Medida Thais

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Introdução a Teoria da Medida

2017
Thaı́s Jordão
Colaboração: Cláudia Rodrigues da Silveira
USP - São Carlos
Sumário
1 A integral de Lebesgue: introdução 1

2 σ-Álgebras 3

3 Funções mensuráveis 6

4 Medidas 9
4.1 Medida exterior e o Teorema de Carathéodory . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
4.2 A medida de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
4.3 Conjuntos não-mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

5 Integração de Lebesgue 22
5.1 Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
5.2 Relação entre a integral de Riemann e de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
5.3 O Teorema de Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

6 Exercı́cios resolvidos 35

7 Apêndice: o problema do jogador 39


1 A integral de Lebesgue: introdução
Qual a impotância de estudar este conceito de integração?
A principal diferença entre as integrais de Riemann (que você já conhece) e a integral de
Lebesgue é que a noção de integração desta última leva em consideração os valores que uma
função assume subdividindo sua imagem ao invés de subdividir seu domı́nio, como fazemos na
integração de Riemann. Esta diferença é fundamental para conseguirmos, por exemplo, integrar
funções que oscilam demais ou apresentam muitas descontinuidades.
Existem muitas funções que não são Riemann integráveis mas que são integráveis no sentido
de Lebesgue. E mais, veremos que “quase toda”função (talvez todas que tenha integrado até
hoje!) Riemann integrável é Lebesgue integrável.
Para te deixar mais convencido de que precisamos redefinir nosso conceito de integração
observe o seguinte exemplo de uma função do “tipo-Dirichlet”. Seja f : [0, 1] −→ R dada por

0, se x é racional;
f (x) =
1, se x é irracional.
Esta função não é Riemann integrável. De fato, se considerarmos qualquer partição de [0, 1],
o supremo de f em qualquer subdivisão da partição será 1, enquanto que o ı́nfimo será 0. Desta
maneira, a soma de Riemann superior é 1 e a inferior 0. Logo, a integral de Riemann não existe.
Por outro lado f é Lebesgue integrável, como veremos. Gostarı́amos que esta integral suge-
risse a área sobre o gráfico da função. Intuitivamente, sabemos que existem muito, mas muito,
mais números irracionais do que racionais. Assim, olhando para o gráfico de f nos basta calcular
a área de um quadrado cujo lado mede 1. Afinal, o subconjunto do domı́nio onde a função vale
zero é muito pequeno (formalmente, tem medida nula!).
Desta maneira fica clara a necessidade de redefinição do nosso conceito de integral. Neste
caso, como definir uma integração mais poderosa? Por volta de 1900, Henri Lebesgue (um
francês) propôs (na verdade, surgiu com a magnı́fica ideia) subdividir a imagem de um função
e não seu domı́nio.
Assim, a integral anterior, levando em conta a função só possui os pontos 0 e 1 em sua
imagem, deve ser
Z 1
f (x) dm = 0 · m(A0 ) + 1 · m(A1 ),
0
onde m(A0 ), m(A1 ) representam as “medidas”de A0 e A1 , respectivamente;
R1 A0 = [0, 1] ∩ Q e
A1 = [0, 1] \ A0 . E, intuitivamente, m(A0 ) = 0 logo, m(A1 ) = 1 e 0 f (x)dm = 1.
Mas todas as funções são Lebesgue integráveis, então? Infelizmente, ou felizmente, não!
Como veremos, a função f (x) = 1/x (que não é Riemann integrável) não é Lebesgue integrável
já que esta integral é infinito.
Além de estendermos a classe de funções que podemos integrar, a integral de Lebesgue
unifica os casos contı́nuo e discreto de variáveis aleatórias. Por exemplo, se X tem uma função
f densidade de probabilidade, ou seja, uma função não negativa para representar a distribuição
de probabilidade de uma variável contı́nua, então a esperança de X é
Z +∞
E(X) = f (x) dx.
−∞

No caso discreto,
+∞
X
E(X) = nP (X = n),
n=−∞
1 A INTEGRAL DE LEBESGUE: INTRODUÇÃO 2

se An = {X = n}, então E(X) é exatamente a integral de Lebesgue de X com respeito a medida


P , o que significa que Z +∞
E(X) = X dP.
−∞
Convencidos de que a integral de Lebesgue é mais poderosa, em algum sentido, vamos a
ela. Para tanto precisamos desenvolver alguns pré-conceitos: σ-álgebras, funções mensuráveis e
medida.
2 σ-ÁLGEBRAS 3

2 σ-Álgebras
Dado um conjunto X não vazio queremos definir uma famı́lia de subconjuntos de X que são
“bem comportados”. Isto significa que esta famı́lia é fechada segundo o complemento e uniões
enumeráveis.

Definição 2.1. Uma famı́lia AX de subconjuntos de X é uma σ-álgebra se

(i) se A ∈ AX , então Ac ∈ AX ;
S
(ii) se {An }n∈N é uma sequência em AX , então n∈N An ∈ AX .

O par (X, AX ) é chamado espaço mensurável e os elementos da famı́lia AX , conjuntos


mensuráveis.

Observe que combinando os itens (i) e (ii) anteriores e a lei de deMorgan, concluı́mos que
σ-álgebras também são fechadas pela interseção enumerável. Mais ainda, se AX é σ-álgebra,
então ∅ ∈ AX e X ∈ AX , pois se A ∈ AX temos ∅ = A ∩ Ac e X = A ∪ Ac são conjuntos
mensuráveis. Para nos familiarizarmos a este conceito vejamos alguns exemplos.

Exemplo 2.2. Dado um conjunto X temos que A1X = {∅, X} e A2X = P (X) (o conjunto das
partes de X) são σ-álgebras.

Exemplo 2.3. Seja X um conjunto não enumerável. A famı́lia

AX := {A ⊂ X : A é enumerável ou Ac é enumerável}

é uma σ-álgebra, chamada a σ-álgebra dos conjuntos enumeráveis ou coenumeráveis.

De fato, para mostrarmos (i), seja A ∈ AX , temos duas opções, A é enumerável ou Ac é


enumerável. Se A é enumerável, então (Ac )c é enumerável, logo Ac ∈ AX . Entretanto, caso Ac
é enumerável, note que ((Ac )c )c é enumerável, logo (Ac )c ∈ AS c
X . De qualquer maneira A ∈ AX .

Já o item (ii), se {An }n∈N é umaSsequência em AX , então n=1 An ∈ AX se An é enumerável

para todo n ∈ N, já que neste caso n=1 An é enumerável. Se SAn0 é tal que Acn0 é enumerável,
então ( n=1 An )c = ∞
S∞ T c c ∞
n=1 An ⊂ An0 é enumerável e portanto, n=1 An ∈ AX .

Exemplo 2.4. SejaX um conjunto qualquer. Existe uma única σ-álgebra (a menor delas), AE
que está contida em qualquer outra que também contiver E, uma famı́lia de subconjuntos de X
pré-fixada.
De fato, consideremos a seguintes coleção

ΣE = {A : A é σ-álgebra contendo E},

que, definitivamente, é não vazia (P (X) ∈ ΣE ) e definimos


\
AE = A.
A∈ΣAE

Note que AE é não vazia, pois E ∈ AE . Se AE é uma σ-álgebra tal que se A0E é outra com a
propriedade de conter E e contida em AE , claramente, satisfaz AE = A0E .
2 σ-ÁLGEBRAS 4

Neste último exemplo a σ-álgebra AE é chamada σ-álgebra gerada por E e nos permite
concluir o lema a seguir.

Lema 2.5. Se E ⊂ AX então, AE ⊂ AX .

Demonstração. Sabemos que AX é uma σ-álgebra que contém E e AE é a menor σ-álgebra


que contém E, portanto, AE ⊂ AX .

A próxima definição, σ-álgebra de Borel, será importante nas nossas discussões.

Definição 2.6. Seja (M, d) um espaço métrico. A σ-álgebra BM gerada pela famı́lia de abertos
de M é chamada σ-álgebra de Borel em M . Seus elementos são chamados conjuntos de Borel.

Em particular, quando M = R temos a σ-álgebra de Borel em R, BR , gerada por todos os


intervalos abertos. Ela pode ser gerada de várias maneiras diferentes:

Proposição 2.7. A σ-álgebra de Borel da reta BR é gerada por qualquer um dos seguintes
conjuntos:

(i) o conjunto dos intervalos abertos: E1 = {(a, b) : a, b ∈ R e a < b};

(ii) o conjunto dos intervalos fechados: E2 = {[a, b] : a, b ∈ R e a < b};

(iii) o conjunto dos intervalos semiabertos: E3 = {(a, b] : a < b} ou E4 = {[a, b) : a < b};

(iv) o conjunto dos raios abertos: E5 = {(a, ∞) : a ∈ R} ou E6 = {(−∞, a) : a ∈ R};

(v) o conjunto dos raios fechados: E7 = {[a, ∞) : a ∈ R} ou E8 = {(−∞, a] : a ∈ R}.

Demonstração. Os elementos de Ej para j 6= 3, 4 são abertos ou fechados; os elementos de


E3 e E4 são interseções enumeráveis de abertos (por exemplo, [a, b) = n∈nat (a − n1 , b)). Todos
T
estes conjuntos são conjuntos de Borel, logo pelo Lema 2.5, segue que AEj ⊂ BR . Por outro lado,
todo conjunto aberto em R é uma união enumerável de intervalos, logo novamente pelo Lema
2.5 temos que BR ⊂ AE1 . Similarmente prova-se que BR ⊂ S AEj para j ≥ 2 mostrando que todos
os intervalos abertos estão em AEj . Por exemplo, (a, b) ⊂ n∈N [a − n1 , b + n1 ] ∈ AE2 .

A partir da σ-álgebra de Borel em R podemos induzir uma σ-álgebra em R (a reta estendida)


que é chamada, convenientemente, de σ-álgebra de Borel estendida.

Exemplo 2.8. Relembramos que a reta estendida R é obtida através da adição à R de dois ele-
mentos (que NÃO são números). Assim, R não é um corpo e é escrito como R = R ∪ {+∞, −∞}.
Para cada conjunto de Borel E ∈ BR , sejam suas seguintes versões estendidas:

E 1 = E ∪ {−∞}; E 2 = E ∪ {+∞} e E 3 = E ∪ {−∞, +∞}.

Considere 
BR = E i : i = 1, 2, 3; E ∈ BR ∪ BR ,
esta σ-álgebra é chamada σ-álgebra de Borel estendida.

Outra forma de construirmos uma σ-álgebra em determinado conjunto é a seguinte.


2 σ-ÁLGEBRAS 5

Exemplo 2.9. Seja f : X → R. Definimos

AX = {f −1 (E) : E ∈ BR },

esta é a σ-álgebra induzida por f . E como consequência direta da definição, dado α ∈ R, temos
.
Aα = {x ∈ X : f (x) > α} ∈ AX ;
.
Bα = {x ∈ X : f (x) ≤ α} ∈ AX ;
.
Cα = {x ∈ X : f (x) ≥ α} ∈ AX ;
.
Dα = {x ∈ X : f (x) < α} ∈ AX .

Exemplo 2.10. Sejam f : X → Y e AX uma σ-álgebra de X. Então

M = {E ⊂ Y : f −1 (E) ∈ AX }

é uma σ-álgebra em Y .
Com efeito, dado E ∈ M, segue que E ⊂ Y e f −1 (E) ∈ AX . Claramente E c ⊂ Y . Além
disso, como a imagem inversa preserva complementar temos que f −1 (E c ) = f −1 (E)c ∈ AX por
ser σ-álgebra. Portanto E c ∈ M.
∞ ⊂ M, então f −1 (En ) ∈ M, como a imagem
S∞ dado {E
Agora, S∞n }n=1 inversa preserva união
f ( n=1 En ) = n=1 f (En ) ∈ An por ser σ-álgebra. Portanto ∞
−1 −1
S
n=1 n ∈ M.
E

E, ainda, podemos induzir uma σ-álgebra num produto cartesiano de conjuntos através da
σ-álgebra existente em cada componente do produto.

Exemplo 2.11. Sejam (X1 , AX1 ) e (X2 , AX2 ) dois espaços mensuráveis e X = X1 × X2 . Con-
sidere a famı́lia
σX := {πi−1 (A) : A ∈ AXi , i = 1, 2},
a σ-álgebra em X gerada por σX é chamada σ-álgebra produto e denotada por 2i=1 AXi .
N
3 FUNÇÕES MENSURÁVEIS 6

3 Funções mensuráveis
Dada uma função f : X −→ Y , como vimos, podemos construir uma boa famı́lia de sub-
conjuntos em seu domı́nio (uma σ-álgebra). Contudo se tivermos uma σ-álgebra previamente
definida em X podemos dizer quando uma função se “comporta bem”diante dela.

Definição 3.1. Sejam (X, AX ) e (Y, AY ) espaços mensuráveis. Uma função f : X → Y é dita
(AX , AY )-mensurável quando f −1 (E) ∈ AX para todo E ∈ AY .

A definição nos diz que uma função é mensurável se a imagem inversa de cada elemento da
σ-álgebra de Y é um elemento da σ-álgebra de X.
Se (X, AX ) é um espaço mensurável, simplesmente, diremos que uma função real f em X é
AX -mensurável ou apenas mensurável, se tal função é (AX , BR )-mensurável. Em particular, se
f : R → R é (BR , BR )-mensurável chamaremos de Borel mensurável.

Proposição 3.2. Se AY é gerado por E, então f : X → Y é (AX , AY )-mensurável se, e somente


se, f −1 (E) ∈ AX para todo E ∈ E.

Demonstração. Por hipótese f : X → Y é (AX , AY )-mensurável, assim f −1 (E) ∈ AX para


todo E ∈ AY , como AY é gerado por E segue que E ⊂ AY , logo f −1 (E) ∈ AX para todo E ∈ E.
.
Reciprocamente, M = {E ⊂ Y : f −1 (E) ∈ AX } é uma σ-álgebra (exemplo 2.10), mais ainda
M contém E e portanto contém AY .

Corolário 3.3. Se X e Y são espaços métricos (ou topológicos) cada f : X → Y contı́nua é


(BX , BY )-mensurável.

Demonstração. A demonstração segue do seguinte fato: f é contı́nua se, e somente se, f −1 (U )


é aberta em X para todo aberto U em Y . 

Desta forma, no caso em que Y = R, de acordo com as proposições 2.7 e 3.2, uma função
f : X → R é mensurável se para todo α ∈ R

f −1 ((α, ∞)) = {x ∈ X : f (x) > α} ∈ AX .

Claramente no exemplo 2.9 f é mensurável. Na verdade, a σ-álgebra induzida por f é cons-


truı́da de forma a f ser mensurável.
Os exemplos abaixo mostram que as funções que consideremos “boas”até este momento da
gruaduação são, de fato, “boas”.

Exemplo 3.4. Funções constantes são mensuráveis.


Se f : X −→ R é tal que f (x) = c, para algum c ∈ R. Fixe α ∈ R, pela proposição 3.2, basta
mostrar que f −1 ((α, ∞)) ∈ AX , note que

−1 ∅, se α ≥ c;
f ((α, ∞)) = {x ∈ X : f (x) > α} =
X, se α < c.

Portanto, f −1 ((α, ∞)) ∈ AX , α ∈ R.


3 FUNÇÕES MENSURÁVEIS 7

Exemplo 3.5. Funções caracterı́sticas, de qualquer elemento de uma σ-álgebra, são men-
suráveis.
Sejam (X, AX ) um espaço mensurável e E ∈ AX . A função caracterı́stica de E, χE : X → R,
é dada por

0, se x 6∈ E;
χE (x) =
1, se x ∈ E.
Dado α ∈ R observe que

 ∅, se α ≥ 1;
f −1 ((α, ∞)) = {x ∈ X : χE (x) > α} = E, se 0 ≤ α < 1;
X, se α < 0.

Em qualquer caso f −1 ((α, ∞)) ∈ AX .


Exemplo 3.6. Um caso particular do exemplo anterior é a função de Dirichlet, a qual é Borel
mensurável, por ser a função caracterı́stica de Q.
Para justificarmos esta afirmação basta verificarmos que Q é um conjunto de Borel. De fato,
sendo Q enumerável basta verificarmos que o conjunto unitário formado por um ponto de R é
de Borel. A seguinte igualdade é suficiente para garantir que {a} ∈ BR ,
∞  
\ 1 1
{a} = a − ,a + , a ∈ R.
n n
n=1

Exemplo 3.7. Se f : R → R é monótona, então f é Borel mensurável.


Com efeito, suponha f : R → R monótona crescente. Seja a ∈ R, queremos mostrar que
f −1 ((a, ∞)) ∈ BR , para isto, basta mostrar que f −1 ((a, ∞)) é um intervalo. Dados x, y ∈
f −1 ((a, ∞)) com x ≤ y. Assim, dado z ∈ [x, y] temos que a ≤ f (x) ≤ f (z) então z ∈
f −1 ((a, ∞)), disto segue que [x, y] ⊂ f −1 ((a, ∞)), ou seja, f −1 ((a, ∞)) é um intervalo. Por-
tanto f é mensurável.
Exemplo 3.8. Se f : X → Y é (AX , AY )-mensurável e g : Y → Z é (AY , AZ )-mensurável,
então g ◦ f : X → Z é (AX , AZ )-mensurável.
De fato, por hipótese temos que f e g são mensuráveis, logo

f −1 (A) ∈ AX , para todo A ∈ AY e g −1 (B) ∈ AY , para todo B ∈ AZ .

Desta forma, obtemos que f −1 (g −1 (B)) ∈ AX , ∀ B ∈ AZ . Portanto g◦f é (AX , AZ )-mensurável.


Determinadas combinações algébricas de funções mensuráveis também são mensuráveis,
como veremos no seguinte resultado.
Proposição 3.9. Sejam (X, AX ) um espaço mensurável, f, g : X −→ R funções mensuráveis e
c ∈ R. São mensuráveis as seguintes funções: cf , f · g, f + g e |f |.
Demonstração. Se c = 0, então cf é identicamente nula e, portanto, mensurável. Caso
contrário, c > 0 ou c < 0. No primeiro caso, temos

Aα = {x ∈ X : (cf )(x) > α} = {x ∈ X : f (x) > α/c} ∈ BR , α ∈ R.

No caso remanescente temos

Aα = {x ∈ X : (cf )(x) > α} = {x ∈ X : f (x) < α/c}, α ∈ R.


3 FUNÇÕES MENSURÁVEIS 8

Assim, basta verificarmos que {x ∈ X : f (x) < α/c} = {x ∈ X : f (x) ≥ α/c}c ∈ BR , α ∈ R e,


de fato, isso ocorre pois
∞  
\ 1
{x ∈ X : f (x) ≥ β} = x ∈ X : f (x) > β − , β ∈ R.
n
n=1

A fim de mostrarmos que f + g é mensurável utilizaremos o seguinte decomposição de f + g.


Seja s : R × R −→ R dada por

s(a, b) := a + b, a, b ∈ R,

e (f, g) : X −→ R × R dada por

(f, g)(x) = (f (x), g(x)), x ∈ X.

Desta maneira temos f + g = s ◦ (f, g), onde s é Borel mensurável já que é uma contração fraca
e, consequentemente, contı́nua. Resta verificarmos que (f, g) é mensurável. Para tanto observe
que se A ∈ BR , então π1−1 (A) e π2−1 (A) são elementos geradores arbitrários da σ-álgebra produto
em R × R e
(f, g)−1 (π1−1 (A)) = f −1 (A) e (f, g)−1 (π2−1 (A)) = g −1 (A),
ou seja, (f, g)−1 (πi−1 (A)) ∈ AX , i = 1, 2, pois f e g são mensuráveis. Portanto, f + g é AX -
mensurável.
De maneira análoga mostra-se que f · g também é AX -mensurável. Finalmente, mostrar que
|f | é AX -mensurável fica a cargo do leitor. :-)
4 MEDIDAS 9

4 Medidas
O conceito de medida a ser desenvolvido aqui pode, de certa forma, ser visto como uma
generalização do nosso conceito de comprimento área, volume, etc., como veremos a seguir.

Definição 4.1. Seja (X, AX ) um espaço mensurável. Uma medida em (X, AX ) é uma função
µ : AX → [0, +∞] tal que:

(i) µ(∅) = 0;

(ii) Se {An }n∈N é uma sequência em AX , cujos elementos são dois a dois disjuntos, então
∞ ∞
!
[ X
µ An = µ(An ).
n=1 n=1

Se µ é uma medida em (X, AX ), então (X, AX , µ) é chamado espaço de medida.

Veja três definições sobre medida.

(i) Se µ(X) < ∞ dizemos que a medida é finita.

S∞
(ii) Se X = n=1 An , no qual An ∈ AX e µ(An ) < ∞, n ∈ N, dizemos que a medida é σ-finita.

(ii) Se para cada A ∈ AX com µ(A) = ∞ tal que existe F ∈ AX com F ⊂ A e 0 < µ(F ) < ∞,
dizemos que a medida é semifinita.

Proposição 4.2. Toda medida finita é σ-finita.

Demonstração. Dado A ∈ AX podemos decompor X da seguinte maneira: X = A ∪ Ac e


como µ(X) = µ(A ∪ Ac ) = µ(A) + µ(Ac ) < ∞ temos que µ(A) < ∞ e µ(Ac ) < ∞.

Proposição 4.3. Toda medida σ-finita é semifinita.

Demonstração. Suponha (X, AX , µ) um espaço de medida e µ é σ-finito. Se µ é finito, então


é semifinito por vacuidade.
S A ∈ AX com µ(A) = ∞. Como µ é σ-finito, existe uma coleção
Agora, suponha que exista
{Xn }n∈N ⊂ AX com X = n∈nat Xn e µ(Xn ) < ∞ para todo n. Então

[ ∞
X
∞ = µ(A) = µ(A ∩ X) = µ( (A ∩ Xn )) ≤ µ(A ∩ Xn )
n∈N n=0
P∞
logo, n=0 µ(A ∩ Xn ) = ∞.
Em particular, existe k ≥ 1 tal que µ(A ∩ Xn ) > 0. Assim,

0 < µ(A ∩ Xk ) ≤ µ(Xk ) < ∞,

então A ∩ Xk é um subconjunto mensurável de A com medida finita positiva. Por isso, µ é


semifinita.
4 MEDIDAS 10

Exemplo 4.4. Sejam X um conjunto não enumerável e AX a σ-álgebra

AX := {A ⊂ X : A é enumerável ou Ac é enumerável}.

A função µ : AX −→ [0, +∞] dada por



0, se A é enumerável;
µ(A) =
1, se Ac é enumerável.
é uma medida.
Exemplo 4.5. Sejam X um conjunto não vazio, p ∈ X, AX = P (X) e f : X −→ [0, +∞] a
função 
1, se x = p;
f (x) =
0, se x 6= p.
Neste caso µ : AX −→ [0, +∞] dada por
X
µ(E) = f (x)
x∈E

é uma medida chamada por ponto de massa ou medida de Dirac.


Exemplo 4.6. Considere o espaço mensurável (R, BR ). Mostraremos que existe uma medida µ,
chamada medida de Lebesgue, definida em BR cuja medida de intervalos limitados é dada pela
diferença entre o supremo e o ı́nfimo deste intervalo, ou seja,

µ((a, b)) = b − a.

Propriedades atreladas as relações entre conjuntos em noções de comprimento, área, volume,


etc., continuam válidas aqui como podemos ver na seguinte proposição.
Proposição 4.7. Seja (X, AX , µ) um espaço de medida.
(i) Se E, F ∈ AX e E ⊂ F , então µ(E) ≤ µ(F ). Adicionalmente, se µ(E) < ∞, então

µ(F \ E) = µ(F ) − µ(E).

(ii) (Subaditividade) Se {An }n é uma famı́lia enumerável de elementos de AX , então


∞ ∞
!
[ X
µ An ≤ µ(An ).
n=1 n=1

(iii) (Semicontinuidade inferior) Seja {En }n uma famı́lia enumerável de elementos de AX tal
que En ⊂ En+1 , n ∈ N. Tem-se

!
[
µ En = lim µ(En ).
n→∞
n=1

(iv) (Semicontinuidade superior) Seja {En }n uma famı́lia enumerável de elementos de AX tal
que En+1 ⊂ En , n ∈ N e µ(E1 ) < ∞. Tem-se

!
\
µ En = lim µ(En ).
n→∞
n=1
4 MEDIDAS 11

Demonstração.

(i) Se E ⊂ F , então F = E ∪ F − E e E ∩ (F − E) = ∅. Segue que

µ(F ) = µ(E) + µ(F − E) ≥ µ(E).

Agora, se µ(E) < ∞, então µ(F ) − µ(E) = µ(F − E).

(ii) Seja {En }n uma sequência em AX .


Defina F1 = E1 , F2 = E2 ∩ E1c (observe que F1 ∪ F2 = E1 ∪ E2 ) e
c
Fn = En ∩ ∪n−1 i=1 En , n ≥ 2.
S S
Desta maneira, {Fn }n é uma famı́lia de conjuntos disjuntos n∈N Fn = n∈N En . Assim,
∞ ∞
! !
[ [ X X
µ En = µ Fn = µ(Fn ) ≤ µ(En )
n∈N n∈N n=0 n=0

pois para cada n ∈ nat, Fn ⊂ En .

(iii) Chame E0 = ∅ temos



X
µ(∪∞
n=1 En ) = µ(∪∞
n=1 En − En−1 ) = µ(En − En−1 )
n=1
j
µ(En − En−1 ) = lim µ(∪jn=1 En )
X
= lim
j→∞ j→∞
n=1
= lim µ(Ej ).
j→∞

(iv) Seja Fj = E1 − Ej , j ∈ N. Daı́, E1 ⊃ E2 ⊃ ... ⊃ En ⊃ ... Por hipótese Fj ⊂ Fj+1 , j ∈ N,


assim

[ ∞
[ \∞
Fj = (E1 − Ej ) = E1 − Ej .
j=1 j=1 j=1

Pelo item anterior

lim µ(Fj ) = µ(∪∞ ∞ ∞


j=1 Fj ) = µ(E1 − ∩j=1 Ej ) = µ(E1 ) − µ(∩j=1 Ej ).
j→∞

Agora, µ(Fj ) = µ(E1 ) − µ(Ej ) e como µ(E1 ) < ∞. Por isso,

µ(E1 ) − lim µ(Ej ) = µ(E1 ) − µ(∩∞


j=1 Ej )
j→∞

implica limj→∞ µ(Ej ) = µ(∩∞


j=1 Ej ).
4 MEDIDAS 12

A primeira propriedade da proposição anterior nos garante que se (X, AX , µ) é um espaço


de medida e E ∈ AX é tal que µ(E) = 0, então todo F ⊂ E, com F ∈ AX , tem medida nula.
Contudo, pode acontecer de F 6∈ AX e para nos restringirmos aos casos onde isso não ocorre
diremos que µ é uma medida completa.

Definição 4.8. Uma medida cujo domı́nio contém todos os subconjuntos dos conjuntos de me-
dida nula é chamada medida completa.

Mesmo que estejamos manipulando um espaço de medida cuja a medida não seja completa
podemos estendê-la de maneira conveniente à um medida completa como na seguinte proposição.

Proposição 4.9. Seja (X, AX , µ) um espaço de medida. Existe uma σ-álgebra AX contendo
AX e uma única extensão µ da medida µ que é uma medida completa sobre AX .

Demonstração. Seja N = {A ∈ AX : µ(A) = 0} e defina

AX = {E ∪ F : E ∈ AX e F ⊂ A para algum A ∈ N }.

Claramente, AX ⊂ AX e AX é uma σ-ágebra, pois dado E ∪ F ∈ AX , podemos escrever


F ⊂ N para N ∈ AX e assumir que E ∩N = ∅. Pois E ∪F = E ∪(F −E) e F −E ⊂ N −E ∈ AX .
Assim,

E∪F = (E ∪ N ) ∩ (N c ∪ F )
= [(E ∪ N ) ∩ N c ] ∪ [(E ∪ N ) ∩ F ]
= (E ∩ N c ) ∪ F.

Logo, (E ∪ F )c = (E ∪ N )c ∪ (N c ∪ F )c , portanto E ∪ F ∈ AX .

Fechada por união enumerável.


Seja (En ∪ Fn )n∈N ⊂ AX , então En ∈ AX e Fn ⊂ An ∈ N , para todo n ∈ N, assim
[ [ [
(En ∪ Fn ) = En ∪ Fn ,
n∈N n∈N n∈N
S S S
note que n∈N Fn ⊂ n∈N An = A ∈ N . Portanto n∈N (En ∪ Fn ) ∈ AX .
.
Definimos µ(E ∪ F ) = µ(E), E ∪ F ∈ AX .

µ está bem definida.


Se E1 ∪ F1 = E2 ∪ F2 , então F1 ⊂ N1 e F2 ⊂ N2 . Logo, E1 ⊂ E2 ∪ N2 e E2 ⊂ E1 ∪ N1 e

µ(E1 ) ≤ µ(E2 ) e µ(E2 ) ≤ µ(E1 ).


4 MEDIDAS 13

4.1 Medida exterior e o Teorema de Carathéodory


Definição 4.10. Seja X 6= ∅. Uma medida exterior é uma função µ∗ : P (X) −→ [0, +∞]
satisfazendo:
(i) µ∗ (∅) = 0;
(ii) Se E ⊂ F , então µ∗ (E) ≤ µ∗ (F );
(iii) Se {An }n∈N é famı́lia enumerável em P (X), então
∞ ∞
!
[ X

µ An ≤ µ∗ (An ).
n=1 n=1

A noção de medida exterior é uma generalizaçã de ideia que temos, por exemplo, de apro-
ximação da área de determinada região no plano por retângulos que cobrem tal região. O seguinte
resultado nos permite formalizar tal ideia.
Proposição 4.11. Sejam A ⊂ P (X) e ρ : A −→ [0, +∞] tais que ∅, X ∈ A e ρ(∅) = 0. A
função µ∗ : P (X) −→ [0, +∞] definida por
 
X∞ ∞
[ 

µ (A) = inf ρ(Ej ) : A ⊂ Ej e Ej ∈ A, j ∈ N ,
 
j=1 j=1

é uma medida exterior.


Demonstração. Seja X ∈ A, para qualquer A ⊂ X existe {Ej }∞
j=1 ⊂ A tal que
[
A⊂ Ej (Ej = X, ∀j ∈ N).
j∈N

Fazendo, para cada j ∈ N, Ej = ∅, temos que µ∗ (∅) = 0. Além disso, µ∗ (A) ≤ µ∗ (B) para
A ⊂ B, pois o conjunto do ı́nfimo da definição de µ∗ (A) contém o conjunto da definição de
µ∗ (B).
Se {Aj }∞ ⊂ P (X) e ε > 0 para cada j existe {Ejk }∞ ⊂ A tal que Aj ⊂ ∞ k
S
P∞ j=1 k=1 k=1 Ej e
k ∗ −j
k=1 ρ(Ej ) ≤ µ (Aj ) + ε · 2 .
Todavia, temos que

[ ∞
[ X X
Aj ⊂ Ejk e ρ(Ejk ) ≤ µ∗ (Aj ) + ε.
j=1 j,k=1 j,k j

Concluı́mos que  

[ ∞
X
µ∗  Aj  ≤ µ∗ (Aj ) + ε.
j=1 j=1

Pela arbitrariedade do ε, concluı́mos o desejado.

Esta noção nos permite definir µ∗ - mensurabilidade cuja ideia fundamental é nos restringir
a conjuntos cuja medida exterior coincide com “medida exterior”, processo semelhante ao uti-
lizado na proposição anterior, para definir uma medida em potencial a determinado conjunto
por meio de aproximações exteriores, aproximando a medida de um conjunto por medidas de
conjuntos interiores a ele.
4 MEDIDAS 14

Definição 4.12. Seja µ∗ é uma medida exterior sobre um conjunto X. Um subconjunto A de


X é µ∗ -mensurável se

µ∗ (E) = µ∗ (E ∩ A) + µ∗ (E ∩ Ac ), E ⊂ X.

A partir dos conjuntos µ∗ -mensuráveis podemos definir uma σ-álgebra onde a restrição da
medida exterior é uma medida completa. Este é o conteúdo do seguinte resultado, em algumas
referências, chamado de Teorema de Carathéodory.

Teorema 4.13. (Teorema de Carathéodory). Se µ∗ uma medida exterior sobre um conjunto


X, então a coleção A dos conjuntos µ∗ -mensuráveis é uma σ-álgebra e µ∗ |A é uma medida
completa.

Demonstração. Dado A como no enunciado, vamos provar que é uma σ-álgebra. Primeira-
mente, A não é vazio pois ∅ é µ∗ -mensurável. Como a definição de conjuntos µ∗ -mensuráveis é
simétrica em relação a substituir A por Ac , temos que A é fechado pelo complementar. Por fim,
dados A, B ∈ A e E ⊂ X, temos

µ∗ (E) = µ∗ (E ∩ A) + µ∗ (E ∩ Ac )
= µ∗ (E ∩ A ∩ B) + µ∗ (E ∩ Ac ∩ B)
+ µ∗ (E ∩ A ∩ B c ) + µ∗ (E ∩ Ac ∩ B c )
≥ µ∗ (E ∩ (A ∪ B)) + µ∗ (E ∩ (A ∪ B)c ),

o que implica que A ∪ B é µ∗ -mensurável. A última desigualdade no desenvolvimento acima


segue do fato que E ∩ (A ∪ B) = (E ∩ A) ∪ (E ∩ B) e

E ∩ A = (E ∩ A ∩ B) ∪ (E ∩ A ∩ B c ),
E ∩ B = (E ∩ Ac ∩ B) ∪ (E ∩ A ∩ B c ),

de modo que

E ∩ (A ∪ B) ⊂ (E ∩ A ∩ B) ∪ (E ∩ A ∩ B c ) ∪ (E ∩ Ac ∩ B),

logo

µ∗ (E ∩ (A ∪ B)) ≤ µ∗ (E ∩ A ∩ B) + µ∗ (E ∩ Ac ∩ B) + µ∗ (E ∩ A ∩ B c ),

e do fato que E ∩ (A ∪ B)c = E ∩ Ac ∩ B c . Para provar que A é uma σ-álgebra, lembramos que já
sabemos que A é uma álgebra, basta considerar uniões
S enumeráveis Sdisjuntas. Seja {Ai }i∈N ⊂ A
uma sequência enumerável disjunta e denote Bn = ni=1 Ai e B = ∞ i=1 Ai ; note que como A é
uma álgebra, temos que cada Bn ∈ A. Para todo E ⊂ X temos

µ∗ (E ∩ Bn ) = µ∗ (E ∩ Bn ∩ An ) + µ∗ (E ∩ Bn ∩ Acn ) = µ∗ (E ∩ An ) + µ∗ (E ∩ Bn−1 ),

agora, por indução,


n
X

µ (E ∩ Bn ) = µ∗ (E ∩ Ai ).
i=1
4 MEDIDAS 15

Daı́,
n
X
∗ ∗ ∗
µ (E) = µ (E ∩ Bn ) + µ (E ∩ Bnc ) ≥ µ∗ (E ∩ Ai ) + µ∗ (E ∩ B c ).
i=1

Fazendo n → ∞, segue que


∞ ∞
!
X [
µ∗ (E) ≥ µ∗ (E ∩ Ai ) + µ∗ (E ∩ B c ) ≥ µ∗ (E ∩ Ai )) + µ∗ (E ∩ B c )
i=1 i=1

!! ∞
!c !
[ [
= µ∗ E∩ Ai + µ∗ E∩ Ai ,
i=1 i=1
S∞
logo i=1 Ai ∈ A.
Além disso, queremos provar que µ∗ |A é uma medida completa.
Seja {Ai }i∈N ⊂ A uma sequência enumerável disjunta como no argumento anterior. Na
última sequência de desigualdade, como
∞ ∞
!c !
X [
µ∗ (E) ≥ µ∗ (E ∩ Ai ) + µ∗ (E ∩ B c ) ≥ µ∗ E ∩ Ai ≥ µ∗ (E)
i=1 i=1

segue que todas as desigualdades são igualdades. Em particular,



X
µ∗ (E) = µ∗ (E ∩ Ai ) + µ∗ (E ∩ B c ).
i=1
S∞
Tomando E = i=1 Ai , segue que
∞ ∞
!
[ X

µ Ai = µ∗ (Ai ),
i=1 i=1

portanto µ∗ é uma mediada. Para verificar que ela é completa, seja µ∗ (A) = 0. Para qualquer
E ⊂ X temos
µ∗ (E) ≤ µ∗ (E ∩ A) + µ∗ (E ∩ Ac ) = µ∗ (E ∩ Ac ) ≤ µ∗ (E),
de modo que A ∈ A.

4.2 A medida de Lebesgue


Seja A a coleção dos intervalos abertos e limitados da reta e tal que ∅, R ∈ A. Considere a
função “comprimento” ` : A −→ [0, +∞] definida por `(∅) = 0 e dado I ∈ A

∞; se I não é limitado;
`(I) =
sup I − inf I; se I é limitado.
Neste caso, construindo m∗ : P (R) −→ [0, +∞] como na Proposição 4.11, ou seja,
 
X∞ ∞
[ 
m∗ (A) = inf `(Ij ) : A ⊂ Ij e Ij ∈ A, j ∈ N ,
 
j=1 j=1

então m∗ é a medida exterior de Lebesgue.


4 MEDIDAS 16

Definição 4.14. A restrição da medida exterior de Lebesgue à σ-álgebra dos conjuntos m∗ -


mensuráveis é chamada medida de Lebesgue.

Definição 4.15. A σ-álgebra dos conjuntos m∗ -mensuráveis (como na construção do Teorema


de Carathéodory) é chamada de σ-álgebra de Lebesgue.

A medida de Lebesgue goza de diversas propriedades discutidas a seguir. A partir de agora


quando fizermos referência a conjuntos que estão na σ-álgebra de Lebesgue diremos, simple-
mente, conjuntos mensuráveis.

1- Todo intervalo é mensurável e, portanto, a medida de Lesbesgue deles coincide com seu
comprimento.

Para justificar esta afirmação basta

2- Qualquer conjunto enumerável tem medida nula.

3- A σ-álgebra de Lebesgue contém a σ-álgebra de Borel.

4- A translação de um conjunto mensurável é mensurável.

A próxima propriedade a ser explorada depende do seguinte conceito.

Definição 4.16. Dado um conjunto A mensurável, dizemos que determinada propriedade vale
quase sempre ou para quase todo ponto (q.t.p.) em A se tal propriedade vale para todo
x ∈ A exceto, possivelmente, em um subconjunto A0 de A tal que m(A0 ) = 0.

A Propriedade 5, a seguir, é também conhecida como Lema de Borel-Cantelli que em Teoria


de Probabilidades é um resultado acerca de sequência de eventos. De acordo com a Wikipédia
(eu não me responsabilizo por isso) “Se {En }n é uma sequência de eventos independentes cuja
a soma de probabilidades diverge do infinito, então a probabilidade de que infinitamente muitos
deles ocorram é 1”. Formalmente, o resultado diz o seguinte.
P∞
5- Seja {En }n uma coleção enumerável de conjuntos mensuráveis. Se n=1 m(En ) < ∞,
então todo ponto de R pertence a um número finito de elementos da famı́lia {En }n quase
sempre.

Como veremos nem todo subconjunto da reta é mensurável mas os que são mensuráveis
podem ser “aproximados” por determinadas classes de conjuntos que são definidas a seguir.

Definição 4.17. Um subconjunto de números reais é um Gδ - conjunto se ele é a interseção


de uma coleção enumerável de conjuntos abertos. E dizemos que um subconjunto de números
reais é um Fσ - conjunto se ele é a união enumerável de conjuntos fechados.
4 MEDIDAS 17

Observe que estas classes de subconjuntos da reta são, claramente, de conjuntos mensuráveis.
Além disso, todo conjunto aberto é um Gδ - conjunto enquanto que todo conjunto fechado é um
Fσ - conjunto. Desta maneira, conjuntos unitários, também, são Gδ - conjuntos e o complementar
de um Gδ - conjunto (pelas leis de De Morgan) é Fσ - conjunto.
Exemplo 4.18. O conjunto dos números irracionais é um Gδ -conjunto e o dos racionais Q não
é.
De fato, se I denota o conjunto dos números irracionais, então podemos escrevê-lo como a
seguinte interseção enumerável de abertos
\
I= {q}c .
q∈Q

Agora, se Q fosse um Gδ -conjunto, então poderı́amos escrevê-lo como a interseção de uma


T digamos {An }n , de abertos da reta. Consideremos uma enumeração {qn }n
famı́lia enumerável,
de Q. Como Q = n An ⊂ Am ⊂ R, m ∈ N, vemos que Am , e consequentemente Am \ {qm } é
denso em R e, adicionalmente, \
An \ {qn } = ∅.
n∈N
Assim, chegarı́amos a um absurdo uma vez que tal afirmativa contraria o Teorema de Categoria
de Baire que, em particular, diz que todo espaço métrico completo é um espaço de Baire, ou
seja, toda coleção enumerável de abertos que são denso tem interseção densa.
Os Gδ e Fσ -conjuntos nos dão uma caracterização de mensurabilidade na reta, como se segue.
Os dois primeiros itens são conhecidos como aproximação exterior por abertos e Gδ -conjuntos,
respectivamente. Enquanto que os dois últimos como aproximação interior por fechados e Fσ -
conjuntos, respectivamente.
Proposição 4.19. Seja E um subconjunto de números reais. As seguintes afirmações são equi-
valentes à mensurabilidade de E:
(i) Dado  > 0 existe um subconjunto aberto O contendo E tal que
m∗ (E c ∩ O) < ;

(ii) Existe um Gδ -conjunto G contendo E tal que


m∗ (E c ∩ G) = 0;

(iii) Dado  > 0 existe um subconjunto fechado F contido em E tal que


m∗ (E ∩ F c ) < ;

(iv) Existe um Fσ -conjunto F contido em E tal que


m∗ (E ∩ F c ) = 0.

O próximo resultado nos diz que conjuntosmensuráveis são “aproximadamente” uniões dis-
juntas de intervalos abertos. Formalmente, isto significa o seguinte.
Teorema 4.20. Seja E um conjunto mensurável com m(E) < ∞. Dado  > 0 existe uma
coleção {Ik }nk=1 de intervalos abertos e disjuntos tais que
m∗ (Oc ∩ E) + m∗ (E c ∩ O) < , onde O = ∪nk=1 Ik .
4 MEDIDAS 18

4.3 Conjuntos não-mensuráveis


Sabemos que a medida de Lebesgue é completa, portanto todo subconjunto de um conjunto
de medida nula será mensurável. Desta maneira, nossa busca por exemplos de conjuntos não
mensuráveis deve, necessariamente, acontecer em subconjuntos da reta que tenham a medida
exterior de Lebesgue positiva. E isto é conteúdo do próximo resultado.

Teorema 4.21. Qualquer conjunto de números reais tendo medida exterior de Lebesgue positiva
contém um subconjunto que não é mensurável.

Demonstração. Seja E ⊂ R tal que m∗ (E) > 0. Sem perda de generalidade podemos supor
que E é limitado.
O subconjunto de E não mensurável será construı́do via a seguinte relação de equivalência
em E: x ∼ y se, e somente se, x − y ∈ Q. Tal relação gera uma decomposição em subconjuntos
disjuntos de E via as classes de equivalêcia do quociente E/ ∼. Definimos CE o subconjunto
de E formado por um representante de classe de cada elemento de E/ ∼ (que é absolutamente
possı́vel pelo Axioma da Escolha). Este conjunto CE é um subconjunto de E não mensurável,
como mostraremos a seguir.

Exercı́cio 4.22. Todo conjunto de medida zero é enumerável?

Proposição 4.23. O conjunto de Cantor, C é não enumerável de medida zero.

Demonstração. O conjunto de Cantor C é dado pela interseção enumerável


\
C= ∞Cn
n=1

onde Cn é a união de 2n intervalos fechados disjuntos de comprimento 31n (fazer para n = 1, 2 e


3) tal que Cn+1 ⊂ Cn , n ∈ N. n
Observe que C é fechado (interseção de fechados), mensurável e m(C) ≤ m(Cn ) = 32 , n ∈
N
e portanto, m(C) = 0.
Mostremos que C não é enumerável.
Suponhamos que seja e consideremos cnn uma enumeração de seus elementos.
Temos c1 ∈ C1 = 0, 31 ∪ 23 , 1 . Seja F1 , o intervalo fechado que não contém c1 .
 

Agora, F1 é uma união disjunta de dois fechados e um deles não contém c2 seja F2 este
fechado.
Novamente, F2 é a união disjunta de intervalos fechados e um deles não contém c3 seja este
fechado F3 e sucessivamente, obtemos uma famı́lia de fechados {Fn }n tal que Fn+1 ⊂ Fn , n ∈ N
e Fn ⊂ Cn , n ∈ N com cn 6∈ Fn .
Pela propriedade da interseção finita,

\
Fn 6= ∅.
n=1
T∞
Seja x ∈ n=1 ⊂ C e x = cn0 para algum n0 ∈ nat. Assim cn0 ∈ Fn0 , o que é uma
contradição.

Exercı́cio 4.24. Todo conjunto mensurável é de Borel?


4 MEDIDAS 19

Para respondermos a questão usaremos a função de Cantor-Lebesgue, definida a seguir.


Uma função contı́nua, crescente definida em [0, 1] cuja derivada existe e é zero quase sempre.
Para cada k ∈ N seja Ok tal que Ck = Okc ∩ [0, 1], onde Ok é a união dos 2k − 1 intervalos
removidos durante os k estágios no processo de Cantor. Temos Ok ⊂ Ok+1 e

[
c
C = O ∩ [0, 1], onde O = .
k=1

1 2k−1
1- Para cada k, ϕ|Ok crescentebem cada intervalo dos 2k −1 que compõe Ok sendo , 2,
2k 2k
..., 2k
,
respectivamente.

2- ϕ : [0, 1] → R dada por ϕ(0) = 0 e ϕ(x) = sup{ϕ(t) : t ∈ O ∩ [0, x)}, x ∈ C − {0}.

Note que ϕ(1) = 1.

Proposição 4.25. A função de Cantor-Lebesgue é crescente, contı́nua, mapeia [0, 1] em [0, 1]


e é derivável em O.

Demonstração.

(i) ϕ é crescente em O;

(ii) Por continuidade sua estensão será crescente;

(iii) Mostremos que ϕ é contı́nua em C − {0, 1}.

Dado x0 6∈ Ok e x0 está entre dois interalos que formam Ok sejam ak e bk os limites superior
e inferior destes intervalos.
Temos ak < x0 < bk e ϕ(bk ) − ϕ(ak ) = 21k para k suficientemente grande temos,

lim ϕ(t) = ϕ(x0 ).


t→x0

Como exemplo de uma aplicação da teoria, sugerimos que leia o artigo [3], incluı́mos um
breve apêndice, descrevendo os estudos sobre tal artigo.

Proposição 4.26. A função ϕ : [0, 1] → [0, 2] dada por ψ(x) = ϕ(x) + x, x ∈ [0, 1] (ϕ função
de Cantor) é estritamente crescente, contı́nua e

(i) ψ(C) é mensurável com medida positiva;

(ii) existe m ⊂ C mensurável tal que ψ(m) é não mensurável.

Demonstração. Observe que se O = C c ∩ [0, 1], então [0, 1] = O ∪ C (disjunta). Como ψ é


injetora e ψ(0) = 0, ψ(1) = 2 temos [0, 2] = ψ(0) ∪ ψ(C).
Ainda, como ψ possui inversa contı́nua, ψ é uma aplicação aberta e fechada, portanto ψ(0)
é aberto e ψ(C) é fechado, ambos mensuráveis.
Mostremos que m(ψ(C)) = 1. Para tanto, mostraremos que m(ϕ(0)) = 1.
Seja {In }n a coleção de intervalos abertos e limitados retirados no processo de Cantor cuja
união é O.
4 MEDIDAS 20

Temos que para cada n ∈ N, ϕ|In = cn é constante. Assim, ψ(In ) = In + cn , n ∈ N e


l(ψ(In )) = l(In ) e a famı́lia {ψ(In )}n é disjunta. Logo,

X ∞
X
m(ψ(0)) = l(ψ(In )) = l(In ) = m(0) = 1.
n=1 n=1

Para mostrarmos (ii) observe que por ψ(C) ter medida positiva, o Teorema de Vitali ga-
rante a existência de M ⊂ ψ(C) não mensurável. Contudo ψ −1 (M ) ⊂ C que é mensurável e
ψ(ψ −1 (M )) = M.

Corolário 4.27. Existe um subconjunto que é mensurável, mas que não é Borel mensurável.

Seja N = ψ −1 (m) que é mensurável. Se N fosse um conjunto de Borel, então ψ(N ) = M


também o seria e portanto, mensurável.
Isto ocorre porque funções estritamente crescentes, contı́nuas, definidas em intervalos levam
conjuntos de Borel em Conjuntos de Borel.
De fato, se f é estritamente crescente e contı́nua implica em f −1 contı́nua, consequentemente
B Borel, então F (B) Borel.
Observe que {B : f (B) é Borel} é uma σ-álgebra contendo a σ-álgebra de Borel. Se B é
aberto, B = f (f −1 (B)) é Borel.
Quando definimos mensurabilidade no caso geral e nos restringimos a reta, mudamos suave-
mente a definição de mensurabilidade para excluı́rmos casos “inóspitos”. Pois com a definição
geral, por exemplo, temos casos de composição de funções boas e que não são mensuráveis.

Exemplo 4.28. Seja ψ : [0, 1] → [0, 2] dada por ψ(x) = ϕ(x) + x, onde ϕ é a função de Cantor.
Sabemos que existe M ⊂ C (conjunto de Cantor) mensurável (que não é Borel mensurável) tal
que ψ(M ) 6∈ LR .
Consideremos ψ −1 : [0, 2] → [0, 1], a qual é contı́nua e XM : [0, 1] → [0, 1] a função carac-
terı́stica de M que é Lebesgue LR -mensurável.
Agora, XM ◦ ψ −1 : [0, 2] → [0, 1] é tal que
−1 −1
XM ◦ ψ −1 1 1
 
2, ∞ = ψ XM 2 ,∞
= ψ(M ) 6∈ LR .

Portanto, XM ◦ ψ −1 não é LR -mensurável.

A partir de agora, quando nos referirmos a mensurabilidade de funções queremos dizer LR -


mensurabilidade. Ou seja, f : R → R é mensurável se

f −1 ((a, ∞)) ∈ LR , a ∈ R.

E para funções definidas num subconjunto da reta X ⊂ R, claramente f −1 (R) = X ∈ LR .


Análogo para a reta estendida, como já vimos.

Proposição 4.29. Uma função definida num subconjunto da reta mensurável é mensurável se,
e somente se, f −1 (A) é mensurável para todo aberto A ⊂ R.

Demonstração. Seja M ∈ LR e f : M → R. Se f −1 (A) ∈ LR para todo aberto A ⊂ R, então


dado a ∈ R, f −1 ((a, ∞)) ∈ LR e f é mensurável. Reciprocmente, assuma f mensurável e A ⊂ R
4 MEDIDAS 21

um aberto. Podemos escrever A como a união enumerável de intervalos abertos e disjuntos, ou


seja,

[
A= In , onde In = (an , bn ), n ∈ N.
n=1

Assim, para cada n, In = (−∞, bn ) ∩ (an , ∞) e


f −1 (A) = f −1 (∪∞ ∞
n=1 In ) = ∪n=1 (f
−1
(−∞, bn ) ∩ f −1 (an, ∞))
e portanto, f −1 (A) ∈ LR .
Proposição 4.30. Seja f : M → R mensurável. Se g = f em quase todo ponto, então g é
mensurável.
Demonstração. Seja A = {x ∈ M : f (x) 6= g(x)} temos que m(A) = 0 e dado α ∈ R
g −1 ((α, ∞)) = {x ∈ A : g(x) > α} ∪ {x ∈ M : f (x) > α} ∩ (M ∩ Ac ).
Como {x ∈ A : g(x) > α} ⊂ A ele é mensurável, e g −1 ((α, ∞)) é mensurável, de onde segue a
mensurabilidade de g.

Definição 4.31. Uma sequência de funções {fn }n com domı́nio X ⊂ R converge para f : X → R
em quase todo ponto se fn → f pontualmente em X, exceto (possivelmente) num subconjunto
de X de medida nula, ou seja, fn (x) → f (x), x ∈ X ∩ Ac , onde A ∈ LR e m(A) = 0.

Proposição 4.32. Seja {fn }n uma sequência de funções mensuráveis definida em X conver-
gindo para f : X → R em quase todo ponto. Neste caso, f é mensurável.
Demonstração. Seja A ⊂ X tal que fn (x) → f (x), x ∈ X ∩ Ac e m(A) = 0. Sabemos que f é
mensurável em X se, e somente se, é mensurável em X ∩ Ac . Então, sem perda de generalidade
podemos assumir que fn → f pontualmente em todo X.
Agora dado α ∈ R verifiquemos que
Aα = {x ∈ X : f (x) < c}
é mensurável. Observe que dados n e j ∈ N,
Ajn = x ∈ X : fj (x) < c − n1


é mensurável. Logo para todo k ∈ N ∞ Ajn é mensuráel.


T
 j=k

Consequentemente, ∞
S T∞ j
k,n=1 j=k An é mensurável.
Observe que esta união é {x ∈ X : f (x) < c}.
De fato, se x ∈ ∞
S T∞ j 1
k,n=1 j=k An então existem k e n tal que fj (x) < c − n , j ≥ k. Fazendo
j → ∞, temos f (x) < c − n1 < c.
Se x ∈ Aα , então dado n ∈ N, suficientemente grande, existe kn tal que fj (x) < c− n1 , j ≥ kn ,
logo

\
x∈ Ajn .
j=kn
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 22

5 Integração de Lebesgue
Este conceito de integração é definido via funções simples e para tanto precisamos definir
este conceito.

Definição 5.1. Uma função ϕ : X → R, X mensurável, é simples se sua imagem é uma con-
junto finito e ϕ é mensurável.

Exemplo 5.2. Toda função caracterı́stica de um mensurável é uma função simples (χR =
1.χR + 0.χR ).
Exemplo 5.3. Uma função é simples se, e somente se, é combinação linear de funções carac-
terı́sticas de conjuntos mensuráveis.
Sejam E1 , E2 , ..., En ∈ LR e c1 , c2 , ..., cn ∈ R, então ϕ : R → R dada por
n
X
ϕ(x) = ci χEi (x),
i=1

claramente tem a imagem como um conjunto finito. Reciprocamente, seja {c1 , c2 , ..., cn } =
Im(ϕ), então Ei = {x ∈ X : ϕ(x) = ci } é mensurável e ϕ(x) = ni=1 ci χEi .
P

Teorema 5.4. (Aproximação por funções simples). Seja f : E → R com E mensurável. Então,
f é mensurável se, e somente se, existe uma sequência de funções simples em E convergindo
pontualmente para f .
Demonstração. Dada qualquer f : E → R podemos decompor f como f = f+ − f− , onde
f+ (x) = sup{f (x), 0} e f− (x) = sup{−f (x), 0}, x ∈ E. Ainda |f | = f+ + f− , assim f + = |f |+f
2
e f − = |f |−f
2 . Assim, f é mensurável se, e somente se, f+ e f− o são.
Logo, sem perda de generalidade podemos assumir f não negativa. Basta verificarmos que se
f é mensurável existe uma sequência de funções simples conergindo para ela. Para cada n ∈ N
considere k = 0, 1, ..., n2n − 1 e a coleção de conjuntos mensuráveis
.
Ekn = {x ∈ E : k2−n < f (x) ≤ (k + 1)2−n }

e
n .
En2 n = {x ∈ E : f (x) ≥ n}.

n Pn2n −n
Para cada n, a famı́lia {Ekn }n2
k=0 é disjunta e ϕn (x) = k=0 k2 χEkn é mensurável tal que
0 ≤ f (x) − ϕn (x) ≤ 2−n . De onde segue o resultado.
Definimos o conceito de integração via a integral de funções simples, para tanto definimos a
integral de uma função simples não negativa
n
X
ϕ(x) = aj χEj , aj ≥ 0, j = 1, 2, ..., n
j=1

por
Z n
X
ϕ dm = aj m(Ej ).
j=1
R R Pn
Se A ∈ LR (é mensurável), então definimos A ϕ dm = ϕ.χA dm, sendo ϕ.χA = j=1 aj χEj ∩A .
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 23

Exemplo 5.5. A função de Dirichlet (que não é Riemann integrável)



1, se x ∈ Q,
χQ (x) =
0, se x 6∈ Q.
R
Claramente, χQ dm = m(Q) = 0.
Proposição 5.6. Sejam ϕ e ψ funções simples, não negativas.
R R
(i) Se c ≥ 0, então cϕ dm = c ϕ dm;
R R R
(ii) (ϕ + ψ) dm = ϕ dm + ψ dm;
R R
(iii) Se ϕ ≤ ψ, então ϕ dm ≤ ψ dm;
R
(iv) µ : LR → [0, ∞] dada por µ(A) = A ϕ dm é uma medida em LR .
Demonstração.
(i) Segue diretamente da definição.

(ii) Suponha ϕ e ψ dadas por (representação canônica)


n
X m
X
ϕ= aj χEj e ψ = bj Fj .
j=1 j=1

Para cada j ∈ {1, 2, ..., n} escrevemos


m
[
Ej = (Ej ∩ Fk ); j = 1, 2, ..., n
k=1

e
n
[
Fj = (Fj ∩ Ek ); j = 1, 2, ..., m
k=1
assim,
Z Z n
X m
X
ϕ+ ψ = aj µ(Ej ) + bk µ(Fj )
j=1 k=1
 
n m n n
!
X X X X
= aj µ(Ej ∩ E − k) + bk  µ(Fk ∩ Ek )
j=1 k=1 k=1 j=1
n X
X m
= (aj + bk )µ(Ej ∩ Fk ).
j=1 k=1
R R Pn Pm
Por outro lado, ϕ+ ψ= j=1 k=1 (aj + bk )µ(Ej ∩ Fk ) pois
n X
X m
ϕ+ψ = (aj + bk )χ(Ej ∩Fk ) .
j=1 k=1
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 24

(iii) Se ϕ ≤ ψ, então aj ≤ bk sempre que Ej ∩ Ek 6= ∅, logo


Z n X
X m n X
X m Z
ϕ= aj µ(Ej ∩ Ek ) ≤ Bk µ(Ej ∩ Ek ) = ψ.
j=1 k=1 j=1 k=1

(iv) Se {Ai }∞
i=1 é uma sequência disjunta
Z Z n
X
ϕ dm = ϕχA dm = aj µ(Ej ∩ A)
A j=1
∞ X
X n ∞ Z
X
= aj µ(Ej ∩ Ai ) = ϕ.
i=1 j=1 i=1 Ai

Z Z
ϕ dm = ϕχφ dm = 0
φ

Definição 5.7. Escrevemos L+ para a coleção de funções mensuráveis e não negativas. A


integral de f ∈ L+ é dada por
Z Z
f dm = sup{ ϕ dm : 0 ≤ ϕ ≤ f, ϕ simples}.

R
Se f é simples, a proposição anterior garante que f dm coincide com a definição inicial. Se
m ∈ LR , então Z Z
f dm = f χm dm.
m

Proposição 5.8. Sejam f, g ∈ L+ e α, β ≥ 0.


R R R
(i) f + g dm = f dm + g dm;
R R
(ii) cf dm = c f dm;
R R
(iii) Se f ≤ g, então f dm ≤ g dm;

(iv) Se E, F ∈ LR e E ⊂ F, então
Z Z
f dm ≤ f dm.
E F

Demonstração. Note que (ii) segue diretamente da definição de integração. Já (iv), basta
observarmos que f · χE ≤ f · χF e de (iii) segue o resultado. Para demonstrarmos (i) e (ii)
fazemos uso do seguinte resultado a respeito de convergência.
Teorema 5.9. (Teorema da Convergência Monótona).
Se {fn }n é uma sequência crescente em L+ convergindo para f, então
Z Z
f dm = lim fn dm.
n→∞
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 25

Demonstração. Claramente f é mensurável e não negativa. Além disso,


Z Z Z
fn dm ≤ fn+1 dm ≤ f dm, n ∈ N

e Z Z
lim fn dm ≤ f dm.
n→∞

Mostremos a desigualdade contrária.


Seja ϕ simples tal que 0 ≤ ϕ ≤ f e 0 < α < 1, definimos

An := {x ∈ R : f (x) ≥ αϕ(x)}, n ∈ N.

A sequência {An }n é crescente em LR , ou seja, An ⊂ An+1 , n ∈ N, cuja união é R. Logo,


Z Z Z
αϕ dm ≤ fn dm ≤ fn dm, n ∈ N.
An An

Por outro lado, Z Z Z


n→∞
αϕ dm = α ϕ dm −→ α ϕ dm.
An An
R R R
Logo, α ϕ dm R ≤ limn→∞ fn dm
R e fazendo α → 1, temos ϕ dm ≤ limn→∞ fn dm. Como ϕ
é arbitrária, f dm ≤ limn→∞ fn dm.

Voltando a demonstração da proposição 5.8 (i) Sejam {ϕn }n e {ψn }n sequências simples,
crescentes tais que ϕn → f e ψn → g. Então, {ϕn + ψn }n é uma sequência monótona crescente
de funções simples convergindo para f + g, segue que
Z Z
(f + g) dm = lim (ϕn + ψn )dm
n→∞
Z Z
= f dm + g dm.

Análogo para (ii).


Corolário 5.10. (Convergência monótona). Se f ∈ mt então λ(E) =
R
E f dm é uma medida.
Lema 5.11. (Lema de Fatou).
R Troca de sinal de integração com série e f = 0 para quase todo
ponto, se e somente se, f dm = 0.

Definição 5.12. Escrevemos L = L(R, LR , m) (ou L = L(R, LR , m)) a coleção das funções
mensuráveis definidas em R (ou R) que tem as partes positivas e negativas

f + (x) = sup{f (x), 0} e f − (x) = sup{−f (x), 0}, x ∈ R∗

integráveis (integral finita).


Neste caso, definimos a integral de f como
Z Z Z
f dm = f + dm − f − dm

e se m ∈ LR Z Z Z
f dm = f +
dm − f − dm.
m m m
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 26

5.1 Propriedades
Para funções não negativas o conceito coincide e ser integrável significa ter integral finita.
Teorema 5.13. f ∈ L se, e somente se, |f | ∈ L.
Demonstração. Se f ∈ L, então f + e f − tem integrais finita e pela aditividade de integrais
para funções não negativas, sendo |f | = f + + f − , |f |+ = + − −
R f + + f − e |f | = 0 são R e |f |
R integráveis
é integrável. Reciprocamente, se |f | é integrável, então (f +f ) dm < ∞ e f + dm, f − dm
são finitas. Adicionalmente,
Z Z Z
f dm = f dm − f − dm
+

Z Z
< f + dm + f − dm
Z Z Z
+ −
= f dm + f dm = |f | dm.

R R R R
Teorema
R 5.14. Se f, g ∈ L e α ∈ R, então αf dm = α f dm e (f + g) dm = f dm +
g dm.
Demonstração. Se α = 0 não há nada a ser demonstrado. Se α > 0, então (αf )+ = αf + e
(αf )− = αf − , de onde segue a integrabilidade de αf. Agora se α < 0, então (αf )+ = −αf − e
(αf )− = −αf + e a integrabilidade de funções não negativas segue o resultado.
R A segunda propriedade segue do fato que se f, g ∈ L então |f |, |g| ∈ L, |f + g| ≤ |f | + |g| e
|f + g| dm < ∞. Logo, f + g ∈ L. Para mostrarmos a igualdade observe que

(f + g) = (f + + g + ) − (f − + g − )

eR se h = f1R− f2 ∈ L com
R f1 e f2 ∈ m+ , então h+ − h− = f1 − f2 , assim h+ + f2 = f1 + h− e
f1 dm − f2 dm = h. De onde segue o resultado.
Corolário 5.15. Se f ∈ L e m1 , m2 ∈ LR são disjuntos, então
Z Z Z
f dm = f dm + f dm.
m1 ∪m2 m1 m2

Como |f · χm1 | ≤ |f |, i = 1, 2, f · χi são integráveis e f · χm1 ∪m2 = f · χm1 + f · χm2 .


Teorema 5.16. (Teorema da convergência dominada). Seja {fn }n uma sequência de funções
em L convergindo quase sempre para f mensurável. Se existe g ∈ L tal que |fn | ≤ g, para todo
n ∈ N, então f é integrável e Z Z
f dm = lim fn dm.
n→∞

Demonstração. Como |f | ≤ g, |f | é integrável e portanto f é integrável. A sequência de


funções {g + fn }n é de funções não negativas e o lema de Fatou (lema 5.11) implica
Z Z Z
g dm + f dm ≤ lim inf (g + fn ) dm
Z Z
= g dm + lim inf fn dm
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 27

e Z Z
f dm ≤ lim inf fn dm.

Por outro lado, {g − fn }n também é uma sequência de funções não negativas e novamente o
lema de Fatou implica
Z Z
− f dm ≤ lim inf (−fn ) dm
Z
= lim inf − fn dm
Z
= − lim sup fn dm.
R R
Logo, f dm ≥ lim sup fn dm.

5.2 Relação entre a integral de Riemann e de Lebesgue


Teorema 5.17. Toda função mensurável e limitada em um conjunto de medida finita é in-
tegrável sobre ele.
Demonstração. Seja f : M → R mensurável e limitada, onde M ∈ LR tal que m(M ) < ∞.
Sem perda de generalidade podemos assumir f não negativa, pois sendo f limitada existe c ≥ 0
tal que |f | = f + + f − ≤ c. Assim, f + e f − são limitadas (e mensuráveis) se, e somente se, f +
e f − o são. Sendo assim, basta verificarmos que M f f m < ∞ e o resultado estará provado.
R

Observe que
Z Z Z 
f dm = f · χM dm = sup ϕ dm : 0 ≤ ϕ ≤ f · χM
M
Z 
≤ sup ϕ dm : 0 ≤ ϕ ≤ c · χM .

Agora se ϕ é uma função simples, não negativa, tal que ϕ ≤ c · χM , então


Z Z
ϕ dm ≤ c · χ dm = c · m(M ).
R
Portanto, M f dm < ∞ e f é integrável sobre M .

Para o próximo resultado onde estabelecemos a relação entre as integrais de Riemann e


Lebesgue precisamos do seguinte resultado auxiliar.
Lema 5.18. Sejam {ϕn }n e {ψn }n sequências de funções integráveis sobre M , crescente e
decrescente, respectivamente. Se f : M → R é tal que ϕn ≤ f ≤ ψn , n ∈ N e as sequências
{ϕn }n e {ψn }n satisfazem Z
lim (ψn − ϕn ) dm = 0,
n→∞ M

então f é integrável sobre M . Adicionalmente:


Z Z
f dm = lim ϕn dm
M n→∞ M

ou Z Z
f dm = lim ψn dm.
M n→∞ M
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 28

Demonstração. Sejam ϕ e ψ dadas por

ϕ(x) = lim ϕn (x) e ψ(x) = lim ψn (x), x ∈ M


n→∞ n→∞

as quais são funções mensuráveis de M em R.


Assim, a sequência {ψn − ϕn }n converge para ψ − ϕ, a qual é mensurável e não negativa.
Ainda, ψ − ϕ ≤ ψn − ϕn , n ∈ N pois sendo {ϕn }n decrescente ψ ≤ ψn , n ∈ N e sendo {ϕn }n
crescente, ϕ ≥ ϕn , n ∈ N.
Logo, Z Z
n→∞
0≤ (ψ − ϕ) dm ≤ (ψn − ϕn ) dm −→ 0
M M
R
e, portanto, M (ψ − ϕ) dm = 0 donde ψ = ϕ em quase todos os pontos.
n→∞
Consequentemente, ψn −→ f em quase todos os pontos (bem como ϕn → f ) e isso justifica
a mensurabilidade de f .
Também, ϕ ≤ f ≤ ψ e 0 ≤ f − ϕ1 ≤ ψ − ϕ1 ≤ ψ1 − ϕ1 como ϕ1 − ψ1 é integrável f − ϕ1
também o é e f ∈ L.
Finalmente,
Z Z  Z 
0 ≤ lim ψn dm − f dm = lim (ψn − f ) dm
n→∞ E E n→∞ E
Z 
≤ lim (ψn − ϕn ) dm = 0
n→∞ E

e
Z Z  Z 
0 ≤ lim f dm − ϕn dm = lim (f − ϕn ) dm
n→∞ E E n→∞
ZE 
≤ lim (ψn − ϕn ) dm = 0.
n→∞ E

Teorema 5.19. Seja f : [a, b] → R uma função limitada. Então, f é integrável no sentido de
Riemann se, e somente se, o conjunto dos pontos onde f é descontı́nua tem medida nula.

Demonstração. Suponha f Riemann integrável. Seja {Pn }n uma sequência de partições de


n→∞
[a, b] tal que Pn ⊂ Pn+1 , n ∈ N e |Pn | −→ 0. Para cada n, suponha a subdivisão de [a, b] em
mn intervalos {Iin }m n
i=1 e defina a sequência de funções simples

mn
X
ϕn = inf
n
f (x) · χIin
Ii
i=1

e
mn
X
ψn = sup f (x) · χIin , n ∈ N.
n
i=1 Ii

Observe que as sequências {ϕn }n e {φn }n de funções integráveis são crescente e decrescente,
respectivamente, tais que
ϕn ≤ f ≤ ψn , n ∈ N
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 29

e sendo,
Z mn
X
ϕ dm = inf
n
f (x) · m(Iin ) = L(f, Pn )a soma inferior de Riemann
Ii
i=1
e Z
ψn dm = U (f, pn )a soma superior de Riemann

temos Z
lim (ψn − ϕn ) dm = 0.
n→∞ [a,b]

Logo, o lema anterior nos garante que f é integrável e ψn é tal que ψn → f em quase todo
ponto.
Seja D o conjunto dos pontos onde a convergência ϕn (x) → f (x) ou ψn (x) → f (x) falha.
Temos m(D) = 0 e seja D0 = D ∪ {Pn }n , neste caso m(D0 ) = 0. Mostremos que D0 contém
os pontos de descontinuidade de f . Ou seja, que f é contı́nua em D0c ∩ [a, b]. De fato, seja
x0 ∈ Dc ∩ D0 e ε > 0. Como {ϕn (x0 )}n e {ψn (x0 )}n convergem para f (x0 ) seja n0 tal que

f (x0 ) − ε < ϕn0 (x0 ) ≤ f (x0 ) ≤ ψn0 (x0 ) < f (x0 ) + ϕ.

Como x0 6∈ Pn0 seja δ > 0 tal que (x0 − δ, x0 + δ) ⊂ Iin0 para algum i. Logo, |x − x0 | < δ
implica ϕn0 (x0 ) = ϕn0 (x) ≤ f (x) ≤ ψn0 (x0 ) = ψn0 (x) implicando |f (x) − f (x0 )| < ε e f é
contı́nua em x0 . Reciprocamente, nas notações iniciais da prova basta mostrarmos que
Z
lim (ψn − ϕn ) dm = 0. (5.1)
n→∞ [a,b]

Para tanto mostremos que ψn → f e ϕn → f em quase todo ponto, neste caso, o teorema da
convergência dominada garante 5.1. Mostremos que ϕn → f e ψn → f em C − ∪{Pn }n , onde C
é o conjunto dos pontos no qual f é contı́nua.
Sejam x0 ∈ C − ∪{Pn }n e ε > 0. Dado também δ > 0 tal que |x − x0 | < δ implica
ε
|f (x) − f (x0 )| <
2
e seja n0 tal que |Pn | < δ, n ≥ n0 e Iin que contém x0 . Neste caso, Iin ⊂ (x0 − δ, x0 + δ) e
ε ε
f (x0 ) − ≤ ϕn (x0 ) ≤ f (x0 ) ≤ ψn (x0 ) ≤ f (x0 ) +
2 2
ε
segue que 0 ≤ ψn (x0 ) − f (x0 ) ≤ 2 e 0 ≤ f (x0 ) − ϕn (x0 ) ≤ 2ε , de onde segue a convergência.

5.3 O Teorema de Lebesgue


Objetivo: Teorema de diferenciação de Lebesgue. Estabelecido em 1904 por Lebesgue que diz
que toda função contı́nua monótona é diferenciável quase sempre. Em aproximadamente 1911
estabeleceu a prova sem a hipótese de continuidade.

Lema 5.20. Sejam f : [a, b] → R e P = {a0 , a1 , ..., an } uma partição de [a, b]. Se F é um
subconjunto não vazio de {1, 2, ..., n}, A > 0, f (a) ≤ f (b) e

f (ak ) − f (ak−1 )
< −A, k ∈ S,
ak − ak−1
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 30

então,
n
!
X X
|f (ak ) − f (ak−1 )| > |f (b) − f (a)| + A (ak − ak−1 ) .
k=1 k∈S

Demonstração. Como f (a) ≤ f (b) temos


n
X
|f (b) − f (a)| = f (b) − f (a) = (f (ak ) − f (ak−1 ))
k=1
X X
= (f (ak ) − f (ak−1 )) + (f (ak ) − f (ak−1 ))
k∈S k6∈S
X X
< −A (ak − ak−1 ) + (f (ak ) − f (ak−1 )),
k∈S k6∈S

logo, X X
(f (ak ) − f (ak−1 )) > |f (b) − f (a)| + A (ak − ak−1 )
k6∈S k∈S

de onde segue o resultado.


Observação: Seja g = −f, então f (a) ≤ f (b) implica g(a) ≥ g(b),

g(ak ) − g(ak−1 )
> A, k ∈ S
ak − ak−1

e a condução permanece a mesma para g.

Lema 5.21. Seja E um subconjunto de (a, b) que não tem medida nula. Para toda coleção F de
subintervalos abertos de [a, b] cobrindo E, existe uma subcoleção finita e disjunta {I1 , I2 , ..., In }
tal que
n
X m(E)
|Ik | > .
3
k=1
S
Demonstração. Temos A = I∈FSI é aberto, então existe uma sequência de intervalos abertos
{(an , bn )}n disjuntos tais que A = n (an , bn ).
Como E ⊂ A, m(E) ≤ m(A), ou seja

X
(bn − an ) ≥ m(E).
n=1

Para cada n ∈ N, escolhemos a0n , b0n ∈ (an , bn ) tais que b0n − a0n = 43 (bn − an ). Assim, temos
∞ ∞
X 3X 3
(b0n − a0n ) = (bn − an ) ≥ m(E).
4 4
n=1 n=1

Para cada x ∈ [a0n , b0n ] ⊂ (an , bn ) existe Jx ∈ F tal que x ∈ Jx ⊂ (an , bn ) (caso contrário
{an , bn }n não seria disjunta).
Desta maneira, {Jx }x∈[a0n ,b0n ] é uma cobertura aberta para [a0n , b0n ] que é compacto. De onde
segue que existem n1 , n2 , ..., nk tais que Jn1 , Jn2 , ..., Jnk são elementos da cobertura aberta e
[a0n , b0n ] ⊂ ki=1 Jni .
S
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 31

Se algum Jni está contido na união dos anteriores, então podemos descartá-lo da coleção
finita que cobre [a0n , b0n ]. Sendo assim, a subcoleção finita {Jn1 , Jn2 , ..., Jnk } pode ser tomada
satisfazendo o seguinte:
Cada Jni contém um ponto xni tal que xni 6∈ Jnj e podemos assumir que xn1 < xn2 < ... <
xnk . Segue que {Jni }ni par e {Jni }ni ı́mpar são subcoleções de F finitas e
Pk
|J |
X X
|Jni | ou |Jni | > i=12 ni .
ni par ni ı́mpar

Seja Fn a coleção que satisfaz a desigualdade acima. Assim, temos

k
!
X X
|I| ≥ |Jni | /2 ≥ (b0n − an )/2.
I∈Fn i=1

Desta maneira, para cada n ∈ N, associamos a subcoleção finita Fn de F a qual satisfaz 5.2.
Logo, a famı́lia {Fn }n é tal que
∞ X ∞
X X 3
|I| ≥ (b0n − a0n )/2 ≥ m(E).
8
n=1 I∈J n=1

Consideremos uma enumeração {In }n de {Fn }n e



X 3
|In | ≥ m(E)
8
n=1

implicando que existe N suficientemente grande tal que


N
X m(E)
|In | ≥ .
3
n=1

Observação: Nas condições do lema anterior, substitua F cobrindo E por F cobrindo E − P .


Adicionalmente a F intervalos abertos suficientemente pequenos centrados em pontos de P e
usando o lema anterior podemos mostrar que existe uma subcoleção finita {I1 , I2 , ..., In } de F
tal que
N
X m(E)
|Ik | > .
4
k=1

Teorema 5.22. (Lebesgue). Se f é crescente em [a, b], então f 0 (x) existe para quase todo ponto
em [a, b].
Demonstração. Denotaremos por Df (x) e Df (x) os seguintes limites
f (x) − f (y)
Df (x) = lim sup
y→x x−y
e
f (x) − f (y)
Df (x) = lim inf .
y→x x−y
Claramente, Df (x) ≥ Df (x) para todo x ∈ [a, b] e quando Df (x) = Df (x), f 0 (x) existe.
Mostraremos que F := {x ∈ (a, b) : Df (x) > Df (x)} tem medida zero e F∞ := {x ∈ (a, b) :
Df (x) = ∞} também. Isto será feito em três passos.
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 32

(1) Podemos considerar F interseção o conjunto dos pontos de continuidade de f e, sem


perda de generalidade, mostrando que este conjunto tem medida zero o resultado estará
provado, pois toda função não decrescente em um intervalo fechado é contı́nua exceto,
possivelmente, num conjunto enumerável (o qual tem medida nula).
De fato, seja g : [0, 1] → R não decrescente. Seja
D := {x ∈ [0, 1] : g não é contı́nua em x},
então D pode ser caracterizado pelos pontos de [0, 1] tais que g(x) < g(x+ ). Logo, dado
x ∈ D, existe qx ∈ Q tal que g(x− ) < qx < g(x+ ).
Desta maneira, definimos h : D → Q com h(x) = qx .
Observe que se x < y, então g(x+ ) ≤ g(y − ) e h(x) 6= h(y). O que é suficiente para
garantir que h é injetora e, portanto, D é enumerável.

(2) A fim de mostrarmos, então, que


F : {x ∈ (a, b) : f é contı́nua em x e Df (x) > Df (x)}
tem medida zero, mostraremos que
Er,s := {x ∈ (a, b) : f é contı́nua em x e Df (x) > r > s > Df (x)}
S
tem medida zero para todo r, s ∈ Q, pois F = r,s∈Q Er,s .

(r−s) r+s
(3) Suponha que existam r, s ∈ Q tais que m(Er,s ) > 0. Sejam A = 2 , B = 2 e
g = f − Bx . Temos que A > 0 e Er,s pode ser caracterizado como
Er,s := {x ∈ (a, b) : g é contı́nua em x; Dg(x) > A e Dg(x) < −A}.
O conjunto
( n )
X
|g(xk ) − g(xk−1 )| : P = {x0 , x1 , ..., xn } partição de [a, b]
i=1

é limitado por f (b) − f (a) + B(b − a). Assim, existe um supremo para ele digamos S.
Desta maneira existe uma partição P de [a, b] tal que
n
X m(Er,s )A
|g(xk ) − g(xk−1 )| > S − .
4
k=1

Se x ∈ Er,s − P , então Dg(x) > A e Dg(x) < −A. Como g é contı́nua em x, existe um
intervalo aberto contendo x, (ax , bx ) ⊆ (xk−1 , xk ) para algum k. E

 < −A
g(xk ) − g(xk−1 ) 
ou
xk − xk−1 
> A.

Assim, F := {(ax , bx ) : x ∈ Er,s − P } é uma coleção de abertos cobrindo Er,s − P e pelo


Lema 5.18, existe uma subcoleção finita de F, I1 , I2 , ..., In tal que
n
X m(Er,s )
|Ik | > .
4
k=1
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 33

Agora seja Q = P ∪ {pontos finais de Ik0 s } = {y0 , y1 , ..., yq } para cada [xk−1 , xk ], Lema
5.20 implica X
|g(yi ) − g(yi−1 )| > |g(xk ) − g(xk−1 )| + ALk
yi ∈[xk−1 ,xk ]

no qual Lk é a soma dos comprimentos dos intervalos Ii ∈ [xk−1 , xk ]. Agora,

X X q
X
|gyi () − g(yi−1 )| = |g(yi ) − g(yi−1 )|
K yi ∈[xk−1 ,xk ] i=1

X N
X
> |g(xk ) − g(xk−1 )| + A |Fk |
k k=1
A · m(Er,s ) A · m(Er,s )
> s− +
4 4
= s.

Contradizendo a escolha de S.

Corolário 5.23. Se f é não decrescente em [a, b], então f 0 é integrável e


Z
f 0 ≤ f (b) − f (a).

Demonstração. Se f é não decrescente em [a, b], então f é mensurável e portanto

f (x + n1 ) − f (x)
gn (x) = 1
n

é mensurável para todo n ∈ N.


Além disso, {gn }n converge quase toda parte para f 0 (Teorema de diferenciação de Lebesgue).
Segue pelo Lema de Fatou que
Z Z
f 0 ≤ lim inf gn .
[a,b] n→∞ [a,b]

(4) F∞ tem medida nula.


Suponha que não, então m(F∞ ) > 0. Seja M > 0 arbitrário. Se x ∈ F∞ , então
Df (x) > M e existem ax , bx ∈ (a, b) tais que (ax , bx ) ⊂ (a, b) e

f (bx ) − f (ax )
> M.
bx − ax
Assim F = {(ax , bx ) : x ∈ F∞ } cobre F∞ e pelo Lema 5.21, existe uma subcoleção finita
de F, {I1 , I2 , ..., In } tal que
n
X m(F∞ )
|In | > .
3
i=1
5 INTEGRAÇÃO DE LEBESGUE 34

Sendo f crescente e Ii = (ai , bi )


n
X
f (b) − f (a) ≥ (f (bk ) − f (ak ))
k=1
Xn
> M · (bk − ak )
k=1
M
> m(F∞ ).
3
Como M é arbitrário, f (b) − f (a) = ∞ o que é um absurdo.
6 EXERCÍCIOS RESOLVIDOS 35

6 Exercı́cios resolvidos
Exercı́cio 6.1. Seja A uma álgebra sobre um conjunto X. Mostre que para todo A, B ∈
A, A ∩ B, A \ B, A 4 B ∈ A.

Solução:
i. A ∩ B ∈ A: Como A, B ∈ A temos que Ac , B c ∈ A. Logo, Ac ∪ B c ∈ A e, portanto,
A ∩ B = (Ac ∪ B c )c ∈ A.
ii. A \ B ∈ A: Utilizando que A, B c ∈ A, pelo item 1, temos que A \ B = A ∩ B c ∈ A.
iii. A 4 B ∈ A: Utilizando o item 2, temos que A \ B, B \ A ∈ A, então A 4 B =
(A \ B) ∪ (B \ A) ∈ A.

Pn6.2. Se µ1 , · · · , µn são medidas em (X, A) e a1 , · · · , an ∈ [0, ∞), então mostre


Exercı́cio
que µ = j=1 aj µj é uma medida em (X, A).

Solução:
Pn
• µ(∅) = j=1 aj µj (∅) = 0;

• Dado {Ai }∞
i=1 ⊂ A disjuntas. Então,

n
X n
X ∞
X ∞ X
X n ∞
X
µ(∪∞
i=1 Ai ) = aj µj (∪∞
i=1 Ai ) = aj µj (Ai ) = aj µj (Ai ) = µ(Ai ).
j=1 j=1 i=1 i=1 j=1 i=1

Portanto, µ é uma medida em (X, A).

Exercı́cio 6.3. Sejam (X, A, µ) é um espaço de medida e E, F ∈ A. Mostre que µ(E ∪ F ) +


µ(E ∩ F ) = µ(E) + µ(F ), se µ(F \ E) < ∞.

Solução: Observando que E ∪ F = E ∪ (F \ E) e F = (F \ E) ∪ (F ∩ E), onde as uniões


são disjuntas, segue que µ(E ∪ F ) = µ(E) + µ(F \ E) e µ(F ) = µ(F \ E) + µ(F ∩ E). Logo,
µ(E ∪ F ) + µ(F \ E) + µ(F ∩ E) = µ(E) + µ(F \ E) + µ(F ). Portanto, como µ(F \ E) < ∞,
concluı́mos que µ(E ∪ F ) + µ(F ∩ E) = µ(E) + µ(F ).

Exercı́cio 6.4. Se (X, A, µ) é um espaço de medida e E ∈ A, defina µE (A) = µ(E ∩ A) para


A ∈ A. Mostre que µE é uma medida.

Solução:

• µE (∅) = µ(E ∩ ∅) = µ(∅) = 0;

• Dado {Ai }∞
i=1 ⊂ A disjuntas. Então,


X ∞
X
µE (∪∞
i=1 Ai ) = µ(E ∩ (∪∞
i=1 Ai )) = µ(∪∞
i=1 (E ∩ Ai )) = µ(E ∩ Ai ) = µE (Ai ).
i=1 i=1

Portanto, µE é uma medida.


6 EXERCÍCIOS RESOLVIDOS 36

Exercı́cio 6.5. Se µ∗ é uma medida exterior em X P e {Aj }∞


j=1 é uma sequência disjunta de
∗ ∗ ∞ ∞ ∗
conjuntos µ -mensuráveis, então µ (E ∩ (∪j=1 Aj )) = j=1 µ (E ∩ Aj ), para todo E ⊂ X.

Solução: Dado E ⊂ X temos que µ∗ (E) = µ∗ (E ∩ Aj ) + µ∗ (E ∩ Acj ), j = 1, 2, · · · . Mais


ainda, pelo Teorema de Carathéodory, ∪∞ ∗ ∗ ∗
j=1 Aj também é µ -mensurável, isto é, µ (E) = µ (E ∩
∞ ∗ ∞ c
(∪j=1 Aj )) + µ (E ∩ (∪j=1 Aj ) ). P∞ ∗
Precisamos mostrar que µ∗ (E ∩ (∪∞
j=1 Aj )) ≥

j=1 µ (E ∩ Aj ). Logo, defina B = ∪j=1 Aj
n
e Bn = ∪j=1 Aj , então Bn ⊂ B, para todo n ∈ N. O que implica que (Bn ∩ E) ⊂ (B ∩ E) e,
consequentemente, µ∗ (E ∩ Bn ) ≤ µ∗ (E ∩ B), para todo n ∈ N. Mais ainda, como Ak ∩ Ai 6= ∅,
i 6= k, temos que

µ∗ (E ∩ Bn ) = µ∗ ((E ∩ Bn ) ∩ An ) + µ∗ ((E ∩ Bn ) ∩ Acn ) = µ∗ (E ∩ An ) + µ∗ (E ∩ Bn−1 ).

Proceguindo como acima, para Bn−1 obtemos que µ∗ (E ∩Bn−1 ) = µ∗ (E ∩An−1P )+µ∗ (E ∩Bn−2 ).
Dessa forma, em n passos, concluı́mos que µ (E ∩ (∪j=1 Aj )) = µ (E ∩ Bn ) = nj=1 µ∗ (E ∩ Aj ).
∗ n ∗

P∞Utilizando que µ∗ (E ∩ Bn ) ≤ µ∗ (E ∩ B) e fazendo P∞ n → ∞ segue que µ∗ (E ∩ (∪∞


j=1 Aj )) ≥
µ ∗ (E ∩ A ) e, portanto, µ ∗ (E ∩ (∪∞ A )) = µ ∗ (E ∩ A ).
j=1 j j=1 j j=1 j

Exercı́cio 6.6. Se E ∈ L com 0 < m(E) < ∞, então para cada α < 1 existe A tal que
m(E ∩ A) > αm(A).

Solução: Por uma proposição anterior, temos que para  > 0 existe A = ∪ni=1 Ii tal que
m(A 4 E) < . Como A ∪ E = (A 4 E) ∪ (A ∩ E) então m(A ∩ E) = m(A ∪ E) − m(A 4 E) >
m(A ∪ E) − . Em particular, para  = m(A ∪ E) − αm(A) > 0 segue que m(A ∩ E) > αm(A).

Exercı́cio 6.7. Seja {fn }n∈N , fn : X → R, uma sequência de funções mensuráveis, então
{x ∈ X : existe limn→+∞ fn (x)} é um conjunto mensurável.

Solução: Seja E = {x ∈ X : existe limn→+∞ fn (x)} e defina f : E → R dada por f (x) =


limn→+∞ fn (x). Logo, como fn é mensurável, para todo n ∈ N, em E, f é limite de funções men-
suráveis e, portanto, f é mensurável em E. Disto segue que E = f −1 (R)∩E pertence a σ-álgebra.

Exercı́cio 6.8. Seja {fn }n∈N , fn : X → R, uma sequência de funções mensuráveis. Mostre que
os conjuntos

• A = {x ∈ X : fn (x) → +∞};

• B = {x ∈ X : fn (x) → −∞};

são mensuráveis.

Solução: Como para todo n ∈ N, fn é uma função mensurável e observando que A e B podem
ser escritos da seguintes formas:

• A = ∩+∞ −1
n=1 fn ((n, +∞)), e

• B = ∩+∞ −1
n=1 fn ((−∞, −n)),

concluı́mos que A e B pertencem a σ-álgebra.


6 EXERCÍCIOS RESOLVIDOS 37

Exercı́cio 6.9. Seja χE : X → R a função caracterı́stica de E. Mostre que χE é mensurável se,


e somente se, E pertence a σ-ágebra.
Solução: Suponhamos χE : X → R mensurável. Logo, segue imediatamente que E = χ−1 ({1})
pertence a σ-álgebra.
Reciprocamente, supondo que E pertence a σ-álgebra. Então, dado x ∈ R temos que

 ∅, se x > 1;
χ−1
E ([x, +∞)) = E, se 0 < x ≤ 1;
X, se x ≤ 0.

O que implica que χ−1


E ([x, +∞)) pertence a σ-álgebra para todo x ∈ R e, portanto, χE é
mensurável.

Exercı́cio 6.10. Considere X = R com a σ-álgebra de Borel e a medida de Lebesgue. Para


cada n ∈ N defina fn : R → [0, +∞] dada por
 1
n, x ∈ [0, n];
fn (x) =
0, caso contrário.

(a) Calcule limn→+∞ fn .


R
(b) Calcule limn→+∞ X fn dm.
Solução: (a) Observe que, para todo n ∈ N, 0 ≤ fn (x) ≤ n1 para todo x ∈ R, o que implica
que limn→+∞ fn (x) = 0, para todo x ∈ R.
(b) Como fn = n1 χ[0,n] ∈ L+ é uma função simples, temos que
Z
1
fn dm = m([0, n]) = 1, para todo n ∈ N.
X n
R
O que implica que limn→+∞ X fn dm = 1.

Exercı́cio 6.11. Seja X = [0, +∞) com a σ-álgebra de Borel a a medida de Lebesgue. Para
cada n ∈ N, fn : [0, ∞) → R dada por
 1
−n, x ∈ [n, 2n];
fn (x) =
0, caso contrário.

(a) Calcule limn→+∞ fn .


R
(b) Calcule limn→+∞ X fn dm.
(c) A sequência {fn } contradiz o lema de Fatou?
Solução: (a) Observe que, para todo n ∈ N, − n1 ≤ fn (x) ≤ 0 para todo x ∈ R, o que implica
que limn→+∞ fn (x) = 0, para todo x ∈ R.
+ − f − , onde f + ≡ 0 e f − = 1 χ +
R
(b) Temos que f n = fn n n n Rn [n,2n] . Logo, X fn dm = 0 e
− 1 −
R R
X fn dm = 1, para todo n ∈ N, o que implica que fn ∈ L e X fn dm = − X fn dm = −1, para
todo n ∈ N. R
Portanto, limn→+∞ X fn dm = −1.
(c) Não, pois {fn } não pertence à L+ .
6 EXERCÍCIOS RESOLVIDOS 38

Exercı́cio 6.12. Com as mesmas hipóteses do Teorema da convergência dominada mostre que
limn→+∞ |fn − f |dµ = 0.

Solução: Suponha que {fn }n∈N ⊂ L1 tal que fn → f q.s. e existe g ∈ RL+ ∩ L1 com |fR| ≤ g
q.s.. Logo, pelo Teorema da convergência dominada, temos que f ∈R L1 e R f = lim R n→+∞ fn .
R Mais ainda,
R como −(fRn − f ) R≤ |fn − f | ≤ (fn − f ) segue que f − fn = −(fn − f ) ≤
|fn − f | ≤ (fn − f ) = fn − f . O que implica que
Z Z Z Z  Z Z Z  Z Z
0 = f − f = lim f − fn ≤ lim |fn −f | ≤ lim fn − f = f − f = 0
n→+∞ n→+∞ n→+∞
R
e, portanto, limn→+∞ |fn − f | = 0.
7 APÊNDICE: O PROBLEMA DO JOGADOR 39

7 Apêndice: o problema do jogador


Como exemplo de uma aplicação da teoria da medida, sugerimos que leia o artigo [3], in-
cluı́mos neste apêndice, uma breve descrição dos estudos sobre tal artigo.

Nos cursos de cálculo estudamos que funções contı́nuas da reta na reta nem sempre são
deriváveis. Em cursos mais avançados de análise aprendemos que funções contı́nuas e monótonas
são sempre deriváveis em quase todo ponto (no sentido de Lebesgue), todavia o conjunto dos
pontos onde a função não é derivável pode ser relativamente grande.
O exemplo mais simples é a escada de Cantor, que é contı́nua, crescente, vale 0 em 0 e 1 em
1, mas tem derivada zero em quase todo ponto. Neste caso o conjunto dos pontos onde a função
não é derivável será denso e não enumerável apesar de ter medida zero.
A maioria das pessoas podem achar que são funções estranhas ou artificiais e que nunca
aparecem “na prática”. Este trabalho foi motivado querendo desmentir esta opinião.
A maioria das pessoas envolvidas com matemática sabem que uma função contı́nua nem
sempre é diferenciável. Aquelas com um conhecimento um pouco mais aprofundado sabem
também que uma função contı́nua e monótona é diferenciável em quase todos os pontos (a
menos de um conjunto de medida nula). O exemplo mais simples é a escada de Cantor, que é
contı́nua, crescente (mas não estritamente), vale 0 em 0 e 1 em 1, mas tem derivada zero em
quase todos os pontos.
Todavia, as pessoas tem em mente que tais funções são funções muito estranhas ou artificiais
e que não aparecem em problema elementares.
Neste trabalho mostraremos que é possı́vel, a partir de um problema simples, obter uma
função contı́nua, estritamente crescente, valendo 0 em 0 e 1 em 1, cuja a derivada existe e é zero
em quase todos os pontos.

O problema do jogador

Suponhamos que um jogador precisa de uma quantia a. Ao amanhecer para pagar seus
credores (mafiosos, que responderão com a morte a qualquer atraso no pagamento), mas ele
infelizmente não dispõe desta fortuna, mesmo depois dos mais desesperados esforços conseguiu
juntar apenas xa (e, infelizmente, x < 1). Sua única esperança é fazer seu dinheiro crescer
apostando no novo cassino da sua cidade, o cassino de Cantor.
Neste cassino, o freguês pode fazer aposta de qualquer valor e ganhando, recebe o dinheiro
apostado em dobro. A probabilidade de ganhar qualquer aposta é p, com p ∈ [0, 1]. Qual é a
probabilidade de sucesso deste jogador em função de x?
Suponhamos que um jogador precisa de uma quantia a, mas só dispõe do valor xa (0 < x < 1)
e sua única esperança é fazer seu dinheiro crescer apostando no novo cassino da sua cidade, o
cassino de Cantor. Neste cassino, o freguês pode fazer aposta de qualquer valor e ganhando,
recebe o dinheiro apostado em dobro com probabilidade de ganhar em qualquer aposta igual a
p ∈ (0, 1). Qual é a probabilidade de sucesso deste jogador em função de x?
A estratégia adotada pelo jogador é a seguinte: Quando ele tem menos de a/2 aposta tudo
e quando tem pelo menos a/2, aposta o suficiente para, ganhando, chegar a a imediatamente.
Assim, se fp (x) é a probabilidade de sucesso para um dado valor x (note que fp (0) = 0 e
fp (1) = 1) temos que:
7 APÊNDICE: O PROBLEMA DO JOGADOR 40

(i) Se 0 < x < 1/2 (xa < a/2) então ele aposta tudo e atinge o valor 2x < 1 com probablidade
p, ou seja, fp (x) = p · fp (2x);

(ii) Se 1/2 ≤ x < 1 então ele aposta um valor s = x − r tal que 2s + r = 1, o que resulta em
r = 2x − 1. Logo, ele atinge o valor 1 com probabilidade p ou ele perde e fica com o valor
r = 2x − 1 com probablidade 1 − p, ou seja, fp (x) = p + (1 − p) · fp (2x − 1).

Disto segue que a função fp (x) é definida implicitamente por



p · fp (2x), se x ≤ 1/2;
fp (x) =
p + (1 − p) · fp (2x − 1), se x ≥ 1/2.

Esta fórmula define uma função nos racionais diáticos (racionais na forma 2mn , onde m, n ∈
Z+ ), por exemplo, fp (3/4) = p + (1 − p)p, fp (1/2) = p e fp (1/4) = p2 .
Vamos mostrar que fp estende-se continuamente ao intervalo [0, 1], que fp (estendida) é
estritamente crescente e sua derivada é igual a zero sempre que estiver definida.
Considere a diferença entre dois racionais diáticos próximos:

p fp 2m+1 m
se m ≤ 2n−1 ;
(  
− fp 2n−1 ,
 
m+1 m n−1
fp − fp = n−1
 n−1

2n 2n (1 − p) fp m−2 2n−1
+1
− fp m−22n−1
, se m ≥ 2n−1 .

Vamos definir uma função auxiliar:

Definição 7.1. Seja F : N → N a função definida recursivamente por F (0) = 0, F (2m) = F (m)
e F (2m + 1) = 1 + F (m) para m ∈ N.

A partir da Definição 7.1 encontramos um método para calcular F (n) para qualquer n dado:
F (0) = 0, F (1) = 1 + F (0) = 1, F (2) = F (1) = 1, F (3) = 1 + F (1) = 2.
Juntando as fórmulas recursivas temos, por indução,
 
m+1 m
fp − fp n = pn−F (m) (1 − p)F (m) .
2n 2

Vamos enunciar alguns lemas para organizar nossas conclusões.

Lema 7.2. Seja p um número real com 0 < p ≤ 1/2. Existe uma única função contı́nua e
estritamente crescente fp : [0, 1] → [0, 1] com fp (0) = 0 e fp (1) = 1 satisfazendo a seguinte
identidade para quaisquer naturais m e n com m < 2n :
 
m+1 m
fp − fp = pn−F (m) (1 − p)F (m) .
2n 2n

Demonstração. A identidade acima define o valor de fp para os racionais diáticos:

m m−1
X
fp = pn−F (k) (1 − p)F (k) .
2n
k=0

Novamente pela identidade, temos que


 
m+1 m
0 < fp − fp ≤ (1 − p)n , (7.2)
2n 2n
7 APÊNDICE: O PROBLEMA DO JOGADOR 41

desta estimativa podemos concluir que existe uma forma de estender continuamente (e de ma-
neira única) a função fp no intervalo [0, 1]. Da equação 7.2, segue que fp é estritamente crescente
nos racionais diáticos, além disso, como o conjunto dos racionais diáticos é denso em R temos
que fp é estritamente crescente. 

A partir de agora usaremos a notação fp para nos referirmos à função construı́da no Lema
7.2. Observe que f 1 (x) = x.
2

A seguinte fórmula mais direta segue facilmente do lema anterior: se



X δn
x= , δn ∈ {0, 1},
2n
n=1

então

X Pn Pn
fp (x) = δn pn− j=1 δj (1 − p) j=1 δj .
n=1

Lema 7.3. A função fp satisfaz a identidade abaixo para todo x ∈ [0, 1] :



pfp (2x) , se x ≤ 1/2;
fp (x) =
p + (1 − p)fp (2x − 1) , se x ≥ 1/2.

Demonstração. Demonstramos a identidade acima para os racionais diáticos por indução no


expoente do denominador, a identidade vale para qualquer número real, pois fp é contı́nua. 

A derivada de fp

Nesta seção mostraremos que fp0 (x) = 0 sempre que esta derivada estiver definida, o que
ocorre para quase todo x ∈ [0, 1] (no sentido de medida de Lebesgue).

Teorema 7.4. Se x0 ∈ (0, 1) um ponto onde fp é derivável, então fp0 (x0 ) = 0.

Demonstração. Sejam d = fp0 (x0 ) e mn uma sequência de inteiros com m0 = 0 e mn+1 = 2mn
ou mn+1 = 2mn + 1 tal que m mn +1
2n ≤ x0 ≤ 2n .
n

Temos
fp ( m2nn+1 ) − fp ( m
2n )
n
d = lim m +1 m
n→∞ n
n − 2nn
2   m 
mn + 1 n
= lim 2n fp − fp .
n→∞ 2n 2n

Se definirmos

2p , se mn+1 = 2mn ,
cn =
2(1 − p) , se mn+1 = 2mn + 1,
REFERÊNCIAS 42

temos
    m 
mn + 1 n
2n
fp − fp = Πn−1
k=0 ck
2n 2n

donde

d = Π∞
k=0 ck .

Mas como ck alterna entre dois valores, ambos diferentes de 1, este produto infinito não pode
convergir a não ser tendendo para 0, e temos portanto d = 0. 
Como já mensionamos na introdução, é um teorema clássico que toda função crescente é
derivável em quase todo ponto, em particular, fp0 (x) = 0 para quase todo x.

Referências
[1] Folland, Gerald B., Real Analysis: Modern Techniques and Their Applications. John Wiley
& Sons, New York, EUA, 1999.

[2] Royden, H. L., Real Analysis. John Wiley & Sons, New York, EUA, 1968.

[3] Saldanha, N. C.; Svetlichny, G.; Moreira, C. G. T. A. O cassino de Cantor, Revista Ma-
temática Universitária número 28, p. 67-76, junho 2000.

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