o conhecimento da realidade produtiva não tem sido
favorecido com reflexões sobre a práxis envolvida na relação teoria/prática, comprometendo a
reconstrução ou redefinição prática de teorias que dão sustentabilidade ao processo produtivo
desenvolvido no ambiente em que o estágio se realiza.
Sendo assim, reforçamos que do ponto de vista de uma formação politécnica e
omnilateral, a desarticulação do ensino (concepção/teoria) com o trabalho produtivo
(execução/prática) na prática educativa do estágio, determina uma prática que não oferece
possibilidades ao (à) aluno/estagiário (a) articular o conhecimento adquirido no processo do
trabalho de ensino-aprendizagem com o processo de trabalho do mundo produtivo concernentes
a área da agroindústria, expressando uma formação destituída de uma concepção politécnica na
sua educação profissional.
Isto evidencia uma formação num sentido de aprendizagem determinada em relação aos
aspectos práticos-manuais, com ênfase na apropriação tecnicista do processo produtivo, como
se este tivesse sua origem num receituário técnico de instruções formais. Esta contradição nas
51

relações do processo educativo do estágio, acaba impactando na formação sócio técnica dos
estudantes, o que corrobora com a explicação de Piconez (1991) ao dizer que:

[...] a teoria veiculada, esvaziada da realidade e das práticas cotidianas da sala de aula,
não explica a prática e, quando não, acaba contradizendo-a. O que ocorre é a ausência
de fundamentos teóricos justificando uma determinada prática, da mesma forma em
que uma postura crítica sobre a prática pedagógica só pode existir quando há uma
relação dialógica entre ela e a teoria [...] (Idem, p.22).

Parte-se, assim, do pressuposto de que a prática pedagógica realizada na escola devesse


explicitar teoricamente a relação dialética entre a teoria e a prática que estão postas no processo
produtivo que é executado no ambiente onde se realiza o estágio, para que isto se constitua
numa postura teórico-metodológica em coerência com um projeto educativo que tenha como
objetivo “[...] propiciar aos adolescentes a formação politécnica necessária à compreensão
teórica e prática dos fundamentos científicos das múltiplas técnicas utilizadas no processo
produtivo” (Brasil, 1988, art. 35 Apud CIAVATTA, 2012, p. 88).
Tal postura pedagógica, consubstanciada em documentos legais que traduzem as lutas
políticas do campo progressivo pelo ensino integrado, precisaria ocorrer numa estreita relação
das disciplinas da base comum com as disciplinas da base técnica do curso em agroindústria,
assim como, no âmbito de todos os cursos da formação sócio técnica, para propiciar a
compreensão do processo de ensino em sua relação educativa-histórico-político-social com o
mundo do trabalho, o que iria favorecer a implementação de uma pedagogia alicerçada no
trabalho no interior da escola, como base central do processo de formação. Isto, porém, importa
tratar do trabalho alienado regido pelo capital para sublimar o trabalho enquanto princípio
educativo da existência humana, dando ênfase à formação pela relação intelectual-manual.

1.2.2 A visão da prática educativa do estágio como cumprimento da carga horária


obrigatória do Curso.

Constata-se, no plano da realidade concreta, que a concepção inicial posta em relação à


prática educativa do estágio curricular no curso em agroindústria, é a de que os alunos precisam
ir a campo para cumprimento da carga horária obrigatória do curso. Nota-se, porém, que isto
não significa dizer que não se precise observar essa obrigatoriedade, mas que este não é o ponto
mais importante a se considerar enquanto fundamento básico da realização da prática educativa
do estágio curricular. Como já foi constatado, o campo do estágio curricular é, antes de mais
nada e essencialmente, um campo epistemológico no qual se realiza um ato educativo de
apropriação de saberes da prática sócio profissional.
52

Então, o que se quer chamar a atenção, é para o fato de que a importância fundamental
da realização da prática educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria, está
exatamente, na possibilidade da relação entre a apropriação do conhecimento científico e
tecnológico acessado no ambiente do trabalho educativo em articulação ao processo produtivo
que é realizado no ambiente do trabalho agroindustrial.
Desse modo, o mais importante a se conceber sobre a prática do estágio é justamente a
formação global dos estudantes, não apenas pelo fato de consistir numa etapa obrigatória de
conclusão no curso, mas no sentido de reafirmar a prática como um instrumento importante de
pesquisa e consolidação do processo de ensino, e mesmo de extensão do projeto educativo para
o ambiente de trabalho, bem como, como possibilidade de se pensar e refletir sobre a totalidade
do processo produtivo desenvolvido nos setores da agroindústria acessados pelos alunos, sobre
as condições do trabalho e sobre a realidade dos trabalhadores em sua jornada diária nas lides
com o trabalho agroindustrial.
O que se constata, no entanto, na análise dos relatórios de estágio, é que nestes
instrumentos, não se configuram às questões que envolvem os aspectos socioeconômicos dos
ambientes estagiados, à forma e as condições do trabalho, o ordenamento dos trabalhadores, e
mesmo, a interação dos alunos em relação à prática produtiva na qual se evidencie uma
participação direta e mais efetiva da parte dos estudantes. O fator predominante com muita
ênfase é o registro dos procedimentos técnicos da fabricação dos produtos, com foco na
mecanização do processo produtivo, revelando a falta de compreensão da totalidade do
processo social presente no trabalho de produção agroindustrial.
Nos relatos dos alunos, contidos nos relatórios, não são abordadas as possibilidades de
intervenção e de assessoramento técnico diante dos arranjos produtivos acessados, e desse
modo, afigura-se uma exteriorização do sujeito da prática ao processo de trabalho dessa mesma
prática, demonstrando uma concepção de tecnificação interiorizada no processo de formação.

1.2.3 A concepção da prática educativa do estágio como etapa de complementaridade para


certificação no curso, comprometendo a ênfase epistemológica no projeto pedagógico
como um ato educativo que aproxima o estagiário da dimensão do trabalho produtivo
social.

A prática educativa do estágio vista como etapa de complementaridade para certificação


no curso, demonstra a existência de um entendimento determinista da educação escolar do qual
não se concebe o processo educativo como totalidade, já que em seu movimento real, o processo
é fragmentado e vai se desencadeando por partes isoladas e fechadas em si mesmas. Nessa
53

condição, as próprias disciplinas, como um corpo curricular, não dialogam em torno de um


objeto formativo determinado, o que delinearia o projeto pedagógico do curso – caracterizado
aqui pelo trabalho agroindustrial, como objeto central do currículo – na totalidade do processo
educativo, e de igual modo, no campo da prática educativa do estágio curricular.
Em vista disso, o objeto da prática do estágio, assim como, do processo educativo,
estaria fundado conceitualmente no trabalho agroindustrial, como elemento de articulação do
ensino com o trabalho produtivo, mensurado pelo grau de apreensão do conhecimento científico
e tecnológico na execução da prática do estágio e na formação como todo, determinando,
portanto, a certificação no curso. Por outro lado, a formalização pura e simples, da prática do
estágio, tem se tornado objeto formal de cumprimento da carga horária para conferir a
certificação no curso, resumindo-se, assim, a uma etapa complementar um tanto quanto
dissociada do processo educativo em geral, posto que é situada de modo paralelo à formação.
Esta dissociação se caracteriza desde quando não se concebe à prática do estágio
curricular um tratamento epistemológico e gnosiológico no corpo do processo de ensino e de
aprendizagem, cujos meios e finalidades tem muita importância para o escopo da formação de
um modo geral, tendo em vista o seu caráter objetivo concreto na relação entre a dimensão
pedagógica do curso e a dimensão do mundo do trabalho agroindustrial.
Uma visão mais ampliada do caráter objetivo da prática do estágio, enquanto ato
educativo, daria maior ênfase a apropriação do conhecimento no curso, pois, iria consolidar
uma relação dialética entre o sujeito da prática e o objeto do conhecimento. Isto ampliaria,
também, a concepção de que em se tratando da prática educativa do estágio num curso técnico
em agroindústria, o trabalho agroindustrial é essencialmente o objeto a ser estudado e
refletido em seus aspectos científicos e tecnológicos, desenvolvimento teórico-prático,
instrumentos, finalidades, nas relações sociais, enfim, em sua estrutura educacional e laborativa
consistindo, assim, de fato, numa práxis educativa.
O que se observa, ao contrário, é que a prática dos estágios abordada geralmente é
realizada com a proximidade do término do curso, ou mesmo após a sua finalização, e dessa
forma, é eliminada a possibilidade de se consolidar como componente curricular que necessita
de discussões mais aprofundadas e de relações integradas aos demais componentes curriculares
do curso, tendo em vista que o corpo da formação trata a respeito do objeto científico e
tecnológico referente aos processos produtivos agroindustriais acessados pelos alunos nos
ambientes produtivos onde realizam os estágios.
Desse modo, a única relação mais objetiva e direta, em termos pedagógicos que se
estabelece neste caso, só acontece entre os estagiários e seus orientadores em particular, fato
54

que ainda assim, apresenta-se com a necessidade de uma conectividade maior entre os alunos
estagiários e seus orientadores, e com os demais professores que compõem o corpo formativo
do curso, uma vez que a prática do estágio deve refletir-se, verdadeiramente, como um campo
epistemológico, teórico-prático, como demonstram Pimenta e Lima (2006).
A questão da prática do estágio entendida como campo epistemológico, é amplamente
discutida por estudiosos (as) que se ocupam desse objeto do conhecimento, carecendo de
olhares mais atentos e críticos. Piconez (1991), alerta para o fato de que as instituições não
reservam espaço, no interior da grade curricular, para o desenvolvimento dos estágios, assim
como, para uma reflexão da relação dessa prática com o conhecimento teórico que é abordado
pela escola e sobre a importância disso na melhoria da prática escolar, num sentido de uma
articulação conjunta com todos os componentes curriculares do curso, representados por todos
os sujeitos da prática pedagógica.
Nos estudos de Piconez (1991), a autora enfatiza que uma reflexão crítica por parte da
escola é importante para reorganização e reorientação de suas ações, não somente em relação à
prática do estágio, mas em relação ao projeto educativo em sua totalidade, complexidade e
problematicidade, mediante uma perspectiva concreta da atividade escolar em que a prática do
estágio, também, se insere.
A partir dessa visão, Piconez esclarece que o desenvolvimento da prática educativa do
estágio curricular, precisa ter lugar de maior importância no projeto pedagógico do curso, visto
como parte relevante das relações entre trabalho-escola e teoria-prática, o que representaria um
verdadeiro elo de articulação orgânica e de relação com o cotidiano da área de trabalho para o
qual o estagiário está se preparando.
Esta configuração propiciaria a posição dialética teoria-prática-teoria, recriada na
reflexão da realidade social do trabalho pelo conjunto dos sujeitos da prática pedagógica
permitindo a reflexão sobre as relações hegemônicas da realidade social, uma visão de mundo
e uma postura crítica mais ampliada dos problemas que permeiam a atividade dos trabalhadores,
bem como, das condições do trabalho da área da formação.
A adoção da postura dialética para pensar a prática educativa do estágio curricular,
eliminaria o pseudo entendimento do estágio como uma etapa complementar para certificação
no curso, o que ensejaria a sua problematização como uma prática educativa fundamental à
formação. Assim, a problematização sobre a prática tanto da escola quanto da sociedade, de
acordo com Saviani (2018), possibilitaria detectar quais questões precisam ser resolvidas no
âmbito da prática social e, em consequência, qual conhecimento é necessário dominar, pois,
55

“toda prática educativa contém inevitavelmente uma dimensão política” (SAVIANI, 2018,
p.71).
Nesse sentido, podemos afirmar que a prática do estágio uma vez que possui um caráter
educativo de relação com o ensino e com o trabalho produtivo, também, possui um caráter
social e político em sua relação com o princípio educativo da existência e com a realidade do
trabalho na sociedade de classes, na qual os trabalhadores são explorados e vendem sua força
de trabalho em troca de um salário. A educação na escola assume, assim, a função que tem na
socialização do conhecimento e na função de conscientização política e social dos sujeitos.

1.2.4 A prática do ensino e do estágio curricular com base numa perspectiva tecnicista da
formação.

Neste quesito, a constatação que emerge das nossas análises, é a de que a concepção
tecnicista é a tendência pedagógica predominante na prática do ensino e na prática do estágio
no curso em agroindústria. A organização pedagógica de base tecnicista, no curso, conduz a
dicotomia entre a dimensão teórica e a dimensão prática da formação do técnico agroindustrial.
Assim sendo, o tecnicismo, identificado na prática do ensino e na prática do estágio curricular,
prevalece como elemento de ressonância do modo de produção capitalista, e com isso, dita os
delineamentos pedagógico-formativos como uma pedagogia que parte do pressuposto da
neutralidade científica e que se baseia nos princípios da racionalidade, eficiência e
produtividade, reordenando o processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional,
como explica Saviani (2018, p. 10).
Dessa forma, a prática escolar e a prática do estágio tornam-se práticas fragmentárias,
“[...] de modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretendendo-se a objetivação do
trabalho pedagógico [...]” (SAVIANI, 2018, p. 10). Saviani (2018), diz que nesse modelo “[...]
é o trabalhador que deve se adaptar ao processo de trabalho, já que este foi objetivado e
organizado na forma parcelada [...]” (Ibidem). E nessas condições:

O trabalhador ocupa seu posto na linha de montagem e executa determinada parcela


do trabalho necessário para produzir determinados objetos. O produto é, pois, uma
decorrência da forma como é organizado o processo. O concurso das ações de
diferentes sujeitos produz assim um resultado com o qual nenhum dos sujeitos se
identifica e que, ao contrário, lhes é estranho (SAVIANI, 2018, p. 10).

Do fenômeno demonstrado nas palavras de Saviani, deduz-se que o tecnicismo é a


tendência pedagógica que tem normatizado em grande parte a prática do ensino na educação
56

profissional e tecnológica, e consequentemente, tem orientado a prática do estágio curricular


nos meandros da formação sócio técnica, como verificamos no curso em agroindústria.
Como efeito dessa tendência, tem-se “[...] o parcelamento do trabalho pedagógico com
a especialização de funções, postulando-se a introdução no sistema de ensino de técnicos dos
mais diferentes matizes [...]” (SAVIANI, 2018, p. 11), como também, “[...] a padronização do
sistema de ensino a partir de esquemas de planejamento previamente formulados aos quais
devem se ajustar as diferentes modalidades de disciplinas e práticas pedagógicas” (Ibidem).
Desse modo, a apropriação do conhecimento ocorre de forma isolada no conjunto das
disciplinas do curso, dificultando a compreensão dos estudantes de como a ciência se incorpora
à tecnologia na relação com os instrumentos do processo produtivo agroindustrial, visto que a
prática se apresenta, na percepção dos estudantes, de maneira procedimental às técnicas
empregadas no processo produtivo. Esta visão pragmática acaba, também, comprometendo a
apreensão crítica da realidade escolar e social.
Cumpre notar que nos fundamentos da pedagogia tecnicista a concepção de educação é
dicotômica, e assim, a ação do trabalho pedagógico se baseia na divisão entre teoria e prática,
trabalho intelectual e trabalho manual, apresentando uma estrutura curricular dividida em dois
blocos totalmente autônomos, ou seja, de um lado estão dispostas as disciplinas do núcleo da
base comum (disciplinas propedêuticas) e do outro as disciplinas do núcleo da base técnica
(disciplinas tecnológicas).
Cabe assinalar, tomando esse aspecto divisório entre os blocos curriculares, que na
análise do projeto pedagógico do curso, o núcleo que corresponde à prática educativa do estágio
é disposto organicamente como etapa complementar dissociada dos demais núcleos
estruturantes do currículo. Mais precisamente, podemos dizer que se trata de um núcleo à parte.
Organizado, assim, de forma fragmentada, ou em blocos separados, o currículo não
oferece possibilidades para o planejamento, a problematização e a avaliação da prática
educativa do estágio ainda no acontecer do processo de formação, e, ao contrário, é interpretada
de forma isolada na composição do projeto pedagógico.
Esta forma de organização do currículo faz com que os estágios curriculares tenham um
caráter da “[...] prática pela prática e do emprego de técnicas sem a devida reflexão [...]”
(PIMENTA e LIMA, 2006, p. 9), reforçando com isso, “[...] a ilusão de que há uma prática sem
teoria ou de uma teoria desvinculada da prática [...]” (Ibidem). Isto impede que o
aluno/estagiário tenha a oportunidade de analisar, de refletir, e de reordenar o planejamento
daquilo que irá desenvolver com a prática no percurso do processo educativo, para que desse
57

modo, seja possível dialogar com as disciplinas do currículo, e assim, viabilizar uma
intervenção teórico-prática sobre o processo produtivo do trabalho agroindustrial.
Observa-se, dessa forma, uma visão de prática por um entendimento pragmático-
utilitarista, como resultado do determinismo tecnicista que permeia o trabalho pedagógico nos
limites da educação profissional e tecnológica. A prática, assim, está apartada do sujeito,
exteriorizada do pensamento, da reflexão, da análise, e de uma teoria que a fundamenta, pois,
que se encontra divorciada da práxis humana social. Assim sendo, funde-se na separação do
trabalho intelectual com o trabalho manual, dificultando a compreensão de que “[...] o progresso
do pensamento humano se dá a partir das necessidades práticas do homem, da produção
material de sua existência e expressa o modo pelo qual a teoria e a prática se unem e se fundem
mutuamente” (CANDAU 2005, p.55).
A visão dicotômica própria da concepção tecnicista, de dualidade entre teoria e prática,
é uma herança histórica do modelo taylorista/fordista de produção, que se baseia na divisão
social do trabalho. O modelo da produção em série no menor intervalo de tempo possível,
desenvolvido por Taylor e aplicado por Ford no início da era da industrialização, tornou-se o
modelo de gestão do trabalho na indústria, atendendo às expectativas do sistema capitalista.
Com isso, a ideia da produção elaborada de forma com que cada trabalhador conheça apenas
uma parte do processo de montagem, reproduziu no ambiente escolar, o formato de educação
que atende aos interesses do capital.
A ideia dominante nos sistemas taylorista/fordista é a produção em massa que consiga
aquecer os lucros na economia e enriquecer bem mais o capitalista. De modo contrário, aos
trabalhadores, cabe apenas, gerar a riqueza, da qual não usufrui, em troca de trabalhos
excessivos, baixos salários e doenças ocasionadas pelos movimentos repetitivos no alto grau de
produção em massa de mercadorias.
O modus operandi taylorista/fordista cooptou, então, o processo de educação do
trabalhador, determinando uma formação exclusivamente utilitarista, na qual é necessário
apenas saber fazer. Ao trabalhador, não é permitido interferir no processo de produção,
somente elaborar instrumentalmente a matéria-prima usada. A formação científica e humana
do trabalhador, não é, então, considerada, uma vez que o seu futuro já é determinado pelo
atendimento ao labor no mercado capitalista. Assim, observa-se em relação à prática educativa
do estágio do curso estudado, uma prevalência do saber fazer, e desse modo, se evidencia uma
padronização na reprodução dos procedimentos técnicos instrumentais empregados na
produção agroindustrial.
58

Esta padronização na reprodução de modelos meramente tecnicistas está limitado no


processo histórico que envolve a educação dos trabalhadores na sociedade capitalista brasileira,
como afirma Kuenzer (2000, p.27), como um processo marcado pela dualidade estrutural das
funções intelectuais e instrumentais Desta forma, fica claro que as políticas educacionais no
Brasil, contribuíram para a desarticulação entre teoria e prática ao delinear a fragmentação da
educação e do trabalho pedagógico, reverberando no contexto da prática educativa em sua
totalidade.
59

CAPÍTULO II - O TRABALHO EM GERAL E O TRABALHO AGROINDUSTRIAL


NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-ONTOLÓGICA

2.1 CONCEPÇÃO HISTÓRICO-DIALÉTICA DO TRABALHO EM GERAL

2.1.1 Princípios Ontológicos e Epistemológicos do Trabalho em Geral

Os homens, sujeitos históricos, ao longo da existência, pela atividade na relação com a


natureza, sempre objetivaram os meios de garantia da sobrevivência e da manutenção da
espécie. Para isso, ainda nos primeiros estágios da história humana, usavam a corporalidade
como único recurso imediato com o qual colhiam frutos, arrancavam raízes, matavam animais
e usufruíam da água, o que lhes garantia o atendimento de uma necessidade primária básica –
a da alimentação. Precisaram, no entanto, no tempo histórico, explorar mais e mais o ambiente
natural, passando a construir ferramentas e a domesticar animais que lhes serviam de meios
para um domínio ainda maior sobre a natureza. Nesse processo, produzir os meios de
atendimento das necessidades e manter a vida, consistiria em à condição fundamental para
“fazer história”, e, por conseguinte:

[...] o primeiro pressuposto de toda existência humana, e portanto, também, de toda


história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em condições de viver
para poderem “fazer história”. Mas da vida fazem parte sobretudo comer e beber,
habitação, vestuário e ainda algumas outras coisas. O primeiro ato histórico é,
portanto, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da
própria vida material, e a verdade é que esse é um ato histórico, uma condição
fundamental de toda história, que ainda hoje, tal como há milhares de anos, tem de ser
realizado dia a dia, hora a hora, para ao menos manter os homens vivos [...] (MARX
e ENGELS, 2009, p. 40-41).

Assim, diante dessa perspectiva, pode-se concluir que o processo de relação do homem
com a natureza, é o ato histórico fundamental, no qual o homem produz os meios que lhe
permite satisfazer as suas necessidades, o que significa que a atividade humana, mesmo nas
condições mais remotas da história, é objetivada pela capacidade de transformar os recursos
presentes na natureza. Por intermédio desse primeiro ato histórico, então, o homem se torna
homem, ou seja, um ser com possibilidades de objetivação e de apropriação daquilo que ele
mesmo consegue criar no uso de suas forças corpóreas e espirituais em sua mediação com o
meio natural e com tudo que dele provém.
À medida que a atividade dos homens se expandia, num processo histórico concreto,
mais avançava os limites da produção material e do próprio desenvolvimento como (ser)
humano. E no desenrolar do processo histórico de produção da vida material, as relações sociais
60

mediadas, de tal modo, por meio dos conteúdos culturais, se mantinham como meio do
intercâmbio entre os homens.
Ademais, iam se instituindo outras formas de organização social, as quais se distinguiam
do círculo meramente nuclear/familiar para se constituírem em grupos com fins determinados,
tais como nos grupos destinados à caça, ao plantio, à preparação da moradia, assim por diante.
Todas essas adequações realizadas pelo conjunto dos homens e mulheres transformam,
também, “[...] as condições materiais de vida, tanto as que encontraram quanto as que
produziram pela sua própria ação [...]” (MARX e ENGELS, 2009, p. 23-24).
Continuamente, nos demais estágios históricos, ao alargarem-se as demandas da vida
social, num processo ontologicamente necessário, do qual presume-se o ser humano,
diversamente dos animais, um ser social, capaz de pensar e agir concretamente diante das
necessidades de existência, operava pelos atributos da atividade do trabalho formas mais
adaptadas às condições de vida material quando, “é preciso, pois, ter sempre presente que se
trata de uma transição à maneira de um salto [...]”, “[...]de um nível de ser a outro,
qualitativamente diferente [...]” (LUKÁCS, 1981, p. 34).
Esse salto qualitativo, referido por Lukács, na obra Para uma ontologia do ser social, é
justamente um salto teleológico3, no qual os homens superam a natureza meramente biológica,
para a essência ontológica do ser que é “[...] constituída por essa ruptura com a continuidade
normal do desenvolvimento e não pelo nascimento, de forma súbita ou gradativa, no tempo, da
nova forma de ser [...]” (LUKÁCS, 1981, p. 36). Este é um processo de transição do
desenvolvimento humano. Lukács elucida, numa referência às investigações de Engels, que o
salto ontológico do animal ao homem, se dá pelo fato de que o homem não se encontra
determinado apenas na esfera da vida orgânica, mas, em constante superação de princípio de
forma qualitativa e ontológica.
Ao explicitar essa perspectiva, Lukács cita a analogia feita por Engels, em relação a mão
do macaco em comparação à mão do homem, uma vez que – embora apresentem o mesmo
número de articulações e de músculos e a disposição em geral ser a mesma nos dois casos – a
mão do homem mais atrasado pode realizar operações que nenhum macaco é capaz de imitar,
pois, como observa Lukács, pelas mãos do macaco, em tempo algum, jamais foi produzida a
mais rústica faca de pedra, fato que no homem, ao contrário, é perfeitamente constatado, uma
vez que produz com um objetivo já pensado. Assim, considera-se que “[...] ao produzirem os

3
O termo teleológico advém de Teleologia que é o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou
finalidade. Embora, o estudo dos objetivos possa ser entendido como se referindo aos objetivos que os homens se
colocam em suas ações. Fonte: https://www.conhecimentogeral.inf.br/teleologia/ Acesso em: 12/08/2019.
61

seus meios de subsistência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material. ”
(MARX e ENGELS, 2009, p.24).
Na ação de produção da vida material, os homens, então, não agem instintivamente
como ocorre com os animais. O homem, embora seja um ser vivo cuja existência prescinda da
sua organização biológica, age mais pela capacidade de incorporar experiências e
conhecimentos produzidos e transmitidos pelas gerações, o que “[...] pressupõe, por sua vez,
um intercâmbio [Verkehr] dos indivíduos entre si. [...]” (Ibidem, p. 25), e nesse aspecto, a forma
de relação/intercâmbio entre os homens “[...] é, por sua vez, requerida (bedingt) pela produção”
(Ibidem), num processo de mediações sócio-histórico-cultural, o que permite às novas gerações
avançar do ponto de partida daquelas que as precederam.
Nesse sentido, chega-se à conclusão de que a ação humana não é biologicamente
determinada. Esta ação diferencia-se substancialmente da atividade dos animais, por mais
elaboradas que possa ser a atividade animal, haja vista, a construção de habitats naturais como
no caso das colmeias das abelhas, das teias das aranhas ou das casas do joão-de-barro, e mesmo
na arquitetura organizada dos formigueiros, por exemplo. Esta atividade nos animais é instintiva
pelo fato de que produzem sempre da mesma forma e num ciclo de desenvolvimento peculiar
à espécie, numa ação pré-estabelecida biologicamente. A atividade do homem na natureza, de
forma contrária, acontece mais por uma apropriação útil da matéria natural para alcance da
satisfação de suas necessidades, à medida que estas se apresentam, e sempre de uma maneira
própria ao atendimento de cada necessidade específica.
Assim, a ação do homem na natureza, propriamente, se dá por um processo intencional
de representação social daquilo que para atender uma determinada necessidade, é idealmente
concebido. Isto, porém, não significa que ao agir, o homem se limite, tão somente, a alterar um
elemento natural, determinando-o apenas pela força de uma lei física-orgânica, mas sim,
subordinando-o à sua vontade, a uma manifestação do campo da sua ideação mental.

Os homens são produtores das suas representações, ideias etc., mas os homens reais,
os que realizam [die wirklichen, wirkenden Menschen], tal como se encontram
condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e
pelas relações [Verkehrs] que a estas corresponde até as suas formações mais
avançadas. (MARX e ENGELS, 2009, p. 31).

Os homens, assim, se diferenciam dos animais por sua consciência, ideias, crenças e por
muitas outras coisas, porém, eles só “[...] começam a distinguir-se dos animais assim que
começam a produzir os seus meios de subsistência [...]” (Ibidem, p. 24). Com isso, é possível
constatar que a atividade dos homens em relação a dos animais não se distingue no atendimento
de meras necessidades biológicas, como a da alimentação e a da habitação, porquanto, os
62

animais, à maneira de cada espécie, suprem estas mesmas necessidades, mas sim porque ao
transformar a natureza, imprimem a marca da atividade humana sobre a mesma, e vão no
processo de produção da existência, no plano de suas ideias, humanizando-a, fazendo história
e produzindo cultura.
Nesse ponto, objetivando maior compreensão do processo de humanização, tomamos as
afirmações de Ferreira (2017), com base em Marx, quando este coloca que “[...] o homem em
processo de hominização salta qualitativamente quando passa a realizar essa prática ou
produção como ação consciente (humanizada), orientada a finalidades, portanto, como
trabalho (grifo nosso), uma atividade prática num patamar superior [...]” (FERREIRA, 2017,
p. 250). Este seria, então, o salto ontológico necessário que ocorre “[...] na medida em que a
atuação criadora que o homem exerce na natureza é dirigida pela ideia que já foi capaz de
formar a respeito dela, dos objetos, forças e fenômenos que a compõem, a ideia aparece como
bem de produção” (ÁLVARO PINTO Álvaro Apud FERREIRA, 2017, p. 250-251).
Ao produzir os meios de satisfação de suas necessidades, e humanizarem-se, os homens
objetivam-se na transformação que operam na natureza, ou seja, imprimem uma marca (ideia,
finalidade) na atividade por eles realizada. “[...] Por sua vez, essa atividade humana objetivada
passa a ser também objeto de apropriação pelo ser humano, isto é, ele deve apropriar-se daquilo
que de humano ele criou [...]” (DUARTE, 2008, p. 25). Desse modo, “[...] tal apropriação gera
nele necessidades humanas de novo tipo, que exigem nova atividade, num processo sem fim”
(Ibidem). Newton Duarte, nesse sentido, argumenta que:

A diferença entre a produção animal e a produção humana evidencia-se claramente


quando se analisa, por exemplo, a atividade de produção de instrumentos. [...]. Um
instrumento é não apenas algo que o homem utiliza em sua ação, mas algo que passa
a ter uma função que não possuía como objeto estritamente natural, uma função cuja
significação é dada pela atividade social. O homem cria novo significado para o
objeto. (Ibidem).

Duarte, assim, ratifica que essa nova significação do objeto não acontece de forma
arbitrária, primeiramente “[...] porque o homem precisa conhecer a natureza do objeto para
poder adequá-lo às suas finalidades [...]” (Ibidem), e para isso, precisa conhecer a lógica natural
do objeto para que este possa ser posto na “lógica” da atividade humana e transformado, e em
segundo lugar, “[...] porque um objeto só pode ser considerado um instrumento quando possui
uma função no interior da prática social [...]” (Ibidem, p. 26), mesmo que este objeto só seja
usado tempos depois da sua invenção, pelo fato de que no momento em que foi criado, ainda
não havia condições para que a prática social o incorporasse.
63

Desse mesmo modo, no processo de produção de existência, os homens não só se


apropriam dos objetos naturais, mas, os transformam em instrumentos com função determinada,
idealizada previamente. Ao produzirem sua existência, os homens desenvolvem
conhecimentos, valores, crenças e uma série de outros sistemas e operações, resultantes de suas
ideações e das representações sociais, como as leis, a política, a religião, entre outras coisas.
Ainda assim, como afirmam Marx e Engels, “[...] a diferente configuração dada à vida material
depende sempre, naturalmente, das necessidades já desenvolvidas, e tanto a criação quanto
satisfação dessas necessidades são, elas próprias, um processo histórico [...]” (MARX e
ENGELS, 2009, p. 100), o mesmo não ocorrendo com os animais, desde quando os animais são
apenas produtos de um processo histórico.
Desse modo, emergem as bases ontológicas do trabalho. Karl Marx, em O Capital,
fornece as bases da ontologia do trabalho:

O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este


em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo
com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como uma potência natural
[Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural de uma forma útil para sua
própria vida, ele põe em movimento as forças naturais pertencentes a sua
corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos. Agindo sobre a natureza externa
e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua
própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o
jogo de suas forças a seu próprio domínio [...] (MARX, 2017, p. 255).

No processo de objetivação entre o homem e a natureza, os homens se fazem homens,


e se distinguem dos demais seres vivos, pois, tanto planejam a atividade a ser executada –
pensam sobre ela – como objetivam os instrumentos de que precisam para garantirem a
existência. Os instrumentos, por sua vez, enquanto elementos objetivados da necessidade, são
conscientemente idealizados muito bem antes que os homens se coloquem a produzi-los,
demonstrando se tratar de um processo educativo, “[...] mesmo quando essa educação se realiza
de forma espontânea, isto é, quando não há a relação consciente com o processo educativo que
está se efetivando no interior de uma determinada prática social [...]” (DUARTE, 2008, p. 33).
Presume-se, assim, portanto, que a ação humana é engendrada pela capacidade de
raciocínio, de planejamento, de abstração e de propriedade intelectual. Mas, sobretudo, é
potencialmente elaborada no intercâmbio das relações sociais. Assim, o processo da produção
da existência humana decorre das reciprocidades humano-históricas-sociais, e mediado pelas
elaborações conscientes dos homens no conjunto da prática social. Neste processo, os resultados
são imanentes da representação do trabalhador no início do processo e determinados pelo
64

modo de sua atividade com a força de uma lei, como referido por Marx (2017, p. 256), em O
capital.
Na base dos processos de relações da prática social, determinando as formas de
interação com a natureza, está a atividade central da existência humana – o trabalho.
Historicamente, em todas as formas de sociedade, o trabalho é o elemento fundamental na
constituição do ser social. Assim sendo, o trabalho – ato de relação do homem com a natureza
e com os outros homens – se inscreve na história da humanidade por sua essencialidade
enquanto atividade vital de objetivação da produção material necessária à manutenção da vida
humana.
Contudo, tomar a categoria trabalho para efeito de análise, pressupõe apreender-lhe os
sentidos e significados no processo histórico, bem como, presumir que a sua análise deve
assentar-se numa base epistemológica cujos fundamentos filosóficos e sociológicos permitam
uma compreensão objetiva de suas determinações na totalidade da práxis humana social, pois
que, “o trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em
que o homem, por sua própria ação, medeia, regula, e controla seu metabolismo com a natureza.
[...]” (MARX, 2017, p. 255).
Isso significa, como se pode deduzir em Marx, que o trabalho possui uma essencialidade
para a existência humana, uma vez que Marx parte do pressuposto do trabalho por uma forma
que diz respeito unicamente ao homem. Constata-se, assim, pelo conceito dialético-crítico
construído por Marx, o sentido do trabalho como atividade elementar de toda objetividade da
práxis humana-social. Esse sentido, vai determinar, então, o caráter ontológico que tem o
trabalho:

Considerando que nos ocupamos do complexo concreto da socialidade como forma


de ser, poder-se-ia legitimamente perguntar por que, ao tratar desse complexo,
colocamos o acento exatamente no trabalho e lhe atribuímos um lugar tão privilegiado
no processo e no salto da gênese do ser social. A resposta, em termos ontológicos, é
mais simples do que possa parecer à primeira vista: todas as outras categorias dessa
forma de ser têm já, em essência, um caráter puramente social; suas propriedades e
seus modos de operar somente se desdobram no ser social já constituído; quaisquer
manifestações delas, ainda que sejam muito primitivas, pressupõem o salto como já
acontecido. Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter
de transição: ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e
natureza, tanto inorgânica (ferramenta, matéria-prima, objeto do trabalho etc.) como
orgânica, inter-relação que pode figurar em pontos determinados da cadeia a que nos
referimos, mas antes de tudo assinala a transição, no homem que trabalha, do ser
meramente biológico ao ser social. Com razão, diz Marx: “Como criador de valores
de uso, como trabalho útil, o trabalho é, assim, uma condição de existência do homem,
independente de todas as formas sociais, eterna necessidade natural de mediação do
metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana” (LUKÁCS, 1981,
p. 35).
65

Aqui Lukács, nos fornece conclusões precisas sobre a essencialidade do trabalho. A


importância ontológica do trabalho é demonstrada na própria humanização do homem e, por
isso, cabe o entendimento de que “[...] a essência do trabalho humano consiste no fato de que,
em primeiro lugar, ele nasce em meio à luta pela existência e, em segundo lugar, todos os seus
estágios são produto de sua autoatividade [...]” (LUKÁCS, 1981 p. 34). Por essa razão, o
trabalho se configura como o salto ontologicamente necessário no ser humano, isto é, como
categoria essencial da construção e transformação da vida, da sociedade e da história dos
homens.
Nota-se, do mesmo modo, em outros estudos que se ocupam da análise criteriosa da
obra marxiana, a conclusão da essência do trabalho na vida humana. Nesse aspecto, tomamos
uma citação de Andery e al, quando da análise do pensamento de Marx:

[...] para Marx, a base da sociedade, assim como a característica fundamental do


homem, está no trabalho. É do e pelo trabalho que o homem se faz homem, constrói
a sociedade, é pelo trabalho que o homem transforma a sociedade e faz a história. O
trabalho torna-se categoria essencial que lhe permite não apenas explicar o mundo e
a sociedade, o passado e a constituição do homem, como lhe permite antever o futuro
e propor uma prática transformadora ao homem, propor-lhe como tarefa construir uma
nova sociedade (ANDERY e AL., 1996, p. 401).

Assim, desse modo, Marx em O capital (2017), elucida que no trabalho de


transformação da natureza, o homem se transforma a si próprio, diferenciando-se, com isso, dos
outros seres vivos. É no processo de objetivação do trabalho que o homem submete o jogo de
suas forças a seu próprio domínio por uma finalidade pretendida, previamente pensada, e
assim, objetiva o seu processo de humanização. No trabalho de transformação da natureza, o
homem, força de trabalho em ação, se transforma, apropriando-se conscientemente dos
elementos naturais para suprir suas necessidades.
O homem, assim, confronta-se com a matéria natural, igualmente como uma potência
natural, uma vez que ao apropriar-se da matéria natural de uma forma útil para própria vida,
movimenta as forças naturais pertencentes a sua corporeidade. Desse modo, “[...] agindo
sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo
tempo, sua própria natureza. [...]” (MARX, 2017, p. 255), desenvolvendo as potências que nela
jazem latentes, e as submetendo ao jogo das forças que ele próprio domina.

Por isso precisamente é só na elaboração do mundo objetivo que o homem se afirma


realmente como um ser genérico. Essa produção é sua vida genérica ativa. Mediante
ela aparece na natureza como sua obra e sua realidade. O objeto do trabalho é, por
isso, a objetivação da vida genérica do homem, pois este se desdobra não só
intelectualmente, como na consciência, mas ativa e realmente, e se contempla a si
66

mesmo num mundo criado por ele. (MARX, 1985, p. 112 apud SAVIANI e
DUARTE, 2015, p. 21).

É nesse sentido que Marx atribui o trabalho à generalidade da existência humana. Ao


elaborar o mundo objetivo, a dimensão consciente e predominantemente social impressa no
trabalho humano, faz do homem um ser genérico, pois, que o homem cria e recria a realidade
material. O trabalho se constitui, assim, um processo de hominização dos homens,
considerando-se que não se produz nada na inatividade, seja na forma orgânica ou inorgânica.
O trabalho é, desta forma, ontologicamente, o valor útil de produção da vida, em sua totalidade.
Numa síntese sobre o sentido ontológico que é atribuído ao trabalho na obra marxiana,
tomamos os enunciados de Lukács (1981) e de Saviani (2007), respectivamente:

O trabalho é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza,


tanto inorgânica (utensílios, matéria-prima, objeto do trabalho, etc.) como orgânica
(...), mas antes de tudo assinala a passagem, no homem que trabalha, do ser meramente
biológico ao ser social (LUKÁCS, 1981, p. 14).
Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades
humanas é o que conhecemos com o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a
essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada ao homem;
não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem.
Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem
é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se
desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo
histórico. (SAVIANI, 2007, p. 154).
Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural, mas
tem de ser produzida pelos próprios homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso
significa que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce
sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa
aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao
mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da
educação coincide, então, com a origem do homem mesmo (Ibidem).

Todavia, o entendimento do conceito de ontologia, também, requer uma possível


explicitação em relação à questão semântica do termo. Em seu sentido etimológico, a ontologia
é o estudo do ser. Em termos filosóficos, remete a concepção da metafísica aristotélica sobre a
generalidade do ser em sua existência, enquanto um ser4. No materialismo histórico dialético,
conforme as elucidações fornecidas por Ciavatta (2019), postas aqui de forma resumida,
destaca-se a contribuição dada por Lukács, ao atribuir ao termo ontologia um conceito dialético,
a partir dos estudos empreendidos em Hegel e Marx. Assim, Ciavatta esclarece que:

Enquanto na metafísica, o ser é, e não pode não ser ao mesmo tempo, na dialética, o
ser é e não é ao mesmo tempo, porque constitui-se no movimento, na permanente
transformação. A concepção ontológica do ser social, presente na obra de Marx, mas

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Definição da página Oxford Languages. Acesso em 22.10.2020.
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não claramente teorizada, tem em Lukács uma demorada e complexa elaboração. É


uma concepção de ontologia histórico-materialista. Falar sobre a ontologia do ser
social, é dizer como o ser humano se constitui enquanto tal (CIAVATTA, 2019, p.
17).

Lukács, segundo enfatiza Ciavatta (2019), dá destaque para a presença da consciência,


do pôr teleológico, para explicitar a ideação que está presente em toda ação humana, e nesse
sentido, “[...]o animal tornado homem através do trabalho, como um ser que dá respostas”
(CIAVATTA, 2019, p. 17). A ontologia do ser social, assim, implica na dialética da liberdade
e da necessidade: “Precisamente, essa ligação do reino da liberdade com sua base sociomaterial,
com o reino da necessidade, mostra como a liberdade do ser humano seja o resultado de sua
própria atividade” (LUKÁCS, 1978, p. 15, apud CIAVATTA, 2019, p. 17). “É uma concepção
ancorada na categoria da totalidade, nas mediações e nas múltiplas determinações sociais que a
constituem” (Ibidem).
Já em relação à menção feita a respeito do reino da liberdade, temos na explicitação
dada por Karel Kosik (1995), o sentido dialético, ao postular que “a liberdade não é um estado;
é uma atividade histórica que cria formas correspondentes de convivência humana, isto é, de
espaço social” (KOSIK, 1995, p. 240).
Da análise a respeito da ontologia do trabalho, a partir dos estudos em Marx, pode-se
concluir pela essencialidade do trabalho para a existência humana, como um atributo próprio
da constituição física e espiritual dos homens em suas relações com a natureza. Tem-se, então,
que os homens em sentido genérico produzem a existência no próprio ato de produzi-la,
relacionando-se com a natureza e relacionando-se entre si. Com isso, também, conclui-se que
a realidade material, assim como, a essência humana, são consequência do trabalho, construídas
no processo histórico pelas apropriações oriundas das interações sociais, o que faz do trabalho,
de modo geral, não apenas um ato de garantia da sobrevivência, mas, fundamentalmente, um
ato ontoeducativo.
Marx, porém, na objetivação concreta do seu método da economia política, pensando
o trabalho dialeticamente, como atividade essencialmente humana, apreende-lhe a estrutura
ontológica – elemento de produção da existência, de relações sociais e aprendizado –
deslocando-o de uma práxis fragmentária e unilateral, própria das ideias que se baseiam na
divisão do trabalho e na divisão da sociedade em classes – burguesia e proletariado – como se
depreende do modo de organização social sob o regime capitalista.
Marx, chegou à conclusão da importância ontológica-social do trabalho a partir da
análise da forma como a sociedade do capital é organizada e da forma como o sistema de
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produção capitalista se apropria do trabalho. Na sua análise criteriosa e aprofundada sobre a


sociedade capitalista – pelo método histórico dialético – Marx constatou que o trabalho, termo
historicamente determinado, indica a condição da atividade humana no que denomina como
economia política, ou seja, “[...] a sociedade fundada sobre a propriedade privada dos meios de
produção e a teoria ou ideologia que a expressa” (MANACORDA, 2017, p. 56).
Nesse sentido Manacorda, chama a atenção para o fato de que em Marx, “[...]a
expressão trabalho, tanto significando atividade do trabalhador quanto indicando o produto
dessa atividade, não goza, como se diria, de boa reputação [...]” (Ibidem, p. 55). Fato este,
segundo Manacorda, no qual Marx foi contrário e mesmo reprovou a Hegel, de quem tinha sido
inicialmente um seguidor, mas do qual apartou-se da lógica idealista que vê no trabalho apenas
os aspectos positivos. Desse modo, em sua profunda análise filológica da obra marxiana,
Manacorda nos mostra que:

Na condição descrita pela economia política, o trabalho, enquanto exatamente


princípio da economia política, é a essência subjetiva da propriedade privada e está
frente ao trabalhador como propriedade alheia, a ele estranha, é prejudicial e nociva;
ainda mais, sua própria realização aparece como privação do operário, pois, na medida
em que a economia política oculta a alienação que está na essência do trabalhador, a
própria relação da propriedade privada contém o produzir-se da atividade humana
como trabalho e, portanto, como uma atividade humana completamente estranha a si
mesma, completamente estranha ao homem e à natureza e, assim, à consciência e à
vida (MANACORDA, 2017, p. 56).

Assim, vemos que o trabalho, sob a perspectiva da economia política na propriedade


privada, é alienado e perde a essencialidade, convertido em atividade estranhada e de
expropriação da existência humana. Desta forma, na sociedade de classes, o trabalho é
subsumido a uma condição estranha na separação da atividade ao próprio homem como força
de trabalho em potência.
Marx, no início de sua explanação sobre o processo de trabalho e o processo de
valorização no capítulo V de O capital, observa que “a utilização da força de trabalho é o
próprio trabalho ” (MARX, 2017, p. 255). Desse modo, o trabalho é objetivado pela ação da
força impulsionadora que o detém, ou seja, pelo trabalhador. No entanto, o comprador da força
de trabalho – capitalista – a consome e faz com que o seu vendedor – trabalhador – trabalhe,
incorporando o trabalho em mercadorias.
Marx, porém, nos explica que “[...] um incomensurável intervalo de tempo separa o
estágio em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de
trabalho daquele em que o trabalho humano ainda não se desvencilhou de sua forma instintiva
[...]” (Ibidem). Nessa compreensão, Marx demonstra que no processo histórico, o trabalho não
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só se diferencia da atividade animal, mas, foi se transformando em objeto do qual o capitalista


se apropriou, comprando-lhe tanto o processo de execução como os seus fatores objetivos, os
meios de produção, e a força de trabalho, ou seja, comprando o próprio trabalhador:

[...] com o olhar arguto de um experto, ele selecionou a força de trabalho, e os meios
de produção adequados a seu negócio, seja ele a fiação, seja a fabricação de botas etc.
Nosso capitalista põe-se, então, a consumir a mercadoria por ele comprada, a força de
trabalho, isto é, faz com que o portador da força de trabalho, o trabalhador, consuma
os meios de produção mediante seu trabalho [...] (MARX, 2017, p. 262).

No processo de trabalho, o produto gerado pelo trabalhador deveria ser um valor de uso
seu particular, do qual pudesse usufruir, uma vez que despendeu tempo e esforço na
transformação da matéria-prima, objeto do seu trabalho. Porém, este valor de uso sofre o
controle do capitalista que faz o trabalhador produzir um valor de troca, gerando com isso, uma
“mais-valia”, isto é, um produto a ser consumido e que será convertido em lucro para o
comprador da força de trabalho.
Entender este processo, pressupõe uma compreensão das relações sociais sobre o regime
capitalista, o que permite em seus desdobramentos, entender a forma com que o capital se serve
do trabalho humano e a forma pela qual reproduz a divisão social do trabalho na sociedade de
classes.
Na obra A Dialética do Trabalho, Ricardo Antunes (2013), ao tratar a relação social na
produção capitalista, coloca que “[...] se, por um lado, podemos considerar o trabalho como um
momento fundante da vida humana, ponto de partida do processo de humanização, por outro, a
sociedade capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado [...]
(ANTUNES, 2013, p. 8). Antunes, aponta que o que era uma finalidade central do ser social é
convertido no capitalismo como meio de subsistência, pois, a “força de trabalho”, conceito-
chave em Marx, é transformada numa mercadoria, com a finalidade de criar novas mercadorias
e valorizar ainda mais o capital, convertendo, assim, o trabalho em um meio, e não em primeira
necessidade humana.
De acordo com ANTUNES (2013, p. 8), Marx vai afirmar, nos Manuscritos
econômico-filosóficos, que o trabalhador se declina a uma mercadoria, tornando-se um ser
estranho, se tornando por isso, “um meio da sua existência individual” (ANTUNES, 2013, p.
8). O que era para ser fonte de humanidade se transfigura em “desrealização do ser social”
(Ibidem), também, em alienação e estranhamento dos trabalhadores – homens e mulheres –
subjugados a venderem sua força de trabalho. “[...] E esse processo de alienação do trabalho
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não se efetiva apenas na perda do objeto, no produto do trabalho, mas também no próprio ato
de produção, que é resultado da atividade produtiva já alienada [...]” (Ibidem).
No processo de alienação, submetido aos ditames do capitalismo, o trabalhador não se
realiza na atividade do trabalho, apenas se degrada, e não se reconhece, apenas se recusa e se
desumaniza:

O trabalho, como atividade vital, se configura então como trabalho alienado,


expressão de uma relação social fundada na propriedade privada, no capital e no
dinheiro. Alienado frente ao produto do seu trabalho e frente ao próprio ato de
produção da vida material, o ser social torna-se um ser estranho frente a ele mesmo:
o homem estranha-se em relação ao próprio homem, tornando-se estranho em relação
ao gênero humano, como também nos mostrou Marx. (ANTUNES, 2013, p. 9).

Dessa forma, o trabalho é estranho ao homem porque no processo de alienação o


trabalho já não pertence à sua essência, e assim, é subsumido como algo apartado do seu
domínio, do qual só se aproxima exteriormente. À medida que o homem precisa vender sua
força de trabalho, passa a enxergar o comprador (capitalista) como dono real da sua atividade,
ao qual se submete e se deixa explorar. Nisso se efetiva a alienação do trabalho.
Marx (2017, p. 262), assim, destaca que o processo de trabalho sob a forma de produção
capitalista, se revela em dois fenômenos peculiares: no primeiro, o capitalista tem controle
sobre o trabalhador, de quem verifica se o trabalho está sendo realizado corretamente e se os
meios de produção são utilizados de forma apropriada para que sejam bem conservados e não
haja o desperdício da matéria-prima usada na produção; no segundo, o produto produzido pelo
trabalhador não pertence a este, mas ao capitalista, que também detém-lhe o trabalho. Por essa
forma, o trabalho se exterioriza do trabalhador, causando-lhe estranhamento.
Sobre a questão do trabalho se tornar estranho ao trabalhador na propriedade privada,
Marx nos Manuscritos econômicos-filosóficos, entre outras coisas, destaca que:

[...] o trabalho é externo (äusserlich) ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser,
que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente
bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas
mortifica sua physis e arruína o seu espírito. O trabalhador só se sente, por conseguinte
em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no
trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O
seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho
não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer
necessidades fora dele. Sua estranheza (Fremdheit) evidencia-se aqui [de forma] tão
pura que, tão logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como
de uma peste. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um
trabalho de auto sacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade
(Äusserlichkeit) do trabalho aparece para o trabalhador como se [o trabalho] não fosse
seu próprio, mas de um outro, como se [o trabalho] não lhe pertencesse, como se ele
no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um outro [...] (MARX, 2004, p. 82-
83).
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Mediante o entendimento que Marx nos fornece a respeito do trabalho se tornar objeto
estranho ao seu produtor (trabalhador), constatamos que o processo da alienação, ou seja, da
percepção de exteriorização do trabalho, tem como epicentro a interferência do capitalista.
Marx (2017, p. 262), nos mostra que o capitalista, como comprador da força de trabalho,
incorpora o próprio trabalho, como um fermento vivo, tanto apossando-se deste como do seu
produto.
Esta usurpação do trabalho alheio pelo capitalista, se constitui, então, numa grande
contradição, tanto pelo fato do trabalho em seu processo advir essencialmente do trabalhador
como pelo fato do produto derivado do mesmo ser a objetivação do trabalho, e assim, não ter
em essência, nenhuma relação de dependência de labor do capitalista, o qual na maior parte das
vezes, só fornece os meios (instrumentos) de execução, porém, sempre se apossa do produto
gerado e da força de trabalho, subsumida a uma mercadoria comprada pelo capitalista.
É por esta razão que Manacorda (2017), referiu que em Marx, não se encontra boa
reputação para o trabalho, pois, que este é um termo historicamente determinado, indicando a
condição de atividade humana denominada de economia política – propriedade privada dos
meios de produção – como atividade subsumida pela divisão do trabalho, como trabalho
assalariado, produtor de capital, e, portanto, uma atividade que na propriedade privada converte
o trabalhador num ser unilateral e incompleto.
A subsunção do trabalhador pelo capitalista, é de forma tal, que no processo de
valorização do trabalho, didaticamente explicado por Marx em O capital (Tomo I), configura-
se metodologicamente a processualidade da apropriação do trabalho pelo capital. Marx, aponta
que: “o produto – a propriedade do capitalista – é um valor de uso, como o fio, as botas, etc...
Mas, apesar de as botas, por exemplo, constituírem, de certo modo, a base do progresso social
e nosso capitalista ser um “progressista” convicto, ele não as fabrica por si mesmo [...]”
(MARX, 2017, p. 263).
Na produção de mercadorias, como explica Marx, “[...] os valores de uso só são
produzidos porquê e na medida em que são o substrato material, os suportes do valor de troca
[...]” (Ibidem), ou seja, o capitalista quer produzir um artigo destinado à venda – uma
mercadoria – e esta mercadoria terá que possuir um valor maior que a soma das mercadorias
requeridas para sua produção, não deixando de considerar, também, o valor dos meios de
produção e da força de trabalho, uma vez que a pretensão do capitalista é “[...] produzir não só
um valor de uso, mas uma mercadoria; não só valor de uso, mas valor, e não só valor, mas
também mais-valor.” (Ibidem).
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No decorrer da explicação sobre o processo de valorização do trabalho, sob o ponto de


vista do capitalista, Marx, ainda, adverte que a produção de mercadorias é apenas um aspecto
do processo, considerando que “[...] como a própria mercadoria é uma unidade de valor de uso
e valor, seu processo de produção tem de ser a unidade de processo de trabalho e o processo de
formação de valor” (Ibidem), assim como, explica o processo de produção como um processo
de formação de valor, no qual quantidade de trabalho e tempo de trabalho são quesitos
indispensáveis na visão do capitalista para garantia da mais-valia:

Sabemos que o valor de toda mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho


materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário à
sua produção. Isso vale também para o produto que reveste para nosso capitalista
como resultado do processo de trabalho. A primeira tarefa é, portanto, calcular o
trabalho objetivado nesse produto (MARX,2017, p. 263-264).

No cálculo do trabalho que foi objetivado no produto, de acordo com Marx, tanto o
valor da força de trabalho e a sua valorização no processo de trabalho, são tidas pelo capitalista
como duas grandezas distintas, com as quais se baseia quando compra a força de trabalho para
que obtenha o mais-valor sobre a mercadoria. E como resultado disso, Marx salienta que “[...]
o vendedor da força de trabalho, como vendedor de qualquer outra mercadoria, realiza seu valor
de troca e aliena seu valor de uso [...]” (MARX, 2017, p. 270).
Dessa forma, o valor de uso da força de trabalho, que é o próprio trabalho, deixa de
pertencer ao seu vendedor (trabalhador), do mesmo modo, que o valor de uso, também, não
pertence ao comerciante que vendeu a mercadoria produto do trabalho. O valor de uso, como
esclarece Marx, irá pertencer ao possuidor de dinheiro (capitalista), que pagou por uma jornada
da força de trabalho. Ao final de todo esse processo, a esperteza do capitalista, como dito por
Marx, teve o efeito que este almeja, pois, o dinheiro empregado na compra do valor de uso da
força de trabalho, isto é, do trabalho propriamente dito, se converteu em capital.
Esse movimento de conversão do dinheiro em capital é pormenorizado por Ricardo
Antunes, que o analisa a partir de O capital da seguinte forma:

O capitalista, ao transformar dinheiro em mercadorias, que servem de matérias


constituintes de um novo produto ou de fatores do processo de trabalho, ao incorporar
força de trabalho viva à sua objetividade morta, transforma valor, trabalho passado,
objetivado, morto, em capital, em valor que se valoriza a si mesmo, um monstro
animado que começa a “trabalhar” como se tivesse amor no corpo (ANTUNES, 2013,
p. 54).

E ainda, expõe que:


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O valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade total de trabalho nela


contida. Mas uma parte dessa quantidade de trabalho representa um valor pelo qual
foi pago um equivalente em forma de salários; outra parte está realizada num valor
pelo qual nenhum equivalente foi pago. Uma parte do trabalho incluído na mercadoria
é trabalho pago; a outra parte, trabalho não pago. Logo, quando o capitalista vende a
mercadoria pelo seu valor, isto é, como cristalização da quantidade total de trabalho
nela aplicado, o capitalista deve forçosamente vendê-la com lucro. Vende não só o
que lhe custou um equivalente como também o que não lhe custou nada, embora haja
exigido o trabalho do seu operário [...] (Ibidem, p. 78).

Vê-se, então, a partir da compreensão desse processo de alienação do trabalho, que não
causa estranheza a forma com que o capitalista se apossa da força de trabalho e consegue através
disso, explorá-la, além de adquirir a riqueza da qual nada produziu. Marx e Engels, aliás, na
obra A Ideologia Alemã, antes mesmo de fazerem qualquer menção ao trabalho como produtor
da existência humana, tratam sobre as condições materiais de vida dos indivíduos, abordando
sob este aspecto que “[...] aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições
materiais da sua produção” (MARX e ENGELS, 2009, p. 250). Nesta abordagem, um dos
aspectos mais evidenciados das relações de produção, é a divisão do trabalho – processo de
determinação da propriedade privada.
Sobre a divisão do trabalho, Marx e Engels (2009), analisam as formas de propriedade
privada desde a fase mais tribal, passando para a fase comunal, em que várias tribos se reúnem
por meio de acordos, chegando na propriedade feudal. Porém, demonstra as contradições dessa
forma de organização das sociedades, a começar pela estratificação social de classes, e pelos
interesses de dominação dos indivíduos de classes mais abastadas, que subjugam os indivíduos
despossuídos da propriedade privada, sem contar nos indivíduos escravizados, que nem mesmo
recebem um salário mal pago pelo tanto que produzem, apenas servem obrigatoriamente seus
senhores, enriquecendo-os com o suor do trabalho.
É, portanto, por conta dessas contradições, que Manacorda (2017) se refere ao sentido
negativo do conceito de trabalho na obra de Marx. Nesse aspecto, Manacorda diz que este
sentido negativo vai se determinando pouco a pouco em Marx, e mais precisamente, como
trabalho assalariado, produtor de capital pela supressão da figura social particular, ou seja, a
figura do trabalhador, produto da história humana, o qual perde o caráter voluntário, consciente
e universal da sua atividade, com a qual domina os objetos naturais transformando-os em
valores de uso, mas que está em oposição com sua própria condição humana, “[...] na qual o
homem não domina, mas é dominado, não é indivíduo total, mas membro unilateral de uma
determinada esfera (classe etc.) e vive, em suma, no reino da necessidade, mas não ainda no da
liberdade” (MARX, 1958, p. 51 e 73 Apud MANACORDA, 2017, p. 60).
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Podemos, então, verificar como declara Manacorda (2017), que a divisão do trabalho
na sociedade capitalista fragmentou o homem e a sociedade humana. Esta, porém, tem sido a
forma histórica na qual o trabalhador desenvolve sua atividade vital e a sua relação-domínio
sobre a natureza. Todavia, Manacorda (2017, p.61), explica que este tem sido um processo
contraditório frente ao capital, que é trabalho objetivo, contudo, como força estranhada e
alienada, a qual apenas empobrece o trabalhador, enquanto força criativa do seu trabalho,
passando a constituir-se frente a ele, como força do capital, quer dizer, como “potência
estranha”, e o trabalhador, assim, “se aliena do trabalho como força produtiva da riqueza”
(MANACORDA, 2017, p.61).
Nisso, temos um grande nexo de antinomia relacionada à riqueza produtiva do trabalho.
Manacorda (2017), em referência a isso, nos diz que “[...] todo aumento das forças produtivas,
enriquecem o capital e não o trabalho, acrescentam apenas o poder que domina o trabalho, e
daí decorre, como processo necessário, que suas próprias forças se coloquem perante os
trabalhadores como estranhas [...]” (Ibidem).
Para clarificar pouco mais a questão, recorremos mais uma vez às análises de Ferreira
(2017), quando este nos explica com base em Heller, de acordo com o pensamento de Marx,
que:

O homem rico é, ao mesmo tempo, o homem ‘necessitado’ de uma totalidade de


exteriorização vital humana, mas, contraditoriamente, a rica necessidade humana na
sociedade capitalista se expressa como riqueza material e, miséria humana, pois, como
afirmou o autor, “[...] a propriedade privada não sabe fazer da necessidade bruta
necessidade ‘humana’, “apesar da quantidade de riqueza material que produz (MARX
apud HELLER apud FERREIRA, 2017, p. 251).

A categoria riqueza em relação a atividade humana produtiva, segundo Ferreira (2017),


tem na obra de Marx, muita expressividade, pela universalidade com que esta se apresenta na
sociedade capitalista, e pelo fato de que se tem na mercadoria a determinação da riqueza,
porém, de forma contraditória à riqueza universal nos moldes da produção capitalista. Ferreira,
demonstra que “[...] na sociedade capitalista a riqueza aparece como riqueza para uns poucos e
miséria para muitos, quer dizer: a mercadoria expressa em sua forma a riqueza humana e a
riqueza material e, miséria humana. Assim, a rica necessidade humana entra em contradição
com a riqueza material e, miséria humana na sociedade capitalista “ (FERREIRA, 2017, p. 252).
Retomando na análise do trabalho como fonte de riqueza, vê-se que este é convertido
em relação à condição de riqueza universal, e de forma contrária, permanece degradado, como
força estranha ao homem (trabalhador), que apenas despende suas forças, mas que entrega no
produto final (mercadoria) os ganhos materiais ao comprador (capitalista) de sua força, ficando
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apenas com a miséria material gerada no processo. Fica instituída por essa forma, a alienação
do trabalho. O trabalho não é, então, nestes moldes, fonte de riqueza universal, potência natural
de satisfação de necessidades, é simplesmente fonte de estranhamento ao trabalhador, e com
isso, perde-se em essência.
Dada a forma do processo de alienação do trabalho na sociedade capitalista,
concordamos com Ferreira (2017), quando este nos mostra que:

Na sociedade capitalista, – expressão social mais complexa e contraditória do


desenvolvimento da luta de classes – o processo de alienação gerou alterações
substanciais nos significados e sentidos das atividades humanas. A mudança nas
condições de produção (ações/operações) gerou uma alteração na necessidade-
finalidade da atividade produtiva antes em desenvolvimento. Tomemos como
exemplo o artesão que produzia uma mesa para satisfazer suas necessidades humanas
úteis. Esta atividade tinha propriedades qualitativas, objetivas, continha trabalho
concreto, o produtor e o consumidor era o próprio artesão, portanto, servia para o
homem de forma útil. Na sociedade capitalista, a atividade produtiva sofre uma
alteração em seu processo produtivo. Agora o produtor não se confunde com o
consumidor, como afirma Marx nos Manuscritos de 1844: o objeto se torna estranho
ao seu portador. As suas propriedades se alteram, perdem o seu caráter qualitativo,
passam a se expressar apenas como quantidade de valor, caracterizando-se como
trabalho humano abstrato, porém, mantém-se com a propriedade de ser útil, uma
utilidade. A esta forma especial de valor chamou-se mercadoria. Foi assim que a
atividade produtiva na sociedade capitalista “perdeu” o seu sentido como um objeto
socialmente útil, suas qualidades, suas propriedades produtivas, consubstanciando por
trabalho humano concreto, passando a ser desenvolvida como trabalho humano
alienado, como riqueza material e, miséria humana (FERREIRA, 2017, p. 256).

A história da formação do trabalhador na sociedade capitalista, é a história de


desqualificação do trabalho e do próprio trabalhador. Marx, estudou a fundo a sociedade de
produção capitalista, comprovando a forma com que se retira do trabalho o seu valor de uso
para se estabelecer a relação do trabalho como valor de troca e de mais-valia, a qual gera como
resultado, a exploração do trabalho humano e sua alienação. O trabalho é transformado, assim,
fatalmente, em mercadoria.
Tomando essa constatação, Ciavatta (2008) observa que em Marx “os valores de uso
são os objetos produzidos para a satisfação das necessidades humanas”, enquanto que o valor
de troca, são “os mesmos objetos usados como mercadorias, se tornando objeto de troca”, ou
seja, equivalem a natureza de exploração e submissão daquele que produz, havendo a
dominação daquele que se apropria do produto do trabalho, ou seja, da mercadoria convertida
em capital.
Como a classe trabalhadora é necessária para manter o sistema produtivo capitalista em
funcionamento, no aumento dos lucros da propriedade privada, recairá sobre ela toda pressão
para que se adapte às constantes exigências do mercado de trabalho, o que a obriga a incorporar
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a exigência de aquisição de novas competências e habilidades, embora, não mais na forma do


“trabalho simples”, mas pelo “trabalho complexo”, uma vez que, dado ao avanço científico e
tecnológico e às mudanças profundas no sistema produtivo, mais se dá a exigência por
trabalhadores bem qualificados.
Com o cenário contemporâneo de inovação dos arranjos produtivos, novas
reestruturações dos processos de produção são impostas, acarretando, também, em altos índices
de desemprego e na requalificação do trabalho, e o não atendimento às exigências do capital é
fator para exclusão do trabalhador do mercado. Como a sociedade vive o estado de alienação
capitalista, o trabalhador, então, submete mais e mais sua força de trabalho, assumindo as
formas potencialmente mais precarizadas do trabalho alienado, e assim, é subjugado a garantir
a sua sobrevivência material pelo trabalho informal, temporário ou terceirizado, vez que o
sistema capitalista se reinventa em formas bem mais sutis de regulação e exploração dos
trabalhadores.
Com todas essas formas de regulação, é preciso compreender que no conjunto das
relações sociais na sociedade de classes, a forma capitalista de produção, do mesmo modo,
reverbera, consequentemente, na esfera da formação humana no contexto da escola,
constituindo-se numa problemática complexa, pois que essa regulação não se inicia e nem se
encerra no sistema educacional, como explicam MOURA, FILHO & SILVA (2015), ao
considerarem que:

É a necessidade vital de produzir a própria existência por meio do trabalho o


determinante para que os seres humanos dominem os conhecimentos e as práticas
sociais necessários a essa produção, ou seja, é preciso que sejam formados, não
obrigatoriamente em instituições especificamente destinadas a esse fim. [...]
A formação é produto das relações sociais e de produção, e a escola, espaço
institucionalizado onde também existe parte dela, é fruto de tais relações. Dessa
forma, não foi essencial, inicialmente, mas um luxo, porque foi concebida para atender
aos interesses de uma determinada classe, a dos dirigentes. Por ter em sua gênese esse
corte de classe e não da totalidade social, a escola tende a descolar-se da sociedade,
ao mesmo tempo em que reflete suas contradições. Na atual fase de desenvolvimento
das forças produtivas, ancoradas na ciência, na técnica e na tecnologia, sob o domínio
do sistema capital, a escola vem tornando-se “essencial” à sociabilidade humana.
Precisamente por isso, seu caráter classista agudiza-se. [...] (MOURA, FILHO &
SILVA, 2015, p. 1059).

Diante do esclarecimento acima, passamos a assimilar a compreensão de que o processo


de trabalho é o fator que determina a apropriação do conhecimento e das práticas sociais que
garantem as condições de vida, bem como, os meios de produzi-la. A formação humana, e tudo
aquilo que é necessário para manter a manutenção da existência, é fruto das relações sociais
construídas pelo trabalho educativo. Este processo, porém, independe da inserção na escola,
sendo um atributo da natureza humana ao prover a subsistência através do uso das mãos, dos
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braços, enfim, da corporalidade em toda sua constituição, impulsionada pela atividade mental
ou espiritual dos sujeitos.
Conquanto, a escola é um ambiente de sistematização do saber, e inicialmente, foi
pensada para atender a classe dominante, isto é, a burguesia, se constituindo enquanto luxo para
aqueles que precisam vender sua força de trabalho a fim de garantirem as formas de existência,
e por essa condição, imposta na sociedade classista, são destituídos de sua condição humana
em seu processo de humanização pelo trabalho. A escola para estes, serviria simplesmente
como aparato de manutenção da divisão.
Esta reflexão, impulsiona a pensar sobre o papel da escola e remete à concepção
histórico-social do processo de apropriação do conhecimento e do processo de formação dos
sujeitos, elementos estes intermediados pelo processo de trabalho, e que permitem apreender o
sentido mais amplo da definição de trabalho educativo, formulada por Dermeval Saviani:

O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo


singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana
para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta
das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVIANI, 1997, p. 17).

Ao analisar este conceito de trabalho educativo construído por Saviani, Duarte (2008),
elabora a seguinte questão: “O que o trabalho educativo produz? ” (DUARTE, 2008, p. 34), à
qual dá a seguinte resposta analítica:

[...] Ele produz, nos indivíduos singulares, a humanidade, isto é, o trabalho educativo
alcança sua finalidade quando cada indivíduo singular se apropria da humanidade
produzida histórica e coletivamente, quando o indivíduo se apropria dos elementos
culturais necessários à sua formação como ser humano, necessários à sua
humanização. Portanto, a referência fundamental é justamente o quanto o gênero
humano conseguiu desenvolver-se ao longo do processo histórico de sua objetivação.
[...] (DUARTE, 2008, p. 34).

Para Duarte (2008), nesse conceito de trabalho educativo está formulada a necessidade
da identificação dos elementos culturais imprescindíveis para a humanização dos indivíduos,
que em primeiro lugar se posiciona em relação à cultura humana, mediante às objetivações
produzidas historicamente, o que requer, também, um posicionamento sobre a formação dos
indivíduos e sobre o que seja a sua humanização. Neste aspecto, a questão da historicidade,
segundo Duarte, se apresenta nos dois posicionamentos. Todavia, é importante que fique
entendido que “o processo de objetivação do ser humano ocorre na atividade”, como esclarecem
Saviani e Duarte (2015). “A forma básica e primeira de atividade humana é a transformação da
78

natureza. O produto do trabalho é, ao mesmo tempo, a realização de um objetivo previamente


existente na mente humana [...]” (SAVIANI e DUARTE, 2015, p. 21).
Porém, Saviani e Duarte (2015), advertem que no longo período da história social,
marcado pela divisão das sociedades em classes opostas, as relações de produção entre as
classes fundamentais, as quais poderemos deduzir como classe dominante, capitalista, e a classe
trabalhadora, operária, caracterizadas pela divisão social do trabalho, acarretando que a
objetivação - trabalho – do ser humano e a apropriação dos resultados dessa objetivação
ocorressem sob formas de impedirem que a totalidade da riqueza material e não material fosse
colocada a serviço da realização e do desenvolvimento da totalidade dos seres humanos, pois
que os resultados só beneficiam a classe dominante, uma vez que lucram sozinhos com a
produção material realizada pela classe dominada, a dos trabalhadores. Em decorrência disso:

[...] a divisão social e técnica do trabalho constitui-se estratégia fundamental do modo


de produção capitalista, fazendo com que seu metabolismo requeira um sistema
educacional classista e que, assim, separe trabalho intelectual e trabalho manual,
trabalho simples e trabalho complexo, cultura geral e cultura técnica, ou seja, uma
escola que forma seres humanos unilaterais, mutilados, tanto das classes dirigentes
como das subalternizadas. É claro que isso não ocorre de forma mecânica, mas em
uma relação dialética em razão das forças que estão em disputa e que, em alguma
medida, freiam parte da ganância do capital. (MOURA, FILHO & SILVA, 2015, p.
1059).

Porém, como a classe trabalhadora serve aos interesses do sistema capitalista a partir da
propriedade privada, aumentará sobre ela a pressão para que se adapte às exigências do mundo
atual e do mercado de trabalho, e assim, “desenvolva uma reorganização das competências e
habilidades, estabelecendo novas exigências, uma maior intelectualização do trabalho daqueles
que fazem parte do trabalho parcial, precarizado, temporário, subcontratado e terceirizado”
(ANTUNES, 1997, p.50), e:

Portanto, a tendência apontada por Marx – cuja efetivação plena supõe a ruptura em
relação à lógica do capital – deixa evidenciado que, enquanto perdurar o modo de
produção capitalista, não pode se concretizar a eliminação do trabalho como fonte
criadora de valor, mas, isto sim, uma mudança no interior do processo de trabalho,
que decorre do avanço científico e tecnológico e que se configura pelo peso crescente
da dimensão mais qualificada do trabalho. Pela intelectualização do trabalho social.
(Ibidem).

Vê-se, assim, que esta contradição “[...] - presente nas relações de trabalho - é a base e
o fundamento do processo de dominação e de valorização de um determinado “tipo” de trabalho
em detrimento de outro” (FREITAS, 1996), já que “[...] cada vez mais a ciência se divide e se
79

separa das massas, e mesmos dos ‘profissionais’ cada vez mais especializados em mutilados
eles mesmos [...]” (MARX & ENGELS Apud FREITAS, 1996, p. 42).
Pode-se concluir, assim, que na divisão social do trabalho na sociedade de classes, os
processos educacionais de formação escolar, são de igual forma, metabolizados pela ordem do
sistema de produção capitalista, e neste aspecto, voltaremos para o escopo daquilo que já
havíamos colocado em relação à prevalência das pedagogias hegemônicas, e que afetam todos
os processos e práticas educativas. Neste aspecto, como efeito da análise epistemológica e
sociológica empreendida, concordamos que o problema na crítica aos modelos dominantes,
situa-se segundo Frigotto (1995, p. 23), na luta pela dissolução do caráter de mercadoria que é
assumida pela força de trabalho no conjunto das relações sociais dentro do capitalismo e na
eliminação de fronteiras entre trabalho manual e intelectual. Esta luta se torna um desafio
imenso diante da interiorização no ambiente escolar do antagonismo desigual presente na
sociedade de classe e da apreensão das determinações e contradições que emergem desta
realidade.
Em suma, a compreensão dos fundamentos da ontologia do trabalho, confere aos
indivíduos a distinção entre aparência e essência diante do processo de alienação na sociedade
de classes, pois, para Marx, “toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação (a
aparência) e a essência das coisas coincidissem imediatamente” (Marx, 1974b, p. 939). Ele
adverte dessa forma, que no longo processo de desumanização e alienação humana em que o
trabalho é convertido em mercadoria, não se consegue perceber, em essência, as formas de
dominação e de subsunção ao modo de produção nos limites do sistema capitalista.
Desse modo, apresenta-se como necessidade premente uma profunda mudança do
quadro societário e dos processos de dominação do trabalho pelo capital para eliminação das
desigualdades e promoção de uma sociedade em escalas econômicas mais justas e equânimes
socialmente. A escola tem um papel ímpar na promoção dessa mudança. Adverte-se, porém,
que essa transformação só se dará pela conscientização coletiva dos homens em sociedade.
Assim, e de modo mais importante, a concepção do trabalho, em sua dimensão
ontológica, é fonte de compreensão da realidade objetiva e de produção do conhecimento,
permitindo ao homem no processo de objetivação da transformação da natureza, se reconhecer
enquanto ser histórico, que faz história, produz no conjunto das relações os meios de garantia
da existência, e assim, cria cultura, se educa e se transforma. Portanto, é na relação dialética
com a natureza que o homem, por sua capacidade de trabalho, vai construindo conhecimento,
estabelecendo relações sociais e produzindo sua humanidade. Esta é a dimensão com que o
trabalho, dialeticamente, se constitui enquanto um princípio educativo, em essência.
80

2.2 CONCEPÇÃO HISTÓRICO-DIALÉTICA DO TRABALHO AGROINDUSTRIAL

2.2.1 Estrutura, Desenvolvimento e Finalidades do Trabalho Agroindustrial

O trabalho, do ponto de vista da dialética marxista, tem um papel central na formação


sócio técnica em se tratando da Educação Profissional e Tecnológica. Nesse sentido, a
abordagem ao mundo do trabalho agroindustrial é crucial à pesquisa empreendida, na medida
em que partimos da investigação da prática educativa do estágio num curso técnico em
agroindústria, o que requer uma problematização sobre a relação entre ensino e trabalho
produtivo nos limites dessa vertente da atividade humana e social. Desse modo, tornou-se
necessário compreender, em certa medida, sobre estrutura, desenvolvimento e finalidades do
trabalho agroindustrial, assim como, fazer um reconhecimento sobre a configuração da classe
trabalhadora nesse setor da economia.
Torna-se necessário, contudo, esclarecer de antemão que existirão muitas lacunas ao
tratarmos sobre o trabalho agroindustrial, devido a multiplicidade de questões que envolvem a
totalidade dessa atividade humana, e que, portanto, estarão expostas em certo limite. Porém,
ressaltamos que em razão da abordagem adotada, dado ao fato de tratarmos da formação no
contexto de um curso técnico em agroindústria, a centralidade dada ao trabalho agroindustrial
constitui-se como elemento para a articulação da relação entre ensino e trabalho produtivo,
objetivada para a prática educativa dos estágios que se realiza nos ambientes relacionados à
agroindústria.
Assim sendo, cabe destacar que nos ocupamos das relações produtivas e mercadológicas
que dizem respeito à atividade agroindustrial com enfoque na realidade social brasileira, frente
à dinâmica das contradições do capital a nível global. Para tanto, tomamos a análise marxiana
sobre o processo de trabalho e processo de valorização5, como ênfase de desenvolvimento do
estudo sobre o trabalho na agroindústria. Dessa forma, buscamos entender sobre a atividade do
trabalho nas agroindústrias de grande, médio e pequeno porte, como também, das agroindústrias
do âmbito da agricultura familiar, para um entendimento dos processos produtivos,
desenvolvimento e finalidades dessa atividade, sempre procurando um sentido dessas relações
à luz da concepção do princípio ontológico do trabalho.

5
Conceitos analisados por Marx, no capítulo V da obra “O capital”.
81

Mediante esses direcionamentos e em razão de pressupormos haver distinções e


particularidades em relação ao porte das agroindústrias, procuramos delinear em resumo à
constituição de cada uma em particular. Assim, as agroindústrias de grande porte abarcam o
conglomerado das indústrias movidas por exponenciais recursos tecnológicos, produzindo em
larga escala para acúmulo de capital e domínio das relações de mercado; as médias e de menor
porte se constituem em empresas, cuja produção ocorre basicamente através da aquisição de
matérias-primas terceirizadas das agroindústrias de grande porte, e com produção e capital
condizentes às proporções do próprio porte, e com a característica de servirem de aporte ao
domínio econômico do grande conglomerado; e finalmente, temos as agroindústrias
pertencentes à vertente da agricultura familiar, as quais envolvem os modelos de cooperação
por associações com produção colaborativa, com uma divisão mais equânime do processo de
trabalho, isso tanto em relação à produção como em relação à economia que é gerida de forma
mais solidária, embora tenha também suas divergências, mesmo adotando um sistema produtivo
mais cooperativo.
Dada a essa abrangência mais geral das agroindústrias, reportando-nos à organização
hodierna da divisão social do trabalho em nossa sociedade, é passível notar que a conformação
dos trabalhadores agroindustriais seguem os regramentos do modo de produção capitalista,
especialmente se se considerar os grandes complexos agroindustriais, atentando-se, tão
somente, para algumas diferenciações mais significativas apenas em relação às agroindústrias
movidas pelo conceito da economia solidária próprias das associações agrícolas do campo.
Contudo, pode-se mesmo afirmar frente à dinâmica do capital, que a constituição da
classe trabalhadora, seja na agroindústria como em outros ramos, engloba a totalidade do
trabalho social, a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua
força de trabalho e não se restringem apenas aos trabalhadores manuais diretos, mas também,
a totalidade do trabalho coletivo que vende sua força de trabalho como mercadoria em troca de
salário, como retratam Antunes e Alves (2004).
Tem-se, assim, a respeito da classe dos trabalhadores agroindustriais dentro do
capitalismo, a mesma conformação que envolve a totalidade do trabalho social, somadas às
particularidades inerentes à organização e gestão do trabalho das agroindústrias, seja pela
variedade dos processos produtivos que engloba em cada um de seus segmentos; seja pela
estrutura das agroindústrias detentoras de maiores somas econômicas, por abarcarem um
número expressivo de trabalhadores assalariados, além de deterem modernos recursos
maquínicos, comparadas à estrutura do trabalho colaborativo na agricultura familiar, por
exemplo, as quais operam com recursos tecnológicos mais modestos; seja pela própria natureza
82

do trabalho desenvolvido e pelo perfil de seus trabalhadores, os quais vão desde os mais
qualificados até aqueles sem a mínima escolarização. Essa conformação é determinada pela
ordem societária em vigor, a qual estabelece as relações econômicas e sociais do trabalho e a
categorização da ocupação dos trabalhadores agroindustriais.
Observando o conjunto dessas representações sociais, nos detivemos do mesmo modo,
a análise do trabalho desenvolvido nas agroindústrias diretamente acessadas pelos estagiários
do curso técnico em agroindústria do lócus da pesquisa, a partir dos elementos trazidos nos
relatórios de estágio. Essas agroindústrias, por se tratarem de empresas de médio e pequeno
porte, alcançam apenas um contingente de mercado local e regional do entrono de Governador
Mangabeira-BA, e detém, a julgar pelas características de mercado, uma economia própria da
estrutura mercadológica que apresentam. É importante destacar, também, que ao abordarmos
as nuances do trabalho dos locais de realização dos estágios, o fator de maior interesse à nossa
análise foi o de pensar concretamente, em termos do trabalho pedagógico, a relação entre ensino
e trabalho produtivo demonstrada na prática educativa desenvolvida pelos alunos/estagiários, o
que perpassa tanto o trabalho desenvolvido nos ambientes do estágio como o trabalho educativo
desenvolvido no ambiente da formação.
Entender, então, o trabalho agroindustrial em seus processos produtivos tem um caráter
crucial ao aprofundamento da análise a que nos propomos, sendo necessário para tanto,
dimensionar razoavelmente a sua natureza na totalidade social, uma vez que estamos tratando
da formação de potenciais futuros técnicos em agroindústria, cuja etapa de consolidação da
formação ocorre exatamente com a efetivação da prática educativa do estágio curricular. Sendo
assim, buscou-se explorar em determinada ordem a estruturação, o desenvolvimento e as
finalidades do trabalho agroindustrial em sua organização de âmbito mais geral,
destacadamente na sociedade brasileira.
Contudo, salienta-se que embora tivéssemos a necessidade de apresentar elementos
descritivos sobre o trabalho agroindustrial, nossa perspectiva fundamental não foi o de
pormenoriza-lo descritivamente, mas, sobretudo, analisá-lo enquanto uma atividade humano-
social, entendida do ponto de vista do trabalho em sentido ontológico, enquanto atividade de
manutenção da existência. Isto posto, e alinhados ao método histórico-dialético, discorreremos
sobre o trabalho agroindustrial apresentando dados de sua realidade aparente, e, por
conseguinte, enunciando-o nas contradições da realidade concreta objetiva, para assim,
objetivá-lo essencialmente como construção das ações de trabalhadores e trabalhadoras para
satisfação das necessidades no conjunto das relações humanas.
83

Nesse sentido, colocamo-nos a entendê-lo enquanto princípio educativo por uma


perspectiva da práxis humana-social, mediante um exercício de superação da visão aparente da
realidade – a qual não permite discernir a fenomenologia das contradições da divisão social do
trabalho – para apreensão de uma visão crítica desta mesma realidade enquanto totalidade
complexa e estruturada, uma vez que “o impulso espontâneo da práxis e do pensamento para
isolar os fenômenos, para cindir a realidade no que é secundário, vem sempre acompanhado de
uma igualmente espontânea percepção do todo, [...]”, como preconizado por Kosik (1976, p.
19), numa observação pertinente à abordagem teórico-metodológica que norteia o nosso
trabalho de pesquisa.
Dessa forma, o esforço empreendido para estar em coerência à base conceitual adotada,
fez-se no exercício da análise do trabalho agroindustrial por uma relação da práxis social
humana em sua essência, assumida por um caráter de superação da visão do mundo fenomênico
historicamente determinado, unilateral e fragmentário, como esclarece Kosik:

A práxis de que se trata neste contexto é historicamente determinada e unilateral, é


práxis fragmentária dos indivíduos, baseada na divisão do trabalho, na divisão da
sociedade em classes e na hierarquia de posições sociais que sobre ela se ergue. Nesta
práxis se forma tanto o determinado ambiente material do indivíduo histórico, quanto
a atmosfera espiritual em que a aparência superficial da realidade é fixada como o
mundo da pretensa intimidade, da confia
nça e da familiaridade em que o homem se move “naturalmente” e com que tem de se
avir na vida cotidiana (KOSIK, 1976, p. 14-15).

Evidencia-se assim, a visão pragmática e imediatista da realidade, que se aparenta


“naturalmente” na vida cotidiana do sujeito histórico-social, na qual “o mundo fenomênico tem
a sua estrutura, uma ordem própria, uma legalidade própria que pode ser revelada e descrita”
(Ibidem, p. 15), porém, “a estrutura deste mundo fenomênico ainda não capta a relação entre o
mundo fenomênico e a essência” (Ibidem), e dessa forma, a atmosfera comum da vida cotidiana,
penetra na consciência dos indivíduos, materializando o que Kosik denominou como mundo da
pseudoconcreticidade6. No mundo pseudoconcreto, como explica Kosik com base em Marx, a
realidade em essência, ao contrário dos fenômenos imediatos, não se manifesta diretamente,
pois, que se assim o fosse, “toda ciência seria supérflua se a forma fenomênica e a essência
coincidissem diretamente” (Marx, O capital, III, séc. VII, III, Apud Kosik, 1976, p. 17).

6
De acordo a Kosik (1976, p. 15), o mundo da pseudoconcreticidade pertence ao mundo dos fenômenos externos
desenvolvidos à superfície dos processos realmente essenciais; mundo da manipulação, ou seja, da práxis
fetichizada distante da práxis crítica revolucionária da humanidade; mundo das representações comuns de
projeções dos fenômenos externos na consciência dos homens; mundo dos objetos fixados, cuja impressão está
calcada na idealização de se tratar de condições naturais, não sendo imediatamente reconhecíveis como resultados
da atividade social dos homens.
84

Dada a essa lógica, torna-se necessário de início investigar o fenômeno, já que a essência
não é perceptível à primeira vista, uma vez que sua manifestação imediata é o fenômeno que
dela decorre, sem que este seja, ainda assim, a realidade concreta, ou seja, a essência em si. E
para se chegar à realidade, à essência da coisa, deve-se estudar o fenômeno, lhe decompor o
todo e conhecer a estrutura:

O conceito da coisa é compreensão da coisa, e compreender a coisa significa


conhecer-lhe a estrutura. A característica precípua do conhecimento consiste na
decomposição do todo. A dialética não atinge o pensamento de fora para dentro, nem
de imediato, nem tampouco constitui uma de suas qualidades; o conhecimento é que
é a própria dialética em uma das suas formas; o conhecimento é a decomposição do
todo. O “conceito” e a “abstração”, em uma concepção dialética, têm o significado de
método que decompõe o todo para poder reproduzir espiritualmente a coisa, e,
portanto, compreender a coisa (KOSIK, 1976, p. 18).

Buscou-se, assim, analisar o trabalho agroindustrial, procurando compreender a sua


estrutura basilar, num plano de interligação de suas partes para a totalidade, e sobretudo,
examinando a aparência superficial que se impõe da realidade, para assim demonstrá-lo em
sentido ontológico, enquanto um processo de atividade entre o homem e a natureza, no qual o
homem por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a matéria ou
objeto natural a ser transformado para um fim útil, como se constata em Marx (2017, p. 255).
Dessa forma, objetivamos o estudo do trabalho agroindustrial, analisando-o na processualidade
relacional com os objetos e matérias-primas utilizadas, com os meios e recursos empregados e
com as finalidades pretendidas para sua execução, procurando destacar as contradições a que é
submetido na sociedade controlada pelo capital.
Portanto, num esforço de consonância com o materialismo histórico dialético,
empenhamo-nos à compreensão da estrutura do trabalho agroindustrial, num plano de
decomposição de suas partes para apreender seu sentido em totalidade enquanto práxis social
da humanidade. Assim sendo, ressalta-se a título de esclarecimento, que a constituição analítica
que se segue procurou apontar os paradoxos da pseudoconcreticidade na relação do trabalho
agroindustrial tido como práxis utilitária, contrapondo essa relação de forma sincrônica à visão
crítica do trabalho agroindustrial como práxis humana-social.
Seguindo este enfoque, apreendeu-se nas abstrações do plano fenomênico aparente, que
a atividade na agroindústria7, refere-se à indústria em suas relações com a agricultura e/ou
agropecuária, como atividade econômica de industrialização do produto agrícola em estado

7
Informação baseada nos dados da Plataforma Oxford Linguagens do Google. Site:
https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/ Acesso em 19.04.2021.
85

primário ou secundário, com abrangência substancial de ações relacionadas à transformação de


matérias-primas advindas do meio rural. Em termos operacionais, movimenta uma parcela
significativa da economia brasileira através de suas cadeias produtivas, as quais representam o
chamado complexo agroindustrial8 (CAI), como sendo um conjunto de processos agrícolas que
envolve a indústria de serviços e apoio; a produção primária; a indústria de processamento e
transformação; a distribuição dos produtos para o mercado de varejo e consumo.
Dada essa dimensão, no plano da superficialidade das representações comuns, é
usualmente propagado, de forma determinística, que o trabalho agroindustrial ocorre pela
transformação de matérias-primas e pelo beneficiamento de produtos agropecuários
provenientes da agricultura, da pecuária, da aquicultura e também da silvicultura,
movimentando cadeias produtivas da indústria alimentícia em geral, incluindo a alimentação
animal; da indústria dos laticínios; dos frigoríficos; dos enlatados; dos grãos; da indústria têxtil;
dos couros; das madeireiras; dos biocombustíveis; dos fertilizantes e defensivos; dentre vários
outros setores. Essa caracterização, porém, apresenta num plano fenomênico imediato, apenas
os aspectos determinantes do contexto historicamente unilateral, ocultando a ação daqueles que
de fato movimentam pelo trabalho toda cadeia produtiva agroindustrial.
Esse contexto é profundamente estudado por pesquisadores como Graziano da Silva
(1998), que se ocupa em analisar o processo histórico que determinou a passagem da agricultura
brasileira do chamado “complexo rural” para a dinâmica dos “complexos agroindustriais ou
CAIs”, o que significou, segundo ele, na “substituição da economia por atividades agrícolas
integradas à indústria”, culminando na “intensificação da divisão do trabalho e das trocas
intersetoriais” na “especialização da produção agrícola e na “substituição das exportações pelo
consumo produtivo interno como elemento central da alocação dos recursos produtivos no setor
agropecuário” (GRAZIANO DA SILVA, 1998, p.1).
Desse modo, evidencia-se em relação ao trabalho agroindustrial, a ideação fenomênica
de que se tem na correlação imediata da atividade agrícola com os processos de industrialização.
Essa evidência se complexifica em virtude da ideologia muito própria do contexto de divisão
social do trabalho, que desconstrói o entendimento de que na base da industrialização nas
agroindústrias está a atividade de trabalhadores e trabalhadoras como uma prática essencial à
execução dos processos produtivos, sem a qual a transformação das matérias-primas não se
realizaria por si só.

8
Informações colhidas do site: http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/do/p_do142_6.htm Acesso em 22.04.2021.
86

Esse entendimento é central para que se possa romper com as determinações históricas
da divisão social do trabalho pela superação da visão aparente e prático-utilitária que se tem
tanto do trabalho de modo geral como do trabalho agroindustrial, porquanto “a utilização da
força de trabalho é o próprio trabalho [...]” (MARX, 2017, p. 255), seja o trabalho realizado nos
setores da agroindústria ou em qualquer outro setor produtivo.
A visão prático-utilitária do trabalho agroindustrial em relação ao processo de
industrialização na transformação das matérias-primas, tem a ver com o que é explicitado por
Graziano da Silva (1998, p.1) com base nas ideias de Lenin sobre a divisão social do trabalho,
mediante o entendimento de que:

[...] o processo fundamental da criação do mercado interno (quer dizer, do


desenvolvimento da produção mercantil e do capitalismo) é a divisão social do
trabalho. Apoia-se em que da agricultura se separam, um após outro, diferentes tipos
de transformação das matérias-primas (e diferentes operações dessa transformação) e
formam-se ramos industriais com existência própria, que trocam seus produtos (que
agora já são mercadorias) por produtos da agricultura. Dessa maneira, a própria
agricultura se transforma em indústria (quer dizer, em produção de mercadorias) e
nela se opera idêntico processo de especialização (LÊNIN, 1974, p. 54 Apud
GRAZIANO DA SILVA, 1998, p.1).

Outra questão que se torna premente é a visão fragmentária em relação ao processo do


trabalho agroindustrial, visto pelo ângulo da relação capital-trabalho na forma fetichizada que
se atribui à transformação das matérias-primas. É imperiosa a constatação de que as matérias-
primas utilizadas no processo de transformação nas agroindústrias, também, advém da ação
posta em prática pela atividade do trabalho. A obtenção de matérias-primas advindas da
agricultura, como os frutos, as leguminosas, as verduras, entre outras, são produzidas pelo
processo de preparação do solo, do plantio, do cultivo e da colheita; matérias-primas
provenientes da pecuária, como a carne, o leite, o couro, e etc., são produzidas no processo de
criação e manejo animal; e assim por diante em relação a tantos outros ramos agropecuários em
suas especificidades. Porém, é fundamental compreender que tanto o processo de produção
quanto da transformação de matérias-primas, são processos movidos em sua essência pela ação
do trabalho humano, sem o qual não se chegaria à finalidade ideada antes mesmo de se iniciar
o processo do trabalho propriamente dito.
O mesmo ocorre em relação aos instrumentos (meios) de trabalho que servem ao
processamento e beneficiamento das matérias-primas nas agroindústrias, isto é, em relação ao
maquinário, aos equipamentos e ferramentas que são utilizados. Os instrumentos que servem
de meio à execução dos processos produtivos agroindustriais, são do mesmo modo, fruto do
esforço da atividade de homens e mulheres no processo de produção, o que exige para tal um
87

conjunto de ações e operações concretas (mentais e corpóreas) objetivadas ao fim que se


objetiva no processo de produção agroindustrial.
Temos assim, a constatação de que o trabalho agroindustrial não possui como fator
determinístico e unilateral as reificações procedimentais colocadas superficialmente na
descrição dos processos de transformação e beneficiamento das matérias-primas, visto que todo
o processo de geração das matérias-primas e de industrialização dessas matérias, depende do
metabolismo da ação dos trabalhadores e trabalhadoras, em suas intermediações com as
matérias agropecuárias (objetos) e com os instrumentos (meios) de trabalho, objetivados no
conjunto das relações sociais, para que assim, efetivamente, se processe o desenvolvimento do
trabalho agroindustrial, como uma objetivação do jogo de forças a que se dispõem os
trabalhadores.
Com isso, impõe-se a afirmação de que nenhum processo produtivo da atividade
humana consegue se efetivar sem a força de trabalho em ação, ou seja, sem o concurso do
trabalhador, pois que a ausência desta ação, elimina a produção destinada a satisfazer as
necessidades no conjunto da sociedade, e sem a qual também não haveria a possibilidade de
repercussões à economia. Todavia, na sociedade capitalista, a visão que se tem da objetivação
do trabalho como “única forma de o ser humano efetivar-se, desenvolver-se, torna-se uma
objetivação alienante” (SAVIANI e DUARTE, 2015, p. 24), o que não significa dizer, “de
forma alguma, que necessariamente a objetivação produza alienação e exteriorização” (Ibidem),
posto que:

A exteriorização do trabalhador em seu produto significa tão somente que seu trabalho
se converte em um objeto, em uma existência exterior, mas que existe fora dele,
independente, estranho, que se converte em um poder independente frente a ele; que
a vida que emprestou ao objeto se lhe defronta como coisa estranha e hostil (MARX,
1985, p. 106, Apud SAVIANI e DUARTE, 2015, p. 24).

Em razão disso, a forma unilateral e exterior do trabalho agroindustrial torna-se latente


quando convertido imediatamente às mercadorias produzidas, traduzidas tão somente a partir
dos dados econômicos gerados, dissociando-se assim da práxis humana social e da apropriação
do conhecimento científico e tecnológico (“especialização”) oriundo desta mesma práxis. A
exteriorização se dá também no uso da maquinaria (“processos de industrialização”) empregada
na transformação da matéria-prima, ficando o trabalho subsumido a funcionalidade das
máquinas.
A dinâmica de exteriorização e estranhamento do trabalho agroindustrial, se tornou
ainda mais complexificada através da introdução no sistema produtivo agropecuário do
88

conceito do agronegócio, como uma tendência que emergiu da tônica da “agropecuária


moderna, baseada em commodities9 (grifo nosso), intimamente ligada às agroindústrias”
(GRAZIANO DA SILVA, 2002, p. 19), com forte implementação dos recursos de automação
à produção rural, visando a intensificação da capitalização das atividades do campo, o que
culminou em altos graus de especialização da produção agroindustrial.
Porquanto, o conceito do agronegócio ou agribusiness10, é mais uma forma de
reinvenção do capital em escala global e de exteriorização do trabalho agrícola em geral, que
no mercado brasileiro, foi sendo introduzido em função do crescente boom nas exportações dos
produtos agrícolas e agroindustriais, passando a ser largamente aceito por associações de
produtores agrícolas, como se deu em 1993 pela Associação Brasileira de Agribusiness (Abag),
e por parte considerável dos empresários do ramo agrário. A ideia do agronegócio se tornaria
uma espécie de radicalização da modernização dos processos de industrialização agrícola, uma
vez que a questão puramente agrícola somada à questão industrial passou a ganhar maior fôlego
na visão da economia capitalista, como expõem autores como Graziano da Silva (1991);
Kageyama et al. (1990); Wilkinson (2008), entre outros.
Subentende-se, assim, uma relação íntima do conceito do agronegócio com o modo de
produção capitalista, tornando-se um dos ecos da reificação e alienação da relação capital-
trabalho. O conceito do agronegócio, então, em sua genealogia, traduz-se pela geração de mais-
valor da produção objetivada na expansão das exportações pelos grandes conglomerados
agroindustriais, e no aumento do consumo interno de produtos agroindustrializados, num
movimento decorrente das reestruturações da produção, movido pelo exponencial avanço de
recursos maquínicos utilizados nos processos de industrialização.
Assim, no longo processo de apropriação do trabalho pelo capital, a introdução do
conceito do agronegócio à produção agrícola, como forma de reprodução do capital, tem
causado sérias consequências à realização do trabalho agroindustrial e às relações do trabalho
existentes entre empregado (trabalhador) e empregador (capitalista). Na sistemática capitalista
do agronegócio, o trabalhador segue explorado e exteriorizado do processo de produção, já o

9
De acordo com informações do “Dicionário Financeiro”, “commodities” são mercadorias em estado bruto ou
de simples industrialização, negociadas em escala mundial. A comercialização é estabelecida no mercado
financeiro, com preços normalmente em dólar e que oscilam de acordo com a oferta e a demanda internacionais.
Em uma commodity existe pouca diferenciação entre a mesma mercadoria produzida por um produtor comparado
com outro. O petróleo, por exemplo, é a mesma mercadoria independente de qual empresa o extraiu. Informações
que constam do site: https://www.dicionariofinanceiro.com/commodities/. Acesso em 22.07.2020.

10
Do ponto de vista econômico capitalista, o termo designa em inglês a palavra agronegócio, representado pelo
mesmo conceito deste último.
89

capitalista segue controlando o processo e obtendo os lucros daquilo que foi produzido pelo
trabalhador, dado que “[...] a criação do conceito do agronegócio, como forma de gerar uma
moldura ideológica para a intensificação da industrialização da agricultura, ocorre em um
contexto determinado pela reprodução crítica do capital” (MENDONÇA, 2013, p. 7).
A reprodução crítica do capital aos moldes do agronegócio, é traduzida nos dados
apresentados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA)11 que mostra
de maneira enfática que no ano de 2008 o Brasil se tornou um dos líderes mundiais do
agronegócio, tendo exportado para mais de 180 países. Na análise apresentada pelo CEPEA, o
agronegócio é reverenciado como o grande responsável pelo índice aproximado de 20% do
Produto Interno Bruto (PIB) gerados à economia brasileira no ano de 2016, e pelo crescimento
de 5,7% no volume de exportação no período que compreendeu os meses de janeiro a setembro
de 2017, com uma soma de valor de US$ 74 bilhões da produção. Esse índice sofreu uma
variação relativa para uma menor cotação nos meses de janeiro a março de 2020 com um PIB
em torno de 3,29%, o equivalente a R $55 bilhões de expansão da produção agroindustrial.
Vê-se, também, nos dados levantados pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), que os setores da agroindústria apontam para uma participação de
aproximadamente 5,9% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro12. O alcance deste percentual,
segundo o levantamento da EMBRAPA, se deve a uma maior integração do meio rural com a
economia de mercado, com desempenho para a pesquisa científica agropecuária na melhoria da
qualidade dos produtos, e nas soluções tecnológicas inovadoras de grande impacto ao setor
agroindustrial, a exemplo da utilização das modernas máquinas digitais automatizadas.
Tais dados, no entanto, refletem a reiterada dinâmica mercadológica ao modo de
reprodução hegemônica do capital, denunciando o impositivo fenomênico nos moldes do
agronegócio, que via de regra se esmera em obscurecer a via concreta pela qual foi possível
gerar índices econômicos tão expressivos. Nesses moldes, fica evidenciada a lógica da
economia capitalista que atribui a si mesma a riqueza que foi gerada na exploração da força de
trabalho, pois que, o produto do trabalho foi produzido unicamente pelo trabalhador, que não
obstante, se vê como um ser estranho àquilo que produziu no dispêndio de suas energias físicas
e espirituais, e que não poucas vezes, não tem a mínima condição de consumir aquilo que ele
mesmo produziu, evidenciando um processo de alienação tão crítico ao ponto do trabalho

11
Fonte: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx Acesso em 18.05.2020.

12
Dados extraídos do site: www.embrapa.br/grandes-contribuicoes-para-a-agricultura-brasileira/agroindustria
Acesso em 18/05/2020.
90

aparecer como desrealização ou desefetivação do trabalhador, e mesmo subsumido por


máquinas, como Marx adverte nos Manuscritos econômicos-filosóficos (2008), de tal forma
que:

A economia nacional oculta o estranhamento na essência do trabalho porque não


considera a relação imediata entre o trabalhador (o trabalho) e a produção. Sem
dúvida. O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o
trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas
deformação para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, mas lança uma
parte dos trabalhadores de volta a um trabalho bárbaro e faz de outra parte máquinas
[...] (MARX, 2008, p. 82, Grifos do original).

O capital ao ocultar a essência do trabalho, causando o seu estranhamento, interfere


drasticamente no entendimento de que a relação imediata do trabalho com seus produtos é a
relação do trabalhador com os objetos da sua produção, uma vez que, a relação do abastado
com os objetos da produção e com ela mesma é somente uma consequência desta primeira
relação, como explicita Marx (2008, p. 82), em razão de que se formos perguntar sobre “[...]
qual a relação essencial do trabalho [...]”(MARX, 2008, p. 82), então, “[...] perguntamos pela
relação do trabalhador com a produção [...]” (Ibidem). Marx, porém, assevera que o
estranhamento do trabalho não se mostra somente no resultado, “[...], mas também, e
principalmente, no ato da produção, dentro da própria atividade produtiva [...]” (Ibidem).
Estas elucidações discorridas por Marx, explicam o fato do trabalho agroindustrial,
produzido pelo conjunto dos trabalhadores agroindustriais, ser subsumido a meros índices
econômicos na dinâmica do agronegócio, num processo crítico de exteriorização do trabalho,
uma vez que o próprio trabalhador passa a se enxergar como um apêndice da máquina no
processo de transformação agroindustrial, sofrendo um processo de coisificação, no qual não
se dá conta da riqueza que produziu. Diante disso, a agroindústria/agricultura se “[...]
transforma num ramo de aplicação do capital em geral, e de modo particular, do capital
industrial que lhe vende insumos e compra as mercadorias aí produzidas [...]” (GRAZIANO
DA SILVA, 1998, p. 4).
Dessa forma, é possível constatar que o objetivo do conglomerado que forma o sistema
do agronegócio é estrutural, organizado para alavancar nos limites da sociedade capitalista, o
que Marx trata como sendo a intensificação do capital-trabalho13, capital-lucro, trabalho-
salários, terra-renda, a partir de relações econômicas em conexão com os componentes de valor

13
Ver O Capital, III, Cap. XLVIII.
91

e riqueza da propriedade privada, complementando a mistificação do modo de produção


capitalista – a reificação (Verdinglichung) das relações sociais – numa justaposição
incomensurável das relações de produção material em que trabalho e trabalhador são meros
componentes sociais coisificados.
Nesse aspecto, se formos nos deter aos avançados graus de eficiência e funcionalidade
dos recursos de automação usados na atualidade na produção agroindustrial, se torna ainda mais
patente a ideologia de substituição do trabalho humano pelas máquinas. A adesão a essa
reificada admissibilidade é até mais palpável ao se verificar o alcance funcional de uma gama
de tecnologias ultramodernas14 patenteadas pelo avançadíssimo grau de evolução da ciência e
da tecnologia, como se pode deduzir da tecnologia de precisão digital; da nanotecnologia; da
engenharia genética; da engenharia mecatrônica e da engenharia de controle e automação, das
quais surgiu a robótica. Inovações estas, com altos padrões de desempenho, com tecnologia de
inteligência artificial capazes de imitar com precisão os movimentos humanos, de monitorar,
controlar e até operar digitalmente todo o processo de produção, e que são muito difundidas
atualmente no conceito da Indústria 4.015, que é outra vertente que tem impulsionado o modo
de produção capitalista contemporâneo, especialmente nos grandes conglomerados do
agronegócio, com o uso de equipamentos como drones de monitoramento, de tratores
automatizados, das colheitadeiras de precisão, entre outros recursos, que para funcionarem só
precisam, muitas vezes, da instalação de aplicativos que podem ser comandados ao alcance das
mãos através do aparelho celular, o que não deixa de ser grandes avanços da humanidade.
Todo esse avanço das novas tecnologias aplicadas à produção agrícola e agroindustrial,
especialmente no dado processo de mundialização do capital no qual se viabilizou uma nova
base científico-técnica que passou a comandar o processo produtivo sob organização de uma
“revolução digital-molecular” globalizada, permitiu a organismos como a Organização de
Alimento e de Agricultura das Nações Unidas (FAO), de acordo com o que informa Frigotto
(2012, p. 68), afirmar que há atualmente a capacidade de se produzir alimentos em abundância
para 12 bilhões de pessoas. Frigotto, porém, contrapõe essa interpretação fazendo uma síntese
dos estudos de Rifkin16, em que este argumenta que:

14
Ver https://agroemdia.com.br/2018/02/06/agricultura-de-precisao-e-digital-nano-genetica-e-mecatronica/ e,
https://www.voitto.com.br/blog/artigo/engenharia-mecatronica. Acesso em 15.01.2021.

15
Conceito bastante explorado na atualidade, atribuída à ideia do advento de uma Quarta Revolução Industrial,
com base no expressivo avanço científico e tecnológico aliado a produção industrial, que dentre outros
determinantes, introduz a inteligência artificial aos processos produtivos de automação engendrada pela tecnologia
computacional da informação.

16
Ver Jeremy Rifkin, apud Nogueira (2000), (Nota do autor).
92

[...] um agricultor primitivo que se valia somente de sua própria força de cultivo da
terra produzia dez vezes mais calorias do que as que consumia e assim podia alimentar
uma família de até sete pessoas. Com o invento da roda, arado e o uso de bois ou
cavalos, potencializa seu trabalho na produção de energia alimentar. Com dois cavalos
e cinco camponeses era possível produzir para alimentar duzentas pessoas. Mas, com
isso, começa a necessidade de industriar implementos agrícolas e também dispensar
trabalhadores no campo. Com o advento das mudanças tecnológicas da primeira,
segunda e terceira “revoluções industriais", poucos camponeses produzem para até 6
mil pessoas (FRIGOTTO, 2012, p. 68).

Frigotto salienta, com base nos dados que corresponderam aos anos de 2010, que o
levantamento de Rifkin, choca brutalmente diante da realidade em que mais de um bilhão de
seres humanos, dos 6 bilhões de habitantes do planeta naquele período, viviam em níveis
lamentáveis de subnutrição, e que no caso brasileiro “[...] o avanço do capitalismo no campo,
mediante a ampliação do latifúndio e do agronegócio, produziu 20 milhões de adultos, jovens
e crianças sem-terra [...]” (Ibidem), enfatizando ainda que, “[...] o outro lado da mesma medalha
é o crescente desemprego estrutural e a perda de direitos dos trabalhadores [...]” (Ibidem).
Desse modo, se formos fazer um levantamento atual iremos constatar que o número de
pessoas que vivem em condições de subalimentação ou que passam fome não diminuiu, e ao
contrário, até aumentou sob determinadas condições socioeconômicas, como é o caso da
realidade atual do Brasil em que os dados do IBGE do ano de 2020 apontam que mais de 19
milhões de brasileiros, incluindo crianças, vivem em situação de insegurança alimentar, melhor
dizendo, passam fome no país. De acordo com o IBGE a fome no Brasil atinge níveis alarmantes
especialmente no campo.
O capital, assim, no seu processo de mundialização, e de exploração exacerbada do
trabalho, tem resultado na concentração de riqueza cada vez maior dos grupos que dominam a
pirâmide do mercado financeiro, como o do agronegócio, assim como, tem se apropriando do
conhecimento científico e dos recursos tecnológicos produzidos, e segue no transcurso histórico
deformando as relações do trabalho social, gerando dia após dia condições bem mais
precarizadas de trabalho, com subemprego, com terceirização, e com muito desemprego, muita
fome e miséria, entre outros processos de desumanização.
Este processo de dominação e de sanha exploratória do capital no agronegócio, tem sido
muito intensificada no Brasil, ainda mais no processo histórico contemporâneo muito a partir
do ano de 2017, em que o país segue decaindo drasticamente em termos sociais, políticos e
econômicos, atingindo de modo extremado a classe trabalhadora, em especial os mais pobres,
que sofrem uma violenta política de recessão com perdas de direitos sociais fundamentais
93

conquistados em muitas décadas de lutas como direito ao emprego, à saúde, à educação pública
e aposentadoria digna, entre tantos outros gravames, além de, no tempo atual, estar sob risco
constante a própria vida humana e do biossistema de um modo geral pela degradação cada vez
maior dos recursos naturais, devido ao regime nóxio de extrema-direita que se apossou do
comando do país.
Feita a exposição acima do choque de realidade atual, cumpre retomarmos à referência
sobre a evolução científica-tecnológica na história, para melhor tratamento do processo de
automatização nas agroindústrias e indústria em geral. Marx, desde o século XVIII, já se
ocupava do advento dos processos de industrialização relacionada à inserção da maquinaria ao
processo de trabalho, quando analisou a transição do modo de produção feudal para o modo de
produção industrial, demonstrando os impactos dessa inserção à feição do trabalho e à classe
trabalhadora de modo geral, dada às contradições nas formas com que o capital toma para si o
trabalho e o conhecimento acumulado que culminou nas invenções tecnológicas do maquinário.
Sobre a introdução dos instrumentos maquínicos à produção, Marx, em O capital, dedica
todo um capítulo – Maquinaria e grande indústria. Marx inicia o caput, tratando sobre o
desenvolvimento da maquinaria com menção a um apontamento do filósofo e economista John
Stuart Mill, que em seus “Princípios da economia política”, diz que: “É questionável que todas
as invenções mecânicas já feitas tenham servido para aliviar a faina diária de algum ser
humano” (MILL, Apud MARX, 2017, p. 445). De fato, num primeiro plano, há que se
concordar com a observação de Mill. Marx, porém, analisando de forma mais acurada a questão,
esclarece a finalidade do uso da maquinaria no modo de produção capitalista:

Mas essa não é em absoluto a finalidade da maquinaria utilizada de modo capitalista.


Como qualquer outro desenvolvimento da força produtiva do trabalho, ela deve
baratear mercadorias e encurtar a parte da jornada de trabalho que o trabalhador
necessita para si mesmo, a fim de prolongar a outra parte de sua jornada, que ele dá
gratuitamente para o capitalista. A maquinaria é meio para produção de mais-valor
(MILL, Apud MARX, 2017, p. 445).

O barateamento das mercadorias e o encurtamento da jornada de trabalho a que Marx


se refere, não tem a ver nem com o valor de troca pago pela mercadoria produzida, e nem com
a diminuição do tempo de ação do trabalhador. Tanto o encurtamento da jornada de trabalho
como o barateamento da mercadoria, dizem respeito apenas, ao tempo de prolongamento da
produção o que acaba aumentando a acumulação de mais-valor para o comprador da força de
trabalho, uma vez que ele não compra o trabalho, apenas a força motriz do trabalhador, que por
94

sua vez não detém os meios da produção e troca sua força de trabalho por um salário, que não
condiz com o dispêndio de trabalho posto em atividade.
O trabalhador, nesse jogo, só gasta menos tempo para produzir a mercadoria, porém, a
produz em maior quantidade, na sobra de mais tempo de produção, simplificada pela
engrenagem das máquinas, e não na diminuição de tempo no dispêndio de suas forças, como
também não deixa de laborar com menor esforço intelectual ou corpóreo ao operar o
maquinário. Por isso, Marx tem razão em sua crítica, pois, nesse sistema, só o capitalista fica
com o mais-valor (lucro) daquilo é produzido pelo trabalhador.
Marx, reforça sua crítica sobre a finalidade do uso da maquinaria no capitalismo,
dizendo que: “na manufatura, o revolucionamento do modo de produção começa com a força
de trabalho; na grande indústria, com o meio de trabalho” (MARX, 2017, p. 445). Isto, por
elucubração, nos remete aos processos de implementação da automatização no trabalho tanto
nas médias quanto nas grandes agroindústrias. Em ambas, há que se dispor, tanto da força de
trabalho como da maquinaria como meios de produção. Assim, Marx assevera que a única
revolução feita pelas máquinas no sistema capitalista, foi a objetivação da geração de mais-
valor à propriedade privada.
É importante, atentarmos, que o uso da maquinaria no sistema capitalista de produção,
seja na indústria em geral como na agroindústria, não se traduz como forma de suprimir à
atividade do trabalhador sob nenhum aspecto, ao contrário, é uma forma de impulsionar ainda
mais a geração de mais-valor para o capitalista e subsumir ainda mais a força de trabalho. A
esse respeito Frigotto faz a seguinte crítica:

Tanto o trabalho quanto a propriedade, a ciência e a tecnologia, sob o capitalismo,


deixam de ter centralidade como produtores de valores de uso para os trabalhadores:
resposta a necessidades vitais destes seres humanos. A força de trabalho expressa sua
centralidade ao se transformar em produtora de valores de troca, com o fim de gerar
mais lucro ou mais valor para os capitalistas. O trabalho, então, de atividade produtora
imediata de valores de uso para os trabalhadores, se reduz à mercadoria força de
trabalho e tende a se confundir com emprego. O capital detém como propriedade
privada, de forma crescente, os meios e os instrumentos de produção. A classe
trabalhadora detém apenas sua força de trabalho para vender. Ao capitalista interessa
comprar o tempo de trabalho do trabalhador ao menor preço possível, organizá-lo e
gerenciá-lo de tal sorte que ao final de um período de trabalho – jornada, semana ou
mês – o pagamento em forma de salário represente apenas uma parte de tempo pago
e a outra se transforme em ganho do capitalista ou um sobrevalor (mais-valia ou tempo
de trabalho não pago) (FRIGOTTO, 2012, p. 63).

No plano da ideologia, a representação que se constrói é a de que o trabalhador ganha


o que é justo pela sua produção, pois parte do pressuposto de que o capitalista
(detentores do capital) e os trabalhadores que vendem sua força de trabalho, o fazem
numa situação de igualdade e por livre escolha. Apagam-se processos históricos que
transformaram relações de classes. Entre estas há de se perceber que a classe detentora
95

do capital para se tornar hegemônica superou outras que se fundavam em relações


escravocratas e servis. Essa dissimulação fica mais mascarada mediante o contrato de
trabalho que legaliza essa relação desigual (Ibidem).

Assim, as profundas mudanças transcorridas na produção tradicional oriunda do meio


agrário, demarcam o processo histórico da agroindústria no Brasil e surgem, de acordo a Sorj
(1980), com a reestruturação na agricultura no momento em que esta é incorporada ao circuito
de produção industrial, motivadas pelos interesses de acumulação do capital, o que ocasionou
também, conforme esclarece Graziano da Silva (1998, p. 3), no processo de “separação da
cidade/campo, que se deu por inteiro “quando a indústria se muda para a cidade” e “quando o
próprio campo se converte numa fábrica”, no qual a atividade agropecuária se “converte num
ramo da própria indústria” (GRAZIANO DA SILVA, 1998, p. 3).

2.2.2 O Processo de Abertura à Atividade Agroindustrial no Brasil: um breve histórico

Em razão do expediente de acumulação do capital, no que se refere ao processo histórico


de abertura à atividade agroindustrial no Brasil, vamos encontrar nos estudos de autores como
Graziano da Silva (1991, 1998, 2002, 2004); Sorj (1980, 1998); Schneider (2003); Sorj e
Wilkinson (2008); Kageyama (1989, 1990); Mendonça (2005); entre outros, que desde a metade
do século XIX, havia um movimento crescente de associação à modernidade científica da
agricultura em oposição a propostas de resistência dos proprietários de terras que defendiam
uma “indústria rural moderna” ou a manutenção das “práticas tradicionais nas empresas
agrícolas”, como ocorria relativamente aos engenhos a vapor e as usinas de açúcar do nordeste
canavieiro, ou mesmo com o uso de máquinas para fabricar trigo e produzir arroz na região sul
do país.
No caso específico do Brasil, do pós golpe militar de 1964, as forças sociais que
dominavam o oligopólio agrícola eram constituídas fundamentalmente pelos representantes do
grande capital monopolista, associados de forma secundária aos grandes proprietários de terra,
como relata Sorj (1980). Essas forças, se movimentaram muito com intuito inicial de darem
uma solução para os excedentes do setor agrícola, tratando da transferência dos excedentes pela
ação do complexo agroindustrial que passava a comandar os processos de produção na
agricultura e nos demais setores agropecuários, como das exportações e das demandas do
mercado interno.
Porém, havia uma contraposição às ideias de modernização na agricultura entre as
forças dominantes que ocasionou, segundo Sônia Regina de Mendonça (2005), uma profunda
96

crise de representação política entre as entidades patronais rurais. Tal crise, como discorre a
autora, foi respaldada por políticas públicas de farta distribuição de créditos e subsídios estatais
concorrendo para a capitalização no campo e para a extrema especialização da produção
agroindustrial. Sua análise evidencia que do ponto de vista político institucional, tal
especialização, “ [...] resultou na emergência de um duplo processo de diferenciação intraclasse
dominante “agrária”, agudizando disputas entre as diversas agremiações do patronato”
(MENDONÇA, 2005, p. 2), gerada “[...] em torno da afirmação de um único porta-voz
“legítimo” do conjunto em claro contraste com a grande diversificação de seus negócios”
(Ibidem).
Mendonça esclarece que o motivo da contenda era a de assegurar a permanência ou
exclusão de representantes do “setor agrário” junto às agências da sociedade política ou Estado
restrito, pelo fato de que em face da nova “agricultura superespecializada”, tornava
extremamente difícil um consenso, “[...] ainda que a retórica de suas lideranças estivesse
centrada na construção de uma identidade empresarial dos grandes proprietários” (Ibidem).
Esse movimento atinge seu ponto máximo a partir dos anos 1960, com a política de
“modernização da agricultura” promovida pelo regime militar que começou a propagar de
forma explícita a ideologia do advento de latifundiárias com “agricultura moderna”, com
empresas e empresários rurais” e com uma “agricultura capitalista” para o Brasil, obtendo
assim, o respaldo de forças dominantes e deslocando as defesas do modelo tradicional para um
projeto desenvolvimentista de país em prol da “atividade empresarial no campo” e das “grandes
propriedades produtivas”.
Com isso, com a importância assumida na exportação de produtos agropecuários e
agroindustriais e o envolvimento nesse comércio do capital de diversos segmentos produtivos,
não somente do setor agrário, as contraposições de resistência dos grandes proprietários de terra
ao processo de modernização da agropecuária deslocou-se das defesas das tradições e da
propriedade para ceder lugar diante do vislumbre do que viria a ser a atividade industrial no
campo e especialmente das vantagens que poderiam ser obtidas pelos grandes conglomerados
produtivos em prol do propagado “desenvolvimento do país”.
Essa fase tem seu auge no início da década de 1990, segundo os apontamentos de
Graziano da Silva (2006). Nesse período, repercutiu uma maior adesão política ao conceito do
agronegócio em termos da nova análise de aumento econômico para o setor agropecuário, cujo
funcionamento deveria se dar de forma integrada ao conjunto de unidades agrícolas, como uma
tônica estabelecida dentro desse conceito que já havia fincado ramificações para uma gestão
especializada na agricultura e para expansão e dimensionamento mais qualificado dos padrões
97

de exportação para atender o mais que possível as exigências do mercado externo e aumentar
as negociações em maior número desse mercado.
Entretanto, mesmo com o apogeu da expansão da agroindustrialização brasileira nos
anos de 1990, vários estudos apontam que o processo de modernização na agricultura começou
a firmar-se no Brasil, desde o período que compreende o fim dos anos 1950, como afirma Sorj
(1980), pois já havia nesse período uma quebra dos mecanismos de integração da agricultura
para o padrão de acumulação industrial, que em termos políticos e econômicos, ocasionou na
reorganização das atividades agrícolas, induzida pelos clamores à modernas práticas de
industrialização dos insumos agrários. Segundo o autor, esta reorganização, impulsionada pela
intervenção do Estado e pelos interesses de grupos hegemônicos, orientaram tanto a nova
dinamização da produção agrícola quanto a renovação das estruturas de dominação do campo
agrário, cujo rumo não estava predeterminado, uma vez que foram as forças sociais do conjunto
da sociedade e, mais precisamente, do campo, que reorientaram o sentido e as formas de
integração da agricultura ao nível de produção industrializada.
Essa reorientação ocorreu, segundo Walter Belik (1992), de forma contrária à integração
agricultura-indústria que se fazia tendo como base capitais agrários ou mercantis do início do
Século XX. A nova proposta de integração decorre, então, da Política Agroindustrial que foi
adotada, e que determinou de fato uma reorientação em sentido inverso, ou seja, da indústria
para a agricultura, não se constituindo em um mero prolongamento da atividade rural, e sim
num movimento no qual era a indústria que orientava os padrões e a forma de produção na
agricultura, modificando drasticamente o circuito campo/cidade, e não ao contrário, como
antes. Walter Belik, observa que “[...] com essa nova agroindústria apoiada nas exportações e
nos hábitos de consumo urbano, massifica-se a sua produção e oligopoliza-se o seu
crescimento” (BELIK, 1992, p. 198).
Assim, desde o início de sua expansão, foram ocorrendo mudanças significativas no
direcionamento dos processos da agroindustrialização no Brasil. Conforme nos esclarece
Graziano da Silva (1991), nos anos de 1980 e início das décadas seguintes, diversos estudiosos
das questões agrárias já passavam a substituir a expressão “agricultura moderna” ou
"agropecuária”, por “agroindústria”, e segundo ele, foi a partir dessa nova conotação que
começou a aparecer a figura dos CAI (Complexos Agroindustriais), como uma marca para o
desenvolvimento das atividades agropecuárias no processo de integração entre agricultura-
indústria por “duas pontas”, sendo, a dos insumos e a dos produtos na relação de
“industrialização da agricultura”, expressão formulada por Kautsky ([1899] 1986), e Graziano
da Silva (1995).
98

Contudo, a tese de Walter Belik (1992), mostra que:

[...] a industrialização da agricultura só poderia se completar na medida em que


houvesse uma agroindústria processadora também moderna. Produzir em larga escala
a partir de matéria-prima agropecuária pressupõe um setor processador bem ajustado
e um mercado capaz de absorver seu produto. Em outras palavras, a oferta de matéria
prima agropecuária em bases modernas pressupõe um setor processador demandante
também moderno. Por este motivo o processo de constituição dos CAIs tem, também
como um dos seus elementos, uma política voltada para a agroindústria processadora
(BELIK, 1992, p. 83).

Belik, vai ainda mais além em relação ao processo histórico das agroindústrias no Brasil.
Ele defende que a primeira atividade agroindustrial conhecida no Brasil remonta ao início da
colonização pela fabricação de melaço e de rapadura para exportação, a partir do processamento
nos engenhos de cana-de-açúcar. O estudioso esclarece que, “[...] após o declínio da atividade
canavieira agroexportadora, o processamento agroindustrial vai ressurgir apenas dois séculos
depois, na fase da industrialização brasileira do Século XIX” (BELIK, 1992, p. 30), e que “ [...]
ao final desse século, o Brasil já contava com um importante parque têxtil, além de outras
atividades, como o processamento de gorduras animais, fabricação de alimentos básicos,
bebidas etc.” (Ibidem, p.31), fatos que suscitaram a afirmação de que “[...] a presença do
processamento agroindustrial é, no mínimo, secular no Brasil” (Ibidem).
Desse modo, evidencia-se toda uma trajetória histórica da atividade agroindustrial no
Brasil, remontando aos primórdios da fase de colonização. Do período colonial à fase de
expansão e até a conjuntura atual, ocorreram mudanças profundas tanto em sentido positivo
como de forma contrária. O que era antes objetivado para atender demandas de excedentes
locais da produção agrícola, passou a ser direcionada para os setores de exportação,
modificando após isso, toda a dinâmica e estrutura da produção em termos da relação
campo/cidade. Sorj (1980) diz que no processo de reorganização da produção agrícola, o que
era direcionado especialmente para a exportação, passa a ser direcionado para o mercado
interno, no começo como simples expressão da crise do setor exportador e depois como
expressão da expansão e demanda do setor urbano-industrial.
Assim, o autor sinaliza que “[...] ao nível da produção agrícola, este processo
determinou uma crescente monetarização, mercantilização e especialização da pequena
produção e do latifúndio tradicional orientados para o mercado interno” (SORJ, 1980, p. 11), e
com isso, aumentando a oferta de excedentes e a expansão das áreas cultivadas, o que não exigiu
de início grandes modificações em relação aos instrumentos utilizados para produção. Essas
modificações só começaram a acontecer com o advento das grandes inovações científicas e
99

tecnológicas, as quais especializaram radicalmente os processos produtivos e serviram para


ampliar ainda mais o acúmulo de capital da grande agroindústria com desfechos satisfatórios
ao agronegócio.
Assim, em um resumo da expansão e modernização da produção agrícola que culminou
no processo histórico de consolidação da agroindústria no Brasil, vista agora do ponto de vista
do trabalho agroindustrial e da apropriação desta atividade pelo capital, buscamos os estudos
de Sorj (1980) que mostram que:

A agroindústria determina uma transformação qualitativa nas condições de geração e


apropriação de sobretrabalho, seja do pequeno produtor, seja do trabalhador
assalariado. A agroindústria passa a comandar a produção colocando-se como
condição básica de geração de novos excedentes, transformando a agricultura no
campo de realização da mais-valia gerada no setor de insumos e máquinas agrícolas e
no fornecedor da matéria-prima para a indústria de transformação agroalimentar.
Seja no caso da produção agrícola, tanto para a exportação quanto para o atendimento
do mercado interno, da pequena ou da grande propriedade, o crescimento da
agricultura passa a depender da existência da indústria de insumos e maquinaria
agrícola e dos processos de elaboração industrial, modificando dessa forma o lugar e
importância das diferentes classes na produção agrícola. As formas tradicionais de
exploração da força de trabalho rural dão lugar a novas formas de produção, onde a
mais-valia relativa e a capacidade de capitalização da pequena produção se transforma
no centro de reestruturação das relações de produção (SORJ, 1980, p. 12).

O quadro em síntese trazido por Sorj, dá uma dimensão do panorama conjuntural que
envolve a atividade agroindustrial em suas relações sociais e econômicas e assinalam, portanto,
o processo histórico de reestruturação das relações de produção que marcaram a expansão do
trabalho agrícola tradicional para a transformação industrial na agroindústria. Ademais, chama
a atenção para a questão da apropriação de sobretrabalho no modo de produção capitalista, em
que a extensionalidade do trabalho junto às máquinas agrícolas não constitui em nenhum valor
para o trabalhador, mas sim, em meios de exploração do trabalho e de mais-valia para o
capitalista.

2.2.3 O Trabalho Agroindustrial nos Limites das Agroindústrias Hegemônicas

Buscando expor teoricamente as condições e a dinâmica do trabalho agroindustrial no


limite das relações de produção das agroindústrias dominantes, lançamos mão dos estudos
desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa “As Metamorfoses do Mundo do Trabalho”
(Unicamp/CNPq)17, coordenado pelo professor Ricardo Antunes, os quais resultaram num

17
O trabalho desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa “As Metamorfoses do Mundo do Trabalho” (Unicamp/CNPq),
de que Ricardo Antunes é líder-organizador, tem gerado uma série de produções acadêmicas que reúne livros,
100

conjunto de produções científicas, cujo teor vem sendo socializados em diversas fontes de
publicação, dentre as quais encontram-se significativas análises sobre a configuração do
trabalho agroindustrial no Brasil, imersas no escopo de uma nova morfologia do trabalho em
escala global, com destaques para a intensificação da produção capitalista no agronegócio.
Uma das pesquisas, trata sobre a agroindústria canavieira, e foi realizada em uma usina
açucareira na região de Campinas, interior de São Paulo18. A pesquisa mostrou que em 2010 a
usina possuía um total aproximado de mil assalariados fixados no trabalho do corte de cana-de-
açúcar, cuja produção é elemento central da fabricação do etanol. O salário dos trabalhadores e
trabalhadoras da usina, está atrelado à quantidade de cana colhida por dia, a depender da maior
ou menor produção realizada, acarretando numa expressiva intensificação do trabalho, o que
beneficia substancialmente os empresários, uma vez que o aumento da produção interessa
também aos trabalhadores que querem receber pouco mais, e para isso, laboram em ritmo mais
acelerado. Decorre daí um processo de exploração acentuada do trabalho no setor
sucroalcooleiro, no qual os trabalhadores são bem mais controlados e disciplinados em suas
atividades, tendo o salário por produção, um método utilizado desde antes da década de 1970.
A pesquisa aponta outro elemento que configura a superexploração do trabalho na
agroindústria: a forma do cálculo do trabalho que foi produzido. Não são os trabalhadores que
contabilizam o que conseguiram produzir. Esta aferição fica a cargo dos funcionários efetivos
da empresa, ocasionando drasticamente na burlagem e na redução do valor total da produção.
Os relatos dos trabalhadores e trabalhadoras entrevistados na pesquisa, trazem histórias de
mutilações, adoecimentos e envelhecimento precoce, oriundos do afã de sobreporem ao limite
de suas forças maior quantidade de serviço e produtividade que lhes permita ganhar um pouco
mais de dinheiro, sacrificando para isso, até mesmo o intervalo limitado para refeição e possível
descanso.
Bernardo Sorj (1980), explica que a baixa remuneração do trabalhador rural, deve ser
entendida a partir do processo histórico de conformação da agricultura em que o domínio do
latifúndio permitiu a imposição de baixos salários. Aqui no Brasil, essa realidade foi

artigos, e diversos ensaios científicos que se encontram enfeixados em obras como “Riqueza e miséria do trabalho
no Brasil” e o “O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital”, assim como em diversas
outras fontes, retratam, entre outros setores produtivos, os processos do trabalho na agroindústria, em áreas
distintas do setor, dentro dos limites do capitalismo contemporâneo.

18
Esta pesquisa foi apresentada por Juliana Guanaes, tendo sido realizada na Usina Açucareira Ester S.A.,
localizada na região de Campinas, interior de São Paulo, e é parte integrante do projeto do Grupo de Pesquisa “As
Metamorfoses do mundo do trabalho” (Unicamp/CNPq), sendo publicada com o título “Quanto mais se corta, mais
se ganha”, na obra organizada por Ricardo Antunes, Riquezas e miséria do trabalho no Brasil (2013), v. 2, cit.,
com elaboração final do resumo, a partir do texto original da pesquisadora, feita por Ricardo Antunes.
101

determinada pela incapacidade de luta política devido a subordinação estrutural da mão-de-obra


rural, fruto da herança histórica do trabalho escravocrata nos engenhos de açúcar, e nos
latifúndios com plantação de café e de cacau. O sacrifício desses trabalhadores e trabalhadoras,
via de regra, é bem explorado por seus patrões, que têm o controle dos que produzem mais em
menos tempo e daqueles que são considerados improdutivos. Os patrões mantêm os primeiros
no regime de superexploração, demitindo os últimos por não lhes servirem aos interesses de
supervalorização no acúmulo de capital.
Outro exemplo do trabalho relacionado à agroindústria canavieira 19, trata sobre a
intensificação ocorrida após transição do processo de trabalho manual para o processo de
mecanização no corte da cana, que foi levado a efeito com a implantação do Protocolo
Agroambiental firmado entre a União da Indústria Canavieira (Única) e o governo paulista em
2007, e do Pacto de Livre Adesão firmado entre a Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag), enquanto representação dos trabalhadores e com a Federação dos
Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), enquanto representações
do governo federal e do patronato. O objetivo dos acordos entre estas associações era o de
reorientar as relações de trabalho nos canaviais e garantir aos compradores de etanol do
mercado externo que as relações de trabalho seriam fiscalizadas pelo poder público.
A pesquisa foi empreendida com diversos trabalhadores rurais de diversos municípios
do interior de São Paulo, objetivando analisar as condições de trabalho e de saúde dos
trabalhadores e trabalhadoras nos canaviais paulistas. A pesquisa mostrou que na produção da
cana – mesmo com a utilização da mecanização e do maquinário na preparação do solo, no
transporte de mudas, na abertura e fechamento dos sulcos ou valas no solo, na adubação e
irrigação – as atividades de plantio e de colheita são realizados pela via manual e permanecem
bem exploradas, ainda mais quando se obriga a plantar em terrenos irregulares ou com
depressões, onde as máquinas não conseguem operar, e o dispêndio de forças do trabalhador,
constitui a tônica exaustiva e adoecedora no trabalho do corte de cana, como se pode depreender
de um dos relatos apresentados:

A cana deve ser abraçada e cortada o rés do chão para facilitar a rebrota. Esta atividade
exige total curvatura do corpo. Após o corte, a cana é lançada nas leiras (montes);
antes devem ser aparados os ponteiros, cujo teor de sacarose é pouco, não
compensando o transporte para a moagem [...]. As condições de trabalho são marcadas
pela altíssima intensidade de produtividade exigida [...]. Entretanto, apesar dos
critérios científicos e técnicos terem aperfeiçoado as variedades de cana – cada vez

19
Ver a pesquisa intitulada “A nova morfologia do trabalho nos canaviais paulistas'', cuja autora é Maria
Aparecida de Morais Silva, e que é parte integrante da obra “Riqueza e miséria do trabalho no Brasil” (2013).
102

mais visando ao aumento do teor de sacarose –, as canas não possuem o mesmo peso
nem se encontram da mesma forma no momento do corte. Há canas deitadas, em pé,
trançadas, as quais exigem diferentes esforços dos trabalhadores [...]. Para o corte usa-
se, [...] o gancho, um instrumento de madeira, feito pelos próprios trabalhadores,
auxilia os movimentos com as pernas para alinhar a cana para o corte dos ponteiros,
[...]. Este instrumento ameniza as dores nos braços e nas costas e evita o agravamento
das dores nas pernas. Outra forma de resistência produzida no eito é a troca de cabos
do podão pelo próprio trabalhador. As usinas, na busca do aumento desenfreado de
lucros, fornecem podões com cabos menores, a fim de diminuir os custos com os
instrumentos de trabalho. Esta medida exige maior curvatura do corpo no momento
do corte, mais um agravante do sofrimento no trabalho. Para contrapor a isso, alguns
trabalhadores trocam os cabos menores por maiores. Por outro lado, algumas usinas
exigem a cana amontoada e não enleirada (em leiras), para facilitar a ação dos
guinchos no momento da recolha e depósito nos caminhões. Todas essas imposições
não são contabilizadas nos cálculos dos técnicos, [...]. A cana é pesada na usina,
portanto, o controle dessa operação escapa ao trabalhador [...]. A principal
característica do trabalho é de ser extenuante, pois exige um dispêndio de força e
energia que, muitas vezes, o trabalhador não possui, tendo em vista o fato de serem
extremamente pobres, senão doentes e subnutridos, além de serem submetidos a uma
disciplina rígida, cujo controle não incide apenas sobre o tempo de trabalho, como
também sobre os movimentos do corpo e o grau de competição estabelecido entre os
cortadores. Quanto mais competitivos, mais rápidos serão os golpes do podão, capazes
de lhes darem o título de “podão de ouro”. [...] (SILVA, 2013, p. 285-286).

Como resultados, tem-se a superexploração no trabalho com exaustão dos


trabalhadores, com reflexos mais diretos à saúde, cujos quadros sintomáticos são as cãibras,
vômitos, tonturas, feridas pelo corpo provocadas pelo suor despendido mesclado à fuligem da
cana, doenças respiratórias, dores de cabeça, dores de coluna, tendinites, etc. Sobre a questão
da fuligem, é mostrado que é proveniente da cana queimada para ser transferida para as usinas
de moagem, contendo as mesmas gases venenosos, posto que as usinas utilizam agrotóxicos
para apressar a maturação do canavial em apenas três semanas antes do corte, o que causa a
intoxicação na emissão dos gases pela fumaça, e que dentre outras coisas, provoca desmaios e
convulsões, com sérias consequências à saúde dos trabalhadores.
A conclusão a que se chegou com a pesquisa, é a de que o mercado do corte de cana em
seus processos produtivos, contribui para manutenção dos elevados níveis de produtividade,
com altos lucros das empresas e intensificação dos níveis de exploração por meio do pagamento
por produção. Essa superexploração é mais comum pela ausência de especialização ou de
qualificação dos trabalhadores cortadores da cana, motivo pelo qual são imprescindíveis aos
altos padrões de acúmulo dos capitais envolvidos.
A autora da pesquisa, acrescenta que essa desespecialização engendra a especialização
enquanto cortador de cana, capaz de suportar as maiores adversidades, como condições
climáticas de muito calor, frio, chuva, e etc., e os rigores do trabalho por produção imposto
pelas usinas (SILVA, 2013). Além disso, chama a atenção para a questão da divisão sexual do
trabalho nos canaviais, em que as mulheres são muito mais exigidas para o plantio, por serem
103

consideradas mais caprichosas nos cuidados e atenção nos processos que se operam no plantio
da cana, fato que não torna menos degradante as condições de trabalho feminino nos canaviais,
incluindo a essa árdua tarefa, os cuidados com as famílias na manutenção e limpeza geral da
casa, na lavagem de roupas, na preparação da comida e etc., tarefas que precisam estar prontas
de madrugada, muito antes de iniciarem a lida no plantio ou no corte da cana, ou depois do
exaustivo e fatigante dia de trabalho, quando chegam à noite nas humildes casas reservadas
pelas próprias empresas para que os manterem sempre disponíveis e em controle absoluto.
Em relação aos desdobramentos advindos dos processos do corte da cana, buscamos
explorar por iniciativa própria, a título de exemplificação da continuidade do ciclo produtivo
dos canaviais até o processo de industrialização, sobre a conversão da cana-de-açúcar em
etanol20. A transformação da cana em etanol, apresenta graus de muita complexidade técnica-
científica e pela forma depreendida, dá a impressão de tratar-se de um processo inteiramente
executado pela maquinaria de automação. Porém, trata-se de um processo integralmente
regulado pelos trabalhadores técnicos, exigindo-lhes níveis de acuidade, conhecimento, atenção
redobrada e presteza na operacionalização do maquinário, de modo que é necessário que se
revezem em turnos contínuos, uma vez que o processo de produção é realizado de forma
ininterrupta 24 horas por dia, gerando aos empresários do ramo somas consideráveis de capital,
tanto no mercado interno quanto no mercado de exportação, que no início de janeiro de 2021
conferiu uma soma 2,67 bilhões de litros21 de consumo do produto.
Outro setor de destaque da agroindústria brasileira, é o da produção avícola 22. Os dados
de pesquisa realizada numa das maiores empresas produtoras mundiais de carne de frango e
derivados, em sua unidade em Toledo, estado do Paraná, mostram que a empresa empregava
aproximadamente 6.500 funcionários, funcionando em regime contínuo de trabalho, com turnos
de trabalho de 8h48m por dia para cada trabalhador, e uma hora para almoço e “descanso”. Foi
demonstrado que a organização do trabalho no setor avícola é predominantemente
taylorista/fordista, e se dá através de uma esteira fixa que conduz o produto a ser desossado. O
ritmo do trabalho varia numa média de movimentos realizados para desossar uma perna de
frango (coxa mais sobrecoxa) entre 18 movimentos realizados em 15 segundos. As condições

20
Ver: Processos de fabricação do etanol | novaCana.com Acesso em 21.01.2021.

21
Informação do site: https://www.novacana.com/n/etanol/mercado/exportacao/2-67-bilhoes-litros-brasil-
exportou-maior-volume-etanol-sete-anos-120121 Acesso em 16.05.2021.

22
Ver o artigo de autoria de Ricardo Antunes, Desenhando a nova morfologia do trabalho no Brasil, estudos
avançados 28 (81), 2014.
104

do ambiente são de uma temperatura de 10 a 12 graus, e a umidade e o barulho são intensos,


marcadas ainda pelo forte cheiro muito peculiar nesse tipo de atividade. O resultado mais
frequente é o desgaste físico e emocional dos trabalhadores e trabalhadoras, sendo constantes
os adoecimentos e os acidentes de trabalho. Além dessas condições, ainda existe o sistema de
metas de execução, cuja média máxima de operação de desossa é de 06 erros na totalidade da
produção diária.
Essa organização do trabalho na produção avícola dentro do sistema de metas, reforça
os esclarecimentos trazidos por Augusto Pinto (2007, p. 33-34)23, quando observa que a ideia
fundamental no sistema taylorista/fordista é elevar a especialização das atividades de trabalho
a um plano de limitação e simplificação tão ao extremo que, a partir de um certo momento, o
operário passa a tornar-se efetivamente um "apêndice da máquina”, tal como Marx se referiu
em meados do século XIX, ao analisar o avanço da automação na indústria, dado ao
condicionamento na repetição de movimentos absolutamente iguais num curto espaço de tempo
quanto possam ser executados. Esse tipo de condicionamento impede qualquer abstração
conceitual sobre o trabalho, por mais qualidade individual e capacidades profissionais e de
especialização educacional possam ter o trabalhador, pois, é um sistema sempre automático que
anula a capacidade de conceber o processo produtivo analiticamente das partes ao todo.
Outro fator importante a ser mencionado sobre a produção avícola, é em relação ao
sistema de integração e de divisão sexual do trabalho nas pequenas propriedades rurais
familiares24, como depreendido da obra Riqueza e miséria do trabalho no Brasil (2013),
organizada por Ricardo Antunes. O sistema de integração é “um esquema normativo de parceria
entre o produtor rural e a empresa, em que o primeiro produz para a indústria e esta se
compromete com o fornecimento de assistência técnica e de insumos para a produção (animais
novos, vacinas, ração e outros) ” (Reche, 2008, apud Nogueira, 2013, p.304).
Essa parceria, como relata Nogueira (2013), se baseia na utilização da força de trabalho
familiar em pequenas extensões de terra e de propriedades diversificadas. Ao pequeno produtor
e à sua família cabe a função de acompanhar o avanço tecnológico da empresa para atingir o
aceite do produto pela indústria para exportação. A autora diz que a ideia básica é que as
agroindústrias forneçam toda a tecnologia aos produtores, cuja tarefa é a de engordar os
animais. Nesse sistema, as indústrias fornecem pintainhos com padrão genético definido, ração

23
Ver “A Organização do Trabalho no Século 20: Taylorismo, fordismo e toyotismo, de Augusto Vieira Pinto,
2007.

24
Pesquisa realizada por Claudia Mazzei Nogueira, que consta da obra Riqueza e miséria do trabalho no Brasil,
organizada por Ricardo Antunes (2013).
105

especial, remédios e assistência técnica, e os integrados cuidam das aves até o momento do
abate. Assim, a agroindústria não necessita gerar espaços de criação e produção da matéria-
prima, mas conserva o monopólio de exploração e controle dos trabalhadores familiares, como
demonstra Nogueira (2013).
Para a autora, “[...] o trabalho no "sistema de integração” pode tanto preservar uma
modalidade típica de produção familiar quanto basear-se numa forma específica de
subordinação desse trabalho ao capital. Exemplo disso é o salário por peça” (Marx, 2013 apud
NOGUEIRA, 2013, p. 304). Ou seja, este é m tipo de trabalho claramente distinto da atividade
laborativa típica da pequena propriedade de subsistência familiar, com o agravante da ausência
de direitos trabalhistas, pelo fato de que são “ [...] fisicamente distanciados do controle e da
exploração direta deles – trabalhadores proprietários, que se pensam livres e parceiros das
agroindústrias" (JESUS, 2010, p. 36, Apud NOGUEIRA, 2013, p. 305).

O fato de a agroindústria determinar, como um verdadeiro “monopólio, o ‘preço’ a


ser pago pelo produto do avicultor” cria uma instabilidade constante e acarreta
insegurança quanto aos valores que serão pagos por cada lote produzido (Lusa, 2008,
p. 61). Essa situação de subordinação e dependência é uma importante dimensão não
só do sistema de integração, mas também da própria lógica da reestruturação
produtiva [...] (Lusa, 2008, p. 61, Apud Nogueira, 2013, p. 305).

É possível presumir, assim, que a realidade exploratória do sistema de integração das


grandes empresas com os pequenos produtores rurais, não se estenda somente à avicultura, mas
a vários outros setores agroindustriais, como verificamos em Sorj (1980), que a classificou
como um processo de semi integração:

Por empresas semi-integradas entendemos aquelas onde a produção agropecuária, se


bem realizada por produtores em estabelecimentos próprios, está totalmente
controlada pela agroindústria. Utilizando mecanismos financeiros e controle técnico
de produção, ela contrata a compra da produção, geralmente a preços fixados com
antecedência. Este tem sido o padrão característico na expansão de parte importante
da indústria avícola e suína. Os grandes estabelecimentos de abate e processamento
entregam as rações e os animais recém-nascidos para serem criados por pequenos
produtores. Situação parecida se dá com produtores de fumo. Trata-se de uma situação
que relembra os trabalhadores a domicílio nos primórdios da Revolução Industrial
(SORJ, 1980, p. 50).

Sorj coloca que a integração de pequenos produtores ao complexo agroindustrial foi


historicamente o padrão dominante em vários produtos agropecuários, como no caso do cacau,
da carne e do algodão, ocorrendo, porém, nas décadas de 1970, um fenômeno inusitado que foi
o desenvolvimento de um setor de pequenos produtores capitalizados, com produção para o
mercado interno e externo, o que ocasionou em novas relações contraditórias com a
106

agroindústria. O autor explica que embora ocorresse muitas vezes a dependência aos grandes
comerciantes e processadores industriais, os pequenos produtores capitalizados organizaram-se
em cooperativas, limitando a extração de excedentes pela agroindústria e gerando, assim, suas
próprias plantas industriais e esquemas de comercialização.
Neste ponto, fazendo uma analogia com os processos de produção realizados nos locais
dos estágios de que se ocupa nossa pesquisa, numa aproximação empírica vimos que nestes
estabelecimentos – dentre os esquemas de comercialização mais presentes estão a produção de
panificação e derivados; de sorvetes e derivados; de doces em geral e de bebidas lácteas como
iogurtes – muitos poucos utilizam alguma matéria-prima primária para produção daquilo que
comercializam. Isto mostra a dependência com as empresas que possuem maior capital. Fica
claro, mais uma vez, a predominância dos monopólios das agroindústrias de maior porte, pela
contradição em relação à composição orgânica do grande capital, o que mostra que não existe
total independência entre capitais, ainda mais quando se trata das empresas de menor porte
econômico.
Diante disso, vê-se de forma cada vez proeminente – ainda mais na atual conjuntura
social, dada a didática do agronegócio – o processo de penetração crescente do capital na base
do processo da pequena produção agrícola, o qual determina uma interdependência e
diferenciação marcadamente característica dos diferentes tipos de empresas agroindustriais.
Esta penetração constante demonstra a subordinação da agricultura ao complexo agroindustrial
já que grande parte dos latifúndios, como esclarece Sorj (1980), se transformam em modernas
empresas capitalistas, diferenciando-se dos antigos latifúndios tradicionais assentados na
exploração da renda do pequeno produtor.
Com isso, a pequena produção ou é marginalizada ou se integra ao complexo
agroindustrial, gerando uma camada de pequenos produtores capitalizados. E gerando, ao
mesmo tempo, um processo de “proletarização” da pequena produção, como adverte Graziano
da Silva (1980), pois que o conceito de proletarização deve ser interpretado em seu sentido
amplo como o processo de subordinação direta do trabalho ao capital e não simplesmente como
a expropriação completa do camponês dos seus meios de produção.
Nota-se, assim, a hegemonia que o capital exerce em sua forma de gerir o trabalho
agroindustrial, e por suas formas de reprodução no contexto do agronegócio, tem levado a efeito
a lógica de subordinação da pequena agroindústria de produção capitalizada que reduz o
pequeno produtor à condição de trabalhador disfarçado, como também, a subordinação da
agricultura à indústria, como declara Kautsky (1970), com controle do processo de produção e
107

mesmo na exploração do trabalhador agrícola um tanto quanto capitalizado, que por sua vez
passa a explorar o trabalhador proletariado.
Kautsky (1970), em seu livro A Questão Agrária, analisou minuciosamente a evolução
da agricultura capitalista na Europa. A ideia central da teoria de Kautsky é a de que os pequenos
camponeses estavam em processo de extinção, fosse pela supremacia tecnológica dos grandes
agricultores capitalistas, ou pelo inexorável processo de integração agricultura-indústria. Ele
argumenta que uma agricultura socialista seria capaz de eliminar a propriedade privada da terra,
pois, ao contrário, o domínio dos grandes monopólios só fomentaria as relações capitalistas no
campo.
As análises de Kautsky evidenciaram que os agricultores não tinham condições de se
reproduzirem socialmente, nem pelas vias da agricultura capitalista, nem mesmo na hipótese de
uma agricultura socialista, e explica as razões dessa sua tese no sentido de que na agricultura
capitalista os agricultores seriam extinguidos pela supremacia econômica e tecnológica dos
grandes produtores e, na agricultura socialista, se tornariam aquilo que considerava como uma
classe superior, pois que a posse da terra não poderia ser privada, o que os obrigaria a tornarem-
se proletários urbanos.

2.2.4 A Questão da Apropriação da Terra nas Relações Capitalistas de Produção Agrícola


e Agroindustrial

A posse da terra se destaca como uma das categorias de análise dentro do marxismo,
por tratar-se de uma questão decorrente das relações sociais de desigualdade dentro da
sociedade de classes, associada ao monopólio da propriedade privada e do processo de má
distribuição da terra dentro do capitalismo. Disso depreende-se que as atividades de produção
agrícola e agroindustrial, dependem fundamentalmente do uso da terra enquanto gérmen do
processo de produção na geração de matérias-primas que serão transformadas na indústria em
mercadorias para valorização e acúmulo de capital no sistema latifundiário de produção. Mas
antes de entrarmos no mérito da apropriação da terra no capitalismo, faremos a exposição do
sentido dado por Marx à questão da terra enquanto objeto universal do trabalho humano.
Marx (2017, p. 256), em O capital, mostra que a terra (que inclui, do ponto de vista
econômico, também, a água) preexiste independentemente da ação do homem, se apresentando
como “objeto universal do trabalho humano”, “fonte originária de provisões”, e de “meios de
subsistência”, assim como com todas as outras coisas em conexão imediata com a totalidade da
terra, como por exemplo, os peixes, a madeira, o minério e etc., constituem-se como objetos de
108

trabalho provenientes da natureza, sendo os seus recursos na forma natural. Marx, também
explica que quando o objeto de trabalho é filtrado por um trabalho anterior, este passa a ser uma
matéria-prima, que será transformada posteriormente por um meio de trabalho25.
A terra, um objeto cuja existência não depende da ação do homem, provém tudo aquilo
que é necessário à sua subsistência, porém, importante que se diga, pela ação do trabalho,
servindo também de um meio (instrumento) para esta ação. Marx é enfático nessa afirmação,
explicando que “os momentos simples do processo de trabalho são, em primeiro lugar, a
atividade orientada a um fim, ou o trabalho propriamente dito; em segundo lugar, seu objeto e,
em terceiro, seus meios” (MARX, 2017, p. 256), nesse fundamento, tem-se na terra um
componente elementar ao processo do trabalho humano desde os tempos mais remotos da
história da humanidade.
O processo de trabalho, em Marx, numa conceituação ontológica, ocorre inicialmente
por um fim determinado, na relação entre homem e natureza. Nesse sentido, a natureza,
ontologicamente, como depreendemos em Marx, é o elemento essencial de mediação do homem
com tudo que existe, inclusive elemento de relação da prática social com outros homens. A terra
e tudo que a compõe enquanto recurso natural, é parte constitutiva dessa relação, sendo para o
homem o seu objeto universal de trabalho, na constatação assertiva de Marx.
Desse modo, Marx (2017, p. 257), expõe que a terra é o objeto natural, do qual o homem
se apodera imediatamente – “desconsiderando-se os meios de subsistência encontrados prontos
na natureza, como as frutas, por exemplo, em cuja coleta seus órgãos corporais servem como
únicos meios de trabalho” (Ibid.) – não constituída apenas como objeto de trabalho, uma vez
que ela pode ser convertida, pela força motriz do homem, em meio de trabalho, servindo de
órgão à sua atividade, à que ele acrescenta à atividade de seus próprios órgãos corporais.
Em vista disso, Marx (Ibidem), explica que do mesmo modo como a terra é para o
homem seu “armazém original de meios de subsistência”, é também, seu arsenal originário de
meios de trabalho, pois, lhe fornece, por exemplo, a pedra, para que ele a arremesse, ou a use
para moer, cortar, comprimir, entre outras coisas. Com isso, Marx previne para o fato de que
“[...]a própria terra é um meio de trabalho, mas que pressupõe, para servir como tal a agricultura,
de toda uma série de outros meios de trabalho, assim como, de um grau relativamente alto de
desenvolvimento da força de trabalho [...]” (MARX, 2017, p. 257).

25
“O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador interpõe entre si e o objeto do
trabalho e que lhe serve de guia de sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades mecânicas, físicas
e químicas das coisas para fazê-las atuar sobre outras coisas, de acordo com o seu propósito” (MARX, 2017, p.
256).
109

Neste ponto, presumimos em Marx (2017, p. 257), uma diferenciação do período


primitivo – no qual o homem sobrevivia utilizando mais livremente suas forças nas atividades
da caça, da pesca, na coleta de frutos e raízes, ao esculpir a pedra, etc. – ao período de
desenvolvimentos dos processos de produção e também da economia, uma vez que, como diz
Marx, não é o que é produzido, mas como e com que meios de trabalho se produz alguma coisa
para satisfação das necessidades. Marx, nesse aspecto, explicita que em relação aos meios de
trabalho, “[...] estes não apenas fornecem uma medida do grau de desenvolvimento da força de
trabalho, mas também indicam as condições sociais nas quais se trabalha [...]” (Marx, 2017,
p.257).
Queremos chamar a atenção para o fato de que Marx, ao mencionar a agricultura, fala
da necessidade da variação dos meios de trabalho e de um relativo grau de desenvolvimento da
força de trabalho, o que pressupõe, haver uma complexidade em processos de trabalho mais
elaborados como na agricultura, como ele mesmo coloca em nota explicativa 26. Se formos
reportar o nível dessa complexidade para os dias atuais, podemos deduzir, as inúmeras
consequências à força de trabalho, haja vista, as exigências de maior qualificação e flexibilidade
dos trabalhadores na lide com os recursos provindos da atividade com a terra, seja na agricultura
ou agropecuária e mesmo na modernização dos processos da produção industrial das matéria
provenientes dessas atividades, com os da agroindústria que exigem graus de desenvolvimento
mais elaborados da força de trabalho posta em ação.
Abordando a questão num sentido mais amplo, Marx diz que o processo de trabalho,
inclui entre seus meios, tanto o que medeia o efeito do trabalho sobre seu objeto, e que serve
de um modo ou de outro como condutores da atividade, como com as condições objetivas que,
em geral, são necessárias para realização do processo. Tais condições, segundo Marx, não
entram diretamente no processo, porém, sem elas o processo não pode se realizar, ou se realiza
de modo incompleto. Neste caso, Marx (2017, p. 258), reforça a importância da terra, uma vez
que, como meio universal de trabalho, fornece ao trabalhador o locus standi (local) e, ao seu
processo de trabalho, o campo de atuação (field of employment) para que o trabalho se efetive.
Contudo, no processo histórico em que se degenerou o domínio da classe burguesa sobre a
classe trabalhadora, o capitalista passa a se apropriar da terra como propriedade privada, da
mesma forma com que se apropria da força de trabalho e do processo desencadeado por essa
força, obtendo o lucro daquilo que não produziu sob nenhuma hipótese.

26
Ver Marx, O capital, Cap. 5, pág. 257.
110

Desse modo, vê-se no processo histórico da divisão de classes – mesmo com toda
resistência legitimada pelos movimentos sociais na luta pelo direito à terra – a hegemonia das
relações de desigualdades sociais, nas quais a propriedade da terra sempre foi garantida à classe
dominante tanto em termos de extensão territorial como de exploração dos recursos naturais e
do trabalhador. Nesse processo, em relação às atividades do agronegócio, a apropriação da terra
na propriedade privada representa as vantagens de acúmulo de capital. O latifúndio, nesse
aspecto, evoluiu da extração primária dos recursos da terra para a introdução do conceito do
agronegócio, movido pela modernização dos processos de produção que vão do manejo da terra
até a indústria, intensificando as formas tanto da exploração das capacidades físicas e mentais
dos trabalhadores como da exploração muitas vezes impróprias dos recursos naturais do meio
ambiente.
Neste quesito, merece um destaque mesmo que a título de breve comentário, a menção
à utilização inapropriada dos recursos naturais pelo agronegócio, em seu modo usual de se
apossar da terra e de tudo que dela provém – o que caberia uma análise mais aprofundada dada
a gravidade da problemática, mas que extrapolaria o foco principal da pesquisa – dada à
exploração indevida, até mesmo em áreas de proteção ambiental dos órgãos competentes, os
quais, muitas vezes, ou por falta de políticas de controle de preservação ou por conta do
sucateamento dos recursos de monitoramento e de força de trabalho suficientes, não conseguem
impedir nem responsabilizar as irregularidades praticadas contra o meio ambiente.
Dentre vários dos efeitos nefastos da apropriação indébita da terra podemos citar: o
desmatamento e as queimadas ilegais dos biomas naturais; a poluição e degradação dos rios e
mares; o uso indiscriminado de agrotóxicos sem critérios mínimos de biossegurança; o manejo
inadequado de animais; o uso de camadas de terra sem preocupação com a integridade do solo;
a contaminação por substâncias tóxicas lançadas no ambiente natural; entre tantos outros
fatores, que interferem diretamente na qualidade de vida e sobrevivência dos seres humanos e
das espécies da fauna e da flora.
Toda essa problemática, inegavelmente, está atrelada à sanha gananciosa da geração do
mais-valor na incongruência da apropriação da terra e dos seus recursos. O que se observa
muitas vezes nessas situações é uma ação sistêmica, condizente com os interesses capitalistas
de produtividade e lucratividade, não importando a afetação destrutiva ao ambiente natural – é
importante registar que isto tem sido uma tônica corriqueira na história atual do país, decorrente
de um projeto deliberado de valorização indébita das atividades do agronegócio com a chancela
da gestão do governo federal, o que tem agravado em proporções nunca imagináveis a
destruição dos ecossistemas naturais, causando sérias consequências à sociedade tanto à nível
111

local como global – ficando demonstrado o cumprimento efetivo de políticas de controle e até
mesmo a negligência com a preservação ambiental para manutenção da biodiversidade.
As questões relacionadas à apropriação da terra dentro do capitalismo, são também
questões que interferem extremadamente nas relações de produção que se baseiam na
agricultura familiar e na luta por direito à terra de movimentos sociais como o do MST, que
tem em seu cerne a pauta de conscientização política e social, e assim, vem adotando já a algum
tempo da história do movimento, formas de produção com base no conceito da agroecologia
para um manejo adequado dos recursos naturais e de uma melhor qualidade de vida, por um
processo de trabalho que se baseia na produção agrícola familiar e na produção agroindustrial,
pelos conceitos produtivos colaborativos familiares e da pedagogia da alternância nas escolas
mantidas pelo movimento. Com essa ressalva, passaremos a discorrer pouco mais sobre estas
modalidades de produção que tem pertinência com o trabalho agroindustrial.

2.2.5 O Trabalho Agroindustrial no Âmbito da Agricultura Familiar

O trabalho produtivo relacionado à agricultura familiar, remonta em verdade, à


atividades seculares no país, e que até um tempo mais recente, não tinham importância como
atividade econômica, como esclarece Graziano da Silva (2002), pois que se apresentavam em
sua gênese como atividades “de fundo de quintal” ou como pequenos negócios agropecuários
intensivos que foram se consolidando como importantes alternativas de emprego e renda no
meio rural. Aquilo que era de início uma atividade dispersa e pouco valorizada, passou a
integrar verdadeiras cadeias de produção agrícola e de processos produtivos agroindustriais.
Entretanto, o processo de consolidação da atividade agrícola familiar, foi desencadeado pela
luta organizada dos trabalhadores do campo em defesa de melhores condições de vida e no
enfrentamento da ordem societária vigente que sempre procurou mantê-los à margem dos
processos econômicos, políticos e sociais.
Tal processo de lutas deve ser compreendido a partir das particularidades dos processos
sociais vividos ao longo da história do Brasil. A agricultura familiar sempre ocupou um lugar
secundário e de subalternidade na sociedade brasileira, sendo historicamente um setor
bloqueado e dependente das imposições da ordem societária dominante. Considerando essas
determinações, esclarecemos que a nossa intenção aqui não é a de fazer uma análise
pormenorizada em termos dos aportes históricos, sociais e políticos que envolve a agricultura
familiar, até porque extrapolaria os limites do estudo empreendido, mas a de trazer uma síntese
112

de alguns elementos que possam delimitar a extensão dessa vertente que abarca em seu conjunto
o trabalho agroindustrial.
O processo de desenvolvimento das atividades produtivas do campesinato, empreendido
pelos trabalhadores rurais, ensejou discussões sobre os modos de produção na agricultura
familiar, as quais sempre se voltaram para a permanência ou não dessa atividade, dada à
intensificação das relações capitalistas no campo. Historicamente, essas discussões giram em
torno da problemática sobre quais são os impactos socioeconômicos da agricultura familiar,
sobretudo, enquanto uma alternativa de desenvolvimento das atividades agrícolas e de
subsistência do homem do campo, em meio ao contexto de acentuada reprodução social do
sistema de mercantilização da produção no capitalismo.
De acordo com Schneider (1999), os debates sobre agricultura familiar ganharam
projeção nacional no final dos anos 1980 e, principalmente, na metade da década de 1990 a
partir do sindicalismo rural ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT e da luta
empenhada por movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST), num processo de efervescência desses movimentos que produziram, inclusive, diversas
manifestações políticas, como o caso dos eventos anuais intitulados “Grito da Terra”. O teor
dos debates se concentravam nos aspectos conjunturais sobre a natureza das relações de
produção no campo e das ações sociais dos agricultores rurais à reforma agrária, e serviram de
elementos para as análises teóricas sobre o caráter de organização e funcionamento da atividade
agrícola familiar.
A temática da agricultura familiar a partir do final dos anos 1990, segundo Schneider
(2003), ganhou legitimidade social, política e acadêmica no Brasil, especialmente pelos
estudiosos das Ciências Sociais que se ocupam da agricultura e do mundo rural, e também,
pelos movimentos sociais rurais e órgãos governamentais. O autor coloca que a afirmação da
agricultura familiar no cenário social e político brasileiro tem relação com a validação que o
Estado lhe emprestou ao criar, em 1996, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar).
O Pronaf, foi formulado como resposta às pressões do movimento sindical rural no
início dos anos de 1990, “e nasceu com a finalidade de prover crédito agrícola e apoio
institucional às categorias de pequenos produtores rurais que vinham sendo alijados das
políticas públicas ao longo da década de 1980 e encontravam sérias dificuldades de se manter
na atividade” (SCHNEIDER, 2003, p. 100). O surgimento do Pronaf, ensejou ao sindicalismo
rural brasileiro, sobretudo aquele localizado nas regiões Sul e Nordeste, reforçar a defesa de
propostas que vislumbrassem o compromisso cada vez mais sólido do Estado com uma
113

categoria social considerada específica e que necessitava de políticas públicas diferenciadas


como taxa de juros menores, apoio institucional, incentivos, entre outras ações governamentais,
como enfatiza Schneider (Ibidem).
A ação dos movimentos sociais do campo, cuja expressão política havia se fragilizado
ao longo da década de 1980, foi capitaneada pelo sindicalismo rural ligado à Confederação
Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), como relata Schneider (2003), num
movimento de reação em face dos desafios que o sindicalismo rural enfrentava nesse período,
tais como os impactos da abertura comercial, a falta de crédito agrícola e a queda nos preços
dos principais produtos agrícolas de exportação. Schneider, esclarece que a incorporação e
afirmação da noção de agricultura familiar mostrou-se capaz de oferecer guarida a um conjunto
de categorias sociais, como a dos assentados, arrendatários, parceiros, integrados às
agroindústrias, entre outros, que não mais podiam ser confortavelmente identificados com as
noções de pequenos produtores ou simplesmente trabalhadores rurais, passando a categorização
de “agricultores familiares”, e que exigia políticas de desenvolvimento para suas práticas
produtivas.
Estas reações geraram importantes repercussões para a análise de projetos de
desenvolvimento rural integrado, como informa Wilkinson (2008). O autor coloca em relação
às repercussões que, “em primeiro lugar, a modernização da produção em pequena escala se
liberta da clássica abordagem em termos de “diferenciação”, que reduziria tal processo a uma
fase de transição em direção à exploração agrícola capitalista baseada no trabalho assalariado”
(WILKINSON, 2008, p.28). E que “[...] em segundo lugar, fornece uma base para a análise dos
programas de extensão rural e assistência técnica, os quais podem agora ser examinados como
veículos privilegiados da adaptação do processo de trabalho no setor da pequena exploração às
exigências do capital agroindustrial” (Ibidem.). Entretanto, “[...] este debate foi limitado pelo
que pode ser chamado de uma abordagem economicista ou, talvez melhor, teoricista, e não
levou a nenhum reexame da estrutura interna da produção em pequena escala no processo de
modernização ou tecnificação” (Ibidem.).
Deduz-se, então, que mesmo colocando em movimento ações que possam garantir
alguma melhoria e desenvolvimento da produção em pequena escala para ser mercantilizada,
os agricultores familiares sempre estarão subordinados ao complexo agroindustrial, seja na
captação de insumos agropecuários, de maquinários e equipamentos, seja nos processos de
integração, entre outras coisas. Sobre essas questões, não faremos aqui uma revisão
pormenorizada, considerando os limites da pesquisa, mas apresentar uma síntese de como a
114

exploração da produção agrícola familiar é vista de forma acrítica numa sociedade de tradição
fundiária pautada na percepção do grande latifúndio de propriedade privada.
Assim, no âmbito da agricultura familiar é muito comum a produção para o
autoconsumo, já que a comercialização do que é produzido ocorre geralmente a partir de algum
excedente para fins de geração de alguma renda monetária, ficando excluídos do processo de
produção como todo, principalmente devido à dificuldade para agregar para si o valor total do
que é produzido. As análises críticas mostram que os agricultores familiares que comercializam
regularmente o que produzem estão quase sempre submetidos às cadeias produtivas dominadas
pelas grandes agroindústrias.
Por outro lado, é importante destacar que muitos estudos demonstram que parte
significativa da produção agroindustrial aparentemente caracterizada como familiar, quando
analisada mais profundamente, se mostra bastante diferenciada internamente. Loureiro (1984,
p. 33), pondera que há entre os produtores familiares, aqueles que podem ser definidos como
pequenos ou até médios capitalistas, cujo processo de produção lhes permite realizar a
reprodução ampliada de capital, a nível monetário, na apropriação de máquinas e equipamentos
agrícolas modernos, assim como controlando o processo de produção pelo trabalho assalariado.
Dessa forma, o resultado do processo produtivo de mercadorias mal permite sua reprodução
física e social, colocando os agricultores familiares em um nítido processo de proletarização,
isto é, vendem sua força de trabalho em troca de salário.
As colocações acima, mostram que existem aspectos bem distintos na configuração do
trabalho da agricultura familiar no Brasil, relacionados às formas de atuação no processo de
produção predominantes no pequeno capital e no grande capital monopolista. Estas distinções
envolvem características completamente contraditórias na condução da atividade produtiva
agrícola, nos setores da agroindústria, na comercialização e no financiamento de recursos para
o desenvolvimento dessas atividades. As contradições, nesse aspecto, se evidenciam por vários
motivos, e uma das que chamam mais atenção se refere à posse da terra. O capital fundiário
detém enormes extensões de terra, muitas vezes mantidas praticamente inexploradas,
funcionando apenas como fundo de reserva de valor da propriedade privada, uma vez que se
conservam na improdutividade, como demonstrado por Loureiro (1984).
Contrapondo-se a esse processo histórico de subordinação ao sistema latifundiário de
dominação capitalista, no que concerne às atividades agrícolas familiares, trava-se a luta
constante por reforma agrária e pela promoção de cadeias produtivas de agroindustrialização
no âmbito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com intuito de fomentar
desdobramentos a um projeto de sustentabilidade para fortalecimento das atividades familiares
115

no campo e de melhores condições de vida aos trabalhadores rurais nos assentamentos


conquistados nos inúmeros embates sociais e políticos por reforma agrária.
Contudo, a experiência vivida no decorrer de tantas lutas por direitos à terra, fez com
que os trabalhadores assentados soubessem que a simples destinação de terras da reforma
agrária para moradia, plantio, cultivo e produção não representa efetivamente a garantia de
mudanças sociais, e isso se dá pelas inúmeras implicações que decorrem de um processo
histórico dentro do contexto de uma sociedade de organização capitalista, fator que motiva
vários teóricos de inspiração marxista defenderem a máxima de que se não houver uma
transformação profunda na sociedade, será inviável a possibilidade de emancipação econômica,
política e social de uma categoria que pela duplicidade de condição – em que é ao mesmo tempo
arrendador e trabalhador – não terá condições reais de superar a relação histórica capital-
trabalho.
Entre algumas das implicações que os assentados enfrentam estão a destinação de terras
em contextos precários de qualidade agrícola ou até mesmo inviáveis para produção;
dificuldades estruturais na produção que vão desde o plantio à colheita, com falta de suporte
técnico, de insumos e maquinários mais adequados à transformação do que é colhido, contando
também com a precariedade ou mesmo a ausência de energia elétrica em muitas localidades
rurais; dificuldade de comercialização dos produtos devido muitas vezes à longa distância dos
assentamentos aos centros urbanos, o que demandaria vias e meios de transportes convenientes;
entraves relacionados à concorrência direta com grandes conglomerados de produção
agroindustrial, havendo a atuação de atravessadores que adquirem por um baixo custo o que os
trabalhadores conseguem produzir, repassando ao mercado com maior valorização do preço,
sendo este um enfrentamento pelo qual também passam os agricultores familiares fora do
movimento dos sem-terra; além de outros fatores.
Na conjuntura atual, desde o início do ano de 2019, os desafios impostos ao movimento
dos sem-terra se apresentam muito mais acentuados, uma vez que tem enfrentado os graves
impactos de uma política neoliberal reacionária27, a qual vem causando a paralisação total e

27
A política de retrocessos implantada desde a ascensão ao poder da extrema direita no Brasil, a partir do ano de
2019, tem paralisado várias políticas públicas voltadas à minorar as desigualdades sociais e oferecer melhor
condição de vida e sobrevivência de vários segmentos sociais, como dos quilombolas, indígenas, sem-terra, sem
teto, entre outros e do proletariado de modo geral, que historicamente sempre estiveram à margem do
reconhecimento dos direitos econômicos, políticos e sociais e da legitimidade de sua condição humana. A retirada
de direitos e a paralisação de ações governamentais da política de reforma agrária e ambiental, conquistados num
processo de lutas históricas pelo Movimento dos Sem Terra (MST), podem ser conferidas nas denúncias elencadas
no site do próprio movimento, onde encontram-se listadas 32 ações de políticas reacionárias por parte do atual
governo: https://mst.org.br/2020/01/02/os-retrocessos-do-governo-na-politica-agraria-agricola-e-ambiental-por-
stedile/ . Acesso em 28.03.2021.
116

irrestrita da política estatal da Reforma Agrária sob jurisdição do INCRA (Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária), culminando na ausência da desapropriação de terras, na
retirada de vários programas e políticas públicas anteriormente empreendidos, e além disso,
resistir às várias investidas de eliminação e criminalização, o que tem inviabilizado por
completo a política de reforma agrária e em consequência, a política de fortalecimento da
atividade agroindustrial nos assentamentos.
Este cenário retrocede às problemáticas históricas um tanto quanto já revistas noutros
momentos em torno da questão agrária no Brasil, regredindo a um processo de extrema
desigualdade e pobreza no meio rural em contraste com os condicionantes da concentração
fundiária da classe burguesa. É frente a esses contrastes e retrocessos sociais que atuam
movimentos como o MST, em defesa da eliminação do monopólio e da distribuição desigual
de terras, processo este que segundo Coggiola (2007), remonta ao período da colonização
brasileira quando se formaram os grandes latifúndios, cuja origem se deu na divisão das
capitanias hereditárias e no processo de escravidão de indígenas e a posteriori dos negros
africanos, povos estes obrigados à lide da derrubada das matas para abertura de grandes
extensões de terras para o plantio das lavouras de cana-de-açúcar e café, o que promovia riqueza
e acumulação de bens e de terras para os senhores do patronato – exímios capitalistas, cujos
modus operandi são retroalimentados na sociedade brasileira até os dias atuais.
Este processo, de acordo com Coggiola (2007), demarcou a instauração latifundiária
sendo o principal objetivo a valorização de suas terras e a especulação imobiliária, ficando a
produção agrícola em segundo plano. O sistema colonial de distribuição de terras responsável
pela formação do latifúndio não favoreceu a pequena propriedade, e muito menos, aos
agricultores familiares assentados. Isto deve ser compreendido a partir das particularidades dos
processos sociais vividos ao longo da história do Brasil, enfatizando-se que a agricultura
familiar sempre ocupou um lugar secundário e subalterno na sociedade brasileira, se
constituindo historicamente como um setor impossibilitado de desenvolver suas
potencialidades, pois nas determinações do modelo capitalista de sociedade, a grande
propriedade sempre se impôs como dominante.
Na contramão desse processo de dominação, a resistência praticada pelos trabalhadores
rurais associados, incentivada por um ideal de cooperação entre si, é um meio ou instrumento
de transformação das condições de vida desses trabalhadores que se sobrepõem às dificuldades,
num exercício constante de superação para que consigam sobreviver e atuar com certa
capacidade produtiva num mercado de exploração do trabalho, enfrentando constantes embates
117

para ter direito a lotes de terra conquistados com muita luta e trabalhada com muito suor e
dispêndio das forças físicas e mentais.
Assim, desse modo, o trabalho agroindustrial realizado nos assentamentos da reforma
agrária é desenvolvido com o objetivo de agregar valor à produção agrícola cultivada, no
sentido de obterem um domínio maior daquilo que plantam e colhem, visando um grau de
subsistência e permanência de seus trabalhadores/agricultores familiares, e ainda, pensando na
manutenção de uma cadeia produtiva mais solidária em seus diferentes elos grupais através do
estabelecimento de relações sem estímulos à competitividade entre si.
Outra questão de suma importância diz respeito à apropriação do conceito agroecologia
como bandeira na luta pela reforma agrária defendida pelo MST, como evidenciam Borsatto e
Carmo (2013). Estes estudiosos colocam que o MST, nas últimas décadas, vem reelaborando
sua práxis e modificando radicalmente o seu modelo de produção do viés produtivista aderindo
de forma cada vez mais patente à visão agroecológica, passando a incorporar no seu ideário
conceitos como o do resgate da agricultura camponesa, livre de insumos e manejos que
comprometam a sustentabilidade ambiental e agrícola e vem orientando desde os anos 1990, os
agricultores assentados a adotarem as diretrizes da agroecologia. A inserção do MST em
questões relacionadas à sustentabilidade pode ser verificada desde o seu primeiro congresso
nacional realizado em 1985, ainda que, de forma um tanto tímida no início das discussões,
conseguiu demonstrar uma inclinação favorável aos temas de preservação ambiental.
Para abordarem a adoção do conceito agroecológico, Borsatto e Carmo (2013)
enfatizam inicialmente que as ideias de Marx, Kautsky e Lênin, são os principais aportes
teóricos que vêm influenciando as ações do MST desde a constituição do movimento, servindo
de base à elaboração de suas propostas para a organização dos assentamentos rurais. Os autores
ponderam que esta observação se faz necessária para ajudar a contextualizar os princípios
norteadores do movimento. Isto posto, expõem em primeiro plano, críticas convergentes dos
três pensadores sobre a produção no campesinato, nas quais evidenciam a inferioridade na
agricultura camponesa em relação à agricultura tecnificada de larga escala, uma vez que
enxergavam no campesinato um grupo social a ser conduzido pelo proletariado, porquanto
defendiam “que uma agricultura socialista deveria ser realizada em grandes explorações
agrícolas, especializadas e altamente mecanizadas “ (BORSATTO e CARMO, 2013, p. 648).
Conforme observam Borsatto e Carmo (2013, p. 653), o MST em seu início,
preconizava um modelo de assentamento rural inspirado nas ideias de Lênin e Kautsky, isto é,
altamente produtivos, especializados, integrados verticalmente e coletivizados. Mas a partir da
metade da década de 1990, passa a difundir uma proposta com relevância às dimensões sociais,
118

político-organizativas e ambientais, além da produtiva, na qual o camponês e seus


conhecimentos são a engrenagem mestra de um processo de desenvolvimento. É notória,
também, a influência das ideias de Marx, Kautsky e Lênin em questões relativas à organização
da produção nos assentamentos rurais, fomentadas no conceito do cooperativismo preconizado
pelo MST durante o início da década de 1990.
Segundo esclarecem Borsatto e Carmo (2013), com base em Borges (2010b), “o MST
via na cooperação a principal saída para a viabilidade econômica da produção, buscando nas
ideias de Kautsky o conceito de superioridade da produção cooperativa, que, como resultado,
promoveria o desenvolvimento econômico nos assentamentos” (Ibidem, p. 654). A proposta de
cooperação indicava um modelo uniforme para os assentamentos, centrado numa ótica
predominantemente econômica que se materializou pelo incentivo à implantação de
Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs) nos assentamentos, considerada pelo
Movimento como a mais viável das alternativas, já que organizava-se cada CPA em um único
assentamento, com a premissa de que a posse da terra e dos demais meios de produção fossem
coletivos para se seguir com a diretriz das CPAs, que é a forma de agregar valor à produção
agropecuária por intermédio de processos de agroindustrialização dentro do próprio
assentamento (BRENNEISEN, 2002 Apud BORSATTO e CARMO, 2013).
Os dois autores reforçam que durante alguns anos esse foi o modelo de assentamento
preconizado e incentivado pelo MST, tendo investido seu poder organizativo nos projetos de
agroindustrialização, mas que na maioria das vezes, eram fundamentados em bases
inconsistentes e contraditórias, baseada na forte mecanização, na divisão e especialização do
trabalho e na produção em grande escala com utilização intensiva de agroquímicos nas
agroindústrias para transformação da mercadoria, nas quais todos os meios de produção seriam
coletivos para, de acordo com a teoria de organização do campo28, se adquirir consciência de
classe numa rígida organização e especialização do trabalho, ao modo industrial, para que os
assentados tivessem condições de competir no mercado e desenvolver a consciência
revolucionária.
Porém, esta teoria recebeu severas críticas de diferentes autores, por ser um modelo
impositivo, construído de “cima para baixo”, que despreza as características inerentes ao

28
A teoria de organização do campo, segundo Borsatto e Carmo (2013, p. 654), foi elaborada por Clodomiro
Santos de Morais, um sociólogo e militante comunista, para estimular o cooperativismo, numa vertente de caráter
estritamente coletivista e caracterizava -se por ser altamente impositiva, forçando um modelo organizacional, para
o qual o MST organizou diversos cursos de formação para os assentados. Esta teoria se baseava na superioridade
do proletariado de Marx, Kautsky e Lênin, mas desqualificava o chamado comportamento ideológico camponês
que era caracterizado como isolacionista, individualista e personalista; comportamento que deveria ser eliminado
(BRENNEISEN, 2002 Apud BORSATTO e CARMO, 2013).
119

campesinato como autonomia e autossuficiência, além disso, por possuir visão maniqueísta, ser
homogeneizadora, desprezar as peculiaridades regionais de cada território, não considerar a
heterogeneidade das histórias de vida presentes em cada assentamento, por ser alienador, entre
outras disparidades (BERGAMASCO e CARMO, 1991; BRENNEISEN, 2002; FABRINI,
2002; NAVARRO, 2002; BERGAMASCO e NORDER, 2003; BORGES, 2010a Apud
BORSATTO e CARMO, 2013).
Por uma série de outros motivos, como a produção de commodities para o mercado que
indicava a dependência dos oligopólios agroindustriais em relação aos preços auferidos por sua
produção, impediram que a maioria da base social do MST aderisse ao projeto desenhado por
Morais, objetivando que o MST revisse totalmente tal modelo e optasse por sua falência,
passando a considerar a necessidade da busca de novos aportes teóricos em que, enfaticamente,
pudesse estabelecer novas práticas para continuar o seu trabalho (BORSATTO e CARMO,
2013), posto que o cooperativismo permaneceria como sendo um dos eixos principais nos
debates do Movimento, porém, direcionado a partir de então, de forma mais flexível e
democrática, com consideração e valorização das especificidades locais.
A importância das ações de cooperação impulsionaram autores como Eid; Addor;
Chiariello; Laricchia e Kawakami (2015), a defenderem que a modalidade de cooperação
praticada serve ao processo de formalização das cooperativas como um importante passo para
se atingir um objetivo que é considerado pelos cooperados como uma etapa fundamental na
busca de financiamentos para se obter a agroindústria e ter acesso ao Programa de Aquisição
de Alimentos (PAA) 29 e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) 30, o que
contribui para a manutenção da produção e renda do assentamento com a venda de produtos in
natura e agroindustrializados para a alimentação escolar no ensino básico.
Assim, nos meados dos anos 1990, novas discussões e avaliações foram necessárias e
culminaram na elaboração de novas orientações políticas, ensejando o debate sobre
Agroecologia, ainda que de forma incipiente, já que não se tinha muita clareza sobre a
significação dessa abordagem. Mas o fato é que as discussões sobre a implementação desse
conceito começaram a ganhar relevância nos espaços internos do Movimento (BARCELLOS,
2010; BORGES 2010b, Apud BORSATTO e CARMO, 2013).

29
Ver https://www.conab.gov.br/images/arquivos/agricultura_familiar/Cartilha_PAA.pdf. Acesso em
13.05.2021.

30
Ver https://www.fnde.gov.br/programas/pnae. Acesso em 13.05.2021.
120

A Agroecologia31, ganha projeção nas discussões do MST e “ [...] emerge no


Movimento não somente como uma prática agrícola menos agressiva ao meio ambiente, mas
emoldurada por um intenso questionamento político em relação às políticas agrícolas que
estavam sendo adotadas pelo Estado brasileiro” (COSTA NETO e CANAVESI, 2003;
KARRIEM, 2009, Apud BORSATTO e CARMO, 2013, p. 656), “[...] que, por sua vez,
fomentou uma agricultura de larga escala, fortemente mecanizada, voltada para a exportação e
dependente dos complexos agroindustriais oligopolizados” (Ibidem). Borsatto e Carmo,
afirmam que a partir do IV Congresso Nacional, “[...] várias foram as ações deferidas e
fomentadas pelo Movimento com vistas a internalizar a Agroecologia dentro dos assentamentos
rurais” (Ibidem). Eles também esclarecem que por suposto, essas ações não se realizaram com
a mesma intensidade em todo o território nacional uma vez que as diferenças a nível de cada
estado brasileiro são facilmente verificáveis, porém enfatizam que o Paraná se destacou como
uma das regiões em que as lideranças do Movimento mais introspectaram e difundiram a
proposta agroecológica, com iniciativas de cursos, fóruns de discussão, capacitação técnica,
além de abrigar cursos de nível técnico e superior para os agricultores.
Borsatto e Carmo (2013), colocam que paralelamente, o MST mudou de forma radical
o seu discurso nos últimos anos, em comparação com o que era defendido no início de sua
formação até meados da década de 1990 e a partir disso, “[...] o conhecimento tradicional
camponês, antes rejeitado, assume lugar central nas propostas para o desenvolvimento dos
assentamentos, assim como também, são quebradas as barreiras internas que separavam a luta
pela reforma agrária da questão ambiental” (Ibidem, p. 657). Em suma, Borsatto e Carmo,
apontam que a defesa da Agroecologia dentro do MST vem se objetivando numa curva
ascendente, como “[...] contraponto ao discurso de coletivização e fomento de grandes unidades
de exploração agrícola especializadas antes vigente” (Ibidem, p. 658) e informam que o discurso
agroecológico, com uma nova roupagem produtiva dentro dos assentamentos, "[...] vêm sempre
profundamente vinculado a duas outras temáticas afins, a da soberania alimentar e da luta contra
o agronegócio” (Ibidem).
À luta de décadas do MST por igualdade social e uma reforma agrária popular, somou-
se o projeto de soberania alimentar alicerçada nos princípios agroecológicos, mudando
completamente o modo da produção agrícola e agroindustrial nos assentamentos, de forma mais

31
A Agroecologia parte de um pressuposto epistemológico que constitui uma ruptura com os paradigmas
convencionais da ciência oficial. [...] Frente ao discurso científico tradicional aplicado à agricultura, que propicia
o isolamento dos demais fatores circundantes, a agroecologia reivindica a necessária unidade das diferentes
ciências naturais entre si e destas com as ciências sociais para que se possa compreender a interconexão dos
processos ecológicos, econômicos e sociais” (Molina Navarro, 1994 p. 7 Apud Costa Neto e Canavesi,).
121

sustentável, introjetando o cultivo orgânico e a transformação de matérias naturais com


produção de alimentos e mesmo de embalagens sustentáveis, como a “embalagem de banana
verde”32 produzida por assentados do município de Arataca-BA, além de muitos outros
produtos orgânicos como feijão, arroz, suco integral de uva, etc., representando a luta socialista
em contraponto ao molde de produção no agronegócio, cujo modelo produtivo contribui de
forma inequívoca para destruição dos ecossistemas naturais, e se baseia na reprodução crítica
do capital.
A reelaboração de paradigma do MST, enquanto organização, é uma forma de superação
das injunções ao modo capitalista, assentada na concepção socialista em que o agricultor “deixa
de ser um mero objeto em uma massa revolucionária” (BORSATTO e CARMO, 2013, p. 657),
para projetar-se como “um sujeito criando a sua própria existência, com conhecimento e valores
morais que são considerados como sendo o gérmen para a construção de uma sociedade mais
justa, sustentável e melhor” (Ibidem).
Desse modo, com a criação pelo Movimento de um novo modelo agroecologicamente
instituído não foi só possível perceber a viabilidade de um modelo sustentável “do ponto de
vista ambiental e socioeconômico, mas também do ponto de vista cultural e político” (COSTA
NETO e CANAVESI, 2003, p. 211). Por esses pontos de vista, limita-se a possibilidade de um
perfil meramente tecnicista de empreendimento para se considerar que “[...] a noção de
sustentabilidade agroecológica adotada na justificação do projeto carece de maior amplitude
dimensional, isto é, requer que sejam efetivamente incorporadas as dimensões socioculturais e
sociopolíticas da sustentabilidade [...]” (Ibidem), que nesse caso envolvem também, a utilização
das tecnologias agroecológicas e a adoção de métodos e técnicas com uma metodologia apoiada
no desenvolvimento participativo de tecnologias (DPT)33, adaptadas às condições dos

32
Informações sobre a produção com base na sustentabilidade ambiental podem ser encontrados nos sites:
https://agroecologia.org.br/2019/01/25/35-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-o-mst/,
https://mst.org.br/tag/produtos-organicos/. Acesso em 15.04.2021.

33
“O Desenvolvimento Participativo de Tecnologias (DPT; inglês: Participatory Technology Development - PTD)
é uma interação de profissionais externos (facilitadores) e a população rural. É um conceito mais abrangente para
inovações, que apresenta um método para o ciclo completo de um projeto. Pontos de partida são: - a percepção de
que o saber local é diferente do conhecimento científico formal; - a consideração de que as prioridades dos
agricultores e dos externos (pesquisadores e extensionistas) podem divergir significativamente; - o reconhecimento
de que as instituições da pesquisa formal e do desenvolvimento têm capacidade limitada para desenvolver uma
multiplicidade de adaptações de tecnologia a contextos específicos para a ampla diversidade das condições dos
agricultores pobres, em termos de recursos no mundo inteiro, ou até em um país só. A contribuição mais importante
do DTD é o desenvolvimento de um método para a experimentação conjunta de agricultores e externos
(pesquisadores e extensionistas), quer dizer, para a geração de um "terceiro conhecimento". Enfatiza a importância
do saber local,16 antes compreendido como um produto que podia ser transportado e não como parte integral de
processos sociais. A compreensão do fato de que inovações podem se originar de diferentes fontes e que estas
podem ser também os agricultores, teve como consequência o reconhecimento da existência, da importância e do
122

assentamentos, como observam Costa Neto e Canavesi (2003), destacando-se, muitas vezes, a
operacionalidade e adoção de tecnologias desenvolvidas por pesquisadores que abraçam a causa
de alternativas sustentáveis e de menor preço comparado ao custo do mercado.
Um projeto de formação agroecológica e de educação ambiental pressupõe à
responsabilidade social de se discutir com os assentados as bases desse novo modelo
tecnológico, e isso não deve se constituir como um dever puramente dos organizadores do
Movimento, e dessa forma, é necessária a conscientização de que “[...] cabe ao Estado o dever
de investir em pesquisas públicas com o objetivo de conduzir à transformação da matriz
tecnológica nos assentamentos [...]”(COSTA NETO e CANAVESI, 2003, p. 211), para “[...]
uma autonomia cada vez maior dos trabalhadores rurais em relação aos insumos produzidos
pelas grandes empresas agroindustriais” (Ibidem, p. 212).
Diante do enunciado sobre a responsabilidade por parte do Estado na construção de
projetos com abertura para a Agroecologia junto aos assentamentos, queremos chamar a
atenção para o papel das instituições de educação que o representam, no sentido de promover
uma maior abertura e incentivos para projetos com viés agroecológico e desenvolvimento
agrário participativo nos cursos da educação profissional técnica de nível médio, como o curso
técnico em agroindústria e afins. Esta ação iria favorecer a construção de projetos pedagógicos
com um modelo tecnológico propício a práticas socioeducativas ecologicamente sustentáveis,
implementados de forma integrada e participativa. Ademais, essa é uma possibilidade que
poderia ser viabilizada pela iniciativa e parceria das instituições de ensino, realizada
conjuntamente e de modo especial, com agricultores familiares junto a suas organizações. Esta
iniciativa encontra ressonância num pensamento preconizado por Sevilla Guzmán (1999) , pois
que:

O projeto poderia, ainda, recorrer a profissionais com formação sócio antropológica e


histórica, que se agregariam aos setores provenientes de áreas “técnicas” e atuariam
no sentido de promover, conjuntamente, a prática de metodologias de observação
participante seguida da investigação-ação participativa, de modo a levar a uma
identificação dos interesses dos assentados. Em termos culturais, a intervenção social
humanística visaria ao resgate da “memória coletiva” proveniente da “cultura do
trabalho” [...] (SEVILLA GUZMÁN, 1999, p. 80 Apud COSTA NETO e
CANAVESI, 2003, p. 211).

Assim, queremos salientar que esta será uma reflexão da qual propomos como um dos
elementos constitutivos do documento base para uma reconceptualização da prática educativa

potencial dos experimentos realizados pelo agricultor”, como explicam Heribert Schmitz e Dalva Maria da Mota,
no artigo Métodos Participativos e Agricultura Familiar, publicado na revista Cadernos de Estudos Sociais, 2004.
123

do estágio num curso técnico em agroindústria, que comporá o trabalho de pesquisa por nós
desenvolvido. Nossa intenção, neste sentido, é contribuir para a consolidação de um projeto
alicerçado na politecnia e na omnilateralidade para o curso técnico em agroindústria para que
possa ser priorizada a realização da prática educativa dos estágios curriculares no ambiente das
cooperativas e associações da agricultura familiar, até porque boa parte dos alunos do curso
residem no meio rural e vivenciam a realidade do trabalho nesses ambientes, sendo alguns deles,
filhos de agricultores familiares.
Cabe destacar, tomando o enfoque da agricultura familiar, que não se encontrou relatos
de experiências de estágio vivenciadas em ambientes do trabalho agroindustrial que reportasse
à essa vertente da produção no curso em agroindústria pesquisado, considerando o fato de que
no território de identidade do Recôncavo da Bahia, que é a região na qual está situado o Campus
do IFbaiano de Governador Mangabeira, existe bem próximas uma quantidade expressiva de
associações de agricultores e agricultoras familiares, como o caso da Associação Comunitária
do Brinco (Abrinco) localizada em Maragogipe-BA, que produzem, entre outras coisas, batata
doce, aipim e inhame à vácuo, a massa de aipim processada, a goma de tapioca para beiju, a
tapioca granulada, e a farinha de mandioca, sem agrotóxicos, obtendo uma produção de 20
toneladas por mês com expansão na comercialização de seus produtos para várias redes de
mercados dos municípios adjacentes e para a capital baiana, formada em sua maioria por um
contingente de 70% de mulheres e jovens e beneficiária do Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), em parceria com o Governo do Estado, tendo recebido o selo de Identificação
da Participação da Agricultura Familiar da Bahia – SIPAF.
Além da Abrinco, outras associações da agricultura familiar do entorno do Campus de
Governador Mangabeira, também, têm se destacado na economia agrícola do Estado, como é o
caso da Associação de Desenvolvimento Rural de Jenipapo, do município de São Felipe-BA,
que está à frente da Casa de Beiju, criada pela associação, a qual transforma a mandioca que
seus agricultores associados plantam, colhem, descascam, e ralam em aproximadamente 40
quilos de beiju por mês, sem agrotóxicos, vendendo seus produtos, as Joias do Forno, nos
municípios vizinhos, nas feiras da região e para os Programas Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) e de Aquisição de Alimentos (PAA), e para a Associação de Mulheres Regional
Empreendedora da Agricultura Familiar (AME), da comunidade Engenho de São João em Cruz
das Almas-BA, as quais produziram 2.500 quilos de biscoitos de goma ao mês no ano de 2019,
estando previsto o aumento dessa produção pela equipagem com uma cozinha industrial,
através do incentivo do Projeto Bahia Produtiva mantido pelo Governo do Estado da Bahia, por
124

meio da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), vinculada à Secretaria de


Desenvolvimento Rural (SDR).
É importante destacar, portanto, que as agroindústrias mantidas pelas associações dos
agricultores familiares fazem parte de estratégicos sistemas produtivos que no Estado da Bahia,
operam por meio das parcerias com instituições públicas estaduais e municipais, através de
ações integradas de planejamento produtivo, assistência técnica e extensão rural, estudos para
beneficiamento da produção, implantação de novas agroindústrias e de agregação de valor e
comercialização baseada na demanda de mercado por rastreabilidade da procura de produtos
mais sustentáveis, entre outras ações, recebendo muitas delas incentivos da CAR.
A iniciativa à realização de estágios do curso em agroindústria na vertente do trabalho
agroindustrial na agricultura familiar, ensejaria à observância à realidade social dos estudantes,
e poderia contribuir para o suporte técnico da produção agroindustrial de suas famílias e mesmo
de suas comunidades locais que muitas vezes não dispõem de uma assessoria técnica efetiva
por conta de diversos fatores, sendo que um dos principais é a ausência de recursos financeiros
que possam cobrir uma assessoria técnica contínua, tendo em vista que a assessoria prestada
pelos órgãos públicos de fomento não conseguem estar presentes de forma mediata para toda
necessidade que se apresente.
Pensando essas questões, objetiva-se a defesa da oferta de formação pelo viés da
pedagogia da alternância com base na concepção da educação do campo, numa perspectiva
agroecológica de produção, como vertentes educacionais que demandam uma formação mais
significativa alicerçada no sentido da educação enquanto práxis social e pelo caráter de
pertencimento ao contexto sociocultural das comunidades em que residem os alunos do curso
e de uma produção econômica alicerçada numa concepção de sustentabilidade socioambiental.
Em vista disso, pensa-se na possibilidade da viabilidade da práxis educativa com vistas
a uma produção agroindustrial que privilegie, entre outros princípios de emancipação dos
sujeitos, os princípios agroecológicos fundados no respeito à biodiversidade, ao equilíbrio
ambiental, à rentabilidade cooperativada, para que se promovesse uma observação-participativa
em que ficasse demonstrada a apropriação do conhecimento agroecológico na aplicação de
técnicas e na produção de modelos tecnológicos.
Com esse pensamento, defende-se a construção de projetos pedagógicos para se pensar
sobre o trabalho agroindustrial orientado nos princípios da educação agroecológica não
simplesmente como um receituário de aplicação de técnicas sustentáveis, mas como uma
formação tanto de promoção dos fundamentos e valores agrosustentáveis como com articulação
dos fundamentos entre ciência e tecnologia através da aproximação com ambientes
125

agrícolas/agroindustriais organizados pelas cooperativas e associações de trabalhadores rurais,


o que propiciaria uma práxis mais voltada para formas de sustentabilidade social, ecológica,
política e econômica, dentro de uma concepção crítica-social-histórica.
Assim, ao chegarmos na conclusão deste segundo capítulo, cuja abordagem está em
torno dos elementos que dizem respeito ao trabalho em geral e ao trabalho agroindustrial, é
necessário esclarecer que toda a sua elaboração se deu a partir da apropriação dos fundamentos
e princípios dialéticos que conceituam o trabalho em geral e com isso avançarmos no estudo da
estrutura, desenvolvimento e finalidades do trabalho agroindustrial, numa perspectiva da
concepção ontológica do trabalho.
Desse modo, pautamos nossos estudos sobre o trabalho em geral e sobre o trabalho
agroindustrial, concebendo-os por um entendimento do trabalho como princípio educativo, à
luz da teoria marxiana, se constituindo como elemento de produção da existência humana, na
relação ontológica e histórica do homem (ser social) com o meio, com a sociedade em geral e
com os sistemas político-econômico e culturais presentes na sociedade. Assim, inicialmente
buscamos a compreensão do trabalho em geral tanto em Marx e Engels (2009) nos postulados
de A Ideologia Alemã como em Gyorgy Lukács, estudioso da obra marxiana, em a Ontologia
do ser social.
Em Marx e Engels (2009), entendemos que os homens, sujeitos históricos, ao longo da
existência, pela atividade na relação com a natureza, sempre buscaram os meios de objetivação
da manutenção da existência. Para isso, desde os primeiros estágios da história humana, usam
da corporalidade (física e espiritual) para o atendimento das necessidades, e assim precisaram,
no tempo histórico, explorar mais e mais o ambiente natural e aprimorar os meios para um
domínio cada vez maior sobre a natureza, atingindo nessa interação, avançados graus de
desenvolvimento a nível de organização social e política e de produção do conhecimento
científico e tecnológico.
Nesse processo, produzir os meios de atendimento às necessidades e manter a vida
consistiria, então, na condição fundamental para “fazer história” (MARX e ENGELS, 2009, p.
40). Assim, “[...] o primeiro pressuposto de toda existência humana, e, portanto, de toda
história, a saber, é o pressuposto de que os homens têm de estar em condições de viver para
poderem “fazer história”. Nesse sentido, o trabalho é o primeiro ato histórico de produção dos
meios para a satisfação das necessidades humanas. Do mesmo modo, presumimos que o
trabalho agroindustrial é uma atividade produtiva necessária a manutenção da existência e
decorrente dos processos de objetivação do conhecimento científico e tecnológico produzidos
126

historicamente à medida em que novas necessidades se apresentavam no intercâmbio das


relações humanas sociais.
Assim, diante dessa perspectiva, chega-se à conclusão de que o processo de relação do
homem com a natureza, pelo trabalho, como ato histórico fundamental, produz os meios que
permite ao homem satisfazer as suas necessidades, significando que a atividade humana, é
objetivada pela capacidade de transformar os recursos presentes na natureza. Dessa forma, na
correlação com o trabalho agroindustrial, toma-se por uma atividade que transforma os
elementos, objetos ou matérias-primas objetivadas no meio natural e social para satisfação de
diversas necessidades humanas que não dizem respeito apenas à alimentação, mas a uma série
de outras necessidades que se relacionam com a atividade agropecuária e são provenientes da
agricultura, da pecuária, da aquicultura e também da silvicultura.
Desse modo, por intermédio do ato histórico do trabalho, seja na manutenção básica da
existência como vestir, comer, beber, ou por qualquer outra atividade mais complexa como a
do trabalho na agroindústria, que o homem se torna homem, ou seja, um ser com possibilidades
de objetivação e de apropriação daquilo que ele mesmo consegue criar no uso de suas forças
corpóreas e espirituais em sua mediação com o meio natural e com tudo que dele provém.
Tomando este ponto de vista, quando pensamos nas atividades nas fases mais remotas
da existência humana, vemos no trabalho agroindustrial, um processo ontologicamente
necessário, dada a noção de que alargaram-se as demandas da vida social, do qual presume-se
o ser humano, diversamente dos animais, um ser social, capaz de pensar e agir concretamente
diante das necessidades que se apresentam, operando formas adaptadas às condições de vida
material quando, “é preciso, pois, ter sempre presente que se trata de uma transição à maneira
de um salto [...]”, “[...] de um nível de ser a outro, qualitativamente diferente [...]” (LUKÁCS,
1981, p. 34). O salto qualitativo, referido por Lukács, no qual os homens superam a natureza
meramente biológica, para a essência ontológica do ser que é “[...] constituída por essa ruptura
com a continuidade normal do desenvolvimento e não pelo nascimento, de forma súbita ou
gradativa, no tempo, da nova forma de ser [...]” (LUKÁCS, 1981, p. 36).
Assim, os homens não só se apropriam dos objetos naturais, mas os transformam em
instrumentos com função determinada, idealizada previamente, como corre nos processos de
industrialização agroindustrial, em que se movimenta diversas cadeias produtivas da indústria
alimentícia em geral, incluindo a alimentação animal; da indústria de laticínios; dos frigoríficos;
dos enlatados; dos grãos; da indústria têxtil; dos couros; das madeireiras; dos biocombustíveis;
dos fertilizantes e defensivos; dentre vários outros setores.
127

À medida que os homens produzem a existência, desenvolvem conhecimentos, valores,


crenças e uma série de outros sistemas e operações, resultantes de suas ideações e das
representações sociais, tais como as leis, a política, a religião, e as diversas atividades
produtivas de que se conhece na história da humanidade. Ainda assim, como afirmam Marx e
Engels, “[...] a diferente configuração dada à vida material depende sempre, naturalmente, das
necessidades já desenvolvidas, e tanto a criação quanto satisfação dessas necessidades são, elas
próprias, um processo histórico [...]” (MARX e ENGELS, 2009, p. 100), o mesmo não
ocorrendo com os animais, desde quando os animais não pensam ao produzir, agem
instintivamente e da forma de acordo à espécie. Desse modo, de forma sintética, emergem as
bases ontológicas do trabalho.
Pressupomos, assim, que Karl Marx (2017), em O capital, ao postular que “o trabalho
é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por
sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a natureza”, além de conceber
o trabalho ontologicamente o analisava na totalidade das atividades produtivas sociais, pois, o
que se depreende ao consultar suas obras é que trata do trabalho desenvolvido no conjunto da
sociedade, como se constata das várias de suas passagens em que se refere à inúmeros processos
produtivos de diferentes áreas da atividade humana.
Presume-se assim, portanto, que a ação humana é engendrada pela capacidade de
raciocínio, de planejamento, de abstração e de propriedade intelectual. Mas, sobretudo, é
potencialmente elaborada no intercâmbio das relações sociais. Assim, o processo da produção
da existência humana decorre das reciprocidades humano-históricas-sociais, e mediado pelas
elaborações conscientes dos homens no conjunto da prática social. Neste processo, os resultados
são imanentes da “representação do trabalhador no início do processo” e “determinados pelo
modo de sua atividade com a força de uma lei” como referido por Marx (2017, p. 256), em O
capital.
É nesse sentido que Marx atribui o trabalho à generalidade da práxis humana social, em
todas as épocas da história. Assim, ao elaborar o mundo objetivo, a dimensão consciente e
predominantemente social impressa no trabalho humano, faz do homem um ser genérico, pois,
que o homem cria e recria a realidade material. O trabalho se constitui assim, um processo de
hominização dos homens, considerando-se que não se produz nada na inatividade.
Marx, porém, na objetivação concreta do seu método da economia política, pensando o
trabalho dialeticamente, concluiu que ao ocorrer a compra da força de trabalho, ou seja, do
trabalhador pelo capitalista, na sociedade de classes, ocasionou na divisão do trabalho, que se
tornou uma práxis fragmentária, alienada, exterior ao homem, a ser explorada pelo capital como
128

uma mercadoria para geração da mais valia, em troca de um salário que não paga a força
dispendida e o tempo empregado na produção.
A usurpação do trabalho alheio pelo capitalista se constitui numa grande contradição,
tanto pelo fato do trabalho, em seu processo, advir essencialmente do trabalhador, como pelo
fato do produto derivado do mesmo, ser a objetivação do trabalho, e assim, não ter em essência
nenhuma relação de dependência de labor pelo capitalista, o qual na maior parte das vezes, só
fornece os meios (instrumentos) de execução, mas, porém, sempre se apossando da força de
trabalho e do produto gerado, subsumida a uma mercadoria comprada pelo capitalista. Esta
mesma configuração, dado ao modus operandi do capital, permeia as relações entre capitalista
e trabalhador na produção da atividade do trabalho agroindustrial, especialmente quando
ocorreu a transição da atividade no campo ou meio rural para o processo de transformação das
matérias-primas agrícolas ou agropecuárias pela indústria.
Esse processo foi estudado por pesquisadores como Graziano da Silva (1998), que se
ocupa em analisar o processo histórico que determinou a passagem da agricultura brasileira do
chamado “complexo rural” para a dinâmica dos “complexos agroindustriais ou CAIs”, com
intensificação da divisão do trabalho e das trocas intersetoriais” na “especialização da produção
agrícola e na “substituição das exportações pelo consumo produtivo interno como elemento
central da alocação dos recursos produtivos no setor agropecuário” (GRAZIANO DA SILVA,
1998, p.1).
Evidenciou-se em relação ao trabalho agroindustrial, a ideação fenomênica de que se
tem na correlação imediata da atividade agrícola com os processos de industrialização. Essa
evidência se complexifica em virtude da ideologia muito própria do contexto de divisão social
do trabalho, que desconstrói o entendimento de que na base da industrialização nas
agroindústrias está a atividade de trabalhadores e trabalhadoras como uma prática essencial à
execução dos processos produtivos, sem a qual a transformação das matérias-primas não se
realizaria por si só. Desta forma, na sociedade de classes, o trabalho é subsumido a uma
condição estranha na separação dessa atividade ao próprio homem como força de trabalho em
potência. Essas determinações explicitam muito a forma pela qual ocorre a dualidade estrutural
entre trabalho manual e trabalho intelectual no meio educacional.
Assim, então, a dinâmica de exteriorização e estranhamento do trabalho agroindustrial,
se tornou ainda mais complexificada através da introdução no sistema produtivo agropecuário
do conceito do agronegócio, como uma tendência que emergiu da tônica da “agropecuária
moderna, baseada em commodities, intimamente ligada às agroindústrias” (GRAZIANO DA
SILVA, 2002, p. 19), com forte implementação dos recursos de automação à produção rural,
129

visando a intensificação da capitalização das atividades do campo, o que culminou em altos


graus de especialização da produção agroindustrial. Aqui se explica, a exigência de mão de obra
cada vez mais qualificada e a forma como o capital se apropria dos avanços científicos e
tecnológicos presentes nos processos de produção agroindustrial, o que exige muitas vezes altos
recursos de automação.
A questão que surge como uma contradição relacionada à questão do avanço científico
e tecnológico é que o capital impõe ao trabalhador uma atividade cada vez mais maquinal para
a qual ele tem que realizar movimentos repetitivos pelo tanto do tempo do processo de
produção, passando a se tornar um apêndice do maquinário de automação.
Outra questão observada é a de que a hegemonia que o capital exerce em sua forma de
gerir o trabalho agroindustrial, por suas formas de reprodução, no contexto do agronegócio, tem
levado a efeito a lógica de subordinação da pequena agroindústria de produção capitalizada que
reduz o pequeno produtor à condição de trabalhador disfarçado, levando também, a
subordinação da agricultura à indústria, como declara Kautsky.
As questões relacionadas à propriedade privada e da apropriação da terra dentro do
capitalismo, foi outra questão abordada, e que interfere drasticamente não apenas na
preservação ambiental como também nas relações de produção com base na agricultura familiar
e na luta por direito à terra dos movimentos sociais como o MST, cujos processos de produção
agroindustrial se baseia nos conceitos da produção colaborativa e da pedagogia da alternância
nas escolas mantidas pelo movimento. Em suma, discutiu-se sobre os processos de integração
na agricultura familiar que tem se organizado como uma grande cadeia de produção agrícola e
de processos produtivos agroindustriais, numa visão sustentável do processo de produção, como
uma vertente que se consolidou pela luta organizada dos trabalhadores do campo em defesa de
melhores condições de vida e no enfrentamento da ordem societária vigente que sempre
procurou mantê-los à margem dos processos econômicos, políticos e sociais.
130

CAPÍTULO III - A DIALÉTICA TRABALHO, EDUCAÇÃO, CONHECIMENTO:


FUNDAMENTOS DE ARTICULAÇÃO COM A PRÁTICA EDUCATIVA DO
ESTÁGIO CURRICULAR

Ao partirmos da análise da prática educativa do estágio curricular no curso técnico em


agroindústria no contexto da EPT, a abordagem à relação trabalho e educação é uma premissa
elementar. Nessa perspectiva, pressupomos o trabalho como unidade fundamental, pois que, o
trabalho, do ponto de vista da dialética crítica, é o princípio educativo de produção da
existência humana nas relações sociais e o princípio articulador entre ensino e trabalho
produtivo, teoria e prática, processo pedagógico e processo de produção técnica, constituindo-
se, assim, o núcleo central de articulação entre concepção e execução para apropriação do
conhecimento, numa perspectiva omnilateral da formação.
Mas qual seria, então, o entendimento com base na dialética crítica marxiana que
pressupõe o trabalho como o princípio educativo fundamental da existência humana? Buscamos
a compreensão da questão em Saviani (1989):

O que define a existência humana, o que caracteriza a realidade humana é exatamente


o trabalho. O homem se constitui como tal, à medida em que necessita produzir
continuamente a sua própria existência. É isso que diferencia o homem dos animais:
os animais têm sua existência garantida pela natureza e, por consequência, eles se
adaptam à natureza; o homem tem que fazer o contrário, ele se constitui no momento
em que necessita adaptar a natureza a si, não sendo mais suficiente adaptar-se à
natureza. Ajustar a natureza às necessidades, às finalidades humanas, é o que é feito
através do trabalho. Trabalhar não é outra coisa senão agir sobre a natureza e
transformá-la. Ora, essa ação sobre a natureza, que a transforma, é uma ação guiada
por objetivos. Este é outro elemento diferenciador da ação humana, que é trabalho,
das demais ações que não são trabalho. [...] (SAVIANI, 1989, p. 8).

Se é o trabalho que constitui a realidade humana, e se a formação do homem está


centrada no trabalho, isto é, no processo pelo qual o homem produz a sua existência,
é também o trabalho que define a existência histórica dos homens. Através do trabalho
o homem vai produzindo as condições de sua existência, e vai transformando a
natureza e criando, portanto, a cultura, criando um mundo humano. Esse mundo
humano vai se ampliando progressivamente com o passar dos tempos. Na formação
dos homens, há que se levar em conta o grau atingido pelo desenvolvimento da
humanidade. Conforme se modifica o modo de produção da existência humana,
portanto o modo como ele trabalha, produz-se a modificação das formas pelas quais
os homens existem. Nesse sentido, é possível detectar ao longo da história diferentes
modos de produção da existência humana, que passa pelo modo comunitário, o
comunismo primitivo; o modo de produção asiático; o modo de produção antigo, ou
escravista, baseado na transformação exercida pelos escravos; o modo de produção
feudal, baseado no trabalho do servo, que trabalha a terra, que é propriedade privada
do senhor; e o modo de produção capitalista, baseado na apropriação privada dos
meios de produção onde os trabalhadores produzem com meios de produção que não
são deles. Esses diferentes modos de produção revolucionam sucessivamente a forma
como os homens existem. E a formação dos homens ao longo da História traz a
determinação do modo como produzem a sua existência. A realidade da escola tem
que ser vista nesse quadro [...] (SAVIANI, 1989, p. 8-9).
131

Por meio destes importantes esclarecimentos trazidos por Saviani (1989), com base em
Marx, passamos a discernir sobre a centralidade do trabalho enquanto princípio fundamental de
produção da existência humana, assim como, passamos a compreender as contradições a que é
subsumido o trabalho na divisão social da realidade concreta objetiva nas sucessivas fases da
história da humanidade e também, a compreensão que sucede à relação entre trabalho e
educação, dado que a escola incorpora a subsunção da divisão social do trabalho, o que
ocasiona, por extensionalidade, nas dualidades estruturais do conjunto das práticas pedagógicas
educacionais ao longo do processo da escolarização na sociedade de classes.
Assim, desse modo, o entendimento do conjunto de relações entre trabalho e educação,
requer a compreensão da organização do trabalho na sociedade. Por isso, dado os limites da
pesquisa empreendida, torna-se, então, necessária a apreensão de uma base categorial que dê
conta de responder conceitualmente a problemática da desarticulação entre ensino e trabalho
produtivo e da cisão entre concepção e execução identificada na prática educativa do estágio
curricular no curso técnico em agroindústria, desde quando esta prática é pensada pela
articulação do ensino profissional tecnológico com o mundo do trabalho agroindustrial, logo,
entendida como prática educativa social.
Portanto, as categorias trabalho como princípio educativo, práxis, politecnia,
omnilateralidade, são categorias tomadas como essenciais à articulação entre ensino e trabalho
produtivo, concepção e execução, e compõem o quadro analítico com base teórica-
metodológica na dialética crítica, no sentido de darmos um tratamento adequado à proposta de
práxis educativa para o objeto da prática educativa do estágio curricular, e como efeito, para o
processo pedagógico da formação sócio técnica tanto pensando o curso técnico plano de nossa
análise como para oferecer campo de discussão para a prática educativa do estágio curricular
desenvolvida no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica como um todo.
Dessa forma, podemos considerar de antemão que a problemática da desarticulação
entre ensino e trabalho produtivo e da cisão entre concepção e execução na prática educativa
do estágio curricular é uma contradição desencadeada já desde o processo de formação, e que
na causa dessa problemática temos as determinações que emergem da divisão social e técnica
do trabalho na sociedade capitalista. Como, assim, é de fato, a questão que se impõe, embora
complexa, precisa ser entendida do ponto de vista da relação dialética entre trabalho e educação,
e acima de tudo, necessita ser discutida e incorporada na tentativa de “superar os limites
herdados do enfoque restrito à formação profissional para o desenvolvimento econômico, à
132

teoria do capital humano, ao tecnicismo e às teorias reprodutivistas” (Franco, 1990 Apud


TREIN e CIAVATTA, 2003, p. 141).
A reprodução dessas teorias, no curso da história, molda a organização pedagógica dos
cursos da educação profissional com a insígnia de formar para o mercado de trabalho, e está
enfaticamente subordinada, de acordo ao que expõe Frigotto (1995), ao “pensamento humanista
tradicional e moderno, ao positivismo, ao funcionalismo e às visões estruturais-reprodutivistas
da educação” (FRIGOTTO, 1995, p. 13), manifestas na concepção dominante pela
“interiorização da concepção burguesa de trabalho, de educação, em suma, de formação ou
fabricação do trabalhador” (Ibidem, p.14). Estas correntes do pensamento não-crítico,
repercutem, no tempo histórico, nos processos educativos da escola, como uma prática
contraditória oriunda da ideologia hegemônica na sociedade de classes que decorrem na
dissociação da relação trabalho e educação, como expõe Frigotto (1995):

[...] a compreensão concreta da prática educacional na sociedade de classes, como


uma prática contraditória e, enquanto tal, que se inscreve na luta hegemônica entre as
classes fundamentais, a fábrica, a escola e outras instituições educativas sendo
aparelhos de hegemonia, está longe de ser assimilada ao nível da teoria e das
transformações históricas. Está, portanto, longe da prática, pelo menos no que se
refere à relação trabalho e educação. (FRIGOTTO, 1995, p. 13).

É importante ressaltar, porquanto, que mediante a compreensão concreta da prática


educacional pautada na divisão social do trabalho, vista pela ótica da dialética crítica, emerge
o movimento de lutas constantes como tentativa de superação da ideologia hegemônica imposta
às relações e práticas sócio educacionais. Há a consciência, no entanto, de que para a superação
total da ideologia dominante, serão necessárias profundas mudanças na realidade material
concreta, na forma como esta se apresenta. Para isto, importa, sobremaneira, a investida à
mudança daquilo que foi sendo interiorizado historicamente enquanto concepção de trabalho,
ou seja, da visão de trabalho como algo exterior à natureza humana e destituído das dimensões
de mundo da necessidade e mundo da liberdade, como concluiu Marx, e cujo entendimento é
referenciado por Frigotto (1995):

A concepção burguesa de trabalho vai-se construindo, historicamente, mediante um


processo que o reduz a uma coisa, a um objeto, a uma mercadoria que aparece como
trabalho abstrato em geral, força de trabalho. Essa interiorização vai estruturando uma
percepção ou representação de trabalho que se iguala à ocupação, emprego, função,
tarefa, dentro de um mercado (de trabalho). Dessa forma, perde-se a compreensão,
de um lado, de que o trabalho é uma relação social e que esta relação, na sociedade
capitalista, é uma relação de força, de poder e de violência; e, de outro, de que o
trabalho é a relação social fundamental que define o modo humano de existência, e
que, enquanto tal, não se reduz à atividade de produção material para responder à
reprodução físico-biológica (mundo da necessidade), mas envolve as dimensões
133

sociais, estéticas, culturais, artísticas, de lazer etc. (mundo da liberdade) (FRIGOTTO,


1995, p. 14).

Frigotto (Ibidem, p. 16), tece a crítica de que a interiorização de trabalho, apenas como
coisa, como objeto, comanda as políticas educacionais tanto na dimensão de sociedade política
como de sociedade civil, e assim, o modo dominante de apreender e orientar na prática a relação
trabalho e educação, mesmo nos quadros progressistas, apresenta-se por três dimensões:
primeiro, uma dimensão moralizante, em que trabalho manual e intelectual aparecem como
igualmente dignos, formadores de caráter e cidadania; segundo, uma dimensão pedagógica, na
qual o trabalho aparece como laboratório de experimentação em que se aprende fazendo; e por
fim, uma dimensão social e econômica, em que a educação é auto financiada pelos filhos dos
trabalhadores
Trata-se, assim, portanto, “de uma concepção que exclui toda a possível identificação
ou redução à tese marxiana de união do ensino e do trabalho produtivo” (Ibidem). Entendemos
que isto se estenda a todas as práticas pedagógicas, e por essa razão, empreendemos este estudo
na tentativa de propiciar uma compreensão dialética à dinâmica objetiva da prática educativa
do estágio, como uma prática de suma importância à consolidação da formação sócio técnica,
sem contudo, ter a pretensão de oferecer uma fórmula de solução imediatista, já que,
concordando com o pensamento de Kuenzer (2009), não se pode precisar por uma
transformação abrupta da sociedade, e da sua realidade concreta, mas oferecer campo para
reflexões e proposições de melhorias aos processos e práticas sócio educacionais.
Desse modo, ao tomarmos a referência conceitual da relação trabalho-educação,
legitimamos a discussão de questões que historicamente afetam o campo educacional em geral,
particularmente da Educação Profissional e Tecnológica, aqui expressa notadamente em relação
às questões dualísticas que dizem respeito à prática educativa do estágio no curso técnico em
agroindústria, das quais conjecturamos, diante das determinações que se impõem à educação
dos filhos da classe trabalhadora dentro da lógica hegemônica da sociedade do capital, cujos
impactos atingem fortemente todo âmbito da produção intelectual e social em nossa sociedade,
ou seja, o âmbito do trabalho escolar e do trabalho produtivo em geral.
Considerando essas determinações, parte-se do pressuposto da objetivação de
proposições favoráveis à indissociabilidade da relação dialética entre trabalho e educação como
resposta pedagógica aos modelos neoliberais reproduzidos historicamente no campo das
práticas educacionais e em contestação às condições de desumanização a que são reduzidos os
trabalhadores e trabalhadoras, num processo histórico de exploração e de subsunção ao capital.
Nesse sentido, a análise deste estudo toma como base a concepção do trabalho como princípio
134

educativo fundamentado enquanto práxis social, no intuito de contribuir para a superação da


dualidade estrutural presente no âmbito da educação profissional, e para reflexão da formação
humana na perspectiva da politecnia e da omnilateralidade.
Os conceitos politecnia e omnilateralidade, guardam muita importância à
fundamentação desta pesquisa, e se constituem em categorias basilares na reconceptualização
da prática educativa do estágio objetivada. Contudo, neste capítulo, tais conceitos não serão
abordados com a ênfase necessária, pois, que estarão discutidos com maior destaque no
documento referencial que apresentaremos enquanto produto educacional. Cabendo aqui
enunciá-los resumidamente como conceitos de educação de base marxiana para uma formação
humana integral em contraposição à formação unilateral provocada pela divisão social e técnica
do trabalho e sua reificação34, na dualidade estrutural entre trabalho manual e intelectual,
internalizadas pela escola nas relações hegemônicas da sociedade de classes.
Assim, desse modo, as evidências da realidade histórica concreta apontam para a
vigência, no tempo histórico, de uma relação contraditória entre trabalho e educação
proveniente da dinâmica da divisão social do trabalho, gerando como consequência, uma
ausência quase que generalizada na escola de projetos políticos-pedagógicos que tomam a
concepção do trabalho enquanto um princípio educativo, o que implicaria em primeiro plano
numa concepção crítica de sociedade e de educação. Esse processo contraditório é determinado
pelo impacto com que o capitalismo dita, no longo percurso de hegemonia de uma classe sobre
outra, as relações da produção social e intelectual na sociedade.
Há que se reconhecer, no entanto, como nos esclarecem Kuenzer e Grabowski (2006),
que trabalhar com uma concepção mais ampla de educação, de modo a incorporar as dimensões
social, política e produtiva no âmbito das relações sociais pela objetivação da formação humana
em todas as dimensões educativas, implicaria discernir que:

[...] cada sociedade, em cada modo de produção e regimes de acumulação, dispõe de


formas próprias de educação que correspondem às demandas de cada grupo e das
funções que lhes cabe desempenhar na divisão social e técnica do trabalho. O

34
O conceito de “reificação”, segundo encontra-se no Dicionário do Pensamento Marxista, Bottomore (1983),
encontra maior sentido na interpretação de Lukács a partir de Marx. A análise de Marx sobre a reificação assenta-
se no fenômeno da alienação e do fetichismo da mercadoria. Pode-se afirmar que diante da universalização da
mercadoria como objetivação social, passa-se por uma incubação de alienação na fetichização da mercadoria como
um fenômeno característico da sociedade capitalista de uma forma que penetra em todas as esferas da vida e
influencia as relações sociais, por tratar-se em ato de transformação das propriedades, relações e ações humanas
em propriedades, relações de ações e coisas produzidas pelo homem, tornando-o semelhante a coisas num processo
radical e generalizado de alienação característica da moderna sociedade capitalista, um processo de “coisificação”
do próprio homem, de suas relações e ações.
135

exercício destas funções não se restringe ao caráter produtivo, mas abrange todas as
dimensões comportamentais, ideológicas e normativas que lhe são próprias,
elaborando a escola sua proposta pedagógica com base em demandas sociais
(KUENZER e GRABOWSKI, 2006, p. 299-300).

No processo de desenvolvimento da sociedade, à medida que surgem novas demandas,


a escola, como parte integrante da sociedade, baseada nas relações de produção e nas formas
hegemônicas de organização e gestão do trabalho, molda-se aos novos modos de vida, assim
como, são moldados os comportamentos, as atitudes, e os valores no seio da própria sociedade,
como observam Kuenzer e Grabowski (2006, p. 301), já que “o novo tipo de produção
racionalizada demandava um novo tipo de homem, capaz de ajustar-se aos novos métodos da
produção, para cuja educação eram insuficientes os mecanismos de coerção social”
(KUENZER & GRABOWSKI, 2006, p. 301).
Estes autores, dizem que “tratava-se de articular novas competências a novos modos de
viver, pensar e sentir, adequados aos novos métodos de trabalho caracterizados pela automação
de base eletromecânica” (Ibidem). Isto implica “na ausência de mobilização de energias
intelectuais e criativas no desempenho do trabalho” (Ibidem). Neste caso Kuenzer, diz que: “é
neste sentido que a hegemonia, além de expressar uma reforma econômica, assume as feições
de uma reforma intelectual e moral” (KUENZER,2009, p. 52). Considerando este aspecto, há
que se discernir que:

Se o fundamento desse novo tipo de trabalho é a fragmentação, posto que da


manufatura à fábrica moderna a divisão capitalista faz com que a atividade intelectual
e material, o gozo e o trabalho, a produção e o consumo caibam a indivíduos distintos,
tantos as relações sociais e produtivas como a escola passam a educar o trabalhador
para esta divisão (MARX; ENGELS, 1976 Apud KUENZER e GRABOWSKI, 2006,
p. 301).

Kuenzer e Grabowski (2006), assim explicam que “a dualidade estrutural se manifesta


inequivocamente nos modos de organização da produção em que a distinção entre dirigentes e
trabalhadores era bem definida, com base nas formas de divisão social e técnica do trabalho”
(KUENZER e GRABOWSKI, 2006, p. 300). A distinção da educação entre as classes era bem
definida na escola humanista tradicional e correspondia a necessidade socialmente determinada
às funções de dirigentes que não exerciam funções instrumentais, ficando estas últimas em
função da classe operária. “É essa diferenciação de escolas e redes que atende às demandas de
formação a partir do lugar que cada classe social vai ocupar na divisão do trabalho que
determinou o caráter antidemocrático do desdobramento entre escolas propedêuticas e
profissionais e não propriamente os seus conteúdos” (Ibidem).
136

Mesmo com a desigualdade na diferenciação entre escolas propedêuticas e


profissionais, um trabalhador de novo tipo passa a ser requisitado de acordo com o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia, e assim, a educação da classe trabalhadora passou
a ser flexibilizada, não num sentido integral, mas de uma forma equalizada para atender às
novas demandas da sociedade industrializada, explicitamente, nos moldes da produção
taylorista-fordista.
Kuenzer (2009, p. 31), diz que o princípio educativo que determinou o projeto
pedagógico da formação profissional na organização taylorista-fordista, resulta de um processo
individual de aprendizagem e na forma de fazer na ocupação a ser exercida, demandando o
desenvolvimento de habilidades psicofísicas para novos postos de trabalho. A autora aponta
que essa concepção, fundamentou os cursos de treinamento e qualificação profissional das
empresas, das agências formadoras e médios profissionalizantes em detrimento do
‘desenvolvimento das competências intelectuais superiores” e do “domínio do conhecimento
científico-tecnológico”, como uma necessidade dos trabalhadores. A visão distorcida de
competência profissional nestes cursos, “ [...] compreendia alguma escolaridade, treinamento
para a ocupação e muita experiência, de cuja combinação resultava destreza e rapidez, como
resultado de repetição e memorização de tarefas bem-definidas, de reduzida complexidade, e
estáveis. ” (KUENZER, 2009, p. 31).
Assim, se processa o que Kuenzer, a partir do pensamento de Gramsci, afirma ser, na
hegemonia, não somente a expressão de uma reforma econômica, mas uma reforma intelectual
que se faz no seio do próprio processo produtivo:

A veiculação da nova concepção de mundo segundo os interesses hegemônicos do


capital se faz no próprio processo produtivo, compreendido em suas relações sociais
mais amplas, nacionais e mundiais, pela mediação dos intelectuais do capitalismo,
representados pelos empresários e técnicos. Verdadeiros agentes de hegemonia ao
nível da fábrica, os técnicos, supervisores, contramestres, feitores, educam o
trabalhador para o trabalho heterogerido ao mesmo tempo que transmitem os novos
valores e comportamentos que configuram o tipo de homem de que o capital necessita.
É nesse sentido que toda relação hegemônica é necessariamente uma relação
pedagógica, que começou na fábrica e atinge todos os setores da vida social
(GRAMSCI, 1981, p. 37 Apud KUENZER, 2009, p. 52).

Pode-se concluir, com isso, que a educação dirigida à classe trabalhadora, assenta-se no
próprio processo de objetivação do trabalho no chão da fábrica, e serve à base capitalista de
produção intelectual, na elaboração de teorias para formar utilitariamente ou unilateralmente
mão de obra para produzir riqueza e ser controlada pelos dirigentes.
137

Na defesa objetiva para que a classe trabalhadora ascendesse à posição de dirigente,


Gramsci, imbuído na luta histórica de superação dos modelos autocráticos da sociedade italiana
do século XIX, já distinguia os processos pedagógicos de valorização do capital, com base nas
relações de produção e nas formas de organização e gestão do trabalho com diferenciação
profundas entre as classes. Suas críticas demonstravam, veementemente, os elementos
distintivos da formação profissional e da formação intelectual e humanista em geral. Gramsci,
evidenciou que na divisão entre a escola clássica e a escola profissional “[...] a escola
profissional destinava-se às classes instrumentais, ao passo que a clássica se destinava às classes
dominantes e aos intelectuais. “ (GRAMSCI, 1991, p. 118).
As críticas tecidas por Gramsci, apontam para a dualidade estrutural entre educação
geral clássica e educação prática manual. Assim, a educação prática manual bastaria à classe
operária, a qual teria um ensino correspondente à sua condição na escala social, ao passo que o
ensino geral clássico, oferecido à burguesia, dispunha da instrução aos que iam comandar e
governar a sociedade. Para a classe que alcançaria os maiores patamares na escala social, os
melhores e mais altos cargos da administração pública e da organização societal em geral. Para
a classe subordinada aos serviços instrumentais manuais, “[...] um tipo de qualificação de novo
gênero, uma forma de consumo da força de trabalho e uma quantidade de força consumida pelo
próprio tempo médio que são mais opressoras e mais extenuantes [...]”, “[...] e que o salário não
consegue compensar, nas condições dadas pela sociedade tal como está [...]” (GRAMSCI, 2008,
p. 77). A escola, então, historicamente, de maneira irrefletida e atendendo a interesses práticos
imediatos de formação, adota o regime da divisão capital-trabalho, numa conformação genuína
ao quadro hegemônico vigente na sociedade:

Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção da


vida e do homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas
de tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos,
predominam sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada. O aspecto mais
paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é louvado como
democrático, quando na realidade, não só é destinado a perpetuar as diferenças sociais,
como ainda a cristalizá-las em formas chinesas (GRAMSCI, 2001, p. 49).

Estas ponderações tecidas por Gramsci, demonstram que a abertura do acesso à escola
aos trabalhadores no século XIX, tinha seus reais motivos nas novas relações sociais de
expansão da produção no uso das máquinas industriais que possibilitasse a aprendizagem de
ofícios com os quais a classe dos dirigentes não se ocuparia. Isso denuncia uma diferenciação
na suposta democratização do ensino entre a classe trabalhadora e a burguesia, posto que à
classe trabalhadora, acostumada com o serviço exaustivo da operação repetitiva na produção
138

das fábricas, seria necessário somente aprimorar o uso prático das engrenagens fabris, sem que
necessitasse dispor de saberes além do nível prático imediato para que pudessem usar mais a
cabeça, e ter ideias sublimes, tidas próprias da aristocracia.
A escola, para a classe dos assalariados, não precisaria oferecer conhecimentos que
oportunizassem aos trabalhadores pensamentos mais elaborados, já que para as funções que
desempenhariam não seria necessário agir com racionalidade, uma vez que não alcançariam as
posições de gerência. A classe operária estaria, assim, impedida de governar suas próprias
vidas, não disporia de maior tempo livre ao lazer e ao descanso, que dirá assumir postos mais
elevados na escala societária tradicional, pois, que isto, não seria condizente à imposta
substância de subalternidade a que estariam submetidos. Qual seria, então, o sentido de uma
escola formativa para os trabalhadores, já que não teriam que aprender mais do que a fabricação
em série de peças do mesmo tipo, sem que tivessem necessariamente que conhecer o todo do
processo e muito menos, os princípios gerais que os geraram, a não ser apenas a sua execução
manual imediata? Estava aí o pensamento atribuído ao sentido à formação do proletariado.
A escola ofertada, então, aos trabalhadores, de acordo com Gramsci (2008), é medida
pelo suposto desinteresse intelectual e sob o regime da mecanização, como se no processo do
trabalho, não fossem capazes de pensar e aprender. Desta forma, a educação para a cidadania e
para emancipação não faria parte do universo da classe trabalhadora porque ela não seria cidadã
e jamais se elevaria aos patamares sociais da educação culta. Em resumo, os mecanismos de
domínio de uma classe sobre outra tinham que perdurar para manter “as formações das
aristocracias privilegiadas” (GRAMSCI, 2008, p. 79). Mas a história comprova, que a classe
trabalhadora sempre busca alternativas para resistir e lutar por melhores condições de vida,
apesar da dualidade ainda perdurar.
Assim como Gramsci, Mészáros (2008), também, analisou a conformação da escola ao
sistema societário da divisão capital-trabalho, alertando para o fato de que:

A educação institucionalizada, [...] serviu _ no seu todo _ ao propósito de não só


fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão
do sistema do capital, como também, gerar e transmitir um quadro de valores que
legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhum tipo de
alternativa à gestão da sociedade, seja de forma "internalizada" (isto é, pelos
indivíduos devidamente "educados" e aceitos) ou através de uma dominação estrutural
e uma subordinação hierárquica implacavelmente impostas” (MÉSZÁROS, 2008, p.
35-36).

Mészáros, traz um destaque neste ponto, parafraseando uma epígrafe de José Martde
que “as soluções não podem ser apenas formais; elas devem ser essenciais” (JOSÉ MARTÍ
139

Apud MÉSZÁROS, 2008, p. 35). Ele mostra que para que a escola tomasse um posicionamento
de conformação “a própria História teve de ser totalmente adulterada, e de fato frequente e
grosseiramente falsificada para esse propósito” (Ibidem, p. 36), de forma tal que as deturpações
propositalmente propagandeadas no curso da história “são a regra quando há riscos realmente
elevados” e quando são diretamente concernentes à racionalização e à legitimação da ordem
social estabelecida como uma “ordem natural” supostamente inalterável” (Ibidem, p. 37).
A história, como mostra Mészáros, deve, então, ser reescrita, não sendo possível “limitar
uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras do capital” (Ibidem, p.27)
o que significaria “abandonar de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo de uma
transformação social qualitativa” (Ibidem) e do mesmo modo, “procurar margens de reforma
sistêmica na própria estrutura do sistema do capital é uma contradição em termos”, uma vez
que é capital, “romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma
alternativa educacional significativamente diferente” (Ibidem), (Grifo nosso). Para tanto, as
posições críticas não podem, “no limite, apenas desejar utilizar as reformas educacionais” que
propusesse apenas “remediar os piores efeitos da ordem reprodutiva capitalista estabelecida
sem, contudo, eliminar os seus fundamentos causais antagônicos e profundamente enraizados”
(Ibidem).
Nesse sentido, para que seja possível uma mudança completa no direcionamento da
educação da classe trabalhadora e das práticas educativas da formação em geral, é necessário
que se compreenda que:

O que precisa ser confrontado e alterado fundamentalmente é todo o sistema de


internalização, com todas as suas dimensões, visíveis e ocultas. Romper com a lógica
do capital na área da educação equivale, portanto, a substituir as formas onipresentes
e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma alternativa
concreta abrangente (JOSÉ MARTÍ Apud MÉSZÁROS, 2008, p. 47).

Para Mészáros, a superação da lógica do capital internalizada na educação é crucial, e a


grande questão que se impõe é em relação ao saber (conhecimento) de que possa se apropriar a
classe trabalhadora. Nesse sentido, toma como inspiração uma formulação de Paracelso, a qual
pressupõe ser a aprendizagem uma constante na vida dos indivíduos. Mas a grande questão que
se apresenta para Mészáros, é:
[...] o que é que aprendemos de uma forma ou de outra? Será que a aprendizagem
conduz à autorrealização dos indivíduos como “indivíduos socialmente ricos”
humanamente (nas palavras de Marx), ou está ela a serviço da perpetuação, consciente
ou não, da ordem social alienante e definitivamente incontrolável do capital? Será o
conhecimento o elemento a transformar em realidade o ideal da emancipação humana,
em conjunto com uma firme determinação e dedicação dos indivíduos para alcançar,
140

de maneira bem-sucedida, a autoemancipação da humanidade, apesar de todas as


adversidades, ou será, pelo contrário, a adoção pelos indivíduos, em particular, de
modos de comportamento que apenas favorecem a concretização dos objetivos
reificados do capital? (MÉSZÁROS, 2008, p. 47-48).

Para complementar essa relevante questão, e considerando o sentido mais amplo e


profundo de aprendizagem (conhecimento) para superação à lógica do capital, internalizada na
educação, Mészáros argumenta que: “Apenas a mais ampla das concepções de educação nos
pode ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança verdadeiramente radical, proporcionando
instrumentos de pressão que rompam a lógica mistificadora do capital” (MÉSZÁROS, 2008, p.
47-48).
Nesse sentido, a escola necessita dar “o salto qualitativo”, como preconiza Saviani, para
entender que o “Homo faber não pode ser separado do Homo sapiens” numa acepção à citação
de Gramsci (2001, p. 121), cujo pensamento projetou luz à concepção lógica da educação do
trabalhador pelo trabalho, tendo concluído que o processo de mecanização do trabalhador no
taylorismo “determinaria a divisão entre o trabalho manual e o conteúdo humano do trabalho”
(GRAMSCI, 2008, p. 72). Gramsci, cientifica que “[...] foi mecanizado completamente só o
gesto físico, já que a memória do ofício, reduzido a gestos simples repetidos com ritmo intenso,
se aninhou nos feixes de músculos e nervos, o que deixou o cérebro livre e solto para outras
ocupações [...]” (Ibidem, p. 74), e com isso, “[...] os industriais americanos compreenderam
muito bem essa dialética inserida nos novos métodos industriais [...]” (Ibidem), e para decepção
destes, “[...] entenderam que o gorila amestrado é apenas uma expressão, que o operário
permanece infelizmente homem e que ele, durante o trabalho, pensa bastante, ou pelo menos
tem muito mais possibilidades de pensar [...]” (Ibidem), “[...] E não só pensa, mas o fato de não
ter satisfação imediata no trabalho e a compreensão de que querem reduzi-lo a um gorila
amestrado podem levá-lo a um curso de pensamentos pouco conformistas [...]” (Ibidem, p. 75).
Gramsci, evidenciou que tal constatação, determinou uma série de cuidados e de
iniciativas “educativas” (Grifo nosso) por parte dos industriais reveladas pelos livros de Ford
e pela obra de Philip. Estas elucidações de Gramsci, comprovam que a divisão social e técnica
do trabalho foi institucionalizada na sociedade de classes para conformação da classe
trabalhadora. Importa a escola perceber o processo de internalização da divisão social do
trabalho para superação das dualidades históricas entre trabalho intelectual e trabalho manual
em sua organização pedagógica de modo geral.
A escola, assim, precisa compreender que ela se constitui como o espaço por excelência
do acesso ao saber teórico e prático, necessitando abandonar, portanto, a prática fragmentada
para instituir na organização de seus projetos pedagógicos, o alinhamento teoria/prática,
141

compreendida na dimensão de práxis, pois que, “é atividade teórica e prática que transforma a
natureza e a sociedade; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, orienta a
atividade humana; teórica, na medida em que esta ação é consciente.” (VÁSQUÉZ, 1986, p.
117 Apud KUENZER e GRABOWSKI, 2006, p. 309).
“A práxis é, portanto, a revolução, ou crítica radical que, correspondendo a necessidades
radicais, humanas, passa do plano teórico ao prático” (VÁZQUÉZ, 2007, p. 117). Desse modo,
Vásquéz resume o sentido que Marx dá para as relações entre a teoria e a práxis, já que “por si
própria, a teoria é inoperante, ou seja, não se realiza” (Ibidem). Por esse sentido, temos na
concepção de práxis, o fundamento que se articula com a relação mais geral que se estabelece
entre o trabalhador, o conhecimento e a natureza, ou seja, a práxis é o próprio trabalho, como
atividade essencialmente humana.
Eis, então, a razão pela qual ao tratarmos a prática educativa dos estágios num curso da
formação sócio técnica, tomamos o trabalho como núcleo central, enquanto princípio
educativo articulador entre ensino e trabalho produtivo, processo pedagógico e processo de
produção técnica, entre concepção e execução, no alinhamento teoria/prática para construção
do conhecimento, como relação própria da práxis educativa. Assim, concebemos o trabalho
enquanto práxis educativa da atividade humana, práxis em que os homens e mulheres por suas
próprias ações, produzem a existência, e nesse processo, de relações sociais, produzem
conhecimento e fazem história, como apreendemos em Marx e Engels (2009).
É por esse ponto de vista que corroboramos com o que expõe Kuenzer (2009):

Nesse sentido, o saber não existe de forma autônoma, pronto e acabado, mas é síntese
das relações sociais que os homens estabelecem na sua prática produtiva em
determinado processo histórico. Assim, o trabalho compreendido como todas as
formas de atividade humana pelas quais o homem apreende, compreende e transforma
as circunstâncias ao mesmo tempo que se transforma é a categoria que se constitui no
fundamento do processo de elaboração do conhecimento (KUENZER, 2009, p. 183).

Kuenzer (2009, p. 183), pondera que se o conhecimento é elaborado socialmente a partir


do trabalho dos homens, nas relações que estabelecem entre si na produção da existência e no
qual constitui sua consciência, é inegável que o trabalhador produz conhecimento, – nesse
aspecto, consideramos que o aluno (sujeito) da prática do estágio curricular, tanto se apropria
como produz conhecimento, especialmente se for orientado numa dimensão de práxis, numa
visão histórico-crítica da formação – e, mesmo estando numa condição subalterna, como mero
executor de tarefas predeterminadas e parciais, se defronta com questões que a prática concreta
se lhe apresenta cotidianamente, as quais ele tem que resolver. Nesse processo, analisa,
142

experimenta, indaga, discute, descobre novas formas e meios de ação e constrói um conjunto
de explicações para sua própria ação, e além disso, percebe sua condição de exploração.

Na medida em que o homem é o ser na natureza capaz de pensar sua ação, de concebê-
la anteriormente à sua execução a partir de fins determinados, o trabalho se constitui
como o momento de articulação entre subjetividade e objetivação, entre consciência
e o mundo de produção, concebidos não como os contrários da relação dialética que
define o objeto como produto da atividade subjetiva, compreendida por sua vez não
abstratamente, mas como atividade real, material (Marx e Engels, s.d.(a), p. 208;
Vásquéz, 1968, p. 153 Apud KUENZER, 2009, p. 184).

No trabalho, portanto, como frisa Kuenzer (2009, p. 184-185), se articulam teoria e


prática como momentos inseparáveis e dialeticamente relacionados do processo de construção
do conhecimento e de transformação da realidade numa relação indissolúvel entre trabalho
intelectual e trabalho manual, ou seja, numa relação de decisão e ação. Para a autora, de acordo
com Gramsci, o erro metodológico, nesse aspecto, está em buscar a distinção no que é intrínseco
às atividades intelectuais, ao invés de buscá-la no conjunto das relações sociais que a
determinam.
Desse modo, quando ocorre a cisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, “a
consciência passa a supor-se como superior e separada da consciência da prática existente,
perdendo sua possibilidade de representar o real” (KUENZER, 2009, p. 185). A partir do
momento que o trabalho intelectual se separa do manual, sobrepondo-se à realidade e
reificando-se, se constitui como teoria pura, e como resultado, “as atividades intelectuais e
manuais, o gozo e o trabalho, a produção e o consumo, passam a caber a indivíduos distintos”
(Marx e Engels, s.d., p. 37-8 Apud KUENZER, 2009, p. 185).
Diante deste quadro, “a pedagogia do trabalho desempenha papel fundamental, na
medida em que novas formas de organização do trabalho implicam nova concepção do
trabalho” e nesse sentido, “o fenômeno educativo faz a mediação entre a mudança estrutural e
sua manifestação no campo político ideológico” (Ibidem, p. 55). Kuenzer, demonstra que, “a
pedagogia do trabalho inscreve-se no quadro da hegemonia a partir do momento em que, tendo
em vista os interesses hegemônicos de determinada classe social, contribui para o
estabelecimento de novos modos de pensar, sentir e conhecer” (Ibidem).
Concluímos que a referência a uma pedagogia do trabalho, é um marco imprescindível
às práticas pedagógicas na EPT, de modo particular à prática educativa do estágio curricular,
pois, evidencia o caráter de práxis ao domínio do conteúdo do trabalho e à apropriação do
conhecimento científico e tecnológico relacionada a área da formação sócio técnica, tendo em
vista a superação da cisão entre trabalho intelectual e trabalho manual. Soma-se às ponderações
143

de uma pedagogia do trabalho, a adoção de um currículo objetivado pela observância à


centralidade do trabalho, referenciado pela concepção da Pedagogia Histórico-Crítica, como
expressão dialética e epistemológica da formação omnilateral, conferindo a estruturação de uma
práxis educativa para o domínio do conhecimento sistematizado pela humanidade.
Desse modo, a totalidade do trabalho escolar, bem como, as práticas como a do estágio
curricular, são objetivados pela evidência da base teórica refletida na ação da prática, de modo
a se constituir como práxis social educativa. O processo é, portanto, consubstanciado no intuito
da eliminação das dissociações que impactam negativamente no desenvolvimento integral dos
estudantes, para possibilitar a apreensão do conhecimento historicamente acumulado, por uma
perspectiva politécnica e omnilateral da formação humana. Assim, a concepção histórico-
crítica, surge como fundamento para a estruturação curricular nos limites da EPT, em prol da
superação das dualidades históricas interiorizadas na organização pedagógica, cujo
delineamento expressa a dimensão da práxis social educativa na ação do trabalho pedagógico.

3.1 Bases Conceituais e Teóricas da Politecnia e da Formação Omnilateral dos Sujeitos

A compreensão dos conceitos de politecnia e de omnilateralidade, é ainda um desafio


bastante significativo a ser rompido nos limites da Educação Profissional e Tecnológica. Para
compreender o sentido desses dois conceitos fundamentais à formação humana é necessário
compreender o trabalho no seu sentido ontológico e histórico, assim como, a relação entre
trabalho, ciência, cultura e tecnologia. Os conceitos da politecnia e omnilateralidade tem base
em Marx e Gramsci, e emergem da concepção de escola unitária e do trabalho como princípio
educativo, fundamentando o sentido da formação humana integral.
Afirma-se, assim, a importância dos conceitos de politecnia e omnilateralidade para se
discutir as implicações pedagógicas de uma formação unilateral, centrada na dualidade entre
teoria e prática, entre trabalho intelectual e trabalho manual, expondo o desafio de o currículo
da formação sócio técnica em proporcionar a integração de conhecimentos gerais e específicos,
pela mediação dos processos de produção para a completa implementação do ensino
politécnico, que integre aos currículos e à prática educativa dos cursos técnicos de nível médio,
a articulação entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura para o desenvolvimento do sujeito
omnilateral.
Dessa forma, o entendimento da politecnia e omnilateralidade é essencial para uma
concepção pedagógica dialética aos cursos técnicos de nível médio, pois, faculta a possibilidade
de integração do currículo ao se tomar o trabalho como centralidade a partir dos processos
144

produtivos concretos, como afirma Marise Ramos (2010), e como “particularidade da dinâmica
histórico-social de um modo de produção da existência humana para explicitar a relação entre
conhecimentos gerais e profissionais” (RAMOS, 2010, p. 66), na razão de que “os primeiros
fundamentam os segundos, enquanto esses se constituem em potência produtiva proporcionada
pelo desenvolvimento da ciência com a apreensão e apropriação humanas do real” (Ibidem).
Sendo assim, Saviani (2003), explica que as bases para o conceito de politecnia se
encontra em Marx, na medida que “(...) na abordagem marxista, o conceito de politecnia implica
a união entre escola e trabalho ou mais especificamente entre instrução intelectual e trabalho
produtivo” (SAVIANI, 2003, p. 144). Percebe-se, desta maneira, que a compreensão do
trabalho como princípio educativo, define o conceito de politecnia, como expressão da práxis
humana, sem, contudo, desconsiderar a práxis produtiva e guarda profunda relação com a
formação do sujeito omnilateral. Assim, sobre o conceito de politecnia Saviani (1989), expõe a
seguinte definição:

A noção de politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das


diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Diz
respeito aos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho. Politecnia, nesse
sentido, se baseia em determinados princípios, determinados fundamentos e a
formação politécnica deve garantir o domínio desses princípios, desses fundamentos.
Por quê? Supõe-se que dominando esses fundamentos, esses princípios, o trabalhador
está em condições de desenvolver as diferentes modalidades de trabalho, com a
compreensão do seu caráter, da sua essência. Não se trata de um trabalhador que é
adestrado para executar com perfeição determinada tarefa, e que se encaixe no
mercado de trabalho para desenvolver aquele tipo de habilidade. Ele terá um
desenvolvimento multilateral, um desenvolvimento que abarca todos os ângulos da
prática produtiva moderna na medida em que ele domina aqueles princípios, aqueles
fundamentos, que estão na base da organização da produção moderna. Dado que a
produção moderna se baseia na Ciência, (Grifo nosso) há que dominar os princípios
científicos sobre os quais se funda a organização do trabalho moderno (Idem)
(SAVIANI, 1989, p. 17).

Temos, assim, que a politecnia trata-se do processo de trabalho real, pois, o seu conceito
supõe a articulação entre o trabalho manual e o intelectual, como explicita Saviani (1989, p.
18). Ao se referir especificamente à questão educacional Saviani (1989), explica que a partir do
conceito de politecnia, a formação será organizada de modo a que se possibilite a assimilação
não apenas teórica, mas, também, prática, dos princípios científicos que estão na base da
organização do trabalho:

Se o ensino de segundo grau se constitui sobre esta base, e se esses princípios são
absorvidos, assimilados, e se o educando que passa por essa formação adquire essa
compreensão não apenas teórica, mas também prática do modo como a Ciência é
produzida, e do modo como a Ciência se incorpora à produção dos bens, ele adquire
a compreensão de como a sociedade está constituída, qual a natureza do trabalho nessa
145

sociedade e, portanto, qual o sentido das diferentes especialidades em que se divide o


trabalho moderno. E nesse sentido ele estará habilitado a desenvolver qualquer uma
dessas atividades específicas, porque os fundamentos, os princípios básicos ele
assimilou (SAVIANI 1989, p. 18).

Saviani, esclarece que o trabalho intelectual ao mesmo tempo que reverte num
crescimento material, que por sua vez repercute no trabalho manual, liberta mais tempo para
que o homem se dedique a este trabalho intelectual. Porém, adverte que na sociedade capitalista,
tal processo é marcado pela distorção da produção capitalista que se baseia na propriedade
privada, e os frutos desse processo são apropriados de maneira privada, fazendo com que o
usufruto de tempo livre só exista para uma pequena parcela da humanidade, enquanto que os
trabalhadores, em que pese a produção da riqueza social, prosseguem pela necessidade de seguir
num processo de trabalho forçado. Assim, é extremamente necessário haver a emancipação da
classe trabalhadora pela via do ensino politécnico e da formação omnilateral. Porém, a
emancipação só se daria de fato com:

A superação desse tipo de sociedade é que viabiliza as condições para que todos os
homens possam se dedicar ao mesmo tempo ao trabalho intelectual e ao trabalho
manual. A ideia de politecnia se esboça nesse contexto, ou seja, a partir do
desenvolvimento atingido pela sociedade humana no nível da sociedade moderna, da
sociedade capitalista, e já detectando a tendência do desenvolvimento dessa sociedade
para outro tipo de sociedade que corrija as distorções atualmente existentes
(SAVIANI 1989, p. 16).

Assim, Saviani (1989) mostra que o conceito de “politecnia, literalmente, significaria


múltiplas técnicas, multiplicidade de técnicas, e daí o risco de se entender o conceito de
politecnia como a totalidade das diferentes técnicas fragmentadas, autonomamente
consideradas” (SAVIANI 1989, p. 16). Dessa forma, há que se cuidar para que não se reproduza
os modelos de formação fragmentária entre trabalho intelectual e trabalho manual reforçando a
formação monotécnica e contribuindo para perpetuação da divisão social do trabalho na
sociedade de classes. É preciso entender, então, o real sentido de politecnia para que não haja
equívocos na interpretação do seu conceito. E para uma noção mais exata a respeito da
necessidade de compreensão do conceito de politecnia para uma formação omnilateral, pode-
se depreender das orientações de Saviani que:

A noção de politecnia se encaminha na direção da superação da dicotomia entre


trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral.
A sociedade moderna, que generaliza as exigências do conhecimento sistematizado,
é marcada por uma contradição: como se trata de uma sociedade alicerçada na
propriedade privada dos meios de produção, a maximização dos recursos produtivos
do homem é acionada em benefício da parcela que detém a propriedade dos meios de
146

produção, em detrimento da grande maioria, os trabalhadores, que possuem apenas


sua força de trabalho. Na sociedade capitalista, a ciência é incorporada ao trabalho
produtivo, convertendo-se em potência material. O conhecimento se converte em
força produtiva e, portanto, em meio de produção. Assim, a contradição do
capitalismo atravessa também a questão relativa ao conhecimento: se essa sociedade
é baseada na propriedade privada dos meios de produção e se a ciência, como
conhecimento, é um meio de produção, deveria ser propriedade privada da classe
dominante. (SAVIANI, 2003, p. 136-137).

Saviani, no entanto, explicita a contradição na oferta da educação destinada à classe


trabalhadora na sociedade capitalista já que: “os trabalhadores não podem ser expropriados de
forma absoluta dos conhecimentos, porque, sem conhecimento, eles não podem produzir e, se
eles não trabalham, não acrescentam valor ao capital” (Ibidem, p. 137), e assim “a sociedade
capitalista desenvolveu mecanismos através dos quais procura expropriar o conhecimento dos
trabalhadores e sistematizar, elaborar esses conhecimentos, e devolvê-los na forma parcelada”
(Ibidem), ou seja, na forma dualística que dissocia a técnica do princípio científico inerente à
sua prática.
É por essa razão que o conceito de politecnia guarda muita relação com o conceito de
omnilateralidade, pois, pressupõe a formação do sujeito integral emancipado, com capacidade
de realizar a transformação da sociedade. Desse modo, o sentido da omnilateralidade, na
formação do indivíduo, está fundamentado nos pressupostos marxianos frente à realidade da
alienação humana, conforme elucida Manacorda (2007). Manacorda, com base em Marx, utiliza
a expressão “onilateralidade” como designação de omnilateralidade, definindo-a como
“desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e das
forças produtivas, das necessidades e da capacidade da sua satisfação” (MANACORDA, 2007,
p. 87).

[...] para entender o sentido real da onilateralidade de Marx, afirma-se que, enquanto
nas revoluções precedentes, os homens se haviam apropriado de forças produtivas
limitadas, na revolução proletária, uma totalidade de forças produtivas, desenvolvidas
no modo histórico da divisão do trabalho e da propriedade privada, torna-se
subsumida por cada indivíduo, e a propriedade por todos; e unicamente neste nível a
manifestação pessoal coincide com a vida material, ou seja, corresponde ao
desenvolvimento dos indivíduos em indivíduos completos. Estabelece-se, então, um
nexo recíproco pelo qual o indivíduo não pode desenvolver-se onilateralmente se não
há uma totalidade de forças produtivas, e uma totalidade de forças produtivas não
pode ser dominada a não ser pela totalidade dos indivíduos livremente associados
(MANACORDA, 2017, p. 88).

Manacorda, assim, aponta-nos o caminho para construção da formação do indivíduo


completo, isto é, do indivíduo desenvolvido onilateralmente. O desenvolvimento onilateral se
dará, então, pela totalidade dos indivíduos associados livremente como uma totalidade de forças
produtivas que de forma conjunta promoverão a superação da divisão social do trabalho e da
147

propriedade privada, como consequência de uma revolução proletária, organizada pela união
dos trabalhadores conscientes e educados onilateralmente ou omnilateralmente, expressões de
um mesmo sentido filológico35.

No entanto, Manacorda expõe que Marx em O capital, alerta para a questão de que há
que se ter cuidado com o modo de ser da vida associada, já que existe uma forte tendência na
sociedade dividida de cada um impor uma norma própria para ignorar uma outra, “resultando
em conflito contínuo entre essas normas que as esferas da atividade substancial humana
impõem ao homem” (MANACORDA, 2017, p. 84). A solução para essa tendência, segundo
Manacorda é, portanto, "uma exigência de reintegração de um princípio unitário do
comportamento do homem. Exigência tal que não basta responder com a hipótese de uma teoria
pedagógica e de um sistema de educação que reintegrem de imediato essas várias esferas
divididas entre si;” (Ibidem), mas, que pressupõem uma práxis educativa que ligada ao
desenvolvimento real da sociedade, constitua a não separação dos homens em esferas alheias,
estranhas umas às outras e contrastantes, evidenciando uma práxis educativa fundada por um
modo de ser que seja o mais possível associativo e coletivo em seu interior e unido à sociedade
real.
Para tanto, “é necessário superar a atual educação e a atual divisão do trabalho” (Ibidem,
p. 91). Manacorda, pondera que a educação é colocada ao lado da divisão do trabalho, como
causadora da unilateralidade que abrange, entre outras coisas, a problemática da interação entre
escola e sociedade. A escola, então, corporifica a divisão social do trabalho e a transfere para
o processo do trabalho pedagógico, que de forma pragmática e utilitarista, oferta uma educação,
também, dividida entre ensino e trabalho, entre trabalho intelectual e trabalho manual,
implicando numa formação unilateral, pautada nas tendências pedagógicas não críticas
fundamentadas no determinismo da sociedade dividida em classes antagônicas.
Essa concepção tem dificultado a conscientização do trabalho como princípio educativo,
com fortes repercussões à educação em geral, e especialmente à educação da classe
trabalhadora, lhes negado o direito à apropriação do saber politécnico e de uma formação

35
De acordo com Dermeval Saviani, no prefácio da edição brasileira da obra Marx e a Pedagogia Moderna, de
autoria de Mario Alighiero Manacorda, pela Editora Alínea, em colaboração com o HISTEDBR, esclarece que
Manacorda tinha um gosto especial pela Filologia, e que combinava seus estudos filológicos com a teoria e a
história da educação. A Filologia, conforme publicação de Márcio Ferrari na Revista Pesquisa Fapesp (2016), pode
ser considerada como a ciência pela qual se desenvolve estudos da etimologia, e que do ponto de vista estrito, a
Filologia é o estudo do texto, incluindo sua linguagem e seus aspectos literários, por meio da análise histórica de
documentos escritos. Segundo o professor da USP, Bruno Fregni Bassetto, em seu artigo Conceito de Filologia,
o termo “filológico”, diz respeito etimologicamente, ao sentido da palavra, que é a expressão, a exteriorização da
inteligência; e por isso, o filólogo é aquele que apreende a palavra, a expressão da inteligência, do pensamento
alheio e com isso adquire conhecimentos, cultura e aprimoramento intelectual.
148

omnilateral para sua emancipação enquanto classe expropriada no regime capitalista de


produção, cuja formação recebe forte influências da pedagogia tecnicista destinada aos
interesses da manutenção da divisão social e técnica do trabalho.
Contrariamente à tendência tecnicista da formação, um saber politécnico pressupõe que
o domínio da técnica esteja balizado na capacidade de entender os princípios científicos e
tecnológicos envolvidos no processo produtivo, o que vai muito além de aprender a praticar, ou
de aprender a fazer. É preciso, fundamentalmente, aprender a pensar e a refletir criticamente
sobre a realidade social e sobre o processo de produção material que se está a executar para que
o processo formativo se constitua verdadeiramente num processo educativo, no qual seja
imprescindível que a teoria – conhecimento – esteja aliada à prática – técnica – ensejando de
fato, uma práxis social educativa.
Assim, a formação politécnica de base omnilateral, tem na práxis social educativa que
a orienta, a eliminação dos reducionismos no campo epistemológico, com ruptura entre teoria
e prática e entre cultura geral e cultura técnica. Desse modo, dentro do conceito da politecnia e
da omnilateralidade, o entendimento do trabalho como prática social, ou seja, como elemento
de relações sociais e fonte de produção e manutenção de existência, objetiva o processo de
conscientização da classe trabalhadora para superação da exploração nos limites do regime
capitalista de produção.
Neste aspecto, poderíamos dizer que não bastaria apenas haver o alinhamento entre
teoria e prática, e a compreensão dos princípios científicos e tecnológicos envolvidos no
processo produtivo, mas também, e essencialmente, é necessário o desenvolvimento de uma
consciência crítica da realidade concreta, para se ter em mente que no atual estágio da economia
vigente, a organização da sociedade é determinada pela divisão social do trabalho. Além disso,
seria necessária a conscientização do princípio ontológico do trabalho. O desenvolvimento
dessa consciência, concorre para produção da humanidade nos trabalhadores, os quais
reconheceriam na ação do trabalho o seu sentido educativo, enquanto condição básica da prática
histórica social.
O cerne da questão do trabalho como prática social seria, então, assumida pela
consciência de que o trabalho se constitui como um ato educativo em sua essência, para o qual
se precisa pensar, e no qual se produz a transformação da natureza e da própria história dos
homens, a partir da apreensão de um conjunto de relações entre sujeito e objetivo, entre homem
e sociedade, o que reforça os conceitos da politecnia e da omnilateralidade, uma vez que se
baseiam na concepção da práxis educativa para uma formação humana integral, como conceito
que de acordo a Saviani, supera a opção entre a essência humana abstrata e a existência
149

empírica. A esse respeito, Newton Duarte (2008), esclarece que “a essência abstrata é recusada
na medida em que as forças essenciais humanas nada mais são do que a cultura humana objetiva
e socialmente existente, o produto da atividade histórica dos seres humanos” (DUARTE, 2008,
p. 36).
Duarte (2008) mostra que “o conceito de trabalho educativo, também supera a
concepção de educação guiada pela existência empírica, na medida em que sua referência para
a educação é a formação do indivíduo enquanto membro do gênero humano” (Ibidem, p. 37),
com isto demonstra que “o conceito de trabalho educativo está estabelecendo como um dos
valores fundamentais da educação o do desenvolvimento do indivíduo para além dos limites
impostos pela divisão social do trabalho” (Ibidem). O trabalho enquanto ato educativo, e de
relações sociais, “é, portanto, uma atividade intencionalmente dirigida por fins” (Ibidem).
Duarte, ainda esclarece que adotar a referência do trabalho como uma produção direta e
intencional dos seres humanos, decorre concomitantemente no sentido do posicionamento
perante os elementos da cultura humana historicamente acumulada, necessário a “descoberta
de formas mais adequadas” para atingir o objetivo de “produção do humano no indivíduo”.
Dessa forma:

O trabalho educativo é, portanto, uma atividade intencionalmente dirigida por fins.


Daí ele diferenciar-se de formas espontâneas de educação, ocorridas em outras
atividades, também dirigidas por fins, mas que não são os de produzir a humanidade
do indivíduo. Quando isso ocorre, nestas atividades, trata-se de um resultado indireto
e não intencional. Portanto, a produção no ato educativo é direta em dois sentidos. O
primeiro e mais óbvio é o de que se trata de uma relação direta entre educador e
educando. O segundo, não tão óbvio, mas também presente, é o de que a educação, a
humanização do indivíduo, é o resultado mais direto do trabalho educativo [...]
(DUARTE, 2008, p. 37).

O trabalho educativo alcança seu sentido ontológico à medida em que “cada indivíduo
singular se apropria da humanidade produzida histórica e coletivamente, quando o indivíduo se
apropria dos elementos culturais necessários à sua formação como ser humano, necessária à sua
humanização” (Ibidem, 2015, p. 50). Duarte, assim, enfatiza que a necessidade de identificação
dos elementos culturais necessários à humanização dos indivíduos exige um duplo
posicionamento do trabalho educativo, ou seja, do posicionamento do educador, tendo em vista
que “o trabalho educativo se posiciona em relação à cultura humana, em relação às objetivações
produzidas historicamente” que por sua vez, “requer também um posicionamento sobre o
processo de formação dos indivíduos, sobre o que seja a humanização dos indivíduos" (Ibidem).
Portanto, concebe-se que a humanização dos indivíduos é a sua educação no plano da
150

apropriação do conhecimento e da cultura acumulados historicamente no processo da práxis


humana social.

3.2 Breve Ensaio sobre o Processo Histórico de Abertura ao Ensino Politécnico

A compreensão do sentido ontológico do trabalho, como práxis social educativa, foi o


que determinou o processo histórico de abertura ao ensino politécnico, relatado por Lucília
Machado (2020), no artigo intitulado A Politecnia nos Debates Pedagógicos Soviéticos das
Décadas de 20 e 30, no qual a autora narra as lutas políticas que objetivaram a conceitualização
da teoria de educação politécnica, e que serviu de base para as principais contribuições ao
processo de sistematização e implantação de uma educação básica fundada no conceito da
politecnia para uma formação omnilateral.

A teoria da educação politécnica foi formada na atmosfera dos anos 20, de aguda luta
de ideias e opiniões. N. K. Krupskaia, A. V. Lunacharsky e M. N. Pokrovsky falaram
alto contra as tentativas de revisão da teoria leninista de educação politécnica e contra
os desvios da linha geral do Partido nesta questão. Quando Krupskaia criticou a
posição de A K Gastev, diretor do Instituto Central do Trabalho e seus associados,
que promoveram a ideia de criação da escola do trabalho politécnica diferenciada
segundo distintas orientações econômicas, ela não estava pensando meramente nas
demandas do dia; ela estava refletindo as perspectivas futuras da construção socialista
e estava orientada para o ideal de homem na sociedade socialista. Ela objetava contra
o desdém com a teoria e a substituição do politecnismo pelo treinamento profissional.
(KUZIN; KOLMAKOV; RAVSKIN, 1982, n. 1, p. 46-47- Apud MACHADO, 2020,
p. 3).

No contexto da luta histórica para implementação das escolas politécnicas na sociedade


soviética, como narra Machado (2020), nota-se a presença firme da revolucionária e pedagoga
russa Nadejda Krupskaia, a qual preceitua que a escola politécnica não era a escola do ensino
artesanal, mas aquela voltada para o conhecimento dos princípios científicos utilizados nas
maquinarias e nos mecanismos tecnológicos, servindo para o domínio dos instrumentos, para o
estudo das propriedades das matérias-primas necessárias à transformação, e para a compreensão
dos materiais empregados e dos processos utilizados.

N. Krupskaia se notabilizou pelas importantes contribuições no desenvolvimento da


teoria pedagógica socialista, particularmente na questão do ensino politécnico. Seu
interesse se dirigiu para o detalhamento da organização do processo pedagógico,
discutindo o papel das relações interdisciplinares, as conexões entre os fenômenos
naturais e sociais, a relevância da utilização da experiência pessoal dos alunos na
assimilação crítica do conhecimento, a importância do trabalho desenvolvido fora da
sala de aula, as características e condições para a realização de trabalho
verdadeiramente coletivo no plano escolar. (MACHADO, 2020, p. 7).
Seu primeiro livro, Educação Pública e Democracia, foi escrito em 1915 e publicado
dois anos após, sendo considerado o primeiro trabalho significativo de caráter
151

marxista no campo da teoria da educação, especialmente, na discussão de seu


desenvolvimento histórico. É nesta obra que Krupskaia investiga a gênese da teoria
da educação politécnica, salientando que seu conteúdo é historicamente determinado,
segundo o desenvolvimento das forças produtivas e a situação da correlação de poder
no plano da luta de classes. (Ibidem).

Segundo Machado (2020), no livro Works on Education, editado pela Academia de


Ciências Pedagógicas da República Socialista Federativa Soviética da Rússia, é possível
encontrar uma síntese do que Krupskaia entendia por educação politécnica ou politecnismo:

Politecnismo é um sistema completo baseado no estudo da tecnologia em suas


variadas formas, considerada do ponto de seu desenvolvimento em todas as suas
relações. Cobre o estudo da tecnologia natural, como Marx chamava a natureza
vivente, e a tecnologia dos materiais; o estudo dos implementos de produção e seus
mecanismos; e o estudo da energia. Cobre também o estudo da base geográfica das
relações econômicas, a influência dos métodos extrativos e de processamento sobre
as formas sociais de trabalho, e a influência dos últimos sobre a vida social em geral.
(SKATKIN, 1969, p. 44, Apud MACHADO, 2020, p. 10).
Politecnismo não é uma disciplina de ensino, mas permeia cada disciplina, reflete na
escolha do objeto seja na física, na química, nas ciências naturais ou ciências sociais.
Essas disciplinas devem ser ligadas entre si, com a atividade prática e especialmente
com a instrução laboral. Somente então pode à instrução laboral ser dado um caráter
politécnico. (Ibidem).

Krupskaia, como esclarece Machado (2020), vê na educação do coletivismo outro


elemento fundamental da politecnia. Neste aspecto, diz tratar-se, portanto, de uma direção
teórica, metodológica e organizacional da escola, que tenha por finalidade fortalecer uma
determinada concepção de educação básica, como sendo aquela que abarque o estudo, a
compreensão e a vivência das relações entre homem e natureza, entre indivíduo e sociedade,
entre economia, política e sociedade, mediados pelos acontecimentos passados e presentes.
Assim sendo, a partir do conceito da politecnia, a escola adquire uma amplitude do ponto de
vista político, cultural e de sociedade.
Outro aspecto, trazido por Machado, aponta uma crítica ao pragmatismo, pois que
“Krupskaia, argumentava que a valorização da prática não poderia implicar no ofuscamento da
teoria e que seria equívoco atribuir valor científico somente às ideias e conhecimentos que
produzissem resultados práticos [...]” (MACHADO, 2020, p. 8). Esta crítica ao pragmatismo é
referenciada por Machado ao colocar que “no ensino politécnico, não é suficiente apenas o
domínio das técnicas; faz-se necessário dominá-las ao nível intelectual” (1989, p. 129).
De acordo com Machado (2020), as confusões dos primeiros anos da Revolução Russa
eram constantes, e cada um procurava interpretar, ao seu modo, o que era a escola do trabalho.
A autora observa que Krupskaia, criticando os chamados “novos métodos", pôde observar numa
152

carta ao educador S. T. Shatsky, em 1930, que o emprego do método de projetos não conseguiria
garantir sistematização e consecução ao trabalho escolar. Isto não possibilitaria capacitar os
alunos no enfrentamento prático dos desafios colocados pela vida social. Então, a introdução
da ideia básica dos chamados "temas complexos" se tornou interessante, pois, as disciplinas
escolares eram estudadas tanto separadamente como em interligação. O problema disso era que
as conexões privilegiadas frequentemente não tinham nada a ver com a vida real; eram de certo
modo, artificiais. E além disso, faltava preparo aos professores no entendimento e no emprego
do método dialético, e os mecanismos e distorções minavam a proposta inicial, como explica
Machado (2020, p. 8), o que aliás acontece até hoje.
Assim, para entender o caráter da escola do trabalho, Krupskaia considerava importante
situá-la dentro do que Lênin definiu como revolução cultural. Esse conceito implicava numa
mudança radical de todos os indicadores da sociedade, ”do ento da cultura geral”, a concepção
de mundo, a eliminação da psicologia pequeno-burguesa e do pequeno proprietário, a formação
da psicologia e dos hábitos coletivistas, a posse dos conhecimentos pela massa, a habilidade de
utilizá-los na prática, a formação da nova atitude ante o trabalho e das novas formas de
organização do trabalho, faziam parte do repertório da promoção da era considerado a
“revolução cultural”, dos anos 30, conforme foi depreendido em Machado (2020, p. 9), na obra
Coletivo de Autores Soviéticos (1987), escrita por Krupskaia.
Lucília Machado (2020, p. 10), mostra que dentro dessa compreensão, Krupskaia
formula um conceito fundamental, o de cultura geral do trabalho. Na visão de cultura geral do
trabalho, estão envolvidos os elementos da compreensão da produção em seu conjunto, a
direção para a qual se desenvolve a técnica, o papel da cada indústria no conjunto, a
configuração das matérias-primas e seu desenvolvimento no futuro, os métodos de obtenção e
conservação das matérias-primas, os princípios que norteiam a construção de máquinas, a
história do desenvolvimento da produção, a organização do trabalho na fábrica e na sociedade
em geral, às condições de higiene e segurança no trabalho e, por fim, a história do movimento
operário e sindical.
Além desses princípios, a educação no coletivismo é outro elemento fundamental no
conceito da politecnia definido por Krupskaia. Trata-se, portanto, da direção teórica,
metodológica e organizacional da escola, cuja finalidade seria fortalecer uma determinada
concepção de educação básica, que abarque o estudo, a compreensão e a vivência das relações
entre homem e natureza, entre indivíduo e sociedade, entre economia, política e sociedade,
mediados pelos acontecimentos passados e presentes. Neste aspecto Krupskaia, diz que a escola
politécnica deve equipar o aluno com as habilidades para saber aproximar-se corretamente de
153

cada parte de trabalho, a aprender no processo de trabalho, a trabalhar inteligentemente e


criativamente, a aplicar o conhecimento teórico à prática, saber adquirir rapidamente as posturas
necessárias ao trabalho, como mostra Machado (2020, p. 10).
Os destaques trazidos aqui sobre a Revolução Russa, nas décadas de 20 e 30, a partir do
trabalho de pesquisa de Lucília Machado (2020), se constituem como importantes contribuições
no sentido de evidenciar que as discussões em torno da construção da educação politécnica
atravessam períodos distintos da história e repercutem no tempo histórico, e que apesar das
contradições enfrentadas dentro do capitalismo, se sobrepõem na defesa do projeto de uma
escola do trabalho cujos princípios, de base marxista-leninistas, preceitua os conceitos da
politecnia e da formação humana integral. O debate pedagógico, nesta perspectiva, segundo o
que coloca Machado, é marcado por uma profunda preocupação ética com relação ao
significado do trabalho na sociedade socialista, ao respeito pelo trabalhador e ao caráter
humanista e coletivista do trabalho socialista.
Diante disso, o papel da educação teria o mesmo sentido apresentado Mészáros (2008),
quando este defende que “[...] não poderia ser maior na tarefa de assegurar uma transformação
socialista plenamente sustentável” (MÉSZÁROS, 2008, p. 79). A concepção de educação para
Mészáros, deveria assinalar um afastamento radical das práticas educacionais dominantes pela
forma do capitalismo avançado para, então, ser compreendida como a extensão historicamente
válida e de transformação também radical proveniente dos grandes ideais educacionais
defendidos tanto no passado mais remoto como no presente, uma vez que estes ideais tiveram
que ser não apenas minados com o passar do tempo, mas, completamente extintos ao final, sob
o impacto da alienação que avançava cada vez mais e da sujeição do desenvolvimento cultural,
em sua integralidade, aos interesses cada vez mais restritivos do capital.

3.3 Desafios para Implantação da Politecnia no Contexto da Educação Profissional e


Tecnológica no Brasil

No contexto da realidade sócio educacional brasileira, os impactos da alienação sob o


regime do capital, são vigorosamente sentidos no curso da história. Uma sociedade que ainda
não superou sua tradição escravista, estruturada na separação de classes, fortemente marcada
pela divisão social do trabalho e pelas desigualdades sociais de todas as matizes, que se
sustentam por um aparelhamento do Estado, assim, quando consegue avançar em algumas
pautas sociais, retrocede em outras tantas, a exemplo, do atual contexto social, político,
econômico e educacional no qual sofre-se os grandes reveses da implantação da política
154

conservadora ultra neoliberal que vem destruindo uma série de políticas públicas conquistadas
ao longo de muitas lutas por igualdade e justiça sociais em várias frentes da sociedade,
especialmente no campo educacional. “É o Brasil que emerge sempre do passado para moldar
o presente”, numa referência à crítica tecida por Ciavatta (2019), na apresentação da obra A
Historiografia em Trabalho-Educação: como se escreve a história da educação profissional.
Nesse quesito, a oferta da educação profissional no Brasil, caminha junto com os
processos de industrialização e historicamente é marcada pela dualidade estrutural das relações
sociais de produção. Em sua constituição, se destinava à educação da classe não-proprietária
dos meios de produção, “os pobres e desvalidos”, a serem preparados para a aprendizagem dos
ofícios técnicos instrumentais, dos quais a elite não se ocuparia, já que é a classe
pressurosamente “mais” preparada para desempenhar o controle da sociedade, à condução da
economia e do Estado.
A educação profissional, tida por esse viés, só se ocuparia de uma educação puramente
técnica, manual, sem que houvesse necessidade do domínio do conhecimento científico sobre
a técnica, pois, bastaria à classe operária o exercício de funções instrumentais no chão da
fábrica. Assim, uma educação de excelência fundamentada no exercício intelectual, na arte da
palavra e nos exercícios de caráter lúdico, não teria o menor cabimento em ser ofertada aos
operários, até porque seria necessário que a classe trabalhadora sempre se mantivesse na
condição de classe expropriada, aquela que desempenharia o trabalho subalterno e manual, já
que a burguesia dominaria as relações de produção e exerceria os postos de controle da
sociedade.
Observa-se, por esse quadro, que a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual
na educação dos trabalhadores é um projeto político-social de manutenção da divisão social e
técnica do trabalho, correspondendo a um processo histórico de negação aos desafortunados do
conhecimento historicamente acumulado pela humanidade.
Nesse processo histórico de exclusão da classe trabalhadora e de alienação da sociedade
de um modo geral, a divisão social e técnica do trabalho constitui-se numa estratégia
conveniente ao modo de produção capitalista, o qual requer um sistema educacional compatível
ao seu metabolismo, e que em decorrência, instala a dualidade “entre trabalho intelectual e
manual como estratégia de subordinação, tendo em vista a valorização do capital” como observa
KUENZER (2010, p. 861), e dessa forma, induz cada vez mais a uma formação unilateral, à
medida que se reestrutura a par de sua própria crise.
É dentro dessa dualidade que se estrutura a educação profissional no Brasil. Num
processo histórico, desde a criação da Escola de Aprendizes Artífices em 1909, para responder
155

a uma demanda advinda do modo de produção capitalista que ao assumir o estágio monopolista,
“dá-se ênfase a que o “trabalho moderno, como consequência da revolução científico-
tecnológica e da “automação”, exige níveis cada vez mais elevados de instrução, adestramento,
emprego maior da inteligência e do esforço mental em geral” (BRAVERMAN, 1981, p. 15).
Desse modo, sob as bases do capital monopolista, a educação profissional foi se consolidando
no cenário brasileiro, marcada ao longo do seu processo histórico pela ótica da produção fabril,
do mercado de serviços e pelos métodos pedagógicos que se baseiam na formação instrumental
reduzida à operacionalização de instrução prático-utilitária, e de mecanização da prática
educativa.
Nesse contexto histórico, como informa José Rodrigues (2005), precisamente em
dezembro de 1987, durante o Seminário Choque Teórico, promovido pela atual Escola
Politécnica da Saúde Joaquim Venâncio, Dermeval Saviani apresenta o texto intitulado Sobre
a concepção de politecnia (Saviani, 1989). Segundo Rodrigues, o trabalho de Saviani torna-se
um marco no debate brasileiro da área de trabalho e educação, e em particular sobre as relações
entre o ensino médio e o ensino técnico. A partir disso, muitos debates sobre a concepção de
politecnia foram realizados e diversas publicações são produzidas, a fim de buscar novos rumos
para a educação brasileira, no intuito da superação ou, pelo menos, do enfrentamento da
dualidade estrutural que historicamente marca as concepções e práticas educativas no Brasil.
Cabe salientar que a luta política por uma educação profissional de princípios
politécnico e unitário, já esteve em condições bem mais favoráveis no cenário social brasileiro,
dado a importantes avanços de implementação de políticas públicas a partir dos anos de 2003 a
2014, nos governos de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, período em que foram
trilhados outros rumos na economia e na educação brasileira, embora não tenha ocorrido
mudanças estruturais, como esclarece Frigotto (2019), mas que impulsionaram significativos
avanços na distribuição e transferência de renda e em investimentos na educação, de modo
especial com a criação dos trinta e oito Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia,
com ampla interiorização de mais de quinhentos campi em todo território nacional, como
também, a criação e interiorização de dezoito universidades públicas federais.
Assim, de acordo com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), o Decreto n. 5.154 de 2004,
instituído no Governo Lula, objetivou o restabelecimento das bases da formação geral e unitária
para a EPT, reinstaurando um novo ponto de partida para o ensino médio, de tal forma que
consolidasse a formação básica unitária e politécnica, fundamentada no trabalho, na ciência,
na cultura, e na tecnologia, numa relação mediata com a formação profissional específica
articulada com outros níveis e modalidades de ensino.
156

O Decreto 5154/04, foi regulamentado com a revogação do Decreto 2.2008 de 1997,


que oficializou legalmente a dualidade educacional, acrescida da diferenciação dentro dos
níveis de escolaridade. O restabelecimento do Decreto 5154/04 possibilitou a integração da
educação profissional à educação básica . O caráter não compulsório desta integração revela a
correlação de forças na luta pela direção da educação profissional em três aspectos: a integração
ou articulação da educação profissional à educação básica, o financiamento e a sua gestão. Essa
era uma disputa que estava em curso no plano das instituições e da sociedade.
No entanto, a situação do cenário político-econômico-social atual no Brasil,
intensificada a partir de 2017, tem representado a retomada de um regime de retrocessos para
os horizontes educacionais brasileiro em totalidade, sendo movido pelo aprofundamento do
jogo de forças da política de extrema-direita, apadrinhada pelo sistema neoliberal, através da
instauração de contrarreformas trabalhista e da educação. Este cenário atual, segundo Frigotto
(2019), liquidou com o sentido histórico de educação básica e, na educação profissional,
retomou de forma agressiva, a dualidade do Decreto 2.208/97.
Os desdobramentos da contrarreforma no âmbito da educação, não por acaso, orientados
pela ideologia do Movimento Escola sem Partido, tem intensificado a censura e a demonização
a pensadores como Paulo Freire, Marx, e todos àqueles enquadrados no que denominam de
“marxismo cultural”. Na agenda desse movimento, também, é proposta a retomada da educação
moral e cívica, estando em crescente implantação o projeto de militarização das escolas. Com
efeito, o fator intensificador destas reformas é o fundamentalismo de certas organizações
religiosas, cuja mentalidade é o de sobrepor o mundo privado à esfera pública, desautorizando
a ciência na sobreposição da metafísica criacionista, conforme exposto por Frigotto (2019).
Estas circunstâncias tencionaram as relações sociais na sociedade brasileira a um
retrocesso que beira a era da Idade Média, como se pode considerar de fato, levando-se em
conta os pseudos moralismos em relação aos valores da família tradicional e as discriminações
e preconceitos de toda ordem, regidas por campanhas contrárias às ideologias de gênero, as
afirmações de raça, de credo, aos movimentos que lutam por direitos sociais e políticos, pela
sustentabilidade ambiental, e à ideologia partidária de esquerda, entre outros. Nisso residem os
pseudos preceitos de uma educação moralizante, equalizadora da sociedade, cujos padrões
representam a “boa conduta” e os “bons costumes morais e cívicos”, dos cidadãos “de bem” da
sociedade.
No entanto, e muito pelo contrário, a verdadeira intenção que está por trás do projeto de
uma escola que “não tenha partido” – a partir de uma interpretação à luz da concepção crítica
que analisa a contradição capital e trabalho, e denuncia as relações sociais de dominação
157

capitalista – é a de perpetuar as relações escravistas e ditatoriais baseadas na divisão social do


trabalho, mantendo a "permanência econômica, cultural e ideológica, alicerçada das grandes
fortunas latifundiárias, industriais e financeiras” (FRIGOTTO, 2019, p. 9), assim como,
“através da produção industrial, agroindustrial, de serviços, e da grande imprensa e TV”
(Ibidem), em atendimento aos interesses dos grupos hegemônicos que comandam uma
economia financeirizada a serviço das classes abastadas, e com o consentimento interessado
das classes médias, que se opõem à elevação dos níveis de vida e de educação universalizados
para toda a população.
No desenrolar das reformas atuais instaladas na educação, a utilização de mecanismos
legalizados, tem gerado imbricações profundas ao recrudescimento das dualidades históricas, a
exemplo, da nova base nacional comum curricular (BNCC) e da reforma do ensino médio. O
ensino médio, nesse contexto de reformulações antagônicas, é um dos níveis da educação mais
afetados. A instalação do, então, propagado “novo ensino médio”, está tornando ainda mais
difícil a superação da dualidade estrutural, uma vez que implementa uma distorção à concepção
da formação humana integral, de instrução articulada entre formação geral e formação técnica,
recapitulando pretensamente, de forma contraditória, a pedagogia das competências, a
fragmentação do conhecimento por itinerários formativos, com prioridade estrita ao ensino de
português e de matemática em todos os itinerários, o que limita a garantia de uma formação
ampla, na totalidade das diversas áreas do conhecimento, de modo especial da área de
humanidades, caracterizando, pela forma, um retrocesso e um prejuízo incalculável de graves
consequências para a integração do ensino básico de nível médio-técnico. Assim:

Se a preparação profissional no ensino médio é uma imposição da realidade, admitir


legalmente essa necessidade é um problema ético. Não obstante, se o que se persegue
não é somente atender a essa necessidade, mas mudar as condições em que ela se
constitui, é também uma obrigação ética e política garantir que o ensino médio se
desenvolva sobre uma base unitária para todos. Portanto, o ensino médio integrado ao
ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição necessária
para se fazer a “travessia” para uma nova realidade. (FRIGOTTO, CIAVATTA &
RAMOS, 2005, p. 43).

A travessia para uma nova realidade evidencia-se numa necessidade imperiosa, pois, do
contrário, voltaremos a recrudescer a períodos bem difíceis da história da sociedade brasileira,
como foi com a ditadura militar a partir de 1964. Desse modo, a luta para reconstrução da
sociedade vai exigir o reequilíbrio do jogo de forças políticas e a retomada de um senso de
desenvolvimento social e político pela sociedade, pois, que a problemática da formação humana
não nasce nem se encerra no sistema educacional, como esclarecem Moura, Filho e Silva
158

(2015), uma vez que ela depende, bem mais, de um processo de construção da sociedade quando
esta consegue romper com os limites impostos pelos blocos hegemônicos.
Por outro lado, sabemos que esse processo é um processo de lutas históricas. Assim
como está ocorrendo atualmente um recrudescimento de políticas públicas em detrimento da
formação humana integral e de uma escola unitária para todos, novas lutas para garantir seu
restabelecimento estão sendo retroalimentadas. E a luta de classes se dará sempre, até a
conquista da “sociedade futura”, tão mencionada por Marx e Engels, não numa visão “etapista
da história”, mas a partir de uma compreensão “constituinte de um movimento de continuidade
e ruptura a partir do qual o novo engendra-se no velho” (MOURA, FILHO E SILVA, 2015, p.
1072). Este é um processo que se reelabora historicamente, a exemplo, do que ocorreu nas
décadas de 1920 e 1930 na antiga União Soviética, onde se iniciaram os primeiros movimentos
para implantação das escolas politécnicas.
Assim, diante do que tratamos ao longo do capítulo, conclui-se que alguns aspectos são
centrais à constituição da formação politécnica no processo pedagógico do curso técnico em
agroindústria, os quais favorecem, consequentemente, a objetivação da prática educativa do
estágio curricular por uma perspectiva da formação omnilateral dos sujeitos. Desse modo, o
primeiro aspecto considerado é a intrínseca relação entre trabalho e educação, que se
apresentou na pesquisa como uma questão vital a ser examinada mediante à problemática que
pretendíamos responder.
Tomar a indissociabilidade da relação entre trabalho e educação é fundamental ao se
pensar a formação sócio técnica pelo viés conceitual da politecnia, uma vez que corroboramos
com a célebre premissa colocada por Saviani (2007, p. 152), na qual defende que “trabalho e
educação são atividades especificamente humanas. Significando que, “rigorosamente falando,
apenas o ser humano trabalha e educa”.
Partindo dessa premissa, o ponto crucial e basilar a ser raciocinado na relação trabalho
e educação é a concepção do trabalho como princípio educativo, na qual se reconhece o
trabalho como o elemento de produção da existência, ou seja, como a atividade prática objetiva
que caracteriza a realidade dos seres humanos como sujeitos históricos. Nesse aspecto, é
essencial, entender o princípio ontológico do trabalho como elemento que define a existência
humana por uma construção relacional do processo histórico entre homem e meio social, em
que se presume o trabalho e a educação como elementos constituintes dos seres humanos.
Contudo, por uma questão de organização dos determinantes da pesquisa, o entendimento da
ontologia do trabalho como dinâmica da atividade do homem enquanto ser social se encontra
melhor conceituado no terceiro capítulo deste estudo.
159

Por ora, a reflexão da relação entre trabalho e educação, estruturada na articulação


entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia, foi o pressuposto inicial obrigatório para
introduzirmos as ponderações de base conceitual para a formação sócio técnica na perspectiva
da politecnia e da omnilateralidade, e dessa forma, ao conceituarmos o trabalho como práxis
social educativa pressupomos a centralidade do trabalho no conjunto do processo
pedagógico, e, como tratamos do processo educativo num curso técnico em agroindústria
partimos do pressuposto que o trabalho agroindustrial devesse assumir a centralidade na
totalidade da formação como o eixo articulador da teoria e prática, para que assim se objetive a
relação indissociável entre ensino e trabalho produtivo na prática educativa do estágio
curricular.
Uma observação muito importante presente no capítulo é o conceito de práxis que
segundo Vásquéz “é, portanto, a revolução, ou crítica radical que, correspondendo a
necessidades radicais, humanas, passa do plano teórico ao prático” (VÁZQUÉZ, 2007, p. 117).
Desse modo, Vásquéz resume o sentido que Marx dá para “as relações entre a teoria e a práxis”,
já que “por si própria, a teoria é inoperante, ou seja, não se realiza” (Ibidem). Por esse sentido,
temos na concepção de práxis o fundamento que se articula com a relação mais geral que se
estabelece entre o sujeito, o conhecimento e a natureza, ou seja, a práxis é o próprio trabalho,
como atividade humana.
De posse desses fundamentos imprescindíveis à compreensão da relação trabalho e
educação, delimitamos preliminarmente o tratamento à problemática da desarticulação entre o
ensino e o trabalho produtivo na prática educativa do estágio do curso de agroindústria,
chegando à primeira conclusão de que tal desarticulação é proveniente de uma determinação
histórica que é a dualidade estrutural entre trabalho intelectual e trabalho manual, entre teoria
e prática, entre cultura geral e cultura técnica, causada pela divisão social e técnica do trabalho
resultante da organização da sociedade de base capitalista, que é o caso da sociedade brasileira,
e que acaba interpenetrando o contexto educacional da educação profissional e tecnológica
Mészáros (2008, p. 25), na obra “A educação para além do capital”, faz uma crítica à
lógica do capital e aborda sobre seu impacto na educação, considerando que não se pode negar
os efeitos da ligação entre os processos educacionais e os processos sociais, alegando o fato da
escola ter interiorizado os moldes do regime capitalista no contexto educativo. Mészáros,
defende a premissa de que não se pode conceber uma reformulação significativa da educação
sem uma transformação do quadro social, no qual as práticas educacionais devem cumprir as
suas vitais e historicamente importantes funções de mudança. Desta forma, a contradição que
está posta no seio da escola, é pensar em reformas quando a lógica dominante é a própria lógica
160

da estrutura do sistema do capital, sem, contudo, eliminar os fundamentos causais antagônicos


enraizados na sociedade. Por essa lógica, concluímos que ao se reconhecer o processo
dicotômico das cisões estruturais que já citamos, a contraposição que se pode operar no campo
da educação é pela via dos princípios da politecnia e omnilateralidade.
Dessa forma, podemos considerar de antemão que a problemática da desarticulação
entre ensino e trabalho produtivo causada pela cisão entre concepção e execução e que
compromete o entendimento da incorporação da ciência à tecnologia nos processos produtivos
agroindustriais acessados pelos estudantes na prática educativa do estágio curricular, é uma
contradição desencadeada a partir dos processos sociais, e na causa dessa problemática temos
as determinações que emergem da divisão social e técnica do trabalho na sociedade capitalista.
Pensamos, então, que a questão que se impõe proveniente do modelo hegemônico de
sociedade, embora seja uma questão complexa, precisa ser entendida do ponto de vista da
relação dialética entre trabalho e educação, e acima de tudo necessita ser discutida e tratada a
partir dos fundamentos que propiciam uma formação omnilateral através de uma educação
politécnica como forma de “superar os limites herdados do enfoque restrito à formação
profissional para o desenvolvimento econômico, à teoria do capital humano, ao tecnicismo e às
teorias reprodutivistas”, como colocam Trein e Ciavatta (2003, p. 141).
Vimos que a reprodução dessas teorias, no curso da história, tem moldado a organização
pedagógica dos cursos da educação profissional, com a insígnia de formar para o mercado de
trabalho e está enfaticamente subordinada, de acordo ao que expõe Frigotto (1995), ao
“pensamento humanista tradicional e moderno, ao positivismo, ao funcionalismo e às visões
estruturais-reprodutivistas da educação” (FRIGOTTO, 1995, p. 13), manifestas na concepção
dominante pela “interiorização da concepção burguesa de trabalho, de educação, em suma, de
formação ou fabricação do trabalhador” (Ibidem, p.14). Estas correntes do pensamento não-
crítico, repercutem, no tempo histórico, nos processos educativos da escola, e tem como
decorrência uma prática contraditória da relação trabalho e educação em sentido ontológico.
Mediante a compreensão dessa realidade, do ponto de vista de uma concepção ampla de
educação, em particular da EPT no contexto da educação brasileira, a análise crítica dialética
que adotamos sobre a relação entre trabalho e educação tomou como parâmetro o movimento
histórico, social e político da sociedade para pensar sobre o objeto em estudo, buscando
compreender tal movimento por uma abordagem do processo dinâmico da concreticidade da
realidade, considerando a materialidade histórica de homem, de educação e de sociedade,
sempre se pautando pela superação das contradições da hegemonia, pelas vias da educação
crítica, politécnica e omnilateral dos sujeitos.
161

Assim, se tornou uma necessidade premente evidenciarmos conceitualmente os


fundamentos da politecnia e da omnilateralidade, que se constituem enquanto categorias
basilares para a reconceptualização da prática educativa do estágio objetivada, enunciando-os,
portanto, como conceitos de educação de base marxiana para uma formação humana em todas
as dimensões educativas ou integral como é comumente empregado, em contraposição à
formação unilateral provocada pela divisão social e técnica do trabalho, como forma de
superação da dualidade estrutural entre trabalho manual e intelectual, que seja: entre concepção
e execução, entre ensino propedêutico e técnico, internalizada no contexto da escola na sua
relação com os processos sociais da hegemonia que se baseia na fragmentação e na heterogestão
do trabalho.
Nesse contexto, deduz-se que a compreensão dos conceitos de politecnia e de
omnilateralidade, é ainda um desafio a ser rompido nos limites da Educação Profissional e
Tecnológica. Porquanto, para compreender em gérmen o sentido desses dois conceitos
fundamentais à formação humana é necessário compreender o trabalho em seu sentido
ontológico e histórico, assim como assumir enquanto premissa a relação entre trabalho, ciência,
cultura e tecnologia para superação da concepção monotécnica da formação.
Desse modo, apreendeu-se que os conceitos da politecnia e omnilateralidade tem base
em Marx, e emerge da concepção do trabalho como princípio educativo, fundamentando no
sentido da formação humana integral. Nesse aspecto, o sentido atribuído por Marx de uma
educação intelectual, física e tecnológica, é o que se entende por uma formação politécnica.
Sendo assim, concluímos em Saviani (2003), que “[...] o conceito de politecnia implica a união
entre escola e trabalho ou, mais especificamente entre instrução intelectual e trabalho
produtivo” (SAVIANI, 2003, p. 144), como expressão da práxis humana, sem, contudo,
desconsiderar a práxis produtiva.
É por essa razão que o conceito de politecnia guarda muita relação com o conceito de
omnilateralidade, pois, pressupõe a formação do sujeito integral emancipado, com capacidade
de realizar a transformação da sociedade. Desse modo, o sentido da omnilateralidade na
formação do indivíduo, está fundamentado, então, nos pressupostos marxianos frente à
realidade da alienação humana, conforme elucida Manacorda (2007). Esta alienação, pode ser
traduzida pelo trabalho fragmentado, heterogerido e subsumido em mercadoria de mais valia
para o capital.
Deduzimos, também, que o conceito de politecnia encontra sentido nas formulações
sobre a escola unitária em Gramsci (2001, p. 121), o qual defende que a escola necessita dar “o
salto qualitativo”, para entender que o “Homo faber não pode ser separado do Homo sapiens”.
162

Assim, ao objetivarmos as premissas que conceituam a politecnia e a formação omnilateral,


procuramos evidenciar, à guisa de um breve relato, sobre o processo histórico de implantação
das primeiras escolas politécnicas na antiga União Soviética, nos anos de 1920 e 1930, a partir
do movimento de lutas empreendidas por diversos educadores marxistas, dentre os quais se
destaca a revolucionária Nadejda Krupskaia, sobre a qual tecemos alguns comentários através
dos estudos de Lucília Machado (2020), que é outra educadora marxista que traz importantes
contribuições sobre a educação politécnica, e que dentre diversos pormenores a esse respeito,
elucida que “no ensino politécnico, não é suficiente apenas o domínio das técnicas; faz-se
necessário dominá-las ao nível intelectual” (1989, p. 129).
Os estudos em Machado, mostraram que Krupskaia, preceitua a escola politécnica de
forma diversa da escola do ensino artesanal, conceituando a politecnia como o conhecimento
dos princípios científicos utilizados nas maquinarias e nos mecanismos tecnológicos, que servia
ao domínio dos instrumentos, ao estudo das propriedades das matérias-primas necessárias à
transformação, e à compreensão dos materiais empregados nos processos produtivos. Esta
conceitualização se constitui como uma contribuição muito importante ao desenvolvimento da
teoria pedagógica socialista e trouxe do mesmo modo para os meandros da pesquisa, uma
contribuição muito significativa para discutirmos sobre o processo de produção agroindustrial
na prática do estágio por uma perspectiva politécnica.
Depreendemos, também, das contribuições de Lucília Machado (2020, p. 10), que
dentro dessa compreensão, Krupskaia formula um conceito fundamental, ou seja, o de cultura
geral do trabalho. Na visão de cultura geral do trabalho, estão envolvidos os elementos da
compreensão da produção em seu conjunto, a direção para a qual se desenvolve a técnica, o
papel da cada indústria no conjunto, a configuração das matérias-primas e seu desenvolvimento
no futuro, os métodos de obtenção e conservação das matérias-primas, os princípios que
norteiam a construção de máquinas, a história do desenvolvimento da produção, a organização
do trabalho na fábrica e na sociedade em geral, às condições de higiene e segurança no trabalho
e, por fim, a história do movimento operário e sindical.
Os destaques trazidos aqui sobre a Revolução Russa, nas décadas de 20 e 30, a partir do
trabalho de pesquisa de Lucília Machado (2020), se constituem como importantes contribuições
no sentido de evidenciar que as discussões em torno da construção da educação politécnica
atravessam períodos distintos da história repercutindo no tempo histórico, e que apesar das
contradições enfrentadas dentro do capitalismo, se sobrepõem na defesa do projeto de uma
escola do trabalho cujos princípios, de base marxista-leninistas, preceituam os conceitos da
politecnia e da formação humana integral. O debate pedagógico, nesta perspectiva, segundo o
163

que coloca Machado, é marcado por uma profunda preocupação ética com relação ao
significado do trabalho na sociedade socialista, ao respeito pelo trabalhador e ao caráter
humanista e coletivista do trabalho socialista.
Por fim, abordamos os desafios para implantação da educação politécnica no contexto
da Educação Profissional e Tecnológica, e apontamos a partir das contribuições de Ciavatta e
Frigotto (2019) a intensificação dos desafios diante das investidas de um projeto ultraliberal
que vem inequivocamente causando muitos retrocessos em todas as dimensões na atual
conjuntura da sociedade brasileira. Mas antes de adentrarmos essa questão, esboçamos uma
breve contextualização das políticas públicas para educação profissional e tecnológica no
Brasil. A oferta da educação profissional no Brasil caminha junto com os processos de
industrialização e historicamente é marcada pela dualidade estrutural das relações sociais de
produção. Assim, retratamos mesmo que de forma breve, o processo de expansão da oferta da
educação profissional e tecnológica desde a revogação do Decreto 2.208/97, que reforçava as
dicotomias de uma formação unilateral, até a implementação do Decreto 5154/04, que
possibilitou a integração da educação profissional à educação básica , tornando-se um
importante marco para superação da dualidade estrutural.
Nota-se, no entanto, a partir das contribuições de Ciavatta e Frigotto (2019) e retomando
à questão da problemática contemporânea da sociedade brasileira, os desafios impostos à
educação como todo e à Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, dentre os quais
podemos citar: o movimento “escola sem partido”; os mecanismos legalizados como a BNCC;
o novo ensino médio, e uma série de outros fatores extremamente preocupantes ao conjunto das
relações da sociedade brasileira e que foram por nós citados, mesmo que de forma sintética,
mas bem mais, a título de exemplificarmos os tamanhos retrocessos à educação e à sociedade
em geral, o que impulsiona a retroalimentação da luta coletiva e organizada em prol da retomada
de direitos arduamente conquistados, da superação do regime totalitário e alcance de novas
demandas político-sociais necessárias à emancipação dos sujeitos e à justiça social.
Mediante essa síntese, reforçamos a partir das palavras de Kuenzer (2009), a urgência
da implantação de uma pedagogia que implique numa nova organização e concepção do
trabalho na prática educativa da EPT, mas sobretudo, objetivamos o desenvolvimento de uma
pedagogia dialética, numa referência à Saviani, em relação a Pedagogia Histórico-Crítica,
como teoria epistemológica crítica e analítica da realidade social que busca captar o movimento
concreto/objetivo do processo histórico, e se constitui neste trabalho, na vertente pedagógica
que exprime nossa concepção de Educação, norteando nosso pensar pedagógico para a prática
educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria e para a EPT de modo geral.
164

CAPÍTULO IV - RECONCEPTUALIZAÇÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA DO


ESTÁGIO CURRICULAR NA EPT NUMA PERSPECTIVA OMNILATERAL DA
FORMAÇÃO HUMANA

4.1 Elementos Centrais da Proposta de Reconceptualização da Prática Educativa do


Estágio Curricular no Curso Técnico em Agroindústria

Este capítulo traz os elementos centrais que norteiam a construção de uma proposta de
reconceptualização da prática educativa do estágio curricular no Curso Técnico em
Agroindústria do Campus de Governador Mangabeira do IF Baiano, e consiste numa
prerrogativa do ProfEPT na apresentação de proposituras pedagógicos que objetivam a
melhoria dos processos educacionais na EPT, se constituindo como produto das análises
desenvolvidas com o trabalho de pesquisa, o qual poderá vir a desdobra-se na construção de
instrumentos político-pedagógicos pertinentes à formação sócio técnica e à prática educativa
do estágio curricular.
As reflexões enunciadas nesta proposta buscam a sintonia com os fundamentos da
dialética crítica marxista e com os pressupostos em torno da pedagogia histórico-crítica,
partindo da perspectiva da politecnia e da formação omnilateral dos sujeitos, como dimensões
da práxis humana social para superação da dualidade estrutural entre teoria e prática, entre
trabalho intelectual e trabalho manual, entre cultura geral e cultura técnica, decorrente de uma
concepção fragmentária de apropriação do conhecimento resultante do processo histórico da
divisão social do trabalho na sociedade de base capitalista e de uma concepção de educação
com base na unilateralidade, ou seja, na dissociação entre sujeito e o objeto da prática, entre
ensino e trabalho produtivo.
Um conceito unilateral de formação, parte do pressuposto da dissociação da relação
entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre teoria e prática, e vai além disso, é um
conceito que concebe o sujeito da prática de forma determinista e exterior ao trabalho, ou seja,
não concebe o sujeito como ser que produz a própria existência em termos socioculturais,
político-econômicos e educacionais, e assim, compromete o sentido de articulação do par
dialético trabalho e educação como uma relação de criação da humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens em atendimento de suas necessidades.
Isto posto, tomando por base a dialética crítica, partimos da perspectiva de uma
formação humana integral, na qual o trabalho é um princípio educativo de produção da
existência. Nesse sentido, ao analisar a prática educativa do estágio curricular no curso de
agroindústria, toma-se o trabalho agroindustrial como o princípio articulador entre teoria e
165

prática, entre trabalho intelectual e trabalho manual, como determinações que constituem
uma formação politécnica na perspectiva omnilateral da formação.
Nesse aspecto, o trabalho agroindustrial tem um papel fundamental para a formação
politécnica na perspectiva da omnilateralidade no contexto do curso técnico em agroindústria,
porquanto, se concebe sobre a centralidade que deve ocupar no processo pedagógico do curso
em sua totalidade. Assim, como uma atividade da ação humana, permite situar a especificidade
da educação na apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos relacionados à área
agroindustrial na produção em seus diversos setores produtivos para atendimento de uma série
de necessidades humano-sociais.
Em termos da especificidade pedagógica da centralidade do trabalho agroindustrial na
mediação do processo educativo com a práxis social, permite a relação direta dos sujeitos da
prática com a sua estrutura, desenvolvimento, finalidades e com os elementos sociais, políticos,
econômicos, culturais e educacionais necessários à formação sócio técnica no curso. Por esse
sentido, o trabalho agroindustrial, se constitui como o princípio educativo basilar do
processo educativo, e sobretudo, como o eixo de articulação entre o ensino e o trabalho
produtivo na prática educativa do estágio curricular do curso técnico em agroindústria.
Com base nessas premissas, a prática educativa dos estágios estaria alinhada à dimensão
da práxis social educativa por um sentido lógico da relação entre trabalho e educação,
objetivada na dinâmica do trabalho produtivo agroindustrial, o que ensejaria o desenvolvimento
do trabalho pedagógico por uma perspectiva sócio crítica da unidade indissociável entre ensino
e trabalho produtivo na prática do estágio curricular.
Nesse sentido, objetiva-se oferecer caminhos para superação da cisão entre concepção
e execução, considerando que o trabalho agroindustrial tem sido concebido e executado de
forma exteriorizada pelos sujeitos da prática educativa, os quais boa parte das vezes não
estabelecem uma relação direta com a prática do trabalho, porquanto, é assumida uma posição
de meros expectadores da prática na realização dos estágios curriculares. Ademais, na análise
dos relatórios de estágio, emergem nuances do processo produtivo nos ambientes dos estágios
sendo discorridos tão somente os procedimentos técnicos empregados na produção
agroindustrial.
Dessa forma, ao realizarmos a análise dos relatórios de estágio, não se observou alguma
referência que remetesse ao sentido mais amplo de trabalho em termos da produção humana-
social. Como efeito, o trabalho produtivo agroindustrial encontra-se preponderantemente
reproduzido nos relatórios pelo viés prático-utilitário, técnico-manual, e de execução
pragmática das técnicas que são usadas no processo produtivo.
166

Mediante essas deduções, os pontos identificados na problemática de que nos ocupamos


demonstram as causas da cisão entre concepção e execução na prática educativa do estágio
curricular no curso técnico em agroindústria, o que tem comprometido o processo de
desenvolvimento dos estudantes a entenderem como e porque se dá a incorporação da ciência
à tecnologia aos instrumentos dos processos produtivos, reforçando a concepção de uma
formação monotécnica numa perspectiva unilateral da formação humana.
Dentre esses pontos, identificamos como fator central da problemática:
 A desarticulação entre ensino e trabalho produto, isto é, a desarticulação entre o
processo do trabalho educativo e o processo do trabalho produtivo agroindustrial,
E como pontos decorrentes da problemática central, acima enunciada, foram
identificados os seguintes fatores:
* A visão da prática educativa do estágio como cumprimento da carga horária
obrigatória do Curso;
* A concepção da prática educativa do estágio apenas como etapa de
complementaridade para certificação no curso, comprometendo a ênfase epistemológica no
projeto pedagógico com um ato educativo que aproxima o estagiário da dimensão do trabalho
produtivo social;
* A prática do ensino e do estágio curricular com base na vertente pedagógica tecnicista
e na perspectiva unilateral de formação.
Em nossas análises, porém, chegamos à conclusão das reais consequências para os
fatores elencados acima, os quais se encontram discutidos de forma mais pormenorizada no
primeiro capítulo deste trabalho intitulado A Prática Educativa do Estágio Curricular no Curso
Técnico em Agroindústria do IFBAIANO - Campus Governador Mangabeira: Uma Análise
Dialética-Crítica. Assim, como resultado que explica a problemática analisada na pesquisa,
chega-se a uma relação em cadeia que emergem das contradições da realidade concreta, muito
próprias da materialidade do sistema de produção capitalista, que de forma metabólica e
institucionalizada tem direcionado a organização política-educacional nos limites da Educação
Profissional e Tecnológica, tanto quanto da educação escolar de modo geral, moldando o
processo do trabalho pedagógico à concepções monotécnicas e unilaterais da formação, e dessa
forma, comprometendo o desenvolvimento de uma nova mentalidade de educação e de
sociedade orientada por numa perspectiva crítica do modelo societário hodierno.
Temos, portanto, como causa principal da desarticulação entre ensino e trabalho
produtivo e da cisão entre concepção e execução na prática do estágio analisada:
167

1) A divisão social e técnica do trabalho no modo de produção capitalista que induz à


uma formação unilateral, e por consequência, desencadeia:
2) A dualidade estrutural entre trabalho manual e intelectual, entre teoria e prática, entre
cultura geral e cultura técnica, numa conformação monotécnica do processo educativo.
Assim, conclui-se, sumariamente, que a divisão social e técnica do trabalho regulada
pelo modo de produção capitalista, na sociedade de classes, causa a dualidade estrutural entre
trabalho intelectual e trabalho manual, teoria e prática, cultura geral e cultura técnica e tem,
historicamente, comprometido a concepção do trabalho enquanto princípio educativo, e
elemento de produção da existência caracterizada na atividade da prática social, o que tem
limitado o desenvolvimento da formação sócio técnica na perspectiva da politecnia e da
omnilateralidade no contexto da educação profissional e atingindo, como consequência, a
prática educativa do estágio curricular do curso técnico em agroindústria.
Na resolução dessa problemática, há que se considerar, portanto, que o nosso ponto de
referência é a noção do trabalho, o conceito e o fato do trabalho como princípio educativo geral,
como preceitua Saviani (1989, p. 7), pois, “toda a educação organizada se dá a partir do conceito
e do fato do trabalho, portanto, do entendimento e da realidade do trabalho. Nesse sentido é
possível perceber que, na verdade, toda a Educação e, por consequência, toda a organização
escolar, tem por fundamento a questão do trabalho” (SAVIANI, 1989, ps. 7-8).
Assim, uma vez constatada a desarticulação entre o ensino e o trabalho produtivo na
prática educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria, objetiva-se uma
reconceptualização para esta prática, posto que a desarticulação entre ensino e trabalho
produtivo tem comprometido o desenvolvimento dos estudantes na perspectiva de uma
formação com base na politecnia e na omnilateralidade, na medida em que ao cindir concepção
e execução, limita a compreensão dos estudantes no sentido de entenderem como e porque se
dá a incorporação da ciência e da tecnologia aos instrumentos dos processos produtivos
agroindustriais, o que reforça a concepção de uma formação monotécnica numa perspectiva
unilateral da formação humana, e isto, se configurou na questão central assumida na pesquisa.
Pondera-se, diante da problemática apresentada, que no processo de formação os
estudantes se apropriem do conhecimento científico e tecnológico inerente aos processos
produtivos do trabalho agroindustrial, atividade em que na realização da prática do estágio, se
apresenta na interface da relação entre o processo do trabalho educativo e o processo do trabalho
produtivo. No entanto, a cisão entre concepção (apropriação do conhecimento) e execução
(atividade prática) se circunscreve na dinâmica contraditória das relações econômicas, políticas,
168

sociais e ideológicas impulsionadas pelo capital, causando a fragmentação entre conhecimento


científico e tecnológico e processo produtivo agroindustrial.
O trato da questão pressupõe um saber politécnico, em que o domínio da técnica esteja
balizado na capacidade de entender os princípios científicos e tecnológicos envolvidos no
processo produtivo, o que vai muito além de aprender a praticar, ou de aprender a fazer. Assim,
é preciso, fundamentalmente, aprender a pensar e a refletir criticamente sobre a realidade
político-social e econômica, sobre o processo de produção material para que o processo
formativo se constitua verdadeiramente num processo educativo, no qual seja imprescindível
que a teoria – conhecimento – esteja aliada à prática – técnica – ensejando de fato uma práxis
social educativa.
Desse modo, busca-se um enfoque dialético sobre a relação da prática do estágio com o
trabalho. E, para tanto, o entendimento da dimensão ontológica do trabalho mediante a
concepção sócio histórica do processo de apropriação do conhecimento e do processo do
trabalho educativo constituem-se como pressupostos elementares à reconstrução conceitual da
prática educativa do estágio curricular. Sob esse ponto de vista, há a necessidade da
compreensão do princípio educativo do trabalho na relação estabelecida entre homem, trabalho
e natureza, tendo em vista que o trabalho é o ato de produção da existência, e, portanto, a partir
desse ato os homens produzem história, conhecimento, cultura, e a manutenção de sua
subsistência.
Nesse sentido, a concepção pedagógica que fundamenta a proposta de
reconceptualização da prática do estágio no curso em agroindústria, e que, também, se constitui
como a concepção de educação abraçada enquanto base teórico-metodológica, parte do
princípio de que o trabalho é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos sujeitos,
como preceitua Saviani (2013), na concepção da Pedagogia Histórico-Crítica. Esta proposta,
então, não se restringe a um conceito restrito de educação, mas a um conceito amplo de trabalho,
de educação, de mundo e de sociedade.
Com base nesse conceito, os princípios gerais objetivados para uma reconceptualização
da prática educativa do estágio curricular no Curso Técnico em Agroindústria, sob o ponto de
vista dialético-histórico-crítico, se assentam em primeira instância, conforme orienta Freitas
(1996), nos fundamentos da organização do processo do trabalho pedagógico destacando-se,
nesse processo, o trato com o conhecimento, com o percurso pedagógico de apropriação das
aprendizagens sociais e de suas relações com os marcos regulatórios institucionais com a
169

sociedade, pensado a partir de uma concepção ampla e crítica de educação e de formação dos
sujeitos.
Cabe ressaltar, no entanto, por essa perspectiva, que essa proposição visa
primordialmente a reflexão sobre a prática, e desse modo, está distante de apresentar um plano
de operacionalização para a prática dos estágios, mas sim, facultar uma análise conceitual para
o estabelecimento de uma práxis educativa em que se promova um saber politécnico de domínio
científico sobre a técnica. Dessa forma, é absolutamente indispensável que os estudantes se
apropriem do saber socialmente elaborado, e nesse sentido, é imperioso a ideia de que o saber
não existe de forma autônoma, pronto e acabado, como observa Kuenzer (2009) ”[...], mas é
síntese das relações sociais que os homens estabelecem na sua prática produtiva em
determinado momento histórico [...]” (KUENZER, 2009, p. 183).
Assim, é fundamentalmente necessário, de acordo a essa concepção, o entendimento de
que o saber objetivo produzido historicamente, advém da prática do trabalho compreendido em
todas as formas de atividade humana pelas quais o homem apreende, compreende e transforma
as circunstâncias, assim como, transforma ao mesmo tempo a si mesmo, é a categoria que se
constitui no fundamento do processo de elaboração do conhecimento, como orienta Kuenzer
(2009, p. 183) e que se desenvolve no âmbito de situações concretas, como salienta Saviani
(2013).
As ações didático-pedagógicas, nessa acepção, primam com efeito, por uma construção
metodológica diametralmente oposta ao saber inteiramente voltado para apropriação da
“competência técnica” e da “aquisição de habilidades procedimentais” compreendidas, então,
de forma dissociada da práxis social objetiva, como ocorre na visão das tendências não-críticas,
mas por uma capacidade educativa de sistematização do saber de forma metódica, elaborada e
científica, num processo articulado entre trabalho intelectual (teoria) e trabalho manual
(prática).
Nessa ação, de acordo aos postulados da pedagogia histórico-crítica, educandos e
educadores efetivam um processo dialético, de “identificação das formas mais desenvolvidas
em que se expressa o saber produzido historicamente [...]” (SAVIANI, 2013, p. 8), do qual a
escola é a principal detentora, na medida em que se reconheça as condições de produção desse
saber, compreendendo suas principais manifestações e suas tendências atuais de transformação,
considerando, também, que a cada período da história surgem novas formas de vida e de
necessidades objetivas dos seres humanos, e, que por isso, há a necessidade de se avançar na
produção de novos conhecimentos que deem conta das mudanças e das novas exigências da
sociedade.
170

Para além disso, em acordo com a PHC, há a necessidade de conversão do saber objetivo
em saber escolar, de forma que esse saber se torne assimilável pelos estudantes no espaço e no
tempo escolares, assim como, é necessário que haja provimento dos meios para que os
estudantes não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o
processo de sua produção e das tendências que decorrem de sua transformação, como afirma
Saviani (2013, p. 9).
Dessa forma, pensando em direção à prática educativa no contexto da formação sócio
técnica, na qual tratamos sobre a prática educativa do estágio, a apreensão do saber objetivo se
encaminha na direção de um processo politécnico e omnilateral de formação a partir dos
elementos da produção agroindustrial, na sua intrínseca relação com a práxis social e com o
saber objetivo desta área do conhecimento humano. Contudo, para que isto ocorra com efeito,
é imprescindível que no conjunto da formação haja predisposição a refletir sobre e a construir
um processo de ensino e de aprendizagem fundamentado pelo conceito de uma formação ampla
ou integral para superação dos processos de uma educação fragmentária, determinada pela
lógica da divisão social e técnica do trabalho.
A adoção dos elementos constituintes de uma prática pedagógica comprometida com
uma formação integral, na formação em geral e na prática do estágio curricular, ampliaria as
possibilidades educativas de socialização do saber sistematizado aliado aos procedimentos
técnicos da produção agroindustrial. Dessa forma, na organização do currículo, o processo da
prática do estágio deixaria de ser concebido apenas como recurso de apreensão prático-
instrumental ou como observatório experimental dos processos produtivos, para ascender a um
conceito de campo de conhecimento, como afirmam Pimenta & Lima (2005-2006):

Entendemos que o estágio se constitui como um campo de conhecimento, o que


significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à
atividade prática instrumental. Enquanto campo de conhecimento, o estágio se produz
na interação dos cursos de formação com o campo social no qual se desenvolvem as
práticas educativas [...] (PIMENTA & LIMA, 2005-2006, p. 6).

Assim, portanto, a prática do estágio seria alicerçada pelo crivo do conhecimento


objetivo direcionado ao campo social a que se destina a formação, a partir da qual haveria a
possibilidade do desenvolvimento da formação politécnica, já que “[...] a noção de politecnia
deriva basicamente da problemática do trabalho [...]” (SAVIANI, 1989, p. 7), e assim, tem
como ponto de referência principal o fato do trabalho como princípio educativo geral, servindo
do mesmo modo, como um importante instrumento de avaliação da qualidade global do curso,
171

considerando que a prática do estágio é o objeto epistemológico de maior efetividade no


currículo para avaliação de que o aluno foi bem orientado para o exercício da profissão.
A prática do estágio destaca-se, assim, como um campo educativo de ampla base de
possibilidades educativas na objetivação do conhecimento científico adquirido e na apropriação
dos elementos da cultura do campo da formação, como elucida Piconez (1991). Nos estudos de
Piconez (1991), há a defesa de criação de espaços que favoreçam reflexões para o entendimento
do estágio curricular como prática transformadora na reconstrução ou redefinição das teorias
que sustentam o trabalho pedagógico. Para a autora, na prática dos estágios, o trabalho precisa
ser entendido como ato educativo para que possa haver a reestruturação do processo pedagógico
em vários aspectos.
Vê-se, desse modo, que a prática do estágio é essencial à formação do aluno pelo fato
de propiciar um momento específico de aprendizagem e “ [...] uma reflexão sobre a ação
profissional, uma visão crítica da dinâmica das relações existentes no campo institucional [...]”,
“[...] tendo em vista possibilitar a elaboração de novos conhecimentos” (BURIOLLA, 1999, p.
17). Nesse sentido, emerge a questão do conceito de prática, que do ponto de vista da dialética
histórico-crítica, vai além do que se limitou entender comumente por prática, ou seja, a prática
transcende à mera conceituação de procedimento prático ou de constituição de técnicas para
produção de um determinado produto.
O conceito de prática, na visão histórico-crítica, é incorporado como elemento
epistemológico que se articula a uma concepção de conhecimento ou como unidade dialética
teoria/prática, tomando o sentido apreendido com base em Marx, nas ideias de Vásquéz (1986,
p. 117). E nesse aspecto, é importante observarmos que a teoria sozinha não teria efeito se
destituída da articulação com a prática, já que “[...] por si própria, a teoria é inoperante, ou seja,
não se realiza” (VÁSQUÉZ, 1986, p. 117). A prática vista por esse prisma seria o par dialético
– numa referência a um conceito da organização do trabalho pedagógico na relação dialética
entre os objetivos e a avaliação a aprendizagem feita por Luiz Carlos de Freitas (1995) – sem a
qual a teoria não teria sentido algum, ou melhor, sem a qual a teoria não se comprovaria.
Outro sentido para o conceito de prática, em relação ao estágio curricular, segundo
Pimenta (2005), é o de que a prática educativa tem por finalidade propiciar ao aluno uma
aproximação com a realidade profissional na qual irá atuar, ou para a qual obteve formação.
Nessa perspectiva, não se deve conceber o estágio como a “parte prática” do curso, mas como
aproximação à prática, como uma consequência da teoria estudada no curso, que por sua vez,
deverá se constituir numa reflexão sobre e a partir da realidade do trabalho, ou do processo
produtivo objetivado pelo trabalho.
172

Assim, o trabalho pedagógico realizado com a prática educativa do estágio curricular,


ao contrário do que se costuma propugnar, não é a “atividade prática”, mas a atividade teórico-
prática instrumentalizadora da práxis, que por sua vez, é entendida como atividade de
transformação da realidade, como defende Pimenta e Lima (2006, p. 45). Compreendida pelo
sentido da práxis educativa, a prática educativa do estágio supera a visão de prática como
aplicação de técnicas fragmentadas, ou seja, dissociadas da teoria que as explica No sentido da
práxis a prática é atividade teórica do conhecimento, a sua fundamentação, pela qual se pode
refletir, planejar e redimensionar a intervenção pedagógica tanto na realidade escolar como na
realidade social.
Do ponto de vista da reflexão que estamos trazendo, a intervenção na realidade escolar
se dá pelo trabalho pedagógico ou práxis pedagógica e a intervenção na realidade social se dá
pelo trabalho produtivo ou práxis produtiva. Nas duas situações é necessário que se ponha em
prática um conjunto de mediações, e de abstrações, que se fundamentam pelo pensamento, ou
seja, para as quais é necessário primeiramente se objetivar no campo das ideias para que depois
se efetivem pela prática.
Dessa forma, reforçamos que a relação entre o ensino e o trabalho produtivo, na prática
do estágio, se configura como práxis social educativa que se materializa por meio do trabalho,
como elemento essencial da relação entre o processo do trabalho educativo e o processo do
trabalho produtivo, para assim, prover a superação da dualidade estrutural entre trabalho
intelectual e trabalho manual, ou ainda, entre teoria e prática, entre concepção e execução.
Considerando esta fundamentação, tomamos a observação de Freitas (1996), ao declarar
que:

Diferentes concepções de prática de ensino e de estágio e a valorização/desvalorização


que lhes é atribuída revelam, na verdade, diferentes formas de pensar a escola em suas
relações com a sociedade e sua transformação, diferentes formas de conceber a
organização curricular dos cursos de formação dos profissionais da educação e
diferentes formas de conceber a elaboração e a produção de conhecimento e diferentes
projetos históricos (FREITAS, 1996, p. 31).

Nesse sentido, alude-se que a prática do estágio seja concebida como um


componente curricular que se articula com o trabalho, com a ciência, com a tecnologia e com a
cultura, particularmente considerando a educação no contexto da EPT, em que é imprescindível
a relação do conhecimento científico e tecnológico com a prática produtiva da área de formação.
Nesse aspecto, ao tratarmos da área específica em que foi objetivado o nosso estudo, retomamos
173

a concepção do trabalho agroindustrial como eixo articulador da teoria e da prática no


desenvolvimento da formação sócio técnica em agroindústria na sua totalidade.
Desse modo, é necessário que se compreenda que o estágio curricular deva ser
implementado em todo processo de formação, devendo ser tratado como um importante
componente do currículo na integração do saber escolar com o saber objetivo do trabalho ligado
ao campo de formação, e que no caso específico deste estudo, diz respeito à área agroindustrial.
O entendimento do estágio como um componente curricular, articula-se à concepção de que o
conhecimento objetivado nas aulas de formação teórica, possibilita a reflexão sobre a atividade
produtiva; sobre a área profissional; sobre os aspectos das condições do trabalho nos locais
estudados; das relações entre os trabalhadores, da atividade produtiva e instituição do trabalho,
bem como, das relações econômicas e político-sociais envolvidas no processo produtivo.
A partir desse entendimento, é necessário esclarecer antes de prosseguirmos, que tenta-
se aqui, trazer elementos críticos à discussão do objeto da prática educativa do estágio
curricular no curso técnico em agroindústria, sem nenhuma intenção de esgotar as reflexões da
problemática analisada, ou mesmo em dar conta de tratar todas as determinações que a
compõem, mas objetivar uma concepção crítica da relação entre sujeito-objeto-sociedade, da
relação entre trabalho e educação e das relações produtivas objetivadas na prática do trabalho
com a atividade do trabalho escolar em sua relação social com o mundo produtivo do trabalho
agroindustrial.
Numa perspectiva de aproximação e de reflexão sobre a realidade social e produtiva,
objetivando o desenvolvimento educativo, a prática do estágio pode ser planejada por meio de
projetos de pesquisa e de extensão, num intercâmbio de relações sociais e educativas entre os
alunos, os orientadores de estágio, demais professores do curso, supervisores de estágio,
pesquisadores dessa prática, trabalhadores dos ambientes de estágio, comunidade acadêmica
em geral e de outros sujeitos sociais, para difusão e aplicação do conhecimento pertinente aos
processos agroindustriais. Em iniciativas como esta, os trabalhadores são os sujeitos que
possuem maior propriedade, em termos do saber empírico, para expor e exemplificar os
aspectos diretamente vivenciados no processo de produção. Nessa relação de trocas acadêmicas
e vivenciais, os alunos/estagiários teriam a oportunidade de participarem de um processo
abrangente de experiência prática-científica com um desenvolvimento mais significativo de
aprendizagem.
Além disso, o intercâmbio com projetos de pesquisa e extensão, fomentaria uma
integração curricular, o que poderia proporcionar a efetivação de uma educação politécnica em
que a prática educativa e produtiva estaria relacionada às múltiplas técnicas de diferentes
174

componentes curriculares, e as múltiplas técnicas se fundamentariam no conhecimento teórico


apreendido. Desse modo, o conceito de prática do trabalho, como um projeto de formação
coadunado pela articulação ou integração das disciplinas que constituem o currículo, dariam
uma dimensão ampla à prática educativa uma vez que se teria condição de aliar o conhecimento
científico e tecnológico das diversas áreas do currículo, tratando do processo produtivo de
determinados setores agroindustriais.
Este processo pedagógico, precisaria ser iniciado antes mesmo de se pôr em ação a
prática do estágio propriamente dita. Exigiria o planejamento prévio de ações, que passariam a
se delinear tão logo se confirmasse qual o ambiente produtivo em que se entraria em relação
com o estágio. Dessa forma, haveria a possibilidade de se elaborar ações a serem desenvolvidas
durante e após a realização da prática, incluindo a etapa previamente planejada, a qual
consideramos fundamental, e que consistiria num diagnóstico in loco do ambiente produtivo do
estágio, objetivando um reconhecimento da dinâmica do trabalho do ambiente, e um estudo
prévio do processo produtivo para possíveis intervenções técnico-científica com a prática.
A etapa de diagnóstico, estabeleceria uma relação com o objeto produtivo a ser
analisado, possibilitando que acordos precedentes fossem pensados junto aos supervisores de
estágio, a respeito do que poderia vir a ser desenvolvido pelos alunos/estagiários em que possam
interagir com o ambiente produtivo, evitando a execução de uma prática muito focada na
observação do processo produtivo, como geralmente tem ocorrido. A etapa de diagnóstico,
assim, se materializaria por um planejamento prévio-elaborado, que poderia ser rediscutido,
reelaborado e adequado conforme as necessidades que se apresentarem no processo.
A ideia é a de que estagiários e seus orientadores, com a participação de professores das
demais disciplinas do currículo, especialmente aquelas cujo campo do conhecimento dialoga
diretamente com o campo produtivo do ambiente do estágio, já pudessem antecipar
conjuntamente um direcionamento às ações dos alunos na atividade da prática. Este
direcionamento, tomaria por base o diagnóstico realizado identificando as possibilidades reais
de atuação/intervenção e de apropriação do conhecimento pelos estagiários. Dessa forma, seria
possível retomar conceitos, apropriar-se de outros, e intervir com a prática com maior
propriedade intelectual e manual.
Com efeito, à medida que fosse ocorrendo a objetivação da relação com a prática,
estariam sendo simultaneamente discutidas no ambiente do ensino, formas mais apropriadas de
intervenção a partir da análise mais abrangente do processo produtivo no acontecer da prática,
ou melhor, no terreno da práxis social, o que conferiria apoio técnico ao processo de produção,
especialmente se se verificasse a necessidade de aperfeiçoamento nesse processo.
175

Dentro dessa proposta, as ações seriam pensadas para que ocorressem por um
encadeamento processual e global e, dessa forma, a produção de situações simuladas, de estudo
de casos, de atividades de pesquisas, de produção dos relatórios, entre outros, seriam pensadas
durante o percurso formativo no curso, constituindo num processo dialeticamente traçado no
qual a teoria e a prática estariam caminhando juntas, ensejando também, a avaliação do processo
ensino-aprendizagem durante o percurso da prática educativa do estágio e não somente ao seu
final, como tem se dado.
Pensando este aspecto de modo mais objetivo, vemos como uma possibilidade e como
uma coerência de organização do trabalho pedagógico que a disciplina Projeto Integrador
constante no currículo, exercesse um papel crucial de alinhamento à prática educativa do
estágio, no sentido de se colocar como um campo de acolhida das propostas e projetos
elaborados para dinamizar o processo do conhecimento no curso de forma global e ,também,
dos planejamentos elaborados para os estágios, ficando a cargo da culminância daquilo que
fosse desenvolvido no campo da práxis social propiciada na prática dos estágios.
Nesta perspectiva, o planejamento e a execução da prática se constituiriam como
tarefas para as quais não se prescinde o envolvimento e a ação efetiva de todo corpo docente na
relação educativa com os alunos e com o processo produtivo peculiar à formação. Tal dinâmica,
configuraria uma práxis pedagógica caracterizada por um esforço conjunto, considerando que
a prática do estágio da forma como está sendo praticada, fica fechada em torno da tríade
orientador (a), supervisor (a) e os respectivos alunos/estagiários, sendo que estes últimos, de
acordo à nossa vivência no trabalho de acompanhamento pedagógico, se sentem muitas vezes
perdidos e necessitados de maiores orientações no desenvolvimento dessa ação educativa.
Um planejamento com esse teor de articulação oportunizaria uma organização ampla
das ações. Os alunos seriam encaminhados à prática do estágio com uma orientação
previamente discutida sobre o processo produtivo do qual iriam se aproximar, podendo
estabelecer já a partir disso, relações com o conhecimento adquirido no curso, com condições
de pesquisa dos conteúdos estudados nas possibilidades reais de atuação e colaboração técnica.
A referência à ação conjunta com o corpo docente, refere-se também à questão que está
posta em que somente os professores da área técnica do currículo estão aptos a assumirem o
papel da orientação de estágio, e com isso, se incumbem sozinhos junto ao seu orientando ou
orientanda, das demandas que envolvem o processo da orientação. Neste ponto singular,
presume-se que um professor da área técnica esteja à frente, tendo em vista que estes
professores possuem formação específica nas ciências que tratam diretamente do saber
tecnológico do processo produtivo, porém, se colocando como um dinamizador dos conceitos
176

técnico-científicos que constarão nos relatórios de estágio e não como responsável direto por
cada aluno na ação da prática de orientação individual que poderia ser assumida, ao nosso ver,
em parceria com outros professores, mesmo das disciplinas propedêuticas. Parte-se, portanto,
do pressuposto de que a prática se relaciona com o projeto educativo do curso em sua totalidade
e que isso tenha relação com a dimensão do conjunto das áreas do conhecimento que englobam
o currículo, assim, suscitando a necessidade da participação e envolvimento do conjunto das
disciplinas curriculares.
Podemos justificar essa pressuposição a partir do argumento de que em se tratando da
relação educativa entre a dimensão pedagógica da formação e a dimensão do trabalho produtivo
relacionado ao curso, estas dimensões compreenderiam o conjunto de relações educacionais
que englobam as ciências humanas, da natureza, da linguagem e seus códigos e da matemática,
considerando as dimensões da própria sociedade seja da ordem econômica, política,
sociocultural e histórica de que tratam as humanas mais especificamente, por exemplo. Por esse
entendimento, tomando por base a relação entre o ensino (mundo da escola) e o trabalho
produtivo (mundo do trabalho), é imprescindível o olhar científico e tecnológico de todas as
ciências presentes no currículo.
Nesse sentido, para que este argumento se torne mais objetivo, podemos citar alguns
fatores com os quais nos deparamos no trabalho de acompanhamento pedagógico, que se
referem às questões constantemente trazidas pelos alunos na realização dos estágios. Uma das
questões diz respeito à elaboração dos relatórios, seja em relação à produção textual em si,
normas técnicas, entre outros, seja sobre a própria peculiaridade do tipo do processo produtivo
que é acessado, por seus fundamentos científicos e tecnológicos. Vê-se como uma possibilidade
de tratamento à dificuldade na produção dos relatórios, a necessidade da intervenção das
disciplinas da área de linguagens e seus códigos e mesmo da disciplina de metodologia
científica como componentes específicos ao trato da questão dentro da organização curricular,
para que se possa dar um suporte aos alunos durante a elaboração do documento citado.
Para elaboração dos relatórios seria também pertinente se fazer anotações daquilo que
foi executado e apreendido a cada ação desenvolvida ou observada no estágio, como um diário
de bordo. As evidências têm mostrado que a ausência de anotações sobre a prática decorre numa
dificuldade na elaboração dos relatórios e mesmo numa falta de percepção dos estagiários das
nuances do processo produtivo e das relações envolvidas. Entendemos com isso que há a
necessidade de que se tenham registros a serem analisados e discutidos junto aos professores
durante o processo, o que iria facilitar em muito a produção textual final dos relatórios e a
percepção do todo sobre a prática.
177

Outra questão a mencionar é sobre as inter-relações entre as atividades pedagógicas do


curso com a prática do estágio de um modo geral e com os resultados obtidos dessas inter-
relações, que poderiam servir de escopo para a realização de eventos como palestras,
minicursos, visitas técnicas e projetos de intervenção. Tais iniciativas ensejaria uma
participação ampla, não somente dos sujeitos com envolvimento direto no curso, mas
envolveria comunidade acadêmica e público externo, considerando que a prática do estágio não
necessariamente devesse ficar fechada em si mesma, mas constituir-se como uma prática que
se ampliaria ao conjunto do processo de formação.
Desse modo, a realização de iniciativas e de eventos associados à execução da prática
dos estágios, poderia ocorrer tanto no próprio Campus como em outras instituições, sejam estas
acadêmicas ou em espaços do trabalho agroindustrial como nos estabelecimentos produtivos
acessados pelos estudantes ou com abertura a espaços da agricultura familiar, por exemplo,
enquanto espaços significativos de interação e aprendizagem. Estas iniciativas propiciariam à
difusão de apoios técnicos prestados, de parcerias estabelecidas e da proposição de projetos
educativos.
Ao referirmo-nos à realização da prática educativa dos estágios curriculares no ambiente
das associações da agricultura familiar, presumimos a aproximação com setores produtivos
agroindustriais com formas de produção alimentar por uma outra perspectiva produtiva, como
a forma cooperada de economia e no processo de industrialização de alimentos, em que não se
utilizam muitos insumos químicos de conservação, nos quais os produtos são elaborados de
forma mais saudável e artesanal tanto em qualidade como em quantidade suficiente para se
evitar o desperdício de recursos naturais que servem de matéria-prima à produção.
É importante frisar que a apropriação de saberes pelos princípios da agricultura familiar
tem muita relação com os conceitos da agroecologia, cujos princípios primam pelo conceito de
uma produção e da aplicação de técnicas sustentáveis. A realização dos estágios na agricultura
familiar oportunizaria aos alunos de se aproximarem de conceitos como a economia solidária
na qual o processo de produção se dá de forma associada entre os trabalhadores rurais,
permitindo uma práxis mais voltada para a concepção de sustentabilidade social, ecológica,
política e econômica, bem distinta da forma de produção das empresas aos moldes
convencionais do agronegócio.
Um detalhe significativo na aproximação através da prática do estágio em agroindústria
com setores da agricultura familiar é que boa parte dos alunos do curso residem no meio rural
e vivenciam a realidade do trabalho nesses ambientes, sendo alguns deles, filhos de agricultores
familiares. Chamamos a atenção para este fato, porque até o presente momento, não se
178

efetivaram nenhum estágio na vertente da agricultura familiar no curso em agroindústria do


lócus da pesquisa.
A consideração da realização de estágios no âmbito da agricultura familiar guarda forte
relação com o fato da existência de diversas iniciativas nessa vertente no município de
Governador Mangabeira, e nos municípios limítrofes, a exemplo Associação Comunitária do
Brinco (Abrinco)36, de Maragogipe-BA, e da Associação de Desenvolvimento Rural de
Jenipapo37, de São Felipe-BA, dentre uma das mais expressivas, o que concitaria a implantação
de projetos com a prática dos estágios com base na pedagogia da alternância ou mesmo de
atividades de extensão e pesquisa, o que seria uma excelente oportunidade de alavancar, através
de apoio técnico, o desenvolvimento social e econômico da região e das famílias dos alunos do
curso, assim como de alunos dos outros cursos ofertados no Campus, residentes na zona rural
e filhos de agricultores familiares.
Nesse sentido, a prática do estágio, consistiria em um componente curricular
fundamental ao processo formativo dos alunos, os quais teriam condições de refletir sobre a
estrutura e as finalidades do trabalho agroindustrial em diferentes setores de relação com a
agroindústria, e aliado a isso, a observância do ensino politécnico, ensejaria uma apropriação
dos aspectos político-sociais envolvidos, pois, demandaria a consideração às questões da
economia vigente, às questões sociais do trabalho, às questões relacionadas à configuração da
classe trabalhadora em sua relação com a sociedade, o que possibilitaria um processo amplo de
formação aos sujeitos da prática.
Dada a essas proposições, ressalta-se que o nosso objetivo não é o de sugerir algum
procedimento em termos de logística para a prática dos estágios na agroindústria, porém,
quando reforçamos a execução da prática em setores determinados como o da agricultura
familiar, o fazemos por compreendermos que essa vertente se aproxima mais com os ideais de
educação que acreditamos e que se encontram delineados em certo grau neste trabalho, além de
condizerem com a realidade regional e social dos alunos. No entanto, quando aludimos à
perspectiva agroecológica de produção, entendemos que a busca por essa vertente demandaria
um esforço de se pensar num modelo contra hegemônico de economia, e numa outra dinâmica

36
Informações obtidas do site: http://www.car.ba.gov.br/noticias/aipim-processado-por-agroindustria-da-
agricultura-familiar-de-maragogipe-e-referencia-no. Acesso em 22.08.2021.

37
Busca através do site: http://www.sdr.ba.gov.br/sites/default/files/2019-04/bahia%20produtiva_revista.pdf.
Acesso em 22.08.2021.
179

de aproximação dos alunos a processos formativos voltados para práticas mais sustentáveis de
produção tanto em termos econômicos como sociais e humanos.
Contudo, o nosso objetivo central se coloca no campo da defesa de uma prática
educativa de estágio curricular que supere a visão antagônica entre o ensino e o trabalho
produtivo, e de uma prática heterogerida apenas pela reprodução de procedimentos técnico-
manuais, com prioridade da técnica pela técnica. O nosso estímulo basilar está na instauração
da articulação entre teoria e prática no domínio dos princípios científicos e tecnológicos sobre
a técnica, numa proposta educativa de perspectiva na politecnia, com escopo na práxis humana-
social.
Numa exemplificação mais objetiva, dentro do conceito de politecnia, tomando a área
produtiva da agroindústria, se no processo da prática educativa do estágio os estudantes se
deparam com a produção na panificação, que é um campo geralmente acessado pelos alunos do
curso, necessitariam dominar o conhecimento sobre o processo da mistura dos insumos, da
fermentação, e do assamento38, enquanto procedimentos técnicos básicos para se produzir pão,
bolos, biscoitos e outros itens, mas que porém, não prescindem dos saberes científicos físico-
químicos e biotecnológicos que explicam e que agem em todo processo, servindo de base e de
sustentação às técnicas empregadas; à utilização dos equipamentos e utensílios; e aos protocolos
sanitários e de segurança do trabalho necessários à produção. Para além disso, também, seriam
estudados os aspectos socioeconômicos, socioambientais e político-culturais que envolvem o
trabalho na panificação, enquanto atividade da práxis social humana.
Nesse sentido, delineia-se uma propositura educativa para a prática do estágio
curricular no curso técnico em agroindústria, no campo da EPT, por uma dimensão ontológica
do trabalho, tanto a nível pedagógico quanto produtivo, numa perspectiva omnilateral da
formação humana e como contraponto ao modelo de fragmentação do trabalho no modo de
produção capitalista, em que formam-se trabalhadores para execução técnica com eficiência
para o mercado de trabalho, e considerando que a ideia de politecnia e de omnilateralidade se
contrapõem à hegemonia da divisão social do trabalho, primando pela transformação da
sociedade num processo de formação humana integral.

38
Ver informações sobre o processo de produção da panificação no site da Embrapa:
https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/tecnologia_de_alimentos/arvore/CONT000fid5sgie02wyiv80z4s4
73xsat8h6.html. Acesso em 02.09.2021.
180

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento deste estudo foi objetivado no sentido de discutir o papel do trabalho


em geral e do trabalho agroindustrial no âmbito da formação na Educação Profissional e
Tecnológica, na perspectiva da politecnia e da omnilateralidade, no intuito de elucidar a
articulação entre ensino e produção material na prática educativa do estágio curricular do curso
técnico em agroindústria em se tratando da relação da prática do estágio com o trabalho.
A categoria trabalho, e mais especificamente, a categoria trabalho agroindustrial,
exerceu um papel de centralidade à discussão abordada, diante da problemática da
desarticulação entre ensino e trabalho produtivo na prática educativa do estágio curricular em
agroindústria, como um fator que compromete o processo de desenvolvimento dos estudantes
na perspectiva de uma formação politécnica e omnilateral, partindo do ponto de vista de que a
cisão entre concepção e execução, na referida prática, limita o entendimento de como e por que
se dá a incorporação da ciência e da tecnologia aos instrumentos dos processos produtivos, o
que reforça a concepção de uma formação monotécnica numa perspectiva unilateral da
formação humana.
Para evidenciar as determinações da questão analisada, a partir da prática educativa do
estágio, buscou-se explicitar à luz da dialética crítica da história, estrutura e desenvolvimento
do trabalho em geral e do trabalho agroindustrial com base na concepção do trabalho como
princípio educativo, ou seja, enquanto atividade estabelecida no intercâmbio das relações
sociais entre homem e natureza, e desse modo, constituindo-se em práxis humana-social.
Com esse entendimento, a prática educativa do estágio curricular foi pensada como um
processo que sintetiza a apropriação do conhecimento obtido durante a formação, aliada à
vivência com o mundo do trabalho agroindustrial, e para além disso, pensada enquanto prática
que articula o processo do trabalho de ensino ao processo do trabalho produtivo da área de
formação. O estágio curricular foi concebido, assim, portanto, como campo epistemológico de
produção e de apropriação do saber relacionado ao campo social do trabalho agroindustrial por
tratarmos propriamente da formação num curso técnico em agroindústria.
Mediante essas apreensões, passou-se a refletir sobre as questões que emergiram da
análise empírica, as quais apresentaram uma relação fragmentária entre o processo de ensino e
o processo do trabalho produtivo na prática do estágio no curso em agroindústria, e desse modo,
partiu-se da hipótese central da dissociação entre esses processos no trabalho educativo do curso
de modo geral, o que repercute na prática do estágio, considerando o lugar dessa prática na
aproximação e na relação com a produção do trabalho para o qual se está obtendo formação.
181

A hipótese levantada ficou comprovada à medida que a análise trouxe evidências da


desarticulação entre o ensino e o trabalho produtivo na ação da prática do estágio pelos
estudantes de agroindústria, através dos registros dos relatórios de estágio, o que demonstrou
que as cisões no processo educativo se dá por conta da dualidade estrutural entre trabalho
intelectual e trabalho manual, entre teoria e prática, entre cultura geral e cultura técnica
causados pela interiorização da divisão social e técnica do trabalho, decorrente da forma
orgânica da sociedade sob o capitalismo, como sistema que além de ditar as condições e as
relações baseada na exploração da força de trabalho, interfere drasticamente na prática
educativa da educação escolar.
Diante desse quadro, objetivou-se uma abordagem por uma apreensão crítica dos
processos educativos sociais em uma perspectiva da totalidade para pensar sobre as
determinações envolvidas na prática educativa do estágio analisada, para assim, trazer a
reflexão sobre a práxis com finalidade na formação politécnica e omnilateral e apresentar uma
proposta pedagógica para a prática do estágio no curso em agroindústria pelo viés teórico-
metodológico da pedagogia histórico-crítica, criando condições para reflexão do processo
educativo na referida prática, com intenção de explicitar as dualidades que impedem uma
educação unitária e sócio crítica dos sujeitos.
Neste sentido, tornou-se imprescindível o esforço na aproximação com os fundamentos
do materialismo histórico dialético para apropriação, em certa medida, dos conceitos
epistemológicos da politecnia e da omnilateralidade, na construção da formação humana
integral. Com essa compreensão, nos debruçamos sobre os sentidos e significados de tais
conceitos, numa perspectiva do princípio ontoeducativo do trabalho, buscando evidenciar os
processos de alienação, exteriorização e estranhamento do trabalho, sob o regime do capital,
por se constituírem enquanto determinações que não se apresentam imediatamente na aparência
da realidade concreta objetiva, como propõe o método dialético da história, para então,
identificar o fenômeno da desarticulação entre o ensino e o trabalho produtivo na prática do
estágio, apontando os fatores que em essência desencadeiam essa dissociação.
Desse modo, corrobora-se à tese levantada por Karel Kosik (1976) ao explicar que “[...]
o fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde [...]” (KOSIK, 1976, p.11). Nesse
sentido, demonstra-se que “[...] a essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo
inadequado, parcial, ou apenas sobre certo ângulos e aspectos [...]” (Ibidem), ou seja, “[...] a
essência não se dá imediatamente; é mediata ao fenômeno e, portanto, se manifesta em algo
diferente daquilo que é [...]” (Ibidem). Neste caso, “[...] o fato de se manifestar no fenômeno
revela seu movimento e demonstra que a essência não é inerte nem passiva. Justamente por isso
182

o fenômeno revela a essência. A manifestação da essência é precisamente a atividade do


fenômeno[...]” (Ibidem).
Percebendo a atividade com que se apresenta o objeto analisado, consegue-se
compreender que o conhecimento que provêm da razão dialética vai além da compreensão da
imediaticidade da realidade aparente, e assim, apreende-se o seu movimento concreto, sua
lógica de construção e de constituição, desvendando-lhe os caminhos que perpassou para ser o
que é, seus fundamentos, suas contradições, os modos de ser dos processos analisados sobre o
objeto e a possibilidade de transformar-se em outro fenômeno, como pondera Kosik (1976).
Assim, na trajetória deste estudo, buscou-se demonstrar por meio da concepção do
trabalho como práxis social educativa, a cisão que ocorre entre concepção e execução, ao se
buscar explicar o concreto pensado sobre a desarticulação do ensino com o trabalho produtivo
na prática educativa do estágio curricular do curso de agroindústria, emergindo a partir da
análise, um processo em que prepondera a visão prático-utilitarista para a formação como
fenômeno que se desenvolve na realidade objetiva, isto é, que se movimenta no processo
educativo a partir do que é interiorizado nas relações sociais sob a lógica do regime de produção
capitalista, enquanto elemento crucial da divisão social e técnica do trabalho, e que reforça uma
formação assentada na fragmentação entre o conhecimento teórico e a prática posta em
atividade, constituindo-se mais precisamente numa prática pautada na vertente tecnicista de
educação.
Desse modo, analisando as observações colhidas nos relatórios de estágio e nas
abordagens correlatas do projeto pedagógico do curso, as quais já tínhamos uma noção por
haver participado de sua elaboração, constatou-se o fenômeno da fragmentação entre teoria
(concepção) e execução (prática), tal qual corresponde à prevalência do tecnicismo numa
vertente da formação monotécnica, como reflexo do processo de interiorização do modelo
hegemônico da sociedade, o que acaba por criar uma série de empecilhos à compreensão e ao
estabelecimento da educação politécnica, demonstrando uma concepção unilateral da formação
humana.
Uma explicação plausível para o processo de interiorização da hegemonia no trabalho
pedagógico, se deve ao controle do processo de trabalho no modo de produção capitalista, o
que comprova o regime histórico de alienação e subsunção ao capital. Com isso, a concepção
monotécnica e unilateral da formação exerce forte preponderância nos meandros da EPT, num
processo contraditório haja vista a regulamentação de princípios teórico-metodológicos que
orientam o currículo integrado na EPTNM, mas que não se efetivam em termos de uma
institucionalidade no conjunto da formação profissional.
183

Neste aspecto, fez-se menção à implementação do Decreto n. 5.154 de 2004, como


objetivação ao restabelecimento das bases para a formação geral e unitária na EPT,
com enfoque aos fundamentos de uma formação politécnica e integral, dos quais aparecem
como principais destaques: o trabalho como princípio educativo; a pesquisa como princípio
pedagógico; a indissociabilidade entre teoria e prática; a contextualização de práticas sociais e
produtivas como princípio metodológico de ensino; a articulação com o desenvolvimento
socioeconômico-ambiental dos territórios, para citar alguns dos mais relevantes e expressivos.
A referência aos dispositivos instituídos pelo Decreto 5.154/2004, reporta à ênfase
reivindicatória da demarcação de princípios emancipatórios para a formação na EPT, dada a
atenção para a regulamentação de um modelo educacional com base na formação humana
integral dos sujeitos, em especial da classe trabalhadora. Assim, conforme com o que
assinalamos na introdução – pensar a formação dos filhos dos trabalhadores e trabalhadoras por
um viés crítico – o estudo permite a reflexão de um modelo educacional contraditoriamente
subsumido à realidade concreta objetiva e que é pautado na dualidade entre trabalho intelectual
e trabalho manual, numa conformação ao mercado de trabalho capitalista, por imposição do seu
modo de produção, e posto por indução do senso comum, reportando-nos a uma expressão
apresentada por Saviani (2013), representando um consenso do entendimento usual, mais ao
modo do processo histórico de alienação e subjugação ao capital.
Diante disso, ao apresentarmos as análises sobre a prática educativa do estágio curricular
no curso técnico em agroindústria, primamos por focalizar a reflexão para uma reestruturação
do currículo no sentido da superação da dualidade estrutural introduzida pelas correntes
pedagógicas não-críticas como a tecnicista, fruto das contradições presentes na sociedade de
base capitalista, no intuito de apresentar elementos que possam propiciar a construção da práxis
educativa de que faz parte a prática do estágio curricular, em que se vislumbre a articulação
entre trabalho, educação, ciência, cultura e tecnologia aos processos e práticas da formação em
totalidade, preceitos da práxis alicerçada no trabalho educativo.
Em face da concepção do trabalho enquanto práxis social educativa, objetivando uma
formação embasada nos conceitos da politecnia e da omnilateralidade, discorremos sobre as
determinações que comprometem a articulação entre ensino e trabalho produtivo, o que tem
conduzido os alunos a reproduzirem as cisões entre os conceitos científicos e tecnológicos aos
instrumentos dos processos produtivos nos relatórios de estágio do curso em agroindústria,
convertidas apenas nas operações usualmente técnicas do processo de produção.
Para fundamentarmos as nossas argumentações em relação a esse processo de
dissociações, refletido pela desarticulação entre trabalho intelectual e trabalho manual,
184

enunciamos o estudo à ontologia do trabalho como princípio educativo ao tratarmos o trabalho


agroindustrial como categoria elementar para a práxis da prática dos estágios no curso em
agroindústria, e nesse sentido, procuramos retratar sua estrutura, desenvolvimento e finalidades,
não somente enquanto atividade de atendimento das necessidades humanas, mas mediante a
visão crítica da realidade tal qual se apresenta determinada pelo modo de produção dentro do
capitalismo, apontando a partir do extrato concreto objetivo, as repercussões do modelo
societário ao processo de formação no curso abordado.
Nesse panorama, discutiu-se sobre a expansão das agroindústrias na economia
brasileira, capitaneadas através dos CAIs, os quais impulsionam a produção industrial de
matérias-primas provenientes da agropecuária e que, dado à gerência da mais-valia do capital,
situa-se na ênfase do conceito do agronegócio como forte tendência globalizada para aumento
da exportação e dos lucros de mercado, posto que o Brasil é um dos principais produtores
agrícolas de culturas como a cana-de-açúcar, soja, milho, dentre outras, gerando índices
econômicos significativos tanto a nível de consumo interno quanto externo, porém, trazendo
como destaque o fato de que por trás da expansão e da expressividade econômica da produção
agroindustrial sob o agronegócio, está o dispêndio de forças de trabalhadores e trabalhadoras
que laboram de sol a sol e são em sua maioria expressiva explorados em direitos e condições
dignas de trabalho.
Nesse aspecto, ainda que de forma aparentemente contraditória ao alcance da pesquisa,
a menção à dinâmica exploratória das empresas do grande conglomerado do agronegócio, a
partir das pesquisas realizadas pelo grupo Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses da
Unicamp/SP, serviu para exemplificarmos as nuances da produção agroindustrial na conjuntura
societária da reestruturação produtiva sob o capital, estabelecendo a análise sempre pelo prisma
da dialética crítica da história, para contextualizar o que emerge às condições de trabalho, à
conformação dos trabalhadores, e a todo um conjunto de expropriação e alienação do trabalho
no modo de produção no regime capitalista, as quais se corporificam na intensificação do ritmo
e do controle do processo de trabalho; no aumento da exploração e da exteriorização
aprimoradas por meio de novas configurações produtivas no uso das inovações tecnológicas
para garantir cada vez mais produtividade; na perda de autonomia e comprometimento à saúde
dos trabalhadores; entre muitos outros aspectos, consistindo na apreensão da forma e dos
conteúdos referentes ao trabalho agroindustrial aos moldes do agronegócio, que se traduz pela
sistemática da subjugação dos trabalhadores como produtores da riqueza material dos
capitalistas, configurada pelo processo de trabalho no qual não usufruem da mais-valia gerada
185

no dispêndio de suas próprias forças e pela perpetuação do regime de alienação na venda de sua
ação produtiva em troca de salário, como esclarece Marx, em O capital.
Desta forma, ao longo da dissertação, foi possível demonstrar diversas formas de
degradação das condições de trabalho no contexto das agroindústrias, especialmente numa
referência aos nichos pertencentes ao grande conglomerado agroindustrial, diante da
composição orgânica do capital em seu modus operandi de produção, tendo sido retratado de
igual modo, a forma com que o capital se apropria dos avanços científicos e tecnológicos,
intensificando a exteriorização e a desumanização da classe trabalhadora na ação do trabalho.
Dado esse processo, ao pesquisarmos as relações e as condições de trabalho vivenciada
pela classe trabalhadora nas lides com o trabalho agroindustrial na contemporaneidade,
objetivou-se contribuir para uma maior compreensão da morfologia do capitalismo brasileiro
na totalidade social, e bem mais, em uma época marcada pela financeirização dos capitais das
grandes indústrias no avançado grau de reestruturação produtiva. Nessa caminhada,
verificamos que os processos de automação nas grandes indústrias do complexo agroindustrial,
são usados a fim de aumentarem sempre os lucros das empresas, e não utilizados como forma
de se pensar na situação do trabalhador, ou seja, na diminuição de sua jornada e ritmo de
trabalho, nas condições exteriorizadas de sua precarização, muito ao contrário.
Vinculado a isso, apresentamos um breve relato do processo histórico de introdução das
agroindústrias no Brasil, impulsionadas pela introdução da indústria aos processos produtivos
agrícolas, que num primeiro momento encontrou resistência de parte das oligarquias da
propriedade privada frente à modernização da produção, mas que culminou na adesão aos
processos de industrialização, ao serem avaliadas as vantagens de que se poderia obter na
adequação a um processo inevitável de mudanças produtivas a nível global, especialmente em
relação à exportação, e sobretudo, devido ao fato do Brasil já despontar como um grande
produtor mundial agropecuário, o que influenciou na expansão direcionada à atividade
econômica agroindustrial, muito fortemente dirigida pela sanha do capital em seu processo
metabólico de reinvenção através da indústria, na forma como detém os meios de produção,
embora sem que tenha ocorrido uma modificação estrutural que propiciasse aos trabalhadores
alterações reais de melhorias substanciais de suas condições de vida e de trabalho.
Mostramos, assim, que a história da exploração da classe trabalhadora, induz a um
processo de declínio da autonomia do trabalhador sobre o próprio processo do trabalho,
derivando no controle e na vigilância em todas as etapas do processo de produção, passando o
trabalhador a ser comandado pelas máquinas – cada vez mais evoluídas em seus recursos
mecânicos automatizados – uma vez que é distanciado de forma opressiva de sua capacidade
186

de ideação e de criatividade ao ter que se submeter ao condicionamento de movimentos


repetitivos e automáticos, num processo de produção separado por partes, o que lhes tira a
capacidade de conhecerem e de pensarem sobre o processo produtivo como um todo.
Frente a essa realidade, há entre os trabalhadores tanto agroindustriais como em geral,
o aumento do sentimento de perda de suas potencialidades humanas, sentimento este que é
potencializado pelo crescente processo de tecnificação nos esforços empregados na ação
laborativa, causando-lhes estranhamento ao trabalho como elemento próprio de sua
corporalidade em sua relação com o meio e com os instrumentos produtivos, e sem o qual o
processo de produção não se efetiva.
Além da exacerbação da exploração dos trabalhadores, da sua alienação e dos processos
de reificação no trabalho intensificada pela modernização dos processos de industrialização e
de automação, vimos que o mercado exige cada vez mais mão de obra qualificada para dar
conta dos processos de mudança dos arranjos produtivos, e nesse aspecto, alertamos para a
questão de que o processo educativo sempre foi determinado pelo modo de produção na
hegemonia, o que corrobora com a intencionalidade na educação do trabalhador em
conformidade com a lógica do capital, na qual tem prevalecido no tempo histórico os ditames
da propriedade privada.
Para contextualizar o processo hegemônico sobre o trabalho e sobre a educação do
trabalhador, tomando sempre como norte o trabalho agroindustrial, trouxemos a exposição
referente à apropriação da terra na propriedade privada, para entendermos as consequências
atuais desse processo, num resgate que remonta ao período colonial e à tradição escravista no
Brasil, os quais repercutem até hoje e mostram como as elites latifundiárias têm historicamente
reproduzido em nosso país a manutenção do controle sobre a classe trabalhadora, relegando-a
ao não direito à terra e ao não direito à riqueza econômica no trabalho produzido a partir do uso
da terra na atividade agrícola e/ou agropecuária que impulsiona a atividade do trabalho
agroindustrial.
Atrelado a esse quadro histórico, registramos algumas das questões do atual cenário
político-econômico e social brasileiro, cuja dinâmica tem retrocedido à extremismos de um
período marcado por formas ditatoriais de poder, as quais assinalamos de forma breve apesar
da complexidade da problemática, no intrínseco regramento da hegemonia em relação às
questões do direito ao uso da terra e de tudo que dela provém, evidenciando que o processo de
contradições sobre a apropriação da terra na propriedade privada é um processo histórico a ser
urgentemente superado para que haja a possibilidade, inclusive, da manutenção da
sobrevivência das espécies naturais e dos próprios homens.
187

Nesse ínterim, referirmo-nos às problemáticas brasileiras atuais de questões como a do


desmatamento e das queimadas ilegais com destruição dos biomas naturais e de suas áreas de
preservação para fins da criação de gado, do comércio ilegal de madeira, e etc.; da grilagem de
terras; da liberação irrestrita do uso indiscriminado de agrotóxicos; da invasão de reservas
florestais e das terras indígenas; da paralisação total da política da reforma agrária e da
demarcação de terras dos povos originários; dentre outros agravos.
Assim, verificamos uma profunda retroalimentação da exploração sem precedentes pelo
capital econômico em relação à atividade agropecuária e agroindustrial, cravadas numa série
de retrocessos pelo qual o país está passando no presente momento histórico, capitaneado pelos
ditames de um governo de extrema direita, através de uma política conservadora ultra
neoliberal, que tem incorrido em ataques cotidianos aos direitos fundamentais dos seres
humanos e dos trabalhadores, com recrudescimento de conquistas alcançadas na luta travada
por movimentos sociais e pela sociedade civil organizada, com repercussões negativas não só
ao trabalho agropecuário e agroindustrial, como em instâncias primordiais à diminuição das
desigualdades com ataques ao direito à educação pública de qualidade; à saúde; à renda; ao
emprego; à reforma agrária; à cultura; à soberania alimentar; dentre tantos outros direitos
fundamentais, ocasionando no aprofundamento das crises sociais de toda ordem, como as
discriminações raciais, de crença e de gênero; os crimes ambientais e de saúde pública, a julgar
pela condução irresponsável e desastrosa da pandemia do SARS II, que atingiu o planeta, mas
que ao contrário das medidas preventivas adotadas em outras nações, foi deliberadamente
gerida no âmbito do Governo Federal pelo atraso infundável na compra das vacinas anti-covid
produzidas de emergência, as quais foram preteridas ao se lançar mão da propaganda de notícias
falsas, com apologia ao uso de medicamentos comprovadamente ineficazes, além do emprego
irregular de verbas públicas na aquisição desses medicamentos, com indução às aglomerações
de cidadãos e abortamento do uso dos itens de prevenção ao contágio, a exemplo da não-
utilização de máscaras faciais, irresponsabilidades estas que resultaram na morte de mais de
600 mil brasileiros até o presente momento do ano de 2021, se configurando em crimes contra
a humanidade e em outros crimes, na conclusão do que foi apurado por uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado Federal.
Somado a tudo isso, vê-se uma subsunção irrestrita ao mercado financeiro capitalista,
através da administração de uma política econômica nefasta de precarização cada vez maior da
condição de vida e de trabalho, com aumentos absurdos nos preços dos produtos em geral, de
forma trágica mais destacada em relação aos preços da gasolina, do gás de cozinha, dos itens
de alimentação e limpeza, essenciais à manutenção da subsistência, o que tem gerado fome,
188

pobreza, um crescimento assustador dos índices de mortandade e insuficiência nutricional


infantil nas camadas pobres da população, diminuindo a perspectiva de futuro sob essas
condições e ampliando radicalmente uma série de outras miserabilidades humanas e sociais.
Nesse cenário alarmante, a educação em geral vem sofrendo os reveses de políticas que
criam sérios entraves à formação humana integral devido à imposição de diretrizes que retomam
a institucionalização da dualidade estrutural, com forte impacto ao projeto da formação
integrada nos cursos da EPT, causados pela implementação de projetos como uma nova base
comum curricular e pelas propostas de um novo ensino médio, que implicam em
direcionamentos para conformação de uma formação fragmentária e pragmática, agravando a
divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, e ainda mais, no sentido de reforçar a
eliminação da apropriação de saberes que contribuem para a reflexão e conscientização sócio-
político-cultural dos sujeitos, suprimindo o currículo com proposta de formação por itinerários,
o que exclui a possibilidade do acesso à todas as áreas do conhecimento básico, colocando num
plano secundário disciplinas como arte, filosofia, e sociologia.
Diante dos extremismos em todas as esferas da nossa sociedade, com negação à ciência,
ataques à educação, à saúde, à segurança, à inclusão social, à preservação ambiental e a toda
uma gama de direitos humanos, reforça-se a importância de enfatizarmos a formação
omnilateral dos sujeitos, com apropriação dos saberes historicamente acumulados pela
humanidade e desenvolvimento da consciência crítica da realidade, num processo educativo
embasado numa concepção pedagógica histórico-crítica, na qual os educadores assumem a
condução do processo de formação por dominarem o conhecimento de suas áreas de formação,
oportunizando aos estudantes a apropriação do saber sistematizado, que em termos dialéticos,
conduzem para a capacidade da reflexão, da análise e síntese da dimensão histórica e das
contradições da realidade concreta, e para um processo de humanização dos sujeitos conscientes
de seus deveres e direitos humano-sociais.
Além disso, procurou-se dar um maior sentido à abordagem da práxis social humana na
totalidade de abrangência do campo do trabalho agroindustrial, trazendo a ênfase ao segmento
do trabalho na agricultura familiar. Em relação ao âmbito da agricultura familiar, não
encontramos relatos de experiências de estágio vivenciadas em ambientes que reportasse ao
trabalho agroindustrial nessa vertente de produção, considerando o fato de que no território de
identidade do Recôncavo da Bahia, que é a região na qual se situa o Campus do IFbaiano de
Governador Mangabeira, há a existência de associações de agricultores e agricultoras
familiares, tendo algumas delas expressivas projeções a nível social e econômico no Estado.
189

Desse modo, sublinhamos em relação à prática do estágio no curso em agroindústria,


sobre a importância da realização da prática educativa no contexto das associações da
agricultura familiar pelo fato de que boa parte dos alunos do Campus e do próprio curso são
filhos de agricultores familiares, residindo junto à suas famílias nas áreas rurais onde mantém
a prática agrícola e agroindustrial familiar que os ajudam na garantia da subsistência. Esta
iniciativa ensejaria à observância à realidade social dos estudantes, e poderia contribuir para o
suporte técnico da produção agroindustrial de suas famílias e mesmo de suas comunidades
locais, o que agregaria uma efetividade da formação à produção local/familiar, expandindo as
capacidades de empreendimento próprio no planejamento produtivo e na comercialização da
produção, aumentando as possibilidades de ações educativas a nível da sociabilidade e da
amplitude do conhecimento em ações de intercâmbio comunidade/escola.
Com essa observação, mencionamos a possibilidade de se projetar a oferta de formação
pelo viés da pedagogia da alternância com base na concepção da educação do campo, numa
perspectiva agroecológica de produção, como vertentes socioeducacionais que demandam uma
formação mais significativa em relação à realidade dos alunos e de suas famílias, por uma ideia
alicerçada na educação da práxis humana-social e pelo caráter de pertencimento ao contexto
sociocultural das comunidades originárias, por um viés de produção econômica mais
preocupada com valores de sustentabilidade socioambiental.
Junto a essas colocações, abordamos sobre a organização dos trabalhadores em
movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), o qual adota um
compromisso social no movimento de seus assentados na luta política de reforma agrária e
conquista do direito ao uso de terras de latifúndios desapropriados, assumindo a tarefa na
produção de alimentos saudáveis, a partir do trabalho organizado nas cooperativas, associações
e agroindústrias nos assentamentos, cujo pensamento é o desenvolvimento da cooperação
agrícola como um ato concreto de ajuda mútua na garantia do fortalecimento à solidariedade e
potencialização das condições de produção das famílias assentadas, melhorando a renda e as
condições do trabalho e de vida no campo.
Por outro lado, discorremos sobre os enormes desafios à agremiação da classe
trabalhadora, em movimentos cooperados, em decorrência de sua complexidade,
heterogeneidade, fragmentação, informalidade e precarização advindos do longo processo de
alienação pelo capital. No entanto, embora o projeto capitalista sempre busque dificultar a
organização coletiva, é importante destacar o palco de resistências e de lutas nas construções
históricas de conquistas emancipatórias dos sujeitos sociais. Dessa forma, salientamos sobre o
engajamento no ideal de transformação, e nesse sentido, reforçamos a retroalimentação do
190

projeto de modificação da realidade social, com a convicção de que a educação é capaz de


pavimentar o processo de mudanças tão necessárias ao estabelecimento de uma sociedade mais
igualitária e justa.
Com efeito, verificada no âmbito da escola a dualidade estrutural no conjunto das cisões
e antagonismos gerados pelo modo de produção capitalista, sustentamos que a superação desse
processo requer além da apropriação dos fundamentos da relação entre trabalho e educação, a
reflexão crítica para viabilização de projetos de formação politécnica e omnilateral, para assim,
transpor as dissociações na ação da práxis social educativa em sua relação entre concepção e
execução que se traduz no processo de apropriação do conhecimento revelada na ação da
prática. Neste sentido, prima-se pelo trabalho de construção da concepção ontoeducativa, cujas
bases decorrem do pensamento histórico-crítico com função mediada pelo alcance de processos
formativos que concorrem para o desvelamento das contradições na contestação da lógica
hegemônica.
Assim, ao longo dessa dissertação, foi possível constatar que apesar de todo enredo
produtivo e das inúmeras imposições de ampliação da subsunção do trabalho ao capital, existe
uma correlação de forças permanentemente em disputa entre trabalho e capital, em um processo
histórico-dialético permeado por avanços e por recuos do ideário progressista. Contudo, é
preciso reconhecer a necessidade de ações educativas através da organização coletiva para
enfrentamento às tramas hegemônicas reacionárias, rumo à transformação que se pretende
operar até se atingir novos horizontes sociais e políticos no processo histórico.
Por fim, é preciso reconhecer de que por certo esse estudo apresentou limitações teóricas
e metodológicas, considerando tratar-se de uma perspectiva ampla do trabalho em suas relações
com a educação e suas práticas, além da necessidade de maior aprofundamento ao alcance dos
fundamentos do materialismo histórico dialético para tratar de concepções como politecnia e
omnilateralidade com o devido rigor científico que merecem, o que certamente não demos conta
de abarcar completamente na relação com o trato do objeto e dos objetivos da pesquisa. O
tratamento da análise empírica, também, contou com limitações devido ao estado da realidade
pandêmica que estamos atravessando que permitisse uma apreciação mais patente de forma
presencial junto ao trabalho das agroindústrias onde se realizaram as práticas do estágio
curricular analisadas, em correlação ao que se verifica nos relatórios de estágio contrastando
com a realidade concreta desses ambientes.
Porquanto, esperamos que essa dissertação possa contribuir para estudos no contexto da
EPT e da educação em geral, assim como contribuiu para uma maior apreensão teórica e política
sobre o mundo do trabalho na agroindústria, do princípio da ontologia do trabalho e dos
191

conceitos para uma formação humana integral mediante o esforço empreendido de apreensão
das contradições e dualidade estrutural da realidade concreta objetiva em relação à divisão
social e técnica do trabalho.
À guisa de conclusão, buscou-se delinear uma proposta educativa para a prática
educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria, no campo da Educação
Profissional e Tecnológica, por uma dimensão ontológica do trabalho, tanto a nível pedagógico
quanto produtivo, numa perspectiva politécnica e omnilateral da formação humana, como
contraponto à um processo permeado pela divisão do trabalho no modo de produção capitalista,
no qual formam-se indivíduos aos moldes das exigências do mercado, determinada pela
dissociação entre trabalho intelectual e trabalho manual, perpetuando assim a dualidade
estrutural. Nesse sentido, objetiva-se um processo educativo na perspectiva da formação
humana integral e na emancipação dos sujeitos, de modo especial, à emancipação da classe
trabalhadora.
192

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199

APÊNDICES

APÊNDICE A

PROTOCOLO PARA PROJETO DE PESQUISA

Projeto de Pesquisa: O trabalho agroindustrial como articulador da prática educativa do


estágio curricular no curso técnico em agroindústria na perspectiva da formação omnilateral.

Responsável: Luciene da Silva Santos – Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica.

O presente protocolo refere-se ao levantamento e catalogação de produções científicas,


dentre teses e dissertações, que discutem o objeto a ser investigado na pesquisa. Na construção
deste instrumento, foi utilizado como fonte o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, um espaço virtual de livre acesso
na internet, onde é possível encontrar os registros de pesquisas dos Programas de Pós-
Graduação de todo território nacional.

Nas buscas através do portal ocorridas no período entre agosto a outubro de 2019, foram
usados termos com possibilidades para a localização de produções com relação direta com o
objeto da pesquisa. Ao proceder as buscas, foi selecionada inicialmente a expressão “estágio
curricular” em que fossem localizadas as produções que tratassem sobre estágio, sem a
indicação de um campo ou uma modalidade específica de formação. O levantamento de
produções a partir desta expressão, permitiu observar a recorrência de pesquisas no campo da
formação de professores, com prevalência de algumas licenciaturas, a exemplo da área de
pedagogia, dentre outras, havendo, também, pesquisas na modalidade dos bacharelados. As
palavras-chaves mais frequentes, nestas produções, foram “estágio curricular”, “estágio
supervisionado”, “teoria e prática”, “formação docente”, “práxis”, “estágio clínico”, “atuação
pedagógica”, “prática de ensino”, “inserção profissional”. Nesse aspecto, além da categoria
“estágio”, a categoria “teoria e prática” apareceu em parte considerável dos trabalhos
científicos. As buscas que se referiram à expressão “estágio curricular” foram muito
significativas do ponto de vista da aproximação com os princípios científicos do objeto a ser
200

estudado. Contudo, avançamos para a busca do campo de interesse principal da pesquisa, o


“estágio curricular na educação profissional e tecnológica”.

A partir de então, surgiram outras categorias, como a categoria “trabalho”, fundamental


ao interesse da pesquisa a ser empreendida, como também, “mundo do trabalho”, “educação
profissional”, “mercado de trabalho”, “integração ensino serviço”, “formação técnica”, entre
outras, próprias ao campo de investigações da EPT. Estas categorias, assim como, as impressões
trazidas em relação a formação técnica para o trabalho, suscitaram um olhar mais criterioso, e
uma aproximação mais significativa com o campo, pois, muitas delas estão fundamentadas nas
bases teóricas pelas quais optamos.

Utilizou-se nas buscas, tanto com as expressões “estágio curricular” e com “estágio
curricular na educação profissional e tecnológica”, os mesmos procedimentos para
levantamento dos dados. No entanto, as produções referentes à expressão “estágio curricular na
educação profissional e tecnológica”, por estarem em maior consonância com o interesse da
pesquisa, tiveram um foco maior de atenção para a catalogação. As produções, então, foram
sistematizadas e dispostas em planilhas, contendo título, autor, o resumo, as palavras-chave, as
referências e os respectivos links para consulta às produções acadêmicas localizadas. Cabe
ressaltar que a busca de apenas duas expressões se deu pelo fato de que foi percebido que muitas
produções apareciam simultaneamente nos dois tipos de consulta, não cabendo ao nosso ver
explorar outras expressões.

Um fator a ser mencionado é o de que à medida que o levantamento de determinada


produção se efetivava, ia-se buscando uma observação mais detida com os fundamentos,
problematizações, enfim, com as discussões apresentadas. A partir destas aproximações, foram
se delineando as ideias para construção do projeto, bem como, nos munimos dos referenciais
que nos interessam à pesquisa, com substancialidade no trato epistemológico sobre a prática do
estágio e das demais categorias igualmente importantes ao seu desenvolvimento. Além disso,
foi possível estabelecer conexões sobre os estágios em outros níveis da educação, pois grande
parte das pesquisas encontradas no repositório, se referem ao campo dos cursos de nível
superior, sendo possível identificar o papel que a prática dos estágios representa na formação
de profissionais. Outra questão que exige menção, foi o imperativo de se limitar em um número
de 25 (vinte e cinco) trabalhos consultados – 20 (vinte) dissertações e 05 (cinco) teses – dado o
volume de informações, pois, não se teria tempo hábil para um exame mais aprofundado, pelo
menos nesta fase de elaboração do projeto. Outra questão, é o fato de que o número de
201

dissertações é altamente superior à quantidade de teses de doutorado que abordam sobre o


estágio.

Em relação aos referenciais que servirão para embasar a pesquisa, uma parte
considerável foi identificada a partir da catalogação e serviram para ampliar o campo de
entendimento, e também, para refletir sobre os achados das pesquisas já realizadas, para assim,
delinear com mais precisão o problema da pesquisa, seus objetivos, e sobretudo, entender que
embora os diferentes contextos, as problemáticas em torno da prática dos estágios refletem a
realidade da prática social histórica pela interferência no modo das relações da sociedade que
acabam por repercutir, também, na escola. Os interesses da lógica do mercado capitalista,
emergem nas produções, independente do viés conceitual abraçado pelo pesquisador.
Obviamente, as contradições aparecem muito mais nítidas nas opções que tecem a crítica a essa
lógica, apontando suas dualidades. Este é o caminho que pretendemos seguir.

Outro detalhe importante captado a partir da catalogação, diz respeito a prevalência de


alguns referenciais teóricos, cujas pesquisas estão relacionadas à prática dos estágios, e sobre
as quais muito nos interessamos por suas abordagens. A obra “O Estágio Supervisionado” de
Marta Alice Feiten Buriolla, aborda os estágios no plano do real vivido, o real concreto, numa
perspectiva da dialética sócio histórica. Temos ainda, as obras que da pesquisadora Selma
Garrido Pimenta, cuja pesquisa se fundamenta na prática dos estágios e formação de professores
e, também, a produção científica da pesquisadora Helena Costa Freitas, que servem de bons
referenciais por estarem, do mesmo modo, ancoradas ao método marxista em que a categoria
trabalho está no centro de articulação da prática de ensino e dos estágios. Outros referenciais
marxistas como “Filosofia da Práxis”, de Adolfo Vásquéz, aparece em grande parte das
produções catalogadas e serve de parâmetro para a pesquisa, dada a análise em torno da teoria
e da prática pelo viés da ação do homem no tempo histórico, dada a sua capacidade de
interpretação, da luta revolucionária e de transformação da realidade, para se elevar a mudança
necessária ao bem comum, sendo por isto, a práxis.

Desta forma, destaca-se pelo instrumento da catalogação de teses e dissertações, a


objetividade da necessidade de aproximação com o objeto a ser investigado. Isto fornece
maiores elementos para reflexão em torno do objeto, para sua apropriação, sua delimitação do
todo, e a relação com as partes, conclusões, e também, para complementação e ou inovação da
problemática a ser analisada, trazendo relevantes achados que contribuirão para o avanço
científico.
202

Etapas da catalogação:

1. Acesso ao Catálogo de teses e dissertações da CAPES.


catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/
2. Inserção do termo ou expressão a ser localizada no campo “Busca”.
3. Elaboração do instrumento para catalogação das produções selecionadas.
4. Escolha das produções a partir do título e leitura do resumo e das palavras-chave.
5. Composição da catalogação disposta numa planilha sistematizada, contendo as
informações gerais sobre a produção: título, autor, ano, IES, e programa onde
foi defendida; orientador, resumo, palavras-chave, referências e link de consulta
da produção.
6. A disposição da planilha serve à consulta posterior dos seus achados, como
também, à verificação de suas bases teóricas, metodológicas e de referenciais,
constituindo-se como um banco de dados a que se pode recorrer para ajudar a
construção da pesquisa em todas as suas fases.

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