35832-Texto Do Artigo-151067-1-4-20211201
35832-Texto Do Artigo-151067-1-4-20211201
35832-Texto Do Artigo-151067-1-4-20211201
Resumo: Este trabalho é baseado em uma reflexão teórica que objetiva relacionar os
conceitos de biopolítica, em Michel Foucault, de necropolítica, em Achille Mbembe, bem
como o de psicopolítica, em Byung-Chul Han, à luz da contemporaneidade e de suas
mudanças. A partir da problematização, entende-se que os termos, apesar de serem cunhados
para explicar insuficiências as quais os conceitos prévios abarcariam, não se excluem, dada a
complexidade das configurações sociais e a ideia de múltiplas modernidades que atravessam a
contemporaneidade.
Palavras-chave: Michel Foucault, Achille Mbembe, Byung-Chul Han.
Abstract: This paper is based on a theoretical reflection that aims to relate the concepts of
biopolitics, in Michel Foucault, of necropolitics, in Achille Mbembe, and of psychopolitics, in
Byung-Chul Han, in the view of contemporaneity and its changes. From the problematization,
it is understood that the terms, despite being coined to explain insufficiencies that the previous
concepts would cover, are not mutually exclusive, given the complexity of social
configurations and the idea of multiple modernities that cross contemporaneity.
Keywords: Michel Foucault; Achille Mbembe; Byung-Chul Han.
1
TORRES, Rafael Güitrón. Biopoder, psicopoder y ecopoder. Desenvolv. Meio Ambiente, v. 54, 26-39, jul./dez.
2020.
2
VALENCIA, Sayak; SEPÚLVEDA, Katia. Del fascinante fascismo a la fascinante violencia:
Psico/bio/necro/política y mercado gore. Mitologías hoy, [en línea], Vol. 14, pp. 75-91, 2016.
3
Ibidem, p. 79.
conceitos de modo duplo são reveladas várias reflexões, as quais este trabalho também
procurou trazer, pois demonstram o ensejo existente na correlação de biopoder/biopolítica e
necropoder/necropolítica4; ou biopoder/biopolítica e psicopoder/psicopolítica5; bem como do
termo “necrobiopolítica” e/ou “necrobiopoder”, para Berenice Bento 6, o necrobiopoder
unifica estudos que tem apontado atos do Estado contra populações que devem desaparecer e,
ao mesmo tempo, políticas de cuidado da vida.
Importante lembrar e também intencionando outras reflexões e ensejos, falar dessas
perspectivas que Berenice Bento traz, vendo o aparecimento conceitual “centrado” em autores
como Michel Foucault, Giorgio Agamben, Achille Mbembe, Judith Butler e Gayatri Spivak,
por exemplo, ela aborda que tais intelectuais passaram a compor o cânone do que se pode
chamar de uma ciência social das identidades abjetas.
4
ESTÉVEZ, Ariadna. Biopolítica y necropolítica: ¿constitutivos u opuestos?. Espiral, Estudios sobre Estado y
Sociedad, vol. XXV, No. 73?, Septiembre/Diciembre de 2018.
5
AYMORÉ, Débora. Do biopoder à psicopolítica. Investigação Filosófica, Macapá, v. 10, n. 2, p. 101-111,
2019.
6
BENTO, Berenice. Necrobiopoder: quem pode habitar o Estado-nação?. Cad. Pagu [online]. 2018, n.53,
e185305. Epub 11-Jun, 2018.
7
Ibidem, p. 03.
8
Ibidem, p. 03.
Pela primeira vez na história, sem dúvida, o biológico reflete-se no político; o fato
de viver não é mais esse sustentáculo inacessível que só emerge de tempos em
tempos, no acaso da morte e de sua fatalidade: cai, em parte, no campo de controle
do saber e de intervenção do poder [...] Se pudéssemos chamar “bio-história” as
pressões por meio das quais os movimentos da vida e os processos da história
interferem entre si, deveríamos falar de “bio-política” para designar o que faz com
que a vida e seus mecanismos entrem no domínio dos cálculos explícitos, e faz do
poder-saber um agente de transformação da vida humana13.
O biopoder “[…] modifica el objetivo soberano del poder disciplinario de dejar vivir y
hacer morir y lo invierte: en lugar de dejar vivir y hacer morir, ahora el poder tiene el objetivo
de hacer vivir y dejar morir [...]” 14. A contra-história, a genealogia em geral, expõe a maneira
como as relações de poder ativam as regras da lei através da produção de discursos da
verdade, o que Foucault15 chama de dispositivos de saber-poder e políticas de verdade.
9
FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica. curo dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo:
Martins Fontes, 2008.
10
Idem. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.
11
ESTÉVEZ, op. cit.
12
Ibidem.
13
FOUCAULT, Michel. Genelogía del racismo. La Plata, Argentina: Editora Altamira, 1998. p. 133.
14
ESTÉVEZ, op. cit., p. 12.
15
FOUCAULT, 1988, p. 08.
Não importa quão diferentes, ou até mesmo quão opostos, sejam os propósitos: seja o de
punir o incorrigível, encerrar o insano, reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o
desocupado, manter o desassistido, curar o doente, instruir os que estejam dispostos em
qualquer ramo da indústria, etc.
De Foucault, ao plano do pensamento de Agamben19, que aparecem na reflexão
posterior em Mbembe20, afirma-se que a união impossível entre norma e realidade, e a
constituição do âmbito da norma, é operada sob a forma da exceção, isso significa que, para
aplicar uma norma, é necessário suspender sua aplicação, produzir uma exceção 21, assim, o
autor conclui que o estado de exceção marca um patamar em que uma pura violência sem
logos pretende realizar um enunciado sem nenhuma referência real.
Com as ideais liberais sendo difundidas ao longo da era moderna em direção a era
contemporânea, o poder foi se dissociando da figura do soberano, do rei, da figura unívoca e
16
Ibidem, p. 134.
17
BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
18
Ibidem, p. 19-20.
19
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2004.
20
MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. São Paulo: n-1
edições, 2018.
21
AGAMBEN, op. cit.
detentora do poder, o qual, com isso, difunde-se em instituições, como a família, os hospitais,
as escolas, as prisões, etc., esses processos são disciplinadores, exercem controle, em Han 22, a
“sociedade da transparência” atual age enquanto dispositivo neoliberal, voltando ao
pensamento foucaultiana, são emaranhados em saberes-poderes que disciplinam, o corpus
social é, assim, controlado de diversos modos e em vários níveis.
observando esse aspecto é que Mbembe parte em uma análise de um contexto outro e vê a
necessidade conceitual diferente para fenômenos e conjunturas que são, portanto, desiguais,
um aspecto mais voltado para a vida, o outro, para a morte, nas quais são gestadas mortes
reais (empobrecimentos massivos) e mortes simbólicas, com intervenções do capitalismo no
social, no político e no simbólico33.
O estado de exceção e a relação de inimizade se tornaram a base normativa desse direito
de matar, em tais casos, o poder (não necessariamente estatal) se refere e apela à exceção 34 e
trabalha para produzir a mesma exceção, emergência e inimigo fictício. Assim, a questão
posta é a relação entre política e morte nos sistemas que só podem funcionar em estado de
emergência.
Sob tais aspectos, criando conexões analíticas entre episódios e processos históricos,
Mbembe35 afirma que a ocupação colonial contemporânea da Palestina, por exemplo, é uma
forma bem-sucedida de necropoder, em que identidades são criadas em comunhão ou em
repúdio a alguém ou a algo, são poderes de cunho disciplinar, biopolítico e necropolítico.
Antes vamos observar essa noção da guerra cara ao que Mbembe explana e aborda em
seu ensaio. Recorre-se ao que traz Judith Butler, isto é, a ótica da guerra em relação aos
Estados Unidos da América e Iraque, na qual é preciso considerar as “[...] implicações
filosóficas e representacionais da guerra, porque as políticas e poderes trabalham, em parte,
através da regulação do que pode aparecer e do que pode ser ouvido” (tradução nossa) 36, esses
esquemas são do encargo das corporações que monopolizam o controle sobre o a grande
mídia e que são, com isso, interessadas na manutenção do poder.
Espaços e sujeitos que foram colonizados, lugares em conflitos no passado e no
presente, Iraque, Vietnã, Palestina37, o nazismo, entre outros, são todos postos enquanto
reveladores da precariedade e destruição trazida a partir da ótica do precário, do biopoder e do
necropoder, que nos enveredam para relações de subalternização e da construção imagética do
“Outro”, um não-eu, parafraseando Baudelaire38: “[...] é um eu insaciável do não-eu, que a
cada instante o revela e o exprime em imagens mais vivas do que a própria vida, sempre
33
ESTÉVEZ, op. cit.
34
MBEMBE, Achille. Necropolitics. Public Culture, v. 15, n. 01, p. 11-40, 2003.
35
Idem, 2018.
36
BUTLER, 2004, p. 147.
37
BUTLER, 2004; MBEMBE, 2018; SONTAG, 2003.
38
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade o pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996,
p. 19.
instável e fugidia”, inviabiliza-se o luto e o lamento pela perda, muitas vezes não vista
enquanto tal.
Nesses processos de guerra, de extermínio e violência direcionada pelos aparelhos de
política de morte, isto é, de necropolítica, promovem o processo em que “[...] cada inimigo
morto faz aumentar o sentimento de segurança sobrevivente [...]” 39. Sentimento de segurança
que é cada vez mais explorado, dada a sensação de insegurança presente permanentemente,
como Bauman40 elencara, nos aparelhamentos de segurança, em condomínios fechados, em
câmeras espalhadas e tudo mais que permita o sentimento de proteção contra algo ou alguém,
além disso, Mbembe também recorre ao Bauman para exemplificar as guerras da era da
globalização.
Nesse sentido, cada Outro precarizado e destruído é uma amostra do que seria a maior
seguridade pessoal e social, isso ao nível comunitário, de casa/condomínio, de bairro e de
região, até o nível global, de um país, de um continente, em ações do Estado no micro, ações
do Estado no macro, bem como no nível público e no privado para esses aparelhamentos, tais
como as empresas privadas de segurança.
Zygmunt Bauman41 também observa que o antigo “Big Brother” estava preocupado em
incluir, em integrar as pessoas e “colocá-las na linha”, assim as mantendo; no entanto, o novo
Big Brother está preocupado em excluir, isto é, identificar os “desajustados” no lugar em que
estão e deportá-los ao local “que é deles”, esses disciplinamentos da governamentalidade,
utilizando aqui as acepções foucaultianas, agem, por exemplo, em listas fornecidos pelo Big
Brother aos aparelhamentos dessa “governamentalidade”, isto é, em listas de pessoas cuja
entrada não deve ser permitida ou dos que devem ser detidos nas entradas, etc. Ademais, o
autor ainda afirma que o antigo Big Brother continua vivo e equipado, mas é encontrado com
mais facilidade em partes periféricas e marginalizadas dos espaços sociais.
Butler42 afirma que a cobertura de guerra trouxe à tona a necessidade de retirar essa
monopolização presente nos interesses midiáticos, dado que os processos engendrados nos
enquadramentos de mídia (fotos, vídeos, etc.) ocultam ou deslocam realidades, no sentido do
filósofo Emmanuel Lévinas, isto é, realidades que escapam ao poder totalizador da razão e de
seu poder, dado que o que nós vemos e ouvimos por meio de faces/rostos postos na mídia não
39
MBEMBE, 2018, p. 62.
40
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005.
41
Ibidem, 162-163.
42
BUTLER, 2004.
mas isso é apenas um sinal de outra relação diferencial com a vida, uma vez que
raramente, ou nunca, ouvimos os nomes dos milhares de palestinos que morreram
[...] eles têm nomes e rostos, histórias pessoais, família, passatempos favoritos,
slogans pelos quais vivem?47.
43
Ibidem, p. 142.
44
MBEMBE, 2018.
45
BUTLER, 2004.
46
MBEMBE, 2018, p. 48.
47
BUTLER, 2004, p. 32.
48
FOUCAULT, 1998.
49
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
público a certa posição, como na defesa das ações de exércitos de determinadas nações, por
exemplo, são descartadas como encenações montadas para as câmeras.
Mbembe50 aborda que a expressão máxima da soberania reside no poder e na capacidade
de ditar quem pode viver e quem deve morrer, esse pressuposto é, a priori, conjugado ao que
pontua Foucault51, trata-se de um assassinato indireto em que se morre como consequência de
que o Estado nada faça52 por determinadas populações/grupos/indivíduos.
A guerra, para Mbembe, é um meio de alcançar a soberania e também é uma forma de
exercer o direito de matar, assim, em seu ensaio “Necropolítica” 53, o filósofo baseia-se no
conceito de biopoder foucaultiano explorando sua relação com as noções de soberania e de
estado de exceção, como visto, a partir disso, é possível notar que “[...] biopolítica e
necropolítica não são opostos, mas constitutivos em fenômenos sociais [...]” (tradução
nossa)54.
Nesse sentido, a ideia da modernidade é importante em Mbembe, dado que está na
origem de vários preceitos de soberania, isto é, de biopolítica, assim, a soberania, para
Mbembe55, é expressa como o direito de matar. Os autores denominados como decoloniais,
por exemplo, como do Grupo Modernidade/Colonialidade56, notam essa relação entre
modernidade e o início de formas de controle, das amarras coloniais em criações de novas
formas de existência e de subjetividade, de ser e de estar no mundo, portanto, de controle.
Noções discutidas ou trazidas por autores que estão, inclusive, no âmbito daquele que
são vistos como clássicos nas reflexões pós-coloniais. Apesar de que, como põe Ballestrin 57,
aquilo que é considerado clássico na literatura pós-colonial é passível de questionamento, mas
existe um entendimento da importância e atualidade da “tríade francesa”, isto é, Aimé
Césaire, Albert Memmi e Frantz Fanon, sendo possível notar as reflexões das relações entre
colonizador e colonizado.
Nas ações de guerra imbrincada com a relação entre imagem, poder e mídia, está
localizada em enunciações que partem da imagem do Outro, lembrando esse “Outro/Other”
50
MBEMBE, 2018.
51
FOUCAULT, 1988.
52
ESTÉVEZ, 2018.
53
MBEMBE, op. cit.
54
ESTÉVEZ, op. cit., p. 33.
55
MBEMBE, 2003.
56
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, nº11.
Brasília, maio - agosto de 2013, pp. 89-117.
57
Ibidem.
como posto por Butler58. Sontag59 revela que uma das maneiras de entender os crimes de
guerra cometidos no Sudeste da Europa na década de 1990 consistiu em dizer que os Bálcãs
nunca fizeram parte da Europa, discurso herdeiro do costume de exibir seres humanos
colonizados.
Sontag também afirma que africanos e habitantes de remotos países da Ásia foram
mostrados em exposições etnológicas montadas em Londres, Paris e outras capitais europeias,
desde o século XVI até o início do XX, promovendo um tipo de espetáculo, mas que é
esquecido quando se impede essa exposição ao se tratar das vítimas da violência, pois o
Outro60, mesmo quando não se trata de um inimigo, só é visto como alguém para ser visto, e
não como alguém que também vê. Quando consideramos as formas que pensamos sobre
humanização e desumanização:
Mbembe62 visualiza esse locus enunciativo desse que é caracterizado como o Outro, o
colonizado e sua deslegitimação, a qual legitima políticas de morte, de apaziguamento e de
não pertença ao mundo, os quais vivem uma morte na própria vida. Para o autor, o poder (que
como pontuado não está resumido ao Estado), refere-se e apela à exceção, esse inimigo
ficcional é construído, definindo-se em relação a um campo biológico que divide, que
categoriza e, utilizando o conceito de subalternidade com Spivak 63, subalterniza, que é,
portanto, o racismo.
Desse modo, o sujeito que não habita o centro hegemônico do poder ou que dele está
desvencilhado em algum nível, dos aparelhamentos que subsistem de formas complexas como
evidenciado até aqui. Assim, Mbembe 64 observa que na economia do biopoder, a função do
racismo é regular a distribuição da morte, estabelecendo condições para a aceitabilidade dessa
58
BUTLER, 2004.
59
SONTAG, op. cit.
60
Ibidem, p. 45; BUTLER, 2004.
61
BUTLER, 2004, p. 141.
62
MBEMBE, 2018.
63
SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
64
MBEMBE, 2018.
En realidad, el discurso racista no fue otra cosa que la inversión, hacia fines del siglo
XIX, del discurso de la guerra de razas, o un retomar de este secular discurso en
términos sociobiológicos, esencialmente con fines de conservadorismo social y, al
menos en algunos casos, de dominación colonial (tradução nossa)66.
O autor fornece o nazismo como um dos exemplos para corroborar sua tese, visto que os
exemplos dados para essa política antecedem a própria constituição do nazismo, indo ao
âmbito colonial (por isso a referência de seu entrelaçamento nessa perspectiva), nos regimes
de exceção impostos pelos colonizadores pela conquista e soberania, o que sedimentaria os
processos de política de morte vindouros, como o nazismo que fora citado.
Nesse horizonte, são exemplos de políticas de morte que ocorreram nas colônias, como
no caso da própria América ao longo de séculos. Por esse ângulo, os processos tecnológicos e
industriais propiciaram novas maneiras de fazer morrer, isto é, com fórmulas e formas mais
rápidas e que agrupavam uma quantidade maior de indivíduos, Mbembe pontua que é como
“civilizar maneiras de matar”67.
Giorgio Agamben68, ao citar como exemplo o Estado nazista, lembra que do decreto
promulgado por Adolf Hitler, o qual nunca foi revogado, portanto, o Terceiro Reich pode ser
considerado, do ponto de vista jurídico, como um estado de exceção que durou 12 anos.
O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração, por
meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física
não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que,
por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político69.
72
FOUCAULT, 2008.
73
AGAMBEN, op. cit., p. 15.
74
MBEMBE, op. cit.
75
WALSH, Catherine. Interculturalidad, descolonización del Estado y del conocimiento. Catherine Walsh:
García Linera: Walter Mignolo - In ed. Buenos Aires: Del Signo. 2006.
76
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Lisboa: Sá da Costa, 1978.
77
BENTO, op. cit.
78
CÉSAIRE, 1978.
79
SONTAG, op. cit.
80
MBEMBE, 2018.
81
BUTLER, 2015, p. 70.
82
Ibidem, p. 68.
83
Idem, 2004.
84
SONTAG, op. cit., p. 72.
85
SPIVAK, op. cit., 2010.
86
BUTLER, 2004.
87
GRISOSKI, Daniela Cecilia; PEREIRA, Bruno César. Da biopolítica à necropolítica: notas sobre as formas de
controles sociais contemporâneas. Revista Espaço Acadêmico - n. 224 - set./out. 2020, p. 199.
88
BUTLER, 2004; 2015.
89
Idem, 2015, p. 47.
90
Idem, 2020.
91
Idem, 2004; 2015; 2020.
92
MBEMBE, 2018.
93
ESTÉVEZ, op. cit., p. 13.
94
ŽIŽEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 24.
Bauman95 também chama a atenção para esses fatores citados, os quais podem ser
combinados com o aumento dos controles de imigração e a todo o contexto que foi e vai
sendo posto neste texto, inclusive rememorando e ligando ao que afirmou Agamben 96, nos
estados de exceção. É preciso lembrar também que a partir dos autores é possível entender
que nem toda violência advém do Estado-Nação, como visto em Bento97.
Essas observações de Judith Butler são postas aqui porque permitem notar que as
observações críticas para com o trato da vida de sujeitos marginalizados despertam a reflexão
filosófica em um escopo amplo, bem como no âmbito da sociologia, caso pensemos em
Zygmunt Bauman99, visto que a vida líquida é, também, uma vida precária. Portanto, vemos a
denúncia da ilegitimidade desses enquadramentos postos pelas práticas das políticas de morte,
políticas que são, com isso, arbitrárias.
Até aqui, observa-se que a biopolítica e a necropolítica são conceitos que se relacionam,
dialogam e propiciam olhar para realidades distintas e interpretá-las com o arcabouço teórico-
crítico proporcionado pelos autores, bem como contribuem e permitem dialogismos na
concepção da precariedade e destruição100 e de outros aspectos apontados ao longo deste texto.
Sob tais circunstâncias, precarizações implícitas e explícitas, simbólicas, físicas, que agem por
parâmetros diretos e indiretos, a destruição simbólica:
102
HAN, 2014.
103
Idem, 2015, p. 14.
104
Idem, 2018.
“burnout”, isto é, o esgotamento, é constante nessa “sociedade do cansaço” exposta por Han.
Em Albert Camus:
o cansaço está no final dos atos de uma vida mecânica, mas inaugura ao mesmo
tempo o movimento da consciência. Ele a desperta e desafia a continuação. A
continuação é o retorno inconsciente à mesma trama ou o despertar definitivo. No
extremo do despertar vem, com o tempo, a consequência: suicídio ou
restabelecimento105.
105
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo. Portugal: Livros do Brasil, 1970, p. 13.
106
AYMORÉ, op. cit., p. 106.
107
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. 2º reimpressão, São Paulo:
Editora Unesp, 2005, p. 144.
espectro europeu), é notório perceber que Han não fala exatamente da mesma localização que
Mbembe.
Em tais noções de uma sociedade que se dirige, nos eixos hegemônicos, ao que seria
uma sociedade de trabalho focada em serviços, as condições de trabalho também são, cada
vez mais, precarizadas, situação que se desestrutura ainda mais em países mais pobres, em
ditas sociedades industriais.
Nessa vida líquida e precária, as condições de emprego imprevisíveis resultantes da
competição de mercado continuam sendo a principal fonte da incerteza quanto ao futuro, foi
contra isso que o Estado social procurou proteger seus súditos; entretanto, esse não é mais o
caso, o Estado contemporâneo não pode cumprir tal “requisito”, agora os seus programas
trazem prognósticos com apelos mais precários e envoltos em malabarismos, pedindo aos
eleitores “flexibilidade” (preparo para inseguranças futuras) e que busquem individualmente
soluções para problemas produzidos socialmente108.
Essa sociedade é o enlace de uma vida na sociedade da transparência em que vigora a
biopolítica neoliberal, ao passo que Foucault reaparece na abordagem do conceito, mas como
vimos, com o rompimento conceitual e da própria interpretação do fenômeno na
modernidade, não mais da disciplina, mas do desempenho. O individualismo exacerbado do
sujeito, como é exposto por Han, volta-se para um projeto de si e para si, o que oblitera a
compreensão de um processo estruturado em níveis mais amplos e coletivos, indo ao encontro
das argumentações de Bauman.
O neoliberalismo, como forma de mutação do capitalismo, transforma o trabalhador,
suas práticas, seus hábitos, sua psiche, etc., não há uma multidão cooperativa, mas uma
solidão do empresário isolado e voluntário de si mesmo, que constitui o modo de produção
atual, segundo Han109.
Com isso, ele continua ao pontuar que quem falha na sociedade neoliberal de
performance se responsabiliza, ao invés de questionar o sistema, como vimos na explanação
anterior em Bauman, para Han110, essa seria a inteligência especial do regime neoliberal,
porque essa autoagressão não faz do explorado um revolucionário, mas um depressivo.
Assim, vive-se na busca da referida “flexibilidade” e da solução de problemas sociais de
modo individual/isolado, a luta de classes se transforma em uma luta interna.
108
BAUMAN, op. cit., p. 112.
109
HAN, 2014.
110
HAN, 2014.
É óbvio que, em todos esses casos, quanto mais constantemente as pessoas a serem
inspecionadas estiverem sob a vista das pessoas que devem inspecioná-las, mais
perfeitamente o propósito do estabelecimento terá sido alcançado. A perfeição ideal,
se esse fosse o objetivo, exigiria que cada pessoa estivesse realmente nessa
condição, durante cada momento do tempo117.
Nota-se que essas palavras dão abertura para enxergar a constituição das mídias e redes
sociais como campos de exposição durante todo o tempo, servindo como plataformas de
controle, mas não mais um controle totalmente físico, por ser também psicológico e mental,
em uma estrutura que se constrói desde os movimentos da propaganda e, passando por outros
meios, bem mais recentemente a internet em seu turbilhão de informações expostas
voluntariamente por usuários diariamente, de modo que “[...] o Panóptico não seria outra
coisa, nessas condições, senão o espetáculo do inspetor [...]” 118, a iniciativa em Bentham era o
isolamento, impedir comunicações, mas como Han observa, isso não ocorre mais, pelo
contrário, há o estimulo dessa comunicabilidade, um movimento pós-panóptico.
Um esquema atribuído, no início, ao movimento de irrupção em espaços físicos,
biopolíticos como nota Foucault, agora é virtual, lembrando que a leitura pode ser a de que
não se excluem e coexistem em certos contextos, em conformidade à necropolítica, como
observa em um contexto brasileiro a necrobiopolítica observada por Berenice Bento 119, como
visto, portanto, é preciso estar atento aos textos e contextos em análises que também requerem
olhares geopolíticos e contextualmente localizados.
117
BENTHAM, op. cit., p. 20.
118
Ibidem, p. 96.
119
BENTO, 2018.
A exposição diária e o julgamento público de figuras que é feito pelo enxame digital
marcam as relações sociais de hoje, vindo a ser tratado como “cultura”, por ter se tornado uma
prática. Conectando essa observação com os pressupostos em Han 120, entende-se o que ele
afirma ao pontuar que quando acabamos de nos libertar do panóptico disciplinar, entramos em
um novo que é mais eficiente. Nesse processo, a indignação é fragmentada em uma infinidade
de informações nas mídias digitais que direcionam esse julgamento para figuras e indivíduos
públicos ou anônimos em destaque e permitem o status quo.
A “sociedade da transparência” como denomina Han121, é um dispositivo neoliberal,
dado que mais informação e comunicação significa mais produtividade. Nesse contexto da
psicopolítica digital, o poder se manifesta de formas diferentes, é um poder inteligente que
torna os homens dependentes, lendo e avaliando os pensamentos.
O regime disciplinar é organizado como um “corpo”, é biopolítico, o regime neoliberal
se comporta como uma “alma”, e tanto o poder soberano quanto o disciplinar exerciam a
exploração de outros, mas a biopolítica (da sociedade disciplinar), é inadequado para o regime
neoliberal que explora a psique122.
A biopolítica não acessa os elementos psíquicos, mas agora isso já ocorre, a psique é
explorada, ao passo que a depressão e o burnout são mais presentes na nova era. Esses
pressupostos em Han são coadunados, novamente, com o que vemos em Bauman, em
intimidades congeladas e de emoções no capitalismo de consumo. A sociedade disciplinar é
uma sociedade da negatividade, ao passo que:
Albert Camus já lembrara que a Arte, por exemplo, um aspecto dessas dinâmicas sociais
e humanas, só pode ser bem servida por um pensamento negativo, visto que seus
procedimentos obscuros e humilhados são necessários à inteligência de uma grande obra 124. A
positivação do mundo faz surgir novas formas de violência, pensando em múltiplas
120
HAN, 2014.
121
Idem, 2017.
122
Idem, 2014.
123
Idem, 2015, p. 14-15.
124
CAMUS, op. cit., p. 67.
modernidades e complexidades, pode haver a coexistência das violências postas por Mbembe
e também por Han, em suas complexificações, diferenciações e até coexistências.
Torna-se evidente, portanto, que a psicopolítica neoliberal é a técnica de dominação que
estabiliza e reproduz o sistema dominante por meio de programação e também pelo controle
psicológico125, é uma sociedade em que o modus vivendi é a competição sem limites, ditada
pelo biocapital126.
Nos autores o Estado aparece como um agente que distribui o reconhecimento de
humanidade, mas isso ocorre de formas distintas, mais humanidade para alguns sujeitos e
menos legitimidade de existência para outros. É assim que em Foucault é possível avistar um
contexto, ao passo que Mbembe viu nessa ótica uma explicação que não privilegiaria outras
conjunturas, como a de povos colonizados.
Não menos importante é o impasse avistado por Han, agora em um contexto mais
voltado para as nações modernizadas e do que é chamado por ele de “sociedade pós-
industrial”, em que existe uma ampla imersão dos sujeitos no âmbito da tecnologia, essa
vertente pode até abarcar países e contextos não hegemônicos, mas que apresentem grande
capacidade de inserção de sujeitos no âmbito da tecnologia e das mídias digitais, o que é cada
vez mais crescente.
Em termos abrangentes, notável a visão de Bento 127 ao anunciar que os rituais e ritos de
eliminação do Outro mudam, pois o extermínio de uma população segue ritos de morte
diferentes dos conhecidos por uma outra população, a autora identifica o Estado como o
responsável por determinadas mortes, sabe-se, portanto, que a recusa a reconhecer certos
grupos como humanos não se restringe ao Estado, segundo ela, isso é perceptível ao termos
em vista que os crimes direcionados a grupos/populações específicas não são cometidos
exclusivamente por membros do Estado. Essa ótica abrange a percepção dessas políticas de
morte e de sua ação na relação Estado e sociedade.
Ao fim, elementos como o Estado, o capital, o neoliberalismo e a tecnologia vão se
fazendo mais presentes nas visões dos autores, de formas mais ou também menos acentuadas.
Fato é que a contribuição do conceito e das reflexões de Foucault 128 com o biopoder
propiciam novas pressuposições teórico-críticas e conceituais, para novos contextos, agentes
125
HAN, 2014, p. 117.
126
TORRES, Rafael Güitrón. Biopoder, psicopoder y ecopoder. Desenvolv. Meio Ambiente, v. 54, 26-39,
jul./dez. 2020, p. 31.
127
BENTO, 2018, p. 05.
128
FOUCAULT, 1988; 1998; 2008.
Considerações finais
também é necessário destacar as relações dos três intelectuais com as suas realidades sociais e
as quais “pertencem” ou experienciam os processos socioculturais e históricos.
Em suma, os termos acabam indissociáveis e complementares na reflexão quanto ao
âmbito das tecnologias de poder no passado e no presente, bem como é notável que a lógica
da diferença e da desigualdade social perpetua as perspectivas postas em meio ao contexto da
sociedade capitalista e das novas formas de relações sociais (interferências da tecnologia e de
outros elementos constitutivos do mundo moderno) e entre Estados, o que altera as paisagens
e as políticas de morte e de vida, tornando hierarquizadas as subjetividades e os espaços em
concepções valorativas e de merecimento da preservação.
Referências Bibliográficas