Projeto Consciência
Projeto Consciência
Projeto Consciência
INTRODUÇÃO
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Professora da EMEF Carlos Drummond de Andrade, Mestranda em História pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul - UFRGS. Formada em História. E-mail: [email protected]
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Professora da EMEF Carlos Drummond de Andrade, Mestranda em Educação pela Universidade La Salle.
Formada em Pedagogia. E-mail: [email protected]
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Professor da EMEF Carlos Drummond de Andrade. Formado em História. E-mail:
[email protected]
200
Doutor em Educação. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Pedagogia da
Universidade La Salle. Pesquisador do CNPq. Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Intercultural (GPEI). E-
mail: [email protected]
201
Constitui as relações do racismo no padrão de normalidade. São ações conscientes e inconscientes da
sociedade. (ALMEIDA, 2018)
661
Dizemos isso citando dois casos que tiveram forte repercussão midiática. O
primeiro202 ocorrido em maio de 2020, vitimou um menino de 14 anos que foi baleado
dentro de casa, em São Gonçalo - RJ, durante um confronto com a Polícia Federal e
Civil no Complexo do Salgueiro. O segundo203 incidente foi em junho e trata-se de um
menino de cinco anos, em Recife - PE, que foi junto com sua mãe para o trabalho,
colocado em um elevador pela patroa (que, pelos vídeos, aperta o botão do elevador
referente aos andares mais altos do prédio), sendo levado ao nono andar e vindo a
cair devido a entrada da criança a uma área de peças de ar condicionado. Nenhum
desses casos estão explicitamente ligados ao racismo declarado como se conhece,
mas ao racismo estrutural que rege a sociedade, que menospreza e desumaniza o
indivíduo e que também vem sendo rechaçado em outros países.
202
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/menino-de-14-anos-e-morto-em-casa-
durante-acao-da-pf-no-rio.shtml. Acesso em: 14 de jun. de 2020.
203
Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-miguel-como-foi-a-morte-do-
menino-que-caiu-do-9o-andar-de-predio-no-recife.ghtml. Acesso em: 14 de jun. de 2020.
662
identidade (Maldonado-Torres; 2010, Fanon; 2008, Hall; 2006); as legislações
vigentes que orientam o ensino das culturas africanas no ensino fundamental (LDB,
BNCC, RCC); a análise do campo empírico (por meio dos PPP da escola) e finalizando
com o projeto desenvolvido na escola. Como metodologia, o projeto fez uso da
pesquisa ação, sendo considerada como uma oportunidade significativa de práxis
investigativa.
204
Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18319-cor-ou-raca.html. Acesso
em: 14 de jun. de 2020.
663
Falar sobre racismo e buscar meios de desconstruí-lo deve ser pauta em todos
os espaços, mas na escola se torna cada vez mais urgente esse debate que não se
efetuou ampla e satisfatoriamente após a lei 10.639/03. A presente lei defende a
obrigatoriedade do ensino da história da África e afro-brasileira visando fortalecer
os vínculos existentes entre Brasil e África e possibilitando conhecer esse continente
tão diverso e do qual, por uma educação eurocêntrica, pouco sabemos.
664
reconhecendo e enaltecendo a autoridade a uma visão que se tornou hegemônica.
Esse movimento, segundo Maldonado-Torres (2008), vem sendo disseminado nos
Estados Unidos e América Latina em comunidades de imigrantes, afrodescendentes
e indígenas, como também em países da Europa, tendo como exemplo as revoltas nos
subúrbios de Paris.
666
abordar temáticas relacionadas à História afro-brasileira, conforme consta na lei
10.639/03, mas principalmente, dialogar com esta a partir de uma
interseccionalidade cultural. Ao trazer essa perspectiva sobre o conhecimento
histórico do continente africano e da sua relação com o Brasil, a intenção é provocar
nas alunas e alunos interesse em conhecer e se reconhecer na História afro-
brasileira.
Desde a sua idealização, o projeto foi criando corpo devido a adesão dos
educandos por considerarem as aulas provenientes dessa temática diferentes e
instigantes, fazendo com que as edições seguintes mobilizassem mais educandos,
mais áreas de conhecimento e mais convidados para trabalharem a negritude e a
identidade afrodescendente. Como o projeto é desenvolvido com todos alunos dos
anos finais do Ensino Fundamental (6° ao 9° ano) o que se percebe por meio desse
processo contínuo é que a compreensão e a interação vão se transformando. Sendo
assim, educandos que participaram no 6° ano e seguem na escola, chegam ao 9° ano
com outra percepção sobre questões históricas e identitárias que envolvem a África,
muitas vezes possibilitada pelo trabalho que desenvolveram ao longo de quatro anos.
205
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
667
A Base Nacional Comum Curricular206, logo no início do seu texto sobre o
ensino de História aborda a necessidade de um educador que proporcione a reflexão
acerca “do passado como uma maneira de impulsionar a dinâmica do ensino-
aprendizagem no Ensino Fundamental, sendo aquele que dialoga com o tempo atual”
(BRASIL, 2017, p. 397). Também aborda a relevância de se trabalhar a criticidade,
levantar questionamentos da sua construção enquanto sujeito e do conhecimento do
“outro” como parte constituinte de uma sociedade. Da mesma forma faz alusão à lei
11.645/08 com:
a inclusão dos temas obrigatórios definidos pela legislação vigente, tais como
a história da África e das culturas afro-brasileira e indígena, deve ultrapassar
a dimensão puramente retórica e permitir que se defenda o estudo dessas
populações como artífices da própria história do Brasil. A relevância da
história desses grupos humanos reside na possibilidade de os estudantes
compreenderem o papel das alteridades presentes na sociedade brasileira,
comprometerem-se com elas (...). (BRASIL, 2017, p.401)
206
Base Nacional Comum Curricular - BNCC (2017)
207
Referencial Curricular de Canoas RCC (2018)
208
PPP - 2019
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sofrido alterações significativas devido a pandemia do Covid19209) de maioria
autodeclarada evangélica e católica (77% em relação a religiões afro, que
corresponderam a 10%).
O PPP também traz no seu texto como parte integrante da diretriz pedagógica
dos anos finais a incumbência de se trabalhar as leis acima citadas, assim como
primar pelo:
209
Bairro contendo maior número dos casos de contágio pelo vírus no município de Canoas, 35,9% em
19/06/2020. Fonte: Prefeitura Municipal.
210
Objeto de conhecimento: Senhores e servos no mundo antigo e no medieval; Escravidão e trabalho livre em
diferentes temporalidades e espaços (Roma Antiga, Europa medieval e África). (p. 217-218)
669
pelo RCC. Não é uma situação diretamente relacionada ao que ocorre durante projeto,
mas em sala de aula, enquanto se problematizam os conceitos, como por exemplo, o
de imperialismo. Em geral, os apontamentos dos alunos nesse sentido surgem
quando são questionados sobre quem eram os escravizados e, automaticamente
respondem: os negros.
O objetivo geral do projeto, que também está presente como parte constituinte
do PPP da escola, é compreender e resgatar a diversidade da cultura afro-brasileira
a fim de abordar aspectos positivos e debater estereótipos. Problematizando a partir
de uma perspectiva decolonial, as implicações históricas que condicionaram o povo
negro a uma situação de subalternidade, e resgatando a sua resistência que das mais
variadas formas sempre se opôs ao status quo da branquitude. Como ressalta Fanon,
a sociedade tem extrema responsabilidade na formação do ser e, portanto, “o
670
prognóstico está nas mãos daqueles que quiserem sacudir as raízes contaminadas
do edifício” (FANON, 2008, p.27).
Desde a sua primeira edição, nas aulas de História orientadas pela professora
Isadora, o projeto envolveu todas as turmas da área, do 6° ao 9° ano. Devido a sua
abrangência, foi necessário negociar com os colegas das outras disciplinas períodos
em que os alunos pudessem, caso fosse necessário, desenvolver o trabalho. Essa
estrutura segue até a edição mais recente, mas à medida que o projeto foi se
consolidando, mais colegas aderiram. Esse acolhimento foi muito importante, pois a
pesquisa requer dialogar com outras áreas multidisciplinares de conhecimento.
671
O material pesquisado sempre é trazido para a aula e debatido com cada
grupo. Além da pesquisa é elaborado um cartaz em aula, que propicia aos alunos
uma troca que torna o projeto vivo e atrativo, pois se aplica uma metodologia
diferenciada das demais aulas ao longo do ano.
PALESTRAS
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ANO TEMÁTICA ABORDADA
CRONOGRAMA
28/10 a Sorteio dos grupos e do tema; entrega da folha contendo
01/11 as orientações para o trabalho e o material necessário.
211
As bonecas, símbolo de resistência, ficaram conhecidas como Abayomi, termo que significa ‘Encontro
precioso’, em Iorubá, uma das maiores etnias do continente africano cuja população habita parte da Nigéria,
Benin, Togo e Costa do Marfim. Disponível em http://www.afreaka.com.br/notas/bonecas-abayomi-simbolo-de-
resistencia-tradicao-e-poder-feminino/. Acesso em 24 de jun. de 2020.
673
A culminância do projeto se deu no dia 23 de novembro com a exposição dos
trabalhos no ginásio (cartazes e máscaras); apresentação de dança coreografada da
música Ginga – Iza; apresentação de dança ensaiada e preparada pelos estudantes;
e venda de quitutes de origem africana pelos formandos dos 9° anos. Os educandos
foram avaliados pela organização e capacidade para realizar o trabalho em grupo,
pelas informações selecionadas durante a pesquisa (e problematizações surgidas ao
longo do processo formativo) e pelas atividades complementares e autônomas como
a apresentação de dança.
A ideia da dança por parte dos alunos surgiu após terem sido convidados a
contribuir, na medida do possível, para trazer um grupo de dança de rua, o Restinga
Crew, que se apresentaria na escola. A possibilidade de ter a apresentação já motivou
um pequeno grupo de estudantes do sétimo ano (quatro integrantes, sendo duas
meninas e dois meninos), a querem criar e apresentar a sua coreografia no sábado
do evento. Durante o contraturno, ou seja, pela manhã, o grupo ia à escola para
ensaiar e, certamente, foi um dos momentos mais emocionantes e de retorno. A
iniciativa da ideia, a criação da dança, a disciplina nos ensaios e a coragem e
segurança de se apresentarem diante da escola foi possibilitada devido ao projeto,
eles não só tiveram espaço, mas também se identificaram.
674
Fig. 1 e 2. Registros fotográficos
CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sala de aula, a complexidade do tema requer cada vez mais diálogo, pois
sua invisibilidade acaba reforçando posturas e opiniões racistas que já se tornaram
naturalizadas. O racismo por estar engendrado à estrutura do sistema, nem sempre
é perceptível, mas isso não diminui a responsabilidade de todos nós, mais
675
especificamente de educadoras e educadores de identificar essa estrutura opressora
e debater, ao contrário, essa invisibilidade torna essa tarefa imprescindível.
No caso do nosso país, que teve sua base econômica assentada por mais de
300 anos na utilização do escravizado como principal mão de obra, falar sobre
escravidão se torna essencial. Dessa forma, compreende-se que os debates em torno
do empoderamento negro se consolidaram a partir da valorização da influência
africana que aqui ingressou de maneira compulsória, mas, ainda assim, sobreviveu
e contribuiu muito para o enriquecimento da nossa identidade.
Referências
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maio - agosto de 2013, pp. 89-117. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n11/04.pdf Acesso em
03/08/2020.
BARBON, Júlia. LEMOS, Marcela. Menino de 14 anos é morto em casa durante ação da PF no Rio. Folha de São
Paulo, Rio de Janeiro, 19 de maio de 2020. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/menino-de-14-anos-e-morto-em-casa-durante-acao-da-pf-no-
rio.shtml . Acesso em: 14 de jun. de 2020.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.
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Caso Miguel: como foi a morte do menino que caiu do 9º andar de prédio no Recife. G1, Pernambuco, 05 de junho
de 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/06/05/caso-miguel-como-foi-a-
morte-do-menino-que-caiu-do-9o-andar-de-predio-no-recife.ghtml Acesso em: 14 de jun. de 2020.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução de Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1968.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. tradução de Renato da Silveira . - Salvador: EDUFBA, 2008.
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pedagogia da pesquisa-ação. Educação e pesquisa, v. 31, n. 3, p. 483-502, 2005.
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MALDONADO-TORRES, Nelson. La descolonización y el giro des-colonial. Tabula Rasa. Bogotá - Colombia, No.9:
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PPP – Projeto Politico Pedagógico. EMEF Carlos Drummond de Andrade, Canoas - RS, 2014. 94 páginas.
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