Amor de Perdição - Beatriz Fernandes
Amor de Perdição - Beatriz Fernandes
Amor de Perdição - Beatriz Fernandes
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Um dos aspetos mais marcantes de "Amor de Perdição" é a representação do
sistema legal e judicial da época, evidenciando as falhas e arbitrariedades do sistema
judicial português. A condenação de Simão e Teresa pelo rapto e fuga reflete a rigidez das
leis e a falta de humanidade do sistema jurídico da época, onde a honra familiar muitas
vezes prevalecia sobre a justiça e a compaixão.
Outra instituição repressiva é a Igreja, onde é criticada a falsa virtude crista, isto
é, o facto de os católicos dizerem uma coisa e fazerem outra (aqui apontam-se as
contradições entre o ser e o parecer, com a vida conventual dissoluta/impudica). É
também censurada a maldade, tirania e vícios dos conventos, representados pelo
Convento de Viseu, onde Camilo refere que um padre e uma madre superior estão a beber
um copo de vinho e o padre tenta galantear uma jovem.
Como a obra representa uma mudança social para o Liberalismo, está também
presente uma afirmação dos direitos individuais, isto é, valoriza-se o papel do homem
enquanto indivíduo e ao mesmo tempo valoriza-se os ideais da liberdade, da dignidade e
da honra de cada ser humano. Esta valorização dos direitos humanos e oposição à
sociedade opressora da época está presente numa carta que Simão manda a Teresa onde
diz: “Não sofras com paciência; luta com heroísmo. A submissão é uma ignominia,
quando o poder paternal é uma afronta.”
Ao analisarmos "Amor de Perdição" à luz da atualidade, podemos perceber
paralelos surpreendentes com os desafios e dilemas enfrentados pela sociedade
contemporânea. Embora as estruturas sociais tenham evoluído desde o século XIX,
muitos dos temas abordados na obra podem ter diminuído em muitos aspetos, mas ainda
existem barreiras sociais que limitam os desejos individuais e determinam os destinos das
pessoas. A luta por autonomia e liberdade individual, a persistência das desigualdades
sociais e de gênero, bem como as críticas ao sistema judicial, continuam a ressoar nos
dias de hoje. A obra de Camilo Castelo Branco, portanto, não apenas nos transporta para
o século XIX, mas também nos confronta com questões universais e atemporais que ainda
ecoam na nossa própria realidade. Ou seja, lembra-nos que, embora o tempo avance,
muitos dos desafios enfrentados pela sociedade permanecem os mesmos.
Em síntese, "Amor de Perdição" não se limita a ser apenas uma história de amor
trágico. Sob a pena de Camilo Castelo Branco, a obra transforma-se num verdadeiro
espelho da sociedade portuguesa do século XIX, refletindo não apenas os dramas
individuais dos protagonistas, mas também as complexidades e contradições de uma
época em transição.
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Bibliografia: