Sacramentos
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Parte 3
Acrescente-se que a graça santificante, num certo sentido, pode aumentar. Aliás,
é por isso que podemos receber certos sacramentos várias vezes. A Comunhão,
por exemplo. Por intermédio desse sacramento, a graça santificante pode
aumentar, no sentido de que vai aperfeiçoando a nossa configuração à alma de
Cristo. É como observar, primeiro, aqueles crucifixos minimalistas, em que a
Cruz e o Cristo são representados por traços simples e esquemáticos, e depois
olhar para um realista, em que Nosso Senhor é retratado com riqueza de
detalhes: os olhos, a expressão do rosto, as chagas abertas, o sangue brilhando.
Veja, de algum modo, as duas imagens remetem ao Cristo, mas a segunda, por
assim dizer, está mais configurada a Ele. É também assim com a nossa alma.
No entanto, como a riqueza de Nosso Senhor Jesus Cristo é inesgotável, sua
graça se manifesta de variadas formas — por isso, a Primeira Carta de São
Pedro nos chama a ser “administradores da multiforme graça de Deus” (1Pe 4,
10). É por essa razão que os sacramentos são sete, e não um só. Precisamos que
a graça santificante, que é essa configuração a Cristo, disponha a nossa alma
para que recebamos graças atuais específicas, ligadas àquilo que é nossa missão,
nosso chamado. Um homem casado precisa de determinadas graças para viver o
casamento, assim como também o padre para viver seu sacerdócio. Um doente
em estado terminal, padecendo as tentações da morte, precisa de outras, e assim
por diante.
Como Sabemos Lutero era um homem bastante atormentado. Queria ter certeza
absoluta de que estava em estado de graça, de que se salvaria. Por isso, movido
por escrúpulos doentios, passava horas e horas se confessando, e jamais se
achava perdoado. Então se cansou e, em vez de se enveredar para a apostasia ou
para a conversão, caminhos que normalmente se abrem aos desesperados, ele,
em sua soberba, inventou uma terceira via: criou um novo conceito de fé, que,
em suma, era uma espécie de autoconvencimento da própria justificação.
O Concílio de Trento respondeu a esse drama de Lutero dizendo, claramente,
que ninguém de nós tem certeza absoluta de estar em estado de graça. O que
temos é a certeza moral, certeza suficiente, derivada de um exame de
consciência e de uma direção espiritual, de que é possível receber os
sacramentos, sobretudo a Eucaristia, sem o risco de estarmos pecando.
Mas Lutero, com esse convencimento subjetivo a que ele chamava de fé, criou
todo um sistema sacramental diferente. O Batismo, para ele, era uma cerimônia
externa cuja finalidade era criar no batizado a certeza de sua salvação. Em
palavras pobres, Lutero não acreditava nos sacramentos propriamente ditos e, na
prática, inventou toda uma nova religião. Antes, havia a Igreja , onde os
sacramentos tinham valor inconteste, de per si, “ex opere operato”; ou seja,
realizadas as obras do sacramento, acontece a ação da graça, e se a pessoa não
impuser objeções, aquela graça gera seus efeitos. Para Lutero, os sacramentos
são uma ação do sujeito, um ato de fé. Ou seja, para a teologia protestante
tradicional — se é que podemos falar assim — o instrumento causal da
justificação não é o sacramento, mas é o ato de fé do sujeito que o recebe.
Para desfazer o engano, é preciso dizer com toda a clareza: nós não nascemos
filhos de Deus.
O problema dessa expressão, tantas e tantas vezes usada, está nos sentidos que a
palavra filho pode carregar.
Podemos dizer que somos “filhos de Deus” no sentido de que somos suas
criaturas. Mas aí o sentido é fraco, é mera figura de linguagem. É como dizer
que o sapato é filho do sapateiro, que o criou.
No entanto, como não somos qualquer criatura, mas imagens de Deus, por
termos alma imortal, dotada de inteligência e vontade, podemos dizer que
somos seus filhos por semelhança. Porém, mesmo aqui teremos uma figura,
porque ser imagem e semelhança não implica, nesse caso, uma
consubstancialidade. É como dizer que a foto de um filho é o filho mesmo.
Dito de outro modo: filho de peixe é peixe; filho de vaca é bezerro; filho de
homem é homem; e filho de Deus é Deus.
E foi para jamais perder essa maravilhosa união com Nosso Senhor que os
mártires derramaram o seu sangue. É por isso que na liturgia batismal de
Páscoa, cantamos, no Exsultet: “De nada adiantaria termos nascido, se não
tivéssemos sido regenerados”. É por isso que em culturas ainda eminentemente
cristãs, o Batismo é mais celebrado que o dia do nascimento. Os poloneses têm
até uma forma bruta de dizer isso: aniversário até as vacas têm; dia do Batismo,
só os cristãos. É aqui que se encaixa perfeitamente aquela frase: “Vosso amor
vale mais do que a vida” (Sl 62, 4).
Sim, temos de preferir morrer, temos de preferir perder tudo, absolutamente
tudo: família, emprego, saúde, para não perder essa união com Cristo. “Christo
nihil praeponere”, — “Nada antepor a Cristo”. Cristo precede a tudo, e estar
unido a Ele é o dom mais precioso.
Vimos também que essa maravilha foi nos dada por Cristo, Deus que se fez
homem e que, em sua humanidade, hipostaticamente unida ao Pai, torna-se
instrumento da nossa santificação. No Batismo, pelo toque do Espírito Santo,
pela ação da graça santificante, nossa alma humana assume as feições da alma
divina de Cristo, o Verbo Encarnado. É como diz São Paulo na Carta aos
Filipenses: “Tende vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2, 5). Ou
seja, ganhamos a mesma mentalidade, a mesma conformação espiritual de
Nosso Senhor.
Foi esse o tema da aula passada. Agora, resta-nos ver, mais detalhadamente, os
efeitos que o Batismo gera dentro de nós.
A graça de Deus que nos é dada no Batismo pode ter efeito de regeneração e de
elevação. Por exemplo: os anjos que estão no Céu nunca pecaram. Logo,
quando eles receberam a graça, ela não poderia ter o efeito de regenerá-los, pois
só se regenera aquilo que, antes, se degenera, que decai, que degrada. Quer
dizer, a graça, para eles, só pode ter um efeito elevante.
O mesmo vale para Adão e Eva. Antes do pecado, embora não conhecessem a
Deus face a face, como os anjos do Céu, eles eram cumulados de uma graça que
os elevava, que lhes permitia conhecer e amar a Deus de modo mais perfeito,
mais sublime.
Porém, houve a Queda, e com ela, a natureza humana, embora permanecesse
íntegra [1], ficou desordenada, manchada, decaída. Daí que seja necessário um
primeiro toque da graça, não para elevar aos píncaros do Céu, mas para resgatar
dos pântanos terrenos.
Isso na prática quer dizer que o Batismo perdoa os pecados. Mas quais?
Em todo caso, além de perdoar os pecados, o Batismo nos redime das penas do
Purgatório; quer dizer, ele equivale a uma indulgência plenária. Sendo assim, a
pessoa que se batizar verdadeiramente arrependida dos seus pecados mortais e
veniais [2], vai direto para o Céu.
A graça santificante, por sua vez, vem acompanhada das virtudes teologais (fé,
esperança e caridade); das virtudes infusas (que são virtudes humanas recebidas
como hábitos da alma); e os Dons do Espírito Santo. Quando pecamos
mortalmente, perdemos tudo isso, exceto a fé e a esperança. Se pecamos
diretamente contra a fé, também a perdemos; se pecamos diretamente contra a
esperança, não nos sobra nada.
Dispensa dizer que essas graças atuais aumentam com a vida de oração, com a
boa recepção dos demais Sacramentos e com outros atos de piedade.
É a graça batismal que nos dá esta capacidade não somente de não sermos
destruídos pela cruz, que potencialmente nos esmagaria; mas, ao contrário, de,
ao abraçá-la, sermos ainda melhores do que seríamos se não tivéssemos
recebido cruz alguma.
Nota
A água para o Batismo deve ser aquela com que uma pessoa tomaria banho. É uma
água de lavacro, de lavar. Por exemplo, as águas do Rio não são cristalinas, são
até meio barrentas, mas as pessoas banham-se nela, lavam ali as suas roupas e,
portanto, servem para o sacramento.
Agora, não basta ser um líquido que, em sua composição química, tenha H2O. Há
água no vinho, mas ninguém se banharia ou lavaria suas roupas com essa bebida.
Vinho pode conter água, mas não é água. É como na anedota dos antigos
seminários, onde havia o refeitório dos padres e o dos seminaristas. Então, a
bancada de casuística perguntava: “É válido o Batismo feito com sopa?” Ao que
respondiam, fazendo troça: “Se for a sopa do refeitório dos seminaristas, sim”.
Além disso, antes de entrar nas águas, a pessoa literalmente se despojava da roupa
velha, simbolizando o velho homem, e recebia, do outro lado, vestes brancas, como
sinal de uma nova vida em Cristo.
A título de nota de rodapé, é oportuno dizer que, na Igreja antiga, todo esse
cerimonial não causava escândalo, porque era costume no Império Romano os
chamados banhos públicos, nas termas. Santo Agostinho, por exemplo,
aconselhava as virgens, que, por pudor, tomassem banho somente uma vez por
semana. Hoje em dia, devido às mudanças culturais, seria realmente chocante
realizar o Batismo com pessoas nuas. Daí que a prática da imersão tenha sido de
pouco em pouco abandonada em favor da infusão, do derramamento de água — o
que se realiza com certas variações, ora com mais ora com menos líquido, detalhe
que fundamentalmente não importa.
Há quem proteste contra o Batismo por infusão dizendo que só o mergulho seja
realmente válido. No entanto, vemos, nos Atos dos Apóstolos, que, em Pentecostes,
foram batizadas cerca de três mil pessoas (cf. At 2, 41). Ora, não existe rio em
Jerusalém para imergir toda essa gente. É forçoso que tivesse um método expedito,
que é simplesmente o derramamento de água na cabeça. Além disso, São Paulo
batizou seu carcereiro na prisão (cf. At 16, 33). Decerto, não havia ali no cativeiro
lugar para imergir o homem. Em resumo, a objeção ao Batismo por infusão não
tem cabimento.
Tudo isso para dizer que a água precisa entrar em contato com a pele do batizando.
É um símbolo de lavar.
Geralmente se deita a água na cabeça, mas, caso não seja possível, pode ser
derramada em outra parte do corpo. Por exemplo: pode ser que, num parto, tenha
saído primeiro um dos pés da criança, que corre risco de vida. É possível batizá-la,
validamente, tocando a água ali mesmo, no pé [1].
Ao lado do nome, deve-se dizer que a pessoa será batizada: “Em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo”. Notem os dois ês. No original grego, temos a conjunção
‘καί … καί’: ‘εἰς τὸ ὄνομα τοῦ Πατρὸς καὶ τοῦ Υἱοῦ καὶ τοῦ Ἁγίου Πνεύματος (eis
to ónoma toû Patrós kai toû Hyioû kai toû Hagíou Pneúmatos)’. É uma forma de
manifestar a igualdade das Três Pessoas da Santíssima Trindade.
Então, a fórmula batismal é a seguinte:
Agora, se não for possível as três infusões, devido à escassez de água [2], pode-se
derramar apenas uma vez e, mesmo assim, o sacramento será válido.