Sacramentos

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Sacramentos.

Parte 3

Os sacramentos, como já vimos, são necessários à nossa salvação. Sem a graça


santificante não seríamos capazes de entrar no Céu e, como disse São Pedro, de
nos tornar “participantes da natureza divina”.

Para entender do se trata essa participação na natureza divina, recorramos a um


exemplo que sempre aparece nos livros de espiritualidade. Consideremos o
ferro. Trata-se, naturalmente, de um material frio e duro. No entanto, posto em
contato com o fogo, ele começa a, de pouco em pouco, adquirir propriedades e
assumir uma feição de fogo: de frio, passa a quente; de opaco, a brilhante, até
mesmo translúcido; de rígido, fica fluido. Ora, essencialmente é ainda ferro,
mas, na prática, comporta-se como se fosse outra coisa. É isso que a graça
santificante faz em nosso coração: ele continua um coração humano, mas,
abrasado pelo fogo do amor e da fé, passa a se comportar divinamente.

Vai uma outra imagem: é como se fôssemos um pedaço de cera; o Espírito


Santo, o fogo que nos derrete; e Cristo, a causa exemplar, o carimbo com o que
Deus Pai nos marca. Em outras palavras: a graça santificante faz com que nossa
alma fique cristiforme, que tenha a forma da alma de Cristo, que participe do
amor e do conhecimento de Deus, com a intimidade que o Filho participava.
Para apontar a um referente, no mundo real, é como acontece com a alma dos
santos, seres humanos que melhor se configuraram à alma de Cristo. São
homens e mulheres que amaram, que conheceram, que perdoaram, que se
tornaram puros como Cristo. Eis o efeito da graça santificante.

Acrescente-se que a graça santificante, num certo sentido, pode aumentar. Aliás,
é por isso que podemos receber certos sacramentos várias vezes. A Comunhão,
por exemplo. Por intermédio desse sacramento, a graça santificante pode
aumentar, no sentido de que vai aperfeiçoando a nossa configuração à alma de
Cristo. É como observar, primeiro, aqueles crucifixos minimalistas, em que a
Cruz e o Cristo são representados por traços simples e esquemáticos, e depois
olhar para um realista, em que Nosso Senhor é retratado com riqueza de
detalhes: os olhos, a expressão do rosto, as chagas abertas, o sangue brilhando.
Veja, de algum modo, as duas imagens remetem ao Cristo, mas a segunda, por
assim dizer, está mais configurada a Ele. É também assim com a nossa alma.
No entanto, como a riqueza de Nosso Senhor Jesus Cristo é inesgotável, sua
graça se manifesta de variadas formas — por isso, a Primeira Carta de São
Pedro nos chama a ser “administradores da multiforme graça de Deus” (1Pe 4,
10). É por essa razão que os sacramentos são sete, e não um só. Precisamos que
a graça santificante, que é essa configuração a Cristo, disponha a nossa alma
para que recebamos graças atuais específicas, ligadas àquilo que é nossa missão,
nosso chamado. Um homem casado precisa de determinadas graças para viver o
casamento, assim como também o padre para viver seu sacerdócio. Um doente
em estado terminal, padecendo as tentações da morte, precisa de outras, e assim
por diante.

É como dissemos nas aulas passadas: a graça santificante é habitual ou


entitativa, enquanto as virtudes específicas de que necessitamos no dia a dia são
operativas e demandam as graças atuais. Explicando melhor: um motorista
experiente não perde o hábito de dirigir quando dorme ou quando não está
dirigindo. O hábito está lá, faz parte do ser daquela pessoa. É isso o que faz a
graça santificante: cria essa disposição geral para agir conforme a virtude. Já as
graças atuais nos dão socorro nas situações concretas, de acordo com nosso
estado de vida.

Sabemos que há certos Sacramentos que não se repetem, como o Batismo. É


como dizemos no Credo: “Confiteor unum Baptisma” — “Professo um só
Batismo”. Um, não dois. Em casos muito específicos, quando há dúvidas
fundadas quanto à validade do primeiro, pode-se fazer um outro, sob condição.
Fora isso, é um sacramento que não se repete, mesmo que a pessoa não tenha,
por meio dele, recebido a graça santificante. É porque, além da graça
sacramental, há o caráter, a marca que determinados sacramentos nos
imprimem.
Para dar uma breve explicação sobre o caráter que os sacramentos imprimem,
podemos dizer que o Batismo, a Crisma e a Ordem, que só podem ser recebidos
uma única vez, são assim pois estão ligados ao sacerdócio de Cristo: o Batismo
e a Crisma com o sacerdócio comum dos fiéis; a Ordem com o sacerdócio
ministerial do Sacerdote. Em uma palavra, os três estão relacionados ao culto
divino, à oferta que devemos dar a Deus — a oferta de nossas vidas, se somos
leigos; e o sacrifício do altar, se somos padres ordenados, que são realidades
bastante diferentes.
O que é o Sacramento do Batismo
Muitas comunidades cristãs batizam seus fiéis, mas a maioria delas possui uma
visão distorcida sobre o Batismo. Para não incorrer nos mesmos erros,
precisamos saber o que é de fato este sacramento.
Que o Batismo seja um sacramento, não existe discussão. Qualquer comunidade
cristã, que considera a existência dos sacramentos, aceita o Batismo como sendo
um deles. O Batismo é o mais evidente de todos os Sacramentos, porque, como
está escrito no final do capítulo 28 do Evangelho de São Mateus, o próprio
Jesus, antes de subir aos Céus, disse — inclusive fixando a fórmula batismal:
“Todo o poder me foi dado sobre o Céu e a terra. Ide, pois, fazei discípulos,
batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 18-19).

Agora, é importante traçarmos bem a diferença entre a verdadeira doutrina


sobre o Batismo e aquilo que as principais correntes protestantes professam a
esse respeito.

Como Sabemos Lutero era um homem bastante atormentado. Queria ter certeza
absoluta de que estava em estado de graça, de que se salvaria. Por isso, movido
por escrúpulos doentios, passava horas e horas se confessando, e jamais se
achava perdoado. Então se cansou e, em vez de se enveredar para a apostasia ou
para a conversão, caminhos que normalmente se abrem aos desesperados, ele,
em sua soberba, inventou uma terceira via: criou um novo conceito de fé, que,
em suma, era uma espécie de autoconvencimento da própria justificação.
O Concílio de Trento respondeu a esse drama de Lutero dizendo, claramente,
que ninguém de nós tem certeza absoluta de estar em estado de graça. O que
temos é a certeza moral, certeza suficiente, derivada de um exame de
consciência e de uma direção espiritual, de que é possível receber os
sacramentos, sobretudo a Eucaristia, sem o risco de estarmos pecando.

Mas Lutero, com esse convencimento subjetivo a que ele chamava de fé, criou
todo um sistema sacramental diferente. O Batismo, para ele, era uma cerimônia
externa cuja finalidade era criar no batizado a certeza de sua salvação. Em
palavras pobres, Lutero não acreditava nos sacramentos propriamente ditos e, na
prática, inventou toda uma nova religião. Antes, havia a Igreja , onde os
sacramentos tinham valor inconteste, de per si, “ex opere operato”; ou seja,
realizadas as obras do sacramento, acontece a ação da graça, e se a pessoa não
impuser objeções, aquela graça gera seus efeitos. Para Lutero, os sacramentos
são uma ação do sujeito, um ato de fé. Ou seja, para a teologia protestante
tradicional — se é que podemos falar assim — o instrumento causal da
justificação não é o sacramento, mas é o ato de fé do sujeito que o recebe.

Mas não parou por aí.

O chamado protestantismo liberal tratou de secularizar um tanto mais o


sacramento. Para eles, o Batismo é apenas uma tomada de consciência de nossa
filiação divina. Segundo essa interpretação, Cristo — que, para os tais, não é
Deus, mas apenas um homem extraordinário — Cristo, dizem eles, teve no
Jordão uma experiência mística. Quando baixou às águas, fez-se um estalo em
sua mente e ele se deu conta de que era filho de Deus. Segundo essa visão,
portanto, a Boa-Nova, o Evangelho, é essa nossa filiação divina. Todos, dizem
eles, já somos, desde o início, filhos de Deus. Resta, ao convertido, levar essa
informação para todos os homens. Depois, o Batismo seria um simples
cerimonial para despertar, na consciência do indivíduo, esse novo entendimento.

Para desfazer o engano, é preciso dizer com toda a clareza: nós não nascemos
filhos de Deus.

O problema dessa expressão, tantas e tantas vezes usada, está nos sentidos que a
palavra filho pode carregar.

Podemos dizer que somos “filhos de Deus” no sentido de que somos suas
criaturas. Mas aí o sentido é fraco, é mera figura de linguagem. É como dizer
que o sapato é filho do sapateiro, que o criou.

No entanto, como não somos qualquer criatura, mas imagens de Deus, por
termos alma imortal, dotada de inteligência e vontade, podemos dizer que
somos seus filhos por semelhança. Porém, mesmo aqui teremos uma figura,
porque ser imagem e semelhança não implica, nesse caso, uma
consubstancialidade. É como dizer que a foto de um filho é o filho mesmo.

Dito de outro modo: filho de peixe é peixe; filho de vaca é bezerro; filho de
homem é homem; e filho de Deus é Deus.

Ou seja, ser filho de Deus, no sentido estrito da palavra, demanda que


compartilhemos de sua natureza divina. Por isso, o Filho por excelência, o Filho
por antonomásia é só um: Nosso Senhor Jesus Cristo. Daí o dizermos no Credo:
Filho Unigênito; Deus de Deus; consubstancial ao Pai.

Eis a maravilha da Encarnação. Em Cristo, um ser humano pode, pela primeira


vez, voltar-se ao Céu e clamar a Deus chamando-o de Pai, com toda a verdade
que essa palavra carrega. Cristo é o Filho, e a graça santificante, através do
Batismo, nos une intimamente a Ele, assim como os ramos estão unidos à
videira. Sim, podemos ser filhos de Deus no sentido próprio: somos filhos no
Filho; estar unidos a Cristo, ser membros do Corpo do qual Ele é a cabeça, é
isso que nos eleva ao máximo grau da filiação divina.

Quem nos une a Cristo, fazendo-nos efetivamente filhos de Deus, é o Espírito


Santo. É como acontece no nosso corpo: as moléculas, células, órgãos e
membros, tudo mantém-se unido em virtude da alma. Separada a alma do corpo,
tudo se decompõe, tudo desmorona como uma casa que perdeu os alicerces. Dá-
se o mesmo no Corpo místico de Cristo: é o Espírito Santo que nos une a Nosso
Senhor, fazendo-nos um com Ele.

Assim como os vegetais e os animais que ingerimos integram-se à nossa alma e


assumem a nossa natureza, do mesmo modo, nós, seres humanos, de natureza
infinitamente inferior, pela força da graça, tornamo-nos consubstanciais ao
Filho.

Existe, portanto, uma realidade de pertença. Jesus, na Última Ceia, diz em


oração ao Pai: “Eu não perdi nenhum daqueles que me deste” (Jo 17, 12). É
também nesse espírito que Cristo se diz o Bom Pastor. É o poder de Deus de
unir todos a Ele, por essa maravilha que é o sacramento do Batismo.

E foi para jamais perder essa maravilhosa união com Nosso Senhor que os
mártires derramaram o seu sangue. É por isso que na liturgia batismal de
Páscoa, cantamos, no Exsultet: “De nada adiantaria termos nascido, se não
tivéssemos sido regenerados”. É por isso que em culturas ainda eminentemente
cristãs, o Batismo é mais celebrado que o dia do nascimento. Os poloneses têm
até uma forma bruta de dizer isso: aniversário até as vacas têm; dia do Batismo,
só os cristãos. É aqui que se encaixa perfeitamente aquela frase: “Vosso amor
vale mais do que a vida” (Sl 62, 4).
Sim, temos de preferir morrer, temos de preferir perder tudo, absolutamente
tudo: família, emprego, saúde, para não perder essa união com Cristo. “Christo
nihil praeponere”, — “Nada antepor a Cristo”. Cristo precede a tudo, e estar
unido a Ele é o dom mais precioso.

É essa preciosidade que vamos conhecer nestas aulas sobre o Batismo.


Conhecer para fruí-la com maior proveito, e disso colher melhores frutos
espirituais.

E, para encerrarmos com um boa síntese, já nos preparando para a sequência ,


vale mencionar a definição de Batismo que Antonio Royo Marín* dá no seu
famoso livro: “Teología de la perfección cristiana”: “É o sacramento da
regeneração espiritual através da ablução com água e da invocação expressa das
três Pessoas divinas da Santíssima Trindade” [1].

A diferença específica que distingue o Batismo dos outros sacramentos é esse


poder da regeneração espiritual. Ele se dá pela ablução (a matéria), ou seja, o
lavacro, e pela invocação das três Pessoas da Trindade (a forma).

* Antonio Royo Marín, Teología de la perfección cristiana. Madrid: BAC,


2015.
Os efeitos do Batismo em nossa alma

Dissemos nas últimas aulas que o Batismo é um Sacramento primordial, pois,


sem ele, não é possível entrar no Céu. Para sustentar essa afirmação, que hoje
em dia consterna tanta gente, explicamos que estar no Céu é participar da
natureza divina e que isso só pode acontecer conosco, seres humanos, se ocorrer
em nós uma modificação, um salto ontológico, uma passagem, para voltarmos
ao exemplo, de charrete à automóvel. Essa transformação acontece no momento
do Batismo, caso não lhe opusermos nenhum obstáculo.

Vimos também que essa maravilha foi nos dada por Cristo, Deus que se fez
homem e que, em sua humanidade, hipostaticamente unida ao Pai, torna-se
instrumento da nossa santificação. No Batismo, pelo toque do Espírito Santo,
pela ação da graça santificante, nossa alma humana assume as feições da alma
divina de Cristo, o Verbo Encarnado. É como diz São Paulo na Carta aos
Filipenses: “Tende vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2, 5). Ou
seja, ganhamos a mesma mentalidade, a mesma conformação espiritual de
Nosso Senhor.

Foi esse o tema da aula passada. Agora, resta-nos ver, mais detalhadamente, os
efeitos que o Batismo gera dentro de nós.

A graça de Deus que nos é dada no Batismo pode ter efeito de regeneração e de
elevação. Por exemplo: os anjos que estão no Céu nunca pecaram. Logo,
quando eles receberam a graça, ela não poderia ter o efeito de regenerá-los, pois
só se regenera aquilo que, antes, se degenera, que decai, que degrada. Quer
dizer, a graça, para eles, só pode ter um efeito elevante.

O mesmo vale para Adão e Eva. Antes do pecado, embora não conhecessem a
Deus face a face, como os anjos do Céu, eles eram cumulados de uma graça que
os elevava, que lhes permitia conhecer e amar a Deus de modo mais perfeito,
mais sublime.
Porém, houve a Queda, e com ela, a natureza humana, embora permanecesse
íntegra [1], ficou desordenada, manchada, decaída. Daí que seja necessário um
primeiro toque da graça, não para elevar aos píncaros do Céu, mas para resgatar
dos pântanos terrenos.

Isso na prática quer dizer que o Batismo perdoa os pecados. Mas quais?

Perdoa, em primeiro lugar, o pecado original, que não é um pecado pessoal,


mas, sim, a culpa que herdamos do pecado de Adão e Eva. Também perdoa os
pecados mortais que se tenha cometido após a idade da razão, ou seja, a partir
dos sete anos. Aliás, é por isso que as crianças após essa idade e os adultos,
antes de serem batizados, devem receber catequese; afinal de contas, precisam
saber de quais pecados há que se arrepender. Diferente do recém nascido, que
só carrega em sua alma a mácula do pecado original.

Vale lembrar que ao batizar-se sem se arrepender dos pecados mortais, o


sacramento, embora válido, não produz esse efeito regenerador de que temos
falado.

Em todo caso, além de perdoar os pecados, o Batismo nos redime das penas do
Purgatório; quer dizer, ele equivale a uma indulgência plenária. Sendo assim, a
pessoa que se batizar verdadeiramente arrependida dos seus pecados mortais e
veniais [2], vai direto para o Céu.

Em resumo, perdoar os pecados e redimir as penas do Purgatório são os dois


efeitos regenerantes do Batismo.

Mas, como dissemos, há também os elevantes. E o primeiro deles é a graça


santificante ou graça primeira, à qual já muitas vezes fizemos menção. Aliás,
vale repetir que, além do Batismo, a Confissão também nos confere essa graça:
o Batismo — para voltarmos à analogia — faz da charrete uma Ferrari; o
pecado mortal funde o motor; a Confissão o retifica.

A graça santificante, por sua vez, vem acompanhada das virtudes teologais (fé,
esperança e caridade); das virtudes infusas (que são virtudes humanas recebidas
como hábitos da alma); e os Dons do Espírito Santo. Quando pecamos
mortalmente, perdemos tudo isso, exceto a fé e a esperança. Se pecamos
diretamente contra a fé, também a perdemos; se pecamos diretamente contra a
esperança, não nos sobra nada.

Além disso, ainda em se tratando de elevações, o Batismo nos dá direito a


receber graças atuais necessárias à realização dos nossos deveres religiosos de
acordo com nosso estado de vida. Voltemos à analogia da carroça. Temos a
Ferrari, com seu motor em dia, mas o tanque vazio. As graças atuais são a
gasolina, o que vai fazer funcionar o carro. O Batismo nos dá como que um vale
inesgotável para abastecermos o carro sempre que necessário, para jamais
empacarmos no caminho rumo ao Céu.

Dispensa dizer que essas graças atuais aumentam com a vida de oração, com a
boa recepção dos demais Sacramentos e com outros atos de piedade.

De todo modo, são esses os efeitos — regeneradores e elevantes — próprios do


Batismo. São os chamados efeitos primários.

Além disso, vale lembrar, há a realidade do caráter sacramental, de que falamos


na aula passada.

Quer dizer, quem recebe o sacramento sem as disposições necessárias —


falaremos delas em breve — não usufrui de todas essas benesses que temos
listado. No entanto, o Batismo será válido, pois é irrepetível, e, no lugar de
árvore frondosa, deixará na alma do sujeito uma florzinha em botão, que
desabrochará assim que houver sincero arrependimento e verdadeira conversão.

Para finalizar, tenhamos em mente que essa graça recebida no Batismo é


especialíssima; é de uma outra modalidade em relação à graça dada a Adão e
Eva no Paraíso. Eles receberam a graça de Deus; nós recebemos a graça de
Cristo.

Claro, Cristo é Deus, mas é Deus encarnado e crucificado, e é da Cruz de Cristo


que brotaram os sacramentos. Por isso, nós, batizados, podemos dizer com São
Paulo, que diante do mistério da fé chegou a inventar palavras: somos “co-
crucificados com Cristo” (Gl 2, 19). Quer dizer, pela realidade do Batismo,
estamos unidos a Cristo de forma tão íntima que podemos saborear a sua forma
perfeitíssima de amor, que é a Cruz.
Jesus diz: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua Cruz dia
após dia e siga-me” (Mt 16, 24).

É a graça batismal que nos dá esta capacidade não somente de não sermos
destruídos pela cruz, que potencialmente nos esmagaria; mas, ao contrário, de,
ao abraçá-la, sermos ainda melhores do que seríamos se não tivéssemos
recebido cruz alguma.

Quando nós, batizados, sentirmos o peso das cruzes da vida, lembremo-nos: a


cruz não é um estorvo; foi para ela que viemos ao mundo. Deus nos pensou com
essa cruz, que tem a sua exata envergadura. É, antes, nosso instrumento de
salvação. Temos de suportá-la e dizer, junto de Cristo, a quem nos unimos pela
graça, as palavras que lemos no Evangelho de São João: “Que irei dizer? Livra-
me desta hora? Mas foi para esta hora que eu vim” (Jo 12, 27).

Nota

É importante frisar isso, porque os protestantes tendem a crer que a


natureza humana se despedaçou após o pecado.
Na experiência de Confessionário vemos que é muito raro alguém que se
arrependa dos pecados veniais. Mas disso falaremos com mais detalhes
quando tratarmos do sacramento da Penitência.

Condições para o Batismo ser válido

Vejamos, portanto, o que é indispensável para se realizar esse sacramento. Em


primeiríssimo lugar, é preciso de um pagão. Sim, parece bobagem, mas, temos de
recordar que o Batismo é um só, não se pode repeti-lo.

Além de ser pagão e vivo, o batizando deve estar aberto à possibilidade do


Batismo, tendo uma intenção mínima de recebê-lo — claro, excluindo aqui os
recém-nascidos. Ao ter plena consciência, a pessoa pode se opor a receber o
sacramento, e isso o invalida.
Agora, tendo já um pagão, vivo e que não se oponha expressamente ao sacramento,
precisamos da segunda matéria indispensável: a água.

A água para o Batismo deve ser aquela com que uma pessoa tomaria banho. É uma
água de lavacro, de lavar. Por exemplo, as águas do Rio não são cristalinas, são
até meio barrentas, mas as pessoas banham-se nela, lavam ali as suas roupas e,
portanto, servem para o sacramento.

Agora, não basta ser um líquido que, em sua composição química, tenha H2O. Há
água no vinho, mas ninguém se banharia ou lavaria suas roupas com essa bebida.
Vinho pode conter água, mas não é água. É como na anedota dos antigos
seminários, onde havia o refeitório dos padres e o dos seminaristas. Então, a
bancada de casuística perguntava: “É válido o Batismo feito com sopa?” Ao que
respondiam, fazendo troça: “Se for a sopa do refeitório dos seminaristas, sim”.

Evidentemente, não pode. Porque, embora a sopa contenha água, não é


propriamente água — por mais aguada que seja.

Tendo já a matéria, podemos partir para o rito.

A palavra Batismo vem do grego ‘βαπτίζω [baptízō]’, que significa ‘mergulho’. O


mergulho, a descida, é um símbolo tradicional de morte, assim como a emersão, a
subida, é símbolo de ressurreição, de vida nova. Os batistérios antigos, dos que
ainda vemos em Roma ou Florença, eram buracos cavados no chão em forma de
cruz grega, que tem quatro lados iguais, sendo semelhante à letra “X”. Nos dois
braços inferiores, havia escadas: uma para a descida, outra para a subida; a
primeira simbolizando a morte; a segunda, a ressurreição.

Além disso, antes de entrar nas águas, a pessoa literalmente se despojava da roupa
velha, simbolizando o velho homem, e recebia, do outro lado, vestes brancas, como
sinal de uma nova vida em Cristo.

A título de nota de rodapé, é oportuno dizer que, na Igreja antiga, todo esse
cerimonial não causava escândalo, porque era costume no Império Romano os
chamados banhos públicos, nas termas. Santo Agostinho, por exemplo,
aconselhava as virgens, que, por pudor, tomassem banho somente uma vez por
semana. Hoje em dia, devido às mudanças culturais, seria realmente chocante
realizar o Batismo com pessoas nuas. Daí que a prática da imersão tenha sido de
pouco em pouco abandonada em favor da infusão, do derramamento de água — o
que se realiza com certas variações, ora com mais ora com menos líquido, detalhe
que fundamentalmente não importa.

Há quem proteste contra o Batismo por infusão dizendo que só o mergulho seja
realmente válido. No entanto, vemos, nos Atos dos Apóstolos, que, em Pentecostes,
foram batizadas cerca de três mil pessoas (cf. At 2, 41). Ora, não existe rio em
Jerusalém para imergir toda essa gente. É forçoso que tivesse um método expedito,
que é simplesmente o derramamento de água na cabeça. Além disso, São Paulo
batizou seu carcereiro na prisão (cf. At 16, 33). Decerto, não havia ali no cativeiro
lugar para imergir o homem. Em resumo, a objeção ao Batismo por infusão não
tem cabimento.

Tudo isso para dizer que a água precisa entrar em contato com a pele do batizando.
É um símbolo de lavar.

Geralmente se deita a água na cabeça, mas, caso não seja possível, pode ser
derramada em outra parte do corpo. Por exemplo: pode ser que, num parto, tenha
saído primeiro um dos pés da criança, que corre risco de vida. É possível batizá-la,
validamente, tocando a água ali mesmo, no pé [1].

Importante, mesmo, é a pessoa que está batizando ser a responsável pelo


derramamento da água. Suponha um preso separado do sacerdote por um vidro. O
cativo não pode derramar a água nele mesmo enquanto o padre, do outro lado, diz
a fórmula batismal. Isso é inválido. Quem derrama a água deve pronunciar a
fórmula.

E qual é a fórmula do Batismo?

Primeiro, pronuncia-se o nome da pessoa, o nome de cristão, que não é


necessariamente aquele com o qual a pessoa foi registrada. Em muitos países de
maioria pagã, em que os pais deram aos filhos nomes alheios ao sentido cristão,
não raro ligados a divindades locais, se dá, no Batismo, um novo nome para a
pessoa. É este que se deve pronunciar.

Ao lado do nome, deve-se dizer que a pessoa será batizada: “Em nome do Pai e do
Filho e do Espírito Santo”. Notem os dois ês. No original grego, temos a conjunção
‘καί … καί’: ‘εἰς τὸ ὄνομα τοῦ Πατρὸς καὶ τοῦ Υἱοῦ καὶ τοῦ Ἁγίου Πνεύματος (eis
to ónoma toû Patrós kai toû Hyioû kai toû Hagíou Pneúmatos)’. É uma forma de
manifestar a igualdade das Três Pessoas da Santíssima Trindade.
Então, a fórmula batismal é a seguinte:

“José, eu te batizo em nome do Pai”, aí vem a primeira infusão ou derramamento;


“e do Filho”,

segunda; “e do Espírito Santo”, terceira.

Agora, se não for possível as três infusões, devido à escassez de água [2], pode-se
derramar apenas uma vez e, mesmo assim, o sacramento será válido.

É assim que se batiza, e todos nós temos o dever de sabê-lo . Em casos de


urgência, para evitar que uma pessoa morra sem a graça santificante, devemos,
sim, batizá-la. E sem cair em escrúpulos, dizendo-se indigno para tanto. Até
mesmo um pagão pode batizar. Só precisa ser instruído da intenção de fazer o que
a Igreja faz e da fórmula correta para realizar o rito. Inclusive, o catecúmeno,
disposto a receber o Batismo das mãos de um outro pagão, pode ir ditando a
fórmula, palavra por palavra. Mesmo assim, o sacramento será válido e
enriquecerá o fiel com todo o tesouro que temos descrito nas aulas deste curso.

*Como os recém-nascidos trazem uma camada de gordura sobre a pele, é prudente


limpá-la antes para garantir o contato da água com a pele.
*Suponha que, numa UTI neonatal, com o bebê em risco iminente de morte, haja
apenas um resto, algumas gotas de água destilada. Pode-se umedecer um algodão e
espremê-lo na testa do pequeno, pronunciando a fórmula correta. O Batismo será
válido.

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