Dissertação Luciene Da Silva Santos
Dissertação Luciene Da Silva Santos
Dissertação Luciene Da Silva Santos
BAIANO
Catu, BA
2021
LUCIENE DA SILVA SANTOS
Catu, BA
2021
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano – Campus Catu
Setor de Biblioteca
S237 Santos, Luciene da Silva
O trabalho agroindustrial como articulador da prática educativa do
estágio curricular no curso técnico em Agroindústria na perspectiva da
formação omnilateral / Luciene da Silva Santos. – 2021.
202 f. il.:
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestra em Educação
Profissional e Tecnológica, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano.
Ao meu núcleo familiar basilar: meus filhos, Daniel Vítor e João Felipe, razões do amor
incondicional. À minha mãe Leonor e ao meu pai Daniel (in memoriam), a vocês meu muito
obrigada por terem me dado os primeiros alicerces na vida. Aos meus irmãos, sobrinhos, e a
todos os demais familiares, porque as minhas conquistas são as conquistas de todos eles.
Às amigas Maria, Clara, Joana e Cira, e aos amigos Benedito, Ítalo, e Theo, pelo
intercâmbio carinhoso, pelo cuidado e humanidade; com quem se aprende que amigos
importam para toda existência.
Aos queridos professores do Programa Prof. Davi Costa e Prof. Heron Ferreira, a quem
chamo de dupla dinâmica, pelos quais tenho muita admiração como educadores e seres
humanos, pelas primeiras aproximações à base conceitual da Educação Profissional e
Tecnológica, pelos diálogos, incentivo e pelo direcionamento ao objeto da pesquisa.
A todo corpo docente do ProfEPT do Campus Catu, pelos valiosos conhecimentos que
proporcionaram no percurso da formação, em particular, aos professores (as) Patrícia Oliveira,
Saulo Capim, Maria Nazareh e Gilvan Duraes, pelas orientações iniciais ao trabalho de pesquisa
científica.
Aos (às) queridos (as) colegas da turma do mestrado, pelo coleguismo, pelo incentivo,
pelas alegrias, desafios, risos, lágrimas, e happy hours compartilhados. Em especial a Jose
(Joseane), pelas trocas e companhia nas viagens, e também a Dalcy e a Kati (Katiane), pelos
incentivos e ajuda mútua.
Aos professores das disciplinas eletivas Davi Costa, Leonardo Muline e Marcelo
Oliveira, pelas apropriações à temas de muita importância ao campo da Educação Profissional
e Tecnológica.
Aos (às) companheiros (as) do Grupo de Pesquisa Laboratório Escola, pelas trocas
importantíssimas nas aproximações às bases teórico-metodológicas da dialética crítica
marxista.
Aos professores da Banca de Defesa, Prof.ª. Mad Castro, Prof.ª. Tatiana Veloso, Prof.
José Claudinei Lombardi e ao Prof. Edilson Moradillo, Prof.ª Elza Peixoto, pelo olhar crítico,
pela valiosa análise e contribuição ao trabalho de pesquisa.
E por fim, agradeço ao meu orientador, Prof. Antonio Leonan A. Ferreira, um autêntico
educador histórico-crítico, a quem sou muitíssimo grata por conduzir-me com muito zelo e
qualidade no desafio de trilhar os caminhos da pesquisa, a partir do qual me lancei à empreitada
de abraçar a concepção dialética crítica da história enquanto princípio teórico-metodológico
norteador do meu trabalho pedagógico, o que permitiu ampliar o olhar sobre a formação
humana omnilateral e compreensão crítica de educação, de mundo e de sociedade.
Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que
importa é transformá-lo.
Karl Marx
Nem se aprende e nem se luta espontaneamente. A luta é uma dura necessidade que ensina.
Luiz Carlos de Freitas.
RESUMO
A pesquisa tem como objeto a prática educativa do estágio curricular na EPT, e o curso de
opção para o estudo foi o Curso Técnico de Nível Médio em Agroindústria, na forma integrada,
do Campus Governador Mangabeira do IF Baiano. A problemática da desarticulação entre
ensino e trabalho produtivo na prática educativa do estágio curricular, tem comprometido o
desenvolvimento dos estudantes na perspectiva da omnilateralidade e da politecnia, na medida
em que ao cindir concepção e execução, limita os estudantes a entenderem como e porque se
dá a incorporação da ciência e da tecnologia aos instrumentos dos processos produtivos,
reforçando a concepção de uma formação monotécnica numa perspectiva unilateral da
formação humana. Para análise da questão, definiu-se dois objetivos: primeiro, discutir o papel
do trabalho em geral e do trabalho agroindustrial para formação técnica na perspectiva da
politecnia e da omnilateralidade, no sentido de explicitar estrutura, desenvolvimento, e
contribuição do trabalho em geral e do trabalho agroindustrial para a formação politécnica numa
perspectiva omnilateral; segundo, elucidar a relação entre ensino e produção material na prática
educativa do estágio curricular no curso em agroindústria. O aporte teórico-metodológico tem
por base a dialética crítica marxista e os instrumentos de análise são os relatórios dos estágios
e o projeto pedagógico do curso. A investigação no campo do estágio curricular na EPT, por
uma perspectiva omnilateral da formação, propicia a análise da relação entre o processo
educativo e o mundo do trabalho, partindo do pressuposto de que a realização dessa prática é
fundamental na consolidação da formação sócio técnica, uma vez que subtende tratar-se de um
processo de objetivação da apropriação do conhecimento relacionado à área produtiva da
formação. Pondera-se que na relação com a prática dos estágios os estudantes articulem os
saberes científicos e tecnológicos inerentes ao processo produtivo agroindustrial, enquanto
atividade que se apresenta em interface com o processo do trabalho educativo e o processo do
trabalho produtivo. Parte-se, assim, da concepção do trabalho como atividade humana de
produção da existência. Nesse sentido, presume-se que o trabalho agroindustrial, enquanto
práxis social educativa, deva exercer papel central como eixo articulador do currículo
interligando o ensino ao trabalho produtivo na prática educativa dos estágios. A relação da
prática do estágio com a atividade produtiva agroindustrial objetiva a aproximação dos
estagiários com a estrutura, desenvolvimento e finalidades do trabalho nas agroindústrias no
processo de transformação industrial de matérias-primas agropecuárias e em suas relações
sociais. Pressupõe-se que os procedimentos técnicos imanentes à produção agroindustrial
estejam respaldados, na prática e nos relatórios de estágio, pelos princípios técnico-científicos
que orientam o saber técnico acessado pelos estudantes no percurso formativo. A objetivação
dos múltiplos saberes relacionados aos processos produtivos postos em prática nos ambientes
do trabalho nas agroindústrias implicaria numa formação politécnica, mas, contraditoriamente,
conclui-se que as dicotomias que emergem nos limites da prática educativa, decorrentes do
processo de interiorização da divisão social e técnica do trabalho no modo de produção
capitalista, tem determinado uma educação monotécnica e unilateral a partir de uma formação
subsumida pela prevalência do tecnicismo, o que se impõe à materialidade da formação
profissional pelo viés da educação politécnica e omnilateral, consubstanciada na relação entre
trabalho, ciência, cultura e tecnologia; na articulação entre trabalho intelectual e trabalho
manual, cultura geral e cultura técnica, como objetivações da educação unitária da formação
humana.
The object of the research is the educational practice of the curricular internship at the EPT,
and the option course for the study was the High School Technical Course in Agroindustry, in
the integrated form, of the Campus Governador Mangabeira of the IF Baiano. The problem of
the disarticulation between teaching and productive work in the educational practice of the
curricular internship has compromised the development of students from the perspective of
omnilaterality and polytechnics, as by dividing conception and execution, it limits students to
understanding how and why it happens. The incorporation of science and technology to the
instruments of productive processes, reinforcing the concept of monotechnical training from a
unilateral perspective of human training. To analyze the issue, two objectives were defined:
first, to discuss the role of work in general and agro-industrial work for technical training from
the perspective of polytechnics and omnilateralism, in order to clarify the structure,
development, and contribution of work in general and from agro-industrial work to polytechnic
training in an omnilateral perspective; second, to elucidate the relationship between teaching
and material production in the educational practice of the curricular internship in the
agroindustry course. The theoretical-methodological contribution is based on the Marxist
critical dialectic and the analysis tools are the internship reports and the pedagogical project of
the course. Research in the field of curricular internship at EPT, from an omnilateral perspective
of training, provides an analysis of the relationship between the educational process and the
world of work, based on the assumption that the realization of this practice is fundamental in
the consolidation of socio-technical training, since it implies that it is a process of objectifying
the appropriation of knowledge related to the productive area of training. It is considered that
in the relationship with the practice of internships, students articulate the scientific and
technological knowledge inherent in the agro-industrial productive process, as an activity that
presents itself in interface with the educational work process and the productive work process.
Thus, we start from the conception of work as a human activity for the production of existence.
In this sense, it is assumed that agro-industrial work, as an educational social praxis, should
play a central role as the articulating axis of the curriculum, linking teaching to productive work
in the educational practice of internships. The relationship of the internship practice with the
agro-industrial productive activity aims at bringing the interns closer to the structure,
development and purposes of work in agribusiness in the industrial transformation process of
agricultural raw materials and in their social relations. It is assumed that the technical
procedures inherent to agro-industrial production are supported, in practice and in internship
reports, by the technical-scientific principles that guide the technical knowledge accessed by
students in their training path. The objectification of the multiple knowledge related to the
productive processes put into practice in the work environments in agribusiness would imply a
polytechnic formation, but, contradictorily, it is concluded that the dichotomies that emerge
within the limits of educational practice, resulting from the process of interiorization of the
social division and technique of the work in the capitalist mode of production, has determined
a monotechnical and unilateral education from a training subsumed by the prevalence of
technicality, which imposes itself on the materiality of professional training by the bias of
polytechnic and omnilateral education, embodied in the relationship between work, science,
culture and technology; in the articulation between intellectual work and manual work, general
culture and technical culture, as objectifications of the unitary education of human formation.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
METODOLOGIA ................................................................................................................... 25
A Produção do Conhecimento no Campo da Prática Educativa do Estágio Curricular na EPT
............................................................................................................................................... 28
Pressupostos Metodológicos para a Análise do Problema .................................................... 34
Os Procedimentos de Análise na Pesquisa............................................................................ 37
CAPÍTULO I - A PRÁTICA EDUCATIVA DO ESTÁGIO CURRICULAR NO ÂMBITO
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: UMA ANÁLISE DIALÉTICA-
CRÍTICA ................................................................................................................................. 41
1.1 A Prática Educativa do Estágio no Curso Técnico em Agroindústria e a Relação Prático-
Utilitarista com o Trabalho Agroindustrial ........................................................................... 41
1.2 A Prática Educativa do Estágio Curricular no Curso Técnico em Agroindústria do
IFBAIANO - Campus Governador Mangabeira: Uma Análise Dialética Crítica ................ 44
1.2.1 A Desarticulação entre Ensino e Trabalho Produtivo na Prática Educativa do Estágio
no Curso Técnico em Agroindústria ..................................................................................... 48
1.2.2 A visão da prática educativa do estágio como cumprimento da carga horária obrigatória
do Curso. ............................................................................................................................... 51
1.2.3 A concepção da prática educativa do estágio como etapa de complementaridade para
certificação no curso, comprometendo a ênfase epistemológica no projeto pedagógico como
um ato educativo que aproxima o estagiário da dimensão do trabalho produtivo social. .... 52
1.2.4 A prática do ensino e do estágio curricular com base numa perspectiva tecnicista da
formação. .............................................................................................................................. 55
CAPÍTULO II - O TRABALHO EM GERAL E O TRABALHO AGROINDUSTRIAL
NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-ONTOLÓGICA .......................................................... 59
2.1 CONCEPÇÃO HISTÓRICO-DIALÉTICA DO TRABALHO EM GERAL ............. 59
2.1.1 Princípios Ontológicos e Epistemológicos do Trabalho em Geral .............................. 59
2.2 CONCEPÇÃO HISTÓRICO-DIALÉTICA DO TRABALHO AGROINDUSTRIAL
.................................................................................................................................................. 80
2.2.1 Estrutura, Desenvolvimento e Finalidades do Trabalho Agroindustrial ...................... 80
2.2.2 O Processo de Abertura à Atividade Agroindustrial no Brasil: um breve histórico .... 95
2.2.3 O Trabalho Agroindustrial nos Limites das Agroindústrias Hegemônicas ................. 99
2.2.4 A Questão da Apropriação da Terra nas Relações Capitalistas de Produção Agrícola e
Agroindustrial ..................................................................................................................... 107
2.2.5 O Trabalho Agroindustrial no Âmbito da Agricultura Familiar ................................ 111
CAPÍTULO III - A DIALÉTICA TRABALHO, EDUCAÇÃO, CONHECIMENTO:
FUNDAMENTOS DE ARTICULAÇÃO COM A PRÁTICA EDUCATIVA DO
ESTÁGIO CURRICULAR .................................................................................................. 130
3.1 Bases Conceituais e Teóricas da Politecnia e da Formação Omnilateral dos Sujeitos . 143
3.2 Breve Ensaio sobre o Processo Histórico de Abertura ao Ensino Politécnico ............. 150
3.3 Desafios para Implantação da Politecnia no Contexto da Educação Profissional e
Tecnológica no Brasil ......................................................................................................... 153
CAPÍTULO IV - RECONCEPTUALIZAÇÃO DA PRÁTICA EDUCATIVA DO
ESTÁGIO CURRICULAR NA EPT NUMA PERSPECTIVA OMNILATERAL DA
FORMAÇÃO HUMANA ..................................................................................................... 164
4.1 Elementos Centrais da Proposta de Reconceptualização da Prática Educativa do Estágio
Curricular no Curso Técnico em Agroindústria.................................................................. 164
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 180
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 192
REFERÊNCIAS CATALOGRÁFICAS............................................................................. 196
APÊNDICES ......................................................................................................................... 199
14
INTRODUÇÃO
1
Termo empregado nas obras de Newton Duarte (2008), e de Demerval Saviani e Newton Duarte (2015), em
referência a dialética crítica marxiana que tem na ontologia do trabalho a constituição do humano enquanto ser
social.
19
tanto as que encontraram quanto as que produziram pela própria ação [...]” (MARX e ENGELS,
2009, p. 23-24) que determinam a existência humana e a sua cultura social.
Mediante essas premissas, compreende-se que a ação humana é o seu trabalho posto em
prática no conjunto da sociedade, e dessa forma, corroboramos com o pensamento de Saviani
(2013, p.13), quando este argumenta que o objeto da educação diz respeito à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos, bem como, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse
objetivo. Nesse sentido, em acordo à reflexão trazida por Saviani, respalda-se com a ideia de
que a educação escolar se situa numa posição privilegiada, pois, a partir dela se pode detectar
a dimensão pedagógica que subsiste ao conceito ontológico do trabalho no interior da prática
social global. Este pensamento se apoia na ideia gramsciana do princípio educativo do trabalho.
A ideia de uma educação apoiada na centralidade do trabalho enquanto um princípio
educativo, é, porquanto, uma bandeira do campo da concepção histórico-crítica. Nessa linha,
ao refletirmos sobre a educação sócio técnica, primamos pela defesa da formação humana
integral embasada na dimensão pedagógica da práxis social, como um antídoto à divisão entre
o ensino científico-tecnológico e o trabalho produtivo referente não apenas à prática educativa
do estágio curricular do curso ora analisado, mas, em outras áreas da formação sócio técnica de
modo geral, ensejando um processo de ensino e de aprendizagem por um caráter politécnico.
Um processo pedagógico com base na politecnia sistematiza o trabalho, a ciência, a
tecnologia e a cultura como eixos estruturantes para um amplo domínio dos conhecimentos
gerais que envolve as ciências humanas, as ciências naturais e as ciências da matemática
associadas às ciências tecnológicas no escopo dos cursos da formação sócio técnica em geral,
ampliando as possibilidades da formação humana integral ou omnilateral. A oferta de uma
formação ampla contribuirá para que os sujeitos sociais se apropriem criticamente dos saberes
acumulados historicamente pela humanidade e não apenas dos saberes que lhes deem uma
profissão específica limitada ao conhecimento técnico para atuar no mercado de trabalho.
A educação sócio técnica de cunho politécnico e omnilateral, sistematizada pela práxis
humana social, assume um viés sociopolítico de promoção de processos educativos com
princípios emancipatórios e compromisso com o saber científico, no qual se educa para o
domínio intelectual da técnica, para a vida plena em sociedade, com senso artístico, afetivo,
ético-moral e de união da instrução com o trabalho material, como eixo condutor das
formulações no campo educacional, devendo compreender a educação mental (intelectual), a
educação física e a instrução tecnológica, como orienta Marx (1982), nas Instruções para os
delegados do Conselho Geral Provisório.
20
Kuenzer (2009, p. 15), diz que é nesse sentido que Gramsci, mostra como o capitalismo,
a partir da modernização da indústria no início do século XIX, introduziu pelo taylorismo o
fundamento da heterogestão do trabalho, como uma forma de organização e de relações técnicas
com uma concepção de trabalho coerente aos interesses hegemônicos da classe dominante que
exigia mão de obra cada vez mais qualificada para o trabalho complexo no chão da fábrica. Esta
forma estrutural e superestrutural, na visão de Kuenzer, trabalhou no sentido da formação de
um tipo adequado de trabalhador, isto é, um trabalhador especializado nos processos produtivos
da indústria moderna, demonstrando que, em essência, “a hegemonia vem da fábrica e toda
relação hegemônica é uma relação pedagógica, devendo ser entendida não só como direção
política, mas como direção moral e cultural” (KUENZER, 2009, p. 15).
Se as relações sociais e técnicas de produção são determinadas pelo processo produtivo
capitalista, e o processo pedagógico que tem por objetivo a educação política e técnica do
trabalhador é heterogerida pelas determinações da divisão do trabalho, então, a formação sócio
técnica está regulada predominantemente pelos fundamentos da pedagogia do trabalho
capitalista, e assim, mesmo que esta educação política não seja explícita, como postula Kuenzer
(2009), e ao contrário, se apresente como uma não-política, traz em seu bojo um projeto
definido de hegemonia exercido pela veiculação de certa concepção de mundo.
22
Diante desse cenário, vimos que o trabalho agroindustrial exercido nos limites do
sistema capitalista, sofre os reveses do modelo de produção taylorista, ainda mais se for
considerada a apropriação pelo capital dos avanços científicos e tecnológicos de automação
eletromecânica, e por se tratar de um campo de produção expressivo à economia tanto brasileira
quanto mundial, gerando ao capital grandes somas da mais valia na exploração da força de
trabalho, nas condições compatíveis à forma de organização do trabalho heterogerido, ou seja,
na forma do trabalho em que o trabalhador é regulado e exteriorizado em seu processo de
produção.
As determinações da divisão social e técnica do trabalho agroindustrial, se ampliam
mediante essa condição, ao ocorrer a cisão entre concepção e execução em relação ao processo
produtivo. Desta forma, o conhecimento sobre o trabalho agroindustrial, e a própria relação do
ensino com o trabalho produtivo na prática educativa do estágio, se dissolve na apropriação de
um conjunto de habilidades genéricas, constituindo numa prática de condicionamento técnico-
procedimental na observação dirigida ao processo produtivo.
Deduz-se, do processo de heterogestão do trabalho, que quanto mais o regime capitalista
simplifica o trabalho pela mecanização e tecnificação, mais aumentam as dificuldades de uma
qualificação politécnica e omnilateral, seja na área da formação em agroindústria como em
qualquer outra área do campo da educação profissional e tecnológica, pois, que são
determinações das relações capitalistas de produção na sociedade dividida em classes, e que
esbarram nos limites da formação escolar, determinando-a.
Isto acaba evidenciando um processo de contradições históricas, mesmo diante da
implementação de importantes avanços em políticas públicas para a EPT, como o fato do
Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004, que articulou o ensino médio à educação profissional,
e com o advento da Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008, que criou a Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica com os Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia (IF’s), enquanto instituições especializadas na oferta de educação
profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino e, também, em relação às
instruções dadas pelo Decreto nº 8.268 de 18 de junho de 2014, com premissas à educação
profissional articulada as áreas da educação básica, do trabalho e emprego, da ciência e
tecnologia, tendo como cerne “o trabalho como princípio educativo” (grifo nosso) e a
“indissociabilidade entre teoria e prática” (Idem.) (BRASIL, 2014), pressupondo uma
educação de base politécnica.
Com isso, no embate teórico produzido, buscou-se proceder à reflexão para os
elementos intervenientes do modelo hegemônico de sociedade e que interferem fortemente na
23
“domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de
trabalho produtivo moderno” (SAVIANI, 1989, p. 17). E, também, com base nos fundamentos
da educação omnilateral como princípio que concebe a formação humana em sua integralidade.
Buscou-se, assim, analisar qual sentido é atribuído ao trabalho no contexto do curso,
refletir sobre a apropriação do conhecimento dos estudantes, a forma como esta apropriação
repercute na prática do estágio, e o entendimento dos discentes na relação com o processo
produtivo agroindustrial. Além disso, para que fosse possível o exame das mediações contidas
nesse processo, buscou-se, sobretudo, compreender as determinações histórico-sociais da
relação entre trabalho e educação que emergem no contexto do processo educativo do curso
técnico em agroindústria, a fim de encontrar respostas à problemática a que a pesquisa se
propôs.
25
METODOLOGIA
A análise a que nos propomos sobre a prática educativa do estágio curricular no curso
técnico de nível médio em agroindústria, tem como base norteadora os fundamentos da dialética
crítica marxiana, como teoria do conhecimento que parte da análise da realidade concreta do
processo e materialidade objetiva da relação sujeito/objeto em suas determinações sócio
históricas. O método se constitui num potente referencial para explicação das contradições
presentes no âmbito da sociedade de base capitalista. Nesse aspecto, a dialética materialista da
história, enquanto ciência, estuda os princípios gerais objetivos da existência e as leis de
desenvolvimento do mundo material concreto.
O aporte analítico da lógica dialética está nas múltiplas determinações da concretude da
realidade como pressuposto ontológico do método de investigação, como se deduz da
explicitação feita por Marx, de que:
O ponto de partida é apenas formalmente idêntico ao ponto de chegada, uma vez que,
em seu movimento em espiral crescente e ampliada, o pensamento chega a um
resultado que não era conhecido inicialmente, e projeta novas descobertas. Não há,
pois, outro caminho para a produção do conhecimento senão o que parte de um
pensamento reduzido, empírico, virtual, com o objetivo de reintegrá-lo ao todo depois
de compreendê-lo, aprofundá-lo, concretizá-lo. E, então, tomá-lo como novo ponto de
partida, de novo limitado, em face das compreensões que se anunciem” (KOSIK,
2002, p. 36).
Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele
inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento (...) é o criador do real, e
o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais
do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ele interpretado (Marx,
1988, p. 16).
Ademais, o método materialista dialético, conforme disposto por Marx (2011), não
ignora a relação existente entre sujeito investigador e objeto investigado. Ocorre que,
para o método em questão, o sujeito investigador tem um papel essencialmente ativo
na pesquisa, pois é ele quem deve manejar um conjunto de abstrações de ordem
27
uma concepção dialética da prática educativa do estágio curricular pensada como práxis
pedagógica na relação entre trabalho e educação.
O trabalho, portanto, do ponto de vista da teoria marxiana, por sua dimensão ontológica,
é fonte de compreensão da realidade e de produção do conhecimento, pois, no seu processo de
objetivação, possibilita ao homem transformar a natureza, criar as condições que irão garantir
sua existência, e assim, produzir cultura, educar-se e transformar-se, num processo de
movimento constante, para além das práticas realizadas no âmbito formal das instituições
escolares. Em síntese, compreende-se que é na relação dialética dos sujeitos com a atividade do
trabalho, que se constrói conhecimento, estabelece-se relações sociais e se produz a história,
como enfatizam Marx e Engels (2009). Assim, o trabalho, dialeticamente, é o princípio
educativo que produz a existência humana, e consequentemente, produz a realidade escolar e
suas práticas pedagógicas.
Nesse sentido, ao tomarmos como ponto de partida a prática educativa do estágio
curricular, pensada concretamente enquanto práxis de relação social entre sujeito e objeto da
prática, objetivamos explicitar a problemática que emerge na essência social educativa da
prática em epígrafe, partindo inicialmente da análise das determinações que se apresentam no
plano da realidade em sua aparência imediata para uma compreensão mais elaborada dessa
mesma realidade ao chegar nas evidências do plano concreto pensado, dado ao esforço de
aproximação com a base teórico-metodológica da dialética crítica da história.
produções cuja lógica se pauta nos interesses do capital, a fim de se estabelecer parâmetros
analíticos com a concepção que defendemos.
Foi possível verificar que a maioria significativa das produções abordam o estágio
curricular em torno da discussão da dicotomia entre teoria e prática, o que não deixa de ser,
também, uma questão evidenciada na pesquisa de que nos ocupamos. Entretanto, do ponto de
vista do estado do conhecimento a que nos propomos discutir, parte dos trabalhos científicos
analisam o estágio curricular na EPT numa perspectiva politécnica e omnilateral da formação,
porém não foram identificados dentre estes os que abordam o trabalho diretamente relacionado
com a área da formação como centralidade.
Assim, dentre as pesquisas que apresentam uma visão crítica da formação, encontramos
as que buscam compreender o papel do estágio como prática pedagógica, dissertação de
RASSELE (2011); identificar a contribuição do estágio curricular supervisionado para a
formação profissional do Técnico Agrícola, dissertação de FARIA (2009); investigar o nível de
formação técnica do aluno egresso do ensino médio, dissertação de KLUGE (2008); as
implicações dessa prática na formação dos futuros profissionais, dissertação de VIEIRA (2010);
compreender quais as possibilidades e os limites de o estágio curricular se constituir como
estratégia para articulação escola, serviço e gestão, dissertação de MEDEIROS (2016); verificar
se a organização do trabalho pedagógico possibilita de fato, a articulação entre teoria e prática
dentro de um contexto educacional, e frente à realidade econômica, social e cultural, dissertação
de NAZÁRIO (2014); analisar o estágio do técnico de nível médio em empresas flexíveis, com
o intuito de desvelar a pedagogia fabril presente nessa experiência formativa, dissertação de
PONTES (2007); analisar a proposta e a prática do Estágio Supervisionado a partir dos sujeitos
envolvidos neste processo, dissertação de VIEIRA (2010); conhecer seus aspectos e sua
contribuição na constituição do técnico industrial de nível médio, dissertação de DUTRA
(2009); contribuir teoricamente para a construção de referências sintonizadas com a formação
omnilateral para a (re)organização do estágio supervisionado no currículo dos cursos,
dissertação de RODRIGUES (2007); analisar o cotidiano da supervisão de estágio
(re)significando-o no sentido da práxis profissional no âmbito das situações concretas que se
colocam à supervisão, tese de CAPUTI (2014); verificar se a organização do trabalho
pedagógico propicia que o estágio curricular cumpra seu papel como ato educativo e
instrumento de aperfeiçoamento técnico-cultural e científico, constituindo-se como
complementação do ensino e da aprendizagem do estudante em sua formação profissional,
dissertação de SANTOS (2014); refletir sobre os processos de formação docente e do estágio
supervisionado como um espaço privilegiado dessa formação, dissertação de GALINDO
30
(2012); realizar estudo sobre estágio supervisionado em Serviço Social direcionando a pesquisa
para debates e análises sobre a perspectiva da centralidade do estágio supervisionado na
formação, entretanto, na sua dimensão e nas considerações de todos os determinantes que
imprimem o que é e o que deveria ser de fato o mesmo no processo, tese de HONORATO
(2016); ouvir professores que recebem o estagiário em sua sala de aula, tese de SILVEIRA
(2008).
Dentre os trabalhos analisados cuja abordagem pensa o estágio curricular como
vivência prática para atuação no mercado de trabalho, se evidenciam as contradições do modo
capitalista de produção com ênfase à discussão da qualificação para o trabalho com prioridade
à aquisição de aptidões técnico-práticas para as quais o estágio se apresenta como uma
oportunidade de aprimoramento e consolidação da formação. Dentre as pesquisas que seguem
esta justaposição de intenções encontramo-las com os objetivos de: analisar o programa de
estágio oferecido pelas empresas conveniadas e propor políticas internas ao setor de estágio,
tendo como parâmetros a legislação, as competências e habilidades previstas no currículo do
curso de engenharia de produção, dissertação de FERREIRA (2016); ); compreender como os
conhecimentos dos alunos são adquiridos na escola e recontextualizados em suas funções
desempenhadas durante a atividade curricular de estágio, dissertação de CRUZ (2012); analisar
o estágio supervisionado como espaço de formação e desenvolvimento de saberes e habilidades
fundamentais à docência, articulando teoria e prática no processo de ensino e aprendizagem,
dissertação de OLIVEIRA (2016); aprimorar a aprendizagem organizacional do estágio
supervisionado, fortalecida pelo intuito de se identificar oportunidades de melhoria, e de se
entender como o estágio estimula a aproximação entre teoria e prática nas ações educacionais,
de modo a contribuir com os processos de auto avaliação e auto referência institucional,
dissertação de MATTOS (2008); caracterizar o processo de construção da identidade
profissional de professores orientadores de Estágio Curricular de modo a contribuir para uma
melhor compreensão das especificidades inerentes ao desempenho dessa função e das
atividades formativas e profissionais, dissertação de WINCH (2009); identificar o significado
que os alunos têm a respeito do estágio supervisionado e diagnosticar a influência do estágio
na formação do aluno e as perspectivas da disciplina práticas profissionais em relação ao
estágio, dissertação de PEREIRA (2008); oportunizar a formação prática, situando o estagiário
no contexto real da empresa, com suas exigências e ritmos próprios, considerando que as
empresas exercem influência preponderante na formação dos estagiários pelo fato das
instituições de ensino se omitirem de sua responsabilidade precípua nesta etapa formativa e
caracterizar o processo de construção da identidade profissional de professores orientadores de
31
estágio curricular pré profissional, dissertação de PONTES (2007); investigar o papel que o
estágio curricular obrigatório vem desempenhando na formação do técnico, a partir da
perspectiva dos discentes, dissertação de SANTOS (2012); identificar a contribuição do estágio
curricular supervisionado para a formação profissional do Técnico Agrícola, dissertação de
FARIA (2009); analisar a relação teoria e prática no currículo do curso técnico a partir da
percepção dos discentes, tendo como foco o estágio curricular supervisionado, dissertação de
ESCOBAR (2016); compreender como os alunos trabalhadores dos referidos cursos que estão
em experiências de trabalho no estágio, mobilizam os saberes profissionais e os
recontextualizam no desempenho das suas atividades de estágio, dissertação de CRUZ (2012);
analisar o processo de realização do estágio curricular supervisionado em um curso técnico
ofertado a distância, via Rede e-Tec Brasil, dissertação de SILVA (2018).
Os métodos e instrumentos de pesquisa são os mais diversos, sobre estes, há as que
optaram pela pesquisa de natureza qualitativa em sua maioria, havendo, também, as que
utilizaram dados quantitativos; outras ainda, optaram pela pesquisa-ação; e grande parte
utilizaram como instrumentos questionários semiestruturados, entrevistas, pesquisa
bibliográfica, estudo de caso, análise documental e revisão de literatura. Em relação aos
métodos de pesquisa, o método positivista aparece em quantidade significativa, além de
pesquisas com viés crítico, em menor parte, com destaque para a utilização da dialética
humanista e do materialismo histórico dialético, que é o método do nosso interesse.
Os inúmeros resultados trazidos nas pesquisas catalogadas apontaram para diversas
constatações: problemas referentes à adequação da infraestrutura e supervisão dos estágios nas
empresas/instituições e à contextualização curricular, orientação, carga horária e em relação à
contribuição das aulas práticas realizadas, RASSELE (2011) (dissertação); verificação de um
modelo formal e burocrático, desprovido de planejamento, acompanhamento, supervisão e
avaliação de resultados, cuja importância centra-se no cumprimento da carga horária, não se
mostrando integrado à proposta pedagógica, SANTOS (2009) (dissertação); constatação de que
as diretrizes darão ampla contribuição ao autoconhecimento institucional, facilitando a
implantação e o acompanhamento de indicadores de desempenho, havendo garantia de
acompanhamento sistemático, da aprendizagem da organização dos estágios, período-a-período
letivo, através de meta avaliações tanto no que diz respeito às atividades de gestão dos processos
envolvidos com o estágio supervisionado quanto do atendimento das expectativas da sociedade,
MATTOS (2008) (dissertação); caracterização do individualismo tendo por base a descoberta
de como desempenhar essa função, a partir da própria atuação ou a partir do momento em que
as ações dos orientadores se desvinculam de modelos e de práticas que vivenciaram na condição
32
estabelecer a ponte relacional da educação escolar com o mundo do trabalho, e assim, pensado
enquanto objeto passível de patentear o trabalho como ação humana educativa e produtiva, se
apresenta como uma prática educativa social, não somente no nível de observação e
proximidade do aluno estagiário com um ambiente de trabalho, mas enquanto processo no qual
se consolida a relação entre trabalho intelectual e trabalho material, entre cultura geral e cultura
técnica, entre conhecimento científico e conhecimento tecnológico.
De acordo a este pressuposto teórico-metodológico, parte-se da concepção da
centralidade do trabalho tanto em geral como do trabalho agroindustrial, enquanto princípio
articulador da prática educativa dos estágios realizados no curso técnico em agroindústria.
Contudo, a realidade analisada na prática do estágio no curso em epígrafe, tem demonstrado a
ocorrência da desarticulação entre ensino e trabalho produtivo, o que gera a cisão entre
concepção e execução no plano da formação de modo geral, e compromete o desenvolvimento
integral dos estudantes na perspectiva da omnilateralidade e da politecnia, evidenciando uma
concepção monotécnica e unilateral da formação humana, com forte tendência da visão prático-
utilitária e tecnicista da formação para o mercado de trabalho, interiorizada como uma
determinação histórica da divisão social e técnica do trabalho na sociedade capitalista.
A concepção monotécnica e unilateral da formação humana, tende a reproduzir as
relações dominantes na sociedade de classes da qual emerge a dissociação entre teoria e prática,
entre o ensino propedêutico e o ensino técnico, provocando a cisão estrutural entre concepção
e execução no próprio corpo da formação, ocasionando num processo de fragmentação do
conhecimento que impede o entendimento da relação unitária entre o sujeito da prática e o
objeto de estudo/trabalho.
Assim, este estudo assume a defesa de práticas educativas emancipatórias na Educação
Profissional e Tecnológica, concebida por uma dimensão ampla de educação e enquanto práxis
social educativa com possibilidades de objetivar projetos pedagógicos que tenha por base a
concepção do trabalho como princípio educativo da formação humana, alicerçada na
perspectiva da omnilateralidade e da politecnia para a superação da dualidade estrutural entre
trabalho e educação com vistas ao desenvolvimento de uma educação unitária e integral.
Para tanto, o percurso teórico-metodológico, referenciou-se na dialética crítica da
história, e a obra O capital de Karl Marx (2017), é fonte essencial à dissertação, principalmente
no Capítulo: O processo de trabalho e o processo de valorização, o qual garantiu as bases para
pensar o trabalho enquanto princípio fundamental da produção da existência humana, no
processo de humanização dos indivíduos e na compreensão da forma com que o capital se
apropria da força de trabalho, explorando-a. A obra Para Uma Ontologia do Ser Social II de
36
atividade do trabalho escolar em sua relação social com o mundo produtivo do trabalho
agroindustrial.
Para a proposta de reconceptualização da prática do estágio no curso de agroindústria,
discorreu-se sobre uma base contendo elementos centrais na perspectiva da politecnia e da
omnilateralidade, cujo prisma de elaboração se pauta numa visão mais ampliada e crítica de
educação profissional com entendimento da prática educativa do estágio enquanto práxis, na
qual eixo articulador do conhecimento no currículo é o trabalho agroindustrial e o trabalho em
geral, no sentido ontológico enquanto práxis educativa social.
A práxis educativa do estágio orientada numa perspectiva politécnica e omnilateral
direciona para a compreensão da unidade teoria-prática, a partir da apreensão da categoria
trabalho, como elemento fundante da produção da existência e humanização dos homens e
mulheres, o que traduz-se pelo entendimento do trabalho enquanto princípio educativo para
eliminação das contradições presentes na sociedade dominada pela lógica do capital e das
dualidades estruturais impostas à atividade do trabalho pedagógico.
A compreensão dos conceitos de politecnia e da omnilateralidade caminha na direção
da superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução
profissional e instrução geral e na apreensão da concepção do trabalho como princípio
educativo que concorre para o processo de apropriação do conhecimento historicamente
acumulado – conceitos centrais que constituem a base para a formação unitária e integral, de
modo especial, quando se trata da formação dos filhos da classe trabalhadora.
O desenvolvimento da formação humana integral para classe trabalhadora, com vistas à
sua emancipação, exige para tanto, o aprofundamento da base teórica que fundamenta o projeto
educativo na concepção da práxis social para superação da divisão social do trabalho. A escola,
nesse ínterim, tem um papel fundamental para construção de uma sociedade mais justa,
contribuindo para a formação crítica e emancipatória dos sujeitos a partir do desenvolvimento
de práticas educativas com base em uma educação politécnica para superação das cisões
estruturais, fomentando, assim, a sua parcela de contribuição na transformação da sociedade.
Para análise do objeto em estudo, utilizamos a pesquisa bibliográfica com destaque para
a análise documental dos relatórios de estágio e do projeto pedagógico do curso técnico em
agroindústria, com ênfase nos pressupostos da dialética histórico-crítica, cujo método
“representa o caminho teórico que aponta a dinâmica do real na sociedade [...]” (MINAYO,
38
1996, p. 65). Minayo explica que o método histórico dialético parte da perspectiva histórica, e
investiga o objeto de conhecimento por meio da compreensão de todas as mediações e
correlações da realidade social e histórica, tendo por princípio básico de sua metodologia a
totalidade2.
Nessa perspectiva, a investigação científica das determinações sociais e históricas é
objetivada por dois princípios: o materialismo histórico como caminho teórico e o materialismo
dialético como estratégia metodológica. Na ótica teórico-metodológica do materialismo
histórico dialético, a categoria básica de análise da sociedade é o modo de produção
historicamente determinado, tendo o trabalho como categoria mediadora das relações sociais.
Minayo (1996), diz que podemos entender a pesquisa como uma atitude e uma prática
teórica de constante busca, definido por um processo intrinsecamente inacabado e permanente,
ou seja, uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo
uma combinação particular entre a teoria e os dados obtidos. Desse modo, com base na dialética
crítica marxista, na interpretação dos dados analisados nos instrumentos de pesquisa, buscou-
se apreender o movimento da realidade concreta em suas contradições, no esforço de
compreensão do objeto de análise enquanto elemento da práxis humana-social, cujo sentido se
traduz na firmeza ético-política do pensamento, como enfatiza Minayo (1996, p. 226).
Na análise dos dados obtidos pode-se discernir sobre as categorias que dão sustentação
à investigação científica, as quais de acordo com os postulados da dialética histórico-crítica,
emergem da crítica da realidade social determinada em sua totalidade, e que podem ser
analisadas concretamente, partindo do movimento das ideias abstratas para um movimento do
pensamento lógico superior, e por esta razão, pode ser racionalmente conhecida e explicada.
Assim, produz-se o seu conhecimento ao se formular as leis de sua estruturação e de seu
desenvolvimento quando se consegue atingir seus determinantes fundamentais através dos
conceitos tomados no plano teórico para explicação da realidade. Porém, não se trata da
realidade imediata e sim da sua concretude na totalidade real, considerando-se que “o concreto
2
“A categoria de totalidade é entendida na perspectiva do materialismo histórico-dialético como uma unidade de
máxima complexidade constituída por diferentes elementos também complexos (com menores graus de
complexidade), os quais, em suas relações, constituem e sintetizam aquela totalidade. Conforme afirmou Lukács
(2013), a totalidade é um complexo constituído de complexos, uma vez que cada parte ou elemento constitutivo
da totalidade é por ela determinado, bem como, também a determina. Conhecer a totalidade de um objeto ou
fenômeno não significa conhecer tudo, mas, sim, apreender a lógica determinante dessa totalidade”. (MARTINS
& LAVOURA, 2018, p. 227).
39
é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações” como é ponderado por Marx (2003,
p. 248).
Em vista disso, optou-se pela realização da análise documental e da revisão bibliográfica
que foi utilizada de forma concomitante em todas as fases da pesquisa, para melhor analisar o
objeto investigado, já que à medida que se ampliava a aproximação com os pressupostos da
dialética histórico-crítica, saíamos da visão empírica da realidade imediata relatada da prática
do estágio no curso de agroindústria para uma visão mais ampliada das determinações que
emergem do plano concreto evidenciados nos registros dos relatórios de estágio. E da mesma
forma, ampliou-se a visão crítica dos dados que correspondem a conjuntura do projeto do curso
estudado, chegando-se, assim, a uma maior percepção das categorias que compõem o quadro
analítico para explicitação da problemática da pesquisa.
Este movimento significou contextualizar dialeticamente a realidade objetiva da
problemática que buscamos analisar e que foi pensada enquanto determinação do plano real da
sociedade, cuja lógica se volta para o modo capitalista de produção e que acaba reverberando
suas contradições para o plano concreto do contexto educacional. Dessa forma, a
contextualização crítica-dialética da análise, exigiu a organização da pesquisa a partir do
entendimento da totalidade social da sociedade baseada no capital. Tais determinações
necessitam ser tomadas pelas suas relações históricas e sociais com a realidade material, pois,
a compreensão do objeto deverá tomar as contradições da sociedade capitalista que repercutem
fortemente no processo educacional, para se estabelecer na linha da intencionalidade do estudo,
as bases teóricas que objetivam a transformação social em sua totalidade.
Além disso, a evidência concreta das categorias que determinaram a análise, a partir dos
recursos utilizados, permitiu a constatação de que os elementos presentes na problemática
tratada são de ordem estrutural e atingem a totalidade dos processos e práticas do campo da
formação sócio técnica de modo geral, os quais determinam a elaboração do currículo na
educação profissional, e assim, como consequência, determinam a etapa de terminalidade dos
cursos técnicos profissionais que geralmente se dá com a realização da prática educativa do
estágio curricular.
De tal maneira, com a análise dos relatórios de estágio e do projeto pedagógico do curso
de agroindústria, em específico na parte que se discorre sobre o estágio curricular, foi possível
sistematizar os dados encontrados e aprofundar o entendimento da problemática analisada, o
que enuncia à conclusão da determinação histórica da dualidade estrutural entre trabalho e
educação, para explicar a cisão entre concepção e execução que compromete o
desenvolvimento dos estudantes do curso supracitado na perspectiva da politecnia e da
40
do capital, interferem nas práticas pedagógicas da escola, pois que a escola, tão somente,
expressa a forma como está organizada a sociedade de classes, e com isso, o que se observa em
relação aos elementos trazidos nos relatórios de estágio é a reprodução de técnicas manuais
prático-utilitaristas, de que nos fala Kosik (1995).
Sobre esse controle do capital a professora Kuenzer (2009), observa que em Marx, é
possível entender como a subsunção real do trabalho ao capital resulta na destruição do saber
do trabalhador. Nesse aspecto, a subsunção ao capital impede que o trabalhador conheça o
processo do trabalho como um todo, ficando limitado apenas a um fragmento do mesmo.
Como se verifica, a reprodução das técnicas de produção na prática dos estágios dá-se,
muitas vezes, pelo fato de que os estagiários atuam apenas na observação simples do processo
produtivo, sem que haja uma participação mais direta no processo em que possam atuar
conforme o conhecimento adquirido durante o percurso formativo. Essa reprodução implica,
não somente, para que com os estágios se possa dá uma melhor contribuição ao processo de
produção das instituições estagiadas, mas no próprio aprofundamento da formação científica e
tecnológica, considerando que durante a formação ocorre uma apropriação significativa em
relação ao conhecimento científico e tecnológico. Com isso, um manancial relevante de
conhecimentos adquiridos na formação se desarticula na execução da prática, descambando no
que entendemos como uma cisão entre os processos de concepção e execução.
Por conta da cisão entre concepção e execução verificada na prática educativa do estágio
do curso analisado, buscou-se as bases conceituais do ensino politécnico como vertente de
alinhamento teoria/prática, cujos princípios promulgam pela formação omnilateral dos sujeitos.
Desse modo, pensa-se em possibilidades metodológicas para dar conta, em certa medida, de
resolver a desarticulação entre ensino e trabalho produtivo na prática do estágio no curso de
agroindústria. Objetiva-se, assim, a construção de uma educação para superação dos processos
dicotômicos entre teoria e prática, trabalho intelectual e trabalho manual.
Partindo dessa objetivação, conclui-se que “[...] a ideia de politecnia envolve a
articulação entre trabalho intelectual e trabalho manual e envolve uma formação a partir do
próprio trabalho social, que desenvolve os fundamentos, os princípios, que estão na base da
organização do trabalho na nossa sociedade e que, portanto, nos permitem compreender o seu
funcionamento [...]” (SAVIANI, 1989, p. 19).
A referida união entre trabalho intelectual e trabalho manual de que fala Saviani (1989),
só poderá realizar-se, no entanto, na “[...] base da superação da apropriação privada dos meios
de produção, com a socialização dos meios de produção, colocando todo o processo produtivo
a serviço da coletividade, do conjunto da sociedade [...]” (SAVIANI, 1989, p. 15).
44
Por isso, há a necessidade de uma mudança conceitual radical para romper com a lógica
dominante do capital a nível educacional. Isto implicaria, sobretudo, numa mudança estrutural
do processo de trabalho visto dentro do modo de produção capitalista como resultado de um
amplo processo de conscientização da classe trabalhadora, assim como, de sua
instrumentalização intelectual na apropriação do conhecimento historicamente acumulado,
dada pela compreensão dos princípios científicos e tecnológicos envolvidos no processo de
produção.
Desse modo, um processo mais abrangente de conscientização da classe trabalhadora
poderia alcançar êxito ao se atingir a ruptura com o modo de produção capitalista o que, por
consequência, traria uma mudança no interior do processo de trabalho. Portanto, do ponto de
vista dialético-histórico-crítico, a educação escolar constitui-se como via principal de
intelectualização do trabalho social, de conscientização da classe trabalhadora, ensejando-lhe
uma compreensão crítica de mundo e sociedade a partir da implementação de processos
formativos pelo viés politécnico no qual o trabalho, entendido como princípio educativo, ocupa
a centralidade.
Dada essa compreensão, a articulação entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia,
estaria em melhores condições teórico-práticas de efetivação. E, a partir da formação crítica, os
estudantes teriam melhor e mais ampla percepção sobre a hegemonia do capital em nossa
sociedade, conseguindo entender, enfim, que a riqueza econômica é, tão somente, produzida
pelo dispêndio da força física e espiritual dos trabalhadores, e os capitalistas apenas são os
detentores dos meios de produção, e os agentes de apropriação da mais-valia daquilo que é
produzido pela força de trabalho.
Desse modo, o conceito de trabalho, como observa Kuenzer (2009, p. 13), se apresenta
como eixo do currículo, compreendido como práxis humana e não somente como práxis
produtiva tornando, portanto, a unidade concepção e execução melhor articulada.
O conceito do trabalho como eixo do currículo consistiria na articulação dos
conhecimentos, atitudes e comportamentos necessários ao domínio da cultura e da compreensão
da prática laboral. Contudo, para que isto se evidencie, dois desafios, conforme instrui Kuenzer
(2009), precisam ser transpostos. Primeiro, o da mera instrumentalização da ciência e da cultura
a partir de uma área de trabalho; segundo, o da mera formalização cientificista, tão comum à
versão de educação secundarista dominante ao longo da história, pela tendência interiorizada
de se afastar do movimento de construção da realidade.
Entendemos que estes dois desafios apontados por Kuenzer, se referem a um currículo
que abrangesse a cultura geral da sociedade, sua forma de organização política e social, e que
tivesse como cerne principal a práxis social humana, isto é, reconhecesse o trabalho “[...] como
todas as formas de ação humana para construir a existência, sejam elas materiais ou espirituais
[...]” (KUENZER, 2009, p. 13).
Para tanto, tendo em vista a superação da lógica da fragmentação, Kuenzer esclarece
que é necessário, também, que não se incorra na ilusão de um sistema científico único que
articule todos os conhecimentos, mas na organização de um currículo que tome as diferentes
práticas definidas pelas demandas sociais e produtivas, no qual se compreenda a autonomia
como capacidade de enfrentar os desafios do trabalho e da vida social, com articulação dos
conhecimentos científicos, tecnológicos, sócio históricos e tácitos para que se construam
respostas adequadas do ponto de vista intelectivo, afetivo e ético.
Com essas diretrizes, tem-se a noção das adequações necessárias à prática educativa do
estágio para que esta consista numa práxis educativa social, em que o trabalho seja o eixo
central. Nesse sentido, serão necessárias, sem dúvidas, reformulações no currículo como um
todo para um alinhamento no projeto político-pedagógico de uma educação/formação com
compreensão crítica da realidade para emancipação dos sujeitos da prática.
Portanto, é fundamentalmente necessário compreender que na “[...] organização do
trabalho pedagógico devemos recuperar, de imediato, que o trabalho, no interior da atual
organização da escola, é “trabalho” desvinculado da prática social mais ampla [...]” (FREITAS,
2009, p. 99), entendendo, do mesmo modo, que na educação baseada nos interesses de classe
“[...] o papel mais importante da escola na reprodução da divisão do trabalho diz respeito a um
aspecto mais preciso desta: a cisão entre trabalho manual e trabalho intelectual…” (ENGUITA,
1989, p. 201 Apud FREITAS, 2009, p. 103). Nesse cenário, “a organização do trabalho
46
[...] em nossa sociedade a teoria esteja frequentemente separada da prática. Não é sem
razão, também, que se conceba que primeiro devamos dominar a teoria para, depois,
aplicá-la em uma dada realidade. Se a escola pode, dentro de certos limites, lidar, de
forma particular, com o impacto da divisão do trabalho manual e intelectual em seu
interior, por outro lado, incorpora a divisão entre teoria e prática, de forma bastante
marcante, na sua organização curricular. A própria história da escola indica que ela
cresceu separada do mundo do trabalho (ENGUITA, 1989 Apud FREITAS, 2009, p.
98).
Diante dessas razões, Freitas enfatiza que “a organização do trabalho (mesmo o trabalho
pedagógico, em seus vários sentidos) se dá no seio de uma organização social historicamente
determinada. As formas que essa organização assume, na escola, mantêm ligação com tal tipo
de organização social” (FREITAS, 2009, p. 98). A forma, então, de organização social é um
entrave bastante significativo “[...] às inovações no campo da organização do trabalho
pedagógico [...]” (Ibidem), já que “[...] a escola não é uma ilha na sociedade [...]” (Ibidem),
mesmo que não esteja totalmente determinada por esta organização, não está totalmente livre
dela.
Dessa maneira, “entender os limites existentes para a organização do trabalho
pedagógico ajuda-nos a lutar contra eles; desconsiderá-los conduz à ingenuidade e ao
romantismo” (Ibid. p. 99). Portanto, é crucial ao desenvolvimento de uma organização mais
ampla do trabalho pedagógico, uma compreensão dialética da realidade material da organização
da sociedade, pois, “[...] esta propriedade privada material, diretamente perceptível, é a
expressão material e sensorial da vida humana alienada” (MARX, 1983, p. 117 Apud FREITAS,
2009, p. 99).
Assim, ao assumirmos uma concepção mais ampla de educação, objetivando uma
reconceptualização crítica para a prática educativa do estágio curricular no curso técnico em
47
Desse modo, foram analisados um total de 08 (oito) relatórios de estágio, número que
correspondeu ao total de alunos do curso técnico em agroindústria, concluintes da turma do 3º
ano do ano letivo de 2019. Dentre os locais dos estágios 03 (três) foram realizados numa
empresa de processamento de sorvetes, picolés e açaí in natura; 02 (dois) foram realizados numa
empresa de panificação; 01 realizado na estatal Embrapa; 01 (um) realizado numa empresa de
processamento de derivados do leite; e 01 (um) numa empresa de processamento de bolos,
doces em conserva e sequilhos doces e salgados. As referidas empresas são classificadas como
de médio ou de pequeno porte, além da instituição pública de pesquisas agropecuárias citada
acima.
Já em relação à coordenação dos estágios no Campus Governador Mangabeira, esta fica
a cargo do Núcleo de Relações Institucionais (NURI), e tem por objetivo dar apoio técnico-
administrativo a todos os envolvidos no Programa de Estágio Curricular , segundo o que consta
em regulamento próprio. Os estágios são realizados através de acordo firmado entre o
Campus/NURI e a instituição ou empresa que receberá os alunos/estagiários. Os (as) estagiários
(as), por sua vez, são orientados (as) por um (a) professor (a) da área técnica do curso e ficam
sob a supervisão de um (a) profissional designado (a) na instituição/empresa onde o estágio
acontece, que os (as) acompanha tanto para situá-los (as) em relação às atividades
desenvolvidas como direcioná-los (as) para alguma atividade a ser desempenhada durante o
período de realização dos estágios.
Dada essa contextualização, elencaremos os pontos mais proeminentes evidenciados na
análise documental dos relatórios de estágio e projeto pedagógico do curso, relacionados à
questão-problema levantada na pesquisa.
Esta evidência fica demonstrada pela ausência de registro dos elementos científico-
tecnológicos articulados ao processo produtivo, e mesmo pela ausência de registro das relações
educativas, econômicas e sociais presentes na atividade, como da questão das condições do
trabalho que é realizado, da situação dos trabalhadores em relação ao desempenho de suas
funções e condição remuneratória, das relações de comercialização daquilo que é produzido, e
da própria relação do sujeito/estagiário com o ato educativo posto no processo produtivo, dando
a transparecer duas situações: primeiro, ou os sujeitos da prática se colocam por conta própria
apenas como observadores do processo produtivo que é realizado ou são dispostos dessa forma,
sem que necessariamente esteja demonstrada uma participação mais direta no processo real
objetivado em termos da cooperação, da assistência técnica-científica e da mediação com a
prática educativa em sua relação ensino/trabalho produtivo; e segundo, estes sujeitos não
conseguem perceber que no processo da produção agroindustrial os produtos (matérias-primas),
assim como, os meios utilizados (instrumentos) não expressam por si só a prática real, o que
significa dizer que a prioridade do conhecimento está somente no objeto observado, e que por
mais instrumentalizada que seja a intervenção para conhecer a realidade, apenas uma parte
desse real é acessada e não a totalidade do processo como esclarece Kopnin (1978).
Nesse sentido, a atividade do conhecimento dos alunos/estagiários se daria na própria
relação com o real, ou seja, na relação do conhecimento com o trabalho produtivo, e não por
uma relação unilateral na qual o estudante estabelece uma mera vinculação pedagógica, por um
período determinado, apenas para cumprir com um requisito obrigatório presente na grade
curricular do curso e na reprodução do que é visto, sem que exista nessa vinculação um sentido
educativo amplo, do ponto de vista da formação politécnica e omnilateral da relação
teoria/prática. A apreensão da articulação dos conceitos científicos e tecnológicos aliados ao
trabalho produtivo que é desenvolvido, estabelecer-se-ia, dessa forma, numa relação dialética,
de compreensão da estrutura, das particularidades, finalidades e contradições envolvidas no
processo do trabalho agroindustrial.
Este entendimento, alia-se à compreensão dialética de formação humana, e nos permite
verificar as cisões no processo educativo que se deslocam para a prática educativa do estágio
curricular no curso e nos impulsiona a “[...] defender a necessidade de buscar-se a compreensão
das especificidades do processo de produção e reprodução da realidade humana, como realidade
essencialmente social e histórica”, como propõe Duarte (2008, p. 23), o que não significa dizer,
que se adotada a perspectiva de Marx, se estabeleceria uma rígida oposição entre o mundo da
natureza e o mundo social em que se divide o processo da práxis humana em essência do
processo entre natureza e sociedade, como também aponta Duarte (2008).
50
O sentido ontológico da práxis humana que se está a defender nesse ponto, possibilita
uma visão ampla de mundo, de sociedade e de educação para que os filhos da classe
trabalhadora tenham direito a uma formação humana crítica, uma vez que detecta-se como
evidência que os alunos – sujeitos da prática educativa do estágio curricular – não conseguem
entender os processos reais de trabalho produzido no ambiente do estágio, e assim, atinjam as
apropriações não apenas práticas, mas também, teóricas dos processos científicos que estão na
base do processo produtivo realizado, para uma superação da visão dualística da práxis humana
em que o processo do conhecimento e o processo do trabalho ficam subsumidos à pragmática
utilitária do processamento de matérias-primas através do maquinário, como se o sentido da
prática estivesse posta apenas na execução técnica-manual, o que denota uma formação
unilateral e desarticulada da práxis social, prevalecendo a dicotomia teoria-prática.
A questão da cisão entre teoria e prática nesse processo é atribuída por Piconez (1991),
pelo caráter complementar ou mesmo suplementar que é conferida à prática do estágio, e desta
maneira, a teoria é colocada no contexto apenas do ensino na vivência da escola e a prática
colocada no contexto da vivência do estágio. Com isso, o entendimento mais comum, segundo
Piconez (1991), é que as orientações para o estágio são dirigidas “em função de atividades
programadas a priori, sem que tenham surgido as discussões entre educador-educando, no
cotidiano da sala de aula, da escola” (PICONEZ, 1991, p. 17).
Nesse contexto, o processo educativo/produtivo vivenciado pelos estudantes durante o
estágio não é tratado e nem discutido como um processo epistemológico a nível dos conceitos
científicos e tecnológicos. Dessa forma, o conhecimento da realidade produtiva não tem sido
favorecido com reflexões sobre a práxis envolvida na relação teoria/prática, comprometendo a
reconstrução ou redefinição prática de teorias que dão sustentabilidade ao processo produtivo
desenvolvido no ambiente em que o estágio se realiza.
Sendo assim, reforçamos que do ponto de vista de uma formação politécnica e
omnilateral, a desarticulação do ensino (concepção/teoria) com o trabalho produtivo
(execução/prática) na prática educativa do estágio, determina uma prática que não oferece
possibilidades ao (à) aluno/estagiário (a) articular o conhecimento adquirido no processo do
trabalho de ensino-aprendizagem com o processo de trabalho do mundo produtivo concernentes
a área da agroindústria, expressando uma formação destituída de uma concepção politécnica na
sua educação profissional.
Isto evidencia uma formação num sentido de aprendizagem determinada em relação aos
aspectos práticos-manuais, com ênfase na apropriação tecnicista do processo produtivo, como
se este tivesse sua origem num receituário técnico de instruções formais. Esta contradição nas
51
relações do processo educativo do estágio, acaba impactando na formação sócio técnica dos
estudantes, o que corrobora com a explicação de Piconez (1991) ao dizer que:
[...] a teoria veiculada, esvaziada da realidade e das práticas cotidianas da sala de aula,
não explica a prática e, quando não, acaba contradizendo-a. O que ocorre é a ausência
de fundamentos teóricos justificando uma determinada prática, da mesma forma em
que uma postura crítica sobre a prática pedagógica só pode existir quando há uma
relação dialógica entre ela e a teoria [...] (Idem, p.22).
Então, o que se quer chamar a atenção, é para o fato de que a importância fundamental
da realização da prática educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria, está
exatamente, na possibilidade da relação entre a apropriação do conhecimento científico e
tecnológico acessado no ambiente do trabalho educativo em articulação ao processo produtivo
que é realizado no ambiente do trabalho agroindustrial.
Desse modo, o mais importante a se conceber sobre a prática do estágio é justamente a
formação global dos estudantes, não apenas pelo fato de consistir numa etapa obrigatória de
conclusão no curso, mas no sentido de reafirmar a prática como um instrumento importante de
pesquisa e consolidação do processo de ensino, e mesmo de extensão do projeto educativo para
o ambiente de trabalho, bem como, como possibilidade de se pensar e refletir sobre a totalidade
do processo produtivo desenvolvido nos setores da agroindústria acessados pelos alunos, sobre
as condições do trabalho e sobre a realidade dos trabalhadores em sua jornada diária nas lides
com o trabalho agroindustrial.
O que se constata, no entanto, na análise dos relatórios de estágio, é que nestes
instrumentos, não se configuram às questões que envolvem os aspectos socioeconômicos dos
ambientes estagiados, à forma e as condições do trabalho, o ordenamento dos trabalhadores, e
mesmo, a interação dos alunos em relação à prática produtiva na qual se evidencie uma
participação direta e mais efetiva da parte dos estudantes. O fator predominante com muita
ênfase é o registro dos procedimentos técnicos da fabricação dos produtos, com foco na
mecanização do processo produtivo, revelando a falta de compreensão da totalidade do
processo social presente no trabalho de produção agroindustrial.
Nos relatos dos alunos, contidos nos relatórios, não são abordadas as possibilidades de
intervenção e de assessoramento técnico diante dos arranjos produtivos acessados, e desse
modo, afigura-se uma exteriorização do sujeito da prática ao processo de trabalho dessa mesma
prática, demonstrando uma concepção de tecnificação interiorizada no processo de formação.
que ainda assim, apresenta-se com a necessidade de uma conectividade maior entre os alunos
estagiários e seus orientadores, e com os demais professores que compõem o corpo formativo
do curso, uma vez que a prática do estágio deve refletir-se, verdadeiramente, como um campo
epistemológico, teórico-prático, como demonstram Pimenta e Lima (2006).
A questão da prática do estágio entendida como campo epistemológico, é amplamente
discutida por estudiosos (as) que se ocupam desse objeto do conhecimento, carecendo de
olhares mais atentos e críticos. Piconez (1991), alerta para o fato de que as instituições não
reservam espaço, no interior da grade curricular, para o desenvolvimento dos estágios, assim
como, para uma reflexão da relação dessa prática com o conhecimento teórico que é abordado
pela escola e sobre a importância disso na melhoria da prática escolar, num sentido de uma
articulação conjunta com todos os componentes curriculares do curso, representados por todos
os sujeitos da prática pedagógica.
Nos estudos de Piconez (1991), a autora enfatiza que uma reflexão crítica por parte da
escola é importante para reorganização e reorientação de suas ações, não somente em relação à
prática do estágio, mas em relação ao projeto educativo em sua totalidade, complexidade e
problematicidade, mediante uma perspectiva concreta da atividade escolar em que a prática do
estágio, também, se insere.
A partir dessa visão, Piconez esclarece que o desenvolvimento da prática educativa do
estágio curricular, precisa ter lugar de maior importância no projeto pedagógico do curso, visto
como parte relevante das relações entre trabalho-escola e teoria-prática, o que representaria um
verdadeiro elo de articulação orgânica e de relação com o cotidiano da área de trabalho para o
qual o estagiário está se preparando.
Esta configuração propiciaria a posição dialética teoria-prática-teoria, recriada na
reflexão da realidade social do trabalho pelo conjunto dos sujeitos da prática pedagógica
permitindo a reflexão sobre as relações hegemônicas da realidade social, uma visão de mundo
e uma postura crítica mais ampliada dos problemas que permeiam a atividade dos trabalhadores,
bem como, das condições do trabalho da área da formação.
A adoção da postura dialética para pensar a prática educativa do estágio curricular,
eliminaria o pseudo entendimento do estágio como uma etapa complementar para certificação
no curso, o que ensejaria a sua problematização como uma prática educativa fundamental à
formação. Assim, a problematização sobre a prática tanto da escola quanto da sociedade, de
acordo com Saviani (2018), possibilitaria detectar quais questões precisam ser resolvidas no
âmbito da prática social e, em consequência, qual conhecimento é necessário dominar, pois,
55
“toda prática educativa contém inevitavelmente uma dimensão política” (SAVIANI, 2018,
p.71).
Nesse sentido, podemos afirmar que a prática do estágio uma vez que possui um caráter
educativo de relação com o ensino e com o trabalho produtivo, também, possui um caráter
social e político em sua relação com o princípio educativo da existência e com a realidade do
trabalho na sociedade de classes, na qual os trabalhadores são explorados e vendem sua força
de trabalho em troca de um salário. A educação na escola assume, assim, a função que tem na
socialização do conhecimento e na função de conscientização política e social dos sujeitos.
1.2.4 A prática do ensino e do estágio curricular com base numa perspectiva tecnicista da
formação.
Neste quesito, a constatação que emerge das nossas análises, é a de que a concepção
tecnicista é a tendência pedagógica predominante na prática do ensino e na prática do estágio
no curso em agroindústria. A organização pedagógica de base tecnicista, no curso, conduz a
dicotomia entre a dimensão teórica e a dimensão prática da formação do técnico agroindustrial.
Assim sendo, o tecnicismo, identificado na prática do ensino e na prática do estágio curricular,
prevalece como elemento de ressonância do modo de produção capitalista, e com isso, dita os
delineamentos pedagógico-formativos como uma pedagogia que parte do pressuposto da
neutralidade científica e que se baseia nos princípios da racionalidade, eficiência e
produtividade, reordenando o processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional,
como explica Saviani (2018, p. 10).
Dessa forma, a prática escolar e a prática do estágio tornam-se práticas fragmentárias,
“[...] de modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretendendo-se a objetivação do
trabalho pedagógico [...]” (SAVIANI, 2018, p. 10). Saviani (2018), diz que nesse modelo “[...]
é o trabalhador que deve se adaptar ao processo de trabalho, já que este foi objetivado e
organizado na forma parcelada [...]” (Ibidem). E nessas condições:
modo, seja possível dialogar com as disciplinas do currículo, e assim, viabilizar uma
intervenção teórico-prática sobre o processo produtivo do trabalho agroindustrial.
Observa-se, dessa forma, uma visão de prática por um entendimento pragmático-
utilitarista, como resultado do determinismo tecnicista que permeia o trabalho pedagógico nos
limites da educação profissional e tecnológica. A prática, assim, está apartada do sujeito,
exteriorizada do pensamento, da reflexão, da análise, e de uma teoria que a fundamenta, pois,
que se encontra divorciada da práxis humana social. Assim sendo, funde-se na separação do
trabalho intelectual com o trabalho manual, dificultando a compreensão de que “[...] o progresso
do pensamento humano se dá a partir das necessidades práticas do homem, da produção
material de sua existência e expressa o modo pelo qual a teoria e a prática se unem e se fundem
mutuamente” (CANDAU 2005, p.55).
A visão dicotômica própria da concepção tecnicista, de dualidade entre teoria e prática,
é uma herança histórica do modelo taylorista/fordista de produção, que se baseia na divisão
social do trabalho. O modelo da produção em série no menor intervalo de tempo possível,
desenvolvido por Taylor e aplicado por Ford no início da era da industrialização, tornou-se o
modelo de gestão do trabalho na indústria, atendendo às expectativas do sistema capitalista.
Com isso, a ideia da produção elaborada de forma com que cada trabalhador conheça apenas
uma parte do processo de montagem, reproduziu no ambiente escolar, o formato de educação
que atende aos interesses do capital.
A ideia dominante nos sistemas taylorista/fordista é a produção em massa que consiga
aquecer os lucros na economia e enriquecer bem mais o capitalista. De modo contrário, aos
trabalhadores, cabe apenas, gerar a riqueza, da qual não usufrui, em troca de trabalhos
excessivos, baixos salários e doenças ocasionadas pelos movimentos repetitivos no alto grau de
produção em massa de mercadorias.
O modus operandi taylorista/fordista cooptou, então, o processo de educação do
trabalhador, determinando uma formação exclusivamente utilitarista, na qual é necessário
apenas saber fazer. Ao trabalhador, não é permitido interferir no processo de produção,
somente elaborar instrumentalmente a matéria-prima usada. A formação científica e humana
do trabalhador, não é, então, considerada, uma vez que o seu futuro já é determinado pelo
atendimento ao labor no mercado capitalista. Assim, observa-se em relação à prática educativa
do estágio do curso estudado, uma prevalência do saber fazer, e desse modo, se evidencia uma
padronização na reprodução dos procedimentos técnicos instrumentais empregados na
produção agroindustrial.
58
Assim, diante dessa perspectiva, pode-se concluir que o processo de relação do homem
com a natureza, é o ato histórico fundamental, no qual o homem produz os meios que lhe
permite satisfazer as suas necessidades, o que significa que a atividade humana, mesmo nas
condições mais remotas da história, é objetivada pela capacidade de transformar os recursos
presentes na natureza. Por intermédio desse primeiro ato histórico, então, o homem se torna
homem, ou seja, um ser com possibilidades de objetivação e de apropriação daquilo que ele
mesmo consegue criar no uso de suas forças corpóreas e espirituais em sua mediação com o
meio natural e com tudo que dele provém.
À medida que a atividade dos homens se expandia, num processo histórico concreto,
mais avançava os limites da produção material e do próprio desenvolvimento como (ser)
humano. E no desenrolar do processo histórico de produção da vida material, as relações sociais
60
mediadas, de tal modo, por meio dos conteúdos culturais, se mantinham como meio do
intercâmbio entre os homens.
Ademais, iam se instituindo outras formas de organização social, as quais se distinguiam
do círculo meramente nuclear/familiar para se constituírem em grupos com fins determinados,
tais como nos grupos destinados à caça, ao plantio, à preparação da moradia, assim por diante.
Todas essas adequações realizadas pelo conjunto dos homens e mulheres transformam,
também, “[...] as condições materiais de vida, tanto as que encontraram quanto as que
produziram pela sua própria ação [...]” (MARX e ENGELS, 2009, p. 23-24).
Continuamente, nos demais estágios históricos, ao alargarem-se as demandas da vida
social, num processo ontologicamente necessário, do qual presume-se o ser humano,
diversamente dos animais, um ser social, capaz de pensar e agir concretamente diante das
necessidades de existência, operava pelos atributos da atividade do trabalho formas mais
adaptadas às condições de vida material quando, “é preciso, pois, ter sempre presente que se
trata de uma transição à maneira de um salto [...]”, “[...]de um nível de ser a outro,
qualitativamente diferente [...]” (LUKÁCS, 1981, p. 34).
Esse salto qualitativo, referido por Lukács, na obra Para uma ontologia do ser social, é
justamente um salto teleológico3, no qual os homens superam a natureza meramente biológica,
para a essência ontológica do ser que é “[...] constituída por essa ruptura com a continuidade
normal do desenvolvimento e não pelo nascimento, de forma súbita ou gradativa, no tempo, da
nova forma de ser [...]” (LUKÁCS, 1981, p. 36). Este é um processo de transição do
desenvolvimento humano. Lukács elucida, numa referência às investigações de Engels, que o
salto ontológico do animal ao homem, se dá pelo fato de que o homem não se encontra
determinado apenas na esfera da vida orgânica, mas, em constante superação de princípio de
forma qualitativa e ontológica.
Ao explicitar essa perspectiva, Lukács cita a analogia feita por Engels, em relação a mão
do macaco em comparação à mão do homem, uma vez que – embora apresentem o mesmo
número de articulações e de músculos e a disposição em geral ser a mesma nos dois casos – a
mão do homem mais atrasado pode realizar operações que nenhum macaco é capaz de imitar,
pois, como observa Lukács, pelas mãos do macaco, em tempo algum, jamais foi produzida a
mais rústica faca de pedra, fato que no homem, ao contrário, é perfeitamente constatado, uma
vez que produz com um objetivo já pensado. Assim, considera-se que “[...] ao produzirem os
3
O termo teleológico advém de Teleologia que é o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou
finalidade. Embora, o estudo dos objetivos possa ser entendido como se referindo aos objetivos que os homens se
colocam em suas ações. Fonte: https://www.conhecimentogeral.inf.br/teleologia/ Acesso em: 12/08/2019.
61
seus meios de subsistência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material. ”
(MARX e ENGELS, 2009, p.24).
Na ação de produção da vida material, os homens, então, não agem instintivamente
como ocorre com os animais. O homem, embora seja um ser vivo cuja existência prescinda da
sua organização biológica, age mais pela capacidade de incorporar experiências e
conhecimentos produzidos e transmitidos pelas gerações, o que “[...] pressupõe, por sua vez,
um intercâmbio [Verkehr] dos indivíduos entre si. [...]” (Ibidem, p. 25), e nesse aspecto, a forma
de relação/intercâmbio entre os homens “[...] é, por sua vez, requerida (bedingt) pela produção”
(Ibidem), num processo de mediações sócio-histórico-cultural, o que permite às novas gerações
avançar do ponto de partida daquelas que as precederam.
Nesse sentido, chega-se à conclusão de que a ação humana não é biologicamente
determinada. Esta ação diferencia-se substancialmente da atividade dos animais, por mais
elaboradas que possa ser a atividade animal, haja vista, a construção de habitats naturais como
no caso das colmeias das abelhas, das teias das aranhas ou das casas do joão-de-barro, e mesmo
na arquitetura organizada dos formigueiros, por exemplo. Esta atividade nos animais é instintiva
pelo fato de que produzem sempre da mesma forma e num ciclo de desenvolvimento peculiar
à espécie, numa ação pré-estabelecida biologicamente. A atividade do homem na natureza, de
forma contrária, acontece mais por uma apropriação útil da matéria natural para alcance da
satisfação de suas necessidades, à medida que estas se apresentam, e sempre de uma maneira
própria ao atendimento de cada necessidade específica.
Assim, a ação do homem na natureza, propriamente, se dá por um processo intencional
de representação social daquilo que para atender uma determinada necessidade, é idealmente
concebido. Isto, porém, não significa que ao agir, o homem se limite, tão somente, a alterar um
elemento natural, determinando-o apenas pela força de uma lei física-orgânica, mas sim,
subordinando-o à sua vontade, a uma manifestação do campo da sua ideação mental.
Os homens são produtores das suas representações, ideias etc., mas os homens reais,
os que realizam [die wirklichen, wirkenden Menschen], tal como se encontram
condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e
pelas relações [Verkehrs] que a estas corresponde até as suas formações mais
avançadas. (MARX e ENGELS, 2009, p. 31).
Os homens, assim, se diferenciam dos animais por sua consciência, ideias, crenças e por
muitas outras coisas, porém, eles só “[...] começam a distinguir-se dos animais assim que
começam a produzir os seus meios de subsistência [...]” (Ibidem, p. 24). Com isso, é possível
constatar que a atividade dos homens em relação a dos animais não se distingue no atendimento
de meras necessidades biológicas, como a da alimentação e a da habitação, porquanto, os
62
animais, à maneira de cada espécie, suprem estas mesmas necessidades, mas sim porque ao
transformar a natureza, imprimem a marca da atividade humana sobre a mesma, e vão no
processo de produção da existência, no plano de suas ideias, humanizando-a, fazendo história
e produzindo cultura.
Nesse ponto, objetivando maior compreensão do processo de humanização, tomamos as
afirmações de Ferreira (2017), com base em Marx, quando este coloca que “[...] o homem em
processo de hominização salta qualitativamente quando passa a realizar essa prática ou
produção como ação consciente (humanizada), orientada a finalidades, portanto, como
trabalho (grifo nosso), uma atividade prática num patamar superior [...]” (FERREIRA, 2017,
p. 250). Este seria, então, o salto ontológico necessário que ocorre “[...] na medida em que a
atuação criadora que o homem exerce na natureza é dirigida pela ideia que já foi capaz de
formar a respeito dela, dos objetos, forças e fenômenos que a compõem, a ideia aparece como
bem de produção” (ÁLVARO PINTO Álvaro Apud FERREIRA, 2017, p. 250-251).
Ao produzir os meios de satisfação de suas necessidades, e humanizarem-se, os homens
objetivam-se na transformação que operam na natureza, ou seja, imprimem uma marca (ideia,
finalidade) na atividade por eles realizada. “[...] Por sua vez, essa atividade humana objetivada
passa a ser também objeto de apropriação pelo ser humano, isto é, ele deve apropriar-se daquilo
que de humano ele criou [...]” (DUARTE, 2008, p. 25). Desse modo, “[...] tal apropriação gera
nele necessidades humanas de novo tipo, que exigem nova atividade, num processo sem fim”
(Ibidem). Newton Duarte, nesse sentido, argumenta que:
Duarte, assim, ratifica que essa nova significação do objeto não acontece de forma
arbitrária, primeiramente “[...] porque o homem precisa conhecer a natureza do objeto para
poder adequá-lo às suas finalidades [...]” (Ibidem), e para isso, precisa conhecer a lógica natural
do objeto para que este possa ser posto na “lógica” da atividade humana e transformado, e em
segundo lugar, “[...] porque um objeto só pode ser considerado um instrumento quando possui
uma função no interior da prática social [...]” (Ibidem, p. 26), mesmo que este objeto só seja
usado tempos depois da sua invenção, pelo fato de que no momento em que foi criado, ainda
não havia condições para que a prática social o incorporasse.
63
modo de sua atividade com a força de uma lei, como referido por Marx (2017, p. 256), em O
capital.
Na base dos processos de relações da prática social, determinando as formas de
interação com a natureza, está a atividade central da existência humana – o trabalho.
Historicamente, em todas as formas de sociedade, o trabalho é o elemento fundamental na
constituição do ser social. Assim sendo, o trabalho – ato de relação do homem com a natureza
e com os outros homens – se inscreve na história da humanidade por sua essencialidade
enquanto atividade vital de objetivação da produção material necessária à manutenção da vida
humana.
Contudo, tomar a categoria trabalho para efeito de análise, pressupõe apreender-lhe os
sentidos e significados no processo histórico, bem como, presumir que a sua análise deve
assentar-se numa base epistemológica cujos fundamentos filosóficos e sociológicos permitam
uma compreensão objetiva de suas determinações na totalidade da práxis humana social, pois
que, “o trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em
que o homem, por sua própria ação, medeia, regula, e controla seu metabolismo com a natureza.
[...]” (MARX, 2017, p. 255).
Isso significa, como se pode deduzir em Marx, que o trabalho possui uma essencialidade
para a existência humana, uma vez que Marx parte do pressuposto do trabalho por uma forma
que diz respeito unicamente ao homem. Constata-se, assim, pelo conceito dialético-crítico
construído por Marx, o sentido do trabalho como atividade elementar de toda objetividade da
práxis humana-social. Esse sentido, vai determinar, então, o caráter ontológico que tem o
trabalho:
mesmo num mundo criado por ele. (MARX, 1985, p. 112 apud SAVIANI e
DUARTE, 2015, p. 21).
Enquanto na metafísica, o ser é, e não pode não ser ao mesmo tempo, na dialética, o
ser é e não é ao mesmo tempo, porque constitui-se no movimento, na permanente
transformação. A concepção ontológica do ser social, presente na obra de Marx, mas
4
Definição da página Oxford Languages. Acesso em 22.10.2020.
67
[...] com o olhar arguto de um experto, ele selecionou a força de trabalho, e os meios
de produção adequados a seu negócio, seja ele a fiação, seja a fabricação de botas etc.
Nosso capitalista põe-se, então, a consumir a mercadoria por ele comprada, a força de
trabalho, isto é, faz com que o portador da força de trabalho, o trabalhador, consuma
os meios de produção mediante seu trabalho [...] (MARX, 2017, p. 262).
No processo de trabalho, o produto gerado pelo trabalhador deveria ser um valor de uso
seu particular, do qual pudesse usufruir, uma vez que despendeu tempo e esforço na
transformação da matéria-prima, objeto do seu trabalho. Porém, este valor de uso sofre o
controle do capitalista que faz o trabalhador produzir um valor de troca, gerando com isso, uma
“mais-valia”, isto é, um produto a ser consumido e que será convertido em lucro para o
comprador da força de trabalho.
Entender este processo, pressupõe uma compreensão das relações sociais sobre o regime
capitalista, o que permite em seus desdobramentos, entender a forma com que o capital se serve
do trabalho humano e a forma pela qual reproduz a divisão social do trabalho na sociedade de
classes.
Na obra A Dialética do Trabalho, Ricardo Antunes (2013), ao tratar a relação social na
produção capitalista, coloca que “[...] se, por um lado, podemos considerar o trabalho como um
momento fundante da vida humana, ponto de partida do processo de humanização, por outro, a
sociedade capitalista o transforma em trabalho assalariado, alienado, fetichizado [...]
(ANTUNES, 2013, p. 8). Antunes, aponta que o que era uma finalidade central do ser social é
convertido no capitalismo como meio de subsistência, pois, a “força de trabalho”, conceito-
chave em Marx, é transformada numa mercadoria, com a finalidade de criar novas mercadorias
e valorizar ainda mais o capital, convertendo, assim, o trabalho em um meio, e não em primeira
necessidade humana.
De acordo com ANTUNES (2013, p. 8), Marx vai afirmar, nos Manuscritos
econômico-filosóficos, que o trabalhador se declina a uma mercadoria, tornando-se um ser
estranho, se tornando por isso, “um meio da sua existência individual” (ANTUNES, 2013, p.
8). O que era para ser fonte de humanidade se transfigura em “desrealização do ser social”
(Ibidem), também, em alienação e estranhamento dos trabalhadores – homens e mulheres –
subjugados a venderem sua força de trabalho. “[...] E esse processo de alienação do trabalho
70
não se efetiva apenas na perda do objeto, no produto do trabalho, mas também no próprio ato
de produção, que é resultado da atividade produtiva já alienada [...]” (Ibidem).
No processo de alienação, submetido aos ditames do capitalismo, o trabalhador não se
realiza na atividade do trabalho, apenas se degrada, e não se reconhece, apenas se recusa e se
desumaniza:
[...] o trabalho é externo (äusserlich) ao trabalhador, isto é, não pertence ao seu ser,
que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, que não se sente
bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia física e espiritual livre, mas
mortifica sua physis e arruína o seu espírito. O trabalhador só se sente, por conseguinte
em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no
trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O
seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho
não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer
necessidades fora dele. Sua estranheza (Fremdheit) evidencia-se aqui [de forma] tão
pura que, tão logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como
de uma peste. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um
trabalho de auto sacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade
(Äusserlichkeit) do trabalho aparece para o trabalhador como se [o trabalho] não fosse
seu próprio, mas de um outro, como se [o trabalho] não lhe pertencesse, como se ele
no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um outro [...] (MARX, 2004, p. 82-
83).
71
Mediante o entendimento que Marx nos fornece a respeito do trabalho se tornar objeto
estranho ao seu produtor (trabalhador), constatamos que o processo da alienação, ou seja, da
percepção de exteriorização do trabalho, tem como epicentro a interferência do capitalista.
Marx (2017, p. 262), nos mostra que o capitalista, como comprador da força de trabalho,
incorpora o próprio trabalho, como um fermento vivo, tanto apossando-se deste como do seu
produto.
Esta usurpação do trabalho alheio pelo capitalista, se constitui, então, numa grande
contradição, tanto pelo fato do trabalho em seu processo advir essencialmente do trabalhador
como pelo fato do produto derivado do mesmo ser a objetivação do trabalho, e assim, não ter
em essência, nenhuma relação de dependência de labor do capitalista, o qual na maior parte das
vezes, só fornece os meios (instrumentos) de execução, porém, sempre se apossa do produto
gerado e da força de trabalho, subsumida a uma mercadoria comprada pelo capitalista.
É por esta razão que Manacorda (2017), referiu que em Marx, não se encontra boa
reputação para o trabalho, pois, que este é um termo historicamente determinado, indicando a
condição de atividade humana denominada de economia política – propriedade privada dos
meios de produção – como atividade subsumida pela divisão do trabalho, como trabalho
assalariado, produtor de capital, e, portanto, uma atividade que na propriedade privada converte
o trabalhador num ser unilateral e incompleto.
A subsunção do trabalhador pelo capitalista, é de forma tal, que no processo de
valorização do trabalho, didaticamente explicado por Marx em O capital (Tomo I), configura-
se metodologicamente a processualidade da apropriação do trabalho pelo capital. Marx, aponta
que: “o produto – a propriedade do capitalista – é um valor de uso, como o fio, as botas, etc...
Mas, apesar de as botas, por exemplo, constituírem, de certo modo, a base do progresso social
e nosso capitalista ser um “progressista” convicto, ele não as fabrica por si mesmo [...]”
(MARX, 2017, p. 263).
Na produção de mercadorias, como explica Marx, “[...] os valores de uso só são
produzidos porquê e na medida em que são o substrato material, os suportes do valor de troca
[...]” (Ibidem), ou seja, o capitalista quer produzir um artigo destinado à venda – uma
mercadoria – e esta mercadoria terá que possuir um valor maior que a soma das mercadorias
requeridas para sua produção, não deixando de considerar, também, o valor dos meios de
produção e da força de trabalho, uma vez que a pretensão do capitalista é “[...] produzir não só
um valor de uso, mas uma mercadoria; não só valor de uso, mas valor, e não só valor, mas
também mais-valor.” (Ibidem).
72
No cálculo do trabalho que foi objetivado no produto, de acordo com Marx, tanto o
valor da força de trabalho e a sua valorização no processo de trabalho, são tidas pelo capitalista
como duas grandezas distintas, com as quais se baseia quando compra a força de trabalho para
que obtenha o mais-valor sobre a mercadoria. E como resultado disso, Marx salienta que “[...]
o vendedor da força de trabalho, como vendedor de qualquer outra mercadoria, realiza seu valor
de troca e aliena seu valor de uso [...]” (MARX, 2017, p. 270).
Dessa forma, o valor de uso da força de trabalho, que é o próprio trabalho, deixa de
pertencer ao seu vendedor (trabalhador), do mesmo modo, que o valor de uso, também, não
pertence ao comerciante que vendeu a mercadoria produto do trabalho. O valor de uso, como
esclarece Marx, irá pertencer ao possuidor de dinheiro (capitalista), que pagou por uma jornada
da força de trabalho. Ao final de todo esse processo, a esperteza do capitalista, como dito por
Marx, teve o efeito que este almeja, pois, o dinheiro empregado na compra do valor de uso da
força de trabalho, isto é, do trabalho propriamente dito, se converteu em capital.
Esse movimento de conversão do dinheiro em capital é pormenorizado por Ricardo
Antunes, que o analisa a partir de O capital da seguinte forma:
Vê-se, então, a partir da compreensão desse processo de alienação do trabalho, que não
causa estranheza a forma com que o capitalista se apossa da força de trabalho e consegue através
disso, explorá-la, além de adquirir a riqueza da qual nada produziu. Marx e Engels, aliás, na
obra A Ideologia Alemã, antes mesmo de fazerem qualquer menção ao trabalho como produtor
da existência humana, tratam sobre as condições materiais de vida dos indivíduos, abordando
sob este aspecto que “[...] aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições
materiais da sua produção” (MARX e ENGELS, 2009, p. 250). Nesta abordagem, um dos
aspectos mais evidenciados das relações de produção, é a divisão do trabalho – processo de
determinação da propriedade privada.
Sobre a divisão do trabalho, Marx e Engels (2009), analisam as formas de propriedade
privada desde a fase mais tribal, passando para a fase comunal, em que várias tribos se reúnem
por meio de acordos, chegando na propriedade feudal. Porém, demonstra as contradições dessa
forma de organização das sociedades, a começar pela estratificação social de classes, e pelos
interesses de dominação dos indivíduos de classes mais abastadas, que subjugam os indivíduos
despossuídos da propriedade privada, sem contar nos indivíduos escravizados, que nem mesmo
recebem um salário mal pago pelo tanto que produzem, apenas servem obrigatoriamente seus
senhores, enriquecendo-os com o suor do trabalho.
É, portanto, por conta dessas contradições, que Manacorda (2017) se refere ao sentido
negativo do conceito de trabalho na obra de Marx. Nesse aspecto, Manacorda diz que este
sentido negativo vai se determinando pouco a pouco em Marx, e mais precisamente, como
trabalho assalariado, produtor de capital pela supressão da figura social particular, ou seja, a
figura do trabalhador, produto da história humana, o qual perde o caráter voluntário, consciente
e universal da sua atividade, com a qual domina os objetos naturais transformando-os em
valores de uso, mas que está em oposição com sua própria condição humana, “[...] na qual o
homem não domina, mas é dominado, não é indivíduo total, mas membro unilateral de uma
determinada esfera (classe etc.) e vive, em suma, no reino da necessidade, mas não ainda no da
liberdade” (MARX, 1958, p. 51 e 73 Apud MANACORDA, 2017, p. 60).
74
Podemos, então, verificar como declara Manacorda (2017), que a divisão do trabalho
na sociedade capitalista fragmentou o homem e a sociedade humana. Esta, porém, tem sido a
forma histórica na qual o trabalhador desenvolve sua atividade vital e a sua relação-domínio
sobre a natureza. Todavia, Manacorda (2017, p.61), explica que este tem sido um processo
contraditório frente ao capital, que é trabalho objetivo, contudo, como força estranhada e
alienada, a qual apenas empobrece o trabalhador, enquanto força criativa do seu trabalho,
passando a constituir-se frente a ele, como força do capital, quer dizer, como “potência
estranha”, e o trabalhador, assim, “se aliena do trabalho como força produtiva da riqueza”
(MANACORDA, 2017, p.61).
Nisso, temos um grande nexo de antinomia relacionada à riqueza produtiva do trabalho.
Manacorda (2017), em referência a isso, nos diz que “[...] todo aumento das forças produtivas,
enriquecem o capital e não o trabalho, acrescentam apenas o poder que domina o trabalho, e
daí decorre, como processo necessário, que suas próprias forças se coloquem perante os
trabalhadores como estranhas [...]” (Ibidem).
Para clarificar pouco mais a questão, recorremos mais uma vez às análises de Ferreira
(2017), quando este nos explica com base em Heller, de acordo com o pensamento de Marx,
que:
apenas com a miséria material gerada no processo. Fica instituída por essa forma, a alienação
do trabalho. O trabalho não é, então, nestes moldes, fonte de riqueza universal, potência natural
de satisfação de necessidades, é simplesmente fonte de estranhamento ao trabalhador, e com
isso, perde-se em essência.
Dada a forma do processo de alienação do trabalho na sociedade capitalista,
concordamos com Ferreira (2017), quando este nos mostra que:
braços, enfim, da corporalidade em toda sua constituição, impulsionada pela atividade mental
ou espiritual dos sujeitos.
Conquanto, a escola é um ambiente de sistematização do saber, e inicialmente, foi
pensada para atender a classe dominante, isto é, a burguesia, se constituindo enquanto luxo para
aqueles que precisam vender sua força de trabalho a fim de garantirem as formas de existência,
e por essa condição, imposta na sociedade classista, são destituídos de sua condição humana
em seu processo de humanização pelo trabalho. A escola para estes, serviria simplesmente
como aparato de manutenção da divisão.
Esta reflexão, impulsiona a pensar sobre o papel da escola e remete à concepção
histórico-social do processo de apropriação do conhecimento e do processo de formação dos
sujeitos, elementos estes intermediados pelo processo de trabalho, e que permitem apreender o
sentido mais amplo da definição de trabalho educativo, formulada por Dermeval Saviani:
Ao analisar este conceito de trabalho educativo construído por Saviani, Duarte (2008),
elabora a seguinte questão: “O que o trabalho educativo produz? ” (DUARTE, 2008, p. 34), à
qual dá a seguinte resposta analítica:
[...] Ele produz, nos indivíduos singulares, a humanidade, isto é, o trabalho educativo
alcança sua finalidade quando cada indivíduo singular se apropria da humanidade
produzida histórica e coletivamente, quando o indivíduo se apropria dos elementos
culturais necessários à sua formação como ser humano, necessários à sua
humanização. Portanto, a referência fundamental é justamente o quanto o gênero
humano conseguiu desenvolver-se ao longo do processo histórico de sua objetivação.
[...] (DUARTE, 2008, p. 34).
Para Duarte (2008), nesse conceito de trabalho educativo está formulada a necessidade
da identificação dos elementos culturais imprescindíveis para a humanização dos indivíduos,
que em primeiro lugar se posiciona em relação à cultura humana, mediante às objetivações
produzidas historicamente, o que requer, também, um posicionamento sobre a formação dos
indivíduos e sobre o que seja a sua humanização. Neste aspecto, a questão da historicidade,
segundo Duarte, se apresenta nos dois posicionamentos. Todavia, é importante que fique
entendido que “o processo de objetivação do ser humano ocorre na atividade”, como esclarecem
Saviani e Duarte (2015). “A forma básica e primeira de atividade humana é a transformação da
78
Porém, como a classe trabalhadora serve aos interesses do sistema capitalista a partir da
propriedade privada, aumentará sobre ela a pressão para que se adapte às exigências do mundo
atual e do mercado de trabalho, e assim, “desenvolva uma reorganização das competências e
habilidades, estabelecendo novas exigências, uma maior intelectualização do trabalho daqueles
que fazem parte do trabalho parcial, precarizado, temporário, subcontratado e terceirizado”
(ANTUNES, 1997, p.50), e:
Portanto, a tendência apontada por Marx – cuja efetivação plena supõe a ruptura em
relação à lógica do capital – deixa evidenciado que, enquanto perdurar o modo de
produção capitalista, não pode se concretizar a eliminação do trabalho como fonte
criadora de valor, mas, isto sim, uma mudança no interior do processo de trabalho,
que decorre do avanço científico e tecnológico e que se configura pelo peso crescente
da dimensão mais qualificada do trabalho. Pela intelectualização do trabalho social.
(Ibidem).
Vê-se, assim, que esta contradição “[...] - presente nas relações de trabalho - é a base e
o fundamento do processo de dominação e de valorização de um determinado “tipo” de trabalho
em detrimento de outro” (FREITAS, 1996), já que “[...] cada vez mais a ciência se divide e se
79
separa das massas, e mesmos dos ‘profissionais’ cada vez mais especializados em mutilados
eles mesmos [...]” (MARX & ENGELS Apud FREITAS, 1996, p. 42).
Pode-se concluir, assim, que na divisão social do trabalho na sociedade de classes, os
processos educacionais de formação escolar, são de igual forma, metabolizados pela ordem do
sistema de produção capitalista, e neste aspecto, voltaremos para o escopo daquilo que já
havíamos colocado em relação à prevalência das pedagogias hegemônicas, e que afetam todos
os processos e práticas educativas. Neste aspecto, como efeito da análise epistemológica e
sociológica empreendida, concordamos que o problema na crítica aos modelos dominantes,
situa-se segundo Frigotto (1995, p. 23), na luta pela dissolução do caráter de mercadoria que é
assumida pela força de trabalho no conjunto das relações sociais dentro do capitalismo e na
eliminação de fronteiras entre trabalho manual e intelectual. Esta luta se torna um desafio
imenso diante da interiorização no ambiente escolar do antagonismo desigual presente na
sociedade de classe e da apreensão das determinações e contradições que emergem desta
realidade.
Em suma, a compreensão dos fundamentos da ontologia do trabalho, confere aos
indivíduos a distinção entre aparência e essência diante do processo de alienação na sociedade
de classes, pois, para Marx, “toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação (a
aparência) e a essência das coisas coincidissem imediatamente” (Marx, 1974b, p. 939). Ele
adverte dessa forma, que no longo processo de desumanização e alienação humana em que o
trabalho é convertido em mercadoria, não se consegue perceber, em essência, as formas de
dominação e de subsunção ao modo de produção nos limites do sistema capitalista.
Desse modo, apresenta-se como necessidade premente uma profunda mudança do
quadro societário e dos processos de dominação do trabalho pelo capital para eliminação das
desigualdades e promoção de uma sociedade em escalas econômicas mais justas e equânimes
socialmente. A escola tem um papel ímpar na promoção dessa mudança. Adverte-se, porém,
que essa transformação só se dará pela conscientização coletiva dos homens em sociedade.
Assim, e de modo mais importante, a concepção do trabalho, em sua dimensão
ontológica, é fonte de compreensão da realidade objetiva e de produção do conhecimento,
permitindo ao homem no processo de objetivação da transformação da natureza, se reconhecer
enquanto ser histórico, que faz história, produz no conjunto das relações os meios de garantia
da existência, e assim, cria cultura, se educa e se transforma. Portanto, é na relação dialética
com a natureza que o homem, por sua capacidade de trabalho, vai construindo conhecimento,
estabelecendo relações sociais e produzindo sua humanidade. Esta é a dimensão com que o
trabalho, dialeticamente, se constitui enquanto um princípio educativo, em essência.
80
5
Conceitos analisados por Marx, no capítulo V da obra “O capital”.
81
do trabalho desenvolvido e pelo perfil de seus trabalhadores, os quais vão desde os mais
qualificados até aqueles sem a mínima escolarização. Essa conformação é determinada pela
ordem societária em vigor, a qual estabelece as relações econômicas e sociais do trabalho e a
categorização da ocupação dos trabalhadores agroindustriais.
Observando o conjunto dessas representações sociais, nos detivemos do mesmo modo,
a análise do trabalho desenvolvido nas agroindústrias diretamente acessadas pelos estagiários
do curso técnico em agroindústria do lócus da pesquisa, a partir dos elementos trazidos nos
relatórios de estágio. Essas agroindústrias, por se tratarem de empresas de médio e pequeno
porte, alcançam apenas um contingente de mercado local e regional do entrono de Governador
Mangabeira-BA, e detém, a julgar pelas características de mercado, uma economia própria da
estrutura mercadológica que apresentam. É importante destacar, também, que ao abordarmos
as nuances do trabalho dos locais de realização dos estágios, o fator de maior interesse à nossa
análise foi o de pensar concretamente, em termos do trabalho pedagógico, a relação entre ensino
e trabalho produtivo demonstrada na prática educativa desenvolvida pelos alunos/estagiários, o
que perpassa tanto o trabalho desenvolvido nos ambientes do estágio como o trabalho educativo
desenvolvido no ambiente da formação.
Entender, então, o trabalho agroindustrial em seus processos produtivos tem um caráter
crucial ao aprofundamento da análise a que nos propomos, sendo necessário para tanto,
dimensionar razoavelmente a sua natureza na totalidade social, uma vez que estamos tratando
da formação de potenciais futuros técnicos em agroindústria, cuja etapa de consolidação da
formação ocorre exatamente com a efetivação da prática educativa do estágio curricular. Sendo
assim, buscou-se explorar em determinada ordem a estruturação, o desenvolvimento e as
finalidades do trabalho agroindustrial em sua organização de âmbito mais geral,
destacadamente na sociedade brasileira.
Contudo, salienta-se que embora tivéssemos a necessidade de apresentar elementos
descritivos sobre o trabalho agroindustrial, nossa perspectiva fundamental não foi o de
pormenoriza-lo descritivamente, mas, sobretudo, analisá-lo enquanto uma atividade humano-
social, entendida do ponto de vista do trabalho em sentido ontológico, enquanto atividade de
manutenção da existência. Isto posto, e alinhados ao método histórico-dialético, discorreremos
sobre o trabalho agroindustrial apresentando dados de sua realidade aparente, e, por
conseguinte, enunciando-o nas contradições da realidade concreta objetiva, para assim,
objetivá-lo essencialmente como construção das ações de trabalhadores e trabalhadoras para
satisfação das necessidades no conjunto das relações humanas.
83
6
De acordo a Kosik (1976, p. 15), o mundo da pseudoconcreticidade pertence ao mundo dos fenômenos externos
desenvolvidos à superfície dos processos realmente essenciais; mundo da manipulação, ou seja, da práxis
fetichizada distante da práxis crítica revolucionária da humanidade; mundo das representações comuns de
projeções dos fenômenos externos na consciência dos homens; mundo dos objetos fixados, cuja impressão está
calcada na idealização de se tratar de condições naturais, não sendo imediatamente reconhecíveis como resultados
da atividade social dos homens.
84
Dada a essa lógica, torna-se necessário de início investigar o fenômeno, já que a essência
não é perceptível à primeira vista, uma vez que sua manifestação imediata é o fenômeno que
dela decorre, sem que este seja, ainda assim, a realidade concreta, ou seja, a essência em si. E
para se chegar à realidade, à essência da coisa, deve-se estudar o fenômeno, lhe decompor o
todo e conhecer a estrutura:
7
Informação baseada nos dados da Plataforma Oxford Linguagens do Google. Site:
https://languages.oup.com/google-dictionary-pt/ Acesso em 19.04.2021.
85
8
Informações colhidas do site: http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/do/p_do142_6.htm Acesso em 22.04.2021.
86
Esse entendimento é central para que se possa romper com as determinações históricas
da divisão social do trabalho pela superação da visão aparente e prático-utilitária que se tem
tanto do trabalho de modo geral como do trabalho agroindustrial, porquanto “a utilização da
força de trabalho é o próprio trabalho [...]” (MARX, 2017, p. 255), seja o trabalho realizado nos
setores da agroindústria ou em qualquer outro setor produtivo.
A visão prático-utilitária do trabalho agroindustrial em relação ao processo de
industrialização na transformação das matérias-primas, tem a ver com o que é explicitado por
Graziano da Silva (1998, p.1) com base nas ideias de Lenin sobre a divisão social do trabalho,
mediante o entendimento de que:
A exteriorização do trabalhador em seu produto significa tão somente que seu trabalho
se converte em um objeto, em uma existência exterior, mas que existe fora dele,
independente, estranho, que se converte em um poder independente frente a ele; que
a vida que emprestou ao objeto se lhe defronta como coisa estranha e hostil (MARX,
1985, p. 106, Apud SAVIANI e DUARTE, 2015, p. 24).
9
De acordo com informações do “Dicionário Financeiro”, “commodities” são mercadorias em estado bruto ou
de simples industrialização, negociadas em escala mundial. A comercialização é estabelecida no mercado
financeiro, com preços normalmente em dólar e que oscilam de acordo com a oferta e a demanda internacionais.
Em uma commodity existe pouca diferenciação entre a mesma mercadoria produzida por um produtor comparado
com outro. O petróleo, por exemplo, é a mesma mercadoria independente de qual empresa o extraiu. Informações
que constam do site: https://www.dicionariofinanceiro.com/commodities/. Acesso em 22.07.2020.
10
Do ponto de vista econômico capitalista, o termo designa em inglês a palavra agronegócio, representado pelo
mesmo conceito deste último.
89
capitalista segue controlando o processo e obtendo os lucros daquilo que foi produzido pelo
trabalhador, dado que “[...] a criação do conceito do agronegócio, como forma de gerar uma
moldura ideológica para a intensificação da industrialização da agricultura, ocorre em um
contexto determinado pela reprodução crítica do capital” (MENDONÇA, 2013, p. 7).
A reprodução crítica do capital aos moldes do agronegócio, é traduzida nos dados
apresentados pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA)11 que mostra
de maneira enfática que no ano de 2008 o Brasil se tornou um dos líderes mundiais do
agronegócio, tendo exportado para mais de 180 países. Na análise apresentada pelo CEPEA, o
agronegócio é reverenciado como o grande responsável pelo índice aproximado de 20% do
Produto Interno Bruto (PIB) gerados à economia brasileira no ano de 2016, e pelo crescimento
de 5,7% no volume de exportação no período que compreendeu os meses de janeiro a setembro
de 2017, com uma soma de valor de US$ 74 bilhões da produção. Esse índice sofreu uma
variação relativa para uma menor cotação nos meses de janeiro a março de 2020 com um PIB
em torno de 3,29%, o equivalente a R $55 bilhões de expansão da produção agroindustrial.
Vê-se, também, nos dados levantados pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), que os setores da agroindústria apontam para uma participação de
aproximadamente 5,9% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro12. O alcance deste percentual,
segundo o levantamento da EMBRAPA, se deve a uma maior integração do meio rural com a
economia de mercado, com desempenho para a pesquisa científica agropecuária na melhoria da
qualidade dos produtos, e nas soluções tecnológicas inovadoras de grande impacto ao setor
agroindustrial, a exemplo da utilização das modernas máquinas digitais automatizadas.
Tais dados, no entanto, refletem a reiterada dinâmica mercadológica ao modo de
reprodução hegemônica do capital, denunciando o impositivo fenomênico nos moldes do
agronegócio, que via de regra se esmera em obscurecer a via concreta pela qual foi possível
gerar índices econômicos tão expressivos. Nesses moldes, fica evidenciada a lógica da
economia capitalista que atribui a si mesma a riqueza que foi gerada na exploração da força de
trabalho, pois que, o produto do trabalho foi produzido unicamente pelo trabalhador, que não
obstante, se vê como um ser estranho àquilo que produziu no dispêndio de suas energias físicas
e espirituais, e que não poucas vezes, não tem a mínima condição de consumir aquilo que ele
mesmo produziu, evidenciando um processo de alienação tão crítico ao ponto do trabalho
11
Fonte: https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx Acesso em 18.05.2020.
12
Dados extraídos do site: www.embrapa.br/grandes-contribuicoes-para-a-agricultura-brasileira/agroindustria
Acesso em 18/05/2020.
90
13
Ver O Capital, III, Cap. XLVIII.
91
14
Ver https://agroemdia.com.br/2018/02/06/agricultura-de-precisao-e-digital-nano-genetica-e-mecatronica/ e,
https://www.voitto.com.br/blog/artigo/engenharia-mecatronica. Acesso em 15.01.2021.
15
Conceito bastante explorado na atualidade, atribuída à ideia do advento de uma Quarta Revolução Industrial,
com base no expressivo avanço científico e tecnológico aliado a produção industrial, que dentre outros
determinantes, introduz a inteligência artificial aos processos produtivos de automação engendrada pela tecnologia
computacional da informação.
16
Ver Jeremy Rifkin, apud Nogueira (2000), (Nota do autor).
92
[...] um agricultor primitivo que se valia somente de sua própria força de cultivo da
terra produzia dez vezes mais calorias do que as que consumia e assim podia alimentar
uma família de até sete pessoas. Com o invento da roda, arado e o uso de bois ou
cavalos, potencializa seu trabalho na produção de energia alimentar. Com dois cavalos
e cinco camponeses era possível produzir para alimentar duzentas pessoas. Mas, com
isso, começa a necessidade de industriar implementos agrícolas e também dispensar
trabalhadores no campo. Com o advento das mudanças tecnológicas da primeira,
segunda e terceira “revoluções industriais", poucos camponeses produzem para até 6
mil pessoas (FRIGOTTO, 2012, p. 68).
Frigotto salienta, com base nos dados que corresponderam aos anos de 2010, que o
levantamento de Rifkin, choca brutalmente diante da realidade em que mais de um bilhão de
seres humanos, dos 6 bilhões de habitantes do planeta naquele período, viviam em níveis
lamentáveis de subnutrição, e que no caso brasileiro “[...] o avanço do capitalismo no campo,
mediante a ampliação do latifúndio e do agronegócio, produziu 20 milhões de adultos, jovens
e crianças sem-terra [...]” (Ibidem), enfatizando ainda que, “[...] o outro lado da mesma medalha
é o crescente desemprego estrutural e a perda de direitos dos trabalhadores [...]” (Ibidem).
Desse modo, se formos fazer um levantamento atual iremos constatar que o número de
pessoas que vivem em condições de subalimentação ou que passam fome não diminuiu, e ao
contrário, até aumentou sob determinadas condições socioeconômicas, como é o caso da
realidade atual do Brasil em que os dados do IBGE do ano de 2020 apontam que mais de 19
milhões de brasileiros, incluindo crianças, vivem em situação de insegurança alimentar, melhor
dizendo, passam fome no país. De acordo com o IBGE a fome no Brasil atinge níveis alarmantes
especialmente no campo.
O capital, assim, no seu processo de mundialização, e de exploração exacerbada do
trabalho, tem resultado na concentração de riqueza cada vez maior dos grupos que dominam a
pirâmide do mercado financeiro, como o do agronegócio, assim como, tem se apropriando do
conhecimento científico e dos recursos tecnológicos produzidos, e segue no transcurso histórico
deformando as relações do trabalho social, gerando dia após dia condições bem mais
precarizadas de trabalho, com subemprego, com terceirização, e com muito desemprego, muita
fome e miséria, entre outros processos de desumanização.
Este processo de dominação e de sanha exploratória do capital no agronegócio, tem sido
muito intensificada no Brasil, ainda mais no processo histórico contemporâneo muito a partir
do ano de 2017, em que o país segue decaindo drasticamente em termos sociais, políticos e
econômicos, atingindo de modo extremado a classe trabalhadora, em especial os mais pobres,
que sofrem uma violenta política de recessão com perdas de direitos sociais fundamentais
93
conquistados em muitas décadas de lutas como direito ao emprego, à saúde, à educação pública
e aposentadoria digna, entre tantos outros gravames, além de, no tempo atual, estar sob risco
constante a própria vida humana e do biossistema de um modo geral pela degradação cada vez
maior dos recursos naturais, devido ao regime nóxio de extrema-direita que se apossou do
comando do país.
Feita a exposição acima do choque de realidade atual, cumpre retomarmos à referência
sobre a evolução científica-tecnológica na história, para melhor tratamento do processo de
automatização nas agroindústrias e indústria em geral. Marx, desde o século XVIII, já se
ocupava do advento dos processos de industrialização relacionada à inserção da maquinaria ao
processo de trabalho, quando analisou a transição do modo de produção feudal para o modo de
produção industrial, demonstrando os impactos dessa inserção à feição do trabalho e à classe
trabalhadora de modo geral, dada às contradições nas formas com que o capital toma para si o
trabalho e o conhecimento acumulado que culminou nas invenções tecnológicas do maquinário.
Sobre a introdução dos instrumentos maquínicos à produção, Marx, em O capital, dedica
todo um capítulo – Maquinaria e grande indústria. Marx inicia o caput, tratando sobre o
desenvolvimento da maquinaria com menção a um apontamento do filósofo e economista John
Stuart Mill, que em seus “Princípios da economia política”, diz que: “É questionável que todas
as invenções mecânicas já feitas tenham servido para aliviar a faina diária de algum ser
humano” (MILL, Apud MARX, 2017, p. 445). De fato, num primeiro plano, há que se
concordar com a observação de Mill. Marx, porém, analisando de forma mais acurada a questão,
esclarece a finalidade do uso da maquinaria no modo de produção capitalista:
sua vez não detém os meios da produção e troca sua força de trabalho por um salário, que não
condiz com o dispêndio de trabalho posto em atividade.
O trabalhador, nesse jogo, só gasta menos tempo para produzir a mercadoria, porém, a
produz em maior quantidade, na sobra de mais tempo de produção, simplificada pela
engrenagem das máquinas, e não na diminuição de tempo no dispêndio de suas forças, como
também não deixa de laborar com menor esforço intelectual ou corpóreo ao operar o
maquinário. Por isso, Marx tem razão em sua crítica, pois, nesse sistema, só o capitalista fica
com o mais-valor (lucro) daquilo é produzido pelo trabalhador.
Marx, reforça sua crítica sobre a finalidade do uso da maquinaria no capitalismo,
dizendo que: “na manufatura, o revolucionamento do modo de produção começa com a força
de trabalho; na grande indústria, com o meio de trabalho” (MARX, 2017, p. 445). Isto, por
elucubração, nos remete aos processos de implementação da automatização no trabalho tanto
nas médias quanto nas grandes agroindústrias. Em ambas, há que se dispor, tanto da força de
trabalho como da maquinaria como meios de produção. Assim, Marx assevera que a única
revolução feita pelas máquinas no sistema capitalista, foi a objetivação da geração de mais-
valor à propriedade privada.
É importante, atentarmos, que o uso da maquinaria no sistema capitalista de produção,
seja na indústria em geral como na agroindústria, não se traduz como forma de suprimir à
atividade do trabalhador sob nenhum aspecto, ao contrário, é uma forma de impulsionar ainda
mais a geração de mais-valor para o capitalista e subsumir ainda mais a força de trabalho. A
esse respeito Frigotto faz a seguinte crítica:
crise de representação política entre as entidades patronais rurais. Tal crise, como discorre a
autora, foi respaldada por políticas públicas de farta distribuição de créditos e subsídios estatais
concorrendo para a capitalização no campo e para a extrema especialização da produção
agroindustrial. Sua análise evidencia que do ponto de vista político institucional, tal
especialização, “ [...] resultou na emergência de um duplo processo de diferenciação intraclasse
dominante “agrária”, agudizando disputas entre as diversas agremiações do patronato”
(MENDONÇA, 2005, p. 2), gerada “[...] em torno da afirmação de um único porta-voz
“legítimo” do conjunto em claro contraste com a grande diversificação de seus negócios”
(Ibidem).
Mendonça esclarece que o motivo da contenda era a de assegurar a permanência ou
exclusão de representantes do “setor agrário” junto às agências da sociedade política ou Estado
restrito, pelo fato de que em face da nova “agricultura superespecializada”, tornava
extremamente difícil um consenso, “[...] ainda que a retórica de suas lideranças estivesse
centrada na construção de uma identidade empresarial dos grandes proprietários” (Ibidem).
Esse movimento atinge seu ponto máximo a partir dos anos 1960, com a política de
“modernização da agricultura” promovida pelo regime militar que começou a propagar de
forma explícita a ideologia do advento de latifundiárias com “agricultura moderna”, com
empresas e empresários rurais” e com uma “agricultura capitalista” para o Brasil, obtendo
assim, o respaldo de forças dominantes e deslocando as defesas do modelo tradicional para um
projeto desenvolvimentista de país em prol da “atividade empresarial no campo” e das “grandes
propriedades produtivas”.
Com isso, com a importância assumida na exportação de produtos agropecuários e
agroindustriais e o envolvimento nesse comércio do capital de diversos segmentos produtivos,
não somente do setor agrário, as contraposições de resistência dos grandes proprietários de terra
ao processo de modernização da agropecuária deslocou-se das defesas das tradições e da
propriedade para ceder lugar diante do vislumbre do que viria a ser a atividade industrial no
campo e especialmente das vantagens que poderiam ser obtidas pelos grandes conglomerados
produtivos em prol do propagado “desenvolvimento do país”.
Essa fase tem seu auge no início da década de 1990, segundo os apontamentos de
Graziano da Silva (2006). Nesse período, repercutiu uma maior adesão política ao conceito do
agronegócio em termos da nova análise de aumento econômico para o setor agropecuário, cujo
funcionamento deveria se dar de forma integrada ao conjunto de unidades agrícolas, como uma
tônica estabelecida dentro desse conceito que já havia fincado ramificações para uma gestão
especializada na agricultura e para expansão e dimensionamento mais qualificado dos padrões
97
de exportação para atender o mais que possível as exigências do mercado externo e aumentar
as negociações em maior número desse mercado.
Entretanto, mesmo com o apogeu da expansão da agroindustrialização brasileira nos
anos de 1990, vários estudos apontam que o processo de modernização na agricultura começou
a firmar-se no Brasil, desde o período que compreende o fim dos anos 1950, como afirma Sorj
(1980), pois já havia nesse período uma quebra dos mecanismos de integração da agricultura
para o padrão de acumulação industrial, que em termos políticos e econômicos, ocasionou na
reorganização das atividades agrícolas, induzida pelos clamores à modernas práticas de
industrialização dos insumos agrários. Segundo o autor, esta reorganização, impulsionada pela
intervenção do Estado e pelos interesses de grupos hegemônicos, orientaram tanto a nova
dinamização da produção agrícola quanto a renovação das estruturas de dominação do campo
agrário, cujo rumo não estava predeterminado, uma vez que foram as forças sociais do conjunto
da sociedade e, mais precisamente, do campo, que reorientaram o sentido e as formas de
integração da agricultura ao nível de produção industrializada.
Essa reorientação ocorreu, segundo Walter Belik (1992), de forma contrária à integração
agricultura-indústria que se fazia tendo como base capitais agrários ou mercantis do início do
Século XX. A nova proposta de integração decorre, então, da Política Agroindustrial que foi
adotada, e que determinou de fato uma reorientação em sentido inverso, ou seja, da indústria
para a agricultura, não se constituindo em um mero prolongamento da atividade rural, e sim
num movimento no qual era a indústria que orientava os padrões e a forma de produção na
agricultura, modificando drasticamente o circuito campo/cidade, e não ao contrário, como
antes. Walter Belik, observa que “[...] com essa nova agroindústria apoiada nas exportações e
nos hábitos de consumo urbano, massifica-se a sua produção e oligopoliza-se o seu
crescimento” (BELIK, 1992, p. 198).
Assim, desde o início de sua expansão, foram ocorrendo mudanças significativas no
direcionamento dos processos da agroindustrialização no Brasil. Conforme nos esclarece
Graziano da Silva (1991), nos anos de 1980 e início das décadas seguintes, diversos estudiosos
das questões agrárias já passavam a substituir a expressão “agricultura moderna” ou
"agropecuária”, por “agroindústria”, e segundo ele, foi a partir dessa nova conotação que
começou a aparecer a figura dos CAI (Complexos Agroindustriais), como uma marca para o
desenvolvimento das atividades agropecuárias no processo de integração entre agricultura-
indústria por “duas pontas”, sendo, a dos insumos e a dos produtos na relação de
“industrialização da agricultura”, expressão formulada por Kautsky ([1899] 1986), e Graziano
da Silva (1995).
98
Belik, vai ainda mais além em relação ao processo histórico das agroindústrias no Brasil.
Ele defende que a primeira atividade agroindustrial conhecida no Brasil remonta ao início da
colonização pela fabricação de melaço e de rapadura para exportação, a partir do processamento
nos engenhos de cana-de-açúcar. O estudioso esclarece que, “[...] após o declínio da atividade
canavieira agroexportadora, o processamento agroindustrial vai ressurgir apenas dois séculos
depois, na fase da industrialização brasileira do Século XIX” (BELIK, 1992, p. 30), e que “ [...]
ao final desse século, o Brasil já contava com um importante parque têxtil, além de outras
atividades, como o processamento de gorduras animais, fabricação de alimentos básicos,
bebidas etc.” (Ibidem, p.31), fatos que suscitaram a afirmação de que “[...] a presença do
processamento agroindustrial é, no mínimo, secular no Brasil” (Ibidem).
Desse modo, evidencia-se toda uma trajetória histórica da atividade agroindustrial no
Brasil, remontando aos primórdios da fase de colonização. Do período colonial à fase de
expansão e até a conjuntura atual, ocorreram mudanças profundas tanto em sentido positivo
como de forma contrária. O que era antes objetivado para atender demandas de excedentes
locais da produção agrícola, passou a ser direcionada para os setores de exportação,
modificando após isso, toda a dinâmica e estrutura da produção em termos da relação
campo/cidade. Sorj (1980) diz que no processo de reorganização da produção agrícola, o que
era direcionado especialmente para a exportação, passa a ser direcionado para o mercado
interno, no começo como simples expressão da crise do setor exportador e depois como
expressão da expansão e demanda do setor urbano-industrial.
Assim, o autor sinaliza que “[...] ao nível da produção agrícola, este processo
determinou uma crescente monetarização, mercantilização e especialização da pequena
produção e do latifúndio tradicional orientados para o mercado interno” (SORJ, 1980, p. 11), e
com isso, aumentando a oferta de excedentes e a expansão das áreas cultivadas, o que não exigiu
de início grandes modificações em relação aos instrumentos utilizados para produção. Essas
modificações só começaram a acontecer com o advento das grandes inovações científicas e
99
O quadro em síntese trazido por Sorj, dá uma dimensão do panorama conjuntural que
envolve a atividade agroindustrial em suas relações sociais e econômicas e assinalam, portanto,
o processo histórico de reestruturação das relações de produção que marcaram a expansão do
trabalho agrícola tradicional para a transformação industrial na agroindústria. Ademais, chama
a atenção para a questão da apropriação de sobretrabalho no modo de produção capitalista, em
que a extensionalidade do trabalho junto às máquinas agrícolas não constitui em nenhum valor
para o trabalhador, mas sim, em meios de exploração do trabalho e de mais-valia para o
capitalista.
17
O trabalho desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa “As Metamorfoses do Mundo do Trabalho” (Unicamp/CNPq),
de que Ricardo Antunes é líder-organizador, tem gerado uma série de produções acadêmicas que reúne livros,
100
conjunto de produções científicas, cujo teor vem sendo socializados em diversas fontes de
publicação, dentre as quais encontram-se significativas análises sobre a configuração do
trabalho agroindustrial no Brasil, imersas no escopo de uma nova morfologia do trabalho em
escala global, com destaques para a intensificação da produção capitalista no agronegócio.
Uma das pesquisas, trata sobre a agroindústria canavieira, e foi realizada em uma usina
açucareira na região de Campinas, interior de São Paulo18. A pesquisa mostrou que em 2010 a
usina possuía um total aproximado de mil assalariados fixados no trabalho do corte de cana-de-
açúcar, cuja produção é elemento central da fabricação do etanol. O salário dos trabalhadores e
trabalhadoras da usina, está atrelado à quantidade de cana colhida por dia, a depender da maior
ou menor produção realizada, acarretando numa expressiva intensificação do trabalho, o que
beneficia substancialmente os empresários, uma vez que o aumento da produção interessa
também aos trabalhadores que querem receber pouco mais, e para isso, laboram em ritmo mais
acelerado. Decorre daí um processo de exploração acentuada do trabalho no setor
sucroalcooleiro, no qual os trabalhadores são bem mais controlados e disciplinados em suas
atividades, tendo o salário por produção, um método utilizado desde antes da década de 1970.
A pesquisa aponta outro elemento que configura a superexploração do trabalho na
agroindústria: a forma do cálculo do trabalho que foi produzido. Não são os trabalhadores que
contabilizam o que conseguiram produzir. Esta aferição fica a cargo dos funcionários efetivos
da empresa, ocasionando drasticamente na burlagem e na redução do valor total da produção.
Os relatos dos trabalhadores e trabalhadoras entrevistados na pesquisa, trazem histórias de
mutilações, adoecimentos e envelhecimento precoce, oriundos do afã de sobreporem ao limite
de suas forças maior quantidade de serviço e produtividade que lhes permita ganhar um pouco
mais de dinheiro, sacrificando para isso, até mesmo o intervalo limitado para refeição e possível
descanso.
Bernardo Sorj (1980), explica que a baixa remuneração do trabalhador rural, deve ser
entendida a partir do processo histórico de conformação da agricultura em que o domínio do
latifúndio permitiu a imposição de baixos salários. Aqui no Brasil, essa realidade foi
artigos, e diversos ensaios científicos que se encontram enfeixados em obras como “Riqueza e miséria do trabalho
no Brasil” e o “O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital”, assim como em diversas
outras fontes, retratam, entre outros setores produtivos, os processos do trabalho na agroindústria, em áreas
distintas do setor, dentro dos limites do capitalismo contemporâneo.
18
Esta pesquisa foi apresentada por Juliana Guanaes, tendo sido realizada na Usina Açucareira Ester S.A.,
localizada na região de Campinas, interior de São Paulo, e é parte integrante do projeto do Grupo de Pesquisa “As
Metamorfoses do mundo do trabalho” (Unicamp/CNPq), sendo publicada com o título “Quanto mais se corta, mais
se ganha”, na obra organizada por Ricardo Antunes, Riquezas e miséria do trabalho no Brasil (2013), v. 2, cit.,
com elaboração final do resumo, a partir do texto original da pesquisadora, feita por Ricardo Antunes.
101
A cana deve ser abraçada e cortada o rés do chão para facilitar a rebrota. Esta atividade
exige total curvatura do corpo. Após o corte, a cana é lançada nas leiras (montes);
antes devem ser aparados os ponteiros, cujo teor de sacarose é pouco, não
compensando o transporte para a moagem [...]. As condições de trabalho são marcadas
pela altíssima intensidade de produtividade exigida [...]. Entretanto, apesar dos
critérios científicos e técnicos terem aperfeiçoado as variedades de cana – cada vez
19
Ver a pesquisa intitulada “A nova morfologia do trabalho nos canaviais paulistas'', cuja autora é Maria
Aparecida de Morais Silva, e que é parte integrante da obra “Riqueza e miséria do trabalho no Brasil” (2013).
102
mais visando ao aumento do teor de sacarose –, as canas não possuem o mesmo peso
nem se encontram da mesma forma no momento do corte. Há canas deitadas, em pé,
trançadas, as quais exigem diferentes esforços dos trabalhadores [...]. Para o corte usa-
se, [...] o gancho, um instrumento de madeira, feito pelos próprios trabalhadores,
auxilia os movimentos com as pernas para alinhar a cana para o corte dos ponteiros,
[...]. Este instrumento ameniza as dores nos braços e nas costas e evita o agravamento
das dores nas pernas. Outra forma de resistência produzida no eito é a troca de cabos
do podão pelo próprio trabalhador. As usinas, na busca do aumento desenfreado de
lucros, fornecem podões com cabos menores, a fim de diminuir os custos com os
instrumentos de trabalho. Esta medida exige maior curvatura do corpo no momento
do corte, mais um agravante do sofrimento no trabalho. Para contrapor a isso, alguns
trabalhadores trocam os cabos menores por maiores. Por outro lado, algumas usinas
exigem a cana amontoada e não enleirada (em leiras), para facilitar a ação dos
guinchos no momento da recolha e depósito nos caminhões. Todas essas imposições
não são contabilizadas nos cálculos dos técnicos, [...]. A cana é pesada na usina,
portanto, o controle dessa operação escapa ao trabalhador [...]. A principal
característica do trabalho é de ser extenuante, pois exige um dispêndio de força e
energia que, muitas vezes, o trabalhador não possui, tendo em vista o fato de serem
extremamente pobres, senão doentes e subnutridos, além de serem submetidos a uma
disciplina rígida, cujo controle não incide apenas sobre o tempo de trabalho, como
também sobre os movimentos do corpo e o grau de competição estabelecido entre os
cortadores. Quanto mais competitivos, mais rápidos serão os golpes do podão, capazes
de lhes darem o título de “podão de ouro”. [...] (SILVA, 2013, p. 285-286).
consideradas mais caprichosas nos cuidados e atenção nos processos que se operam no plantio
da cana, fato que não torna menos degradante as condições de trabalho feminino nos canaviais,
incluindo a essa árdua tarefa, os cuidados com as famílias na manutenção e limpeza geral da
casa, na lavagem de roupas, na preparação da comida e etc., tarefas que precisam estar prontas
de madrugada, muito antes de iniciarem a lida no plantio ou no corte da cana, ou depois do
exaustivo e fatigante dia de trabalho, quando chegam à noite nas humildes casas reservadas
pelas próprias empresas para que os manterem sempre disponíveis e em controle absoluto.
Em relação aos desdobramentos advindos dos processos do corte da cana, buscamos
explorar por iniciativa própria, a título de exemplificação da continuidade do ciclo produtivo
dos canaviais até o processo de industrialização, sobre a conversão da cana-de-açúcar em
etanol20. A transformação da cana em etanol, apresenta graus de muita complexidade técnica-
científica e pela forma depreendida, dá a impressão de tratar-se de um processo inteiramente
executado pela maquinaria de automação. Porém, trata-se de um processo integralmente
regulado pelos trabalhadores técnicos, exigindo-lhes níveis de acuidade, conhecimento, atenção
redobrada e presteza na operacionalização do maquinário, de modo que é necessário que se
revezem em turnos contínuos, uma vez que o processo de produção é realizado de forma
ininterrupta 24 horas por dia, gerando aos empresários do ramo somas consideráveis de capital,
tanto no mercado interno quanto no mercado de exportação, que no início de janeiro de 2021
conferiu uma soma 2,67 bilhões de litros21 de consumo do produto.
Outro setor de destaque da agroindústria brasileira, é o da produção avícola 22. Os dados
de pesquisa realizada numa das maiores empresas produtoras mundiais de carne de frango e
derivados, em sua unidade em Toledo, estado do Paraná, mostram que a empresa empregava
aproximadamente 6.500 funcionários, funcionando em regime contínuo de trabalho, com turnos
de trabalho de 8h48m por dia para cada trabalhador, e uma hora para almoço e “descanso”. Foi
demonstrado que a organização do trabalho no setor avícola é predominantemente
taylorista/fordista, e se dá através de uma esteira fixa que conduz o produto a ser desossado. O
ritmo do trabalho varia numa média de movimentos realizados para desossar uma perna de
frango (coxa mais sobrecoxa) entre 18 movimentos realizados em 15 segundos. As condições
20
Ver: Processos de fabricação do etanol | novaCana.com Acesso em 21.01.2021.
21
Informação do site: https://www.novacana.com/n/etanol/mercado/exportacao/2-67-bilhoes-litros-brasil-
exportou-maior-volume-etanol-sete-anos-120121 Acesso em 16.05.2021.
22
Ver o artigo de autoria de Ricardo Antunes, Desenhando a nova morfologia do trabalho no Brasil, estudos
avançados 28 (81), 2014.
104
23
Ver “A Organização do Trabalho no Século 20: Taylorismo, fordismo e toyotismo, de Augusto Vieira Pinto,
2007.
24
Pesquisa realizada por Claudia Mazzei Nogueira, que consta da obra Riqueza e miséria do trabalho no Brasil,
organizada por Ricardo Antunes (2013).
105
especial, remédios e assistência técnica, e os integrados cuidam das aves até o momento do
abate. Assim, a agroindústria não necessita gerar espaços de criação e produção da matéria-
prima, mas conserva o monopólio de exploração e controle dos trabalhadores familiares, como
demonstra Nogueira (2013).
Para a autora, “[...] o trabalho no "sistema de integração” pode tanto preservar uma
modalidade típica de produção familiar quanto basear-se numa forma específica de
subordinação desse trabalho ao capital. Exemplo disso é o salário por peça” (Marx, 2013 apud
NOGUEIRA, 2013, p. 304). Ou seja, este é m tipo de trabalho claramente distinto da atividade
laborativa típica da pequena propriedade de subsistência familiar, com o agravante da ausência
de direitos trabalhistas, pelo fato de que são “ [...] fisicamente distanciados do controle e da
exploração direta deles – trabalhadores proprietários, que se pensam livres e parceiros das
agroindústrias" (JESUS, 2010, p. 36, Apud NOGUEIRA, 2013, p. 305).
agroindústria. O autor explica que embora ocorresse muitas vezes a dependência aos grandes
comerciantes e processadores industriais, os pequenos produtores capitalizados organizaram-se
em cooperativas, limitando a extração de excedentes pela agroindústria e gerando, assim, suas
próprias plantas industriais e esquemas de comercialização.
Neste ponto, fazendo uma analogia com os processos de produção realizados nos locais
dos estágios de que se ocupa nossa pesquisa, numa aproximação empírica vimos que nestes
estabelecimentos – dentre os esquemas de comercialização mais presentes estão a produção de
panificação e derivados; de sorvetes e derivados; de doces em geral e de bebidas lácteas como
iogurtes – muitos poucos utilizam alguma matéria-prima primária para produção daquilo que
comercializam. Isto mostra a dependência com as empresas que possuem maior capital. Fica
claro, mais uma vez, a predominância dos monopólios das agroindústrias de maior porte, pela
contradição em relação à composição orgânica do grande capital, o que mostra que não existe
total independência entre capitais, ainda mais quando se trata das empresas de menor porte
econômico.
Diante disso, vê-se de forma cada vez proeminente – ainda mais na atual conjuntura
social, dada a didática do agronegócio – o processo de penetração crescente do capital na base
do processo da pequena produção agrícola, o qual determina uma interdependência e
diferenciação marcadamente característica dos diferentes tipos de empresas agroindustriais.
Esta penetração constante demonstra a subordinação da agricultura ao complexo agroindustrial
já que grande parte dos latifúndios, como esclarece Sorj (1980), se transformam em modernas
empresas capitalistas, diferenciando-se dos antigos latifúndios tradicionais assentados na
exploração da renda do pequeno produtor.
Com isso, a pequena produção ou é marginalizada ou se integra ao complexo
agroindustrial, gerando uma camada de pequenos produtores capitalizados. E gerando, ao
mesmo tempo, um processo de “proletarização” da pequena produção, como adverte Graziano
da Silva (1980), pois que o conceito de proletarização deve ser interpretado em seu sentido
amplo como o processo de subordinação direta do trabalho ao capital e não simplesmente como
a expropriação completa do camponês dos seus meios de produção.
Nota-se, assim, a hegemonia que o capital exerce em sua forma de gerir o trabalho
agroindustrial, e por suas formas de reprodução no contexto do agronegócio, tem levado a efeito
a lógica de subordinação da pequena agroindústria de produção capitalizada que reduz o
pequeno produtor à condição de trabalhador disfarçado, como também, a subordinação da
agricultura à indústria, como declara Kautsky (1970), com controle do processo de produção e
107
mesmo na exploração do trabalhador agrícola um tanto quanto capitalizado, que por sua vez
passa a explorar o trabalhador proletariado.
Kautsky (1970), em seu livro A Questão Agrária, analisou minuciosamente a evolução
da agricultura capitalista na Europa. A ideia central da teoria de Kautsky é a de que os pequenos
camponeses estavam em processo de extinção, fosse pela supremacia tecnológica dos grandes
agricultores capitalistas, ou pelo inexorável processo de integração agricultura-indústria. Ele
argumenta que uma agricultura socialista seria capaz de eliminar a propriedade privada da terra,
pois, ao contrário, o domínio dos grandes monopólios só fomentaria as relações capitalistas no
campo.
As análises de Kautsky evidenciaram que os agricultores não tinham condições de se
reproduzirem socialmente, nem pelas vias da agricultura capitalista, nem mesmo na hipótese de
uma agricultura socialista, e explica as razões dessa sua tese no sentido de que na agricultura
capitalista os agricultores seriam extinguidos pela supremacia econômica e tecnológica dos
grandes produtores e, na agricultura socialista, se tornariam aquilo que considerava como uma
classe superior, pois que a posse da terra não poderia ser privada, o que os obrigaria a tornarem-
se proletários urbanos.
A posse da terra se destaca como uma das categorias de análise dentro do marxismo,
por tratar-se de uma questão decorrente das relações sociais de desigualdade dentro da
sociedade de classes, associada ao monopólio da propriedade privada e do processo de má
distribuição da terra dentro do capitalismo. Disso depreende-se que as atividades de produção
agrícola e agroindustrial, dependem fundamentalmente do uso da terra enquanto gérmen do
processo de produção na geração de matérias-primas que serão transformadas na indústria em
mercadorias para valorização e acúmulo de capital no sistema latifundiário de produção. Mas
antes de entrarmos no mérito da apropriação da terra no capitalismo, faremos a exposição do
sentido dado por Marx à questão da terra enquanto objeto universal do trabalho humano.
Marx (2017, p. 256), em O capital, mostra que a terra (que inclui, do ponto de vista
econômico, também, a água) preexiste independentemente da ação do homem, se apresentando
como “objeto universal do trabalho humano”, “fonte originária de provisões”, e de “meios de
subsistência”, assim como com todas as outras coisas em conexão imediata com a totalidade da
terra, como por exemplo, os peixes, a madeira, o minério e etc., constituem-se como objetos de
108
trabalho provenientes da natureza, sendo os seus recursos na forma natural. Marx, também
explica que quando o objeto de trabalho é filtrado por um trabalho anterior, este passa a ser uma
matéria-prima, que será transformada posteriormente por um meio de trabalho25.
A terra, um objeto cuja existência não depende da ação do homem, provém tudo aquilo
que é necessário à sua subsistência, porém, importante que se diga, pela ação do trabalho,
servindo também de um meio (instrumento) para esta ação. Marx é enfático nessa afirmação,
explicando que “os momentos simples do processo de trabalho são, em primeiro lugar, a
atividade orientada a um fim, ou o trabalho propriamente dito; em segundo lugar, seu objeto e,
em terceiro, seus meios” (MARX, 2017, p. 256), nesse fundamento, tem-se na terra um
componente elementar ao processo do trabalho humano desde os tempos mais remotos da
história da humanidade.
O processo de trabalho, em Marx, numa conceituação ontológica, ocorre inicialmente
por um fim determinado, na relação entre homem e natureza. Nesse sentido, a natureza,
ontologicamente, como depreendemos em Marx, é o elemento essencial de mediação do homem
com tudo que existe, inclusive elemento de relação da prática social com outros homens. A terra
e tudo que a compõe enquanto recurso natural, é parte constitutiva dessa relação, sendo para o
homem o seu objeto universal de trabalho, na constatação assertiva de Marx.
Desse modo, Marx (2017, p. 257), expõe que a terra é o objeto natural, do qual o homem
se apodera imediatamente – “desconsiderando-se os meios de subsistência encontrados prontos
na natureza, como as frutas, por exemplo, em cuja coleta seus órgãos corporais servem como
únicos meios de trabalho” (Ibid.) – não constituída apenas como objeto de trabalho, uma vez
que ela pode ser convertida, pela força motriz do homem, em meio de trabalho, servindo de
órgão à sua atividade, à que ele acrescenta à atividade de seus próprios órgãos corporais.
Em vista disso, Marx (Ibidem), explica que do mesmo modo como a terra é para o
homem seu “armazém original de meios de subsistência”, é também, seu arsenal originário de
meios de trabalho, pois, lhe fornece, por exemplo, a pedra, para que ele a arremesse, ou a use
para moer, cortar, comprimir, entre outras coisas. Com isso, Marx previne para o fato de que
“[...]a própria terra é um meio de trabalho, mas que pressupõe, para servir como tal a agricultura,
de toda uma série de outros meios de trabalho, assim como, de um grau relativamente alto de
desenvolvimento da força de trabalho [...]” (MARX, 2017, p. 257).
25
“O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador interpõe entre si e o objeto do
trabalho e que lhe serve de guia de sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades mecânicas, físicas
e químicas das coisas para fazê-las atuar sobre outras coisas, de acordo com o seu propósito” (MARX, 2017, p.
256).
109
26
Ver Marx, O capital, Cap. 5, pág. 257.
110
Desse modo, vê-se no processo histórico da divisão de classes – mesmo com toda
resistência legitimada pelos movimentos sociais na luta pelo direito à terra – a hegemonia das
relações de desigualdades sociais, nas quais a propriedade da terra sempre foi garantida à classe
dominante tanto em termos de extensão territorial como de exploração dos recursos naturais e
do trabalhador. Nesse processo, em relação às atividades do agronegócio, a apropriação da terra
na propriedade privada representa as vantagens de acúmulo de capital. O latifúndio, nesse
aspecto, evoluiu da extração primária dos recursos da terra para a introdução do conceito do
agronegócio, movido pela modernização dos processos de produção que vão do manejo da terra
até a indústria, intensificando as formas tanto da exploração das capacidades físicas e mentais
dos trabalhadores como da exploração muitas vezes impróprias dos recursos naturais do meio
ambiente.
Neste quesito, merece um destaque mesmo que a título de breve comentário, a menção
à utilização inapropriada dos recursos naturais pelo agronegócio, em seu modo usual de se
apossar da terra e de tudo que dela provém – o que caberia uma análise mais aprofundada dada
a gravidade da problemática, mas que extrapolaria o foco principal da pesquisa – dada à
exploração indevida, até mesmo em áreas de proteção ambiental dos órgãos competentes, os
quais, muitas vezes, ou por falta de políticas de controle de preservação ou por conta do
sucateamento dos recursos de monitoramento e de força de trabalho suficientes, não conseguem
impedir nem responsabilizar as irregularidades praticadas contra o meio ambiente.
Dentre vários dos efeitos nefastos da apropriação indébita da terra podemos citar: o
desmatamento e as queimadas ilegais dos biomas naturais; a poluição e degradação dos rios e
mares; o uso indiscriminado de agrotóxicos sem critérios mínimos de biossegurança; o manejo
inadequado de animais; o uso de camadas de terra sem preocupação com a integridade do solo;
a contaminação por substâncias tóxicas lançadas no ambiente natural; entre tantos outros
fatores, que interferem diretamente na qualidade de vida e sobrevivência dos seres humanos e
das espécies da fauna e da flora.
Toda essa problemática, inegavelmente, está atrelada à sanha gananciosa da geração do
mais-valor na incongruência da apropriação da terra e dos seus recursos. O que se observa
muitas vezes nessas situações é uma ação sistêmica, condizente com os interesses capitalistas
de produtividade e lucratividade, não importando a afetação destrutiva ao ambiente natural – é
importante registar que isto tem sido uma tônica corriqueira na história atual do país, decorrente
de um projeto deliberado de valorização indébita das atividades do agronegócio com a chancela
da gestão do governo federal, o que tem agravado em proporções nunca imagináveis a
destruição dos ecossistemas naturais, causando sérias consequências à sociedade tanto à nível
111
local como global – ficando demonstrado o cumprimento efetivo de políticas de controle e até
mesmo a negligência com a preservação ambiental para manutenção da biodiversidade.
As questões relacionadas à apropriação da terra dentro do capitalismo, são também
questões que interferem extremadamente nas relações de produção que se baseiam na
agricultura familiar e na luta por direito à terra de movimentos sociais como o do MST, que
tem em seu cerne a pauta de conscientização política e social, e assim, vem adotando já a algum
tempo da história do movimento, formas de produção com base no conceito da agroecologia
para um manejo adequado dos recursos naturais e de uma melhor qualidade de vida, por um
processo de trabalho que se baseia na produção agrícola familiar e na produção agroindustrial,
pelos conceitos produtivos colaborativos familiares e da pedagogia da alternância nas escolas
mantidas pelo movimento. Com essa ressalva, passaremos a discorrer pouco mais sobre estas
modalidades de produção que tem pertinência com o trabalho agroindustrial.
de alguns elementos que possam delimitar a extensão dessa vertente que abarca em seu conjunto
o trabalho agroindustrial.
O processo de desenvolvimento das atividades produtivas do campesinato, empreendido
pelos trabalhadores rurais, ensejou discussões sobre os modos de produção na agricultura
familiar, as quais sempre se voltaram para a permanência ou não dessa atividade, dada à
intensificação das relações capitalistas no campo. Historicamente, essas discussões giram em
torno da problemática sobre quais são os impactos socioeconômicos da agricultura familiar,
sobretudo, enquanto uma alternativa de desenvolvimento das atividades agrícolas e de
subsistência do homem do campo, em meio ao contexto de acentuada reprodução social do
sistema de mercantilização da produção no capitalismo.
De acordo com Schneider (1999), os debates sobre agricultura familiar ganharam
projeção nacional no final dos anos 1980 e, principalmente, na metade da década de 1990 a
partir do sindicalismo rural ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT e da luta
empenhada por movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST), num processo de efervescência desses movimentos que produziram, inclusive, diversas
manifestações políticas, como o caso dos eventos anuais intitulados “Grito da Terra”. O teor
dos debates se concentravam nos aspectos conjunturais sobre a natureza das relações de
produção no campo e das ações sociais dos agricultores rurais à reforma agrária, e serviram de
elementos para as análises teóricas sobre o caráter de organização e funcionamento da atividade
agrícola familiar.
A temática da agricultura familiar a partir do final dos anos 1990, segundo Schneider
(2003), ganhou legitimidade social, política e acadêmica no Brasil, especialmente pelos
estudiosos das Ciências Sociais que se ocupam da agricultura e do mundo rural, e também,
pelos movimentos sociais rurais e órgãos governamentais. O autor coloca que a afirmação da
agricultura familiar no cenário social e político brasileiro tem relação com a validação que o
Estado lhe emprestou ao criar, em 1996, o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar).
O Pronaf, foi formulado como resposta às pressões do movimento sindical rural no
início dos anos de 1990, “e nasceu com a finalidade de prover crédito agrícola e apoio
institucional às categorias de pequenos produtores rurais que vinham sendo alijados das
políticas públicas ao longo da década de 1980 e encontravam sérias dificuldades de se manter
na atividade” (SCHNEIDER, 2003, p. 100). O surgimento do Pronaf, ensejou ao sindicalismo
rural brasileiro, sobretudo aquele localizado nas regiões Sul e Nordeste, reforçar a defesa de
propostas que vislumbrassem o compromisso cada vez mais sólido do Estado com uma
113
exploração da produção agrícola familiar é vista de forma acrítica numa sociedade de tradição
fundiária pautada na percepção do grande latifúndio de propriedade privada.
Assim, no âmbito da agricultura familiar é muito comum a produção para o
autoconsumo, já que a comercialização do que é produzido ocorre geralmente a partir de algum
excedente para fins de geração de alguma renda monetária, ficando excluídos do processo de
produção como todo, principalmente devido à dificuldade para agregar para si o valor total do
que é produzido. As análises críticas mostram que os agricultores familiares que comercializam
regularmente o que produzem estão quase sempre submetidos às cadeias produtivas dominadas
pelas grandes agroindústrias.
Por outro lado, é importante destacar que muitos estudos demonstram que parte
significativa da produção agroindustrial aparentemente caracterizada como familiar, quando
analisada mais profundamente, se mostra bastante diferenciada internamente. Loureiro (1984,
p. 33), pondera que há entre os produtores familiares, aqueles que podem ser definidos como
pequenos ou até médios capitalistas, cujo processo de produção lhes permite realizar a
reprodução ampliada de capital, a nível monetário, na apropriação de máquinas e equipamentos
agrícolas modernos, assim como controlando o processo de produção pelo trabalho assalariado.
Dessa forma, o resultado do processo produtivo de mercadorias mal permite sua reprodução
física e social, colocando os agricultores familiares em um nítido processo de proletarização,
isto é, vendem sua força de trabalho em troca de salário.
As colocações acima, mostram que existem aspectos bem distintos na configuração do
trabalho da agricultura familiar no Brasil, relacionados às formas de atuação no processo de
produção predominantes no pequeno capital e no grande capital monopolista. Estas distinções
envolvem características completamente contraditórias na condução da atividade produtiva
agrícola, nos setores da agroindústria, na comercialização e no financiamento de recursos para
o desenvolvimento dessas atividades. As contradições, nesse aspecto, se evidenciam por vários
motivos, e uma das que chamam mais atenção se refere à posse da terra. O capital fundiário
detém enormes extensões de terra, muitas vezes mantidas praticamente inexploradas,
funcionando apenas como fundo de reserva de valor da propriedade privada, uma vez que se
conservam na improdutividade, como demonstrado por Loureiro (1984).
Contrapondo-se a esse processo histórico de subordinação ao sistema latifundiário de
dominação capitalista, no que concerne às atividades agrícolas familiares, trava-se a luta
constante por reforma agrária e pela promoção de cadeias produtivas de agroindustrialização
no âmbito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com intuito de fomentar
desdobramentos a um projeto de sustentabilidade para fortalecimento das atividades familiares
115
27
A política de retrocessos implantada desde a ascensão ao poder da extrema direita no Brasil, a partir do ano de
2019, tem paralisado várias políticas públicas voltadas à minorar as desigualdades sociais e oferecer melhor
condição de vida e sobrevivência de vários segmentos sociais, como dos quilombolas, indígenas, sem-terra, sem
teto, entre outros e do proletariado de modo geral, que historicamente sempre estiveram à margem do
reconhecimento dos direitos econômicos, políticos e sociais e da legitimidade de sua condição humana. A retirada
de direitos e a paralisação de ações governamentais da política de reforma agrária e ambiental, conquistados num
processo de lutas históricas pelo Movimento dos Sem Terra (MST), podem ser conferidas nas denúncias elencadas
no site do próprio movimento, onde encontram-se listadas 32 ações de políticas reacionárias por parte do atual
governo: https://mst.org.br/2020/01/02/os-retrocessos-do-governo-na-politica-agraria-agricola-e-ambiental-por-
stedile/ . Acesso em 28.03.2021.
116
irrestrita da política estatal da Reforma Agrária sob jurisdição do INCRA (Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária), culminando na ausência da desapropriação de terras, na
retirada de vários programas e políticas públicas anteriormente empreendidos, e além disso,
resistir às várias investidas de eliminação e criminalização, o que tem inviabilizado por
completo a política de reforma agrária e em consequência, a política de fortalecimento da
atividade agroindustrial nos assentamentos.
Este cenário retrocede às problemáticas históricas um tanto quanto já revistas noutros
momentos em torno da questão agrária no Brasil, regredindo a um processo de extrema
desigualdade e pobreza no meio rural em contraste com os condicionantes da concentração
fundiária da classe burguesa. É frente a esses contrastes e retrocessos sociais que atuam
movimentos como o MST, em defesa da eliminação do monopólio e da distribuição desigual
de terras, processo este que segundo Coggiola (2007), remonta ao período da colonização
brasileira quando se formaram os grandes latifúndios, cuja origem se deu na divisão das
capitanias hereditárias e no processo de escravidão de indígenas e a posteriori dos negros
africanos, povos estes obrigados à lide da derrubada das matas para abertura de grandes
extensões de terras para o plantio das lavouras de cana-de-açúcar e café, o que promovia riqueza
e acumulação de bens e de terras para os senhores do patronato – exímios capitalistas, cujos
modus operandi são retroalimentados na sociedade brasileira até os dias atuais.
Este processo, de acordo com Coggiola (2007), demarcou a instauração latifundiária
sendo o principal objetivo a valorização de suas terras e a especulação imobiliária, ficando a
produção agrícola em segundo plano. O sistema colonial de distribuição de terras responsável
pela formação do latifúndio não favoreceu a pequena propriedade, e muito menos, aos
agricultores familiares assentados. Isto deve ser compreendido a partir das particularidades dos
processos sociais vividos ao longo da história do Brasil, enfatizando-se que a agricultura
familiar sempre ocupou um lugar secundário e subalterno na sociedade brasileira, se
constituindo historicamente como um setor impossibilitado de desenvolver suas
potencialidades, pois nas determinações do modelo capitalista de sociedade, a grande
propriedade sempre se impôs como dominante.
Na contramão desse processo de dominação, a resistência praticada pelos trabalhadores
rurais associados, incentivada por um ideal de cooperação entre si, é um meio ou instrumento
de transformação das condições de vida desses trabalhadores que se sobrepõem às dificuldades,
num exercício constante de superação para que consigam sobreviver e atuar com certa
capacidade produtiva num mercado de exploração do trabalho, enfrentando constantes embates
117
para ter direito a lotes de terra conquistados com muita luta e trabalhada com muito suor e
dispêndio das forças físicas e mentais.
Assim, desse modo, o trabalho agroindustrial realizado nos assentamentos da reforma
agrária é desenvolvido com o objetivo de agregar valor à produção agrícola cultivada, no
sentido de obterem um domínio maior daquilo que plantam e colhem, visando um grau de
subsistência e permanência de seus trabalhadores/agricultores familiares, e ainda, pensando na
manutenção de uma cadeia produtiva mais solidária em seus diferentes elos grupais através do
estabelecimento de relações sem estímulos à competitividade entre si.
Outra questão de suma importância diz respeito à apropriação do conceito agroecologia
como bandeira na luta pela reforma agrária defendida pelo MST, como evidenciam Borsatto e
Carmo (2013). Estes estudiosos colocam que o MST, nas últimas décadas, vem reelaborando
sua práxis e modificando radicalmente o seu modelo de produção do viés produtivista aderindo
de forma cada vez mais patente à visão agroecológica, passando a incorporar no seu ideário
conceitos como o do resgate da agricultura camponesa, livre de insumos e manejos que
comprometam a sustentabilidade ambiental e agrícola e vem orientando desde os anos 1990, os
agricultores assentados a adotarem as diretrizes da agroecologia. A inserção do MST em
questões relacionadas à sustentabilidade pode ser verificada desde o seu primeiro congresso
nacional realizado em 1985, ainda que, de forma um tanto tímida no início das discussões,
conseguiu demonstrar uma inclinação favorável aos temas de preservação ambiental.
Para abordarem a adoção do conceito agroecológico, Borsatto e Carmo (2013)
enfatizam inicialmente que as ideias de Marx, Kautsky e Lênin, são os principais aportes
teóricos que vêm influenciando as ações do MST desde a constituição do movimento, servindo
de base à elaboração de suas propostas para a organização dos assentamentos rurais. Os autores
ponderam que esta observação se faz necessária para ajudar a contextualizar os princípios
norteadores do movimento. Isto posto, expõem em primeiro plano, críticas convergentes dos
três pensadores sobre a produção no campesinato, nas quais evidenciam a inferioridade na
agricultura camponesa em relação à agricultura tecnificada de larga escala, uma vez que
enxergavam no campesinato um grupo social a ser conduzido pelo proletariado, porquanto
defendiam “que uma agricultura socialista deveria ser realizada em grandes explorações
agrícolas, especializadas e altamente mecanizadas “ (BORSATTO e CARMO, 2013, p. 648).
Conforme observam Borsatto e Carmo (2013, p. 653), o MST em seu início,
preconizava um modelo de assentamento rural inspirado nas ideias de Lênin e Kautsky, isto é,
altamente produtivos, especializados, integrados verticalmente e coletivizados. Mas a partir da
metade da década de 1990, passa a difundir uma proposta com relevância às dimensões sociais,
118
28
A teoria de organização do campo, segundo Borsatto e Carmo (2013, p. 654), foi elaborada por Clodomiro
Santos de Morais, um sociólogo e militante comunista, para estimular o cooperativismo, numa vertente de caráter
estritamente coletivista e caracterizava -se por ser altamente impositiva, forçando um modelo organizacional, para
o qual o MST organizou diversos cursos de formação para os assentados. Esta teoria se baseava na superioridade
do proletariado de Marx, Kautsky e Lênin, mas desqualificava o chamado comportamento ideológico camponês
que era caracterizado como isolacionista, individualista e personalista; comportamento que deveria ser eliminado
(BRENNEISEN, 2002 Apud BORSATTO e CARMO, 2013).
119
campesinato como autonomia e autossuficiência, além disso, por possuir visão maniqueísta, ser
homogeneizadora, desprezar as peculiaridades regionais de cada território, não considerar a
heterogeneidade das histórias de vida presentes em cada assentamento, por ser alienador, entre
outras disparidades (BERGAMASCO e CARMO, 1991; BRENNEISEN, 2002; FABRINI,
2002; NAVARRO, 2002; BERGAMASCO e NORDER, 2003; BORGES, 2010a Apud
BORSATTO e CARMO, 2013).
Por uma série de outros motivos, como a produção de commodities para o mercado que
indicava a dependência dos oligopólios agroindustriais em relação aos preços auferidos por sua
produção, impediram que a maioria da base social do MST aderisse ao projeto desenhado por
Morais, objetivando que o MST revisse totalmente tal modelo e optasse por sua falência,
passando a considerar a necessidade da busca de novos aportes teóricos em que, enfaticamente,
pudesse estabelecer novas práticas para continuar o seu trabalho (BORSATTO e CARMO,
2013), posto que o cooperativismo permaneceria como sendo um dos eixos principais nos
debates do Movimento, porém, direcionado a partir de então, de forma mais flexível e
democrática, com consideração e valorização das especificidades locais.
A importância das ações de cooperação impulsionaram autores como Eid; Addor;
Chiariello; Laricchia e Kawakami (2015), a defenderem que a modalidade de cooperação
praticada serve ao processo de formalização das cooperativas como um importante passo para
se atingir um objetivo que é considerado pelos cooperados como uma etapa fundamental na
busca de financiamentos para se obter a agroindústria e ter acesso ao Programa de Aquisição
de Alimentos (PAA) 29 e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) 30, o que
contribui para a manutenção da produção e renda do assentamento com a venda de produtos in
natura e agroindustrializados para a alimentação escolar no ensino básico.
Assim, nos meados dos anos 1990, novas discussões e avaliações foram necessárias e
culminaram na elaboração de novas orientações políticas, ensejando o debate sobre
Agroecologia, ainda que de forma incipiente, já que não se tinha muita clareza sobre a
significação dessa abordagem. Mas o fato é que as discussões sobre a implementação desse
conceito começaram a ganhar relevância nos espaços internos do Movimento (BARCELLOS,
2010; BORGES 2010b, Apud BORSATTO e CARMO, 2013).
29
Ver https://www.conab.gov.br/images/arquivos/agricultura_familiar/Cartilha_PAA.pdf. Acesso em
13.05.2021.
30
Ver https://www.fnde.gov.br/programas/pnae. Acesso em 13.05.2021.
120
31
A Agroecologia parte de um pressuposto epistemológico que constitui uma ruptura com os paradigmas
convencionais da ciência oficial. [...] Frente ao discurso científico tradicional aplicado à agricultura, que propicia
o isolamento dos demais fatores circundantes, a agroecologia reivindica a necessária unidade das diferentes
ciências naturais entre si e destas com as ciências sociais para que se possa compreender a interconexão dos
processos ecológicos, econômicos e sociais” (Molina Navarro, 1994 p. 7 Apud Costa Neto e Canavesi,).
121
32
Informações sobre a produção com base na sustentabilidade ambiental podem ser encontrados nos sites:
https://agroecologia.org.br/2019/01/25/35-coisas-que-voce-precisa-saber-sobre-o-mst/,
https://mst.org.br/tag/produtos-organicos/. Acesso em 15.04.2021.
33
“O Desenvolvimento Participativo de Tecnologias (DPT; inglês: Participatory Technology Development - PTD)
é uma interação de profissionais externos (facilitadores) e a população rural. É um conceito mais abrangente para
inovações, que apresenta um método para o ciclo completo de um projeto. Pontos de partida são: - a percepção de
que o saber local é diferente do conhecimento científico formal; - a consideração de que as prioridades dos
agricultores e dos externos (pesquisadores e extensionistas) podem divergir significativamente; - o reconhecimento
de que as instituições da pesquisa formal e do desenvolvimento têm capacidade limitada para desenvolver uma
multiplicidade de adaptações de tecnologia a contextos específicos para a ampla diversidade das condições dos
agricultores pobres, em termos de recursos no mundo inteiro, ou até em um país só. A contribuição mais importante
do DTD é o desenvolvimento de um método para a experimentação conjunta de agricultores e externos
(pesquisadores e extensionistas), quer dizer, para a geração de um "terceiro conhecimento". Enfatiza a importância
do saber local,16 antes compreendido como um produto que podia ser transportado e não como parte integral de
processos sociais. A compreensão do fato de que inovações podem se originar de diferentes fontes e que estas
podem ser também os agricultores, teve como consequência o reconhecimento da existência, da importância e do
122
assentamentos, como observam Costa Neto e Canavesi (2003), destacando-se, muitas vezes, a
operacionalidade e adoção de tecnologias desenvolvidas por pesquisadores que abraçam a causa
de alternativas sustentáveis e de menor preço comparado ao custo do mercado.
Um projeto de formação agroecológica e de educação ambiental pressupõe à
responsabilidade social de se discutir com os assentados as bases desse novo modelo
tecnológico, e isso não deve se constituir como um dever puramente dos organizadores do
Movimento, e dessa forma, é necessária a conscientização de que “[...] cabe ao Estado o dever
de investir em pesquisas públicas com o objetivo de conduzir à transformação da matriz
tecnológica nos assentamentos [...]”(COSTA NETO e CANAVESI, 2003, p. 211), para “[...]
uma autonomia cada vez maior dos trabalhadores rurais em relação aos insumos produzidos
pelas grandes empresas agroindustriais” (Ibidem, p. 212).
Diante do enunciado sobre a responsabilidade por parte do Estado na construção de
projetos com abertura para a Agroecologia junto aos assentamentos, queremos chamar a
atenção para o papel das instituições de educação que o representam, no sentido de promover
uma maior abertura e incentivos para projetos com viés agroecológico e desenvolvimento
agrário participativo nos cursos da educação profissional técnica de nível médio, como o curso
técnico em agroindústria e afins. Esta ação iria favorecer a construção de projetos pedagógicos
com um modelo tecnológico propício a práticas socioeducativas ecologicamente sustentáveis,
implementados de forma integrada e participativa. Ademais, essa é uma possibilidade que
poderia ser viabilizada pela iniciativa e parceria das instituições de ensino, realizada
conjuntamente e de modo especial, com agricultores familiares junto a suas organizações. Esta
iniciativa encontra ressonância num pensamento preconizado por Sevilla Guzmán (1999) , pois
que:
Assim, queremos salientar que esta será uma reflexão da qual propomos como um dos
elementos constitutivos do documento base para uma reconceptualização da prática educativa
potencial dos experimentos realizados pelo agricultor”, como explicam Heribert Schmitz e Dalva Maria da Mota,
no artigo Métodos Participativos e Agricultura Familiar, publicado na revista Cadernos de Estudos Sociais, 2004.
123
do estágio num curso técnico em agroindústria, que comporá o trabalho de pesquisa por nós
desenvolvido. Nossa intenção, neste sentido, é contribuir para a consolidação de um projeto
alicerçado na politecnia e na omnilateralidade para o curso técnico em agroindústria para que
possa ser priorizada a realização da prática educativa dos estágios curriculares no ambiente das
cooperativas e associações da agricultura familiar, até porque boa parte dos alunos do curso
residem no meio rural e vivenciam a realidade do trabalho nesses ambientes, sendo alguns deles,
filhos de agricultores familiares.
Cabe destacar, tomando o enfoque da agricultura familiar, que não se encontrou relatos
de experiências de estágio vivenciadas em ambientes do trabalho agroindustrial que reportasse
à essa vertente da produção no curso em agroindústria pesquisado, considerando o fato de que
no território de identidade do Recôncavo da Bahia, que é a região na qual está situado o Campus
do IFbaiano de Governador Mangabeira, existe bem próximas uma quantidade expressiva de
associações de agricultores e agricultoras familiares, como o caso da Associação Comunitária
do Brinco (Abrinco) localizada em Maragogipe-BA, que produzem, entre outras coisas, batata
doce, aipim e inhame à vácuo, a massa de aipim processada, a goma de tapioca para beiju, a
tapioca granulada, e a farinha de mandioca, sem agrotóxicos, obtendo uma produção de 20
toneladas por mês com expansão na comercialização de seus produtos para várias redes de
mercados dos municípios adjacentes e para a capital baiana, formada em sua maioria por um
contingente de 70% de mulheres e jovens e beneficiária do Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), em parceria com o Governo do Estado, tendo recebido o selo de Identificação
da Participação da Agricultura Familiar da Bahia – SIPAF.
Além da Abrinco, outras associações da agricultura familiar do entorno do Campus de
Governador Mangabeira, também, têm se destacado na economia agrícola do Estado, como é o
caso da Associação de Desenvolvimento Rural de Jenipapo, do município de São Felipe-BA,
que está à frente da Casa de Beiju, criada pela associação, a qual transforma a mandioca que
seus agricultores associados plantam, colhem, descascam, e ralam em aproximadamente 40
quilos de beiju por mês, sem agrotóxicos, vendendo seus produtos, as Joias do Forno, nos
municípios vizinhos, nas feiras da região e para os Programas Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE) e de Aquisição de Alimentos (PAA), e para a Associação de Mulheres Regional
Empreendedora da Agricultura Familiar (AME), da comunidade Engenho de São João em Cruz
das Almas-BA, as quais produziram 2.500 quilos de biscoitos de goma ao mês no ano de 2019,
estando previsto o aumento dessa produção pela equipagem com uma cozinha industrial,
através do incentivo do Projeto Bahia Produtiva mantido pelo Governo do Estado da Bahia, por
124
uma mercadoria para geração da mais valia, em troca de um salário que não paga a força
dispendida e o tempo empregado na produção.
A usurpação do trabalho alheio pelo capitalista se constitui numa grande contradição,
tanto pelo fato do trabalho, em seu processo, advir essencialmente do trabalhador, como pelo
fato do produto derivado do mesmo, ser a objetivação do trabalho, e assim, não ter em essência
nenhuma relação de dependência de labor pelo capitalista, o qual na maior parte das vezes, só
fornece os meios (instrumentos) de execução, mas, porém, sempre se apossando da força de
trabalho e do produto gerado, subsumida a uma mercadoria comprada pelo capitalista. Esta
mesma configuração, dado ao modus operandi do capital, permeia as relações entre capitalista
e trabalhador na produção da atividade do trabalho agroindustrial, especialmente quando
ocorreu a transição da atividade no campo ou meio rural para o processo de transformação das
matérias-primas agrícolas ou agropecuárias pela indústria.
Esse processo foi estudado por pesquisadores como Graziano da Silva (1998), que se
ocupa em analisar o processo histórico que determinou a passagem da agricultura brasileira do
chamado “complexo rural” para a dinâmica dos “complexos agroindustriais ou CAIs”, com
intensificação da divisão do trabalho e das trocas intersetoriais” na “especialização da produção
agrícola e na “substituição das exportações pelo consumo produtivo interno como elemento
central da alocação dos recursos produtivos no setor agropecuário” (GRAZIANO DA SILVA,
1998, p.1).
Evidenciou-se em relação ao trabalho agroindustrial, a ideação fenomênica de que se
tem na correlação imediata da atividade agrícola com os processos de industrialização. Essa
evidência se complexifica em virtude da ideologia muito própria do contexto de divisão social
do trabalho, que desconstrói o entendimento de que na base da industrialização nas
agroindústrias está a atividade de trabalhadores e trabalhadoras como uma prática essencial à
execução dos processos produtivos, sem a qual a transformação das matérias-primas não se
realizaria por si só. Desta forma, na sociedade de classes, o trabalho é subsumido a uma
condição estranha na separação dessa atividade ao próprio homem como força de trabalho em
potência. Essas determinações explicitam muito a forma pela qual ocorre a dualidade estrutural
entre trabalho manual e trabalho intelectual no meio educacional.
Assim, então, a dinâmica de exteriorização e estranhamento do trabalho agroindustrial,
se tornou ainda mais complexificada através da introdução no sistema produtivo agropecuário
do conceito do agronegócio, como uma tendência que emergiu da tônica da “agropecuária
moderna, baseada em commodities, intimamente ligada às agroindústrias” (GRAZIANO DA
SILVA, 2002, p. 19), com forte implementação dos recursos de automação à produção rural,
129
Por meio destes importantes esclarecimentos trazidos por Saviani (1989), com base em
Marx, passamos a discernir sobre a centralidade do trabalho enquanto princípio fundamental de
produção da existência humana, assim como, passamos a compreender as contradições a que é
subsumido o trabalho na divisão social da realidade concreta objetiva nas sucessivas fases da
história da humanidade e também, a compreensão que sucede à relação entre trabalho e
educação, dado que a escola incorpora a subsunção da divisão social do trabalho, o que
ocasiona, por extensionalidade, nas dualidades estruturais do conjunto das práticas pedagógicas
educacionais ao longo do processo da escolarização na sociedade de classes.
Assim, desse modo, o entendimento do conjunto de relações entre trabalho e educação,
requer a compreensão da organização do trabalho na sociedade. Por isso, dado os limites da
pesquisa empreendida, torna-se, então, necessária a apreensão de uma base categorial que dê
conta de responder conceitualmente a problemática da desarticulação entre ensino e trabalho
produtivo e da cisão entre concepção e execução identificada na prática educativa do estágio
curricular no curso técnico em agroindústria, desde quando esta prática é pensada pela
articulação do ensino profissional tecnológico com o mundo do trabalho agroindustrial, logo,
entendida como prática educativa social.
Portanto, as categorias trabalho como princípio educativo, práxis, politecnia,
omnilateralidade, são categorias tomadas como essenciais à articulação entre ensino e trabalho
produtivo, concepção e execução, e compõem o quadro analítico com base teórica-
metodológica na dialética crítica, no sentido de darmos um tratamento adequado à proposta de
práxis educativa para o objeto da prática educativa do estágio curricular, e como efeito, para o
processo pedagógico da formação sócio técnica tanto pensando o curso técnico plano de nossa
análise como para oferecer campo de discussão para a prática educativa do estágio curricular
desenvolvida no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica como um todo.
Dessa forma, podemos considerar de antemão que a problemática da desarticulação
entre ensino e trabalho produtivo e da cisão entre concepção e execução na prática educativa
do estágio curricular é uma contradição desencadeada já desde o processo de formação, e que
na causa dessa problemática temos as determinações que emergem da divisão social e técnica
do trabalho na sociedade capitalista. Como, assim, é de fato, a questão que se impõe, embora
complexa, precisa ser entendida do ponto de vista da relação dialética entre trabalho e educação,
e acima de tudo, necessita ser discutida e incorporada na tentativa de “superar os limites
herdados do enfoque restrito à formação profissional para o desenvolvimento econômico, à
132
Frigotto (Ibidem, p. 16), tece a crítica de que a interiorização de trabalho, apenas como
coisa, como objeto, comanda as políticas educacionais tanto na dimensão de sociedade política
como de sociedade civil, e assim, o modo dominante de apreender e orientar na prática a relação
trabalho e educação, mesmo nos quadros progressistas, apresenta-se por três dimensões:
primeiro, uma dimensão moralizante, em que trabalho manual e intelectual aparecem como
igualmente dignos, formadores de caráter e cidadania; segundo, uma dimensão pedagógica, na
qual o trabalho aparece como laboratório de experimentação em que se aprende fazendo; e por
fim, uma dimensão social e econômica, em que a educação é auto financiada pelos filhos dos
trabalhadores
Trata-se, assim, portanto, “de uma concepção que exclui toda a possível identificação
ou redução à tese marxiana de união do ensino e do trabalho produtivo” (Ibidem). Entendemos
que isto se estenda a todas as práticas pedagógicas, e por essa razão, empreendemos este estudo
na tentativa de propiciar uma compreensão dialética à dinâmica objetiva da prática educativa
do estágio, como uma prática de suma importância à consolidação da formação sócio técnica,
sem contudo, ter a pretensão de oferecer uma fórmula de solução imediatista, já que,
concordando com o pensamento de Kuenzer (2009), não se pode precisar por uma
transformação abrupta da sociedade, e da sua realidade concreta, mas oferecer campo para
reflexões e proposições de melhorias aos processos e práticas sócio educacionais.
Desse modo, ao tomarmos a referência conceitual da relação trabalho-educação,
legitimamos a discussão de questões que historicamente afetam o campo educacional em geral,
particularmente da Educação Profissional e Tecnológica, aqui expressa notadamente em relação
às questões dualísticas que dizem respeito à prática educativa do estágio no curso técnico em
agroindústria, das quais conjecturamos, diante das determinações que se impõem à educação
dos filhos da classe trabalhadora dentro da lógica hegemônica da sociedade do capital, cujos
impactos atingem fortemente todo âmbito da produção intelectual e social em nossa sociedade,
ou seja, o âmbito do trabalho escolar e do trabalho produtivo em geral.
Considerando essas determinações, parte-se do pressuposto da objetivação de
proposições favoráveis à indissociabilidade da relação dialética entre trabalho e educação como
resposta pedagógica aos modelos neoliberais reproduzidos historicamente no campo das
práticas educacionais e em contestação às condições de desumanização a que são reduzidos os
trabalhadores e trabalhadoras, num processo histórico de exploração e de subsunção ao capital.
Nesse sentido, a análise deste estudo toma como base a concepção do trabalho como princípio
134
34
O conceito de “reificação”, segundo encontra-se no Dicionário do Pensamento Marxista, Bottomore (1983),
encontra maior sentido na interpretação de Lukács a partir de Marx. A análise de Marx sobre a reificação assenta-
se no fenômeno da alienação e do fetichismo da mercadoria. Pode-se afirmar que diante da universalização da
mercadoria como objetivação social, passa-se por uma incubação de alienação na fetichização da mercadoria como
um fenômeno característico da sociedade capitalista de uma forma que penetra em todas as esferas da vida e
influencia as relações sociais, por tratar-se em ato de transformação das propriedades, relações e ações humanas
em propriedades, relações de ações e coisas produzidas pelo homem, tornando-o semelhante a coisas num processo
radical e generalizado de alienação característica da moderna sociedade capitalista, um processo de “coisificação”
do próprio homem, de suas relações e ações.
135
exercício destas funções não se restringe ao caráter produtivo, mas abrange todas as
dimensões comportamentais, ideológicas e normativas que lhe são próprias,
elaborando a escola sua proposta pedagógica com base em demandas sociais
(KUENZER e GRABOWSKI, 2006, p. 299-300).
Pode-se concluir, com isso, que a educação dirigida à classe trabalhadora, assenta-se no
próprio processo de objetivação do trabalho no chão da fábrica, e serve à base capitalista de
produção intelectual, na elaboração de teorias para formar utilitariamente ou unilateralmente
mão de obra para produzir riqueza e ser controlada pelos dirigentes.
137
Estas ponderações tecidas por Gramsci, demonstram que a abertura do acesso à escola
aos trabalhadores no século XIX, tinha seus reais motivos nas novas relações sociais de
expansão da produção no uso das máquinas industriais que possibilitasse a aprendizagem de
ofícios com os quais a classe dos dirigentes não se ocuparia. Isso denuncia uma diferenciação
na suposta democratização do ensino entre a classe trabalhadora e a burguesia, posto que à
classe trabalhadora, acostumada com o serviço exaustivo da operação repetitiva na produção
138
das fábricas, seria necessário somente aprimorar o uso prático das engrenagens fabris, sem que
necessitasse dispor de saberes além do nível prático imediato para que pudessem usar mais a
cabeça, e ter ideias sublimes, tidas próprias da aristocracia.
A escola, para a classe dos assalariados, não precisaria oferecer conhecimentos que
oportunizassem aos trabalhadores pensamentos mais elaborados, já que para as funções que
desempenhariam não seria necessário agir com racionalidade, uma vez que não alcançariam as
posições de gerência. A classe operária estaria, assim, impedida de governar suas próprias
vidas, não disporia de maior tempo livre ao lazer e ao descanso, que dirá assumir postos mais
elevados na escala societária tradicional, pois, que isto, não seria condizente à imposta
substância de subalternidade a que estariam submetidos. Qual seria, então, o sentido de uma
escola formativa para os trabalhadores, já que não teriam que aprender mais do que a fabricação
em série de peças do mesmo tipo, sem que tivessem necessariamente que conhecer o todo do
processo e muito menos, os princípios gerais que os geraram, a não ser apenas a sua execução
manual imediata? Estava aí o pensamento atribuído ao sentido à formação do proletariado.
A escola ofertada, então, aos trabalhadores, de acordo com Gramsci (2008), é medida
pelo suposto desinteresse intelectual e sob o regime da mecanização, como se no processo do
trabalho, não fossem capazes de pensar e aprender. Desta forma, a educação para a cidadania e
para emancipação não faria parte do universo da classe trabalhadora porque ela não seria cidadã
e jamais se elevaria aos patamares sociais da educação culta. Em resumo, os mecanismos de
domínio de uma classe sobre outra tinham que perdurar para manter “as formações das
aristocracias privilegiadas” (GRAMSCI, 2008, p. 79). Mas a história comprova, que a classe
trabalhadora sempre busca alternativas para resistir e lutar por melhores condições de vida,
apesar da dualidade ainda perdurar.
Assim como Gramsci, Mészáros (2008), também, analisou a conformação da escola ao
sistema societário da divisão capital-trabalho, alertando para o fato de que:
Mészáros, traz um destaque neste ponto, parafraseando uma epígrafe de José Martde
que “as soluções não podem ser apenas formais; elas devem ser essenciais” (JOSÉ MARTÍ
139
Apud MÉSZÁROS, 2008, p. 35). Ele mostra que para que a escola tomasse um posicionamento
de conformação “a própria História teve de ser totalmente adulterada, e de fato frequente e
grosseiramente falsificada para esse propósito” (Ibidem, p. 36), de forma tal que as deturpações
propositalmente propagandeadas no curso da história “são a regra quando há riscos realmente
elevados” e quando são diretamente concernentes à racionalização e à legitimação da ordem
social estabelecida como uma “ordem natural” supostamente inalterável” (Ibidem, p. 37).
A história, como mostra Mészáros, deve, então, ser reescrita, não sendo possível “limitar
uma mudança educacional radical às margens corretivas interesseiras do capital” (Ibidem, p.27)
o que significaria “abandonar de uma só vez, conscientemente ou não, o objetivo de uma
transformação social qualitativa” (Ibidem) e do mesmo modo, “procurar margens de reforma
sistêmica na própria estrutura do sistema do capital é uma contradição em termos”, uma vez
que é capital, “romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma
alternativa educacional significativamente diferente” (Ibidem), (Grifo nosso). Para tanto, as
posições críticas não podem, “no limite, apenas desejar utilizar as reformas educacionais” que
propusesse apenas “remediar os piores efeitos da ordem reprodutiva capitalista estabelecida
sem, contudo, eliminar os seus fundamentos causais antagônicos e profundamente enraizados”
(Ibidem).
Nesse sentido, para que seja possível uma mudança completa no direcionamento da
educação da classe trabalhadora e das práticas educativas da formação em geral, é necessário
que se compreenda que:
compreendida na dimensão de práxis, pois que, “é atividade teórica e prática que transforma a
natureza e a sociedade; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, orienta a
atividade humana; teórica, na medida em que esta ação é consciente.” (VÁSQUÉZ, 1986, p.
117 Apud KUENZER e GRABOWSKI, 2006, p. 309).
“A práxis é, portanto, a revolução, ou crítica radical que, correspondendo a necessidades
radicais, humanas, passa do plano teórico ao prático” (VÁZQUÉZ, 2007, p. 117). Desse modo,
Vásquéz resume o sentido que Marx dá para as relações entre a teoria e a práxis, já que “por si
própria, a teoria é inoperante, ou seja, não se realiza” (Ibidem). Por esse sentido, temos na
concepção de práxis, o fundamento que se articula com a relação mais geral que se estabelece
entre o trabalhador, o conhecimento e a natureza, ou seja, a práxis é o próprio trabalho, como
atividade essencialmente humana.
Eis, então, a razão pela qual ao tratarmos a prática educativa dos estágios num curso da
formação sócio técnica, tomamos o trabalho como núcleo central, enquanto princípio
educativo articulador entre ensino e trabalho produtivo, processo pedagógico e processo de
produção técnica, entre concepção e execução, no alinhamento teoria/prática para construção
do conhecimento, como relação própria da práxis educativa. Assim, concebemos o trabalho
enquanto práxis educativa da atividade humana, práxis em que os homens e mulheres por suas
próprias ações, produzem a existência, e nesse processo, de relações sociais, produzem
conhecimento e fazem história, como apreendemos em Marx e Engels (2009).
É por esse ponto de vista que corroboramos com o que expõe Kuenzer (2009):
Nesse sentido, o saber não existe de forma autônoma, pronto e acabado, mas é síntese
das relações sociais que os homens estabelecem na sua prática produtiva em
determinado processo histórico. Assim, o trabalho compreendido como todas as
formas de atividade humana pelas quais o homem apreende, compreende e transforma
as circunstâncias ao mesmo tempo que se transforma é a categoria que se constitui no
fundamento do processo de elaboração do conhecimento (KUENZER, 2009, p. 183).
experimenta, indaga, discute, descobre novas formas e meios de ação e constrói um conjunto
de explicações para sua própria ação, e além disso, percebe sua condição de exploração.
Na medida em que o homem é o ser na natureza capaz de pensar sua ação, de concebê-
la anteriormente à sua execução a partir de fins determinados, o trabalho se constitui
como o momento de articulação entre subjetividade e objetivação, entre consciência
e o mundo de produção, concebidos não como os contrários da relação dialética que
define o objeto como produto da atividade subjetiva, compreendida por sua vez não
abstratamente, mas como atividade real, material (Marx e Engels, s.d.(a), p. 208;
Vásquéz, 1968, p. 153 Apud KUENZER, 2009, p. 184).
produtivos concretos, como afirma Marise Ramos (2010), e como “particularidade da dinâmica
histórico-social de um modo de produção da existência humana para explicitar a relação entre
conhecimentos gerais e profissionais” (RAMOS, 2010, p. 66), na razão de que “os primeiros
fundamentam os segundos, enquanto esses se constituem em potência produtiva proporcionada
pelo desenvolvimento da ciência com a apreensão e apropriação humanas do real” (Ibidem).
Sendo assim, Saviani (2003), explica que as bases para o conceito de politecnia se
encontra em Marx, na medida que “(...) na abordagem marxista, o conceito de politecnia implica
a união entre escola e trabalho ou mais especificamente entre instrução intelectual e trabalho
produtivo” (SAVIANI, 2003, p. 144). Percebe-se, desta maneira, que a compreensão do
trabalho como princípio educativo, define o conceito de politecnia, como expressão da práxis
humana, sem, contudo, desconsiderar a práxis produtiva e guarda profunda relação com a
formação do sujeito omnilateral. Assim, sobre o conceito de politecnia Saviani (1989), expõe a
seguinte definição:
Temos, assim, que a politecnia trata-se do processo de trabalho real, pois, o seu conceito
supõe a articulação entre o trabalho manual e o intelectual, como explicita Saviani (1989, p.
18). Ao se referir especificamente à questão educacional Saviani (1989), explica que a partir do
conceito de politecnia, a formação será organizada de modo a que se possibilite a assimilação
não apenas teórica, mas, também, prática, dos princípios científicos que estão na base da
organização do trabalho:
Se o ensino de segundo grau se constitui sobre esta base, e se esses princípios são
absorvidos, assimilados, e se o educando que passa por essa formação adquire essa
compreensão não apenas teórica, mas também prática do modo como a Ciência é
produzida, e do modo como a Ciência se incorpora à produção dos bens, ele adquire
a compreensão de como a sociedade está constituída, qual a natureza do trabalho nessa
145
Saviani, esclarece que o trabalho intelectual ao mesmo tempo que reverte num
crescimento material, que por sua vez repercute no trabalho manual, liberta mais tempo para
que o homem se dedique a este trabalho intelectual. Porém, adverte que na sociedade capitalista,
tal processo é marcado pela distorção da produção capitalista que se baseia na propriedade
privada, e os frutos desse processo são apropriados de maneira privada, fazendo com que o
usufruto de tempo livre só exista para uma pequena parcela da humanidade, enquanto que os
trabalhadores, em que pese a produção da riqueza social, prosseguem pela necessidade de seguir
num processo de trabalho forçado. Assim, é extremamente necessário haver a emancipação da
classe trabalhadora pela via do ensino politécnico e da formação omnilateral. Porém, a
emancipação só se daria de fato com:
A superação desse tipo de sociedade é que viabiliza as condições para que todos os
homens possam se dedicar ao mesmo tempo ao trabalho intelectual e ao trabalho
manual. A ideia de politecnia se esboça nesse contexto, ou seja, a partir do
desenvolvimento atingido pela sociedade humana no nível da sociedade moderna, da
sociedade capitalista, e já detectando a tendência do desenvolvimento dessa sociedade
para outro tipo de sociedade que corrija as distorções atualmente existentes
(SAVIANI 1989, p. 16).
[...] para entender o sentido real da onilateralidade de Marx, afirma-se que, enquanto
nas revoluções precedentes, os homens se haviam apropriado de forças produtivas
limitadas, na revolução proletária, uma totalidade de forças produtivas, desenvolvidas
no modo histórico da divisão do trabalho e da propriedade privada, torna-se
subsumida por cada indivíduo, e a propriedade por todos; e unicamente neste nível a
manifestação pessoal coincide com a vida material, ou seja, corresponde ao
desenvolvimento dos indivíduos em indivíduos completos. Estabelece-se, então, um
nexo recíproco pelo qual o indivíduo não pode desenvolver-se onilateralmente se não
há uma totalidade de forças produtivas, e uma totalidade de forças produtivas não
pode ser dominada a não ser pela totalidade dos indivíduos livremente associados
(MANACORDA, 2017, p. 88).
propriedade privada, como consequência de uma revolução proletária, organizada pela união
dos trabalhadores conscientes e educados onilateralmente ou omnilateralmente, expressões de
um mesmo sentido filológico35.
No entanto, Manacorda expõe que Marx em O capital, alerta para a questão de que há
que se ter cuidado com o modo de ser da vida associada, já que existe uma forte tendência na
sociedade dividida de cada um impor uma norma própria para ignorar uma outra, “resultando
em conflito contínuo entre essas normas que as esferas da atividade substancial humana
impõem ao homem” (MANACORDA, 2017, p. 84). A solução para essa tendência, segundo
Manacorda é, portanto, "uma exigência de reintegração de um princípio unitário do
comportamento do homem. Exigência tal que não basta responder com a hipótese de uma teoria
pedagógica e de um sistema de educação que reintegrem de imediato essas várias esferas
divididas entre si;” (Ibidem), mas, que pressupõem uma práxis educativa que ligada ao
desenvolvimento real da sociedade, constitua a não separação dos homens em esferas alheias,
estranhas umas às outras e contrastantes, evidenciando uma práxis educativa fundada por um
modo de ser que seja o mais possível associativo e coletivo em seu interior e unido à sociedade
real.
Para tanto, “é necessário superar a atual educação e a atual divisão do trabalho” (Ibidem,
p. 91). Manacorda, pondera que a educação é colocada ao lado da divisão do trabalho, como
causadora da unilateralidade que abrange, entre outras coisas, a problemática da interação entre
escola e sociedade. A escola, então, corporifica a divisão social do trabalho e a transfere para
o processo do trabalho pedagógico, que de forma pragmática e utilitarista, oferta uma educação,
também, dividida entre ensino e trabalho, entre trabalho intelectual e trabalho manual,
implicando numa formação unilateral, pautada nas tendências pedagógicas não críticas
fundamentadas no determinismo da sociedade dividida em classes antagônicas.
Essa concepção tem dificultado a conscientização do trabalho como princípio educativo,
com fortes repercussões à educação em geral, e especialmente à educação da classe
trabalhadora, lhes negado o direito à apropriação do saber politécnico e de uma formação
35
De acordo com Dermeval Saviani, no prefácio da edição brasileira da obra Marx e a Pedagogia Moderna, de
autoria de Mario Alighiero Manacorda, pela Editora Alínea, em colaboração com o HISTEDBR, esclarece que
Manacorda tinha um gosto especial pela Filologia, e que combinava seus estudos filológicos com a teoria e a
história da educação. A Filologia, conforme publicação de Márcio Ferrari na Revista Pesquisa Fapesp (2016), pode
ser considerada como a ciência pela qual se desenvolve estudos da etimologia, e que do ponto de vista estrito, a
Filologia é o estudo do texto, incluindo sua linguagem e seus aspectos literários, por meio da análise histórica de
documentos escritos. Segundo o professor da USP, Bruno Fregni Bassetto, em seu artigo Conceito de Filologia,
o termo “filológico”, diz respeito etimologicamente, ao sentido da palavra, que é a expressão, a exteriorização da
inteligência; e por isso, o filólogo é aquele que apreende a palavra, a expressão da inteligência, do pensamento
alheio e com isso adquire conhecimentos, cultura e aprimoramento intelectual.
148
empírica. A esse respeito, Newton Duarte (2008), esclarece que “a essência abstrata é recusada
na medida em que as forças essenciais humanas nada mais são do que a cultura humana objetiva
e socialmente existente, o produto da atividade histórica dos seres humanos” (DUARTE, 2008,
p. 36).
Duarte (2008) mostra que “o conceito de trabalho educativo, também supera a
concepção de educação guiada pela existência empírica, na medida em que sua referência para
a educação é a formação do indivíduo enquanto membro do gênero humano” (Ibidem, p. 37),
com isto demonstra que “o conceito de trabalho educativo está estabelecendo como um dos
valores fundamentais da educação o do desenvolvimento do indivíduo para além dos limites
impostos pela divisão social do trabalho” (Ibidem). O trabalho enquanto ato educativo, e de
relações sociais, “é, portanto, uma atividade intencionalmente dirigida por fins” (Ibidem).
Duarte, ainda esclarece que adotar a referência do trabalho como uma produção direta e
intencional dos seres humanos, decorre concomitantemente no sentido do posicionamento
perante os elementos da cultura humana historicamente acumulada, necessário a “descoberta
de formas mais adequadas” para atingir o objetivo de “produção do humano no indivíduo”.
Dessa forma:
O trabalho educativo alcança seu sentido ontológico à medida em que “cada indivíduo
singular se apropria da humanidade produzida histórica e coletivamente, quando o indivíduo se
apropria dos elementos culturais necessários à sua formação como ser humano, necessária à sua
humanização” (Ibidem, 2015, p. 50). Duarte, assim, enfatiza que a necessidade de identificação
dos elementos culturais necessários à humanização dos indivíduos exige um duplo
posicionamento do trabalho educativo, ou seja, do posicionamento do educador, tendo em vista
que “o trabalho educativo se posiciona em relação à cultura humana, em relação às objetivações
produzidas historicamente” que por sua vez, “requer também um posicionamento sobre o
processo de formação dos indivíduos, sobre o que seja a humanização dos indivíduos" (Ibidem).
Portanto, concebe-se que a humanização dos indivíduos é a sua educação no plano da
150
A teoria da educação politécnica foi formada na atmosfera dos anos 20, de aguda luta
de ideias e opiniões. N. K. Krupskaia, A. V. Lunacharsky e M. N. Pokrovsky falaram
alto contra as tentativas de revisão da teoria leninista de educação politécnica e contra
os desvios da linha geral do Partido nesta questão. Quando Krupskaia criticou a
posição de A K Gastev, diretor do Instituto Central do Trabalho e seus associados,
que promoveram a ideia de criação da escola do trabalho politécnica diferenciada
segundo distintas orientações econômicas, ela não estava pensando meramente nas
demandas do dia; ela estava refletindo as perspectivas futuras da construção socialista
e estava orientada para o ideal de homem na sociedade socialista. Ela objetava contra
o desdém com a teoria e a substituição do politecnismo pelo treinamento profissional.
(KUZIN; KOLMAKOV; RAVSKIN, 1982, n. 1, p. 46-47- Apud MACHADO, 2020,
p. 3).
carta ao educador S. T. Shatsky, em 1930, que o emprego do método de projetos não conseguiria
garantir sistematização e consecução ao trabalho escolar. Isto não possibilitaria capacitar os
alunos no enfrentamento prático dos desafios colocados pela vida social. Então, a introdução
da ideia básica dos chamados "temas complexos" se tornou interessante, pois, as disciplinas
escolares eram estudadas tanto separadamente como em interligação. O problema disso era que
as conexões privilegiadas frequentemente não tinham nada a ver com a vida real; eram de certo
modo, artificiais. E além disso, faltava preparo aos professores no entendimento e no emprego
do método dialético, e os mecanismos e distorções minavam a proposta inicial, como explica
Machado (2020, p. 8), o que aliás acontece até hoje.
Assim, para entender o caráter da escola do trabalho, Krupskaia considerava importante
situá-la dentro do que Lênin definiu como revolução cultural. Esse conceito implicava numa
mudança radical de todos os indicadores da sociedade, ”do ento da cultura geral”, a concepção
de mundo, a eliminação da psicologia pequeno-burguesa e do pequeno proprietário, a formação
da psicologia e dos hábitos coletivistas, a posse dos conhecimentos pela massa, a habilidade de
utilizá-los na prática, a formação da nova atitude ante o trabalho e das novas formas de
organização do trabalho, faziam parte do repertório da promoção da era considerado a
“revolução cultural”, dos anos 30, conforme foi depreendido em Machado (2020, p. 9), na obra
Coletivo de Autores Soviéticos (1987), escrita por Krupskaia.
Lucília Machado (2020, p. 10), mostra que dentro dessa compreensão, Krupskaia
formula um conceito fundamental, o de cultura geral do trabalho. Na visão de cultura geral do
trabalho, estão envolvidos os elementos da compreensão da produção em seu conjunto, a
direção para a qual se desenvolve a técnica, o papel da cada indústria no conjunto, a
configuração das matérias-primas e seu desenvolvimento no futuro, os métodos de obtenção e
conservação das matérias-primas, os princípios que norteiam a construção de máquinas, a
história do desenvolvimento da produção, a organização do trabalho na fábrica e na sociedade
em geral, às condições de higiene e segurança no trabalho e, por fim, a história do movimento
operário e sindical.
Além desses princípios, a educação no coletivismo é outro elemento fundamental no
conceito da politecnia definido por Krupskaia. Trata-se, portanto, da direção teórica,
metodológica e organizacional da escola, cuja finalidade seria fortalecer uma determinada
concepção de educação básica, que abarque o estudo, a compreensão e a vivência das relações
entre homem e natureza, entre indivíduo e sociedade, entre economia, política e sociedade,
mediados pelos acontecimentos passados e presentes. Neste aspecto Krupskaia, diz que a escola
politécnica deve equipar o aluno com as habilidades para saber aproximar-se corretamente de
153
conservadora ultra neoliberal que vem destruindo uma série de políticas públicas conquistadas
ao longo de muitas lutas por igualdade e justiça sociais em várias frentes da sociedade,
especialmente no campo educacional. “É o Brasil que emerge sempre do passado para moldar
o presente”, numa referência à crítica tecida por Ciavatta (2019), na apresentação da obra A
Historiografia em Trabalho-Educação: como se escreve a história da educação profissional.
Nesse quesito, a oferta da educação profissional no Brasil, caminha junto com os
processos de industrialização e historicamente é marcada pela dualidade estrutural das relações
sociais de produção. Em sua constituição, se destinava à educação da classe não-proprietária
dos meios de produção, “os pobres e desvalidos”, a serem preparados para a aprendizagem dos
ofícios técnicos instrumentais, dos quais a elite não se ocuparia, já que é a classe
pressurosamente “mais” preparada para desempenhar o controle da sociedade, à condução da
economia e do Estado.
A educação profissional, tida por esse viés, só se ocuparia de uma educação puramente
técnica, manual, sem que houvesse necessidade do domínio do conhecimento científico sobre
a técnica, pois, bastaria à classe operária o exercício de funções instrumentais no chão da
fábrica. Assim, uma educação de excelência fundamentada no exercício intelectual, na arte da
palavra e nos exercícios de caráter lúdico, não teria o menor cabimento em ser ofertada aos
operários, até porque seria necessário que a classe trabalhadora sempre se mantivesse na
condição de classe expropriada, aquela que desempenharia o trabalho subalterno e manual, já
que a burguesia dominaria as relações de produção e exerceria os postos de controle da
sociedade.
Observa-se, por esse quadro, que a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual
na educação dos trabalhadores é um projeto político-social de manutenção da divisão social e
técnica do trabalho, correspondendo a um processo histórico de negação aos desafortunados do
conhecimento historicamente acumulado pela humanidade.
Nesse processo histórico de exclusão da classe trabalhadora e de alienação da sociedade
de um modo geral, a divisão social e técnica do trabalho constitui-se numa estratégia
conveniente ao modo de produção capitalista, o qual requer um sistema educacional compatível
ao seu metabolismo, e que em decorrência, instala a dualidade “entre trabalho intelectual e
manual como estratégia de subordinação, tendo em vista a valorização do capital” como observa
KUENZER (2010, p. 861), e dessa forma, induz cada vez mais a uma formação unilateral, à
medida que se reestrutura a par de sua própria crise.
É dentro dessa dualidade que se estrutura a educação profissional no Brasil. Num
processo histórico, desde a criação da Escola de Aprendizes Artífices em 1909, para responder
155
a uma demanda advinda do modo de produção capitalista que ao assumir o estágio monopolista,
“dá-se ênfase a que o “trabalho moderno, como consequência da revolução científico-
tecnológica e da “automação”, exige níveis cada vez mais elevados de instrução, adestramento,
emprego maior da inteligência e do esforço mental em geral” (BRAVERMAN, 1981, p. 15).
Desse modo, sob as bases do capital monopolista, a educação profissional foi se consolidando
no cenário brasileiro, marcada ao longo do seu processo histórico pela ótica da produção fabril,
do mercado de serviços e pelos métodos pedagógicos que se baseiam na formação instrumental
reduzida à operacionalização de instrução prático-utilitária, e de mecanização da prática
educativa.
Nesse contexto histórico, como informa José Rodrigues (2005), precisamente em
dezembro de 1987, durante o Seminário Choque Teórico, promovido pela atual Escola
Politécnica da Saúde Joaquim Venâncio, Dermeval Saviani apresenta o texto intitulado Sobre
a concepção de politecnia (Saviani, 1989). Segundo Rodrigues, o trabalho de Saviani torna-se
um marco no debate brasileiro da área de trabalho e educação, e em particular sobre as relações
entre o ensino médio e o ensino técnico. A partir disso, muitos debates sobre a concepção de
politecnia foram realizados e diversas publicações são produzidas, a fim de buscar novos rumos
para a educação brasileira, no intuito da superação ou, pelo menos, do enfrentamento da
dualidade estrutural que historicamente marca as concepções e práticas educativas no Brasil.
Cabe salientar que a luta política por uma educação profissional de princípios
politécnico e unitário, já esteve em condições bem mais favoráveis no cenário social brasileiro,
dado a importantes avanços de implementação de políticas públicas a partir dos anos de 2003 a
2014, nos governos de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, período em que foram
trilhados outros rumos na economia e na educação brasileira, embora não tenha ocorrido
mudanças estruturais, como esclarece Frigotto (2019), mas que impulsionaram significativos
avanços na distribuição e transferência de renda e em investimentos na educação, de modo
especial com a criação dos trinta e oito Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia,
com ampla interiorização de mais de quinhentos campi em todo território nacional, como
também, a criação e interiorização de dezoito universidades públicas federais.
Assim, de acordo com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), o Decreto n. 5.154 de 2004,
instituído no Governo Lula, objetivou o restabelecimento das bases da formação geral e unitária
para a EPT, reinstaurando um novo ponto de partida para o ensino médio, de tal forma que
consolidasse a formação básica unitária e politécnica, fundamentada no trabalho, na ciência,
na cultura, e na tecnologia, numa relação mediata com a formação profissional específica
articulada com outros níveis e modalidades de ensino.
156
A travessia para uma nova realidade evidencia-se numa necessidade imperiosa, pois, do
contrário, voltaremos a recrudescer a períodos bem difíceis da história da sociedade brasileira,
como foi com a ditadura militar a partir de 1964. Desse modo, a luta para reconstrução da
sociedade vai exigir o reequilíbrio do jogo de forças políticas e a retomada de um senso de
desenvolvimento social e político pela sociedade, pois, que a problemática da formação humana
não nasce nem se encerra no sistema educacional, como esclarecem Moura, Filho e Silva
158
(2015), uma vez que ela depende, bem mais, de um processo de construção da sociedade quando
esta consegue romper com os limites impostos pelos blocos hegemônicos.
Por outro lado, sabemos que esse processo é um processo de lutas históricas. Assim
como está ocorrendo atualmente um recrudescimento de políticas públicas em detrimento da
formação humana integral e de uma escola unitária para todos, novas lutas para garantir seu
restabelecimento estão sendo retroalimentadas. E a luta de classes se dará sempre, até a
conquista da “sociedade futura”, tão mencionada por Marx e Engels, não numa visão “etapista
da história”, mas a partir de uma compreensão “constituinte de um movimento de continuidade
e ruptura a partir do qual o novo engendra-se no velho” (MOURA, FILHO E SILVA, 2015, p.
1072). Este é um processo que se reelabora historicamente, a exemplo, do que ocorreu nas
décadas de 1920 e 1930 na antiga União Soviética, onde se iniciaram os primeiros movimentos
para implantação das escolas politécnicas.
Assim, diante do que tratamos ao longo do capítulo, conclui-se que alguns aspectos são
centrais à constituição da formação politécnica no processo pedagógico do curso técnico em
agroindústria, os quais favorecem, consequentemente, a objetivação da prática educativa do
estágio curricular por uma perspectiva da formação omnilateral dos sujeitos. Desse modo, o
primeiro aspecto considerado é a intrínseca relação entre trabalho e educação, que se
apresentou na pesquisa como uma questão vital a ser examinada mediante à problemática que
pretendíamos responder.
Tomar a indissociabilidade da relação entre trabalho e educação é fundamental ao se
pensar a formação sócio técnica pelo viés conceitual da politecnia, uma vez que corroboramos
com a célebre premissa colocada por Saviani (2007, p. 152), na qual defende que “trabalho e
educação são atividades especificamente humanas. Significando que, “rigorosamente falando,
apenas o ser humano trabalha e educa”.
Partindo dessa premissa, o ponto crucial e basilar a ser raciocinado na relação trabalho
e educação é a concepção do trabalho como princípio educativo, na qual se reconhece o
trabalho como o elemento de produção da existência, ou seja, como a atividade prática objetiva
que caracteriza a realidade dos seres humanos como sujeitos históricos. Nesse aspecto, é
essencial, entender o princípio ontológico do trabalho como elemento que define a existência
humana por uma construção relacional do processo histórico entre homem e meio social, em
que se presume o trabalho e a educação como elementos constituintes dos seres humanos.
Contudo, por uma questão de organização dos determinantes da pesquisa, o entendimento da
ontologia do trabalho como dinâmica da atividade do homem enquanto ser social se encontra
melhor conceituado no terceiro capítulo deste estudo.
159
que coloca Machado, é marcado por uma profunda preocupação ética com relação ao
significado do trabalho na sociedade socialista, ao respeito pelo trabalhador e ao caráter
humanista e coletivista do trabalho socialista.
Por fim, abordamos os desafios para implantação da educação politécnica no contexto
da Educação Profissional e Tecnológica, e apontamos a partir das contribuições de Ciavatta e
Frigotto (2019) a intensificação dos desafios diante das investidas de um projeto ultraliberal
que vem inequivocamente causando muitos retrocessos em todas as dimensões na atual
conjuntura da sociedade brasileira. Mas antes de adentrarmos essa questão, esboçamos uma
breve contextualização das políticas públicas para educação profissional e tecnológica no
Brasil. A oferta da educação profissional no Brasil caminha junto com os processos de
industrialização e historicamente é marcada pela dualidade estrutural das relações sociais de
produção. Assim, retratamos mesmo que de forma breve, o processo de expansão da oferta da
educação profissional e tecnológica desde a revogação do Decreto 2.208/97, que reforçava as
dicotomias de uma formação unilateral, até a implementação do Decreto 5154/04, que
possibilitou a integração da educação profissional à educação básica , tornando-se um
importante marco para superação da dualidade estrutural.
Nota-se, no entanto, a partir das contribuições de Ciavatta e Frigotto (2019) e retomando
à questão da problemática contemporânea da sociedade brasileira, os desafios impostos à
educação como todo e à Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, dentre os quais
podemos citar: o movimento “escola sem partido”; os mecanismos legalizados como a BNCC;
o novo ensino médio, e uma série de outros fatores extremamente preocupantes ao conjunto das
relações da sociedade brasileira e que foram por nós citados, mesmo que de forma sintética,
mas bem mais, a título de exemplificarmos os tamanhos retrocessos à educação e à sociedade
em geral, o que impulsiona a retroalimentação da luta coletiva e organizada em prol da retomada
de direitos arduamente conquistados, da superação do regime totalitário e alcance de novas
demandas político-sociais necessárias à emancipação dos sujeitos e à justiça social.
Mediante essa síntese, reforçamos a partir das palavras de Kuenzer (2009), a urgência
da implantação de uma pedagogia que implique numa nova organização e concepção do
trabalho na prática educativa da EPT, mas sobretudo, objetivamos o desenvolvimento de uma
pedagogia dialética, numa referência à Saviani, em relação a Pedagogia Histórico-Crítica,
como teoria epistemológica crítica e analítica da realidade social que busca captar o movimento
concreto/objetivo do processo histórico, e se constitui neste trabalho, na vertente pedagógica
que exprime nossa concepção de Educação, norteando nosso pensar pedagógico para a prática
educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria e para a EPT de modo geral.
164
Este capítulo traz os elementos centrais que norteiam a construção de uma proposta de
reconceptualização da prática educativa do estágio curricular no Curso Técnico em
Agroindústria do Campus de Governador Mangabeira do IF Baiano, e consiste numa
prerrogativa do ProfEPT na apresentação de proposituras pedagógicos que objetivam a
melhoria dos processos educacionais na EPT, se constituindo como produto das análises
desenvolvidas com o trabalho de pesquisa, o qual poderá vir a desdobra-se na construção de
instrumentos político-pedagógicos pertinentes à formação sócio técnica e à prática educativa
do estágio curricular.
As reflexões enunciadas nesta proposta buscam a sintonia com os fundamentos da
dialética crítica marxista e com os pressupostos em torno da pedagogia histórico-crítica,
partindo da perspectiva da politecnia e da formação omnilateral dos sujeitos, como dimensões
da práxis humana social para superação da dualidade estrutural entre teoria e prática, entre
trabalho intelectual e trabalho manual, entre cultura geral e cultura técnica, decorrente de uma
concepção fragmentária de apropriação do conhecimento resultante do processo histórico da
divisão social do trabalho na sociedade de base capitalista e de uma concepção de educação
com base na unilateralidade, ou seja, na dissociação entre sujeito e o objeto da prática, entre
ensino e trabalho produtivo.
Um conceito unilateral de formação, parte do pressuposto da dissociação da relação
entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre teoria e prática, e vai além disso, é um
conceito que concebe o sujeito da prática de forma determinista e exterior ao trabalho, ou seja,
não concebe o sujeito como ser que produz a própria existência em termos socioculturais,
político-econômicos e educacionais, e assim, compromete o sentido de articulação do par
dialético trabalho e educação como uma relação de criação da humanidade que é produzida
histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens em atendimento de suas necessidades.
Isto posto, tomando por base a dialética crítica, partimos da perspectiva de uma
formação humana integral, na qual o trabalho é um princípio educativo de produção da
existência. Nesse sentido, ao analisar a prática educativa do estágio curricular no curso de
agroindústria, toma-se o trabalho agroindustrial como o princípio articulador entre teoria e
165
prática, entre trabalho intelectual e trabalho manual, como determinações que constituem
uma formação politécnica na perspectiva omnilateral da formação.
Nesse aspecto, o trabalho agroindustrial tem um papel fundamental para a formação
politécnica na perspectiva da omnilateralidade no contexto do curso técnico em agroindústria,
porquanto, se concebe sobre a centralidade que deve ocupar no processo pedagógico do curso
em sua totalidade. Assim, como uma atividade da ação humana, permite situar a especificidade
da educação na apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos relacionados à área
agroindustrial na produção em seus diversos setores produtivos para atendimento de uma série
de necessidades humano-sociais.
Em termos da especificidade pedagógica da centralidade do trabalho agroindustrial na
mediação do processo educativo com a práxis social, permite a relação direta dos sujeitos da
prática com a sua estrutura, desenvolvimento, finalidades e com os elementos sociais, políticos,
econômicos, culturais e educacionais necessários à formação sócio técnica no curso. Por esse
sentido, o trabalho agroindustrial, se constitui como o princípio educativo basilar do
processo educativo, e sobretudo, como o eixo de articulação entre o ensino e o trabalho
produtivo na prática educativa do estágio curricular do curso técnico em agroindústria.
Com base nessas premissas, a prática educativa dos estágios estaria alinhada à dimensão
da práxis social educativa por um sentido lógico da relação entre trabalho e educação,
objetivada na dinâmica do trabalho produtivo agroindustrial, o que ensejaria o desenvolvimento
do trabalho pedagógico por uma perspectiva sócio crítica da unidade indissociável entre ensino
e trabalho produtivo na prática do estágio curricular.
Nesse sentido, objetiva-se oferecer caminhos para superação da cisão entre concepção
e execução, considerando que o trabalho agroindustrial tem sido concebido e executado de
forma exteriorizada pelos sujeitos da prática educativa, os quais boa parte das vezes não
estabelecem uma relação direta com a prática do trabalho, porquanto, é assumida uma posição
de meros expectadores da prática na realização dos estágios curriculares. Ademais, na análise
dos relatórios de estágio, emergem nuances do processo produtivo nos ambientes dos estágios
sendo discorridos tão somente os procedimentos técnicos empregados na produção
agroindustrial.
Dessa forma, ao realizarmos a análise dos relatórios de estágio, não se observou alguma
referência que remetesse ao sentido mais amplo de trabalho em termos da produção humana-
social. Como efeito, o trabalho produtivo agroindustrial encontra-se preponderantemente
reproduzido nos relatórios pelo viés prático-utilitário, técnico-manual, e de execução
pragmática das técnicas que são usadas no processo produtivo.
166
sociedade, pensado a partir de uma concepção ampla e crítica de educação e de formação dos
sujeitos.
Cabe ressaltar, no entanto, por essa perspectiva, que essa proposição visa
primordialmente a reflexão sobre a prática, e desse modo, está distante de apresentar um plano
de operacionalização para a prática dos estágios, mas sim, facultar uma análise conceitual para
o estabelecimento de uma práxis educativa em que se promova um saber politécnico de domínio
científico sobre a técnica. Dessa forma, é absolutamente indispensável que os estudantes se
apropriem do saber socialmente elaborado, e nesse sentido, é imperioso a ideia de que o saber
não existe de forma autônoma, pronto e acabado, como observa Kuenzer (2009) ”[...], mas é
síntese das relações sociais que os homens estabelecem na sua prática produtiva em
determinado momento histórico [...]” (KUENZER, 2009, p. 183).
Assim, é fundamentalmente necessário, de acordo a essa concepção, o entendimento de
que o saber objetivo produzido historicamente, advém da prática do trabalho compreendido em
todas as formas de atividade humana pelas quais o homem apreende, compreende e transforma
as circunstâncias, assim como, transforma ao mesmo tempo a si mesmo, é a categoria que se
constitui no fundamento do processo de elaboração do conhecimento, como orienta Kuenzer
(2009, p. 183) e que se desenvolve no âmbito de situações concretas, como salienta Saviani
(2013).
As ações didático-pedagógicas, nessa acepção, primam com efeito, por uma construção
metodológica diametralmente oposta ao saber inteiramente voltado para apropriação da
“competência técnica” e da “aquisição de habilidades procedimentais” compreendidas, então,
de forma dissociada da práxis social objetiva, como ocorre na visão das tendências não-críticas,
mas por uma capacidade educativa de sistematização do saber de forma metódica, elaborada e
científica, num processo articulado entre trabalho intelectual (teoria) e trabalho manual
(prática).
Nessa ação, de acordo aos postulados da pedagogia histórico-crítica, educandos e
educadores efetivam um processo dialético, de “identificação das formas mais desenvolvidas
em que se expressa o saber produzido historicamente [...]” (SAVIANI, 2013, p. 8), do qual a
escola é a principal detentora, na medida em que se reconheça as condições de produção desse
saber, compreendendo suas principais manifestações e suas tendências atuais de transformação,
considerando, também, que a cada período da história surgem novas formas de vida e de
necessidades objetivas dos seres humanos, e, que por isso, há a necessidade de se avançar na
produção de novos conhecimentos que deem conta das mudanças e das novas exigências da
sociedade.
170
Para além disso, em acordo com a PHC, há a necessidade de conversão do saber objetivo
em saber escolar, de forma que esse saber se torne assimilável pelos estudantes no espaço e no
tempo escolares, assim como, é necessário que haja provimento dos meios para que os
estudantes não apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas apreendam o
processo de sua produção e das tendências que decorrem de sua transformação, como afirma
Saviani (2013, p. 9).
Dessa forma, pensando em direção à prática educativa no contexto da formação sócio
técnica, na qual tratamos sobre a prática educativa do estágio, a apreensão do saber objetivo se
encaminha na direção de um processo politécnico e omnilateral de formação a partir dos
elementos da produção agroindustrial, na sua intrínseca relação com a práxis social e com o
saber objetivo desta área do conhecimento humano. Contudo, para que isto ocorra com efeito,
é imprescindível que no conjunto da formação haja predisposição a refletir sobre e a construir
um processo de ensino e de aprendizagem fundamentado pelo conceito de uma formação ampla
ou integral para superação dos processos de uma educação fragmentária, determinada pela
lógica da divisão social e técnica do trabalho.
A adoção dos elementos constituintes de uma prática pedagógica comprometida com
uma formação integral, na formação em geral e na prática do estágio curricular, ampliaria as
possibilidades educativas de socialização do saber sistematizado aliado aos procedimentos
técnicos da produção agroindustrial. Dessa forma, na organização do currículo, o processo da
prática do estágio deixaria de ser concebido apenas como recurso de apreensão prático-
instrumental ou como observatório experimental dos processos produtivos, para ascender a um
conceito de campo de conhecimento, como afirmam Pimenta & Lima (2005-2006):
Dentro dessa proposta, as ações seriam pensadas para que ocorressem por um
encadeamento processual e global e, dessa forma, a produção de situações simuladas, de estudo
de casos, de atividades de pesquisas, de produção dos relatórios, entre outros, seriam pensadas
durante o percurso formativo no curso, constituindo num processo dialeticamente traçado no
qual a teoria e a prática estariam caminhando juntas, ensejando também, a avaliação do processo
ensino-aprendizagem durante o percurso da prática educativa do estágio e não somente ao seu
final, como tem se dado.
Pensando este aspecto de modo mais objetivo, vemos como uma possibilidade e como
uma coerência de organização do trabalho pedagógico que a disciplina Projeto Integrador
constante no currículo, exercesse um papel crucial de alinhamento à prática educativa do
estágio, no sentido de se colocar como um campo de acolhida das propostas e projetos
elaborados para dinamizar o processo do conhecimento no curso de forma global e ,também,
dos planejamentos elaborados para os estágios, ficando a cargo da culminância daquilo que
fosse desenvolvido no campo da práxis social propiciada na prática dos estágios.
Nesta perspectiva, o planejamento e a execução da prática se constituiriam como
tarefas para as quais não se prescinde o envolvimento e a ação efetiva de todo corpo docente na
relação educativa com os alunos e com o processo produtivo peculiar à formação. Tal dinâmica,
configuraria uma práxis pedagógica caracterizada por um esforço conjunto, considerando que
a prática do estágio da forma como está sendo praticada, fica fechada em torno da tríade
orientador (a), supervisor (a) e os respectivos alunos/estagiários, sendo que estes últimos, de
acordo à nossa vivência no trabalho de acompanhamento pedagógico, se sentem muitas vezes
perdidos e necessitados de maiores orientações no desenvolvimento dessa ação educativa.
Um planejamento com esse teor de articulação oportunizaria uma organização ampla
das ações. Os alunos seriam encaminhados à prática do estágio com uma orientação
previamente discutida sobre o processo produtivo do qual iriam se aproximar, podendo
estabelecer já a partir disso, relações com o conhecimento adquirido no curso, com condições
de pesquisa dos conteúdos estudados nas possibilidades reais de atuação e colaboração técnica.
A referência à ação conjunta com o corpo docente, refere-se também à questão que está
posta em que somente os professores da área técnica do currículo estão aptos a assumirem o
papel da orientação de estágio, e com isso, se incumbem sozinhos junto ao seu orientando ou
orientanda, das demandas que envolvem o processo da orientação. Neste ponto singular,
presume-se que um professor da área técnica esteja à frente, tendo em vista que estes
professores possuem formação específica nas ciências que tratam diretamente do saber
tecnológico do processo produtivo, porém, se colocando como um dinamizador dos conceitos
176
técnico-científicos que constarão nos relatórios de estágio e não como responsável direto por
cada aluno na ação da prática de orientação individual que poderia ser assumida, ao nosso ver,
em parceria com outros professores, mesmo das disciplinas propedêuticas. Parte-se, portanto,
do pressuposto de que a prática se relaciona com o projeto educativo do curso em sua totalidade
e que isso tenha relação com a dimensão do conjunto das áreas do conhecimento que englobam
o currículo, assim, suscitando a necessidade da participação e envolvimento do conjunto das
disciplinas curriculares.
Podemos justificar essa pressuposição a partir do argumento de que em se tratando da
relação educativa entre a dimensão pedagógica da formação e a dimensão do trabalho produtivo
relacionado ao curso, estas dimensões compreenderiam o conjunto de relações educacionais
que englobam as ciências humanas, da natureza, da linguagem e seus códigos e da matemática,
considerando as dimensões da própria sociedade seja da ordem econômica, política,
sociocultural e histórica de que tratam as humanas mais especificamente, por exemplo. Por esse
entendimento, tomando por base a relação entre o ensino (mundo da escola) e o trabalho
produtivo (mundo do trabalho), é imprescindível o olhar científico e tecnológico de todas as
ciências presentes no currículo.
Nesse sentido, para que este argumento se torne mais objetivo, podemos citar alguns
fatores com os quais nos deparamos no trabalho de acompanhamento pedagógico, que se
referem às questões constantemente trazidas pelos alunos na realização dos estágios. Uma das
questões diz respeito à elaboração dos relatórios, seja em relação à produção textual em si,
normas técnicas, entre outros, seja sobre a própria peculiaridade do tipo do processo produtivo
que é acessado, por seus fundamentos científicos e tecnológicos. Vê-se como uma possibilidade
de tratamento à dificuldade na produção dos relatórios, a necessidade da intervenção das
disciplinas da área de linguagens e seus códigos e mesmo da disciplina de metodologia
científica como componentes específicos ao trato da questão dentro da organização curricular,
para que se possa dar um suporte aos alunos durante a elaboração do documento citado.
Para elaboração dos relatórios seria também pertinente se fazer anotações daquilo que
foi executado e apreendido a cada ação desenvolvida ou observada no estágio, como um diário
de bordo. As evidências têm mostrado que a ausência de anotações sobre a prática decorre numa
dificuldade na elaboração dos relatórios e mesmo numa falta de percepção dos estagiários das
nuances do processo produtivo e das relações envolvidas. Entendemos com isso que há a
necessidade de que se tenham registros a serem analisados e discutidos junto aos professores
durante o processo, o que iria facilitar em muito a produção textual final dos relatórios e a
percepção do todo sobre a prática.
177
36
Informações obtidas do site: http://www.car.ba.gov.br/noticias/aipim-processado-por-agroindustria-da-
agricultura-familiar-de-maragogipe-e-referencia-no. Acesso em 22.08.2021.
37
Busca através do site: http://www.sdr.ba.gov.br/sites/default/files/2019-04/bahia%20produtiva_revista.pdf.
Acesso em 22.08.2021.
179
de aproximação dos alunos a processos formativos voltados para práticas mais sustentáveis de
produção tanto em termos econômicos como sociais e humanos.
Contudo, o nosso objetivo central se coloca no campo da defesa de uma prática
educativa de estágio curricular que supere a visão antagônica entre o ensino e o trabalho
produtivo, e de uma prática heterogerida apenas pela reprodução de procedimentos técnico-
manuais, com prioridade da técnica pela técnica. O nosso estímulo basilar está na instauração
da articulação entre teoria e prática no domínio dos princípios científicos e tecnológicos sobre
a técnica, numa proposta educativa de perspectiva na politecnia, com escopo na práxis humana-
social.
Numa exemplificação mais objetiva, dentro do conceito de politecnia, tomando a área
produtiva da agroindústria, se no processo da prática educativa do estágio os estudantes se
deparam com a produção na panificação, que é um campo geralmente acessado pelos alunos do
curso, necessitariam dominar o conhecimento sobre o processo da mistura dos insumos, da
fermentação, e do assamento38, enquanto procedimentos técnicos básicos para se produzir pão,
bolos, biscoitos e outros itens, mas que porém, não prescindem dos saberes científicos físico-
químicos e biotecnológicos que explicam e que agem em todo processo, servindo de base e de
sustentação às técnicas empregadas; à utilização dos equipamentos e utensílios; e aos protocolos
sanitários e de segurança do trabalho necessários à produção. Para além disso, também, seriam
estudados os aspectos socioeconômicos, socioambientais e político-culturais que envolvem o
trabalho na panificação, enquanto atividade da práxis social humana.
Nesse sentido, delineia-se uma propositura educativa para a prática do estágio
curricular no curso técnico em agroindústria, no campo da EPT, por uma dimensão ontológica
do trabalho, tanto a nível pedagógico quanto produtivo, numa perspectiva omnilateral da
formação humana e como contraponto ao modelo de fragmentação do trabalho no modo de
produção capitalista, em que formam-se trabalhadores para execução técnica com eficiência
para o mercado de trabalho, e considerando que a ideia de politecnia e de omnilateralidade se
contrapõem à hegemonia da divisão social do trabalho, primando pela transformação da
sociedade num processo de formação humana integral.
38
Ver informações sobre o processo de produção da panificação no site da Embrapa:
https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/tecnologia_de_alimentos/arvore/CONT000fid5sgie02wyiv80z4s4
73xsat8h6.html. Acesso em 02.09.2021.
180
CONSIDERAÇÕES FINAIS
no dispêndio de suas próprias forças e pela perpetuação do regime de alienação na venda de sua
ação produtiva em troca de salário, como esclarece Marx, em O capital.
Desta forma, ao longo da dissertação, foi possível demonstrar diversas formas de
degradação das condições de trabalho no contexto das agroindústrias, especialmente numa
referência aos nichos pertencentes ao grande conglomerado agroindustrial, diante da
composição orgânica do capital em seu modus operandi de produção, tendo sido retratado de
igual modo, a forma com que o capital se apropria dos avanços científicos e tecnológicos,
intensificando a exteriorização e a desumanização da classe trabalhadora na ação do trabalho.
Dado esse processo, ao pesquisarmos as relações e as condições de trabalho vivenciada
pela classe trabalhadora nas lides com o trabalho agroindustrial na contemporaneidade,
objetivou-se contribuir para uma maior compreensão da morfologia do capitalismo brasileiro
na totalidade social, e bem mais, em uma época marcada pela financeirização dos capitais das
grandes indústrias no avançado grau de reestruturação produtiva. Nessa caminhada,
verificamos que os processos de automação nas grandes indústrias do complexo agroindustrial,
são usados a fim de aumentarem sempre os lucros das empresas, e não utilizados como forma
de se pensar na situação do trabalhador, ou seja, na diminuição de sua jornada e ritmo de
trabalho, nas condições exteriorizadas de sua precarização, muito ao contrário.
Vinculado a isso, apresentamos um breve relato do processo histórico de introdução das
agroindústrias no Brasil, impulsionadas pela introdução da indústria aos processos produtivos
agrícolas, que num primeiro momento encontrou resistência de parte das oligarquias da
propriedade privada frente à modernização da produção, mas que culminou na adesão aos
processos de industrialização, ao serem avaliadas as vantagens de que se poderia obter na
adequação a um processo inevitável de mudanças produtivas a nível global, especialmente em
relação à exportação, e sobretudo, devido ao fato do Brasil já despontar como um grande
produtor mundial agropecuário, o que influenciou na expansão direcionada à atividade
econômica agroindustrial, muito fortemente dirigida pela sanha do capital em seu processo
metabólico de reinvenção através da indústria, na forma como detém os meios de produção,
embora sem que tenha ocorrido uma modificação estrutural que propiciasse aos trabalhadores
alterações reais de melhorias substanciais de suas condições de vida e de trabalho.
Mostramos, assim, que a história da exploração da classe trabalhadora, induz a um
processo de declínio da autonomia do trabalhador sobre o próprio processo do trabalho,
derivando no controle e na vigilância em todas as etapas do processo de produção, passando o
trabalhador a ser comandado pelas máquinas – cada vez mais evoluídas em seus recursos
mecânicos automatizados – uma vez que é distanciado de forma opressiva de sua capacidade
186
conceitos para uma formação humana integral mediante o esforço empreendido de apreensão
das contradições e dualidade estrutural da realidade concreta objetiva em relação à divisão
social e técnica do trabalho.
À guisa de conclusão, buscou-se delinear uma proposta educativa para a prática
educativa do estágio curricular no curso técnico em agroindústria, no campo da Educação
Profissional e Tecnológica, por uma dimensão ontológica do trabalho, tanto a nível pedagógico
quanto produtivo, numa perspectiva politécnica e omnilateral da formação humana, como
contraponto à um processo permeado pela divisão do trabalho no modo de produção capitalista,
no qual formam-se indivíduos aos moldes das exigências do mercado, determinada pela
dissociação entre trabalho intelectual e trabalho manual, perpetuando assim a dualidade
estrutural. Nesse sentido, objetiva-se um processo educativo na perspectiva da formação
humana integral e na emancipação dos sujeitos, de modo especial, à emancipação da classe
trabalhadora.
192
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDERY. Maria Amélia e al. Para compreender a ciência: retrospectiva histórica. 6. ed. rev.
e ampl. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo: São Paulo: EDUC, 1996.
__________. A Dialética do Trabalho: Escritos de Marx e Engels. 2 ed. São Paulo; Expressão
Popular, 2013.
EID, Farid. ADDOR, Felipe. CHIARIELLO, Caio Luis. LARICCHIA, Camila Rolim.
KAWAKAMI, Alex. Políticas de agroindustrialização em assentamentos da reforma agrária:
uma análise do diálogo entre a prática das cooperativas do MST e as políticas
governamentais. Revista Tecnologia e Sociedade, Curitiba, v. 11, n. 22, 2015.
FERREIRA, Antonio Leonan A. Atividade e Desenvolvimento Humano: Contribuições para a
Pesquisa em Educação Escolar. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, n.
9, n.1, p. 248-265, 2017.
FREITAS, Luiz Carlos. Crítica da Organização do Trabalho Pedagógico e da Didática.
Campinas, SP: Papirus, 1995. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).
FRIGOTTO, Gaudêncio. Trabalho, conhecimento, consciência e a educação do trabalhador:
impasses teóricos e práticos. In. Gomes et al. Trabalho e conhecimento: dilemas na educação
193
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1976.
__________. Ensino médio-construindo uma proposta para os que vivem do trabalho. São
Paulo: Cortez. 2002.
LUKÁCS, Georg. O trabalho. In: Para uma ontologia do ser social. Tradução Ivo Tonet.
Roma: Editori Riuniti, 1981.
__________. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
PIMENTA, Selma Garrido. LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e Docência: diferentes
concepções. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
195
REFERÊNCIAS CATALOGRÁFICAS
DUTRA, Israel Pinto Dornelles. Entre a escola e a fábrica: o papel do estágio na formação de
técnicos em transformação de termoplásticos no IFSul - Campus Sapucaia do Sul. 136 f.
Dissertação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
FARIA, Cláudio Miguel Alves de. Estágio Curricular Supervisionado: a contribuição para a
formação profissional do técnico agrícola no Instituto Federal de Minas Gerais - Campus de
Bambuí. 86 p. Dissertação (Mestrado em Educação Agrícola). Instituto de Agronomia,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ. 2009.
KLUGE, Luís Fernando. Formação de Profissionais para o Mercado de Trabalho: uma análise
crítica da formação dos alunos do Curso Técnico em Agropecuária do Colégio Agrícola de
197
SANTOS, Jucier Gonçalves dos. Função do Estágio Curricular Obrigatório no IFET Ceará,
Campus Crato, na Perspectiva Discente. 54f. (Mestrado em Educação Agrícola). Instituto de
Agronomia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2012.
198
SANTOS, Vivian Souza dos. Concepções e práticas de estágio curricular na Escola Técnica
Estadual Juscelino Kubitschek: ato educativo ou trabalho precário? Nova Iguaçu (RJ): 128 f.
Dissertação [Mestrado em Educação] – Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2014.
APÊNDICES
APÊNDICE A
Nas buscas através do portal ocorridas no período entre agosto a outubro de 2019, foram
usados termos com possibilidades para a localização de produções com relação direta com o
objeto da pesquisa. Ao proceder as buscas, foi selecionada inicialmente a expressão “estágio
curricular” em que fossem localizadas as produções que tratassem sobre estágio, sem a
indicação de um campo ou uma modalidade específica de formação. O levantamento de
produções a partir desta expressão, permitiu observar a recorrência de pesquisas no campo da
formação de professores, com prevalência de algumas licenciaturas, a exemplo da área de
pedagogia, dentre outras, havendo, também, pesquisas na modalidade dos bacharelados. As
palavras-chaves mais frequentes, nestas produções, foram “estágio curricular”, “estágio
supervisionado”, “teoria e prática”, “formação docente”, “práxis”, “estágio clínico”, “atuação
pedagógica”, “prática de ensino”, “inserção profissional”. Nesse aspecto, além da categoria
“estágio”, a categoria “teoria e prática” apareceu em parte considerável dos trabalhos
científicos. As buscas que se referiram à expressão “estágio curricular” foram muito
significativas do ponto de vista da aproximação com os princípios científicos do objeto a ser
200
Utilizou-se nas buscas, tanto com as expressões “estágio curricular” e com “estágio
curricular na educação profissional e tecnológica”, os mesmos procedimentos para
levantamento dos dados. No entanto, as produções referentes à expressão “estágio curricular na
educação profissional e tecnológica”, por estarem em maior consonância com o interesse da
pesquisa, tiveram um foco maior de atenção para a catalogação. As produções, então, foram
sistematizadas e dispostas em planilhas, contendo título, autor, o resumo, as palavras-chave, as
referências e os respectivos links para consulta às produções acadêmicas localizadas. Cabe
ressaltar que a busca de apenas duas expressões se deu pelo fato de que foi percebido que muitas
produções apareciam simultaneamente nos dois tipos de consulta, não cabendo ao nosso ver
explorar outras expressões.
Em relação aos referenciais que servirão para embasar a pesquisa, uma parte
considerável foi identificada a partir da catalogação e serviram para ampliar o campo de
entendimento, e também, para refletir sobre os achados das pesquisas já realizadas, para assim,
delinear com mais precisão o problema da pesquisa, seus objetivos, e sobretudo, entender que
embora os diferentes contextos, as problemáticas em torno da prática dos estágios refletem a
realidade da prática social histórica pela interferência no modo das relações da sociedade que
acabam por repercutir, também, na escola. Os interesses da lógica do mercado capitalista,
emergem nas produções, independente do viés conceitual abraçado pelo pesquisador.
Obviamente, as contradições aparecem muito mais nítidas nas opções que tecem a crítica a essa
lógica, apontando suas dualidades. Este é o caminho que pretendemos seguir.
Etapas da catalogação: