Caderno de Jornalismo Esportivo
Caderno de Jornalismo Esportivo
Caderno de Jornalismo Esportivo
4ª Edição
DOI 10.11606/9788572052177
Vice-Reitor
Prof. Dr. Antônio Carlos Hernandes
Vice-Diretora
Profª. Drª. Brasilina Passarelli
Vice-Chefe
Prof. Dr. José de Paula Ramos Júnior
http://www.usp.br/cje/esportivo
C122m Caderno de jornalismo esportivo [recurso eletrônico] / Luciano Victor Barros Maluly
... [et al.] (Organizador.). 4. ed. - São Paulo: ECA-USP, 2018.
108 p.
ISBN 978-85-7205-217-7
DOI 10.11606/9788572052177
1. Jornalismo esportivo I. Maluly, Luciano Victor Barros
INTRODUÇÃO_______________________________________________________ 10
A PRIMEIRA DECEPÇÃO
Caio Servidio dos Santos__________________________________________________ 14
ÓDIO ÀS PIPAS
Clayton de Oliveira Luz__________________________________________________ 16
DIÁLOGO TRICOLOR
Eduardo Andrade Motta__________________________________________________ 20
VITÓRIA SEMPRE!
Eduardo Longoni_______________________________________________________ 21
O PODER DO “QUASE”
Fernanda dos Santos de Brito______________________________________________ 23
O PRIMEIRO CONTATO
Fernanda Mendes Souza_________________________________________________ 25
MINHA LUSA
Gabriel de Souza Azevedo Franco__________________________________________ 26
GUARATINGUETÁ
Lucas Fernandes Carvalho________________________________________________ 34
SENTIMENTO ALVIVERDE
Luiz Filipe Gonçalves Silva_______________________________________________ 38
LIBERTADOS
Nathalia Giannetti Vieira da Silva__________________________________________ 41
MEMÓRIAS
Roberta Silva de Loureiro ________________________________________________ 42
FRUSTRAÇÃO PALESTRINA
Stella Gracia Plena Sol Colacique___________________________________________ 43
ENFERMIDADES
iago Ruiz Nunes Número ______________________________________________ 45
A ENCARNAÇÃO DA CAMISA 9
omas Souza do Nascimento_____________________________________________ 46
GRITO SILENCIOSO
Walter Ferreira de Oliveira Neto__________________________________________ 48
MEU INÍCIO
Alissa Satomi Wada_____________________________________________________ 51
PING PONG
Arthur Issao Akamine____________________________________________________ 55
SÁBADO DE SOL
Beatriz de Souza Ribeiro_________________________________________________ 56
O MEU ESPORTE
Bruno Correia Fujita____________________________________________________ 61
HOBBY
Fabrizzio Lopes Giocondo Rossin___________________________________________ 63
RAQUEL
Fernanda Okano Pinto de Oliveira ________________________________________ 67
DEZ
Igor Aguiar Cirilo _______________________________________________________ 78
CLICK!
Isabella Salvini_________________________________________________________ 79
FORA D’ÁGUA
Leonardo Centenaro Ramos_______________________________________________ 84
QUE JOGO!
Rodrigo Gorga Cavero___________________________________________________ 90
O ESPORTE E AS MÁQUINAS
Vinícius A. Sayão_______________________________________________________ 92
REFERÊNCIAS_______________________________________________________ 93
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INTRODUÇÃO
Como o grupo era heterogêneo, com os inscritos sendo de diversos cursos, incluindo
os da terceira idade, foi fácil o entendimento da estrutura da disciplina. Assim, além das aulas
teóricas, convidamos esportistas, jornalistas e estudiosos do assunto para ministrar palestras dos
mais diversos temas. Além disso, planejamos outras atividades externas como visitas técnicas às
praças esportivas e produções de reportagens. Estava tudo explicado e chegava a hora de pautar
a primeira atividade, que seria a elaboração de crônicas sobre a infância esportiva.
Já as lembranças da infância são marcadas também pela paixão pelo futebol, principalmente
pela relação com os clubes de futebol, e também pelo amor ao esporte, exemplificado nas pequenas
histórias passadas em outros espaços, como a escola, a rua, a praia, entre outros.
Os editores
I. PAIXÃO PELO FUTEBOL
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UM CLÁSSICO DIFERENTE
Era um domingo chuvoso e eu estava em casa com minha família. Aquele dia tinha tudo
para ser mais um domingo igual aos outros: acorda tarde, almoça tarde, leva as cachorrinhas para
passear, assiste às vídeocassetadas e se desespera com aquela musiquinha do fim do Fantástico,
anunciando o começo de mais uma semana. Mas esse dia tinha um fator diferente, que confesso
que me marcou e por isso lembro dele. O jogo que ia passar na TV era um Santos x Palmeiras.
E, desde sempre lá em casa, esse clássico tem um sabor especial pois eu sou palmeirense fanático,
daqueles que sabem todo o elenco de trás pra frente; e meu pai é um santista não praticante, que
só sabe se o Santos jogou depois que eu falo pra ele o placar final. O fato é que ele, toda vez que
tem Santos x Palmeiras, gosta de tirar um sarro e falar que o Santos vai, não só ganhar, mas dar
um passeio. Nada mais que conversa de torcedor.
Pois bem, nesse dia fomos a um shopping no meio da estrada. Íamos ao cinema, ver
um filme, mas sem achar algum interessante, apenas almoçamos lá. Após comer no restaurante
lotado, demos aquela passeada pelos corredores, apenas vendo as vitrines cheias de vários
produtos e bugigangas. Passamos na frente de uma loja de eletrônicos, com várias televisões dos
mais diferentes tamanhos, mas todas sintonizadas na Vila Belmiro, local do jogo. Aquela mistura
de luzes e sons das mais potentes marcas e modelos me dava a sensação de estar na arquibancada
do estádio.
Chegando em casa o jogo já estava pra lá do segundo tempo, num empate em dois a
dois. Só mesmo depois do jogo que eu fui ver que o primeiro tempo já tinha sido sensacional,
com ataques de ambos os lados e ótima atuação de até então promessas do futebol nacional,
como Ganso e Neymar, que ainda não era conhecido como cai-cai. Sem falar do ápice da
primeira metade do jogo, que foram as dancinhas nas comemorações dos gols, com destaque
para o grande “Armeration”, protagonizado pelo lateral do Verdão, Pablo Armero, que não foi
um bom jogador, mas às vezes provocava alegrias e boas risadas.
Mas como esse jogo foi tão marcante, se você só viu uma parte do segundo tempo?
Então, parece uma coisa engraçada, mas esse dia é lembrado por mim até hoje por causa de um
gol e da minha reação a ele. E olha que nesse jogo teve gol pra dar e vender, foram 3 santistas e 4
palmeirenses. O gol que me marcou foi justamente o último, gol de Robert, aos 42 minutos do
segundo tempo, gol do Verdão. E foi lindo, um chute do meio da rua, pegando o goleiro Felipe
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adiantado, acho que nem o próprio Robert achava que ia entrar. Nessa hora, eu estava vendo o
jogo na sala e meu pai no quarto dele, mais dormindo do que vendo o jogo, na verdade. Quando
a bola entrou, eu gritei tanto que minha mãe que estava na cozinha se assustou e as cachorrinhas
que ficam do lado de fora da casa começaram a latir. O jogo não tinha tanta importância para a
competição em si, mas a emoção de gritar aquele gol foi como se eu tivesse vendo uma final de
Copa do Mundo. A primeira coisa que fiz foi sair correndo do sofá da sala e ir até meu pai pra
informar pra ele que o melhor time estava vencendo. O sinal da televisão do quarto dele estava
um pouco atrasado em relação ao da sala então, quando cheguei lá ainda tive o prazer em ver
aquele gol maravilhoso com meu pai contra o time dele. Ele respondeu com a velha resposta
clichê de que esse gol saiu só para dar mais emoção à partida, mas que o Santos ainda viraria
o marcador. Não virou, vitória do Verdão! Uma parte da casa comemorou! Depois do jogo e
nos dias seguintes a esse, eu fiz questão de assistir tudo que tratava desse jogo espetacular, de
gols, cavalinhos - não lembro se já existiam naquela época - até programas de debate, sempre
cutucando meu pai e mostrando quem realmente era o melhor time.
Nos últimos anos tiveram muitos jogos entre Palmeiras e Santos que ficaram marcados
na minha memória, pela importância que eles tinham para o campeonato. Mas esse de 2010 foi
o que mais me deu emoção, pois me mostrou um lado do meu pai que eu não esperava perceber
nele, o lado torcedor; e me fez ficar mais à vontade em tratar com ele um assunto que eu gosto
muito, além de provocar uma aproximação muito maior entre nós.
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A PRIMEIRA DECEPÇÃO
‘Nem tudo são rosas’ é uma expressão popular que pode ser aplicada nas nossas vidas.
Tenho certeza que, assim como eu, o leitor já teve inúmeras decepções no âmbito escolar,
acadêmico, amoroso, profissional e no esporte, e isso certamente não é diferente. Eu, como
apaixonado por futebol que sou desde a infância, sempre com a chuteira no pé e bola nas mãos,
pronto para jogar mais uma partida, seja na rua ou na escola, venho contar minha primeira
decepção no esporte e, quiçá, na vida.
Eu ficava fascinado quando via a seleção jogar nas eliminatórias, nos amistosos e,
principalmente, na Copa das Confederações daquele ano de 2005, em que me recordo com
clareza daquele magnífico quadrado mágico em ação. Kaká no ápice de sua carreira, com passes
e lançamentos geniais, Adriano Imperador e suas finalizações indefensáveis, Ronaldo fenômeno
e a sua frieza ímpar para fazer gols e, obviamente, não deixaria de lembrar do meu ídolo, naquela
época e até hoje, Ronaldinho Gaúcho. O que esse jogador, ou melhor, um artista, fazia na seleção
brasileira e no seu clube, Barcelona, era inacreditável, desde os dribles fantásticos e as cobranças
de falta de deixar incrédulo qualquer crítico, até os magníficos passes e chutes fora da área.
Quando chegou o ano de 2006, comprei a camisa oficial da seleção com o número
10 e o nome de Ronaldinho Gaúcho atrás, álbum, todas as revistas que haviam na banca e
muitos objetos dos quais nem me recordo mais. Mediante a todos esses fatos listados, as minhas
expectativas para a Copa do Mundo daquele ano eram as maiores possíveis e, nada diferente do
hexacampeonato seria aceito por mim, e nem pela minha mãe, pois como o leitor pôde perceber,
com todos esses gastos, meu fanatismo acabou com a poupança da família.
um oponente campeão mundial, a França, com seus destaques ierry Henry e Zinedine
Zidane.
Diferente dos outros dias de jogos da seleção, a minha família inteira se reuniu para fazer
aquele clássico churrasco em casa, já que o jogo se deu em um sábado e todos estávamos de folga.
O cenário antes do jogo parecia de um comercial de televisão: todos felizes, adultos bebendo e
preparando as carnes, eu e meu primo jogando bola e brincando. Enfim, todos tínhamos uma
única certeza: a vitória viria.
O jogo começou e toda aquela festa foi substituída por aflição e ansiedade. Em minha
cabeça, surgiam inúmeras perguntas: Quando o quadrado mágico faria aquela jogada magnífica
que eles sempre fazem? Onde foi parar a genialidade de Ronaldinho Gaúcho? Por que os chutes
de Ronaldo Fenômeno não entram no gol? Em meio a esse cenário de dúvidas, acabou o
primeiro tempo e nada de gols.
O árbitro apitou o início da segunda etapa e, dessa vez, não tive tempo de sentir medo,
nervoso ou qualquer outra sensação de ansiedade, pois o que estava por vir seria pior. Aos 12
minutos, na cobrança de falta de Zidane, Henry apareceu livre dentro da pequena área para
desmoronar toda a minha expectativa e alegria: 1 a 0 para a França.
Para o Brasil, restavam apenas alguns minutos para reverter o cenário. Minha família
ainda acreditava em um milagre. Por serem adultos e por toda a vivência que já tiveram, com
certeza já viram situações piores serem mudadas, mas, eu estava muito triste. O tempo passava e
os meus ídolos pareciam estar entregues, sem genialidade, sem talento e sem a alegria que tanto
fez eu adorar aquela seleção.
O apito final do árbitro acabou com toda a exaltação da minha família que antecedia
ao jogo. O Brasil estava eliminado da Copa do Mundo daquele ano. Eu não me contive. Toda
a decepção e tristeza foram convertidas em um choro inocente de criança. Minha mãe ficou
irritada com essa situação, pois sempre disse que futebol não é uma coisa séria e chorar por um
jogo é errado. Meu pai, talvez por se recordar do fracasso da seleção de 1982, se viu na obrigação
de me consolar e explicar para mim que derrotas fazem parte do futebol, do esporte e da vida.
À noite, passadas algumas horas após o jogo, me lembro muito bem de meus pais me
levando para tomar sorvete, algo que eu tanto gostava e me fazia feliz, na tentativa de me animar.
E conseguiram. Percebi que na verdade havia muitas coisas, além do quadrado mágico, que me
traziam felicidade e, finalmente, eu entendi: aquela não seria a última frustração da minha vida,
o futebol ainda me traria muitas amargas decepções e, nem sempre, meus sonhos se tornariam
realidade. O mais importante era saber como superaria esses fatos amargos da vida e, naquele
dia, eu consegui, com um mero sorvete de chocolate em família. Da minha primeira decepção,
surgiu uma das maiores lições que aprendi na vida.
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ÓDIO ÀS PIPAS
Acordo às 6 horas da manhã, ouvindo a Rádio Globo, que até hoje é o despertador da
minha amada vó Cida. Arrumo-me, tomo um café reforçado e vou pra catequese, por livre e
espontânea pressão. Terminada a catequese, passo na feira ao lado da igreja, compro um pastel e
um caldo de cana, e volto pra casa da Dona Cida, umas 11 horas, até chegar o momento que eu
tanto esperava...
Lembro-me de abrir o portão, sair, e passar na casa de cada amigo que eu tinha na vila.
Meu traje era incrível: uma chuteira de futsal da Dalponte, um meião, calção e uma camisa do
Palmeiras. Não posso esquecer-me de carregar uma bola embaixo dos braços sempre.
Reuni uns dez amigos, e partimos para o nosso campo particular, localizado na Rua
General Estilac Leal. Campo esse bem característico: as traves eram feitas de pedras que
achávamos na pracinha. As laterais eram as guias das calçadas. Os gandulas éramos nós mesmos,
quem chutava, buscava. Não tinha banco de reservas, mas sempre tinham um dois, três, que
ficavam de próximo.
A bola rolava. O foco não era fazer gol, mas sim conseguir reproduzir algum drible que
o Ronaldinho tinha feito recentemente. O gol, coitado, esse era mero coadjuvante dos rolinhos
e chapeuzinhos que aconteciam durante as partidas. O cenário era deslumbrante! Quase
perfeito.
Caíque, após receber do goleiro Bruno, dá um corte em César que passou seco tentando
roubar a bola, acertando um ótimo passe para Cauê, que após driblar o vagninho, encontrou-
me livre e em ótimas condições de receber a bola. Não titubeou. Lançou a pelota para que eu
corresse atrás. Corri. Alcancei. Vagninho, que tinha acabado de tomar um drible do Cauê,
tentou recompor na marcação, mas não foi o suficiente, do jeito que ele veio de garfo, eu servi-
lhe a sopa. Mais uma caneta para a conta dos dribles. Quase tudo tinha dado certo. O drible, o
trabalho em equipe... Como já disse, o cenário quase perfeito. Não fosse um objeto que planava
no ar e chamava a atenção de quase todas as crianças da minha idade.
O jogo foi interrompido. Mas não foi algo totalmente repentino. Algumas pessoas já
haviam dado sinais de que alguma coisa aconteceria em instantes. Alguns olhavam para o céu - e
chuva não era - estava um sol de rachar. Outros já nem ligavam pra bola. Vagninho, que acabara
de tomar uma bela caneta, sai correndo. Ao lado dele vai o Caique, e mais atrás o Cauê. Não
demora, todos saem de campo, restando apenas eu e o Cesinha decepcionados por não estarmos
jogando.
Uns dez minutos depois eles voltam, contentes, rindo, como se tivessem ganhado na
loteria. Talvez pra eles valessem a mesma coisa. O Caíque com uma pipa na mão, o Cauê com
uma lata de linha e o Vagninho com as mãos vazias, porém com um grande sorriso na cara.
Sem mais nem menos, o jogo havia terminado. A rua, que outrora parecia o Pacaembu, agora
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parecia um Pipódromo. A criançada fazia a festa, menos eu e o Cesinha, que preferíamos não
nos entregar aos encantos daquele maldito pedaço de papel voador, e esperar o dia seguinte até
o jogo novamente ser interrompido por ele.
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Começo essa crônica dizendo que se trata do momento em que um mero e singelo
adolescente “batizou-se” – ou foi batizado – como um “verdadeiro” palmeirense. Digo ainda
que esse mesmo adolescente não é o principal personagem dessa crônica, tão menos o seu pai, a
quem ele dedica, mas sim a razão de ser palmeirense. Pois bem, vamos a ela!
Então veio 2007 e foi quando meu padrinho de batismo, alvinegro de corpo e alma, disse
uma vez - na presença do meu pai – que me levaria ao estádio para ver o time da Globo, quero
dizer... o time do Parque São Jorge, e que eu certamente me juntaria a tão infame proclamada
“fiel torcida”. Esse fato certamente mexeu com Sr. Edem, afinal, entre santistas e corintianos
ele era o único palmeirense, justamente por influência de seu padrinho. Uma semana depois
estavam filho de Edem e ele próprio indo ao Palestra! Me lembro de todos os detalhes daquele
dia: desde a longa viagem de trem, do ingresso comprado com o cambista – pois é, teve isso
-, andar ao redor do Palestra e de, finalmente, entrar na arquibancada. Esse certamente foi o
melhor momento.
Pois bem, ouvindo o jogo pelo rádio compartilhando o fone com meu pai, vimos e
ouvimos os gols de Caio – que felicidade -, gol do time da Globo impedido ser validado, e
por fim gol de Gustavo – que felicidade maior ainda. Palmeiras 2 a 1 no Flamengo. Ritual de
batismo completo e mais um Palmeirense apaixonado.
DIÁLOGO TRICOLOR
Quem fala aqui sou eu. Ou melhor, é você, 10 anos mais novo. Sem querer pressionar,
mas espero que nosso São Paulo Futebol Clube esteja melhor na sua época. Eu, que até ano
passado só pensava em jogar bola, comecei a acompanhar nosso time esse ano, já que sempre
via meu (nosso?) irmão mais velho comemorando os títulos. E sinceramente: meus jogos na
quadrinha da escola são bem mais emocionantes do que aqueles que eu assisto na TV (mérito
meu, que gosto de futebol arte, diferente do retranqueiro do Muricy).
Mas eu preciso assumir uma coisa: ontem, dia 22 Abril, eu senti uma coisa diferente.
O SPFC estava perdendo por 1 a 0 no Morumba, pela Libertadores. Jogo horroroso, sem
criatividade. Mas daí meu (nosso?) herói, DaGOLberto, fez dois gols e virou a partida. De novo
- o jogo foi péssimo, o gol da virada do nosso time foi de costas numa bola mal recuada do
América de Cali - porém eu senti uma coisa diferente. Na hora da virada, alguma coisa explodiu
no meu peito. Eu nunca tinha sentido nada igual. Abracei o Di (nunca chame nosso irmão de
Diogo, não importa quantos anos você tenha) e gritei todos os palavrões que a mamãe não me
deixa falar. Foi demais.
O que você sentiu “ontem” (para mim já se passaram uns anos...) é mesmo uma sensação
difícil de descrever. Faz parte da magia do futebol: momentos de pura irracionalidade que
causam uma explosão de emoções. E vá se acostumando, porque sentirá isso por um bom tempo
ainda. Reverenciar ídolos como se fossem seus amigos íntimos, sofrer pelo seu clube, ir com a
cara de um estranho na rua unicamente por ele estar usando a camisa do seu time. Tudo isso
pertence ao universo surreal desse esporte maravilhoso, onde as pinturas são feitas com meião e
chuteira, onde os artistas literalmente sangram pela sua arte. Enfim, o futebol é fod... quer dizer,
é inexplicável.
Abraços!
VITÓRIA SEMPRE!
Eduardo Longoni
A tarde soteropolitana do dia sete de dezembro de 2014 era comum para a maioria dos
habitantes da cidade, mas não para aqueles que decidiram investir seu tempo e dinheiro em uma
paixão chamada futebol, mais especificamente: Esporte Clube Vitória. Era um jogo decisivo,
onde a derrota e, até mesmo, o empate significariam o rebaixamento do Clube para a série
B, o adversário era o Santos, aquele mesmo de Pelé, Coutinho e Neymar, mas que na ocasião
não brigava por mais nada e ainda tinha a vantagem de que se perdesse rebaixaria o seu rival
alviverde.
Depois desse intenso momento, volto à plateia e viro mais um no meio da imensidão
rubro-negra, e perdendo toda a minha individualidade acompanho o espetáculo apenas como
uma mínima parte de um grupo que se une para determinado fim. O jogo se inicia, os olhares
atentos dos torcedores seguem a bola como se não houvesse mais nada relevante no mundo à sua
volta e, por um instante, há a certeza de que o Vitória fará jus ao seu nome e ganhará. Uma bola
no travessão no meio da primeira etapa faz soar das arquibancadas um uníssono “uuuu”, mas se
o gol não viesse de nada adiantava tanto pressionar.
O segundo tempo começa do jeito que acabou o primeiro, nervoso e com o placar
inalterado. Aos poucos aquela euforia inicial vai se transformando em nervosismo e angústia,
o tempo se torna o maior inimigo de todos ali presentes. Agora faltavam 5 minutos, o time
de casa parecia um bando desordenado numa busca desesperada de um lance de sorte que
culminasse no ponto máximo do futebol, o gol, que acabaria com o sofrimento dos torcedores
e traria felicidade e euforia já perdidos há bastante tempo. Ele não vem e, para piorar, em um
contra-ataque rápido no fim do jogo o Santos, que pouco queria, dá o golpe de misericórdia na
esperança de todos que ali estavam.
Erram aqueles que acreditam que o vínculo com um time de futebol cresce ou se fortifica
em períodos de bonança, títulos e alegria geral. Naquele dia, com a derrota e o consequente
rebaixamento eu nunca me senti tão torcedor. A ligação com um clube se dá de maneira muito
mais intensa nos tempos de sofrimento e de derrotas. Uma relação é muito mais profunda e
sincera se não depender apenas de coisas boas para se sustentar. Já na saída do estádio todos
sabiam que esse ferimento causado pela derrota iria sarar e a esperança seria renovada para o
próximo ano, onde os fiéis torcedores, assim como autômatos, caminhariam para este mesmo
lugar para venerar este time e este esporte.
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O PODER DO “QUASE”
“Bola na trave não altera o placar”, a célebre frase cantada por Samuel Rosa realmente
faz todo sentido. Numa partida de futebol “ganhar” ou “perder” são verbos que dependem
instintivamente de um substantivo, o tão desejado “gol”.
A torcida fica lá, dedicando 90 minutos de sua vida na esperança do êxtase que dura em
média somente 30 segundos, então levanto a questão: seria esse o ápice de um jogo? Talvez para
os torcedores a resposta seja “sim”, mas para quem calça as chuteiras a resposta pode ser um tanto
“diferente”.
O ano era 2007, aos 12 anos jogava minha primeira partida de futebol no campeonato
de classes do colégio. No relógio, a marca dos minutos que antecedem o jogo. A parte da sala
que não entraria em campo estava nos esperando, afoita por nossa entrada.
No “cara e coroa” o time adversário conseguiu sair com a bola. Depois disso, por
um certo tempo a redonda sumiu, tentava acompanhar com rapidez seus movimentos de
zigue e zague entre os meiões e chuteiras, mas devo admitir que isso não era uma tarefa fácil.
Bola pra lá, bola pra cá, a torcida apaixonada ainda estava ali, só que agora seus gritos já não
eram mais tão fortes, na verdade quase imperceptíveis. Talvez o zero a zero do placar tivesse a
deixado sem tanta vontade de entoar “sexto B”.
Depois de algum tempo jogando, o calor também nos afetava e estava difícil manter o
ânimo do início da partida. Até que, com a visão quase impossibilitada pelo sol, meus olhos mal
podiam ver o que os pés acabavam de sentir: não sabia como ela foi parar lá, mas a bola estava
entre meus pés.
Neste momento, fui tomada pelo pensamento de “a hora é agora”, como em dias normais
quando lemos uma questão de prova e sabemos a resposta, sabia o que tinha que fazer.
Dominei a redonda, tentei correr e levá-la entre minhas chuteiras o mais rápido que
pude, vez por outra precisei desviar dos pés da zaga que incansavelmente não desistia de pegá-
la. Sei que qualquer indivíduo chamaria isso de “drible”, mas acho o termo ousado demais para
uma marinheira de primeira viagem.
Ainda insistindo na locução escolhida: desviei das zagueiras o mais rápido que pude.
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Tomada pela emoção, entrei na pequena área, mal conseguia acreditar que estava ali com a
redonda ainda me servindo de companhia.
A vontade de decidir o jogo me inundava novamente, claro que nessa hora o “quase”
não fazia parte do plano. Bem o inverso disso: era hora de “bater para o gol”!. Com toda a
potência que tinha nas pernas eu fiz, mas com tanta força que a torcida adormecida se ergueu.
Agora se ouvia “vai, vai, vai”. O momento cronologicamente rápido passava vagarosamente
na minha frente; como naqueles filmes de Hollywood, onde uma música pop conhecida toca e
todos acompanham a bola girar, girar, girar, gi… a bola ia em direção ao gol. Mal podia conter
a alegria, tentava também conter o grito de “gol”, a felicidade de ter “finalizado” ela estava lá,
cada vez mais perto.
Foi aí que, num passe de mágica, a magia acabou, a redonda parecia não
saber que já era branca e resolveu ‘tirar tinta da trave’, ironicamente de mesma cor.
Ainda assim, os gritos de “uh” e suspiros frustrados não tomaram conta de mim. Em vez disso,
a eternidade dos dois segundos anteriores havia me enfeitiçado, não sabia por qual motivo,
mas aquela sensação de esperar o ápice, a euforia que me invadiu enquanto esperava o “grande
momento” foi inexplicável.
Um pouco mais distante desta lembrança surge em minha mente o trecho de outra
canção também de Samuel Rosa “De vez em quando é bom, misturar o brasileiro com
alemão”. É seguindo seu conselho que invoco a literatura alemã nessas entrelinhas finais,
para convencer o torcedor que insistentemente ainda acha que o ápice do jogo é o gol.
Se estivesse no lugar de Fausto enquanto a bola percorria seu caminho em direção à rede, em
meio a toda aquela euforia, certamente teria sido levada por Mefistófoles, pois com toda certeza
diria “ Oh! Para enfim – és tão formoso!”.
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O PRIMEIRO CONTATO
Fernanda Mendes Souza
O fato de torcer para um time do Rio de Janeiro e morar em São Paulo me fez crescer
sem o contato direto do futebol: Sem ir ao estádio com o meu pai para ver os jogos, sem ouvir
os meus amigos me zoando porque meu time perdeu, sem ouvir no Globo Esporte as notícias da
base, dos jogos e da comissão do meu clube. Toda vez que se fala de futebol em São Paulo, seja
nas ruas entre amigos ou nas principais notícias dos jornais esportivos se ouve sobre Palmeiras,
Corinthians, São Paulo e, um pouco menos, Santos.
Eis que, pouco menos de uma semana depois, terça-feira seguinte, meu tio, que morava
no Rio liga para o meu pai dizendo que comprou ingressos para assistirmos o jogo da volta.
Depois de 6h no carro durante a quarta-feira chegamos direto para o jogo. O sentimento de
entrar no Maracanã, o maior estádio do Brasil, lotado foi incrível, me despertou um sentimento
por futebol que eu nunca tinha sentido. O jogo estava dois a dois, se encaminhando para os
pênaltis. Já na prorrogação, vi aquele cruzamento, aquela cabeçada do Washington, o coração
valente, bem ali na minha frente, entrar no gol. Lembro até hoje de toda a euforia, das lágrimas
nos olhos do meu tio e de todo o sentimento que aquele momento me proporcionou.
O Fluminense não ganhou o título naquele ano - a história da final deixo para outro
momento –, mas 2008 me fez entender o que é essa paixão que move todos os brasileiros e me
fez começar a fazer bate e voltas na Conexão Rio-SP para acompanhar meu time de perto.
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MINHA LUSA
Falar em experiência esportiva, pra mim, é falar de futebol e ainda digo mais, é falar
de Associação Portuguesa de Desportos, que talvez alguns a conheçam como Lusa. Este amor
começou de infância com idas ao estádio e aquela cumplicidade entre pai e filho que só o esporte
proporciona.
Entrou, mesmo sem confiança e logo na primeira bola... TOIN, caixa, na gaveta, no
ninho da coruja ou como preferir, golaço e o jogo empatado em um a um. Disputa acirrada
e todos na torcida para nós, ouvíamos nossa família gritar. Para eles éramos Marcos, Lúcio,
Ronaldo, Ronaldinho e Kaká (pra quem se lembrar da grande seleção de 2002) mas ali dentro
de quadra éramos apenas Giovanni, Gabriel, Vinicius, Fernando e Bruno. Fim de jogo, empate
persistia e assim iriamos para prorrogação.
Primeiro lance do tempo extra chute na trave, eufóricos corríamos como se fosse a final
da Copa e realmente passamos a acreditar que éramos os heróis que nossa torcida via em nós.
Toque de bola e habilidade sem igual, partimos para o tudo ou nada, cinco minutos depois o
tudo veio. Vinicius, se lembram dele? Ele mesmo, o menino franzino. Mais um dele, mais um
golaço de encher os olhos. Goleiro para um lado e bola para o outro, ali naquele momento eu
senti que seríamos coroados com a final pela melhor campanha e o Vinicius conseguiria o par de
chuteiras novos que tanto queria. Fim de jogo, game over, assim o juiz apitava e, de tão felizes,
choramos.
Gritaria, corre-corre, abraços, beijos e festa. Nossa glória ali estava construída, deixando
o nome nas categorias de base de um time tradicional de São Paulo, não só um time qualquer,
mas do meu time de São Paulo e da vida.
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A história acaba aqui, Vinicius não sei mais por onde anda, Fernando, Giovani e Bruno
devem estar em casa vendo algum jogo. Amizades que se vão, lembranças que ficam. Quisera eu
que tudo na vida fossem lembranças como as do esporte.
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Seria mais um ano comum, não fosse a notícia de que o melhor camisa nove da história
estava sendo contratado pelo meu time de coração. Uma loucura, um sonho começando a se
tornar realidade. Lembro-me bem do regozijo dos repórteres e das manchetes sensacionalistas ao
abordar o assunto: ex-jogador em atividade, lesões e sobrepeso. Mal sabiam eles o que havia por
vir.
De domingo, só tínhamos uma tradição. Era o dia de juntar a família e a hora do jogo
era hora de sentar, sofrer e torcer. Naquele dia, éramos 5, todos corintianos. O adversário da vez
era o Palmeiras, nosso maior rival histórico. Líder contra vice-líder do paulistão. O Corinthians
tentando tirar a liderança do rival, e este tentando tirar sua invencibilidade de 14 jogos. Um
clássico com todos os ingredientes para ser um ótimo jogo, como O Derby deve ser.
Lembro-me daquele dia como se fosse ontem, embora já tenha se passado nove
anos. Era o campeonato Paulista de 2009. Lembro do quanto sofremos, do quanto cada
defesa do goleiro Felipe era comemorada como se fosse um gol. O jogo estava quente,
mas o saldo da primeira etapa foi apenas as divididas fortes e lances ríspidos, o placar
continuava inalterado. Começou o segundo tempo e logo aos 3 minutos “dá-lhe porco”,
gol do rival. Falha de nosso goleiro, que havia defendido tão bem a meta até então.
Mas não desanimamos. A fé que tínhamos naquele time, se fosse possível, moveria montanhas.
Aos 18 minutos da segunda etapa, a esperança: Entra Ronaldo. O Fenômeno disputaria seu
primeiro clássico com a camisa do Corinthians. E a fé deu resultado. Aos 33 minutos, Ronaldo
acerta o travessão em um forte chute. Se já estávamos tensos, agora estaríamos dentro da própria
TV se fosse possível para ajudar o Corinthians. Aos 42, nova jogada de Ronaldo e finalização
de André Santos, com ótima defesa do goleiro palmeirense Bruno. Aos 47, nos acréscimos, a
ressurreição nos gramados. Após cobrança de escanteio da direita, Ronaldo contou com falha
da zaga palmeirense, saiu pouco do chão, mas cabeceou firme para vencer o goleiro Bruno e
empatar o jogo. O melhor camisa 9 estava de volta.
Teve euforia de R9, teve torcida e time virando um só no alambrado. Mas o que levo de
tal episódio vai além. Não poderia ser outro a fazer o gol. Tinha que ser o Ronaldo. O exemplo
de motivação e superação estava concretizado, um homem que desacreditado pelo mundo após
lesões gravíssimas ainda acreditava em seu sonho e em seu potencial, mostrando ao mundo que
qualquer que seja o problema a pessoa tem que acreditar e se superar.
29
Era 28 de outubro de 2007, dia em que fui assistir a um jogo de futebol ao vivo pela
primeira vez. O confronto em questão era Corinthians e Figueirense, válido pelo campeonato
brasileiro. Antes, no entanto, convém fazer um adendo, nasci em 1999, portanto tinha 8 anos.
O leitor pode estranhar o fato de que só fui ver um jogo de futebol no estádio pela primeira vez
com 8 anos, já que é normal que crianças com 5 anos ou menos frequentem estádios por todo o
Brasil.
Este atraso tem uma justificativa bem peculiar, é que quando pequeno mudava de
time toda semana, e escolhia minha nova equipe de um jeito bem heterodoxo: abria o jornal
de esportes e procurava o primeiro colocado na classificação do campeonato brasileiro. Assim
torci para uma infinidade de times: Cruzeiro, Palmeiras, São Paulo, Santos, Atlético Paranaense,
etc. Torci até mesmo para o poderoso Manchester United de Sir Alex Ferguson (talvez porque
estivesse cansado de sempre liderar o campeonato brasileiro).
Esta situação durou até o dia 28 de dezembro de 2007, quando meu pai provavelmente
cansado de me ver torcendo para um time diferente a cada semana, resolveu me levar no estádio
junto com um amigo meu, corinthiano desde pequeno, e seu pai.
Lembro até hoje de quando descíamos a rua junto com centenas de pessoas, todas muito
diferentes de mim, e de quando entramos no estádio, com os times já em fase de aquecimento.
O jogo em si foi um grande sofrimento para os torcedores, já que o leitor deve ter
percebido que 2007 foi o ano do rebaixamento do Corinthians, e o time era horrível. Lembro
quando o Figueirense abriu o placar com Chicão (zagueiro que depois jogaria longos anos no
Corinthians), causando silêncio e apreensão no estádio, os quais duraram pouco, já que Finazzi
(nome que hoje causa arrepios nos corinthianos) empatou logo depois. No segundo tempo, o
mesmo Finazzi virou o jogo, e selou o placar final: Corinthians 2 x 1 Figueirense.
Todo brasileiro nasce com alguma alteração em seu DNA, que afeta com suas sinapses
cerebrais e por fim, suas decisões. Eu, como bom brasileiro, não fui diferente.
Na minha sexta série, sem sequer ter treinado ou mesmo praticado frequentemente,
tinha o sonho de algum dia poder ganhar dinheiro jogando futebol. E por onde esse tal sonho
começa geralmente para cada criança esperançosa? Para a maioria dos garotos e garotas que não
nasceram com pais dirigentes ou nomes importantes dentro do meio, a resposta dessa pergunta
é a saudosa peneira. Infelizmente meus pais seguiram áreas diferentes e eu não tive o privilégio
de poder pular esta grande etapa na carreira do jogador de futebol e até aí, que poder que uma
fonoaudióloga e um gerente comercial têm nesse meio?
Pois bem, eu havia chegado à uma nova escola que tem filiação a um clube de desportos,
no qual, existia um time de futebol em formação com as inscrições abertas ao público. Sem pensar
muito, na semana seguinte, estava lá eu de chuteiras limpas e meias até os joelhos esperando
a tal peneira começar. Tentava analisar minha concorrência, olhando minuciosamente cada
detalhe dos outros meninos em minha volta, quantas voltas eles davam em seus cadarços, como
ajeitavam as tornozeleiras, qual altura estavam seus calções e por fim os seus cortes de cabelo.
Depois de designados às suas respectivas equipes de rachão, fomos para quadra para de
fato começar a peleja e naquele ponto já era possível sentir o nervosismo de cada uma daquelas
pequenas canelas. Antes do jogo começar, o olheiro tinha perguntado para todos qual a posição
preterida e a resposta não foi nada surpreendente. Mais de 80% dos moleques queria ser o
centroavante, dono da camisa 9, muito inspirado por grandes craques brasileiros como Ronaldo
Fenômeno ou Souza Caveirão, pensando que jogando na parte ofensiva do campo seria mais
fácil de ser percebido do que os demais.
Por acaso do destino ou pela vontade de finalizar rápido a peneira e voltar para casa,
do olheiro em comando, eu fui abençoado e recebi a honra de poder usar a camisa de número
nove e jogar como um atacante centralizado durante aquele joguinho. Porém como todo baú de
tesouro pirata, o número nove não trazia somente glórias e alegrias, mas trazia também um peso
colossal no jogador para que ele faça o que é esperado de atacantes, que são muitos gols.
assoprado e o meu time tocaram algumas vezes na bola, fiz o que prometi para mim mesmo.
Deu certo, o primeiro chute foi parar no ângulo superior direito, bem entre a
luva do arqueiro e o metal oxidado da forquilha. Depois disso, tive minha redenção.
Atuando bem na minha posição e recebendo passes açucarados de meus colegas, consegui fazer
um número impressionante de gols e assim ficando mais aliviado a cerca do resultado da peneira
em si, focando mais na felicidade de jogar futebol.
Depois de terminada a peneira, fui para casa, contei tudo a meus pais e fui dormir feliz
e com a camiseta suja de achocolatado. Na outra semana, soube por meio de amigos que o
resultado tinha saído e estava na entrada da minha escola. Nesse momento, meu nervosismo não
existia mais, depois da minha performance que obteve elogios de colegas e até do porteiro que
observava o treino dos pequenos aquele dia, nada poderia dar errado.
Chegando na entrada, achei uma lista impressa com vários nomes, todos
diferentes, mas também, todos com uma similaridade. Nenhum deles era o meu.
Nesse momento, aprendi que, às vezes, vale mais uma decisão de não trabalhar com
futebol do meu pai do que de fato acertar uma bola em um retângulo com uma rede.
32
Esses dias saí na rua para tomar um ar e esquecer um pouco a pressão e ansiedade
produzida pela faculdade, estava tendo um jogo de futebol na rua, meu cérebro desligou e
comecei a reviver meus 10 anos de idade.
Naquela época, a minha maior preocupação que eu tinha era a chegada dos fins de
semana, apesar de brincar todos os dias depois da aula, os fins de semanas eram verdadeiras
maratonas esportivas. A verdade é que nem todas as semanas eram iguais, haviam aquelas
semanas dos contras e essas eram as mais esperadas.
Estávamos a duas semanas sem ganhar da rua de baixo e na próxima, além do jogo, foi
combinado que o time perdedor daria 1 real por jogador ao time adversário. Haja ansiedade!
Nunca houve semana tão longa quanto àquela, nunca houve tantas borboletas no estômago
como naquela ocasião.
Sabíamos que tínhamos que ganhar, foram 6 dias de estratagemas, táticas e planos de
jogo, nem Guardiola ou Mourinho seriam capazes de resistir ao nosso plano de jogo, eu era
reserva e tinha uma péssima relação com a bola, mas faria de tudo pra não perder.
Era domingo. Era o dia! O jogo era fora de casa e a turma inteira se reuniu ao meio-dia
para ir ao jogo, a algazarra e euforia foi se silenciando conforme os passos eram dados na direção
da rua de baixo, a rua do adversário. Atravessando de uma rua pra outra não tinha mais volta, o
rubicão foi transposto a única opção era vencer.
O jogo iria começar as 13h e as regram eram claras: 2 pares de chinelos para as traves,
uma bola para o jogo, as calçadas eram as linhas laterais, um time ficava sem camisa e acabava
quem marcasse 5 gols primeiro. O dinheiro ficou na posse do juiz e o jogo estava prestes a
começar.
EU SOU O HERÓI. Pompeu perdeu a luta e voltamos para casa como vencedores, o
dinheiro rendeu refris e salgadinhos, mas nada foi tão bom como ter ganhado sendo protagonista,
o gozo do campeão. Até hoje quando marco gols posso sentir essa sensação.
Quando me dei conta o jogo que estava assistindo acabou e eu nem sabia o placar
final, perguntei pra um dos meninos do time sem camisa quanto fora, triste, me respondeu que
tinham perdido de zero. Voltando pra casa percebi que talvez nem todas as crianças trocaram a
rua pelos computadores e celulares. Talvez o esporte ainda tenha chance contra a tecnologia.
33
Foi no antigo Estádio Marcelo Stéfani, atual “Nabizão”, em Bragança Paulista, que assisti
meu primeiro jogo de futebol ao vivo. Estávamos, eu e minha irmã, brincando na pracinha da
cidade quando meu pai chegou e disse que havia comprado os ingressos.
Fiquei, não nego, um pouco desapontada. Tinha convicção que esse momento tão
especial em minha vida ocorreria na Vila Belmiro, que me uniria à torcida cantando a plenos
pulmões o nome dos jogadores e o hino que eu, aos meus 6 anos, tinha batalhado para
decorar.
Bom, digamos que não foi como o planejado. Não sabia quem eram os jogadores, não
conhecia o hino, nunca havia ouvido falar do time adversário, mas tinha algo familiar, algo que
foi suficiente para que eu decidisse que levaria a sério o jogo que estava indo assistir: o escudo.
O escudo era quase o do Santos, bastava tirar umas listras, adicionar umas estrelas,
mudar o nome. Achei suficiente. Estava, na minha cabeça, torcendo pelo Santos, estava na Vila
Belmiro, e não tinha ninguém que pudesse me convencer do contrário.
Eu não tirava os olhos do campo, observava como os jogadores corriam sem parar, como
conversavam e gesticulavam entre si, como a bola viajava de um pé a outro. Escutava meu pai
comentar lances com os desconhecidos ao nosso lado como se fossem amigos de infância.
E minha irmã no meio disso tudo? Diz meu pai que passou o tempo inteiro de costas
para o campo. Não tinha interesse nenhum no jogo. Queria ver as reações da torcida, olhar como
gritavam, descobrir quem puxava as músicas, analisar cada um que estava ali. E, é claro, queria
também ser a primeira a avistar a “moça do churros”, ou o “moço do picolé”, percebendo que
durante o jogo tudo estava liberado.
Saímos de lá extasiadas. Eu com futebol, ela com a torcida e a comida. Eu disse a meu pai
que queria ir a mais jogos, pensando que ver meu time pela televisão era pouco perto do novo
mundo que havia se aberto pra mim. Ela disse que tinha visto uma sorveteria perto da pracinha
que brincávamos antes.
Quatorze anos se passaram. Hoje vou à Vila e ao Pacaembu com meu pai. Ela sai para
jantar com ele durante a semana.
34
GUARATINGUETÁ
O ano era 2008, eu com 8 anos até então, acompanhava ansiosamente o Campeonato
Paulista de Futebol. Porém, meus olhos brilhavam não pelo meu time do coração, mas pelo
time da minha cidade. O atual “Campeão do Interior” (2007) Guaratinguetá. Era o orgulho da
cidade de 110 mil habitantes, que lotava o estádio Dario Rodrigues Leite que tem capacidade
de 16 mil pessoas. Em dia de jogo a cidade parava, pois mais de 10% do total dos moradores da
cidade se encontravam no “Ninho da Garça”. Nessa época, o time trazia orgulho para um povo
que se sentia representado pelos jogadores.
Depois de se classificar pra final a Ponte Preta ainda perderia os dois jogos para o
Palmeiras, 1x0 em Campinas e 5x0 em São Paulo, aumentando ainda mais a frustração e trazendo
o pensamento que se fosse o Guaratinguetá na final as coisas seriam diferentes. Certamente essa
não é a única decepção que tenho no futebol ou no esporte em si, mas com toda certeza marcou
não só minha infância, mas meu jeito de encarar o futebol, que por mais que seja um espetáculo,
às vezes, pode ser cruel. Entretanto uma coisa é certa, jamais me esquecerei desse time que deu
tantas alegrias a mim e ao povo da minha cidade.
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Muitos dizem que o futebol imita a vida, e eu não discordo. Histórias de superação,
vitórias, derrotas, recuperações e tudo o que pode se comparar ao nosso cotidiano e nossas
batalhas diárias. Mas eu sempre preferi dizer que o futebol se parece mais com os contos de fadas,
pelo menos em parte, e aqui vai uma das minhas histórias preferidas, em que eu mesmo era um
dos personagens e que ficou marcada como uma bela lembrança de minha adolescência.
Mas no Ensino Médio as coisas foram mudando. Entrei em um grande colégio da cidade
de São Paulo, com forte tradição no esporte como um todo e com uma frequência absurda nos
pódios das competições. Fiquei encantado e aquilo para mim parecia um sonho. Me senti, em
um primeiro momento, como a Alice no país das maravilhas. Além de campeonatos oficiais,
também tinham os famosos campeonatos internos e os interclasses. O preferido de todos, por
unanimidade, era o Interpanelas. Basicamente consistia em montar um time da forma que bem
entendesse. Podia chamar amigos de outros anos, inventar um nome, fazer um uniforme e tudo
mais.
Quando estava no 1º ano eu não participei. Ainda estava me sentindo tímido demais e,
não vou mentir, um pouco intimidado com a atmosfera que era criada. Muitas rivalidades entre
as equipes, principalmente com os futuros formandos do ano. Torcidas que levavam bandeiras,
faixas, bexigas e faziam um barulho danado no ginásio. Era um verdadeiro caldeirão!
Passamos então a acreditar mais ainda nos contos. Mudamos agora para o da Cinderela, e
começamos a achar que a abóbora podia de fato se transformar em uma carruagem. A confiança
era tanta que passamos sem problemas para as semifinais. Esse próximo jogo era difícil, pois
éramos o único time entre os quatro finalistas que não pertencia à série dos formandos, vulgo 3º
ano. O nervosismo ficou evidente e tomamos dois gols logo no inicio. Tínhamos a maior parte
da torcida contra e uma virada parecia improvável naquele contexto e atmosfera. Mas ela veio.
Marcamos três gols e tomamos conta do segundo tempo. Parecia mágica, como em um conto de
fadas, de novo, em que tudo pode acontecer até alcançar o final feliz.
A final seria a consagração para nós. Estávamos completamente felizes de chegar tão
longe, de saber que estávamos entre as zebras e que ainda tínhamos o papel do patinho feio. Será
que a abóbora finalmente se transformaria em uma carruagem? Não. Perdemos por pouco, mas
perdemos. E talvez hoje em dia eu dê mais razão a quem fala que o futebol se parece mais com
a vida.
37
Era julho de 2002. A alegria e euforia das férias escolares foi diferente neste ano. Como
toda criança, as coisas que mais importavam durante a recessão escolar eram as viagens em
família e “bater” figurinhas dos jogadores de futebol, sendo que alguns eu nem conhecia. Mas
havia um clima diferente, talvez porque fosse a primeira copa do mundo de uma criança que
está começando a conhecer o mundo como gente. Lucas tinha exatos 7 anos de idade na Copa
da Coréia e do Japão de 2002, um marco histórico em sua vida.
Filho de imigrantes coreanos, não sabia ainda qual era sua real identidade. Brasileiro ou
coreano? Pois bem, as seleções do Brasil e da Coréia do Sul afirmaram que é possível ser brasileiro
E coreano. Havia uma mistura de emoções, na qual:
(i) A torcida e energia que Lucas via nas pessoas eram muito contagiantes;
(ii) O cabelo do Fenômeno era o mais TOP de todos (obs.: “pena” que sua mãe não
permitiu tão lindo corte);
(iii) As incríveis (e/ou injustas) vitórias da Coréia do Sul sobre potências mundiais
do futebol influenciavam até dentro de casa;
(iv) Por fim, o título mundial brasileiro mostrou o poder de uma sociedade, que se
tornou mais alegre e vibrante após o penta.
Fato é que o futebol virou sinônimo de alegria, euforia, adrenalina e emoção. Em outras
palavras, PAIXÃO! Desde então, o estilo de vida do Lucas mudou, além de seus objetivos e
ambições. Na escola, a maior preocupação era se teria futebol na educação física; em casa, o
melhor canal era o de esporte (e depois desenho); com os amigos, a melhor diversão era o futebol
e, nos sonhos, queria ser como Rogério Ceni ou Kaká.
Esse foi e é o poder de uma copa do mundo, na qual vidas são completamente
transformadas, países são movidos, corações são acelerados e paixões são criadas.
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SENTIMENTO ALVIVERDE
Desde de pequeno fui fã de esporte, sempre acompanhei futebol e joguei, mas nunca tive
uma posição totalmente definida sobre um time. Em 2007 vivia uma situação complicada, era
torcedor do Corinthians, um time sem muita qualidade técnica, na verdade, com quase nada. O
time contava com nomes que são motivo de gozação até o período atual, como Finazzi, Betão e
o goleiro Felipe.
Não existia paixão pelo time, muito menos um sentimento grande, simplesmente torcia
por torcer.
A cada resultado me pesava ver aquele time, até que meu pai, palmeirense, que sempre
respeitou a minha posição (até me deu uma camisa do Corinthians, mesmo que contra
sua vontade), começou a me influenciar a mudar de time, contava grande histórias sobre
um maravilhoso time de 1996, que fez 102 gols em um campeonato paulista, a Máquina
Alviverde.
Até que chegou 2008, continuava sem um grande amor pelo time, mas já havia um
sentimento.
Começa o campeonato paulista, Marcos, Kleber, Denilson, Alex Mineiro, Diego Souza e
meu favorito na época, Valdivia. Assistia a maioria dos jogos, comecei a me apaixonar pelo time
e inteirar mais da linda história do time. Até que chega a final, nunca tinha comemorado vitórias
em campeonato por um time, até essa, 5x0 na final, que dia maravilhoso.
Após esse momento, tornei verdadeiramente palmeirense, senti muita felicidade com a
vitória e real paixão por aquele time.
39
Bom, mas falaremos de coisas boas, como aquele frio na barriga que todo torcedor
fanático sente antes de uma decisão, como se sua vida fosse se decidir naqueles 90 minutos.
Bom para mim, naquela quarta-feira, era sim como vida ou morte, carregava lembranças de uma
criança que, ainda muito jovem para entender todo o contexto, viu seu time perder uma final de
libertadores em 2003. Me recordo de ver o jogo sentado no sofá ao lado do meu pai, nunca havia
o visto tão tenso, como ele sofreu assistindo aquele jogo contra o Boca Juniors.
Não podia passar por aquele mesmo sentimento que meu pai havia passado, será que
meu time de coração, aquele esquadrão de branco formando por jovens que hoje jogam pelos
maiores clubes europeus e veteranos que hoje são ídolos do clube iriam falhar como aqueles que
jogaram em 2003.
Naquela época estava próximo de completar 13 anos, período da vida onde você esta
se tornando um torcedor fanático, não me entenda mal, nascemos apaixonados por futebol
mas quando crianças não temos paciência para ver os jogos, no máximo paramos para assistir
os melhores momentos de grandes jogos, como o Barcelona de Ronaldinho Gaúcho e o Real
Madrid de Ronaldo Fenômeno, mas no fundo só queremos é jogar, esperamos a aula de
educação física para jogar bola com os amigos da sala, esperamos o recreio para jogar contra as
outras turmas do colégio e para mim principalmente, aos domingos, ir ao clube do bairro jogar
com os amigos da rua contra garotos que nunca havia visto antes e que provavelmente nunca os
veria novamente, como agradeço meu pai hoje por me levar lá todos os fins de semana, são essas
lembranças de minha infância que vou levar para a vida inteira.
Aquela tarde de quarta-feira parecia nunca ter fim, aquele jogo nunca começava, a
agonia me corroia, como eu entraria na sala no dia seguinte, de peito estufado todo feliz vendo
meus amigos e pensando como iria fazer para desfrutar daquele sentimento de campeão ou todo
cabisbaixo, pois sabia que iria ser zoado por todos da turma, a final sempre fui o único santista.
–Golllllllllll, é gol pai – eu gritava enquanto corria pela casa atrás de meu pai que assistia
o jogo em outro quarto da casa. Não há quem se segure nesse momento, emoção pura, seu time a
um passo de conquistar um titulo que a muito tempo não ganhava, impossível de se controlar.
Mas havia muito jogo pela frente, era hora de se acalmar para o restante da partida, não
estava nada decidido. Depois de um certo tempo Alex Sandro ampliou o placar, nesse momento
o Pacaembu explodiu, será mesmo que seria tão fácil?
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Infelizmente não. Quer dizer, depende do ponto de vista, para aqueles que queriam
contar uma história emocionante no dia seguinte ótimo, para mim parecia que o passado
estava voltando para me assombrar. A noite ainda guardava muitas emoções, após o gol contra
de Durval eu entrei em desespero, como poderia meu time tomar uma virada a essa altura?
Estávamos jogando tão bem, será que um apocalipse iria acontecer?
Novamente respondo não para essas duas perguntas, o Santos continuou amassando o
adversário, perdendo chances incríveis de gol, poderia ter acabado 4 a 1 para nós, mas o placar
se manteve, 2 a 1 e o título de maior time das américas, Campeão da Libertadores.
Finalmente o grito de campeão, a tanto tempo preso havia saído. Não dormi direito a
noite, na verdade nem dormi, como poderia diante do que acabara de acontecer. No dia seguinte
poderia ter faltada no colégio, mas nunca que iria perder a chance de entrar na sala e ver a cara de
meus amigos após o título. Inesquecível, me lembro de alguém falando “Aee Ramirez, parabéns
velho!”. Sim, naquele momento eu era velho, eu era um idoso, eu era um jovem de 80 anos feliz,
a final para os rivais os santistas já nascem praticamente aposentados, mas aquele troféu a mais
na galeria lotada da história da Vila apenas os mais velhos comemoraram.
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LIBERTADOS
O futebol foi um esporte constantemente presente em minha vida. Ele sempre esteve lá,
seja na forma de brincadeira de criança ou através do convívio familiar. Acompanhava algumas
partidas com meu pai, mas, naquela época, o conhecimento que tinha das regras resumia-se a “o
objetivo do jogo é fazer a bola entrar no gol”.
A primeira memória nítida que tenho dessa modalidade esportiva corresponde a origem
do meu real interesse pelo futebol. Essa lembrança aconteceu em 2012, mais especificamente no
dia 04 de julho. A partida que definiria o vencedor da Copa Libertadores da América começaria
às 21h45 daquela noite. Eu, é claro, tinha enorme preferência pela vitória alvinegra, pois cresci
em uma família corintiana e assistia ocasionalmente os jogos.
O grito estava lá. As mãos estavam na taça. Mas ainda tínhamos que esperar. A cada
minuto que se passava os cantos da torcida aumentavam. A cada defesa de Cássio, o famoso lema
“Vai, Corinthians!” podia ser ouvido. A cada finalização do time, mais fogos de artifício eram
soltos por toda a cidade. E, finalmente, aos 48 minutos, o árbitro deu o apito final. É campeão!
Alguns esperaram uma vida inteira para isso, outros, como eu, estavam apenas no início de sua
carreira como torcedores e mal entendiam a importância daquela “libertação”.
Foi ali que conheci a beleza do futebol. Foi quando aprendi o que significava torcer e
como algo tão trivial era capaz de unir milhões de pessoas que nada tinham em comum, senão
o amor pelo seu time.
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MEMÓRIAS
Copa do Mundo. Todos devidamente caracterizados com suas blusas amarelas, ansiosos
pelo jogo que se daria naquele mesmo dia, às 15h da tarde. Brasil e Bélgica, quartas de finais,
Neymar, Tite, “vem hexa”, tudo ou nada, hino, cada equipe de um lado. Silêncio e soar do
apito.
Bola rolando. O ano é 2018, mas a lembrança é de tempos atrás, quando eu era apenas
uma garota. O apito e o nervoso durante as partidas, com o gol da Bélgica ou com a segurada de
bola no escanteio de Ganso, na final do Paulista. O ano não me recordo com certeza, lembro-me
apenas do coração batendo forte.
A súplica, inominada, considerando a minha falta de crença, refletia muito mais do que
qualquer desespero ou ansiedade: refletia uma paixão. A cada toque na bola, uma pulsada forte
no coração e um sentimento de que eu, no meu âmbito de promessas e superstições, poderia
ajudar os tão distantes jogadores. Mas como eu, uma criança, poderia me afetar tanto com
pessoas desconhecidas jogando futebol? Não deveriam ser apenas pessoas numeradas correndo?
FRUSTRAÇÃO PALESTRINA
O jogo que mais me lembro ter visto com meu avô foi Palmeiras e Ponte Preta, pela final
do campeonato paulista de 2008. Estávamos no interior, em uma chácara em obras. A televisão
era pequena, daquelas que ficavam presas no canto da parede e o sinal estava ruim graças à uma
antena mal posicionada. Mas tudo isso não diminuiu em nada o espetáculo que aconteceu no
Parque Antártica.
O título de campeão paulista de 2008 foi o último que meu avô presenciou em vida.
Em 2009 batemos na trave, e eu, ingênua, achei que com seus 82 anos de idade, meu avô
não aguentaria sofrer essa perda que foi o título de campeão. Por que alguém continuaria
acompanhando algo que traz tanta frustração? Não fazia sentido algum. Mas passou o verão,
começou o campeonato paulista (chamado carinhosamente por ele de “paulistinha de meia
tigela”), e lá estava ele de novo, torcendo como se o time dele tivesse acabado de levar a taça.
Acabou que meu avô não viveu para ver o seu Palmeiras ganhar a Copa do Brasil em 2012
e nem o Brasileiro de 2016, mas por outro lado não viu o segundo rebaixamento ou o retorno
quase desastroso do seu precioso Mago. Ele nunca mais pisou no seu Parque Antártica, agora
totalmente irreconhecível para ele, e nunca mais vai cantar sobre a “defesa que ninguém passa,
linha atacante de raça”. Depois que ele se foi, eu achei que não teria mais graça, pra mim, assistir
aos jogos, pois não teria mais meu querido avô italiano que iria do céu ao inferno e vice-versa em
questão de alguns poucos lances de jogo. O que aconteceu, por outro lado, é que eu comecei a
ver tudo o que desde criança ele tentou me mostrar sobre o futebol: a história por trás do time, a
lealdade de ser torcedor, de ser palestrino, e principalmente que sim, existem frustrações (perder
44
um campeonato brasileiro em quatro rodadas não é para os fracos do coração), mas a emoção
que o esporte proporciona faz valer qualquer desapontamento que venha.
Hoje o futebol faz parte da minha vida, e meu avô ganha todos os créditos por isso. Ele
se foi anos atrás sem conseguir ver o retorno do seu Verdazzo às glórias, mas ele deixou em mim
a herança da torcida que canta e vibra, na alegria e na tristeza, do título ao rebaixamento. Eu
vivo a torcida, eu vou no estádio gritar e cantar, discuto jogos em mesas de bar, torço cada título
e choro cada derrota. E assim vamos seguindo, sempre com os domingos sagrados de futebol
embaixo do mesmo cobertor.
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ENFERMIDADES
Como de costume, assuntos dos mais variados fluíam na conversa com meu amigo
soteropolitano durante a primeira aula do dia. Quando a Copa do Mundo da Rússia entrou em
discussão, a euforia era tamanha que a aula de Macroeconomia assumiu peso menor do que o
jogo entre Rússia e Arábia Saudita, que faria a abertura do mundial. O que realmente importava,
nessa discussão que se estendeu até o almoço, era o placar do jogo da estreia. Apostei em 2x0
para Cheryshev e companhia, enquanto Duda consolidou um empate amargo em 1x1.
O tiro, em partes, saiu pela culatra. Logo no primeiro tempo, Nenê, ex-Palmeiras no
ano do primeiro rebaixamento, fez dois gols que colocaram o São Paulo à frente no placar.
Para piorar, uma chuva torrencial passou a atingir o estádio. Em resumo, a torcida visitante,
comigo incluso, estava desamparada com o resultado, nervosa com o time e muito, mas muito
molhada.
A ENCARNAÇÃO DA CAMISA 9
Tinha 10 anos de idade. Por vezes achei que àquilo era desnecessário ou até mesmo
cômico diante da opinião dos meus amigos. Costumávamos jogar futebol na rua. Nos barrancos.
Na calçada. De preferência em um local que desse para chutar a bola na casa do vizinho. O
futebol era, por ele mesmo, uma alternativa que nós, meros adolescentes, encontrávamos
para nos divertir e esquecer de certo modo os deveres escolares e as extenuantes broncas dos
pais. Nesse sentido durante a escola nós estudávamos pela manhã e, durante a tarde, nos
debruçávamos exacerbadamente jogando futebol. Não minto, em média 5 (cinco) horas por
dia. Um fato curioso é que, decerto, e é a principal ideia contida nesta crônica; é o dia em que
eu tomei conhecimento do poder que uma camisa de futebol detinha.
Até o amanhecer foi diferente, não lembro exatamente o porquê de eu dizer isso, mas
tenho certeza de que foi, naquele dia tudo estava diferente, mais intenso, era óbvio que aquele
seria o grande dia! O café da manhã estava mais saboroso que o normal, todos à mesa felizes e
sorridentes, como em um comercial de margarina, as cores do ambiente muito vívidas, refletindo
os raios solares que invadiam a janela. O canto dos pássaros, muito alegre, também podia ser
ouvido, aquele certamente era o grande dia.
Foi chegando a hora do jogo, todos deixando de lado o que faziam e indo cada um pra
um lugar, qualquer lugar estava bom, desde que tivesse uma televisão ou um rádio, afinal o Brasil
iria vencer mais aquele jogo, todos tinham de assistir aquilo. E começou o hino, o solo vibrando,
200 milhões de pessoas cantando juntos, ia começar a vitória do Brasil.
E começou o jogo, cada arrancada era acompanhada pela vibração de um povo, cada
chute que passava raspando a trave era respondido com um sonoro “uuuuh” e cada defesa
adversária comentada com palavras que não podem ser publicadas nesse tipo de texto. O coração
a mil, metade do jogo já tinha se passado e o placar continuava 0x0, mas o Brasil ia ganhar, a
cada minuto eu tinha ainda mais essa certeza. E assim se passaram mais alguns minutos até que
a França teve uma cobrança de falta do lado esquerdo do campo. Zidane cruzou a bola na área,
mas alguém ia tirar. Não tirou. O Henry vinha em direção a bola, mas alguém ia parar ele. Não
parou. E quando ele chutou a bola, o Dida ia defender. Não defendeu. 1x0 França. Mas ainda
faltava muito jogo, o Brasil ia virar, tinha que virar. Não virou. Acabou o jogo, Brasil fora da
Copa, mas como? O Brasil ia ganhar, como que não ganhou?
Mas a vida tem de seguir, no dia seguinte parecia que não havia tido copa, tudo de volta
ao normal, e apenas um pensamento assolava a mente de todos os brasileiros:
GRITO SILENCIOSO
Manto vestido, cara pintada. Neste dia, era obrigação chegar três horas antes, afinal,
haviam anos que o Serra não prometia encher daquela maneira. Duas horas para o jogo e as
arquibancadas e cadeiras já estavam tomadas. Por segurança, a torcida argentina ainda não havia
entrado. O estádio estava superlotado. A situação era tão crítica que, pela primeira vez em meus
13 anos, a geral do Serra Dourada foi liberada para o conforto dos torcedores.
Não deu outra. No primeiro lance um improvável, após um bate e rebate, a bola cai no
pé de quem sabe colocar ela nas redes. Pouco tempo depois, o renegado da torcida também teve
seu momento de glória nos braços da galera. Rafael Moura e Otacílio Neto marcaram antes da
metade do primeiro tempo. O jogo continuou com mais lances, porém agora desperdiçados.
Continuou com o placar sendo administrado para o jogo de volta. Continuou com muitas, mas
muitas músicas saindo das milhares de vozes nas arquibancadas.
Não era mais um jogo que eu saía sem voz. Era o jogo que eu continuava gritando sem
emitir um ruído. O título era nosso. Não tinha como perdermos. Apenas com uma –improvável
- tragédia o Goiás não seria o primeiro campeão internacional do Centro-Oeste. Mas ela bateu
na porta.
49
Em um dia ensolarado de verão decidi dar uma volta por São Paulo, após passar pelo
centro e ver todo calor e euforia das pessoas, fui até o Ibirapuera em busca de um pouco de paz.
Ao chegar em uma parte bem tranquila do parque, me deparei com algo que me fez relembrar
um momento muito especial na minha infância.
Depois de me sentar na grama observei um pai jogando futebol com seu filho e dizendo:
“Filho você tem que ter amor à camisa que está vestido”. Ao ouvir isso lembrei de quando
comecei a amar futebol.
Era 4 de julho de 2012, acordei tarde sem preocupações, pois estava de férias. Estava feliz
porque naquela quarta-feira era dia de jogo do Corinthians, mas na minha mente era só mais um
jogo, mais uma final e eu já tinha visto varias mesmo, então do que importava tanta animação da
minha família e amigos. No entanto, eu ainda não sabia o que era torcer de verdade.
Tomei café como de costume, almocei, e durante todo o dia os jornais e programas não
falavam de outra coisa, “jogo do Corinthians”, “final da libertadores”, “será que hoje a piada será
exorcizada?”. O jogo seria à noite, então no final da tarde todos já estavam preparados, com os
quitutes na mesa, os foguetes comprados e as camisas vestidas.
O primeiro tempo terminara zero a zero e nada estava decidido, todo se encaminhava
para muita emoção e sofrimento no segundo. E foi assim até o final, mesmo com Emerson
Sheik fazendo dois a zero a nosso favor o jogo não estava fácil, afinal, “se não é sofrido, não
é Corinthians”. Mas finalmente, ao soar o apito final, o sofrimento veio a baixo e a emoção
subiu onde nunca poderia ter imaginado, os gritos, os pulos, os abraços, os choros... Naquele
momento eu descobri e senti o que era amor a camisa, amor ao futebol, amor ao Corinthians.
II. AMOR PELO ESPORTE
51
MEU INÍCIO
Brincar com meu Tio e tentar ter a mesma maestria que ele, coisa banal. Todos seus
sobrinhos tentaram o mesmo. Primeiramente, destaco a nossa incapacidade ou falta de treino,
em contrataste com o talento do meu tio, que poucos anos depois seria atacante do Sub-15 do
São Caetano, e consequentemente, jogador do Sub-17 desse mesmo time. Chegou a ter destaque
como jogador, mas como muitos, uma lesão interrompeu seu sonho. Ainda assim, joga aos fins
de semana e acompanha todos os jogos do “Timão”.
Como resultado da minha admiração, resolvi fazer o mesmo. Comecei aos meus nove
anos a praticar o futebol na fundação local, também influenciada pelo interesse do meu irmão
mais novo, sem resultados. Eu, menina, não tinha vez naquele time, e meu irmão era muito
novo. Tentamos então mudar, começamos a praticar capoeira, sem interesse algum.
Aos onze, por influência de alguns familiares, começamos a praticar judô e natação. E
pela praticidade, os treinos eram uns seguidos dos outros. A natação foi importante, mas o judô
se destacou na minha vida. Cheguei até a faixa azul escura, se não me engano, essa seria a quarta
faixa graduada no judô, e me destaquei em duas competições realizadas na cidade de Ribeirão
Pires, infelizmente, nessas cheguei apenas ao Terceiro lugar.
Não me frustrei com as competições, pois meu foco sempre foi treinar, até mesmo
as diversas quedas e os golpes eram, de alguma forma, prazerosos. Aos dezessete parei de
praticar, pois era difícil conciliar na rotina a faculdade e as obrigações junto aos treinos.
Atualmente só acompanho as competições de judô e tenho brincado com meu namorado de
badminton, aos fins de semana, sem quadra, só uma rede. Obviamente, nenhum dos esportes
citados tem relação com o futebol que citei inicialmente, porém, sem este, certamente não teria
praticado os demais ou me interessado. Mesmo que muitos digam que nem todo brasileiro gosta
de futebol, seguramente, inúmeros foram influenciados por ele.
52
2015 o ano que eu conheci o melhor esporte do mundo, pelo menos na minha percepção.
Este mesmo ano eu entrei na faculdade, mais especificamente na USP. Estava encantada com a
universidade, com o ambiente novo, novos amigos e foi aí que eu conheci a atlética. Basicamente
a atlética é uma entidade que apoia e organiza todos os times da faculdade. A Atlética no primeiro
dia como caloura me apresentou todos os esportes que eu poderia estar fazendo parte. Tinham
todos os esportes mesmo: futebol, vôlei, basquete, natação, atletismo, baseibol, softball, xadrez,
tênis de mesa e rugby. Rugby? Eu mal sabia o que era rugby, tinha noção que era parecido com
o futebol americano mas não tinha ideia o que era esse esporte porém, me chamou atenção. Me
inscrevi no rugby e fui para o meu primeiro treino com todos os calouros da faculdade.
Treino de rugby, que experiência. Tinha mais ou menos 85 pessoas que nunca tinham
tocado em uma bola de rugby, não sabiam nenhuma regra e nem ao menos como se jogava. O
treino foi muito dinâmico, muita correria, passes e muito erros também porém, muito divertido.
Os veteranos foram muito pacientes, ensinaram tudo do básico e falaram um pouco de regras e
mostraram o que todos queriam ver: um tackle. Um tackle é basicamente um dos movimentos
básicos do rugby. É quando você entra em contato e coloca seu adversário ao chão. Parecia
agressivo, mas os mais experientes diziam que o contato era questão de técnica e não machucava.
Ali começou o meu sentimento por esse esporte aflorar e então depois de um mês treinando para
jogar o bichusp, decide de fato fazer parte do time.
O time de rugby feminino era sensacional. As meninas do time eram super simpáticas
e acolhedoras. Elas me fizeram me sentir bem e parte do time como uma peça fundamental,
mesmo não sabendo ainda jogar direito. Treinávamos 2 vezes por semana e a cada treino me
interessava mais pelo esporte e queria entender melhor como se jogava. Fui aprimorando minhas
habilidades, mas nunca tinha de fato jogado uma partida oficial, só havia treinado. Até que
chegou o dia, tínhamos um campeonato e eu iria entrar em campo pela primeira vez. Era o
Economíadas que estava chegando e fomos todas para cidade de Americana.
Nessa cidade, estava acontecendo os jogos universitários. E eu estava lá, com medo mais
ao mesmo tempo ansiosa para o jogo de rugby feminino. Fomos para o campo que ficava perto
do alojamento que estávamos. Primeiro jogo era o meu time contra o time do Mackenzie. Eu
lembro exatamente daquele jogo. Em campo, nosso time estava defendendo, ou seja, tínhamos
que fazer o tackle nas meninas do Mackenzie. Quando a bola chegou para a menina que estava
na minha frente, eu fui em contato a ela para dar o meu primeiro tackle, o real contato do rugby.
E assim que eu dei o tackle, aí virou paixão esse esporte. Foi amor ao primeiro tackle.
53
Discorrer sobre alguma experiência minha com o esporte seria fácil, se não fosse tão
difícil. Parece óbvio, como dois mais dois são quatro, mas diria que é um óbvio diferente, por
exemplo, a derivada de uma função constante é zero, e existem muitas funções constantes, quase
a mesma quantidade de vezes que o esporte foi presente em minha vida. Porém, assim como
no cálculo, existe a diferente, preciosa, amada, cuja importância é inigualável – Futebol e Vôlei
– faço o aposto para enaltecê-los e a letra maiúscula para tratá-los com a devida importância, mas
sem dúvidas, há alguém mais importante.
Treze de agosto de 2007, às 9h20, o sinal anunciando o fim do intervalo toca e me dirijo
à sala de aula da 4ª série quando sou abordado e convocado pela Terê, professora de educação
física da escola, para participar do campeonato municipal de futsal sub 12. Aquela empolgação,
animação e euforia logo ao ouvir a notícia. As semanas passaram e veio o tal campeonato e lá
estava eu, no gol, me sentindo o São Marcos em 2002. Primeiro jogo começa, junto com ele vem
a decepção, perdemos por seis a dois. Segundo jogo é logo em seguida, autoestima abalada, tudo
o que mais queria era um chuveiro quente e uma televisão.
Resultado, goleamos, vencemos por 4x0. Era a última partida do dia. No outro dia
teríamos mais uma partida e, caso ganhássemos, iríamos para a semifinal que seria no mesmo
dia. Mesmo desacreditados, fomos para a partida e acabamos vencendo tanto a partida da fase de
grupos quanto a semifinal e então surgiu o novo desafio: vencer do time que tomamos a goleada
na primeira partida para nos tornarmos campeões. Poderia dizer aqui que jogamos como nunca,
dribles, finalizações certeiras, gols olímpicos, mas não foi o que aconteceu, perdemos de cinco
a zero. Saímos tristes, desconsolados, fomos para a Kombi do colégio que estava estacionada
na porta do ginásio municipal de Jaguariúna, entrei emburrado, dando socos no ar e tapas no
banco, logo atrás de mim vinha a Terê, que ao ver minha birra chama minha atenção e fala
olhando no meu olho algo parecido com “Você pensa que é o que? Você perdeu, aceita, você
acha que sempre vai ganhar? Você falhou, seus amigos falharam. Ponto final, peça desculpas a
seus colegas e admita seus erros. ”. Lembro que na hora concordei por medo, e com má vontade
pedi desculpas, mas por dentro não aceitava, não aceitava que eu tinha errado. Após algum
tempo, e após várias situações parecidas, fui pensando que eu de fato tinha errado e realmente,
a culpa também era minha.
É incrível como o esporte molda o caráter, obviamente que pontualmente a situação que
eu vivi no campeonato não me fez ser uma pessoa mais calma e mais autocrítica, mas contribuiu,
junto com várias outras situações esportivas, para que eu fosse a pessoa que sou hoje.
54
Acho que todo mundo tem um momento emocionante e feliz envolvendo uma memória
relacionada ao esporte, eu mesma tenho várias, mas, dessa vez, vou contar uma lembrança não
tão agradável.
Sempre amei esportes, mas nunca fui boa em nenhum deles. Comecei natação desde
pequena, até me chamavam para participar de competições, mas nunca me destaquei. Fiz por
muito tempo futebol, mesmo sendo bem ruim, minhas companheiras de treino não ligavam
para isso, continuavam a me incluir nos jogos, sempre me ajudando e incentivando.
Porém, como uma boa brasileira, nunca desistia de tentar achar o meu esporte. Até que
eu e minha irmã começamos a jogar tênis.
Meu pai comprou tudo para gente: raquetes, tênis próprios, bolinhas. Nos matriculou no
plano mensal, na quadra no quarteirão ao lado da nossa casa. Com o começo das aulas, achava
que estava indo tudo certo, não muito bem, mas sempre tentando e me dedicando, o professor
sempre nos parabenizando ao final das aulas pelo progresso. Estava super contente, acreditando
ter encontrado finalmente um esporte em que eu não era tão ruim assim, não me iludia achando
que seria a próxima Serena Willians, entretanto, eu gostava de jogar tênis e achava que as coisas
estavam caminhando bem.
Mas, ao fim do terceiro mês de aula, quando meu pai foi pagar a próxima mensalidade,
o professor virou para gente e disse algo que eu nunca vou esquecer:
Não renova a mensalidade da Anna não, você só está jogando dinheiro fora com ela.
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PING PONG
Essa pergunta, vinda de um amigo meu durante uma conversa onde o assunto era uma
aula maçante de matemática (e que, não sei como, chegou em tênis de mesa), me despertou,
naqueles poucos segundos que eu tinha para pensar numa resposta, numa lembrança de quando
eu joguei esse esporte pela primeira vez.
Vi, de relance nos meus pensamentos, que estava de pé em frente a uma mesa, parado.
A mesa era grande, mal conseguia enxergar a redinha que a dividia em dois. Meu pai estava ao
meu lado, mostrando como se pegar na raquete, como eram os movimentos para se fazer coisas
como o for e o backhand (nomes estranhos para só direita e esquerda).
Lembro-me que a bolinha não fazia o que eu queria, indo ou muito para o alto ou
muito para baixo, nunca naquela altura certa. Sorte minha que aquele meu adversário, um outro
moleque que ainda nem sabia o que era direita e esquerda direito, também estava parecendo ter
dificuldades sobre esse assunto. Terminamos o jogo empatados naquele dia, sendo a hora do
saque do outro a nossa maior esperança para ganhar ponto.
Enfim, quando fui sentar em uma cadeira, para descansar daquele pesado jogo, me
recordo de ver numas mesas mais a frente uma das coisas que me fez realmente continuar nesse
esporte.
E, sério, era algo tão diferente daquilo que eu estava jogando minutos atrás. Era tão
rápido, tão bonito de se ver. Cada jogada era tão bem pensada. Cada lance tinha tanta técnica.
Era simplesmente lindo.
E aquele ping pong de cada ataque, de cada saque, foram internalizando em mim, até
eu não conseguir mais desvincular esse som da minha pessoa. Simplesmente não conseguia mais
tirar aquilo de mim!
E, com um sorriso no rosto, pensando em tudo que pensei e lembrei nesses poucos
instantes, virei para meu amigo e respondi.
SÁBADO DE SOL
Abro os olhos. Respiro. Sinto o prazer de estar na cama sem ter hora pra levantar...
Viro meu corpo em direção a janela e pela fresta me surpreendo com um sábado
ensolarado. Depois de três dias chuvosos, finalmente um céu azul. A energia do sol parecia me
puxar pra fora daquele quarto escuro, e antes o que eram pensamentos preguiçosos tornam-se
uma ânsia de aproveitar o dia.
Frustração... como poderiam desperdiçar aquele dia lindo pra ficar em casa? Eu estava
cheia de energia e a última coisa que gostaria era de descansar.
Brincar no quintal, parque, casa da vovó, nada parecia legal o bastante para prestigiar
aquele dia. Aborrecida, deitei no sofá encarando o teto da sala...
O telefone toca. Era a Aninha, minha melhor amiga. “Bia, o que vai fazer hoje?”
Sem saber o que me esperava, já estava feliz por sentir que o universo conspirava ao meu
favor.
Chegamos lá. Já na entrada, entre as árvores era possível ver um campo enorme, uma
piscina bem ao fundo, um parquinho e algumas casinhas. Logo que pisamos na recepção, oito
garotos surgiram correndo ao nosso encontro.
“Eu topo! Mas acho que a Bia nunca jogou...” Ela olha pra mim. “Eu te ensino”. Sorri.
A ansiedade começou a tomar conta, o que iríamos jogar? Não conhecia nenhum
deles, não podia ser chata e me negar a participar. Sorri meio sem graça e falei: Vamos lá!
Caminhamos todos juntos até o campo de areia. O menino mais velho dividiu a gente em dois
times e tirou uma bola da sacola que carregava nas costas. Bola, campo de areia, travessão, dois
times... era futebol de areia. A Ana estava certa, nunca tinha jogado...
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Aos nove anos só me lembrava de pegar uma bola na queimada da escolinha ou na batata
quente. Ia ser ridículo. Respirei e falei para mim mesma: Vamos lá!
A partida começa, a bola corre para um lado, corre para o outro, todos correm, eu corro
também. Olho a Aninha. Ela recebe a bola e olha pra mim. É agora! Ela chuta.
Encontro alguém do meu time. Ele tá sozinho. É isso, não tem erro. Chutei.
GOOL!
Pensando no que poderia escrever, mas sem conseguir histórias relevantes, quase
escrevendo sobre a tediosa competição de ioiô que participei uma vez, me dei de cara com uma
notícia besta sobre atores mirins, o que me trouxe a memória uma história que, apesar de ainda
medíocre, é certamente melhor que a do enfadonho torneio de ioiô.
Minha mãe me levou ao cinema de prontidão, claramente muito mais animada do que
eu. Contando como ela gostava do filme, que era sobre um fusca vivo, mas que não conseguia
falar, daí o nome. Contando como meu avô teve um fusca. Coisas assim, durante todo o
trajeto de ônibus. Quando vi o filme, eu fiquei maravilhada, como qualquer criança facilmente
impressionável, entrei numa espécie de “fase gosto de corrida”. Na verdade era absolutamente
superficial, mas na minha mente eu estava apaixonada pela velocidade.
No mesmo ano, a Fórmula Renault realizou uma etapa em Vitória, minha cidade, pela
primeira vez. Como não aconteciam muitas coisas na cidade e eu ainda estava na fase de gostar
de corrida, meus pais decidiram me levar. Meu pai, uma espécie de Serginho Total capixaba,
conhecia todo e qualquer indivíduo da cidade (o que é absurdo considerando que é uma cidade
relativamente grande), nisso não era surpresa que conhecesse pessoas que trabalhavam em um
dos patrocinadores da corrida, uma escola de inglês franquiada, o que levou ela a facilmente
conseguir três ingressos. Novamente, normal, perco a conta de quantos eventos e shows entrei
sem pagar por causa do meu pai e de sua personalidade peculiar.
Entretanto, ninguém sabia ao certo o que diabos era a tal da Fórmula Renault, nem
mesmo meus pais, nem mesmo os amigos dos meus pais. Hoje sei que era uma temporada que
serve como classe de acesso a categorias como Fórmula 3, Fórmula 2 e Fórmula E. Na época,
porém, tudo que sabíamos era que vias importantes da cidade iam ficar interditadas e carros
extremamente rápidos iam passar por elas.
Nesse dia, em meio meu entusiasmo de criança e os lanches que levei, descobri que
corrida é muito melhor na TV. Principalmente em filmes. Ao menos para crianças. Você,
inevitavelmente, só vê um trecho extremamente específico. Tudo é rápido demais, mas ao
mesmo tempo você passa a maior parte do tempo vendo nada, e claramente se perde no que
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está acontecendo, sendo necessário o narrador e um telão (e, no meu caso, adultos dispostos
a interpretar esses dados e repassar para a filha), de maneira imprescindível. No final, uma
moça chamada Bia Figueiredo ganhou. Lembro de uns caras ao lado dizendo coisas que eu não
entendia na época e meus pais ficando bravos, logo que o resultado saiu. Hoje consigo imaginar
muito bem o teor do conteúdo que eles diziam. Também sei, hoje, que Bia provavelmente ouviu
muito daquilo, durante toda a vida. Também sei que ela estava ali fazendo história. Aquela era
sua segunda vitória na temporada, a primeira havia sido em Campo Grande, o que a levou as
manchete: primeira mulher a ganhar na Fórmula Renault. Ela brigava nas cabeças da temporada,
terminou em terceiro e logo foi para os EUA, onde disputou a Fórmula Indy.
Bia, após sua vitória, se dirigiu às arquibancadas para jogar pequenos brindes. Jogou
camisas e casacos autografados. Quando chegou na parte que eu estava, última pela ordem que
ela escolheu, os brindes haviam acabado. Então, de prontidão, ela puxou o marcador do bolso,
tirou o boné que estava em sua cabeça e autografou. Jogou na arquibancada. Meu pai pulou
muito alto, ao menos na percepção de alguém com pouco mais de um metro, e pegou o boné,
me entregou. Eu olhei pro boné, olhei pra Bia. Meu cérebro de criança não precisava de mais
nada. Pra mim, naquele momento, naquele instante, eu estava dentro do filme, Lindsey e Bia
eram a mesma pessoa. Minha heroína tinha me entregado um momento, uma lembrança. Todo
o tédio de criança foi embora, aquele ali tinha se tornado automaticamente o melhor dia da
minha vida. Usaria aquele boné até o último de meus dias, tinha pensado a menina sonhadora.
Algumas semanas depois, em um passeio de escuna com a escola, o vento levou ele
da minha cabeça, se perdeu no horizonte. Chorei muito. Superei. Esqueci. Conforme o
automobilismo foi saindo da pauta mainstream, com a derrocada dos brasileiros, passei e não
saber nada sobre o esporte, em absoluto.
Hoje, depois de ler um artigo de fevereiro chamado “A grande chance de Bia Figueiredo
na Stock”, descobri que ela corre na Stock Car (categoria que, admito, só conhecia de nome,
“Nascar do Brasil”, e das presenças folclóricas dos filhos do narrador Bueno e de Rubinho) há
alguns anos. Tendo figurado apenas em equipes pequenas e médias, nunca correndo exatamente
nas cabeças, não fazendo jus ao explosivo começo de carreira. O que me lembra… Lindsey. Atriz
mirim consagrada, tendo figurado entre as atrizes jovens mais bem pagas no início dos anos
2000, caiu em um marasmo, se envolveu em diversos escândalos e polêmicas, foi presa, entrou e
saiu de diversas clínicas de reabilitação. Evidentemente, uma vida muito mais conturbada do que
a de Bia, porém, as duas se encontram na forma de promessas que, por venturas, não vingaram.
Em uma nova coincidência, 2018 se mostra como um novo começa para ambas. Lindsey
começou novos empreendimentos, reestruturou sua vida, e, pelo que apurei rapidamente pelo
Google, está prestes a estrear um reality show. Já Bia, finalmente, corre por uma grande equipe,
a Ipiranga, apesar de ainda não ter conquistado nenhum circuito na temporada, é dito pelos
conhecedores que ela deve vir forte na próxima temporada, não tenho conhecimento suficiente
para confirmar ou negar a informação, entretanto.
Paralelos forçados à parte, guardo essas memórias com carinho. A confusão mental
infantil criou, por incrível que pareça, uma relação especial pra mim, entre o automobilismo
real e a ficção. Dificilmente veria Meu Fusca Turbinado mais uma vez, tal como não devo passar
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a acompanhar Bia na Stock Car, mas o carinho, sem sombra de dúvidas, vai sempre estar no
meu baú da infância. E digo, com toda certeza do mundo, lembranças bem melhores que as do
sacal torneio de ioiô.
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O MEU ESPORTE
Toda criança gosta de algum esporte, algumas gostam de assistir, outras gostam de
competir, mas algumas gostam apenas de treinar. Quando criança eu era do tipo que gostava
de treinar, não treinava pra competir, muito menos acompanhava os últimos acontecimentos,
era completamente perdido quando o assunto era esporte, mas gostava de experimentar novos
esportes. Treinava um pouco e já cansava, queria mudar, conhecer outras modalidades, até
encontrar uma que realmente eu gostasse.
Comecei na natação, “é bom saber nadar”, dizia meu pai, nem cheguei a terminar
todas as aulas, já pedi pra trocar, não gostava daquilo. Fui treinar karatê, “você precisa saber se
defender”, dizia meu irmão, quando passei da faixa branca para a amarela, cansei, não aguentava
mais. Comecei a treinar tênis, o esporte favorito do meu pai, mas não o meu, o esporte no
campo do lado parecia mais legal, o esporte que eu saía sempre parecia chato e o próximo que
eu entrava sempre parecia mais legal.
Ao lado da quadra de tênis ficava o campo de beisebol, treinei por bastante tempo, desse
eu gostava, até que os horários começaram a ficar ruins, e tive que parar. Tentei tênis de mesa,
basquete, handball, até tentei voltar às lutas com jiu-jitsu, mas nada me agradava.
Na busca por um esporte, acabei machucando meus ombros, fiz tantos esportes e forcei
meu corpo de tantas formas diferentes que já não conseguia mais treinar qualquer coisa. Pensava
comigo “que esportes posso fazer que não prejudique mais meus ombros? Comecei a correr
enquanto pensava em que esporte iria fazer, não queria ficar parado, corria na rua mesmo, sem
treino, sem programação, sem relógio, sem celular, sem nada, me desligava do mundo, apenas
corria.
De tanto correr, acabei entrando no atletismo, mas agora com treinos, treinadores,
programação, relógio, distância, até mesmo competia. Quem diria que a criança que só queria
treinar sem compromisso iria gostar de competir.
Nunca encontrei um esporte que eu fosse bom, mas como eu adorava correr...
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Qual o primeiro empreendimento você sonhou em abrir? Sonho mesmo, aquele delírio
de criança. Ter seu próprio Mc Donalds? Ter sua própria loja de brinquedos? Ter seu próprio
time de futebol?
Pois é, resolvi tentar um deles. Criei um time de futebol aos 13 anos. Os Mafiosos da
Areia. Chamei uns amigos. Os amigos chamaram uns amigos. Procuramos e procuramos um
goleiro. Montamos uma comunidade no Orkut para mostrar que o time era sério. Com escudo,
lema, mascote e tudo. Se duvidar, até torcida organizada. O time estava pronto. Só faltava um
mero detalhe. Faltava jogar.
“Meu amigo tem um time de praia também!” Ótimo. Vamos jogar contra eles. Sábado,
às 16 horas, nos encontramos na Praça das Bandeiras, ali entre o Canal 2 e 3 de Santos. Cada um
chegando no seu camelo (como se fala bicicleta no dialeto daquela especial ilha), se conhecendo,
e na maior expectativa da nossa grande estreia. Time escalado no mais tradicional 4-4-2 pra
não ter erro, vamos jogar o arroz-feijão. Sem esses falsos 9 e pontas de hoje em dia, mas com
uma singela adaptação pro campo em que estávamos. Uma areia é mais fofa que a outra. Não
faz sentido jogar com lateral esquerdo e direito só pelo pé que chuta. Criamos o lateral-mar e o
lateral-rua. Afinal, o lateral-mar tem que saber tirar a bola da água, e o lateral-rua tem que jogar
mais na areia fofa.
Começa o jogo. 1x0. 2x0. 3x0. 4x0!!!! E perdemos...Segundo jogo. Derrota por 3x0. Não
se nega que houve evolução. Terceiro jogo já fizemos gol, foi 3x1. Perdemos o 4º jogo. Perdemos
o 5º jogo. E lá vamos nós pro 6º sábado da Praça das Bandeiras. Mesmo com a lamentável
sequência de 5 derrotas, já estávamos tendo uma certa troca de passes, um certo entrosamento.
Abrimos o placar. Pela primeira vez estávamos na frente. Continuamos indo pra frente. A chuva
apertou. Estava ficando escuro em plenas 5 horas da tarde. Mas a empolgação era demais. 2x0.
Nós íamos ganhar. A vitória estava perto. Mas a chuva tava apertando. Cada vez a chuva doía
mais. Não era mais chuva. Era granizo! Vinha aquela vontade de continuar jogando, mas caindo
pedra de gelo na sua cabeça simplesmente não dá.
“Ei pessoal, acho que vamos ter que acabar o jogo.” Que pessoal? Não tinha mais
jogo, já estava todo mundo com seu camelo voltando pra casa. E pra mim, que sobrei
sozinho no meio do campo, restou-me pegar a bola e voltar também. Tinha granizo caindo
em mim, mas o que tava mesmo na cabeça, era aquela desejada vitória interrompida.
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HOBBY
Desde quando consigo me lembrar, o esporte esteve presente na minha vida. Ter um pai
que jogou futebol profissional e chegou a ser campeão paulista e vice-campeão brasileiro ajudou
bem a marcar essa presença, única coisa é que eu não seguiria os passos do meu pai como goleiro
de futebol, mas sim como um jogador de tênis. Não que eu não gostasse de jogar futebol, eu
adorava ser goleiro e sempre pedia pro meu pai me treinar, mas como a carreira dele terminou de
forma injusta, ele ficou muito amargurado com o esporte e não queria me ver como um goleiro
profissional.
Quando eu tinha 5 anos minha família se mudou de São Paulo para Brasília, o ano era
2000. Nessa época já era muito comentado sobre o Guga nos programas esportivos, afinal ele
havia ganhado Roland Garros em 1997 e era considerado como o futuro do nosso tênis. Além
dele, havia nomes como Fernando Meligeni, o Fininho, e Fernando Saretta, mas ninguém tinha
ganhado um Grand Slam e, como brasileiros, temos a ideia de que se não for pra ser o melhor,
você não é bom o bastante, principalmente no esporte.
E, um ano depois, veio o terceiro título do Guga em Roland Garros, o título que ele
virou um jogo que ele estava perdendo por dois sets a zero nas oitavas de final e, depois de buscar
a vitória, desenhou um coração na quadra, levando todo mundo que estava assistindo essa
partida ao delírio. Eu, como um fã do Guga no auge dos seis anos de idade, passei a imaginar
diariamente eu ganhando Roland Garros e desenhando o coração na quadra, exatamente como
Guga fizera. Isso me despertou ainda mais para a prática desse esporte.
A partir daí, comecei a querer ter o estilo do Guga, deixei meu cabelo crescer, comecei
a treinar não só de fim de semana, mas três vezes por semana também e investi grande parte
da minha infância e parte da minha adolescência treinando pra virar profissional de tênis. Na
minha cabeça esse era o meu esporte, e eu adorava todo segundo que treinava e jogava.
Foi aí que joguei meu primeiro torneio, era bem simples, por equipes e feito para a
academia de tênis onde eu treinava, só os alunos de lá podiam jogar. Lembro que fiquei como
o capitão da equipe e jogamos muito bem esse torneio. No final fomos campeões e fiquei com
uma sensação muito boa, meu primeiro torneio e ainda por cima fui campeão. Não importava
pra mim se era um torneio “café com leite”, eu tinha sido campeão, tinha jogado bem e comecei
a sentir um gosto diferente, um gosto melhor do que só jogar tênis, melhor do que só treinar, era
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Esse gosto é viciante, não importa quantas vezes você já o tenha sentido, você vai querer
sempre senti-lo de novo. A partir daí meus treinos intensificaram, comecei a treinar em clínicas
de tênis, treinar até 5 vezes por semana. O tênis deixou de ser somente um hobby e virou a
atividade que eu mais levava a sério naquela época.
O esporte ficou tão enraizado no meu dia-a-dia, na minha vida, que até hoje eu não sei
o que é viver sem praticar um esporte, sem competir e sem ter jogo no final de semana.
65
Fernanda Forgoso
“Hoje o mar está flat”; “Olha o cut back que o cara fez”; “O swell vai entrar, hein”.
Essas eram expressões comuns de ouvir em meus fins de semana. Toda sexta à noite a
gente “descia” para praia e no dia seguinte às sete da matina já estávamos com o pé na areia. Papai
me ensinou a surfar desde que me entendo por gente. No começo ele empurrava minha prancha
nas ondas, mas depois de pegar o jeito caí na água sem ele.
Eu amava a sensação de entrar no mar. Sentia que estava livre e independente ali. Remava,
remava, remava até chegar no fundo. Lá encontrava a calmaria e esperava a onda certa.
Era um dia ensolarado na praia, desses que o sol chega a arder. Primeiro o protetor,
depois a parafina na prancha e por último o alongamento pré-surf. Depois de tudo pronto, eu e
minha prima fomos em direção ao mar.
Nós remávamos com todas as nossas forças e não conseguíamos sair do lugar. Não
nos demos conta do que estava acontecendo até o momento que fomos arrastadas para fundo
e começamos a ficar assustadas. Decidimos gritar, clamar por ajuda e de repente tinha um
conglomerado de pessoas na beira d’água. Mas pareciam estar tão longe.
Um salva-vidas vinha em nossa direção. Um não, eram dois. Com boias, apitos e
equipamentos. Na hora o desespero era tão grande que não conseguíamos parar de remar
em direção a eles. Mas veio o cansaço físico. Então só aguardávamos o momento deles
nos resgatarem, entretanto, os pensamentos eram longínquos. O medo, o sentimento de
partida e até mesmo o receio de aparecer um tubarão ali vinham à tona. Vai saber, né.
Quando nos demos conta já estávamos na areia. As pessoas que nos observavam com olhares de
curiosidade e ao mesmo tempo alivio. A adrenalina ainda era alta. Depois de uns dois copos de
água ela baixou.
Por fim, relaxamos, curtirmos a praia e até fomos para o mar novamente. Não foi aquele
fato que nos impediu de sentir o prazer inexplicável de surfar.
Agora que cresci vejo que o surf é uma metáfora de nossa vida. A gente rema e rema em
direção aos nossos sonhos e metas. Na maioria das vezes nunca é fácil. As ondas são fortes, nos
derrubam, nos cansam e até nos deixam estagnados. Nessa jornada também não podemos nos
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esquecer da importância das pessoas que nos ajudam assim como os salva-vidas nos ampararam.
E não podemos desistir. Temos que remar até o fim, pois quando chegamos ao final das ondas,
aonde elas não quebram mais, vem a calmaria, a felicidade e sensação de dever cumprido. E
a vida é assim, constantemente estamos lutando contra muitas ondas, mas uma hora sempre
chegaremos ao nosso objetivo.
67
RAQUEL
O ano era 2012 e eu tinha 14 anos. Já treinava futsal com o mesmo time há 3 anos.
Éramos invictas no campeonato principal da nossa escola, o Interunidades, onde competíamos
com as outras unidades da nossa escola. Eu estudava na unidade Teodoro e o nosso maior rival
era o time da unidade Alphaville.
Na metade do meu quarto ano no time, apareceu uma nova integrante, que
não estudava na minha unidade, porém nosso técnico havia permitido que ela treinasse
conosco. O nome dela era Raquel e, apesar de eu conversar com ela pré e pós treinos, eu
nunca pensei em perguntar onde ela estudava. A explicação do Jorge, nosso técnico, era
que a Raquel morava mais perto da nossa unidade do que da dela e, por isso, havia pedido
para acompanhar os nossos treinos. Por esta razão, imaginei que ela estudasse em alguma
unidade próxima, mas não tão próxima, como a Pinheiros e a Marquês. A Raquel não era
muito boa e as vezes chegava a atrapalhar o andamento dos treinos no começo. Mas depois
de 6 meses, já havia melhorado muito, se tornando uma das melhores jogadoras do time.
Quando o quarto ano foi chegando ao fim e o Interunidades se aproximava, fui ficando cada
vez mais chateada, por saber que a Raquel não poderia representar nossa unidade e jogar com a
gente pelo título.
Enfim chegou o grande dia, Raquel havia mandado uma mensagem de boa sorte para o
time e isso nos deixou muito feliz. Começando ganhando com facilidade dos primeiros times do
nosso chaveamento. Jogamos contra o time de pinheiros e nada da Raquel, assim como no time
da Marques. Chegamos a final contra a Alphaville e eu já estava certa de que ela havia desistido
de jogar por outra unidade, por já se considerar do nosso time.
Raquel parou de atender aos nossos treinos e nunca mais a vimos nas competições.
Recentemente, ouvi dizer que ela está treinando nos Estados Unidos e tem potencial para se
tornar uma excelente jogadores profissional. Apesar da dura derrota, hoje em dia, fico feliz de
ter treinado ao lado dela. Espero que algum dia eu possa a ver jogar com uma camisa que ambas
vestimos com orgulho, a da Seleção Brasileira.
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É com esse sinal que o treinador chama. E também tenta trazer a tona a motivação,
energia, espírito e garra da criança. Em cada palavra, na entonação, nas palmas feitas
simultaneamente ao grito, no olhar de competição. Mas quem disse que a pequena pessoa está
prestando atenção?
Os dois se trombam, um encontro forçado, onde o mais velho bota a mão no ombro do
mais jovem, tanto no sentido físico quanto educativo do termo, e lhe recorda das várias lições e
estratégias da fase de preparação. Fundos de olhos se encontram, e é possível observar, mesmo
quem não tem o olhar aguçado, as diferenças de entonação das almas dos indivíduos. Agitado
e esperançoso, um deposita sua confiança no outro e nas possibilidades que ele poderá criar na
tarefa que está por vir. Já o outro, percebe agora do que o Um está falando, e lembra o que está
fazendo ali, do que fez para chegar ali, só ainda não entende POR QUÊ está ali.
A verdade é que NÃO queria estar ali. Tinha feito pose de corajoso, achado interessante
a ideia de fazer uma excursão sem a família, ficar um dia inteiro fora de casa, dormir em local
desconhecido, e COMPETIR com outros de fora, mas agora que havia chegado o momento
de ficar em evidência, tremia da cabeça aos pés. Batia os dentes. O técnico pergunta se está
tudo bem. O outro responde: “Sim, só estou com frio”. “Não se preocupe, a água está quente”
responde, como se isso fosse aliviar a ansiedade que cresce como um tornado dentro do pequeno
nadador. Seja como for, agora os dois se dirigem a beira da GRANDE piscina, para dar início
aos trabalhos.
A supervisora de sua raia lhe dá oi. Ao que responde da mesma forma. Depois, observa
quem está nadando no momento. Era sua colega de treino mais velha. Um nado belíssimo,
de acordo com seus próprios parâmetros. O Um pergunta a supervisora como ela está indo. A
responsável pela contagem da distância aponta o papel que segura e diz que “vai fechar mil, com
certeza”. O rosto do treinador fica iluminado por um sorriso. Isso aflora ainda mais a ansiedade
do jovem, que pensa que talvez tenha a obrigação de imitar a marca da veterana.
Era agora. Ia começar. E só ia acabar daqui a quinze minutos. Uma eternidade segundo
ele próprio. E mais ainda agora que teria que nadar não só por um longo tempo, mas percorrendo
uma grande distância. Ele se agacha, senta na beira da piscina e coloca as pernas na água. De
fato, está quente. Isso lhe dá um leve ânimo, fazendo com que empurre o resto do corpo junto,
submergindo-o imediatamente. Ah, o calor é revigorante! Do alto, ouve uma voz dizer: “Não se
preocupe, apenas dê o seu melhor e nade até o fim”. É, talvez isso fosse possível.
Ouve uma campainha. Ela indicava que os quinze minutos de sua parceira tinham
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acabado. Ela estava fazendo a volta. Assim que chegasse à extremidade que ele se encontrava,
acabava o momento dela e começava o seu. Apenas mais alguns metros. Cada vez mais perto...
“Vai lá, manda ver!”. O grito o assusta, quase o faz queimar a largada. Se prepara, coloca o pé
na parede e... foi.
Já inicia forte, querendo mostrar que sabe o que está fazendo. Cada pernada é uma
tentativa de chutar o mais forte que consegue a água, para fazer o coração acelerar. Cada
braçada é como remos de um barco viking, desbravando o mar mais tempestuoso. Puxando
e empurrando seu corpo com o máximo de eficácia, a distância é cortada como se fosse
mero capricho do mundo. Mas logo chega do lado oposto a saída, e bota a cabeça para fora
d’água para fazer a volta, ouve em uníssono: “CALMA!”. Era seus outros colegas de equipe.
De fato, logo seu coach entrou na torcida ao lado da piscina, que lhe dava instruções.
“Eles devem saber de algo que não sei”. Nesse momento, recorda da estratégia elaborada em seu
centro de treinamento, onde a proposta era começar numa intensidade baixa e ir aumentando
conforme o tempo passa. E no seu caso específico, tudo o que querem é que passe por esse
desafio incólume, de forma tranquila, mas ininterrupta. Isso ele pode fazer.
Reduz a marcha até quase uma inércia do giro-motor. É uma velocidade que usa para
relaxar o corpo ao final dos treinos, ou no meio deles quando o técnico não está olhando. Parece
nem que está nadando, mas sim que a água o balança de um ponto para outro, e ele apenas se
deixa levar por sua vontade.
Definida sua velocidade de percurso, falta achar algo para se ocupar durante a viagem.
O pensamento começa então a se desprender do corpo, procurando no que se concentrar.
Começa recordando dos eventos do dia até ali: da saída deles da academia que treinam rumo
a competição, da viagem e da conversa com seu amigo de treino, da chegada e apresentação
da academia rival que iriam nadar, do discurso de abertura do dono do local, da tomada de
território por parte de sua equipe, da sala de pilates, onde agora seria seu dormitório. Lembrou-
se de como foi gostoso dormir ali, apesar de ser no chão duro, e desejou poder voltar a dormir
novamente naquela sala. “É exatamente o que farei depois daqui”, pensou, mas primeiro teria de
cumprir a árdua tarefa em que se encontrava.
Já se passaram alguns minutos. Não podia dizer ao certo quantos, mas estava caminhando
bem. Após recordar os acontecimentos do dia, decidiu se dedicar a elencar aquilo que havia
deixado para fazer quando voltasse para casa. Pensou nos deveres escolares, mas logo os pôs de
lado. Afinal, que relevância havia em matemática, português e geografia agora, em pleno nado?
Decidiu viajar por pensamentos mais supérfluos. Lembrou-se do novo jogo de vídeo
game que ganhara. Um jogo de super-herói. Estava animadíssimo para jogar, só precisava de um
detalhe: um videogame para rodar o CD da aventura. Riu, ao pensar na situação boba que se
encontrava. Havia lhe dado uma flecha, um cachecol, um carro, mas sem o devido complemento,
condição ou predisposição para usá-lo em seu potencial máximo. Mas isso não o impediu de
imaginar nas aventuras que o esperavam lá, naquele jogo. Imaginou-se na fantasia, sendo ora o
mocinho ora o vilão, e travando batalhas épicas no simples campo da imaginação.
Mas até mesmo a imaginação de um jovem tem seus limites, ainda mais quando está
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no meio de uma tarefa ativa como nadar. O tempo passava, faltava ainda bastante para o
cumprimento de sua meta, mas já devia começar a ficar mais ligado na sua situação. Não cabia
mais se enganar com fantasias, tinha que se pautar na realidade. E ao ver a construção de um
prédio no terreno vizinho, percebeu que podia elencar diversos questionamentos extremamente
precisos quanto ao progresso da obra. Questionamentos pragmáticos, que ajudariam a se manter
atento.
Perguntas como: tempo de ação até agora, tempo de previsão de término, custo total da
obra, rotina de construção, alojamento dos construtores, salários, custo do material, qualidade
do material, propósito do prédio, que provavelmente seria para moradia; vizinhança, aspectos
do bairro, áreas verdes, árvores das proximidades e suas alturas consideráveis, entre tantos outros
fatores que ficam elencados um no outro como uma corrente sem fim. Ele ouve um chamado
que o desperta.
O seu treinador, junto com alguns colegas seus, aparecem na borda da piscina,
gritando palavras de apoio para que não apenas continue, mas para que vá cada vez
mais depressa. Ele podia acelerar, mas tinha medo de cansar demais. Tinha medo de
engolir água por causa disso e se afogar. Tinha medo de desistir devido ao cansaço...
A cada respiração lateral, enxergava a torcida lhe passando instruções e energias. E também
conseguia ver um relógio acima deles. Conseguia ver quanto tempo havia passado. E já fora
mais de dois terços do desafio. E não estava nem perto de ficar exausto! Então oras, por que se
segurar?
Fez então um último Sprint, para que seu colega não perdesse tanto tempo
por sua causa. Bateu forte na parede com a mão. Imediatamente ficou em pé naquele
raso, e viu de relance o próximo nadador de sua equipe começar a própria tarefa.
Buscou o ar com a boca e nariz, e só então notou o quão cansativo foi tudo aquilo.
Estava ofegante de uma forma que quase nunca ficara antes. Parecia que todo o oxigênio daquela
sala não era suficiente, além de estar quente e não ajudar a refrescá-lo. Pensou que desabaria ali
mesmo, na beira da piscina, mas sentiu um aperto no braço e uma força puxando-o para cima.
Somou sua própria força àquela e juntas, o tiraram da água e o colocaram sentado numa cadeira
que havia do lado da supervisora. A mão era do seu coach.
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Olhou fixamente para o rosto de seu mentor, e sorriu, com a boca aberta ainda ofegante,
numa careta de puro cansaço, mas com felicidade. Um sinal de positivo fechou esse ritual. Ele
deixou o técnico livre para fazer o mesmo pelo colega que agora ocupava seu lugar na piscina.
Manteve-se na cadeira por mais alguns momentos, enrolado em sua toalha, observando
as pessoas ao redor da piscina resolvendo suas tarefas enquanto os outros nadavam. Todas
ocupadas, como provavelmente também estavam enquanto ele era o nadador. Olhou para os
que nadavam agora, desejando, ainda que minusculamente, repetir aquilo tudo de modo ainda
melhor. Por fim, uma voz o indaga:
- Tá tudo bem com você? – era a supervisora, olhando-o com um sorriso amigável.
Domingo de tarde, dia de ir ao clube como sempre acontecia no verão durante a minha
infância. Almoço com meus pais, piscina. Mas havia um detalhe: era domingo de corrida. E não
qualquer uma, Interlagos, valendo campeonato. Eu lembro que Felipe Massa tinha ganhado
várias corridas, mas tinha tido vários problemas em outras (a maioria por erro da sua equipe,
a tão imponente Ferrari). Contudo, ele chegou no final do campeonato com chances reais de
título.
Precisava ganhar e seu concorrente Hamilton chegar de quinto colocado para trás. Eu não
sabia direito quando ele estava ganhando ou não, acompanhava meu pai sempre perguntando
“Agora ele ta ganhando?”. E assim foi a corrida inteira, “E agora ele ainda ta ganhando?”. Até
que no final Massa ganhou, cruzou a linha em primeiro lugar meu pai gritava e pulava “Ele
ganhou, agora ele ganhou”. Depois de 17 anos, tínhamos novamente um campeão mundial.
Massa tinha ganhado a corrida. Fato. Mas ela ainda não havia acabado, Sebastian
Vettel (que viria a ser tetracampeão mundial de formula alguns anos depois) é ultrapassado por
Hamilton que então levava o caneco para a terra da rainha. Todo mundo para de comemorar,
meu pai xinga o Massa, o Hamilton, o Vettel, o Galvão Bueno, a Ferrari. E eu não entendia o
porquê tanta raiva.
Meu pai nunca foi o cara mais competitivo no mundo esportivo, sempre admitia quando
o time dele jogava mal e ficava bem calmo quando alguém que ele torcia em alguma competição.
Depois que a poeira da corrida abaixou nós voltamos para casa e meu pai veio falando: “Não
acredito, 17 anos sem a gente ganhar e acontece tudo isso hoje, saudades do Senna”. Ai que eu
perguntei: “O que esse Senna tinha demais?”. Meu pai já quase chegando em casa só faltou parar
o carro para me olha enquanto contava: “O cara era o melhor. Eu fui ver ele correr em 91, ele
ganhou a corrida com só duas marchas. E a corrida de recuperação então? Com problema na
largada ele ultrapassa todo mundo, na chuva e ainda ganha a corrida”. Minha mãe já emendou:
“Todo mundo lembra certinho o dia que ele morreu, foi um dia triste.”
Eu nunca tinha visto meu pai tão empolgado contando histórias assim e fiquei curioso
e fui para a maior fonte de informações que eu conhecia na época: o Youtube. E comecei a ver
alguns vídeos junto com meu pai. Entrevistas, ultrapassagens e logicamente a “musiquinha do
Senna” como eu chamo o tema da vitória até hoje.
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Passei a acompanhar cada vez mais a história dele, realmente um ídolo. Fez coisas
grandiosas dentro e fora das pistas. Corridas emblemáticas na chuva, disputas nos bastidores,
superação, determinação, disciplina. Ele era diferenciado. Realmente sua história teve mil
acontecimentos até o seu acidente em Imola. Os anos se passaram e eu assisti documentários,
entrevistas, vídeos antigos, li livros e realmente, Senna foi um dos melhores. Não só piloto,
um dos melhores exemplos de atleta, pessoa e cidadão. Poderia escrever 65 (o número de pole
positions que Senna teve) narrando suas conquistas e fatos marcantes, não é esse o mérito aqui.
A questão é: O que Senna representava para o meu pai e para mim. Senna emergiu em um Brasil
sofrido e em um universo em que os estrangeiros dominavam. O brasileiro que deu certo, o cara
que quando ganhava erguia a bandeira do seu país com orgulho. E muito tempo depois só, eu
fui entender o porquê meu pai ter ficado tão bravo com o Massa perdendo o campeonato. Se o
Brasil ganhasse o sentimento de orgulho, sentimento de vitória que tantas vezes falta às pessoas
podia voltar. Por momentos que fosse, mas fazia 14 anos já do acidente no GP de San Marino,
não faria mal algum ouvir mais uma vez a “musiquinha do Senna” e ver a bandeira do Brasil lá
mais uma vez. Massa não foi um piloto ruim. Muito longe disso, perdeu um campeonato por
culpa da sua equipe. Mas mesmo que tivesse ganho, com todo respeito a ele, jamais substituiria
Senna. Hoje compreendo o que Senna representou e até hoje representa.
Se hoje eu, palmeirense fanático, vou ao estádio e tem uma foto de Ayrton – corintiano
confesso - estampada em uma campanha da Allianz entendo que não é pelo atleta e sim pelo
homem por trás do capacete e tudo que ele já representou para um povo. Bem como para o meu
pai.
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Aquele foi meu primeiro campeonato de futsal. Aos 14 anos, assumindo a titularidade
no gol do time sub-16 do colégio, o CNSD. E depois de seis jogos ao longo do ano, chegamos
à finalíssima! E esta seria justamente contra o LBV, com quem houve certa rivalidade naquele
torneio. A derrota por 5 a 3 ainda na fase de grupos não tinha sido bem digerida.
Durante todo o ano, assisti vídeos de meu time do coração e sonhava com uma defesa
de pênalti em uma possível final, ao som de “All these things that I’ve done”, de e Killers. Na
fase de grupos não deu. O único penal foi por pouco. Mas mal sabia o que me esperava.
O treinador me escalou. Fiquei surpreso. Mas diante de toda a torcida a nosso favor e
carregando a pesada camisa 12, de São Marcos, meu ídolo e exímio pegador de pênaltis, não
pude negar.
Após três gols em três cobranças, chegou a hora. A inspiração no ídolo e o peso do
número 12 apareceram! Arrisquei, pulando no canto esquerdo, e… ESPALMADA! O êxtase foi
demais! Nem da comemoração me lembro. Foi como se tudo se apagasse e a música tocasse em
minha cabeça! Estávamos a uma cobrança para o título! E ele veio! A taça era nossa!
Antes de dizer como me apaixonei pelo mundo do combate devo dizer como mergulhei
nele. Quando criança meus pais sempre me incentivaram a fazer esportes dos mais variados
tipos, me levando para andar de bicicleta, correr, nadar e até mesmo caminhar, foi desta forma
que acabei caindo de para quedas em uma academia de Jiu-Jitsu, a tão famosa Gracie Barra,
ao menos uma das filiais da minha cidade, São João da Boa Vista. Assim, junto ao meu irmão,
treinei essa modalidade por mais de 4 anos, até completar meus 15 anos, parando para me
dedicar a outros esportes, mas sempre querendo voltar a treinar algum tipo de arte marcial, pois
sempre gostei de ver os filmes de ação do Bruce Lee, Jack Chan e Van Daime.
Um ano se seguiu sem que eu retornasse a treinar nenhuma modalidade relacionada, até
que, devido a uma grande oportunidade, participei de um processo de intercâmbio, indo até o
centro da Europa com apenas 16 anos. Devido a minha vida ativa dentro dos esportes uma das
primeiras coisas que eu procurei ao chegar no local foi buscar modalidades esportivas que eu
poderia praticar.
Apesar de ter treinado diversas coisas durante minha vida, na época eu era muito
franzino, pesando apenas 58 Kg, com uma altura de 1,75m, o que me fez sofrer vários tipos
problemas na adolescência, como falta de autoestima e até bullying, desta forma eu queria fazer
algo para me desenvolver fisicamente. Foi então que eu encontrei uma academia perto de onde
eu estudava por meio de recomendações de alguns colegas meus. Quando fui fazer a visita para
conhecer o local descobri que lá havia treino de KickBoxing. Com vontade de treinar algo que
me fizesse mais forte e com meu desejo de voltar a praticar artes marciais acabei entrando de
cabeça nos treinos.
Logo de começo meu mestre me fez treinar de forma bem intensa, fazendo inúmeras
flexões, arremessando bolas em minha direção para que eu me esquivar, ficar horas pulando
corda, ficar levando socos e chutes para aumentar a resistência e ficar golpeando o ar com pesos
amarrados nas extremidades do meu corpo, de modo que acabei por me perguntar se aquilo era
realmente o que eu queria.
Depois de alguns meses de intenso treino físico e técnico, quando eu estava quase
desistindo, após o aquecimento habitual, meu mestre me chamou de canto para treinar com ele,
dizendo que aquele treino seria diferente dos anteriores e que finalmente eu iria entender o por
que de tanto treino. Foi então que ele me mandou colocar os meus equipamentos, inclusive o
protetor bucal, o que me assustou de inicio, já que eu nunca o havia usado e estaria usando ele
contra meu mestre, me fazendo pensar que ele iria acabar comigo, que era um ultimato para que
eu desistisse de vez de treinar e, de fato, foi um ultimato, me obrigando a fazer um sparring com
ele, uma simulação de luta. Ele com uma expressão zombeira na cara desviava de quase todos os
meus golpes, me rodava, me batendo, me dizendo para levantar a guarda, me deixando cada vez
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mais irritado e surpreso por estar aguentando tantos golpes. Apesar de estar usando toda força
do meu corpo, não estava cansado, até que em um momento consegui desferir um golpe em
seu rosto, me fazendo sentir um turbilhão de alegria por finalmente conseguir colocar minhas
mãos na cara daquele homem. Logo após este evento ele sorriu para mim, me dizendo que eu
finalmente entendi a alegria de lutar e que não importa o quanto eu apanhava, o quão distante
eu estaria de uma vitória, se eu aguentar firme e tiver paciência uma hora eu iria bater de volta,
o que me fez lembrar do Rock dizendo ao filho que devemos sempre aprender a apanhar, pois
a vida sempre vai achar um jeito de te por de joelhos, mas aguentando bem você conseguirá se
levantar e voltar a lutar. Logo após dizer isso ele repentinamente levantou a guarda e começou
a me bater no rosto até eu não ter como me defender e, assim, me ensinou outra coisa, sempre
esteja preparado, em uma luta os golpes poderiam vir a qualquer momento.
Desta forma percebi que estava longe de poder ser considerado um lutador, mas com
a motivação no auge continuei a treinar intensamente, sempre em busca daquela explosão de
alegria que senti naquele momento, sem a parte de ficar encolhido no canto apanhando, fato
que se perpetua até hoje.
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O esporte tem parcela fundamental para minha formação como pessoa. Desde criança,
sempre pratiquei Jiu Jitsu e Futebol. Ao mesmo tempo, sempre acompanhei programas
esportivos, tais como programas da TV Aberta: Globo Esporte, Esporte Espetacular e Jogo
Aberto, e programas da TV Paga: Combate TV e ESPN. Dessa forma, sempre fui vidrado para
o Jornalismo esportivo. Tanto praticava quanto via na Televisão.
Quando era criança fazia Jiu Jitsu na academia da minha mão, a equipe era um braço
da Allianz, no qual o mestre era o Ronaldo Yamashiro. Competi diversas vezes o campeonato
paulista porém nunca ganhei nenhuma medalha. Chegue até a faixa Azul e parei aos 17 anos
para estudar para o Vestibular. Em relação ao futebol, sempre joguei na equipe do colégio
Madre Cabrini. Participei de diversos campeonatos e amistosos entre colégios e já ganhei alguns
campeonatos como titular.
O que mais me inspirou quando criança foi ver o crescimento do Brazilian Jiu Jitsu no
mundo. O intuito da luta, inicialmente era provar a eficiência da modalidade versus outras. E
foi assim, que fundaram o UFC, hoje programa global no qual ganha milhões de reais por luta.
A cada luta dos Gracies que observava, me inspirava mais a ser uma pessoa melhor e a lutar pelos
meus desejos. Por isso, considero que o esporte foi fundamental na minha infância.
DEZ
Tinha dez anos. Camisa dez. Dez gols no campeonato. Essa foi a introdução que o
jornalista da Copa Net de 2008 fez ao entrevistar o artilheiro da competição: o menino franzino
do Colégio Petrópolis que jogava futsal com uma alegria genuína e fazia do campeonato uma
brincadeira com seus amigos de escola. Esse menino era eu.
Desde os meus seis anos de idade, praticava futsal pelo time da escola, jogando alguns
campeonatos entre os colégios de São Bernardo do Campo. Eram campeonatos muito bem
organizados, com juiz, regras bem delimitadas, torcidas (formada majoritariamente pelos pais
dos alunos) - o clima de competição gerado fomentava um ânimo tremendo.
Nosso time fazia parte do grupo das mais premiadas escolas no esporte e estávamos
fazendo exibições de encher os olhos dos expectadores – dessa vez, além dos pais dos alunos,
muitos colegas de classe passaram a integrar nossa torcida. As belas jogadas criadas e os gols
convertidos, muitos desses passando pelos pés do camisa 10, levaram nossa equipe à final da
Copa.
A final foi disputada contra um velho rival: o Colégio Stágio. A expectativa depositada
na partida era grande, eu sabia que seria um jogo bastante complicado e que o meu desempenho
poderia impactar diretamente no resultado do campeonato. Lembro-me muito bem das palavras
do repórter que viera conversar comigo sobre a decisão, palavra por palavra, e aquilo me motivou
demais. Foi uma partida disputadíssima – o primeiro tempo acabou empatado por dois a dois
e, no segundo, numa jogada de sorte, bola que bate e rebate na área adversária, fiz o gol que nos
levou ao título daquela romântica disputa.
CLICK!
Isabella Salvini
Posso dizer que tive uma infância bastante inserida (mergulhada e afogada) no esporte.
Minha mãe, professora de educação física, sempre fez questão que eu praticasse fazendo
aulas e treinos, participando de campeonatos. Comecei no basquete e terminei no vôlei.
Como ela era professora das categorias de base do então Finasa, falecido patrocinador
na época do forte time de vôlei do Osasco, tínhamos algumas regalias. A melhor delas, para
minha mãe, foi quando eu tive a oportunidade de entrar em quadra com as jogadoras. Minha
jogadora foi a estupenda Adenísia e eu, com 8 anos de idade, chegava numa altura próxima aos
seus joelhos.
CLICK!
Desde que os 8 anos de idade, já percebia que algo estava deslocado. Algo não se
encaixava. Em 2004, quando houve a Copa do Mundo, isso se tornou ainda mais evidente.
Como um garoto de 12 anos, que vivia no Brasil, poderia não se emocionar com o a seleção de
seu país jogando? Talvez, a cultura passada pelos seus pais o tivesse afetado. Talvez apenas ele não
se identificasse com o esporte. Jonathan apenas não se importava com isso.
Com 13 anos, seu primo Tony ficou encarregado de cuidar dele durante a tarde. Mas o
primo era jogador de basebol em Itapecerica da Serra, e justamente nessa tarde teria um treino
especial para o time, para se prepararem para o campeonato regional, por isso os dois foram
para o campo. Foi nesse momento que Jonathan descobriu seu lugar: era no campo de basebol,
acertando (quando acertava) bolas o mais forte que conseguia. Maravilhava-se ao ver a bola voar
pelo campo. Foi a partir desse dia que todo sábado era sinônimo de treino.
Apesar de tudo, nunca jogou um campeonato como seu primo. Ao mesmo tempo,
nunca parou de treinar por isso. Continuou treinando no ensino médio, nos três anos de
cursinho. Quando entrou na faculdade, foi uma mistura de emoções. Finalmente havia entrado
na faculdade, mas teria que morar mais perto da faculdade, se afastando do campo de basebol.
Mas, para sua surpresa, sua faculdade tinha seu próprio time para competir entre as escolas de
sua faculdade e entre outras faculdades. Foi nessa época que ele teve sua primeira oportunidade
de competir em campeonatos universitários. Apesar de todo seu esforço, rebatidas e arremessos,
acabou perdendo na final, conseguindo a medalha de prata no BIXUSP, e ainda sim, foi um dos
dias mais felizes de sua vida.
Esse campeonato foi o marco para que Jonathan percebesse que segundo lugar não é o
suficiente e passasse a treinar ainda mais, em busca de algo maior.
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Desde pequeno sempre pratiquei esportes coletivos, comecei com o futebol depois fui
para o basquete, acabei no voleibol no ensino médio e na faculdade encontrei minha paixão, o
rugby.
Pra quem não conhece, o rugby é um dos esportes mais coletivos do mundo (um “pique
bandeira” um pouco mais complexo), cujo objetivos é encostar a bola na área de pontuação
(o “try”), podendo apenas passar a bola para trás. Jogado por quinze atletas de cada equipe, a
coletividade e confiança são fundamentais para o sucesso neste esporte.
Há também a categoria “seven’s a side” nos quais sete jogadores participam na partida
com regras adaptadas (por exemplo, são dois tempos de sete minutos).
O causo que irei contar se referee a um torneio interno realizado na Universidade de São
Paulo, no qual vários institutos da USP, incluído um time de Lorena, participaram. O torneio
em questão foi disputado no modo “seven’s a side”, pois, com o número de atletas reduzido, mais
times se inscreveriam.
Seis times decidiram competir. Em duas chaves de três, os dois melhores iriam disputar
a semifinal em modo cruzado em relação a classificação.
O torneio ocorreu em um único dia (muito comum para essa categoria), em um sábado
ensolarado. A fase de grupos foi de manhã e as eliminatórias à tarde.
Estávamos um pouco receosos, porque esse modo de jogo não nos era familiar
(treinávamos pra jogar com quinze pessoas) e mais receosos ainda devido a participação de vários
calouros, seria o primeiro jogo de muitos. Como nosso time tinha muitos jogadores (mais que
cabiam na súmula), montar o time pra cada jogo foi um grande desafio. A solução encontrada
por nosso treinador (Mamute) foi de mesclar o time com os mais experientes.
Para o primeiro jogo, o time foi montado com mais calouros que veteranos.
Pelo nervosismo e falta de experiência da maioria do time, perdemos o primeiro jogo.
Fomos para o segundo jogo precisando de vitória e, por causa de critérios de desempate, teríamos
que vencer com uma diferença de incríveis três “trys” para nos classificarmos, ou seja, pro tudo
ou nada. Para isso foram adicionados alguns veteranos ao elenco, inclusive eu.
O primeiro tempo acabou empatado em zero a zero. Na metade final, para garantir a
classificação, Mamute colocou o melhor jogador do time em campo (Sininho), com seus quase
um metro e noventa de altura, um pouco mais de 100 quilos e um dos mais rápidos do time.
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Estávamos com um time misto em relação a experiência, mas mesmo assim, confiantes.
Logo no começo do jogo, tomamos um rápido contra-ataque o placar for aberto para eles.
Mesmo atacando, acabamos o primeiro tempo em desvantagem. Com o início da segunda
metade, tomamos uma postura mais agressiva, mas pouco efetiva. O tempo estava acabando e
ainda perdíamos por um “try”.
Não foi o que aconteceu, infelizmente o chute não foi assertivo. O regulamento previa
a disputa de “golden goal”, durante dois tempos (equivalente a mais um jogo) quem marcasse
qualquer ponto primeiro se classificaria.
Jogo começou truncado e na metade do primeiro tempo estava eu correndo para marcar
o portador da bola, ao ver minha chegada ele passou para seu companheiro e eu, pra não perder
o embalo, acompanhei o passe e comecei a marcar o novo portador. O que eu não esperava era
que o nosso pilar (Daniel) estava marcando a mesma pessoa, só que fora do meu campo de visão,
resultado: não o vejo e ao mudar minha trajetória de corrida chuto suas pernas fazendo-o cair
de mau jeito. O jogo continua até que é marcado uma falta contra nosso time e percebemos que
o Daniel continuava no chão sentindo muita dor (ele foi levado ao médico e posteriormente
diagnosticado que havia deslocado o ombro).
Quase no final do primeiro tempo da prorrogação, após uma tentativa de chute nossa,
numa rápida troca de passes o ponta farmacêutico sobra sem marcação e dispara pra marcar
o ponto da vitória. Cabelo corre e, a cinco metros da zona de “try”, o alcança e o empurra. O
bandeira vê o jogador empurrado pisando na linha e marca uma saída de bola pela lateral. O
“try” foi evitado e a primeira etapa se encerra.
Com o começo do segundo, Tim-Tim, numa ótima recepção de bola, costura a defesa
adversária com suas últimas energias e marca nosso ponto de ouro, todos os jogadores cairam
no chão de exaustão, mas com um sorriso no rosto. Havíamos conseguido, íamos pra final.
Por se tratar de um torneio de “sevens a side” a final ocorreria 30 minutos após o término.
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Estávamos exaustos, mesmo assim, o time foi montado com aqueles não jogaram a semifinal e
algumas veteranos que jogaram. Devido a minha exaustão, não fui convocado pra jogar a última
partida.
Fomos vice-campeões, muito além das expectativas de todos, mas acabamos nos saindo
muito bem. Um título bem comemorado, com sorriso no rosto e medalha no peito. Esse dia
ficará marcado para sempre em minha memória.
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FORA D’ÁGUA
Com 7 anos, ainda tentando descobrir onde se encaixava, todo garoto é extremamente
pressionado para jogar bola. Faz sentido. Nascido no mar, espera-se que se saiba nadar. Pois bem,
nascido no Brasil (principalmente homem), espera-se que se saiba bater uma bola. Algumas
pessoas claramente nascem com um talento, uma vantagem natural, onde pouco esforço leva a
grandes sucessos. Outros não tem tanta sorte. Infelizmente, para essa criança de 7 anos, a sorte
não estava ao seu lado. Jogava sempre que podia e até fazia parte de uma escolinha de futebol,
mas de nada adiantava muito. Treinando várias vezes, ficar de frente pra parede, virar o pé e tocar
a bola pra você mesmo. Bate, volta, bate, volta, bate, volta, troca de perna, bate e volta. Sempre
nessa monotonia acaba lembrando do avô, por sua vez um excelente jogador na sua juventude,
que desde cedo colocou o menino para treinar na parede.
No final de cada aula, equipes eram dividas entre os de colete azul e os de vermelho. Era
mais ou menos nessa hora que o pai chegava, com a sua camiseta social azul clara e sua gravata
preta, e com o terno nos braços ele procurava um lugar na arquibancada pra assistir o pequeno
peixe fazer seu esforço semanal para nadar contra a correnteza. Fazia questão de assistir tudo
e julgar em silêncio, deixando mostrar sempre um pouco de animação quando o filho pegava
na bola. Mas não vamos mentir, o menino não era lá essas coisas. Jogava de zagueiro, mas não
por ser maior que as outras crianças ou por saber bloquear qualquer ataque, mas porque faltava
aquele brilho de quem pega a bola e sai driblando, encontrando o caminho, percebendo a
movimentação e finalizando da melhor forma pra marcar o gol, mesmo jogando sempre no
prédio onde morava ou na rua da casa do amigo.
Amigo esse camisa 10 da turma, mas que não fazia a mesma escolinha por já jogar
com os mais velhos. A ideia não era ser o melhor jogador em campo, é mais fácil só não se
afogar do que tentar ser o Michael Phelps. Mas mesmo para esse menino, sendo pressionado
para apresentar o que deveria vir naturalmente, o futebol continuava sendo uma das maiores
diversões. Mesmo jogando de mal zagueiro, a escolinha era sempre um lugar de dar risada com
os amigos. Todo final de jogo o pai, cansado de uma longa semana de trabalho, estava lá para
abraçar e voltar conversando com o filho. Assistia todos os jogos que passavam na televisão, pois
sabia que o avô iria comentar e queria estar com a pauta em dia. É fácil ver que não é preciso ser
um Bola d’Ouro para desfrutar da magia do futebol. E foi assim, com pai, avô e amigos camisa
10, com essa união que o peixe fora d’água assistiu os tubarões ganharem o seu quinto título na
terra do peixe cru.
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Aos meus 8 anos tive o primeiro contato com a natação, começou como uma coisa
obrigatória, pois meus pais haviam decidido que seria bom para mim, e como toda criança,
não tinha muita escolha para argumentar contra essa decisão. Nunca havia passado pela minha
cabeça fazer esse esporte que para mim parecia um pouco sem graça; afinal, não precisava disso,
pois eu tinha minhas incríveis boias de braço que para mim eram suficientes, enfeitadas com
desenhos de super-heróis, fazendo com que eu me sentisse invencível com elas. Pois, toda vez
que ia à piscina ou à praia, eu as usava com o maior orgulho, embora já fosse um pouco crescido
para continuar usando boias.
Enfim, não consegui convencer os adultos, então acabei tendo de ir às aulas, duas vezes
por semana, no período da tarde. No começo ficava entediado, pois perdia uma parte preciosa
do dia, que antes era dedicada aos meus desenhos que passavam na televisão de casa. Assistir
desenhos era umas das minhas ocupações favoritas, e só perdia para o vídeo game. Assim, no
primeiro dia de natação, o tédio tomou conta, pois o professor pediu que fizéssemos uns exercícios
esquisitos de respiração e eu tinha que usar um outro tipo de boia chamada de espaguete, feita
de uma espuma engraçada, em umas cores sem graça. Na segunda aula, foi a mesma chatice,
muito exercício e teoria, pouca prática! Oras, se eu estava lá para aprender a nadar, porque o
professor não me deixava nadar logo de uma vez? Eu sempre fui muito inquieto, e coisas paradas
me deixavam entediado, principalmente quando eu via outras crianças mais velhas nadando, eu
queria fazer as mesmas coisas que elas, pois pareciam que estavam se divertindo muito mais do
que eu, já que eu nem podia atravessar a piscina inteira, tinha que ficar perto das bordas. Sem
contar que odiava usar a touca de natação, e o óculos ficava todo embaçado, eu tinha um dilema:
ou usava os óculos e não enxergava nada, ou ficava com os olhos irritados por conta do cloro.
Como uma criança esperta, eu sempre escolhia a primeira opção, ou seja, ver tudo embaçado,
sendo que ironicamente os óculos serviam para enxergarmos melhor em baixo da água!
Ainda, toda vez que entrava, me sentia incomodado pelo cheiro forte de cloro na água,
o ambiente úmido e o vapor que vinha da água aquecida. O professor colocava umas músicas
estranhas para tocar, geralmente era a mesma, e o som ecoava por todo o ambiente, misturado
com o som da água sendo jogada, quando as pessoas nadavam. Era uma sensação estranha, turva
e desnecessária, e só contribuía para o meu aborrecimento com a essa tal de natação!
Na terceira aula, o negócio começou a ficar mais interessante, pois pela primeira vez
nadei sozinho sem o auxílio de boias. Aquilo foi o máximo, quando nadei tive uma sensação
de leveza e muita liberdade e pela primeira vez entendi porque meus pais insistiram tanto para
eu começar a nadar! Aquilo era muito melhor do que ficar dependendo de bóias de braço, pois
eu podia escolher a direção para onde ir, me sentia no controle! Aquele dia eu não queria mais
sair da água, acabou a aula e eu pedi para ficar mais um pouco, enquanto o professor deixava a
minha mãe orgulhosa falando que consegui nadar sozinho.
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A partir daquele dia, não importavam os óculos, a música, ou o cheiro forte de cloro,
pois acabei gostando muito da natação. Eventualmente esqueci dos desenhos da tarde, que já
sabia de cor, e passei a focar em aprender novas coisas e a nadar cada vez melhor, com essa nova
sensação de vitória em toda vez que nadava. Essa sensação durou por muito tempo, na verdade
muitos anos.
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Quando se é criança, tudo é diferente: Ao descobrir novas coisas, você acha curioso,
mágico, especial, fascinante, às vezes até mesmo apaixonante. Foi desta maneira que aconteceu a
descoberta do esporte para um menino de 7 anos natural de São Paulo, cidade marcada por uma
riquíssima ligação com o esporte: Clubes poliesportivos como Pinheiros e Palmeiras; equipes de
futebol com renome nacional e internacional, e grandes atletas como Serginho do vôlei e Maria
Esther Bueno, do Vôlei. Assim fica difícil não se apaixonar por essa delícia de estilo de vida
chamado esporte, não é mesmo?
Assim, era chegado o dia da competição. Apesar do treino, preparo psicológico e suporte
dos meus familiares, percebi que havia começado mal a competição. O medo de se machucar e
depois ainda ter que passar merthiolate no machucado eram enormes... e isso foi me deixando
lá em baixo na classificação. Mas sabe aquele momento que você pensa “Dane-se”? Pois bem,
ele veio na hora certa. Faltava apenas uma tentativa, e nela concentrei todas as minhas forças e
lembrei de tudo que havia passado, desde o momento que o esporte entrara em minha vida…
“É, tá na hora de jogar sério “. Naquele momento o menino voou…voou...voou… E caiu.
Quando acordei, havia um rasgo na calça maior que a própria calça, bem na região
do joelho (Droga!). A minha maior surpresa, no entanto, havia de ser o resultado que eu
conquistara… O Bronze!! Isso mesmo: O bronze! O pódio era meu, quase não acreditava… Era
real, todo aquele esforço havia se concretizado no meu sonho de receber uma medalha e subir o
degrau do palco do esporte, exatamente como acontecera com Maurren dois anos depois.
Na entrega das medalhas, com a calça rasgada e tudo, me emocionei; sorri para as fotos;
E fui aplaudido por aquelas mais de 50 pessoas que acompanhavam a competição. A felicidade
transbordava: A realização estava completa; E o orgulho...Ah! Esse era igual ao de um campeão
olímpico.
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Pedro Crispim
A minha família sempre foi composta por adoradores e praticantes de futebol, portanto,
desde pequeno, fui muito exposto a essa “cultura do futebol”. Meus tios, meus avós, meus
primos e meu pai foram, e continuam sendo, jogadores e torcedores assíduos. Entretanto,
apesar de me identificar com o jogo e com determinados times, nunca me senti pertencente
desse grupo, que posso denominar aqui de “adoradores de futebol”. Essa falta de pertencimento
advém, provavelmente, do fato de faltar na minha pessoa habilidades futebolísticas, que aos
meus parentes sobra. Portanto, sinto que tal fato impossibilitou minha paixão pelo jogo, mas
não o meu respeito e admiração pelo mesmo. Foi em meio a essa situação que procurei uma
outra opção de esporte que despertasse dentro de mim um sentimento de paixão e devoção e,
nesse contexto, encontrei o tênis.
Foi em 2005 que tive meu primeiro contato com o tênis. Estava no meu clube com
minha mãe quando ela me fez a proposta de assistir meu padrinho jogar. Naquela época não
tinha conhecimento sobre o esporte, então fiquei interessado e decidi aceitar o convite. Após
assistir ao jogo fiquei encantado com o tênis e decidi que gostaria de começar a praticar. Já no
dia seguinte pedi para o meu padrinho me ensinar o básico e após menos de uma semana já
estava inscrito nas aulas ministradas pelo meu clube. Quanto mais eu jogava mais eu sentia
minhas habilidades evoluindo, algo que não era percebido por mim enquanto praticava futebol.
Portanto, diria que essa evolução constante foi fundamental para fomentar minha paixão pelo
tênis.
Posso citar aqui que uma das memórias da minha infância que eu tenho mais carinho
está relacionada ao tênis. Lembro-me que foi em uma tarde de muito sol que decidimos fazer um
churrasco no meu clube e convidar algumas outras famílias sócias. Dentro dessas famílias havia
grandes amigos meus que também estavam praticando tênis e, portanto, após algum tempo de
brincadeiras recreativas e comilanças decidimos armar um pequeno campeonato entre amigos.
Convidamos nossos parentes para torcer, armamos as chaves da competição e começamos a
jogar. Foi um momento de grande felicidade para mim, me reunir com meus amigos para
praticar um esporte que adoro e ainda por cima ter como plateia meus familiares e outros
conhecidos. Não fui o campeão da competição, porém isso pouco importava para mim, dada a
minha felicidade por simplesmente ter experienciado um momento de grande alegria com meus
amigos e parentes.
desempenho escolar. Como na minha família os estudos sempre foram muito valorizados, me
sentia entristecido por não conseguir alcançar as expectativas acadêmicas que meus pais e irmãos
tinham para mim. Nesse contexto, me vi divido entre o tênis e os estudos. Entretanto, após
algum tempo pensando que a maneira mais benéfica para minha pessoa seria conciliar as duas
atividades.
Atualmente, sinto que encontrei o ponto de equilíbrio entre me dedicar ao tênis e aos
estudos. Não participo de competições oficiais, mas continuo praticando o esporte ao menos três
vezes por semana com grande fervor. Ao mesmo tempo, sou um aluno dedicado, com boas notas
e proativo. Por experiência própria, posso dizer que um esporte contribui imensamente para o
desempenho acadêmico de uma pessoa, pois ensina o que é dedicação, paciência e humildade.
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QUE JOGO!
Rodrigo Gorga Cavero
Desde cedo sou apaixonado por futebol. Apesar de grande parte da família ser alheia a
esta paixão, tive a sorte de ser contaminado por uma tia e primos (com os quais compartilhava
os bons momentos da nossa infância) pela febre de ser corintiano. Lembro até hoje a briga que
foi quando meu primo Luca descobriu que eu roubei a figurinha dele do Luizão. Foi no ano de
2002, no qual o Penta foi decisivo para consolidar essa paixão. Vi Ronaldo nos conduzir à taça e
vi meu primeiro ídolo corintiano, Gil, sucumbir diante de Diego, Robinho e os outros meninos
da Vila na disputa pelo Brasileirão.
Confesso que essa paixão era acompanhada de duas angústias. A primeira era não
ter pessoas próximas adeptas da cultura de frequentar estádios, para poder me levar junto. A
segunda era ser um péssimo jogador.
Porém a segunda angústia dura até hoje. Na verdade até houve uma melhora. A luta
para evoluir de jogador péssimo para jogador ruim vêm desde a infância até os dias de agora.
De último a ser escolhido, me tornei um dos primeiros a ser escolhidos depois dos bons, por ser
esforçado.
O engraçado é que por mais que disfarçasse diante dos outros uma certa conformidade
com o fato de jogar mal, no fundo era corroído pela frustração e sempre queria melhorar. Até
por isso, guardo com carinho na memória meus lances de efeito e gols bonitos e/ou decisivos.
Porque são raros.
Foi num clássico da sétima série do meu colégio. Em toda aula de educação física
degladiavam-se a 7ªG, minha sala, contra a 7ªH. Era um confronto extremamente disputado e
equilibrado. O lado que saia com a vitória era sempre no aperto e jogo a jogo se acirrava ainda
mais a rivalidade.
Minha sala contava com o talento de Willian e Felipinho. Ambos baixinhos e franzinos.
Willian, o japonês, era o clássico camisa 10 e termômetro da equipe. Sua segurança transmitia
confiança e quando acionado sempre fazia questão de mostrar sua categoria. Felipinho era
menor ainda, porém muito rápido e um finalizador nato. Até hoje conheci poucos jogadores
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O outro time contava com uma estrela só, o Cunha, que era equivalente a um Cristiano
Ronaldo da sétima série. O garoto já era um trator para a sua idade, um dos poucos com
musculatura desenvolvida, que viria a aparecer nos demais colegas 2 ou 3 anos depois. Não se
destacava somente pelo físico, dominava os fundamentos básicos e era muito dinâmico, correndo
pelo time o jogo inteiro. Levava o time nas costas e suas bombas eram indefensáveis.
Ao ver a bola vir na direção das minhas costas, numa fração de segundos pensei: “Porque
não?” e estiquei a perna direita para a trás apoiando o peso do corpo na esquerda. Flexionei
o joelho fazendo o movimento de gancho com a perna. A bola encontrou meu calcanhar e
fez a parábola na altura perfeita para, caprichosamente, superar o salto do goleiro (levemente
adiantado) e pousar sob o espaço mais alto abaixo do travessão no centro do gol.
A minha primeira atitude foi de não comemorar, tamanha a sorte do lance logo após
o esboço de reação do time adversário, mas assim que virei pra trás vi meus companheiros,
incrédulos, correndo na minha direção para me abraçar. Eu já tinha uma fama de protagonizar
alguns lances “cagados”, mas nunca algo tão improvável e plástico como esse.
A festa pelo gol durou uns bons 2 minutos e partir disso o jogo se retomou num
verdadeiro 2º tempo da tragédia do Mineirão, só que nesse caso o respeito não tinha em vista
preservar a imagem da 7ªH ou demonstrar algum tipo de gratidão. No caso, visava evitar alguma
pancadaria tendo do outro lado o Cunha.
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O ESPORTE E AS MÁQUINAS
Vinícius A. Sayão
Deep Blue moveu o peão de c2 para c4 e naquele momento Garry Kasparov, um dos
maiores enxadristas de todos os tempos, desistiu. Pela primeira vez na história do xadrez, a
máquina havia vencido uma série inteira contra o campeão mundial.
Hoje, 21 anos depois, não há comparação: nenhum humano é páreo para as máquinas.
Até a Deep Blue já ficou pra trás. Agora quem dá bola — ou mate — é a Alpha Zero e a Stockfish.
Elas fazem o melhor movimento possível em praticamente 100% das vezes. Humanamente
impossível. O computador superou o cérebro no esporte da mente.
Tem lá sua beleza, é o melhor xadrez possível sendo jogado, mas não é humano.
REFERÊNCIAS
BICUDO, Francisco Periago. Crônicas Boleiras – segundo tempo. São Paulo: Chiado Books,
2018.
MALULY, Luciano Victor Barros. Jornalismo esportivo – princípios e técnicas. São Paulo: Editora
do Autor, 2017.
TAVARES JUNIOR, Carlos Augusto. “Jornalismo esportivo – o que é”. Revista Pauta Geral
– Estudos em Jornalismo, v.4, n.2. Ponta Grossa: UEPG, jul.dez/2017, p.38-59. Disponível
em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/pauta/article/view/9998/6234>. Acesso em: 08/
09/2018.
http://usp.br/cje/esportivo/