Émerson Vasconcelos Almeida

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

UNIDADE ACADÊMICA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
NÍVEL MESTRADO

ÉMERSON VASCONCELOS ALMEIDA

AUDIOVISUALIDADES NOS QUADRINHOS DIGITAIS:


Como se dá o tensionamento das molduras quadrinhos, audiovisual e
software/interface nas AppHQs

São Leopoldo
2013
ÉMERSON VASCONCELOS ALMEIDA

AUDIOVISUALIDADES NOS QUADRINHOS DIGITAIS:


Como se dá o tensionamento das molduras quadrinhos, audiovisual e
software/interface nas AppHQs

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção de título de
Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS
Orientador: Prof. Dr. Gustavo Daudt Fischer

São Leopoldo
2013
A447a Almeida, Émerson Vasconcelos
Audiovisualidades nos quadrinhos digitais: como se dá o
tensionamento das molduras quadrinhos, audiovisual e
software/interface nas AppHQs / por Émerson Vasconcelos
Almeida. -- São Leopoldo, 2013.

112 f.: il. color. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos


Sinos, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação,
São Leopoldo, RS, 2013.
Orientação: Prof. Dr. Gustavo Daudt Fischer, Escola da
Indústria Criativa.

1.Histórias em quadrinhos. 2.Mídia digital. 3.Recursos


audiovisuais. 4.Histórias em quadrinhos – Inovações tecnológicas.
5.Software de apresentação gráfica. I.Fischer, Gustavo Daudt.
II.Título.

CDU 714.5:004.92
714.5:004.4'242

Catalogação na publicação:
Bibliotecária Carla Maria Goulart de Moraes – CRB 10/1252
RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo formular apontamentos para responder o


problema de pesquisa que se constitui, essencialmente, pela seguinte pergunta:
“Como as estratégias audiovisuais, em combinação com as dimensões do software
e da interface cultural operam sobre as demais molduras das AppHQs?”. Para tanto,
opero sobre as macromolduras software/interface, quadrinhos e audiovisual,
buscando entender como se dá o tensionamento entre elas nos objetos empíricos
analisados. As AppHQs são histórias em quadrinhos digitais que possuem
características de aplicativos e que, portanto, obedecem a um lógica do software. A
constituição do metodologia desta pesquisa se apoia em procedimentos propostos
inicialmente por Benjamin, Bergson e Kilpp. Além destes autores, outros, como
Dubois, Manovich e McLuhan são fundamentais para a compreensão das
estratégias audiovisuais presentes nas AppHQs. Já o conceito de quadrinhos
apresentado ao longo desta dissertação, se baseia no que dizem Eisner e McClloud
obre a arte sequencial. Esta pesquisa avança no que diz respeito ao mapeamento
das estratégias audiovisuais utilizadas nas AppHQs. Além disso, faz avançar
também as metodologias para estudos deste objeto.

Palavras-chave: AppHQ. Audiovisual. Interface. Quadrinhos. Software. Estratégias.


ABSTRACT

This dissertation aims to make notes to answer the research problem that
constitutes essentially the following question: "How audiovisual strategies, in
combination with the dimensions of the software and the cultural interface operate on
other frames of AppHQs?". For that, I operate on macroframes software/interface,
comics and audiovisual, trying to understand how is the tension between them in
empirical objects analyzed. The AppHQs are comics that have characteristics of
digital applications and, therefore, follow a logic of software. The constitution of the
methodology of this research relies on procedures originally proposed by Benjamin,
Bergson and Kilpp. Besides these authors, others, like Dubois, Manovich and
McLuhan are fundamental to understanding the audiovisual strategies present in
AppHQs. The concept of comics presented throughout this dissertation is based on
what Eisner and McClloud say about sequential art. This research advances
regarding to the mapping audiovisual strategies used in AppHQs. Moreover, it also
advancing methodologies for studies of this object.

Key-words: AppHQ. Audiovisual. Strategies. Interface. Comics. Software.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Imagem ilustrativa do iPod Touch 4.......................................................... 13


Figura 2 – Tela de abertura da HQ do aplicativo Patre Primordium .......................... 14
Figura 3 – Captura de página do aplicativo Pate Primordium ................................... 14
Figura 4 – Capa da HQ Nightwing, utilizada tanto na versão impressa quanto na digital .16
Figura 5 – Página da HQ Nightwing, utilizada tanto na versão impressa quanto na
digital ........................................................................................................ 17
Figura 6 – Capa da versão digital de Crisis on Infinite Earths, que reproduz
contracapa e capa da versão impressa .................................................... 18
Figura 7 – Página da versão digital de Crisis on Infinite Earths ................................ 18
Figura 8 – Capa da versão digital de Smallville #1 .................................................... 20
Figura 9 – Páginas da versão digital de Smallville #1, visualizadas no aplicativo ..... 20
Figura 10 – Capa da edição #1 da versão digital série Batman Beyomd .................. 21
Figura 11 – Página da edição #1 da versão digital série Batman Beyomd ............... 21
Figura 12 – Capa utilizada na versão digital da edição #2 de Avengers Prelude ...... 22
Figura 13 – Página utilizada na versão digital da edição #2 de Avengers Prelude ... 23
Figura 14 – Capa do capítulo #1 da HQ digital Luther .............................................. 24
Figura 15 – Páginas do capítulo #1 da HQ digital Luther .......................................... 25
Figura 16 – Tela de Batman Partners in Peril, publicada originalmente em CD-ROM ... 33
Figura 17 – Página 239 do manual “Aprendendo a Desenhar com os maiores
mestres internacionais”, publicado em 2006 pela Panini Comics ........... 38
Figura 18 – Página 140 do manual “Aprendendo a Desenhar com os maiores
mestres internacionais”, publicado em 2006 pela Panini Comics ........... 39
Figura 19 – Preview da HQ Turma da Mônica Jovem ............................................... 55
Figura 20 – Tela de navegação das páginas de Smallville Season 11 #1 ................. 60
Figura 21 – Diagrama demonstrativo de transição das telas do aplicativo Patre
Primordium ............................................................................................. 83
Figura 22 – Diagrama demonstrativo de transição das telas do aplicativo Patre
Primordium ............................................................................................. 84
Figura 23 – Diagrama demonstrativo de transição das telas dos aplicativos DC
Comics e Marvel Comics ........................................................................ 87
Figura 24 – Diagrama demonstrativo de transição das telas dos aplicativos DC
Comics e Marvel Comics ........................................................................ 89
Figura 25 – Tela de configurações do aplicativo Marvel Comics ............................... 90
Figura 26 – Efeito de transição apresentado em Batman Beyond #1 ....................... 91
Figura 27 – Efeito de transição apresentado em Batman Beyond #1 ....................... 92
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Procedimento de dissecação de imagens 1 ........................................... 85


Quadro 2 – Procedimento de dissecação de imagens 2 ......................................... 101
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
1.1 QUADRINHOS, AUDIOVISUALIDADES E EU ..................................................... 8
1.2 ESTUDOS SOBRE QUADRINHOS DIGITAIS .................................................... 26
1.3 AUDIOVISUALIDADES E TECNOCULTURA NAS APPHQS ............................. 35
2 HQS INSCRITAS NOS NOVOS MEIOS ................................................................ 37
2.1 RECONHECENDO OS NOVOS MEIOS E SEU AMBIENTE .............................. 37
2.2 OS NOVOS MEIOS SÃO AS NOVAS MENSAGENS ......................................... 46
2.3 INTERFACE NOS NOVOS MEIOS ..................................................................... 49
2.4 CONSTITUIÇÃO DAS APPHQS ......................................................................... 61
3 PRIMEIRAS PISTAS DE AUDIOVISUALIDADES NA APPHQ ............................. 64
3.1 IMAGENS TÉCNICAS ......................................................................................... 64
3.2 O SOFTWARE SE IMPÕE: A INFLUÊNCIA DAS NORMAS DA APPLE NAS
APPHQS ............................................................................................................. 66
4 APONTAMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................ 73
4.1 SELEÇÃO ATRAVÉS DA INTUIÇÃO BERGSONIANA....................................... 73
4.2 OPERAÇÃO SOBRE CONSTELAÇÕES DE IMAGENS ..................................... 77
4.3 TENSIONAMENTOS DE MOLDURAS E DISSECAÇÃO DO CORPUS ............. 78
5 DISSECAÇÃO DO CORPUS ................................................................................. 80
5.1 PATRE PRIMORDIUM ........................................................................................ 80
5.2 DC COMICS E MARVEL COMICS ..................................................................... 86
5.2.1 Avengers Prelude #2 (página 15) .................................................................. 92
5.2.2 Batman Beyond #1 (página 7) ....................................................................... 94
5.2.3 Crisis on Infinite Earths #1 (página 3) .......................................................... 96
5.2.4 Nightwing #1 (página 15) ............................................................................... 98
5.2.5 Smalvile Season 11 #1 (página 19) ............................................................... 99
5.3 LUTHER ............................................................................................................ 100
5.4 TENSIONAMENTOS ENCONTRADOS NO CORPUS ..................................... 103
6 APONTAMENTOS TRANSITÓRIOS ................................................................... 105
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 107
APÊNDICE A – LÓGICAS DE PRODUÇÃO DAS APPHQS.................................. 109
ANEXO A – PARÂMETROS DE MONTAGEM DAS APPHQS .............................. 110
8

1 INTRODUÇÃO

1.1 QUADRINHOS, AUDIOVISUALIDADES E EU

Meu interesse por quadrinhos tem origem desde muito antes de sequer
pensar em realizar esta pesquisa. Foi com os quadrinhos que aprendi a ler e foram
eles que se tornaram minha principal forma de diversão e até mesmo de
aprendizado durante todo meu amadurecimento pessoal e profissional. Ingressei no
curso de jornalismo, em grande parte, por inspiração trazida pelos vários jornalistas
dos quadrinhos, normalmente retratados como identidades secretas de super-heróis
nas HQs norte-americanas ou como o herói propriamente dito nas HQs europeias.
Ao ingressar no curso de jornalismo, logo percebi que, embora a profissão
ainda me despertasse interesse, existiam outros rumos, dentro da área de
comunicação, que me pareciam ainda mais interessantes. Em certo ponto do curso,
mais precisamente em 2007, tive a oportunidade de me tornar bolsista de iniciação
científica da professora Doutora Suzana Kilpp, que, na ocasião, desenvolvia a
pesquisa Devires de Imagem-Duração. Como as pesquisas de Kilpp são
relacionadas ao audiovisual e às audiovisualidades, acabei conhecendo também
esta linguagem, embora os quadrinhos continuassem me despertando interesse.
Não apenas conheci, como me apaixonei pelas audiovisualidades. Me apaixonei
tanto, que na reta final da graduação, decidi fazer um trabalho de Conclusão de
Curso voltado aos estudos das audiovisualidades, no qual um dos conceitos mais
importantes que tomei contato foi o de molduras. No blog de Suzana Kilpp pode ser
facilmente encontrada uma definição para este conceito, proveniente de um excerto
da metodologia de sua pesquisa intitulada Audiovisualidades Digitais, desenvolvida a
partir de 2008.

“Os quadros e territórios de experiência e significação de molduras,


as quais, em audiovisuais - especialmente de televisão e internet - se
encontram sobrepostas e articuladas em compósitos às vezes
somente para produzir um efeito de vertigem, de acelerar o ritmo, de
multiplicar a informação num mesmo plano (experiência). Algumas,
entretanto, são decisivas para sentidos que serão atribuídos a uma e
outra enunciação (significação), como os modos da produção da
produção, da circulação e do consumo do vídeo, o gênero, a estética,
a macromontagem” (KILPP, 2008).
9

Este conceito foi chave para que eu conseguisse unir audiovisualidade e


quadrinhos no Trabalho de Conclusão. Mesmo decidido a estudar o audiovisual, os
quadrinhos ainda falavam alto dentro de mim. Não me parecia possível abandoná-
los na conclusão do curso. Afinal, foram eles que me conduziram até o campo da
Comunicação. Procurei Kilpp e apresentei esta inquietação. De conversas com ela,
que seria também minha orientadora no TCC, surgiu a ideia de unir as duas
vertentes, e estudar a presença de audiovisualidades nos quadrinhos digitais, que na
época eu ainda defendia que deveriam ser chamados de webcomics. Pensar através
do conceito de molduras me permitiu encontrar nos quadrinhos digitais algumas
características fundamentalmente audiovisuais.
A trajetória de produção deste Trabalho de Conclusão foi complicada, devido
à escassez de bibliografia específica sobre quadrinhos digitais, mas ainda assim
recompensadora. Ao final dele, percebi que existem quadrinhos digitais que são, de
fato, audiovisuais e que também existem aqueles que têm potência audiovisual, ou
seja, características audiovisuais poderiam ter sido neles desenvolvidas. Na época,
devido ao tempo que tinha para produzir o trabalho, acabei focando meus esforços
em entender se de fato existiam quadrinhos audiovisuais. Só que logo depois de
apresentar o trabalho à banca, comecei a perceber que várias perguntas haviam
sido deixadas em aberto. Afinal, como se constitui a linguagem destes quadrinhos?
Se nem todos são experimentados exclusivamente na internet, por que chamá-los
de webcomics? E, principalmente, como os recursos audiovisuais tensionariam as
molduras próprias dos quadrinhos? Percebo que existem traços de audiovisual que
se manifestam nos quadrinhos digitais, perpassando molduras reconhecíveis como
próprias dos quadrinhos e alterando a relação entre elas. Mas, afinal, que alterações
seriam estas? Creio que não exista uma resposta simples para esta pergunta e que
seja necessário buscar apontamentos que façam avançar esta discussão. Creio que
estas perguntas iniciais acabaram contribuindo para a formulação de meu problema
de pesquisa.
Estes foram apenas alguns dos diversos questionamentos que me fizeram
perceber que deveria prosseguir com os estudos relativos ao entrelaçamento entre
quadrinhos e audiovisual que ocorre nos meios digitais, e não apenas na internet.
Neste momento, o que mais me importa é que percebo a importância de formular
novas perguntas e desenvolver alternativas de respostas a pontos não estudados
em relação ao quadrinho digital. Da mesma forma, em um levantamento bibliográfico
10

inicial, percebi também a existência de estudos recentes fundamentados no país,


como o do pesquisador Edgar Franco (2011), mas que não contemplam o olhar com
o qual mais me identifico. Este olhar tem contato com os estudos das
audiovisualidades, que norteia as pesquisas ligadas ao grupo no qual me inscrevo
enquanto mestrando desta linha do PPG de Comunicação da Unisinos
Embora entenda que o que estou estudando possa não se tratar propriamente
de quadrinhos, me sinto à vontade para utilizar o termo AppHQ para definir estes
materiais pois estes materiais se enquadram, pelo menos parcialmente, na definição
de quadrinhos exposta por alguns dos mais respeitados pesquisadores do tema,
como Will Eisner (2005) e Scott McCloud (2005).
O conceito de quadrinhos apresentado no livro Narrativas Gráficas por Will
Eisner, considerado um dos mais respeitados autores das HQs ocidentais, se aplica
perfeitamente para o formato impresso, mas deixa a desejar quando se pensa em
uma plataforma digital. Para Eisner (2005, p. 10), os quadrinhos são a “disposição
impressa de arte e balões em sequência, particularmente como é feito nas histórias
em quadrinhos”.
Mesmo assim, quando Eisner fala da disposição em sequência, acaba
tocando naquilo que chamo de quadrinhos digitais. Embora seja um dos
pesquisadores mais reconhecidos no que diz respeito aos estudos relacionados à
linguagem dos quadrinhos, Eisner pouco teve contato com as experimentações
digitais e acabou não desenvolvendo seu pensamento em cima destes materiais.
No entanto, Scott McCloud pensa a partir deste conceito de Eisner e avança
em direção a uma definição de quadrinhos que pode dar conta também de certos
produtos digitais. Em Desvendando os Quadrinhos, McCloud fundamenta condições
para que eu possa chamar de quadrinhos digitais o que estou estudando neste
momento. Ele define histórias em quadrinhos como “Imagens pictórias e outras
justapostas em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e/ou a
produzir uma resposta no espectador”. (MCCLOUD, 2005: 9)
Ressalto, no entanto, que mesmo que esta definição de McCloud sirva para
inserir meu objeto no que se entende por quadrinhos, ainda acredito que o termo
seja insuficiente. Nem Eisner ou McCloud consideram em sua definição que, além
das imagens pictórias, os quadrinhos poderiam também trazer em sua composição
justaposições sequenciais de imagens sonoras. E, como ficará claro na
apresentação do corpus desta pesquisa, os materiais que me proponho a analisar
11

lidam com o som, ou com a ausência dele, de variadas maneiras.


Acredito que esta introdução do som na montagem destes materiais, que por
serem aplicativos ou seguirem lógicas de aplicativos, chamarei nesta pesquisa de
AppHQs, constitua uma das principais diferenças na forma como estes materiais
relacionam-se com o tempo de forma diferente do que ocorre com os quadrinhos
impressos. A ideia de passagem de tempo, nas HQs impressas, se dá justamente
quando o leitor precisa imaginar o que ocorre entre quadros ou entre páginas, pois
neste momento há interrupção da espacialização de tempo, presente na narrativa.
Já nestas AppHQs, em especial quando visualizados em dispositivos portáteis, este
espaço entre um quadro e outro é substituído por recursos de animação.
Quando falo em espacialização de tempo, estou me valendo dos termos de
Bergson, que entende que normalmente se faz uma confusão em relação a tempo e
espaço. Ele pontua, ao longo de sua obra, que aquilo que convencionalmente
chamamos de tempo ainda é uma espacialização. Ao longo desta pesquisa, mesmo
que não de forma aprofundada, o tempo será abordado, uma vez que os quadrinhos
digitais podem, entre outras possibilidades, encontrar-se em fluxo na web, estando
assim inscritos no tempo. Deleuze discorre sobre a maneira como Bergson trata
tempo e espaço e sobre a confusão que existe entre os dois:

“É esse o tema constante do bergsonismo, desde o início: a confusão


do espaço e do tempo, a assimilação do tempo ao espaço, isso nos
faz acreditar que tudo está dado, mesmo que só de direito, mesmo
que apenas sob o olhar de um Deus. É bem essa a falha comum ao
mecanicismo e ao finalismo. Um supõe que tudo seja calculável em
função de um estado; o outro supõe que tudo seja determinável em
função de um programa: seja como for, o tempo aí só aparece como
uma tela que nos oculta o eterno ou que nos apresenta
sucessivamente o que um Deus ou uma inteligência sobre-humana
veria de um só golpe. Ora, tal ilusão é inevitável, desde que
espacializemos o tempo. No espaço, com efeito, basta dispor de uma
dimensão suplementar àquelas nas quais se passa um fenômeno
para que o movimento, que está em vias de ocorrer, apareça-nos
como uma forma já pronta. Se considerarmos o tempo como quarta
dimensão do espaço, acabaremos, por conseguinte, supondo que
essa quarta dimensão contém em bloco todas as formas possíveis
do universo; e o movimento no espaço, assim como o transcurso no
tempo, será tão-somente aparência ligada às três dimensões [DS,
203 ss]. Mas, na verdade, que o espaço real tenha só três
dimensões, que o Tempo não seja uma dimensão do espaço, tudo
isso significa o seguinte: há uma eficácia, uma positividade do tempo,
que se confunde com uma “hesitação” das coisas e, assim, com a
criação no mundo” (DELEUZE, 2004, p. 84).
12

Delimitar que estou tratando de tempo espacializado é importante, pois no


caso dos quadrinhos, especificamente, o tempo geralmente é representado por um
espaço visível. Indicações desenhadas ou escritas apontam a passagem temporal.
No entanto, o tempo “real”, não espacializado, só pode ser experimentado nos cortes
entre uma cena e outra. Se no quadrinho impresso o leitor tinha a possibilidade de
experimentar o tempo real quando o espaço não buscava emular o tempo, nas
margens e espaços em branco entre um quadro e outro, na versão digital esta
percepção de tempo muda. Os recursos audiovisuais tendem a modificar a transição
que, no impresso, proporcionava a experiência de tempo. Ou seja, na atualização
digital, tanto quanto em qualquer outra, o tempo que os usuários se habituam a
experimentar é, na verdade, espaço. Ao falar de atualização, me refiro também aos
termos de Bergson (2005). Para o autor, as coisas têm sempre um modo de ser
(virtual) e um modo de agir (atual). A coisa em seu modo de ser não é apreensível, é
no modo que agir que conseguimos atingí-la e experimentá-la.
Nas AppHQs vendidas pelo aplicativo desenvolvido pela empresa
Comixology, e que podem ser experimentadas através de tablets e smartphones, a
visualização quadro a quadro e o zoom que ocorre dentro do próprio quadro,
indicando qual balão deve ser lido a cada vez, provocam uma outra percepção do
que seria a representação do tempo na HQ. Em outros casos, ainda no sistema
Comixology, os balões surgem na tela um a um, indicando quando devem ser lidos.
Quando o som também está inserido, como no caso de Patre Primordium, uma
história em quadrinhos digital que possui um sistema de navegação bastante similar
aos produtos da Comixology, a representação do tempo muda novamente. Os
recursos sonoros, como a dublagem e a sonoplastia, procuram ditar a velocidade e a
ordem de leitura da HQ. Neste trabalho, realizei as visualizações utilizando um iPod
Touch 4 (Figura 1).
13

Figura 1 – Imagem ilustrativa do iPod Touch 4

(disponível em: http://ibreakbr.net/wp-


content/uploads/2010/10/ipod_touch_4g.jpg)

Inicialmente, o meu recorte inclui três formatos diferentes de quadrinhos


digitais. No primeiro deles, o audiovisual se dá a ver mais explicitamente, enquanto
nos outros dois, as características audiovisuais estão mais discretizadas. No
entanto, entendo que nos três formatos, há a presença de audiovisualidades. O caso
no qual o audiovisual é mais facilmente reconhecível é a HQ Patre Primordium (que,
inclusive, foi lançada simultaneamente nos formatos impresso e digital). Para
experimentar esta história em quadrinhos, o usuário precisa adquiri-la na Apple
Store. Ao contrário do que ocorre em outros modelos, aqui não se faz o download de
um aplicativo e posteriormente da HQ para ser experimentada nele. Patre
Primordium é um aplicativo que já vem com a HQ.
O motivo de ter escolhido este elemento nesta primeira versão do corpus é a
possibilidade de se experimentar o áudio de duas formas no fluxo da HQ, que
também apresenta recursos de animação na transição entre os quadros. O usuário
14

pode ouvir uma versão dramatizada da história, que reproduz sonoramente o que
está escrito nos balões, sobreposta a uma trilha, ou desativar as vozes e ouvir
apenas com a trilha. Há também a possibilidade de desativar totalmente o áudio e
experimentar a HQ apenas com os recursos visuais.

Figura 2 – Tela de abertura da HQ do aplicativo Patre Primordium

Figura 3 – Captura de página do aplicativo Pate Primordium

O segundo formato selecionado é o sistema da empresa Comixology, que


experimentei através dos aplicativos customizados pelas duas maiores editoras de
quadrinhos do ocidente, Marvel Comics e DC Comics. Dentro do vasto universo de
lançamentos destas editoras para o aplicativo, selecionei cinco HQs que, pelo que
pude perceber na pré-observação, tiveram diferentes relações produzidas entre os
15

recursos de animação e as molduras próprias dos quadrinhos. Selecionei as HQs:


Nightwing #1, Crisis on Infinite Earths #1, Smallville Season 11 #1, Avengers Prelude
#2 e Batman Beyond #1. Nenhuma utiliza recursos de áudio.
O motivo da escolha de Nightwing #1 foi a ocasião de seu lançamento. Esta
HQ é uma das 52 séries lançadas pela DC Comics após o reinício de toda a sua
linha editorial. Na ocasião deste relançamento, a editora passou a disponibilizar
simultaneamente as versões impressa e digital para os consumidores. Portanto,
sabendo disso com antecedência, roteiristas e desenhistas tiveram a possibilidade, a
partir deste momento, de planejar a diagramação de páginas, quadros e balões,
levando em consideração também as dimensões das telas e possibilidades de
inserção de recursos e animação nas transições de quadros e páginas.
O motivo de ser Nightwing e não uma das outras 51 séries se deu por uma
questão puramente simbólica, já que, como leitor de quadrinhos, considero que o
personagem Dick Grayson/Asa Noturna é um dos que mais se desenvolveu ao longo
das décadas de cronologia da DC Comics. Dick, que iniciou sua carreira nas HQs
como Robin, chegou a ser o Batman por mais de dois anos, desde a publicação da
minissérie Final Crisis (2009), até o lançamento desta nova série, quando, em
setembro de 2011, o personagem voltou a ser o Asa Noturna.
16

Figura 4 – Capa da HQ Nightwing, utilizada tanto na versão impressa quanto na


digital
17

Figura 5 – Página da HQ Nightwing, utilizada tanto na versão impressa quanto


na digital

Se a escolha de Nightwing ocorreu porque se trata de uma HQ na qual os


autores puderam pensar no lançamento do formato digital, escolhi Crisis on Infinite
Earths justamente pelo motivo inverso. A HQ, lançada em 1985, e popularmente
conhecida no Brasil como Crise nas Infinitas Terras, marcou a primeira tentativa da
DC Comics de reiniciar a cronologia de suas publicações. Sua conversão para o
formato digital foi feita mais de 20 anos depois de seu lançamento na versão
impressa. Portanto, os recortes de quadros e de elementos, como onomatopeias e
balões, precisaram ser refeitos para a versão digital, muitas vezes deixando
evidentes partes da montagem do formato original.
18

Figura 6 – Capa da versão digital de Crisis on Infinite Earths, que reproduz


contracapa e capa da versão impressa

Figura 7 – Página da versão digital de Crisis on Infinite Earths


19

Tanto Batman Beyond quanto Avengers Prelude e Smallville Season 11 são


quadrinhos derivados de produtos audiovisuais. Mais do que isso, as três são
quadrinhos derivados de audiovisuais que, por sua vez, foram derivados de
quadrinhos. Outra peculiaridade: as três foram planejadas para serem lançadas nos
formatos digital e impresso. No entanto, não simultaneamente e nem na ordem mais
tradicional de lançamento. Estas publicações foram disponibilizadas inicialmente na
Comixology e só mais tarde em versão impressa. Smallville, inclusive, ainda não
teve a versão em papel publicada.
Das três, Smallville Season 11 é a única que teve sua narrativa mais voltada
para a versão AppHQ do que para o gibi impresso. A disposição das páginas é
horizontal, e cada uma das páginas tem uma média de três a quatro quadros. Esta
HQ deriva da ideia de dar continuidade ao seriado televisivo Smallville (que contava
uma nova versão do início da carreira do Superman). Esta HQ é lançada em
capítulos semanais na Comixology e mensalmente será lançada uma edição
impressa compilando os quatro capítulos. A produção de Smallville e Batman
Beyond segue a lógica estabelecida por um tutorial digital produzido pela editora e
repassado aos roteiristas e desenhistas (ver Anexo A). O documento mostra que as
páginas devem ser planejadas, diagramadas e desenhadas de forma que possam
ser montadas tanto em formato horizontal quanto em vertical. Existem restrições
quanto aos formatos de quadrinhos a serem desenvolvidos e, embora o papel seja
vertical, existe a determinação de que a página deve ser pensada em dois blocos
horizontais e que os quadrinhos devem funcionar de forma independente. O objetivo,
nesse caso, parece indicar que é a busca pelo melhor enquadramento possível tanto
em tablets quanto em smartphones.
Se Smallville é a versão em quadrinhos de uma série protagonizada por
atores reais, Batman Beyond adapta uma animação seriada produzida para a
televisão na década de 1990, que apresentava um Batman futurista e que até hoje é
popular entre os leitores de quadrinhos. Na mesma sistemática de Smallville, o
universo Beyond, que tem versões também do Superman e da Liga da Justiça, tem
capítulos digitais semanais e uma compilação impressa lançada por mês. Neste
caso, no entanto, valeu a mesma lógica das publicações atuais da DC Comics:
diagramação vertical tradicional.
20

Figura 8 – Capa da versão digital de Smallville #1

Figura 9 – Páginas da versão digital de Smallville #1, visualizadas no aplicativo


21

Figura 10 – Capa da edição #1 da versão digital série Batman Beyomd

Figura 11 – Página da edição #1 da versão digital série Batman Beyomd

Avengers Prelude é uma espécie de prólogo para o filme Os Vingadores,


lançado em 2012. Assim como Batman Beyond, esta HQ, mesmo lançada
primeiramente no formato digital, não segue o modelo de Smallville. As páginas são
verticais e alguns detalhes, como o pouco detalhamento de alguns quadros, mostram
que a publicação foi produzida com base na lógica do impresso. Na versão digital,
muitas vezes um plano de fundo de uma página é transformado em um quadro
independente, através do recurso de zoom. Desta forma, uma prática antiga dos
desenhistas, de detalhar pouco as figuras mostradas nos planos mais profundos da
cena, acaba causando estranhamento neste novo formato. No zoom, este pouco
detalhamento acaba sendo evidenciado. A edição selecionada foi desenhada também
pelo artista gráfico/quadrinista Daniel HDR, que no decorrer desta pesquisa trabalha
22

com Smallville Season 11. Em entrevista realizada por e-mail (ver Apêndice A), o
artista ressaltou que o processo de produção determinado pela Marvel Comics para
esta edição digital de Vingadores foi idêntico ao que ele está habituado para a
produção de quadrinhos impressos. As páginas foram pensadas apenas para
publicação em formato vertical.

Figura 12 – Capa utilizada na versão digital da edição #2 de Avengers Prelude


23

Figura 13 – Página utilizada na versão digital da edição #2 de Avengers Prelude

Por fim, o terceiro formato é representado nesta pesquisa pela HQ Luther,


disponibilizado pelo quadrinista Mark Waid em seu site Thrillbent
(http://www.thrillbent.com). Este é o único material selecionado que não depende do
download de um aplicativo para ser experimentado. Embora seja produzido para ser
visualizado no navegador de internet, a forma de navegação em tablets e em
smarthphones é bastante similar ao sistema Comixology, inclusive não apresentando
sons. O toque na tela leva à próxima ação da imagem. No entanto, diferente do que
acontece no aplicativo citado, e não apenas faz surgir novos quadros ou páginas na
tela. Quando o usuário toca a tela (ou clica, no caso de estar usando um computador
tradicional) é frequente que novos elementos surjam dentro da cena que já está
sendo exibida. Balões, caixas de texto, novos planos da cena que está sendo
24

mostrada: são várias as modificações que podem ocorrer dentro de um mesmo


quadro. Além disso, os quadros podem surgir aos poucos na tela, preservando um
suspense que não é possível nos quadrinhos impressos, onde a próxima cena
sempre está posta ao lado ou abaixo. Optei por considerar Luther também uma
AppHQ, uma vez que nos dispositivos portáteis ela segue uma lógica similar a dos
aplicativos na forma de apresentação de seu conteúdo.

Figura 14 – Capa do capítulo #1 da HQ digital Luther


25

Figura 15 – Páginas do capítulo #1 da HQ digital Luther

Antes de seguir adiante com a pesquisa, percebi que era necessário observar
o que está sendo estudado no Brasil a respeito dos quadrinhos digitais. Ao buscar
estas referências, descobri que pesquisadores de diversas partes do país
desenvolvem estudos que de alguma forma tocam meu objeto, que ainda está em
construção neste momento, embora nenhuma delas convoque a perspectiva das
audiovisualidades, ou de alguma que seja similar. O audiovisual presente nos
quadrinhos digitais ainda é pouco explorado nestas pesquisas. Mais do que isso,
percebo que a relação do quadrinho digital com a interface e com os softwares
também carece de maior aprofundamento em termos de estudos. Neste ponto, pela
primeira vez, percebi que minha preocupação não se resume apenas a algo que
está inscrito nas molduras quadrinhos e audiovisual. Creio que meu objeto de
26

pesquisa esteja tensionado pelos quadrinhos, pelo audiovisual, e por uma terceira
moldura: software/interface. E foi justamente buscando algo que pudesse me auxiliar
nesta perspectiva, que olhei os estudos que citarei a seguir. Dentro dos trabalhos
que mapeei, e que apresento a seguir, não localizei movimentos com vistas à
compreensão específica das lógicas deste grupo que estou denominando como
AppHQ. Embora alguns destes estudos possam tocar objetos empíricos que cito em
minha pesquisa, nenhum deles observa estas AppHQs com um enfoque ligado às
audiovisualidades e à tecnocultura.

1.2 ESTUDOS SOBRE QUADRINHOS DIGITAIS

A pesquisa acadêmica relativa à relação dos quadrinhos com os meios


digitais, que começou tímida, vem se desenvolvendo de forma mais expressiva nos
últimos anos. Embora avancem timidamente, estes estudos já produziram diversos
apontamentos sobre estes entrelaçamentos das HQs com os meios digitais, sendo
que alguns chegam a tangenciar o viés que pretendo estudar, quando consideram a
relação quadrinhos/meio digital/audiovisual. Este viés é o comportamento das
molduras audiovisuais presentes nos quadrinhos digitais e como elas constituem
estratégias próprias destes produtos. No entanto, percebi que nenhum dos autores
com os quais tive contato até agora avançou no que diz respeito à forma como as
estratégias audiovisuais tensionam as demais molduras dos quadrinhos e afetam a
forma de se apreender o fluxo das HQs.
Santos (2011) contextualiza uma gênese dos quadrinhos, utilizando
elementos explorados por Campbell (2006), no que pode ter sido a origem das
diversas utilizações de características de histórias em quadrinhos na internet. Santos
defende que os quadrinhos digitais, chamados por ele de webcomics, surgem antes
da internet comercial, quando ainda não havia um navegador.

“Segundo Campbell (2006), a origem dos webcomics vem da


necessidade dos indivíduos de expressarem-se graficamente e não
apenas textualmente. O autor assegura que os quadrinhos ou
cartuns online nasceram em uma discussão também online entre
alguns técnicos da Carnegie Mellon University entre 17 e 19 de
setembro de 1982. Estes técnicos tentaram desenvolver uma
maneira de explicar, textualmente, senso de humor ou estado de
espírito. Após algumas considerações,definiram os símbolos
(atualmente chamados emoticons) “: -)” para representar alegria ou
27

humor e “:-(” para representar descontentamento. Os emoticons são


cartuns feitos com os recursos existentes na época (…)” (SANTOS,
2011: p.2)

Levando em consideração que esta pode ter sido a origem das manifestações
relacionadas a cartuns e histórias em quadrinhos na internet, é possível perceber
que, já na gênese, os quadrinhos digitais incorporaram fortemente a necessidade de
comunicar através de recursos textuais. Desta forma, fica evidente também que
aquilo que convencionamos chamar de quadrinhos na internet, pode sequer ter
relação, em seu surgimento, com a necessidade de produzir HQs para os meios
digitais.
Alguns autores como Marcelo Soares de Lima (LIMA, 2011) abordam as
possibilidades dos quadrinhos nos meios digitais, enfocando a influência que os
recursos tecnológicos destes dispositivos têm sobre as formas de leitura e de
distribuição dos quadrinhos.
É justamente o trabalho de Lima que aponta que estes produtos que resultam
do entrelaçamento dos quadrinhos com os meios digitais possuem uma
complexidade muito grande em termos de produção. Desta forma, mesmo que o
autor não se preocupe com a linguagem em si, e pareça estar mais preocupado com
questões tecnológicas e mercadológicas, aponta para a existência de algo que
possui características diferentes de qualquer outra atualização dos quadrinhos.

“(…) os quadrinhos digitais se mostram como uma alternativa que


abre brechas também de diversificação do mercado, tanto em termos
de temáticas, distribuição, como de trabalho para roteiristas,
ilustradores e programadores visuais, haja vista, que existindo no
ciberespaço, uma HQ pode ser aprimorada para esse universo virtual
e contar com novos recursos técnicos” (LIMA, 2011: 8).

A preocupação maior de Lima em sua pesquisa é com a construção da


linguagem dos quadrinhos impressos e com suas diferenças em relação aos
quadrinhos digitais. Ele detecta que a interação proporcionada pelos meios digitais
impacta diretamente na experiência de leitura das histórias em quadrinhos.
Para Lima, tanto mercado quanto consumidores estão aumentando seu
interesse em relação aos quadrinhos digitais que se apropriam bem das
possibilidades dos meios digitais. Ele pontua também que “nos deparamos com a
dificuldade por parte dos produtores de quadrinhos em conhecer melhor a parte
28

técnica do processo, limitando, assim, o dinamismo de produção” (LIMA, 2011: p.13).


Outro autor que vem se dedicando aos estudos relativos aos quadrinhos
digitais é Ramos (2011). Entretanto, sua pesquisa analisa especificamente o curioso
rumo que os quadrinistas brasileiros estão tomando ao migrarem para a internet. No
entender do autor, as iniciativas nacionais contradizem as expectativas de
apropriação de recursos dos meios digitais:

“Até a primeira metade da década inicial deste século, a internet se


firmava a passos largos e trazia mais dúvidas do que respostas
sobre os rumos que ela iria causar nos quadrinhos. Tudo sinalizava
que as HQtrônicas ou os webcomics, outro nome atribuído às
produções de quadrinhos virtuais, iriam rumar para a hibridização de
linguagens, criando novo(s) gênero(s).
Ocorreu no Brasil nos anos seguintes, no entanto, o caminho inverso:
houve um uso amplo dos formatos tradicionais, com particular
destaque para o da tira, (...)” (RAMOS, 2011: p.6).

Ainda no mesmo artigo, para explicar a situação dos quadrinhos digitais


brasileiros, Ramos evoca o que Mendo (2008) diz sobre os dois extremos que as
HQs podem ter na internet: “A gradação de possibilidades tinha num extremo a
reprodução da narrativa sem qualquer adaptação à tela do computador. No outro
extremo, o uso farto de recursos de animação e interatividade”. Ramos lembra ainda
que, segundo Mendo, existiriam cinco possibilidades nesse sentido:

“1. reprodução de história em quadrinhos impressa sem adaptação;


2. reprodução de história em quadrinhos impressa com adaptações
ao formato da tela;
3. história em quadrinhos com interface característica dos meios
digitais (com botões próprios para troca de páginas, possibilidade de
ampliação das imagens);
4. história em quadrinhos com utilização moderada de recursos
multimídia e interatividade (como recursos sonoros e animações);
5. história em quadrinhos com uso avançado de animação, som e
interatividade (algo próximo aos desenhos animados, aproximado
aos quadrinhos pelo uso de elementos da linguagem, como o balão)”
(RAMOS apud MENDO, 2011:p.6).

A relação dos quadrinhos com o ambiente digital também foi abordada por
Walter Correia e Rodrigo Motta (MOTTA; CORREIA, 2011). Os autores observam
que as características dos meios digitais pouco estão influenciando a montagem e,
consequentemente, a linguagem dos quadrinhos encontrados neste ambiente:
29

“Observa-se que a maioria dos quadrinhos digitais não adquirem


aspectos do ambiente digital pois são produzidos como se a tela não
passasse de um “papel eletrônico”, não levando em consideração
que os quadrinhos digitais são artefatos de base tecnológica, que
necessitam de novas metodologias, teorias e técnicas; novos
profissionais envolvidos no seu processo”(MOTTA; CORREIA, 2011:
p.2).

Os autores defendem a criação do que chamam de “novas mecânicas” para


os quadrinhos digitais. Acredito que, pelo menos em parte, o que busco em minha
pesquisa esteja ligado a estas mecânicas, sejam elas realmente novas, ou
adaptadas de outras mídias:

“A produção de quadrinhos digitais necessita de um “pensar digital”


em sua concepção. Quadrinhos digitais são um artefato de base
tecnológica e precisam ser tratados como tal, com foco nos aspectos
que podem diferenciá-los no ambiente digital e oferecer novas
leituras, diferentes do que foi feito no meio impresso. O aspecto
principal identificado é a interatividade, conseguida através da
introdução do conceito de mecânica, advinda dos jogos digitais, que
irá criar novas formas de leitura para cada novo artefato, oferecendo
novas experiências ao usuário” (MOTTA; CORREIA, 2011:p.11).

Ao longo desta pesquisa, pretendo me aprofundar no conceito de mecânicas,


pois creio que pode me ajudar a compreender melhor meu objeto. No entanto,
percebo que, se vier a utilizar o conceito, farei de forma bastante distinta do que
fazem Correia e Mota, pois não creio que a interatividade seja o principal aspecto
dos quadrinhos digitais audiovisuais.
Inicialmente, creio que seja mais provável que, durante esta pesquisa, eu
trabalhe com base no conceito de lógicas operativas, desenvolvido por Fischer, em
sua tese de doutorado. “Entendemos como lógicas operativas, neste sentido, o
conjunto de procedimentos identificáveis nas interfaces que fazem com que um
website oferte suas características específicas para o usuário”. (FISCHER: 2008,
p.54). Embora Fischer se refira especificamente a websites, pois estes eram seus
objetos de estudo durante o doutorado, a mesma definição sobre lógicas operativas
funciona quando aproximada das AppHQs que pretendo analisar.
Seguindo por outro caminho, o pesquisador Edgar Franco (2011) verifica que
nos quadrinhos pensados propriamente para os meios digitais existem oito
características que não podem ser encontradas em HQs inscritas em outros meios.
São elas: animação, diagramação dinâmica, trilha sonora, efeitos de som, tela
30

infinita, tridimensionalidade, narrativa multilinear e interatividade. Percebo que estas


características citadas por Franco podem apresentar indícios do que seriam as
lógicas operativas dos quadrinhos digitais e, por consequência também do grupo das
AppHQ. Franco entendeu que, para nomear estes materiais que possuem uma, ou
mais destas características, era necessário criar um termo próprio. O autor propõe o
neologismo “HQtrônicas” para designar o que ele vê como histórias em quadrinhos
(HQs) inscritas em meios eletrônicos.

“A hipermídia congrega a conexão em rede telemática com as


diversas características de outras mídias como: histórias em
quadrinhos, fotografia, cinema, TV e rádio - promovendo o
surgimento de linguagens multifacetadas que hibridizam
características dessas várias mídias” (FRANCO, 2011: p.1).

Nos termos de Kilpp (2003) é possível pensar que as características citadas


por Franco como as primordiais das HQtrônicas seriam como molduras sobrepostas
próprias das histórias em quadrinhos digitais. Para minha pesquisa, o conceito de
moldura como território de significação é essencial para assim compreender os
tensionamentos entre elas. Por isso, torna-se necessário transcrever, abaixo, o que
Franco diz sobre estas características identificadas por ele:

“Animação - Tanto as animações em 2D, mais comuns, quanto as


3D, podem ser encontradas nos sites de HQtrônicas que
vasculhamos em nossa pesquisa exploratória, mas a forma como
estas animações estão dispostas na narrativa pode ser basicamente
dividida em quatro manifestações: animação de um dos quadrinhos
da página/cena, objeto animado que sobrepõem-se à página/cena,
sequência animada paralela à narrativa principal e ainda animação
do enquadramento.

Diagramação Dinâmica – Na hipermídia a tradicional divisão da


página em requadros estáticos que comportam as cenas em seu
interior ganhou mobilidade, ao invés de simplesmente acionarmos
um comando para saltar para a página seguinte o criador de
HQtrônicas pode fazer com que alguns quadrinhos da página
movam-se para fora dela, ou para outra posição na seqüência ou
ainda que dêem lugar a outros quadrinhos.

Trilha Sonora - A primeira novidade nesse campo foi a idéia de dividir


as HQtrônicas em capítulos e criar para cada um deles um tema
musical instrumental que retratasse a atmosfera geral do capítulo,
esse tema é tocado em loop.

Efeitos Sonoros – A ocorrência desses efeitos sonoros na narrativa


dependerá também do ritmo de leitura de quem navega pelo
31

trabalho, desse modo, a opção mais usual é criar um comando ligado


ao quadrinho que quando clicado aciona o efeito sonoro, recurso
semelhante ao usado para acionar as animações, mas algumas
vezes o efeito sonoro pode também aparecer em loop.

Tela Infinita - Com o advento de um novo suporte, ou seja, a


migração do papel para o ambiente digital da tela do computador, as
histórias em quadrinhos podem ver-se libertas das amarras do
formato de diagramação tradicional, imposto pela veiculação
impressa. [...] A “Tela Infinita” rompe com uma das limitações
impostas pelo suporte impresso e inaugura um novo leque de
possibilidades de diagramação e narração que certamente ainda não
foram exploradas nem em uma pequena parte de seu enorme
potencial, aos poucos os webquadrinhistas vão tomando consciência
desse potencial e experimentando novas diagramações, rompendo
com o paradigma anterior.

Narrativa Multilinear – A hipermídia promove estruturas narrativas


multilineares que diferem da narrativa tradicional linear. As histórias
em quadrinhos eletrônicas vêm, ao longo dos últimos anos,
aproveitando-se de alguns dos recursos dessa
multilinearidade, apresentando narrativas com bifurcações ao longo
dos caminhos e links paralelos que levam o leitor a sites de assuntos
correlatos aos tratados no roteiro da história.

Interatividade - As HQs eletrônicas veiculadas em CD-ROM ou na


Internet, podem então ser divididas em vários níveis de
interatividade, esses níveis podem ir desde o mais básico (passivo),
onde o receptor tem como única opção os comandos avançar e
retornar, repetindo o padrão do suporte papel, passando pelo nível
intermediário (reativo) que envolve sites e CD-ROMs onde o receptor
pode optar entre caminhos diversos já pré-estabelecidos, ou ainda
pode acionar animações, efeitos sonoros e links que o levam a
caminhos paralelos à narrativa; chegando finalmente ao nível mais
avançado de interatividade, que seria classificado como
’interatividade não trivial’” (FRANCO, 2011: p.4).

Não pretendo utilizar todas estas molduras propostas por Franco como
parâmetro para realizar as análises dos materiais empíricos que tensionarei com os
procedimentos metodológicos que serão explicados no terceiro capítulo deste texto.
No entanto, várias delas se aplicam, de diferentes formas, na maior parte das HQs
visualizadas, essa questão será retomada na explicitação das opções
metodológicas. Depois de determinar estas características básicas, a pesquisa de
Franco avança em uma direção que não creio que dê conta de alguns fenômenos
próprios disto que ele opta por chamar de HQTrônicas. Para o pesquisador, houve
até agora três “gerações” deste tipo de quadrinhos, que são diferenciadas pela
forma como os recursos digitais foram incorporados nas HQs em determinados
32

períodos históricos. Só que, se o estudo de Franco não dá conta de esgotar a


discussão sobre certos aspectos dos quadrinhos digitais, é possível entender, pelo
menos, que dentre todos os pesquisadores que estudam quadrinhos digitais no
Brasil, e que pude observar, foi ele que levou mais adiante a discussão, embora não
chegue a apontar a triangulação quadrinhos-audiovisual-interface cultural/software
cultural.
A interferência digital pode ser sentida inicialmente no visual dos quadrinhos
impressos. Com a possibilidade de se utilizar softwares como o Photoshop, as
editoras passaram a oferecer aos leitores produtos que claramente não haviam sido
colorizados ou letreirados à mão. Portanto, não é correto pensar que as ferramentas
digitais só passaram a ser utilizadas na produção de histórias em quadrinhos quando
estas passaram a ser veiculadas em meios digitais.

“Conforme a tecnologia amadureceu, alguns artistas puseram os


computadores a serviço de uma sensibilidade provinda claramente
dos meios naturais. E uns poucos, muito poucos, deram ênfase aos
aspectos mais exóticos das imagens geradas por computador, na
esperança de apresentar algo inequivocamente novo. Enquanto isso,
nos bastidores, os computadores se tornam onipresentes na arte-
final das revistas em quadrinhos destinadas à publicação”
(MCCLOUD, 2006: p.142).

Da mesma forma, não podemos reduzir os quadrinhos veiculados em meios


digitais a webcomics, pois muitos deles estão apenas hospedados na internet, mas
são visualizados offline. Além disso, podemos encontrar ainda, no final do século
XX, histórias em quadrinhos digitais que utilizavam recursos audiovisuais e que eram
distribuídas em CD-ROM. Um exemplo disso é o CD-ROM Batman Partners in Peril
(figura 16), lançado em 1996. No Brasil, a HQ chegou a ser lançada, mas como o
CD não apresentava a opção de linguagem em português, a editora Abril optou por
fornecer uma versão impressa da HQ junto ao produto.
33

Figura 16 – Tela de Batman Partners in Peril, publicada originalmente em CD-ROM

(imagem extraída do site


http://www.allgame.com/game.php?id=6354&tab=screen).

É possível ver, facilmente, que o computador permitia, desde antes da


popularização da internet e dos dispositivos portáteis como tablets e smartphones, a
existência de quadrinhos digitais, embora estes ainda fossem mais ligados à versão
impressa. Manovich pontua que, de acordo com Kay, o computador funciona como
um metameio, englobando características de meios já existentes e de outros, que
ainda estão para surgir:

“Os novos meios utilizam de formatos representacionais já existentes, como


’seus blocos de construção‘, enquanto adicionam diversas novas
propriedades não existentes previamente. Ao mesmo tempo, como previsto
por Kay, esses meios são expansíveis – isto é, os próprios usuários podem
facilmente adicionar novas propriedades ou inventar uma nova mídia.
Assim, Kay chama os computadores como as primeiras ’metameio‘ cujo
conteúdo é ’uma ampla gama de meios de comunicação já existentes e
ainda-não-inventado’” (Manovich, 2008: p.26).

Podemos perceber que, se levarmos em consideração o que McCloud diz a


respeito da utilização de recursos digitais em HQs impressas, não há, em princípio,
nenhum limite claro em relação aos quadrinhos impressos e os digitais no que diz
respeito às ferramentas utilizadas em sua produção. Assim como os recursos digitais
começaram a ser usados na produção de quadrinhos antes dos experimentos com
materiais desenvolvidos para serem visualizados em meios eletrônicos, recursos
clássicos dos quadrinhos impressos, como o desenho em papel e a finalização da
arte com nanquim continuam sendo utilizados nas HQs produzidas para meios
34

eletrônicos. Iniciativas como o site Zuda Comics (que foi interrompido e atualmente
não está mais disponível), que fez parte do corpus de meu Trabalho de Conclusão
de Curso, foi descontinuado pela DC Comics em abril de 2011, oferecem espaço
para a publicação do trabalho quadrinistas que produzam dentro de um formato pré-
determinado para a web, mas não privilegiam trabalhos produzidos através de meios
digitais. Nada impediria que uma HQ totalmente produzida artesanalmente, sem
recursos digitais, fosse digitalizada e enviada ao Zuda Comics, desde que estivesse
dentro das medidas permitidas.
Depois de fazer a seleção dos materiais que compõem esta versão do corpus
e de fazer este breve percurso pelos trabalhos de autores como McCloud e Franco,
percebo que a pesquisa em relação à ligação dos quadrinhos com os recursos
digitais ainda é pouco desenvolvida. Muitas vezes, o termo webcomics acaba sendo
utilizado para definir todos os quadrinhos produzidos para serem distribuídos na
internet. No entanto, o termo acaba englobando não apenas as HQs pensadas para
serem lidas na web, mas qualquer história em quadrinhos disponibilizada na internet,
seja ela uma versão digitalizada de um quadrinho impresso ou um aplicativo que
pode ser visualizado offline. É possível traçar um paralelo do que acontece com os
quadrinhos, com o que está ocorrendo também com os vídeos. Cada vez mais, com
a popularização de sites de compartilhamento de audiovisual, como o YouTube,
surgem vídeos pensados e produzidos sob a lógica da web, utilizando recursos
próprios do meio. Paralelamente, a cada dia, milhares de vídeos extraídos de
programação de televisão ou de filmes originalmente disponíveis em DVD, são
inseridos nestes sites de compartilhamento. Não seria correto chamar de webvídeo,
algo que não foi concebido para a web. Da mesma forma, um vídeo produzido para
ser visualizado offline, também não pode ser designado através deste termo. Antes
mesmo de optar por chamar meus objetos empíricos de AppHQS, defini minha
opção por não me referir como webcomics aos materiais que analisarei. Esta
primeira escolha se deveu ao fato de que a maioria das HQs que selecionei para
esta pesquisa é destinada à experiência de leitura off-line (embora as etapas de
busca, escolha e compra sejam feitas online), sendo Luther a única exceção. Seria,
portanto, ilógico utilizar o termo webcomics para designar um conjunto representado,
em sua maior porção, por elementos que não necessitam da web para serem
acessados depois de feito o download.
No atual estágio deste trabalho, creio que meu problema de pesquisa parta
35

das seguintes perguntas: “Como as estratégias audiovisuais identificadas


preliminarmente nos materiais já citados atuam sobre os quadrinhos digitais e como
tensionam a moldura quadrinhos?”. Para que eu possa evoluir a minha
problematização, eu preciso retomar a perspectiva que anunciei anteriormente, que
leva em consideração que existem quadrinhos que apresentam mais explicitamente
estratégias audiovisuais e também aqueles nos quais estas estratégias estão
latentes.

1.3 AUDIOVISUALIDADES E TECNOCULTURA NAS APPHQS

Entendo que, devido à minha forte ligação com os quadrinhos, seja como
leitor ou como um interessado em pesquisar sobre o tema, corro o risco de ser
cegado por situação ao olhar os materiais que pretendo estudar. Por isso, busco não
me focar na análise do conteúdo, utilizando-o apenas para observar como se
articulam as molduras sobrepostas dos quadrinhos digitais selecionados. Pretendo
tensionar meu olhar com conceitos desenvolvidos por autores que permeiam os
estudos das audiovisualidades e, especialmente, do que o grupo de pesquisa
Tecnocultura Audiovisual (TCAv), no qual estou inscrito, entende por tecnocultura.
Embora ainda em construção, este conceito, assim como todas as discussões das
quais venho participando no grupo, está sendo fundamental para que eu
compreenda melhor como se constitui meu objeto de pesquisa. Particularmente,
entendo por tecnocultura os processos culturais que são impregnados por
procedimentos técnicos. Por isso, creio que os quadrinhos, através de sua
constituição tecnoestética, se inscrevam perfeitamente no conjunto de estudos que
segue o viés tecnocultural.
Com vistas a compreender e buscar uma compreensão de como as
audiovisualidades se apresentam nas AppHQs e sobre como este grupo de
quadrinhos digitais se relaciona com a tecnocultura, desenvolvi a estrutura deste
trabalho, que está dividido em 6 capítulos. É importante ressaltar que vários trechos
de obras citadas na bibliografia foram traduzidos do inglês e do espanhol para este
trabalho, devido a não existência de traduções oficiais destes textos.
Até aqui procurei desenvolver a apresentação da macromoldura quadrinhos,
paralelamente à introdução do córpus e a um breve apanhado da pesquisa brasileira
sobre HQs digitais. No capítulo 2, intitulado HQs Inscritas nos Novos Meios, com
36

base nos conceitos de McLuhan e Manovich, desenvolvo uma reflexão sobre os


chamados novos meios e sobre a inscrição das AppHQs neste contexto. É durante o
segundo capítulo que faço a apresentação da macromoldura software/interface, pois
defendo que ela é própria dos meios digitais que abordo neste capítulo. É também
no capítulo 2 que inicio a discussão sobre o ambiente no qual se inscrevem as
AppHQs. Por fim, há uma terceira macromoldura evidente nos materiais pré-
selecionados: audiovisual. A relação desta macromoldura com os materiais
selecionados é explorada no terceiro capítulo, que chamo de Primeiras Pistas de
Audiovisualidades na AppHQ, e é onde apresento as normas da Apple para
desenvolvimento de aplicativos que impactam de forma mais forte na imagem
constituída do grupo de materiais que busco compreender. Este capítulo também
tem como função mostrar como o audiovisual se articula nas AppHQs e também
expor as formas como o software se impõe sobre as outras macromolduras.
No quarto capítulo, Construção Metodológica, apresento os processos que
utilizei ao longo da pesquisa para tensionar as macromolduras que permeiam o
corpus. Bergson, Benjamin e Kilpp são essenciais para a construção da metodologia
que utilizei para as análises, e que apresento no capítulo 4. O resultado destes
tensionamentos apresento no quinto capítulo, Adentrando as Molduras da AppHQ. É
no sexto capítulo, Apontamentos Transitórios, que apresento os resultados da
pesquisa e os encaminhamentos para futuras pesquisas.
37

2 HQS INSCRITAS NOS NOVOS MEIOS

2.1 RECONHECENDO OS NOVOS MEIOS E SEU AMBIENTE

Quando iniciei o levantamento bibliográfico para esta pesquisa, acreditava


que novos meios eram aqueles nos quais era possível haver uma maior
interatividade. Ou seja, aqueles que proporcionavam ao usuário a oportunidade de
participar de forma ativa na construção e na ordenação do conteúdo. No entanto,
com o desenvolvimento da pesquisa, percebi que necessitava de uma definição mais
adequada, que apontasse características que fossem, de fato, próprias destes novos
meios. Foi nesta busca, que encontrei o que Manovich (2006) entende como os
cinco princípios fundamentais dos novos meios: representação numérica,
modularidade, automatização, variabilidade e transcodificação cultural.
Manovich afirma que, nos novos meios, todos os objetos, sejam eles
produzidos por computador ou convertidos para o meio digital, são representações
numéricas, e isto tem duas consequências fundamentais:

“1. Um objeto dos novos meios pode ser descrito em termos formais
(matemáticos). Por exemplo, uma imagem ou uma forma podem ser
descritos por meio de uma função matemática.
1 Um objeto dos novos meios está submetido a uma
manipulação algorítmica. Por exemplo, se aplicarmos os algoritmos
adequados, podemos tirar automaticamente o “ruído” em uma
fotografia, melhorar seu contraste, encontrar as bordas das formas
ou trocar suas proporções. Em resumo, os meios se voltam
programáveis” (MANOVICH, 2006:8),

É curioso pensar que, no caso dos quadrinhos, estas características citadas


não se restringem apenas àqueles que são produzidos para serem experimentados
nos novos meios. Atualmente, a grande maioria dos quadrinhos impressos, sejam
eles editados por grandes empresas ou lançados por autores independentes, são
produzidos com a utilização de softwares, conforme demonstra o manual
“Aprendendo a Desenhar com os maiores mestres internacionais”, publicado em
2006 pela Panini Comics. Neste manual, vê-se que a cor, por exemplo, geralmente
não existe na arte original (figura 17). Da mesma forma, o mesmo manual mostra
que os balões também são incluídos depois da digitalização das páginas (figura 18).
38

Figura 17 – Página 239 do manual “Aprendendo a Desenhar com os maiores


mestres internacionais”, publicado em 2006 pela Panini Comics
39

Figura 18 – Página 140 do manual “Aprendendo a Desenhar com os maiores


mestres internacionais”, publicado em 2006 pela Panini Comics

Ou seja, embora Manovich pontue que os objetos dos novos meios possam
ser submetidos à manipulação algorítmica e descritos através de funções
matemáticas, os quadrinhos impressos, quando passam pela etapa da digitalização,
também possuem estas características, mas ainda assim não podem ser
considerados como novas mídias.
O autor pontua também que a modularidade é um princípio que, nos novos
meios, funciona da mesma forma que uma estrutura fractal. A comparação se dá
porque, da mesma forma que em um fractal, o objeto dos novos meios apresenta uma
estrutura modular capaz de se agrupar com outros objetos, mas sem perder sua
identidade:
40

“Este princípio se pode chamar de “estrutura fractal dos novos


meios”. Da mesma maneira que um fractal possui a mesma estrutura
em diferentes escalas, o objeto dos novos meios apresenta sempre a
mesma estrutura modulas. Os elementos midiáticos, sejam imagens,
sons, formas ou comportamentos, são representados como coleções
de mostras discretas (pixels, polígonos, voxels, caracteres ou
scripts), uns elementos que se agrupam em objetos de maior escala,
mas que seguem mantendo suas identidades em separado. Os
próprios objetos podem combinar-se, por sua vez, dando lugar a
objetos ainda maiores; sem perder, tampouco, sua independência”
(MANOVICH.2006: p. 119).

Para compreender como este princípio se manifesta nos objetos empíricos


que selecionei, procuro pensar que todo o meu corpus é, antes de tudo, código
binário, que se converte em milhares de pixels que, organizados de determinada
maneira, podem formar ilustrações e os demais elementos gráficos que compõe as
telas das AppHQs.
Já o terceiro princípio, a automatização, é, na verdade, uma consequência
dos dois princípios anteriores. As características automáticas só se fazem presentes
nos objetos dos novos meios porque suas codificações numéricas e suas estruturas
modulares permitem que elas se constituam:

“A codificação numérica dos meios (princípio 1) e a estrutura modular


de seus objetos (princípio 2) permitem automatizar muitas das
operações implicadas em sua criação, manipulação e acesso. Daí
que pode eliminar-se a intencionalidade humana do processo
criativo, ao menos em parte” (MANOVICH. 2006: p.11).

A automatização é perfeitamente observável em todos os quadrinhos que


selecionei para a primeira versão do corpus desta pesquisa. Ao ativar as funções
que determinam o avanço das imagens e do som, o usuário não entende, de fato,
como ocorre este processo. Ao contrário do que ocorre no quadrinho impresso, onde
o virar de página é um processo controlável pelo leitor, aqui o usuário apenas ativa
uma programação pré-determinada que faz com que a próxima tela seja mostrada.
Uma diferença evidente que a automatização produz na forma como o usuário
experimenta as AppHQs em relação à maneira de se experimentar os quadrinhos
impressos, é a forma como o prosseguimento da narrativa é ativado. Enquanto nos
quadrinhos impressos pega-se a página para virá-la, no caso das AppHQs é a tela
que recebe o toque, ativando assim uma função automática do hardware, que age
sobre o software e faz a narrativa prosseguir.
Da mesma forma, a variabilidade, considerada o quarto princípio, também
41

decorre diretamente dos dois primeiros. É graças à representação numérica e à


modularidade que um produto dos novos meios não tem uma estrutura sólida e
definitiva com os produtos dos velhos meios. A ordem e a sequência, definitivas nos
velhos meios, tornam-se agora variável:

“Um objeto dos novos meios não é algo fixado e uma vez por todas,
sendo que pode existir em distintas versões, que potencialmente são
infinitas. Há aqui outra consequência da codificação numérica dos
meios (princípio 1) e da estrutura modular dos objetos midiáticos
(princípio 2). Os velhos meios implicavam um criador humano, que
juntava manualmente elementos textuais, visuais ou auditivos em
uma sequência ou composição determinadas. Essa sequência se
armazenava em algum material, que determinava sua ordem de uma
vez por todas. Poderiam tirar-se numerosas cópias do original que,
em perfeita correspondência com a lógica de uma sociedade
industrial, eram todas idênticas“ (MANOVICH. 2006: p.12).

Esta variabilidade pode ser detectada também em todos os materiais que


compõem o primeiro recorte de meu corpus (ver capítulo 1). Embora, possivelmente,
durante as análises possam surgir novos indícios deste princípio, na pré-observação
pude identificá-lo, primeiramente, na organização dos quadros, que se modificam
quando a tela é segurada em posição vertical ou horizontal. Também percebi que, na
maioria dos materiais pré-observados, é possível determinar o tempo de transição
de uma página a outra. Embora não seja possível, e aparentemente não desejável
para quem produz, mudar a sequência das páginas das AppHQs, esta alteração no
ritmo da narrativa altera a forma como o usuário percebe a história em quadrinhos.
Entendo, no entanto, que há a necessidade de uma maior reflexão a respeito da
variabilidade durante as análises dos materiais. Embora Manovich aponte que este
princípio é próprio dos novos meios, creio que o meio impresso também oferece um
determinado nível de variabilidade, quando o leitor pode escolher por qual página ou
por qual quadro quer começar a experimentar os materiais. As HQs impressas
também podem ser lidas em diferentes tempos por seus leitores. Por outro lado, as
AppHQs pré-observadas parecem não utilizar todos os recursos de variabilidade que
os novos meios oferecem, já que durante a pré-observação não identifiquei a
possibilidade de alteração na ordem dos quadros, dos balões ou em nenhuma das
molduras mais sólidas dos quadrinhos.
Já o quinto princípio, a transcodificação, é considerado por Manovich como a
mais importante característica dos novos meios. Mesmo produzido por dados e
42

seguindo as lógicas dos princípios citados anteriormente, estes objetos seguem se


apresentando para o usuário como coisas reconhecíveis:

“O quinto e último princípio, o da transcodificação cultural, tenta


descrever a que, ao meu modo de ver, é a consequência mais
importante da informatização dos meios. Como já havíamos
sugerido, a informatização converte os meios em dados de
computador que, segundo se observa, seguem apresentando uma
organização estrutural que tem sentido para seus usuários humanos:
as imagens mostram objetos reconhecíveis; os arquivos de texto
constam de frases gramaticais; os espaços virtuais são definidos
pelo familiar sistema de coordenadas cartesianas... mas desde outro
ponto de vista, sua estrutura obedece agora às convenções
estabelecias da organização dos dados por um computador“
(MANOVICH, 2006: p.12),

A transcodificação também é evidente, não apenas nos quadrinhos que


selecionei na primeira versão do corpus, mas em todos os que visualizei durante
esta etapa. Em todos os casos, me parece que os materiais são identificáveis como
quadrinhos. É importante destacar que pretendo verificar não apenas se, embora
inscritas nas lógicas dos novos meios, as molduras básicas dos quadrinhos
continuam constantes nas AppHQs, mas como elas se articulam com as
características próprias do ambiente onde estes produtos estão inscritos.
Portanto, considero que as AppHQs não são apenas constituídas por imagens
técnicas. São compostas por imagens técnicas que necessariamente se relacionam
com os cinco princípios fundamentais dos novos meios e que estão inscritas em um
ambiente que favorece a experiência destes aspectos.
É importante que se leve em consideração que a inserção dos quadrinhos, ou
de qualquer objeto presente em meios anteriores, nos novos meios não se dá de
forma automática. Este processo requer uma série de adaptações e adequações,
que muitas vezes inserem novas características que acabam modificando a relação
do usuário com o meio e com os quadrinhos. O objeto se torna diferente daquilo que
ele era (e continua sendo) no meio anterior. McLuhan (1969) pontua que este
processo de adaptação acaba por condicionar o objeto ao ambiente do meio.
Portanto, se há qualquer alteração neste ambiente, o objeto não estará adequado e
necessitará passar por mudanças novamente. A cada uma destas alterações, a
lógica do objeto sofre alterações, tornando-o diferente de si mesmo.
A interface de dispositivos com tela ao toque permite que a experiência de
43

aplicativos seja feita da forma como a conhecemos. Ou seja, diferentes comandos


são dados através de toque ou de diferentes movimentações feitas com os dedos.
Só que este modelo de interface é relativamente recente, e outros modelos de
quadrinhos digitais já existiam antes das AppHQs. Exemplos como os motion-
comics, ou mesmo as páginas digitalizadas de quadrinhos impressos, já não se
adéquam a todos os equipamentos que proporcionam a experiência do meio digital
depois do surgimento de dispositivos eletrônicos com tela sensível ao toque. Embora
funcionem, causam estranhamento, pois o usuário, adaptado ao ambiente
constituído pelos equipamentos portáteis, costuma operar sobre aplicativos e
segundo suas lógicas próprias. Ainda que as AppHQs não sejam o modelo definitivo
de quadrinho digital, entendo que elas são apenas o atual estágio dos quadrinhos
digitais, adequados ao ambiente proporcionado pela mais recente constituição da
interface dos novos meios. Pode-se considerar que nesta pesquisa estou
trabalhando como se buscasse tirar um instantâneo deste estágio.
Como bem pontua McLuhan (1974), qualquer mudança no ambiente é suficiente
para que o meio e a mensagem precisem se reconstituir, através de um esforço
concentrado:

“Para se atingir uma perfeita adaptação a qualquer ambiente,


necessário se torna canalizar para esse fim todas as energias e
forças vitais. o que conduz a uma espécie de limite estático.
Qualquer mudança no ambiente dos bem adaptados encontra-os
sem recursos para enfrentar o novo desafio“ (MCLUHAN, 1974: p.
88).

Levando isso em consideração, sinto a necessidade de olhar para situações


em que outros meios se com o intuito de nunca perder de vista que este processo de
transição para os novos meios não é um fenômeno isolado.
O que hoje se vê em relação ao que chamamos de novos meios já foi
presenciado em outras ocasiões com o surgimento de tecnologias diversas. E, pelo
que pontua McLuhan, nenhuma destas tecnologias ficou à margem das artes ou da
ciência. O surgimento de novos processos tecnológicos acaba influenciando
diretamente no modo de pensar a construção artística, da mesma forma que abre
novas possibilidades em relação à forma de experimentar o resultado final.
É, portanto, fácil entender a diagramação horizontal e com número reduzidos
de quadros encontrados nas AppHQs disponibilizadas na versão digital antes de
44

serem publicadas na versão impressa. O modo de pensar a estética está


impregnado pelos limites impostos pela tecnologia/meio vigente, assim como há
uma influência da constituição desta estética dentro dos próprios aplicativos. Como a
visualização horizontal valoriza as ilustrações em termos de espaço e favorece a
leitura, é natural que se estruture estes novos quadrinhos seguindo este padrão e
não o estabelecido normalmente pelas HQs impressas. O usuário entende que as
AppHQs devem ser experimentadas conforme as lógicas dos novos meios.
Só que, se hoje os dispositivos com tela sensível ao toque parecem a
ferramenta mais prática para ler livros ou quadrinhos, houve um tempo em que o
livro impresso era visto da mesma forma, quando comparado ao manuscrito, como
bem pontua McLuhan. A impressão permite uma acessibilidade maior do que as
versões manuscritas, da mesma forma que o acesso aos conteúdos é atualmente
potencializado pelos novos meios:

“Quando uma nova tecnologia é introduzida num ambiente social, ela


não cessa de agir nesse ambiente até a saturação de todas as
instituições. A tipografia influiu em todas as fases de desenvolvimento
das artes e das ciências, nos últimos quinhentos anos. Seria fácil
documentar os processos pelos quais os princípios da continuidade,
uniformidade e repetibilidade se tornaram as bases do cálculo, da
mercadologia, da produção industrial, da indústria do entretenimento
e das ciências. Mas basta apontar que a repetibilidade conferiu ao
livro impresso o estranho e novo caráter de um bem de consumo de
preço uniforme, o que veio a abrir as portas ao sistema de preços.
Além disso, o livro impresso tinha as vantagens da portabilidade e da
acessibilidade em relação ao manuscrito“ (MCLUHAN, 1969: p.
202).

Cabe também, neste estágio, pontuar uma reflexão de McLuhan a respeito da


extensão dos sentidos do homem em relação aos meios. Esta percepção do autor
deixa claro que quando falamos de ambiente dos novos meios, o que está sendo
discutido é mais do que a interface, o conteúdo, ou as lógicas de operação destes
meios. O novo meio altera a forma como o usuário experimenta informação, seja ela
visual, auditiva, ou audiovisual. Portanto, ao discutir o ambiente, creio que seja
indissociável também esta relação da ambiência com a produção da mensagem e o
fracionamento dos sentidos que podem ser expressos por ela. Creio que ter em
vista esta noção de ambiência, quando retornar aos empíricos apresentados na
introdução e coletados na pré-obsevação, seja fundamental para que eu possa
compreender quais as molduras são realmente próprias das AppHQS. Esta
45

ambiência se insere dentro de uma Cultura do Software, nos termos de Manovich


(2006), na qual os aplicativos possuem múltiplas funções. Espero ter uma melhor
noção, ao produzir os futuros movimentos de análise, sobre como se dá o
tensionamento entre as molduras recorrentes dos quadrinhos e aquelas que são
próprias dos novos meios. Embora não fale de internet, ou de quadrinhos, McLuhan
explica como se dá a amplificação dos sentidos proporcionada com a relação do
homem com as novas tecnologias:

“A maior parte das tecnologias efetua uma amplificação que se torna


bem explícita na separação que exerce sobre os sentidos. O rádio é
uma extensão do aural, a fotografia de alta fidelidade uma extensão
do visual. Mas a TV, acima de tudo, é uma extensão do sentido do
tato, que envolve a máxima inter-relação de todos os sentidos. Para
o homem ocidental, no entanto, a extensão totalizante ocorreu por
meio da escrita fonética, que é uma tecnologia de extensão do
sentido da visão. Em contraposição, todas as formas não-fonéticas
de escrita são modos artísticos que conservam muito da variedade
da orquestração sensorial. A escrita fonética, por si mesma, tem o
poder de separar e fragmentar os sentidos do processo literário, que
se caracteriza pela fragmentação analítica da vida sensória”
(MCLUHAN, 1974: p.373-374),

Esta reflexão de McLuhan é produtiva para minha pesquisa no momento em


que percebo que a forma como os sentidos se amplificam para perceber as AppHQs
se dá de forma totalmente distinta do que ocorre nos quadrinhos. Se as HQs
tradicionais são percebidas essencialmente pelo visual, a experiência das HQs
desenvolvidas para aplicativos se dá também de forma tátil e audiovisual. Seria
errôneo dizer que o tato não tem relevância na experiências das HQs impressas,
mas é nas AppHQs que a relação tátil chega a influenciar na composição das
molduras a serem observadas pelo usuário. Um movimento feito com os dedos
pode, por exemplo, aumentar ou diminuir o tamanho de um quadro ou ainda
determinar se um balão vai ou não ser visualizado em determinada tela.
Os quadrinhos impressos, ditados pelo visual, acabam por condicionar o leitor
a experimentá-los de forma linear. Conforme pontua McLuhan:

“A ênfase visual na continuidade, na uniformidade e no nexo


sequencial, derivando da cultura letrada, leva-nos aos grandes meios
tecnológicos de implementar a continuidade e a linearidade mediante
a repetição fragmentada“ (MCLUHAN, 1974: p.374).

Embora os cinco princípios de Manovich estejam muito presentes nos


46

materiais coletados para esta pesquisa, percebi que ainda há muito de quadrinho
impresso na forma como estes materiais se apresentam. Escolhas feitas por quem
programou estas AppHQs definiram o motivo destes materiais ainda serem tratados
como quadrinhos. A inclusão de molduras como os balões e os quadros, por
exemplo, poderia não ter sido feita. Estes elementos poderiam facilmente ser
suprimidos ou modificados de tal forma que não remetessem ao formato impresso.

2.2 OS NOVOS MEIOS SÃO AS NOVAS MENSAGENS

Mesmo que neste ponto do texto tenha ficado mais claro que a mensagem é
fortemente afetada e impregnada pelo meio, esta relação precisa ser esclarecida. Este
movimento é fundamental para que eu possa discorrer sobre a interface das AppHQs, a
mensagem que é comunicada através desta interface, e sobre como esta mensagem
se constitui exclusivamente nos meios que atualmente designamos como novos. Indo
além, nos termos de McLuhan, poderíamos afirmar que meio é a mensagem e, por
consequência, os novos meios são as novas mensagens. Pensando nesta direção,
percebo cada vez mais que a macromoldura software/interface, uma das mais sólidas
dos meios digitais que atualmente chamamos de novos meios, é essencial para o
estudo do objeto que pretendo analisar.
A importância elementar desta macromoldura se dá em decorrência do que
Manovich (2006) explica sobre a interface cultural. Para o autor, ela é resultante de
um movimento de articulação do impresso, da interface humano-computador e do
cinema. É a partir deste movimento que compreendo a constituição da moldura
software/interface. As AppHQs possuem certo nível de interação tátil com o usuário,
seguindo a lógica que vem se estabelecendo nos aplicativos utilizados em
dispositivos como tablets e smartphones.
Da mesma forma, a compreensão desta macromoldura será essencial para
que eu possa analisar os quadrinhos digitais que possuem características de
AppHQs, embora não sejam experimentadas através de aplicativos.
McLuhan entende que as características do meio se fazem presentes na
mensagem, e que, na essência, são a própria mensagem. Embora não estivesse se
referindo ao que entendo nesta pesquisa por novos meios, o autor faz a seguinte
colocação: “Nada mais distante da nova tecnologia que 'um lugar para cada coisa
em seu lugar'”.
47

Seguindo o pensamento de McLuhan, os meios nos afetam totalmente e sem


uma ordenação lógica de como cada um de seus aspectos influencia os mais
diversos níveis de nossa existência. Assim, a inscrição do quadrinho no meio digital,
mesmo que muitas de suas características permaneçam semelhantes às dos
quadrinhos inscritos em outros meios, faria com que este novo quadrinho, próprio de
um novo meio, nos afetasse de forma totalmente nova.
Não é apenas a AppHQ que age sobre o usuário, esta nova atualização de
quadrinhos é a própria mensagem, que carrega em si as características e
peculiaridades deste novo meio. Ao experimentar as AppHQs, o usuário está, na
verdade, mergulhando no meio digital e permitindo que o meio digital se entrelace
com o seu ser:
“Todos os meios agem sobre nós de modo total. Eles são tão
penetrantes que suas consequências pessoais, políticas,
econômicas, estéticas, psicológicas, morais, éticas e sociais não
deixam qualquer fração de nós mesmos inatingida, intocada ou
inalterada. O meio é a massagem. Toda compreensão das mudanças
sociais e culturais é impossível sem o conhecimento do modo de
atuar dos meios como meio ambiente“ (MCLUHAN, 1969. p. 54).

O meio digital incorpora à mensagem passada pelos quadrinhos uma


característica que ficou à margem das HQs até o surgimento desta nova atualização.
Os materiais selecionados para minha análise permitem, através de recursos técnicos,
que sejam reproduzidos efeitos sonoros, trilhas, narrações e dublagens. A inclusão do
som no contexto dos quadrinhos digitais altera a forma de apreensão destes materiais,
uma vez que, embora o som esteja presente como potência nas representações como
balões e onomatopeias, a audição não é acionada diretamente pela versão impressa.
Como explica McLuhan, se o espaço visual pode ser organizado e segmentado
claramente, o som segue uma lógica completamente distinta:

“O ouvido não tem preferência particular por um "ponto de vista". Nós


somos envolvidos pelo som. Este forma uma rede sem costuras em
torno de nós. Costumamos dizer: "A música encherá o ar." Nunca
dizemos: "A música encherá um segmento particular do ar."
Ouvimos sons vindos de toda parte, sem jamais haver um foco. Os
sons vêm de "cima", de "baixo", da "frente", de "trás", da "direita", da
"esquerda". Não podemos fechar a porta aos sons automaticamente.
Simplesmente não possuímos pálpebras auditivas. Enquanto o
espaço visual é um continuum organizado de uma espécie
uniformemente interligada, o mundo auditivo é um mundo de
relações simultâneas“ (MCLUHAN, 1969: P.139).
48

Nos materiais que estou observando, percebo que, na maioria dos casos, o
áudio não está presente e, quando está, é possível suprimi-lo totalmente ou
parcialmente. Já a porção visual se mantém constante. A visualidade é um aspecto
forte na atual sociedade, mas não é mais necessariamente a base dela ou dos
meios que atuam nela, como explica McLuhan:

“O espaço visual é uniforme, contínuo e interligado. O homem


racional de nossa cultura é um homem visual. O fato de que a maior
parte da experiência consciente possua pouca “visualidade” perde-se
para ele. Racionalidade e visualidade há muito tempo são termos
intercambiáveis, mas já não vivemos mais num mundo
fundamentalmente visual” (MCLUHAN:1969, p.73),

Não é mais possível afirmar que o quadrinho é fundamentalmente visual, mas


é ainda inegável que ele é predominantemente visual e que já se entrelaça, mesmo
que de forma preliminar, com características audiovisuais. A quebra deste
paradigma, que guia a percepção do homem sobre o quadrinho pela sua
constituição visual, é complicada, pois a visualidade como referencial básico, como
pontua McLuhan, remete à Renascença:

“A arte, ou tradução gráfica de uma cultura, é modelada pelo modo


de perceber o espaço. Desde a Renascença o artista ocidental
tomava conhecimento de seu ambiente em termos visuais. Tudo
ficava subordinado ao olhos do observador“ (MCLUHAN: 1969, p.85).

Em outro trecho, McLuhan pontua que esta constituição de hábito de


experimentar as coisas sob um ponto de vista determinado atrapalha a compreensão
dos efeitos dos novos meios:

“O obstáculo principal para uma clara compreensão dos efeitos dos


novos meios é nosso hábito profundamente arraigado de encarar
todos os fenômenos sob um ponto de vista determinado“
(MCLUHAN: 1969, p.96).

O próprio conceito de ponto de vista determinado indica que a visualidade


tende a guiar grande parte de nossa percepção. No entanto, a maneira como o
“mundo auditivo” se constitui pode guiar o usuário do produto audiovisual e, mais
especificamente, do quadrinho digital audiovisual, para diferentes caminhos.
Portanto, a discussão a respeito da semelhança da mensagem do quadrinho
impresso com a AppHQ pode ser estancada sem nem mesmo entrarmos na discussão
49

da interface. O simples fato de haver o emprego de recursos audiovisuais nos meios


digitais, e, em especial, do som destes recursos, mostra que a mensagem do quadrinho
digital está impregnada por aquilo que este meio é. Portanto, a AppHQ não pode
comunicar uma mensagem idêntica, ou mesmo similar, a que é comunicada pelo
quadrinho impresso. Da mesma forma, o contrário também não pode ocorrer.
Creio que só é possível compreender como se constitui a mensagem dos
novos meios, e por consequência das AppHQs inscritas neles, depois de perceber
que os novos meios trazem uma interface como resultado de um movimento
genealógico das telas. A pintura e a fotografia, por exemplo, influenciam na
constituição desta tela contemporânea. Para perceber este movimento, acredito que
preciso procurar me apropriar melhor do conceito de interface e perceber como
ocorre seu tensionamento com quadrinhos e audiovisual. Creio que a interface é
determinante para a constituição da mensagem dos novos meios. Por isso, busco, a
seguir, relacionar este conceito com a constituição de meu objeto de pesquisa, que
agora percebo ser, de fato, atravessado por três molduras, e não duas como eu
acreditava inicialmente.

2.3 INTERFACE NOS NOVOS MEIOS

Se as AppHQs apresentam, quando produzidas por desenvolvedores


distintos, grandes diferenças em relação às formas de se interagir, conforme vimos
na introdução, e veremos detalhadamente na análise, paralelamente, todas
apresentam semelhanças à forma de se interagir com outros aplicativos. Se as
AppHQs, entre si, possuem diferenças, elas se assemelham por serem aplicativos.
Esta questão será desdobrada no capítulo 3 e no capítulo 5, durante as análises.
Manovich entende esta convergência como um reflexo do papel crucial que a
interface desempenha na atual sociedade:

“(…) ainda há outra maneira em que a interface desempenha um


papel crucial na sociedade da informação. Estamos em uma
sociedade em que as atividades de trabalho e de ócio não só
conduzem um uso cada vez maior do computador, mas convergem
também nas mesmas interfaces. Tanto as aplicações "laborais"
(programas de processamento de texto e planilha eletrônica e banco
de dados), como as de “ócio” (jogos de videogames e DVDs
informativos) usam as mesmas ferramentas e metáforas de interface
gráfica“ (MANOVICH, 2006, p.114),
50

No caso das AppHQs, estas possuem muita semelhança com a experiência


em relação a ebooks e revistas digitais experimentados através de aplicativos, se
considerarmos que as características da interface cultural vem se atualizando em
diferentes dispositivos. Embora exista semelhança no que diz respeito à interface, os
produtos diferem em suas naturezas.
O autor considera também que um mesmo conjunto de ferramentas é utilizado
para a interação do usuário com a grande maioria dos produtos digitais. Embora as
AppHQs apresentem molduras como o requadro, o balão, a onomatopeia e a
página, que permitem ao usuário reconhecer a interação que ocorre na versão
impressa, este ato se dá através de ferramentas próprias da interface digital, que
são utilizadas para diversas outras finalidades. Manovich diz:

“Hoje em dia, o sujeito da sociedade da informação realiza ainda


mais atividades ao longo de um dia típico: entra e analisa dados,
executa simulações, pesquisa na Internet, joga games, assiste
vídeos em transmissão simultânea, escuta música na rede,
comercializa ações, etc.. Mesmo realizando todas essas atividades
diferentes, em essência, está sempre usando o mesmo punhado de
ferramentas e comandos: a tela do computador e mouse, um
navegador de Internet, um motor de busca e comandos de cortar,
colar, copiar, excluir e pesquisar“ (MANOVICH, 2006, p.114-115).

As AppHQS seguem a mesma lógica, atrelando-se aos comandos que são


utilizados de forma majoritária na interface digital. No entanto, até pouco tempo,
tanto usuários quanto produtores resistiram à ideia de aderirem às lógicas do meio.
O próprio Will Eisner chegou a falar a respeito dos quadrinhos digitais, ressaltando
que as transmissões eletrônicas das narrativas gráficas possuem formato e ritmo de
leitura totalmente distintos da versão impressa. Ao analisar uma HQ de sua autoria
transposta para um CD-ROM, que exibia os quadros um a um, acompanhados de
música de fundo, Eisner fez algumas considerações a respeito da leitura de histórias
em quadrinhos, que muitas vezes são chamadas apenas de HQs, nos meios digitais:

“O que fica ausente nessa mídia é a variedade de formas de quadros


usados na forma impressa para servir de suporte à narração. Além
disso a exibição total dos 200 quadros envolvidos nesta história deve
ser feita dentro de um tempo de 28 minutos. Isso, é claro, reduz a
participação intelectual gerada visualmente pelas imagens impressas
sequencialmente. O resultado acaba se tornando uma revista em
quadrinhos em vídeo – um exemplo do efeito que a transmissão
eletrônica tem sobre a narrativa gráfica” (EISNER, 2005, p. 152).
51

Estas características apontadas por Eisner estão até hoje, embora cada vez
menos perceptíveis, presentes em quadrinhos digitais. Simulações de virar a página,
como se faz no quadrinho impresso, eram utilizadas frequentemente nos sites das
grandes editoras, quando elas disponibilizavam materiais para serem
experimentados nos suportes digitais. Com o tempo, as HQs foram se filiando cada
vez mais às lógicas da interface dos meios digitais. Hoje, os equipamentos com tela
sensível ao toque, desempenham papel fundamental na navegação das AppHQs.
Como indiquei na introdução, um dos meus materiais do corpus me faz pensar que o
termo AppHQ pode também ser pensado também para um dos materiais que,
mesmo experimentado através de um navegador tradicional, apresenta
características ligadas às lógicas de aplicativos.
Através da leitura de Manovich, percebi que uma das abordagens sobre
interface mais úteis para o trabalho que estou desenvolvendo é justamente o que o
autor define como interface humano-computador (ihc), ou interface do usuário.
Manovich entende que se trata daquela que se situa entre o usuário e dispositivo
digital:

“O termo interface homem-computador, ou interface do usuário,


descreve as maneiras em que este interage com a equipe. Inclui
dispositivos de entrada e saída de dados físicos, tais como teclado,
monitor e mouse. Integra também as metáforas usadas para
conceituar a organização de dados informáticos. Por exemplo, a
interface do Macintosh que a Apple introduziu em 1984, usa a
metáfora de alguns arquivos e pastas que estão dispostas sobre uma
mesa. Finalmente, a interface de usuário também inclui formas de
manipular os dados, isto é, uma gramática de ações significativas
que o usuário pode executar com ele“ (MANOVICH, 2006, p 119).

Creio que a relação que Manovich estabelece entre interface do usuário,


palavra impressa e tela, constituída na década de 1990, serve para que, nesta
pesquisa, eu possa pensar a respeito da relação das histórias em quadrinhos, como
audiovisual, com a interface de usuário e com a palavra impressa.

“Na minha visão, a linguagem de interfaces culturais é largamente


composta de elementos de outras formas culturais já conhecidas. A
seguir, discutiremos as contribuições de três destas formas a esta
linguagem durante sua primeira década: os anos noventa. As três
formas nas quais vou me centrar fazem surgem na sequência inicial
do objeto dos novos meios, que é protótipo da década de noventa, e
do que já falamos antes: Myst. Este começo as vai ativando diante
de nossos olhos, uma a uma. A primeira forma é o cinema. A
52

segunda é a palavra impressa. E a terceira é a interface do usuário“


(MANOVICH, 2006, p. 121),

Para que se pense na relação envolvendo os quadrinhos, me propus a,


inicialmente, entender a forma como Manovich relaciona estas três formas. O
seguinte trecho foi essencial para minha compreensão, pois sintetiza o que o autor
entende desta relação:

“Reunir interface de usuário, cinema e palavra impressa nos permite


ver que os três têm mais em comum do que poderíamos ter previsto.
Por um lado, ao fazer parte da nossa cultura por meio século, a
interface do usuário representa uma poderosa tradição cultural, uma
linguagem cultural que oferece suas próprias maneiras de
representar a memória e a experiência humanas. A linguagem fala na
forma de objetos discretos organizados em hierarquias (o sistema de
arquivos), como catálogos (bancos de dados), ou como objetos
vinculados uns com os outros por hiperlinks (a hipermídia). Por outro
lado, começamos a ver que a palavra impressa e o cinema também
podem ser considerados interfaces, mesmo quando historicamente
têm estado vinculados a alguns tipos determinados de dados. Cada
um tem sua própria gramática de funcionamento e suas próprias
metáforas, e uma interface física particular. Um livro ou uma revista é
um objeto sólido que consiste em páginas separadas, com ações
como ir de uma página para outra de forma linear, marcar páginas
específicas e fazer uso do sumário. No caso do cinema, sua interface
física é disposição arquitetônica concreta da sala de cinema, e sua
metáfora, uma janela para um espaço virtual tridimensional“
(MANOVICH: 2006, p. 121).

As AppHQS estão desenvolvendo características próprias no que diz respeito


à interação do usuário e, por consequência, constituindo uma forte identificação com
o que Manovich entende por interface do usuário. No entanto, também é visível que
as marcas da palavra impressa, tão importante para a forma clássica das HQs, ainda
se fazem presentes nesta nova atualização, através da distribuição clássica dos
balões, por exemplo. Da mesma forma, a tela também influencia na constituição da
linguagem das AppHQs, provocando uma associação quase que automática deste
produto com o audiovisual, devido ao espaço físico onde se inscreve. As AppHQs se
inscrevem em uma genealogia maior da tela/interface e do software.
Embora na tela dos dispositivos digitais nem tudo seja audiovisual, o conceito
de tela ainda faz uma forte remissão a suportes audiovisuais como a televisão e as
telas das salas de cinema. Portanto, é possível entender que se não é algo
considerado essencial, pelo menos não causa estranhamento que um produto que é
exibido em uma tela apresente características audiovisuais. Percebi também que
53

além da moldura audiovisual, a moldura software/interface se fez presente em todos


os materiais, muitas vezes, como no caso do aplicativo Patre Primordium,
sobrepondo-se à moldura quadrinhos.
Embora se busque representar os quadrinhos primordialmente, outros fatores,
ligados às demais macromolduras que se sobrepõem nas AppHQs, contribuem para
que esta representação seja afastada da forma original. Dubois (2004) busca na
obra de Bellour o conceito de dupla-hélice, que trata justamente desta ação
desanalogizante:

“Toda representação implica sempre, de uma maneira ou de outra,


uma dosagem entre semelhança e dessemelhança. E a história
estética das máquinas de imagens, esse trançado de linhas gerais, é
feita de surtir equilíbrios entre esses dados.
Podemos mesmo sustentar, com razão, que há uma espécie de
correlação histórica implícita entre estas duas dimensões
aparentemente contraditórias da figuração. Esta é a tese da
chamada "dupla hélice", sustentada por Raymond Bellour, segundo a
qual, basicamente, quanto maior for a potência de analogia de um
sistema de imagens maiores serão as manifestações contrárias de
tendências ou de efeitos (secundários?) de "desanalogização" (ou
desfiguração) da representação. Assim, quanto mais capaz for um
sistema para imitar fielmente o real em sua aparência, mais ele
suscitará a proliferação de pequenas formas que minam tal potência
de mimetismo, visando desconstruí-lo. Curiosa revanche da imagem
sobre o instrumentalismo da máquina, como se estivéssemos diante
de uma pulsão de subversão da figura proporcional à força de
dominação do sistema“ (DUBOIS, 2004: p.54-55).

Por mais que os produtores tenham intencionalidade de inscrever nestes


produtos características de quadrinhos, o meio onde eles estão inscritos faz com
que sejam indissociáveis do software/interface e com que se tornem facilmente
impregnáveis por alguma característica audiovisual. Embora haja uma vontade de se
produzir semelhanças dentro do movimento de constituição destas AppHQs, há
também, em paralelo, uma vontade de dessemelhança. Com isso, quanto mais se
busca fazer com que estes quadrinhos digitais se assemelhem a quadrinhos
tradicionais, mais ficam evidentes estratégias que são próprias do meio e que dão a
ver o audiovisual e o software.
Como já citei anteriormente, foi a relação do audiovisual com o quadrinho
digital, este elemento que muitas vezes está discretizado entre um quadro e outro,
que me motivou a dar início a esta pesquisa. Acreditava que, para entender o
funcionamento destes recursos audiovisuais que surgem nestes produtos, precisava
54

observar justamente o que existe em termos de tensionamento entre o que há do


meio impresso (não apenas da palavra), o que há de propriedade proveniente da
tela (seja ela digital ou não) e, por fim, o que é próprio da natureza digital, conforme
os cinco princípios apontados por Manovich e já apresentados anteriormente neste
trabalho. Percebo, agora, que é necessário observar o tensionamento da moldura
software/interface com estas outras já citadas.
Entendo que Manovich consegue dar uma pista de onde se localizam estas
estratégias audiovisuais dentro da cultura dos novos meios, apontando justamente
para a interface como sendo um ponto chave desta pesquisa:

“Contrariamente à imagem popular dos meios informáticos como algo


que compacta toda a cultura humana em uma única biblioteca
gigantesca (o que implica a existência de algum sistema de
ordenação), ou como um livro gigantesco (o que implica uma
progressão narrativa) talvez seja mais preciso pensar na cultura dos
novos meios como uma infinita superfície plana onde se encontram
situados os textos individuais, sem qualquer ordem em particular”
(MANOVICH, 2006, p. 128).

É possível pensar que esta superfície citada por Manovich é, primordialmente,


a própria interface, onde elementos individuais se encontram situados, sem
nenhuma ordem em particular. E, neste contexto, as estratégias audiovisuais dentro
das AppHQs servem justamente como um elo de ligação entre estes elementos.
Quando clicamos em um link de uma página na internet que utiliza recursos do
software Flash, que, segundo o site da sua desenvolvedora
(http://www.adobe.com/br/products/flash.html), é “um ambiente de autoria avançado
para criação de conteúdo de animação e multimídia”, é comum que apareça uma
barra que mostra a porcentagem de carregamento da próxima página. Na verdade, o
recurso utilizado em alguns quadrinhos audiovisuais não difere muito desta lógica. É
uma representação (áudio)visual da ligação entre o que está antes e depois do
clique, e que tem replicação em diversos materiais empíricos (não apenas HQs)
baseados em Flash. Portanto, como neste exemplo (vide figura 19), o usuário
encontra marcações na HQ digital que são habituais e “herdadas” de outros lugares.
Estas marcas do quadrinho impresso, portanto, não estão presentes apenas nas
AppHQs, mas também em outros formatos e quadrinhos digitais.
55

Figura 19 – Preview da HQ Turma da Mônica Jovem

Disponível em: http://www.revistaturmadamonicajovem.com.br/

É, portanto, natural que surja a dúvida de como o usuário assimila a AppHQ,


sendo ela uma atualização diferente, mas ainda preservando em seu modo de ser o
virtual quadrinhos. Encontro em Manovich um apontamento de como esta
assimilação ocorre. Segundo o autor, e também conforme já apresentado nos termos
de McLuhan, todas as novas linguagens culturais se baseiam em formas anteriores
e, por isso, o usuário é capaz de assimilá-las:

“Os usuários são capazes de assimilar novas linguagens culturais,


seja do cinema há cem anos ou das interfaces culturais hoje, porque
estão baseados em formas culturais anteriores que lhes são
familiares. No caso do cinema, as formas culturais que participaram
em sua gestação incluem teatro, os espetáculos de lanterna mágica
e outras formas de entretenimento público do século XIX. Interfaces
culturais partem, por sua vez de velhas formas culturais, como o
cinema ou a palavra impressa“ (MANOVICH, 2006, p. 130),

Dentro da interface constituída sobre os novos meios, o usuário tende a se


56

conectar facilmente às características audiovisuais nos produtos que experimenta. A


tela aproxima a experiência do quadrinho digital, por exemplo, à do consumo de
vídeo, pelo menos tanto quanto aproxima da experiência de ler uma HQ impressa.
Ao falar sobre esta forma de percepção, Manovich vai mais longe, e afirma que o
audiovisual se sobrepõe às características da palavra impressa nos meios digitais.
Embora o autor discuta sobre a imprensa e o cinema, o exemplo a seguir
pode ser facilmente relacionado ao quadrinho impresso e ao audiovisual em geral:

“É especialmente importante que se espere que o usuário faça uma


panorâmica ou um travelling sobre o texto, como se fosse uma cena
3D. Nesta interface, a visão cinematográfica triunfa sobre a tradição
impressa, e a câmera subsume a página. A galáxia de Gutenberg
acaba por ser apenas um subconjunto do universo dos Lumiére“
(MANOVICH, 2006, p. 131),

Esta predominância do audiovisual permite que a barreira do requadro do


quadrinho impresso deixe de ser um limite sólido. Através dos recursos de
panorâmica, zoom e travelling, o usuário percorre espaços que anteriormente
ficavam fora do enquadramento nos quadrinhos.
Claramente, esta característica de mobilidade do enquadramento é própria do
audiovisual. A presença dela nestes produtos, que estou denominando de AppHQs,
tensiona a forma de experimentar quadrinhos nos novos meios. Manovich destaca
que o usuário que interage com produtos inscritos nos novos meios tendem a
conseguir um campo de visualização maior do que aqueles que experimentam o
meio impresso:

“Da mesma forma que o enquadramento retangular da pintura e da


fotografia nos apresenta uma parte de um espaço maior que existe
fora dele, a janela da interface do usuário fornece uma vista parcial
de um documento maior. Mas se na pintura (e mais tarde, na
fotografia) o enquadramento escolhido pelo artista é definitivo, a
interface do usuário se beneficia de uma nova invenção introduzida
pelo cinema: a mobilidade do enquadramento. Assim como o olho
cinematográfico pode se mover através de um espaço revelando
suas diferentes zonas, o usuário de computador pode percorrer o
conteúdo de uma janela“ (MANOVICH, 2006, p 132),

Prosseguindo a discussão acerca da inscrição do cinema no meio digital,


Manovich destaca que as estratégias da estética desta forma de arte acabaram se
convertendo em algo próprio do software e do contexto digital:
57

“Mais do que simplesmente uma linguagem cultural entre outras, o


cinema está se convertendo na interface cultural, uma utilidade para
toda a comunicação cultural, que toma a dianteira da palavra
impressa. O cinema, a principal forma cultural do século XX,
encontrou uma nova vida como utilidade do usuário do computador. A
forma cinematográfica de percepção, de ligar o tempo com o espaço,
de representar a memória humana, o pensamento e a emoção, se
converteu em um modo de trabalhar e de viver para milhões de
pessoas na era do computador. As estratégias da estética do cinema
se converteram nos princípios básicos de organização de programas
de computador. A janela para o mundo fictício de uma narração
cinematográfica se converteu em uma janela aberta a uma paisagem
de dados. Em poucas palavras, o que antes era cinema, agora é a
interface entre homem e computador“ (MANOVICH, 2006, p. 138),

Este movimento de reaproveitamento de características de vários meios


integradas em um novo meio, que pode ser observado nas AppHQs, vai ao encontro do
que propõem Bolter e Grusin (1999), que definem este processo como remidiação. Para
começar a entender este processo, que será muito importante nesta pesquisa, parto do
que Manovich fala a respeito do estudo destes dois autores:

“Em seu importante estudo sobre os novos meios, Remidiação, Jay


David Bolter e Richard Grusin definem o meio como "aquilo que volta
a mediar" Diferente da visão de modernidade que procura definir as
propriedades essenciais de cada um dos meios, Bolter e Grusin
propõem que todos eles operam mediante a "remidiação", quer dizer:
traduzindo, transformando e dando uma nova forma a outros meios,
no plano do conteúdo como no da forma. Se pensamos na interface
entre homem e o computador como em outro meio, a sua história e
desenvolvimento atual categoricamente concordam com esta tese”
(MANOVICH, 2006, p. 141).

Há um risco de que se pense que a remidiação é um processo que pode, de


alguma forma, compactar características de vários meios de uma forma homogênea.
Por isso, é importante pontuar que as interfaces culturais resultantes deste processo
tomam formas variadas, embora sigam lógicas similares e apresentem ferramentas
com funcionalidades idênticas.
Mais uma vez, evoco Manovich e sua reflexão sobre outras interfaces
culturais, pois acredito que as AppHQs, por serem planejadas dentro das normas de
um manual da Apple (como será visto no capítulo 3), se comportem de maneira
semelhante ao que o autor aponta sobre diferentes tipos CD-ROM ou de sites:

“Interfaces Culturais tratam de acomodar esta dupla demanda de


coerência e de originalidade. A maioria delas contêm o mesmo
58

conjunto de elementos de interface com uma semântica padrão, tais


como os ícones "início", "avançar" ou "voltar". Mas como cada CD-
ROM e site se esforça para ter seu próprio design exclusivo, estes
elementos se desenham sempre de modo diferente de um produto
para outro. Por exemplo, muitos jogos como WarCraft II (Blizzard
Entertainment, 1996) ou o Dungeon Keeper, dão a seus ícones um ar
"histórico", o que é consistente com a atmosfera do universo
imaginário que o jogo retrata“ (MANOVICH, 2006, p. 143),

Na composição destes novos produtos, resultantes de características de


meios que já existiam anteriormente, Manovich percebe uma espécie de competição
interna. O autor entende que as características da palavra impressa e do cinema
competem entre elas:

“As interfaces culturais tratam de equilibrar esse conceito de uma


superfície de página pintura, fotografia, cinema e página impressa
como algo para dar uma olhada, ver ou ler, mas sempre à distância,
sem interferir com ela, com o conceito de uma superfície de interface
informática, que é como um painel de controle virtual, semelhante ao
do carro, do avião, ou qualquer outro aparelho complexo.
"Finalmente, e em outro nível, a tradição da palavra escrita e do filme
também concorrem entre si. Enquanto o primeiro quer uma tela de
computador que seja uma área de informação densa e plana, o
segundo insiste em transformá-lo em uma janela aberta a um espaço
virtual“ (MANOVICH, 2006, p. 144),

Não apenas a palavra impressa, mas tudo o que compõe o quadrinho impresso,
da escrita às ilustrações e balões estáticos, faz com que o usuário fique ainda amarrado
à lógica da versão de papel, seguindo sua lógica linear. Paralelamente, a presença do
audiovisual evidencia que há naquele produto algo além de quadrinhos e faz com que o
mesmo usuário se coloque em uma posição diferente da tomada por um leitor de
material impresso. Posteriormente, voltarei a abordar o conceito de remidiação neste
trabalho, usando como base as ideias de Bolter e Grusin.
Através de minhas observações preliminares, já apresentadas no começo
deste trabalho, sobre o aplicativo da DC Comics e sobre a AppHQ Patre Primordium,
que apresentei na introdução deste texto, percebi que, quando não há a presença do
audiovisual, um outro fator, ligado diretamente à interface do computador, faz com
que o usuário perceba que está experimentando algo bastante diferente do que se
entende por quadrinhos. Este fator é a coexistência de janelas. O leitor, através de
uma simples combinação de comandos no teclado, pode transitar entre diversas
janelas, que podem exibir outros quadrinhos ou qualquer outro tipo de software:
59

“Mas esta estabilidade tem colocado em questão o advento da tela


do computador. Por um lado, em vez de exibir uma única imagem, é
normal é que se exibam várias janelas em coexistência. Na verdade,
a coexistência de várias janelas sobrepostas é um princípio
fundamental da moderna interface gráfica de usuário“ (MANOVICH,
2006, p. 149).

Bolter e Grusin entendem esta coexistência de janelas como um estilo, o “estilo


janelizado”. Seria justamente a sobreposição de janelas abertas na tela, sejam elas de
várias abas do mesmo aplicativo, ou de vários aplicativos e softwares distintos:

“Como o desejo de imediatismo transparente, a fascinação com a


mídia também tem uma história como uma prática de representação
e de uma lógica cultural. Na mídia digital de hoje, a prática da
hipermídia é mais evidente na heterogênea “windowed style”, ou nas
páginas da World Wide Web, na interface desktop, nos programas
multimídia e nos videogames. É um estilo visual que, nas palavras de
William J. Mitchell “privilegia a fragmentação, a indeterminação e a
heterogeneidade…” enfatiza o processo e a performance e não a
arte acabada”. [...] Aplicativos interativos frequentemente são
agrupadas sob a rubrica de “hipemídia” e a “combinação de acessos
aleatórios com múltiplas mídias” da hipermídia foi descrita como
típico exagero por Bob Cotton e Richard Oliver, nas palavras deles
“um tipo completamente novo de experiência midiática nascida do
casamento entre a TV e as tecnologias computadorizadas. Seus
ingredientes de base são imagens, som, texto, animação e vídeo,
que podem ser reunidos em qualquer combinação. É o meio que
oferece ‘acesso aleatório’; não há fisicamente início, meio ou fim (...)”
(BOLTER; GRUSIN, 1999, 31).

É importante perceber que, embora os autores utilizem o Windows como


exemplo, este “estilo janelizado” se aplique totalmente à interface de todos os
sistemas operacionais desenvolvidos para serem utilizados pelo usuário doméstico.
Esta “janelização” vem aumentando exponencialmente, fazendo com que uma
mesma tela exiba simultaneamente uma gama das mais variadas janelas:

“Como o estilo de janela evoluiu nos anos 1980 e 1990, no entanto,


transparência e rapidez tiveram que competir com outros valores. Em
interfaces atuais, janelas multiplicam na tela: não é incomum para
usuários sofisticados ter dez ou mais janelas abertas sobrepostas ao
mesmo tempo. As múltiplas representações dentro das janelas (texto,
gráficos, vídeo) criam um espaço heterogêneo e competem pela
atenção do usuário. Ícones, menus e barras de ferramentas
adicionam mais camadas de significado visual e verbal“ (BOLTER;
GRUSIN, 1999, 31).

O que me chama atenção na constituição de alguns dos materiais que selecionei


60

em minha pré-observação é que, dentro do aplicativo em que alguns destes quadrinhos


funcionam, a lógica do “estilo janelizado” se constitui em relação à navegação pelas
páginas da AppHQ. O usuário pode visualizar as páginas lado a lado e decidir qual
janela acessar. Portanto, não apenas os aplicativos AppHQs se apresentam em uma
janela que coexiste com outras janelas, como no interior destes quadrinhos digitais, as
páginas também se constituem em um estilo janelizado. Embora Bolter e Grusin usem o
termo “estilo janelizado” para definir a utilização simultânea de várias janelas de
diferentes softwares, parto desta definição para pensar na relação estabelecida com a
presença de várias janelas dentro de um mesmo aplicativo.

Figura 20 – Tela de navegação das páginas de Smallville Season 11 #1


61

2.4 CONSTITUIÇÃO DAS APPHQS

Embora, por convenção, chame meu objeto de AppHQs, por outro lado, fica
evidente para mim que a nomenclatura não é o que mais importa neste momento e
sim a compreensão das formas como se articulam as molduras quadrinhos,
audiovisual e software/interface. Como a maior parte das páginas e quadros das
AppHQs que compõem o corpus foi originalmente planejada para o meio impresso,
creio que é hora de retomar o que dizem Bolter e Grusin a respeito do que eles
chamam de remidiação e de como este processo, na visão deles, é o que faz um
meio atuar sobre outros meios, anteriores, reformulando suas características e
sendo afetado por eles:

“A palavra remidiação é usada por educadores como um eufemismo


para a tarefa de trazer os alunos com atraso de até um nível
esperado de desempenho e por engenheiros ambientais para
"restaurar" um ecossistema danificado. A palavra deriva do latim
remedeui "para curar, para restaurar para a saúde”. Adotamos a
palavra para expressar a maneira pela qual um meio é visto por
nossa cultura, reformulando ou aperfeiçoando outra cultura. Essa
crença na reforma é particularmente forte para aqueles que estão
hoje sugerindo novos propósitos a mídia anteriores em formas
digitais. Eles nos dizem, por exemplo, que quando a televisão se
torna televisão digital interativa, isso motiva e liberta os
telespectadores como nunca antes, que o correio eletrônico é mais
conveniente e confiável do que o correio físico, que o hipertexto traz
interatividade para a novela, e que a realidade virtual é .um ambiente
mais "natural" para a computação do que um vídeo convencional ~
creen ~ O pressuposto da reforma é tão forte que agora um novo
meio é esperado para justificar e melhorar em um predecessor: daí a
necessidade da computação gráfica para alcançar o realismo
fotográfico completo. O pressuposto da reforma não se limitou aos
meios digitais. A fotografia foi vista como a reforma da pintura
ilusionista e o cinema como a reforma de o trapaceiro (no sentido de
que primeiros filmes já foram chamados de "photoplays")” (BOLTER;
GRUSIN, 1999, 59-60).

É justamente aí que o processo acaba englobando características dos


quadrinhos e audiovisual e reformando estas características, remontando na nova
mídia, produzindo algo diferente. Um produto que tem características fortemente
ligadas aos quadrinhos, mas que também se configura em grande parte por
características próprias do audiovisual. Este tensionamento, entre as molduras
quadrinhos e audiovisual, se dá no contexto da cultura do software.
É importante entender que os meios que têm as características remidiadas no
62

meio digital não são necessariamente meios extintos ou em vias de extinção. Estes
meios “anteriores” são, na verdade, interligados com o meio digital. Como admitem
Bolter e Grusin, os meios jamais operam de forma isolada:

“Um meio em nossa cultura jamais pode operar de forma isolada,


pois deve entrar em relações de respeito e de rivalidade com outras
mídias. Pode haver ou pode ter sido culturas em que uma única
forma de representação (talvez a pintura ou a música) existe com
pouca ou nenhuma referência para outras mídias. Esse isolamento
não parece possível para nós hoje, quando não podemos nem
mesmo reconhecer o poder de representação de um meio, exceto
com referência a outras mídias“ (BOLTER; GRUSIN, 1999, p.65).

Durante este processo de remidiação, o que ocorre não é uma simples junção
de elementos de quadrinhos e de audiovisual em um meio que propicia a inscrição
de todas estas características. É mais do que isso. Se o meio é a mensagem, a
AppHQ é, antes de tudo, impregnada por aquilo que é próprio do meio digital e este
é resultado e atualização constante dos processos de remidiação das interfaces
culturais. Entendo que os cinco princípios citados por Manovich sejam as principais
características deste meio.
Como Bolter e Grusin falam no trecho abaixo, os jogos de videogame, embora
tomem como base outras mídias, como a literatura, se constituem dentro das
possibilidades de programação e de hipermediação do meio. A apropriação do livro,
ou de qualquer produto, vai depender do que o meio digital propicia:

“Gráfico, jogos role-playing do computador derivam sua estrutura


narrativa dos jogos anteriores textuais (Zork e jogos de aventura
similares), que se vêm de literatura de fantasia, como Tolkien, O
Senhor dos Anéis. Sua tradição visual é o de gráficos tridimensionais
e, finalmente, portanto, a tradição da pintura de perspectiva
realista. Esses jogos procurar o real, por vezes, através da
transparência e às vezes através da hipermediação, às vezes,
incentivando o leitor a olhar através da superfície da tela e às vezes
por habitação na superfície com sua multiplicidade de objetos
mediados. Esta combinação é o que faz trilogia de Tolkien como um
modelo atraente para os designers de jogos e jogadores. Embora os
livros descrevem um mundo de acontecimentos fantásticos e
personagens com um realismo fotográfico atenção aos detalhes, o
texto chama a atenção para si com a sua prosa antiquada e poesia.
Os elementos do imediatismo e hypermediacy (hipermediação) se
combinam para criar um efeito que muitos designers de jogos de
computador, consciente ou inconscientemente imitado“ (BOLTER;
GRUSIN,1999, p. 94).
63

Assim como ocorre com os games, segundo a proposição de Bolter e Grusin,


as AppHQs também refletem características de uma multiplicidade de outros meios.
Os quadrinhos impressos e os produtos audiovisuais podem ter suas características
refletidas no meio digital, o que acaba impactando na constituição das AppHQs.
Percebendo aqui que meu problema de pesquisa se constitui sobre um objeto
que cruza três macromolduras (quadrinhos, audiovisual e software/interface),
entendo que avancei em relação ao ponto de partida. No atual estágio, percebo que
estas macromolduras são configuradas através da sobreposição de molduras
próprias de cada uma delas. As macromolduras também se sobrepõem umas às
outras, fazendo com que características dos quadrinhos, do audiovisual e do
software/interface tensionem umas às outras. A seguir, abordo a descoberta das
primeiras pistas de audiovisualidades na AppHQ.
64

3 PRIMEIRAS PISTAS DE AUDIOVISUALIDADES NA APPHQ

3.1 IMAGENS TÉCNICAS

Tantos os quadrinhos impressos quanto os digitais não são imagens


tradicionais. São imagens técnicas, reproduzidas com a finalidade de atingir o maior
número possível de receptores. Flusser (2002:16) faz a seguinte consideração a
respeito do audiovisual: “Claro está que a magia das imagens técnicas não pode ser
idêntica à magia das imagens tradicionais: o fascínio da TV e da tela de cinema não
pode rivalizar com o que emana das paredes de caverna ou de um túmulo etrusco”.
A imagem técnica tende a cegar o leitor, ou pelo menos tornar turva a sua
visão sobre ela. Ao relacionar o quadrinho digital com o quadrinho impresso, é muito
comum que eu ainda tenda a pensar que os produtos inscritos no contexto digital
são imagens técnicas que reproduzem o efeito que seria alcançado com o quadrinho
impresso. No entanto, preciso atentar para, em momento algum, perder de vista que
a história em quadrinhos só se constituiu como meio depois do surgimento da
imprensa e da possibilidade de se reproduzir imagens tecnicamente.
Flusser entende que as imagens técnicas tiveram, em seu surgimento, um
papel parecido com o da invenção da escrita.

“A invenção das imagens técnicas é comparável, pois, quanto à sua


importância histórica, à invenção da escrita. Textos foram inventados
no momento da crise das imagens, a fim de ultrapassar o perigo da
idolatria. Imagens técnicas foram inventadas no momento de crise
dos textos, a fim de ultrapassar o perigo da textolatria. Tal intenção
implícita das imagens técnicas precisa ser explicitada“ (FLUSSER,
2002:p.17).

Creio que, embora as imagens impressas sejam primordialmente técnicas, o


surgimento da imagem técnica digital, que se apresenta nos quadrinhos digitais
audiovisuais, por exemplo, se dá em um momento no qual as imagens técnicas
impressas se tornam objeto de idolatria.
Levando adiante a discussão, ao considerar o que diz Manovich (2006), creio
que é cabível considerar que as imagens técnicas digitais, devido à sua natureza
dinâmica e interativa, só são chamadas ainda de imagens por convenção:

“O que isto significa é que a imagem, em um sentido tradicional,


65

deixa de existir! E é só por costume que seguimos chamando de


“imagens” ao que vemos em uma tela em tempo real. Só porque a
exploração é o bastante rápida e porque, às vezes, o referente
permanece estático, podemos ver o que parece uma imagem
estática. Porém, tal imagem já não é a norma, e sim a exceção de
um novo tipo de representação de caráter mais geral, para o que
ainda não temos um termo” (MANOVICH, p. 152).

Embora tenda a concordar com Manovich sobre a possível inadequação do


termo imagem para o que se constitui no meio digital, para fins de estudo, utilizarei o
termo imagem técnica digital. Não creio que a discussão em torno da nomenclatura
adequada destas formas que convenciona chamar de imagens poderá fazer avançar
o que estou estudando: os recursos audiovisuais presentes em quadrinhos digitais.
Ao me deparar com esta discussão a respeito das imagens, percebo que, neste
trabalho, as macromolduras quadrinhos, audiovisual e software/interface têm igual
importância na constituição de meu objeto de pesquisa. Creio que para entender
melhor os tensionamentos gerados entre estas macromomolduras, e a sua relação
delas com os materiais do corpus, preciso levar em consideração o que Machado
(1993) fala sobre o audiovisual, ao referir-se ao vídeo e as suas manifestações em
diversos territórios, que não necessariamente são reconhecidos como audiovisuais:

“Falar de vídeo hoje significa colocar-se, antes de mais nada, fora de


qualquer território institucionalizado. Trata-se de enfrentar o desafio e
as resistências de um objeto híbrido, fundamentalmente impuro, de
identidade múltiplas, que tende a se dissolver camaleonicamente em
outros objetos ou a incorporar seus modos de constituição“
(MACHADO;1993: 46).

É seguro afirmar que os quadrinhos não são um território onde o vídeo está
fortemente institucionalizado. É a existência da interface gerada através de software
que torna viável a aproximação de características de vídeo e de HQ neste objeto
que chamo de AppHQ e que demonstra a faceta camaleônica e de múltiplas
identidades citada por Marchado.
As características audiovisuais não estão mais restritas ao cinema, ou a
televisão, assim como os quadrinhos não estão presentes apenas naquilo que é
conhecido tradicionalmente como HQ. No entanto, estes objetos que trazem
características destas macromolduras não apenas são afetados por elas, como
também afetam a percepção do que se entende por audiovisual e também
quadrinhos:
66

“É preciso, portanto, buscar o vídeo onde ele surge como outra coisa,
onde ele está respondendo a necessidades novas, fazendo
desencadear consequências não antes experimentadas. Mas essa
tarefa não deve ser reduzida à mera identificação de uma
"especificidade" do vídeo; ela implica, antes, a descoberta daquilo
que, no imbricamento de tantas coisas diversas, é mutação e
deslocamento“ (MACHADO;1993: 47).

A manifestação das características audiovisuais nas AppHQs não apenas


gera um produto que mostra alguma especifidade audiovisual. Este produto que
também é software, e tem muito de quadrinhos, mostra desta forma uma nova
atualização da macromoldura audiovisual e evidencia as audiovisualidades
presentes na AppHQ. Depois de experimentar estes produtos percebi que existem
diferentes atualizações para as três macromolduras. Sendo assim, a simples
experiência da AppHQ provoca uma mudança na percepção de como podem se
manifestar o audiovisual, os quadrinhos e até mesmo o software.
A constituição da interface influencia na formulação das imagens das
AppHQs, que seguem normas designadas pela Apple, para que os programas
possam ser disponibilizados na Apple store. A seguir, apresentarei uma compilação
das principais normas estabelecidas pela Apple, para que os aplicativos possam ser
disponibilizados dentro destes padrões.

3.2 O SOFTWARE SE IMPÕE: A INFLUÊNCIA DAS NORMAS DA APPLE NAS


APPHQS

As AppHQs, embora sejam ofertadas aos usuários por diferentes aplicativos,


seguem lógicas similares. O usuário que experimenta o aplicativo no qual Patre
Primordium é apresentado, por exemplo, encontra diversas semelhanças na forma
de navegar, e também na apresentação visual, em comparação à plataforma
Comixology. Seria fácil pensar que se trata de plágio ou de falta de criatividade por
parte de uma das empresas desenvolvedoras.
Estas semelhanças, pelo menos em grande parte, são ocasionadas por
normas e sugestões disponibilizadas pela Apple para o desenvolvimento de
aplicativos dentro dos padrões de qualidade aceitáveis para distribuição através de
sua loja virtual, a Apple Store.
Nem todas as indicações da Apple precisam ser seguidas à risca para que
haja a aprovação do aplicativo na Apple Store. Uma das mais básicas características
67

dos iPods e iPhones é o ajuste da imagem dependendo da forma como o usuário


segura o aparelho. Só que em Patre Primordium este ajuste automático da imagem
na tela não ocorre e, contrariando as expectativas dos usuários frequentes de outros
aplicativos, as páginas são apresentadas apenas em orientação horizontal, no
formato paisagem. Já os quadrinhos inscritos na plataforma Comixology seguem à
risca a orientação. Esta mudança na imagem conforme a alteração da orientação
direcional do equipamento eletrônico é mencionada na normatização disponibilizada
pela empresa:
“People can rotate iOS-based devices at any time and for a variety of
reasons. For example, sometimes the task people are performing
feels more natural in portrait, and sometimes people feel that they
can see more in landscape. Whatever their reason for rotating the
device, people expect the app to maintain its focus on the primary
functionality”

Mesmo com o alerta da Apple, os desenvolvedores de Patre Primordium


optaram por uma navegação totalmente horizontal. Até mesmo a tela de
apresentação é disponibilizada apenas em formato de paisagem, enquanto os
aplicativos DC Comics e Marvel Comics seguem a normatização e iniciam a
navegação com uma tela vertical. Mais do que o alerta feito a respeito dos ajustes de
orientação automáticos, a normatização da Apple Store pontua claramente que as
telas iniciais dos aplicativos são necessariamente apresentadas em orientação
horizontal, no chamado formato retrato:

“People often launch apps from the Home screen, so they tend to
expect all apps to start in the same orientation. Because of the
different ways iPhone and iPad display the Home screen, this
expectation affects apps in different ways:
● On iPhone and iPod touch, the Home screen is displayed in one
orientation only, which is portrait, with the Home button at the bottom.
This leads users to expect iPhone apps to launch in this orientation
by default”.

Embora o aplicativo da Patre Primordium tenha sido liberado para distribuição


na Appe Store, o motivo da criação de ambas as normas, tanto sobre a mudança de
orientação quanto a respeito da tela inicial em formato horizontal, se provam úteis
quando o usuário experimenta pela primeira vez o aplicativo. Em uma anotação
preliminar, no início da pré-observação, registrei que a tela inicial havia me causado
certo desconforto por ser apresentada de forma horizontal e que em diversos
68

momentos posicionei o iPod de forma vertical esperando que a imagem se ajustaria


à orientação do aparelho.Por outro lado, no que diz respeito à outra norma
apresentada no manual, tanto o aplicativo da DC Comics quanto Patre Primordium
se mostraram adequados ao que diz o documento disponibilizado pela Apple:

“People make specific finger movements, called gestures, to operate


the unique Multi-Touch interface of iOS-based devices. For example,
people tap a button to activate it, flick or drag to scroll a long list, or
pinch open to zoom in on an image. The Multi-Touch interface gives
people a sense of immediate connection with their devices and
enhances their sense of direct manipulation of onscreen objects.
People are comfortable with the standard gestures because the built-
in applications use them consistently. Their experience using the
built-in apps gives people a set of gestures that they expect to be
able to use successfully in most other apps”.

Durante a navegação, percebi que no aplicativo da DC Comics o efeito do


toque e dos movimentos dos dedos sobre a tela produzem uma interação
semelhante ao que ocorre quando o usuário experimenta aplicativos destinados à
visualização de imagens. Com o movimento de pinça (deslizando polegar e
indicador na tela) é possível aumentar ou diminuir os quadros apresentados. Já em
Patre Primordium esta interação lembra, da mesma forma como na plataforma
Comixology, o usuário ativa a próxima página com um toque, mas neste não
consegue aumentar ou diminuir o tamanho das imagens através do efeito de pinça.
Mesmo assim, ambos estão adequados à normatização.
O manual da Apple menciona ainda que a necessidade de textos de ajuda na
tela é praticamente inexistente e que a navegação deve ser de simples
compreensão e execução. Um toque no centro da tela durante a navegação pelo
aplicativo da DC Comics permite ao usuário ver ícones que proporcionam ajustes
nas configurações de tempo de transição dos quadros e outros ajustes. No entanto,
não há nenhuma caixa de texto indicando ajuda ao usuário no momento do primeiro
toque. Já em Patre Primordium, o mesmo tipo de toque central durante a navegação
exibe, entre outros ícones, um botão intitulado “Instruções”, que ao ser acionado
mostra as áreas da tela que devem ser tocadas para que o usuário navegue
corretamente pelo aplicativo. Basicamente, ambos os aplicativos contemplam o que
é dito no manual:
“Mobile users have neither the time nor the desire to read through a
lot of help content before they can benefit from an application. What’s
69

more, help content takes up valuable space to store and display. iOS-
based devices and their built-in applications are intuitive and easy to
use, so people don’t need onscreen help content to tell them how to
use the device or the apps. This experience leads people to expect all
iOS apps to be similarly easy to use”.

Se em Patre Primordium há a necessidade de uma tela de instruções, é


impossível não considerar o contexto no qual ambos os aplicativos são
desenvolvidos. Enquanto DC Comics utiliza a plataforma norte-americana
Comixology, que a cada semana disponibiliza dezenas de novas histórias em
quadrinhos para um público consumidor crescente, a Gol Mobile (empresa
responsável pelo aplicativo de Patre Primordium) trabalha com um produto pioneiro
em seu país de origem, no qual o público não estava tão habituado, no período do
lançamento, às lógicas dos aplicativos disponibilizados na Apple Store. Portanto,
considero que ambos os exemplos estão de acordo com a noção de mínima ajuda
possível apresentada na tela.
Embora eu entenda que as AppHQs, especialmente as disponibilizadas pelo
sistema Comixology, seguem um estilo janelizado, por apresentarem as HQs e as
páginas como janelas dentro das telas de apresentação e de navegação, o manual
da Apple determina que os aplicativos funcionem em apenas uma janela:

“An iOS application has a single window, unless it supports an


external display. An app’s window fills the device’s main screen and
provides an empty surface that hosts one or more views in which you
present your content. It’s important to realize that a window in an iOS
app is very different from a window in a computer application. For
example, an iOS window has no visible components (such as a title
bar or a close button) and it cannot be moved to a new location on
the device screen. It’s also important to realize that most users are
unaware of the windows and views in the iOS apps that they use. For
the most part, users experience an iOS app as a collection of screens
through which they navigate. From this perspective, a screen
generally corresponds to a distinct visual state or mode in an app”.

Aqui, sinto a necessidade de reforçar a afirmação de que a definição da Apple


para janela não é a que estou utilizando nesta dissertação. Entendo que cada caminho
a ser seguido dentro da tela através de um toque ou clique configure uma janela, uma
escolha do usuário. Tanto o aplicativo da DC Comics quanto Patre Primordium seguem
à risca o que a Apple determina no manual. No que diz respeito ao estilo janelizado a
que me refiro, apenas o da DC Comics apresenta-se desta forma, que se caracteriza
70

pela presença de vários caminhos expostos na mesma tela.


Ao refletir sobre esta “janelização” das páginas dentro do aplicativo da DC
Comics, percebo que o modelo tensiona o que é dito no manual a respeito da
necessidade de facilitar a lógica de navegação para o usuário. O manual chega a
sugerir que na maioria dos casos é melhor que o usuário tenha apenas um caminho
apontado para seguir em tela:

“Make the path through the information you present logical and easy
for users to predict. In addition, be sure to provide markers, such as
back buttons, that users can use to find out where they are and how
to retrace their steps. In most cases, give users only one path to a
screen. If a screen needs to be accessible in different circumstances,
consider using a modal view that can appear in different contexts”.

Em geral, a navegação, tanto em Patre Primordium quanto no aplicativo da


DC Comics é bastante simples. Os elementos dispostos em tela durante a
navegação não chegam a ser suficientes para interferir na percepção do usuário a
tal ponto que ele se perca no caminho a seguir.
Creio que grande parte desta facilidade à navegação se deva ao fato de que
as imagens apresentadas na tela do dispositivo eletrônico seguem sempre uma
composição similar, em todos os aplicativos. Fischer (2008) pontua a existência de
um “princípio da consistência”, que diz respeito a posicionar menus, ícones e caixas
de diálogo e demais elementos de interface de forma semelhante em diferentes
aplicativos. Ao navegar pelas AppHQs selecionadas, foi praticamente automático
para mim saber as partes da tela que deveriam ser tocadas para avançar as páginas
e o local onde estão os botões auxiliares. Estas imagens das AppHQs, no entanto,
esta padronização não é necessariamente uma escolha dos programadores e
certamente não é também uma coincidência. O manual da Apple diz:

“Avoid radically changing the appearance of a control that performs a


standard action. If you use unfamiliar controls to perform standard
actions, users will spend time discovering how to use them and will
wonder what, if anything, your controls do that the standard ones do
not. iOS makes available to you many of the standard buttons and
icons used throughout the built-in applications. For example, you can
use the same Refresh, Organize, Trash, Reply, and Compose icons
that Mail uses on both iPhone and iPad. To avoid confusing people,
never use the standard buttons and icons to mean something else.
Be sureyou understand the documented meaning of a standard
button or icon; don’t rely on your interpretation of its appearance”.
71

O único ícone que inicialmente me causou estranhamento foi o botão de


acionamento de áudio em Patre Primordium. A forma de balão, adotada para o ícone
que ativa os efeitos sonoros neste aplicativo, acabou sendo assimilada por mim,
logo depois, como ligada a efeitos sonoros, já que nos quadrinhos impressos o
balonamento serve para remeter a manifestações orais.
Ao citar as representações de áudio nas AppHQs, percebo que é necessário
refletir sobre a presença da macromoldura audiovisual nos quadrinhos. O
audiovisual está enunciado em todos os materiais que selecionei na pré-observação.
Historicamente, sabe-se que o audiovisual e o quadrinho se relacionam, por
exemplo, no storyboard. Esta enunciação existe em toda e qualquer forma de
quadrinhos, seja ela analógica ou digital. A noção de que tudo está em movimento e
de que há um áudio se desenrolando é reforçada pelas molduras próprias dos
quadrinhos. Enquanto a onomatopéia e o balão dizem a todo o momento ao leitor
que há um áudio se desenrolando na história em quadrinhos, a mudança no
posicionamento dos elementos na sequência dos quadros pontua que houve
movimento no espaço entre os quadros, onde não existem ilustrações.
É, portanto, cabível dizer que a macromoldura audiovisual sempre esteve
presente como potência, nas histórias em quadrinhos. Quando surgem os
quadrinhos digitais, esta macromoldura se torna mais evidente, à medida que os
recursos audiovisuais dos dispositivos eletrônicos passam a ser incorporados a
novos materiais, sendo um deles o que aqui denomino como AppHQ.
O uso de animações é uma das marcas mais evidentes da macromoldura
audiovisual atualizada nas AppsHQs. No entanto, seria precipitado pensar que há
necessariamente uma intencionalidade de se produzir uma imagem audiovisual para
os quadrinhos. A imagem da AppHQ se constitui com animações, assim como
diversos outros aplicativos também possuem animações como transição de telas ou
permitem o recurso de zoom. O manual da Apple indica que as animações podem e
devem ser usadas quando forem úteis para o bom andamento dos aplicativos:
“Animation is a great way to communicate effectively, as long as it
doesn’t get in the way of users’ tasks or slow them down. Subtle and
appropriate animation can:
● Communicate status
● Provide useful feedback
● Enhance the sense of direct manipulation
● Help people visualize the results of their actions
Add animation cautiously, especially in applications that do not
provide an immersive experience. In applications that are focused on
72

serious or productive tasks, animation that seems excessive or


gratuitous can obstruct application flow, decrease performance, and
distract users from the task. Make animation consistent with built-in
applications when appropriate. People are accustomed to the subtle
animation used in the built-in iOS applications. In fact, most people
regard the smooth transitions between views, the fluid response to
changes in device orientation, and the realistic flipping and scrolling
as an expected part of the iOS experience. Unless you’re creating an
app that enables an immersive experience, such as a game, custom
animation should be comparable to the built-in animations”

O aplicativo Patre Primordium, por exemplo, se utiliza de animações mais


elaboradas, que ajudam o leitor a se prender à narrativa. Embora não seja um jogo,
as animações deste aplicativo lembram os vídeos introdutórios ou transitórios de
games, quando o jogador está prestes a iniciar uma nova etapa.
É a partir deste ponto, onde consigo perceber as articulações das
macromolduras quadrinhos, audiovisual e software/interface, que consigo avançar
em direção à constituição da metodologia a ser empregada nesta pesquisa. Os
procedimentos metodológicos que apresento a seguir foram os que melhor se
articularam com meu objeto de pesquisa e que melhor tensionaram os objetos
empíricos.
73

4 APONTAMENTOS METODOLÓGICOS

4.1 SELEÇÃO ATRAVÉS DA INTUIÇÃO BERGSONIANA

Para constituir o método de análise que utilizo neste trabalho, parto de


conceitos apresentados por Bergson (através da leitura feita por Deleuze), Kilpp e
Benjamin.
Creio que seja necessário explicar que a leitura de Deleuze (2004) sobre o
que Bergson define como intuição não deve ser confundida com a utilização habitual
do termo, que nesse trabalho é relacionada à forma como se avalia a facilidade de
navegação em uma interface, diz-se que é intuitiva:

“A intuição é o método do bergsonismo. A intuição não é um


sentimento nem uma inspiração, uma simpatia confusa, mas um
método elaborado, e mesmo um dos mais elaborados métodos da
filosofia. Ele tem suas regras estritas, que constituem o que Bergson
chama de “precisão” em filosofia. É verdade que Bergson insiste
nisto: a intuição, tal como ele a entende metodicamente, já supõe a
duração” (DELEUZE, 2004, p, 7).

Entendendo que a intuição em Bergson não é nenhuma espécie de


premonição ou de adivinhação, e sim um método estruturado; percebo que preciso
me guiar através de regras que norteiam este procedimento. Segundo Deleuze
(2004), o conjunto de regras da intuição como método seriam os seguintes:

“PRIMEIRA REGRA: Aplicar a prova do verdadeiro e do falso aos


próprios problemas, denunciar os falsos problemas, reconciliar
verdade e criação no nível dos problemas ( p. 8).
REGRA COMPLEMENTAR: Os falsos problemas são de dois tipos:
“problemas inexistentes”, que assim se definem porque seus próprios
termos implicam uma confusão entre o “mais” e o “menos”,
“problemas mal colocados”, que assim se definem porque seus
termos representam mistos mal analisados ( p. 10).
SEGUNDA REGRA: Lutar contra a ilusão, reencontrar as verdadeiras
diferenças de natureza ou as articulações do real (p. 14).
Donde surge uma REGRA COMPLEMENTAR da segunda
regra: o real não é somente o que se divide segundo articulações
naturais ou diferenças de natureza, mas é também o que se reúne
segundo vias que convergem para um mesmo ponto ideal ou virtual
(p. 20).
TERCEIRA REGRA: Colocar os problemas e resolvê-los mais em
função do tempo do que do espaço (p. 22)”.
Além de auxiliar na construção do corpus, o método da intuição é fundamental
74

para que eu não acabe baseando minha pesquisa em falsos problemas. Baseado no
que afirma Deleuze ao propor uma compreensão do que diz Bergson, entendo que a
utilização do método da intuição pode reduzir o risco de que eu volte a cometer o
mesmo erro:

“Portanto, é certo que a intuição forma um método, com suas três


(ou cinco) regras. Trata-se de um método essencialmente
problematizante (crítica de falsos problemas e invenção de
verdadeiros), diferenciante (cortes e intersecções) e temporalizante
(pensar em termos de duração)” (DELEUZE, 2004, p. 26).

Para Bergson, como já foi dito na introdução desta pesquisa, todas as coisas
têm dois modos, o modo de ser e o modo de agir. O modo de ser é o que o autor
define como virtual, ou virtualidade. Já o modo de agir, chamado por Bergson de
atual, é a atualização desta virtualidade em espaço, algo que podemos apreender.
No entanto, não podemos pensar em virtualidade e atualização como coisas
verdadeiramente diferentes. A virtualidade é da ordem da duração e da memória,
enquanto os atuais são da ordem do espaço e da matéria; mas todas as coisas são
aquilo que Bergson chama de misto, uma mistura de duas naturezas: a temporal
(sua duração, inapreensível, mas experimentada e intuída) e a espacial (sua forma
no espaço, que é apreensível). A maneira como Deleuze entende o que Bergson fala
sobre os mistos será de suma importância para o desenvolvimento desta pesquisa:

“As coisas, os produtos, os resultados, são sempre mistos. O espaço


apresentará sempre e a inteligência só encontrará mistos, misto do
fechado e do aberto, da ordem geométrica e da ordem vital, da
percepção e da afecção, da percepção e da memória... etc. É preciso
compreender que o misto é sem dúvida uma mistura de tendências
que diferem por natureza, mas, como mistura, é um estado de coisas
em que é impossível apontar qualquer diferença de natureza. O
misto é o que se vê do ponto de vista em que, por natureza, nada
difere de nada. O homogêneo é o misto por definição, porque o
simples é sempre alguma coisa que difere por natureza: somente as
tendências são simples, puras. Assim, só podemos encontrar o que
difere realmente reencontrando a tendência para além de seu
produto. É preciso que nos sirvamos daquilo que o misto nos
apresenta, das diferenças de grau ou de proporção, uma vez que
não dispomos de outra coisa, mas delas nos serviremos somente
como uma medida da tendência para chegar à tendência como à
razão suficiente da proporção” (DELEUZE, 2006, p. 51).

Bergson diz que as coisas diferem sempre de si mesmas e não de outras


75

coisas. Isto pode ser compreendido se pensarmos que a duração é multiplicidade de


múltiplos, uma reserva da duração vital que está presente em todos os mistos.
Quando consideramos que uma coisa difere em relação à outra, o que ocorre é que
a duração que está em uma destas coisas difere da duração que está contida na
outra, porque a duração vital, ao atualizar-se nessas coisas, diferiu-se de si mesma.
Por isso, tornou-se imprescindível, neste ponto da pesquisa, refletir sobre qual
seria este misto sobre o qual pretendo operar. Se na fase inicial de minha pesquisa
eu ainda acreditava que meu misto era formado por quadrinhos (virtual) e
quadrinhos digitais audiovisuais (atual), há algum tempo percebi que esta
formulação não dava conta do que estou interessado em observar.
Atualmente, percebo que o misto que pretendo analisar é formado em sua
porção virtual por quadrinhos, audiovisual e software/interface, que se atualizam em
determinados comportamentos perceptíveis nas interfaces culturais de quadrinhos
digitais operadas por software. É pensando justamente neste misto que selecionei os
procedimentos metodológicos que pretendo utilizar para tensionar meu objeto.
Entendo que, para prosseguir com minha pesquisa, depois de formular o
misto, definir as perguntas que baseiam meu problema de pesquisa e selecionar e
organizar o corpus através do método da intuição, necessito de um procedimento
que me permita visualizar e operar sobre as características das AppHQs
selecionadas. É na obra de Kilpp (2010) que encontro este procedimento, através do
que ela chama de metodologia das molduras. Esta metodologia engloba uma série
de procedimentos, dos quais pelo menos alguns serão fundamentais para o
prosseguimento de minha pesquisa. Embora a pesquisadora fale sobre televisão,
seus procedimentos metodológicos permitem reflexão sobre outras atualizações de
audiovisual.
Para se pensar na aplicação desta metodologia, é fundamental que se
esclareça o que Kilpp entende por molduras. A autora esclarece que molduras são
territórios de significação, mas a construção da metodologia vai além disso, e opera
sobre três eixos: das ethicidades, das molduras e dos imaginários:

“(…) O eixo das ethicidades, entendidas como subjetividades virtuais


– durações, personas, objetos, fatos e acontecimentos – que a
televisão dá a ver como tais, mas que são, na verdade, construções
televisivas.(...) As ethicidades atualizam-se em diferentes molduras e
moldurações, e seus sentidos são negociados (emoldurados) em
diferentes instâncias entre emissor e receptor (ou consumidor, ou
76

espectador, tanto faz), que ainda compartilham, de modo desigual e


diferenciado – mas minimamente – de certos imaginários que tornam
os sentidos comunicáveis.
(…) O eixo das molduras, moldurações e emolduramentos. As
molduras são entendidas como aqueles quadros ou territórios de
significação que, na TV, encontram-se em geral sobrepostas. As
moldurações são procedimentos de ordem técnica e estética que
realizam certas montagens no interior das molduras. E os
emolduramentos são agenciamentos dos sentidos, que são pessoal
e culturalmente referenciados. Com as molduras e as moldurações
procede-se uma oferta de sentidos (...)
(…) O eixo dos imaginários, que permitem a comunicação dos
sentidos, entendendo-se imaginários como o conjunto de marcas de
enunciação das culturas (identidades coletivas), manifestas e
visíveis nos discursos, na arte, nos produtos culturais..., ou que são
por eles mediadas. E os imaginários televisíveis como sendo os
imaginários televisivos atravessados pela moldura corpo do
espectador (um corpo singularmente inserido na sociedade e na
cultura, com um repertório singular de imagens e molduras)” (KILPP,
2010, p.17-18).

É justamente pensando neste sentido que pretendo dar continuidade à


construção metodológica de minha pesquisa. Embora inicialmente possa parecer
que as ethicidades presentes nos quadrinhos digitais que pretendo estudar não são
o foco de minha pesquisa, é impossível não observá-las, uma vez que é justamente
nelas que posso perceber a ação das molduras próprias destes produtos do meio
digital. Além disso, as ethicidades podem também cumprir papel de moldura e muitas
delas fazem parte dos imaginários dos quadrinhos. Desta forma, só poderei perceber
os tensionamentos das molduras, moldurações e emolduramentos nestes materiais
se levar em consideração as ethicidades emolduradas por elas e os imaginários nos
quais estão inscritas.
Tendo a acreditar, inicialmente, que posso entender os recursos audiovisuais
utilizados na transição de páginas e quadros destes quadrinhos digitais, assim como
eventuais animações recorrentes no interior de quadros, como uma moldura própria
do quadrinho digital. Algo que não faz parte do imaginário do que se entende por
quadrinhos habitualmente, mas que está intimamente ligado a esta nova forma.
Muitas vezes, para quem experimenta estes quadrinhos digitais audiovisuais, estes
recursos audiovisuais, ou apenas de animação (sem áudio), são tão sutis que
passam sem serem percebidos. Esta é mais uma evidência de que estas estratégias
audiovisuais são molduras, segundo o que diz Kilpp:

“As molduras não têm sentido em si mesmas, mas estão aí para


77

produzir os sentidos. Quase sempre elas se encontram discretizadas


em relação ao principal, quer dizer, são imagens de grande
opacidade, que não estão aí para ser percebidas, mas ao contrário,
para esconder e disfarçar os modos da produção das imagens
principais (as que são percebidas na espectação habituada)” (KILPP,
2010, p.25).

Desta forma, estou convencido de que meu objeto de pesquisa é o


tensionamento provocado por esta moldura audiovisual nas demais molduras próprias
dos quadrinhos digitais. Creio que a melhor forma de me referir a este objeto seja
“tensionamento ocorrido entre as molduras audiovisual, quadrinhos e software/interface
nas AppHQs”. Tendo finalmente construído a definição de meu objeto, parti para uma
maior imersão nos procedimentos que compõem esta metodologia proposta por Kilpp,
com o intuito de selecionar aqueles que melhor se aplicam à construção desta
dissertação. Kilpp explica como se constitui esta metodologia:

“(…) a metodologia das molduras é um conjunto de procedimentos


de análise de audiovisualidades, que são articulados por uma
conjunção de referências teórico-metodológicas, e que se orienta (às
vezes desorienta) pelo rigor de princípios epistemológicos,
filosóficos, políticos e estratégicos. Ela articula intuição, cartografias,
desconstrução e dissecação, ao mesmo tempo em que busca
assegurar o rigor de um princípio ético-estético (a diferença solidária
de Guattari) que é anterior a tudo: o de manter a pesquisa sempre
em aberto; de autenticar linhas de fuga e inventar platôs – nós
articuladores ou conexões entre as linhas –; de acessar e atualizar
níveis da memória do objeto, sua duração, devir e potência“ (KILPP,
2010, p.26-27).

Dos procedimentos metodológicos articulados por Kilpp em sua metodologia


das molduras, percebo que, pelo menos três terão grande importância na construção
do método que utilizarei para tensionar meu objeto. A intuição será fundamental logo
no ponto de partida.

4.2 OPERAÇÃO SOBRE CONSTELAÇÕES DE IMAGENS

A respeito das cartografias, percebo que serão movimentos necessários para


o refinamento do corpus e para a classificação das molduras e dos tensionamentos
produzidos entre elas. Um conceito de Benjamin, denominado imagens dialéticas
pode ser de suma importância para a produção destas cartografias. Estas imagens
dialéticas são aquelas que possuem uma espécie de luz própria, metaforicamente
78

falando, e que, em decorrência disso iluminam e ajudam a perceber e compreender


aquelas que se encontram na opacidade:

“A imagem dialética é uma imagem que lampeja. É assim, como uma


imagem que lampeja no agora da cognoscibilidade, que deve ser
captado o ocorrido. A salvação que se realiza deste modo – e
somente deste modo – não pode se realizar senão naquilo que
estará irremediavelmente perdido no instante seguinte” (BENJAMIN,
2006, p. 515).

A respeito das imagens dialéticas, entendo que elas não são necessariamente
imagens pictórias e podem ser também imagens sonoras. Ter este direcionamento
em mente é essencial para minha pesquisa, uma vez que não estou operando
apenas sobre imagens estáticas e sim sobre recursos audiovisuais. Ao pensar em
audiovisual, não posso desprezar o áudio. Devo, inclusive, prestar especial atenção
nele, uma vez que a presença de som no quadrinho digital é um dos maiores
diferenciais desta atualização em relação à versão impressa.

4.3 TENSIONAMENTOS DE MOLDURAS E DISSECAÇÃO DO CORPUS

Por fim, a dissecação, procedimento desenvolvido e proposto originalmente


por Kilpp, será de extrema importância para a observação do tensionamento da
moldura estratégias audiovisuais com as demais molduras apresentadas no que, até
o momento, estou chamando de quadrinhos digitais. É impossível estudar este
tensionamento de molduras sem retirá-las momentaneamente do fluxo e este
procedimento permite que isto seja feito sem prejuízos à compreensão do contexto,
desde que os trechos retirados para análise sejam posteriormente devolvidos ao
fluxo.

“A dissecação (…) é um procedimento de ordem técnica que


desdiscretiza digitalmente a imagem técnica audiovisual, que é
sempre discreta em qualquer suporte. Ao intervir nos materiais
empíricos, ela dá a ver as montagens, os enquadramentos e os
efeitos de imagens discretas que não tem sentido no vídeo, mas que
são praticados para produzir os sentidos.
O conceito de dissecação parte de uma metáfora à dissecação do
cadáver, cuja inspiração se encontra em Leonardo Da Vinci. Implica
dizer que para adentrar a telinha e ultrapassar os teores
conteudísticos da TV – que nos cegam e ensurdecem em relação
aos procedimentos técnicos e estéticos que são o modo sui generis
da mídia produzir sentido – é preciso matar o fluxo, desnaturalizar a
79

espectação, intervir cirurgicamente nos materiais plásticos e


narrativos, cartografar as molduras sobrepostas em cada panorama,
e verificar quais são e como elas estão agindo umas sobre as outras,
reforçando-se ou produzindo tensões e agindo umas sobre as outras“
(KILPP, 2010, p.28)

É através do procedimento de dissecação que pretendo extrair pequenos


trechos animados e frames que mostrem como as estratégias audiovisuais se
articulam com as demais molduras. Ao experimentar os quadrinhos digitais no fluxo,
é impossível perceber certas articulações que só se dão a ver quando os quadros
estão imobilizados através de interferências metodológicas. Devolver ao movimento
posteriormente é essencial para entender como estas articulações se produzem no
fluxo. Especificamente falando, este movimento de interferência e retirada do fluxo,
assim como a devolução ao movimento, ocorrem em nível de abstração. É
necessário pensar no objeto fora do fluxo para observá-lo em estado de
congelamento. Depois de feito este movimento, precisa-se considerar o que foi
observado e inserido no contexto do fluxo.
Pretendo realizar uma observação das AppHQs selecionadas e, através da
aplicação das regras da intuição, tensionar meu problema de pesquisa, que, no
momento, passaria a atualizar-se na pergunta “Como as estratégias audiovisuais,
em combinação com as dimensões do software e da interface cultural operam sobre
as demais molduras das AppHQs?”, com o que for visualizado nestes materiais.
Depois da definição do córpus, resolvi utilizar cartografias produzidas com base no
conceito de imagens dialéticas para refiná-lo e utilizar ainda este mesmo
procedimento para selecionar quais molduras serão consideradas as principais para
fins de análise. Na sequência, voltarei aos materiais selecionados e cartografados
para dissecá-los.
80

5 DISSECAÇÃO DO CORPUS

Durante a pré-observação, capturei imagens de telas das AppHQs e, me


baseando no esquema denominado State Transition Diagram, desenvolvido por
Willian Buxton (2007), montei um formato esquemático que me ajudou a observar o
funcionamento dos aplicativos. Fischer et alii (2009) apresenta a seguinte definição
para o esquema de Buxton:

O autorapresenta uma variação que integra as características


dostoryboard convencional com o State Transition Diagram (diagrama
de estado de transição) onde se articulam uma representação que
mostra simultaneamente o estado de determinada interação (em que
tela o usuário do celular se encontra, por exemplo) e também a posição
daquela tela em relação ao que poderíamos denominar fluxo da
interação (state transition). (FISCHER; et alii: 2009, p.306)

Para dar conta da análise do áudio, assim como da passagem de quadros e


efeitos de animação, optei por apresentar um quadro, similar à utilizada como guia
para edição de imagens em reportagens jornalísticas. Desta forma, relaciono a
descrição do que está mostrado na tela com a transcrição do áudio, quando ele está
presente. Enquanto em uma coluna do quadro descrevo a imagem, quando há
áudio, insiro uma segunda, no qual o transcrevo.

5.1 PATRE PRIMORDIUM

No aplicativo Patre Primordium, é possível se notar, inicialmente, molduras


que em nada fazem referência ao que se compreende por quadrinhos. Assim, é
possível notar a dicotomia da dupla-hélice tensionando este material por semelhança
e dessemelhança. Este tensionamento se evidencia porque me leva a perceber
questões ligadas à moldura software/interface.
Em Patre Primordium ocorre, de fato, um efeito de animação, que simula o
movimento de uma câmera sobre os quadros da HQ. Este material, em uma
observação inicial, já revela aqui o que diz Manovich (2006) sobre a interface cultural
ser um lugar que recebe as influências tanto das técnicas de cinema quanto da
computação gráfica e das mídias impressas. Além disso, através de acionamentos
agenciados pelos botões citados anteriormente, o usuário pode optar por ouvir
efeitos sonoros junto das imagens ou ouvir uma leitura dramatizada dos balões. Há
81

ainda uma terceira opção, na qual o leitor pode optar por desabilitar completamente
o som e experimentar a HQ sem interferências de áudio. Ainda assim, as
audiovisualidades se fazem presentes, pois o movimento “de câmera” é mantido e,
como em todas as histórias em quadrinhos, os balões enunciam uma
intencionalidade de fala, que remete claramente ao áudio. Estas características
também estão vinculadas a protocolos e regulamentos desta trajetória software que
incide sobre o aplicativo.
Analisando o diagrama I (Figura 21), fica evidente que a moldura
software/interface chega a se sobrepor à moldura quadrinhos quando se segue pelo
caminho ali indicado. As opções de tocar nos ícones indicados levam a duas telas
que em nada lembram quadrinhos tradicionais. Ao escolher o link, que leva às
instruções de uso, o usuário vê uma animação de transição, que leva a uma tela que
apresenta os procedimentos para navegação no material. Da mesma forma, uma
transição animada também é apresentada quando se opta por tocar no ícone que
leva aos créditos. Embora créditos sejam comuns nos quadrinhos impressos, aqui
eles enunciam a presença do audiovisual e do software. Para se observar a
totalidade dos profissionais creditados, é necessário que se arraste para cima a tela,
em um movimento similar a uma barra de rolagem, que é algo característico do
software. Inclusive vale destacar que as próprias funções creditadas nesta tela
apontam que há audiovisual no material. Profissionais ligados à dublagem e à trilha
sonora aparecem listados junto a roteiristas e desenhistas. Além disso, a
configuração dos créditos remete ao cinema, e não à configuração normalmente
adotada aos quadrinhos.
O diagrama II (figura 22), por sua vez, aponta as possibilidades em relação à
ativação do áudio, assim como mostra que ao tocar no centro da tela, o leitor ativa
uma próxima tela, onde ocorre um “movimento de câmera”, que percorre a página
de cima para baixo. O movimento 2 mostra uma sequência de dois quadros no
momento em que está ocorrendo o movimento.
A respeito do áudio, o botão que controla esta função é customizado
conforme a opção escolhida. O botão 1C destaca o botão que indica quando o
apenas a trilha sonora está ativada. O 2C indica que o áudio está completamente
ativado, com trilha sonora e narração. Por fim, o botão 3C mostra o botão que indica
que apenas a trilha está ativada. É importante perceber que o botão 2C remete
visualmente aos quadrinhos, mostrando o balão como uma das molduras que se
82

sobrepõem na montagem das HQs. Aqui, mais uma vez, a perspectiva da dupla-
hélice fica evidente. Enquanto a opção pelo formato de balão no botão busca indicar
que a experiência remete à da HQ impressa, paralelamente, a simples presença de
um botão e da necessidade de se optar em relação à ativação do som serve para
provocar uma dessemelhança em relação aos quadrinhos. A interação através de
botões é algo próprio da montagem da macromoldura software/interface. Muitas das
características destes botões são pré-determinadas (ou fortemente recomendadas)
por um documento, com mais de 180 páginas, que a Apple disponibiliza, contendo
regras para a produção de aplicativos. O fato de o balão representar a opção que
ativa tanto trilha quanto narração conclama ao mesmo tempo as molduras
quadrinhos e audiovisual.
É, portanto, necessário pontuar que aqui percebo um indício de que a moldura
interface/sotware pode ser ainda mais sólida nos materiais que pretendo analisar, do
que as molduras quadrinhos e audiovisual. É possível ainda regular a velocidade da
passagem dos quadros, também através de um botão inserido na montagem da
moldura interface/software, como mostrado no botão 1C do diagrama I.
Ao observar a macromoldura quadrinhos que percebo o quanto o
tensionamento interface/software-quadrinhos-audiovisual produz neste material
sentidos que não poderiam ser articulados em outro meio. Quando o usuário
desativa todas as opções de áudio no aplicativo e resolve prestar atenção apenas no
que há de quadrinhos em Patre Primordium, não é difícil encontrar argumentos, em
um primeiro momento, de que é possível experimentar o material desta forma, como
se ele fosse uma simples HQ. Estão ali presentes todas as molduras que,
sobrepostas, produzem o sentido que se espera em uma história em quadrinhos. As
molduras balão, requadro e onomatopeia estão presentes. Até mesmo a moldura
página, sobre a qual estas estão montadas e sobrepostas geralmente, é
reconhecível mesmo sem a existência de papel. Só que, como um interessado na
área de quadrinhos, entendo que sempre corro um grande risco de me cegar por
situação e de acabar enxergando apenas quadrinhos, em constelações de molduras
nas quais outras “estrelas” podem estar brilhando ainda mais. Ao tentar evitar de me
cegar por situação, ou pelo menos tendo recobrado a visão, depois de momentos de
cegueira, percebi que mesmo quando desativamos o áudio, Patre Primordium
continua sendo audiovisual.
Além disso, as molduras que se sobrepõem sobre a macromoldura
83

interface/software continuam presentes e causando tensionamentos na


sobreposição das demais molduras. Certamente, ninguém arriscaria dizer que a
televisão deixa de ser audiovisual se o volume do aparelho for zerado. Desta forma,
mesmo desativando o som em Patre Primordium, o simples fato de ele estar pronto
para ser ativado a qualquer momento torna o material irreversivelmente audiovisual.
Entendo, no entanto, que não me basta apenas isolar as características e
verificar o que sobra de cada uma das macromolduras em Patre Primordium, o que
procuro com este trabalho é compreender como se dá o tensionamento de todas
elas nos materiais que compõem o corpus.

Figura 21 – Diagrama demonstrativo de transição das telas do aplicativo Patre


Primordium
84

Figura 22 – Diagrama demonstrativo de transição das telas do aplicativo Patre


Primordium

Uma consideração importante a se fazer sobre as representações de


passagem de tempo em Patre Primordium é apontar que identifiquei três tipos no
funcionamento da HQ. Uma destas representações de passagens é a presença do
espaço em branco entre os quadros, que se liga diretamente à macromoldura
quadrinhos, pois remete à representação similar feita na versão impressa. A segunda
representação de passagem se dá quando o usuário toca na tela e ativa a troca de
página, remetendo às características presentes na macromoldura software/interface.
A terceira representação de passagem de tempo se dá através de uma
animação que não é controlada pelo usuário e que faz o movimento travelling, logo
após a transição de uma página para outra.
Para entender como o áudio se comporta em relação às molduras presentes
em Patre Primordium, selecionei a página número 15, que é vertical em sua versão
85

original, mas que aqui é apresentada em três telas diferentes. O procedimento que
realizei resultou no quadro 1:

Quadro 1 – Procedimento de dissecação de imagens 1

TELA DESCRIÇÃO AUDIO


Tela 1: Protagonista segura
um pacote de presente no (TEC.:
quadro que ocupa a maior Triha
parte da tela. Logo abaixo sonora
dele, se vê os limites eletrônica)
superiores de dois outros
quadros, cortados pelo
enquadramento horizontal.

Tela 2: Tela é composta por (LOC.: Hei, o que


quatro quadros. Um deles, foi Amanda?)
na extremidade esquerda
fica parcialmente fora da (TEC.: Triha sonora
tela. No último quadro, eletrônica)
surge uma segunda
personagem, que fala com
a protagonista. Balão indica
que esta personagem está
falando.
Tela 3: Esta tela mostra (LOC. 1:Olha isso! )
partes de três dos quadros (LOC. 2: Este foi o
apresentados na tela livro da minha vida,
anterior. Dois novos será o da sua
quadros são mostrados. também. Papai)
Protagonista está com um
bilhete na mão e o lê para a
segunda personagem.
Balão indica que Amanda
está falando.

Dissecando o áudio desta forma, pude perceber que, no que diz respeito à
narração, ela só se torna compreensível para quem tem um conhecimento prévio,
mesmo que mínimo, das histórias em quadrinhos. O que determina de quem é a voz
da narração é o posicionamento do balão na tela. Sem ele, seria impossível saber
qual das personagens se chama Amanda, e qual está lendo o bilhete, por exemplo.
A respeito da trilha sonora, pude perceber que aqui o silêncio também tem
grande importância para a navegação. Quando a trilha sonora cessa, e o silêncio se
instaura, o leitor sabe que chegou a hora de tocar a tela e passar para os próximos
86

quadros. Há um jogo entre o audiovisual e a usabilidade. A programação do


aplicativo se relaciona com a sequencialidade da história. O que faz lembrar os
“Read Along Books” produzidos para o público infantil no final da década de 1970,
quando o áudio em vinil ou fita cassete sinalizava para o leitor virar a página, um
exemplo pode ser conferido aqui: http://www.youtube.com/watch?v=sEaDN-fVwmc.

5.2 DC COMICS E MARVEL COMICS

Nos aplicativos DC Comics e Marvel Comics, que possuem navegação


idêntica por serem customizações do aplicativo Comixology, embora não existam
inserções de áudio, as características do conceito da dupla-hélice também se
apresentam de maneira muito forte. Molduras próprias dos quadrinhos, como a
página, o requadro e o balão fazem-se presentes, mas são constantemente
tensionados pelo software.
Logo após a tela inicial do aplicativo, uma imagem composta por heróis da DC
Comics (ou da Marvel Comics), vê-se uma tela com o título Downloads, onde estão
listadas as AppHQs já compradas pelo usuário (movimento A do diagrama III, figura
23). Além da lista de títulos, esta tela apresenta outras opções que permitem acessar
a loja online da respectiva editora ou organizar os títulos de variadas formas. Para
permanecer no foco desta pesquisa, optei por acessar, durante a observação,
apenas o link que leva à visualização da HQ (conforme mostra o movimento B do
diagrama III).
87

Figura 23 – Diagrama demonstrativo de transição das telas dos aplicativos DC


Comics e Marvel Comics

No diagrama IV (figura 24), vê-se as barras de opções que aparecem no


momento em que a AppHQ é ativada. Estas barras desaparecem logo depois, mas
podem ser ativadas com um toque no centro da tela sempre que o usuário desejar.
Enquanto a barra superior permite ao usuário retornar à página anterior ou acessar a
88

loja da DC ou da Marvel, a barra inferior revela quatro opções importantes para a


experiência da AppHQ. É esta barra que está destacada no diagrama. O segmento
demarcado na barra como 1a leva a uma tela que apresenta os créditos, de forma
semelhante ao que ocorre em Patre Primordium. Já o botão 1b apresenta uma tela
onde todas as páginas da AppHQ são exibidas e o usuário pode decidir para qual
delas quer seguir. Com um toque, a página selecionada é aberta. O botão 1c leva à
tela de configurações, que permite a ativação ou desativação de recursos como a
exibição da página inteira na tela antes ou depois de cada quadro ser apresentado.
Nesta tela também é possível ajustar a velocidade da transição entre as telas,
evidenciando assim que há, de fato, uma animação e não apenas uma sugestão de
movimento. Por fim, o segmento 1d leva à tela de instruções de navegação, que
mostra, de forma bastante simplificada, onde usuário deve tocar para avançar ou
retroceder na narrativa.
Mais uma vez, como ocorre no aplicativo do Patre Primordium, a presença de
botões que revelam diversas opções de navegação, ao mesmo tempo que buscam
aproximar a experiência de uma leitura de quadrinhos, acaba naturalmente
afastando a AppHQ das HQs tradicionais. Botões e barras são próprios do software
e das interfaces culturais e não dos quadrinhos, portanto, quando são utilizados para
enunciar características dos quadrinhos, acabam dando a ver o movimento da
dupla-hélice.
89

Figura 24 – Diagrama demonstrativo de transição das telas dos aplicativos DC


Comics e Marvel Comics
90

Mesmo não havendo recursos de áudio disponíveis nos aplicativos DC


Comics e Marvel Comics, as marcas de audiovisual estão presentes, e isto fica
evidente à medida que discretos recursos de animação são utilizados na transição
de quadros.
Para realizar estas análises, configurei o tempo das animações de transição
(animate transitions) em um segundo. Originalmente, a configuração padrão é de 0,6
segundo. No entanto, para poder observar e capturar o momento da transição, optei
por diminuir a velocidade da animação. Cheguei a experimentar desativar o recurso
de animação e também acionar outras velocidades intermediárias, antes de optar
pela configuração adotada (figura 25).

Figura 25 – Tela de configurações do aplicativo Marvel Comics

Optei por ativar a opção Show Page on Enter, para manter uma visualização
da página inteira, antes de ver isoladamente cada quadro na tela. Também ativei a
opção Totate Automatically, para facilitar a visualização das animações de transição
nos momentos em que os quadros alternam entre verticais e horizontais. Com esta
91

opção ativada, não foi necessário virar o iPod para ajustar o quadro à tela e foi
ativada uma animação que mostra a imagem girando (figura 26) para se posicionar
na posição correta, evidenciando mais marcas de audiovisualidades que acabam
discretizadas na configuração original, onde a transição ocorre ao girar o dispositivo.

Figura 26 – Efeito de transição apresentado em Batman Beyond #1

A alteração no tempo de transição possibilitou o registro de uma imagem


(figura 27) que ilustra um momento da em que uma página começa a desaparecer
enquanto outra começa a ser exibida. Mesmo que uma página fosse impressa sobre
outra, as diferentes graduações da transição, só perceptíveis no movimento, são
próprias da natureza da AppHQ.
92

Figura 27 – Efeito de transição apresentado em Batman Beyond #1

5.2.1 Avengers Prelude #2 (página 15)

TELA DESCRIÇÃO
Tela 1: A primeira tela mostra a página inteira. É
possível ver que ela é composta por quatro
quadros, que estão parcialmente sobrepostos
uns aos outros. O layout evidencia que o
planejamento da edição priorizou a edição
impressa.
93

Tela 2: Depois de mais um toque, a imagem gira


e enquadra horizontalmente um recorte do
primeiro quadro. Em comparação com o anterior,
que mostra a página inteira, percebe-se que as
extremidades direita e esquerda foram cortadas
para o enquadramento se ajustar à tela. Ainda
nesta tela, vê-se a parte superior do segundo
quadro, parcialmente sobreposta ao
personagem que está à esquerda.
Tela 3: Depois de mais uma transição giratória,
esta tela mostra o segundo quadro da página
em sua integralidade. Percebe-se aqui que há
uma adequação melhor quando o quadro está
sobreposto a outro na página original, pois um
escurecimento das margens elimina os
elementos que estão atrás.

Tela 4: Nesta tela, após outro giro, o


enquadramento mostra a parte lateral esquerda
do que era o terceiro quadro na página original.
No corte, é possível ver que parte de um balão
aparece entrecortado à direita, evidenciando a
alteração no enquadramento original. Da mesma
forma, o personagem que fala através deste
balão, também está cortando em relação à
página inteira.
Tela 5: O enquadramento nesta tela mostra a
sequência direta do quadro anterior, após a
imagem “deslizar” para a esquerda, simulando
um movimento de câmera. E essa continuidade
fica evidente pela presença de parte do balão,
inclusive com o texto cortado, que foi
apresentado na tela anterior.

Tela 6: Por fim, após mais um toque, as margens


pretas se recolhem em direção às bordas da tela e
a imagem desliza para cima, revelando, abaixo, um
recorte do quadro final. Embora todos os balões
estejam presentes, grande parte da ilustração do
quadro fica de fora deste enquadramento. O
personagem à esquerda, que aparecia da cintura
para cima na página, neste enquadramento tem
apenas parte de sua cabeça mostrada.
94

5.2.2 Batman Beyond #1 (página 7)

TELA DESCRIÇÃO
Tela 1: Na exibição da página inteira, vê-se que
a composição é formada por cinco quadros.
Embora não existam sobreposições dos
requadros que delimitam cada quadro, a página
apresenta personagens e um balão que vazam
de um quadrinho para o outro.

Tela 2: Após um giro automático, a tela mostra


um recorte do primeiro quadro apresentado na
visualização de página inteira. O personagem
Batman golpeia alguém que não pode ser visto
neste recorte. Um pedaço de onomatopeia, à
direita, evidencia que alguma representação
está por vir na próxima tela.

Tela 3: Na tela seguinte, o zoom diminui,


simulando um afastamento de câmera, e o que
se vê é o primeiro quadro inteiro, revelando o
personagem que foi golpeado e apresentando a
versão completa da onomatopeia evidenciada
na tela anterior.

Tela 4: Nesta tela, após mais um giro


automático, percebe-se uma mudança na ordem
do que é apresentado, comparando à página
completa. Aqui vê-se a parte de baixo do
segundo quadro. Este enquadramento reordena
a ação do quadro original.
95

Tela 5: O toque seguinte ativa uma animação


que sugere que a imagem está deslizando para
baixo, revelando a parte superior do quadro
(suprimida na tela anterior). Paralelamente
ocorre uma animação que sugere a retração das
margens, revelando partes de três quadros que
estão à direita. Aqui fica mais uma vez evidente
que não houve planejamento específico para a
apresentação do quadro original na tela do
dispositivo. Para o balão que está à direita ser
enquadrado, foi necessária a redução das
margens pretas, revelando assim partes dos
outros quadros.
Tela 6: Nesta tela, após outro giro ativado pelo
toque, vê-se uma repetição do balão visto no
quadro anterior. Percebe-se aqui que houve uma
opção por não apresentar o balão cortado no
enquadramento, fazendo com que parte do rosto
do personagem, presente na página original,
seja suprimida.

Tela 7: Aqui a tela “desliza” para cima, e


apresenta a integralidade do quarto quadro da
página original. No canto inferior direito fica
visível um pedaço da mão do personagem que
aparece no quadro seguinte. A sobreposição é
um resquício do planejamento original para a
versão impressa.

Tela 8: A última tela, que surge após ser utilizada


outra vez o recurso de “deslizar” a página para
cima, é um recorte do quinto quadro. Parte do
corpo do personagem mostrado no quadro é
suprimido nesta versão adaptada para o
enquadramento da AppHQ.
96

5.2.3 Crisis on Infinite Earths #1 (página 3)

TELA DESCRIÇÃO
Tela 1: A tela reproduz uma digitalização da
página originalmente publicada na versão
impressa em 1985. No canto inferior direito, é
possível ver o crédito da digitalização para o
estúdio Wildstorm. A página apresenta quatro
quadros, sendo três deles horizontais e um
vertical.

Tela 2: Após um giro, seguido de zoom, a


primeira tela exibe metade do primeiro quadro.
O efeito animado de escurecimento padrão das
margens faz com que o fundo do quadro, preto,
se integre ao seu entorno. O texto escrito no
fundo do quadro é cortado em dois, mas
separando exatamente as frases. Não há
palavras cortadas ao meio como em outros
exemplos.
Tela 3: Depois que a imagem “desliza” para a
esquerda, a “câmera” para sobre a outra metade
do quadro, revelando o restante do texto.

Tela 4: Nesta tela, após a imagem “deslizar”


para cima, ocorre a exibição da primeira metade
do segundo quadro. Mais uma vez, há a fusão
com a margem preta que se ajusta, através de
um efeito animado, acima e abaixo do quadro.
97

Tela 5: Como ocorre na sequência anterior,


depois de um movimento da imagem para a
esquerda, a “câmera” para sobre a outra metade
do quadro, à direita, revelando o restante do
texto.

Tela 6: Esta tela, exibida depois que a imagem


“desliza” mais uma vez para cima, mostra
apenas o canto esquerdo do terceiro quadro,
onde está a caixa de texto. O restante do quadro
não aparece quando a tela é tocada para seguir
em frente.

Tela 7: O que se vê a seguir é um rápido


movimento para a parte de baixo da página,
como se a imagem tivesse sido puxada para
cima, passando por toda a parte superior a do
quarto quadro, mas parando apenas no canto
inferior esquerdo deste.

Tela 8: Quando a tela é tocada novamente o


zoom sobre a página diminui e a “câmera”
enquadra toda a parte superior do quarto
quadro.
98

5.2.4 Nightwing #1 (página 15)

TELA DESCRIÇÃO
Tela 1: Tela mostra a página inteira, dividida em
cinco quadros. Página apresenta elementos
vazados de um quadro para outro.

Tela 2: Tela mostra primeira parte do primeiro


quadro da página. O personagem que
originalmente está na metade direita do quadro
aqui aparece cortado.

Tela 3: Depois que a imagem “desliza” para a


esquerda, simulando um movimento de câmera,
o enquadramento mostra o lado direito do
primeiro quadro. Agora o personagem aparece
inteiro centralizado, enquanto uma das caixas de
texto presentes na tela anterior continua
enquadrada.

Tela 4: Após o próximo movimento, desta vez


deslocando o foco para o quadro que está logo
abaixo, aparece um recorte da parte central do
segundo e maior quadro da página original.
99

Tela 5: Novamente o movimento leva o


enquadramento para um quadro abaixo. Desta
vez o enquadramento descarta a parte esquerda
do quadrinho. Mesmo assim, parte de um
personagem do quadrinho anterior ainda
aparece no canto superior esquerdo.

Tela 6: Esta tela, talvez por problemas com


proporção ou descuido na montagem acabe
tendo um enquadramento que causa
estranheza. Após o movimento “de câmera” em
direção à parte de baixo da página, o que se vê
é o quarto quadrinho inteiro e a lateral esquerda
do quinto. Este enquadramento foge à regra dos
demais, que omitem ou discretizam partes de
quadrinhos diferentes daquele onde a ação está
ocorrendo.
Tela 7: O último movimento percebido nesta
página se dá quando a imagem se desloca mais
uma vez para a esquerda, permitindo a
visualização do último quadrinho, mas ainda
mantendo parte do penúltimo enquadrado.

5.2.5 Smalvile Season 11 #1 (página 19)

TELA DESCRIÇÃO
Tela 1: A constituição desta página de Smallville,
apresentada na tela, segue as instruções dadas
aos artistas da DC Comics no manual de
produção para quadrinhos digitais (Apêndice A).
A página é diagramada em formato horizontal e
os quadros, assim como o balonamento foram
pensados para um melhor ajuste na tela de
dispositivos móveis. Com isso, nesta página não
são necessários giros nas transições. É como
se, após o zoom inicial, uma câmera deslizasse
de um quadro a outro e também dentro deles,
quando necessário.
100

Tela 2: Esta tela reproduz exatamente o primeiro


quadro da página digital. Não há cortes ou
interferências de elementos vazados de outros
quadros.

Tela 3: Mais uma vez a tela segue a mesma


lógica, reproduzindo fielmente o segundo
quadro. Aqui cabe uma consideração: mesmo
com recursos de animação disponíveis no
aplicativo, o efeito de “supervelocidade” do
personagem Superman ainda é feito através de
ilustração estática.

Tela 4: Esta tela mostra um recorte que causa


estranheza. O personagem que está à direita
aparece cortado, assim como Superman, que
aparece à esquerda. O personagem Superman,
por sinal, aparece com a cabeça cortada, um em
um enquadramento incomum tanto para
quadrinhos quanto para audiovisual.

Tela 5: Na tela seguinte, surge o quadro na


íntegra, evidenciando que todos os balões foram
colocados na metade direita do quadro original.
Já os elementos desenhados no interior do
quadro foram colocados de forma que
Superman ficasse na metade esquerda e os dois
demais na metade esquerda. Houve
planejamento próprio para o digital, mas houve
opção, na montagem, de fazer o enquadramento
centralizado do quadro anterior.

5.3 LUTHER

Apesar de não ser ou não poder ser experimentado através de um aplicativo


próprio, a HQ Luther, publicada no site Thrillbent (www.thrillbent.com), possui
características de AppHQ quando visualizada em dispositivos com tela sensível ao
toque.
No entanto, não possui possibilidades de configurações, botões para escolha
101

de páginas ou mesmo ajustes de tempo para as transições animadas.


Na verdade, as transições não são realmente animadas. O que ocorre é que
há uma simulação de animação através da exibição consecutiva de imagens com
pequenas variações. No fluxo, durante a experiência, a navegação se assemelha
muito à estrutura dos aplicativos Marvel e DC. O toque aciona a próxima imagem e a
narrativa se desenrola à medida que o usuário toca na tela.
Como não há delimitação ou numeração de página na versão web de Luther,
selecionei uma sequência, que configura algo semelhante a uma página ao seu final
para dissecar.

Quadro 2 – Procedimento de dissecação de imagens 2


TELA DESCRIÇÃO
No início da sequência selecionada, é
possível ver um quadro posicionado
sobre um fundo branco. Cinco
personagens conversam na rua, em meio
a corpos jogados no chão.
102

Quando se toca na tela, ao invés de


direcionar para um quadro diferente, o
site apresenta um novo quadro, na parte
da tela que estava em branco.

Com um segundo toque na tela, ficou


evidente a marca da animação ou do
audiovisual sobre esta AppHQ. A imagem
anterior foi substituída por uma nova,
agora revelando uma nova parte do
segundo quadrinho. O efeito sugere a
presença de uma animação, embora ela
não exista de fato.
103

5.4 TENSIONAMENTOS ENCONTRADOS NO CORPUS

A dupla-hélice (Dubois, 2004) atua nas AppHQs analisadas, deixando


evidente que a atuação do software acaba afastando estes produtos do que
conhecemos tradicionalmente por quadrinhos, ao mesmo tempo que esta mesma
atuação faz com que elementos próprios das HQs sejam incorporados nestes
produtos. Mesmo que os tensionamentos produzidos pelas macromolduras
software/interface e audiovisual tornem as AppHQs algo que tem uma linguagem
própria e exclusiva, o quadrinho presente, atualizando-se nestes produtos através de
suas molduras mais sólidas, como o balão, o quadro e até mesmo a página.
Pensando nos termos de Manovich (2006), entendo que mesmo havendo
uma normatização padrão determinada pela Apple para aplicativos, as AppHQs
possuem suas próprias marcas na interface humano-computador. Assim como as
pastas dispostas sobre uma mesa são metáforas funcionais para quem utiliza o
Windows, o balão é, nas AppHQs um ícone funcional para remeter à ativação, ou
desativação, de recursos sonoros.
O balão, requadro, a página e a onomatopeia, nas AppHQs dissecadas,
provaram-se as molduras mais sólidas dentre as que se sobrepõem à macromoldura
quadrinhos. Não há supressão do balão mesmo quando este não se adequa
totalmente na tela, ficando cortado. E mesmo quando apenas uma parte de um
balão está presente na imagem, fica evidente que há ali algo remetendo ao som. O
mesmo vale para casos onde apenas um pedaço de onomatopeia fica visível
inicialmente, para, em seguida, revelar-se totalmente, na tela seguinte, como uma
enunciação de som.
O requadro mostrou-se presente em todas as AppHQs selecionadas e
dissecadas, mas sua apresentação foi alterada pela existência do limite físico da
tela, assim como das margens exibidas nos aplicativos. Claramente aqui o requadro
não cumpre exatamente a mesma função que cumpre nos quadrinhos impressos. A
tela é o que de fato enquadra os elementos da AppHQ, o requadro acaba se
tornando mais um elemento do conteúdo, que ajuda a reforçar a identidade destes
produtos como quadrinhos.
O que se entende tradicionalmente por página também não é o que vemos
nas AppHQs analisadas. Enquanto em Patre Primordium e nos aplicativos Marvel
Comics e DC Comics é possível ver o formato que estamos habituados no impresso,
104

em Luther sequer há uma página configurada na maior parte da HQ. Nos novos
meios a página e o requadro possuem função quase que idêntica, uma vez que
ambos não são o limite físico final da AppHQ. Tanto página quanto requadro são
convenções de limites traçados dentro de um suporte.
Mesmo em Smallville Season #11, planejada para ser exibida em aparelhos
com tela sensível ao toque, a página é ainda uma espécie de requadro primordial e
não um limite físico. A página na AppHQ está para a tela como os requadros estão
para as páginas na HQ impressa.
Alguns recursos da AppHQ podem também levantar dúvidas sobre a real
natureza destes produtos. Não se pode afirmar que são de fato quadrinhos e nem
que deixam de ser, mas esse não é o debate principal que queremos trazer aqui. A
AppHQ se constitui como algo que agrega características de quadrinhos em um
ambiente no qual suas molduras, que são territórios de significação (Kilpp, 2004)
são, muitas vezes, resignificadas. Da mesma forma, há a ressignificação de
molduras do audiovisual na articulação interna destes produtos. A ativação dos
recursos de automatização da rotação das páginas, por exemplo, mostrou que o
audiovisual pode ser fazer presente em vários níveis na AppHQ. As animações
acabam por não remeter apenas ao audiovisual em si, mas também ao movimento
de virar de página impressa dos quadrinhos. A automatização, um dos princípios
apontados por Manovich (2006) como fundamental dos novos meios, é uma marca
muito perceptível nas AppHQs. Se o usuário entendia facilmente, através da
experiência, como se dava o virar de página nas HQs impressas, nas AppHQs ele
não tem acesso à programação que faz ocorrer a animação. Contudo, o princípio da
transcodificação cultural, ainda faz com que, apesar de todas as articulações com as
macromolduras audiovisual e software/interface, o usuário ainda tenha plenas
condições de reconhecer as AppHQs como quadrinhos. De certa forma, parece que,
ao fazer a dissecação e refletir sobre meu problema, estou tentando revelar as
características dessa transcodificação e mais especificamente qual o papel que as
macromulduras exercem nela.
105

6 APONTAMENTOS TRANSITÓRIOS

Ao longo desta pesquisa, abandonei algumas convicções a respeito das


AppHQs. Uma delas foi a necessidade que eu sentia de entender se estes objetos
são ou não quadrinhos. No momento em que percebi a coexistência das três
macromolduras, ficou evidente que o objeto é software, é audiovisual e também é
quadrinhos. Em determinados momentos cada uma das macromolduras se impõe e,
por isso, é improdutivo afirmar que alguma das três é mais importante.
Outra dificuldade que encontrei, esta em âmbito técnico, foi a impossibilidade
de captura de vídeos da experiência de AppHQs. Embora existam aplicativos que
capturem o que é feito na tela de um iPod Touch, estes não são aprovados pela
Apple. Com isso, um aparelho sem desbloqueio, como o que utilizei para a
observação, não suporta a instalação destes Apps. Com isso, precisei realizar todo o
processo de dissecação utilizando imagens estáticas capturadas das telas e, sempre
que necessário, voltando ao material original e observando-o em seu fluxo.
A metodologia foi outro ponto delicado no processo da pesquisa. Entendo que
não exista ainda um conjunto de procedimentos totalmente apropriado para a análise
e dissecação de AppHQs. No entanto, creio que ao aproximar intuição, catografias,
metodologia das molduras e um procedimento similar ao utilizado para edição de
audiovisual (para dar conta da análise do áudio) consegui montar um conjunto
metodológico que deu conta dos objetos empíricos que selecionei e do enfoque
proposto nesta pesquisa.
Creio que ainda exista muito para evoluir no que diz respeito a metodologias
para a pesquisa deste tipo de objeto, mas que o modelo apresentado nesta pesquisa
possa servir como um bom ponto de partida. Assim como serviu para meu enfoque,
esta articulação de procedimentos pode se adequar para objetos similares, basta
que seja aprimorado e adaptado, conforme as necessidades de cada pesquisa.
Portanto, me arrisco a dizer que uma das mais importantes contribuições desta
pesquisa é fazer avançar as metodologias para estudos de AppHQs, e deixar em
aberto, para futuras pesquisas, a possibilidade de se avançar e aprimorar estas
articulações de procedimentos metodológicos.
Esta pesquisa também apontou a existência de estratégias audiovisuais que
se fazem presentes nas AppHQs, sendo a simulação de recursos de câmera como o
zoom e o deslocamento vertical e horizontal sobre as páginas alguns dos mais
106

marcantes. Outras marcas de audiovisual também foram percebidas, como o fato da


tela ser uma moldura mais sólida na AppHQ do que o requadro ou a página. Como
já dito nas análises, a tela, nas AppHQs analisadas, é o que coloca limites na área
de visualização, sendo assim uma espécie de guia que condiciona o usuário a
observar o que passa no seu interior. A tela como um limite, deixando a página com
papel similar ao requadro, evidencia um dos momentos em que o audiovisual se
impõe sobre as outras macromolduras.
No caso do aplicativo Patre Primordium, uma estratégia audiovisual,
diretamente ligada ao áudio, dita a forma de experiência da AppHQ. Ao cessar som
para mostrar que o usuário deve acionar a próxima, o que se percebe é, mais uma
vez, uma imposição de uma moldura audiovisual sobre as molduras dos quadrinhos.
É justamente ao cessar a animação e o som que o audiovisual marca sua
importância neste objeto empírico.
Acredito que esta pesquisa conseguiu dar conta de apontar também que as
AppHQs analisadas apresentam estratégias provenientes da articulação de
propriedades do software. No entanto, meu problema de pesquisa buscava
identificar essencialmente as estratégias audiovisuais, o que me levou a focar
especificamente nestas. Ressalto que a importância de se estudar estas estratégias
do software na AppHQ me parece essencial para que este objeto possa ser melhor
compreendido, cabendo assim futuras pesquisas para darem conta deste enfoque,
assim como para aprofundar os movimentos que fiz ao longo deste trabalho.
Quando McLuhan (1969) diz que o processo de adaptação acaba por
condicionar o objeto ao ambiente do meio, percebo que no caso dos quadrinhos que
são adaptados para o formato de AppHQs, a inserção de estratégias audiovisuais e
de estratégias do software são fundamentais para que exista este condicionamento.
Por fim, aponto que ainda há muito para ser estudado em futuras pesquisas, tanto
sobre estas estratégias quanto sobre suas articulações sobre as AppHQs.
107

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APÊNDICE A – LÓGICAS DE PRODUÇÃO DAS APPHQS


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ANEXO A – PARÂMETROS DE MONTAGEM DAS APPHQS


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