O Jejum Que Cura: Edward H. Dewey

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EDWARD H.

DEWEY

O JEJUM
QUE CURA

Tradução de
Carla Ribeiro
Nota

O livro que agora tem nas mãos foi escrito há mais de


um século. Trata-se de uma obra pioneira cuja publicação
nos EUA alcançou um sucesso assinalável e contribuiu para
o estudo do jejum como prática auxiliar de tratamento.
O Dr. Dewey relata as suas experiências em primeira
mão, fundamentadas na sua prática médica. Muitas das
evidências aqui citadas são empíricas e sustentadas pela
observação dos seus próprios pacientes. Descobertas mais
recentes continuam a trazer novos dados a respeito das vir-
tudes do jejum.
Numa época em que a sociedade parece correr atrás de
receitas milagrosas de cura, a leitura deste livro oferece aos
leitores uma perspetiva histórica valiosa sobre uma prática
ancestral de saúde e bem-estar.

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Capítulo Um

U ma teoria que alega ser nova e da máxima pra-


ticidade, além de certamente revolucionária na
sua aplicação, parece exigir um pouco da sua
origem e desenvolvimento para despertar o interesse do
leitor inteligente. No domínio da saúde, os métodos são
praticamente tão numerosos como os indivíduos que julgam
ser necessário algum método para a sua saúde: tomar algo,
fazer algo pela saúde, é o fardo de vidas quase incontáveis.
São muito poucas as pessoas que estão de tal modo bem,
que não são desejáveis quaisquer melhorias.
A literatura sobre o que comer e não comer, o que
fazer e não fazer, sobre medicamentos que transformam
os estômagos humanos em farmácias, é simplesmente ili-
mitada. A acreditarmos em tudo o que lemos, teremos de
considerar o sítio onde estamos antes de podermos inspi-
rar com segurança o sopro da vida; não devemos refrescar
as nossas gargantas ressequidas sem a certificação de um
microscópio. Não devemos comer sem uma análise exaustiva
de cada elemento na lista de ingredientes, tal como faríamos
um inventário antes de encomendar novos produtos; e isto

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sem nunca sabermos de quanto cálcio precisamos para os


ossos, de quanto ferro para o sangue, de quanto fósforo para
o cérebro ou de quanto nitrogénio para os músculos. Em
suma, há morte no ar que respiramos, morte nos alimentos
que comemos, morte na água que bebemos, ao ponto de nos
parecer verdadeiramente que percorremos os caminhos da
nossa vida no próprio vale da morte e na sua sombra, sempre
sujeitos ao ataque dos duendes da doença.
Quantas vidas se afundariam no desespero se não fosse
pelos milagres de cura prometidos em publicações nas quais
se incluem os nossos melhores jornais e revistas, é algo
que não podemos saber. É a esperança de coisas melhores que
sustenta a nossa vida; o suicídio nunca se dá até toda a espe-
rança ter partido. Até as nossas revistas médicas se encon-
tram pesadamente sobrecarregadas de páginas de novos
medicamentos cuja utilização envolve a mais incrível cre-
dulidade. Talvez seja bom, à falta de uma boa higiene fisio-
lógica, que as pessoas que estão doentes e aflitas se deixem
animar por novas promessas impressas. Talvez seja bom
também para o médico poder entrar nos quartos dos doentes
inspirado pelas páginas publicitárias das suas revistas de
medicina favoritas.
Não serão elas novas estrelas de esperança, tanto para o
médico como para as pessoas? Porque não haveríamos de ter
esperança quando os novos remédios se multiplicam de forma
tão infinitamente superior às doenças recém-descobertas?
Novas doenças? O que há de essencialmente novo que possa
ser tratado com remédios nas línguas saburrosas, nas bocas
fétidas, na temperatura e pulsação elevada, na dor, no des-
conforto e na aversão aguda à comida que se encontram nos
quartos dos doentes? Existem realmente especificidades
para estas condições?
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O método a desenvolver nestas páginas é tão revolucio-


nário, que a sua primeira impressão nunca deixou de desper-
tar todas as formas de oposição conhecidas na linguagem.
E, ainda assim, a sua praticabilidade é tão grande, que rara-
mente é questionada pelos que a testam de forma justa. Não
foi considerado insatisfatório na sua fisiologia nem deixou
de crescer em todos os locais onde encontrou acolhimento.
A origem e o desenvolvimento deste método na cul-
tura da saúde parecem exigir uma espécie de autobio-
grafia profissional, para que se veja que se trata de uma
questão de evolução e não de sorte, nem de uma moda que
é apenas passageira.
Após ter terminado o curso de Medicina na Universidade
do Michigan e ter trabalhado durante uma temporada como
médico interno no Hospital da Marinha dos Estados Unidos
em Detroit, no Michigan, entrei para um dos grandes hos-
pitais do Exército, em Chattanooga, Tennessee, no início
da campanha de Sherman na Geórgia, onde encontrei
uma ala de oitenta soldados doentes e feridos acabados
de regressar da batalha de Resacea. A minha aptidão pro-
fissional para deveres tão graves e tão vastos era de natureza
muito questionável, e não a sobrestimei de todo.
Não escapara à minha atenção, mesmo antes de começar
a estudar medicina, que, quer as doenças fossem abordadas
com doses demasiado pequenas para uma estimativa mate-
mática, quer fossem atacadas com doses maciças ou explosi-
vas, a percentagem de recuperações parecia ser basicamente
a mesma, independentemente do tipo de tratamento.
Fui criado numa família numerosa, numa casa de
campo, a vários quilómetros de um médico, onde só as
mais graves doenças não eram tratadas com uma dose de
chá de ervas; e o mesmo se aplicava a todas as outras casas
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de campo. Com tudo isto em mente, comecei a estudar


medicina com uma fé muito abaixo da média na utilidade da
posologia, fé essa que não foi aumentada pelo meu professor
de materia medica.
Dediquei-me aos meus graves deveres como o bom,
raro e velho Bunyan ao seu púlpito, com uma sensação
muito opressiva de ser «o menor de todos os santos». Tinha
a materia medica no bolso do meu colete; a minha pequena
biblioteca na cabeça, com os seus conteúdos num estado
muito nebuloso. Com fraca memória para os pormenores,
e uma vincada incapacidade de possuir a verdade a não ser
pelo lento processo de digestão e assimilação, o meu cérebro
era mais uma oficina do que uma sala de exposições; daí
que a capacidade de processamento fosse das mais pequenas.
Não tinha a mínima consciência, na altura, de que uma
grande sala de exposições amplamente abastecida em virtude
de uma memória retentiva não era o equipamento mais
necessário para todos os assuntos práticos da vida. Sempre
me pareceu necessário esquivar-me a algumas memórias
quando não havia tempo para arcar com uma saraivada
de pormenores.
Que não me tenha tornado um perigo para os desafor-
tunados doentes e feridos, inferior apenas às suas doenças
e ferimentos, deveu-se inteiramente à minha parca materia
medica, à absoluta falta de orgulho no conhecimento que
não se tornara um poder dentro de mim e a essa grande
aspiração ao sucesso profissional, que me levou a procurar
auxílio onde quer que fosse e junto de quem quer que fosse,
como o homem que se afoga agarrado a uma palha.
Tive a grande sorte, ao nível profissional, de a equipa
médica deste hospital de mais de mil catres ser muitíssimo
competente e experiente e de ter chegado no início de uma
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campanha em que, durante mais de três meses, todos os


dias se ouvia o rugido irregular da artilharia e o matraquear
dos mosquetes; daí a existência de um afluxo constante de
camas desocupadas por mortes ou recuperações.
Era, em todos os aspetos, o hospital mais bem equipado
que eu conhecia para uma experiência profissional. Havia
uma regra estrita que julgo que não era aplicada em nenhum
outro hospital: autópsias em todos os casos, entre uma e
uma dúzia por dia, e todas feitas com uma meticulosidade
que nunca vi numa clínica privada.
Os aspetos que mais me impressionaram no meu serviço
hospitalar foram as revelações das autópsias e os diferentes
tratamentos para a mesma doença. Não tardei a descobrir
que, fosse qual fosse a doença, cada cirurgião era uma lei
em si mesmo quanto à qualidade, quantidade e tempos das
suas doses, com a mortalidade nas alas a ser aparentemente
mais ou menos a mesma.
As autópsias revelavam frequentemente doenças cró-
nicas cuja existência não podia ter sido verificada em vida,
mas que tinham tornado a morte inevitável.
Outra vantagem de trabalhar num hospital do Exército
estava na estabilidade da posição e na ausência da ansiedade
incomodativa dos amigos, permitindo assim as mais altas
possibilidades do discernimento e da razão. E ainda uma
outra vantagem estava nas fortes relações sociais existentes
entre os médicos devido à ausência de quaisquer motivos
para inveja, pois nem a posição nem o salário estavam depen-
dentes de dotes superiores ou do sucesso profissional.
Sabia que, apesar da minha falta de experiência e da pre-
sença de uma muito dolorosa noção de insuficiência geral,
os meus doentes e feridos estavam tão seguros nas minhas
mãos, logo a partir do primeiro, no que respeitava a danos
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profissionais, como os pacientes do médico mais experiente


do hospital.
Com altos ideais profissionais, sem qualquer capa-
cidade de aplicar ideias ou conceitos nebulosos e sem
nenhum orgulho em conhecimentos que não se tinham
tornado meus, comecei imediatamente a reforçar-me com
a experiência e sabedoria dos meus companheiros médicos,
cujos serviços de aconselhamento eram sempre pronta e
amavelmente prestados.
Desde o início, e durante todo o meu serviço militar,
os meus doentes graves contaram com a vantagem de toda
a competência e experiência emprestada que eu fui capaz de
invocar. Quanto às operações cirúrgicas, eram todas reali-
zadas na presença da maioria da equipa médica, sendo que
alguns dos seus membros eram muito experientes.
A cirurgia nos hospitais do Exército em 1864 era da
máxima importância em termos de competência e de cuida-
dosa atenção a todos os pormenores envolvidos, sendo que as
fatalidades se deviam geralmente à gravidade dos ferimentos
que exigiam ser operados e à falta de força intrínseca para a
recuperação, e não tanto à falta de germicida. Nessa altura,
o micróbio não era um fator nas probabilidades de vida ou
morte. Em tudo o resto, o cuidado das feridas dificilmente
podia ser ultrapassado.
Quanto ao tratamento farmacológico dos meus doentes,
foi insatisfatório do primeiro ao último. Passados todos estes
anos, não posso acreditar que, exceto no alívio da dor, qual-
quer paciente tenha melhorado com a minha administração;
e, em todas as fatalidades, a autópsia revelou que até a mais
sábia das doses teria sido inútil.
Porém, no estudo da história da doença tal como é
revelada pelos sintomas, a minha experiência hospitalar
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foi inestimável. Entretanto, descobri que o meu maior ser-


viço junto às camas dos doentes é como interpretador de
sintomas e não como vendedor de fármacos. Os amigos dos
doentes leem geralmente com uma acuidade maravilhosa
os sinais de melhoria ou agravamento; e raramente dei por
mim enganado na minha capacidade de ler a condição dos
pacientes nos rostos dos amigos, mesmo antes de entrar nos
seus aposentos.
À medida que a minha experiência aumentava, crescia
também a minha fé na Natureza; e, uma vez que não havia
qualquer semelhança em termos de qualidade, tamanhos
e intervalos das doses para doenças similares, a minha fé
apenas nos medicamentos foi gradualmente diminuindo.
Após um ano e meio de grandes oportunidades para
estudar as doenças de homens na flor da vida, tratando das
simples cirurgias causadas por tiros e bombas, abandonei o
Exército com uma tão grande familiaridade com as doenças
graves e a morte nas suas várias formas que me permitiu
manter para sempre um perfeito autodomínio na presença
de leitos de morte na prática privada.
Comecei a exercer clínica geral em Meadville no outono
de 1866. Entre os muitos médicos estabelecidos na cidade
nessa altura, contavam-se homens capazes e de grande expe-
riência. Havia os que, com sublime fé, administravam doses
demasiado pequenas para uma estimativa matemática; os
que, com a mesma fé, administravam bólus até à capacidade
de deglutição da garganta; e os que acreditavam plenamente
no whisky enquanto nutriente, que o leite era um alimento
líquido, e que, com uma fé tremenda e mãos vigorosas,
administravam ambos até o estômago humano ficar redu-
zido a um deserto estéril e a morte surgir em resultado da
fome agravada pela doença.
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