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UNIFAAT

MARCUS VINICIUS BIBIANO BARBOSA

O FENÔMENO DA NÃO RECEPÇÃO DA LEI

Uma análise do art. 385 do código de processo


penal

Atibai

2022
O FENÔMENO DA NÃO RECEPÇÃO DA LEI

Uma análise do art. 385 do código de processo


penal

Relatório final, apresentado a


Universidade Unifaat, como parte
das exigências para a obtenção
do título de bacharel de Direito.

Atibaia, 10 de Novembro de 2022

Banca
Examinadora

Professor:

Professor:

Professor:
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por minha família e amigos.

A minha querida mãe que é meu alicerce, que me inspirou para que eu pudesse
chegar até aqui.

Agradeço a toda minha família que me incentivaram e motivaram.

Agradeço a todos os meus professores, em especial meu orientador Professor Adélcio


Trajano Filho que me instruiu e me auxiliou nessa etapa da minha vida.

Agradeço a todos que fizeram parte da minha tão sonhada formação.


Resumo

O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo analisar


o art. 385 do código de processo penal sob a ótica da não recepção da lei
pela constituição federal. Esse artigo autoriza que o juiz condene o réu
mesmo que o Ministério Público opine pela absolvição deste, todavia a
discussão sobre sua constitucionalidade é um tema que vem sendo
destacado na jurisprudência atual por infringir os princípios da
imparcialidade, correlação e do in dubio pro réu. Neste ano, a primeira
decisão a favor da inconstitucionalidade deste artigo veio da quinta turma
do STJ, que decidiu pela absolvição do réu diante o pedido formulado pelo
Ministério Público. Assim, buscando analisar o trajeto que o Superior
Tribunal de Justiça cursou para chegar a essa decisão, o presente trabalho
abordará os princípios constitucionais, penais e a função dos sujeitos do
processo, observando o papel do juiz e do membro do ministério público.

Palavras-chave: Correlação. Recepção. Inconstitucionalidade.


Imparcialidade.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................6
1. O PROCESSO PENAL BRASILEIRO........................................................8
2. DA AÇÃO PENAL.......................................................................................9
2.1 Sujeitos da ação........................................................................9
2.2 O papel do ministério público..................................................10
2.3 O papel do juiz.........................................................................11
3. PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL...............................................................13
3.1 Princípio da imparcialidade......................................................13
3.2 Princípio do juiz natural...........................................................15
3.3 Presunção de inocência...........................................................16
3.4 In dubio pro reo.......................................................................17
3.5 Princípio da correlação............................................................18
4. O FENÔMENO DA NÃO RECEPÇÃO......................................................20
5. ANÁLISE CRÍTICA DO ARTIGO 385 CPP...............................................22
5.1 Jurisprudência atual.................................................................23
CONCLUSÃO............................................................................................25
REFERÊNCIAS.........................................................................................27
INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso pretende examinar a


inconstitucionalidade do art. 385 do código de processo penal que autoriza
a condenação do acusado mesmo nos casos em que o membro do
ministério público opinar pela absolvição.
No primeiro capítulo será analisado o sistema acusatório penal
brasileiro, entendendo a ação penal, os sujeitos e o papel de cada um
deles, para que então seja possível entender os princípios que regem a
aplicação da lei penal, possibilitando então a análise da não recepção
deste artigo pela constituição federal.
Um tema extremamente recente que até meados de 2022 ainda
sequer tinha sido cogitada a possibilidade de reconhecer que seria
inconstitucional aplicar essa norma sob pena de infringir os princípios do
juiz natural, da imparcialidade, da correlação e do in dubio pro reo,
contudo o Superior Tribunal de Justiça, através da quinta turma,
finalmente deu abertura para a discussão deste tema na jurisprudência ao
absolver um réu que anteriormente havia sido condenado mesmo com o
pedido de absolvição pleiteado pelo ministério público.
Assim, o estudo em questão busca não somente observar a
probabilidade de ser declarada a inconstitucionalidade do art. 385 do
código de processo penal futuramente, mas principalmente destacar a
importância de que seja finalmente declarada sua não recepção pela
Constituição Federal e sua conseguinte inconstitucionalidade, baseando-se
nos princípios já citados e na jurisprudência atualmente aplicada.
7

1. O PROCESSO PENAL BRASILEIRO

O processo penal caracteriza-se das funções de julgar, acusar e


defender, tendo três sistemas com diferentes aplicações de cada uma
dessas funções, sendo o inquisitivo, o acusatório e o misto.

No sistema inquisitivo, temos o juiz exercendo os três papéis,


atuando em toda a investigação, produção de provas, acusação e
julgamento do processo.

Guilherme Madeira, (2016) explica,

Diversas características informam o sistema inquisitivo,


mas uma lhe dá a orientação principal: no sistema
inquisitivo, não há a separação da função dos sujeitos do
processo. Vale dizer: aqui não se tem a separação das
funções de perseguir, acusar e julgar. Tais funções são
realizadas por uma mesma pessoa (para aqueles que
defendem ser uma a característica que diferencia os
sistemas, esta é ela).

Enquanto no sistema misto, se verifica uma fase inicial inquisitiva e


uma fase final acusatória, nas lições de Guilherme Madeira, (2016).

Embora tenha diversidade de conteúdo conforme cada


doutrinador, há consenso pelo menos em torno de um
elemento: há a efetiva separação das funções de
perseguir, acusar e julgar (para aqueles que veem
apenas uma característica a distinguir tais sistemas, esta
é a que se apresenta como seu marco definidor).

Por fim, o sistema adotado no processo penal Brasileiro foi o


acusatório, onde se verifica a existência de pessoas específicas para
exercer cada papel, sendo o do juiz julgar, do ministério público acusar e
dos defensores, defender. Em que pese não exista nenhuma informação
na Lei que indique claramente que o sistema penal adotado no Brasil é o
acusatório, partindo da análise de cada um dos sistemas e observando os
princípios aplicados nessa relação, é possível concluir sua aplicação.
8

Nas lições de Aury Lopes Jr, (2016),


9

“O sistema acusatório é um imperativo do moderno


processo penal, frente à atual estrutura social e política
do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade
psicológica do juiz que sentenciará, garantindo o trato
digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um
mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte
passiva do processo penal. Também conduz a uma maior
tranquilidade social, pois se evitam eventuais abusos da
prepotência estatal que se pode manifestar na figura do
juiz 'apaixonado' pelo resultado de seu labor investigador
e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de
justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o
início da investigação”

Conforme destacado, no sistema acusatório cada um dos indivíduos


deverá exercer o seu papel exclusivamente, não podendo o juiz acusar e o
ministério público julgar, por exemplo. Cada papel deverá ainda ser
exercido de acordo com as vertentes asseguradas nos princípios penais e
para entender o papel de cada um, primeiro se faz necessário entender
quais os tipos de ação penal e quem são os sujeitos que participam de
cada uma delas.
10

2. DA AÇÃO PENAL

A ação penal é o meio pelo qual se aplica o sistema acusatório,


sendo dividido em pública ou privada, e cada uma delas se subdivide em
outras vertentes.

A ação penal privada, conforme se denota do próprio nome, é


privativa do ofendido, ou seja, somente a vítima poderá movimentar a
máquina do Estado através do chamado queixa-crime. Enquanto a ação
penal pública dependerá do membro do Ministério Público para
movimentar.

Nas palavras do Mestre André Stefam, (2018).

Os crimes de ação penal pública podem ser: de ação


penal pública incondicionada (quando o Ministério
Público, havendo prova da materialidade e indícios de
autoria delitiva, puder ajuizar a ação penal
independentemente da autorização de quem quer que
seja); de ação penal pública condicionada (quando o seu
exercício depender da autorização do ofendido ou de seu
representante legal ou, ainda, de requisição do Ministro
da Justiça).

Os crimes de ação penal privada, de sua parte, dividem-


se em: crimes de ação penal exclusivamente privada
(quando ela puder ser ajuizada pelo próprio ofendido, por
seu representante legal ou, na sua falta, pelas pessoas
enumeradas no art. 31 do CPP: cônjuge, ascendente,
descendente e irmão), crimes de ação penal privada
personalíssima (quando ela só puder ser movida pelo
próprio ofendido; vide art. 236 do CP).

2.1 Sujeitos da ação


11

Os sujeitos da ação penal são o juiz, o MP, o defensor, a vítima e o


autor do delito, ou seja, o réu, onde cada um deles terá uma única
responsabilidade.
12

Os sujeitos da ação penal nada mais são que os envolvidos no


processo, qual o réu e a vítima são chamados de sujeitos ativos e
passivos. Sendo que os chamados sujeitos ativos são os seres humanos
que cometem o delito, ou seja, o autor do crime em questão.

Conforme leciona André Stefam, (2018).

É a pessoa que pratica a infração, que a comete (seu


autor, coautor ou partícipe). Em princípio, só pode ser
sujeito ativo do crime o ser humano (não se fala em
conduta punível no comportamento de animais), maior
de 18 anos (CF, art. 228, e CP, art. 27).

Enquanto o sujeito passivo é aquele que tem os seus direitos


atingidos pelo sujeito ativo, ou seja, a vítima.

Independentemente de ser a vítima ou o autor, sempre existirá o


amparo de um representante qualificado que represente judicialmente as
demandas deste, qual a vítima na maior parte do tempo será
representada pelo ministério público, e o réu sempre pelo defensor.

2.2 O papel do ministério público

O Ministério Público é uma instituição, definida pela Constituição


Federal, com a finalidade de defender os interesses do Estado ao que
tangue o cumprimento das Leis, em outras palavras, o Ministério Público,
em um termo mais popular, pode ser definido como advogado do estado,
isto porque sua finalidade, conforme o citado, é de defender a aplicação
da Lei.

Nos termos do art. 1, in verbis. (Brasil, 1981).

Art. 1º - O Ministério Público, instituição permanente e


essencial à função jurisdicional do Estado, é responsável,
perante o Judiciário, pela defesa da ordem jurídica e dos
interesses indisponíveis da sociedade, pela fiel
observância da Constituição
13

e das leis, e será organizado, nos Estados, de acordo


com as normas gerais desta Lei Complementar.

A Lei define que a função do Ministério Público é de “velar pela


observância da Constituição das Leis, e promover-lhes a execução” (Brasil, 1981),
entre outras. É de conhecimento que a Lei penal não prevê somente
punições e mais punições para os investigados ou acusados, trazendo
diversos princípios que buscam beneficiar os acusados durante toda a
acusação, para evitar que um inocente fique preso.

Engana-se, portanto, quem acredita que o papel do Ministério


Público é de acusar, muito contrário disso, essa instituição tem o dever de
indicar os fatos e enquadrá-los na Lei, mesmo que diante disso importe o
pedido de absolvição do investigado.

Na ação penal pública, o papel do Ministério Público é de uma


importância e necessidade extrema para o devido cumprimento da justiça,
isto porque nesse tipo de ação, ele é o responsável pela movimentação da
máquina do Estado, ou seja, não importa se a vítima deseja ou não
prosseguir, e nem se há uma vítima pessoa física ou não, por exemplo nos
casos de tráfico de drogas, a “vítima” é o Estado, a ordem pública.

Muito se fala da imparcialidade quanto a figura do juiz, todavia o


membro que representar o Ministério Público em cada ação, deve
igualmente agir com imparcialidade, pois conforme já destacado, tem o
dever de fazer cumprir a Lei e não de incriminar ninguém, ainda que a
“vítima” seja o Estado que essa instituição atende, ele deverá agir no
estrito cumprimento de fazer aplicar a Lei.

2.3 O papel do juiz

Diferente do ministério Público, o juiz é uma pessoa investida em um


cargo, todavia, sua função é bem parecida, não podendo, contudo, ser
confundida. Aqui o papel será de julgar os fatos, nos termos da Lei,
independente de sua moral, entendimentos pessoais ou julgamentos.
14

O juiz jamais poderá acusar um indivíduo, por ser esse o papel do


Ministério Público, e sendo o sistema penal adotado o acusatório, as
figuras não poderão jamais se misturar em suas funções.

O que há de comum entre o juiz e o Ministério Público é que ambos


devem, acima de qualquer circunstância, sob qualquer hipótese, agir com
imparcialidade diante dos processos, para que ocorra um julgamento justo
e nos termos da Lei penal e Constitucional, que versam sempre pelo
melhor, buscando garantir que absolutamente nenhum inocente passe
pelo sistema penitenciário.
15

3. PRINCÍPIOS DA AÇÃO PENAL

Os princípios são a base da aplicação de todos os direitos dos seres


humanos, devendo ser respeitados e utilizados como base na criação das
Leis e em sua aplicação, com a finalidade de garantir a dignidade da
pessoa humana em cada ação que o Estado tomar.

Ao se tratar da ação penal, em busca de analisar a recepção do art.


385 do Código de Processo Penal, se faz necessário entender os princípios
quanto a figura do juiz direta e indiretamente,

No papel direto exercido pelo juiz vemos a figura de dois princípios


importantes, sendo do juiz natural e da imparcialidade, onde a existência
de um se faz necessária para garantia da aplicação do outro, ou seja, aqui
são os princípios que devem regrar a figura do juiz em si.

Leciona Aury Lopes Jr, (2019)

A garantia da jurisdição significa muito mais do que


apenas “ter um juiz”, exige ter um juiz imparcial, natural
e comprometido com a máxima eficácia da própria
Constituição. Não só como necessidade do processo
penal, mas também em sentido amplo, como garantia
orgânica da figura e do estatuto do juiz. Também
representa a exclusividade do poder jurisdicional, direito
ao juiz natural, independência da magistratura e
exclusiva submissão à lei.

Ainda na figura do juiz, todavia trazendo garantias de como o


julgamento deve ser realizado, verificamos os princípios da correlação,
presunção de inocência, e do “in dubio pro reo”, que regem as decisões
realizadas pelo magistrado em cada julgamento, sendo a base para
garantir um julgamento justo.

3.1 Princípio da imparcialidade


16

O juiz deve reunir diversas qualidades para que seja considerado


apto a exercer o seu papel de garantidor da aplicação da Lei, e por isso a
importância do princípio da imparcialidade no papel do magistrado.

A palavra imparcialidade remete ao ato de não privilegiar a um dos


lados em um julgamento, ou seja, o juiz não pode escolher um lado na
causa para julgar, pois tal ato é proibido expressamente pela Constituição
Federal.

Conforme já exposto anteriormente, a separação de papeis do juiz e


do ministério público no sistema acusatório, é a tradução da
imparcialidade, pois senão fosse essa separação dos papéis, não seria
capaz auferir a imparcialidade do juízo.

Leciona Aury Lopes Jr, (2019).

A imparcialidade é garantida pelo modelo acusatório e


sacrificada no sistema inquisitório, de modo que
somente haverá condições de possibilidade da
imparcialidade quando existir, além da separação inicial
das funções de acusar e julgar, um afastamento do juiz
da atividade investigatória/instrutória. É isso que precisa
ser compreendido por aqueles que pensam ser suficiente
a separação entre acusação-julgador para constituição
do sistema acusatório no modelo‐ constitucional
contemporâneo. É um erro separar em conceitos
estanques a imensa complexidade do processo penal,
fechando os olhos para o fato de que a posição do juiz
define o nível de eficácia do contraditório e,
principalmente, da imparcialidade.

O princípio da imparcialidade é considerado pela doutrina o princípio


supremo do direito processual, isto porque, é a base de garantia para que
todos os outros princípios sejam devidamente cumpridos. Dentro da
imparcialidade se deve a análise da suspeição do juiz, ou seja, o primeiro
passo é analisar se o juiz é capaz de ser imparcial sobre aquela causa,
vejamos o seguinte exemplo, determinado juiz de certa vara criminal, teve
problemas com seu filho menor que se viciou em drogas e isso o afetou
17

profundamente e alterou sua ideia sobre o delito de tráfico de drogas, será


que esse magistrado seria capaz de ser imparcial ao julgar um réu
acusado de traficar drogas na porta do colégio?
18

A existência e aplicação desse princípio é imprescindível para a


aplicação da lei dentro dos termos constitucionais, e não por menos é
considerado o maior de todos, pois se o magistrado não for parcial, ele
jamais será capaz de aplicar a lei em seus termos, seguimos o exemplo
anteriormente dado, vamos considerar que o réu acusado foi flagrado
somente com 10 gramas de entorpecentes, 30 reais no bolso e a confissão
de ser igualmente usuário viciado, mas os policiais receberam uma
denúncia anônima que ocasionou a prisão, na breve análise desse caso,
podemos verificar que não existem provas suficientes para embasar a
condenação vez que ninguém observou o mesmo em atitude típica do
tráfico e ele confessou ser usuário, será que esse juiz teria capacidade de
observar e julgar de acordo com a presunção de inocência e absolver
diante a ausência de provas?

Sempre que houver dúvidas quanto a imparcialidade do juiz ao


exercer seu papel, mínima que seja, deverá ser requerida a suspeição
deste, pois pior que um condenado solto, é um inocente atrás das grades,
essa é a premissa escondida por trás dos princípios.

Em suma, nota-se que o princípio da imparcialidade visa garantir,


portanto, a aplicação da lei, mesmo que seja essa a favor do réu, pois o
magistrado jamais poderá julgar baseando-se em mero alvedrio.

3.2 Princípio do Juiz Natural

Previsto pela Constituição Federal, art. 5º LIII, o denominado


princípio do juiz natural visa instituir determinadas regras que devem ser
observadas e respeitadas, utilizada para garantir a aplicação do princípio
da imparcialidade.

A doutrina esclarece, de modo geral, que esse princípio tem a


finalidade de conferir um juízo adequado para cada demanda que se fizer
necessária, e que esse representa três garantias processuais, nas palavras
do mestre Guilherme Madeira, (2016).
19

Quanto à primeira garantia (proibição de tribunais de


exceção), significa que fica vedada a instituição de
órgãos jurisdicionais após a ocorrência do fato para o
julgamento da causa. Tal não
20

significa, contudo, a vedação da criação de Justiças


Especializadas ou, mesmo, de Justiça Federal em local
que não haja (discute-se na doutrina, porém, se haverá
remessa dos autos para este juízo após sua instalação, o
que será objeto de discussão no capítulo da
competência). A segunda garantia, ou seja, a garantia do
juiz competente, encontra discussão na doutrina acerca
do que efetivamente deva ser entendido por tal termo
“competente”. Por fim, a terceira vertente do princípio
do juiz natural significa justamente que não é possível a
instituição de órgãos para o julgamento de causa penal
que não os expressamente previstos pela Constituição
Federal.

Nota-se, portanto, que o princípio do juiz natural visa garantir a


aplicação da justiça nos moldes processuais, isso significa um julgamento
igual para todos, em outras palavras, garante que todos os sujeitos que
passem pelo processo penal, tenham os mesmos direitos e garantias, face
ao princípio constitucional que garante a igualdade de todos.

3.3 Presunção da inocência

O princípio da presunção de inocência está previsto e assegurado


pela Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 5º, LVII, qual garante
que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”. Isso quer dizer que ninguém pode ser
prejudicado durante a instrução processual, por qualquer motivo, mesmo
que exista um outro processo em paralelo sendo julgado.

No mesmo sentido é o artigo 11 da Declaração de Direitos Humanos


da ONU, em destaque.

Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se


inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente
provada no decurso de um processo público em que todas
as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
21

O princípio é utilizado como base para diversas outras previsões


legais, incluindo outros princípios que são necessários para a ação penal,
buscando garantir a legalidade em cada ato praticado.

É de extrema importância a existência desse princípio, pois ele


garante ao acusado uma condenação justa, caso realmente seja a
hipótese de cada caso considerado. Em suma, a existência desse princípio
como base do processo penal, garante que o acusado prove a sua
inocência até a última instância.

Dentre diversos princípios que tem a presunção de inocência como


base, é importantíssimo destacar aqui o princípio da dúvida, onde deve se
decidir em favor do réu.

3.4 In dubio pro reo

Somos 7 bilhões de pessoas no mundo, e se em uma pequena roda


de amigos e familiares, as opiniões são divergentes, não podemos esperar
que seja diferente em todas as relações de convívio entre os indivíduos,
principalmente em situações em que um deles julgará e será responsável
pela vida e liberdade de outrem.

Sendo humanamente impossível que todos pensam e ajam da


mesma forma, foram criados os princípios, para garantir um julgamento
justo e com equidade, e por isso, tamanha importância em especial de
todos os princípios que decorrem da presunção de inocência e os demais
até aqui devidamente explorados.

In dubio pro reo é um termo em latim que significa, “na dúvida, em


favor do réu”, ou seja, na dúvida, absolver-se-á o réu. Conforme o
exposto, é uma vertente da presunção da inocência, que visa garantir ao
réu um julgamento justo, nos termos da Lei.

Observado o papel do juiz no processo penal, nota-se que seu


julgamento será de acordo com o seu entendimento sobre o caso,
baseando suas fundamentações nas provas colhidas durante toda a
investigação e produção de provas, ou seja, o juiz jamais poderá decidir
por mero alvedrio os casos em que atuar, e por isso sempre que houver
22

dúvidas sobre autoria ou materialidade delitiva, deverá o juiz decidir em


favor do réu, buscando evitar injustiças.
23

Esse princípio assegura que somente poderá ocorrer a condenação


nos casos em que exista prova suficiente e incontestável tanto da autoria
quanto da materialidade do crime, não podendo existir sequer uma lacuna
na convicção formada pelo juízo sentenciante.

3.5 Princípio da correlação

Correlação ou congruência, no sentido literal da palavra traduzem o


ato de estar em conformidade, que no processo penal, visa garantir que o
juiz não poderá condenar por fato não previsto na denúncia, com suas
exceções.

O princípio da correlação nada mais é do que a garantia do princípio


do contraditório e da ampla defesa, isto porque o réu tem direito a saber
pelo que está sendo julgado para que possa se defender, e se o juiz o
condena por algo que não foi julgado, impedirá a aplicação deste.

Leciona o grande doutrinador Aury Lopes Jr, (2019).

No estudo da correlação, é fundamental a leitura


conjugada com os princípios processuais do contraditório
e ampla defesa, mas também com o que já explicamos
acerca do sistema acusatório, pois vincula-se com o
princípio da inércia da jurisdição (ne procedat iudex ex
officio). A regra da correlação ou congruência, somente
tem razão de ser em um sistema acusatório, pois é um
mecanismo que concretiza, na dinâmica do processo
penal, os princípios constitucionais citados,
especialmente o contraditório, que somente encontra
condições de existência no sistema acusatório

O processo penal, conforme já é possível notar, é algo


extremamente complexo pois mexe com a liberdade do ser humano, um
dos maiores bens, senão o maior, que o indivíduo possui, e por isso deverá
seguir as regras do início ao fim. Conforme foi possível observar, o
processo penal se inicia da denúncia feita pelo Ministério Público, com as
24

pequenas exceções apresentadas.


25

A denúncia deverá seguir, assim como tudo no processo penal,


regras determinadas pelos princípios penais e constitucionais penais, e
uma delas é a delimitação e a individualização do pedido, ou seja, o
ministério público deverá informar ao juiz os fatos, qual delito típico e
fazer os pedidos de maneira clara e individualizada, indicando cada
solicitação.

Desta forma, o juiz realizará o julgamento da lide, considerando os


fatos expostos na denúncia, não podendo fugir do que está ali previsto,
por exemplo, o ministério público denuncia pelo crime de estelionato, mas
o juiz decide ao final e condena o réu pelo crime de roubo, fato que foge
totalmente do previsto, infringindo o princípio ora observado. É aqui que
entra a correlação, devendo haver coerência entre os pedidos formulados
na denúncia, nos memoriais e na sentença.

Em que pese a existência de princípios com tamanha importância,


nem sempre o próprio Processo penal acompanha as direções apontadas
por esses, como se verifica claramente do exposto no art. 385 do Código
de Processo Penal.
26

4. O FENÔMENO DA NÃO RECEPÇÃO

A Constituição Federal, comumente chamada de “carta magna”,


recebeu essa nomenclatura devida sua importância dentre as demais
normas que regem a sociedade, isto porque nela são previstos os
princípios fundamentais do ser humano e de toda ação que pode afetar
qualquer um de seus direitos fundamentais e que não podem, sob
hipótese alguma, serem revogados ou alterados, em outras palavras, a
Constituição Federal é o ponto de partida para a criação de todas as
outras normas, qual essas devem respeitar aquelas.

Assim, toda nova lei e até mesmo um único artigo, devem seguir os
princípios da Constituição Federal, para que sejam considerados
recepcionados por esta. Mas o que significa o termo “recepção”? Do
simples significado da palavra já é possível entender o instituto que
considera, ou não, uma Lei como válida.

Recepção significa modo de receber, e as Leis devem ser criadas e


recebidas pela Constituição Federal, o que significa a compatibilidade
nessa nova norma com os princípios daquela, nos ensinamentos de Pedro
Lenza, (2012).

“fenômeno pelo qual as normas da Constituição anterior,


desde que compatíveis com a nova ordem, permanecem
em vigor, mas com o status de lei infraconstitucional. Ou
seja, as normas da Constituição anterior são recepcionadas
com o status de norma infraconstitucional pela nova
ordem”

Existem diversas formas das leis ou artigos serem considerados


inválidos, sendo a revogação que pode ser expressa ou tácita, e o
chamado fenômeno da não recepção.

A revogação expressa, é aquela onde consta a informação do ato, ou


seja, no texto da Lei existirá a informação sobre a invalidez daquela lei.
Enquanto a revogação tácita, uma nova Lei é criada, em substituição da
anterior, todavia não existe uma informação escrita sobre o ato de
revogação.
27

Doutra mão, temos o fenômeno da não recepção, que embora


muitas pessoas confundam com a revogação tácita, tal erro não pode
ocorrer, isto porque, diferente daquela, essa não tem uma nova Lei que
prevê sobre o mesmo assunto, o que ocorre
28

é que a Lei ou artigo vão em contrariedade com os princípios previstos


pela Constituição Federal, e por isso devem ser considerados
inconstitucionais, ou não recepcionados.

No caso do art. 385 do Código de Processo Penal, é exatamente o


que se verifica, que o fato vai em completa dissonância de diversos
princípios que são a base dos direitos fundamentais do indivíduo, inclusive
destituindo por completo a ideia do sistema acusatório.
29

5. ANÁLISE CRÍTIA DO ART. 385 CPP

O art. 385 do Código de Processo penal garante ao magistrado que a


sentença condenatória poderá ser proferida mesmo que o Ministério
Público requeira a absolvição do acusado.

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir


sentença condenatória, ainda que o Ministério Público
tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer
agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

Considerando que o sistema penal adotado no brasil é o acusatório, não


tem qualquer coerência o reconhecimento do artigo citado, isto porque o
devido processo penal deve respeitar os princípios analisados até aqui,
respeitando a imparcialidade como garantia suprema dos acusados.

Lembra-se do citado anteriormente, onde a função do juiz é de


garantidor da justiça, tendo como papel principal e fundamental a devida
interpretação e aplicação da lei, respeitando os princípios do contraditório
e ampla defesa, imparcialidade, juiz natural, correlação, presunção de
inocência e in dubio pro reo. Enquanto o Ministério Público fica
responsável pela defesa da ordem jurídica e dos interesses da sociedade,
seguindo fielmente os princípios destacados, atuando ao lado do juiz
buscando a aplicação da lei, e jamais a atuação conjunta buscando a
condenação dos investigados.

É de suma importância destacar que os papeis aqui não podem se


confundir, o ministério público tem a função de levar os fatos ao
conhecimento do juiz, utilizando- se da verdade, e baseando seus pedidos
dentro dos termos legais para que o juiz analise os pedidos e decida,
enquanto o juiz deverá analisar os fatos e aplicar a lei.

O artigo ora analisado, fere de maneira gritante o sistema acusatório


penal, trazendo a ideia do sistema inquisitivo, onde o juiz acusa e julga,
em contrária disposição ao previso no princípio da imparcialidade.

Importantíssimo destacar nessa análise que é vedada a condenação


sem acusação no sistema acusatório, função essa a ser realizada pelo
30

ministério público que, ao verificar a investigação da polícia e verificar a


existência de um ato ilícito,
31

deverá instaurar a ação penal, sempre que de sua competência, para


colher mais provas e investigar na esfera judicial, para que seja possível
auferir com certeza a culpa do acusado.

Se o ministério público desiste da ação, através do pedido de


absolvição do acusado, e o juiz decide por condená-lo mesmo assim,
estará esse assumindo o papel de acusador, conforme citado, tornando o
sistema penal inquisitivo e não mais acusatório, ferindo todos os princípios
aqui discutidos.

Deve-se reconhecer que o art. 385 do Código de Processo Penal


deve ser visto à luz da Constituição da República e respeitar os princípios,
e não o oposto. O mestre Paulo Rangel (2012), leciona.

“O art. 385 do CPP não foi recepcionado pela


Constituição da República. Não está mais autorizado o
juiz a decidir, em desfavor do acusado, havendo pedido
do Ministério Público em sentido contrário. O titular
exclusivo da ação penal é o Ministério Público e não o
juiz. A busca da verdade, pelo juiz, compromete sua
imparcialidade na medida em que deseja decidir de
forma mais severa para o acusado em desconformidade
com o órgão acusador, que é quem exerce a pretensão
acusatória”

5.1 Jurisprudência atual

A jurisprudência atual infelizmente ainda não é uníssona ao


considerar a não recepção do art. 385 já citado e analisado, todavia,
tamanha a discussão sobre o tema que a Defensoria Pública da União,
através da impetração de um Habeas Corpus, (HC192.298) sustentando a
favor da não recepção do artigo, por considerar que este fere os princípios
do processo penal e vai em completa contrariedade ao sistema acusatório.
A Defensoria Pública da União não obteve sucesso na época, e o STF
decidiu pela constitucionalidade da norma, mesmo diante tantas
agressões aos princípios.
32

Ocorre que em outubro de 2022, o Superior Tribunal de Justiça,


através da quinta turma, reconheceu a impossibilidade de condenação
quando o Ministério
33

Público pugnar pela absolvição, baseando a decisão no fundamento que


tal ato vai completamente oposto a ideia do sistema acusatório, em
destaque.

5. Tendo o Ministério Público, titular da ação penal pública,


pedido a absolvição do réu, não cabe ao juízo a quo julgar
procedente a acusação, sob pena de violação do princípio
acusatório, previsto no art. 3º-A do CPP, que impõe estrita
separação entre as funções de acusar e julgar. AgRg no
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.940.726 - RO
(2021/0245185-9)

O ministro João Otávio destacou em seu voto,

A acusação não é atividade que se encerra com o


oferecimento da denúncia, já que a atividade
persecutória persiste até o término da ação penal. Assim,
considero que, quando o Ministério Público requer a
absolvição do réu, ele está, de forma indireta, retirando a
acusação, sem a qual o juiz não pode promover decreto
condenatório, sob pena de acusar e julgar
simultaneamente
34

CONCLUSÃO

O sistema acusatório, no qual se verifica pessoas exercendo papéis distintos,


tais como o juiz julgando, o Ministério Público acusando e fiscalizando a Lei e os
defensores, como o próprio nome sugere: defendendo, é o adotado no processo
penal brasileiro, embora não esteja expresso em legislação.

O papel de um juiz jamais será o de acusar um indivíduo, tendo o Ministério


Público essa função, ainda que agindo com imparcialidade. A garantia da aplicação
da justiça nos moldes processuais, sendo igualitária é advinda do princípio do Juiz
Natural, em que confere um juízo adequado à cada demanda necessária. Assim, os
princípios basilares da ação penal que tornam um juiz apto a exercer o seu papel
são o da imparcialidade e o do juízo natural.

Outro princípio tão valioso quanto os anteriores citados é a presunção da


inocência, utilizado como diretriz para tantas previsões legais, visando garantir a
legalidade em cada ato praticado e, consequentemente, assegura ao acusado a
sua inocência até a última instância, através do princípio da dúvida.

Ferindo o sistema acusatório sendo adotado no Brasil, o art. 385 do C.P.C.


aparece garantindo ao juiz que, embora o Ministério Público – agente acusador –
opine pela absolvição, possa proferir sentença condenatória. Este fenômeno se dá
devida a função do Ministério Público ser a de levar os fatos ao conhecimento do
juiz e este analise e aplique a lei. Contrário a aplicação deste dispositivo
encontramos jurisprudência declarando a inconstitucionalidade do referido artigo.

Por todo o exposto, através dos princípios da imparcialidade, da presunção


de inocência, pelo fenômeno da não recepção, fica entendida a
inconstitucionalidade do disposto no artigo 385 do C.P.C., pois o juiz não tem a
prerrogativa de promover decreto condenatório, acusando e julgando
simultaneamente, interferindo e ferindo o papel do Ministério Público.
35

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei Complementar nº 40, de 11 de dezembro de 1981. Organização


do Ministério Público Estadual.

LOPES JR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 2ª ed.


São Paulo: Saraiva, 2016.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva
Educação, 2019.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª ed. São Paulo:


Saraiva, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10ª ed. Rio de


Janeiro: Editora Forense, 2014.

RANGEL, Paulo. Direito processual Penal.20ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.

STEFAM, André. Direito Penal, Parte Geral (arts. 1º a 120). 7ª ed. Saraiva
Educação, 2018.

NOTÍCIAS, STJ. Princípio do juiz natural, uma garantia de imparcialidade.


Brasília, 2020. Disponível
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<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/
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MILANEZI, Larissa. Presunção de inocência e sua relativização. 2017.


Disponível em: https://www.politize.com.br/presuncao-de-
inocencia-o-que- e/#:~:text=IMPORT%C3%82NCIA%20DA%20PRESUN
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l. Acesso em: 08 de novembro de 2022.

LENZI, Tié. Significado de In dubio pro reo. Disponível em:


https://www.significados.com.br/in-dubio-pro-reo/. Acesso em 08 de
novembro de 2022.
36

DESTRITO FEDERAL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo em Recurso


Especial 1.940.726. Agravante: Evandro Araújo Caixeta. Agravado:
Ministério Público Federal. Relator: Ministro Ribeiro Dantas. Brasília, 06 de
setembro de 2022 Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?
aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa
=tipoPesquisaGenerica&termo=AREsp%201940726. Acesso em: 09 de
novembro de 2022.

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