Engenharia Da Santidade
Engenharia Da Santidade
Engenharia Da Santidade
O bispo suplica ao Senhor pela santificação de seu clero porque sabe que a
santidade não é fruto dos esforços humanos, mas da graça de Deus que
atua no homem, configurando-o a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Santo Agostinho, o coração do homem foi feito para Deus e jamais
encontrará descanso enquanto nEle não repousar (cf. Confissões, I, I).
Não obstante a teologia católica sobre a santidade, o que se nota hoje em dia
é que grande parte dos fiéis — inclusive padres — não acredita mais na
possibilidade de ser totalmente de Jesus. Exatamente neste século em que
tanto se escreveu sobre o caminho da perfeição, sobre as maravilhas da
graça de Deus em um coração generoso, exatamente agora é que se ignora
a vocação das vocações. E isso se deve, sobretudo, à influência de um frade
agostiniano do século XVI que, com seus escritos e protestos, perverteu o
sentido da fé e da graça de Deus. Falamos de Martinho Lutero.
No aniversário dos 500 anos da Reforma, muito se falou a respeito da teologia
luterana da graça. Essa, aliás, teria sido a grande contribuição de Lutero para
o cristianismo; ele teria libertado a fé da escravidão da lei, das obrigações
jurídicas, das penitências extenuantes, porque ninguém se salvaria
pelas obras. Antes, como diz São Paulo, “o justo vive pela fé” (Rm 1, 17).
Lutero decretou, então, os “dogmas” da sola fide e da sola gratia e, a partir
disso, criou-se a ideia de que o homem não precisa ser santo, nem tampouco
fazer sacrifícios para santificar-se. Basta que ele creia em Jesus.
Na verdade, Lutero foi o rebento de uma época extremamente difícil para a
civilização, onde não havia mais ninguém que ensinasse o caminho da
santidade. Depois da peste negra, uma sede de viver apossou-se do espírito
humano, de modo que os homens se lançaram aos prazeres da vida como
um cão selvagem se lança sobre a sua presa. Os bons cidadãos e os bons
sacerdotes haviam todos sido mortos pela doença, restando apenas os
covardes e frívolos que, diante da nova ameaça, preferiram fugir a prestar
ajuda a quem necessitava. Com efeito, os vícios mais escandalosos
passaram a dominar o ambiente social: pornografia, orgias, bebedeiras,
adultério, homossexualismo. E esse período se sagrou pelo estranho nome
de Renascimento, porque se tratou do renascimento do paganismo grego.
O que significa ter fé?
A fé não é um sentimento, mas sim um dom que deve ser frequentemente exercido, a fim de
estarmos sempre em contato com a Palavra viva de Deus.
Por isso, ninguém pode ser santo sem rezar, e rezar muito, pois nosso organismo espiritual
desenvolve-se justamente pelos atos de fé exercidos na vida de oração.
Por isso, quem deseja progredir na santidade não pode deixar de rezar nunca, “aconteça o
que acontecer, sofra-se o que se sofrer, murmure quem murmurar, mesmo que não se
tenham forças para prosseguir, mesmo que se morra no caminho ou não se suportem os
padecimentos que nele há, ainda que o mundo venha abaixo”.
Esta pregação de nosso retiro trata justamente da necessidade da oração para o
crescimento na vida espiritual. Retomando a linguagem de Santa Teresa d’Ávila, Padre
Paulo Ricardo apresenta as três primeiras moradas da alma.
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Antes de qualquer coisa, na vida espiritual, é preciso estar em estado de graça,
situação que corresponde ao que Santa Teresa chama de Primeiras Moradas, onde
as almas, embora disponham da assistência divina, ainda se veem embaraçadas
pelos sentidos e paixões da vida pregressa, que as arrastam para novas e
sucessivas quedas. Assim Santa Teresa as descreve: “Nas primeiras salas ainda se
trata de pessoas absorvidas pelo mundo, engolfadas nos contentamentos,
desvanecidas com as honras e pretensões mundanas” (Primeiras Moradas, 12). A
alma nesse estado ainda não ama. Por isso, Santa Teresa recomenda-lhe tão
vivamente a oração, tomando por “intercessores a bendita Mãe de Deus e todos os
santos, para que venham lutar junto a si” (Primeiras Moradas, 12).
De fato, Deus deseja a nossa resposta de amor. A oração íntima, nesse sentido, é o
meio de que dispomos para entrarmos em diálogo com Aquele que sabemos
que nos ama. Oração é diálogo de amor e amizade. Com efeito, quem se mostra
generoso nessa prática vai, aos poucos, adquirindo virtudes e desenvolvendo afetos
semelhantes aos do Amado, até finalmente adentrar nas Segundas Moradas, ou seja,
naquele estado em que “as pessoas já começaram a ter oração e entendem quanto
lhes importa não ficar nas primeiras salas” (Segundas Moradas, 2).
O maior empecilho para uma alma nessa morada é a tibieza, a falta de firmeza
nos propósitos, que a faz abandonar a oração a fim de voltar aos divertimentos
de outrora. Para conseguir se estabelecer dentro do castelo, então, recomenda-se a
Comunhão eucarística diária e uma intensa ação de graças. No contato com a
Eucaristia, a alma consegue conectar-se melhor com a presença de Jesus em seu
íntimo, de modo que a oração se desenvolve mais facilmente. Comungar Cristo
ressuscitado nos leva a amá-lo e a preparar o nosso coração para Aquele que vem,
como indica o livro Mensis Eucharisticus, um ótimo auxílio para a ação de graças.
É claro que essa vida de oração não será sem esforço. Nas Segundas Moradas,
avisa Santa Teresa, a alma terá de se ver com o diabo, que “convocará todo o inferno
para obrigá-la a sair do castelo” (Segundas Moradas, 5). Ela diz assim:
Terrível é a guerra que aqui fazem, de mil maneiras, os demônios. Os tormentos são
maiores que na sala anterior, onde a alma estava surda e muda, ouvia muito pouco e
quase não resistia, como quem perdeu em parte a esperança de vencer. Nesta
segunda morada, o intelecto está mais vivo e as faculdades são mais hábeis. Os
golpes e descargas de artilharia são de tal modo estrondosos, que não podem deixar
de ser ouvidos. Os demônios põem-se a representar os prazeres mundanos — que
são as cobras — como sendo quase eternos. Relembram os amigos e parentes da
estima em que é tida a pessoa por toda parte. Sugerem mil outras dificuldades
imaginárias, inclusive a saúde, comprometida pela penitência. É que sempre, nesta
morada, começam a aparecer os desejos de fazer alguma penitência (Segundas
Moradas, 3).
A vida de oração é, portanto, um combate espiritual. A alma precisa enfrentar tudo e
todos para falar com Deus; “aconteça o que acontecer, sofra-se o que se sofrer,
murmure quem murmurar, mesmo que não se tenha força para prosseguir,
mesmo que se morra no caminho, não se suporte os padecimentos que nele há,
ainda que o mundo venha abaixo”, insiste Santa Teresa, a alma não pode deixar
de rezar nunca (Caminho de Perfeição, XXI). Desse modo, quem não estiver disposto
a lutar radicalmente jamais passará para as altas moradas da santidade, pois, como
diz Nosso Senhor, “o Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o
conquistam” (Mt 11, 12). Não há outro caminho.
Finalmente, nas Terceiras Moradas, a alma é chamada a viver uma intensa obra de
apostolado, doando-se integralmente pela salvação das almas. Para isso, ela precisa
viver o período da purificação ativa, isto é, aqueles atos de renúncia praticados
a fim de conformar-se à vontade de Deus. Trata-se de matar o homem velho para
que nasça o homem novo. Essa entrega abre caminho para a chamada purificação
passiva, que é o acolhimento generoso das provações e contrariedades que o Senhor
envia com o propósito de ensinar o coração do homem a amar de verdade. Assim a
alma começa a praticar todas as suas obras na presença de Deus, levando uma vida
de autêntica contemplação.
Sem essa entrega, porém, o destino dessa alma será o mesmo de Marta: agitar-se
com as panelas enquanto sua irmã ouve de bom grado os ensinamentos de Jesus!
Nesta penúltima pregação de nosso retiro, Padre Paulo Ricardo denuncia os estragos da
teologia moderna sobre a missão dos cristãos e nos dá os fundamentos para uma autêntica
vida de santidade, fazendo-nos voltar ao que sempre foi a doutrina da Igreja a esse
respeito: o caminho das três conversões.
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Façamos um breve resumo da pregação anterior antes de entrarmos nesta nova
matéria. Vimos que precisamos dedicar-nos radicalmente à oração íntima para
chegarmos até as Terceiras Moradas do castelo interior. As Primeiras Moradas
correspondem à entrada no castelo, ou seja, ao estado de graça que se adquire com
o Batismo ou com a absolvição na Confissão. As Segundas Moradas dizem respeito
àquelas almas que se decidiram pela vida de oração, ainda que isso muito custe.
Finalmente, nas Terceiras Moradas habitam as almas que começaram a ordenar suas
paixões e afetos na direção das bem-aventuranças, buscando uma vida séria de
oração, ascese e apostolado.
Nas Terceiras Moradas, a alma sofre uma espécie de estancamento e não consegue
mais avançar para as fases posteriores. Essa alma já adquiriu um nível razoável de
virtudes, mas continua a procurar as próprias vontades. Trata-se de um período
deplorável de oscilações e contrariedades, que causam à pessoa uma verdadeira
aflição de ânimo. “Dar-lhes conselho é inútil”, explica Santa Teresa, “pois há anos
trilham o caminho da virtude” e “acham que podem ensinar aos outros e que têm
razão de sobra para sentirem tanto seus males” (Terceiras Moradas, II, 1). Santa
Teresa mesmo viveu nessa morada por vinte anos.
A teologia mística divide a vida cristã comumente em três conversões ou fases: 1.º) a
fase dos principiantes, 2.º) a fase dos progredidos e 3.º) a fase dos perfeitos. Essas
três conversões em nada diferem daquilo que Santa Teresa fala sobre as Moradas.
Trata-se apenas de outra linguagem para dizer a mesma coisa. A fase dos
principiantes corresponde, em linguagem teresiana, às três primeiras moradas; a fase
dos progredidos, às quartas e quintas moradas; e a fase dos perfeitos, às sextas e
sétimas moradas. Conforme o estágio de conversão da pessoa, os pecados
mortais se tornam raros, ao passo que os veniais e as imperfeições passam a
ser decididamente combatidos.
Na primeira conversão, a alma experimenta a via purgativa, de modo que seus afetos
são todos orientados para o Senhor. Na passagem para a quarta morada, ou segunda
conversão, Deus intervém e permite que essa alma passe pela noite escura dos
sentidos. A partir desse momento, a alma começa a viver a via iluminativa, sentindo
que Deus a eleva para um amor maior do que ela mesma pode oferecer. Deus age
na sua vontade, fazendo com que a alma ame com um amor que não é
dela. Trata-se de um amor heróico. Na quinta morada, por sua vez, Deus começa a
agir no intelecto, preparando o coração da pessoa para a terceira conversão, para
a via unitiva, que consiste na união esponsal da alma humana com a Pessoa Divina
de Cristo. Essa união se dá por meio de uma noite escura da alma, uma purificação
da vontade e do intelecto — purificação severa —, que leva a alma para as Sextas
Moradas, onde a pessoa já não é mais capaz de pecar, pois tem o coração
completamente unido ao de Jesus. As Sétimas Moradas dependem de uma eleição
divina.
Eis por que Davi, muito exercitado neste gênero de oração, dizia: No decorrer da
minha reflexão, um fogo se ateou (Sl 38,4), quer dizer, surgiu em sua alma um fervor
e prontidão para fugir ao que é mau e seguir o que é bom, para desprezar o que é
temporal e buscar o que é eterno.
Observação. — Ao falarem dos graus de oração na via ascética, ou purgativa, os autores espirituais costumam distinguir entre:
1.º a oração vocal, assim chamada não porque se reze com os lábios (pode ser feita interiormente, em silêncio), mas porque
consiste em recitar com atenção alguma fórmula preestabelecida, sem que haja, ao menos de regra, alguma consideração mais
profunda do que se diz ou se pensa; 2.º a meditação, também chamada oração discursiva ou mental, definida anteriormente; e
3.º a contemplação ativa, ou oração de simplicidade, identificado por alguns com a oração afetiva.
1) A preparação necessária para meditar é tripla: remota, que é uma vida de luta
habitual contra o pecado e de esforço para dedicar-se, segundo as próprias
possibilidades, à perfeição cristã (afinal, quem faz do pecado uma vocação e vive
voltado só para as coisas do mundo não está em condições de elevar-se para
considerar as verdades da fé ou para falar a Deus com intimidade); próxima, que é ler
na noite anterior os pontos que se pretende meditar no dia seguinte (de preferência
pela manhã, recomendam os autores) e afastar da mente as preocupações com
cuidados e necessidades temporais (o espírito deve estar tranquilo e em paz para
poder refletir adequadamente); e imediata, que consiste em alguns atos para bem
dispor o corpo e a alma (por exemplo, traçar o sinal da cruz; rezar com calma um Pai-
nosso e uma Ave-Maria; fazer um ato de fé divina na presença de Deus, a quem
devemos tratar ali como um “tu” próximo e amável, não como um “ele” distante e
impessoal; de joelhos, adorá-lo humildemente e pedir-lhe a graça de realizar esse
santo exercício; implorar o patrocínio da Virgem Maria e dos santos).