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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO

O CONSUMO FINANCIADO PELO CRÉDITO E O


CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO ENTRE
2003 E 2014

João Francisco Leão de Aquino Silveira

Matrícula nº: 113029844

Orientador: Prof. Dr. Ricardo de Figueiredo Summa

ABRIL 2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
MONOGRAFIA DE BACHARELADO

O CONSUMO FINANCIADO PELO CRÉDITO E O


CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO ENTRE
2003 E 2014

_____________________________

João Francisco Leão de Aquino Silveira

Matrícula nº: 113029844

Orientador: Prof. Dr. Ricardo de Figueiredo Summa

ABRIL 2019
As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do autor.
AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos que contribuíram para a conclusão desta importante etapa que
é o encerramento de minha graduação. Para isso, agradeço não só aqueles que auxiliaram na
elaboração e conclusão do presente trabalho, mas na minha constituição enquanto indivíduo.
Sendo assim, agradeço aos meus pais, Ligia e Paulo, pela formação, construção de valores,
pelo apoio e sacrifícios realizados que permitiram alcançar essa etapa. Agradeço, também, aos
meus irmãos Maria e Rafael, pelo companheirismo e pelos ensinamentos prestados. Não poderia
deixar de agradecer também à Ligia que, como uma segunda mãe, acompanha minha história desde
a entrada no Ensino Fundamental, com diversos ensinamentos e momentos compartilhados.
Dedico especial agradecimento à minha companheira Maria Gabrielle, que esteve ao meu
lado nos últimos 6 anos, me apoiando, me incentivando e colaborando na construção da pessoa que
sou hoje.
Agradeço aos alunos, professores e demais funcionários da UFRJ por todo o conhecimento,
aprendizado e troca ao longo da minha graduação. Em especial, gostaria de agradecer aos amigos
Daniel, Raphael e Vinicius pelo companheirismo e amizade e ao meu orientador, Ricardo Summa,
por todo conhecimento, dedicação e disponibilidade durante não só a construção desta monografia,
como nas aulas.
RESUMO

Este trabalho busca analisar o debate acerca do ciclo de crescimento baseado no consumo
financiado pelo crédito livre às famílias da economia brasileira no período entre 2003 e 2014, bem
como avaliar a sustentabilidade desse ciclo. Para isso, são apresentados modelos teóricos sobre o
impacto do consumo financiado pelo crédito no crescimento econômico e as políticas
implementadas pelo governo no período em questão, juntamente com um breve panorama da
conjuntura econômica brasileira no período em questão.
LISTA DE FIGURAS

1 Crescimento do PIB Brasil x Mundo p. 27

2 Evolução do PIB brasileiro real entre 2000 e 2017 p. 28

3 Reservas internacionais - US$ (milhões) p. 29

4 Participação do Consumo das Famílias e da Formação Bruta de Capital Fixo (2000


– 2014) p. 31

5 Distribuição percentual dos domicílios, por faixa de renda (2001-2013) p. 32

6 Gasto social do Governo Central – Gastos diretos e tributários – Brasil – 2002 a


2015 - % PIB p. 34

7 Taxa de câmbio - efetiva real - INPC - exportações - índice (média 2010 = 100) p.
36

8 Resultado Primário do Governo Central entre 2004 e 2015 p. 38

9 Percentual de adultos com relacionamento bancário p. 40

10 Taxa de crescimento do saldo das operações de crédito para pessoas físicas por
controle de capital p. 41

11 Saldo das operações de crédito com recursos livres a pessoas físicas em relação ao
PIB p. 42

12 Evolução do spread médio das operações de crédito e da meta Selic. p. 43

13 Taxa média de juros real das operações de crédito com recursos livres - Pessoas
físicas - % a.a. 44

14 Comprometimento de renda das famílias e Endividamento das Famílias - % 45


LISTA DE QUADROS

1 Principais variáveis expostas no modelo de Pariboni (2017) p. 19

2 Principais variáveis expostas no modelo de Fagundes (2017) p. 20

3 Principais variáveis expostas no modelo de Kim, Setterfield e Mei (2013) p.


22

4 Principais variáveis expostas no modelo de Barba e Pivetti (2012) p. 24

5 Principais contribuições dos modelos para a discussão do presente trabalho


p.26
LISTA DE TABELAS

1 Taxa de crescimento real do produto, do investimento e do consumo das


famílias – em variação % - período: 2003 a 2011 p. 30

2 Condição de Sustentabilidade: Crédito a PF com recursos livres (proxy) p.


50
LISTA DE ABREVIATURAS

1. BCB – Banco Central do Brasil


2. Cf – Consumo das Famílias
3. FBKF- Formação Bruta de Capital Fixo
4. FMI – Fundo Monetário Internacional
5. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
6. INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
7. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
8. MPv – Medida Provisória
9. PBF – Programa Bolsa Família
10. PF – Pessoas Físicas
11. PIB – Produto Interno Bruto
12. PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
13. POF – Pesquisa do Orçamento Familiar
14. RIF – Relatório de Inclusão Financeira
15. SCN – Sistema de Contas Nacionais
ÍNDICE
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10
CAPÍTULO I – CRÉDITO E CONSUMO: REVISITANDO MODELOS TEÓRICOS ..... 13
I.1 – O Produto Interno Bruto e o peso do consumo das famílias ............................................. 13
I.2 – O supermultiplicador sraffiano simplificado ..................................................................... 13
I.3 – Supermultiplicador sraffiano: Com a presença de crédito ao consumo ............................ 15
I.4 – A sustentabilidade do endividamento no modelo de Supermultiplicador Sraffiano ......... 17
I.5 – A hipótese da renda relativa e o impulso do crédito.......................................................... 20
I.6 – Sustentabilidade do endividamento das famílias no caso da renda relativa de Dusenberry
................................................................................................................................................... 23
I.7– Comparando os modelos .................................................................................................... 24
CAPÍTULO II – O CRESCIMENTO BRASILEIRO E SUA DESACELERAÇÃO (2003 –
2014) .............................................................................................................................................. 27
II.1 – O crescimento da economia brasileira entre 2003 e 2010 ................................................ 28
II.2 – A desaceleração do crescimento da economia brasileira entre 2011 e 2014 ................... 35
CAPÍTULO III – DADOS SOBRE O CRÉDITO E O CONSUMO NO BRASIL (2003-2014)
E ANÁLISES SOBRE A SUSTENTABILIDADE ................................................................... 39
III.1 – O crédito e o consumo entre 2003 e 2014. ..................................................................... 39
III.2 – A insustentabilidade do ciclo como causa. ..................................................................... 48
III.3 – A insustentabilidade do ciclo como efeito. ..................................................................... 48
CONCLUSÃO.............................................................................................................................. 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 53
10

INTRODUÇÃO

Quando, em 2002, foi eleito Luiz Inácio Lula da Silva, para seu primeiro mandato
presidencial, muito foi questionado sobre quais seriam as políticas que o governo federal adotaria,
inclusive, instaurando grande medo em parte da sociedade. O que se observou, contudo, foi grande
respeito aos contratos internacionais e a manutenção do “tripé macroeconômico” como base das
políticas governamentais. Juntamente com essa estrutura, o governo federal implantou políticas
macroeconômicas de estímulo direto à Demanda Agregada. Foram englobados fatores como
redução da pobreza, consolidando um mercado doméstico consumidor; estímulos à Formação
Bruta de Capital Fixo e à construção civil e incentivos diretos ao consumo através da facilitação
do crédito.

O plano plurianual de 2004-2007 evidencia justamente o desejo do governo federal de criar


um ciclo virtuoso onde o estímulo ao consumo geraria impulso dos empresários em aumentar a
capacidade produtiva, através de investimentos, gerando mais empregos e, consequentemente,
mais consumo. A estratégia de impulso ao consumo de massa para criação de ciclo virtuoso era
abertamente defendida por alguns economistas, como Ricardo Bielschowsky que, em 2004,
publicou artigo na revista “Desafios do Desenvolvimento” do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA).

No artigo em questão, o autor apresenta a operação do ciclo e aponta a existência de


projeções que indicavam que a um crescimento de 4% a 5% ao ano sustentariam o modelo.
Bielschowsky descreve também, de forma suscinta, as políticas econômicas que o governo
precisaria implantar para a criação e sustento de tal ciclo. Como será apresentado ao longo do
presente trabalho, a implementação de algumas das políticas apontadas, em conjunto com cenário
externo favorável, possibilitou a construção da base necessária, para que a economia brasileira
alcançasse crescimento médio de cerca de 4%, entre 2003 e 2010, mesmo com a crise do subprime¸
iniciada nos Estados Unidos, que gerou reflexos em todo o mundo.

A partir de 2011, em decorrência de pressões de diversos setores da sociedade, o governo


realizou uma reorientação da política econômica, implementando medidas macroprudenciais,
buscando aumentar a segurança das instituições bancárias, causadoras da crise do subprime, e
realizando ajuste fiscal, visando conter o consumo doméstico que, segundo alguns analistas,
pressionava a inflação, e abrir espaço para a atuação do setor privado. Seja pela implementação de
11

tais medidas ou pelo esgotamento do ciclo, o processo virtuoso de crescimento foi interrompido e
as taxas de crescimento foram reduzidas, tornando-se negativas a partir de 2015.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos 2000
e 2015, a participação do consumo das famílias no PIB foi, em média, de 64%, enquanto o
investimento, consumo do governo e as exportações representaram, respectivamente, 20%, 19% e
12%1. Demonstrando, assim, a relevância do consumo das famílias para a determinação do PIB
brasileiro.

Dessa forma, o presente trabalho busca apresentar e avaliar interpretações sobre a


implementação de tal ciclo virtuoso de crescimento entre 2003 e 2010, bem como discutir as
possíveis causas para a estagnação e posterior retração, ocorrida a partir de 2011, focando na
importância do crédito como fonte de estímulo ao consumo e a sustentabilidade da utilização dessa
ferramenta. Para isso, divide-se em três capítulos, como segue.

O primeiro capítulo apresenta quatro modelos teóricos, que visam explicar a relação do
crédito com o estímulo, positivo e negativo, no consumo das famílias. Sendo assim, está divido em
sete partes que apresentam e desenvolvem os modelos de Pariboni (2016) e Fagundes (2017), que
avaliam o impacto do crédito na Demanda Agregada e a sustentabilidade de ciclos de crescimento
baseados no crédito, a partir da teoria do supermultiplicador sraffiano, e de Kim Setterfield e Mei
(2013) e Barba e Pivetti (2012), que possuem os mesmos objetivos, porém, estruturados a partir da
hipótese de renda relativa de Dusenberry.

O segundo capítulo realiza um panorama acerca da conjuntura econômica brasileira vivida


no período entre 2003 e 2014, dividindo-se em duas partes, onde a primeira avalia algumas políticas
e o crescimento da economia brasileira entre 2003 e 2010, enquanto a segunda parte apresenta parte
do debate sobre os motivos da alteração da trajetória econômica, incluindo algumas políticas
realizadas pelo governo como resposta a essa alteração ou responsáveis por tal.

O terceiro capítulo expõe as políticas realizadas pelo governo federal que impactaram
diretamente na concessão de crédito livre, tanto pelo setor público, quanto setor privado, para as
famílias. Nesse capítulo é apresentado o debate sobre o esgotamento, ou não, do ciclo de
crescimento através do crédito, a luz dos conceitos apresentados pelos modelos teóricos discutidos

1
O total dos indicadores apresentados ultrapassam o valor de 100%, uma vez que compõem a Demanda Agregada.
Essa, por sua vez, é o resultado do PIB somado às importações, conforme será apresentado no primeiro capítulo do
presente trabalho.
12

no primeiro capítulo e as principais variáveis apontadas por eles. Por fim, na conclusão, o debate
exposto nos capítulos anteriores é sintetizado, apontando alguns obstáculos encontrados para a
elaboração de uma análise de sustentabilidade com maior eficiência frente aos estudos que
apresentados no presente trabalho.
13

CAPÍTULO I – CRÉDITO E CONSUMO: REVISITANDO MODELOS TEÓRICOS

Com vistas a basear as análises e discussões a serem feitas ao longo do presente trabalho,
este capítulo buscará apresentar alguns dos principais modelos para análise do impacto do crédito
na Demanda Agregada de uma economia, bem como avaliar a capacidade de sustentação de um
ciclo de endividamento. Nesse sentido, quatro modelos são sintetizados, sendo dois deles baseados
em uma tradição do supermultiplicador sraffiano (PARIBONI, 2016; FAGUNDES, 2017) e outros
dois sob o viés da renda relativa de Dusenberry (KIM, SETTERFIELD e MEI, 2013; BARBA e
PIVETTI, 2012).

I.1 – O Produto Interno Bruto e o peso do consumo das famílias

O Produto Interno Bruto (PIB) de uma economia é um dos principais indicadores para
qualquer análise macroeconômica. Ele pode ser estudado a partir de três óticas: Valor da Produção,
Dispêndio e Renda. Uma vez que o presente trabalho estará focado na relação entre o crescimento
do crédito e da economia brasileira entre os anos de 2003 e 2016, é preciso entender de que forma
o crédito impacta o consumo das famílias e, consequentemente, como ocorre a transmissão desse
impacto para o produto da economia. Dessa forma, as análises a serem realizadas no presente
trabalho partirão da ótica do Dispêndio, que pode ser analisada através da expressão a seguir.

𝑌+𝑚 =𝐶+𝐼+𝐺+𝑥 (1)

Sendo Y a Oferta Agregada, m as importações, C o consumo das famílias, I o investimento,


G o consumo do governo e x as exportações. Dessa forma, no lado esquerdo da equação
apresentam-se todas as variáveis referentes à oferta da economia em questão, ou seja, a Oferta
Total, enquanto no lado direito, as variáveis representam a Demanda Total.

I.2 – O supermultiplicador sraffiano simplificado

Garegnani, em seu trabalho “Il problema della domanda effetiva nello sviluppo economico
italiano”, de 1962, introduz a primeira hipótese básica para os modelos de supermultiplicador
sraffiano, a partir da ideia de o investimento possuir uma parcela induzida pela renda e outra,
autônoma, derivada de inovações técnicas. A parcela dependente da renda possuiria o papel de
acelerador do crescimento, sendo determinado pelos gastos autônomos não-geradores de
capacidade, ou seja, que não geram capacidade produtiva, por não serem parte do investimento, e
14

que não são produtos das decisões de produção nem da financiados pela renda corrente, conforme
exposto por Fagundes (2017). No modelo, esses gastos são agregados na variável Z.

A segunda hipótese é a indução total do investimento, mesmo no curto prazo. Essa hipótese,
contudo, é apenas simplificadora e não essencial, como pode ser observado na exposição de
Fagundes (2017). Em todo caso, considerando essa condição, o investimento passa a ser
determinado conforme a expressão abaixo:

𝐼 = ℎ𝑌 (2)

Onde 𝐼 representa o investimento, ℎ a taxa de investimento e 𝑌 a renda. Considerando uma


economia fechada e sem governo, o equilíbrio é determinado através da equação abaixo:

𝑍
𝑌= (3)
𝑠−ℎ

Sendo 𝑍 os gastos autônomos das famílias e os gastos improdutivos das firmas e 𝑠 a


propensão marginal a poupar. Dado que os gastos autônomos são exógenos, é possível afirmar que
possuirão uma taxa de crescimento 𝑔𝑍 . Dessa forma, a taxa de crescimento da renda pode ser
descrita como:

ℎ′ −𝑠′
𝑔𝑌 = 𝑔𝑍 + (4)
ℎ−𝑠

Se a propensão marginal a poupar e a taxa de investimento são parâmetros, 𝑠 ′ = ℎ′ = 0 e


a taxa de crescimento da renda é inteiramente determinada pela taxa de crescimento dos gastos
autônomos não-geradores de capacidade. Da mesma forma, o crescimento do investimento também
é determinado apenas por 𝑔𝑍 , pois o crescimento do investimento pode ser escrito conforme a
expressão abaixo, a partir da expressão (2).

𝑔𝐼 = 𝑔𝑍 + 𝑔ℎ (5)

Como a taxa de investimento é constante, 𝑔ℎ = 0, logo:

𝑔𝐼 = 𝑔𝑍 (6)

Considerando a terceira hipótese básica, em que a função-investimento segue o princípio


do ajuste do estoque de capital, onde as firmas perseguem o equilíbrio entre vendas e capacidade
produtiva, e que o crescimento do estoque da capital também será determinado pela taxa 𝑔𝑍 ,
15

conforme exposto em Fagundes (2017), é possível concluir que os gastos autônomos não-geradores
de capacidade determinam a dinâmica de crescimento da economia, sempre que a taxa de
investimento for constante.

Além disso, se a taxa 𝑔𝑍 é uma variável exógena ao modelo, não existe relação entre a taxa
de crescimento variáveis como propensão a poupar ou distribuição de renda. Esses fatores não
alteram a taxa de acumulação, mas o nível da renda agregada.

I.3 – Supermultiplicador sraffiano: Com a presença de crédito ao consumo

Pariboni (2016), a partir do conceito do supermultiplicador sraffiano propõe um modelo


capaz de analisar o impacto do crédito na geração de renda. Para isso, parte de uma economia
fechada, onde a demanda agregada pode ser obtida utilizando a equação (7), desconsiderando as
exportações (𝑥) e importações (𝑚):

𝑌𝑡 = 𝐶𝑡 + 𝐼𝑡 + 𝐺𝑡 (7)

Sendo 𝑌𝑡 a demanda agregada no período t, 𝐶𝑡 o consumo, 𝐼𝑡 o investimento, e 𝐺𝑡 os gastos


de governo. É possível, então, dividir o consumo em uma parcela dependente da renda,
representada pela primeira parcela da equação (2), e um consumo autônomo (𝑍𝑡 ).

𝐶𝑡 = 𝑐(1 − 𝜏)𝑌𝑡 + 𝑍𝑡 (8)

Onde c corresponde à propensão marginal a consumir e τ a taxa de imposto, o consumo


autônomo (𝑍𝑡 ) pode ser entendido, então, como a soma do consumo do governo (𝐺𝑡 ), do consumo
dos trabalhadores (𝐶𝑡𝑎 ) - financiado por empréstimos - e dos capitalistas (𝐸𝑡 ).

𝑍𝑡 = 𝐺𝑡 + 𝐶𝑡𝑎 + 𝐸𝑡 (9)

Como o objetivo é verificar o impacto do crédito no produto, através do consumo gerado


pelo endividamento, é importante analisar a composição do consumo dos trabalhadores mais a
fundo. Pariboni (2016) adota um modelo em que os trabalhadores consumirão uma fração de sua
renda, excluídos os juros de dívidas contraídas, adicionada do total de empréstimos no período.
Assim, apresenta este consumo na seguinte forma:

𝐶𝑡𝑤 = 𝑐𝑤 [(1 − Π)𝑌𝑡 − (𝑟 − 𝜙)𝐷𝑡 ] + 𝐵𝑡 (10)


16

Onde 𝑐𝑤 representa a propensão marginal a consumir dos trabalhadores, Π a parcela de


lucros, r a taxa de juros, 𝜙 a parcela de amortização, 𝐷𝑡 o estoque da dívida e 𝐵𝑡 os novos
empréstimos. Por outro lado, os capitalistas não serão tomadores de crédito, portanto, seu consumo
será dado apenas por 𝐶𝑡Π = 𝑐Π Π𝑌𝑡 , onde 𝑐Π representa a propensão marginal a consumir dos
capitalistas. O consumo autônomo dessa economia pode, então, ser escrito como se segue.

𝐶𝑡𝑎 = 𝐵𝑡 − 𝑐𝑤 (𝑟 + 𝜙)𝐷𝑡 (11)

Caso haja uma taxa persistente de crescimento dos empréstimos, o produto de equilíbrio
será definido da seguinte maneira:

𝑐𝑎
𝑌𝑡𝑛 = 𝑠−𝑣(𝛿+𝑔
𝑡
𝑍) (12)
𝑡

Onde s representa a propensão marginal a poupar, v a relação capital/produto, 𝛿 a taxa de


depreciação do capital e 𝑔𝑡𝑍 é a taxa de crescimento do consumo autônomo. Sendo assim, a taxa de
𝑎
crescimento será dada por 𝑔 = 𝑔𝐶 . Uma vez que a única fonte de consumo autônomo nessa
economia são os empréstimos, Pariboni (2016) argumenta que o processo de crescimento ocorrerá
de forma indefinida, bastando que os empréstimos cresçam indefinidamente.

Entretanto, conforme destacado pelo próprio autor, embora os trabalhadores possuam


estímulos para continuar buscando novos empréstimos, é bem verdade que os bancos podem
encontrar restrições ou reduzirem as taxas de empréstimos, caso, por exemplo, acreditem que a
taxa de endividamento esteja se tornando perigosa para a adimplência. Assim, haveria uma queda
da demanda agregada e, possivelmente, uma recessão.

A partir do modelo exposto, Pariboni (2016) deriva três consequências. A primeira é que,
como a propensão marginal a consumir dos capitalistas é pressuposta como menor, uma mudança
na distribuição de renda, que gere um aumento da parcela dos lucros, levará a uma redução da
demanda agregada, porém, isso não levará a uma redução na taxa de crescimento. Em segundo
lugar, um aumento da taxa de juros ou da taxa de amortização também terá o mesmo resultado. Por
último, um aumento permanente na taxa de crescimento dos empréstimos implicará em um
aumento na mesma magnitude na taxa de crescimento do consumo autônomo dos trabalhadores e
na taxa de acumulação de dívidas. Entretanto, neste último caso, a taxa de crescimento do produto
também cresce. (PARIBONI, 2017) De forma a sintetizar o modelo exposto, o quadro abaixo
apresenta as principais variáveis do modelo de Pariboni (2017).
17

Quadro 1 - Principais variáveis expostas no modelo de Pariboni (2017)


VARIÁVEL NOME DA VARIÁVEL IMPACTO NA DEMANDA AGREGADA
Negativo, porém, sem alteração na taxa
𝚷 Parcela dos Lucros
de crescimento
Negativo, porém, sem alteração na taxa
r Taxa de Juros
de crescimento
Positivo, porém, sem alteração na taxa de
𝝓 Parcela de Amortização
crescimento
𝑩𝒕 Empréstimos, período t Positivo, inclusive na taxa de crescimento

I.4 – A sustentabilidade do endividamento no modelo de Supermultiplicador Sraffiano

Se o endividamento é capaz de impulsionar o consumo, ao mesmo tempo, pode retraí-lo, e,


portanto, é necessário estudar as condições para que o endividamento seja capaz de gerar e manter
o ciclo virtuoso de estímulo ao crescimento através de sua sustentabilidade. Sendo assim, a partir
das contribuições de Pariboni (2016), Fagundes (2017) propõe um modelo de supermultiplicador
com endividamento das famílias. O modelo proposto permite, então, verificar a sustentabilidade
desse ciclo de endividamento.

A primeira premissa é que a amortização da dívida é determinada pelas famílias como uma
fração r do estoque da dívida. Além disso, o consumo autônomo das famílias é totalmente derivado
de novos empréstimos. Dessa forma, o consumo dos trabalhadores pode ser denotado como:

𝐶𝑤 = 𝑐𝑤 [𝜔𝑌 − (𝑟 + 𝑖)𝐷] + 𝑍𝑤 (13)

Onde 𝐶𝑤 representa o consumo dos trabalhadores, 𝑐𝑤 a propensão marginal dos


trabalhadores a consumir, 𝜔𝑌 a renda dos trabalhadores, 𝑟 a taxa de amortização, 𝑖 a taxa de juros,
𝐷 o estoque da dívida, 𝑍𝑤 o consumo autônomo dos trabalhadores. Como os trabalhadores definem
a taxa de amortização, é possível assumir que 𝜔𝑌 > (𝑟 + 𝑖)𝐷, permitindo, assim, a existência de
consumo induzido positivo.

O crédito líquido será definido como novos empréstimos excluídos da amortização,


conforme Fagundes (2017). Dessa forma, os novos empréstimos determinarão o consumo
18

autônomo, enquanto as amortizações do estoque da dívida irão reduzir a renda disponível. Nesse
modelo, a aquisição líquida de ativos pode ser definida conforme equação abaixo.

𝐴′ = 𝑠𝑤 [𝜔𝑌 − (𝑟 + 𝑖)𝐷] (14)

Onde 𝐴′ representa a aquisição líquida de ativos e 𝑠𝑤 a propensão dos trabalhadores a


poupar. Dada a existência de consumo induzido positivo, permitindo que a aquisição líquida de
ativos seja não-negativa, essa variável, no modelo de supermultiplicador com presença de crédito,
assume a função da poupança, no Princípio da Demanda Efetiva, sendo a variável de ajuste e,
consequentemente, é determinada como resíduo.

Se o consumo dos capitalistas é nulo e a taxa de crescimento do consumo autônomo dos


trabalhadores é 𝑔𝑧 , tendo como base a equação (3), é possível determinar a renda de equilíbrio
conforme Fagundes (2017).

𝑍𝑤 −𝑐𝑤 (𝑟+𝑖)𝐷
𝑌= (15)
𝑠−ℎ

A diferença do equilíbrio obtido para o caso do supermultiplicador tradicional é a existência


do fator −𝑐𝑤 (𝑟 + 𝑖)𝐷, que pode ser entendido como um “vazamento” autônomo. É importante
ressaltar que 𝑍𝑊 deverá ser maior do que o “vazamento” da demanda, permitindo que os gastos
autônomos totais sejam positivos. Visando reduzir as variáveis presentes na demanda agregada, é
possível substituir o numerador da equação, utilizando o conceito do crédito líquido. O resultado
será dado pela equação abaixo.

𝐷(𝑔𝐷 +𝑠𝑤 𝑟−𝑐𝑤 𝑖)


𝑌= (16)
𝑠−ℎ

Onde 𝑔𝐷 representa a taxa de crescimento do estoque da dívida. Assim como no modelo de


supermultiplicador sraffiano apresentado anteriormente, a condição 𝑠 > ℎ se mantém. Da mesma
forma, a condição anterior de 𝑍𝑤 > −𝑐𝑤 (𝑟 + 𝑖)𝐷, agora se torna 𝑔𝐷 + 𝑠𝑤 𝑟 > 𝑐𝑤 𝑖. Conforme
ressaltado por Fagundes (2017), a consequência desse equilíbrio não é que o aumento do estoque
da dívida levará ao aumento da renda, mas que o aumento dos gastos autônomos dos trabalhadores,
financiados por novos empréstimos, causará aumento na renda. Porém, a proporção entre a renda
e o estoque da dívida se manterá conforme a equação anterior, após o ajuste pelo mecanismo de
supermultiplicador.
19

A partir da condição obtida na equação (16), Fagundes constrói a condição de


sustentabilidade, ou seja, a premissa que garante que o endividamento não gere efeitos de retração
do consumo, interrompendo o estímulo gerado pelo aumento temporário de renda. A condição para
tal cenário é dada pela relação em que a variação do estoque da dívida deverá sempre ser igual ou
superior a relação entre propensão a consumir multiplicada pela taxa de juros, subtraída da
propensão a poupar multiplicada pela taxa de amortização, conforme expressão abaixo.

𝑔𝐷 > 𝑐𝑤 𝑖 − 𝑠𝑤 𝑟 (17)

No modelo desenvolvido por Fagundes (2017), a taxa de crescimento deriva dos


empréstimos feitos pelos trabalhadores, subtraído o “vazamento” decorrente do pagamento das
obrigações derivadas dos empréstimos. Sendo assim, a taxa de expansão dos empréstimos
determinará também a taxa de acumulação, bem como a taxa de crescimento da renda e do produto
agregado.

Sendo assim, uma redução na taxa de crescimento dos gastos autônomos (𝑔𝑍 ), significaria
uma redução na propensão dos trabalhadores a se endividar, ou dos bancos a emprestar, reduzindo
a geração de emprego e de renda. Além disso, dada a condição de sustentabilidade derivada da
equação (15), uma redução na taxa 𝑔𝑍 poderia levar a insustentabilidade do ciclo.

Outra contribuição do modelo desenvolvido pelo autor é a relação com os trabalhos de


Hyman Minsky sobre a posição financeira das firmas, observando, nesse caso, o comportamento
dos trabalhadores endividados. Se a taxa de amortização determinada pelos trabalhadores for maior
ou igual do que a taxa de amortização definida na contratação dos créditos, os trabalhadores estarão
sendo capazes de honrar todas as obrigações contratuais e, portanto, possuirão comportamento
Hedge.

Se a taxa de amortização for nula ou positiva, porém, menor do que a taxa determinada
contratualmente, os trabalhadores não estarão amortizando a dívida conforme definido em contrato,
embora estejam pagando os juros. Sendo assim, possuirão comportamento Especulativo.

Por último, se a taxa de amortização for “negativa” e apenas maior ou igual que −𝑖, os
trabalhadores não estarão quitando os juros integralmente e, muito menos, amortizando o principal
da dívida. Dessa forma, possuirão comportamento Ponzi. É importante ressaltar o caso extremo,
onde 𝑟 = −𝑖. Nesse cenário, os trabalhadores não estão pagando nenhuma parcela dos juros e o
20

estoque da dívida crescerá em montante igual ao consumo autônomo mais os juros do estoque da
dívida.

Por fim, a partir do modelo desenvolvido, o autor conclui, através de estática comparativa,
que:

“maiores taxas de juros levam, como esperado, a um menor nível de renda e


emprego e a um maior grau de endividamento dos trabalhadores. Já maiores taxas
de amortização por parte dos trabalhadores levam a um menor grau de
endividamento, mas seu efeito sobre o nível da renda e emprego é ambíguo e
depende das magnitudes relativas de 𝑔𝑧 [taxa de crescimento do consumo
autônomo dos trabalhadores] e 𝑖. E o efeito de aumento no ritmo de expansão dos
empréstimos leva a menores níveis de endividamento” (FAGUNDES, 2017, p.
173)

Sendo assim, as principais variáveis do modelo desenvolvido por Fagundes (2017) estão
expostas no Quadro 2.

Quadro 2 - Principais variáveis expostas no modelo de Fagundes (2017)


VARIÁVEL NOME DA VARIÁVEL IMPACTO NA DEMANDA AGREGADA
Variação do estoque da
∆𝑫 Positivo
dívida
Propensão dos trabalhadores
𝒄𝒘 Positivo
a consumir
𝒊 Taxa de juros Negativo
Propensão dos trabalhadores
𝒔𝒘 Negativo
a poupar
𝒓 Taxa de amortização Ambíguo

I.5 – A hipótese da renda relativa e o impulso do crédito

Tendo como base a hipótese da renda relativa de Dusenberry, as decisões para tomada de
crédito ocorrem a partir de uma abordagem diferente da exposta no item I.1. Conforme proposto
pela teoria em questão, os trabalhadores de baixa e média renda possuem um consumo desejado
21

baseado, entre outros fatores, no consumo de outras famílias. Porém, como sua renda não permite
tal nível, se torna necessário o uso do crédito (KIM, SETTERFIELD E MEI, 2013).

O modelo estruturado por Kim, Setterfield e Mei (2013) baseia-se na heterogeneidade dos
consumidores, segregando-os em consumidores de alta renda, composto pelos capitalistas e
“trabalhadores ricos”, e de baixa renda, que são trabalhadores da produção e supervisores de nível
inferior. Assim, o crédito terá impacto, na medida em que os trabalhadores de baixa renda buscam
alcançar maiores patamares de consumo através do endividamento.

Ainda na determinação do comportamento do consumo, os autores argumentam que os


trabalhadores possuem uma estrutura heterogênea, onde alguns optam por poupar e não se
endividar, enquanto outros irão poupar e se endividar. A poupança é um ato racional em ambos os
casos, uma vez que os mercados de crédito são imperfeitos e o ambiente é de incerteza fundamental,
assim, é importante proteger-se de momentos de instabilidades no futuro.

Neste modelo, é importante destacar também que os bancos funcionam apenas como
intermediários, uma vez que o crédito é financiado pelos depósitos feitos pelos consumidores de
alta renda e pelos próprios trabalhadores. Além disso, os bancos não recebem rendas por esse
serviço. Para a devida estruturação do modelo exposto, é importante evidenciar a segregação do
consumo, como se segue.

𝐶 = 𝐶𝑎 + 𝐶𝑏 + 𝐷 (18)

Onde C representa o consumo total, 𝐶𝑎 o consumo dos trabalhadores de alta renda, 𝐶𝑏 o


consumo dos trabalhadores de baixa e média renda e D o total dos empréstimos (KIM,
SETTERFIELD E MEI, 2013). Conforme apresentado anteriormente, o endividamento é utilizado
pelas famílias para alcançar um nível de consumo desejado. Sendo assim, é possível defini-lo da
seguinte forma:

𝐷 = 𝛼(𝐶 𝑑 − 𝐶𝑏 ), 0 > 𝛼 > 1 (19)

Sendo α um parâmetro relativo a disponibilidade do crédito e 𝐶 𝑑 o nível de consumo


desejado. A partir da última equação, o consumo pode ser construído como se segue.

𝐶 = 𝛼(1 − 𝐶𝑏 ) + 𝛼𝐶 𝑑 + 𝐶𝑎 (20)
22

Nesse modelo, a busca por níveis mais elevados de consumo através do endividamento pode
levar à fragilidade financeira familiar, uma vez que uma elevação da renda no futuro que permita
a quitação do serviço da dívida não é garantida. Kim, Setterfiled e Mei (2013) argumentam que o
endividamento pode levar a diferentes resultados em relação à demanda agregada, dependendo da
relação entre o pagamento do serviço da dívida e a geração de uma poupança, e estruturam dois
cenários para melhor entendimento.

No primeiro caso, os consumidores endividados optarão por quitar o serviço da dívida


primeiro e consumir uma parcela da renda restante, utilizando de novos endividamentos para
obtenção de um nível de consumo desejado. Assim, o endividamento sempre estimulará o consumo
agregado, embora o acúmulo de estoque de dívida atue no sentido oposto. No segundo cenário, os
consumidores endividados buscarão manter o nível de consumo e, por isso, reduzirão a taxa de
poupança para pagar o serviço da dívida.

Porém, com o crescimento do estoque da dívida, a taxa de poupança pode se tornar


insuficiente para quitação do serviço da dívida. Assim, os consumidores endividados terão duas
opções: poderão optar por reduzir seu consumo, consequentemente levando a uma queda da
demanda agregada; ou poderão optar por realizar o default da dívida, impactando a sua capacidade
de se endividar. No segundo caso, o efeito sobre a demanda agregada não é imediato, uma vez que,
embora a queda na capacidade de endividamento causará uma redução no consumo, os
consumidores poderão optar por aumentar a sua propensão a consumir. Assim como exposto para
o modelo de Pariboni (2017), o Quadro 3 apresenta as principais variáveis exploradas por Kim,
Setterfield e Mei (2013).

Quadro 3 - Principais variáveis expostas no modelo de Kim, Setterfield e Mei (2013)


VARIÁVEL NOME DA VARIÁVEL IMPACTO NA DEMANDA AGREGADA
Disponibilidade do
𝜶 Positivo
crédito
𝒔 Taxa de Poupança Negativo
𝑩 Novos empréstimos Positivo
𝑫 Estoque da dívida Negativo
23

I.6 – Sustentabilidade do endividamento das famílias no caso da renda relativa de


Dusenberry

O modelo desenvolvido por Barba e Pivetti (2012) busca avaliar a sustentabilidade do


endividamento das famílias. Contudo, diferentemente de Fagundes (2017), estruturam seu modelo
com base nas premissas da hipótese da renda relativa de Dusenberry. Sendo assim, estrutura-se na
relação de que a renda obtida, seja por salário ou por crédito, é dividida em consumo, aquisição de
ativos financeiros e pagamento do serviço da dívida.

𝑊𝑡 + 𝐴𝐿𝑃𝐹𝑡 = 𝐶𝑡 + (𝐴𝐿𝐴𝐹𝑡 + 𝐴𝐿𝐴𝐻𝑡 ) + 𝑖. 𝐷𝑡−1 (21)

Sendo 𝑊𝑡 a representação da renda pessoal disponível, 𝐴𝐿𝑃𝐹𝑡 da aquisição líquida de


passivo financeiro, 𝐶𝑡 do consumo, 𝐴𝐿𝐴𝐹𝑡 da aquisição líquida de ativos financeiros, 𝐴𝐿𝐴𝐻𝑡 da
aquisição líquida de ativo habitacional e 𝑖. 𝐷𝑡−1 do serviço da dívida, dado o estoque da dívida das
famílias. Se 𝐷𝑡 = 𝐷𝑡−1 + 𝐴𝐿𝑃𝐹𝑡 , então, é possível estabelecer a relação a seguir.

𝐷𝑡 𝐷 (1+𝑖)
= 𝑊𝑡−1(1+𝑤) − (𝑠 − 𝑘) (22)
𝑊𝑡 𝑡−1

Onde w corresponde à taxa de crescimento da renda disponível, s à taxa de poupança, e k à


parcela líquida da renda destinada a aquisição de ativos. Desta forma, (s – k) representa o excedente
destinado ao pagamento do serviço da dívida, em proporção à renda disponível (BARBA e
PIVETTI, 2012). Para que a o endividamento seja sustentável, é preciso que a renda cresça a uma
taxa superior, permitindo o pagamento do serviço da dívida nos períodos seguintes. A condição de
sustentabilidade no modelo proposto por Barba e Pivetti (2012) é dada pela desigualdade abaixo.

𝐷𝑡
(𝑠 − 𝑘) ≥ (𝑖 − 𝑤) (23)
𝑊𝑡

Buscando sintetizar e auxiliar na análise acerca dos fenômenos ocorridos na economia


brasileira entre os anos de 2004 e 2014, o Quadro 4, a seguir, apresenta as principais variáveis para
a elaboração do modelo de Barba e Pivetti (2012).
24

Quadro 4 - Principais variáveis expostas no modelo de Barba e Pivetti (2012).


IMPACTO NA DEMANDA
VARIÁVEL NOME DA VARIÁVEL
AGREGADA
𝒘 Taxa de crescimento da renda Positivo
𝒔 Taxa de poupança Positivo
𝒊 Taxa de juros Negativo
Parcela líquida da renda
𝒌 Negativo
destinada a aquisição de ativos
𝑩 Estoque da dívida Negativo
𝑾𝒕 Renda pessoal disponível Positivo

I.7– Comparando os modelos

Uma vez expostos os modelos acima, é importante realizar algumas pontuações e


comparações entre os mesmos, permitindo entender como se relacionam. No primeiro modelo
exposto, Pariboni (2016) introduz o conceito de crédito no modelo de supermultiplicador sraffiano
e conclui que mudanças na distribuição de renda a favor dos capitalistas, não levarão a reduções
na taxa de crescimento, assim como aumentos na taxa de juros e na taxa de amortização. Entretanto,
uma mudança permanente na taxa de crescimento de empréstimos levará a mudanças no mesmo
sentido no consumo autônomo dos trabalhadores e, consequentemente, na taxa de crescimento do
produto.

Ao analisarmos o modelo desenvolvido por Pariboni (2016), é importante notar que, em um


modelo um pouco mais completo da Demanda Agregada, com a inclusão de outros gastos
autônomos, para além do consumo financiado por crédito, por exemplo, gastos de governo, uma
alteração nos gastos autônomos implicará em uma redução do crescimento da renda. Essa alteração
resultará diretamente em um aumento do endividamento em relação à renda em um momento
futuro, comprometendo o ciclo de crescimento.

Fagundes (2017) se utiliza do arcabouço desenvolvido por Pariboni (2016) e estrutura um


modelo para análise de sustentabilidade do ciclo de endividamento. A partir de um modelo de
supermultiplicador sraffiano com crédito, o autor introduz a amortização de forma explícita. Ao
utilizar esse mecanismo, obtém-se como condição de sustentabilidade do endividamento das
25

famílias a relação entre a variação do estoque da dívida e as propensões a consumir e a poupar e as


taxas de juros e de amortização. Além disso, o autor argumenta que a taxa de juros possui um
impacto negativo sobre a renda, o emprego e o endividamento, enquanto a taxa de amortização
possui um impacto positivo sobre o endividamento, mas ambíguo sobre a renda o e emprego.

O terceiro modelo apresentado foi elaborado por Kim, Setterfield e Mei (2013) que
utilizaram a hipótese da renda relativa de Dusenberry. Nesse modelo, a função-consumo passa a
depender não apenas da renda, mas também de outros fatores, como uma comparação com o
consumo de outros setores. Assim, os autores avançam nas motivações para tomada de
empréstimos e argumentam que os trabalhadores utilizariam o crédito para alcançar o consumo
desejado.

O resultado desse modelo é semelhante ao de Pariboni (2016), na hipótese em que os


consumidores priorizam o pagamento do serviço da dívida e utilizam novos créditos para
financiamento do consumo. Em ambos, o consumo agregado é estimulado, enquanto o crescimento
do estoque da dívida levará à retração do mesmo, através da redução da renda disponível.

No modelo de Kim, Setterfield e Mei (2013), entretanto, os autores introduzem a


possibilidade de default da dívida, uma vez que os consumidores priorizem a manutenção de seu
nível de consumo. Caso essa situação se verifique, a capacidade de endividamento será
comprometida, porém, os indivíduos poderão optar por reduzir sua propensão a poupar de forma a
manter seu consumo.

Por último, o modelo desenvolvido por Barba e Pivetti (2012) tem como objetivo, também,
determinar as condições de sustentabilidade do endividamento das famílias. Nesse caso, os autores
estruturam a relação de sustentabilidade, tendo como base de sua análise os mesmos princípios que
os apresentados no modelo de Kim, Setterfield e Mei (2013), ou seja, a hipótese da renda relativa.
Como resultado, Barba e Pivetti (2012), determinam a condição de sustentabilidade do
endividamento das famílias como uma relação entre as taxas de crescimento da renda e do
endividamento.

O resultado encontrado por Barba e Pivetti (2012) contrapõe-se, então, ao de Fagundes


(2017), onde a condição de sustentabilidade era dada pela relação entre a variação do estoque da
dívida e as propensões a consumir e a poupar e as taxas de juros e de amortização.
26

Sendo assim, o presente trabalho, ao longo dos próximos capítulos, buscará observar como
se comportaram as principais variáveis abordadas nos modelos acima durante o período de 2003 a
2015, na economia brasileira. Apresentando, também, a visão de diferentes autores sobre a relação
do crédito e do endividamento das famílias com os movimentos da economia brasileira e a tradução
de suas análises nos dados disponíveis para avaliação do assunto. Com o objetivo de sintetizar a
discussão exposta neste capítulo, o Quadro 5 - Principais contribuições dos modelos para a
discussão do presente trabalho expõe as principais contribuições de cada modelo, para a discussão
que será realizada nos demais capítulos deste trabalho.

Quadro 5 - Principais contribuições dos modelos para a discussão do presente trabalho


MODELO PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES
PARIBONI (2016) Taxa de crescimento de uma economia com a presença de crédito no
caso de supermultiplicador sraffiano

FAGUNDES (2017) Utilização de amortização e novos empréstimos para sustentabilidade


do ciclo de endividamento
KIM, SETTERFIELD Dependência de fatores além da renda, como comparação; Introdução
E MEI (2013) de possibilidade de default
BARBA E PIVETTI Condição de sustentabilidade para ciclo de endividamento através de
(2012) relação entre crescimento da renda e da dívida
27

CAPÍTULO II – O CRESCIMENTO BRASILEIRO E SUA DESACELERAÇÃO (2003 –


2014)

A partir de 2003, a economia brasileira, impulsionada pela expansão da economia mundial,


experimentou elevado crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), até o ano de 2014. Desde o
início dos anos 2000, o mundo iniciava um ciclo de crescimento fortemente intensificado a partir
de 2003. Tal crescimento propiciou aos países emergentes, entre eles o Brasil, grande entrada de
capitais, seja por aumento de exportações ou pela redução dos juros internacionais.

Figura 1 - Crescimento do PIB Brasil x Mundo

Fonte: Banco Mundial, elaboração própria.

Nesse mesmo período, o único momento em que não houve aumento do produto foi no ano
de 2009, quando eclodiu a crise do subprime nos Estados Unidos, levando o mundo inteiro a uma
grande crise mundial. Contudo, mesmo nesse ano, a queda foi de apenas 0,13%, e o crescimento
observado no ano seguinte foi de impressionantes 7,53%, apontando para uma rápida recuperação
nacional.
28

Figura 2 – Taxas de crescimento do PIB brasileiro entre 2003 e 2014

Fonte: IBGE, elaboração própria.

Se o PIB, nesse período, apresentou um padrão consistente de crescimento, a retração


experimentada após esse ciclo também foi intensa. A partir de 2010, as taxas de crescimento
brasileiras passam a apresentar clara redução, saindo de 7,5% em 2010 e alcançando taxa de apenas
0,5% em 2014. Esses movimentos bruscos levaram ao desenvolvimento de diversas pesquisas que
buscavam entender os motores do crescimento e os motivos para a forte queda.

II.1 – O crescimento da economia brasileira entre 2003 e 2010

Retornando a análise da Figura 2 – Taxas de crescimento do PIB brasileiro entre 2003 e


201observa-se que o crescimento do PIB brasileiro em termos reais ocorre, de maneira mais
significativa e consolidada, no período entre 2004 e 2010, com destaque para a pequena retração
de 2009. Cabe, portanto, breve análise dos motivos que levaram a tal crescimento. Conforme
Serrano e Summa (2011), o crescimento entre 2004 e 2006, é puxado fortemente pelo crescimento
das exportações. Contudo, após 2006, devido a políticas monetárias expansionistas, o motor do
crescimento torna-se o mercado interno, reduzindo a importância das exportações, fato esse
relevante para a rápida recuperação após a crise do subprime.
29

Ainda com relação ao crescimento no período entre 2004 e 2006, o grande afluxo de capitais
permitiu que o governo brasileiro passasse da posição de devedor, com um saldo da dívida externa
líquida do setor público consolido em, aproximadamente, 50 bilhões de dólares para a posição de
credor com, aproximadamente, 300 bilhões de dólares, segundo dados do Banco Central do Brasil,
conforme apresentado pelos autores.

Com tal alteração na posição do crédito internacional, o governo brasileiro, a partir do final
de 2005 tornou-se livre das exigências do FMI, conforme relatado por Serrano e Summa (2015).
Além disso, mesmo com o cenário de crise internacional a partir de 2008, o governo brasileiro foi
capaz de captar e acumular reservar internacionais, conforme Figura 3 - Reservas internacionais -
US$ (milhões), melhorando sua liquidez externa e capacidade de solvência. Dessa forma, devido,
incialmente, ao aumento das exportações e consequente captação de recursos internacionais, o
Brasil foi capaz gerar estabilidade e redução da dependência de liquidez internacional para
expansão.

Figura 3 - Reservas internacionais - US$ (milhões)

Fonte: BCB, elaboração própria.

Junto com a melhora das condições externas, o governo brasileiro inicia um processo de
estímulo ao crescimento baseado em dois principais pilares: consumo das famílias e política fiscal
expansionista. Acompanhando o movimento causado por esses fatores, é importante destacar o
30

papel do investimento não residencial privado, aumentando a capacidade produtiva do setor


privado, a partir do estímulo de crescimento da demanda.

Nesse sentido, em “Governos Lula: a era do consumo?”, estudo de João Sicsú (2017) que
analisa o período em questão, aborda a discussão sobre o principal fator para o crescimento entre
os anos de 2006 e 2010. O autor argumenta que o rótulo de “era do consumo” não surgiu de estudos
acadêmicos, mas de materiais elaborados pela mídia com o intuito de criticar as políticas adotadas
pelos governos Lula.

Para embasar seus argumentos, o autor apresenta os dados de variação real do consumo das
famílias e da formação bruta de capital fixo. Dados esses que, ao serem analisados, evidenciam
como, embora o consumo tenha crescido efetivamente, o investimento também cresceu, inclusive,
a taxas significativamente maiores em diversos momentos.

Tabela 1 - Taxa de crescimento real do produto, do investimento e do consumo das famílias – em


variação % - período: 2003 a 2010
Variáveis/Ano 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Média

PIB 1,1 5,8 3,2 4,0 6,1 5,1 - 0,1 7,5 4,1

Investimento
- 4,0 8,5 2,0 6,7 12,0 12,3 - 2,1 17,9 6,7
(FBKF)
Consumo das
- 0,5 3,9 4,4 5,3 6,4 6,5 4,5 6,2 4,6
Famílias

Fonte: Sicsú (2017)

O autor conclui em seu texto que o investimento executou papel tão importante quanto o
consumo das famílias para o crescimento da economia brasileira no período em questão, podendo,
então, ser utilizado o termo “era do investimento” de forma até mais precisa do que “era do
consumo”. Contudo, como desenvolvido no mesmo texto, Sicsú (2017) demonstra como o
consumo foi importante para geração do impulso inicial estimulador do investimento, consumo
esse originado do aumento da renda e popularização do crédito.
31

Figura 4 - Participação do Consumo das Famílias e da Formação Bruta de Capital Fixo no PIB
(2000 – 2014)

Fonte: IBGE, elaboração própria.

Tendo como base a figura acima, é possível verificar que as participações do consumo das
famílias (Cf) e da formação bruta de capital fixo (FBKF) no PIB mantiveram variação aproximada
de mesma dimensão, entre os anos de 2000 e 2014. É importante destacar o ano de 2009, quando
a participação do investimento no PIB retraiu, devido à crise internacional, e o consumo das
famílias cumpriu o papel de sustentar o nível da economia nacional, aumentando sua participação
de forma significativa.

Dessa forma, é notável como o consumo das famílias foi crucial para o ciclo de expansão
da economia brasileira, sustentando o crescimento do PIB. Afinal, conforme exposto por Sicsú
(2017), “não há lógica econômica que possa explicar o investimento que não é precedido pela
expectativa de consumo – que é formada em grande medida com base no consumo corrente.” Em
análise realizada por Dos Santos (2013), essa visão é reforçada, na medida em que aponta o
estabelecimento de ciclo virtuoso entre os aumentos nos rendimentos das famílias mais pobres, a
demanda de serviços de consumo e bens manufaturados e a geração de emprego e,
consequentemente, mais renda.

O autor cita, ainda, o plano plurianual de 2004-2007, demonstrando como a construção


desse ciclo virtuoso era, justamente, o objetivo do governo. Além disso, expõe, também, como o
32

crescimento da formação bruta de capital fixo ocorre, dentre outros motivos, influenciado pela
necessidade de expansão da capacidade produtiva, evidenciada pelo aumento do investimento em
máquinas e equipamentos, e pela expansão da construção, principalmente movido pelas famílias,
inclusive por conta de programas como “Minha Casa, Minha Vida”2.

Com relação ao consumo das famílias, o governo Lula aplicou estratégias que
estimulassem, principalmente, as camadas mais baixas da sociedade através de políticas, que
incluem, aumento de renda e fornecimento de crédito. Assim, no início de seu primeiro mandato
instaurou políticas de reajustes de salários mínimos e concessão de linhas de crédito facilitadas.
Com relação as políticas de crédito, o tema será abordado no próximo capítulo do presente trabalho.

Sobre o aumento de renda, a alteração no perfil das famílias brasileiras é sensível, quando
analisados, por exemplo, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) entre
2001 e 2013, expostos em trabalho de Carvalho et al (2016). A Figura 5 apresenta a distribuição
percentual dos domicílios, por faixa de renda, entre 2001 e 2013, obtidos nas PNADs.

Figura 5 – Distribuição percentual dos domicílios, por faixa de renda (2001-2013)

Fonte: PNAD apud Carvalho et al, 2016, elaboração própria.


Nota: a. Não foi realizada PNAD no ano de 2010

2
Segundo portal do Ministério das Cidades, o Programa Minha Casa, Minha Vida “É um programa do Governo
Federal que busca facilitar a conquista da casa própria para as famílias de baixa renda.” Esse programa destina-se a
famílias com renda mensal de até R$ 6.500,00 ou renda anual de R$ 78.000,00, para agricultores familiares e
trabalhadores rurais.
33

É possível observar que a partir de 2003 existe uma clara tendência de redução dos
domicílios com renda até R$ 400,00, bem como, de forma mais modesta, até 2006, domicílios com
renda entre R$ 400,00 e R$ 600,00. Em contrapartida, os domicílios com renda acima de R$
1.000,00 possuem um forte aumento, principalmente nas faixas de R$ 1.000,00 a R$ 1.600,00 e de
R$ 1.600,00 a R$ 3.000,00.

Corroborando essa análise, Serrano e Summa (2011) apontam que, embora desde o início
do século XXI o Índice de Gini apresentasse redução, a parcela salarial da renda também diminuía.
É apenas a partir de 2004 que a parcela salarial da renda volta a crescer, acentuando a redução do
Índice de Gini e apontando, inclusive, uma alteração no motor por trás da redução da desigualdade.
Conforme Figura 5 – Distribuição percentual dos domicílios, por faixa de renda (2001-2013) e
apontado pelos autores, até 2004, o que se observa é, principalmente, a redução da parcela das
famílias com rendas de trabalho elevadas, por isso, a aparente redução da desigualdade, em
conjunto com a redução da parcela salarial da renda.

Entretanto, a partir de 2004, a parcela salarial da renda inverte sua tendência, passando de
30,8% para 34,1%, no período entre 2004 e 2009, segundo Serrano e Summa (2011). Nesse
período, o Índice de Gini reduz de forma acelerada também. Os autores apontam que essa mudança
é decorrente dos aumentos do salário mínimo. Sinalizam também que a taxa de pobreza e de
pobreza extrema, que estavam estabilizadas em 35% e 15%, respectivamente, apresentam queda,
alcançando, aproximadamente, 20% e 7,5%, respectivamente.

Sobre a evolução da parcela salarial da renda, Saramago, Freitas e Medeiros (2018)


apresentam dados do Sistema de Contas Nacionais (SCN), onde, a partir de 2004, é possível
observar um aumento desse indicador. Ao longo do texto, os autores argumentam que, devido à
reorientação da política econômica ocorrida no primeiro governo Lula, houveram alterações nas
condições do mercado de trabalho, como a expansão do número de empregos e o aumento do
salário mínimo, em conjunto com as políticas de transferência de renda, o poder de barganha da
classe trabalhadora aumentou, permitindo pressão para aumento da parcela salarial da renda.

Os autores avaliam também que, devido a aumento dos preços relativos, relação entre os
preços ao produtor e os preços ao consumidor, foi possível realizar o aumento dos salários reais
sem pressionar os lucros, atenuando o conflito distributivo. Por fim, destacam a relevância do
aumento da produtividade agrícola através da mecanização e elevação da participação do setor de
34

serviços para o ganho de produtividade da economia brasileira, contribuindo para o aumento da


parcela dos salários.

Carneiro (2017), corrobora as análises anteriores, na medida em que aponta a melhora na


distribuição de renda, através de rodadas de valorização do salário mínimo, impactando
diretamente o rendimento de camadas mais baixas. Contudo, o autor sinaliza que não houve
alteração da estrutura produtiva, apenas uma redução da dispersão salarial. Esse movimento
ocorreu de forma mais intensa entre 2003 e 2009, estagnando a partir de 2010, segundo o autor,
devido ao esgotamento decorrente do acirramento do conflito distributivo.

Para além do aumento do salário mínimo, o autor destaca, também, a expansão dos gastos
sociais, onde “[o gasto social direto] passa de 12,4% do PIB em 2003 para 15,3% do PIB em 2014”.
No âmbito dos gastos sociais realizados para Assistência Social, é importante destacar a relevância
do Programa Bolsa Família (PBF)3, que, no ano de 2015, alcançou a marca de 0,45% do PIB
(Secretaria da Fazenda Nacional, 2016).

Figura 6 – Gasto social do Governo Central – Gastos diretos e tributários – Brasil – 2002 a 2015 -
% PIB

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, 2016.

3
Segundo portal do Ministério da Saúde, “O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa federal de transferência
direta de renda à famílias em situação de pobreza (renda entre R$70,01 a R$140,00 por pessoa) ou de extrema pobreza
(renda de até R$70,00 por pessoa), com a finalidade de promover seu acesso aos direitos sociais básicos e romper com
o ciclo intergeracional da pobreza. O Programa é realizado por meio de auxílio financeiro vinculado ao cumprimento
de compromissos na Saúde, Educação e Assistência Social - condicionalidades.”
35

De acordo com o exposto no primeiro capítulo do presente trabalho, em linhas gerais, o


crescimento da renda deve ser maior ou igual ao crescimento do serviço da dívida, permitindo
assim, que as famílias endividadas sejam capazes de honrar os compromissos sem prejudicar o seu
consumo corrente. Sendo assim, é possível verificar que houve aumento na renda, no período entre
2004 e 2009. Resta, portanto, observar se tal aumento foi suficiente para compensar a evolução do
serviço da dívida ou se o crescimento foi insuficiente, levando ao esgotamento do ciclo.

II.2 – A desaceleração do crescimento da economia brasileira entre 2011 e 2014

Conforme apontado no início do presente capítulo, a partir de 2011, a trajetória da economia


brasileira se altera, pondo fim ao ciclo virtuoso que se encontrava. Carneiro (2017) argumenta que,
dada a perda de dinamismo do processo de crescimento decorrente do ciclo no período de 2003 a
2010, foi necessária a “reorientação do modelo”. Por isso, diversas políticas foram realizadas no
primeiro governo Dilma. Segundo o autor, o objetivo era a diversificação industrial alinhada com
a ampliação da infraestrutura, decorrente do investimento autônomo.

Uma das políticas adotadas com esse objetivo, de acordo com o autor, se dá através da
administração da taxa de câmbio que, embora enfrentasse cenário internacional de extrema
volatilidade, foi capaz de manter a estabilidade do câmbio nacional, apresentando, inclusive,
depreciação do real, frente ao período de apreciação, entre 2002 e 2010. Essa política, contudo, não
foi capaz de reorientar a produção, induzindo a uma substituição de importações, pois, segundo
Carneiro (2017), a anterior apreciação da taxa de câmbio estimulou o aumento do coeficiente de
importação da indústria que apenas perdeu rentabilidade no curto prazo com a depreciação.
36

Figura 7 – Taxa de câmbio - efetiva real - INPC - exportações - índice (média 2010 = 100)

Fonte: IPEADATA, elaboração própria.

Serrano e Suma (2015), contudo, apresentam dados do IBGE que demonstram redução no
coeficiente de produto importado no Brasil no período de valorização do real e aumento no período
de desvalorização. Os autores apontam ainda que estudo realizado por Cláudio Hamilton dos
Santos, André Cieplinski, Débora Pimentel e Gustavo Bhering, em 2015, apresentam que a
elasticidade da taxa de câmbio é baixa, devido à presença marcante de produtos com baixa ou
nenhuma possibilidade de substituição.

Ainda com relação ao mercado externo, as exportações de bens e serviços, que foram de
suma importância para iniciar o processo de crescimento, apresentaram, entre 2011 e 2014, uma
redução em seu patamar de crescimento. Conforme apontado por Serrano e Suma (2015), alguns
economistas acreditam que essa redução é decorrente da apreciação do câmbio, ocorrida nos
governos Lula. Contudo, os autores argumentam que a causa para a alteração no padrão de
crescimento das exportações é decorrente da desaceleração do comercial mundial. Dessa forma, a
economia brasileira estaria sendo impactada por uma tendência global.

Carneiro (2017) sinaliza, também, um objetivo do governo de reduzir o custo salarial,


buscando alterar os preços relativos. De acordo com o autor, inicialmente, foram realizadas
renúncias fiscais na ordem de R$ 200 milhões, em 2002, que alcançaram o patamar de R$ 1,5
37

bilhão em 2014. Esse grande aumento é oriundo, conforme exposto pelo autor, de uma
generalização da concessão, uma vez que, a princípio, buscava auxiliar alguns setores industriais,
mas, posteriormente, incluíram outros setores.

Segundo Carneiro (2017), o resultado final dessa política foi de aumentar a lucratividade
das empresas, através da redução do custo salarial, com pequenos impactos na trajetória agregada
do emprego. Outro resultado foi um impacto fiscal negativo na ordem de 0,5%, decorrente do não
aumento da arrecadação através de outras alíquotas ou outros impostos. Porém, novamente sem
alcançar o principal objetivo de reorientação da estrutura produtiva.

Também sob a ótica dos salários, Serrano e Suma (2015) apontam a decisão do governo em
não aumentar o salário mínimo real em 2011, iniciando um ciclo de políticas contracionistas. Essas
políticas tinham como objetivo conter o crescimento da demanda agregada, permitindo alcançar o
superávit primário, mesmo com um cenário de desaceleração internacional.

Junto com a contenção do salário mínimo real, o governo realizou cortes no gasto e no
investimento público, gerando, inclusive, uma redução no valor nominal do investimento do
governo central e das estatais. Como alternativa ao investimento governamental, iniciou-se um
processo de criação de parcerias público-privadas, com concessões e financiamentos. Contudo,
mesmo com as desonerações fiscais, o investimento privado não apresentou a resposta esperada e
o resultado primário do governo, em 2014, tornou-se deficitário, como pode ser verificado na
Figura 8 - Resultado Primário do Governo Central entre 2004 e 201.
38

Figura 8 - Resultado Primário do Governo Central entre 2004 e 2014

Fonte: Tesouro Nacional, elaboração própria.

De toda forma, seja pelo esgotamento do ciclo, defendido por Carneiro (2017), ou por
pressões de diversos setores da sociedade, como exposto por Sicsú (2017), é evidente que houve,
após 2011, uma alteração da orientação na política macroeconômica brasileira, passando a adotar
medidas macroprudenciais e de ajuste fiscais, com impacto direto na contenção da demanda
agregada. Contudo, conforme exposto ao longo desse capítulo, as políticas não foram exitosas em
realizar a substituição da atuação governamental pelo privado, acarretando em estagnação.

Tendo em vista o cenário exposto, o próximo capítulo analisará a relação do endividamento


das famílias e seu consumo, bem como o impacto desta relação no crescimento brasileiro, buscando
entender se o ciclo de crescimento adotado ao longo da década de 2000 realmente havia se
esgotado, ou se a reorientação macroeconômica foi decorrente apenas de pressões de setores da
sociedade.
39

CAPÍTULO III – DADOS SOBRE O CRÉDITO E O CONSUMO NO BRASIL (2003-


2014) E ANÁLISES SOBRE A SUSTENTABILIDADE

A partir do cenário disposto no capítulo anterior, é possível identificar como, ao longo do


período entre 2003 e 2010, o governo utilizou de estratégias para estímulo direto ao crescimento
econômico, tanto através do consumo, como através do investimento. Para estimular o consumo
das famílias, o governo central adotou políticas para reduzir a pobreza e a miséria, além de reajustes
de salário mínimo e facilitação para o gasto das famílias, através de políticas de redução de preços
e aumento do acesso ao crédito.

No presente capítulo, serão expostas algumas das principais estratégias utilizadas pelo
governo para estimular o consumo através da disponibilização do crédito para as famílias, a luz
dos modelos apresentados no primeiro capítulo do presente trabalho. Ao final, são apresentadas
análises acerca da sustentabilidade do ciclo de crescimento via crédito.

III.1 – O crédito e o consumo entre 2003 e 2014.

Conforme exposto por Sicsú (2017), um fator decisivo para o aumento do crédito foi a
“bancarização” da população de baixa renda. O autor aponta que, juntamente com o PBF, entre
2003 e 2010, a instituição da Conta CAIXA Fácil “... permitiu o acesso ao mercado bancário de
aproximadamente 11 milhões de brasileiros” (Caixa apud SICSÚ, 2017). A expansão do mercado
bancário brasileiro é evidente ao observar a figura a seguir, uma vez que, de 2005 a 2015, houve
um incremento de cerca de 25% no percentual de adultos com relacionamento bancário em todo o
Brasil, segundo dados do BCB.
40

Figura 9 – Percentual de adultos com relacionamento bancário

Fonte: BCB, elaboração própria.

Para além da “bancarização” da população brasileira, o Governo Federal regulamentou,


através da Medida Provisória (MPv) nº130, em setembro de 2003, a proposta do crédito
consignado, sendo a MPv convertida na Lei 10.820/2003, em dezembro desse mesmo ano. Essa
modalidade fornece garantias aos credores, uma vez que o desconto é realizado diretamente na
folha de pagamento ou, até mesmo, no benefício previdenciário. Dessa forma, o setor financeiro
privado foi estimulado por maior segurança no recebimento, apresentando taxas significativas no
aumento do saldo das operações de crédito para pessoas físicas, sendo importante destacar o
aumento de 46,64% no ano de 2005, conforme figura abaixo.
41

Figura 10 – Taxa de crescimento do saldo das operações de crédito para pessoas físicas por
controle de capital

Fonte: BCB, elaboração própria.

Em 2009, contudo, dado o cenário de recessão, o crescimento do saldo das operações de


crédito sobre o controle privado sofreu forte retração e as instituições sob controle público
assumiram relevante papel na expansão do crédito para pessoas físicas. Destaque relevante deve
ser conferido à criação do Programa Minha Casa, Minha Vida, ainda no ano de 2009, visto que a
figura acima, apresenta o saldo total das operações de crédito – livre e direcionado, inclusive
habitacional.

Combinando as alterações destacadas acima, o crédito livre para pessoas físicas no Brasil
aumentou drasticamente, adquirindo grande importância para o estímulo do consumo das famílias
e, consequentemente, do investimento no ciclo de crescimento entre os anos de 2003 e 2010. O
crescimento desse saldo pode ser observado através da figura abaixo.
42

Figura 11 – Saldo das operações de crédito com recursos livres a pessoas físicas em relação ao
PIB

Fonte: BCB, elaboração própria.

Para além das políticas expostas, Oliveira e Wolf (2016) argumentam que o cenário
internacional favorável, permitiu o relaxamento fiscal e monetário no governo Lula, mantendo-se
o “tripé macroeconômico”. Assim,

A entrada de divisas, motivada pelo aumento do preço de commodities, de um


lado, e pelo aumento da liquidez e redução das taxas de juros internacionais, de
outro, aumentou as pressões no sentido da valorização da taxa de câmbio, a qual
foi sancionada pelo Banco Central do Brasil (BCB). A queda da taxa de câmbio
viabilizou a contenção da taxa de inflação que permitiu a queda da taxa de juros,
que estimulou o crescimento da economia. (OLIVEIRA e WOLF, 2016)

Dessa forma, o cenário internacional favorável, observado durante os governos Lula,


permitiram que fossem adotadas as políticas de estímulo ao crédito e ao consumo, com impacto
controlado na inflação, uma vez que a taxa de câmbio realizava tal compensação.

A partir de 2010, contudo, conforme exposto em Serrano e Summa (2015), o governo


adotou medidas macroprudenciais, como o aumento da taxa básica de juros, passando de 8,5%, em
fevereiro de 2010, para 12,5%, em agosto de 2011, bem como o aumento do depósito compulsório
43

dos bancos, do capital mínimo exigido para empréstimo de longo prazo, dos impostos sobre
transações financeiras para crédito de consumo e aumento do pagamento mínimo de cartão de
crédito. Essas políticas buscavam conter a Demanda Agregada e a evolução da inflação, devido a
pressão de diversos setores da sociedade (VEJA, 2011).

Figura 12 – Evolução do spread médio das operações de crédito e da meta Selic.

Fonte: BCB, elaboração própria.

Contudo, ao final de 2011, o governo inicia reorientação com políticas como queda da taxa
de juros e aumento da atuação direta dos bancos públicos. Segundo Camarotti (2011), a redução
da Selic em setembro de 2011, ocorreu devido a pressão da então presidente Dilma Rousseff, que
avaliava que a economia brasileira já indicava entrada em processo de desaceleração suficiente
para contensão do “risco inflacionário”.

O impacto das medidas citadas acima, podem ser observadas na figura abaixo, visto que
existe clara tendência de redução da taxa média de juros das operações de crédito livres para
pessoas físicas no período entre 2003 e 2013, com reversão após esse período. Importante destacar
o ano de 2009, quando houve pico, decorrente da crise do subprime, ocorrida nos Estados Unidos
e com reflexo em economias de todo o mundo, porém, a trajetória de queda é rapidamente
retomada. A exceção, em relação a queda pós 2009, ocorre apenas para a taxa média de juros real
44

do cheque especial que apresenta relativa estabilidade entre 2004 e 2008 e posterior estabilidade
entre 2009 e 2013, em patamar mais elevado.

Figura 13 – Taxa média de juros real das operações de crédito com recursos livres - Pessoas
físicas - % a.a.

Fonte: BCB, elaboração própria.

Segundo Pariboni (2017), a redução da taxa de juros gera aumento direto no nível da
demanda agregada, complementando, dessa forma, o efeito positivo causado pelo aumento das
operações de crédito e potencializando a estratégia utilizada para desenvolvimento da economia
brasileira.

Contudo, após a elevação da taxa de juros e a implementação de outras medidas, como


redução de prazo de empréstimos, o endividamento das famílias apresenta estagnação e posterior
queda, mesmo com a redução da taxa de juros e pressão para redução do spread bancário através
do aumento da participação dos bancos públicos. A partir desse cenário é evidente, também, o
rápido aumento do comprometimento de renda das famílias, conforme aponta Lima (2018),
elevando principalmente o componente referente a amortização das dívidas.
45

Figura 14 – Comprometimento de renda das famílias e Endividamento das Famílias - %

Fonte: BCB, elaboração própria.

Sobre o vínculo entre o consumo via crédito e a taxa de juros, em Schetinni et al (2011), os
autores apresentam o modelo macroeconométrico de maior escala desenvolvido entre 1999 e a
década de 2000, que busca a construção de uma função de consumo. O modelo em questão aponta
baixo efeito renda, bem como da taxa de juros, enquanto o crédito possui uma maior
preponderância na determinação do consumo. Na mesma medida, o modelo desenvolvido pelos
autores utilizando os dados disponíveis para os anos de 1995 e 2009, avalia que

acréscimos de 1% na proxy da renda disponível do setor privado utilizada neste


trabalho parecem estar associados a acréscimos de cerca de 0,4% no consumo das
famílias brasileiras; acréscimos de 1% do PIB no volume de crédito
disponibilizado a essas famílias parecem estar associados a acréscimos de 1,5% a
2% no consumo destas; e acréscimos de 1% na taxa de juros real mensal parecem
estar associados a reduções de 1,5% a 2% no consumo das famílias brasileiras.
(SCHETINNI et al, 2011)

Dessa forma, destaca-se a relevância do crédito e da taxa de juros, frente à renda disponível,
na determinação do consumo. Tais resultados em muito se assemelham às funções de Fagundes
(2017) e Kim, Setterfield e Mei (2014) apresentadas no primeiro capítulo do presente trabalho,
46

onde o crédito e taxa de juros são variáveis cruciais na determinação do consumo e,


consequentemente, do crescimento da economia.

Sobre as operações de crédito por faixa de renda, o Relatório de Inclusão Financeira (RIF),
de 2015, apresentada as distribuições dos volumes de crédito segregados por modalidade e por
faixa de renda, para os anos de 2012 a 2014. Do RIF, cabe destacar que, nos três anos analisados,
cerca de 40 a 45% do volume de crédito através de cartão de crédito, seja parcelado ou rotativo, foi
tomado por pessoas com rendimento inferior à 3 salários mínimos, enquanto tomadores com renda
acima de 10 salários mínimos foram responsáveis por apenas 20% do volume, aproximadamente.
Para o cheque especial, os tomadores com renda de até 3 salários mínimos possuíam cerca de 20%,
enquanto os com renda acima de 10 salários mínimos eram responsáveis por quase 45% do volume
total.

O comportamento para crédito pessoal sem consignação observado foi equivalente ao


verificado no cheque especial, embora, para o crédito pessoal com consignação, observou-se que
clientes com renda de até 3 salários mínimos tomaram cerca de 35% do volume de crédito,
enquanto 22% do volume foi tomado por indivíduos com renda superior à 10 salários mínimos.

Sendo assim, o que se observa é que o crédito pessoal consignado e cartão de crédito foram
mais utilizados por parte da população com menor renda, enquanto o crédito pessoal sem
consignação e o cheque especial foram mais utilizados pela população com maior renda. Contudo,
como não foram localizados dados anteriores, não é possível analisar a evolução dos indicadores
no período em questão.

Claudio Hamilton Dos Santos, em texto intitulado “Notas sobre as dinâmicas relacionadas
do consumo das famílias, da formação bruta de capital fixo e das finanças públicas brasileiras no
período 2004-2012”, apresenta que “a quantidade de pessoas físicas tomadoras (CPFs distintos)
identificadas com responsabilidade de pelo menos R$5 mil cresceu 155% entre 2005 e 2010 e
389%, se considerado o período de janeiro de 2003 a dezembro de 2010” (BACEN, apud DOS
SANTOS, 2013). O autor salienta que que não foi possível utilizar os dados para responsabilidades
abaixo de R$5 mil, pois não era obrigatória a identificação junto ao Banco Central.

Em trabalho realizado por Carvalho et al (2016) analisando os dados do Sistema de Contas


Nacionais (SCN), a PNAD e a Pesquisa do Orçamento Familiar (POF), no período entre 2000 e
2013, os autores observam o aumento expressivo do peso dos serviços de intermediação financeiro
47

nesse período. Através dos dados do SCN, é possível verificar que esse setor teve seu peso alterado
no consumo das famílias, passando de 4,06 em 2000, para 6,86 em 2013. Os autores atribuem esse
aumento ao acesso, pelas classes de renda mais baixas, à linhas de financiamento.

No mesmo trabalho, são expostas a POF de 2002-2003 e de 2008-2009. Nessas pesquisas


é possível verificar que os serviços de intermediação financeira para as famílias com renda até R$
400,00 e entre R$ 400,00 e R$ 600,00, saem de 0,92% e 0,87%, respectivamente, e alcançam 1,04%
e 1,28% do consumo das famílias. Enquanto nas famílias com renda acima de R$ 3.000,00, o
consumo reduz de 7,51% para 6,51%. Esses resultados indicam que o crescimento do
endividamento ocorreu, principalmente, para famílias de baixa renda, conforme apontado em Dos
Santos (2013).

Ainda em Carvalho et al (2016), é visível o impacto das políticas de financiamento de


imóveis para famílias de baixa renda, através da verificação do aluguel imputado. O aluguel
imputado é o valor atribuído ao imóvel próprio, ou seja, o valor que seria pago caso o imóvel fosse
alugado. Na POF realizada em 2002-2003, o peso desse setor era de 15,38%, para as famílias com
renda até R$ 400,00, porém, alcançam 21,2%, na POF 2008-2009.

Variável também importante, destacada no modelo de Fagundes (2017), é a propensão a


consumir das famílias, em Carvalho et al (2016). Os autores avaliam, através dos dados da POF de
2002-2003 e de 2008-2009, que o gasto-renda monetária passa de 1,15 para 2,15, nas famílias com
renda até R$ 400,00, assim como para as famílias com renda entre R$ 400,00 e R$ 600,00, sai de
1,16 para 1,43. Em contrapartida, as demais faixas de renda possuem redução, dessa relação, com
destaque para as famílias com renda acima de R$ 3.000,00, que apresentam redução de 0,81 para
0,67.

É importante destacar que os autores salientam que os resultados da POF, no geral, não
subestimam o crescimento do setor de serviços de intermediação financeira, observado no SCN,
nesse mesmo período. Ao mesmo tempo, o SCN apresenta uma redução nos alugueis imputados,
contudo, essa redução não está presente na POF. Essas diferenças ocorrem por questões
metodológicas das duas pesquisas e que, conforme apontado pelos autores, é um movimento
bastante verificado ao redor de todo o mundo, principalmente quando a inflação se acelera. Em
resumo, parte da diferença pode ser atribuída ao fato de o consumo das famílias no SCN ser obtido
através de um misto de método do resíduo com estimação direta da POF, enquanto os resultados
48

da POF podem ser alterados de acordo com a análise dos setorialistas do IBGE, instituto
responsável pela pesquisa.

Contudo, conforme exposto no primeiro capítulo deste trabalho, para além do crescimento
de uma economia através do efeito do crédito no supermultiplicador sraffiano, é necessário
verificar se a estrutura em questão é sustentável. Haja visto que o crédito também pode atuar como
redutor do consumo, caso o crescimento da renda não seja suficiente para o cobrir os custos das
dívidas contraídas. Por isso, embora a expansão do crédito estivesse gerando crescimento da
economia brasileira, é importante verificar se também não estava direcionando a um
estrangulamento da mesma, conforme apontado por alguns autores.

III.2 – A insustentabilidade do ciclo como causa.

Carneiro (2017) avalia que, devido ao acirramento do conflito distributivo, que impediu o
aumento de renda via redistribuição para pagamento do serviço da dívida, bem como o alto
comprometimento da renda da população brasileira, em conjunto com a redução da oferta de
crédito, o ciclo de crescimento esgotou na virada da década, forçando a reorientação da política
econômica.

Sendo assim, embora o autor reconheça a importância do crédito para a expansão da


economia brasileira, avalia que o papel do crédito foi limitado pelos altos juros, uma vez que “para
níveis relativamente baixos de endividamento, o comprometimento da renda com o pagamento de
seu serviço mostra-se relativamente alto” e só foi possível devido a atuação do setor público,
compensando a retração do setor privado.

III.3 – A insustentabilidade do ciclo como efeito.

Serrano e Summa (2015), apontam que as medidas macroprudenciais adotadas pelo


governo e apontadas no início deste capítulo acabaram por estrangular os consumidores, pois
geraram aumento direto na taxa de juros ao consumidor. Nesse sentido, é possível argumentar que,
a desvalorização do câmbio realizada no governo Dilma, a partir de 2011, com a reorientação das
políticas, foi um dos fatores responsáveis por inviabilizar a manutenção das bases do ciclo virtuoso
de crescimento observado durante os governos Lula.

De acordo com Serrano e Summa (2015), a redução da taxa de juros para crédito ao
consumidor não foi suficiente para manter o crescimento do consumo baseado no crédito. Os
49

autores apontam ainda que, devido a redução do crescimento econômico, a taxa de criação de
empregos no setor formal reduziu, impactando, também, no surgimento de novos possíveis
tomadores de crédito.

Analisando dados sobre o endividamento e o comprometimento de renda e comparando


com valores internacionais, Sicsú (2017) observa que o endividamento das famílias em relação ao
PIB, mesmo tendo crescido vigorosamente no período em questão, encontra-se muito abaixo do
patamar internacional. Em contrapartida, o comprometimento de renda das famílias, embora não
tenha apresentado grande variação, é significantemente maior que de outras economias, sendo o
autor, devido à alta taxa de juros cobrada.

Ainda em Sicsú, o autor avalia que o aumento do endividamento não causou


comprometimento da renda futura suficiente para impactar o consumo e reduzir a taxa de
crescimento. Segundo análise do autor, não foi o processo endógeno de aumento do endividamento
que reduziu o consumo, mas o salto do comprometimento de renda observado em 2011, em
decorrência do aumento exógeno da taxa básica de juros, bem como a redução do investimento do
governo e da taxa de crescimento do consumo do governo.

Conforme aponta Pariboni (2017), a alteração dessas variáveis exógenas, como redução dos
gastos autônomos do governo, acabará por reduzir a taxa de crescimento da economia e aumentar
a relação dívida-renda, levando a insustentabilidade do ciclo. Essa relação pode ser observada na
figura 13, uma vez que, mesmo com a redução do endividamento das famílias, a partir de 2011, o
comprometimento da renda mantém-se estável, com leve redução apenas entre 2012 e 2013.

Baseando-se no modelo de sustentabilidade estruturado por Barba e Pivetti (2012),


Guimarães (2016) estudou o período entre 2004 e 2014, verificando a condição determinada no
modelo em questão, através de dados do Banco Central do Brasil e elaboração de proxy para a taxa
de juros para as famílias, e conclui que, tanto de forma agregada, quanto segregando as
modalidades de crédito, existia sustentabilidade do ciclo, com exceção de trimestres específicos
para a modalidade cartão de crédito. Dessa forma, não seria correto afirmar que o modelo de
crescimento através do crédito teria se esgotado.
50

Tabela 2 - Condição de Sustentabilidade: Crédito a PF com recursos livres (proxy)

Fonte: GUIMARÃES, 2016.

Entretanto, o estudo realizado por Guimarães (2016), utiliza dados agregados de renda, o
que pode não representar a real sustentabilidade do ciclo. Uma vez que as parcelas de trabalhadores
com rendas inferiores possuem maior propensão à consumir e que, segundo dados apresentados
neste capítulo e o modelo no qual a análise se baseia, esses trabalhadores também seriam os
principais tomadores de crédito, visto que buscam equiparar suas cestas de consumo com os
trabalhadores de alta renda. Dessa forma, seria necessário verificar se a renda dos tomadores de
créditos cresce em proporção suficiente para sustentar o crescimento do crédito.
51

CONCLUSÃO

Neste trabalho foram apresentados modelos teóricos de relação entre Demanda Agregada e
crédito para famílias, bem como modelos para análise de sustentabilidade de ciclos de crescimento
baseados nessa modalidade de crédito. Isso pois, conforme apresentado, o crescimento brasileiro
ocorrido entre 2003 e 2010 foi diretamente influenciado por essa ferramenta. Para além disso, a
partir de 2011, a retração no crescimento também possui relação com as políticas referentes ao
crédito para famílias.

Sendo assim, foi observado que, graças a cenário externo favorável, o governo brasileiro
pode criar, a partir de 2003, as bases para a construção de um mercado doméstico consumidor
robusto e capaz de sustentar a economia brasileira. Contudo, alguns autores, como Carneiro (2017),
argumentam que não houve alteração da estrutura produtiva capaz de responder ao estímulo gerado,
o que levou ao esgotamento do ciclo a partir de 2010.

Carneiro (2017) argumenta também que a tentativa de alteração da estrutura social, iniciada
pelos governos Lula, geraram forte conflito distributivo, contribuindo para a desestabilização das
bases para o ciclo de crescimento virtuoso. Foi exposto também, a análise de Serrano e Summa
(2015), que argumentam que o esgotamento do ciclo foi causado justamente pelas políticas
macroprudenciais e pelo reajuste fiscal adotado pelo governo.

Para avaliar esse cenário, foram apresentados os estudos de Dos Santos (2013), Schettini et
al (2011) e Guimarães (2016), baseados em dados do Banco Central do Brasil, de pesquisas
realizadas pelo IBGE, como a POF e a PNAD, e do SCN. As informações dispostas por Guimarães
(2016) apontam para o cenário onde o ciclo de crescimento baseado no crédito não se encontrava
completamente esgotado quando o governo adotou as políticas macroprudenciais.

Contudo, para que fosse possível afirmar o ciclo realmente havia se esgotado, seria crucial
a capacidade de análise do endividamento e capacidade de solvências das famílias de forma
segregada por faixa de renda, uma vez que o endividamento e o consumo apresentam grandes
diferenças por faixa de renda.

Dessa forma, os modelos de sustentabilidade de crescimento baseado no crédito,


pressupõem que o crescimento da renda deve ser capaz de suportar o pagamento do serviço da
dívida no futuro sem o comprometimento do consumo. Por isso, caso a renda cresça para camadas
52

da sociedade diferentes das camadas que estão contraindo o endividamento e sustentando o


crescimento através do consumo, o ciclo também não será sustentável, uma vez que as famílias que
se tornarem endividadas não serão capazes de honrar seus compromissos futuros.

Com os dados expostos no presente trabalho, é possível inferir que, embora houvesse um
aparente aumento do endividamento nos setores da sociedade com menor rendimento, também
houve aumento da renda dos mesmos, apontando, também, para sustentabilidade do ciclo.
Entretanto, os dados referentes ao endividamento das famílias não são disponibilizados de forma
segregada, impedindo que seja realizada a análise proposta de forma conclusiva.

A taxa de amortização, segundo modelo de sustentabilidade desenvolvido por Fagundes


(2017), seria outra variável relevante para análise. Entretanto, não foram identificados indicadores
que pudessem ser utilizados como parâmetros para tal, sendo mais um fator que impossibilita tal
cálculo para a economia brasileira.

Em todo caso, é evidente que houve, no período entre 2011 e 2014, um aumento da
inadimplência das pessoas físicas tomadoras de crédito livre, conforme dados do Banco Central do
Brasil, e que houve retração no consumo, revertendo o ciclo virtuoso de crescimento
experimentado até então. Como exposto, também, no terceiro capítulo do presente trabalho, após
a implementação das medidas macroprudenciais, mesmo com nova tentativa do governo federal
em estimular o crédito, o setor privado não respondeu na mesma intensidade e velocidade,
tornando-se um obstáculo para a retomada do ciclo.
53

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Acessado em 24 mar. 2019

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