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Tão Verdadeiramente Minha

Copyright © 2020 Flávia Cunha Santos.

Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a


transmissão total ou parcial, sob qualquer forma. Todos os personagens desta
obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá
sido mera coincidência.

Capa: Adobe Stock


Contato: http://flaviacunha.com
Trilogia Bastardos & Honrados
Livro 1

Tão Verdadeiramente Minha

Flávia Cunha
Sumário
Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Epílogo
A Trilogia
A Autora
Capítulo 1

Lady Alice Catherine Leisceshire compareceu ao belíssimo baile da


condessa Stanford, o último grande evento da temporada, repleto com grande
parte da mais nobre — e esnobe — sociedade londrina. Estava enfadada e
queria mais do que tudo voltar para casa e descansar para no dia seguinte
terminar de arrumar seus pertences para a viagem que fariam para a casa de
campo da família em Kent.
Suspirou entristecida então rapidamente forçou um sorriso e olhou a
sua volta, tentando descobrir se alguém notará sua indiscrição, mas como em
todas as festas da temporada ninguém lhe prestava atenção. Durante toda a
noite viu as lindas e jovens debutantes, com seus belos vestidos a rodopiarem
pelo salão, nos braços de jovens cavalheiros elegantes. Observando-as,
sentiu-se nostálgica. Podia lembrar-se do tempo em que ela própria foi uma
daquelas despreocupadas moças, cujo único objetivo era conquistar um
pretendente.
Com dezesseis anos, fora a mais bela de sua temporada e mesmo
sendo filha de um simples barão com graves problemas financeiros, havia
recebido algumas propostas de casamento. Não que tivesse se entusiasmado
com algum dos pretendentes. E não era como se fosse fazer alguma diferença
ter se apaixonado por um deles, já que foi o seu pai quem escolheu o seu
futuro esposo. Ou a proposta mais vantajosa, lembrou e estremeceu.
Lorde Sullivan tinha quatro vezes a sua idade e já fora casado duas
vezes. Viúvo e sem filhos queria uma nova esposa que fosse jovem o bastante
para produzir herdeiros. Alice quase não foi capaz de esconder o horror que
sentiu ao descobrir que teria que se casar com aquele homem. O seu noivo
gostava de beliscá-la quando não havia alguém por perto e fazia coisas
estranhas com a língua. Durante seis meses, enquanto seus pais preparavam o
casamento — mesmo a filha de um Barão endividado não se casaria sem um
luxuoso enxoval e sem uma festa com toda pompa — pediu fervorosamente a
Deus que a livrasse daquele destino, jurou que preferia mil vezes morrer
solteira a casar-se com um homem tão... tão... nojento.
Suspirou de seu canto, apenas um pouco afastada das matronas da
sociedade, dessa vez camuflada por uma grande escultura. Seu vestido cor de
marfim era elegante e discreto ao ponto de ajudá-la a passar despercebida.
Agitou seu leque enquanto lembrava-se do seu passado ou mais precisamente
da morte de lorde Sullivan. No dia de seu casamento. Ainda podia ouvir a
voz de seu pai em sua cabeça quando soube da notícia.
— É uma sorte que o infeliz pagou pela festa e que tenha me dado o
dinheiro do acordo de casamento ontem a noite, não acha?
E então, seu pai a obrigou a levar luto por um período de um ano
inteiro, o que pareceu interminável para ela. Seu pai dizia que era uma
questão de respeito. Alice só não sabia se em respeito à fortuna pela qual
lorde Sullivan havia lhe comprado ou por sua morte. Então, quando voltou a
frequentar as festas e bailes foi sutilmente sendo ignorada pelos cavalheiros
elegíveis e relegada ao grupo das matronas e solteironas nas festas. Sempre
ouvindo comentários maldosos sobre ter sido a causa do ataque que levou seu
noivo a falecer no dia do casamento. Seu pai não conseguiu esconder o
desgosto por não poder vendê-la, quer dizer, casá-la outra vez.
Mesmo não sendo culpada da morte de lorde Sullivan, aceitou
resignada tanto os comentários maldosos quanto o desgosto de seu pai.
Provavelmente fora muito contundente em suas preces e então talvez fosse
um pouquinho culpada afinal. Nunca havia se considerado uma pessoa
especialmente religiosa, embora soubesse ser bastante fervorosa em seus
pedidos a Deus. E ele realmente havia atendido suas preces. Agora, aos vinte
anos, além de sentir-se culpada pela morte de um homem, provavelmente
morreria solteira.
Calculou mentalmente quanto tempo mais precisaria ficar ali,
esquecida em um canto, antes que sua mãe finalmente decidisse que era o
momento de agradecerem a anfitriã e despedirem-se. Finalmente a temporada
estava acabando e logo poderiam voltar para a casa de Kent. Pensava na casa
de campo e por isso não observou sua mãe se aproximar desde o outro lado
da sala. Sua mãe não podia vê-la escondida onde estava, porém Alice podia
além de observá-la, ouvir quando ela trocou algumas palavras com Lady
Talbot.
A baronesa parecia radiante com o casamento de sua filha “mais
nova” com o Conde Beaufort. Sim, Lady Talbot fez questão de encarar sua
mãe quando enfatizou que a mais nova de suas quatro filhas havia se casado e
muito bem. Uma delas veja só, havia conquistado um conde! E então a
maldade final, a frase que envergonharia sua querida mãe a cada vez que a
ouvia.
— É realmente uma pena que sua filha não tenha tido sorte.
Alice viu sua mãe ruborizar e engolir em seco antes de mudar de
assunto. Depois de tanto tempo, deveria estar acostumada a comentários
como o de Lady Talbot. Nada do que aquela mulher dissesse poderia ter o
poder de abalá-la, mas por algum motivo, ouvir as palavras dirigidas a sua
mãe àquela noite a abalou. Movendo-se discretamente, afastou-se das duas
mulheres e buscou um lugar, qualquer lugar, onde pudesse ficar sozinha.
Abriu a porta de um aposento e logo em seguida se afastou ao ver que estava
cheia de convidados do baile. Deu sorte com a próxima porta, onde encontrou
a biblioteca absolutamente vazia.
Levou as mãos ao rosto e só então percebeu que estava chorando. Há
quantos anos não chorava por seu futuro perdido? Era uma mulher adulta
agora, uma quase viúva que nunca encontraria o amor, que nunca teria sua
própria família.

Seu próprio pai usara-a na tentativa de melhorar de vida, vendera-a


aquele que dera o melhor lance, ignorando os seus sentimentos, desprezando
todas as informações ruins que existiam sobre o seu futuro marido. Depois
disso quem iria lhe levar a sério? Quem seria corajoso o bastante — ou tolo o
suficiente — para lhe propor casamento? Ela, que desde o fatídico dia de seu
casamento era conhecida como a quase viúva de Lord Sullivan? Suspirou e
buscou seu lenço, quando um quadrado perfeitamente dobrado de tecido
branco surgiu diante de seus olhos.
Levantou o rosto, mas foi impossível discernir a quem pertencia o
vulto a sua frente. Um cavalheiro, sem dúvida, mas no escuro estava bem
difícil ver suas feições.
— Obrigada. — pegou o lenço e limpou o rosto o melhor que pode.
— Senhor...
— Warthon.
A voz grave e profunda lhe provocou um arrepio. Gostaria de ver
melhor o rosto do homem a que lhe cedera o lenço para saber se parecia tão
imponente quanto o som de sua voz.
— Oh, Lord Warthon... eu não queria incomodar. Não sabia que havia
alguém nessa sala. — murmurou levantando-se apressadamente e fazendo
uma pequena reverência ao Conde de Salisbury.
— Não tem porque desculpar-se. — disse de maneira enfática,
pegando em sua mão. — Não anunciei minha presença senhorita...
— Leisceshire. — respondeu ainda admirada com o quão bonito era o
timbre de sua voz e nervosa por tê-lo segurando a sua mão enluvada.
— Filha de Nevill Leisceshire? — observou-a assentir. — Não me
lembro de ter sido apresentado à senhorita.
— Provavelmente porque não fomos apresentados, senhor. —
murmurou nervosa, soltando a mão da dele.
Mesmo com as luvas era possível sentir o calor das mãos grandes e
fortes. Estava sozinha com um dos homens mais cobiçados do momento em
toda Londres. E o mais misterioso. Thomas Warthon veio de longe para
assumir o condado de Salisbury após a morte de seu irmão mais velho.
Mesmo sendo um filho bastardo do velho conde, seu irmão havia conseguido
que o pai deixasse um testamento que, no caso de sua morte sem que ele
deixasse herdeiros, seu irmão bastardo ocuparia seu lugar.
Douglas Warthon era um homem bonito e distinto. Havia dançado
com ele na sua temporada. Parecia que ele havia dançado com cada
debutante, ao menos uma vez durante os vários bailes que se sucediam aquele
ano. Nos anos seguintes ele não foi visto muitas vezes. As pessoas
comentavam que ele estava com problemas de saúde e os boatos
provavelmente eram verdadeiros desde que a notícia de sua morte não os
havia surpreendido quando foi dada a notícia três meses atrás.
Voltando a prestar atenção ao homem a sua frente, imaginou o que
aconteceria se fossem pegos ali sozinhos. Quase fora empurrada para um
casamento arranjado e sabia o quanto isso era horrível. Não queria dar
margens para que aquele homem ficasse em uma situação comprometedora
com uma solteirona como ela.
— Tenho que ir... — murmurou antes de tentar caminhar para a porta.
— Fique um pouco mais Lady Leisceshire. — Lord Warthon pediu.
— Apenas o tempo de contar-me o motivo de suas lágrimas, se nada mais.
— Eu poderia comprometê-lo ficando aqui.
— Eu duvido que seja o caso senhorita. — O som de sua risada fez
coisas engraçadas com seu estômago. — Mais provável eu comprometer sua
virtude, não crês?
— Dificilmente. — Foi a vez de Alice sorrir e então seu semblante se
tornou sério. — Eu quase me esqueci de que o senhor esteve longe por
muitos anos e não sabe das notícias que envolvem meu nome ou não
estaríamos tendo essa conversa.
— Então, coloque-me a par dos acontecimentos. — ordenou com
apenas uma pitada de arrogância. — Que coisa tão grave a senhora fez que
poderia comprometer-me em sua presença?
Ouvindo barulhos mais próximos de onde se encontravam e sabendo
que havia pouco tempo para sair dali sem que fosse vista, caminhou para
porta antes de responder de forma a encerrar a conversa de forma definitiva.
— Eu matei um homem.
E então, deixando mudo o conde de Salisbury, escapuliu da sala e
voltou para a agitação da festa. Em seu caminho foi cumprimentada por
Andrews Fanton, Marquês de Devonshire. Sentiu seu rosto quente por pensar
que Lord Fanton poderia imaginar que estivesse com alguém em algum
recanto escondido da mansão. Então, enrubesceu ainda mais, ao se
conscientizar de que foi exatamente o que havia feito. Não por sua escolha,
dado que não esperava encontrar alguém na sala escura e vazia, mas de fato
esteve sozinha com um homem em um aposento mal iluminado.
Respirou pausadamente e sorriu para a mulher bonita que a
cumprimentou, sem saber direito quem era. Mas podia dizer sem sombra de
dúvidas quem era o seu acompanhante. Nathan Tyrant, Duque de Montrance.
O homem era quase bonito demais e bastante ousado, pensou ao observar o
sorriso que ele lhe dirigiu. Ignorou o flerte descarado e totalmente
inapropriado e se afastou. Então, estavam ali na festa todos os “três bastardos
honrados” como as más línguas se referiam ao trio de amigos Nathan,
Andrews e Thomas. Havia visto Lord Fanton em alguns dos eventos da
temporada. O mesmo para Lord Tyrant, mas nenhuma vez se encontrou com
Thomas Warthon.
Ainda sentindo-se um pouco afogueada, deu uma volta inteira no
salão de baile, cumprimentando as pessoas por quem passava, antes de
sentar-se pesadamente na cadeira atrás da escultura, mais uma vez. Todas as
jovens casadoiras da temporada — e até mesmo aquelas em sua segunda ou
terceira temporada — desejavam uma chance com um dos três homens. Não
era nenhum segredo que após Warthon herdar seu título, os três amigos
estavam em busca de esposas. Enquanto ponderava sobre que mulheres
acabariam por se tornar as esposas de cada um dos homens, perguntou-se se
Warthon seria tão bonito quanto os amigos?
Viu sua mãe fazendo um sinal para ela do outro lado da sala e
entendeu que estava dando a noite por encerrada. Não havia sinal do seu pai e
Alice não se preocupou por isso. Raras foram às vezes em que seu pai saiu
junto com elas de algum evento. Ao que ela agradecia a Deus, pois seu pai
não era um homem afável e vez por outra fazia questão de lhe lembrar de que
ela era um fracasso.
Em breve estaria em sua amada casa em Kent e por um tempo poderia
viver sem culpas e sem medos. Na próxima temporada saberia quem foram as
escolhidas para esposas escolhidas pelos bastardos honrados.
Capítulo 2

Thomas Warthon esticou a perna de forma mais confortável dentro do


espaço da carruagem, enquanto ela cortava as estradas em direção à casa do
Duque de Sommerfield. O ferimento em sua perna, que o deixou manco,
também foi o responsável por sua baixa no exército. Fechou os olhos e
pensou em sua lenta recuperação. Foram quase três meses entre a vida e a
morte e sem saber se iria manter sua perna. E então, depois de tudo pelo que
passou, recebeu a dispensa do serviço e uma carta que James, o melhor amigo
do seu irmão, lhe enviara meses atrás.
Douglas Warthon, seu irmão, foi o melhor homem que ele conheceu
em sua vida. O primogênito e único herdeiro do Conde de Warthon, que ao
descobrir que seu pai tinha um filho bastardo que havia rejeitado, moveu céus
e terra para trazê-lo para o seu convívio. E então tudo mudou na vida de
Thomas. Douglas havia exigido que seu pai o colocasse em uma escola
melhor e depois o chantageou para que o reconhecesse publicamente. O
escândalo foi enorme e a vida de Thomas virou um inferno. Apenas o apoio
incontestável de seus melhores amigos Andrews Fanton e Nathan Tyrant,
frequentadores da mesma escola e filhos bastardos iguais a ele, além das
visitas constantes de seu irmão e James Berkeley o melhor amigo de Douglas,
o manteve firme durante todo o escândalo.
Douglas não se importava que suas mães fossem diferentes. Seu
irmão o amava. Tanto que, mesmo não concordando, financiou sua ida para o
exército quando ele quis sair de Londres e fugir de toda a situação
escandalosa que o seu reconhecimento causou. Em sua última visita, sentiu
que seu irmão escondia alguma coisa dele, mas não conseguiu descobrir o
que era. Achou Douglas cansado e perguntou se administrar a herança e as
propriedades que havia herdado estavam o deixando doente. Seu irmão riu e
disse que tinha James para ajudá-lo a cuidar de tudo e apenas tinha
recentemente saído de uma gripe. Ele havia se recusado a falar sobre o
assunto como se fosse uma bobagem. Porém, mesmo que Doug fosse bom o
bastante para tentar não demonstrar, sentia que havia algo errado. Quando
havia questionando James, não conseguiu tirar dele mais do que conseguiu
tirar do seu irmão. Não achou ruim a atitude de James. Ele era leal a Doug.
Mas se tivesse seguido seu instinto, se soubesse que perderia seu irmão tão
cedo, teria ficado em casa.
James foi quem sempre esteve presente para o seu irmão. Quando ele
enfrentou seu pai, quando ia lhe visitar na escola ou quando seu pai morreu.
James foi aquele que cuidou de Doug enquanto estava enfermo. Quem
estendeu-lhe a mão em seus últimos minutos de vida. Que escreveu para ele,
mesmo contrariando os desejos de seu irmão, contando sobre a doença e o
que estava acontecendo. A carta não chegou a tempo para que pudesse ver
seu irmão vivo uma última vez, assim como não chegou a tempo de impedir
que fosse ferido de forma irreversível durante uma batalha. Ainda assim,
tinha muito ao que agradecer a James Berkeley e faria isso. Mesmo que não
fosse a carta que seu irmão lhe deixou e que James lhe entregou assim que
chegou a Salisbury House. A carta que carregava com ele a todo o momento,
pois continham as últimas palavras que seu irmão lhe escreveu.

“Thomas,
Quando você estiver lendo essa carta, eu já não estarei mais aqui.
Antes que você fique bravo, deixe-me fazê-lo saber que não deixei James
avisá-lo de minha enfermidade. Eu sempre quis ser um bom exemplo para
você, alguém de quem você se orgulhasse. De todas as coisas que o meu pai
deixou-me, a melhor foi você.
Eu não tenho nenhum desejo de que você me veja morrendo. Ou que
se sinta obrigado a viver em um lugar onde todos lhe apontam o dedo,
apenas para estar ao meu lado em meus últimos momentos. Mesmo depois da
minha morte, James me prometeu ajudá-lo em tudo o que for preciso, se você
não quiser ficar. Saiba que ele também o ama como a um irmão mais novo.
Meu irmão há algo deveras importante para mim a tratar nesta carta.
Estou deixando aos seus cuidados a outra pessoa mais importante na minha
vida e que amei tanto quanto a você. Cuide James por mim. Ele irá precisar
de você. Ele se afastou da família para estar ao meu lado e já não é
totalmente bem-vindo por lá, então eu te peço, como um favor para o seu
velho irmão que não deixe James desamparado. Não estou falando de
dinheiro, ele tem mais do que o suficiente. Oras, mesmo que esteja afastado
dos seus, e que provavelmente nunca chegue a ser o herdeiro, ele ainda é um
nome na linha de sucessão do Marquês de Rutford. O que eu estou tentando
dizer é que James é um cuidador. Ele gosta de ser necessário as pessoas, de
tornar as coisas melhores para os outros. Ele fez as coisas melhores para
mim. E vendo que o meu fim se aproxima, sei que não serei capaz de
retribuir o favor e cuidar dele. Por isso meu pedido a você.
Lembra-se de sua última visita? Eu e James discutimos porque eu não
quis contar a você sobre meus problemas de saúde. Ele me perdoou porque
ele me ama muito e não consegue ficar com raiva de mim por muito tempo.
Eu sei que você me ama Tommy. Espero que você também consiga me
perdoar.
Estou escrevendo essa carta e lembrando-me com carinho de todos os
momentos que tivemos. Lembra-se da primeira vez que você tentou me
vencer numa partida de xadrez? Eu quase o deixei ganhar, mas então
percebi que não seria justo. Porque eu sabia que sua determinação em
vencer e se tornar cada vez melhor levaria você aonde quisesse. Você obteve
muitas vitórias desde então. Você conseguiu irmãozinho! Tornou-se um
homem forte, justo e integro. Tudo que homem que chamamos de pai não foi
capaz de ser. Estou tão orgulhoso de você Tommy!
Querido irmão, saiba que eu te amei desde o momento em que soube
da sua existência. Você é meu irmão mais novo, mas foi quase como um filho
que eu não tive e nunca terei. Tenho muito orgulho de tudo o que você
conquistou. E não estou falando de todas as medalhas que enfeitam seu
uniforme e sim do homem honrado que você se tornou.
Seja feliz meu irmão. Construa uma família e cuide dela melhor do
que o nosso pai fez. Você tem toda a vida pela frente e tem o meu apoio e
meu amor, mesmo eu não estando mais presente em sua vida. Seja feliz!
Douglas Warthon.

Lágrimas se avolumaram em seus olhos e Thomas as disfarçou. Faria


o possível para construir uma família feliz e honrar os desejos de seu irmão.
Não mais fugiria para outro país por causa de comentários maldosos ou
qualquer outra coisa. Seu lugar era aqui, levando em frente o nome de seu
irmão. Não do homem que foi obrigado a lhe reconhecer como filho, mas do
homem que lhe amou como um. Sentiria falta de Douglas por toda a sua vida.
Mas poderia ser o homem que ele acreditava que se tornaria.
Quanto a James... Encontrou um homem quebrado ao chegar a
Salisbury House, o sofrimento deixando visível em seu rosto todos os seus
anos de vida. Entretanto, como seu irmão bem descrevera, James era um
cuidador e ficou extremamente feliz ao vê-lo chegar pra ficar. Sorriu ao
lembrar a reação surpresa e feliz do homem ao lhe dizer que o queria em
Salisbury House, que precisava dele ao seu lado ou talvez não conseguisse
suportar seguir em frente. Ele ainda nem havia lido a carta de Doug quando
fez o pedido que emocionou o velho homem. Não podia conceber aquela casa
sem a presença sólida de James. As últimas palavras de seu irmão para ele
foram apenas uma confirmação de que sua atitude foi a mais acertada.
Depois de James lhe entregar a carta de seu irmão, ele o deixou
sozinho para que pudesse ler. A conversa que tiveram depois disso foi
emocionante.
—Eu não sei o que Doug... Douglas escreveu para você. — disse
contrito. — Mas vou entender se quiser que eu vá embora.
— Do que está falando? — Thomas perguntou surpreso. — Essa casa
é tão sua quanto minha, James.
— Os comentários não cessarão com sua morte. — disse pesaroso. —
Eu sei o quanto isso lhe afeta e...
— Eu não vou fugir dessa vez, James. — afirmou sua voz embargada.
— Se soubesse o quanto me arrependo de ter partido em minha última
visita...
— Douglas não queria isso. — James disse. —Ele nem mesmo me
queria ao seu lado no fim, mas eu não o deixei me afastar.
— Obrigado por isso. — Thomas avançou e abraçou o homem
também em luto. —Obrigado por tudo.
Thomas agradeceu a James por todo seu amor e dedicação ao seu
irmão. Aquele homem teve a coragem de ficar ao lado de seu irmão como
assistente pessoal, mesmo sabendo que corriam por toda Londres boatos
maldosos sobre a amizade deles. Foi muito mais corajoso do que ele havia
sido, fugindo por ser o filho bastardo do Conde de Salisbury.
Capítulo 3

Um buraco na estrada fez a carruagem sacolejar. Thomas encarou o


homem a sua frente com admiração. James parecia bem agora. Sim, ele ainda
tinha aquele olhar triste quando pensava que não havia ninguém observando e
Thomas sabia que ele jamais deixaria de sentir a falta de Douglas. Foram
muitos anos juntos para serem esquecidos.
Como se arrependia de não ter dado ouvidos ao seu amigo Nathan
que o aconselhara a ficar e enfrentar os boatos com seu nome e rir da cara da
sociedade hipócrita que condenava os filhos bastardos e não os nobres
repugnantes que concebiam essas crianças. Nathan era um jovem bastante
afrontoso. Desde que eram adolescentes, ele foi o que mais lutou contra os
padrões impostos pelos nobres arrogantes.
Seu passado era o mais difícil do “trio de bastardos” como eram
conhecidos. E aqueles tolos de nariz em pé, aprenderam a não mexer com
Nathan. Já Andrews era mais... frio. Sim, ele também o aconselhara a ficar ao
lado de seu irmão. Mas ao contrário de Nathan, lhe disse para ignorar os
comentários, os nobres, seu falecido pai e focar apenas nele e no que ele
merecia por direito.
Mesmo com personalidades tão distintas, eles eram os melhores
amigos. Nathan afrontoso, Andrews frio e ele... Ele era o mais fechado do
trio. Talvez essas diferenças fossem o que os uniu ou quem sabe eles fossem
velhos demais para estar naquela escola e soubessem disso. Não em idade,
pois eram jovens como todos os outros, mas eles três tinham vivido muito
mais do que qualquer um dos rapazes que passaram a maior parte do tempo
protegidos do lado escuro e feio da vida.
Depois da escola a vida dos três seguira por caminhos diferentes. Mas
eles sempre estiveram em contato, então quando voltou para... casa, ainda era
difícil pensar em Salisbury House como sua casa, foi natural se
reencontrarem. Não o surpreendeu que a mesma união e camaradagem ainda
existissem entre eles. As amizades forjadas na dificuldade tendiam a se tornar
mais fortes e duradouras. Seus amigos agora eram homens estabelecidos e
cada um ao seu modo, havia conseguido seu lugar entre os nobres. No
momento estavam empenhados em conseguir uma esposa e o convenceram a
participar dessa busca. Ainda podia lembrar a conversa tiveram em Salisbury
House.
— Somos agora nobres e ao que parece temos a obrigação de produzir
herdeiros. — Andrews disse de forma definitivamente pesarosa.
— O que não necessariamente precisa de um casamento para
acontecer. — James disse, instigando-os a continuar a discussão.
— Eu não sujeitaria uma criança ao que vivi sendo um bastardo. —
Thomas afirmou categoricamente. — Porém, não acredito que será fácil
encontrar uma esposa entre a nobreza.
— E por que não seria? — James mais uma vez intrometeu-se na
conversa.
— Somos bastardos, isso não é o suficiente? — disse com um esgar.
— E eu ainda sou um bastardo manco.
— Acredite Thomas, algumas das damas da sociedade o aceitariam
mesmo que fosse um bastardo cego e aleijado. — Nathan disse sem se mover
de onde estava jogado displicentemente em uma poltrona.
— Nathan tem razão, Thomas. — Andrews disse com um sorriso de
escárnio. — Nossos títulos e fortuna apagam qualquer pequeno defeito que
tenhamos.
— Um conde, um marquês e um duque. — James murmurou de seu
canto. — Nada mal para os três fedelhos que vocês eram!
— Quer saber, meu bom James? — Andrews disse levantando-se e
aprumando-se. — Você tem toda a razão.
Então os três riram e começaram a relembrar algumas das coisas que
aprontaram na juventude e que geralmente Douglas e James se apressavam a
corrigir. Antes de irem embora, porém, seus dois amigos com a ajuda de
James, o haviam convencido a se juntar a eles na busca por uma esposa. E
isso o levava ao momento presente, viajando para Kent para se hospedar na
casa de campo do Duque de Sommerfield, onde haveria a maior festa fora da
temporada, num ambiente mais divertido e menos formal que os grandes
bailes da cidade. James, depois de muito relutar, concordou em acompanhá-
lo. Thomas não queria deixá-lo sozinho em casa. Pretendia atender ao pedido
de seu irmão e cuidar do homem, mas também confiava em James como
confiara em seu irmão e queria sua opinião caso realmente encontrasse uma
pretendente. Era uma pena que não houve outra oportunidade para encontrar
a senhorita Leisceshire pessoalmente depois da interessante conversa que
tiveram na sala escura.
Havia encontrado Nathan em seu caminho e sorriu de sua indignação
ao lhe contar que fora ignorado pela jovem dama. Perguntava-se quão bonita
seria para que seu amigo a considerasse, mas quando conseguiu chegar aos
convidados da festa e sondar, a senhorita Leisceshire e sua mãe já haviam
deixado à residência. James escolheu esse momento para interromper suas
divagações.
— Ainda pensando na senhorita Leisceshire?
— Talvez. — Thomas tentou parecer desinteressado.
— Bem, você sabe agora que ela realmente não matou aquele velho
nojento e libertino.
— Eu não acreditei nisso em nenhum momento, James. — Thomas
afirmou. — Eu lhe contei que ela ignorou Nathan?
— Sim. — James sorriu. — Isso foi bom. Aquele jovem estava
ficando convencido com tantas mocinhas o adorando.
— Bem, ele vai encontrar algumas dessas mocinhas durante nossa
estadia com o Duque de Sommerfield. — disse com uma careta. — Talvez
ele realmente consiga encontrar uma esposa.
— Milagres às vezes acontecem. — James concordou com seriedade
antes de os dois caírem na risada.
Capítulo 4

A tarde estava bastante agradável, o clima ameno convidando para


atividades ao ar livre, o que seria bom para a festa que o primo de sua mãe
Hugh Westhbridge, o duque de Sommerfield, daria durante os próximos dias.
Quanto a ela, estava livre para passar alguns dias com suas primas e sem a
presença constante do seu pai lembrando-a de quão inútil ela era como filha.
Como se fosse realmente sua culpa que o seu casamento não
aconteceu. Ou que depois de tudo as pessoas a tratariam como algum tipo de
bruxa ou algo parecido, relegando-a ao posto de viúva negra. Também não
ajudava que seu pai a fez guardar um luto interminável por um homem com o
qual nem chegou a casar, mas seu velho pai não gostava de ser lembrado dos
seus erros.
Talvez por isso ele não se incomodasse com o fato de não comparecer
aos eventos nesta magnífica propriedade em que ela e sua mãe sempre eram
muito bem recebidas. O duque fazia questão de mostrar ao seu pai o quão
inconveniente e irresponsável o considerava.
Seu pai nem mesmo viera para a propriedade deles em Kent, um
pequeno chalé que pertencera aos seus avós e que ficava nos limites da
propriedade do duque de Sommerfield. Dizia que a casa era isolada demais e
que preferia a agitação de Londres.
Para Alice, era como o paraíso estar inteiramente livre dos ataques
constantes do seu pai e dar a sua mãe a tranquilidade de estar entre amigos
que a estimavam. Era emocionante observar sua mãe sorrir e se divertir em
companhia da duquesa. Enquanto isso estava livre para explorar a belíssima
propriedade do primo Hugh.
As filhas do Duque, suas primas Phoebe e Helena haviam escapulido
dos olhos vigilantes da mãe, principalmente Phoebe que sempre teve a saúde
muito frágil e era constantemente observada por todos de sua família, para
que pudessem passear. Alice conseguia entender a preocupação de todos. Sua
prima Phoebe sempre foi muito doente. Desde criança ela se cansava e sentia-
se indisposta com frequência, muitas vezes ficando acamada. Vários doutores
trazidos pelo duque para assisti-la, tentaram curá-la sem nenhum sucesso.
Alguns pareciam fazê-la sentir-se pior. Depois de um tempo seu tio parou de
trazê-los. A doença de Phoebe acabou por afastá-la de Londres e das
temporadas e sua irmã Helena se recusou a deixar Phoebe para trás e isso
acabou impossibilitando que as duas fossem apresentadas formalmente a
sociedade. Aquela manhã, suas primas estavam dispostas a
divertirem-se em sua companhia num dos seus passeios matinais pelo bosque
que fazia parte da grande propriedade. Não percorreram uma distância muito
longa para que Phoebe não se cansasse, apesar e que sua prima estava muito
mais disposta do que estivera em sua visita anterior. Quando chegaram por
um trecho mais difícil do terreno, apressaram-se a ajudá-la a passar por ele e
logo estavam em uma clareira perfeita para um piquenique.
Depois de ajudar Phoebe a sentar em uma das pedras largas e baixas
próximas a beira do riacho que cortava a propriedade, estenderam a grande
manta colorida sobre a relva macia e depositaram a grande cesta com as
guloseimas que retiraram da cozinha antes do passeio. Phoebe, apesar de
parecer um pouco ofegante, estava corada e com um sorriso enorme
estampado em seu rosto. Helena havia amarrado as saias de seu vestido azul
turquesa em suas pernas e retirado as meias e os sapatos. Agora chapinhava
na água rasa e transparente, procurando por peixes em meio as pedras lisas.
— Eu amo esse lugar. — Alice disse com um suspiro.
— Um dia eu terei uma propriedade tão bonita quanto essa dos meus
pais. Com um bosque e com cavalos. — Helena suspirou enquanto saltava
uma pedra. — Talvez até mesmo um pequeno riacho como este. — sorriu
sonhadora. — E você será sempre bem-vinda Alice.
Alice sorriu e agradeceu a generosidade da prima, ao mesmo tempo
em que Phoebe bufou de forma nada elegante.
— Para isso, você precisaria ter um pretendente. — Phoebe disse e
jogou uma pedrinha no riacho. — Coisa que, por minha culpa, você não tem.
— Não diga tolices. — Helena a repreendeu e saltou para outra pedra,
virando-se para a irmã com um sorriso no rosto. — Iremos todas encontrar os
nossos lindos pretendentes, casar e ter filhos lindos. — declarou com uma
convicção que quase parecia uma profecia. — Quem sabe algum dos
convidados da festa?
— Por mais que eu gostaria de acreditar em suas palavras, Helena,
sabemos que não é provável que isso seja verdade. — Alice suspirou. — Ao
menos, não para mim.
— Eu também não tenho muitas esperanças. — Phoebe suspirou. —
Quem há de querer como esposa alguém de saúde tão frágil?
— Não diga bobagens, minha irmã! — Helena ralhou aborrecida. —
Você é uma moça linda, prendada e tem um enorme coração.
— Sua irmã tem razão. — Alice disse e segurou a mão de sua prima.
— Além disso, você aparenta estar bem melhor.
— Sim! — Helena bateu palmas. — Desta vez estamos confiantes em
seu tratamento.
— Tratamento? — Alice questionou preocupada. — Pensei que seu
pai havia parado de trazer esses doutores...
Sua mente se voltou para todos os homens que afirmaram ter a cura
para os males de Phoebe e que a submeteram aos mais diversos e horrorosos
experimentos que só a faziam ficar muito pior. Acreditava que o duque havia
dado um fim a esses aproveitadores.
— Meu pai não o fez. — Phoebe explicou e sorriu. — O novo doutor
que chegou a cidade é um estudioso das plantas e vegetais. — explicou e
sorriu. — Ele diz que comendo algumas dessas plantas e vegetais irei
melhorar.
— Phoebe, tem certeza...
— Não se preocupe, querida. — tranquilizou-a. — Ele apenas
recomendou que eu evitasse carnes e leite, e passei a comer coisas como
couve e beterraba. — sorriu com a careta que Alice fez. — A cozinheira tem
feito refeições para mim de acordo com as instruções dele e tenho me sentido
muito melhor.
— Eu fico tão feliz por você! — Alice abraçou a prima. — Eu
realmente espero que esse tratamento dê certo.
— Sim, sim, que seja. — Helena chamou a atenção das duas. —
Vamos voltar ao assunto casamento.
Alice e Phoebe gemeram de forma dramática, depois seguraram o riso
quando Helena desequilibrou-se e deu um gritinho antes de aprumar o corpo
e estabelecer-se em outra pedra. Recuperando o fôlego encarou as duas antes
de perguntar.
— Vocês não sonham em ter uma família?
— Independente dos meus sonhos, eu não acredito que me casarei
algum dia. — Alice suspirou. — Depois do meu quase casamento e o período
de luto, parece que deixei de existir ou que me tornei invisível para os
cavalheiros.
— Os homens acreditam que minha doença afetou meu cérebro. —
Phoebe bufou. — É como se desejassem uma boneca e se é necessário fingir
ser ignorante e esquecer todos os livros que li, provavelmente não irei me
casar.
— Oh, sim! — Helena riu. — Lembro-me de sua discussão com o
marquês de Grafon.
— Sim, bem ele não ficou feliz quando expliquei que estava um
pouco confuso e que a “Ilíada” é um poema de Homero e não de Sócrates.
— Aquele senhor ficou tão vermelho que pensei que sua cabeça
estava pegando fogo. — disse Helena, segurando o riso. — Por isso derrubei
acidentalmente minha taça e acabei molhando-o quando percebi que ele não
iria aceitar graciosamente a interferência de Phoebe.
Riram com a lembrança e Alice pediu detalhes dos acontecimentos.
Logo depois se espalharam sobre a manta antes de atacarem os lanches que
trouxeram. Phoebe comeu apenas frutas, seguindo as orientações que o
médico prescreveu. Alice estava feliz que finalmente um tratamento estava
dando resultados positivos e sem serem incômodos ou invasivos. Sua prima
estava com uma aparência muito mais saudável agora. Ainda podia lembrar-
se da última visita que fizeram a ela antes da temporada. Sua aparência frágil
a havia assustado sobremaneira.
— Aqueles livros na biblioteca, a maioria deles são escritos por
homens... — Phoebe disse um tanto quanto pensativa. — Como é pouco
provável que eu me case, talvez eu deva escrever um livro.
— Isso seria maravilhoso, Phoebe! — Alice exclamou. — Mas não
acredito que sua ideia será bem recebida.
— Papai não se oporia. — proferiu de forma pragmática. — Minha
saúde frágil faz com que ele seja benevolente para comigo.
— Entretanto irás ouvir que uma mulher não deve se importar com
essas coisas. — Helena disse com um sorriso zombeteiro. — E deve
preocupar-se em arranjar um bom marido e que lhe garanta um bom lar.
Alice bufou de forma nada encantadora e feminina chamando a
atenção de suas primas.
— E então, o quê? — perguntou exasperada.
— E então, se for abençoada terá filhos lindos. — Helena concluiu
com um floreio. — Eu posso fingir ser uma jovem sem cérebro.
Riram da cara que Helena fez antes de voltarem a atacar a comida.
— Bem, mesmo que por um milagre alguém decida se casar comigo,
nada garante que poderei lhe dar um herdeiro. — Phoebe disse resignada
voltando ao assunto. — A ideia de escrever um livro se torna mais atraente a
cada momento.
— Eu gostaria de ter algum dom especial. — Alice suspirou. — Sem
possibilidades de casamento e sem talento para a escrita, não vejo nada
mudando em minha vida.
— Pois eu acredito que papai convidou cavalheiros disponíveis. —
Helena repreendeu-as. — Talvez eles nos vejam como possíveis
pretendentes.
— Que não seja um velho asqueroso como o Sr. Sullivan. — Alice
murmurou.
— Que não seja ignorante como o Sr. Grafon. — Phoebe bufou.
— Será inteligente, bonito e rico. — Helena declarou.
E então mais uma vez caíram na gargalhada, o som de suas risadas
dispersando com o vento, enquanto tentavam imaginar um pretendente
perfeito.
Capítulo 5

O comentário jocoso e desrespeitoso soou alto na sala subitamente


silenciosa. Haviam acabado de jantar e estavam se encaminhando para o
salão onde jovens damas fariam um pequeno concerto, quando o jovem
imberbe proferiu o insulto dirigido a James que estava ao seu lado. O homem
ficou visivelmente rígido, fora isso tentou fazê-lo ignorar e continuar
caminhando para o grande salão. Thomas parou e, assim como fizeram os
seus amigos, encarou o rapaz, reconhecendo-o como filho do visconde
Witteshire.
— O que disse? — Sua voz soou fria como gelo.
— O que Antony disse é que infelizmente terá que deixar nossa
companhia e voltar para sua propriedade em Bath. — O duque de
Sommerfield informou a todos, sua voz reverberando pela sala de forma
impressionante.
Por um momento Thomas pensou que o jovem afrontaria seu
anfitrião, mas após olhar a quantidade de pessoas na sala que o encaravam,
provavelmente pensou melhor e deixou a sala sem despedir-se ou pedir
desculpas.
— Então James, conte-me mais sobre aquele terrível alazão de
Douglas. — pediu o duque enquanto caminhava para o salão ao lado de
James, levando os outros convidados a se moverem também. — Ainda tenta
morder a todos que tentam alimentá-lo?
— Sim, ele faz. — James respondeu com um sorriso, visivelmente
aliviado que a breve altercação fora interrompida. — Porém, lembro-me que
ele nunca tentou mordê-lo.
— Eu tenho muito jeito com animais. — O duque olhou na direção
que Antony saiu e riu de sua própria piada. — Talvez eu até possa montar
aquela besta!
Enquanto os dois se afastavam, Thomas ainda conseguiu ouvir James
rir e convidar o duque para visitar Salisbury House.
— Talvez você deva tentar a sorte em sua próxima visita?
Quando teve certeza de que tudo estava bem, conseguiu respirar
aliviado. Sabia que os comentários maldosos seguiam James em todos os
cantos. O título de seu irmão o protegia da maioria dos insultos, que eram
apenas sussurrados de maneira furtiva por onde ele passava, enquanto James
os recebia de frente, à queima-roupa. Ele mesmo havia recebido sua própria
dose de insultos e comentários ofensivos, mas optara por fugir de tudo isso.
Admirava a coragem e o amor de James que o mantiveram firme ao lado do
seu irmão, sem vacilar em nenhum momento.
Seus amigos permaneciam ao seu lado, prontos para ajudá-lo ou
protegê-lo — o que se mostrasse necessário — e juntos eram algo a ser
notado na grande sala que antecedia o salão de baile. Nathan parecia
impaciente, e logo quando James se afastou murmurou uma desculpa e sumiu
por uma das portas laterais. Esperava que não fosse à procura de confusão.
— Você está bem? — Andrews perguntou com seriedade.
— Sim, eu só preciso de um momento sozinho e uma bebida. —
informou ao amigo.
— Eu farei o sacrifício de ouvir a apresentação e ficarei de olho em
nosso James.
Thomas acompanhou a saída do amigo, emocionado que eles tinham
tanto carinho por James quanto ele. No fim das contas, havia conseguido uma
família muito mais unida do que a maioria dos jovens nascidos em meio a um
casamento. Douglas, James, Nathan e Andrews eram a sua família e ele os
amava.
Caminhou até a porta da biblioteca, ignorando as poucas pessoas que
ainda se encaminhavam para o salão de baile, e adentrou o espaço
abençoadamente silencioso. Serviu-se de uma dose de bebida quando ouviu
um barulho às suas costas, indicando que não estava sozinho.
— Quem está aí?
Um suspiro veio da pessoa, uma mulher, que estava parada a porta
prestes a sair antes que ela lhe respondesse.
— Eu já estou de saída, milorde.
A voz rouca soou baixa, porém límpida, quando a mulher moveu-se
da porta e olhou em sua direção tentando vê-lo na sala sem iluminação,
trouxe a Thomas lembranças de outro encontro às escuras, não muito tempo
atrás.
— Senhorita Leisceshire?
O som ofegante e surpreso que chegou aos seus ouvidos respondeu
sua questão antes mesmo de ouvir a indagação murmurada num tom um
pouco mais alto.
— Lord Warthon?
Um sorriso brincou em seus lábios enquanto se aproximava da porta e
da senhorita Leisceshire.
— Acredito que precisamos nos apresentar formalmente se vamos
continuar nos encontrando assim. — apoiou a mão na porta, prendendo-a no
local. — Concorda comigo?
— Lorde Warthon...
— Thomas.
— Lorde Warthon eu acredito que é bastante... impróprio nós nos
encontramos assim... eu deveria voltar ao salão...
— Senhorita Leisceshire, eu devo concordar que é impróprio nos
encontramos sozinhos em uma sala escura. — apoiou a outra mão na porta.
— Mas, não acho que deva deixar esta sala.
— N... não?
— Não. — murmurou em seu ouvido. — Ao menos, não antes de nos
conhecermos melhor.
— Eu não penso que isso seja... adequado. — murmurou.
Alice estremeceu com a proximidade do homem a sua frente, seu
coração disparado e as palmas das mãos suando dentro das luvas. Ele parecia
muito mais alto enquanto estava tão perto dela. Tão perto que podia sentir o
calor do seu corpo e ouvir sua respiração. Por um momento pareceu se
esqueceu de respirar tão confusas e diferentes eram as emoções que estavam
tomando conta dela. Desejou ver o seu rosto e descobrir...
Como que adivinhando seus desejos, ele segurou uma de suas mãos e
levou-a até seu rosto.
— Penso que é totalmente inadequado. — riu baixinho, antes de
levantar sua própria mão e traçar com os dedos o rosto delicado.
Impotente diante de suas emoções e do toque suave, Alice fechou os
olhos e saboreou o momento. Antes do seu noivado e quase casamento,
sonhou em encontrar um pretendente educado, gentil e com quem pudesse
conversar. Alguém amoroso como o duque de Sommerfield era com sua
esposa e filhas. O rosto de Hugh parecia sempre suavizar ao olhar sua esposa,
que enrubescia e sorria como se compartilhassem um segredo só deles. Tão
diferentes dos seus pais, que talvez fossem uma exceção inalcançável a ser
almejada.
Quando seu pai a deu em casamento para lorde Sullivan, todos os seus
sonhos foram suplantados pela terrível realidade e depois, ao ser rotulada e
deixada de lado, desistiu de sonhar com um casamento e uma vida normal.
Detestava o homem e sentia-se mal apenas de estar em sua presença. Mesmo
os vários pretendentes dispensados por seu pai em sua temporada, não a
fizeram sentir nada mais que confortável em suas presenças.
Perguntava-se a todo instante se havia algo errado com ela e então
agora...engoliu em seco ao sentir os dedos longos e frios deslizarem por sua
garganta. Talvez existisse algo muito errado com ela para reagir de maneira
tão desavergonhada ao toque de um homem e pior que isso, desejar mais
dessa carícia, desse toque tão...
—... Inadequado.

— Eu não me importo.
Thomas conscientemente aproveitou-se de sua posição vantajosa para
tornar a situação muito mais inadequada. Com a mão em seu queixo, ergueu
seu rosto o suficiente para que se inclinasse em sua direção e pudesse roubar-
lhe um beijo.
O suave toque em seus lábios surpreendeu Alice que abriu os olhos,
um pouco assustada pelo que acabara de acontecer. Levou as mãos enluvadas
aos lábios e com uma urgência que lhe teria sido útil momentos antes, abriu a
porta às suas costas e fugiu sem olhar para trás.
Thomas observou a saída rápida e impetuosa com um sorriso no rosto.
Havia sido totalmente e conscientemente inadequado. O que a senhorita
Leisceshire não sabia era que no momento em que a teve em seus braços,
soube com certeza que sua busca por uma esposa havia acabado. Agora, tinha
que convencer a jovem que formariam um ótimo casal. O bastardo e a Viúva
Negra.
Capítulo 6

Alice acordou pensando em como encararia a todos depois de seu


comportamento na noite anterior. Pior! Como poderia encarar lorde Warthon
depois de responder de forma tão despudorada aos seus avanços...
inadequados? Puxou as cobertas e escondeu-se embaixo delas, enquanto
planejava as mais diversas desculpas para nunca mais deixar o quarto em que
estava. O que de fato não aconteceria desde que sua mãe, que estava no
quarto adjacente, acabara de entrar no quarto e abrir as cortinas!
— Bom dia, querida! — disse com alegria. — Sente-se melhor?
Alice encarou a mãe, confusa por alguns momentos sobre o que ela
estava falando até lembrar que depois do seu encontro com lorde Warthon na
noite anterior, havia saído em busca de um empregado para avisar a sua mãe
que estava indisposta.
— Estou bem, mamãe.
— Que boa notícia. — Sua mãe começou a mexer em suas roupas
enquanto falava. — Hugh nos convidou para o café da manhã na sala da
família!
Isso fez Alice se mexer e começar a se arrumar. Enquanto os
convidados do duque não haviam chegado e apenas sua mãe e ela eram
hóspedes na casa, faziam as refeições na sala da família. Com a chegada de
tantas pessoas importantes a propriedade, imaginou que a rotina mudaria,
mas, pelo visto o primo Hugh não pensava assim. Seu pai faria questão de
estar entre os nobres convidados, relegando a família ao esquecimento.
As refeições nos aposentos da família do duque eram bastante
descontraídas e sem muita cerimônia. Alice estranhou o quão introspectiva
estava a esfuziante Helena e quão triste Phoebe parecia aquela manhã. Hugh
inclusive bebia os sucos e comia as frutas e legumes — por mais estranho
que fosse comer legumes no café da manhã — que o novo médico havia
receitado a Phoebe. Estavam terminando a refeição, Hugh contando sobre a
caça ao tesouro organizada para aquela tarde, que seria em pares, explicando
a elas deveriam participar para que se formassem o número de casais
necessário para o jogo.
— Se o senhor diz, papai. — Helena fez uma careta, pensando na
possibilidade de passar a tarde na companhia de algum velho chato.
— Os pares já estão definidos? — Phoebe perguntou
surpreendentemente empolgada.
O primo Hugh deu um sorriso misterioso antes de encarar as filhas e
responder de maneira inocente.
— Sim. — Seus olhos se voltaram para Alice, antes de completar. —
Eu tive a ajuda do meu bom amigo James Berkeley na composição dos pares
e das pistas da caça ao tesouro.
— O senhor Berkeley é um bom homem e muito prestativo. — Alice
ouviu sua mãe comentar e a encarou surpresa. — Eu não compartilho das
opiniões de seu pai a esse respeito.
— Não apenas a esse respeito, como com outras tantas opiniões de
Nevill. — Hugh as interrompeu ao afirmar.
— Hugh...
— Perdoe-me Anne, mas sabes muito bem o que penso sobre o seu
esposo. — encarou Alice que observava surpresa com o diálogo a desenrolar-
se a sua frente. — Sua mãe é uma pessoa maravilhosa e com um grande
coração.
— Eu sempre soube disso. — Alice confirmou.
Infelizmente sua mãe não teve a sorte de encontrar um homem bom,
que a estimasse e a fizesse feliz. O fato de ter dado a luz apenas a ela e não
poder dar ao seu pai um varão, o filho homem e herdeiro que ele tanto
desejava foi motivo de muitas brigas, terminando no choro silencioso de sua
mãe.
Depois do seu quase casamento, as agressões verbais passaram a ser
dirigidas também a Alice, colocando sua mãe constantemente na difícil
posição de defendê-la. Muitas vezes chegou a pensar que talvez fosse melhor
se lorde Sullivan não tivesse morrido antes do casamento ser concretizado.
Talvez, na condição de viúva pudesse sonhar com uma vida diferente, longe
dos ataques constantes do seu pai e do sofrimento que causava a sua mãe.
Sabia que seu pai vivia em jogatinas e que provavelmente haviam amantes.
Seu pai não escondia o desprezo que sentia, como se ela fosse a culpada por
todas as coisas ruins que aconteciam com ele.
Suspirou entristecida, sabendo que estavam presas àquela vida por
conta de todos os boatos e suspeitas que envolviam seu nome. Que homem
teria coragem de casar com ela? Voltou a prestar atenção a conversa quando
ouviu Hugh falar seu nome. Estavam falando sobre a modista que ele havia
contratado para fazer vestidos novos para todas elas e que chegaria em breve
para fazer os últimos ajustes para o baile do dia seguinte.
Até em coisas assim ficava claro o quanto o primo Hugh era um bom
homem. Sim, ele não escondia que amava a esposa e as filhas. Sim, ele fazia
o possível para que sua mãe pudesse sorrir e se sentir a vontade enquanto
estava hospedada com sua família. Ele até mesmo cuidava para que
estivessem vestidas a altura dos convidados e que tivessem tudo que
considerava o melhor. Lágrimas se avolumaram em seus olhos e disfarçou-as
com um sorriso.
Voltou a atacar sua refeição como se estivesse morta de fome e evitou
encontrar o olhar de alguém. Passou a olhar fixamente para o prato a sua
frente. O que foi bom, pois sentiu as bochechas esquentarem ao ouvir o primo
Hugh falar o nome de Lord Warthon enquanto comentava sobre os cavalos de
sua propriedade.
Podia ainda sentir em seus lábios o beijo. Fora totalmente inadequada
e provavelmente seria uma tola se desejasse encontrar com o homem às claras
para que pudesse ver o seu rosto quando ele a beijasse novamente. Queria ser
beijada novamente e sentir seu estômago se agitar outra vez.
Se fechasse os olhos por um instante conseguiria lembrar a sensação
dos dedos a tocar o seu pescoço. O hálito fresco em seu rosto e a voz rouca a
sussurrar “eu não me importo”. Abriu os olhos ao perceber que fez algum
barulho — um gemido talvez? — e todos à mesa a observavam com
expressões confusas e preocupadas.
— Peço licença para me retirar para os meus aposentos. — murmurou
envergonhada. — Necessito descansar antes da caça ao tesouro.
Depois de se despedir rapidamente, Alice correu para o seu quarto e
lavou o rosto com a água fria que um dos serviçais repôs em seu quarto. Não
entendia os sentimentos que estavam lhe atormentando ou os pensamentos
sobre lorde Warthon. Confusa e ansiosa escondeu-se em seu quarto até a hora
marcada para que os pares se juntassem para a caça ao tesouro.
Capítulo 7

— Alice querida, estávamos esperando por você.


A voz de primo Hugh fez com que algumas cabeças olhassem em sua
direção. Inclusive um homem alto, forte e bonito que estava ao lado de Hugh.
Ele estava apoiado em uma bengala e sorriu quando seus olhares se
encontraram.
— Lord Warthon, gostaria de lhe apresentar minha prima, Lady Alice
Catherine Leisceshire.
Alice tentou esconder a surpresa e deixou que Warthon a
cumprimentasse. Ao vê-lo beijar sua mão enluvada, lembrou-se do toque dos
seus lábios ao beijá-la. Seu rosto esquentou ao perceber o sorriso malicioso
estampado em seu rosto e que parecia confirmar que estavam lembrando-se
da mesma coisa.
— Encantado, senhorita.
Thomas quase não conseguiu conter sua felicidade ao ver a senhorita
Leisceshire. Ela era deslumbrante e o rubor em sua face tornava-a ainda mais
cativante.
— Lorde Warthon será seu par na caça ao tesouro. — Hugh declarou
antes de anunciar a todos na sala. — Agora que os pares estão formados e
todos tem sua primeira pista, declaro formalmente o início dos jogos! Boa
sorte a todos.
Em pares, os convidados começaram a deixar a sala, discutindo sobre
suas pistas. Virou-se para lorde Warthon que lhe estendeu o braço,
convidando-a para acompanhá-lo. Enquanto deixavam a casa, percebeu que o
homem ao seu lado apoiava-se na bengala e mancava levemente.
— O senhor está ferido? — perguntou preocupada. — Talvez seja
melhor nos sentarmos no jardim...
— Não estou ferido. — explicou com um sorriso um tanto quanto
forçado. — São sequelas de um ferimento de guerra que não me impedem de
acompanhá-la na caça ao tesouro.
— Perdoe-me, eu não quis insultá-lo...
— Não se desculpe. — Thomas pediu. — Sou um tanto sensível sobre
o assunto.
— Compreendo.
Apoiando-se em seu braço, Alice o acompanhou até o pátio onde já se
viam casais espalhados em várias direções. Abriu a boca espantada quando
percebeu Phoebe ao lado de Nathan Tyrant, Duque de Montrance. Encarou
seu acompanhante que parecia olhar para a dupla com um sorriso nos lábios.
Alice arqueou uma sobrancelha e o encarou expectante.
— O quê? — Thomas perguntou inocente.
— Lord Warthon, o senhor tem algo a ver com minha prima Phoebe
estar em companhia de um... devasso como lorde Tyrant? — questionou.
— Eu não participei da escolha das duplas. — afirmou tentando
apaziguá-la. — E Nathan não é tão terrível assim.
— Oh, por favor! — resmungou contrariada antes de completar
pensativa. — Talvez eu deva ir até lá e trocar de lugar com ela.
Thomas a segurou pelo braço e a levou na direção contrária, evitando
que Alice pudesse ir atrás de Phoebe e Nathan. Não tinha certeza do que
estava acontecendo, mas sabia que seu amigo desejou estar ao lado da jovem
durante a caça ao tesouro. Passaram por um caminho estreito que levava em
direção ao bosque. Levando Alice o mais distante possível, parou
abruptamente quando ela sacudiu o braço desvencilhando-se dele.
— O que o senhor pensa que está fazendo?
— Impedindo-a de fazer uma bobagem.
Observou-a cruzar os braços e bater o pezinho no chão, os olhos
faiscando. Ela era uma incrível visão e estava achando difícil não beijá-la ali
mesmo.
— Uma bobagem? — perguntou indignada. — Salvar minha prima
das garras de um libertino?
— Quem disse que ela necessita ser salva? — Thomas perguntou
incapaz de se conter.
— O que disse?
— Nathan é um dos convidados do duque e jamais desrespeitaria seu
anfitrião e foi Hugh quem montou as duplas. — Thomas explicou para uma
Alice um tanto relutante. — Se seu primo confia que não haverá problemas...
Alice assentiu. Duvidava que Lord Tyrant fosse louco o suficiente
para ultrapassar os limites e enfrentar o primo Hugh. Lord Warthon tinha
razão. Estava exagerando em sua preocupação com a prima. Deveria estar
preocupada em estar sozinha com o homem que se atreveu a beijá-la na noite
anterior. Um homem que evidentemente não se preocupava em ultrapassar os
limites. Um homem que estava perigosamente próximo.
— Onde estávamos? — perguntou com voz rouca e convidativa.
— Lorde Warthon... — murmurou entre as batidas aceleradas de seu
coração.
— Thomas. — interrompeu-a diminuindo ainda mais a distancia entre
eles.
Alice deu um passo para trás e viu-se impedida de avançar,
hipnotizada pelo brilho intenso dos olhos verdes do homem a sua frente.
— Lord Warthon, não acho que deveríamos...
— Sim, deveríamos Alice. — passou os braços em sua volta
aproximando seus corpos. — Eu tenho esperado estar em sua companhia
novamente, desde ontem à noite.
— Fomos bastante inadequados a noite passada. — ofegou ao senti-lo
tão próximo.
Thomas riu e encostou a testa na sua, seus olhares fixos um no outro
quando ele sussurrou de maneira íntima.
— Eu sou totalmente inadequado. — deslizou um dedo nos lábios
rosados. — Sou um canalha, o filho bastardo de um conde, bem mais velho
que você e ainda por cima sou manco.
Alice estreitou os olhos e inconscientemente apoiou suas mãos nos
ombros fortes do homem que mexia com seu corpo e seus pensamentos.
— Ser bastardo não é sua culpa e no final seu pai o reconheceu.
— Graças a Douglas. — interrompeu-a.
— Ser ferido na guerra não é uma vergonha. — continuou como se
não tivesse sido interrompida. — E o senhor não pode dizer a mim que é
mais velho quando sabe que quase casei com lorde Sullivan.
— Não vai rebater o fato de eu ser um canalha?
— Não. — Alice deu um sorrisinho. — Nisso nós concordamos.
Thomas não conseguiu resistir e a beijou outra vez. Dessa vez,
aproveitando-se de seu gemido e submissão para aprofundar o beijo,
saqueando a boca jovem e inexperiente, deliciando-se com seu gosto e ânsia
em corresponder.
— Lorde War... — Foi interrompida por lábios quentes sobre os seus
e então seus pensamentos embaralharam.
— Thomas. — Ele insistiu.
— Thomas! — suspirou. — Eu... nós... não devíamos...
— Sim devíamos. — beijou-a outra vez.
Estavam nos braços um do outro, excitados e envolvidos no beijo que
se assustaram quando um barulho soou próximo o bastante os levando a
afastarem-se abruptamente. Thomas observou Alice para ter certeza de que
estava composta e não suscitaria comentários maldosos. Recolheu o papel
com a pista e sua bengala que estavam caídos na grama ao lado deles e levou
alguns segundos para conseguir ler o que estava no papel.
Alice levou a mão ao peito, numa tentativa inútil de acalmar seu
coração e tentou se recompor, ofegando em busca de ar, ainda atordoada com
os beijos e as sensações que eles despertaram em seu corpo. O desejo de se
fundir e se perder nos braços de... Thomas.
Enrubesceu ao pensar na intimidade de chamá-lo pelo primeiro nome,
quão íntimos foram os beijos trocados. Ergueu os olhos e percebeu que
também ele parecia afetado, olhando para o papel com a pista da caça ao
tesouro de cenho franzido.
— O que diz? — perguntou em um sussurro, antes de se dar conta de
que ele não ouviu e repetir a pergunta. — Thomas? O que diz a pista?
— “Os seres mais belos e impetuosos, guardam esse valioso tesouro”.
Alice começou a rir, até estar gargalhando. Thomas, contagiado por
sua alegria acompanhou-a em seu riso. Momentos depois ela anunciou, como
quem revela um grande segredo.
— Os cavalos.
— Os cavalos? — questionou curioso.
— Primo Hugh acredita que os cavalos são as criaturas mais bonitas e
impetuosas entre todas as criaturas. — riu outra vez.
— Então, vamos aos estábulos?
— Não acredito que vamos conseguir chegar antes das outras pessoas
que sabem disso. — balançou a cabeça.
—Podemos tentar?
— Não vale a pena. — Alice explicou. — Phoebe e Helena, as filhas
do duque de Sommerfield, compartilham de sua opinião. — Resta saber qual
das duas chegou primeiro ao estábulo.
Capítulo 8

Helena e Andrews encontraram o tesouro. Quando todos voltaram ao


ponto de partida, mesas estavam espalhadas pelo jardim e serviçais andavam
de um lado para o outro servindo bebidas e petiscos para os casais
aventureiros. Alice e Thomas sentaram juntos com o senhor Howard, o
vigário local com sua esposa, a senhora Howard, e o médico de Phoebe, o
senhor Hadcook. Alice observou ao redor, mas não conseguiu ver suas
primas ou sua mãe por perto.
Voltou sua atenção para Thomas que ouvia atentamente a explicação
sobre a importância dos vegetais na alimentação quando primo Hugh chegou
até a mesa.
— Com licença senhores. Senhoras. — desculpou-se. — Vou roubar a
senhorita Leisceshire da companhia de vocês.
— Algum problema? — Thomas perguntou alerta, levantando-se.
— Apenas um pequeno contratempo familiar. — Hugh explicou. —
Não se preocupem.
— Com licença. —Alice se desculpou antes de acompanhar o primo.
Hugh caminhava a sua frente em direção a mansão. Um contratempo
familiar? Tantas possibilidades horríveis passavam por sua mente, a pior
delas que algo de ruim tivesse acontecido com sua mãe.
Aflita e preocupada, quase desmaiou quando chegarem à sala familiar
onde toda a família estava reunida. Não pode evitar exclamar seu alívio ao
buscar por sua mãe e encontrá-la sentada em uma das confortáveis cadeiras,
suas vestes escuras em contraste com a estampa floral e vivaz do estofado.
— Mamãe? — perguntou se aproximando. — A senhora está bem?
Sua mãe a encarou e acariciou seu rosto, uma expressão um pouco
tensa em seu rosto. Ela encarou todos os presentes na sala. Hugh, a esposa e
as filhas antes de voltar a encarar Alice.
— Eu estou bem.
Seus olhos brilharam e a sombra de um sorriso brilhou em seu rosto,
antes de algo como culpa ou pesar tomar o seu lugar.
— Eu estou bem. — repetiu. — Hugh... deveria me sentir bem?
— Por que não? — respondeu sério. — Ninguém pode julgar seus
sentimentos.
— Mamãe, o que está acontecendo?
— Hugh recebeu... quero dizer, nós recebemos uma notícia vindo de
Londres.
— Sim?
— Lorde Leisceshire, seu pai... foi encontrado morto. — Hugh
explicou percebendo a dificuldade da prima em por em palavras a notícia.
— Oh! — Alice exclamou, encarando sua mãe.
— E eu estou... bem. — Sua mãe repetiu, como se estivesse em
transe. — Eu estou bem.
— Eu entendo, mamãe. —Alice a abraçou. — Nós estamos bem.
Alice realmente entendia. Sua mãe não era feliz no casamento. Seu
pai nunca a amou, ou mesmo respeitou. E desde que ela não pode lhe dar o
herdeiro tão desejado, passou a desprezá-la como se fosse inútil. Um objeto
defeituoso do qual não podia se desfazer. Respirou fundo, tentando encontrar
em seu coração algum pesar e só encontrando alívio. Seu pai praticamente
vendeu-a para lorde Sullivan pelo maior preço e recebeu adiantado por isso.
Não fossem os boatos e suspeitas que lhe colocavam como responsável pela
morte do homem idoso, provavelmente já teria lhe vendido outra vez.
Não sabia sobre as questões legais, como ficaria a situação financeira
das duas e o que o futuro lhes reservava. Mas uma coisa tinha certeza e
precisava que sua mãe soubesse.
— Ficaremos bem, mamãe. — abraçou-a apertado. — Vai ficar tudo
bem.

***

Horas mais tarde, Alice verificou sua mãe que estava dormindo
profundamente, depois de tomar um chá de ervas receitado pelo doutor
Hadcook. A notícia da morte de seu pai espalhou-se entre os convidados, que
pareciam divididos entre dar-lhes os pêsames ou parabenizá-las. Sabia que
muitos dos nobres não toleravam seu pai e que ela e sua mãe só eram
convidadas para alguns eventos por sua estreita ligação com o duque de
Sommerfield.
Fechou a porta do quarto de sua mãe e voltou ao seu próprio quarto.
Andando de um lado para o outro pensou em todas as coisas que haviam
acontecido aquele dia. Seus pensamentos então se voltaram para Thomas.
Tocou seus lábios ao lembrar a sensação de ser beijada por ele. Acabou se
perguntando se toda vez que se beijassem iria sentir esse turbilhão de
emoções que a engolfava.
Não tornou a vê-lo depois de deixar sua companhia abruptamente
para seguir primo Hugh. Quis proteger sua mãe de se expor e jantou com sua
ela em seus aposentos particulares, evitando o burburinho e as especulações
sobre as circunstâncias da morte do seu pai. Hugh confidenciou que
inicialmente acreditaram em suicídio, mas que ao que parecia fora morte
natural.
Alice duvidou do suicídio. Seu pai era covarde demais e muito
apegado aos luxos e privilégios que ser próximo do duque de Sommerfield
lhe trazia. Mesmo que Hugh não suportasse estar em sua presença e apenas o
carinho pela prima os mantivesse conectados.
Impaciente, deixou o quarto e caminhou para a biblioteca em busca de
um livro. A leitura a acalmava, então tentaria encontrar algo que a distraísse
até pegar no sono.
Os corredores escuros e silenciosos atestavam o avançado da hora e
Alice ponderava sobre sua decisão quando esbarrou em um peito firme e
braços fortes a envolveram. Um corpo do qual estava se tornando
familiarizada.
— Alice? — A voz grave de Thomas soou alarmantemente alta no
corredor vazio.
— Shiiii. — sussurrou olhando para os lados preocupada. — Quer
acordar a todos?
Thomas também olhou em volta parecendo preocupado e a puxou
para um dos lados do corredor, envolvendo-a em seus braços.
— O que faz andando sozinha... há essa hora? — sussurrou.
— Eu vim em busca de um livro. — suspirou. — Não estou
conseguindo dormir.
Thomas abraçou-a apertado e Alice repousou sua cabeça em seu
peito. Parecia tão certo tê-la em seus braços. Era como se ela tivesse sido
criada para ser dele. Perfeita para ele.
— Eu soube sobre o seu pai. — murmurou. — Sinto muito.
— Obrigada. — respondeu sem mover-se do espaço aconchegante em
que se encontrava. — Pensaria mal de mim se dissesse que não estou triste?
— Jamais pensaria mal de você, Alice. — respondeu com sinceridade.
— O que está sentindo?
— Não sei... talvez alívio. — tentou explicar. — Desde que lorde
Sullivan morreu e todos passaram a falar de mim, meu pai passou a me odiar.
— suspirou. — Como se eu realmente tivesse matado aquele homem e fosse
a culpada por tudo de ruim que aconteceu.
— Você não matou aquele homem. — Thomas disse com convicção.
— E não há nada de errado com você. — levantou seu queixo e roubou um
beijo inocente. — Você é perfeita e são todos uns tolos por não perceberem
isso.
— Thomas... — Alice sorriu. — Eu não sou perfeita.
— É perfeita para mim. — murmurou tentando olhar em seus olhos
no corredor escuro. — E eu pretendo fazer algo a esse respeito.
— Thomas...
— Quero torná-la minha. — disse baixinho. — Verdadeiramente
minha.
— O que você...
— Vou conversar com seu primo — afirmou. — E vou pedi-la em
casamento.
Antes que Alice pudesse dizer qualquer outra coisa, ouviram um
clarear de garganta e a voz do duque de Sommerfield quando informou.
— O casamento é inevitável, já que os dois estão a se encontrar
sozinhos em corredores escuros. — deu um sorrisinho. — Espero-o nas
primeiras horas em meu escritório Warthon.
— Sim senhor. — Thomas respondeu rapidamente.
— Agora agradeceria se soltasse a minha prima para que ela volte ao
seu quarto.
Desvencilharam-se de forma abrupta, mas Thomas não conseguiu se
afastar imediatamente. Segurou a mão de Alice entre as suas, levou-a aos
lábios e beijou a pele suave, antes de murmurar.
— Boa noite, Lady Leisceshire.
— Boa noite, lorde Warthon. — murmurou enrubescida. — Boa
noite, primo Hugh.
Deu as costas aos dois homens e correu para o seu quarto. De longe
ainda pode ouvir seu primo falando.
— Se eu e seu irmão não tivéssemos sido tão amigos e eu não
acreditasse que pode ser um bom marido para minha prima, saiba que teria
que desafia-lo para um duelo Warthon.
Capítulo 9

Os preparativos para o casamento começaram a correr rapidamente,


mesmo com a recente morte de seu pai. Hugh adiou o baile por três dias para
que ocorresse após o casamento. Ele era o duque e podia fazer com que sua
vontade fosse cumprida sem muito alarde. Sua mãe estava em êxtase,
completamente radiante. Alice não conseguia lembrar-se de uma época em
que a vira tão feliz.
Além do seu casamento, a companhia do doutor Hadcook estava
fazendo com que sua mãe perdesse o ar triste e melancólico com que se
acostumara a vê-la.
Suas primas também estavam empolgadas e ajudando-a em tudo o
que era preciso para que o casamento ocorresse sem imprevistos. Sim, elas
também tinham suas próprias novidades empolgantes acontecendo em sua
vida. Quem diria que as palavras de Helena se tornariam uma profecia?
Os convidados ficaram honrados em saber que seriam testemunhas do
enlace e se alguém tinha algo a dizer sobre a rapidez com que o casamento
seria feito ou sobre os noivos, foram sábios em manter os pensamentos para
si. Apesar de que a maioria dos hóspedes eram amigos de Hugh e não eram
dados a fofocas, foi reconfortante não ouvir cochichos sobre sua vida.
Dois dias passaram rapidamente e com a correria dos preparativos e
os olhos vigilantes de sua mãe, Alice não conseguiu encontrar-se um
momento a sós com Thomas. Pensando bem, não conseguiu ver Thomas nem
mesmo nas refeições e eventos formais que o duque promoveu. A ausência de
Thomas foi sentida por mais de uma pessoa, porém, ninguém foi capaz de lhe
informar o que estava acontecendo. A ausência do seu noivo estava
deixando-a ansiosa e desesperada para estar ao seu lado, ao menos um
segundo, em um lugar privado, longe de olhares curiosos, para entender o que
estava acontecendo.
Começou a ficar realmente preocupada quando todos pareceram
querer dificultar um encontro entre ela e seu noivo. Não fazia sentido que não
pudessem estar na companhia um do outro, ainda que na presença de outras
pessoas. No fim da tarde, quando perguntou a Helena o que estava
acontecendo, sua prima desconversou e deu um jeito de sumir. Estava
disposta a encurralar James Berkeley e descobrir o grande segredo que todos
pareciam querer esconder-lhe.
Antes de chegar a essa atitude desesperada, encontrou com Phoebe
que não foi rápida o bastante para fugir dela como sua irmã havia feito. E
graças aos céus ela não conseguia mentir tão facilmente para ela. Sim, ela
tentou desconversar, mas Alice jogou sua última cartada, apelando para o
bom coração de sua prima.
— Phoebe, por favor!
— Eu vou contar, mas você precisa me prometer que vai manter a
calma.
— Phoebe...
— Lorde Tyrant me contou que lorde Warthon está acamado.
— O quê?
— Não parece ser nada grave...
Mas Alice não estava escutando mais. Saiu correndo em busca do
quarto de Thomas, precisando ver com seus próprios olhos a sua condição.
Sentiu um aperto em seu coração, como se garras estivessem segurando-o.
Talvez fosse realmente amaldiçoada, uma mulher que não deveria se casar.
Se lorde Warthon morresse... Então ficaria solteira para sempre. Não se
aproximaria de nenhum outro homem.
Chegou à ala dos convidados e ignorando os olhares curiosos de
alguns serviçais, seguiu a indicação de uma das camareiras e foi até a porta
que acreditava ser a do quarto do conde. Bateu porta, um pouco hesitante até
perceber que ninguém conseguiria ouvi-la, então tentou outra vez com mais
força.
— Vá embora, James!
Era a voz de Thomas, tão fraca e lamuriosa? E ele estava tossindo?
Olhou para o corredor inesperadamente vazio e ignorando todas as
convenções sociais, entrou no quarto de um homem. Não era qualquer
homem, disse a si mesma, desculpando-se mentalmente. Era o homem com
quem iria se casar... Se ele não morresse antes do casamento.
Fechando a porta suavemente atrás de suas costas, tentou fazer seus
olhos se adaptarem a penumbra em que o quarto se encontrava. Percebeu
Thomas deitado na cama, seu corpo envolto em grossas cobertas. Thomas
tentou sentar na cama e encarar o visitante.
— James, eu disse... — Sua voz se perdeu quando se deu conta que
não era James no quarto. — Alice?
— Sim. — Alice se aproximou. — Precisamos parar de nos
encontrarmos em ambientes escuros.
— Alice querida, você não deveria estar aqui. — Thomas disse em
meio a uma crise de tosse.
— Eu estava preocupada. — aproximou-se da janela e abriu as
cortinas. — Você está horrível.
— Eu sei. — disse impotente. — Não queria que você me visse assim
e ficasse perturbada.
— Você está doente. — Alice se aproximou da cama. — É grave?
— É só uma gripe, Alice. — tentou acalmá-la. — Não precisa se
preocupar.
Alice mordeu o lábio e olhou pra longe de Thomas que voltou a
tossir. Seu coração batia de forma acelerada e seus olhos estavam cheios
d'água.
— E se você morrer? — soluçou.
Thomas fez um esforço para sentar, mesmo se sentindo extremamente
fraco. Segurou a mão de Alice e deu palmadinhas no colchão ao seu lado para
que ela sentasse. Mesmo com lágrimas escorrendo por seu rosto e o olhar
assustado, ela ainda era a mulher mais linda que ele já conheceu. E seria sua
esposa em algumas horas.
— Você não é responsável pela morte de Sullivan. — usou o polegar
para acariciar os lábios macios e impedi-la de interrompê-lo. — Não deixe
que os comentários de pessoas irresponsáveis e maldosas a convençam do
contrário.
— Mas e se eles tiverem razão? — murmurou. — Eu não quero
perder você...
Thomas a trouxe para os seus braços, murmurando palavras de
conforto e prometendo que jamais iria deixá-la. Alice se recostou em seu
peito, ainda preocupada com a saúde de seu noivo. Estremecendo a cada
ataque de tosse, até que acabou por adormecer.
Algum tempo depois, quando James veio trazer um pouco de elixir
para Thomas, encontrou o casal dormindo tranquilamente nos braços um do
outro. A febre de Thomas havia cedido e ele estava respirando mais
facilmente, sinal de que estava se recuperando da gripe. Observou os dois,
pensando se deveria acordá-los, porém optou por deixá-los dormir. Afinal,
eles se casariam no dia seguinte. Com cuidado, saiu do quarto e fechou a
porta atrás de si, informando aos funcionários do duque para não perturbar o
conde.
Saiu em silêncio pelo corredor e parou, recostando-se em uma
pilastra. Sentiu uma enorme saudade de Douglas e suspirou com pesar. Ele
iria adorar ver seu irmão apaixonado. Fechou os olhos e respirou fundo,
evitando as lágrimas e a tristeza que volta e meia se apossava dele... Em
momentos assim era quando sentia mais falta de Douglas, de conversar com
ele, rirem juntos...
Sentiu uma brisa morna acariciar seu rosto e abriu os olhos,
procurando alguma janela aberta ou algum lugar por onde o vento estivesse
entrando e não encontrou nada. Fechou os olhos outra vez e uma lágrima
solitária escorreu por seu rosto.
— Sinto tanto a sua falta. —murmurou baixinho.
Depois de alguns minutos, retomou o caminho em busca dos outros
bastardos honrados, preparado para cuidar de seus dois pupilos e descobrir
como estavam as coisas para eles.
Capítulo 10

Thomas acordou, com seu quarto iluminado apenas pela luz do luar.
Em seu peito repousava a mais doce das criaturas, sua noiva, seu amor.
Aproveitando-se de que ela estava dormindo passou a admirar o rostinho
arredondado, as bochechas coradas pelos seus passeios matinais na
propriedade do duque. E havia as pequenas sardas pontilhadas por seu nariz e
maçã do rosto.
Seus lábios eram rosados e suaves, parecendo tão perfeitos como se
tivessem sido desenhados a lápis. E quando se abriam em um sorriso
poderiam encantar o mais sisudo dos homens. Pensar nisso o fazia querer
guardar seus sorrisos só para ele. Amava beijar aqueles lábios, mas também
gostava de ouvi-la falar e falar. Ela falava rápido quando estava nervosa e
mordia os lábios quando estava pensativa. Porém, o que mais chamava
atenção em todo o rosto eram os olhos. Os cílios longos e negros que
repousavam no rosto suave escondiam os mais lindos olhos cor de avelã que
ele já havia visto em toda a sua vida. Olhos que de repente estavam abertos,
encarando-o ainda pesados de sono.
— Oi. — murmurou baixinho sem querer assustá-la.
— Oi. — Alice respondeu um sorriso lindo em seu rosto.
Ficaram se olhando até ela perceber que estavam deitados em sua
cama. Imediatamente ela tentou se afastar dele, mas suas roupas não
ajudaram em sua causa e ela acabou por literalmente cair em seu colo.
Thomas riu e a abraçou, usando seu corpo para girá-los até que Alice estava
deitada em sua cama e ele a estava cobrindo com seu corpo.
— Não precisa fugir de mim.
— Estou dormindo em sua cama! — disse e mordeu o lábio daquele
jeito que o enlouquecia. — O que as pessoas vão pensar?
— Ninguém precisa saber. — beijou seus lábios, naquele ponto
vermelho por sua mordida. — Além disso... — falou enquanto sua boca
percorria o caminho até a orelha pequenina. — Nós iremos casar amanhã.
— Sim. — Alice gemeu quando ele brincou com o lóbulo macio. —
Vamos nos casar...
— Amanhã. — Thomas repetiu enquanto beijava na junção entre o
pescoço e o ombro.
Alice ofegou e arqueou o pescoço dando mais acesso a Thomas,
suspirando quando sentiu os lábios dele percorrem o seu colo e o topo dos
seus seios, parando apenas quando a barreira do vestido impediu seus
avanços. Seu corpo parecia arder em chamas.
— Está um pouco quente...
— Sim, estamos muito vestidos. — Thomas riu e ergueu-se levantado
o suficiente para começar a remover suas roupas. — Vamos remover algumas
peças.
Alice observou-o remover a camisa e deixar o peito à mostra. Era a
primeira vez que observava um torso nu tão de perto. Havia uma camada de
pelos que descia por seu abdômen e sumia dentro de suas calças. Perguntava-
se até onde iria quando sentiu as mãos grandes — mas, surpreendentemente
habilidosas — desatarem os laços de se seu vestido.
Obedeceu de bom grado quando Thomas já de pé ao lado da cama
incentivou-a a também ficar de pé. Seu vestido caiu aos seus pés e então
estava apenas de combinação diante do seu futuro marido. Seus olhos
rapidamente fitaram o chão enquanto todo seu corpo enrubescia. Thomas
ergueu seu queixo levemente e quando olhou em seus olhos murmurou.
— É mais linda do que em meus sonhos. — puxou-a para os seus
braços e a abraçou acalmando-a.
Alice cabia perfeitamente em seus braços, sua cabeça na altura do seu
peito. Passou a beijá-la com intensidade, deixando-a cada vez mais entregue
em seus braços e vencendo aos poucos seu temor.
Alice estava embriagada. Seus lábios pareciam necessitados dos
beijos de Thomas, seu corpo ardia pelo toque de suas mãos e em seu âmago
uma necessidade se formava de maneira intensa e desconhecida, envolvendo-
a em uma avalanche de emoções.
Sentiu quando os lábios que abandonaram sua boca deslizaram por
seu seio antes de sugá-lo suavemente através do tecido fino. Um latejar se
instalou entre suas penas, fazendo-a querer apertá-las. E então, a perna nua de
Thomas estava lá, entre as suas causando um atrito que pouco fazia para
aliviar suas sensações.
— Thomas...
— Shiiii. — acalmou-a. — Eu vou cuidar de você.
Logo estava sem a combinação e novamente deitada na cama,
completamente nua e a mercê daquele homem que a fazia sentir como nunca,
como nada no mundo a havia preparado. Ele a olhava como se fosse o mais
precioso tesouro, os olhos verdes intensos não deixando os seus.
Thomas era lindo! O rosto anguloso com linhas bem marcadas no
maxilar e no queixo, a curva da mandíbula marcada abaixo da boca. E
mesmo com a barba por fazer, era possível ver o furinho em seu queixo.
Olhou mais pra baixo e se assustou ao ver o apêndice que saía de seu corpo,
grande e grosso como um tronco de árvore. Rapidamente subiu seus olhos
de volta para o seu rosto e percebeu que ele sorriu quando seus olhares
tornaram a se encontrar. Alice sentiu suas bochechas esquentarem.
Esqueceu-se de tudo quando sentiu a mão de Thomas tocá-la.
Instintivamente tentou fechar as pernas, mas foi pacientemente persuadida
com beijos e carinhos a mantê-las abertas e expostas para ele. Seu corpo
parecia enlouquecido, movendo-se em direção as suas carícias. Thomas
pareceu escolher um ponto e esfregá-lo, fazendo suas pernas tremerem.
Uma ânsia, uma dor latejante se formou em algum lugar abaixo do seu
umbigo e a fez implorar por algo que precisava desesperadamente, mesmo
sem saber o quê.
— Thomas! — gemeu o nome em um pedido mudo de ajuda.
E então a boca de Thomas estava lá, em seu ponto pulsante,
acalmando sua ânsia e a fazendo explodir em uma sensação maravilhosa. Era
como se estivesse morrendo ou então explodindo em milhões de pedacinhos.
Sentiu Thomas afastar suas pernas e invadir seu corpo. Olhou pra baixo e o
viu tentar enfiar aquela coisa enorme dentro dela. E ele estava conseguindo!
Sentia-se esquisita, empalada. Contraiu involuntariamente e ouviu Thomas
gemer, gotas de suor brilhando em sua fronte.
— Me perdoe. — Ele murmurou antes de se mover pra frente e
romper a barreira da sua virtude, arrancando um gemido dolorido dela.
Moveu-se novamente, entrando e saindo do corpo macio e acolhedor,
tomando seus lábios em um beijo furioso, penetrando-a cada vez mais rápido
até enrijecer e gozar dentro dela. Antes que desabasse sobre ela, rolou seus
corpos para que ficasse por baixo, o peso leve de sua mulher aquecendo-o.
Thomas parecia feliz e relaxado, sua respiração aos poucos voltando
ao normal. Deitada em seu peito, podia ouvir o seu coração batendo num
ritmo constante. Apesar do ardor entre suas pernas, Alice se sentia bem. Uma
languidez tomou conta de seu corpo, deixando-a mole e sonolenta.
— Agora, você vai ter mesmo que casar comigo. — Alice suspirou
baixinho, antes de fechar os olhos.
— Eu não vejo a hora, meu amor.
Epílogo

Alguns anos depois...

— James! — A voz da condessa de Salisbury ecoou pela residência.


— James Berkeley onde você está?
Alice desceu as escadas devagar e caminhou até a sala de estar da
família, seus passos soando alto nos corredores vazios. No momento em que
adentrou a sala, James surgiu vindo da varanda, parecendo conter o sorriso.
— Chamou, condessa?
— Sim, eu chamei. — franziu o cenho. — Não seja condescendente.
— Não serei, senhora.
Alice agora tinha certeza de que ele estava rindo... dela. Sentou-se o
mais confortavelmente possível devido ao seu avançado estágio de gravidez e
James apressou-se a ajudá-la a tirar os sapatos e erguer os pés inchados.
— Onde ele está?
Seu marido parecia cada vez mais decidido a enlouquecê-la. Desde a
última gravidez, quando sofreu horrores e jurou nunca mais passar por aquilo,
ele parecia ter redobrado os cuidados para com ela. Thomas parecia não
entender que no momento da dor ela juraria até que nunca mais teriam sexo,
se isso interrompesse o seu tormento.
Enrubesceu ao lembrar-se de como a experiência da primeira noite em
que dormiram juntos se tornou algo tão apreciado por ela. Fazer amor com o
seu marido era tão bom, tão intenso e tão divertido! Thomas não se importava
em ensiná-la sobre todas as coisas e Alice era uma aprendiz surpreendente.
— Ele foi até a cidade em busca da senhora Sheffield.
Os pensamentos de Alice foram interrompidos pelas palavras de
James.
— Ele não fez isso! — Alice gemeu.
— Temo dizer que ele fez, senhora.
Alice suspirou ruidosamente e abanou-se com o leque. Na última
gravidez, Thomas fez com que a parteira praticamente morasse com eles nos
últimos dias da sua gestação.
— James, ainda falta um mês para essa criança nascer.
— Eu sei, senhora.
— Como você o deixou escapar até a cidade?
— Ele me pediu que levasse o pequeno senhor Douglas para uma aula
de equitação. — James disse com um sorriso.
Alice olhou com carinho para o homem que se tornara um pai para ela
e um avô — muito permissivo, como só os avós têm direito de ser — para os
seus filhos. James ficou emocionado quando ela e Thomas contaram que
dariam o nome de Douglas ao seu primogênito. A pequena Anne Louise que
viera apenas um ano e meio depois fazia o velho homem de gato e sapato.
Sua filha era um pequeno furacão que graças aos céus estava tirando o
cochilo da tarde e lhe dando uma merecida pausa em seus cuidados.
Foi depois do parto difícil da chegada de Douglas que seu marido
enlouqueceu com os cuidados com ela. A parteira do povoado praticamente
passou as duas semanas finais da sua segunda gestação no quarto de hóspedes
e sua filha veio ao mundo cheia de saúde e berrando a plenos pulmões.
Infelizmente Alice ficou muito fraca e precisou ficar na cama por alguns dias
após o parto. Seu marido quase enlouqueceu e procurou maneiras de evitar
engravidá-la outra vez, o que não deu muito resultado, pensou enquanto
acariciava o ventre volumoso.
O pequeno James, se sua intuição estivesse correta e fosse um
menino, chegaria em algumas semanas e ela havia jurado ao marido que
estava bem, que não estava cansada e que ele não precisava se preocupar,
mas seu querido Thomas não conseguiu segurar seu instinto protetor.
Suspirou outra vez sentindo o corpo amolecer com o sono. Foi assim que
Thomas lhe encontrou algum tempo depois, quando chegou acompanhado da
senhora Sheffield.
Deus, ele amava demais aquela mulher e ainda não havia superado o
pânico de quase perdê-la dois anos atrás quando sua filha Anne Louise
nasceu. Preocupado com os pés inchados de sua esposa, sentou-se e colocou-
os no colo, antes de começar a massageá-los.
Alice acordou e sorriu com a visão de seu marido cuidando dela.
Mesmo depois de anos casados, aquele homem ainda fazia seu coração
acelerar e borboletas agitarem-se em seu estômago. Levantou os olhos e
percebeu a senhora Sheffield parada a poucos passos de distância, com um
olhar condescendente e um pequeno sorriso no rosto.
— Peço desculpas, senhora Sheffield.
— Não se preocupe com isso, senhora. — ela sorriu. — Eu estava
necessitando de umas férias.
A governanta surgiu e acompanhou a parteira até os aposentos de
hóspedes, enquanto Thomas continuou a massagear os pés da esposa. Sabia
que ela o achava exagerado em suas preocupações, mas realmente esteve
perto de perdê-la e desde então não conseguia ficar tranquilo.
—Você sabe que mamãe chegará dentro de alguns dias e o seu novo
marido é médico.
—Hadcook desmaiou quando viu o sangue. —Thomas bufou e Alice
riu.
—Ele é um doutor das plantas. — Alice explicou quando conseguiu
parar de rir. —Primo Hugh e sua esposa não devem demorar a chegar.
—Ele teria mandado buscar a senhora Sheffield semana passada, se já
estivesse aqui. — Thomas afirmou enquanto pegava o outro pé para
massagear.
—Verdade. — Alice disse com um sorriso. — Ele pode ser mais
exagerado do que você, meu marido.
— Só um pouquinho mais. — Thomas disse brincando.
—Minhas primas e seus amigos só devem chegar na semana do
nascimento. —suspirou. —Já estou com saudades delas...
—E elas de você. —beijou os pés inchados da esposa e murmurou
olhando-a nos olhos. — Você sabe que me preocupo com você.
— Eu sei. — Alice sorriu. — E só por isso não estou enlouquecendo
por você trazer a senhora Sheffield para morar aqui durante um mês.
— Eu acho que James vai nos surpreender e se adiantar. — Thomas
brincou enquanto ajudava-a a levantar. —Não consigo nem pensar que posso
perdê-la.
Alice se apoiou em seu marido e recostou no peito forte, o seu local
preferido em todo o mundo. Quem poderia dizer que a união deles daria tão
certo? Quem apostaria em uma relação entre o bastardo e a viúva negra? Seu
marido mostrou a todos o homem íntegro o amigo leal, o companheiro
apaixonado e o pai protetor que poderia ser.
— Eu te amo Alice, mais do que imaginei ser possível. — disse
baixinho em seu ouvido. — Eu tenho tanta sorte em ter você!
Sorte a dela em tê-lo ao seu lado. Suspirou e inalou o cheiro de
Thomas, antes de olhar pra ele, os olhos brilhando de tanto amor.
— Eu também te amo.
FIM
A Trilogia

Na alta sociedade de Londres, não importa quão honrados eles se


tornaram, eles seriam sempre os filhos bastardos de seus pais.
Uma amizade que foi forjada na infância e que perdura na vida adulta.
Conheça as histórias de Thomas Wharton - Conde de Salisbury, Nathan
Tyrant - Duque de Montrance e Andrews Fanton - Marquês de Devonshire na
trilogia Bastardos & Honrados.

Trilogia Bastardos & Honrados


Tão verdadeiramente Minha – Flávia Cunha
Tão Inesperadamente Minha – Silvana Barbosa
Tão Encantadoramente Minha – Jhonatas Nilson
A Autora

Flávia Cunha nasceu na cidade do Rio de Janeiro/RJ, porém adotou


Aracaju/SE, onde vive há muitos anos como sua cidade. Formada em Artes
Visuais, pela Universidade Federal de Sergipe, em 2006, é professora de
Artes das Redes Municipal e Estadual da Educação.
Começou a escrever na adolescência, mas foi em 2007, através de
uma Comunidade do Orkut chamada “Adoro Romances”, que começou a
publicar suas histórias usando o pseudônimo Lady Graciosa. Autora
independente tem mais de trinta livros publicados no formato impresso e em
e-book.
Sobre os e-books, ultrapassou a marca de dez mil unidades vendidas e
figurou durante algumas semanas na lista da Revista VEJA, de e-books mais
vendidos pela Amazon no Brasil. Falando nisso, seus e-books figuram
constantemente entre os mais vendidos na categoria romance no site
da Amazon.

Saiba mais...
Site: www.flaviacunha.com
E-mail: [email protected]
Facebook: Escritora Flavia Cunha
Instagram: @escritoraflaviacunha
Twitter: @ByFlaviaCunha

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