História Geral - Volume Único - Claudio Vicentino

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| CLAUDIO VICENTINO

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GERAL..
ENSINO MEDIO oe
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Bacharele licenciado em Ciéncias Sociais
pela Univers
Professor
de cursos pré-vestibulares e de Ensino Médio
Autorde varias obras dida a fe]rm) () GS© = 2. o.ooSsralfe?)7.) no)sa3)= fe}
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Fundamental e Ensino Médio

editora scip
Hh
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editora scipione
Geréncia editorial
Maria Teresa Porto

Responsabilidade editorial
Heloisa Pimentel
Edicao
Maria Teresa Porto
Assisténcia editorial
Beatriz de Almeida Francisco;
Valéria Braga Sanalios;
Maria de Fatima Rodrigues das Neves
Coordenac¢ao de revisao
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Preparacgao de texto
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Revisao
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e Ivana Alves Costa

Edigao de arte
Didier D. C. Dias de Moraes
Coordena¢ao geral de arte
Sérgio Yutaka Suwaki
Coordena¢ao de arte
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Assisténcia de arte
Marisa Iniesta Martin e
lvania Duduchi dos Santos
Programagao visual de capa e miolo
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zefa/Corbis/Stock Photos;
Soldado Russo (1941)/The Dmitri Baltermants
Collection/Corbis/Stock Photos;
Escultura da Virgem Maria, de A. Duccio/
Arte & Immagini/Corbis/Stock Photos;
Pintura rupestre, Caverna de Lascaux/Gianni
Dagli Orti/Corbis/
Stock Photos
Ilustragoes
Sirio Cangado e
Cassiano Roda
Cartografia
Diarte
Pesquisa Iconografica
Vanessa Manna e Edson Rosa
Impressao e acabamento
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Av. Otaviano Alves de Lima, 4 400


6° andar e intermediario ala “B”
Freguesia do
02909-900 — Sao Paulo — SP Dados Internacionais de Catalogagao na Publicag¢ao (CIP)
Caixa Postal 007 (Camara Brasileira do Livro, SP. Brasil)
DIVULGACAO
Tel.: (OXX11) 3990-1810
VENDAS Vicentino, Claudio
Tel.: (OXX11) 3990-1788
www.scipione.com.br Historia geral: ensino médio/Claudio Vicentino. —
e-mail: scipione @scipione.com.br Sao Paulo: Scipione, 2006.

1. Historia (Ensino Médio) |.Titulo

2007
06-3682 CDD-907
ISBN 85-262-6307-2=AL
ISBN 85-262-6308-0=PR
indice para catalogo sistematico:
102 EDICAO
(2? impressao) 1. Historia: Ensino Médio 907
APRESENTACAO
Caro aluno,

Vocé ja ouviu falar de ordem monetaria internacional, neoliberalismo,


socialismo utdpico, Estados absolutistas, humanismo, teocentrismo, Sitio da Pedra
Furada? Nao? Ja ouviu falar mas ndo saberia explicar 0 que s4o? Bem, preste
atencao: tudo isso e muito mais vocé precisa saber para entender a trajetdoria do
homem ocidental, suas diversas manifestagdes, o mundo em que vocé vive.
Dé uma olhada no encarte Guia da Histoéria. Observe alguns fatos, perso-
nagens ou movimentos que marcaram a Historia humana. Esses sao apenas alguns
dos temas que vocé vai estudar neste livro.
Da Pré-hist6ria a era do capitalismo globalizado de nossos dias, 0 livro que
vocé vai iniciar foi pensado para apresentar-lhe todo o processo histdrico, fugin-
do do estudo factual e fragmentado, com amontoados de fatos, nomes e datas.
Na busca de uma visdo abrangente do processo histdrico, cada periodo é estuda-
do em seus aspectos socioecondémicos vinculados a politica e a cultura. Assim, ao
longo do livro, estuda-se a instalagao das sucessivas estruturas socioecondémicas
que desembocaram no nosso mundo contempordneo. Veja também as diversas
fotos e mapas que ilustram o assunto em que se esta trabalhando, bem como os
pequenos textos complementares espalhados por toda a teoria que aprofundam
e dinamizam diversos pontos do tema em estudo.
Sempre que necessario, retome o Guia da Historia - ele é seu quadro-
resumo, que ainda permite avancgar numa reflexdo sobre as relacgdes entre os
periodos e eventos ali indicados. Dé um cuidado especial a bateria de Questdes &
testes de vestibulares das varias regides do pais que estado no final de cada
unidade, pois acrescentam informacgdes, questionam conceitos e servem de refe-
rencial para os atuais exames de ingresso nas melhores instituig¢des universitarias
do Brasil.
Acredito, e certamente vocé agora concordara comigo, que é através do
estudo da Historia, fazendo um mergulho critico e questionador neste imenso
patriménio humano, que poderemos entender os impasses do mundo de hoje e,
assim, apossarmo-nos de conhecimentos para acelerar mudancas imprescindiveis
para um mundo melhor e mais justo. O nosso mundo. O seu mundo.

Claudio Vicentino
SUMARIO
AO - PRE-HISTORIA 7
— "2 ae aie —

BAN 2 BAXNY BY QV BRE


>

Introducao ao estudo da historia 8


A Pré-historia 10
Os primoérdios da humanidade 10 ® Os periodos da Pré-historia 12

UNIDADE I - ANTIGUIDADE ORIENTAL = 17


O fim do coletivismo primitivo 18
A civilizagao egipcia 22
O Antigo Império (3200 a.C.-2000 a.C.) 23 ® O Médio Império (2000 a.C.-1580 a.C.) 24 ® O Novo
Império (1580 a.C.-525 a.C.) 25 ® Economia, sociedade e cultura no Egito antigo 29
As civilizagdes da Mesopotamia 32
Sumerianos e acadianos (antes de 2000 a.C.) 33 ® O Primeiro Império Babilénico (2000 a.C.-1750 a.C.) 33 ®
O Império Assirio (1300 a.C.-612 a.C.) 35 ® O Segundo Império Babilénico (612 a.C.-539 a.C.) 36 ®
Economia, sociedade e cultura da Mesopotamia 37
A civilizagao dos hebreus 41
A Era dos Patriarcas 41 ® A Era dos Juizes 43 ® A Era dos Reis 43 ® Economia, sociedade e cultura
hebraicas 44
A civilizacgao fenicia 47
As cidades-estados fenicias 47 ® Economia, sociedade e cultura fenicias 49
A civilizagao medo-persa 50
Economia, sociedade e cultura medo-persas 53
Questoes & testes 55

UNIDADE II - AANTIGUIDADE CLASSICA 61

loséculo VIIl a.C. ao século VI a.C.)


A cultura grega 76 ® O periodo

A formagao das monarquias nacionais 144 ®


Arquitetura 165 ® Ciéncia 167

Lae
conomia e specie do Antigo <oine 177°0 Estado no
n Antigo Regime 178 ® O mercantilismo 179
A expansdo maritima e a Revolucao Comercial 183
_ A expansao maritima lusa 184 ® A expansdo maritima espanhola 185 ® As disputas ibéricas: os tratados
ultramarinos 186 ® A expansao maritima de outros paises europeus 187 ® A Revolucdo Comercial 188
_ ORenascimento cultural 189
__ Fatores geradores do Renascimento 190 ® Fases do Renascimento 191 ® A expansao do
Renascimento 195 ® O Renascimento e a musica 198 ® O Renascimento cientifico 199
A Reforma religiosa 200
AS pris Pe Casas da Reforma 200 ® A Reforma na Alemanha 202 ® A Reforma na Suica 204 ® A

ric prée-colombiana 223 ® As principais civilizagdes pré-colombianas 225 ® A


2) oes he 234 . Aeee de outros paises na América 236 ¢

r nce | dos ios Unidos 246 ® A primeira republica da América 250 ® Reflexos do
/ Séulo das Luzes” e da independéncia dos EUA 251
_ Questdes & testes 252

UNIDADE V - A IDADE CONTEMPORANEA


(SECULOS XVIII E XIX) 265
A Revolucao Francesa (1789-1799) 266
Principais causas da Revolucao 267 ® O inicio da Revolucao 269 ® As etapas da Revolucéo 271
A Era Napoleonica (1799-1815) e o Congresso de Viena 278
Napoleao e 0 Consulado (1799-1804) 279 ® Napoledo e o Império (1804-1815) 280 ® Os Cem Dias
(1815) 284 ® O Congresso de Viena 285
A Revolucao Industrial 288
Os avancos tecnolégicos 290 ® Novas formas de trabalho 292
O liberalismo e as novas doutrinas sociais 294
Os economistas liberais 294 ® As doutrinas socialistas 296 ® A cultura no século XIX 303
A Europa no século XIX 306
A Era Vitoriana na Inglaterra 306 ® A Franca no século XIX 309 ® A politica das nacionalidades 316
A América no século XIX _ 322
A ere da América espanhola 323 ® Os Estados Unidos no século XIX 328
Introducaoa historia africana 336
A matriz africana de todos os homens 337 ® Africa: da Pré-histéria aos diversos reinos 340 ®
Egito e Cartago 341 ® Os reinos de Kush, Axum e Zimbabue 342 ® Os reinos de Gana e Mali 344 ®
Africa: fornecedora de escravos e dominio europeu 346
_ Oimperialismo do século XIX 352
O neocolonialismo 352 ® O imperialismo na Africa 355 ® O imperialismo na Asia e na Oceania 356
Questoes & testes 362

UNIDADE VI - A IDADE CONTEMPORANEA


(SECULO XX E INICIO DO Xx]) 373
-- OséculoXX 374 |
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) 376
A Paz Armada € a politica de aliancas 376 ® A Questao Marroquina (1904) 377 ® A Questao Balcanica
377 ® O desenvolvimento do conflito 379 ® Os tratados de paz 381
_ARevolucao Russa 383
ntecedentes da Revolucéo Russa 383 ® O ensaio revoluciondrio de 1905 385 ® A Primeira
erra Mundial e o colapso do czarismo 387 © A Revolucaéo Menchevique 387 ® A Revolucao
Ichevique 388 ® O governo de Lénin (1917-1924) 388 ® O governo de Stalin (1924-1953) 389
crise ¢ie 1929 e o periodo entreguerras 392
apitalista de 1929 392 ® O totalitarismo nazi-fascista 396
gunda Guerra Mundial (1939-1945) 402
pansao territorial e o inicio da guerra 402 ® A eclosdo da guerra 404 ® O fim da guerra 406 ° Os
9sde paz 409 ® A criacdo da ONU 410 ® Os primeiros anos do pos-guerra 411
uerra Fria 415
utrina Truman e o Plano Marshall 415 ® A consolidacao dos blocos antagdnicos 416 © A
lu 0 Chinesa (1949) 417 ® A Guerra da Coréia (1950-1953) 419
:stados Unidos e Unido Soviética durante a Guerra Fria 422
A Coexisténcia Pacifica 422 ® Os presidentes norte-americanos de 1945 a 1969 423 ® A Unido
Soviética até 1964 427
da Guerra Fria 430
stados Unidos dos anos 1960 ao inicio do ocle XX! 431 ® A Unido Soviética de 1964 a 1991 438 @
dancas do Leste europeu 442 ® O fim da Unido Soviética 444 ® Destaques dos ex-paises
tas na globalizacao capitalista 446
cialismo na Chinae em Cuba 453
ina comunista 453 ¢ A Revolucéo Cubana -1959 459
scolonizacao afro-asiatica 465
Destaques da Asia 466 ® Oriente Médio 474 ® Alguns destaques da Africa 481
América Latina e as lutas sociais 488
éxico 488 ® Chile 491 ® A América Central 494 ® Outros destaques latino-americanos 496
_ Anova ordem economica internacional 501
_ A globalizacao capitalista 501 ® O neoliberalismo e o “Estado minimo” 502 ® A ordem monetaria inter-
__ nacional e a instabilidade financeira mundial 505 ® Norte e Sul: desiqualdades e exclusdo social 508
- Accultura explosiva do século XX 511
_ Questdes& testes 520
INTRODUCAO AO ESTUDO
DA HISTORIA
ie eee Po ee, UL SG Ri Oe ee

no estudo do passado das socieda- concep¢ao acredita no desenvolvimento li-


des, buscando resgatar e compreen- near da humanidade que caminharia de
der suas realizag6es, que descobrire- estagios mais "atrasados" para mais "avan¢ga-
mos as motivagdes e os efeitos das trans- dos", numa trajetéria evolutiva do mais sim-
formagées pelas quais passou a humanidade, ples para o mais complexo, tomando a Euro-
reunindo, assim, os elementos que ajudam a pa como modelo mais desenvolvido. Dentro
explicar a nossa atualidade. Um mecanismo disso, o termo Pré-hist6ria carrega a idéia
didatico que facilita este trabalho do historia- errOnea de povos anteriores a Histdria, como
dor e do estudante, viabilizando a conquista se 0 conjunto de agdes dos seres humanos,
deste patrim6nio humano, é a periodiza¢ao mesmo daqueles sem escrita, ndo fosse
da historia. também Histéria. Antes de apresenta-la, é
O fluxo histérico, no entanto, 6 continuo imprescindivel esclarecer alguns elementos
e sem interrup¢gdes, assim a divisao do ligados 4 questao do tempo.
tempo em periodos vincula-se ao enfoque Desde o final da Idade Média, utiliza-se,
e a linha de andlise de cada _historiador, no Ocidente, a cronologia crista, que substi-
originando divergéncias entre eles. A origem, tuiu outras como a arabe, por exemplo, que
a formagaéo e as opcoes analiticas do histo- conta seus anos a partir da hégira (fuga de
riador determinam, desta forma, diferentes Maomé para Medina). Entre os povos ameri-
visdes do processo histérico, além da valo- canos, a ado¢gao do calendario cristao é
rizagdo de alguns fatos em detrimento de conseqtiéncia da coloniza¢ao européia.
outros. Mesmo assim, sem escapar destas No calendario cristaéo, os anos anteriores
limitagdes e dada a importancia da periodi- ao nascimento de Cristo — obrigatoriamente
za¢do como recurso, utilizaremos uma de seguidos da sigla a.C. — tem contagem decres-
suas formas bem simplificada e ampla, de cente, enquanto os posteriores apresentam
uso bastante generalizado. No entanto, ela contagem crescente — seguidos da sigla
deve ser encarada de forma critica, pois d.C.ou A.D. (Anno Domini = Ano do Senhor),
trata-se de uma concep¢ao da histdéria que ou sem qualquer sigla. E importante destacar
tem a Europa como eixo, denominada euro- que a contagem parte do ano 1, considerado
centrismo. Além de tomar como marcos o ano do nascimento de Cristo, nao existindo
fatos relacionados a histéria européia, essa 0 ano zero. Verifique o grafico abaixo:

ose el7|6|6) e|7)a]ohidniarsratgrarts eee


INTRODUCAO AO ESTUDO DA HISTORIA

século século século século século século século século século


XXla.C. XX a.c. Vac, ta.c, tha.c. la.c. I i] il WV

2400 aC. 2000.a.C. 3004.0, 2004.C. 100.a.C.


a a a a a a
2001a.C, 1904 aC. 31a, 21ac. i1ac. 14.

Vale observar também que, como a otomanos. Durante o periodo medieval


histéria lida com longos periodos de tempo, prevaleceu a estrutura socioeconémica
utiliza-se com freqitiéncia a unidade de feudal no Ocidente.
tempo chamada século, equivalente ao pe-
riodo de cem anos. O mecanismo de conta- @ Idade Moderna: iniciando-se em 1453 e
gem dos séculos é similar ao dos anos. estendendo-se até 1789, quando teve inicio
Assim, 0 ano 2000 pertence ao século XX, a Revolucao Francesa. Durante esta época,
enquanto o ano 1500 a.C. ao século XV a.C., consolidou-se progressivamente uma nova
oO ano 476 ao século V e 0 ano 753 a.C. ao estrutura socioeconémica que ainda con-
século VIII a.C. servava poderosos resquicios da ordem
A partir da escrita, veja a usual periodi- feudal medieval. Esta estrutura é comu-
za¢ao que utilizaremos ao longo do livro: mente denominada capitalismo comercial.
m Idade Contemporanea: iniciando-se em
@ Idade Antiga: iniciando-se aproximada-
1789 e estendendo-se até os nossos dias.
mente em 4000 a.C., com o advento da
Em nosso século, o capitalismo atingiu a
escrita, e estendendo-se até a queda de
sua maturidade e plena dinamizacao,
Roma em 476. Durante esta fase, encon-
alcangando progressivamente a sua globa-
tramos as estruturas de servidao coletiva,
lizagao.
tipicas do Oriente e as estruturas escravis-
tas do Ocidente classico. Considerando que essa diviséo da histé-
ria tem fung¢ao didatica, isto é, a de facilitar e
® Idade Média: iniciando-se em 476 e es- organizar o estudo do passado, utilizaremos
tendendo-se até 1453, quando terminou a ainda, sempre que necessdario, outras subdi-
Guerra dos Cem Anos, na Europa, ea cidade visdes bastante simples e usuais para cada um
de Constantinopla caiu em mdos dos turcos dos grandes momentos da evolu¢do humana.

invengao da queda do Império tomada de Constantinopla inicio da


escrita Romano do Ocidente pelos turcos Revolugao Francesa

Antiguidade Idade Média

4000 a.C. 1453


era crista
A PRE-HISTORIA
eeeae

Os primordios da humanidade vida nos mares e, bem mais tarde, cerca de


Ts
een 250 milhdes de anos, os primeiros vertebra-
dos deslocaram-se para a terra firme, quando
Os cientistas admitem, mesmo sem com- surgiram os répteis e os primeiros mamiferos.
provacao definitiva, que o nosso planeta te-
nha se formado ha cerca de cinco bilhdes de No estudo da vida sobre a Terra, em seus
anos e que a vida, em sua forma mais primi- primdrdios, e das transformag6es operadas no
tiva, tenha surgido um bilhado de anos depois. decorrer do tempo, € comum recorrer-se aos
Foi, no entanto, ha apenas quinhentos mi- gigantescos periodos denominados eras geo-
Ih6es de anos que ocorreu a “explosao’”’ da logicas.

PRE-CAMBRIANO
4600-590 milhdoes de anos

PALEOZOICA
Cambriano

Ordoviciano
Siluriano
CENOL OC ingoan A)
Devoniano
eee = a ho\e Peo
65 milhées de anos Carbonifero

Permiano

Triassico

Jurassico

Cretaceo

Terciario

Quaternario
A PRE-HISTORIA

Apesar do desconhecimento de formas Outros registros apontam a existéncia, ha


intermediarias que levaram ao surgimento cerca de 1,8 milhado de anos, do Homo
dos répteis e dos mamiferos, as pesquisas erectus, Cujos vestigios foram encontrados em
cientificas indicam que eles evoluiram para diversos lugares do planeta, destacando-se o
espécies que resultaram nos dinossauros e achado na ilha de Java, na China e na Tan-
nos mamiferos modernos — nestes Ultimos, zania. Foi a partir do Homo erectus que,
incluidos os primatas. acredita-se, tenha evoluido o homem atual,
No curso de sua evolugao, esses primatas passando pelo homem de Neanderthal e pelo
adquiriram maior capacidade de mover os homem de Cro-Magnon.
membros, de fazer uso dos dedos polegares — Nesse processo, o homem tornou-se cada
que garantiram maior eficiéncia e destreza no vez mais habil, aprendendo a utilizar as maos
como instrumento de trabalho, desenvolven-
uso das mdos — e de manter o tronco ereto.
do a capacidade de raciocinio e a busca da
Entretanto, os primatas apresentaram diferen-
domesticagdo do meio ambiente em que
te desenvolvimento do cérebro, 0 que possi-
vivia, criando ferramentas que facilitassem
bilitou o aparecimento de formas superiores, as atividades, como cagar, preparar e consu-
como a dos antropdides. mir os alimentos. Foi a partir do achado e do
Registros fésseis indicam que um dos pri- exame de alguns desses instrumentos, bem
meiros hominideos — 0 Australopithecus - como de outros indicios, que se construiram
surgiu na Africa ha, pelo menos, 4 milhdes de (e ainda se constroem) as hipdteses sobre o
anos. Suas Caracteristicas, que o diferenciavam que aconteceu com nossos ancestrais. Assim,
dos outros ramos primatas, eram: um cérebro a evolug¢ao fisica contribuiu para que hou-
mais desenvolvido, uma denti¢ao semelhante vesse mudancas de comportamento e estas a
a do homem atual, o andar bipede e a postura outras alteracgdes fisicas, num lento processo
ereta. O Australopithecus também era capaz evolutivo até se chegar a espécie a que
de fazer uso de instrumentos rudimentares. pertencemos, a do Homo sapiens sapiens.

3 milhdes de anos
Australopithecus 90 000 anos
» boisei Homo
sapiens
sapiens

1,5 milhdo de anos


Homo erectus

4,4 milhdes de anos


Australopithecus
ramidus

100 000 anos


Homo neanderthalensis

Quadro do provavel caminho evoluciondrio dos hominideos desde o grupo dos Australopithecus até o Homo sapiens sapiens,
ao qual pertencem todos os atuais grupos humanos. Uma recente descoberta arqueoldgica na Ilha das Flores, Indonésia,
divulgada em outubro de 2004, lancou mais discussées sobre os primordios da evolugao humana. Ela aponta 0 Homo
floresiensis, de cerca de 1 metro de altura, que teria existido entre 95 mil e 12 mil anos atras.
INTRODUGAO - PRE- HISTORIA

Donald Johanson, respeitado antro-


sentam apenas alguns minutos na longa
trajet6ria da humanidade. Vale observar que
pologo da Universidade de Berkeley, Ca-
nado € raro encontrarmos uma subdivisao
lifornia, nos Estados Unidos, e diretor do
deste periodo em Paleolitico Inferior, até
Instituto para Origemdo Homem, em perto de 30000 a.C. seguido do Paleolitico
entrevista a revista Veja, de 18 de maio Superior (30000 a.C. - 10000 a.C.).
de 1988, afirmou: “Nao resta divida de No Paleolitico, a subsisténcia era garanti-
que todos os seres humanos tiveram a _ da com a coleta de frutos e raizes, a cagaea
mestna espécie ancestral comum, e nesse pesca; para isso, empregavam-se instrumentos
sentido somos todos irmaos — indepen- rudimentares, feitos de ossos, madeira ou
dentemente da raga. [...] O Homo erec- lascas de pedra. Entretanto, nem sempre o
tus, a ultima escala evolutiva antes do meio natural era propicio ao desenvolvimento
Homo sapiens, que somos nds, tinha a dessas atividades: a escassez de alimentos ou a
pele negra. Ele foi o primeiro_ ser dé hostilidade do meio ambiente obrigavam os
linhagem Homo a abandonar a Africa, O grupos humanos a viver como ndmades,
berco da humanidade. Do Homo erectus, deslocando-se de uma regido para outra, em
que era preto, derivam todas as outras busca de melhores condi¢ées. Um dos maiores
ragas, dos europeus de olhos azuisé avancos nesse perfodo foi a descoberta e o
_cabelos louros atéos autéctones aus- controle do fogo, permitindo o aquecimento
tralianos. [..] Em alguns aspectos do durante o frio, a defesa ao ataque de animais e
coragdo das células, no DNA, o material a preparacao de alimentos.
genético, pode haver mais diferencas ’ Sobrevivendo quase sempre em abrigos
entre seres de uma mesma raga do que
naturais, como cavernas, copas de arvores ou
chogas feitas de galhos, os homens do Paleo-
entre seres de racgas distintas. |ss0
litico viviam em bandos e dispunham coleti-
mostra como a raga & algo cosmético
vamente das habitacGes, terras, aguas e bos-
na linha de evolugao da humanidade”. ques. De certa maneira, a vida em bandos e as
habitagdes constituiam sementes de uma fu-
tura vida sedentdaria, s6 nado implantada até
entao por causa da necessidade de ampla
Os periodos da Pré-historia movimentagao num grande territério, imposta
aaa
ae ee pelas atividades de coleta e caga.

Literalmente, Pré-histéria quer dizer "an-


tes da histdria", e a sua designagao vem da
idéia de que a histdria nao poderia ser
estudada e reconstitufida sem fontes (docu-
mentos) escritas. Essa idéia, que tomou for¢a
na segunda metade do século XIX, so foi
revista com o desenvolvimento da Arqueo-
logia e da Paleontologia, entre outras ciéncias
que buscam a reconstituigdo do passado
através de fdésseis e objetos encontrados em
escavacées, considerando a importancia das
fontes agrafas (ndo escritas) na pesquisa
historica.
O primeiro e mais longo periodo do de-
senvolvimento humano, que se estendeu até
perto de 10000 a.C., chamamos de Paleoli-
tico ou Idade da Pedra Lascada. Comparados A transformac¢ao do silex em pedra-ferramenta: objetos de
a ele, os tempos histdricos posteriores repre- pedra lascada do Paleolitico e machado de pedra polida.
A PRE-HISTORIA

Quanto as cavernas, muitas delas acaba- Paralelamente, ocorreram avanc¢os tecno-


ram se transformando em recintos funerdrios l6gicos, como a invengao do arco e da flecha,
e, a seguir, em centros cerimoniais, atraindo do arremessador de lancas e a obtencdo de
grupos pré-historicos, num movimento que maior eficiéncia na utilizagdo do fogo. Isso
indicava um germe das futuras cidades do contribuiu para uma organiza¢ao social cada
perfodo hist6rico. vez mais ampla dos homens do periodo Paleo-
Coma ultima glaciagao, entre 100000 a.C. litico, até que se chegou a constituir aldeias.
e 10000 a.C., aproximadamente, ocorreram Novos valores culturais e espirituais pas-
profundas alteragdes climaticas e ambientais saram a orientar a vida dos membros dessas
que estimularam a intensa migracdo de ani- comunidades de cagadores e coletores. As
mais e seres humanos, levando os homens pinturas encontradas em cavernas, como as de
primitivos a ocupar, ainda que de maneira Altamira, na Espanha, e Lascaux, na Franga,
esparsa, as diversas regides do globo: da Africa comprovam a existéncia de crengas e cerimo-
4 Europa, da Asia 4 América e a Austrdlia. niais entre os homens primitivos, além de
serem inegaveis exemplos de suas habilidades
“A duragao da Ultima glaciagao, que artisticas.
obrigouoS europeus a viverem em caver-
nas, signitica que muitos de seus estor-
G08 artisticos sobreviveram a passagem
do tempo, é muitos exemplos magnificos
tém sido descobertos na Franga (mais de
6O cavernas conhecidas) e Espanha (até
agora por volta de 30). Gragas ao clima
um tanto ameno na Africa, os individuos
de la nao tiveram que se refugiar em
cavernas. |550 significa, infelizmente, que
a maior parte das pinturas pré--historicas
da Africa ficavam nas superficies expos-
tas das rochas, qué aos poucos sé
desgastaram pela agao do tempo. No Pintura rupestre da caverna de Lascaux, na Franca, onde
entanto, existe uma excegao impressio- foram preservadas diversas pinturas executadas pelo homem
nante: no distrito de Cheke, na Tanzania, ha mais de 15 mil anos.

ha algumas superficies de rochas que


fizeram parte de abrigos rochosos pré- As transformagdes ambientais ocorridas
historicos, pintadas com cenas de ani- nesse periodo favoreceram também a seden-
mais é seres humanos, em grande parte tarizagao de diversos grupos, fixando-os a
no mesmo estilo e técnica de composigao uma determinada area. A abundancia de ve-
getais em algumas regides, especialmente
que os similares da Europa. [...]
aveia, trigo e cevada, estimulou o inicio do
Ao tempo em que 0s povos da Africa
processo de desenvolvimento agricola. Possi-
e Europa estavam trabalhando em suas
velmente, foram as ocupa¢des duradouras em
pinturas mais avangadas, a humanidade
algumas areas, com ampla oferta de alimen-
ja tinha conquistado mais dois continen- tos, prolongadas por um perjodo suficiente
tes, a Australia e ao Américas. Em para acompanhar todo o ciclo de desenvol-
ambos 08 casos, ha o problema de como vimento de certas plantas, que fez com que
eles viajaram da massa de terra )Europa- aldeias pré-hist6ricas conhecessem os proces-
Asia-Africa para o que hoje sao ilhas. sos naturais e passassem a reproduzi-los. Ao
Como eles atravessaram os mares?” que tudo indica, as primeiras espécies culti-
LEAKEY, Richard Erskine. Origens. Brasilia, vadas foram as dos cereais ja citados, além de
Universidade de Brasilia, 1980. p. 141-2. abdbora, feijdo e outras. O papel das mu-
INTRODUGAO - PRE - HISTORIA

lheres em meio a estas transformag6es passou tou na domesticagao cumulativa de plan-


a ser mais amplo, na medida em que elas tas e animais, ficou. determinado o lugar
eram encarregadas das tarefas agricolas. central da mulher na nova economia.
As grandes mudang¢as do final da época As palavras ‘lar e mae’ estado, cer-
paleolitica constituem uma etapa denomina-
tamente, escritas em todas as fases da
da Mesolitico, a qual termina com o estabe-
agricultura neolitica e nao menos nos
lecimento da sedentarizagado dos principais
novos centros de aldeamento, afinal iden-
grupos humanos, inaugurando uma nova
tificaveis nos fundamentos das casas e
época denominada Neolitico. Este ultimo
nas sepulturas. Era a mulher que mane-
periodo pré-historico, também chamado de
Idade da Pedra Polida, iniciou-se aproxima- java o bastao de cavar ou a enxada: era
damente em 10000 a.C. e prolongou-se até ela que cuidava dos jardins e foi ela quem
4000 a.C. As grandes transformagdes que se conseguiu essas obras-primas de selegao
processaram nesse periodo, reformulando é cruzamento que transformaram espé-
profundamente a forma de viver dos grupos cies selvagens e rudes em variedades
humanos, como o desenvolvimento da agri- domésticas prolificas é ricamente nutri-
cultura e a domestica¢ao de animais, consti- tivas; foi a mulher que fabricou os pri-
tuiram a chamada revolucao neolitica. meiros recipientes, tecendo cestas e
dando forma aos primeiros vasos de
barro. Na forma, também, a aldeia é
“Aquilo a que chamamos revolu¢ao criagao sua: nao importa que outras
neolitica foi, muito possivelmente, antece- fungdes pudesse ter, era a aldeia o ninho
dido por uma revolugao sexual, mudanga coletivo para o cuidado e nutrigao dos
que deu predominio nao ao macho cagador, filhos.”
agil, de pés velozes, pronto a matar, MUMFORD, Lewis. A cidade na historia. Belo
impiedoso por necessidade vocacional, Horizonte, Itatiaia, 1965. p. 22-5.

porém, a fémea, mais passiva, presa aos


filhos, reduzida nos seus movimentos ao
ritmo de uma crianga, guardando e alimen- Ao que tudo indica, 0 predominante pa-
tando toda sorte de rebentos [...], plan- pel da mulher durou até que foi inventado o
tando sementes e vigiando mudas, talvez arado e disseminada a propriedade privada
primeiro num rito de fertilidade, antes que da terra e dos rebanhos, 0 que acabou per-
o crescimento e multiplicagao das semen- mitindo ao homem estabelecer o dominio
tes sugerisse uma nova possibilidade de sobre as atividades produtivas. Parece certo
5é aumentar a safra de alimentos. também que a cultura neolitica nao substi-
[...] A domesticagao, em todos os tuiu por completo a cultura paleolitica e,
seus aspectos, implica duas largas mu- talvez, muitas das aldeias tenham recorrido
dangas: a permanéncia e continuidade de aos ca¢adores, habeis nas armas e no
residéncia e o exercicio do controle e pre- enfrentamento, para garantir a seguranga,
visa0 dos processos outrora Ssujeitos aos
transformados em protetores das comunida-
caprichos da natureza. Ao lado disso,
des que, mais tarde, passaram a cobrar
tributos e, provavelmente, tenham se trans-
encontram-se os habitos de amansamen-
formado em lideres e até nos primeiros reis
to, nutrigao e criagdo. Nesse passo, as
do final do periodo.
necessidades, as solicitagoes, a intimida-
Seja como for, a importancia da mulher
de da mulher com 09 processos de cres- durante as transformagées neoliticas parece
cimento € sua capacidade de ternura e reforcada pela posterior escrita egipcia hiero-
amor devem ter desempenhado um papel glifica que, como ratificagdo de uma heranca
predominante. Com a grande ampliagao cultural, podia representar “casa’’ ou “cida-
dos suprimentos alimentares, que resul- de” como simbolos de ‘mae’.
A PRE-HISTORIA

Embora ja conhecessem alguns metais, O final do periodo Neolitico — chamado


como 0 ouro e o cobre, os homens, no inicio Idade dos Metais — caracterizou-se pela
desse periodo, tinham na pedra polida a ma- intensificagdo do uso dos metais, gracas a
téria-prima basica para fabricagao de armas e descoberta e ao desenvolvimento de técnicas
ferramentas de trabalho. O polimento da pedra de fundi¢aéo. Com a evolucao da metalurgia,
tornava esses instrumentos mais resistentes, os instrumentos de pedra foram sendo lenta-
permitindo, por exemplo, sua utilizagao na mente substituidos por instrumentos de metal,
derrubada de arvores, com as quais se podiam especialmente de cobre, de bronze e, mais
construir moradias, canoas, arados, etc. tarde, de ferro.

O bronze (liga de cobre e estanho) e, posteriormente, o ferro originaram instrumentos cada vez mais sdlidos e cortantes.

No periodo Neolitico, as relagdes fami- as comunidades mais desenvolvidas exerce-


liares foram se tornando cada vez mais com- rem dominio sobre outras, tecnicamente
plexas, ao mesmo tempo que se desenvolvia inferiores.
a nocao de propriedade. Muitos homens Com a sedentarizagao humana, multipli-
deixaram de viver em cavernas e passaram caram-se as aldeias, as quais garantiam a seus
a construir suas proprias habitagdes — palafi- habitantes maior seguran¢ga contra as amea-
tas, cabanas de madeira, de barro, ou, ainda, cas externas. Com o progresso das técnicas
tendas de couro. agricolas, as colheitas tornaram-se mais abun-
dantes, o que favoreceu o aumento popula-
O progresso das técnicas de fundi¢ao cional. Assim, formaram-se grupos familiares
levou ao aperfeigoamento dos utensilios e das maiores — ou tribos — que constituiram o
armas. Com isso, a acdo do homem sobre a primeiro passo para a organizacao do Estado,
natureza tornou-se mais intensa, permitindo ja no final do periodo.
INTRODUCAO - PRE- HISTORIA

Embora seja praticamente impossivel re- Do Paleolitico ao Neolitico: mudanga


constituir com exatidao a cronologia dos baer aah e 4
gradual ou reer onae
avancos técnicos e culturais, ha indicios de : oF

que o bronze surgiu no Oriente, por volta de "Os fipboneleves acostumaram- se at


4000 a.C., alcangcando o mar Mediterraneo e a separar a coletae a agricultura como
difundindo-se pela Europa a partirde2000 a.C.
se fossem duas etapas da evolugao
humana bastante diferentes ea SU Rare
que a passagem de uma a outra tivesse
sido uma mudanga repentina erevolucio- .ic
naria. Hoje, contudo, admite-se que esta
transigao aconteceu de maneira gradual —
e combinada. Da etapa em que o homem —
era inteiramente um cagad.or-coletor :
passou-se para outra em que comegava
a executar atividades de cultivo de a
plantas silvestres (limpava a terra, ar-
rancava aS ervas daninhas, aprendia a
cultivar as plantas a partir das semen:
tes) e de manipulagao- dos -animais
(reunizio é prote¢ao). Mas tudo isso era
feito como uma atividade complementar ‘a
da coleta e da caga. ee my
O passo para a agricultura foi e
precedido pela‘domesticagao de plantas: ee
é animais — escolhendo as variedades
mais interessantes para reproduzi--las e
O desenvolvimento técnico e produtivo deu origem a para cruza-“las mais adiante -, iniciando
sociedades complexas como a egipcia. Na foto, templo de
Abu-Simbel. um processo |de selegao artificial.Mas a- 2
domesticagio nao é mais. que uma dase |
Também a escrita foi criada em torno de condigdes da transicao a agricult ira, que
4000 a.C., na mesma época em que tinham somente culminou quando se conseguiu
inicio as primeiras civilizag¢des como as do obter uma dieta que proporcionasse
Egito e da Mesopotamia, formadoras de gran- todos os elementos nutritivos (cereais, —
des impérios. carne é legumes) e€ que tornou possivel
Assim, as transformag6es ocorridas duran- depender por completo do abastecimento
te a ldade dos Metais promoveram a dissoluc¢ado vi
de plantas e animais domesticados."
das comunidades neoliticas e de muitas de
suas instituig¢des — como, por exemplo, a pro-
FONTANA, Josep. Introduccion al estudio de la .ag
priedade coletiva —, para substitui-las por for-
historia, Barcelona, Critica, 1999. p. 90-1.—
mas de organiza¢ao social mais sofisticadas.
#

ca
a
O FIM DO COLETIVISMO
PRIMITIVO

a Antiguidade, a dissolugao das co- “Ambas as vocacoes exigem lideran-


munidades primitivas resultou na
ga e responsabilidade, no alto, e requerem
criagaéo de duas formas principais
décil mansidZo, embaixo. Contudo, a do
de organizacdo socioeconémica: as socieda-
cagador exaltava a vontade de poder e
des baseadas nos regimes de servidao coletiva
acabava por transferir sua pericia em
(sociedades asiaticas); e as sociedades escra-
matar animais de caga para a vocagao
vistas (especialmente, as sociedades classicas
grega e romana). mais altamente organizada de arregi-
mentar ou matar outros homens; en-
quanto que a de pastor se movia no sen-
Neolitico — fase de transigao tido de vencer a forga e a violéncia e da
instituigao de certa medida de justiga,
O periodo Neolitico foi marcado pela
por meio da qual até mesmo o membro
transig&o do coletivismo do periodo pré-
mais fraco do rebanho podia ser protegi-
histérico a verdadeira no¢3o de proprie-
do e alimentado. Certamente a coesao e
dade dos tempos historicos. Foi a tran-
a persuasao, a agressividade e a prote-
si¢ao das aldeias e vilas para as cidades
Gao, a guerra € a lei, 0 poder e o amor,
€ destas para o nascimento dos grandes
achavam-se igualmente solidificados nas
Estados. A produgao de graos deu ori-
pedras das mais antigas comunidades
gem ao celeiro, e este, por sua vez, origi-
urbanas, quando estas finalmente toma-
hou uma muralha de protecao.
ram forma. Quando surgiu a realeza, o
Logo foi preciso formar-se um exér-
senhor da guerra e o senhor da lei tor-
cito para defender o celeiro. Com isso,
hou-se também o senhor da terra.
Surgiu oO poder para controlar o excedente
Se é verdade que tudo isso consti-
ea figura do administrador, ao qual cabia
tui, necessariamente, uma extrapolagao
fixar 06 impostos e registrar 0S sacos de
mitica com base em fatos conhecidos,
trigo produzidos. Ao mesmo tempo, con-
ainda assim pode dar uma idéia de como
s0lidava-se a existéncia do templo e do
as oferendas voluntarias vieram a se
palacio. Erigiam-se assim os pilares de
transformar em tributos, e de como os
um murido novo, bem diverso do da Pré-
historia. proprios tributos, mais tarde, se torna-
ram regulares, sob a forma de impostos,
Considerando varios indicios e até
taxas, trabalho forgado, oferendas pro-
mitos conhecidos da Mesopotamia e do-
piciadoras e até mesmo sacrificios hu-
Egito, é possivel imaginar uma simbiose
manos.”
entre cagadores, pastores é agricultores,
a qual acabou originando um poder domi-
nante. MUMFORD, Lewis. A cidade na historia, p. 38.
O FIM DO COLETIVISMO PRIMITIVO

As aldeias e vilas neoliticas, especialmen- ca, desenvolveram-se em regides semi-dridas,


te onde havia agricultura intensiva, evoluiram que necessitavam de grandes obras hidrduli-
para a formagao de cidades e resultaram na cas para 0 Cultivo agricola. Assim, a organi-
formagao das primeiras grandes civilizacdes za¢ao politico-social acabou-se estruturando
da humanidade. Nos vales de importantes rios em torno da terra e dos canais de irrigacgdo. O
floresceram estas primeiras culturas, como a Estado organizava a producao comunitaria
mesopotamica, entre os rios Tigre e Eufrates; a das aldeias, controlando diques e canais,
egipcia, no rio Nilo; a indiana, no rio Indo; ea apropriava-se, por meio da tributacdo, dos
chinesa, no rio Amarelo. excedentes produzidos e, em troca, realizava
Essas sociedades orientais da Antiguida- obras publicas e servicos administrativos.
de, especialmente a egipcia e a mesopotami-

Colheita de uvas para producdo de vinho numa pintura egipcia feita em uma tumba na cidade de Tebas. O Estado constituia o
eixo das primeiras civilizagées asiaticas, devido a necessidade de controle das grandes obras de irriga¢ao.

Nessas sociedades, onde predominava a - grega e a romana, em que a metalurgia tivera


servidao coletiva, o individuo explorava a grande desenvolvimento, a superagao das
terra como membro da comunidade e servia comunidades coletivistas do Neolitico levou
ao Estado, proprietario absoluto dessa terra, ao surgimento da propriedade privada e,
personificado, no Egito, pelo faraé e, na Me- conseqtientemente, a utilizagdo da mao-de-
sopotamia, pelo imperador. Nessas comuni- obra escrava. O Estado constitufa, nessas
dades, o comércio e 0 artesanato tinham fun- sociedades, o principal instrumento de poder
¢do secundaria, apresentando-se pouco dina- do grupo privilegiado, assegurando e ampli-
micos. A essa estrutura socioeconémica ba- ando seu predominio.
seada no Estado despdtico e no controle da No periodo da chamada Antiguidade
produgao agricola comunitdria, sustentada Classica, em que se desenvolveram as socie-
por grandes obras hidrdulicas, damos 0 nome dades grega e romana, as cidades tornaram-se
de modo de produ¢ao asiatico ou sistema de grandes centros de prosperidade material e
servidao coletiva. intelectual, além de importantes nucleos po-
liticos. As bases desse progresso encontra-
Diferentemente das sociedades da Anti- vam-se no campo, cujas atividades econdémi-
guidade oriental, em sociedades como a cas, principalmente a produgao de trigo, azei-
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

te e vinho, enriqueciam os proprietarios agra- e, portanto, para o progresso econdmico des-


rios e impulsionavam as atividades urbanas, sas sociedades, era garantida pela ampla
como as trocas comerciais e 0 artesanato. utilizagao da mao-de-obra escrava. O desen-
O comércio inter-regional de produtos volvimento do modo de produgao escravista,
agricolas e objetos artesanais, Como vasos, que atingiu sua plenitude em Roma, esta
anforas, estatuas, tornou-se muito dinamico. intimamente relacionado ao carater expan-
A navegac¢do, por conseqiiéncia, adquiriu sionista das cidades-estados gregas e do
grande importancia, passando o mar Medi- Estado romano. Foi a conquista permanente
terraneo a constituir 0 mais importante canal de outros territérios e a escravizagdo dos
de comunicac¢ao da Antiguidade. povos vencidos que possibilitaram a manu-
A produgao de excedentes, necessdria ten¢do do modo de produg¢ao escravista
para a intensificagdo das trocas comerciais nessas sociedades.

HO Civilizacoes escravistas
ECG Civilizacdes asiaticas
| = Hegemonia escravista

As civilizagdes asiaticas do Egito e da Mesopotamia foram sobrepujadas, ao longo da Antiguidade, pelas civilizagdes
escravistas grega e romana.

Vale destacar 0 uso do termo "ser civili- A construgao de um passado histérico


zado" como sindnimo de educagao, bons estara sempre relacionada aos interesses e a
costumes e progresso que, por varios séculos, posi¢do daquele que olha o passado para
serviu Como contraposi¢do a outros povos, poder justificar 0 seu presente. Por isso, se
especialmente para aquelas culturas diferen- levarmos em conta as civilizag6es apresenta-
tes da européia, consideradas incivilizadas ou das nesta unidade — em detrimento de outras
atrasadas. Isso nos leva a questéo de que a também importantes na Antiguidade —, nao
histdria depende de quem interpreta as fontes devemos esquecer que essas escolhas se
e as escreve. devem principalmente a influéncia dessas
O FIM DO COLETIVISMO PRIMITIVO

civilizagGes para a posterior hist6ria européia


ocidental, de onde deriva a formacao das
histérias da América, e onde primeiro houve
a preocupa¢ao de se escrever uma historia
universal. Da mesma forma, o termo "civili-
zagao" nado quer dizer um estagio mais
avancado, mas sim certas caracteristicas
como as apontadas a seguir:
A CIVILIZACAO EGIPCIA

ntre as primeiras civilizag6es orientais Situada no nordeste da Africa, numa re-


E pertencentes ao modo de produ¢ao giao predominantemente desértica, a civiliza-
asiatico, baseadas na servidao coleti- ¢do egipcia desenvolveu-se no fértil vale do
va, a egipcia sobressaiu-se como uma das mais Nilo, beneficiando-se do seu regime de cheias.
grandiosas e a mais duradoura. Marcada pelas
grandes obras publicas (palacios, templos,
piramides, canais de irrigagao, diques), fun-
damentais para a agricultura, a civilizagdo
egipcia contava com um Estado despstico que
controlava a estrutura socioeconémica e ad-
ministrativa, gracas as instituigdes burocrati-
cas, militares, culturais e religiosas que con-
trolavam e subordinavam toda a popula¢ao.

"Modo de produgao asiatico: expressao


ugada por Marx uma Unica vez, mas que
se tornou usual entre os marxistas para
designar determinado tipo de sociedade
em uma ‘comunidade superior’, mais ou
menos confundida com o Estado e que se
O RIO NILO
encarna num governante ‘divino’, explora
mediante tributos e trabalhos forgados
EUROPA
as comunidades aldeas — caracterizadas
pela auséncia de propriedade privada e
pela auto-suficiéncia, permitida pela uni-
ao do artesanato e da agricultura. Nas
discusses do século XX, preferiu-se
substituir o inadequado asiatico — posto
que as sociedades desse tipo nao sao
somente da Asia — por ‘despotico tribu-
tario’, ‘tributario’, ‘despotico aldedo’ etc.
O proprio contetido do conceito sofreu’
modificacgdes as vezes grandes em rela- O regime das cheias do rio Nilo depende das abundantes
cao a sua formulago por Marx." chuvas que caem na nascente do rio, de junho a setembro,
levando-o a transbordar na regiao egipcia. Ao fim do periodo
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Sociedades do antigo chuvoso, que vai de outubro a novembro, o rio volta a
Oriente Proximo. S40 Paulo, Atica, 1995. p. 82. ocupar seu leito normal, deixando as margens férteis para a
agricultura. A colheita é feita de abril a maio.
A CIVILIZAGAO EGIPCIA

As abundantes chuvas que caem durante Com a unifica¢do, iniciou-se o chamado


certos meses na nascente do rio, ao sul do periodo dinastico da histéria egipcia. O farad
territ6rio egipcio (atual Sudao), provocam o adquiriu o papel de supremo mandatario,
transbordamento de suas Aguas. Essas cheias, concentrando todos os poderes em suas maos
ao OCuparem as margens do rio, depositam ali e apropriando-se de todas as terras; a popu-
o humus fertilizante. Quando termina o lagdo deveria pagar tributos a ele e servi-lo.
periodo chuvoso e o rio volta ao seu leito Reforgando seu poder, o faraé encarnava
normal, as margens ficam prontas para uma também o elemento religioso, passando a ser
agricultura farta. considerado um deus vivo, sendo cultuado
Este quadro natural favoreceu o surgi- como tal.
mento das primeiras aldeias neoliticas no vale
do Nilo, constituindo-se os nomos, comuni-
dades aut6nomas que desenvolviam uma "O Estado egipcio parece ter prece-
agricultura rudimentar e eram chefiadas pelos
dido a plena urbanizagao, o desenvolvi-
nomarcas. O crescimento da populagao e o
mento em escala maior do comércio
aprimoramento agricola e a produ¢ao de
exterior, 0 florescimento completo da
excedentes logo possibilitaram o nascimento
divisao do trabalho. Estas coisas se
das primeiras cidades e a diferenciagdo
deram, com todas as suas caracteristi-
social. Os habitantes foram aperfeigoando as
técnicas de irrigagdo e, simultaneamente, cas, depois da formagao de uma monar-
uma cultura de caracteristicas singulares, a quia unificada. [...]
exemplo da escrita hieroglifica e do calenda- Na teoria politico-religiosa da mo-
rio solar. narquia egipcia, formada muito cedo e
mantida por quase trés milénios com
poucas alteragoes (e somente algumas
O Antigo Império nuances), o rei se define literalmente
(3200 a.C. - 2000 a.C.) como o centro de todas as coisas,
eS S| — _, , _,_* incluindo mesmo os paises estrangeiros,
destinados a subordinacao por ele."
Certamente, as diferengas sociais no CARDOSO, Ciro Flamarion Santana.
interior das aldeias agricolas, os conflitos Antiguidade oriental: politica e religiao.
nos nomos e entre os nomos, e as atua¢des S4o Paulo, Contexto, 1990. p. 41.
das novas elites locais resultaram na estrutu-
E evidente que a intenga religiosida-
racao do Estado com a reunido desses —
territérios, originando primeiro a formag¢ao de que se desenvolveu no Egito favorecia
de dois reinos, 0 reino do Alto Egito, locali- sobremaneira a preservagao do poder do
zado ao sul do Nilo, e o do Baixo Egito, ao faraod e da ordem social. “[...] a magnifi-
norte, por volta de 3500 a.C. Somente perto cagao do poder e da personalidade anda-
de 3200 a.C., Menés (ou Namer, ou Men, ou ram de maos dadas, criando um hori-
ainda Meni, segundo variadas fontes), gover- zonte mais amplo de esforco na técnica e
nante do Alto Egito, impds a unidade como uma nova escala de expressdo da arte. O
farao de todo o Egito, tornando-se o gover- monumentalismo brota da mesma con-
nante do primeiro Estado unificado da hist6- centracao de esforgo social, econdmico e
ria, subordinando os diversos nomos. Os religios0 que criou a cidade, como reci-
nomarcas, convertidos em representantes do piente de uma complexa civilizagao, di-
poder central nessas comunidades, adminis- ferenciada da doméstica cidade rural,
travam diversas aldeias e pequenas cidades, Seu prototipo mais simples, derivada
cuidando da coleta dos impostos e da principalmente das necessidades rurais.
aplicagdo das determinagGes estabelecidas [..] A magnificagao de Amendfis Ill, no
pelo farao.
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

mento do poder central. Os custos da imensa


templo mortuario de Luxor tem seu
burocracia estatal, a diminuigdo das cheias
paralelo, em nosso tempo, nos cartazes,
do Nilo, seguidas de crises de abastecimento
de natureza mais efémera, que expan-
e fome, resultaram em diversas revoltas
diam a imagem fotografica de um Hitler
populares, desorganizando ainda mais a
ou de um Stdlin: tentativas de sugerir produ¢ao e acentuando o enfraquecimento
proporcdes divinas, suficientes para ocul- desse poder. Diante desse quadro, os poderes
tar a fragilidade, a falibilidade ou a locais dos nomarcas ganharam maior impor-
mortalidade, meramente humanas”. tancia.
MUMFORD, Lewis. A cidade na histéria, p. 112-3. Essa época, conhecida como periodo
feudal egipcio, foi marcada por um longo
intervalo de acirradas lutas entre os nomarcas
A maior parte da popula¢ao trabalhava e de intmeras revoltas sociais, as primeiras
na agricultura e, nado raramente, era convo- conhecidas da histdria.
cada para trabalhar nos grandes projetos ar-
quitet6nicos, como as pirdmides, os templos
funerdrios, destinados ao fara6 e sua familia.
Depois de 2780 a.C., foram erigidas as O Médio Império
grandes pirdmides de Gizé, tumulos dos
farads da quarta dinastia egipcia: Quéops, (2.000 a.C. - 1580 a.C.)
Quéfren e Miquerinos. A piramide de Picea CeCe eR i
Quéops espalha-se por mais de 60 mil me-
tros quadrados e contém mais de 6 milhdes Perto do século XX a.C., teve inicio
de toneladas de pedras, atingindo 145 me- uma luta contra os nomarcas, que, progres-
tros de altura. A sua constru¢do levou perto sivamente, acabou restabelecendo o poder
de vinte anos de trabalho, sendo recrutada do fara6 e a unidade do império. A cidade
toda a populacdo egipcia, a um ritmo de de Tebas transformou-se na nova capital,
cem mil homens em rodizio de trés em trés sendo que os novos farads, especialmente
meses. os da XII dinastia, abriram um novo periodo
Depois de longa estabilidade politica e de prosperidade contando com a vassala-
social, o Egito, a partir de 2200 a.C., conhe- gem geral da sociedade, submetida pelo
ceu um perfodo de desordens e enfraqueci- poder central.

Das quase setenta piramides que sobreviveram até os nossos dias, a maior é a de Quéops, seguida de Quéfren e Miquerinos,
construidas sob o reinado dos faraés da quarta dinastia, no Antigo Império.
A CIVILIZAGAO EGIPCIA

O dinamismo do periodo deveu-se as Contudo, os varios levantes empreendi-


novas obras de irrigacdo, ampliando as Areas dos pelos nobres que reivindicavam maior
agricolas e produtivas, e 4 construcdo de autonomia, acompanhados de rebelides cam-
grandes tumbas e templos. Tal foi o desen- ponesas estimuladas pela pentria popular,
volvimento que as artes e a literatura egipcia minaram o poder central egipcio. Perto de
desta €poca transformaram-se em modelos 1800 a.C., agravando ainda mais o quadro
dureos e fontes de interesse para as geracées ° geral, teve inicio uma onda de invasGes es-
posteriores. trangeiras, principalmente dos hicsos, estabe-
lecendo dominios na regido.
“A mudanga da XI para a XII dinastia
ocorreu quando o tjati ou ministro Veja o quadro abaixo referente as esti-
Amenemhat tomou o poder como Ame- mativas aproximadas da popula¢do e da area
nemhat |. E possivel que, para chegar ao cultivada do Egito, da época da unificagao até
bem depois do Médio Império:
trono, tenha se apoiado nas grandes fa-
milias provinciais, descontentes com a Ano (a.C.) Habitantes Habitantes por
anterior familia real,jaque Mentuhotep III km* de terras
cullivaveis
restringira os poderes dos nomarcas e
suprimira sua sucesso hereditaria. O
fato é que, sob o novo rei, 06 governado-
res provinciais readquiriram parte dos
titulos e poderes perdidos.
Foi costume dos farads da XII dinas-
Fonte: BUTZER, Karl W. Early hydraulic civilization in Egypt.
tia associar ao trono o principe herdeiro, Chicago, University of Chicago Press, 1976. p. 83.
facilitando assim a sucesso. Tal periodo Citado por: CARDOSO, Ciro Flamarion S. Sociedades
foi um dos mais brilhantes da historia do antigo Oriente Préximo. Sao Paulo, Atica, 1995. p. 59.

egipcia. OS soberanos mais iluminados


pelas fontes s40 Senuosret Ill (1878- Os hicsos, povos de origem asiatica, usa-
1641) e Amenemhat Ill (1844-1797). O vam cavalos, carros de guerra e armas feitas
primeiro teve de lutar contra a ameaga de metais (bronze), equipamentos que até
do poder renovado dos nomarcas: ja seu entéo eram desconhecidos no vale do Nilo.
antecessor Amenemhat II (1929-1892) Esses recursos permitiram aos invasores isolar
havia tratado de intervir em questdes os farads em Tebas e exercer um completo
atinentes aos nomos, no sentido de di- dominio sobre a tributacéo, controlando o
minuir a autonomia provincial, mas Se- pais por quase dois séculos.
nuosret Ill decidiu levar a cabo uma re-
forma radical da administragao. Os no-
marcas foram temporariamente suprimi-
dos e o Egito foi dividido em quatro re- O Novo Imp€rio
gides administrativas. Quanto a Ame- (1580 a.C. - 525 a.C.)
nemhat Ill, atribui-se-lhe a construgao de a 1 Sa ah iia a a
um imenso palacio e obras de drenagem e
colonizagao agricola no Fayum. Os farads A dominagao dos hicsos uniu os egipcios,
da X| dinastia construfram suas pira- despertando um forte sentimento militarista
mides em localidades proximas a sua entre eles, que, a partir de Tebas e sob a li-
capital, no Fayum.” deranca de Amédsis I, conseguiram expulsar
os invasores, em 1580 a.C. Apds a expulsdo
dos hicsos, os hebreus, também invasores de
CARDOSO, Ciro Flamarion S. O Egito antigo. Sao
Paulo, Brasiliense, 1982. p. 56-7. origem asiatica, foram dominados e escravi-
zados.
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

"Uma firme tradigao se referia ao


Sob o governo de Tutmés III (1480 a.C. -
1448 a.C.), o império alcangou a sua maior
fato de terem sido os filhos de Israel
expansdo territorial, estendendo-se da quarta
obrigados a trabalhos for¢ados no Egito,
catarata do rio Nilo, ao sul, até o rio Eufrates na
construindo cidades; e que, chefiados por
Asia, ao norte, subjugando os sirios, os fenicios
um lider carismatico Moisés, sairam e outros povos. Tal extenso territorial, asse-
daquele pais, vagaram pelo deserto por gurada pelas conquistas, fez do Egito o primei-
algumas décadas e por fim, ja sob outros ro império mundial. A forga militar do faraé era
lideres, conquistaram a Palestina, terra formada pela infantaria, armada de arcos, setas
que lhes fora prometida pela divindade e langas, e pela cavalaria, equipada com
que os escolhera € se aliara a eles, carros. Dispunha também de uma esquadra
lahweh, o inspirador de Moisés. composta de galeras a remo e barcos a vela.
As indicagdes da Biblia a respeito Ja o fara6 Amenofis IV (1377 a.C. - 1358
da cronologia do ‘cativeiro no Egito’ sao a.C.), conhecido como o rei herético, proce-
contraditérias. Segundo uma delas (Exo- deu uma revolucdo religiosa, tentando por fim
do, 12:40), \srael teria permanecido no ao culto politeista. Tida pelo fara6 como uma
Egito durante 430 anos; mas Exodo, doutrina ultrapassada e conservadora, a reli-
6:14-25, 56 menciona quatro geragdes giao egipcia cultuava varias divindades (tendo
para tal permaneéncia. Segundo outra Amon-Ra, 0 sol, como a mais importante) e
indicagao (1 Reis, 6:1), o rei Salomao concedia amplos poderes aos sacerdotes.
teria construido o templo de Jerusalém Ha muito que o aumento constante da
480 anos depois da saida do Egito: o riqueza e da ingeréncia politica dos sacerdo-
calculo a partir da construgao do san- tes de Amon ameacavam a autoridade do
tuario de lahweh colocaria o Exodo em governo central. Bem antes de Amen6ofis IV,
ja havia comegado a ganhar adeptos na corte
plena XVIII? dinastia egipcia, e ha razdes
uma nova forma de culto solar, de influéncia
que sé opdem a isto. Por outro lado,
asidtica, em que todos se dirigiam ao proprio
numa estela de pedra do farad Mernep-
disco visivel do sol. Pouco a pouco, 0 novo
tah, em seu quinto ano de reinado culto evoluiu de uma timida religiosidade
(aproximadamente 1219 a.C.), lorael ja é com conota¢ées politicas para, no tempo de
mencionado como um povo instalado na Amenofis IV, transformar-se no foco de uma
Palestina e vencido pelo monarca egipcio. crise politico-religiosa sem precedentes.
Uma das cidades citadas na Biblia, como Amenéofis IV tentou mudar esse quadro,
aquela em cuja construgao os israelitas estabelecendo o culto monoteista a Aton, o
prestaram servigo forgado, pode ser Per- circulo solar, confiscando bens dos sacer-
Ramsés, capital construida pelo pai de dotes e excluindo ou inferiorizando os demais
Merneptah, Rameés || (1290 - 1224). deuses. O proprio fara6 mudou o seu nome,
A tendéncia predominante hoje em que recordava Amon (Amen6ofis, na realidade
dia é datar de Ramsés Il a opressao de Amen-hotep = ‘‘Amon esta satisfeito’’), para
Israel — de fato, somente de uma porgao Akhenaton (Ech-n-Aton = “‘Aquele que agrada
do que viria a constituir o povo israelita — a Aton’’), e fundou uma nova capital, Akhe-
no Egito." taton (= ‘‘horizonte do disco solar’), situada a
pouco mais de 30 quilémetros de Tebas.
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Antiguidade oriental: Os casamentos sucessivos de Amendo-
politica é religiao. S40 Paulo, Contexto, 1990. p. 61-2. fis IV nao resultaram num esperado herdeiro,
oO que favoreceu o retorno do poderio dos
sacerdotes e do culto politeista tradicional.
A forga do Novo Império tratou de am- Nem sua esposa principal, a bela Nefertiti,
pliar as fronteiras imperiais, destacando-se os que lhe deu varias filhas, nem o casamento
farads Tutmés Ill e Ramsés Il, bem como o com algumas de suas filhas, puderam resultar
reformador religioso, Amen6fis IV. num varao que garantisse a sucessdao.

PA2)
A CIVILIZACAO EGIPCIA

decidiu concordar com o pedido. Mas ja


era demasiado tarde. Por culpa de tanta
demora, o principe hitita nunca chegou a
ger rei do Egito. Outro personagem
sucedeu a Tutankhamon, e a jovem
travessa dos desenhos de El-Amarna
desapareceu rapidamente do teatro da
historia sem que saibamos o seu destino.
O nome de Tutankhamon nao apare-
ceria, sem divida, nestas paginas a nao
ser pelo descobrimento de sua tumba,
quase intacta, e que lhe assegurou um
renome mundial. Na realidade, 0 mais
importante que se pode dizer deste farad
é que morreu é foi enterrado.”
GRIMBERG, Carl. Histéria Universal Daimon. Vol. 1,
_—— Madrid, Ediciones Daimon, 1981. p. 149-150.

Depois do insucesso da jovem rainha—


Amenofis repudiou o tradicional culto egipcio politeista e - que se chamava Ankesenamon— emtrans-_
estabeleceu a adoracao ao deus-sol, Aton. Pima ys E
formar o principe hitita em seu ESp0S0 €

Aproveitando-se dessa fragilidade, os sa- farad do Egito (ele fora


ce assassinado
cerdotes depuseram Amenofis IV e outorga- durante a viagem), egipcios e hititas
ram a Tutankhamon (= “Aquele que vive em tornaram-se inimigos irreconciliaveis, vi-

ratificando a forga do Estado egipcio e anu- constantes.


lando a reforma religiosa de Amen6ofis.

“Tutankhamon morreu depois de


alguns anos de reinado. NZo deixou filhos,
mas sim uma vitiva que deu muito o que
falar; tornou-se até mais conhecida que
seu marido. As placas de Boghazkoy re-
velam uma interessante intriga em que a
jovem rainha teve um papel principal. Para
conservar o trono, tinha que encontrar
um marido influente e, se fosse possivel,
rapidamente. Por isso escreveu a seguin-
te carta ao rei dos hititas: “Meu marido
acabou de morrer e eu nao tenho filhos.
Disseram-me que tendes varios filhos
adultos. Mandai-me um; farei dele meu
esposo e rei do Egito!”
N&o havia tempo a perder. Depois de
um més de espera recebeu, ndo o marido,
Mascara de ouro de Tutankhamon, farao que morreu perto
é sim uma resposta prudente. Desespe- de 1352 a.C. com apenas 19 anos de idade. O tumulo de
rada, insistiu de novo na proposta, é Tutankhamon foi descoberto em 1922, praticamente intacto
desta vez o cauteloso rei dos hititas e cheio de mobiliario e ornamentos tipicos do periodo do
Novo Império.
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

O prosseguimento das conquistas milita- zinhos. Dentre estes, destacaram-se os assi-


res deu-se no governo do farad Ramsés II rios, que, em 662 a.C., sob 0 comando de
(1292 a.C. - 1225 a.C.), que enfrentou e ven- Assurbanipal, conquistaram a regiao. Os
ceu varios povos asiaticos, como os hititas, na egipcios, porém, resistiram a domina¢gao
batalha de Kadesh. Foram quinze anos de assiria e oO farad Psamético I (655 a.C - 610
enfrentamentos, até que, em 1272 a.C., a.C.) obteve a libertacdo da na¢ao, iniciando
egipcios e hititas assinaram um acordo de um intenso florescimento econdmico e cul-
paz, oO mais antigo que se conhece na historia. tural.

Na busca da maxima exaltagao de seu No periodo denominado renascimento


poder, Ramsés Il, que reinou por mais de saita, pois Sais havia se transformado na nova
setenta anos e teve 59 filhas e 79 filhos, capital, o Egito recuperou alguns territorios e
chegou a desfigurar o rosto das estatuas do uma forte unidade. Foi nessa fase, como
templo de Luxor e escrever nelas 0 seu descreve o historiador grego Herddoto, que o
proprio nome, inaugurando a pratica de farao Necao intensificou 0 comércio com a
uma revisdo e adulteracao da historia, que Asia e financiou o navegador fenicio Hamon
caracterizou muitos outros governantes ao numa viagem que contornou toda a costa
longo da histéria humana. africana. O navegador partiu do mar Verme-
lho, desceu pelo oceano Indico, cruzou o sul
O poderio e o esplendor alcangados no da Africa, voltando a dirigir-se ao norte j4 no
Novo Império eram evidenciados nao apenas oceano Atlantico e, depois de trés anos,
pelas conquistas militares, como também estava de volta ao Egito pelo mar Mediterra-
pelas manifestagdes culturais, a exemplo da neo.
construgao dos templos de Karnac e Luxor,
iniciados ainda no Médio Império e amplia- Depois de Necao, as disputas politicas
dos por outros farads. envolvendo burocratas, sacerdotes e militares
ganharam intensidade e descontrole, e soma-
Contudo, depois de Ramsés foram das as rebelid6es camponesas, enfraqueceram
poucos os periodos de estabilidade e unidade definitivamente o império. As invas6es torna-
sob o comando do governo central; assim, ram-se cada vez mais freqiientes e bem suce-
iniciou-se a fase de declinio da civilizagao didas, até que, em 525 a.C., os persas,
egipcia. Entre as varias razOes para essa comandados pelo rei Cambises, conquista-
decadéncia destacaram-se as disputas politi- ram o Egito na batalha de Pelusa, destronan-
cas que envolviam as autoridades sacerdo- do o farad Psamético III.
tais, que, em alguns momentos, chegaram a
constituir um Estado dentro do Estado, sob o Transformado pelos conquistadores em
comando do sumo-sacerdote, nao raramente uma provincia do Império Persa, o Egito foi
ignorando o poder do farao. vitima, posteriormente, de outras dominac¢oes,
como a dos gregos, maced6nios, romanos,
Outra razao era o proprio exército, que, arabes, turcos e ingleses, recuperando sua
formado em grande parte por mercendarios autonomia politica somente no século XX.
estrangeiros, acabou dispersado por interes-
ses estranhos a uma obediéncia hierarquica, Durante o dominio romano teve inicio a
determinando a quebra do poder estatal. penetracao do cristianismo na regido e, mais
Desprotegido militarmente, 6 Egito foi per- tarde, com a ocupag¢ao arabe, do islamismo,
dendo pouco a pouco suas antigas conquistas religides que ajudaram a demolir o que
e seus dominios orientais. restava da antiga cultura egipcia que durara
perto de trés milénios. Além dos exemplos
Apos 1100 a.C., 0 Egito voltou a se divi- arqueoldgicos, como as pirdmides e templos,
dir, passando a ter governantes autGnomos e chegaram até nds também resquicios de sua
rivais no Alto e no Baixo Egito, fragilizando-se lingua, ironicamente, através dos cultos da
e facilitando 0 avanco de conquistadores vi- igreja crista do Egito, ou copta.
A CIVILIZACAO EGIPCIA

desenvolvidas varias atividades artesanais,


bem como a produg¢ao de tecidos e vidros e
a construcao de navios.
A partir dessa base econdmica, a socie-
dade egipcia estruturava-se da seguinte forma:
acima de todos achava-se o farad e sua ampla
familia; logo abaixo na escala hierarquica
vinha a aristocracia privilegiada constituida
por sacerdotes, funcionarios do Estado (buro-
cratas e militares) e nobres, descendentes das
grandes familias dirigentes dos nomos. Entre
os burocratas destacavam-se os escribas,
funcionarios responsaveis pela contabilidade
e supervisdo da organizacdo administrativa.
Na base da sociedade egipcia, estava a ampla
Quando o Império Persa foi submetido pelo jovem conquis- massa Camponesa e oO grupo nado muito
tador greco-macedénico Alexandre Magno (foto), o Egito foi
incluido no butim dos vencedores. Apés a morte de
numeroso dos escravos, Os quais, quase
Alexandre, o império foi dividido entre seus generais e o sempre, eram prisioneiros de guerra. A sujei-
Egito ficou com Ptolomeu. ¢ao dos camponeses era conseguida gracas a
repressao e as Caracteristicas da cultura egip-
cia, na qual a religido, largamente difundida,
Economia, sociedade e cultura promovia a preserva¢do da ordem existente.
no Egito antigo
S.C Ul .Crc_CUL “A religiao penetrava intimamente
todos os aspectos da vida publica e
No antigo Egito, a organizagdo das
privada do antigo Egito. Cerimonias eram
atividades produtivas era uma atribui¢do do
realizadas pelos sacerdotes a cada ano
Estado, detentor da maioria das terras férteis.
para garantir a chegada da inundagao, e
Cabia a populagdo camponesa, subjugada ao
0 rei agradecia a colheita solenemente as
poder do farad, pagar impostos sob a forma
divindades adequadas. Oraculos dos deu-
de produtos ou trabalho, constituindo o que
ses — em especial os de Amon no Reino
se denomina servidao coletiva. Dessa forma,
o Estado apropriava-se dos excedentes da Novo 6 em épocas posteriores — desem-
produg¢ao, utilizando mdao-de-obra gratuita penhavam um papel importante na solu-
para construir depdsitos de armazenagem e ¢ao de problemas politicos e burocraticos
uma ampla burocracia estatal para cobrar im- é eram também consultados pelos ho-
postos. Mesmo as poucas propriedades pri- mens do povo antes de tomarem deci-
vadas que existiram no Egito antigo também ses de algum peso. As mulheres sem
sofriam um controle do Estado. filhos sé desnudavam diante de touros ou
Na €poca das cheias do Nilo, quando a carneiros sagrados, esperando mudar a
atividade agricola era suspensa, os trabalha- situag¢ao por sua exposigao a tais sim-
dores eram geralmente requisitados pelo bolos de fertilidade. A medicina era
Estado para trabalhar nas obras de constru¢ao penetrada de magia e religido. O aspecto —
de diques, canais de irrigagdo, templos, supersticioso das crengas multiplicava o
palacios, etc. uso de amuletos € outras protegdes
Na produ¢ao agricola destacavam-se, magicas, tanto pelos vivos quanto pelos
entre outros itens, o trigo, a cevada, o algo- ortos.”
dao, 0 papiro, o linho, e, na criagao de CARDOSO, Ciro Flamarion S. O Egito antigo.
animais, cabras, carneiros e gansos, além da p. 92-5.
intensa pesca no rio Nilo. Também foram
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

A religiao politeista foi o elemento cultu- “Os colégios sacerdotais, dotados


ral mais atuante no Egito antigo, constituida de arquivos e bibliotecas, geralmente nos
por uma centena de deuses, alguns em forma grandes templos, eram a sede do ensino
de animais, como vacas, touros, crocodilos, superior. Foram célebres 05 de Helidpolis,
serpentes, gatos, etc. A diversidade de divin-
Ménfis e Tebas. Os colegiais que haviam
dades remontava as origens das aldeias e dos
alcangado 0s graus académicos podiam
nomos do periodo pré-dinastico, com seus
continuar morando naqueles estabeleci-
cultos locais, depois agrupados e remodela-
mentos, para se dedicarem ao estudo (a
dos numa religido nacional. De todas as
semelhanga dos colégios das antigas
divindades egipcias, sobressaia-se Amon-Ra
(sol), especialmente fortalecido no Novo Universidades européias e dos fellows
Império, apds a tentativa frustrada de reforma da moderna Oxford), gozando das gran-
religiosa de Amenofis IV. Outras divindades des comodidades que as bibliotecas,
importantes eram Osiris, isis, Set, Hdrus, observatorios, etc. ofereciam para o tra-
Antbis e Apis. balho cientifico. Alguns daqueles estu-
dantes também se dedicavam ao ensino.
Da mesma forma como as cheias suce-
A educagao superior destinava-se a
diam as vazantes, 0 dia a noite, os egipcios
fins técnicos e profissionais: era realista.
acreditavam que 0 mesmo acontecia com a
A regulamentagao da agricultura, devido
vida, a qual sucedia a morte. As vezes, ima-
ginavam o morto voltando a vida na propria as inundagGes periddicas do Nilo, impds
tumba, considerada como uma “casa de estudos de indole muito diferente: as-
eternidade”’, de onde s6 poderia escapar trondmicos, para estabelecer um calen-
temporariamente assumindo a forma de pas- dario, e isto fez florescer a astronomia e
saro. Outras vezes, depois de renascido, o a matematica; e hidraulicos, para irriga-
individuo navegava na barca solar ou entao ¢do € represas, e isto impulsionou a en-
passava pelo julgamento do deus Osiris, genharia, que sé ocupou da arte de cons-
depois do qual, se nado fosse condenado por truir canais e diques. A mumificagao e o
seus feitos, iria viver num outro mundo melhor. embalsamamento fomentaram a disse-
cagao, e daqui sé passou a adquirir co-
Para que o corpo pudesse voltar a abrigar
nhecimentos médicos notaveis, que a
a alma, desenvolveu-se 0 culto aos mortos e a
Grécia (Hipdcrates) herdou, ao mesmo
técnica de mumificagdéo de cadaveres, um
conhecimento controlado pelos sacerdotes.
tempo que idéias empiricas sobre quimica
No inicio, a mumificagaéo era uma exclusivi-
(drogas e substancias organicas). A
dade do fara6, progressivamente estendida a propria literatura possuia um propdsito
todos aqueles que pudessem pagar as eleva- pratico, a saber, a aquisigao de formulas
das despesas da mumifica¢ao. para expressar facilmente as cerimonias
religiosas e as transagoes mercantis.”
A técnica da mumificagao foi tao desen- LARROYO, Francisco. Histéria geral da pedagogia.
volvida no Egito que permitiu apurado co- Sao Paulo, Mestre Jou, 1974. p.81-2.
nhecimento de anatomia humana, favorecen-
do o desenvolvimento da medicina e o
surgimento de especialistas em varias areas, A medicina, a arquitetura e a engenharia
como para doengas do est6mago, do cora¢do foram utilizadas e estimuladas pelo poder
ou fraturas. Nao eram raras, no Egito antigo, central — tanto pelo fara6, quanto pelos sa-
as bem-sucedidas intervengdes cirtrgicas cerdotes. Também foram incorporadas as
cranianas. O ensino, especialmente o mais demais areas refinadas do saber, cujos técni-
aprofundado, aquele que se assemelharia ao cos e artistas atuavam como verdadeiros
curso superior na atualidade, visava manter as funcionarios do Estado. Do desenvolvimento
classes dirigentes da sociedade, com seus da astronomia egipcia nasceu um calendario
profissionais, sabios e eruditos. solar composto de doze meses, cada um com
A CIVILIZACAO EGIPCIA

trinta dias. E, para o desenvolvimento da


engenharia e da arquitetura, além das obras
hidraulicas, como diques e canais, a cons-
trugao de templos e pirdmides foi de funda-
mental importancia.
Quase sempre voltada para os deuses,
para o fara6 e para a corte, a pintura egipcia
distinguia-se pela auséncia de perspectiva e a
escultura, muitas vezes monumental, pela
rigidez. Na literatura, cultivava-se a poesia,
a filosofia e a medicina, destacando-se o
“Hino ao Sol”, feito por Amenofis IV.
O Egito antigo desenvolveu trés tipos de
escrita: a sagrada, chamada escrita hierogli-
fica, inventada no periodo pré-dindstico, e
que possuia mais de seiscentos sinais; a hie-
ratica, mais usada para documentos e era
uma forma mais simples e derivada da ante-
rior; e a demotica, a popular, nascida bem
mais tarde e é uma simplificagao da hieratica
com cerca de 350 sinais.
A decifragaéo destas escritas coube ao
francés Champollion, que utilizou uma pedra
encontrada na regido de Roseta por um
soldado de Napoleao Bonaparte, em 1799. Foi na expedicao militar de Napoleao ao Egito que um jovem
oficial de engenharia (Bouchard) encontrou, a 70 quiléme-
Com seus trabalhos iniciou-se a egiptologia, tros de Alexandria, em Roseta, uma pedra (foto) que
produzindo conhecimentos cada vez mais continha inscricgdes em diferentes idiomas: grega, hieroglifi-
aprofundados do Egito antigo. ca e demotica.
AS CIVILIZACOES DA
MESOPOTAMIA

Mesopotamia — nome dado pelos Fértil, a Mesopotamia estendia-se desde os


A gregos e que significa “terra entre montes Zagros no Ira, a leste, até os desertos
dois rios’” — compreendia os vales e da Arabia, a oeste, contando com os rios que
planicies irrigados pelos rios Tigre e Eufrates, desciam das montanhas em direcdo ao golfo
onde hoje é o territorio do Iraque e terras Pérsico.
proximas. Inserida na area do Crescente

| Crescente Fértil
Mesopotamia

A parte norte, na Alta Mesopotamia, era do desenvolvimento de um complexo sistema


mais montanhosa, desértica e menos fértil, hidraulico que favorecia a utilizagdo dos
enquanto o centro e o sul do vale entre os rios pantanos, evitava inundagGes e garantia o
Tigre e Eufrates, onde se encontram a Média e armazenamento de agua para os periodos de
a Baixa Mesopotamia, eram constituidas de seca. Admite-se, frente ao sucesso do desen-
planicies muito férteis. Descobertas arqueo- volvimento das atividades produtivas meso-
ldgicas revelam que a sedentarizagdo das potamicas, que perto de 4000 a.C. algumas
comunidades humanas na Média e Baixa cidades cresceram tanto a ponto de reunir
Mesopotamia ocorreu durante a transi¢do do mais de dez mil habitantes, a exemplo de
Paleolitico para o Neolitico, por volta de Uruk. As cidades, além de viabilizarem a so-
10000 a.C., e ndo sao poucos os especialistas brevivéncia na regido, propiciaram a defesa
que defendem a precedéncia das grandes militar, a centralizagaéo da autoridade e do
organizac6es civilizadas da regido a qualquer controle sobre a populacdo. As mesmas mu-
outra do mundo. ralhas que defendiam a cidade serviam
O surgimento dos primeiros grandes também para 0 comando e dominio de toda
nucleos urbanos na regido foi acompanhado a populacao urbana.
AS CIVILIZACOES DA MESOPOTAMIA

Observando o Egito e a Mesopotamia, nado eram tidos como deuses e sim seus
sobressaem algumas similaridades comuns as intermediarios e representantes.
duas regides, como a aridez do clima e a Empreendedores e criativos, os sumérios
fertilidade favorecida pelos rios. Por outro estabeleceram relacdes comerciais com va-
lado, 0 acesso 4 Mesopotémia por povos rios povos da costa do Mediterraneo e do vale
n6émades era mais facil que ao vale do Nilo. do Indo. Inventaram a escrita cuneiforme
De certa forma, a imensidao do deserto que (caracteres em forma de cunha) que foi uti-
envolve o Egito serviu de prote¢cdo natural lizada por todas as civilizag6es da Mesopo-
contra os invasores. Na Mesopotamia, as tamia e povos vizinhos.
invasdes foram constantes e sucessivas, im- Enquanto as cidades-estados sumerianas
primindo uma marca diferenciada do seu viviam constantemente em guerra pela su-
desenvolvimento ao longo da Antiguidade. premacia na regiao, produzindo hegemonias
Além disso, em fungado do relevo que os sucessivas, oS acadianos, povos de origem
envolve, os rios Tigre e Eufrates correm de semita, Ocupavam a regiao central da Meso-
noroeste para sudeste, num sentido oposto ao potamia. Por volta de 2300 a.C., o rei
do rio Nilo, sendo as enchentes da Mesopo- acadiano Sargao I, unificou politicamente o
tdmia muito mais violentas e sem a uniformi- centro e o sul da Mesopotamia, dominando
dade e a regularidade apresentadas por ele. os sumerianos, tornando-se conhecido como
o “‘soberano dos quatro cantos da terra’. Ao
mesmo tempo, o Império Acadiano incorpo-
rou a cultura sumeriana, com destaque para
os registros da nova lingua semitica em
Sumerianos e acadianos caracteres cuneiformes.
Devido as diversas revoltas internas e a
(antes de 2000 a.C.) continua¢ao de invasdes estrangeiras, o Im-
ese Sy dele ay UL) Ansan LAC ieee El esa pace pério Acadiano acabou se enfraquecendo e
desapareceu — isto ao redor de 2 100 a.C. -,
No final do periodo Neolitico, os povos permitindo o breve reerguimento de algumas
sumerianos, vindos do planalto do Ira, fixa- das cidades-estados sumerianas, como Ur.
ram-se na Caldéia (Média e Baixa Mesopota-
mia) e fundaram diversas cidades aut6nomas,
verdadeiros estados independentes, como Ur,
Uruk, Nipur e Lagash. Cada uma delas era
governada por um patesi, supremo-sacerdote O Primeiro Império Babil6énico
e chefe militar absoluto, Acompanhado dos (2000 a.C. - 1750 a.C.)
sacerdotes e burocratas, o patesi controlava a eIee er)
construgaéo de diques, canais de irrigacdo,
templos e celeiros, impondo e administrando Entre os invasores que destruiram o Im-
os tributos a que toda a populacdo estava pério Acadiano destacam-se os amoritas.
sujeita. Vindos do deserto da Arabia, impuseram seu
Os deuses eram considerados os proprie- dominio na Mesopotamia, partindo de sua
tarios de todas as terras, a quem os homens cidade principal chamada Babildnia. As dis-
sempre deviam servir, sendo as cidades suas putas entre ela e as demais cidades-estados
moradas terrenas. Junto aos templos das ci- mesopotamicas, além de outras ondas inva-
dades, homenageando o seu deus patrono, soras, resultaram numa luta quase ininterrup-
nao raramente eram erigidos zigurates, pira- ta até o inicio do século XVIII a.C, quando
mides de tijolos maci¢gos que serviam de Hamurabi, rei da Babil6nia, realizou a com-
santuarios e acesso dos deuses’ quando des- pleta unificagao, conseguindo dominar toda a
ciam até seu povo. Diversamente do Egito, os regido, desde a Assiria, na Alta Mesopotamia,
governantes mesopotamicos, salvo raras ex- até a Caldéia, no sul, fundando o Primeiro
cecdes e mesmo assim so depois de mortos, Império Babildnico.
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

Rapidamente, a capital babilénica trans- Um soldado que n&o cumpre seu


formou-se num dos principais centros urba- dever e retrocede diante do inimigo devia
nos da Antiguidade, sediando um poderoso ger condenado a morte, € aquele que oO —
império e convertendo-se no eixo cultural e
-denuncia podia apropriar- sé da casa do ©
econémico da regido do Crescente Fértil.
covarde. No Direito sumério, o matrimonio
Hamurdabi também foi importante por elabo-
rar um cddigo de leis completo, tido como era considerado, todavia, como ‘a compra
um dos mais antigos de que se tem noticia, de uma mulher’. Hamurabi disse do ladrao
assentado nas tradicdes sumerianas. de mulheres: ‘Se um leva a filha de outro
O Cédigo de Hamurabi apresenta uma pela forga, contra a vontade do pai e da
diversidade de procedimentos juridicos e mae, e tem trato com a vitima, o ladrao.
determinagdo de penas para uma vasta gama deve ser condenado a morte nes ordem
de crimes, partindo, a maior parte delas, do dos deuses’. Weiter:
principio “olho por olho, dente por dente’. O ‘A esposa que odeia seu pen 6:
Cédigo de Hamurabi decorria da Lei de diz: Tu nao és meu marido, deve ser lan-
Talido que preconizava que as puni¢des gada ao rio com pés e maos amarrados
fossem idénticas ao delito cometido. ou ser jogada do alto da torre do recinto.’
O Cédigo abarca praticamente todos os A poligamia era tolerada até certo
aspectos da vida babilénica, passando pelo ponto: cada homem podia ter uma se-
comércio, propriedade, heranga, direitos da
gunda esposa quando a paltetca nao Ihe
mulher, familia, adultério, falsas acusag6es e
dava filhos.”
escravidao. As punigdes variavam de acordo
GRIMBERG, Carl. Historia Univereal| Daimon.
com a posi¢ao social da vitima e do infrator.

“Hamurabi exorta o juiz a ser impar-


cial. O falso testemunho era severamente
castigado.
Quando se acusava alguém de ho-
micidio ou de magia, o acusado deveria
dar provas de sua inocéncia submetendo-
-e a experiéncia da agua (nesta prova o
réu era atirado ao rio) e, se nao sobre-
vivesse, estaria cumprida a sentenga.
Segundo as leis de Hamurabi, 09 la-
drdes e seus colaboradores pagariam SeUS
feitos com a vida na maior parte dos casos,
as vezes eram cortadas suas mos e em
outras era exigida uma indenizagao que
nao excederia 30 vezes o valor dos bens
roubados. Aquele que acusava falsamente
alguém de haver participado em um roubo-
devia ser entregue a morte.
‘Se alguém penetra com violéncia em
uma casa, deve morrer € seu corpo ser
enterrado no lugar da violéncia.’
‘Se sé declara fogo em uma casa é€ Essa estela (pilar de pedra) do Cédigo de Hamurdbi possui
um dos que ajudam a apagar o incéndio uma inscricao com 3 600 linhas em caracteres cuneiformes.
olha com cobiga o que possui o proprie- Foi encontrada por arquedlogos em 1901, na cidade de Susa,
e acha-se atualmente no Museu do Louvre, em Paris.
tario da casa e toma alguma coisa, deve
ger jogado ao fogo’.
AS CIVILIZAGOES DA MESOPOTAMIA

Hamurabi também empreendeu uma am- dos lavradores, e artesdos assirios passou a
pla reforma religiosa, transformando o deus compor 0 ex€rcito.
Marduk, da Babilénia, no principal deus da Os assirios ficaram famosos pela cruel-
Mesopotamia, mesmo mantendo as antigas dade com que tratavam os vencidos, nao
divindades. A Marduk foi levantado um tem- sendo raro o esfolamento vivo nas pedras.
plo junto ao qual foi erguido o zigurate de Cortavam orelhas, Orgdos genitais e narizes
Babel, citado pelo Livro do Génesis (Biblia) daqueles que ousassem ameacar seu domi-
como uma torre para se chegar ao céu. nio, buscando a total intimidagdo dos con-
Apos a morte de Hamurabi, 0 império quistados. Durante o reinado de Sargao Il, os
entrou em decadéncia principalmente por assirios conquistaram o reino de Israel e, no
causa das rebelides internas e novas ondas de de Tiglatfalasar, tomaram a cidade da Babi-
invasOes, como a dos hititas e a dos cassitas. l6nia. Durante o século VII a.C., sobretudo
A desorganizacgao do Império Babilénico nos reinados de Senaqueribe (705 a.C. - 681
promoveu o surgimento de varios reinos a.C.) e de Assurbanipal (668 a.C. - 631 a.C.),
menores rivais, propiciando a ascensao dos o Império Assirio atingiu seu apogeu, domi-
assirios, a partir de 1300 a.C. nando uma area que se estendia do golfo
Pérsico 4 Asia Menor e do Tigre até o Egito.
Com Senaqueribe, a capital foi transferi-
da de Assur para Ninive e, sob Assurbanipal,
O Império Assirio foram realizadas as ultimas grandes conquis-
tas assirias, incluindo a do Egito. Assurbani-
(1300 a.C. - 612 a.C.) pal, além de grande guerreiro, era um entu-
siasta da ciéncia e literatura, 0 que explica a
criagdo de uma grande biblioteca na nova
Os assirios fixaram-se no norte da Meso- capital assiria. A Biblioteca de Ninive reuniu
potamia por volta de 2500 a.C., fazendo da um amplo acervo cultural de toda a regido,
cidade de Assur — nome de sua principal formada por dezenas de milhares de tijolos de
divindade - a sua capital. Ocupavam as argila.
margens do rio Tigre e as montanhas proxi-
mas, onde era abundante a madeira e varias
riquezas minerais, como o cobre e 0 ferro, “A partirda época de Hamurabi,
sobrevivendo grac¢as as atividades agropasto- certos templos passaram a organizar
ris e A caga. Aos poucos, edificaram um forte
bibliotecas, em que as tabuinhas, cuida-
Estado militarizado, contando com cavalos,
dosamente classificadas segundo o geé-
carros de guerra e armas de ferro; armamen-
tos bem superiores aos dos vizinhos, os quais
nero e€ a obra, empilhavam-se em cestos
dotados de uma etiqueta de argila, de
foram submetidos ao seu dominio. Nesse
primeiro avanco expansionista, os assirios acordo com um processo igualmente
conquistaram varias regides vizinhas, incluin- utilizado para a classificagao e conser- —
do a Média Mesopotamia e boa parte da Siria _vagao dos arquivos. a
e da Palestina. Soberanos houve que agiram de
O predominio social entre os assirios modo semelhante em seus palacios.
cabia a uma aristocracia sacerdotal e militar Mas nenhum dedicou a esta atividade
que sujeitava toda a massa camponesa, a qual tanta energia sistematica como Assur-
era obrigada ao pagamento de tributos em banipal, que afirmava ter recebido dos
cereais, metais, gado e a prestar servicos deuses ‘toda a ciéncia da escrita’. Orde-
gratuitos ao Estado. Com a crescente expan- nava a seus funcionarios que procuras-
sao e militarizagdo da sociedade assiria, a sem e enviassem ao palacio 0S originais,
produgao e os servicos ptblicos acabaram ou pelo menos copias, de todos os textos
ficando a cargo das populagées vencidas, rituais, religiosos, magicos, astrondmi-
transformadas em escravos, e grande parte
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

cos, histéricos, etc. Suas circulares O Segundo Império Babilonico


concluiam a enumeragao por conselhos
do seguinte tipo, dirigido a seu represen-
(612 a.C. - 539 a.C.)
Oye eee
tante em Borsipa, na Caldéia: ‘E se existir
alguma tabuinha e texto ritual, a cujo Os caldeus, povo de origem semita,
respeito nao te instrui, mas que tu derrotaram os assirios e fizeram da Babilénia
achares bom para o meu palacio, selecio- novamente a capital da Mesopotamia. Assim
na, toma, é envia-nos’. Os arquedlogos nasceu 0 Império Neobabilénico, mais gran-
ingleses puderam, assim, descobrir, nas dioso que o de Hamurdbi, e mais de mil anos
ruinas de Ninive, milhares de tabuinhas depois.
que constituem, atualmente, uma das
Durante o reinado de Nabucodonosor
principais riquezas do British Museum.”
(604 a.C. - 561 a.C.), o Segundo Império
AYMARD, André e AUBOYER, Jeannine. O Oriente e Babil6nico viveu 0 seu apogeu. Foi a época das
a Grécia antiga. In CROUZET, Maurice. Histéria geral
grandes construcdes publicas, como os tem-
das civilizagoes. Vol. 1, S40 Paulo, Difel, 1972. p. 159.
plos para varios deuses, especialmente o de
Marduk, as grandes muralhas da cidade e os
paldcios, a éxemplo dos “Jardins Suspensos da
Babilonia’’, considerados pelos gregos como
uma das maiores ‘/maravilhas do mundo”.
Nabucodonosor também expandiu seu
império, dominando boa parte da Fenicia,
Siria e Palestina, e escravizando os habitantes
do reino de Juda, que foram transferidos
como escravos para a capital (Cativeiro da
Babil6nia”).

Nabucodonosor e a bela Semiramis

“O grande rei tinha esposado uma


princesa da Média e desejava oferecer-lhe
um cenario que lembrasse as floragdes e
folhagens de seu pais natal. Que sublime
atengao tao terna...
_A tradigao queria que estes jardins
fossem obra de Semiramis, a ilustre
(Bl Regides ocupadas rainha que artistas e escritores exalta-
|__| Regides dependentes
ram, cada qual mais e, entre eles, Paul
Valéry:
Sobe, 6 Semiramis, senhora
de uma
Apos a morte de Assurbanipal (631 a.C.), [espiral
o Império Assfrio declinou rapidamente, gra- Que de um coragado sem amor se langa
¢as as revoltas dos povos dominados, sucum- [apenas a fama!
bindo definitivamente em 612 a.C. Nesta Tua visao imperial tem sede do imenso
data, Nabopolassar, rei dos caldeus, e com [império
ajuda dos medos, seus vizinhos, destrufram A que teu cetro firme faz sentir a
Ninive e todo o Império Assirio, inaugurando [felicidade...
o Segundo Império Babildnico.
AS CIVILIZAGOES DA MESOPOTAMIA

Basta o nome de Semiramis, para O Segundo Império Babildnico nao so-


libertar visdes feéricas. Exaltou-se seu breviveu por muito tempo a morte de Nabu-
poderio, sua beleza, mas toda a imagi- codonosor, sendo conquistado em 539 a.C.
nagao sedutora apdia-se apenas em pelo rei persa Ciro I. A partir dai, a Mesopo-
tamia e seus dominios passaram a pertencer
relatos de historiadores antigos que
ao Império Persa.
colheram, eles proprios, lendas forjadas
séculos antes. Os arquedlogos, que tao
fregiientemente suprem as lacunas das
fontes escritas, intervieram e projetaram Economia, sociedade e cultura
algumas luzes na penumbra dourada que da Mesopotamia
envolvia a ilustre rainha. A decifragao dos Ee
See EE,
escritos cuneiformes permitiu obter pre-
cise — pouco|numerosas, em verdade. A estrutura produtiva mesopotamica, tal
Estabeleceu-se que o nome de Semiramis — como a do Egito, inseria-se no modo de pro-
era a transcri¢ao, em grego, do de uma ducao asiatico, tendo a agricultura como
-rainha assiria: ‘Sammu- Ramat, esposa de- atividade principal e a populagao submetida
um rei que governou de 823 a B10 a. ao sistema de servidado coletiva. A unidade
Assim, a fundagao- da Babilonia “por econdmica da cidade-estado ou do império
Semiramis, embora seja tradigao tenaz,
dependia do templo, eixo da religiao, e dos
sacerdotes, que atuavam como elo de ligacdo
deve ser relegada a condigZo das belas
entre a popula¢ao e a autoridade politica, o
lendas. Esta fundagao Se perde, com
patesi ou o imperador. Como as terras perten-
efeito, na noite dos tempos, como provou ciam aos deuses, os seus representantes (po-
a arqueologia.” TEA A ors liticos e religiosos) administravam essas terras
EYDOUX, Henri-Paul. A ae mundos perdi- e dominavam camponeses, artesdos (padei-
dos. As grandes descobertas arqueolégicas. S&o
ros, oleiros, teceldes, ferreiros, etc.), soldados
Paulo, Melhoramentos/Edusp, 1975. p. 57-8.
e servicais menores, obrigados a produzir,
defender e a trabalhar nas obras publicas.
Uma aristocracia de governantes, sacer-
dotes e funciondarios publicos, através do
Estado, controlava a construgao de reserva-
torios de agua, diques, canais de irrigagao,
estradas e depdsitos de alimentos, além de
impor tributos sobre quase tudo o que era
produzido. Também contava com a mao-de-
-obra escrava, constituida dos vencidos nas
guerras. Nos celeiros publicos, conhecidos os
estoques, definia-se o critério de distribuicao
dos excedentes agricolas obtidos da popula-
¢ao.
O artesanato e 0 comércio mesopotami-
cos atingiram um alto grau de desenvolvi-
mento, com seus negociantes organizando
caravanas que iam da Arabia a India, bus-
cando ou levando produtos, como 1a, tecidos,
cevada e minerais, entre outras mercadorias.
Quando utilizavam os rios Tigre e Eufrates ou
o mar, alcangado através do golfo Pérsico,
Ruinas do palacio de Nabucodonosor e provavel parte dos
freqiientemente contavam com navios tripu-
jardins suspensos da Babilénia. lados por marinheiros fenicios. A intensidade
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

das atividades econdmicas da Mesopotamia E um estreito vale entre as montanhas


chegou a transformar muitas de suas cidades do Curdistao, € os conquistadores a
em grandes entrepostos comerciais, destacan-
utilizaram cuidando de marcar sua pas-
do-se, especialmente, a Babildnia.
sagem. Dario quisera ser glorificado num
A estrutura social mesopotamica também
cenario a altura de seu poderio e orgulho:
assemelhava-se a do Egito, tendo no topo
uma enorme parede de rocha sobre a
uma pequena elite poderosa, concentradora
de privilégios e da forca, sustentada pela qual, a mais de GO m de altura, desen-
esmagadora maioria da populacao submetida rola-se um baixo-relevo representando
a servidao imposta por um governo despotico seu triunfo contra um usurpador eé
e teocratico. principes rebeldes. Para sublinhar a cena,
A cultura mesopotamica descendia, em corre uma grande inscrigZo trilingiie: em
grande parte, dos sumérios, destacando-se velho persa, em neobabilonico e em neo-
especialmente a escrita cuneiforme, decifrada elamita.
pelos estudiosos Grotefend e Rawlison. Nao temos o intuito de dar um cur-
30 de linguas. Seja suficiente dizer que
Rawlison, realizando verdadeira proeza
A decifragao da escrita cuneiforme esportiva; conseguiu, com perigo de vida,
copiar a inscrigdo e depois decifra-la. Em
“(...)Foi um alemao, Georg Friederich
1846 publicava, sob oS auspicios da
Grotefend, quem, com genial intuigdo,
Royal Asiatic Society, um livro de grande
langou aS bases com que ela seria
valor: A ingcrigao pérsica cuneiforme de
decifrada. Estudava Filologia em Gottin-
Beistum, decifrada e traduzida pelo
gen quando, partindo especialmente de
Major H. C. Rawlison.”
inscrigdes copiadas em 1765 em Persé-
EYDOUX, Henri-Paul. A procura dos mundos
pole, pelo alemao Niebuhr, formulou os
perdidos. p. 46-7.
principios da decifragao e apresentou os
resultados a Academia de Gottingen, em
1802.
As pesquisas que Grotefend empre-
endera é que tinham sido acolhidas, de
inicio, com algum ceticismo, foram a
seguir retomadas por diferentes espe-
cialistas, entre 05 quais se destaca o
inglés Henry Creswicke Rawlison. Nascido
em 1810, fora enviado como cadete a
india, depois ao |ra, com uma missao
britanica, encarregado de organizar as
tropas do Xa. Comegou, entao, a interes-
sar-se pelas escritas cuneiformes, em-
penhando-se em copiar a célebre inscri-
¢do que se encontra no baixo relevo de
Dario |, chamado Beistum, proximo do
lugarejo de Bisotum.
Este local se encontra em territério
iranico, a uns 5O km a leste de Kernan- Usada pelos mesopotamicos e por varios povos vizinhos, a
cha, no caminho que unia outrora Babi- escrita cuneiforme foi uma das mais importantes do mundo
antigo. Composta de vogais e consoantes, era grafada da
lonia e Ecbatana e que constitui, hoje em esquerda para a direita. O rei persa, Dario deixou em
dia, a grande estrada de Bagda a Teerd. Beistum a base para sua decifracaéo. Acima, desenho de
Rawlison.
AS CIVILIZACOES DA MESOPOTAMIA

A religido mesopotamica, de heranca


sumeriana e ampliada por seus sucessores,
tinha indmeros deuses que representavam
fendmenos da natureza (atualmente sdo co-
nhecidos cerca de trés mil) e era vista como
meio de obter recompensas terrenas imedia-
tas, pois, ao contrario dos egipcios, os meso-
potamicos nado acreditavam na vida apds a
morte. Mesmo assim, na Assiria e na Babil6é-
nia, a religido evoluiu para a crenca de que os
mortos deveriam receber boas sepulturas,
para nunca abandonarem seu mundo de
sombras. Do contrario, eles achavam que a
alma nao encontraria paz e ficaria vagando
pela terra e sofrendo eternamente e provo-
cando desgragas. Para alcancar as vantagens
terrenas, os mesopotamicos submetiam-se aos
rituais religiosos, comandados pelos sacerdo-
tes, os quais faziam dos templos o centro de
toda religiosidade. Estes templos podiam abri- Construida por Nabucodonosor, a Porta de Ishtar (deusa do
gar também o celeiro e as oficinas, integrando, amor e da guerra na mitologia mesopotamica) era a mais
inclusive, a torre do zigurate. grandiosa das oito portas que permitiam entrar na cidade da
Babilonia.

Os mesopotamicos sobressairam-se nas


ciéncias, na arquitetura e na literatura. Obser- Na literatura, constituida principalmente
vando o céu, especialmente a partir de suas de poemas e narrativas épicas, destacam-se
torres e buscando decifrar a vontade dos duas obras sumerianas, a Epopéia de Gilga-
deuses, os sacerdotes desenvolveram a astro- més, a mais antiga narrativa sobre o diltivio, e
logia e a astronomia, conseguindo atingir um o Mito da Criagao.
amplo conhecimento sobre fendmenos celes- Na primeira, Gilgamés € apresentado
tes, como o movimento de planetas e estrelas como rei de Uruk que busca a imortalidade,
e a previsdo de eclipses. acompanhado em suas aventuras por Enkidu.
Em uma de suas passagens, 0 poema asseme-
Aprimorando os conhecimentos de astro- lha-se intensamente a posterior descrig¢éo do
nomia, avangaram no dominio da matemati- dildvio no Antigo Testamento, ndo deixando
ca que também servia as necessidades da vi- duvida de que os autores do Génesis ali se
da econémica. Foram os inventores da dlge- inspiraram. No poema sumério, o herdi é
bra, desenvolvendo cdalculos de divisao e Utanapishtim, enquanto no Génesis, € Noé:
multiplicagaéo, incluindo a criagao da raiz
quadrada e da raiz cubica. Também dividi- “Quando chegou o sétimo dia, soltei um
ram o circulo em 360 graus e criaram um [pombo.
calenddrio com o ano de doze meses, dividi- O pombo partiu, mas regressou em
dos em semanas de sete dias e estes, em [seguida;
periodos de doze horas. deu um v6o curto pois néo encontrou
[lugar seguro para pousar.
Na arquitetura, os mesopotamicos foram Depois soltei uma andorinha.
inovadores com a aplicacaéo de arcos; na A andorinha partiu, mas logo regressou.
escultura e pintura, enfatizaram a estatudria e Mandéi soltar um corvo que,
elaboracao dos baixos-relevos com sentido vendo que as aguas tinham descido,
decorativo, especialmente para templos e pa- come, descreve um circulo e nao
lacios. [regressa.’’
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

Ja o Mito da Criagdo, narra a origem do A arqueologia nado pode trazer es-


mundo através do mito do Marduk, deus da clarecimentos sobre a famosa torre, com
Babildnia, que criara o céu e a terra, os astros
excegao da descoberta de uma tabuinha
e o homem para servir aos deuses. Vale
dando suas dimensdes. Mas Herddoto
destacar também, como grande marco da
deixou uma descrigao do Etemenaaui, ‘a
historia do Direito, o Codigo de Hamurabi.
casa do alicerce do Céu e da Terra’, e é
preciso tomar suas palavras como di-
N&o sHo poucas as citagoes biblicas nheiro contado. Sobre uma base de 91m
que se assemelham aos escritos meso- de \lado, ela elevava seus sete andares em
potamicos. recuo a 90 m de altura; uma escadaria
“E a Torre de Babel? A Biblia - e, de um $6 lance permitia 0 acesso ao se-
mais precisamente, o Génesis — nos gundo terrago, € por outras escadarias
familiarizou com ela, sem todavia nos colocadas tanto no exterior quanto no
fornecer dados precisos: os descenden- interior, atingia-se o cume, onde se en-
tes de Noé desejavam elevar-se para contrava a elevada moradia de Marduk, o
atingir o céu; Deus, porém, aniquilou suas deus da cidade. A massa da torre se
ambigdes insensatas, langando confusao constituia de tijolos cozidos. E gragas a
em suas linguas. Deve-se ver um protd- esta descrigao antiga que numerosos
tipo da ilustre torre no zigurate (esta artistas representaram a Torre de Ba-
torre em andares tao caracteristica da bel.”
arquitetura mesopotamica) que se ele-
vava a algumas centenas de metros do
templo de Ishtar, bem no coragao da EYDOUX, Henri-Paul. A procura dos mundos
cidade. [...] perdidos. p. 58.
A CIVILIZACAO
DOS HEBREUS

A
civilizagaéo hebraica desenvolveu-se na¢gao moderna dos descendentes de Sem,
na antiga Palestina, correspondendo mencionado no Antigo Testamento como o
a uma regido cercada pela Siria, pela filho primogénito de Noé, e tido como o re-
Fenicia e pelos desertos da Arabia. Seu moto antepassado dos hebreus (hebreu tam-
territ6rio era cortado pelo rio Jordao, cujo bém significa ‘‘povo do outro lado’’).
vale constituia a area mais fértil e favoravel a A principal fonte da histdria hebraica é a
pratica agricola e a sedentarizacdo de sua Biblia, pois em sua primeira parte, o Antigo
popula¢do. O restante da Palestina, ao con- Testamento, sdo apresentados nao apenas
trario, era formado por colinas e montanhas, elementos morais e juridicos dos hebreus,
de solo pobre e seco, e ocupado por grupos como também seus valores religiosos e nar-
ndmades dedicados ao pastoreio. rativas hist6ricas, muitas delas confirmadas
pelas pesquisas arqueoldgicas. Esta simbiose
entre seu desenvolvimento histdrico e religio-
so explica por que seus principais persona-
gens e feitos estado sempre envoltos pelo
sagrado e sobrenatural.

A Era dos Patriarcas


Cee ea eee eee, eee

As tribos semitas, no inicio da histéria


-hebraica, distribufam-se entre a Siria oriental
e a Mesopotamia, empreendendo inumeras
guerras pela conquista territorial e para ob-
ten¢do de escravos e mulheres. Quando um
desses grupos semitas, os hebreus, chegou a
Palestina, teve inicio a disputa pelo dominio
da regido, originando prolongados conflitos
contra os cananeus e os filisteus, dos quais os
hebreus sairam vitoriosos.
Os hebreus, estabelecidos na Palestina,
organizaram-se em grupos familiares patriar-
As tribos hebraicas chegaram a Palestina cais, semindmades, iniciando o desenvolvi-
antes de 2000 a.C., conhecida ha muito mento das atividades agricolas e pastoris. O
como terra de Canaa devido aos seus primei- primeiro grande lider hebreu, segundo o
ros habitantes, os cananeus. Tanto estes como Antigo Testamento, foi Abraao, mesopotami-
os hebreus eram de origem semita, denomi- co originario da cidade de Ur, na Caldéia,
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

considerado o primeiro patriarca hebreu. dao egipcia, seguiriam outras duras


Dirigindo-se a Palestina, Abraao anunciava provas ao povo israelita ao longo de sua
uma nova cultura religiosa, monoteista, que evoluco histérica, fazendo da religiao um
mais tarde cimentaria a unidade dos hebreus;
importante fundamento da coesao cul-
estes acreditavam que Abrado recebera de
tural nacional. Desde as primeiras leis
Jeova (lavé, deus dos hebreus), a promessa de
estavam abertos 0s caminhos para esta
uma terra para ele e seus descendentes, onde
evolugao.
haveria de correr ‘‘leite e mel’’.
Na narragao biblica, depois de Abrado, “Desde o inicio, a originalidade de
as tribos hebraicas foram lideradas pelos Israel consiste em integrar, mais do que
patriarcas Isaac e Jacé (ou Israel), sendo que qualquer outro povo, a moral na sua lei, é
este ultimo deixou doze descendentes que esta na Sua religido: entre os israelitas, o
deram origem as doze tribos de Israel. A tedlogo esta inteiramente ligado ao
seguir, devido aos diversos conflitos contra legista e ao moralista. Assim, discerni-
vizinhos e as dificuldades econdmicas, mui- mos a Alianga em todas as partes. Mas
tos hebreus acabaram abandonando a Pales- a evolug&o da Lei apresenta também, ne-
tina, dirigindo-se para o Egito, onde perma- cessariamente, o reflexo da organizagao
neceram por mais de quatrocentos anos. Ao social, bem como das reagdes, suscita-
que parece, o farad franqueava as tribos das pelas suas transformagoes. A evo-
hebraicas as regides préximas ao delta do lugdo realizou-se de fato eo conjunto das
Nilo, ricas para as pastagens, buscando obter prescrigdes divinas que constituem a Lei
produ¢ao agricola e criar uma barreira de- (Tora) é formado por diveréas contribui-
fensiva contra as agressivas tribos beduinas g0es, sem que se Consiga um acordo para
proximas. ventila-las e data-las uma a uma. Con-
Os hebreus viveram por muito tempo tentar-nos-emos, assim, com as linhas
associados ao Estado egipcio até que, frente a gerais.
uma politica xendfoba dos farads, acabaram
sendo escravizados. A resisténcia hebraica a As influéncias estrangeiras, princi-
escraviddo encontrou forga na identidade re- palmente babilonicas, ndo so passiveis
ligiosa monoteista. Para poderem se libertar de divida: comparado com outros direi-
da opressao egipcia, os hebreus empreende- tos orientais, o proprio Decalogo de
ram o Exodo, liderados por Moisés, e, apds Moisés & muito jovem. A Lei antiga, da
perambularem durante quarenta anos pelo mesma forma, sofreu a influéncia da
deserto, retornaram a Palestina. Durante a organizagao tribal. O circulo certamente
permanéncia no deserto, conforme conta a acabou por estender-se a nacdo. Mas ela
Biblia, Moisés recebeu de Deus, no monte continuou a ser a lei de um povo, cujos
Sinai, os Dez Mandamentos, conjunto de infortinios a inclinaram até os limites da
determinagdes para a vida que os hebreus xenofobia. Por exemplo, por mais que haja
deveriam seguir. Dessa forma, Moisés avan- ampliado o horizonte de lavé, 09 casa-
¢ava na unidade e coesdo do povo israelita, mentos exteriores permaneceram inter-
acrescentando a sua chefia religiosa, politica ditos; ou, da mesma forma, continuou
e militar, a autoridade juridica. Com Josué, condenado entre compatriotas o emprés-
sucessor de Moisés, os hebreus conseguiram timo a juros; ou, ainda, a escravatura de
alcangar a Palestina, reativando as antigas um estrangeiro é ilimitada, ao passo que
disputas territoriais da regiao.
a de um israelita deve chegar ao fim, no
maximo no comego do sétimo ano.”
Somente a idéia de eleito e desejoso AYMARD, André e AUBOYER, Jeannine. O Oriente e
da libertagao, poderia consolar um povo a Grécia antiga. In CROUZET, Maurice. Histéria geral
abatido e reduzido a servidao. A escravi-
N\

das civilizagdes. Vol. 2, Difel, 1971. p. 54.


A CIVILIZAGAO DOS HEBREUS

A Era dos Juizes de singular opuléncia e grandiosidade, cujos


LST EOI DI
exageros envolveram desde a economia e
cultura até o cotidiano familiar. Um exemplo
Com Josué, os hebreus conquistaram a vem do prdprio Salomao que, segundo a
cidade de Jericé, na Palestina, e, dada a Biblia, desposou setecentas princesas e ainda
organizagao em tribos politicamente inde- possuiu trezentas concubinas.
pendentes, mas nao completamente coesas,
apesar da identidade religiosa, lingiifstica e de
costumes, seguiu-se uma grande dificuldade
para a conquista do restante do territdrio
palestino. Mesmo assim, para enfrentar os
guerreiros filisteus que ocupavam o litoral,
nomearam os juizes, lideres militares indica-
dos pelas tribos. Entre esses chefes tempord-
rios, escolhidos para fazer frente a uma
dificuldade comum, destacaram-se Gidedo,
Sansdo, Gefté e Samuel.
Samuel buscou por fim as divergéncias
tribais, visando a unidade politica entre as
doze tribos, o que so se concretizou com o
seu sucessor.

A Era dos Reis


VIII
T Ta O gigante Golias é derrotado por Davi.

Dada a séria ameaca de os hebreus Dada a excepcional localizagao do seu


cairem sob o jugo filisteu, as tribos hebraicas reino e a alianca com os fenicios que domi-
institufram a monarquia sob o comando de navam o comércio maritimo, Salomao pdde
Saul, da tribo de Benjamim. Entretanto, o controlar as grandes rotas terrestres do co-
primeiro rei ndo teve sucesso no enfrenta- mércio oriental. Contava também com a de-
mento contra os inimigos e, vencido, suici- bilidade momentanea da Mesopotamia e do
dou-se. Egito, incapazes de cercear o seu desenvol-
No século XI a.C., o sucessor de Saul, vimento econdémico.
Davi, conseguiu reverter o quadro militar, Contudo, a cobran¢a de pesados impos-
vencendo definitivamente os inimigos e, tos e o trabalho dos camponeses nas grandes
assim, inaugurando a fase mais brilhante e obras ptblicas semearam o descontentamen-
poderosa da historia hebraica. O Estado to que, com a morte de Salomao, agravou e
israelita, forte e estavel, foi dotado de um ativou a disputa entre as tribos pela sucessao
exército permanente e de uma organizacao do monarca. O herdeiro e sucessor de
burocratica, tendo a cidade de Jerusalém Salomao, Roboao, nao conseguiu manter a
como capital. Davi ainda expandiu as fron- unidade do reino hebraico: as dez tribos do
teiras do reino, conquistando as terras a leste Norte, lideradas por Jeroboao, separaram-se e
do rio Jordao e parte da Siria. fundaram o Reino de Israel, estabelecendo
Durante o governo de Salomao (século X sua Capital em Samaria. Apenas as duas tribos
a.C.), o Reino Hebraico conheceu 0 apogeu, do Sul continuaram fiéis a Robodo e consti-
transformando-se numa das grandes monar- tuiram o Reino de Juda, com capital em
quias orientais, ampliando suas atividades Jerusalém. Esta divisdo, ocorrida em 926 a.C.,
comerciais e empreendendo a constru¢ao de corresponde ao Cisma hebraico que fragili-
diversas obras ptiblicas, como o Templo de zou os hebreus diante de outros povos expan-
Jerusalém, dedicado a Jeovd. Esta época foi sionistas.
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

As divergéncias entre os hebreus, segui-


das de intrigas palacianas, rebelides militares
e assassinatos, facilitaram a decadéncia e a
conquista estrangeira. No século VIII a.C,
Sargao Il, rei dos assirios, conquistou Israel. O
Reino de Judd sé conseguiu escapar do
mesmo destino devido a sua localizagao
geografica. Entretanto, a independéncia de
Juda durou apenas algum tempo, pois, no
século VI a.C., Nabucodonosor, imperador da
Mesopotamia, tomou e saqueou Jerusalém,
levando os sobreviventes como cativos para a
Babil6onia.
Quando, em 539 a.C., Ciro | da Pérsia
conquistou a Babilénia, os hebreus foram
libertados e retornaram a Palestina, recons-
truindo o Estado hebraico na regiao de Juda,
porém subordinado ao Império Persa.
Mais tarde, a Palestina foi conquistada
pelos greco-maced6nicos e pelos romanos,
que submeteram os hebreus a enormes tribu-
5 Area sob controle palestino |
tos e violenta opressdo, dando origem a e israelense
diversas revoltas na regido, e promovendo a ~~
Area ocupada por Israel e
reivindicada pela Siria
migra¢gao dos judeus para outras regides. Em
70 d.C., durante o governo do imperador Tito, Na foto, o Muro das Lamenta¢ées, unica parte que restou do
a cidade de Jerusalém foi destruida e os Templo de Jerusalém, construido por Salomao. No mapa,
Israel entre seus seculares inimigos. No inicio do século XXI
hebreus completaram sua dispersdo, abando- cresceram os confrontos envolvendo, especialmente, a
nando a Palestina. Esta saida dos hebreus da criagao do Estado Palestino, seguidos de varias tentativas
Palestina 6 chamada de Diaspora. No século de pacificacao da regiao.
Il d.C., 0 governo romano chegou até mesmo
a proibir o retorno dos judeus a ‘Terra Pro-
metida”’.
Somente em 1948, os judeus voltaram a
Economia, sociedade e cultura
se reunir num Estado aut6nomo, a partir de hebraicas
uma determinagdéo da Organizacao das aes
Nagdes Unidas (ONU) que criou o Estado
de Israel. Esta decisdo, contudo, originou Antes da unificagdo hebraica, a econo-
novos conflitos na regido, pois, apds a mia foi preponderantemente pastoril e agra-
diaspora, outros povos, principalmente os ria. As margens do rio Jordao, cultivavam-se
de origem arabe, ocuparam a Palestina e coletivamente cereais, videiras, figueiras e
areas vizinhas. A oposi¢ao dos arabes a oliveiras e o resultado era revertido para a
exist6éncia do Estado de Israel, somada as tribo. A partir do governo do rei Saul, com a
ingeréncias de outros paises com interesses centralizagao politica, a terra converteu-se
no Oriente Médio, resultou em sucessivos e em propriedade privada, concentrada nas
sérios conflitos. Somente nos anos 90 do mdaos de uma aristocracia ligada ao Estado.
século XX € que comecaram a viabilizar-se No governo de Salomao, grac¢as a situa-
entendimentos, como reconhecimentos di- cdo geografica privilegiada da Palestina, lo-
plomaticos mUtuos e outros acordos, embo- calizada na confluéncia de rotas que ligavam
ra sem eliminar completamente as ac¢ées a Mesopotamia ao Egito, os hebreus passaram
extremistas. a desenvolver um grande comércio regional.
A CIVILIZACAO DOS HEBREUS

Na sociedade hebraica, os camponeses, concep¢ao de “‘povo eleito’’. Foi este mono-


pastores e escravos formavam a maior parte da teismo hebraico a matriz para outras religides
popula¢ao e, como era comum na Antiguida- posteriores como a crista e a muculmana. Suas
de Oriental, estavam submetidos a varios festas religiosas resgatam a tradi¢ao histdrico-
tributos pagos em impostos e em trabalho, religiosa, como a Pascoa, relembrando a saida
incluindo-se o servico militar. Acima dessa dos hebreus do Egito, e o Pentecostes, o
base social, achavam-se burocratas e comer- recebimento do Decalogo por Moisés. Os
ciantes, e no topo da hierarquia, formando a hebreus santificavam o Sabat (sabado), consi-
elite mais poderosa e privilegiada, estavam os derado o sétimo dia da criag¢ao do mundo.
proprietarios de terras, os sacerdotes (rabinos), Os principios que regem a religiao judai-
a cupula administrativa e a familia real. ca estaéo tanto nos livros escritos pelos
Como vimos, a civilizagao hebraica so- sacerdotes, o Talmude, como no Antigo Tes-
freu enorme influéncia da cultura mesopota- tamento. Esta parte da Biblia € composta pelo
mica a exemplo das passagens do Antigo Pentateuco, Livros Histéricos, Livros Proféti-
Testamento ja enunciadas no Mito da Cria- cos e Livros Didaticos e representa a maior
¢ao e na Epopéia de Gilgamés. realizagao literaria dos hebreus.
O intercambio entre as civilizagdes na No Pentateuco, estao os primeiros cinco
Antiguidade parece ter sido sempre constan- livros atribuidos a Moisés: 0 Génesis sobre a
te, nao mais se admitindo que os varios povos origem do povo hebreu; o Exodo, narrando a
desse periodo, como ja se acreditou, vives- libertagao do Egito; 0 Levitico, descrigao dos
sem isolados. Ao contrario, foram continuas rituais judaicos; o Livro dos Ndmeros, uma
as trocas econdmicas e culturais, sem men- espécie de censo da popula¢ao hebraica; e o
cionar as freqiientes guerras e conquistas que Deuteronémio, que conta a historia de Israel.
resultaram na incorporag¢do de valores e Nos Livros Historicos, é descrita a histd-
cren¢as. Isso foi comum na Mesopotamia, ria dos hebreus na Palestina desde Josué até a
apesar das resisténcias locais que as vezes se conquista e dominag¢ao persa. Entre eles estado
impunham, bem como no Egito e também o Livro de Josué, 0 Livro dos Juizes, o Livro de
entre os hebreus. Tal situagdo, porém, nao foi Samuel e o Livro dos Macabeus. Os Livros
exclusividade das grandes civilizagdes, mas Proféticos narram a vitdria do monoteismo
também de outras menores que chegaram a sobre 0 paganismo e superstig¢des dos povos
apresentar breves periodos de poder e gran- vizinhos. Entre eles estao o Livro de Isaias, o
diosidade, como a hititae a aramaica. Livro de Amos, 0 Livro de Ezequiel e o Livro
Os hititas, habitantes da regido da Asia de Daniel. JA os Livros Didaticos visam
Menor, por exemplo, chegaram a desenvolver ensinar os principios religiosos, morais e
uma prospera industria metalurgica de ferro, -sociais a serem seguidos, destacando-se o
cuja produgao, juntamente com seus admira- Livro de Jd, os Salmos de Davi, os Provérbios
dos cavalos, era exportada para todos os povos e o Cantico dos Canticos.
vizinhos. Os hititas foram os primeiros a
utilizar o ferro em larga escala. Ja os arameus,
O monoteismo ético
da Siria, foram grandes comerciantes das terras
do Oriente Préximo, impondo sua lingua e "Separem-se, inicialmente, alguns
escrita — 0 aramaico —, que acabou se conver- conceitos. Monolatria é o culto a um
tendo na lingua usada por mercadores e Unico deus, embora acreditando-se
na
diplomatas em boa parte do Oriente, influen- existéncia de outros; isso era comum na
ciando também a cultura hebraica. Antiguidade, com os deuses de cada
Como ja foi destacado, a unidade nacio- tribo, cada cla ou mesmo cada povo.
nal, cultural e politica dos hebreus dependeu Monotelomo ja é a crenga na existéncia
da identidade religiosa judaica, a qual admitia de apenas um deus, nao sendo os outros,
um so deus (monoteismo) e Oo messianismo,
porventura cultuados, senao falsos deu-
isto 6, a vinda de um messias libertador na luta
5e5. Ja o monoteismo ético é a crenga em
contra as dominagées estrangeiras, além da
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

um deus Unico, que dita normas de imaginar o sentido das proprias socie-
comportamento e exige uma conduta dades humanas."
ética por parte de seus seguidores. PINSKY, Jaime. As primeiras civilizagdes. S40 Paulo,
Entre os hebreus, lavé evoluiu dé um Atual, 1994. p. 90-2.
deus tribal para um deus universal, de um
deus de guerra, senhor dos exércitos,
para um juiz Sereno, consciéncia social e Em compara¢ao ao enorme desenvolvi-
individual, exigente de justiga social. mento nos campos religioso e literdrio, os
Os profetas sociais, Amés eé Isaias, hebreus apresentaram um timido progresso
foram 0S grandes responsaveis por esse nas ciéncias. Na arquitetura, deve-se ressaltar
paseo. a construgao do Templo de Jerusalém, tam-
Vivendo no século VIll, og profetas bém chamado de Templo de Salomdo.
sentiam o peso da monarquia sobre o
povo, o luxo dos poderosos convivendo
com a miséria dos camponeses € cria- Os hebreus e a Verdade
dores, palacios ao lado de palhogas. “A nossa concepgdo de verdade é
Utilizando-se de antiga tradigao do tem- uma sintese de trés fontes: a grega, a
po dos cananitas, a tradigao de prever o
romana ea hebraica.
futuro em nome de uma entidade superior
Para oS gregos, a verdade
inspiradora, os protetas langam suas
(alentheia) significava aquilo que nao é
negras profecias sobre os que tratavam
tao mal o pobre, pensando apenas em ai. escondido, que é visivel pela razHo, o que
E possivel que no seu discurso é. Para os romanos, a verdade (veritas)
estivesse presente o grito de liberdade decorria do que foi e que se corporificava
dé um povo de criadores, livre por na precisao do relato, no rigor, na exati-
exceléncia, preso agora a obrigagdes de d&o de sua apresentagdo. Ja para os
pagar impostos a um governo que pouco hebreus, refletindo sua propria esséncia
lhe dava em troca. Deviam os profetas cultural-historica, a verdade era referen-
representar o inconsciente coletivo da te aquilo que sera.
nagao, inconformada com a perda de Em hebraico, verdade se diz emunah
campos de pastagens, insatisfeita com a é significa confianga. Agora $40 as
centralizagao monarquica, desconfiada pessoas e é Deus quem sao verdadeiros.
daquele templo que exigia tributos. Um Deus verdadeiro ou um amigo verda-
O povo tinha nostalgia do periodo deiro sa0 aqueles qué cumprem o que
tribal: o olhar para o passado sem prometem, sao fiéis a palavra ou a um
injustigas sociais, sem opressao, sem pacto feito; enfim, nado traem a confianga.
impostos para sustentar a nobreza e
Verdade se relaciona com a presen-
exército intiteis acabou se constituindo
Ga, com a espera de que aquilo que foi
em mensagem para o futuro.
prometido ou pactuado ira cumprir-se ou
[-.] acontecer. Emunah é uma palavra de
[..] Igaias diz que lavé nao quer
oferendas nem rezas, quer que as pes- mesma origem que amém, que significa:
soas ajam de forma correta, isto é, assim seja. A verdade é uma crenga fun-
pratiquem a justi¢ga social. dada na esperanga é na confianga, referi-
O que fica dos hebreus no é, portanto, o das ao futuro, ao que sera ou vira. Sua
som da lira de Davi ou o discutivel e forma mais elevada é a revelagao divina
limitado poder politico; nao fica também € sua expressao mais perfeita éa pro-
o deus tribal nem o Senhor dos Exércitos. fecia.”
Fica a mensagem por uma sociedade CHAUI, Marilena. Convite & Filosofia.
mais justa, utopia sem a qual fica dificil S40 Paulo, Atica, 1994. p. 99.
A CIVILIZACAO FENICIA

Fenicia corresponde a regido litoranea As cidades-estados fenicias


da Siria, no norte da Palestina, restrin- Se
gindo-se a faixa estreita cercada por
montanhas, os montes Libano e Carmelo, e Os fenicios nao construiram um império
pelo rio Orontes. Dada a pobreza do solo ea como seus contemporaneos egipcios e meso-
inexisténcia das facilidades agricolas observa- potamicos e sim desenvolveram cidades
das em outras dreas do Oriente Médio, os aut6nomas e independentes controladas por
fenicios desenvolveram muito pouco a ativi- uma elite mercantil (talassocracia), liderada
dade agraria, apesar de serem favorecidos pela pelo rei, ou por um corpo de ancidos ilustres,
producao agricola de seus dominios coloniais. os sufetas. A alta cupula social era composta
O territ6rio fenicio foi ocupado em data de mercadores, de proprietarios de navios (os
anterior a 3000 a.C. por tribos semitas, as armadores) e dos sacerdotes que controlavam
quais, a principio, dedicaram-se principalmen- os grandes templos.
te a pesca, a extragdo do cedro na abundante As cidades-estados fenicias, monarquicas
floresta do interior, além de reduzida agricul- ou republicanas, criaram uma situa¢do inveja-
tura das videiras e oliveiras. Foram, desde logo, vel, a ponto de merecerem dos gregos 0 r6otulo
atraidas pela atividade maritima e artesanal, de depositarias de toda a civilizagao oriental.
acabando por desenvolver uma intensa ativi- Os fenicios ficaram conhecidos também como
dade comercial entre o Oriente e o Ocidente, os melhores navegadores de sua €poca. Apesar
sendo considerados os maiores mercadores e de algum exagero na afirmac¢ao, inegavelmen-
navegantes da Antiguidade oriental. te, a ampla atividade comercial desenvolvida
_ pelos fenicios permitiu-Ihes 0 contato com as
mais brilhantes e refinadas civilizagdes da
Antiguidade, o que lhes garantiu, ora o apri-
moramento dos seus costumes e valores, ora o
impulso e a disseminagdo de suas prdprias
realizag6es. Por este aspecto, sao exemplos o
vidro desenvolvido no Egito, a literatura meso-
potamica e a simplificagao da escrita, base da
atual escrita ocidental, cujas raizes eram ante-
riores as grandes cidades-estados fenicias.
Os fenicios instalaram feitorias e col6nias
em diversas regides para dar sustenta¢gdo as
atividades mercantis, especialmente nas ilhas
do mar Egeu, na Asia Menor, na Sicilia, na
Sardenha, na costa mediterranica, inclusive
no norte da Africa e na Espanha. Ganharam
enorme importancia Palermo, na Sicilia, Ca-
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

dis e Malaga, na Espanha, e especialmente “Foi em Biblos que sé comegou a


Cartago, no golfo de Tunis (norte da Africa). utilizar a escrita alfabética. Existiam
Além das feitorias e coldnias, os fenicios formas mais antigas de escrita, como a
chegaram a criar pontos comerciais em varias
hieroglifica, do Egito, e a cuneiforme, ori-
cidades importantes da Antiguidade.
ginaria da Mesopotamia eé comum em to-
Das expedic6es fenicias mais ousadas e da a Asia ocidental no ano 2000 a.C.
longas, s4o sempre lembradas aquelas em Contudo, parece que foi entre os fenicios
que atravessaram o estreito de Gibraltar € 0S cananeus que o alfabeto surgiu pela
(indicado na Antiguidade como o local das
primeira vez.
colunas de Hercules), dirigindo-se para as
A letra fenicia daleth, por exemplo,
ilhas britanicas ou seguindo a costa atlantica
assemelha-se ao moderno D eé tinha o
africana até alcancar 0 oceano Indico e o mar
Vermelho. Habeis na navegac¢do, tinham mesmo valor fonético. A letra fenicia tau
adquirido conhecimentos astronémicos dos correspondia ao T. Mesmo nos casos em
babilénicos e usavam as estrelas, especial- que as letras se moditicaram ligeiramente
mente a estrela Polar, para a orientagdo nas ao longo dos séculos, através das suas
viagens a noite. transmutagoes de grego e latim até a
moderna escrita romana, é evidente a
Ficaram muito conhecidos também na
engenharia e na producao de jdias. Entre as origem fenicia do moderno alfabeto oci-
obras de engenharia, destacam-se a famosa dental. A propria palavra ‘alfabeto’ provém
canalizacado de agua para abastecer a popu- dos nomes que os fenicios deram as suas
lagaéo de cidades, como Tiro, e a constru¢ao duas primeiras letras: aleph, que significa
do templo de Jerusalém, na época de Salo- ‘boi’, € beth que significa ‘casa’, as quais
mao; além disso, muitos dos principais artifi- passaram para o grego como alpha e beta.
ces e técnicos especializados eram fenicios. Foram encontradas em Biblos ins-
Os produtos comercializados pelos fenicios crigdes em escrita alfabética que remon-
iam desde os nacionais, como navios, tecidos, tam talvez a cerca de 1300 aC. Ao
madeiras, azeite, jdias, vidro (transparente ou mesmo tempo, os fenicios descobriram
colorido), até os mais diversos artigos que um processo mais vantajoso que as |a-
conseguiam com outros povos, como os minas de barro cozido para conservar os
escravos. Ficaram famosos os tecidos tingidos seus escritos: comegaram a utilizar rolos
na Fenicia com um molusco, o mdrice, de cor de papiro, feitos de juncos cortados em
viva, conhecidos como a “purpura de Tiro”’, tiras coladas umas as outras. Alguns
usados especialmente pelas altas camadas rolos foram importados do Egito, onde ja
sociais dos grandes impérios da Antiguidade. eram utilizados para a escrita hieroglifi-
O prdprio nome fenicio deriva da palavra
ca. Os escribas escreviam no papiro com
grega phoinix, que significa ‘‘pdrpura’’.
caules de junco mergulhados numa ‘tinta’
A histéria fenicia caracterizou-se pela feita de agua misturada com goma e fu-
alternancia da hegemonia politica das princi- ligem ou corante vegetal.
pais cidades-estados — Biblos, Ugarit, Sidon e Os mercadores fenicios levaram
Tiro. A mais antiga predominancia coube a
também o papiro para a Grécia, onde se
Biblos e Ugarit, seguidas por Sidon, isto antes
criou a palavra ‘biblia’, derivada da cidade
do século XIII a.C., sendo que Biblos, situada
de Biblos, para descrever os livros feitos
um pouco ao norte da atual Beirute, desta-
cou-se no comércio com o Egito, e Ugarit por ele. A palavra ‘biblia’ provém daquele
com a Mesopotamia e Asia Menor. O final da termo grego, enquanto o papiro deu ori-
hegemonia de Biblos e Ugarit deveu-se a gem a palavra ‘papel’. f ”

dominagao egipcia e invasdes hititas e dos


Histéria do Homem, Selegdes do Reader's Digest.
povos do mar Egeu, os chamados “‘povos do Lisboa, 1975. p. 62.
mar”’.
A CIVILIZACAO FENICIA

A €poca de maior desenvolvimento de cidades-estados e da massa popular, cons-


Sidon, que estabelecera amplo comércio no tituida por trabalhadores livres e escravos.
Mediterraneo oriental, terminou frente ao ex- Os fenicios acreditavam em varias divin-
pansionismo assirio. A seguir, deu-se o perfodo dades, identificadas com as forgas da nature-
de supremacia de Tiro, cujo apogeu situa-se za, especialmente as que serviam de orienta-
entre os séculos X e IX a.C., submetendo-se ¢do aos navegadores e as que garantiam a
mais tarde aos dominios babilénico, persa e fecundidade da terra. Em cada cidade-estado,
grego, em meio a sucessivos reerguimentos. cultuava-se uma divindade principal, além de
Com os persas, a Fenicia transformou-se outras comuns a todos os fenicios e, também,
em uma provincia de seu império e, com divindades estrangeiras. A divindade princi-
Alexandre Magno da Macedénia, Tiro aca- pal em cada cidade era geralmente chamada
bou sendo subjugada completamente no sé- de Baal, representando o sol, e a deusa
culo IV a.C. Finalmente, ao dominio mace- Astartéia, a fecundidade, muitas vezes repre-
dénico sobre a Fenicia sucedeu-se 0 romano. sentada pela Lua. Outros deuses, a exemplo
No periodo da hegemonia de Tiro, o de Dagon, o deus do trigo, revelavam as
comércio fenicio, que até entdo se restringia a primitivas origens agrarias da Fenicia.
parte oriental, estendeu-se para o Ocidente. Em seus cultos religiosos, nado raramente,
Como conseqiiéncia, a Fenicia fundou diver- realizavam sacrificios humanos. Os templos
sas col6nias e feitorias, assumindo o controle fenicios, como era comum durante a Antigui-
comercial sobre o Mediterraneo. Nessa época dade oriental, controlavam vastas proprieda-
os fenicios fundaram a sua mais importante des e dominios e os sacerdotes formavam
colénia ocidental, Cartago, que, depois da uma elite associada a cipula governamental
decadéncia fenicia frente as invas6es estran- da cidade.
geiras, se transformou num grande império A agricultura e especialmente o progresso
maritimo, rivalizando com a crescente ex- da navegac¢ao permitiu o desenvolvimento da
pansdo romana do século Ill a.C. astronomia e da matematica, ligadas ao
calculo do movimento dos astros. A matema-
tica ainda serviu as atividades comerciais,
Economia, sociedade e cultura base do desenvolvimento econémico fenicio.
fenicias Contudo, foi a elaboragao de um sistema de
aa ae er as escrita simples e pratico, fundamentado num
alfabeto de 22 letras, que constituiu o seu
A economia comercial fenicia era contro- maior legado para as civilizag6es posteriores.
lada pelos ricos mercadores e donos de em- Adotado e aprimorado por gregos e romanos,
barcac6ées, a talassocracia, controladora das ~ este alfabeto é a matriz de nossa escrita atual.

Rotas comerciais |
fenicias :

Os mercadores fenicios — maiores comerciantes, marinheiros e exploradores do mundo antigo - buscavam e levavam
mercadorias por toda a bacia mediterranea.
A CIVILIZACAO
MEDO-PERSA

m torno de 6000 a.C., tribos origina- com quase um tergo de seu territorio formado
rias da Asia Central, pertencentes a um por desertos ou montanhas. A agricultura s6
grupo lingtiistico comum chamado era possivel, na maior parte da regiao, com a
indo-europeu ou ariano, ocuparam a regiao do utilizagao de técnicas de irrigagao artificial.
atual planalto do Ira. Sua populacao ampliou-
se consideravelmente grac¢as a novas e segui- No século VIII a.C., esses grupos acha-
das vagas migratorias indo-européias, intensi- vam-se organizados em pequenos Estados,
ficadas principalmente por volta de 2000 a.C. destacando-se os reinos dos medos, ao sul do
Situada a leste da Mesopotamia, esta area mar Caspio, e dos persas, a leste do golfo
caracterizava-se pela baixa fertilidade do solo Pérsico.

A REGIAO DA PERSIA

DESERTO
DA ARABIA

Com capital em Ecbatana, primeiramente pela edificag¢do de um poderoso Estado


ergueu-se 0 Reino da Média, que chegou a ter despotico regional que, com o governante
algum controle sobre o Reino da Pérsia, seguinte, Cidxares, a Média aliou-se a Babi-
destacando-se entre seus primeiros soberanos Idnia na destruicdo de Ninive e anexou o
Dejoces e Fraortes. Estes foram responsaveis Império Assirio.
A CIVILIZACAO MEDO-PERSA

Em meio as disputas e aliancas com os tentou humilhar Psamético Ill, fazendo


vizinhos persas, 0 sucessor de Cidxeres aca-
desfilar a sua frente, em meio a varias
bou destronado por Ciro |, da Pérsia, com-
Outras mogas, a Sua propria filha, vesti-
pletando a fusdo ao novo Reino da Pérsia ou
da como escrava e carregando um balde
Aqueménida. Com Ciro | (559 a.C. - 529 a.C.),
ha mao, depois o filho, junto com outros
iniciou-se a dinastia Aqueménida, nome ad-
jovens egipcios de sua idade, “com cordas
vindo de um ancestral do unificador tido
como primeiro rei dos persas, e um expansio- atadas em torno de seus pescogos € com
nismo territorial que levaria a civilizagado freios em suas bocas”. Mesmo em tal
medo-persa a construir um enorme Império. situagao, o farad submetido nao exter-
Ciro | conquistou a Lidia e coldnias nou qualquer lamento, como faziam todos
gregas da Asia Menor e, a seguir, em 539 0S egipcios, reagindo apenas com um
a.C., a Babilénia, libertando os judeus do abaixar da cabega, olhando para o chao.
Cativeiro, permitindo seu regresso a Palestina. Entretanto, quando desfilou a sua frente
Progressivamente, a Fenicia, a Palestina e a um “homem ja idoso e outrora rico, mas
Siria também se submeteram ao dominio agora apenas um mendigo pedindo esmo-
persa, cujo império se estendeu da Asia las aos soldados”, Psamético comecou a
Menor e costa mediterranica, no ocidente, a solugar é a bater as maos na cabeca. Ao
india, no oriente. saber do ocorrido, e admirado com a
O dominio de diferentes povos numa atitute do farad, Cambises mandou
Unica administragdo era conseguido com perguntar-lhe por que razao nao havia
uma politica que respeitava as diferencas chorado nem gritado diante da filha
culturais e religiosas. Diferentemente de im- humilhada e do filho a caminho da morte,
périos anteriores conciliava interesses, permi- “30 concedendo esta honra a um mendi-
tindo uma autonomia politica que disfarcava go” que nada significava para Psamético.
a sujeig¢ao econdmica. Foi a habil alianga do
A explicagao, considerada sabia por
dominio persa com elites locais dos povos Cambises, resumiu-se nestas palavras:
integrados ao seu império que, justamente,
“Minha magoa familiar era grande demais
originou o apelido o grande, dado ao impe-
para ser chorada, mas o infortunio de
rador Ciro. Este, ao que parece, morreu em
meu companheiro provocava lagrimas —
529 a.C. devido a ferimentos contraidos em
guerra contra povos némades da regido do alguém que perdeu a riqueza e a felicida-
mar Caspio. de e agora, no limiar da velhice, chegou ao
O sucessor de Ciro, o filho Cambises | extremo de mendigar’”.
(529 a.C. - 522 a.C.), continuou o expansio- Herddoto Livro II. In Herddotos. Histéria. Brasilia,
Universidade de Brasilia, 1988. p. 153.
nismo, empreendendo uma expedicdo persa
sobre o Egito, conquistando-o na batalha de
Pelusa, em 525 a.C.
No Egito, o ultimo faraé Psamético III foi Ao morrer, sem deixar um filho herdeiro,
feito prisioneiro e Cambises, reconhecido com apenas sete anos de reinado, Cambises
como 0 rei sucessor, desenvolveu uma poli- foi sucedido por outro membro de sua
tica sem a tolerancia tipica da administragao familia, apoiado pela cupula politica consti-
de seu pai. Com Cambises, impds-se uma tuida pelo Conselho Real, 0 conjunto de
crescente centralizagdo, um despotismo poli- lideres que representavam as tribos que,
tico, tio comum aos reinos da Antiguidade unidas, tinham dado origem ao Império Persa.
oriental. Este herdeiro era Dario I (512 a.C. - 484 a.C.),
o soberano persa que levaria 0 império ao seu
apogeu e. que foi considerado um adminis-
O historiador grego Herddoto conta trador exemplar.
que apos a derrota de Pelusa, Cambises Dario | reforgou a diplomacia de respeito
as tradi¢Oes nacionais e religides locais, além
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

de estabelecer uma organiza¢ao administra- A “estrada real” de Dario |, “o mascate”


tiva que dividiu o Império Persa em vinte
provincias, chamadas satrapias, as quais A “estrada real” construida por
eram regidas por um satrapa (governador) e Dario | media perto de 2400 quilometros
obrigadas a pagar um imposto ao império de de comprimento e cortava o império,
acordo com as posses e riquezas da provin- unindo Sardes, nas proximidades do mar
Cia. Egeu (Asia Menor) ao palacio de Susa, no
Ao mesmo tempo, fixou tropas em cada golfo Pérsico. A seguranga da estrada era
satrapia cujo comando cabia exclusivamente garantida por uma constante patrulha
ao imperador, buscando evitar demasiada imperial e possuia mais de 100 postos
concentragao de poder nas maos dos satra- onde os mensageiros reais faziam a troca
pas. Para maior controle das provincias, de cavalos e€ passavam o correio, um
Dario | criou um eficiente sistema de correio trajeto que durava apenas uma semana
e uma ampla rede de estradas que ligavam as em todo o seu percurso. O historiador
cidades-sedes de governo (Susa, Pasargada e grego Herddoto chegou a apontar a
Persépolis) as provincias. Além disso, o rapidez do correio persa como inigualavel,
imperador enviava anualmente os inspetores ao dizer que “nao ha ninguém no mundo
especiais, chamados de “‘olhos e ouvidos do Capaz de -percorrer um itinerario mais
rei’, para ouvir as reclamagoes de governa-
rapidamente do que estes mensageiros,
dos e governantes.
gracas ao habil sistema persa”. Dario | foi
o primeiro a adotar0titulo de “rei dos reis”
é no Egito, onde se apresentava como
sucessor dos farads, determinou a cons-
trugao de um canal de uniao entre o
Mediterraneo e o mar Vermelho.
“No reinado de Ciro, € posteriormen-
te no de Cambises, nao havia um tributo
fixo, sendo o pagamento feito em presen-
tes. Por causa da fixagdo de tributos e
de outras medidas analogas, 0S persas
chamavam Dario de mascate, Cambises
de désposta e Ciro de pai, pois Dario
negociava com tudo, Cambises era duro e
insensivel e€ Ciro era generoso eé se
preocupava com o bem-estar de seus
suditos.”
Herédoto Livro Il. In HerOdotos. Histéria. p. 180.
Dario | reorganizou o império, ampliando-o e dotando-o de
uma eficiente administragao.

Aprimorando a administragao, Dario via- A garantia do enorme império estava no


bilizou os sistemas de impostos e estimulou o exército formado por soldados das satrapias e
intercambio comercial com a criagdo da comandados pelos medo-persas, cujo pode-
moeda de ouro, o darico, transformada na rio levou Dario | a tentativa de dominacao
primeira unidade monetdaria internacional completa das col6nias gregas da Asia Menor,
confiavel e aceita no mundo antigo. Sob a originando um dos maiores conflitos militares
autorizacdo de Dario, continuava a existir o do mundo antigo: as Guerras Médicas.
uso local das tradicionais moedas de cobre e Este confronto entre Oriente e Ocidente
prata, cunhadas pelos satrapas, porém, sem a levou as varias cidades gregas a uma unido
importancia da moeda imperial. militar na luta pela autonomia e defesa de seu
A CIVILIZACAO MEDO-PERSA

territ6rio, culminando nos insucessos militares Sassanida, restabeleceu a ordem imperial na


de Dario | e de seu sucessor, 0 filho Xerxes |. regido. Mais tarde, a familia acabou sendo
O resultado final foi a vit6ria grega que mar- derrubada e o império, conquistado pelos
cou 0 inicio da completa decadéncia do beduinos islAmicos no século VII, submeten-
império, de forma rapida e incontrolavel. Em do-se ao Império Arabe.
grande parte, a heterogeneidade do exército No século XI, foi a vez da conquista dos
medo-persa favoreceu as seguidas derrotas turcos seljucidas e, no século XIII, dos mon-
para Os gregos. gdis. Apdés indmeras invasdes, no século XVI,
No governo de Xerxes | (481 a.C. - 465 foi recriado um novo Estado persa islamico,
a.C.) e, mais intensamente, no de seus suces- com a dinastia Safidas. Novas invas6es, di-
sores, as revoltas das popula¢gdes subjugadas nastias e dominagGées se seguiram até que, no
acabaram completando 0 enfraquecimento e século XIX, 0 territério persa foi palco de
a desintegracao do império, o que permitiu a intensa disputa entre os governos imperialis-
completa conquista macedonia de Alexandre tas inglés e russo. Em 1921, o general Reza
Magno, em 330 a.C., pondo fim a dinastia Khan derrubou o sultéo Kajar, tornando-se
Aqueménida. rei, e, em 1935, 0 nome da Peérsia foi
Depois da conquista maced6nia, a Pérsia substituido pelo atual Ira. Em 1979, uma
foi dominada pelos partos, povo que habitava revolucdo liderada por radicais islamicos
o nordeste da regiao e que por varios séculos (xiitas) instaurou o poder do Ayatola Khomei-
viveu em guerra contra os romanos. Somente ni, dando a politica do Ira atual um forte
no século Ill, uma nova familia persa, a sentido religioso.

Friso de mosaicos esmaltados no palacio de


Susa, representando os ‘‘Imortais’’, arqueiros
reais que compunham o grande exército de
Dario I.

e prestagao de servicos publicos, seja nas


Economia, sociedade e cultura
grandes obras urbanas e constru¢ao de estra-
medo-persas das, seja no exército, constituindo a servidao
Lr,rti<C“ ;.CLCrsisdsdsC;#séC? coletiva, tipica do Oriente antigo. Boa parte
da atividade comercial, que contava com
Com uma economia baseada na agricul- uma rede.de estradas e garantias imperiais,
tura e ampla atividade comercial, a popula- era realizada pelos babil6nicos, fenicios e
¢do dominada pelo Império Persa estava judeus, enquanto a atividade agricola, pelo
submetida ao pagamento de pesados tributos restante da popula¢ao subjugada.
A ANTIGUIDADE ORIENTAL

A burocracia, especialmente os satrapas, Esperavam pela vinda de um Messias que um


os fiscais e os comandantes militares, colo- dia salvaria os homens justos, livrando-os dos
cava-se junto ao imperador e aos sacerdotes, sofrimentos. Os fundamentos dessa religiao
os chamados magos, formando a elite privi- estavam no Avesta (ou Zend-Avesta), escrito
legiada do Império Medo-Persa. Era essa elite pelo legendario Zoroastro, também conheci-
que controlava as terras e as cidades, a co- do por Zaratustra. A denomina¢ao zoroas-
branga de tributos, a forga e as crengas que trismo dada 4a religiao persa decorre desse
mantinham o funcionamento da ordem poli- nome, sendo também comum o nome mas-
tica e econdmica. deismo, advindo do deus Mazda.
As artes apresentaram grande desenvol- Apesar de influenciar outras religides da
vimento: a escultura tinha uma funcao Antiguidade, 0 masdeismo quase desapare-
decorativa, sobressaindo-se os baixos rele- ceu no século VII frente ao estabelecimento
vos; a arquitetura monumental destacou-se do islamismo na regido. Apenas alguns gru-
com a constru¢ao de palacios reais, como os pos dispersos permaneceram fiéis a antiga
de Susa e Persépolis, contando com forte religido medo-persa, como os parsis da India
influéncia dos povos dominados, a exemplo atual. Mesmo considerando algumas influén-
dos egipcios e mesopotamicos. Na época de cias masdeistas sobre o cristianismo e o
Dario, ficaram famosos os pairidaeze, jardins judaismo, aé religides de maior descendéncia
murados e protegidos dos fortes ventos e da do zoroastrismo foram o mitraismo, o gnos-
areia do deserto, que, frente a beleza e ticismo e 0 maniqueismo.
contraste com o restante da paisagem, serviu
de matriz para o significado da palavra O mitraismo foi uma religido desenvol-
paraiso. vida na Pérsia, depois da conquista de
Alexandre Magno da MacedGnia, atingindo
Mesmo usando outras escritas, os medo- seu apogeu na época romana, especialmente
persas fizeram da escrita cuneiforme, origi- nos séculos Ill e Il a.C. Ela supervalorizava o
naria da Mesopotamia, a sua principal escrita bem, a vida pds-morte, o paraiso para os
utilizada principalmente nos registros oficiais justos, ressaltando uma moral rigorosa e re-
da administragao, da religido e da politica pugnancia a mentira. Os seguidores desta
imperiais.
religido j4 comemoravam o nascimento de
Na religiao persa havia duas divindades, Mitra no dia 25 de dezembro, isto antes do
o Ahura-Mazda (ou Ormuz-Mazda, em gre- surgimento do cristianismo. O mitrafsmo
go), o deus do bem, da luz, do reino teve muito sucesso entre os soldados roma-
espiritual, e Arima, o deus do mal e das nos, s6 desaparecendo no final da Antigui-
trevas. Estas duas divindades, segundo as dade.
cren¢as, confrontavam-se freqiientemente e
O gnosticismo (gnose = ‘‘conhecimento”’)
ao homem cabia a missdo de adorar o seu
buscava 0 conhecimento total, nao através da
criador, o Ahura-Mazda, para evitar o triunfo
reflexdo e sim da “iluminagao”, da graca
das trevas. Viam no imperador o represen-
divina, que conduziria 4 salvacdo eterna,
tante maior do deus do bem, de quem
apoiando-se também no dualismo advindo
recebera 0 poder e o comando na luta
incessante contra o mal. do masdeismo. Seu grande desenvolvimento
ocorreu na época helenistica, iniciada com
O culto religioso e as praticas rituais nao Alexandre Magno, envolvendo diversos gru-
requeriam templos e eram comandadas pelos pos religiosos, escolas e sistemas de conheci-
magos (sacerdotes) que, vestidos de branco, mentos. J4 o maniqueismo advinha da religiao
lideravam os hinos e a manuten¢ao do fogo pregada pelo iraniano Mani (216-277), com
sagrado que representava o Ahura-Mazda. forte origem dualista, sobrevalorizando a luz, o
Admitiam que existia vida apds a morte e bem contra as trevas, ganhando muitos segui-
acreditavam no paraiso para os justos, e no dores tanto no Oriente como no Ocidente ao
purgatorio e no inferno para os pecadores. longo da Idade Média.
Bjvrstors & TESTES

“O diagrama abaixo representa o crescimento da 1 Considerando o diagrama, assinale a_alter-


popula¢gao desde 8 mil anos atrds até os dias atuais, e nativa correta:
uma projegdo do que ela ser4 no ano 2000. Antes da a) No final da Idade Moderna a populacado
revolu¢ao agricola, o homem tinha uma cultura mundial chegava perto de 900 milhdes de
ndmade de ca¢a e colheita. Quando ele aprendeu habitantes.
como plantar, como fazer provisGes de cereais e b) A populagao mundial estimada no final da
como cuidar do gado, a organiza¢do social e a Idade Moderna era inferior a 10 milhdes de
perspectiva psicolégica mudaram; tornou-se possivel habitantes.
o acimulo de possessdes e isso levou a criacdo de c) A populagaéo mundial estimada no final da
grandes vilas, cidades e metrdpoles, conduzindo, Idade Média era superior a 545 milhdes de
finalmente, 4 explosdo populacional.” LEAKEY, Ri- habitantes.
chard Erskine. Origens. Brasilia, Universidade de d) A populagado mundial estimada no inicio da
Brasilia, 1980. p. 143. Idade Contempordnea era superior a 2,5
milhdes de habitantes.
e) A populagao mundial estimada no final da
Antiguidade beirava os 905 milhées de
habitantes.
Milhées de
habitantes

2000 7 410
2 Segundo o diagrama, a populagdo mundial do
perfodo Neolitico era:
1975 3 890 a) superior a 410 milhdes de habitantes.
b) perto de 10 milhdes de habitantes.
c) perto de 300 milhdes de habitantes.
1970 3 500 d) de 545 milhdes de habitantes.
e) igual a da Antiguidade.

1965 3 308

3 (Fuvest) Sobre o surgimento da agricultura — e


1960 2 984 seu uso intensivo pelo homem — pode-se afir-
mar que:
1950 2 493 a) foi posterior, no tempo, ao aparecimento do
Estado e da escrita.
1900 1 608 b) ocorreu no Oriente Préximo (Egito e Meso-
potamia) e daf se difundiu para a Asia (india

1850 fedizal e China), Europa e, a partir desta, para a


América.
c) como tantas outras inven¢gées, teve origem
1800 906
na China donde se difundiu até atingir a
1750 728 Europa e, por ultimo, a América.
d) ocorreu, em tempos diferentes, no Oriente
1650 545
Préximo (Egito e Mesopotamia), na Asia
1000 410 (india e China) e na América (México e
Peru).
AD 1 300
e) de todas as inven¢gdes fundamentais, como a
8000 a.C. 10
criagdo de animais, a metalurgia e o comér-
cio, foi a que menos contribuiu para o ulte-
rior progresso material do homem.
PRE-HISTORIA - A ANTIGUIDADE ORIENTAL

4 (UFRS) Foi fator decisivo para a sobrevivéncia se (Esam) Dentre as formas de poder que predo-
dos povos do periodo Neolitico: minaram entre o final da Pré-histdria e 0 inicio
a) autilizacdo de metais como cobre e bronze. dos chamados tempos histdricos, uma foi
b) 0 nomadismo tipico dos povos ca¢adores e marcada pela formagao de grandes impérios
coletores. politicos, em geral situado as margens de rios,
c) a revolugao neolitica. lagos, ou mares, onde um governo centralizado
d) a revolugdo urbana e a formag¢ao dos impé- aglutinava populagao na construgaéo de gran-
rios teocraticos. des obras ptblicas e de prestigio, como canais,
e) a forma¢ao de religides monoteistas. diques, palacios, templos, santudrios, etc. Esta-
mos falando de:
a) cidades-estados liberais.
b) impérios teocraticos de regadio.
S (PUCSP) “...otempo éa minha matéria, o tempo c) repdblicas oligarquicas.
presente, os homens presentes, a vida presente.” d) democracias hereditarias.
Carlos Drummond de Andrade. Maos dadas, 1940. e) regimes eletivos e escravocratas.
Se o presente é o tempo do poeta, resta ao
historiador somente o tempo passado?
Justifique sua resposta, procurando discutir as 8
relagdes que a Histdria ou o historiador pode (UFPE) £m relagao a arte do Egito antigo,
estabelecer entre presente e passado. assinale a alternativa correta.
a) Visava a valorizacao individual do artista.
b)= Manifestava as idéias estéticas com repre-
sentacdes da natureza, evitando a represen-
6 (Enem) Os quatro calenddrios apresentados tagdo da figura humana.
abaixo mostram a variedade na contagem do c) Estava destinada a glorificagdo do fara6 e a
tempo em diversas sociedades. representagao da vida de além-tumulo.
d) Aproveitava os hierdéglifos como ornamen-
ta¢ao.
1° DE JANEIRO | 24DE RAMADA 24 DE TEVET 7° DIA DO 12°
DE 2000 DE 1378 DE 5760 | MES DO ANO DO e) Era uma arte abstrata de dificil interpretagdo.

P|) || El
COELHO

OCIDENTAL ISLAMICO JUDAICO CHINES 9g


(Gregoriano) (Casper Libero-SP) Examine as trés proposi¢ées,
Baseado no ciclo
solar, tem como
| Abase éa Lua.
Inicia-se com a
Calendario
lunar, parte da
Referéncia lunar.
Iniciado em julgando se sao verdadeiras ou falsas. Em se-
referéncia o fuga de Maomé criagao do 2697 a.C., ano
nascimento de de Meca, em mundo conforme do patriarca guida, assinale a alternativa correta.
Cristo 622 d.C. a Biblia. chinés Huangti.
|-—A Pré-histéria, 6p0ca compreendida entre
Adaptado de Epoca, n° 55, 7 junho de 1999.
0 aparecimento do homem sobre a Terra e
Com base nas informag¢Ges apresentadas, pode- © uso da escrita, 6 dividida tradicional-
se afirmar que: mente em trés periodos: Paleolitico, Meso-
a) o final do milénio, 1999/2000, é um fator litico e Neolitico.
comum as diferentes culturas e tradi¢ées. Il — A domesticagao de animais e o surgimento
b) embora o calendario cristéo seja hoje ado- da agricultura ocorreram apenas apds a
tado em ambito internacional, cada cultura invencdo da escrita, posterior portanto ao
registra seus eventos marcantes em calen- Neolitico.
dario proprio. lll — A duragao do Paleolitico é bem mais ex-
c) o calendario cristéo foi adotado universal- tensa que a do Neolitico, envolvendo ni-
mente porque, sendo solar, é mais preciso veis técnicos naturalmente mais primitivos.
que os demais. a) Todas as proposi¢Ges sao verdadeiras.
d) a religiao nao foi determinante na defini¢ao b) Apenas as proposi¢6es | e Il sao verdadeiras.
dos calendarios. c) Apenas as proposi¢ées | e Ill sao verdadeiras.
e) o calendario cristaéo tornou-se dominante d) Apenas as proposic6es II e Ill sao verdadeiras.
por sua antiguidade. e) Todas as proposi¢ées sao falsas.
QUESTOES
E TESTES

7 0 (PUCSP) Observe 0 mapa que compreende re- Y 4 (Fuvest) Caracterize as relacdes entre os cam-
gides onde se estabeleceram as principais so- poneses e o Estado no Egito antigo.
ciedades antigas e:
a) identifique duas destas sociedades, discutin-
do o significado do condicionamento geo- 13 (Fuvest) As civilizagées egipcia e mesopotami-
grafico em seus modos de vida; ca eram marcadas por profunda religiosidade.
b) apresente e discuta duas caracteristicas de Indique trés elementos comuns 4 vida religiosa
uma destas sociedades. destes povos.

14 (Fundagaéo Lusiada - Medicina - Santos-SP)


Quase tudo o que se sabe da cirurgia egipcia
encontra-se no Papiro Cirdrgico, de Edwin
Smith. Mede ele, desenrolado, quatro metros
e meio de comprimento e é a copia, feita no
século XVII a.C., de um livro mais antigo que se
sup6e tenha sido escrito na época das pirami-
des e publicado com comentarios explicativos
antes de 2500 a.C.
A época das pirdmides (3000 a.C. - 2475 a.C.)
corresponde:
a) ao Antigo Império
b) ao Império Médio (Epoca Feudal)
7 7 (UFSC) Entre as civilizagdes da Antiguidade
c) ao Novo Império
que tiveram o mar Mediterraneo como cendrio
d) ao periodo tebano
do seu desenvolvimento, destacaram-se os
e) ao periodo saita
hebreus (judeus, israelitas), por terem sido o
primeiro povo conhecido que afirmou sua fé
em um
filosofia,
Unico Deus. As bases da histéria, da
da religido e das leis hebraicas estao
15 (UM-SP) O sabio francés Champollion:
a) depois de muitos esforgos conseguiu intro-
contidas na Biblia, cujos relatos, em parte duzir a escrita hieroglifica no Egito;
confirmados por achados arqueoldgicos, per- b) descobriu um bloco de pedra na regiao de
mitem tra¢ar a evolucao histdrica e cultural do Roseta que lhe permitiu, posteriormente, o
povo hebreu e identificar suas influéncias sobre estudo da escrita hieroglifica;
outras civilizagdes. c) celebrizou-se por ter conseguido traduzir
Assinale a(s) proposic¢4o(6es) correta(s) nas suas uma inscrigaéo cuneiforme para a escrita
referéncias 4 cultura hebraica. (A resposta é a hieroglifica;
soma das alternativas corretas.) d) beneficiou-se extremamente em seus estu-
01) Entre os principios religiosos contidos na dos gracgas a uma descoberta arqueoldgica
Biblia esta 0 politeismo, isto é, a creng¢a em feita por acaso durante a expedi¢gdo de
muitos deuses. Napoledo ao Egito;
02) O vinculo visivel das influéncias do juda- e) decifrou a escrita cuneiforme, utilizando-se
ismo sobre o cristianismo esta na pessoa de de achados arqueoldgicos da cidade de Ur
Cristo, considerado ’O Messias’ pelas duas na Mesopotamia.
religides.
04) Os hebreus destacaram-se em diferentes
areas do conhecimento humano e nos lega- 16 (Cescem-SP) A importancia historica de Ame-
ram os livros do Antigo Testamento (Tora). notep IV (Amen6fis), fara6 egipcio durante o
08) O cristianismo e o islamismo, religides que chamado Novo Império (1580 a.C. - 1110
tém hoje milhées de seguidores, receberam a.C.), esta no fato de ter:
influéncias do judaismo. — a) promovido uma revolucao religiosa ao ins-
16) O Pentateuco, o Talmud e o Alcorado taurar um culto monoteista.
representam o conjunto dos escritos que b) resistido a invaséo militar de uma grande
retinem os preceitos do judaismo. alian¢a asiatica liderada pelos hicsos.
PRE-HISTORIA - A ANTIGUIDADE ORIENTAL

Cc) patrocinado a construgao dos maiores mo- 2 7 (Osec-SP) Os assfrios destacaram-se:


numentos funerarios em Gisé. a) pelas suas realizacées cientificas no campo
d) expandido o dominio politico menfita aos da astronomia.
territorios da Libia e da Etidpia. b) pelo notavel intercambio comercial realiza-
e) realizado uma revolugao social que elimi- do com os fenicios.
nou a escravidao dos lavradores. c) pelo militarismo organizado e cruel.
d) pela codificagao do antigo direito consuetu-
dinario.
Tien, A religido egipcia, orientadora das e) pela construgaéo de tumbas monumentais
instituigdes, foi também a grande inspiradora para seus reis.
da arte. Em Karnac e Luxor subsistem obras,
com linhas sdélidas e grandiosas, a saber:
2 2 (Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR) A
a) sarc6fagos inteiramente decorados em ma- Epopéia de Gilgamés, que narra a ira dos
deira. deuses e a inunda¢ao da terra para castigo dos
b) esfinges simbolizando o sol e a lua.
homens, faz parte da literatura:
C) piramides para a conservagao dos restos dos a) grega; d) egipcia;
farads. b) hebraica; e) n.d.a.
d) tumulos acessiveis aos sacerdotes e ao c) sumeriana;
povo.
e) templos para a morada dos deuses.
2 3 (UCS-RS) A civilizagéo mesopotamica caracte-
rizou-se, do ponto de vista histérico-universal,
18 (Unimep-SP) Parte da geracdo da riqueza do pela sua contribuigaéo ao Direito, que teve seu
Egito antigo estava ligada as enchentes do rio principal codificador na figura de:
Nilo, que propiciavam uma excelente agricul- a) Assurbanipal.
tura na época da vazante. Todas estas terras b) Sargao.
que margeavam 0 rio eram: c) Ramsés Il.
a) divididas em pequenos lotes e vendidas aos d) Hamurdabi.
camponeses; e) Nabucodonosor.
b) de propriedade do Estado;
c) cultivadas pelos sacerdotes;
vs4 (Casper Libero-SP) Examine as proposi¢6es e
d) grandes propriedades pertencentes a nobre-
responda de acordo com o cédigo.
za egipcia;
1-A regiao que compreendia a Mesopotda-
e) formadas de pequenas propriedades perten-
mia, entre os rios Tigre e Eufrates e
centes aos felas.
atualmente parte do Iraque, foi habitada
entre 3200 e 2000 a.C. por diferentes
povos semitas, entre os quais se incluiam
7 9 (UM-SP) O mais antigo cddigo de leis escrito,
os sumérios.
cuja caracteristica é a “‘pena de taliao’’, isto é,
Il- A cidade de Babel, capital do império de
“olho por olho, dente por dente”, € chamado:
Hamurabi, desenvolveu-se e abrigou parte
a) Cédigo do Deuterondmio; da civilizagdo babil6nica antes do nasci-
b) Cédigo de Hamurabi; mento de Cristo.
c) Cddigo Sumério; Ill - Outro importante rei babilénico, em cujo
d) Leis Draconianas; império foram construidas grandes obras
e) ) Lei das Doze Tabuas. arquitet6nicas, foi Nabucodonosor, que
também viveu antes do nascimento de
Cristo.
20 (Fiube-MG) As bases da cultura mesopotamica
a) Todas as proposi¢Ges sao verdadeiras.
foram langadas pelos:
b) Apenas as proposi¢ées | e Il sao verdadeiras.
a) fenicios. d) sumérios. c) Apenas as proposicées | e Ill sao verdadeiras.
b) cretenses. e) iranianos. d) Apenas as proposi¢6es II e Ill sdo verdadeiras.
c) hebreus. e) Todas as proposi¢Ges sao falsas.
QUESTOES E TESTES

PAS (UCS) Na Antiguidade, podemos observar ca- 2g (UM-SP) Dentre as importantes contribuicGes
racteristicas especificas a cada povo. Assinale a deixadas pelos fenicios, para a civilizacao
alternativa cuja seqiiéncia relaciona correta- ocidental, destacamos:
mente os povos desse periodo com sua princi- a) o desenvolvimento do alfabeto fonético e
pal caracteristica religiosa. técnicas de navegacao.
(1) Egipcios b) a constru¢ao de gigantescas obras hidrauli-
(2) Mesopotamios cas para a pratica da agricultura.
(3) Fenicios c) a criagao de um governo democratico.
(4) Cretenses d) apratica do monoteismo e ideais filosdficos.
(5) Hebreus e) a criacdo do primeiro sistema juridico.
( ) Acreditavam na imortalidade da alma, a
qual se separa do corpo apds a morte, mas
vinha procurd-lo no seu timulo, depois de
30 (Fatec-SP) Entre as principais caracteristicas da
civilizagao fenicia merecem destaque especial:
passar pelo julgamento de Osiris.
Os profetas desempenhavam um papel a) a economia agricola de regadio, a socieda-
importante na preservacao da pureza da de de castas e a organiza¢ao politica teocra-
religido, frente a influéncia dos deuses tica.
estrangeiros. b) a economia mercantil, a organizacao poli-
tica sob forma de cidades-estados e a cria-
— — Adoravam a Grande-Mae, deusa da terra e
da fertilidade, representada por uma pom- ¢ao do alfabeto.
ba e uma serpente. c) a religido monoteista, a escrita cuneiforme e
a sociedade némade-pastoril.
— ~— Preservavam rituais sangrentos, até com
sacrificios humanos, durante muito tempo. d) a religiao dualista, o regime politico demo-
cratico e a escrita hieroglifica.
— ~ Acreditavam na magia, na adivinhagao e
e) asociedade estamental, a economia de sub-
na astrologia, meios que usavam para
descobrir a vontade dos deuses. sisténcia e 0 expansionismo militar.

aA, al 3,2 G25, Bn4, 1


Dyeln2 4a 25
C27 Ons Sat
aly ath ee 31 (FCC-RN) “Em conseqiiéncia das invasGdes dos
povos do mar e da decadéncia do Egito, as
cidades de Tiro e Sidon conquistaram a pre-
26 (Fatec-SP) Dario |, célebre imperador da Pérsia, ponderancia maritima no Mediterraneo... Cer-
tem seu nome ligado a: ca de 1000 a.C., atingiram Gibraltar, trans-

a) conquista do Reino da Média e a funda¢gao puseram 0 estreito e fundaram um estabeleci-


do Império Persa. mento em Cadis...’””
b) elabora¢do da religiao dualista persa, cujos O trecho acima refere-se a civilizagdo de um
fundamentos se encontram no livro sagrado povo que, além de organizar um império mari-
Zend-Avesta. timo comercial, contribuiu grandemente para a
c) conquista do Antigo Egito em 525 a.C. na civilizagao ocidental, gragas a:
famosa batalha de Pelusa. a) divulgacao de técnicas agricolas eficientes.
d) derrota dos persas frente as cidades-estados b) introdugao do carro de roda nos transportes.
gregas na terceira das Guerras Médicas. c) concep¢ao de uma religiao monoteista.
e) organizagao politico-administrativa do |Im- d) elaboragao de uma estética arquitetonica.
pério Persa, com a criagao das satrapias, das e) criagdo de um novo tipo de escrita.
estradas reais e do darico.
ns (FESP) A principal contribuigdéo dos hebreus
27 (Vunesp) Indique o principal legado cultural para a civilizagao ocidental foi:
dos fenicios.
a) a organiza¢ao politica.
b) o monoteismo religioso.
28 (Fuvest) Qual foi a principal atividade econé- c) a grande obra literaria.
mica desenvolvida pelos fenicios e cretenses na d) o desenvolvimento artistico e cultural.
Antiguidade? e) o conhecimento cientifico e tecnoldgico.
PRE-HISTORIA - A ANTIGUIDADE ORIENTAL

33 (UE-Londrina-PR) A Pdscoa, na cultura do povo Assim temos, respectivamente:


hebreu, esta relacionada com: a) Didspora - Exodo - Cisma - Sionismo
a) a conquista de Canada, a Terra Prometida, b) Exodo - Didspora - Cisma - Sionismo
apos 0 cativeiro dos hebreus na Babilénia. c) Cisma - Diaspora - Exodo - Sionismo
b Sr, a unificacado do reino de Israel apds 0 con- d) Exodo - Cisma - Diaspora - Sionismo
turbado perfodo gerado pelo Cisma das 12
tribos hebraicas. (PUCSP) Pode-se dizer que um dos elementos
c) 0 €xodo, inicialmente liderado por Moisés, fundamentais da religiao persa na Antiguidade,
apds a permanéncia de mais de 400 anos apos Zaratustra, é:
dos hebreus no Egito. a) o politefsmo caracterizado pela pratica da
d) a sucessao de Davi, como rei dos hebreus, adoragao de idolos zoomérficos nos tempos
apos a conquista de Jerusalém aos cananeus. religiosos.
e) a resisténcia oposta pelos judeus, apds a b) o carater local do culto, ja que cada regido
anexa¢do da Judéia por Roma. possuia suas proprias divindades supremas.
c) o dualismo representado pela oposi¢ao

34 (PUC-SP) “’O judaismo é 0 mais antigo mono-


entre o principio do bem e o do mal.
d) a estrita obediéncia por parte de toda a po-
teismo do mundo, e deu origem ao cristianismo pulagao dos preceitos religiosos contidos
e ao islamismo.”” Seu fundador foi Abrado, que nos Vedas.
viveu por volta do século XIX antes de Cristo. e) a descren¢a na imortalidade da alma e na
Sua base é a cren¢a no Deus vivo, que é trans- ressurrei¢ao.
cendente, onipotente e justo, e que se revela a
humanidade. Suas escrituras sagradas, leis, pro- Da Antiguidade:
fecias e tradigdes refletem cerca de 3 500 anos “Possuiam um grande Império, que foi dividido
de vida espiritual. Os textos sagrados mais im- em 30 Satrapias, ou provincias, cada uma delas
portantes para os judeus sao: governadas por um Satrapa, nomeado pelo rei.
a) a Tora, ou Pentateuco, e o Talmude. Para garantir ahonestidade, criaram uma rede de
b) o Velho Testamento, mais o Apocalipse. espides conhecidos como os ‘olhos e ouvidos do
c) toda a Biblia, menos os livros ““apdcrifos’’. rei’. Ainda, para manter o Império unido, cons-
d) o Mishna, o Gemara e os Evangelhos. truiram grandes estradas reais, algumas chegan-
e) n.d.a.
do a ter 2 500 quilémetros. No campo religioso,
afirmavam a existéncia de um Deus do bem, da
33 (FGV) Das alternativas abaixo, a que melhor luz e da justiga (Ahuramazda) e um poder mau e
das trevas (Ahriman). Acreditavam que no fim
caracteriza a sociedade fenicia é:
a) a existéncia de um Estado centralizado e o
dos tempos, o bem venceria o mau, passando a
monoteismo. reinar por toda eternidade, os malditos sofreriam
b) o monoteismo e a agricultura. para sempre e os bons viveriam a vida eterna”.
c) 0 comércio e€ 0 politeismo. O texto acima refere-se:
d) as cidades-Estados e 0 monoteismo. a) Aos hebreus, povo guerreiro, que dominaram
e) aagriculturaea forma de Estado centralizado. um grande Império, tendo sido a religido a
sua maior contribui¢do para a posteridade.
b) Aos gregos, que conquistaram todo o Ori-
36 Indicar a alternativa que identifique correta- ente Médio e mantiveram os vencidos sub-
mente os eventos: jugados através da religiao.
A — Saida gloriosa dos hebreus, do Egito, guia- c) Aos persas, que dominaram um grande Im-
dos por Moisés. pério e criaram uma religiao que teve im-
B — Disperséo do povo hebreu provocada pe- portantes efeitos sobre o desenvolvimento
los romanos. | do cristianismo.
C — Divisao das tribos hebraicas em dois rei- d) Aos mugulmanos, que na Antiguidade desen-
nos: Israel e Juda. volveram um Império em bases religiosas.
D — Movimento feito pelos hebreu espalhados e) Aos bizantinos, que transformaram a reli-
pelo mundo inteiro, para a volta a Terra gido num fundamento politico para justifi-
Prometida. car 0 absolutismo imperial.
A CIVILIZACAO GREGA

Grécia desempenhou papel de pri- estéticos de arte e beleza foram herdados dos
meiro plano na Antiguidade, consti- gregos, influenciados por sua escultura, ar-
tuindo uma civilizagdo cuja influén- quitetura e teatro.
cia foi profunda na formacgado da cultura A Grécia antiga abrangia o sul da penin-
ocidental. Da Grécia antiga herdamos nado sula Balcanica (Grécia européia ou continen-
sO uma extensa gama de conhecimentos tal), as ilhas do mar Egeu (Grécia insular) e o
cientificos, desenvolvidos por pensadores litoral da Asia Menor (Grécia asidtica). A
como Pitagoras, Eratdstenes, Euclides, Tales, partir do século VIII a.C., o territério da
Arquimedes, como também os grandes fun- Grécia européia foi ampliado com a funda-
damentos do pensamento filosdfico e politico ¢ao de diversas col6nias no Mediterraneo
presentes nas obras de Sdcrates, Platdo, ocidental, principalmente no sul da Italia, que
Aristoteles e outros. Também nossos padrées passou a chamar-se Magna Grécia.

GEM Grécia em 750 a.c.

A Grécia antiga baseou seu desenvolvimento na atividade comercial e na expansdo maritima.


A CIVILIZACAO GREGA

Na Grécia continental, regido em que Michael Ventris, apoiados em estudos ante-


viveram Os mais longinquos antepassados dos riores, especialmente os do arquedlogo inglés
gregos, o solo predominante é drido e pedre- Arthur Evans.
goso, 0 que dificultava a pratica da agricultu- As cidades cretenses, segundo as investi-
ra. O relevo, muito acidentado, tornava dificil gacoes arqueoldgicas, apresentavam um sin-
a comunica¢ao entre varios pontos do interior gular talento arquitet6nico, com grandes
dessa regido, contribuindo para o seu fracio- palacios e edificios dotados de complexos
namento politico. No litoral, por outro lado, sistemas de saneamento e canalizacéo de
havia a facilidade de comunicag¢4o pelo mar. agua. A amplitude do palacio governamental
Sendo extremamente recortada, a costa grega de Cnossos, com suas inimeras dependén-
apresentava uma série de portos naturais, dos cias e a decora¢do, sugeria a idéia de um
quais as embarca¢6es partiam com destino as verdadeiro labirinto, palavra originariamente
ilhas do Egeu, a costa da Asia Menor ou a associada a residéncia do rei Minos.
outros pontos da propria Grécia continental. Em Creta, sabe-se que a mulher desfruta-
va de direitos e obrigacdes quase desconhe-
cidos em outras regi6es na Antiguidade. As
As civilizagoes cretense mulheres cretenses possuiam uma importan-
cia que transparecia na religiao, cuja princi-
e creto-micénica pal divindade era feminina, a deusa Grande-
SSON ee eo
Mae. Isto faz supor que, na ilha, sobrevivesse
uma forte influéncia das sociedades matriar-
As origens da civilizagdo grega estado cais pré-historicas. As mulheres participavam
profundamente relacionadas a histdria de das grandes festas e das cerimOnias religiosas,
Creta, que viveu o processo de ascensdo e muitas eram sacerdotisas, outras fiandeiras e
queda de sua civilizagdo entre 2000 a.C. e até pugilistas, cagadoras e toureiras.
1400 a.C.
A privilegiada situagao geografica de Cre-
ta, a maior ilha do mar Egeu, favoreceu os
contatos maritimos com o Egito, a Grécia e a
Asia Menor, regides com as quais desenvol-
veu intenso comércio. Até o século XV a.C.,
Creta exerceu a mais completa hegemonia
comercial sobre essa regiao do Mediterraneo,
estendendo seus dominios a Grécia continen-
tal, onde conquistou diversas cidades.
As caracteristicas desta civilizagdo lem-
bram, em suas estruturas, a Antiguidade
oriental. Em Creta, dado o enorme desenvol-
vimento das praticas comerciais, 0 controle
politico concentrava-se nas maos de uma
elite comercial (talassocracia), liderada por A Grande-Mae. O leopardo da cabega significava o controle
reis, descendentes do lendario Minos. A das forcas da natureza e as serpentes representavam outros
animais adorados pelos mindicos. A roupa da deusa era a
cidade de Cnossos era a capital do reino, a tipica indumentaria da elite cretense.
qual, na época de seu apogeu, chegou a
contar com uma populagao de mais de cem Em meados do século XV a.C., os aqueus —
mil habitantes. povo que habitava nessa época a Grécia
Os cretenses usavam dois tipos de escrita, continental— invadiram Creta, dando inicio a
a Linear A e a Linear B, sobre as quais ainda civilizagdo creto-mic€nica, Cujos representan-
existem muitas ddvidas. Na decifragdo da tes se espalhariam pelo mar Egeu dominando-o
escrita Linear B, destacam-se os trabalhos de até o século XIlla.C.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Embora fundada por aqueus, a cidade de O povoamento da Grécia


Micenas adotou muitos valores cretenses, EET Sa TS
especialmente os artisticos, apesar de impor
a supremacia patriarcal, iniciando a transi¢ao Provavelmente, os primeiros povos a
para o mundo grego. O predominio de habitar a Grécia foram os pelasgos, ou
Micenas, que vencera também sua rival, pelagios. Ao que tudo indica, por volta do
Trdia, duraria até o século XII a.C., quando ano 2000 a.C., esses povos, organizados em
a regido foi invadida pelos conquistadores comunidades coletivistas, ocupavam a zona
gregos chamados dorios. litoranea e mais alguns pontos isolados na
Grécia continental. Foi aproximadamente
nessa €poca que teve inicio, na Grécia, um
A lenda do Minotauro e o mar Egeu grande periodo de invasdes, que se prolon-
Na Grécia havia uma lenda que ten- garia até 1200 a.C. Os povos invasores —
tava explicar sua origem. Segundo ela, um indo-europeus provenientes das planicies
monstro chamado Minotauro, cabeca de euro-asiaticas — chegaram em pequenos gru-
touro € corpo de homem, habitava um pos, subjugando lentamente os pelasgos.
labirinto € obrigava o povo a pagar
pesados tributos. Exigia também a en- AS INVASOES INDO-EUROPEIs
trega de jovens mulheres para servi-lo.
Dizia-se que o labirinto era inacessivel e
todos 0s que tentaram nele entrar, para
enfrentar e vencer o Minotauro, acaba-
ram fracassando, perdendo-se nas suas
indmeras dependéncias. Porém, um dia,
um jovem grego chamado Teseu, filho do
rei Egeu, corajosamente dirigiu-se para o
labirinto e, ajudado por Ariadne, uma das
servas do Minotauro, conseguiu encon-
trar o monstro e destrui-lo, conquistan-
do a liberdade da Grécia. | BB Territorio dos jénios
Diz a lenda que a alegria de Teseu foi GB Territorio dos edlios
tanta que, na hora do retorno a Grécia,
esqueceu de trocar as velas do seu navio | Territério dos arcddios

de negras para brancas, como havia


combinado com seu pai. Egeu, quando
Os primeiros indo-europeus que invadi-
avistou ao longe o navio retornando com
ram a Grécia foram os aqueus, e ali se
as mesmas velas com que partira, con-
estabeleceram entre os anos 2000 a.C. e 1700
cluiu que seu Unico filho havia morrido, e a.C. Foram eles os fundadores de Micenas,
decidiu jogar-se ao mar. Dai, dizia-se, cidade que constituiu o ber¢o da civilizagao
hascera o nome de mar Egeu. creto-micénica.
Nao resta dlvida de que a lenda do Entre 1700 a.C. e 1400 a.C., outros povos
Minotauro estabelece fortes relagdes atingiram a Grécia: os edlios, que ocuparam a
com o dominio de Creta sobre o territério Tessalia e outras regides, e os jénios, que se
grego. O nome do monstro, certamente, fixaram na Atica, onde posteriormente funda-
deriva da denominagao do soberano riam a cidade de Atenas. A partir de 1400 a.C.,
cretense: Minos. Além disso, a residéncia com a decadéncia da civilizacdo cretense, Mi-
do Minotauro, o labirinto, faz lembrar o cenas viveu um periodo de grande desenvolvi-
palacio de Cnossos. mento, que terminaria por volta de 1200 a.C.,
quando se iniciaram as invas6es dos dorios.
A CIVILIZACAO GREGA

Os dérios — 0 Ultimo povo indo-europeu Cada geno constitufa uma unidade eco-
a migrar para a Grécia — eram essencialmente ndmica, social, politica e religiosa da socie-
guerreiros. Ao que parece, foram eles os dade grega. De fato, esses pequenos agrupa-
responsaveis pela destrui¢ao da civilizacdo mentos humanos conseguiam, isoladamente,
micénica e pelo conseqiiente deslocamento assegurar sua sobrevivéncia com uma eco-
de grupos humanos da Grécia continental nomia natural e coletivista. Os meios de
para diversas ilhas do Egeu e para a costa da produ¢ao (terra, sementes), assim como os
Asia Menor. Esse processo de dispersdo é bens produzidos (alimentos, objetos), perten-
conhecido pelo nome de primeira diaspora. ciam a todos os individuos, ou seja, a
Apos o esplendor da civilizagdo micéni- propriedade nao tinha carater particular. Na
ca, seguiu-se um periodo em que as cidades organizacao hierarquica dos genos, o patri-
foram saqueadas, a escrita desapareceu e a arca, ou pater, era a autoridade maxima,
vida politica e econdmica enfraqueceu, ca- exercendo as fungées de juiz, chefe religioso
racterizando um processo de regressdo da e militar. O critério que definia a posig¢ao dos
Grécia a uma fase primitiva e rural. Desse individuos na comunidade era o seu grau de
periodo (séculos XII a.C. a VIll a.C.), que foi a parentesco com oO pater.
base da civilizagao grega, nao se tem registro, As comunidades gentilicas existiram du-
exceto os poemas IIiada e Odisséia atribuidos rante quase todo o periodo homérico. Apenas
a Homero, que, tendo vivido no século por volta do século VIII a.C., iniciou-se o
Vil a.C., teria recolhido hist6rias transmitidas processo de desintegracdo dos genos, evo-
oralmente durante os séculos anteriores. Por luindo mais rapidamente em algumas regides
essa razao, esse periodo, posterior a invasao do que em outras. Diversos fatores contribui-
d6rica, ficou conhecido como tempos homé- ram para a dissolu¢ao dos genos no final dos
ricos. Em decorréncia, 0 perfodo anterior a tempos homéricos, entre eles o crescimento
1200 a.C., caracterizado pela imigragao de populacional e o aumento do consumo.
povos indo-europeus e pela formacdo da Entretanto, a producao continuava limitada,
cultura creto-micénica, recebeu a denomina- pois havia poucas terras férteis e as técnicas
¢do de tempos pré-homéricos. de producdo eram bastante rudimentares.

Os tempos homéricos
(do século XII a.C. ao
século VIII a.C.)
Sa

Para compreendermos a evolucao politi-


ca da Grécia antiga, é necessario retroceder-
mos aos tempos pré-homéricos, quando os
povos indo-europeus ali se fixaram. Ja nessa
época, esses grupos humanos encontravam-
se divididos em genos, familias coletivas
constituidas por um grande numero de pes- Esquema da organizacao da sociedade grega do periodo
soas sob a lideranga de um patriarca. Apds as homérico.
invasOes dos dorios, os genos passaram a
constituir a forma predominante de organiza-
¢ao social. Assim, podemos afirmar que o A luta pela sobrevivéncia, que dependia
periodo homérico foi também o periodo das basicamente da terra, desencadeou uma série
comunidades gentilicas. de guerras entre genos. Para enfrentar um
A ANTIGUIDADE CLASSICA

inimigo comum, alguns deles se uniram, dos gregos, abrindo caminho para o
formando uma fratria. Reunidas, as fratrias dominio do Mediterraneo oriental.
As
constituiam uma tribo, a qual se submetia a novas colonias fundadas mantinham la-—
autoridade do filobasileu, o supremo coman- gos muito fortes com as cidades gregas,
dante do exército. A unido de varias tribos
constituindo postos avangados de seus
deu origem ao demos (‘povo’’, “povoado’’),
valores e cultura. A irradiagao grega com
que reconhecia como seu lider supremo o
a segunda diaspora chegou até mesmo a
baliseu.
A crise da sociedade gentilica alterou peninsula Ibérica, no limite ocidental do
profundamente a estrutura interna dos genos. Mediterraneo. Na Ibéria, a primeira colo-
Aos poucos, a terra deixou de constituir nia foi Ampurias, nome originario da
propriedade coletiva, sendo dividida, de modo pais grega Sera que significa
desigual, entre os membros dos genos. As “mercado”.
melhores parcelas de terra foram tomadas
pelos parentes mais proximos do pater, e por
esse motivo, passaram a ser chamados de Nesse periodo de instabilidade, por ques-
eupatridas (‘‘bem-nascidos’”’). O restante das toes de seguranga, varias tribos se uniram
terras foi dividido entre os georgois (‘agricul- formando comunidades independentes, que
tores’’), parentes mais distantes do patriarca. deram origem As polis ou cidades-estados. As
Nesse processo de divisdo, os mais prejudica- cidades-estados tinham como ponto central a
dos foram os thetas (‘‘marginais’’), para os acropole, parte mais alta da povoacao, go-
quais nada restou. vernada pelo conselho de aristocratas, os
Com a crise das comunidades gentilicas, eupatridas.
a Grécia continental se transformou em palco
de inumeros conflitos e tensdes sociais, que
resultaram em uma nova dispersdo do povo
grego — a segunda diaspora. Os principais Os tempos arcaicos
fatores que provocaram esse novo desloca- (do século VIII a.C.
mento foram o crescimento demogrdafico e a
escassez de terras cultivaveis na Grécia con- ao século VI a.C.)
tinental, em grande parte conseqiiéncia da SN |
concentra¢gao da propriedade nas maos de
uma pequena parcela da populacdo. A privatizagdo das terras e a dissolucao
Desse modo, boa parte da popula¢ao ex- da comunidade gentilica levaram a profundas
cedente, constituida, principalmente, pelos transformag6es no interior da sociedade gre-
menos beneficiados na partilha das terras, ga. Inicialmente, processou-se a passagem de
emigrou para regides do Mediterraneo oci- uma economia doméstica para uma econo-
dental, ali fundando diversas colénias. Assim mia de mercado local, que, mais tarde,
surgiram cidades como Tarento e Siracusa, no voltou-se para o exterior.
sul da Italia, regido que se desenvolveu muito Em sintonia, a sociedade e a politica
gracas ao cultivo de cereais e que ficou passavam por transformac¢Ges: a aristocracia
conhecida como Magna Grécia. enriquecia-se, aumentando as desigualdades
entre Os grupos sociais, levando a desconten-
tamentos, lutas, tiranias. Mais que a tradi¢ao,
seria a riqueza que determinaria o lugar do
A segunda diaspora
individuo na escala social. Como decorréncia
A segunda diaspora originou centros do aumento de importancia da aristocracia,
de colonizagao que, juntamente com as substituiu-se a monarquia pela oligarquia
cidades que surgiam, atuaram decisiva- (= ““governos de poucos’’).
mente para o desenvolvimento comercial A Grécia possuiu mais de cem cidades-
estados aut6nomas e independentes que, de
A CIVILIZACAO GREGA

modo geral, se mantiveram oligdrquicas ou A estrutura social espartana era rigida e


evoluiram para a democracia. Vamos tratar dividia-se em:
aqui dos dois exemplos mais importantes das
polis gregas: Esparta (a oligarquica) e Atenas m Espartanos ou esparciatas: descendentes
(a democratica). dos conquistadores dérios, eram os Unicos
detentores da cidadania e, portanto, com
direitos politicos. Formavam uma classe
Esparta privilegiada que monopolizava o poder
militar e, por decorréncia, 0 politico e o
Esparta, ou LacedemOnia, localizava-se religioso.
na peninsula do Peloponeso, na planicie da
Lac6nia. Foi fundada no século IX a.C., as @ Periecos: eram os habitantes dos arredores
margens do rio Eurotas, apds a unido (sine- da cidade, provavelmente descendentes
cismo) das trés tribos dérias. Embora defendi- das popula¢gées nativas que se submeteram
da por um conjunto de montanhas cujos pacificamente aos dorios. Livres, dedica-
desfiladeiros formavam fortificag6es naturais vam-se ao comércio e ao artesanato, tarefas
e a isolavam das regides vizinhas, parece ter desprezadas pelos espartanos.
seguido, até o século VII a.C., uma evolugao
semelhante a das demais cidades dominadas @ Hilotas: eram servos pertencentes ao Esta-
pelos dorios. Nesse perfodo, Esparta conquis- do, provaveis descendentes da popula¢gao
tou a regiado da Messénia, que a circundava, e conquistada pelos dorios. Eram cedidos aos
solidificou seu carater essencialmente guer- espartanos juntamente com a terra na qual
reiro, vindo a desenvolver-se de forma pecu- trabalhavam e, por constituirem a maioria
liar e distinta das demais polis gregas. da populagao, eram mantidos em obedi-
éncia pelo terror.

“Os hilotas sao freqiientemente


definidos como escravos. Na verdade,
um conjunto de fatores permite que eles
sejam caracterizados mais como servos
do que como escravos propriamente
ditos. Habitavam as terras conquista-
das pelos espartanos; eram todos da
mesma origem e, uma vez subjugados,
permaneciam juntos nos locais e jamais
se afastavam. Nesse sentido, eram
muito diferentes dos escravos de Ate-
nas, por exemplo, que vinham de muitas
regides do mundo barbaro e grego. Os
servos espartanos estavam presos a
terra; nao podiam se transferir, eram
propriedade do Estado, e executavam as
tarefas agricolas nas terras repartidas
entre 0S cidadaos quando da conquis-
ta.”
FLORENZANO, Maria Beatriz B. O mundo antigo:
Esparta, por estar no interior e cercada por montanhas, economia e gociedade. SAo Paulo, Brasiliense, 1982.
isolou-se das demais cidades-estado, baseando sua economia (Coleg#o Tudo é Histéria). p. 52.
na agricultura.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

A legislagao espartana baseava-se num posto por cinco membros eleitos anualmente,
cédigo de leis atribuido a Licurgo, cuja que administravam os negdcios publicos e
existéncia € posta em dtvida pelos historia- fiscalizavam a vida dos cidadaos.
dores. Essa legislacdo preservava a sociedade Havia, ainda, a Gertsia, composta por
guerreira assegurando aos cidadaos-soldados 28 membros da aristocracia, com idade
(espartanos) totais privilégios. superior a sessenta anos, que tinha fungdes
legislativas e de corte suprema e controlava a
Politicamente, Esparta organizava-se sob atividade dos diarcas. Na base das estruturas
uma diarquia, ou seja, uma monarquia com- politicas, encontrava-se a Apela ou assem-
posta por dois reis, que tinham fungdes bléia popular, formada por todos os cidadaos
religiosas e guerreiras. As fungdes executivas, maiores de trinta anos, que tinha a fun¢do de
entretanto, eram exercidas pelo Eforato com- votar leis e escolher os gerontes.

Espartanos
Alguns_ historiadores Familia dos adultos
chegaram a estimar espartanos
uma populacao superi- Hilotas e
periecos
or a quarenta mil habi-
tantes para Esparta, na
época de seu apogeu. eleicao a veto
O grupo privilegiado —
incluindo-se ai suas fa-
milias — e controlador
obrigados a prestar 7 _ periecos (habitantes da periferia)
dos poderes da polis servico militar em guerra
nao ultrapassava 20%
do total, consagrando a _ hilotas.
ordem oligarquica, mi- (sem direitos)
litar e conservadora de
Esparta.

Ao contrario de Atenas e de outras polis educagao lembram a formagdo da antiga


gregas, Esparta manteve-se sempre oligarqui-
nobreza grega. Mas o fato de ter sido
ca, nao evoluindo para a democracia. O
estendida aos que nao eram nobres prova
modo de vida espartano, rigidamente regula-
que houve uma evolugao que modificou
mentado, visava perpetuar, de todas as for-
mas, a estrutura social existente. Atendendo a
neste sentido o presumivel dominio origi-
essa disposi¢ao, a educa¢gao do cidadao nal dos nobres. Um regime aristocratico
espartano era dirigida intensamente para a pacifico, semelhante ao de outros Esta-
obediéncia a autoridade e para a aptidao dos gregos, nao bastava a Esparta.
fisica, fundamentais a um Estado militarizado. Havia subjugado os messénios — povo
Sob essas condi¢gées, a debilidade fisica era amante da liberdade, e que, apesar dos
inadmissivel e as criangas que apresentassem séculos, nao conseguia habituar-se a sua
algum indicio de doenga ou fraqueza eram servidao — € precisava manter pela forga
sacrificadas ao nascer. As demais ficavam 0 séu dominio. Isto 6 era possivel pela
com suas familias até os sete anos de idade, organizacao de todos os cidadZos es-
quando entao os meninos eram entregues aos partanos numa classe senhorial armada
cuidados do Estado. é livre das preocupagdes do trabalho. A
razao desta evolugdo encontra-se indu-
bitavelmente nas guerras do século VII, e
“A participagao de todos os cida- pode té-la favorecido ainda a luta do
daos espartanos na educagao militar demos por direitos mais amplos.”
torna-os uma espécie de casta aristo- JAEGER, Werner. Paidéia — A formagao do homem
cratica. Alias, muitos tracos dessa grego. S40 Paulo, Martins fontes, 1989. p. 79.
A CIVILIZAGAO GREGA

Aprendendo a viver em duras condicées, A ocupacaio inicial da Atica foi realizada


sob rigida disciplina, obtinham, até os 18 pelos aqueus, seguidos posteriormente por
anos, uma férrea educa¢ao guerreira. Com edlios e principalmente jénios. Atenas, que
essa idade ingressavam no exército, tornan- havia sido fundada pelos j6nios, foi poupada,
do-se hoplitas. Aos trinta anos tornavam-se gracas a sua localizagado — proxima ao mar e
cidadaos, sendo-lhes permitido casar e ter cercada por montanhas -, as invasdes doricas
participa¢gao politica. Somente aos sessenta do século XII a.C. e ao conhecimento de uma
anos Os espartanos eram desmobilizados do sociedade imposta pelos vencedores.
exército, podendo fazer parte da Gerdsia. No final da época homérica, entretanto,
De acordo com 0 culto ao preparo fisico, também a Atica passou por profundas trans-
também as mogas eram educadas severa- formag6es, desde a desagregacao da comu-
mente pela familia e obrigadas a executar nidade gentilica até a formag¢ao da sociedade
exercicios atléticos. de classes. Foi nesse periodo, aproximada-
mente século X a.C., que ocorreu a unifica-
¢do das células gentilicas em quatro tribos,
Atenas
em torno do centro politico-militar-religioso
Atenas, situada na Atica, apresenta uma que a acropole de Atenas representava.
paisagem movimentada, onde colinas e mon-
tanhas parcelam pequenas planicies. Cada
regiao recebe uma denominag¢ao especifica:
regides de planicies férteis chamavam-se
Pédium, regides de montanhas aridas, Dia-
cria, e regides litoraneas, Paralia.

Busto do poeta Homero. O periodo homérico corresponde


ao final da Idade do Bronze e inicio da Idade do Ferro e ao
periodo em que o alfabeto fenicio foi adaptado a lingua
grega.

Atenas conservou a monarquia por muito


tempo, até que os aristocratas acabaram por
solapar o poder do basileu, que foi substituido
pelo arcontado — composto por nove arcon-
tes cujos mandatos eram anuais: arconte
polemarco (tinha poder militar e de julgar
os estrangeiros); arconte epdnimo (represen-
tava o poder religioso); arcontes thesmothe-
tas (em numero de seis, tinham o poder
judiciario sobre os thetas e georgdis).
Foi também criado um conselho —- o
aredpago — composto por eupatridas, com
Atenas fez do porto de Pireu a porta para sua expansao no fungao de regular a agdo dos arcontes. Estabe-
mar Egeu. leceu-se, assim, 0 pleno dominio oligarquico.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Nesse perfodo, chamado pés-homérico em torno do mar Negro — chamado, entao, de


ou arcaico, a escassez de terras férteis e o Ponto Euxino — e na Asia Menor.
aumento populacional impulsionaram algu-
mas cidades — como Corinto, Mégara e, des- O comércio entre essas dreas baseava-se
tacadamente, Atenas — a estabelecer col6nias _ Nas exportagdes de azeite, vinho e pecgas de
com fins comerciais e de povoamento em artesanato gregas e na importagao de artigos
varios pontos do Mediterraneo — era o como trigo, metais preciosos, cobre, ferro e
periodo da segunda diaspora. Durante o madeira das regides mediterrdnicas. Essa
transcurso dos séculos VIII, VIl e VI a.C., os expansao atenuou os problemas agrarios
gregos instalaram entrepostos e coldnias, internos, enriqueceu cidades e, ao mesmo
principalmente no sul da peninsula Itdlica, tempo, expandiu a cultura grega.
A EXPANSAO GREGA
EUROPA
Mass

IBERIA

Asia Menor
ileto_ <>

AFRICA
_| GBBM Grécia em 750 a.c. A
_|Costas dominadas pelos gregos ARABIA
“EGITO har
Na primeira diaspora, a expansao grega dirigiu-se principalmente para a Asia Menor, e, na segunda, para a Magna Grécia.

Em Atenas, as classes ligadas ao comér-


O escravo na Antiguidade
cio, ao mesmo tempo que adquiriam maior
poder econémico, procuravam ampliar seu “Tido como bem mével, nao consti-
dominio social e politico, fato desencadeador tula uma categoria social desprovida
de confrontos e lutas que ajudaram a moldar totalmente de direitos. Na familia senho-
sua nova estrutura. rial recebia um nome é€ era associado ao
Além dos eupatridas, georgdis e thetas culto doméstico. [...] Mesmo como escra-
(que em boa parte emigraram em expedi¢des
vo, podia pleitear, representado pelo se-
colonizadoras), a sociedade ateniense ainda
nhor, seus direitos na Justiga. E mais, ao
se subdividiria, a partir do século Vill a.C., em:
amo era proibido, ao menos segundo a lei,
w Demiurgos: comerciantes, em geral: geor-
injuriar gravemente, aleijar ou matar seu
gdis que perderam as terras, thetas que
permaneceram na polis ou artesdos. Foi cativo. O escravo injustamente seviciado
uma classe intermediaria que fez da rique- podia até mesmo procurar refigio junto a
za um valor que se sobrepés a tradic¢ao. templos especificos eé pedir aos sacerdo-
m Escravos: prisioneiros de guerra, sem direi- tes que sé pronunciassem pela sua venda
tos politicos, eram de inicio numericamen- a um outro senhor. Em Atenas, o castigo
te inexpressivos, mas logo se transforma- fisico ‘normal’ dos cativos nao podia
ram na base da produg4o agraria. Em exceder 50 chicotadas”.
Atenas, atuaram em todos os oficios, e MAESTRI FILHO, Mario José. O escravismo antigo.
muitos até chegaram a alcangar a liberda- S40 Paulo/Campinas, Atual/Unicamp, 1986. p. 29.
de, embora nunca a cidadania.
A CIVILIZACAO GREGA

A estrutura social ateniense ativou o leis escritas, as desigualdades continuaram


confronto de interesses e impasses que ca- ativando o descontentamento, levando, con-
racterizaram 0 periodo arcaico. De maneira seqiientemente, a ocorréncia de choques
geral, havia rivalidades politicas resultantes socials.
da posi¢ao socioecondmica dos diversos Em 594 a.C., Sdlon, outro legislador, deu
grupos existentes em Atenas. Os eupatridas, inicio a reformas mais ambiciosas. Eliminou
donos das maiores e melhores terras na as hipotecas por dividas, libertou os escravi-
planicie (Pédium), buscavam conservar seus zados por elas e dividiu a sociedade censita-
privilégios e o poder. Ja os comerciantes, riamente, ou seja, de acordo com o padrao de
controladores do litoral (Paralia), enriquecen- renda dos individuos. O critério de riqueza
do crescentemente, buscavam mudangas a passou, entao, a determinar privilégios, abrin-
fim de conseguir participagdo no poder. do espago para a ascensao politica dos ricos
demiurgos. Além disso, criou a Bulé, ou
Em pior situagao estavam os georgois e os
Conselho dos Quatrocentos, da qual partici-
thetas, habitantes da montanha (Didcria),
pavam elementos das quatro tribos em que
vivendo em péssimas condigdes, sem direitos
estava dividida a Atica; a Eclésia, assembléia
politicos. Muitos recorriam a empréstimos
popular que aprovava as medidas da Bulé; e o
para poder cultivar suas terras, visando a
Helieu, tribunal de justiga aberto a todos os
sobrevivéncia. Com isso endividavam-se, fi-
cidadaos.
cando sujeitos aos poderosos, 0 que semeava
descontentamento e anseio por mudan¢as.
Esquematicamente, poderiamos apontar
o seguinte quadro sociopolitico, resumindo a
latente tensado entre os grupos sociais ate-
nienses:

Partido Classe social Posicao politica


Pediano —séEupatridas Conservadores

Paralianoou —- Comerciantes_ Moderados


_ Litoraneo (possuem o poder (Ss queriam
-econdémico) nas
_ mudancas —
politicas)
O reformador Sdélon. A reforma de Sdélon favoreceu a
-Diacriano ou — Thetase georgois -Radicais
_Montanhés _ (endividados) populares dinamica classe dos demiurgos.
(lutam por
mudancas
profundas)
“Sdlon, nao sendo tirano, estava
As lutas entre as classes sociais, a insta- investido de poder supremo para mediar
bilidade, o crescimento da polis e o desen- as azedas |utas sociais entre os ricos e
volvimento do comércio foram fatores que 0S pobres que irromperam na Atica ao
motivaram o surgimento de reformas, feitas virar do século VI. A sua medida decisiva
por legisladores, que expressavam as divisdes foi a aboligao da servidao no campo, o
no interior da sociedade. mecanismo tipico por meio do qual os
Z ee
Dentre esses legisladores, destacou-se pequenos camponeses calam nas maos
Dracon, que, em 621 a.C., organizou e dos grandes proprietarios fundiarios e se
registrou por escrito as leis que, até entdo, tornavam seus cultivadores dependen-
baseavam-se na tradicdo oral e eram conhe- tes, ou os cultivadores ficavam cativos
cidas apenas pelos aupatridas. O. codigo legal dos proprieta rios aristocratas.”
de Dracon, entretanto, além de ser extrema- ANDERSON, Ferry. Passagens da Antiguidade ao
mente severo, manteve os privilégios sociais e feudalismo. Porto, Afrontamento, 1982. p. 35.
politicos existentes. Assim, mesmo com as
A ANTIGUIDADE CLASSICA

As reformas de Sdlon desagradaram os


aristocratas, que perderam parte de seus privi-
légios oligarquicos, e 0 povo, que esperava
reformas mais extensas e profundas. A contur-
ba¢4o politica que se seguiu a reforma de Sdlon
permitiu o surgimento dos tiranos, ditadores
que usurparam o poder. O primeiro foi Pisis-
trato, que governou Atenas de 561 a.C. a 527
a.C. e procurou amenizar os confrontos soci-
ais, patrocinando varias obras publicas, geran-
do emprego a thetas e georgdis descontentes.
Pisistrato foi sucedido por seus filhos Parte de um voto de ostracismo. Ao criar essa institui¢ao,
Hiparco e Hipias, que nao deram seguimento Clistenes pretendia defender os cidadaos contra o retorno da
a essas reformas, perdendo o apoio popular e tirania.
gerando insatisfacdo. Em 510 a.C., eclode uma
revolta, liderada por Clistenes. Finaliza-se a
Clistenes foi denominado o ‘‘pai da
ditadura e inaugura-se a democracia ateniense.
democracia’” e suas reformas trouxeram a
Uma das primeiras medidas de Clistenes
estabilidade social que permitiu a expansado
foi a redivisdo de Atenas em dez tribos, em
econdmica ateniense.
lugar das quatro anteriores. Dessa forma, foi
Atenas era, assim, 0 reverso politico de
neutralizada a influéncia dos eupatridas, eli-
Esparta e essa oposi¢ao seria marcante na
minando-se o papel politico tradicional de
historia grega, ficando agrupadas em torno de
genos, tribos e fratrias. Procedendo a reorga-
uma ou de outra as demais cidades-estados
niza¢gao dos orgaos publicos, a Bulé passou a
gregas. Entretanto, durante o século V a.C.,
contar com quinhentos membros (cinqiienta
essas diferengas ficariam obscurecidas pelo
por tribo), os quais se revezam no governo da
esforco conjunto contra o avanco dos medo-
polis; ao colégio de nove arcontes foi acres-
-persas sobre as coldnias gregas orientais e,
centado um secretario (dez membros), um
posteriormente, sobre a propria peninsula
eleito de cada tribo. A Eclésia, assembléia
Balcanica.
popular que incluia todos os cidadaos e que
possuia um quorum minimo funcional de seis
mil pessoas, teve seus poderes decisdrios Toda Grécia tinha uma sociedade
ampliados, fiscalizando a atuagao das demais predominantemente masculina em que
instituigdes politicas e votando as propostas somente os homens eram cidadaos.
da Bulé. Mas, por estranho que parega, era em —
A Eclésia tinha também o poder de votar Esparta que as mulheres gozavam de
o ostracismo — exilio por um perfodo de dez maior liberdade. Nesta pélis, as mulheres
anos — contra todos os que pusessem em pe- eram preparadas fisicamente para uma
rigo a democracia ateniense. O exilado nao maternidade sadia, praticando exercicios
perdia suas propriedades, que lhe eram resti- € participando de varias disputas espor-
tuidas, juntamente com seus direitos civis, ao tivas. Tal fato devia-se 4 nao rara auseén-
retornar a cidade. cia do homem em Esparta, com suas
E importante lembrar que a democracia constantes agdes militares, e da neces-
instituida pelas reformas de Clistenes era um sidade de dar continuidade a adminis-
sistema politico do qual participavam todos tragdo familiar e, as vezes, urbana.
os cidadaos atenienses, adultos, filhos de pai Ja em Atenas, com uma democracia
e mde atenienses. Estes, entretanto, consti-
restrita aos cidaddos (homens é adul-
tufam uma minoria da qual estavam excluidos
tos), a expectativa quanto as mulheresé
Os estrangeiros (metecos), Os escravos e as
mulheres. que, quando de “familias ricas permane-
A CIVILIZACAO GREGA

Os tempos classicos
(do século V a.C.
ao século IV a.C.)
i ee ae ea

Enquanto Atenas fortalecia sua estrutura


democratica, os persas, que ja eram senhores
de grandes dominios no Oriente, avangaram
em diregdo ao oeste. Sob o comando do
imperador Dario |, chegaram a Asia Menor,
onde atacaram Mileto, Efeso e as ilhas de
Samos e Lesbos. Apds algum tempo de
submissdo, essas regides rebelaram-se, e
Atenas enviou navios e tropas em seu auxilio.
Entretanto, esses esforcos foram insuficientes,
permitindo que os persas destrufssem Mileto e
iniciassem seu avanco sobre a Grécia. Era o
inicio das Guerras Médicas.

Guerras Médicas (490-479 a.C.)


[254] Império Persa em 497 a.C.
[23 Conauistas persas, 492 a.C.
_| [__] Estados neutros e pré-persas |
|__| Aliados gregos
6 Batalhas
: | ===> Rota dos exércitos persas
| === Rota das esquadras persas

Nas Guerras Médicas, gregos e persas lutavam pela hegemonia do mar Egeu.

A primeira expedi¢ao enviada por Dario | Entretanto, quando Xerxes, sucessor de Dario,
foi desbaratada em Maratona (490 a.C.), deu inicio a segunda investida contra o
numa batalha em que os gregos, apesar da territério grego, esteve muito préximo de
inferioridade numérica, acabaram vitoriosos. estender seu dominio sobre toda a Grécia.
Nos anos seguintes, Atenas reforgou sua Apos derrotar um exército espartano coman-
marinha e as cidades gregas puderam prepa- dado por Lednidas, no desfiladeiro das Ter-
rar-se para enfrentar Os novos ataques persas. mopilas, chegou a invadir e incendiar Atenas.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Todavia, os persas acabaram por ver malograr Finalmente, em 449 a.C., foi assinada a
seus intentos com a derrota na batalha naval Paz de Calias ou Paz de Cimon, pela qual os
de Salamina. Sem suprimentos ou refor¢os, 0 persas comprometiam-se a abandonar o mar
exército de Xerxes recuou para a Asia Menor Egeu. O Mediterraneo oriental ficava, assim,
e foi derrotado na batalha de Platéia (479 aberto a frota ateniense, que, sem rivais, pode
a.C.) por forgas atenienses e espartanas, sob o expandir 0 comércio e o poderio da cidade,
comando de Pausanias e Aristides. A luta com que se encontrava em seu periodo de maior
Os persas, porém, nao estava encerrada. prosperidade. Paralelamente a isso, as cida-
des gregas estavam militarmente fortalecidas.
Termépilas e Salamina O periodo compreendido entre os anos
461 a.C. e 429 a.C. é considerado a ‘‘idade
Em Termdpilas, o rei espartano Led- de ouro” de Atenas, quando a cidade viveu o
nidas dispos uns 5 mil homens, entre eles seu auge econdmico, militar, politico e cul-
300 espartanos, para barrar a passa- tural. Nesse periodo, Atenas foi governada
gem persa pelo desfiladeiro em diregao a por Péricles, e nesses trinta anos tornou-se a
Grécia central e do sul. Depois de dias em cidade mais importante da Grécia, gragas as
luta, aS tropas gregas acabaram cer- reformas implantadas tanto no nivel politico,
cadas por dezenas de milhares de inimi- aperfeigoando-se a democracia, quanto no
gos. Conta-se que Xerxes mandou, entdo, cultural, produzindo-se obras-primas, até ho-
um mengageiro determinando que depu- je modelos de beleza.
5e55eEM as armas e exigindo a rendigao de Embora aristocrata de nascenga, Péricles
Leonidas, que, de pronto, respondeu para deu maior amplitude a democracia ateniense,
que Xerxes viesse toma-las e vencé-lo. permitindo o ingresso e a participa¢ao politica
Depois, frente a afirmativa de que os de parcelas da populagao antes excluidas.
persas soltariam tantas flechas que o sol Atenienses de baixa renda, envolvidos no
ficaria encoberto, Leonidas retrucou com trabalho constante para garantir a sobrevivén-
a resposta: “Melhor, assim lutaremos na
cia, nao podiam dedicar-se a participagao
sombral”. Foi destruido pelos persas. politica. Entre as reformas politicas estao a
instituigao do misthoy, soldo para os integran-
Em Salamina, o ateniense Temisto-
tes do exército, assim como uma pequena
cles contando com poucas e pequenas
remunerac¢do para as fun¢des e cargos publi-
embarcagoes, frente aos grandes e nu-
cos, 0 que possibilitou maior participagao
merosos navios fenicios usados pelos
popular. Péricles retirou também diversas
persas, atraiu-0S para a bala de Sala-
outras restri¢des a cidadania, embora os cida-
mina. Quando a maré baixou o suficiente, daos ainda constituissem uma minoria.
encalhando a maioria dos navios persas,
como esperava Temistocles, 0s gregos
puseram em movimento seus barcos que Discurso de Péricles aos seus cidadaos
incendiaram a frota persa, destruindo-a.
“Nossa constituigao politica nao se-
gue ag leis de outras cidades, antes lhes
Em meio a guerra, forjou-se a unido militar serve de exemplo. Nosso governo se cha-
das polis gregas, denominada Confederacao ma Democracia, porque a administragao
de Delos. Cada cidade-estado deveria contri- Serve aos interesses da maioria e nao de
buir com navios ou dinheiro, a serem deposi- uma minoria. ?
tados na ilha de Delos. Quase todos os Estados De acordo com nossas ieeeSomos
gregos do mar Egeu aliaram-se, comandados todos iguais no que se refere aos nego-
por Atenas, que tomou definitivamente a cios privados'. Quantoa participagao na
ofensiva contra os persas, libertando algumas vida publica, porem, cada qual obtém a
provincias da Asia Menor e vencendo a de- consideragao de acordo com seus meéri-
cisiva batalha do rio Eurimedon, em 468 a.C.
A CIVILIZAGAO GREGA

tos e mais importante é o valor pessoal Com o passar do tempo, o predominio de


que a classe a que se pertence; isso quer Atenas na Confederagdo de Delos transfor-
dizer que ninguém sente o obstaculo de mou-se em imperialismo: havia interferéncia
sua pobreza ou condigao social inferior ateniense na politica e sociedade dos demais
aliados. Apds press6es, 0 tesouro de Delos foi
quando seu valor o capacite a prestar
transferido para Atenas; quando alguns Esta-
gervicos a cidade. [...] Por essas razdes €
dos-membros quiseram se retirar, Atenas
muito mais, nossa cidade é digna de
obrigou-os a permanecer por meio da for¢a,
admiragao.” transformando-os de aliados que eram em
AQUINO, Rubim dos Santos LeHo de et alii. Trechos do Estados que lhe pagavam tributos. Se Péricles
discurso de Péricles. In: Histéria das sociedades —
era democrata em Atenas, em relacdo aos
das comunidades primitivas 45 sociedades medie-
vais. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1980. p. 201.
outros Estados era imperialista. Em troca
dessas imposic6es, oferecia-lhes protecao
contra invas6es maritimas e vantagens co-
Nessa €poca, Atenas possufa quarenta merciais.
mil cidadaos que, somados as suas familias, Assim, 0 desenvolvimento e a manuten-
completavam um total de 150 mil individuos. ¢ao da democracia ateniense dependia desse
Os metecos (estrangeiros, filhos de ndo-nas- imperialismo, do intenso comércio, dos tri-
cidos em Atenas) chegavam a cingiienta mil e butos cobrados das outras polis, além da
os escravos perto de 120 mil. Assim, de uma prata extraida das minas do Laurio. Era com
popula¢gao estimada de 320 mil pessoas, recursos advindos da dominacao interna,
apenas quarenta mil participavam da demo- com a escravidao, e dessa dominacao exter-
cracia ateniense. na, com o imperialismo, que os atenienses
ostentavam o status de cidadaos e garantiam
o esplendor econémico e cultural do século
Cidadaos,
homens adultos
de ouro.
As demais cidades-estados que haviam
permanecido aristocraticas, representadas es-
pecialmente por Esparta, opunham-se ao
expansionismo ateniense, considerando-o
um perigo econdmico e politico. Assim,
organizaram, sob lideranca espartana, a sua
propria liga — a Confederacao do Peloponeso.
Diante desse quadro, qualquer incidente
colocaria frente a frente os dois blocos rivais.
E foi o que aconteceu.
Familia dos
cidadaos Em 431 a.C., as duas cidades rivais en-
Metecos
traram em conflito frontal devido a uma dis-
puta comercial entre Atenas e Corinto, velha
As divergéncias entre os historiadores quanto 4 populacao aliada de Esparta. Esta tinha grande poderio
ateniense nao anulam a diferenca social quanto aos direitos terrestre enquanto Atenas dominava os mares.
politicos. Somente um reduzido grupo de cidadaos homens e
Esparta obteve vantagem logo no _ inicio,
adultos tinha acesso a participacao politica.
arrasando os campos da Atica e obrigando
seus habitantes a se refugiarem dentro das
Péricles empenhou-se também na re- muralhas atenienses. A superpopula¢ao aju-
construcdo e embelezamento de Atenas. dou a propagar uma epidemia que atingiu,
Assim, entre as grandes constru¢ées realiza- inclusive, Péricles. A partir dai, foi uma guerra
das, destacaram-se o Partenon — templo a de desgaste: durante dez anos, os conflitos se
deusa Atena —, o Erectéion e novas muralhas estenderam sem que houvesse vitdérias ou
defensivas em torno da cidade que crescia. derrotas decisivas.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Confederagao de Delos
[3] Confederacao do Peloponeso
Estados neutros
===> Campanhas atenienses
===> Campanhas espartanas

As Guerras do Peloponeso acabaram com o imperialismo ateniense, que deu lugar 4 hegemonia espartana.

Em 421 a.C. foi assinada a Paz de Nicias, dois excelentes generais, Epaminondas e
rompida por Atenas sete anos depois, reini- Pelédpidas, os tebanos venceram a batalha
ciando as lutas que s6 se encerraram com a de Leutras (371 a.C.) e iniciaram sua supre-
vitoria espartana na batalha de Egos Potamos macia, que foi também de curta duragdo.
(404 a.C.). Atenas foi obrigada a entregar seus Na pratica, essas guerras constantes en-
navios, demolir suas fortificagdes e renunciar fraqueceram os gregos, e, a partir de meados
ao império. do século IV a.C., nenhuma das cidades tinha
Iniciou-se 0 periodo da hegemonia espar- condig6es para se sobrepor as outras. En-
tana, com a ascensdo dos governos oligarqui- quanto isso ocorria, a Maced6nia — ao norte
cos e o fim da democracia ateniense. O da Grécia —- expandia-se e fortalecia-se, tor-
sistema democratico até entéo vigente em nando inevitavel seu avanco sobre a Grécia.
Atenas foi substituido por trinta atenienses
aristocraticos (governo dos Trinta Tiranos),
ocorrendo o mesmo em outras cidades gregas A cultura grega
de sistema democratico. O imperialismo e a oN
democracia atenienses, desta forma, sucum-
biram juntos, cabendo a Guerra do Pelopo- A heranga cultural deixada pelos gregos
neso o papel de desfecho final. Mas o domi- foi muito rica e influenciou toda a civilizagao
nio espartano que se iniciou, durou pouco ocidental. Suas concepc¢6es de beleza, retra-
tempo. ; tadas nas obras de escultura, pintura e
A cidade de Tebas, localizada no estreito arquitetura, foram tidas como classicas, por
de Corinto, projetava-se crescentemente co- seu equilibrio e harmonia. Também sua
mo grande poténcia militar da Grécia, quan- produ¢ao teatral, filosdfica e cientifica foi
do se iniciou a hegemonia espartana. Tebas fecunda e marcou as linhas do pensamento
opés-se a Esparta e, gracas a tatica militar de até a Idade Moderna.
A CIVILIZAGAO GREGA

Teatro As encenacgées eram feitas ao ar livre, os


atores usavam mascaras que expressavam a
O teatro grego, basicamente dividido em caracteristica da personagem, e todos os
tragédia e comédia, era acessivel a toda a papéis, inclusive os femininos, eram desem-
populagao, sendo de grande importancia penhados por homens. Outra caracteristica
para a educa¢ao dos jovens. Sua estrutura do teatro grego eram os coros, que cantavam
dramatica, seus temas profundos, abordando e dancavam nos espetadculos. Durante os
a natureza humana, sao tidos até hoje como o festivais de teatro — muito populares e con-
ponto alto da arte teatral. corridos — eram feitos concursos, que davam
grande projecdo aos vencedores.

“E possivel que, desde os tempos da


civilizagao cretense, tenham existido ‘lo-
cais de espetaculo’, a que os gregos
chamarZo theatron (de théan, ver), € 0S
romanos theatrum, se acreditarmos que,
ja entZo, as pessoas se distraiam vendo
as evolugdes de coros que dangavam
verdadeiros bailados, cujo significado era
religioso, simbolico ou simplesmente mi-
mético. E possivel, por exemplo, que
bailarinos, desde o terceiro milénio a.C.,
tenham imitado, numa area rodeada de
espectadores, as evolugdes dos grous no
céu, aves sagradas regressando para o
reino de Apolo, no extremo norte. Nos
poemas homéricos, fala-se de espagos
reservados, no interior das cidades, as
dangas que faziam parte das festivida-
des oficiais. Esses espagos denomina-
vam-se choros, termo que, na época
Mascara grega usada nas representac6es teatrais e ruinas do classica, mas ja na lingua de Homero,
teatro Epidauro, com capacidade para mais de dez mil
designava essencialmente os grupos bai-
espectadores.
larinos. O choros, no seu sentido original,
significa lugar sagrado; existe na agora
Tudo indica que o nascimento do (a praga plblica) de todas as cidades.”
teatro se deu em meio as festas ao deus GRIMAL, Pierre. O teatro antigo. Lisboa, Edigdes 70,
Dioniso—as dionisiacas—em que se faziam 1986. p. 15.
0. comos (em grego, prociss&o alegre), que
deu origem a comédia, e 0 tragos (= bode) e Os mais destacados teatrélogos e suas
odé ( = canto) partes do culto ao deus do obras foram: Esquilo, considerado o criador
vinho que originaram a tragédia. do género tragédia, cujas pe¢as mais impor-
Nas tragédias, 05 gregos discutiam tantes sao: Os persas, Os sete contra Tebas e
os problemas eternos do homem, como a Prometeu acorrentado; Séfocles, que escre-
questao do destino, as paixdes e a jus- veu grandes classicos como Fdipo rei, Anti-
tiga. Ja a comédia satirizava.os costu- gona e Electra; Aristofones, que escreveu
mes, 0 comportamento humano e a pro- diversas comédias, entre elas As vespas, As
pria sociedade. nuvens, As ras; e Euripedes, que produziu
Medéia, As troianas, As bacantes, etc.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Historia os gregos firmaram a nogao das regras e


normas necessarias para descartar o falso e
Os gregos foram os primeiros a tratar a atingir 0 verdadeiro, ou seja, o desenvolvi-
Historia com espirito cientifico, separando as mento ldgico, o ordenamento, a organiza¢ao,
lendas dos fatos. Herédoto de Halicarnasso — enfim, o saber racional.
chamado o “‘pai da Historia” — foi o prosador O nascimento da filosofia na Grécia
das Guerras Médicas, buscando suas causas e deveu-se, entre outras coisas, a sua expansao
seu fim, na tentativa de fazer uma analise colonial, desmistificando o mundo carregado
equilibrada dos fatos. Outros historiadores de monstros e grandiosas figuras encantadas
destacados foram Xenofonte e Tucidides, este das versdes mitolégicas tradicionais, e ao
ultimo, autor de Guerra do Peloponeso. desenvolvimento comercial e produtivo liga-
do a sua vida urbana que produziram a
politica, como expressdo da vontade da
Poesia coletividade humana. Na polis (pdlis, raiz
da palavra “‘politica’’), as lutas civis conquis-
A mais famosa obra poética grega — além taram os direitos que estabeleceram 0 espaco
de ser sua mais antiga obra literaria — sao os publico para a discussdo, para 0 convenci-
poemas atribuidos a Homero, a I/liada e a mento e para a decisao racional, negando o
Odisséia, que permitiram a reconstrugao de preestabelecido e a revelacdo sobrenatural.
boa parte da historia grega anterior ao século A filosofia, com a coeréncia, a logica e a
Vill. a.C. A //iada narra a guerra de Troia (Ilion, razao, foi o rompimento com o mito, que vem
em grego) enquanto a Odisséia conta as da palavra grega mythos, que significava
viagens do herdi Ulisses (Odisseu, em grego) narrar para um publico sobre a origens de
e 0 retorno ao seu reino de Itaca. Além de qualquer coisa, com um sentido fabuloso,
Homero, destacam-se os poetas Pindaro, que magico, divino e incontestavel.
enalteceu os jogos olimpicos; Hesiodo, que
escreveu O trabalho e os dias, e a poetisa
Safo.

Filosofia

Buscando respostas sobre as quest6es


mais diversas, os estudiosos da época, cha-
mados filésofos (= ‘amigos da sabedoria”),
com espfirito critico destruiram cren¢as, mitos
e construiram teorias. A propria palavra
filosofia € uma criagdo grega, resultado da
fuséo de duas outras: philo, derivada de
philia, que significa amor fraterno, amizade,
e sophia que quer dizer sabedoria (da qual se
originou sophos, isto é, sabio).
A filosofia grega deixou como legado
para o Ocidente, entre outras contribuigées, a
idéia de leis e principios universais regulando
a natureza, as quais podem ser conhecidas
pelo pensamento humano, rompendo com a
tradicional concepgao dos conhecimentos
secretos e€ misteriosos sé atingiveis pela
religiao. Para se alcangar o conhecimento,
A CIVILIZACAO GREGA

fazer amado. Por isso, quando Eros fere guerras €, sobretudo, a morte. Explica-se,
alguém com sua flecha, esse alguém se assim, a origem dos males no mundo.”
apaixona é logo se sente faminto e se- CHAUI, Marilena. Convite 4 Filosofia. S30 Paulo,
dento de amor, inventa asticias para ser Atica, 1994. p. 29.

amado eé satisfeito, ficando ora maltra-


pilho € semimorto, ora rico ée cheio de
vida.” Os primeiros fildsofos gregos surgiram no
século VI a.C., na Escola de Mileto, desta-
2. O mito que parte da rivalidade ou cando-se Tales de Mileto, Anaximenes e
alianga entre os deuses Anaximandro. Eles defendiam que tudo na
“O poeta Homero, na lliada, que nar- natureza derivava de um elemento basico
ra a guerra de Trdia, explica por que, em gerador de todas as coisas. Para Tales esse
certas batalhas, 05 troianos eram vito- elemento era a agua, para Anaximenes, 0 ar,
rios0s e, em outras, a vitoria cabia aos e, para Anaximandro, a matéria.
gregos. OS deuses estavam divididos, Com o aprofundamento do conhecimen-
alguns a favor de um lado e outros a to sobre a natureza e sobre o universo, no
favor do outro. A cada vez, o rei dos final do século VI a.C., surgiu a Escola
deuses, Zeus, ficava com um dos parti- Pitagorica, fundada por Pitagoras. Os pitago-
dos, aliava-seé com um grupo e fazia um ricos defendiam o numero, elemento abstrato,
dos lados — ou 0g troianos ou 0s gregos — como a esséncia de tudo, concebendo um
_vencer uma batalha. universo imutavel, fundamentado na ordem e
A causa da guerra, alias, foi uma na harmonia.
rivalidade entre deusas. Elas apareceram
No inicio do século V a.C., entretanto,
Heraclito, contrariando os pitagoricos, pro-
em sonho para o principe troiano Faris,
vou que tudo no universo se transformava,
oferecendo a ele seus dons e ele escolheu
passando por constantes mudangas. Nessa
a deuga do amor, Afrodite. As outras
época, que correspondeu a da democracia
deusas, enciumadas, o fizeram raptar a
ateniense, surgiu a Escola Sofista, que negava
grega Helena, mulher do general grego a existéncia de uma verdade absoluta e
Menelau, e€ isso deu inicio a guerra entre buscava conhecimentos Uteis para a vida,
os humanos.” enfatizando a retorica e o uso da palavra.
3. O mito que parte das recompensas Entre os sofistas, destacou-se Protagoras, 0
_ ou castigos dos deuses autor da frase ““O homem é a medida de todas
“Um tita, Prometeu, mais amigo dos as coisas”.
homens do que dos deuses, roubou uma Durante todo o século V a.C., a filosofia
centelha de fogo e a trouxe de presente ocupou-se com o homem, especialmente com
para os humanos. Prometeu foi castiga- a ética. Surgiu, entéo, a Escola Socratica,
_ do (amarrado num rochedo para que as fundada por Sécrates e contraria aos sofistas.
aves
de rapina, eternamente, devorassem
Sécrates defendia que a reflexdo e a virtude
eram fundamentais a vida; foi ele o autor,
seu figado) e os homens também. Qual foi
portanto, da frase ‘“Conhece a ti mesmo”. Por
o castigo dos homens?
criticar o Estado ateniense durante as Guerras
Os deuses fizeram uma mulher en-
do Peloponeso, foi condenado a morte, tendo
cantadora, Pandora, a quem foi entregue sido executado com cicuta (399 a.C.).
uma caixa que conteria coisas maravi-
lhogas, mas nunca deveria ser aberta.
Pandora foi enviada aos humanos eé, cheia “Gabemos que os poderosos tém
de curiosidade e querendo dar a eles as medo do pensamento, pois o poder é mais
maravilhas, abriu a caixa. Dela sairam forte se ninguém pensar, se todo mundo
todas as desgragas, doengas, pestes, aceitar as coisas como elas 940, ou
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Outro expoente da Escola Socratica foi


melhor, como nos dizem e nos fazem
Aristoteles, considerado o “pai da ldgica’’, e
acreditar que elas sao. Para os podero-
autor de Politica. Ao contrario de Platdo,
508 de Atenas, Sdcrates tornara-se um
Aristételes se concentrava no estudo das
perigo, pois fazia a juventude pensar. Por mutacgdes do mundo material: nascimento,
isso, eles 0 acusaram de desrespeitar os
transformacao e destruicdo. Para ele, o real
deuses, corromper os jovens eéviolar as existia independentemente das idéias, e para
leis. Levado perante a assembléia, So- conhecé-lo era necessdrio desenvolver a
crates nao se defendeu e foi condenado a ldgica.
tomar um veneno — a cicuta — é obrigado Vale destacar que foi Atenas, voltada para
a suicidar-se. 0 comércio, inddstria, marinha, letras e artes,
Por que Sécrates nao se defendeu? Oo principal eixo de desenvolvimento ou de
‘Porque’, dizia ele, ‘se eu me defender, ressonancia da filosofia grega, contando com
estarei aceitando as acusagoes, eé eu nao o forte espirito especulativo de suas elites
as aceito. Se eu me defender, o que os culturais e a abertura da cidade as influéncias
juizes vao exigir de mim? Que eu pare de externas. O inexpressivo desenvolvimento de
filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter Esparta, ao contrario, deveu-se ao completo
que renunciar a filogofia’. monitoramento cultural realizado pelo Estado,
CHAUI, Marilena. Convite a filosofia. S40 Paulo, buscando a formagao de cidadaos fisicamente
Atica, 1994. p. 38. capacitados e fiéis na manuten¢ao da ordem
vigente. A elite espartana, através do laconis-
mo e da xenofobia, dificultou ao maximo a
A Escola Socratica continuou com Platao, penetracdo de idéias ‘‘perigosas’’ ou ‘‘noci-
defensor da virtude, cultivada com ideais de vas’’ a estrutura espartana.
bondade, beleza e justiga. Para Platéo, cada
fendmeno terrestre era como um palido
reflexo do mundo das idéias; foi considerado Artes
por isso o fildsofo do ideal, tendo fundado a
Academia de Atenas e escrito A Republica, Os gregos alcan¢aram notavel progresso
Apologia de Socrates, O banquete, entre no campo das artes, principalmente na arqui-
outras obras. tetura e na escultura. Desenvolveram também
a pintura, a musica e a ceramica. As artes
gregas, em geral, caracterizavam-se pelo
humanismo através da glorificagéo do ser
humano; do nacionalismo, que simbolizava o
orgulho do povo pela sua cidade; da simpli-
cidade, do equilibrio, da harmonia e da
ordem.
Na arquitetura destacaram-se Ictinio e
Calicrates, os construtores do Partenon. Os
principais estilos arquitet6nicos foram o jéni-
1787.
David,
Sécrates.
A
de
morte

co, o dodrico e o corintio, diferenciados


especialmente pelo feitio do capitel das
colunas. No j6nico, sdo evidentes os tracos
de elegancia e beleza, enquanto no estilo
dérico patenteia-se, especialmente, a funcio-
nalidade e o rigor das formas, expressdes
transbordantes de Esparta. Ja no estilo decor-
rente de Corinto, uma das cidades mais
O filésofo toma cicuta diante de seus discipulos, afirmando opulentas da Grécia, destaca-se a abundan-
que preferia a ‘morte a ter que renunciar a Filosofia’. cia, a riqueza de detalhes. Os gregos deram
A CIVILIZACAO GREGA

Os maiores exemplos de sua arte na constru- Ciéncias


¢do dos templos erigidos em homenagem a
seus deuses. Berco de grandes pensadores, a Grécia
Na escultura, o maior destaque foi Fidias, gerou também cientistas tedricos, especial-
autor da estatua da deusa Atena que existia mente nas areas da matematica, da medicina
no Partenon, e Miron, autor de O discébulo. e das ciéncias naturais. Assim, Tales de
A maior caracteristica da escultura grega, Mileto e Pitagoras deixaram como heranga
especialmente durante o periodo classico, era grandes trabalhos de calculos matematicos e
a naturalidade e harmonia das formas. leis geométricas.

Na medicina, 0 estudioso Hipécrates de


Cés deu os primeiros passos para a compre-
ensdo das doencas através dos sintomas,
abandonando os tratamentos baseados em
crengas e supersti¢des. Também contribuiram
nessa area, Empédocles e Alcméon. No
campo das ciéncias naturais, destacaram-se
Anaximandro e Aristoteles, este dltimo con-
siderado 0 maior pensador grego.

Religiao

A religido grega era politeista e antropo-


morfica, sendo composta de varios deuses
que se assemelhavam aos homens, ja que
possuiam caracteristicas fisicas e psiquicas
idénticas as humanas (fraquezas, paixGes,
virtudes). As principais divindades eram:
Zeus, o senhor de todos os deuses do mundo;
Hera, esposa de Zeus, protetora das mulheres
e do casamento; Atena, filha de Zeus, prote-
tora das artes e da sabedoria (em sua honra foi
‘construido o famoso Partenon); Apolo, deus
da luz; Artémis, deusa da caca; Hermes,
mensageiro dos deuses e deus do comércio,
representado por um capacete provido de
duas asas; Dioniso, deus do vinho; Poséidon,
deus das dguas; Afrodite, deusa do amor e da
beleza feminina.

Havia também herdis divinizados — ou


semideuses —, dentre os quais os mais famo-
sos foram: Hércules, famoso por sua for¢a;
Teseu, que matou o Minotauro do palacio de
Creta, libertando Atenas; Perseu, que matou a
Medusa, monstro que convertia em pedra
Os estilos arquiteténicos refletiam importantes caracteristi- todos os que a olhavam; e Edipo, o decifrador
cas das polis gregas: o dorico de Esparta, 0 jonico de Atenas e
0 corintio de Corinto. A harmonia e o equilibrio da escultura dos segredos da esfinge, que subjugava
grega valorizavam o antropocentrismo de suas obras. Tebas.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Os gregos supunham que os deuses habitavam um lugar mitico - monte Olimpo — que se erguia além daquele visivel na
Tessdlia. A hierarquizacao dos deuses comecava em Zeus e terminava nos herdis ou semideuses. O que distinguia deuses e
humanos era a imortalidade dos primeiros, conseguida com a bebida chamada ambrosia.

O periodo helenistico batalha de Queronéia em 338 a.C., e foram


dominando a Grécia, iniciando sua hegemo-
(do século III a.C. ao nia.
século II a.C.) Apés 0 assassinato de Filipe, sucede-o seu
aes filho, Alexandre, que, tendo sido educado pelo
sdbio grego Aristdteles, assimilou os valores da
A Macedonia é uma regiao isolada do cultura grega. Apos sufocar revoltas internas e
mar, situada a nordeste da Grécia continental, consolidar seu dominio sobre a regiao balca-
cujos habitantes, também descendentes dos nica, atravessou o Helesponto em 334 a.C. e
povos indo-europeus e falantes de uma lingua iniciou seu avanc¢o sobre o Oriente.
derivada do grego, eram chamados por eles — Na batalha de Granico, venceu os persas
os gregos — de barbaros. e conquistou a Asia Menor. Estendeu seu
Enquanto as cidades gregas entravam em dominio, em seguida, sobre o Oriente Prdéxi-
decadéncia, provocada pelas continuas guer- mo, chegando até o Egito, onde fundou a
ras entre si, os maced6nios, até entdo isola- primeira das varias cidades com o nome de
dos, fortaleciam-se e iniciavam conquistas Alexandria. Continuando a avangar sobre o
aos territorios gregos vizinhos. Sob o reinado Império Persa, chegou com suas tropas até as
de Filipe Il (359 a.C. — 336 a.C.), venceram a margens do rio Indo, na India.
DI ALI
, O IMPERIO

| i Macedonia em 336 a.c.


| [=] Império de Alexandre
‘|== Rota de Alexandre (334-323 a.C.)
fh Alexandria -—Cidades fundadas
por Alexandre

A Macedénia, tendo conquistado a Grécia e 0 Oriente, destruiu as bases da Antiguidade grega, abrindo caminho para a
posterior expansao e hegemonia romanas.
A CIVILIZACAO GREGA

Voltando de suas campanhas militares, e o infortdnio. Essa doutrina difundiu-se


iniciou a reorganizagao de seu exército e rapidamente na Grécia e depois em Roma.
escolheu a Babil6nia como sede de seu O epicurismo, cujo nome deriva de
império. Entretanto, morreu precocemente, Epicuro, seu criador, sustentava que a felici-
aos 33 anos de idade (323 a.C.), e seus dade humana consistia apenas na busca e
sucessores nao Conseguiram manter a unida- obten¢do do prazer. E, finalmente, o ceticis-
de do enorme império, que acabou dividido mo, fundado por Pirro, defendia que a
entre quatro de seus generais: Ptolomeu, que felicidade consistia em nao se pretender
ficou com o Egito, a Fenicia e a Palestina; julgar coisa nenhuma, pois as coisas ‘‘pare-
Seleuco, com a Pérsia, a Mesopotamia e a cem ser de tal ou qual maneira, mas ndo se
Siria; Cassandro, com a Macedonia; e Lisi- sabe como elas sao realmente”’.
maco, com a Asia Menor e a Tracia.
O fracionamento do império de Alexan-
dre e as lutas internas que se seguiram
trouxeram 0 enfraquecimento e a possibilida-
de de conquista romana, que se concretizaria
nos séculos Il e | a.C.
Culturalmente, o resultado das campa-
nhas de Alexandre foi a fusdo da cultura grega
com a oriental, transformando uma e outra
numa nova forma de expressdo, que se
denominou helenismo. A escultura e a pintu-
ra tornaram-se mais realistas, exprimindo a
violéncia, a dor e, ao mesmo tempo, a
sensualidade. A arquitetura adquiriu luxo e
grandiosidade, representados pelo farol de
Alexandria, no Egito, e pela colossal estatua
de Apolo, em Rodes.
O helenismo trouxe grande impulso as
ciéncias: na astronomia, salientou-se Ptolo-
meu, que defendeu a tese do sistema geo-
céntrico; na geografia, Eratostenes, que cal-
culou a medida da circunferéncia da Terra;
na matematica e na fisica, destacaram-se
Euclides, que criou as bases da geometria, e
Arquimedes, que descobriu principios basi-
cos da fisica, como o da alavanca e o da
roldana, além de formular as leis de flutuagao
dos corpos.
Na politica, entretanto, retomou-se o
despotismo oriental, em que a autoridade do
governo era inquestionavel, sepultando as
conquistas de liberdade e direitos que funda-
mentaram a democracia.
A filosofia criou novas doutrinas. O
estoicismo, fundado por Zendo, propunha
que a felicidade estava na obten¢ao, por meio A cultura helenistica substituiu a concep¢ao classica de que
o “homem é a medida de todas as coisas” pelo monumen-
da virtude, de um perfeito equilibrio interior,
talismo, pessimismo, negativismo e relativismo. Observe
capaz de permitir ao homem aceitar com a exemplos da escultura helenistica: em cima, Laocoonte e
mesma serenidade a dor e o prazer, a ventura seus filhos e, embaixo, Os Jutadores.
A CIVILIZACAO ROMANA
ees
MeO ee ee

oma desenvolveu-se na peninsula pelos etruscos-latinos, ao centro, e pelos


Italica, regido de solo fértil, com a gregos, ao sul — a Magna Grécia. Desses
costa pouco recortada, limitando-se povos, os mais importantes para a forma¢ao
ao norte com a Europa centro-ocidental de Roma foram os latinos, habitantes do
através dos Alpes. Lacio, que yiviam divididos em varias tribos,
Quando Roma foi fundada, a peninsula e os etruscos, habitantes da Toscana (Etrd-
Italica era ocupada pelos gauleses, ao norte; ria).

A Italia primitiva e seus principais povos.

Roma foi fundada no centro da peninsula Tem-se, todavia, a versao lendaria da funda-
por povos que se fixaram na regiao do Lacio ¢ao de Roma, relatada por Tito Livio em sua
desde 0 ano 1000 a.C. Ao que tudo indica, foi Historia de Roma e reforgada na obra Eneida,
inicialmente um centro de defesa latino pelo poeta romano Virgilio, segundo a qual
contra os ataques constanies dos etruscos. Enéias, principe troiano filho de Vénus,

84 |
A CIVILIZACAO ROMANA

fugindo de sua cidade, destruida pelos gre- obrigagdes econdmicas, morais e religio-
gos, chegou ao Lacio e se casou com uma sas. O patricio era seu patrono, um “pro-
filha de um rei latino. tetor’’ econdmico, politico e juridico; em
Seus descendentes, R6mulo e Remo, troca, os clientes seguiam as decisdes
foram jogados por Amtlio, rei de Alba Longa, politicas de seus patronos, cumprindo o
no Tibre. Mas foram salvos por uma loba que obsequium (submissao politica), além de
os amamentou, tendo em seguida sido en- dedicar jornadas de trabalho para o seu
contrados por camponeses. Conta ainda a senhor. Eram, enfim, os dependentes, al-
lenda que, quando adultos, os dois irmdos guns de origem estrangeira, outros de
voltaram a Alba Longa, depuseram Amtlio e origem plebéia que, para sobreviver, bus-
em seguida fundaram Roma, em 753 a.C. cavam a protecao dos abastados e podero-
Apos desentendimentos, entretanto, ROmulo sos patricios.
matou O irmdo e se transformou no primeiro m Escravos — populagao recrutada entre os
rei de Roma. derrotados de guerra, considerados instru-
mentos de trabalho, sem nenhum direito
politico.
A monarquia Ao que parece, durante a Monarquia, o
escravismo nao possuiu grande significagao,
(da fundacao até 509 a.C.) ganhando importancia somente com a ex-
nk
——=, = ==}
pansao territorial do perfodo republicano. Na
verdade, durante a monarquia surgiram con-
A documentag¢ao desse periodo é preca-
digdes para a sua instalagdo, tendo o escra-
ria, e até mesmo os nomes dos reis sdo des-
vismo se transformado, logo a seguir, no
conhecidos, citando-se apenas os reis lenda-
modo de produ¢ao predominante, em detri-
rios, apresentados nas obras de Virgilio e Tito
mento de todas as outras formas de trabalho
Livio.
produtivo.
Durante esse perfodo, o rei acumulava as
fungdes executiva, judicial e religiosa, embo-
ra seus poderes fossem limitados na area
legislativa, j4 que o Senado, ou Conselho dos
A Republica
Anciaos, tinha o direito de veto e san¢ao das (de 509 a.C. a 27 a.C.)
leis apresentadas pelo rei. A ratificagdo dessas i =_E“>EX T=
leis era feita pela Assembléia ou Curia, com-
posta por todos os cidadaos em idade militar. Em 509 a.C., 0 rei Tarqtifnio, o Soberbo,
Na fase final da realeza, a partir do fim do de origem etrusca, foi derrubado por uma
século VII a.C., Roma conheceu um perjiodo conjuragao patricia do Senado, que queria
de dominio etrusco, que coincidiu com o por fim a interferéncia real no poder legisla-
inicio de sua expansdo comercial. tivo. Tarqiiinio governava de forma despotica,
No periodo monarquico, a sociedade ro- anulando, desse modo, os anseios patricios
mana estava dividida praticamente em trés de participagao politica. Terminou, assim, a
classes: realeza romana, e em seu lugar surgia uma
@ Patricios — cidaddos de Roma, possuidores nova estrutura administrativa, na qual o poder
de terra e gado, que constituiam a aristo- do Senado sobrepunha-se aos demais.
cracia.
@ Plebeus — parcela da popula¢ao que pas- A tradigao destaca que o rei Sérvio
sara para 0 dominio romano durante as Tulio foi quem consolidou as instituigdes
primeiras conquistas; eram livres, mas nao politicas, estabelecendo obrigagdes fis-
participavam do Senado, nem podiam cais e militares as cinco classes criadas
formar familias legalmente reconhecidas. dé acordo com a fortuna individual.
® Clientes — individuos subordinados a algu- Assim, Sérvio Tilio casou suas duas
ma familia patricia, cumpridores de diversas
A ANTIGUIDADE CLASSICA

poder executivo, por sua vez, ficava a Cargo


filhas com membros da familia etrusca
das seguintes magistraturas:
dos Targiiinios. Foi um destes genros que
m Cénsules — em ntimero de dois e eleitos
decidiu, estimulado pela esposa, tomar o pela Assembléia Centurial pelo periodo de
poder, matando seu sogro e transfor- um ano, propunham leis e presidiam o
mando-se no sétimo rei de Roma. Senado e as Assembléias.
Conta o historiador romano Tito & Pretor — administrava a justi¢a.
Livio que, no governo, sob um despotismo = Censor — cabia-lhe fazer o censo da
indisfarsavel, o orgulhoso Targiiinio elimi- populagao; o critério usado era a renda
nou ou desterrou todos os que eram do cidadao, que lhe fornecia os dados para
partidarios de Sérvio Tilio e confiscou elaborar o Album Senatorial, isto é, a lista
bens de familias poderosas, recebendo o dos senadores.
titulo de “o Soberbo”, como ficou conhe- w Edil — era encarregado da conservacao da
cido na histéria. Muito odiado entre os cidade, do policiamento, do abastecimen-
romanos, Targiiinio era ainda copiado pelo to, etc.
filho Sexto Targiiinio, que se apaixonou @ Questor — cuidava do tesouro publico.
pela bela Lucrécia, ja casada com um m Ditador — em épocas de graves crises,
notavel patricio, obrigando-a ao adulté- como calamidades e guerras, era escolhido
rio. Lucrécia, em resposta suicidou-se, um ditador pelo periodo maximo de seis
levando seus familiares e, em Seguida, a meses, que governava com plenos poderes.
populagdo de Roma, depois de se intei- As fung6es religiosas cabiam a um con-
rarem dos fatos, a rebelido, destronando selho de pontifices. Existiam ainda trés as-
Targiitnio e instalando a Republica. sembléias, completando as instituigdes polliti-
cas republicanas :
m Assembléia Centurial (comitia centuriata)—a
mais importante delas, era dividida em cen-
tdrias, isto é, em grupos de cem soldados ci-
dadaos, os chamados centurides, cuja fun-
¢4o era votar Os projetos apresentados. Havia
98 centurias patricias e 95 plebéias,ecomoo
voto aos projetos era contado por centtria, a
aristocracia controlava as decis6es.
= Assembléia Curial — examinava os assuntos
religiosos.
w Assembleia Tribal — nomeava os questores
e os edis.
A grande parcela da sociedade romana,
durante a Republica, era constituida pelos ple-
beus, que viviam marginalizados politicamen-
te, mesmo que enriquecessem através do co-
mércio. Quando um plebeu, por exemplo, tor-
nava-se insolvente, sem condi¢des de pagar
Com o final da monarquia, a oligarquia patricia consolidou suas dividas, tinha de se submeter ao nexum,
seu predominio através do Senado, principal orgao republi- instituigdo que colocava o devedor subordina-
cano.
do ao credor até a total extin¢ao da divida,
O Senado, transformado em 6rgdo maxi- criando-se uma servidao que chegava a durar
mo da Republica, controlava toda a adminis- toda uma vida. A marginaliza¢ado e o descon-
tragdo, as finangas, além de decidir pela tentamento, do inicio do periodo republicano,
guerra ou pela paz. Somente os patricios levaram ao agravamento das lutas de classe em
tinham acesso a esse Orgao legislativo. O Roma.
A CIVILIZACAO ROMANA

tingdo econdmico-militar, entre ricos e po-


bres, altas patentes e simples soldados. Um
dos fatores que permitiram manter essa situa-
¢do foi o nacionalismo surgido com as
guerras e a expansao territorial.

A expansao romana

Do século V a.C. ao Ill a.C., Roma em-


penhou-se em conquistar a peninsula Itdlica
devido a necessidade de obter géneros para o
abastecimento essencial, bem como de por
fim as ameacas de invasdo dos povos da
regido. Em 272 a.C., Roma alcangou o
extremo sul, conquistando Tarento, na regido
da Magna Grécia.
A expansao deu dinamica propria a es-
trutura escravista que, estabelecida, passou a
Ruinas do forum romano.
exigir novas conquistas para aumentar o
numero de cativos, os quais cada vez mais
Em 494 a.C., os plebeus, em sinal de passavam a ser indispensaveis a estrutura
protesto, retiraram-se para 0 monte Sagrado, socioecondmica do mundo romano. Estima-
exigindo representa¢gao politica. Como sua se que, somente no século IV a.C., a popu-
participagado na economia e no exército de lagdo de escravos somou nado menos de qua-
Roma era de extrema importancia, os patri- renta mil individuos.
cios concordaram em atender aos plebeus,
que ganharam representacdao através de dois
tribunos da plebe (em 471 a.C. passaram a
ser dez). Os tribunos conquistaram também o
direito a veto sobre as decisdes do Senado e
eram considerados intocaveis (imunidade).
Os tribunos podiam ser procurados por
qualquer pessoa que se julgasse injusticada,
dai suas casas ficarem abertas dia e noite.
Em 450 a.C., apds outras revoltas plebéi-
as, OS patricios convocaram os decénviros,
dez juristas nomeados para redigir um cddigo
de leis. O resultado foi a elaboracao da Lei
das Doze Tabuas, primeira compilacdo es-
crita das leis romanas.
Em 367 a.C., foram adotadas as Leis
Licinias, que possibilitaram aos plebeus parti- ease |, ST _ Sicilia
lhar as terras conquistadas, além de estabele- GM Século Vac. i
cer que um dos consules seria sempre um (BB Século 1V a.c.
plebeu. A Lei Canuléia também favoreceu os
plebeus, pois permitiu 0 casamento entre
estes e os patricios. Acabaram-se as distingdes A expansao romana na peninsula Italica foi a preparacao
sociais tradicionais, mas mantinha-se a dis- para a conquista do Mediterraneo.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Embora tivesse conquistado a peninsula a.C.), eno Ocidente, a peninsula Ibérica (133
Italica, a hegemonia cartaginesa no Mediter- a.C.) e a Galia Transalpina (55 a.C.).
raneo impedia a expansao romana na regido.
A cidade de Cartago, fundada pelos fenicios, A destruigéo de Cartago
com cerca de 250 mil habitantes, localizava-
se ao norte da Africa, mas possufa inimeras Depois das muitas batalhas, o odio
col6nias na Cérsega, Sardenha, Sicilia e dos romanos contra os cartagineses
peninsula Ibérica. A disputa pela posse da transformou-se em sentimento naciona-
Sicilia originou guerras entre Roma e Cartago lista, deixando em segundo plano muitas
que se estenderam de 264 a 146 aC. e das divergéncias entre classes em Roma.
ficaram conhecidas como Guerras Punicas. No século Il a.C., coube a Catdo, o
censor, personiticar obsessivamente uma
Os romanos viveram momentos de gran-
campanha pela destruigao completa de
de tensao quando o general cartaginés Anibal
Cartago. Nos seus discursos, no Senado
atravessou Gibraltar, os Pireneus e os Alpes
para atacar Roma, embora nao tenha obtido romano, Catdo sempre os encerrava com
sucesso e tenha sido obrigado a regressar a a frase Delenda est Carthago (Cartago
Cartago. Anibal foi derrotado em Zama, ao seja destruida). O sucesso de suas
sul de Cartago, pelo general romano Cipiao, o pregagoes selou o destino da cidade:
Africano. Em 146 a.C., entretanto, Roma Cartago foi invadida e completamente
conseguiu arrasar definitivamente Cartago, arrasada € 0S poucos sobreviventes,
dizimando sua populacao, e continuou sua transformados em escravos.
expansao, tomando todo o mar Mediterraneo,
que passou a chamar de mare nostrum (nosso
mar). Durante o periodo de conquistas, a soci-
edade romana transformou-se profundamente
Outras conquistas romanas foram, no devido ao clima imperialista que subsistia,
Oriente, a Maced6nia (197 a.C.), a Siria favorecendo 0 modo de produc4o escravista,
(189 a.C.), a Grécia (146 a.C.) e o Egito (30 que se efetivou com a derrota de Cartago.

MARE EST NOSTRUM


>

EUROPA

Hegemonia romana no
Mediterraneo.
A CIVILIZACAO ROMANA

As causas das mudancas sociais deve- ampla utilizagdo da m&o-de-obra escrava,


ram-se: entretanto, trouxe ao Estado romano intimeras
@ ao grande afluxo de riqueza para Roma, rebelides de cativos, entre as quais a mais
proveniente das conquistas; significativa foi comandada pelo tracio Spar-
@ a ruina do pequeno lavrador, impossibili- tacus, de 73 a.C. a 71 a.C., que chegou a
tado de concorrer com a producaio de ameagar a propria cidade de Roma. Escapan-
latifundios trabalhados por escravos; do de Capua, cidade ao sul de Roma, 74
™® ao aumento da escravidao; gladiadores refugiaram-se proximo ao vulcdo
@ ao €xodo rural, gerando o empobrecimento Vestvio, onde reuniram mais de 120 mil
da plebe; soldados.
Mao surgimento de novas classes sociais: Dentre todas, a revolta de Spartacus foi o
camada senatorial (aristocratas), classe ultimo grande movimento rebelde contra
equestre (mercadores, banqueiros ou ho- Roma, 0 que nao significou, apesar da repres-
mens novos), clientes (agregados, depen- s40 € ameacas, o fim das sublevacGes escra-
dentes dos patricios) e proletarios (plebeus vas, as quais continuaram até o final da his-
miseraveis, Cuja Unica posse era uma prole toria romana.
numerosa).

“Gragas as suas conquistas no Oriente,


Roma atraiu milhares de intelectuais e As lutas civis
mercadores gregos; também foram trazi-
dos para Roma escravos gregos. Esse Frente a crise geral por que passavam os
influxo acelerou o processo de helenizagao - pequenos agricultores, alguns grupos mobili-
jainiciado quando do contato de Romacom zaram-se na busca de reformas. Destacaram-
as cidades gregas da Italia meridional. se, nesse perfodo, dois tribunos da plebe,
Tibério e Caio Graco.
Uma consegiiéncia fundamental da
Tibério, eleito tribuno da plebe em 133
_ expansZo foi o contato com a experiéncia
a.C., propds uma lei pela qual quem tivesse
juridica de outros povos, entre os quais os
mais de 310 acres de terras deveria doar o
gregos. Os juristas romanos, demonstran-
excedente para o Estado, a fim de que este as
do as virtudes romanas do pragmatismo e arrendasse aos cidaddos pobres. O Senado
do senso comum, fizeram uma incorpora- opds-se a tais medidas e, numa tumultuada
- Go seletiva dos elementos dos codigos de sessdo no recinto do proprio Senado, Tibério
leis e das tradigdes dessas nagdes ao e mais de trezentos de seus adeptos foram
direito romano. Assim, os juristas roma- assassinados.
nos de modo gradativo e empirico elabora- Plutarco fez, no plenario, o seguinte co-
ram 0% jus gentium com o direito natural mentario sobre a atitude de Tibério: ‘Tibério
(jus naturale) dos estédicos. Afirmaram os Graco, 0 tribuno adepto de uma Lex Agraria,
juristas queo direito devia estar de acordo denunciou 0 empobrecimento dos pequenos
com os principios racionais inerentesa camponeses: ‘Os homens que combatem e
hatureza — normas universais capazes de morrem pela Italia tm o ar e a luz, mas mais
serem compreendidas por individuos ra- nada [...] Lutam e perecem para sustentar a
cionais.” riqueza e o luxo de outros, mas, embora
PERRY, Marvin. Civilizagdo Ocidental — uma historia
sejam chamados senhores do mundo, nado
- conciga. S40 Paulo, Martins Fontes, 1985. p. 114. tém um Unico torrao de terra que seja seu’.””
(ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguida-
de ao feudalismo. p. 60.)
Em 326 a.C., aboliu-se a submissdo servil Caio Graco foi eleito tribuno em 123
por dividas, o que tornou a mao-de-obra es- a.C., dez anos depois do assassinato de seu
crava (os vencidos) de importancia vital para irmao Tibério. Caio elaborou leis para me-
a produtividade rural da elite romana. A lhorar as condi¢ées de vida da plebe, como a
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Lei Frumentaria, que determinava a distribui- Em 79 a.C., Silas, ja velho, abdicou, e o


¢do de trigo a baixo preco aos plebeus, além periodo que se seguiu foi de aparente calma,
da reforma agraria. Os aristocratas reagiram pois novos lideres aristocraticos, como Pom-
contra Graco e seus seguidores, 0 que peu e Crasso despontavam. Pompeu conse-
resultou em varios confrontos armados, até guiu abafar na Espanha uma revolta popular
que, cercado numa das colinas romanas, comandada por Sertdrio (78 a.C. - 72 a.C.),
Caio ordenou a um escravo que 0 matasse. enquanto Crasso reprimiu a revolta dos
O escravo suicidou-se em seguida. escravos liderada por Spartacus (73 a.C. - 71
Apos a morte dos Gracos, houve a a.C.), em Capua. O prestigio militar alcan¢a-
polarizagao politica seguida da radicalizacdo do pelos dois generais aproximava-os da
nas lutas governamentais, e a Republica politica, na qual ja se destacava Julio César.
Romana entrou em crise. De um lado esta- O clima de insatisfagdo perdurava e houve
vam os aristocratas, preocupados com a nova tentativa de golpe politico, dessa vez de
manutencdo da ordem existente; de outro, um patricio, Catilina, que tencionava tomar o
os populares, ansiosos por reformas. Desta- poder e assassinar os magistrados. Essa con-
caram-se nesse periodo o general Mario, jura foi delatada e evitada por Cicero, desta-
defensor da plebe, e o general Silas, que cado orador, eleito c6nsul.
defendia os conservadores. Os cidadaos de Roma disputaram o
Mario chegou a ser eleito consul por seis controle do Estado, ativando a instabilidade
vezes consecutivas, conseguindo transformar politica que caracterizou o final da Republica
O exército, Cujos postos eram privilégio dos romana.
cidadaos, em um exército popular, composto
por assalariados. Os soldados passaram a
receber um soldo, participagao nos espolios
e, ao cabo de 25 anos de carreira, direito a
um pedaco de terra. Com a morte de Mario,
em 86 a.C., Silas estabeleceu uma ditadura
militar e perseguiu violentamente os antigos
seguidores de seu antecessor, conseguindo
desarticular os grupos politicos populares.

O confronto entre Cicero (foto) e Catilina corporificou


a crescente instabilidade politica romana.

Cicero, o grande orador


Ao descobrir o plano de Catilina,
Cicero convocouo Senado. Catilina com-
pareceu, fingindo inocéncia frente a seus
pares. Com um inflamado discurso — a
chamada Primeira Catilinaria —, Cicero
desmascarou o golpista, com a frase:
Mario rompeu com o patriotismo dos tempos passados “Até quando, Catilina, abusaras de nossa
criando um exército que lhe era mais fiel que ao Senado e ao paciéncia?”.
povo romano.
A CIVILIZACAO ROMANA

Descoberto, Catilina abandonou Ro- Os triunviratos


ma, reuniu alguns soldados e mais tarde
-conseguiu outros aliados em Roma. Com
as trés Catilinarias seguintes, Cicero Em 60 a.C., o Senado acabou elegendo
ganhou Roma e conseguiu mobilizar o trés fortes lideres politicos ao Consulado: Julio
César, Pompeu e Crasso governaram juntos
exército derrotando os conjurados. Em
no chamado Primeiro Triunvirato, dividindo
reconhecimento, Cicero recebeu do Esta-
entre si os dominios romanos.
do o titulo honorifico de pater patriae
(pai da patria). .

César
Crasso

O Triunvirato, criado para estabilizar a politica republicana, acabou agu¢ando divergéncias, provocando a queda da Republica
romana.

Contudo, em 54 a.C., Crasso morreu Nessa €poca, crescia no Egito a disputa


combatendo na Pérsia e, dois anos depois, pelo poder entre o farad Ptolomeu e sua irma
Pompeu foi proclamado cénsul Gnico desti- Cledpatra. Julio César foi para Alexandria,
tuindo César do comando militar da Galia. apoiou Cledpatra e colocou-a no poder. Em
Ao receber a mensagem senatorial de sua seguida, dirigiu-se 4 Asia Menor, onde ani-
destituicao, César, entretanto, resolveu lutar e quilou as tropas sirias inimigas.
avancou para o sul.
Foi nesse momento que César, atraves- Retornando a Roma, Jtlio César foi
sando o rio Rubicao, fronteira entre sua proclamado ditador vitalicio, em clara oposi-
provincia e a Italia, teria dito “A sorte esta ¢do ao Senado, que organizou uma conspi-
langada!”” (Alea jacta est) e dirigiu-se para racao contra ele. Em 44 a.C., foi assassinado a
Roma, causando a fuga de Pompeu. César punhaladas em pleno Senado. Sua morte
assumiu imediatamente o poder romano, mas gerou uma grande revolta na populacao, fato
s6 iria derrotar Pompeu definitivamente na habilmente ‘explorado por Marco Anténio,
Grécia, em Farsdlia, em 49 a.C. Pompeu um dos fortes generais de Julio César que,
escapou ileso e fugiu para o Egito, onde juntamente com Otavio e Lépido, formou o
acabou sendo assassinado. Segundo Triunvirato.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Apos eliminarem os opositores de César, nio garantiu-lhe uma poderosa base


Os novos triGnviros iniciaram suas disputas estratégica e econdmica; nas maos de
internas. Otavio, aproveitando-se da auséncia Otaviano, entretanto, essa politica serviu
de Marco Anténio, que se encontrava no
para desgostar a opinido publica dos
Egito, tentou ampliar seus poderes. Desconsi-
italianos € para provocar uma guerra
derou Lépido e declarou guerra a Marco
nacional contra Cleopatra, dentro dos
Antonio, o qual foi derrotado na batalha
interesses de Roma (32 a.C.). Derrotado
naval de Actium, em 31 a.C.
por Otaviano em Accio (31), 6 abandona-
Em seguida, Otavio recebeu do Senado o
titulo de princeps (primeiro cidadao), primeira do por suas tropas, Antonio suicidou-se
etapa para obter o titulo de imperator (o em Alexandria no ano 30.”
supremo). Otavio tornou-se progressivamente BOWDER, Diana. Quem foi quem na Roma antiga.
senhor absoluto de Roma, recebendo, além S540 Paulo, Art Editora/Circulo do Livro,
1980. p. 170.
dos dois titulos, o de Augustus (0 divino), até
entdo inédito entre os governantes romanos.

A rivalidade entre Otavio (ou Ota-


viano) é Antonio ganhou intensidade no
-OImpério
final dos anos 40 e cresceu mais ainda (de 27 a.C. a 476 d.C.)
durante os anos 30. Depois da anulagao Rea eee

do poder de Lépido, 0s dois tritinviros


concentraram suas forgas em regides
Com o advento do Império, reorganizou-
se a estrutura politica romana, concentrando-
opostas: Otavio no Ocidente e Antonio,
se toda a autoridade nas maos do imperador.
no Oriente. Um dos primeiros momentos
Esse ultimo periodo apresenta duas etapas
da disputa deu-se quando o irmao e a
distintas: o Alto Império (século | a.C. a Ill
esposa de Antonio “incitaram uma rebe-
d.C.) e o Baixo Império (século Ill a V).
liao contra Otaviano na Italia (Guerra
Roma atingiu seu apogeu, durante o Alto
dos Ferusinos, 41-40 a.C.). A situagao foi
Império, devido ao desenvolvimento sem
remediada as pressas em Brindisi, no ano precedentes do modo de produg¢4o escravista
40 a.C., com o casamento de Antonio e e as conquistas territoriais, alcang¢ando rique-
Otavia, irm& de Otaviano, e em Tarento, za e poder como nenhuma outra civilizacao.
trés anos mais tarde (37), com a Ao imperador, supremo mandatario, ca-
renovagao dos poderes do triunvirato. bia exercer totalmente o controle politico,
A partir dai, Antonio identificou-se sobrepondo-se ao Senado. A ele competia
cada vez mais com o Oriente helénico: nomear magistrados, controlar os exércitos,
mostrava deprezo pelas tradigdes roma- interferindo, até mesmo, nas questées religio-
nas, e estabeleceu com Cledpatra uma sas. Com a plena centralizagao, conseguia-se
forte alianga politica e pessoal. Antonio a estabilidade, anulando os tradicionais con-
reorganizou as provincias orientais, ini- flitos entre as varias facgdes politicas. O
ciou, embora sem sucesso, uma invasao Império foi, enfim, a solugdo governamental
da Férsia (ano 36 a.C.), conquistou a encontrada para por fim ao descontrole poli-
Arménia (34) e celebrou essa vitoria tico republicano.
como um triunfo em Alexandria. Logo Otavio Augusto, 0 primeiro imperador
depois, decretou as chamadas ‘doagdes (27 a.C. -14 d.C.), preocupou-se com as obras
de Alexandria’, passando as m&os de publicas, sendo dessa época muitas das
Cledpatra e seus filhos certas provincias magnificas construcGes, cujas ruinas podem
orientais e algumas regides que planejava ser vistas ainda hoje em Roma. Para cuidar da
conquistar. A politica ‘oriental’ de Anto- sua seguranga, criou-se a Guarda Pretoriana,
cuja principal fun¢gao era defender o impera-
A CIVILIZACAO ROMANA

dor e vigiar a capital. Ao mesmo tempo, daos e tropas auxiliares das provincias, cujos
Otdvio Augusto, distribuia trigo 4 populagao e membros s6 recebiam a cidadania apds o
organizava sistematicamente grandes espeta- servico militar. Foi, gragas ao poder e a
culos publicos de circo, a chamada politica estabilidade iniciada por Augusto, que Roma
do pao e circo (Panem et circences), amplian- pode desfrutar de um periodo de grande
do muito a sua popularidade. prosperidade, constituindo a pax romana que
Administrativamente, foi criada uma no- duraria pelo menos mais dois séculos apds o
va estrutura, que visava modificar desde a seu governo.
forma de cobran¢a de tributos, pondo fim ao Durante o governo de Otdvio, nasceu
usual arrendamento da arrecada¢do, até as Jesus Cristo, em Belém de Juda, o fundador de
divis6es sociais e a convocacgao de homens uma nova religido — o cristianismo — que,
para o exército. O funcionalismo publico pouco a pouco, foi ganhando seguidores em
também foi ampliado, sendo o conseqiiente todo o Império. Na literatura, o periodo de
aumento de despesas coberto pelos crescen- governo de Otavio Augusto foi conhecido
tes fluxos de riqueza. como século de ouro gragas a seu ministro
Para uma popula¢ao imperial de quase Mecenas, que, por seu grande interesse pelas
60 milhdes de habitantes, a sociedade roma- artes, apoiou, entre outros, escritores como
na passou a ser dividida em cidadaos, cerca Horacio e Virgilio.
de 5, 5 milhGes de pessoas, e provinciais. Os
cidadaos, por sua vez, eram hierarquizados
de acordo com suas fortunas: no topo da A instalagZo do Império, encerrando
escala social ficava a ordem senatorial, um
a fase republicana, influenciou profunda-
conjunto aproximado de duas mil pessoas, os
mente a atividade literaria. Os limites a—
possuidores de mais de 1 milhao de sestércios
liberdade publica, com o maior controle e
(moeda de prata); em seguida vinha a ordem
centralizagao, levaram a prosa ao decli-
eqiiestre, cerca de vinte mil individuos com
nio, ao mesmo tempo que a poesia as-
fortuna superior a 400 mil sestércios; e
finalmente abaixo, ficava a ordem plebéia. cendeu fortemente. Foi Mecenas, um
amigo intimo de Augusto, quem conse-
guiu reunir talentosos intelectuais, esti-
mulando e financiando seus trabalhos,
permitindo um esplendor que justifica o
titulo de século de ouro dado ao periodo.
Como exemplo, o apoioa Virgilio per-
mitiu a publicagdo de grandes obras poé-
ticas do periodo, como as Bucélicas, com
suas cenas campestres e alguns elogios
a seus protetores, e das Georgicas. A
Eneida, 6 publicada apos a morte do
grande poeta, era uma combinagao har-
“monioga de ficgao e realidade, aprovei-
50 milhées tando-se das tradigdes lendarias e da
Império
histéria. Ingpirada na lliada e na Odisséia
7 milhées
Italia de Homero, firmou-se como o grande
poema da civilizagao romana.
A atuagao de Mecenas imortalizou a
No plano militar, Otavio Augusto organi- idéia do protetor da cultura, dando o
zou um poderoso exército de mais de 300 mil significado atual as palavras derivadas
homens, divididos em 25 legides (cada uma de seu nome, como mecenas € mecenato.
com 5 620 combatentes), composto por cida-
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Para incrimina-los e reprimi-los com mais


violéncia, Nero mandou incendiar a cidade
de Roma.
Com a dinastia dos Antoninos, Roma
voltou a ter relativa estabilidade e prosperi-
dade, pois a habilidade administrativa de
imperadores como Trajano e Marco Aurélio
amenizou temporariamente as dificuldades
do Império. Durante o governo de Trajano, o
Império atingiu a sua maior extensdo territo-
rial e com Marco Aurélio, um enorme
reerguimento cultural.
No final do perfodo antonino, entretanto,
delinearam-se os contornos que poriam fim
ao escravismo e ao mundo romano, processo
que perdurou do século III ao V. No governo
da dinastia dos Severos, a fragilidade romana
nao podia mais reverter a sua decadéncia,
crescendo a pressdo dos povos vizinhos que
avancavam em ordas sobre o interior do
Império, iniciando o Baixo Império Romano.
Esse periodo, tradicionalmente chamado
Otavio Augusto presidiu o periodo de apogeu de Roma. de Baixo Império, que outros preferem chamar
de Antiguidade tardia, foi marcado pelas
Com a morte de Otavio, 0 Alto Império grandes crises e pela anarquia, devidas princi-
passou por diversas dinastias: de 14 a 68, o palmente a interrup¢do das conquistas, 0 que
governo coube a dinastia Julio-claudiana, se- arruinou a economia imperial, baseada no
guida pela dos Flavios, que perdurou até 96, trabalho escravo e na exploracdo das provin-
vindo em seguida a dos Antoninos, que gover- cias. Escasseando os tributos impostos aos
naram até 192. A Ultima dinastia foi a dos vencidos, Roma caminhou para 0 progressivo
Severos, que estiveram no poder de 193 a 235. esgotamento econdmico.
Os sucessores de Augusto desestruturaram
0 governo, minando o modo de produ¢ao
escravista, fator de riqueza para o Império,
além de favorecerem o descontrole politico
com as constantes intrigas palacianas, as crises
sucessorias e a imoralidade em nivel nao s6
pessoal, mas também administrativo.
De maneira geral, essa situagao se agra-
vou com os imperadores Tibério (14-37),
Caligula (37-41) e Nero (54-68). Tibério des-
moralizou-se no governo, e acabou sendo
transferido para Capri, onde morreu assassi-
nado; Caligula, famoso por sua imoralidade e
despotismo inconseqiiente, chegou a nomear
o cavalo Incitatus, cOnsul romano. Foi também
Caligula quem mandou cortar a cabeca das
estatuas dos deuses em Roma, substituindo-as
por seu prdprio rosto como modelo. Ja Nero, Depois dos Severos, iniciou-se o Baixo Império que acelerou
celebrizou-se pelas perseguigdes aos cristaos, a desorganiza¢ao e o colapso do Império Romano, contri-
buindo para que, ao final do século V, sua parte ocidental
que se negavam a cultua-lo como divindade. desaparecesse.
A CIVILIZACAO ROMANA

Merecem destaque os seguintes impera- “O chamado ‘Edito de Milao’, em


dores do Baixo Império:
virtude do qual o Império Romano rever-
® Diocleciano (284-305) — na tentativa de
teu sua politica
de hostilidade ao cris-
salvar o Império da faléncia, baixou o Edito
tianismo e outorgou completo reconheci-
Maximo, fixando precos maximos para as
mento legal foi um dos fatos decisivos da
mercadorias e salarios, sendo os infratores
condenados a morte. A medida no surtiu histéria do mundo. Mas os acontecimen-
efeito, pois as mercadorias desapareceram tos que levaram a este resultado sao
enquanto os precos continuaram a subir complexos e em certos aspectos miste-
descontroladamente. Outra decisao impor- riosos. [...]
tante de Diocleciano foi a criagado da 08 motivos de Constantino foratt
tetrarquia - divisio do Império entre confusos. Era um homem excepcional-
quatro generais buscando conseguir a paz mente supersticioso, e sem divida com-
social e 0 controle politico perdido. partilhava a opinido, usual entre os
= Constantino (306-337) — durante seu gover- soldados profissionais, de que era neces-
no ficou famosa uma resolugao, conhecida sario respeitar todos os cultos religiosos
como Edito de Milao, que concedeu liber- para apaziguar seus respectivos deuses.
dade de culto aos cristaos, j4 importantes em _— E evidente que sofreu uma experién-
numero e influéncia. Buscou também esta- cia estranha em certo momento de sua
bilizar a produgao rural frente a escassez de carreira militar, episddio em que suas
mao-de-obra decretando, com a Lei do tropas cristas representaram um papel.
Colonato, a obrigatoriedade de fixagao do _ Era escravo dos signos e dos pressagios
colono a terra que trabalhava. Era a intensi- e tinha o signo cristao Pi-Rho nos
ficagao do uso do trabalho servil em sub- escudos e estandartes muito antes de
stituigao ao trabalho escravo. Outra medida _ Mila@o. A superstigao guiou sua decisao
de destaque tomada por Constantino foi a de levantar uma nova capital, a escolha
fundagado de uma segunda capital do Im- do lugar, e muitos outros importantes
pério — Constantinopla (hoje Istambul) —
atos de Estado.”
situada no Oriente, com a finalidade de
JOHNSON, Paul. La Historia del Cristianismo.
garantir a protecdo da fronteira do leste. Buenos Aires, Javier Vergara Editor, 1989.
p. 83-4,
| A tradigfocrist® conta que, ha
vespera da
| batalha de Ponte Mivio, jurtto
aos ‘muros de Roma, em 312, Constantino —
_invocou a ajuda do Deus cristo e teve
uma viso celeste: uma cruz brilhante
com 08 dizeres “In hoc signo vinces” (com
este sinal venceras).
Apos a vitoria, em 313, Constantino,
em gratidao, baixou o Edito de Milao aos
pelea de Cristo, legalizando a nova
-crenga. Foi Constantino que também
~ converteu o domingo no dia de descanso,
- fechando os tribunais e proibindo todo o
trabalho, exceto na agricultura. Apesar
da nova crenga, Constantino nunca aban-
-donou o culto pagao ao 901 (Mitraismo),
mantendo a figura do sol em suas Constantino promoveu o reconhecimento do cristianismo,
moedas. . sendo considerado o ultimo dos grandes imperadores
romanos.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

@ Teodosio (378-395) — oficializou o cristia- para cobrir os gastos com a manuteng¢ao da


nismo e, em 395, dividiu o Império Romano burocracia e do exército. Ao lado disso,
em dois: o do Oriente, que tinha como houve uma nitida diminui¢ao de areas culti-
capital Constantinopla; e o do Ocidente, vadas, devido a falta de mao-de-obra, 0 que
Cuja capital era Roma. Ao final de seu veio a encarecer os produtos. Ao mesmo
governo, os barbaros conseguiram se infil- tempo, o Estado desvalorizava a moeda, de-
trar por todo o Império, o que culminou nas vido a diminuigao de metais nobres, como
invasOes e na queda definitiva do Império ouro e prata, Unico meio de que dispunha
Ocidental, em 476, quando a tribo dos para saldar seus compromissos. Houve, em
hérulos, chefiada por Odoacro, derrubou o conseqiiéncia, uma inflagdo crescente, que
Ultimo imperador romano, R6mulo Augusto. resultou num caos monetario, no inicio do
século Ill, e que acelerou a decadéncia
Foram diversos os fatores que causaram a econdmica.
decadéncia romana, destacando-se 0 impe-
rialismo, as guerras Civis, a anarquia militar, a
crise do escravismo, a ascensao do cristianis-
mo e as invasGes barbaras.

O imperialismo romano e as guerras ci-


vis internas foram responsaveis pela amplia-
¢ao do aparelho militar e burocratico, bem
como pela instabilidade politica. As sucessi-
vas lutas pelo poder geraram corrup¢ao, des-
controle politico, queda de valores tradicio-
nais, desencadeando uma séria crise moral.

No século III impds-se a anarquia militar:


as legides entronavam e destronavam impera-
dores segundo interesses imediatos (de 211 a
284, por exemplo, sucederam-se cerca de
vinte imperadores). Os soldados, que gozavam
de grande prestigio, apoiavam irrestritamente
Os generais, que se apossavam, mesmo que por
curtos periodos, de regides provinciais, o que
contribuia para o acirramento da crise.
A crise do escravismo, ocasionada pelo
fim das guerras de conquistas e que fez es-
cassear o numero de prisioneiros, tornou-se
um obstaculo a produgdo, baseada funda-
A ascensao do cristianismo correspondeu a decadéncia do
mentalmente na escravidao. Os proprietarios
Império Romano. Cristo é apresentado neste mosaico como
foram entao obrigados a arrendar suas terras a um legionario que derrota o mal, representado por um ledo e
camponeses, que se sujeitavam a pagar quais- uma serpente.
quer tributos que lhes fossem cobrados.
Substitufa-se o escravismo pela servidao rural.
A volta para uma economia rural de
O crescimento do cristianismo foi outro subsisténcia fez com que a popula¢ao rural
fator de desagregacao do Império, pois se se isolasse em vilas auto-suficientes e auté-
opunha a estrutura militar e escravocrata, nomas, para poder enfrentar a crise geral do
sustentaculo do Império Romano. Império. Finalmente, as invasdes barbaras
minaram as forgas imperiais, j4 agonizantes,
A crise econdmica, advinda da crise es- tomando pouco a pouco seus territérios e
cravista, resultou na diminui¢ao de receitas pondo fim ao Império Romano em 476.
A CIVILIZACAO ROMANA

“Nenhum sistema juridico anterior


tivera jamais a nogao de uma propriedade
privada sem restrigdes: a propriedade na
Grécia, na Pérsia, no Egito, fora sempre
‘relativa’, ou, por outras palavras, era con-
dicionada por direitos superiores ou cola-
terais de outras partes e autoridades, ou
por obrigagdes em relagado a elas. Foi a
jurisprudéncia romana que, pela primeira
_ vez, emancipou a propriedade privada de
todo o requisito ou restri¢ao extrinsecos,
ao desenvolver a movel distingZo entre
mera ‘posse’, controle factual dos bens, e
‘propriedade’, direito pleno a eles.” a
ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade
ao feudalismo. p. 71-2.

[=] Império Romano do Ocidente O método de formagao dos advogados, até


Império Romano do Oriente o final da Republica, era essencialmente pra-
tico, cabendo aos jovens acompanhar o mestre
em suas consultas aos clientes. Aos poucos,
alguns centros de consultas juridicas, pr6ximos
a templos e bibliotecas, transformaram-se em
A cultura romana escolas puiblicas de Direito. Sob Cicero, o en-
nn _—_—_—_ | =_—™|,s = —, sino foi sistematizado e dotado de um corpo de
principios, divisdes e classificagées, apoiados
O Cédigo de Leis foi o mais importante em terminologia e definicdes precisas. Era o
legado romano as civilizagdes posteriores. nascimento da ciéncia do Direito.
Divide-se em Jus Naturale (Direito Natural), Os advogados eram atraidos pelos deba-
compéndio de filosofia juridica; Jus Gentium tes, em que desenvolviam a oratdéria, a
(Direito das Gentes), compilagéo de leis intimidade com os problemas da vida publica
abrangentes, isto é, que nado levam em conta e, especialmente, a popularidade que, nao
as nacionalidades; e Jus Civile (Direito Civil), raramente, acabava viabilizando um espera-
conjunto de leis aplicaveis aos cidadaos de do futuro politico em Roma. Na época
Roma. imperial, durante o governo de Claudio, a
O sistema juridico romano foi construido advocacia perdeu seu carater predominante-
progressivamente, desde os primeiros tempos mente voluntarista e seus profissionais passa-
da civilizagao. Apesar de os poderes acha- ram a ter uma disciplina a cumprir e uma
rem-se concentrados, ao longo da historia ro- remuneracao definida.
mana, em mdaos de uma elite, reconheciam, Outro ramo da cultura romana que se
por exemplo, os direitos legais dos estrangei- desenvolveu consideravelmente foi a litera-
ros, OS quais eram inalienaveis e originaram tura, destacando-se Cicero, poeta e o maior
normas que formaram o jus gentium, base do orador romano; Virgilio, autor de Eneida; Tito
atual direito internacional. Além disso, surgiu Livio, autor de Histdria de Roma, e Ovidio,
um corpo de juristas com autoridade para autor de Arte de amar, entre outros.
interpretar e aprimorar as leis que regulavam A arquitetura romana celebrizou-se pela
a vida publica e privada, j4 que admitiam que grandiosidade de suas obras: aquedutos,
a dinamica das transformagdes devia também estradas e muralhas, que sobreviveram ao
influenciar as leis. tempo.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

O aqueduto mostra a peri-


cia romana em obras pt-
blicas, fazendo do arco um
importante destaque em
sua arquitetura. Nas fotos,
aqueduto na Palestina e
templo de Diana no sul de
Portugal.

Em Roma, a religido dominante era de um novo "mundo", o medieval, assunto da


politefsta, na medida em que se inspirava na nossa proxima unidade.
religido grega, adaptada, porém, as condi¢des Vale ressaltar que a usual expressdo
de vida dos romanos. Suas principais divin- "mundo medieval" carrega uma idéia distor-
dades eram: Jupiter (Zeus), principal deus cida de que o mundo todo teria passado
romano; Juno (Hera), protetora da familia; pelas mesmas situagdes que a Europa. E
Diana (Artémis), deusa da ca¢a; Baco (Dioni- preciso recordar que a Idade Média é uma
so), deus do vinho; Vénus (Afrodite), deusa da periodiza¢ao circunscrita apenas ao conti-
beleza. nente europeu e nado a toda a humanidade.
Como veremos, durante este longo periodo
de mil anos, por exemplo, a Europa foi
apenas uma periferia de outros mundos
Europa: do mundo classico muito mais dinamicos e poderosos, como
ao medieval o mu¢gulmano: a Europa tinha uma popula-
ONG ¢ao relativamente pequena e estava cada
vez mais isolada das principais rotas de
O fim da Antiguidade Classica, época das comércio, que passavam pelo Mediterraneo
civilizag6es tidas na visdo eurocéntrica como Oriental. No mundo muculmano, a mate-
as da "mais alta qualidade" ou "classe", matica e a astronomia eram bem mais
formadoras da base histdrica e cultural sobre desenvolvidas que na Europa, e foi a esses
a qual se erigiu 0 que hoje chamamos de conhecimentos que os europeus recorreram,
Ocidente, dava inicio a um novo periodo. O no final da Idade Média, para realizar as
colapso do Império Romano, acompanhado navegac6es pelo Atlantico. Da mesma for-
pelo desmoronamento dos valores culturais, ma, na América, floresciam civilizagées
inclusive religiosos, abriu espagco para a que, no século XVI, impressionariam os
ascensdo do cristianismo e marcou 0 come¢o conquistadores europeus pela grandiosidade
A CIVILIZACAO ROMANA

de suas cidades e arquitetura, como a Dessa forma, € importante ressaltar que


capital dos astecas, Tenochtitlan, atual Ci- a Idade Média é um perfodo referente a
dade do México. Até mesmo os habitos de Europa. Como periodizagdo, nao pode ser
higiene entre esses povos eram mais desen- aplicada para outras 4reas do mundo, ainda
volvidos que os dos europeus. que alguns conceitos de que aqui langaremos
Criticando o sentido eurocéntrico dessa mao possam servir para analisar circunstan-
divisto da historia, é possivel até mesmo cias historicas analogas a outras regides. Além
questionar a importancia da queda de Roma, disso, a importancia em estudar esse perfodo
em 476, para outras civilizagdes, ou seja, esta na presenca entre nds de herancas
qual peso possuiu para civilizagdes como as européias. Como afirma o historiador francés
da América pré-colombiana ou a chinesa, ja Jacques Le Goff (Reflex6es sobre a historia,
que o grande Império circunscreveu-se pouco Lisboa, Edig6es 70, 1986), é nesse periodo
além das margens do mar Mediterraneo. A que se originaram elementos importantes da
transicdo da Antiguidade para a época me- atualidade, como "a matriz de nossas atuais
dieval, nessa visdo, nado foi diferente e redes urbanas", o sistema de ensino, incluin-
manteve 0 mesmo eixo hist6rico, com os do o sistema universitario, e até mesmo "a
outros povos e regides girando em torno da maneira de nos enamorarmos" e de consti-
Europa. tuirmos familia.

Gianni
Orti/Corbis
Dagli

Relevo do século III ilustrando um confronto entre barbaros e romanos.


Purstoes & TESTES

7 (Unip-SP) “Eis os conselhos que um bom c) a ascenséo persa em fungao do controle


marido da a sua mulher: E mais honesto para a sobre todo o Mediterraneo ocidental.
mulher ficar em casa do que estar sempre d) ao imperialismo ateniense apds a vitdria
saindo; e é mais vergonhoso para o homem sobre os persas.
ficar em casa do que fora, tratando de nego- e) a unificagao politica das cidades gregas para
cios. Portanto, deverds (tu, mulher) permanecer enfrentar a invasdo maced6nica.
em casa, mandar acompanhar teus servos
encarregados dos trabalhos externos e fiscalizar 4 (PUCSP) No sentido contempordaneo do termo,
pessoalmente aqueles que trabalham dentro de sobretudo com implicagdes de unidade politi-
casa. Deveras receber 0 que for trazido e dis- ca, a palavra nagdo nao pode ser aplicada a
tribuir as provis6es que devem ser usadas; com Grécia antiga. Tanto assim que:
relagdo ao supérfluo, tu deverdas zelar para que a) — prevaleciam padroes culturais diferenciados
nao se gaste num més o que estiver destinado nas varias regides.
ao ano inteiro. Entretanto, uma das tuas
e5 as formas de governo foram Unicas, mas
fungdes que, talvez, te agradara menos: se guardavam total autonomia.
algum de teus escravos ficar doente, deverds c) nao havia unidade de lingua e religido entre
cuidar dele até sua cura completa’’. (Xenofonte, as varias populagées urbanas.
Economia) O texto acima trata da organizagao d) as cidades eram independentes nos assuntos
social da Grécia antiga. Com base nele, pode- de seu proprio interesse.
se deduzir que a sociedade grega era: e) predominavam as tendéncias a proibigao de
a) avangada. d) patriarcal. atividades econdmicas semelhantes.
b) matriarcal. e) atrasada.
c) igualitaria. (Vunesp) "Existem numerosos tipos de alimen-
tagao que determinam diversos modos de vida,
(UE-Londrina-PR) ‘Com a nova diviséo da tanto nos animais como nos homens (...) Os
sociedade, qualquer cidadao poderia participar mais indolentes sao pastores (...) Outros ho-

das decis6es do poder. Apenas os escravos e os mens vivem da ca¢a, alguns por exemplo
metecos (estrangeiros) nao participavam das vivem de pilhagem, outros vivem da pesca:
decis6es politicas, pois ndo tinham direito de sdo aqueles que vivem perto dos lagos, dos
cidadania.” pantanos, dos rios ou de um mar piscoso;
Ao texto pode-se associar: outros alimentam-se de passaros ou de animais
selvagens. Mas, de um modo geral, a raca
a) Dracon e a expansao colonial em diregao
humana vive, principalmente, da terra e do
ao Mediterraneo.
cultivo de seus produtos."
b) Sdlon e a militarizagdo da politica espar-
(Aristdteles, Politica, séc. IV a.C.)
tana.
c) Pisistrato e a helenizagao da peninsula Bal- a) Qual o conceito de economia expresso pelo
canica. texto de Aristdteles?
d) Péricles e a hegemonia cultural grega no b) Aponte uma diferenca entre 0 conceito de
Peloponeso. economia de Aristdteles e 0 conceito de
e) Clistenes e a democracia escravista ateni- economia no capitalismo.
ense.
(Oswaldo Cruz-SP) Entre muitos, trés grandes
fildsofos se notabilizaram na Grécia antiga:
(UM-SP) No processo histérico da Grécia
Aristoteles, Platéo e Sdécrates. Um deles defen-
antiga, a Confederagéo de Delos, organizada
deu a teoria de que através do conhecimento se
no século V a.C. e que chegou a reunir 400
chega a virtude. Notabilizou-se pelas expres-
cidades, esta associada:
sdes ‘SO sei que nada sei’”” e “‘Conhece a ti
a) ao fracasso grego nas Guerras Médicas. mesmo”’. Outro, nos ‘“Didlogos’’, desenvolveu
b) a extingao da democracia escravista grega. a sua “‘teoria das idéias’”, segundo a qual as
QUESTOES E TESTES

coisas do mundo fisico que se percebem pelos Sabemos, no entanto, que a condi¢ao da cida-
sentidos nada mais sdéo do que cépias das dania era assegurada aos que nao trabalhavam,
idéias, modelos perfeitos e eternos que sé pois eram liberados para praticar a politica e
podem ser percebidos pelo espirito; o outro, fazer a guerra. Mulheres, menores de 18 anos,
na sua ‘‘Politica’’, analisou qual seria a forma metecos (estrangeiros, geralmente comercian-
ideal de governo e as diversas constituig6es tes) e escravos nao participavam da vida
gregas. Considerando a ordem dos enunciados, publica. Como explicar essa exclusdo, caso
tais principios foram defendidos, respectiva- por caso, pelos principios democraticos ate-
mente, por: nienses, se eram maioria?
a) Aristételes, Plataéo e Sécrates.
b) Sdcrates, Platéo e Aristételes. (Fatec-SP) Em relagao ao sistema produtivo das
c) Aristételes, Sdcrates e Platao. cidades-estados gregas, podemos dizer que
d) Platao, Sécrates e Aristdteles. predominava:
a) o trabalho dos camponeses livres, rendeiros
(UnB) A democracia esta sempre na berlinda. dependentes e artesdos urbanos.
Do mundo classico ao contemporaneo, houve b) o trabalho comunal nas aldeias agricolas,
sempre quem nao a julgasse ser o sistema ideal sendo a-escravidao secundaria.
de governo. As tentag6es para subverté-la tém- c) aescravidao, entao convertida em um modo

se manifestado historicamente. Ha, no entanto, de produgao sistematico.


um lastro de conquistas democraticas que se d) 0 trabalho livre junto as propriedades rurais
afirmou ao longo do tempo. Com relagao a e pequenas unidades artesanais.
evolugdo da experiéncia democratica, julgue e) a vassalagem originaria dos comitatus ger-
os itens a seguir. manico e do colonato romano.

10
1) O laconismo e a disciplina militar possibi-
litaram o desenvolvimento dos estudos (Fuvest) Identifique e comente as principais
filosdficos e humanistas no seio da socie- diferengas entre Esparta e Atenas quanto a
dade espartana, o que permitiu criar condi- organiza¢ao politica.
¢Oes para a emergéncia dos ideais demo-
craticos na Grécia antiga. 11 (UFSCar-SP) A passagem que se segue é de
2) Os gregos antigos, ao servirem-se do traba- Xenofonte, um grande admirador de Licurgo, o
lho escravo, contrariavam a ldgica dos seus legislador de Esparta. Leia com aten¢do e
conceitos democraticos, uma vez que atri- compare a situagdo das mulheres de Esparta
bufram a capacidade do fazer manual a com o que sabe a respeito das mulheres de
condigéo maior para se bem governar os Atenas.
homens. “Licurgo achava que a tarefa principal das
3) O modelo da democracia burguesa liberal mulheres livres deveria ser a maternidade. Para
ocidental, que nasceu das revolugées atlan- tanto, ele prescreveu exercicios fisicos e corri-
ticas e do Iluminismo, ao se implantar em das, tanto para as mulheres quanto para os
paises com fortes valores capitalistas e homens. Estava convencido de que, se os dois
industriais, acabou com todas as manifesta- sexos fossem ambos vigorosos, eles teriam
¢6es politicas que defendiam o nacionalis- filhos mais robustos.”
mo € 0 socialismo.
4) A experiéncia democratica nos paises do
Cone Sul da América Latina no século XX é
12 Leia os textos que se seguem:
|— A constituigaéo que nos rege nada tem a
de pequena relevancia, pois essa foi uma invejar aos outros povos; serve a eles de
regido que pouco vivenciou restrigGes as modelo e nado os imita. Recebe o nome de
liberdades politicas e civis. democracia, porque o seu intuito é o
interesse do maior numero e nao de uma
(Unicamp) Segundo Peéricles, o’regime politico minoria. Nos negécios privados, todos sao
de Atenas no século V a.C. era democratico iguais perante a lei; mas a consideracgdo
“porque nao funciona no interesse de uma nao se outorga sendo aqueles que se
minoria, mas em beneficio do maior ndmero”’. distinguem por algum talento. E 0 mérito

101
A ANTIGUIDADE CLASSICA

pessoal, muito mais do que as distingdes c) os textos | e Il nado podem ser confrontados,
sociais, que franqueia o caminho das pois Péricles viveu num perfodo que ante-
honras. Nenhum cidadao capaz de servir cede de muitos séculos o nascimento de
a patria é impedido de fazé-lo por indigén- Aristoteles;
cia ou por obscuridade de sua posi¢ao. d) os textos | e Il tratam de temas diferentes e
Livres em nossa vida publica, néo pesqui- nao se contradizem, pois Péricles discute as
samos com curiosidade suspeita a conduta relagdes entre leis e cidadania (e os escravos
particular de nossos cidaddos... Somos nao eram considerados cidadaos), enquanto
cheios de submissdo as autoridades consti- Aristételes justifica a existéncia da escravi-
tufdas, assim como 4s leis, principalmente dao;
as que tém por objeto a protecao dos fracos
e) 0 texto II desmente o texto |, pois nao pode
e€ as que, por nado serem escritas, nao haver democracia se observamos a existén-
deixam de atrair aqueles que as trans-
cia de escravos em Atenas.
gridem a censura geral... Ouso dizé-lo,
Atenas € a escola da Grécia.’’ (Discurso de
Péricles — fragmento)
13 (UFPR) "... Dividiu-se em trés partes o Universo,
e cada qual logrou sua dignidade. Coube-me
Il — “Alguns pretendem que o poder do senhor habitar o mar alvacento, quando se tiraram as
é contra a natureza, que se um é escravo, e sortes; a Hades couberam as brumosas trevas e
o outro livre, 6 porque a lei o quer, que coube a Zeus 0 vasto Céu, no éter, e as nuvens.
pela natureza nao ha diferenga entre eles e A Terra ainda 6 comum a todos, assim como o
que a servidao é obra nao da justi¢a, mas vasto Olimpo."
da violéncia. A familia, para ser completa, (Homero, Iliada. Sao Paulo,
deve compor-se de escravos e de indivi- Difusao Européia do Livro, 1961. p. 261-2.)
duos livres. Com efeito, a propriedade é Segundo o texto de Homero, a origem do
uma parte integrante da familia, pois sem universo € explicada pela divisdo feita por
os objetos de necessidade é impossivel Cronos entre seus trés filhos: Posséidon, Hades
viver e viver bem. Nao se saberia pois e Zeus. A viséo mitica revelada por relatos
conceber lar sem certos instrumentos. Ora, como esse permeou as sociedades gregas e
entre os instrumentos, uns sao inanimados,
romanas da Antiguidade e atribuiu um carater
outros vivos... O escravo € uma proprie- religioso ao seu legado artistico e cultural.
dade que vive, um instrumento que é Sobre a religido dessas sociedades, é correto
homem. Ha homens assim feitos por natu- afirmar:
reza? Existem homens inferiores, tanto
01) A mitologia era a base da religido, cele-
quanto a alma é superior ao corpo, e oO brada no culto aos antepassados, aos
homem ao bruto; o emprego das forcas deuses e aos herdis.
corporais € o melhor partido a esperar do 02) Para os romanos, os deuses eram seres que
seu ser: SdO Os escravos por natureza... util nao se identificavam com os vicios ou com
ao proprio escravo, a escravidao é justa.”” as virtudes dos seres humanos.
(Aristoteles; Politica — fragmento)
04) Os mitos relatavam a criagdo do mundo e
Com base nos textos | e Il e nos seus as relagdes entre deuses e homens, apre-
conhecimentos sobre a Antiguidade grega, sentando exemplos morais que deveriam
vocé pode concluir que: pautar 0 comportamento humano.
a) os textos | e Il se contradizem, pois Péricles 08) Na religiao da Grécia e Roma antigas, os
(texto |) afirma que ‘todos sao iguais perante herdis eram homens que praticavam ages
a lei’, enquanto Aristételes (texto Il), ao extraordinarias, recebendo a mesma vene-
discutir a existéncia do escravo declara que racao destinada aos deuses.
“existem homens inferiores’’; 16) Na Grécia, 0 culto a Jupiter nado permitia a
b) os textos | e Il se contradizem, pois Péricles veneragao de divindades protetoras das
afirma que as leis ‘‘tém por objeto a pro- diversas cidades.
tecao dos fracos’”, enquanto Aristételes diz 32) O conjunto de mitos criado pelos gregos
que ‘se um é escravo, e O outro livre, é permaneceu inalterado mesmo depois de
porque a lei o quer’; sua adocao pelos romanos.
QUESTOES E TESTES

64) Na sociedade grega, estabeleceu-se uma d) a forma¢ao de grande nimero de pequenas


relagdo intima entre arte e religido; a propriedades e o fortalecimento do sistema
arquitetura, a escultura, a poesia e o teatro assalariado.
tinham como fundamento o culto religioso e) a proscrigao das manifestagdes culturais
€ a perpetuagao dos mitos. estrangeiras e a difusdo do cristianismo.
(A resposta é a soma das alternativas corretas.)

16 (Osec-SP) “[...] Quando venceu, apresentou


imediatamente sua proposta de reforma agraria,
14 (UFSCar-SP) na Assembléia Popular. Nao permitia que
cidadao algum tivesse mais de 500 iugera de
Ha muitas maravilhas, mas nenhuma
é tao maravilhosa quanto o homem. terras pblicas — total que era duplicado se o
G) concessionario de terra tivesse dois filhos
Soube aprender sozinho a usar a fala crescidos. Todas as terras no momento em
€ 0 pensamento mais veloz que o vento maos dos grandes senhores deveriam ser dis-
e as leis que disciplinam as cidades, tribuidas aos cidadaos romanos que nao eram
e€ a proteger-se das nevascas gélidas, proprietarios.’”
duras de suportar a céu aberto... O periode que vai de 133 a 27 a.C. corres-
(Sdfocles, Antigona, trad. Mario da Gama Curi. ponde a desintegragdo da Reptblica e as
Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, origens do Império Romano. Nesse periodo, a
1993. p. 210-1.) proposta de lei acima foi feita por:
O fragmento acima, apresentacdo do Coro de a) Caio Graco d) Tibério Graco
Antigona, drama tragico de autoria de Séfocles, b) Mario e) n.d.a.
manifesta uma perspectiva tipica da época em c) Sila
que os gregos classicos: 7.
a) enalteciam os deuses como o centro do 17 (UFPA) Enfraquecida pelas lutas internas e pelas
universo e submetiam-se a impérios centra- conseqiiéncias do expansionismo, a Reptblica
lizados. cedeu lugar ao Império na Roma antiga. Em
b) criaram sistemas filosdficos complexos e relagao a ordem imperial, afirma-se que:
Opuseram-se a escravidao, combatendo-a. a) a concentra¢gao dos poderes de Otavio, nos
c) construiram monumentos, considerando a primeiros momentos do Império, respondia
dimensdo humana, e dividiram-se em cida- pelas necessidades da nobreza senatorial
des-Estados. em dispor de um governo capaz de sufocar
d) proibiram a representagdo dos deuses do a anarquia e as rebelides de escravos.
Olimpo e entraram em guerra contra a b) a organizagdéo do Império contou com
cidade de Trdia. expressiva participagao popular, haja vista
e) elaboraram obras de arte monumentais e a importancia que o Partido Democratico
evitaram as rivalidades e as guerras entre ocupou na queda do regime republicano.
cidades. c) o Império nasceu no interior da grave crise
econémica que caracterizou os Ultimos
tempos da Repdtblica, crise provocada pelas
derrotas de Roma nas guerras pela conquista
15 (Fuvest) Roma expandiu-se consideravelmente da Italia.
pelo Mediterraneo no periodo republicano. No d) a criagéo do Império, obra elaborada pelo
século Il a.C., foram conseqiiéncias dessa Primeiro Triunvirato, representou o produto
expansao: da vontade dos generais no sentido de criar
a) O aparecimento da classe média de proprie- um governo capaz de controlar a crise
tarios rurais e o desaparecimento dos lati- social do final da Republica.
fandios. e) as bases do Império foram, politicamente
b) o aumento da populagao rural na Italia e a falando, sustentadas pelo poder dos campo-
diminuigao da popula¢ao urbana. neses romanos, principais interessados na
c) osensivel afluxo de riquezas e o crescimen- existéncia de uma ordem que lhes assegu-
to do ndmero de escravos. rasse o dominio da terra.
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Como os pre¢os continuassem a subir desen-


1 8 “Fugit irreparabile tempus’ freadamente, langou um edito fixando 0 prego
A frase de Virgilio nas Gedrgicas pode servir de maximo das mercadorias e dos salarios em
cendrio para a leitura de Séneca. O tempo todo o império e prescrevendo pena de morte
corre célere e nao volta mais, diz 0 poeta: foge para os infratores. Era um edito incrivelmente
irreparavelmente. E contra essa escravidao minucioso: fixava o preco do trigo, da cevada e
angustiante a que o tempo nos submete que do centeio; do faisio selvagem e do de
se volta o fildsofo. O seu objetivo é claro: “Que engorda; do pardal e do arganaz.”
eu guie a minha vida e que nao seja ela que me (adaptacao) HADAS, Moses. Roma Imperial.
guie’”’. Ambi¢ao de soberania absoluta, vontade Rio de Janeiro, José Olympio, 1969. p. 152-3.
de reter aquilo que nos domina - tais sao as Assinale a alternativa adequada, considerando
caracteristicas da sabedoria estdica. oO momento histérico romano do texto acima.
Lucio Aneu Séneca nao é um fildsofo muito
a) Otdvio Augusto distribuiu pao e dinheiro a
lido pelos estudiosos da filosofia enquanto
vinte mil ou trinta mil homens do setor mais
escola. Sua doutrina, reflexao sobre como viver
pobre da populacgdo, além de entregar
e como morrer, se assemelha mais a certas
milhares de lotes de terra a muitos outros.
sabedorias do Oriente. Contra os metafisicos e
Augusto organizava com freqiiéncia, tam-
os epistemdlogos, Séneca atribui a filosofia
bém, as lutas de gladiadores, onde partici-
uma tarefa pratica: facere docet philosophia, a
pavam cerca de dez mil homens e 3 500
filosofia ensina a agir, diz ele nas célebres
animais.
Epistolas a Lucilio.
b) A afirmagao de Sado Jer6nimo numa carta
Séneca teve uma carreira curiosa e atribulada.
escrita em Bizancio aponta as causas mais
Contemporaneo de Cristo, formado na sabedo-
profundas da crise romana do século V:
ria estdica, este espanhol de Cordova tornou-se
“Chega-nos do Ocidente um rumor terrivel:
preceptor de Nero e, por varios anos, o
Roma atacada pelos cristdos (...) Foi con-
verdadeiro governante do Império Romano.”
BRUM, José Thomaz. Comentando sobre o
quistada, esta cidade que conquistara o
universo (...)’”
livro de Séneca: Sobre a brevidade da vida. In:
Jornal do Brasil, 10/7/93. p. 4. c) Um autor cristéo do século IV, Lactancio,
Considerando o texto, assinale a alternativa afirma que ‘‘o medo fez com que desapa-
correta: recessem os géneros do mercado e os
a) A filosofia estdica nasceu no perfodo arcai- precos subissem mais alto ainda’. Dai a
co grego, antes da Escola Pitagdrica e quatro décadas uma porcdo de trigo tabela-
Socratica. da de 100 denarios era vendida por mais de
& Virgilio, o autor da /liada e Séneca, o autor 10 mil dendrios. O Edito Maximo teve
de Sobre a brevidade da vida, foram os efeitos muito negativos que aceleraram o
principais representantes da cultura romana colapso do Baixo Império Romano.
imperial. d) No Alto Império Romano as moedas passa-
oO ~ Séneca abracou a filosofia estdica do perio- ram a perder o seu valor, quando a partir de
do helenistico e viveu o apogeu do Alto Nero, diminuiram cada vez mais a quanti-
Império Romano. dade de metal nobre (ouro e prata) na
d) O caos, a anarquia militar, a decadéncia cunhagem das moedas. Com Trajano (98-
escravista e as invasdes barbaras, formavam 117) a moeda de prata possuia apenas 79%
o contexto histérico contemporaneo de desse metal, chegando em governos se-
Séneca. guintes a apenas 2%.
e) Séneca foi um ativo opositor dos irmaos e) A estabilidade dos pregos conseguida no
Graco durante o periodo republicano, apoi- inicio do Império com o “congelamento’’
ando Nero. permitiu 0 suprimento de alimentos e as
amenidades da capital e de algumas cidades
19 Leia o texto: do interior. O apogeu do periodo pode ser
“As medidas de Diocleciano (284-305) para visto pelos 956 banhos ptblicos que exis-
sanear O caos monetario do império foram tiam em Roma, além de terem grandes espe-
igualmente burocraticas. taculos gratuitos durante 175 dias do ano.
QUESTOES E TESTES

Ms0 “Um dos mais convincentes mitos da Antigui- Lépido, chefe da cavalaria, possuiam uma for¢ca
dade é a histéria da Sibila, de Cumas (antiga militar que lhes era inteiramente dedicada e
cidade grega perto de Napoles). Ela ofereceu lhes permitir suprimir qualquer movimento
nove livros de profecias a Tarqiiinio, o Sober- ameacador da parte do Senado. A posicado
bo, ultimo legendario rei de Roma. Mas 0 rei os dos conspiradores tornou-se ainda mais critica
recusou, e (a profetisa) Sibila queimou trés li- quando se evidenciou que a populacdo da
vros, Oferecendo ao rei os seis restantes pelo capital estava contra eles. A ralé foi comprada
mesmo preco. O rei recusou novamente, entao pelas doagdes que César lhe fez num testa-
ela queimou mais trés e ofereceu os trés res- mento que Antdnio divulgou imediatamente.’”’
tantes, ainda pelo mesmo prego. Dessa vez, o ROSTOVTZEFF, M. Histéria de Roma.
rei OS Comprou. Rio de Janeiro, Guanabara, 1983. p. 140.
Por que Tarqiiinio rejeitou a primeira e a se- Considerando o cenario destacado no texto
gunda oferta de compra? assinale a alternativa correta:
Evidentemente porque o preco pedido era abu-
a) O segundo triunvirato assumiu 0 governo
sivo. Mas por que ele aceitou a terceira oferta,
romano em seguida, frustrando as ambigdes
que evidentemente era ainda mais exorbitante?
senatoriais. Era a aproximagao do ponto
Porque compreendeu que da préxima vez ndo
mais alto e final da crise republicana, a qual
haveria mais livros para comprar.”
desembocou na instalagao do Império.
MORTIMER, Edward. Financial Times. In: Ga-
b) Foi o sucesso de Marco Ant6nio sobre os
zeta Mercantil, 20/9/93. p. 1.
senadores, bem como as vitdrias romanas
Considerando o texto acima, assinale a alter- nas Guerras Ptnicas que eliminaram a
nativa correta. supremacia senatorial, impondo o governo
a) Tarqtifnio, o Soberbo, foi derrubado do consular, apelidado de Principado.
trono real por um levante popular plebeu c) Os “Idos de marco” foram o resultado direto
que estabeleceu o regime republicano, em do éxodo rural e da proletarizagdo da plebe,
509 a.C. quando Jilio César contava com o apoio
b) O fim da monarquia decorreu de um golpe politico dos irmaos Graco e a absoluta
aristocratico que instalou a supremacia do oposi¢ao da aristocracia senatorial.
poder senatorial.
d) Os senadores conspiradores contavam com
c) Targiiinio foi derrubado por um golpe
o apoio de Otavio, rapaz de 18 anos que
desfechado pelos patricios devido, exclusi-
herdara a fortuna e o nome de César e que
vamente, a sua origem etrusca.
comandava o exército em Iliria, destacado
d) Os patricios derrubaram o Ultimo rei “le-
opositor politico de Anténio e Lépido.
gendario” e instalaram uma ditadura de seis
e) Pompeu e Crasso eram os principais susten-
meses, quando escolheram um novo rei.
taculos da ditadura de César frente a
Wy A derrubada de Tarqiifnio sé teria sido
continuada oposi¢4o senatorial aristrocrati-
evitada se o rei tivesse adquirido os nove
ca e dos radicais reformistas liderados por
livros de profecias da Sibila.
Antdnio, Lépido e Tibério Graco.

21 Leia o texto:
“Nos ‘Idos (ou 15) de marco’ do ano 44 a.C. 22 (Unesp) “‘O vinculo entre os legionarios e o
César foi assassinado numa reunido do Senado comandante comegou progressivamente a as-
por um grupo de conspiradores, dos quais similar-se ao existente entre patrao e cliente na
Marco e Décimo Bruto e Cassio eram os lide- vida civil: a partir da época de Mario e Sila, os
res. Tinham a maioria do Senado a seu favor, soldados procuravam os seus generais para a
mas nao encontraram a simpatia que espera- reabilitagéo econdmica e os generais usavam
vam do povo romano e do exército e nem os soldados para incursdes politicas.”” (Perry
mesmo da populagao da Italia. A transferéncia Anderson, Passagem da Antiguidade ao feuda-
automatica do poder para as maos do Senado, lismo.)
que os conspiradores evidentemente espera- O texto oferece subsidios para a compreensdo:
vam que ocorresse com a morte de César, a) da crise da Reptblica romana.
jamais se consubstanciou. Ant6nio, o Cénsul, e b) da implantagao da monarquia etrusca.

105
A ANTIGUIDADE CLASSICA

c) do declinio do Império Romano. do século Ill, o abismo da desorganizagao


d) da ascensdo do Império Bizantino. interna, habitualmente denominada ‘‘crise do
e) do fortalecimento do Senado. século III”. Que fatores concorreram para levar
o Império a essa crise?

23 (UFPE) "Muitos lavradores faziam girar as


parelhas de bois, e as levavam para ca e para
14. Quando tudo feito seria volta, voltavam ao
26 (Fuvest)
““Mirem-se no exemplo daquelas mulheres
limite do campo, tomavam uma ta¢a de vinho
[de Atenas
doce como mel, (...) e volviam ao sulco,
Geram pros seus maridos os novos filhos
ansiosos por chegar ao limite, ao profundo
[de Atenas
alqueive, que escurecia atras deles (...)"
Elas nao tém gosto ou vontade
(Homero, Iliada. Difuséo Européia do Livro, Nem defeito nem qualidade
p. 333.) Tém medo apenas
Sobre a sociedade cretense no III e Il milénio Nao tém sonhos, s6 tém pressagios
a.C., assinale a alternativa incorreta. O seu homem, mares, naufragios
a) A populagao em Creta vivia em regime de Lindas sirenas
serviddo coletiva, dedicava-se a uma agri- Morenas.””
cultura especializada, 4 exploragao de ma- (Chico-Buarque de Holanda e Augusto Boal)
deira, ao transporte e comércio maritimo. A letra da mdsica ‘/Mulheres de Atenas’
b) Os produtos basicos do comércio cretense esbo¢a o papel da mulher na sociedade ateni-
foram os utensilios de ceramica e azeite de ense. Que papel é esse e no que se diferencia
oliva. do exercido pela mulher espartana?
c) Em Creta, os palacios eram simultaneamen-
te oficinas de artesdos e depdsitos de
mercadorias. 27 (FGV-SP) Em 594 a.C., todos os partidos
d) A tecnologia e cultura cretense foi de grande concordaram na indicagaéo de Sdlon como
importancia para a sociedade micénica. magistrado, com amplos poderes para realizar
e) Com base nos poemas homéricos, pode-se uma série de reformas. Apesar de consideradas
afirmar que 0 comércio mindico se realizava moderadas, tais reformas inclufram a:
unicamente com os produtos derivados da 1) implantagao de hipotecas que oneravam os
atividade da pecuaria. agricultores de porte médio; a limitagao da
quantidade de terra que cada individuo
24 (Vunesp) O Direito Romano, instituigao legada poderia possuir; o estabelecimento da es-
pelo Império Romano a civilizagao ocidental, cravidao por divida; a criagdéo de um
resultou da preocupa¢ao em: sistema moderno de cunhagem de moedas
a) determinar as obrigacdes dos patricios em e de titulos do Estado.
relagdo aos plebeus. No abolig¢aéo completa da propriedade privada;
b) garantir aos primitivos italiotas seus direitos a implantagdo da escravidao por divida; a
diante dos invasores etruscos. introdugao de novo sistema de arrecadacao;
c) assegurar aos primeiros reis de Roma a a abertura dos portos aos ddrios e j6nios,
continuidade de seu poder. antigos inimigos.
d) aumentar o poder da Reptblica romana
3) supressdo das hipotecas que oneravam os
diante das na¢Ges vizinhas.
agricultores pobres; a aboligaéo da escravi-
e) regulamentar a vida do cidadao romano
dao por divida; a limitagéo da quantidade
estabelecendo seus direitos e deveres diante
de terra que cada individuo poderia possuir;
do Estado.
a introdugaéo de um novo sistema de cu-
nhagem para dar a Atenas vantagens no
25 (Maua-SP) O Império Romano, tao sdlido e comércio exterior.
praticamente sem inimigos externos significati- 4) implantagao da pena de ostracismo aqueles
vos, comec¢a, no fim do século II, a entrar num que representassem perigo ao regime demo-
processo de declinio, para atingir, no decorrer cratico; a aboligao da escravidao por divida;

106
QUESTOES E TESTES

a realizagao de uma reforma agraria geral e 31 (FGV-SP) ‘‘Representando pequeno nimero em


irrestrita: a Convoca¢ao de uma Assembléia relagao as outras classes, eles estavam constan-
Nacional Constituinte. temente preparados para enfrentar quaisquer
5) instituigéo da escravidio por divida; a revoltas, daf a total dedicagao a arte militar. A
liberagao da quantidade de terra que cada agricultura, 0 comércio e o artesanato eram
individuo poderia possuir; a supressdo das considerados indignos para o (...), que desde
hipotecas que oneravam os agricultores cedo se dedicava as armas. Aos sete anos deixava
pobres; a extin¢ao do sistema de cunhagem a familia, sendo educado pelo Estado, que pro-
herdado dos sumérios. curava fazer dele um bom guerreiro, ensinando-
lhe a lutar, a manejar armas e a suportar as fa-
digas e a dor. Sua educagao intelectual era
28 (Fuvest) Na Grécia Classica, os deuses eram bastante simples (...). Aos vinte anos 0 (...) en-
concebidos a imagem e semelhanca do ho- trava para o servico militar, que so deixaria aos
mem, postura invertida na Roma Imperial, na sessenta, passando a viver no acampamento,
qual os cristéos viam 0 homem feito 4 imagem treinando constantemente para as coisas da
e semelhanga de Deus. guerra (...). Apesarde ser obrigatorio o casamento
Relacione a visdo religiosa com a estrutura apos os trinta anos, sua fungao era simplesmente
sociopolitica em cada um dos casos acima. a de fornecer mais soldados para o Estado.”
A transcri¢do acima refere-se aos cidadaos que
habitavam:
29 (Unicamp) Explique a afirmag¢ao abaixo, consi- a) Atenas. c) Esparta. e) Roma.
derando as relagGes que normalmente se b) Creta. d) Chipre.
estabelecem entre sociedade e cultura:
As realizagées intelectuais do Império Romano 32 (Unicamp) No ano de 73 a.C., um grande
tiveram um maior desenvolvimento nos cam- ntimero de escravos e camponeses pobres se
pos do Direito, da engenharia, da organizagao rebelaram contra as autoridades romanas no sul
dos servicos publicos e da estratégia. da Italia. Os escravos buscavam retornar as
suas patrias. Depois de resistirem aos exércitos
romanos durante dois anos, a maioria foi

30 (Fuvest) Comparando-se as civilizagées da massacrada.


(Traduzido e adaptado de P. Brunt, Social
Antiguidade ocidental (Grécia e Roma), com
as da Antiguidade oriental (Egito e Mesopota- conflicts in the Roman Republic.)
mia), constata-se que ambas conheceram as a) Compare a escravidao na Roma antiga e na
mesmas instituigGes basicas, muitas das quais, América colonial, identificando suas dife-
alias, o Ocidente tomou do Oriente. Contudo, rengas.
houve um setor original e especifico da civili- b) Quais foram as formas de resisténcia escrava
Zagao greco-romana. Trata-se do: nesses dois periodos?
a) econdmico, com novas formas de industria
e comércio que permitiram o surgimento de 33 (Puccamp) Leia o texto sobre as instituicdes
centros urbanos. politicas da antiga Republica Romana.
b) social, com novas formas de trabalho com- "Mesmo para um cidadao romano, seria im-
pulsorio e hierarquias sociais baseadas no possivel dizer, com certeza, se o sistema, em
nascimento e na riqueza. seu conjunto, era aristocratico, democratico ou
c) religioso, com o aparecimento de divinda- monarquico. Com efeito, a quem fixar aten¢ao
des com representagao antropomorfica e no poder dos cénsules, a Constituigdo romana
poderes ilimitados. parecera totalmente monarquica; a quem a
d) cultural, com o desenvolvimento das artes fixar no Senado, parecera aristocratica; e a
plasticas e de expressoes artisticas derivadas quem a fixar no poder do povo, parecera,
do uso da escrita. : claramente, democratica."
e) politico, com a criagao de praticas partici- (Polibio, historiador grego do século II a.C. In:
pativas no poder e instituigdes republicanas FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Roma: vida publi-
de governo. ca e vida privada. Sao Paulo, Atual, 1993. p. 21.)
A ANTIGUIDADE CLASSICA

Com base no texto e no conhecimento histd- b) a mae de familia dirigia, com toda a
rico, pode-se afirmar que: independéncia, a educagao dos filhos e os
a) as instituigdes romanas nao sofreram influ- negdécios do marido.
éncias dos gregos, uma vez que Os romanos Cc) 0 respeito dedicado 4 mulher romana ga-
mantiveram uma politica isolacionista du- rantiu a sua emancipagao da tutela mascu-
rante todo o periodo republicano. lina, a partir do regime republicano.
b) os romanos nao inovaram na formagao das d) as condigdes de liberdade, reservadas a
instituigdes politicas, ja que imitaram o mulher, tinham como limite a autoridade do
sistema politico das civilizagdes gregas e pai de familia.
das civilizagGes orientais. e) a independéncia feminina constituia uma
cy a instituigéo do equilibrio de poderes,
vitéria, acatada pela nobreza romana, apés
presente na Constituigdo da antiga Republi- a implantagdo do Império.
ca Romana, influenciou posteriormente as
instituigdes ocidentais, trazendo enorme
contribui¢ao a ciéncia do direito. 35 (Enem)
d) o equilibrio de poderes, instituido apds a "Somos servos da lei para podermos ser livres."
queda da monarquia, evitou totalmente Cicero
conflitos entre as classes sociais durante "O que apraz ao principe tem forga de lei."
toda a Reptblica, ja que permitiu a partici- Ulpiano
pacdo do povo na vida politica.
As frases acima sao de dois cidadaos da Roma
ey os plebeus nao tinham direito de participa¢gao
Classica que viveram praticamente no mesmo
nas instituigGes politicas romanas da Rept-
século, quando ocorreu a transig¢ao da Repu-
blica, j4 que eles eram estrangeiros e nao
blica (Cicero) para o Império (Ulpiano).
possuiam, portanto, a cidadania romana.
Tendo como base as senten¢as acima, consi-
dere as afirmacG6es:
34 (UFC) Analise o comentario sobre a situagao da |. A diferenga nos significados da lei 6 apenas
mulher romana. aparente, uma vez que os romanos nao leva-
"Suas qualidades domésticas, virtude, docilida- vam em considera¢do as normas juridicas.
de, gentileza, bom carater, dedica¢ao ao tricd, Il. Tanto na Republica como no Império, a lei
piedade sem supersti¢do, discrigdo nas roupas era o resultado de discuss6es entre os repre-
e€ na maquiagem, por que relembra-las? Por sentantes escolhidos pelo povo romano.
que falar do seu carinho e devo¢gao aos Ill. A lei republicana definia que os direitos de
familiares, j4 que vocé tratava tao bem meus um cidadaéo acabavam quando come¢avam
pais quanto os seus [...]" os direitos de outro cidadao.
(Elogio funebre a Turia. Apud FUNARI, Pedro IV. Existia, na €poca imperial, um poder acima
Paulo Abreu. Roma: vida publica e vida da legislagdo romana.
privada. 4 ed. Sao Paulo, Atual, 1993. p. 47.) Estao corretas, apenas:
Considerando a idéia basica do texto, é correto a) lell
afirmar que: b) le lll
a) a mulher usufruia de prerrogativas idénticas c) Ne lll.
as desfrutadas pelo homem na vida em d) lle lV.
sociedade. e) Ille IV.

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2fe)
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O
Q
w
0 FEUDALISMO E O PERIODO
MEDIEVAL

o estudo do periodo medieval, ana- totalidade medieval, para entao, tendo iden-
lisaremos inicialmente a sua estrutu- tificado os seus principais Componentes,
ra, ou seja, 0 feudalismo: os compo- integra-los no contexto histdrico.
nentes econdmicos e sociais, bem como sua As expressdes Idade Média e Idade Mo-
articulagdo com as concep¢ées politicas e derna foram criadas durante o Renascimento,
culturais da Idade Média. Em seguida, estu- no século XV. Demonstrando repudio ao
daremos o seu desenvolvimento histérico, ou mundo feudal, os renascentistas forjaram ten-
seja, OS acontecimentos que conduziram a denciosamente a concep¢ao de que a Idade
formagao do feudalismo, durante a Alta Idade Média fora ‘‘uma longa noite de mil anos”, a
Média, e a sua decadéncia, na Baixa Idade “Idade das Trevas’’, em que mergulhara a
Média. cultura classica apds a queda de Roma.
Na verdade, 0 desprezo dos humanistas
do Renascimento pela Idade Média apenas
refletia a adogdo de novos valores culturais,
contrarios aos do periodo medieval. Nessa
época, a Europa viveu o feudalismo — sistema
socioecondmico com instituigdes e compo-
nentes distintos do mundo antigo, classico, ou
do moderno, que veio posteriormente.
(detalhe).
crucificagao
A
Giotto,

As caracteristicas tipicas da ldade


Média ndo fizeram o homem desse perio-
do menos competente, pois a cultura
medieval, s¢ comparada com a do mundo
greco-romano, foi redefinida: “A ciéncia
perdeu a vitalidade e a velha uniZo com a
filosofia se dissolveu. [..] A filogofia
contraiu nova alianga, dessa vez com a
teologia; durante séculosa vida intelec-
tual se processaria sob a orientagao da
Igreja. [...] E cabivel indagar da Histéria
se ha alguma razZo valida para supor que
Um dos grandes temas da arte medieval seria o cristianismo.
Na foto, detalhe de A crucificagao, de Giotto.
o genio humano chamejou com menos
brilho quando os homens, por boas razdes
pessoais e da época, transferiram o
Adotamos esse critério por acreditarmos pensamento especulativo da ciéncia-filo-
ser imprescindivel conhecer inicialmente a

110
O FEUDALISMO E O PERIODO MEDIEVAL

Romano, foram importantes agentes do pro-


cesso de implantagdo do sistema feudal,
re Lanea mesma ca- embora outros povos invasores tenham con-
tribuido para acelerar o processo de ruraliza-
ar, “inquirir é evoluir in-
¢do e formacao do feudalismo. Entre eles
Le a dete
estéo os arabes, que, no século VIII, ocupa-
ram o mar Mediterraneo, impossibilitando as
ligagdes comerciais entre o Ocidente e o
Oriente. Posteriormente, no século IX, as
invasOes normandas e magiares completaram
eyZaher,1974,
tp. 102-8. esse quadro.

Assim, utilizaremos a expressdo Idade O modo de produgao feudal


Média desprovida de qualquer contetido Os homens, com o trabalho, ‘brane er
pejorativo, indicando unicamente o periodo formam a natureza, da qual exter My
hist6rico compreendido entre os séculos V e bens necessarios A Sobrevivencia. AO}:
XV, que tem inicio com a queda do Império "mesmo tempo estabelecem relagbes en
Romano do Ocidente, em 476, e que se tre si, originando vinculos econd cos,
estendeu até a tomada de Constantinopla, em s0ciais, politicos e ideolégicos. f:
1453.
Na Idade Média, o processo” de
O periodo medieval caracterizou-se pela produgao predominante -— o feudal— teve
preponderdncia do feudalismo, estrutura eco-
relagdes sociais e uma ordem politica 6
ndmica, social, politica e cultural que se edi-
cultural especificas. A essa estrutura
ficou progressivamente na Europa centro-oci-
econdmico-social com os adequados-
dental em substituicdo a estrutura escravista
componentes politico--culturais chama-
da Antiguidade romana.
O feudalismo comecou a se formar a mos modo de produgao feudal, um
partir das transforma¢g6es ocorridas no final conceito que abrange uma totalidade :
do Império Romano do Ocidente e das inva- social. Bos~ o
ses barbaras, alcan¢ando seu apogeu no
final da Alta Idade Média, periodo compreen-
dido entre os séculos V e X. O declinio do
feudalismo, que ja se esbogava no século X,
prosseguiria até o século XV, constituindo o
perfodo convencionalmente chamado de
Baixa Idade Média. Nao é raro encontrarmos
também a expressdo Idade Média Central,
referente ao periodo do apogeu feudal, situa-
da entre os séculos Vill e o XIII, aproximada-
mente.
Apos 476, com a ruina de Roma e o fim
do escravismo, a populacao deixou as cida-
des, buscando a sobrevivéncia no campo. A
agricultura, praticada nas vilas (grandes pro-
priedades agrarias), constituiu a base de uma
economia auto-suficiente, cujos desdobra-
mentos conduziriam a formagaéo do mundo
agrario-feudal.
Os barbaros germanicos, que passaram a O colapso do mundo escravista transformou a vila romana
ocupar a parte ocidental do Antigo Império numa unidade auto-suficiente, auténoma, isolada: um feudo.

111
A IDADE MEDIA

fortificado; o manso servil, que correspondia a


Feudalismo: economia e
por¢ao de terras arrendadas aos camponeses
propriedade e era dividido em lotes denominados tenén-
a EES cias; e ainda o manso comunal, constituido
por terras coletivas — pastos e bosques -,
O modo de producao feudal, prdoprio do usadas tanto pelo senhor como pelos servos.
Ocidente europeu, tinha por base a economia
agraria, nao-comercial, auto-suficiente, quase Devido ao cardater expropriador do siste-
totalmente amonetdaria (ou seja, com uso ma feudal, caracterizado pelas obriga¢Ges
restrito de moeda). A propriedade feudal, ou (talha, corvéia, etc.), 0 servo nao se sentia
senhorial, pertencia a uma camada privilegi- estimulado a aumentar a produ¢ao com ino-
ada, composta pelos senhores feudais, altos vacdes tecnoldgicas, pois isso significaria
dignitarios da Igreja (0 clero) e longinquos produzir mais — porém nao para si, mas para
descendentes dos chefes tribais germanicos (a o senhor. Por esse motivo, o desenvolvimento
nobreza). técnico do periodo foi irrelevante, de certa
A principal unidade econémica de pro- maneira limitando a produtividade. A princi-
du¢ao era o feudo, que se dividia em trés pal técnica adotada foi a agricultura dos trés
partes distintas: a propriedade privada do campos (rotagdo de culturas), que evitava o
senhor, chamada dominio ou manso senho- esgotamento do solo, mantendo a fertilidade
rial, no interior da qual se erigia um castelo da terra.

[[cevada[-pousio
|Woo
Note que todos os campos estao divididos
em faixas, cultivadas por diferentes servos:
cada letra identifica um deles. Por exemplo,
He
0 servo A cultiva uma faixa no campo 1, uma
SS
“Mg
¥ 4 no campo 2 e outra no campo 3.
Mes Se EL, 2
a8.

Modelo de um feudo, unidade de producao tipica da Idade Média. Ao lado, esquema de rotacao de culturas, em trés campos,
que propiciava cultivos diferentes e o descanso de cada um por dois anos.

112
O FEUDALISMO E O PERIODO MEDIEVAL

A sociedade feudal @ Talha: porcentagem da le das


Sa a eS tenéncias. Za
i Banalidade: tributo cobrado pelo uso
No feudalismo, a posse da terra era o de instrumentos ou bens do senhor,
critério de diferenciagdo dos grupos sociais, como o moinho, o forno, o celeiro, as
rigidamente definidos: de um lado, os senho- pontes.
res, Cuja riqueza provinha da posse territorial @ Capitagao: imposto pago por cada
e do trabalho servil; de outro, os servos, membro da familia servil (por cabega).
vinculados a terra e sem possibilidades de @ Tostdo de Pedro: imposto pago a lgre-
ascender socialmente. A esse tipo de socie- ja, utilizado para a manutengao da ca-
dade, estratificada, sem mobilidade, da-se o
pela local.
nome de sociedade estamental.
m Ma&o-morta: tributo cobrado na trans-
Assim, a sociedade feudal era composta
feréncia do lote de um servo falecido a
por dois estamentos, ou seja, dois grupos
seus herdeiros.
sociais com status fixo: os senhores feudais e
Os servos. Os servos eram constituidos pela | Ronmarage: taxa cobrada quando Oo
maior parte da populac¢ao camponesa, viven- camponés se casava.
do como os antigos colonos romanos — presos w Albergagem: obrigagao de alojamento é
a terra e sofrendo intensa exploragao. Eram fornecimento de produtos ao senhore€
obrigados a prestar servicos ao senhor e a sua comitiva quando viajavam.
pagar-lhe diversos tributos em troca da per-
missao de uso da terra e de prote¢do militar.
Embora a vida do camponés fosse mise-
ravel e ele se submetesse completamente ao
senhor, a palavra escravo seria imprdpria
decisées, diregao,
direitos
camada para designar sua condi¢do, uma vez que o
dominante
servo achava-se ligado a terra, nado podendo
ser dela retirado para ser vendido. Assim,
quando um senhor entregava sua terra a
outro, O servo apenas passava a ter um novo
amo, permanecendo, contudo, na mesma
tenéncia. De certo modo, isso lhe dava
alguma seguranga, pois, ao contrario do
escravo, 0 servo podia sempre contar com
um peda¢o de terra para sustentar sua familia,
ainda que precariamente.
camada produtiva, De maneira geral, clero, nobreza e servos
dominada pelos
senhores
eram os grupos definidores da hierarquia
feudal, havendo, entretanto, alguns grupos
sociais menores, cujo referencial era estabe-
lecido entre senhores e servos. Nesses grupos
encontram-se os vil6es, antigos proprietarios
Piramide feudal: auséncia de mobilidade social e dominancia
de uma minoria de senhores sobre a maioria da sociedade.
livres, embora permanecessem ligados a um
senhor. Na realidade, eram servos com
menos deveres e mais liberdades, com obri-
Principais obrigagoes servis gacdes quase sempre bem-definidas e que
ndo poderiam ser aumentadas segundo a
™® Corvéia: trabalho gratuito.nas terras
vontade do senhor.
do genhor (mango senhorial) em alguns
dias da semana. A terra tinha grande importancia na €poca
feudal, em decorréncia da escassez de moeda
A IDADE MEDIA

e de outras formas de riqueza. Assim, estimu- de resgate caso o suserano fosse feito prisio-
lou-se a pratica de retribuir servigos prestados neiro, como também a ajuda nas despesas
com a concessao de terras. Os nobres que as das festividades para a sagragao do filho do
cediam eram os suseranos e aqueles que as suserano como cavaleiro.
recebiam tornavam-se seus vassalos. Como a terra, ou seja, o feudo era a
Um cerimonial (homenagem) acompa- unidade basica do modo de produg¢ao, possuir
nhava a concessao do feudo (beneficium), terras e servos significava ter poder. O parce-
ocasiao em que 0 vassalo jurava fidelidade ao lamento das terras para a formagao de novos
suserano, comprometendo-se a acompanha- feudos originou, portanto, a fragmentagdao
lo nas guerras, assim como 0 suserano jurava, desse poder. Assim, teoricamente, o rei era o
em reciprocidade, protegao ao vassalo. En- suserano dos suseranos, diante do qual todos
fim, suserano e vassalo assumiam compro- os vassalos deveriam se curvar. Entretanto, na
missos de ajuda e consulta mutuas (auxilium pratica, a figura real exercia pouca influéncia
e consilium). nos dominios dos senhores feudais, sendo
cada um deles, de fato, a suprema autoridade
em seus territ6rios. Assim, para reforgar o
Muitas instituigdes romanas e ger- fragmentado poder local, havia as relagdes de
manicas foram importantes na estrutu- obriga¢6es reciprocas de suserania e vassala-
ragao da ordem feudal. A clientela, que gem (relacdes horizontais), fortalecidas pelas
estabelecia as relagdes de dependéncia relagdes de exploragdo e dependéncia entre
social entre 09 individuos na sociedade senhor e servo (relac6es verticais).
romana, constituiu a base sobre a qual A estruturagdo do feudalismo se fez em
sé desenvolveram as relagdes de depen- meio a guerras continuas, decorrentes das
déncia do mundo feudal (senhor-servo). invasOes dos barbaros e de suas constantes
O colonato, outra heranga romana, disputas pelo poder. Foi nessas circunstancias
impos a fixag4o do homem (colono) a que se formou a cavalaria medieval, cujo
terra. Instituido pelo governo imperial, o ideal de honra, lealdade e heroismo configu-
colonato originalmente objetivava conter rava um mito — o do “‘protetor’’, um invejado
o éxodo rural e a crise de abastecimento herdi da época.
provocada pela falta de mao-de-obra es-
crava. Os colonos, embora juridicamente
livres, nao podiam abandonar as terras,
submetendo-se a autoridade dos gran- —
des proprietarios rurais. Juntamente
com o precarium (entrega de terras a
um grande senhor em troca de protegao),
0 colonato constituiria a base da servi-
dao medieval. 0 comitatus, instituicZo
germanica que estabelecia a relagao de
lealdade entre os guerreiros e o chefe
tribal, foi o alicerce das relagoes feudais ;
de suserania e vassalagem.

A relagao de obrigacao reciproca entre


suseranos e vassalos fez da dependéncia a
caracteristica principal das relagGes sociais
feudais. Além das obriga¢gées militares, outros
deveres se incluiam nas relagGes entre suse- Pertencer a cavalaria era a aspiracdéo maxima do nobre na
ranos e vassalos, destacando-se 0 pagamento sociedade feudal.

114
O FEUDALISMO E O PERIODO MEDIEVAL

“Nos primeiros tempos [...] 0 cava- conveniente e adequada ao periodo: um


leiro era o combatente a cavalo, que mundo dividido em estamentos, necessaria-
servia a alguém em troca defavores. [...] mente desiguais. Leia as palavras de um
Por volta do século XII [...] tornar-se
religioso medieval: ‘‘Deus quis que, entre os
homens, uns fossem senhores e outros servos,
cavaleiro significava, antes de tudo,
de tal maneira que os senhores estejam
ascender a uma condigao social privilegi-
obrigados a venerar e amar a Deus, e que
ada, que estava rigorosamente separada
os servos estejam obrigados a amar e venerar
da massa desarmada, a quem o acesso a o seu senhor...’” (ANGERS, St. Laud de. In:
Ordem da Cavalaria estava barrado. Além FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documen-
disso, para ser cavaleiro era preciso ter tos de historia. Lisboa, Platano, 1975.)
posses suficientes para adquirir cavalo, Coube, assim, ao clero forjar a mentali-
armadura, espada e langa [...]. dade da época, reforgando o predominio dos
A importancia do cavaleiro, contudo, senhores feudais (clero e nobreza), justifican-
deve ser procurada [...] nas coisas mais do os privilégios estabelecidos e oferecendo
terrenas [...] pois defender os pobres 6 0S ao povo, em troca, a promessa do paraiso
pacificos desarmados significava antes celestial.
de tudo manté-los pobres e em paz, sem
condigoes, portanto, de lutar por seus
interesses. A propria montaria do cava-
leiro chegou a ser identificada com o
povo: no romance de Lancelot esta
escrito que ‘acima do povo deve situar-
sé 0 Cavaleiro. E, tal como se esporeia O
_ cavalo e aquele que esta acima dele o leva
onde quer, assim o cavaleiro deve guiar o
povo segundo a sua vontade’. [...]” —
MICELI, Paulo. O feudalismo. Sho Paulo, Atual/
Unicamp, 1986. (Colegao Discutindo a Historia, p.
/ Az2-5,)
oe / De hLT, iy eS

ovr eaarnin
a

O teocentrismo cristao
Sea
as ee aa

A lgreja crista tornou-se a maior institui-


¢ao feudal do Ocidente europeu. Sua incal- Pe
Si

2
NOL.
Be
me
:=)
eA
eo)
?
2
Ms
ae
Ds
=b:
ze
=
oe5 =
culavel riqueza, a solida organiza¢ao hierar-
quica e a heranga cultural greco-romana iS
if*
isSea
permitiram-lhe exercer a hegemonia ideold-
a
gica e cultural da época, caracterizada pelo
teocentrismo.
Atuando em todos os niveis da vida or
keof
social, a Igreja estabeleceu normas, orientou TS

comportamentos e, sobretudo, imprimiu nos


Ae Sancta
et

ideais do homem medieval os valores teold-


ec tnuocamue’te adoram te faudam te}
‘Neca

gicos, isto é, a cultura religiosa. Envolto pelo 4 dn.


idealismo religioso, o clero transmitia a Numa gravura da época, representando o céu (ao alto) e a
populagao uma visaéo de mundo que lhe era terra, religiosos e realeza defendem o cristianismo na terra.

16Ee)
A ALTA IDADE MEDIA

mbora ja tenhamos visto que, no cas que o distinguem dos demais modos de
feudalismo, os aspectos econdmicos produgao. Para efeito de andlise, considera-se
e sociais articularam-se aos aspectos que o feudalismo ‘‘classico” foi o francés, ja
culturais e ideolégicos, é preciso considerar que a maior parte dos componentes feudais
que o modo de produc¢4o feudal nao existiu podem ser encontrados na Franga medieval.
de maneira estanque e homogénea em todas Nos demais paises da Europa ocidental,
as regides da Europa, tendo sido, na realida- houve tanto variagdes, de acordo com o des-
de, um processo continuo, da ascensdo a de- dobramento histérico regional, como exce-
cadéncia. ¢6es — sociedades que nao se vincularam a
esse modo de produgao. Estas ultimas, entre-
Assumindo peculiaridades regionais, va- tanto, por serem exce¢Ges, em nada afetam o
riagdes particulares, o feudalismo, entretanto, conjunto predominante, de estrutura hege-
conservou sempre o conjunto de caracteristi- ménica feudal.

RRA
(do século V ao X)
m formagao do feudalismo
m decadéncia
do comércio
m ruralizacdo econémica —
w fortalecimento do poder local
exercido pelos senhores feudais
mwascensao da Igreja e da
cultura teocéntrica
@ Europa invadida por povos
barbaros; mais tarde, por arabes,
vikings, etc.
Principais caracteristicas da
Alta e Baixa Idade Média.
A ALTA IDADE MEDIA

Foi a partir do século V, com a queda do


Império Romano do Ocidente, que se acele-
rou definitivamente 0 processo de formacdo
do mundo feudal, tendo inicio a Alta Idade
Média. As tendéncias desse periodo, como ja
apontamos, tém suas raizes no colapso do
mundo escravista romano, cujo desfecho foi a
ocupa¢gao de Roma pelos barbaros hérulos,
em 476. Embora as invas6es barbaras tenham
sido decisivas para a queda do Império, o
éxito dessas expedicdes esta intimamente
relacionado com a fragilidade militar, vivida
por Roma nesse periodo.

As migracoes barbaras
=i“
i’ CLC Cr EET

Para os romanos, barbaros eram os povos Combates entre barbaros e romanos.

que nao estavam subordinados ao Império,


que nao falavam o latim, que habitavam além A partir do século |, com a expansdo do
das fronteiras imperiais; eram, portanto, os Império, os contatos entre barbaros e roma-
“nao-romanos”. Seu modo de produ¢ao era nos se intensificaram e profundas transforma-
bastante primitivo: praticavam uma economia ¢des foram se operando na sociedade cole-
amonetaria e natural, vivendo da cac¢a, da tivista dos ‘‘nado-romanos”. A terra tornou-se,
pesca e, principalmente, dos despojos de entao, privada, devido ao enriquecimento de
guerra. Alguns povos sobreviviam do pasto- algumas familias. A desigualdade social co-
reio ou da agricultura rudimentar; a terra era, megou a acentuar-se, surgindo uma aristo-
em geral, propriedade coletiva. cracia dedicada unicamente as atividades
bélicas e uma camada de camponeses que
Principais grupos barbaros trabalhavam as terras.
® Tartaro-mongdis: de origem asiatica, Foram as tribos asiaticas, principalmente
compreendiam as tribos dos hunos, a dos hunos, que, dirigindo-se para o Oci-
turcos, bilgaros, hingaros, etc. ‘dente a procura de terras férteis, pressionaram
outros barbaros a penetrar no Império Roma-
@ Eslavos: oriundos da Europa oriental e
no. Estes, por temerem os hunos, contribui-
da Asia, compreendiam os russos, 06
ram para acelerar a contragao do Império
poloneses, 05 tchecos, 06 sérvios, etc.
Romano, ora aliando-se aos romanos contra
™ Germanos: de origem indo-européia,
as ameac¢as de outros grupos barbaros, ora
compreendiam varias nagdes, como os tornando-se seus colonos.
visigodos, 09 ostrogodos, 08 hérulos, A crise geral que se abatia sobre a parte
0S anglos, 0S Saxdes, 05 francos, etc. ocidental do Império, agravada pelas cons-
tantes ameacas de invas6des barbaras, deter-
Os barbaros nao conheciam um Estado minou que, em 395, o imperador Teodésio o
organizado, constituindo nagées divididas em dividisse em dois: o Império Romano do
tribos. Como a maioria desconhecesse a es- Oriente, também chamado Bizantino, que
crita, a vida social era orientada-por leis con- sobreviveu até 1453; e o Império Romano do
suetudinarias (baseadas nos costumes) trans- Ocidente, vitima das crises e das pressGes
mitidas oralmente. Sua religido era politeista, crescentes das tribos barbaras, que sucumbiu
e cultuavam seus ancestrais. em 476.
A IDADE MEDIA

7] lmpério Roman
— do Oriente
a ==> Visigodos
_| == Burgundios
==> Vandalos
m= Ostrogodos
| === Lombardos
| => Francos
mmmip- Anglos, saxdes,
jutos

Pressionados principalmente pelos hunos, as diversas tribos germanicas avancaram e partilharam o Império Romano do
Ocidente.

A atividade mercantil, embora em franco


O trecho abaixo, do historiador Fer- declinio, manteve-se até o século VIII, quan-
dinand Lot, pode ajuda-lo a compreender do os arabes, invadindo a peninsula Ibérica,
melhor as transformagdes que se opera- fecharam a mais importante via comercial
vam na Europa, na Alta Idade Média, do- ocidental da época — o mar Mediterraneo.
minada pelos barbaros germanicos eé Com a obstrucao do Mediterraneo, intensifi-
fragmentada em reinos quase sempre cou-se 0 processo de ruralizagdo da Europa
-frageis e efémeros. — ocidental, acentuando-se as caracteristicas do
“[..] O mundo contemplado pelos feudalismo. Ao mesmo tempo, no lado ori-
homens do século VIl é completamente ental, crescia sob bases inteiramente diferen-
diverso daquele que haviam tido sob os tes uma sociedade rica, marcada por influ-
olhos os homens dos séculos III ou IV: nao éncias diversas — a sociedade bizantina —, que
mais existe o Império Romano, salvo no seria subjugada somente no século XV, por
Oriente, e sob uma forma que nao é lati- invas6es de turcos-otomanos.
na; nagoes novas o invadiram, encontran-
do-se, elas mesmas, ameagadas por ou-
tros povos novos mais ferozes e mais
estranhos ainda; linguas, leis, habitos 0 Império Romano do Oriente
novos sé impuseram [...]. Os deuses mor- .C_ti—“‘#R=_—hEU™mUMdhCr
Ct C__—Cis _==_ i
reram, mortos pelo Deus Unico, cujos
mandamentos impdem uma regra de vida No final da Antiguidade, a cidade de
t&o nova que dai em diante o mundo ter- Constantinopla, hoje Istambul, transformou-
reno passara para o segundo plano. [...]” se no principal centro econdmico-politico do
que restou do Império Romano. Foi edificada

118
A ALTA IDADE MEDIA

no mesmo local em que existira a antiga O Império Bizantino preservou muitas


colénia grega de Bizancio, entre os mares das instituigdes latinas, Como as normas
Egeu e Negro, pelo imperador Constantino, politicas e administrativas, bem como o latim,
que, por razdes de ordem estratégica e eco- adotado como lingua regular. Neste caso,
ndmica, converteu-a na nova capital do Im- entretanto, a preponderancia cultural dos
pério. gregos orientais acabou por impor-se, levan-
Com uma localizacao privilegiada (entre do o grego a ser reconhecido como lingua
o Ocidente e o Oriente), desenvolvia um oficial no século VII.
ativo comércio com as cidades vizinhas, além Uma caracteristica marcante da civiliza-
de possuir uma promissora produ¢ao agrico- ¢do bizantina era o papel do imperador, que
la, oOque a tornava um centro rico e forte, em comandava o exército e a lgreja, sendo
contraste com 0 restante do Império Romano, considerado representante de Deus e pos-
estagnado e em crise. Apds a divisdo do suindo grande poder. Era auxiliado por um
Império, Constantinopla passou a ser a capital numero enorme de funcionarios, 0 que
da parte oriental, concretizando-se a com- tornava a burocracia uma parte importante
pleta autonomia do que restara do grande da organizagao administrativa e social.
império latino. O mais célebre governante do Império
O Império Romano do Oriente, alicer¢a- Bizantino foi Justiniano (527-565), que am-
do num poder centralizado e despotico, pliou as fronteiras do Império, empreendendo
caracterizou-se por um intenso desenvolvi- expedicdes que chegaram a peninsula Itdlica,
mento do comércio, por meio do qual foi a peninsula Ibérica e ao norte da Africa.
possivel obter recursos para resistir as inva- Entretanto, excetuando a peninsula Italica, as
sdes barbaras. A produ¢ao agricola, por sua demais conquistas foram efémeras, em virtu-
vez, desenvolvia-se em grandes extensdes de de do aparecimento dos arabes na Africa e na
terra, utilizando o trabalho de colonos livres e peninsula Ibérica. Como veremos, 0 expan-
de escravos, situagdo inversa da que ocorreu sionismo arabe foi rapido e vitorioso nessas
com a produc¢do rural feudal do Ocidente. regides a partir do século VII.

] Império na abdicagao de
~ Diocleciano (305)
{ZA Reconquistas de Justiniano
Império na época da morte de
va Justiniano (565)
8 oe ail:

O Império Bizantino alcangou sua maior extensao com Justiniano, no século VI.

119
A IDADE MEDIA

A obra de Justiniano, no entanto, 6 muito “Nike” (vitéria), de uso constante nas


mais importante no plano interno do que no disputas do hipddromo, tornou-se o grito
externo. Entre 533 e 565, por sua iniciativa, incessante dos revoltosos. O imperador
realizou-se a compilagao do Direito romano, chegou a organizar sua propria fuga,
organizado em partes: Codigo (conjunto de temendo que nado lhe restasse outra
leis romanas desde o século Il), Digesto
alternativa senao abandonar o trono e
(comentarios dos grandes juristas a essas leis),
salvar a vida. S6 ngo o fez por interven- —
Institutas (principios fundamentais do Direito
romano) e Novelas (novas leis do periodo de
co da imperatriz Teodora, que ugou das
Justiniano).
seguintes palavras: “Aqueles que cingi-
ram a coroa nao devem sobreviver a sua
O conjunto desses trabalhos resultou perda. Se quiseres fugir, 0 César, podes
num dos maiores legados do mundo romano: fazé-lo, pois tens navios e dinheiro. Eu, ao
o Corpo do Direito Civil (Corpus Juris Civilis), contrario, fico. Gosto da maxima que diz —
que serviu de base aos cddigos civis de ser a purpura uma bela mortalhal”.
diversas nagGes nos séculos seguintes. Essas
leis definiam os poderes quase ilimitados do ~ Convencido a ficar, Justiniano deci- —
imperador e protegiam os privilégios da Igreja diu reunir o exército, cujo comando foi —
e dos proprietarios, marginalizando a grande entregueao general Belisario, e massa-
massa de colonos e escravos. A burocracia crou a revolta popular, impondo a ordem —
centralizada, os pesados impostos e os gastos imperial. | Pathe h
militares fizeram com que a politica de
Justiniano acabasse encontrando séria oposi-
¢do em alguns setores populares, levando a
ocorréncia de revoltas, violentamente repri- No campo cultural, Justiniano distinguiu-
midas. se, ainda, pela constru¢do da igreja de Santa
Sofia, consolidando um estilo arquiteténico
peculiar — o bizantino —, cuja monumenta-
lidade simbolizava o poder do Estado asso-
Justiniano foi casado com a atriz e ciado a forca da Igreja cristé. Mais de dez
cortesa Teodora, famosa por sua beleza mil pessoas trabalharam na sua constru¢do
eé atuagao teatral e transformada na
e, numa manifestagao de magnificéncia,
mais importante conselheira do impera- Justiniano chegou a aponta-la como superior
ao Templo de Jerusalém, da época de
dor. Num dos momentos mais criticos do
Salomao.
reinado de Justiniano, foi Teodora quem
se impds e apontou a melhor saida. Tal
fato aconteceu na chamada “Sedigao de O cristianismo no Império Oriental mes-
Nike”, em que grupos populares protes- clou-se com valores culturais locais, adqui-
tavam contra varios impostos estabele- rindo caracteristicas proprias, muito diferen-
cidos pelo governo. A manifestagao co- tes das do cristianismo ocidental. A predomi-
megou no hipddromo, local de espetacu- nancia da populacdo grega e asiatica impri-
los, inspirado no Circo Maximo de Roma, mia especificidades a religiado crista bizantina
com capacidade para sessenta mil es- como, por exemplo, o desprezo por elemen-
pectadores, onde eram disputadas corri- tos materiais (0 culto a imagens), exaltando-se
das de carros, e estendeu-se por toda
unicamente a espiritualidade, componente
tipico da religiosidade oriental. Como decor-
Constantinopla.
réncia, surgiram dentro da propria Igreja
As desordens promovidas pelos oriental correntes doutrinarias — as heresias
manifestantes se alastraram pela cida- — que questionavam os dogmas da doutrina
de, com incéndios e saques, € a palavra crista pregada pelo papa de Roma, como as
dos monofisistas e dos iconoclastas.

N
A ALTA IDADE MEDIA

A agitagdo popular provocada pelas he-


resias levou os imperadores bizantinos a
adotarem uma constante politica de interven-
¢ao nos assuntos eclesidsticos, caracterizando
O que se denomina cesaropapismo: a supre-
macia do imperador sobre a lgreja.
As profundas divergéncias entre o cristia-
nismo ocidental, orientado pelo papa, e o
cristianismo peculiar do Oriente, cujo maior
expoente era o patriarca de Constantinopla,
culminaram no rompimento da Igreja bizan-
tina com a Igreja de Roma.
Esses movimentos acabaram por consu-
mar, em 1054, o Cisma do Oriente, quando o
patriarca de Constantinopla, Miguel Ceruld-
rio, proclamou a autonomia total da Igreja
oriental, acusando o papado de distanciar-se
das pregacées originais de Cristo e de seus
apostolos. Com a cisao, surgiram duas Igrejas:
a Igreja Ortodoxa, subordinada ao Patriarca-
do de Constantinopla, e a Igreja Catdlica
Igreja de Santa Sofia, a mais expressiva obra da arquitetura Apostdlica Romana, dirigida pelo Papa.
bizantina, onde foi coroada a maioria dos imperadores Apés 0 auge do governo de Justiniano, 0
bizantinos pos-Justiniano.
Império Bizantino entrou em lenta decadén-
cia. Essencialmente urbana, apoiada num
poderoso comércio, a sociedade bizantina
As heresias eram praticas religio- comecgou a sofrer, a partir do século X,
sas consideradas ofensivas a “verdadei- crescentes pressOes desagregadoras. Com a
ra” religiao, manifestagoes que se afas- retomada das atividades comerciais no Oci-
tavam da religiao oficial. As principais dente, Bizancio foi alvo da ambigdo das
heresias bizantinas foram: cidades italianas, como Veneza, que a sub-
® Monofisistas, cujos adeptos defen- jugou, transformando-a num entreposto co-
diam que Cristo possuia apenas uma mercial sob explora¢ao italiana. Mesmo antes
natureza divina, espiritual. Negavam o disso, o Império Bizantino ja vinha perdendo
dogma ocidental da Santissima Trin- territorios, sofrendo o cerco progressivo, ora
dade (Pai, Filho e Espirito Santo) re- dos barbaros, ora dos arabes, em expansdo
presentando Deus. Esse movimento nos séculos VII e VIII.
iniciou-se no século V e atingiu seu A partir do século XIII, as dificuldades do
apogeu no reinado de Justiniano. Império se multiplicaram, ja nao existindo um
® Iconoclastas, cujos seguidores empe- Estado suficientemente forte e rico para
nhavam-se em destruir imagens (ico- enfrentar as constantes incurs6es estrangeiras.
nes), fato que refletia a forte espiri- No final da Idade Média, por sua posigao
tualidade da religiao crista oriental. No estratégica, foi 0 ponto mais ambicionado
inicio do século VIII, o imperador Leo Ill, pelos turcos-otomanos, que em 1453 final-
buscando conter a forga do clero e sé mente atingiram seus objetivos, derrubando
opor ao Ocidente cristao, decretou ser as muralhas de Bizancio e pondo fim 4 exis-
proibido o uso de imagens de Deus, de
téncia do Império Romano do Oriente.
Cristo ou de santos nos templos, A queda de Constantinopla serviria como
obtendo forte apoio popular. marco cronolégico para o fim da Idade Média
e o inicio da Idade Moderna.

i)
A IDADE MEDIA

1 HUNGRIA ol DAY
VALAQU lA
BOSNIA — ‘Rio pani?

(23) Império Turco-Otomano


(8 Possessées bizantinas

Em 1453, a cidade de Constantinopla foi tomada e transformada na capital otomana com o nome de Istambul.

Meca, além de importante centro de con-


A expansao arabe vergéncia das caravanas de mercadores pro-
EE
___-____--_— = Z|
cedentes da Africa, do Extremo Oriente e de
Na peninsula Arabica, cinco sextos do outras regides, era também o principal centro
territ6rio correspondem a areas desérticas, s6 religioso da Arabia. Desde o século V, todos
havendo condi¢6es propicias para a concen- os anos para la se dirigiam os arabes das
cidades e os beduinos, a fim de visitar a
tragdo humana nos oasis e nas proximidades
do mar, especialmente nas regides do lémen Caaba, santudrio que abrigava as imagens de
e Hedjaz (margem arabica do mar Vermelho).
todos os deuses cultuados pelas diversas
tribos arabes. A Caaba, assim como a cidade
Até o fim do século VI, a populacado
de Meca, era administrada pelos coraixitas,
arabe, de origem semita, vivia dividida em
aproximadamente trezentas tribos constitui- tribo de aristocratas cujo poder e prestigio
das pelos beduinos e pelas tribos urbanas. Os advinham dessas peregrinacées e do controle
beduinos eram tribos do interior que vagavam do comércio das caravanas.
pelo deserto em busca de um oasis onde Até o século VII, a regido da Arabia
pudessem alimentar seus rebanhos e viviam desconhecia Estados organizados, sendo as
em guerras constantes, fazendo do saque o tribos beduinas e urbanas, chefiadas pelos
principal recurso para a sua sobrevivéncia. As xeques (sheiks), a Unica forma de organiza¢gao
tribos urbanas, diferentemente, eram os ha- politica que os arabes conheciam. Uma das
bitantes da faixa costeira do mar Vermelho e raz6es para essa desagregacdo politica é que,
do sul da peninsula, cujas condi¢6es clima- apesar da tradigdo comum da Caaba, da
ticas e fertilidade do solo favoreciam sua so- lingua e da cultura em geral, os povos arabes
brevivéncia. Nessas regides, mais propicias a envolviam-se em constantes guerras que
sedentariza¢ao, surgiram cidades como Meca prejudicavam e impunham a necessidade da
e latreb (futuramente Medina), que se torna- unificagao da Arabia, cujo principal persona-
ram grandes centros comerciais da Arabia. gem foi Maomé (Muhammad).

A22
A ALTA IDADE MEDIA

Condenando a idolatria da Caaba, moti-


vo da peregrina¢ao anual dos arabes a Meca
e fonte de grandes lucros, o islamismo
colocava em risco 0 dominio dos coraixitas.
Por isso, Maomé foi perseguido, sendo obri-
gado, em 622, a fugir para latreb. Essa fuga,
chamada de hégira, marca 0 inicio do calen-
dario arabe.

O islamismo

O islamismo, ou Islao (que significa


“submissao a Ala”), tem por base o Co-
rao, ou Alcorao, livro sagrado dos mucul-
manos, ou maometanos. O Cordo cons-
titui uma espécie de cddigo de moral e
justiga, definindo também normas de
comportamento social. Entre as determi-
nagdes esta o Hajj, ou peregrinagdo a
Caaba pelo menos uma vez na vida, desde
que a saide e os meios permitam, orar
cinco vezes ao dia voltado para Meca, je-
juar no més de Ramada (més da hégira),
dar esmolas e guardar as sextas-feiras.
Vale observar que as palavras "arabe" e
"mugulmano" nao 640 sindnimas. Os ara-
oe
”Mowe
Ramnee
i
t
bes 9a0 um povo semita que ocupa,
principalmente, a peninsula Arabica, e a
palavra mugulmano designa aqueles que
seguem a religiao mugulmana ou islamica,
sejam eles arabes ou nao.

Em latreb, Maomé conquistou grande


Acima, gravura arabe representando a Caaba, até hoje
popularidade, tornando-se em pouco tempo
localizada na cidade de Meca (foto abaixo). governador da cidade. Em sua homenagem, o
proprio nome desse centro comercial foi
Membro da tribo coraixita, mas oriundo alterado para Medina, que significa “cidade
de familia pobre, a hashemita, Maomé nas- do profeta’’. Posteriormente, contando com o
ceu em Meca, em 570, e desde a infancia apoio dos comerciantes de Medina e utili-
participou de caravanas comerciais pelo zando os beduinos como combatentes, Mao-
deserto, tomando contato com as varias mé converteu-se em chefe guerreiro.
crengas religiosas da regido, especialmente Depois de varios confrontos, Maomé
as monoteistas do judaismo e do cristianismo. conseguiu conquistar Meca em 630, estabe-
Em 610, apds longos anos de medita¢ao, lecendo, assim, a unificagdo politica e reli-
Maomé, dizendo-se profeta, iniciou um tra- giosa da Arabia. Preservou a Caaba e um dos
balho de pregacao religiosa, revelando ao seus principais fdolos — a pedra negra. Segun-
mundo arabe o islamismo, religido que do a tradi¢ao arabe, esta pedra fora oferecida
condenava o politeismo e apresentava um por Deus ao filho de Abrado, e era branca,
sincretismo dos dogmas cristaos e judaicos, escurecida pelos pecados e beijos dos mi-
considerando Ala o unico Deus. Ih6es de peregrinos.

125
A IDADE MEDIA

Maomé morreu pouco depois da con- usando a pregacdo religiosa segundo seus
quista de Meca, em 632, deixando os arabes interesses econdmicos. Assim, O governo
unidos no ideal comum de realizar a djihad passou a ser exercido pelos califas, que eram,
("empenho a causa islamica", termo que tem a um s6 tempo, chefes religiosos e politicos.
sido mais usado como sindnimo de ‘guerra A expanséo do Império, motivada pelo
santa’’), que consistia na luta pela conversao crescimento populacional e escassez de ter-
dos “‘infiéis’’ (nado-islamicos) e que, nas ras férteis e legitimada ideologicamente pela
décadas seguintes, propiciaria a expansao djihad, iniciou-se com a conquista de territo-
islamica. rios bizantinos e persas. Posteriormente, sob a
Apos a morte de Maomé, seus primeiros dinastia omiada (661-750), iniciou-se a ex-
seguidores da hégira, seus aliados de Medina pansdo para o Ocidente, a qual atingiu seu
e as principais familias de Meca decidiram Apice quando Gibral Tarik (711) atravessou 0
que o sucessor seria Abu Bakr, sogro e adepto estreito entre a Africa e a Europa, que recebeu
de Maomé. A sucessao foi dificil, iniciando seu nome — Gibraltar. Penetrando na penin-
duras disputas pelo poder arabe. sula Ibérica e subjugando grande parte dos
Desde a sucessdo do Profeta, a aristocra- visigodos, os arabes so seriam barrados em
cia mercantil de Medina e de outras cidades 732 pelo franco Carlos Martel, na batalha de
arabes iniciou uma forte politica de expansdo, Poitiers, nos Pireneus.

eee Conquistas durante a vida de Maomé


_| Conquistas dos califas

A expansao muculmana alcancou, no Oriente, a fronteira com a China e, no Ocidente, conquistou a peninsula Ibérica,
controlando todo o mar Mediterraneo.

Em 750, a dinastia omfada foi derruba- Cérdova, na Espanha. E nesse panorama


da, assumindo o poder a dinastia abdssida. que se encaixa a Guerra de Reconquista da
Com os califas abdssidas, iniciou-se o peninsula Ibérica, iniciada no século VIII, e
periodo de decadéncia do Império Islamico. as Cruzadas cristas contra os muculmanos,
Conflitos politicos e religiosos conduziram no século XI.
ao seu desmembramento em califados inde- A ruina do Império tem suas origens na
pendentes, os quais sofreriam pressGes cres- perda da unidade religiosa, quando ganha-
centes de reconquista por parte dos cristaos ram forga algumas seitas islamicas divergen-
europeus: califado de Bagda, na Asia; tes, destacando-se a dos sunitas e a dos xiitas.
califado do Cairo, no Egito; califado de Os primeiros eram partidarios de um chefe de

124
A ALTA IDADE MEDIA

Estado eleito pelos crentes e sustentavam que Castela, Navarra e Aragaéo. Em 1492, os
o Sunna, livro dos ditos e atos de Maomé, era muculmanos foram definitivamente expulsos
uma importante fonte de verdade para o da peninsula, quando os espanhdis conquista-
islamismo. Os xiitas, por sua vez, defendiam ram Granada, 0 ultimo reduto arabe na Europa.
um ideal absolutista de Estado, tendo como
chefe religioso e politico um descendente do
Profeta, s6 admitindo o Cordo como fonte de
ensinamentos. A cultura muculmana

As conquistas intelectuais dos arabes,


A designagao xiita para a faccgZo
também chamados de sarracenos, foram con-
radical do islamismo originou-se no tempo
sequiéncia da grande expansao por eles reali-
do Califa ‘Ali ibn Abi Talib, primo e genro de zada, a qual lhes possibilitou o contato com as
Maomé e casado com sua filha Fatima. mais diversas civilizagées da €poca, como a
“Achava-se que ‘Ali € seus herdeiros bizantina, a persa, a indiana e a chinesa.
tinham recebido por transmissao de Mao- Ao contrario do que quase sempre acon-
mé uma qualidade especial de alma e um teceu em outros impérios, e que se supde
conhecimento do significado profundo do também para os sarracenos, 0s povos con-
Corao, que eles chegavam a ser em certo quistados pelos arabes eram respeitados,
sentido mais que humanos; um deles se podendo conservar seus costumes e crenc¢as.
ergueria para inaugurar o governo da Essa tatica foi extremamente benéfica aos
justiga. Essa expectativa do advento de sarracenos, pois lhes permitiu assimilar o
um mahdi, ‘aquele que é guiado’, surgiu cedo patrim6nio cultural de outras civilizagdes,
na historia do|sla. Em 680, o segundo filho enriquecendo-o com contribui¢ées prdprias.
de ‘Ali, Hugayn, mudou-se para o lraque Seu universo cultural adquiriu, assim, confi-
com um pequeno grupo de parentes é gurac¢6es originais, as quais muito influencia-
dependentes, esperando encontrar apoio riam a cultura medieval européia.
em Kufa e arredores. Foi morto num A arquitetura é considerada a mais im-
combate em Karbala, no lraque, e sua
portante das artes sarracenas, destacando-se a
construgao de palacios, mesquitas e escolas.
morte iria dar a forca da meméria dos
martires aos partidarios de ‘Ali (os shi'at
‘Ali, ou xiitas).” :
HOURANI, Albert Habib. Uma historia dos
povos arabes. S40 Paulo, Companhia das
Letras, 1994. p. 49.

No Oriente, invas6es sucessivas contri-


buiram para arruinar o Império: 0 califado de
Bagda, governado por um abassida, subme-
teu-se, em 1057, ao poder temporal assumido
por um sultao seldjdcida; em 1258, com a
conquista de Bagda pelos mongéois, terminou
o dominio da dinastia abassida. Finalmente,
no século XV, os turcos-otomanos — conver-
tidos ao islamismo — conquistaram a parte
oriental do antigo império mugulmano, im-
pondo completa hegemonia na regido.
Na peninsula Ibérica, a Guerra de Recon-
quista, iniciada pelos cristaos em 718, favore- Os arabes deixaram suas marcas na arquitetura da Espanha.
Na foto, o palacio da Alhambra, na cidade de Granada.
ceria a formacao de alguns reinos, como Ledo,

125
A IDADE MEDIA

Suas formas e ornamentos revelam profunda Na filosofia, preservaram-se os conheci-


influéncia bizantina e persa. Entre os princi- mentos de Aristdteles e de Platao, os quais
pais elementos arquitet6nicos contam-se as serviram de base para as realizagdes de
ctipulas, os minaretes, os arcos em ferradura e Avicena e de Averrdis (1126-1198). Estes
as colunas torcidas. Na decora¢ao, encontra- influenciaram sobremaneira o Ocidente euro-
mos uma profusdo de motivos geométricos e peu, especialmente durante a efervescéncia
vegetais. cultural da Baixa Idade Média.
A literatura mugulmana recebeu grande
contribuigao dos persas, cuja presen¢a se
manifesta em obras como O livro dos reis, do
poeta Al-Firdausi, o Rubayyat, de Omar
Khayyam, e As mil e uma noites, coletanea de
contos eréticos, fabulas e aventuras, derivados
das literaturas de diversos povos orientais.
A ciéncia foi um campo destacavel da
cultura arabe. Apoiados no legado grego,
aprofundaram os estudos cientificos, tornan-
do-se notaveis matematicos, fisicos, astr6no-
mos, quimicos e médicos. E mérito dos arabes,
por exemplo, a adapta¢ao do sistema numéri-
co indiano ao arabico, originando o sistema de
numerac¢ao indo-arabico, amplamente utiliza-
do no Ocidente. Realizaram ainda grandes
progressos na trigonometria e na algebra.
Desenvolvendo pesquisas sobre a refragao da
luz, criaram os fundamentos da dptica. Avicena, grande médico arabe, ajudou a difundir no
Os estudos de alquimia, que buscavam Ocidente europeu os conhecimentos dos classicos gregos.
descobrir a “‘pedra filosofal’”” (substancia que
transformaria metais em ouro) e o elixir da O conhecimento das ciéncias econdmi-
longa vida, permitiram aos arabes descober- cas muito contribuiu para o desenvolvimento
tas importantes para a quimica, sobretudo de do Império Arabe, pois ofereceu suporte as
substancias como o carbonato de sddio, o transagdes comerciais, regulamentando as
nitrato de prata, os acidos nitrico e sulftrico, cartas de crédito, as companhias de acées,
o alcool e muitas outras. Seriam os arabes, etc. Assim, progrediram os grandes centros
ainda, os primeiros a descrever os processos manufatureiros, como Mossul, que fabricava
de destilacao, filtragdo e sublimacao. tecidos de algoddo; Bagda, que produzia
artefatos de vidro, jdias, cerdmicas e sedas;
Na medicina, realizaram significativos
avan¢os, como a descoberta da natureza Damasco, voltado para a producdo de aco;
contagiosa da tuberculose e o diagndstico Marrocos, que manufaturava couro; e Toledo,
de doengas como o sarampo. Avicena (980- confeccionando espadas.
1037), 0 mais famoso médico da época
medieval, foi o autor do Canon, obra de “Nos séculos X eé XI, as grandes ci-
ampla circulagao na Europa até o século XVII. dades dos paises islamicos eram as
A investigacao cientifica abrangia ainda maiores da metade ocidental do mundo.
outros campos do conhecimento, como a Os numeros n&o podem passar de esti-
historia, a filosofia e a economia. No final da mativas aproximadas, mas nao parece
dinastia abassida, havia mais de seiscentos impossivel, com base na area da cidade e
historiadores arabes, destacando-se Ibn-Kal- ho numero e tamanho de seus prédios
dum, o primeiro a enfatizar a importancia dos publicos, que no inicio do século XIV 0 Cairo
fatores materiais na explicagdéo do suceder
hist6rico.
tivesse um quarto de milhao de habitan-

iS)
A ALTA IDADE MEDIA

tes; durante esse século, a populacao mento de germanicos para integrar legides do
encolheu, devido a epidemia de peste exército romano. Inicialmente, os contatos
conhecida como Peste Negra, e levou foram pacificos: os confrontos armados e as
algum tempo para voltar as suas dimen- guerras envolvendo romanos e barbaros
50e5 anteriores. O numero as vezes dado ocorreram somente no final do Baixo Império.
para Bagda durante o periodo do maior Assim, apesar das diferencas culturais entre
poder abacida, um milhZo ou mais, é quase eles, romanos e germanicos conviveram, até
certamente demasiado grande, mas deve o século III da era crista, em relativa paz.
ter sido uma cidade de tamanho compa- Todavia, a partir do século IV, estenden-
ravel pelo menos ao do Cairo; em 1300 do-se aos séculos V e VI, os dominios do
declinara muito, devido a decadéncia no outrora poderoso Império Romano foram
sistema de irrigagao no campo circun- sendo sucessivamente invadidos por tribos
dante e a conquista e saque da cidade germanicas, as quais deram origem a diversos
pelos mongdis. Cordoba, na Espanha, reinos romano-germanicos.
também deve ter sido uma cidade dessas
dimensdes. Alepo, Damasco e Tinis podem
Principais invasoes barbaras do seculo
ter tido populagdes da ordem de cinglienta
lV ao VI
a cem mil habitantes no século XV. Na
Europa Ocidental, nessa época, nao havia 378: Os visigodos vencem a batalha de
cidade do tamanho do Cairo: Florenga, Andrinopla, onde morre Valente, o
Veneza, Milao e Paris podiam ter cem mil imperador romano.
habitantes, enquanto as cidades da |n-
glaterra, Paises Baixos, Alemanha e Euro- 403: Os visigodos tomam a Grécia e
pa Central eram menores.” dirigem-se para a Italia.
406: Os ostrogodos sao derrotados por
HOURANI, Albert Habib. Uma historia
dos povos arabes. p. 125-6. Estilicao (general vandalo a servigo
de Roma) na Italia.
A10: Os visigodos, sob 0 comando de
A civilizagao islamica, assim como a bi-
Alarico, saqueiam Roma e abrem
zantina, influenciou profundamente o pensa-
mento e, em conseqiiéncia, a vida do Oci- 0S portdes da cidade, demonstran-
dente europeu. O intenso desenvolvimento do a fragilidade do \mpério.
econémico do Império Arabe afetou substan- 449: A Gra-Bretanha é invadida pelos
cialmente a Europa feudal no final da Idade anglo-sax6es é jutos.
Média, estimulando sobremaneira o comér-
451: Tropas romanas e germanicas fa-
cio. Os arabes levaram para o Ocidente nao
zem os hunos recuarem, apos a
s6 mercadorias, mas a filosofia grega, ha
batalha dos Campos Catalinicos.
muito esquecida, novas técnicas de agricul-
tura, invencgdes chinesas como a bussola, o 455: O rei dos vandalos subjuga a Italia
papel e a pdlvora, além de inimeras outras e devasta Roma.
contribuig6es. A76: Os hérulos, sob a chefia de Odoa-
cro, depdem o Ultimo imperador
romano, ROmulo Augusto, marcan-
do o fim do |Império Romano do
Os reinos germanicos da
Ocidente.
Europa feudal 493: Teodorico, rei dos ostrogodos, con-
Fein dil ASD sey DUES Nels CSCC SS LEaN eee
quista a Italia.
A penetragao barbara no Império Roma- 568: Os lombardos conquistam toda a
no principiou ainda na fase aurea de Roma, Italia setentrional.
quando Otavio Augusto comecou o recruta-
A IDADE MEDIA

[___] Visigodos
(9 Burgundios
Ostrogodos
| Anglo-sax6es

Os reinos germanicos no inicio da Alta Idade Média.

De todos os reinos barbaros surgidos na A alianca entre Clévis e a lgreja foi fun-
Europa no século V, apenas o dos francos foi damental para a unificagdo politica da Galia,
duradouro. Assim, enquanto o reino dos na medida em que fortaleceu a autoridade do
ostrogodos e dos vandalos foram conquista- rei e contribuiu para a fusdo entre conquista-
dos pelo Império Bizantino, e o dos visigodos dores e conquistados. Por outro lado, 0 apoio
pelos muculmanos, no século VIII, o Reino do rei possibilitou a Igreja libertar-se da
Franco consolidou-se nas terras da Galia, influéncia dos imperadores bizantinos e ga-
langando as bases do que viria a ser um nhar novos adeptos entre os barbaros da Eu-
grande império. ropa ocidental.
Durante a dinastia merovingia, consoli-
dou-se o processo de feudalizagdo da Europa
ocidental, intensificando-se a ruralizacdo da
economia e fortalecendo-se o poder dos gran-
0 reino dos francos des proprietdrios de terras. Como nao havia a
nogao de Estado, de bem publico, as terras do
Desde o século Il, os francos vinham reino eram constantemente distribuidas entre
invadindo as fronteiras romanas, acabando o clero e a nobreza, como recompensa por
por ocupar uma pequena porcao da Galia. A servicos prestados. Assim, a partir de meados
primeira dinastia dos francos, a merovingia, do século VII, os reis da dinastia merovingia
deve seu nome a Meroveu, herdi franco na foram perdendo autoridade, ficando sujeitos
batalha dos Campos Cataltnicos contra os aos senhores feudais. Esses reis ficaram co-
hunos de Atila. Contudo foi Clévis, neto de nhecidos como Reis Indolentes, devido a
Meroveu, que, através de campanhas milita- incompeténcia com que governaram.
res vitoriosas, Conquistou, na Galia, regides Nessa €poca, 0 poder foi sendo trans-
ocupadas por outros povos barbaros, anexan- ferido para os prefeitos (ou mordomos) do
do-as ao seu territério. Em 496, Clévis paldcio, verdadeiros primeiros-ministros. En-
converteu-se ao cristianismo, ganhando, as- tre esses prefeitos destacou-se Carlos Martel,
sim, 0 apoio do clero e da maior parte da que barrou a expansao dos arabes na Europa,
popula¢ao da Galia, constituida por cristaos. vencendo-os em Poitiers, em 732.

128
A ALTA IDADE MEDIA

¢6es e compromissos de lealdade para com o


rei-suserano. Assim, embora as forcas des-
centralizadoras continuassem atuando, devi-
do ao continuo processo de feudalizacao,
elas foram temporariamente controladas pela
forte centralizagao politica do governo de
Carlos Magno.
O éxito das campanhas militares de
Carlos Magno deveu-se, sobretudo, ao apoio
da Igreja, pois, paralelamente a expansao do
Reino Franco, efetuou-se a propagacao do
cristianismo. Com a ampliagdo de seus do-
minios, 0 Reino Franco tornou-se o mais
extenso da Europa ocidental, restaurando, em
parte, os limites do antigo Império Romano
do Ocidente, 0 que fazia renascer a concep-
¢ao de império. Assim, o papa Leao Ill,
movido por interesses como a difusdo do
cristianismo e o conseqiiente fortalecimento
da Igreja de Roma, coroou Carlos Magno
como o imperador do novo Império Romano
do Ocidente.

As conquistas de Clovis e o Reino Franco durante a dinastia


merovingia.

Em 751, 0 filho de Carlos Martel, Pepino,


o Breve, aproveitando-se do prestigio de seu
cargo de prefeito e obtendo o apoio papal,
dep6s o ultimo soberano merovingio, inician-
do a dinastia carolingia, cujo nome se deve
ao seu maior expoente: Carlos Magno. Em
retribuigdo ao apoio do papa, Pepino o
apoiou mais tarde na luta contra os lombar-
dos, cedendo ao papado o territdrio de
Ravena e reforgando, assim, 0 poder temporal
da lIgreja. Os territorios da Igreja, chamados
Patrimonio de Sao Pedro, deram origem aos
Estados Pontificios, que sobreviveram até a
unificagao italiana, na segunda metade do
século XIX.
Em 768, Carlos Magno, filho de Pepino,
assumiu o trono, governando até 814 e rea-
lizando inGmeras guerras de conquista, que
expandiram consideravelmente as fronteiras
do Reino Franco. Foi por meio dessas guerras
que Carlos Magno garantiu os lacos de
dependéncia entre o poder central e a nobre-
za: parte das terras conquistadas eram doadas
a aristocracia, que assumia em troca obriga- O imperador Carlos Magno, numa gravura da época.

Ae)
A IDADE MEDIA

ee

oe Territ6rio franco antes de Carlos Magno}


| (3) Conquistas de Carlos Magno de 768 a 814 | Para formar seu império,
Povos eslavos dominados Carlos Magno conquistou
territ6rios aos muculma-
nos e aos barbaros.

O Império Carolingio organizava-se em


foram divididos em capitulos, receberam
unidades politico-administrativas chamadas
condados e marcas. A maior parte das terras o nome de Capitulares. Em uma das
imperiais estava dividida em condados, cujos Capitulares, confirmando sua preocupa-
administradores — os condes — eram direta- gao com a questao do ensino, Carlos
mente nomeados pelo imperador e a ele Magno escreveu: “Cremos util que nos
ligados pelo juramento de fidelidade. As bispados € nos mosteiros se cuide nao
marcas, unidades de fronteira encarregadas somente de viver de acordo com as
da defesa do império, eram governadas pelos regras de nossa santa religido, mas
marqueses, que detinham grande poder mili- também de ensinar o conhecimento das
tar. Havia ainda os bar6es, que, de seus fortes letras aos que sejam capacitados de
localizados em pontos estratégicos, auxilia- aprendé-las com a ajuda do Senhor.
vam na defesa das fronteiras. Embora valha mais praticar a lei do que
Tanto os condados quanto as marcas conhecé-la, é preciso conhecé-la antes de
sujeitavam-se a fiscalizagao dos missi domi- pratica-la. Pelos escritos que varios
nici — os ‘‘emissarios do senhor” —, funciona- mosteiros nos remeteram, notamos que,
rios do imperador encarregados de conter os ha sua maior parte, 05 sentimentos sao —
abusos de condes e marqueses e de zelar pela bons, mas a linguagem é ma; assim, nds
aplicagao das leis imperiais, chamadas Capi- vos exortamos para que no vos descui-
tulares.
deis do estudo das letras, mas que vos
entregueis a ele com a maior energia”.
As Capitulares
Carlos Magno emitiu inimeros de-
cretos, considerados as primeiras leis O éxito politico e administrativo do
escritas da |dade Média ocidental. Sua reinado de Carlos Magno foi acompanhado
intengao era uniformizar a administracao de grande desenvolvimento cultural, incenti-
do grande Império Carolingio, respeitando vado pelo prdéprio imperador, denominado
suas tradigdes. Como esses decretos Renascimento Carolingio. Desde o final do
Império Romano, a cultura vinha sucumbindo

1350
A ALTA IDADE MEDIA

devido as guerras e invasdes dos barbaros.


Pepino, 0 Breve, nao sabia escrever o préprio
nome e Carlos Magno s6 o aprendeu em
idade adulta.

A reversdo desse quadro passou a ser


uma das metas de Carlos Magno, que reuniu
sdbios a fim de favorecer a instrucdo. Em co-
laboragao com a lgreja, deu novo impulso as
letras e as artes com a fundacao de varias
escolas, como a Escola Palatina, situada nas
dependéncias do proprio paldcio. Nessa
escola, dirigida pelo tedlogo e pedagogo
inglés Alcuino (735-804), ensinava-se grama-
tica, retorica, dialética, aritmética, geometria
e musica. Das escolas carolingias, a mais importante foi a Escola
Palatina.
A efervescéncia cultural dessa época pos-
sibilitou a preservagao de diversas obras da
Antiguidade greco-romana, pacientemente O tratado previa a divisao do Império em
copiadas pelos alunos das escolas eclesiasti- trés partes, rompendo-se a unidade imperial
Cas. conquistada por Carlos Magno. A Luis coube
a chamada Franga oriental, ou Germania
Apos a morte de Carlos Magno, em 814, (atual Alemanha); Carlos herdou a Fran¢a
O governo passou a ser exercido por seu filho ocidental (atual Franca); Lotario recebeu a
Luis, o Piedoso, que permaneceria no poder faixa de terras situada entre esses dois reinos
até 841. A sucessdo de Luis gerou grandes (do centro da atual Italia até o mar do Norte),
disputas entre os netos de Carlos Magno: que passou a se chamar Lotaringia.
Lotario, Carlos, o Calvo, e Luis, o Germanico. A divisao imposta pelo Tratado de Ver-
S6 depois de muitas batalhas que esgotaram o dun contribuiu para o enfraquecimento do
grande Império, os irmdos assinaram o Tra- poder real, favorecendo condes, duques e
tado de Verdun (843), a fim de solucionar a marqueses, que passaram a ter maior auto-
questao sucessoria. nomia.

| vee
7] Reino de Carlos — Franca
ae ocidental
| [J Reino de Lotério
] Reino de Luis — Franga
oriental ou Germania
| =mmp> Arabes
| sxx Vikings ou normandos
samp> Magiares ou hungaros
REINO DA —
HUNGRI
A IDADE MEDIA

Concretizava-se o feudalismo franco, re- Os reinos originados da fragmentagao do


forgado no século IX por novas invasoes Império Carolingio seguiram diferentes traje-
barbaras, que consolidariam definitivamente torias. Em 936, jd extinta a dinastia carolingia,
o feudalismo europeu. Os normandos, ou o trono da Germania foi ocupado por Oto |,
vikings, procedentes da Escandinavia, pene- ou Otao. Aliando-se a Igreja, Otao buscou a
traram no litoral europeu, fundando na Fran- politica de centralizagdo do poder. Expandiu
¢a O pequeno reino da Normandia. Posterior- para leste as fronteiras de seu reino, anexando
mente, invadiram também a Inglaterra, con- a Lotaringia 4 Germania. Em 962, foi coroado
quistando-a em 1066. imperador do Ocidente pelo papa Joao XIl,
surgindo assim o Sacro Império Romano-
Germanico. Apds sua morte, em 973, 0
Império submeteu-se completamente ao feu-
dalismo.
Na Franga ocidental, os carolingios en-
fraqueceram-se tao profundamente apés Ver-
dun que, em 987, Hugo Capeto, conde de
Bayeux.
de
Tapegaria
Paris, encerrava essa dinastia, iniciando uma
nova fase da politica francesa, tipica da Baixa
Idade Média.

A Igreja: a maior instituicao


medieval
EI I
Os vikings, povo guerreiro do norte da Europa, também
invadiram territérios do antigo Império Carolingio.

O cristianismo tem suas raizes na antiga


Palestina, remontando a época do Alto Impé-
rio Romano. Originou-se de outra religido
Outros povos invasores foram os magia-
monoteista — 0 judaismo — que profetizava a
res, descendentes dos hunos, que, das estepes
vinda do Messias, 0 salvador do povo judeu.
asidticas, alcan¢aram a Europa oriental. Sur-
Jesus Cristo nasceu em Belém, cidade da
giram também os arabes, que desde o século
Judéia, durante o governo de Otavio Augusto.
Vill haviam fechado o Mediterraneo ao
Seus ensinamentos estao reunidos nos Evan-
comércio europeu, e que ocuparam a Coérse-
gelhos do Novo Testamento, escritos pelos
ga e a Sicilia, onde organizavam expedicdes
apostolos Mateus, Marcos, Lucas e Jodo, entre
de pilhagem ao sul da Europa.
os anos 70 e 90 da era crista. Foram os apds-
Desse modo, formava-se a sociedade tolos de Jesus os grandes responsaveis pela
feudal européia, num processo que se iniciara difuséo do cristianismo através do Império
com as primeiras invasdes barbaras aos Romano.
dominios do Império Romano do Ocidente, A principio, o trabalho de difusdo das
no século IV, e que se consolidava com as idéias cristas restringia-se as camadas mais
invasOes do século IX. O continente ficava, baixas da populagao, e os novos adeptos
desse modo, voltado inteiramente para dentro passavam a ser perseguidos, em parte, devido
de suas unidades feudais, sem praticamente a sua recusa em cultuar os imperadores
nenhum contato com o restante do mundo romanos, que desde os tempos de Otavio
conhecido. Augusto eram deificados.

132
A ALTA IDADE MEDIA

aos sacerdotes e nas atribuigdes judicidrias


assumidas pelos bispos.
A unido entre o Estado e a Igreja culmi-
nou com o Concilio de Nicéia, realizado em
325. Esse concilio, presidido por Constantino,
tinha por finalidade preservar a unidade da
Igreja, ameagada pelo arianismo, corrente
religiosa de origem oriental. Assim, os bispos
reunidos em Nicéia, apoiados na autoridade
do Estado, elaboraram a doutrina oficial da
Igreja, iniciando o combate a concepcées
consideradas heréticas e as antigas religides
pagas. Finalmente, em 391, o imperador
Teodésio, por meio do Edito de Tessalénica,
declarou o cristianismo como a religiao
oficial do Império Romano, marginalizando
os outros credos religiosos.

O arianismo

Catacumbas onde os antigos cristaos oravam e se escondiam


das perseguicées.

Além disso, a crenga na igualdade entre


os homens estimulava os mais humildes a
questionar os valores e as instituic6es de uma
sociedade fundamentada na exploragao do ner uma substancia’ Teed
trabalho escravo. Seu contetido universal
ameagava o carater militarista e imperialista
de Roma, que se apoiava nos pilares do es- Até o século V, 0 processo de organiza-
cravismo. £ natural, portanto, que, a princi- ¢do hierarquica do clero ja havia se comple-
pio, os cristaos fossem considerados subver- tado, constituindo uma piramide: na base
sivos, sendo duramente perseguidos pelas au- estavam os sacerdotes das dioceses; a seguir
toridades romanas. O perfodo de repressao ao vinham os bispos das provincias, que se
cristianismo abrange os trés primeiros séculos subordinavam aos bispos das capitais provin-
da era crista, ocorrendo a Ultima das grandes ciais, chamados bispos metropolitanos ou
persegui¢des ja no principio do século IV, arcebispos; finalmente vinham os patriarcas,
durante 0 governo de Diocleciano. bispos das principais metrépoles do Império,
Entretanto, apesar das perseguicdes, a como Roma, Constantinopla, Jerusalém e
nova religido fortaleceu-se. No inicio do Alexandria. Em 455, apoiado pelo imperador
século IV, o cristianismo ja se firmara como Valentiniano, o bispo de Roma assumia a
a religido mais popular do Império Romano, chefia de toda a Igreja: adotando o nome de
conquistando inclusive adeptos nos meios Leao I, tornou-se 0 primeiro papa da cristan-
aristocraticos. Em 313, 0 imperador Constan- dade.
tino concedeu liberdade de culto aos cristaos, No inicio da Idade Média, a Igreja teve
iniciando-se entéo uma politica favoravel a como fungdo principal a conversdo dos
nova religido. Essa politica traduzia-se, por barbaros e a sua integragado com os romanos,
exemplo, na isen¢ao de impostos concedida ganhando com isso crescente prestigio e

133
A IDADE MEDIA

assumindo nos novos reinos constituidos constituido por monges que se recolhiam em
diversas atribuic6es politicas, administrativas mosteiros, isolados do mundo, sob votos de
e culturais, além do controle espiritual. As- castidade, caridade e pobreza.
sim, 0 clero, que a principio se dedicava Tudo indica que foi Sao Pacénio, do
exclusivamente a religido, passou a envolver- Egito, quem fundou o primeiro mosteiro
se também com as quest6es seculares. O cristo, no século IV. Todavia, foi Sao Bento
adjetivo secular deriva do substantivo latino (480-547), criador da Ordem dos Benediti-
saeculum, que significa “mundo”; a atividade nos, o responsdvel pela consolidagao da
do clero secular estava, pois, ligada as coisas estrutura monastica, em que o abade passou
terrenas. a exercer absoluto comando sobre seus
Contudo, boa parte do clero secular, em monges. Além de sua importante atuagao no
contato com a vida profana, com os proble- trabalho de conversaéo dos camponeses pa-
mas administrativos, vinculou-se demasiada- gaos, Os monastérios constituiram os centros
mente as propriedades da Igreja, a materiali- mais avang¢ados da vida cultural e econdmica
dade, degenerando-se nos costumes, distan- da Alta Idade Média. Paralelamente ao traba-
ciando-se da pregac¢ao doutrindria. Como lho intelectual de preservacgdo e recupera¢ao
reagao a essa tendéncia, e atendendo ao forte das obras da antiga cultura greco-romana,
espiritualismo da época, nasceu o clero regu- nao raro os monges desenvolviam, junto a
lar (do latim regula, que significa “regras’’), seus servos, atividades agricolas e artesanais.

Gravura medieval retratando a morte de Sao Bento, cujas orientagées estruturaram o clero a partir do século VI.

Na Alta Idade Média, a ascensdo da Igreja Até o século VIl predominou, com a
foi vertiginosa. Durante o seu pontificado
ascenso0da lIgreja Crista, a Filosofia
(590-604), o papa Gregorio I muito contri-
Patristica, cujo nome descende daqueles
buiria para a ampliagao do poder pontificio,
por meio de agdes como a defesa da Italia escritores e clérigos que, defendendo a
contra os lombardos ou a conversado de ex- nova fé, estabeleceram os costumes,
tensas regides barbaras — inclusive a Inglaterra idéias, cerimonias eé dogmas da Igreja_
— ao cristianismo. O poder universal da Igreja nascente, considerados“pais da Igreja”. |
ganhou ainda maior forga apds sua alianga “A patristica resultou do esforgo
com os francos, inicialmente com os mero- feito pelos dois apdstolos intelectuais
vingios. Paralelamente ao seu enriquecimento (Paulo e Joao) € pelos primeiros Padres
material, a Igreja projetou-se como organiza- da \greja para conciliar a nova religido — o
dora do pensamento, da cultura medieval.
A ALTA IDADE MEDIA

Cristianismo — com o pensamento filosd- cretos divinos, seriam dogmas, isto é,


fico dos gregos e romanos, pois somente irrefutaveis e inquestionaveis. Com isso,
com tal conciliagao seria possivel con- surge uma distingao, desconhecida pelos
vencer 0S pagaos da nova verdade e antigos, entre verdades reveladas ou da
converté-los a ela. A Filosofia patristica fé e verdades da razao ou humanag, isto
liga-se, portanto, a tarefa religiosa da é, entre verdades sobrenaturais e verda-
evangelizagao e a defesa da religido des naturais, as primeiras introduzindo a
crista contra ataques tedricos € morais nogao de conhecimento recebido por uma
que recebia dos antigos. (...) graga divina, superior ao simples conhe-
A patristica foi obrigada a intro- cimento racional. Dessa forma, o grande
duzir idéias desconhecidas para os filé- tema de toda a Filosofia patristica é o
sofos greco-romanos: a idéia de criacZo da possibilidade ou impossibilidade de
do mundo, de pecado original, de Deus conciliar razdo e fé (...)”.
como trindade una, de encarnagaoe CHAUI, Marilena. Convite & filosofia. p. 44,
morte de Deus, de juizo final ou de fim
dos tempos e ressurreigao dos mortos,
etc. Precisou também explicar como o mal
pode existir no mundo, ja que tudo foi Apos 0 pontificado de Gregorio |, apenas
criado por Deus, que é pura perfeigao e no Império Bizantino se formaram resistén-
bondade. |Introduziu, sobretudo com San- cias significativas a estrutura pontificia. O
to Agostinho e Boécio, a idéia de ‘homem antagonismo entre as duas Igrejas, ja eviden-
interior’, isto é, da consciéncia moral e do ciado desde os tempos do papa Ledo I,
livre-arbitrio, pelo qual o homem se torna culminaria em 1054 com o Cisma do Oriente
responsavel pela existéncia do mal no e a criacgdo da Igreja Ortodoxa.
mundo. Com a estruturagdéo do feudalismo na
Para impor asidéias cristae, 0s Pa- Alta Idade Média, em sintonia com a ascen-
dres da \greja as transformaram em ver- sao do cristianismo, progressivamente conso-
dades reveladas por Deus (através da lidou-se, de um lado, o poder particularista
Biblia e dos santos) que, por serem de- dos senhores feudais e, de outro, 0 poder
universal da lIgreja.
A BAIXA IDADE MEDIA

periodo conhecido por Baixa Idade “Entre o século XI € 0 inicio do século


Média, que se estendeu dos séculos XIV houve a retomada do crescimento
X ao XV, foi marcado por profundas ~demografico na Europa crista. Alguns
transformagdes na sociedade, as quais con-
dados permitem uma visao desse cresci-
duziram a superacdo das estruturas feudais e
mento: -
a progressiva estruturagao do futuro modo de
produg¢ao capitalista. 1050. ........++.+.46
milhdes
No plano econémico, a economia auto- HOD RE pene amas 48 milhdes
suficiente, tipica do feudalismo, foi substituida WBO vs fos. spc ew DO. milhoee
por uma economia comercial. No plano social, I2OO eR a. Lies Gl milhdes
a hierarquia estamental foi se desintegrando, ONO ac uitCerats «aie POOMMROeS
surgindo paralelamente um novo grupo social [J
ligado ao comércio: a burguesia. Politicamen- Os nimeros acima 940 extremamen-
te, o poder pessoal e universal dos senhores te importantes para se compreender me- —
feudais foi sendo gradualmente substituido lhor as transformagoes que ocorrem na
pelo poder centralizador dos soberanos, origi- Europa a partir de entdo.”
nando as monarquias nacionais européias. SILVA, Francisco &.T. da. Sociedade feudal—
Essas mudangas, que marcaram o inicio guerreiros, sacerdotes e trabalhadores.
da Baixa Idade Média, emergiram das pr6- S40 Paulo, Brasiliense, 1982 (Colegao
prias contradi¢6es da estrutura feudal, que se Primeiros Passos). p. 42-3.
mostrou incapaz de atender as necessidades
da popula¢do européia. O feudalismo con-
servou muitas de suas caracteristicas ainda
por muito tempo, ocorrendo uma transi¢ao
gradativa, que so atingiria a maturidade
alguns séculos depois.

0 crescimento demografico
8
7 -—_

O fim das invasGes na Europa proporcio-


nou ao homem medieval melhores condicdes
decultivo daterra. As epidemias, que assolaram
a Europa logo apos as invasGes, diminufram
com 0 isolamento da populagao em feudos, o
que dificultava o contagio. Em conseqiiéncia, a
O trabalho nos campos. O grande crescimento populacional
partir do século X, o indice de natalidade da Baixa Idade Média provocou grandes problemas econé-
comecou a superar o de mortalidade. micos e sociais em toda a Europa.

136
A BAIXA IDADE MEDIA

O crescimento demografico esbarrava, O relativo progresso técnico, contudo,


porém, nas limitag6es do modo de produ¢ao encontrou obstaculos na propria estrutura
feudal: a produg4o servil era limitada, nado estamental: o servo ndo se motivava para a
aumentando com a demanda de consumo, inovagao, ja que, se houvesse aumento de
devido as variadas formas de tributacdo e as produtividade, caber-lhe-ia uma parcela mai-
técnicas rudimentares. Assim, a producdo foi or de tributos, como a talha, a corvéia, etc., e
se tornando insuficiente para atender ao quase nenhuma vantagem.
consumo, 0 que viria a causar transforma¢des O desenvolvimento tecnolégico, portan-
na vida feudal européia. Como conseqiéncia to, foi bastante limitado, nado correspondendo
imediata houve a marginaliza¢gao social: os a crescente necessidade de consumo. Houve,
senhores feudais, buscando ajustar 0 consu- além disso, uma expansao dos limites do
mo a produ¢ao, expulsavam o excedente espaco agricola para as areas de bosques e
populacional de suas terras. florestas, 0 que, entretanto, foi insuficiente,
Boa parte dessa populagdo estabeleceu- impondo-se a necessidade de ampliar os
se em aldeias ou em antigos centros urbanos, limites geograficos. Utilizou-se nesse proces-
convertendo-os em mercados latentes, em so de expansdo a prdpria populagao exce-
incipientes pdlos comerciais. Outros busca- dente, a qual participava das conquistas
vam sobreviver do saque, formando grupos militares e da ocupa¢ao dos territérios con-
de bandoleiros que assaltavam sistematica- quistados. Foi nesse contexto que se inseriram
mente as estradas. a expansao germanica para 0 leste, a partici-
O crescimento demografico, ao exigir pa¢gao de muitos cavaleiros na Guerra de
maiores colheitas, estimulou inicialmente o Reconquista contra os arabes, na peninsula
aperfeigoamento das técnicas agricolas. Sur- Ibérica, e 0 movimento das Cruzadas.
giram, assim, instrumentos de ferro, entre os
quais o arado, em substituigao aos de madei- Drang nach Osten — Expanedo german
ra; oS animais passaram a ser ferrados e ga- ca ek oleste
nharam novo atrelamento; os moinhos hi-
draulicos foram aperfeigoados. Sob ° pretexto He propagacao do ag
cristianismo entre 05 pagaos, cavaleiros — at
alemaes (teuténicos) dirigiram- oeGia Oo
Oriente, em diregao a atual Russia,
subjugando a regiao baltica. A ‘expanelo. eae
para leste, as pilhagens 6 as guerras bie
_ reforgaram a autoridade dos principes
locais (nobres) fragmentando Oo pode
alemao. A expansao incorporou territé- EE
rio, agregando riquezas 6 poder oS
cavaleiros, -genhores feudais alemaes.

O movimento das Cruzadas


ee

O movimento cruzadista é, geralmente,


definido como uma série de expedicdes
armadas realizadas pelos cristaos contra os
muculmanos, com o propdsito de romper o
Apesar de limitado, 0 progresso tecnologico proporcionou
cerco a que vinham submetendo a Europa
transformagées profundas na vida feudal européia. desde o século VIII. Assim, a idéia de
A IDADE MEDIA

libertagdo de lugares religiosos tradicionais, ciantes, essas expedic6es significavam a pos-


como o Santo Sepulcro, na Palestina, trans- sibilidade de reabertura do Mediterraneo e a
formou-se em bandeira desse movimento. obten¢ao de entrepostos e vantagens comer-
Essas expedic¢Ges ja eram solicitadas pelos ciais no Oriente.
imperadores bizantinos, que necessitavam de Assim, usando o avan¢go dos turcos
auxilio do Ocidente para conter 0 avanc¢o dos seljucidas como pretexto, o papa Urbano II,
turcos seljucidas sobre seu territdrio. A Igreja em um discurso proferido no Concilio de
Catdlica acabou assumindo a lideranca do Clermont, em 1095, conclamou os cristaos a
movimento cruzadista, ambicionando reafir- integrar o movimento cruzadista. Esse discur-
mar-se no Oriente: alcan¢aria assim seu ideal so, do qual reproduzimos uma das mais
de reunificagao das duas igrejas, anulando a significativas passagens, expressa claramente
autonomia da Igreja Ortodoxa. as inten¢des da Igreja, bem como os proble-
mas que afetavam a Europa do século XI:

O Santo Sepulcro
“Deixai 0S que outrora estavam
Jerusalém tornou-se o centro da acostumados a se baterem, impiedosa-
espiritualidade crista ocidental, pois para mente, contra os fiéis, em guerras parti-
la dirigiam-se constantemente peregrinos culares, lutarem contra os infiéis [...]
em busca do contato com as reliquias Deixai os que até aqui foram ladrdes, tor-
sagradas. O local era considerado santo, narem-se soldados. Deixai aqueles, que
pois Cristo fora enterrado ali. Jerusalém outrora se bateram contra seus irmaos e
passou a atrair individuos de todo o parentes, lutarem agora contra os bar-
mundo cristao, mesmo considerando as baros, como devem. Deixai 0s que outrora
dificuldades de acesso, as quais, em meio foram mercenarios, a baixos salarios,
ao misticismo generalizado, tornavam-se receberem agora a recompensa eterna.
uma purificagao para os peregrinos. Uma vez que a terra que vos habitais,
fechada de todos os lados pelo mar e
circundada por picos de montanhas, é
Inegavelmente, a religiosidade do homem demasiadamente pequena a vossa grande
medieval foi um fator determinante para a populagao: sua riqueza nao abunda, mal
organizacao das Cruzadas. Entretanto, outros
fornece o alimento necessario aos seus
fatores, como a marginalizac¢ado decorrente do
cultivadores [...] tomai o caminho do
crescimento demografico e a persisténcia do
Santo Sepulcro; arrebatai aquela terra a
direito de primogenitura, foram igualmente
importantes na constituigdo desse movimento. raga perversa e submetei-a a vos mesmos.
Segundo o direito de primogenitura, apenas o Essa terra em que, como diz a Escritura,
filho mais velho do senhor feudal herdava as jorra leite e mel’ foi dada por Deus aos
terras e os titulos paternos, restando aos outros filhos de Israel. Jerusalém é 0 umbigo do
filhos apenas as alternativas de se tornarem mundo; a terra é mais que todas frutifera,
vassalos de um outro senhor, ingressar nos como um novo paraiso de deleites.”
quadros eclesidsticos ou partir, como cavalei-
ros, em busca de aventuras e conquistas. Foram organizadas diversas Cruzadas
Para os setores marginalizados, nao in- entre 1096 e 1270. Vejamos as principais:
corporados ao processo de produc4o, e para m@ Cruzada dos Mendigos (1096). Movimento
os nobres sem feudos, as Cruzadas represen- extra-oficial. Comandada por Pedro, o
tavam, entao, uma oportunidade de aventura Eremita, e Gautier Sem-Vintém, constituiu
e, eventualmente, de enriquecimento. um movimento popular que bem caracte-
Também o interesse comercial, sobretudo riZa O misticismo da época. Iniciou-se antes
dos negociantes italianos, foi decisivo para a da Primeira Cruzada oficial, sendo massa-
constitui¢ao das Cruzadas. Para esses comer- crada pelos turcos.
A BAIXA IDADE MEDIA

Primeira Cruzada (1096-1099) — Cruzada lecendo um acordo com Saladino, que


dos Nobres. Comandada principalmente permitia a peregrinacdo crista a Jerusalém.
por Godofredo de Bulhado, Raimundo de ®@ Quarta Cruzada (1202-1204) - Cruzada
Toulouse e Boemundo, foi a Gnica Cruzada Comercial. Assim designada por ter sido
que obteve efetivos sucessos, reconquis- desviada de seu intuito original pelo doge
tando Jerusalém em 1099, organizando a (duque) Dandolo, de Veneza, que levou os
regiao de forma feudal. Possibilitou, ainda, cristé0s a saquear Zara e Constantinopla,
a criagdo de ordens monasticas como as onde fundaram o Reino Latino de Constan-
dos Templarios e Hospitalarios. tinopla, que durou até 1261. Veneza assu-
miu o dominio do Mediterraneo, restabele-
m Segunda Cruzada (1147-1149). Refeitos da
cendo 0 comércio entre Ocidente e Oriente.
surpresa inicial, os turcos se reorganizaram,
empreendendo a reconquista dos territdrios m™ Cruzada das Criangas (1212). Outro mo-
perdidos. Contra eles, organizou-se a Se- vimento extra-oficial, baseado na cren¢a de
gunda Cruzada, pregada por Sado Bernardo que apenas as almas puras poderiam
e liderada pelos reis Luis VII (Franga) e libertar Jerusalém. Apesar da oposi¢ao do
Conrado Ill (Sacro Império). Nao atingiu papa Inocéncio Ill, a Cruzada efetivou-se,
seus objetivos e desintegrou-se sem resul- mas as criancas acabaram vendidas como
tados significativos. escravas no Norte da Africa.
® Quinta Cruzada (1218-1221). Dirigida por
@ Terceira Cruzada (1189-1192) — Cruzada André II, da Hungria, contra o Egito, nao
dos Reis. E assim denominada pela partici- obteve qualquer resultado significativo.
pa¢ao dos trés principais soberanos euro- ®@ Sexta Cruzada (1228-1229). Realizada por
peus da época: Ricardo Cora¢ao de Leao Frederico Il, imperador do Sacro Império,
(Inglaterra), Filipe Augusto (Franga) e Fre- essa Cruzada resultou apenas em acordos
derico I, o Barba-Ruiva (Sacro Império). Sua diplomaticos com os turcos.
convoca¢ao ocorreu quando da retomada @ Sétima e Oitava Cruzadas (1250 e 1270).
deJerusalém pelo sultao Saladino, em 1187. Sua importancia reside no fato de terem sido
Frederico morreu a caminho e Filipe Au- comandadas por Luis IX, rei da Fran¢a, pos-
gusto retornou a Franca; Ricardo combateu teriormente canonizado como Sao Luis. Vol-
sem sucesso e finalizou a Cruzada estabe- taram-se contra o Egito sem nenhum sucesso.

=——— 1? Cruzada (1096-1099)


eveeee 28 Cruzada (1147-1149)
=—— 3? Cruzada (1189-1192)
«=== = 48 Cruzada (1202-1204) ||
sessesss 5® Cruzada (1218-1221) }
=== 6? Cruzada (1228-1229) | |
oom: 78 Cruzada (1248-1254) ||
ee== 8° Cruzada (1270)

Por quase 200 anos, o Mediterraneo oriental viveu 0 movimento das Cruzadas. Na foto, gravura de época retratando a
retomada das atividades comerciais entre Oriente e Ocidente.

139
A IDADE MEDIA

Pouco a pouco, tornaram-se bastante autoridades eclesiasticas, e uma ultima


claros os interesses materiais envolvidos nes- parte terminou afogada em naufragio ou
se movimento, e, assim, destituidas em sua vendida como escravos.
esséncia do sentido espiritual, as Cruzadas As Cruzadas “ajudaram a despertar
acabaram por comprometer o prestigio da a Europa de seu sono feudal, espalhando
Igreja entre os fiéis. Todavia, no aspecto eco-
sacerdotes, guerreiros, trabalhadores eé
ndmico, esses empreendimentos foram extre-
uma crescente classe de comerciantes
mamente importantes:
por todo o continente; intensificaram a
procura de mercadorias estrangeiras;
Se o sentido espiritual, puro e ingé- arrebataram a rota do Mediterraneo das
nuo, esteve presente nas Cruzadas, nao maos dos muculmanos e a converteram,
foi ele que imprimiu a marca dos novos outra vez, na maior rota comercial entre o
tempos e sim o carater comercial que Oriente e o Ocidente, tal como antes”.
acabou prevalecendo. No conjunto, o que
HUBERMAN, Leo. Historia da riqueza do homem. Rio
importou, fixando tendéncias, foi muito de Janeiro, Zahar, 1979. p. 30.
mais a Quarta Cruzada que as anteriores
ou posteriores, incluindo a Cruzada das
Criangas. O renascimento comercial
Esta ultima contou com a miséria es
I
de milhares de meninos e meninas, cerca As cidades italianas foram as principais
de trinta mil comandadas por Etienne, beneficidrias da retomada dos contatos co-
um pastor menor de Cloyes (Franga) e merciais entre Ocidente e Oriente, através do
vinte mil por Nikolaus, um menor de mar Mediterraneo. Devido as condi¢des geo-
Colénia (Alemanha), 0s quais acredita- graficas favoraveis e ao fortalecimento de suas
vam que, sendo as criangas puras é ligagdes comerciais com o Oriente, através da
inocentes, obteriam a ajuda de Deus para Quarta Cruzada, obtiveram a primazia na
a definitiva libertagao de Jerusalém. Boa distribuigdo das mercadorias orientais por todo
parte morreu pelos caminhos, dirigindo- o continente europeu. Na Europa setentrional,
S€ para O mar, outra parte sucumbiu o comércio desenvolveu-se especialmente nos
frente a repressao de governantes eé mares Baltico e do Norte, sobretudo na regido
de Flandres, famosa pela produgdo de 1a.

AS ROTAS COMERCIAIS
.
lovgorod

Hamburgo
»Colonia EUROPA
Frankfurt

| =m Rotas terrestres
| samme Rotas maritimas

Principais rotas comerciais da Baixa Idade Média.


A BAIXA IDADE MEDIA

A intensificagao das atividades comerci- A partir do século XIV, 0 comércio das


ais no sul e no norte do continente europeu feiras de Champanhe atravessou uma séria
propiciou a ligacdo entre essas regides, crise, decorrente da Guerra dos Cem Anos
através de rotas terrestres e, principalmente, (1337-1453), entre a Inglaterra e a Franca, e
fluviais. Assim, navegando por rios como o da disseminagao da peste negra. O declinio
Dantbio, 0 Reno e o Rédano, os mercadores de Champanhe proporcionou a ascensdo
empreendiam suas viagens de negécios, reu- econémica da regido de Flandres, embora a
nindo-se nas feiras, que eram pontos de rota de acesso a essa regido, até entdo
comércio temporario. Até o século XIV, as constituida pelo rio Reno, apresentasse in-
mais importantes feiras se realizavam em convenientes, pois os mercadores eram obri-
Champanhe, condado francés localizado gados a pagar taxas pelo direito de passagem
num dos pontos mais centrais da Europa pelas terras dos senhores feudais da regido.
ocidental. Nesses mercados ambulantes, os Diante dessas dificuldades, os italianos
comerciantes do norte podiam oferecer seus passaram a utilizar, com freqiiéncia, uma rota
produtos (tecidos, peles, madeira, mel e pei- alternativa para alcancar Flandres: atravessa-
xes) aos italianos, adquirindo deles as merca- vam o Mediterraneo, em diregdo a Gibraltar,
dorias orientais. e dali navegavam pelo oceano Atlantico,
Esse comércio possibilitou o retorno das rumo_ao mar do Norte. Nesse processo, a
transag6es financeiras, com o reaparecimento peninsula Ibérica, mais precisamente a regido
da moeda, 0 novo impulso a atividade cre- de Portugal, passou a constituir um ponto de
diticia e a entrada em circulagdo das letras de escala, beneficiando-se com as _ atividades
cambio, realgando as atividades bancarias. mercantis.
Com isso, a terra deixava de constituir a Unica A partir do século XII, surgem as hansas,
expressdo da riqueza, aparecendo com des- ou ligas, poderosas associagées de comer-
taque um novo grupo social, os mercadores. ciantes que congregavam os interesses de
diversas cidades, realizando 0 comércio em
grande escala. Dentre as diversas associagdes
surgidas na Baixa Idade Média, destaca-se a
Merchants of the Staple, que controlava a
exportacdo de I da Inglaterra e a importagdo
de mercadorias de varias cidades flamengas.
Também a Hansa Teutdnica era muito
influente, pois constituia uma associagao de
mercadores alemaes que praticavam oO co-
“mércio de produtos da regiao dos mares
Baltico e do Norte. Essa associagao, poste-
riormente transformada na Liga Hanseatica,
chegou a reunir mercadores de aproximada-
mente 80 cidades, sob a lideran¢a de Liibeck,
cidade alema. A Liga Hanseatica possuia
representagdo em todos os grandes centros
comerciais, desde Londres, no Ocidente, até
Novgorod, no Oriente.
As hansas foram responsaveis pela dina-
mizacao das cidades e dos mercados. Suas
atividades, fundamentadas nas concep¢ées
de lucro e de capitalizagao, prenunciavam o
desenvolvimento econémico tipicamente ca-
pitalista, proprio da Revolug¢do Comercial dos
séculos XV e XVI.

141
A IDADE MEDIA

Cracévia

Medina (WA Liga Hanseatica


del Campo xr) Outras feiras importantes
mmm Rotas comerciais hanseaticas

A Liga Hanseatica ou Teuténica, cujo eixo era o mar do Norte, apresentava uma vasta area de atuacao.

O renascimento urbano “As cidades medievais eram prote-


i = _ EX, === YS gidas contra ataques externos por mu-
ralhas altas e grossas, torres e pontes
A ascensdo dos comerciantes permitiu
levadigas. As maiores — Florenga, Gante
que se instalasse, na Baixa Idade Média, o
é Paris — tinham entre cinglienta mil e
estilo de vida urbano, e a sociedade esta-
cem mil habitantes. Cobrindo areas pe-
mental foi progressivamente cedendo espa¢o
quenas, e9sas cidades muradas tinham
a uma outra, estruturada em classes.
excesso de moradores. As ruas eram es-
As vilas e as cidades cresceram tao
rapidamente que, por volta do século XIV, treitas e sinuosas, pontilhadas de bar-
em algumas regides, metade da populacdo racas de negociantes e artesaos, e sujas
havia sido deslocada para as atividades de lixo. Durante o dia, viviam cheias de
comerciais e artesanais. Muitos centros urba- comerciantes que negociavam seus pro-
nos tomaram impulso a partir das antigas vilas dutos, mulheres que carregavam cestos,
e cidades, enquanto outros surgiram esponta- homens que conduziam carros com pro-
neamente em locais mais bem situados. dutos agricolas e mercadorias, mendigos
Algumas cidades formaram-se na confluéncia que esmolavam eé criangas que brincavam.
de estradas ou junto a foz de um rio. Outras O transito ficava, por vezes, congestio-
desenvolveram-se perto de abadias, junto a nado e totalmente paralisado em conse-
castelos fortificados ou em locais de feiras. qiiéncia de festividades, como uma pro-
A denominagao burgos, pela qual sdo cis6a0 em honra a um santo padroeiro;
conhecidas essas cidades, deve-se ao fato de 06 enforcamentos ou decapitagdes eram
muitas delas serem fortificadas (em latim, considerados como outros divertimentos
burgu significa ‘‘fortaleza’’). As muralhas que ‘ .
é sempre atraiam grande multidao. A
as circundavam serviam para garantir a noite, as ruas ficavam desertas:; poucas
prote¢ao de seus moradores, os burgueses. pessoas sé aventuravam a sair, porque
Nao raramente, quando as muralhas ja nao 0S raros e velhos guardas nao eram
comportavam toda a popula¢4o, construfam-
empecilho aos numerogos ladrdes.”
se novas muralhas ao redor das primeiras,
PERRY, Marvin. Uma Historia concisa. S20 Paulo,
formando-se assim uma série de anéis em
Martins Fontes, 1985. p. 201.
torno do nucleo original.
A BAIXA IDADE MEDIA

Embora desenvolvessem livremente as Conforme a regido a que pertences-


atividades de comércio e artesanato, as cida- sem, aS cidades emancipadas recebiam
des medievais situavam-se em areas perten-
diferentes denominagdes:
centes a feudos. Submetiam-se, portanto, a
autoridade dos senhores feudais, sendo os
B na Italia, eram chamadas repiblicas;
wna Alemanha, denominavam-se cida-
burgueses obrigados a pagar pesados impos-
des-livres;
tos. Entretanto, com o crescimento das ativi-
B na peninsula lbérica, chamavam-se con-
dades comerciais e a ascensdo da burguesia,
essas cidades passaram a buscar sua inde- selhos;
pendéncia. Essa luta pela autonomia urbana @ na Franca, eram aS comunas.
estendeu-se de meados do século XI ao sécu-
lo XIII e ficou conhecida pelo nome de mo-
vimento comunal.
A emancipagao das cidades, quando
obtida por meios pacificos, implicava, muitas As corporacgoes
vezes, O pagamento de uma indeniza¢ao aos LE
senhores feudais. Em outras situag6es, quan-
do os senhores ofereciam resisténcia, as Emancipadas da tutela feudal e organi-
cidades buscavam o apoio real, recorrendo zadas em governos comunais, as cidades
a luta armada. deram suporte ao desenvolvimento da eco-
nomia monetaria e mercantil, que progressi-
vamente ia substituindo a economia feudal.
Nas cidades medievais, as instituicdes
econdmicas basicas eram as corpora¢ées de
mercadores e as corporacgées de oficio. As
corporacgées de mercadores, ou guildas,
eram associagées que buscavam garantir o
monopélio do comércio local, limitando
duramente o comércio feito por estrangeiros
e controlando os precos dos produtos. As
corporagées de oficio desempenhavam fun-
¢des semelhantes, visando manter 0 mono-
pdlio de seus ramos de atividade, impedindo
a concorréncia entre os que produziam um
mesmo artigo e controlando os precos e a
qualidade do produto.
Influenciadas pela cultura crista da €poca—
a escolastica —, as corporagdes quase sempre
Num burgo francés as muralhas ja nao comportam o seu
condenavam a usura, defendendo o ‘‘pre¢o
crescimento. justo’. Uma mercadoria deveria ser vendida
pelo prego da matéria-prima utilizada mais 0
As cidades que se emancipavam da tutela valor da mao-de-obra empregada. Assim, as
feudal procuravam assegurar suas conquistas corporagoes de officio assumiam uma concep-
por meio das cartas de franquia, documento ¢4o0 eminentemente feudal: limitadora do lucro
através do qual se formalizavam as conquis- e com regras impostas pela Igreja. Entretanto,
tas da burguesia: direito de arrecadar impos- numa verdadeira simbiose entre 0 novo e o
tos em proveito da propria cidade, liberando- velho, essas instituigdes, a0 mesmo tempo que
se dos tributos aos senhores feudais; direito de se submetiam ao teocentrismo feudal, amplia-
organizar sua propria milicia; autonomia vam a importancia da vida urbana, forjando a
administrativa e judiciaria. transi¢do para uma nova era.

~-
A IDADE MEDIA

Na organiza¢ao hierarquica das corpora- cente explora¢ao da mao-de-obra assalariada


¢des de oficio, o mais alto posto era ocupado possibilitou que muitos proprietarios de ofici-
pelo mestre artesao, o qual também era o nas capitalizassem recursos suficientes para
proprietario da oficina, da matéria-prima, das deixarem de ser mestres e se tornarem
ferramentas e do produto final. Cabia-lhe exclusivamente empregadores burgueses.
determinar as técnicas e as normas de traba-
lho, assim como estipular salarios. Abaixo do
mestre, como auxiliares de oficina, estavam A formacao das monarquias
os companheiros ou oficiais, que eram re-
munerados pelo seu trabalho como verdadei- nacionais
OBE,
ros assalariados. Freqiientemente, oficiais ex-
perientes tornavam-se mestres, desde que a
corpora¢do os autorizasse e houvesse merca- As rigidas estruturas do sistema feudal,
do para mais uma oficina naquela cidade. Na entretanto, constitufam verdadeiros entraves
base da piramide ficavam os aprendizes, que, ao desenvolvimento da principal atividade
geralmente muito jovens, nado tinham conhe- dos burgueses, 0 comércio. A existéncia de
cimento profundo do oficio. Em troca de seu diferentes moedas, tributos, pesos, medidas e
trabalho, recebiam do mestre, além do apren- leis, que variavam de feudo para feudo,
dizado, alimentagao, alojamento e vestuario. dificultava a expansdo da atividade comer-
cial. Havia, portanto, um grande interesse por
parte da burguesia em instituir um poder forte
e centralizado, que pudesse suplantar a
autoridade da nobreza, eliminando o parti-
cularismo feudal.
Ao mesmo tempo, havia o interesse dos
reis, que desejavam fortalecer-se politicamen-
te, submetendo a nobreza e limitando a
atua¢ao da Igreja. Assim, a partir do final do
século XI a uniao dos reis e da burguesia
pelos mesmos interesses levou ao processo de
formagao das monarquias nacionais. A cen-
tralizagao do poder, embora progressiva,
permitiu que se instituissem em diversos
paises impostos, moedas, exércitos e justi¢a
de abrangéncia nacional.

A formacao da monarquia francesa


Tintureiros trabalham sob a observacdo de um fiscal da
corporacao. Embora a Europa como um todo tenha
vivido o processo de formagao das monar-
No final da Idade Média, com a intensi- quias nacionais, a Fran¢a constituiu seu
ficagao do comércio, a mobilidade hierarqui- exemplo mais significativo.
ca de grande parte das corpora¢Ges tornou-se Com a desagregac4o territorial e o decli-
menor. O enriquecimento de uma parcela nio dos reis carolingios, Hugo Capeto, conde
dos mestres levou-os a adquirir o controle e a de Paris, assumiu, em 987, 0 trono francés,
exclusividade daquelas atividades artesanais iniciando uma nova dinastia, a capetingia,
para si e suas familias. Assim, a maioria dos que reinaria até 1328. Coube aos Capetos a
trabalhadores j4 nado encontrava chances de dificil tarefa de superar a autonomia dos se-
prosperar economicamente, resignando-se a nhores feudais, instalando progressivamente
ser empregada durante toda a vida. A cres- um poder real forte e de carater nacional, pois

144
A BAIXA IDADE MEDIA

até entao o poder era exercido, na realidade, Ambicionando anexar territ6rios do norte
por vassalos reais: duques e condes, sobera- da Franga, entaéo sob dominio dos ingleses
nos e auténomos, sendo o principal deles Plantagenetas, empreendeu uma-série de lu-
Guilherme, duque da Normandia. Tendo tas contra o soberano inglés Jodo Sem-Terra,
ocupado a Inglaterra, em 1066, Guilherme conquistando a Normandia e outras regides.
tornou-se mais poderoso que seu préprio so-
berano, 0 rei da Franga. Entretanto, a atuacao
Os Plantagenetas
dos capetingios reverteria essa situacao.
Pela influéncia decisiva que tiveram no No século XII, os Plantagenetas
processo de centralizacdo do poder, trés constitulam uma das familias feudais
monarcas dessa dinastia merecem destaque: mais poderosas da Franga. Eram des-
Filipe Augusto, Luis IX e Filipe IV. cendentes dos normandos, que desde o
século X haviam se estabelecido no norte
da Franga. Em 1066, Guilherme, duque
da Normandia, havia conquistado a In-
glaterra, dominando os anglo-saxdes. Em
1154, tendo morrido o Ultimo herdeiro de
Guilherme, iniciou-se o reinado da dinas-
tia dos Flantagenetas, cujos primeiros
soberanos foram Henrique Il, Ricardo
Coragao de Leao e Joao Sem-Terra.

A maioria das realizagdes politico-admi-


nistrativas do reinado de Filipe Il contribuiu
para consolidar o poder dos soberanos cape-
tingios. Ao conceder feudos a seus vassalos,
por exemplo, exigia deles o compromisso de
que também os subvassalos lhe fossem fiéis.
Obteve, além disso, novas fontes de renda,
vendendo cartas de franquia a diversos bur-
gos ou exigindo de seus vassalos um paga-
mento em moeda pela concessao de dispensa
das suas tradicionais obrigagées feudais.
Criou impostos nacionais, nomeando funcio-
narios — os bailios e senescais — para cuidar
do recolhimento de tributos e fazer prevalecer
as leis e a justiga real sobre as dos senhores.
Isso tudo permitiu ao soberano assumir o
controle politico de vastas areas até entao sob
Luis IX, que se tornaria Sao Luis (em cima), e Filipe IV, 0 dominio dos nobres locais.
Belo, reis capetingios que ajudaram na formac¢ao da monar- O reinado de Luis IX (1226-1270) singu-
quia nacional francesa.
larizou-se pela eficiéncia com que combateu o
particularismo feudal e pelo seu esforgo em
Filipe Augusto, ou Filipe II (1180-1223), consolidar a monarquia francesa. Esse sobera-
foi o grande artifice da centralizagdo politica no deu continuidade a obra de seu predeces-
francesa. Apoiado na expansao do comércio, sor, assimilando e submetendo os territdrios
contou com a colabora¢ao financeira da conquistados por Filipe Il. Para isso, realizou
burguesia e pdde iniciar a organizacdo de importantes reformas judiciarias e financeiras,
um exército nacional e expandir considera- ampliando o poder dos tribunais reais e
velmente as fronteiras do reino. instituindo uma moeda de circulagao nacional.

145
A IDADE MEDIA

Luis IX empreendeu, sem éxito, a Sétima Desde antes do papa Bonifacio VIII,
e a Oitava Cruzada, vindo a falecer durante a multiplicavam-se os conflitos no seio da
Ultima. Por sua profunda religiosidade, adqui- Igreja e desta com o poder dos monar-
riu a reputagdo de santo, tendo sido de fato cas. Depois de condenar o pagamento de
canonizado pela Igreja alguns anos apds sua impostos pelos clérigos € ameagar de
morte, como Sao Luis.
excomunhao seus opositores, Bonifacio
Filipe IV, o Belo (1285-1314), deu pros- formulou a Bula Unam Sanctam, que diz:
seguimento a politica de seus antecessores, “Ambas, a espada espiritual e a espada
expandindo as fronteiras do reino e centrali- material, estao em poder da Igreja. Mas a
zando o poder. Entretanto, em sua luta pelo segunda é usada para a |greja, a primeira
fortalecimento da monarquia, entrou em por ela; a primeira pelo sacerdote, a
sérios conflitos com a Igreja, que impunha Ultima pelos reis e capitdes, mas segun-
restricdes a autoridade real. do a vontade e com a permissao do
As divergéncias entre o rei e a Igreja sacerdote. Por conseqiiéncia, uma espa-
intensificaram-se quando Filipe IV, cujo go- da deve estar submetida a outra, e a
verno atravessava uma profunda crise eco- autoridade temporal sujeita a espiritual...
ndmica, decidiu forcar o clero a pagar Se, por conseguinte, o poder terrenal
impostos dos quais estava, até entao, dispen- erra, sera julgado pelo poder espiritual...
sado. Como essa medida implicasse a redu- Mas se 0 poder espiritual erra, pode ser
¢do das rendas da Igreja, Filipe IV enfrentou julgado somente por Deus, nao pelo
forte oposi¢ao do papa Bonifacio VIII, que homem.. Pois esta autoridade, ainda
ameacou excomunga-lo. que concedida a um homem e exercida
Receoso das repercussGes de uma exco- por um hormem, n&o é humana, senao
munh4o, o rei buscou apoio da sociedade, mais ainda divina... Ademais, declaramos,
constituindo pela primeira vez na historia da afirmamos, definimos € pronunciamos que
Franga uma assembléia que reunia represen- é absolutamente necessario para a sal-
tantes do clero, da nobreza e dos comer- vagao que toda a criatura humana esteja
ciantes das cidades. Assim, em 1302, a sujeita ao Pontifice romano”.
Assembléia dos Estados Gerais, como pas- Citado in JOHNSON, Paul. La Historia del
sou a ser chamada, autorizou a cobran¢a Cristianismo. Buenos Aires, Javier Vergara
dos impostos clericais. Instituigao de carater Editor, 1989. p. 221.
consultivo, os Estados Gerais foram convo-
cados varias vezes, ndo so por Filipe IV, mas
também por seus sucessores, atuando até A transferéncia do papado para Avignon
1614. nao teve aceitagdo de boa parte do clero
Os conflitos com a Igreja se acirraram, romano, culminando na eleicao de outro
culminando com a morte do papa, em 1303. papa em Roma, seguido mais tarde da esco-
Apoiado pela sociedade, Filipe IV interferiu lha de um terceiro, de pouca dura¢do, na
na escolha do substituto de Bonifacio VIII, cidade de Pisa. A crise aumentou quando
elegendo como papa o francés Clemente V. cada um dos papas buscou combater seu
Cedendo as pressdes do rei, Clemente V concorrente, determinando excomunhdées ao
transferiu a sede do papado para Avignon, rival e a seus seguidores. Esta divisdo da
cidade do sul da Franca, onde seria mais cristandade ficou conhecida como Cisma do
facil o controle real sobre a Igreja. Durante Ocidente, estimulando a oposi¢do teoldgica
um periodo de setenta anos (1307-1377), e levando ao colapso o poder universal da
conhecido como Cativeiro da Babilénia, Igreja. Somente em 1417 terminaria o Grande
varios papas se submeteram a tutela dos reis Cisma, quando foi eleito um Gnico papa —
franceses, 0 que indicava a forga da monar- Martim V — e apenas Roma passou a abrigar a
quia capetingia. sede do papado.
A BAIXA IDADE MEDIA

Na Franga, em 1328, apds a morte do Filipe de Valois, nobre francés, sobrinho do


ultimo rei capetingio, iniciou-se um longo rei Filipe, o Belo, e Eduardo Ill, rei da Ingla-
periodo de crises na histéria do pais. No terra e neto do mesmo Filipe pelo lado ma-
decorrer do século XIV, a monarquia francesa terno. Reunidos em assembléia, os grandes
sofreria duros golpes, entre os quais o pro- senhores feudais franceses rejeitaram o sobe-
longado conflito com a Inglaterra, na Guerra rano inglés apoiando-se na Lei Salica, segun-
dos Cem Anos. do a qual o trono da Franga nao poderia ser
ocupado ou transmitido por linha materna.
Assim, a escolha recaiu sobre Filipe de
Valois, que foi coroado como Filipe VI,
A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) dando inicio a dinastia Valois.

As velhas disputas entre ingleses e fran- A deciséo imposta pela assembléia de


ceses pela posse de determinados territérios nobres franceses afetou profundamente os
da Franga acabaram culminando na Guerra planos comerciais dos senhores ingleses. Se
dos Cem Anos, cujos efeitos foram desastro- Eduardo Ill houvesse conquistado o trono
SOS para 0 Conjunto da popula¢ao européia. francés, estaria assegurada a alian¢a entre a
Inglaterra e a Franga, 0 que garantiria o livre
acesso inglés a regiao de Flandres, entaéo sob
controle francés. Essa regido concentrava um
ativo comércio e importantes manufaturas de
tecidos, que utilizavam como matéria-prima a
la produzida na Inglaterra, importante ativi-
dade econémica de uma significativa parcela
de senhores feudais ingleses.

Por outro lado, os produtores de tecidos


de Flandres também demonstravam interesse
em garantir a importagao de 1a inglesa,
reprovando os entraves feudais impostos
pelos franceses. A burguesia flamenga bus-
cou, entao, 0 apoio de Eduardo Ill, que,
alegando os pretensos direitos a sucessdo do
trono francés, passou a controlar a regido. Em
1337, os franceses declararam guerra aos
ingleses, iniciando um conflito que se pro-
longaria por mais de um século. A Guerra dos
Cem Anos, entretanto, nado foi continua: aos
55 anos dispendidos efetivamente em com-
bates, intercalaram-se periodos de relativa
paz, em que se negociaram varias tréguas.

Durante a primeira fase do conflito


A questao sucessoria francesa foi o estopim da Guerra dos (1337-1422), a superioridade do exército
Cem Anos. Na gravura, 0 cerco a cidade de Beauvais na
Franca.
inglés garantiu expressivas vitorias, como as
das batalhas de Ecluse (1340), Crécy (1346) e
O inicio do conflito esta relacionado ao Poitiers (1356). Com isso, em 1360 os ingle-
problema de sucesséo da coroa francesa, ses impuseram a seus inimigos a Paz de
pois, com o fim da dinastia capetingia, em Brétigny, pela qual a Inglaterra passava a
decorréncia da morte do rei Carlos IV, em ocupar praticamente um terco do territério
1328, apresentaram-se dois pretendentes: francés.
A IDADE MEDIA

Em meio a guerra, durante os anos de Essa doenga era a peste bubonica,


1315 a 1317, houve um perfodo de extrema que se apresentava em duas formas:
pendria na Europa, chamado de a Grande uma que atingia a corrente sangiiinea,
Fome. Uma série de mas colheitas havia provocando inguas e hemorragia interna,
comprometido a ja insuficiente produgao
é que se dissemminava pelo contato; e uma
agricola. Mesmo nas décadas posteriores a
esse periodo, a fome foi uma presen¢a cons-
segunda forma, mais virulenta, pneumd-
tante na sociedade européia. A popula¢ao, nica, que atingia os pulmdes e era disse-
desnutrida, tornava-se suscetivel a toda sorte minada pela infecgdo respiratoria. A pre-
de doengas. As péssimas condi¢ées de higi- sen¢a das duas ao mesmo tempo provo-
ene favoreciam a rapida propagacado dessas cou uma alta mortalidade e rapidez do
doengas, transformando-as em _ verdadeiras contagio. Tao mortal era a enfermidade
epidemias. O mais terrivel desses surtos epi- que se conheceram casos de pessoas
démicos foi a chamada peste negra, que ma- irem dormir bem e morrerem antes de
tou nao menos que 25 milhGes de pessoas acordar, assim como de médicos contra-
(um terg¢o da popula¢do européia) entre 1347 indo a doenga junto a um doente e
é 1350. morrendoa frente dele. Tao rapido era o
contagio que para um médico francés,
Simao dé Covino, era como se uma
“Em outubro de 1347, dois meses
pessoa enferma ‘pudesse contagiar todo
apos a queda de Calais, navios mercan-
o mundo’. A violéncia da peste parecia
tes genoveses chegaram ao porto de
ainda mais terrivel porque suas vitimas
Messina, na Sicilia, com homens mortos e
n&o conheciam prevengao nem remédio.”
agonizantes nos remos. Vinham do porto
TUCHMAN, Barbara W. Um espelho distante —
de Cafa (hoje Feodossia) no mar Negro, O terrivel século XIV. ah:ae
na Criméia, ondeos genoveses tinham um
posto de comércio, ou feitoria. Os mari-
nheiros doentes tinham estranhas incha-
¢0es escuras, do tamanho de um ovo ou
uma maga, nas axilas e virilhas, que pur-
gavam pus € sangue e eram acompanha-
das de bolhase manchas negras por iugoslava
Gravura

todo o corpo, provocadas por hemorra-


gias internas. Sentiam muitas dores e
morriam rapidamente cinco dias depois
dos eros sintomas. Com a dissemi-
nagao da doenga, outros sintomas, como
febre constante e escarro sangrento,
surgiram em lugar das inchagdes ou bu-
boes. As vitimas tossiam, suavam muito
é morriam ainda mais depressa, dentro
de trés dias ou menos, por vezes em 24 A epidemia de peste negra comecou na China e difundiu-se
para a India e Europa. Estimativas da época indicam a morte
horas. Nos dois casos, tudo o que sala de milhées de europeus.
do corpo — halito, suor, sangue dos bu-
boes e pulmdes, urina sanguinolenta e
excrementos enegrecidos pelo sangue — Nesse perfodo, a situagao dos franceses
cheirava mal. A depressZo e o desespero era desoladora: as despesas com a guerra, a
acompanhava os sintomas fisicos e ‘a estagnacao do comércio e a dissemina¢ao da
morte se estampava no rosto’. peste negra agravaram ainda mais as condi-
¢des miserdveis em que vivia 0 povo. A bur-

148
A BAIXA IDADE MEDIA

guesia de Paris, responsabilizando a aristo- Apos longos anos de luta, quando final-
cracia pelas constantes derrotas sofridas, mente foram derrotados pelos armagnacs, os
reivindicava maior participacgao nas decisées borguinhdes aliaram-se aos ingleses, permi-
do governo. No interior, as revoltas campe- tindo a Inglaterra voltar a ofensiva. Saindo-se
sinas foram a resposta de milhares de servos a novamente vitoriosa, em 1420, a Inglaterra
séculos de opressdo feudal. imp6s a Franga o Tratado de Troyes, segundo
As rebelides camponesas ficaram conhe- o qual o rei inglés Henrique V assumiria o
cidas como jacqueries, em alusdo a Jacques trono francés. Assim, em 1422 a Franca en-
Bonhomme, expressdo que os nobres france- contrava-se dividida em dois reinos: nos
ses usavam para designar o homem do campo territ6rios do norte, governava o inglés Hen-
e que poderia ser traduzida como “‘joao-nin- rique V, apoiado pelos borguinhdes; nos
guém’’. A mais importante jacquerie eclodiu poucos territérios do sul, reinava o francés
em 1358, quando milhares de camponeses re- Carlos VII, com 0 apoio dos armagnacs.
belaram-se contra seus senhores, destruindo Embora humilhado por tantas derrotas e
indmeros castelos e exterminando seus habi- privagGes, 0 povo francés empreendeu a luta
tantes. A contra-ofensiva dos nobres nao tar- pela libertagao de seu pais animado por um
dou: apoiados pelo exército real, sufocaram a profundo sentimento nacionalista. Joana
rebeliao, executando mais de vinte mil pessoas. D’Arc, filha de humildes camponeses, tor-
Em 1364, com a ascensdo de Carlos V ao nou-se 0 maior mito desse periodo. Dizia-se
trono francés, reiniciou-se a guerra contra a enviada por Deus para expulsar os ingleses
Inglaterra. Gragas a unificagado de seus exér- do reino da Franga, e seu patriotismo e fervor
citos, a Fran¢a conseguiu importantes vitdrias, religioso contagiaram os franceses. Integran-
reconquistando a maior parte dos territdrios do-se no exército real, liderou diversos com-
tomados pelos ingleses. Entretanto, a morte de bates que resultaram em vitoria para os
Carlos V marcaria o inicio de uma série de franceses. Libertando boa parte da Franc¢a
disputas pelo poder, que culminariam com a central, levou Carlos VII a Reims, no norte do
cisao da nobreza francesa em dois partidos: pais, onde o rei foi coroado segundo as
os armagnacs e os borguinhoes. antigas tradicdes.

m==ap> Invasdo inglesa


o_o -ronteira da Franga em 1493
ea Terras sob a suserania inglesa

A Guerra dos Cem Anos foi decisiva para a definicao das fronteiras da Franga, que incorporou regides ao norte, até entao sob
controle da Inglaterra. Na gravura, Joana D’Arc, que elevou o sentimento nacional do povo francés contra o dominio inglés.

149
A IDADE MEDIA

Em 1430, aprisionada pelos borguinhGes,


Joana D’Arc foi entregue aos ingleses e
julgada por um tribunal eclesidstico. Acusada
de heresia e condenada a morte, foi queima-
da em praca publica, na cidade de Rouen, em
1431.
Apos a morte de Joana D’Arc, 0 rei Carlos
VII, estimulado pelo intenso apoio popular,
prosseguiu na luta contra os ingleses, termi- Em 1066, o Ultimo rei anglo-sax6nico,
nando por expulsa-los da Franga em 1453. A Haroldo Il, foi derrotado na batalha de
Franga obtivera, assim, sua unifica¢gdao terri- Hastings por Guilherme I, o Conquistador,
torial e politica. duque da Normandia, que deu inicio a
A Guerra dos Cem Anos teve, dessa dinastia normanda. Nessa época, contraria-
forma, um grande significado para a nagao mente ao que ocorria na Franga, os reis
francesa, pois enquanto debilitava profunda- ingleses foram capazes de subordinar a
mente as estruturas medievais, provocando a nobreza, estabelecendo um forte poder cen-
ruina politica e econdmica dos senhores tralizado. Para garantir o controle sobre os
feudais, permitia aos sucessores de Carlos VII nobres, Guilherme dividiu a Inglaterra em
consolidarem as bases do novo Estado nacio- condados (shires), os quais eram supervisio-
nal, com o auxilio da burguesia. Esse fato nados pelos sheriffs, funcionarios do rei.
acelerou o desenvolvimento econdémico fran- Em 1154, com a morte do ultimo herdei-
cés durante a Idade Moderna. ro direto de Guilherme |, subiu ao trono
Henrique, conde Anjou, um nobre francés de
origem normanda. Coroado como Henrique II
A formacao da monarquia inglesa (1154-1189), inaugurou a dinastia dos Plan-
tagenetas, ou angevina.
No século V, tribos germanicas, sobretu- O reinado desse monarca caracterizou-se
do anglos e sax6es, ocuparam a ilha britani- pela ampliacgao dos poderes reais através da
ca, estabelecendo ali sete reinos barbaros. adocao de medidas como o fortalecimento da
Entre os séculos VI e VII, a heptarquia justica real. Criou-se a common law, uma lei
saxOnica gradualmente evoluiu para a com- comum a todo o territ6rio inglés, cuja apli-
posicao de trés reinos; e, no século IX, ca¢gao era controlada por jufzes que percor-
fundiram-se num Estado anglo-sax6nico, co- riam todos os condados.
mandado por Egberto, rei de Wessex. Foi Henrique foi sucedido por Ricardo |, ou
durante o processo de formagao desse Estado Ricardo Coragao de Leado, que governou a
que se implantou o feudalismo na Inglaterra. Inglaterra entre 1189 e 1199. Seu permanente
envolvimento em batalhas contra a Franca e
sua participagao na Terceira Cruzada manti-
veram-no afastado do trono durante a maior
parte de seu reinado. Suas prolongadas
ausێncias e a insatisfagdo geral com o cons-
tante aumento dos impostos acabaram por
debilitar o poder real, possibilitando o forta-
lecimento dos senhores feudais.
A politica de Ricardo | foi seguida por seu
irmao Joao Sem-Terra (1199-1216). Os im-
postos, cada vez mais altos, destinavam-se a
cobrir as despesas com as_ intermindveis
guerras contra a Franca, pela demarcagao
de fronteiras e posses territoriais. No intuito
de obter mais fontes de renda, Joao decidiu

150
A BAIXA IDADE MEDIA

confiscar terras da Igreja, o que o indispés


“Uma das grandes dividas sobre
com 0 papa Inocéncio Ill. Ameacado de
Robin Hood é: houve tal pessoa? Segundo
excomunhdo, pediu perdao, devolvendo os
bens do clero. Seu envolvimento nas lutas 08 ‘empiricos’, houve e, segundo os ‘miti-
cos’, nao houve. Na maneira maravilhosa-
contra o rei francés resultou igualmente em
fracasso: em 1214, foi derrotado na batalha mente absorvente dessas coisas — o
de Bouvines, perdendo consideravel parte de trabalho de detetive histdrico supera a
suas terras na Franga. variedade de ficg4o em milhdes de léguas —
a resposta indica que houve muitos Robin
Hood, a maioria dos quais recebeu esse
home por causa do Robin Hood verdadei-
ro — isto é, mitico — para marcar sua
condigao de fora-da-lei. Ou como sugere
Stephen Knight, porque, depois de um
exame criterioso dos argumentos, ele fica
do lado dos ‘miticos’.
Robin Hood € um emblema da liber-
dade, antiautoritarismo e justiga natu-
ral. Ele rouba dos ricos para dar aos
pobres; ele engana o xerife e seus
comandados; e vive o idilio rural com
seu alegre bando de companheiros (e
posteriormente com lady Marian). Nas
fontes iniciais —-cronicas, cantigas e
‘apresentagoes’ que foram precursoras
Ricardo Cora¢ao de Leao retratado como um cruzado numa
gravura da época. do teatro — Robin é um fora-da-lei, as
vezes até um ‘assassino’.
O clima de descontentamento provocado Mas no século XVII ele tinha sido
pelo abuso na taxa¢gao de impostos e pelas enobrecido: tornara-se conde de Hunting-
sucessivas derrotas contra a Franca resultou ton, cujos bens foram confiscados por um
numa revolta dos senhores feudais. Apoiados rei usurpador, e em revolta nao contra a
pelos burgueses, em 1215, impuseram a Joao verdadeira autoridade na forma do bom
Sem-Terra a Magna Carta, documento que rei Ricardo ausente mas contra o tirano
determinava que, a partir de entdo, os reis traidor e mau, rei Jodo. Desse modo, sua
ingleses s6 poderiam aumentar impostos ou criminalidade foi legitimada, e o proprio
alterar as leis com a aprovagaéo do Grande fora-da-lei transformou-se em um herdi
Conselho, composto por membros do clero, adequadamente aristocrata.
condes e bardes. A Magna Carta é conside- E esse bom fora-da-lei de sangue
rada a base das liberdades inglesas, mas nobre que, junto com os acréscimos de
constituiu, em esséncia, a imposigao da Pequeno John, frei Tuck e lady Marian,
autoridade dos nobres sobre o poder real. nos proporciona o Robin romantico e
hollywoodiano que todos conhecemos.
O mito por tras de Robin Hood [J
7

E comum encontrarmos a lenda de Alguns estudos identificaram varios


Robin Hood associada a luta contra o Robin Hood. “No ano 1213, ou pouco
desabusado rei Joao, em meio a crise depois, um Robin Hood, criado do abade
inglesa que aumentava desde o governo de Cirencester, matou um homem cha-
de Ricardo. mado Ralph. Quinze anos depois, um

Qu
A IDADE MEDIA

va-se pouca mdo-de-obra, resultou no empo-


fugitivo com o nome de Robert Hood es-
brecimento dos camponeses e na sua expul-
tava sendo procurado em Yorkshire.
sdo maci¢a para as cidades.
Em 1262, outro fugitivo chamado William
. Hobehod éé regiotrado. No comego do 5é-
culo XIV o sobrenome -Robynhod aparece
—em Sussex. Em 1354 um homem chamado
Robin Hood foi detido para julgamento em
uma prisao da floresta de Rockingham. E
assim por diante: sugestoes Intrigantes
fe relances, segundo 0S ‘empiricos’ de
; paue na ‘origem da lenda.” ea
GRAYLING, AC. Financial Times. In Caen da
} Gazeta Mercantil, 17/2/1998. p. 4.

Em 1265, em virtude de violagées a


Magna Carta cometidas pelo sucessor de Joao
Sem-Terra, Henrique III, foram impostas as
ProvisOes ou Estatutos de Oxford. Por eles,
alterava-se a composi¢ao do Grande Conse-
lho, que passou a incluir também represen-
tantes da burguesia. Alguns anos depois, em
1295, o Grande Conselho daria origem ao
Os cercamentos consolidaram a grande propriedade rural
Parlamento inglés. voltada para o mercado, liberando-a dos antigos lacos
A partir do século XIII, e prolongando-se feudais de servidao.
pelo século seguinte, grandes transformagdes
socioecondémicas operaram-se na Inglaterra. A partir do século XIV, as dificuldades
O desenvolvimento da atividade comercial econdmicas advindas dos excessivos gastos
refletiu-se no crescimento das cidades e no com a Guerra dos Cem Anos desencadearam
enriquecimento da burguesia. A venda de la movimentos sociais de revolta, que colabo-
para as manufaturas de tecidos de Flandres raram para acelerar a decadéncia do feuda-
garantiu a atividade de muitos produtores lismo, enfraquecendo o poder dos nobres.
burgueses. Boa parte da propria nobreza,
percebendo a vantagem de produzir la para
exportag¢do, passou a se dedicar a essa A rebeliao de Wat Tyler
atividade e a outras similares. Assim, a
nobreza se “‘aburguesou’’: adquiriu interesses Os incessantes aumentos nos im-—
e posturas semelhantes as da burguesia. postos, motivados pela necessidade de
O crescente interesse dos nobres pela custear a Guerra dos Cem Anos, foram o
produ¢ao de la levou-os a destinar por¢Ges estopim para que se deflagrasse, em
cada vez maiores de seus feudos a pastagem 1381, uma rebelido contra os senhores
de ovelhas, inclusive as areas do manso feudais. Liderados por Wat Tyler € pelo —
comunal, constituidas por bosques e terras padre John
. Ball, os camponeses marcha-
utilizados pelos camponeses como pasto para ram para Londres, com o proposito de
seus rebanhos. Apropriando-se dessas dreas, exigir do rei Ricardo || a aboligao da ser-
os senhores as cercavam, impedindo que os vidao é o fim dos impostos e dos cerca-
camponeses tivessem acesso a elas. O cerca- mentos. O rei € a nobreza reagiram vio-
mento das terras comuns, agravado pelo fato lentamente, arrasando aldeias inteiras e
de que para a pastagem de rebanhos utiliza-

152
A BAIXA IDADE MEDIA

_ executando milhares de pessoas. Apeee As conseqtiéncias da guerra foram o


esse episodio, a servidao e as obrigagdes inevitavel enfraquecimento da aristocracia
servis foram amenizadas por um momen- feudal e a implantagao de uma monarquia
forte, iniciada com a dinastia Tudor. A autori-
to, entretanto ampliadas posterior-
dade da nobreza, firmada pela Magna Carta,
mente, além da manutengdo da politica
nos tempos de Joao Sem-Terra, sofreu um duro
dos cercamentos, o que resultou em
golpe, que cercearia a forga do Parlamento.
hovas e violentas lutas sociais por
direitos eé liberdade, continuando pelos
séculos seguintes.
A formacao das monarquias
nacionais ibéricas
Em 1453, terminada a Guerra dos Cem A unificacgao politica da Espanha, bem
Anos, a crise econdmica aumentara na Ingla- como a de Portugal, nao esta associada a
terra. A nobreza fora duramente atingida pela uma significativa evolucao da economia
perda dos territorios na Franga e pela crise do Capitalista-burguesa, nado surgindo, portanto,
comércio com Flandres. Além disso, a guerra como resultado da alian¢a entre a realezaea
havia aumentado os poderes militares e finan- burguesia, como ocorreu na Fran¢a e na
ceiros dos reis, tornando-se mais livres das Inglaterra. Fundamentalmente, ela originou-
restricdes impostas pela nobreza feudal. Nesse se da necessidade que tiveram os nobres de
contexto, iniciara-se uma violenta disputa pela se unir no combate contra os muculmanos
sucessao ao trono inglés, envolvendo duas durante a Guerra de Reconquista.
facgdes da nobreza: o grupo constituido pelos Com a decadéncia do Império Romano, a
nobres ligados as antigas tradicdes feudais, peninsula Ibérica fora invadida pelos visigo-
liderados pela familia Lancaster; e o grupo dos dos, povo barbaro posteriormente convertido
nobres “‘aburguesados’’, ligados aos interesses ao cristianismo. Predominaram na regido até
mercantis, liderados pela familia York. 711, quando os muculmanos invadiram a
A Guerra das Duas Rosas (1455-1485) — peninsula, destruindo o reino visigotico cris-
assim chamada porque ambas as familias tao. Acuados, os cristaos deslocaram-se para
exibiam rosas em seus bras6es — prolongou-se oO norte, formando o reino das Asturias.
por trinta anos, em sangrentas e devastadoras A partir de entaéo, durante séculos, os
batalhas, nas quais boa parte da nobreza foi cristaos lutaram contra os muculmanos pela
aniquilada. Em 1485, Henrique Tudor, des- recupera¢ao de seus territérios. Essas lutas
cendente dos Lancaster e, por matrimdnio, tornaram-se mais intensas a partir do século
também ligado aos York, pds fim a guerra, XI, com a influéncia do espirito das Cruzadas.
sagrando-se rei com 0 titulo de Henrique VII. Da Guerra de Reconquista contra os mouros
(assim chamados os mu¢gulmanos pelos ibé-
ricos) nasceram, ao longo dos séculos XI e XI,
os reinos de Ledo, Castela, Navarra e Aragao.
Castela e Aragéo acabaram por anexar
Ledo e Navarra, bem como os novos territ6rios
reconquistados pelos cristaos. Em 1469, como
casamento dos reis Fernando de Aragao e
Isabel de Castela, os dois reinos se unificaram,
restando do dominio arabe apenas o reino
muculmano de Granada, ao sul da Espanha. A
conquista de Granada, efetuada em 1492 por
Fernando de Aragao, eliminou o dominio
muculmano na peninsula Ibérica e encerrou
Henrique VII, representante dos Tudor, implantou uma
o processo de forma¢ao da monarquia nacio-
monarquia forte e centralizada. nal espanhola.

|Foye)
A IDADE MEDIA

0
cD!

o>
| (BBB Espana crista em 1150
(BBB) Reconquista (1150-1212)
A Guerra de Reconquista
Reconquista (1212-1276)
serviu de base para a for-
Reconquista por Castela e magcao das monarquias na-
Aragao (1492) . cionais espanhola e portu-
guesa.

A Guerra de Reconquista Em 1139, sob a lideranga de Afonso


Henriques, filho de Henrique de Borgonha, o
A Guerra de Reconquista, entre Condado Portucalense proclamou sua inde-
crist&os e arabes, fez parte da politica pendéncia. Surgia, assim, o reino de Portugal,
ofensiva européia, que tencionava con- governado pela dinastia de Borgonha. Du-
quistar pouco a pouco a peninsula lbérica. rante o reinado dessa dinastia, o reino
Sob uma mascara religiosa — a cruz era a expandiu seus territérios, conquistando aos
arma usada contra os “infiéis” —, forma- mouros terras localizadas ao sul do pais.
ram-se 0s reinos espanhdis e também o Nesse perfodo, a agricultura assumiu
portugués. A partir de 1492, quando toda destacada importancia, constituindo um ins-
a peninsula Ibérica foi “libertada” com a trumento eficaz para 0 povoamento das terras
conquista de Granada, a Reconquista tomadas aos mouros nas lutas de reconquista.
continuou pelo norte da Africa. Essas terras eram doadas pelos soberanos as
pessoas de sua confiang¢a — os fidalgos — e as
Também relacionado ao processo de re- ordens religiosas e militares, proporcionando
conquista, esta o surgimento do reino de prestigio e forga politica 4 nobreza. Todavia,
Portugal. Durante a Baixa Idade Média, os ao contrario do que sucedia em outras regides
embates entre cristéos e muculmanos atrafam da Europa, essas doa¢ées nado tinham cardater
grande numero de cavaleiros medievais. Esses hereditario: por ocasiao da morte do feuda-
cavaleiros, procedentes de diversas regides da tario, as propriedades retornavam as maos do
Europa, dispunham-se a apoiar os reinos rei, que as redistribuia segundo conveniénci-
ibéricos em troca de beneficios ou concess6es. as politicas. Assim, os reis da dinastia de
Entre esses nobres, distinguiu-se Henrique, da Borgonha puderam preservar sua autoridade,
casa de Borgonha. O auxilio prestado ao rei tornando-se poderosos e respeitados.
Afonso VI, de Ledo, valeu-lhe o casamento A origem da burguesia comercial lusitana
com uma das filhas do monarca e o recebi- esta relacionada ao desenvolvimento da ati-
mento, a titulo de dote, do Condado Portuca- vidade pesqueira e ao incremento da produ-
lense, cujas terras compreendiam as cidades ¢ao agricola para o abastecimento das tropas
de Braga, Coimbra, Viseu, Lamego e Porto. reais. Mas foi a inauguragéo de uma nova

154
A BAIXA IDADE MEDIA

rota comercial italiana, que inclufa Portugal, ficiavam a burguesia, ao ampliar o mercado
ligando Constantinopla ao mar do Norte para seus produtos; paralelamente, a amplia-
através do Mediterraneo e do Atlantico, que ¢do do comércio comegou a gerar maior
impulsionou 0 comércio lusitano, favorecen- arrecada¢ao de impostos, beneficiando o rei.
do o surgimento de um poderoso grupo Foi a comunhdao desses interesses que possi-
mercantil em Portugal. bilitou a expansdo ultramarina portuguesa.
No ano de 1383, morria D. Fernando, o
Ultimo rei da dinastia de Borgonha, iniciando-
se uma disputa pela sucessdo ao trono. A no- O Sacro Império Romano-Germanico
breza ambicionava entregar a coroa ao rei de
Castela, genro de D. Fernando, enquanto o As monarquias nacionais da Alemanha e
grupo mercantil sentia, nessa uniado, uma da Italia ndo se estabeleceram sendo muito
ameag¢a aos seus interesses, devido ao carater depois do fim da Idade Média. Os constantes
acentuadamente feudal da politica de Castela. conflitos entre os imperadores do Sacro
O acirramento das tensdes entre a bur- Império e os papas acabaram por compro-
guesia e a nobreza propiciou a eclosdo da meter a unidade da Alemanha e da Italia,
Revolucao de Avis: o grupo mercantil, os mantendo essas duas regides divididas em
populares, chamados de “arraia mitida’’ e os numerosos Estados, alguns deles bastante
nacionalistas em geral uniram-se a D. Jodo, o pequenos. A luta entre o papado e o Império
Mestre de Avis, irmao bastardo do finado D. manifestou-se decisivamente durante o pon-
Fernando, para enfrentar a nobreza e os tificado de Gregorio VII (1073-1085), quando
castelhanos. Em 1385, com a derrota dos teve inicio a Querela das Investiduras.
castelhanos na batalha de Aljubarrota, D. No Sacro Império, 0 clero estava submisso
Jodo foi aclamado rei de Portugal, inauguran- aos soberanos, que nomeavam — investiam —
do um forte Estado nacional. os bispos ou exefciam dura pressdo para
impor candidatos de sua escolha, muitas
vezes pessoas interessadas apenas nas vanta-
gens materiais do cargo, nao raramente
corruptas e indignas do cargo clerical que
ocupavam.

O problema de corrup¢ao dentro da


Igreja nao se limitava ao Sacro Império,
sendo inclusive anterior a sua formagZo:
“O lamentavel estado a que descera a
Igreja durante o século IX mostra-se
através de escritos de homens de alta
hierarquia. Declara um bispo, abertamen-
te, expondo a propria simonia (‘comércio’
de cargos eclesiasticos): ‘Dei meu ouro e
recebi o bispado, mas confio recebé-lo de
SN
eS Se
mn ft I WIM, WN, NES volta, s€ souber como proceder. Para
CH ordenar um padre, cobrarei em ouro; para
ordenar um diacono, cobrarei um monte
D. Joao Il e D. Leonor, da dinastia de Avis.
de prata [...] Paguei bom ouro, mas hei de
rechear a bolsa’ ”.
A ascensdo de D. Joao intensificou a FREMANTLE, Anne. Idade da fé. In: Biblioteca
integragdo de interesses entre o rei e a de Historia Universal Life. Rio de Janeiro,
burguesia comercial. Buscando maior poder, José Olympio. p. 38.
O rei passou a realizar conquistas que bene-

|
Foye)
A IDADE MEDIA

Contra a corrup¢ao e a decadéncia do Durante os séculos XII e XIll, novos


clero, surgiram diversos movimentos dentro conflitos envolveram imperadores e papas,
da propria Igreja. Um dos mais importantes reacendendo a Querela das Investiduras, que
movimentos reformistas dessa época foi lide- na verdade se tornara uma acirrada luta pela
rado pela Ordem de Cluny, fundada em 910, dominacao do mundo ocidental.
na Borgonha. O movimento de Cluny adqui-
riu grande forga no século XI, difundindo-se
por toda a Europa, e um de seus maiores ex-
poentes foi o papa Gregorio VII. Outras
ordens monasticas surgiram no século XI,
como a Ordem dos Cartuxos (1084) e a Or-
dem de Cister (1098). A Igreja se reerguia; por
toda a Europa construiam-se grandes mostei-
Schwoiser
Eduard
de
Quadro
ros; os fiéis, entusiasmados, lang¢avam-se, no
final desse século, a aventura das Cruzadas.
O papa Gregorio VII, antigo monge da
Ordem de Cluny, devotado a reforma espiri-
tual do clero, logo apés sua elei¢do afirmou a
independéncia da Igreja em relagdo ao poder
imperial. Nao apenas condenou as investidu-
ras realizadas por leigos, como decretou a
queda de todos os clérigos que houvessem
A peregrinacao de Henrique IV a Canossa representou, na-
obtido seus cargos em troca de dinheiro, quele momento, a sujeicao do poder temporal ao espiritual.
proclamando ainda a autoridade absoluta do
papado sobre a lgreja e os fiéis.
ML ISP

Sua atitude provocou profundas reagdes 0 pontificado seeIndeencia il(98-


por parte de Henrique IV, na época impera- 1216) marcou 0 apogeu do poder papal na
dor do Sacro Império, que se recusou a acatar Idade Média. Nessa epoca, a lgreja é
os decretos papais. Gregorio ameacou exco- tornara-se uma especie de ““monarquia” pins cat
munga-lo e 0 monarca reagiu tentando des- em que 0 papa assumia ao fungoes |de
tituir 0 papa. Mas, além da excomunhao soberano, interferindo aS
decretada, Henrique IV enfrentou a oposi¢ao nas questies politicas do Ocidente.
j

dos nobres alemdes que, desejando enfraque- Em sua obsessao pelo‘poder, 08 P


cer a autoridade imperial, se aliaram ao papa. papas passaram a intervir sistematica- oy
Enfraquecido politicamente, Henrique viu-se
mente em assuntos de politica é econo-
obrigado a pedir perdao ao papa, empreen-
mia, acabando por enfrentar a resistén-
dendo em 1077 uma peregrinacdo a Canossa,
cia da vrealeza, cujo poder e fo alecia.
pequena cidade do norte da Italia. Posterior-
mente, ja suspensa a excomunhdo, Henri-
Apés o conflito entre o monarca francés
que IV reiniciou sua ofensiva contra o papa, Filipe, OBelo, € 0 papa Bonifacio Vill, que : a
destituindo-o e obrigando-o a fugir de Roma. resultou no Cativeiro da Babildnia
1377), 0S soberanos europeus nao mais
A luta entre 0 papado e o Sacro Império admitiram a interferéncia do papado nas
foi interrompida temporariamente com a questbes temporais de Souas ronan gulag.
assinatura da Concordata de Worms, um
acordo firmado em 1122, que estabelecia
limites aos poderes de Henrique V, entado Os imperadores germanicos, ambicio-
imperador do Sacro Império. Entretanto, nado nando expandir os dominios do Sacro Impé-
demorou muito para que a disputa entre os rio, realizaram freqiientes intervencdes na
poderes secular e espiritual reiniciasse. Italia, especialmente no ambito da Igreja.

1
Fete)
A BAIXA IDADE MEDIA

Preocupados em dominar a Italia e absorvidos Apos 1250, a Alemanha se assemelhava a


em disputas com os papas, os monarcas um mosaico de centenas de Estados pratica-
alemdes tornaram-se negligentes, ndo conse- mente autGnomos, sobre os quais a influéncia
guindo submeter os nobres de seus prdprios do imperador tornou-se bastante limitada,
dominios a autoridade imperial. predominando a dos principes locais (nobres).

oe Expansao germanica para o Oriente


a a Territério germanico em 1200-1250
|= Invasées germanicas (1190-1194)

Do mesmo modo, também a Italia acha- comandados por chefes chamados condottie-
va-se dividida em varios Estados, alguns ri, para assegurar sua defesa ou conquistar as
muito pequenos, como as cidades-estados cidades rivais. Alguns desses condottieri tor-
do norte, que haviam conseguido se libertar naram-se extremamente poderosos, como os
da dominag¢ao do Sacro Império. Essas cida- da familia Visconti, que acabou assumindo o
des, enriquecidas pela atividade mercantil, governo de Milao em 1310, e os da familia
contratavam grupos de soldados mercenarios, Sforza, que sucedeu a primeira em 1450.

Ludovico Sforza, governante de Milo entre 1494 e 1499. Ao lado, mapa da Italia no século XV.
A IDADE MEDIA

Envolvidas em constantes guerras contra peste negra dizimavam a popula¢ao européia


suas rivais, as cidades mais poderosas foram desenhando uma conjuntura explosiva, com
lentamente submetendo suas vizinhas. Assim, rebelides de servos, falta de mao-de-obra,
em meados do século XV, destacavam-se fome e massacres.
cinco grandes Estados na Italia: a Reptblica
de Veneza, governada por um doge (duque) e
por um conselho; a Republica de Florenga,
dominada pelos Médicis, influente familia de
banqueiros; 0 Ducado de Milado, governado
pelos condottieri da familia Sforza; os Estados
Pontificios, ou Estados da Igreja; e o reino de
Napoles, governado por um parente do rei
Fernando de Aragao.
Tanto a Alemanha quanto a Italia, duran-
te a Baixa Idade Média, nado alcang¢aram o
processo de centralizagdo monarquica, per-
manecendo divididas até 0 século XIX.

A grande crise dos


séculos XIV e XV
Ree aE

A convivéncia do feudalismo com o Cena de uma gravura medieval representando o trabalho


desenvolvimento comercial e urbano resul- incessante de construcao de atatdes e de aberturas de covas
para sepultar as vitimas da peste negra.
tou, no final da Idade Média, em diversas
crises, decorrentes da incompatibilidade dos
dois sistemas. Nos séculos XIV e XV, essas No século XV, a insuficiéncia de moedas
crises aceleraram definitivamente a decadén- e de mercados e o elevado preco dos
cia do feudalismo, que nao mais atendia as produtos orientais impuseram a Europa difi-
necessidades da época, confirmando a as- culdades que sé seriam solucionadas com
censao definitiva de uma nova ordem socio- uma expansdo de grande envergadura, que
econdmica na Europa, que encerrou o mundo estabelecesse novas rotas comerciais com o
medieval. Oriente. Assim, a expansdo maritima do
As dificuldades econdmicas, as pestes e século XV apresentou-se como solu¢gdo a
as guerras geraram situagdes que abalaram continua¢ao do desenvolvimento comercial e
até mesmo a atividade comercial de algumas urbano experimentado ao longo da Baixa
regides, como a Europa central, enquanto em Idade Média, tendo como agentes a burguesia
outras floresceu, como Portugal e o mar do e o Estado fortalecido.
Norte. De modo geral, entretanto, toda a Esse empreendimento resultou na desco-
Europa, tanto a rural como a urbana, sofreu os berta da América, em 1492, e de uma nova
efeitos dessas crises que caracterizaram os rota maritima para as Indias, no Oriente, em
dois dltimos séculos da Idade Média, dando- 1498. Abrindo perspectivas econdmicas pro-
lhe um carater peculiar. missoras, essas descobertas vieram consolidar
As raizes das crises desse periodo esta- definitivamente o progresso comercial. A
vam ligadas as transformag6es da Baixa Idade superacao dos entraves econdmicos a que a
Média e a incapacidade do feudalismo de Europa estava submetida levou, assim, ao
assimilar essas mudangas. No século XIV, as processo de completa substituigao do modo
guerras, como a Guerra dos Cem Anos, e a de producao feudal.

158
A CULTURA MEDIEVAL
EUROPEIA

ruina do Império Romano do Oci- Idade Média, o controle da educa¢ao, sendo


dente nado resultou, como ja afirma- o clero a elite intelectual e suas escolas as
mos, na plena deteriora¢4o cultural. Unicas instituicdes culturais atuantes na Euro-
O que houve, na verdade, foi o surgimento de pa ocidental.
valores adequados a nova ordem feudal
emergente, refletindo a superestrutura do pe- A nova ordem cultural e os mosteiros-
riodo. Assim, s6 se pode falar em deterioragao
dos valores classicos, j4 que emergia outro “No século V, existia ainda uma
tipo de cultura, mais teoldgica e subordinada aristocracia culta, bem versada em as-
a Igreja crista. suntos artisticos e literarios, mas no
Com o deslocamento da economia da século VI desaparecera quase completa-
cidade para o campo, houve uma desorgani- mente; a nova nobreza franca eram
Za¢ao nao so econdmica, mas também social
inteiramente estranhos os assuntos de
e politica nos primeiros séculos da Idade Mé-
educag&o e cultura.”
dia, fato que inegavelmente afetou a produ-
¢ao cultural e artistica. HAUSER. Arnold. Histéria social erarte €da
cultura. Lisboa, Jornal
do Foro, 1954, p. 211.
O campo, ao contrario da cidade, nao
favorecia o desenvolvimento das artes: nao
existia ali a efervescéncia cultural tipica dos “Os oblatos (pueri oblati) eram
centros urbanos, nem condi¢des que estimu- meninos que os pais consagravam a
lassem o seu florescimento. Assim, a produ- Deus. Permaneciam em mosteiros toda
¢do artistica desse periodo apenas refletia a a vida (0 que prova o pouco respeito que
simplicidade e rusticidade do cotidiano dos se tinha, entdo, pela livre decisao do
povos germanicos. individuo). Os novigos eram jovens ja a
Mesmo as cidades que resistiram a ruina ponto de professar; uns e€ outros vestiam
do Império nao desenvolveram significativas o habito do mosteiro e se iam incorpo-
atividades culturais e artisticas, pois transfor- rando, aos poucos, ao regime monastico.
maram-se ou em sedes de bispados, ou em Um monge dirigia a escola e se
centros urbanos onde ocasionalmente os reis chamava magister principalis; o bibliote-
se fixavam, como Paris, Reims e Orleans. cario tinha o nome de armarius; os
Durante o reinado dos merovingios, nado monges destinados a vigiar estritamente
mais havia qualquer instituicéo educacional, 0S alunos eram os custodes,
exceto as escolas episcopais, mantidas pelos Em muitas escolas monasticas o
bispos com o propdésito de garantir a conti- seu chefe recebia o nome de abade (nome
nuidade da formacgao de clérigos, e os de origem semitica que significa pai). Por
mosteiros, onde os monges dedicavam-se, isso, em tais casos, as escolas monas-
quase exclusivamente, a copiar manuscritos ticas eram chamadas escolas abaciais.
antigos. Assim, a Igreja adquiriu, na Alta
A IDADE MEDIA

que, em contato com outras civilizagdes,


A disciplina era rigida, sobretudo na
passou a valorizar a prosperidade material e a
schola interior, o latego, o jejum, o cala-
crer numa vida menos subordinada a inques-
bougo eram os meios punitivos. A primei-
tionavel ‘‘vontade divina’’.
ra etapa da instrugao se reduzia ao Ainda que a Igreja, por meio das ordens
aprendizado do latim, 0 idioma da lgreja e monasticas, continuasse direcionando a pro-
da Literatura.” ducdo cultural, as cidades passaram a ter
LARROYO, Francisco. Histéria geral da pedagogia. importancia como centros irradiadores dos
SHo Paulo, Mestre Jou, 1979. p. 271. novos valores culturais, desvinculando-se
pouco a pouco do dogmatismo religioso.

Educacao
III AA

O renascimento das atividades comerci-


ais e a prosperidade dos centros urbanos esti-
mularam também o desenvolvimento intelec-
tual. As universidades proliferaram-se, pois
para a burguesia o conhecimento passou a ser
indispensavel a plena realizagao de seus ne-
gécios. No decorrer do século XII, as escolas,
muitas delas fundadas durante o periodo ca-
rolingio, tornaram-se excelentes centros de
ensino, Cujas disciplinas continuavam sendo
as mesmas da época de Carlos Magno. O
curso era composto pelo trivium, em que se
O trabalho dos monges copistas, reclusos em mosteiros, ensinava gramatica, retdrica e légica; e pelo
permitiu preservar muitos manuscritos da Antiguidade quadrivium, que iniciava o aluno em aritmé-
Classica.
tica, geometria, astronomia e musica.
Depois de completar o curso basico
A notavel influéncia da Igreja sobre o (trivium e quadrivium), os alunos podiam
pensamento e a cultura medievais apoiou-se preparar-se profissionalmente em escolas de
em solidas bases materiais: ao longo dos “artes liberais’” ou dirigir-se para as areas de
séculos, a Igreja se organizou politicamente, medicina, direito ou teologia. SupGe-se que a
adquiriu indmeros feudos e ganhou prestigio primeira universidade européia tenha sido a
junto aos reis e a nobreza, além de comandar a da cidade italiana de Salerno, cujo centro de
mentalidade religiosa popular. Assim, a cultura estudos remonta ao século XI. As universida-
medieval passou a refletir, de certa forma, o des de Bolonha e de Paris, ambas do século
pensamento da lIgreja, fendmeno esse conhe- XII, estao também entre as mais antigas. Nos
cido como teocentrismo cultural, isto é, que séculos seguintes, muitas outras surgiram,
subordinava o mundo as leis de Deus. como as de Oxford, Cambridge, Montpellier
A partir do século X, inaugurou-se uma e Coimbra.
nova fase histdrica, periodo de grande efer- Originalmente, estas instituigdes eram
vescéncia cultural, devido as transformacées chamadas de studium generale, agregando
econémicas e politicas ocorridas com o mestres e discipulos dedicados ao ensino
renascimento comercial e urbano. O ativo superior de algum ramo do saber. Porém,
comércio que se estabeleceu entre os euro- com a efervescéncia cultural e urbana da
peus e os povos orientais contribuiu para Baixa Idade Média, logo se passou a fazer
modificar os valores do homem medieval, referéncia ao estudo universal do saber, ao

160
A CULTURA MEDIEVAL EUROPEIA

conjunto das ciéncias, sendo o nome stu-


Filosofia
dium generale substituido por universitas. As I EEE
universidades organizavam-se com base nas
faculdades, cuja palavra, com o sentido de
alunos e professores dedicados a um ramo O pensamento filosdfico da Idade Média,
do conhecimento humano, descendia origi- intensamente influenciado pelo cristianismo,
nalmente de facultas, isto é, o direito de em alguns momentos confundiu-se com a
ensinar. teologia, amparando-se na fé e em dogmas
As universidades também gozavam de religiosos. Durante a Alta Idade Média, o
varios privilégios, destacando-se, além do grande tedlogo foi Santo Agostinho, um dos
direito de ensinar dos seus graduados (/icentia doutores da Igreja, responsavel pela sintese
docenti), a iseng¢éo de impostos e contribui- entre a filosofia classica — a plat6nica - e a
¢6es, a dispensa muitas vezes do servico doutrina cristé. Segundo a teologia agostinia-
militar e até o direito a julgamento especial na, a natureza humana é, por esséncia, cor-
em foro académico para os seus membros, rompida, estando na fé em Deus a remissdo,
vantagens garantidas quase sempre ou pelo a salvagao eterna. As principais obras de
imperador ou pelo papa, as duas maiores au- Santo Agostinho sao Confiss6es e Cidade de
toridades da época. Deus.
O dinamismo cultural da Baixa Idade Essa visdo pessimista em relacdo a natu-
Média foi tao marcante, que, no século XIll, a reza humana foi substituida na Baixa Idade
Universidade de Paris contava com mais de Média por uma concep¢ao mais otimista e
vinte mil alunos e, no final do perfodo, a empreendedora do homem, com a filosofia
Europa possuia cerca de oitenta universida- escolastica, que procurou harmonizar razao e
des, denotando o emergente renascimento fé, partindo do pressuposto de que o progres-
cultural. so do ser humano dependia nao apenas da
vontade divina, mas do esforco do prédprio
homem. Essa atitude refletia uma tendéncia a
valorizagao dos atributos racionais do ho-
mem, nao devendo existir conflito entre fé e
raz4o, pois ambas auxiliavam o homem na
busca do conhecimento.
O grande mérito dos escolasticos da
Baixa Idade Média, considerados os precur-
sores do humanismo, foi restituir ao homem
medieval a confian¢a em si proprio e em sua
capacidade de inquirir, raciocinar e compre-
ender. O prdprio termo escolastica, derivado
de officium scholasticus, nome do individuo
dedicado a difundir a cultura das sete artes
liberais nas escolas monasticas e nas cate-
drais desde a época de Carlos Magno,
denotava a forte preocupa¢ao com o conhe-
cimento, tao tipico do periodo. O filésofo
escolastico Pedro Abelardo (1079-1142), por
exemplo, no prefacio de sua obra Sic et non
(Sim e nao), demonstrava claramente suas
convicgdées acerca da importancia do racio-
cinio critico: ‘‘Pois a primeira chave da sabe-
doria é chamada interrogacdo. (...) Pela
divida, somos levados a investigacao e pela
Vista aérea da Universidade de Oxford, na Inglaterra. investigagao conhecemos a verdade’’.

161
A IDADE MEDIA

Todavia, se por um lado a escolastica dizia € o que fazia, porém, eram duas
valorizou a razdo e substituiu a idéia agosti- coisas totalmente diferentes. Embora os
niana de predestinacao pela concep¢ao de bispos e reis combatessem e fizessem
livre arbitrio, isto 6, de capacidade de leis contra os juros, estavam entre os
escolha, por outro deixou para o clero o primeiros a violar tais leis. Eles mesmos
papel de orientador moral e espiritual da
tomavam empréstimos, ou os faziam, a
sociedade, condicionando assim a liberdade
juros — exatamente quando combatiam
de escolha as concepcées da Igreja. Desse
modo, ao mesmo tempo que buscava assimi-
outros usurarios | [...]
Entretanto, essa postura nao era
lar as transformag6es sociais, tentava preser-
var os valores do mundo feudal decadente, compativel com a expansao comercial é
assegurando a supremacia de sua mais pode- com a maior importancia adquirida pela
rosa instituigdo — a Igreja. moeda. Dessa forma, lentamente, a dou-
trina da Igreja abriu concessdes as
Sao Tomas de Aquino (1225-1274), pro-
fessor da Universidade de Paris, foi o mais imposigdes dos novos tempos: ‘A usura
influente fildsofo escoldstico. Inspirado na é um pecado — mas, sob certas circuns-
teologia cristd e no pensamento de Aristé- tancias...’ ou, entdo: ‘Embora seja pecado
teles, elaborou a Suma Teoldgica, obra em exercer a uSura, nao obstante, em casos
que discorreu sobre os mais diversos assun- especiais...’ ”
tos, como religido, economia e politica. O HUBERMAN, Leo. Histéria da riqueza do
pensamento de Sdo Tomas constituiu podero- homem. p. 48.

so instrumento de acao do clero durante a


Baixa Idade Média.
Literatura
SS I,

Até meados do século X, o latim consti-


tufa a Gnica lingua culta da sociedade euro-
péia ocidental. Utilizava-se o latim na cele-
bragao das cerimOnias religiosas e na redagdo
de documentos oficiais e de obras literdarias.
As linguas vulgares, em que se expressavam
oralmente os varios povos, constituiam uma
fusdo do latim com as linguas barbaras. A
Tomas.
Sao
de
Triunfo
Tricini,
Francesco partir do século XI, os idiomas nacionais fo-
ram se desenvolvendo, passando a ser utili-
zados também na forma escrita. Assim, as
Sao Tomas de Aquino, numa gravura medieval. linguas nacionais francesa, inglesa, alemé,
italiana, espanhola e portuguesa tornaram-se
Embora aceitasse as atividades comerci-
um meio de expressdo cada vez mais difun-
ais, o tomismo — a doutrina escolastica de Sao
dido, e a atividade literdria refloresceu.
Tomas — reprovava a ‘‘ambi¢ao do ganho”,
Uma das primeiras manifestacGes literari-
considerando como pecados a usura (em-
as em lingua nacional foi a poesia épica, que
préstimo de dinheiro a juros) e qualquer
descrevia uma sociedade feudal viril, mas sem
transag¢do em que os comerciantes obtives-
refinamento. Seus temas, assim como seus per-
sem “mais do que o justo pelo seu trabalho’.
sonagens, eram essencialmente masculinos: a
bravura, a destreza com as armas, a lealdade
O pecado da usura
do cavaleiro a seu suserano. Os mais impor-
“Cobrar juros era totalmente errado tantes poemas €picos medievais s4o a Can¢ado
dizia a |greja. |sd0 € o que ela dizia. O que de Rolando (francesa), o Poema do Cid (espa-
nhol) e a Can¢do dos Nibelungos (alema).

Key)
A CULTURA MEDIEVAL EUROPEIA

O século XII inaugurou uma nova fase da Os amores e os feitos herdicos da aristo-
poesia medieval: 0 trovadorismo. A poesia cracia constituiram ainda o tema dos primei-
trovadoresca, ou cortés, surgiu na Provenca, ros romances medievais. Sdo famosos os do
regiao sul da Franga, de onde se expandiu ciclo da Tavola redonda, que relatam as
para outros pontos da Europa. Cultivada es- aventuras do lendario rei Artur e de seus
pecialmente pela nobreza, era produzida pe- cavaleiros. Nos romances que compdem esse
los trovadores e, embora 0 poeta louvasse em ciclo acham-se reunidas as tematicas das
seus versos 0 heroismo da cavalaria, seu tema poesias épica e trovadoresca: valores como a
predileto era o amor, sobretudo o amor dos bravura e a lealdade fundem-se a atitudes
amantes, oprimido pelas convencG6es sociais. corteses e a sentimentos como o amor. Embo-
Ao contrario da velha poesia épica, que se ra a narrativa desses romances seja ambien-
limitava a exaltar as virtudes do guerreiro, a tada na Inglaterra e seus personagens sejam
poesia cortés louvava a mulher, o refinamen- ingleses, as primeiras obras desse ciclo foram
to de maneiras, a cortesia, a galanteria. escritas por franceses.
No século XIII, os burgueses ja haviam
1 Os ‘trovadores a adquirido suficiente poder e prestigio, alcan-
¢ando uma posic¢ao social de destaque, as
vezes até superior a de alguns senhores
feudais. Naturalmente, a ascensdo econdmica
e social da burguesia estimulou o surgimento
de novos padrées literdrios, que atendiam ao
gosto dessa classe emergente. Assim, a litera-
tura de exaltacdo dos ideais da nobreza foi
sendo substituida por uma “literatura das
classes urbanas’’.
Entre os exemplos mais interessantes da
literatura urbana estado os fabliaux. Em versos
| eee Peso: a servicoeecorte de espirituosos e cheios de malicia, essas pe-
ate as senhoroueee por quenas historias satirizavam os tipos sociais e
os costumes da €poca, atacando principal-
mente o clero decadente e a cavalaria, com
seu ultrapassado romantismo.
Também a literatura produzida pelos
poetas goliardos — cujo nome deriva do fato
de eles se auto-intitularem discipulos de
Golias — satirizava a sociedade da é€poca,
especialmente o clero. Os goliardos parecem
ter sido, em sua maior parte, estudantes
pobres das instituigdes eclesiaticas que, nao
podendo completar seus estudos, abandona-
vam as escolas, dedicando-se freqiientemente
a atividade de poetas e comediantes. Eram
considerados pela Igreja poetas dissolutos,
que valorizavam apenas os prazeres da
bebida, do jogo e do amor profano.

Pouco restou da poesia dos goliar-


Um trovador exercendo oOideal cavalheiresco, em seu oficio
dos. Constituem raros exemplos de sua
de divertir.
produgaéo 0s 25 poemas-cangoes de um
A IDADE MEDIA

manuscrito encontrado em meados do


tra diversos mortos ilustres, do passado ou de
sua €poca, e faz reflexGes sobre a fé ea razao, a
século passado no mosteiro de Benedikt-
religido e a ciéncia, o amor e as paixOes. A
beuern, pequena cidade da Alemanha.
obra-prima de Dante constitui um quadro
Profundamente impressionado por esses
completo da cultura dos fins da Idade Média.
poemas, 0 compositor alemao Karl Orff
(1895-1981) os reelaborou em sua obra
Carmina Burana (“Cangoes de Burana” — A comédia e seu autor
Burana é a palavra latina usada para “Dante deu simplesmente o nome de
designar a regiao de Benediktbeuern). Comédia 4 sua obra principal, mas seus
admiradores, durante a Renascenga ita-
liana, sempre se referiam a ela como
A produgao literaria dos goliardos denota
Divina Comédia, e foi esse o titulo com
o conhecimento que tinham da lingua culta
que chegou até nos [...] Dante era, sob
e da liturgia crista: gostavam de ridiculari-
muitos aspectos, um humanista. Experi-
zar o ritual catdlico criando, em latim, poe-
mentava o mais vivo prazer com o convivio
mas que parodiavam os salmos e hinos reli-
giosos. Assim, um hino a Virgem cujas pri- dos autores classicos; quase adorava
meiras palavras eram Verbum bonum et Aristételes, Séneca e Virgilio. Preferiu
suave (Palavra bondosa e benévola) transfor- Virgilio a qualquer tedlogo cristdo para
mava-se em uma canc¢ao de brinde iniciada personificar a filosofia e€ deu a outros
com o verso Vinum bonum et suave (Vinho pagaos ilustres um lugar muito confor-
bom e delicado). tavel no Purgatorio. Por outro lado, nao
Nos Uultimos séculos da Idade Média, a hesitou em colocar no Inferno varios pa-
producgao literaria apresentou fortes tragos hu- pas eminentes.”
manistas. Influenciada pela filosofia escolasti- BURNS, Edward McNall. Histéria da civilizacao
ca e pelo estudo dos classicos desenvolvido ocidental. v. 1. 22. ed. Porto Alegre, Globo, 1978.
nas universidades, a literatura medieval dos p. 385.
séculos XIII e XIV ja prenunciava o Renas-
cimento. Entre as maiores realizacdes desses
séculos, constam duas obras extremamente
importantes: 0 Romance da rosa e a Divina
Comeédia.
O Romance da rosa, escrito por Guilher- Musica
me de Lorris e Jodo Meung, compreende duas
partes profundamente distintas entre si: a
primeira delas constitui uma espécie de Os beneditinos, na Alta Idade Média, por
tratado sobre o amor cortés e a segunda parte considerarem a musica uma das artes mais
reflete os ideais da burguesia, desdenhando nobres, inclufram-na no quadrivium. O canto
os valores da aristocracia feudal, da Igreja e passou também a fazer parte dos cultos
de outras instituigdes da época. Assim, ana- religiosos, gragas ao papa Gregorio Magno
lisando em seu conjunto, o Romance da rosa (590-604), daf derivando o nome — canto
oferece um vasto panorama da sociedade do gregoriano — com que ficou conhecido esse
final da Idade Média. género musical.
A maior obra da literatura medieval é, sem Ja na Baixa Idade Média, propagou-se a
duvida, a Divina Comédia, escrita por Dante can¢ao, musica profana cantada nao s6 por
Alighieri (1265-1321), pensador e politico nobres, durante as festas em seus castelos,
italiano. A obra constitui-se de um extenso mas também pelo povo, nas ruas. A cancdo
poema em que o proprio autor relata sua foi difundida por trovadores e menestréis,
viagem pelo Inferno, Purgatdrio e Paraiso. Ao musicos de vida desregrada que tocavam
longo dessa viagem imaginaria, Dante encon- harpa ou viola, e pelos dangarinos.

164
A CULTURA MEDIEVAL EUROPEIA

Arquitetura
3 at es xe ane
oe e Se 3 eS
wens pe
ae e* e Sew Amalia
Ursi
Cie aig Ohe :

mies As igrejas constituiram a mais eloqiiente


manifestagéo da arquitetura medieval. Dois
grandes estilos arquitet6nicos desenvolve-
wi
=ype CEU
igicare
.
Wa

; ram-se entao: o romanico e o gotico.


mol N*M ie
gay * O estilo romanico utilizou elementos dos
romanos e teve seu apogeu no século XI,
aparecendo em constru¢des de mosteiros,
castelos e igrejas. Refletia o mundo feudal
teocéntrico: o castelo representava a segu-
Partitura medieval de canto gregoriano. ranga terrena (o feudo) e a catedral (fortaleza
de Deus), a seguranga espiritual, ou seja,
.. No final do século XII, surgiu nas igrejas a enfatizava-se ao mesmo tempo o poderio da
Ars Antique, que fundia a musica religiosa nobreza e da Igreja.
com a profana, resultando na_polifonia, A constru¢do romanica é maci¢a, pesada,
movimento que perdurou até a metade do de linhas simples, cobrindo uma area extensa
século XIV. Substituido pela Ars Nova, o pré- cujo traco predominante é a horizontalidade.
Renascimento na musica, o profano sobre- Em virtude da pequena quantidade de jane-
pds-se ao religioso, predominando a liberda- las, seu interior € sombrio, criando uma
de na melodia e no texto, caracteristicas que atmosfera de seguran¢a e tranquilidade, pro-
marcariam a Renascenga. picia a submissao e a devocao.

arco
_ Fomanico

A arte romanica confere aos castelos, mosteiros e igrejas medievais uma aparéncia de solidez e estabilidade. Na foto, igreja de
Notre-Dame-la-Grande, de Poitiers.
A IDADE MEDIA

O florescimento do gotico, originario da dade, buscando Deus e 08 céus. De outro,


regido de Paris, esteve intimamente ligado a a fonte de recursos que possibilitaram a
prosperidade da economia urbana e ao edificagdo das catedrais, obtidos com a
desenvolvimento do conhecimento. Enquan- urbanizagdo, seu progresso e engenhosi-
to a igreja romanica havia sido fruto da cria-
dade, articulados a vida voltada cada vez
¢ao das comunidades rurais dos monges, ti-
mais para os mercados.
picas da Alta Idade Média, a catedral gotica
Era ao mesmo tempo a chegada € a
representava a obra da cidade e dos artifices
partida: o resultado do mundo feudal
das corporac6es de oficio, refletindo a men-
talidade da Baixa Idade Média. expresso no poderio da Igreja crista e a
Comparadas as macicas e sombrias igre- matriz do desenvolvimento urbano funda-
jas romanicas, as catedrais goticas sdo leves e do no comércio crescente. Sintetizava-se
graciosas. Essas constru¢gdes imponentes, cu- o passado e futuro, uma tensdo corpo-
jas torres se projetam para o céu, revelam o rificada no harmonioso estilo gotico das
conhecimento técnico de seus idealizadores. monumentais catedrais medievais.
As catedrais, de estrutura vertical, elevaram-
se a alturas até entdo inconcebiveis. Suas
paredes abriam-se em imensas janelas, que, A catedral gética, banhada de luz e cor,
adornadas de vitrais, permitiam que o interior decorada com pinturas e esculturas, signifi-
fosse invadido por luzes multicoloridas, dan- cava mais do que um templo para o homem
do-lhe nova dimensao e significado. medieval: era também sua escola, sua biblio-
teca, sua galeria de arte, o ponto de encontro
de uma prdspera sociedade. Os burgueses
As imensas catedrais gdticas da nao entravam na catedral apenas para rezar:
Baixa |dade Média reuniam pelo menos ali se reuniam em suas confrarias para realizar
dois componentes quase antagonicos. De as assembléias civis. Era a casa do povo, o
um lado, a transbordante religiosidade proprio coracao da cidade, representando ao
crista-feudal expressa na grandiosidade mesmo tempo o seu poderio e o da Igreja.
do templo é no predominio da verticali- Evidenciavam-se na arquitetura gdtica as
transformacées da Baixa Idade Média.

o arco”
A batente
REE A
des ~
aR ope

eee i
Aerreriirh ie
Brak
aman La
\ 4

A verticalidade, os arcos cruzados em ponta ou ogiva caracterizam 0 gotico, estilo arquitetonico predominante na Baixa Idade
Média. Na foto, igreja de Saint Madon, em Roven.
A CULTURA MEDIEVAL EUROPEIA

Franga: o grande centro cultural quer manifestagao de pensamento con-


traria as normas e valores preconizados
No géculo XIll, 0 norte da Franca pela \greja, condenando os transgresso-
constituia o maior centro de cultura da res, muitas vezes, a morte.
Europa. Nas escolas do norte francés, Se, por um lado, a Inquisi¢ao foi um
principalmente em centros urbanos como simbolo da forga da lgreja, por outro
Chartres, Reims e Paris, o curriculo tradi- _revelou seu esforgo em manter a qualquer
- cional das sete “artes liberais” inclufa um prego uma estrutura ja decadente, a qual
_amplo estudo dos classicos gregos, dos S€ opunham as novas forgas sociais,
tratados ldgicos de Aristételes, que ins- anunciadoras dos Tempos Modernos.
piraram a filosofia escolastica, e das
obras de matematicos como Euclides. No
final desse século, 0 uso da geometria
euclidiana, fundamental para o desenvol-
vimento da arquitetura gdtica,
ja oe
tornara rotineiro nas oficinas dos pe-
dreiros e construtores.

Ciéncia
CBE
III,

Ao contrario da teologia, as ciéncias nao


avan¢aram muito no mundo medieval, espe-
cialmente durante a Alta Idade Média. En-
quanto as civilizagGes sarracena e bizantina,
apoiadas no legado greco-oriental, desenvol-
viam amplos estudos de astronomia, mate-
matica, fisica e medicina, a sociedade euro-
péia, influenciada pelo cristianismo, mergu-
lhava em profundo misticismo. A Igreja
repudiava qualquer manifestagao de pensa-
mento que colocasse em risco convic¢des
Pe me ea
religiosas, impondo, dessa forma, barreiras a
indaga¢ao cientifica. No periodo medieval, os tribunais da Inquisi¢ao julgavam ser
heresias quaisquer teorias ou idéias cientificas que se
Um exemplo da repressao da Igreja aos afastassem dos dogmas da Igreja.
avancos cientificos € o caso de Roger Bacon
(12202-12922), um dos mais famosos cientis-
tas medievais, defensor do método experi- O renascimento comercial e urbano,
mental e autor de diversos trabalhos no cam- porém, abriu novas perspectivas para a cién-
po da Optica e da geografia, que foi condena- cia. Com a expansdo do comércio no Medi-
do a morrer na fogueira pela Santa Inquisi¢ao. terraneo, restabeleceram-se os contatos com
o mundo arabe, e a Europa crista teve contato
com a medicina, a astronomia, a matematica,
O Santo Oficio podendo a partir daf resgatar conhecimentos
Desde a sua criacgao, em 1223, os da Antiguidade Classica. No século XIII,
tribunaisde inquérito da Inquisi¢ao, ou prosperavam as universidades e toda a Euro-
Santo Oficio, passaram a reprimir qual- pa empenhou-se em adquirir conhecimentos,
tendéncia que a Igreja j4 nado podia sufocar.
BJvrsroes & TESTES

1 (Fatec-SP) Uma das caracteristicas a ser reco- 5 (UFPA) Nas relagGes de suserania e vassalagem
nhecida no feudalismo europeu é: dominantes durante o feudalismo europeu, é
a) A sociedade feudal era semelhante ao sis- possivel observar-se que:
tema de castas. a) a servidao representou, sobretudo na Franca
b) Os ideais de honra e fidelidade vieram das e na peninsula Ibérica, um verdadeiro
instituig6es dos hunos. renascimento da escravidao conforme exis-
c) Vildes e servos estavam presos a varias obri- tia na Roma imperial.
gac6es, entre elas o pagamento anual de & os suseranos leigos, formados pela grande
capitagao, talha e banalidades. nobreza fundidria, distinguiam juridicamen-
d) A economia do feudo era dindmica, estando te os servos que trabalhavam nos campos
voltada para o comércio dos feudos vizinhos. dos que produziam nas cidades.
e) As relagdes de produg¢ao eram escravocratas. c) mesmo dispondo de grandes propriedades
territoriais, OS suseranos eclesidsticos nao
(Fasp) Podemos definir o feudalismo, do ponto mantinham a servidao nos seus dominios,
de vista econdmico, como um sistema baseado mas, sim, o trabalho livre.
na produgao, tendente a auto-suficiéncia, sen- = 0 sistema de impostos incidia de forma pesa-
do a agricultura seu principal setor. Politica- da sobre os servos. O imposto da mao morta,
mente, o feudalismo caracterizava-se pela: por exemplo, era pago pelos herdeiros de um
a) existéncia de legislagdo especifica a reger a servo que morria para que continuassem nas
vida de cada feudo. terras pertencentes ao suserano.
b)a atribuigdéo do poder executivo a Igreja. e) as principais instituigdes sociais que sus-
c) pela relagao direta entre posse e soberania tentavam as relagdes entre senhores e
dos feudos, fragmentando assim o poder servos eram de origem muculmana, oriun-
central. dos da longa presenca drabe na Europa
d) absoluta descentralizagao administrativa. ocidental.

(Fuvest) Qual a diferen¢ga entre as obrigagdes


de um vassalo e as de um servo na sociedade (Enem) O franciscano Roger Bacon foi conde-
feudal? nado, entre 1277 e 1279, por dirigir ataques
aos tedlogos, devido a uma suposta cren¢a na
(Faculdades Franciscanas) Entre as caracteristi- alquimia, na astrologia e no método experi-
cas do feudalismo, sistema politico, social e mental, e também por introduzir, no ensino, as
econdmico estruturado na Europa nos séculos idéias de Aristételes. Em 1260, Roger Bacon
IX e X, estado: escreveu: "Pode ser que se fabriquem maquinas
| — A existéncia de monarcas poderosos. gracas as quais os maiores navios, dirigidos por
Il-O apogeu do liberalismo econémico e um unico homem, se desloquem mais depressa
grande atividade mercantil entre os diver- do que se fossem cheios de remadores; que se
sos feudos e na¢oes. construam carros que avancem a uma veloci-
Ill — A divisdo territorial em glebas denominadas dade incrivel sem a ajuda de animais; que se
feudos e o vinculo de subordinagao entre fabriquem madquinas voadoras nas quais um
os individuos baseado na posse da terra. homem (...) bata © ar com asas como um
IV — O relacionamento entre os individuos do passaro (...) Maquinas que permitam ir ao fundo
feudo com base em direitos e obrigacées. dos mares e dos rios".
Sao verdadeiros os itens: (Apud BRAUDEL, Fernand. Civiliza¢do material,
a) lell. economia e capitalismo: séculos XV-XVIII.
b) Ill e IV. vol. 3, Sdo Paulo, Martins Fontes, 1996.)
c) I, lle Ill. Considerando a dindmica do processo histéri-
d) |, Ile lv. co, pode-se afirmar que. as idéias de Roger
e) I, Il, Ile lV. Bacon:
QUESTOES E TESTES

a) inseriam-se plenamente no espirito da Idade coloca-as nas maos do segundo: claro simbolo
Média ao privilegiarem a crenca em Deus de submissao, cujo sentido, por vezes, era
como o principal meio para antecipar as ainda acentuado pela genuflexao. Ao mesmo
descobertas da humanidade. tempo, a personagem que oferece as maos
b) estavam em atraso com relacdo ao seu pronuncia algumas palavras, muito breves,
tempo ao desconsiderarem os instrumentos pelas quais se reconhece ‘o homem’ de quem
intelectuais oferecidos pela Igreja para o estd na sua frente. Depois, chefe e subordinado
avanc¢o cientifico da humanidade. beijam-se na boca: simbolo de acordo e de
c) opunham-se ao desencantamento da Pri- amizade. Eram estes [...] os gestos que serviam
meira Revolucdo Industrial, ao rejeitaram a para estabelecer um dos vinculos mais fortes
aplicagéo da matematica e do método que a época feudal conheceu’’. (A sociedade
experimental nas invengées industriais. feudal)
d) eram fundamentalmente voltadas para o a) Identifique a cerim6nia descrita no texto e
passado, pois ndo apenas seguiam Aristéte- explique a sua finalidade.
les, como também baseavam-se na tradi¢ao b) Explique em que consistia esse ‘‘um dos
e na teologia. vinculos mais fortes que a €poca feudal
seh inseriam-se num movimento que convergi- conheceu” a que se refere o texto.
ria mais tarde para o Renascimento, ao
contemplarem a possibilidade de o ser
humano controlar a natureza por meio das 10 (Vunesp) O islamismo, ideologia difundida a
invengoes. partir da Alta Idade Média, em que o poder
politico confunde-se com o poder religioso, era
dotado de certa heterogeneidade, 0 que pode
(UFJF-MG) O islamismo, religido fundada por
ser constatado na existéncia de seitas rivais
Maomé e de grande importancia na Unidade
como:
arabe, tem como fundamento:
a) politeistas e monoteistas.
a) O monoteismo, influéncia do cristianismo e
b) sunitas e xiitas.
do judaismo, observado por Maomé entre
c) cristaos e muezins.
povos que seguiam essas religiGes.
d) sunitas e cristaos.
b) 0 culto dos santos e profetas através de ima-
e) xiitas e politeistas.
gens e idolos.
c) © politeismo, isto é, a cren¢a em muitos
deuses, dos quais 0 principal é Ala.
d) o principio da aceitagao dos designios de
11 (FGV-SP) A hégira, um dos eventos mais impor-
tantes do islamismo, e que marca o inicio do
Ala em vida e a negacdo de uma vida pés- calendario islamico, corresponde:
morte.
a) a entrada triunfal de Maomé em Meca em
e) a concep¢ao do islamismo vinculado ex-
630.
clusivamente aos arabes, nado podendo ser
b) ao casamento de Maomé com uma rica
professado pelos povos inferiores.
vidva, dona de camelos.
c) a fuga de Maomé e seus seguidores de Meca
(Fuvest) A estrutura bdsica da sociedade feudal para Medina.
exprimia uma distribuigdo de privilégios e d) a revelagéo de Maomé que lhe foi trans-
obrigag6es. Caracterize as trés ‘‘ordens’’, isto mitida pelo arcanjo Gabriel.
é, camadas sociais que compunham essa e) ao grande incéndio da Caaba em Meca em
sociedade. 615.

(Unicamp) Leia com atengao o seguinte texto 12 (Fasp) ‘Quando vés encontrardes infiéis, matai-
do historiador Marc Bloch e, depois, responda os a ponto de fazer uma grande carnificina e
as quest6es: apertai as correntes dos cativos.
“Eis dois homens frente a frente: um, que Quando cessar a guerra, vos os colocareis em
quer servir; 0 outro que aceita, ou deseja ser liberdade ou os entregareis mediante um
chefe. O primeiro une as maos e, assim juntas, resgate.

169
A IDADE MEDIA

Agi assim. Se Ald 0 desejar, ele mesmo triunfara 17 (Fuvest) Do Grande Cisma sofrido pelo cristia-
sobre eles. Mas ele vos manda combater para nismo no século XI, resultou:
vos por a prova.”’ a) o estabelecimento dos tribunais de Inquisi-
O texto acima, extrafdo do Corao, ilustra o ¢4o pela Igreja Catdlica.
b) a Reforma Protestante, que levou a4 quebra
pensamento que norteava:
a) as cruzadas.
da unidade da lIgreja Catdlica na Europa
b) a Guerra Santa. ocidental.
c) a peregrinagao a Meca. c) a heresia dos albigenses, condenada pelo
d) a perseguigao aos muculmanos. papa Inocéncio Il.
d) a divisdo da Igreja em Catdlica Romana e
13 (Osec-SP) Sao considerados os dois principais Ortodoxa Grega.
e) a Querela das Investiduras, que proibia a
doutores da Igreja catdlica, tendo suas obras
exercido enorme influéncia sobre 0 pensamen- investidura de clérigos por leigos.
to medieval:
a) Santo Inacio de Loyola e Sao Francisco
18 (UFPI) As cruzadas influiram decisivamente na
histéria da Europa na Baixa Idade Média. A
Xavier.
mais significativa de suas conseqiiéncias foi:
b) Santo Agostinho e Santo Anselmo.
a) a reunificagdo das igrejas Catdlica e Orto-
c) S40 Tomas de Aquino e Sao Francisco de
doxa, separadas em 1054 pelo cisma do
Assis.
Oriénte.
d) Santo Agostinho e Sao Tomas de Aquino.
b) um novo cisma no cristianismo com o inicio
e) Sao Pedro e Sao Paulo.
da Reforma Protestante no século XVI.

14 (Fuvest) As feiras na ldade Média constituiram-se:


c) a conquista dos lugares sagrados do cristia-
nismo situados na Asia ocidental.
a) instrumentos de comércio local das cidades
d) a ‘“‘reabertura’” do Mediterraneo, que, possi-
para o abastecimento cotidiano dos seus bilitando a reativagao dos contratos entre
habitantes. Ocidente e Oriente, intensificou o renasci-
b) areas exclusivas de cambio das diversas
mento comercial e urbano na Europa.
moedas européias.
e) o declinio do comércio, o desaparecimento
c) locais de comércio de amplitude continental
da vida urbana e a descentralizagao politica
que dinamizaram a economia da época.
no ocidente da Europa.
d) locais fixos de comercializagao da produ-
¢ao dos feudos.
e) instituigdes carolingias para renascimento
19 (Osec-SP) ‘(...) Durante o século XII, toda a
extensdo da Flandres converteu-se em pais de
do comércio abalado com as invas6es no
tecelaes e batedores. O trabalho de 14, que até
Mediterraneo.
entao se havia praticado somente nos campos,

15 (Fund. Vale Paraibana-SP) A teoria segundo a


concentra-se nas aglomeracdes mercantis que
se fundam por toda a parte e anima um
qual ‘’Deus predestinava uma parte do género
comércio, Cujo progresso é incessante. Forma-
humano a salvar-se e abandonava o restante a
se, assim, a incipiente Bruges, Ipres, Lile, Duai
perdicao” foi defendida, na Idade Média, por:
e Arras. ’’ (Henri Pirenne)
a) Sdo Tomas de Aquino. Podemos relacionar o contetido desse texto:
b) Sao Gregério Magno. a) as mudangas econdmicas que exigiram
c) So Clemente. adaptagdes e mudangas no regime feudal.
d) Santo Agostinho. b) as ligas de mercadores que impulsionaram o
e) Sao Jer6nimo. desenvolvimento mercantil no mar do Nor-
te, a exemplo da Liga Hanseatica.
16 (Maua-SP) O surgimento das universidades c) ao Renascimento comercial que atinge o
medievais ocorre simultaneamente com o‘ex- interior da Europa, a partir do século XI.
pansionismo europeu por meio das cruzadas, er as feiras de comércio local e internacional
com o surgimento das cidades e com a que se desenvolveram no interior da Europa.
expansao comercial. Como se explica essa @ as invas6es barbaras que aceleramaforma¢ao
correlagao cronoldgica? de vilas durante o Baixo Império Romano.
QUESTOES E TESTES

20 (Unicamp) Indique algumas caracteristicas do a) os efeitos imediatos das cruzadas sobre


trabalho urbano durante a crise do feudalismo. a vida européia foram de natureza politica,
ja que contribuiram para abalar sensivel-
ad (Cescem-SP) As Corporagées de Oficio eram mente 0 poder absoluto dos monarcas euro-
organizadas com o objetivo de: peus.
a) defender os interesses dos artesdos diante iy em termos juridicos, as cruzadas contribui-
dos patr6es. ram para modificar 0 sistema da proprieda-
b) proporcionar formacao profissional aos jo- de no feudalismo, ja que difundiram o
vens fidalgos. comeg¢o da propriedade dominante no Ex-
c) aplicar os principios religiosos as atividades tremo Oriente.
cotidianas. c) os seus resultados abalaram seriamente o
d) combater os senhores feudais. prestigio do papado, provocando, inclusive,
e) proteger os oficios contra a concorréncia e a separacdo entre a Igreja de Roma e a de
controlar a produgao. Constantinopla, fato de implicagdes negati-
vas para a autoridade clerical.
22 (UFGO) os efeitos sociais das cruzadas fizeram-se
sentir principalmente sobre as relagGes de
trabalho, j4 que os cruzados, ao retornarem
do Oriente, defendiam a substituigao da
servidao pelo trabalho livre.
e) as exigéncias das expedi¢gdes contribuiram
decididamente para o recuo da domina¢ao
arabe no Mediterraneo, abrindo os espacos
para que as suas aguas viessem a sustentar,
mais tarde, parte das grandes rotas do
comércio europeu.

(Fuvest) Ao longo da Idade Média, a Europa


Ocidental conviveu com duas civilizagGes, as
Histoéria.
Lé.
23.
In
Média.
Horizonte,
Belo
Idade
p. quais muito deve nos mais variados campos.
Essas duas civilizagdes, bastante diferentes da
da
comércio
fins
ONETO,
Queiroz.
Adhemar
em
europeu ocidental, contribuiram significativamente para
o desenvolvimento experimentado pelo Oci-
dente, a partir do sécuio XI, e para o advento da
As linhas pontilhadas e cheias do mapa da
Modernidade no século XV.
pagina anterior indicam, respectivamente, a:
a) Quais foram essas civilizagdes?
a) area do comércio de especiarias e rota da
b) Indique suas principais caracteristicas.
navega¢do espanhola.
b) rea de navegacao inglesa e rota do comér-
cio holandés.
25 (Fund. Carlos Chagas-SP) A Magna Carta
(1215), aceita por Jodo Sem-Terra, da Inglater-
area de colonizagdo inglesa e rota do co- ra, reveste-se de grande importancia porque,
mércio oriental. entre outros aspectos:
rota do comércio de especiarias e rota do
a) assegurava aos homens livres prote¢ao con-
comércio portugués.
tra as arbitrariedades do poder politico.
regiao de atua¢gao da Liga Hanseatica e rota
b) solucionava o conflito entre o Estado e a
do comércio de especiarias. Igreja, decorrente do assassinato do bispo
Thomas Beckett.
23 (UFPA) O movimento das cruzadas foi essen- c) eliminava a influéncia politica dos condes e
cial para o quadro das transforma¢Ges por que bardes na vida inglesa.
a Europa passaria nos processos finais da Idade d) fazia com que a estrutura do governo inglés
Média. Definida esta questao; é possivel asse- perdesse suas caracteristicas feudais.
gurar-se em relagdo ao movimento cruzadista e) pos fim a longa disputa com Filipe Augusto
que: sobre os feudos ingleses na Frang¢a.
A IDADE MEDIA

26 (FEI-SP) Os problemas das herangas feudais, a) a crise do modo de producao feudal provo-
que haviam confundido destinos e provincias, cada pela superexploragao da mao-de-obra,
tornaram inevitavel a Guerra dos Cem Anos através das relag6es servis de produ¢ao.
entre Franca e Inglaterra. A eclosdo desse b) a disponibilidade de mao-de-obra provoca-
conflito: da, entre outros fatores, pelo crescimento

a) deu-se no primeiro quartel do século XI, a demografico a partir do século X.


partir de problemas na sucessdo do trono c) a predominancia cultural e ideolégica da

francés sobre o qual a Inglaterra tinha fortes Igreja, com a valoriza¢ao da vida extraterre-
interesses. na, a condena¢ao a usura e sua posi¢ao em
b) teve como causa principal a disputa pela relacdo ao ‘justo prego’ das mercadorias.
regiao de Flandres que, feudataria da Fran- = a aquisigao das ‘‘cartas de franquias’’, que
¢a, atraia fortes interesses econdmicos da fortalecia e libertava a nascente burguesia
Inglaterra. das obrigagées tributdrias dos senhores
Cc) ocorreu na primeira metade do século XIV, feudais.
a partir da disputa entre os dois paises sobre e) 0 movimento cruzadista, que, retratando a
indmeros territorios flamengos e italianos. estrutura mental e religiosa do homem me-
d) foi provocada pelas disputas politicas entre dieval, se estendeu entre os séculos XI e XIII.
a Rosa Vermelha (de Lancaster) e a Rosa
Branca (de York). 31 (Fuvest) A partir do século XI, na Europa
e) aconteceu devido a interesses manufaturei- ocidental os poderes monarquicos foram lenta-
ros da Franga sobre Flandres, regiao feuda- mente se reconstituindo, e em torno deles
taria da Inglaterra. surgiram os diversos Estados nacionais. Expli-
que as razOes desse processo de centralizagao
(Fuvest) Uma caracteristica da Idade Média foi politica.
o surgimento de heresias.
a) Que sao heresias? 32 (PUCSP) “a prépria vocagao do nobre lhe
b) Quais as principais reagdes da Igreja catd- proibia qualquer atividade econdmica direta.
lica diante delas naquele periodo? Ele pertencia de corpo e alma a sua fun¢do
propria: a do guerreiro. (...) Um corpo agil e
(Vunesp) "A fome é um dos castigos do pecado musculoso nado é o bastante para fazer o
original. O homem fora criado para viver sem cavaleiro ideal. E preciso ainda acrescentar a
trabalhar se assim o quisesse. Mas, depois da coragem. E é também porque proporciona a esta
queda, nao podia resgatar-se senao pelo traba- virtude a ocasiao de se manifestar que a guerra
lho (...) Deus imp6s-lhe, assim, a fome para que poe tanta alegria no coragdo dos homens, para
ele trabalhasse sob 0 império dessa necessida- Os quais a audacia e 0 desprezo da morte sao, de
de e pudesse, por esse meio, voltar as coisas algum modo, valores profissionais.””
eternas." Bloch, Marc. A sociedade feudal. Lisboa,
(Trecho do Elucidarium. \n: A civilizagao Edicées 70, 1987.
do Ocidente medieval.) O autor nos fala da condi¢ao social dos nobres
a) Como o texto, escrito durante a Idade medievais e dos valores ligados as suas agdes
Média, justifica a fome? guerreiras. E possivel dizer que a atuagao guer-
b) Como era organizado o trabalho na pro- reira desses cavaleiros representa, respectiva-
priedade feudal? mente, para a sociedade e para eles prdoprios:
a) a garantia de seguranga, num contexto em
(Maua-SP) O século XIV é conhecido como sé- que as classes e os Estados nacionais se
culo de crise e de grande depressao, em quase encontram em conflito, e a perspectiva de
todos os setores da vida no Ocidente europeu. conquistas de terras e riquezas.
Indique as principais razGes dessa crise. b) 0 cumprimento das obrigagdes senhoriais
ligadas a produgao, e a proibi¢gao da trans-
(PUCSP) Nao pode ser considerado como fator missao hereditaria das conquistas realizadas.
gerador do Renascimento Comercial que ocor- Cc) a permissdo real para realizagao de ativida-
re na Europa, a partir do século XI: des comerciais, e a eliminacdo do tédio de
QUESTOES E TESTES

um cotidiano de cultura rudimentar e alheio b) um ponto de vista ja ultrapassado no seu


a assuntos administrativos. tempo, posto que a usura era uma pratica
d) orespeito as relagdes de vassalagem travadas comum e nao mais proibida.
entre senhores e servos, e a diversdo sob a c) uma nostalgia pela Antiguidade greco-ro-
forma de torneios e jogos em épocas de paz. mana, onde a pratica da usura era severa-
e) a participa¢ao nas guerras santas e na defesa mente coibida.
do catolicismo, e a possibilidade de pilha- d) uma concep¢do dominante na Baixa Idade
gem de homens e coisas, de massacres e Média, de condenagao a pratica da usura
mutilagGes de inimigos. por ser contraria ao espirito cristao.
e) uma perspectiva original, uma vez que
33 (Puccamp) Entre os séculos VII e IX, os drabes combina a pratica da usura com a felicidade
realizaram uma grande expansdo territorial humana.
principalmente no norte da Africa, na peninsula
lbérica e em muitas regides do Oriente, con- 35 (PUCSP) Nao ha um membro nem uma forma,
trolando, inclusive, o mar Mediterraneo. Sobre Que nao cheire a putrefagao.
essa expansao, € correto afirmar que: Antes que a alma se liberte,
a) se moveu exclusivamente por interesses O coragao que quer rebentar no peito
religiosos, visando impor as regides conquis- Ergue-se e dilata o peito
tadas os principios estabelecidos no Corao, Que quase fica junto da espinha dorsal.
através das chamadas "guerras santas". — A face é descorada e palida.
b) as lutas constantes entre drabes e cristaos E os olhos cerrados, na cabeg¢a.
impossibilitaram a estes adquirir os conhe- A fala perdeu-se,
cimentos que os arabes tinham, sobretudo Porque a lingua esta colada ao céu da boca.
os relacionados a navegagao e as técnicas O pulso bate e ele anseia.
de irrigagao. (3)
c) os arabes exerceram uma postura intoleran- Os ossos separam-se por todas as ligagdes
te em relagdo aos valores culturais nas Nao ha um s6 tendao que nao se estique e
regides conquistadas, obrigando os povos estale.
a assimilarem seus conhecimentos cientifi- Chastellain. Les Pas de la Mort.
cos e religiosos. Franga, século XIV.
d) a contra-ofensiva, desencadeada pelos cris-
O poema sinaliza a preocupagao com a morte
taos, entre os séculos VIII e XI, possibilitou a
que se fez presente na mentalidade européia do
unificagao da Igreja cristé que, através da
século XIV. Para compreendermos o alcance
guerra santa, conseguiu reconquistar a pe-
dessa funesta inspiragao, € preciso associar
ninsula Ibérica no século XI.
esse fendmeno ao fato de que:
e) a guerra santa arabe consistiu num difusor
a) as primeiras navega¢gGes oceanicas, promo-
dos principios da mensagem de Ala, con-
vidas pelos europeus, vitimavam quantida-
tribuindo como elemento fundamental para
des cada vez maiores de aventureiros.
a expansao islamica, uma vez que concilia-
b) a morte era apenas uma metdafora para
va interesses materiais e espirituais.
representar a transi¢do pela qual passava a
sociedade e cuja énfase estava na produ¢ao
34 (Fuvest) ‘Se volveres a lembranga ao Génese, agricola, dai a comparagao com a fruta que
entenderds que o homem retira da natureza o apodrece para deitar sua semente na terra e
seu sustento e a sua felicidade. O usurario, ao novamente brotar com vida nova.
contrario, nega a ambas, desprezando a natu- c) os germes do movimento romantico faziam-
reza e o modo de vida que ela ensina, pois se notar, através da contestagao da moral
outros sao no mundo seus ideais’’ que reconhecia na existéncia 0 bem supre-
(Dante Alighieri, Divina Comédia, \nferno, mo do ser humano.
canto XI, traducdo de Hernani Donato) d) o movimento de investiga¢ao cientifica, que
Esta passagem do poeta floreritino exprime: teria maior conseqiiéncia durante o Renas-
a) uma visdo ja moderna da natureza, que aqui cimento, dava seus primeiros passos na
aparece sobreposta aos interesses do homem. direcao dos estudos da anatomia humana.
A IDADE MEDIA

e) a mentalidade religiosa, que concebia a 04) No texto, justifica-se a existéncia de uma


vida apenas como provagao em busca da sociedade dividida em trés ordens: a dos
salvagdo eterna, encontrava terreno fértil que oram, a dos que combatem e a dos que
numa sociedade que era assolada por trabalham.
epidemias e guerras. 08) Aos camponeses cabia a producao, o
trabalho na terra, cujo excedente possibili-
36 (UFC) Observe 0 comentario apresentado: tava que o clero rezasse e os guerreiros
" .. Os mosteiros eram em primeiro lugar casas, lutassem.
cada uma abrigando sua ‘familia’ (...) os mais 16) O texto faz referéncia as relagGes sociais
abundantes recursos convergiam para a insti- caracteristicas do capitalismo, a diviséo da
tuicdo monastica, levando-a aos postos avan- sociedade em classes e a relacdo de
¢ados do progresso cultural." trabalho assalariado.
(DUBY, Georges. Histéria da vida privada 2: (A resposta é a soma das respostas corretas.)
da Europa feudal a Renascenga. Sao Paulo,
Companhia das Letras, 1990. p. 52.) 39 (UEPG) Sobre a sociedade feudal, assinale o
que for correto.
Cite as razGes de os mosteiros serem conside-
01) Os direitos de suserania e soberania eram
rados "postos avan¢ados do progresso cultural".
igualmente partilhados por toda a classe

ove (UFG) A hist6éria do Mediterraneo é a historia


senhorial.
02) As ‘monarquias feudais caracterizaram-se
das migragdes populacionais e da circulagao
pela ruptura dos lacos feudo-vassalicos e a
de valores de culturas distintas.
emergéncia de um poder pessoal e supre-
Discorra sobre a expansao arabe, a partir da
mo do soberano.
unificagao islimica na Idade Média.
04) Na regiao entre o curso médio dos rios

38 (UFSC) Leia o texto:


Loire e Reno ocorreu uma sintese equili-
brada e espontanea entre elementos roma-
"A razao (de ser) dos carneiros é fornecer leite e
nos e germanicos.
la; a dos bois é lavrar a terra; e a dos caes é
08) Foi marcada pela predominancia da vida
defender os carneiros e os bois dos ataques dos
urbana sobre a rural.
lobos. Se cada uma destas espécies de animais
16) Havia uma estreita relagdo entre lacos de
cumprir a sua missao, Deus protegé-la-a. Deste
dependéncia pessoal e uma hierarquia de
modo, fez ordens, que instituiu em vista das
direitos sobre a terra.
diversas missGes a realizar neste mundo. Insti-
(A resposta é a soma das respostas corretas.)
tuiu uns, os clérigos e os monges, para que
rezassem pelos outros [...]. Instituiu os campo-
40 (Fuvest) A economia da Europa Ocidental,
neses para que eles, como fazem os bois com o
durante o longo intervalo entre a crise do
seu trabalho, assegurassem a sua propria sub-
escravismo, no século Ill, e a cristalizagdo do
sisténcia e a dos outros. A outros, por fim, os
feudalismo, no século IX, foi marcada pela:
guerreiros, instituiu-os para que [...] defendes-
a) depresséo, que atingiu todos os setores,
sem dos inimigos, semelhantes a lobos, os que
provocando escassez permanente e fomes
oram e os que cultivam a terra."
intermitentes.
(CANTERBURY, Bispo Eadmer de.
iS expansao, que ficou restrita a agricultura,
Transcrito por FARIA, Ricardo. Historia para
por causa do desaparecimento das cidades e
o Ensino Médio. Belo Horizonte, Lé, 1988.)
do comércio.
Com base no texto, assinale a(s) proposi- c) estagnagdo, que sO poupou a agricultura
¢ao(6es) verdadeira(s): gracas a existéncia de um numeroso cam-
01) As relagdes sociais descritas eram tipicas pesinato livre.
da chamada sociedade feudal, em alguns d) prosperidade, que ficou restrita ao comércio
dos paises da Europa Ocidental. e ao artesanato, insuficientes para resolver a
02) No texto, justifica-se o poder do monarca e crise agraria.
a participagao do povo (os que trabalha- Ass continuidade, que preservou os antigos
vam) no governo, uma vez que a sociedade sistemas de produgdo, impedindo as inova-
em questao teria sido organizada por Deus. ¢des tecnoldgicas.
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O ANTIGO REGIME EUROPEU

século XV inaugurava um novo pe- como a compra de titulos de nobreza. Apenas


riodo do processo histérico da Euro- no final da Idade Moderna, a classe burguesa
pa ocidental: possuir terras ja nao era reuniu meios para edificar uma ordem social,
mais sindnimo seguro de poder; as relagGes politica e econdmica a sua prdpria imagem,
sociais de dominag¢ao e de exploragdo tam- embora somente os acontecimentos da se-
bém nao eram as mesmas do mundo feudal; gunda metade do século XVIII, como a
mudang¢as qualitativas na economia européia Revolugao Industrial, a independéncia dos
abriam espaco para uma nova ordem politica Estados Unidos e a Revolugdo Francesa, con-
e social. solidassem definitivamente a posi¢do da bur-
Tendo suas origens no feudalismo, o guesia, inaugurando a Idade Contempordanea.
mundo moderno evoluiria até culminar no Assim, sendo um periodo de transi¢ao, a
seu oposto — o capitalismo do mundo con- Idade Moderna reforgou a importancia do
temporaneo. Assim, em muitos aspectos, o comércio e da capitalizagdo, que constitui-
mundo moderno constituiu uma nega¢ao do ram a base sobre a qual se desenvolveria o
mundo medieval, embora ainda nao se sistema capitalista. Como decorréncia, um
caracterizasse como um todo sodlido, maduro, novo Estado, novas normas e novos valores
apresentando-se como uma €poca de transi- foram gerados segundo as novas exigéncias
¢4o. Foi o periodo de consolida¢ao dos ideais do homem ocidental.
de progresso e de desenvolvimento, que
reforcou 0 pensamento racionalista e indivi-
dualista, valores burgueses que iriam demolir
o universo ideoldgico catdlico-feudal.
Entre os séculos XV e XVIII, estruturou-se
uma nova ordem socioeconémica, denomi-
nada capitalismo comercial. Durante esse
periodo, a nobreza, cuja posi¢ao social era
ainda garantida por suas propriedades rurais e
titulos — mas que nao raro enfrentava dificul-
dades financeiras —, passou a buscar ansiosa-
mente meios para se impor segundo os novos
padrdes econdmicos.
Por seu lado, a burguesia, mesmo pros-
perando nos negocios, estava longe de ser a
classe social dominante, com prestigio junto a
aristocracia. Como desejasse exercer a supre-
macia de que se julgava merecedora por seu
poder econémico, freqientemente incorreu
no paradoxo de assumir valores decadentes, A burguesia e seus valores: o capital, a prosperidade.

176
O ANTIGO REGIME EUROPEU

Economia e sociedade do processo histdrico que dissocia O traba-


Antigo Regime lhador dos meios de produgo. E consi-
BE eee eer derada primitiva porque constitui a pré-
historia do capital e do modo de produ-
Com as Cruzadas, no inicio da Baixa ¢ao capitalista.
Idade Média, processou-se um conjunto de [..] Marcam época, na historia da
alteragdes socioeconémicas, decorrente do acumula¢ao primitiva, todas as trans-
renascimento do comércio, da urbanizacdo e formagdes que servem de alavanca a
do surgimento da burguesia. A juncdo desses classe capitalista em formagao sobretu-
elementos, por sua vez, impulsionou o pro- do aqueles deslocamentos de grandes
cesso de formagado do Estado nacional, e massas humanas, slbita e violentamente
lentamente foram sendo demolidos os pilares privadas de seus meios de subsisténcia e
que sustentavam o feudalismo. langada no mercado de trabalho como
Cada vez mais ganhavam terreno a levas de proletarios destituidos de direi-
economia de mercado, as trocas monetarias, tos. A expropriagao do produtor rural, do
a preocupa¢ao com o lucro e a vida urbana. camponés que fica assim privado de suas
Assim, se por um lado 0 mundo medieval se terras, constitui a base de todo o
encerrou em meio a crise (guerras, pestes), processo”.
por outro, com o inicio da expans4o maritima
MARX, Karl. O capital. Rio de Janeiro, Civilizagao
e declinio do feudalismo, afirmou-se uma
Brasileira, 1971. v. 2. p. 30-1.
nova tendéncia: o capitalismo comercial.
O ressurgimento do comércio na Europa
e a exploragao colonial do Novo Mundo
americano e afro-asiatico propiciaram a as- O capitalismo comercial evoluiu, assim,
censao vertiginosa da economia mercantil. para uma crescente separa¢do entre capital e
No meio rural europeu, as relagdes produti- trabalho. Mais e mais a burguesia acumulou
vas variavam desde as feudais (senhor-servo) patrimonio e moeda, capitalizando-se, en-
até as que envolviam o trabalho assalariado quanto os trabalhadores foram sendo limita-
(proprietario-camponés), prenunciando o que dos a condicao de assalariados, donos unica-
virla a ser um regime de caracteristicas mente de sua forca de trabalho. A burguesia
capitalistas. A exploracdo do trabalhador e a foi, entao, se preparando para o completo
expropriag¢ao de suas terras possibilitaram controle dos meios de produ¢do, 0 que se
uma gradativa e crescente ampliagdo de ri- consolidaria definitivamente com a Revolu-
quezas nas maos dos donos das terras e dos ¢ao Industrial.
meios de produgdo — a chamada acumula¢ao Visando adequar o meio rural ao capita-
primitiva de capitais. lismo comercial e reorganizar a produgao
mais eficientemente, segundo os moldes do
capitalismo emergente, os proprietarios lan-
_ Acumulagao primitiva de capitais ¢aram mado de diversos recursos. Um exem-
plo foram os cercamentos na Inglaterra: com
A primeira etapa da acumulagao o desvio do uso da terra para a criagao de
capitalista € comumente chamada de ovelhas — tarefa que requeria pouca mao-de-
acumulagao primitiva. Realizada inicial- obra.e destinava-se a produg¢ao de la expor-
mente por meio da transformagao das tada para Flandres — formou-se enorme con-
relagdes de produgdo e surgimento do tingente servil sem colocagao no campo. Sem
trabalho assalariado e concentragao dos op¢des, essa massa dirigiu-se para as cidades,
meios de produgao — nas maos de onde se tornou mao-de-obra disponivel, mais
poucos, seguidos da expans&o capitalis- tarde empregada na colonizacgao da América
ta —, “a acumulagao primitiva é apenas o inglesa e, principalmente, nas unidades fabris
durante a Revolucao Industrial.

|i
A IDADE MODERNA

Nas cidades, as relacdes produtivas tam- O Estado no Antigo Regime


bém eram mescladas: 0 artesanato, praticado im ee a
em oficinas, nas quais o mestre artesdo e Os
artesdos auxiliares eram produtores e donos
dos meios de produgao, e as manufaturas, em O Estado moderno retratou a transi¢do do
que se processavam relagdes de cunho capi- periodo, refletindo os interesses dos grupos
talista através da concentragdo dos meios de
sociais em conflito, ao preservar os privilégios
producao (fabricas e instrumentos) nas maos da aristocracia feudal e abrir espag¢o ao novo
do empresario e do pagamento de um salario grupo burgués ascendente. Na pratica, foi o
em troca da forca de trabalho do empregado. resultado da derrocada do poder universal
(Igreja) e local (nobreza) e da formag¢ao das
monarquias nacionais.
O Estado caracteristico da época moder-
na é conhecido como absolutista, na medida
em que 0 poder estava concentrado nas mdos
do rei e de seus ministros, os quais aprovei-
tavam as limitacdes dos grupos sociais domi-
nantes — nobreza e burguesia — para monopo-
lizar a vida politica. Incapazes de exercer he-
gemonia (a nobreza estava em decadéncia e a
burguesia ainda se mostrava fragil), esses gru-
pos precisavam do Estado para preservar suas
condigées e privilégios; dai sujeitarem-se ao
rei, reforg¢ando o poder do Estado moderno.
De seu lado, 0 Estado absolutista depen-
dia dos impostos e recursos gerados pelas
atividades comerciais e manufatureiras, sen-
do o progresso e o desenvolvimento das
atividades mercantis fatores importantes para
sua sobrevivéncia e opuléncia. Por esses
motivos, esse Estado mantinha em cargos do
governo, além dos tradicionais elementos da
aristocracia feudal, representantes da burgue-
sia. Por isso, também, foi dinamico na
geracao de bens e no incremento das finan¢as
nacionais, incentivando o lucro, a expansao
A manufatura representou uma nova tendéncia nas relacdes
produtivas urbanas. Na gravura, uma tipografia do século do mercado e a exploragdo das colénias.
XVI. Por outro lado, em virtude da extensado de
sua burocracia aristocratica, procurou garan-
tir sua sobrevivéncia através da tributacao
Dessa forma, a sociedade do periodo desenfreada, assumindo mais e mais o carater
moderno, comumente chamada de sociedade parasitario, fundado nos privilégios feudais.
de ordens (clero, nobreza e povo), apresen- Essa caracteristica limitadora do capitalismo e
tava-se, na pratica, dividida em uma classe de do desenvolvimento econédmico burgués pos-
proprietarios de terras (clero e nobreza), uma sibilitaria o surgimento e avanco das idéias
classe de trabalhadores (servos, camponeses liberais, que levaram posteriormente as revo-
livres, assalariados, enfim, a massa popular) e lug6es burguesas que demoliram o Estado
uma classe burguesa (mercantil e manufatu- absolutista.
reira). A Idade Moderna conheceu, entao, a Devido a preponderdancia, nesse perfodo,
luta da burguesia pelo espac¢o social, politico do absolutismo — poder capaz de definir
e ideoldgico. regras, praticas e agdes em todos os niveis -,

178
O ANTIGO REGIME EUROPEU

consolidou-se a concep¢do de um Estado


As manufaturas modernas
interventor, que devia atuar em todos os
setores da vida nacional. No plano econémi- A produgao manufatureirada ldade
Co, essa interven¢do manifestou-se através do Moderna & bem diferente da produgao
mercantilismo. mecanizada do industrialismo em série
da Revolugao Industrial. Enquanto na
manufatura os instrumentos de produ-
O mercantilismo ¢ao S40 os implementos manuais dos
he Se 5 ene Oo ee
trabalhadores, cuja utilizagao fica limi-
tada pela forga e agilidade do ser
Evidenciando a intima relacdo entre Esta-
do e economia, o mercantilismo caracterizou- humano, na maquinofatura a produgao
se por ser uma politica de controle e incenti- mecanizada liberta-se desses limites.
vo, por meio da qual o Estado buscava garantir Com o desenvolvimento da produgao,
o seu desenvolvimento comercial e finan- iniciado na Baixa Idade Média com as
ceiro, fortalecendo ao mesmo tempo o préprio oficinas artesanais, a manufatura se
poder. Nao chegou a constituir uma doutrina, coloca como intermediaria entre estase
um sistema de idéias, um conjunto coerente a produgao industrial mecanizada, que se
de praticas e acg6es; foi, na verdade, um iniciou no século XVIII.
conjunto de medidas variadas, adotadas por
diversos Estados modernos, visando a obten- Entretanto, apesar das variagGes de Esta-
¢ao dos recursos e riquezas necessdrios a do para Estado e de época para época, houve
manutencao do poder absoluto. Cada Estado uma série de principios comuns que orienta-
procurou as medidas que mais se ajustavam as ram a politica mercantilista. Um deles foi o
suas peculiaridades: alguns concentraram-se metalismo — concepcdo que identifica a
na exploracgao colonial, na obtengdo de riqueza e o poder de um Estado a quantidade
metais preciosos; outros, nas atividades mari- de metais preciosos por ele acumulados. A
tima e comercial; e outros, ainda, optaram por obten¢ao de ouro e prata viabilizou-se com a
incentivar a produ¢do manufatureira. exploragao direta das col6nias ou com a
intensificagdo do comércio externo. Em am-
bos os casos, buscava-se manter o nivel das
exportagdes superior ao das importagdes, ou
seja, uma balan¢a comercial favoravel.
Neste quadro, o Estado restringia as im-
portagdes impondo pesadas taxas alfandega-
rias aos produtos estrangeiros, ou até mesmo
proibindo que certos artigos fossem importa-
dos. Essas medidas visavam nado apenas
diminuir as importagdes, mas igualmente pro-
teger a producdo nacional da concorréncia
estrangeira; por esse motivo, sao chamadas
de medidas protecionistas. Para estimular as
exporta¢gdes, varios Estados modernos procu-
raram desenvolver politicas de incentivo a
produgao nacional, tanto nas metrdpoles
quanto em suas coldnias.
Dessa forma, o mercantilismo quase sem-
pre esteve ligado ao trindmio metalismo,
balanga comercial favoravel e protecio-
nismo. Vejamos, a seguir, alguns exemplos de
O ativo porto espanhol de Sevilha. aplicag6es diversas desses principios.

179
A IDADE MODERNA

Na Espanha, o Estado adotou medidas O mercantilismo no séeculo XVI


para a obten¢do de metais, por meio da ex-
ploragdo colonial americana, e para a restri- No final do século XV, e especialmente
¢do das importagées, priorizando o metalis- no século XVI, os paises ibéricos (Portugal e
mo. Devido a estocagem de lingotes de ouro Espanha) comandaram as transformagdes da
e prata (bullion, em inglés), o mercantilismo economia européia. Pioneiros no processo de
espanhol recebeu 0 nome de bulionismo. expansdo ultramarina, foram igualmente os
Na Franga, destacadamente no século primeiros a se beneficiar com as riquezas das
XVII, 0 governo procurou limitar as importa- terras descobertas. A exploragdo de suas
¢6es e€, aO Mesmo tempo, aumentar o valor colénias foi orientada por politicas mercanti-
das exporta¢des, estimulando as manufaturas, listas semelhantes, que se traduziam na
especialmente aquelas voltadas para a pro- exploragao intensa dos recursos naturais —
ducgdo de artigos de luxo, criando ainda especialmente no caso da Espanha, cujas
diversas companhias de comércio. Em alusao col6nias eram riquissimas em metals precio-
a seu maior defensor, Colbert, ministro de sos — e na defesa do monopolio de comércio,
Luis XIV, o mercantilismo desenvolvido na o chamado exclusivo colonial.
Franga foi chamado de colbertismo. Como Assim, todos os produtos que chegavam a
essa politica econdmica priorizava a indus- colénia ou safam dela tinham de passar pela
tria, o colbertismo era também conhecido metrdpole, concretizando sua sujei¢do abso-
como industrialismo. luta ao Estado explorador, caracteristica do
pacto colonial. Cabia a colénia, além de
consumir os produtos manufaturados pela
metrdpole, produzir segundo as exigéncias
da economia mercantilista, garantindo lucros
e rendas a Coroa e a burguesia mercantil.

Colbert incentivou a tecelagem, a marinha e as companhias


de comércio francesas.

Na Inglaterra, cuja politica mercantilista Os tesouros americanos fascinaram os europeus do século


foi chamada de comercialista e depois indus- XVI, transformando as areas coloniais em complemento das
economias metropolitanas. Na gravura, fundi¢ao de prata e
trialista, 0 governo favoreceu o desenvolvi- cobre na regiao andina.
mento da frota naval e da marinha mercante,
essenciais para a expansdo de seu comércio Devido ao enriquecimento da Espanha
externo. Paralelamente, incentivou a produ- pelo acdmulo de metais preciosos, a concep-
¢do manufatureira, protegendo-a da concor- ¢ao metalista predominou no mercantilismo
réncia estrangeira por meio de uma rigida europeu dessa €poca. Entretanto, o enorme
politica alfandegaria. afluxo de metais preciosos provocou, a longo
O ANTIGO REGIME EUROPEU

prazo, efeitos negativos sobre a economia nos dois séculos seguintes, uma posi¢ao de
espanhola ao desestimular as atividades agri- liderang¢a na economia européia, adotando
colas e manufatureiras. Tornando-se cada vez medidas mercantilistas peculiares.
mais dependente de importagdes, a Espanha Na Franca dos Bourbons, desde os minis-
nao conseguiu manter ao longo do tempo tros Sully e Laffémas, de Henrique IV (1589-
saldos positivos em sua balan¢a comercial. 1610), a Richelieu, de Luis XIII (1610-1643), o
Além disso, a abundancia de ouro e Estado incentivou a produc¢do e o comércio,
prata, aumentando o volume monetario, pro- bem como a constru¢ao naval. Entretanto, foi
vocou, no século XVI e principalmente no no reinado de Luis XIV (1661-1715), sob a
XVII, uma extraordinaria eleva¢ao nos precos, orientagao do ministro das finangas, Colbert,
que se generalizou por toda a Europa, que a intervenc4o estatal foi severa e siste-
favorecendo os Estados produtores, como matica. Estimulou-se a produgao manufatu-
Franga, Inglaterra e Holanda e respectivas reira, especialmente de artigos de luxo (jdias,
burguesias comerciais e manufatureiras, que méveis, porcelanas, rendas, sedas, etc.), mui-
ampliavam seu processo de entesouramento tos deles produzidos pelas manufaturas reais,
e capitaliza¢ao. de propriedade do Estado. Nessa €poca, a
Assim, ja no final do século XVII, quem Franga tornou-se famosa pela excelente qua-
liderava economicamente a Europa nado eram lidade de seus produtos, conquistando o mer-
mais os paises ibéricos, mas as na¢des que se cado externo.
voltaram para 0 comércio e para a produ¢gao Na Inglaterra, desde os Tudor até os
como meio de entesouramento. Stuart, o Estado adotou diversas medidas de
prote¢do ao comércio maritimo, como o
A espiral dos pregos do século XVII estimulo 4 constru¢do naval e a criacdo de
leis proibindo que navios estrangeiros reali-
eile ieéculo XVII foi um periodo ape zassem 0 transporte de produtos da metrdpole
imensa instabilidade de pregos, de altas — e das coldnias inglesas. Dessa forma, além de
e baixas gigantescas. A ampliacao do evitar os enormes gastos com os fretes pagos
mercado consumidor € o crescente au- aos estrangeiros, impedia-se a evasdo de
mento do meio monetario (ouro é prata) moeda para o exterior, permanecendo todo
impulgionaram 0s pregos. “As altas de- o lucro do comércio no pais.
masiado rapidas e acentuadas restrin- Esses Atos de Navegacao, como eram
gem oO consumo, acarretam crises nas chamados, foram decisivos para 0 desenvol-
vendas, causam embaracos e sofrimen- vimento comercial da Inglaterra, que assim
tos. Os mais sdlidos empresarios nem pdde desbancar seus concorrentes, especial-
sempre conseguem aproveita-las, com- mente os holandeses, que até entao domina-
pensando a diminuigao dos negocios com vam o transporte maritimo europeu e colonial.
o aumento dos lucros, efetuando acumu-
lagdes de capitais para prosseguir em
“Ato de Navegagao Inglés, de 1660.
- seus investimentos.”
. MOUSNIER, Roland. Histéria geral das Para o processo do armamento
civilizagdes. O século XVI e XVII. Livro 1. maritimo e da navegagao, que sob provi-
Sao Paulo, Difel, 1975. p. 180. déncia e protegao divina interessam
tanto a prosperidade, a seguranga e ao
poderio deste reino [...] nenhuma merca-
O mercantilismo dos séculos XVII doria sera importada ou exportada dos
e XVIII paises, ilhas, plantagoes ou territorios
pertencentes a Sua Majestade ou em
Ainda no século XVI, Franga e Inglaterra possessves de Sua Majestade, na Asia,
criaram medidas protecionistas e subvengdes América e Africa, noutros navios senZo
as manufaturas que lhes permitiram assumir,

181
A IDADE MODERNA

cas transformaram-se num obstaculo a evo-


nos que [...] pertencem a sliditos ingleses
lucdo capitalista, que seria superado apenas
LJ ; no final do século XVIII, com a Revolugado
[..] nenhum estrangeiro [...] podera
Francesa.
exercer 0 oficio de mercador [...]”
DEYON, Pierre. O mercantilismo. Sao Paulo, Pers-
pectiva, 1973. p. 94.

Além de estimular a marinha mercante, o


Estado inglés incentivou a producdo e as
atividades financeiras, criando também diver-
sas companhias de comércio. Nascidas de
maneira familiar, as empresas capitalistas
logo atrafram investidores, ampliando os
negocios e os lucros.

“Os individuos que financiam os


negocios confiam aos comerciantes de- No século XVIIF, a frota britanica dominava os oceanos.
terminada soma, que estes se encarre-
gam de aplicar, entregando aos primeiros
parte dos lucros. No século XVIII, buscou-se mais do que
. Surgem entao as companhias: al- nunca complementar a economia metropoli-
guns comerciantes fazem seguir o seu tana por meio da explora¢gao desenfreada das
home da expressao ‘€ companheiros’ ou ‘é colénias, submetidas ao pacto colonial. Con-
0S restantes da sua companhia’. Trata- tudo, ao longo desse século, tornaram-se
5e entdo de associagoes de mercadores, cada vez mais freqiientes as criticas a politica
“que pretendem obter monopdlios, no intervencionista do Estado absolutista, tanto
género da companhia formada pelos na Europa quanto no mundo colonial.
comerciantes de Augsburgo, em 1464, A burguesia ascendente, ja senhora da
_ para sé apoderarem do mercado de cobre economia, nao mais aceitava um Estado que
de Veneza, ou da que foi constituida pelos nao satisfizesse seus anseios. Exprimindo rept-
comerciantes alemaes e italianos, em dio aos componentes ainda nado completamen-
Lisboa, para monopolizar a pimenta real. te capitalistas do periodo, referia-se a estrutura
Pode tratar-se, também, de associagdes social, econdmica, politica e cultural dessa
formadas para certo tipo de comércio época — a divisdo da sociedade em ordens, os
dificil ou perigogo [...].” privilégios ainda existentes do clero e da
nobreza, além da politica mercantilista e de
MOUSNIER, Roland. Histéria geral das civilizagdes.
O século XVI é XVII. p. 105. indmeras obriga¢gdes feudais, como o imposto
da talha e da corvéia — como Antigo Regime.
Na politica, o absolutismo, a Corte e o
Em 1688 e 1689, a Revolucdo Gloriosa controle de todas as esferas da sociedade pelo
levou a implantagao da monarquia parlamen- poder real sufocavam o anseio por um mundo
tar, e as estruturas politicas prd-burguesia novo, compativel com a vitoriosa ordem capi-
foram definitivamente fortalecidas na Ingla- talista. Surgiam, entao, as condigdes para a
terra, sustentando o desenvolvimento quase formulagao de principios econdmicos antimer-
ininterrupto do capitalismo e criando condi- cantilistas, de concep¢des inovadoras como as
¢6es para que esse pais se tornasse a maior desenvolvidas pelos adeptos da fisiocracia e
poténcia econdmica do mundo moderno. Na do liberalismo econdmico, que iriam sepultar
Fran¢a, por outro lado, as instituigdes polliti- definitivamente o Antigo Regime.

182
A EXPANSAO MARITIMA EA
REVOLUCAO COMERCIAL
l—r—~—~—«<“C#YSC‘C‘iC‘‘SN(#EH(RE’CO
Cs N

esde o inicio da Baixa Idade Média, Além disso, os mercadores eram obrigados a
as cidades italianas dominavam co- pagar pesadas tarifas aos senhores feudais
mercialmente o Mediterraneo, mo- pelo direito de atravessar suas propriedades, o
nopolizando a distribuigaéo dos produtos que elevava o preco final das mercadorias.
orientais no continente europeu. Percorrendo Assim, as antigas rotas terrestres e fluviais
rotas terrestres e fluviais, os mercadores de acabaram entrando em colapso, sendo lenta-
Veneza, Génova e outras cidades da penin- mente substituidas por rotas maritimas, que
sula Italica dirigiam-se as feiras de Champa- passaram a ligar a Italia ao mar do Norte
nhe e de Flandres, onde realizavam seus através do oceano Atlantico.
neg6cios com os comerciantes do norte da Foi nesse quadro que o litoral portugués
Europa.
assumiu importancia. Como ficasse aproxi-
madamente na metade do percurso entre a
Italia e o mar do Norte, Portugal passou a
constituir um excelente ponto de escala e de
abastecimento para os mercadores italianos e
flamengos. Com isso, as atividades econdmi-
cas do pais se desenvolveram, possibilitando
a ascensdo do grupo mercantil portugués,
que, mais tarde, fortalecido, projetaria a
expansdo maritima.
A propria monarquia lusitana, sob a di-
nastia de Avis, percebendo a importancia do
desenvolvimento do comércio para o progres-
so do pais eo fortalecimento do Estado, passou
a estimular as atividades mercantis. Uma das
medidas de incentivo adotadas pelo governo
foi a criagao da Escola de Sagres, um centro de
Pelo fervilhante porto de Génova passavam mercadorias das
sistematizac¢ado e ensino dos conhecimentos e
regides mais longinquas do Oriente. técnicas de navega¢ao, dirigida pelo infante
D. Henrique, filho do rei D. Joao I.
Entretanto, a crise iniciada no século XIV, O mundo europeu nessa época, abalado
decorrente da Guerra dos Cem Anos, da pela crise do feudalismo, procurava se rees-
propagacao da peste negra e das proprias truturar economicamente. Ao mesmo tempo,
limitag6es do sistema feudal, afetou profun- as minas de metais preciosos — tao necessa-
damente o comércio europeu. As tradicionais rios para o desenvolvimento do comércio —
rotas de comércio ja nao ofereciam seguran¢a haviam praticamente se esgotado no Velho
contra os assaltos, cada vez mais freqiientes. Continente e 0 mercado consumidor dos

1835
A IDADE MODERNA

produtos orientais era cada vez mais limitado, continuava fragmentado em uma série de
pois os pregos dessas mercadorias tornaram- reinos alemaes e em reptblicas italianas,
se excessivamente altos. O monopdlio italia- estas Ultimas interessadas na manuten¢do da
no para obté-las em Constantinopla ou Ale- supremacia do comércio do Mediterraneo.
xandria e o grande ndmero de intermediarios Fragmentadas também estavam as regides da
na distribuigao elevavam demasiadamente o Bélgica e da Holanda, as chamadas Provin-
preco final, constituindo uma séria barreira ao cias dos Paises Baixos.
crescimento econémico.

Fundada em 1417, a Escola de


Sagres funcionou como polo coordenador
e executor das futuras expedigdes mari-
timas lugas. Esse centro de estudos eé
pesquisas de navegagao reunia astrono-
mos, gedgrafos, matematicos, especia-
listas em instrumentos nauticos, além de
cartografos e navegadores. Foi ao seu
tempo o mais avangado centro de estu-
dos nauticos de todo o mundo, catali-
gando o anseio da burguesia mercantil e
do Estado nacional lugso de criar uma
nova rota comercial com o Oriente, con-
quistando o valioso comércio de especia-
rias.

Para revitalizar a economia européia


seria necessario, portanto, buscar op¢des para
Navegar o Atlantico era aventurar-se no “mar tenebroso”,
obter metais preciosos e ampliar as possibi- era dar um salto no desconhecido: monstros e seres
lidades de comércio, oferecendo produtos a fantasticos eram alguns dos perigos esperados.
precos mais baixos. Isso sé seria possivel com
uma nova rota para o Oriente — na medida em
que o Mediterraneo era controlado pelos Assim, apenas o Estado portugués reunia
italianos — e a conquista de outros mercados. as condigées essenciais para iniciar a expan-
Portanto, tornava-se necessario dar inicio a sdo ultramarina: um grupo mercantil préspero
expansdo maritima, desbravando o Atlantico e ambicioso, um governo forte, entrosado
e contornando o continente africano. com o grupo mercantil nacional, localizagao
Entretanto, os Estados europeus ainda privilegiada em relagao ao Atlantico, unidade
ndo conseguiam reunir as condi¢des neces- e estabilidade, quando comparado aos outros
sdrias a expansdo. A Espanha enfrentava Estados europeus, e conhecimentos técnicos
dificuldades internas e externas, devido a necessdrios.
falta de um governo unificado e a presenca
arabe no sul da peninsula Ibérica, questdes
que so seriam solucionadas com o casamento A expansao maritima lusa
dos reis de Aragéo e Castela (1469) e a fee
ee ee ae a |
reconquista de Granada (1492). A Inglaterra e
a Franga estavam envolvidas na Guerra dos Iniciada em 1415 com a tomada de um
Cem Anos, cujas conseqiiéncias Ihes foram entreposto comercial arabe no norte africano —
desastrosas, e os ingleses ainda viveriam a Ceuta -, a expansdo lusa caracterizou-se
Guerra das Duas Rosas. O Sacro Império inicialmente pela conquista do litoral da Africa

184
A EXPANSAO MARITIMA E A REVOLUCAO COMERCIAL

e de ilhas do Atlantico. A partir da segunda coberta de uma nova rota para as Indias e a
metade do século XV, os navegantes a servico possibilidade de adquirir os produtos orien-
do reino de Portugal j4 haviam adquirido os tais por pregos bem mais baixos trans-
conhecimentos nduticos necessdrios para rea- formaram-se no principal objetivo do Estado
lizar viagens mais audaciosas. Assim, a des- portugués.

1415: Tomada de Ceuta, no |


norte da Africa.
1418-32: Ocupag4o das ilhas |
de Acores, com a in- |
trodugdo do sistema |
de capitanias heredi- |_
tarias.
: Gil Eanes dobra 0 ca- |
bo Bojador. a
: Descoberta das ilhas |
de Cabo Verde.
: Diogo Cao atinge a |}
foz do rio Zaire. :
: D. Joao ti organiza |
duas expedi¢Ges para |
o Indico: uma terres- |
tre, comandada por |
Pero de Covilha, e |.
outra maritima, co- |
mandada por Bartolo- |
meu Dias.
; Bartolomeu Dias do- |}
bra o cabo da Boa |.
Esperanga.
: Vasco da Gama atin- |
ge Calicute, na costa |
oeste da India. be
: Cabral oficializa a |~
posse sobre o Brasil.

As conquistas portuguesas do século XV.

Nesse processo de expansdo, Lisboa se A expansao maritima


transformou num centro comercial importan-
tissimo, firmando-se como elo fundamental espanhola
na cadeia do comércio europeu. Entretanto, oF,
= Ser
por nao possuir uma organiza¢do financeira a
altura, capaz de manter sua supremacia Antes mesmo que Vasco da Gama che-
comercial, a atividade mercantil portuguesa gasse as Indias, a Espanha entrava em cena na
vinculou-se demasiadamente as companhias expansao ultramarina européia. Tendo supe-
comerciais holandesas e italianas. Dessa rado em 1492 dois sérios entraves ao pro-
forma, as enormes riquezas obtidas pelos gresso nacional — a presen¢a arabe e a divisdo
portugueses foram se diluindo pelo resto da interna -, a Espanha reuniu forcas para
Europa, reforcando outras burguesias e im- participar das disputas comerciais e da ex-
possibilitando uma capitalizagao interna con- ploragdo do mundo colonial. Nesse mesmo
tinua e até mesmo o desenvolvimento de uma ano O novo reino patrocinava a viagem do
produ¢ao manufatureira nacional. navegador genovés Cristovao Colombo.

185
A IDADE MODERNA

: Crist6vao Colombo descobre a


América, alcangando a ilha de
Guanaani, atual San Salvador,
nas Bahamas.
: Alonso Ojeda chega a Vene-
zuela.
; Vicente lafes Pinzén chega ao
Brasil, no Amazonas (‘Mar Dul-
ce” = Mar Doce).
: Diogo Velasquez conquista
Cuba.
Ponce de Le6én conquista a Fl6-
rida.
Vasco Nunez Balboa alcanga o
oceano Pacifico.
Dias Sdlis chega ao rio da Prata.
Fernao de Magalhaes e Sebasti-
Ao del Cano partem para a pri-
meira viagem de circunavega-
¢ao.
Fernao Cortez inicia a conquista
do México.
: Francisco Pizarro inicia a con-
quista do Peru.
Jodo Ayolas chega ao Paraguai.
: Francisco Orellana explora o rio
Amazonas.

As conquistas espanholas na expansao ultramarina.

Acreditando na esfericidade da terra, controvérsias acerca do direito de posse sobre


Colombo defendia a tese do el levante por as terras descobertas ou a descobrir. Com o
el poniente, isto é, de que seria possivel objetivo de definir os direitos de cada pais,
alcangar as Indias (no Oriente) navegando em formularam-se diversos tratados, dos quais o
direcao ao Ocidente. Partindo em agosto de primeiro foi o Tratado de Toledo, assinado
1492, Colombo rumou para oeste por dois em 1480. Esse tratado, que garantia a Portu-
meses, alcancando a ilha de Guanaani (San gal as terras a descobrir ao sul das ilhas
Salvador), nas Baamas. Acreditou, porém, ter Canarias, constituiu uma importante vitdria
alcancado as Indias, e s6 mais tarde, em da diplomacia lusitana, pois assegurava a
1504, é que o navegador Américo Vespticio Portugal a rota das Indias pelo sul da Africa.
confirmaria que se havia descoberto um novo Todavia, apds a viagem de Colombo, em
continente. Iniciava-se desse modo o ciclo 1492, as decis6es impostas por esse tratado
espanhol das Grandes Navegacoes. tornaram-se insustentaveis. Em 1493, 0 papa
Alexandre VI editava a Bula Intercoetera,
que determinava a partilha do mundo ultra-
As disputas ibéricas: os marino entre espanhdis e portugueses. Um
meridiano situado 100 léguas a oeste do
tratados ultramarinos arquipélago de Cabo Verde destinava a
Sea eee
Portugal todos os territ6rios situados a leste,
e a Espanha, as terras localizadas a oeste do
A corrida expansionista de Portugal e meridiano.
Espanha gerou, ja na segunda metade do Sentindo-se prejudicados, os portugueses
século XV, inevitaveis conflitos e inGmeras contestaram energicamente esse tratado e

1E-To)
A EXPANSAO MARITIMA E A REVOLL

exigiram sua reformulagdo. Depois de um


periodo de negocia¢ées entre os dois paises, A contestacao francesa ao Tratado
um acordo foi celebrado em 1494, na cidade de Tordesilhas teve no monarca Francis-
de Tordesilhas, na Espanha. O Tratado de co | o mais veemente representante. Em
Tordesilhas substituia a linha diviséria ante- 1540 chegou a dizer que “‘o sol brilhava
rior por outra, situada 370 léguas a oeste das tanto para ele como para os outros’ é
ilhas de Cabo Verde. Com esse tratado que ‘gostaria de ver o testamento de
tornavam-se mais amplas para Portugal as Adao para saber de que forma este
possibilidades de conquistar terras no Atlan- dividira o mundo...’ Declarou também que
tico ocidental, cuja existéncia j4 era do 50 a ocupagao criava o direito, que
conhecimento dos portugueses. descobrir um pais, isto é, vé-lo ou
atravessa-lo, nao constitula um ato de
A DIVISAO DAS NOVAS TERRAS posse e que considerava como dominio
=: me EUROPA
eB estrangeiro unicamente ‘os lugares habi-
tados e defendidos’. Sao esas as bases
da colonizagao moderna”.
v 3 \
wa MOUSNIER, Roland. Histéria geral das civilizacdes.
| e: : Os séculos XVI é XVII. p. 163.

Verde se
quador 5.
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OCEARIO
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= ZN
4
‘ { A expansao maritima de outros
ACIFICO VTICO
paises europeus

Em fungao das dificuldades j4 apontadas,


foi apenas na segunda década do século XVI
Pelo Tratado de Tordesilhas, reformulava-se a divisao das
terras descobertas, ou a descobrir, entre portugueses e
que outros Estados europeus ingressaram na
espanhdis. corrida expansionista.

A PANES) MARITIMA INGLESA E soles

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Viagens dos navegantes ingleses e franceses a América.


A IDADE MODERNA

A partir do reinado de Francisco | (1515-1547), A exploragdo das terras americanas,


a Franga passou a contestar vigorosamente o africanas e asiaticas significou, assim, nado s6
Tratado de Tordesilhas, realizando uma série a ampliagado das opgdes de comércio, mas
de ataques piratas, especialmente contra a também a maior diversificagao dos produtos
América portuguesa. Sado dessa época as comercializados e a expansao dos mercados
invas6es dos franceses ao Brasil, que tentaram, consumidores e abastecedores. Além disso, a
sem éxito, estabelecer-se no Rio de Janeiro e, descoberta das jazidas minerais americanas
mais tarde — século XVII —, no Maranhao. As assegurou 0 afluxo de grandes quantidades de
expedic¢des a América do Norte garantiram a metais preciosos, solucionando o problema
posse sobre o Canada e a Louisiana. da caréncia monetaria européia.
Na Inglaterra, durante o reinado de Desse modo, com a expansao maritima,
Elizabeth | (1558-1603), organizaram-se di- 0 comércio europeu recuperou e ampliou seu
versas viagens de reconhecimento ao litoral dinamismo. A intensificagdo das trocas co-
da América do Norte, bem como expedi¢6es merciais proporcionou enormes lucros aos
piratas contra navios estrangeiros, especial- grupos mercantis, que puderam aumentar
mente espanhdis. Como proporcionasse altis- continuamente seus capitais, reinvestindo-os
simos lucros, a pirataria foi bancada pelo em novos negocios. Assim, por meio da
Estado, passando a constituir a principal acumula¢ao primitiva de capitais, verificada
atividade dos marinheiros ingleses na segun- durante o périodo da Revolug¢do Comercial, a
da metade do século XVI. Nessa mesma burguesia se preparou para empreender pos-
época, a Inglaterra deu inicio ao lucrativo teriormente a Revolucao Industrial.
trafico de escravos negros para as Américas.
_ Também os holandeses participaram do
movimento de expansdo maritima. Ocupa-
ram a Guiana e as Antilhas e fundaram na
América do Norte a cidade de Nova Amster-
da (atual Nova York, nos Estados Unidos).
Foram ainda os financiadores de Portugal na
implantagao da industria agucareira no Nor-
deste brasileiro. O acucar ali produzido era
entregue aos holandeses, que o refinavam e
distribufam por todo o continente europeu.

A Revolucao Comercial
ae ee ae eee

Podemos definir a Revolucaéo Comercial


como o conjunto de mudangas que se
operaram na economia mundial entre os
séculos XV e XVII, consolidando de forma
definitiva os alicerces do mundo capitalist.
O mar Mediterraneo, que constituia o princi-
pal eixo econdmico europeu, acabou sendo
suplantado pelo oceano Atlantico. O desen-
volvimento da navegagao através desse ocea-
no possibilitou 0 acesso a vastissimas regides
do globo até entéo desconhecidas dos euro-
peus, tornando o comércio uma atividade de A retomada da atividade mercantil na Europa coincidiu com
escala mundial. O periodo renascentista.

188
O RENASCIMENTO CULTURAL

s transformagdes socioecondmicas
gem ee Aereeg a luz,na gee. nas
iniciadas na Baixa Idade Média e
artes, nao ciéncias, no -exército, na
que culminaram com a Revolucdo
plastica, a idéia de Renascimento
Comercial na Idade Moderna afetaram todos
Roland, Histéria geral das aileaeee. 7
os setores da sociedade, ocasionando inclu- NEG
yo. 0s séculos XVIe VII.ie or al
sive mudangas culturais. Intimamente ligadas
a expansdo comercial, a reforma religiosa e
ao absolutismo politico, as transformacédes O Renascimento nao foi, como o termo
culturais dos séculos XIV a XVI — movimento pode evocar a principio, uma simples reno-
denominado Renascimento cultural — esti- va¢ao da cultura classica e muito menos um
veram articuladas com o capitalismo comer- renascer cultural, como se antes nao houves-
cial. se cultura. Apenas inspirou-se na Antiguidade
Primeiro grande movimento cultural bur- Classica, sobretudo no antropocentrismo, a
gués dos tempos modernos, 0 Renascimento fim de resgatar valores que interessavam ao
enfatizava uma cultura laica (nao-eclesidasti- novo mundo urbano-comercial. Propria das
ca) e racional, sobretudo nao-feudal. Entre- mudan¢as em curso e da nega¢ao do periodo
tanto, embora tentasse sepultar os valores da anterior foi a denominagdo, dada entéo a
Igreja catdlica, apresentou-se como um en- Idade Média, de “Idade das Trevas’’.
trelagamento dos novos e antigos valores, Descartando a imensa produgao cultural
refletindo o carater de transi¢ao do perfodo. do periodo anterior, o Renascimento caracte-
Buscando subsidios na cultura greco-romana, rizou-se por ser essencialmente um movi-
o Renascimento foi a eclosdo de manifesta- mento anticlerical e antiescolastico, pois a
¢6es artisticas, filosdficas e cientificas do cultura leiga e humanista opunha-se a cultura
novo mundo urbano e burgués. eminentemente religiosa e teocéntrica do
mundo medieval.
No conjunto da produ¢ao renascentista,
a he termo Renascimento —
comegaram a sobressair valores modernos,
Pea OChiLico. de arte Giorgio Vasari foi, burgueses, como o otimismo, o individualis-
muito provavelmente, z
a primeira pessoa a mo, 0 naturalismo, o hedonismo e o neopla-
ugar a palavra Renascimento — isto em tonismo. Mas o elemento central do Renasci-
i 1550 - » para designar uma situagao mento foi o humanismo, isto é, o homem
ae jateinaniente: distinta da ldade Média. como centro do universo (antropocentrismo),
is “Vasari fazia a sintese de todo o movi- a valorizacao da vida terrena e da natureza, o
“mento
de idéias que se enriquecera e humano ocupando o lugar cultural até entao
_‘ precieara desde Petrarcae no qual ele dominado pelo divino e extraterreno.
S. “proprio crescera: idéias de despertar, de Com o humanismo abandonava-se 0 uso
ressurreigao, de je oie igs delei de conhecimentos classicos tao-somente para
provar dogmas e verdades religiosas, descar-

189
A IDADE MODERNA

tando-se a erudicao medieval confinada nas Fatores geradores do


bibliotecas ou na clausura dos mosteiros.
Impulsionava-se a paixao pelos classicos Renascimento
greco-romanos numa busca de sabedorias e PM aia IO ek ie

belezas ‘‘esquecidas” pela Idade Média.


As transformagées econémicas do final
O impulso cultural do Renascimento
da Idade Média, associadas ao processo de
revigorou valores opostos aos dos ho-
urbaniza¢gao e ascensdo da burguesia, torna-
mens medievais. Em todos 05 campos do
ram as concep¢ées artistico-literarias feudais
saber emergiu uma vitalidade cultural que
inadequadas. Novas exigéncias afloraram,
rompia com os tradicionais limites. Che-
refletidas no desenvolvimento comercial e
ga-se até a rever, “com dificuldades ima- na nova sociedade urbana emergente. As
ginaveis, a teologia. A filogofia passa a primeiras manifestagdes renascentistas apare-
ser platonica e a idéia terrena faz nascer ceram e triunfaram onde essas transformag6es
uma ciéncia fundamental: a politica”. ja predominavam — na Italia.
BARDI, Pietro Maria. Génios da pintura — goticos é
renascentistas. S40 Paulo, Abril, 1980. p. 15. Reaberto o mar Mediterraneo, com as
Cruzadas, as cidades italianas de Florenga,
Veneza, Roma e Mildo transformaram-se em
O homem renascentista, artista, cientista, grandes centros de desenvolvimento capita-
literato, confunde-se com o proprio Deus pela lista, motivo pelo qual apresentavam as
sua genialidade e criatividade, por emergir da condig6es necessarias para a germina¢gdo e
profundeza escura da sujei¢ao escolastica proliferagdo do Renascimento.
para se tornar verdadeiramente humano que,
como diz Roland Mousnier, ‘pode asseme- Além disso, surgiram na Italia os mece-
lhar-se a Deus primeiramente, depois identi- nas, ricos patrocinadores das artes e das
ficar-se a ele, se Deus 0 quiser, pela cria¢do. ciéncias, que objetivavam nado s6 a promo¢ao
O homem é, como Deus, um artista univer-
pessoal, mas também proveitos culturais e
sal”. econdmicos. Destacaram-se como protetores
das artes os Médicis, em Florenca, e os
Sforza, em Mildo.

Os italianos contavam ainda com uma


viva presenga da cultura classica, gracgas aos
seus muitos monumentos e ruinas, 0 que
contribufa para o revigoramento de valores
pré-feudais.
Foi também a Italia o principal pdlo de
atrag¢do dos sdbios bizantinos, pensadores
formados pela cultura classica grega, que
para la se dirigiam fugindo da decadéncia do
Jan
Arnolfini
Eyck,
(1434).
mulher
van
esua
Império Romano do Oriente e das crescentes
presses dos turcos otomanos.
Completando a imensa gama de compo-
nentes que detonaram o inicio do Renasci-
mento na Italia, havia ainda as influéncias dos
arabes, povo que obtivera, ao longo dos
séculos, enorme repositdrio de valores da
A preocupacao humanista transparece em todas as obras do Antiguidade Classica e que mantinha conta-
periodo renascentista. tos comerciais com os portos italianos.

190
O RENASCIMENTO CULTURAL

Fases do Renascimento
aaa eee

Houve precursores do Renascimento, co-


mo Dante Alighieri (1265-1321), natural de
Florenga, que escreveu a Divina comédia em
dialeto toscano. Entretanto, apesar de sua obra
criticar 0 comportamento eclesidstico, Dante
ainda apresentava fortes influéncias medie- morto.
ante
Giotto,
Lamento
Cristo

vais. O Renascimento italiano se impés efeti-


vamente a partir do século XIV, estendendo-se
até o século XVI. Chamamos de Trecento (os
anos trezentos) a fase do século XIV, Quattro-
cento (os anos quatrocentos) a do século XV e
Cinquecento (os anos quinhentos) 0 perfodo
mais Criativo, que foi de 1500 a 1550.

Giotto representou figuras religiosas com caracteristicas e


sentimentos humanos. A morte e a expressao facial de dor e
sofrimento humanizam personagens divinos, como Nossa
Senhora, a mae de Cristo.

“Giotto foi .o primeiro mestre do


novo humanismo. Em Giotto, Cristo é
realmente filho do homem. Os aconteci-
mentos da historia sagrada tornam-se
acontecimentos terrenais, situam-se
bem no mundo humano, e nao mais no
além. Mesmo o suave dourado do elo que
circunda a cabega dos santos ja nao é
Dante Alighieri prenunciou o Renascimento: substituiu o
um eco dos distintivos de uma hierarquia
latim pelo italiano em Divina comédia. sobrenatural presentes nas velhas pin-
turas: transformou-se numa aura de
pura humanidade. Esses afrescos nao
O Trecento - século XIV falam de um mundo rigido, imutavel. Tudo
é mostrado em movimento como o en-
Nas artes plasticas, a principal figura contro de homens com outros homens.”
desse periodo foi Giotto (1266-1337), que FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. 3. ed. Rio
rompeu com a tradicional pintura medieval e de Janeiro, Zahar, 1971. p. 167-8.
seu imobilismo, caracterizado por uma hie-
rarquia rigida que determinava a importancia
dos personagens pintados (Cristo sempre Nas letras, o periodo caracterizou-se pelo
estava acima dos santos, era maior que os uso da lingua italiana (dialeto toscano),
anjos e estes apareciam acima dos santos). embora ainda houvesse fortes influéncias
Giotto fez do humano e da vida o foco de medievais. Dois autores se destacaram: Pe-
suas pinturas, dando as suas figuras um as- trarca (1304-1374) e Giovanni Boccaccio
pecto humano com tra¢os de individualidade, (1313-1375).
destacadamente em Sao Francisco pregando Petrarca, considerado o ‘‘pai do huma-
aos passaros e Lamento ante Cristo morto. nismo e da literatura italiana’, imprimiu

191
A IDADE MODERNA

em sua obra épica, De Africa, marcantes Deu aos seus trabalhos realismo, volume
tracos dos cldssicos greco-latinos. Apesar e peso, tomando da arquitetura e da escultura
disso, em algumas obras, como nos poemas alguns de seus principios basicos. Conseguiu
Odes a Laura, evidenciava-se ainda uma forte transportar para suas telas a geometria em
religiosidade crista medieval, aliada ao trova- perspectiva do arquiteto Brunelleschi e do
doresco das cancées dos cavaleiros do século escultor Donatello. Suas pinturas mais famo-
XIll. Boccaccio € o autor de Fiammetta, sas sao A expulsdo de Addo e Eva do paraiso,
Filistrato e Decameron, conjunto de contos Tributo, Distribuigéo de esmolas por Sao
que ressaltam o egoismo, 0 erotismo e 0 anti- Pedro e Hist6rias de Ananias.
clericalismo, desprezando os ideais ascéticos Sandro Botticelli (1445-1510) foi outro
do periodo medieval. destaque da pintura renascentista. Suas obras
apresentam figuras leves, teénues, quase imate-
riais. Traduz uma convic¢ao pessoal de que a
O Quattrocento - século XV
arte é antes de tudo uma expressdo espiritual,
O entusiasmo pela cultura greco-romana religiosa, simbdlica. Seus personagens buscam
fez renascer, na literatura desse perfodo, as a beleza neoplat6nica e alcangam, em Nasci-
linguas classicas e o paganismo. Em Florenga, mento de Vénus, a unido entre 0 paganismo
foi criada a Escola Filosdfica Neoplatonica, classico e o cristianismo. A nudez brilhante da
com 0 patrocinio do mecenas Louren¢go de deusa do amor nao sugere o amor fisico, mas a
Médici. Na pintura, tiveram grande importan- inocéncia, como que nascendo purificada das
cia os artistas de Florenga, que introduziram a aguas do Batismo. Além de Nascimento de
técnica a 6leo. Dentre eles, podemos destacar Vénus, suas telas mais famosas sao Alegoria da
Masaccio (1401-1429), que, embora tenha primavera e Fallade e o centauro.
tido uma breve passagem pelo cenario artis-
tico de Florenga, influenciou a pintura ao
romper com resquicios da arte medieval,
chamados de ‘‘g6tico tardio”’.

Sao
Pedro.
or

Nascimento
Botticelli,
Vénus
de
(detalhe).

Masaccio,
de
Distribuigao
esmol.

Masaccio trabalhou temas religiosos com novas técnicas e


principios estéticos. Botticelli conciliou os valores cristaos com os do paganismo.

192
O RENASCIMENTO CULTURAL

Leonardo da Vinci (1452-1519), um dos Ao longo de sua vida, a obra de Leonardo


humanistas mais completos do Renascimento, da Vinci incorporou as tendéncias de cada
€ considerado figura de transi¢4o, pois viveu a um desses periodos e ele foi de pintor e
metade do Quattrocento e 0 inicio do Cinque- escultor a urbanista e engenheiro; de mUsico
cento. No primeiro perfodo, quando Florenca e fildsofo a fisico e botanico. Esbogou inven-
erao polo cultural da Italia, a arte ainda imitava tos que so séculos mais tarde se concretiza-
os modelos classicos e predominava 0 uso das riam, como, por exemplo, o para-quedas, o
linguas classicas. No Cinquecento, Roma escafandro, o canhao, o helicdptero, etc. Suas
transformou-se no eixo renascentista, ao mes- telas mais famosas s4o Gioconda (Monalisa),
mo tempo que a lingua italiana era usada Santa Ceia e Virgens das rochas.
fluentemente, assim como o latim e o grego.
Predominavam nesse periodo a originalidade,
a criagdo tanto na forma como no contetido, o
que resultava numa arte prdpria — fusdo do
classico com 0 moderno.

“Leonardo foi o curioso mais insis-


tente da historia. Perguntava o porqué e
o como de tudo o que via. [...] Descobre,
anota: quando pode ver, desenha. Copia.
Faz a mesma pergunta uma, duas, varias
vezes. A curiosidade de Leonardo unia-se
a uma energia mental incansavel. Chega a
ser cangativa a leitura de suas intermi-
naveis anotacées. Nao se contenta com
um sim por resposta. Nao deixa nada de
lado: preocupa-se, expoe, responde a
interlocutores imaginarios. De todas as A enigmatica Monalisa de Leonardo da Vinci.
perguntas, a mais insistente éa questao
sobre o homem — nao o homem ‘de
espirito, raz4o é memoria como um deus
imortal’ de Alberti, mas o homem como
O Cinquecento - século XVI
mecanismo. Como anda? E engina como
Nesse perfodo, em que 0 uso da lingua
se desenha um pé de dez maneiras italiana foi sistematizado, destacaram-se al-
diferentes, cada uma revelando compo-
guns escritores como: Francesco Guicciardini, -
nentes diversos na gua estrutura. Como
com Historia da Italia; Torquato Tasso, autor de
0 coragao bombeia o sangue? O que Jerusalém libertada; e Ariosto, autor de
acontece quando o homem espirra ou Orlando, o furioso. Entretanto, foi Nicolau
boceja? Como vive, quando feto, no Utero? Maquiavel (1469-1527) o iniciador do moder-
Por que morre de velhice? Leonardo no pensamento politico, o maior expoente
descobriu um centenario num hospital literario do perfodo. Em O principe, defende
de Florenga, e esperou alegremente que um Estado forte, independente da Igreja, um
ele morresse para examinar-lhe as veias. governo absolutista em favor do qual todos os
Cada pergunta exigia uma dissecagao ¢€ meios sao justificaveis, estando a “‘razao de
cada dissecagao era desenhada com Estado”’ acima de qualquer outro ideal. Escre-
precisao maravilhosa.” veu também a Histéria de Florenga, Discurso
CLARK, Kenneth. CivilizagZo. S30 Paulo, Martins sobre a primeira década de Tito Livioe a pega
Fontes, 1980. p. 155. Mandrdagora, considerada a mais perfeita obra
teatral escrita em lingua italiana.

193
A IDADE MODERNA

Nas artes do Cinquecento, destacou-se conjunto de afrescos pintados na Capela


Rafael Sanzio (1483-1520), um dos mais Sistina sobre passagens da Biblia, tanto do
populares artistas da Renasceng¢a, que deixou Antigo quanto do Novo Testamento.
uma imensa produgao, apesar da morte pre-
matura aos 37 anos. Destacam-se, entre seus
trabalhos, os retratos dos papas Julio Il e Ledo X
e a decoragao de algumas salas do Vaticano.
O mais importante afresco da Sis-
Tendo entre seus mais importantes traba- tina de Michelangelo é 0 Juizo Final, cujo
lhos a Escola de Atenas, Rafael pintou ainda tema é representado por figuras pagas:
indmeras madonas — tema que fascinava os “Sua Ultima obra foi um afresco de
italianos —, mesclando elementos religiosos e extraordinarias dimensdes, que cobre
profanos: “Nao sao retratos de santas, porque toda uma parede da Capela Sistina e
a sensualidade eclipsa a emo¢do mistica que descreve o Juizo Final. O artista repre-
deveriam apresentar. E tampouco chegam a sentou Cristo como um jovem herdi,
ser figuras humanas, porque, embora adora- desnudo, que com um poderoso gesto
veis, sua beleza é invadida por uma abstragao _de seu brago parece dizer: ‘Apartai-vos
idealista’”. (Génios da pintura — goticos e de mim malditos’. Ao som das trombetas
renascentistas. SAo Paulo, Abril,1960. p. 212.) do Juizo, as tumbas devolvem seus
Michelangelo Buonarroti (1475-1564), mortos, 08 bem-aventurados se dirigem
denominado o “gigante do Renascimento”, para o céu € 0S condenados se precipi-
pelo destaque de suas pinturas, esculturas, tam aos infernos”.
arquitetura e obra poética, foi outro grande GRIMBERG, Carl. Histéria universal. Madrid,
artista do Cinquecento. Retratou com maes- Daimon, 1967. v. 6. p. 96-8.
tria a dor e a paixao, e sua maior obra foi o

Em .Juizo Final, Michelangelo


retrata as figuras biblicas belas e
musculosas, como nas esculturas
pagas.

No final do século XVI, o Renascimento cial europeu. Por outro lado, os novos centros
italiano entrou em vertiginosa decadéncia, comerciais que emergiram impulsionaram os
pois a expansdo maritima e as grandes valores renascentistas surgidos na Italia.
descobertas, quebrando 0 monopélio comer- Ao mesmo tempo, emergiu na Italia a
cial italiano no Mediterraneo, transferiram Contra-Reforma, rea¢do catélica a movimen-
para o Atlantico o eixo econdmico e comer- tos protestantes que teve em Roma seu centro

194
O RENASCIMENTO CULTURAL

difusor e que se indispunha contra as mani- comportamento eclesiastico e a alguns pontos


festagdes culturais renascentistas. Uma das doutrinarios (0 livre-arbitrio, a importancia da
primeiras vitimas da Contra-Reforma foi Gior- liturgia, etc.).
dano Bruno (1548-1600), humanista queima- Nesse contexto, desprezando as doutri-
do vivo como herege, por ter-se insurgido nas escolasticas, Erasmo escreveu Elogio da
contra a concep¢ao de que o universo é feito loucura, obra em que denuncia algumas
de coisas fixas, criadas por um Deus trans- atividades da Igreja e a imoralidade do clero,
cendente, e ter defendido as concepcées delineando a atua¢do da Reforma protestante.
copernicanas de um universo infinito e ilimi- Entretanto, se por um lado estimulou o apare-
tado, em permanente transforma¢4o, que se cimento do protestantismo, por outro, conde-
confunde com o préprio Deus. nou a Reforma, pois defendia a tolerancia e a
humildade como os caminhos mais sensatos
para se alcancar o verdadeiro cristianismo.
Erasmo condenou publicamente o reformador
Lutero pela criagéo de novos dogmas que
A expansao do Renascimento substitufiam os papais. Segundo o prdprio
S.C.
lL EZ
Erasmo, ‘‘cada religido pode compendiar-se
com uma s6 palavra: paz, e a paz religiosa
No conjunto dos paises europeus, o somente pode existir limitando-se ao menor
movimento renascentista ndo despertou com ndmero possivel em definicdes teolégicas’’.
oO mesmo impeto, nado demonstrou o apego
intimo aos classicos, nem enfatizou o huma-
nismo, como aconteceu na Italia. Ao contra-
rio, espelhou caracteristicas especificas em
cada regiao, desenvolvendo um humanismo
bem aos moldes cristaéos: preocupa¢do com
problemas de ordem pratica, predominancia
da ética sobre a estética. A literatura e a filo- Quadro
Quentin
de
Metsys.
sofia tiveram maior destaque, em detrimento
da pintura e da escultura.

Paises Baixos

O progresso comercial dos Paises Baixos Erasmo de Rotterdam buscou humanizar o cristianismo.

(Flandres e Holanda) e a sua posi¢ao privile-


giada na Revolucado Comercial fizeram surgir Erasmo € também autor de Addgios e
nessas regides grandes renascentistas, como Coldquios, por meio dos quais critica a so-
Erasmo de Rotterdam, os irmaos Van Eyck, ciedade da época, recorrendo a concep¢des
Hieronymus Bosch e Pieter Brueghel. classicas, como o antropocentrismo. Numa
Erasmo de Rotterdam (1466-1536), con- passagem de Coldquios, por exemplo, 0 papa
siderado o “principe dos humanistas’’, usou Julio Il, personagem principal, encontra, apds
uma linguagem simples e elegante para sua morte, a porta do paraiso fechada e
esclarecer problemas teoldgicos e superar a ameaca Sao Pedro de excomunhao caso nao
angustia metafisica da Europa de sua €poca: a abrisse imediatamente. O didlogo entre o
devido a tensdo religiosa, criada pelo refor- papa e Pedro se faz como entre um prepoten-
mista protestante Lutero, vivia-se a contesta- te pecador e a verdade pura da Igreja
¢ao de valores cristaos seculares, como a vitoriosa. —
unidade da Igreja, a autoridade papal supre- Na pintura flamenga, destacaram-se os
ma. Além disso, fervilhavam criticas ao irmaos Van Eyck, com a tela Adoragao do

195
A IDADE MODERNA

cordeiro, obra executada com a nova técnica _ sepultura e de retratos de importantes perso-
a 6leo. Sobressaiu também a pintura de Pieter nagens da época, como Henrique VIII, Eras-
Brueghel, que se singularizou pelo aspecto moe Thomas Morus.
social impresso em suas telas, em que apare-
cem homens do povo e festas populares,
como casamentos e feiras de aldeia. Desta-
cam-se O alquimista, Banquete nupcial,
Dan¢a campestre, Os cegos.
Outro grande pintor do perfodo foi
Bosch, cuja obra é considerada, no minimo,
como algo inquietante, um verdadeiro calei-
doscépio, por exprimir sensagdes que beiram
o fantastico, os mistérios da mente humana,
numa antevisdo do surrealismo — escola (detalhe).
Auto-retrato
Durer,
Albrecht

artistica do século XX. Suas obras mais


famosas sdo: As tentacdes de Santo Antao,
Carroga de feno e Jardim das delicias. Note as mintcias de expressao na obra de Diirer.

Inglaterra

Na Inglaterra, o Renascimento sd flores-


ceu efetivamente no século XVI, apds a
Guerra das Duas Rosas, quando despontaram
os literatos Thomas Morus e William Shakes-
peare, seus maiores expoentes.
Thomas Morus (1476-1535), chamado o
chanceler fildsofo, era amigo fntimo de Erasmo
de Rotterdam. Escreveu Utopia, obra em que
AHieronymus
Bosch,
(detalhe)
feno
de
carroga
descreve ‘‘um pais de lugar nenhum”’, onde as
leis sao poucas, a administrac¢do beneficia, sem
distin¢ao, todos os cidadaos, 0 mérito é
recompensado, a riqueza é repartida e todos
vivem uma vida perfeita. Utopia exalta a paz, a
compreensdo e 0 amor e condena a intoleran-
cia, o desejo pelo poder e pelo dinheiro. Morus
JA se disse que a pintura de Bosch é para ser lida e nao mescla em sua obra os ideais da civilizagao
apenas vista. classica com os do cristianismo — forjando uma
sociedade perfeita em decorréncia do uso da
inteligéncia e da razao.
Alemanha . ¢
O chanceler filosofo
Na Alemanha, a efervescéncia artistica Foi o rei Henrique Vill que elevou
foi beneficiada pela Reforma luterana e pelas Morus — de grande conhecimento huma-
guerras que se seguiram. Os maiores expoen- nista eé filosdfico — aos cargos mais
tes na pintura foram: Albrecht Diirer (1471- distintos da Inglaterra, encarregando-o,
1528), autor de Auto-retrato, Natividade e inicialmente, de missdes diplomaticas,
Adorac¢éo da Santissima Trindade; e Hans trazendo-o ao Congelho Real em seqguida,
Holbein (1497-1543), autor de Cristo na

196
O RENASCIMENTO CULTURAL

e, em 1529, nomeando-o lorde chanceler. Michel Montaigne, com a obra Ensaios,


Em 1535, em meio a Reforma protestan- expressou seu ideal de equilibrio: o senti-
te, Thomas Morus foi condenado 4 morte mento de estar em harmonia com.o universo
por manter-se fiel aos seus ideais e nao aceitando-o como ele é.
reconhecer Henrique VIlIl como chefe da
Igreja anglicana. Espanha

Foi com 0 teatro de William Shakespeare A Espanha viveu do século XVI ao XVII
(1564- 1616), entretanto, que a Inglaterra mais um clima antagonico: de um lado, as riquezas
se evidenciou no Renascimento. Suas tragé- das grandes navega¢g6es, que poderiam favo-
dias conseguem traduzir verdades eternas, recer o desenvolvimento cultural; de outro, o
espelhando um génio com liberdade de espi- cristianismo, que o bloqueou com o movi-
rito e descrenga nos dogmas. Nelas, o drama mento da Contra-Reforma. Mesmo_nesse
psicoldgico faz vir a tona a intensidade da alma contexto contraditério, despontaram artistas
humana com todas as suas multiplas faces. como o pintor Domenikos Theotokopoulos,
conhecido como El Greco (1541-1614), cujas
mais célebres telas sio O enterro do conde
Orgaz e Vista de Toledo sob a tempestade.

desconhecido
Artista

Greco,
El
O
conde
do
Orgaz
de
(detalhe).
enterro
As obras de Shakespeare estao ainda hoje presentes no teatro
e no cinema.

Shakespeare firmou um trabalho que


ainda hoje fascina artistas e platéias em todo
oO mundo, seja em dramas como Romeu e
Julieta, Otelo, Rei Lear, Macbeth e Hamlet,
em dramas hist6ricos como Ricardo III, Julio El Greco fundia em suas obras os aspectos terrenos e
César eAnténio e Cledpatra ou em comédias celestiais.
como As alegres comadres de Windsor.
No teatro destacaram-se Tirso de Molina
Franca (1571-1648), autor da dramatizagao histérica
Don Juan, e Lope de Vega (1562-1635),
Rabelais demonstrou todo o talento do produtor de mais de duas mil pegas, a maioria
humanismo francés em Gargantua e Panta- comédias. O maior escritor da Renasceng¢a
gruel, comédia que satiriza a Igreja, a esco- espanhola, entretanto, foi Miguel de Cervan-
lastica, as superstigGes e€ a repressdo, em tes (1547-1616), autor de Dom Quixote, obra
oposi¢ao a glorificagdo do homem, da liber- considerada a maior satira j4 produzida em
dade e do individualismo. Na _filosofia, todos os tempos.
A IDADE MODERNA

“Compostos nas melhores tradigoes O Renascimento e a musica


da prosa satirica espanhola, conta as eee
ae eee

aventuras de um cavalheiro espanhol


(Dom Quixote) que ficou meio desequili- O pioneirismo do estilo musical renas-
brado em virtude da leitura constante de centista coube aos franco-flamengos. A vir-
romances de cavalaria. Com a mente tuosidade, o refinamento talentoso passaram
cheia de todas as espécies de aventuras a ser o eixo da nova musica. Entre os mUsicos
fantasticas, aos 50 anos parte final- flamengos, destacou-se Josquin des Prés
mente pela estrada incerta da vagabun- (1445-1521), que introduziu em suas missas
dagem cavaleirosa. Imagina que moinhos estribilhos populares que chegavam a ser
libertinos, bem como observagées maliciosas
de vento sao gigantes enfurecidos, e
muito distantes da tradicional liturgia. A nova
rebanhos de ovelhas, exércitos de infiéis,
corrente renascentista levou a complexidade
cabendo-lhe o dever de desbarata-los da polifonia e a disting¢ao entre musica reli-
com a espada. Em sua imagina¢ao enfer-
giosa (missa, motete, antifona) e musica pro-
ma toma estalagens por castelos e as fana (fratola, canzonetta, madrigal).
criadas, por damas galantes perdidas de Apos Josquin, até o fim do século XVI,
amor por ele. Os galanteios que elas nado periodo do Alto Renascimento, duas tendén-
tinham a intengao de fazer, ele os repelia cias se firmaram: a dos protestantes luteranos
mui polidamente, a fim de provar a e a dos catdlicos. Deixando de usar a liturgia
devogao que consagrava a sua Dulcinéia. catdlica em suas cerimGnias, os luteranos
Posta em constraste com o ridiculo ca- buscaram entre 0 povo um tema musical mais
valeiro andante, ha a figura de seu fiel ao gosto popular, criando o canto coral.
escudeiro Sancho Panga. Este represen- Martinho Lutero (1483-1546), reformador
_ tao ideal do homem pratico, com os pés protestante, também musico, compds diver-
ha terra e satisfeito com os prazeres sos hinos religiosos.
concretos do comer, beber, dormir.”
BURNS, Edward McNall. Histéria da civilizagao
ocidental. 2. ed. Porto Alegre, Globo, 1968.
p. 433-4.

O
flautista.
Brugghen,
Ter
Portugal

Portugal, que viveu praticamente os mes-


mos problemas da conjuntura espanhola,
apresentou um movimento humanista intima-
mente relacionado com as grandes navega-
¢6es. Por isso, foram expressivos a epopéia, a
historiografia e o teatro. Os ideais estéticos do
Renascimento chegaram a Portugal com $a
de Miranda (1481-1558), apds viagem 4 Ita-
lia. No teatro, Gil Vicente (1465-1536) des-
tacou-se com seus autos, como o Auto da
visitagdo e o Auto dos Reis Magos. Contudo,
o maior brilho literario coube ao poeta Luis
Vaz de Cam@es (1525-1580), com seu épico
Os Lusiadas, a maior epopéia em lingua por-
tuguesa. Um jovem flautista do século XVII.

198
O RENASCIMENTO CULTURAL

Ja a Igreja catélica, diante do avanco fendeu a laqueacao (ligacdo) das artérias, em


protestante, posicionou-se defensivamente no lugar da tradicional cauterizagdo, para deter
Concilio de Trento (1563), criando a mtsica hemorragias, e André Vesalio (1514-1564)
da Contra-Reforma, cujo iniciador foi Gio- transformou-se no pai da moderna anatomia,
vanni Pierluigi da Palestrina (1525-1594), publicando em 1543 0 primeiro livro extenso
autor de volumosa obra — motetes, madrigais, sobre o assunto: Sobre a estrutura do corpo
salmos e missas, compostos para serem humano. Vesalio atraiu estudantes de todo o
cantados -, da qual se destaca a Missa do mundo para as suas aulas em Padua, fazendo
papa Marcelo. intimo de trés papas e “maes- da anatomia uma ciéncia.
tro di capella’ na Basilica de Sdo Pedro,
dedicou esta Ultima ao cardeal Cervini, que
teve um papado de apenas trés meses.
O Renascimento musical, considerado a
“idade aurea do canto”, exigiu acompanha-
mento instrumental, destacadamente de 6r-
gao, cravo, viola e alatde. Buscando a
perfeicao da forma, evoluiu culminando no
estilo Barroco, dos séculos XVII e XVIII, com
Johann Sebastian Bach e Ant6nio Vivaldi.

O Renascimento cientifico
ee 7 NG a rin an ee]

A efervescéncia cultural da Renascenca


impulsionou o estudo do homem e da
natureza. O Universo ja nado era mais aceito
como obra sobrenatural, fruto dos preceitos
cristaos. O espirito critico do homem partiu
para a ciéncia experimental, a observa¢ao, a
Copérnico junto de um modelo do sistema heliocéntrico.
fim de obter explicagdes racionais para os
fendmenos da natureza. Surgem entao alguns
cientistas de renome. O Renascimento retirou da Igreja o mo-
Nicolau Copérnico (1473-1543), em De nopolio da explicagao das coisas do mundo.
revolutionibus orbium celestium, refuta o Aos poucos, 0 método experimental passou a
geocentrismo ptolomaico, formulando a teo- ser o principal meio de se alcangar o saber
ria heliocéntrica, que foi completada no cientifico da realidade. A verdade racional
século XVII pelo italiano Galileu Galilei precisava ser sempre comprovada na pratica,
(1564-1642). Tycho Brahe (1546-1601) faz empiricamente (empirismo). Assim, apesar de
observac¢oes precisas sobre os astros e Johann a Reforma e a Contra-Reforma terem freado o
Kepler (1571-1630) apontou o movimento impeto renascentista, estavam lancados os
eliptico dos astros, preparando o caminho fundamentos que derrubariam definitivamen-
para a descoberta da lei da gravitagao uni- te a escolastica, fundamentada no misticismo.
versal, de Isaac Newton (1642-1727). A critica, o naturalismo, a dimensao huma-
Na medicina despontaram Miguel Servet nista culminaram no racionalismo, no empi-
(1511-1553) e William Harvey (1578-1657), rismo_ cientifico dos séculos XVII e XVIII.
que descobriram 0 mecanismo da circula¢gao Dessa forma, as principais barreiras culturais
sangiiinea — a circulagdo pulmonar pelas do progresso cientifico foram suficientemente
artérias e o retorno do sangue ao cora¢ao abaladas para nao mais representarem amea-
pelas veias. Ambroise Paré (1509-1590) de- ¢a ao progresso Capitalista burgués em curso.

199
A REFORMA RELIGIOSA
ee
ap

século XVI foi marcado pelo surgi- e a conseqiiente forma¢ao de uma conscién-
mento de novas religides cristas, que cia nacional colocavam em antagonismo o
acabaram com a hegemonia politica poder politico dos reis e o poder da lgreja.
e espiritual da Igreja catdlica e abalaram a
autoridade do papa. Esse processo de divisdo
do cristianismo denominou-se Reforma e as
novas igrejas, protestantes. A reacao da Igreja
catélica a essas novas religiGes cristas cha-
mou-se Contra-Reforma.
A Reforma protestante foi um movimento
religioso de adequa¢ao aos novos tempos, ao
desenvolvimento capitalista; representou no
campo espiritual o que foi o Renascimento no Afresco
1355.
Firenze,
de
Andrea
plano cultural: um ajustamento de ideais e
valores as transformacdes socioecondmicas
da Europa.

A lIgreja medieval tinha grande importancia econdmica,


As principais causas da politica, social e cultural.

Reforma
Pee Ge 7 ee | Do ponto de vista socioeconémico, o
progresso do capitalismo comercial era preju-
O desenvolvimento dos Estados nacio- dicado pelo tomismo — doutrina de Sao Tomas
nais agravou sobremaneira as relagdes entre de Aquino que preconizava o “justo preco” e
os reis, que tiveram seu poder politico au- condenava a usura, inibindo o progresso
mentado, e a lIgreja, que detivera até entao burgués e mercantil. Ao se exigir que a
grande parcela do poder temporal. mercadoria fosse vendida a “justo preco’”’, ou
Durante o feudalismo, a Igreja fora a seja, pelo valor da matéria-prima utilizada
maior detentora de propriedades em varios acrescido do valor da mao-de-obra, desarma-
paises da Europa, que eram obrigados a re- va-se a mola mestra do sistema comercial: o
meter vultosos tributos para Roma. No pro- lucro. E ao se condenar a usura — acumula¢ao
cesso de formag¢ao das monarquias nacionais, de capital com a cobranga de juros —, amea-
a Igreja passou, entao, a ser considerada em ¢ava-se a atividade bancaria, que se expandia
cada Estado um empecilho ao desenvolvi- e ganhava solidez. Assim, os ideais dos novos
mento econdémico, além de personificar a grupos que surgiam e se dedicavam as
propria estrutura feudal decadente. Dessa for- atividades produtivas capitalistas se choca-
ma, o desenvolvimento dos Estados nacionais vam com as teorias religiosas catdlicas,

Aue)
A REFORMA RELIGIOSA

abrindo espa¢go para o surgimento de uma nas heresias dos séculos XI e XII, no Cisma do
religido adequada aos novos tempos. Ocidente (1378-1417) e na desmoralizacao
No campo religioso-espiritual, era cons- da autoridade papal. No século XVI, entre-
tante o confronto de dois sistemas teoldégi- tanto, os abusos eclesidsticos ultrapassaram
cos: 0 tomismo e a teologia agostiniana. A os limites do admissivel pelos cristéos, e a
Igreja catdlica baseava-se no tomismo, teo- crise politica por que passava a Igreja preci-
logia do fim da Idade Média alicergada no pitou o movimento reformista protestante.
livre-arbitrio e nas boas obras. A teologia A causa imediata da Reforma protestante
agostiniana, por sua vez, por prezar a foi a crise moral da lIgreja, cujo poder e
predestinagdo e a fé, serviu de base para abusos contrastavam com suas pregacées.
os reformistas protestantes contrarios a he- Até seus supremos mandatdarios, os papas,
gemonia crista romana. envolveram-se em desmandos: Sisto IV en-
tregou diversos cargos e beneficios eclesiasti-
A predestinagao eo livre-arbitrio cos a seus familiares; Alexandre VI teve
amantes e filhos; Julio II foi mais ativo nas
, Foi na Baixa Idade Média, especial: conquistas militares da Igreja do que em sua
mente com Tomas de Aquino, tedlogo e atividade espiritual; e Leao X nado mediu
-filés0fo catélico do século XIll, que a \greja meios para a obtencdo de recursos para a
rompeu com a concep¢ao fatalista do constru¢ao da Basilica de Sao Pedro.
destino humano, presente na predesti- Em suma, a vida desregrada, a opuléncia
_ Nagao agostiniana. Segundo esta, o e o luxo do alto clero, a venda de cargos
Deus onipotente escolhia, de acordo eclesiasticos, os conflitos em Roma, a venda
com seus BPaaee ag ue iriam de “reliquias sagradas” (lascas da cruz de
Cristo as toneladas, dezenas de tibias do
Saatda
ae destinados ao inferno. jumento de Sao José, etc.) e de indulgéncias
Para. 0 agostinismo a féera o Unico sinal (absolvicao papal a pecados cometidos) trans-
externo que evidenciava a alguem perten- formaram a lgreja em alvo de contundentes
cer ao grupo dos escolhidos a salvagao contesta¢oes.
' eterna, formando com a predestinagao O
bindmio central desea teologia.
‘a aeheiovas concepgao tomista, a do
livre-arbitrio, considerava que o homem
poderia colaborar com Deus no empenho
de conseguir a salvagao, cabendo-\lhe es-
_colher o bem, fazer boas obras, afastan-
do-se do mal. Na teologia tomista a
classe sacerdotal adquiriu grande impor-
tancia, pois sua orientagao era funda-
mental na definigaio, do certo e do errado
em todas as atividades do homem, pos-
sibilitando a este precaver-se do pecado
eé encontrar o bom caminho da salvagao.

O conflito social entre 0 novo grupo


Gravura alema sobre 0 comércio das indulgéncias.
emergente (burguesia) e a religiao tradicional,
aliado ao conflito politico entre reis e papa,
desencadeou uma crise estrutural dentro da O déscontentamento dos humanistas
lgreja. O aparecimento do protestantismo foi, com relacdo a lIgreja levou-os a critica-la.
na verdade, um processo com raizes distantes Assim fizeram Erasmo de Rotterdam e

201
A IDADE MODERNA

Thomas Morus, que propuseram a depuragao Lutero iniciou suas pregagdes na Univer-
das praticas eclesidsticas e uma reforma sidade de Wittenberg, na Sax6nia, defenden-
interna, feita pelos proprios membros da do a doutrina da salva¢ao pela fé. Em 1517,
Igreja. Mesmo antes disso, entretanto, no final revoltado com a venda de indulgéncias pelo
do século XIV e inicio do XV, as censuras a dominicano Jodo Tetzel, fixou na porta de sua
Igreja ganharam vulto, com John Wyclif, igreja as 95 teses, rol de itens onde criticava o
professor da Universidade de Oxford, e John sistema clerical dominante e apresentava sua
Huss, da Universidade de Praga. O primeiro nova doutrina. Essas teses foram distribuidas
atacou severamente o sistema eclesiastico, a por todo o pais, recebendo apoio da popula-
opuléncia do clero e a venda de indulgéncias, ¢ao, j4 que exprimiam os anseios gerais de
insistindo em que as Sagradas Escrituras eram purifica¢ao crista.
a verdadeira fonte de fé. Wyclif pregava ainda
o confisco dos bens da Igreja na Inglaterra e a Algumas das 95 teses de Lutero
ado¢gao pelo clero dos votos de pobreza
material do cristianismo primitivo. John Huss “2\. Erram os pregadores de indul-
corroborou as afirmagdes de Wyclif, as- gencias quando dizem que pelas indul-
sociando o reformismo religioso ao anseio géncias do papa o homem fica livre de
de independéncia nacional da Boémia diante todo 0 pecado e que esta salvo.
do dominio germanico do Sacro Império. 27. Enganam os homens que dizem
Depois de os hussitas ganharem muitos que, logo que a moeda é langada na caixa,
seguidores e servirem de estimulo a chama a alma voa (do Purgatorio).
nacionalista que produziria sucessivas lutas 335. Deve-se desconfiar daqueles que
regionais, John Huss acabou sendo preso, dizem que as indulgéncias do papa sao
condenado e supliciado na fogueira por um inestimavel dom divino pelo qual o
deciséo do Concilio de Constanga (1415), homem se reconcilia com Deus.
transformando-se no herdi nacional tcheco, 36. Qualquer cristao verdadeira-
simbolo da liberdade politica e religiosa. mente arrependido tem plena remissao
do castigo e do pecado; ela é-lhe devida
sem indulgéncias.
A Reforma na Alemanha 50. E preciso ensinar aos cristaos
Oeee ee qué, S€ 0 papa conhecesse as usurpagoes
dos pregadores de indulgéncias, ele pre-
A Reforma protestante iniciou-se na Ale- feriria que a Basilica de Sao Pedro de-
manha — parte do Sacro Império Romano-Ger- saparecesse em cinzas a vé-la construl-
manico —, regido essencialmente feudal, com da com a pele, a carne € 0S 05508 das
um incipiente comércio no litoral norte. O fato suas ovelhas.
de a Igreja possuir mais de um terco do &6. Por que é que o papa [...] nao
territ6rio alemao despertou a ambicdo dos no- constréi a Basilica de S30 Pedro com seu
bres, que passaram a cobicar as terras ecle- proprio dinheiro e nao com o das suas
siasticas. Esse fato, aliado a patente imora- ovelhas?
lidade da lIgreja, despertou o desejo pela ¥
95. E preciso exortar os cristaos a
autonomia em relacdo a Roma, iniciando-se
esperar entrar no céu mais por verdadei-
assim os movimentos que levariam a Reforma. ra peniténcia do qué por uma iluséria
A lideranga do movimento na Alemanha
tranqililidade de espirito.”
coube ao frade agostiniano Martinho Lutero
(1483-1546), que defendia a teoria da pre-
destina¢do, da fatalidade da salvagdo, negan-
do os jejuns apregoados pela Igreja, as Em 1520, 0 papa Leao X, por meio de
indulgéncias e outras praticas religiosas entao uma bula, condenou Lutero e intimou-o a se
em uso. retratar, sob pena de ser considerado herege.

202
A REFORMA RELIGIOSA

Lutero, em resposta, queimou a bula papal Suas pregacoes traziam de volta o milena-
em pra¢a publica, sendo excomungado e rismo, a crenca popular cristaé baseada em
devendo se submeter a um tribunal secular. profecias e predi¢ées do inicio do cristianismo
Contudo, o imperador catdlico Carlos V, que se prolongariam até a Idade Média. Essa
recém-eleito pelos nobres, nado teve condi- cren¢a dizia que o Cristo voltaria uma segunda
¢des de punir Lutero, dada sua popularidade vez, combatendo os males e instituindo o reino
e 0 apoio dos prdprios principes. de Deus na terra, com a duragao de mil anos, e
Carlos V convocou entéo uma assem- no fim haveria a ressurreigdo dos mortos e o
bléia, a Dieta de Worms, a qual comparece- Juizo Final. Condenado como heresia pela
ram todos os governantes do Sacro Império, Igreja medieval, o milenarismo renascido dos
para julgar Lutero. Negando-se a se retratar, anabatistas acreditava também no estabeleci-
foi considerado herege, mas, por contar com mento de uma sociedade igualitaria, justa e
0 apoio da nobreza, nao foi punido. Refugia- sem hierarquia, sendo Miinzer e Florian Geyer
do no castelo de Wartburg, sob a protecao do seus principais lideres.
principe da Sax6nia, Lutero traduziu a Biblia Lutero condenou violentamente esses
latina para o alemao, tornando-a o primeiro camponeses, movendo contra eles uma guer-
documento escrito em lingua alema moderna. ra sem trégua, o que demonstrava seu com-
prometimento com a nobreza alema. Para ele,
os anabatistas foram considerados ‘‘saquea-
dores e assassinos”’, e estavam infringindo as
leis de Deus, devendo ser tratados como
“caes raivosos’’. A violenta repressao dos
principes alemaes contra os camponeses re-
sultou na morte de mais de cem mil pessoas e
na execucdo de seus lideres, impondo a li-
deran¢a religiosa de Lutero na Reforma alema.
(detalhe).
Lutero
Cranach,
Lucas

Em 1529, devido a expansao das idéias


reformistas, Carlos V convocou nova assem-
bléia, a Dieta de Spira, que decidiu tolerar a
doutrina luterana nas regides convertidas,
mantendo, porém, a proibi¢ao no restante
do pais. Os luteranos protestaram contra essas
medidas, sendo chamados a partir de entao
de protestantes.
Em 1530, Lutero e o tedlogo Felipe
Melanchton escreveram a Confissao de Augs-
burgo, fundamentando a doutrina luterana,
que se baseava nos seguintes pontos:
Lutero foi professor de teologia na Universidade de @ Escrituras Sagradas como Unico dogma da
Wittenberg. nova religiao;
w fé como Unica fonte de salvagao;
As idéias luteranas influenciaram a revol- @ negacao da transubstancia¢do (transforma-
ta camponesa dos anabatistas, que, coman- ¢do do pao e vinho em corpo e sangue de
dados por Thomas Miinzer, tentaram confis- Cristo) e aceitagdo da consubstancia¢ao,
car terras senhoriais e da Igreja. Minzer isto 6, 0 pao e o vinho quando abencgoados
acreditava ter sido o escolhido por Deus para s40 as mesmas substdncias, obtendo-se,
estabelecer o Reino dos Mil Anos, uma co- porém, a presenca sagrada, divina;
munidade de bens e de fé, tendo como centro ™ supressao do clero regular, do celibato e
a cidade de Mihlhausen, na Turingia, a qual das imagens (icones);
governava de forma ditatorial. @ livre interpretagao da Biblia;

203
A IDADE MODERNA

@ substitui¢ao do latim, nos cultos religiosos, Para enfrentar o imperador Carlos V, os


pelo alemao, idioma nacional; luteranos organizaram a Liga de Smalkade,
w submissdo da Igreja ao Estado; cujos objetivos s6 conseguiram se concretizar
@ manutencdo de apenas dois sacramentos: 0 em 1555, com a Paz de Augsburgo, acordo
batismo e a eucaristia. segundo o qual cada principe tinha o direito de
O luteranismo considerava o dinheiro escolher a sua religido, bem como a de seus
obra do demGnio e condenava 0 capitalismo, suditos. Esse acordo, firmado no principio
ja que se sustentava na nobreza alema, ainda Cujus regis ejus religio (‘Tal principe, sua reli-
caracterizada fortemente pelos tracgos feudais. giao’’), demonstrava a acertada liga¢dao estra-
tégica de Lutero com a nobreza germanica, a
sujei¢do ao Estado, ao mesmo tempo que abria
Lutero e os principes
espaco para 0 avanco das idéias da Reforma.
O comprometimento de Lutero com
0 quadro socioecondmico alemao, atrain- A Reforma na Suica
do o apoio da nobreza (principes), refletiu fee eh Ne sag a ccs AUS SS NS a SAT |
poderosamente em suas pregagoes. Sao
suas aS seguintes afirmagdoes: “A maior A Suic¢a — regido de prospero comércio,
infelicidade da nagao alema é, sem independente desde 1499 do Sacro Império —
divida, o trafico de dinheiro [...] O iniciou a Reforma protestante com Ulrich
demonio o inventou, 6 0 papa, dando-lhe Zwinglio (1489-1531), seguidor de Lutero e
sua sangao, fez ao mundo um mal Erasmo de Rotterdam. As prega¢gdes de Zwin-
incalculavel. O comércio com o estrangei- glio resultaram numa violenta guerra civil
ro, que traz mercadorias de Calcuta, da (1529 a 1531) entre reformadores e catélicos,
India e outros lugares [..] e leva o durante a qual o lider morreu. A guerra foi
dinheiro do pais, nao deveria ser permi- encerrada com a Paz de Kappel, que dava
tido. Teria muito a dizer acerca dos autonomia religiosa a cada regido adminis-
sindicatos comerciais [..] e la 90 se trativa (cantao) do pais.
encontram cupidez é injustiga [...]”. Pouco depois, chegou a Sui¢a o francés
Citado em MOUSNIER, Roland. Histéria geral das
Joao Calvino (1509-1564), que publicou, em
civilizagdes. Os séculos XVI é XVII. p. 89. 1536, a obra Instituic¢do da religiao crista. No
prdlogo, Calvino suplica ao rei Francisco |
prote¢do aos protestantes perseguidos na
Franga (huguenotes). Conquistando Genebra
rapidamente com suas pregacdes, Calvino
adquiriu total controle da vida religiosa,
politica e moral dos cidadaos da cidade com
a instalagdo de uma rigida censura, feita pelas
ordenac¢6es eclesiasticas e pelo Consistério.
Herneyssen.
Quadro
A.
de

O Consistorio
Calvino transformou Genebra na Ro-
ma dos protestantes, fundindo o politico
é 0 religioso sob o controle do Consisté-
rio. Com poderes ilimitados, esse orgZo
vigiava 0S costumes dos cidadaos, obri-
gando-os a assistir aos servigos do culto
é a participar da comunhdo. Suas deci-
Entrega do acordo de Augsburgo pelos principes germanicos
ao imperador Carlos V (observe o canto esquerdo desta
s0e5 eram implacaveis e denominavam-se
gravura da época). “ordenacgoes eclesiasticas”.
A REFORMA RELIGIOSA

Composto de trés sacerdotes da usada. Chegou a ter poder para fechar


cidade e doze respeitados burgueses tabernas e teatros, estabelecendo uma
eleitos por um conselho municipal, o Con- verdadeira inquisigao calvinista, a qual
sistorio regulava detalhadamente como condenou € executou o médico e tedlogo
deveria s€ comportar cada cidadao, em espanhol Miguel Servet, queimado vivo em
ocasides como casamentos, enterros e TOES.
festividades, até a indumentaria a ser

Oleo
Rembrandt.
de

Para Calvino e seus seguidores, servir ao Senhor e glorifica-lo constituia a misséo primordial do homem.

A doutrina calvinista admitia o mundo 7

Etica calvinista e capitalismo


dependente da vontade absoluta de Deus,
estando os homens sujeitos a predestinacao: Vivendo numa cidade de mercadores,
como pecadores por natureza, somente Calvino criou uma doutrina que alicergava
alguns estariam predestinados a salvacgao espiritualmente o capitalismo, estimulan-
eterna. do o lucro € o trabalho, o que favorecia a
burguesia. Sao palavras de Calvino:
Calvino restabeleceu o dia de gracas dos “Deus chama cada um para uma vo-
judeus (sdbado) — apontado no Antigo Tes- cago particular cujo objetivo é a glorifica-
tamento — como o dia santificado para os cao dele mesmo. O comerciante que busca
protestantes calvinistas, pregando que as o lucro, pelas qualidades que o sucesso
Escrituras Sagradas eram a base do cristia- economico exige: o trabalho, a sobriedade,
nismo. a ordem, responde também o chamado de
Deus, gantificando de seu lado o mundo
Admitia apenas dois sacramentos: 0 ba-
tismo e a eucaristia e condenava a adora¢ao pelo esforgo, e sua agao é santa”.
de imagens. Calvino pode ser considerado o
tedlogo do capitalismo, pois acreditava
O culto nas igrejas calvinistas resumia-se que a miséria era a fonte de todos os
simplesmente ao comentario sobre a Biblia, pecados, apoiando em contrapartida os
i ae
eliminando as cerimOnias pomposas e a negocios comerciais.
grandiosidade dos templos catdlicos.
A IDADE MODERNA

Muito mais que o luteranismo, o calvi- A Reforma na Inglaterra


nismo expandiu-se por varios paises, espe- i
eee a
cialmente por aqueles em franco progresso
comercial. Na Escécia, foi introduzido por O lider da revolugao protestante na Ingla-
John Knox e seus seguidores foram chamados terra foi o proprio rei Henrique VIII (1509-
presbiterianos, porque a Igreja calvinista 1547), assumindo por isso 0 movimento uma
escocesa foi organizada a partir de conselhos caracteristica eminentemente politica. Henri-
de presbiteros (padres). Na Inglaterra, foram que VIII rompeu com o papado usando
denominados puritanos; na Franca, hugueno- problemas pessoais: pretendia desfazer seu
tes. Varios outros paises assumiram 0 calvi- casamento com Catarina de Aragdo para
nismo como religido predominante, como a casar-se com Ana Bolena, alegando querer
Holanda e a Dinamarca. um herdeiro para o trono da Inglaterra.

Henrique
Holbein,
Hans
VIII.

Henrique VIII, fundador da Igreja protestante inglesa, e duas de suas seis esposas (Catarina de Aragao e Ana Bolena).

Como Catarina era tia de Carlos V,


em 1531 para casar-se com Ana Bolena, a
imperador do Sacro Império Romano-Germa-
qual deu a luz a futura rainha Elizabeth |.
nico, entéo em guerra contra Lutero, o papa
Acugada de adultério e incesto foi deca-
nao concedeu a anula¢ao, a fim de nao entrar
pitada em 1536.
em choque com Carlos V, seu aliado religio-
Henrique VIll casou-se logo em segui-
so. Inconformado, em 1534, Henrique VIII
rompeu oficialmente com a Igreja de Roma da com Jane Seymour, a qual lhe deu o
publicando, pelo Parlamento, o Ato de Su- herdeiro que tanto ansiava, Eduardo,
premacia, documento por meio do qual morrendo em seguida pelas complicagdes
tornava-se chefe da Igreja na Inglaterra, mais do parto. Com a morte desta terceira
tarde denominada anglicana. Excomungado esposa, Henrique VIll casou-se novamente,
pelo papa, Henrique VIII, em represdlia, con- desta vez com Ana de Cleves, em 1540,
fiscou os bens da lgreja catdlica na Inglaterra. divorciando-se seis meses depois. No
mesmo ano, Henrique VIIl casou-se com

Henrique VIll e suas seis esposas


Catarina de Howard, uma dama de honra
da esposa anterior, a qual acabou deca-
A primeira esposa de Henrique VIII, pitada devido aS suas aventuras extra-
Catarina de Aragao, era filha dos Reis conjugais. O ultimo casamento de Hen-
Catélicos da Espanha, Fernando e Isabel, rique VIIl, 0 sexto, foi com Catarina Parr,
e teve seis filhos, dos quais apenas a vilva duas vezes € que, com a morte do rei,
princesa Maria sobreviveu. Sem herdeiro encerrou Sua terceira viuvez cagando-se
do sexo masculino, o rei separou-se dela com um almirante da marinha real.
A REFORMA RELIGIOSA

A obra reformista protestante de Henri- Em 1534, fundou-se a Companhia de


que VIII so foi completada no reinado de Jesus, idealizada por Ignacio de Loyola, cuja
Elizabeth I, sua filha com Ana Bolena. organiza¢gao se assemelhava a de um exérci-
Mesclando-se com os fundamentos calvinis- to. Os “soldados de Cristo’, como eram
tas, a Igreja anglicana empenhou-se no denominados os jesuitas, deviam cega obedi-
caminho da concilia¢gao, definindo de forma éncia a seus superiores e ao papa, e as bases
vaga diversas regras religiosas. De um lado, tedricas de suas acdes encontravam-se num
garantiu a independéncia diante de Roma, livro de Loyola, chamado Exercicios espiri-
com 0 monarca como chefe supremo da nova tuais.
Igreja; de outro, manteve preceitos tipica- Com a Companhia de Jesus, a Igreja
mente catdlicos, como a hierarquia eclesias- catdlica ressurgiu fortalecida, disciplinada e
tica, buscando conciliar as diversas facc6es moralizada. Os inacianos foram primorosos
de crentes ingleses, desde catélicos tradicio- educadores, chegando a monopolizar o ensi-
nais aos diversos defensores do reformismo. no em varias regides, 0 que lhes garantiu a
difusdo do catolicismo. Chegaram a possuir
A Contra-Reforma e a Reforma tanto poder que o superior da ordem, que
também comandava a Inquisi¢ao, era cha-
catolica mado de Papa Negro, devido a cor de sua
Va aaa as Sa ea
batina.
A expansdo do protestantismo pela Euro- Em 1545, 0 papa Paulo Ill convocou o
pa colocava a lgreja catdlica em crise, fazen- Concilio de Trento para estudar os problemas
do surgir a necessidade de conter a expansao da fé nao sd entre os catdlicos. Embora
reformista. Esse movimento recebeu 0 nome tedlogos protestantes também tenham parti-
de Contra-Reforma, que incluiu a Reforma cipado do encontro, nenhum acordo foi feito,
catélica. e o Concilio somente reafirmou os dogmas da
Embora ja se tentasse ha muito moralizar fé catdélica, condenando as teologias protes-
o clero e a lgreja, o impulso para isso sd foi tantes. Confirmou o principio da salvagao
dado com a expansdo protestante, e a reag¢do pela fé e boas obras, 0 culto a Virgem Maria e
catdlica ao protestantismo foi violenta, inclu- aos santos, a existéncia do purgatdrio, a
sive nos métodos. infalibilidade do papa, o celibato do clero, a
manuten¢gado da hierarquia eclesiastica e a
indissolubilidade do casamento.

ZETIA Goi Ye =
Proibiu, por outro lado, a venda de
indulgéncias — causa imediata da Reforma —
oe varow
Le, a e determinou a criagao de seminarios para a
Kat)
\

forma¢ao dos eclesiasticos, impedindo a


Vo ra
1) Neel Cae venda desses cargos, principal ponto da
Reforma catdlica.
\ Pelo Concilio de Trento, a Inquisi¢ao,
) jlat ms instituicao criada na Idade Média e também

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chamada de Tribunal do Santo Officio, foi
reativada. Em nome de Cristo e sob o pretexto
de combater os hereges, a Inquisi¢ao conde-
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ANN nou a tortura milhares de pessoas. Nessa
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época foi criado também o Index, lista de
Se ol
’» livros proibidos pela Santa Igreja, que dificul-
tou o progresso cultural e cientifico no mundo
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moderno:
O index teve em sua relacdo, além de
Gravura do século XVI mostrando a queima das obras de
Lutero. livros religiosos, como os luteranos e calvi-
A IDADE MODERNA

nistas, obras cientificas e culturais, de Ma- Tao ou mais graves e vis foram as
quiavel, Copérnico, Galileu, Newton e mui- técnicas de tortura aplicadas pela Inqui-
tos outros. A lista era constantemente atuali- sigdo, como queimar as plantas dos pés
zada com novos titulos proibidos. do interrogado, estragalhar os musculos
e carnes de todo o seu corpo ou aplicar
Galileu: “Eppur si muove” um ferro em braga em Sua boca. A varie-
Galileu foi condenado pela Inquisi¢ao dade e sofisticagao das pegas de tortu-
e 50 no foi executado na fogueira por ra criadas para a Inquisigao demonstram
renegar suas proprias idéias. Defendendo a importancia dada ao suplicio como for-
o heliocentrismo de Copérnico, viu-se ma de redengao dos condenados. Comu-
obrigado a abjura-lo, afirmando que “foi mente um médico acompanhava os inqui-
portanto um erro meu, e o confesso, de gidores para indicar o grau de tortura
uma va ambigdo e de pura ignorancia e que o “pecador” poderia ainda suportar.
inadverténcia”, sendo condenado apenas “O Santo Oficio da Inquisigao, que
a prisdo. Diante do tribunal e da renega- queimou Giordano Bruno e perseguiu
cao de principios tao caros a sua crenga, Galileu, denomina-se hoje Sagrada Con-
Galileu, acredita-se, teria dito a si mes- gregagao para a Doutrina da Fé. Essa
mo, quanto ao movimento da terra girar Congregac&o tem acusado como hereges,
em torno do sol, “Eppur si muove” (“En- advertido e punido numerosos tedlogos
tretanto ela gira”). Somente nos anos 9O contemporaneos.”
do século XX é que Galileu foi perdoado NOVINSKY, Anita. A Inquisigao. S40 Paulo,
Brasiliense, 1982. p. 62.
oficialmente pelo papa Jodo Paulo ll.

O processo da Contra-Reforma ndo eli-


minou 0 protestantismo, mas conseguiu con-
té-lo, anulando as principais causas do mo-
vimento reformista. Além disso, os paises em
que a Contra-Reforma foi mais atuante —
Portugal e Espanha, sobretudo — foram tam-
bém as na¢6es que deram inicio a expansao
maritima e ao colonialismo. Dessa maneira, a
fé catdlica — pregada pelos jesuitas — foi leva-
da as novas terras, principalmente as ameri-
canas, ampliando a penetra¢do da Igreja de sonnaeD : 789,
Ae rtees
Roma. O protestantismo no Novo Mundo S8RG ae
*
MOH
4
ficou restrito a América do Norte, para onde ee fer
hig, HE
ered be
Ame ay,
foi levado pelos ingleses no século XVII.

Os métodos da Inquisigao
O Tribunal do Santo Oficio, 56 em
Portugal, processou mais de quarenta mil
pessoas, queitnou mais de 1800 nas
fogueiras, além de condenar a varios:
castigos mais de 29 mil, entre as quais
trezentos
; ; brasileiros.
: Na Espanha foram A Inquisi¢ao nao poupou violéncia e crueldade na execucao
penitenciadas mais de 540 mil pessoas. daqueles que eram considerados hereges. Na gravura de
época, execugao do monge Savonarola, em 1498.

ple};
O ESTADO MODERNO -
O ABSOLUTISMO

omo ja vimos, o Estado absoluto da Para Tomas de Aquino, o criador da es-


Idade Moderna apresentou um cara- colastica, a politica possufa um contetdo
ter ambiguo, refletindo o sentido de ético, estando subordinada a valores ditados
transigdo do periodo. De um lado, foi um pela Igreja. Segundo a concep¢ao tomista, 0
“Estado feudal transformado”” com a buro- imperativo da moral, do bem comum e o
cracia administrativa, formada em grande respeito aos direitos naturais do homem
parte pelos senhores feudais, que mantinham compunham os fundamentos limitadores do
valores e privilégios seculares; de outro, um poder politico.
dindmico agente mercantil, unificando mer-
cados, eliminando barreiras internas que
entravavam o comércio, uniformizando moe-
das, pesos e leis, aleém de empreender con-
quistas de novos mercados.
Entretanto, nascido da aliang¢a rei-bur-
guesia na Baixa Idade Média, da necessidade
socioecondmica e da politica da época,
acabou se tornando parasitario e aristocrati-
co, necessitando cada vez mais de uma
crescente tributacdo. Em fins da Idade Mo-
derna, 0 poderio e esplendor dos reis abso-
lutistas opunham-se ao empreendimento bur-
gués, a lucratividade e a capitalizagdo em
curso, levando ao processo das revolugdes
burguesas que, ao derrubar os monarcas
absolutistas, inaugurariam o mundo contem- Para Sao Tomas de Aquino, a politica deveria estar subor-
poraneo. dinada a Igreja.

Na Idade Moderna, os intelectuais, so-


Teoricos do absolutismo brepujando a mentalidade medieval, criaram
Oe
Cr rr eC‘ uma ideologia politica tipica do periodo,
legitimando o absolutismo. Alguns, como
No inicio da Idade Moderna, mudangas Maquiavel, defendiam a teoria de que a poli-
culturais expressas pelo Renascimento, que tica, representada pelo soberano, deveria
reestruturou a ideologia politica européia, atender ao “‘interesse nacional’’. Outros,
permitiram desbancar a supremacia da men- como Hobbes, partiam da concep¢ao de um
talidade escoldstica. Com uma ideologia poli- “contrato entre governados e Estado’’. Varios
tica livre das amarras da Igreja, puderam sur- foram os pensadores que se destacaram na
gir teorias justificadoras do Estado absolutista. teoria politica do periodo absolutista.
A IDADE MODERNA

O mais importante deles foi Nicolau Maquiavel, no livro O principe, aconse-


Maquiavel (1469-1527), membro do governo lha o soberano florentino a que fique acima
dos Médicis, de Florenga. Em suas obras das consideragdes morais, mantendo a auto-
(Mandragora, Discursos sobre a década de nomia politica. Para ele, “os fins justificam os
Tito Livio, O principe), expressa revolta meios” e a razdo de Estado deve sobrepor-se
quanto a situa¢ao da Italia, devastada pela a tudo, ou seja, o soberano tudo pode fazer
divisio em republicas rivais. Aponta como quando busca o bem-estar do pais. Quando
solugao para o pais o despertar do interesse esta em jogo o interesse do Estado — sentencia
nacional, abrangente, postura que deveria ser Maquiavel — até a “‘forca é justa quando
assumida pelo ‘principe’, a fim de restaurar a necessaria’’.
unidade da Republica italiana. Preocupado com o estabelecimento de
um Estado forte, Maquiavel defende que a
autoridade do principe, embora as vezes
O principe, de Maquiavel brutal e calculista, é vital para o seu sucesso
e conseqiientemente para o do Estado. Num
=O principe atormentou a humanida- posicionamento contrario a concep¢ao to-
de durante quatro séculos. E continuara mista, chega a questionar se seria preferivel a
a atormenta-la...”. A frase refere-se a um principe ser amado ou ser temido, e
obra de Maquiavel que serviu de instru- conclui: ‘‘Creio que seriam desejaveis ambas
mento tedrico a muitos governantes au- as coisas, mas, como é dificil reuni-las, 6 mais
toritarios e totalitarios, do século XVI ao seguro ser temido do que amado”’.
século XX: aqueles que fizeram da “razao
de Estado” o pretexto para sufocar
liberdades individuais de toda a socie-
dade.
Sobressaem-se em Sua obra outras
frases, que isoladamente, fora de con-
texto, tém servido a ditadores diversos:
“O triunfo do mais forte é o fato essen-
cial da histéria humana”. “Todos os pro-
fetas armados venceram, desarmados
arruinaram-se.” “Desprezar a arte da
guerra € o primeiro passo para a ruina,
i * . 7

possui-la perfeitamente, eis o meio de


elevar-Se ao poder.”
Assim, “Maquiavel — nome prdprio
universalmente conhecido, que teria de
formar um substantivo, ‘maquiavelismo’, e
um adjetivo, ‘maquiavélico’ — evoca uma Maquiavel (foto) dedicou O principe a Lourenco de Médici,
governante de Fioren¢a.
época, a Renascenga; uma nacao, a Italia;
uma cidade, Florenga; enfim, o proprio
homem, o bom funcionario florentino que, Thomas Hobbes (1588-1619), considera-
na maior ingenuidade, na total ignorancia do por muitos 0 tedrico que melhor definiu a
do estranho futuro, trazia o nome de ideologia absolutista, articulou um sistema
Maquiavel, votado a reputagao mais ldgico e coerente para apresentar a necessi-
ruidosa e equivoca”. ; dade do Estado despotico. O préprio titulo de
CHEVALIER, Jean-Jacques. As grandes obras
seu livro, Leviata (nome do monstro fenicio
politicas — de Maquiavel a nossos dias. do caos), nos da a idéia do que para ele seria
Rio de Janeiro, Agir, 1960. p. 48. esse Estado: uma grande entidade todo-po-
derosa que dominaria todos os cidadaos.

210
O ESTADO MODERNO - O ABSOLUTISMO

Hobbes justifica o Estado absoluto apon- francés Luis XIV, escrevendo Memorias para a
tando-o como a superacdo do “estado de educa¢éo do delfim e Politica segundo a
natureza’’. Para ele, na sociedade primitiva Sagrada Escritura, obras em que estabeleceu
ninguém estava sujeito a leis, tendo tao-so- o principio do direito divino dos reis, isto é,
mente de satisfazer sua avidez intrinseca pelo do poder real emanado de Deus. Segundo
poder, pelo interesse prdprio. Levando uma Bossuet, a autoridade do rei é sagrada, pois
‘vida solitaria, pobre, grosseira, animalizada ele age como ministro de Deus na terra, e
e breve’, todos estavam permanentemente rebelar-se contra ele é rebelar-se contra Deus.
em guerra entre si —o homem era como “um A teoria de Bossuet influenciou sobrema-
lobo para o homem” (homo homini lupus). neira os reis franceses da dinastia Bourbon,
Numa fase posterior, os homens dotados Lufs XIV, Luis XV e Luis XVI, dando-lhes
da razao, do sentimento de autoconserva¢gdo subsidios para incorporar a no¢ao de ‘‘direito
e de defesa buscam superar esse estado divino’’ a autoridade real. ‘“Aquele que deu
natural de destruigdo unindo-se para formar reis aos homens quis que eles fossem respei-
uma sociedade civil, mediante um contrato tados como Seus representantes”, afirmava
segundo o qual cada um cede seus direitos ao Luis XIV.
soberano. Dessa forma, renuncia-se a todo Outro tedrico absolutista de destaque foi
direito de liberdade, nocivo a paz, em bene- Jean Bodin (1530-1596), autor de A Republi-
ficio do Estado. ca, que defendia a idéia da “soberania nao-
partilhada’’. Para ele, a soberania real nao
pode sofrer restrigdes nem submeter-se a
ameagas, pois ela emana das leis de Deus,
sendo a primeira caracteristica do principe
soberano ter o poder de legislar sem precisar
do consentimento de quem quer que seja.
Wright
M.
de
Quadro
Hugo Grotius (1583-1645), autor de Do
direito da paz e da guerra, trata basicamente
do direito internacional, mas defende tam-
bém o governo despotico, 0 poder ilimitado
do Estado, afirmando que sem ele se estabe-
leceria o caos, a turbuléncia politica.

Thomas Hobbes, defensor de um Estado todo-poderoso.

Hobbes conclui que a autoridade do Es-


tado deve ser absoluta, a fim de proteger os
cidadaos contra a violéncia e o caos da
sociedade primitiva, motivo pelo qual os
homens se unem politicamente, organizan-
do-se num Estado absoluto e vivendo felizes
tanto quanto permite a condi¢aéo humana.
Hobbes afirma ainda que ‘“é licito ao rei go-
vernar despoticamente, ja que 0 proprio povo
lhe deu o poder absoluto’”’.
Jacques Bossuet (1627-1704), de 1670 a
1679, cuidou da educa¢ao do filho do rei Hugo Grotius, outro tedrico do absolutismo.

PAB
A IDADE MODERNA

O absolutismo francés o almirante Gaspar de Coligny, lider dos


II EE OE es] protestantes.
Catarina promoveu, entao, um aten-
O inicio do processo de centralizagao tado contra a vida de Coligny, que,
politica na Franga remonta ao periodo dos entretanto, acabou apenas ferido no
capetingeos, na Baixa Idade Média, tendo-se braco. A tensao tomou conta de Faris e
acelerado depois da Guerra dos Cem Anos Catarina conseguiu envolver todo o go-
(1337-1453), com a dinastia seguinte, a dos -verno para uma agao definitiva contra
Valois. O apogeu do absolutismo, entretanto, Coligny € 05 protestantes, preparando a
sO se configuraria com a dinastia dos Bour- Noite de Sao Bartolomeu. A cidade foi
bons. cercada e cerca de trés mil huguenotes
Na época dos Valois, o cenario politico foram mortos por hordas de catdlicos. A
francés foi dominado pelas ‘‘guerras de
matanga assumiu feigdes de uma guerra
religiao’’, destacadamente durante o século
civil.
XVI, dificultando a completa centralizacao
politica. Burgueses, nobres e populares, uns
sob a bandeira protestante e outros sob a
catélica, disputavam espacos na sociedade e
na politica, envolvendo os prdprios soberanos
Valois. Além das questdes religiosas, catdli-
cos e protestantes discordavam quanto a
limitar ou apoiar as prerrogativas do rei e
quanto a manter ou conquistar liberdades.
Durante o governo de Carlos IX (1560-
1574), acirrou-se a luta entre catdlicos e
huguenotes (na Fran¢a, os protestantes calvi-
nistas). A faccdo catdélica liderada pela familia
Guise, que tinha o apoio de Catarina de
Médicis, mae do rei, e a huguenote dirigida
pelos Bourbons colocaram em confronto a
noite
A
Dubois,
Frangois
S4o
de
(detalhe).
Bartolomeu
nobreza catdlica defensora dos antigos privi-
légios feudais e a burguesia mercantil calvi-
nista. O ponto maximo dessa luta foi a Noite
de Sao Bartolomeu — 24 de agosto de 1572 -,
em que foram massacrados milhares de
protestantes. Dentre os lideres huguenotes
mortos neste massacre estava o almirante
Coligny, que foi decapitado e seu corpo
arrastado pelas ruas de Paris.
O massacre da noite de Sao Bartolomeu comecou a 1 hora e
30 minutos da madrugada de 24 de agosto de 1572. Nao
escaparam nem mulheres, nem criangas. Henrique de
A Noite de Sao Bartolomeu Navarra, candidato protestante a sucessao do trono francés,
so se salvou refugiando-se no Palacio do Louvre.

Catarina de Médicis era aristocra-


tica, catdlica e ambiciosa e 06 protes- Dois anos depois, com a morte de Carlos
tantes vinham adquirindo em seu pais IX, subiu ao trono seu irmao Henrique III,
influéncia e riqueza cada vez maiores. Seu que governou até 1589. Durante seu governo,
filho, o rei Carlos IX, tinha, alias, entre os o catélico Henrique Guise disputou a hege-
que o cercavam alguns huguenotes, como monia politica com o proprio rei Henrique III,
que era apoiado pelo protestante Henrique de

212
O ESTADO MODERNO - O ABSOLUTISMO

Navarra Bourbon. Essas disputas — conheci- possibilitou o acesso da burguesia a cargos da


das como a Guerra dos Trés Henriques — administragao publica e, apesar de garantir a
terminariam com 0 assassinato de Henrique liberdade religiosa, perseguiu protestantes,
Guise e a vit6ria do protestante Henrique de limitando seu poderio.
Navarra, definido como herdeiro e sucessor
de Henrique III. Comegava a dinastia Bour-
bon, durante a qual o absolutismo francés Duelos e espadachins
alcangaria seu auge. As constantes lutas desse periodo
inspiraram Alexandre Dumas, ja no século
XIX, a escrever o romance Os trés mos-
A dinastia Bourbon queteiros. Num cenario de combates,
duelos, masmorras, fugas e amores tu-
Henrique de Navarra, protestante, teve multuosos, suas personagens reprodu-
de enfrentar a oposi¢ao dos catdlicos para ser zem a época de Richelieu. A inspiragao
coroado rei da Franga. Os conflitos armados maior veio das aventuras do duque de la
estenderam-se por todo o pais e Henrique e Rochefoucauld, expulso da corte pelo po-
seus adeptos conseguiram tomar Paris. Con- deroso cardeal e participante da guerra
tudo, os catdlicos obtiveram ajuda militar de das frondas, opositoras ao Estado ab-
Felipe Il da Espanha, e Henrique teve de soluto. Rochefoucauld foi o autor de
abandonar a capital, sofrendo sucessivas Maximas, obra que ganhou grande noto-
derrotas. riedade devido ao seu ceticismo e as
Buscando compor-se com os catdlicos e criticas mordazes aos valores e homens
conseguir transformar-se no rei dos franceses, de seu tempo.
Henrique abandonou o protestantismo, pro-
ferindo a frase ‘Paris bem vale uma missa’’.
As portas de Paris foram abertas a Henrique, e No plano internacional, a a¢gdo de Ri-
ele subiu ao trono da Fran¢a, em 1589, como chelieu também foi marcante, tornando a
titulo de Henrique IV, reinando até 1610. Fran¢a uma das grandes poténcias européias
Em 1598, para encerrar a quase secular da época. Preocupado com o poderio da
divergéncia religiosa na Fran¢a, promulgou o dinastia Habsburgo, que nos séculos XVI e
Edito de Nantes, que concedia liberdade de XVII reinava na Espanha, no Sacro Império,
culto aos protestantes. Com a pacificagao do na Holanda e em alguns reinos italianos,
pais, foi possivel a consolidagao do absolu- Richelieu levou a Franga a intervir na Guerra
tismo na Frang¢a. _ dos Trinta Anos (1618-1648). Esse conflito
Apos a morte de Henrique IV, assume o comeg¢ara com disputas religiosas no Sacro
trono francés, aos nove anos de idade, Luis Império Romano-Germanico e acabou por
XIII (1610-1643), ficando a regéncia com sua desdobrar-se num confronto entre a dinastia
mae, Maria de Médicis. Em 1612, foi convo- dos Habsburgos e a dos Bourbons, que visava
cado, pela ultima vez até a Revolucdo a hegemonia politica na Europa. Defronta-
Francesa de 1789, o Parlamento — chamado ram-se catélicos Habsburgos (Austria e Espa-
Estados Gerais —, 0 que indicaria que os nha) e protestantes da Boémia, Dinamarca,
Bourbons, absolutistas por exceléncia, dis- Suécia, Holanda e principados alemdes. A
pensavam as interferéncias dos deputados Fran¢a interveio na guerra lutando contra os
dos Estados Gerais. catélicos a fim de enfraquecer os Habsburgos.
Durante o reinado de Luis XIII, destacou- A guerra terminou em 1648, ja no
se a atuacao do ministro de Estado, cardeal reinado de Luis XIV, com a vitéria da Frang¢a,
Richelieu (1624-1642). Buscando enfraque- que imp6s aos Habsburgos a Paz de Vestfalia.
cer a influéncia politica da nobreza, cassou Com a vitéria, a Franga recebia as provincias
direitos dos que se opunham ao rei, chegando da Alsdcia e Lorena, além dos bispados de
mesmo a atacar seus castelos. De outro lado, Metz, Toul e Verdun.

213
A IDADE MODERNA

| Império de Carlos V

O apogeu da dinastia Habsburgo deu-se sob o reinado de Carlos V (1519-1556). A Franca dos Bourbons viu-se cercada por esse
poderio e entrou em choque com essa dinastia pela hegemonia européia.

O apogeu do absolutismo francés se deu Espelhando a grandiosidade econdmica e


no reinado de Luis XIV (1643-1715) — 0 Rei politica do Estado, Luis XIV transferiu sua
Sol —, que assumiu o trono ainda crian¢a, corte (perto de seis mil pessoas) para Versa-
tendo como ministro o cardeal Mazarino. Ihes, um grande conjunto arquitet6nico cons-
Aplicando uma eficiente politica centraliza- truido entre 1661 e 1674, que atraiu as aten-
dora, Mazarino eliminou as frondas, associa- ¢6es de toda a Europa.
¢des de nobres e burgueses, opositoras do O século XVII, época de Luis XIV, foi um
absolutismo e especialmente revoltadas com periodo de grande efervescéncia cultural na
os crescentes tributos baixados pelo Estado Franca, destacando-se importantes pensado-
para recuperar o tesouro pUublico francés, res e artistas como Descartes, Pascal, La
apos a Guerra dos Trinta Anos. A vitéria de Fontaine, Racine e Moliére. Racine foi autor
Mazarino representou o fim da Ultima ameaga de tragédias como Andrémeda e Phedra, e
a consolida¢ao do absolutismo, e a partir de Moliére o autor de satiras e comédias como O
1660, quando Luis XIV assumiu pessoalmente avarento, Tartufo e O burgués fidalgo.
o comando politico da Franga, passou a
aplicar a sua maxima ‘‘L’Etat c’est moi” Moliére e o “tartufismo”
(‘O Estado sou eu’).
Apos a morte de Mazarino, em 1664, Luis Jean-Baptiste Poquelin (1622-
XIV entregou o ministério das finangas a Jean- 1673), universalmente conhecido sob o
Baptiste Colbert, que desenvolveu a base pseudonimo de Moliére, representao oé-_
mercantilista do absolutismo francés. O mer- culo XVII, 0 século do barroco. E a expres-
cantilismo de Colbert, além de fazer prospe- S40 artistica do absolutismo francés,
rar a burguesia, dotou o governo de recursos que, com suas contorsées, reflete a at-
que garantiam seu poderio. Promoveu-se, mosfera de opressao do Estado. “Mas
assim, o desenvolvimento das manufaturas e por mais compacta que seja uma época,
da navegac¢ao, além de conquistas territoriais abrigam-se no seu interior forgas que a
na Asia e América, criando-se companhias de contestam. Eis por que vemos no século
comércio incentivadas pela Coroa.
O ESTADO MODERNO - O ABSOLUTISMO

XVII surgir o racionalismo em oposig&o ao que a vida era absurda. Absurda era a
barroco. sociedade que ele denunciava. Um dos
A clareza cartesiana que arma o grandes temas é a impunidade. Pois é a
homem para ver limpamente o mundo é impunidade que fabrica o impostor. Mo-
um ato de contestagao ao Estado liére recugava a moral convencional fun-
absoluto. z dada na hipocrisia — no “tartufismo”. E é
Tudo na Franga no século XVII é an- esta recusa que situa Moliére no centro
gistia: a de Pascal, siderado pelo Silencio do mundo moderno.”
dos Espagos Infinitos, a de Racine, situ- In: Folheto da pega Tartufo, 0 pecado de Moliére.
ando o homem entre um universo mudo e Diregao de Jodo Albano.
um Deus oculto, € o rio de Moliére, que
fez toda a Franga compreender a farsa
que lhe impunha o absolutismo, ao fazé-lo
Na politica externa, buscando garantir
crer que vivia uns novos tempos, quando, sua hegemonia territorial, Luis XIV envolveu a
na verdade, nao se libertara da heranca Franca em confrontos militares que abalaram
feudal. : as finangas do Estado. Para solucionar suas
O Tartufo nao é 36 um libelo contra dificuldades financeiras, mantinha a politica
08 jesuitas, o clero, 08 jansenistas e€ sua de aumento de impostos, descontentando a
rigidez calvinista. E também um libelo burguesia e atraindo criticas e oposi¢ao.
contra a hipocrisia, onde quer que com Em 1685, fiel ao seu carater despdtico e
ela nos queiram mistificar, enganar. Ja se fundamentado no principio ‘‘um rei, uma lei,
disse que Moliére escreveu com um dés- uma fé’’, Luis XIV reformulou a politica reli-
pota olhando por cima de um dos seus giosa nacional, revogando o Edito de Nantes.
ombros e€ o clero por cima do outro. De- A perseguicao religiosa desencadeada levou
frontando-se com o mundo do poder sem milhares de huguenotes, em geral burgueses,
freios, Moliére jamais renunciou a sua a emigrar, arruinando a economia mercantil e
lucidez. Em nenhum momento inginuou abrindo espago as primeiras criticas ao regi-
me absolutista.

O palacio de Versalhes
transformou-se no centro
da vida cortesa francesa, a
partir do reinado de Luis
XIV.
A IDADE MODERNA

A supremacia francesa na Europa come- A monarquia absoluta na


cava a se fragmentar, dando lugar a hegemo-
nia inglesa. Esse processo acelerou-se durante Inglaterra
os governos de Luis XV (1715-1774) e de Luis
XVI (1774-1792), nos quais a asfixia finan-
ceira do Estado e da Nagao agravou-se, O inicio da centralizagao politica na
devido aos gastos excessivos da Corte, aos Inglaterra sO ocorreu apds as guerras dos
ilimitados impostos sobre a burguesia e a Cem Anos (1337-1453) e das Duas Rosas
populac¢ao e aos fracassos militares. (1455-1485), que arruinaram a nobreza in-
A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) ea glesa, possibilitando a ascensdo da dinastia
Guerra de Independéncia dos Estados Uni- Tudor (1485-1603). Foi essa dinastia que,
dos (1776-1781) ajudaram a acelerar a deca- com o apoio da burguesia e do Parlamento,
déncia do Estado absoluto francés. Na Guerra instalou o absolutismo no pais.
dos Sete Anos, a Fran¢a enfrentou a Inglaterra Henrique VII (1485-1509), o primeiro
disputando o mercado europeu e dreas colo- governante Tudor, pacificou o pais e conso-
niais; derrotada, perdeu o Canada e a India. lidou o Estado nacional inglés. Mas foi
Mais tarde, o dispendioso apoio a vitoriosa Henrique VIII (1509-1547) que, sujeitando
Guerra de Independéncia dos Estados Unidos o Parlamento, deu as caracteristicas absolu-
contra a Inglaterra aprofundou as dificuldades tistas a monarquia inglesa. Realizou a Refor-
econémicas do Estado francés. Assim, apds ma protestante na Inglaterra, fundando, com
Luis XIV, o absolutismo francés foi perdendo o Ato de Supremacia de 1534, a Igreja
sua forg¢a e, pouco a pouco, surgiram as anglicana, da qual se tornou a maior autori-
condi¢6es para a eclosao da Revolucdo dade. Seu filho e sucessor, Eduardo VI (1547-
Francesa de 1789, que demoliria o Antigo 1553), garantiu em seu curto reinado a
Regime na Franca. reforma religiosa, mas sua irma e sucessora
Maria I (1553-1558), casada com o rei
catdlico da Espanha, Felipe Il, restabeleceu
o catolicismo, perseguindo ferozmente os
Luis
XIV. protestantes ingleses.

Rigaud

anénimo.
Artista

Luis XIV, o Rei Sol, personificou o auge do absolutismo Maria Tudor passou 4 histéria como Bloody Mary (Maria, a
francés. Sanguindaria).

216
O ESTADO MODERNO - O ABSOLUTISMO

Elizabeth | (1558-1603), outra filha de Em 1603, encerrou-se a dinastia Tudor


Henrique VIII, assumiu o trono com a morte com a morte de Elizabeth |, que nao deixara
de Maria | e retomou a politica do pai, herdeiros. Por razdes de parentesco, o trono
consolidando o anglicanismo. Desenvolveu passou para o rei da Escécia, Jaime |, que
também agressiva politica mercantilista, bus- iniciou a dinastia Stuart.
cando aumentar o poderio da Inglaterra nos Contudo, os Tudors deixavam um pais
mares. com a autoridade real consolidada, s6 que
Em seu reinado, iniciou-se efetivamente a em acordo com o Parlamento, especialmente
colonizagado da América do Norte, com a fortalecido com os favorecimentos realizados
funda¢gao, em 1584, da colénia de Virginia, para com a pequena nobreza e os comer-
por Sir Walter Raleigh. Ao mesmo tempo, ciantes.
como meio de enfraquecer os poderosos Muitos dos novos grupos emergentes da
impérios espanhol e portugués, Elizabeth | sociedade inglesa, dinamizada pela politica
apoiou a atividade corsaria, na qual se desta- mercantilista, pelo comércio, pelos cerca-
cou Francis Drake, que seria consagrado mentos (terras de onde os camponeses foram
nobre pela rainha devido aos servicos presta- expulsos, trocando a produ¢ao agricola nos
dos ao reino. moldes feudais pela produ¢ao rural comer-
Em 1588, Felipe Il da Espanha armou cial, inicialmente prevalecendo a criagdo de
uma expedi¢ao naval para atacar a Inglaterra ovelhas), e até pela pirataria patrocinada pelo
e confirmar a hegemonia espanhola em todo proprio Estado, foram elevados aos altos
o mundo. A chamada Invencivel Armada, postos governamentais (Conselho Privado,
entretanto, foi destrufda pelas forgas inglesas, tribunais e outros cargos), iniciando um
levando a ruina o poderio espanhol, que processo de ampliacao de prestigio e busca
entrou em acelerada decadéncia econdmica. de maiores espacos politicos no Estado inglés.
Portugal, que nessa época estava unido a Nao raramente, tais grupos sociais emergen-
Espanha, formando a Unido Ibérica (1580- tes abragavam o puritanismo, imbufdo de
1640), devido a raz6es sucessorias, sofreu os uma visdo religiosa e politica mais sintoniza-
reflexos dessa ruina. da com seus anseios.
Ao contrario, no final do perfodo Tudor, a
tradicional aristocracia, muito mais comer-
cial, empreendedora e ciosa de autonomia
que a aristocracia feudal do continente,
apegava-se fortemente ao anglicanismo e
até ao catolicismo desbancado pelo Ato de
Supremacia de Henrique VIII. Essas forgas
sociopoliticas iriam criar sérias turbuléncias
no governo dos Stuarts.

Os governantes Stuart

Jaime | (1603-1625) uniu a Inglaterra a


Escécia, sua terra natal, ao mesmo tempo que
se aliou aos grandes nobres, desencadeando
a insatisfagdo da burguesia e do Parlamento,
que o consideravam estrangeiro. Para garan-
tir-se no trono, Jaime | vendeu inGmeros ti-
Bi fe SB
tulos de nobreza e promoveu a adoc¢ao
Ae
rigorosa do anglicanismo, o que resultou em
Ao consolidar o anglicanismo, Elizabeth | reforgou o poder violentas persegui¢6es a catdlicos e puritanos
do Estado inglés. calvinistas.
A IDADE MODERNA

uma rebelido iniciada na Escécia; mas, diante


“Curiosa mescla de teimosia, vaida-
da insist€ncia dos deputados em limitar os
de e erudigao, o rei Jaime foi com muita
poderes reais, Carlos | tentou dissolvé-lo
propriedade chamado, por Henrique IV da
novamente. Esse confronto desencadeou
Franca, ‘o imbecil mais sabio da cristan-
uma violenta guerra civil na Inglaterra.
dade’. Embora gostasse de ser adulado
pelos seus cortesaos com o titulo de
Salom&o Inglés, nao teve sequer o bom
senso de se contentar, como seus pre-
decessores Tudors, com o poder absoluto
de fato, fazendo questao de té-lo tam-
bém de direito. Fez sua a doutrina fran-
cesa do direito divino dos reis, susten- I.
Carlos
Dyck,
Van
Antoon
tando que ‘assim como é atelsmo e
blasfémia disputar o que Deus pode fa-
zer, também & presungdo e grande desa-
cato da parte de um sldito disputar o
que o rei pode fazer’. Em sua alocugao de
1609 ao parlamento, declarou que ‘os
reis sa0 com justiga chamados deuses,
pois exercem uma espécie de poder divino
na terra.
BURNS, Edward McNall. Histéria da civilizagao
ocidental. p. 525.

Muitos puritanos, avessos ao absolutismo


anglicano do monarca, dirigiram-se para o
Novo Mundo, dando inicio, de fato, a
colonizagao da América inglesa. Os primei- Carlos | presenciou a decadéncia da monarquia absolutista
ros embarcaram no navio Mayflower e fun- inglesa e morreu ao tentar preserva-la.
daram Plymouth, a primeira colénia de
povoamento puritana da regido que seria
conhecida como Nova Inglaterra, no nordeste
da América do Norte.
A guerra civil (1641-1649) ea
Carlos I (1625-1648), sucessor de Jaime I, Republica puritana (1649-1658)
tentou reforcar o absolutismo estabelecendo
novos impostos sem a aprovacdo do Parla-
mento, 0 que agravou a tensao entre a Coroa As forgas inglesas dividiram-se em dois
e os deputados. Em 1628, o Parlamento partidos: os Cavaleiros, partidarios do rei, que
sujeitou o rei ao juramento da ‘Peti¢ao dos contavam com 0 apoio dos latifundidrios, dos
Direitos’” — também chamada de Segunda catdlicos e dos anglicanos; e os Cabegas
Carta Magna inglesa —, que garantia a popu- Redondas, defensores do Parlamento. Lidera-
lagéo contra tributos e detencdes_ilegais. dos por Oliver Cromwell, os Cabecas Re-
Obtendo em troca a aprovagdo dos impostos dondas derrotaram os Cavaleiros em Naseby,
que queria em 1629, Carlos | dissolveu o aprisionando e executando o rei e instau-
Parlamento. Reconvocou-o apenas em 1640, rando o regime republicano, denominado
quando necessitou de fundos para conter Commonwealth.

218
O ESTADO MODERNO - O ABSOLUTISMO

A vitoria dos roundheads ingleses. Em 1653, Cromwell dissolveu o


Os
Parlamento e impds uma ditadura pessoal,
Cabegas Redondas (round-
assumindo o titulo de Lorde Protetor da
heads) receberam esse nome pelo corte
Republica. A ditadura inglesa perdurou até
de cabelo que usavam: curto, de forma sua morte, em 1658.
arredondada, desprezando a moda cor- Durante 0 governo de Cromwell, a Ingla-
rente dos cabelos longos entre os mem- terra foi adquirindo os contornos da poténcia
bros da corte. Em geral pequenos pro- mundial que se tornaria nos séculos seguintes.
prietarios, comerciantes e manufaturei- Para tanto, priorizou-se o desenvolvimento da
ros, eram seguidores do calvinismo e industria naval, lancando-se, a partir de 1650,
aefensores da supremacia parlamentar. os Atos de Navegac¢ao, decretos que prote-
A partir de vitorias militares sobre giam os mercadores ingleses e suprimiam a
06 Cavaleiros, conseguiram a rendigao do participagao holandesa no comércio britani-
rei em 1646, Entretanto, Carlos | reor- co, muito forte até entao. Essa situagao levou a
ganizou seus soldados e recomegou a uma guerra entre Holanda e Inglaterra (1652-
guerra, sendo derrotado definitivamente 1654), da qual esta saiu vitoriosa, consolidan-
pelos Cabegas Redondas de Cromwell. do sua hegemonia maritima.
Preso, Carlos | foi julgado pela Alta Corte
de Justiga, a mando do Parlamento,
sendo condenado a morte. Em janeiro
de 1649 o rei foi decapitado em frente ao
palacio de Whitehall, em Londres.
Pouco tempo depois, discursando ao
Parlamento, Oliver Cromwell justificando
Quadro
Samuel
de
Cooper.
as varias medidas revolucionarias chegou
a dizer o seguinte: “Quando chegar o
momento de prestarmos conta a eles (0
eleitorado) poderemos dizer: Oh! Briga-
mos eé pelejamos pela liberdade na Ingla-
terra”. ;
HILL, Christopher. O eleito de Deus. S40 Paulo,
Companhia das Letras, 1988. p. 179.

A execu¢do de Carlos | marcou um fato Oliver Cromwell liderou o nico periodo republicano da
Inglaterra.
inédito na historia européia, pois, pela pri-
meira vez, um monarca foi executado por
ordem do Parlamento e nao por intrigas Apos a morte de Cromwell (1658), ini-
palacianas. Ao tomar essa decisdo, a socie- ciou-se um periodo de instabilidade e de lutas
dade, representada pelo Parlamento, sepulta- internas, até que o Parlamento voltou a reu-
va um principio politico central do Estado nir-se, decidindo pelo restabelecimento da
moderno: a idéia da origem divina do rei e de monarquia, com o retorno da dinastia Stuart.
sua incontestavel autoridade. A guerra civil
inglesa fomentou novas idéias, que prenun- A volta dos Stuart e a Revolucao
ciavam os acontecimentos do século se- Gloriosa (1688-1689)
guinte, o ‘Século das Luzes’’, langando as
bases politicas do mundo contemporaneo. Carlos Il (1660-1685), filho de Carlos | e
Inicialmente, Cromwell governou a Ingla- educado na corte de Luis XIV, era simpati-
terra com 0 apoio do Parlamento, composto zante do catolicismo e tentou restabelecer o
em sua maioria de puritanos — os calvinistas absolutismo na Inglaterra. Diante das preten-

219
A IDADE MODERNA

sdes do monarca, o Parlamento dividiu-se em bases da monarquia parlamentar, ou seja, a


dois partidos: Whig, composto de burgueses superioridade da autoridade do Parlamento
liberais, adversdrios dos Stuart e partidarios sobre a do rei. Determinou-se também a cria-
de um governo controlado pelo Parlamento; e ¢4o de um exército permanente, a garantia da
Tory, conservadores, absolutistas, pr6-Stuart e liberdade de imprensa e da liberdade indivi-
adeptos do anglicanismo. dual, a protegdo a propriedade privada e a
Com a morte de Carlos II, tomou o poder autonomia de atua¢do do poder judicidrio.
Jaime II, que deu continuidade a politica de Definiu-se ainda que novas taxag6es teriam
restaura¢ao do absolutismo, sofrendo por isso de ser aprovadas pelo Parlamento e, segundo
oposi¢ao dos Whigs. Entretanto, em 1688, um o Ato de Tolerancia, que haveria liberdade
acontecimento desfez toda a base politica de religiosa a todos os protestantes.
Jaime Il, fortalecendo decisivamente a oposi- Assim, as decis6es tomadas com a Revo-
¢ao e precipitando uma revolu¢do que derru- lugéo Gloriosa, nome que se deu a queda de
baria o absolutismo inglés. Depois do casa- Jaime II, firmavam a substituigdo da monar-
mento com uma esposa protestante, do qual quia absolutista pela monarquia parlamentar
nasceram duas filhas, Jaime Il, ja idoso, constitucional. Essa Revolucdo teve, para a
casou-se novamente, dessa vez com uma Inglaterra, o mesmo papel que, para a Franga,
catdlica. Em 1688, ocorreu o inesperado teve a Revolucado Francesa de 1789, no que
nascimento de um herdeiro, um filho ca- se refere a derrubada do Estado absoluto e ao
tolico. Whigs e Tories, contrarios 4 sucessao surgimento das condi¢ées politicas essenciais
de um governante catdlico — que seria a burguesia, como a edificagao de um Estado
suspeito de reinstaurar o catolicismo e defi- burgués, favoravel a posterior eclosdo da
nitivamente o absolutismo —, aliaram-se con- Revolu¢ao Industrial.
tra Jaime Il, oferecendo o trono a Guilherme
de Orange, protestante, casado com uma das
filhas do primeiro casamento de Jaime Il e O absolutismo no restante da
chefe de Estado da Holanda.
Europa
SRS
oY SA I

Embora tenha sido a politica dominante


da Idade Moderna em toda a Europa, o abso-
lutismo apresentou peculiaridades em cada
regido em que se instaurou.
Na Prussia — parte da Germania -, o
Estado absolutista formou-se somente a partir
do século XVII, com Frederico Guilherme
Hohenzollern de Brandemburgo (1640-
1688). Com a Reforma luterana do século
anterior, a regido se fragmentara em diversos
principados, controlados pelos nobres.
Compondo-se com os senhores locais —
junkers —, Frederico Guilherme tomou medi-
das que levaram a criacdo do Estado nacional
prussiano, como a ampliacgado dos tributos
Chamou-se Revolucao Gloriosa 0 movimento que levou
Guilherme de Orange ao trono inglés.
nacionais e do exército e o estimulo ao de-
senvolvimento comercial e a criagao de com-
panhias de comércio.
Guilherme III invadiu a Inglaterra, expul- Frederico | (1688-1713) continuou o
sou Jaime Il e, vitorioso, jurou o Bill of Rights processo de centralizagdo e seu sucessor,
(Declaragdo de Direitos), que estabelecia as Frederico Guilherme I (1713-1740), fortale-

No i)
O ESTADO MODERNO - 0 ABSOLUTISMO

ceu o Estado, incentivando a militarizacdo


fiscalizado pessoalmente pelo proprio
(servicgo militar obrigatério) e o servico
czar. Tal lance de grandiosidade culmina-
publico. Frederico II (1740-1786) incentivou
o desenvolvimento comercial e manufaturei- ria, apos varias vitorias bélicas contra
ro, fazendo da Prussia um dos mais impor- vizinhos, na obtengao do titulo de ‘Pedro,
tantes Estados da Europa. o Grande, Imperador da Russia e Pai da
Na Russia, 0 grao-ducado de Moscou Patria’, dado pelo Legislativo russo.
desenvolveu-se na Baixa Idade Média como Pedro morreu em 1725, quando mer-
um centro aglutinador do Império Russo. gulhou num rio gelado de sua cidade, Sao
Desde entao, os principes foram estendendo Petersburgo, tentando salvar um mari-
seus dominios, culminando com Ivan, o nheiro.”
Grande (1462-1505), que se proclamou czar VICENTINO, Claudio. Rissia: antes e depois da
(= César) de toda a Russia, ampliando seu URSS. S40 Paulo, Scipione, 1995. p. 33.
dominio até o oceano Glacial Artico e os
montes Urais. Foi nesse periodo que se
construiu a sede governamental, o Kremlin. Catarina II (1762-1796) reforcou a poli-
Com Ivan, o Terrivel (1533-1584), a expan-
tica modernizadora e centralizadora de seus
sao russa fez-se em direcdo ao sul e ao
antecessores, transformando a Rdssia numa
oriente, a0 mesmo tempo que se colonizou a
importante poténcia européia, através de
Sibéria. incentivos culturais, como a fundagéo da
Entretanto, foi com Pedro, o Grande
Universidade de Moscou e de intmeras
(1672-1725) que a Russia buscou a euro-
escolas primarias, além da correspondéncia
com importantes pensadores ocidentais.
peizagao, através do desenvolvimento eco-
nomico e da implantacao de _instituicdes
tipicas do Estado moderno europeu. Instau-
rou-se um eficiente intervencionismo estatal
nos moldes do mercantilismo, desenvolveu-
se exército e marinha regulares e moderniza-
dos, fez-se a estruturacdo financeira do
Estado, implantando-se uma administracdo
publica eficiente. Promoveu-se também o
comércio, atenuando lacos feudais e garan-
tindo, inclusive, autonomia as cidades frente
aos senhores rurais (boiardos). Como decor-
réncia, também os costumes se ocidentaliza-
ram, com a obrigatoriedade de uso da indu-
mentaria européia e a absor¢cao de alguns
anédnimo,
Artista
Pedro
XIV
Luis
colo
(detalhe)
com
ao
habitos das cortes, como o tabagismo.

“Pedro, o Grande, queria copiar Luis


XIV com seu Palacio de Versalhes ao Com Pedro, o Grande, a Russia buscou sua ocidentaliza¢ao,
iniciar a construgao de Sao Petersburgo, adotando costumes e praticas européias.
desejando ter ali a nobreza sob seu
controle. Para obrigar as edificagoes a Na Austria, Estado agricola e feudal, o
se instalarem na nova cidade, Pedro despotismo foi exercido pela dinastia dos
proibiu qualquer outra construgao ha Habsburgos, destacando-se Maria Teresa
Rdssia, chegando mesmo a usar, nao (1740-1780), que organizou um exército
raramente, de trabalho forgado. Foram nacional,e José II (1780-1790), que buscou
trazidos arquitetos, cujo trabalho era centralizar a administragao e a cultura, inspi-
rando-se em Estados ocidentais.
O MUNDO COLONIAL

expansdo maritima, marco inicial dos expropriagao do trabalho. Ao produzir rique-


tempos modernos, impulsionou a zas coloniais, a América integrava-se ao
Revolucao Comercial, transferindo o capitalismo comercial.
eixo econdmico do Mediterraneo para o
Atlantico. Até o século XV, 0 comércio de
especiarias fazia da Asia, especialmente das
Indias, o polo econémico principal. Mas, com
a descoberta da América, as aten¢gdes e
interesses voltaram-se para 0 novo continen-
te, que passou a ser disputado por paises
europeus.
A integragéo da América a economia
européia se deu com a montagem do sistema
colonial em consonancia com as normas
mercantilistas, como o monopolismo e o pro-
tecionismo. A absoluta dependéncia da co-
lOnia se estruturou a partir do pacto colonial:
a colénia fornecia a metrdpole, a baixo custo, Populagao mundial Populagao da América
matérias-primas, metais preciosos e alimentos Estimativa arredondada da populago (em milhdes) —
e comprava dela produtos manufaturados a
Dos cem milhdes de nativos americanos, cerca de oitenta
altos precos. Essa dependéncia coldnia-me- milhdes desapareceram sob o signo da modernidade capita-
trépole foi obra das monarquias absolutistas lista comercial.
européias, apoiadas nas burguesias nacionais,
que, através da exclusividade do comércio oe
colonial, alcangavam a meta de obtencao de A civilizagao romana nao morreu
uma balanga comercial favoravel no Estado de morte natural. Foi assassinada.’ As-
metropolitano. sim concluiu André Piganiol o seu livro
Foi sob esse carater que as populagdes no sobre o Império Romano no século \V de-
Novo Mundo integraram-se a civilizagao eu- pois de Cristo (L’empire chrétien C297.
ropéia ocidental. E a submissdo a uma avassa- 395. Paris, P.UF., 1947. p. 422). Tal
ladora exploragao, além de resultar na dizi- afirmagao, discutivel no caso romano,
macdo de civilizagées avan¢gadas (cerca de aplica-se perfeitamente 4s numerosas |
80% dos nativos americanos morreram no sociedades indigenas existentes no con-
primeiro século da coloniza¢ao), como as dos tinente americano na fase do descobri-
incas e dos astecas e das primitivas tribos da mento europeu e da conquista (fins do
América do Norte, Central e do Sul, propiciou século XV e século XVI; em certas regides, ©
o desenvolvimento de uma empresa colonial a conquista foi mais
t tardia). De talfato v
com base no escravismo e outras formas de

PP.
O MUNDO COLONIAL

derivam-se muitos problemas de docu- Problemas de interpretagao: nas re-


mentagao e mesmo de interpretagao. gides indigenas e mesticas da América, o
De documentagao: 0s conquistado- trauma da conquista e da colonizagao se
res destruiram monumentos — grandes prolonga até hoje, expressando-se na
centros urbanos da Ultima fase pré-co- oposigao entre ‘hispanistas’ e ‘indigenis-
lombiana foram transformados em cida- tas’, apologistas respectivamente da
des espanholas (México, Cuzco) e obras obra civilizadora ibérica e do passado in-
de arte fundidas (quando confeccionadas digena. Em ambos 0s casos, 340 posigdes
em metais preciosos), queimaram quase unilaterais, distorcidas e idealizadas.”
todos 06 codices (manuscritos pré-co- CARDOSO, Ciro Flamarion S. América pré-
lombianos, encontrados principalmente colombiana. S40 Paulo, Bragiliense, 1981. p. 7-8.
ha area que hoje corresponde ao México
centro-meridional). [...]

(detalhe).

A presenca dos coloniza-


dores europeus iniciou a
domingao dos povos nati- Benjamin
West,
William
Penn
negocia
de
tratado
indios
um
paz
os
com
vos americanos.

Os primordios da América pelo estreito de Bering. No entanto, nado se


pode descartar outras possibilidades, talvez
pré-colombiana também associadas ao estreito de Bering,
i ES = LFE_"_CEE ET como a travessia do Pacifico, mas usando
como escala as inumeras ilhas existentes
Os habitantes da América pré-colombia- entre a Asia e a América do Sul. Estas e
na nao sdo naturais do continente, mas outras ondas migratorias ao longo da pré-
oriundos de outras regides, isto é, sao aldcto- hist6éria podem justificar as mais de 2500
nes. Recentes achados arqueoldgicos indicam linguas diferentes que existiam na América
que eles chegaram ainda na época paleolitica, quando teve inicio a conquista européia do
em pequenos grupos ndmades — e isto certa- século XV.
mente antes de 50000 a.C. O provavel cami- Uma primeira conclusdo destes dados
nho percorrido por esses homens, originarios parece confirmar o que ja disseram alguns
da Asia, em direcdo 4 América foi o que passa historiadores: de que houve varios descobri-

229
mentos da América, uns advindos da incons- mente facil entre os dois continentes para o
ciéncia e outros, da ignorancia. ndmade homem paleolitico.
Contudo, vestigios humanos bem antigos
A “‘passagem’’ de Bering, tida como a
espalham-se por todo o continente, alguns
mais antiga rota da chegada do homem a anteriores a trinta mil anos, tanto na América
América, associa-se a varios fatores, es- do Norte quanto na América do Sul, manten-
pecialmente a estreita proximidade entre os do diversas incdgnitas desse primeiro periodo
dois continentes (Asia-América) naquele lo- humano da América.
cal. Acredita-se que a glaciacao (fendmeno No Brasil, existem evidéncias da presen-
climatico de longa duragao, representado ¢a humana muito antigas, algumas ainda em
pela diminuigdo intensa das temperaturas fase de estudo e reconhecimento internacio-
por varios séculos e pelo aumento das massas nal, como as da regido do municipio de
de gelo nos continentes, com rebaixamento Central, na Bahia, e nas proximidades do
do nivel do mar em mais de 100 metros) municipio de Sao Raimundo Nonato, no
tenha levado a um recuo das aguas no Parque Nacional da Serra da Capivara, Toca
estreito, permitindo uma passagem relativa- da Pedra Furada, estado do Piaui.

Boqueirao da Pedra
Furada-Piaui/BR
El Cedral-México (48 000)
(33 300)

2==——> Corrente asiatica


»—> Corrente malaio-polinésia | =.
me ANTA
»=——> Corrente australiana
}
}

Monte Verde-Chile
(33 000)

(*) Entre parénteses, a datagao de objetos encontrados nesses sitios

Nao sao poucos os especialistas que defendem a chegada do homem a América antes mesmo de 100000 a.C. Das varias rotas
possiveis (mapa acima), a que passa por Bering é quase sempre a mais enfatizada. Porém, é possivel que varios caminhos
tenham sido utilizados pelo homem pré-histérico, ficando a incerteza quanto a sua confiabilidade. Observe também a
localizacao de varios sitios arqueologicos em todo o continente americano.
O MUNDO COLONIAL

Somente no Piaui, mais de trezentos sitios


arqueolégicos foram encontrados e muitos As principais civilizagoes
deles estudados pela arquedloga francesa na- pré-colombianas
turalizada brasileira Niéde Guidon e pelo ar- SF —-_—- ee, = Ce
quedlogo italiano Fabio Parenti, os quais da-
taram as pinturas rupestres de mais de vinte mil
anos e as pedras lascadas e restos de fogueiras Na €poca da descoberta da América,
deixadas por grupos pré-histéricos, de mais de estima-se que sua populagao estivesse prdxi-
56 mil anos. Apesar de polémicos, muitos dos ma de cem milhdes de habitantes, irregular-
estudos recentes chegam a apontar vestigios mente distribuidos pelo continente e em
humanos no Brasil e no resto da América do diferentes estagios de desenvolvimento. ‘Ha-
Sul de bem mais de setenta mil anos. via de tudo entre os indigenas da América:
astr6nomos e canibais, engenheiros e selva-
gens da Idade da Pedra. Mas nenhuma das
culturas nativas conhecia o ferro nem o
Kim-Ir-Sen
arado, nem o vidro e a pdlvora, nem empre-
gava a roda, a nado ser em pequenos carri-
nhos. ’’ (GALEANO, Eduardo. As veias aber-
tas da América Latina.)

Algumas tribos tinham uma estrutura


primitiva, eram némades e viviam da ca¢a e
da pesca, como os esquimés (América do
Norte), os charruas (Uruguai), os tapuias,
xavantes e timbiras (Brasil). Outras tinham
vida sedentaria, vivendo em aldeias e prati-
cando a agricultura, como os pueblos (Amé-
Pinturas rupestres em Sao Raimundo Nonato, no Piaui. rica do Norte), os caribes e aruaques (Antilhas
e norte da América do Sul) e os tupis-guaranis
(Brasil).
Seja como for, os homens pré-histéricos
americanos, entre 7000 e 3000 a.C., acres- Os amerindios mais avanc¢ados tecnolo-
centaram a Ca¢a, pesca e coleta de alimentos gicamente e que possuiam sofisticada orga-
para a sobrevivéncia o cultivo de diversas niza¢ao sociocultural formavam a maioria da
plantas (algoddo, abacate, pimenta, abdbora, popula¢gao americana no século XV. Isto por-
feijao, milho, batata, mandioca, etc.) e a do- -que o aumento demografico propiciado pela
mesticagdo de varios animais (Ihama, peru, agricultura neolitica permitiu que se formas-
abelhas, etc.). Isto ocorreu especialmente em sem, em certos locais, concentragdes popu-
algumas regides, como no México e no Peru lacionais, resultando na urbaniza¢ao, proces-
atuais, caracterizando a passagem para a sO que Caracterizou séculos e até milénios da
etapa neolitica da evolugao pré-historica. historia dos povos pré-colombianos.
Também ocorreram grandes avancos na
tecelagem e especialmente na cerdmica, pro- Em meio a esta evolugao, surgiram socie-
duzindo recipientes de barro resistentes, fa- dades divididas em classes sociais com um
voraveis tanto ao armazenamento e trans- Estado estruturado e dominador, que impu-
porte como ao cozimento de alimentos, nha tributos, transformando a ordem tribal em
contribuindo para a melhoria da alimenta¢gao civilizag6es com crescente complexidade de
e ampliando as perspectivas de vida da organizagdo e cultura, especialmente na
comunidade. Neste caso, destacam-se os América Central e nos Andes. Na primeira,
objetos de ceramica de Valdivia, no norte destacaram-se as civilizagdes maia e asteca e
do atual Equador, datados de mais de 3500 na regido andina, a inca, nao sendo, porém,
a.C., tidos como os mais antigos da América. as unicas.

229
=== Estradas imperiais |

OCEANO
ATLANTICO
[i Area de dominacao
asteca
| Ga Area cultural maia

_| Império Asteca

A andina central e a meso-americana foram as regides amerindias mais brilhantes do periodo pré-colombiano.

As civilizagoes da regiao andina boliviana da bacia do lago Titicaca, e o


central Império Huari, no vale do Mantaro, no atual
Peru.
As civilizag6es da regido andina central Apos estes impérios, ainda muito pouco
habitaram principalmente os atuais territorios conhecidos, surgiram diversos outros Estados
do Peru e da Bolivia, estendendo-se também regionais independentes, como o Reino Chi-
sobre Equador, Chile e Argentina. Os primei- mu, com capital em Chancham, no vale do
ros nucleos de civilizagao surgiram bem antes Moche, Peru, uma cidade planificada com
do inicio da era crista, baseados em cidades- aproximadamente oitenta mil habitantes.
estados, com centros cerimoniais que difun- Contudo, de todas as civilizag6es poderosas
diam cultos, e envolvendo-se em sucessivas da regido andina central, coube a inca a
disputas pela hegemonia regional. Ao que maior importancia e grandiosidade. O seu
tudo indica, 0 sucesso na unificagdo andina surgimento remonta ao século XII, quando
s6 acabou acontecendo depois de 600 d.C., houve uma reunido de povos sob 0 comando
quando emergiram os primeiros impérios do grupo quichua ou inca, na regido peruana
controladores de uma vasta regido. Entre de Cuzco, assumindo e transformando a
estes destacou-se o de Tiahuanaco, na parte heranga cultural das civilizag6es anteriores.

226
O MUNDO COLONIAL

De inicio, tiveram de disputar com os pério. Abaixo, estavam os camponeses e es-


varios povos o controle da regido, vivendo cravos.
em permanente estado de guerra. Foi nesse Na administragdo, a capital Cuzco era o
processo que, aos poucos, estabeleceu-se um eixo controlador da rede de estradas, do
poder politico em que o imperador acabou funcionamento do correio publico, dos cen-
investido de autoridade religiosa, sendo visto tros fortificados, dos depdsitos de alimentos e
como um semideus pelos seus stditos, pas- da contabilidade administrativa do Império.
sando a ser considerado o “‘filho do sol’, o Este, dividido em quatro grandes territdrios,
deus principal do pantedo inca. eram comandados pelos apos (chefes), que
Entre os 13 soberanos relatados pela assessoravam 0 inca (imperador). Cada terri-
historia oral inca, certamente mesclada com torio, por sua vez, subdividia-se em wamanis
lendas, mitos e propaganda oficial, destaca- (provincias) sob o comando do kuiricuk
va-se Manco Capac, 0 primeiro rei, o funda- (governador) e era responsavel pelos curacas
dor da dinastia imperial. A representagado do (funcionarios hereditarios), que recolhiam os
pensamento inca, ao que parece, nunca impostos.
chegou a transformar-se numa escrita, usando
tao-somente pictografias e ideogramas, so-
bressaindo-se a contabilidade destinada a re-
conhecer valores estatisticos de uma socie-
dade controlada pelo Estado.
A fase mais conhecida dos incas comega
somente no século XV, a partir de 1438, com
sua enorme expansao imperial, e que conti-
Martinelli/Abril
Pedro
Imagens
nuou até a chegada dos espanhdis, em 1531.
Sob 0 governo dos imperadores Pachakuti
(1438-1471), Tupa Yupanki (1471-1493) e
Huayna Capac (1493-1525), os dominios do
império estenderam-se do Equador ao norte
do Chile, por um territério norte-sul de mais
de 4500 quilémetros.
Com Pachakuti, a cidade de Cuzco, que
na lingua quichua quer dizer ‘“umbigo”,
transformou-se na capital do império, che-
gando a atingir, no seu apogeu, perto de cem
mil habitantes. Seus suntuosos templos abri-
gavam estdtuas, santudarios, paredes e muro
em ouro, como os de Qori Kancha, onde se
cultuavam o sol, a lua e as estrelas. O império Photos
Sarmiento/Stock

ainda produziu varias outras cidades com


planejamento e arquitetura sofisticadas, a
exemplo de Machu Pichu, Tumipampa e
Cajamarca. O total da popula¢gao imperial
seguramente beirava os seis milhdes de habi-
tantes.
A sociedade inca, como era comum nas
sociedades de servidao coletiva, tinha no
topo da escala hierarquica 0 soberano inca,
depois vinham seus parentes, os funcionarios
da administracdo e os sacerdotes, formando a As ruinas de Cuzco (em cima) e Machu Pichu dao uma idéia
elite que detinha o poder e a riqueza do im- da grandiosidade do que foi o império inca.

VIA
A IDADE MODERNA

Na base da sociedade estavam os ayllus, Zapotes. Ao que se sabe, o grupo sacerdotal


as aldeias comandadas pelos curacas e seus tinha o predominio na sociedade, apesar da
camayocs (capatazes hereditarios), encarre- existéncia de mercadores com alguma for¢a
gados de distribuir as terras, consideradas pro- que comercializavam especialmente o jade,
priedades do imperador, e de determinar os um mineral esverdeado usado para fazer
trabalhos e tributos das familias dos ayllus, adornos. Os olmecas, além de uma ceramica
firmando a base agraria da economia inca. rudimentar, foram os criadores de uma escrita
Eram os curacas 0 centro do poder e de ri- e calendario pouco conhecidos, os quais
queza nas aldeias, determinando também a serviram de base para as civilizagdes poste-
mita, o trabalho forgado dos aldeGes na reali- riores da regido. A decadéncia olmeca deve
zacao das obras publicas e outros servi¢os ao ter acontecido por pressdo de povos vizinhos,
governo. Foram os mitaios os responsaveis desaparecendo nos primeiros séculos da era
pelo incremento de terras cultivaveis do Esta- crista, €poca em que ja despontava a primeira
do, na expansdo imperial, construindo terra- cidade meso-americana, a nordeste da atual
¢os agricolas nas colinas e canais de irrigagao. Cidade do México, chamada Teotihuacan
Também construfam e mantinham os cami- (que significa “lugar onde os homens se
nhos, pontes, edificios publicos, templos, etc. convertem em deuses’’).
Apos a morte do imperador Huayna A civilizagao de Teotihuacan teve inicio
Capac, abriu-se uma vigorosa disputa pelo perto de 100 a.C. e atingiu o seu apogeu entre
trono entre Huascar e Atahualpa, seus dois os séculos V e VII. A cidade, chegando a
filhos de esposas diferentes, que devastou o possuir uma popula¢ao de mais de oitenta mil
poderio inca, correspondendo ao momento habitantes, tinha se transformado no centro
da chegada dos conquistadores espanhdis. O religioso hegemGnico da regido, obrigando
vitorioso Atahualpa acabou prisioneiro, sen- seus vizinhos ao pagamento de diversos
do morto e seu império destrufdo pelos tributos. O predominio social em Teotihua-
comandados de Francisco Pizarro, em 1531. can, uma cidade com centro administrativo e
religioso, com palacios, piramides, avenidas,
Os meso-americanos
pragas e bairros planificados, pertencia a uma
aristocracia guerreira e sacerdotal, associada
A regiao meso-americana, corresponden-
a mercadores e aos funcionarios da adminis-
tragao estatal.
te a boa parte dos atuais México, Guatemala,
El Salvador, Honduras, Nicaragua e Costa Por volta do ano 750, a cidade foi
Rica, produziu ao longo de 25 séculos diver- incendiada, provavelmente devido as revoltas
sas civilizag6es poderosas, destacando-se camponesas ligadas a ataques externos, per-
entre outras a dos olmecas, maias, toltecas e mitindo o surgimento de outras civilizagdes
principalmente a dos astecas. como a dos zapotecas, dos totonacas e
Das primeiras civilizag6es meso-ameri- especialmente dos maias.
canas a dos olmecas é considerada a funda- A civilizagéo maia, ocupando uma re-
dora da “cultura mae’’ da América Central, giao que corresponderia hoje a peninsula
cujo desenvolvimento situa-se entre um pou- mexicana de lucataé, Guatemala, Belize e
co antes de 1000 a.C. até pouco depois do Honduras, na América Central, atingiu 0 seu
século V a.C. apogeu econdmico e cultural entre os séculos
A popula¢gao olmeca, que deve ter atin- Ill e XI, organizando-se em cidades-estados,
gido um total proximo a 350 mil habitantes, como Palenke, Tikal, Copan, entre outras. O
era basicamente rural com uma dieta alimen- predominio social cabia a uma elite militar e
tar centrada na cultura do milho, feijao e sacerdotal, de carater hereditario, comandada
abdbora ao longo dos rios, completada pela pelo Halach Uinic, responsavel pela adminis-
caga e pesca. Toda a vida olmeca estava tragdo e cobranga de impostos. Nos arredores
ligada aos varios centros religiosos cerimoni- das cidades ficavam as aldeias de campone-
ais, como os de San Lorenzo, La Venta e Tres ses submetidos a servidao coletiva.

228
O MUNDO COLONIAL

imponentes palacios e grandes templos


de adoragao aos deuses da natureza
(chuva, sol, lua, milho, etc.). Chegaram
também a desenvolver apurados calculos
matematicos, usando inclusive do zero,
C.
Trevisan/Lotus
Press
além de criarem varios calendarios, des-
tacando-se um religioso, o “Tzolkin”, de
260 dias, e um civil, o Haab, composto de
18 meses de 20 dias, completado com 5
dias finais.

No século IX, floresceram cidades-esta-


dos que antes eram de pouca expressdo,
como El Tajin (atual Vera Cruz), Xochicalco
(atual Morelos) e Colula (atual Puebla), as
quais pouco depois entraram em declinio
devido a invas6es estrangeiras. Quando che-
garam os espanhdis, no século XV, todas as
cidades maias estavam arruinadas, beirando a
total desintegragdo, uma decadéncia de va-
rios séculos cujas razGes sao ainda pouco
conhecidas. Ao final da civilizacdo maia
surgiram novas hegemonias de invasores
meso-americanos, destacando-se por um bre-
ve periodo a dos toltecas e, a seguir, a dos
mexicas, também conhecidos por astecas.
Os toltecas atingiram seu apogeu entre
os anos 1000 e 1224, tendo como centro a
cidade de Tollan de 37 mil habitantes, a atual
Tula, que fica ao norte da atual capital
mexicana, envolvendo numerosas aldeias
por uma area de 1 500 quil6metros quadrados
e mais de sessenta mil pessoas. Tollan foi
invadida e destrufda entre os anos 1150 e
1200, seguida do fim da civilizagao tolteca.
De todas as grandes culturas pré-colom-
bianas da regiao meso-americana, a asteca
foi a mais grandiosa. A civilizagdo asteca
reuniu um império que se estendia desde o
Os maias, como todas as outras civilizagdes pré-colombia-
nas, organizavam-se com base na servidao coletiva, imposta oeste mexicano até o sul da Guatemala, uma
por um poderoso Estado e sua burocracia, reforcada pela area superior a trezentos mil quildmetros
religiao e atuacao sacerdotal. Nas fotos, piramide maia e quadrados, envolvendo uma popula¢ao pro-
exemplo de sua arte e escrita.
xima a 12 milhdes de habitantes. A sua
capital, Mexihco-Tenochtitlan (hoje Cidade
Estima-se que a populagdo maia do México), espalhava-se por 13 quilémetros
tenha alcangado um total proximo de quadrados e tinha uma populagao perto de
dois milhoes de habitantes, construindo cem mil pessoas, segundo estimativas mais
aperfeigoados sistemas de irrigagao, seguras (ha quem chegue a apontar quinhen-
tos mil habitantes).
A IDADE MODERNA

Mexihco-Tenochtitlan, a Veneza asteca


conseguido com aliancas, confederagdes e
constantes expedicdes punitivas dos astecas,
A capital dos mexicas, Tenochtitlan assemelhando-se muitissimo as civilizagdes
(que significa “rocha de cactos”), foi da Antiguidade Oriental, como Egito e
construida sobre ilhotas do lago Texcoco, Mesopotamia.
sendo continuamente ampliada com a
lama do proprio lago, formando as chi-
nampas, as Novas terras utilizaveis. Em
meio as ruas de terra firme sobressaiam-
5€ 08 diversos canais, as mais importan-
tes artérias do movimento urbano, inter-
rompidos por pontes elevadigas por onde
transitavam os inimeros barcos. Do lago,
a cidade se ligava ao continente por trés
grandes vias calgadas de pedra por onde
passavam, também, 0S aquedutos que
Serpente de duas cabecas: exemplo da exuberante arte
traziam a agua potavel que abastecia asteca feita em mosaico.
Tenochtitlan. O centro da cidade era
ocupado pelo recinto sagrado, um con-
junto de templos e colégios sacerdotais,
ficando proximo a quadra de “tlachtli” A sua estrutura politica era altamente
(edificio de jogos de bola parecidos com o centralizada, contando com 38 provincias,
basquetebol e voleibol) e os palacios, mantendo o controle sobre as atividades agri-
grandiosos é ornamentados, tendo inclu- colas e sobre a constru¢do dos sistemas de
sive dois zoolégicos. Quanto ao amplo é irrigagao, bem como o zelo pela cobranga de
ativo mercado que atraia dezenas de mi- impostos. A maior autoridade asteca era a do
lhares de pessoas, segundo Bernal Diaz imperador, o qual era escolhido por um
del Castilho, soldado do conquistador conselho e que recaia, quase sempre, sobre
os membros da mesma familia imperial. Ao
espanhol Cortez, ficava numa grande pra-
imperador cabia dirigir a ““casta’’ sacerdotal e
¢a e era algo “como nunca haviamos vis-
as atividades religiosas, politicas e militares,
to”, deixando 06 europeus que conheciam
constituindo o que se denomina de império
muitas das grandes cidades européias é
teocratico de regadio.
orientais “admirados com a organizagao
é regimento de tudo que tinham’”. Na religiao, havia um pantedo numeroso
A partir de 1521, 0s espanhdis come- de deuses, com conceitos e rituais, com
cgaram a transformar a cidade, mudan- praticas e atividades que envolviam toda a
Gas que produziram a gigantesca Cidade popula¢ao asteca, sendo comum o sacrificio
do México atual. Em lugar dos canais,
humano.
hoje, estao as largas avenidas asfalta- A sociedade dividia-se em camadas rigi-
das e€ sobre o grande templo, onde ficava das, sem mobilidade social, tendo no topo
a piramide de Huitzilopochtli (deus do sol nobres e sacerdotes, seguidos depois pelos
é da guerra), ergue-se a Catedral do comerciantes e, na base da escala hierarqui-
México, para a qual foi usada boa parte ca, pelos grupos populares e escravos (em
das pedras retiradas dos templos. geral, prisioneiros de guerra).
A posse da terra era comunal, cabendo as
aldeias coletivas, chamadas calpulli, o direito
Em seu apogeu, 0 império asteca era sus- de uso da terra para o cultivo. Parte da pro-
tentado pelo dominio sobre povos vizinhos, dugao servia para a sobrevivéncia do calpulli
obrigados a pagarem tributos, 0 que era e o restante para pagar tributos ao Estado,

2350)
O MUNDO COLONIAL

sustentando os governantes, os sacerdotes e A domina¢ao espanhola sobre a América


demais camadas aristocraticas da sociedade. alterou violentamente o destino da civiliza-
Era o predominio da estrutura de servidao ¢do asteca, assim como dos demais povos
coletiva da sociedade asteca. pré-colombianos. Os europeus saquearam
Segundo a tradic¢do oficial da elite de suas riquezas, dizimaram seus habitantes e
Tenochtitlan, a origem dos astecas remontava destrufram suas culturas.
a uma regido que ficava a noroeste, chamada
Aztlan (dai asteca, 0 povo de Aztlan), onde
seu deus Uitzilopochtli ordenou a emigra¢do
no século XII, vagando por varios territérios
até chegar ao vale Texcoco no século XIV.

O significado da palavra México Carlos/Imagenlatina


Jesus

Apoiando-se no glifo, termo que sig-


nifica 05 caracteres da escrita maia ou
_ asteca, alguns acreditam que a palavra
México seja a aguia empoleirada no
cacto, devorando uma serpente. Tal sim-
bolo estaria ligado a lenda de que o
sacerdote Quauhcoaltl tivera a visao da
Aguia com a serpente sobre o cacto, no
local onde o deus Uitzilopochtli queria que
levantassem a cidade de Mexihco-Te-
nochtitlan. " ae
“Esta aguia seria o simbolo de Mulher equatoriana de origem inca. A atual populagao
latino-americana exibe muitos tragos herdados dos povos
Mexitl, outro nome de Uitzilopochtli, o pré-colombianos.
grande deus nacional. Outros langam-se
a etimologia deste nome; apoiando-se na
autoridade do P° Antonio del Rincdn, A América espanhola
descobrem nelea raiz da palavra metztli, alr Fe
a Lua, e de xictli, o umbigo ou centro.
México seria “(a cidade que esta) no meio Como pretexto para a explora¢ao colo-
(do lago) da \ua”: tal era, com efeito, o nial, utilizou-se o argumento da necessidade
nome antigo da laguna, Metztliapan.” de civilizar os povos americanos, por meio da
cultura e da fé cristaé. Dessa forma, acobertou-
SOUSTELLE. Jacques. A vida quotidiana dos aste-
cas. Belo Horizonte, ltatiaia, 1962. p. 29.
se a dominagao dizimadora, justificando-a
como um empreendimento comercial e de
cristianiza¢ao.
Em sua evolucao histérica, os astecas s6 Até meados do século XVI, praticamente
conseguiram autonomia em relagao aos povos toda a América fora subjugada pelos con-
vizinhos no século XV, com o chefe Itzcoatl, quistadores europeus — que se utilizavam,
iniciando a conquista de um vasto territdrio. para isso, da pdlvora e do cavalo, desconhe-
Com Montezuma | (c. 1440-1469), Axayacatl cidos pelos amerindios, além de se valerem
(1469-1481), Tizoc (1481-1486) e Ahuitzotj da fragilidade grupal das tribos, divididas em
(1486-1502), o império continuou se ampli- facgdes muitas vezes rivais. No Peru, por
ando, estendendo-se até a costa do Pacifico, exemplo, as disputas pelo trono entre Ata-
sendo sucedidos por Montezuma II, em 1503, hualpa e Hudscar enfraqueceram o império
o Ultimo governante asteca, que acabou der- inca, 0 que ajudou os espanhdis a se assenho-
rotado pelos conquistadores espanhdis. rearem do ‘‘eldorado” tao cobi¢ado.

231
A IDADE MODERNA

um pagamento irrisdrio. Esse método, funda-


“Os indigenas ane derrotados
do numa instituicdo incaica adaptada pelos
também pelo assombro. O imperador
espanhdis, foi utilizado especialmente nas
Montezuma recebeu, em seu palacio, as minas de prata de Potosi e acabou por arrui-
primeiras noticias: um grande ‘monte’ nar a estrutura comunitaria, culminando com
andava mexendo-se pelo mar. Outros
o exterminio da populag¢ao indigena.
mensageiros chegaram depois: ‘[...] muito
espanto lhe causou ao ouvir como dispa-
ra um canhZo, como ressoa seu estrépi-
to, como derruba as pessoas; e ator-
doam-se 0s ouvidos. E quando sai o tiro,
uma bola de pedra sai de suas entra-
nhas: vai chovendo fogo [..]. OS estran-
geiros traziam ‘veados’ nos quais mon-
tavam e ‘ficavam da altura dos tetos’.
Por todas as partes tinham o corpo en-
volto, ‘somente as caras aparecem. Sao
brancas, como se fossem de cal. Tem
cabelo amarelo, embora alguns o tenham
preto. Sua barbaé grande [...J. Monte-
zuma acreditou que era o deus Quetzal-
—coatl que voltava.” Potosi.
Trabalhando
minas
de
Bry,
Theodore
nas
ouro

GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América


Latina. p. 28.

Hernan Cortez, no México, Francisco De 1503 a 1660, a Espanha tirou da América toneladas de
ouro e de prata e a vida de milhGes de nativos.
Pizarro e Diogo Almagro, no Peru, foram os
conquistadores espanhdis que, devido a vio-
l€ncia e extensdo de suas conquistas, marca- A encomienda, sistema mais usado, con-
ram mais fortemente o inicio do processo de sistia na exploragao dos nativos como servos
colonizagao dos territérios espanhdis na nos campos e nas minas. A Coroa encomen-
América. dava a captura de indigenas a um interme-
Efetuada a conquista, a exploracao de diario - 0 encomendero - e os distribuia aos
ouro e principalmente de prata passou a ser o colonizadores, que recebiam o fndio como
eixo da colonizagdo espanhola, durante os seu servo. A serviddo era justificada como um
séculos XVI e XVII. México, Peru e Bolivia pagamento de tributos, feito pelos indios em
respondiam pela produ¢do de metais precio- forma de servicos, por receberem prote¢do e
sos, enquanto, simultaneamente, outras re- educa¢ao crista. QO encomendero, por sua
gides se integravam ao sistema econdmico vez, transferia parte dos tributos para a Coroa.
colonial como produtoras de bens agricolas Organizada com base na explora¢ao esta-
(Chile), criadoras de animais de tragéo, como belecida pelo mercantilismo metropolitano, a
mulas, e produtoras de tecidos (Argentina), sociedade colonial apresentava no topo da
entre outras. escala hierdrquica os chapetones, espanhdis
A produ¢ao colonial foi organizada a da metrépole que ocupavam altos postos
partir da explorag¢ao da mao-de-obra indige- militares e civis (justiga e administragdo), e o
na. Uma das formas de utilizagao dos nativos clero. A aristocracia colonial era constituida de
era a mita, pela qual os indigenas eram espanhdis nascidos na América, os criollos,
tirados de suas comunidades para trabalhar grandes proprietarios e comerciantes que, por
nas minas por um prazo determinado e sob constituirem a elite colonial, participavam

252
O MUNDO COLONIAL

das camaras municipais, denominadas cabil- sistema de “porto Unico”, ou seja, toda
dos (ou ayuntamientos). Abaixo deles, vi- transagao colonial de comércio deveria, ne-
nham os mesticos, individuos nascidos de cessariamente, passar por determinado porto
espanhdis com indigenas, que eram em geral na metrdpole — inicialmente foi Sevilha e,
capatazes, artesdos e administradores; em se- depois, Cadiz. Esse porto recebia as merca-
guida, totalmente subjugados aos brancos, dorias vindas dos portos autorizados na
estavam Os escravos negros, numericamente colénia, que eram Vera Cruz (México), Porto
insignificantes, exceto nas Antilhas, e os Belo (Panama) e Cartagena (Col6mbia). Dessa
indios, 0 grupo mais populoso, submetidos a forma, a metrdpole espanhola tinha o con-
mita e a encomienda. trole quase absoluto do comércio realizado
Chamava-se Conselho Real e Supremo com suas ricas colénias americanas.
das Indias 0 6rgao controlador da coloniza-
¢ao, centralizado na Espanha e representado A estrutura administrativa das coldénias
nas coldnias pelos chapetones. Os negocios e espanholas dividia o territ6rio em quatro vice-
a arrecada¢ao de impostos cabiam as Casas reinados — de importancia econdmica — e
de Contratacao, e as ligacdes comerciais algumas capitanias gerais, que constituiam
entre metrépole e colénia se faziam pelo areas estratégicas. Veja no mapa:

CAPITANIA-GERAL
DO CHI

Divisao politica da Améri-


ca Latina antes das guerras
de independéncia. A EI I RF RE PSIG TE ITS IT ERS ETE

A nomeagao dos vice-reis e a fiscalizagdo tava-se a poténcias como Franga e Inglater-


administrativa cabia ao Conselho Real e ra, seu império no Novo Mundo ia se
Supremo das Indias. Os vice-reinados com- desestruturando. Além disso, a predominan-
punham-se de intendéncias, governadas por cia absoluta dos chapetones (espanhdis)
alcaides, e as cidades mais importantes sobre os prdsperos criollos (brancos ameri-
possuiam uma camara municipal. canos) criou rivalidades que culminariam,
A medida que a Espanha perdia a hege- no século XIX, na independéncia da Amé-
monia econ6mica e progressivamente sujei- rica espanhola.

233
A IDADE MODERNA

A América inglesa
ae aa ae ee ea

A Inglaterra s6 entrou efetivamente no


processo colonial no reinado de Elizabeth | Londres
de
Museu

(1558-1603) quando a constru¢ao naval, o


comércio maritimo e a atividade corsdria
ganharam estimulo. Houve, entao, um cho-
que entre Inglaterra e Espanha — poténcia da
época — que culminou com a derrota da
Invencivel Armada espanhola, em 1588.
Nesse perfodo, tentou-se colonizar a América
do Norte organizando-se trés expedi¢des sob
o comando de Walter Raleigh, em 1584,
1585 e 1587, que, entretanto, nado alcang¢a-
ram O sucesso esperado.

Num incéndio em 1666, Londres e suas construcdes de


O nome Virginia madeira foram parcialmente destruidas, deixando milhares
de desabrigados.
A ocupagaéo na América do Norte
pelos ingleses iniciou-se na costa leste, Outro aspecto que ativou a colonizacado
onde atualmente estao o estado da inglesa foram os conflitos politico-religiosos
Carolina do Norte é a ilha de Roanoke. A dos séculos XVI e XVII, que estimularam a
regido recebeu o nome Virginia em home- emigra¢ao de puritanos e quakers, em dire-
nagem a rainha Elizabeth |, que era ¢ao a América do Norte.
solteira. Os insistentes ataques indige- Durante os séculos XVII e XVIII, estrutu-
nas, entretanto, arruinaram essa primei- raram-se treze colénias na América do Norte:
ra empresa colonizadora e $0 a partir de ao norte desenvolveu-se uma economia au-
1607 iniciou-se de forma definitiva e tOnoma, mercantil e manufatureira, nao de-
duradoura a colonizagao da América pendente da metrdpole, e, ao sul, uma
inglesa. economia agricola, que produzia exclusiva-
mente para o mercado externo.

“Quakers era um grupo religioso, de


No século XVII, a atividade colonial
inglesa edificou-se com a derrocada da Espa- tradigao protestante, surgido na Ingla-
nha e a criagdo de companhias de comércio, terra no século XVII, fundado por George
numa alian¢ga entre o Estado e a emergen- Fox. OS Quakers [...] constituem agrupa-
te classe burguesa para a exploracdo e mentos radicais formados por homens e
ocupa¢do das Antilhas e da América do mulheres procedentes dos meios humil-
Norte. O empreendimento colonial contou des da populagdo inglesa. Os Quakers
também com o excedente populacional pro- apresentavam-se como contrarios ao
veniente do processo dos cercamentos na calvinismo € a qualquer autoridade ecle-
Inglaterra. A existéncia desse excedente, que siastica, intitulando-se ‘amigos da ver-
nao encontrava colocagaéo na cadeia de dade’. O nome ‘Sociedade dos Amigos’
produ¢ao nas cidades, ia ao encontro da para rotular esse grupo $0 foi citado a
necessidade de pessoas para colonizar o partir de 1665, prevalecendo, porém,
Novo Mundo, representando, conseqiiente- quaker, que significa ‘trémulo’, adotado
mente, uma solu¢do para os problemas desde 1650 quando Fox, levado a um tri-
urbanos da metrdpole.
O MUNDO COLONIAL

~ bunal, pedira que todos tremessem dian- za¢ao progressiva, ao contrario do que acon-
te de Deus. O nome quaker, dado inicial- teceu no sul, onde houve uma extroversdo
mente por cagoada, foi, depois, emprega- econdémica, com a produ¢do visando somen-
. do orgulhosamente pelos adeptos. ie
te ao mercado externo e vivendo em fun¢ao
dele.
# AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Diciondrio de
nomes, termos e€ conceitos histéricos. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1990. p. 325.

Virginia, a primeira colonia inglesa fun-


dada na América, transformou-se num grande
centro de produc¢ao de tabaco, produto alta-
mente consumido na Europa. O sucesso eco-
ndmico do empreendimento levou as compa- VW.
Mayflower
do
partida
A
Bayes,
nhias comerciais a fundarem outras colénias
para a producao de itens tropicais de grande
aceitagao no mercado europeu: indigo (anil),
arroz e, mais tarde, algodao. Todos esses
produtos eram obtidos por meio do sistema
plantation, caracterizado pela monocultura
praticada em grandes propriedades e com a
utilizagdo de mdao-de-obra escrava, e eram
destinados ao mercado externo. Esse sistema Um pequeno grupo de peregrinos ingleses daria inicio a
colonizagao da América anglo-sax6nica.
foi a marca das col6nias do sul, denomina-
das, por isso, colénias de exploracao.
A parte setentrional dos Estados Unidos,
de clima e condigées naturais semelhantes As peculiaridades da colonizag&o inglesa
aos da Europa, ficou conhecida como Nova As restrigdes e o controle intensivo
Inglaterra. Nessa regido, a colonizagao des- sobre a colonia, tao caracteristicos do
dobrou-se de forma diversa: predominaram “mercantilismo ibérico, nao se apresenta-
os colonizadores provenientes da persegui-
ram na colonizacao inglesa da América do
¢40 politico-religiosa, como os puritanos,
Norte. O resultado foi uma relativa
cujo primeiro grupo desembarcou, do navio
autonomia econdmica e politica das
Mayflower, em 1620, na costa de Massachu-
setts, fundando a cidade de Plymouth. colonias, fato mais evidente na Nova
Logo novas levas de colonos ativaram a Inglaterra. Por seu carater de povoamen-
coloniza¢ao da regiao, transformando a parte to, os colonos ali procuraram criar e
setentrional em uma colonia de povoamento, desenvolver uma “nova Inglaterra”, em
diferente em sua estrutura das colénias do sul. tudo semelhante a sua terra de origem, é
A ocupa¢ao baseou-se na pequena e média nado apenas enriquecer-se para regressar
propriedade agricola, em que o trabalhador 4 metropole. Contribuiu também para o
era nao raramente o proprio colono. Diversi- ameno pacto colonial na regiao a insta-
ficou-se, assim, a producao, implementando- bilidade politica inglesa no século XVII,
se também manufaturas e comércio. Neces- com suas guerras civis (Revolugao Puri-
sdria para 0 escoamento da produgao e a tana, Revolugao Gloriosa) e guerras
obtengao de itens externos, a constru¢ao européias, que concentravam a atengao
naval ganhou grande impulso e as relacdes da Coroa e das elites nacionais, deixando
comerciais chegaram as Antilhas, a Africa e num segundo plano a intensificagao da
até 4 Europa. A evolugao econdmica da No- exploragao colonial.
va Inglaterra resultou, assim, numa capitali-

235
A IDADE MODERNA

No século XVIII, quando a Inglaterra dificuldades do Tesouro ptblico inglés, espe-


emergiu como grande poténcia mundial e a cialmente apds a Guerra dos Sete Anos
monarquia parlamentar inglesa estabilizou o (1756-1763), criaram-se indmeros impostos
pafs, redefiniu-se a politica colonial, amplian- coloniais, 0 que levou os colonos a se unirem
do-se as restrigdes econdmicas e a tributagao para conquistar a independéncia, em 1776.
aos colonos americanos. Sob a justificativa de

Colénias britanicas de povoamento As treze colénias da Améri-


|__| Coldnias britanicas de exploragao ca do Norte desenvolveram
caracteristicas econdmicas
____| Outros territérios britanicos
diferentes entre si e com
seus parceiros comerciais.

A colonizacao de outros paises Grandes Lagos ao México, drea que de-


nominaram Louisiana, em homenagem a
na América seu monarca Luis XIV, e algumas ilhas das
esa Antilhas.
No século XVIII, as desastrosas guerras
A participagao da Fran¢a no processo de em que se envolveu a Franca na Europa,
coloniza¢gao iniciou-se concretamente no como a Guerra da Sucessao Espanhola (1701-
século XVII, com o patrocinio do governo 1713) e a Guerra dos Sete Anos (1756-1763),
absolutista dos Bourbons, sob a orientagao levaram-na a perder boa parte de suas
mercantilista dos ministros Richelieu e Col- col6nias. Com a Revolucao Francesa (1789)
bert. Uma das primeiras regides ocupadas e as guerras napolednicas, no inicio do século
pelos franceses foi o norte da América — atual XIX, esse processo se aceleraria. O Canada,
Canada -, onde a colonizag¢ao alicergou-se por exemplo, foi perdido para a Inglaterra ao
no extrativismo (madeiras e peles) e no final da Guerra dos Sete Anos e a Louisiana,
comércio com os indigenas. Também toma- entregue aos Estados Unidos, ja indepen-
ram uma grande faixa interior, que ia dos dente, por Napoledo Bonaparte, em 1803.

2356
produtos
derivados de
baleia, peixes

peles, madeiras,
peixes, suprimentos
navais

INIAS
ma” tabaco, madeiras

| Territério francés OCEANO


Territorio espanhol
ATLANTICO
ae

Territdrio britanico em 1763


| Territérios cedidos pela Franga
~ @ Inglaterra (1763)
| Territérios cedidos pela Franca
a Espanha (1763)
w==—> Principais exportagdes

A atuacao dos Paises Baixos, ou Holan-


da, como metrdpole colonial comegou em
meio a luta pela independéncia contra a
Espanha, iniciada no final do século XVI. Em
1648, com o Tratado de Vestfalia, os Paises
Baixos — ja poderosos comercialmente —
constitufram uma republica aut6noma. Du- Hooch
Pieter
de
Quadro

rante esse processo foi criada a Companhia


das indias Orientais (1602), destinada a
explorar 0 comércio com a Africa e a Asia
e, pouco depois, a Companhia das Indias
Ocidentais (1621), dirigida para o comércio e
ocupa¢ao de regides americanas. As invas6es
ao Nordeste brasileiro (1624-1625 e 1630-
1654) fizeram parte da estratégia dessa com-
panhia.
Quanto a Portugal, integrou o Brasil ao
capitalismo europeu, com base na explora- Orgulhosos e prosperos comerciantes holandeses. O intenso
¢ao agricola nos séculos XVI e XVII (cana-de- comércio e as atividades artesanais caracterizaram a eco-
acticar) e na mineragao no século XVIII. nomia dos Paises Baixos no século XVII.
A IDADE MODERNA

Territ6rios
Francés
| [J Espanhol
Portugués
| GB Holandés A América foi cobigada por varias
| [3] Russo nagées européias, que estabeleceram
seus dominios em pontos diversos do
| (239 Britanico (em 1763)
continente, gerando guerras, conflitos
de fronteiras, acordos e negociacées.

A Europa como centro ferias", tomando a América Latina como sua


primeira grande experiéncia de domina¢gao
do mundo sobre povos e terras desconhecidos até entao.
PS iieee Miner sci svome RCC ea ae te na oo E isso ndo se restringiu a economia ou a
politica, abarcando também o campo das
Com as conquistas coloniais, o continen- idéias e de valores, firmando as concepgdes
te europeu passou a ocupar um lugar cada de "progresso", "desenvolvimento" e "civiliza-
vez mais central no cenario mundial. Com a ¢do" a servig¢o da continua capitalizagao
expansdao do poder e da influéncia europeus, burguesa. A superacdo daquilo que chama-
firmou-se uma caracteristica importante da mos de Antigo Regime, como veremos nos
modernidade: de periferia do mundo mucul- capftulos seguintes, seria a confirmagao da
mano que fora na Idade Média, o mundo idéia de progressismo sob 0 comando dos
europeu passou a ser um "construtor de peri- europeus.
O ILUMINISMO E O
LIBERALISMO POLITICO

os séculos XVII e XVIII, periodo aureo Na segunda metade do século XVIII,


do Estado absolutista, o desenvolvi- esses valores estruturariam os fundamentos
mento e o crescimento da sociedade tedricos que levariam a eclosao da Revolu¢ao
burguesa esbarraram nos entraves remanes- Industrial, da independéncia dos Estados
centes do mundo feudal. As teorias politicas de Unidos e, posteriormente, da Revolugao Fran-
Maquiavel e Bossuet justificavam um Estado cesa, acontecimentos que marcaram 0 inicio
que se mostrava cada vez mais avesso ao do mundo contemporaneo.
dinamismo capitalista — era o Antigo Regime. O movimento que arquitetou as idéias
Varios intelectuais passaram a critica-lo, anun- que derrubaram o Antigo Regime é denomi-
ciando um mundo contemporaneo, um novo nado iluminismo, e teve em René Descartes
Estado, novas instituigdes, novos valores, (1596-1650) e Isaac Newton (1642-1727)
condizentes com o progresso econdémico, seus precursores. Foram eles que lan¢caram
cientifico e cultural em andamento. as bases do racionalismo e do mecanicismo.

“Penso, logo existo”, frase de Descartes (a esquerda), para quem a divida seria 0 ponto de partida do racionalismo. Newton (a
direita) criou os fundamentos matematicos da lei da gravitagao universal.

Descartes defendeu a universalidade da John Locke transferiu o racionalismo para


razdo como o Gnico caminho para o conhe- a politica, para a analise social. A partir da
cimento; Newton, com o principio da gravi- critica e da razdo, formulou a concep¢ao da
dade universal, contribuiu para refor¢ar o bondade natural humana e sua capacidade
fundamento de que o universo é governado de construir a propria felicidade, idéias que
por leis fisicas e ndo submetido a interferén- confrontavam com as bases teGricas do Esta-
cias de cunho divino. do absolutista.
A IDADE MODERNA

A volta a crenga na capacidade racional que, acima de tudo, ameagavam agravar-


humana e a necessidade de supera¢gao dos se. E, se preferiram o estado de socie-
entraves tradicionais incentivaram a oposi¢ao dade, foi para estarem melhor.”
a velha ordem. O anseio por liberdade e pelo
CHEVALIER, Jean-Jacques. As grandes obras poli-
rompimento com o Antigo Regime fizeram ticas — De Maquiavel a nossos dias. p. 107.
dos grandes pensadores desse perfodo os
responsaveis pelo “século das luzes”’.
Para Locke, ““[...] ao governante nao lhe
caberia jamais o direito de destruir, de escra-
Os filosofos do Iluminismo vizar, ou de empobrecer propositadamente
PSA eee SeSANE NsSRS Ge RE MO RT BT hsRA a ce qualquer stidito; as obriga¢Ges das leis naturais
nao cessam, de maneira alguma, na sociedade;
John Locke (1632-1704) foi um dos tornam-se até mais fortes em muitos casos’. Ja
principais representantes da revolucao ideo- no Ensaio sobre o entendimento humano,
ldgica iluminista e teve como principal obra o definiu sua filosofia, afirmando que ‘’o espirito
Segundo tratado do governo civil. Para ele, humano é uma ‘tdbua rasa’ e que todo o
contemporaneo da Revolu¢ao Gloriosa, os conhecimento se faz com a prépria capacida-
homens possuem a vida, a liberdade e a pro- de intelectual do homem e se desenvolve
priedade como direitos naturais. Para preser- mediante sua atividade’’. O fildsofo negava,
var esses direitos, deixaram o “estado de assim, 0 direito dos governantes ao autoritaris-
natureza’’ (a vida mais primitiva da humani- mo e a aplicagao do direito divino, além de
dade) e estabeleceram um contrato entre si, outras prerrogativas fundamentadas em pre-
criando 0 governo e a sociedade civil. Assim, conceitos. Com sua obra, Locke definiu as
os governos teriam por finalidade respeitar os bases da democracia liberal individualista, que
direitos naturais e, caso nao o fizessem, serviria de referéncia para a elaboracdo da
caberia a sociedade civil 0 direito de rebeliao Constituigao dos Estados Unidos de 1787.
contra 0 governo tiranico. Em sintese, demo-
lia-se o sustentaculo do Estado absolutista,
intocavel e acima da sociedade civil, como
defenderam Maquiavel, Bossuet e principal-
mente Hobbes.

A passagem do estado de natureza


para o estado de sociedade
John Locke teoricamente demoliu fo)
carater intocavel do Estado, explicando-o
como produto de um “contrato social”
entre homens para o progresso e para o
desenvolvimento. “Mas, se 0 estado na-
tural nao é o inferno de Hobbes, se nele
reinam tanta gentileza e benevoléncia,
mal compreendemos por que os homens, Locke envolveu-se nos confrontos politicos que levaram a
gozando de tantas vantagens, dele se instalagao do parlamentarismo na Inglaterra.
despojaram voluntariamente. Sim, diz-
nos em substancia Locke, respondendo Barao de Montesquieu (1689-1755), titu-
a objegao, og homens estavam bem, no lo nobiliarquico de Carlos Secondad, foi o
estado de natureza; entretanto, acha- autor de O espirito das leis, em que sistema-
vam-se expostos a certos inconvenientes tizou a teoria da divisdo de poderes (legisla-
tivo, executivo e judicidrio), esbogada ante-

240
O ILUMINISMO E O LIBERALISMO POLITICO

riormente por Locke. Em Cartas persas, Mon- portanto, todos 0s assassinos sao pu-
tesquieu satiriza severamente as estruturas
nidos, a nao ser que o fagam em larga
sociais européias e ironiza os costumes
escala e ao s0m das trombetas”. Ao de-
vigentes durante o reinado de Lufs XIV. Para
fender um governo esclarecido, um Esta-
ele, ndo cabia ao Estado realizar os planos
do burgués, Voltaire, entretanto, via a
divinos, mas garantir aos cidadaos a liberda-
de, por meio de uma divisdo equilibrada dos massa popular da seguinte forma: “O po-
poderes: ‘‘[...] tudo estaria perdido se o vo tolo e barbaro precisa de uma canga,
mesmo homem ou a mesma corporac¢ao [...] de um aguilhdo e feno”. Em relagao a
exercesse esses trés poderes: o de fazer leis, o liberdade de pensar é exprimir, afirmava:
de executar as resolugdes ptiblicas e o de “Ndo concordo com uma Unica palavra do
julgar os crimes ou as desavengas dos parti- que dizeis, mas defenderei até a morte o
culares’’. E completava que ‘’s6 se impede o vosso direito de dizé-lo”. Condenando a
abuso do poder quando pelas disposi¢des das irracionalidade das infindaveis guerras de
coisas s6 0 poder detém o poder’’. sua época, Voltaire dizia: “O maior dos
Voltaire (1694-1778), cujo nome verda- crimes, pelo menos o mais destrutivo, é
deiro era Francois Marie Arouet, defendeu conseqiientemente o mais oposto a fina-
uma monarquia esclarecida, isto é, um gover- lidade da natureza, é a guerra. E, no
no baseado nas idéias dos fildsofos. Apesar de entanto, nao ha um agressor que nao
ferrenho critico da Igreja, era deista: acreditava tinja essa malfeitoria com o pretexto de
na presenga de Deus na natureza e no homem, justica”.
bastando a razdao para encontra-lo. Em Cartas
inglesas, criticou severamente a Igreja catdlica
e resquicios feudais, como a servidao. As idéias de Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778) faziam eco ao conjunto ilumi-
nista, pois integravam a critica da ordem
absolutista: ‘‘A tranquilidade também se en-
contra nas masmorras, mas é€ isso suficiente
para que seja agradavel o lugar em que se
vive? Renunciar a liberdade é renunciar a ser
jovem.
Voltaire
Tour,
La
homem’’.

A propriedade para Rousseau

Sobre a origem da_ propriedade,


Rousseau, em seu livro Discurso sobre a
origem da desigualdade, afirmou: “O
primeiro homem a quem ocorreu pensar
eé dizer ‘isto € meu’, e€ encontrou gente
suficientemente ingénua para acreditar,
Voltaire chegou a ser perseguido por suas idéias, mas foi o verdadeiro fundador da sociedade
terminou admitido na Corte, com cargos e honras. civil. Quantos crimes, guerras é assassi-
nios teriam sido evitados ao género
humano se aquele, arrancando as esta-
O sarcastico Voltaire
cas, tivesse gritado: Nao, impostor”.
Sempre lembrado por seu discurso
irreverente, sarcastico e demolidor, algu-
mas de suas frases mantém, ainda hoje, Entretanto, Rousseau constitufa uma ex-
grande atualidade: “E proibido matar e, cecao entre os iluministas, na medida em que
criticava a burguesia e a propriedade privada,

241
A IDADE MODERNA

esta, segundo ele, que era a raiz das infelici- Rousseau, ao contrario dos demais ilumi-
dades humanas. Sua obra mais importante, nistas, achava que o sentimento ocupava o
Contrato social, assemelha-se, em alguns lugar da razao e era fonte e direg¢ao para o
momentos, a de Montesquieu, O espirito conhecimento e a felicidade humana. Acre-
das leis; em outros, difere completamente. ditava também no aperfeigoamento humano,
Rousseau nao aceita, por exemplo, a teoria de mediante a educagao, reforgando sua con-
Montesquieu segundo a qual as circunstan- cepcdo do ‘‘bom selvagem’’, a bondade
cias ambientais determinariam o cardater de natural do homem investindo contra a socie-
um povo e, em conseqiiéncia, suas estruturas dade de seu tempo.
sociais. Para Rousseau, 0 homem em estado
de natureza é sempre o mesmo, em qualquer Em ua obra Contrato social, mais
regiao do mundo. Foi sua livre vontade que uma vez Rousseau firmou--e como um
originou a sociedade humana, e as leis
fildsofo singular em meio aos iluministas
expressam essa livre vontade.
de seu tempo. “Onde se acha, pois, nessa
Assim, na sociedade ideal de Rousseau, a
obra célebre, a (sua grande) invengao? No
vontade do povo deve expressar-se sempre
— seguinte: a liberdade e a igualdade, cuja
mediante o voto e essa vontade, necessaria-
mente justa, deve prevalecer sobre qualquer existéncia no estado de on tureza foe .
outra consideragao. Afirmava que “[:..] a “tradicionalmente. afirmada kousseau
Unica esperanca de garantir os direitos de pretende reencontra- las no estado eat
cada um é entao organizar uma sociedade sociedade [...].” r]
civil e ceder todos esses direitos 4 comuni- CHEVALIER, Jean-Jacques. AS gtenced obras ‘A
dade’; sendo assim, ‘‘o que a maioria decide politicas — De Maquiavel a nossos dias. p. 161.
é sempre justo no sentido politico e torna-se
absolutamente obrigatério para cada um dos Sua teoria teve grande sucesso entre as
cidadaos”’. camadas populares e a pequena burguesia,
pois atendia as expectativas de um Estado
democratico. Mais tarde, durante a Revolu-
¢ao Francesa, ela serviria de bandeira aos
movimentos populares mais radicais.

Os economistas do Iluminismo
Rousseau
Houdon,
idoso. NE ore

Defendendo o fim do mercantilismo, da


tutela do Estado sobre a economia, surgiu a
fisiocracia (physio = natureza; kratos = poder),
que propunha que a economia funcionasse por
si mesma, segundo suas proprias leis. Para os
fisiocratas, a terra era a fonte de toda a riqueza,
e a inddstria e 0 comércio apenas transforma-
vam ou faziam circular a riqueza natural. Seus
maiores expoentes foram Quesnay (1694-
1774), Turgot (1727-1781) e Gournay (1712-
1759), que defendiam a abolicao das aduanas
internas, das regulamenta¢Ges e corpora¢ées,
resumidas no lema: “Laissez faire, laissez
passer, le monde va de lui-méme” (''Deixai
Em Emilio, Rousseau defendia a liberdade essencial do
homem natural. A obra foi apreendida e queimada, e fazer, deixai passar, que o mundo anda por si
Rousseau, obrigado a fugir de Paris. mesmo”), de Gournay.

242
O ILUMINISMO E O LIBERALISMO POLITICO

Adam Smith (1723-1790) preocupou-se | ENCYCLOPEDIE,


em sistematizar a analise econdmica com a
cS _ |DICTIONNAIRE RABSONNE |
demonstra¢ao e a elaboracdo de leis, fundan- DES .SCIENCES,~
do, assim, a economia moderna, a economia DES ARTS ET DES METIERS,

como ciéncia. Smith, como os fisiocratas, PAR UNE

Lehcksy eye if
SOCIETE

resDIDEROP dV
DE GENS DE LETTRES,

NcxdfortsRoyale
desScireoes &desBo

condenava o mercantilismo, por considerd-lo


& questAbePantiu Maraumaviges, par Me DALE MREMT,
FA
dent oy es Scimes dyPay declyde Pre, & de la SeiteedRogate
Taotins
rok-qek
raga potty
um entrave lesivo a toda ordem econdémica. Tester £m
aay PREMIER.
“ost Apestii Moe kx,

Alegava que, com a concorréncia, a divisdo BI ye 1

do trabalho, o livre comércio, se alcancariam


a harmonia e a justica social. Ao contrario
dos fisiocratas, entretanto, considerava o
trabalho, e nao a terra, a fonte de toda a
riqueza. Suas propostas ficariam conhecidas
como liberalismo econémico, e sua obra,
MD EG LK =o
AVEC APPROBATION ET PRIVILEGE bY ROX

Riqueza das na¢ées, constitui o baluarte, a Capa da Enciclopédia.


cartilha do capitalismo liberal.

Constitufda de 35 volumes, contou com o


trabalho de 130 colaboradores: Montesquieu
contribuiu com um artigo sobre estética;
Quesnay e Turgot versaram sobre economia;
Rousseau discorreu sobre musica e Voltaire e
Hans Holbach sobre filosofia, religido e
literatura.
Embora pretendesse mostrar a unidade
intima entre a cultura e o pensamento huma-
no, as opinides de seus autores divergiam
muito. Sobre religiao, por exemplo, era dificil
chegar-se a um consenso, ja que havia deistas
e ateistas. Dessa forma, a Enciclopédia aca-
Quesnay, um dos defensores da fisiocracia. bou sendo principalmente um instrumento
divulgador dos ideais liberais na politica e na
economia.
A Enciclopédia
CR ae ene ee LY

Organizada pelo matematico Jean O despotismo esclarecido


d’Alembert (1717-1783) e pelo fildsofo Denis eeeEI PEN SE
Diderot (1713-1784), a Enciclopédia consti-
tui um resumo do pensamento iluminista e A partir da segunda metade do século
fisiocrata. As idéias que nortearam sua ela- XVIII, alguns soberanos absolutistas ou seus
boracao foram: a valorizacéo da razao (ra- ministros, baseados em principios iluministas,
cionalismo), como substituto da fé; a valori- particularmente os de Voltaire, empreende-
zagao da atividade cientifica, apresentada ram uma politica de reformas, visando a
como meio para se alcangcar um mundo moderniza¢ao nacional. Essa politica, deno-
melhor; a critica a Igreja catdlica, ao clero, minada despotismo esclarecido, tinha como
pelo comprometimento com o Estado abso- objetivo racionalizar a administra¢ao, a taxa-
luto; o predominio do deismo, creng¢a em ¢ao de impostos e incentivar a educac¢ao.
Deus como for¢a impulsionadora do univer- A medida que o Estado absolutista tentou
sO; a concep¢ao de governo como fruto de se compatibilizar com o Iluminismo, cujas
um contrato entre governantes e governados. idéias em sua esséncia eram antiabsolutistas,

243
A IDADE MODERNA

evidenciou-se uma contradi¢ao. Particular- Em meio ao despotismo esclarecido


mente nos Estados em que subsistiam fortes de Catarina |l, a Grande, foram criadas
tracos feudais, como Russia e Prussia, os escolas elementares e secundarias po-
déspotas esclarecidos, devido a pressdes da pulares, além de colégios para professo-
nobreza, acabaram por anular muitas medi- res e outras escolas superiores.
das reformistas. Outras obras progressistas de
Catarina Il foram os novos hospitais
fundados em Moscou e Sao Fetersbur-
“Numa adaptagao nacional, o ideario go, além de asilos, hospicios e a intro-
iluminista foi reciclado e integrado a dug&o da vacina contra a variola, sendo
estrutura czarista e feudal-asiatica rus- a propria Catarina, como exemplo a ser
$a, produzindo importantes realizagoes. seguido pela populagdo temerosa, vaci-
Foi no governo de Catarina que se aboliu nada aos 40 anos. Por contraste, na
a tortura e se instituiu a liberdade Franca, o monarca Luis XV morria de
religiosa e a igualdade de legislagao para variola.”
todos os dominios. Quanto a lgreja, VICENTINO, Claudio. Russia: antes e depois da
todas as suas terras foram convertidas URSS. p. 37-8.
em propriedades do Estado, em 1764, e
seus clérigos foram transformados em Os principais déspotas esclarecidos fo-
funcionarios do governo. [...] ram José Il (1780-1790), da Austria; Catari-
Surgem, nesse periodo, inimeras na Il (1762-1796), da Russia; Frederico Il
organizagdes secretas que pretendem (1712-1786), da Prissia; marqués de Pombal
combater o czarismo e sua autocracia, (1699-1782), ministro de José | (1750-1777),
bem como a arcaica condicao de miséria de Portugal; e o conde de Aranda (1718-
popular. 1799), ministro de Carlos III (1716-1788), da
Espanha.

de
Quadro
Therbursch
A. V_
de
Quadro

Frederico Il, o rei filésofo”, instaurou regras juridicas uniformes em toda a Prussia. Ao lado, Catarina II, a “Semiramis do Norte”.

A musica da Renascenca ao instauragao e 0 apogeu do Estado absolutista


e, posteriormente, com a gradativa ascensdo
romantismo da burguesia, foram acompanhadas por re-
ees
ie ie eee
flexos no plano cultural e musical.
No século XVII surgiu a musica barroca,
As mudangas no plano ideoldégico, poli- que substituiu os coros polifonicos pelo canto
tico e€ econdmico que ocorreram com a individual, com acompanhamento de instru-
O ILUMINISMO E O LIBERALISMO POLITICO

mentos. Retomaram-se também as tragédias


Houve alguns, entretanto, que foram
gregas, que passaram a ser cantadas, dando
muito importantes, tornando-se requisi-
origem as Operas, na Italia. De grande
tados até por soberanos. Os dltimos
refinamento, chegando ao culto do exagero,
castrati atuaram no final do século XIX.
o barroco rococé, que representava 0 perfodo
absolutista, levou ao surgimento dos castrati e
ao aprimoramento dos instrumentos musicais. A musica barroca teve como principais
Surgiram as orquestras de camera, que deram expoentes George Friedrich Haendel (1685-
chance a virtuosos musicos-instrumentistas, 1759) e Johann Sebastian Bach (1685-1750),
como 0s violinistas Arcangelo Corelli (1653- dois grandes técnicos e génios musicais.
1713) e Anténio Vivaldi (1678-1731) e o Impressionante em quantidade e em qualida-
cravista Domenico Scarlatti (1685-1757). de, a obra de Bach revolucionou a musica.
Compondo como forma de “‘honrar a Deus’,
segundo suas proprias palavras, contrapunha-
se a Haendel, que fazia musica para 0 povo,
Os castrati para ser executada em salées.
Ambos dominavam as formas musicais
O exagero do rococé é muito bem existentes e encerraram uma €poca, forjando
representado pelos castrati, curiosa uma nova fase musical, na qual se destaca-
classe de cantores preparados desde ram Haydn e Mozart, os dois grandes com-
0S primeiros anos para terem voz femi- positores do século das luzes.
nina, ja que era vedado as mulheres Franz Joseph Haydn (1732-1809) escre-
participarem de espetaculos. Prepara- veu uma obra vastissima, composta de sinfo-
vam-se esses meninos, castrando-os — nias, concertos, sonatas, Operas. Mas foi
dai o nome desses cantores -, para que Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791)
Sua VOZ permanecesse para sempre agu- que caracterizou perfeitamente o classicismo
da, embora nem todos chegassem a ser do século XVIII. Acabando com o rigido for-
cantores eé menos ainda alcangassem o malismo da musica barroca, prenunciou um
estrelato. novo estilo, 0 romantismo, em que se desta-
caria Beethoven no século seguinte.

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Bach (a esquerda) e Mozart (a direita), génios da musica do século XVIII: 0 primeiro do barroco e o outro, do classicismo.

245
A RUINA DO ANTIGO REGIME

a segunda metade do século XVIII, O rompimento dos norte-americanos


com 0 fim dos entraves feudais rema- com a metrdpole foi o primeiro grande
nescentes que davam sustenta¢ao ao indicador historico da ruina do Antigo Regi-
Antigo Regime, demolidos por revolucdes, me, caracterizada pelo fim do pacto colonial
encerrou-se 0 periodo marcado pelo Estado que existia na Idade Moderna. Irradiando-se
moderno. Abria-se espaco para o Estado libe- pelo mundo-e, principalmente, pela Europa
ral, nacional, uma sociedade de classes e do final do século XVIII, os principios ilumi-
uma cultura mais e mais comprometida com nistas eram postos em pratica pela primeira
o modo de produga4o capitalista. vez. Entretanto, faltava ainda a completa
A |Idade Moderna foi, portanto, um pe- consolidag4o do Estado burgués e a defini¢ao
riodo de transicdo entre o feudalismo e 0 ca- do modo de produgao capitalista, com
pitalismo contemporaneo. Dando inicio ao a definitiva separa¢ao entre capital e trabalho.
genuino capitalismo, o fim da Idade Moderna A Revolugao Francesa respondeu pelo pri-
ocorreu em meio a uma série de movimentos meiro ponto e a Revolucao Industrial pelo
revolucionarios, inaugurada com a indepen- segundo, completando a caracterizacdo po-
déncia dos Estados Unidos (1776), comple- lftico-econdmica do que seria o mundo
tando-se com a Revoluc¢ao Industrial (1760- contemporaneo.
1850) e a Revolucdo Francesa (1789-1799).
Esse perfodo ficou conhecido como Era das
Revolucoes.
A independéncia dos Estados
Unidos
a a eae) ie

Até a metade do século XVIII, a Inglaterra


nao exercera um rigido controle sobre a
América colonial, dada sua insegura situagdo
politica e participag¢ao nas guerras européias.
O pacto colonial entre a metrdpole inglesa e
a América do Norte era, na pratica, bastante
fragil. Nesse periodo, nem mesmo as leis
inglesas coloniais, como as de navegacao,
eram aplicadas. Isso permitiu as colénias
evoluirem com relativa autonomia, ativando
seu progresso econdmico, especialmente
Charge francesa da época: os privilegiados — clero e nobreza — com 0 comércio e a produgao de manufaturas
assistindo horrorizados a revolta do povo. das colénias do centro-norte.
A RUINA DO ANTIGO REGIME

A situagao s6 comecgou a se alterar quando diretamente 0 comércio da Nova Inglaterra,


as colénias passaram a concorrer comercial- que, até entado, adquiria das Antilhas nao-
mente com a metrdpole, e, em especial, a inglesas o melaco para a produgao de rum,
afetar seus novos anseios econdmicos: ao pagando-o com produtos alimenticios. Com a
iniciar sua Revolucao Industrial, a Inglaterra venda do rum, os colonos obtinham escravos
necessitava de novos mercados, indispensa- na Africa, estabelecendo um comércio trian-
veis a sua Consolida¢ao industrial. Além disso, gular. Além de prejudicados, os _infratores
as finangas inglesas entraram em colapso com eram considerados contrabandistas.
a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), pois, Em 1765, 0 governo inglés baixou o
embora a Inglaterra tivesse vencido a Franca e Stamp Act (Lei do Selo), pelo qual todos os
lhe tomado vastas areas coloniais, como o documentos, livros e jornais publicados na
Canada e a India, os custos da guerra e a colénia teriam de receber um selo da metr6-
necessidade de ampliar a administragado nas pole, cujo valor era incorporado ao seu
colénias levaram-na a uma crise econédmica. preco. Sentindo-se diretamente afetados pela
Assim, gradativamente, tomaram-se me- medida, os colonos reuniram-se no Congres-
didas restritivas 4 autonomia colonial, esta- so da Lei do Selo, em Nova York, e decidiram
belecendo-se com vigor 0 pacto colonial. O paralisar 0 comércio com a Inglaterra e nado
Parlamento inglés aprovou uma série de pagar ‘‘nenhum imposto sem representa¢ao’’,
impostos para as coldnias, combatendo o isto €, por ndo terem representantes no
seu comércio e o contrabando. Essa politica Parlamento inglés sentiam-se desobrigados a
controladora chocava-se com a difusao dos aceitar qualquer tributagdo da metrdpole.
ideais iluministas de liberdade, de autonomia, Na Inglaterra, alguns setores mostraram-
levando os colonos a revolta. se contrariados com o boicote comercial
imposto pela colénia e juntaram-se aos
colonos criticando as taxagdes, na chamada
Questao dos Impostos. Nesse movimento,
destacou-se William Pitt, que num discurso
no Parlamento declarou: ‘Sou de opiniao de
que este reino nado tem direito de taxar
colénias. Os americanos sao filhos da metré-
Quadro
G.
J.
de
Ferris
L.
pole e nao seus bastardos...”". Em 1766, a Lei
do Selo foi revogada.

Comércio entre colonos e indigenas. Durante mais de um


século, as colénias inglesas viveram com relativa autonomia
politica e econdmica.

Em 1764, lancou-se o Sugar Act (Lei do


Acucar), segundo o qual o a¢dcar que nao
fosse proveniente das Antilhas britanicas William Pitt lutou contra a Lei do Selo, imposta pelos
sofreria uma alta taxacdo. Essa lei afetava ingleses aos colonos.
A IDADE MODERNA

Entretanto, a partir de 1767, o ministro por Townshend, exceto o que se referia ao


Charles Townshend voltou a intensificar a comércio do cha, que a partir de 1773, coma
tributagdo colonial, com impostos sobre vi- elaboragao do Tea Act (Lei do Cha), passou a
dro, papel, cha, etc. A reagao colonial foi ser monopolio da Companhia das Indias
imediata, culminando em manifestagdes de Orientais, com sede em Londres. Objetiva-
protesto, como em Boston, principal porto va-se o controle da venda do produto,
colonial, onde as tropas inglesas dispararam combatendo o contrabando de cha holandés
contra uma multidao de manifestantes, no e excluindo os norte-americanos do comércio
chamado Massacre de Boston. do cha britanico. Os colonos reagiram, orga-
nizando manifestagdes contra a metrdpole. A
O acirramento das animosidades levou a mais importante delas se deu no porto de
Inglaterra a suspender os tributos impostos Boston e foi apelidada de Boston Tea Party.

No porto de Boston, a
maior manifestacao de
protesto dos colonos.

The Boston Tea Party A resposta da Inglaterra 4s manifestacdes


coloniais, especialmente contra o incidente
Em dezembro de 1773, cerca de vinte de Boston, foram as Leis Intoleraveis ou
colonos disfargados de indios, portando Coercitivas (1774), que determinavam o
plumas coloridas e pintados nos rostos e fechamento do porto de Boston, até que
bragos, atacaram e ocuparam trés na- fossem pagos os prejuizos aos navios britani-
vios britanicos no porto de Boston, cos; a ocupa¢do militar de Massachusetts
atirando ao mar o carregamento de (onde se localiza Boston), que perdeu parte
cha. Era um ultraje 4 autoridade de de sua autonomia politica e administrativa; a
Sua Majestade Jorge Ill, o que deixou 0g © realizagao do julgamento de funcionarios
ingleses indignados. Em resposta a esse ingleses s6 em outra col6nia ou na Inglaterra.
incidente, o Parlamento inglés determinou Determinou-se também que as terras do
uma série de medidas coercitivas sobre a centro-oeste ficariam sob o comando do
colonia, chamadas pelos colonos de Leis governador inglés de Quebec, medida que
Intoleraveis. visava barrar a expansdo territorial dos colo-
nos para noroeste, o que poderia prejudicar o

248
A RUINA DO ANTIGO REGIME

comércio de peles realizado entre os ingleses to com a Inglaterra. Aceitavam-se as palavras


e os indios. Além disso, essa medida conteria de Thomas Paine, jornalista autor do folheto
a populag¢ao colonial na faixa litoranea, o que Common Sense (Senso Comum), que afirma-
facilitaria o controle politico-fiscal. va: ‘“‘Passou o tempo de falar. Neste instante
Diante das Leis Intolerdveis, os colonos as armas tém a palavra...abaixo a Inglaterra”.
realizaram, em 1774, o Primeiro Congresso
Continental de Filadélfia, que decidiu pelo A 4 de julho de 1776, publicava-se a De-
boicote total ao comércio com a Inglaterra, claragao de Independéncia, elaborada por
caso essas leis nado fossem revogadas. Em 1775, Thomas Jefferson, jovem jurista e profundo
diante dos ataques ingleses as localidades de conhecedor de John Locke e dos iluministas
Lexington e Concord, iniciava-se definitiva- franceses, com a colaboragdo de Benjamin
mente a ruptura entre a metrépole ea colénia, a Franklin, John Adams, Roger Sherman e
qual sé restava submeter-se ou triunfar. Robert Livingston. Declarada unilateralmente,
No Segundo Congresso Continental de a independéncia das treze coldnias teve de ser
Filadélfia (1775) decidiu-se pelo rompimen- conquistada.

Os congressos continentais
de Filadélfia foram decisi-
vos para a independéncia
norte-americana.

l eclarago de Independéncia dos tos, 6 que seu legitimo poder deriva do


Estados sa congentimento de seus governados; que
cada vez que uma forma de governo sé
Peaitielplilirss como uma das ver- manifesta inimiga desses principios, o
_ dades evidentes por si mesmas que povo tem o direito de muda-la ou suprimi-
‘todos os homens 940 criados iguais; la eé estabelecer um novo governo, ba-
_que: receberam de seu Criador certos di- seando-se naqueles principios e organi-
_ reitos inalienaveis, entre os quais figuram zando seus poderes segundo formas
>avid , aliberdade e a busca da felicidade; mais apropriadas para garantir a segu-
aye
7 0S -_governos foram estabelecidos ranca é a felicidade. A prudéncia exige
_ precisamente para manter esses direi- que os governos estabelecidos desde
A IDADE MODERNA

espanhdis. A Franca almejava recuperar as


muito tempo nao devem ser modificados
perdas coloniais da Guerra dos Sete Anos e a
por motivos fiteis e passageiros. [...]
Espanha participou da guerra da independén-
Mas quando uma série de abusos eé
cia por causa de uma alianga familiar entre o
usurpagoes convergem invariavelmente monarca francés Luis XVI e o espanhol Carlos
para o mesmo fim e demonstram o obje- Ill. Foram os generais franceses La Fayette e
tivo de submeter o povo a um despotismo Rochambeau que comandaram os seis mil
absoluto, é direito do povo, e até seu franco-espanhdis na guerra de independéncia
dever, rejeitar tal governo e buscar novas dos Estados Unidos.
garantias de sua seguranga futura. Tal é Em 1781, o general inglés Cornwallis
a gituacao das colonias agora, e dal a capitulou em Yorktown, pondo fim ao con-
necessidade que as obriga a mudar seu flito, e em 1783, a Inglaterra firmava o
antigo sistema de governo.” Tratado de Paris, reconhecendo a indepen-
In: GRIMBERG, Carl. Histéria universal. v. 10. p. 39. déncia norte-americana, além de entregar o
Senegal e parte das Antilhas aos franceses e a
Flérida a Espanha.
Para ganhar apoio dos franceses para a
causa da jovem na¢4o, Benjamin Franklin foi
a Paris como representante do Congresso
norte-americano, enquanto George Washing-
A primeira republica da
ton (1732-1799), grande proprietario e expe- América
riente militar, era nomeado comandante das ee
—=si—=C=#D:tdsiis.
=. ss
tropas americanas.
Até 0 término da guerra da independéncia,
as bases do novo sistema de governo foram
fixadas pelo Congresso de Filadélfia, estabe-
lecendo-se uma republica com autonomia
completa para os treze estados (ex-treze coldé-
nias). Terminada a guerra, convocou-se a Con-
vencao Constitucional de Filadélfia para ela-
borar a constituigdo. Nos trabalhos firma-
ram-se duas faccdes: a dos republicanos, li-
derados por Thomas Jefferson, que defendiam
um poder central simbdlico e completa
autonomia dos estados; e a dos federalistas,
liderados por Alexander Hamilton e George
rio
do
A
Washington,
passagem
Delaware.
Washington-Marck,
G.
a favor de um forte poder cen-
tral. A Constituigdo de 1787 fundiu essas duas
O forte sentimento de liberdade enraizado entre os colonos tendéncias, definindo como sistema de gover-
norte-americanos foi decisivo para a conquista da emanci- no uma republica federativa presidencialista.
pa¢ao politica e econdmica, estimulando as lutas pela Inspirados em Locke, Montesquieu e Rous-
independéncia.
seau, Os constitucionais puseram em pratica a
concep¢ao de contrato social entre Estado e
A despropor¢ao de forgas entre ingleses e sociedade civil e a separagao de poderes —
o exército norte-americano, formado por executivo, legislativo e judiciario. Acrescida de
comerciantes, lenhadores e camponeses, le- algumas emendas, essa constituicdo é ainda
vou a sucessivas derrotas dos colonos. Con- hoje vigente nos Estados Unidos.
tudo, apds a vitdria obtida por Washington, Em 1789, o Congresso elegeu por unani-
em Saratoga (1777), 0 exército americano midade George Washington para presidente,
reanimou-se e deu a Benjamin Franklin meios dando inicio ao regime republicano federa-
de conquistar 0 apoio militar dos franceses e lista presidencialista.

200)
A RUINA DO ANTIGO REGIME

Algumas divergéncias podem ser ob- Reflexos do "Século das Luzes"e


servadas entre historiadores norte-ame-
da independéncia dos EUA
ricanos: uns interpretaram os fundado- Sa ae
res dos Estados Unidos, os Patriarcas
da patria, como “semideuses”, enquanto A independéncia dos Estados Unidos
outros, numa postura critica em relagao estimulou o sentimento de libertagdo nos
a Constituigao e seus construtores, con- demais povos da América, agravando a crise
sideraram-nos “plutocratas e egoistas”. do sistema colonial nas Américas espanhola e
Nesge sentido, vale considerar o texto de portuguesa, que alcangaria seu auge no
Charles Sellers que segue abaixo: século XIX. Na Europa, acelerou-se a crise
do Antigo Regime, transformando o "século
“Os Patriarcas, entdo, talvez nao das luzes", com suas idéias e teorias, na "era
tenham sido os semideuses de Jefferson das revolucdées", com seus confrontos e
nem os agentes da vontade de Deus de guerras. A pratica substitufa a teoria, a
que falava Bancroft, mas 06 estudiosos realidade confirmava e impulsionava ideais.
modernos acham pouco mérito na acu- — A dinamica explosiva das transformag6es que
sacgao antifederalista de que eles eram sepultavam o Antigo Regime servia para
‘aventureiros gananciosos’ e partidarios consolidar o modo de produg¢4o capitalista,
confirmando a transi¢ao moderna.
da aristocracia. Bem ao contrario, histo-
O Iluminismo reforgou a idéia de pro-
riadores recentes concordam que o pro- gresso continuo, da saida do homem da
duto de seus esforgos foi basicamente minoridade para a maioridade, servindo-se
democratico e que eles mesmos foram da razao, segundo palavras do fildsofo Imma-
homens de grande estatura é visao, cuja nuel Kant (1724-1804). Da mesma forma,
devogao ao pais transcendia preocupa- Voltaire ampliava tal sentido positivo do
goes com o bolso. Cabe notar, contudo, progresso, tendo a Europa como seu eixo
principal, ao dizer: "Pelo quadro que tra¢a-
que democracia nesse contexto nao se mos da Europa, desde o tempo de Carlos
aplicava aos negros, a ‘parte servil’ da Magno até os nossos dias, é facil verificar que
propria na¢ao de John Adams, ou as esta parte do mundo é incomparavelmente
mulheres. As energias criadoras de seus mais populosa, mais civilizada, mais rica,
construtores foram prodigalizadas na mais esclarecida do que antes, e que é
fundag&o de uma repiblica para homens mesmo muito superior ao que era o Império
brancos, e nao para estender os benefi-
Romano, se excetuarmos a Italia" (citado por
LE GOFF, J. Hist6éria e meméria. Campinas,
cios da liberdade a negros ou mulheres. Editora da Unicamp, 1992. p. 250).
Meio século apds a ratificagao, quando 0 Alguns fildsofos chegaram a classificar o
abolicionista William Lloyd Garrison pro- homem, fazendo uso do conceito de "raga"
pos que se queimasse a Constituigao em no estudo das diversidades entre os grupos
nome da liberdade, ele o fez sobre o humanos. Kant, por exemplo, partia de Addo
fundamento inatacavel de que ela perpe- e Eva para apresentar a sua classificagdo, na
qual as geracdes teriam sofrido mudancas
tuava a escravidao. Embora geragoes
decorrentes do clima e isolamento geografi-
subseglientes de norte-americanos cele- co. Johann Friedrich Blumenbach (1752-
brassem o trabalho de seus autores 1840), por sua vez, apresentava cinco tipos
como uma carta de liberdade politica, nao raciais: os caucasicos (brancos), que seriam a
se deve esquecer que, em 1787, ela nao raga original, dos quais os mongdis (amare-
era nada disso para negros, mulheres e los) e os etidpicos (negros) eram uma dege-
indios.” nera¢ado, a americana ou indios (vermelha) e
os malaios (bronzeados), que seriam racgas
SELLERS, Charles & MAY, Henry e
"transitorias". Nessa hierarquizagao, o homem
MCMILLEN, Neil R. Uma reavaliacao da historia dos
Estados Unidos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
das zonas temperadas (especialmente o euro-
1990. p. 92. peu do Norte) seria o modelo da raga
superior, reforgando o eurocentrismo.

251
Jursroes & TESTES

i (Fuvest) ‘Para 0 conjunto da economia euro- ninguém sujeito, por que abrira ele mao dessa
péia, no século XVI, caracterizada pela produ- liberdade, por que abandonara o seu império e
¢do em crescimento e pelo grande aumento das sujeitar-se-4 ao dominio e controle de qualquer
transagdes mercantis, ao lado de um novo outro poder?
crescimento de sua popula¢ao, o efeito mais Ao que é Obvio responder que, embora no
importante dos grandes descobrimentos foi a estado de natureza tenha tal direito, a utiliza-
alta geral dos precos...”” ¢ao do mesmo é muito incerta e esta constan-
O efeito a que o texto se refere foi provocado: temente exposta a invasdo de terceiros porque,
a) pelo grande afluxo de metais preciosos. sendo todos senhores tanto quanto ele, todo

b) pela ampliagdo das areas de producdo homem igual a ele e, na maior parte, pouco
agricola. observadores da eqtiidade e da justica, o
c) pela reduc¢ado do consumo de produtos ma- proveito da propriedade que possui nesse
nufaturados. estado € muito inseguro e muito arriscado.
Estas circunstancias obrigam-no a abandonar
d) pela descoberta de novas rotas comerciais
uma condi¢ao que, embora livre, esta cheia de
no Oriente.
temores e perigos constantes; e nao é€ sem
e) pelo deslocamento do eixo comercial para o
razao que procura de boa vontade juntar-se em
Mediterraneo.
sociedade com outros que ja estao unidos, ou
pretendem unir-se, para a mdtua conservagao
da vida, da liberdade e dos bens a que chamo
(UFPI) Na transi¢ao do feudalismo para o capi- de propriedade."
talismo, tivemos: (Colegado Os Pensadores. Sao Paulo,
a) a transformagaéo de uma sociedade esta- Nova Cultural, 1991.)
mental, com fraca mobilidade vertical e Analisando o texto, podemos concluir que se
posi¢6es sociais pela origem de nascimento, trata de um pensamento:
para uma sociedade de classes com grande a) do liberalismo.
mobilidade vertical e posigGes sociais de- b) do socialismo utdpico.
terminadas pelo poder econémico. c) do absolutismo monarquico.
b) a transformagaéo de uma sociedade de d) do socialismo cientifico.
classes, com grande mobilidade vertical, e) do anarquismo.
para uma sociedade estamental com fraca
mobilidade vertical e posigdes sociais de-
terminadas pelo poder econémico.
(Maua-SP) A politica econdmica do mercanti-
Cc) a passagem de uma sociedade de classes
lismo caracterizou-se por trés elementos basi-
para uma sociedade de castas.
cos, a saber: balanca de comércio favoravel,
d) a desorganizacao de uma sociedade patri- protecionismo e monopdlio. Explique de que
arcal, com grande mobilidade vertical, para modo o protecionismo e 0 monopélio concor-
uma sociedade estamental com fraca mobi- riam para manter a balanca de comércio
lidade social. favoravel.
e) amudanc¢a de uma sociedade de castas para
uma sociedade estamental.
(Cesgranrio) As praticas mercantilistas nas so-
ciedades da Europa ocidental assumiram ca-
(Enem) O texto abaixo, de John Locke (1632- racteristicas diferenciadas ao longo dos séculos
1704), revela algumas caracteristicas de uma XVI, XVII e XVIII. Assinale a Gnica op¢ao que
determinada corrente de pensamento. nao associa corretamente as caracteristicas
"Se o homem no estado de natureza é tao livre, mais importantes do mercantilismo ao século
conforme dissemos, se é senhor absoluto da e a sociedade em que cada uma delas veio a
sua propria pessoa e posses, igual ao maior ea predominar.
QUESTOES E TESTES

(__) Inicialmente, mandou al-


gumas expedicdes explo-
O entesouramento dos | Espanha ratérias para conhecer as
metais preciosos (bulio- possibilidades da terra. So-
nismo).
mente com o declinio do
O estimulo as exporta- Inglaterra comércio de especiarias
¢gdes e o controle das
passou a cultivar suas ter-
importagdes (aplicagao
do principio da balanca ras na América.
comercial).
Sua coloniza¢ao teve ca-
A politica protecionista e Franga rater ocupacional. Busca-
manufatureira, aliada ao
va terras, liberdade religio-
estimulo a construg¢ao
naval e a aplicacdo de sa e politica, além do
uma legislagao tarifaria enaltecimento nacional.
(colbertismo).

O monépolio comercial, | Portugal


a) md peo Se4uer2
concretizado na pratica b) 3)h-4,2-e5
do exclusivo colonial. ¢) Se4a2n3ieul
O controle das cartas de Holanda d) 4,2,5,1e3
corso e da pirataria no e) 2,3,1,5e4
Atlantico Sul, estimulan-
do a inddstria naval e
consagrando a expressao (Unicamp) Contestando o Tratado de Tordesi-
carreteiros do mar. lhas, o rei da Franga, Francisco |, declarou em
1540:
“Gostaria de ver o testamento de Addo para
6 (UFES) Justifique como era importante para o
saber de que forma este dividira o mundo”.
projeto navegatorio de Crist6vao Colombo a
(Citado por Claudio Vicentino, Histéria Geral,
cren¢a na teoria da esfericidade da Terra.
1991.)

Fi (UFES) Escreva e justifique as diferen¢as entre a) O que foi 0 Tratado de Tordesilhas?


as colonizag6es. inglesa e espanhola, na Amé- b) Por que alguns paises da Europa, como a
rica do Norte e na América hispanica. Franga, contestavam aquele tratado?

8 (UF-Vigosa-MG) Considerando as peculiarida-


10 (FGV-SP) Renascenga é a denominac¢ao tradi-
cionalmente atribuida as mudangas de carater
des da colonizag4o européia no Novo Mundo, cultural, principalmente, ocorridas nos paises
numere a segunda coluna de acordo com a europeus durante o periodo que vai, aproxi-
primeira e assinale a alternativa que constitui a madamente, de 1300 a 1650. E sdo expressGes
sequiéncia numérica correta. maiores dessa €poca nos campos da arte e da
ciéncia os trabalhos de:
1 — Espanha ( ) Nao respeitava o Tratado
2 — Franga de Tordesilhas. Foi o pri- a) Georg Wilhelm Hegel, Auguste Rodin e
3 — Holanda meiro pais a fazer uma Isaac Newton.

4 — Inglaterra tentativa séria de coloni- b) Immanuel Kant, René Descartes e Antoine

5 — Portugal za¢ao no Canada. Lavoisier.


c) John Stuart Mill, Ludwig von Beethoven e
Possuia o principal banco
Galileu Galilei.
da Europa. Criou a Compa-
d) Auguste Comte, Richard Wagner e Charles
nhia das Indias Ocidentais.
Darwin.
Seus filhos nascidos na e) William Shakespeare, Leonardo da Vinci e
América tinham situagao Nicolau Copérnico.
social inferior a dos nasci-
dos no pais de origem. 11 (FMTM-MG) Uma das caracteristicas das obras
Buscava metais preciosos do Renascimento italiano esta no fato de:
e nao explorava a agricul- a) abordarem temas de intensa religiosidade,
tura. perdendo, assim, sua feicao leiga.
A IDADE MODERNA

b) procurarem valorizar 0 homem, medindo 14 (Fatec-SP) Henrique VIII, Lutero e Calvino


tudo em sua fungao — 0 antropocentrismo. foram vultos da Reforma protestante. Indique
c) tentarem evitar a abordagem de qualquer a alternativa ligada, respectivamente, a seus
tema que demonstrasse influéncia grega. nomes:
d) evitarem o envolvimento com temas politi- a) 95 Teses contra a venda de Indulgéncias,
cos, como foi o caso de Maquiavel. Instituigdes da Religiao Crista e Doutrina da
e) defenderem a continuidade do uso exclusi- Justificagao pela Fé.
vo do latim como lingua de expressdo da b) Doutrina da Predestinagdo Absoluta, cria-
intelectualidade. ¢40 da Igreja Anglicana Independente e a
Paz de Augsburgo.
12 (Enem) O texto foi extraido da pega Trdilo e c) Concilio de Trento, venda de Indulgéncias e
Créssida de William Shakespeare, escrita pro- index.
vavelmente em 1601. d) Criag&o da Igreja Anglicana Independente,
"Os prdprios céus, os planetas, e este centro 95 Teses contra a venda de Indulgéncias e
reconhecem graus, prioridades, classe, Doutrina da Predestinagao Absoluta.
constancia, marcha, distancia, estagao, forma, e) Edito de Nantes, Paz de Augsburgo e Paz
fungao e regularidade, sempre iguais; Kappel.

15
eis por que o glorioso astro sol
esta em nobre eminéncia entronizado (Fuvest) Com relagéo a Contra-Reforma, indi-
e centralizado no meio dos outros, que:
e o seu olhar benfazejo corrige a) em que regides da Europa a Inquisi¢ao foi
Os maus aspectos dos planetas malfazejos, mais atuante.
e, qual rei que comanda, ordena b) o papel da Companhia de Jesus.
sem entraves aos bons e aos maus."
(Personagem Ulysses, Ato |, cena Ill). 16 (Fuvest) Em 1571 a Igreja catdlica criou a Con-
(SHAKESPEARE, W. Trdilo e Créssida. gregacao do Index.
Porto, Lello & Irmaos, 1948.) a) Que era Index?
b) Quais as implicagdes histéricas de sua
A descrig¢ao feita pelo dramaturgo renascentista
instituigao?
inglés se aproxima da teoria:
a) geocéntrica do grego Claudious Ptolomeu.
b) da reflexao da luz do arabe Alhazen.
1 (Esan-SP) Na Alemanha do século XVI, havia
grande contradi¢ao entre 0 que a Igreja catdlica
c) heliocéntrica do polonés Nicolau Copérnico. pregava e o que se praticava. Nos principados,
d) da rotagao terrestre do italiano Galileu as dificuldades eram enormes. Os camponeses
Galilei. sentiam-se sobrecarregados de impostos. As
e) da gravitagdo universal do inglés Isaac
cidades ansiavam por liberdade. O clero des-
Newton.
prezava a missdo espiritual. Muitos bispos

13
levavam uma existéncia de prazer, 0 que
(Fuvest) ‘“O Renascimento é, primeiramente, ofendia os crentes sinceros e simples. Os
esse conjunto de mutacdes que tocam os abusos apontados no enunciado geraram o
homens no seu modo de viver e sobretudo de ambiente favoravel 4 aceitagao do novo credo
pensar. A Italia foi, desde o século XIV, um dos sustentado por:
primeiros lugares dessa interrogacdo nova e a) Henrique VIII.
fecunda sobre o mundo... O Renascimento b) Joao Knox.
italiano nasceu, antes de mais nada, do desen- c) Joao Huss.
volvimento e da primazia das cidades [...]’” d) Joao Calvino.
a) A que conjunto de mutagGes esta se refe- e) Martinho Lutero.
rindo o autor?
b) Cite o nome de duas cidades italianas que 18 (FCC-SP) O Ato de Supremacia, promulgado
foram centros de irradiagdo da arte renas- por Henrique VIII, na Inglaterra, contribuiu
centista nos séculos XV e XVI. para:
d) Qual a importancia das cidades para o a) divulgar intensamente a doutrina calvinista
surgimento do Renascimento italiano? no pais, sobretudo na regiado da Escécia.
QUESTOES E TESTES

b) iniciar a expansdo externa, formando, assim, d) a abolicgao dos tributos feudais da posse da
as bases do império colonial inglés. terra e dos censos eleitorais para o preen-
Cc) promover a reforma anglicana, ao mesmo chimento das cadeiras do Parlamento.
tempo que contribuiu para a centralizacdo e) a eliminagao dos ‘Tories’, partidarios de
do governo. um poder real forte, e a devolugdo aos
= implantar o catolicismo no reino, o que foi camponeses das terras usurpadas durante os
acompanhado de repressdo aos reformistas. “cercamentos”’.
ey restaurar os antigos direitos feudais, que
foram limitados pela Magna Carta de 1215. mel (Cesgranrio-RJ) O regime monarquico absolu-
tista, forma politica predominante entre os
19 (Fuvest) ‘‘O puritanismo era uma teoria qua- Estados modernos europeus nos séculos XVI/
se tanto quanto uma doutrina religiosa. Por XVIII, caracterizava-se, do ponto de vista
isso, mal tinham desembarcado naquela politico e social, pelos seguintes aspectos:
costa indspita [...] o primeiro cuidado dos 1 — concentragdéo de todos os poderes nas
imigrantes (puritanos) foi o de se organizar maos do principe enquanto soberano
em sociedade.”” absoluto;
Esta passagem de A democracia na América, de 2 — neutralidade do principe diante dos con-
A. de Tocqueville, diz respeito a tentativa: flitos sociais, especialmente quanto aos
interesses antagOnicos de camponeses,
a) malograda dos puritanos franceses de fun-
burgueses e aristocratas;
darem no Brasil uma nova sociedade, a
3 - carater divino da autoridade real, situada
chamada Frang¢a Antartida.
acima das leis e dos individuos, conside-
b) malograda dos puritanos franceses de fun-
rados apenas stditos;
darem uma nova sociedade no Canada.
4 — inexisténcia de quaisquer limites, mesmo
c) bem-sucedida dos puritanos ingleses de
na pratica, ao exercicio da autoridade
fundarem uma nova sociedade no sul dos
despdtica do monarca.
Estados Unidos.
d) bem-sucedida dos puritanos ingleses de Assinale:
fundarem uma nova sociedade no norte a) ) se somente os itens 1 e 3 estao corretos.
dos Estados’ Unidos, na chamada Nova b) se somente os itens 2 e 4 estado corretos.
Inglaterra. ) se somente os itens 3 e 4 estao corretos.
e) bem-sucedida dos puritanos ingleses, res- )
a0se somente os itens 1 e 2 estado corretos.
ponsaveis pela criacdo de todas as colénias e) ) se somente os itens 2 e 3 estado corretos.
inglesas na América.
ae (PUCSP) Sobre as civilizagdes indigenas ame-
20 (Fatec-SP) A Revolugao Inglesa de 1688 — a ricanas no momento da conquista européia,
Revolugdo Gloriosa — assinala um momento podemos afirmar:
significativo na ado¢gado dos principios do a) Somente os maias e tupis foram escraviza-
liberalismo. Entre as medidas adotadas entdo, dos e tiveram sua cultura destruida no
e que confirmam essa afirmacao, destacam-se: processo de conquista e colonizacdo da
a) a exclusdo da nobreza do Parlamento, América.
garantindo-se assim a maioria da burguesia, b) Cheienes, cheroquis, iroqueses e dakotas
e a abolicdo das sociedades por a¢gdes na ocupavam varias regides na América do
organiza¢ao das empresas industriais. Norte, foram exterminados pela coloniza-
b) o reconhecimento da ‘Declaragao de Di- ¢do francesa, e sua marcha expansionista de
reitos’’, limitando o poder do rei em face do norte a sul e de leste a oeste teve como
Parlamento, e a promulgacdo do Ato de resultado a domina¢ao das terras do atual
Tolerancia, pondo fim a persegui¢ao reli- EVA.
giosa contra os dissidentes protestantes. c) Tupis, jés, nuaruaques e caraibas ocupavam
c) a revogacao dos Atos de Navegacao, que praticamente toda a regiao do atual territdrio
protegiam determinados grupos mercantis, e brasileiro, foram cagados para serem trans-
o reconhecimento do direito de organiza¢gao formados em escravos pelos senhores espa-
para os trabalhadores urbanos. nhdis e holandeses, cujo objetivo seria
A IDADE MODERNA

vendé-los como produtores de especiarias 25 (UFRS) O fato de os astecas e incas nao


para o oriente. haverem sido eliminados ou expulsos pelos
d) Maias, astecas e incas, que viviam na Amé- conquistadores espanhdis se deveu:
rica Central, Vale do México e Regiao An- a) a existéncia de excedente de produc¢ao e de
dina, foram dominados pelos espanhdis no forca de trabalho organizada nessas civili-
século XVI e perderam autonomia e con- zacgoes.
trole sobre sua sofisticada organizagao so- b) ao respeito dos colonizadores pelas culturas
ciocultural e politica permanecendo subme- desses povos.
tidos através do sistema de encomiendas, c) aos tratados com os criollos, que regula-
mitas ou quatequil que os reduzia a escra- mentavam as formas de convivéncia.
vidao permanente ou temporaria. d) 4 associagdéo com os colonizadores, na
e) Os indigenas brasileiros tupis e jés foram exploragdo dos povos mais fracos.
exterminados no processo da conquista e) a existéncia de ouro e prata nas regides
portuguesa, sendo apenas possivel seu co- ocupadas por esses povos.
nhecimento pela arqueologia.
26 (FEI-SP) As idéias iluministas que tinham por
base o culto da razdo e a cren¢a nas leis
23 (Fuvest) No século XVI, a conquista e ocupa¢gao naturais:
da América pelos espanhdis: a) eram favoraveis a uma organiza¢ao esta-
a) desestimulou a economia da metrdpole e mental da sociedade.
conduziu ao fim do monopdlio de comércio. b) propiciavam um embasamento tedrico ao
b) contribuiu para o crescimento demografico sistema mondarquico, em qualquer uma de
da populagado indigena, concentrada nas suas modalidades (constitucional, parla-
areas de minera¢ao. mentar ou absolutista).
c) eliminou a participagao do Estado nos c) eram contrarias a libertagao das col6nias da
lucros obtidos e beneficiou exclusivamente América.
a iniciativa privada. d) propunham uma politica econdémica liberal.
e) favoreciam os principios mercantilistas.
& dizimou a populagao indigena e destruiu as
estruturas agrarias anteriores a conquista.
2 7 (Cesgranrio-RJ) Sobre as caracteristicas da coloni-
e) impds 0 dominio politico e econdmico dos
criollos. zac¢do européia na América, sdo corretas as
op¢des a seguir, com exce¢ao de uma. Assinale-a.

24 (FEI-SP) As duas principais atividades econ6-


micas que Portugal e Espanha incentivaram na
América, no inicio da colonizagao, foram, Organizacdo da
mao-de-obra indige-
respectivamente: na através da enco-
a) 0 cacau na América portuguesa e a mine- mienda e da mita.

ragdo do ouro e da prata na América Utilizagao de mao-


espanhola. de-obra escrava nas
plantations (Caribe).
Ss a mineragdéo na América portuguesa e a
monocultura do tabaco na América espa- Exploragdo do co-
nhola. mércio de peles e
da pesca (Canada).
c) a monocultura de cana-de-a¢cticar na Amé-
rica portuguesa e a pecudria na América Organizagao social
espanhola. de base aristocratica,
diferenciando cha-
d) a monocultura da cana-de-agdcar na Amé- petones e criollos.
rica portuguesa e a mineracdo de ouro e de
Organiza¢ao social
prata na América espanhola.
favoravel a miscige-
e) a monocultura do algodio na América na¢ao entre brancos
portuguesa e a pecuaria na América espa- e indios (As Treze
Colénias).
nhola.
QUESTOES E TESTES

28 (UFSCar-SP) Considere as proposicGes abaixo e 31 (Cesgranrio-RJ) Os comecos do desenvolvimen-


assinale as que se incluem entre as idéias to cientifico moderno se identificam com a
politicas e sociais defendidas pelos escritores Revolugao Cientifica do século XVII - o
iluministas do século XVIII. aparecimento de novas maneiras de pensar
| — A razao é 0 nico guia infalivel da sabe- voltadas principalmente para o problema do
doria e € 0 Unico critério para o julga- conhecimento, tal como o demonstram as
mento do bem e do mal. obras de Galileu, Bacon, Descartes, etc. Cons-
Il — A prosperidade de um pais esta condicio- tituiram elementos caracteristicos dessa Revo-
nada a acumulag¢ao de metais preciosos, lu¢ao:
ouro e prata. 1 — a substituigaéo da importancia da autorida-
Ill - O poder politico vem de Deus, que é a de e da tradicdo pelo valor da observagao
fonte Unica de toda autoridade. e da experimentacdo.
IV - Ohomem é naturalmente bom e a educa- a valorizagao da especula¢ao racional em
¢do aperfeicoa as suas qualidades inatas. fungaéo da redescoberta das obras de
V - O poder politico emana do povo, que Aristoteles.
deve ter o direito de escolher os seus go- o triunfo do pressuposto racionalista acer-
vernantes. ca da racionalidade e inteligibilidade de
a) I, lle IV um universo ‘‘escrito em linguagem mate-
b) I, Ile V matica’’.
c) Il, Ile lV a superioridade filosdfica e cientifica do
d) Il, le V racionalismo cartesiano, dedutivo, sobre o
‘e) | VeV empirismo de Locke e Hume.
Assinale:

29 (FCC-SP) A obra Riqueza das nagées (1776), de :


a) se somente os itens 1 e 2 estao corretos.
b) se somente os itens 3 e 4 estado corretos.
Adam Smith, fundamental na evolugao do
c) se somente os itens 1 e 3 estado corretos.
pensamento econdmico, defendia, entre outras,
d) se somente os itens 2 e 4 estao corretos.
a idéia de que:
e) se somente os itens 1, 2 e 4 estado corretos.
a) o trabalho é a fonte da riqueza, baseando-se
o valor na lei da oferta e procura.
b) a grandeza de um Estado exige a planifica-
¢40 e o dirigismo econdémico.
ae (UF-Vigosa-MG) Durante os séculos XVII e
XVIII a Europa viveu um importante movimento
c) a riqueza deve basear-se, fundamentalmen-
de idéias que revolucionou o pensamento
te, na exploragao dos recursos da natureza.
cientifico e politico. Numere a segunda coluna
d) a socializagdo dos meios de producdo e
de acordo com a primeira e assinale a alterna-
distribuigdo aumentam a eficiéncia da eco-
tiva correta.
nomia.
e) a ‘“‘mais-valia”’, resultado da exploragao do 1 -— John Locke ( ) A tendéncia natural do
trabalhador, deve ser suprimida. 2 — Montesquieu homem é abusar do
3 — Descartes poder que lhe foi con-
4 — Rousseau fiado. Para evitar o
30 (FEI-SP) Em O espirito das leis afirma-se: “E 5 — Voltaire despotismo, a autori-
uma verdade eterna: qualquer pessoa que dade do governo deve
tenha poder tende a abusar dele. Para que ser desmembrada em
nao haja abuso, é preciso organizar as coisas trés poderes - Legislati-
de maneira que o poder seja contido pelo vo, Executivo e Judici-
poder’. Essa afirma¢ao reflete: ario.
a) 0 espirito classico renascentista. A liberdade de pensa-
b) os principios da teoria do direito divino. mento e de religido,
c) o liberalismo politico iluminista. bem como a igualdade
d) a filosofia politica de Richelieu. perante a lei, é direito
e) 0 pensamento de Luis XIV. natural do homem.
A IDADE MODERNA

( ) O governo existe pela b) o autor de Leviata e os organizadores da


necessidade de garan- Enciclopédia;
tir os direitos e a segu- c) 0 pais do apogeu e o regime instalado pela
ranca dos homens, Revolugcdo Gloriosa em 1689.
mas seus poderes nao
podem ultrapassar os
limites estabelecidos (Fuvest) Em alguns paises da Europa, na segun-
por aqueles que o es- da metade do século XVIII, surgiram monarcas
colheram. que emprestaram feig¢do nova ao velho abso-
lutismo.
(_ ) A razao é a Gnica for-
a) Como sao chamados esses monarcas?
ma de se chegar ao
conhecimento verda- b) Que novo estilo de governo propuseram?
deiro dos fatos. c) Cite os nomes de dois deles, indicando os
respectivos reinos.
(_ ) Todo poder emana do
povo e é em nome do
povo que ele é exer- (Cesgranrio-RJ) O processo de Independéncia
cido. das treze coldnias inglesas da América do
Norte, origem dos Estados Unidos da América,
a) 4,3,2,1e5 G24 5.e3 na segunda metade do século XVIII, articula-se
b) 3,4,5,2e1 e) 5,1,3,4e2 as demais quest6es entaéo em curso na Europa
CG) 205 yel7
3) er4 ocidental, com exce¢do de uma. Assinale-a.
a) O conflito colonial e comercial entre a
33 (Fuvest) O Estado moderno absolutista atingiu Franga e a Inglaterra, particularmente grave
seu maior poder de atuaga4o no século XVII. Na nas respectivas col6énias da América do
arte e€ na economia suas expressdes foram Norte.
respectivamente: b) A difusdo das idéias liberais, ligadas ao
Iluminismo, hostis a dominagao e a explo-
a) rococé e liberalismo.
b) renascentismo e capitalismo.
ragao exercidas pelas metropoles sobre suas
c) barroco e mercantilismo.
col6nias, especialmente o pacto colonial.
d) maneirismo e colonialismo.
c) O desenvolvimento acelerado do capitalis-
e) classicismo e economicismo.
mo na Inglaterra, favorecendo os segmentos
politicos e sociais hostis ao protecionismo
mercantilista.
34 (FCC-SP) A importancia histérica de John d) A ampla divulgacao das idéias fisiocraticas,
Locke, como precursor do movimento chama- favoraveis as restrig¢des adotadas pelas au-
do de Ilustragao, esta no fato de ter: toridades inglesas contra as relativas isen-
a) elaborado 0 Ato de Navegagao que deu a ¢6es fiscais e a autonomia politico-adminis-
Inglaterra o dominio dos mares. trativa das colénias norte-americanas.
b) defendido os principios do absolutismo mo- Ley A influéncia das idéias politicas e sociais,
narquico. especialmente as obras de J. Locke e de
Cc) participado da revolta de Cromwell contra o Montesquieu, contrarias ao absolutismo e
despotismo dos Tudor. aos privilégios do Antigo Regime.
d) formulado a teoria dos direitos naturais do
homem.
(Cesgranrio-R)) ‘‘[...] Estas colénias unidas sao,
e) combatido a influéncia da burguesia na vida
e tém o direito a ser, Estados livres e indepen-
politica.
dentes e toda ligacao politica entre elas e a
Gra-Bretanha ja esta e deve estar totalmente
35 (PUCSP) Sobre o absolutismo e o iluminismo dissolvida.’’ (Thomas Jefferson — Declaracao de
indique: Independéncia, 1776.)

a) quem era o Rei Sol e o autor de Cartas A afirmagao de liberdade e independéncia


inglesas; contida no trecho acima relaciona-se:
QUESTOES E TESTES

a) ao propdsito das colénias do Norte de se Luis Vaz de Camées, autor do famoso poema
separarem do Sul escravista, em fun¢4o dos Os Lusiadas (1572), imortalizou com seus
entraves que a organiza¢do social sulina versos:
criava ao desenvolvimento capitalista. a) 0 apogeu do sistema feudal.
b) ao interesse dos colonos norte-americanos b) o poder da Igreja medieval.
em se alinharem com a Franca revolucio- c) 0 dominio arabe no Mediterraneo.
naria, que lhes oferecia oportunidades mais d) a expansdo maritima lusitana.
ricas e proveitosas para as trocas comerciais. e) a tomada de Constantinopla pelos turcos.
Cc) a reacdo dos colonos, sustentada nas idéias
dos filésofos iluministas, contra o reforco
das medidas de explora¢ao colonial imposto
41 (Fund. Cultural de Belo Horizonte-MG)
“O homem é€ 0 modelo do mundo. A experién-
pela Inglaterra. cia € a mestra das coisas.”
d) ao propdsito de alcangar a autonomia Leonardo da Vinci
politica, embora preservando o monopélio Com relagdo ao Renascimento artistico, litera-
comercial, que favorecia a economia das rio e cientifico, elemento tipico do periodo de
colénias do Norte. transi¢do do feudalismo ao capitalismo, podem
wy a formalizagaéo de uma separagdo que, na ser feitas as seguintes afirmativas, exceto:
verdade, ja existia, como atesta a liberdade
a) Os humanistas tiveram um papel extrema-
comercial que gozavam tanto as colénias do
mente importante na difusdo das idéias
Norte quanto as do Sul.
renascentistas.

39 (Fatec-SP) Enquanto alguns paises europeus


SS A reflexao sobre problemas humanos levou
o homem renascentista a andlise de sua
passaram por “Revolugdes burguesas’” ainda
propria individualidade, num esforgo de
no século XVII (Holanda, Inglaterra), outros
autoconhecimento.
Estados, componentes de uma “Europa de
c) A viséo de mundo politico-religiosa medie-
Retaguarda’’, mesmo no século XVIII se ser-
val continuava a ser o elemento fundamen-
viam do receituario mercantilista e nao abdi-
tal para a compreenséo do homem e do
cavam da formula absolutista. Sua politica,
mundo.
porém, inclufa um discurso novo, informado
= A riqueza proveniente do comércio finan-
por algumas idéias dos iluministas, como
ciou artistas, cientistas, arquitetos, que pas-
aquelas que falavam de igualdade perante o
saram a ser contratados para dar forma as
imposto, tolerancia religiosa ou apregoavam o
novas realidades sociais.
incremento do ensino técnico.
e) O racionalismo passou a ser a pedra de
Pergunta-se, agora:
toque da mentalidade renascentista, estimu-
b) Qual € a designagao comumente adotada
lando o nascimento da ciéncia moderna.
pelos historiadores para definir essa politica
que bem pode ser chamada de ‘Reformis-
mo Ilustrado’’?
42 (UF-Ouro Preto-MG) Leia 0 texto abaixo.
“A Gnica maneira de fazer com que muito ouro
b) Sabendo-se que 0 modelo foi D. José II da
seja trazido de outros reinos para o tesouro real
Austria, cite os outros paises (com seus
é conseguir que grande quantidade de nossos
respectivos representantes) que adotaram tal
produtos seja levada anualmente além dos
politica.
mares, € menor quantidade de produtos seja

40 (Centec-BA) Assinale a alternativa correta.


para ca transportada.””
(Politica para tornar o reino da Ingla-
“AS armas e os bar6es assinalados
terra prdspero, rico e poderoso, 1549.)
Que, da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados Discuta essa afirmativa, localizando-a no con-
Passaram ainda além da Taprobana”’ texto da economia mundial, e defina as modali-

[(Ceilao)] dades do sistema econémico a que ela se refere.

43
lod
“Cantando espalharei por toda parte, (UFES) Associe a localizagao da Italia com o
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.” monopolio que suas republiquetas exerceram,
(Apud SARONI, p. 47) no Mediterraneo, durante a Baixa Idade Média
A IDADE MODERNA

e€ 0 inicio dos Tempos Modernos, em relagado ao c) Thomas Morus, A Utopia, Alemanha e o


comércio das especiarias com Constantinopla. Estado socialista.
d) Nicolau Maquiavel, O principe, Italia e o
44 (Escola Superior de Agricultura de Mossor6-RN) Estado absolutista.
O Ato de Navegacdo (1651), votado pelo e) Jean Bodin, A Republica, Bélgica e 0 Estado
Parlamento inglés, no periodo de Cromwell, democratico.
criou uma situagdo nova no comércio mundial,
determinando, em conseqtiéncia: 4 A (Unifenas) E caracteristica basica do liberalismo

a) um bloqueio das nagdes do Mediterraneo, econOmico:


que se julgavam prejudicadas pela Inglaterra. a) Defesa do individualismo.
b) um conflito armado entre as colénias ex- b) Eliminagao da livre concorréncia.
portadoras, que se sentiram altamente pre- c) Extingao da propriedade privada.
judicadas. d) Intervencionismo estatal.
c) uma revolta da aristocracia rural inglesa, e) Supressdo da luta de classes.
que se julgara preterida nos seus interesses.
d) um entrechoque armado com a Holanda, 48 (Universidade Catélica de Goids) Assinale as
que pretendia a hegemonia do comércio corretas (a resposta 6 a soma das alternativas
maritimo. corretas):
e) uma situagdo de beligerdncia com os Esta- O perfodo conhecido por Idade Moderna é o
dos Unidos, que comegavam a expandir seu espaco-tempo em que se processaram as trans-
imperialismo. formagées da conjuntura de transi¢déo do
feudalismo ao capitalismo. Sobre as mudangas

45 (UEBA) No perfodo do Iluminismo, no século


XVIII, 0 fildsofo Montesquieu defendia a:
ocorridas na Epoca Moderna é correto afirmar.
01) A constituigao dos Estados Absolutistas
esteve relacionada a crise feudal e a
a) divisdo da riqueza nacional.
necessidade de unir esforgos para manter
b) divisao dos poderes executivo, legislativo e no poder a antiga nobreza atemorizada.
judiciario. Contudo, esse processo de centralizagao
c) divisao da politica, em nacional e interna- politica sé ocorreu no Sacro Império
cional. Romano-Germanico e na Italia, que, sob
d) formagao de um Poder Moderador no as idéias de Maquiavel, formou um Estado
Congresso Nacional. unificado ainda no século XVI.
e) implantagao da ditadura moderna. 02) A afirmagao de que ‘’o trabalho do homem
deve promover o bem-estar econdémico
46 (Puccamp) Leia 0 texto de um classico da teoria para merecer a salvacao espiritual’” esta
politica. relacionada a doutrina da predestinacao
"Daqui nasce um dilema: é melhor ser amado defendida por Jodo Calvino. Esse pensa-
que temido, ou 0 inverso? Respondo que seria mento estava bastante adequado aos valo-
preferivel ser ambas as coisas, mas, como é res capitalistas em expansdo na Epoca
muito dificil concilid-las, parece-me muito mais Moderna.
seguro ser temido do que amado, se sé se 04) O anabatismo representou uma das ten-
puder ser uma delas." déncias reformistas que, através de Tho-
No texto estaéo explicitas algumas idéias pre- mas Minzer, questionou a desigualdade
sentes no periodo de formacao do Estado social, organizando comunidades coleti-
moderno. O autor escreve numa regido con- vas e inspirando reivindicagdes campone-
sas no século XVI. Foi duramente comba-
vulsionada por crises politicas, ameacas exter-
tido por Lutero.
nas e auséncia de unidade nacional. O autor, a
08) O mercantilismo deve ser entendido como
obra, 0 pais e o tipo de Estado, que o mesmo
um conjunto de idéias e praticas econé-
defendia, sdo, respectivamente: ;
micas que esteve intimamente ligado a
a) Jacques Bossuet, Politica, Franca e o Estado
politica dos Estados Nacionais. A busca de
liberal. uma balanga comercial favoravel, o patrio-
b) Thomas Hobbes, Leviatd, Inglaterra e o tismo e 0 metalismo foram alguns de seus
Estado mercantil. principios basicos.
QUESTOES E TESTES

16) A Reforma catdlica procurou, com o 2. A critica dos humanistas era dirigida a so-
Concilio de Trento (1545), enfrentar o ciedade:
cisma luterano, adotando varias medidas, a) capitalista. d) escravista.
como 0 estimulo a agao de ordens religio- b) feudal. e) socialista.
sas no campo educacional, a confirma¢gao c) comunista.
dos dogmas catdlicos e a reativacao da
Santa Inquisi¢do. 50 (UFPA) Relativamente a historia do absolutismo
32) ‘‘Quero que o homem da Corte seja bem monarquico na Inglaterra, é possivel sustentar
instruido nas letras...’ Com essa afirmac¢ao, que:
Baltasar Castiglione expressa, no século a) a revolugdo que derrubou o governo de
XVI, 0 espirito intelectual predominante na Jaime Il, da dinastia Stuart, nado assinalou
época do humanismo. Inspirando-se na apenas o fim do regime absolutista inglés,
Antiguidade, os humanistas, portanto, for- mas, igualmente, o triunfo da burguesia e do
neceram as bases intelectuais para que se Parlamento sobre a Coroa britanica.
pudesse romper com o teocentrismo me- b) o regime absolutista instala-se na Inglaterra
dieval. em conseqiiéncia das guerras de religido, ja
que somente dispondo de um governo cen-
49 (Centec-BA) Questées 1 e 2: tralizado e autoritario 6 que Henrique vill
MG seeolasos portent anhanieda"s preccu: poderia implantar fo)protestantismo no pais.
pacae VOleternara Seclnnete pata Deus, ou c) o estabelecimento do repime absolutista na
eejan pare bitte wanscentente so anundo Inglaterra foi prejudicial 208 Aniéresses: do

dos fenémenos espirituais e imateriais. Os Pil NR SSS Sas alls


: f da da liberdade politica, emigrou em massa
humanistas, por sua vez, voltavam-se para o saiva RRanee pare sieinda
ae eee asp a geen d) o fim do pie absolutista inglés oom

natureza, a fim de terem um controle maior CON REI comandada Bon Oliver
sobre o proprio destino. Por outro lado, a a ais so hes >,ye
pregacdo do clero tradicional reforgava a foal eine kipach stills 8 ee
submissao total do homem, em primeiro lugar, car os ek eneeriamnpiGle Secor Bovernas
a onipoténcia divina, em segundo, a orientagao autonitarios dos diudog :
e) comparados a outros governos absolutistas
do clero e, em terceiro, a tutela da nobreza,
europeus, os ingleses foram mais tolerantes e
exaltando no ser humano, sobretudo, os valo-
maleaveis. Veja-se, por exemplo, que duran-
res da piedade, da mansidao e da disciplina. A
te o reinado dos Stuart a liberdade de religiao
postura dos humanistas era completamente
sempre foi respeitada na Inglaterra.
diferente, valorizava o que de divino havia
em cada homem, induzindo-o a expandir suas 5 7 (Unicamp) Vocé ja deve ter aprendido que a
forgas, a criar e a produzir, agindo sobre o historia pode ser representada pelas varias
mundo para transforma-lo de acordo com sua etapas do progresso humano. Os momentos
vontade e seu interesse.”” cruciais desse desenvolvimento histérico foram
(SEVCENKO, p.15.) denominados revolucionarios. Diante dessa
afirmacao, leia atentamente o texto abaixo:
1. No texto, a caracterfstica marcante do “A burguesia, conduzida por Oliver Cromwell,
movimento humanista-renascentista é: inspirada por um deus calvinista e motivada
a) espirito critico voltado para o estimulo as por ambi¢gao de conquista, derrotou o movi-
mudangas. mento nivelador e tudo o mais. Em conseqiién-
b Se supremacia do mundo espiritual sobre o cia, ele foi odiado por muitos pobres, o que
material. sabia e reconhecia. Em uma de suas marchas
c) valorizagao da piedade, da mansidao e pela cidade, comentou com seu acompanhante
da disciplina. a respeito da multidao:
d) defesa da Igreja e da cultura medievais. — Eles estariam mais barulhentos e também
e) reprodugao da crenga dogmatica dos mais felizes se vocé e eu estivéssemos a
tedlogos medievais. caminho da forca.
A IDADE MODERNA

O deus de Cromwell era um deus do trabalho e Veja o texto abaixo, dividido em duas partes, de
da conquista: da Jamaica, da Escécia, e 0 que Renato Janine Ribeiro (prefacio do livro O mundo de
nado serd esquecido, da Irlanda.’’ (Peter ponta-cabe¢a de Christopher Hill, Cia. das Letras,
Linebaugh. Todas as montanhas atlanticas 1987. p. 14) e responda as questdes 54 e 55.
estremeceram, 1985.)

a) Caracterize segundo os seus conhecimentos 54 Leia a parte | abaixo e assinale a alternativa


O processo revoluciondrio a que o texto se correta, a seguir:
refere. “Entéo se vé a fragilidade do despotismo
b) Como vocé utilizaria o texto acima para pessoal de Carlos: na mesma €poca seu
discordar da idéia de que as revolugdes cunhado Luis XIII, gragas a um ministro capaz,
representam sempre um periodo de progres- Richelieu, esta dando os primeiros passos para
so humano? Oo que sera o absolutismo dos séculos XVII e
XVIII. Por que, na Inglaterra, nao vinga o
absolutismo? Entre mais razes 6 porque nao
ps (Maua-SP) O periodo de Luis XIV (1643-1715) existe exército permanente, nem administragao
paga dependente do rei (o poder serve-se, em
apresenta-se como o auge do absolutismo na
Franca. Descreva a estrutura social da socie- cada regido, de juizes de paz que trabalham
dade francesa desse perjodo. sem salario, e por isso se sentem aut6nomos
face a Coroa), nem — 0 que sustentaria os dois
anteriores — taxagao permanente.”
53 (UFPA) Observadas as realidades histdricas
a) A diferenciagado apontada pelo autor deve-
se a que a Inglaterra e a Franca mergulha-
pertinentes ao absolutismo monarquico na
riam, imediatamente em seguida aos gover-
Europa moderna, é possivel apresentar-se a
nantes citados, na Revolu¢ao Gloriosa e na
seguinte conclusdo:
Revolugdo Francesa, respectivamente.
a) as monarquias absolutas foram mais expres- b) A diferenciagéo apontada pelo autor deve-
sivas nos paises em que predominou a in- se a que a Inglaterra e a Franca mergulha-
fluéncia protestante, haja vista que o lutera- riam, imediatamente em seguida aos gover-
nismo exaltava os poderes do Estado como nantes citados, na Revolu¢gdo Puritana e na
necessarios para a gloria de Deus. Revolugao Francesa, respectivamente.
b) na Inglaterra, a monarquia absoluta é supri- c) A diferenciagao apontada pelo autor refor¢a
mida, ainda no século XVII, através da a peculiaridade inglesa de estabelecer, apds
revolugao com que Oliver Cromwell derru- oO governante citado, o parlamentarismo
bou a dinastia dos Stuart e consagrou o com os Stuart fundado no Bill of Rights.
papel do Parlamento como agente constitu- d) A diferenciacgao apontada pelo autor refor¢a
cional britanico. a peculiaridade francesa de estabelecer,
c) nos paises em que foi menos expressiva a apds 0 governante citado, 0 governo inspi-
presen¢a da lgreja catdlica, inexistiu, virtual- rado no tedrico Bossuet.
mente, a monarquia absoluta, fato que se e) A diferenciagao apontada pelo autor reforca
verificou em relagao a Portugal e Espanha. a peculiaridade inglesa de estabelecer, apds
d) as monarquias absolutas resultaram, em 0 governo citado, o liberalismo dos reis
tltima andlise, das profundas transforma- Stuart inspirados no tedrico J. Locke.
¢6es produzidas pelo fim do feudalismo. Na
Italia, por exemplo, o desmoronamento da 55 Leia a parte Il a seguir e assinale a alternativa
ordem feudal resultou na formacao do correta.
Estado moderno italiano. “Assim € que, a primeira crise mais séria, 0 rei
e) na Franga, o apogeu do sistema absolutista fracassa. Vé-se obrigado a convocar um Parla-
ocorre num momento em que a economia mento, em 1640, que prontamente exige
francesa experimentava uma fase de desen- reformas e correc4o de injusticas; o rei dissol-
volvimento e de consolidagdo, gracas a ve-O, apds trés semanas (é o Curto Parlamento),
politica executada por Colbert no governo pois antes do fim do ano precisa convocar
de Luis XIV. outro — sera 0 Longo Parlamento, o que mais
QUESTOES E TESTES

dura na histéria inglesa, dissolvendo-se legal- O resto da América Latina observa com
mente apenas em 1660. Falando em dignidade admiragao e certo nervosismo. Nos Ultimos
da Coroa, 0 rei pede dinheiro, sem querer se anos 0 continente experimentou uma varieda-
comprometer a nada, e acena aos Comuns com de de curas para seus males econémicos, es-
sua gratidao caso eles o socorram; mas os pecialmente a persisténcia de uma inflacao
Comuns, escaldados por onze anos de vexa- elevada.’’” The Economist, in Gazeta Mercantil
¢6es, que incluiam suplicios cruéis contra de 9/8/1995. p. A.4.
alguns de seus melhores pensadores (as orelhas O texto comenta efeitos da politica econémica
cortadas do dr. Prynne, etc.), recusam e exigem em moda na atualidade, batizada por alguns de
mudang¢as na sociedade, no Estado, nas leis. neoliberalismo. Assinale a alternativa correta
Estas vao sendo aprovadas. O rei a duras penas que aponte a raiz desta politica econdmica.
acaba concordando até com a supressdo dos a) Nasceu com o mercantilismo, que impunha
bispos da Igreja oficial e [...]/” um continuo intervencionismo estatal na
a) Os bispos suprimidos eram fiéis seguidores economia.
da Igreja presbiteriana e luterana, membros b) Nasceu com o fisiocratismo francés, que
de uma lgreja oficial inglesa fundada no valorizava o metalismo como principal
século XVI. fonte de recursos nacionais.
b) As exigéncias de reformas e Corregdo das c) Nasceu com o absolutismo, que valorizava
injustigas, citadas no texto, fazem parte do 0 trabalho colonial como principal fonte de
ideario politico em ascensdo no século XVII, recursos nacionais.
melhor encarnadas pelo tedrico T. Hobbes. d) Nasceu com a obra ...Riqueza das Na¢ées,
c) A lgreja oficial citada no texto servia muito que privilegiava as leis de mercado e negava
mais ao governo dos Stuart do que as novas O intervencionismo mercantilista.
for¢as sociais emergentes, como os comer- e) Nasceu com a frase mercantilista de Gour-
ciantes e pequena nobreza puritana. nay: ‘Laissez faire, laissez passer, le monde
d) A origem do Parlamento inglés situa-se na va de lui-méme ”’.
Magna Carta assinada trés séculos antes pe-
los Stuart em meio a4 Revolu¢do Puritana.
e) A Magna Carta, o Longo Parlamento e as a7 (Unicamp) “Todo o poder vem de Deus. Os
concessGes reais exigidas pertencem a in- governantes, pois, agem como ministros de
tegragao coerente entre os seguintes prin- Deus e seus representantes na terra. Conse-
cipios: absolutismo, liberalismo e anglica- quientemente, 0 trono real nao é 0 trono de um
nismo. homem, mas 0 trono do prdprio Deus.’’
(Jacques Bossuet, Politica tirada das palavras da

56 Leia o texto abaixo:


Sagrada Escritura, 1709.)
“T...] Que seja prefixada a Constituigao uma
“Um enorme crescimento do desemprego e
declaragdo de que todo o poder é original-
tumultos em cidades provinciais seriam sufi-
mente concedido ao povo e, conseqiientemen-
cientes para deixar em panico a maior parte
te, emanou do povo.”’
dos politicos. Nao Carlos Menem, o recém-
reeleito presidente da Argentina. Seu governo (Emenda constitucional proposta por Madison
tem grandes planos para reduzir a taxa de em 8 de junho de 1789)

desemprego (que passou de 12% nove meses a) Explique a concep¢ao de Estado em cada
atras para 19% em maio): tais planos incluem a um dos textos.
criagdo de empregos novos por meio de um b) Qual a relagao entre individuo e Estado em
programa de constru¢ao de casas e projetos de cada um dos textos?
infra-estrutura e a reducdo dos impostos sobre
os empregadores. Mas os detalhes financeiros
sO vagos, e por tras esta uma mensagem clara: 58 (Unioeste-PR) ‘‘Este senhor e cacique fugia
nao haverd abrandamento das severas politicas sempre aos espanhdis e se defendia contra eles
econémicas. Isso significa que 0 desemprego toda ‘vez que os encontrava. Por fim, foi preso
continuara elevado na Argentina durante al- com toda a sua gente e queimado vivo. E como
gum tempo. estava atado ao tronco, um religioso de Sao
A IDADE MODERNA

Francisco (homem santo) lhe disse algumas 5 9 (Unioeste-PR) Assinale as alternativas corretas.
coisas de Deus e de nossa fé, que lhe pudessem Sobre a formacao e consolidagao dos Estados
ser titeis, no pequeno espaco de tempo que os nacionais na Europa moderna, é correto afirmar
carrascos Ihe davam. Se ele quisesse crer no que:
que lhe dizia, iria para o céu onde esta a gloria 01) 0 rei continuou sendo o suserano maior
€ O repouso eterno e se nao acreditasse iria dentre todos os outros suseranos, e sua
para o inferno, a fim de ser perpetuamente funcao exclusiva era 0 comando da na¢ao
atormentado. Esse cacique, apds ter pensado nas guerras.
algum tempo, perguntou ao religioso se os 02) as monarquias absolutistas introduziram os
espanhdis iam para o céu; 0 religioso respon- exércitos regulares, uma burocracia per-
deu que sim, desde que fossem bons. O manente, um sistema tributario nacional, a
cacique disse incontinenti, sem mais pensar, codificagdo do direito e os primeiros pas-
que nao queria absolutamente ir para o céu; sos para um mercado unificado.
queria ir para o inferno a fim de nao se 04) na luta por maior poder politico, os mo-
encontrar no lugar em que tal gente se narcas modernos se defrontam com as pra-
encontrasse.’” LAS CASAS, Frei Bartolomé de. ticas mercantilistas dos mercadores e ma-
Brevissima relagao da destruigao das Indias. O nufatureiros, conseguindo suprimi-las e im-
paraiso destruido. 4. ed. Porto Alegre, L&PM, por assim seu poder absoluto.
1985. p. 41. 08) os diferentes tipos de parlamentos existen-
tes. na Europa moderna (Cortes, Dietas,
Assinale as alternativas corretas. Parlamentos, Estados-Gerais) sempre se
Sobre a conquista da América, podemos veri- submeteram ao poder monarquico, sendo
ficar que: extintos pelas revolucGes burguesas dos
01) a conquista do Novo Mundo foi feita em séculos XVII e XVIII.
nome do Deus cristao, pois pelo padroado 16) os Estados modernos se constituiram na
oO papa delegava aos Reis Catdlicos a posse estrutura politica fundamental para o pro-
legitima das novas terras. cesso de transicao do feudalismo para o
02 WH a exce¢ao de alguns casos, como o capitalismo, sendo o bindmio medieval
exemplo do cacique acima citado, a servo/vassalo substituido progressivamente
religiao crista sempre foi bem-vinda pelos pelo bindmio moderno trabalhador livre/
indios, pois até entao eram pagaos, iddla- stdito.
tras, antropdfagos, nado conheciam um
Deus verdadeiro e sequer imaginavam a
possibilidade de salvagao. (Puccamp-SP) Dentre as instituigdes politicas
04 a as redugGes jesuiticas do Prata, iniciadas do Estado moderno, aquela que mais o carac-
em 1610, caracterizaram uma experiéncia teriza é o:
que incorporou elementos da cultura tribal a) absolutismo monarquico, nova forma politi-
com os da hispano-crista. ca assumida cujos fundamentos estavam
08 = no Brasil-Colénia os fndios nao foram expressos na Suma teologica de Tomas de
usados como escravos, uma vez que os Aquino.
negros trazidos da Africa supriram total- b) mercantilismo, que servia para justificar o
mente a necessidade de mao-de-obra. enriquecimento da Igreja catdlica, mas nao
16 a nas colénias espanholas, a mao-de-obra traduzia os interesses do monarca absolu-
dos negros africanos foi a solugdo encon- tista.
trada para a exploracdo das minas. c) absolutismo monarquico, que intervinha na
32) em toda a América Latina, a escravidao foi vida econdmica.
abolida concomitantemente aos processos d) liberalismo praticado pelos principes, mas
de emancipacao politica. limitado pela tradigao e pelo equilfbrio entre
as Classes sociais.
64 aS o autor do texto acima referido, Bartolomé e) absolutismo mondarquico, que punha em
de Las Casas, tornou-se um defensor assi- pratica uma politica econdmica de caracte-
duo dos indios e, historicamente, afirmou o risticas nao-intervencionistas, quase liberais—
direito da autodeterminagao dos povos. a politica mercantilista.
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Cristie
A REVOLUCAO FRANCESA
(1789-1799)

Revolucao Francesa € comumente


considerada uma prova definitiva da
maturidade burguesa, pois, com a
(em milhées)
queda do absolutismo e a tomada do poder 25

politico pela burguesia, sepultaram-se os


20
ultimos entraves ao capitalismo.
No século XVIII, na Franga, a burguesia ja 15

liderava as finangas, o comércio, a industria, 10


enfim, todas as atividades centrais do capita-
lismo. Por outro lado, seu desenvolvimento
ainda encontrava obstaculos em elementos
feudais remanescentes como a estrutura tra-
dicional de propriedade e de produgao, os
tributos — corvéia e talha — e, principalmente, (em milhées)

a servidao. Competia a burguesia eliminar 20 —-

essas barreiras para que sua sobrevivéncia e 195


predominio fossem garantidos. Entretanto,
esses entraves e privilégios feudais apoia- 10+
vam-se na ordem politica do Antigo Regime, 5
e sua eliminacdo implicava derrubar toda a
estrutura do Estado moderno, que sO seria if i'how Populagao tural Populagao urbana —
possivel com medidas radicais.
Para agravar ainda mais a situa¢do, a
Franca contava, na €poca, com um grande (em milhdes)
25 i"
crescimento demografico, que exigia corres-
pondente crescimento econdmico (veja grafi- 20
co). Some-se a isso a pequena produ¢ao 15 +
agricola decorrente dos entraves feudais a
10h
produtividade, agravada ainda mais por fe-
ndmenos climaticos, causando acentuada 5 +

elevacdo no pre¢o do pao, tornando-o quase ol Am An ded.


proibitivo 4 populagao de baixa renda. A mi- Primeiro Segundo Terceiro
Estado — Estado Estado
séria e a fome alastravam-se pela Franga, en-
quanto a nobreza, que contava com cerca de
quatrocentos mil privilegiados, negava-se a
A estrutura demografica da Franga pré-revolucionaria, espe-
admitir qualquer mudanga, formando a cha- cialmente quanto a distribuigao e composic¢ao social, indi-
mada reacao feudal. cava 0 agravamento das tensGes.

PXote)
A REVOLUCAO FRANCESA (1789-1799)

muitos, que 0 viam como 0 principal respon-


savel pelas dificuldades por que o povo
passava.
Como as finangas do Estado confundiam-
se com as do rei, a desordem administrativa,
os gastos monumentais com a manuten¢ao da
luxuosa corte de Versalhes e os enormes
custos das diversas guerras dos Bourbons
levaram a Franga a uma insoltvel crise finan-
ceira. A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e
a da Independéncia dos Estados Unidos
(1776-1781), além de acarretarem gastos
elevados, comprometeram todo o império
colonial francés. Sua divida externa — que
chegava a 5 bilhGes de libras — correspondia
ao dobro de todo o meio circulante (total de
No Antigo Regime, milhées de camponeses destinavam cer- moedas nacionais). Com tais dificuldades
ca de 70% de suas rendas para o pagamento de impostos. financeiras, o Estado impunha tributos, ado-
tava medidas fiscais e comerciais, buscando
receita orgamentaria e prejudicando os neg6-
A burguesia soube, entretanto, assumir as
cios capitalistas.
insatisfagGes do periodo e, liderando os
diversos grupos sociais que surgiam, trans-
formou-se na vanguarda que tornou possivel
derrubar as estruturas politicas vigentes. Du-
rante o processo revolucionario, quando gru-
Duplessis.
aS
pos radicais, como os liderados por Marat e
Robespierre, ameagaram a hegemonia da
burguesia, esta imprimiu novos rumos a seus
de
Quadro
objetivos, solidificando a sua predominancia
e efetivando suas conquistas.
A burguesia da Revolugao Francesa sen-
tia-se como a locomotiva impulsionando toda
a na¢ao, e via a Revoluc¢do como algo para
todo 0 povo e nao apenas para o burgués:
“Os burgueses franceses de 1789 afirmavam
que a libertagdo da burguesia era a emanci-
pacdo de toda a humanidade”’ (Karl Marx e Luis XVI governou insensivel as contradi¢des sociais e eco-
Friedrich Engels). ndmicas do povo francés.

Foi em meio a esse quadro financeiro


Principais causas da Revolucao que, em 1786, a Franga assinou com a
eas
eee ees Inglaterra um ruinoso tratado comercial (Tra-
tado. Eden-Rayneval), que permitia a entrada
O absolutismo de Luis XVI (1774-1792) do vinho francés com baixas tarifas alfande-
ainda se alicergava na teoria do direito divino garias no mercado inglés, mas, em contra-
dos reis: governava sem nenhum empecilho a partida, fazia o mesmo com os tecidos ingle-
sua autoridade e a Assembléia dos Estados ses no mercado francés. Esse tratado afetou
Gerais nado era convocada desde 1614. Essa profundamente a industria manufatureira
situagdo, contudo, ndo mais se adequava a francesa, ativando os animos burgueses con-
sociedade, e o poder real era criticado por tra o Estado.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

A ascenséo econdmica da burguesia origem nobre) e baixo clero (padres, frades,


esbarrava, ainda, nos regulamentos, proibi- de origem pobre), estava isento de qualquer
¢6es e taxagGes ditados pelo Estado absoluto. tributagdo. A nobreza, possuidora de privilé-
Assim, tornava-se imperativo eliminar a poli- gios judicidrios e fiscais, dividia-se em no-
tica mercantilista para que houvesse o pro- breza de sangue, composta por nobres de
gresso Capitalista apregoado pelos fisiocratas origem feudal, aristocratica (palaciana, corte-
e tedricos liberais. sd e provincial) e nobreza de toga, composta
Embora o papel econdémico da burguesia por pessoas provenientes da burguesia, que
fosse essencial para o Estado, ela nao tinha obtiveram o titulo de nobreza por compra ou
influéncia politica e era marginalizada social- por mérito. Essas duas ordens, estados ou
mente, devido a organizacgdo estamental da estamentos compreendiam cerca de quinhen-
sociedade francesa. O clero, dividido em alto tas mil pessoas, numa populag¢ao total de 25
clero (cardeais, bispos, arcebispos, todos de milhdes.

Clero e nobreza, dupla-


mente privilegiados pela
isencao de tributos e pelo
recebimento de rendas.

A terceira ordem — 0 povo — sustentava


-puramente social aos pequenos comer-
com tributos toda a estrutura administrativa, as
ciantes, assalariados e vagabundos, quer
forgas armadas e os privilégios, especialmente
_ da cidade, quer do campo. Durante a
os da luxuosa corte francesa. Compunha-se de
- Revolugdo, o termo— passou a ser mais
forma bastante heterogénea: burguesia, divi-
dida em alta burguesia (banqueiros, industriais geralmente aplicado aos individuos poli-
e comerciantes), média burguesia (profissio- ticamente ativos. dessas classes, e oO Séu
nais liberais e funcionarios publicos) e baixa Aambito alargou-se com a incluso dos
burguesia (pequenos comerciantes); e cama- _ agitadores mais radicais daquele periodo,
das populares (artesdos, operarios, sans-culot- independentemente do respectivo estra-
tes, camponeses e servos). Os camponeses e to social. Ativos tanto na Comuna de-
servos representavam 20 dos 25 milhdes de Paris (a designacio que foi dada ao novo
habitantes da Fran¢a. governo local da cidade) como Nas 9es-
S0€S, 0S Sans- -culottes iiriam constituir a
base de poder em que” os politi
: populares haviam de firmar as suas
“O termo sans-culottes, referido as
exigéncias de uma politica radical.” i
pessoas que usavam calgas compridas em
MC CRORY, Martin & MOULDER, Robert. Revolugo
vez dos calgbes até aojoelho da gente rica,
Francesa para penance Lisboa, Dom eat
foi originariamente aplicado num sentido ; 1983.5- 67.
A REVOLUCAO FRANCESA (1789-1799)

Toda essa situa¢do foi denunciada pelos


fildsofos iluministas, ‘os fildsofos da razao’”’,
que mostravam a inadequacado da estrutura
sociopolitica a economia, transformando o
Iluminismo na bandeira ideoldgica da Revo-
lucao.
lo ai fa mai olla g
tO a
O inicio da Revolucao
uy ciegeto
Ee ee
Embora a nobreza, ou pelo menos grande
parte dela, defendesse limites a autoridade
A Franga dos anos 80 do século XVIII
real, chegando mesmo a encampar a idéia do
vivia um crescente agravamento das condi-
respeito a liberdade individual, era intransi-
¢des socioecondmicas, que culminava em
gente na manuten¢ao dos seus privilégios,
revoltas cada vez mais violentas nas cidades e
nao admitindo perder tradicionais direitos
no campo, na capital e nas provincias.
feudais para sanear a crise socioecondmica
A partir de 1786, com a concorréncia dos
nacional. Nao desejavam revolucionar a
produtos industriais ingleses (téxteis e meta-
ordem vigente, e sim sobreviver a ela.
lurgicos), surgiu uma onda de faléncias,
Frente ao agravamento da crise politica,
acompanhada de desemprego e queda de
Calonne demitiu-se. Pressionado pela crise,
salarios, arruinando o comércio nacional. Ao
Luis XVI nomeou Necker para o ministério,
mesmo tempo, fendmenos climaticos (secas e
que confirmou a convocagao dos Estados
inundagdes) comprometiam a agricultura,
Gerais para maio de 1789.
elevando os precos de produtos essenciais e
fomentando a insatisfagao geral.
As crises econdmicas juntavam-se as po-
liticas, com sucessivas demissGes de ministros,
que tinham seus projetos reformistas barrados
pela intransigéncia aristocratica, como acon-
teceu com Turgot, Brienne e também Calonne.
Este Ultimo chegou a convocar a nobreza e 0
clero para contribuirem no pagamento de im-
postos, na Assembléia dos Notaveis. A atitude
de Calonne ativou a reagao feudal, provocan-
do nao s6 a recusa mas também a indignagao
da aristocracia. Muitas provincias, em que a
nobreza era mais forte, revoltaram-se, chegan-
do a sugerir uma “revolugao” aristocratica.
a
>
,
Necker, um dos ministros das finangas de Luis XVI,
convenceu 0 rei a convocar os Estados Gerais.

A nobreza confiava no controle do Par-


lamento, pois teria maioria de votos se fosse
preservada a tradicional votagdo por Estado
(clero, um voto; nobreza, um voto; € povo,
um voto), j4 que clero e nobreza comunga-
vam os mesmos interesses. A nobreza s6 nao
contou com o potencial revolucionario do
Terceiro Estado, que exigiu a participagao nos
Estados Gerais de um numero de deputados
compativel com sua representagao. O Pri-

269
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

meiro Estado ficou com 291 deputados, o Nacional Constituinte. Os animos se exalta-
Segundo com 270 e o Terceiro com 578. A 5 vam e aumentavam as propostas de tomar
de maio de 1789, quando se abriu a sessao armas.
dos Estados Gerais no palacio de Versalhes, Luis XVI tentou reunir forgas para enfren-
os interesses antagOnicos dos grupos sociais tar a Assembléia, mas a demissdo de Necker,
ali representados entraram em choque. em 11 de julho, e a nomeagao do conserva-
Os representantes do Terceiro Estado dor bardo de Bretevil precipitaram os aconte-
exigiram a vota¢ao individual, pois, com o cimentos.
apoio de aproximadamente 290 deputados Criou-se a Guarda Nacional, uma milicia
do baixo clero e da nobreza togada, alcan- burguesa para resistir ao rei e liderar a
¢ariam a maioria na Assembléia dos Estados popula¢ao civil, que comegou a se armar.
Gerais. Diante da impossibilidade de conci- No dia 14 de julho, a multidéo invadiu o
liar tais interesses, Luis XVI tentou dissolver os Arsenal dos Invalidos a procura de muni¢6es
Estados Gerais, impedindo a entrada dos e, em seguida, a fortaleza da Bastilha, onde
deputados na sala de sess6es. Os represen- eram encarcerados os inimigos da realeza.
tantes do Terceiro Estado rebelaram-se e Foi o estopim da rebeliao, que se alastrou de
invadiram a sala do jogo da péla (espécie Paris para o resto da Fran¢a. No campo, onde
de ténis em quadra coberta), jurando que seus os privilégios da aristocracia eram mais
membros nao se separariam enquanto nao gritantes, os Camponeses chegaram a invadir
tivessem dado a Franga uma constitui¢ao. A 9 e incendiar castelos e a massacrar elementos
de julho, juntamente com muitos deputados da nobreza, num periodo que ficou conheci-
do baixo clero, declararam-se em Assembléia do como Grande Medo.

O grande simbolo da Re-


volucao Francesa: a que-
da da prisao da Bastilha.
A REVOLUCAO FRANCESA (1789-1799)

A Tomada da Bastilha aprovada a Declaracéo dos Direitos do


Homem e do Cidadao, estabelecendo a igual-
Na madrugada de 14 de julho de
dade de todos perante a lei, o direito a pro-
1789, uma terga-feira, milhares de po-
priedade privada e de resisténcia a opressao.
pulares (talvez cingiienta mil) invadiram
o Arsenal dos Invalidos procurando ar-
mas para “enfrentar os soldados que,
Declaragao de humanidade
acreditavam, o rei Luis XVI estava man-
dando de Versalhes [...]. A multidao se A Declaragao dos Direitos do Ho-
apoderou de quarenta mil fuzis e doze mem e€ do Cidadao teria grande repercus-
canhoes. Mas e a polvora para eles? $40 no mundo inteiro. “Este documento é
Estava na formidavel fortaleza da Bas- um manifesto contra a Sociedade hierar-
tilha, transformada em deposito e pri- quica de privilégios nobres, mas nao um
6a0. Para la correram todos, em busca manifesto a favor de uma sociedade
de munigao”. democratica e igualitaria. ‘Os homens
Superinteressante Especial. n° 2. Sao Paulo, Abril, nascem eé vivem livres e iguais perante as
julho de 1989. p. &. leis’, dizia seu primeiro artigo; mas ela
“Em tempos de revolugao nada é também prevé a existéncia de distingdes
mais poderoso do que a queda de simbo- sociais, ainda que ‘somente no terreno da
los. A queda da Bastilha, que fez do dia utilidade comum’. A propriedade privada
14 de julho a festa nacional francesa, era um direito natural, sagrado, inaliena-
ratificou a queda do despotismo e foi vel é inviolavel.”
saudada em todo o mundo como o prin- HOBSBAWM, Eric. A era das revolugdes. Rio de
cipio de libertagao.” Janeiro, Paz e Terra, 1977. p. 77.
HOBSBAWM, Eric J. A era das revolugdes. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1977. p. 79.

Voltando-se para os privilégios do clero e


diante da crise econdmica, a Assembléia
Nacional determinou o confisco dos bens
As etapas da Revolucao da Igreja, utilizando-os como lastro para a
emissado de uma nova moeda, os assignats.
Ao mesmo tempo, os padres passavam a
subordinar-se ao Estado, servindo como fun-
Assembléia Nacional (1789-1792) cionarios ptblicos. Essas decis6es foram
efetivadas com a aprovacao da Constituigao
Na primeira fase (1789-1792), chamada Civil do Clero (julho de 1790). Diante dos
de Fase da Assembléia Nacional, destacou-se acontecimentos, 0 papa Pio VI condenou a
a atuacgao da burguesia nas cidades e dos Revoluc¢ao, originando na Franga a divisdo do
camponeses no interior, estes destituindo clero em juramentado, composto pelos que
autoridades e nobres de seus castelos e re- aceitavam a Constituigdo, e refratario, com-
partigdes, muitas vezes matando e incendian- posto pelos que a recusavam.
do, e aquela lutando por conquistas sociais e Em 1791, a Assembléia Nacional procla-
politicas nas ruas e na Assembleéia. mou a primeira Constituigao da Franca,
Em Paris, aprovou-se, na Assembléia dos estabelecendo a monarquia constitucional,
Estados Gerais, a abolicao dos privilégios composta por trés poderes: o executivo,
feudais, numa tentativa de restabelecer a or- exercido pelo rei; o legislativo, exercido pelos
dem dirigindo a insatisfagdo apenas contra os deputados eleitos por voto censitario (ou seja,
restos do feudalismo. Inspirada na Declara- de acordo com a renda individual); e o
¢4o de Independéncia dos Estados Unidos, foi judiciario.

a |
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

idéias revolucionarias francesas para seus


renee eterna
paises. Alegando a necessidade de se restau-
ASSIGNAT rar a dignidade real da Franca, na Declara¢ao
de mille. franes,
erdéle S Nivose Yan 3°% do la Vaveumaans,
de Pillnitz, esses paises ameagaram a Fran¢a
de intervencao. Numa conspira¢ao contra-
Uypothdqué ser leu DOMAISES SATONAL
revolucionaria, Luis XVI e sua familia tenta-
ram fugir para a Austria, em junho de 1791,
mas, presos na fronteira, na cidade de Va-
rennes, foram reconduzidos a Paris.

A fuga dorei
Os assignats (assinados) visavam recuperar as financas do
Foi uma “desesperada e afinal sui-
Estado francés.
cida tentativa de fugir do pais. Ele foi
recapturado em Varennes (junho de 1791)
Com 0 voto censitario e as posteriores leis eé dai em diante o republicanismo tornou-
que proibiam greves e forma¢ao de associa- se uma forga de massa; pois os reis
¢6es de trabalhadores, a Franca transformou- tradicionais que abandonaram seus po-
se num Estado burgués, em que se elimina-
vos perdem o direito a lealdade. Por outro
ram os privilégios aristocraticos substituindo-
lado, a incontrolada economia da livre
os por restrigdes econdmicas a maioria da
empresa dos moderados acentuou as
populagao. Separava-se, assim, a burguesia
do Terceiro Estado. flutuagdes no nivel dos pregos dos ali-
No interior da Assembléia Nacional, im- mentos e consequentemente a militancia
plantou-se uma disputa crescente entre gru- dos pobres das cidades, especialmente
pos politicos, principalmente girondinos e em Paris. O prego do pao registrava a
jacobinos. Os girondinos, cujo nome deriva- temperatura politica de Paris com a
va do fato de a maioria de seus membros vir exatiddo de um termometro e as massas
da regiao de Gironda, sul e sudeste da Franga, de Paris eram a forc¢a revolucionaria de-
formavam uma fac¢ao que representava a cisiva: nao por mero acaso, a nova ban-
grande burguesia. Os jacobinos, cujo nome deira nacional francesa foi a combinagao
originou-se do clube onde se reuniam pari- do velho branco real com as cores ver-
sienses revolucionarios, no convento dos fra- melha e azul de Paris”.
des jacobinos (dominicanos), no inicio faziam HOBSBAWM, Eric. A era das revolugdes. p. 83.
parte da ala moderada. Mas, a partir de 1792,
transformaram-se no principal elo de ligacado
entre os membros radicais da Assembléia e o
movimento popular, que ganhava cada vez
mais for¢a nas ruas. Foi a partir de entéo que
o termo jacobino passou a representar uma
posi¢do politica radical. Outros agrupamen-
tos politicos representados na Assembléia
eram os cordeliers (camadas mais baixas) e
os feuillants (burguesia financeira).
A medida que avancavam e se consoli-
davam as medidas revolucionarias, a nobreza
tornava-se mais acuada e boa parte migrava
para o exterior (emigrados), buscando apoio
externo para restaurar o Estado absoluto. As
vizinhas poténcias absolutistas apoiavam es-
ses movimentos, pois temiam a irradiagao das A desastrada fuga do casal real.

212.
A REVOLUCAO FRANCESA (1789-1799)

Paralelamente, cresciam as dificuldades timento com o rei da Austria. O fato acelerou


econdmicas dos revoluciondrios, obrigando a as pressOes para que 0 rei fosse julgado como
intensa emissao de assignats, o que desenca- traidor. Na Convengao, a Gironda dividiu-se:
deou a especulac¢do e uma inflacdo descon- alguns optaram por um indulto, outros pela
trolada. Esse fato acirrou os animos revolu- pena de morte. A Montanha, reforgada pelas
cionarios, com os sans-culottes exigindo me- manifestagdes populares, exigia a execucdo
didas radicais. Enquanto isso, o exército do rei, indicando o fim da supremacia giron-
absolutista, formado também pelos emigra- dina na Revolu¢ao.
dos, marchava sobre a Frang¢a, o que levou os Em 21 de janeiro de 1793, Luis XVI foi
jacobinos a proclamarem a “patria em peri- guilhotinado na praga da Revolugao. Varios
go’’ e fornecerem armas a populac¢ao. Consti- paises europeus, como Austria, Prussia, Ho-
tuiu-se, assim, um exército popular — a landa, Espanha e Inglaterra, indignados e te-
Comuna Insurrecional de Paris —, sob o mendo que o exemplo francés se refletisse em
comando de Marat, Danton e Robespierre, seus territorios, formaram a Primeira Coliga-
que fez frente ao exército dos emigrados e ¢ao contra a Franga. Encabegando a Coliga-
prussianos, contido as portas de Paris, na ¢do, a Inglaterra financiava os grandes exér-
batalha de Valmy. O rei foi acusado de traicdo citos continentais para conter a ascensao
ao pais por colaborar com os invasores, e os burguesa da Fran¢a, sua potencial concor-
revolucionarios proclamaram a Republica. rente nos negdécios europeus.

Convencao Nacional (1792-1795)

A Assembléia Nacional Constituinte,


transformada, por sufragio universal, em Con-
ven¢ao Nacional, assumia 0 governo em 20 de
setembro de 1792. Nas reunides, a direita,
ficavam os deputados girondinos, que deseja-
vam consolidar as conquistas burguesas, es-
tancar a Revolugao e evitar a radicalizagao. Ao
centro ficavam os deputados da Planicie ou
Pantano — assim denominados por agruparem-
se na parte mais baixa -, que eram os
elementos da burguesia sem posicdo politica
previamente definida. A esquerda, formando o
partido da Montanha, pois colocavam-se na
A execucao de Luis XVI na guilhotina.
parte mais alta do edificio, ficavam os repre-
sentantes da pequena burguesia jacobina, que
liderava os sans-culottes, defensores de um As dificuldades se avolumavam: a amea-
aprofundamento da Revolugao. O conflito ¢a externa se somava a crise econdmica, as
entre as facc6es politicas se agravava a medida divis6es politicas, as insatisfagdes gerais e até
que cresciam as dificuldades econdmicas e aos levantes anti-republicanos regionais, co-
militares. E desse perfodo que herdamos 0 uso mo a revolta da Vendéia, no oeste da Franga.
das express6es esquerda e direita, quando nos Em 2 de junho de 1793, os jacobinos, co-
referimos a posi¢des sociopoliticas progressis- mandando os sans-culottes, tomaram a Con-
tas e conservadoras, respectivamente. ven¢do, prendendo os lideres girondinos.
No primeiro periodo da Convengao, lide- Marat, Hébert, Danton, Saint-Just e Robes-
rado pelos girondinos, foram descobertos pierre assumiram o poder, dando inicio ao
documentos secretos de Luis XVI, no palacio periodo da Conven¢ao Montanhesa (1793-
das Tulherias, que provavam seu comprome- 179A).

273
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

O calendario revolucionario Floreal (do latim florens = flores), de 20/4


a 19/5
O governo popular da Convengao ado- Prairial (do francés prairie = prado), de
tou um novo calendario, o Republicano, que 20/5 a 18/6
tinha seu inicio em 22 de setembro. |Intro- Messidor (do latim messgis = colheita),
duzido oficialmente em 1793, era dividido de 19/6 a 18/7
em doze meses de trinta dias; 05 restan- Termidor (do grego therme = calor), de
tes cinco dias que faltavam para comple- 19/7 a 17/8
tar 05 365 dias anuais eram feriados pu- Frutidor (do latim fructus = fruto), de
blicos, chamados de “dia dos sans-culot- 18/8 a 16/9
tes’. Os meses tinham nomes relaciona- Dias dos sans-culottes, de 17/9 a 21/9
dos aos ciclos agricolas e da natureza:

Vindimario (do latim vindemia = vindima,


colheita da uva), de 22/9 a 22/10 Devido ao predominio da atuagao popu-
Brumario (do francés brumas = nevoei- lar, esse periodo caracterizou-se por ser O
ro), de 22/10 a 20/11 mais radical de toda a Revolu¢ao Francesa.
Frimario (do francés frimas = geada), de Em 1793, foi aprovada nova constitui¢ao
21/1 a 20/12 (Constituicao do Ano 1), enfatizando o sufra-
Nivoso (do latim nivosus = neve), de 21/12 gio universal, a democratizagao. O governo
a 19/1 jacobino dirigia 0 pais por meio do Comité de
Pluvioso (do latim pluviosus = chuvoso), Salvacao Publica, responsavel pela adminis-
de 20/1 a 18/2 tragdo e defesa externa do pais, de inicio co-
Ventoso (do latim ventosus = vento), de mandado por Danton, seu criador. Abaixo,
19/2 a 20/3 vinha o Comité de Salvagao Nacional, que
Germinal (do latim germem = germina- cuidava da seguran¢a interna, e a seguir oO
Gao), de 21/3 a 19/4 Tribunal Revolucionario, que julgava os opo-
sitores da Revolucao.

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A MARAT
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Georges Jacques Danton (esquerda), lider da fase radical da Revolucdo e que disputou com Maximilien Francois Marie Isidore
de Robespierre (centro) o destino do governo montanhés. Tudo isto depois do assassinato de Marat por uma girondina.

274
A REVOLUGAO FRANCESA (1789-1799)

Durante 0 governo montanhés, a radica- decretagéo da abolicéo da escraviddo nas


lizagdo politica chegou ao auge, levando colénias, o fim de todos os privilégios, a cria-
grande numero de pessoas 4 guilhotina, sob a ¢do do ensino publico e gratuito, etc. O novo
acusa¢ao de partidarismo real. Quando, em governo montanhés se empenhou também
julho, Marat, o fdolo dos sans-culottes, foi em acabar com a supremacia da religiao
assassinado por uma girondina, Charlote catdlica, e de seu clero, desenvolvendo um
Corday, os animos se exaltaram. Considerado culto revolucionario fundado na razao e na
excessivamente moderado, Danton foi subs- liberdade. A catedral de Notre Dame, em
tituido por Robespierre e expulso do partido. Paris, por exemplo, foi transformada no
Tinha inicio o Terror, caracterizado pela exe- “Templo da Razao”’.
cu¢ao de milhares de pessoas acusadas de As cis6es entre os revolucionarios dentro
serem contra-revolucionarias: de Maria Anto- da Convengdo, entretanto, desagregavam o
nieta, a ex-rainha, passando por elementos poder dos jacobinos. Havia os radicais que
participantes da Revolu¢do, como girondinos, pregavam a intensificagdo da violéncia e os
e depois até mesmo jacobinos. que desejavam conter a Revolugdo e acabar
com as prisOes e execucodes. O primeiro gru-
po era 0 dos radicais, liderado por Hébert; o
segundo era o dos indulgentes, liderado por
Danton. Robespierre ordenou a execu¢ao de
ambos, perdendo parte do apoio popular li-
gado especialmente a Danton.
As dificuldades econdmicas e militares,
com a constante ameac¢a de invasG6es estran-
geiras, somadas a inseguranca da populagao
provocada pelas sucessivas execucées, leva-
ram Robespierre a perder progressivamente o
prestigio como lider nacional. Ao que parece,
Robespierre enredara-se nas contradicdes da
revolugao, sem vislumbrar um projeto factivel
para um governo a esquerda da burguesia,
inviabilizando a pratica da maxima politica
que ensinara aos seus seguidores: ‘Antes de
se por a caminho é€ preciso saber onde se quer
chegar e os caminhos que se deve trilhar’’.
Aproveitando-se disso, a burguesia se
reorganizou e, em 27 de julho de 1794 (9
de termidor), retomou 0 poder na Convengao,
derrubando os lideres da Montanha. Quase
sem apoio, os jacobinos nao puderam reagir
eficazmente e Robespierre e Saint-Just, entre
outros, foram guilhotinados. Os representan-
— tes do Pantano (alta burguesia girondina) as-
sumiram, entao, o comando da Revolu¢4o. O
golpe do termidor, que devolvia 0 governo
Administrativamente, 0 governo monta- revolucionario a burguesia, foi chamado de
nhés adotou medidas que favoreciam a reacao termidoriana.
populagao, como a Lei do Preco Maximo, A Convencao Termidoriana foi curta
que tabelava os precos dos géneros alimenti- (1794-1795), mas permitiu a reativagdo do
cios, a venda ao publico, a pregos baixos, de projeto politico burgués, com a anulagao de
bens da Igreja e de nobres emigrados, a varias decis6es montanhesas, como a Lei do

275
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Prego Maximo e o encerramento da supre- Diretério (1795-1799)


macia do Comité de Salvagao Publica, bus-
cando controlar os sans-culottes. Nas ruas de O Diretério caracterizou-se pela supre-
Paris, instalava-se o Terror Branco, movi- macia girondina, que sofria oposig¢ao dos
mento de jovens de direita ou muscadins, que jacobinos, a esquerda, e dos realistas, que
perseguiam, intimidavam e executavam os desejavam o retorno dos Bourbons, a direita.
lideres sans-culottes, assaltando os clubes Enfrentou levantes populares internos e a
republicanos. continuidade das ameagas estrangeiras. Em
1795 e 1797, houve golpes realistas; em
1796, ocorreu a Conspiracao dos Iguais, um
Em 1795, aConven¢ao elaborou uma nova movimento dos sans-culottes, liderado por
constituigdo — a Constituicéo do Ano Ill -, “Graco” Babeuf. Externamente, entretanto, o
que restabelecia o critério censitario para as exército francés acumulava vitdrias contra as
eleicdes legislativas, marginalizando, assim, forgas absolutistas da Espanha, Holanda,
grande parcela da popula¢ao. O poder execu- Prissia e reinos da Italia, que, em 1799,
tivo seria exercido por um Diretorio, formado formaram a Segunda Coligacao contra a
por cinco membros eleitos pelos deputados. Franca revolucionaria.

, ATAQUES A FRANCA pen


REVOLUCIONARIA

INGLATERRA

ingleses

OF cuistriaccs

Paris
@

FRANCA

espanhdis

ESPANHA

A Franca enfrentou muitas batalhas contra seus vizinhos absolutistas, que desejavam anular suas conquistas apés a Revolucao.
O artista retratou a batalha de Lodi (1796), em que os franceses enfrentaram os austriacos.

276
A REVOLUGAO FRANCESA (1789-1799)

O incendiario Babeuf um golpe contra o Diretério, com Bonaparte a


frente. Foi o golpe do 18 de brumario (9 de
Graco Babeuf, primeiro politico a novembro de 1799). O Diretério foi substi-
dirigir um ataque a propriedade privada, tuido por nova forma de governo - o
defendia a “ditadura dos humildes”, sen- Consulado representado por trés elementos:
do considerado um dos precursores do Napoleao, 0 abade Sieyés e Roger Ducos. O
socialismo do século XIX. Para ele, “a na- poder, na realidade, concentrou-se em mdos
tureza conferira a cada homem o direito de Napoleao, que ajudou a consolidar as
igual de desfrutar de tudo o que é bom, é conquistas burguesas da Revolu¢ao.
oO objetivo da sociedade era defender esse Em dez anos, de 1789 a 1799, a Franca
direito; que a natureza impusera a cada passou por profundas modifica¢6es politicas,
homem o dever de trabalhar, e quem dele sociais e econdmicas. A aristocracia do
Sé€ esquivava era um criminoso; que o Antigo Regime perdeu seus privilégios, liber-
objetivo da Revolugao fora acabar com tando os camponeses dos la¢gos que os
todas as desiqualdades e estabelecer o prendiam aos nobres e ao clero. Nas cidades
bem-estar de todos; que a Revolugao, desapareceram também as amarras feudais do
portanto, nao estava terminada, e que
corporativismo, que limitavam as atividades
todos aqueles que haviam abolido a Cons-
da burguesia, e criou-se um mercado de
dimensdo nacional. A Revolugao Francesa foi
tituigao de 1793 (Ano |) eram culpados
a alavanca que levou a Fran¢a do estagio
de lega-majestade contra o povo”.
feudal para o capitalista. E isso s6 foi possivel
WILSON, Edmund. Rumo a estagHo Finlandia. S30
a partir de mudangas sociais e politicas, sem
Paulo, Cia. das Letras, 1986. p. 73-4.
duvida a heranga mais importante deixada
pelos revolucionarios franceses.

“A Gra-Bretanha forneceu o modelo


para as ferrovias e fabricas, o explosivo
economico que rompeu com as estrutu-
ras tradicionais do mundo nao-europeu;
mas foi a Franga que fez suas revolugoes
e a elas deu suas idéias, a ponto de
bandeiras tricolores de um tipo ou de
outro terem-se tornado o emblema de
praticamente todas as nagoes emergen-
tes, € a politica européia (ou mesmo
mundial) entre 1789 e 1917 foi em grande
parte a luta a favor e contra oS principios
de 1789, ou 08 ainda mais incendiarios de
1793. A Franca forneceu o vocabulario e
As propostas e a atuacao de “Graco” Babeuf reforgaram o os temas da politica liberal e radical-
distanciamento das ambigées populares das da elite bur-
guesa. Era uma marca que se transformaria numa constante democratica para a maior parte do
“sombra’’ do desenvolvimento liberal do mundo contempo- mundo. A Franga deu o primeiro grande
raneo. exemplo, 0 conceito e o vocabulario do
nacionalismo. A Franga forneceu os cédi-
Em todos esses levantes destacou-se a gos legais, o modelo de organizacgao
figura de Napoledo Bonaparte, militar bri- técnica e cientifica e o sistema métrico
lhante e habilidoso. Necessitando garantir-se de medidas para a maioria dos paises.”
e consolidar a Reptblica burguesa contra as HOBSBAWM, Eric. A era das revolugdes. p. 71.
ameagas internas, os girondinos desfecham

iw)
A ERA NAPOLEONICA
(1799-1815) E O CONGRESSO
DE VIENA

ascido na Cérsega em 1769, Napo- comercial da Inglaterra com o Oriente (India).


leao projetou-se rapidamente na car- Contudo, apesar de diversas vitdrias em terra,
reira militar e politica durante a Re- os franceses foram vencidos na batalha naval
volug¢ao Francesa, alcan¢ando, com apenas de Aboukir (1789), pelo almirante Nelson.
vinte e quatro anos, a patente de general. Ao Ao mesmo tempo, na Europa, formava-se
somar sucessivas vitorias contra inimigos a Segunda Coligacao (1799) de paises contra
estrangeiros, converteu-se em herdi nacional. a Franga, temerosos da expansdao revolucio-
Comandou a brilhante Campanha da Italia, naria. Internamente, diversos setores da socie-
em 1797, subjugando os austriacos e obten- dade encontravam-se insatisfeitos com os
do, com a Paz de Campoférmio, importantes dez anos de Revolucgdo, especialmente a
vantagens territoriais para a Franca. Em se- burguesia, que precisava de paz e estabilida-
guida, comandou a Campanha do Egito de para garantir o crescimento e 0 progresso
(1798-1799), buscando interceptar a rota almejados.
Oleo de Gros, Bonaparte no Egito.

Peninsula
do Sinai

[___] Deserto
Bloqueio
inglés
—_— Campanhas
de Napoleao

A campanha de Napoleao no Egito, apesar de fracassada, rendeu-lhe mais fama e gloria.

i) ba
A ERA NAPOLEONICA (1799-1815) E O CONGRESSO DE VIENA

Assim, a associa¢ao da debilidade gover- maiores poderes. Como primeiro cénsul,


namental do Diretério com o prestigio adqui- exerceria todo o poder executivo por um pe-
rido por Napoledo, cuja imagem estava riodo de dez anos, fazendo dos outros
associada a disciplina, comando, conquistas, cénsules simples conselheiros.
forjou a conjuntura que permitiu o 18 de
Encarregado de escolher os ministros,
brumario.
assim como os membros do Conselho de
Os anos seguintes representaram 0 perfodo Estado — nucleo efetivo do poder que tinha a
de consolida¢ao dos ideais liberais da burgue- fun¢ao de preparar todos os projetos de leis —,
sia na Franga. Iniciou-se também seu processo Napoledo controlava a Fran¢a. Retomava-se,
de disseminagao pelos demais paises europeus assim, a centraliza¢do politico-administrativa,
envolvidos pelas guerras napoleGénicas. renegada no inicio da Revolu¢ao, porém,
agora, a servico da burguesia nacional. De
Prestigiado no meio militar, igado ao
decreto em decreto, Napoleado anulou dis-
governo pela burguesia, Napoledo obteve
cordias partidarias, ameagas de golpe, resta-
também o apoio do campesinato — terceiro
belecendo a ordem no pais. A autonomia dos
apoio de seu tripé politico —, garantindo a departamentos (unidades administrativas fran-
popula¢do rural a posse das terras expropria-
cesas) foi anulada com uma nova adminis-
das a Igreja e a nobreza emigrada.
tragao, que privilegiava a atua¢do dos prefei-
tos, defensores de amplos poderes.
Em 1804, foi promulgado 0 Cédigo Civil
Napoleénico, que, inspirado no Direito ro-
Napoleao e o Consulado mano, assegurava conquistas burguesas, co-
(1799-1804) mo a igualdade do individuo perante a lei, o
direito de propriedade e a proibicéo de
Ene ee ane eae ee
organiza¢ao de sindicatos de trabalhadores
O Consulado teve como prioridades e greves; restabelecia, por outro lado, a es-
enfrentar as ameacas externas e reorganizar cravidao nas col6énias. O Cédigo Civil Napo-
a economia e a sociedade francesa, buscando lednico exerceria profunda influéncia em
a estabilizagao. Dessa forma, em 1799, no toda a Europa, transformando-se na fonte de
inicio do Consulado, Napoledo venceu a diretrizes legais de todo o Ocidente capita-
Segunda Coligacao, batendo a Austria em lista.
Marengo, e, em 1802, assinou uma trégua Ainda no Consulado foi estabelecida uma
com a Inglaterra, chamada Paz de Amiens. A reforma no ensino, tornando a educa¢aéo
neutralizagéo da ameaga externa foi acompa- responsabilidade do Estado e adequando-a
nhada internamente pela consolidagao de as necessidades nacionais. Criaram-se os
Napoledo no governo. Procurando sanear as liceus, espécie de internatos responsaveis
finangas nacionais e a organiza¢gao da bur- pela formagao dos futuros oficiais do exército
guesia, deterioradas pelo longo periodo de ou ocupantes de altos cargos civis, e enfati-
instabilidade e guerras, foi fundado em 1800 zou-se principalmente o ensino superior,
o Banco da Franga, controlado pelo Estado, e como as escolas de Direito, Politica e Técnica
criado um novo padrao monetario — o franco, Naval.
em vigor até hoje. Estimulou-se, com finan-
Respaldado pelos bons frutos de sua
ciamentos, a industria nacional e também a
administragao e pela paz externa, Napoledo
produg¢ao agricola.
foi proclamado primeiro cénsul vitalfcio pela
As relagdes com a lgreja, desfeitas desde nova Constituigéo do Ano XII (1804). Meses
o inicio da Revolu¢gado, foram reatadas em depois, feito um plebiscito, recebeu o titulo
1801, através de uma concordata assinada de imperador, sendo coroado em dezembro
com 0 papa Pio VII. Em 1802, elaborou-se de 1804, na catedral de Notre-Dame, com o
uma nova constituigao, que deu a Napoledo titulo de Napoledo I.

N at
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

' Do 18 de brumario até 1804, Napoledo


foi concentrando todos os poderes nacionais
em suas maos. A roupagem politica legal
desse processo foi dada pelas diversas cons-
see,do Consulado em
ninpé,ace
pen tituigdes: a do Ano VIII (1800) criou o
avaod Consulado, a do Ano X (1802) reforgou o
poder do primeiro consul, e a do Ano XII
ia deRheei (1804) deu a Napoledo a vitaliciedade do
convenceu oO pare:Piovila poder, o ultimo passo que permitiu que ele se
transformasse em imperador.

Napoleao e o Império
(1804-1815)

O Império foi marcado pela continuidade


das guerras externas, em geral comandadas
~ coroa ee sobre a pela Inglaterra, que, embora ja dominada pela
. es éauke, ee ae mentalidade capitalista-burguesa, via na Fran-
¢a uma possivel rival no continente aos seus
produtos industrializados. Os demais paises,
-INS,
a1989. p. 41. que formaram as diversas coligacdes — até
1815, foram sete —, eram, em geral, monar-
quias absolutistas temerosas dos reflexos da
Revolugao sobre sua estabilidade politica.
Assim, por razOes econdmicas ou politicas, a
Franca via-se cercada por diversos inimigos.

O primeiro confronto do periodo imperial


deu-se contra a Terceira Coligacao (Inglater-
ra, Rssia e Austria) formada em 1805. Como
apoio da Espanha — velha inimiga inglesa —, a
marinha francesa atravessou o canal da Man-
Louischa, na
Aconsagracao.
David,
Jacques tentativa de invadir a Inglaterra. Foi,
entretanto, derrotada na batalha de Trafalgar,
pelo mesmo almirante Nelson que ja derro-
tara Napoleao na Campanha do Egito.

Em terra, entretanto, a superioridade


francesa era patente, comprovada pela vitéria
nas batalhas de Ulm, contra a Prussia, e,
Austerlitz, contra a Austria. Vencendo a
Napoledo, ao contrario de Carlos Magno um milénio antes,
Terceira Coligagéo, Napoleao sepultou o
fez da cerim6énia de coroacdéo uma confirmacgao do seu Sacro Império Romano-Germanico, criando
poder, o qual se sobrepunha ao da Igreja. em seu lugar a Confederagdo do Reno.

Xe)
A ERA NAPOLEONICA (1799-1815) E O CONGRESSO DE VIENA

|Es] Territorios franceses


governados
diretamente de Paris
(1810)
| Estados governados
| por membros da
familia de Napoleao
(1810)
3 Principais batalnas

Depois de conseguir estender seus dominios a grande parte da Europa continental, Napoleao continuava ameacado pela maior
poténcia econdémico-naval da época: a Inglaterra.

A hegemonia francesa sobre 0 continente mas agricolas pela Inglaterra — do que a nagao
europeu, entretanto, dependia da neutraliza- inglesa, que encontrava em outras regides
¢d4o da poderosa Inglaterra, a maior poténcia compradores para seus produtos. Entretanto,
econdémica do perfodo. Se, por um lado, a a Quinta Coligacao, formada por Inglaterra
Inglaterra dominava os mares com sua imba- e Austria, em 1809, também nao conseguiu
tivel marinha, por outro, a Franga dispunha fazer frente ao poder de Napoledo e sucum-
do maior exército em terra. Considerando tais biu.
aspectos e desejando reduzir o poderio
econdmico britanico, Napoleao decretou em Senhor do continente, Napoledo dissemi-
1806 o Bloqueio Continental (também cha- — nou pelos paises conquistados os principios
mado de Decreto de Berlim). Objetivando liberais franceses, especialmente o Codigo
isolar a Inglaterra do restante da Europa, esse Civil, e derrubou as velhas estruturas aristo-
decreto estipulava que os aliados da Franga craticas. Assim, os sucessos militares desde a.
nao mais poderiam comerciar com aquele Revolugdo deviam-se, em grande parte, aos
pais, nem comprando suas manufaturas nem principios ideoldgicos franceses contra as
lhe fornecendo matérias-primas sob o risco de tiranias do Antigo Regime. Entretanto, quan-
serem invadidos por tropas francesas. do, no periodo imperial, a invasao foi acom-
Em 1807, pelo Tratado de Tilsit, Napo- panhada da exploragao das populac¢ées lo-
ledo obteve a adesdo da Russia ao embargo cais e da submissdo a Franca, os sucessos
econémico a Inglaterra, ao vencer a Quarta militares foram substituidos pela resisténcia e
Coliga¢gao (1806-1807) nas batalhas de lena, pelo fracasso. A imposi¢aéo do dominio
Eylau e Friedland. Mais tarde, ficaria claro napolesénico na peninsula Ibérica e na Russia,
que o Bloqueio Continental era mais prejudi- por exemplo, desembocou na luta naciona-
cial 4s nagdes européias continentais — que lista dessas regides e no inicio da lenta
dependiam da compra de suas matérias-pri- decadéncia de Bonaparte.

281
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

As campanhas napoleénicas
maio.
de
3
do
fuzilamentos
Os
Goya,
Francisco
disseminaram os ideais re-
volucionarios, mas também
impuseram a dominagao
francesa. Na pintura ao la-
do, de Francisco Goya, a
resisténcia espanhola con-
tra a tirania de Napoleao.

quanto pdde em romper suas relagdes co-


Os exércitos franceses merciais com a Inglaterra. Em represalia,
Napoleado resolveu invadir Portugal, o que
“Tecnicamente os velhos exércitos causou a fuga da familia real para sua
eram melhor treinados e disciplinados, e principal colénia, o Brasil, em 1808.
onde estas qualidades eram decisivas, Ainda na peninsula Ibérica, Napoleao de-
como na guerra naval, os franceses foram cidiu depor o rei espanhol Fernando VII, co-
sensivelmente inferiores. Eles eram bons roando seu irmdo José Bonaparte, o que ativou
corsarios € rapidos incursores, mas nao a resisténcia nacional contra os franceses. A
podiam compengar a falta de um nimero luta popular, através de guerrilhas, financiada
suficiente de marujos treinados e sobre-
pela Inglaterra, irradiou-se por toda a peninsu-
tudo de oficiais navais competentes. [...]
la lbérica, desgastando as forgas napoleGnicas.
Lentamente, as derrotas francesas foram pondo
Em seis grandes e oito pequenas bata-
fim ao mito de invencibilidade do exército
lhas navais entre os britanicose os
francés, estimulando outros povos a resistir, 0
franceses, as baixas francesas foram
que resultou na quebra da hegemonia conti-
cerca de dez vezes maiores que as dos nental napolednica. Ao mesmo tempo, as
ingleses. Mas, no que tange a organiza-
colénias espanholas na América aproveita-
Gao improvisada, mobilidade, flexibilidade vam-se da crise na metrdpole para iniciar seu
é acina de tudo pura coragem ofensiva é processo de independéncia.
‘moral de luta, os franceses no tinham Além desses problemas, a economia
rivais. Estas vantagens nao dependiam francesa nao possuia uma estrutura com
do génio militar de ninguém.” potencial para substituir a Inglaterra nas rela-
HOBSBAWM, Eric. A era das revolugdes. p. 103-4. ¢des econdmicas do continente. Prova disso
foi a atitude da Russia diante do estrangula-
mento de sua economia em virtude do
Portugal, tradicional aliado da Inglaterra, Bloqueio Continental: desprezando as amea-
foi um dos primeiros Estados a sofrer inter- cas de Napoleao, o czar Alexandre I resolveu
vencao francesa devido a desobediéncia ao abrir os portos russos aos ingleses, compra-
Bloqueio Continental. Eram muito fortes as dores de sua producdo de trigo.
ligagGes econdmicas lusas com os ingleses, e Napoledo respondeu a atitude da Russia
seu principe regente, D. Jodo, relutou o reunindo, em 1811, um poderoso exército de

282
A ERA NAPOLEONICA (1799-1815) E O CONGRESSO DE VIENA

mais de seiscentos mil homens, que atraves- aos russos tomarem a ofensiva. Napoledo saiu
saria toda a Europa Central e marcharia sobre da Russia com menos de cem mil soldados,
a Russia, na sua mais audaciosa, mas também desmoralizado e tendo de enfrentar 0 resto da
tragica, campanha militar. Diante do poderio Europa, que se mobilizara contra ele.
do exército francés, os russos utilizaram a
tatica da ‘terra arrasada’”, segundo a qual, na A causa da derrota na Russia
iminéncia de invasdo de alguma regido,
destruiam eles mesmos tudo o que pudesse “A Russia foi invadida e Moscou —
ter valor ou ser til ao inimigo. Dessa forma, ocupada. Se o czar tivesse feitoa paz, —
ao mesmo tempo que evitavam confrontos como a maioria dos inimigos de Napoleao —
encarnigados com o inimigo, abatiam o tinham feito s0b circunstancias seme-
animo dos franceses, impedidos de fazer inate, re)alentSons Mas ag
¢
saques e reabastecer-se.

da
Passagem
Berezina.

ra que ae
Givers retirara manuten-
¢4o da terra. Mas -Oo que.-funcionc una
Lombardia e na Renania, onde estes pro-
cessos tinham sido -desenvolvidos pela
primeira vez, € ainda erav
vidvel na ores
Central, fracassou totalmente hos am-
plos, pobres « e vazios espacos da Polonia 3
e da Russia. Napolezio foi derrotado nao -
tanto pelo inverno russo quanto por seu
fracasso em manter o Grande Exército
com suprimento adequado. A retirada de
Moscou destruiu o Exército”
HOBSBAWM, Eric. A eradae
e revolugiee,p.
105,

incéndio
O
Sminov,
F.
A.
Moscou.
de
Esgotado, Napoledo teve de enfrentar
uma sucessdo de derrotas e fracassos. Forma-
ra-se a Sexta Coligagdo, composta por Prus-
A Campanha da Rdssia contou com mais de seiscentos mil sia, Inglaterra, Russia e Austria, que o venceu
soldados. A estratégia da “terra arrasada”’, do general
Kutuzov, nao poupou sequer Moscou, incendiada pelos na batalha das Nagdes, em Leipzig, em
préprios russos antes que fosse tomada pelos franceses. outubro de 1813. Culminando a fase de
derrotas, em marco do ano seguinte os
aliados entraram vitoriosos em Paris, obrigan-
Quando conseguiu entrar em Moscou, do Napoledo a assinar o Tratado de Fontai-
depois de longas batalhas, 0 exército napo- nebleau. De acordo com esse tratado, o
le6nico encontrou a cidade abandonada e imperador abria mao de todos os direitos ao
incendiada. Sem abrigo, fustigados pelo rigo- trono francés, recebendo em troca uma
roso inverno de 1812 e enfrentando as im- pensao de dois milhdes de francos anuais e
placdveis guerrilhas russas, os homens de plena soberania sobre a ilha de Elba, situada
Bonaparte iniciaram a retirada, permitindo no mar Mediterraneo, perto da Corsega.

28 Gl
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Com o exilio de Napoledo, restabeleceu- Juan”; “O tigre chegou a Gap”; “O mone. ||


se a dinastia dos Bourbons na Fran¢a, sendo tro dormiu em Grenoble”; “O tirano —
coroado rei Lufs XVIII, irmao de Luis XVI, atravessou Lyon”: “O usurpador esta a
guilhotinado durante a Revolugao, cujo filho — quarenta léguas da capital”; “Bonaparte
que teria sido Luis XVII — morrera na prisao,
avanga a passos gigantes, mas ‘nao
ainda criang¢a.
entrara jamais na capital”; “Napoledo—
Os Bourbons, contudo, ficaram no poder
estara amanha diante de nossas mura-
somente por alguns meses, pois Napoledo
fugiu de Elba e desembarcou na Franga em lhas”; “O Imperador chegou a Fontaine-
marco de 1815 com mil e duzentos soldados. bleau”; “Sua Majestade Imperial entrou
Comprovando sua ainda forte popularidade no Palacio das Tulherias, em meio de SeuSahs 2)
entre os membros do exército, foi recebido figis siditos”.
festivamente por seus ex-soldados e pela
popula¢gao, e marchou em direcao a Paris.
Luis XVIII fugiu para a Bélgica, e Napoleao
pOs-se novamente a frente do governo fran-
cés, que dirigiu por pouco mais de trés meses. Os Cem Dias (1815)
A ee

De ano a Sua Majestade Imperial :


Ao regressar ao governo, Napoledo ten-
No jornal oficial O Monitor, as man- tou uma rapida ofensiva contra a Sétima
- chetes diarias refletiam o clima de Paris Coligagdo, mas a batalha de Waterloo,
-eé do governo Bourbon restaurado, tra- vencida pelo duque de Wellington, da In-
tando Napoleao em fungao de sua Pro- glaterra, selou definitivamente sua sorte. Exi-
gressiva aproximagao da capital: “O anao lado na longinqua ilha de Santa Helena,
da Cérsega desembarcou no Golfo de coldnia da Inglaterra no Atlantico Sul, Napo-
leao morreu em 5 de maio de 1821.

18 de junho de 1815, em
Waterloo, Bélgica: a sorte
de Napoleao foi selada.
A ERA NAPOLEONICA (1799-1815) E O CONGRESSO DE VIENA

O mito napolednico fundiu-se com o ras nacionais desse mesmo periodo. Nesse
individualismo burgués, especialmente com a aspecto, contudo, a restauragdo nao foi
ambi¢ao pessoal e empreendedora, como inteiramente respeitada, ja que Inglaterra,
apontam os clichés ‘‘Napoleao da industria’”’ Russia, Austria e Prussia, fortes e vitoriosos,
ou das finangas. ““Napoledo deu a ambicdo apossaram-se de territdrios de Estados mais
um nome pessoal [...] foi a figura com que fracos, como Pol6nia, Italia e Fran¢a derrota-
todo homem que partisse os lacos com a da. O principio do equilibrio europeu funda-
tradi¢ao podia se identificar em seus sonhos.’” mentava-se no restabelecimento das relacdes
(Eric Hobsbawm). de forga entre as poténcias européias, por
Os dezesseis atribulados anos em que meio da divisdo territorial do continente e
Napoledo liderou a Franga e comandou seus também das possess6es coloniais no mundo.
exércitos permitiram que grande parte das
conquistas sociais e politicas da Revolucdo irs}0—
fossem disseminadas por outros paises euro- =o
c
peus. Embora com a queda de Napoledo se =>2
seguissem tentativas de restauragao do Antigo © me)

Regime, elas nao seriam mais definitivamente 8


absolutas, pois a Europa apresentava agora 2ay
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um outro perfil histdrico. 1S)
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0 Congresso de Viena 5

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Apos a derrota de Napoledo em Leipzig,


na batalha das NagGes (1813), as grandes
poténcias européias — Austria, Inglaterra, Representantes das poténcias vitoriosas reunidos no Con-
gresso de Viena.
Russia, Prussia e a Franga restaurada reuni-
ram-se em Viena, na Austria, numa conven-
cao internacional, a fim de restabelecer a A Inglaterra foi a grande beneficiada, pois
situagao politica européia anterior a Revolu- obteve a ilha de Malta, ponto estratégico no
¢do Francesa. Interrompido temporariamente Mediterraneo, a regido do Cabo, no sul da
durante o governo dos Cem Dias, 0 Congres- Africa, o Ceilao (atual Sri Lanka), ex-col6nia
so de Viena era presidido pelo representante holandesa préxima a India, além da Guiana,
da Austria, principe Metternich, e contava, na América do Sul, e outras ilhas na América
ainda, com o czar Alexandre |, da Russia; Central. A Holanda incorporou a Bélgica,
Frederico Guilherme III, da Prussia; Welling- formando o reino dos Paises Baixos, e a
ton e depois Castlereagh, da Inglaterra; e Russia ficou com a maior parte da Poldnia. A
Talleyrand, da Franga, além de representantes Italia foi totalmente dividida, restando como
de outras na¢gGes européias. Estados aut6nomos apenas o reino do Pie-
Buscando a restauragdo monarquica e a monte-Sardenha, os Estados Pontificios e o
reinstalagdo da aristocracia no poder, dois reino das Duas Sicilias. A Sui¢a passou a ser
principios basicos fundamentaram o Congres- um Estado neutro. A Prussia ficou com parte
so de Viena: o da legitimidade e o do da Polénia e da regido do rio Reno, e a
equilibrio europeu. O principio da legitimi- Austria ficou com outra parte da Polonia e o
dade, proposto e defendido por Talleyrand, norte da Italia. Sendo Estados germanicos,
visava restaurar nos Estados europeus as Prissia e Austria tinham parte de seus territé-
dinastias legitimas, isto 6, as que reinavam rios incluidos nos limites da Confederacao
no periodo pré-revolucionario. Paralelamen- Germanica, formada por trinta e nove Estados
te, propunha também restabelecer as frontei- membros, a maioria principados.

285
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

mum |imites da Confederagao Germanica


_> Aauisicdo dos paises vitoriosos

A nova divisao politica européia determinada pelo Congresso de Viena.

Do Congresso de Viena surgiu a Santa Antigo Regime e restabelecidos pelo Con-


Alianga, proposta pelo czar Alexandre |, que gresso de Viena, tornavam-se, por seu lado,
sob o rdtulo de prote¢ao a paz, a justica e a entraves a nova sociedade. Assim, embora a
religido, objetivava lutar contra as manifesta- Santa Alian¢a tivesse imposto suas decis6es
¢6es nacionalistas e liberais decorrentes das logo apds a derrota napoleénica, gradativa-
idéias implantadas pela Revolugao Francesa. mente o sistema de aliancas elaborado por
Inicialmente composta por exércitos da In- Metternich foi sendo mutilado, até ser engo-
glaterra, Russia, Prussia e Austria — Quadrupla lido pelas revoltas liberais européias e pelos
Alianga -, em 1818 teve a inclusdo da processos de independéncia das colénias da
Franca. A Quintupla Alianca, entaéo, desen- América Latina.
cadeou diversas intervengdes em varias re- Para a Inglaterra, que iniciara seu pro-
gides contra liberais que ameagavam subver- cesso de industrializagao, era importante a
ter a ordem absolutista restabelecida. Em expansao de mercados consumidores. Por
1819 houve repressdo aos nacionalistas que isso, apoiava Os movimentos de independén-
pretendiam a unificagao alema; em 1821 e cia das col6nias latino-americanas, defenden-
1822 combateram-se os liberais em Napoles do o principio de nao-intervencao. Essa
e na Espanha. atitude, entretanto, era contrdria aos interes-
Varios fatores conjugados, entretanto, ses da Santa Alianca, que propunha a manu-
desagregaram os planos estabelecidos no ten¢ao do pacto colonial e 0 envio de tropas
Congresso de Viena, bem como a Santa as regides que se rebelassem.
Alianga. A estrutura econdmica caminhou Numa indicagdo de que os tempos eram
para oO amadurecimento capitalista, com a outros, também os Estados Unidos lancaram
Revolugao Industrial em pleno curso na a Doutrina Monroe, em 1823, cujo lema era
Inglaterra e espalhando-se por outros paises, “a América para os americanos’’, deixando
fortalecendo valores burgueses, liberais e patente sua oposi¢ado a qualquer tentativa
nacionalistas. Os principios sobreviventes do recolonizadora.

Pre)
A ERA NAPOLEONICA (1799-1815) E O CONGRESSO DE VIENA

Na Frangca, em 1830, estabeleceu-se


novamente um governo liberal com a queda
dos Bourbons e a ascensao dos Orléans; ao
mesmo tempo, a Bélgica proclamava sua
independéncia da Holanda. Desmoronavam,
assim, as principais conquistas do Congresso
de Viena e os lacgos que sustentavam a Santa
Alianga.
A fase reacionaria instalada em 1815, e
expressiva até pelo menos 1830, foi um breve
intervalo entre a era das revolugdes e a
consolida¢ao dos ideais burgueses de edificar
um Estado e uma sociedade liberais. Foi, de
um lado, nas palavras de Castlereagh, repre-
sentante inglés no Congresso de Viena, uma
“seguranca perfeita contra a brasa revolucio-
naria que se espalhava’’, e, de outro, mani-
festagdo final do Antigo Regime.
A partir de 1830, com a consolidagao
liberal, aquela efervescéncia revolucionaria
que antes estava restrita a Franca irradiou-se
por todo o continente, incluindo muitas areas
das ex-colénias, favorecendo expectativas em
que, especialmente para alguns lideres e
intelectuais, se antevia uma “primavera dos
povos”, a plena libertagdo dos povos e
solugdo dos seus graves problemas sociais.
A Doutrina Monroe determinava que os Estados Unidos Porém, como veremos adiante, 0 novo co-
estenderiam sua influéncia a todo o continente americano, mando politico liberal burgués nao estava
descartando a tradicional ingeréncia européia.
interessado num avanco tao profundo das
transformag¢oes politico-sociais como almeja-
Na Europa, também o nacionalismo vam muitos dos grupos ativistas, fazendo com
emergiu, alguns com insucessos e outros que a lideranga burguesa passasse da posi¢ao
avan¢ando na conquista da independéncia, de locomotiva revolucionaria para uma posi-
a exemplo da Grécia, que conseguiu sua ¢do muito mais conservadora e reacionaria.
emancipagao do Império Turco-Otomano, Eram os revolucionarios de antes os reacio-
em 1822. narios de agora.
A REVOLUCAO INDUSTRIAL

processo de desenvolvimento capita- do sua supremacia mundial, transformando-a


lista, intensificado pela Revolugado na maior poténcia econdmica. Seu dominio
Comercial dos séculos XVI e XVII, se estenderia até o inicio do século XX.
estava, até entdo, ligado a circulagao de
Internamente, esse periodo foi marcado
mercadorias. A partir da segunda metade do
por transformagées significativas na socieda-
século XVIII, iniciou-se na Inglaterra a meca-
de e na economia inglesa, como a implanta-
niza¢ao industrial, desviando a acumulacao
¢ao de um poderoso sistema bancario e a
de capitais da atividade comercial para o
revolu¢ao agricola. O Banco da Inglaterra,
setor da producao. Esse fato trouxe grandes
fundado logo apds a Revolucdo Gloriosa
mudang¢as, de ordem tanto econdmica quan-
(1688-1689) e associado a Companhia das
to social, que possibilitaram o desapareci-
Indias, fomentou as relagdes coloniais esti-
mento dos restos do feudalismo ainda exis-
mulando a produgao de algodao, matéria-
tentes e a definitiva implantagao do modo de
prima basica para 0 processo que levou o pais
produgdo capitalista. A esse processo de
a Revolugao Industrial. A mecanizagao da
grandes transformagdes deu-se 0 nome de
industria téxtil logo foi aplicada no setor
Revolugao Industrial.
metalurgico, tendo as instituigdes financeiras
O inicio do processo industrial na Ingla-
servido de respaldo aos crescentes investi-
terra deve-se, principalmente, ao fato de ter
mentos.
sido esse 0 pais que mais acumulou capitais
durante a fase do capitalismo comercial. Nos
séculos XVII e XVIII, a Inglaterra, gragas a seu
poderio naval e comercial, conseguiu formar
um dos maiores impérios coloniais da €poca.
Esse processo iniciara-se com a vitdria inglesa
contra a Invencivel Armada espanhola de
1588, seguido dos Atos de Navegacado de
1651 — que atingiram especialmente a Ho-
landa, sua maior rival no comércio e nos
mares —, e, depois, pelo Tratado de Methuen,
de 1703, assinado com Portugal, que abria os
mercados portugueses e de suas colénias aos
manufaturados ingleses. O final favordvel da
Guerra dos Sete Anos (1756-1763) subjugou
a Franga, ultimo pais potencialmente concor-
rente na Europa, o qual confirmou sua
situagao apds as guerras napolednicas do
inicio do século XIX. Assim, passo a passo, a Simbolo do poderio econémico britanico, seus navios
politica internacional inglesa foi consolidan- cruzavam todos os oceanos.

288
A REVOLUCAO INDUSTRIAL

Mudanga de mentalidade em novas instalagdes, ja que o custo da forca


de trabalho era muito pequeno.
“E a contar do século XVI multipli- Politicamente, a Revolucdo Gloriosa se-
cam-se os nomes de fildsofos e cientis- pultou o absolutismo ao estabelecer a supre-
tas, com o culto da natureza, da expe- macia do Parlamento e inaugurar o Estado
riéncia, da mec€nica. [...] Aparecem as liberal inglés, pré-requisito para a plenitude
associaGoes para o estudo da realidade. capitalista burguesa que se instalaria com as
Ganha impulso o ensino técnico, até ai maquinofaturas. A propria aristocracia ingle-
descurado. Revé-se 0 culto dogmatico da sa, por nado dispor de pensdes como aconte-
tradigao, outrora vivo, com posigdes de cia na Franga, acabou por ver com simpatia
reexame do que fora dito por fildsofos as atividades comerciais e industriais, inte-
vistos por definitivos em tudo. Se antes grando-se a elas muitas vezes.
havia a cabala, a astrologia, a magia, a
07| 97-1 b) Sm BOR 51-11)(Om6),
||Be)
alquimia, agora ha a experiéncia que da
sentido cientifico ao estudo e as inquie-
tagdes. A técnica, em suas feicdes meca-
nicas, passa a ser considerada. Surge a
ciéncia moderna, antidogmatica, fundada
ho experimentalismo. Essa mudanga de
mentalidade representa transformagao
intelectual e cria o clima de critica sis-
tematica. Entre 05 muitos de seus efei-
tos assinale-se o interesse pela indis-
tria, para o qual a nova maneira de ver
contribuiu decisivamente.”
IGLESIAS, Francisco. A Revolugao Industrial.
S40 Paulo, Bragiliense, 1981. ColecZ0 Tudo é
Historia, n2 11 Il, p. 62.

No campo, o estimulo a produgao com


técnicas e instrumentos inovadores e o desa-
parecimento dos pequenos proprietarios devi-
do aos cercamentos integraram o trabalho rural
ao sistema capitalista em desenvolvimento. O
éxodo rural provocado pelos cercamentos
permitiu que grandes empresdrios e nobres — Shrewsborough
Service.
Museum
robber barons (os bar6es salteadores) — se
apossassem de pequenas propriedades agrico-
las por compra ou processos judiciais.
Paralelamente, as levas de camponeses
que se transferiram para as cidades formaram
um grande contingente de mao-de-obra dis- As grandes cidades britanicas, em 1801. Embaixo, 0 inicio da
industrializagao também mudava o campo.
ponivel — o chamado exército industrial de
reserva —, essencial para a Revolucdo Indus-
trial. Por ultimo, a Inglaterra contava com
Devido a escassez de emprego, essa abundancia de ferro e carvdo, matérias-pri-
volumosa mdo-de-obra de baixissimo preco mas fundamentais para a construgdo e o
vinha ao encontro dos anseios industriais, funcionamento das maquinas e para a pro-
podendo aplicar grandes somas de capitais du¢ao de energia.

289
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Os avancos tecnolégicos

A industrializacdo da segunda metade do


século XVIII iniciou-se com a mecanizagao
do setor téxtil, cuja producdo tinha amplos
mercados nas col6énias, inglesas ou nao, da
América, Africa e Asia.
Entre as principais invengdes mecanicas
do periodo, destacam-se a maquina de fiar,
de James Hargreaves, de 1767, capaz de fiar
80 quilos de fios de uma s6 vez sob os cui-
dados de um sé operario; o tear hidraulico,
de Richard Arkwright, de 1768, aprimorado
por Samuel Crompton, em 1779; e o tear
mecanico, de Edmund Cartwright, de 1785.
Todos esses inventos ganharam maior
capacidade quando passaram a ser acoplados
a maquina a vapor, inventada por Thomas
Newcomen (1712) e aperfeigoada por James
Watt (1765). Com a gradativa sofisticagao das
maquinas, houve aumento da produ¢ao e
geracdo de capitais, que eram reaplicados em
novas maquinas. Apos o setor téxtil, a meca-
niza¢gao alcancou o setor metaltirgico, impul-
sionou a produg¢ao em série e levou a moder-
nizagao e expansdao dos transportes.
A descoberta do vapor como for¢a mo-
triz, além de impulsionar a produgao indus-
trial, atingiu também os transportes. Em 1805,
oO norte-americano Robert Fulton revolucio-
nou a navega¢ao maritima criando o barco a
vapor e, em 1814, George Stephenson idea-
lizou a locomotiva a vapor. Na década de 30
do século XIX, comecaram a circular os Exemplos de invengdes que impulsionaram a produgdo em
série e a instalagdo de maquinofaturas.
primeiros trens de passageiros e cargas. Além
disso, a impressdo de jornais, revistas e livros
com o uso do vapor impulsionou as comuni- Por volta de 1860, a Revolucdao Industrial
cacées e a difusdo cultural, que permitiram o assumiu novas caracteristicas — Segunda
surgimento de novas técnicas e invengoes. Revolucao Industrial —, e uma _ incontida
Tendo-se originado na Inglaterra, a Revo- dinamica, impulsionada por inovag6es técni-
lugao Industrial logo alcan¢gou o continente eo cas, como a descoberta da eletricidade, a
resto do mundo, atingindo a Bélgica, a Frang¢a, invengao de Henry Bessemer para a trans-
e posteriormente a Italia, a Alemanha, a Russia, formagao do ferro em a¢o, o surgimento e
os Estados Unidos e o Japao. A expansao avanco dos meios de transporte (ampliacao
industrial estimulou o imperialismo do século das ferrovias seguida das invengdes do auto-
XIX, verdadeira corrida colonial por novos mével e do avido) e mais tarde dos meios de
mercados — em alguns aspectos semelhante ao comunica¢ao (inven¢do do telégrafo, telefo-
colonialismo dos séculos XVI e XVII -, que ne), o desenvolvimento da industria quimica
culminaria com a Primeira Guerra Mundial. e de outros setores.

P10)
A REVOLUCAO INDUSTRIAL

Devido aos seus desdobramentos, as trés a especializagao do trabalho. Além disso,


mais importantes invencdes do periodo, sin- ampliou-se a producdo, passando-se a pro-
gularizando uma nova etapa industrial, fo- duzir artigos em série, o que barateava o
ram: custo por unidade produzida. Surgiram as
@ O processo Bessemer de transformacao do linhas de montagem, esteiras rolantes por
ferro em aco, que permitiu a sua produ¢ao onde circulavam as partes do produto a ser
em grande escala, revolucionando as indts- montado, de modo a dinamizar a producd4o.
trias metalUrgicas. Por suas caracteristicas de Implantada primeiramente na_ industria
dureza e resisténcia e por seu baixo custo de automobilistica Ford, as esteiras levavam o
produ¢ao, o aco logo suplantou o ferro, chassi do carro a percorrer toda a fabrica. Dos
transformando-se no metal basico da segun- lados delas ficavam os operarios, que monta-
da etapa do processo de industrializagao. vam 0 Carro com pecas que chegavam a suas
a O dinamo, que possibilitou a substituigdo maos em outras esteiras rolantes. Esse método
do vapor pela eletricidade como forga de racionalizagao da produgao em massa foi
motriz das maquinofaturas. chamado de fordismo, também ligado ao
= O motor a combustao interna de Nikolaus principio de que a empresa deveria dedicar-
Otto, aperfeigoado por Gottlieb Daimler, se a apenas um produto, além de dominar as
Karl Benz e Rudolf Diesel, que introduziu o fontes de matérias-primas. O fordismo inte-
uso do petrdleo. grou-se as teorias do engenheiro norte-ame-
ricano Frederick Winslow Taylor, o tayloris-
mo, que visava buscar o aumento da produ-
tividade, controlando os movimentos das
maquinas e dos homens no processo de
producao.
Essa forma de producao em série propi-
ciou o surgimento de grandes industrias e a
geracdo de grandes concentragdes econdmi-
cas, que culminaram nos holdings, trustes e
cartéis.

A concentragao do capital industrial


@ Holdings correspondem a grandes em-
presas financeiras que controlam vastos
complexos industriais a partir da posse
da maior parte de suas agoes.
@ Trustes sa0 grandes companhias que
absorvem seus concorrentes ou estabe-
lecem acordos entre si, monopolizando a
produgao de certas mercadorias, deter-
minando seus pregos e dominando o
mercado; consiste, portanto, num domi-
Interior de industria alema em 1835.
nio vertical da produgao.
li Cartéis s40 grandes empresas indepen-
O uso da energia elétrica e do petrdleo, dentes produtoras de mercadorias de
gragas a maior poténcia e eficiéncia dessas um mesmo ramo que se associam para
fontes de energia, permitiu a intensificagao evitar a concorréncia, estabelecendo di-
e diversificagdo do desenvolvimento tecno- visao de mercados e definindo pregos;
ldgico. faz-se; assim, o dominio horizontal da
Na busca dos maiores lucros em relagao produgao.
aos investimentos feitos, levou-se ao extremo

291
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Dado o continuado desenvolvimento Da |dade Média até a explosao da


capitalista, com seus altos e baixos, e, espe- Revolugao Industrial, os trabalhadores-
cialmente, a dindmica tecnoldgica, nao é raro artesaos independentes foram perdendo
indicar-se uma Terceira Revolucao Indus- sua fungao e até desapareceram, dando
trial, a qual ganhou impulso na segunda
lugar aos operarios da segunda metade
metade do século XX. Suas caracteristicas
do século XVIIl. Vamos fazer, utilizando o
estéo associadas aos avancos ultra-rapidos
texto de Leo Huberman, um resumo his-
que resultam obsolescéncias também velo-
zes, especialmente na microeletrénica, na
torico da transigao do sistema de traba-
robotica industrial, na computadoriza¢gao dos lho da unidade produtiva familiar até a
servicos, na quimica fina e na biotecnologia. instalagao do sistema fabril:
A exigéncia de imensos investimentos e pes- “1 — Sistema familiar: o5 membros de
quisas é associada a eficiéncia e produtivida- uma familia produzem artigos para o seu
de incomparavelmente maior, tendo a lide- consumo, é ndo para a venda. O trabalho
ranca dos grandes conglomerados econdmi- nao se fazia com o objetivo de atender ao
cos multinacionais. mercado. Principio da |dade Média.
2 — Sistema de corporagoes: pro-
dugao realizada por mestres artesaos
Novas formas de trabalho independentes, com dois ou trés empre-
gados, para o mercado, pequeno e esta-
vel. OS trabalhadores eram donos tanto
O surgimento da mecaniza¢ao industrial da matéria-prima que utilizavam como
operou significativas transformacdes em quase das ferramentas com que trabalhavam.
todos os setores da vida humana. Na estrutura N&o vendiam o trabalho, mas o produto
socioecondmica, fez-se a separa¢ao definitiva do trabalho. Durante toda a |dade Média.
entre o capital, representado pelos donos dos 3 — Sistema doméstico: produgao
meios de produg¢ao, e o trabalho, representado realizada em casa para um mercado em
pelos assalariados, eliminando-se a antiga crescimento, pelo mestre-artesao com
organiza¢ao corporativa da produg¢ao, utiliza- ajudantes, tal como no sistema de corpo-
da pelos artesaos. O trabalhador perdia a ragoes. Com uma diferenga importante:
posse das ferramentas e maquinas, passando a 0S mestres ja nado eram independentes;
viver da Unica coisa que lhe pertencia: sua tinham ainda a propriedade dos instru-
for¢ga de trabalho, explorada ao maximo.
mentos de trabalho, mas dependiam,
Submetidos a remuneracao, condi¢g6es de
para a matéria-prima, de um empreen-
trabalho e de vida subumanas, em oposi¢ao
dedor que surgira entre eles e o consumi-
ao enriquecimento e pujanca dos proprieta-
dor. Passaram a ser simplesmente tare-
rios, os trabalhadores associaram-se em orga-
nizag6es trabalhistas como as trade unions e feiros assalariados. Do século XVI ao XVIII.
surgiram idéias e teorias preocupadas com o 4 — Sistema fabril: produgao para
quadro social da nova ordem industrial. um mercado cada vez maior e oscilante,
Estabeleceu-se, claramente, a luta de interes- realizada fora de casa, nos edificios do
ses entre a burguesia e o proletariado. Emergia empregador e sob uma rigorosa supervi-
a permanente questéo que atravessou o de- 2a0. Os trabalhadores perderam comple-
senvolvimento capitalista até os nossos dias: tamente sua independéncia. Nao pos-
de um lado aqueles que valorizam a dinamica suem a matéria-prima, como ocorria no
produtiva, a atuacadéo do mercado, como sistema de corporagoes, nem os instru-
regente fundamental do desenvolvimento e mentos, tal como no sistema domés-
outros que priorizam o lado social, os efeitos tico. A habilidade deixou de ser to
sobre as maiorias sociais no desenvolvimento importante como antes, devido ao
econdémico cada vez mais globalizado.
A REVOLUGAO INDUSTRIAL

maior uso da maquina. O Capital tornou- tos e técnicas para 0 maior e melhor desem-
se mais necessario do que nunca. Do penho industrial. Abriam-se também as con-
século XIX até hoje”. digdes para o imperialismo colonialista e a
luta de classes, formando o conjunto das
HUBERMAN, Leo. Histéria da riqueza do homem.
Rio de Janeiro, Zahar, 1979. p. 125-6.
bases do mundo contemporaneo.

Essa classificagao didatica, entre-


tanto, nado @ rigida, pois, num mesmo
momento, algumas dessas formas se
Edith
Rosen
mesclaram, enquanto em determinados
casos alguns sistemas nunca chegaram
a se delinear claramente.

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A milenar muralha da China, construida na Antiguidade, e a


torre Eiffel, simbolo dos tempos modernos.

“O poder é a velocidade da era


industrial a tudo transformava: a estra-
Atividade artesanal medieval e industria do século XIX.
da de ferro, arrastando sua enorme
serpente emplumada de fumaga a veloci-
A Revolucao Industrial estabeleceu a dade do vento, através de paises e
definitiva supremacia burguesa na ordem continentes, com suas obras de enge-
econdmica, ao mesmo tempo que acelerou nharia, estagoes e pontes formando um
o éxodo rural, o crescimento urbano e a conjunto de construgdes que fazia as
formagao da classe operaria. Inaugurava-se piramides do Egito e os aquedutos
uma nova €poca, na qual a politica, a romanos e até mesmo a grande muralha
ideologia e a cultura gravitariam entre dois da China empalidecerem de provincialis-
polos: a burguesia industrial e o proletariado. mo, era o proprio simbolo do triunfo do
Estavam fixadas as bases do progresso tecno- homem pela tecnologia”.
ldgico e cientifico, visando a invengdo e ao HOBSBAWM, Eric. A era das revolugoes. p. 61.
aperfeigoamento constantes de novos produ-

293
O LIBERALISMO E AS NOVAS
DOUTRINAS SOCIAIS
Pr

m conjunto com as grandes trans- créscimo do preco final favoreceria a lei


formagées econdmicas, politicas e natural da oferta e da procura, viabilizando o
sociais do final do século XVIII e sucesso econdmico geral.
inicio do século XIX, surgiram doutrinas e Segundo Smith, ndo cabia ao Estado in-
teorias que buscavam, de um lado, justificar e tervir na economia, competindo-lhe somente
regular a ordem capitalista burguesa que se zelar pela propriedade e pela ordem, ja que a
estabelecia e, de outro, condena-la ou refor- harmonizacado dos interesses individuais
ma-la. Estruturaram-se, entao, respectivamen- ocorreria por uma “mao invisivel’” levando
te, as doutrinas liberais e as teorias socialistas, ao bem-estar coletivo. Seguindo a linha de
todas pertencentes a um novo ramo da Adam Smith, surgiram varios outros tedricos
ciéncia — a economia politica. continuadores do liberalismo classico, como
Thomas Malthus e David Ricardo.
Thomas Malthus (1766-1834), em sua
Os economistas liberais obra Ensaio sobre a popula¢ao, estabeleceu o
(ee Sr pessimismo em relagao ao progresso huma-
no, ao afirmar que a natureza impunha limites
As bases do liberalismo, que tinham sur- ao progresso material. Isso porque a popula-
gido com o Iluminismo, contestavam o mer- ¢do cresceria em progressdo geométrica en-
cantilismo e defendiam os principios burgue- quanto a producdo de alimentos aumentaria
ses: propriedade privada, individualismo eco- em progressdo aritmética. Para ele, a pobreza
ndmico, liberdade de comércio e de produ- e o sofrimento eram inerentes a sociedade
¢do, respeito as leis naturais da economia, humana e as guerras e as epidemias ajuda-
liberdade de contrato de trabalho (salarios e riam no equilfbrio tempordrio entre a produ-
jornada) sem controle do Estado ou pressdo ¢do e a populagao.
dos sindicatos. Seus tedricos eram os ferre- Era preciso, por outro lado, conter o au-
nhos defensores da economia de mercado. mento de nascimentos, além de limitar a assis-
Langadas pelos fisiocratas franceses, as téncia aos pobres, desestimulando o aumento
premissas do pensamento liberal ganharam populacional e, conseqiientemente, reduzin-
contornos definidos com Adam Smith (1723- do a miséria. A Lei dos Pobres (1834), votada
1790), em sua obra A riqueza das na¢oes. pelo Parlamento inglés, foi um reflexo das
Para ele, a divisdo do trabalho passava a ser idéias de Malthus. Por essa lei centralizava-se a
elemento essencial para o crescimento da assisténcia publica, sendo os desempregados
produ¢ao e do mercado, e sua aplicacao efi- recolhidos as workhouses (casas de trabalho),
caz dependia da livre concorréncia, que for- onde ficavam confinados a disposigao do
¢aria Oo empresario a ampliar a produgao, mercado de trabalho. Homens e mulheres —
buscando novas técnicas, aumentando a em alas separadas — viviam em condic¢ées
qualidade do produto e baixando ao maximo precarias. Dessa forma, podia-se, ao mesmo
os custos de produ¢gao. O conseqiiente de- tempo, retirar das ruas boa parte da populacado

294
O LIBERALISMO E AS NOVAS DOUTRINAS SOCIAIS

mais miseravel e manté-la sob controle, forne-


~semelhante & de Ricardo, através da
cendo, ainda, mao-de-obra barata ou quase
aplicag&o
da ‘leidos rendimentos decres-
escrava para a industria nascente.
centes’, que admitia que o proprietario
rural ocupava areas menos férteis a
medida que a populagao aumentava.”
SANDRONI, Paulo. Dicionario de economia. S40
Paulo, Nova Cultural, 1989. p. 183.

Mulheres recolhidas a uma workhouse.

“T..] Os assalariados deveriam ter


- consciéncia de que, ‘com o numero de
. trabalhadores crescendo acima da pro-
a -porgaio do aumento da oferta de trabalho
no mercado, o prego do trabalho tende a
cair, ao mesmo tempo: que 0 prego dos
fe
alimentos tendera a elevar-se’.
: : eA tese de ‘Malthus foi contestada,
eh entre outros, por Fourier é Marx, por
_ ignorar a estrutura social da economia e
as possibilidades criadas pela tecnologia
agricola. Entretanto, ‘reciclada’ para o
=a terreno da evolugdo e das populagdes de
_ ingetos e outras espécies animais, ela
forneceu a chave decisiva para a teoria
da selegao natural de Darwin e Wallace.
David Ricardo € outros economistas
_classicos incorporaram o ‘principio da po- Para os liberais, mesmo a exploracao de mulheres e criangas

— pulagao’ aS suas teorias, supondo que a no trabalho nao deveria sofrer qualquer intervencao do
Estado. Malthus (embaixo) negava qualquer assistencialismo
oferta de trabalho era inexaurivel, sendo as populacées pobres e pregava a inducao a abstinéncia
limitada apenas pelo ‘fundo de salarios’. sexual, unicas formas de evitar as catastrofes de epidemias,
-Faralelamente, Malthus aplicava suas pestes e guerras.

. proprias teorias ao estudo da renda, no


-livro An Inquiry into the Nature and Pro-- David Ricardo (1772-1823), depois de
gress of Rent, 1815 (Investigagao Sobre a Adam Smith, foi o maior representante da
Natureza e o Progresso da Renda). Sua’ escola liberal — também chamada classica.
concep¢ao da renda diferencial da terra é Na obra Principios da economia politica e
tributacao, Ricardo desenvolveu a teoria do

295
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

valor do trabalho e defendeu a Lei Férrea dos As doutrinas socialistas


salarios, segundo a qual o prego da forca de Bt Se eae eae as i a a i ea
trabalho seria sempre equivalente ao minimo
necessdrio a subsisténcia do trabalhador. A reacdo operaria aos efeitos da Revolu-
Outros tedricos se oporiam as concep- ¢4o Industrial fez surgirem criticos ao pro-
¢6es liberais, levando em conta a emergente gresso industrial, que propunham reformula-
questao social e o enfoque da classe operdaria ¢des sociais e a construgéo de um mundo
que nascia nas fabricas. mais justo — os tedricos socialistas, que se
A Revolugao Industrial e o éxodo rural dividiram em grupos distintos, os socialistas
deram a Inglaterra nova configuragdo: no utdpicos, os socialistas cientificos (marxistas)
campo predominavam os latifindios e, nas e€ Os anarquistas.
cidades, as fabricas, onde se abrigava grande
contingente de miseraveis. Nao existindo
qualquer legislagao trabalhista ou inspe¢do
estatal, as jornadas de trabalho nas fabricas
eram muitas vezes superiores a quatorze
horas, além de terem instalagdes em locais
insalubres e de os acidentes de trabalho
ocorrerem com freqiiéncia.
Interessados em obter a mao-de-obra mais
barata possivel, os industriais preferiam o tra-
balho das criangas e das mulheres. As crian¢as
—algumas com idade inferior a oito anos — tra-
balhavam como verdadeiros escravos, em tro-
ca de alojamento e comida. Em 1802, um de-
creto parlamentar determinou que as criancas
vindas das workhouses nao trabalhariam mais
do que doze horas diarias, lei que, mais tarde,
se estendeu a todas as criancas operarias.
As longas jornadas e as condi¢des subu-
manas de trabalho, além dos baixos salarios,
nao eram, porém, as Unicas dificuldades do
trabalhador urbano. Em é€poca de guerras,
como as do periodo de Napoledo, os precos
dos géneros alimenticios subiam tanto que a
fome se disseminava. Diante dessa situacao
de crise, culpou-se a mecanizacdo pelas
condig6es miseraveis dos trabalhadores, pelo
desemprego. Formou-se, entéo, o movimento Socialismo utopico
ludista (nome derivado de seu suposto lider —
Ned ou King Ludd), que propunha a destrui- Os primeiros socialistas a formularem
¢ao de todas as maquinas, acreditando, dessa criticas profundas ao progresso industrial
forma, eliminar o problema. ainda o fizeram impregnados de valores li-
O descontentamento, entretanto, aumen- berais. Atacando a grande propriedade, mas
tava na medida em que cresciam as raz6es tendo, em geral, muita estima pela pequena,
para os conflitos, prenunciando uma revolu- esses tedricos acreditavam que pudesse haver
¢do social. Formaram-se as primeiras organi- um acordo entre as classes e elaboraram
zagées trabalhistas, as trade unions, que solu¢des que ndo chegaram, porém, a cons-
buscavam catalisar as insatisfagdes e organi- tituir uma doutrina, e sim modelos ideali-
zar a luta da classe operaria. zados.
O LIBERALISMO E AS NOVAS DOUTRINAS SOCIAIS

De forma geral, podemos considerar os superariam a desarmonia capitalista, surgida


socialistas ut6picos uma manifestagdo de da divisdo do trabalho e do papel anarquico
Oposi¢ao romantica aos novos tempos, pro- exercido pelo comércio na sociedade.
duto da decep¢do em relacdo aos resultados Robert Owen (1771-1858), aos vinte
da “razao”’ iluminista na Revolucdo Francesa anos, ja administrador de uma fabrica de
e do progressismo da Revolu¢4o Industrial. algodao em Manchester, na Inglaterra, pode
Conde Claude de Saint-Simon (1760- observar de perto as condi¢des desumanas
1825), revolucionario de 1789 educado por dos trabalhadores e revoltou-se com as pers-
D’Alembert, teve uma formacao racionalista, pectivas advindas do progressismo. Apontan-
como a maioria de seus contempordneos. do a impossibilidade de se formar um ser
Abrindo mao de seu titulo aristocratico, Saint- humano superior no interior de um sistema
Simon propds em Cartas de um habitante de egoista e explorador, buscou a criagdo de
Genebra a formagao de uma sociedade em uma comunidade ideal, de igualdade abso-
que nao haveria ociosos (militares, clero, luta. Na Escécia, onde assumiu 0 controle dos
nobreza, magistrados, etc.) nem a exploragao cotonificios de New Lanark por vinte e cinco
do homem pelo homem. Propunha, ainda, anos, chegou a aplicar suas idéias, implan-
uma sociedade dividida em trés classes — os tando uma comunidade de alto padrao, em
sdbios (savants), os proprietarios e os que nado que as pessoas trabalhavam dez horas por dia
tinham posses —, governada por um conselho e tinham um alto nivel de instrugdo.
de sabios e artistas. Seu sucesso nessa cooperativa e suas
criticas a propriedade e a religido atrairam,
porém, pressOes generalizadas, obrigando
Owen a abandonar a Gra-Bretanha e ir para
os Estados Unidos, onde formou a cidade de
New Harmony, no estado de Indiana. Quan-
do regressou a Inglaterra, presenciou a falén-
cia de suas cooperativas. No fim da vida
dedicou-se intensamente a organizacdo das
de
Conde
Saint-Simon.
Perrot, trade unions, pois, segundo ele, ‘‘o objetivo
primordial e necessario de toda a existéncia
deve ser a felicidade, mas a felicidade nao
pode ser obtida individualmente; é indtil
esperar-se pela felicidade isolada; todos de-
Saint-Simon, um nobre que defendeu os sans-culottes.
vem compartilhar dela ou entéo a minoria
nunca sera capaz de goza-la’’.

O novo cristianismo, seu Ultimo livro,


pregava uma nova religiosidade entre os
homens, diferente do catolicismo e do pro-
testantismo, que, somada 4a racionalidade
humana, poderia resultar num mundo pro-
gressista, industrialista e justo.
Charles Fourier (1772-1837), filho de
comerciantes, absorveu algumas idéias de
Rousseau: o homem é bom, a sociedade e as
instituic6es o pervertem. Fourier acreditava
ser possivel reorganizar a sociedade com a
criacdo dos falanstérios, fazendas coletivistas
agroindustriais. Nunca conseguiu, porém,
empresdrios interessados em financiar seu
projeto, apesar de alegar que os falanstérios Aula de danca na comunidade de New Harmony.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

O materialismo histérico defende a idéia


Opera rios versus escravos
de que toda sociedade é determinada, em
O desencanto de Owen com as Ultima instancia, pelas suas condig6es socio-
condigdes dos trabalhadores nas indus- econémicas — a chamada infra-estrutura.
trias levou-o na época a concluir que “por Adaptadas a ela, as instituigdes, a politica, a
pior e mais insensata que seja a escra- ideologia e a cultura como um todo com-
vidao existente na América, a escravidao pdem o que Marx chamou de superestrutura.
branca das fabricas inglesas era, nesse
periodo em que tudo era permitido, coisa
muito pior qué 0S escravos domésticos
que posteriormente vi nas Indias Ociden-
tais e nos Estados Unidos, e sob muitos
aspectos, tais como satide, alimentagao
e vestuarios, 05 escravos viviam em
muito melhor situagao do que as crian-
gas e trabalhadores oprimidos e degra-
dados das fabricas da Gra-Bretanha’”.
WILSON, Edmund. Rumo a estagdo Finlandia. p. 88.

Socialismo marxista

Paralelamente as propostas do socialismo


utopico, que procuravam conciliar numa
sociedade ideal os principios liberais e as ne-
cessidades emergentes do operariado, surgiu
0 socialismo cientifico. Mediante a analise
dos mecanismos econdmicos e sociais do ca-
pitalismo, seus idedlogos propunham com-
preender a realidade e transforma-la. O socia-
lismo cientifico constitufa, assim, uma _pro-
posta revolucionaria do proletariado.
Seu maior tedrico foi Karl Marx (1818-
1883), cuja obra mais conhecida, O capital
(1867), causou uma revolucdo na economia e
nas ciéncias sociais em geral. Marx contou,
em muitas de suas obras, com a colabora¢do
de Friedrich Engels (1820-1895), o autor de A
origem da familia, da propriedade privada e
do Estado.
No Manifesto comunista, publicado em
1848, Marx e Engels esbogaram as proposigdes
e postulados do socialismo cientifico, que fo-
ram definidos de forma concreta em O capital.
Entre esses principios destacam-se uma inter-
pretagao socioecondémica da historia — conhe-
cida como materialismo hist6rico —, o conceito
de luta de classes e de mais-valia e a revolucdo Karl Marx e Friedrich Engels, os fundadores do socialismo
socialista. cientifico.

298
O LIBERALISMO E AS NOVAS DOUTRINAS SOCIAIS

Esse principio fica claro ao se considerar e, no mundo contempordaneo, operdrios e


a passagem do modo de producdo feudal burgueses.
para o Capitalista, quando as relacdes de Outro conceito marxista basico é o de
produgao, as bases econdmicas e sociais e a mais-valia, que corresponde ao valor da
cultura como um todo ganharam dinamismo riqueza produzida pelo operdrio além do
e se transformaram. valor remunerado de sua forca de trabalho.
Enquanto isso, a ordem politico-juridica — Essa diferenga é apropriada pelos capitalistas,
Antigo Regime — continuou representando a caracterizando a exploracgdo operdria. A
ultrapassada estrutura produtiva, levando a mais-valia tende, assim, a ser um fator
explosao da Revolugao Francesa de 1789, crescente e imprescindivel de capitalizagdo
que buscava a adequacdo superestrutural a da burguesia.
infra-estrutura vigente. Contra a ordem capitalista e a sociedade
burguesa, Marx considerava inevitavel a agao
politica do operariado, a Revolucao Socialista
Infra-estrutura e superestrutura
que inauguraria a construgdo de uma nova
sociedade. Num primeiro momento, seriam
Segundo Marx, “a produg%o econo- instalados o controle do Estado pela ditadura
mica e a organizagao social que dela do proletariado e a socializagao dos meios de
resulta necessariamente para cada épo- producao, eliminando a propriedade privada.
ca da historia constituem a base da his- Numa etapa posterior, a meta seria 0 Comu-
toria politica e intelectual dessa época”. nismo, que representaria o fim de todas as
Pois, “na produgao social dos meios de desigualdades sociais e econdmicas, inclusive
existéncia, os homens contraem relagdes do proprio Estado. Nessa etapa, 0 homem
determinadas, necessarias e independen- viveria de acordo com o seguinte principio:
tes de sua vontade, relagdes de produgao “De cada um segundo sua capacidade e a
que 9ao correlativas a determinado es- cada um segundo suas necessidades”’.
tagio do desenvolvimento de suas forgas
produtivas. Todo o conjunto dessas
relagdes da produg¢ao forma a estrutura
economica da Sociedade. Essa estrutura Proletarios, uni-vos
economica é a base real, fundamental, a No Manifesto comunista, Marx afir-
infra-estrutura, sobre a qual se constréi ma que “a queda da burguesia e a vitoria
uma superestrutura juridica, politica, do proletariado 940 igualmente inevita-
intelectual ou ideoldgica”. veis [...]. OS proletarios nada tém a
Prefacio da Contribuigao a critica da economia perder com ela, a nao ser as proprias
politica, de Karl Marx. cadeias. E tém um mundo a ganhar.
Proletarios de todos os paises, uni-vos!”.

Na andlise marxista, o agente transforma-


dor da sociedade é a luta de classes, o Marx e Engels elaboraram suas andlises
antagonismo entre explorados e explorado- com base no método dialético, pelo qual o
res. Resultado da estrutura produtiva, espe- desenvolvimento de contrarios — tese e anti-
cialmente da existéncia da propriedade pri- tese — resulta em uma unidade transformada —
vada, tais classes, ao longo da historia, sintese. Pelo método dialético, por exemplo,
apresentam interesses opostos, o que induz o desenvolvimento burgués do mundo mo-
as lutas, as transformag¢ées sociais. Na Idade derno seria uma antitese aos privilégios
Antiga, opunham-se cidadaos ‘e escravos; na feudais sobreviventes no século XVIII, que
Idade Média, senhores e servos; na Idade desembocaram na Revolugdo Francesa, a
Moderna, nobreza, burguesia e camponeses; sintese do confronto.

299
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Shapiro.
de
Quadro

oWe

Anarquismo

Outra das correntes ideoldgicas surgidas


no século XIX foi o anarquismo, que pregava
a supressao de toda forma de governo,
defendendo a liberdade geral. Entre seus pre-
cursores destaca-se Pierre-Joseph Proudhon
(1809-1865). Em seu livro, O que é a
propriedade, vale-se dos pressupostos do
socialismo utdpico para criticar os abusos
do capitalismo, enfatizando o respeito a
pequena propriedade e propondo a criagao
de cooperativas e de bancos que concedes- Indmeros assassinatos politicos foram atribuidos a seguido-
sem empréstimos sem juros aos empreendi- res de Bakunin.
mentos produtivos, além de crédito gratuito
aos trabalhadores. Ao propor a criagao de
uma sociedade sem classes, sem explora¢ao, enn Cateciemo. fy ‘revoluciionario,
uma sociedade de homens livres e iguais, Bouin define ze) revolucionario como o
Proudhon defendia também a destrui¢do do individuo que*
“rompeu com todas as leis e
Estado, substituindo-o por uma “reptiblica de . codigos: morais do mundo instrutdo. Se
pequenos proprietarios’”, e inaugurava o ele vive nesse mundo, fingindo fazer parte
anarquismo. dele, € apenas para estar em melhores
condigdes de destrul-lo; tudo o que ha
As propostas reformistas de Proudhon nesse mundo é igualmente odioso. para
inspiraram Leon Tolstoi (1828-1910), Peter _ ele. Tem de ser frio: deve estar disposto a
Kropotkin (1842-1921) e, principalmente, morrer, deve preparar-se para resistir a
Mikhail Bakunin (1814-1876), que se tornou torturas e deve prontificar-se a esmagar
o lider do anarquismo terrorista ao apontar a qualquer sentimento. nele ‘surgido, iinclu-
violéncia como a Unica forma de se alcancar sive de honra, no momento em que este
uma sociedade sem Estado e sem desigualda- interferir com seu objetivo”.
des, um novo mundo de felicidade e liberda-
WILSON, Edmund. Rumoa oper Finn. P-cin
de para os trabalhadores bragais.
O LIBERALISMO E AS NOVAS DOUTRINAS SOCIAIS

O anarquismo — conhecido também


como comunismo libertario — e o marxismo
coincidem quanto ao objetivo final: atingir o
comunismo, estagio em que nao mais existi-
riam divisdes de classes, exploracdo, nem
mesmo o Estado. Entretanto, para os marxis-
tas, antes dessa meta faz-se necessaria uma
fase intermedidria socialista em que um
Estado revolucionario — ditadura do proleta-
riado — aplicaria medidas prolongadas, visan-
do 0 comunismo. Ja para os anarquistas, ten-
do como alvo erradicar o Estado, as classes,
as instituigdes e as tradic¢des, 0 cComunismo
seria instalado imediatamente.
Marx desfechou inumeras criticas aos
anarquistas, especialmente a Proudhon e
Bakunin, sofrendo destes, igualmente, diver- Jodo XXIII dirigiu a Igreja de 1958 a 1963.
sas contestagdes. Era um inicio que prenun-
ciava uma convivéncia de choques e diver-
géncias, comprovadas pelas rivalidades que Na verdade, a partir da publicagdo da
aconteceram posteriormente nos paises onde enciclica Rerum Novarum, a lgreja nado mais
marxistas e anarquistas coexistiram na luta se desvinculou da questao social e de suas
contra a ordem estabelecida. concep¢6es politicas, cardter reforgcado no
século XX, sobretudo apds o Concilio Vati-
cano II (1962-1965). Atualmente, parte do
clero, mais conservadora, defende que a
A doutrina social da Igreja Igreja deva ter um papel restrito ao plano
espiritual, enquanto outra, que criou a teo-
Na segunda metade do século XIX houve logia da libertagao, defende que a atua¢ao
uma grande mobilizagao operaria, com di- eclesiastica deva também abranger o plano
versos levantes revolucionarios em varios sociopolitico. As atividades deste ultimo gru-
paises europeus. Sentindo os efeitos da in- po tiveram maior destaque na década de 80,
dustrializagao, a cUpula eclesidstica de Roma especialmente nos paises latino-americanos.
definiu-se oficialmente quanto a sua partici-
pacao nos novos problemas sociais. Em 1891,
0 papa Leao XIII publicou a enciclica Rerum As lutas trabalhistas e as
Novarum, por meio da qual, de um lado, internacionais operarias
revivificava a religiao como instrumento de
reforma e justi¢a social e, de outro, declarava- Durante o século XIX, o movimento
se contra a doutrina marxista de luta de operario europeu mostrou comportamento
classes, apelando para o espirito cristao dos ora de ascensao, ora de refluxo.
empregadores, pedindo-lhes que respeitas- Na década de 40 do século XIX, surgiram
sem a dignidade de seus operarios. Essa manifestagdes como a Liga dos Justos — orga-
enciclica teve varios seguidores, que apro- nizagao socialista que representava varios
fundaram o posicionamento social da Igreja. paises e seguia as idéias de Marx e Engels —, a
Entre eles, destacaram-se os papas Pio XI, partir da qual foi elaborado o Manifesto
com a enciclica Quadragésimo Anno (1931); comunista (1848). Também na Inglaterra, a
Joao XXIII, com Mater et Magistra (1961) e ascensdo trabalhista desembocou no cartis-
Pacem in Terris (1963); e Paulo VI, com mo (1837-1848), movimento popular que
Populorum Progressio (1967) e Humanae reivindicava reformas nas condicées de tra-
Vitae (1968). balho (especialmente limitagdo da jornada) e

301
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

direitos politicos (sufragio universal). Na dé- sentido mais reformista e menos revolucio-
cada de 1850, porém, apds as revolucdes nario, adotando os ideais da Social Demo-
frustradas de 1848 (que estudaremos mais a cracia Alema, primeiro partido politico so-
frente) e a repressdo do Estado, o movimento cialista. Agora defendia-se que o socialismo
operario foi consideravelmente afetado, em seria alcangado lentamente, pelas reformas,
muitos centros até mesmo desativado quase pelo voto, pela via parlamentar. Mas a uniao
por completo. dos trabalhadores foi breve: no inicio do
século XX os marxistas revolucionarios, li-
derados por Lénin e Rosa Luxemburgo,
opuseram-se aos moderados.
Alinhadas aos seus respectivos paises,
durante a Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), as massas trabalhadoras dividiram-se
ainda mais, sepultando a II Internacional. Em
1919, em Moscou, em meio a Revolucao
Russa bolchevique, formou-se a III Interna-
cional, que assumiu 0 nome de Internacional
Comunista (Comintern), que seria o embrido
dos partidos-comunistas.

FELLOW CITiZen
UN EMPLOY!
are em The

Grande recep¢ao no palacio das Tulheiras, Franga. Enquan-


to, nas ruas, movimentos populares reivindicavam direitos
politicos e trabalhistas, nas cortes européias, os nobres,
especialmente, continuavam externando opuléncia em festas
faustosas.

Nos anos 60 do mesmo século, 0 movi-


mento operario voltou a ganhar forga. Em
1864, em Londres, foi fundada a | Interna- As internacionais socialistas visavam organizar os trabalha-
cional Operaria, também chamada de Asso- dores de varios paises europeus em suas lutas politicas e
sociais.
cia¢ao Internacional dos Trabalhadores. Os
primeiros encontros foram marcados pelas
divergéncias entre marxistas, anarquistas e Discordantes dos revolucionarios russos,
sindicalistas. O conflito tedrico entre Marx e os moderados ou reformistas da II Internacio-
Bakunin ganhou maior repercusséo0 com os nal tentaram reorganizd-la, adotando, a partir
acontecimentos da Comuna de Paris (1871), de 1923, o nome de Internacional Socialista,
um governo popular de curta dura¢ao. base dos partidos socialistas. A partir de
Em 1872, num congresso em Haia, entao, comunistas e socialistas separaram-se,
Bakunin e seus seguidores anarquistas foram defendendo praticas e visGes de mundo
expulsos da Internacional e, em 1876,a completamente diferentes. Enquanto os socia-
propria Associa¢ao foi dissolvida devido a listas passaram a ser rotulados pelos comu-
divisao dos trabalhadores. nistas de seguidores do reformismo utopista,
Em 1889, numa nova ascensdo trabalhis- Os comunistas eram acusados de radicais e
ta, foi fundada a Il Internacional, com um revolucionarios.
O LIBERALISMO E AS NOVAS DOUTRINAS SOCIAIS

A cultura no século XIX No caminho aberto por Hegel, entre-


Ae eae ee ee ee tanto, surgiu outro pensador alemao,
Karl Marx (1818-1883), materialista,
O século XIX iniciou-se em meio as que superou — dialeticamente — as opo-
guerras napolednicas, sofrendo influéncia da sigdes de seu mestre. Marx escreveu que
Revolugao Francesa e da Revolugado Indus- em Hegel a dialética estava, por assim
trial, que espelhavam o antagonismo entre dizer, dé cabeca para baixo; decidiu,
progresso tecnoldgico e condigées sociais — entdo, coloca-la sobre seus proprios pés.”
sobretudo no que se refere 4 exploracao KONDER, Leandro. O que é dialética. S40 Paulo,
operdria. Conviveu também com os princi- _ Brasiliense, 1961. p. 27.
pios reacionarios impostos pelo Congresso de
Viena.
Esses antagonismos refletiram-se no pla- No inicio do século, predominava na
no das idéias, configurando-se inicialmente literatura o Romantismo, suplantado mais
no idealismo romantico dos fildsofos Emanuel tarde pelo Realismo. Refletindo o desconten-
Kant (1724-1804), que se destacou com tamento social e politico gerado pela Revo-
Critica da razao pura, e Georg Wilhelm lucdo Industrial, o Romantismo caracterizou-
Hegel (1770-1831), com Dialética idealista, se pelo sentimentalismo e pela valorizagao da
obras que inspiraram o materialismo dialéti- natureza. Mais adaptada as novas condicées,
co de Karl Marx. impostas pela industrializagdo e pelo avanco
O conceito de diaiética (do grego dia- do capitalismo, surgiu a escola realista, que
lektikdés — ‘arte do didlogo’) foi desenvolvido predominaria até a Primeira Guerra Mundial.
por Marx a partir da doutrina de Hegel, como
um método de compreensdo e analise da
realidade, considerada essencialmente con-
tradit6ria e em permanente mudanga. A
doutrina idealista de Hegel supunha que
eram as idéias, 0 pensamento, que criavam
a realidade e faziam o mundo mover-se. Para
Marx e Engels, no entanto, as idéias eram, na
verdade, reflexo da realidade, constituindo —
idéias e realidade — um todo integrado e
interdependente.

“O modo de produgao da vida mate-


das
acima
viajante
O
Friedrich,
Caspar-David,
nuvens.
rial condiciona o processo da vida social,
politica e intelectual. Nao é a consciéncia
dos homens que determina a realidade;
ao contrario, é a realidade social que Os romanticos viam a vida com melancolia, com um
exaltado sentimentalismo.
determina sua consciéncia”. (Karl Marx)
“Hegel subordinava os movimentos
da realidade material a ldgica de um Como poucos periodos histéricos, 0 sé-
principio que ele chamava de Idéia Abso- culo XIX foi intelectualmente muito fértil.
luta; como essa ldéia Absoluta era um Nesse periodo destacaram-se inumeros escri-
principio inevitavelmente nebuloso, os tores, como os romanticos Lord Byron (1788-
movimentos da realidade material eram, 1824), George Sand (1804-1876) e Vitor
freqiientemente, descritos ‘pelo filosofo Hugo (1802-1885), e os realistas Charles
Dickens (1812-1870) e Emile Zola (1840-
de maneira bastante vaga.
1902).

10%)
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Na musica romantica, exaltou-se o senti- ele. A influéncia da vida politica na musica,


mento individual, desprezando-se o formalis- alids, j4 acontecera no século XVIII, com
mo tipico da escola anterior, o Classicismo. Wolfgang Amadeus Mozart, que escrevera
Ludwig van Beethoven (1770-1827) compds uma Opera propagandistica para a maconaria,
nove sinfonias entre 1800 e 1824, nas quais A flauta magica.
fica evidente a transi¢aéo entre a sinfonia
classica e a romantica, isto é, entre a postura
disciplinada e objetiva do periodo classico e
as idéias revolucionarias, subjetivas e senti-
mentais do Romantismo. Beethoven demons-
tra a predominancia do individualismo do
periodo na Primeira Sinfonia, composta em
1800, ao inicid-la pelo que, no Classicismo,
seria a parte intermedidria da musica, a de
maior tensao.

i iesan“0mundo racionalde uma biblioteca

A misica de Beethoven (acima) “‘nos mostra uma pessoa que


consegue exprimir seus prdprios sentimentos e anseios.
Nesse sentido, Beethoven foi um artista ‘livre’, ao contrario
de mestres do Barroco como Bach e Handel, que compu-
nham suas obras em louvor a Deus e freqiientemente
segundo rigidas normas de composi¢gao”. (GAARDER,
opeu t sntandonae Jostein. O mundo de Sofia.)
algo fora de seu alcance.”
Clark. Civilizagao. Sio Paulo, Martine
No século XIX, o século do nacionalismo,
Rontee/UnB, 1980. p. 515.
muitos compositores deixaram provas defini-
tivas de seu patriotismo, como o italiano
Giuseppe Verdi (1813-1901), com a 6pera
A Terceira Sinfonia, inspirada em assun- Aida, os tchecos Bedrich Smetana (1824-
tos politicos, foi composta em homenagem a 1884), com Minha patria, Dangas tchecas, e
Napoledo, a quem Beethoven admirava co- Anton Dvorak (1841-1904), com Dangas
mo apéstolo dos ideais revolucionarios. Mais eslavas e Rapsddias eslavas. Também o russo
tarde, porém, quando soube que Bonaparte Piotr llicht Tchaikovski, com Pequena Russia,
fora proclamado imperador, rasgou a pagina Polonesa, além de O lago dos cisnes e Suite
da Sinfonia em que havia uma dedicatdria a quebra-nozes, e o polonés Frédéric Chopin
(1810-1849), com suas mazurcas e polonaises.

304
O LIBERALISMO E AS NOVAS DOUTRINAS SOCIAIS

“Este talvez tenha sido o tnico Além de Beethoven, destacaram-se na


musica romantica Franz Liszt (1811-1886),
periodo da historia em que as Operas
Hector Berlioz (1803-1869), Franz Peter
eram escritas, Ou consideradas como
Schubert (1797-1828), Frédéric Chopin
manifestos politicos é armas revolucio-
(1810-1849), Robert Schumann (1810-1856)
narias. [...] E bastante natural que este
e Richard Wagner (1813-1883). No final do
nacionalismo encontrasse sua expressao
século, apareceu Richard Strauss (1864-
cultural mais Obvia na literatura e na 1949), j4 buscando uma linguagem musical
musica, ambas artes publicas, que po- mais realista, e Claude Debussy (1862-1918),
diam, além disso, contar com a poderosa o impressionista da musica, seguido por
heranga criadora do povo comum — a lin- Maurice Ravel (1875-1937). Claude Debussy
guagem é as canoes folcléricas.” associou acordes até entdo considerados
HOBSBAWM, Eric. A era das revolugdes. p. 278-9. dissonantes, destacando timbres orquestrais
que se realcavam alternadamente. Sua mdsi-
ca incorporou um método que pode ser
Utilizando uma linguagem tumultuosa comparado ao ‘‘do pintor impressionista que
para exprimir os prdprios sentimentos do coloca em suas telas as cores elementares,
compositor, criaram-se novas formas musi- lado a lado, em lugar de misturd-las na
cais, que libertavam a musica da obrigatorie- paleta” (Henri Pruniéres).
dade de seguir uma determinada ordem. E o
caso do poema sinf6nico, criado por Hector No final do século, a musica européia
Berlioz (1803-1869), uma grande composi- completava sua transi¢do e estruturava-se a
¢do musical executada por uma orquestra caminho do Modernismo, a arte de nosso
sinf6nica, ilustrando uma determinada a¢ao. tempo, do século XX.

moulin
Le
Renoir,
(detalhe),
Galette
la
Auguste
de
1876.

Os impressionistas criaram
novas técnicas de pintura
para expressar-se em suas
telas.
A EUROPA NO SECULO XIX

ouve quem definisse 0 século XIX América, Africa do Sul, Nova Zelandia e
como ‘‘um longo século’”’, ja que Australia, entre outros. Além de contribuir
suas Caracteristicas marcantes tinham para aliviar a questao social européia, a grande
sido esbocadas com o inicio da era das migracgdo também favoreceu a europeiza¢ao e
revolucées do século XVIII, sendo s6 supera- globalizagdo econdmica em curso.
das por novas feicdes histéricas globais
pouco depois do inicio do século XX, com a
Primeira Guerra Mundial. A partir dai, so- A Era Vitoriana na Inglaterra
bressairam-se outros componentes tipicos, Be eee eee
distintos do longo perfodo anterior, que
redirecionaram as transformacoes histdricas. O século XIX europeu foi marcado pelo
Em meio a uma popula¢ao que saiu de predominio econdémico inglés. Nas primeiras
190 milhdes para chegar a 423 milhdes de décadas desse século, a Inglaterra firmou sua
habitantes, o século XIX europeu foi marcado posi¢ao de principal poténcia mundial, situa-
pelo desenvolvimento econdémico capitalista, ¢do que vigorou até o inicio do século XX,
pelo triunfo do liberalismo e do imperialismo, nao sem contesta¢ao e disputas.
bem como pela efervescéncia do sentimento
nacionalista e da doutrina socialista.
Acompanhando a indusirializacdo, o pro-
gresso Capitalista europeu foi, pouco a pouco,
consolidando o Estado liberal burgués durante
o século XIX. Além disso, 0 perfodo foi
destacado pelo acirramento das disputas por Winterhalter.
de
Quadro
mercados coloniais, bem como pelo desen-
volvimento das idéias socialistas ante o agra-
vamento da questdo social. Simultaneamente,
oséculo XIX europeu foi envolvido, ainda, pela
emergéncia de um outro ideal poderoso na
mobiliza¢ao politica, o nacionalismo, fruto do
anseio de alguns povos em formar Estados
soberanos livres e poderosos. Arainha Vitoria morreu trés semanas depois de ter terminado
A busca da sobrevivéncia e de novas 0 século XIX, o século britanico, deixando ao seu herdeiro
oportunidades por parte dos europeus, junto Eduardo VII um império grandioso, que, entretanto, come¢a-
va a ruir e sofria cada vez mais ameagas.
a turbuléncia politica e crises, também favore-
ceram grandes deslocamentos demograficos,
que, fora a enorme urbanizagao, levaram Durante a maior parte deste século, o
dezenas de milhGes de pessoas a dirigirem-se trono inglés foi ocupado pela rainha Vitdria
para outros territ6rios, como por exemplo a (1837-1901), que com os seus gabinetes do

306
A EUROPA NO SECULO XIX

Partido Conservador (tories) e Partido Liberal para imprimir as mudangas desejadas quando
(whigs), adotou uma politica marcadamente apresentada ao Parlamento para votacdo
burguesa e impulsionadora do liberalismo, (1848). Porém, pouco depois, os movimentos
emprestando o nome de Era Vitoriana a esta populares retomaram forga, conquistando,
fase de apogeu britanico. em 1858, o fim do censo eleitoral para a
O poderio britanico contava com o rapido Camara dos Comuns e, em 1867, o Ato da
crescimento industrial, com uma poderosa Reforma que estendeu o direito de voto a
Marinha mercante e com um Estado solida- todos que tivessem residéncia prdpria ou
mente estruturado. Desde a derrota de Napo- pagassem aluguel acima de um certo valor,
ledo Bonaparte, em 1815, a Inglaterra nao es- deixando de fora os mais pobres trabalhado-
barrava em nenhum rival suficientemente forte res industriais. Em 1872, estabeleceu-se o
que fosse capaz de ameagar de forma decisiva voto secreto e, em 1884, o mesmo direito do
sua estabilidade, lideranga e hegemonia inter- Ato da Reforma foi estendido ao campo,
nacional. Vigorava, enfim, 0 que se denomi- envolvendo boa parte dos trabalhadores ru-
nou de Pax Britannica, a era da libra esterlina. rais. Dos principais ministros ingleses que
Na politica, a completa hegemonia bur- governaram 0 pais quando ocorria a amplia-
guesa emergia com a Lei da Grande Reforma ¢do do direito de voto estavam, especialmen-
de 1832, gragas a maior representatividade te, William E. Gladstone (1809-1898) e
politica conseguida pelos centros urbanos, os Benjamin Disraeli (1804-1881).
quais eram capitaneados pela elite do dina-
mico capitalismo inglés. Triunfava o poder do
sucesso burgués frente a tradicdo de privilé-
gios dos grandes proprietdrios.
Dai em diante, foram sendo adotadas
medidas que eliminaram as restrig¢Ges comer-
ciais e agricolas, a exemplo da abolicdo da
“Lei dos Cereais’” (1846) que, com suas
elevadas taxas de importagdo, dava imensas
vantagens aos proprietarios de terras ingleses.
Tal politica serviu para a expansdo do livre
comércio e superac¢ao do protecionismo,
como preconizava 0 liberalismo econdmico.
O periodo vitoriano foi também marcado
pela atua¢gdo das organizacgées trabalhistas —
as trade unions — vencendo a resisténcia do
empresariado e conquistando sucessivas me-
lhorias nas condigG6es de trabalho (legislagao
trabalhista, redugao da jornada de trabalho,
melhores saladrios), bem como um maior
espaco na vida politica inglesa.
Enfrentaram-se as péssimas condi¢6des
das workhouses e outras evidéncias criticas
da ‘‘questéo social’ e da marginalizagao
politica, sobressaindo-se a publicacdo da
Carta do Povo, de 1838, reivindicando o
sufragio universal, o voto secreto, o fim do
censo para as eleicdes e elegibilidade, a
remuneracao dos eleitos e eleigdes anuais.
A Carta conseguiu, inicialmente, grande Gladstone (em cima) e Disraeli dominaram a cena politica
mobilizagéo popular, mas nao o suficiente inglesa colocando em duelo seus talentos parlamentares.

ey
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

No final do século XIX, junto aos partidos inglesa sobre a Irlanda. Na década de 1860,
dos tories (conservador) e dos whigs (liberal), intensificaram-se os atos terroristas, obrigan-
os lideres das trade unions buscaram a do o governo inglés de Gladstone a iniciar
formagao de um partido politico dos traba- reformas que neutralizassem os radicais.
lhadores, o Partido Trabalhista (Labour Party, Dentre elas, estava a desobriga¢do dos catd-
1893). As disputas politicas e a busca pela licos irlandeses em pagar tributos a Igreja
ampliagao dos direitos eleitorais e sociais protestante e favorecimentos aos trabalha-
estruturaram definitivamente o Partido Traba- dores arrendatarios do campo, estipulando
lhista em seguida as eleicGes de 1906 e, compensagées caso fossem despejados por
pouco depois, também levaram a aboli¢ao proprietarios.
das limitagdes eleitorais (1918), culminando
no sufragio universal. A partir de 1880, sob a lideranga de
Charles Stewart Parnell, os deputados irlan-
deses eleitos para o parlamento inglés passa-
ram a atuar na diregao da autonomia politica —
O problema da Irlanda a Home Rule -, a qual acabou apoiada por
Gladstone e repelida pela Camara dos Comuns .
Outra grande questaéo inglesa do século em 1886. Imediatamente, na Inglaterra, prin-
XIX foi a da Irlanda, regiao dominada pelos cipiou uma crescente repressdo contra os
_ ingleses desde o inicio da Idade Moderna e ativistas pela autonomia, adiando o processo
que, com popula¢gao predominantemente secessionista da Irlanda. A ascendente luta
catdlica, lutava contra a submissdo a Ingla- irlandesa s6 foi momentaneamente amorteci-
terra protestante. Dificuldades, crises, instabi- da com o inicio da Primeira Guerra Mundial,
lidade regional e busca de oportunidades em retomando fdlego e intensidade logo em
outras regides por parte dos irlandeses aju- seguida.
dam a explicar a queda populacional do pais:
de um total pouco superior a oito milhGes de
habitantes, em 1841, decaiu para 4,4 mi-
lhGes, setenta anos depois.

Em 1800, as instituigdes aut6nomas ir-


landesas foram suprimidas através de um ato
de uniao, passando para o Parlamento brita-
nico todo o controle politico. Pouco depois,
devido a séria crise da produgao agricola que
envolveu toda a Europa nos anos 1840, a
Irlanda foi assolada pela ‘grande fome’”,
durante a qual nada menos do que 1 milhao
de pessoas morreram e outros 2 milhdes
emigraram, principalmente para os Estados
Unidos.

Nas décadas seguintes, em meio ao


avanc¢o dos direitos politicos ingleses que se
estendiam a popula¢ao irlandesa, fortaleceu-
se a oposi¢ao dos catdlicos irlandeses que
arrendavam as terras locais dos proprietarios
predominantemente protestantes e ingleses
para a produ¢ao agricola. Aos poucos, foi
despontando o fervor revolucionario e sepa-
ratista que colocaram em risco a domina¢do

308
A EUROPA NO SECULO XIX

mulheres e os trabalhadores suspende- A Franga no século XIX


ram suas campanhas ativistas, hipote-
cando sua lealdade ao rei e ao pais,
‘enquanto durasse a guerra’. Da restauracéo dos Bourbons no trono,
Muitos irlandeses combateram pela passando por revolugoes liberais e levantes
Inglaterra na Primeira Guerra Mundial, revolucionarios, até a instauragdo do Segun-
mas a promessa protelada da autonomia do Império e em seguida da Terceira Repu-
politica para a Irlanda inflamou muitos blica, o quadro politico-social francés foi
outros, que continuaram a sua luta pela efervescente durante todo o século XIX.
independéncia. Em 1916, a insurreigdo ir-
landesa, a rebelifZo da PAscoa liderada
por Sir Roger Casement, foi sufocada, e
A Restauracao (1815-1830) ea
seus lideres executados. Apos a guerra,
Revolucao de 1830
com malevoléncia de ambas as partes, a
Apos a queda de Napoledo Bonaparte em
Irlanda foi dividida. O sul ganhou a inde-
Waterloo (1815), Luis XVIII retomou o poder,
pendéncia e um governo republicano, e 0s restaurando a monarquia dos Bourbons, se-
seis condados do norte permaneceram no gundo determinac¢ao do principio da legitimi-
Reino Unido.” dade do Congresso de Viena.
(PERRY, Marvin (org.). Civilizagao ocidental —
Uma histéria concisa. SZ0 Paulo, Martins Fontes,
1985. p. 567.)
De Luis XVI para Luis XVIII

ESSE — Luts XVIII, antigo conde de Provenga,


chegou ao trono com o desaparecimento
do filho de seu irmao, Luis XVI. Aquele que
deveria ter sido Luis XVIl morreu ainda
crianga, aos dez anos, na prisao do
Templo, em 1795, durante a Revolugao.
“A veracidade dessa morte suscitou
dividas em inimeras pessoas e até em
alguns historiadores. Apareceram falsos
‘delfins’, sobretudo depois de 1615, mas
nenhum deles conseguiu provar sua au-
tenticidade.”
GODECHOT, Jacques. A Revolugao Francesa —
cronologia comentada. Rio de Janeiro, Nova Fron-
teira, 1989. p. 195-4.

A restauragao foi estabelecida segundo


uma nova constituigdo, de acordo com a qual
oO poder executivo passaria a ser exercido
pelo rei e pelo legislativo, dividido em duas
camaras: a Camara dos Pares, composta por
deputados nomeados pelo rei, com cargos
FRANCA vitalicios e hereditarios, e a Camara dos
Deputados; cujos membros eram eleitos pelo
A Irlanda foi um grande fator de tensao na politica inglesa do
voto censitario, isto é, segundo a renda
século XIX. individual. Assim, de toda a popula¢ao, que

309
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

na €poca era superior a trinta e trés milhdes


de habitantes, apenas noventa e quatro mil
tinham direito a voto.
Restabelecia-se na Fran¢a, entao, um
governo elitista, combinando o absolutismo
com doses de liberalismo, isto ێ, um governo Caricatura
Ruckert.
de

regido por uma constituigao, mas que tentava


cercear os direitos e a liberdade conseguidos
durante o processo revolucionario de 1789 a
1815.
A agitagao politica, produto do processo
revolucionario por que passara o pais e das
guerras napolednicas, foi constante durante a
monarquia moderada estabelecida por Luis
XVIII, destacando-se os seguintes grupos
politicos rivais:
mi Os ultra-realistas, liderados pelo irmao de
Luis XVIII, o conde de Artois, que defen-
diam o retorno completo do absolutismo,
segundo o ideal de legitimidade do Con-
gresso de Viena.
m Os bonapartistas, que defendiam a volta de Caricatura de Carlos X, mostrando-o como uma figura
ridicula, ligada ao clero e aos militares.
Bonaparte ao governo francés.
m Os radicais, revolucionarios liberais, ad-
versarios dos Bourbons e ferrenhos defen- A Revolugao de 1830 sepultou definiti-
sores dos ideais de 1789. vamente as inten¢des restauradoras do Con-
gresso de Viena, motivando uma vaga de
A fase reacionaria iniciada com o Con- progressismo, de impeto revolucionario, que
gresso de Viena fortaleceu-se em 1824 coma levaria as revolucdes de 1848 e a diversos
morte de Luis XVIII, quando o trono foi movimentos nacionalistas do periodo.
ocupado por seu irmao, 0 conde de Artois,
que recebeu o titulo real de Carlos X. Com o
novo monarca, restabeleceu-se na Fran¢a o As repercussdes da Revolugao de 1830
Antigo Regime, apoiado pela faccao mais no Brasil
conservadora, restaurando-se os privilégios
do clero e da nobreza. A Revolugao Liberal de 1830, tam-
Carlos X sofreu crescente oposi¢gao dos bém chamada de Jornadas de Julho, es-
liberais, liderados pelo duque Luis Filipe, e da tancou o avango reacionario iniciado com
imprensa, especialmente do jornal O Nacio- o Congresso de Viena de 1815. A reper-
nal, que, mobilizando a sociedade, criaram o cussao foi intensa na Europa é€ atingiu
clima revolucionario que culminaria com a também o Brasil, onde, desde 1824, D.
Revolucao de 1830. Pedro | impusera um governo absolutista,
O ativismo politico dos liberais contra o com base numa constituigao outorgada
absolutismo alcangou o auge, em 1830, com nesse mesmo ano.
as Jornadas Gloriosas, barricadas levantadas A retomada liberal européia fez-se
por populares nas ruas de Paris. Estimulados e hotar no Brasil através do jornalista
liderados pela alta burguesia francesa, esses Libero Badard, que, por sua atuacHo,
movimentos acabaram resultando na fuga de acabou assassinado, em novembro de
Carlos X, temeroso de desdobramentos revo- 1830, por partidarios de D. Pedro |. Esse
lucionarios semelhantes aos de 1789, que fato, acrescido do liberalismo que conti-
levaram a decapitacao de seu irmao Lufs XVI.

3510
A EUROPA NO SECULO XIX

Luis Filipe para a Inglaterra. A Revolucdo de


fevereiro de 1848 refletiu-se por todo o
mundo, exaltando o dnimo das massas,
ansiosas por mudangas profundas.

O governo de Luis Filipe (1830-1848)


e a Revolucao de 1848

Caia a dinastia Bourbon e ascendia ao


trono Luis Filipe de Orléans, que ficou
conhecido como o “rei burgués” ou o “rei
das barricadas’”’. Sua posse representou um
avanco liberal que repercutiu por toda a
Europa, pois simbolizava os anseios das
na¢gdes prejudicadas por medidas adotadas
pelo Congresso de Viena: a Bélgica procla-
mou-se independente da Holanda; a Alema- A Segunda Republica francesa
nha, a Italia e a Pol6nia iniciaram as lutas (1848-1852)
nacionais contra a dominacao estrangeira.
Luis Filipe reformulou a constituigao dos Com a derrubada de Luis Filipe, foi
Bourbons, enfatizando o liberalismo: subme- proclamada a Segunda Republica na Franca
teu-se a constitui¢do, fortaleceu o legislativo, (a primeira ocorrera entre 1792 e 1804). As
aboliu a censura e descaracterizou a religiao varias correntes politicas da época organiza-
catdlica como sendo a oficial no pais. Apesar ram um governo provisorio, com a fungao de
disso, manteve ainda o cardater censitario do convocar uma Assembléia Constituinte: na
voto e da candidatura a cargos legislativos. presidéncia, o liberal Lamartine, auxiliado
Atendeu, assim, exclusivamente aos interesses pelo jornalista moderado Ledru-Rollin, o
da burguesia, ignorando os do proletariado. escritor socialista Louis Blanc e 0 operdrio
Os adversdrios do governo — socialistas, Albert.
bonapartistas e republicanos — uniram-se Entre as primeiras medidas do novo go-
contra Luis Filipe, reclamando uma reforma verno destacaram-se o fim da pena de morte e
eleitoral e parlamentar, com a queda da o estabelecimento do sufragio universal nas
exigéncia censitaria. Organizando reunides eleic¢des. Os conflitos entre as liderancas
populares e manifestagGes contrarias ao “‘rei trabalhistas e burguesas, entretanto, aflora-
burgués’”, esse movimento ficou conhecido vam. Os socialistas, tendo como meta a
como politica dos banquetes, referéncia as _criagaéo de uma repdblica social, pressiona-
reunides de opositores que se davam em vam, reivindicando medidas governamentais
torno de refeigdes. Apds mais de sessenta que garantissem empregos, direito de greve e
dessas reunides, em fevereiro de 1848, o limitagao das horas de trabalho. Obtiveram a
ministro Guizot decidiu proibi-las. criagdo das oficinas nacionais, que garantiam
O rei e Guizot nado cederam as pressdes trabalho para os numerosos desempregados
reformistas, 0 que intensificou as manifesta- em aterros, fabricas e construgdes do gover-
¢6es populares. Os confrontos e a rebeldia da no. Os liberais moderados, representantes dos
Guarda Nacional, que aderiu aos revoltosos, grandes proprietdrios, ao contrario, buscavam
levaram a demissdéo de Guizot e a fuga de barrar as medidas de cunho popular, temendo

3 11
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

a volta de um governo radical, como o enfatizando o ideal de progresso e de poderio


montanhés, que dominou a Frang¢a em nacional. Em 1851, quase ao fim de seu
1793-1794. mandato e com ambicdao continuista, Bona-
Em abril de 1848, nas eleigdes da parte fechou a Assembléia Nacional, uma vez
Assembléia Constituinte, os moderados sai- que a constituicdo proibia a reelei¢ao presi-
ram vitoriosos, obtendo a maioria das cadei- dencial, e estabeleceu a ditadura. Devido as
ras, gracas, principalmente, a atuacdo dos semelhangas com o golpe de Napoledo em
proprietarios rurais. Com a radicalizagdo da 1799, esse acontecimento passou a ser cha-
polarizacao politica entre socialistas e bur- mado de 18 de brumario de Luis Bonaparte.
gueses, os populares multiplicaram suas Em seguida, por meio de um plebiscito,
manifestagd6es de rua, tumultuando Paris. Bonaparte ganhou poderes para elaborar
Sob 0 comando do general Cavaignac, o uma nova constituigaéo, que o transformou
governo massacrou os revoltosos, suspendeu num cénsul, como o tio, dando-lhe poder
os direitos individuais e fechou as oficinas ditatorial por dez anos.
nacionais, transformando a revoluc¢éo em Sobre essa ocorréncia, referindo-se ao
guerra civil: mais de 3 mil pessoas foram golpe ditatorial de Luis Bonaparte, sentenciou
fuziladas e 15 mil foram deportadas para as Karl Marx: ‘Hegel observa em uma de suas
coldénias. obras que todos os fatos e personagens de
Cavaignac, conhecido como “o carnicei- grande importancia na histéria do mundo
ro”, garantiu a vitdria da burguesia, tendo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E
assumido o governo até novembro, quando esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez
foi aprovada a nova constitui¢do republicana. como tragédia, a segunda como farsa’’.
Segundo essa constitui¢do, o poder legislativo (MARX, Karl. O 18 de brumdrio. Rio de
caberia a uma assembléia eleita por sufragio Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 17.)
universal por trés anos e o poder executivo
ficaria a cargo de um presidente, eleito por
quatro anos.
A 10 de dezembro de 1848, os franceses
elegeram seu presidente — Luis Bonaparte,
sobrinho do imperador Napoledo | e, por-
tanto, figura carismatica para os franceses,
que viam nele a possibilidade de restauracao
da gloria vivida pelo pais na época de
Napoleao.

Luis Bonaparte venceu as eleicdes com


73% dos votos e realizou um governo que Luis Napoledo Bonaparte tornou-se o novo imperador
buscou a unidade e a pacificagao nacional, francés com o nome de Napoleio III.

312
A EUROPA NO SECULO XIX

Repetindo as atitudes do tio, em 1852 A partir de 1860 cresceram as pressGes


conclamou outro plebiscito, que, com 95% liberais, obrigando Napoledao III a conceder
de votos favordveis, transformou a Franca liberdade de imprensa, além de ampliar os
novamente em Império. Luis Bonaparte, co- poderes da Assembléia Legislativa.
roado imperador, recebeu o titulo de Napo-
ledo III. Com relacao a politica externa, Napoledo
lll conseguiu a aprovacao das poténcias
européias — Inglaterra, Austria e Prtissia —
O Segundo Império (1852-1870) para a restauragao do Império. Também a
Russia deu seu apoio, apesar da clara hosti-
O Segundo Império caracterizou-se inter- lidade do czar Nicolau | ao novo imperador.
namente pela ditadura, que marginalizou o Cultivando desavengas, e revivendo a lem-
legislativo e as forcas de oposi¢ao, e também branga da invaséo napoleGnica a Russia, 0
pela modernizacao e desenvolvimento eco- czar buscou constantemente atritar-se com
ndmico. Paris, reurbanizada pelo prefeito Napoledo Ill, tornando transparente a indis-
Haussmann, que a dotou de magnificos posi¢ao com os Bonapartes. Essas divergén-
parques, bulevares e grandes constru¢Ges cias culminaram na Guerra da Criméia
elegantes, foi transformada em sede de expo- (1854-1856), na qual ingleses aliaram-se a
si¢des mundiais, para onde convergia a franceses para conter 0 avanco russo nos
divulga¢ao do progresso cultural e industrial Balcads, defendendo a sobrevivéncia do Im-
de todo 0 mundo. pério Turco-Otomano.

No inicio do século XIX, o


Império Turco-Otomano do- Império Turco-Otomano (1800)
minava grandes extensdes da
Africa, Asia e Europa.

Nos anos sessenta, Napoledo passou a dos. Posicionou-se a favor da independéncia


desenvolver uma politica externa ambigua e dos Estados romenos da Moldavia e da
desastrosa para a Franca. Com a efervescén- Valaquia, contra o Império Turco-Otomano,
cia dos nacionalismos, das lutas pela inde- e apoiou os piemonteses em sua luta pela
pendéncia de povos dominados desde antes unificagdo italiana, voltando-se contra os
do Congresso de Viena, Napoledo III passou a austriacos que reinavam sobre a regido desde
defender a politica das nacionalidades. En- o Congresso de Viena. Pressionado, entretan-
tretanto, em alguns momentos, fez a propria to, pelos catdlicos franceses, que considera-
Franca tornar-se dominadora de outros Esta- vam as ambicdes piemontesas uma ameaca

313
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

aos dominios da Igreja, Napoleao Ill retirou As condicdes humilhantes desse tratado
seu apoio aos italianos e passou a defender fermentariam, na Franca, a mentalidade re-
Roma contra os unificadores. vanchista que se transformaria, no inicio do
Entre 1862 e 1867, Bonaparte interveio século XX, numa das principais causas da
no México, numa guerra que arruinou as Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
financas francesas. Com o objetivo de garantir
oO comércio francés na América, conter a
crescente hegemonia norte-americana e pOr
fim a instabilidade politica entre grupos
locais, as tropas francesas invadiram 0 Méxi-
co, derrubando seu presidente Benito Juarez.
Entretanto, os problemas financeiros e milita-
res e a instabilidade politica e militar na
Europa fizeram com que Napoleao III retiras-
se suas tropas do México em 1866.

u n imperador «europeu na thro :


eat - Organizando no México uma nova
; _ estrutura ee seri Liccoeas O-

Thiers, que presidiu a Terceira Republica francesa.

a ae oe coeeee ete apoio


dos Estados Unidos a partir de 1865. Em
A Terceira Republica francesa
| eee Maximiliano foifuzilado empe
(1870-1940)
lados de Benito . A derrota francesa em Sedan diante dos
prussianos instalou o colapso politico na
é leo irnawong ape cath: Ve
Franca. A humilhagado sofrida pelo pais
agucou os conflitos entre as classes sociais e
Na Europa, a Franca envolveu-se, ainda, os grupos politicos, colocando os populares
numa guerra contra a Prissia, em processo de parisienses contra 0 governo republicano em
unificagao dirigido por Bismarck. Tentava-se Versalhes, sob a presidéncia de Adolphe
evitar a formagao de uma nagao forte — a Thiers. O auge dos conflitos deu-se com a
Alemanha — nas suas fronteiras. Os prussianos proclamagao de um governo aut6nomo na
venceram a Franca, e o proprio Napoledo III capital, em marco de 1871, a Comuna.
foi feito prisioneiro na batalha de Sedan, em
1870.
A derrota francesa teve duas conseqiién- O assalto aos céus: a Comuna de Paris
cias imediatas: acabou com o Segundo Impé- (1871)
rio, que deu lugar, em setembro de 1870, a
Terceira Republica, e permitiu a concretiza- A Comuna era a administragao municipal
¢4o da unificacéo alema. A Franca coube, eleita pelo povo, formada por dezenas de
pelo Tratado de Frankfurt, entregar 4 Alema- membros de varias tendéncias politicas radi-
nha suas ricas regides em minérios — Alsdcia e cais. Desarmou a Guarda Nacional, estabe-
Lorena -, pagar uma pesada indenizacdo, leceu o servico militar obrigatério, declarou
além de aceitar que a festa oficial de criacdo nulos os decretos de Versalhes e proclamou a
do novo Estado alemao fosse realizada no autonomia municipal extensiva a todas as
palacio de Versalhes. cidades da Franga.

314
A EUROPA NO SECULO XIX

Caracterizando-se como a primeira expe- A Terceira Republica vitoriosa sobrevive-


riéncia histérica de autogestéo democratica e ria até 1940, quando a Franga seria invadida
popular, a Comuna desenvolveu uma politica por Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial
de forte inspiragdo socialista, proclamando a (1939-1945). Convivendo com uma continua
absoluta igualdade civil de homens e mulhe- efervescéncia social e disputas imperialistas-
res, suprimindo o trabalho noturno e criando coloniais, consolidou-se internamente basea-
pensoes para viuvas e 6rfaos. Durou apenas da no nacionalismo, vivendo ainda duas
setenta e dois dias. importantes crises no século XIX: 0 caso
Boulanger e o caso Dreyfus.
A reagao da Republica de Thiers foi Entre 1887 e 1889, a ascensdo de um
violenta. Reuniu tropas, pediu a Bismarck general de exército, Georges Boulanger, com
que libertasse os prisioneiros de guerra e, com ambicdes semelhantes as de Napoledo, mo-
a ajuda dos prussianos, cercou Paris, bom- vimentou os militares pela volta do Império.
bardeando-a intensamente. Ao invadir a ci- Acusado de conspiragao, Boulanger fugiu e
dade, os soldados de Versalhes encontraram suicidou-se, colocando fim ao prestigio dos
uma desesperada resisténcia popular. Mais de soldados bonapartistas.
20 mil pessoas morreram nos combates ou Em 1894, Alfred Dreyfus, capitao do
executadas posteriormente, além de 70 mil exército francés de origem judaica, foi acu-
terem sido exiladas e deportadas para a sado pelos monarquistas de ter vendido
Guiana. segredos militares franceses aos alemaes.
Incriminado por um conjunto de documentos
falsos, foi condenado a prisdéo perpétua na
ilha do Diabo, na Guiana Francesa, e seu
caso repercutiu em todo o mundo. Caracte-
rizando-se como uma campanha nacionalista
e de revanchismo francés contra a Alemanha,
acabou por desembocar no anti-semitismo,
na condenacao dos judeus como nao-france-
ses. Essa farsa, entretanto, foi sendo pouco a
pouco esclarecida, devido a atua¢gao dos
escritores Anatole France (1844-1924) e
principalmente de Emile Zola (1840-1902).
Esse incidente, que envolveu toda a socieda-
de francesa, enfraqueceu os monarquistas e
abalou o anti-semitismo nacional.

Manifesto da Comuna de Paris e barricadas num bairro


parisiense.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

e a esquerda ganhava terreno com os repu-


blicanos radicais liderados por Georges Cle-
menceau e 0s socialistas liderados por Aristi-
des Briand. As vésperas de 1914, diante do
tide: aliberdade por‘ordem do executi 0. ‘ perigo alemao, a unido nacional se impos
seria completamente reabil tado novamente como uma necessidade: era a
n1 0 fol ntec . Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

A politica das nacionalidades


fee RSet ce RO UE

O conservadorismo do Congresso de
Viena (1815) foi solapado progressivamente
em todo o mundo, tanto pelo progresso
econémico capitalista, quanto pela insusten-
* iit;nae pee Seih
at
tabilidade do Antigo Regime. A partir da
Revolucao de 1830, o liberalismo e o soci-
alismo estruturaram um novo padrao ideold-
gico dualista, compativel com o mundo
capitalista emergente. As revolugdes, os mo-
vimentos sociais, as politicas governamentais
encarnavam essas vertentes vitoriosas do
século XIX, que, muitas vezes, tiveram como
desdobramento o imperialismo, o naciona-
lismo e o reformismo sociopolitico, com a
amplia¢ao de direitos trabalhistas e de voto.
Assim, a Revolucao de 1848 — a prima-
vera dos povos — estava impregnada da
dualidade ideoldgica do capitalismo, propa-
gando-se como ele por todo o mundo. Na
Austria caiu Metternich, o maior simbolo do
Congresso de Viena; na Franga emergiu o
socialista ut6pico Louis Blanc; e na Italia e na
Alemanha o liberalismo e o nacionalismo
transformaram-se em bandeiras nacionais.
Até o Brasil viveu essa efervescéncia socio-
politica com a Revolucao Praieira (1848), em
Pernambuco.
No jornal de 1895, a gravura mostra o capitao Dreyfus na
cerim6nia em que foi destituido de seus direitos militares.

A unificacao italiana
Na presidéncia de Jules Grévy (1879-
1887), predominaram as conquistas cCivis: Imbuida de forte sentimento nacionalista,
estabeleceu-se a liberdade de imprensa e de despertado principalmente pelas divisGes im-
associac¢ao (1881), a estatizacdo do ensino postas pelo Congresso de Viena, a Italia, até
gratuito, laico e obrigatdério (1882), o casa- entao simples ‘“expressdo geografica’’, acele-
mento civil e os sindicatos operarios e raria sua politica de unificagao. No inicio do
patronais (1884). No final do século, a direita século XIX, destacaram-se nesse processo
francesa se concentrava na Action Francaise inicialmente os carbonarios, sociedade pre-
A EUROPA NO SECULO XIX

cursora dos movimentos pela unificacao.


Embora nao tendo unidade politica, j4 que
reunia monarquistas e republicanos, nem
linha de agao definida, os carbondrios atua-
vam em toda a Italia. Reuniam-se secreta-
mente nas cabanas dos carvoeiros, derivando
daf seu nome.

No rastro da primavera dos povos, houve


rebelides liberais impondo reformas em quase
todos os reinos italianos. No mesmo periodo
aconteciam as lutas de independéncia da
Veneza-Lombardia, que estava sob dominio
austriaco.

Depois de diversas derrotas para os


austriacos, 0 movimento pela unificagao
italiana esvaziou-se e reinstalou-se o absolu-
tismo. A partir da década de 60, entretanto,
esse movimento voltou a ganhar forca, e, no
| Anexado em 1866 ao Reino da Italia inicio da década seguinte, concluiu-se o
| | Parte dos Estados Pontificios reanexados ao processo unificador da Italia.
|: [J Territ
Reino da Italia
érios cedidos a Franga em 1860
Em 1860, os “camisas vermelhas’” de
( |Reino do Piemonte-Sardenha beersdata Garibaldi — forg¢as populares republicanas -,
| Territorios unidos em 1860 ‘|&™ 186" que ja haviam conquistado Parma, Médena,
Toscana e parte dos Estados Pontiffcios,
O Congresso de Viena dividiu a Italia em sete Estados libertaram a Sicilia e o sul da Italia, governa-
dominados por austriacos, franceses e pelo papa.
dos pelo monarca absolutista da familia
Bourbon, Francisco II. Entretanto, eram os
Duas correntes se destacaram nas lutas monarquistas liberais e burgueses, instigados
de 1848: os republicanos, liderados por pelo jornal Risorgimento, que lideravam os
Giuseppe Mazzini e Giuseppe Garibaldi, e movimentos de libertagdo do restante da
os monarquistas, liderados pelo conde Cami- Italia, especialmente de Veneza e da parte
lo Cavour. Estes ultimos tomaram a lideranca nao conquistada dos Estados Pontiffcios.
das lutas pela unificagdo a partir do reino do Assim, mesmo contrario a uma unidade
Piemonte-Sardenha, Estado independente, in- monarquista, Garibaldi abandonou a politica
dustrializado e progressista, governado por para nao dividir as forgas italianas de unifi-
Vitor Emanuel Il. cacao, favorecendo Vitor Emanuel Il.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Um nacionalista italiano contra


Napoleao Ill
A posigao dubia de Napoleao Ill,
apoiando os italianos e depois o papa,
defendendo Roma, foi vista pelos unifica-
dores como uma traig&o a Italia. Para os
nacionalistas italianos nas palavras de
Cavour, “sem Roma, capital da Italia, a
Italia n&o poderia existir’. Foi nessa
situagao que Félix Orsini, ativista repu-
blicano, liderou um atentado fracassado
contra Napoledo Ill, a 14 de janeiro de
1858, em que morreram oito pessoas é€
156 ficaram feridas. Orsini foi preso e
executado meses depois.
Na prisdo, antes de ser executado,
escreveu a Napoledo Ill: “Que meus
compatriotas, em lugar de contar com o
meio do assassinato, aprendam da boca
de um compatriota, prestes a morrer,
que sua abnegagao, seu devotamento,
gua uniao, sua virtude possam unica-
mente assegurar a liberdade da I!tAlia,
tornando-a livre, independente e digna da
gloria de nossos antepassados”.

Em cima, Giuseppe Garibaldi (1807-1882), herdi da unifi-


cacao italiana, que participou, no Brasil, da Revolucao
Farroupilha. Camilo Cavour foi o principal articulador do Em 1870, com a Guerra Franco-Prussia-
processo politico unificador da Italia. na, as tropas francesas deixaram Roma para
enfrentar os alemdaes de Bismarck, pelos quais
foram derrotadas. Encerrou-se, entaéo, o Se-
Com a ajuda de Napoledo III, o Piemonte gundo Império francés. As forgas de unifica-
anexou varios territdrios italianos ao norte ¢do aproveitaram a conjuntura e invadiram
que estavam sob tutela dos austriacos. De- Roma, transformando-a na capital italiana.
pois, durante a Guerra das Sete Semanas Em janeiro de 1871, Vitor Emanuel trans-
(1866), gracas a alianga com os prussianos feriria-se para Roma completando o processo
contra a Austria, anexou Veneza. Nesse unificador e, pouco depois, um plebiscito
mesmo periodo, 0 papa recusava-se a entre- consagraria a anexac¢ao.
gar seus territorios para o Piemonte e perder
Roma para os unificadores, ameacando ex- Enquanto isso, O papa se recusava a
comungar Vitor Emanuel e seus ministros. reconhecer o novo Estado italiano unificado,
Napoledo Ill, diante do conflito dos considerando-se um prisioneiro no Vaticano.
nacionalistas com o papa, e sofrendo pressao A Questao Romana, como ficou conhecido o
dos catdlicos franceses, acabou por oferecer evento, duraria até 1929, quando Mussolini
garantias ao papado, mantendo tropas em assinou com o papa Pio XI o Tratado de
Roma, além de obter o compromisso de Vitor Latrao, criando o Estado do Vaticano, territ6é-
Emanuel de que nado invadiria a capital rio independente, da Igreja, dentro da cidade
catdlica (Conven¢ao de setembro de 1864). de Roma.
A EUROPA NO SECULO XIX

deracao. A Austria contrapunha-se a Prussia,


que, mais desenvolvida comercial e indus-
trialmente, buscava a edificacdo de um
grande Estado germanico, que forjasse seu
espaco internacionalmente.

Rodrigues/Reflexo
Ricardo

O territorio do Vaticano fica encravado na cidade de Roma.

Com a unificagao italiana, continuaram


Divisao de
ainda pendentes varias quest6es, como as das Estados
provincias setentrionais do Tirol, Trentino e mmm Limites da
Confederagao
Istria, que, apesar de abrigarem uma popula- Germanica
¢do predominantemente italiana, estavam em
maos dos austriacos. Reivindicadas pela Ita- A soberania dos 39 Estados da Confederacgao Germanica foi
lia, essas regides, que formavam as provincias - estabelecida pela Dieta de Frankfurt: os mais fortes tinham
direito a maior niémero de votos.
irredentas, foram uma das razGes que levaram
esse pais a entrar na Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), lutando contra a Austria. O passo fundamental para a unidade foi
dado, inicialmente, em 1834, com a criagdo
do Zollverein — uniado alfandegaria -, que
A unificacgao alema derrubou as barreiras aduaneiras entre os
Estados alemdes, proporcionando uma efetiva
O Congresso de Viena acabou com a unido econdmica que dinamizaria o capita-
Confedera¢ao do Reno, criada por Napoledo |, lismo alemao. Deixada fora do Zollverein
formando em seu lugar a Confederacao pela diplomacia prussiana, a Austria reagiu,
Germanica (Deutscher Bund), composta por ameacando a Prussia de guerra e obrigando-a
39 Estados soberanos. Na lideran¢a estava o a recuar. O Império Austriaco recuperava,
Império Austriaco — absolutista e de econo- dessa forma, sua supremacia na Confedera-
mia agraria —, cuja supremacia foi garantida ¢ao Germanica, impondo seus interesses, que
pelo numero de Estados que tinha na Confe- eram contrarios a unifica¢ao.

319
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

A Prdssia, por seu lado, iniciou a partir de


1860 a aplicagao de um programa de mo-
dernizacao militar sustentado pela alianga da
alta burguesia com os grandes proprietarios e
aristocratas — os junkers. Tendo a frente o
chanceler Otto von Bismarck, reiniciaram-se
as lutas pela unificagdo alema com uma
estratégia que visava a exaltac¢do do espirito
nacionalista alemao por meio de sua partici-
pacdo em guerras. A primeira delas foi a
Guerra dos Ducados contra a Dinamarca, em
1864.
Valendo-se da decisdo do Congresso de
Franz
Lenbach,
Otto
Bismarck-Schonhaus
von
pee? que entregara os ducados de Holstein
e Schleswig, de populacgdo alema, a Dina-
marca, Bismarck obteve até mesmo o apoio
da Austria para incorporar essa regido a
Prassia. A assinatura da Paz de Viena,
entretanto, trouxe discordancias quanto a
partilha dos ducados, ativando os atritos entre Para Bismarck, o “chanceler de ferro”, a unidade alema
seria obtida pela forga militar.
Prussia e Austria.
O desfecho dos atritos culminou com a
Guerra das Sete Semanas (1866), que, pela Bismarck forjou o estado de guerra entre
rapidez com que se definiu, confirmou o Franga e Prussia, alterando o texto de um
excepcional preparo bélico prussiano. O Tra- despacho de Guilherme | ao embaixador
tado de Praga reconheceu 0 fim da Confede- francés. Tomado como um insulto a Franga,
racao Germanica, a entrega pela Austria dos foi a causa imediata da declaragao de guerra
ducados de Holstein e Schleswig a Prussia e de de Napoleao Ill.
Veneza aos italianos — unidos aos prussianos
em sua propria luta pela unifica¢gao. O deepacho desEms fia.
Fi ; ne ee ie
Os Estados do norte reorganizaram-se na
Confederag¢aéo Germanica do Norte sob a Veja abaixo 0 texto original: do 4
lideranca do kaiser Guilherme | Hohenzol- _despacho de Guilherme leem seguida Oo
lern, de quem Bismarck era ministro. O despacho publicado por Bismarck;
processo de unifica¢gao, entretanto, encontra- “Decidi nao mais receber 0 conde
va obstaculos nos Estados aut6nomos do sul, _ Benedetti ‘no tocante a questao de um ;
apegados as soberanias locais ou ainda sob compromisso precipitado; mas segundo
influéncia austriaca. lhe fiz saber por um ajudante de ordens, —
Outro empecilho a unificagdo completa que havia recebido confirmagao, pelo ;
da Alemanha era Napoledo III, que se opunha principe, noticias €55aS que Benedetti
a emergéncia de uma grande poténcia em também tinha através de Paris e que a *
suas fronteiras. Bismarck empregaria uma Majestade nada mais tinha a lhe dizer”. —
especial habilidade diplomatica, explorando O despacho de Ems publicado poe.
a rivalidade franco-prussiana. O agugamento Bismarck, truncado, foi o seguinte: — 5
das tens6es deu-se quando, em 1869, o trono “Sua Majestade se recusou a rece-—
espanhol ficou vago, cabendo a coroa a um ber o embaixador francés e lhe fez dizer —
primo do kaiser Guilherme |, Leopoldo Ho- pelo ajudante de ordens que Sua Majes-
henzollern. Napoleao III vetou tal sucessdo, tade nao tinha mais nada iat comunicar
vendo-a como um cerco de Hohenzollern a ao Embaixador”.
Franga.
A EUROPA NO SECULO XIX

Como era previsto por Bismarck, frente a sangue” pela unificagdo. Apos a vitoria
declara¢do de guerra da Franca, os Estados do
sobre a Franga, ao “regressar a Berlim,
sul da antiga Confederagaéo GermAnica junta-
Bismarck foi reconhecido como o funda-
ram-se aos do norte, batendo a Franca na
dor do novo Reich. Ninguém, a servico de
batalha de Sedan e completando a unifica-
um rei, desde Richelieu, havia tao rapida-
¢do. Em janeiro de 1871, para humilhacdo
dos franceses, era criado na Sala dos Espelhos mente elevado a importancia de seu
do Palacio de Versalhes o Segundo Reich soberano, ao mesmo tempo acrescendo,
(= império) alemao — 0 primeiro fora o Sacro com tao bons resultados, sua autoridade
Império Romano-Germanico. no governo. [...] Bismarck manteve o
titulo de ministro do exterior prussiano
até sua queda em 1890”.
PALMER, Alan. Bismarck. Brasilia, Universidade de
Brasilia, 1982. p. 167.

Com a unificagdo, a Alemanha cresceu


vertiginosamente, a ponto de, em 1900, su-
perar a Inglaterra na produgao de aco. O
desenvolvimento industrial alemao colocou
em risco a hegemonia britanica mundial,
causando sucessivos atritos. A exigéncia
alema de uma redivisdo colonial que a
favorecesse, somada as aliancas_ politico-
militares, levaram o mundo a Primeira Guerra
Mundial.

%
Es.
¥ 7s,

45 +f F. a

Nos arredores de Paris, no palacio de Versalhes, os alemaes


unificados coroaram seu imperador Guilherme I.

Pelo Tratado de Frankfurt, a Alemanha


obtinha as ricas regides da Alsacia e da Lorena,
além de receber uma indenizac¢ao de 5 bilhGes
de francos. Esse conjunto de fatos fermentou o
revanchismo francés, elemento importante nos
acontecimentos europeus do final do século
XIX e inicio do século XX.

O personagem-sintese do naciona-
lismo alemao — Bismarck — nao mediu
meios para edificar o Segundo Reich
alemao. O “chanceler de ferro” empregou,
segundo suas proprias palavras, “ferro e Apos a unificacao, a industrializagao germanica ganhou
enorme impulso.

321
A AMERICA NO SECULO XIX

urante o século XIX, a América expansionismo imperialista europeu, impds


integrou-se as caracteristicas globais seu controle sobre boa parte de todos os
do desenvolvimento capitalista deli- assuntos americanos, processo que so se
neadas no conjunto europeu. O desenvolvi- completou no inicio do século seguinte.
mento econdmico capitalista, o triunfo do Ao longo do século XIX, aconteceram
liberalismo, o imperialismo e a efervescéncia varias manifestag6es nacionalistas dos novos
nacionalista e socialista também envolveram Estados americanos, firmando valores, buscan-
as Américas, seguindo, porém, as diferentes do autonomia e distin¢ao internacional, assim
peculiaridades historicas regionais. como propostas de mudangas sociais de inspi-
A populagdo americana cresceu signifi- racao socialista, encontrando entre os imensos
cativamente no periodo, passando de algo grupos sociais marginalizados um meio propi-
proximo a trinta milhdes, em 1800, para cio e fértil para para seu desenvolvimento.
quase 160 milhdes, em 1900; somente a
América do Norte aumentou de pouco menos
de sete para mais de oitenta milhdes de
habitantes. Conquistadas e colonizadas pelos
europeus, as Américas exerceram e continua-
ram exercendo um decisivo papel para o
desenvolvimento capitalista ocidental, espe-
cialmente com o crescente e volumoso
comércio transatlantico e, posteriormente,
entre o norte e o sul do continente americano.
Da mesma forma, a era das revolugdes
desdobrou-se nas Américas com um sentido
intenso e proprio, seja com os Estados Unidos
conseguindo firmar-se como um novo Estado
capacitado a ampliar seu espaco geopolitico e
socioecondmico, seja com 0 conjunto dos pai-
ses latino-americanos firmando sua autonomia
politica em relagao as metrdpoles ibéricas.
Para os latino-americanos, contudo, a
independéncia nao resultou em desenvolvi-
mento socioecondmico aut6nomo nos mol-
des do norte-americano, e sim em dependén-
cia em relagdo aos centros dindmicos do
capitalismo — especialmente Inglaterra, no
inicio, e Estados Unidos, a seguir. Este pais,
no final do século XIX, acompanhando o

322
A AMERICA NO SECULO XIX

industrializados, comecou mais cedo e se O apoio inglés foi decisivo para a eman-
ampliou ainda mais acentuadamente. O cipagdo latino-americana. Com a derrota
PNB per capita (Produto Nacional Bruto napolednica, em 1815, as metrdpoles ibéri-
_ dividido pelo numero de habitantes) jaera cas, apesar de retomarem o colonialismo, nao
tiveram sucesso, ja que os ingleses respalda-
mais do dobro que o do Terceiro Mundo
ram a vitoria criolla contra os espanhdis nas
em 1830; em 1915,cerca de sete vezes
guerras de independéncia de 1817 a 1825.
maior.” ‘
Também a Doutrina Monroe, instituida pelos
HOBSBAWM, Eric J. A era vaneBED ce Rio ae Estados Unidos, ajudou a consolidar a inde-
Janeiro, Paz e Terra, 1988. p. 32.
pendéncia latino-americana, ao apoiar a
guerra de libertagdo dos criollos.

A independéncia da América
Os precursores da independéncia
espanhola
ee eee eee
No inicio do século XIX, a populacado
total da América espanhola chegava perto de
Na passagem do século XVIII para o sé- 20 milhdes de habitantes. Destes, mais de
culo XIX, com o declinio do Antigo Regime, o 12 milhdes eram indios; 6 milhdes, mesticos
liberalismo politico e econdmico forneceu a (descendentes de espanhdis e fndios); 800
base ideolégica para a superagao definitiva mil, negros escravos e 3 milhées eram
dos entraves que barravam o progresso capi- criollos.
talista. A era das revolucées, iniciada com a
independéncia dos Estados Unidos e conso-
lidada com a Revolugao Industrial e a Revo-
lugdo Francesa, deixou em desvantagem os
Estados ibéricos, ainda apegados ao mercan-
tilismo colonialista, que dificultava o livre
comércio, e, portanto, o desenvolvimento in-
dustrial. Foi nesse perfodo que, em represalia
a nao-obediéncia ao Bloqueio Continental,
Napoleao Bonaparte invadiu Portugal e ocu-
pou a Espanha, desencadeando 0 processo de
independéncia da América Latina.
Para as elites da América espanhola, re-
presentadas pelos criollos (descendentes de Carlos
Manha
Herrera,
M.
Ascencio
de
(1811).

espanhdis nascidos na América), 0 importante


era romper com a metropole monopolista, que
lhes dificultava as transagdes mercantis, so-
bretudo com a Inglaterra, principal pdlo eco-
ndémico do mundo. Para os colonos, a coroa
restringia os setores produtivos, além de limitar
0 acesso aos cargos administrativos e politicos.
Para a Inglaterra, por outro lado, interessava a Negros e mesticos na Buenos Aires do século XIX.
independéncia das coldnias que eliminaria as
barreiras monopolistas comerciais, ativando
novos mercados, indispensdveis ao seu pro- O grupo minoritario— 300 mil individuos—
gresso industrial. Criollos e ingleses tinham, era composto pelos chapetones (espanhdis
portanto, interesses comuns, que convergiam da metrdpole), que, detendo os altos cargos
para 0 mesmo objetivo: a independéncia das da administragao colonial, confrontavam-se
colénias espanholas na América. com a elite criolla. Os chapetones desejavam

GI GI
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

a manutengao das relagdes metrdpole-cold- A guerra de independéncia


nia, enquanto os criollos, seguidores dos
ideais iluministas liberais e do exemplo A intervengao napolednica na Espanha
norte-americano, eram partidarios do livre- provocou as rentincias sucessivas dos reis
comércio e da luta colonial pela indepen- Carlos IV e Fernando VII e a colocagao do
déncia. Os criollos alinharam-se ao ideal de irmao do imperador francés, José Bonaparte,
liberdade politica e€ econdmica frente as no trono espanhol. Tal fato, ao enfraquecer a
metrdépoles ibéricas sem, contudo, cogitar metrdpole, estimulou 0 movimento autono-
em implementar mudangas na estrutura so- mista dos criollos. Organizados a partir dos
cioecondmica de seus territdrios. cabildos (camaras municipais), os colonos
O sistema colonial ha muito dava sinais formaram as juntas governativas, depondo as
de esgotamento, que se manifestava sob a autoridades metropolitanas e assumindo a
forma de rebelides locais, manifestagdes administragdo das coldnias. Entre 1810 e
isoladas, precursoras dos movimentos pela 1814, os centros urbanos coloniais transfor-
independéncia. Na luta contra a opressdo maram-se nos grandes irradiadores dos ideais
metropolitana destacaram-se a rebeliao de separatistas, contando com 0 apoio inglés e a
Tupac Amaru (1780), no Peru, e a de adesdo de parte da popula¢ao.
Francisco Miranda (1811), na Venezuela.

metidos pelos ¢
s umiu 0comand
justica
5
eign eaebeans

Com a dominagao napole6nica, José Bonaparte foi imposto


ao trono espanhol.

Contudo, para fazer frente a Napoledo,


Espanha e Inglaterra tiveram de se unir. Com
a restauracao da dinastia Bourbon em seu
pais (1814), os espanhdis reorganizaram a
repressdo aos colonos separatistas da Améri-
ca, que, sem ajuda inglesa, acabaram derro-
Francisco Miranda, criollo venezuelano, tados. Frustravam-se os ideais de indepen-
foi o primeiro a liderar um movimento tempo- déncia, mas o espirito libertador se fortalecia
rariamente vitorioso de libertagéo: a Vene- entre os colonos.
zuela proclamou sua independéncia em Somente entre 1817 e 1825, processou-
1811. Em 1812, entretanto, numa contra- se a revolucdo vitoriosa que libertou a
ofensiva do exército espanhol, os conjurados maioria dos paises latino-americanos. Seus
foram derrotados e Miranda foi preso, mor- lideres foram Simon Bolivar e José de San
rendo pouco depois em Cadiz, na Espanha. Martin que percorreram quase toda a Amé-

324
A AMERICA NO SECULO XIX

rica Latina, com o apoio efetivo da Inglaterra, Bolivar, o Libertador, foi um exemplo
interessada na ampliagdo de mercados para tipico dos ideais da elite criolla. Nascido na
seus produtos industrializados, e dos Estados Venezuela, republicano, comandou a luta
Unidos, também interessados no potencial de pela libertagdo da América Latina, partindo
sua vizinhang¢a. da Venezuela e do Peru em direcdo ao sul,
defendendo uma América do Sul livre, unida
Os rebeldes foram favorecidos ainda pela e forte. Seu lema era: ‘‘Uni-vos, ou 0 Caos vos
distancia da metropole e pela situacao interna devorara’’. San Martin, embora com os mes-
da Espanha, envolvida numa revolucdo libe- mos ideais, defendia um governo monarquico
ral entre 1820 e 1823, o que dificultou a constitucional e iniciou seus movimentos
remessa de tropas contra-revolucionarias a partindo. de Buenos Aires em diregéo ao
América. norte, no chamado ‘movimento sulista’’.

Rotas de Simon Bolivar e


| === Rota de Bolivar (1821-24)
de San Martin no processo
| sme Rota de San Martin (1817-22)
de libertagéo da América
espanhola.

No México, a primeira tentativa de pulares, propondo o fim da escravidao, a


emancipa¢ao politica ocorreu em 1810, ten- igualdade de direitos e a condenacao da
do um carater distinto dos outros movimentos aristocracia e dos altos funcionarios.
da América espanhola, pois partiu das massas Em 1821, Agustin Iturbide, enviado pelo
populares e foi antes de tudo rural. Encabe- vice-rei para lutar contra os insurretos mexi-
cando a insurreig¢ao, sucederam-se Miguel canos, aliou-se a Guerrero, formulando o
Hidalgo, o padre Morellos e Vicente Guerre- Plano de Iguala, que proclamava a indepen-
ro, que enfatizaram as reformas sociais po- déncia do México, a igualdade de direitos

329
entre criollos e espanhdis, a supremacia da na, transformou-se em Estado independente,
religido catdlica, o respeito a propriedade e em 1828, com o nome de Republica Oriental
um governo monarquico. A coroa foi ofere- do Uruguai.
cida a Fernando VII da Espanha, que sofria A partir da Argentina, San Martin, co-
forte oposi¢do liberal em seu pais. Em 1822, mandando cerca de 5 mil homens no cha-
entretanto, ItGrbide proclamou-se imperador, mado Exército dos Andes, marchou para o
com 0 titulo de Agustin |, sendo, entretanto, Norte, libertando o Chile em 1818, apds as
deposto logo a seguir num levante republica- batalhas de Chacabuco e Maipt. Bernardo
no. Em 1824, o México tornava-se efetiva- O'Higgins, lider do movimento de libertagdo
mente independente e elegia seu primeiro na regido, foi nomeado dirigente do Estado
presidente, o general Guadalupe Vitoria. chileno.
Dirigindo-se para o Peru, principal centro
Na América do Sul, o Paraguai constituiu de resisténcia espanhola, acompanhado pelo
uma republica, em 1813, chefiada pelo mercenario inglés Lord Cochrane, San Martin
criollo Gaspar Francia. A Argentina procla- alcangou e libertou Lima, em 1821. Simon
mou, em 1816, sua independéncia, que, Bolivar, por sua vez, apoiado pela Inglaterra e
entretanto, sd foi concretizada pelos éxitos pelos Estados Unidos, organizou um exército
militares de Manuel Belgrano e San Martin. O regular, libertando a Venezuela em 1817, a
Uruguai, que desde 1821 estava incorporado Col6mbia em 1819 e o Equador, em 1821,
ao Brasil com o nome de Provincia Cisplati- dirigindo-se ele também ao Peru.

conan) © HAITI REPUBLICA


(1898)\__**-.(1804) DOMINICANA
Py. 7 (1865)
: PORTO RICO (1898)
ONDURAS S JAMAICA a
GUATEMALA PANAMA
EL SALVADOR 2
(1821) NICARAGUA
COSTA RICA C

» EQUADG
(1822)5

I~ ARIZ
OCEA! v ae

PACIFICO

(1821) Data de
independéncia
Os novos Estados indepen-
dentes da América Latina.
A AMERICA NO SECULO XIX

Em 1822, as forgas de ambos encontra- dividiram em diversas republicas aut6nomas:


ram-se em Guayaquil, onde San Martin Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicara-
desistiu de seu projeto monarquico, aderindo gua e Costa Rica.
a proposta republicana de Bolivar, a quem Embora acabassem com o pacto colonial
coube consumar a independéncia do Peru, s6 e obtivessem sua liberdade politica, os novos
conseguida definitivamente com a batalha de Estados latinos assumiam uma nova forma de
Ayacucho, em 1824, vencida pelo general dependéncia econdmica, que atendia aos
José Sucre, comandado de Bolivar. interesses do desenvolvimento capitalista.
Assim, a América Latina, dividida em varios
Estados governados pela aristocracia criolla,
Bolivar versus San Martin
assumiu a funcao de fornecer matérias-primas
Ao divergéncias entre Bolivar e San e consumir manufaturados ingleses, manten-
Martin poderiam levar a divisZo das for- do, dessa forma, as antigas estruturas, apenas
Gas latino- americanas, O que foi evitado adaptando-as aos novos tempos.
por San Martin ao renunciar a todos os
SeUS cargos em favor de Bolivar. Esta
decisao aconteceu em Guayaquil, num |
encontro dos. dois heréis, cuja conversa-
Ao, em 26 e 27 de julho de 1822, num
banquete seguido de trés conferéncias,
_ nunca ficou completamente conhecida. O
certo é que ali San Martin abandonou
sua vida publica e deixou campo aberto a
Bolivar. Em seguida, San Martin passou
algum tempo no Chile, transferindo-se
pouco depois para a Franga, onde morreu,
em 1850.

No Congresso do Panama, quando quase


toda a América Latina ja estava independente,
Bolfvar tentou concretizar seu ideal de unidade
politica, que ficou conhecido como bolivaris-
mo. Seus esfor¢gos, no entanto, encontraram a
oposi¢ao dos ingleses e norte-americanos,
contrarios a paises unidos e fortes, e dos
interesses das prdoprias oligarquias locais.
Bolivar morreu em 1830, aos quarenta e
sete anos, frustrado em seu ideal de unifica-
Simon Bolivar recebeu o titulo de “El Libertador” nas lutas de
¢a4o: vencia o imperialismo das grandes independéncia latino-americana. Em diversas oportunidades
poténcias e fracassava a primeira importante expressava 0 ideal de uma América espanhola independente e
manifestagdo de pan-americanismo, impon- unida, dizendo: ‘“Ciertamente la union es la que nos hace
falta para completar la obra de nuestra redencién’’.
do-se o principio ‘‘dividir para reinar’’.
A América Central, unida inicialmente ao
México, em 1824 proclamou a sua indepen- No aspecto politico, chefes locais, em
déncia, formando as Provincias Unidas da geral lideres oriundos das forcas militares
América Central. Essa unidade, contudo, mobilizadas pelos criollos na guerra de
pouco durou, pois as pressdes inglesas e independéncia, passaram a disputar o poder
norte-americanas fragmentaram a regido. A de suas respectivas regides, criando um
partir de 1838 as Provincias Unidas se quadro de anarquia e de dificuldades para a
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

consolidagao dos novos Estados nacionais. Os Estados Unidos no


Esta desuniao e a instabilidade deram forma
ao caos que devorou o ideal de Simon século XIX
Bolivar de plena soberania e liberdade OR RO ee a

popular.
Apos a declaragado de independéncia, em
Tais chefes — comandantes carismaticos, 1776, os Estados Unidos, comandados por
autoritarios, paternalistas, que irradiavam um George Washington, ocuparam-se, lutando
magnetismo pessoal na condugao de seus contra a Inglaterra, em garantir sua libertagao,
comandados — foram denominados caudi- concretizada na Paz de Versalhes, em 1783.
lhos. A organizac¢ao politica do novo Estado reali-
zou-se em meio a duas tendéncias partidarias:
a republicana, defendida por Thomas Jeffer-
son, que desejava maior autonomia para os
O caudilhismo
estados e que deu origem ao atual Partido
“O caudilhismo representou em cer- Democrata, e a federalista, defendida por
tos casos a defesa das estruturas so- Alexander Hamilton, que desejava um forte
cioecondmicas tradicionais, como tam- governo central, e que foi o embrido do atual
bém o artesanato e a industria incipien- Partido Republicano.
te, contra elites burguesas que atuavam A Constituigao de 1787, elaborada por
ha exportagao de matérias-primas, deputados dos treze estados, combinou as
constituindo a tipica burguesia ‘compra- duas tendéncias, organizando uma republica
dora’. federativa presidencialista e assegurando a
cada estado da federacdo o direito de ter sua
Na América Latina, o termo caudilho
propria constituicdo. O poder executivo fica-
ainda continua a ser usado, como o de
ria com o presidente eleito por seis anos e o
cacique, para designar chefes de partido
legislativo com a Camara de Deputados e o
local ou de aldeia, com caracteristicas
Senado. A Suprema Corte de Justica caberia o
demagégicas.
poder judicidrio e a fun¢do de zelar pela
O epiteto foi expressamente rejeita-
constituigdo. Em 1789, o Congresso elegeu
do pelos ditadores militares do nosso George Washington, o primeiro presidente
século, pelas conotagdes naturais e dos Estados Unidos.
inorganicas que implica na regido, contra-
riamente ao que acontecia na Espanha,
onde 0s partidarios do franquismo cha-
mavam oficialmente o seu chefe caudillo.
Mas nao se aludia neste caso a tradicZ0
latino-americana, mas ao lema das for-
gas anti-republicanas durante a Guerra
Civil (1936-1939): ‘una fe, una patria, un
caudillo’.
Velho.
Peale,
James
de
Quadro
o
Presentemente, parte dos estudio-
08 da ciéncia politica créem que o cau-
dilhismo é particularmente significativo
para a compreensao da genese do milita-
rismo na América Latina.”

OLIVIERI, Mabel. In: BOBBIO, Norberto. Diciondrio de


politica. 5. ed. Brasilia, Universidade de Brastlia,
1993. p. 157. George Washington, herdéi da independéncia norte-america-
na, foi também o primeiro presidente dos Estados Unidos.

328
A AMERICA NO SECULO XIX

Consolidacaéo e expansao do novo O inicio da industrializagao


Estado norte-americana

A partir da presidéncia de Washington “A evolugao da industria caseira


(1789-1797), seguida pela de John Adams para o sistema fabril ocorreu inicialmente
(1797-1801) e a de Thomas Jefferson (1801- no Nordeste. Carecendo de solo fértil
1809), consolidou-se o desenvolvimento co- necessario a agricultura em grande es-
mercial, industrial e financeiro do pais. Atra- cala, mas abengoados com facil acesso a
indo, por isso, um grande nimero de emi- matérias-primas, um crescente mercado
grantes europeus, a popula¢do nacional, que interno e abundancia de energia hidrau-
na €poca da independéncia era de 3,5 lica, comerciantes-investidores ianques,
milhées de habitantes, em 1810 chegou a principalmente da Nova Inglaterra, pas-
mais de 7 milhdes. garam sem maiores dificuldades do co-
Era um processo que ganharia ainda mércio para a industria. O sistema fabril
maior intensidade ao longo do século XIX. norte-americano iniciou-se em 1790 com
Estima-se que cerca de 15 milhdes de imi- 0 cotonificio de Almy, Brown e Slater, em
grantes chegaram aos Estados Unidos entre Pawtuchet, Rhode Island. Acionado por
1790 e 1890. Quanto ao conjunto da popu- roda d’agua, usava tecnologia britanica
lagao, saltou-se para algo proximo a 31 pirateada pelo habil mecanico e imigrante
milhdes em 1860, 63 milhdes em 1890 e 80 Samuel Slater. Produziu fios de algodao
milhdes no final do século XIX. O progressis- para os mercados de toda a Nova
mo e o crescimento demografico estimularam Inglaterra e 0S estados da zona inter-
a conquista de territérios na América do mediaria. Pouco depois, entraram em
Norte (expansao interior) e a ampliagdo da operagao varias empresas semelhantes,
atuagdo econdmica em todo o continente que produziam fios para pessoas que 0S
americano (expansdo exterior). transformariam em tecidos em teares
manuais em suas residéncias. Suspensa
As guerras napolednicas e o Bloqueio
Continental na Europa afetaram indiretamen- a importago de tecidos britanicos du-
rante a Guerra de 1812, a nascente
te o crescente comércio norte-americano
com a América Latina e a Europa, particu- industria téxtil expandiu-se para atender
larmente com a Franga. A Inglaterra, maior a demanda.
inimiga do Império francés e sua rival na Em Walthman, Massachusetts, em
conquista de novos mercados, passou a fazer 1813, a Boston Manufacturing Company,
pressOes, de modo a barrar as relagdes co- de propriedade de Francis Cabot Lowell,
merciais dos Estados Unidos com os paises instalou o primeiro tear norte-americano
europeus e mesmo com as na¢oes latino- a vapor e construiu a primeira fabrica
americanas. téxtil auto-suficiente em todo o mundo,
pondo sob o mesmo teto todas as
Esses atritos comerciais, somados ao
etapas da produgao de tecidos de
expansionismo norte-americano, que ambi-
algoddo. A empresa, em rapido desenvol-
cionava tirar o Canada da Inglaterra, levaram
vimento, vendia lengdis grosseiros em
a Segunda Guerra de Independéncia (1812-
todo o pais e logo depois abria fabricas
1814). As guerras inglesas na Europa e o
na nova cidade de Lowell, onde as
desejo norte-americano de normaliza¢gao co-
mercial possibilitaram a assinatura da Paz maquinas eram operadas por mulheres.”
Eterna de Gand, confirmando a regido dos SELLERS, Charles, MAY, Henry e MCMILLEN, Neil R.
Grandes Lagos como zona neutra e fixando a Uma reavaliacao da historia dos Estados Unidos.
fronteira entre os Estados Unidos e o Canada Rio de Janeiro, Zahar, 1990. p. 120.
inglés.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

A guerra despertou o sentimento nacio-


nalista americano com relagdo a unidade
territorial e 4 ameaca das poténcias européias
aos interesses americanos, sobretudo com
relacdo ao crescente comércio dos Estados
Unidos com a América Latina independente,
ameacado com as investidas recolonizadoras
da Santa Alianga. Esse sentimento foi expres-
so na Doutrina Monroe (1823), através de
uma mensagem do presidente James Monroe
(1817-1825) ao Congresso, que foi assim
resumida: ‘‘A América para os americanos’’.

Na marcha para o Oeste, os pioneiros exterminaram


milhares de indigenas que se opunham a sua busca de terras
e metais preciosos.
segundo
Stuart
Gilbert
Resende
de
obra
Newton
Desenho

Em meados do século XIX, 0 pais alcan-


cara dimensG6es continentais, através da ex-
propria¢gao de indios e povos vizinhos ou da
compra de areas coloniais pertencentes a
poténcias européias:
® 1803 - Compra da Louisiana, que pertencia
James Monroe estabeleceu uma politica diplomatica dos a Franca de Napoledo Bonaparte.
Estados Unidos para com a América que teria repercussdes
durante os séculos XIX e XX. @ 1819 - Compra da Florida, regido perten-
cente a Espanha que deu aos Estados
A Doutrina Monroe corporificou politica- Unidos acesso as Antilhas.
mente a expansao econdmica internacional @ 1848 - Guerra contra o México, que, pelo
dos Estados Unidos, fundamental para o
Tratado Guadalupe-Hidalgo, perdeu 2 mi-
desenvolvimento capitalista do pais. A ex- Ih6es de quil6metros quadrados de seu
pansao interior, por meio da conquista de territorio, que deram origem ao Texas, a
territ6rios na América do Norte, iniciou-se
Califérnia, ao Novo México, ao Arizona, a
com a corrida para o Oeste. A partir da faixa Utah e a Nevada. Com essas anexagées, os
atlantica, correspondente as antigas treze Estados Unidos alcangcavam o Pacifico.
colénias, os pioneiros avan¢aram para o
interior até chegar a costa ocidental, alcan- ™ 1867 - Compra do Alasca, pertencente a
¢ando o oceano Pacifico. Russia.
A AMERICA NO SECULO XIX

DOS ESTADOS UNIDOS

[___] As treze colénias


fe Territdrios conquistados na guerra de independéncia
errit6rios pertencentes a Espanha
___| Territérios pertencentes ao México
[___] Territorios pertencentes a Inglaterra
ee Territ6rios pertencentes a Franga (Louisiana)
a Territ6rios fora dos limites continentais

Em sua marcha para o Oeste, os Estados Unidos conquistaram os territorios situados entre os oceanos Atlantico e Pacifico.
Posteriormente, obtiveram também o Alasca e 0 arquipélago do Havai.

A expansao territorial norte-americana


foi, em boa parte, justificada pela doutrina do Indias Ocidentais e mesmo a Inglaterra e
Destino Manifesto, de acordo com a qual a Franga, poderemos anexa-los sem
cumpria aos Estados Unidos anexar as areas inconveniéncia ou prejuizo, permitindo
entre o Atlantico e o Pacifico: ‘os norte- que suaé legislaturas locais regulem seus
americanos foram escolhidos pelo destino negocios locais a sua propria maneira. E
para dominarem a América”. Na realidade, o esta, Senhor, é a missao desta Republica
avan¢o territorial processou-se em fungao da é seu destino final’.
expansao capitalista internacional. A conquis- Que essa jactancia imperialista nao
ta da costa oeste até o oceano Pacifico deu era mera basofia de politico mostra-o o
aos Estados Unidos acesso direto ao Oriente e fato de que 0s Estados Unidos, realmen-
lhes propiciou os cobigados mercados da te, logo estenderam sua soberania a
China e do Japdo. A anexagao da Flérida, por certo numero de territérios ultramarinos.
sua vez, abriu caminho para o golfo do Assim, Samoa, as ilhas do Haval, as
México e o mar das Antilhas, meta importante Filipinas, Porto Rico e Guam foram ane-
para alcancar toda a América Latina. xadas em rapida SUCESSAO, AO passo que
outros territorios, como a Zona do Canal
do Panama, eram arrendados. De signi-
“O espirito de expansao que acom- ficagao nao menor foi a extensao da
panhava esses acréscimos de territorio hegemonia norte-americana sobre Cuba,
levou um profeta do ‘Destino Manifesto’ a varios paises centro-americanos e alguns
anunciar que: Estados insulares do Mar dos Caraibas.”
‘Podemos expandir-nos até incluir o SAVELLE, Max (org.). Os tempos modernos.
mundo inteiro. O México, a América Historia da civilizagao mundial. Belo Horizonte,
Central, a do Sul, Cuba, as llhas das Villa Rica, 1990. p. 21.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

A Guerra de Secessao (1861-1865) medida que visava proteger sua producao in-
dustrial da concorréncia externa. Para o Sul,
Se, por um lado, a expansdo territorial e ao contrdrio, cuja producdo estava voltada
econémica fortalecia o desenvolvimento ca- para o atendimento do mercado externo,
pitalista dos Estados Unidos, por outro acirra- interessava o livre-cambismo com relagao as
va a rivalidade econdmica, social e politica tarifas alfandegarias, o que lhes garantiria as
entre os estados do Norte e do Sul. Suas exportacoes.
diferengas remontavam a €poca colonial: ao No plano politico, a rivalidade corporifi-
norte, estabeleceu-se uma col6nia de povoa- cou-se nas divergéncias das fac¢ées politicas,
mento, com pequenas propriedades agrico- tendo de um lado o Partido Republicano,
las, trabalho livre, comércio dindmico e uma mais representativo das ambi¢Ges burguesas e
economia que propiciava intensa capitaliza- industriais nortistas e, de outro, o Partido
¢4o0, culminando na industrializagdo do inicio Democrata, controlado pela aristocracia su-
do século XIX; ao sul, ao contrario, estabele- lista, firme defensora das autonomias dos
ceu-se uma colénia de exploragao baseada estados.
na monocultura para exporta¢ao e no latifun-
dio escravista, com a formacaéo de uma
poderosa aristocracia rural. Aecabanado Paitomas:

on agravamento” das diasidéncias iw


3
< entre oO Norte. Le. °
&=
°
=
©
D2 quege reece. comae ee ae

®
12)
Abolicionista do Norte, a qual adquiriu
®
no) caracteristicas de luta pela “dignidade —

aS]
© humana”. A abolicao da escravatura
=
o) sensibilizou toda a populagao, e a vida
dos escravos americanos chegou a ser
descrita por Harriet. Beecher Stowe no
livro val cabana do Pai Tomas, que sé
tornou um best-seller: no ano de sua
publicagao, em 1852, foram vendidos
mais de trezentos mil exemplares. O
sucesso do livro foi tamanho que chegou
a despertar a indignagao popular contra
a escravidao e °O fervorae lutaaboli-
x cionista. tS

No Sul, os mercados de escravos constituiam um comércio


ativo.
Em 1860, o nortista Abraham Lincoln,
lider do Partido Republicano, venceu as
Por volta de 1860, o Norte dos Estados eleig6es presidenciais, com base na platafor-
Unidos, industrializado e progressista, encon- ma politica que defendia tarifas protecionistas
trava no Sul poderosos entraves ao seu e uniao a todo prego, referindo-se ao auto-
desenvolvimento, interessando-lhe eliminar nomismo dos sulistas. Descontentes com a
a escravidao, base do trabalho latifundidrio. vit6ria de Lincoln, os estados do Sul, lidera-
Isso representaria um aumento expressivo de dos pela Carolina do Sul, separaram-se da
m4o-de-obra assalariada para suas industrias, Unido, formando os Estados Confederados da
barateando a produ¢ao, além de ampliar o América, com capital em Richmond, na
mercado consumidor. Os nortistas defendiam Virginia, e tendo como presidente Jefferson
também a elevacdo das tarifas alfandegarias, Davis.

352
A AMERICA NO SECULO XIX

Baixas norte-americanas
Estados do Norte (Uniao) Primeira Guerra Mundial (1914-18): 125 000 mortos |
Estados do Sul (Confederados) Segunda Guerra Mundial (1939-45): 322 000 mortos
Guerra da Coréia (1950-53): 55 000 mortos
: Estados constituidos apéds a Guerra de Secessao
Guerra do Vietna: 57 000 mortos
Estados escravagistas nado-confederados Guerra civil: 618 000 mortos

As acentuadas desigualdades entre os estados do Norte e do Sul desencadearam a Guerra de Secessao norte-americana.

Tinha inicio a Guerra de Secessao: os presidente Lincoln foi assassinado por um


confederados (sulistas) ficaram sob 0 coman- fanatico sulista, John Wilkes Booth.
do do general Robert Lee, enquanto os
Em janeiro de 1863, ainda em meio a
federalistas (nortistas) foram comandados pe-
guerra, Lincoln tinha assinado a Proclama¢ao
los generais Grant e Sherman. Devido a auto-
da Emancipa¢ao, um decreto que determina-
suficiéncia de sua economia, que garantia o
va a libertagao dos escravos apenas nas areas
uso de armas e navios construidos por eles
rebeldes (Sul), medida justificada sob o fun-
mesmos, os estados do Norte conseguiram
damento de ‘‘necessidade militar’. Mas foi
derrotar as forgas confederadas. Na guerra,
somente em 1865, com a completa vitdria
que durou quatro anos e mobilizou mais de
militar nortista, € que se aprovou a Décima
2,5 milhdes de homens, utilizaram-se recur-
Terceira Emenda a Constituigao norte-ameri-
sos bélicos modernos, seja para 0 comando
cana, proibindo a escravidao em todo pais.
(telégrafo), para o transporte de tropas e
suprimentos (ferrovias), para a confrontacao A aboligaéo da escravidao para os 4,5
(trincheiras), seja nos armamentos (protétipos milhdes de negros, contudo, nao significou
dos couragados, cruzadores, etc.). direitos iguais aos dos brancos, mantendo-se
Ao final da guerra, o Norte, vitorioso, a segregacdo social e politica que motivaria
consolidou sua supremacia politica e econd- seguidas lutas e radicalismos pelo resto do
mica, enquanto o Sul safa totalmente arrasa- século XIX e também durante o século XX,
do. Morreram na guerra mais de seiscentas como o do grupo de origem sulista e racista,
mil pessoas. Em 14 de abril de 1865, cinco Ku-Klux-Klan, que nega a integra¢do social
dias apds a rendicdo dos confederados, o dos negros nos Estados Unidos.

333
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Uma poténcia mundial emergente Cuba, em 1898, entdo colénia espanho-


la, lutava por sua independéncia sob a
A vitéria dos nortistas no confronto con- lideranca de José Marti. Sob o pretexto de
tra o Sul acelerou o progresso industrial dos proteger propriedades e vidas de norte-ameri-
Estados Unidos, que foram ultrapassando canos, os Estados Unidos intervieram na
progressivamente a Franca, a Alemanha e regiao combatendo os espanhdis e garantindo
até a Inglaterra em produtividade e desenvol- a independéncia cubana. Nessa guerra, Os
vimento econdmico, transformando-se, ja no norte-americanos garantiram para si a anexa-
final do século XIX, na primeira poténcia ¢ao de Porto Rico, no Caribe, e das Filipinas,
mundial. A prosperidade tornou-se atrativa a no oceano Pacifico.
emigracao, impulsionando o crescimento Na Constituigéo de Cuba de 1901 foi
demografico: de pouco mais de 30 milhdes acrescentada, por imposi¢ao dos Estados
de habitantes em 1865, a populagdo passou Unidos, a Emenda Platt, que instituia o direito
para 90 milhdes em 1914. de intervengdo dos Estados Unidos no pais,
A consolidagao do capitalismo apdés a além de conceder aos norte-americanos uma
Guerra de Secesséo favoreceu também o drea de 117 quil6metros quadrados, a baia de
expansionismo imperialista norte-americano Guantanamo, ainda hoje base militar ameri-
para a Américaea Asia. A Doutrina Monroe e cana em solo cubano. O intervencionismo
a teoria do Destino Manifesto serviram de dos Estados Unidos vigorou no pais até a
base ideoldgica para que os Estados Unidos Revolugdo de 1959, quando Fidel Castro
assumissem a tutela sobre toda a América, assumiu o governo da ilha, instalando um
especialmente da América Central. Adapta- regime socialista.
dos pelo presidente Theodore Roosevelt
Em 1903, os Estados Unidos estimularam
(1901-1909), os fundamentos da Doutrina
o movimento separatista do Panama em
Monroe passaram a ser conhecidos como
relagdo a Colémbia, e receberam em troca
Corolario Roosevelt. Visando preservar seus
o direito de continuar a construgado de um
interesses econdmicos e politicos, os Estados
canal ligando o Atlantico ao Pacifico, traba-
Unidos garantiram-se o direito de usar a for¢a
lho iniciado um pouco antes (1881) pelos
para intervir nos paises do continente, na
franceses. Pouco depois, obtiveram do gover-
posicao de “‘salvadores da América’’. Das
no do Panama o controle perpétuo da Zona
varias intervencdes norte-americanas na
do Canal. Na década de 1970, entretanto,
América Latina, destacaram-se as efetuadas
uma campanha nacionalista promovida pelo
em Cuba, no Panama e na Nicaragua, desde
governo panamenho retificou esse acordo,
o final do século XIX até as dltimas décadas
comprometendo-se os Estados Unidos a de-
do XX.
volver o canal ao Panama até o final do
século XX.
A América sob os americanos Da mesma forma, e continuando a poli-
tica externa norte-americana para a América
O Corolario Roosevelt inaugurou a delineada no século XIX, os Estados Unidos
politica do Big Stick (“grande porrete”), intervieram na Nicaragua, em 1909, ocupan-
sintetizada pela frase do presidente do-a militarmente até 1933, a fim de estabi-
Theodore Roosevelt, referindo-se as rela- lizar a regido, que vivia intensas lutas cam-
goes com a América Latina: “Devemos ponesas. Na luta contra a preseng¢a militar dos
falar macio, mas carregar um grande Estados Unidos destacou-se 0 camponés
porrete”, Essa politica resultou em diver- guerrilheiro Augusto César Sandino, que foi
sas intervengdes militares realizadas em transformado em herdi nacional. Décadas
paises da América Latina, garantindo mais tarde, seu nome inspirou outro movi-
aos Estados Unidos investimentos e mento nacionalista para a derrubada da
interesses politicos ameagados. ditadura de Anastacio Somoza (1979), aliado
dos Estados Unidos.

334
A AMERICA NO SECULO XIX

CANAL DO PANAMA

NICARAGUA

MAR DAS ANTIEHAS

Lago da
; ees

Zona do Canal
(sob a administracao
dos Estados Unidos)

PANAMA eS

OCEAf NO ;7 € €\ ¥
PACIFICO ts _@ OF Hi Brien
.
Buscando fixar-se estrategicamente na passagem Atlantico-Pacifico, Theodore Roosevelt impés seu controle sobre o canal do
Panama. Na foto, etapa da construcao do canal.

Com as interven¢6ées militaresna América (1914-1918), especialmente, e também depois


Latina, os Estados Unidos acabaramexercendo da Segunda (1939-1945), os Estados Unidos
completa tutela econdémica na regiao, proces- conquistaram a plena consolidagao do seu
so que se integrou a sua crescente supremacia —_progressismo, desbancando a tradicional lide-
mundial. Apds a Primeira Guerra Mundial ranga e hegemonia capitalista inglesa.

GAMMA

Guerrilheiro sandinista na luta para depor o governo nicaragiiense de Somoza, em 1979.

335
INTRODUCAO A HISTORIA
AFRICANA

Hist6ria tradicional do Ocidente, iluminadas por um sol que 06 queimava,


limitada por uma visao eurocentrista, tornando-os negros.”
quase sempre tratou como nao rele-
DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato Pinto.
vante a historia de outras regides. Esse olhar, Ancestrais: uma introdugao a historia da Africa
que tem subordinado e diminuido a impor- Atlantica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 59.
tancia de outros povos e que apresenta a
Europa como eixo do movimento evolutivo,
A idéia da supremacia européia e conse-
foi impulsionado desde a Antiguidade, época
qiiente inferioridade de outras culturas, espe-
em que a regido mediterranea era definida
cialmente as africanas, consolidou-se durante
como o centro do mundo. A Africa, desde
a Idade Moderna, quando a Europa passou a
entao, passou a ser vista como distante, como
centralizar 0 poder econdmico, politico e
a regiao dos ‘homens de faces queimadas’’
militar mundial. No final desse periodo, o
(conforme DEL PRIORE, Mary; VENANCIO,
livro Systema naturae, de Charles Linné
Renato Pinto. Ancestrais: uma introdugao a
(1778), classificava os seres humanos da
historia da Africa Atlantica. Rio de Janeiro:
seguinte forma:
Elsevier, 2004. p. 56). Daquele perfodo até o
final da Idade Média, especialmente com a
religiosidade crista medieval, ganhou impulso “a) Homem selvagem. Quadripede, mudo,
a associa¢do da cor negra ao pecado e ao peludo.
demGnio, firmando a visdo preconceituosa b) Americano. Cor de cobre, colérico,
em relacgao aos povos africanos. ereto. Cabelo negro, liso, espesso;
Para confirmar essa ‘‘inferiorizagao” da narinas largas; semblante rude; barba
Africa, apontada como a regiado do mal, havia rala; obstinado, alegre, livre. Pinta-se
ainda uma passagem biblica do Génesis: com finas linhas vermelhas. Guia-se
pelo costume.
“Ca, segundo filho de Noé, exibiu-se c) Europeu. Claro, sanguineo, musculoso;
diante de seus irmaos, gabando-se de ter cabelo louro, castanho, ondulado;
visto 0 sexo de seu pai, quando esse se olhos azuis; delicado, perspicaz, inven-
encontrava bébado. Para castiga-lo, o tivo. Coberto por vestes justas. Go-
patriarca amaldigoou Canaa, filho de Ca; vernado por leis.
ele € sua descendéncia se tornariam ser- d) Asiatico. Escuro, melancdlico, rigido;
vidores de seus irmaos e sua descendén- cabelos negros; olhos escuros, severo,
cia. Eles migraram para o sul € para a orgulhoso, cobigoso. Coberto por vesti-
cidade das sexualidades malditas: Sodo- mentas soltas. Governado por opinides.
ma. Depois atingiram Gomorra. Lendas e) Africano. Negro, fleumatico, relaxado.
contam que og filhos dos filhos dos Cabelos negros, crespos; pele acetina-
amaldigoados foram viver em terras da; nariz achatado, \abios ttmidos;
INTRODUCAO A HISTORIA AFRICANA

engenhoso, ‘indolente, negligente. Unta- dos povos africanos, decorrentes de milénios


sé com gordura, estes a ns ) de sua historia. Nesse caso, insere-se até mes-
cho.’
Lge mo a insistente utilizagao de denominacdes
que mais acobertam do que esclarecem suas
: HERNANDEZ, Leila Leite. i Africa ha oe peBoe
Vv
visita a
historia contemporanea. S530 Paulo: $ele i
especificidades, como os termos ‘‘africanos’’
eae 2006.a 19. e “europeus’’, que ‘‘nao sdo sequer conceitos,
yids g
menos ainda categorias analiticas capazes de
definir seus membros, foe grau de ge-
De forma mais radical, a exemplo do neralizagao que comportam’” (RODRIGUES,
fildsofo Friedrich Hegel (1770-1831), chegou- Jaime. Africa, uma sociedade mais feliz do que
se mesmo a conceber que a Africa negra ndo a nossa: escravos e senhores transitdrios nas
tinha historia. redes do trafico negreiro. In: Projeto Historia.
Sao Paulo: EDUC, n. 27,jul./dez. 2003. p. 124).
cE ae Hegel a “afieneeaerde 1830:
“A Africa nao é uma parte histérica do
mundo, nao oferece qualquer ‘movimento,
desenvolvimento ou qualquer progresso
historico proprio. (..mee) que entendemos
propriamente por Africa éé 0 espirito sem
historia, o espirito ainda nao desenvolvi-
do, envolto nas condigdes naturais.”.
CAMERA, Augusto; FABIETTI, Renato. Elementi di
Stone fedal XIV al XVII secolo. 4. ed. Bologna:
Zanichelli, 1997. p. 127.

Para Hegel, essa “Africa propriamente


dita” correspondia a regiao além do Egito e
ao sul do Saara, separada, portanto, da Africa
mediterranea do norte.
Por séculos prevaleceu a mentalidade de
enquadrar os africanos num grau inferior da Escultura em latao de cabeca de uma rainha-mae iyoba,
escala evolutiva, a mesma que classificava os 23,5 cm de altura, do século XVI, Reino de Benin, Nigéria

varios povos em avancados e atrasados ou (Africa). Museu Etnoldégico de Berlim (Alemanha).

civilizados e primitivos. Comerciantes, con-


quistadores e tedricos ressaltavam uma su-
posta selvageria dos povos da Africa, carac-
teristica quase sempre relacionadaa natureza A matriz africana de
do continente, fundamentando assim a cren- todos os homens
¢a de que a identidade daqueles seria deter- oe es ea ee Ue Od eer Gees ih EOD
minada meramente por tracos fisicos ou
bioldgicos, e nao por sua historia. Impunham Ao contrario do que prega essa versdo
essa versdo forcada de que o homem africano estereotipada das populacdes e da cultura
era incapaz de produzir cultura e histdria, africanas, 0 continente foi palco de uma
quadro que serviu aos escravagistas e tam- ampla e complexa diversidade histérica, que
bém aos imperialistas do século XIX, os come¢a com os primdérdios da humanidade.
mesmos que utilizaram o discurso justificador Na Africa, na regiao que atravessa a Etidpia, o
de “civilizar” a Africa. Além dos indisfarca- Quénia e Tanzania, foram encontrados os
veis interesses de conquista, exploracdo e mais antigos fosseis de ancestrais humanos,
dominacao, esse discurso tradicional enco- como diversos fésseis do Australopithecus,
bria as diversidades e caracteristicas proprias que viveu no continente desde pelo menos
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

7 milhdes de anos, bem como da espécie mais Europa, em Java, na China, no Iraque etc.
evoluida do Homo habilis (desde antes de Do Homo erectus teriam evoluido 0 homem
3 milhdes de anos) e do Homo erectus (desde de Neanderthal (denominagao dos fdsseis
2 milhdes de anos). Dessa forma, ali viveram encontrados desde 1856 na gruta de Nean-
diversas linhagens paralelas de nossos ances- derthal, perto de Dusseldorf, Alemanha), o
trais, que se entrelagaram até desembocarem homem de Cro-Magnon (denominagao dos
no homem moderno. Existem fortes indicios fésseis encontrados em 1868 em Cro-Mag-
de terem sido os descendentes do Homo non, Dordogne, na Franga) e a espécie
erectus OS primeiros a povoarem outros humana atual com todas as suas varia¢gdes,
continentes, pois, até agora, ja foram encon- em um processo ocorrido ao longo dos
trados esses fésseis em varias regides da Ultimos 500 mil anos.

Adap.: FONTANA, Joseph. Introduccién al estudio de la historia. Barcelona: Critica, 1999. p. 47.

Dominacao européia na Asia gem africana do homem moderno, acredita-


se que, ha cerca de 100 mil anos, individuos
Fdésseis do homem moderno, conhecido Homo sapiens sapiens empreenderam uma
como Homo sapiens sapiens, tém sido en- nova migracdo, dessa vez para todas as outras
contrados em diversas partes do mundo, mas partes do mundo, suplantando ou incorpo-
alguns pesquisadores apontam como os mais rando outras linhagens. Colaborando com
antigos (até agora conhecidos) os da Africa, essa versao, Certas pesquisas genéticas, apoi-
que datam de 200 mil anos, ao passo que os adas em estudos de DNA, ressaltam ‘que
de outros lugares teriam menos de 100 mil todos os individuos investigados descendem
anos. Entre esses achados africanos desta- de um s6 ancestral —de uma tinica Eva —, que
cam-se os da Africa do Sul (da regiéo de viveu na Africa entre 143 mil e 285 mil anos”
Klasies River Mouth) e os de Kanjera, no (conforme citado por HERNANDEZ, Leila
Quénia, entre outros. Admitindo-se essa ori- Leite. A Africa na sala de aula: visita 4 historia
INTRODUGAO A HISTORIA AFRICANA

contemporanea. Sao Paulo: Selo Negro, datas — quanto a essa ultima polémica, ha os
2005. p. 58). As teorias da origem humana que defendem, com base em_pesquisas
(ver figura e quadro abaixo) suscitam muitas _genéticas, ser de aproximadamente 500 mil
divergéncias entre os estudiosos, assim como _anos a origem da “Eva africana”
a determinacgao de rotas migratérias e de

Homem moderno
‘(Homo sapiens sapiens)
40 mil anos

Homem ereto
(Homo erectus)
,»5 milhao de anos

Neanderthal
(Homo sapiens)
100 mil anos

Australopithecus
4,5 milhdes de anos

Gorila
Cryopithecus
25milhdes de anos

Teorias da origem humana

0 Home sapiens sapier ica pation


mundo, dando origern atodosos humanos atuais.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Africa: da Pré-historia ro de povos (ussa, ioruba, ashanti) afir- |


ma descender de emigrantes vindos do
aos diversos reinos
nordeste do seu habitat atual. As pin-
Carneae
turas pré-historicas do macigo de Tassili
Relacionados a essa longinqua época (Argélia) representam mascaras quase
origindria, foram encontrados inumeros vesti- idénticas as dos senufd da atual Costa
gios da ‘‘Pré-histdéria africana’’ em diversas do Marfim, assim como cerimonias ainda
regides do continente, como instrumentos de existentes entre os poucos fulani que
pedra lascada/polida, machados, serras, lan- resistiram ao isla.”
¢as, arcos e flechas, arpdes, anzdis, pictogra- RODRIGUES, Joao Carlos. Fequena historia da
fias, vasilhames de barro, redes etc. Tudo Africa Negra. S40 Paulo: Globo, 1990. p. 18-9.
indica que a passagem das atividades de ca¢a
e coleta para a de produgdao de alimentos
tenha acontecido bem cedo na regido ao Ao sul do Saara prevalecem ainda hoje os
norte da linha do Equador, provavelmente por descendentes dos primeiros agricultores ne-
volta de 8000 a.C., diferentemente do sul do gros, falantes de linguas relacionadas ao
Saara, onde a agricultura so se difundiu no banto, denomina¢gao que designa uma ori-
inicio da Era Crista. gem lingiiistica comum, possivelmente oriun-
Grandes mudang¢as climaticas ocorridas da de um grupo de ancestrais africanos
por todo o continente africano nos Uultimos constituido nos ultimos séculos antes de
milénios antes da Era Crista também influ- Cristo. Acredita-se que a origem do grupo
enciaram fortemente o quadro histdrico geral, banto esteja na regido ao norte do rio Congo,
em especial nas areas que envolviam o que nas areas dos atuais paises de Camarées e da
denominamos hoje deserto do Saara. Consi- Nigéria. Por muitos séculos, esse povo, que
derando esse que € o maior deserto do vivia da caga, pesca, domestica¢gdo de ani-
mundo, comumente sao apontadas duas mais e agricultura de coivara e em perma-
grandes sub-regides do continente africano: nente nomadismo, espalhou-se por dreas
a Africa Setentrional e a Subsaariana. extensas da Africa Subsaariana.

“Por volta de GOOO a.C., mais


notadamente entre 2500 e 500 a.C., o Lhote
Henri
clima comegou a ter um progressivo
ressecamento. Em conseqiiéncia, enor-
mes migragoes foram se deslocando para
o Norte, Sudoeste e Leste, abandonando
a regiao (...).
Significativa parcela da popula¢ao
mais clara emigrou para o norte do
deserto, dando origem a populagao me-
diterranea, cuja lingua (0 berbere) estaria
estruturada ja por volta de 2000 a.C.
Dela derivaram os libios, que ameagaram
o Egito faradnico; os habitantes do atual
Marrocos; 0s ancestrais dos tuaregues.
do deserto etc.
A maioria da populagao negra, por Pintura rupestre de cerca de 5500 anos em Tassili de Ajer,
Sua vez, emigrou para o Sudoeste. Até Deserto do Saara Central, centro-oeste da Argélia. Na época
hoje, na Africa Ocidental, grande nime- do Neolitico, a regiao era de clima mediterraneo e de terras
férteis, ricas em fauna e flora.
INTRODUCAO A HISTORIA AFRICANA

DESERTO DO SAARA

wee Primeira dispersao (inicio da Era Crista)


Segunda dispersao (século VII ou Vill)
Regiao de colonizagao banta
Floresta tropical umida

Adap.: ANJOS, Rafael Sanzio Araujo dos. Territorios das comunidades remanescentes de antigos quilombos no
Brasil. Primeira configura¢ao espacial. Brasilia: Editora & Consultoria, 2005. p. 22.

Egito e Cartago Entre os reinos africanos mais antigos e


Saa ee ee famosos, dois esto na Africa setentrional:
Egito e Cartago. O primeiro a destacar-se foi
Ainda por volta de 6000 a.C., os grupos - o do Egito, formado no final do quarto milénio
de pele mais clara e os grupos negros antes de Cristo e que sobreviveu independente
juntaram-se no vale do Nilo, especialmente até 525 a.C., quando foi conquistado pelos
no Alto Egito, numa miscigena¢ao originaria persas. Ao longo da Antiguidade, o Egito
dos primdrdios da histéria egipcia. Nesse passaria ainda pela dominagdo dos gregos,
periodo, iniciou-se a propaga¢ao, por todo o macedénios e romanos. Foi na fase final do
vale do Nilo, de praticas agricolas e de Império Romano que teve inicio a penetracao
domesticagdo de animais. Sao conhecidos do cristianismo na regiao. Cartago foi o outro
também diversos nucleos de desenvolvimento reino africano poderoso na Antiguidade. Si-
agricola e de domestica¢gao animal em outras tuado no golfo de Tunis, possufa cerca de
regides do continente africano nessa mesma 250 mil habitantes e chegou a dominar diver-
época e em fases subseqiientes. Dessa forma, sas regides, inclusive parte da ilha da Sicilia
0 continente viu surgirem tanto organizag6es e da peninsula Ibérica. De origem fenjcia e
sociais e econdmicas voltadas para um se- comandado por poderosos comerciantes, o
dentarismo permanente ou predominante Reino de Cartago esbarrou no expansionismo
quanto agrupamentos em que prevalecia o romano no Mediterraneo, sendo derrotado e
nomadismo (baseado na coleta, caga e pesca). destruido nas Guerras Piinicas (264 a 146 a.C.).

S41
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

egipcios e ndbios. Em 663 a.C., os assirios


Os reinos de Kush,
foram derrotados por Psamético, principe de
Axum e Zimbabue Sais, que retomou a independéncia egipcia,
PSR
ee ae ees fundando o denominado Renascimento Saita
(XXVI dinastia). O Reino de Kush, por sua
Durante os ultimos séculos da historia vez, ainda tentaria manter sua atua¢ao co-
independente do Egito antigo, ganhou desta- mercial, mas diante da permanente ameac¢a
que o Reino de Kush, ao sul, na Nubia, onde de vizinhos e seguidas invas6es foi finalmente
atualmente se situa o Sudao. Além de aquela conquistado pelo Reino Axum, em 325 d.C.
ser uma regido rica em ouro, 0 reino firmou- Localizado na regiao da Etidpia, na costa
se como destacado intermediario comercial oriental do continente africano — area co-
entre Tebas (Egito) e a Africa Central. Apro- nhecida como Chifre da Africa —, 0 Reino
veitando-se das disputas politicas e conflitos Axum estabeleceu um comércio regular com
no vizinho Egito, os ndbios de Kush invadi- diversos povos orientais, desde aqueles que
ram o império e estabeleceram um novo habitavam regides dos mares Mediterraneo,
governo sob seu controle, o da XXV dinastia, Vermelho e oceano Indico até os da Pérsia,
conhecida como kushita ou dos farads ne- India, Ceilao e Bizancio, entre outros. Além
gros, que reinaram por cerca de 70 anos. Esse de adotar o cristianismo, esse reino chegou a
dominio sé desapareceu com a invasao estabelecer alian¢cas com o imperador bizan-
assiria, Cujos exércitos possuiam armas de tino Justiniano (527-565) para enfrentar rei-
ferro mais eficientes que as de bronze dos nos rivais.

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ROZV ee ZIMBABUE
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INTRODUCAO A HISTORIA AFRICANA

A ascenséo de Axum foi barrada no Um dos resultados desse processo foi o


século VII pela unificagao islimica promovi- crescente isolamento do reino cristéo de
da por Maomé e pela posterior expansao Axum, seguido de seu enfraquecimento e
desse movimento, que transformou o mar queda. Diversos outros reinos emergiram nos
Vermelho e o Mediterraneo em espacos séculos seguintes na area oriental da Africa,
mugulmanos. Nesse periodo medieval, pre- bem como no sul do continente, como o Reino
valeceu a conquista drabe de todo o norte do Grande Zimbabue (a partir dos séculos VIII
africano, responsdvel pela introducdo da ou IX), o Reino Monomotapa (séculos XII ao
religiao islamica no continente. XV) e o Reino Rozvi (do século XVII ao XIX).

Ruinas de Zimbabue. O recinto


Almasy/Corbis/Stock
Paul
Photos murado é conhecido como Templo.
Tido como um dos mais poderosos
reinos africanos do século XIV, o
Zimbabue contava com pastores,
artesaos de jdias de ouro e cobre,
escultores e comerciantes de varios
produtos, especialmente de ouro e
marfim, que eram levados para portos
da costa africana oriental. Em lingua
xona, vertente banta falada pelo
povo local, Zimbabue quer dizer
“casas veneradas” ou “casas de
pedra’’.

Foram indmeras as barreiras para litoral, cerca de 400 km a leste do


sé chegar a dados mais concretos sobre Zimbabue. Sofala Dourada, como por
os reinos africanos: vezes lhe chamavam, era um centro de
“A auséncia de documentos escri- comércio de marfim, peles de leopardo,
tos, um clima e um solo acido altamente ferro € ouro, que os nativos do interior
ruinoso para aS provas materiais em que trocavam por produtos estrangeiros,
08 cientistas baseiam suas descobertas, nomeadamente contas, porcelana e uten-
acrescidos de uma pressuposigao ha silios acabados, como facas e machados.
muito divulgada entre os cientistas Ignora-se se 09 arabes chegaram de
brancos de que os africanos negros facto ao Zimbabue ou apenas dele tive-
seriam incapazes de produzir semelhan- ram noticia através dos seus parceiros
tes civilizagdes, criaram enormes obsta- comerciais africanos; é certo, porém, que
culos a descoberta da verdade. faziam impressionantes descrigdes, des-
As primeiras noticias dos esplendo- pertando a cobiga dos europeus de
res de Zimbabue chegaram a Europa lugares tao distantes como Portugal e
provavelmente na Idade Média, através a Inglaterra.” .
dos arabes. Ja no século X 05 mercado- ADAMS, Mitchell. Zimbabwé, uma civilizacZo
res procedentes da Africa ‘setentrional, africana desaparecida. In: Os ultimos mistérios
da Pérsia e da India visitavam com do mundo. Lisboa: Selecgdes do Reader’s Digest,
freqiiéncia a cidade de Sofala, situada no SARL, 1979. p. 235.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Além dos reinos africanos citados, que sua historia. Por isso ja se disse que
evidenciam a amplitude da diversidade his- ‘cada anciao que morre na Africa é uma
torica da Africa, houve também um enorme biblioteca que sé perde’.”. 99

intercambio interior no continente, entre


BA, Amadou Hampaté. A palavra, memoria
esses e varios outros reinos e povos, alguns viva na Africa. In: CORREIO da Unesco.
situados na parte mais central e ocidental, A Africa e sua histéria. Rio de Janeiro:
que serdo abordados mais adiante. A diversi- Fundagao Getilio Vargas, 1979. p. 17.
dade de povos soma-se a diversidade religio-
sa: na Africa desenvolveram-se, ao longo do
tempo, variadas cren¢as — politefstas, islami-
cas e cristas, entre outras. Boa parte do acesso Os reinos de Gana e Mali
a essa enorme riqueza histérica africana
apdia-se nao apenas em fontes histdricas
escritas e arqueoldgicas, mas também nas O Reino de Gana destacou-se pela
orais. Nesse caso, destacam-se os guardides produ¢do de ouro, abastecendo por longo
da memoria historica, os anciados e os ‘‘me- periodo as regides mediterrdneas africanas e
nestréis/poetas ambulantes’’ — designados européias. Localizado onde atualmente fica a
pelo termo francés griot. Mauritania, formou-se por volta do século IV
e firmou-se junto a rota de comércio transaa-
Das fontes escritas destacam-se riana. Esse comércio, que contava com
as deixadas por viajantes arabes, como camelos que atravessavam o longo deserto
lbn Battuta no século X, descrevendo o do Saara, esteve subordinado, de inicio, ao
comércio entre povos na costa oriental; controle dos berberes do norte africano, para
Al-ldrisi, no século XII, descrevendo o reino depois passar ao dominio do reino negro de
de Gana; e Mahmud Kati, no século XV, Gana. Ouro, sal e outros produtos — incluindo
que acompanhou o rei de Mali até Meca. escravos, negociados como mercadoria -
Existem também registros escritos de atrafiam os comerciantes.
informagoes colhidas de comerciantes e
outros viajantes, como a do arabe-espa- “Desde o fim do século VII, dando
nhol Al-Bakri. continuidade a uma pratica que devia
Sobre a tradicao oral, o trecho a datar da época pré-islamica, mercadores
seguir nos da sua dimensdo para a originarios da Libia, do Magrebe, do Egito
historia africana: e até mesmo do lraque freqiientavam os
“Qualquer adjetivo seria fraco para portos cameleiros do Sael* e neles se
qualificar a importancia que a tradigao instalavam, por conta propria ou como
oral tem nas civilizagdes e culturas agentes de suas firmas. Algumas fami-
africanas. Nelas é a palavra falada que lias sé dividiram, para melhor controlar
se transmite de geracao a geracao o todas as fases do intercambio: parte
patrimonio cultural de um povo. A soma ficou nas cidades do Magrebe, abaste-
de conhecimentos sobre a natureza e a cendo e formando as cafilas destinadas
vida, oS valores morais da sociedade, a ao Sudao; parte, no Sael, a adquirir o
concep¢ao religiosa do mundo, o dominio ouro, a goma, o Ambar, o marfim e os
das forgas ocultas que cercam o homem, escravos, € a organizar as fileiras de
o segredo da iniciagao nos diversos dromedarios que seéguiam para o norte.
oficios, o relato dos eventos do passado De um é€ do outro grupo provinham os que
ou contemporaneos, o canto ritual, a acompanhavam as caravanas, a zelar
lenda, a poesia — tudo isso é guardado pela seguranga e pelo bom estado das
pela memoria coletiva, a verdadeira mo- mercadorias. Gragas a esses comercian-
deladora da alma africana e arquivo de tes, o islamismo penetrou no Sudao e
INTRODUGAO A HISTORIA AFRICANA

século VIII, enorme riqueza, como apontam


relatos de varios viajantes. Num deles consta
que os cdaes do palacio real, na capital Kumbi
Saleh, usavam coleiras de ouro.
O Reino de Gana iria se enfraquecer
bastante durante o século XII. Ao que parece,
isso aconteceu em razdo da concorrente
produc¢ao aurifera de outras areas, do cres-
cente ataque de vizinhos saqueadores e do
avanco da desertificagao na regiao do Sael.
Quanto ao comércio de escravos, vale
destacar que o continente africano serviu
como principal fonte fornecedora para as
mais antigas civilizagées — na Antiguidade -,
passando pelo mundo islamico e pela India —
Submetendo vizinhos e impondo tributos durante as idades Média e Moderna - e
e obrigacGes, o governante do reino, chamado alcangando posteriormente as Américas —
gana — ‘‘chefe de guerra” —, detinha, desde o idades Moderna e Contempordanea.

OCEANO
INDICO

Trépicoa de
a meCapricémio
a ye a ey a ee

[9 Avango islamico

Adap.: PAOLUCCI, Silvio; SIGNORINI, Giusepina. II Corso della storia 2. Bologna: Zanichelli, 1997. p.56.

C51ps gi
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

A derrocada de Gana na Africa Ociden- no século XV, por causa dos constantes
tal ocorreu paralelamente a ascensdo do ataques de povos do norte africano e dos
Reino Mali, processo que se consolidou portugueses, interessados no ouro e em
quando o principe Sundiata Keita, por volta varias Outras mercadorias do comércio regi-
de 1230, transformou-se em soberano do onal. Do século XV ao século XIX foram
Mali, fixando a capital em Niani. Ampliando inGmeras as unidades politicas africanas que
progressivamente seus dominios, no inicio floresceram no continente, apesar das inves-
do século XIV esse reino ja alcangava a costa tidas do norte islamico e dos europeus. Entre
do Atlantico e interior do Saara, controlando elas, destacam-se o Reino de Benim, area de
varias cidades e as rotas comerciais saaria- captura de cativos por vizinhos rivais, que os
nas. Ficaram famosas as peregrinagdes de repassavam aos europeus para 0 comércio
seus governantes a Meca, a riqueza que atlantico; o Reino do Congo, na regido do
levavam em suas viagens e a fundacao de rio Zaire (atual rio Congo), com capital em
mesquitas e centros de estudo que contavam Mbanza, com 100 mil habitantes; e o Reino
com a atuacdo de sabios e arquitetos trazidos Ashanti, entre os séculos XVII e XIX.
do Oriente Préximo.

Africa: fornecedora de
escravos e dominio europeu
LS

A escravidao existia no continente afri-


cano desde a Antiguidade; em sua forma
Paris
Nacional,
Biblioteca

primitiva, era doméstica e inexpressiva,


também conhecida como escravidao “de
linhagem’’ ou “de parentesco’’. Em geral,
funcionava a margem da sociedade, sem que
houvesse uma classe claramente definida de
escravos. Boa parte do continente africano
era constituida de comunidades em que as
fungGes sociais eram assentadas na etnia e
no parentesco. Nelas, os mais velhos tinham
o controle da produgéo e o acesso as
mulheres — estas eram as principais traba-
lhadoras agricolas. Dessa forma, os cativos
estavam também subordinados aos mais
Mapa europeu de 1375 destacando o reino de Mali e seu rei.
velhos e misturados aos demais membros
da sociedade, muitas vezes exercendo fun-
No século XIV, em razao das freqiientes ¢6es similares a de outros membros do
invasOes e saques, 0 Reino Mali foi sobre- grupo. Essa sociedade familiar, definindo
pujado por um outro, até entdo seu vassalo, suas areas de influéncias, foi responsavel
chamado Reino de Songai. Em Songai, que pelas fronteiras africanas entre estados e
se tornou um enorme império, destacaram-se aldeias, formando indmeros dominios distin-
como grandes centros comerciais as cidades tos, subordinados aos seus chefes, os sobas.
de Gao e Timbuctu - esta, famosa por Individuos eram escravizados pelos mais
possuir um exército profissional, uma uni- variados motivos: por condena¢ées a crimes
versidade (que atraia eruditos e poetas) e ou bruxaria; por dividas; por serem prisio-
uma arrecada¢do sistematica de impostos. neiros de guerra; para servirem como penhor
Esse reino iria desestruturar-se em seguida, (garantia de pagamento) etc.
INTRODUCAO A HISTORIA AFRICANA

A chegada dos islamicos, na Idade Mé- Omirlilaeme (mserhie


dia, e principalmente dos europeus, a partir transaariano, 650-1600
do século XV, afetaria profundamente esse
quadro. Assim, ocorreu a intensificacdo e a aevaterere) Media anual Total estimado
dinamiza¢ao do trafico e da escravidao afri-
cana. Até entao o trafico de africanos havia 650-800 eo”
sido feito por fenicios e cartagineses, sucedi- ~ 800-900 300 000
dos depois pelos romanos. A milenar escra- 900. a .

vidao continuaria por muitos séculos em todo


© mundo, s6 terminando formalmente, na 1100-1400 - 1 650.000
Africa, no século XX. Entretanto, cabe per-
guntar: ‘De la para ca, o rapto de mulheres, 14001500 430.000 _
etiopes ou outras, por principes arabes dos : : 1500-1600
Estados do Golfo nao constituiria uma sobre- ee
vivéncia dessas praticas acobertadas pelo
‘respeito a tradigao’?’”” (FERRO, Marc. Sobre Austen, 1979, p. 66. In: LOVEJOY, Paul E. A escravidao na
o trafico e a escravidao. In: FERRO, Marc Africa: uma historia de suas transformagées. Rio de Janeiro:
Civilizagdo Brasileira, 2002. p. 61.
(Org.). O livro negro do colonialismo. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2004. p. 121).
Trafico de escravos no mar Vermelho
e na Africa Oriental, 800-1600

Costa do mar Costa da Africa


Vermelho Oriental

1600000 800000 = 2.400


Paris.
Homem,
do
Museu Austen, 1979, p. 68. In: LOVEJOY, Paul E. A Bev iaae na
Africa: uma historia de suas transformac¢oes. Rio de Janeiro:
Civilizagao Brasileira, 2002. p. 61.

Até o século XV, os contatos com os


povos africanos eram feitos pela costa leste
africana, regiao do mar Vermelho e oceano
Indico, e pelo deserto do Saara, via rotas
comerciais transaarianas. Em meados desse
século, a rota de trafico feita com camelos
Imagem de 1910, na Africa Equatorial: escravo negro apri- pelo Saara foi substituida pela rota do Atlan-
sionado para ser vendido. tico feita com caravelas. Nessa época chega-
ram as primeiras caravelas portuguesas a
De inicio, a obten¢ao de escravos africa- costa ocidental da Africa, buscando comer-
nos pelos islamicos fez-se com a expansdo cializar mercadorias (principalmente ouro) e
territorial. Posteriormente, africanos escravi- escravos. Elas abriram o continente ao co-
zados eram conseguidos nas rotas comerciais mércio atlantico de escravos, com a exporta-
transaarianas e nas do mar Vermelho e do cdo de milhdes de cativos, inaugurando o
oceano Indico. Estima-se que, no perfodo de chamado “comércio triangular”. Por ele, os
650 a 1600, 0 trafico de escravos através do mercadores ligavam portos europeus a Africa
Saara tenha chegado a um total aproximado e a América, comercializando diversos pro-
de 4,82 milhdes de cativos; pela costa dutos (metropolitanos e coloniais) e africanos
oriental (via mar Vermelho e oceano Indico), escravizados. Dessa forma, 0 comércio euro-
entre os anos de 800 a 1600, esse comércio peu de escravos comegou com os portugue-
teria chegado a um total de 2,4 milhdes de ses, seguidos pelos holandeses, franceses e
escravos. Veja as tabelas a seguir. britanicos, entre outros.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

O trafico de escravos, também chamado até a cobrir 05 ralos das escotilhas, com
de “comércio de almas’’, produziu enormes Oo qué a diarréia e a febre espalharam-se
fortunas para as companhias comerciais e entre 05 negros. Enquanto eles estiveram
seus mercadores. Além disso, envolveu as
nesse inteliz estado, muitas vezes eu
sociedades locais africanas, integrando-as as
descia até la, como exigia minha profis-
transagdes e aos recursos que circulavam
540; mas, por fim, o calor de seus
pelo continente, firmando diversas redes de
captura e comércio de cativos. Os africanos alojamentos tornou-se tao insuportavel
levavam os escravos até a orla e dali, nas que ja nao era possivel ficar ali por mais
embarcag6es, era iniciada a travessia atlanti- de uns poucos minutos. Aquele calor
ca. As condic6es de transporte eram subu- excessivo nao era a Unica coisa que
manas, nada diferente do tratamento dispen- tornava tao pavorosa a situagao deles.
sado na captura e na propria imposi¢ao do A ponte, isto é, 0 piso de seu alojamento,
trabalho. No filme brasileiro Quanto vale ou é estava tao coberto de odores putridos é
por quilo? (2005), direg¢ao de Sérgio Bianchi, de sangue, consegiiéncia da diarréia de
ha um didlogo muito interessante que faz que eles estavam atacados, que, ao
analogia entre os navios negreiros e as atuais entrar ali, uma pessoa poderia acredi-
prisdes brasileiras. Numa das cenas, aparece tar-se num matadouro.
uma cela superlotada de detentos, e um E impossivel a mente humana ima-
presididrio negro (representado pelo ator
ginar um quadro mais horrivel e mais
Lazaro Ramos) diz: ‘‘Esse € 0 nosso navio
repugnante do que o estado em que
negreiro. Dizem que a viagem era bem assim.
es5e5 seres miseraveis se encontravam
S6 que ela durava dois meses. E 0 principal: o
entao. Grande nimero de escravos havia
navio ia terminar em algum lugar...”
desmaiado; eles foram levados até a
“Relatorio em que o cirurgiao Fal- segunda ponte, onde varios morreram, é
foi bastante dificil fazer despertarem 0s
conbridge narra sua experiéncia a bordo
de um navio negreiro durante a tempes- outros. Fouco faltou para que eu me
tade de varios dias, que impediu a saida incluisse entre as vitimas.”
dos cativos até a ponte para arejar-se: FERRO, Marc. Sobre o trafico e a escravid&o. In:
Um vendaval, acompanhado de chu- FERRO, Marc (Org.). O livro negro do colonialismo.
va, forgara-nos a fechar os portalds e Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 127.

Cerca de 1/3 dos escravos


embarcados nos navios negreiros
morria durante a travessia do
Atlantico, dadas as condicées
desumanas de alojamento, como
! «: oe mostra essa representacao das
fti ani
‘4 ui embarcagoées do século XVIII.

348
INTRODUCAO A HISTORIA AFRICANA

Com 0 trafico atlantico europeu, a escra-


_ Sobre a amplitude do trafico negrei-
vidao — que ja existia no continente africano e
que havia recebido impulso com o trafico ro (veja tabelas), “as estimativas em
anterior realizado por islamicos — perdeu seu “ndmeros permanecem frageio: o historia-
carater mais doméstico e ganhou um sentido dor americano Ralph Austen arrisca o
fortemente comercial, fomentando os con- numero de 17 milhdes de pessoas, do
frontos interétnicos, entre Estados e aldeias e século VIl ao século XIX, mas reconhece
intensificando o aprisionamento de escravos. que esse numero é relativamente impre-
Mais do que isso, impulsionou o racismo e a _ciso, estimando a sua margem de erro em
inferiorizagao do negro, considerado merca-
mais ou menos Delos)
doria.
OQ mesmo ocorre com 0s chamados
‘traficos interiores’, a respeito dos quais
Exportacao de escravos da Africa: as informagoes sao repletas de lacunas é
0 comercio atlantico as pesquisas pouco numerosas. Contudo,
apurou-se qué houve também um comér-
Numero de cio na escala da Africa subsaariana: o
Ha (exe(0) escravos Porcentagem historiador Patrick Manning afirma que
computados
E9565 traficos interiores teriam feito
14 milhdes de vitimas, capturadas em
conseqtiéncia de guerras entre Estados
Ou de vastas Operagoes de seqiiestros.
Assim, quando comegaram os ‘traficos
atlanticos’, um sistema anterior ja esta-
va implantado. Conforme lembrava o
et — 100,0
historiador Fernand Braudel (1902-
LOVEJOY, Paul E. A escravidao na Africa: uma historia de suas 1985), ‘o trafico negreiro nao foi uma
transformacées. Rio de Janeiro: Civilizagao Brasileira, 2002. eee diabolica da Europa’.”.
p. 51.
3 ~ GAUTHERET, Jérdme. Traficos rae.
— escravidZo: os fatos histéricos. In: Le Monde,
Paris, 11 jan. 2006. Disponivel em:
Destinos dos africanos para o <noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2006/01/
Novo Mundo, séculos XVI-XIX N/ultS80u1814,jntm>. Acesso em: 4 abr. 2006.

E preciso reconhecer que os primeiros


abolicionistas foram os prdprios escravos,
com sua permanente resisténcia e seguidas
revoltas. A resisténcia dos cativos africanos a
escravidao deu-se das mais variadas formas,
apesar das limitadas possibilidades de suces-
so e das severas e violentas puni¢des. Além
das resist6ncias individuais, isoladas, foram
indmeras as de grupos, como apontam varios
documentos. Fugas ocorriam logo apds o
* Exclufdos os Estados Unidos. aprisionamento, durante as marchas dos
THOMAS, Hugh. The slave trade: the story of the atlantic slave libambos (colunas de escravos amarrados),
trade: 1440-1870. Nova York: Simon & Schuster, 1997. p. 804. nos mercados e embarques, quando empur-
In: DEL PRIORE, Mary; VENANCIO, Renato Pinto. Ancestrais: rados para os tumbeiros (navios negreiros),
uma introdu¢ao 4a historia da Africa Atlantica. Rio de Janeiro:
durante as viagens e nos desembarques.
Elsevier, 2004. p. 167.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Um exemplo foi a rebeliao de 80 escravos a Durante a Idade Moderna, Portugal e


bordo do navio Misericoérdia, em 1533, na varios outros Estados europeus ocuparam
costa do Benim, que resultou na morte de militarmente algumas regides costeiras da
toda a tripulagao, exceto de um piloto e dois Africa, usando-as como base para 0 comércio
marinheiros, que fugiram numa canoa. Nas de ouro, marfim e sobretudo escravos. Ne-
unidades escravistas, a situacdo nao era nhum desses Estados, contudo, avangou sig-
diferente, com a organizagdo de quilombos nificativamente para regides mais interiores
e seguidas revoltas. do continente, que continuaram “inexplora-
das’ até o final do século XVIII. No século
XIX, no entanto, com a explosdo industrial, as
“Desde o inicio do século 16, as poténcias langaram-se vorazmente sobre a
revoltas eram freqlientes e foram muito Africa, dividindo-a em regides e determinan-
severamente reprimidas. Na época foram do fronteiras desordenadamente, conforme o
vistas até mesmo edificagdes, no Caribe desfecho de suas disputas imperialistas. Nessa
e na América do Sul, de fortalezas corrida predatoria, a Conferéncia de Berlim
defendidas por escravos rebeldes, as (1884-1885) representou um grande marco
quais, nao raro, oS europeus tiveram na partilha colonial africana. Por outro lado,
grandes dificuldades para dominar.” diante da grande resisténcia de populagdes
locais, os cofonizadores buscavam aliados ao
GAUTHERET, Jérdme. Traficos negreiros, escravi- fomentarem discdrdias entre as tribos. No
dao: os fatos historicos. In: Le Monde, 11 jan. 2006.
final do século XIX, a posse de suprimentos
Disponivel em: <noticias.uol.com.br/midiaglobal/le-
monde/2006/01/11/ult5E0u1814.jhtm>. Acesso em:
bélicos sofisticados, como a metralhadora,
4 abr. 2006. garantiu a supremacia européia por quase
toda a Africa.

Erick-Christian
Images
Ahounou/AFP/Getty
INTRODUCAO A HISTORIA AFRICANA

Essa rica e complexa histéria africana (conforme Almanaque Abril Mundo 2005.
nao admite inferiorizacdo em nome de uma Sao Paulo: Abril, 2005. p. 122), 53 paises,
inadequada histéria eurocéntrica. A Africa é mais de 2000 linguas e luta para superar
um continente que representa 20,3% da herangas negativas que contribuiram para o
superficie terrestre do planeta (30 milhdes alarmante quadro atual — de pobreza, guerras,
de km), possui 850 milhdes de habitantes epidemias e arduas dificuldades."

-
MAS

1A,

-SAARA OCIDE

GUINE-BIS

SERRA L!

OCEANO
INDICO
SEYCHELLES

COMORES

Adap.: ANTUNES, Celso. Atlas geogrdfico escolar. Sao Paulo: Atica, 2002. p. 14.

' Sobre o quadro atual, resultado da domina¢ao européia, vale a pena ver o filme Hotel Ruanda. Dir.: Terry Nolte, Can/REU/Ita/
AFS, 2004.
O IMPERIALISMO DO
SECULO XIX

a segunda metade do século XIX, vez, necessitava de mercados consumidores


intensificou-se 0 processo de expan- de manufaturados e fornecedores de maté-
sao imperialista que se estenderia até rias-primas, além de as grandes poténcias
0 inicio do século XX. Irradiando-se a partir buscarem colénias para a colocag¢do de seu
dos paises europeus industrializados, espe- excedente populacional e novas areas de
cialmente da Inglaterra, esse processo levou a investimentos de capitais. Sua intervengao
partilha dos continentes africano e asiatico. ocorreu principalmente na Africa e na Asia,
Na mesma época, também Estados Unidos e motivada pelo capitalismo industrial e fi-
Japao exerceram atividades imperialistas es- nanceiro, sendo as empresas burguesas e
pecialmente em suas regides de influéncia. nao o Estado seu principal agente e bene-
ficiario.

Grandes beneficidrios do colonialismo,


os banqueiros e industriais uniram-se, dando
origem a grandes monopolios. O capitalismo
preparava-se para entrar na fase financeira: as
atividades produtivas e comerciais foram
submetidas as instituigdes financeiras através
de empréstimos e financiamentos, ou ainda
do controle acionario. Assim, no final do sé-
culo XIX, o capitalismo industrial transfor-
mou-se em capitalismo financeiro ou mono-
polista, e surgiram grandes conglomerados
econdmicos, que se utilizavam de toda a es-
trutura politica nacional para conquistar e
explorar as areas coloniais. Esse fato originou
rivalidades entre as poténcias pela divisdo de
mercados que culminariam na Primeira Guer-
Nativos africanos com pegas de vestuario europeu demons-
tram a interferéncia neocolonial no continente. ra Mundial, em 1914.

O colonialismo do século XIX diferiu


profundamente do século XVI, que se restrin- O neocolonialismo
giu ao Capitalismo comercial, cuja meta era a Lae
Ee a ee
obten¢ao de especiarias, produtos tropicais e
metais preciosos, e concentrou-se no conti- Além da necessidade de novas fontes de
nente americano. Nesse periodo, o Estado matérias-primas (ferro, cobre, petréleo, man-
impulsionou a expansao, segundo os moldes ganés, trigo, algodao, etc.) e de outros
mercantilistas. O neocolonialismo, por sua mercados consumidores para a crescente pro-

352
O IMPERIALISMO DO SECULO XIX

duc¢ao industrial, as principais causas da ex-


pansdo imperialista do século XIX foram:
@O crescimento demografico europeu e a
conseqiiente necessidade de novas regides
para receber o excedente populacional.
Como colonos, essa popula¢ao continuaria
a pagar impostos, contribuindo para a re-
ceita do Estado, além de constituir um
grande contingente para os exércitos me- Edward
Sir
de
Quadro
Burne-Jones.
tropolitanos;
Ma necessidade de aplicacdo dos capitais
excedentes da economia industrial;
@ a obtencao de bases estratégicas visando a
seguranc¢a do comércio maritimo nacional.
A politica colonizadora imperialista fun-
damentou-se na “‘diplomacia do canhao’’, ou Kipling, 0 poeta do imperialismo, apontava a colonizacgao
como “o fardo do homem branco”’.
seja, foi conseguida pela forga, embora
travestida de ideais que a justificavam: os
colonos eram portadores de uma “missdo | si dotinnelez ce a Sw
civilizadora, humanitaria, filantropica e cul- 0 darwiniomo social ee ey
ee

tural’ e estavam investidos de altruismo, ja O Solonialicnio do Eealo XIX, pers


que abandonavam o conforto da metrdpole _meado pelo ideal de supremacia econo-
para “melhorar’’ as condigdes de vida das mica é cultural, formulou o mito da supe-
regides para onde se dirigiam. A missao
rioridade racial, “incluindo concepgoes
civilizadora era considerada ‘‘o fardo do
pseudocientificas que enalteciam os
homem branco’’, nova versdo do pretexto
brancos: ea exploragao- imperialista. Por :
ideoldgico do século XVI, “levar a fé crista
; esse motivo destacou- 56 a doutrina
aos infiéis da América’. Tanto no século XVI
como no século XIX, 0 que ocorreu, na
racista do fiIds0fo inglés H.vOpencety Baas).
verdade, foi a intensificagéo do mecanismo nhecida por|darwinismo social.
de explora¢do internacional. Segundo Spencer, a Teoria da pes
lugao, de Darwin, podia ser perfeitamente
Também o literato inglés Rudyard Kipling aplicada a evolugao da sociedade: assim
(1865-1936) forneceu amplo material de como existia uma selegao natural entre
apoio ao imperialismo de seu pais. Para ele, as especies, com o predominio dos ani-
a Inglaterra podia suportar como nenhuma mais € plantas mais capazes, ela existia
outra nacao o “fardo do homem branco’”’; em
também na sociedade: “A uta pela
sua obra, The white man’s burden, destaca o
sobrevivencia entre oS animais corres-
dever 4 filantropia da a¢gao colonizadora
pondia a concorréncia capitalista; a
inglesa, como se constata nos versos:
sele¢o natural nao era nada além da
livre troca dos produtos entre 0S
““Assumi o fardo do homem branco, homens; a sobrevivéncia do mais capaz,
Enviai os melhores dos vossos filhos, do mais forte era demonstrada pela
Condenai vossos filhos ao exilio, forma criativa dos gigantes da indis-
para que sejam os servidores de seus tria, que engoliam os competidores
[cativos.”’
mais fracos, em seu caminho para o
enriquecimento”.
Kipling, o maior poeta do imperialismo, BRUIT, Héctor H. O imperialismo. So Paulo,
chegou a receber em 1907 o prémio Nobel Atual, 1986. p. 9.
de literatura.

Kye%e)
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Quanto a forma de dominagao, era teresses imperialistas ingleses que pre-


realizada através da administracdo direta, cisavam da sujeigao das nagdes menores.
com a ocupacao dos principais cargos gover- Essa politica resultou na Guerra do
namentais por agentes metropolitanos, ou Paraguai (1865-1870), que fez do Brasil,
indireta, por meio de aliangas com as elites da Argentina e do Uruguai agentes
locais. Em ambas as formas, 0 que se
executores da sujeigao do Paraguai ao
esperava e se obteve foi a exploragdo de
terras e de m4o-de-obra e o controle da
neocolonialismo inglés. No final da guerra,
produ¢ao e do consumo. Moldando as estru- 70% de sua populagao | masculina havia
turas econdmicas e sociais dessas regides em morrido e a economia do pais encontrava-
fungao das necessidades externas, as potén- se totalmente desestruturada, 0 que —
cias hegemdnicas contaram com o apoio originou um processo de dependéncia
quase irrestrito das classes dirigentes locais, externa do qual nunca mais ¢e livrou.
embora sob uma aparente independéncia
politica, transformando a maior parte do
planeta em areas dependentes. Além da Inglaterra, pais europeu mais
industrializado e o primeiro a entrar na
O Paraguai antes da guerra
corrida neocolonial do século XIX, participa-
ram também a Franga, a Russia, a Holanda e
O Paraguai, durante o século XIX, era a Bélgica, entre outras. Apds a unifica¢ao,
uma excegao na América Latina, pois também a Alemanha e a Italia iniciaram sua
organizou uma economia voltada para as participa¢gao nesse processo, além de Portugal
necessidades internas, desenvolvimentis- e Espanha, metrdpoles coloniais desde o
ta, industrializada e auto-suficiente. No século XVI.
governo de Solano Lopez (1862-1870), As disputas entre poténcias por areas
atingira o fim do analfabetismo, o pleno coloniais agravaram conflitos e estimularam o
emprego de seus cidadaos e o desenvol- armamentismo, o que levou a formacdo de
vimento da indistria de base sem, no blocos de paises rivais, criando a conjuntura
entanto, contrair dividas externas. Tal tensa e propicia a confrontagao geral que
exemplo, entretanto, era perigoso aos in- aconteceria em 1914, na Primeira Guerra
Mundial.

O ambicioso e aventureiro
Cecil Rhodes (1853-1902)
— na Caricatura ao lado —
personificou as ambicées
do dominio britanico no
continente africano.

iN aS
O IMPERIALISMO DO SECULO XIX

O imperialismo na Africa (1884-1885), da qual participaram quatorze


paises europeus, Estados Unidos e Russia.
aie
Objetivando delimitar fronteiras coloniais e
normas a serem seguidas pelas poténcias
Iniciada a partir da segunda metade do colonizadoras, a conferéncia nado conseguiu,
século XIX, a efetiva partilha da Africa atingiu contudo, eliminar as divergéncias entre os
seu ponto maximo na Conferéncia de Berlim paises quanto as suas ambicées imperialistas.

Possessées

(3 Francesa
[A Otomana
[___] Portuguesa
eee inglesa
ee |Espanhola

masse Fsfera de
influéncia

Colonizagao da Africa pelas poténcias européias. Note as diferencas da interven¢ao européia nos anos de 1870 e de 1917.

A Fran¢a, presente na Africa desde 1830, Completando o projeto britanico de dominio


dominava a Argélia, a Tunisia, o Marrocos, 0 vertical do continente, em 1885 anexou-se o
Sudao (Africa Ocidental francesa), a ilha de Sudao, ao sul do Egito.
Madagascar e a Somalia francesa. A Ingla-
A presenga inglesa na Africa desdobrou-
terra, liderando o imperialismo, realizou o
se em varias disputas coloniais, tendo sido a
dominio vertical do continente, desde o mar
Guerra dos Boeres (1899-1902) a mais impor-
Mediterraneo, ao norte, até o antigo cabo da
tante. Desde as guerras napolednicas, a In-
Boa Esperanca, no extremo sul da Africa.
glaterra dominava a Col6énia do Cabo (Africa
Contribuindo para a supremacia britanica
do Sul), entrando em atrito com os colonos
no Norte africano, destacou-se a atuagdo do
holandeses, os chamados b6eres, ou african-
ministro inglés Benjamin Disraeli, que obteve
deres, fazendeiros que tinham fundado as
o canal de Suez, cujo controle acionario era
republicas livres de Orange e Transvaal. Com
originalmente francés e egipcio. Projetado
a descoberta de diamante e ouro na regido de
pelo engenheiro Ferdinand Lesseps e cons-
Joanesburgo, no Transvaal, as lutas se intensi-
truido com o apoio de Napoleao Ill, o canal
ficaram, pois a descoberta atraiu estrangeiros,
encurtava distancias entre os centros indus-
muitos dos quais stditos britanicos.
triais europeus e as areas coloniais asiaticas,
ao ligar o Mediterraneo ao mar Vermelho. Ambicionando ampliar sua influéncia no
Em 1875, as acgdes pertencentes ao go- sul do continente, a Inglaterra apoiou as
verno egipcio foram compradas por Disraeli, pressdes dos exploradores de ouro visando
passando o canal de Suez, e na pratica todo o quebrar a autonomia dos béeres. Em 1899,
Egito, a ter dupla administragao — dos france- tinha inicio a Guerra dos Béeres, que duraria
ses e dos ingleses. Esse dominio durou até até 1902, quando a Inglaterra vitoriosa ane-
1904, quando os franceses concordaram em xou o Orange e o Transvaal as col6nias do
abandonar o Egito, recebendo em troca o Cabo e Natal, formando em 1910 a Unido
apoio inglés para a conquista do Marrocos. Sul-Africana.

Keto)
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Alemanha e Italia, paises que so se 0 imperialismo na Asia e na


unificaram em 1870, empenharam-se tardia-
mente na partilha colonial africana, restando- Oceania
Peeet cane an NH ae eA ee aT UTIL
lhes regides de menor expressao. A Alemanha
conquistou o Camerun (atual Republica dos
Camarées), 0 Togo, 0 Sudeste e o oriente da
Africa, e a Italia tomou o litoral da Libia, a
Eritréia e a Somalia, sem, no entanto, conse- O continente asidtico era, ha séculos,
guir anexar a Abissinia, devido a derrota na cobicado pelos europeus, devido as suas
batalha de Adua (1896). riquezas, origindrias de variadas civilizag6es,
Na Conferéncia de Berlim, a Bélgica to- especialmente da India e da China.
mou o Congo -— cujo territ6rio era dez vezes
maior que o seu —, como propriedade pessoal No decorrer do século XIX e inicio do
do rei Leopoldo II. No inicio do século Xx, século XX, as nagdes européias tomaram
apenas a Libéria, habitada por negros emi- territorios, entraram em disputas coloniais e
grados dos Estados Unidos, na costa noroeste impuseram seu dominio direto ou indireto a
da Africa, e a Abissinia (atual Etidpia), no Asia e a Oceania.
Nordeste, constitufam Estados africanos livres.

" OCEANO _ OCEANO


PACIFICO PACIFICO
AFRICA x

4 «
OCEANO OCEANO
INDICO INDICO

[| Otomana GR Alema

Inglesa GB Espanhola oa Holandesa | Principados indianos

Dominagao européia na Asia.

India Inglaterra, que se apossou definitivamente


da India, em 1763, com a Guerra dos Sete
Os portugueses foram os primeiros euro- Anos (1756-1763), anexando, em 1806, a
peus a chegar a India, com Vasco da Gama, Birmania (atual Mianma). A regiao estava
em 1498, sendo seguidos no século XVI por sujeita a Inglaterra sob o regime de protetora-
holandeses, franceses e ingleses. O predomi- do, que aparentemente mantinha a autono-
nio sobre a regido, entretanto, coube a mia politica da India.

356
O IMPERIALISMO DO SECULO XIX

A partir de 1848, os ingleses intensifica- governada pelo vice-rei de Calcuta. Em 1876,


ram seu controle, impondo ao pais uma Disraeli transformou a India em drea do
administragdo britanica, que construiu estra- Império, sendo a rainha Vitdéria coroada
das e organizou miss6es politicas e religiosas. com 0 titulo de Imperatriz da India.
A introdug¢ao de novas estruturas econdmicas No inicio do século XX, a Inglaterra
afetou profundamente os costumes locais, controlava nao sé a India mas também varias
destruindo a tradicional industria téxtil india- regides vizinhas, como a Birmdnia, 0 Tibete e
na, incapaz de concorrer com a producao o Afeganistéo, dominando do mar Vermelho
inglesa de tecidos de algodao. ao oceano Indico. Também a Australia e ilhas
vizinhas faziam parte da cadeia de pontos
“No século XVII, 05 tecidos leves de estratégicos sob controle britanico na regiao.
algod&o representavam 60% a 70% das As conquistas coloniais da Inglaterra levaram-
exportagoes indianas. Com a ‘industriali- na, em 1900, a possuir o maior império do
zagao,a Inglaterra produziu maquinas mundo. Ameagadas pela emergéncia de ou-
350 vezes mais rapidas do que um tras poténcias imperialistas, as coldnias brita-
operario indiano. Gragas a posigao domi- nicas formaram um pacto, em meio a Pax
nante, a Inglaterra pode introduzir livre- Britannica, participando da British Common-
ales seus tecidos na india. O resultado wealth of Nations (Comunidade Britanica de
i que, em menos de um século, a Nac¢6es), composta por paises que, apds sua
bree dos algoddes ‘indianos havia autonomia politica, conseguiram também sua
libertagdéo comercial unindo-se contra a do-
praticamente desaparecido.”
minac¢ao direta da metrépole, como Australia,
FERRO, Mare. Histéria das colonizagdes: das
Africa do Sul, etc.
conquistas as independéncias, séculos Xill ao XX.
S4o Paulo, Companhia das Letras, 1996. p. 36. ce
a
oF
=
A dominacdo sobre a India ocasionou a co
®
se)
ruina da economia tradicional, voltada para a % a0

subsisténcia e para a industria manufatureira, 3.cs

io]
causando enormes desequilibrios entre pro-
du¢gao e consumo.
: 3 é x » c

A fome na India colonial


“A primeira grande fome registrou- A rainha Vitoria no final de seu longo reinado.
-6e entre0S anos I500 e 1825 e matou
1,4 milhao de pessoas. De 1827 a 1850 Japao
morreram de fome cinco milhdes de O Japao viveu isolado do Ocidente até
pessoas. ‘Entre 1875 e 1900, a India 1542, quando chegaram os primeiros navega-
sofreu dezoito grandes epidemias de dores portugueses, seguidos pelos espanhdis,
fome que mataram 26 milhdes de pes- que organizaram diversas miss6es jesuiticas na
s0as. Em 1918, houve mais de oito regido. Entretanto, houve uma dura reagao a
milhdes de mortos por desnutrigdo e presenc¢a européia no pais, que acabou por
gripe.” levar ao exterminio, em 1616, de 37 mil
were BRUIT, Héctor H. O imperialismo. p. 62-3. cristaéos japoneses. A partir de 1648, o Japao
fechou seus portos aos estrangeiros e organi-
A crescente presenga inglesa despertou o zou-se sob uma estrutura feudal, isolando-se
nacionalismo indiano, que culminou na do resto do mundo por mais de dois séculos.
Guerra dos Cipaios (soldados indianos), em No século XIX, esse pais era dominado
1857. Os revoltosos foram sufocados em por uma aristocracia feudal — daimios — que
1859 ea India passou a ser col6nia britanica, se apoiava numa Classe de guerreiros profis-
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

sionais, OS samurais. Apesar das disputas “Onde se tornava impossivel o esta-


entre os senhores feudais, cabia ao xogunato belecimento de uma indistria privada, ou
0 comando politico efetivo do pais, represen- onde estavam envolvidos interesses estra-
tado pela familia Tokugawa, em meio as tégicos, o proprio governo entrava em
rivalidades com outros clas poderosos como acao. As indistrias e comunicagdes defen-
os dos Choshu e Satsuma. Enquanto 0 xogum
sivas foram parar nas maos do governo. A
estava instalado em Edo — antigo nome de
primeira ferrovia locoama-Toquio foi con-
Téquio —, o imperador, o chamado micado,
exercia um poder apenas formal, vivendo na siderada suficientemente importante para
cidade sagrada de Kioto. justificar um empréstimo em Londres.
Em 1854, em plena era do expansionis- Em 1880, o governo fizera generosos
mo, uma esquadra dos Estados Unidos, investimentos em projetos dessa especie.
comandada pelo almirante Perry, forgou a Criara impostos até onde podia. Emitira
abertura dos portos japoneses ao comércio consideraveis somas de dinheiro novo a
mundial. Sob ameagas militares, foram as- fim de estimular 06 negdcios e estabele-
sinados inicialmente acordos comerciais com cera a estrutura do futuro desenvolvi-
os Estados Unidos e, em seguida, com varios mento industrial do Jap&o. Os lideres
outros paises. Meiji, entretanto, afligiam-se por causa
A abertura comercial japonesa provocou da inflagao; o valor da moéda corrente
o inicio da europeiza¢ao do pais, através de baixava progressivamente e julgaram es-
profundas transformac6es econdmicas, mili- sencial voltar a uma moeda forte.”
tares, técnicas e cientificas. Com a abertura, o (SAVELLE, Max (org). Os tempos modernos. p. 491.)
Japao sujeitava-se ao Ocidente, 0 que ativou Para reverter o emissionismo que
oO nacionalismo e a oposi¢ao ao xogum, ja impulsionava a inflagdo, eram necessa-
que este permitira a abertura.
rios recursos em dinheiro, o que levou o
Os opositores as transformac¢oes, especial-
governo Meiji a vender suas indistrias
mente os clas rivais do xogunato, uniram-se
para estabilizar a vida monetaria nacio-
entéo ao imperador Mutsu Ito, desejoso de
nal. Neste quadro econdmico coube as
transformar o micado no verdadeiro poder
empresas ligadas ao governo, como Mit-
nacional, enfrentando e vencendo os poderes
locais feudais ligados ao xogum e enfraqueci- sui, a Mitsubishi e€ outras poucas, a
dos com as mudangas. A vitdéria de Mutsu Ito aquisigao das empresas estatais estra-
promoveu a centraliza¢ao politica e inaugurou tégicas. Conhecidas como zaibatsu, es-
uma nova fase na historia japonesa, iniciando a tas empresas controlaram a maior parte
partir de 1868 a era do industrialismo e da dos negocios e passaram a dominar a
moderniza¢ao, a chamada Era Meiji. economia japonesa até o final da Segun-
da Guerra Mundial.
A Era Meiji e o zaibatsu
Com uma populagao total de 26 mi-
lhdes de habitantes em 1868 e sob a li- Processou-se a partir de entao uma rapida
deranga do micado, a industrializagao no industrializagdo, integrada a uma politica im-
Japao buscou resultados rapidos. Foram perialista sobre a China. Objetivando tomar a
incentivadas a fiagdo da seda por em- regido da Manchtria, em 1894, o Japao de-
presarios privados (aproveitando-se de clarou guerra a China, sofrendo oposi¢ao da
uma peste que vitimava o bicho-da-seda Russia, também interessada na regido. Em
fa Europa), € a produgao de tecidos de 1904, teve inicio a Guerra Russo-Japonesa,
algodao, bem como a ampliagao da pro- com a tomada, pelos japoneses, de Porto Artur
dug4o agricola com estimulo ao uso de e de parte da ilha de Sacalina. Pelo Tratado de
novas técnicas e fertilizantes. Portsmouth, a Rissia acabou se rendendo a
supremacia japonesa sobre a China.

Rrete)
O IMPERIALISMO DO SECULO XIX

Os chineses ha muito conheciam o 6pio,


utilizando-o, até o século XVIII, como medi-
camento. Os ingleses, que dominavam a
India, onde a droga era produzida em
abundancia, forgaram mercado para a sua
exportacao, vendendo-a em grande quanti-
dade, disseminando o vicio entre os chine-
ses. Os maleficios do crescente comércio do
Opio podem ser avaliados numa _ peticao
popular apresentada ao imperador Tao-
Kuang em 1838, reclamando pena de morte
aos revendedores chineses da droga: ‘/Desde
que o império existe, jamais experimentamos
perigo semelhante. Este veneno debilita
nosso povo, seca nossos ossos; € um verme
que corrdi nosso cora¢ao e arrufna nossas
| =——— Limite do império chinés (1850) familias’.
Possess6es ou influéncia Em 1839, em Cantdo, as autoridades
| (2) Russa chinesas obrigaram o representante britanico
Inglesa a entregar perto de 20 mil caixas de dpio,
| | EA Japonesa que, em seguida, foram jogadas ao mar. A
Inglaterra exigiu dos chineses indenizagao
A expansao japonesa no Extremo Oriente. pelas perdas, acusando-os de desacatar sua
autoridade e bloquear o livre comércio na
regiao. Como a indenizagao nao foi paga,
No inicio do século XX, 0 Japao era um iniciou-se a Guerra do Opio. Em 1842,
dos paises mais avancados e poderosos do derrotada, a China foi obrigada a assinar o
mundo, gragas a sua dinamica desenvolvi- Tratado de Nanquim, peio qual abria cinco
mentista, superior a de muitos paises indus- de seus portos ao livre comércio, abolia o
triais do Ocidente, exigindo, também, a sistema fiscalizador e entregava a ilha de
expansao colonialista. O seu expansionismo, Hong Kong a Inglaterra.
depois de esbarrar na Russia, encontrou pela
frente os Estados Unidos, originando atritos
entre as duas poténcias no decorrer das
décadas de 30 e 40.

China

Em meados do século XIX, a China


representava um atraente mercado consumi-
dor, pois possuia 400 milhdes de habitantes.
Com uma cultura milenar, uma economia
essencialmente agricola e sob um governo
imperial constantemente em crise, acabou
subjugada pelas poténcias imperialistas. A
penetragao dominadora da Europa, dos Esta-
dos Unidos e do Japao realizou-se por meio
_ de varias guerras, dentre as quais a Guerra do
‘ Opio (1841).
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

Com o pretexto de vingar o assassinato


de um missiondrio francés, um exército
franco-inglés, apoiado por norte-americanos
e€ russos, ocupou Pequim e forgou a China a
assinar um tratado, pelo qual mais sete portos
eram abertos ao comércio internacional.

O Tratado de Pequim (1860) também


definia a instalagdo de embaixadas européias
e o direito de atuagdo de miss6es cristas.

No final do século XIX, 0 Japdo, que vivia


O progresso industrial iniciado com a Era
Meiji, entra em guerra com a China ao tentar
conquistar a Coréia, que fazia parte do
territorio chinés. Diante das vantagens con-
seguidas pelo Japao com a derrota chinesa e
contando com o respaldo de outras potén-
cias, a Russia interveio, conseguindo refor-
mular os termos do tratado assinado, estabe-
lecendo que o Japao ficaria apenas com a ilha
de Formosa e receberia uma indenizacao de
guerra. 455
4 Wilt
A Guerra dos Boxers (1900) foi outro dos Cartaz de propaganda dos boxers mostrando um atentado a
grandes conflitos imperialistas que atingiram uma base estrangeira.
a China. Os “punhos fechados” ou boxers,
como eram chamados pelos ingleses, eram
chineses nacionalistas radicais que objetiva-
vam libertar o pais. Indochina
Em 1900, organizaram uma grande rebe-
liao em que morreram cerca de duzentos Em meados do século XIX, acelerou-se a
estrangeiros, inclusive o embaixador alemao. penetra¢ao francesa no Sudeste Asiatico, até
Em represalia, uma forga expedicionaria entdo restrita a Cochinchina, regido sul da
internacional, composta por ingleses, france- Indochina. O Vietna comecou a ser ocupado
ses, alemdes, russos, japoneses e norte-ameri- por iniciativa dos missiondrios franceses,
canos, invadiu a China, subjugando o pais e seguidos pelos soldados de Napoledo Ill,
obrigando-o a reconhecer todas as conces- que completaram a dominac¢do somente em
s6es ja realizadas as poténcias imperialistas. 1865. Camboja e Laos ja estavam submetidos
aos franceses desde 1863. Com a supremacia
Em 1911, 0 Partido Nacionalista Chinés — francesa na regido, foi criada, em 1887, a
Kuomintang —, sob a lideranga de Sun Yat- Uniao Indochinesa, que explorava carvao,
sen, promoveu o fim da monarquia milenar, cha e arroz. A dominacdo francesa na Indo-
proclamando a republica. china estendeu-se até o inicio da segunda
metade do século XX.
Nao conseguiu, contudo, superar os
entraves a um desenvolvimento aut6nomo Para as metrdépoles imperialistas, a ex-
chinés, principalmente devido a presenga pansdo colonialista do século XIX trouxe
internacional imperialista no pais, o que enormes lucros e a solu¢do parcial para suas
acabou sendo determinante para a Revolugao crises de mercado, de superpopulagao, como
Comunista de Mao Tsé-tung, em 1949. também a intensificagdéo de seu desenvolvi-

560
O IMPERIALISMO DO SECULO XIX

mento. Conseguiu, ainda, amenizar as diver- turagdo econdémica e politica, levando a


géncias politicas e as lutas sociais internas, fome, a resist@ncia e as lutas nacionalistas.
embora tenha também acirrado as divergén- Surgiam as raizes da segregacao racial e
Cias internacionais, conduzindo 0 mundo a social, que seriam as bases de muitas das
Primeira Guerra Mundial. dificuldades, lutas e conflitos que afligiriam o
Para os colonizados, o imperialismo mundo no século XX.
gerou submissao acompanhada da desestru-

Durante o século XIX, assinaram-se diversos tratados oficializando o controle imperialista sobre as na¢ées asiaticas. Tratado de
Tientsin (1885) entre China e Franga.

O "outro" na expansao imperialista "Vanguarda" da raga branca, educa-los,


forma-los — embora sempre se mantendo
O neocolonialismo reforgou a supre-
a distancia. Se os franceses também
macia mundial européia, a concepgao de
achavam que os nativos eram umas
ser o centro "avangado" sobre 0S povos
criangas, e sem divida os consideravam
"atrasados'..
inferiores, suas convicgoes republicanas
"Acredito nesta raga..., dizia Jo- levavam-nos, porém, a fazer afirmagdes
seph Chamberlain [ministro inglés] em de outro teor, pelo menos em publico,
1895. Ele entoava um hino imperialista a ainda que estas nao estivessem neces-
gloria dos ingleses e celebrava um povo sariamente em consonancia com seus
cujos esforgos superavam os de seus atos.
rivais franceses, espanhdis é outros. Aos Todavia, 0 que aproximava franceses,
outros povos, 'subalternos", o inglés ingleses e outros colonizadores, e dava-
levava a superioridade de seu savoir- lhes consciéncia de pertencerem a Euro-
faire, de sua ciéncia também; o "fardo do pa, era aquela convicgao de que encarna-
homem branco" era civilizar o mundo, é 0S vam a ciéncia e a técnica, e de que este
ingleses mostravam o caminho. saber permitia as sociedades por eles
Essa conviccao e essa missao sig- subjugadas progredir. Civilizar-se.
nificavam que, no fundo, 0s outros eram FERRO, Mare. Histéria das colonizagdes: das
julgados como representantes de uma conquistas as independéncias, séculos XIll a XX.
cultura inferior, € cabia aos ingleses, Sao Paulo, Companhia das Letras, 1996. p. 39.
Pjursroes & TESTES

7 (Esan-SP) Na passagem entre a Idade Moderna b) Apés 0 cadafalso real de 1649, estabeleceu-
e a Contempordnea, ha uma etapa que os se um governo popular e democratico na
historiadores tam chamado genericamente de Inglaterra, que serviu de fonte inspiradora
“Era das Revolugdes’’. Nela: para a efervescéncia iluminista do periodo.
a) fica sacramentado o mercantilismo como c) A turbuléncia inglesa apontada faz parte de
forma de operagao econdmica que perdu- um amplo movimento politico social que
raria ainda pelos proximos séculos. desembocaria na Revolugao Gloriosa de
b) iniciaram-se também os grandes descobri- 1688-9, reforgando os poderes absolutistas.
mentos, que, através das grandes navega- d) A Revolugao puritana de 1649 serviu para
¢6es, tanto alargaram as fronteiras do mun- reforgar 0 poder monarquico de Carlos | e
do conhecido. da Igreja anglicana, sepultando os principios
c) foi grande a estabilidade politica, dado que liberais em gestacao.
os governos europeus ndo sofreram quais- e) A versdo francesa da radicalidade politica
quer conflitos internos. desfechada contra o rei Carlos ocorreria du-
d) ganha curso a Primeira Revolu¢gao Indus- rante a Revolugao Francesa, sob a lideran¢a
trial, ocorrem as primeiras rupturas entre dos girondinos, no periodo do Diretério.
colénias e metrdpoles e nestas, o absolutis-
mo sofre grandes abalos.
(Unaerp-Ribeirao Preto-SP) A igualdade é bran-
e) a religiosidade voltou a assumir papel de
ca, a liberdade é azul e a fraternidade é
especial destaque e a nobreza, conseqiien-
vermelha. Trilogia filmada por famoso diretor
temente, reassumiu todo o seu _prestigio
de cinema, inspirando-se no ideario revolucio-
politico e econdmico.
nario que deu ao mundo o modelo de demo-
cracia representativa:
Veja o texto abaixo de Renato Janine Ribeiro
a) Revolugdo Russa
(prefacio do livro O mundo de ponta cabe¢a de
b) Revolucao Indiana
Christopher Hill, Cia. das Letras, 1987. p. 14-5)
c) Revolugao Francesa
e assinale a alternativa correta:
d) Revolugao Chinesa
“[...] com a execugao do conde Strafford, seu
e) Revolucao Gloriosa
principal apoio militar. A cena é dramatica: o
proprio conde pede a Carlos que assine a lei
mandando mata-lo; 0 rei cercado pelo povo em (Puccamp-SP) No contexto da Revolugdo Fran-
seu palacio, temendo menos a morte (é pes- cesa, a organizacao do governo revolucionario
soalmente corajoso) do que o enfraquecimento significou uma forte centralizagao do poder: o
do poder régio, afinal cede; para salvar a Comité de Salvagdo Publica, eleito pela Con-
propria consciéncia autoriza outras pessoas a ven¢ao, passou a ser O efetivo drgdo do
assinarem em seu nome a lei de execugao. O Governo ... . Havia ainda o Comité de Segu-
suplicio € enorme festa popular, presentes ranga Geral, que dirigia a policia e a justi¢a,
dezenas de milhares de espectadores — prova- sendo que estava subordinado ao Tribunal
velmente a maior aglomeragéo humana do Revolucionario, que tinha competéncia para
século na Inglaterra. Esse episddio atormentara punir, até a morte, todos os suspeitos de
Carlos até o fim da vida — nao devemos Oposi¢ao ao regime. O conjunto de medidas
desconhecer o peso das questées de conscién- de exce¢ao adotadas pelo Governo revolucio-
cia — e ele subira o cadafalso, em 1649, certo nario deram margem a que essa fase da
de que esta pagando a divida a seu fiel Revolucdo viesse a ser conhecida como:
servidor, bem como aos bispos’’.
a) os Massacres de Setembro.
a) A cena descrita no texto encontra alguma b) o Perfodo do Terror.
similaridade na Fran¢a, mais de dois séculos c) o Grande Medo.
depois, com a radicalidade do governo d) o Perfodo do Termidor.
montanhés. e) o Golpe do 18 Brumario.
QUESTOES E TESTES

5 (Uerj-R)) “Nés habitantes da pardéquia de b) a burguesia conseguiu a adesdo ideoldgica


Longeley abaixo-assinados, tendo-nos reunido da aristocracia, especialmente no que res-
em virtude das ordens do rei, dia 6 do presente peita a ‘‘abertura das carreiras publicas aos
més de maio de 1789, resolvemos o que se talentos individuais’’, o que possibilitou a
segue: ascensao de seus representantes ao poder de
Pedimos que todos os privilégios sejam aboli- » Estado.
dos. Declaramos que se alguém merece ter io o comando da burguesia desde o inicio se
privilégios e gozar insen¢gGes, s4o estes, sem revelou como irrefutavel, uma vez que ela
contradi¢ao, os habitantes do campo, pois sdéo colocou a servi¢o de seus objetivos revolu-
os mais Uteis ao Estado, porque por seu cionarios os mais variados setores da popu-
trabalho o fazem viver.”” lagao, liderando assim uma restauragao de
(Cadernos de Suplicas para os Estados Gerais.) Antigo Regime.
Esta reivindicagdo dos camponeses franceses as = as vanguardas operario-camponesas coloca-
vésperas da eclosdo da Revolugao Francesa ram-se ao lado da burguesia, pois tinham
traduzia um desejo comum aos demais mem- claro que suas reivindicagdes somente al-
bros do Terceiro Estado, a saber: cangariam um patamar de conseqiiéncia nu-
ma sociedade em que as relagdes burguesas
a) a convocacao dos Estados Gerais para dar
de produgao ja estivessem desenvolvidas.
solucGes a crise financeira.
e) os resultados politicos das sucessivas con-
b) a formagéo de uma democracia rural,
vuls6es sociais geradas nos quadros da crise
composta de camponeses aut6nomos.
do Estado monarquico francés foram, ao
c) a supressdo de uma ordem social baseada
final, capitalizados pela burguesia, que
no privilégio e na sociedade estamental.
pdde assim dar inicio a viabilizagao de seus
d) o advento de uma sociedade igualitaria com
interesses politicos e econdmicos.
o estabelecimento do sufragio universal.
e) a disting¢do da sociedade fundamentada na
proposta de cidadaos ativos e cidaddos vid(Cesgranrio-RJ) ‘’Aterrei o abismo anarquico e
passivos. pus ordem no caos’” (Napoleao Bonaparte).
Sobre 0 periodo napoleGnico na Fran¢a, entre
(PUCSP) “’[...] a revolugdo que nao se radica- 1799 e 1815, podemos afirmar que:
liza morre melancolicamente, como a burgue-
a) no 18 de brumario (9/11/1799), Napoledo
sa. A rigor, uma sO revolugao existe, a que se
destituiu o Diretorio controlado pelos giron-
deflagrou em 1789: enquanto viveu, ela quis
dinos, assumindo o poder através do Con-
expandir-se, e, assim, a Republica Francesa se
sulado.
considerou e se tentou universal — até o
Sy no Consulado (1799-1804), o confisco e a
momento em que a pretensao de libertar o
distribuigao de terras da Igreja aos campo-
mundo se converteu na de anexa-lo, em que os
neses provocaram o rompimento das rela-
ideais republicanos se reduziram ao imperia-
¢Ges entre o Clero e o Estado, expresso na
lismo bonapartista.’’
Concordata de 1801.
(RIBEIRO, Renato Janine. A ultima razao dos
c) no Império (1804-1815), a alianga militar
reis. Sdo Paulo, Cia. das Letras, 1993.) com a Austria e a Russia provocou o fim da
O motivo pelo qual o conjunto de mudangas expansao territorial francesa na Europa e no
politicas que resultou na implantagdo do norte da Africa.
regime republicano na Franca, no século XVIII, d) no periodo dos ‘Cem Dias’ (1815), Napo-
pode, genericamente, ser classificado como ledo ratificou a paz com a Inglaterra e a
uma revolucdo burguesa, é o fato de que esse Prussia, acatando a legitimidade das frontei-
processo ras européias anteriores 4 Revolucao Fran-
a) a estrutura social francesa viu-se reduzida a cesa.
uma polariza¢ao entre o bloco de apoio ao e) o Decreto de Berlim (1806), ao instituir o
Antigo Regime — no qual se encontravam a Bloqueio Continental, restaurou as antigas
aristocracia, os camponeses e os trabalhado- aristocracias e monarquias no governo dos
res urbanos—de um lado, eo bloco de apoio a paises recém-invadidos, como Portugal e
Reptiblica operario-burguesa, de outro. Espanha.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

8 (PUCSP) Relativamente 4 expansao napole6ni- Assinale a op¢ao que ndo associa, de maneira
ca (1805-1815), pode-se afirmar que acarretou correta, os marcos da Revolugao Francesa
mudan¢as no quadro politico europeu, tais enumerados abaixo as fases ja citadas:
como:
a) difusdo do ideal revolucionario liberal, am-
pliagdo temporaria do raio de influéncia
francesa e fortalecimento do idedrio nacio-
nalista nos paises dominados.
ASF isolamento diplomatico da na¢ao inglesa,
radicagao definitiva do republicanismo no
continente e estabelecimento do equilibrio
geopolitico entre os paises atingidos.
Gy desestabilizagao das monarquias absolutis-
tas, estimulo para os desenvolvimento in-
dustrial nas colénias espanholas e implan-
tacdo do belicismo entre as nagGes.
d) desenvolvimento do cosmopolitismo entre
os povos do império francés, incrementa¢gao
da economia nos paises ibéricos e conten-
¢ao das lutas sociais.
a difusao do militarismo como forma de con-
trole politico, abertura definitiva do merca-
do mundial para os franceses, estimulo de-
cisivo para as lutas anticolonialistas.

(Unicamp) Num panfleto publicado em 1789,


17 (UF-Vigosa-MG) Determine e explique as re-
percuss6es da Revolu¢ao Francesa.
um dos lideres da Revolu¢ao Francesa afirmava:
“Devemos formular trés perguntas:
— O que é 0 Terceiro Estado? Tudo.
12 (UFSCar-SP) A formulagao que segue refere-se
a que grande fato histdrico?
— O que tem ele sido em nosso sistema politi- “O que é 0 Terceiro Estado? Tudo.
co? Nada. O que é que ele foi até agora na ordem politi-
— O que pede ele? Ser alguma coisa.” ca? Nada.
(citado por Leo Huberman, Historia da riqueza O que pede ele? Tornar-se algo’.
do homem, 1979)
a) Revolugdo Francesa
Explique as perguntas e respostas contidas nes- b) Revolucao Russa
se panfleto francés. c) Reunido dos Paises Terceiro-mundistas
d) Independéncia Americana
10 (Cesgranrio-R)) A periodizagao que se conven- e)Se,
SSSSSRevolugao Gloriosa
cionou atribuir a Revolugdo Francesa distingue
trés fases relevantes na caracterizagao daquele 13 (Unifor-CE) O chamado perfodo do Terror
processo: (1793-94), no processo da Revolugdo Francesa,
— ade luta pela abolicao da feudalidade (a Era teve como uma de suas caracteristicas:
das Constitui¢gées); a) o radicalismo politico, centrado, especial-
—a de proliferagaéo de revoltas populares mente, na figura de Robespierre.
contidas energicamente por um poder cen- b) a ocorréncia de varios golpes de Estado ora
tralizado e voltado para o atendimento das a direita ora 4 esquerda, com sucesso.
necessidades da populagao mais pobre das C) 0 afastamento do jacobinos do poder, em
cidades (a Era das Antecipag¢ées); face de seu espirito de conciliagao.
—a de afirmagao de uma ordem burguesa, d) 0 envolvimento dos girondinos na defesa
cada vez mais excludente politicamente, e das idéias de Saint-Just.
distante dos interesses das classes populares e) a preocupagdo em elaborar uma constitui-
(a Era das ConsolidagG6es). ¢a0 que protegesse os direitos do homem.
QUESTOES E TESTES

14 (Sao Leopoldo-RS) Com a morte de Robespierre o da propria vida, que nao esteja pronto a fazer,
iniciou-se a fase denominada Reacao Termido- pelos interesses da Franga.’”
riana, que assinala: Apos assinar esse ato de abdica¢gao, Napoledo |:
a) a ascensdo de Napoledo pelo Golpe de 18 a) tornou-se duque da Toscana.
de brumario. b) compareceu perante o Congresso de Viena.
b) 0 inicio do Terror. c) foi desterrado em Santa Helena.
c) o fim da Convencao. d) foi confinado na ilha de Elba.
d) a formacao da primeira coligacdo contra a e) ficou prisioneiro na Inglaterra.

18
Franga.
e) a volta da alta burguesia ao poder. (UFPI) No Congresso de Viena (1815), as deci-
sdes foram tomadas pelas grandes poténcias:
15 (Oswaldo Cruz-SP) Ao analisarmos a Franca no Rdssia, Austria, Inglaterra e Prussia, tendo co-
periodo que se estende da Revolu¢ao Francesa mo um de seus principais resultados:
(1789) 4 queda definitiva de Napoledo Bona- a) a difusdo das idéias revolucionarias, reali-
parte (1815), verificamos que o pais passou por zada, principalmente, pela magonaria.
sérias transformagées politicas, econdmicas e b) a restauragdéo das fronteiras anteriores a
sociais. Seguem-se alguns acontecimentos des- Revolugao Francesa.
ta fase e deverdo ser assinalados, apenas, os c) a restauragao das antigas monarquias parla-
que se enquadram na Convengao: mentares, como, por exemplo, a de Portugal.
1 — Aboligao oficial da Monarquia e instituicado d) a intervengéo do papado em dominios
da Primeira Republica. territoriais do Sacro Império Romano-Ger-
2 — Aprovagao da Declaragao dos Direitos do manico.
Homem e da Constituicdo Civil do Clero. e) 0 auxilio prestado a movimentos revolucio-
3 - Instituigdo do Comité de Salvagao Publica narios embasados nos principios iluministas.
e adocdo de medidas extremas.
4 —Instituigdo do Tribunal Revoluciondrio e 19 (PUC-MG) O Congresso de Viena, de 1815,
alteragdo no sistema de propriedade. reuniu representantes dos paises europeus com
5 — Tomada da Bastilha e confiscagao dos bens 0 objetivo de:
doclero. a) apoiar a Doutrina Monroe para impedir a
a) 3 -4=5 c) 2-3-5 recolonizagao da América.
bate 4 Cite 3i=4 b) organizar uma alianga militar para conter a

16 (UFSCar-SP) “Minha maior gloria ndo consistiu


expansao napoleénica no continente.
c) combater as idéias socialistas difundidas
em ter ganho quarenta batalhas; Waterloo apa- pelos operarios nas industrias.
gara a memoria de tantas vitorias. O que nada d) reorganizar 0 mapa politico europeu e
apagard, 0 que vivera eternamente, € 0 meu promover a paz entre os paises beligerantes.
Cédigo Civil.”
Assinale nas alternativas abaixo a que grande 20 (Vunesp) "A Ku Klux Klan foi organizada para
personagem da histéria devemos este pensa- seguran¢a propria... 0 povo do Sul se sentia
mento. muito inseguro. Havia muitos nortistas vindos
a) Napoleaéo Bonaparte para ca (Sul), formando ligas por todo o pais.
b) Cromwell Os negros estavam se tornando muito insolen-
c) D. Henrique, o Navegador tes e o povo branco sulista de todo o estado de
d) Bismarck Tennessee estava bastante alarmado."
e) Luis XIV (Entrevista de Nathan Bedford Forrest ao Jornal
de Cincinnati, Ohio, 1868.)
17 (UFSCar-SP) ‘6 de abril de 1814. As poténcias A leitura deste depoimento, feito por um
aliadas tendo proclamado que o Imperador membro da Ku Klux Klan, permite entender
Napoleao era o Gnico obstaculo ao restabele- que esta organizacao tinha por objetivo:
cimento da paz na Europa, o Imperador, fiel ao a) assegurar os direitos politicos da populagao
seu juramento, declara que renuncia por si e branca, pelo voto censitario, eliminando as
por seus herdeiros aos tronos da Franca e da possibilidades de participagdéo dos negros
Italia e que nao ha sacrificio algum pessoal, até nas eleigGes.

365
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

b) impedir a formagao de ligas entre nortistas e a) criar uma estrutura eminentemente fabril
negros, que propunham a reforma agraria que proporcione predominancia do campo
nas terras do Sul dos Estados Unidos. sobre a cidade.
c) unir os brancos para manter seus privilégios conseguir a harmonia entre todos os ho-
e evitar que os negros, com apoio dos mens organizados em comunidades.
nortistas, tivessem direitos garantidos pelo oe
RE estruturar a organiza¢ao social com base em
governo. cooperativas agricolas.
d) proteger os brancos das ameagas e massa- = eliminar a propriedade privada, assim como
cres dos negros, que criavam empecilhos oO sistema capitalista.
para o desenvolvimento econédmico dos e) gerar uma nova ordem que valorize a
estados sulistas. espiritualidade do homem.
e) evitar confrontos com os nortistas, que
protegiam os negros quando estes atacavam
propriedades rurais dos sulistas brancos. Z (Fuvest) Indique os pontos comuns aos proces-
sos de unificagao da Italia e da Alemanha.
21 (UERJ) O Império é 0 comércio.
Com esta frase, Joseph Chamberlain, estadista
inglés, definia o imperialismo no final do 25 (Unicamp) Escravidao antiga, servidao e traba-
século XIX. lho assalariado sao formas que o trabalho
Um dos fatores que contribui para a compre- humano assumiu em diferentes periodos histd-
ensao do imperialismo é: ricos. Identifique esses periodos e descreva as
a) a constituigdo de impérios coloniais em diferengas entre essas trés formas de trabalho.
bases aut6nomas.
b) a busca de mercados consumidores para as
matérias-primas européias. 26 (Mogi-SP) Observe 0 quadro a seguir, assina-
c) aprocura de terras férteis nas col6nias pelos lando depois a alternativa certa:
grandes produtores europeus.
d) a necessidade de exportagao de capitais
excedentes para regiGes extra-européias. O homem preva- O interesse social O interesse parti-
lece sobre a socie- prevalece sobre o cular colabora pa-
dade. particular. ta o bem-estar so-
22 (FEI-SP) Sobre a Revolugao Industrial: cial.
|-—Ocorreu principalmente por causa do
A solucao da A solugao da A solugado da
acumulo de enormes capitais provenientes questao social es- questao social esta questo social de-
das atividades mercantilistas. ta na liberdade na exting¢do da pende do estabe-
Il — Ocorreu principalmente na Inglaterra (Pri- econémica e poli- propriedade parti- lecimento do im-
tica. cular. pério da justiga e
meira Revolu¢do Industrial) e mais tarde da caridade.
em alguns paises da Europa Ocidental e
O trabalho é mer- O trabalho é de- O trabalho é sim-
nos EUA (Segunda Revolu¢ao Industrial).
cadoria. terminador de pre- ples atividade do
Ill — Trouxe como conseqiiéncia a abolicao da ¢o, sendo seu ob- processo da pro-
escravidao em alguns paises com objetivo jetivo e interesse dugao.
do Estado.
de ampliar os mercados consumidores
mundiais.
a) | e Il referem-se as caracteristicas do socia-
Assinale, agora, a alternativa mais adequada:
lismo marxista e do socialismo cristao,
a) | e Il estao corretas. respectivamente.
b) Ill e Il est&o incorretas. b) Il e Ill referem-se as caracteristicas do libe-
c) todas estdo incorretas. ralismo e do marxismo, respectivamente.
d) todas estado corretas. c) | e Ill referem-se, respectivamente, ao libe-
e) | e Ill estado corretas. ralismo e ao socialismo cristao.
d) |, Il e Ill nado se referem ao liberalismo e ao
Ze (Medicina Rio Preto-SP) As idéias bdsicas do socialismo.
chamado socialismo cientifico (1848-1867) e) I, Il e Ill referem-se unicamente ao socia-
definem uma reforma da sociedade a fim de: lismo cristao.

366
QUESTOES E TESTES

Liha (Pelotas-RS) Os autores registram de forma 01) A idéia de unificagao partiu das zonas de
pungente os dramas das populagées proletarias crescente desenvolvimento industrial, cor-
que se aglomeravam nas cidades, na época da respondendo basicamente aos interesses de
Revolugao Industrial, vivendo em condicdes setores da burguesia, desejosos de consti-
subumanas, entregues ao vicio, incapazes de se tuir um amplo mercado nacional para seus
enquadrarem nos preceitos morais da classe produtos.
burguesa. A vivéncia desses individuos em uma 02) O processo de unificagdo se desenvolveu
mesma vida miseravel proporciona o nasci- no sentido norte/sul, a partir do Reino do
mento de uma série de movimentos sociais, Piemonte-Sardenha.
muitos dos quais denunciam os males do 04) O movimento nacionalista de Mazzini foi
capitalismo. Nessa época, um patrao filantropo derrotado em 1830, mas recuperou for¢a
e sensivel ao problema proletario toma inicia- em 1849, com a funda¢ao da Republica
tivas que virao dar nascimento ao movimento Romana.
cooperativista. Foi ele: 08) O cardter popular e a radicalizagao dos
a) Robert Owen d) Georges Sorel movimentos de unificagéo nos anos de
b) Karl Marx e) Friedrich Engels 1848 e 1849 levaram a burguesia a retirar o
c) Mikahil Bakunin seu apoio, o que favoreceu a contra-
revolucdo.

28 (UFJF-MG) No periodo de 1870/1871, 0 fato


16) Concluido o processo de unificagado, dois
importantes problemas permaneceram: a
mais importante e significativo da histdria
Questao Romana — recusa de Pio IX e seus
mundial foi:
sucessores em aceitar a perda de seus
a) a vitoria da Revolugdo Burguesa na Ingla- territérios — e a existéncia de minorias
terra, com a adogao de tarifas protecionistas italianas fora do territorio unificado.
no comércio com outros paises. (A resposta € a soma das respostas corretas.)
b) avitoria da Alemanha na Guerra Franco-Prus-
siana e conseqiiente unificagao desse pais.
c) a aboligaéo da servidao da Russia por 31 (Fuvest) ‘De hoje em diante, os continentes
Alexandre II. americanos, pela condi¢4o livre e independen-
d) a queda dos Bourbons reaciondrios na te que assumem e mantém, nado devem estar
Franga, motivada pela revolu¢ao de carater sujeitos a futuras colonizagdes por nenhuma
burgués. poténcia européia.””
e) a ocupagdo de Roma pela Franga e a con- Nesse trecho da mensagem anual ao Congresso
seqiiente criagdo do Estado do Vaticano. dos Estados Unidos, em 1823, o presidente
James Monroe estabeleceu principios basicos
Pipe (Fuvest) O que foi a Questao Romana e como da politica externa norte-americana.
foi resolvida pelo Tratado de Latrao, entre a) A que “futuras colonizagées” se refere o
Mussolini e o papa Pio XI? presidente Monroe?
b) Qual a frase que resume a chamada ‘’Dou-

30 (UEPG) Na Europa, na primeira metade do


trina Monroe’’?

século XIX, surgiram idéias nacionalistas, como


afirmacao dos principios liberais aplicados a 32 (Fuvest) Quais foram os ideais que nortearam
nacdo, entendida como um conjunto de indi- os movimentos revolucionarios de 1848 na
viduos dotados de liberdades naturais e unidos Europa?
por interesses e idioma comuns, constituindo
uma "individualidade politica" com direito a
autodetermina¢ao. Na segunda metade desse 33 (UFSCar-SP) A independéncia das coldnias
século, 0 panorama politico europeu caracte- espanholas da América deveu-se a diversos
rizou-se pela politica das nacionalidades, e fatores.
nesse contexto ocorreram as unificagdes da Assinale a op¢do na qual todos os fatores
Italia e da Alemanha. Sobre a unificagao da relacionados contribuiram para essa indepen-
Italia, assinale o que for correto: déncia.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

a) Politica mercantilista da Espanha; influéncia a) divergéncias no Congresso Federal sobre as


da independéncia brasileira; interesse dos definicdes dos direitos dos escravos libertos.
Estados Unidos no comércio das colénias b) antagonismo entre Norte e Sul decorrente das
espanholas. formas de organizagao econémica e social.
b) Monopélio comercial em beneficio da me- c) desavengas relacionadas com a tolerancia
tropole; desigualdade de direitos entre os religiosa decorrente da uniao de Igreja e
criollos, nascidos na col6nia, e os chapeto- Estado em alguns estados do Sul.
nes, nascidos na Espanha; enfraquecimento d) divergéncias quanto as questdes de organi-
da Espanha pelas guerras napolednicas. za¢ao politica dos estados republicanos.
c) Influéncia das idéias politicas de Maquiavel; e) conflitos hist6ricos gerados pela maneira de
auxilio militar brasileiro a independéncia tratar a popula¢gao india do Oeste.
dos territérios vizinhos; exemplo da inde-
pendéncia dos Estados Unidos.
a7 (Cesgranrio-RJ) A idéia de ‘‘fronteira’”, muito
d) Liberalismo politico e econdmico, adotado
presente na historiografia norte-americana, cos-
pelas cortes espanholas; enfraquecimento
tuma ser utilizada para:
do governo espanhol por causa da interven-
¢ao militar francesa; politica do Congresso a) explicar algumas das caracteristicas basicas
de Viena favoravel a independéncia das da civilizagéo norte-americana (igualitaris-

col6nias. mo, individualismo, espirito democratico,

e) Interesse econdmico da Inglaterra na inde- espaco aberto a livre iniciativa, etc.).

pendéncia das col6nias; politica de suspen- b) indicar o chamado ‘‘destino manifesto’ da


sao das restri¢Ges as colénias, seguida pelo na¢ao norte-americana: a ocupa¢do de toda
governo de José Bonaparte; alianga entre a América do Norte e o avango sobre Cuba,
chapetones, colonos nascidos na Espanha, e Porto Rico, Panama e Caribe.
criollos, nascidos nas col6nias, para promo- c) chamar a atencao sobre a epopéia da
ver a independéncia. expansao das estradas de ferro transconti-
nentais, rumo ao Pacifico.
(Moema-SP) O movimento de emancipagao d) justificar a aquisigado do territério do Alasca
latino-americana foi deflagrado: e a incorpora¢ao dos imensos territérios to-
a) pela ocupacdo da Espanha por Napoleao e mados ao México, apos a derrota deste Ulti-
a conseqiiente deposi¢do do rei Fernando mo em 1848.
Vil. e) significar a posigao herdica dos colonos
b) pela Lei Aberdeen, proibindo o trdfego ingleses, nos primeiros tempos da coloniza-
negreiro para as terras castelhanas da Amé- ¢ao, nos limites do mundo ocidental e as
rica. voltas com a hostilidade dos fndios e
c) quando os criollos (espanhdéis nascidos na escravos fugitivos.
América) aderiram ao panamericanismo do
Congresso de Caracas, em 1810. 38 (UFSCar-SP) A “big stick policy’, estabelecida
d) quando a Junta de Salva¢gao Ptiblica do nos Estados Unidos da América no inicio do
Vice-Reinado de Nova Granada levou a século XX, consistiu:
frente a guerra contra os “estrangeiros 1 — numa reforma ampla do sistema policial, a
espanhois’’.
fim de melhor reprimir as revoltas da po-
pulagao negra.
(Fuvest) “‘Pobre México! Tao longe de Deus e
2 —numa politica interna com a qual se pre-
tao perto dos Estados Unidos!’’
tendeu corrigir os excessos do sistema fe-
Comente um caso de atuacao dos Estados
derativo.
Unidos em relagdo ao México que dé raz4o a
esse lamento irénico de um bispo mexicano. 3 — numa politica externa com a qual se pre-
tendeu reservar o direito de intervir na
(Fatec-SP) A Guerra de Secessao, nos Estados América Latina.
Unidos, iniciada em 1861 e considerada a Assinale a op¢ao correta.
primeira das guerras modernas, pode ser ex- a) Apenas a alternativa 3 esta correta.
plicada por: b) Apenas a alternativa 1 esta correta.
QUESTOES E TESTES

c) Nenhuma alternativa esta correta. 42 (Fiube-MG) A Revolucgao Meiji (1868), no Ja-


d) Apenas a alternativa 2 esta correta. pao, ainda que de carater politico, teve grande
e) As alternativas 1 e 2 est3o corretas. ressonancia econdmica, porque significou:
a) o término dos senhores feudais — os samu-
rais — com o advento da monarquia consti-
39 (Cesgranrio-RJ) A Guerra do Opio (1841-42) tucional.
teve como uma de suas conseqiiéncias: b) a modernizag¢ao do pais, gracgas a assimila-
a) a maior penetra¢gao do imperialismo inglés ¢do da tecnologia ocidental.
na China. Cc) 0 inicio de uma era de expansdo imperia-
b) o fechamento dos portos da China ao lista, com a conquista da Mongolia.
comércio ocidental. d) a abertura dos portos do pais aos produtos
c) a eliminagao da influéncia colonialista fran- da inddstria inglesa.
cesa na China. e) a desagregacgao da estrutura do poder do
d) a queda do sistema de mandarinato na shogunato nos centros urbanos.
China.
e) a instituig¢éo de um governo republicano na
China.
43 (Mogi-SP) Correlacione as duas colunas.
1. Os franceses exerceram protetorado sobre
esta regiao africana.

40 (FGV-SP) O neocolonialismo inglés do fim do


2. A Etidpia sofreu tentativas de ocupa¢do,
malsucedidas, em 1889 e foi submetida em
século XIX encontrou na india e na China dois 1935 por essa na¢gao européia.
amplos mercados para exploracdo. A India 3. Os ingleses tomaram esta antiga na¢ao
passou a importar grande quantidade de tecido africana, depois da abertura do canal de
de algodao, principal produto de exportagao da Suez.
Gra-Bretanha. Na China, quase metade das 4. Os ingleses dominaram esta regido, que era
importagdes, em 1870, era de dpio fornecido ocupada por descendentes de holandeses.
pelos ingleses. Essa penetragdo estrangeira 5. Responsabilidade na lideranga contra a
suscitou a reagdo desses povos, como se pressao inglesa que existia desde a Guerra
depreeende das revoltas: do Opio.
a) dos Béeres na India e Taiping na China.
( ) Sul da Africa
b) dos Sipaios na India e dos Boxers na China.
(_ ) Argélia
c) da Manchiria na india e dos Béeres na
( ) Boxers, na China
China.
(_) Italia
d) dos Boxers na India e dos Sipdios na China.
( ) Egito
e) de Ghandi na India e dos Sipaios na China.
A alternativa certa corresponde a seguinte
numeragdo (obedecendo ao sentido de cima

41 (Caxias do Sul-RS) Na analise do Colonialismo para baixo):


Asiatico, a chegada do comandante Perry ao a) 4-1-5-3-2
Japao, em 1853, com uma esquadra norte- by Stree ae 5
americana, é importante porque: © pabhdlegyo5
a) destréi as bases do sistema feudal dominado d) a5 + aoe
pelos Shoguns. 6) 4-1 25523
b) acabam-se as persegui¢des que antes eram
movidas aos catdlicos portugueses e espa-
nhdis.
44 (UCS-RS) Numere a segunda coluna de acordo
com a primeira.
c) forga a abertura dos portos japoneses ao 1. Unificagao da Italia
comércio mundial. 2. Anti-Semitismo (__) Bismarck
d) destréi a estrutura feudal.dos daimios e 3. Regime Ditatorial ( ) Cavour
samurais. 4. Santa Alianga (_ ) Disraeli
e) tem inicio uma rigorosa expansao imperia- 5. Unificagao da Alemanha (_ ) Napoleao Ill
lista contra a China e a Russia. 6. Imperialismo Britanico
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

A seqiiéncia numérica correta na segunda co- em que somente a guerra podia superar os
luna é: antagonismos politicos.” (EISENBERG, Peter
aN lin6;3 d) 5, 6, 2, 4. Louis. Guerra civil americana. Sao Paulo,
0)) 25, Sy, Bye Ac eal a4; 6, 3: Brasiliense, 1982.)
©) 137, 16,4. Dentre os conflitos geradores dos antagonismos

45
politicos referidos no texto esta a:
(Vunesp) “Com plena seguranga achamos que a) manutencdo, pela sociedade sulista, do
a liberdade de comércio, sem que seja neces- regime de escravidao, o que impediria a
sdria nenhuma aten¢do especial por parte do ampliagdo do mercado interno para o
Governo, sempre nos garantira o vinho de que escoamento da produg¢4o industrial nortista.
temos necessidade; com a mesma seguran¢a b) op¢ao do Norte pela produ¢ao agricola em
podemos estar certos de que o livre comércio larga escala voltada para o mercado ex-
sempre nos assegurara O ouro e prata que ti- terno, o que chocava com a concorréncia
vermos condi¢des de comprar ou empregar, dos sulistas que tentavam a mesma estra-
seja para fazer circular as nossas mercadorias,
tégia.
seja para outras finalidades’””’ (Adam Smith — A
c) necessidade do Sul de conter a onda de
riqueza das na¢ées).
imigragao da populag¢ao nortista para seus
No texto, os argumentos a favor da liberdade
territorios, © que ocorria em fungao da
de comércio sao, também, de criticas ao:
maior oferta de trabalho e da possibilidade
a) Laissez-faire
do exercicio da livre-iniciativa.
b) Socialismo d) Corporativismo
d) ameaga exercida pelos sulistas aos grandes
c) Colonialismo e) Mercantilismo
latifundiarios nortistas, 0 que se devia aos
constantes movimentos em defesa da refor-
46 (PUCSP) A “Primavera dos Povos’’, como ma agraria naquela regido em que havia
foram batizadas as Revolucdes de 1848 na concentra¢do da propriedade da terra.
Europa, trouxe uma novidade para 0 panorama e) adesao dos trabalhadores sulistas ao movi-
politico europeu. Pela primeira vez: mento trabalhista internacional, o que
a) a idéia de Revolugao foi conjugada com o ameagava a estabilidade das relacGes traba-
ideal liberal de uma sociedade cuja organi- lhistas praticadas na regido norte.
zac¢ao fosse fundada num pacto social.
b) o regime republicano era instaurado sob o
patrocinio exclusivo da burguesia, uma vez
48 (Mossor6-RN) O Movimento Cartista, na pri-
meira metade do século XIX, na Inglaterra,
que os trabalhadores abdicaram da partici-
tinha entre seus objetivos a:
pa¢ao na reordenac¢ao politica.
c) o proletariado fazia sua apari¢ao politica a) limitagaéo dos direitos reais por um Parla-
com reivindicagées classistas e propostas de mento livre.
mudan¢a da ordem social. b) eliminagaéo da monarquia, com a organiza-
d) 0 internacionalismo proletario foi experi- ¢ao de uma reptblica.
mentado, tendo sido 0 motivo para a simul- c) promogao da unificagao das nagdes numa
taneidade das revolugdes em toda a Europa. comunidade britanica.
e) a proposta de um centralismo democratico d) obtengéo do voto secreto e o sufrdgio
na estrutura¢ao do partido Liberal foi testa- universal masculino.
da, tendo como resultado a efetiva conquis- e) adog¢aéo de uma Constituigdo escrita que
ta do poder por esse grupo. limitasse 0 poder real.

47 (PUCSP) “A Guerra Civil Norte-americana 49 (UCS-RS) A politica isolacionista dos Estados


(1861-65) representou uma confissdo de que Unidos da América apdés as guerras de inde-
o sistema politico falhou, esgotou os seus pendéncia estava baseada:
recursos sem encontrar uma solugao (para os a) no chamado Atlantismo.
conflitos politicos mais importantes entre as ) na Doutrina Truman.
grandes regides norte-americanas, o Norte e o ) no Plano Marshall.
Sul). Foi uma prova de que mesmo numa das d) na Doutrina Monroe.
democracias mais antigas, houve uma época ) na Alianga para o Progresso.

3570
QUESTOES E TESTES

50 (Unesp) A superioridade da industria inglesa, 52 (UE-Londrina-PR) ‘’... viam na propriedade


em 1840, nao era desafiada por qualquer futuro comum desses meios a forma de viverem todos
imaginavel.. E esta superioridade s6 teria a bem. Por isso, em suas sociedades visiondarias,
ganhar, se as matérias-primas e os géneros planejavam que os muitos que executariam o
alimenticios fossem baratos. Isto nao era ilusdo: trabalho viveriam com conforto e luxo, gragas a
a na¢ao estava tao satisfeita com o que propriedade dos meios de produgao...””
considerava um resultado de sua politica que O texto refere-se a um pensamento, que se
as criticas foram quase silenciadas até a desenvolveu nas primeiras décadas do século
depressao da década de 80.” (Joseph A. XIX na Europa, caracteristico do:
Schumpeter, Hist6ria da andlise econémica.) a) maoismo.
Desta exposi¢ao conclui-se por que razao a ) stalinismo.
Inglaterra adotou decididamente, a partir de c) sindicalismo.
1840, o: ) marxismo-leninismo.
a) isolacionismo em sua politica externa. ) socialismo utdpico.
b) intervencionismo estatal na economia.
c) capitalismo monopolista contrario 4 concor- 53 (UM-SP) Podemos afirmar que contribuiram
réncia. para a emancipacao da América espanhola:
d) agressivo militarismo nas conquistas de a) o fortalecimento dos vinculos com a metré-
col6nias ultramarinas. pole manifestado no apoio das coldnias a
e) livre-comércio no relacionamento entre as José Bonaparte.
nacgoes. b) o desinteresse inglés no mercado das colé-
nias latino-americanas.

51 (Unirio) "As grandes empresas nao limitam seu


c) as idéias socialistas, base ideoldgica da luta
contra a metrdpole.
controle ao perimetro da fabrica. Elas tentam d) as contradi¢6es entre a elite criolla favoravel
estendé-lo a vida cotidiana dos trabalhadores, ao livre comércio e os chapetones partida-
através de todo um conjunto de instituigdes e rios do monopolio metropolitano.
de uma politica de ordenamento do espa¢o, e) a lideranga do movimento em maos de
chegando até a constituigdo de verdadeiras indios e mestigos, que, apds a luta, obtive-
cidades industriais. O objetivo destas cidades- ram solidas vantagens sociais e politicas.
fabricas nao é apenas, nem mesmo principal-
mente, a ordem do trabalho, mas a fixacao de
uma mao-de-obra, sua manuten¢do ao melhor
54 (Cesgranrio-RJ) Sobre o movimento de unifica-
¢do italiana, na segunda metade do século XIX,
custo, sua aloca¢ao no trabalho e sua repro-
é correto afirmar que:
duc4o: pode-se falar de uma eugenética das
a) se destacaram duas correntes principais apds
populagoes industriais."
as lutas de 1848, os republicanos e os mo-
(PERROT, Michelle. Os excluidos da Historia: narquistas, estes Ultimos vitoriosos em 1871.
operarios, mulheres e prisioneiros.
S representou a derrota dos interesses dos
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998. p. 71.) grupos liberais ligados a industrializagao do
Segundo a autora, a racionalidade das relacdes Piemonte.
capitalistas no século XIX europeu pressup6e: oe foi liderada por Garibaldi, que, unindo as
|. o controle sobre o operario; forgas monarquistas liberais, com o apoio de
Il. a dispersdo espacial do operario; Napoleao III, formou o reino da Italia.
Ill. o desregramento das familias; & o centro difusor das idéias e da luta pela
IV. a reprodug4o e a selegao de um contingen- unificagao encontrava-se no Vaticano, em
te humano apto para o trabalho; Roma, sendo o papa o principal articulador
V.a militarizacao de homens; do estado unificado italiano.
VI. o desestimulo a pratica de consumo. e) a alianga dos revolucionarios italianos com
Estado corretos: é os -austriacos permitiu a formagao de uma
a) |e IV, apenas. d) |, Ille V, apenas. coliga¢gao militar, que expulsou os franceses
b) Il e V, apenas. e) Il, IV e VI, ape- dos ultimos territérios ocupados no Tirol e
c) Ill e IV, apenas. nas. na Lombardia.
A IDADE CONTEMPORANEA (SECULOS XVIII E XIX)

53 (Fuvest) Simon Bolivar escreveu, na conhecida — valorizagao da pesquisa cientifica


Carta da Jamaica de 1815: — desenvolvimento de novas tecnologias
“Eu desejo, mais do que qualquer outro, ver — flexibilizacdo dos contratos de trabalho
formar-se na América [Latina] a maior nagdo A posi¢ao central ocupada pela técnica é fun-
do mundo, menos por sua extensdo e riquezas damental para explicar a atual fase do capita-
do que pela liberdade e gloria.” lismo em que se insere o pds-fordismo.
Sobre esta afirma¢gao podemos dizer que:
Esta nova forma de organizacao da produ¢ao
a) tal utopia da unidade, compartilhada por
promove 0 seguinte conjunto de conseqiiéncias:
outros lideres da independéncia, como San
Martin e O'Higgins, nao vingou por inefi- a) retragao do setor de comércio e prestagao
ciéncia de Bolivar. de servicos;
b) inspirou a unido entre Bolivia, Colombia e ampliagdo de um mercado consumidor
Equador que formaram, por mais de uma seletivo, diversificado e sofisticado.
década, uma nica nacao, fragmentada, em & intensificagao das estratégias de produ¢ao e
1839, por problemas politicos. consumo em nivel internacional;
c) Bolivar foi o primeiro a pensar na possibi- redugao do fluxo de informagaéo e dos
lidade da unidade, idéia posteriormente veiculos de propaganda.
a ~~ redug¢ao da distancia entre os estabeleci-
retomada por muitos politicos e intelectuais
latino-americanos. mentos industriais e comerciais;
d) essa idéia, de grande repercussao entre as acelerado ritmo de inovagdes do produto
liderangas dos movimentos pela indepen- com mercados pouco especializados.
déncia, foi responsavel pela estabilidade da = crescente terceirizagao das atividades de
unidade centro-americana. apoio a produgao e a distribui¢gao;
e) Bolivar foi uma voz solitaria, nestes quase elevados niveis de concentragao de capitais
200 anos de independéncia latino-america- com forma¢gdo de conglomerados.
na, ausentando-se tal idéia dos debates
politicos contemporaneos.
37 (Fuvest) A incorporagao de novas areas, entre
1820 e 1850, que deu aos Estados Unidos sua
56 (UERJ) Leia os textos para responder a questao: atual conformagao territorial, estendendo-se do
MODELOS PRODUTIVOS Atlantico ao Pacifico, deveu-se fundamental-
(da Segunda Revoluc¢ao Industrial 4 Revolug¢ao
mente:
técnico-cientifica) a) aum avanco natural para o Oeste, tendo em
vista a chegada de um imenso contingente
TAYLORISMO
de imigrantes europeus.
—separa¢ao do trabalho por tarefas’e niveis
S aos acordos com as liderangas indigenas,
hierarquicos
Sioux e Apache, tradicionalmente aliadas
— racionalizagao da produgao
aos brancos.
— controle do tempo
— estabelecimento de niveis minimos de pro- & a vitéria na guerra contra o México que,
dutividade
derrotado, foi obrigado a ceder quase a
metade de seu territério.
FORDISMO
= a compra de territ6rios da Inglaterra e Russia,
— produgao e consumo em massa que assumiram uma posi¢ao pragmatica
— extrema especializagao do trabalho diante do avanco norte-americano para o
— rigida padronizagao da produ¢gao Oeste.
— linha de montagem e) 4 compra de territérios da Franca e da
POS-FORDISMO Espanha, que estavam, naquele perfodo,
— estratégias de produ¢ao e consumo em escala atravessando graves crises econdmicas na
planetaria Europa.
Pena a ag ee he we ea Pees ee Ee ease a ee
ie . ise
Ss oS a sige 3 : -
q . wey
ia
O SECULO XX

o final do século XIX, o mundo se italianos e alemdes. Poloneses, irlandeses,


sujeitava a supremacia econdmica finlandeses e, principalmente, os povos do
capitalista de algumas poténcias eu- antigo Império Austro-Hingaro (hUngaros e
ropéias, sobretudo a Inglaterra. Surgiam, grupos eslavos, como os sérvios, Os croatas e
entretanto, indicios do deslocamento desse os eslovenos) lutavam pela sua independén-
centro dindmico, pois alemdaes e norte-ame- cia, envolvendo as grandes poténcias e
ricanos sobrepunham-se aos ingleses na pro- ativando suas rivalidades. Também essa si-
ducao de ferro e aco. Nos Estados Unidos, as tuacgao colaborou para a intensificagdo do
inddstrias quimica, elétrica e automobilistica militarismo europeu.
se desenvolviam consideravelmente, e na
Alemanha a industria bélica prosperava com
—)
O programa naval de 1900, que visava con-
quistar um império colonial.
aA e Wf
A Inglaterra, entretanto, detinha, ainda,
metade de todos os capitais exportados para dss2h
ice:
investimentos e o maior império colonial,
impondo sua hegemonia, a Pax Britannica. Can Sa 3
Buscando nao s6 conservar mas também eee /

ampliar os seus dominios e resguardar-se do Hf


poderio crescente dos novos centros capita- i]
listas, a Inglaterra equipou-se militarmente.
Em 1906, por exemplo, langou o primeiro
navio encouragado movido a turbina, o
HMS Dreadnought, armado com artilharia
pesada e canhdes de longo alcance. O
armamentismo ocorrido nos grandes Estados

a
/
no inicio do século XX ja indicava tendéncia Pe
a confrontos.
SS =
Por outro lado, o imperialismo transfor- >
mara a Africa e a Asia em Areas de disputas A rivalidade naval e bélica entre o Reino Unido e a
coloniais. A Alemanha, por exemplo, exigia a Alemanha foi retratada nesta charge.
redivisdo colonial, a obtencdo de dominios
condizentes com seu crescimento e poder. As
polémicas imperialistas juntaram-se outros Os impasses criados pelos interesses
elementos desagregadores da paz mundial: Capitalistas, pelo imperialismo e pelo nacio-
as minorias nacionais européias, por exem- nalismo conduziram o mundo a Primeira
plo, reivindicavam seu direito de autogover- Guerra Mundial (1914-1918) e a desestrutu-
no, baseando-se nos ideais de unificagao dos ra¢do do capitalismo internacional, fatores

374
O SECULO XX

que, somados a difusdo do marxismo, desen- um lado havia paises desenvolvidos e ricos,
cadearam a Revolucao Bolchevique de 1917, de outro, regides com dificuldades crénicas,
na Russia. Ao final da Primeira Guerra endividadas e empobrecidas — o Terceiro
Mundial, emergiu um sentimento nacionalista Mundo.
mais forte, representado pelo fascismo e pelo
nazismo, gerador de impasses que culmina- Mesmo depois do colapso do socialismo
ram num outro conflito mundial: a Segunda real e do fim da Unido Soviética em 1991, a
Guerra (1939-1945). supremacia capitalista globalizada acentuou
Na segunda metade do século XX, como as desigualdades entre o mundo rico, loco-
resultado dessa gama de fatos e correntes de motiva do desenvolvimento econdmico, e o
idéias, edificou-se uma geopolitica bipolariza- mundo pobre e dependente dentro de uma
da — Estados Unidos num extremo e Unido nova ordem internacional. O fosso entre o
Soviética no outro -, concretizando o antago- progresso econdmico e a questdo social,
nismo entre capitalismo e socialismo surgido nascido com a maturidade capitalista na
no século XIX. Ao mesmo tempo evidencia- Revolu¢do Industrial, ganhou, no final do
ram-se as diferencas entre os paises centrais — século XX, forma global em continuo avan¢o,
que detinham o desenvolvimento capitalista— constituindo as divergéncias que aglutinam os
e os complementares — que Ihes estavam su- tedricos politicos e econdmicos do final dos
bordinados econémica e politicamente. De anos de 1990.

Willers/Gamma

Laruffa/Gamma

=
Ke
3Cc
oO
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OF
>
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oO

Manifestagao no Muro de Berlim (1/1/90).

Eventos e manchetes da ultima década do século XX. Confirmando ter sido um século bastante violento, estima-se que os conflitos do século XX
tenham resultado na morte de 109,7 milhdes de pessoas, nimero trés vezes maior que todos os séculos anteriores juntos, segundo calculos do
Programa das Nagées Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em seu relatério de 2005.

RY fe)
A PRIMEIRA GUERRA
MUNDIAL (1914-1918)

1878. Em 1882, o Segundo Reich firmou a


A Paz Armada e a politica de Triplice Alianga, unindo-se ao Império Aus-
aliancas tro-Htngaro e a Italia, esta em atrito com a
Franca devido a anexagaéo da Tunisia, na
Africa.
uando a Franca foi derrotada em Somente
na ultima década do século XIX,
1870, na batalha de Sedan, perdendo a Franca comegou a sair do seu isolamento
para a Alemanha as ricas provincias internacional, conseguindo estabelecer um
da Alsdcia-Lorena, houve o despertar de um pacto militar com a Russia em 1894. No ini-
forte espirito nacionalista, de revanche, que cio do século XX, também a Inglaterra se
abriu a possibilidade de uma nova guerra eu- aproximou da Fran¢a, e, em 1904, formou-se
ropéia. Ao mesmo tempo, a rivalidade inglesa a Entente Cordiale, que fundia os interesses
com relagdo a Alemanha corporificou-se comuns dos dois paises no plano internacio-
gradativamente e teve suas raizes no cresci- nal. A partir de entao as antigas hostilidades
mento industrial alemao, que colocava em franco-inglesas foram esquecidas, para que
risco a tradicional supremacia capitalista da os dois paises enfrentassem um inimigo
Inglaterra, e nas pressGes alemas de redivisdo comum: o sucesso econdmico da Alemanha,
colonial. sua expansao colonial e seu exaltado nacio-
nalismo.
Grande parte dos or¢amentos europeus Em 1907, a Russia se aliou a Franca e a
destinava-se a corrida armamentista, 0 que
Inglaterra, formando a Triplice Entente. Pas-
transformou o Velho Continente num verda-
savam, assim, a existir na Europa dois grandes
deiro campo militar, tornando esse periodo
blocos antagénicos — a Triplice Alianga e a
conhecido como Paz Armada. A Alemanha,
Triplice Entente — que, fortes, fomentaram a
desde a sua unificagdo, fundamentou a politi-
tensdo que levou os paises europeus aos
ca externa no isolamento da Fran¢a, criando
preparativos armamentistas.
um sistema internacional de aliangas politico-
militares que cerceassem o revanchismo Em meio a esses dois blocos, a Italia
francés. ocupava uma posi¢dao singular, pois era
membro da Triplice Alianga embora cultivas-
Em 1873, Bismarck instaurou a Liga dos se sérios conflitos com o Império Austro-Hitin-
Trés Imperadores, da qual faziam parte a garo na disputa das regi6es irridentas — Trenti-
Alemanha, a Austria-Hungria e a Russia. En- no, parte sul do Tirol e da Istria. Devido a
tretanto, as divergéncias entre a Russia e a isso, a Italia assumiu um comportamento
Austria com relacdo a regido dos Balcas, oca- dubio na politica internacional, assinando
sionadas pelo fato de a Russia apoiar as mi- acordos secretos de ndo-agressio com a
norias eslavas da regido, desejosas de inde- Russia e com a Franga, paises do bloco rival,
pendéncia, acabou com essa alianga em a Triplice Entente.

376
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918)

A Questao Marroquina (1904) declarou que esperava por um Marrocos


CEE
ee ee a independente, sob a autoridadedo sul-
tao, que fosse aberto, sem monopdlio ou
Fazendo parte do processo de disputa
exclusao, a2 competigaio pacifica de todas
colonial, a Questéo Marroquina resultou num
acordo entre Franca e Inglaterra, que margi-
as nagoes. Em beneficio do representante
francés, no entanto, _acrescentou qué —
nalizou a Alemanha e sepultou a Convencao
de Madri, de 1880. Esta Convencao tinha sabia como salvaguardar os legitimos
estabelecido direitos de exploragdo da regido interesses da Alemanha no Marrocos e
do Marrocos aos alemdes que, agora, eram que esperava que essas pretensdes
suprimidos. O acordo franco-britanico de fossem reconhecidas pela Franga.”
1904 era o reconhecimento francés dos WATT, D.C. A primeira crise do Marrocos. In: Século
interesses ingleses no Egito e a contrapartida XX. 930 Paulo, Abril, 1968. p. 163.

do apoio inglés para a dominagao francesa no


Marrocos. Em 1905, entretanto, o kaiser
Acrise do Marrocos foi resolvida em 1906,
Guilherme II desembarcou em Tanger, crian-
na Conferéncia de Algeciras, na qual se reco-
do um impasse ao prometer preservar a
nheceram os interesses franceses e garantiram-
independéncia do Marrocos.
se também os dos alemdes naquele pais. Novas
crises entretanto ocorreram: em 1908, em
Casablanca, e em 1911, em Agadir, que foram
solucionadas pela cessdo do Congo francés a
Alemanha, que, em troca, abandonava suas
pretensGes sobre o Marrocos. Mesmo assim,
permaneceu o descontentamento, pois os
alemdes consideraram pequena a compensa-
¢4o recebida e os franceses ficaram inconfor-
mados por cederem uma area colonial.

A Questao Balcanica
(SRR EEA

A Questaéo Balcanica colocou em cam-


pos opostos os paises da Triplice Entente e da
Triplice Alianga. A disputa pelos Balcas —
regiao entre os mares Negro e Adriatico —
Na charge, 0 Marrocos é representado por um coelho iniciou-se no final do século XIX, com o
disputado avidamente por varias nacdes européias.
desmembramento do Império Turco-Otoma-
no, que se encontrava em rapida desagrega-
¢ao. A interven¢ao imperialista internacional
Guilherme |
1 no) Marrocos
is na regido e as lutas nacionalistas dos diversos
““Montado hum espléndido cavalo povos que faziam parte do Império, origina-
"berber, com acompanhamento de uma ram agudas crises locais e internacionais.
- banda militar e com fogueiras de regozijo A Rassia defendia 0 pan-eslavismo, pre-
. acesas pelo Kabyle. marroguino (tropas tendendo unificar os eslavos balcanicos, liber-
1 oo em ‘todos 0S sentidos da tando-os do Império Turco. Com essa politica,
a Rdssia tencionava dominar a regido do mar
Negro ao mar Egeu, passando pelos Balcas,
apresentando-se como protetora e incentiva-
dora da independéncia
das minorias nacionais.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

Os russos, entretanto, encontraram resis- A Sérvia encabegou o movimento pan-


téncia do Império Austro-Hungaro, protetor eslavista balcanico, buscando a independén-
do Império Turco, e da Alemanha, que cia do dominio turco e idealizando a cons-
projetava construir a estrada de ferro Berlim- trucdo da Grande Sérvia. Quando, em 1908,
Bagdad, barrando a descida russa para o sul, a Austria anexou as regides eslavas da Bosnia
pelos estreitos de Bdésforo e Dardanelos, e Herzegovina, tomadas ao decadente Im-
pertencentes ao Império Turco. pério Turco, o ideal de unificagéo eslava
tornou-se mais distante, pois seria necessdrio
De outro lado, a constru¢ao da estrada de lutar tanto contra o Império Turco como
ferro permitiria a Alemanha 0 acesso as areas contra o Império Austro-Hingaro. Nos anos
petroliferas do golfo Pérsico, ameacando a seguintes, a Sérvia, com respaldo russo,
hegemonia inglesa nessa regido. fomentou diversas agitagdes nacionalistas.

ucranianos

romenos

TES BALCAS.
yon

bulgaros

tur’cos-otémanos

Dy

A diversidade de nacionalidades na regiao balcanica ajudou a transforma-la no estopim da Primeira Guerra Mundial.

O atentado de Sarajevo mesmo tempo, os povos eslavos da Bosnia e


Herzegovina aproveitavam-se da situacao e
Em 1912, uma coligagao de paises bal- rebelavam-se, buscando a_ independéncia,
canicos organizou a luta contra o arruinado com respaldo da Sérvia.
Império Turco. Contudo, Sérvia, Bulgaria, Em 1914, o herdeiro do trono austro-
Montenegro e Grécia, paises independentes, hdngaro, arquiduque Francisco Ferdinando,
acabaram se desentendendo quanto a ques- buscando esfriar os animos da regiao, viajou
tao da divisdo dos territérios. Em 1913, a a Sarajevo, capital da Bosnia, para anunciar a
Bulgaria, apoiada pela Austria, atacou a forma¢gado de uma monarquia triplice (austro-
Sérvia, mas foi derrotada pela coligagao desta hdngara-eslava), elevando teoricamente a
com Montenegro, Roménia e Grécia. Ao Bdsnia e a Herzegovina ao mesmo nivel de

378
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918)

importancia da Austria. Pretendendo frustrar 5, O chefe do servigo de inteligéncia


O projeto austriaco, os sérvios planejaram, ado Maior Sérvio.” sighing ETI
através da organizacgdo secreta Mao Negra, eee ere ‘ < ;

R,Madi Crise.européia. In:Século XK agi


um atentado: em 28 de junho de 1914, o
estudante sérvio Gravilo Princip matou a tiros
Francisco Ferdinando e sua esposa. Em
represdlia, oO Império Austro-Htingaro deu Em 12 de agosto de 1914, a Austria
um ultimato a Sérvia, exigindo a eliminacado declarou guerra a Sérvia. Imediatamente, a
de todas as organizagées nacionalistas locais, Russia posicionou-se a favor da Sérvia e, a
frustrando uma solu¢do pacifica para o im- partir de entao, o sistema de aliangas foi
passe criado com 0 assassinato. ativado, resultando na entrada da Alemanha,
Fran¢a e Inglaterra no conflito, que se gene-
ralizou. Exatamente um més depois, os gran-
des exércitos marchavam para a guerra.
Sarajevo foi apenas o gatilho que acionou
uma arma ha muito preparada.

O desenvolvimento do conflito
Sey ae ae ee eee

A Primeira Guerra Mundial foi um con-


fronto bélico sem precedentes histdricos, pois
envolveu todas as grandes poténcias do
mundo, impondo o recrutamento obrigatério
em cada na¢ao, nao s6 para 0 exército como
também para a producao, resultando numa
completa mobilizagao econdémica e militar.
No esforgo de guerra, cada Estado assumiu a *
administragao de sua propria economia e
todos os cidadaos tornaram-se soldados. Os
tanques de guerra, os encoura¢gados, os
O assassinato de Francisco Ferdinando e sua esposa, em
submarinos, os obuses de grosso calibre e a
Sarajevo, acionou a confronta¢ao geral da Primeira Guerra aviagao, entre outras inova¢gées tecnoldgicas,
Mundial. demonstraram que o mundo possufa uma
capacidade bélica até entao inimaginavel.
Em linhas gerais, a Primeira Guerra
As organizagdes nacionalistas Mundial apresentou duas grandes fases: em
1914 houve a guerra de movimento e, de
“Como se sabe, 05 Jovens Bésnios 1915 em diante, a guerra de trincheiras. A
eram uma das muitas sociedades 3ecre- primeira fase estava relacionada ao Plano
_ tas que operavam contra o governo dos Schlieffen, estratégia alema elaborada em
Habsburgos. Eles mantinham contatos 1905 que previa a guerra em duas frentes,
com organizagdes similares na Eslovénia concentrando todo o esfor¢o bélico primeira-
(a sociedade secreta Preporod), Croacia mente no Ocidente e depois no Oriente, sem
e Dalmacia, assim como sociedades se- dividir-se. Comegaria com uma rapida ofen-
cretas na Sérvia; particularmente com a siva esmagadora contra a Fran¢a, derrotando-
Ujedinjenje ili smrt (Unido ou morte, mais a, em seguida o grosso das operacées milita-
conhecida como Mao Negra). Esta era res seria realizado na frente oriental, contra a
liderada pelo coronel Dragutin Dimitrije- Russia, acreditando-se numa vitdria em pou-
cos meses.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Para a execucao da ofensiva ocidental, os Enquanto na frente ocidental a guerra


alemdes invadiram a Franca, atravessando o entrava na fase das trincheiras, cada pais
territorio belga, o que violou a sua neutrali- defendendo, palmo a palmo, o territério con-
dade. Esse foi o pretexto para a Inglaterra de- quistado, na frente oriental ocorria uma se-
clarar guerra 4 Alemanha. Os exércitos ale- quiéncia de grandes vitérias alemas, como na
maes marcharam em dire¢do a Paris, sur- batalha de Tannemberg, na qual cem mil
preendendo as tropas francesas. Uma ofensi- russos foram aprisionados.
va russa na frente oriental, entretanto, obrigou
Em 1916, em Verdun, frustra-se uma
o general alemao Moltke a uma divisdo de
nova ofensiva alema contra a Fran¢a, man-
forcas. A Franga salvou-se do fulminante
tendo-se em geral as posigdes conquistadas.
ataque alemdo na batalha do Marne (1914).
O ano de 1917, ao contrario, foi marcado por
Com o fracasso do Plano Schlieffen, ter-
acontecimentos decisivos para a guerra.
minava a guerra de movimento, iniciando-se
a guerra de posi¢ao ou de trincheiras. Outras As continuas derrotas russas aceleraram a
poténcias entraram no conflito, posicionan- queda da autocracia czarista, culminando nas
do-se ao lado da Entente: Japdo (1914), Italia revolugdes de 1917, que implantaram um
(1915), Roménia (1916) e Grécia (1917). Ao governo socialista. Com o novo governo
lado dos impérios centrais (Alemanha e concluiu-se um acordo de paz em separado,
Austria-Hungria) colocaram-se a Turquia o Tratado de Brest-Litovski, de 1918, oficia-
(1914) e a Bulgaria (1915). lizando a saida dos russos da guerra.

Aliados das Forgas Centrais


(BN Forcas da Entente (Aliados)
[9] Aliados das Forgas da Entente
| © Maiores batalhas
| == Maiores ofensivas das Forgas Centrais
_| ===> Maiores ofensivas dos Aliados

O inicio dos conflitos da Primeira Guerra Mundial foi caracterizado pela rapida ofensiva dos soldados na guerra de
movimento. O fracasso dessa estratégia resultou na guerra de posicao, também conhecida como guerra de trincheiras. Nela, as
forcas militares ficavam estacionadas numa guerra de desgaste.

380
A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918)

Ainda em 1917, a Italia sofreu uma gran- Antes mesmo do fim da guerra, o presi-
de derrota frente aos austriacos, na batalha de dente Wilson havia concebido um plano para
Caporetto, sendo neutralizada. Com dois servir de base as negociagdes de paz, com-
inimigos fora de combate, as poténcias cen- posto de 14 pontos. Baseado na idéia da paz
trais passaram a se preocupar com a frente sem vencedores, foi inviabilizado por diver-
ocidental franco-inglesa, e a Alemanha inten- sos acordos paralelos e, principalmente, por
sificou o bloqueio maritimo a Inglaterra, pressdo da Fran¢a e da Inglaterra. O Tratado
objetivando deter seus movimentos e o abas- de Versalhes considerou a Alemanha culpada
tecimento da Gra-Bretanha. pela guerra, criando uma série de determina-
Os Estados Unidos, que até entdo se ¢6es que visavam enfraquecer e desmilitari-
mantinham neutros, embora ligados a4 Enten- zar esse pais.
te, abastecendo os paises europeus de ali- Estabeleceu-se, entre outros arranjos ter-
mentos e armamentos, sentiram-se ameag¢a- ritoriais, a devolugdo da Alsacia-Lorena a
dos pela agressividade maritima alema. O Franga e o acesso da Polénia ao mar por uma
afundamento do seu transatlantico Lusitania e faixa de terra dentro da Alemanha que
do navio Vigilentia serviu de pretexto para a desembocava no porto livre de Dantzig. A
declaragdo de guerra contra as poténcias Alemanha perdia todas as suas coldnias, a
centrais. A entrada dos Estados Unidos na artilharia e a aviag¢ao e passava a ter um
guerra, em 1917, com seu imenso potencial exército limitado a cem mil homens, além da
industrial e humano reforgou o bloco dos proibicdo de construir navios de guerra.
aliados. A abundante oferta de novas armas — Obrigava-se ainda a indenizar as poténcias
tanques, navios e avides de guerra — dinami- aliadas pelos danos causados, num total
zou 0 conflito, levou a retomada da ofensi- aproximado de trinta bilhdes de délares, valor
vidade aliada que imp6s sucessivas derrotas que foi sendo renegociado nos anos 20, até
aos alemaes. ser extinto em 1932, na Conferéncia Interna-
Assim, grac¢as a superioridade econdmi- cional de Lausanne.
co-militar dos aliados, paulatinamente as
poténcias centrais foram sendo derrotadas,
e, em novembro de 1918, 0 prdprio kaiser
renunciava, refugiando-se na Holanda. O
novo governo social-democrata da Alemanha
assinou o Armisticio de Compiegne, finali-
zando a Primeira Guerra Mundial.

Os tratados de paz
SEER
ee I

O fim da guerra foi conseguido por ar-


misticios, sendo o primeiro realizado com a
Bulgaria, em 29 de setembro de 1918, e o
Ultimo com a Alemanha, em 11 de novembro
de 1918.
Terminadas as operagdes militares, os
vitoriosos reuniram-se em janeiro de 1919, no
Palacio de Versalhes, para as decisdes do
pds-guerra. A Paz de Versalhes foi presidida
pelo presidente Wilson, dos Estados Unidos,
Lloyd George, da Inglaterra, e Clemenceau, Catedral de Reims, na Franca, em meio a ruinas, no ano de
da Fran¢a. 1914.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

O Tratado de Versalhes também oficiali- O espirito de revanche e descontentamento


zou a criagdo da Liga das Na¢ées, no inicio que iria desembocar, vinte anos mais tarde,
sem a participagao da Alemanha e da Russia, na Segunda Guerra Mundial.
cuja fungao seria a de um forum internacional
que garantisse a paz mundial. A Liga nasceu
praticamente falida, uma vez que o prdprio
pais que a idealizara e que se transformara
agora na maior poténcia mundial, os Estados
Unidos, dela nao participava, por discordar
de muitas das decis6es do Tratado de Versa-
lhes, preferindo assinar com a Alemanha um
acordo de paz em separado.
No mesmo ano, com a Austria, os aliados
assinaram o Tratado de Saint-Germain, que
desmembrou 0 Império Austro-H&ngaro, reti-
rando a saida para o mar da Austria e
forgando-a a reconhecer a independéncia
da Polénia, da Tchecoslovaquia, da Hungria
e da lugoslavia. Com a Hungria foi assinado o
Tratado de Trianon, com a Bulgaria o de
Neuilly e com a Turquia, o de Sévres, este
Ultimo reformado por um outro tratado bem
mais tarde, o de Lausanne em 1923, devido a
reacgao turca as imposicdes de Sévres.
Os tratados de paz impostos aos derrota-
dos, especialmente o de Versalhes, semearam

Los
| is)
A REVOLUCAO RUSSA_

oucas semanas antes da entrada dos Os antecedentes da


Estados Unidos na Primeira Guerra
Mundial, tinha inicio a Revolu¢do
Revolucao Russa
Russa de fevereiro de 1917. Inicialmente eae ee es
comparada a Revolu¢ao Francesa, por carac-
terizar uma libertagdo do pais dos grilhdes No inicio do século XX, a Russia, com
absolutistas, adaptando-o as exigéncias do uma popula¢do superior a 150 milhdes de
século XX, a Revolugao de 1917 teria sido habitantes, vivia um periodo de profundas
também uma demonstra¢ao patridtica russa contradi¢6es, muitas delas decorrentes dos
contra os alemdes. Contudo, logo ficou paten- valores impostos pelo Antigo Regime, que se
te que a Revolucdo Russa nao tinha paralelo chocavam com os do mundo capitalista
histrico: ao contrario do que aconteceu na emergente. No topo da piramide social
Revolucao Francesa, a burguesia russa nao estavam os grandes proprietarios de terras, o
assumiu 0 poder. Este ficou com os lideres do clero — membros da lIgreja Ortodoxa — e os
proletariado, que comandaram o processo oficiais do exército, configurando uma orga-
revolucionario, forgando uma ruptura social e nizagao social baseada na posse de terras e
politica inédita, cujos desdobramentos tam- de titulos honorificos, ndo havendo o dina-
bém se refletiriam internacionalmente. mismo das sociedades capitalistas.
As terras, em geral, areas enormes, per-
tenciam aos boiardos, nobres proprietarios
que exploravam a grande massa camponesa,
cerca de 80% da populacao russa. Apesar de
‘os Estatutos da Emancipa¢ao, elaborados em
1861, terem dado aos servos, os mujiques,
liberdade pessoal e habilitagao para torna-
rem-se proprietarios, cerca de 40% das terras
continuavam com a nobreza, enquanto os
camponeses viviam em condi¢Ges miseraveis.
O desenvolvimentismo, as conquistas, o
engrandecimento do Estado, tipicos do mun-
do moderno, foram representados na Russia
pelo czar Pedro, o Grande (1682-1725).
Adotando novas formas de administragdo e
de educa¢gao, importando tecnologias do
Ocidente e transformando Sao Petersburgo
na capital russa, ‘’a janela para a Europa”,
implantou o desenvolvimento que incorpora-
va o sentido de progresso ocidental. Esse

383
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

espirito desenvolvimentista, no entanto, sO tempo, eram um dos mais fortes grupos de


seria retomado na segunda metade do século oposi¢ao contra o czarismo. Seu nome deri-
XIX, com o encorajamento da industrializa- vava do latim nihil, que significa “nada”,
¢do pelos ultimos czares russos. sintetizando seu ideal de fazer ‘‘terra arrasa-
da’ sobre toda a ordem existente, entao, na
Russia.

“No caso do fimda servidao, decidi-


do a 18 de fevereiro de 1861, o Czar
Alexandre Il (1855-81) libertou 40 mi-
lhdes de camponeses
sem alterar subs-
tancialmente a estrutura fundiaria tra-
dicional, evitando o confisco generalizado-
é a redistribuigao de terras, como reivin- —
_ dicavam os diversos imovimentoe eg &
“res russos. bi gun} SR
- Mesmo a compra, ‘por parte a es
verno, de propriedades que seriam dis-
tribuidas aos trabalhadores rurais livres
dos nobres n&o conseguiu a simpatia
popular, pole as propriedades eram en-—
tregues as aldeias (mir) que, por Sua vez, —
repassavam 0S lotes aos camponeses ng
mediante indenizagaio a0 Estado em —
prestagies pagas durante 49 anos, —
transformando-os, na pratica, em verda- fe:
deiros servos do Estado. Era um quadro
de estimulo a tensZo social, ja que
No comeco do século XX, na Russia, a modernizacao urbana muitos desejavam bem mais que o con-
e a industrializagdo chocavam-se com a estagnacao rural, seguido € o czarismo optava por pes
comandada pelos boiardos (foto).
nada ceder zas reivindicagdes- nacionais.”
_VICENTINO, Claudio. Russia: antes é depois da
A dinastia dos Romanov, no poder desde _URSS. p. 48-9.
1613, governava de forma absolutista: o czar
se confundia com o Estado, agindo politica-
mente em fungao da grandeza imperial e da
amplia¢gao de seu poder, deixando a burgue- Seu sucessor, Alexandre III (1881-1894),
sia atrelada a sua autocracia. O Estado nado destacou-se pela repressdo radical contra os
satisfazia as aspiragdes burguesas de indus- anarquistas e marxistas, por meio da Okrana
trializagdo e moderniza¢ao; ao contrario, a (policia politica), encorajando também os
burguesia servia ao Estado, fortalecendo o investimentos estrangeiros (alemdes, belgas,
czar. Assim, apesar de os Ultimos czares se franceses e ingleses), que impulsionaram a
preocuparem com a moderniza¢ao, atrairam industrializagao russa, aguc¢ando o contraste
também a oposi¢ao ao absolutismo, o que entre a estrutura agrdaria oligarquica czarista e
desencadeou a Revolugao de 1917. os efeitos modernizantes.
O czar Alexandre II, por exemplo, aboliu Também Nicolau II (1894-1917), o Ulti-
a servidao e eliminou as dividas dos mujiques, mo dos czares, continuou a industrializacdo
sendo, mesmo assim, assassinado por revolu- fundamentada nos capitais internacionais e
cionarios radicais, os niilistas. Estes, ao seu viveu 0 desfecho revolucionadrio de 1917.

384
A REVOLUGAO RUSSA

O ensaio revolucionario em frente ao palacio de inverno de Nicolau Il,


em Sao Petersburgo, foi reprimida violenta-
de 1905 mente. Os manifestantes buscavam apenas
uma entrevista com o czar, para expor-lhe
suas queixas, e, mesmo cantando o hino da
A Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), fidelidade ao governo, o Deus salve o czar,
de carater imperialista pela disputa da Coréia acabaram dizimados as centenas.
e da Manchuria, terminou com uma fragorosa Tal episddio ficou conhecido como o
derrota do czar e de seu projeto expansionis- Domingo Sangrento. Uma onda de protes-
ta. Esse fracasso incentivou as forgas de tos e intranquilidade espalhou-se pelo im-
oposi¢do. A primeira evidéncia de impasse pério russo, resultando em greve geral e
politico deu-se em 22 de janeiro de 1905, levantes militares, como o do encouragado
quando uma manifestacdo popular pacifica Potemkin.

diteah

Com o Domingo Sangren-


to, instalou-se o descrédito
e a revolta da nacao russa
perante o Estado czarista.

eae ao cinema Ee
‘alias revolucionaria,
66 contra a autocracia czarieta,endl
Seats arte.
cando reformas politicas, Era a advertén-
‘cia ao czar de que até as Forgas Armadas
; - poderiam abandona-lo. Esse levante foi
nais tarde (1925) filmado pelo cineasta Em meio a essa situagao, o czar foi
- russo Sergei Eisenstein, que, pelo trata- obrigado a assinar 0 Tratado de Portsmouth,
mento ironico, pelo posicionamento em 5 de setembro de 1905, pondo fim a Guerra
Russo-Japonesa e sujeitando-se a entregar ao

385
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Japao a parte setentrional da ilha de Saca-


lina, a peninsula de Liaotung e a Coréia. No
més seguinte, o czar lancou o Manifesto de
Outubro, prometendo ao povo a instaura¢gao
de uma monarquia constitucional e parla-
mentar. Com o manifesto, iniciou-se a for-
macao dos sovietes — conselhos de traba-
lhadores — em varias regides da Russia, o
que ativou a participagado popular. Uma das
promessas de Nicolau Il — a formagao do
parlamento (Duma) — foi cumprida, tendo os
parlamentares se reunido em maio de 1906.
Entretanto o czar enviou decretos que o
colocavam acima da Duma, submetendo-a.
As criticas parlamentares levaram-no a dis-
Rasputin, mistico influente na Corte da czarina Alexandra,
solvé-la, substituindo-a por outra de cardater sintetizou a desmoralizacao governamental.
censitario, ou seja, estruturada com base na
posse de propriedades e organizada pelo
ministro Stolypin. Entre os opositores do czarismo destaca-
O czarismo tentava a liberalizagao, mas ram-se varias agremiacgées politico-ideoldgi-
sempre retornava a autocracia, num movimen- cas, entre as quais a dos narodnikis, literal-
to pendular que aprofundava o desgaste do mente, “ida ao povo’’ (populistas), niilistas
regime. Quando em 1911 0 ministro Stolypin (partidarios do anarquismo de Bakunin) e so-
foi assassinado por opositores radicais, a cial-democratas (defensores dos principios
reacao absolutista se impds completamente, marxistas). Estes, em 1903, em Londres, no Se-
ao restabelecer a monarquia autocratica cza- gundo Congresso do Partido Operario Social-
rista e conviver com a constitui¢ao, a Duma e Democrata, dividiram-se em duas fac¢c6es:
os sovietes, agora sem poderes efetivos. @ os mencheviques (minoritarios) — marxistas
ortodoxos que pregavam o amadurecimen-
to do capitalismo, para so entao almejar o
socialismo. Defendiam uma revolugao bur-
Rasputin e a corte de Nicolau Il guesa contra o czarismo, liderada pela
Duma, pleiteando transformagG6es progres-
A impopularidade de Nicolau ||ganhou
sivas da sociedade. Entre os seus principais
forga, também, gracgas a sua vida pessoal.
lideres destacaram-se Gheorghi Plekhanov
O monge da corte, Rasputin, por exemplo, e principalmente lulii Martov;
transformou-se em figura importante no @ os bolcheviques (majoritarios) — defendiam
palacio, chegando até mesmo a interferir a revolugdo socialista, a instalagdo da
em agsuntos politicos, pelo fato de ter ditadura do proletariado, com a alianca
conseguido a confianca da czarina Alexan- de operdrios e camponeses. Tinham como
dra Feodorovna, que lhe atribula poderes lider Lénin e apoiavam-se nos sovietes.
sobrenaturais por cuidar de seu filho Tais denominagoes derivaram da presen-
Alexis, que era hemofilico. A proximidade ¢a majoritaria ou minoritaria naquele Con-
entre Rasputin e a czarina e a atuagao gresso: bolshe, que em russo significa ““mais’’,
dele em decisdes nacionais suscitaram a e menshe, que significa ‘“menos’’. A divisdo
intensificagao do desprestigio do czar. Em dos social-democratas acentuou-se progressi-
dezembro de 1916 Rasputin foi assassi- vamente, e, em 1914, houve a separacao
nado pelo principe Yusupov, trazendo a definitiva. Apesar disso, tanto os bolcheviques
tona a desmoralizagao e a corrupgao em como os mencheviques continuavam a cata-
que mergulhara a corte governamental. lisar 0 crescente e generalizado descontenta-
mento da populagao russa contra 0 czarismo.

3586
A REVOLUGAO RUSSA

A Primeira Guerra Mundial e o O desastre militar russo foi completo: os


alemaes conquistaram boa parte de seu
colapso do czarismo territorio e morreram mais de um milhdo e
US SET i SSCA ale UN SER SRY CES ERTS meio de soldados.

No inicio da Primeira Guerra Mundial, a No final de 1916, a Russia estava aniqui-


Russia, como os demais paises, esperava que lada militarmente e desorganizada economi-
ela fosse breve e que a paz a beneficiasse. camente, convivendo com o desabastecimen-
Membro da Triplice Entente (Rdssia, Inglater- to, a escassez e os distUrbios populares.
ra e Franga), a Russia lutou contra a Alema- Estavam prontas as condigdes para a suble-
nha e a Austria-Hungria, visando a conquista vagao geral contra a direg¢ao nacional de
territorial, especialmente na regido dos estrei- Nicolau Il.
tos de Bésforo e Dardanelos, para alcangar o
Mediterraneo. Mas, ao contrario das expecta-
tivas, a guerra agravou as contradicGes sociais
e politicas no pais.
A Russia nao possuia poderio militar, A Revolugao Menchevique
tecnoldégico e, muito menos, econdmico para SBI
NARUC
Ta MES ice aa ee ee eae
enfrentar e vencer os alemaes na frente
oriental. Assim, Ocorreram sucessivas derro-
tas, pelas quais o czar foi responsabilizado. Em marco de 1917, Nicolau II foi derru-
Estas foram acompanhadas por deser¢gdes em bado, instalando-se a Republica da Duma,
massa de soldados na frente de_batalha, sob a chefia de Alexandre Kerensky, lider
favorecendo a organizagado das oposi¢des menchevique. A partir de julho, o governo
que se preparavam para a insurrei¢ao. provisOrio estabeleceu uma ditadura que nao
se preocupou em resolver os problemas mais
prementes: a paz e as reformas em todos os
niveis.

Representando os ideais de uma revo-


lucao burguesa, 0 governo padecia, contudo,
dos compromissos e ligagdes que sua base de
apoio possuia com os aliados da Primeira
Guerra. Kerensky manteve, assim, a Russia na
Primeira Guerra, principal fator de desgaste
do Estado, fortalecendo a oposi¢ao bolchevi-
que baseada na extensa rede de sovietes que
unia exército e classes trabalhadoras.

Liderados por Lénin e Trdtski, os bolche-


viques ganharam popularidade com as Teses
de abril, enunciadas na plataforma “paz,
terra e pdo’”’, que propunha a saida da Russia
da Primeira Guerra Mundial, a divisdo das
grandes propriedades entre os camponeses e
regularizagao do abastecimento interno. Sob
o lema “todo poder aos sovietes’’, Trdtski
recrutava uma milicia revolucionaria em
Derrotas e desespero foram constantes entre os russos que
lutavam na frente oriental durante a Primeira Guerra
Petrogrado, a Guarda Vermelha, entre traba-
Mundial. lhadores bolcheviques dos sovietes.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

A Revolucao Bolchevique -quantidade de vitimas albeit


SESSA Ss SSS TER SEES TSB das guerras: (mundial 6 civil).acrescen- ;
-tou-se o nlimero de pessoas que perece- aan
Em 7 de novembro (ou 25 de outubro no ram com a fome, o frio e as epidemias, —
calendario juliano), os bolcheviques tomaram ; gerando. um total estimado entre 15 e20
de assalto os departamentos publicos e o _milhdes de pessoas mortas- de 1914 a
Palacio de Inverno, criando o Conselho de 19210‘Somente em (1920,mais. de 35.
Comissarios do Povo, 0 novo governo russo.
No comando do Conselho estavam Lénin,
como presidente, Trdtski, como encarregado
dos negocios estrangeiros, e Stalin, chefiando . proxima 2
a casaie 2 milhde 76600 a
2
os negocios internos. ter menos de 700 mil habitantes.”
O novo governo teve inicio com a
_ VICENTINO, Claudio. Rissia: antes e depois da
publicagaéo do Apelo aos trabalhadores, sol- : aye) : gel N
dados e camponeses, redigido por Lénin, o
primeiro documento oficial da Revolu¢ao,
transferindo todo o poder para os sovietes. Durante a guerra civil, o governo de
Lénin adotou. como politica econdmica o
comunismo de guerra, caracterizado pela
centralizacdo da produgao e pela eliminagao
O governo de Lénin da economia de mercado. Seu objetivo era
(1917- 1924) conseguir recursos para enfrentar 0 cerco
internacional e a guerra contra os russos
ER aa ee cen oe CN
brancos e aliados. As requisigdes forcadas,
com o confisco da produ¢4o agricola rural,
De inicio, 0 novo governo nacionalizou
anularam os procedimentos de compra e
as inddstrias e os bancos estrangeiros, redis-
venda de produtos, fazendo desaparecer até
tribuiu as terras no campo e firmou um
o uso de moedas.
armisticio com a Alemanha, em Brest-Litovs-
ki. Para sair da Primeira Guerra Mundial, a
Russia teve de perder alguns territérios da
Let6nia, Lituania, Est6nia, Finlandia, Ucrania
e Polonia.
As mudangas que removiam as estruturas
de poder tradicionais, entretanto, ativaram a
oposi¢ao dos russos brancos (mencheviques Desenho
And
N.
de
e czaristas) que, apoiados pelas poténcias
aliadas que nao aceitavam a saida da Russia
da Guerra, mergulharam o pais numa san-
grenta guerra civil, que sd terminaria em
1921, com a vitdria dos bolcheviques (russos
vermelhos).

Vladimir Ilitch Lénin comandou a Revolucao Bolchevique e


foi o primeiro presidente da Russia Socialista.
A REVOLUCAO RUSSA

Em 1921, apesar da vitéria bolchevique Os funerais de Lénin


sobre os russos brancos e aliados, surgiram
sérias crises de abastecimento, além de A mortede Lénin, em 21 dejaneiro de
revoltas camponesas diante dos confiscos da 1924, causou grande comogao na popu-
producao agricola. Lénin instituiu entéo a lagdo soviética, e 06 dirigentes do pais—
Nova Politica Econémica (NEP), um planeja- Stalin, Zinoniev e Kamenev — utilizaram-
mento estatal sobre a economia que combi- na para obter ganhos politicos. Os
nava principios socialistas com elementos funerais de Lénin s40 ent&o revestidos
capitalistas. A fim de evitar o colapso total “dé uma aura nada condizente com a
da economia apds a guerra civil, a NEP personalidade do morto. Mais parece que
estimulava a pequena manufatura privada, o sepultam um poderoso czar ou mesmo
pequeno comércio e a livre venda de produ- um hierarca ortodoxo. Nos funerais, toda
tos pelos camponeses nos mercados, moti- uma ambientagao mistica. Mais tarde o
vando dessa forma a produgao e o abasteci- corpo sera embalsamado, e, para guarda-
mento. Lénin justificava a inser¢do de com- lo, um grandiogo mausoléu é construido
ponentes capitalistas sob a alegacao de que ia numa praga de Moscou, junto ao Kremlin.
se dar “um passo atras, para dar dois passos a
O que sé pretende é impressionar o povo,
frente”, ou seja, era necessario aplicar algu-
com a instauracdo de um verdadeiro
mas medidas capitalistas para fortalecer a
culto ao leninismo”.
economia russa e entao implantar o regime
socialista. ESTEVAO, José Carlos e ARRABAL, José. Stalin.
Sao Paulo, Moderna, 1986. p. 63.
A NEP durou até 1928, obtendo a
recupera¢ao parcial da economia soviética e
a reativacao de setores fundamentais, fazen-
do crescer a producao industrial, agricola e o
comércio.
Em 1918 foi elaborada uma constituicdo
O governo de Stalin
que criava a Republica Soviética Socialista (1924 -1953)
Russa e, em 1923, outra, que instituia a Uniao 5I Se ES Oe Ne NS
das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS),
resultado de um acordo de unido das dife-
Com Stalin, a partir de 1928, a economia
rentes regides do antigo Império Russo, trans-
soviética viveu a socializacado total, com a
formadas em republicas federativas e socia-
aboligao da NEP e a instauracdo dos planos
listas.
qiiinqiienais. Elaborados pela Gosplan, érgao
Com a morte de Lénin, em 1924, o poder encarregado da planificagaéo econdmica, ob-
soviético foi disputado por Leon Trotski, chefe jetivavam transformar a Unido Soviética numa
do exército, e Josef Stalin, secretario-geral do nacao socialista moderna e industrializada.
Partido Comunista. As divergéncias ideoldgi- O primeiro plano quinqtienal (1928-
cas entre os dois lideres resumiam-se nos 1933) buscou o aumento da produgdo de
seguintes pontos: Trdtski defendia a revolu- maneira global, estimulando a industrializa-
¢ao permanente, desejando iniciar imediata- ¢do, sobretudo na area da industria pesada
mente a difusdo do socialismo pelo mundo; (siderurgia, maquinaria, etc.). No meio rural
Stalin, ao contrario, pregava a consolida¢gao foi instalada a coletiviza¢ao agricola, implan-
da revolucao na Russia, a estruturagdo de um tando-se duas formas de estabelecimentos
Estado revolucionario forte — socialismo num rurais: os sovkhozes (fazendas estatais) e os
sé pais -, para entdo tentar expandir a kolkhozes (cooperativas).
revolugao para a Europa. Stalin saiu vitorioso Ao ser implantado o segundo plano
e nos anos seguintes marginalizou Trotski e quingiienal (1933), os reflexos do primeiro
seus seguidores, até elimina-los. ja podiam ser sentidos — os indicios de
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

progresso eram significativos: a industria de No plano politico, Stalin consolidou seu


base crescera aproximadamente sete vezes poder assumindo integralmente o controle do
em relacdo a 1928 e a industria de bens de Partido Comunista, transformado no poder
consumo, quatro vezes. Foi durante o segun- maximo que supervisionava todos os sovietes.
do plano, que visava acelerar 0 desenvolvi-
mento, que se construiu 0 metr6 de Moscou. Os bolcheviques tinham adotado, em
O terceiro plano quingiienal (1938) visa- 1918, o nome de Partido Comunista Russo,
va desenvolver a industria especializada, que, em 1925, passou a chamar-se Partido
destacadamente a quimica. Entretanto, nao Comunista da Uniao Soviética (PCUS). Su-
pode ser colocado em execu¢do devido a bordinada ao Partido estava a policia politica
explosao da Segunda Guerra Mundial. revolucionaria, chamada inicialmente de
Tcheca (nome advindo das iniciais da orga-
niza¢ao) e depois, em 1922, transformada em
GPU, a Administracao Politica do Estado, sob
a chefia de Stalin.

Centralizando todo o poder, Stalin elimi-


nou a oposi¢ao de Trotski, exilando-o em
1929. Mais tarde, garantiu seu lugar como
supremo mandatdario, ao afastar todos os
potenciais opositores nos expurgos de Mos-
cou.

Entre 1936 e 1938, julgamento, conde-


na¢ao, expulsdo do partido e puni¢ao tiveram
varios pretextos, mas levaram ao mesmo fim —
a instauragdo da autoridade do Estado stali-
nista. Sem alarde ou protestos, abafados pelo
medo, inumeros lideres politicos e cidadaos
comuns foram aprisionados, executados ou
mandados para prisdes em regides remotas,
como a Sibéria.

Mesmo fora da Uniao Soviética, Trétski


continuou protestando contra Stalin, elabo-
rando panfletos e condenando os “‘processos
de Moscou”, a farsa das retratacdes de
acusados, até ser assassinado por um agente
da policia politica (GPU) no México, em
agosto de 1940.

No plano externo, apesar de apoiar os


partidos comunistas internacionais (Komin-
tern), a Unido Soviética foi reconhecida por
varios paises capitalistas, obtendo uma rela-
tiva harmonia na convivéncia internacional.

Na década de 30, a ascensdo e a


consolida¢ao dos governos fascistas de Mus-
solini e Hitler provocariam uma substancial
Aspecto de um kolkhoz ucraniano na década de 80 e do alteragao na politica mundial, envolvendo a
metro de Moscou (abaixo). Unido Soviética nos conflitos do perfodo.

390
A REVOLUCAO RUSSA

Leon Trétski (esquerda), um dos lideres da Revolucao Bolchevique de 1917, acabou exilado e morto a mando de Stalin
(direita).

O “Breve Século XX”: revolugao social X mas sociais rivais (cada um, apds 1945,
economia de mercado mobilizado por tras de uma superpotén-
cia a brandir armas de destruigao global)
“Durante grande parte do Breve
se tornou cada vez mais irrealista. Na
Século XX, o comunismo soviético procla-
década de 1980, tinha tao pouca rele-
mou-se um sistema alternativo e Supe-
vancia para a politica internacional quan-
rior ao capitalismo, e destinado pela
to as Cruzadas. Mas podemos entender
historia a triunfar sobre ele. E durante
como veio a existir. Fois, mais completa e
grande parte desse periodo, até mesmo
inflexivel até mesmo que a Revolugao
muitos daqueles que rejeitavam suas
Francesa em seus dias jacobinos, a
pretensdes de superioridade estavam
Revolugao de Outubro se via menos como
longe de convencidos de que ele nao
um acontecimento nacional que ecumeéni-
pudesse triunfar. E — com a significativa
co. Foi feita nao para proporcionar
excegao dos anos de 1933 a 1945 -a
liberdade e socialismo a Russia, mas
politica internacional de todo o Breve
para trazer a revolugao do proletariado
Século XX apos a Revolug#o de Outubro
mundial. Na mente de Lénin e seus
pode ser mais bem entendida como uma
camaradas, a vitoria bolchevique na
luta secular de forgas da velha ordem
Russia era basicamente uma batalha na
contra a revolugao social, tida como
campanha para alcangar a vitoria do
encarnada nos destinos da Unido Sovié-
bolchevismo numa escala global mais
tica e do comunismo internacional, a eles
ampla, e dificilmente justificavel a nao
aliada ou deles dependente.
ser como tal.”
A medida que avanga o Breve Século
XX, es9a imagem da politica.mundial como HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o Breve
um duelo entre as forgas de dois siste- Século XX: 1914-1991. p. 63.
A CRISE DE 1929 E O PERIODO
ENTREGUERRAS

A crise capitalista de 1929 res do isolacionismo e do liberalismo econ6-


mico.
O predominio da postura isolacionista
entre os republicanos amparava-se na Dou-
erminada a Primeira Guerra Mundial, trina Monroe — “A América para os ameri-
os Estados Unidos se transformaram canos”’ — e, conseqiientemente, desdobrava-
no dinamo do capitalismo mundial: se em “a Europa para os europeus”, justifi-
de maior devedor (3 bilhdes de ddlares) o pais cada na amplitude de questées e conflitos,
como Primeira Guerra, que, segundo as
passou a invejavel posigao de maior credor
mundial (11 bilh6es de dodlares). Mais que liderangas norte-americanas, tinham como
isso, os EUA produziam mais de um terco da fonte o continente europeu. Assim, buscando
produc¢ao industrial mundial e, em 1929, pas- abdicar de um engajamento total nos assun-
saram a mais de 42% da produ¢do mundial tos internacionais, os Estados Unidos nao
total. Além disso, permaneceu atraindo po- ratificaram o Tratado de Versalhes e decidi-
pulacdo: entre 1900 e 1910, entraram nos ram nao participar da Liga das Nac6es.
Estados Unidos perto de nove milhdes de Gozando de prestigio politico e econ6-
imigrantes europeus. A prosperidade econ6- mico internacional superior a qualquer outro
mica, 0 boom econémico, entretanto, apre- Estado, a auséncia norte-americana foi uma
sentava contradi¢des que se agu¢avam cres- das raz6es da faléncia da Liga das Na¢Ges e
centemente, levando a uma profunda crise, dos impasses europeus que culminaram na
que se expandiu para o resto do mundo. edificagdo dos Estados totalitarios nazi-fascis-
Embora fizesse parte do processo ciclico de tas. Na outra ponta do isolacionismo, os
evolugao do capitalismo, a crise de 1929 foi Estados Unidos baixaram diversas leis restri-
diferente das que a precederam (1873, 1895, tivas a migracao a partir de 1921, reduzindo
1920-1921), pelas profundas alteragdes que drasticamente a entrada de estrangeiros no
provocou e pelas proporgdes mundiais que pais.
assumiu: faléncias, desemprego, reformula-
¢6es politicas que mudaram a face do
mundo.

Os antecedentes da crise

Depois de Woodrow Wilson, do Partido


Democrata, os presidentes norte-americanos
seguintes, até 1932, Warren G. Harding,
Calvin Coolidge e Herbert Hoover, foram
todos do Partido Republicano, fiéis defenso-

392
A CRISE DE 1929 E O PERIODO ENTREGUERRAS

agentes de Falmer prenderam sumaria- Entretanto, a desigualdade na distribui-


mente mais de 4 mil pessoas em 33 ¢ao da renda acentuou-se, pois, para a
cidades. Cerca de 250 estrangeiros,
maioria da popula¢ao, o saldrio continuou
incluindo Emma Goldman, foram depor-
estavel, impossibilitando um aumento de
consumo e incompatibilizando-se com o
tados para a URSS a bordo da ‘Arca
crescimento da produtividade (de 1923 a
Soviética’. Embora pouca evidéncia se
1929 o aumento dos saldrios nado ultrapassou
descobrisse de perigosa atividade revo-
seiscentos milhdes de ddlares, enquanto a
lucionaria, numerosos individuos, organi-
produ¢ao industrial aumentou em dez bi-
zagoes € Org&os do governo transferiram lhdes). Apenas uma elite correspondente a
em seguida sua hostilidade dos alemaes 5% da popula¢ao detinha um ter¢o da renda
para os radicais. Ansioso para obter pessoal do pais.
apoio do Congresso para uma lei de se-
digao em tempos de paz, Palmer chegou a Assim, a produgao do pais nao conseguia
advertir que os revolucionarios planeja- ser toda ela consumida internamente, 0 que
vam derrubar o governo dos Estados resultou numa grande estocagem de merca-
Unidos no Dia do Trabalho de 1920. O le- dorias. Ao mesmo tempo, a intensa atividade
gislativo de Nova York expulsou cinco econdmica deu impulso a especulac¢ao finan-
representantes socialistas legalmente ceira, através da compra e venda de acées de
eleitos; algumas comunidades exigiram grandes empresas na Bolsa de Valores de
que professores primarios prestassem Nova York, situada na Wall Street. Em
juramento de lealdade; varios estados meados de 1929, quadruplicou o valor das
tornaram ilegal hastear a bandeira ver- agdes e mais e mais investidores foram
melha do bolchevismo. Em 1921, dois atraidos pela Bolsa, pela especulagdo, numa
anarquistas filosdficos, os infelizes Nico- espiral crescente.-
la Sacco e Bartolomeo Vanzetti, foram
preésos por roubo e assassinato com ba-
sé em provas que pareciam ter respaldo
na hostilidade publica a estrangeiros ra-
dicais. A despeito de uma apaixonada
reagao em prol da libertagdo de ambos,
foram finalmente executados em 1927.
Meio século depois, foram postumamente
perdoados.”
There have been no mistakes to correct--no experiments to
SELLERS, Charles, MAY, Henry e MCMILLEN, Neil R. try out--but conveniences have been added and a marked
Uma reavaliac&o da histéria dos Estados Unidos. reduction in price made possible through larger production
and added factory facilities.
p. 11-2.

Obedecendo ao bindmio do Partido


Republicano — isolamento e liberalismo -,
os presidentes norte-americanos de 1920 a
1932 assistiram impassiveis a uma evolugao
econdémica em direcdo ao caos. Para eles, os
problemas econdmicos seriam superados na-
turalmente, pois o mercado possuiria uma
tendéncia intrinseca para a racionalidade, Publicidade de um modelo Ford. Os Estados Unidos torna-
nao cabendo ao Estado intrometer-se na ram-se 0 pais mais rico e poderoso de todo o mundo depois
ordem econdmica. da Primeira Guerra Mundial.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

O aumento do ndmero de investidores e A quinta-feira negra


do volume de investimentos, contudo, possuia
um limite fisico. O mercado interno limitado, o “Quinta-feira, 24 de outubro, é o
externo arrasado pela Primeira Guerra, com os primeiro dia em que a historia identifica o
paises europeus buscando recuperar-se auto- inicio do panico de 1929. Levando-se em
nomamente, completavam o impasse econo- conta a desordem, o medo e a confusao,
mico. A superproducdo acompanhada de um merece ser congiderado que 12894 650
subconsumo levou a especulagao financeira a agoes mudaram de maos nese dia, a
atingir seu limite. O presidente Hoover, entre- maioria delas a pregos que destruiram os
tanto, mantinha sua posi¢ao liberal, recusan- sonhos € esperancas de seus proprieta-
do-se a uma intervencdo estatal a fim de rios.”
estancar ou reverter a situa¢dao. GALBRAITH, J. K. A grande quebra de Wall Street.
In: Século XX. p. 1345.
A Lei Seca

Coerente com o espirito isolacionis- Do dia para a noite, prosperos empresa-


ta, o Partido Republicano exaltou valores rios passaram a meros possuidores de papéis
nacionais, assumindo uma politica con- sem qualquer valor. A desordem econdémica
servadora, que interferia até mesmo no irradiou-se, abalando profundamente toda a
modo de vida da popuiagao. E dessa sociedade norte-americana: 85 mil empresas
época a 187 emenda a constituig&o, cha- faliram, quatro mil bancos fecharam e as
mada Volstead Act (1919), proibindo a demiss6es de trabalhadores alcancaram um
produgdo e a venda de bebidas alcodlicas,
total aproximado de doze milhées, dissemi-
nando a fome.
para “defender o homem americano dos
males das bebidas”. Entretanto, essa foi
também a época do boom econdmico do
pos-guerra, dos gangsteres e de Al
Capone — dono da maior organizagao
criminoga de Chicago que controlava a
venda clandestina de bebidas.
A Lei Seca acabou sendo completa-
mente desmoralizada pela corrup¢do e
por seus resultados, pois na fazenda do
senador Morris Sheppard, autor da Lei
Volstead, foi encontrada uma destilaria
de uisque, contrariando a esséncia da
propria lei. Em 1933, foi revogada pelo
presidente democrata Franklin Roosevelt.

A explosao da crise

A crise explodiu em 24 de outubro,


quando uma grande venda de acdes nado
encontrou compradores. Os investidores, ate-
morizados, tentaram livrar-se dos papéis,
originando uma verdadeira avalanche de
oferta de agdes, que derrubaram velozmente
os precos, arruinando a todos. agitados dias de 1929.

394
A CRISE DE 1929 E O PERIODO ENTREGUERRAS

A crise de 1929 abalou todo o mundo, O New Deal (1933-1939)


exceto a Unido Soviética, fechada em si
mesma e onde estavam sendo aplicados os Devido a crise econédmica, em 1932, os
planos qilingtienais de Stalin. Sua difusdo republicanos foram vencidos nas elei¢gdes
contou com dois elementos basicos: a redu- nacionais pelo Partido Democrata. Franklin
¢do das importacgdes norte-americanas, que Delano Roosevelt foi entdo eleito presidente
afetou duramente os paises que dependiam dos Estados Unidos, e uma de suas primeiras
de seu mercado (0 café brasileiro 6 um providéncias foi acabar com o liberalismo
exemplo), e€ 0 repatriamento de capitais econdmico, intervindo na economia, através
norte-americanos investidos em outros paises. do New Deal, plano elaborado por um grupo
Por dependerem do capital ou das im- de renomados economistas — o Brain Trust -,
portagdes norte-americanas, a maioria dos que se baseava nas teorias de John Maynard
paises passou a viver agitacGes politicas e o Keynes (1884-1946).
caos social. Além disso, a concretizagao da
Revolugao Russa trazia temores aos governos
europeus. Assim, cada pais buscou solugdes
peculiares, quase sempre com 0 respaldo de
governos fortes de direita nazi-fascistas.

“Para aqueles que, por defini¢gao, nao


tinham controle ou acesso aos meios de
produgao (a menos que pudessem voltar
para uma familia camponega no interior),
ou seja, os homens e mulheres contra-
tados por salarios, a consegiiéncia basi-
ca da Depressao foi o desemprego em
escala inimaginavel e sem precedentes, e
por mais tempo do que qualquer um ja
experimentara. No pior periodo da De-
pressao (1932-3), 22% a 23% da forga de
Franklin Roosevelt, que assumiu o governo no apice da crise,
trabalho britanica e belga, 24% da sueca, restaurou a economia norte-americana com a politica do
27% da americana, 29% da austriaca, New Deal.
31% da norueguesa, 32% da dinamarque-
sa é nada menos que 44% da alema nao “Para Keynes, as raizes da Depressdo
tinha emprego. E, o que é igualmente encontravam-se em uma demanda privada
relevante, mesmo a recuperagao apos inadequada. Para criar a demanda, as pessoas
1933 no reduziu o desemprego médio da deviam obter meios para gastar. Uma con-
década de 1930 abaixo de 16% a 17% na clusao dai decorrente é que os saldrios de
Gra-Bretanha e Suécia ou 20% no resto desemprego nao deveriam ser considerados
da Escandinavia. O tnico Estado ociden- simplesmente como débito do or¢gamento,
tal que conseguiu eliminar o desemprego mas um meio por intermédio do qual a
foi a Alemanha nazista entre 1933 e demanda poderia aumentar e estimular a
1938. Nao houvera nada semelhante a oferta. Além do mais, uma demanda reduzida
essa catastrofe econdmica na vida dos significava que nao haveria investimento
trabalhadores até onde qualquer um suficiente para produzir a quantidade de
pudesse lembrar.” mercadorias necessdrias para assegurar oO
HOBSBAWM, Eric J. Era dos-extremos: o Breve
pleno emprego. Os governos deveriam, por-
Século XX: 1914-1991 p. 97. tanto, encorajar mais investimentos, abaixan-
do as taxas de juros (uma politica de ‘dinheiro

Khel)
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

barato’), bem como criar um extenso progra- como nazi-fascismo — movimento essencial-
ma de obras publicas, que proporcionaria mente nacionalista, antidemocratico, antio-
emprego e geraria uma demanda maior de perario, antiliberal e anti-socialista.
produtos industriais.““ (BROGAN, Hugh. “ O nazismo, surgido na Alemanha, funda-
New Deal’’. In: Século XX, p. 1 607.) mentou-se teoricamente no livro Mein Kampf
Com o New Deal, 0 liberalismo de Adam (Minha luta), escrito pelo ex-cabo da Primeira
Smith cedeu lugar ao neocapitalismo, que Guerra, Adolf Hitler, em 1923, e transformou-
buscava um planejamento econdmico basea- se em seu programa efetivo de governo, em
do na intervengéo do Estado. Roosevelt 1933, quando assumiu o governo alemao. Na
determinou grandes emiss6es monetarias, Italia, o fascismo se estruturou com Benito
inflacionando deliberadamente o sistema; Mussolini que ocupou o governo a partir de
fez investimentos estatais de monta, como 1922. Em outros paises, formas peculiares de
hidrelétricas; estimulou uma politica de em- totalitarismo também foram adotadas, como o
pregos, entre outras medidas, 0 que ativou o franquismo na Espanha e o salazarismo em
consumo e possibilitou a progressiva recupe- Portugal.
rac¢do da economia. Dez anos depois, os Essas novas formas de governo represen-
Estados Unidos chegaram prdximos do pata- taram uma rea¢do nacionalista as frustragdes
mar econémico de 1929. resultantes da Primeira Guerra Mundial, uma
maneira de fortalecer o Estado intervencio-
nista, além de atender as aspiracdes de
A politica keynesiana da busca do estabilidade diante das ameacas revoluciona-
pleno emprego para estimular as econo- rias de esquerda.
mias em recessao, adotada primeiramen-
te nos Estados Unidos e depois por
_diversos outros paises industriais, foi
— seguida da instalagao de modernos sis-
temas previdenciarios (a Lei de Seguri-
dade dos EUA foi aprovada em 1935),
servindo de base as politicas de bem-
estar social desenvolvidas pelos paises
capitalistas, o welfare state, termo que
entrou em uso a partir de 1940.
Tal politica neocapitalista teve pre-
dominio internacional até o final dos anos
1970, quando voltou a ganhar prestigio a
completa liberdade de mercado, defendi-
da por tedricos como Friedrich von Hayek,
autor de Caminho da Miséria (1944), e O simbolo do fascismo era um machado amarrado a um
feixe, que, no Império Romano, indicava autoridade.
membros da escola monetarista de Chi-
cago, a exemplo de Milton Friedman e
Robert Lucas.
A origem dapalavra fascismo
0 termo. fasciemo, lan -
Mussolini, vem do italiano fascio, que
O totalitarismo nazi-fascista significa ‘feixe’. Na Roma antiga, AO
tempo dos césares, 06 magistrados — +
eram precedidos por funci narios —c ;
Durante o final da Primeira Guerra Mun- littori — que. “empunhavam ‘machados
dial e inicio da Segunda, estruturou-se na cujos cabos compridos eram reforgados |
Europa um fendmeno politico conhecido

396
A CRISE DE 1929 E O PERIODO ENTREGUERRAS

por muitas varas fortemente atadas em “Quem tem ago tem pao
le

torno da haste central. Os machados “Mais canhao, menos manteiga


lP

simbolizavam o poder do Estado de “Nada jamais foi ganho na historia


decapitar os inimigos da ordem publica. sem derramamento de sangue!”
E aS varas amarradas em redor do cabo “E melhor um dia de leZo do que cem
constitulam um feixe que representava a anos de carneiro!”
unidade do povo em torno da lideranga.” “A guerra é para o homem o que a
KONDER, Leandro. Introdugao ao fascismo. Rio de maternidade é para a mulher!”
Janeiro, Geral, 1977. p. 29-30. “Um minuto no campo de batalha
vale por uma vida inteira de paz!”
“A liberdade € um cadaver em
A doutrina nazi-fascista destacava basi- putrefagao!”
camente os seguintes pontos:
& totalitarismo — assentava-se no principio
de que ‘‘nada deve existir acima do Estado,
fora do Estado, contra o Estado’’. O Partido No caso alemao havia ainda o anti-
Fascista ou Nazista representava o Estado e semitismo, a perseguicdo racista aos judeus
confundia-se com ele, formando a sintese justificada pela afirmagao de que na Primeira
das aspirag6es nacionais. Guerra Mundial os alemaes tinham sido
@ nacionalismo — defendia-se que tudo deve- traidos pelos judeus marxistas, motivo de
ria ser feito para a na¢dao, pois esta re- sua derrota. Além disso, segundo o nazismo,
presentava a mais alta forma de sociedade. os judeus ameacgavam a edificagao da grande
@ idealismo — acreditava-se que pelo instinto raca ariana (alema). A repeti¢ao dessa mentira
e anseios se poderia transformar qualquer deu a ela forma de verdade.
coisa que se desejasse. Hitler afirma em Mein Kampf que tudo o
™ romantismo — negava-se que a razao “que hoje se apresenta a nds em matéria de
pudesse solucionar os problemas nacio- cultura humana, de resultados colhidos no
nais, defendendo-se, ao contrario, que terreno da arte, da ciéncia e da técnica, é
somente a fé, o auto-sacrificio, o heroismo quase que exclusivamente produto da criagao
e a forga o conseguiriam. do Ariano’’, entendido como o homem
@ autoritarismo — via-se a autoridade do branco alemao, o grupo humano mais puro,
lider, do chefe — o Duce ou o Fuhrer -, “o fundador exclusivo de uma humanidade
como indiscutivel; as na¢gdes precisavam superior’. Para ele, o judeu, além de ameagar
de trabalho e prosperidade, nao de liber- a depuracgdo do alemao ariano, era visto
dade. como antinacional (por sua hist6ria), imoral e
@ militarismo — acreditava-se que ‘a guerra marxista. Assim, a idéia fundamental do
regenera’’, a ‘‘luta é tudo”, ‘a expansao nazismo era expressa na frase: ein Volk, ein
salva’’. Reich, ein Fuhrer (um povo, uma na¢ao, um
& anticomunismo — culpavam-se os comu- chefe).
nistas pelo caos reinante e pelo colapso O corporativismo constituia a peculiari-
nacional. dade do regime totalitario italiano. O povo,
produtor de riquezas, organizava-se em cor-
poragdes sindicais que governavam o pais
Os slogans nazi-fascistas através do Partido Fascista, que era 0 proprio
Os slogans nazi-fascistas eram Estado. Ao contrario da visdo da esquerda,
publicamente invocados e sempre aplau- negava-se a existéncia de classes em oposi-
didos, as vezes em untssono, pela massa cdo na estrutura social, e o Estado corporativo
popular em pragas publicas: deveria buscar a harmonizac¢do dos interesses
“Acredita! Obedece! Luta!” conflitantes do capital e do trabalho dentro
dos quadros das corporagées.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

A intimidade entre o totalitarismo e o O caos econémico causado pela infla-


capital financeiro e 0 apoio da alta burguesia ¢40, pelo alto indice de desemprego e pela
a Hitler e a Mussolini sao comprovados por paralisagéo de diversos setores produtivos
varios documentos. No caso nazista, 0 mag- levou a agitagao politica revolucionaria das
nata Krupp explicava que ‘‘os empresarios esquerdas, sucedendo-se greves e invasdes de
alemdes empreenderam de todo o cora¢ao a fabricas e terras. Por seu lado, 0 governo
caminhada pelo novo curso; que eles, com a parlamentar, composto pelo Partido Socialista
melhor disposi¢ao e conscientemente agra- e pelo Partido Popular, nado chegava a acordo
decidos, compreenderam e adotaram como nas grandes quest6es politicas, gerando im-
suas as grandes intencdes do Fihrer, reafir- passes e impopularidade. Nesse quadro de
mando-se como fiéis seguidores dele’. No instabilidade, as elites passaram a respaldar a
caso da Italia, Mussolini contou, para chegar ac¢do dos squadres e os fascistas elegeram
ao poder, com o apoio da Confederagao maior numero de representantes no Parla-
Geral da Industria, da Associagdo dos Bancos mento, em 1921.
e da Confedera¢cdo da Agricultura. Num discurso de 6 de outubro de 1922,
Mussolini definiu as metas do Partido Fascis-
ta: “O fascismo italiano representa uma
O fascismo italiano reagao contra os democratas que tornaram
tudo mediocre e uniforme e tentaram sufocar
Em 1919, em Milao, Mussolini fundou o e tornar transitoria a autoridade do Estado.
Partido Fascista italiano e formou os squadres, [...] A democracia tirou a elegancia da vida
a milicia armada conhecida como camisas das pessoas, mas 0 fascismo a traz de volta,
negras. Atacando adversarios, especialmente isto é, traz de volta a cor, a forga, 0 pitoresco,
os comunistas, os fascistas ganharam apoio o inesperado, o misticismo, enfim, tudo o que
da elite e da classe média, expandindo-se por falta as almas da multidao’’.
todo o pais. Entre as principais razGes que Apoiado na crise parlamentar, Mussolini
propiciaram a ascensdo fascista na Italia organizou o assalto ao poder. Em 1922,
destacam-se a entdo crise politica e econé- cinquenta mil squadres, vindos de toda a
mica e os efeitos desmoralizantes sofridos Italia, marcharam para Roma exigindo o
pelo pafs com a Primeira Guerra: perdas poder. O rei Vitor Emanuel II] cedeu a pressao
financeiras enormes, mais de setecentos mil e o lider fascista passou a organizar o
mortos e quase nenhum ganho territorial. gabinete governamental, no cargo de primei-
ro-ministro.
Em 1924, por meio de eleigdes fraudu-
lentas, os fascistas ganharam maioria parla-
mentar. A oposi¢ao, liderada pelo deputado
socialista Matteotti, denunciou as irregulari-
dades eleitorais, mas foi calada por terror e
repressdo generalizados, que culminaram no
rapto e assassinato de Matteotti pelos camisas
negras.
Em 1925, Mussolini tornou-se Duce, o
condutor supremo da Italia, e com o respaldo
da Confedera¢ao Geral da Inditstria, da Ovra
(policia politica fascista) e do Tribunal Espe-
cial, concretizou o Estado totalitario fascista,
eliminando os principais focos oposicionistas.
Impds leis de excegdo, suprimiu a imprensa
oposicionista e cassou as licengas de todos os
Grupo de camisas negras, liderados por Mussolini. advogados antifascistas.

398
A CRISE DE 1929 E O PERIODO ENTREGUERRAS

derrota da Alemanha na Primeira Guerra e


pela humilhagdo decorrente do Tratado de
Versalhes. Com o final da guerra, o regime
dos kaisers alemaes foi substitufdo pela
Republica de Weimar (1918-1933), que ja
surgiu marcada pela derrota, pela humilhacao
e pela crise socioeconémica. As crescentes
dificuldades pds Versalhes acrescentaram-se
as indenizagdes exigidas pelos vencedores,
especialmente a Franga.
Em 1923, a Republica de Weimar decidiu
cancelar tais pagamentos, resultando na in-
vasdo francesa sobre o vale do Ruhr, como
represalia. Em contrapartida, os trabalhadores
alemdes desta regiado entraram em greve,
negando-se a trabalhar para os franceses, o
Mussolini era aclamado com sucessivos brados de ‘Duce! que obrigou o governo alemdo a nao aban-
Duce! Duce!”
dona-los, ampliando a emisséo monetaria
para custear a posi¢ao dos trabalhadores. O
resultado foi uma espiral inflacionaria, a
Em 1929, Mussolini ganhou também o hiperinflagaéo alema de 1923, a qual chegou
apoio do clero ao assinar o Tratado de a atingir o absurdo fndice de 32 400% ao
Latrao, que solucionava a antiga Questao més. Veja abaixo a escalada inflacionaria
Romana. Indicando a concilia¢gdo entre Igreja alema expressa no preco de uma fatia de pao
e Estado, 0 papa Pio XI reconhecia o Estado em Berlim:
italiano e Mussolini, a soberania do mints-
culo Vaticano, composto pelo Palacio do
Vaticano, a lgreja de Sao Pedro e o Palacio de
verao de Castel Gandolfo. O catolicismo foi
entado transformado em religiao oficial. 1918 | 1922 janeiro/1923 —
63 marcos 163,15 marcos | 250marcos
Mussolini, depois de assegurar o pleno Satie
poder e cercar-se das elites dominantes, bus- od « .

cou o desenvolvimento. Centrado numa ea =.


Pod

imensa propaganda de massa e na proibi¢ao julho/1923 setembro/1923 — -novembro/1923_


de greves, o governo do Duce apresentou 3465 marcos 1512000 marcos _ 201000000
000 marcos

sucessos na agricultura e na industria até que


a depressao mundial de 1929 mergulhou-o
em crise. Para superd-la, Mussolini intensifi-
cou a producdo de armamentos e as con-
quistas territoriais, ressuscitando a idéia de
restaurar 0 Império Romano. Voltando-se pa- Em 1919, em Munique, fundou-se um
ra a Africa, invadiu a Abissinia (atual Etidpia) partido totalitario, nos moldes do Partido
e, em seguida, uniu-se a Alemanha e ao Japao Fascista italiano, que adotou, logo depois, o
em diversas agress6es internacionais. nome de Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemades. Com forte apelo ao
sentimento nacional e diante das dificuldades
O nazismo alemao do pos-guerra, 0 novo partido ganhou cres-
centes adeptos. Para intimidar os opositores,
As raz6es que contribuiram para o éxito os nazistas atuavam com uma policia para-
nazista na Alemanha sao similares as do militar, denominada Sec6es de Assalto (SA) —
fascismo na Italia, agravadas pela desastrosa os ‘‘camisas pardas’’.

399
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Na prisdo, Hitler escreveu Mein Kampf,


O inicio do Partido Nazista
obra em que desenvolveu os fundamentos do
“O Partido Nazista foi fundado na nazismo: a idéia pseudocientifica da existén-
Baviera pelo ferroviario Anton Drexler cia da raca ariana — que seria descendente de
com o nome de Partido Operario Alem&o um grupo indo-europeu mais puro -, O
(Deutsche Arbeiter Fartei). Adolf Hitler nacionalismo exacerbado, o totalitarismo, o
compareceu a uma das suas primeiras anticomunismo e o principio do espago vital
reunides como espiao militar, e acabou — que seria o dominio de territ6rios indispen-
aderindo ao partido, desligando-se das saveis ao desenvolvimento alemdo (nado ape-
Forgas Armadas. Em fevereiro de 1920, nas a restauracdo das fronteiras de 1914, mas
Hitler ja era o dirigente responsavel pela também a conquista da Europa oriental).
propaganda do partido eé mudou-lhe o De 1923 a 1929, o nazismo nao teve
nome para Partido Operario Alemdo presenca expressiva, até que a quebra da
Nacional-Socialista (National-Sozialisti- Bolsa de Nova York abalou o mundo, espe-
che Deutsche Arbeiter Partei). Como os cialmente a Alemanha. Os seis milhées de
socialistas (Sozialisten) eram popular-
desempregados surgidos com a crise intensi-
ficaram a atuagao dos grupos politicos de
mente chamados sozi, 05 nacional-soci-
esquerda, especialmente os comunistas, o
alistas passaram a ser chamados de
que amedrontou a elite e a classe média
nazi (nazista).”
alema, que viram na proposta nazista a
KONDER, Leandro. Introdugao ao fascismo. p. 44.
salvacao nacional.
As tropas das SA passaram a agir livre-
Em novembro de 1923, diante do agra- mente e a popularidade nazista se impds. Em
vamento da situag¢éo socioeconémica e da 1932, o presidente Hindenburg ofereceu a
ineficiéncia da Reptblica de Weimar, Hitler e Hitler a chancelaria, o comando do Estado.
seus seguidores tentaram um golpe, visando Elevado ao poder, Hitler visou inicialmente
assumir o poder. Numa cervejaria de Muni- eliminar a forte oposi¢do, especialmente a
que, proclamaram o fim da republica, e, dos politicos da esquerda. Para tanto, organi-
embora acabassem todos presos, ganharam zou uma farsa: provocou um incéndio que
ampla publicidade em todo o pais. O Putsch destruiu o prédio do Parlamento, o Reischtag,
de Munique, como ficou conhecido o golpe, e acusou os comunistas de terem um golpe
pareceu, por seu malogro total, o fim do em andamento, o que lhe permitiu a instala-
nascente Partido Nazista. Foi, no entanto, ¢do de uma ditadura totalitaria. Os deputados
apenas um recuo momentdaneo na escalada e lideres das esquerdas foram presos e
nazista, que contaria mais tarde com circuns- levados para campos de concentra¢4o, pri-
tancias propicias ao seu reerguimento defi- sdes de exterminio de opositores, de judeus e
nitivo. mais tarde de prisioneiros de guerra.

sm DESEMPREGO OPERARIO ALEMAO DE 1929 A 1939


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1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935


Na década de 1930, uma das maiores crises da historia do capitalismo gerou uma grande depressdo que seria a principal
motivadora da Segunda Guerra Mundial.
A CRISE DE 1929 E O PERIODO ENTREGUERRAS

Hitler organizou outras forgas, além das listas no assunto nao conseguem con-
SA, para dar-lhe sustentagdo: as SS — Sess6es cordar a respeito de qual dos dois —
de Seguran¢a - correspondiam a policia
Hitler ou Goebbels — foi o melhor orador.
politica do partido, mais bem treinada e
Goebbels, ao contrario de Hitler, perma-
completamente disciplinada e fiel ao Fuhrer
necia totalmente frio, mesmo nos comi-
(guia), e a Gestapo — policia secreta do
cios mais intoxicantes. Nunca foi muito
Estado. Hitler eliminou os partidos, os sindi-
catos, o direito de greve, os jornais opositores popular. Incapaz de controlar sua lingua,
e depurou o prdprio nazismo, eliminando, na quase nao tinha amigos. Mas o pequeno
chamada Noite dos Longos Punhais, varios Schrumptgermane (‘o alem&o encolhido’)
lideres das SA que divergiam de sua absoluta sabia como conquistar respeito.”
autoridade. Cerca de setenta lideres e cinco JANSSEN, K. H. Hitler € seus adeptos. In: Século XX.

mil outros nazistas foram mortos por soldados p. 1432.

do exército, pelas SS e pela Gestapo, conso-


lidando a lideranga de Hitler. Em 21 de
marco de 1933, Hitler proclama a criagao do
Terceiro Reich e, com a morte do presidente
Hindenburg em agosto de 1934, adota ofi-
cialmente o titulo de Fuhrer.
Sob a lideranga do habil Joseph Goeb-
bels, agitador fanatico e orador mordaz, os
nazistas ativaram a propaganda a seu favor,
ganhando o apoio de quase toda a na¢ao aos
grandiosos planos do Fiihrer. A campanha
racista criava um “bode expiatdrio’”’ e unia a
nac¢do alema aos nazistas ao propor a purifi-
ca¢gao racial por meio do exterminio dos
judeus. A denominada ‘‘solug¢do final’’ multi-
plicou os campos de concentra¢do, levando
ao holocausto, com a morte de milhdes de
judeus. Toda a sociedade foi envolvida no
programa nazista: das criangas aos adultos,
nas escolas e instituicdes, todos eram induzi-
dos a filiar-se a Juventude Hitlerista ou ao
Partido Nazista.

A propaganda nazista
Joseph Goebbels foi o porta-voz do As manifestagdes nazistas alardeavam a disciplina e o
nazismo e utilizou-se do radio, do cinema, poderio militar alemao.

do teatro e da literatura para divulgar


gua conviccao totalitaria e fidelidade a A nazificagdo alema completou-se com o
Hitler. “Bem educado e muito inteligente, armamentismo e o total militarismo, que
foi um grande mestre na arte de influ- reativou a industria bélica e o desenvolvi-
enciar as magsas, um demagogo nato e mento econémico. A militarizagao do Tercei-
um tatico astucioso na politica do poder. ro Reich visava a expansdo territorial, a
Ninguém como ele foi capaz de usar com conquista do espaco vital, que foi feita a
tamanha audacia a mentira como ins- custa de seus vizinhos — Austria, Tchecoslo-
trumento politico. Até hoje 0s especia- vaquia e Polénia -, forjando o estopim da
Segunda Guerra Mundial.

401
A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL (1939-1945)

Primeira Guerra Mundial — ‘‘feita cisdes do Tratado de Versalhes, reincorporou


para por fim a todas as guerras’” — o Sarre em 1935, restabelecendo o servi¢o
transformou-se no ponto de partida militar obrigat6rio, e em 1936 ocupou militar-
de novos e irreconciliaveis conflitos, pois o mente a Renania — zona da fronteira francesa,
Tratado de Versalhes (1919) disseminou um desmilitarizada pelo Tratado de Versalhes.
forte sentimento nacionalista, que culminou Visando evitar confrontos militares, mui-
no totalitarismo nazi-fascista. As contradigées tas das na¢6és européias assistiam a esses
“se agucaram com os efeitos da grande crise fatos resignadamente. Assim, a cada nova
de 1929. Além disso, a politica de apazigua- agressdo expansionista dos Estados totalita-
mento, adotada por alguns lideres politicos rios, confirmava-se a faléncia da Liga das
do periodo entreguerras e€ que se caracterizou Nagées e da paz internacional administrada
por concess6es para evitar um confronto, ndo por ela.
conseguiu garantir a paz internacional. Sua A Guerra Civil Espanhola (1936-1939)
atuacdo assemelhou-se a da Liga das Nacoes: deu a Hitler e Mussolini, associados ao militar
um Orgao fragil, sem reconhecimento e peso, golpista espanhol Francisco Franco, condi¢des
que deveria cuidar da paz mundial, mas que de testar seus novos armamentos e acabar com
fracassou totalmente. Assim, consolidaram-se a nova Republica Socialista Espanhola. Esse
os regimes totalitarios, que visavam sobretudo conflito resultou em mais de um milhao de
a conquistas territoriais, processo que desen- mortos e consolidou a alian¢a Hitler-Mussoli-
cadeou a Segunda Guerra Mundial. ni, chamada Eixo Berlim-Roma.

A expansao territorial e o inicio


da guerra

Com os nazi-fascistas no poder na Italia e


na Alemanha, a politica internacional foi
pouco a pouco configurando-se conflituosa,
pois as pequenas nacoes sentiram-se lesadas
em seus direitos territoriais e politicos, fican-
do a mercé dos Estados mais fortes.
O Japao, mergulhado num militarismo
ultranacionalista e descontente com sua limi-
tada posi¢ao internacional, invadiu a Man-
chdria em 1931; em 1935, a Italia invadiu a
Etidpia; a Alemanha, desobedecendo as de- Tropas italianas em luta na Espanha ao lado dos franquistas.

402
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

Guernica Hitler e Mussolini. Na Conferéncia de Muni-


que, tendo Chamberlain como representante
O inicio da participagao nazista na da Inglaterra e Daladier, da Franga, os quatro
Guerra Civil Espanhola se deu em Guer- chefes de Estado firmaram um acordo que
nica, capital da provincia basca. Essa entregou os Sudetos aos nazistas, ampliando
pequena cidade sempre fora considerada 0 territ6rio alemaéo em direcdo ao este.
o bergo da liberdade, onde reis espanhdis Chamberlain e Daladier entregaram essa
OU SéUS representantes juravam respei- regido a Hitler em troco de um compromisso
tar os direitos do povo basco. 5 de nao realizar qualquer nova expansao sem
“No dia 26 de abril de 1937, uma a aquiesc€éncia franco-britanica, confirmando
segunda-feira (dia de feira, como era a politica de apaziguamento do periodo.
costume em Guernica), as 4h40 da Como afirmou Chamberlain numa entrevista
tarde comecgaram a surgir os Heinkel Ill, aos jornalistas, ‘a paz estava garantida’”’, sd
bombardeando a cidade e metralhando que ao preco da Tchecoslovaquia e por muito
as ruas. Depois dos Heinkels vieram os pouco tempo.
Junkers 52, 06 velhos espectros da
Guerra Espanhola. A populagao comegou
a abandonar a cidade, sendo metralhada
na fuga. Bombas incendiarias (pesando
até quatrocentos e cinglienta quilos) e
outros explosivos foram langados por
vagas de avides a cada vinte minutos,
até as 7h45, A destruig&o foi total. ”
THOMAS, Hugh. A Guerra Civil Espanhola. In: Século
XX. p. 1758.

O Japao, pouco depois, uniu-se aos


alemaes e italianos, j4 que, em sua expansdo
na Asia, entrou em conflito com a Unido
Soviética e outros paises imperialistas oci-
dentais. Formou-se 0 Eixo Roma-Berlim-T6-
quio. Os trés paises, que encontravam na
passividade geral animo para novas investi- Chamberlain (a esquerda) e Mussolini, em Munique.
das territoriais, assinaram o Pacto Antikomin-
tern, unidade para combater 0 comunismo
internacional. A nao-participagao da Tchecoslovaquia
A primeira manifestacao significativa da na Conferéncia de Munique e o posterior
expansao nazista aconteceu na Austria, onde desmembramento desse pais, seguido da
os alemdes penetraram progressivamente des- ocupa¢ao nazista da Boémia e da Moravia,
de 1934 até sua anexa¢ao ao Terceiro Reich. indicavam investidas mais significativas para
Sob o pretexto de uniao germanica, o Fuhrer o leste, em direcdo a Unido Soviética,
efetivou o Anschluss (uniado alema-austriaca). ativando o clima de desconfianga e militaris-
A meta seguinte era a Tchecoslovaquia, sob o mo em toda a Europa.
pretexto de que a regido sul desse pais — os Hitler ha muito cobigava conquistar o
Sudetos — contava com popula¢ado predomi- corredor polonés, a faixa de terra tirada da
nantemente alema. Inglaterra e Franga, alia- Alemanha pelo Tratado de Versalhes, que
dos na Primeira Guerra e responsaveis pela incluia-o porto de Dantzig (em polonés,
criagdo da Tchecoslovaquia, alegando evitar Gdansk), area que dava a Poldnia safda para
uma confrontagdo geral, reuniram-se com o mar. Receosos das intengdes nazistas,

403
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Inglaterra e Franga resolveram dar apoio e A eclosao da guerra


garantias ao governo polonés contra possiveis Pisces Wins sonic aso Cease Ene cae es
agress6es estrangeiras, obtendo, ao mesmo
tempo, a promessa da Alemanha de respeitar
as fronteiras com a Poldnia. Durante 1939, conhecido como ano da
Tendo obtido a passividade das poténcias “guerra de mentira’”, ndo ocorreram grandes
européias ocidentais e diante do clima de batalhas, pois os paises se preparavam para a
desconfian¢a em relagéo a Unido Soviética, guerra. Em abril de 1940, entretanto, Hitler
que se via isolada dentro dos sistemas de iniciou a Blitzkrieg — guerra relampago —, que
aliangas do continente, Hitler aproximou-se consistiu em ataques maci¢cos com o uso de
de Stalin, estabelecendo, em 1939, o Pacto carros blindados (divis6es panzer), da aviagao
Germano-Soviético de ndo-agressdo e neu- (Luftwaffe) e de navios de guerra.
tralidade por dez anos. Garantindo a neutra-
lidade soviética na possibilidade de um O avanco militar nazista foi fulminante: a
conflito internacional, o pacto representou o Dinamarca, a Noruega e a Holanda foram
lance final nazista em sua agressiva politica ocupadas, e as tropas francesas, inglesas e
expansionista. Por meio dele, a Alemanha belgas, empurradas até a cidade portudria
firmava 0 compromisso de ndo-agressao aos francesa de Dunquerque, sendo obrigadas a
soviéticos e permitia a anexa¢ao dos estados se retirar do continente.
balticos (Finlandia) e de parte da Poldnia
Oriental as fronteiras soviéticas, enquanto O irresistivel avanco nazista alcancou a
Hitler, em troca, poderia anexar Dantzig. O Franga, ocupando Paris em junho de 1940. O
pacto priorizou interesses expansionistas, re- primeiro-ministro francés, marechal Pétain,
legando a segundo plano diferencas ideold- assinou a rendi¢do na cidade de Vichy,
gicas, politicas e sociais entre o nazismo e o embora a parte sul do pais permanecesse
socialismo soviético. resistindo as forgas alemas. Dominando o
continente, Hitler dirigiu-se contra a Inglater-
ra, iniciando um novo periodo da guerra.

A estratégia alema em relacao a Inglaterra


baseou-se em ataques da aviacdo, levando a
um verdadeiro duelo aéreo entre a Royal Air
Force (RAF) e a Luftwaffe, comandada por
Hermann Goering. Nesse confronto, as per-
das humanas foram enormes — mais de
quarenta mil civis mortos em conseqiiéncia
dos bombardeios aéreos —, mas a combativi-
dade da RAF impediu a invasao a Inglaterra.

O primeiro-ministro inglés Winston


Churchill sintetizou a importancia da forga
aérea britanica na frase: ‘/Nunca tantos
Charge retratando o Pacto Germano-Soviético como o
casamento entre Hitler e Stalin.
deveram tanto a tao poucos’’.

Enquanto se travava a batalha da Ingla-


Em 12 de setembro de 1939, Hitler deu terra, os italianos atacavam o norte africano,
continuidade ao seu jogo expansionista, in- tentando tomar o canal de Suez, a fim de
vadindo a Poldnia. Inglaterra e Franca, de romper as ligagdes da Inglaterra com suas
acordo com os compromissos publicos assu- coldnias. Italianos e alemaes atacaram tam-
midos, reagiram, iniciando-se entaéo a Segun- bém a Grécia, a Bulgaria, a lugoslavia e toda
da Guerra Mundial. a regiao balcanica.

404
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

Inglaterra e Estados Unidos. Essa declara¢do,


baseada em principios liberais e democrati-
cos, como a rendncia ao uso da forc¢a na
politica internacional, a liberdade de nave-
gacao em aguas internacionais, o respeito a
autonomia e as fronteiras politicas, contra-
punha-se a politica nazi-fascista.
No Pacifico, desde a invasdo da China, a
tensao entre Estados Unidos e Japdo crescia,
aumentando fortemente apds o ataque japo-
nés sobre a Indochina. Em dezembro de
1941, os japoneses, ambicionando a plena
hegemonia no Pacifico oriental e dando
seguimento ao seu expansionismo, atacaram
Pearl Harbor, a maior base naval norte-ame-
ricana no Pacifico sul, precipitando a entrada
Apesar de intensos, os bombardeios alemaes nao consegui-
dos Estados Unidos na guerra.
ram viabilizar uma invasao e ocupacao da Inglaterra.

Com a inten¢ao de obter minérios, cereais


e petrdleo, fundamentais aos seus planos
bélicos, em junho de 1941, Hitler, traindo o
pacto de ndo-agressdo de 1939 e sem decla-
ragao de guerra, marchou sobre a Unido
Soviética. Num ataque surpresa, foram acio-
nados canhdes alemaes nas fronteiras e efe-
tuados ataques aéreos sobre os aeroportos
soviéticos préximos, enquanto grupos de as-
salto abriam caminho para 0 exército alemdao.
Os generais nazistas contavam com uma
rapida vitdria sobre os soviéticos, pois nas
fronteiras russas havia um exército alemao de
trés milh6es de soldados preparados para a
conquista. De fato, inicialmente 0 exército
soviético pouco pdde fazer para deter o
avanco dos alemdaes, mas Hitler nado contava Cartaz apresentando um samurai, guerreiro japonés, des-
com o grande numero de soldados russos, truindo navios aliados.
nem avaliara o seu vasto territorio e a resis-
téncia das tropas e da popula¢gao. O sucesso
dos primeiros meses levou os nazistas até os Os japoneses sobre Pear! Harbor
suburbios de Moscou, a capital soviética,
mas, no final de 1941, os alemdes passaram a _O ataque a Pearl Harbor pelos japo-
experimentar duras e decisivas derrotas. neses era produto da convicgao estraté-
Desde marco de 1941, os Estados Unidos gica do almirante Yamamoto, que acre-
haviam assumido posi¢ao contraria ao Eixo, ditava na absoluta necessidade de des-
ajudando materialmente a Inglaterra e a truir a frota americana ali estacionada.
Franca. Em agosto, o presidente norte-ameri- “A primeira bomba japonesa cai ao
cano Franklin Roosevelt assinou com o 7h55: A forca-tarefa estava estacionada
primeiro-ministro inglés Churchill a Carta a trezentos e setenta quilometros das
do Atlantico, selando a solidariedade entre

405
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

diplomatas japoneses e norte-americanos dis-


cutiam em Washington a retirada do Japao da
Indochina e a normalizacao de suas relagdes
no Pacifico. O ataque destruiu grande parte
da frota americana e deu aos japoneses a
posigao bélica ofensiva, enquanto os norte-
americanos buscavam recompor suas for¢as.
Mesmo assim, no dia seguinte, o Congresso
dos Estados Unidos declarou guerra ao Japao,
oficializando o confronto no Pacifico.
Até o inicio de 1942, Alemanha, Italia e
Japao dominaram a guerra, executando uma
continua expansdo e conquistando gigantes-
cas e estratégicas regides da Europa, Africa e
Asia. Mas, a partir de entdo, iniciou-se a
O ataque japonés a Pearl Harbor aconte- derrocada do Eixo, pondo fim a avassaladora
ceu na manha de 7 de dezembro, enquanto expansdo totalitaria.

_#W Primeiras ofensivas alemas


_a Primeira ofensiva italiana
games Extensao maxima do dominio alem€o e italiano
_ Primeira ofensiva japonesa
mums Extensao maxima do dominio japonés

As poténcias do Eixo chegaram a dominar grandes extensées territoriais na Europa, na Asia e na Africa.

O fim da guerra mente aniquilada: mais de 250 mil soldados


alemaes morreram e mais de cem mil foram
aprisionados, neutralizando o poderio alemao
no leste. Tinha inicio a inversdo da situagao da
Na Unido Soviética, na batalha de Stalin- guerra, que levaria a um progressivo avanco
grado, Hitler tentava vencer definitivamente os soviético contra a Alemanha. Formava-se a
soviéticos. Mas, ao fim de alguns meses de primeira frente de luta dos Aliados, que
acirrada luta, a ofensiva nazista foi completa- marcharia pouco a pouco em dire¢ao a Berlim.

406
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

Stalingrado: (de julho de 1942 a feve- A terceira frente aliada desembarcou na


reiro de 1943) marco do refluxo nazista Normandia, norte da Franga, no dia 6 de junho
de 1944 — 0 chamado Dia D. Sob 0 comando
“O objetivo de Hitler era Stalingrado, do general Eisenhower, a chamada Opera¢ao
10) grande centro industrial localizado as Overlord, anulou as forgas alemas estaciona-
margens do rio Volga: o controle de das no norte da Europa, denominadas Muralha
Stalingrado daria 42 Alemanha o comando do Atlantico, avangando pelo continente e
de uma rede ferroviaria fundamental. inv apertando o cerco sobre o Terceiro Reich.
batalha de Stalingrado foi uma luta épica
“na qual soldados e civis russos disputa-
ram cada edificio. e cada rua da cidade.
Tao brutais eram oS combates que, as
hoite, cachorros. enlouquecidos- procura- .
vam fugir da cidade atravessando o rio a —
nado. Um contra-ataque russo em no- —
vembro colheu os alemaes numa armadi-
lha. Exausto e sem alimentos, medica-
mentos, armas e munigdes, Friedrich
Paulus, comandante do Sexto Exército,
ingistiu com Hitler para que ordenasse a
retirada, antes que 0S russ0s fechassem
o cerco. O Fihrer recusou-se. Depois de
sofrer dezenas de milhares de novas
baixas,etendo uma posi¢do indefensavel,
0S remanescentes do Sexto Exército
renderam--66,a 2 de. fevereiro de 1943.”
PERRY, Marvin’ kara Civilizagao ocidental: uma
historia concisa. p. 740.
O Dia D: as forgas aliadas desembarcam na Normandia,
abrindo uma terceira frentre de avanco contra a Alemanha.

No Oriente, os japoneses foram batidos


nas batalhas do mar de Coral e de Midway,
esta Ultima a primeira grande derrota da A Resisténcia e o Dia D
marinha japonesa. Enquanto isso, os Estados
Unidos restabeleciam o seu equilibrio bélico Antes do desembarque aliado na
e assumiam a ofensiva. Normandia, a luta na Franga contra a
Ao mesmo tempo, os Aliados iniciaram o ocupa¢do alema era feita pela Resistén-
avango no norte da Africa, e, em 1943, um cia, composta por mais de cem mil
exército anglo-americano derrotou, no Egito, membros que dificultavam a dominagao
os alemaes e italianos comandados por Von nazista € opunham-se aos colaboracio-
Rommell, na batalha de El Alamein. Essa nistas de Vichy, para eles traidores da
vit6ria deu aos Aliados o controle do Medi- Franga.
terraneo e possibilitou o desembarque na Ataques de surpresa € sabotagens
Italia, abrindo uma segunda frente de avanc¢o eram os meios constantes da luta da
sobre a Alemanha. Em setembro de 1943, Resisténcia e o radio constitula o princi-
depois de o rei italiano demitir 0 primeiro- pal meio de contato com os Aliados na
ministro Mussolini, a Italia se rendeu e, no Europa ocupada.
més seguinte, declarou guerra a Alemanha. A A decisao sobre o Dia D foi passada
luta na peninsula contra os alemdes e fascis- em codigo pela radio BBC de Londres,
tas locais duraria até o final da guerra.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

| abin de 1944,
has 60 ‘
tga ae de mais de tré > mihiBes de
LES sa a libertar
oe

Pouco depois, em agosto de 1944, Paris


era libertada, enquanto as trés frentes con-
vergiam sobre a Alemanha, o centro do Eixo.
A frente do leste, composta pelo Exército
Vermelho soviético, foi a primeira a chegar a
Berlim, dando o golpe final sobre o Terceiro
Reich, hasteando, no dia 12 de maio de 1945,
a bandeira vermelha no alto do Reichstag.
Poucos dias antes da rendicao final (8 de
maio), Mussolini e Hitler morreram em cir- O aviao bombardeiro Enola Gay langou a bomba as 8 horas e
cunstancias dramaticas. O Duce, depois de 16 minutos da manha do dia 6 de agosto de 1945, em
cacado por populares, foi preso com sua Hiroxima, dando inicio 4 ameaca atémica sobre a humani-
dade. Trés dias depois foi a vez de Nagasaqui. Era o frio
mulher Clareta Petracci, sendo ambos fuzila-
exterminio de centenas de milhares de pessoas em instantes.
dos e depois dependurados numa praca de
Milao em 28 de abril. O Fuhrer, em 30 de
abril, suicidou-se com um tiro de pistola, A Segunda Guerra Mundial deixou um
acompanhado pela esposa Eva Braun, que se saldo devastador: um custo material superior
envenenou. a um bilhdo e trezentos milh6es de dolares,
No Oriente, a luta ainda continuou por mais de trinta milhdes de feridos, mais de
mais de dois meses. Os Estados Unidos cinquienta milhdes de mortos e outras perdas
avan¢aram progressivamente, cercando o incalculaveis. A Unido Soviética perdeu mais
Japao, e ocupando, em 1945, lwojima e de vinte milhdes de habitantes, a Pol. nia seis
Okinawa. Em 6 de agosto de 1945, ja milhdes, a Alemanha cinco milhdes e meio, o
dominando o conflito no Pacifico, mas sob Japao um milhdo e meio. Morreram, ainda,
o pretexto de abreviar a guerra, os norte- cerca de cinco milhdes de judeus, grande
americanos utilizaram seu mais novo e po- parte nos campos de concentra¢ao nazistas.
deroso recurso bélico: langaram uma bomba O mundo que surgiu com o final da
atOmica sobre a cidade de Hiroxima e, trés guerra estava devastado e dividido entre
dias depois, outra sobre Nagasaqui: ‘‘Depois capitalistas e socialistas, liderados, respecti-
do calor veio o deslocamento de ar, varrendo vamente, por Estados Unidos e Unido Sovié-
tudo ao redor com a forga de um furacdo tica. Mergulhado em novos conflitos, que
soprando a oitocentos quilémetros por hora. apontavam um futuro incerto e a perspectiva
Num circulo gigantesco de mais de trés de um confronto nuclear, iniciava-se para o
quilémetros, tudo foi reduzido a escombros”’. mundo o perfodo de insegurang¢a e de
(WATSON, C. J. H.). A rendi¢ao incondicio- incerteza da Guerra Fria, a grande heranga
nal do Japao foi obtida a 19 de agosto, deixada a humanidade pela Segunda Guerra
oficializando o final da guerra. Mundial.

408
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

Os acordos de paz Truman, sucessor de Roosevelt, e Clement


eae
ea Attllee, sucessor de Churchill, decidiram pela
desnazificagdo da Alemanha, com a criacao
do Tribunal de Nuremberg para julgar os
Antes mesmo de findar a guerra, as criminosos de guerra, a desmilitarizacdo do
grandes poténcias firmaram acordos sobre pais e a abolicao dos trustes e cartéis que
seu encerramento, além de definirem parti- subsidiaram 0 nazismo.
lhas, inaugurando novos confrontos, que
poderiam desencadear uma hecatombe nu- A principal medida, no entanto, foi a divi-
clear. sdo da Alemanha em quatro zonas de ocupa-
¢do: inglesa, francesa, norte-americana — que
O primeiro acordo ocorreu no inicio da mais tarde deu origem a Alemanha Ocidental
ofensiva aliada e do refluxo do Eixo. Foi a (Republica Federal da Alemanha) — e soviética
Conferéncia de Teera, no Ira, em novembro — mais tarde originando a Alemanha Oriental
de 1943, que reuniu pela primeira vez os trés (Republica Democratica Alema). Esse mesmo
grandes estadistas da época: Stalin, da Unido estatuto foi aplicado a Berlim, localizada no
Soviética, Churchill, da Inglaterra, e Roose- interior da zona soviética, que também foi
velt, dos Estados Unidos. Ali decidiu-se que dividida em quatro zonas.
as forgas anglo-americanas interviriam na
Franga, completando o cerco de pressdo a Fixou-se, ainda, em 20 bilhGes de dolares
Alemanha, juntamente com o leste russo, 0 a quantia de indenizagao de guerra devida
que se concretizou no desembarque dos pelos alemaes aos Aliados e decidiu-se pela
Aliados na Normandia. cessao de Dantzig (Gdansk) a Polonia.
Na Conferéncia deliberou-se também
sobre a divisdo da Alemanha e as fronteiras
da Pol6énia ao findar a guerra, além de se
formularem propostas de paz com a colabo-
ragdo de todas as nacdes. Estados Unidos e
Inglaterra reconheceram, ainda, a fronteira
soviética no Ocidente, com a anexa¢ado da
Lituania, da Let6nia, da Est6nia e do leste da
Poldnia.
Em fevereiro de 1945, com a guerra
prestes a se encerrar na Europa e o Japao
recuando, deu-se a Conferéncia de Yalta, as
margens do mar Negro, na Criméia russa.
Roosevelt, Churchill e Stalin discutiram a
criagdéo da Organizac¢do das Na¢ées Unidas
(ONU), em bases diferentes das da Liga das
Nagées, e definiram a partilha mundial,
deixando a Unido Soviética o predominio
sobre a Europa oriental, incorporando os
territorios alemaes a leste e definindo a
participagao da Unido Soviética na rendi¢ao
do Japao, com a divisdo da Coréia em areas
de influéncia soviética e norte-americana.
Separava-se 0 mundo capitalista do socialista.
Meses depois, em agosto, realizou-se nos
suburbios de Berlim a Conferéncia de Post-
dam. Com a rendi¢ado alema, Stalin, Harry Churchill, Roosevelt e Stalin reunidos em Yalta, em 1945.

409
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

tem cinco membros permanentes — Estados


A criagao da ONU Unidos, Russia (antes de 1991, era a Unido
PGS tacSaas a Ae PEAR Se TENE NY EN he en
Soviética), Inglaterra, Franga e China (inicial-
mente a China Nacionalista, Formosa, e, a
A carta das Nag6des Unidas foi redigida
partir de 1971, a Continental, comunista) — e
pelos representantes de cinqienta paises,
reunidos em Sao Francisco, nos Estados
dez membros eleitos pela Assembléia Geral,
Unidos, entre 25 de abril e 26 de junho de com mandato de dois anos. Os membros
1945. A Organizagdo das Na¢des Unidas permanentes possuem direito de veto, isto é,
passou a existir oficialmente no dia 24 de a prerrogativa de impugnar qualquer decisao
outubro de 1945, com o objetivo principal de do Conselho, oficializando a supremacia das
manter a paz e a seguran¢a internacionais e grandes poténcias.
de desenvolver a coopera¢ao entre os povos A Assembléia Geral é composta por
Zs

na busca de solu¢des dos problemas econdé- todos os paises-membros e sua fun¢ado é


micos, sociais, culturais e humanitarios, pro- discutir os assuntos relacionados com a paz, a
movendo 0 respeito aos direitos humanos e as seguran¢a, 0 bem-estar e a justiga no mundo.
liberdades fundamentais. Nao pode tomar decisdes, apresentando
A ONU tem cinco 6rgdaos principais — apenas ‘voto de recomenda¢ao” e fun¢gado
Conselho de Segurancga, Assembléia Geral, consultiva. Ha ainda o Secretariado, dirigido
Secretariado, Conselho Econémico e Social e pelo secretario-geral, que tem por fun¢ado
‘Corte Internacional de Justica — que traba- administrar a organizagao e é escolhido pelo
Ilham separadamente, mas com ampla inter- Conselho de Seguran¢a e votado pela Assem-
comunica¢ao, coordenando as atividades da bléia Geral. O primeiro secretario-geral foi
organiza¢ao. Trygve Lie, da Noruega (1946-1952); a seguir
Embora fundamentada na igualdade so- Dag Hammarskjéld, da Suécia, (1953-1961);
berana de todos os seus membros, a forma U Thant, da Birmdania (1962-1971); Kurt
como a ONU foi estruturada impds a supre- Waldheim, da Austria (1972-1981); Javier
macia das grandes poténcias. O Conselho de Perez de Cuellar, do Peru (1982-1991); e o
Seguran¢a, seu organismo mais importante, egipcio Boutros Boutros Ghali, desde 1992.

Gamma/Sigla

| mio a Oe

bk
Segunda Conferéncia Internacional
sobre Assisténcia aos Refugiados na
Africa, realizada em 1984.Numa
nova tentativa de resolver os proble-
mas internacionais, a ONU foi fun-
dada logo apés a Segunda Guerra.
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

A ONU possui também um Conselho continua a salvar a vida de milhdes de


Econémico e Social, ao qual esta ligada a criangas, além de manter acesa a chama da
FAO (Organizagao de Alimentacgdo e Agri- consciéncia internacional para-com a grande
cultura), a Unesco (Organizacao Educacio- parte pobre do mundo.
nal, Cientifica e Cultural das Nacdes Unidas),
a OIT (Organiza¢ao Internacional do Traba-
Iho), a Unicef (Fundo das NacGes Unidas para
a Infancia), a Cepal (Comissaéo Econémica
Os primeiros anos do
para a América Latina), o FMI (Fundo Mone- pos-guerra
tario Internacional), o Gatt (Acordo Geral de ee
Tarifas e Comércio), transformado em OMC
(Organizagado Mundial de Comércio), etc. O fim da Segunda Guerra Mundial apre-
Finalmente, hd a Corte Internacional de sentou um panorama bem diferente do da
Justic¢a, o principal 6rgao jurfdico da ONU, Primeira Guerra: neste, a desmobilizacado
com sede em Haia, na Holanda, composta de militar foi generalizada e a produ¢ao bélica
quinze juizes eleitos. cessou. Apds 1945, entretanto, as grandes
Destinada a substituir a Liga das Na¢ées poténcias nao sO conservaram os seus exér-
e evitar sua fraqueza e conseqiiente faléncia, citos, mas desenvolveram ainda mais a in-
a ONU obteve relativo sucesso, especialmen- dustria bélica, num quadro em que o arma-
te na area de justica, embora nao tenha mentismo casava-se com a paz.
conseguido solucionar satisfatoriamente os O mundo se organizou sobre novas
grandes conflitos internacionais. O direito bases, destituindo a Europa da posigao de
de veto das grandes poténcias limita seu eixo do poder mundial e elegendo Washing-
carater retirando-lhe a credibilidade que ton e Moscou como novos centros, 0 que
deveria possuir como organizacdo mundial. reativou o confronto entre capitalismo e
socialismo. As na¢6es tendiam para um ou
Em 1995, cinqiienta anos apos a sua fun- outro polo de poder, fixando a bipolarizagao
dagdo, a ONU contava com 185 paises- do mundo, marcada pela tensdo internacio-
membros e apresentava um saldo de sucessos nal, alimentada pelo conflito ideoldgico e
e fracassos, fora diversos impasses. De um politico dos Estados Unidos e da Unido
lado, os 1500 funciondrios de seu inicio Soviética.
passaram a ser mais de cinquenta mil, além
de milhares de consultores espalhados por
dezenas de agéncias nos cinco continentes,
trazendo a tona dificuldades financeiras para
a continuidade de sua atuacdo. De outro
lado, a emergéncia econdmica do Japao e da
Alemanha, em meio ao colapso da antiga
Uniao Soviética, bem como a importancia de
paises em desenvolvimento, tem ativado uma
ampla discussao no sentido de se reformular
o Conselho de Seguranga, incluindo novos
membros.
No seu conjunto — é preciso destacar — a
ONU teve um papel significativo na solugao
de alguns conflitos, na redugao de tensdes e,
especialmente, em suas missGes de paz com a
atuagao dos capacetes azuis (soldados da
paz) e das agéncias especializadas, em pou-
par milhdes de vidas. Neste ultimo caso, é de
se ressaltar a atuagao da Unicef que salvou e

411
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

A Europa, embora devastada, aderiu a


estourar a qualquer momento, e devastar
nova ordem, compondo com os blocos rivais.
a humanidade. Na verdade, mesmo 0s que
Na Frang¢a, apos o final da guerra, organizou-
nao acreditavam que qualquer um dos
se a Quarta Republica, formada por uma
lados pretendia atacar o outro achavam
alianca entre os seguidores de De Gaulle, o
dificil nao ser pessimistas, pois a Lei de
lider do governo no exilio, e membros dos
Murphy é uma das mais poderosas gene- movimentos da Resisténcia. O novo governo
ralizagdes sobre as questoes humanas caracterizou-se pela divisdo e instabilidade
(‘Se algo pode dar errado, mais cedo ou interna e pela busca continua da recuperagao
mais tarde vai dar’). A medida que o economico-financeira.
tempo passava, mais e mais coisas po- A instabilidade governamental era pro-
diam dar errado, politica e tecnologica- duto da diversidade ideoldgica de seus mem-
mente, num confronto nuclear permanen- bros, desde liberais da democracia crista e
te baseado na suposigao de que 0 o social-democratas, defensores de uma ordem
medo da ‘destruigao mitua inevitavel’ Capitalista com justi¢a social, até socialistas e
_ (adequadamente expresso na sigla MAD, comunistas, os primeiros a favor de uma
das iniciais da expressa0 em inglés — evolugao gradual ao socialismo, e os outros a
_ mutually assured destruction) impediria favor de uma revolucao nos moldes bolche-
um lado ou outro de dar osempre pronto” viques. A instabilidade da Quarta Republica,
ginal para o planejado suicidio da civili- porém, nao evitou que a Franga se preparasse
zagao. No aconteceu, mas por cerca de para se transformar em poténcia mundial,
quarenta anos pareceu uma possibilidade sobrevivendo as crises internas e também
didtia” 7 externas da Guerra Fria.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o Breve
Século XX: 1914-1991. p. 224.

Os Estados Unidos despontaram como um


Estado superior a qualquer outro em recursos
materiais, financeiros e tecnolégicos, como a
nacao detentora da bomba atémica, do domi-
nio nuclear, coma vantagem de nao ter sofrido
a devastacdo e a exaustéo da guerra em seu
territorio. Para a Unido Soviética era vital
igualar-se aos norte-americanos a fim de que
o socialismo pudesse sobreviver. Assim, em-
bora tivesse saido da guerra com um saldo
catastrofico — 1 700 cidades arrasadas, 60 mil
quil6metros de estradas de ferro destruidas e
mais de vinte milhdes de mortos —, Stalin
colocou como metas prioritarias de seu gover-
no a reconstru¢ao nacional e a corrida nuclear.
Em 1949, a Unido Soviética alcan¢ava parte de Durante a guerra, De Gaulle dirigia a ‘“Franga Livre” a partir
de Londres. Com a libertacao do pais, instaurou a Quarta
seus objetivos, ao dominar a tecnologia bélica Republica Francesa.
nuclear. A partir dai, a conjuntura internacio-
nal estabelecia que as grandes poténcias A Inglaterra emergiu da Segunda Guerra
seriam as que possuissem 0 dominio bélico com um grande prestigio, mas econdmica e
atémico. Vinte anos depois do final da Segun- politicamente debilitada. Na politica interna
da Guerra, 25 nacdes ja possuiam status predominou o confronto entre o governo
nuclear militar. conservador de Winston Churchill e os mo-

A412
A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)

vimentos trabalhistas, que defendiam avancos Romé€nia, os partidos comunistas ocuparam o


sociais. Em 1945, os trabalhistas conseguiram poder com a interferéncia direta da Unido
maioria parlamentar absoluta e a eleicao de Soviética.
seu representante, Clement Attllee, como Na lugoslavia, ao contrario, a hegemonia
primeiro ministro. A gestéo de Attllee se soviética acabou sendo contestada: foi o
destacou pela politica nacionalista, com a primeiro pais a optar por um regime demo-
estatizagdo de setores de base, e pela im- cratico popular (comunista), sob 0 comando
plantagao de garantias trabalhistas, como a do guerrilheiro Joseph Broz Tito, que vencera
gratuidade dos servigos médicos, espelhando as tropas de ocupa¢ao nazista, sem ajuda do
uma posi¢ao social reformista. Em 1951, ex€rcito soviético, e que tinha grande popu-
Churchill foi reeleito e os conservadores laridade.
voltaram ao poder.
Na Italia, por meio de um referendum,
em 1946, ratificou-se o regime republicano,
dividido entre democratas cristaos, socialistas e
comunistas, com a supremacia dos primeiros.
Na Europa central e oriental, a vitdria
sobre o Eixo foi acompanhada da instalacdo
do regime socialista, sob tutela soviética. Na
Pol6énia, arrasada pela guerra e nutrindo
ainda forte sentimento anti-soviético, a insta-
lagao do socialismo foi dificil e muito tensa,
devido ao passado hist6rico de lutas contra o
dominio russo, bem como ao Pacto Germa-
no-Soviético de 1939. Mesmo antes do final
da guerra, Estados Unidos e Inglaterra reco-
nheceram o governo polonés, ideologica-
mente a favor do Ocidente, que acusava a
Uniao Soviética de poténcia ameagadora,
desejosa de conquistar toda a Europa. O
grupo de Lublin, membros comunistas da
Resisténcia, ao contrario, era simpatizante da
Tito (a direita) governou a lugoslavia de 1941 até sua morte,
Uniao Soviética. em 1980.
Quando, em 1944, os soviéticos avan¢a-
ram para 0 Ocidente em diregao a Berlim, os Tito tencionava formar a Federacgao dos
poloneses do grupo prd-Ocidente tentaram Balcas, composta por Bulgaria, lugoslavia,
sublevar-se no levante de Varsdvia, porém Albania, Roménia, Hungria e Grécia, com
sem sucesso. Stalin, que viu 0 movimento Estados livres e unidos buscando o desenvol-
como uma manobra ocidental, estruturou um vimento regional aut6nomo. Stalin opds-se ao
governo de pro-soviéticos com o Partido dos movimento e, em 1948, o Kremlin — sede do
Trabalhadores Poloneses do grupo de Lublin. governo soviético — condenou publicamente
Esse processo, entretanto, desencadeou sérias o regime de Tito, rompendo definitivamente
tensdes entre o Leste e o Oeste. com a lugoslavia, em 1950. A partir de entao,
A Tchecoslovaquia, de 1945 a 1948, Tito assumiu uma posi¢ao neutra no conflito
caminhou progressivamente para um regime leste-oeste, aproximando-se dos Estados do
de democracia popular comunista, aliando-se Terceiro Mundo, os subdesenvolvidos.
completamente a Unido Soviética. Num pro- Governante de origem croata, Tito esta-
cesso semelhante, instaurou-se na Hungria a beleceuo centralismo estatal sob o controle
supremacia comunista em 1947. Nos outros de um partido Unico e conseguiu harmonizar
Estados do Leste, como Bulgaria, Albania e a convivéncia das diversas etnias do pais,

413
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

estabelecendo mais tarde, em 1970, a presi- ¢do parlamentar em 1947, limitando os


déncia rotativa entre as seis republicas iugos- poderes do imperador Hiroito. Diante do
lavas: Eslovénia, Crodcia, Bésnia-Herzegovi- avanc¢o socialista no Extremo Oriente, 0 Japao
na, Sérvia, Macedénia e Montenegro. Com passou a ser considerado aliado, o que
sua morte em 1980, emergiram varias mani- alterou profundamente a politica de ocupa-
festagdes de descontentamento ampliadas ¢4o, que passou a visar a reabilitagdo do pais.
com as transformagées do Leste europeu, na A Revolucao Chinesa (1949) e a Guerra
crise do ‘‘socialismo real’. No inicio dos anos da Coréia (1950-1953) reforgaram essa posi-
90, os desentendimentos entre diferentes ¢do, fazendo do Japao o principal aliado dos
grupos €tnicos acentuaram-se e desemboca- Estados Unidos na regido, o que acelerou o
ram na guerra civil e num conflito entre as progresso industrial do pais: entre 1955 e
republicas antes formadoras da lugoslavia. 1956 o indice de produc¢ao industrial japo-
A Conferéncia de Potsdam definiu para a nesa dobrou em relagdo ao de antes da
Alemanha e a capital, Berlim, as zonas de guerra. O seu progressismo quase ininterrupto
ocupa¢ao das quatro poténcias: os soviéticos forjou a posi¢do japonesa como uma das
ficariam do lado leste; os ingleses, do noroes- mais fortes economias do mundo capitalista
te; os norte-americanos, do sul, e os france- do final do século XX.
ses, do sudeste. A parte soviética foi trans-
formada em democracia popular, enquanto a
parte ocidental, mais tarde unificada, recebe-
ria ajuda econdmica norte-americana, 0 que
possibilitou o ressurgimento de uma Alema-
nha potente.
A 5 de junho de 1947, o secretario de Mainichi/Gamma/Sigla
Estado norte-americano, George Marshall,
anunciou um plano econdémico-social — o
Plano Marshall -, que por intermédio de
macicos investimentos pretendia recuperar a
devastada Europa ocidental. Além da Alema-
nha Oriental, a Unido Soviética dominava
sete paises do Leste: Tchecoslovaquia, Bulga-
ria, Roménia, Polénia, Hungria, lugoslavia
(até 1948) e Albania, o que significava um
territ6rio de quase um milhdo de quilémetros
quadrados e aproximadamente setenta mi-
lIhGes de pessoas.
No Extremo Oriente, 0 Japao, derrotado
na guerra, além dos prejuizos materiais e
humanos, sofreu ainda a ocupa¢ao_ norte-
americana (1945-1952). Os zaibatsu — fortes
grupos econdmicos — foram dissolvidos, jun-
tamente com a grande propriedade e as
Centro de Toquio. O grande crescimento econdmico do
industrias bélicas, estabelecendo a desmilita- Japao apés a Segunda Guerra transformou-o na segunda
rizagao; foi imposta também uma constitui- poténcia econdmica do mundo capitalista na década de 70.
A GUERRA FRIA

o quadro internacional, a oposi¢ao


A Doutrina Truman e o Plano
N entre socialismo e capitalismo foi
levada ao extremo apds 1945, numa Marshall
bipolarizagao politica, ideoldgica e militar
que afetou todo o mundo contemporaneo.
No dia 12 de marco de 1947, o presi-
As batalhas da Guerra Fria ocorreram em dente norte-americano Harry Truman, num
varios pontos do mundo, deixando claro que discurso no Congresso, afirmou que os Esta-
as relag6es internacionais estavam naquele dos Unidos se posicionariam a favor das
momento submetidas aos interesses norte- nacoes livres que desejassem resistir as tenta-
americanos e soviéticos. Sem constituir um tivas de dominacao. A meta de Truman era
periodo homogéneo, devido ao agravamento combater 0 comunismo e a influéncia sovié-
das tensdes seguido de distensdo entre os tica, oficializando a Guerra Fria. No mesmo
polos rivais, a Guerra Fria durou até o fim da ano, 0 secretario de Estado, George Marshall,
Unido Soviética, em 1991. reforgou a posi¢ao norte-americana ao langar
o Plano Marshall, um programa de investi-
mentos e de recuperagao econdmica para os
paises europeus em crise apos a guerra.

O Plano Marshall ajudou a reconstruir a Europa do pos-


guerra e consolidou a lideran¢a econdmica norte-americana.

415
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XxX!)

Em represdlia, a Unido Soviética criou 0 Marshall e a unificagaéo administrativa, a


Kominform, organismo encarregado de con- Unido Soviética revidou, em 1948, impondo
seguir a unido dos principais partidos comu- um bloqueio terrestre 4 cidade de Berlim,
nistas europeus, além de afastar da suprema- incrustada na parte soviética. O Ocidente ca-
cia norte-americana os paises sob sua influén- pitalista respondeu com o abastecimento da
cia, gerando o bloco da “cortina de ferro’’. Berlim capitalista por via aérea, acirrando os
Complementando a reacao soviética, em animos e criando grande tensao internacio-
1949 foi criado o Comecon, uma réplica do nal. No ano seguinte eram instituidas as duas
Plano Marshall para os paises socialistas, Alemanhas, a ocidental — Republica Federal
buscando sua integragdo econdmico-finan- da Alemanha - e a oriental — Republica
ceira. Democratica Alema.
Mais tarde, em agosto de 1961, foi cons-
A Crise grega truido o Muro de Berlim, que separou con-
cretamente os dois lados da cidade e se tor-
O agravamento das relacgdes leste-oeste nou simbolo da separa¢gao alema e da Guerra
teve na Grécia um dos principais pontos de Fria. A derrubada do Muro de Berlim em
tensdo. Ao final da Segunda Guerra, os 1989, em meio ao colapso do socialismo real,
partisans, guerrilheiros gregos, iniciaram por sua vez, ficou sendo o marco do final do
uma guerra civil contra o governo Tsaldaris, periodo da Guerra Fria. A sua queda, em
apoiados pelos Estados socialistas vizinhos. seguida, deu-se a reunificagdo da Alemanha.
Entretanto, os quarenta mil soldados britani-
cos que ocupavam o pais desde a guerra,
apoiando a faccdo anticomunista, impediram
que os guerrilheiros alcangassem a vitdria; ne
oe
estes, porém, permaneceram em luta. Em We
as
1947, a situagdo econdmica da Inglaterra tt‘
obrigou-a a sair da Grécia. Diante do perigo
comunista ainda existente e baseados na
Doutrina Truman e no Plano Marshall, os
Estados Unidos decidiram intervir econémica
e militarmente na Grécia.
O apoio norte-americano deu-se nos
planos militar e econdmico: em 1947, por
exemplo, ingressaram na Grécia 23 mil ho-
mens e 250 milhdes de ddlares. Os combates
entre os guerrilheiros comunistas e o governo
arrasaram oO pais, causando dezenas de
milhares de mortes e a destruicdo de sua
economia. Em 1949, os comunistas gregos,
em desvantagem militar, declararam pelo
radio o fim da guerra, abandonando a luta
para evitar o fim da Grécia.
O Muro de Berlim refletiu, durante anos, a divisio do mundo
em dois blocos rivais, caracterizando a Guerra Fria.

A consolidacao dos blocos Outros fatos significativos somaram-se a


antagonicos | essa crescente tensao internacional, como a
SPSS
Ne Oe ca aaa cria¢do, em abril de 1949, da Organizacao
do Tratado do Atlantico Norte (Otan), uma
Diante do revigoramento da Alemanha alian¢a politico-militar dos pafses ocidentais,
Ocidental, devido aos investimentos do Plano composta inicialmente por Estados Unidos,

416
A GUERRA FRIA

Canada, Reino Unido, Franga, Bélgica, Pafses


A Revolucao Chinesa (1949)
Baixos, Luxemburgo, Dinamarca, Noruega,
TI
rT OR a
Finlandia, Portugal e Italia, aos quais mais
tarde juntaram-se Grécia, Turquia e Alema- No século XIX, a China foi dominada e
nha Ocidental, opondo toda a Europa oci- explorada por varias poténcias capitalistas,
dental a Unido Soviética. especialmente a partir da Guerra do Opio
(1841). Essa exploragdo encontrou apoio nos
Outras organizacgées similares foram sen- mandarins, funcionarios do Estado imperial, e
do criadas na década de 50, aliando varios nos senhores de terra, e embasava-se na
outros Estados da Asia e até da Oceania filosofia de Confucio, que pregava o respeito
contra 0 que chamavamde ameaca comu- a autoridade e a hierarquia e o culto do
nista. A Anzus, que congregava Australia, passado, mantendo as tradicionais estruturas
Nova Zelandia e Estados Unidos, a Otase, de privilégios, o que favorecia a dominacao.
que unia Nova Zelandia, Australia, Filipinas e O século XX iniciou-se com a tentativa de
Tailandia, e o Cento, englobando Turquia, derrubada desses valores e da dominacao
lraque, Ira e Paquistao, foram algumas delas. internacional que estrangulava o povo chinés.
A revolta dos boxers (1898-1901) foi uma des-
Na Europa, surgiram também unides
sas tentativas que, embora fracassada, desper-
econdmicas, como a Organiza¢gao Européia
tou o descontentamento geral; a chama revo-
de Cooperacgao Economica, em 1948, para
lucionaria e a conscientizagao da popula¢gao
administrar o Plano Marshall, e o Benelux,
de que a dinastia Manchu, que entao governa-
composto por Bélgica, Pafses Baixos e Lu-
va a China e apoiava a domina¢ao internacio-
xemburgo. Em 1951, formava-se a Comuni-
nal, era a responsavel pela miséria do pais.
dade Européia do Carvao e do Aco (Ceca),
seguida, em 1957, pela Comunidade Econ6- >

mica Européia (CEE) ou Mercado Comum O fracasso dos boxers


Europeu (MCE), englobando quase todos os ____Na repressdo aos boxers, nado foram —
paises da Europa ocidental. _poupados meios é violéncias, que serviram —
Sob estimulo norte-americano, proces- de estimulo ao ideal de libertago nacional.
sou-se 0 entrelagamento das economias euro- Guilherme Il, 0 kaiser do Segundo Reich,
péias ocidentais visando tornar impossivel a chegou a ordenar a seus soldados: Nese
revitalizagdo das rivalidades tradicionais: o —nhuma misericordial ‘Nenhum prisioneiro! a
surgimento de uma comunidade de interesses lmponham (a) home da Alemanha- de tal —
econémicos integrados na Europa ocidental forma que 0S chineses nunca mais ousem —
cimentou a alianga capitalista com o bloco olhar um alemao, nem mesmo de lado” ene
norte-americano na oposi¢ao aos soviéticos. _ A derrota dos chineses contou com —
Do lado soviético, configurando o alinha- a colaborag&o da Corte Imperial, que ne-
mento ao bloco comunista, foi criado, em gou armas aos boxers € apoiou as potén- —
1955, o Pacto de Varsovia, que unia as forcas cias imperialistas. Apos a derrota nacio- —
militares da Albania, Bulgaria, Tchecoslova- nal, em “varios jardins e parques publicos
quia, Alemanha Oriental, Hungria, Polénia e chineses, a opressao internacional se
Roménia. A bipolarizagao mundial atingia a sintetizava nos cartazes: E proibida a
sua plenitude. entrada de ces e chineses no jardim”.
Em meio a essa situagao tensa, ocorre- COGGIOLA, Oswaldo. A Revolugao Chinesa. S40
Paulo, Moderna, 1985. p. 16.
ram, em 1949, a Revolugcao Chinesa e a
explosdo da primeira bomba atémica sovié-
tica. No ano seguinte, iniciou-se a Guerra da
A Reptblica do Kuomintang
Coréia, um dos climax da Guerra Fria, a mais
séria ameaca, até entéo, a paz mundial Em 1911, em meio a ebulig¢ao sociopo-
depois da Segunda Guerra Mundial. litica, foi proclamada a Republica Chinesa,
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

com o estabelecimento de um governo que a Unido Soviética e o Partido Comunista


quase nada pdde fazer diante das poténcias Chinés (PCC), que crescia vertiginosamente.
imperialistas que ocupavam o pais. Com o O objetivo imediato do governo era a unifi-
fim da Primeira Guerra Mundial, 0 dominio cacao nacional, a luta contra o autonomismo
das poténcias européias foi encabegado pelo dos senhores locais e as poténcias imperia-
Japao, enquanto o governo republicano, listas e, para isso, contava com o apoio dos
liderado por Sun Yat-sen, do Partido Nacio- comunistas.
nalista (Kuomintang), sofria sucessivas pres- A partir de 1925, porém, Chiang Kai-shek
sdes regionais pela autonomia, provocadas assumiu 0 comando das tropas do Kuomintang
pelos chefes militares locais, além do conti- e iniciou uma politica agressiva contra o Par-
nuo dominio internacional. tido Comunista, rompendo a frente Unica. Os
Em 1919, um novo surto de contestacdes chefes militares locais, temendo a efervescén-
assolou o pais devido as concess6es sobre a cia popular e o PCC, passaram a apoiar Chiang
China dadas ao Japao pelas poténcias vitorio- Kai-shek, bem aceito também pelas poténcias
sas, no Tratado de Versalhes. Em 4 de maio de imperialistas,
que passaram a vero Kuomintang
1919, trés mil estudantes universitarios mani- como vital para o futuro da China. Este esma-
festaram-se contra a aceita¢do pelo governo gou pela forg¢a o movimento popular urbano.
das humilhantes exigéncias japonesas, mar- Diante das derrotas sofridas nas cidades
chando pelas ruas de Pequim. Os estudantes de Xangai e& Pequim, o Partido Comunista,
foram logo apoiados por outros setores, que sob a lideranga de Mao Tsé-tung e Chu Teh,
promoveram greves e manifestagdes em todo o retirou-se para 0 campo a fim de organizar
pais. Uma delas ocorreu em 1920, em Xangai, suas bases de apoio. Em 1931, proclamaram
influenciada pela Revolucdo Socialista Russa, a Republica Soviética da China, em Kiangsi,
enquanto Chen Tu-xiu fundava o Partido no leste do pais, transformado em centro e
Comunista Chinés, que contava com a partici- for¢a do Partido Comunista Chinés.
pacao de Peng-Pai e Mao Tsé-tung.
Enquanto isso, Chiang Kai-shek mantinha
a unidade do pais a custa de uma série de
acordos com os chefes militares locais, que,
possuidores de uma independéncia parcial,
comprometiam o proprio governo nacional. A
partir de 1930, a crise e as indefinicGes cres-
ceram, originando uma guerra civil. Aprovei-
tando-se da fragilidade chinesa, o Japao
invadiu a Manchidria, em 1931, estabelecen-
do um Estado-satélite - o Manchukuo — no
norte do pais. O Kuomintang passou a sofrer
dupla pressdo: do imperialismo japonés e da
ameaca comunista no campo.
Em 1934, os nacionalistas organizam
uma grande campanha militar para esmagar
os comunistas. Fugindo das tropas do Kuo-
mintang, os cem mil homens de Mao percor-
reram 10 mil quilémetros a pé — a Longa
A milenar China continuou sofrendo, no comeco do século Marcha (1934-1935) —, restando ao fim de
XX, interferéncia das grandes poténcias capitalistas. Sun Yat- um ano apenas nove mil. Transformado no
sen, fundador do Kuomintang, buscava, sem sucesso, a lider dos vermelhos, Mao Tsé-tung foi esco-
transformag¢ao da China.
lhido para secretério geral do PCC, sendo
assessorado por Lin-Piao e Chu En-lai.
No inicio da década de 20, 0 governo do Diante do insistente avango japonés,
Kuomintang conviveu sem grandes atritos com Mao Tsé-tung propds a organizacaéo de uma

418
A GUERRA FRIA

nova frente Gnica — Kuomintang e PCC -, 0 O exército do PCC foi ganhando terreno,
que levou a um acordo, concluido em 1937. até que, em janeiro de 1949, entrou vitorioso
Até o final da Segunda Guerra Mundial essa em Pequim, e, em 10 de outubro foi procla-
frente Unica deu ao PCC 0 controle de parte mada a Republica Popular da China. Chiang
do exército chinés, além de uma crescente Kai-shek e seus seguidores refugiaram-se na
popularidade, ao denunciar a corrup¢ao das ilha de Formosa (Taiwan), onde instalaram o
tropas de Chiang Kai-shek. governo da China Nacionalista, que recebeu
intenso apoio norte-americano durante a
Guerra da Coréia e toda a Guerra Fria. Ao
mesmo tempo, os Estados Unidos isolaram a
China, negando-lhe reconhecimento diplo-
matico e intercambio econdmico.

ys (Formosa

~ OCEANO
_ PACIFICO -

[__] 1937-1939
mam=s A Longa Marc

O imperialismo japonés chegou a dominar grande parcela do


territorio chinés.

A Revolucao de Mao Tsé-tung


Liderando as forcas comunistas, Mao derrotou o Kuomintang
de Chiang Kai-shek.
Com a capitulagao do Japao na Segunda
Guerra em agosto de 1945, Chiang Kai-shek
decreta, em 4 de julho de 1946, uma
mobilizagaéo nacional, a fim de eliminar
A Guerra da Coréia
definitivamente o ‘‘perigo vermelho”: era o (1950-1953)
retorno da guerra civil. Os nacionalistas ee
SL
contavam com o apoio norte-americano,
que lhes fornecia recursos militares e finan- A Coréia, dominada pelo Japao durante a
ceiros, e por isso Chiang Kai-shek passou a Segunda Guerra, foi, apds a derrota do Eixo,
ser visto pelos chineses como um ‘‘cumplice em 1945, dividida entre norte-americanos e
do estrangeiro’’. A Unido Soviética, enquanto soviéticos. Antes do término da guerra, ja se
isso, envolvida com seus prdprios problemas havia determinado o paralelo 38° Norte como
de pds-guerra, adotava com a China uma limite de atuacao militar entre soviéticos e
politica ambigua e hesitante, deixando sem americanos, com o objetivo de acelerar a
apoio os guerrilheiros do Exéreito Popular de rendi¢ao ‘japonesa em duas frentes. Apds a
Libertagao, que, mesmo assim, continuaram guerra, no entanto, esse limite transformou-se
avan¢ando e atacando o Kuomintang. em divisdo real, surgindo dois Estados corea-

419
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

nos, sob ocupacéo de cada uma das duas


poténcias: a Reptiblica da Coréia, ao sul, sob
dominio norte-americano, e a Republica
Popular Democratica da Coréia do Norte,
sob ocupa¢ao soviética.
A divisdo do pais, as divergéncias politi-
co-ideolégicas e a tensdo gerada pela Guerra
Fria desencadearam o confronto entre os dois
Estados, transformando a regiao do paralelo
38° em uma 4rea de sucessivos conflitos
armados. A vitéria dos comunistas de Mao
Tsé-tung na China, no final de 1949, serviu de
motivagéo aos coreanos do norte, que, em
1950, invadiram o sul e conseguiram sua
capitulac¢ao, buscando a unificagao territorial
da Coréia.
Na ONU, os Estados Unidos e seus alia-
dos consideraram a Coréia do Norte agressora Armisticio de Pan Munjon
(27 de julho de 1953)
e intervieram, sob o comando do general See IEE oe 5
MacArthur, para conter seu avango. De outro
lado, China e Unido Soviética deram apoio A divisao da Coréia.

aos norte-coreanos, deixando, assim, eviden-


te a bipolarizagdo na regiao. Diante do risco Apos a guerra contra a Coréia do Sul, a
de uma guerra totalmente indesejada, as Coréia do Norte contou com importante
poténcias envolvidas forgaram iniciativas pa- ajuda soviética e chinesa, mantendo-se ligada
ra obtengdo de um acordo de paz. apenas aos paises do bloco socialista. Entre-
Com a morte de Stalin, em marco de tanto, o reformismo soviético empreendido
1953, abriu-se espaco para mudangas na pelo governo Gorbatchev (1985-1991) gerou
politica externa soviética, ao mesmo tempo discordancias e as ligacdes econdémicas entre
que a eleigao do novo presidente norte-ame- esses paises foram enfraquecendo, diminuin-
ricano, o republicano Dwight Eisenhower, do ainda mais com o colapso do socialismo
acelerou as negociagdes para um armisticio. no Leste europeu no final dos anos 1980 e
Finalmente, em 27 de julho de 1953, foi inicio dos 1990.
assinado um acordo de paz em Pan Munjon, Com o final da Guerra Fria, a Coréia do
restabelecendo as antigas fronteiras. Norte aproximou-se do mundo capitalista,
O custo da guerra foi bastante alto para inclusive dos Estados Unidos e da Coréia do
ambos os lados: a Coréia do Sul sofreu tre- Sul, além de avancar em acordos de nao-
zentas mil baixas militares, os americanos agressdo e de desarmamento nuclear. Contu-
dezenas de milhares e as forgas da ONU mais do, no final de 2002, os Estados Unidos
de dezessete mil; as baixas chinesas e norte- interromperam o fornecimento de petrdleo
coreanas estiveram entre 1,5 e dois milhdes, e aos norte-coreanos sob a alegacdo de que
cerca de um milhdao de civis pereceu tanto na estes estariam desenvolvendo armas nucle-
Coréia do Norte como na do Sul. A paz de ares. Em contrapartida, o governo da Coréia
Pan Munjon, logo apdés a morte de Stalin, do Norte, durante os anos de 2003 e 2004,
impulsionou a aproxima¢ao entre a Unido fez repetidas ameagas aos norte-americanos,
Soviética e os Estados Unidos, encerrando a inclusive de guerra total, ampliando a insta-
fase critica. Para a Coréia, entretanto, a bilidade mundial. Somente em 2005 o gover-
manutengado da diviséo em Norte e Sul no norte-coreano voltou a aceitar novos
preservou o clima de confronta¢ao e atritos entendimentos, sendo formado um grupo de
fronteirigos ao longo das décadas seguintes. negociagées sobre o programa nuclear norte-

420
A GUERRA FRIA

coreano composto por Estados Unidos, Coréia Politicamente, a Coréia do Sul viveu
do Norte, Coréia do Sul, Japdo, Russia e China. diversos golpes militares, ditaduras e escan-
No inicio de 2006, contudo, ocorreu novo dalos ligados a corrup¢ao, sendo controlada
adiamento nos didlogos em razao, entre outros por individuos afinados com os interesses
motivos, da realizacao de testes de misseis de empresariais do pais e opostos a vizinha
curta distancia por parte da Coréia do Norte e Coréia do Norte.
de treinamento militar conjunto entre a Coréia Com o presidente Kim Dae-jung, eleito
do Sul e os Estados Unidos na regiao. em meio a crise de 1997 e empossado em
Por sua vez, a Coréia do Sul, depois da 1998, buscou-se a estabilidade econdmica e
paz Pan Munjon em 1953, recebeu mais e a normalidade politica. Além disso, em
mais investimentos e tecnologia estrangeira, junho de 2000, Kim Dae-jung visitou Pyon-
ascendendo a posicdo de tigre asiatico, gyang, a capital da Coréia do Norte, reali-
embora, de inicio, fosse um pais essencial- zando um inédito encontro de cdpula com o
mente agrario e nao muito distante da situa- “srande lider’’ Kim Jong-il, para firmar
¢do econdmica de seu parceiro do Norte. promessas de ampliacdo do didlogo e de
Nos anos 1990, a Coréia do Sul tornou-se ajuda entre as duas Coréias. Novas investidas
O maior construtor de navios do mundo, para uma maior aproximagao com a Coréia
passou a deter o sexto lugar na producdo do Norte continuaram com o novo presidente
mundial de automéveis (1993) e viu seu empossado em 2003, Roh Moo-hyun.
crescimento econOmico continuar em alta,
ganhando importancia internacional na pro-
ducao de itens de alta sofisticagao tecnoldgi-
ca, a exemplo dos chips de memoria empre-
gados em computadores pessoais. No inicio
daquela década, 0 pais gastou mais em pes-
quisa e desenvolvimento, proporcionalmente
Image
Photo
Pool
ao seu PNB, do que varios paises ocidentais.
O enorme desenvolvimento econdmico
da Coréia do Sul convivia com diversas leis
protecionistas que restringiam o acesso inter-
nacional ao seu mercado, cada vez mais
contestadas por seus parceiros capitalistas.
Em 1997, sua economia sofreu sério revés,
com varios paises vizinhos, em razao de uma
intensa fuga de dolares de investidores inter-
nacionais, que, ao deixarem de aplicar recur-
Depois de sua economia crescer 6,2% em 2002 e do
sos na regiao, criaram-lhe enormes dificulda- pagamento da divida acumulada na crise dos anos 1990, a
des econémico-financeiras. Essa crise fez Coréia do Sul teve como grande ameaca, durante os anos de
explodir manifestagdes populares crescentes, 2003 e 2004, a crise entre norte-coreanos e norte-america-
nos. A possibilidade de confrontagao entre os dois paises e
levando o governo a recorrer a ajuda do FMI, de uso de armas nucleares foi uma séria ameaca a paz
que Ihe concedeu aquele que seria o maior mundial e ao continuo desenvolvimento da economia sul-
empréstimo da historia dessa instituig¢ao até o -coreana. Mesmo assim, em 2004, a Coréia do Sul era o
momento 57 bilhdes de délares. Mesmo assim, segundo maior produtor de navios do mundo. A foto de
fevereiro de 2003 mostra os chefes das delegacées norte-
as dificuldades econémicas continuaram a se -coreana, Pak Chang-ryon, a direita, e sul-coreana, Yoon Jin-
avolumar em 1998, quando o PIB despencou -shik, 4 esquerda, chegando ao quarto encontro econdmico
de 7,4% (média de crescimento de 1990 a entre as Coréias, no qual conversaram sobre abertura
1997) para -6,8%. econdmica e suspensao do programa nuclear.
ESTADOS UNIDOS E UNIAO
SOVIETICA DURANTE A
GUERRA FRIA

A
s relagdes internacionais bipolariza- Na Europa, a recuperagao econdémica de
das apresentaram, até a década de alguns paises, como Frang¢a e Inglaterra,
90, um comportamento pendular, desencadeou manifestagdes de oposi¢do a
ora com tendéncias ao agravamento, a ten- condi¢do de simples satélites dos Estados
sao, Ora ao apaziguamento, a distensao. Ao Unidos, 0 que levou esses paises a desenvol-
armamentismo que poderia dar inicio a uma verem politicas regionais independentes.
nova confronta¢do geral, sempre se seguiram Sob o novo clima nas relagdes interna-
politicas apaziguadoras, de reaproxima¢ao cionais, incorporando o ideal de neutralidade
entre as duas superpoténcias. Viabilizavam-se num conflito leste-oeste, ocorreu, em 1955, a
acordos bilaterais de desarmamento nuclear, Conferéncia de Bandung, na Indonésia, reu-
que afastavam a temivel hipdtese de uma nindo os paises do Terceiro Mundo — inde-
guerra exterminadora. pendentes, mas economicamente subdesen-
volvidos. Essas nagdes — muitas delas recém-
independentes — posicionaram-se pelo ndo-
A Coexisténcia Pacifica alinhamento automatico e assumiram, como
BESS eae ae ee ee
meta prioritaria, 0 desenvolvimento econé-
mico para escaparem de suas velhas dificul-
O armamentismo e a tensdo crescente dades, sem se envolverem na bipolarizagao
entre os blocos capitalista e socialista que se Estados Unidos-Unido Soviética.
estenderam até 1953 e que caracterizaram a No bloco socialista, o sucessor de Stalin,
Guerra Fria sofreram uma reversdo parcial Nikita Kruschev, procedeu a um processo de
com a morte de Stalin, a politica do presi- desestalinizacao, alterando radicalmente a
dente norte-americano Eisenhower e a paz de politica interna e externa soviética.
Pan Munjon, na Coréia. Instaurou-se entao Além disso, o distanciamento entre China
um perfodo de aproxima¢ado entre a Unido e Unido Soviética, a partir de 1959, dividiu os
Soviética e os Estados Unidos, conhecido partidos comunistas mundiais, originando
como Coexisténcia Pacifica. Esse periodo divergéncias que ativaram a multipolariza-
iniciou-se com uma série de reunides de ¢d4o, pondo fim a coesdao soviética.
cUpula entre os dirigentes das duas superpo- Por outro lado, em meio a Coexisténcia
téncias, para a limitagdo de armamentos. Até Pacifica emergiram novos focos de tensdo,
os anos 60, buscou-se diminuir os atritos da colocando em risco a aproximagao entre
Guerra Fria, 0 monolitismo dos blocos, o norte-americanos e soviéticos e até mesmo a
alinhamento férreo a Unido Soviética ou aos paz mundial: a Guerra do Vietna, a descolo-
Estados Unidos, possibilitando uma multipo- nizagao africana, a Revolucéo Cubana, a
larizagao internacional. invasdo da Hungria pelos soviéticos e o

422
ESTADOS UNIDOS E UNIAO SOVIETICA DURANTE A GUERRA FRIA

rompimento entre Unido Soviética e China. A Conte, a détente primeiro teve de


Coexisténcia Pacifica ndo pés, portanto, fim
sobreviver ao que pareceu um periodo
as rivalidades capitalismo-socialismo, mas
extraordinaria mente tenso de confrontos
abriu canais de entendimento, algumas vezes
eficazes, outras ineficientes.
entre o gosto de Kruschev pelo blefe e 05
gestos politicos de John F. Kennedy
(1960- 5), o mais ‘superestimado presi-
dente americano do século. As duas
ouperpotencias foram assim levadas a
duas operacoes de alto risco num ‘mo-
mento em que — é dificil lembrar --o-
Z Ocidente capitalista sentia estar per-
dendo terreno para as economias GORUoae =
— nistas, que haviam crescido mais rapida- Bus
mente na década de 1950. Nao acaba-
vam elas de demonstrar uma (breve) me
‘superioridade tecnoldgica com relagao
aos EUA com o sengacional triunfo dos”
satélites 6 cosmonautas soviéticos?
‘Além disso, nao tinha o comunismo —
para surpresa de todos ~ acabado de
triunfar em Cuba, um pais a apenas
algumas dezenas de milhas da Florida?
HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos: o Breve
Século XX: 1914-1991. p. 259-240.

A desestalinizagdo comandada por Kruschev (ao centro)


reprovava 0 autoritarismo, a repressao e o culto a persona-
lidade da era stalinista.
Os presidentes
norte-americanos de
“No jargao tradicional dos diploma- 1945 a 1969
tas da velha guarda, o afrouxamento da |
tensdo era détente. A palavra tornou-se
entao familiar. Com a morte de Franklin Delano Roose-
Ela aparece primeiro nos dltimos velt, o vice-presidente do Partido Democrata,
anos da década de 50, quando N. S. Harry Truman, assumiu 0 governo, sendo
Kruschev estabeleceu sua supremacia na reeleito para o periodo de 1948 a 1952.
URSS apds alarmes e excursdes pos- Além do intenso crescimento industrial
Stalin (1958-1964). Esse admiravel dia- no periodo, o governo Truman caracterizou-
mante bruto, um crente na reforma e na se pelo inicio da Guerra Fria e suas mais
coexisténcia pacitica, que alias esvaziou intensas manifestagdes. A confrontacao anti-
0S campos de concentragao de Stalin, comunista e a necessidade de fortalecer o
dominou o cenario internacional por pou- bloco capitalista deram origem ao Plano
cos anos seguintes. Foi talvez o tnico Marshall’e a Doutrina Truman. No plano
camponés a governar um grande Estado. politico-militar, Truman langou mao de alian-
¢as, como a Otan, e até do enfrentamento,

423
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

como a Guerra da Coréia. Enquanto isso, do Os exageros do macarthismo


outro lado, os soviéticos conseguiram produ-
zir a bomba at6émica (1949) e a Revolug¢ao Diante da radicalizagao politica in-
Chinesa (1949) foi vitoriosa. ternacional, o senador Joseph MacCarthy
tornou-se protagonista de uma verdadei-
A resposta a essa situagdo no plano interno
ra inquisigao norte-americana: o antico-
foi a difusdo da idéia de que qualquer oposi¢ao
ao governo era sinal de anti-americanismo ou munismo, a caga aos opositores de qual-
comunismo, produto de sabotagem e trai¢ao quer natureza transformaram-no no ho-
nacional. A frente dessa histeria politica, estava mem mais temido do pais. Qualquer cida-
o senador Joseph MacCarthy, que iniciou uma dao tido como suspeito de simpatia aos
verdadeira ‘‘caga as bruxas’’, forjando proces- soviéticos podia ser vitima de persegui-
sos e delagdes e disseminando o panico Gao, demissao ou prisao indiscriminada.
comunista pela sociedade. O macarthismo Foram atingidas perto de 6 milhoes de
atingiu seu auge com o ‘‘caso Rosenberg’’, a pessoas, desde simples cidadaos até in-
prisdo e o julgamento do casal judeu Ethel e telectuais, politicos cientistas e artistas,
Julius Rosenberg, acusado de passar segredos nZo ficando de fora nem o nada simpatico
da bomba atémica aos soviéticos. Depois de ao regime soviético, Charles Chaplin.
um tumultuado processo e da censura e O poderio do senador chegou a tal
pedidos de cleméncia de muitos paises, foram ponto que acusou de envolvimento numa
ambos executados, em 1953. A febre macar- conspiragao o prestigiado General Mars-
thista atingiu todo o pais, sd refluindo no hall e, em 1953, conseguiu afastar de um
mandato do presidente Eisenhower. importante cargo federal o Dr. Robert
Eleito em 1952 pelo partido Republicano, Oppenheimer, que dirigia a construgao da
Dwight Eisenhower foi reeleito em 1956, bomba atOmica norte-americana. Por se
governando os Estados Unidos até 1960. Na opor as pesquisas para a construgao da
politica externa oscilou entre o enfrentamento bomba de hidrogénio que MacCarthy
da Guerra Fria e o entendimento da Coexis- apoiava, o pesquisador foi falsamente
téncia Pacifica. De um lado, seu secretario de acusado de lagos estreitos com comu-
Estado John Foster Dulles comandou uma
nistas e simpatizantes. MacCarthy ter-
politica agressiva contra os soviéticos, esta-
minou sua carreira politica apos esbar-
belecendo pactos militares com paises ali-
rar, mais tarde, na forga do novo presi-
nhados contra 0 comunismo (Anzus, Otase,
Cento) similares e complementares a Otan,
dente eleito, Eisenhower, que discordava
fechando o cerco a Unido Soviética. De outro de sua atuacao.
lado, favoreceu o degelo nas relagdes com
esse pais, originando os primeiros acordos do
pds-guerra. Enquanto destinava imensas ver- Integrante do partido Democrata, John
bas para a construgado de misseis e a explo- Fitzgerald Kennedy venceu o republicano
ragao espacial, a fim de ultrapassar os sovié- Richard Nixon nas eleigdes de 1960, gover-
ticos que haviam langado o primeiro Sputnik, nando até 1963, quando foi assassinado.
Eisenhower recebia Kruschev em 1959 nos Dando seqiiéncia a politica externa pen-
Estados Unidos, para conversagdes confiden- dular, Kennedy manteve, ao mesmo tempo,
ciais e amigaveis. entendimentos com os soviéticos e diversos
Internamente, Eisenhower pds fim ao enfrentamentos, originando crises agudas,
macarthismo e propiciou grande progresso algumas de alarmante ameac¢a a paz mundial.
econdémico ao pais, apesar dos quatro mi- Ao assumir a presidéncia, Kennedy teve de
lh6es e meio de desempregados e de taxas enfrentar a questdo da vitoria de Fidel Castro
inflacionarias ascendentes. Seu governo as- em Cuba em 1959. Hostil aos norte-america-
sistiu também ao crescimento do movimento nos, a Revolugaéo Cubana anulou sua tradi-
negro, em luta contra a segregacdo racial. cional hegemonia naquela ilha.

424
ESTADOS UNIDOS E UNIAO SOVIETICA DURANTE A GUERRA FRIA

Desejando reaver a supremacia perdida, No ano seguinte, um outro fato pds em


em 1961, Kennedy colocou em pratica um maior risco a aproximacdo leste-oeste e
plano de invasdo a Cuba para derrubar Fidel mesmo a paz mundial. O centro da crise era
Castro, elaborado pela Agéncia Central de novamente Cuba, onde Fidel Castro, inicial-
Inteligéncia (CIA) durante a administragao mente independente, fizera sua op¢ao pelo
Eisenhower. A invasao da Baia dos Porcos, socialismo, aliando-se a Unido Soviética.
como ficou conhecida devido ao lugar do de- Kruschev foi acusado de instalar misseis na
sembarque, terminou num fracasso, e Kennedy ilha apontados para os Estados Unidos;
teve de assumir pessoalmente a responsabili- Kennedy entao, sob ameaga de invasao da
dade da a¢do, desgastando-se politicamente. ilha, exigiu a retirada dos misseis. Diante da
gravidade do incidente e de suas conseqiién-
cias, Kruschev, que assumira Compromissos
de defesa dos cubanos, preferiu recuar,
desmontando as rampas para langcamento de
misseis da ilha.
Num esforgo de reaproximagao, Krus-
chev e Kennedy firmaram um acordo em
1963 que proibia testes nucleares na atmos-
fera. Em contraposi¢do, os Estados Unidos
intensificaram sua participagdo na Guerra do
Vietna, buscando conter o sucesso dos guer-
eres yee
rilheiros socialistas apoiados pelos soviéticos,
d eS ri
ie
em luta contra o colonialismo naquele pais
: pe. Ne do Sudeste asiatico.
No plano interno, Kennedy dinamizou
medidas de bem-estar social, nas areas de
~~» educa¢4o e satide, e tornou ilegal a discrimi-
na¢do racial, ganhando de um lado imensa
Fidel Castro discursando. A Revolugao Cubana (1959) popularidade e de outro a forte oposigao dos
contribuiu para a instabilidade nas relagées entre as mais conservadores. Sua carreira foi encerra-
superpoténcias.
da em 22 de novembro de 1963, quando foi
baleado ao visitar a cidade de Dallas, no
Temendo novos exemplos de rebeldia na Texas.
América Latina e buscando conter movimen-
tos revolucionarios, diante do latente descon-
tentamento sociopolitico causado pelo sub-
desenvolvimento e das graves dificuldades
econémicas da regiao, Kennedy estabeleceu
um programa de ajuda econdémica aos vizi-
nhos do continente, a Alianga para o Pro-
gresso, intensificando empréstimos e investi-
mentos de modo a garantir a supremacia dos
Estados Unidos no continente.
Embora Kennedy tenha se reunido com
Kruschev em junho de 1961, mantendo o cli-
ma pacifico de coexisténcia internacional, em
agosto agravou-se a tensdo, quando foi ergui-
do o Muro de Berlim, separando a parte co-
A morte de John Kennedy nunca chegou a ser totalmente
munista da parte capitalista da cidade alema esclarecida: foi uma conspiracgao ou um ato isolado de um
e fechando um tradicional caminho de fuga delingiiente? O assassino, Lee Oswald, foi também, poste-
dos alemaes orientais para o Ocidente. riormente, baleado e morto.

425
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Lyndon Johnson, vice-presidente, assu- nho. E um sonho que tem profundas


miu 0 governo apés a morte de Kennedy, ten- raizes no sonho americano. Tenho um
do sido reeleito para 0 perfodo 1964-1968. sonho que um dia esta nagao despertara
Na politica externa, manteve uma atitude e tornara realidade o verdadeiro sentido
ofensiva contra 0 comunismo, distanciando-
do seu credo. Consideramos esta verdade
se dos soviéticos, e envolveu completamente
axiomatica — que todos os homens tém
os Estados Unidos na Guerra do Vietna,
igual origem.
chegando a enviar mais de quinhentos mil
Tenho um sonho: o de que, um dia,
soldados para a regido. Essa participagao fez
surgir as primeiras grandes manifestagdes de nas colinas vermelhas da Gedrgia, os
protesto da opinido publica contra a Guerra filhos dos antigos escravos e os filhos
do Vietna e o intervencionismo de Johnson. dos antigos senhores de escravos pode-
De outro lado, buscando preservar sua rZo sentar-se juntos a mesa da frater-
hegemonia no continente latino-americano, nidade. Tenho um sonho: o de que, um dia,
em constante ebuli¢ao sociopolitica, realizou mesmo o Estado de Mississipi, um
a intervengao militar na Republica de Sant Estado ora sufocado sob o ddio da
Domingo, evitando 0 surgimento de um novo opressao, sera transformado em um
Estado socialista na América. oasis de liberdade e de justia.
Internamente, o governo Lyndon Johnson Tenho um sgonho: o de que meus
conviveu com a amplia¢ao das manifestagdes quatro filhinhos, um dia , viverao numa
estudantis e populares contra a Guerra do nagao onde eles nao serdo julgados pela
Vietnd, resultado da inseguranga de uma cor da sua pele, mas pela essencia do seu
sociedade sempre em guerra e a beira de carater.
uma hecatombe nuclear. Também foram
[-]
intensas as manifestacd6es do movimento Quando permitirmos que a liberdade
negro contra o racismo. s0e de todos 03 municipios é de todas as
A organiza¢ao dos negros ganhou inten-
vilas, de todos os Estados e de todas as
sidade com o reverendo pacifista Martin
cidades, estaremos em condigdes de
Luther King, a partir do final da década de
apressar a chegada daquele dia em que
50, sobrepondo-se a outras organizac6es ra-
todos os filhos de Deus, homens negros e
dicais, como os muculmanos negros e os
Black Panthers (panteras negras). Luther King homens brancos, judeus e cristaos, pro-
adotara a doutrina do indiano Mahatma testantes e catélicos, poderao unir Suas
Gandhi, que defendia a desobediéncia civil maos é€ cantar as palavras do velho
e a ndo-violéncia como meios de conquistas spiritual negro: ‘Enfim livres! Grande
sociais. Com o boicote, no sul do pais, aos Deus Todo-poderoso, somos finalmente
meios de transportes exclusivos dos brancos, livres!’.”
movimentos politicos de intelectuais e de sin- Discurso de Luther King em agosto de 196%. In:
dicatos, atentados e marchas pelos direitos Luther King. S40 Paulo, Trés, 1974. p. N18.
civis, pouco a pouco parte da maioria bran-
Ca passou a dar apoio a causa negra e
algumas decisdes favoraveis foram obtidas
nos tribunais.
Martin Luther King chegou a receber o
Prémio Nobel da Paz em 1964, mas sua
atua¢do levou-o a ser assassinado em 1968.
O “sonho” de Luther King Reflexo de um periodo agitado politica e
“Eu hoje |hes digo: mesmo que te- socialmente, também em 1968 foi assassina-
nhamos de enfrentar as dificuldades de do o senador Robert Kennedy, irmao de John
hoje e de amanha, eu ainda tenho um go- Kennedy, quando estava em campanha para
a presidéncia.
ESTADOS UNIDOS E UNIAO SOVIETICA DURANTE A GUERRA FRIA

A Uniao Soviética até 1964 viética recuperou o nivel de producdo ante-


ES eS lig Are NGOs EEA ONSEN STS ROSNER BART ES ST rior a guerra, dando énfase para a area bélica,
e consolidou sua posicdo de superpoténcia
industrial e militar, reforgando o desenvolvi-
Terminada a Segunda Guerra, a Unido mento do setor de bens de producdo e
Soviética enfrentou grandes desafios: a re- relegando a segundo plano a produ¢ado de
constru¢do nacional diante das devastagdes bens de consumo. A urbaniza¢ao e a indus-
da guerra e a consolidagao de sua lideranca trializagdo, entretanto, mobilizavam a socie-
no bloco comunista, agora englobando os dade soviética contra os sacrificios de déca-
paises do Leste europeu, além de ter de das de reconstrugao, abrindo espacos para a
administrar os embates da Guerra Fria. exigéncia de melhorias no padrdo de vida,
Com o quarto e o quinto plano qiingiie- mais bens de consumo e mais autonomia,
nal (1946-1950 e 1951-1955), a Unido So- contrastando com o centralismo stalinista.

Stalin mobilizou todos os


recursos do povo soviético,
transformando o pais numa
das maiores poténcias in-
dustriais do mundo.

A mobilizagaéo nacional no esforgo de assumiu O governo soviético, seguido por


desenvolvimento foi conseguida com base no Nikita Kruschev.
culto da personalidade de Stalin, apresentado O governo de Kruschev (1955-1964)
como o “guia”, o “grande lider’. Eliminando destacou-se sobretudo pelo inicio do proces-
divergéncias e oposi¢do, por meio de expur- so de desestalinizagdéo. No XX PCUS (XX
gos, prisOes e outras formas de repressdo, Congresso do Partido Comunista da Unido
procurava-se manter o monolitismo politico- Soviética), em fevereiro de 1956, Kruschev
ideoldgico. Irradiando-se por todos os paises condenou o “culto da personalidade”’, a
aliados, tal pratica levou a expulsdo de mais repressao politica e o autoritarismo de Stalin,
de um milhao de pessoas dos partidos além de afirmar que “as pris6bes em massa
comunistas, muitas das quais foram mortas. causavam mal ao pais e a causa do progresso
A morte de Stalin em marco de 1953, socialista’’. Kruschev defendeu também que
vitima de um derrame cerebral, fez emergir os diversos paises poderiam chegar ao socia-
disputas pelo poder na cupula politica sovié- lismo por caminhos diferentes do caminho
tica, conflitando-se Laurenty Pavlovich Béria percorrido pela Unido Soviética, além de
(fuzilado pouco depois), Georgii Malenkov e considerar ultrapassada a tese de Lénin sobre
Nikita Kruschev. De 1953 a 1955, Malenkov a inevitabilidade de uma guerra total entre o
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

socialismo e o capitalismo. A desestaliniza-


¢do envolvia a descentralizagdo administrati-
va e enfatizava a producdo de bens de
consumo, buscando dinamizar a economia
socialista e elevar o padrdo de vida da
popula¢ao.

A desestalinizagao de Kruschev
Iniciada com Kruschev, a desesta-
_linizagao impulsionou amplas mudangas
na Uniao Soviética, propiciando signifi-
cativos avangos econdmicos e sociais.
Sua influéncia alcangou as artes, até
entZo subordinadas ao ideal stalinista,
que lhes impunha padroes e diretrizes. O
poeta levgeni Yevtushenko justificava as
_transformagdes, dizendo: “Nao tenham
medo! Vocés ouvem o rumor da prima-
vera que sé aproxima.. o gelo esta se
rompendo”.

O astronauta soviético luri Gagarin. Quebrando o mito


ocidental de que somente os Estados Unidos produziam
tecnologia sofisticada, a Unido Soviética foi pioneira na
A descentraliza¢gao politica, a liberaliza- conquista espacial.
¢ao cultural e a elevagdo do bem-estar
social eram taticas para alcangar eficiéncia Entretanto, ao abalar o centralismo mo-
econdmica e tecnoldgica. Kruschev acredi- nolftico do bloco comunista, apareceram
tava que a irradiagdo dos sucessos tecnol6- dissidéncias externas e press6es internas
gicos para o resto da economia era apenas crescentes contra o reformismo de Kruschev.
uma questéo de tempo. Devido a essa Em 1956, a agitagdo politica no mundo
politica, os soviéticos tornaram-se pioneiros socialista cresceu descontroladamente: na
na corrida espacial ao lancar, em 1957, o Polénia, o lider Wladislaw Gomulka, desti-
primeiro satélite artificial do mundo, o tuido do governo no periodo stalinista, foi
Sputnik, e ao concretizar o primeiro vo reconduzido ao poder; na Hungria, do mes-
espacial tripulado, com o astronauta Juri mo modo, Rakdsi foi substituido por Imre
Gagarin, em 1961. Nagy na direcdo do Partido Comunista.
Sendo forte o sentimento anti-soviético que
Integrando a politica externa a desestali- vinha desde o final da Segunda Guerra na
nizagao, Kruschev langou a distensdo e a Hungria, Nagy, que representava os anseios
Coexisténcia Pacifica com os norte-america- populares de dinamizacgdéo e autonomia,
nos e imprimiu maior flexibilidade politico- tentou retirar o pais do Pacto de Varsdvia.
ideolégica as relagdes com seus aliados do Em resposta, os exércitos soviéticos entraram
bloco comunista. Um exemplo, foi o reco- na Hungria, em novembro de 1956, ocupa-
nhecimento de Joseph Broz Tito (1955) da ram Budapeste e, com a morte de aproxima-
lugoslavia, que divergira de Stalin, admitindo damente duzentos hingaros, derrubaram Na-
sua politica como uma via diferente de gy, colocando Janos Kadar no cargo de
desenvolvimento do socialismo. primeiro-ministro.

428
ESTADOS UNIDOS E UNIAO SOVIETICA DURANTE A GUERRA FRIA

A intervencao militar so-


viética encerrou o curto
periodo de liberalizagao
socialista hingara, que fi-
cou conhecido como “Pri-
mavera de Budapeste’’.

Nos discursos, entretanto, Kruschev man- acrescida a chinesa, passou a dar maior apoio
tinha a defesa da existéncia de diferentes vias aos norte-vietnamitas (vietminhs), na Guerra
para o socialismo, elogiando o ndo-alinha- do Vietna. Agravando ainda mais a imagem
mento, o neutralismo, e buscando, dessa da Unido Soviética, em 1961, Kruschev
forma, aproximar-se dos paises do Terceiro ordenou a constru¢do do Muro de Berlim, a
Mundo. Ja a China, sob a lideranga de Mao fim de interromper o grande fluxo de refugia-
Tsé-tung, firmou a sua autonomia opondo-se dos da Alemanha Oriental para a Ocidental.
a idéia de coexisténcia pacifica e acusando as
reformas de Kruschev de trai¢ao aos princi- As relagdes capitalismo-socialismo se
pios socialistas. As divergéncias sino-soviéti- agravaram novamente em 1962, com a crise
cas cresceram, manifestando-se em conflitos dos misseis de Cuba, que quase precipitou
de fronteiras e em acusagdes mutuas. Em uma guerra total. Buscando reverter a cres-
1959, a Unido Soviética rompeu o acordo cente tensdo internacional, Kruschev e Ken-
nuclear assinado com a China, sendo acusa- nedy assinaram em 1963 varios acordos,
da pelos lideres chineses, a partir de entao, de destacando a proibi¢ado de testes nucleares
ter-se desviado dos ideais socialistas. Afas- (“sob a agua, na atmosfera e no espaco
tando-se cada vez mais da China, a Unido extraterrestre’’). Mesmo assim os reveses
Soviética retirou a ajuda econémica e técnica sucessivos da politica de Kruschev minaram
que fornecia aos chineses, em 1960. Esse seu poder na Unido Soviética, precipitando
conflito rompia definitivamente o monolitis- sua queda. Em 1964, foi destituido e Leonid
mo socialista comandado pela Unido Sovié- Brejnev, primeiro-secretario do partido, Ale-
tica, desgastando o poder governamental de xey Kossiguin, presidente do Conselho de
Kruschev. Ministros, e Nikolai Podgorny, presidente do
Em 1961, também a Albania rompia Soviete Supremo, assumiram o poder soviéti-
relacdes diplomaticas com: os soviéticos, co, formando uma troika (triunvirato) de
aliando-se a China. De outro lado, Kruschev, governo. Retomava 0 poder a linha centralista
diante da rivalidade com os Estados Unidos da era stalinista da Unido Soviética.

429
O FIM DA GUERRA FRIA

pds as diversas crises do final dos A terminologia da era atomica


nN anos 60 que atingiram as relagdes
entre Unido Soviética e Estados Uni- ABM -— Anti-Ballistic Missile — Missi
dos, o sucessor de Lyndon Johnson, Richard Anti-balistico. Um sistema de misseis
Nixon, e o secretario soviético Leonid Brejnev e€ radares para a detesa de um ataque
impulsionaram no inicio dos anos 70 a de misseis intercontinentais.
reaproxima¢ao entre os dois paises. Instau- ICBM — Intercontinental Ballistic Missile
rando uma nova distensao entre os dois lados, — Missil Balistico Intercontinental. Fo-
a détente (em portugués, distensdo), segundo guete baseado em terra, capaz de
a linguagem jornalistica da grande imprensa, atingir alvos de 9 mil a 13 mil quild-
era caracterizada por novos acordos bilate- metros de distancia.
rais, buscando diminuir os riscos de uma IRBM — Intermediate Range Ballistic
guerra nuclear por acidente e amenizar os Missile — Missil Balistico Intermedia-
conflitos leste-oeste. rio. Também baseado em terra. Raio de
A partir de 1972, foram assinados trata- agao de 3200 a 7400 quildmetros.
dos que limitavam o poder bélico, até entao SRBM — Short Range Ballistic Missile —
crescente, das duas superpoténcias. Esses Missil Balistico de Curto Alcance. Base
tratados receberam a denominac¢ao Salt (Stra- em terra, movel, raio de acao de até
tegic Arms Limitation Treaty — Tratado sobre 1600 quildmetros.
Limitagao de Armas Estratégicas). SLBM — Submarine Launched Ballistic
Missile — Missil Balistico Langado de
O primeiro deles foi assinado em 1972 e Submarino. Arma tida como invulnera-
limitou o sistema de misseis antibalisticos dos vel. Capaz de atingir alvos de 7400 a
Estados Unidos e da Unido Soviética. Em 9 mil quilometros de distancia.
1974, foi assinado também o tratado que Cruise — Missil de cruzeiro (velocidade
proibia testes nucleares subterraneos com média de 900 km/h), que pode ser
poténcia superior a 150 quilotons. Ja no final
langado de terra, mar e ar. Alcance de
da década, em 1979, o presidente norte-
1600 quildmetros.
americano Jimmy Carter e Brejnev realizaram
MIRV — Multiple Independenty Targeted
uma nova reuniao de cupula em Viena,
assinando o Salt-2, que estabeleceu uma Reentry Vehicle — Veiculo de Reentrada
reducdo dos misseis e bombardeiros estraté- de Alvos Multiplos Independentes. Tra-
gicos. ta-se das ogivas nucleares miltiplas
dos misgeis intercontinentais, interme-
A intervengao soviética no Afeganistao, diarios e submarinos.
em 1979, entretanto, reiniciou um periodo de Quiloton — Um quiloton (kt) equivale a
aquecimento da confronta¢ao entre as super- forga explosiva de mil toneladas de TNT.
poténcias.
O FIM DA GUERRA FRIA

Megaton — Um megaton (Mt) equivale a uma guerra nuclear, pressionou a retomada


explosao de1milhao de toneladas de TNT. dos encontros de cipula entre Estados Unidos
Fissao — Reagao nuclear. e Unido Soviética.
Fusao — Reagdo termonuclear.
Ao mesmo tempo, profundas alteragdes
come¢aram a ocorrer na Unido Soviética e no
First Strike — Ataque inicial com armas
seu bloco de aliados. O dirigente soviético
hucleares.
Mikhail Gorbatchev imprimiu em seu pais, a
Flexible Strategic Response — A respos-
partir de 1985, uma reestruturagdo econémi-
ta estrategica flexivel € um plano de ca (perestroika) e uma abertura politica (glas-
retaliagao nuclear limitada adotado nost), que remodelariam nao sd o bloco
pelos EUA na administragao Carter. socialista, com o colapso de suas estruturas,
Objetiva evitar a guerra total. como também as relac6es internacionais.
MAD — Mutual Assured Destruction — Em novembro de 1987, Reagan e Gor-
Destruigdo Mitua Assegurada. EUA e batchev, abrindo uma nova rodada de nego-
URSS tinham capacidade de destruir ciagdes sobre desarmamento, assinaram um
um ao outro. acordo para a eliminagao dos misseis de mé-
Massive Retaliation — A doutrina de dio alcance na Europa e na Asia. Em janeiro
retaliagao maciga faz parte dos pla- de 1988, o governo soviético anunciou o
Nos estratégicos das superpotencias. inicio da retirada de suas tropas do Afeganis-
A expressao foi cunhada em 12 de tdo e, no ano seguinte, a abertura politica e os
janeiro de 1954 por John Foster efeitos da perestroika desmontaram o bloco
Dulles, secretario de Estado da admi- socialista, acelerando o fim da confrontacado
nistragao Eisenhower. tradicional com os Estados Unidos.
Balance of Terror — O equilibrio do terror No inicio dos anos 90, aceleraram-se
designa a politica das superpoténcias acordos de desarmamento nuclear, e em
em manter a paz pela propria capaci-
1991, o Comecon e o Pacto de Varsdvia
dade de destruigao reciproca. foram dissolvidos, ao mesmo tempo em que
tiveram inicio gest6es para a remodela¢ao da
Estratégia — E a arte e a cléncia de
Otan. Em dezembro de 1991, a propria Uniao
desenvolver é usar 05 meios militares,
Soviética desapareceu, dando lugar a CEI
economicos e politicos, durante a paz
(Comunidade de Estados Independentes), ten-
Ou a guerra, objetivando aumentar as do a Russia como principal herdeira da ex-
chances de vitéria e diminuir as chan- Unido Soviética. Ainda no inicio da década,
ces de derrota. comecava-se a edificagdo de uma nova
Salt-1 e 2 — Strategic Arms Limitation ordem internacional, que dava supremacia
Treaty — Tratado de Limitagao de ao capitalismo globalizado.
Armas Estratégicas. EUA e URSS
assinaram o primeiro em 26 de maio
de 1972 € 0 segundo em 16 de junho de
1979; Os Estados Unidos dos anos
Folha de S. Faulo, 17/11/1985.
1960 ao inicio do século XXI
Ee i PIS EES ORO ee aOR EN OR eee

No inicio da década de 80, o presidente


norte-americano Ronald Reagan retomou a Diante do desgaste de Lyndon Johnson no
politica do intimidamento (deterrence, em conflito do Vietna, Richard Nixon foi eleito
francés), com acentuada corrida armamentista. pelo Partido Republicano em 1968 e reeleito
O revigoramento do clima militarista e em 1972, governando o pais até 1974.
bélico frustrou todas as tentativas de acordos No’ governo de Nixon, retomou-se a
entre 1985 e 1986. Contudo, a Europa, reaproximagao, sem se perder a tradicional
temerosa de transformar-se em palco de ofensividade, com os paises comunistas, e

431
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XxI)

iniciou-se mais um periodo de détente, tendo ciosamente da derrubada do presidente chi-


a frente o secretario de Estado Henry Kissinger. leno Salvador Allende, de tendéncias marxis-
Em 1971, 0 presidente norte-americano admi- tas, em 1972, cujas reformas prejudicavam
tiu a entrada da China Comunista na ONU e, seus interesses econdmicos. Apds um golpe
em 1972, encontrou-se com Mao Tsé-tung. A sangrento, instaurou-se no Chile a ditadura
aproxima¢ao com a China era mais um passo militar de Augusto Pinochet.
ofensivo dos Estados Unidos, ao juntar-se a
uma poténcia vizinha e rival dos soviéticos.
Logo apos sua visita a China, Nixon foi a Unido Chile: experiéncia piloto do
Soviética, onde assinou com Brejnev o impor- ° neoliberalismo ocidental
tante tratado de limitagao de armas estratégicas Com base nos tedricos antikeynesia-
Salt-1. nos Friedrich Hayek (austriaco e autor de
O caminho da servidao de 1944) e Milton
Friedman (norte-americano da escola
economica de Chicago), desenvolveu-se
um ataque apaixonado contra qualquer
limitagao dos mecanismos de mercado
por parte do Estado, constituindo a
teoria politico-econdmica denominada de
USIS, neoliberalismo.
Godesberg
Bonn/Bad Sua aplicagao comegou
no governo Pinochet, Chile, e virou bandei-
ra politica dos centros capitalistas
avancados aliados as elites econdmicas
do resto do mundo nos anos 80 e 90.
“Aquele regime tem a honra de ter
sido o verdadeiro pioneiro do ciclo neolibe-
ral da historia contemporanea. O Chile de
Pinochet comegou seus programas de
Richard Nixon e Chu En-lai. A visita de Nixon a China e a
Unido Soviética caracterizou o degelo nas relacgées interna-
maneira dura: desregulamentagao, de-
cionais, sem perder a ofensividade contra o bloco socialista semprego massivo, repressao sindical, re-
soviético. distribuigao de renda em favor dos ricos,
privatizagdo de bens publicos. Tudo isso foi
O governo de Nixon caracterizou-se
comegado no Chile, quase um decénio
também pela pressdo da opiniao publica
antes de Thatcher, na Inglaterra. No Chile,
quanto a Guerra do Vietna, o que o levou a
naturalmente, a inspiragdo tedrica da
adotar a politica de vietnamiza¢ao da guerra,
experiéncia pinochetista era mais norte-
ou seja, tentou retirar os soldados americanos
do conflito, oferecendo, em contrapartida, americana do que austriaca. Friedman, e
armamentos aos vietnamitas, seus aliados no nao Hayek, como era de se esperar nas
Vietnd do Sul. Em meio a esse projeto, Nixon Américas. Mas é de se notar que a
bombardeou maci¢amente o maior reduto experiéncia chilena dos anos 70 interessou
inimigo, onde estavam os vietminhs, tentando muitissimo a certos conselheiros britani-
enfraquecer os comunistas do Vietna do cos importantes para Thatcher, e que
Norte. Estes, entretanto, avan¢aram progres- sempre existiram excelentes relagdes en-
sivamente respondendo aos ataques. tre os dois regimes nos anos 80. O
Apesar da aproximagao diplomatica com neoliberalismo chileno, bem entendido,
os paises comunistas, Nixon nao descuidava pressupunha a aboligao da democracia e
da supremacia norte-americana sobre os pai- a instalagao de uma das mais cruéis dita-
ses subdesenvolvidos. Além da questao do duras militares do pds-guerra. Mas a
Vietna, os Estados Unidos participaram ofi-

432
O FIM DA GUERRA FRIA

democracia em si mesma — como explicava Marcado pela derrota norte-americana na


incansavelmente Hayek — jamais havia Indochina (Vietna, Laos e Camboja), 0 gover-
sido valor central do neoliberalismo. A no Ford viveu a plena desmoraliza¢gao de seu
liberdade e a democracia, explicava Hayek,
partido, da administragado republicana, o que
podiam facilmente tornar-se incompati-
impossibilitou sua tentativa de reeleicao. A
situagdo econdmica norte-americana carac-
veis, se a maioria democratica decidisse
terizou-se por dificuldades, como a elevacao
interferir com os direitos incondicionais de
dos precos do petrdleo determinada pela
cada agente econdmico de dispor de sua
Organizagao dos Paises Exportadores de
renda e de sua propriedade como quisesse. Petrodleo (Opep). Dominada pelos paises
Nesse sentido, Friedman e Hayek podiam arabes, a Opep aumentou o preco do barril
olhar com admiragao a experiéncia chilena, de petrdleo de menos de dois ddlares em
sem nenhuma inconsisténcia intelectual 1970 para mais de dez délares em 1974, apds
ou compromisso de seus principios. Mas a derrota arabe diante de Israel na Guerra do
esta admiragao foi realmente merecida, Yom Kippur. Os efeitos dessa alta foram
dado que — a diferenga das economias de sentidos em todo 0 mundo capitalista, espa-
capitalismo avangado sob regimes neoli- lhando recessao e dificuldades, minando a
berais dos anos 80 — a economia chilena lideranca norte-americana e o governo Ford.
cresceu a um ritmo bastante rapido sob o Eleito presidente pelo Partido Democrata,
regime Pinochet, como segue fazendo com Jimmy Carter (1977-1980) destacou-se pela
a continuidade da politica econdmica dos intensificagao dos acordos de distensao com os
governos pos-Pinochet dos Ultimos anos.” soviéticos, com a assinatura do Salt-2 (1979), e
ANDERSON, Ferry. Balango do neoliberalismo. |n:
pela politica dos direitos humanos. Essa poli-
SADER, Emir e GENTILI, Pablo. Pé5-neoliberalismo: tica internacional motivou a redemocratiza¢ao
as politicas sociais e o Estado democratico. Rio de de paises capitalistas sob ditaduras e intensifi-
Janeiro, Paz e Terra, 1995. p. 19-20. cou as Criticas as liberdades publicas nos paises
comunistas. Diante das denuncias de viola-
¢6es dos direitos humanos, como tortura, pri-
O fim do governo Nixon deu-se com o sdes e cerceamento da oposi¢ao, Carter che-
caso Watergate, iniciado em 1972. Membros gou a negar créditos para a compra de arma-
do Partido Republicano — ao qual Nixon mentos a varios paises da América Latina sem
pertencia — foram surpreendidos tentando liberdades democraticas estabelecidas, como
instalar um sistema de escuta para espionar Brasil, Argentina, El Salvador e Guatemala.
os escritérios do Partido Democrata, em
Washington, no edificio Watergate. Faltavam
quatro meses para as elei¢des presidenciais e
ainda nao se conhecia 0 adversario de Nixon —
que concorria a reeleig¢ao. Denunciado pelo Traver/Liaison
jornal Washington Post, que nado poupou os
envolvidos, nem mesmo a alta cdpula gover-
namental, o escandalo atingiu Nixon e mobi-
lizou toda a imprensa e a opinido publica
norte-americana. Comprovado seu envolvi-
mento, foi obrigado a renunciar. Caso nao
fizesse isso, seria impedido, pelo Congresso,
de governar (impeachment).
O governo foi entaéo ocupado pelo vice-
presidente Gerald Ford (1974-1976), que, em
1975, concedeu “‘perdao pleno e absoluto”’ a
Nixon por todos os delitos que pudesse ter O governo Jimmy Carter promoveu uma politica de defesa
cometido enquanto ocupava a presidéncia. dos direitos humanos.

433
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

Carter também patrocinou a Conferéncia tantes no Senado — incluindo George


de Camp David, em 1978, que deu origem a McGovern —, escolhidos para derrota por
um tratado de paz entre Egito, governado por fundamentalistas protestantes € outros
Anuar Sadat, e Israel, dirigido por Menahen grupos de ag&o politica da “Nova Direita”.
Begin. Com esse tratado, estabeleceram-se
Os analistas concordam em geral que
relagdes diplomaticas entre esses paises, ha
Reagan beneficiou-se muito com 0S casos
anos em guerra. Era o ponto de partida para a
da inflacZo e reféns no Ira e com um
pacificagdo do Oriente Médio, a qual sd
debate com Carter na véspera da elei¢ao.
avancou na década de 90.
No final do governo Carter, emergiram Além disso, 0 péndulo eleitoral parecia
diversas crises internacionais que arruinaram estar movendo-se para a direita, a
Oo prestigio da administragao democrata. No medida que uma taxa de natalidade em
Ira, em 1979, o xa Reza Pahlevi, aliado dos queda e maior esperanga de vida criavam
Estados Unidos, foi derrubado e o chefe um eleitorado mais idoso e grandes
religioso muculmano, o aiatola Khomeini, transferéncias de populagdo aumenta-
proclamou a Republica Islamica do Ira. vam a influéncia de elementos politica-
Pregando um nacionalismo religioso com mente conservadores nos estados da
posigdes radicalmente antinorte-americanas, Faixa do Sol, no Sul e no Oeste. Um
o regime de Khomeini ocupou a embaixada mandato auténtico constitui raridade na
norte-americana em Teera, fazendo varios politica norte-americana e 30 o tempo
reféns. Em resposta, Carter tentou uma ope- diria se a eleigao de 1980, tal como a de
ragao militar para resgata-los, que, entretanto, 1936, assinalava um grande realinhamen-
fracassou e desmoralizou seu governo. to partidario. Os liberais, encontrando
Na Nicaragua, também em 1979, a consolo no fraco comparecimento dos
Revolu¢ao Sandinista derrubou outro aliado eleitores as urnas, observaram que ape-
dos Estados Unidos, o ditador Anastacio nas um em cada quatro norte-america-
Somoza, envolvendo o governo Carter em
nos adultos votara em Reagan em 1980,
dificuldades diante do nacionalismo sandi-
mas o novo presidente podia legitima-
nista.
mente alegar qué ganhara por maioria
Com a interven¢do soviética no Afeganis-
esmagadora. Fora eleito, aparentemente
tao, o governo norte-americano adotou repre-
salias como cortes em acordos comerciais e a assim acreditava, para repelir a ameaga
nao-participa¢gao nas Olimpiadas de Moscou, soviética e desmantelar o estado de
revertendo a aproximacdo leste-oeste. bem-estar social.”
Nas eleigdes presidenciais de 1980, can- SELLERS, Charles, MAY, Henry e McMILLEN, Neil R.
didatando-se a reeleicdo, Carter foi derrotado Uma reavaliagao da histéria dos Estados Unidos.
p. 439.
pelo candidato republicano Ronald Reagan,
iniciando um novo longo periodo de predo-
minio do Partido Republicano, j4 que Reagan
assumiu em 1981 e foi reeleito em 1984. Durante 0 governo Reagan (1981-1989),
as relagGes com a Unido Soviética, até 1987,
foram se tornando cada vez mais dificeis. A
“Dificilmente, o comparecimento a partir de entdo, reiniciou-se uma aproxima-
votacao chegou a metade do eleitorado. ¢ao que levou a acordos de profundidade
Entre og que votaram, 51% preferiram inédita nas relacées bilaterais.
Reagan. O35 democratas conservaram o Logo no inicio de seu governo, Reagan
controle da Camara, mas os republica- decretou varias sancdes econdmicas a Unido
nos, pela primeira vez desde 1952, fize- Soviética, em represalia a guerra do Afega-
ram maioria no Senado. Entre as baixas nistao e€ a repressdo aos movimentos sociais
democratas houve varios liberais impor- na Poldnia, liderados pelo sindicato Solida-
riedade. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos

434
O FIM DA GUERRA FRIA

retomaram a corrida armamentista, implan- ricana, abalada desde a derrota na Guerra do


tando uma politica intimidadora aos soviéti- Vietna, trouxeram imensa popularidade ao
cos, com a instalagdo de armas poderosas na presidente, permitindo sua reeleigao em 1984.
Europa, 0 que fez crescer os protestos popu- Ja no final do segundo mandato, Reagan
lares europeus, oriundos do medo de que o retomou a distensdo com a Unido Soviética,
continente se transformasse em arena de um devido a pressOes européias e a politica
conflito nuclear. Em 1983, os soviéticos implantada pelo novo governante soviético,
retiraram-se das conversacdes de Viena em Mikhail Gorbatchev. Desse modo, em 1987
protesto aos euromisseis americanos. foram efetivados acordos de desarmamento
Ainda em 1983, Reagan interveio em nuclear, ratificados na viagem de Reagan a
Granada, na América Latina, afastando um Unido Soviética no ano seguinte. Interna-
governo que nao atendia aos interesses mente, durante o segundo governo Reagan,
americanos na regido do Caribe. Na Nicara- intensificou-se a politica econdmica de des-
gua, até o final da década, intensificaram-se montagem do Estado de bem-estar social, a
as press6es contra os sandinistas, apoiando-se desregulamentagao da economia, a amplia-
abertamente os guerrilheiros contra-revolu- ¢do do desemprego e medidas favordaveis a
cionarios e fazendo sucessivas ameacas de concentra¢ao da renda dos mais ricos, dentro
uma a¢ao militar semelhante 4 de Granada dos principios do neoliberalismo.
sobre a Nicaragua. Apoiado por Reagan, seu vice-presidente
George Bush foi eleito pelo Partido Republi-
cano para o periodo 1989-1993, dando
continuidade a politica de entendimento
com Gorbatchev, em meio a desmontagem
do socialismo do Leste europeu, até o desa-
Liaison/Gamma

parecimento da Unido Soviética em 1991.


Reafirmando sua supremacia internacional,
no inicio de 1991, os Estados Unidos pratica-
mente comandaram, sob o respaldo da ONU,
a Guerra do Golfo contra 0 Iraque, exibindo
a maior capacidade bélica do mundo, através
das transmiss6es via satélite, como se fosse
um show pirotécnico de ficcao transmitido
por todas as grandes redes de televisdo para
todos os paises.
O governo sandinista da Nicaragua enfrentou um verdadeiro
cerco diplomatico e militar patrocinado pelos Estados Até 1992, o presidente Bush experimen-
Unidos. Na foto, manifestagao pelo sexto aniversario da tou oscilagdes internas em sua popularidade,
Revolucao Sandinista, em 1985. ora ganhando prestigio, com a hegemonia do
pais depois da queda do bloco socialista, ora
Atingindo o ponto mais alto da retomada perdendo, com sinais de aumento do desem-
da corrida armamentista, Reagan iniciou o prego e queda da produtividade da economia
programa militar Guerra nas Estrelas, sofisti- norte-americana. Nas eleigdes de 1992, a
cado projeto bélico comportando misseis vitéria presidencial coube ao candidato do
dirigidos para o céu, que visava montar um Partido Democrata, Bill Clinton, assumindo o
escudo protetor sobre os Estados Unidos governo em 20 de janeiro de 1993.
contra possiveis misseis inimigos. Sofrendo Com Clinton, a economia norte-america-
pressGes internas e externas, tal projeto, na apresentou sucessivos indices de cresci-
entretanto, ndo chegou a ser implantado. mento, 0 que favoreceu a sua reeleig¢ao em
O desenvolvimento econémico interno 1996. Apesar de governar num perfodo de
ocorrido no periodo e a politica de forga de excelente desempenho econdmico (1998-
Reagan, que recobrou a lideranga norte-ame- 1999), foi ameagado de impeachment em

435
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

fun¢ao de seu envolvimento com uma ex- evidentemente, a historia toda, e entre
estagidria da Casa Branca, Monica Lewinsky. as raz0es que motivaram Bush, é preciso
Em fevereiro de 1999, o Senado absolveu o lembrar que sua muralha vai custar entre
presidente, encerrando o processo. US$ GO bilhdes e US$ 100 bilhdes, a
Nas eleigdes presidenciais de 2000, o maior parte deles gasta com as indis-
partido de Clinton indicou Al Gore para trias de defesa."
concorrer com o candidato do Partido Repu-
blicano, George Walter Bush, filho do ex- PORTER, Henry. "Falando com as paredes: ao querer
afastar os ‘barbaros’, os EUA se isolam do mundo."
presidente George Bush. Numa apuracao de
The Observer. \n: Carta Capital. Ano VII, n. 147,
votos cheia de irregularidades, com sucessi- 23/5/2001. p. 40.
vas recontagens, George W. Bush saiu vito-
rioso.
Em janeiro de 2001, George W. Bush No dia 11 de setembro de 2001, entre-
assumiu a presidéncia dos Estados Unidos, tanto, o escudo antimisseis norte-americano
proclamando, em seguida, a reativagdo mili- foi colocado em xeque: terroristas suicidas
tar, especialmente a montagem de um escudo destrufram completamente dois grandes edi-
antimisseis, o National Missile Defense. Di- ficios, as torres do World Trade Center, em
versos analistas e especialistas da politica Nova York,e parte do Pentagono, nos
internacional chamaram a aten¢ao para a arredores de Washington. Os ataques, tidos
reativagdo da corrida nuclear tao tipica do como os maiores sofridos até entao pelos
periodo da Guerra Fria e do governo Reagan, Estados Unidos em seu proprio territdrio,
mas dessa vez com uma nova agravante: a foram realizados com avides de carreira
instalagdo desse sistema, pelo menos em tese, seqiiestrados e visaram os simbolos do pode-
daria aos Estados Unidos a condi¢ao de rio econdmico e militar dos Estados Unidos,
incdlume a um ataque-surpresa ou de apto deixando milhares de mortos e uma forte
a uma resposta retaliadora deliberada, garan- sensa¢gdo de vulnerabilidade na na¢gao mais
tindo a plena superioridade nuclear interna- poderosa do mundo.
cional norte-americana. A situagdo desdobrou-se na primeira
guerra declarada do século XXI, tendo como
alvo um grupo terrorista fixado no Afeganis-
"Quando os chineses iniciaram a
tao e apoiado pelo grupo governamental
Grande Muralha, em 214 a.C., e Adriano
Taliba. Durante os meses seguintes, governo
contratou seu sistema defensivo no
e populacao dos Estados Unidos enfrentaram
norte da Inglaterra, 500 anos depois, outras investidas terroristas, dessa vez com
eles estavam reagindo precisamente ao produtos quimicos e biolégicos, como o
mesmo instinto que esta movendo a Antraz, fazendo novas vitimas, o que ampliou
politica norte-americana agora — manter o temor e a inseguran¢a. Sem vislumbrar uma
distantes os barbaros hostis. O Escudo medida realmente eficaz contra essas atua-
de Defesa Antimisseis é, em termos ¢des e com dificuldades em descobrir e
militares, uma muralha, embora excepcio- anular as origens dessas investidas, tipicas
nalmente complexa. de uma guerra bioquimica, o quadro de
Mas as muralhas tém o habito de incerteza e receio espalhou-se dos Estados
ser vencidas ou contornadas, como qual- Unidos para varios outros paises do mundo,
quer historiador da Linha Maginot pode- especialmente na Europa.
ria confirmar, e esta muralha pode ser
O periodo de guerra ao terror, iniciado
em 2001, que derrubou o governo Taliba no
evitada com bombas nucleares de baixa
Afeganistao, além de assumir indmeras me-
poténcia em maletas ou por alguém numa
didas policiais, buscando evitar novos aten-
lancha, disparando em volta da ilha de
tados terroristas, desdobrou-se em atuacdes
Manhattan. Portanto, defesa nao é,
radicais conservadoras, denominadas Doutri-

436
O FIM DA GUERRA FRIA

na Bush, que tinham por base a hostilidade e Em 2004 e no inicio de 2005, vieram a
o combate intransigente as “ameacas a publico fotos de maus-tratos e de tortura a
civilizagao’’. Com a guerra ao terror, passou prisioneiros iraquianos em bases~ militares
a prevalecer a acdo militar unilateral dos norte-americanas, inclusive na de Guantdna-
Estados Unidos, atuando muitas vezes acima mo, Cuba.
das leis e da politica internacionais.
Essas “‘ameagas a civilizagdo’’ eram uma
referéncia aos paises que formavam o “eixo
do mal’’, como Iraque, Ira e Coréia do Norte,
apontados por Bush como produtores de
armas de destruigdo em massa e patrocina-
dores do terrorismo internacional. STR/A
Image

Proclamando-se lider do “eixo do bem”,


os Estados Unidos adotaram medidas agressi-
vas e de endurecimento contra rivais, como a
transferéncia de prisioneiros de guerra do
Afeganistao para a base norte-americana de
Guantanamo, na ilha de Cuba, e a pressfo e a Abu Ghraib e Guantanamo chegaram a ser descritas
ameaga de guerra, especialmente contra o como prisdes-inferno, e nelas os prisioneiros sao tidos como
lraque, enviando centenas de milhares de “combatentes inimigos” e suspeitos de terrorismo. A desig-
nacao de “combatentes inimigos’”’ buscou eximir os Estados
soldados para regides vizinhas ao Golfo Unidos de obedecer as Convengées de Genebra, ou seja, a
Pérsico. legislacao internacional sobre os direitos dos prisioneiros. Na
Apontado como o maior inimigo dos foto de 2004, cidadao em Havana observa cartazes que
mostram soldados norte-americanos humilhando e torturan-
Estados Unidos, em 2003, o Iraque de do prisioneiros em Abu Ghraib.
Saddam Hussein possuia a segunda maior
reserva petrolifera em exploragao do mundo,
oO que — diante de um iminente ataque dos
norte-americanos — fez disparar os precos Nowiere alide ae a eeeONU, foi.
internacionais do barril de petrdleo. _maculado pela declaragdo de uma guerra ©
Em marco de 2003, sem o apoio da quea comunidade mundial (mais de 20%)i.
comunidade internacional e muito menos do _ condenava e que asa eas do anna nao —
Conselho de Seguranga da ONU, os Estados eee
Unidos deram inicio a invasao ao Iraque
contando com 0 apoio das forgas britanicas.
Os invasores bombardearam intensamente o -
Iraque, sobretudo as maiores cidades, como a
capital, Bagda, com mais de 5 milhdes de
habitantes. O uso de armamentos sofisticados
e de tecnologias de Ultima gera¢gao ocasio-
nou inumeras vitimas e destruigao generali-
zada. Os bombardeios aéreos e os ataques
fiat May Ge athe como, oFquiat
das tropas que avan¢aram rapidamente até
chegar a capital, em abril de 2003, justifica- -pior, 0S direitos foram ae ce
ram a afirmacgao do jurista brasileiro Ives sepultados por um pais que é o mais
Gandra de que, em contrapartida ao ‘‘terro- _ forte em armas de destruigZo em massa
rismo as escuras’, de Bin Laden, Bush —€ 0 mais fraco no respeito «aos ‘povos e¢
respondeu com o “‘terrorismo oficial’, nagBee do mundo. '
diferenciados em dimensao; “o primeiro Ate a figura tirdnica dese | outro a
destruiu duas torres, e 0 segundo, um pais needs Saddam Hussein, passou a Se-
inteiro”’. gundo plano porque o mintisculo e poderoso
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

presidente dos Estados Unidos conse-_ vitimas. Estimava-se o custo dos trés anos de
guerra em 315 bilhdes de dolares.
~ guiu demonstrar ser mais eficiente em
A violéncia continuou crescendo no
‘matar civis do que o déspota iraquiano.” :
lraque, com ataques da resisténcia iraquiana
MARTINS, Ives Gandra. O terrorismo oficial de Bush. — e investidas dos soldados norte-americanos.
In: Folha de S.Paulo. S40 ae 9 abr. 2008. PeAB. Nem mesmo as eleigdes presidenciais ira-
quianas de 2005 conseguiram refluir a vio-
léncia na regiado. Ao contrario, as eleigdes
No final de 2004, os inspetores de armas
foram envolvidas num quadro de intensa
dos Estados Unidos apresentaram ao Senado
confrontagdo entre o governo Bush — acre-
um relatério confirmando a inexisténcia de
ditando que seus resultados poderiam iniciar
armas proibidas no Iraque, aquelas tidas
a normaliza¢gao politica —- e os opositores —
como de destruigdo em massa. Depois de
que ampliaram as ac¢des militares, ficando
meses de investigagcao, nenhum vestigio foi
no meio, como vitima, grande parte da
encontrado do suposto arsenal, derrubando,
populagao iraquiana. Seguidos atentados,
assim, a principal justificativa para a guerra
com varias dezenas de mortos, continuaram
contra o Iraque.
acontecendo nos primeiros meses de 2006,
Reeleito presidente para mais quatro anos
abrindo a possibilidade de o Iraque mergu-
no final de 2004, Bush, contudo, reafirmou
lhar numa completa guerra civil entre fac-
sua inten¢do de aprofundar a ‘‘guerra contra
¢6es rivais, como a dos sunitas, xiitas e
o terror’ em seu segundo mandato e de
curdos, além dos confrontos com as for¢as
intensificar a atuagdo no Iraque, fazendo
estrangeiras de ocupa¢ao.
também ameagas a paises rivais, especial-
mente o Ira, a Coréia do Norte e posterior-
mente Cuba, tidos pelas autoridades norte-
americanas como governos favoraveis ao A Uniao Soviética de
terror e participantes do denominado ‘‘eixo
do mal’’. Em marco de 2006, 0 governo Bush 1964 a 1991
reafirmou a sua doutrina de ataques preven- SAL RO I SRE
tivos — Doutrina Bush — contra paises que
representassem, segundo autoridades norte- Com a queda de Nikita Kruschev, ascen-
americanas, amea¢ca aos Estados Unidos,
deu ao poder Leonid Brejnev (1964-1982),
citando, além dos paises acima, também a cujo governo retomou internamente o cen-
Venezuela. Nessa mesma data, trés anos
tralismo politico-administrativo, reprimindo
as dissidéncias. Externamente, fez uso da
depois da invasao, os Estados Unidos tinham
130 mil soldados servindo no Iraque, numa forg¢a para impor o monolitismo do bloco
guerra que produziu mais de 16 mil feridos e comunista.
um numero de mortes de soldados norte- A retomada do centralismo reforgou a
americanos somente inferior ao da Guerra do maquina burocratica e afetou profundamente
Vietna, ultrapassando 2 300. Do lado iraqui- a produtividade nacional, fazendo-a perder
ano nao existem dados oficiais, mas estima-se competitividade tecnoldgica com o Ocidente,
em mais de 100 mil mortos*, além da muito mais acentuada, entretanto, na produ-
destruicao do sistema de assist€ncia a satide, ¢ao civil do que na inddstria bélica. As
da rede hidraulica e de plantacées, de escolas dissidéncias respondia-se com forga, prisdes,
semidestruidas e do abandono ou desorgani- siléncio obrigatorio e trabalhos forgados, os
za¢ao nas vacinagoées infantis, que multipli- velhos métodos stalinistas.
caram os efeitos danosos e o ntimero de Brejnev enfrentou o agravamento das
relac6es com a China e sufocou a liberaliza-
? Esses dados foram publicados na revista académica especializada em ¢4o do regime socialista da Tchecoslovaquia,
artigos médicos Lancet, segundo artigo do jornal Folha de S.Paulo, de
29 de outubro de 2004, com o titulo: “Guerra matou 100 mil civis, diz
invadindo-a em 1968 com as forcas do Pacto
estudo”’. de Varsévia.
O FIM DA GUERRA FRIA

A Primavera de Praga (1968) O significado da Primavera de Praga

A Tchecoslovaquia era governada por “Se a crise hiingara de 1956 deixou


Alexander Dubcek, que imprimiu ao pais claro ao mundo que nenhum pats do Leste
reformas que buscavam um “socialismo hu- “pode esperar romper livremente com o
manizado”, estimulando a criatividade artisti- Bloco Soviético, a crise da Tchecoslova-
ca e cientifica. As liderangas stalinistas foram quia, doze anos depois, ensinou outra
afastadas, procedeu-se a descentralizacado e a ligdo, a de que até mesmo as reformas
liberalizagao do sistema, com amplo apoio de internas devem ser levadas a cabo com o
operarios, intelectuais e estudantes. maximo de cautela e prudéncia. Tudo o
O reformismo tcheco, entretanto, esbarra- que parece ameagar uma brusca altera-
va na nova conjuntura soviética e internacio- Gao no equilibrio de poder na Europa,
nal: Brejnev revertia a desestalinizacdo de como a possibilidade de um pais, como a
Kruschev e, no plano externo, experimentava o
Tchecoslovaquia, aproximar-se exagera-
endurecimento com os Estados Unidos, resta-
damente do Ocidente (nao que tenha sido
belecendo a politica de blocos, num retorno a
a intengao confessa de Dubcek e seus
confrontagdo da Guerra Fria. Como a liberali-
adeptos), despertara a preocupacdo da
zagao de Dubcek implicava autonomismo,
superpotencia do Leste— e talveza da
colocava em risco a hegemonia soviética,
; superpotencia do Ocidente, também. As-
ameacando o monolitismo dos partidos comu-
nistas nos diversos paises do Leste europeu, o sim, a aproximagao das duas metades ;
que estimularia a oposi¢ao e as dissidéncias. basicas em que sé acha hoje dividida a
No dia 20 de agosto de 1968, as tropas Europa 50 pode se efetivar a luz de um
do Pacto de Varsévia cruzaram a fronteira da maior entendimento prévio entre a Uniao
Tchecoslovaquia. Os dirigentes do movimen- Soviética e 0S Estados Unidos.”
to, tendo a frente Dubcek, foram presos e MORGAN, Roger. A Primavera Tcheca. In: Século XX.
enviados a Moscou, e mais tarde expulsos do p. 2859.
Partido.

O final do governo Brejnev

O principal destaque internacional dos


anos 70 foi a retomada da distensdo, com a
politica de détente do presidente Nixon, que
propiciou, ao mesmo tempo, a aproxima¢ao
com Pequim e a assinatura de acordos de
limitagdo de armas com os soviéticos, como
Salt-1 e Salt-2. A détente s6 foi abandonada
quando os soviéticos enviaram tropas de
apoio ao governo afegao. Esse endurecimento
teria continuidade e se aprofundaria na
Em agosto de 1968, os tanques do Pacto de Varsovia gestao Reagan.
enterravam o retormismo em curso na Tchecoslovaquia.
No bloco comunista, as medidas de for¢a
como a Primavera de Praga nao eliminaram
Em 1969, Gustav Husak substituiu Ale- as crescentes criticas ao centralismo, que se
xander Dubcek como primeiro-secretario do foram avolumando. Em 1976, os partidos
Partido Comunista tcheco e a Unido Soviética comunistas da Europa ocidental manifesta-
conseguiu, assim, manter seu predominio ram-se contrarios ao dirigismo soviético e a
numa area tida como estratégica na rivalida- tutela ideoldgica, divulgando um documento
de entre as superpoténcias. por meio do qual defendiam a passagem do
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Capitalismo para o socialismo de maneira das exportag6es soviéticas. Na mesma €poca,


autOnoma, independente do Partido Comu- 60% das importa¢des soviéticas eram basica-
nista da Unido Soviética. Era a oficializagao mente de mdaquinas, produtos industriais e
do Eurocomunismo. metais. Era um quadro que buscava satisfazer
Na Pol6nia, j4 nos anos 80, a pressdo as necessidades mais prementes do pais,
pela participagdo do operariado no governo segundo as determinagdes da nomenklatura
liderada pelo Sindicato Solidariedade, dirigi- (a alta burocracia socialista), resolvendo ne-
do por Lech Walesa, reativou a questao do cessidades localizadas, obtendo produtos
socialismo democratico. Ganhando cres- importados e receitas imediatas, sem atacar
cente prestigio nacional e internacional, a com profundidade os impasses produtivos,
atividade de Walesa e do Solidariedade ampliando a urgéncia de alteragdo de rumos.
acirrou as dificuldades nas relagdes leste- Quando Brejnev morreu, em 1982, as
oeste. dificuldades econdémicas soviéticas e os en-
No plano econdmico, a Unido Soviética traves burocraticos ao desenvolvimento tec-
de Brejnev nao sé perdera ritmo produtivo, nolédgico se avolumaram velozmente, tornan-
diminuindo as taxas de crescimento — seja na do-se alvo de crescentes criticas. Enquanto se
producao industrial e agricola, seja na pro- multiplicavam as dissidéncias internas, no
dutividade do trabalho, na renda real per plano internacional ganhava f6lego a ofensi-
capita e no PNB (Produto Nacional Bruto) va anticomunista do governo Reagan. Brejnev
~ comparativamente aos anos 50 e 60 -, como deixou em aberto a questao do Afeganistao,
também envolvia-se cada vez menos no onde os soviéticos intervieram para buscar a
comércio mundial. Para efeito de compara- estabilizagao do pais governado por comunis-
¢ao, o PNB soviético, que crescera 5,7% ao tas aliados e que sofria oposi¢do de inumeras
ano na década de 1950, foi declinando para faccdes. A condenacao feita pela administra-
chegar a 2% na primeira metade dos anos 80, ¢ao Carter, seguiu-se uma grande ofensiva
época do final do governo Brejnev. norte-americana, financiando e fornecendo
armamentos aos guerrilheiros muculmanos
das montanhas do Afeganistao. No governo
Reagan, nao poucas vezes, dizia-se que estava
criado o “Vietna’’ da Unido Soviética, na
medida em que 0 ex€rcito soviético vencia nas
grandes cidades afegas, mas era derrotado no
Hires/Gamma/Sigla
Chip
interior, caminhando para a derrota definitiva.
A Brejnev sucederam curtos governos da
velha guarda soviética: luri Andropov (1982-
1984) e Konstantin Tchernenko (1984-1985),
que mantiveram a deteriora¢dao politica inter-
na e externa e os elevados custos na manu-
tencdo da guerra do Afeganistao. A morte de
Tchernenko seguiu-se o governo Mikhail
O Sindicado Solidariedade, liderado por Lech Walesa,
capitalizou a luta dos poloneses contra o centralismo do Gorbatchev, responsavel por profundas alte-
PC sovieético. ragdes na politica da Unido Soviética.

Quanto ao comércio mundial, a Unido


Soviética deixou de exportar principalmente O governo Gorbatchev
maquinaria, meios de transporte, equipamen-
tos, artigos de metal e metais como fazia nos Fortalecendo-se pouco a pouco com o
anos 60, para concentrar-se cada vez mais na afastamento de velhos lideres politicos, cujos
venda para 0 estrangeiro de petrdleo e gas, os cargos foram sendo ocupados por novas
quais representavam, em 1985, perto de 53% liderangas, Gorbatchev garantiu 0 processo

440
O FIM DA GUERRA FRIA

de mudanga na Unido Soviética. O novo a guerra mundial deixou de ser a continua¢do


governo lancou, ainda em 1985, um amplo da politica. Na guerra nuclear perecerdo os
plano de transformagées, sintetizado na pollf- proprios autores dessa politica. Tomamos
tica da perestroika e da glasnost. consciéncia de que o género humano deixou
de ser imortal com a acumulacdo e o
aperfeigoamento das armas nucleares. A
imortalidade s6 voltara com a destruicdo
dessas armas. Nenhum dirigente de qualquer
pais, seja ele Unido Soviética, Estados Unidos
ou qualquer outro Estado, tem o direito de
pronunciar a senten¢ca de morte da Humani-
dade. Nao somos juizes, assim como milhares
de milhdes de pessoas nado sdo criminosos
que devem ser condenados. A guilhotina
nuclear deve ser destruida’’.
Em outubro de 1986, num encontro com
Ronald Reagan na Islandia, as conversagdes
tiveram resultado quase nulo diante do pro-
grama bélico Guerra nas Estrelas dos norte-
americanos. Contudo, em 1987, Gorbatchev
assinaria com Reagan um acordo de elimina-
¢4o dos misseis de médio e curto alcance,
localizados na Europa e na Asia, além dos
entendimentos sobre quest6es que abrangiam
desde direitos humanos até problemas regio-
nais das superpoténcias. Neste caso, em
1988, a Unido Soviética retirou-se do Afega-
nistao depois de oito anos de enfrentamento
No plano externo, Gorbatchev propds a custoso e desastroso contra a guerrilha finan-
desativacdo das armas nucleares até o ano ciada pelos Estados Unidos via Paquistao.
2000, deixando clara a sua posi¢ao bélica Tinha inicio uma fase de distensdo pro-
internacional, apresentada no Forum Interna- funda, a mais ampla desde o inicio da Guerra
cional da Paz, em Moscou: ‘‘Tiramos con- Fria, indicando uma politica de desarmamen-
clus6es que nos obrigam a rever alguns to geral, firmando garantias contra uma
axiomas. Depois de Hiroxima e Nagasdaqui, - guerra nuclear.

ON AURAIT cEUrEIRE Pu

A politica externa de Gorbatchev


caracterizou-se pela desativacao do
arsenal nuclear que, inicialmente,
contou com a resisténcia dos Estados
Unidos. Na representacao ao lado,
de 1987, o chargista Plantu ironiza a
destruicéo de misseis, mostrando
Gorbatchev e Reagan jogando seus
misseis num caminhao de lixo e
dizendo:
— Gorbatchev: A gente nao poderia
ter pensado nisso antes?
— Reagan: Pensado em qué?
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

A partir de 1990, dentro do processo de No plano econémico, ainda em 1990,


distensdo, reformulou-se o papel de organis- visando dinamizar a produgao e o desenvol-
mos militares montados em meio a Guerra Fria, vimento, legalizaram-se as fun¢Ges de arte-
cujos entendimentos e decis6es culminaram sdos, comerciantes e restabeleceu-se a pro-
no fim das forgas do Pacto de Varsdévia, em priedade privada no campo, embora com
1991, bem como gestdes para a remodela¢gao limites. Também efetivou-se a abertura do
da Otan. pafs as empresas estrangeiras, facilitando a
A profundidade dos acordos de desarma- concessdo de licengas.
mento, as transformac¢6es ocorridas nos paises Sofrendo criticas e resisténcias dos buro-
europeus orientais, o fim do monolitismo e a cratas, detentores tradicionais do poder na
democratizagao desfechada pela glasnost Unido Soviética, Gorbatchev justificava a sua
mudaram o quadro de poder internacional, politica reformista como a prepara¢do para o
pondo por terra o clima de confronta¢ao leste- futuro, escapando das amarras externas e
oeste e as aliangas geopoliticas bipolares. internas dos governos anteriores.
No plano interno, Gorbatchev deu inicio,
com sua politica de abertura, a mais ampla
reforma econdmica e politica da Unido As mudancas do Leste europeu
Soviética, que se irradiou para os demais ECS
STS
paises que compunham o bloco comunista.
O ponto alto na politica interna foi o fim do Nos demais paises do bloco socialista, as
monopolio de poder do Partido Comunista mudangas iniciadas pela Unido Soviética
soviético, o que possibilitou o multipartida- foram rapidamente assimiladas, ganhando
rismo e a instauragao de eleic6es diretas para dinamismo prdprio e mudando a face do
1994. Tais mudangas politicas, entretanto, Leste europeu.
estimularam, nas quinze republicas que com- A Hungria, ja nos anos 1950, havia pro-
punham a Unido Soviética, crescentes movi- clamado sua neutralidade diante da polariza-
mentos nacionalistas, os quais buscavam, ¢ao da Guerra Fria, aberto suas fronteiras e se
nao raramente, a independéncia e colocavam retirado do Pacto de Varsdévia (uniao militar
em risco a propria existéncia da Unido dos paises socialistas). Por causa dessa poli-
Soviética. tica, ela foi invadida pela URSS em novembro
de 1956 e seus governantes, destituidos. O
governo comunista que lhe foi imposto, sob a
chefia de Janos Kadar, permaneceu no poder
de 1956 até 1988. Apesar da intervencdo,
movimentagdes populares impulsionaram
uma série de reformas liberalizantes nesse
Fochetto
Laureni

periodo, tornando a na¢ao precursora da


perestroika soviética. A partir de 1989, a
abertura do regime se acelerou, quando se
adotou o multipartidarismo e o Partido Co-
munista mudou de orientagao politica, trans-
formando-se em Partido Socialista. Em segui-
da, 0 pais promoveu uma intensa privatiza-
¢ao da economia, permitindo também a
entrada de capital estrangeiro, que, embora
em pequeno volume, ajudou a Hungria a
aproximar-se rapidamente das poténcias ca-
pitalistas ocidentais.
O reformismo de Gorbatchev acabou implodindo o socia- Na Poldénia, o sindicato Solidariedade,
lismo real e a Guerra Fria. que desde o final da década de 1970 vinha

442
O FIM DA GUERRA FRIA

reivindicando o direito de organizacao, in- giam mudangas politicas e econdmicas,


tensifica suas atividades. Em 1989, o governo acabaram reprimidas a tiros pela Securitate,
comunista, enfrentando uma nova onda de causando milhares de mortes e dando inicio
greves, reconheceu a legalidade do sindicato a uma revolta incontrolavel. O ditador
e convidou um de seus membros para Ceausescu e sua mulher foram presos e
compor um gabinete de coalizao. O pais executados sumariamente. No ano seguinte,
passou a ser o primeiro a ter um governo de realizaram-se eleigdes livres e gerais, segui-
maioria nado comunista. No ano seguinte, as das de reformas econdmicas.
reformas econdmicas e democraticas avan¢a- A Alemanha Oriental (Republica Demo-
ram, levando a Assembléia a aprovar um cratica Alema), separada da Alemanha Oci-
programa de desestatizagado e reformas a dental por mais de 40 anos, representando o
Constituigdo. Em dezembro de 1990, o lider maior simbolo da polarizagdo do mundo
sindical Lech Walesa tornou-se o primeiro durante a Guerra Fria, iniciou um processo
presidente eleito da Polénia. de reaproximagao a partir de 1973 com a
Na Bulgaria, um dos paises mais depen- entrada dos dois paises na ONU como
dentes da Unido Soviética, 0 governo tentou, Estados soberanos. Na década de 1980,
na década de 1980, adaptar-se a abertura refletindo as transformagGes soviéticas, essa
iniciada pelo governo de Mikhail Gorbatchev. aproxima¢do intensificou-se. Em 1989, pres-
Em 1989, o dirigente comunista Todor Jivkov s6es populares levaram a substituigao de
renunciou apds 35 anos no poder, sendo Erich Honecker, dirigente de linha dura da
sucedido por lideres reformistas. Nas eleigdes Alemanha Oriental. Em seguida, manifesta-
de novembro de 1991, a Uniao das Forgas ¢6es prd-democracia reivindicavam o fim do
Democraticas foi vitoriosa e estabeleceu o Muro de Berlim e o livre transito entre os
primeiro governo nao comunista bulgaro dois paises. Em novembro do mesmo ano o
desde 1944. muro foi definitivamente derrubado, tendo
inicio o processo de unificagdo com a
Na Tcheco-Eslovaquia, em 1989, as anti-
Alemanha Ocidental, concluido em outubro
gas aspiracOes democraticas foram reacendi-
de 1990.
das com as reformas de Gorbatchev na Unido
Soviética. A Revolucao de Veludo, assim
chamada devido a forma pacifica pela qual
se processaram as mudan¢as, comecou com
manifestagGes populares que levaram a renun- AFP/Corbi
cia do dirigente Milos Jakes, acompanhada da
abertura das fronteiras, do pluripartidarismo e
de eleicdes livres, passando o governo a
Alexander Dubcek, antigo lider da Primavera
de Praga, e Vaclav Havel. Em 1991, teve inicio
a privatizag¢do da economia e, em janeiro de
1993, o pais foi desmembrado em duas
reptblicas, a Republica Tcheca e a Eslovaquia.
Na Roménia, com a subida ao poder de
Nicolae Ceausescu, em 1965, instalou-se no
pais uma ditadura familiar que se manteve
pela forga de sua policia politica (a Securita-
te), perseguindo os oposicionistas e as mino-
rias étnicas. Com a abertura do governo
Gorbatchev na década de 1980, 0 pais foi
levado a um crescente isolamento internacio- Populares de Berlim Ocidental observam soldados da
nal. Em dezembro de 1989, manifestagdes Alemanha Oriental abrindo uma passagem no muro (11 de
populares na cidade de Timisoara, que exi- novembro de 1989).

443
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

A Albania foi o Ultimo Estado do Leste mente a fragmentacao do pais, o que dificul-
europeu a implementar mudangas liberali- tou qualquer possivel acordo para a pacifica-
zantes. O pais encontrava-se sob ditadura ¢ao da regido.
stalinista, liderada por Enver Hoxha, que A ruina do socialismo real no Leste
governou de 1946 a 1985. Nesse periodo, o europeu desmontou as tradicionais estruturas
pais se distinguiu pelo seu isolacionismo. Na socioecondémicas da regido, aumentando o
década de 1960, a Albania havia rompido desemprego, a inflagao, as desigualdades
com o governo reformista soviético e se sociais e os conflitos étnicos e politicos. A
aliado ao socialismo chinés, mas apds 1978 maior parte das novas posi¢des empresariais,
ampliou ainda mais seu isolamento por nos moldes ocidentais de um comando
discordar da aproxima¢ao da China com os burgués, caberia aos membros da tradicional
Estados Unidos. Com a morte de Hoxha, seu burocracia e seus parentes, em intima asso-
sucessor, Ramiz Alia, promoveu_ reformas ciag¢d4o com os empresarios internacionais. A
liberalizantes, embora discordasse do projeto situacdo de crise da regido acrescentou mais
da perestroika. Em marco de 1991, o Partido uma incognita quanto a solidez da ordem
Comunista, rebatizado de Socialista, venceu internacional que se estabelecia em substitui-
as primeiras eleigdes livres do pais, permitin- cao a Guerra Fria.
do que se acelerassem as ligacdes com o
Ocidente capitalista. Em fun¢gado de sérios
problemas econdémicos, a oposi¢do, repre-
sentada pelo Partido Democrata, obteve a
maioria dos votos nas eleigdes parlamentares
de marco de 1992, pondo fim ao tradicional
controle comunista.
Na lugoslavia, deu-se o quadro mais
tenso e violento do Leste europeu, mergu-
lhando o pais em uma sangrenta guerra civil.
Em 1990, com a mudanga da ex-Federacao
Comunista da lugoslavia para um sistema
multipartidario, Slobodan Milosevic tornou-
se presidente da Sérvia, a reptblica domi-
nante, com forte influéncia em Montenegro,
outra republica onde o antigo Partido Comu-
nista, ao qual ele pertencia, também havia A guerra civil na ex-lugoslavia: uma das provas cabais da
vencido. Esta situagao permitia-lhe o controle falacia do “fim da Histéria’”’, proclamada por aqueles que
viam no mundo pés-Guerra Fria um novo mundo feito de
sobre a federacdo das reptblicas. paz, progresso e sucesso da humanidade.
O firme controle dos meios de comuni-
ca¢ao, a intolerdncia com os criticos e a
preponderancia da Sérvia sob 0 governo de
Slobodan estimularam as lutas étnico-politi-
cas como também as ambicées separatistas O fim da Unido Soviética
ia
eeeno ea
das demais republicas (Eslovénia, Crodcia,
Bésnia-Herzegovina e Macedonia).
O governo Gorbatchev produziu, num
A intervengaéo da Unido Européia, que curto espago de tempo, uma verdadeira revo-
reconheceu a independéncia das repdblicas, lugao no bloco socialista, afetando e alteran-
fez com que o governo federal, controlado do por completo as relagdes politicas e eco-
pelos sérvios, se opusesse ainda mais radical- ndmicas em nivel nacional e internacional.

444
O FIM DA GUERRA FRIA

Na Unido Soviética, Gorbatchev teve de no principal lider politico soviético, sobre-


enfrentar, por um lado, a passividade e a pondo-se mesmo ao prdprio Gorbatchev que,
inércia burocraticas, desorganizando a ja li- ao voltar ao poder, se viu obrigado a renun-
mitada produgao econémica, e, por outro, ciar ao cargo de secretario-geral do PCUS e
as pressOes dos grupos que desejavam dissolver o partido, entéo acusado de ligacées
reformas mais rapidas e profundas. Além com os golpistas, ficando apenas com o
disso, enfrentou uma crescente impopulari- enfraquecido cargo de presidente da Unido
dade interna em virtude basicamente de dois Soviética.
fatores: primeiro, o da grande questaéo do Em meio a velocidade dos acontecimen-
separatismo nacionalista no interior das tos, em setembro de 1991, depois das decla-
fronteiras do pais; segundo, e mais trans- racgdes unilaterais de independéncia das re-
bordante, a questéo do desabastecimento publicas balticas (Estonia, Litudnia e Letdnia)
interno, com filas e manifestagdes de deses- e sucessivos disturbios e conflitos com tropas
pero social, ampliado pelas elites burocrati- soviéticas, Gorbatchev reconheceu oficial-
cas, contrarias as reformas, que dirigiam a mente a soberania dos trés Estados, que, em
economia soviética. seguida, foram admitidos na ONU.
Em agosto de 1991, membros da buro- O golpe final contra Gorbatchev deu-se
cracia conservadora afastaram Gorbatchev em dezembro de 1991, quando a Russia de
do poder, num golpe que visava reverter o Yeltsin, juntamente com Ucrdania e Bielarus
quadro politico-econdmico da Unido Sovié- assinaram o Acordo de Minsk (capital de
tica, que beirava o descontrole. Boris Yeltsin, Bielarus), proclamando o fim da Unido So-
presidente da principal repdblica soviética, a viética e a criagdo da Comunidade de Estados
Russia, e lider dos ultra-perestroikistas, con- Independentes (CEI) que, pouco depois, ob-
vocou uma greve geral e obteve o apoio de teve a adesdo de outras ex-reptblicas da
milhares de civis e militares que, estabeleci- Unido Soviética. Dias depois, em 25 de
dos em frente ao Parlamento Russo, derrota- dezembro do mesmo ano, Gorbatchev re-
ram os golpistas. nunciava ao cargo de presidente da Unido
Tal foi o prestigio obtido por Yeltsin pela das Republicas Socialistas Soviéticas, pais
vitoria contra o golpe, que ele se transformou que, entao, ja nao existia.

Ex-republicas soviéticas
nao integrantes da CEl

Em 8 de dezembro de 1991, Russia, Ucrania e Bielarus assinaram o Acordo de Minsk, proclamando a formacao da CEI e
declarando que ‘a Unido das Republicas Socialistas Soviéticas como sujeito da lei internacional e da realidade geopolitica nao
existe mais”. Era o verdadeiro golpe sobre Gorbatchev, liderado por Yeltsin.

445
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

eleigdes presidenciais, Aleksander Kwas-


Destaques dos ex-paises niewski, lider da Alianga Esquerda Democra-
socialistas na globalizacao tica (SLD), derrotou Walesa nas eleicdes
capitalista presidenciais de 1995 e de 2000 e assumiu
PE EA 5 Le SS I Se Se a meta de integrar a Pol6nia 4 Unido Européia
(UE), o que foi efetivado em maio de 2004.
Apos a derrocada do socialismo real no Kwasniewski foi sucedido por Lech Kaczyns-
Leste europeu e o fim da Unido Soviética, ki, do Partido de Lei e Justiga, de centro-
cada um dos ex-paises socialistas viveu direita, vitorioso nas eleigdes presidenciais de
graves crises econdmicas e politicas. Obriga- 2005. No inicio de 2006, a Polénia apresen-
dos a assimilar rapidamente as novas trans- tava o indice de desemprego mais elevado da
formag6es, esses paises se viram impelidos Europa, 18%, e tiveram inicio as discuss6es
para uma reestrutura¢do de seus Estados e de para definir a data de adogao do padrao
suas economias com o objetivo de se torna- monetario da Unido Européia, integrando o
rem atraentes aos investimentos do capital pais a zona do Euro.
ocidental. Embora a grande maioria tenha O antigo territ6rio da Alemanha Oriental
processado mudan¢as internas, nem todos firmou um lugar totalmente diferenciado no
foram vistos como mercados atrativos. cenario dos paises socialistas pds-Uniao So-
A abertura ao capitalismo internacional e viética. Inserida na globaliza¢gao capitalista,
a desmontagem da ordem socialista favore- gracgas a unificagdo com a Alemanha Oci-
ceram a emergéncia de uma nova elite dental, passou a ocupar de imediato um lugar
econdmica, uma nova "burguesia", em grande de destaque no equilfbrio mundial e no
parte descendente das criticadas elites buro- processo de forma¢do da Unido Européia.
craticas que ocupavam os altos cargos admi- Na Hungria, apds o fim do bloco socia-
nistrativos do perfodo anterior. Sem poder lista, tanto a economia como a politica se
contar com o auxilio financeiro da URSS, a voltaram para a Europa Ocidental. No plano
Uniao Européia tornou-se 0 novo polo de militar firmou-se, em 1997, 0 protocolo para
atragado econdmico e a Otan, 0 novo para- sua adesdo a Otan. No plano econdmico, a
digma da protecao militar. transi¢ao para o capitalismo se deu em meio
Na Poldénia, nos anos seguintes a vitdria a uma grave crise econdmica que levou o seu
do Solidariedade de Walesa nas urnas, as PIB a decrescer entre 1989 e 1996, tendo
dificuldades da transi¢do para o capitalismo uma leve recupera¢do a partir de 1997. Em
fortaleceram os oposicionistas, ex-comunistas 1999, 60% do comércio externo era realiza-
convertidos a social democracia e integrados do com a Unido Européia, projetando a sua
ao partido da Alianga Esquerda Democratica integragado a esse bloco, que se efetivou em
(SLD), que venceram as eleigdes parlamenta- 2004.
res de 1993 e as presidenciais de 1995. Nos Na Bulgaria, o fim da Unido Soviética
anos seguintes, até 2006, os poloneses ora representou a perda de um mercado que
ratificaram a vitdria da esquerda ora dos absorvia cerca de dois tergos de suas expor-
partidos de centro direita, refletindo o des- tacgdes. Em 1994, ante as conseqiiéncias da
contentamento com o quadro social e politico retragaéo do mercado externo, o governo
do perfodo. Em 1997, foi aprovada uma nova anunciou um plano de reformas com énfase
Constituigao, que reduziu os poderes presi- nas privatizagdes. Dois anos depois, o pais
denciais; nas eleicdes legislativas, uma coa- encontrava-se em uma grave crise financeira,
lizio de partidos de centro-direita, Acgao com a desvalorizagao de sua moeda. Protes-
Eleitoral Solidariedade (AWS), foi vitoriosa, tos populares ocasionaram a antecipa¢ao das
acelerando as reformas econémicas. Em eleicdes em 1997 e a vitéria dos anticomu-
1998, o estaleiro de Gdansk, berco do nistas, que aceleraram as reformas econdmi-
sindicato Solidariedade, foi privatizado e, cas com a privatizacao das terras coletivas.
em 1999, houve a adesdo a Otan. Nas Em 1999, o conflito na lugoslavia, pafs

446
O FIM DA GUERRA FRIA

vizinho, afetou a navegabilidade do rio acordo formal de “‘associa¢gao”’, no inicio de


Danubio, trazendo enormes prejufzos para a 2006, tido como um primeiro passo para o
Bulgaria (algo em torno de 13 bilhdes de ingresso no bloco da Unido Européia. Muitos
délares). Em meio as mudangas e crescentes arriscavam estimar que 2007 poderia ser o
dificuldades, ganharam impulso as conversa- ano da entrada da Albania na Otan e, entre
¢des entre o governo bulgaro e autoridades 2010 e 2015, na Unido Européia.
européias visando integrar o pais a Unido Apos 0 desmembramento da Tchecoslo-
Européia, culminando, em 2005, num acordo vaquia, tanto a Republica Tcheca como a
para o ingresso em 2007. Eslovaquia enfrentaram graves crises econd-
A Roménia, depois de uma série de micas. Na primeira, 0 momento crucial foi
manifestag6es populares desde o final da entre o final de 1997 e o comeco de 1998,
ditadura Ceausescu, teve promulgada uma quando o desemprego atingiu 6% da popu-
Constituiga4o em dezembro de 1991, que lagao economicamente ativa. Buscando uma
instituiu o pluripartidarismo e as bases para saida para a crise, em junho de 1998, o
a economia de mercado. Com um setor Partido Social Democrata ganhou as eleigdes
produtivo arcaico, a Roménia ficou pratica- para o Parlamento defendendo a incorpora-
mente a margem do comércio internacional. ¢do do pais na Uniao Européia e a adesdo a
Procurando levar o pais em dire¢do ao livre Otan. Em marco de 1999, 0 ingresso na Otan
mercado, 0 governo promoveu a privatizagao foi ratificado e, em 2004, a Republica Tcheca
de milhares de empresas estatais no final dos passou a integrar a Unido Européia, deixando
anos 1990. Em 2000, iniciaram-se as conver- para 2010 a realizagao de novas reformas
sagdes para juntar-se a Unido Européia; em econdmicas para ser aceita na zona do Euro,
2004, integrou-se a Otan. Em 2005, 0 gover- ou seja, dos paises que adotam o padrao
no da Roménia assinou acordo em que se monetario da Unido Européia.
comprometia a efetivar diversas reformas para Ja a Eslovaquia, logo apds 0 desmembra-
integrar a Unido Européia em 2007. mento, viveu uma grave crise politica. Em
A Albania emergiu do fim do socialismo meio a intensas manifestagdes populares
na condi¢aéo de na¢gado mais pobre do conti- contrarias as reformas econdmicas prd-capi-
nente europeu. Depois de uma histdria de talistas, deu-se uma disputa de poder entre o
extremo isolacionismo, com uma economia chefe do governo, Michal Kovac, e 0 primeiro
essencialmente agricola, apresentava um dos ministro, Vladimir Mérciar. Com o fim do
mais baixos niveis de desenvolvimento hu- mandato de Kovac, Mérciar passou a acumu-
mano (IDH) da Europa. Sob uma grave crise lar os dois cargos e a usar seu poder para
econdémica, 0 pafs conviveu, nos anos 1990, impedir a realizagao de novas eleicoes,
com uma taxa de desemprego que chegou a ganhando forte oposi¢ao interna. Em meio
25% da populag¢aéo economicamente ativa. as pressOes, O governo teve que permitir
Associou-se a isso 0 agravamento do conflito novas eleigdes legislativas, sendo vencido
militar na provincia iugoslava de Kosovo (de pela Coligagéo Democratica. Com ela, 0 pais
maioria étnica albanesa), que inseriu no pais, voltou a postular uma aproxima¢gao com a
entre 1998 e 1999, aproximadamente meio Uniao Européia. Em 1999, a popula¢ao, por
milhao de refugiados. O grau de tensdo social meio de um abaixo-assinado, exigiu a reali-
produzido por essa realidade e as sucessivas zacao de elei¢Ges diretas para presidente. Em
crises politicas levaram uma grande parcela maio do mesmo ano, a Eslovaquia elegeu seu
da populagao albanesa a abandonar o pais e primeiro presidente por via direta. Em marc¢o
buscar o exilio principalmente na Italia ou na de 2004, a Eslovaquia foi admitida na Otan e,
Grécia. No final de 2005, de acordo com o em maio, na Unido Européia. No inicio de
Instituto Estatistico do pais, Instat, cerca de 2006, o governo da Eslovaquia declarou ser
25% da populagdo da Albania vivia na capaz de atender, até 1° de janeiro de 2007,
pobreza. As conversagées entre as autorida- as exigéncias dos paises da Unido Européia
des européias e albanesas resultaram num para ingressar na zona do Euro naquela data.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Entre essas exigéncias, destacam-se: conse- Depois da declaragdo de independéncia


guir manter um déficit orgamentario anual de da Crodcia e da Eslovénia, em meio a
até 3% do PIB (Produto Interno Bruto); confrontagdo, o Parlamento de Belgrado
inflacdo anual de até 2,4%; e endividamento decidiu criar, em 1992, a nova lugoslavia,
ptiblico abaixo de 60% do PIB. formada apenas pela Sérvia e por Montene-
A crise socioeconémica que se instalou gro. Em seguida, a Assembléia da ONU
na ex-Uniado Soviética e nos paises do Leste reconheceu os varios novos paises da ex-
europeu, com uma inflagdo galopante e reptblica iugoslava e determinou embargo
queda da produgao nacional, somou-se, em comercial total contra a Sérvia, em razao do
algumas regides, 0 conflito étnico-politico, apoio de Belgrado aos sérvios da regiao da
destacando-se o da Boésnia-Herzegovina e Bésnia, que haviam criado uma republica
Croacia, na ex-lugoslavia, e o da Chechénia, rebelde e se opunham a independéncia da
na Russia. Bésnia muculmana e croata.
Nem negociagdes nem a presenca de
tropas da ONU ou sancées econdémicas im-
postas pelos Estados Unidos e Unido Européia
a nova lugoslavia conseguiram a pacifica¢ao
da regiao. Com os bombardeios de suas posi-
¢6es por tropas da ONU e da Otan, os sérvios
bésnios chegaram até a seqiiestrar centenas de
soldados das NagGes Unidas (os "capacetes
azuis"), ampliando a violéncia na regiao.
Nesse aspecto, os grupos rivais chegaram
a Criar e manter "campos de concentra¢do" de
prisioneiros, promover exterminio em massa
— na pratica, "limpeza étnica" — e estupros
generalizados, sem deixar nada a dever a
barbarie das violéncias realizadas durante a
Segunda Guerra Mundial por nazistas.
Somente em 1995, depois de quatro anos
de uma guerra que deixou um saldo de 250 mil
mortos, centenas de milhares de feridos e
quase 3 milhdes de refugiados, é que as diver-
sas facc6es da guerra civil, pressionadas pelas
maiores poténcias mundiais, assinaram um
acordo de paz a ser implementado na regido.
A paz — avalizada pelos governos dos
Estados Unidos, Reino Unido, Franga, Ale-
manha, Russia e Espanha — determinava a
divisdo territorial da Bdsnia-Herzegovina,
cuja viabilizagao contaria com a atua¢ao de
A abertura politica dos anos 1990, trazida tropas e observadores da ONU e da Otan.
pela queda do socialismo real, desembocou O acordo — chamado pelos norte-ameri-
em eleigGes nas quais os comunistas foram canos de Acordo de Dayton (cidade do
derrotados em varias republicas, mas vence- estado de Ohio, onde foram realizadas as
dores em Montenegro e na mais poderosa negocia¢gées) e pelos franceses de Tratado de
delas, a Sérvia, sob a liderancga de Slobodan Paris (local da assinatura do documento) —
Milosevic. As republicas da Crodcia e Eslo- constituiu, até entéo, 0 mais importante
vénia decidiram abandonar a uniao (1991), avancgo para a pacificagao e estabilizagao
dando inicio a guerra civil. da Bosnia.
O FIM DA GUERRA FRIA

Em 1998, entretanto, ganhou intensidade dos no territdrio da ex-lugoslavia, sendo o


o conflito separatista de Kosovo, provincia de primeiro organismo internacional dessa natu-
maioria albanesa (mais de 80% da popula¢ao), reza desde o imediato pds-Segunda Guerra
mas controlada pela lugoslavia. A violéncia Mundial (Tribunais de Nuremberg, Alemanha,
dos confrontos entre os kosovares do Exército e de Tdquio, Japao). Além de Milosevic,
de Libertagao de Kosovo (ELK) e 0 exército apelidado de o “carniceiro dos Balcas’’,
iugoslavo repetiu-se nas atrocidades varias dezenas de outros politicos e militares
dos campos de exterminio e "limpeza étnica", foram procurados ou presos para serem
levando a interveng¢do da Otan, em 1999. julgados pelo Tribunal. Quanto a Milosevic,
Liderada pelos Estados Unidos, a organiza¢gao o julgamento, com varias interrup¢ées, ini-
militar fez mais de 25 mil incursdes aéreas, ciou-se em 2002 e continuou até marco de
bombardeando a lugoslavia e pressionando o 2006, quando foi encontrado morto em sua
seu governante, Slobodan Milosevic, a aceitar cela na pristo da ONU, perto de Haia, na
um_acordo para a pacificagdo da regiao. A Holanda.
rendi¢do incondicional da lugoslavia foi ob- Por sua vez, a lugoslavia deixou de existir
tida em mais uma guerra com caracteristicas de oficialmente em fevereiro de 2003, passando
video game (como a do Golfo) e sem nenhum a se chamar Unido da Sérvia e Montenegro, e
registro de morte de militar a servico da Otan. ficou definido que, em trés anos, um plebis-
Milosevic, no entanto, permaneceu no cito em cada uma das nac¢6es decidiria se
governo, e tiveram continuidade as a¢des de esse Estado continuaria existindo ou se iria
exterminio em Kosovo, s6 que dessa vez prevalecer a completa separacao entre Sérvia
dirigidas pelos mugulmanos albaneses contra e Montenegro. Em 2006 ficou decidida a
a minoria sérvia local, aprofundando um separacao.
quadro macabro de destruigao, ddio e vio-
léncia. Para reverter esse quadro, Kosovo foi
transformado num protetorado internacional
desde 1999, ficando o controle militar a
cargo de uma for¢a de paz estrangeira (Kfor)
e a administragao nas maos de uma missao da
ONU (Unmik).
A seqiiéncia de guerras arrasou toda a
regido da ex-lugoslavia e, em outubro de
2000, presses populares levaram ao afasta-
mento de Slobodan Milosevic do poder.
Vojislav Kostunica, representante da princi-
pal coligacdo de oposicao, foi indicado seu
sucessor com o apoio internacional, na
777) Sérvia e Montenegro até
esperanga de por fim aos conflitos na Sérvia ~ 0 plebiscito de 2006
(lugoslavia de 1992-2002)
e promover a reorganizacao de toda a regiao,
bem como o retorno dos milhares de refugia-
dos que abandonaram as reptblicas da ex- Adap.: SIMIELLI, Maria Elena. Geoatias. 30. ed. Sao Paulo:
Atica, 2000. p. 45.
lugoslavia em diregao ao Ocidente durante os
anos de guerra, aliviando, assim, a tensdo nas Toda a regiao da ex-lugoslavia foi profundamente afetada
por guerra civil, intervencao e bombardeios da ONU/Otan/
fronteiras da Europa desenvolvida. Estados Unidos e sangées internacionais. Nem mesmo a
Em 2001, 0 ex-lider Slobodan Milosevic iniciativa do Acordo de Dayton/Paris conseguiu deslanchar
foi extraditado para julgamento no Tribunal uma pacificacao definitiva na regiao, dado o reforco da
Internacional de Crimes de Guerra em Haia, rivalidade étnica, religiosa e politica desenvolvida no pos-
guerra Fria. Em 2006, um plebiscito decidiu pela separagao
Holanda. Esse tribunal fora criado pela ONU, das duas regides, formando dois novos Estados: Sérvia e
em 1993, para julgamento de crimes de Montenegro. Observe no mapa acima a transi¢ao dessa
guerra e crimes contra a humanidade ocorri- separacao.

449
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

Juntamente com Grozny, a capital, varias Parlamento, em 1993, seguido de eleigées,


outras cidades mergulharam em violentos que renovaram o legislativo russo, e da apro-
confrontos e nem mesmo um acordo de paz vacao de uma nova Constitui¢do para o pais.
assinado entre os rebeldes e autoridades da Em 1996, Yeltsin foi reeleito para mais
Russia conseguiu pacificar o territorio. Trans- um mandato presidencial, sofrendo forte
formada em reptblica autsnoma com o fim oposi¢ao politica e seguidas pressdes, entre
da guerra de independéncia em 1996, e as quais a ameaca de impeachment em 1999,
tendo populagao de maioria chechena e sob a acusa¢ado de ser o responsavel pelo
religido muculmana, a Chechénia nao conse- quadro de progressivo desmoronamento so-
guiu a aceitacao oficial de seu separatismo, o cial, econdmico e politico da regiao. Porém,
que motivou seguidos enfrentamentos com as através de um estratagema politico, Yeltsin
autoridades russas. renunciou a presidéncia, em 31 de dezembro
Em 1999, apds indmeros atentados terro- desse mesmo ano, assumindo Vladimir Putin,
ristas em varias cidades russas atribuidos a entao primeiro-ministro. Com essa manobra,
mu¢gulmanos apoiados pela Chechénia, o Yeltsin salvou-se de uma devassa em suas
governo de Moscou iniciou uma forte ofensi- contas publicas e privadas e, antecipando as
va militar contra o territorio rebelde, sem eleigdes, conseguiu eleger seu sucessor.
conseguir, no entanto, a sua completa sub-
missao. Em quase meia década de conflito,
morreram milhares de soldados russos e
dezenas de milhares de chechenos (de uma AFP/Corbis

populacao de 1,2 milhao), a maioria entre a


populacao civil; além disso, houve o éxodo
de mais de 300 mil refugiados.
Os diversos novos atentados realizados
por separatistas chechenos em 2002 levaram
Vladimir Putin a convocar um referendo para
mar¢o de 2003. Entre 100 eleitores cheche-
nos, quase 90 (89%) votaram a favor de uma Viadimir Putin ao
nova Constituigéo chechena, confirmando assumir a presidén-
sua vinculagao a republica da Russia. Mesmo cia da Russia em
1999.
assim, diversos atentados terroristas ocorre-
ram por parte de radicais em 2004 e 2005. Putin fora o grande articulador das ofen-
Varias outras regides da Russia também sivas sobre o territ6rio da Chechénia, em
proclamaram sua independéncia, a exemplo 1999, associando a sua figura ao sentimento
da Tartaria e do Dniéster (na Moldova). A de defesa da tao desgastada soberania nacio-
diversidade étnica da Russia, no inicio do sé- nal russa. Com a imagem de “homem de
culo XXI, servia de combustivel para a instabi- pulso firme’, ganhou o reconhecimento pt-
lidade sociopolitica. A dificuldade para acor- blico nas eleigdes de marco de 2000 e
dos de paz residia nessa ampla variedade étni- ratificou-se na presidéncia em um momento
ca que ha séculos prevalece na regiao. A Russia de grave crise. Os dados eram implacaveis:
conta com o predominio de russos étnicos embora 99% da populagao fosse alfabetiza-
(85% de sua populacdo), mas também com da, 35% dela vivia abaixo da linha de po-
diversos outros grupos minoritarios distribuf- breza; o indice de desemprego era de 12,4%
dos por seu vasto territorio, entre eles os tarta- em marcgo de 1999; a inflacdo, de 40% ao
ros, ucranianos, tchuvaques, bashquires, bie- ano (1999), e o mercado negro movimentava
lo-russianos, casaques, usbeques, ossétios, étc. 22% do PIB. Até mesmo Putin reconhecia:
No plano politico, o presidente Béris “Somos um pais rico de gente pobre”
Yeltsin enfrentou franca oposi¢ao parlamen- (Citado em O Estado de S. Paulo, 26 mar.
tar, que acabou por levar ao fechamento do 2000, p. A24). Contudo, em marco de 2004,

450
O FIM DA GUERRA FRIA

a imagem de autoridade firme de Putin no a alta dos precos do petrdleo no mercado


governo da Federacao Russa foi decisiva para internacional, considerando que o pais, junto
que fosse reeleito, obtendo 71% dos votos com a Arabia Saudita, € o maior produtor de
nas eleigdes presidenciais. petrdleo do mundo.
Na situagdo inversa esta a queda na
Retragao da economia russa expectativa de vida e o reflexo sobre o
“A retragao econdmica russa foi conjunto da popula¢ao russa, que diminuiu
1,8 milhado entre o recenseamento de 1989 e
continua de 1991 até 1998, exceto em
2002. “Neste ritmo, os especialistas da ONU
1997, quando houve pequena expansdo de
estimam que 0 pais mais vasto do mundo nado
018%. O desmoronamento econdmico
deve contar mais de 101,5 milhdes de
provocou, em 1998, a desvalorizagao da
habitantes em 2050. Os resultados do censo
moeda (rublo) e a decretagao da mora-
mais recente, que acabam de ser divulgados
toria (adiamento do pagamento da divida oficialmente, mostram também que esta evo-
externa), ocasionando uma crise finan- lugéo vem acompanhada por uma desertifi-
ceira internacional e o agravamento aas ca¢ao das zonas rurais, as quais estao con-
condigdes sociais internas. Ainda em frontadas ao envelhecimento de sua popula-
1999, a economia russa voltou a reagir, ¢do”” (segundo SUBTIL, Marie-Pierre. In: Le
crescendo 3,2%, € a taxa de desemprego Monde, 27 fev. 2004. Trad. Jean-Yves de
recuou para 11%. Em 2000, o crescimento Neufville na UOL).
russo chegou a 8,5%. Mesmo assim, pelo
menos 26% dos russos continuavam
vivendo abaixo da linha de pobreza em
2000, segundo o Banco Mundial. Em
2001, a Federagao Russa cresceu 5% e,
em 2002, 4,2%. Em 2003, o presidente
Vladimir Putin tragou o objetivo de
duplicar o PIB russo até 2012, conse-
guindo o crescimento de 6,9% em 2003 e
7.1% em 2004.”
Segundo a agéncia EFE. Disponivel em:
<noticias.uol.com.br/ultnot/2Z005/02/01/
ult1767u32997,jntm>. Acesso em: 1.° fev. 2005. Sergei
Smolsk
photos

Manifestagao de pensionistas na Russia (em janeiro de 2005)


Mais recentemente, enquanto alguns contra as politicas de governo de Putin. No cartaz lé-se:
ndmeros da economia russa davam sinais “Um aposentado faminto é mais terrivel que um lobo”.
de recuperagao, outros continuavam mos- Observe as bandeiras da velha Unido Soviética carregadas
pela multidao.
trando os efeitos das transformagdes das
altimas décadas. Quanto ao crescimento
econémico, dois exemplos comprovam o A partir da década de 1980, a Russia —
quadro: o PIB russo cresceu 6,4% em 2005 maior pais em extensdo territorial e segundo
(conforme Folha de S.Paulo, 1° fev. 2006, p. com maior arsenal de armas nucleares do
A13) e as reservas em ouro e dolares da planeta (0 primeiro pertence aos Estados
Federagéo Russa chegaram a ultrapassar os Unidos) — deixou de ser um dos lideres
120 bilhédes de dolares no inicio de 2005, mundiais e passou a posi¢ao de grande
saltando para 201,7 bilhdes de délares em incégnita no comecgo do novo milénio. Isso
marco de 2006 (conforme UOL Economia: se deu em razao do processo descontrolado
<noticias.uol.com.br/economia/ultnot/efe/2006/03/1 6/ult1 767u62885.,jhtm>. das privatizagdes e das medidas tomadas para
Acesso em: 16 mar. 2006). Contribui para isso a liberalizagdo da economia, consideradas
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

indispensaveis tanto para a atracdo dos contra si a fragilidade de suas economias


investimentos de capitais externos como para associada a voracidade dos investidores inter-
a insergao do pais na ldgica do mercado nacionais. Na grande maioria deles, a situagao
capitalista ocidental. Uma das conseqiién- social advinda dessa combinagao levou a
cias mais assustadoras dessa realidade foi realidades muito mais dificeis de equacionar
aquela que levou a mafia russa, por meio da do que as enfrentadas no passado.
corrup¢do da burocracia estatal, a controlar,
no inicio do século XXI, entre 60 e 70% dos
negocios realizados no pais. Concentracao
de riquezas e ampliacgao das desigualdades
socioecondmicas resultaram, no final de
2005, na existéncia de algo proximo a 33
bilionarios e 88 mil milionarios em délares
na Russia (Conforme Folha de S.Paulo, 26
nov. 2006, p. Aé).
O pés-socialismo, tanto para o Leste
europeu como para as ex-republicas soviéti-
cas, representou, de modo geral, dificuldades
econdémicas e sociais. O PIB de 1997 de cada
uma das ex-reptblicas, por exemplo, era
inferior ao de 1990, num claro sinal de
empobrecimento. Em 1997, o PIB do Taji-
quistao representava 32,7% daquele de 1990.
O da Moldavia, 40,1%; o do Azerbaijao,
42,2%; 0 da Ucrania, 42%; o da Gedrgia,
50,2%; 0 da Quirguizia, 56,2%; o da Fede-
ragdo Russa, 58,2%; o do Casaquistao,
61,8%; o da Arménia, 63%; o de Belarus,
66%; o do Usbequistéo, 79,9%; e o do
Turcomenistao, 92,5%.
Obrigados a processar uma transi¢ao para
O livre mercado que lhes permitisse ser absor-
vidos pelo novo modelo de desenvolvimento
capitalista, os paises ex-socialistas tiveram
O SOCIALISMO NA CHINA
E EM CUBA

m 1949, Mao Tsé-tung liderou uma za¢ao das industrias e a reforma agraria, para
revolu¢ao popular que sepultou a enfrentar as dificuldades econdémicas, que, no
velha condi¢ao de ‘‘quintal do mun- entanto, ressurgiram com a Guerra da Coréia,
do’’ que caracterizara a China desde o século em 1950. O primeiro plano qiinqiienal,
XIX. A forga do sentimento nacional e a atua- anunciado em 1953 por Chou En-lai, propu-
¢ao do Partido Comunista Chinés criaram nha uma nova linha geral de transi¢ao para o
uma via socialista independente, que se des- socialismo, com prioridade para a industria
garrou do bloco monolitico soviético e até se pesada. Em 1955, a coletivizagdo da agricul-
rivalizou com ele. Os fundamentos da ideo- tura acelerou-se com a organizagao de um
logia marxista indicavam que a revolucao se milhdo de cooperativas. Atingia-se, assim, 0
faria baseada no operariado urbano; na fim do capitalismo, implantando-se as trés
China, entretanto, a lideran¢a foi da popula- transformag¢ées socialistas basicas: expropria-
¢ao rural, camponesa, o que firmou sua sin- ¢do da burguesia industrial, expropriagao do
gularidade politica, em plena Guerra Fria. comércio urbano e instalagdo de um movi-
A autonomia do socialismo chinés foi mento cooperativo no campo.
conseguida gradualmente, passando por Com as reformas, apesar de a produtivi-
acordos iniciais com a Unido Soviética e dade industrial ter crescido 400% entre 1949
chegando aos atritos e rupturas do final do e 1959, os salarios s6 aumentaram 52%. Mao
anos 50 e inicio dos 60. Tsé-tung, aos primeiros sintomas de que o
Quanto a Cuba, o socialismo foi estabe- desenvolvimento socialista estava aquém das
lecido em meio a derrubada de uma ditadura exigéncias sociais e ameagando o governo do
apoiada pelos Estados Unidos, originando um Partido Comunista, proclamou uma liberali-
Estado que ativou diversas politicas alinhadas zacao interna. E de maio de 1956 sua frase:
com os soviéticos e o Leste europeu e que “Que cem flores desabrochem, que cem
mergulhou em profundas dificuldades apds o escolas de pensamento rivalizem entre si’’.
fim da Guerra Fria. As criticas contra 0 governo cresceram e O
Movimento das Cem Flores se _ intensificou,
levando o governo a reagir com uma grande
campanha antidireitista que levou milhares de
A China comunista pessoas a priséo. Mao justificou-se dizendo que
eee
ee ee ee a Campanha das Cem Flores tinha por objetivo
“fazer serpentes sairem de suas tocas”’.
Vitorioso em 1949, o PCC (Partido Co- Iniciado como um processo de democra-
munista Chinés) aproximou-se da Unido So- tizagdo, o Movimento das Cem Flores aca-
viética, assinando no ano seguinte um tratado bou, contraditoriamente, reforgando o poder
com Stalin — o Tratado de Amizade, Alian¢a e do Partido Comunista Chinés, que, em agosto
Ajuda. No plano interno, 0 novo governo de 1957, decidiu-se pelo programa de refor-
adotou medidas drdasticas, como a nacionali- mas chamado Grande Salto para a Frente.

coy)
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Este, ao deslocar os subsidios econdmicos da O conflito sino-soviético


industria para a agricultura, confirmava o
predominio da base camponesa do socialis- As divergéncias entre os comunistas
mo chinés. chineses e o PCUS (Partido Comunista da
Unido Soviética) j4 existiam muito antes da
Lu Ding Yu, membro do Bureau polli- vitoria revolucionaria de 1949. Apds a revo-
lucdo, entretanto, elas se intensificaram, pois
tico do PCC, expressou uma posigao to-
Mao Tsé-tung se posicionou pela autonomia
talmente herética para o comunismo
politica em relagao 4 Unido Soviética, embo-
guiado mundialmente pela Unido Soviéti-
ra necessitasse de sua ajuda material, mesmo
ca: “O proletariado deve conduzir as
que pequena.
maseas camponesas para levar a térmi- Em 1957, a Unido Soviética compromete-
no a revolugao democratica; a revolugao ra-se a fornecer armas nucleares a China,
democratica é uma guerra camponesa e através de um tratado, que, no entanto, foi
uma revolugao agraria; a revolugao de- rompido em 1959 pelos soviéticos, envolvidos
mocratica deve transformar-se em so- nos preparativos para um encontro com Eise-
cialista pela revolugdo permanente. Es- nhower, dentro da politica da coexisténcia
sas idéias guiaram as vitorias ininter- pacifica. A atitude soviética recebeu severas
ruptas de nossa revolugao”. criticas dos chineses, para os quais o imperia-
- COGGIOLA, Osvaldo. A revolugao chinesa. p. 46. lismo norte-americano continuava ameac¢a-
dor. Em represalia, a Unido Soviética retirou,
em 1960, seus conselheiros técnicos da China.
A mobilizagao da populagao foi geral, e
até intelectuais e estudantes foram conclama-
dos a trabalhar no campo. Entretanto, mesmo
com o crescimento da produgao rural em
65%, as dificuldades continuaram obrigando
ay

as correc¢des de rumo. Na verdade, o projeto sso eumae de 130allies? de


Grande Salto teve resultados positivos limi- ddlares (1954). O resto, maquinas, equi-
tados, uma vez que, nesse mesmo periodo, as pamentos técnicos, tudo sera pago pela .
relagdes sino-soviéticas tornaram-se mais di- China a prego de mercado mundia Os is
ficeis, intensificando a oposi¢ao interna ao técnicos sovieticos, por ‘exemplo, eram
Partido Comunista Chinés e as dissidéncias. pagos em ddlares americanos. Tudo isso_
provocou uma drenagem de divisas da
China para a URSS. A escassez da ajuda
soviética salta aos olhos quando sabe- |
mos qué, no mesmo periodo, a URSS ©
emprestou a China 430 milhdes de
dolares, € a India, um pais. capitalista
menor que a China, 680 milhdes. Muitos
outros paises capitalistas eram, propor-
cionalmente, mais bem tratados pela
URSS do que a China socialista. Os
comunistas chineses sabiam disso per-
feitamente. Se o conflito nao se mani-
festava abertamente, é@ porque o PCC
continuava soil gascom a — sovie-
tica.”
Na década de 50, a China passava por intensas transforma- COGGIOLA, Osvaldo A ig cas chinese. p. 52.
¢6es econémicas e culturais.
O SOCIALISMO NA CHINA E EM CUBA

A politica internacional de Kruschev tal forma que, entre os dois paises, existiam
somavam-se sua priorizagao da produgao de somente algumas modestas transacdes eco-
bens de consumo e a desestalinizacdo, as nomicas e questdes diplomaticas de rotina.
criticas ao culto da personalidade. Tal politica Somente a partir de 1986 registraram-se
distanciava a linha do PCUS da do PCC, pois progressos na reaproximac¢ao entre eles.
os chineses buscavam desenvolver a industria
de base e Mao Tsé-tung era apresentado
como 0 grande guia chinés, tornando-se alvo
da critica ao culto da personalidade. O
agravamento das relacGes sino-soviéticas A Revolucao Cultural (1966-1976)
chegou, em 1962, ao ponto de ruptura,
quando o PCC acusou Kruschev e 0 PCUS Buscando fortalecer-se pessoalmente,
de “‘revisionistas’’, ou seja, OS soviéticos Mao Tsé-tung deu inicio, em meados da
estariam modificando as teses marxistas ori- década de 60, a um movimento de expurgos
ginais, fugindo do socialismo puro. a opositores politicos dentro do governo — a
Revolucao Cultural — que envolveu toda a
popula¢ao chinesa.
Esse movimento, que comec¢ou tentando
integrar o trabalho manual ao intelectual,
ativou o fervor revolucionario, a participagao
popular, a produtividade e atacou a burocra-
tizagao partidaria e governamental. Logo
desdobrou-se em criticas ao PCC, aos oposi-
tores de Mao, apelidados de “prdé-burguesia’’,
“kruschevistas’””, atraindo a participagao de
toda a sociedade contra 0 inimigo capitalista.
Os dazibaos, jornais-murais publicos feitos
por populares se espalharam pelo pais, gene-
ralizando 0 movimento.
Cartaz chinés de 1967 criticando a politica de Kruschov.O A Revolugdo Cultural logo transformou-
conflito sino-soviético derivava de divergéncias ideoldgicas,
mas afetava pontos politicos e econdmicos entre os dois se numa luta pelo poder, empreendida pelo
paises. grupo maoista, sustentado pelo Exército Po-
pular de Libertagao, liderado por Lin Piao,
A rivalidade desdobrou-se, em seguida, contra o grupo de Liu Shaochi e Deng
em conflitos de fronteiras, com soviéticos e Xiaoping, fortes opositores de Mao dentro
chineses encarando-se com muito mais des- do Partido Comunista Chinés. Estes e seus
confianga do que ao seu inimigo comum — o seguidores acabaram sendo perseguidos e
imperialismo norte-americano. Enquanto o forgados a fazer autocritica publica. O movi-
monolitismo socialista se desestruturava, a mento cresceu, multiplicando as organiza-
China tratava pouco a pouco de aproximar-se ¢6es revolucionarias, que se inspiravam no
diplomaticamente dos Estados Unidos. Ja nos livro Pensamento de Mao Tsé-tung, que ficou
anos 70, essa politica lhe possibilitou o conhecido como ‘Livro Vermelho’’. Nele
ingresso na ONU (1971) e a visita do firmavam-se as idéias de reeduca¢ao socia-
presidente norte-americano, Richard Nixon lista, de criticas ao burocratismo, de fidelida-
(1972). Com uma politica aut6noma, os de a Mao e permanente alerta contra o
chineses tornaram-se belicamente auto-sufi- inimigo.
cientes, adquirindo também poderio nuclear: A esposa de Mao Tsé-tung, Chiang
explodiram sua primeira bomba at6mica em Ching, comandava o Grupo Central da Re-
1964 e a de hidrogénio em 1967. volugado Cultural, que reprimiu nao s6 os
Em 1969, as relagdes entre China e acusados de direitistas como também os ultra-
Unido Soviética haviam se deteriorado de esquerdistas, que pretendiam aprofundar ain-

cove)
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

da mais as criticas e o andamento da prépria Foi neste contexto que a critica ironica
Revolucado. No final de 1967 e inicio de do Ocidente a Revolugao Cultural chinesa
1968, consolidou-se a autoridade de Mao, produziu a frase: “Com a ‘RevolugZo-
que expurgou do partido seus opositores,
Cultural, a China ia de Mao a tee a
entre os quais Deng Xiaoping. Mao sobrepés-
Entretanto, contrariando ‘expectatiivas, rn
se até mesmo ao PCC, transformando-se no
logo no inicio dos anos Oe: China
lider maximo nacional, a quem chamavam de
continuou sob o controle de Mao gragas,
“Oo grande timoneiro”.
especialmente, aos rumos impostos a
propria Revolugao Cultural. 1 are OF VW dy fii 6

Em janeiro de 1976, morreu o primeiro-


ministro Chou En-lai, habilidoso diplomata e
conciliador das varias tendéncias do PCC, e
em setembro, Mao Tsé-tung, com 83 anos de
idade, abrindo um novo periodo de disputa
pelo poder na China.
A China | que Mao deixou aos seus suces-
sores, mesmo com os impasses quanto a
continuidade de avancos e caminhos a serem
seguidos, era bem diversa da que herdara no
inicio da revolugdo de 1949. E preciso desta-

BRSTREE
RE|
Mao Tsé-tung, como “‘o grande timoneiro”, o lider maximo.
car que, quando MaoTsé-tung assumiu 0 po-
der, a China possuia uma popula¢ao proxima
a 540 milhdes de pessoas e que, ao morrer, o
numero de habitantes ja alcancava quase 950
milhdes, gragas a drastica redugao da morta-
Ampliando seu poder, Mao, a partir de
lidade infantil. Mais que isso, seis anos depois
1970, entrou em choque com Lin Piao, seu
da sua morte, em 1982, a expectativa de vida
sucessor nomeado e chefe do Exército Popu-
média chinesa tinha chegado aos 68 anos,
lar, organizagao mais forte que o proprio
quando em 1949 beirava os 35 anos. Mesmo
partido. Lin Piao é derrubado do comando
sem conseguir eliminar o analfabetismo, com
militar, morrendo em 1971, segundo versdo
mais de um quarto da popula¢do marginali-
oficial, vitima de um acidente aéreo quando
zada da formag4o basica, tinha, no entanto,
tentava fugir para a Unido Soviética.
multiplicado por seis as matriculas nas escolas
primarias chinesas.
A efervescéncia revolucionaria chine-
sa inspirou diversos intelectuais ociden-
tais, de artistas a cientistas, muitos
deles ja descrentes nas promessas e na A China pos-Mao
viabilidade do socialismo soviético. Da
mesma forma, o proprio movimento estu- Em fins de 1976, Hua Kuofeng assumiu o
dantil ocidental, muito ativo nos anos governo chinés imprimindo uma linha politi-
~ 60, culminando no grande movimento de ca de centro, tornando os partiddrios de
1968, bebeu muita motivago no otimis- Chiang Ching extrema esquerda e o grupo
mo radical difundido pelos chineses e na de Deng Xiaoping, direita. Em 1977, ocorre a
frustragao do desenvolvimento da Unido reabilitagao de Deng e, 4 medida que se deu
Soviética — a Primavera de Praga fora sua ascensdo no PCC, o grupo de Chiang
apenas um transbordamento exemplar. Ching foi marginalizado, culminando com
sua prisdo e julgamento em 1981.

ecole)
O SOCIALISMO NA CHINA E EM CUBA

Enquanto a esposa de Mao era condena- Durante os anos 1990, especialmente


da como responsavel pelos excessos da apds a morte de Deng Xiaoping (fevereiro
Revolucao Cultural (perseguigdes, imposicao de 1997) e a lideranga politica seguinte de
de autocriticas, impostos, culto 4 personali- Jiang Zemin, ficaram patentes duas incdgnitas
dade), Deng Xiaoping, agora lider do governo para a continuidade do desenvolvimento
chinés, iniciava o periodo de ‘‘desmaoiza- chinés. Em primeiro lugar, a questao da maior
¢ao” do pais, afastando seus adeptos do integracdo ao capitalismo globalizado e seu
governo. No final dos anos 80, a imagem de enfrentamento com a burocracia herdada da
Mao Tsé-tung perdera totalmente a for¢a que ordem socialista, a corrup¢ao e a ineficiéncia
possuira durante mais de trinta anos. produtiva. Em segundo lugar, a nao-simetria
A meta prioritaria do governo Deng entre a abertura econdmica e liberdades
Xiaoping era a moderniza¢ao da agricultura, politicas, além dos efeitos da ampliacgado das
da inddstria, da defesa e das areas de ciéncia desigualdades sociais com a economia de
e tecnologia, isto é, as quatro moderniza- mercado.
¢des. Sdo criadas as Zonas Econémicas
Especiais (ZEE), abertas a investimentos es- Esse quadro tinha se corporificado de
trangeiros, e € incentivada a propriedade forma evidente nas pressdes pela liberaliza-
privada no campo. O modelo torna-se co- ¢do politica na China durante a década de
nhecido como economia socialista de mer- 1980, atingindo seu apice em abril de 1989,
cado. Essas medidas atrafram para a China com a ocupa¢ao popular da Praga da Paz
uma imensa onda de investimentos externos, Celestial, no centro de Pequim. Como um
fazendo com que 0 pais intensificasse o inicio novo “‘assalto ao céu” (busca do paraiso
da reversdo do predominio agrario da época socialista), exigiu-se liberdade de manifesta-
de Mao, passando na década de 1980 a ter ¢do e de imprensa, num movimento liderado
uma popula¢ao rural abaixo de 80%. por estudantes em busca da democratiza¢ao.

Images
CNN/Getty

Photos
Sygma/S
Features
China

A violenta repressao a ocupacao da Praca da Paz Celestial por estudantes, em 1989, valeu ao governo de Deng Xiaoping (em
entrevista coletiva, a direita) a condenagao internacional. A esquerda, imagem de televisao de Pequim em que um estudante
tenta barrar o avanco de tanques com seu préprio corpo, em protesto contra o autoritarismo governamental.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Entretanto, 0 governo adotou uma linha a entrada de empresdrios no PCC e as


repressiva, sufocando o movimento a forga, seguidas taxas de crescimento econdmico
nao admitindo medidas pela ampliagao das superiores a 7,5%, chegando a 9,9% em
liberdades politicas nos anos seguintes. 2005. Somente em 2005 as reservas interna-
No final dos anos 1990, a China acele- cionais chinesas cresceram 209 bilhdes de
rou sua remodelagao econémica, destacan- délares, chegando a um total de 819 bilhdes
do-se 0 15° Congresso do Partido Comunista de ddlares, a segunda maior do mundo, sé
Chinés, de 1997, que rompeu com um dos abaixo das reservas japonesas (847 bilhdes
principios basicos do comunismo — a pro- de délares). Com um PIB de 2,26 trilhGes de
priedade dos meios de produgao. Anunciou délares em 2005, a China assumiu a posi¢ao
um gigantesco plano de privatizagdes. Com de 4? maior economia mundial, atras apenas
a recupera¢ado de Hong Kong (1997), um dos dos Estados Unidos (12 trilhdes de dodlares),
maiores mercados financeiros do mundo, e Japdo (4,69 trilhGes de ddlares) e Alemanha
Macau (1999), que permaneceram por longo (2,73 trilhdes de ddlares). Dessa forma,
tempo como coldénias da Inglaterra e de reforga-se a afirmagado repetida por muitos
Portugal, respectivamente, a economia de analistas quanto a situagcdo chinesa: € um
mercado chinesa ganhou for¢ga ainda maior. pais que implementa fortemente ‘‘uma pe-
No caso de Hong Kong, a China assumiu o restroika sem glasnost’.
controle da sua politica externa e de defesa,
comprometendo-se a manter o seu sistema
econdmico e sua autonomia administrativa
até 2047. As altas taxas de crescimento da
economia chinesa, como também a crescen-
te oferta de produtos chineses nos mercados
mundiais, deveram-se muito a estratégia de
atrair investimentos estrangeiros para as
cidades do litoral, oferecendo em troca
mao-de-obra barata.
Neste inicio do século XXI, sob o
comando de Jiang Zemin e de Hu Jintao
(nomeado em novembro de 2002 como
sucessor de Zemin), a China continua am-
2001 2002 2003 2004
pliando mais e mais a abertura ao sistema
capitalista, combinando-a com a ordem 22
comunista herdada da revolucao de 1949.
Assim, uma certa liberdade econdmica —
demonstrada por fatos como os chineses
terem seus proprios negécios, abertura para
investimentos estrangeiros, maiores vinculos
com o circuito de negdcios internacionais,
permissao ao consumismo, liberdade para 900
viajar ao exterior, etc. — contrapde-se a so700
manuteng¢ao de uma férrea estrutura politica
baseada no regime de partido Unico e ao 600
controle estatal das comunicagées, além da 5) a
oo.
censura e repressao as manifestagGes contra- 300 ~

7
rias ao partido. Em contrapartida, o sucesso 200 1656
econdmico chinés evidenciou-se nos Ultimos
anos com a admissdo do pais na Organiza-
2000 2001 2002 2003 2004 2005
¢ao Mundial de Comércio (OMC) em 2001,
Folha de S.Paulo, 26 jan. 2005. p. B6 e O Estado de S. Paulo, 26 jan. 2006. p. B5.
O SOCIALISMO NA CHINA E EM CUBA

“O socialismo, afinal, conforme a cado esta destruindo a China tradicional


definigao do proprio Deng na nova Cons- (embora ndo ‘pré’-capitalistas) em ter-
tituigao adotada pelo Partido em 1992 e mos de transformacao cultural. E isso é
amplamente aceita, deve ‘desenvolver as uma revolu¢ao genuina, pelo menos tao
forgas produtivas, abolir a exploragao eé profunda quanto a comunista que a
alcangar a prosperidade comur’. Liber- antecedeu. O dinheiro esta dissolvendo
dade, democracia, autodeterminagao ou, a comuna, mas certamente este nZo é o
em suma, controle sobre as condigdes da fim da historia.”
existéncia humana, $40 dispensadas sem CHUM, Lin. China hoje: o dinheiro dissolve a comuna.
grandes problemas. E pensar que Cinga- In: SADER, Emir, org. O mundo depois da queda.
pura e a Coréia do Sul tornaram-se Sao Paulo, Paz e Terra, 1995. p. 381-2.
modelos para o socialismo chinés!
Vivendo transformagdes econdmi-
cas, sociais e culturais sem precedentes
— que em grande parte sdo politicas A Revolucao Cubana -1959
(See ea ue eee
tambem -, a China esta ¢e dirigindo para
algum lugar além do capitalismo ou do Cuba, cuja luta pela independéncia foi
socialismo, conforme esses termos sao liderada pelo poeta José Marti, foi o ultimo
hormalmente compreendidos. As pers- pais latino-americano a conseguir libertar-se
pectivas 540 muito amplas. Talvez uma da Espanha, em 1898. Os Estados Unidos,
mistura de tudo, temperada pelas condi- entao sob a politica do Big Stick de Roose-
goes chinesas? Mas mais do que isso, velt, conseguiram incluir na Constituigdo
deixando de lado a preservacao de sua cubana de 1901 a Emenda Platt, que admitia
heranga revolucionaria e pré-revoluciona- a possibilidade de uma invasdo norte-ameri-
ria e imitando tanto o Ocidente como cana, além de receber dos cubanos uma area
seus vizinhos altamente industrializados, de 117 quilémetros quadrados — a baia de
a China criou e certamente continuara Guantanamo, ainda hoje uma base norte-
criando novas formas e contelidos para a americana em solo cubano. A partir da
vida e convivio social que inexistiam nos independéncia, a tutela politico-econdmica
sistemas ja conhecidos. [..] O chinés dos Estados Unidos foi garantida por gover-
comum esta agora descobrindo seus nos locais ditatoriais, como o de Gerardo
Machado até 1933, e o de Fulgéncio Batista,
desejos e potencialidades e lutando pela
de 1934 a 1958.
gua Salvagao. Sob o poderoso impacto do
Na década de 50, entretanto, a oposi¢ao
fetiche do dinheiro, a nova sociedade
a ditadura cresceu consideravelmente, sur-
florescente na China pode muito bem
gindo movimentos guerrilheiros, sob a lide-
degradar-se e desmoralizar-se. Por outro
ranca de Fidel Castro, Camilo Cienfuengos e
lado, contudo, a participagao consciente, Ernesto ‘Che’ Guevara, que a partir de 1956
as iniciativas, as atividades criativas € a obtiveram sucessivas vitdrias € ocuparam
autodeterminagao de centenas de milha- varias cidades e povoados. Em 31 de dezem-
res de pessoas devern ser verdadeira- bro de 1958, Fulgéncio Batista, derrotado,
mente libertadoras. E essa gente, ho- fugiu de Cuba, para a Republica Dominicana.
mens e mulheres, que esta proporcionan- O novo governo revolucionario, a partir
do oportunidades para o governo é para de 1959, definiu uma politica de mudangas
eles proprios. que se chocava frontalmente com os tradi-
Enquanto historicamente a produgao cionais interesses dos Estados Unidos no pais.
avangada de mercadorias eliminava todas A realizagdo de reforma agraria e nacionali-
as relagdes pré-capitalistas, o novo mer- zacao das refinarias de acucar, usinas e in-
dustrias — a maior parte pertencentes a norte-

459
americanos — levaram os Estados Unidos a formado por exilados cubanos e mercenarios
suspender a importagdo do a¢ucar cubano. norte-americanos desembarcou na Baia dos
Sendo a venda do acucar vital 4 economia de Porcos, recebendo apoio da forga aérea
Cuba, um novo mercado precisaria ser cria- numa tentativa de derrubar Fidel Castro.
do, e o pais voltou-se para os soviéticos. A invasdo norte-americana foi um com-
pleto fracasso, 0 que aumentou o prestigio de
Fidel, que num primeiro discurso ao pais apds
a vitéria, anunciou formalmente ao mundo
que Cuba passava a se considerar um pais
socialista. Ao entrar para o bloco socialista,
Cuba se tornaria um importante ponto estra-
Delfim
Martins/Pulsar tégico para a Unido Soviética, que promove-
ria a tentativa de instalagdo de misseis na ilha.
Esse fato desencadeou uma grave crise entre
os governos Kennedy e Kruschev, pondo em
sério risco a paz mundial. Apds rigoroso
cerco e ameaca de desembarque, os soviéti-
cos procederam a retirada das rampas para a
instalagdo dos misseis.

} FY
Chicago, }
ESTADOS UNIDOS

ok Bases militares
americanas
she Bases dos misseis
soviéticos
O Raio de agao dos
misseis soviéticos

A defesa da invas2o na Baia dos Porcos


Fidel (em cima) e “Che” lideraram a Revolugao Cubana que “Em setenta e duas horas, sob o
depos Fulgéncio Batista.
comando direto de Fidel na propria zona
de ataque, o desembarque foi frustrado,
Num mundo bipolarizado, apesar da fase principalmente porque a previsao do
de coexisténcia pacifica, a ligagdo de Cuba governo norte-americano, convencido pe-
ao bloco soviético serviu de justificativa para los grupos exilados em Miami, de que a
o presidente John Kennedy tomar medidas
massa da populagcdo sé somaria ao
radicais. Em janeiro de 1961, os Estados
ataque é derrubaria o governo revolucio-
Unidos romperam relagGes diplomaticas com
nario, nZ0 encontrou nenhuma confirma-
Cuba e, em abril, um grupo de soldados

460
O SOCIALISMO NA CHINA E EM CUBA

no Reagan retomaram-se as press6es e atritos.


Os Estados Unidos militarizaram Honduras e
El Salvador, como medida de pressdo aos
sandinistas da Nicaragua, que eram apoiados
pelos cubanos.
A nova politica de enfrentamento acabou
transformando a América Central em uma
Ainda em 1962, Cuba foi expulsa da Or- regiado de guerra civil, de guerrilhas e crise
ganizacao dos Estados Americanos (OEA), sob nos anos 80. No inicio de 1990, 0 apazigua-
acusa¢do de que disseminava a subversdo mento internacional elaborado por George
pelo continente, embora contasse com aliados Bush e Mikhail Gorbatchev motivou, ainda
de peso na América, como 0 México. Simul- que brandamente, uma reversdo desse qua-
taneamente, Kennedy lancou para a América dro na regiao.
Latina a Alian¢a para o Progresso, um pro- A Revolugéo Cubana, no contexto da
grama de ajuda econdmica que veiculava América Latina, foi uma via especifica da
ideais norte-americanos, numa tentativa de solugao aos problemas de miséria e ditadura
combater as influéncias da Revolugdo Cubana produzidos pelo subdesenvolvimento, cujas
sobre outras regides do continente. solugdes apontavam para o ndo-alinhamento
Aos poucos, estabeleceu-se um isolacio- automatico com os Estados Unidos durante o
nismo forgado sobre Cuba, levando o gover- periodo da Guerra Fria. Assim, apds mais de
no de Havana a apoiar os movimentos 25 anos da Revolucdo, 0 governo cubano, a
guerrilheiros que ocorriam em diversos pon- despeito de varias dificuldades, pdde procla-
tos do continente, buscando subverter os mar que conseguira o fim do desemprego, da
poderes estabelecidos aliados aos Estados miséria e que 0 analfabetismo fora erradicado
Unidos. Nesse processo, foi fundada, em do pais. ;
1967, a Organiza¢gao Latino-Americana de Essas conquistas sociais, incluindo a
Solidariedade (Olas), em Havana, em apoio criagado de uma estrutura médica considerada
as lutas armadas da América Latina, como na uma das melhores do mundo, ficaram seria-
Bolivia, Colmbia e paises centro-americanos mente ameacadas de reversdo a partir da
onde atuava pessoalmente o lider da revolu- desagregacao do bloco socialista soviético
¢do cubana ‘Che’ Guevara, que acabou depois de 1989. Cerca de 85% de todo o
morto em outubro do mesmo ano na Bolivia. comeércio internacional da ilha era, até entao,
A atitude ofensiva cubana, os Estados Unidos realizado com os paises socialistas, sendo
responderam com uma politica de apoio aos que perto de 80% das importacdes de
golpes militares do continente, implantando _ petréleo vinham da Unido Soviética. A con-
governos ditatoriais para afastar o perigo trapartida cubana para esses mercados cen-
comunista. trava-se, basicamente, na venda de acucar.
No fim dos anos 60 e mais decidida- Agravando esse quadro geral cubano, os
mente nos anos 70 e 80, governos progres- Estados Unidos aprovaram, em 1996, a Lei
sistas, decididos a escapar do alinhamento Helms-Burton (nome advindo dos congressis-
automatico aos Estados Unidos, restabelece- tas que redigiram a lei), que previa sangdes a
ram relagdes com Cuba, como o Peru, gover- empresas e individuos de qualquer pais que
nado pelo general Alvarado, e o Chile do mantivessem negdécios com Cuba, buscando
presidente Allende, governantes de linha ampliar o isolamento econémico da. ilha.
socialista. Reflexo das relag6es internacionais Contudo, diversos paises parceiros dos Esta-
mais amenas, durante 0 governo de Gerald dos Unidos denunciaram essa lei como uma
Ford e de Jimmy Carter, estabeleceram-se afronta ao direito internacional de livre co-
escritorios de representacgéo de ambos os mércio e até intensificaram seus negdécios
paises em suas cCapitais. Todavia, diante da com Cuba, como México, Canada e Unido
politica internacional pendular, com o gover- Européia.

461
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Também em meados da década de 1990, vacina cubana, Unica no mundo. Ali se


a enorme retracdo econdmica do Leste euro- produz a melhor vacina contra a hepatite
peu, provocada pelo esfacelamento da Unido B, que também importamos.
Soviética, motivou os dirigentes comunistas
E o unico pais em que decresce o
cubanos a buscar um reformismo econdmico numero de pessoas infectadas pela AIDS.
e uma aproximagao com a comunidade
Atualmente sa0 1119 casos. Enquanto
internacional discordante do bloqueio norte-
em paises capitalistas cientistas sone-
americano. Apds adotar por décadas o lema
gam infomacgdes a seus colegas, mais
revolucionario castrista ‘““socialismo ou mor-
te’, passavam, pragmaticamente, a dizer preocupados com a propria fama que em
‘‘queremos capital e nao capitalismo’’. Outro salvar vidas, o esforgo coletivo dos
mecanismo adotado pelo governo cubano foi cubanos possibilitou que chegassem a
o incremento do turismo, trazendo divisas uma vacina contra o virus HIV, neste
que ajudaram a enfrentar a asfixia econdmi- momento testada em chimpanzés. Esti-
ca. Em 2004, mais de 2 milh6es de turistas ma-se que oO pais que descobrir a vacina
visitaram o pais, fazendo o setor turistico ser arrecadara, no primeiro ano, cerca de
responsavel por 41% da balanca de paga- US$ 10 bilhoes. Por conhecer a seriedade
mentos de Cuba, empregando cerca de 200 da medicina cubana é que o laboratorio
mil pessoas. Merck dos.EUA, um dos mais importan-
Indmeras press6es da comunidade inter- tes do mundo, acaba de estabelecer
nacional tém sido feitas para o fim do parceria com Cuba, furando o bloqueio.
bloqueio norte-americano a Cuba, mas uma Quem considera que democracia sé
posi¢do contraria é defendida por uma rui- reduz a eleigdes periddicas nao deve es-
dosa comunidade cubana estabelecida na quecer que em Cuba nao ha massacres do
Florida. Ao concordarem com o isolamento tipo Carandiru, grupos de exterminio,
internacional, esses cubanos acreditam que a sequiestros, desaparecimentos, assassi-
pobreza decorrente acabara por derrubar
natos de criangas, aposentados desas-
Fidel Castro. Estabelecidos em grande nime-
sistidos e extorsao financeira para aces-
ro nesse estado norte-americano, os cubanos
50 a salide € educagdo, que 9&0 gratuitas.
exerciam, no final dos anos 1990, um enorme
A humanidade pode ser diferente, sem o
peso nas eleicgdes locais e influenciavam a
escandalo do abismo que separa ricos é€
politica externa dos Estados Unidos.
pobres. For iss0 Cuba incomoda quem
acredita que encher urnas é mais impor-
A Cuba que incomoda: uma opiniao de tante que encher barrigas. Mesmo porque
Frei Betto essa gente nunca passou fome. No maxi-
“Cuba resiste como unico exemplo mo, teve apetite, com direito a couvert.”
latino-americano de democracia social e BETTO, Frei. Cuba. In: O Estado de S. Paulo,

econdmica. Suspenso o bloqueio america- S/AII995. p. Az.


no, abre-se 0 caminho ao aperfeigoamen-
to de sua democracia politica.
Como me disse 0 pastor batista Rall Nos ultimos anos vigorou, em Cuba, uma
Suarez: ‘Enginaram-me que era pecado politica pendular de isolamento e reaproxi-
beber, fumar e bailar. Ninguém me ensinou magao, de acusagdes e agravamento de
que era pecado manter o povo analfabeto, tensGes nas relagdes do governo cubano
vivendo em favelas, sem educagao e salide’. com varios paises, seguidas de abrandamen-
Gragas ao avanco de sua medicina, Cuba é to, especialmente com os Estados Unidos e
hoje parceira imprescindivel do Brasil. Aqui paises da Unido Européia. Foi nesse quadro
a meningite esta sendo evitada com a que se integrou a visita do papa Jodo Paulo Il
a ilha, em 1998, bem como o crescente
O SOCIALISMO NA CHINA E EM CUBA

intercambio comercial e os financiamentos proprio ritmo e que, 0 maior contato com o


canadenses e europeus concedidos ao pais. resto do mundo tendera a acelerar a mudanc¢a
Em 2001, por exemplo, as exportagdes euro- da estrutura socialista cubana. A todo este
péias para Cuba chegaram a 1,5 bilhao de quadro, soma-se a questao da lideranga e
délares, o dobro do que ocorrera em 1991. O sucessdo de Castro, ja na casa dos 70 anos.
mesmo se pode dizer do crescente intercam-
bio comercial com a Venezuela, principal
aliada de Cuba no continente americano, que
chegou, em 2004, perto de 1 bilhado de
délares. Os acordos com 0 governo venezue-
lano de Hugo Chavez garantiram a Cuba o
abastecimento de cerca de um terco do
petrdleo consumido na ilha em 2004 em
troca de medicamentos genéricos, assisténcia
de equipes médicas e profissionais da educa- Vazques/AFP/Getty
Marcelino
Images
¢ao e implantagdo de ndcleos de produgado
de vacinas, além da colaboragao na criagao
de centros de processamento de leite de soja
para atender as escolas venezuelanas.
Com a libertagdo de presos politicos por
parte do governo cubano no final de 2004,
varios paises europeus retomaram o didlogo
Fidel Castro e Hugo Chavez criaram a Alternativa Boliva-
com as autoridades cubanas e ampliaram riana para as Américas (Alba) e firmaram acordos que
seus negocios na ilha. No inicio de 2005, foi ampliaram a cooperacao entre os dois paises. A Alba,
a vez de o papa Joao Paulo Il fazer duras segundo seus fundadores, pretende ser uma alternativa
latino-americana ao projeto da Area de Livre Comércio das
criticas ao embargo dos Estados Unidos a Américas (Alca). Na foto de 2004, Chavez e Fidel num
Cuba. Mesmo assim, no final de 2005, a encontro em Havana.
Comissao Cubana em Prol dos Direitos
Humanos e da Reconciliagao Nacional (enti-
dade nao reconhecida pelo governo) aponta- Fim ou | no fim do embargo paectanie
va que o numero de prisioneiros politicos norte-a mericano?
saltara de 294, no final de 2004, para 333.
“Os exilados cubanos, pore ‘conte
De qualquer forma, essa atual onda
nuam a fazer pressao para que o embar- —
pendular de reaproxima¢ao e as discussdes
go continue e o Congresso vote nesse —
sobre a sucessao governamental cubana dei-
xam muitas duvidas quanto a continuidade
sentido. O Senado, sensatamente, der-
rubou um artigoda Lei Helms-Burton, que
dos acordos com os governos da comunidade
internacional. permitiria aos exilados processar judi-
Indmeras pressdes tém sido feitas em cialmente investidores estrangeiros em
busca do fim do bloqueio norte-americano a Cuba para a obtengao de indenizagao
Cuba, posi¢ao contraria aos que defendem pelos prejuizos causados pelas desapro-
que o isolamento e a incessante pobreza que priagdes determinadas por Castro ha
ele causa derrubara Fidel Castro. Esta politica trinta anos. Mesmo os melhores aliados
é especialmente defendida pela populagao dos Estados Unidos nao podiam aceitar
cubana estabelecida na Florida, a qual possui essa restri¢ao, tendo informado
enorme peso nas elei¢des locais e, com suas Washington de que sua tolerancia as
ramificagées, influencia na politica externa tentativas americanas de legislar em |
dos Estados Unidos. nome do mundo tem limites—€ essa nao
J4 ndo sao poucos os defensores, entre- foi, de forma alguma, a primeira vez aie
tanto, de que as mudangas virado no seu assim se manifestaram. [..a
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

ameacavam recorrer 4 Organizagao Mundial


E o interesse nacional? Negociar ou
de Comércio (OMC) e tribunais internacio-
nao, numa economia caribenha deprimida,
nais, levantando a possibilidade de uma
nao ira enriquecer nem empobrecer os “guerra comercial” em época de crescimento
Estados Unidos ou mesmo Miami. Mag, por do livre comércio em todo o mundo.
ai, 0 comércio seria sempre positivo. Mas Mesmo assim, em 1998, o isolamento
ha um outro aspecto. Qual seria a
a politica internacional cubano diminuiu, destacando-
mais adequada para diminuir 0 o grande se a visita do papa Jodo Paulo Il a ilha e o
fluxo de refugiados que usam balsas para restabelecimento dos v6os entre Miami (Esta-
chegara Florida? A resposta é evidente: as dos Unidos) e Havana (Cuba). Em julho de
pessoas cujas condigdes de vida estao 2000, apds meses de tramitagao, o Congresso
gradativamente melhorando tém mais norte-americano aprovou uma lei que permi-
probabilidade de permanecer no pais. tia a venda de alimentos e remédios dos
Quanto a Cuba, o poder de Castro
Estados Unidos para Cuba. No més seguinte,
trés senadores norte-americanos visitaram
nao ameaga os Estados Unidos mais do
Havana e reuniram-se com Fidel Castro. De
que uma pulga ameaga um elefante. Ele
volta.a Washington defenderam o levanta-
prejudica os cubanos, contudo. Aqueles
mento total do embargo comercial. Contudo,
que apoiam o embargo gostam de basear a conturbada eleic¢do do presidente George
Sus argumentos no principio segundo o W. Bush, em novembro de 2000, decidida
qual nZo se deve manter intercambio com os votos da Florida (reduto anticastrista),
comercial com paises cujos governos nao e suas propostas de apoio a projetos militares
reconhecem os direitos politicos de seus (video projeto Guerra nas Estrelas) reverteram
_cidad&os e, em alguns casos, também os as expectativas animadoras quanto a norma-
direitos humanos. Esse é um principio lizagdo das relagdes entre os dois paises.
sempre valido? Os Estados Unidos proi- Mesmo assim, continuaram os investimentos
biram o comércio com a China? A mora- e financiamentos canadenses e europeus ao
lidade é€ a ‘realpolitik s20 um outro pais, parecendo afirmar uma nova postura da
aspecto da questao: o livre mercado comunidade internacional com relagdo a
provavelmente nao levara rapidamente a realidade cubana.
democracia um pais imenso e arrogante
es
como a China: mas poderia no caso da ‘52
5
- pequenina Cuba, que esta no Ocidente.” Oo
ouw
Pay
The Economist. In: Gazeta Mercantil, 6/11/1995.
p. A4.

No inicio de 1996, contudo, devido a


derrubada, pela Forga Aérea de Cuba, de dois
pequenos avides norte-americanos pilotados
por exilados cubanos anti-castristas, a pro-
posta Helms-Burton (nome advindo dos dois O menino Elian Gonzales, de 6 anos, salvou-se do naufragio
em que morreram sua mae e padrasto quando fugiam de
congressistas norte-americanos que a redigi- Cuba, em uma balsa, em direcao a costa norte-americana.
ram) foi rapidamente transformada em lei, Assumido por parentes em Miami, meses depois foi retirado
determinando san¢g6es as empresas e indivi- a forga pelo governo norte-americano, segundo decisao
judicial, para ser entregue a seu pai, Juan Miguel. Depois de
duos de qualquer pais que mantivesse nego- intensa batalha judicial e mobilizagao popular, tanto em
cios com Cuba. A medida ganhou criticas de Cuba, pelo retorno do menino, quanto nos Estados Unidos,
varios paises, inclusive de alguns dos princi- em que a comunidade anticastrista se opunha a sua
devolucao ao pai e seu retorno a Cuba, Elian voltou ao seu
pais parceiros comerciais dos Estados Unidos, pais apds sete meses, em junho de 2000. Na foto, manifes-
como México, Canada e Unido Européia que tacao de cubanos em Miami, em janeiro de 2000.

464
A DESCOLONIZACAO
AFRO-ASIATICA

ebuli¢ao politica e social apds a Se- mo, pelo declinio do poderio europeu apés a
gunda Guerra Mundial se estabele- guerra e pelo apoio da Organizagdo das
ceu também nas regides em processo Nag6es Unidas, que reconhecia seus direitos.
de descolonizagao, pois o fim da guerra Além disso, havia a posigao favoravel dos
demarcava, na pratica, o fim dos impérios Estados Unidos e da Unido Soviética, que
coloniais. A partir de 1945, o ideal de inde- viam em tal processo uma forma de ampliar
pendéncia dos povos colonizados transfor- suas areas de influéncia.
mou-se num fendmeno de massas, com oO No processo de descoloniza¢do firma-
surgimento de varios paises politicamente ram-se duas op¢oes: a libertagao por meio da
livres, que, entretanto, mergulharam na de- guerra, em geral, com a adogao do socia-
pendéncia econdmica, determinando o sub- lismo, ou a independéncia gradual concedida
desenvolvimento, o terceiro-mundismo. pela metrdépole, qué passaria o poder politico
Entre 1950 e 1960, mais de quarenta a elite local; esta, articulada com o mundo
paises afro-asidticos conseguiram sua inde- capitalista, manteria a dependéncia econd-
pendéncia, impulsionados pelo nacionalis- mica num regime neocolonialista.

| 1960 Data de
independéncia |

Submetidos por séculos 4 dominacao colonial européia, os continentes africano e asiatico em poucos anos passaram a abrigar
algumas dezenas de novas nacoes.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

Em 1955, a Conferéncia de Bandung, na Destaques da Asia


Indonésia, debateu os problemas do Terceiro Ec esestSEI WSN rae EI NLP ls ne a De eas
Mundo e a questéo do ndo-alinhamento, Mesmo antes do final da Segunda Guerra
reunindo vinte e nove nac6ées afro-asiaticas, Mundial, o nacionalismo indiano e sua
que declararam apoiar o anticolonialismo e revolta contra os ingleses ja eram notorios.
combater 0 racismo e o imperialismo. O controle britanico sobre a India foi entao
Bandung substituiu o conflito leste-oeste sendo dificultado pelas campanhas de deso-
entre capitalismo e socialismo pelo norte-sul, bediéncia civil e ndo-violéncia promovidas
entre os paises industrializados e ricos e os por Mahatma Gandhi, 0 precursor do movi-
paises pobres e exportadores de produtos mento de independéncia.
primarios. As nagdes reunidas definiram pu- As lutas nacionalistas contra a Inglaterra
blicamente quatro objetivos basicos: eram inicialmente lideradas pelo Partido do
@ ativar a coopera¢ao e a boa vontade entre Congresso (ou Congresso Nacional indiano),
as nagodes afro-asidticas e promover seus fundado em 1885, que representava a popu-
mutuos interesses; lacado hindu, e pela Liga Muculmana, fundada
@ estudar os problemas econdmicos, sociais e em 1906, que representava a popula¢cao
culturais dos paises participantes; islamica. Das greves e sabotagens, Mahatma
@ discutir a politica de discriminagao racial, o Gandhi, na década de 20, dirigiu contra os
colonialismo e outros problemas que ingleses sua-resisténcia pacifica, ganhando a
ameacassem a soberania nacional; lideranga nacional quando comandou o boi-
@ definir a contribuigao dos paises afro-asiati- cote ao consumo dos manufaturados ingleses,
cos na promogao da paz mundial e na defendendo o uso dos tecidos rusticos de
coopera¢ao internacional. algodao produzidos manualmente na India.
No fundo, a Conferéncia de Bandung Depois de preso e libertado pelas autori-
firmava a existéncia de um bloco multinacio- dades inglesas (1922-1924), Gandhi promo-
nal, nado alinhado, o denominado Terceiro veu passeatas, 0 boicote ao sal vendido sob
Mundo, sem definir uma politica concreta regime de monopolio pela administra¢ao in-
para a superacdo do subdesenvolvimento e glesa, revelando a inviabilidade da presen¢a
das herancas Solenelks colonialista tradicional. A Inglaterra, buscan-
Nee) jy
do evitar uma confrontagao radical, adotou a
ACConferéncia de Bandung estratégia de libertagao gradual, para preser-
oA, Conferéncia de Bandung, emA abit var, pelo menos, sua influéncia econdmica.
_ de 1956, representou uma reuniao inter Os ingleses abandonaram amistosamente
a India, mas as rivalidades étnicas e religiosas
nacional sem precedentes, pois pela F
entre grupos mu¢ulmanos e hinduistas divi-
. primeira vez na historia | moderna |um
diram o pais em Unido Indiana, essencial-
_ grupo de antigas nagdes coloniais, ou-
mente hindujsta, sob o governo do primeiro-
trora sob o jugo europeu, reunia-se para ministro Nehru, e 0 Paquistao, muculmano,
discutir a principio seus mUtuos interes- que por sua vez foi dividido em Paquistéo
66S 6, depots, SEUS pontos de contraste. — Ocidental e Paquistao Oriental, sob o gover-
WR As. superpoteéncias do pos- guerra, Esta- no de Ali Jinnah. No extremo aM da India, na
dos Unidos e UniZo Soviética, foram ilha do Ceilaéo, formou-se, em 1948, o
ignoradas. Nenhuma das nagées da Euro- terceiro Estado autGnomo, com o nome de
pa ou da América esteve presente, nem Sri Lanka, de maioria budista.
sequer as nagoes latino-americanas, so- A divisdo da India provocou amigra¢ao de
breas quais 06 Estados Unidos vinham milhes de refugiados de um Estado para outro
mantendo
um controle politico € econd- (hindujstas para a India e muculmanos para oO
mico praticamente total.” Paquistao), 0 que resultou em conflitos com
LAYER, LA ed de Bandung. In: Século XX. mais de um milhado de mortos. Em 1948, em
p. 2569, — meio a um desses confrontos, Gandhi foi
assassinado.

ecele)
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

Em 1971, 0 Paquistéo Oriental procla- milhares de vitimas nas dltimas décadas. Em


mou-se independente do Paquistéo Ociden- 2002, foram feitas algumas tentativas de con-
tal, constituindo a Republica de Bangladesh, versag¢do em busca de paz, sem grandes
mais recentemente chamada Reptblica Po- avan¢os. Em 2005, em razdo da destruicao
pular de Bengala. causada pelo tsunami que atingiu o norte e o
leste do pais no ano anterior, causando pro-
fundos danos a economia e ao turismo, os
diversos grupos rivais, incluindo os tameis,
fizeram um acordo para juntos reconstrufrem o
pais, mas sem que novos acordos de pacifica-
¢do fossem firmados. Quanto ao Paquistao,
foram crescentes os confrontos impulsionados
por rivalidades étnicas, radicalismos religiosos
(hinduistas e mugulmanos), rivalidades polliti-
cas e disputas territoriais, especialmente sobre
a area de Caxemira, deixando dezenas de
milhares de mortos. Nem a demonstra¢ao de
for¢a do Paquistao, realizando testes nucleares
subterraneos em 1998 em resposta aos testes
semelhantes feitos pela India, nem os encon-
tros e acordos entre os chefes de governo dos
dois paises normalizaram as relagées bilate-
rais. O clima de tensao e confronto continuou
na regiao, destacando-se as atua¢6es do grupo
Gandhi lutava pela independéncia da India seguindo o Jaish-e-Muhammad (Exército de Maomé), na
principio da nao-violéncia. Caxemira, contra os soldados indianos. Com
seguidos atentados suicidas no inicio do
Em toda a regido, a independéncia poli- século XXI, esse grupo tinha vinculos com
tica nao eliminou a condicdo de miséria da muculmanos radicais do Paquistéo e com os
popula¢ao, constituindo, no fim do século Talebans do Afeganistao.
XX, um dos paises mais pobres do mundo. Em Outra séria questdo indiana diz respeito
contraste com o subdesenvolvimento, a India ao descompasso entre o continuado cresci-
buscava instrumentos para firmar sua autono- mento econdmico desde os anos 1990 e seu
mia nas relagGes internacionais e alcangou o quadro social. A moderniza¢gado indiana das
dominio nuclear, explodindo sua bomba até- Ultimas décadas atraiu empresas multinacio-
mica em 1974, e desenvolvendo um com- nais, transformando o pais no maior exporta-
plexo programa espacial. dor mundial de softwares. Além disso, em
De outro lado, agravando as indmeras 2005, 0 pais passou a ter 0 10.° maior PIB do
dificuldades nacionais, emergiram constantes mundo, superior a 740 bilhdes de dolares.
e violentos conflitos étnicos, religiosos e Mesmo assim, pouco menos da metade de
politicos, desembocando no extremismo de sua populacao continuava vivendo abaixo do
grupos separatistas que tem instabilizado a limite de pobreza, com uma parte significa-
regiao. Sao exemplos o assassinato, pelos tiva concentrada em favelas ou nas ruas das
sikhs (hindus habitantes do Punjab), de Indira cidades. Mudangas e permanéncias tinham se
Gandhi, a chefe do governo, em 1984, e de mesclado nessa imensa sociedade composta
seu filho Rajiv Gandhi, em 1991, bem como de mais de 1 bilhdo de habitantes, em que a
atentados terroristas e confrontos generaliza- dinamiza¢ao de alguns setores de ponta da
dos no Paquistao e no Sri Lanka. Neste ultimo, economia indiana juntou-se a estrutura da
a populagao tamil, minoritaria no pais, lutava sociedade tradicional, composta por milha-
pela criagdo de um Estado independente, num res de castas e dezenas de milhares de
processo violento que deixou dezenas de subcastas.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Os “mortos-vivos” descobriram ‘No dia em que eclodir a revolugao, a


a revolta humanidade nao tera visto nada mais san-
grento’, declara um indiano de baixa casta
“Um problema crucial em todos os
que se tornou professor de ciéncias pollti-
paises subdesenvolvidos que tentam es-
cas, Kancha llaiah. ‘Esse dia chegara,
capar de sua situagao é o abismo cres- porque nds, os ‘mortos-vivos’, estamos
cente entre oS que tém muito e os que
hoje comegando a erguer a cabega.’”
nao possuem 0 minimo para uma vida
digna. Mas na India esse problema se LAPOUGE, Gilles. In: O Estado de S. Faulo,
12/3/1995. p. AZ2.
agrava porque a injustiga social, ja
igndbil, @ atigada por uma instituigao
existente ha 3700 anos, que divide a
g0ciedade em castas, e nao em classes. Vizinho ao Paquistao, o Afeganistao tem
Nao ha nenhuma possibilidade de sido outro pais em permanente convulsao
uma pessoa sair de uma casta e tran- politica, religiosa e militar. Geograficamente
sitar para uma outra, porque se nasce estratégico, o Afeganistado sempre esteve
numa casta ou noutra em conseqiiéncia sujeito a invas6es e disputas (desde os gregos
do comportamento que se teve na en- de Alexandre Magno e os mongéis, na
carna¢ao precedente. Antiguidade, passando pelos turcos, ingleses,
As castas sao numerogas. A mais paquistaneses, até os russos e norte-america-
alta é a dos bramanes, e a mais baixa, a nos). A monarquia centralizada, estabelecida
dos shudras (que significa ‘sem cor’). Ha no século XVIII e que duraria até 1973, foi um
ainda os ‘sem casta’, ou ‘intocaveis’. Ha dos alvos nas disputas coloniais do século XIX
também a triste categoria dos parias, entre o Império Russo e o Britanico, ficando
muito numerosos, que sao forgados a este ultimo com o dominio regional até a
desempenhar as fungdes consideradas independéncia do pais em 1919.
impuras: limpa-latrinas, coveiros, carnicei- Com a queda da monarquia em 1973,
ros, curtidores de peles, empregados apos a destitui¢ao do rei Zahir Shah por Daud
domésticos. Sao verdadeiros escravos, Khan, sucessivos golpes militares, conflitos e
cujas filhas podem ser violentadas a intervencionismos arrasaram oO pais, provo-
vontade pelos ricos fazendeiros, e os filhos cando a fuga de milhdes de afeganes (cerca
640 obrigados a trabalhar até a morte. de 2,5 milhdes). Em 1978, Daud Khan foi
Na teoria, a india independente assassinado, e, sob a lideranga de Mohamed
suprimiu as castas em 1949. Na pratica, Taraki, instalou-se um regime de partido
porém, elas continuam existindo. Assim, Unico inspirado na Unido Soviética e sujeito
a miséria e a injustiga, acrescenta-se a a crescente oposi¢ao de grupos islamicos
humilhagao daqueles que chamam a si apoiados pelo Paquistéo e Ira e armados
proprios de ‘mortos-vivos’. O que acarre- pelos Estados Unidos.
ta revoltas. Esses ‘sem castas’, resigna- As lutas entre as fac¢des politicas, étnicas
dos ha trés milénios (porque as castas e religiosas culminaram no fuzilamento de
sao categorias religiosas), descobriram a Taraki, em 1979, seguido da invasdo da
rebeliao. Uniao Soviética, em que morreram mais de
Por causa da injustiga social, do 15 mil russos e 1 milhado de afeganes. Os
sistema de castas, dos contlitos tribais, soviéticos retiraram-se do pais dez anos
religiosos ou étnicos, o pais do apdstolo. depois, mantendo o apoio (financeiro e béli-
da nao-violéncia, 0 admiravel Mahatma co) ao governo de Mohammad Najibullah,
Gandhi, é um dos lugares mais sangren- que foi obrigado a renunciar, em 1992,
tos do mundo. quando grupos guerrilheiros tomaram Cabul,
a capital do pais.
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

Os confrontos continuaram entre as fac-


¢6es politicas e islamicas rivais, destacando-
se o grupo islamico Taleban ou Taliba
Image:
Getty
("estudante", em persa), milicia que ganhou
supremacia sobre cerca de 90% do territdrio
do pais no final dos anos 1990 e impés rigidas
leis mugulmanas. Esse grupo é formado pela
maioria étnica do Afeganistéo, os pashtuns,
enquanto um outro grupo, conhecido como
Alianga do Norte, que tinha o predominio de
trés grupos €tnicos minoritarios — os usbe-
ques, Os tajiques e os hazaras -, controlava
pequenas areas ao norte. Segundo a ONU, o
Afeganistao aumentara nessa época a produ-
¢ao de dpio - droga extraida da papoula,
matéria-prima da heroina — liderando a
produ¢do mundial.
Em 1998, os Estados Unidos dispararam
misseis contra alvos no Afeganistéo, sob a
acusa¢ao de serem centros de apoio as agGes
terroristas internacionais, especialmente do Al
Qaeda (em portugués, "A Base"), organizagao
fundada em 1990 e liderada pelo miliondrio As torres do World Trade Center atingidas em 11 de
de origem saudita Osama bin Laden. Funda- setembro de 2001.
mentalista islamico, Bin Laden migrara para o
Afeganistao, onde obteve ajuda militar e Em 11 de setembro de 2001, no atentado
financeira dos EUA no combate aos soviéticos, realizado em Nova York e Washington, em
na Guerra do Afeganistaéo, durante os anos que as torres do World Trade Center e o
1980. No final da década de 1990, controlava Pentagono foram atingidos por avides seqties-
uma ampla rede de atuagdes em diversos trados por terroristas, Osama bin Laden foi
paises contra o que chamava de "influéncia acusado pelas autoridades norte-americanas
ocidental" e interferéncia dos Estados Unidos de ser o articulador da agdo que ocasionou
no mundo islamico. Em 1999, a ONU deter- milhares de mortos nos EUA. O presidente
minou sangdes contra o governo Taleban, Bush declarou guerra aos terroristas e aos
como restrig¢des aos vos internacionais e Estados que os abrigassem, exigindo do
exigéncias de extradicao de Bin Laden para Afeganistéo a prisdo e entrega de seu lider.
julgamento num tribunal internacional. O desdobramento da crise foi o bombardeio
por parte dos EUA sobre o Afeganistao e a
derrubada do governo Taliba.
Com apoio de forgas militares dos EUA é
formado um novo governo, que conseguiu,
em 2004, a aprovacdo de uma nova Consti-
tuigdo, com leis subordinadas as normas
islamicas, e a eleicao do presidente Hamid
Karzai para um mandato de cinco anos. Ao
mesmo tempo que se buscava a nova orde-
Reuters
Inc/Corbis
Media
New
na¢do politica para o Afeganistéo, continua-
vam os seguidos conflitos entre milicias
locais, rebeldes do Taliba e tropas interna-
Osama bin Laden numa foto de novembro de 2001. cionais. Da mesma forma, 0 pais continuava

469
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

liderando a produgaéo mundial de 6pio com autonomia timorense, liderada pela Frente
87% em 2005, ano do maior recrudescimento Revolucionaria do Timor Leste, a Fretelin, o
na violéncia dos combates desde a queda do que causou varias dezenas de milhares de
Taliba. No inicio de 2006, ainda era desco- mortos.
nhecido o paradeiro de Bin Laden. De outro lado, o governo de Suharto
abandonou a politica nacionalista de seu
antecessor, integrando-se a economia Capita-
lista globalizada, entregando o controle, por
exemplo, das companhias petroliferas as cor-
pora¢ées internacionais. Em meio a atra¢do de
investimentos estrangeiros e busca de cresci-
mento econdmico, Suharto continuou no co-
mando politico da Indonésia, reelegendo-se
em 1993, pela sexta vez, a presidéncia do pais.
Entretanto, quando a Indonésia foi atingi-
Bush e Bin Laden em anuncio criado por agéncia de
da pela crise financeira de 1997 — a crise dos
publicidade para uma revista de grande circulacao no Brasil. "tigres asiaticos", que envolveu todos os pai-
cedido
Os antincios mostram os rostos desses lideres desenhados
Gentilmente
Publicidade
Almapbbdo
epor
ses da regido —, Suharto teve que se submeter
com palavras significativas. Observe. as exigéncias recessivas do FMI (Fundo
feito
Ltda./Anuncio
Comunicag6es
Veja.
Revista
a
para
Monetario Internacional) para obter emprés-
timos, passando a enfrentar violentos protes-
tos populares. Em maio de 1998, Suharto
Sudeste Asiatico abdicou de seu cargo presidencial, sendo
convocadas elei¢des livres. O sucessor eleito,
A Indonésia, arquipélago formado pelas Abdurrahman Wahid, restabeleceu a demo-
ilhas de Java e Sumatra e varias outras cracia e, depois de meses no governo, sofreu
menores, foi, desde o século XVII, col6nia processo de impeachment por corrup¢ao em
dos Paises Baixos. Seu principal lider no 2001, sendo substituido por seu vice, Maga-
processo de independéncia foi Ahmed wati. Nas eleigdes presidenciais de 2004,
Sukarno, reconhecido como governante em venceu o general Susilo Bambang Yudhoyo-
1949. Durante seu governo, em 1955, a no; no final do ano, o pais foi devastado pelo
Indonésia sediou a Conferéncia de Bandung, tsunami, resultando em mais de 130 mil
contra o colonialismo. mortos e 110 mil desaparecidos.
Sukarno instalou um sistema autoritario O inicio da redemocratizacdo de 1998 e
de governo, a ‘‘democracia dirigida’’, e as presses internacionais abriram espacos de
realizou uma aproximagaéo com a China negocia¢ao para a independéncia do Timor
comunista em meio ao conflito sino-soviéti- Leste. Um acordo firmado em marco de 1999,
co. Em 1965, num golpe militar, o general entre o governo da Indonésia e o de Portugal
Suharto tomou o poder sob o pretexto de (que negociava em nome dos separatistas
evitar a “‘penetrac¢do comunista’’, mantendo timorenses), sob a mediagado dos EUA e da
Sukarno nominalmente no governo. Em 1967, ONU, acertou a realizagao de um plebiscito
afastou-o e assumiu oficialmente a chefia do popular. Neste, 78,5% optaram pela indepen-
Estado até sua morte em 1970. déncia, destacando-se a atuacdo do lider
Em 1975, tropas de Suharto invadiram o timorense Xanana Gusmao. Embora tenha
Timor Leste (a sudeste do arquipélago), sido oficialmente aceito pelo governo indoné-
aproveitando-se da retirada de Portugal, sio, milicianos armados pelo Exército indoné-
transformando a regido em uma nova provin- sio atacaram a populagao timorense, que
cia da Indonésia. Nem mesmo a condena¢ao abandonou o pais em massa. A violéncia
da ONU pela invasao removeu a ocupa¢dao, impetrada e 0 €xodo por ela gerado obrigaram
que enfrentou com violéncia a luta pela a ONU a enviar uma for¢a de paz para intervir

470)
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

na regiao. Diante da presenga internacional e O governo francés convocou entéo a


da resisténcia da populagao timorense, em Conferéncia de Genebra para negociar a paz
outubro de 1999 o Parlamento indonésio e reconhecer a independéncia do Vietna,
ratificou o resultado do plebiscito timorense e Laos e Camboja, também em luta, além de
a ONU indicou o brasileiro Sérgio Vieira de determinar eleicdes para esses paises dentro
Mello para chefiar a Missdo de Paz (Untaet) de um prazo maximo de dois anos. Na Con-
enviada para a administragao proviséria do feréncia de Genebra, que contou com a par-
pais até a concretizacao da independéncia. Em ticipagao de grandes poténcias, como Estados
2001, foram realizadas eleigées livres para a Unidos, Unido Soviética e China, decidiu-se
escolha dos representantes que elaboraram a que, até as eleicGes de 1956, o Vietna seria
Constituigao do pais. Nas eleigdes de 2002, dividido em Vietna do Norte e Vietna do Sul,
Xanana Gusmao foi eleito presidente. na altura do paralelo 17°N. O governo do
A Indochina, formada por Laos, Camboja norte caberia a Ho Chi-minh e a capital seria
e Vietna, foi dominio francés desde Napoleao Hanoi, enquanto o sul seria governado por
Ill (1860), com o nome de Unido Indochine- Ba-Dai e a capital seria Saigon.
sa. Durante a Segunda Guerra Mundial foi Ho Chi-minh, declaradamente comunis-
ocupada pelos japoneses, e Ho Chi-minh, ta, obteve apoio dos guerrilheiros do sul, os
lider nacionalista, fundou a Liga Revolucio- vietcongs, para a unificagao nacional. Em
naria Vietminh para a libertagdo do Vietna. meio a polariza¢gao do periodo da Guerra Fria
Em 1945, apds a derrota japonesa frente aos e diante da possibilidade de vitdria de Ho
aliados, Ho Chi-minh proclamou a indepen- Chi-minh nas eleigdes gerais, o presidente
déncia do Vietna, enfrentando, no entanto, a norte-americano Dwight Eisenhower deu res-
resisténcia francesa, que buscava reocupar a paldo ao governo de Ngo Dinh Diem,
regiao. Em 1954, os franceses foram total- sucessor de Ba-Dai, que se transformou em
mente derrotados na batalha de Diem Bien- ditador no Vietnad do Sul. Iniciou-se entao
phu, ao mesmo tempo que a opiniao publica uma luta que duraria mais de quinze anos e
francesa pressionava o governo pela saida do se destacaria pela desigualdade das forcas
Vietna. militares envolvidas.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

O presidente Lyndon Johnson, valendo-se Chinook-46, escoltado por seis helicop-


de uma autorizagdo do Senado norte-ameri- teros artilhados-Cobra. Ferto dali, no
cano, decidiu-se pela intervencao total no topo do prédio de apartamentos Pitt-
Vietna do Sul, para onde enviou, de 1965 a man, muitos civis eram resgatados por
1968, mais de quinhentos mil soldados, além
outros helicopteros. Era a repetigao de
de bombardear o Vietna do Norte. No sul, Ngo
cenas dramaticas, registradas pelas
Dinh Diem, morto em 1963, foi substituido
cameras de cinema, fotografia e televisao
por Nguyem Van-thieu e Cao Ky. Entretanto, a
resisténcia dos vietminhs, 0 apoio dos viet- desde que comegara a debandada: heli-
congs sulistas e a pressao da opiniao publica copteros tentando erguer-se com cachos
mundial minaram a disposi¢ao de apoio dos de gente pendurados por todos os lados.
Estados Unidos ao Vietna do Sul. Nos avides, os fugitivos se agarravam
Durante o governo Nixon, adotou-se a até aos trens de aterrissagem, e eram
politica de “vietnamizagao da guerra’, ou esmagados pelas rodas quando as reco-
seja, retirada dos soldados norte-americanos lhiam. Na embaixada americana, a multi-
da regido, substituindo-os por armamentos, d&o enfurecida chegava até os marines,
entregues aos sul-vietnamitas. Para viabilizar que nao tinham mais para onde recuar.
a vietnamizagao, Nixon buscou debilitar as Tiveram entao a idéia de langar gas
forgas comunistas bombardeando o Vietna do lacrimogéneo contra a massa, o que lhes
Norte, embora a investida norte-americana valeu um tempo precioso, mas as pas da
nao tivesse o sucesso militar esperado. O hélice do helicdptero que 0s aguardavam
caso Watergate e a conseqiiente saida de aspiravam a fumaga na diregdo deles
Nixon do governo, juntamente com varios proprios, cegando-0s — nao 60 a eles, mas
acordos falhos visando uma saida honrosa a toda a tripulagao do aparelho, incluindo
dos Estados Unidos da regido, levaram as o piloto. E foi assim que os ultimos
estratégias do governo norte-americano a
interventores militares americanos dei-
derrota. Em 30 de abril de 1975, Saigon,
xaram Saigon — cegos, num voo suicida.
capital do Vietna do Sul, caia nas maos dos
Pouco depois, as tropas norte-vietnami-
norte-vietnamitas e vietcongs, permitindo a
tas e os vietcongs entravam triunfantes
reunificagdo do pais. No mesmo dia, Saigon
passou a se chamar Ho Chi-minh. A inter- em Saigon”.
venc¢ao norte-americana levou a morte 58 mil SANTARRITA, Marcos. Vietna 10 anos depois. In:
norte-americanos e um numero estimado de Revista Fatos. p. 57-8.
um a trés milhdes de indochineses, deixando
O pais quase completamente destruido com
os macicos bombardeios ao longo da guerra. Com o fim da Guerra Fria, o Vietna ado-
tou a doi moi (renova¢gao) em 1986, equiva-
A queda de Saigon lente a perestroika soviética, abrindo seu
mercado aos paises capitalistas, especialmen-
A derradeira derrota norte-ameri-
te o Japao. Mantendo o controle comunista
cana foi registrada pelos modernos meios no poder, o pais tem se aproximado também
televisivos, ao vivo, para todo o mundo. da China, sua tradicional rival na regiao.
A multidao amedrontada, composta por
A normalizacado das relagées entre Esta-
americanos eé seus aliados vietnamitas,
dos Unidos e a Republica Socialista do Vietna,
dirigia-se para a embaixada norte-ameri-
no entanto, s6 aconteceu em 1995, em pleno
cana, imaginando encontrar ali uma saf-
processo de abertura econémica, quando o
da, um transporte para escapar dos
pais se transformava num dos mercados
vietminhs e vietcongs, que avangavam
emergentes da Asia e pretendente a posicdo
incontroladamente sobre Saigon: “E en- de novo “Tigre asiatico’’, jargdo internacional
tao apareceu o aparelho salvador, um referente as dindmicas economias da regiao.

472
A DESCOLONIZAGAO AFRO-ASIATICA

As diretrizes liberalizantes na economia, mais radical do Khmer Vermelho, Pol Pot,


fruto em boa parte das exigéncias do mercado derrubou o presidente, implantando uma
internacional, tiveram reflexos politicos que ditadura tao sangrenta que reduziu a popula-
levaram o governo do Vietna a permitir, em ¢ao do pais a metade.
1997, que pela primeira vez candidatos nao
filiados ao Partido Comunista Vietnamita
(PCV) pudessem concorrer as eleigdes parla-
mentares.
Contudo, em meio ao processo de trans-
forma¢ao deu-se a crise financeira do Sudeste
Asiatico, atingindo o pais em 1998. As conse-
quiéncias foram imediatas: em um ano, os
investimentos estrangeiros cairam 64%, desa-
celerando o crescimento do PIB nacional, que
caiu de 8,2% em 1997 para 4,8% em 1999.
Mesmo sob o controle do partido Unico
(PCV), o Vietna tem buscado aproximar-se da
comunidade internacional e dos EUA, na
tentativa de inserir-se nas novas transforma-
¢des da economia globalizada. Essa politica,
se para os EUA chega a ser uma forma de O governo cambojano de Pol Pot marcou um periodo de
exorcizar uma guerra que marcou tragica- grande violéncia interna.
mente a sua historia, para o Vietna é uma
valvula de entrada de capitais que, contudo, Sob o comando do Khmer Vermelho,
nao permite que o passado seja esquecido. adotou-se a politica de absoluta prioriza¢ao
Tanto que, em setembro de 1999, 0 governo da agricultura no Camboja, com transferéncia
do Vietna anunciou a concluséo de uma da popula¢do urbana para o campo. (A capi-
pesquisa que revelou a existéncia de 15 541 tal, Phnom Penh, que tinha algo préximo a
novas vitimas decorrentes das 5,7 mil tonela- trés milhdes de habitantes, acabou reduzida a
das de produtos quimicos que os EVA tinham pouco mais de vinte mil.) Das outras medidas
atirado sobre o pais durante a Guerra do adotadas pelo governo de Pol Pot, sempre
Vietnd. Em novembro de 2000, o presidente caracterizadas pelo extremismo, destacaram-
norte-americano Bill Clinton visitou o pais e, se a aboligéo da moeda nacional (riel), da
em 2005, trinta anos depois do final da Guerra religiao e da unidade familiar. Nas persegui-
do Vietna, foi a vez de o primeiro ministro ¢6es generalizadas, fundadas na defini¢ao do
vietnamita Phan Van Khai visitar os EUA. “ano zero”, ponto de partida de um Camboja
Quanto ao Camboja, a Conferéncia de que ‘‘nascesse de novo”, suprimindo todos os
Genebra de 1954 reconhecia a sua indepen- vestigios da sociedade anterior, eliminaram-se
déncia sob a forma monarquica. O principe todos aqueles que falassem alguma lingua
Norodom Sihanouk, pr6-China, governou até estrangeira, universitarios, intelectuais, qual-
1970, quando foi derrubado pelo general Lon quer um que usasse Oculos e pequenos
Nol, apoiado pelos Estados Unidos. Era a proprietarios, chegando, segundo dados ofi-
ditadura pré-Ocidente, a estratégia de Nixon ciais, ao exterminio de 2,8 milhdes de pes-
para o Sudeste Asiatico. A partir daf, instau- soas, além de 570 mil desaparecidos.
raram-se governos instaveis e ditatoriais. Em A ditadura de Pol Pot, apoiada pela
1975, o Khmer Vermelho (grupo de guerri- China, foi também responsavel por um con-
lheiros apoiados pela China) derrubou Lon flito com o Vietna, que era entao apoiado pela
Nol, instalando a Republica Popular do Unido Soviética. Em dezembro de 1978, os
Kampuchea, recolocando no poder Norodom vietnamitas invadiram 0 Camboja, depondo o
Sihanouk. No ano seguinte, o lider da ala Khmer Vermelho em janeiro de 1979 e
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX)

ajudando a fundar o governo de Heng julgar os dirigentes do Khmer Vermelho; no


Samrin, que passava 0 Camboja para a esfera ano seguinte, a ONU anunciou a previsdo da
prd-soviética. instalagdo do tribunal para 2006. Em 2004, o
Os remanescentes radicais do Khmer rei Norodom Sihanouk abdicara ao trono do
Vermelho, que se refugiaram na Tailandia, Camboja, alegando problemas de sade, em
ainda apoiados pela China e pelos Estados favor de seu filho, o principe Norodom Siha-
Unidos, continuaram desenvolvendo comba- moni, ao passo que oO cargo de primeiro
tes sucessivos no Camboja visando recuperar ministro continuava em mdos de Hun Sen.
o controle do pais. A fronteira com a Tailan- Quanto ao Laos, apds os acordos de
dia, no inicio dos anos 80, vivia a ampliagao Genebra de 1954, o Pathet Lao (Partido
progressiva dos conflitos e, somente na déca- Comunista) chegou ao governo, sendo derru-
da de 90, em meio ao reformismo socialista e bado em 1958 pelos direitistas, ligados aos
ao colapso do bloco soviético, comegou a norte-americanos. O Pathet Lao, a partir de
normaliza¢ao das relacdes sino-vietnamitas e uma base na selva, organizou a luta armada
da politica do Camboja, sob a tutela da ONU. para recuperar o poder, generalizando o
Gragas aos acordos entre os pr6-vietnami- conflito na Indochina.
tas e o grupo prd-China, buscou-se a estabili- Em 1975, com a derrota norte-america-
za¢ao politica, apesar da continua oposi¢ao na no Vietna, os comunistas reassumiram oO
guerrilheira do Khmer Vermelho sob a lide- governo do pais, transformando-o em Rept-
~ ran¢a de Khieu Samphan. Nas elei¢des multi- blica Democratica Popular do Laos. Com as
partidarias de 1993 a frente monarquista foi profundas mudangas nos regimes socialistas
vitoriosa e Sihanouk transformado em rei do aliados a partir de 1989, o Laos empreendeu
Camboja, ao mesmo tempo em que o Khmer a abertura de sua economia aos paises
Vermelho era declarado ilegal. capitalistas. Em 1995 foi a vez de os EUA
anunciarem o fim de 20 anos de embargo
Governando sob uma coalizdo instavel,
econdmico ao pais, ampliando os vinculos
em julho de 1997, Sihanouk sofreu um golpe
comerciais. Mesmo assim, privatizagdes e
de Estado impetrado por seu primeiro-minis-
maior integrag¢do comercial continuaram sob
tro Hun Sen. Press6es internas e externas
o controle do regime de partido Unico nos
levaram O novo governante a aceitar, em
ultimos anos. Em fevereiro de 2006, o
fevereiro de 1998, um plano de paz liderado
governo do Laos, pais com cerca de 6
pelo Japdo. A nova coalizao, com Hun Sen
milhdes de habitantes, anunciou que seu
mantido no cargo de primeiro-ministro, en-
territorio estava livre das plantagdes de
frentava a permanente instabilidade decor-
papoulas, plantas de onde é extraido o dpio
rente das disputas entre diferentes facgdes — base da heroina —, apds intensa campanha
politicas, agravadas pelo crescimento do de erradicagdo. Esse foi considerado, por
crime organizado e do trafico de drogas. autoridades do Escritério das Nacdes Unidas
Em 2001, acentuando as divergéncias, o contra as Drogas e o Crime (UNODC), como
rei Norodom Sihanouk aprovou uma lei, com um grande passo, j4 que em 1998 o pais
apoio da ONU, visando estabelecer um tribu- possufa mais de 26 mil hectares com
nal dirigido por juizes locais e internacionais plantag¢do de papoulas, volume suficiente
para julgar os crimes perpetrados pelos lideres para gerar perto de 120 toneladas de heroina
do Khmer Vermelho. Dentre os diversos im- em cada colheita.
plicados estava Khieu Samphan, o principal
nome vivo do Khmer, ja que Pol Pot morreraem
1998. Muitos politicos ainda em atividade no Oriente Médio
Camboja temiam desdobramentos dos julga- EL
ee aaa ee
mentos que poderiam vir a envolver outros
personagens que tomaram parte daquele go- Considerada uma das regides mais ten-
verno do Khmer Vermelho. Somente em 2004 a sas do pés-guerra, devido a conflitos religio-
Assembléia Nacional aprovou o tribunal para sos e politicos, o Oriente Médio também se

474
A DESCOLONIZAGAO AFRO-ASIATICA

transformou em palco da disputa entre as Em 1947, no final da Segunda Guerra


superpoténcias pela supremacia na regido. Mundial, diante dos crescentes conflitos entre
Sua posi¢do estratégica, aliada a existéncia judeus emigrantes e palestinos arabes, a ONU
de imensas reservas petroliferas, caracterizam foi incitada a intervir, decidindo pela divisdo
historicamente a regido como uma Area sujeita da Palestina em duas dreas: a judaica,
a impasses e guerras. Os focos geradores representando 57% da regido e a palestina,
desses impasses tém sido, principalmente, o com 43% da area, 0 que provocou o protesto
conflito drabe-israelense, a guerra civil do dos paises arabes vizinhos.
Libano e conflitos como as guerras do Golfo. Com a retirada da Inglaterra e a criacao,
em 1948, do Estado de Israel, aumentou a
"Historia antiga tensdo na regido. Os paises da Liga Arabe —
Egito, Iraque, Transjordania (atual Jordania),
Libano e Sfria — invadiram a regiao desenca-
izes na Antiguidade, ha deando a Primeira Guerra Arabe-Israelense
pc ad regido. foe (1948-1949).

je sua eae Sig‘mundo antigo a .


diaspora hebraica.
Em 635, durante a expansao isla-
“mica, a regiao da Palestina foi ocupada
peesarabes e, mais tarde, em 1516, nas
conquistas turcas, passou a fazer parte |
do A Otomano.

ar judeus,be eeare ~ JORDANIA-


a é perseguidos ¢em varios paises CUOP ene:
- idealizavam a reconstrugdo de uma patria
nacional, em seu territorio de origem, a
- Palestina, agora territorio arabe.

O conflito arabe-israelense
| Estado judeu (1947)
Um dos grandes conflitos do Oriente Israel apds 1949

Médio tem sido o confronto arabe-israelense,


Cujas origens remontam ao perfodo que segue A formacao do Estado israelense.
a Primeira Guerra Mundial. Com a derrota dos
turcos e a desintegracdao de seu império, a Liga Essa guerra foi vencida por Israel, que
das NagGes aprovou, em 1922, a Declaracao ampliou seu dominio territorial sobre a Pales-
Balfour, proposta em 1917 pelo chanceler tina. Como conseqiiéncia, quase um milhao
inglés Lord Balfour, que colocou a Palestina de palestinos fugiram ou foram expulsos da
sob o governo da Inglaterra. Comprometendo- regido, tendo a situa¢do dos refugiados, que se
se a criar o Estado nacional judeu na regido, a instalaram em regides vizinhas, desencadeado
tutela inglesa ativou a emigragao judaica e a Questao Palestina, isto é, a luta dos arabes
atritos entre judeus e arabes. palestinos pela recuperacao territorial.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1I)

Em 1956, os crescentes atritos de frontei-


ra entre Egito e Israel e o reconhecimento do
canal de Suez como egipcio desencadearam
a Segunda Guerra Arabe-Israelense, também
conhecida como Guerra de Suez. Apesar de o
presidente egipcio Gamal Abdel Nasser ter
contado com ajuda militar soviética, Israel,
apoiado pela Inglaterra e Fran¢a, saiu nova-
mente vitorioso, conquistando a peninsula do
Sinai. Sob pressdo dos Estados Unidos e da
Unido Soviética, a ONU enviou a regido
forgas de paz, que obrigaram Israel a aban-
donar o Sinai, restabelecendo as fronteiras de
1949.
Em 1967, a tensdo na regido culminou
com a Guerra dos Seis Dias, a Terceira
Guerra Arabe-Israelense, pois a recém-criada
Organiza¢do para a Libertagdo da Palestina
(OLP) tentava, desde 1964, recuperar o
oe SS Pee: LIAL a
territ6rio ocupado por Israel por meio de
, Ofensivas em 1955 (Guerra de Suez)
guerrilhas. A situagdo agravou-se com a
; i ] Territorios ocupados por Israel por ocasiao da Guerra .
retirada das tropas da ONU e a coloca¢do ~ dos Seis Dias (1967) |

de soldados egipcios na fronteira, bloquean- 7 Py, Guerra do Yom Kippur (1973)

do o acesso aos portos israelenses. A vitdria | Ocupacao do Sul do Libano por Israel depois de 1982 |

israelense levou a ocupa¢ao de Gaza, Sinai, By RESTS ESE Slee pee cet oes eee se

colinas de Golan e Cisjordania, ampliando o As sucessivas guerras arabe-israelenses e o dificil equilibrio


éxodo palestino, com mais de um milhao e politico da regiao.

seiscentos mil refugiados.


Apesar da intervengcdo da ONU, Israel A Questao Palestina, entretanto, sobrevi-
ndo acatou a decisdo de retirada dos territd- via, pois os refugiados seguiam lutando pela
rios ocupados, tendo essa nova investida obten¢do de um Estado palestino e pela
israelense provocado, em 1973, a Quarta devolugao dos territdrios da Cisjordania e
Guerra Arabe-Israelense — a Guerra do Yom Gaza, ocupados por Israel.
Kippur -, assim chamada por ter se iniciado Além da cria¢gdo de colénias judaicas nos
num dia sagrado para os judeus, o Dia do territ6rios tomados, a ofensiva do governo
Perdao. O conflito iniciou-se com o ataque israelense alcancou, em 1982, Beirute, capi-
simultaneo da Siria e do Egito contra Israel. tal do Libano, no combate aos guerrilheiros
Com a interven¢ao do presidente dos Estados palestinos. No mesmo ano, também se efeti-
Unidos, Richard Nixon, e do secretdrio da vou a retirada israelense do Sinai, conforme
Unido Soviética, Leonid Brejnev, a guerra determinava o acordo de Camp David. A
terminou, com a assinatura de um acordo de partir de 1987, nas regides ocupadas da
paz. Cisjordania e Gaza, teve inicio o ativismo
Em 1979, o presidente egipcio Anuar palestino de resisténcia e enfrentamento a
Sadat e o dirigente israelense Menahem Israel, movimento conhecido como Intifada
Begin, num encontro promovido pelo pre- (‘‘revolta das pedras, em arabe’), confirman-
sidente norte-americano Jimmy Carter, assi- do a inviabilidade de Israel pacificar os
naram os acordos de Camp David, pelos territ6rios ocupados.
quais o Egito recuperava o Sinai e inaugurava Foi somente no inicio dos anos 90 que
uma nova fase de relacionamento e nego- ganhou for¢ga a via politica diplomatica,
ciacoes. levando as negociagdes entre as partes na

476
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

regido, substituindo a confrontagao militar legendario rei de Roma. Mas o rei os


constante. Em grande parte possivel devido
recusou, é (a profetisa) Sibila queimou
ao fim da Guerra Fria, 4 neutralizagdo do
trés livros, oferecendo ao rei os seis
Iraque — grande financiador da OLP apds a
restantes pelo mesmo prego. O rei recu-
Guerra do Golfo — e a pressdo norte-ameri-
sou novamente, entao ela queimou mais
cana contra o radicalismo israelense, os
trés e ofereceu os trés restantes, ainda
encontros diplomaticos propiciaram o reco-
nhecimento mituo entre Israel e OLP e, em pelo mesmo prego. Dessa vez o rei os
1993, a assinatura da paz em Washington, comprou.
entre os representantes de Israel, Yitzhak Por que Targiiinio rejeitou a primeira
Rabin, e da Palestina, Yasser Arafat. é a segunda oferta de compra? Evidente-
A fase dos acordos para viabilizar uma paz mente porque o prego pedido era abusivo.
duradoura continuou nos anos 90, mas esbar- Mas por que ele aceitou a terceira oferta,
rou em dificuldades herdadas de décadas de que evidentemente era ainda mais exor-
confrontagao, como o radicalismo politico e bitante? Porque compreendeu que da
religioso (fundamentalismo) tanto dos arabes proxima vez nao haveria mais livros para
quanto de israelenses, a questao dos assenta- comprar.
mentos e dos refugiados, a delimita¢ao terri- Os palestinos receberam uma série
torial e os ressentimentos. O assassinato de de ofertas vergonhosas desde 1917,
Yitzhak Rabin, em 1995, por um fanatico quando o governo britanico se encarregou
israelense, foi mais um duro lance contra a pela primeira vez de indicar a terra em
normaliza¢ao e pacificagdo da regido. que viviam ‘como lar nacional para o povo
judeu’. Cada oferta apresentada era —
segundo o ponto de vista deles — mais
revoltante do que a anterior.
Keystone

[.-]
O prego ainda é o mesmo: o reconhe-
cimento de Israel, a aceitagao de seu di-
reito de viver em paz € a cessagao de
toda luta armada ou do terrorismo con-
tra os israelenses. Mas Yasser Arafat,
como Targiiinio, decidiu pagar o prego.
Muitos palestinos acham que ele é
um louco, ou mesmo um traidor, para
aceitar tao pouco, depois de ter lutado
tanto. Ele podera até sofrer o destino de
Said Hammami, assassinado em 1978
A Paz de Washington, assinada por Rabin e Arafat, nao foi o por um extremista palestino pago por
estabelecimento de uma era de paz para a regido, mas a
Saddam Huggein.
abertura de um caminho para a pacificagao.
Mas certamente ele esta com raz&o,
ao entender, embora tardiamente, que o
Em 1993 “Arafat, como Targiiinio”. Em mutuo reconhecimento e a coexisténcia
1995, Rabin como Hammami pacifica 540 um bem que vale a pena pagar,
muito embora o prego seja exorbitante.”
“Um dos mais convincentes mitos da
Antiguidade é a historia da Sibila, de MORTIMER, Edward. Arafat, como Taraiitnio —
Financial Times. In: Gazeta Mercantil, 20/9/1993.
Cumas (antiga cidade grega perto de : p.1é2.
Napoles). Ela ofereceu nove livros de
Em 1995, contudo, Yitzhak Rabin foi
profecias a Tarqiiinio, o Soberbo, ultimo
assassinado por um extremista israelense.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

Conflitos localizados entre palestinos e para a populag¢ao civil, foram a intensificagao


israelenses continuaram a ocorrer, ao mesmo dos atentados com carros e homens-bombas,
tempo que se promoviam novos entendimen- entendidos como Unica forma de enfrentar o
tos e encontros de cUpula, especialmente em poderio militar israelense e as retaliagdes
1999 e 2000. Supervisionados principalmen- militares centradas em bombardeios aos ter-
te pelos Estados Unidos, os dois lados dis- rit6rios de ocupac¢ao palestina.
cutiam os impasses da regido, disputada em O crescente radicalismo na confrontagao
décadas de confrontos: desde assentamentos resultou na ocupa¢ao israelense de cidades
de judeus em territ6rios ocupados, retorno de palestinas, no fechamento da fronteira e no
refugiados palestinos que estavam nas areas cerco ao presidente da Autoridade Nacional
vizinhas, dos recursos hidricos e das frontei- Palestina (ANP), Arafat, em seu quartel-gene-
ras, até o dominio da cidade de Jerusalém. ral em Ramallah. Em 2003, sob o patrocinio
Sempre presente havia a questao da cria¢ao dos EVA, Unido Européia, Federagao Russa e
definitiva do Estado palestino e seu reconhe- da ONU, foi proposto um plano de pacifica-
cimento por parte de Israel. Quando a ¢do denominado Mapa da Estrada na tenta-
evolu¢ao dos entendimentos apontava para tiva de reverter esse quadro de confronto.
um possivel acordo final, um novo fato Segundo esse plano, nos proximos anos as
envolvendo o controle da cidade de Jerusa- negociagdes caminhariam no sentido de
lém, ponto crucial para os dois governos, libertar os pfisioneiros e criar definitivamente
reacendeu o conflito. um Estado Palestino. Porém, tais tentativas de
A cidade, considerada indivisivel pelos pacificag¢do foram, como em outras vezes,
israelenses e reivindicada pelos palestinos seguidas de novos choques violentos. Em
como futura capital de seu Estado, abriga na 2004, apds a morte de Arafat, foi eleito para a
sua porcao oriental a Cidade Velha, onde se presidéncia da ANP o moderado Mahmud
encontram santuarios religiosos do cristianis- Abbas, da faccaéo Fatah, e em 2005, foi
mo (igreja do Santo Sepulcro), do judaismo conseguido um breve cessar-fogo em razao
(Muro das Lamentag6es) e do islamismo de Ariel Sharon ter iniciado a retirada dos
(mesquita de Omar). Nessa area encontra- assentamentos judaicos da Faixa de Gaza e
vam-se cerca de 200 mil palestinos e algo Cisjordania. No inicio de 2006, surgiram
préximo a 180 mil israelenses, estes ali novas incertezas quanto a continuidade da
instalados pela colonizagdo promovida por pacificagdo na regido, pois Ariel Sharon
Israel. Em dezembro de 1999, numa clara deixou o governo israelense em razdao de
provoca¢ao aos palestinos, o novo lider do problemas de satide e o Hamas, partido
Likud, Ariel Sharon, fez um passeio pela extremista, obteve vitdria nas eleicdes legis-
esplanada das mesquitas na Cidade Velha, lativas palestinas.
alegando que aquele era territdrio israelense.
Os palestinos, em resposta ao adiamento da Guerra do Libano
declaragdo de independéncia e entendendo a
atitude de Sharon como uma negacdo dos O Libano, que se libertou da Franca em
acordos, detonaram uma nova Intifada em 1945, € outra regido do Oriente Médio sujeita
2000. a constantes conflitos politico-religiosos. De
Em meio aos disturbios e ao retrocesso um lado, estéo os muculmanos — sunitas e
das negocia¢6es, os ultraconservadores do xlitas —, que Correspondem a maioria da po-
Likud assumiram o governo, elegendo para pulagao, e, de outro, os varios grupos cristaos
primeiro-ministro Ariel Sharon. Do lado pa- —maronitas, ortodoxos e arménios catélicos e
lestino ganharam forg¢a os movimentos fun- protestantes —, que controlam as atividades
damentalistas como o Jihad Islamico e o econdmicas e detém a hegemonia politica.
Movimento de Resisténcia Islamico (Hamas), Agravando a situa¢do, acrescenta-se a interfe-
contrarios a qualquer acordo com Israel. As réncia de grupos estrangeiros apoiando cada
conseqiiéncias, desastrosas principalmente uma das facgdes. Os palestinos, representa-

oaks)
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

dos pela OLP, apoiavam os muculmanos, e os apontando altos membros dos servigos de
israelenses alinhavam-se aos cristaos. inteligéncia sirio e libanés como participantes
A partir da década de 1970, os conflitos no atentado que matou Hariri e outras 22
se agravaram por press6es politico-religiosas pessoas. Em marco de 2006, o governo sirio
dos muculmanos, que exigiam maior repre- concordou em cooperar com a comissdo de
sentatividade politica, e, também, pela insta- investigagdes da ONU sobre 0 atentado.
lagao de grupos palestinos no sul do Libano.
Em 1976, a Siria interveio no norte do
pais e, em 1982, Israel ocupou o sul,
expulsando os guerrilheiros da OLP. Em
1986, os sirios ocuparam Beirute, a capital
do Libano, sem conseguir uma efetiva com-
posi¢ao politica entre cristaos e muculmanos.
Em outubro de 1989, a Assembléia
Nacional Libanesa, reunida na Arabia Saudi-
ta, aprovou um tratado de paz que determi-
nava o desarmamento das milicias e a par-
ticipagao igualitaria de cristaos, mugulmanos
sunitas e muculmanos xiitas no governo.
Apesar desse entendimento, os combates
continuaram até 1990, quando houve uma
intervengao mais efetiva da Siria, que a partir
de entéo manteve um grande contingente de
militares dentro do pais. No sul do territério, a
guerrilha do Hezbolah, com o respaldo da
Sfria, continuou a combater o Exército israe-
lense que ainda ocupava a regiao. Embora
lutasse contra a permanéncia de tropas es-
trangeiras em seu territdrio, o Libano havia
iniciado uma reconstrugao lenta e gradual
que lhe permitiu atingir, entre 1990 e 1998,
um crescimento do PIB da ordem de 7,7% ao
ano, em média — uma das maiores taxas do
mundo. Esse reflorescimento refletiu-se prin-
cipalmente em Beirute, que retomava o papel
de pdlo turistico internacional.
Em marco de 2000, incentivados pelas Conflito Ira-Iraque
negociagdes que buscavam o equilibrio em
todo o Oriente Médio, mesmo sem um acordo No Ira, a dinastia Pahlevi, no poder desde
final com a Sfria, Israel retirou-se do sul do 1925, foi derrubada em 1979 pelos partida-
Libano depois de duas décadas de ocupa¢ao. rios do aiatola Khomeini, lider muculmano da
A manutencao de milhares de seus so!dados seita radical xiita. Como o xa Reza Pahlevi
garantiu a forte ingeréncia siria na organiza¢ao tinha o apoio dos Estados Unidos, a vitdria de
do governo libanés, situagdo que durou até Khomeini agravou as relagdes com os norte-
2005. Nesse ano, 0 assassinato do ex-primeiro americanos, e, no mesmo ano, a embaixada
ministro Rafik Hariri, lider oposicionista a norte-americana em Teera, capital do pais, foi
presenca siria no Libano, desencadeou segui- invadida por militantes xiitas. Somente em
dos protestos populares que exigiram e conse- 1981, apds entendimento com intermedia¢gao
guiram a retirada das tropas sirias do pais. No da Argélia, os cinqienta reféns norte-ameri-
final de 2005, aONU divulgou um documento canos foram libertados.

479
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Em 1980, o Iraque, independente da tores internacionais incumbidos da verifica-


Inglaterra desde 1932, aproveitando-se da ¢do da desmontagem dos armamentos, 0
instabilidade do Ira, invadiu-o, trazendo a lraque continuou sob embargo e alvo de
tona a tradicional luta pela dominagao da continuos ataques aéreos promovidos pelos
regiao do Chatt-el-Arab, pequeno rio, na Estados Unidos e Reino Unido, acarretando
confluéncia dos rios Tigre e Eufrates, que mais mortes, destruicdo, emigragdes e CO-
liga o lraque ao golfo Pérsico. O conflito lapso econdmico. Nem mesmo a autoriza-
resultou em elevado ndmero de mortos e em ¢4o0 da ONU, em 1999, para o aumento das
conseqiiéncias desastrosas para ambos os exportagdes de petrdleo em troca de ali-
paises. mentos, medicamentos e reparacdes pela
Em 1988, a ONU estabeleceu um cessar- guerra, programa conhecido por ‘‘petrdleo
fogo na regido, acelerando o fim do conflito. por comida”, representou um significativo
Entretanto, com o armamentismo desenvolvi- alfivio as crescentes dificuldades de sua
do durante a guerra com o Ira, o Iraque tornou- popula¢ao.
se, entéo, um dos paises mais poderosos Em 2002, o pais foi acusado pelos
militarmente do Oriente Médio, juntamente Estados Unidos de possuir armas de destrui-
com Egito e Israel. ¢do em massa e de patrocinar o terrorismo
internacional; no ano seguinte, Estados Uni-
Guerra do Golfo dos e Inglaterra formaram uma coalizdo e
invadiram o Iraque com o claro objetivo de
Em 1990, Saddam Hussein, governante derrubar o governo de Saddam Hussein.
do Iraque, invadiu o Kuwait, iniciando uma Depois da ocupag¢ao militar do pais, no final
nova crise na area. Buscando projetar-se de 2004, especialistas dos préprios Estados
como grande lider das nagdes arabes, Hus- Unidos confirmaram a inexisténcia dos tais
sein realizou a anexacdo sob o pretexto de armamentos nucleares. Nem a prisao de
que o Kuwait era uma ilusdo, um Estado Saddan Hussein em dezembro de 2004
fundado pela Inglaterra, um protetorado das conseguiu refrear a violéncia dos ataques
poténcias capitalistas. suicidas iraquianos, quase sempre seguidos
Em resposta, respaldadas pela ONU, as de represalias das forgas norte-americanas e
grandes poténcias, tendo a frente os Estados seus aliados, ambas fazendo numerosas
Unidos, declararam guerra a Saddam Hussein.
O conflito mudou radicalmente a visao norte-
-americana sobre confronta¢ao bélica, conhe-
cida por alguns como "guerra tecnocratica",
que sobrevaloriza a tecnologia militar e dimi-
nui a tradicional importancia dos soldados
patridticos ou cidadaos. Foram 42 dias de
ataques aéreos, operag¢do denominada pelos
norte-americanos de "Tempestade no Deser-
to". A vitoria dos aliados teve um saldo de 150
mil mortos iraquianos e apenas 150 do lado
norte-americano.
Com o fim da guerra, a ONU estabe-
leceu sangdes econdmicas contra o Iraque,
especialmente o embargo sobre suas expor-
tacgdes de petrdleo, além de sujeitar 0 pais a
indenizagdes e de obrigar a eliminar seus A regiao do Oriente Médio tem sido palco de freqiientes
arsenais de armas nucleares, bioldgicas e conflitos e guerras civis, envolvendo, inclusive, interesses

quimicas e os misseis de longo alcance. Sob estrangeiros. Na foto, avides da forca aérea norte-americana
sobrevoam um campo de petréleo no Kuwait bombardeado
a acusa¢ao de nao se submeter aos inspe- por tropas iraquianas, em 1991.
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

vitimas. As eleigdes presidenciais em 2005 No inicio dos anos 1990, nao foram
nao serviram para diminuir esses seguidos raros os exemplos de crises, catastrofes
conflitos. Ao contrario, a espiral de violéncia sociais e politicas, a exemplo de Ruanda,
no Iraque no inicio de 2006 trouxe o temor ex-col6nia da Alemanha até a Primeira
de o pais mergulhar numa completa guerra Guerra Mundial e depois da Bélgica até
civil envolvendo suas diversas fac¢des polli- 1962. Antes da independéncia, os coloniza-
ticas e étnico-religiosas. Dessas, destacam-se dores belgas jogaram com os principais
os xiitas — cerca de 60% da populagao -, os grupos étnicos locais, primeiro juntando-se
sunitas — cerca de 20% — e os curdos, algo com os tutsis (cerca de 9% da popula¢ao) e
proximo a 15% da populagao iraquiana. A depois estimulando a forma¢do de uma elite
ampliagdo da resisténcia 4 ocupagao estran- entre os hutus (algo proéximo a 90% dos
geira e a possibilidade iminente de uma ruandenses). Esse quadro agucou as rivali-
segunda guerra civil podem atrair o envolvi- dades locais que ganharam maior impulso
mento de paises vizinhos como o Ira, Arabia ainda apds a independéncia, nas disputas
Saudita, Turquia, Siria e Kuwait, entre outros, politicas, sociais e militares. No final do
alastrando o conflito na regido. Como afir- século XX, estimava-se que mais de um
mou o embaixador dos Estados Unidos em milhdo de ruandenses tinham sido mortos e
Bagda, Zalmay Khalizad, ‘‘abrimos uma mais de 2,5 milhGes eram refugiados.
caixa de Pandora e a questdo agora é como
sair dessa’ (Folha de S.Paulo, 9 mar. 2006, As dimensdes do deslocamento popula-
p. A2). cional gerado pelo conflito, principalmente
em diregdo aos campos de refugiados mon-
tados por organizagdes de ajuda humanitaria
internacionais (como a ONU e os Médicos
Sem Fronteiras) no Zaire (atual Repdblica
Alguns destaques da Africa Democratica do Congo) e na Tanzania,
RES Rare aL bien ae OI ae espalharam multiddes de refugiados pelas
estradas e campos dos paises vizinhos. A
O dominio colonial, suas herangas e a conseqiiéncia mais tragica desse fendmeno
turbuléncia politica da descoloniza¢ao afri- foi o "efeito arrastao": a medida que essas
cana, com fronteiras politicas quase sempre multiddes chegavam em regides que ja nado
distantes das divisdes étnicas, religiosas e possuiam alimentos, alojamentos e estruturas
linguiisticas, deixaram sérios impasses socio- sanitarias (banheiros, esgotos, agua, hospi-
politicos no continente: de um lado, o quadro tais) para recebé-los, as populagdes locais
de subdesenvolvimento e, de outro, a insta- eram assoladas pela fome, pela miséria e
bilidade institucional. pelas epidemias (tifo, dengue, Aids). Obriga-
Dos 53 paises africanos, 28 ocupavam as das a fugir, tornavam-se, elas também,
piores colocagées entre os 162 paises avalia- migrantes e, posteriormente, refugiados de
dos pelo Indice de Desenvolvimento Huma- guerra. O desequilibrio social propagou-se
no da ONU (dados de 2001), e pelo menos pela Africa Central, revivendo antigos con-
20 continuavam imersos em confrontos béli- flitos e intensificando os ja existentes. Foi
cos. Cerca de metade da popula¢ao do assim no ex-Zaire e no Burundi, paises onde
continente vivia com menos de US$ 1 por as etnias tutsis e hutus também entraram em
dia e, especialmente a regido subsaariana, em conflito, tornando-se quase que uma exten-
permanente piora nos Uultimos anos desde a sao da guerra em Ruanda. Ali, como fato
década de 1970. Fome, subnutrigao, migra- bastante comum a maioria dos paises afri-
¢6es e epidemias (90% dos casos de malaria e canos, inclusive naqueles que assumiram
70% dos casos de Aids do mundo) comple- certa abertura democratica, acrescentavam-
tavam o quadro herdado dos séculos de se também os permanentes regimes fundados
coloniza¢gao e descoloniza¢ao. na forga e nao nos direitos de cidadania.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

Nem a solidariedade internacional para


A crise africana
arrecadacdo de recursos e donativos, com
"A crise é, antes de mais nada, seus megashows, tem revertido a onda de
institucional: a ‘democratizagao’ gerou o desastres de um continente abandonado,
pluripartidarismo e uma certa liberdade chamado por alguns de o "continente da
de imprensa, mas nao o principio funda-
fome". Representando apenas 1,8% do PIB
mundial, o continente africano tem vivido
mental de alternancia do poder. [...] Uma
profundas dificuldades econémicas e baixos
vez no poder, um presidente (as vezes um
investimentos internacionais. No limite das
antigo ditador vagamente convertido, as
dificuldades, destaca-se a regiao subsaariana
vezes um respeitavel ‘democrata’ feste- como a area mais carente do continente,
jado pela sociedade internacional) nao onde se encontra a maioria da populagdo
pretende, de maneira alguma, perdé-lo africana e onde estao 32 dos 35 paises em
has urnas. Suas tropas farao o neces- piores posi¢6es no calculo do IDH mundial.
sario para manté-lo. A fraude eleitoral é As gigantescas adversidades africanas,
grosseiramente praticada na maior parte contudo, nao conseguiram impedir transfor-
do pais — antes, durante ou depois das mag6es que, na dindmica historica, guardam
eleigdes. Cada apuragao realizada nestas algum potencial promissor na solugao de seus
condigdes, ao invés de reforgar a legiti- principais problemas. E o caso da Africa do
midade da democracia, consolida a ilegi- Sul, onde, sob a lideranca de Nelson Mande-
timidade dos governantes, difamando a la, a luta contra o apartheid foi vitoriosa
propria democracia. depois de séculos de sujeigao. Mesmo com
fortes divergéncias de opositores quanto ao
[J rumo do pais, Mandela constituiu-se num
Todos oS golpes parecem permiti- exemplo das potencialidades africanas.
dos. Virar a cagaca, fazer intrigas e
passar a perna sao atitudes corri-
queiras. [...] Nao é, como acreditam os
crédulos idealistas, de falta de experi-
éncia politica, mas sim, de um excesso de
estratégias politicas. O conflito perma-
nente das ambigdes se da a custa das
idéias.
[...] A incapacidade da maioria dos
homens que estado no poder de sair do
sistema de ganhos faceis, a continuidade
de saques de recursos do Estado pelos
detentores de altos cargos, a precedén-
cia dada sistematicamente aos ‘favores’,
‘recomendagoes’ e ‘protegdes’ em todos
os escaldes do servigo publico s40 tragos
comuns a maioria dos orgZos de Estados
africanos."

SARDAN, Jean-Pierre Olivier de. Nelson Mandela, principal lider da luta contra o racismo na
Decadéncia dramatica dos Estados africanos. Africa do Sul, foi ganhador do Prémio Nobel da Paz, em 1993,
In: Le Monde Diplomatique. Edigao brasileira, juntamente com o presidente sul-africano na época, Frederik
ano 1, n. 1. 12/2/2000. Disponivel em: W. de Klerk. No ano seguinte, seria eleito o primeiro
<www.diplo.com.br>. presidente negro do pais e, ao encerrar seu mandato, em
1999, transferiu o poder democraticamente a seu sucessor,
Thabo Mbeki, reeleito ao cargo de presidente em 2004.

482
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

No entanto, na maioria dos paises afri- Argélia livre. A ala conservadora do exército,
canos predominam epidemias, como a da contraria a independéncia da regido, tentou
Aids, subnutri¢ao, instabilidade politica, com um golpe de estado — fracassado — contra De
golpes e contragolpes e seguidos conflitos Gaulle.
étnicos. Abandonado também pelo usual Estabelecendo acordos com os naciona-
desprezo quanto a questdo vital da sobrevi- listas argelinos, a Frang¢a reconhecia, em 1962,
véncia humana, o continente africano deixa a independéncia da Argélia. Depois de dez
exposta a incapacidade da ordem econémica anos de lutas e de aproximadamente um mi-
internacional do pds-Guerra Fria de viabili- lhdo de argelinos mortos, formava-se a Rept-
zar solugoes sociais eficazes para a maioria blica Democratica Argelina, presidida por Ben
da popula¢ao. Bella, da Frente da Libertagao Nacional.

Argélia

De 1952 a 1956 desencadeou-se na


Africa no Norte o terrorismo contra a ocupa-
¢ao francesa. Em 1954, as forcas rebeldes da
Frente de Libertagdo Nacional, estimuladas
pela derrota francesa na Indochina e pelo
apoio da opiniao publica internacional, ata-
caram os franceses em setenta lugares dife-
rentes em toda a Argélia. Numa contra-
ofensiva, que envolveu quinhentos mil solda-
dos e apos violenta repressdo a populacdo
arabe, as forcas metropolitanas desestrutura-
ram a organizacdo rebelde em Argel, a
capital.
Entretanto, enquanto a luta pela emanci-
pacdo continuava, o governo francés oscilava
entre prosseguir com a guerra ou dela desistir.
O general francés Salan, responsavel pela
ordem na Argélia, criou, em Argel, um A independéncia argelina consolidou-se em 1962 apds um
longo periodo de lutas contra a dominag¢ao francesa.
Comité de Seguran¢a Publica contrdrio ao
governo de Paris e a sua politica oscilante.
Decidido a pressionar militarmente a Repu- A independéncia nao produziu cresci-
blica francesa para que submetesse os arge- mento econémico suficiente para a solugao
linos, chegou a desembarcar para-quedistas das graves desigualdades sociais e muito
do exército na ilha da Corsega, préxima ao menos para a estabilidade politica tao alme-
litoral francés. jada. Em 1965, Ben Bella foi deposto por
A iminéncia de uma guerra civil na militares, assumindo o poder o coronel
Franca levou o general De Gaulle a assumir Houari Boumedienne, responsavel por uma
o poder e colocar-se a frente do movimento politica externa pré-Unido Soviética dentro
militar, em maio de 1958. Controlando os do contexto de bipolarizagao da Guerra Fria
extremistas, promulgou em outubro uma e, internamente, pela nacionalizacdo de va-
nova constitui¢do, instituindo a Quinta Re- rias empresas petroliferas francesas.
publica francesa, e decidiu-se pela negocia- Com a morte de Boumedienne, em 1978,
cao. Num plebiscito, em 1961, De Gaulle a Argélia reformulou sua politica internacio-
obteve carta branca para desenvolver con- nal, reaproximando-se da Franga, Estados
versacgdes em busca da paz e da criacao da Unidos e outros paises ocidentais. Mais tarde,

483
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

em 1989, foi a vez da abertura politica Exército. Bouteflika foi reeleito presidente em
interna, quando, em meio ao pluralismo 2004; no ano seguinte, apresentou a Carta pela
partidario, ganhou forga o grupo fundamen- Paz e Reconciliagdo, que foi aprovada em
talista islamico (FIS — Frente Islamica de plebiscito pela maioria esmagadora dos eleito-
Salvacdo) que pregava a reorganizacao do res (97%). No inicio de 2006, ogovernolibertou
pais com base no Cordo, e que foi vitorioso prisioneiros do Grupo Islamico Armado (GIA),
nas eleicdes de 1991. favorecidos pela Carta de Paz. Entre eles estava
O fundamentalismo de linha iraniana, um de seus fundadores, Abdelhak Layada.
contraério a qualquer influéncia ocidental,
entrou em choque com o exército, culminan- Congo
do num novo golpe militar em 1992. O
governo, controlado pelo Alto Comando das Devastado pelo trafico de escravos do
Forgas Armadas, colocou os fundamentalistas século XIX, em 1885, apds a Conferéncia de
na ilegalidade, generalizando a persegui¢do e Berlim, 0 Congo passou a ser propriedade
prisao dos lideres islamicos. Em resposta, os pessoal do rei da Bélgica, Leopoldo II. De
seguidores da Frente Islamica recorreram a propriedade pessoal, em 1908, passou ofi-
violéncia com atentados terroristas, mergu- cialmente a col6énia belga, servindo a diver-
lhando o pais numa crescente guerra civil. sos interesses: pilhagem e exploracao pelas
Nas eleicGes gerais de 1995, num ensaio companhias. metropolitanas e estrangeiras, de
de normaliza¢ao politica interna, foi vitorioso diamante, ouro, cobre e estanho.
o candidato preferido dos militares, Liamine Em 1959, irromperam no pais manifesta-
Zeroual, em grande parte devido ao afasta- ¢des populares, chegando-se a incendiar
mento do pleito dos radicais islamicos do FIS Leopoldville, a capital, o que obrigou a
e do boicote eleitoral por outras forgas Bélgica a conceder a independéncia ao pais.
democraticas e socialistas. Zeroual foi ainda Em 1960, formava-se o Estado Livre do
apoiado pelo governo francés, pois este temia Congo, tendo como presidente Joseph Kasa-
o surgimento de um outro Ira a apenas vubu e como primeiro-ministro, Patrice Lu-
algumas centenas de quilémetros de sua mumba. Embora oficialmente independente,
fronteira. Tal fato levou os extremistas islami- a presen¢a européia continuava gerando
cos do autodenominado Grupo Islamico continuas manifestacées.
Armado (GIA) a optar por atentados terroristas Soldados belgas e mercenarios, financia-
em Paris. dos pela companhia belga Union Miniére e
O governo do presidente Zeroual, mesmo comandados por Moisés Tshombe, declara-
ampliando gest6des para entendimento nacio- ram independente a provincia mineradora de
nal, reforg¢ava a incdgnita para a real possi- Katanga. Lumumba e Kasavubu apelaram a
bilidade de livrar a Argélia de seu conflito ONU, que enviou emissarios de paz a regiao,
civil, que deixara dezenas de milhares de sem conseguir entretanto solucionar o impas-
vitimas fatais. Nem mesmo a formacao de se, instalando-se a guerra civil. Lumumba
uma Assembléia Nacional, em 1997, com- tentou uma ofensiva contra Katanga, contan-
posta por varias correntes, inclusive a dos do com 0 apoio da Unido Soviética, porém
muculmanos tradicionalistas, desmontou o sem sucesso.
clima de confronta¢do entre setores do Exér- O presidente Kasavubu, apoiado pelos
cito e rebeldes guerrilheiros. belgas e pelos Estados Unidos, demitiu Lu-
Em 1999, o recém-eleito presidente Abde- mumba, substituindo-o pelo coronel Joseph
laziz Bouteflika propds a anistia aos grupos Mobutu. Lumumba foi preso, mas, diante das
divergentes, obtendo em 2000 a adesdo do manifestagdes populares pela sua libertacdo,
Exército Islamico de Salvagao, que abandonou acabou sendo entregue a mercenarios de
a luta armada, com cerca de 1,5 mil guerri- Katanga, onde foi assassinado.
lheiros se rendendo as forgas do governo. Por sua atuacao a frente do Movimento
Mesmo assim, continuaram as atua¢oes guerri- Nacional Congolés contra a Bélgica, Lumumba
lheiras do GIA e de setores mais duros do transformou-se em simbolo da independéncia

484
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

africana, num Congo dividido em varias que mudou o nome do pais para Reptblica
facc6es rivais, em lutas crescentes, s6 contidas Democratica do Congo. No ano seguinte, um
coma intervencao da ONU e coma entrega do rompimento interno no governo leva a nova
cargo de primeiro-ministro a Tshombe, em guerra civil, em que interesses de varios
1964, 0 que assegurou a unidade do pais. paises da Africa entraram em choque. Enfra-
quecido, Kabila pediu auxilio militar para os
governos do Zimbabwe, de Angola e da
Namibia, atraidos pela produgao de diaman-
tes, petrdleo, cobre, urdnio e as terras férteis
do Congo. Com novas dissidéncias, 0 pais se
transformou em um grande campo de batalha
com o envolvimento de 9 paises africanos,
conflito descrito por alguns como a Primeira
Guerra Mundial Africana (segundo lan Fisher.
The New York Times. In: Folha de S. Paulo.
19/1/2001. p. A9). No inicio de 2001, Laurent
Kabila foi assassinado, assumindo a presidén-
cia seu filho, Joseph Kabila, num governo de
transi¢ao. No ano seguinte foi negociada a
retirada das tropas dos paises vizinhos, porém
os confrontos e a violéncia entre as faccdes
rivais nao Cessaram nem com a crescente
presenca, desde 1999, das tropas de paz da
ONU, chamadas Monuc, que chegaram em
2005 a mais de 18 mil homens, constituindo
a maior forca de paz do mundo. Em 2005 foi
Mesmo apos a independéncia formal, o Congo enfrentou aprovada, em plebiscito, uma nova Consti-
sangrentas lutas internas. Na foto, Patrice Lumumba, simbo-
lo da luta pela libertag4o africana. No detalhe, as regides da
tuigao, promulgada em fevereiro de 2006,
Argélia e do Congo. marcando para meados desse ano as elei¢des
legislativa e presidencial. Doengas e guerra
Em 1965, Mobutu assumiu o governo, civil de 1998 a 2004 resultaram em mais de 4
implantando uma ditadura pessoal. No inicio milhdes de mortos (segundo a revista médica
dos anos 1970 langou uma politica de Lancet, do Reino Unido, In: Folha de S.
“africanizagao’’, que mudou o nome do pais Paulo, 7 jan. 2006. Disponivel em:
para Zaire. Enfrentando crescentes press6es, <www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/
internas e externas, contra a ditadura e o ft0701200620.htm>. Acesso em: 5 abr. 2006).
nacionalismo, intensificadas especialmente
no final dos anos 1980 e inicio dos 1990, o As ex-colénias portuguesas da Africa
pais mergulhou em sucessivas crises politicas,
greves e agravamento do seu quadro socio- As col6énias ultramarinas portuguesas fo-
econdmico. Durante os anos 1990, agravan- ram as que mais tardiamente conquistaram sua
do ainda mais esse quadro, entraram no leste independéncia, todas apds 1970. Isso porque
do pais mais de um milhado de refugiados Portugal mantivera-se, desde a década de 30,
ruandeses, da etnia hutu, fugindo da guerra sob a ditadura de Ant6nio de Oliveira Salazar,
na vizinha Ruanda, que passou as maos da que conservara 0 pais por quarenta anos longe
etnia rival dos tutsis. Mobutu, considerado dos avangos econdmicos, politicos e sociais
excessivamente tolerante para com os refu- do periodo. Quando, em meados da década
giados que continuavam atacando Ruanda, é de 70, ocorreram os movimentos de derrubada
deposto por uma revolta de oficiais tutsis do das Uultimas ditaduras européias — Grécia,
Zaire, apoiados por Ruanda, em 1977. O Espanha e Portugal -, as lutas coloniais de
governo foi entregue a Laurent Desiré Kabila, libertagdo ganharam for¢a.

485
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

Em Angola, 0 Movimento Popular pela negdécios regionais, com a participagao do


Libertagéo de Angola (MPLA), fundado em pais na Comunidade de Desenvolvimento da
1956 por Agostinho Neto, iniciou um movi- Africa Austral (SADC — Southern African
mento guerrilheiro contra o colonialismo Development Community), que busca ampli-
salazarista, embora outras organizac6es de ar o livre-comércio e eliminar as barreiras
libertagao surgissem, como a Frente Nacional tarifarias entre os paises da regido. Fortale-
de Libertagao de Angola (FNLA), dirigida por cendo a tendéncia de normalizagao politica
Holden Roberto, e a Unido Nacional pela do pais, em dezembro de 2004 o presidente
Independéncia Total de Angola (Unita), che- José Eduardo dos Santos anunciou eleigdes
fiada por Jonas Savimbi. gerais (presidenciais e legislativas) para 2006.
A Revolugaéo dos Cravos (1974), que Em Mocambique, a Frente de Libertagao
derrubou a ditadura fascista portuguesa, pro- de Mocgambique (Frelimo), de inspiragao
piciou a assinatura do Acordo de Alvor, socialista, fundada por Eduardo Mondlane,
marcando a libertagao angolana para 1975. em 1962, iniciou a luta pela independéncia.
Entretanto, a FNLA, apoiada pelo Zaire, Com o assassinato de Mondlane por agentes
ocupou 0 norte angolano, enquanto a Unita, portugueses, em 1969, Samora Machel assu-
apoiada pela Africa do Sul, com respaldo dos miu 0 comando do movimento, ocupando
Estados Unidos, dominava o sul de Angola. gradativamente o territ6rio mogambicano.
Ocupando Luanda, a capital, o MPLA Com a revolucao de 1974, Portugal acelerou
proclamou a independéncia, e Angola passou as negocia¢ées pela libertagdo dessa coldnia,
a ser governada por Agostinho Neto. A luta reconhecendo sua independéncia em 1975,
contra as outras facgdes continuou, arrasando com Samora Machel na presidéncia.
progressivamente a economia nacional. A A Africa do Sul, governada por uma
normaliza¢gao do pais comecgou com a disten- minoria branca e alinhada com o bloco
sao internacional do inicio dos anos 1990 e norte-americano nos anos 1980, procurou
com 0 final da Guerra Fria, fato que estimulou desestabilizar 0 governo socialista de Samora
a decisdo de se promoverem eleicées pluri- Machel, através da Resisténcia Nacional
partidarias em 1992. Jonas Savimbi (Unita), Mogambicana (Renamo), e, apesar da assina-
porém, nao reconheceu a vitdria de José tura, em 1984, do Acordo de Nkomati, que
Eduardo dos Santos (MPLA), presidente desde estabeleceu a nado-agressdo com a Africa do
1979, reiniciando a guerra civil. Sul, os confrontos continuaram.
Em 1996, tentou-se uma composi¢ao de
governo em Angola formada pelo MPLA e
pela Unita, que logo resultou em novos
confrontos armados. Em 2001, ja se compu-
tavam aproximadamente 1 milhao de mortos,
milhdes de desabrigados e destruicdo gene-
ralizada, persistindo a ameaca, a todos os
angolanos, da explosdo de alguma das 12
milhdes de minas terrestres espalhadas pelo
pais. Em fevereiro de 2002, Jonas Savimbi foi
morto por soldados do exército angolano e,
em abril, foi assinado, na Assembléia Nacio-
nal de Luanda, um acordo de cessar-fogo. O
armisticio, que prometia anistia e paz depois
de 27 anos de guerra, foi apoiado pelo novo
lider da Unita, Paulo Lukamba Gato, e pelo
presidente José Eduardo dos Santos. Nos anos
Angola, Guiné e Mocgambique foram as primeiras colénias
seguintes prevaleceu 0 empenho do governo portuguesas a conquistar sua libertacao. Na foto, angolanos
na reconstru¢ao nacional e na ativagado dos desfilam com o retrato de Agostinho Neto.

486
A DESCOLONIZACAO AFRO-ASIATICA

Somente na década de 1990, apés o pajs gerais, vencidas em 2000 pelo Partido da
ter iniciado uma abertura politica, buscou-se Renovacao Social (PRS), rival do PAIGC. O
estabelecer acordos entre 0 governo e os presidente eleito, Kumba lalla, ficou no poder
guerrilheiros para a solucdo da questao até 2003, quando foi derrubado por um novo
mogambicana. Em 1994, foram realizadas golpe militar. O novo governo provisério
eleig¢des multipartidarias, vencendo o lider da garantiu a realizacdo de novas eleicdes em
Frelimo e sucessor de Machel, Joaquim 2005, vencidas pelo ex-presidente Jodo Ber-
Chissano. O novo governo definiu como nardo Vieira. Em Cabo Verde, a longa
prioridade a reconstrugao de Mocgambique, estiagem e as limitagdes da producdo agrico-
tendo em maos um pais arrasado por 14 anos la, em razao da aridez do arquipélago, tém
de luta pela independéncia e seguida por contribuido para um forte movimento migra-
mais 16 anos de guerra civil. torio de cabo-verdianos, que abandonam o
Chissano buscou a reconstrucdo de Mo- pais em massa. Por outro lado, o governo tem
¢ambique e conseguiu um relativo éxito no promovido o desenvolvimento turistico, o
controle da inflagdo e na aplicagéo de um setor mais lucrativo da economia, inauguran-
programa de privatizagdes. Reeleito em 1999, do o aeroporto internacional da Cidade da
deu €nfase as obras de infra-estrutura (gaso- Praia em 2005.
duto, eletricidade, etc.) e ao crescimento eco-
ndmico, conseguindo a vitdria de seu candi-
dato a presidéncia da Reptblica nas eleigdes
de dezembro de 2004, Armando Guebuza,
com mais de 63% dos votos. Press
Associated

Na Guiné-Bissau e Cabo Verde, a rebe-


liao contra o colonialismo comegou em
1961, sob a lideranga de Amilcar Cabral,
do Partido Africano de Independéncia da
Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que foi assas-
sinado em 1973. Luis Cabral assumiu entao a
liderang¢a do movimento e proclamou a
independéncia da Guiné-Bissau, que, embora
imediatamente reconhecida pela ONU, s6 foi
oficializada em 1974, depois da Revolugao
dos Cravos. Cabo Verde separou-se da Gui- Em julho de 2001, o conjunto de paises do continente
né-Bissau em 1980, embora nao desapare- africano, por meio da Organizagao da Unidade Africana
(OUA), langou oficialmente a transformacao desse organismo
cessem gest6es para uma futura reunificacdao. na Uniao Africana (UA). Em julho de 2002, em Durban (Africa
No final dos anos 1980 e durante os do Sul), foi oficialmente formada a Unido Africana (UA), com
1990, os dois paises integraram as transfor- 53 paises que escolheram o chefe de Estado sul-africano
Thabo Mbeki para seu primeiro presidente rotativo. O ob-
mages internacionais do fim da Guerra Fria, jetivo, inspirado no modelo da Uniao Européia, é instalar um
abandonando o regime marxista ao um sd espaco unico para seus mais de 900 milhdes de habitantes,
partido e ampliando as liberdades politicas e com um Parlamento continental, um Tribunal pan-africano,
um Banco Central e, mais a frente, uma dnica moeda. Enfim,
econdmicas: Guiné-Bissau acabou com o uma Africa integrada e forte, como aquela sonhada por muitos
partido Unico em 1989 e instituiu eleigdes de seus predecessores que lutaram contra o colonialismo do
em 1994; Cabo Verde decidiu pelo pluripar- século XX. Um desafio imenso para o século XXI, para um
tidarismo a partir de 1990 e eleigdes em continente fundado na pobreza, guerras, rivalidades, disputas
territoriais, instabilidade politica e mergulhado em epidemias
1991. Tais mudangas nao impediram o avassaladoras. Na foto, participantes da reuniao da QUA, em
agravamento das rivalidades politicas nos Lusaka, em 2001: Daniel Arap Moi (Quénia), Nelson Mandela
dois paises. Em Guiné-Bissau, depois de (Africa do Sul), Muammar Gaddafi (Libia) e Yoweri Museveni
(Uganda). Até 2006, a UA foi cada vez mais ativa na busca da
motins e guerrilhas por varios anos, o presi- supera¢ao dos conflitos politicos, guerras, quest6es econdmi-
dente Jodo Bernardo Vieira foi derrubado por cas e pressdes junto ao G8 e ao FMI por vantagens para os
opositores em 1999, seguindo-se eleigdes paises do continente africano.
A AMERICA LATINA E
AS LUTAS SOCIAIS

s paises da América Latina, embora ses, que, de 1861 a 1867, tentaram instalar na
politicamente independentes desde o regido o governo Habsburgo de Maximiliano,
século XIX, mantiveram lacos de um prolongamento do Segundo Império na-
dependéncia econdmica com as grandes polednico na América.
poténcias capitalistas mundiais, inicialmente
a Inglaterra e posteriormente os Estados
Unidos.
As forgas reformistas e nacionalistas e
também as de extrema esquerda — estas
almejando subverter por completo a ordem
reinante — confrontaram-se com as forgas
tradicionais, defensoras da vincula¢ao politi-
co-econdmica com os grandes centros capi-
talistas. Assim, 0 anseio das nagées latino-
americanas pela democratiza¢ao e autonomia
tem gerado press6es no sentido de reformular
as estruturas vigentes. Por isso, ditaduras
militares, governos pr6-libertagdo, movimen- Maximiliano
de
execu¢ao
A
Manet,
1868.
(detalhe),

tos reformistas, revoluciondarios e guerrilheiros


tém caracterizado o conturbado quadro poli-
tico da América Latina no século XX.

Mexico
eee
ea a

O México, apds Agustin Itdrbide ter O fuzilamento de Maximiliano de Habsburgo, em 1867,


declarado sua independéncia, em 1821, marcou o fim da intervencao francesa no México.
passou a viver um periodo de instabilidade
politica, sob a forma de ditaduras (caudilhis- As lutas contra os estrangeiros, que
mo) e de dependéncia econdmica. As condi- desorganizaram o pais, e as condicées socio-
¢6es sociais se agravaram depois que o pais econdmicas que subsistiam desde a época
saiu da guerra contra os Estados Unidos, em colonial proporcionaram a instalacdo da
1848, tendo perdido quase metade de seu ditadura de Porfirio Dias (1876-1911). Du-
territorio. Além disso, sofreu intervengdes rante o porfiriato, que durou mais de trinta
estrangeiras sucessivas, inclusive dos france- anos, deu-se uma intensa concentra¢ao fun-

488
A AMERICA LATINA E AS LUTAS SOCIAIS

didria e grande entrada de capital estrangeiro sul a revolugéo camponesa pela reforma
para a exploracgdo e controle dos recursos agraria. As pressOes levaram Huerta a renun-
minerais e produ¢ao de artigos de exporta- ciar, em 1914, em favor de um governo
¢ao. Dessa forma, para a populac¢ao local, em constitucional liderado por Venustiano Car-
sua grande maioria concentrada nas dreas ranza (1914-1915).
rurais, aumentaram a miséria e a dependéncia Em 1917, foi promulgada a nova consti-
aos grandes senhores. tuig¢ao do pais e Carranza foi eleito presiden-
No inicio do século XX, esse quadro Insatisfeitas com o ndao-atendimento de
levou ao crescimento da insatisfacdo entre a suas reivindicagées, especialmente a redivi-
popula¢do, 0 que provocou greves operdrias sdo fundidaria, as forg¢as populares continua-
nas cidades e revoltas na zona rural. Dessas ram em luta. Entretanto, perderam forca,
lutas surgiram lideres populares como Emi- especialmente com o assassinato de Zapata
liano Zapata e Pancho Villa, que, coman- em 1919 e o afastamento de Villa em 1920,
dando milhares de camponeses, mobiliza- seguido de seu assassinato em 1923. A
ram-se contra os latifundidrios, a Igreja e as Revoluc¢ao Liberal se institucionalizava.
elites constituidas, reivindicando uma justa Na década de 30, a reforma agraria,
distribuigao de terras, por meio da reforma motivo da Revolucao de 1910, ainda nao fora
agraria. Ao mesmo tempo, parte da elite, sob realizada: mais de 80% das terras mexicanas
o comando de Francisco Madero, se insurgia estavam em maos de pouco mais de dez mil
contra a ditadura porfirista. Unindo as forgas, mexicanos. As manifestagdes nacionalistas e
os exércitos revolucionarios depuseram Por- as reivindicag6es sociais encontraram no pre-
firio Dias, em maio de 1911. sidente Lazaro Cardenas (1934-1940) um
representante que expropriou terras e compa-
©
=
nhias estrangeiras, nacionalizou o petrdleo e
a® estimulou a formagao de sindicatos campone-
®.*)
=
oO
ses e operarios. Com tais medidas de Cardenas,
<
€ o partido do governo passou a chamar-se
©
a) Partido da Revolucao Mexicana, transformado
s[<4 em 1948 no Partido Revolucionario Institucio-
ro}
£
o nal (PRI), que controlou o pais até os anos 90.
=

A reforma agraria mexicana :


“Houve de fato distribuigao de aS ee
ras, Mas 06 camponeses receberam ao
piores; 06 ejidos, propriedades outorga- Se
das pelo governo aos camponeses, quase oi
Ao lado dos lideres populares, Zapata (a esquerda) e Villa (a
nunca ultrapassavam 0S ‘quatro hecta- Aig
direita), Madero, representante da elite econdmica, marcou res e a falta de assisténcia terminou —
a luta contra a ditadura porfirista. criando uma agricultura ‘revolucionaria’
de subsisténcia. Uma ‘nova classe’ de
Eleito presidente, o liberal Madero nao burocratas ja havia se instalado na
implantou a esperada reforma agraria, esbo- Cidade do México sobre 0S escombros
¢ando apenas timidas medidas sociais, que da revolugZo dos sem terras.”
mantiveram insatisfeitas as camadas popula- CARLOS, Newton. Folha de S. Paulo. 12/9/1982.
res. Em 1913, Madero foi assassinado e o
general Victoriano Huerta reinstalou a dita-
dura, ligada aos interesses dos Estados Uni- Nestas ultimas décadas, entretanto, o
dos. Pancho Villa voltou a lutar contra as latiftindio voltou a dominar a estrutura agraria
forcas federais, enquanto Zapata liderava no do pais e houve intensa subordina¢ao do pais

489
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

aos Capitais internacionais, levando a econo- ficaram conhecidos, através de seu lider o
mia a beira do colapso. De 1980 a 1990, o “comandante Marcos’, proclamavam a exi-
produto nacional bruto per capita caiu 12,4% géncia de ‘‘pao, satide, educa¢gao, autonomia
e, entre 1982 e 1988, o salario real foi e paz’’ para os camponeses da regido, ao
reduzido em 40%, chegando em 1990 a um mesmo tempo que se sublevavam contra o
consumo per capita 7% inferior ao registrado governo e denunciavam o Nafta como perni-
em 1980. Ci0sO aO Povo mexicano.
Diante da imensa divida externa e do
grave quadro inflacionario do pais, em 1990,
o presidente Andres Salinas de Gortari bus-
cou acordos internacionais que atraissem
investimentos estrangeiros, especialmente
dos Estados Unidos. A intima vinculagao ao
bloco econémico norte-americano, possibili-
tou a integracdo ao Nafta (Acordo Norte-
Americano de Livre Comércio), oficializada a
12 de janeiro de 1994, comemorada como
uma passagem para o mundo desenvolvido.

“A virada continental em diregao ao


neoliberalismo nao comegou antes da
presidéncia de Salinas, no México, em
88, seguida da chegada ao poder de
Menem, na Argentina, em 89, da segunda
presidéncia de Carlos Andrés Perez, no
mesmo ano, na Venezuela, e da eleigao de
Fujimori, no Peru, em 90. Nenhum desses
governantes confessou ao povo, antes de
O modelo econémico neoliberal adotado pelos paises latino-
ser eleito, o que efetivamente fez depois
americanos durante a década de 90 sofreu um sério revés
de eleito. Menem, Carlos Andrés e Fuji- com o levante zapatista e com a crise financeira do México.
mori, alias, prometeram exatamente o
oposto das politicas radicalmente anti- Os enfrentamentos e sucessivos acordos
populistas que implementaram nos anos entre o governo de Andres Salinas e os
90. E Salinas, notoriamente, nao foi camponeses revoltosos durante 0 ano 1994
sequer eleito, mas roubou as eleigdes contaram, ainda, com a turbuléncia eleitoral
com fraudes.” durante a campanha presidencial. Foram
assassinados dois membros do partido do
ANDERSON, Ferry. Balango do neoliberalismo. In:
P6s-neoliberalismo: as polfticas sociais e Estado
governo (PRI), Luis Donaldo Colosio, candi-
democratico. SADER, Emir e GENTILI, Pablo, org. dato que estava a frente nas pesquisas
p. 20-1. eleitorais, e, logo em seguida, José Francisco
Massieu, secretario do partido, ambos defen-
sores de amplas reformas politicas no pais.
A entrada do México no Nafta, uma Em meio as acusacgées de envolvimento
jun¢do com a economia de dois dos maiores do governo nos assassinatos, especialmente
gigantes do capitalismo, Estados Unidos e do irmao do presidente (Ratl Salinas), junto
Canada, foi imediatamente ofuscada pelo com escandalos de corrup¢ao, a economia
levante do Exército Zapatista de Libertagdo mexicana também mergulhou na instabilida-
Nacional (EZLN), 0 qual tomou varias cidades de, enquanto as eleigdes davam vitdria ao
no estado de Chiapas, uma regido empobre- novo candidato do PRI, Ernesto Zedillo, que
cida no sudeste do pais. Os zapatistas, como assumiu O Cargo em dezembro de 1994.

490
A AMERICA LATINA E AS LUTAS SOCIAIS

No ano seguinte, os escandalos politicos Se o relacionamento com os EVA foi vital


continuaram a crescer, seguidos do agrava- para a sobrevivéncia do México no contexto
mento da questdo social, do desemprego, da da globalizagao, desentendimentos e imposi-
atuag¢do zapatista em Chiapas, da maior ¢6es nao foram despreziveis. Os 3 200 km de
instabilidade financeira da histéria do pais e fronteira mexicana, por exemplo, firmaram-se
do descrédito do Partido Revolucionario como a principal rota de imigrantes ilegais
Institucional (PRI). Depois de um ano de latino-americanos e a principal porta de
mandato, Zedillo tinha em maos um pais em entrada do narcotrafico internacional para os
continua recessdo econdmica, inflacdo as- Estados Unidos. Essa situagdo, associada ao
cendente, moeda (peso) desvalorizada, queda envolvimento de setores do PRI ao narcotra-
no poder aquisitivo dos saldrios e, depois de fico mexicano, levou a uma série de escanda-
trés planos de ajustes econdmicos, mais de los, que teve seu ponto maximo na condena-
900 mil trabalhadores sem emprego e perto cao, em 1999, de Raul Salinas, irmao do ex-
de 8 mil empresas falidas. No final de 1994, a presidente Salinas, a 50 anos de prisdo, por
fuga de capitais de curto prazo (dinheiro assassinato e envolvimento no narcotrafico.
especulativo) se intensificou, agravando a Em meio as dificuldades sociais e econ6-
crise mexicana. Numa reacaéo em cadeia, micas e com o desgaste do PRI, as eleicdes
conhecida como efeito tequila (tequila é a presidenciais de julho de 2000 foram um
bebida tradicional do México), caem em todo marco politico da hist6éria mexicana: depois
o mundo as cota¢des dos titulos dos paises de mais de 71 anos de hegemonia no governo
considerados emergentes (Brasil, Argentina, do Partido Revolucionario Institucional (PRI),
Russia, entre outros). A propaga¢ao instanta- Vicente Fox, do Partido de A¢ado Nacional
nea das crises financeiras seria, a partir de (PAN), venceu as eleigdes. No ano seguinte, o
entao, o novo fendmeno da economia globa- PIB mexicano alcancou 550 bilhdes de ddla-
lizada. Com tal quadro, 0 México contou res, mais que o dobro de 1990, e 636 bilhdes
com um imenso socorro financeiro interna- de délares em 2003, demonstrando o cresci-
cional, algo préximo a 52,8 bilhdes de mento econdmico com o Nafta. Em contra-
dodlares, vindo especialmente dos Estados partida, associado as dificuldades sociais,
Unidos. estimava-se que, no inicio de 2006, 11
Enquanto Zedillo creditava a crise ao seu milhdes de imigrantes mexicanos viviam nos
antecessor, firmava-se 0 descompasso entre Estados Unidos, segundo o Pew Hispanic
as solug¢Ges de uma economia de mercado, Center, metade deles ilegalmente. A remessa
tao defendidas na globalizacgdo econdmica de recursos para o México, advinda dos
capitalista da época neoliberal, e a drea emigrantes mexicanos, saltou de 3,674 bi-
social, abrindo um fosso cada vez maior, lh6es de délares em 1995 para o recorde de 20
quase um abismo, que servia de alerta para bilhdes de délares em 2005, ano em que 464
mexicanos morreram tentando atravessar ile-
toda a América Latina.
Nos anos seguintes houve um reergui- galmente a fronteira com os Estados Unidos.
mento da economia mexicana, apoiado em
investimentos internacionais para conter a
crise e na implantagdéo do Acordo de Livre Chile
Comércio da Américas (Nafta), que propiciou
a transfer€ncia de montadoras norte-america-
nas para dentro de suas fronteiras, em busca, Substituindo 0 governo de Eduardo Frei,
basicamente, de custos menores para sua do Partido Democrata Cristaéo, que se carac-
produgao. Conhecidas como industrias ma- terizou por um espirito reformista limitado,
quiladoras, essas empresas montam produtos liberal, foi eleito Salvador Allende, em 1970,
com componentes que chegam prontos dos da Unidade Popular, composta pela alianga
Estados Unidos, contando com a mao-de- dos socialistas e comunistas. Sua vitéria foi o
obra barata local. resultado de um longo perfodo de lutas

491
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

populares no Chile, de uma elaborada poli- por motivos politicos. Na década de 80, as
tica de unido das forgas de esquerda e do pressOes populares e internacionais sobre a
debilitamento do grupo conservador chileno, ditadura chilena de Pinochet avolumaram-se
a partir da fraqueza do governo de Frei. e, de 1987 a 1988, diante da distensdo nas
A vitéria socialista desencadeou uma relagdes internacionais e do esgotamento
mobilizagao social, com invasdao de terras e politico interno, as pressdes pela redemocra-
ocupag¢ao de fabricas, pressionando o gover- tizagao tornaram-se irrefreaveis.
no a avancar além de seus propositos origi- A partir dos anos 1990, buscou-se, no
nais. O resultado foi a rearticulacgao das for¢as Chile, uma transi¢ao pacifica para a demo-
conservadoras, 0 que provocou sabotagens e cracia por meio de eleigdes presidenciais,
instabilidade. Ao mesmo tempo, os Estados vencidas por Patricio Aylwin Azocar, candi-
Unidos, governados por Richard Nixon, ja dato pela frente oposicionista Acordo pela
contrarios a um regime socialista no conti- Democracia, chamada ‘‘Concertaci6n’’
nente, viram-se desafiados com a nacionali- (CCPD: Concertacién de Partidos por la
za¢ao de diversas empresas norte-americanas Democracia). Seu sucessor foi Eduardo Frei
que atuavam no Chile. Sua resposta foi cus- (1994), seguido, em 2000, pelo também
tear as campanhas que desencadearam a de- governista Ricardo Lagos, o primeiro de
sestabilizagdo do governo Allende, fortale- orienta¢ao socialista apds Allende.
cendo o desejo golpista da cupula militar
chilena. De 1970 a 1973, Washington ajudou A comunidade chilena
na Grande a t

os adversarios de Allende com mais de oito S40 Paulo chegou a um total de100 mil
milhdes de doélares.
pessoas e, com a redemocratizacao,
Em 11 de setembro de 1973, as forcas
armadas chilenas, sob o comando de Augusto
pouco mais que a metade retornou
no —
Pinochet, bombardearam a sede do governo, inicio dos anos 90. Em sua atuagao. ouHar
o palacio presidencial de La Moneda, numa exilados politicos, ao longo dos anos 80,
acao que levou Allende a resistir até a morte. nao raras vezes conseguiram atrair a
atengao dos brasileiros para a necessa- “S |
ria condenaciio 42 ditadura de Pinochet.
"Einmt92S; um ato em e0lidariedade
ao Chile, com a presenga da vilva de :
Salvador Allende, Horténcia, reuniu O):
ent4o senador Fernando Henrique Cardo-
30”, o qual vivera trés anos no Chile como
exilado durante a ditadura militar brasi-_
leira, “o deputado Almino Affonso Lal
entdo vereadora Luiza Erundina. No ano
seguinteum ato liturgico ‘pelas vitimas
dos onze anos de ditadura’ no Chile en-
cheu a Catedral da Sé. Em 1988, 0 Sin-
dicato dos Metrovidrios de So Paulo
editou um numero especial do seu ei
Salvador Allende iniciou um processo de nacionalizacao da
sobre o plebiscito que aprovaria a reali-_
economia chilena. zagao da eleigao presidencial de 1989”.
Em julho de 1995, um dos lideres
Ao assumir o governo, Pinochet estabe- chilenos da Grande Sao Paulo, ane ae
leceu uma das ditaduras mais violentas da Enrique Aravena Parada, presidente do i"

América Latina: mais de sessenta mil pessoas Centro de Estudos Politicos ealadon>:
morreram ou desapareceram do Chile nos Allende, promoveu mais um encontro de
anos 70 e duzentas mil abandonaram o pais latino-americanos, discutindo uma carta

492
A AMERICA LATINA E AS LUTAS SOCIAIS.

a ser “dirigida ao presidente Fernando 17 para 38%, e em 1990 o consumo per


Henrique Cardoso. Os dois primeiros capita dos chilenos ainda era inferior ao
paragrafos ja anunciavam a mudanca registrado dez anos antes. Como bem
operada na comunidade. O primeiro soli- conclui Luiz Carlos Bresser Fereira, ‘a
citava ‘a aplicagao efetiva dos acordos sociedade chilena provavelmente nao te-
bilaterais previdenciarios dos trabalha- ria tolerado estes custos transicionais
dores do Mercosul’; € 0 segundo pedia a sé 0 regime politico tivesse sido demo-
‘legalizagao do livre transito dos traba- cratico’. Mas isto nao é tudo: dezessete
lhadores oriundos do tratado e de paises anos de politicas neoliberais nao 30
que ja participam como convidados ou foram incapazes de diminuir os bolsdes
observadores’”. de pobreza como, ao contrario, aumenta-
FERNANDES, Maria Cristina. In: Gazeta Mercantil, ram consideravelmente a distancia que
14/7/99. p. Ad. separava ricos de pobres. Jorge G.
Castatieda observa com toda a justeza
que entre 1978 e 1986 o decil mais
Pinochet, contudo, continuou na chefia
endinheirado da sociedade chilena au-
do exército, deixando o cargo somente em
mentou sua participagao na renda de
1998, quando assumiu uma cadeira de sena-
dor vitalicio no Parlamento chileno. Segundo 56,2 para 46,8%, enquanto que 05 50%
a Constituigdo em vigor, elaborada durante mais pobres baixou a sua de 20,4% para
seu governo, todo presidente chileno que 16,8%.”
ficasse no poder por mais de seis anos teria o BORON, Atilio. A sociedade civil depois do dildvio
direito a uma vaga no Senado até o fim da neoliberal. In: F6s-neoliberalismo: as politicas sociais
é o Estado democratico. SADER, Emir e GENTILI,
vida, sem necessidade de disputar eleigées.
Pablo, org. p. 97.
Na economia, 0 pais assumiu as receitas
neoliberais desde a época da ditadura de
Pinochet, crescendo num ritmo bastante
rapido, e continuou na mesma situagao com Paralelamente a esse sucesso, continuava
Os governos que o sucederam. Os avan¢os pendente a responsabiliza¢do criminal pelas
econdmicos e a estabilidade financeira fize- mortes, torturas e repressdo da época da
ram do Chile um dos paises considerados ditadura militar, exigida por varios setores
bem-sucedidos no processo de economia nacionais e organismos internacionais de
capitalista globalizada, tipica dos anos 1990. direitos humanos. Em 1998, em visita a
Inglaterra para tratamento médico, o general
Pinochet foi preso em resposta a Justi¢a
“Em outras palavras, 0 caso do
espanhola, que o julgava por torturas contra
exitoso modelo de ajuste tao elogiado cidadaos espanhdis durante seu governo.
pelo Banco Mundial e pelo FMI é suficien-
O caso — que solicitava extradi¢ao para
temente ilustrativo: em 1988 — isto 6, julgamento por crimes contra a humanidade —
quinze anos depois de inaugurado o arrastou-se durante 15 meses, atraindo a
experimento neoliberal do Chile! — a renda atencao internacional. Somente no inicio de
per capita e 0S salarios reais ainda nao 2000 Pinochet retornou ao seu pais, sob
eram muito superiores aos de 1973, fortes ameacas de julgamento por crimes
apesar dos imensos sacrificios impostos realizados durante 0 seu governo. Em julho
pela ditadura e entre 0s quais haveria de 2002, a Suprema Corte de Justi¢a chilena
que sé destacar 15% de desemprego decidiu encerrar 0 processo contra Augusto
médio registrado entre 1975 e 1985, Pinochet (86 anos), considerando-o em esta-
com um pico de 30% em 1983. Entre do de “‘deméncia’. Dias depois, ele renun-
1970 e 1987, a porcentagem de lares ciou ao cargo de senador vitalicio, abando-
abaixo da linha de pobreza aumentou de nando a vida politica. Em 2004, vieram a

493
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

publico as contas multimilionarias que o ex- Entretanto, a posi¢do de forga dos nor-
ditador possufa em bancos estrangeiros, cri- te-americanos nunca foi abandonada e,
adas com recursos obtidos de governos apoiando os “‘contras’’ nicaraglienses — ex-
aliados a sua ditadura, como o norte-ameri- soldados somozistas — contra 0 governo san-
cano, e de outras transagdes financeiras dinista, obtiveram a desorganiza¢do interna
ilegais. Em 2006 a ‘‘Concertacién’”’ elegeu o da Nicaragua. Nas eleigdes de 1990, o lider
quarto presidente chileno, a socialista Mi- sandinista Daniel Ortega foi derrotado, ca-
chelle Bachelet, e 0 governo deu inicio a bendo a vitdria a Violeta Chamorro, pro-
ampliagdo das investigagdes oficiais em de- Estados Unidos.
zenas de contas secretas internacionais vin-
culadas a Pinochet (estimadas por alguns em
100 milhdes de délares), visando recuperar os
recursos financeiros desviados.

A America Central
a Ee es RE ee oe
América
da
Memorial
Latina

Até a época da independéncia mexicana


(1821), a regiao incluia o México e, quando
ele se separou, ela recebeu o nome de
Provincias Unidas da América Central. Em
1838, os interesses das elites locais e os dos
Estados Unidos e da Inglaterra, paises defen-
sores do lema ‘‘dividir para reinar”’, propicia-
ram a formacdo de diversos Estados aut6no-
mos na regido: Guatemala, Honduras, El
Salvador, Nicaragua e Costa Rica, alinhados
as tradicionais poténcias capitalistas, espe-
Mesmo depois da derrota nas eleigdes de 1990, os sandi-
cialmente aos Estados Unidos. nistas continuaram como importante forca politica na
Para garantir seus interesses na regiao, Os Nicaragua. Na foto, Daniel Ortega.
norte-americanos fizeram diversas interven-
cdes armadas, como no Panama, em 1903,
garantindo o controle da Zona do Canal, e Durante sua presidéncia, Violeta Cha-
outras que buscavam sufocar os movimentos morro aproximou-se dos sandinistas, apesar
guerrilheiros locais, como o lider camponés das pressdes dos Estados Unidos e de seu
nicaraglense Augusto César Sandino, entre proprio partido, a Unido Nacional Opositora
1927-34. Além disso, mantiveram a regido (UNO). Em 1993, a UNO rompeu com a
sob seu controle por meios econdmicos e presidente, seguindo-se um agravamento do
diplomaticos, desprezando o principio, de- quadro politico e radicalizagao das facgdes
fendido pela ONU e a OEA, de nao-interven- partidarias na Nicaragua. A prdpria Frente
¢do e autodetermina¢do dos povos. Sandinista de Libertagdo Nacional (FSLN),
Apesar disso, no final dos anos 70 e ainda nao refeita da derrota de 1990, passou
principalmente nos anos 80, os movimentos por dissidéncias, sendo a mais importante a de
populares cresceram na América Central, 1994, quando Ernesto Cardenal, ex-ministro
abalando a tradicional supremacia norte- da Cultura do governo sandinista e suspenso
americana na regido. O principal exemplo de suas fungées sacerdotais pelo Vaticano,
dessa nova conjuntura foi a Revolucao San- abandonou 0 partido. Nas eleicdes de 1996,
dinista, de 1979, na Nicaragua, que derrubou Daniel Ortega (FSLN) foi novamente derrota-
a ditadura de Anastacio Somoza, aliado dos do no pleito presidencial, vencendo Arnoldo
Estados Unidos. Aleman, da coalizao conservadora Alianca

494
A AMERICA LATINA E AS LUTAS SOCIAIS

Liberal (AL), sem que mudang¢as substanciais


da gasolina e dos alimentos, com greves
fossem efetivadas no pais.
escalonadas do transporte publico, 6 9é
Rivalidades politicas, descontentamentos
intensificaram anteontem apos a divul-
e projetos de mudan¢a continuaram presen-
gac¢ao de um documento assinado por 96
tes na Nicaragua. Em novembro de 2001, o
dos 162 prefeitos do pais pedindo a
ex-vice-presidente de Aleman, Enrique Bo-
laos Gayer, do Partido Liberal Constitucio- —renincia de Bolafios por sua suposta
incapacidade de controlar os protestos.
nal (PLC), venceu as eleicdes presidenciais,
derrotando outra vez o candidato sandinista Anteontem, conflitos entre manifes-
Daniel Ortega. Sob acusa¢ao de ter desviado tantes e a policia tiveram 22 feridos é
100 milhdes de dodlares, o ex-presidente 66 presos, € 0 movimento se estendeu
Aleman foi julgado e condenado em 2003 da capital ao norte do pais, onde,
a 20 anos de prisao. Em 2004 foi a vez de segundo autoridades, havia bloqueio e
Bolafios, acusado de irregularidades finan- protestos dirigidos pela Frente Sandinis-
ceiras que motivaram, em 2005, a realiza- ta de Libertagao Nacional.
¢do de reformas politicas por meio da A estudantes que protestam con-
Assembléia Nacional, limitando o poder tra o fato de o governo nao ter aumen-
presidencial e facilitando processos de im- tado subsidios para evitar o aumento da
peachment. tarifa de Onibus se juntaram trabalha-
Enquanto os EUA implementavam ges- dores do setor de transporte e membros
toes em 2006 para efetivar acordos comerci- - de sindicatos, em sua maioria ligados a
ais, os Tratados de Livre Comércio com os Frente Sandinista de Libertagao Nacio-
paises da América Central, incluindo a Nica- nal.
ragua, cresciam os sinais de repeticdo da Bolafios disse ontem que nao pensa
tradicional divisdo politica nicaraguense entre em renunciar. ‘Quando me viram pendurar
sandinistas e liberais na disputa das eleigdes as luvas? Estive aqui durante toda a
programadas para novembro de 2006.
década de 80, durante a RevolucZo
Sandinista, me caluniaram, me fizeram
Presidente da Nicaragua é recebido com grosserias e hoje sigo trangililo, como
pedradas por manifestantes Johnny Walker’, disse, parodiando o slo-
gan do whisky escocés (“Keep walking”).
“No segundo dia de fortes protestos
Bolafios tomou posse em 2002 para um
na Nicaragua, manifestantes jogaram
mandato de cinco anos.
pedras no presidente Enrique Bolafios
O governo afirma que nao pode
quando ele saiu da residéncia oficial, em
aumentar os subsidios ao transporte
Managua, para tentar negociar.
porque o Congresso, dominado pela opo-
Segundo a policia, cerca de 5 OOO si¢ao, cortou o Orgamento e reduziu os
manifestantes cercavam o local. Bolafios
poderes de Bolafios. Membros do Partido
nao foi ferido, mas uma pedra atingiu seu
Liberal Constitucionalista, pelo qual Bo-
filho, também chamado Enrique, que foi
lafios foi eleito, se aliaram aos sandinis-
levado ao hospital.
tas contra Bolafios.”
Morteiros artesanais foram dispa-
rados para o ar. Bolatios afirmou aceitar Folha de S. Paulo, 27 abr. 2005. p. Al4.
negociar com oS setores sociais que
pedem uma solugdo para a alta da
gasolina, mas pediu o fim dos protestos. Rivalidades politicas, descontentamentos
e€ projetos de mudangas continuaram perma-
As manifestagdes comecaram ha
nentes na Nicaragua, sendo que, em novem-
trés semanas por causa do aumento da
bro de 2001, 0 ex-vice-presidente Aleman
tarifa dos Onibus e da alta dos pregos
Enrique Bolafios Gayer, do Partido Liberal
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Constitucional (PLC), venceu as eleigdes forgas de paz, a Missdo de Estabilizagao das


presidenciais, derrotando o candidato sandi- Nacées Unidas no Haiti (Minustah), da qual
nista Daniel Ortega. também participaram militares de outros pai-
O Panama, num amplo movimento na- ses latino-americanos, como Argentina e Chi-
cional pela retomada da Zona do Canal, le. No inicio de 2006 foram realizadas elei¢des
conseguiu acordos com o governo de Jimmy presidenciais, vencendo René Préval. Conti-
Carter, pelos quais os Estados Unidos se nuavam presentes os efetivos militares da
comprometeram a devolver o canal a sobe- Minustah e a expectativa quanto ao efetivo
rania panamenha até o ano 2000. De outro desenvolvimento dessa que € a na¢ao mais
lado, evidenciando sua fragil soberania, o pobre das Américas, com o menor indice de
pais foi invadido, em 1989, por forcas norte- desenvolvimento humano do continente.
americanas que derrubaram o presidente
Manuel Antonio Noriega, acusado de liga-
¢6es com 0 trafico internacional de drogas. Outros destaques
Noriega foi preso e levado aos Estados latino-americanos
Unidos para julgamento. Em 1999, era eleita Ra
a primeira mulher para a presidéncia do pais,
Mireya Moscoso, que, em dezembro, recu-
O duradouro estado de guerra na Amé-
perou o controle da zona do canal interocea- rica Central reforgou o processo de empo-
nico, conforme estabelecido no acordo com brecimento e miséria comum a toda América
oO governo de Carter. A administragao do Latina, ativando por décadas a ebuli¢ao
canal foi repassada por 25 anos a uma politico-ideolégica no anseio por transforma-
empresa de Hong Kong, vencedora da con- ¢des. Em 2001, estimava-se que a América
corréncia. Noriega foi condenado a 40 anos Central, com seus 34 milhdes de habitantes,
de prisdo por trafico de drogas e cumpre pena tinha cerca de 60% de sua popula¢ao viven-
reduzida a 30 anos em Miami (EUA). do abaixo da linha de pobreza. De certa
Outra interven¢ao norte-americana ocor- forma, a América Central era a representante
reu no Haiti, em 1991, dessa vez para reem- do limite extremo da crise politico-econdmi-
possar o presidente Jean-Bertrand Aristide, Ca por que sempre passou o continente.
democraticamente eleito, mas deposto por Segundo dados fornecidos pela Comissado
uma junta militar. A operagdo contou com 20 Econémica para a América Latina e o Caribe
mil soldados e garantiu que Aristide cumprisse (Cepal), o numero de pobres na América
seu mandato, enquanto emergiam provas do Latina chegou a 221 milhGes de pessoas em
envolvimento da CIA com o governo militar 2004, recuando um pouco em 2005 para 213
anterior a democratizagdo. A sucessdéo de milhdes, ou seja, 40,6% da populac¢ao total.
Aristide, em 1996, foi a primeira na histdria Para o conjunto de paises latino-ameri-
do Haiti em que o governo era transmitido por canos, 0 empobrecimento de grande parte da
via eleitoral. Embora isso demonstrasse uma popula¢gao, o desemprego e a instabilidade
tendéncia democratica inédita, o pais convivia monetaria, juntamente com o sucateamento
com uma taxa de desemprego de quase 70%. do parque industrial (envelhecimento e nao-
O novo governo de Aristide, contudo, nado reposi¢do de maquinario), tém exigido poll-
conseguiu reverter o quadro de dificuldades ticas inovadoras bancadas por partidos refor-
socioecondémicas nem a corrup¢ao e a violén- mistas e de centro. Substituindo ditaduras
cia entre faccdes politicas. Em 2004, ano do apds um perfodo de transicdo democratica,
bicentenario da independéncia dessa primeira subiram ao poder presidentes eleitos direta-
republica negra, Aristide foi deposto e o pais mente em quase todos os paises da regido. As
mergulhou em confrontos armados, seguidos propostas liberais reformistas dos partidos de
da interven¢ao de tropas norte-americanas e centro e de direita ganharam corpo, desban-
francesas, respaldadas pela ONU. Meses de- cando propostas das esquerdas revoluciona-
pois coube as tropas brasileiras a lideranga das rias radicais.

496
A AMERICA LATINA E AS LUTAS SOCIAIS

maio de 2000, foi cercada de varias dentin-


cias de fraudes na apuragao, com o candidato
da oposi¢ao se retirando em protesto.
Nao tendo condicées politicas nem mili-
tares para se manter no poder, Fujimori pediu
asilo politico ao Japao em novembro de 2000.
Em agosto de 2001, 0 Congresso do Peru
aprovou, por unanimidade, uma ‘‘acusa¢gdo
constitucional’”” contra o ex-presidente, por
homicidio, corrup¢ao e seqiiestro durante os
anos de seu governo. A presidéncia do pais
passou ao candidato que perdera a eleicado
anterior, Alejandro Toledo. Sem conseguir
grandes mudan¢as no quadro de dificuldades
nacionais, Toledo teve de enfrentar novos
escandalos politicos e rebelides, enquanto o
ex-presidente Fujimori continuava refugiado
no Japao. Em outubro de 2005, Fujimori sur-
preendeu a todos, aparecendo na capital chi-
lena, onde foi preso. No inicio de 2006, a
justia peruana tentava junto ao governo chi-
leno a extradi¢ao do “El Chino’, nome como é
conhecido o ex-presidente Alberto Fujimori.
Vila Miséria, uma cidade-favela em Buenos Aires, Argentina. Outro exemplo latino-americano de mu-
A América Latina apresenta acentuados contrastes socio- dangas e de crescentes dificuldades nos
econémicos.
Ultimos anos é a Argentina, cujo governo do
peronista Carlos Menem e seu ministro Do-
De acordo com a politica neoliberal, mingo Cavallo implementou um plano eco-
busca-se 0 saneamento econdmico interno, a ndmico emergencial, em 1991. Foi estabele-
abertura dos mercados nacionais ao capita- cida a paridade do peso ao dolar, atrelando a
lismo internacional e a diminui¢ao do Estado, moeda nacional a moeda norte-americana, ao
enxugando-o com a privatizagdo de empresas mesmo tempo que foi instituida uma ampla
do governo e da diminuigado dos gastos politica de privatizagao de empresas estatais,
publicos, especialmente os voltados para as como 0 sistema energético e a empresa de
politicas sociais. O sucesso econémico, qua- petrdleo, enquanto o desemprego atingia
se sempre divorciado de uma politica de indices recordes de mais de 18% ao ano.
bem-estar social, nado tem conseguido favo- Ainda em 1991, a Argentina, juntamente
recer a maioria da popula¢ao, propiciando, com o Brasil, Paraguai e Uruguai, criou o
cada vez mais, a concentra¢ao de rendas e o Mercado Comum do Sul, o Mercosul, para
aumento do poder das megaempresas nacio- ativar as economias da regido. O ano de 1995
nais ou multinacionais. foi definido como a data inicial de uma amplae
A democratiza¢gao, conquistada em qua- livre circulagéo de mercadorias, servicos, ca-
se todo o continente e sempre em busca de pitais e bens entre os seus membros, 0 que
consolidag¢ao, apresentou momentdneas bai- estimulou enormementeos negocios regionais.
xas, como aconteceu no Peru, em 1992. O A estabilizagdo econdmica, que derrubou fn-
entao presidente Alberto Fujimori fechou o dices inflacionarios que chegaram a quase
Congresso e tomou em suas maos todos os 5000 % em 1989, deu a Menem suficiente
poderes nacionais, ignorando a Constitui¢ao, aceitagao popular para ser reeleito a presidén-
anulando direitos e reelegendo-se sucessiva- cia da Republica em 1995. Contudo, as condi-
mente por trés vezes. A ultima reeleig¢ao, em ¢6es sociais foram se agravando nos primeiros
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

anos de seu segundo mandato, gerando maior inflagdo e as baixas taxas de investimento
concentra¢do de riquezas nas maos de poucos produtivo, que deixam diividas sobre a conti-
e elevando as taxas de desemprego. nuidade do alto crescimento econdmico.
Nas eleicGes presidenciais de 1999, ven- O narcotrafico era outro elemento preo-
ceu 0 candidato de oposigdo Fernando de la cupante na América Latina nos anos 1990 e
Rda (UCR e Frepaso — Frente do Pais Solida- infcio do século XXI: uma atividade em
rio) ao candidato apoiado por Menem. Como expansdo no continente e o segundo maior
novo presidente argentino, Fernando de la no comércio mundial, movimentando varias
Rua adotou varias medidas de austeridade, centenas de bilhGes de délares por ano. Uma
afetando ainda mais o emprego e ampliando parte significativa das drogas é origindria da
as dificuldades sociais. Além disso, 0 governo Colémbia, estimada em dois tergos da pro-
de De la Rua ainda enfrentava a questao de a dugao mundial. A riqueza desse comércio
moeda ser mantida ou nao atrelada ao dolar e colombiano tem servido para os seguidos
as dificuldades e dinamizagao do Mercosul. conflitos entre guerrilheiros e a milicia dos
“paras’’, grupos paramilitares de fazendeiros
Nem mesmo a nomeacao de Domingo
e militares em enfrentamentos tipicos da
Cavallo, ex-ministro de Menem, para a pasta
época da Guerra Fria.
da economia conseguiu atrair confianga in-
ternacional, estabilizar a economia e garantir No final dos anos 1990, depois de mais
a paridade ddlar/peso. Manifestagdes de pro- de trés décadas de guerra civil e dezenas de
testo, saques e descontrole administrativo e milhares de mortos, 0 governo colombiano
financeiro aprofundaram a crise, levando De do presidente Andrés Pastrana (1998-2002)
la Rda a rendncia em dezembro de 2001. iniciou negociagdes com grupos guerrilhei-
Substituido por Eduardo Duhalde no cargo de ros, destacadamente as Forgcas Armadas Re-
presidente por um mandato de dois anos, o volucionarias da Col6émbia (Farc), buscando a
novo governo argentino adotou algumas re- pacificagdo do pais. Sem avancos definitivos
formulagdes econémicas, como o fim do nos entendimentos e sob pressdo dos Estados
cambio fixo, sem que com isso houvesse Unidos, o presidente Pastrana, em 2000, pds
apoio significativo interno e muito menos das em andamento no pais o Plano Colombia, um
finangas internacionais. Da mesma forma, programa antidrogas de treinamento militar
continuava incerta a estabilizacao financeira para destruir plantagdes de coca e cag¢ar
e, pior ainda, nao se acreditava numa reversao traficantes. Esse plano, que deveria ser fina-
a curto ou médio prazo do grave quadro lizado até 2005, foi prorrogado até 2006,
social, que alcangara fndices inéditos e alar- sendo responsavel pela injegdo de mais de 3
mantes: metade dos 37 milhdes de argentinos bilhées de ddlares na Colémbia.
estava vivendo na pobreza e a taxa de De 2001 a 2006, com Pastrana e seu
desemprego do pais chegou a 21,5% em sucessor Alvaro Uribe, a na¢cdo continuou
julho de 2002. Em maio de 2003, Duhalde foi mergulhada na guerra civil iniciada ha mais
substituido por Néstor Kirchner, que assumiu de quatro décadas, num impasse em que nem
a presidéncia e acenou, em seu discurso de a guerrilha tinha condigdes de tomar o poder
posse, em favor da recupera¢do e do apro- definitivamente nem as forgas governamen-
fundamento do Mercosul. Mesmo assim, ape- tais tinham capacidade militar para, apesar da
sar do crescimento dos negécios, o bloco bilionaria ajuda norte-americana, derrota-la.
continuou esbarrando em cotas e divergéncias As iniciativas pela pacificagao, especialmente
nacionais. A partir de 2003, depois do recuo de as de 2004 e 2005, com pris6es aos envolvi-
-10,9% do PIB em 2002, a economia do pais dos e anistia aqueles que depunham as
voltou a crescer. Nesse ano, o PIB argentino armas, nao tiveram os efeitos esperados. Além
cresceu 8,7%; em 2004, 9%; e, em 2005, disso, um outro aspecto fundamental do
alcangou a maior taxa do continente: 9,2%. Plano Colémbia, destacado por muitos criti-
Mesmo assim, continuam preocupantes os cos, era a novidade quanto a ingeréncia
sinais sociais quanto a pobreza, emprego e direta dos Estados Unidos na América do

498
A AMERICA LATINA E AS LUTAS SOCIAIS

Sul, especialmente na area amazé6nica, po- Santos — A redemocratizagao tem


dendo vir a ser um perigoso precedente para sido um equivoco. Nao ha uma real
sua maior infiltragao na regiao. ‘democratizagao’ na América Latina. Re-
Da passagem da época da Guerra Fria ao vivem aquelas instituigoes que, No passa-
periodo da globaliza¢gao neoliberal permane- do, eram democraticas e formavam um
ceu presente o dilema da nova ordem inter- sistema. Hoje elas nao formam um siste-
nacional: as medidas de livre mercado, de ma. A populagao sabe perfeitamente que
dinamiza¢ao capitalista, continuardo agra- a chamada ‘democracia’ nao funciona.
vando a questdo social, como aponta a Esta havendo na América Latina um
historia latino-americana recente, ou desem- consumo eleitoral. No passado, iss0 era
bocarao, como dizem ha anos seus defenso- muito. significativo, enquanto uma nova
res, em um amplo progresso que resultara na conquista. Os governos latino-america-
ameniza¢ao dos problemas sociais? Ha dire- hos mantiveram o processo eleitoral, mas
¢des importantes a serem tomadas, pois, nao o resto. A garantia de cidadania ple-
dentro do programa expansionista capitalista, ha para todos se reduziu junto com os
ha 0 projeto, em curso, de implementagao da direitos sociais. Entdo a democracia que
Area de Livre Comércio das Américas (Alca), deveria ser restabelecida nao foi. Ainda
que elimina as barreiras tarifarias entre os assim continuamos dizendo que estamos
paises americanos. Pergunta-se: tanto o Plano nos redemocratizando. E nao estamos.
Colémbia quanto a Alca certamente impul- Estamos apenas cumprindo um processo
sionardo as grandes corpora¢goes empresariais eleitoral que é um processo de consumo
(a esmagadora maioria delas localizada nos como qualquer outro. E a ‘Democracia do
Estados Unidos da América), sujeitando e Procon’. Nao é propriamente uma demo-
empobrecendo as demais areas, ou funcio- cracia, porque a ampliagao dos direitos
narao como uma alavanca para suavizar as efetivos nao foi feita.
dificuldades continentais? Projetos divergen- Folha — Em que se bageia o discurso
tes para o futuro certamente continuardo que conquistou os governos da América
disputando o imaginario politico mundial, Latina?
impulsionado por imensas dificuldades poli- Santos — E um discurso ideoldgico.
ticas, econdmicas e sociais. Quando o governo diz que a inflagao
diminuiu, ele pode repetir o quanto quiser.
A populagao nao leva mais a sério. Quando
America Latina nao teve uma real oO governo mostra o sistema de valores
redemocratizagao macroecondmicos que funciona as mil
"N&o ha uma real democratiza¢ao na maravilhas, quem da populagao se impres-
América Latina. Quem diz é Milton Santos, siona com isso? SO 0s que vivem disso.
73, um dos maiores gedgrafos do Brasil de A populagao recebe diariamente o
todos os tempos. ‘A redemocratizagao bombardeio econdmico feito pela midia,
tem sido um equivoco’, afirma. mas nao muda gua apreciagao em rela-
Autor de importantes obras como A Gao ao que é sua propria vida. E isso que
cidade nos paises subdesenvolvidos, o fica cada vez mais claro no Brasil e na
professor emérito da USP (Universidade América Latina.”
de Sao Paulo) acaba de publicar For uma
outra globalizagao, livro no qual procura BEHAR, Marcelo Bicalho. In: Folha de S.Paulo,
gaidas para o chamado Consenso de 30/7/2000. Caderno Mundo, p. A24.
Washington (orientagao neoliberal preco-
nizada pelo Fundo Monetario Internacio-
nal, sediado na capital dos EVA). [...J Refletindo os novos tempos, os muitos
Folha — Que mudangas foram regis- movimentos revolucionarios nascidos no pe-
tradas na AL depois do processo de riodo da Guerra Fria estavam em composicao
redemocratiza¢gdo dos Ultimos dez anos? com os governos locais, outros em claro
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XxXI)

refluxo, alguns em extingao ou, talvez, até em presidente de El Salvador, Alfredo Cristia-
laténcia. Deles, tao destacados pela imprensa ni, o fim dos confrontos (1992), sob a
internacional como representantes da turbu- intermediagaéo da ONU. Gragas a conces-
léncia ininterrupta continental, citavam-se o sdes de governo e guerrilheiros, foram
da Unidade Revoluciondria Nacional, da possiveis a democratizagdo do pais, ga-
Guatemala e Cidade do México; da For¢a rantias contra esquadrées da morte e
Popular Revolucionaria Lorenzo Zelaya e os aparelhos repressivos do Exército e aban-
Chinchoneros, de Honduras; da Frente Pa- dono de acG6es armadas terroristas. O
tridtica Manoel Rodriguez e Movimento da sucessor de Cristiani, Armando Calderon
Esquerda Revolucionaria (MIR), do Chile. Sol (1994), continuou implementando os
Porém, os mais famosos eram os seguintes: acordos de paz obtidos.
m Sendero Luminoso: fundado em 1969 no = Movimento 19 de abril (M-19): fundado
Peru, com base na guerrilha rural, buscava em 1970 na Colémbia, combatia 0 governo
a criagdo de um Estado indigena soberano. defendendo a instalagdo de um regime
Com forte inspiragdo maoista chinesa, popular nacional. No inicio dos anos 1990,
desde 0 inicio dos anos 1990 tinha sido a junto com outros grupos revolucionarios,
organiza¢ao guerrilheira mais ativa de todo buscou o fim da confrontagdo militar e a
0 continente, sofrendo um forte revés no consolidagdo democratica, conseguindo a
governo Fujimori, com a prisdo de varios legalizagao de sua atuagdo como partido
de seus principais lideres. politico.
= Movimento Revolucionario Tupac-Amaru:
m Forgas Armadas Revolucionarias da
fundado em 1984 no Peru, por estudantes
Colémbia (Farc): fundada em 1965 na
universitarios, seguia os ideais marxistas
Colémbia. Utilizou a zona desmilitarizada
sem o radicalismo dos senderistas, apre-
de 42 000 quilémetros quadrados no sul do
sentando-se até como seu rival no norte do
pais. pais desde 1998 até 2002 quando passou a
sofrer ataques das forcas governamentais.
m@ Frente Farabundo Marti de Libertacao
Nacional (FMLN): criada em 1980, em El mw Exército de Libertacao Nacional (ELN):
Salvador e Honduras, buscava a implanta- movimento guerrilheiro da Col6mbia que
¢ao de um regime comunista tradicional, também se utiliza de seqiiestros como
como o soviético. Depois de 12 anos de forma de angariar fundos para seus ob-
guerra civil, a FMLN assinou com o jetivos.

Alban/Gamma
Frederic

O radicalismo revolucio-
nario na América Latina
quase sempre representou
a acao extrema contra o
agravamento de desigual-
dades e injusticas. Na foto,
guerrilheiros peruanos do
Sendero Luminoso.
A NOVA ORDEM ECONOMICA
INTERNACIONAL

fim oficial da Unido Soviética, em de grandes conglomerados empresariais,


dezembro de 1991, apenas formali- possuidores de enormes volumes de capitais.
zara O encerramento do periodo da Em tal situagdo, acentuaram-se Os processos
Guerra Fria, situagao, na pratica, ja efetivada de fusGes, aquisigdes e parcerias de empre-
com a queda do Muro de Berlim, em novem- sas, exigindo, em contrapartida, grande re-
bro de 1989, e ratificada pelos acontecimen- torno de investimento, 0 que passou a ser, em
tos seguintes que puseram fim ao bloco parte, garantido por lucros obtidos nos am-
socialista. plos mercados desprovidos de barreiras na-
A partir de entado, instaurou-se um novo cionais protecionistas.
mundo, baseado em novas relagdes econdé- Paralelamente ao tipico processo de
micas e geopoliticas, que nao mais trazia a concentrag¢do de capitais, procedeu-se a
anterior marca da divisdo leste-oeste e nem irradiagao mundial dos negocios, globalizan-
mais o velho confronto entre o bloco capita- do mercados. A titulo de exemplo, tomando a
lista e o socialista. Apresentando novas principal economia capitalista dessa globali-
caracteristicas, destacadamente a completa za¢gao, em 2003 os investimentos norte-
hegemonia da ordem capitalista vitoriosa, e americanos no exterior somaram o valor de
compondo o que alguns preferiram chamar 7,9 trilhGes de ddlares (71,6% do PIB) e os
de nova ordem internacional. investimentos estrangeiros nos Estados Uni-
dos chegaram a 10,5 trilhGes de ddlares (95%
do PIB) (dados apontados por CINTRA, Mar-
cos Antonio. In: Folha de S.Paulo, 6 nov.
2004, p. B2).
A globalizacao capitalista
La
ee ee

Desde antes dos anos 60, 0 capitalismo


ingressara numa nova fase de desenvolvi-
mento, baseada numa dinamica produtiva
com sofisticada tecnologia. As suas bases
principais eram a microeletrénica — que
envolvia a computa¢ao, comunicagdes e
robética —, a biotecnologia e a quimica fina.
Chamada por alguns de Terceira Revolu-
¢ao Industrial, a nova etapa produtiva passou a
exigir ainda mais investimentos nas pesquisas e
na implementa¢do tecnoldgica, cuja viabili-
za¢ao passou a depender, principalmente,

501
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Dessa forma, torna-se cada vez O neoliberalismo e o


mais claro que, além do seu papel “Estado minimo”’
classico de possibilitar o aumento da Pes URS sR HS Ae SS) NIE RR ae I eee Oa AES
produgdo e a geragao de empregos, o
investimento estrangeiro passou a ser Com o dinamismo econémico de em-
uma das principais modalidades de aces- presas ligadas a amplos mercados, a preo-
50 a mercados, tecnologia e financiamen- cupa¢ao com a qualidade e os pregos dos
to, uma vez que todos esses elementos produtos, em meio a competitividade capi-
tendem a fazer parte de um pacote “nico. talista, passaram a ser decisivos para a
E por essa razHo que até paises como garantia de lucratividade. Pouco a pouco
a China e o Vietna se engajaram na cafam as reservas de mercado que tinham
competigao para atrair investimentos, sido conseguidas com barreiras protecionis-
por intermédio da liberalizagfo de suas tas favorecedoras de apenas algumas empre-
leis e€ do fornecimento de garantias em sas privilegiadas.
tratados internacionais. Num mundo de gigantes empresariais,
Dois exemplos bastam para provar o
grande parte das médias e pequenas empresas
ponto. Durante o periodo 1991 a 1994, tiveram de orientar-se pelas decis6es estraté-
gicas das grandes empresas transnacionais,
apenas cinco dentre 373 mudangas no
numa subordinagao de iniciativas, a exemplo
regime legal sobre investimentos estran-
das terceirizagdes e franquias. Baixar Custos
geiros em mais de cingiienta paises nao
produtivos e adequar-se ao mercado passaram
foram no sentido da liberalizagao. Ao
a ser prioridades decisivas das unidades pro-
mesmo tempo, de um total de cerca de
dutivas na busca do sucesso econdmico.
novecentos tratados sobre investimen-
Assim, transferir atividades de uma empresa a
tos entre 150 paises, aproximadamente outra, fixando-se na area de atua¢ao principal,
60% foram concluidos a partir de 1950 e como contratar outra empresa que fizesse a
nada menos de 299 a comegar de 1994.” seguran¢a, por exemplo, em vez de realiza-la
RICUPERO, Rubens. Secretario Geral da UNCTAD — com funcionarios prdprios, terceirizando ser-
Conferéncia das Nagdes Unidas sobre Comércio e o vi¢os, passou a ser uma Constante. Da mesma
Desenvolvimento. Quem tem medo das transnacio-
forma, o direito de uso de uma marca de
nais. In: Folha de 5, Paulo, 16N2N9965. p. 2.2.
produtos ou servi¢os ja consagrada no merca-
do — as chamadas franquias — também irra-
diou-se por quase todos os paises e regides.
A globalizagao, impulsionada pela der-
rubada do obstdaculo socialista, estimulou a
formag¢ao de blocos econdémicos, associacgdes
regionais de livre mercado que derrubaram
Franca
Channel,
TPS
antigas barreiras protecionistas, varias deze-
nas deles nascidos nos anos 90. A frente
dessas organizagdes estéo o Nafta (North
American Free Trade Agreement — Acordo
Norte-americano de Livre Comércio), sob a
lideranga dos Estados Unidos e envolvendo
Canada e México, a UE (Unido Européia),
tendo a economia alema como a mais forte e
dinamica, e o bloco do Pacifico, sob coman-
do do Japao. Através do Gatt (Acordo Geral
1917-1997. A revolucao Russa tem 80 anos é o titulo desse
de Tarifas e Comércio) e depois da OMC
cartaz comemorativo elaborado por um canal de televisao
francés dedicado a documentos e debates sobre historia. (Organizagao Mundial de Comércio) — suces-
Reflita sobre o que o autor desse cartaz buscou mostrar. sor do Gatt a partir de 1995-96 -, a

502
A NOVA ORDEM ECONOMICA INTERNACIONAL

supera¢ao econdmica das barreiras nacionais


ganhou cada vez maior intensidade, abrindo
caminhos para integragdes até entre os pré-
prios blocos econdmicos regionais.
A principal forga da dinamica capitalista
cabia ao G7 (Estados Unidos, Canada, Ale-
manha, Reino Unido, Franga, Italia e Japao),
grupo dos paises ricos, onde estavam fincadas
as raizes e a base de apoio da maior parte dos
grandes conglomerados empresariais do
mundo. Na pratica, 0 G7 poderia muito
bem ser resumido a G3 (Estados Unidos,
Alemanha e Japao).
As associagdes econdmicas regionais,
com diminui¢ao ou elimina¢gao dos protecio- &
=
nismos e atracdo de investimentos interna- Fs
oe
cionais, acrescentou-se a limitagado dos gastos HR

governamentais, com a prevaléncia da eco-


nomia de mercado e a busca de um ‘Estado
minimo’’, redirecionando sua atua¢ao e ta-
manho, especialmente com as privatizagdes.
A crescente forga privada e a crise do
Estado intervencionista deram impulso, por
sua vez, as pregacdes neoliberais, cujos
principais defensores sao o austriaco Friedrich
Hayek, ganhador do Prémio Nobel de Eco-
nomia em 1974, com suas idéias anti-keyne-
sianas, seguidas pelos norte-americanos Mil-
ton Friedman, Prémio Nobel de Economia em
1976, e Robert Lucas, Prémio Nobel de
Economia em 1995, entre outros. Na politica,
as condicées favoraveis ao neoliberalismo sd
se efetivaram com os governos conservadores
de Margareth Thatcher, a partir de 1979 no
Reino Unido, Ronald Reagan, a partir de Durante os governos de Thatcher, Reagan e Kohl surgiram as
1980 nos Estados Unidos, e Helmut Kohl, a condic¢Ges politicas para a implementagao do neoliberalismo.
partir de 1982 na Alemanha, irradiando-se,
em seguida, por todo o mundo.

“Foi uma reagdo tedrica e politica Pouco “depois, em 1947, enquanto


veemente contra o Estado intervencionis- as bases do Estado de bem-estar na
ta e de bem-estar. Seu texto de origem é Europa do pds-guerra efetivamente se
O caminho da serviddo, de Friedrich Ha- construlam, nado somente na Inglaterra,
yek, escrito ja em 1944. Trata-se de um mas também em outros paises, neste
ataque apaixonado contra qualquer limi- momento Hayek convocou aqueles que
tagao aos mecanismos de mercado por compartilhavam sua orientagao ideologi-
parte do Estado, denunciadas como uma ca para.uma reuniao na pequena estagao
ameaca letal a liberdade, nao somente
\ . n~
de Mont Peélerin, na Suica. Entre os
economica, mas também politica. [...]
A . Z eer ”
célebres participantes estavam nao
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

mercado internacionalizado. O novo modelo


somente adversarios firmes do Estado de
de pensamento social e politico, o neolibera-
bem-estar europeu, mas também inimigos
lismo, era impulsionado, principalmente, a
férreos do New Deal norte-americano. Na
partir do principal eixo da ordem capitalista,
seleta assembléia encontravam-se Milton
os Estados Unidos, com medidas que visavam
Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, influir nas atuagdes de governos, organismos
Ludwig von Mises, Walter Lipman, Michael internacionais e grupos econdmicos, naquilo
Polanyi, Salvador Madariaga, entre ou- que se convencionou chamar de Consenso de
tros. Af se fundou a Sociedade de Mont Washington. Esta denominacdo tinha sido
Pélerin, uma espécie de franco-macgonaria criada em 1989 por um ex-funcionario do
neoliberal, altamente dedicada e organi- Banco Mundial e FMI, 0 economista inglés
zada, com reunides internacionais a cada John Williamson, durante a preparagao de
dois anos. Seu proposito era combater o uma conferéncia pelo Institute for Internatio-
keynesianismo eé o solidarismo reinantes e nal Economics (IEE), de Washington. A con-
preparar as bases de um outro tipo de feréncia, como exigia o Congresso norte-
capitalismo, duro é livre dé regras para o americano, buscava negociar o refinancia-
futuro. [...] Hayek € seus companheiros mento da divida externa de varios paises em
argumentavam que o novo igualitarismo
troca de reformas, especialmente centradas
(muito relativo, bem entendido) deste pe-
na abertura. das economias nacionais ao
capital internacional e o fim das regras que
riodo, promovido pelo Estado de bem-es-
impediam a livre circulagao de mercadorias e
tar, destrula a liberdade dos cidad4os ea
investimentos, entre outros aspectos.
vitalidade da concorréncia, da qual depen-
dia a prosperidade de todos. Desafiando o
consenso oficial da época, eles argumen- "Esea ideologia baseia-se no pressu-
tavam que a desigualdade era um valor posto de que a liberalizagao do mercado
positivo — na realidade imprescindivel em otimiza o crescimento e a riqueza no
si —, pois disso precisavam as sociedades mundo, é leva a melhor distribuicZo desse
ocidentais. Esta mensagem permaneceu incremento. Toda tentativa de controlar e
ha teoria por mais ou menos vinte anos. regulamentar o mercado deve, portanto,
A chegada da grande crise do mo- apresentar resultados negativos, pois
delo econdmico do pos-guerra, em 1973, restringem a acumulagao de lucros sobre
quando todo o mundo capitalista avan- o capital e, portanto, impedem a maximi-
gado caiu numa longa e profunda reces- za¢ao da taxa de crescimento. Em minha
640, combinando, pela primeira vez, baixas opiniao, ninguém nunca conseguiu justifi-
taxas de crescimento com altas taxas car de maneira satisfatoria essa concep-
de inflagdo, mudou tudo. A partir dai as cao. Talvez fosse possivel dizer que um
idéias neoliberais passaram a ganhar mercado capitalista livre produz uma taxa
terreno.” de crescimento maior que a de qualquer
outro sistema, mas ainda assim perma-
ANDERSON, Ferry. Balango do neoliberalismo.
In: SADER, Emir e GENTILI, Pablo, org. neceriaa divida quanto a este sero melhor
P6s-neoliberalismo: as politicas gociais e o Estado mecanismo para distribuir a riqueza.
democratico. p. 9-10. Para o6 profetas de um mercado
livre é global, tudo que importa é a soma
da riqueza produzida e o crescimento
Cumprindo a nova ldgica do capitalismo
econdmico, sem qualquer referéncia ao
globalizado, foram implementadas politicas
de venda de empresas estatais por todos os
modo como tal riqueza é distribuida."
_ paises, as privatizagdes, ampliando os espa- HOBSBAWM, Eric J. O novo século: entrevista a
Antonio Folito. Sao Paulo, Companhia das Letras,
¢os econdmicos empresariais e a subordina-
2000. p. 78.
¢ao dos Estados minimizados a légica do
A NOVA ORDEM ECONOMICA INTERNACIONAL

Por todo o mundo, a adogao do Consenso Diferentemente da Primeira Revolucado


de Washington envolveu ainda a redugao dos Industrial, iniciada no final do século XVIII, e
gastos publicos com satide, educa¢ao, previ- da Segunda, do século XIX, a época do
déncia e outras politicas sociais, significando, capitalismo global encontrou boa parte dos
para os paises desenvolvidos, a desmontagem movimentos trabalhistas e sindicais em refluxo
do Estado de bem-estar social e, para os paises e fragilizados. Além disso, a globalizacgao
dependentes, chamados de ‘‘emergentes’” ou abriu a possibilidade de escolha da mao-de-
“em desenvolvimento”, o agravamento geral obra mais barata em qualquer parte do mun-
do quadro social. Esse fato acentuaria as do, em fungao da enorme oferta de trabalha-
fraturas sociais de desigualdades entre extre- dores e das reestruturagdes produtivas.
mos de pobreza para a maioria e riqueza para Assim, grac¢as a alta tecnologia, boa parte
um reduzido numero de pessoas. Da mesma do trabalho em massa nas grandes industrias
forma, ampliou-se o descompasso entre paises passou a ser feita de forma intensiva e com
e regides quanto a producdao e usufruto das menos m4o-de-obra, diminuindo a filiagdo de
novas tecnologias. Em 2000, tomando um trabalhadores as organizag6es sindicais. De
exemplo extremo, somente a cidade de T6- certa forma, a propria forca ideolégica da
quio, no Japao, possuia mais telefones que sobrevalorizacgdo do mercado em detrimento
todo o continente africano. das politicas sociais também teve a sua
A “‘Terceira Revolucdo Industrial” trouxe contribui¢gao na fragilidade do movimento
a questao do desemprego, como decorréncia trabalhista.
do uso de altas tecnologias produtivas (rob6- Os neoliberais defendem que essa atual
tica, informatiza¢ao, etc.), ou como resultado condi¢ao do trabalho e do trabalhador sera
da reformula¢ao e otimiza¢gao produtiva em- irreversivel enquanto a prioridade for a mo-
presarial, incluindo-se 0 remanejamento e dernizagdo e a ampliacado da economia de
demissdo de funcionarios e 0 enxugamento mercado. Ja os antineoliberais reclamam por
estatal. medidas dirigidas ao alfvio das dificuldades
sociais, que, a seu ver, sO poderao ser
garantidas pela acgdo governamental, dos
sindicatos e da populagao. Defendem ainda
que somente com o aprimoramento continuo
da democracia os cidadaos garantirao ampla
participag¢do nas decisdes que lhes dizem
respeito e maior eficiéncia do Estado no
ambito da promogao da justi¢a social e da
garantia das liberdades individuais.

A ordem monetaria
internacional e a instabilidade
financeira mundial
SRT eeSe

Para as relagdes comerciais e financeiras


no ambito dos blocos econdmicos mundiais,
tornou-se imprescindivel o uso de um regime
estavel de taxa de cambio (paridade entre
moedas) e de uma moeda capaz de circular
Em 1995, os trabalhadores franceses levantaram-se contra as
medidas de reforma da previdéncia social, paralisando o pais
livremente pelos paises membros, sem obsta-
quase por completo. culos criados por politicas nacionais.

ro)Oe)
[DADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

Entre as dificuldades enfrentadas pelos internacional. Foram geradas propostas de


defensores da reformulagdo monetaria, esta- mudang¢as, como o G24, grupo dos 24 paises
ria a questéo de regular a emissao dessa representantes das nac6ées em desenvolvi-
moeda tnica internacional e determinar as mento da América Latina, Africa e Asia. Em
taxas cambiais na conversdo das atuais moe- 1995, esse grupo defendeu um projeto de
das para a nova. reformas e até de criagdo de um novo padrao
Foi nesse quadro que algumas unides monetario internacional, tendo como avalis-
comerciais internacionais passaram a discutir ta o Fundo Monetario Internacional e basea-
a questéo monetdria. No caso da Unido do num valor médio de uma cesta composta
Européia, os paises membros definiram a pelas cinco principais moedas do mundo.
criagdo de uma moeda regional (euro), assi- A gravidade apontada nas discussdes
nando para tanto o acordo de Maastricht pode ser melhor compreendida tragando-se
(1992), reforgado pelo acordo de Madri um breve histérico da ordem monetaria
(1995), que efetivou o novo padrao monetario internacional ao longo do século XX, consi-
regional em de 2002. derando que até meados dos anos 1990 a
Outro sério problema para os Estados na economia mundial, em continua expansdo,
economia globalizada é o volume gigantesco contou com varias ordens monetarias, cuja
variagao espelhou as transformacoes histori-
dos valores financeiros em circulagdo pelo
cas do capitalismo.
mundo: tanto podem ativar fortemente a
Do século XIX a 1914, 0 mundo capita-
economia deste ou daquele pais, com imen-
lista ocidental contou com um sistema mo-
sos investimentos de capitais, quanto sufoca-
netdrio fundado no padrao-ouro, significando
la, com a saida dos capitais aplicados. Por
que todas as moedas nacionais eram conver-
exemplo, tomando o quadro cambial de
tidas em quantidades fixas e padronizadas de
2003 e 2004, a movimentag¢ao diaria mundial
ouro, 0 que determinava as respectivas taxas
de moedas estava entre 1,2 e 1,9 trilhdo de
cambiais nas relacdes comerciais e de fluxos
délares (segundo dados apontados por SESIT,
de capitais entre as na¢ées. Esta foi a época
Michael R. The Wall Street Journal. In: O
da predominancia internacional da iibra
Estado de S. Paulo, 29 jul. 2004. p. B12; e por esterlina inglesa.
CINTRA, Marcos Antonio. In: Folha de
Com a Primeira Guerra Mundial, a con-
S.Paulo, 6 nov. 2004. p. B2). Além disso, versibilidade foi abandonada em meio as
apenas um seleto grupo de paises possuia, emissdes monetarias crescentes dos varios
em janeiro de 2005, reservas monetarias paises, originando as taxas flexiveis da déca-
superiores a 100 bilhdes de ddlares, sendo da de 1920. Tal sistema definia a relacdo
que o Japdo e a China tinham, juntos, quase entre as moedas, obtida a partir de seus
1,5 trilhao de ddlares — 0 Japado dispunha de valores em 1914, multiplicados pelo diferen-
pouco mais de 844 bilhdes de dolares e a cial de inflacdo entre elas. A ordem flexivel
China, 610 bilhGes de ddlares. Ampliando permitiu amplos fluxos de capitais especula-
ainda mais, em janeiro de 2006, com o tivos, provocando profundas oscilagdes que
impulso chinés, os dois paises tinham mais afetaram o intercdmbio internacional de mer-
que 1,6 trilhdo de ddlares (as reservas inter- cadorias e de servigos e os proprios valores
nacionais chinesas cresceram, em apenas um monetarios. Ao mesmo tempo, deu-se a
ano, 209 bilhdes de ddlares. O Japao passou emergéncia da supremacia internacional do
a 847 bilh6es e a China saltou para 819 dolar norte-americano, expressando a nova
bilhdes de dolares). lideranga capitalista dos Estados Unidos.
A abertura das economias nacionais e a A crise de 1929, em que houve a quebra
sua subordinacgdo ao mercado internacional, da Bolsa de Nova York, abalando a ordem
a vulnerabilidade das moedas controladas por capitalista internacional, seguida do conflito
Estados cada vez mais reduzidos e o maior mundial, exigia a rediscussao e reformulacao
fluxo comercial e monetdrio internacional monetaria internacional. Isso se deu no final
levaram a discussao do sistema monetario da Segunda Guerra Mundial, em 1944,

relOle)
A NOVA ORDEM ECONOMICA INTERNACIONAL

quando a ordem monetaria internacional foi Em 1971, o presidente norte-americano


novamente reorganizada, no acordo de Bret- Richard Nixon quebrou o acordo de Bretton
ton Woods, criador do Fundo Monetdrio Woods, simplesmente suspendendo a con-
Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Em versibilidade do ddlar ao ouro, e pouco
New Hampshire, nos Estados Unidos, reuni- depois desvalorizando o dolar e liberando o
ram-se representantes de 44 paises, incluindo preco do dolar em relagdo ao ouro e outras
a Unido Soviética, e definiu-se um regime de moedas.
cambio em que o ouro e o dolar eram trans- Em 1976, na reforma monetaria da Ja-
formados no eixo central do sistema moneta- maica, oficializou-se outra ordem monetaria
rio internacional. No fundo, o dolar substitufa internacional que deixava livre a taxa cam-
a posi¢ao que fora antes ocupada pela libra bial dos paises. Era uma nova ordem, ou um
esterlina. anti-sistema Bretton Woods, inspirada nos
Este sistema, porém, comegou a apre- monetaristas norte-americanos liderados por
sentar dificuldades pouco tempo depois, Milton Friedman, em que prevaleciam as
principalmente devido a emissdo progressiva taxas flutuantes das moedas, livremente de-
de ddlares por parte dos Estados Unidos, terminadas pelos mercados.
para garantir recursos para financiar seus
gastos publicos, como os programas sociais
do presidente Kennedy, e a politica externa,
principalmente a Guerra do Vietna. A emis- Os monetaristas neoliberais
sdo descontrolada de dodlares resultou em A escola econdmica monetarista,
inflagdo exportada para a economia mundi- cujo principal centro foi a Escola de Chi-
al, atraindo, por um lado, os protestos de cago, defendia que a estabilidade da eco-
varias personalidades internacionais, espe- nomia capitalista seria conseguida ape-
cialmente do presidente francés Charles de nas com medidas monetarias, respeitan-
Gaulle, e por outro, a crescente troca das do as leis de mercado que controlam o
reservas em dolares de varios paises por
volume de moedas e outros meios usados
respectivas quantidades em ouro, colocando
no mercado financeiro, representando
em risco as proprias reservas dos Estados
uma das vertentes do livre-mercado. O
Unidos.
seu mais destacado tedrico foi o neo-
liberal Milton Friedman, contrario ao in-
tervencionismo estatal que eee a
expansao economica nacional.

Foi dentro deste anti-sistema que, na


década de 1970, ocorreu uma acentuada
desvalorizagao do dodlar em relagdo a algu-
mas moedas fortes, especialmente o iene e o
marco alemdo, situagao que so foi revertida
durante os anos 1980, com o governo
Reagan. Gracgas ao pagamento de altas taxas
de juros aos investimentos feitos nos Estados
Unidos, foram atraidos enormes capitais
internacionais, sem, contudo, anular os con-
O acordo de Bretton Woods determinava que os Estados
tinuados déficits norte-americanos. O grande
Unidos garantiriam a conversao do dolar em ouro entre os fluxo de recursos para os Estados Unidos
bancos centrais dos paises baseada na paridade de 35 dolares dispensava a emissao de moeda e até servia
por onga-troy de ouro (exatamente 31,104 gramas).
para cobrir despesas. A partir de 1985, o
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

governo norte-americano, sob 0 comando do 1999, no Brasil. Entre os anos de 2000 e


secretario do tesouro James Baker, retomou 2002, foi a vez da Turquia e da Argentina,
passo a passo a normaliza¢ao da taxa cam- irradiando seus efeitos negativos para varios
bial do d6élar, conservando a taxa cambial outros paises, incluindo o Brasil. Até mesmo a
flutuante. situagdo norte-americana apds os atentados
Essa medida, que facilitava as idas e terroristas de setembro de 2001 serviu de
vindas do capital especulativo, resultou em palco para acentuadas oscilagdes nos inves-
violentas oscilag6es das taxas cambiais das timentos, 0 que — somando-se a uma econo-
na¢gdes. Tomando a robustez da economia mia que, na opinido de muitos analistas,
norte-americana como referencial, como um encontrava-se em desaceleragdo ou mesmo
porto seguro para os investimentos, a forca entrando em recessdo — reforcou a volatilida-
internacional do ddlar era garantida, muitas de do sistema financeiro internacional. Desde
vezes com valoriza¢do internacional. esse ano, inicio do governo de George W.
Um exemplo das conseqiiéncias desesta- Bush, até janeiro de 2005, o dolar se desva-
bilizadoras que causaram a entrada de grande lorizou cerca de 20% em relacdo a uma cesta
volume de investimentos seguida de fuga de de moedas.
capitais especulativos ocorreu no México, em Longe de um equacionamento a altura da
1994-95, obrigando 0 governo desse pais a globaliza¢ao capitalista, o sistema monetario
buscar ajuda financeira internacional, espe- internacional, até o inicio de 2006, continua-
cialmente nos Estados Unidos e em Orgaos va a mercé da forca do seu gigantismo,
internacionais. O empenho norte-americano mantendo a possibilidade de futuras e sérias
visou, antes de tudo, evitar uma completa crises.
"quebradeira" no México, cujas dificuldades,
temia-se, poderiam irradiar-se para todo o
Nafta. No México houve queda da produgao,
desemprego e inflagao, efeitos que se irradia- Norte e Sul: desigualdades e
ram para outros paises, especialmente latino-
americanos, no chamado efeito tequila. exclusao social
Sa
ae eee ee

Em meio a globalizagdo econdmica e a


Wee‘humor latino-z
-ame icano eoteve
politica neoliberal, a nova ordem internacio-
presente até mesmo nas raves nal passou a ter como grandes marcas a
financeiras, a -exemplo feexpressies dinamiza¢ao produtiva e uma desigualdade
populares usadas na imprensa_ escrita e | socioeconémica cada vez mais profunda. De
televisiva do Brasil. Os casos mais — um lado, liderando o capitalismo, estavam
insistentes foram o do “efeito tequila” predominantemente os paises dos trés princi-
em referencia ao México e do “efeito pais blocos econdémicos (Nafta, Unido Euro-
Orloff”, ligado a crise argentina. Eram péia e bloco do Pacifico), realizando mais de
expressdes que. partiam dos” nomes- po- 60% de todas as trocas comerciais do plane-
pulares de bebidas (tequila. eéuma marca ta. De outro, o mundo pobre, composto por
de vodka) e seus efeitos de ressaca, paises, em geral situados no hemisfério sul,
associando- as a irradiagZo de crises com indices socioeconémicos cada vez mais
-economicas locais bes outros paises distantes daqueles dos paises tidos como
vizinhos. Primeiro Mundo.
Comparando-se a distribuigaéo da popu-
lag¢ao mundial nas regides ricas e pobres do
A especulacgao monetdria repetiu-se com planeta com o conjunto de seus bens e
uma onda de novos colapsos financeiros, servi¢os produzidos (PNB), entre 1980 e
como aconteceu, em 1997, em alguns paises 1994, observou-se um rapido distanciamento
do Sudeste asiatico; em 1998, na Russia; e em entre essas regides.

508
A NOVA ORDEM ECONOMICA INTERNACIONAL

Estados Unidos, agrupam principalmente ne-


(% do total mundi ial)
gros e imigrantes hispanicos e, na Unido
Paises ricos
100 or Européia, imigrantes das ex-colénias africa-
nas e asiaticas das antigas poténcias (Reino
80
Unido, Franga, Alemanha).
60 No conjunto mundial, segundo relatdério
da ONU publicado em 1996, a riqueza de
ONU
1994.
de
-
apenas 358 pessoas era superior a renda anual
estimativas

de 45% de toda a populag¢ao do planeta. Em


1999, as 225 maiores fortunas do mundo
+0
1980 1994 equivaliam a renda anual de 2,5 bilhdes de
(% do total mundial) pessoas (conforme RAMONET, Ignacio. Intro-
100 ducci6n. In: Geopolitica do Caos. Le Monde
Diplomatique. Edicién Espafiola. Madrid: Edi-
80
torial Debate, 1999. p. 24). Ampliando esse
60 quadro, em janeiro de 2006 havia 793
pessoas em todo o mundo, 102 a mais que
40
em 2005, com mais de 1 bilhao de délares em
propriedades e investimentos, tendo juntos
0- um valor total acumulado de 2,6 trilhédes de
1980 1990 1994 ddlares. A lideranga bilionaria estava com o
i Populacao === PNB
fundador da Microsoft, o americano Bill
SST
EID GE LEELA LEE
Gates, com 50 bilhdes de dodlares, seguido
A disparidade entre aumento populacional e distribui¢ao de pelo financista, também americano, Warren
riqueza entre os paises ricos e os pobres tem crescido Buffet, com 42 bilhdes de ddlares, e pelo
bastante, constituindo mais uma agravante da globalizacao
capitalista.
mexicano Carlos Slim Helu, com 30 bilhédes
de dodlares (conforme VALOR Econémico, 05
mar. 2006. Disponivel em: <www.noticias.
Um indicador da gravidade do avanco uol.com.br/ultnot/efe/2006/03/05/
das desigualdades socioeconémicas entre ult1808u60260.jhtm>. Acesso em: 6 abr.
regides e grupos sociais distintos é€ que a 2006). A continuidade do agravamento da
popula¢gao mundial, de cerca de 6 bilhdes de desigualdade e da exclusao social certamente
pessoas no final dos anos 1990, acrescentava- substituira a tradicional distingdo entre paises
se, todos os anos, o total aproximado de 80 de Primeiro e de Terceiro Mundo pela existén-
milhdes de nascimentos, na sua esmagadora cia, em cada pais, de bolsdes de riqueza e de
maioria nas regides mais pobres do planeta. miséria absolutas, ou seja, um Primeiro e um
Nesse inicio do século XXI, a situacdo era Terceiro Mundo dentro de cada pais, indepen-
muito grave em certas regides africanas e dente da divisdo tradicional de outrora.
asiaticas, onde havia dezenas de milhdes de Até mesmo a solucdo constantemente
individuos sem acesso a alimento, agua repetida para aliviar as dificuldades das
potavel, habitacado e saneamento basico. regides mais pobres e dos grupos margina-
Ao mesmo tempo, tal quadro ja existia lizados em todo 0 mundo, como elevar a
em varias cidades latino-americanas, e até capacidade produtiva e, conseqiientemente,
mesmo nos paises desenvolvidos em que os oO consumo dos pobres e excluidos, aproxi-
indices de marginalidade, criminalidade, de- mando-os da classe média dos paises ricos,
semprego, etc. agravavam-se ano apos ano, esbarra em indmeros limites, entre eles a
especialmente com o fim de muitas garantias carێncia de capitais disponiveis para esses
sociais eliminadas pela politica neoliberal. investimentos, a inseguranc¢a politica, social
Os imensos bolsdes de pobreza e margi- e econdmica dos paises subdesenvolvidos, a
nalidade de paises desenvolvidos, como os sua deficiéncia tecnolégica em continuo
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XxI)

distanciamento dos centros mais desenvolvi- menos grave questao ambiental, j4 que o
dos, a falta de investimentos em areas de crescimento das necessidades de matérias-
infra-estrutura, a educa¢gao em crise e até a primas e de energia e uma produc¢do e um
acdo de elites viciadas em privilégios e consumo cada vez maiores comprometem os
voltadas para seus proprios interesses. limites fisicos do planeta, colocando em risco
Nao bastando tantas barreiras estrangu- O pouco que ainda resta do meio ambiente
ladoras, ganha importancia ainda a nao saudavel.

Participagaéo dos empregados que vivem com menos de US$ 2 por dia, em %
1990 2003 ~—«2015 (estimativa, caso as tendéncias atuais se mantenham)

79,1

Se
Mundo América Latina Leste da Asia Sudeste daAsia Sul da Asia Oriente Médio —_—Africa subsaariana Economias em
e Caribe e Africa do Norte transigao*

* Do socialismo para 0 capitalismo Relat6rio da OIT (Organizacao Internacional do Trabalho) In: Folha de S.Paulo, 9 dez. 2004.

1S RE RE NSP A ETE ST TE RTE IE TS I ED HEA


Além do grave quadro de desemprego mundial, soma-se o seguinte: da totalidade dos trabalhadores empregados no mundo
(2,8 bilhdes) em 2003, quase a metade (1,39 bilhdo — 49,7%) ganhava menos que 2 dolares por dia, algo proximo a 168 reais
por més, em valores de marco de 2006. Desses, perto de 550 milhées ganhavam menos que 1 dolar por dia. Veja no grafico que
houve uma diminui¢ao bastante pequena do numero de trabalhadores que vivem na pobreza (renda inferior a 2 dolares por
dia).

Uma conclusdo plausivel para 0 quadro exigidas pela populacdo. Do outro lado, o
hist6rico do final do século XX e inicio deste capitalismo, avangando na _ globaliza¢ao,
século € que tanto o socialismo quanto o também nao conseguiu dar respostas adequa-
capitalismo foram incapazes de consolidar das a desigual distribuigdo das riquezas
diretrizes para a solugao dos graves proble- produzidas e a questao ambiental.
mas socioecondmicos e politicos que afligem A nova ordem internacional, sob a feicao
a humanidade. O socialismo nado conseguiu de um capitalismo vitorioso e globalizado,
acompanhar a dinamica econdmica capita- manteve um velho quadro de misérias, guer-
lista dos paises desenvolvidos nem superar os ras e sofrimentos em quase todos os pontos
seus crescentes entraves burocraticos, além do globo e, o que é pior, em crescente
de nao oferecer liberdades democraticas agravamento.
A CULTURA EXPLOSIVA DO
SECULO XX

Idade Contemporanea, iniciada no dos. As condicdes de vida derivadas do


final do século XVIII, assumiu o industrialismo, o progressismo acompanhado
carater turbulento de sua origem: a do desemprego, da miséria, encontraram
Revolugao Francesa e suas conseqiiéncias e amplo reflexo nas artes, e até um eloqiiente
sucessivas crises. A explosao dos aconteci- libelo nas obras realistas.
mentos intensificou a mudanc¢a de valores
durante o século XIX, gerando uma cultura Na pintura, 0 impressionismo (e seus
conturbada, que passou da exaltacdo de desdobramentos) foi o Ultimo movimento
sentimentos do romantismo a rebeldia e renovador antes da arte moderna do século
intransigéncia do realismo e a revolucao XX, Ccaracterizando-se como um periodo de
impressionista. transi¢ao ao rejeitar técnicas classicas e buscar
O século XIX apresentou a desilusao com outras que permitissem a reprodugdo da natu-
o humanismo nascido no Renascimento, reza e da realidade em seus detalhes, como os
rompendo com atitudes e padrdes consagra- reflexos luminosos e as cores vivas.

Obras impressionistas: Ensaio de balé (detalhe), de Degas, e as esculturas O pensador e O beijo, de Rodin.

rap
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

Claude Monet (1840-1926), o verda- Em meio as frustrag6es e traumas da


deiro lider da revolugado impressionista, convulsdo histérica e das destruigdes bélicas
apresenta o mundo como um jogo de do século XX, surge na musica o atonalismo
aparéncias, em movimento, em que a de Arnold Schoenberg (1874-1951), refletin-
intensidade luminosa sob a decomposi¢ao do a profuséo de ruidos e sons de nosso
cromatica tira a importancia do objeto, que tempo, com base numa escala de doze sons
parece se evaporar no ar e na luz. Edouard (sete tons e cinco semitons) denominada
Manet (1832-1883), Auguste Renoir (1841- dodecafonismo. Na pintura salientou-se a
1919), Camille Pissarro (1830-1903), Ed- escola cubista, iniciada com Pablo Picasso
gard Degas (1834-1917) e Henri de Tou- (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963),
louse-Lautrec (1864-1901) foram outros a qual, abstraindo formas geométricas dos
grandes representantes da pintura impres- objetos, denotava a multiplicidade de pers-
sionista. pectivas, de pontos de vista.
Na escultura, Auguste Rodin (1840-
1917), com a pressdo de seus dedos, produ-
ziu obras como Balzac, Burgueses de Calais,
A mdo de Deus, pecas que dao a impressao
de atemporalidade e grandeza. Na musica,
Claude Debussy (1862-1918) cria o recurso
das ‘‘manchas sonoras’’, timbres orquestrais
que procuram representar a neve, as chuvas,
os rios, as arvores, enfim, a natureza.
Diretamente relacionada com o carater
veloz e turbulento deste nosso século, a arte Guernica
Picasso,
Pablo
1937.
(detalhe),

moderna incorporou as rapidas mudang¢as


que afetaram a sociedade e a economia. Os
movimentos artisticos do século XX, ao con-
trario dos de periodos anteriores, como o
gotico, que durou quase trezentos anos, ou o
barroco, que se estendeu por aproximada-
mente duzentos anos, foram de curta dura-
¢do, muitas vezes superpondo-se uns aos
outros. Passando da brevidade do século XIX,
em que se vai do romantismo ao realismo
literario € ao impressionismo pictérico, atin-
ge-se a velocidade do século XX, com suas
diversas escolas artisticas, os seus diversos
“ismos’’.
A dor e a revolta causadas pelo bombardeio a cidade basca
Os que avaliam a virtude criadora de de Guernica, retratadas por Picasso.
uma €poca pela variedade das suas expres-
s6es com certeza verificarao que nenhuma
outra época foi tao fértil como a nossa. As
xe) grito de Guernica
duas guerras mundiais e suas conseqiiéncias
serviram de matrizes, sensibilizando os pa- _ “Lembro-me do grito aeestupefago
drées artisticos e permitindo uma renovacao ee que soltei quando me vi subitamente
constante através da exploracdo inédita de diante de Guernica em 1962. Esse
manifestagGes passadas e da criagdo de novas _ quadro, por sua propria natureza,
variantes. Emergia uma nova cultura, marca- _ corroborava minhas convicgdes. A tela
da pela desilusdo, indignacdo, interrogagdo e esta coberta de seres que explodem,
revolta.
A CULTURA EXPLOSIVA DO SECULO XX

No perfodo entre a Primeira e a Segunda


Guerra Mundial teve inicio o surrealismo,
escola artistica fundada por André Breton, em
Paris, ao romper com o dadaismo. Enquanto
dadaistas mantinham como meta principal a
Como
destruicdo, a nega¢ao, os surrealistas julga-
* Pe
enaais vam necessario ir mais além, criando uma
en bee
el nova cultura. Com base nas descobertas da
psicologia moderna, que reconhecera a exis-
téncia de uma infra-estrutura irracional
sustentar a alma humana, o surrealismo
nasceu, segundo Breton, como ‘‘automatismo
psiquico puro’’, ou seja, com a “‘auséncia do
controle exercido pela razao, com exclusdo
de toda preocupa¢ao estética e moral”.

Outro movimento artistico do inicio do


século foi o dadaismo, que, eminentemente
contestador e radical, propunha enterrar os
convencionalismos estéticos, lutar contra to-
das as formas de organiza¢do social e heran-
¢as histéricas. Na literatura dinamitou-se a
linguagem, associando-se palavras inassocia-
veis, enquanto na pintura, entre outras obras,
reproduziu-se a Mona Lisa acrescida de
bigode e palavras obscenas. Entre seus prin- 1964.
realidades,
belas
As
Magritte,
René
cipais representantes estado Tristan Tzara
(1896-1963), André Breton (1896-1970), Sal-
vador Dali (1904-1989) e Marcel Duchamp
(1887-1968), entre outros.

1961.
Regalo,
Ray,
Man

André Breton afirmava que “o surrealismo busca desarrumar


o cotidiano, propor o insolito contra a rotina, retificar a lei e
a ordem”.

Entre os mais destacados surrealistas


estado Max Ernst (1891-1976), Yves Tanguy
(1900-1955), René Magritte (1898-1967),
Juan Mird (1893-1983), Paul Klee (1898-
1940), Salvador Dali (1904-1989), Paul Del-
vaux (1897-1994) e Marc Chagall (1887-
Para os dadaistas, um objeto comum, como um ferro de
passar roupa, podia transformar-se numa obra de arte. 1985).

ro WO)
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

De outro lado, emerge o entusiasmo do de Filippo T. Marinetti (1876-1944) na lite-


futurismo, uma arte em sintonia com a “era ratura, o futurismo ligou-se a Mussolini e
das maquinas, da velocidade e das grandes exprimiu os anseios artisticos do fascismo:
massas agitadas pelo trabalho ou pela rebe- “N6és queremos glorificar a guerra — Unica
liao’, que se definia esteticamente como higiene do mundo -, o militarismo, o patrio-
“renovador, antitradicional, otimista, herdico tismo, o gesto destrutor dos anarquistas, as
e dindamico”’, adotando como lema “demolir belas idéias que matam, e o menosprezo da
os museus e as bibliotecas’’. Sob a lideranga mulher’.

Giacomo
Velocidade
Balla,
automével,
do
(detalhe),
barulho
luz,
(1913)

O futurista glorificava o
progresso, as maquinas e
o militarismo. Exemplo da
pintura futurista italiana
de Giacomo Balla.

Na pintura futurista destacou-se Carlo


Carra (1881-1966), exaltando as formas cria-
das pela maquina, e na mdsica, Bailla Pratella
(1880-1955) e Luigi Russolo (1885-1947)
enfatizando a arte dos rufdos, uma misica
que buscava espelhar os sons da vida mo-
derna. Russolo chegou a classificar os rufdos,
criando um instrumento para reproduzir ex-
plos6es, sussurros de vozes humanas e sons
de animais. fabrica
da
Putilov
de
maio
1917.
em
Nos anos 30, destacou-se também o
realismo socialista, adotado como estilo
oficial e imposto pelo regime soviético. Seus Lénin
desconhecido.
Artista
fala
trabalhadores
aos
seguidores perseguiam uma arte que repre-
sentasse a realidade do desenvolvimento
revolucionario, estimulando ideologicamente
os objetivos socialistas. A arte oficial socialista visava enaltecer os ideais do regime.

514
A CULTURA EXPLOSIVA DO SECULO XX

Os setores artisticos incorporaram, a sua consumo e a cultura de massa, tomou os


maneira, as diversas tendéncias e a turbulén- Estados Unidos como centro de seu desen-
cia social e politica do periodo. As imagens volvimento.
de Picasso integravam-se as superposicGes
tonais da musica de Igor Stravinsky (1882- A flacidez da arte
1971) e Béla Bartok (1881-1945). Também a
musica aleatéria de John Cage (1912-1992), Ja se disse que ser moderno é fazer
que se baseava no uso casual de elementos parte de um universo onde tudo o que é
sonoros, compunha-se com a estética do s0lido desmancha no ar. E na arte tal
subconsciente do dadaismo e do surrealismo. afirmagao ganha validade a cada instan-
A inseguranga social, posterior a Segunda te. “Na medida em que existe alguma lei
Guerra Mundial, agravada pela Guerra Fria, observavel na historia coletiva da arte,
em meio ao progressismo, agu¢ou ainda mais ela é, tal como a lei da vida do artista,
a inquietagdo artistica, 0 que levou ao individual, a lei nao do progresso mas da
surgimento frenético de inovagées, confun- reagao. Seja em grande ou em pequena
dindo-se com a velocidade dos nossos dias. escala, o equilibrio da vida estética é
Nos anos 50, emergiram do surrealismo permanentemente instavel.”
novas correntes diferenciadas, como o tachis- COLLINGWOOD, R. G., cit. por READ, Herbert.
mo, da palavra francesa tache, que significa Historia da pintura moderna. Rio de Janeiro, Zahar,
borraéo ou mancha, a pop art, arte popular 1980. p. 9.
urbana que, visando expressar a sociedade de

Monroe,
Marylin
Warhol,
Andy
1962.

Ligados a vida urbana, surgiram os


variados estilos artisticos das ulti-
mas décadas do século XX. Para a
pop art, a obra do norte-americano
Andy Warhol é emblematica.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

Dos anos 60 aos 90, surgiu uma varieda- A partir dos anos 30, o jazz fundiu-se
de de tendéncias e estilos que, chamados ge- com a industria do disco, e apds a Segunda
nericamente de pés-modernismo, desembo- Guerra Mundial apresentou uma certa eliti-
caram em muitos outros movimentos artisti- za¢do, destacando-se o trabalho requintado
cos — novo realismo, fluxus, minimal art, do trompetista Miles Davis (1926-1991) e Ray
body art, transvanguarda, neoexpressionis- Charles (1932-2004). Os ricos arranjos do jazz
mo, entre outros, além de expressGes como do periodo chegavam a incorporar composi-
arte conceitual e mesmo arte por computador. tores cldssicos, entre eles Debussy, Ravel,
No campo musical, apds a Primeira Stravinsky, Schoenberg e outros, como apre-
Guerra Mundial, vale destacar a musica sentava o Modern Jazz Quartet nos anos 50.
norte-americana, notadamente o ragtime, o
Outro movimento musical que cresceu
blues e 0 jazz, criada pelos negros que, longe
nos anos 1950 e avancou vertiginosamente
de seu pais de origem, viviam como escravos
até a atualidade foi o rock’n’roll, com origens
nos campos de plantagées de algodao e fumo
na mesclagem do jazz com folclore norte-
de Nova Orleans.
americano. Literalmente rock’n’roll quer dizer
O blues— musica de carater melancélico —
“balancar e rolar’’ e vinha da giria usada
e€ o ragtime— versao negra das polcas e valsas
pelos negros com conota¢ao sexual. Incorpo-
européias — sao a origem do jazz. Essa forma
rando novos instrumentos musicais, como a
musical data dos fins do século XIX e inicio do
guitarra elétrica, o rock arrebatou os jovens e
XX. No entanto, o primeiro disco de jazz surgiu
tornou-se um importante canal de expressdo
em 1917 - o Dixieland jazz one-step -,
de suas idéias. Entre os primeiros fdolos estao
fazendo do estilo “Nova Orleans’’ 0 sucesso
Elvis Presley (1935-1977), seguido de Bob
de entdo. E desse periodo a forma¢ao musical
Dylan (1941), Joan Baez (1941) e, nos anos
de Louis Armstrong (1900-1971), o maior
1960, as bandas inglesas Beatles (1962) e
jazzista de todos os tempos.
Rolling Stones (1964). O rock se juntava ao
comportamento questionador da juventude,
que dirigia suas contestag6es para a ordem e
instituigdes vigentes —o American way of life -,
negando valores tradicionais, a inddstria
cultural e os meios de comunicagao de
massa, enfim, impulsionando o movimento
Archive
Photos/Contexto da contracultura. Incertezas da Guerra Fria, a
bomba atémica, as propostas hippies e seus
ideais coletivizadores, o ‘Paz e Amor’, o
“Sexo, drogas e rock’n’roll’’, os grandes
festivais de musica — destacando-se Monterey
em 1967 e Woodstock em 1969 -, acabaram
desembocando na absorcdo pelo sistema do
movimento de contestagdo como parte da
industria do entretenimento.

Louis Armstrong foi, por algum tempo, o Unico ponto de


referéncia obrigatorio para qualquer musico de jazz.
A CULTURA EXPLOSIVA DO SECULO XX

guerrilha cultural, um movimento espon- os movimentos dark e gothic, com suas


taneo e insinuante que, se apossando vestimentas sombrias que expressam as
dos meios de comunicagao ou até criando incertezas dos anos 1980, entre tantas
canais alternativos, conquistava adeptos outras.
por toda parte e ameagava colocar a
utopia no poder. Foi um sonho de uma
noite de verdo € durou pouco. Mas, ao sé
deixar devorar pelo Sistema, a contra-
cultura injetou nele para sempre uma
série de novos valores € as coisas nunca
mais seriam como antes."
MUGGIATI, Roberto. Rock: da utopia a incerteza
(1967-1984). So Paulo, Brasiliense, 1985. p. 7.
(Colegao Tudo é Historia) —
Ziggy
de
Foto
Marley/AJB
Marcelo
Marley:

A interagao da musica nesse fend-


meno cultural, bem como os tentaculos
que a unia a dinamica capitalista, pode
ser observada pelo montante de dinheiro
envolvido nas vendas de discos nos EUA,
entre 1955 e 1973: "... subiram de 277
milhdes de ddlares em 1955, quando o
rock apareceu, para GOO milhdes em
1959, e 2 bilhoes em 1973". Dois momentos da musica pop do século XX: o lendario Elvis
Presley na década de 50 e um grupo de reggae na década de 90.
Citado por HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos:
o breve século XX: 1914-1991. p. 321.
"Filhos da crise econdmica e do
desemprego, os punks varreram tudo a
Nos anos 1970, ganhou intensidade a gua passagem a partir de 1977... ou
fragmentagdo dos estilos, como o de Pink esforgaram-se por fazé-lo. Rejeitaram as
Floyd, que usava sintetizadores em esttdios, estrelas e a competéncia técnica, cla-
e o heavy metal (literalmente, ‘metal pesa- maram em alto e bom som que era mais
do’’), com suas guitarras amplificadas e importante ter algo a dizer do que saber
shows em grandes espacos. Dentre outras como dizé-lo. Usam os cabelos curtos,
vertentes que confirmam a variedade, estado: rompendo com os esteredtipos hippies, e€
o punk, um dos mais agressivos estilos do cantam o cinza urbano e o tédio. A
movimento musical de contestagdo desde os urgéncia € a provocagao estHo na ordem
anos 1960; 0 reggae jamaicano, decorrente do dia. Os Sex Pistols escandalizaram
da aproximagdéo com o Caribe, tendo a insultando a rainha em plena celebragao
frente Bob Marley; o hip hop e o rap (nos de seu jubileu, o Clash fez de suas
seus diferentes significados, a palavra rap cangoes panfletos esquerdistas, os
remete tanto a idéia de “pancada seca” Stranglers manipularam fantasmas sa-
como de “criticar duramente’’), manifesta- dicos, 0 Buzzcocks proclamaram a
¢do da cultura negra com raizes no Bronx,
dificuldade de amar quando reina o
em Nova York, a qual contesta a realidade
egoismo, os Jam pareceram ser novos
urbana dos guetos; o funk, que fundia as
Who. Como em 1963, novos grupos
musicas originais dos negros norte-america-
estouravam a cada semana, pelo menos
nos com a discoteca do final dos anos
na Inglaterra. Os Estados Unidos nao
1970, tendo como pioneiro James Brown;
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XxX1)

acompanharam o pique, anestesiados cos. |50 significa que qualquer rapper


pelos programadores de radio sobrevi- negro hoje sabe que sua audiéncia princi-
ventes da era hippie. Somente Nova York pal sera branca e de classe média. 1550 €
ferveu junto com os ingleses." diferente do que ocorria com a primeira
MASSIN, Jean. Historia da musica ocidental. geracao, em que pessoas de lugares
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997. p. 1119-20. miseraveis cantavam para outras de
lugares igualmente miseraveis.
"Os negros americanos nao rejeitam
Somente alguns intelectuais como
as aquisigdes do rock e da eletronica no
eu é alguns artistas ficaram interessa-
funk, gragas a Chic, Earth Wind & Fire,
dos nessa musica. O grupo Blondie se
Prince, Michael Jackson, George Clinton e
interessou e tentou incorporar o rap, é€
Rick James. No espirito, um fendmeno
acredito que teria tido sucesso nao fos-
comparavel ao do punk acontece no Bronx,
6e o fato de Chris Stein, guitarrista da
o bairro mais desamparado de Nova York.
banda e marido da vocalista Debbie
Os jovens do gueto, sem condigdes de ter
Harry, ter desenvolvido uma doenga ter-
instrumentos, habituam-se a contar sua
rivel que basicamente fez com que o
vida misturando as melhores passagens
grupo acabasse. Foi uma doenga neéuro-
de seus discos favoritos: é o rap, literal-
ldgica que’o inabilitou por dez anos. Uma
mente ‘papo’, ‘conversa’.
das coisas que eles estavam fazendo era
Mas o rock propriamente dito con-
incorporar o rap na sua forma de rock
tinua vivo, mergulhando de novo em sua
and roll."
historia a fim de permanecer joven. Ha
conjuntos que simultaneamente fazem BERMAN, Marshall. Rap: 0 canto a beira do
reviver oS anos 5O, como os Stray Cats, precipicio. In: Folha de S.Paulo, 14/10/2001.
os meados dos anos 60, como os Caderno Maisl. p. 7.

Plimsouls e os Fleshstones, os anos


glitter, como o grupo Bauhaus, e até
mesmo oS anos punk. Pode-se ver nisto Em meio a variedade de estilos e estrelas,
indicios de uma falta de inspiragdo, ou o somavam-se as tendéncias nacionais que
ginal de que essa musica sabe manter tiveram representagao obrigatéria no imagi-
vivas suas jovens tradigdes — provavel- nario das populagdes do Terceiro Mundo. E
mente, até que uma reviravolta promova
isso pode ser constatado pela riqueza de
hovo questionamento radical." estilos da musica popular brasileira e pela
importancia que ela e seus artistas tiveram na
Idem, p. 1121.
historia musical do Brasil. Ressalte-se ainda a
pesquisa de novas linguagens que muitos
"O paradoxo do rap é que a musica é
desses artistas internacionais foram buscar em
ouvida nao $0 por pessoas que de fato regides como india, Brasil, paises da Africa
vivem em situagoes de perigo mas tam- negra e do Caribe. Era 0 comeco do que se
bém por pessoas que levam uma vida convencionou chamar de World Music.
tradicional, que estudam medicina ou
direito. Em meados dos anos 90, o rap O cinema foi outro importante testemu-
fez o que, na industria musical, é chama- nho dos anseios e incertezas do século XX,
do de crossover, isto é, 05 consumidores
com importante influéncia como meio de
comunicagao de massa. Desde a primeira
de rap, qué eram predominantemente
projegao do filme dos irmaos Lumiére, em
negros, passaram a ser predominante-
1895, em um salao de café parisiense, até o
mente brancos.
inicio do século XXI, o cinema continuou
Hoje os maiores consumidores de
exercendo um papel destacado nos coragdes
rap 640 estudantes universitarios bran-
e mentes dos individuos.

518
A CULTURA EXPLOSIVA DO SECULO XX

Um ultimo aspecto que escolhemos entre trabalhadores, as minorias étnicas, os homens


as manifesta¢gGes culturais dessa era turbulen- e as mulheres com diferentes opgdes sexuais,
ta do mundo contempordneo é o conheci- etc. Alguns criticavam o que chamavam de
mento historico. Nele, uma das certezas fragmentagado da historia, o seu esmigalha-
firmadas no século XX foi a da amplitude mento; outros argumentavam que o que
das fontes histéricas, correspondente a toda estava ocorrendo nado era uma busca da
produc¢do material e intelectual humana. historia (considerada ciéncia, método e criti-
Rompendo com a historiografia do século ca), mas de memorias que serviam as neces-
XIX, em que a historia era feita fundamental- sidades de afirmagao dos grupos. Outros,
mente com textos, impunha-se aos historia- ainda, afirmavam que a historia finalmente
dores perseguir todos os vestigios do passado, tinha encontrado uma multiplicidade de eixos
buscando desvendar as especificidades dos ou focos.
contextos histdricos. Pintura, cinema, foto-
grafia, entre outras, entraram para o rol das Mas a sintese de uma historia
fontes, com seus desafios e complexidades a universal, Unica, homogénea, que trazia
decodificagao do conhecimento histdrico. apenas uma teoria da historia, da socie-
dade e do homem, estava em crise
"Ainda no géculo XIX, o historiador irreversivel. Nas palavras do historiador
francés Fustel de Coulanges afirmava: francés contemporaneo Marc Ferro:
‘Onde o homem passou e deixou marca de "O espelho quebrou. A historia uni-
ua vida e inteligéncia, al esta a Historia’. versal morreu, esta morta por ter sido a
Qualquer tipo de marca." miragem da Europa, que a dimensionou
CARDOSO, Ciro Flamarion e MAUAD, Ana Maria. na medida de sua propria mudanga. Os
Historia e imagem: os exemplos da fotografia e do
outros povos dela 30 participavam, a
cinema. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS,
Ronaldo (orgs.). Domtnios da histéria: ensaios de
titulo de passageiros, quando a Europa
teoria e metodologia. Rio de Janeiro, Campus, 1997. andou por eles; no Egito, por exemplo:
p. 401. antes de nascer, depois sob Roma, no
tempo da Cruzada ou de Bonaparte, de
Mehmet-Ali ou de Naseer. Verdade para o
Parte integrante do quadro explosivo da Egito, verdade também para a India, a
cultura do século XX, por sua vez, o conheci- Arménia e que sei eu: a historia deles 50
mento histérico contou com as descoloniza- era Historia quando sé cruzava com a
cées nesse século. Na Africa e na Asia, a
nossa’.
descolonizagao impulsionou mudang¢as quan-
FERRO, Mare. A manipulagao da historia no ensino é
to a forma de escrever e explicar a histéria: as nos meios de comunicagao. Sao Paulo, lbrasa, 1983.
novas na¢6es soberanas buscaram recuperar p. 290.
sua visdo da dominagao, para dar um sentido
ao processo de libertagdo e de constru¢do
nacional. Da mesma forma, no final do século De qualquer forma, ficava a questao de
XX, varios grupos humanos tidos como opri- que, como as demais manifestagdes cultu-
midos passaram a pesquisar, escrever e valo- rais, todo conhecimento hist6rico é relativo a
rizar suas histdrias: os negros nas sociedades uma €poca e sociedade e, assim, as com-
(aberta ou veladamente) racistas, as mulheres preensdes e questdes hoje colocadas nao
nas sociedades patriarcais e machistas, os seriam excecoes.
Pursroes & TESTES

1 (Maua-SP) O assassinato do arquiduque F. 4 (Maua-SP) O Tratado de Versalhes, assinado


Ferdinando da Austria serviu como causa em 28 de junho de 1919, conforme a opiniao
imediata da Primeira Guerra Mundial. Pode de muitos historiadores contribuiu para criar
ser indicado como uma de suas Causas: uma situagdo propicia 4 eclosio da Segunda
a) os choques entre Franga e Inglaterra, dispu- Guerra Mundial. Justifique essa afirmativa.
tando o nordeste da Africa.
b) as disputas entre Alemanha e Austria-Hun- (Fatec-SP) A Revolugao Russa aconteceu no pe-
gria, como decorréncia da rea¢do austriaca nultimo ano da Primeira Guerra Mundial. O par-
a vitéria alema na Guerra das Sete Semanas. tido social-democrata, baseado no socialismo
c) os desentendimentos entre Franca e Italia marxista, dividira-se, por volta de 1903, em duas
devido a Questaéo Romana. facgGes: a primeira delas, liderada por Lénin, ea
d) os choques entre Alemanha e Russia, como segunda, por Martov. Responda, abaixo:
decorréncia de movimentos nacionalistas a) Como se chamavam essas facgdes?
por ela liderados. b) O que a fac¢ao liderada por Lénin propu-
e) as crises balcanicas entre Austria-Hungria e nha, especificamente, para o problema da
lugoslavia, que disputavam o dominio da propriedade e da participacao da Russia na
regido. guerra? Se preferir, coloque a “frase de
efeito’”” que sintetizava as Teses de Abril,
plataforma da Revolugdo em 1917.
(UFRGS-RS) A Primeira Guerra Mundial (1914-
1918) teve como fator principal a competi¢ao
(Vunesp) ‘‘A estrutura rural da sociedade fazia
econémica entre poténcias industriais euro-
dela uma grande aldeia serva. Contavam-se,
péias, 0 qual se apresentou sob a forma de
em 1861, quando da emancipa¢ao por Ale-
rivalidades politico-diplomaticas. Nesse senti-
xandre Il, quarenta e sete milhdes de servos
do opunham-se:
miseraveis e misticos, contra cem mil familias
a) Alemanha e Austria.
nobres, de uma nobreza de funcionarios,
b) Inglaterra e Alemanha.
proprietarios de imensos dominios.’” O texto
c) Russia e Fran¢a. acima refere-se:
d) Alemanha e Rassia.
a) a Franga pos-revolucionaria.
e) Roménia e Alemanha.
b) a Inglaterra quando da Revolugao Industrial.
c) ao Império Austro-Hungaro.
(UFRS) Com o final da Primeira Guerra Mun- d) a Alemanha do século XIX.
dial, o Tratado de Versalhes ocupou-se, princi- e) a Russia czarista.
palmente:
a) da criagdo de uma organizagao internacio- (PUCSP) A disputa pelo poder na Unido Soviéti-
nal destinada a garantir a paz: a Sociedade ca entre Trétski e Stalin, apds a morte de Lénin,
das Nacées. em 1924, teve como eixo a discussao sobre:
b) dos problemas ligados ao reconhecimento a) a expansdo ou nao da revolugao socialista
do novo Estado surgido da Revolu¢ao mundial como forma de consolidar interna-
Soviética. mente o regime.
c) da regulamentacgao da paz com a Alema- b) a questéo da autonomia das nacionalidades
nha, incluindo a cessao de territ6rios, inde- da Russia Branca.
nizagdes e desarmamento. C) as propostas de priorizar os investimentos
d) do desmembramento do Império Austro- sociais sobre as necessidades da industria-
Hungaro, formando-se novos Estados: Aus- lizago.
tria, Tchecoslovaquia, lugoslavia e Hungria. d) a extin¢ao dos planos qiiingiienais, sobre-
e) da reorganiza¢ao das fronteiras das nag6es tudo os relativos a coletiviza¢ao.
balcadnicas, devido a desagregacado dos e€) 0 poder dos sovietes de soldados e campo-
impérios Turco e Austro-Hungaro. neses na administragdo provincial.
QUESTOES E TESTES

8 (UFPI) A crise de 1929, iniciada nos Estados 4-a distribuigdo de seguros aos desemprega-
Unidos, deve ser entendida como: dos contribuiu para a diminuigao da tensdo
a) decorrente da dependéncia da economia social.
norte-americana em relagao 4 economia Estao corretas somente as afirmacGes:
mundial. a) 1le2
b) conseqiiéncia do mau planejamento dos b) 3e4
economistas adeptos do liberalismo. c)2e4
c) uma crise do sistema capitalista, que, pro- d) 1,2e3
duzindo para o lucro, sem que os consumi- e) 2,3e4
dores tivessem condi¢gdes de consumir,
provocou uma crise de superprodugao. 11 (Fuvest) O que foi o New Deal aplicado nos
d) uma crise advinda do fato de os produtos EUA durante a presidéncia de F. D. Roosevelt?
serem produzidos em pequena escala e do Indique dois de seus aspectos.
poder aquisitivo do consumidor ser muito
grande, em face do que as mercadorias 12 (FEI-SP) Fascismo e nazismo tém em sua origem
comeg¢gam a faltar no mercado. algumas causas comuns. Entre estas causas
e) um erro da tentativa de recuperagdo econ6- pode-se apontar:
mica idealizada por Roosevelt e seus asses-
a) 0 ideario da “raga pura’”’.
sores diretos.
b) conflitos entre burguesia e nobreza.
Cc) crises econdmico-sociais com as conse-
(Cesgranrio-RJ) Em mar¢o de 1921, Lénin afirma: quentes greves, tumultos e agitagdes que
“E necessario abandonar a constru¢4o imediata favoreceriam a tomada do poder pelas
do socialismo para se voltar, em muitos setores esquerdas.
econdmicos, na direcdo de um capitalismo de d) as conseqiiéncias do fracasso das ofensivas
Estado.” dos dois paises contra a Triplice Alianga,
Tendo em vista as etapas da Revolu¢ao Russa, po- durante a Primeira Guerra Mundial.
demos interpretar essa declaragao no sentido de: e) A luta pelo poder entre partidos fortes da
a) representar o abandono do comunismo de direita.
guerra e o inicio da Guerra Civil.
b) traduzir 0 insucesso dos planos qiiinqiienais 13 (Fuvest) Associe a situagdo interna da Italia a
e 0 retorno a uma economia capitalista. ascensao do fascismo ao poder em 1922.
c) indicar a impossibilidade do socialismo
num so pais, dai a volta ao capitalismo mo- 14 (Vunesp) A ideologia fascista é sobretudo
nopolista. sentimental, fato que podemos observar nos
d) introduzir a Nova Politica Econémica, ca- mitos dos quais se serviram certas sociedades
racterizada por algumas concessG6es ao hist6ricas:
capitalismo, a fim de possibilitar 0 avango a) do Japao, baseada no programa da ‘’Grande
do socialismo. Asia’, e da China, fundamentada na supe-
e) aceitar a introdug¢ao de métodos capitalistas rioridade da sua civilizagao.
na produgao e o retorno a iniciativa privada. b) de Portugal, baseada na lembrang¢a do papel
civilizador do europeu, e da Italia, que
10 (Cesgranrio-RJ) A adogado do New Deal nos EVA, perseguiu o mito da ‘’Grandeza Romana’,
apés a crise de 1929, permite-nos afirmar que: que seria preciso reencontrar.
1 —o sistema capitalista enfraqueceu-se, pela c) da Alemanha, alicergada na superioridade
impossibilidade de conviver com o plane- cultural do alemao, e da Espanha franquista,
jamento e o dirigismo estatal. que propugnou a uniao dos povos latinos.
2 — co intervencionismo do Estado na economia d) da Italia, com o mito do reencontro da
nado se confunde com o socialismo, nem grandeza do Império Romano, e da Alema-
conduz, necessariamente, ao autoritarismo. nha, com o mito histdrico da pureza racial.
3-alterou-se a relagdo entrea produgao agra- e) da Italia e da Alemanha, unidas emocional-
ria e a fabril, pela importancia maior con- mente em torno do ‘‘chefe’’, a personifica-
cedida 4 primeira. ¢40 viva da na¢ao.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

b5. (Fuvest) ““Ontem, 7 de dezembro de 1942, uma e) simpatia da maioria dos norte-americanos
data que viverd marcada pela infamia, os EUA pela posigdo soviética se explicava pela
foram repentina e deliberadamente atacados ascenséo de um regime democratico e
pelas forgas navais e aéreas do Japao.” pluralista, plenamente vinculado as diretri-
(The New York Times) zes que nortearam a Revolugao de Outubro.

a) A que ataque se refere a noticia do jornal?


7 vi (Fundacao Lusfadas-SP) Realizar o ‘‘Anschluss’”
b) Quais os motivos da agressao japonesa?
era um velho sonho dos nazistas. E isto
comegou a ser conseguido por Hitler em marco
de 1938. A expressdo entre aspas e a data sao
(Unirio) "(...) Quando perguntados, em janeiro
suficientes para elucidar o sonho nazista de:
de 1939, quem os americanos queriam que
ganhasse, se irrompesse uma guerra entre a a) ocupagado da regiao do Reno, desmilitariza-
Unido Soviética e Alemanha, 83% foram a da pelo Tratado de Versalhes.
favor de uma vit6ria soviética, contra 17% de b) anexacdo do Corredor Polonés, restabele-
uma alema. Num século dominado pelo con- cendo a ligagao com a Prussia.
fronto entre 0 comunismo anticapitalista da c) reptdio total as imposigdes do Tratado de
Revolugao de Outubro, representado pela Versalhes.
URSS, e o capitalismo anticomunista, cujo d) ascensao de Hitler ao poder.
defensor e principal exemplar eram os EUA, e) marchar sobre a Austria, a sua anexacdo e a
nada parece mais anémalo do que essa decla- concretizagdo da idéia do pangermanismo
ragao de simpatia (...). A situagdo histdrica era (reunificagao das etnias alemas).
sem dtivida excepcional e teria vida relativa-
mente curta (...)." (UF-Vigosa-MG) Os paises chamados ‘do
(HOBSBAWM, Eric J. Era dos extremos. O Eixo”, durante a Segunda Guerra Mundial,
breve século XX: 1914-1991, 2. ed. Sao Paulo, eram:
Companhia das Letras, 1996. p. 145.) a) Franca, Holanda e Bélgica.
Podemos compreender as afirma¢6es do autor b) Alemanha, Rassia e Italia.
se levarmos em consideragao que o(a): c) Estados Unidos, Franga e Inglaterra.
d) Alemanha, Italia e Japao.
a) final da década de 30 viu fortalecer-se, na
e)SS=Ss
Alemanha, Franga e Inglaterra.
opiniao publica norte-americana, um movi-
mento simpatizante do regime soviético, por
(Fac. Med. Ribeirao Preto-SP)A Segunda Gran-
sua politica de acolhimento aos povos de
de Guerra (1939-45), a partir de 7 de dezem-
origem semita, movimento este denominado
bro de 1941, adquire um cardter mundial
macarthismo.
quando os:
b) regime alemao, ao exacerbar o principio do
a) OS russos tomam a iniciativa de anexar o
individualismo, acreditava que "os povos
territ6rio dos Estados balticos.
vigorosos e dotados de vontade" tinham
b) alemaes invadem a regido mediterranea da
direito ao expansionismo, 0 que se contra-
Africa.
punha a democracia liberal americana.
c) japoneses atacam a base norte-americana
c) regime alemdo se voltava contra 0 principio de Pearl Harbor.
do racionalismo, consagrado a partir da d) franceses, por determinagdo de Pétain, ocu-
Filosofia das Luzes do século XVIII, o qual se pam o sudeste da Asia.
constituiu no fundamento ideolégico tanto e) chineses cedem a maior parte do seu terri-
das democracias liberais quanto do préprio t6rio as tropas do Eixo.
socialismo.
d) crescimento da simpatia norte-americana (Fatec-SP) Em maio e junho de 1942 aconte-
pelo regime soviético pode ser explicado ceram, respectivamente, as importantes vitdrias
por uma decorréncia direta dos efeitos da de Mar de Coral e Midway que, seguidas da
NEP que, em Ultima instancia, significaram tomada de Guadalcanal nas ilhas Salomao,
uma grande abertura da economia soviética impediram a queda da Australia e ilhas havaia-
para relagdes com o Ocidente. nas, durante a Segunda Guerra Mundial.
QUESTOES E TESTES

Responda: tratou de consolidar as posigdes consegui-


a) Quais foram os principais oponentes nessa das durante o conflito, organizando, para
frente de guerra do Pacifico? Qual foi o lado tanto, as chamadas Reptblicas Soviéticas.
vencedor nas batalhas citadas? gg abalados pelo esforg¢o econdmico despren-
b) Qual foi o importante acontecimento que dido durante o conflito, os Estados Unidos
iniciou a luta nesse setor da guerra e ainda viram a sua hegemonia econdmica, no
em 7 de dezembro de 1941 pds a pique Oriente e na América Latina, serem parti-
quase toda uma frota além de destruir avides lhadas entre Inglaterra e Franga.
antes mesmo que levantassem vGo? 2 a situagao da Alemanha e o papel que
ocuparia no processo da reorganiza¢gao da
21 (UF-Uberaba-MG) O ano de 1949, para os po- politica mundial representaram dois dos
mais delicados fatores a pesar na nova
vos do Extremo Oriente, e mesmo para a his-
toria mundial, reveste-se de um significado balanga das relagdes internacionais.
especial, porque assinala: & objetivando assegurar a sua hegemonia
econdmica e politica sobre a Europa, os
a) a realizagao da Conferéncia de Brazzaville,
Estados Unidos proclamaram que a navega-
que promoveu a independéncia das col6ni-
¢do pelo Atlantico Norte ficaria permanen-
as européias na Asia.
temente sob a fiscalizagdo e o controle nor-
b) a passagem da China para um regime socia-
te-americano.
lista, com a vitdéria militar de Mao Tsé-tung.
c) 0 surgimento de novas forgas politicas no
cenario mundial — o Terceiro Mundo — apds
24 (Casper Libero-SP) Apds a Segunda Guerra
Mundial, a Europa viu-se dividida em dois blo-
a reunido de Bandung. cos de influéncias: Estados Unidos e Unido So-
d) o término das chamadas guerras de liberta-
viética. Em decorréncia, ambas as poténcias
¢d0 que por varios anos afetaram a Indo- criaram organismos que se opunham mutua-
china. mente, a saber:~
e) a emergéncia do japao como grande potén-
a) Otan x Kominform; Plano Marshall x Pacto
cia em virtude de sua associagao militar
de Varsovia.
com os Estados Unidos.
b) Nasa x KGB; Otan x Comecon.

ins (FGV-RJ) O conceito de Guerra Fria, aplicado


c) Otan x Pacto de Varséria; Plano Marshall x
Comecon.
as relagdes internacionais apds 1945, significa
d) Otan x Pacto de Leningrado; Plano Marshall
basicamente:
x Comecon.
a) O conjunto de lutas travadas pelo povo ira-
niano contra a dinastia Pahlevi. 23 (Cesgranrio-RJ) Apdés o término da Segunda
b) a fornacado de blocos econémicos rivais: o Guerra Mundial, o langamento do Plano Mar-
MCE e 0 Comecon. shall, pelo governo norte-americano, constituiu
c) as disputas diplomaticas entre arabes e israe- manobra estratégica fundamental no interior da
lenses pela posse da peninsula do Sinai. Guerra Fria nascente entre os EUA e a URSS,
d) arivalidade entre dois blocos antag6nicos, li- pois o Plano Marshall:
derados pelos EUA e URSS, respectivamente. a) era um instrumento decisivo, tanto econ6-
e) 0 conjunto de guerras pela independéncia mico quanto politico-ideolégico, da luta
nacional ocorridas na Asia. contra o perigo do avanco ainda maior do
comunismo na Europa arrasada do pods-
23 (UFPA) Em relagao ao quadro apresentado pelo guerra.
mundo apos terminar a Segunda Guerra Mun- b) visava principalmente deter as ameacas
dial, 6 possivel assegurar-se que: soviéticas sobre os paises do Oriente Médio,
a) a reorganizacao imediata da Fran¢a e a sua cuja produgao petrolifera era vital para as
participa¢ao ativa na politica do pds-guerra ja economias ocidentais.
indicavam a efetiva lideran¢a que os france- c) representava uma retomada, em moldes mais
ses exerceriam na Europa dos anos de 1950. eficazes, da tradicional politica da “boa
b) isolada em relagdo a politica mundial, a vizinhanga’’ dos EUA em relagao 4 América
Unido Soviética, sob o governo de Stalin, Latina, vinda dos tempos de Roosevelt.

D235
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX1)

d) garantia, para os norte-americanos, o retor- c) levar a presidéncia da Republica o general


no a uma politica isolacionista, voltada para Douglas McArthur, o comandante-em-chefe
os seus interesses internos, deixando por das for¢gas aliadas no Pacifico durante a
conta dos europeus ocidentais as tarefas da Segunda Guerra Mundial.
reconstrucao. d) impedir a integragdo racial nos Estados do
e) assegurava a livre penetragao dos capitais Sul dos Estados Unidos durante a presidén-
norte-americanos no continente europeu, cia do general Eisenhower.
inclusive nos paises da Europa Oriental. e) conter 0 expansionismo soviético através de
uma delimitagao clara das zonas de influén-
cia norte-americana.
(UF-Ouro Preto-MG) Leia o texto abaixo.
“Os povos de certo numero de paises do mundo
tiveram recentemente de aceitar regimes totali- 2 9 (Fuvest) Em termos de politica internacional, o
tarios impostos, a for¢a, contra a sua vontade. O que significa a détente entre os EUA e a URSS?
governo dos Estados Unidos tem lavrado amiu-
dados protestos contra a coer¢ao e a intimida-
3 0 (FGV-SP) Mikhail Gorbatchev, apds assumir o
¢do, na Polénia, na Roménia e na Bulgaria, em
poder em marco de 1985, tornando-se secre-
flagrante desrespeito ao acordo de lalta. Devo
tario-geral do Partido Comunista da Unido
também consignar que em certo numero de
Soviética, desencadeou uma série de mudan-
paises tém ocorrido fatos semelhantes.’”
¢as para que a URSS ingressasse ‘‘no novo
(Discurso pronunciado pelo presidente dos
milénio de maneira digna, propria a uma
Estados Unidos, Harry Truman, no Congresso
grande e préspera poténcia’’. Nesse processo,
norte-americano, em 12/3/1947.)
os termos perestroika e glasnost ganharam
Com base em seus conhecimentos, apresente destaque, constituindo a pedra de toque dessas
as Caracteristicas politicas e econdmicas do mudang¢as. Perestroika e glasnost significam,
pos-guerra que justificavam as palavras do pre- respectivamente:
sidente norte-americano.
a) reestruturagdo e abertura.
b) revolugao e anistia.
c) imperialismo e abertura.
(Cescem-SP) A ‘‘coexisténcia pacifica’’ entre os d) reestruturagao e pluripartidarismo.
Estados Unidos e a Unido Soviética sofreu sério e) privatizagao e fechamento.
revés em 1962, em virtude:
a) da interferéncia da China comunista na pa-
cificagao do Vietna. 31 (UFPI) Considere as seguintes afirmativas.
b) do rompimento das negociagées de Pan |—-Desde 1985 a URSS vem sendo governada
Mun Jon para unificagdo da Coréia. por Mikhail Gorbatchev, cuja vitalidade e
c) do fracasso da reunido entre Eisenhower e estilo de vida em nada lembram a geronto-
Stalin, em Genebra. cracia das décadas anteriores.
d) da intervengao da Russia no processo de Il-Gorbatchev tem desenvolvido a perestroi-
descolonizacao da Africa. ka, politica interna que visa renovar a
e) da instalagdo de foguetes em Cuba, por de- administragao e a economia soviética.
cisdo de Kruschev. III-A glasnost, politica de abertura, preocupa-
se, no plano internacional, com a belige-
rancia do governo Reagan e faz tentativas
(Fatec-SP) O macartismo na década de 1950 nos para melhorar o relacionamento diplomati-
Estados Unidos foi um movimento que visava: co com a China.
a) conceder igualdade de oportunidades as Assinale:
minorias negras norte-americanas. ; a) se apenas | é correta.
b) afastar de cargos publicos e de posicédes b) se apenas II é correta.
importantes na economia e na sociedade c) se apenas Ill é correta.
elementos que pudessem ter simpatias pelo d) se apenas | e II sdo corretas.
regime soviético. e) se |, Il e Ill sdo corretas.
QUESTOES E TESTES

32 (FGV-SP) A Grande Marcha empreendida nos d) da desobediéncia pacifica ao colonialismo


anos 30 por Mao Tsé-tung e seus seguidores foi: inglés.
a) uma fuga dos contingentes comunistas que e) da alianga politica celebrada com o Pa-
estavam sendo perseguidos pelas tropas do quistao.
Kuomintang.
b) uma fuga dos seguidores de Mao persegui- 36 (UFSCar-SP) ““Nenhum africano pode atuar co-
dos pelas tropas japonesas que invadiram a mo membro de um jdri eleito para juizo cri-
Manchtria. minal, mesmo sendo o acusado um africano.”
c) uma tentativa das tropas comunistas de “E ilegal que uma pessoa branca e uma
cortar as linhas de abastecimento das tropas negra tomem juntas uma xicara de cha num
nacionalistas. Café de qualquer lugar..., exceto se tiver
d) uma tentativa das tropas de Mao de cercar autoriza¢ao especial para isso.”
as tropas japonesas que haviam invadido a “Nenhum africano tem o direito de adquirir
Manchuria e o norte da China. a propriedade de terras... nem € intengao do
e) a marcha empreendida pelos comunistas governo outorgar tal direito aos africanos,
sobre Nankim para derrotar as tropas do mesmo em relagaéo as terras que lhes sao
Kuomintang. reservadas.””
Os trechos de leis apresentados anteriormente
33 (Vunesp) A interven¢do norte-americana na evidenciam a realidade social, econdmica e
guerra da independéncia politica de Cuba, politica vivida pelo povo de um pais africano
em 1898, resultou: nos dias atuais, as vésperas do ano 2000. Essa
a) na retirada de tropas e capitais norte-ame- situa¢do de injustiga humana caracteriza:
ricanos que predominavam na ilha. a) a democracia relativa de Mogambique.
b) na industrializagao de Cuba, rompendo com b) o apartheid na Reptblica da Africa do Sul.
a dependéncia herdada do periodo colonial. c) 0 parlamentarismo monarquico na Nigéria.
c) na submissdo da ex-col6nia ao imperialismo d) a democracia racial de Angola.
holandés. e) as towships da Guiné-Bissau.
d) na Emenda Platt, que reconhecia o direito
dos EVA intervirem para salvaguardar seus 37 (Fuvest) Explique as condi¢6es politicas que
interesses naquele pais do Caribe. levaram a construcéo do Muro de Berlim, em
e) na emancipagao gradual dos negros escra- 1961, e a sua derrubada, em 1989.
vos que havia naquela ilha.
38 (Centec-BA) Apés a independéncia, a econo-
34 (FEI-SP) No processo de descolonizagdo da mia dos paises latino-americanos caracteriza-
Africa, as tltimas etapas envolveram as colé- va-se essencialmente pela:
nias portuguesas, nas quais organizaram-se a) independéncia em relagdo ao capital inter-
para esse fim varios movimentos populares. nacional.
Entre esses movimentos, o MPLA (Movimento b) permanéncia de uma economia colonial,
Popular para a Libertagado de Angola) foi fun- voltada para abastecer o mercado interno.
dado por: c) independéncia tecnolégica, especificamen-
a) Amilcar Cabral. d) Agostinho te de bens duraveis.
b) Ben Barka. Neto. d) manuten¢do de uma economia agrario-lati-
c) Eduardo Mondlane. e) Modibo Keita. fundiaria e exportadora.
e) dependéncia em relagao ao capital interna-
35 (Unifor-CE) A independéncia da India foi con- cional luso-espanhol.
seguida por Gandhi através:
a) das atividades militares comandadas por 39 (UnB-DF) Assinale as corretas. Constituem
Nehru. movimentos significativos do século XX:
b) da luta de guerrilhas nas montanhas do (0) a ruptura com as arcaicas estruturas impe-
Punjab. riais da Russia e o esforco dos revoluciona-
c) do apoio industrial das varias classes in- rios na implantagaéo e consolidacdo do
dianas. regime socialista nesse pais.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

(1) a eclosado dos conflitos armados de 1914-18 c) a Inglaterra e a Franca estabeleceram uma
e 1930-45 e a substituigéo do critério politica externa unica e a impuseram as
europeu de politica internacional para um demais na¢Ges européias, provocando gran-
critério mundial. des insatisfagGes.
(2)a implantagdo de regimes totalitarios na = o Tratado de Versalhes considerou a Alema-
Europa entre 1922 e 1939, associada as nha e as demais Poténcias Centrais como as
dificuldades das democracias liberais em dnicas culpadas pela Primeira Guerra Mun-
solucionar as crises do capitalismo. dial, o que gerou nos alemaes profundo
(3) 0 processo de unificagao da Italia e da espirito revanchista.
Alemanha, num quadro de crescimento e) a chamada Pequena Entente, formada pela
industrial e ideolégico nacionalista. Tchecoslovaquia, lugoslavia e Roménia,
(4) o processo de descolonizagao na Asia e na recusou-se a participar de um cinto de
Africa e a emergéncia de uma tendéncia seguran¢a para bloquear o expansionismo
terceiro-mundista defensora do principio de da Russia.
autodetermina¢ao nacional.
(5) a formagao de dois blocos ideologicamente
antagOnicos que passaram a disputar a 42 (UFAC) Leia os enunciados abaixo e a seguir
supremacia econdmica e militar mundial e assinale a alternativa correta.
em torno dos quais configura-se um foco I-As independéncias na América e a Revo-
permanente de tensdo. lugaéo Francesa fazem parte de um mesmo
(6) o surgimento de um movimento de defesa contexto revolucionario, cuja inspiragao
dos interesses americanos, justificando teo- era 0 liberalismo.
ricamente através da Doutrina Monroe. ll—-A Revolug¢ao Industrial marcou a vitdéria da
produgao capitalista, dando inicio a fase
do Capitalismo Liberal (1760-1870/80) ca-
40 (Escola Superior de Agricultura de Mossor6-RN) racterizada como a etapa de subordina¢gao
A Segunda Guerra Mundial (1939-45) termi- da economia aos principios do “laissez-
nou, efetivamente, com: faire’.
a) a rendi¢ao do Japao, depois da explosao de III-No quadro histérico geral do século XIX,
bombas at6micas em Hiroxima e Naga- na Europa, destacam-se transformag6es
saqui. profundas como a tomada de consciéncia,
b) a rendi¢gao incondicional e conjunta da por intelectuais de origem burguesa, da
Alemanha, da Italia e do Japao. miséria e injustiga geradas pelo capitalis-
c) a reunido de Sado Francisco, onde se esta- mo em expansao, com a entrada em cena
beleceram as bases para a ONU. da ‘‘questéo social’” e a producdo de
d) 0 acordo com a Italia e 0 Japao, rendicdo utopias reformistas e propostas revolucio-
incondicional da Alemanha. narias.
e) 0 acordo com a Italia e tomada de Berlim a) somente a afirmativa | é correta;
pelas tropas soviéticas. b) somente a afirmativa II é correta;
c) somente a afirmativa III é correta;

41 (Escola Superior de Agricultura de Mossor6-RN)


d) somente as afirmativas | e Ill sao corretas;
e) todas as afirmativas sao corretas.
Uma das possiveis explicagdes para o fracasso
da chamada “Paz Wilsoniana’” (1919-22) esta
no fato de que: 43 (Escola Superior de Agricultura de Mossor6-RN)
a) a Russia assinou em separado com a Alema- A situagdo da Espanha, em 1936, coma eleicao
nha o Tratado de Brest-Litovski, provocando de Manuel Azafia, tornou-se critica, em virtude:
a desconfianga das Poténcias Aliadas. a) do envolvimento de Francisco Franco com
S as poténcias vencedoras da Guerra de 1914- elementos de esquerda, na revolta do Mar-
18 ignoraram o principio da autodetermina- rocos espanhol.
¢ao e deixaram de atender as reinvidicacées b) do desenvolvimento de um programa de re-
nacionalisas de povos que integravam os formas sociais, que provocou a reacao das
Impérios Centrais. forgas de direita.
QUESTOES E TESTES

c) da perda da influéncia politica que tinha a sistema da a¢ao unilateral, das aliancas exclu-
Frentre Ampla, que reunia os partidos do sivas, das esferas de influéncia, do equilfbrio de
Centro. forcas, e de todos os outros expedientes que ha
d) da interferéncia de Hitler e Mussolini no séculos sao experimentados — e falham’’.
desenvolvimento da politica externa da a) Quais as “‘trés Nagées principais’’ a que se
Espanha. refere Roosevelt?
e) da eclosdo de greves operdrias de apoio ao b) Caracterize sucintamente as relagGes inter-
movimento separatista dos bascos. nacionais do pos-guerra que contrariaram as
previsdes otimistas de Roosevelt.
el (UCS-RS) A chamada Primavera de Pequim,
ocorrida em junho do ano de 1989, pode ser
entendida como:
4/7 (VUNESP) No processo de implantagao do so-
cialismo na URSS houve dois momentos distin-
a) revolta popular anticapitalista e antiimperia- tos, tomando-se o ano de 1928 como referén-
lista. cia. No primeiro, por iniciativa de Lénin, foram
b) movimento democratico de cunho antibu- toleradas algumas praticas capitalistas. No se-
rocratico.
gundo, a partir de 1928, tiveram inicio os pla-
c) revolta camponesa contra o Estado. nos quinqtienais e a era estalinista.
d) movimento de reforma semelhante a peres-
a) Qual a denominag¢do do programa leninista
troika.
que facultou a restauragdo de algumas pra-
e) movimento nacionalista de cunho anti-so-
ticas capitalistas?
viético.
b) Discorra sobre duas prioridades do primeiro

45 (VUNESP) ‘Um conjunto de normas mais ou


plano quingiienal (1928-1933).

menos semelhantes se impds na Argentina apds


1976, no Uruguai e no Chile, depois de 1973, 48 (PUC-SP) ‘Circo russo na cidade: nao alimen-
na Bolivia quase ininterruptamente, no Peru, de tem os animais.””
1968 até 1979, no Equador, de 1971 a 1978.” (Graffiti nos muros de Praga, em 1968.)
(Clévis Rossi) “Os conselhos eram: ignorem os soviéticos,
Assinale a alternativa que melhor expressa o tratem-nos como coisas, beijem e namorem sob
conjunto de normas de exce¢ao que marcaram seus narizes. Vivam. Mas fagam em torno deles
a trajetoria politico-institucional dos paises la- barragens invisiveis.””
tino-americanos, indicados no texto. (GODFELDER, Sonia. A Primavera de Praga.
a) Dissolugao de partidos e sindicatos, com S. Paulo, Brasiliense, 1981.)
objetivo de estabelecer uma nova ordem A indisposigao dos tchecos, em relagaéo aos
democratica e popular. soviéticos na circunstancia indicada pelas cita-
b) Dominio politico das organizagdes guerri- ces acima, era devida:
lheiras. a) a grande presenca, em territério nacional,
c) Extingao dos partidos politicos, intervengao de dissidentes soviéticos asilados pelo Esta-
nos sindicatos e suspensao das eleigées di- do, os quais gozavam de privilégios nao
retas. desfrutados pelos cidadaos tchecos.
d) Politica externa alinhada automaticamente a b) a interrup¢ao, por parte da URSS, do forneci-
Unido das Republicas Socialistas Soviéticas mento de géneros alimenticios e material
e ao bloco do leste. bélico, para que a Tchecoslovaquia manti-
e) Formacgao de uma frente parlamentar, para vesse sua superioridade frente aos poloneses.
revisao constitucional. c) a histérica discriminagao dirigida pelos
tchecos aos povos eslavos e que foi reativa-
46 (VUNESP) Num de seus tltimos discursos, o da com a atua¢ao da Igreja Ortodoxa Russa.
presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano d) a intervengao militar praticada pelo governo
Roosevelt declarou o seguinte: “A conferéncia soviético na Tchecoslovaquia, como respos-
da Criméia foi um esforgo bem sucedido das ta a uma tentativa da sociedade tcheca de
trés NagGes principais de encontrar um terreno ampliar as liberdades individuais no interior
comum para a paz. Ela representa o fim do de um regime comunista.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

e) a iniciativa tcheca de romper com o regime a) aprimeira reforgou a concep¢ao de que nao
comunista e negar a influéncia da URSS, se podia deixar uma economia ao sabor do
optando pela alianga com o governo ame- mercado, e 0 segundo, a de que uma eco-
ricano e pela reorientagao da economia, no nomia nao funciona sem mercado.
sentido de sua estatiza¢ao. b) ambos levaram a descrenga sobre a capaci-
dade do Estado resolver os problemas colo-
49 (Unicamp) ‘Uma familia isolada mudava-se de cados pelo desemprego em massa.
suas terras. O pai pedira dinheiro emprestado Cc) assim como a primeira, também o segundo
ao banco e agora o banco queria as terras. A esta provocando uma polarizagao ideoldégi-
companhia das terras quer tratores em vez de ca que ameaga 0 estado de bem-estar social.
pequenas familias nas terras. Se esse trator d) ambos, provocando desemprego e frustra-
produzisse os compridos sulcos em nossa ¢ao, fizeram aparecer agitagdes fascistas e
propria terra, a gente gostaria do trator, gostaria terroristas contando com amplo respaldo
dele como gostava das terras quando ainda popular.
eram da gente. Mas esse trator faz duas coisas e) enquanto a primeira reforgou a convicc¢ao
diferentes: traga sulcos nas terras e expulsa-nos dos defensores do capitalismo, o segundo
delas. Nao ha quase diferenca entre esse trator fez desaparecer a convic¢4o dos defensores
e um tanque de guerra. Ambos expulsam os do socialismo.
homens que lhes barram o caminho, intimi-
dando-os, ferindo-os.”” ye) (Fuvest) “Mas, um socialismo, liberado do ele-
(STEINBECK, John. As vinhas da ira, 1972.) mento democratico e cosmopolita, cai como uma
a) De acordo com o texto, como pode ser luva para o nacionalismo.” Esta frase de Charles
caracterizada a situagao do camponés nor- Maurras, dirigente da Action Francaise, permite
te-americano apos a crise de 1929? aproximar 0 seu pensamento da ideologia:
b) Cite duas medidas adotadas pelo programa a) fascista. d) comunista.
de reformas de Roosevelt (New Deal) para b) liberal. e) democratica.
solucionar os problemas sociais criados pela c) socialista.
crise de 1929.

50 (Unicamp) Em 1933, 0 movimento nazista


a4 (Unioeste-PR) A respeito da realidade capitalis-
ta do final do século XIX e inicio do século XX,
assume o poder na Alemanha, transformando
Hitler no chefe da nagao e fundador do Ill selecione a(s) alternativa(s) abaixo que este-
Reich. O Estado alemao deixa de ser nazista ja(m) incorreta(s). (A resposta € a soma das
somente ao fim da Segunda Guerra Mundial. alternativas incorretas.)
(01) A chamada Segunda Revolug¢ao Industrial,
a) Quais os principios nazistas que levaram a
do século XIX, ocorreu na Gra-Bretanha,
uniao do povo alemao num Unico Reich?
cujos avancos cientifico-tecnoldgicos fo-
b) Qual o papel da guerra na politica do Ill
mentaram a manufatura.
Reich?
(02) Segundo Lénin, a Primeira Guerra Mundial

io (Unicamp) ‘‘Um dos exemplos do estado de


€ 0 resultado de uma nova fase do capita-
lismo, isto é, do imperialismo, com suas
panico total que dominou a sociedade norte-
formas de expansdo em regides periféricas.
americana naqueles anos iniciais da década foi (04) A Guerra de Secessao, de 1861-65, resul-
a ‘cruzada anticomunista’ que levou o nome de
tou na separacao (secessdo) de varios
Macarthismo por causa do senador Joseph
estados mexicanos, que passaram a per-
MacCarthy.’”
tencer aos EUA.
(FENELON, Déa. A Guerra Fria, 1983.)
(08) Segundo Ernesto Che Guevara, um pais
Explique o que foi o Macarthismo e as suas subdesenvolvido (outro lado da moeda do
relagdes com a Guerra Fria. imperialismo) pode ser comparado a ‘‘um
ando de cabeca enorme e tdérax potente,
52 (Fuvest) Sobre a crise do capitalismo, na pois é subdesenvolvido na medida em que
década de 1930, e o colapso do socialismo, suas pernas fracas e seus bra¢os curtos nao
na década de 1980, pode-se afirmar que: combinam com o resto de sua anatomia”.
QUESTOES E TESTES

(16) Os pafses da Africa e da Asia nao passaram 5 va (Unaerp-Ribeirao Preto-SP) ““O controle é poder.
pelo processo de neocoloniza¢ao, pois A paciéncia uma virtude a ser conquistada.”
nao faziam parte da drbita do capitalismo Buscando desenvolver campanhas de desobe-
ocidental. diéncia civil e ndo-violéncia, este lider conse-
(32) Com a proclamaga4o das suas independén- guiu romper o controle britanico e ser o
cias, OS novos paises latino-americanos precursor do movimento de independéncia de
iniciaram um processo de desenvolvimento seu pais, sintetizando nestas palavras dirigidas
interno, para os quais 0 auxilio da politica a um inglés a sua doutrina: ‘Para fazer triunfar
externa norte-americana do governo Lin- a nossa causa, estamos prontos a derramar o
coln (Doutrina Monroe) foi fundamental. nosso sangue - Nao O vosso”’.
Referimo-nos a:

55 (UM-SP) A nova ordem internacional vem


a) Revolugao Chinesa de Mao-Tsé-tung.
b) Revolugaéo Mogambicana.
gradativamente se estruturando a partir do final
c) Revolugao Cubana de Fidel Castro.
da década de 80 e inicio da década de 90.
d) Revolug4o Indiana de Gandhi.
Assinale a alternativa que nao faz parte das
configuragées atuais. e) Revolugao Mexicana de Zapata.

a) A hegemonia dos paises com capacidade


econdmica produtiva apoiada no desenvol-
58 (Cesgranrio-RJ) ‘“Morre um homem por minuto
em Ruanda. Um homem morre por minuto
vimento tecnoldgico.
numa na¢géo do continente onde o Homo
b) A concentragao de renda gerada pelo
sapiens surgiu ha milhdo de anos... Para o
capitalismo beneficiou apenas uma peque-
ano 2000 sé faltam seis, mas a humanidade
na parcela da populacao.
nao ingressara no terceiro milénio, enquanto a
c) O surgimento de movimentos nacionalistas
Africa for o tamulo da paz.” (Augusto Nunes,
com caracterfsticas separatistas em varias
in: jornal O Globo, 6/8/94.)
regides européias.
d) O crescimento, em alguns paises, da imi- A situagao atual de instabilidade no continente
gragao proveniente das areas capitalistas africano é o resultado de diversos fatores his-
sem recursos ou de antigos paises socialis- tdricos, dentre os quais destacamos o(a):
tas, que estimula movimentos de xenofobia. a) fotalecimento politico dos antigos impérios
e) A eliminagdo das diferengas sociais e con- coloniais da regiao, apoiado pela Conferén-
cretizagao de bases igualitarias na maior cia de Bandung.
parte das dreas européias e americanas. b = declinio dos nacionalistas africanos causado
pelo final da Guerra Fria.
Cc) acirramento das guerras intertribais no pro-
5 6 (UFJF-MG) Sobre os conflitos que atingiria a cesso de descolonizagao que nao respeitou
antiga lugoslavia, marque a alternativa errada: as caracteristicas culturais do continente.
a) trata-se de um dos mais antigos conflitos eu- d SS fim da dependéncia econdmica ocorrida
ropeus, Cujas taizes, dentre outras, encon- com as independéncias politicas dos paises
tram-se na diversidade étnica dos povos que africanos, apds a década de 50.
habitam as varias unidades politicas da regiao; e — difusdo da industrializag¢éo no continente

b) um dos momentos significativos dos conflitos africano, que provocou suas grandes desi-
na regido ocorre as vésperas da |Guerra Mun- gualdades sociais.
dial, com as chamadas Guerras Balcanicas;
c) a crise do Leste europeu favoreceu a frag- 59 (UM-SP) Recentes acontecimentos neste pais,
mentacdo da regido, levando a eclosdo das tais como a revolta dos zapatistas e o assassi-
rivalidades nacionais; nato de um candidato a presidente, provoca-
d) apés a Il Guerra Mundial, com a lideranga ram reflex6es sobre a maior revolugao de
de Tito, a lugoslavia manteve-se unida sob massas da histdria latino-americana, que teve
uma economia capitalista; entre seus lideres Pancho Villa, Emiliano Za-
e) um traco marcante do conflito é a diversi- pata e o liberal Francisco Madero.
dade religiosa que opGe, genericamente, Apoiado na legitimidade revolucionaria, o
cristéos-ortodoxos catdlicos e mugulmanos. Estado bloqueou o avango da democracia
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XX!)

politica, ndo solucionando também as desi- 62 (UE-Londrina-PR) Ao tipo de Estado criado por
gualdades sociais; um Unico partido controla o Mussolini, cuja organizagao estava fundamen-
poder ha décadas. tada no sistema de sindicatos patronais e de
O texto lembra qual revolu¢ao? trabalhadores, deu-se o nome de:
a) Revolugao Cubana a) democratico.
b) Revolugao Nicaragtiense b) republicano.
c) Revolugao Mexicana c) oligarquico.
d) Revolugao Peruana d) parlamentar.
e) Revolugao Dominicana e) corporativo.

60 (FGV-SP)
63 (PUC-SP) O Estado soviético, formado apdés a
Revolugao Russa, cuidou de expurgar da
|-Fulgéncio Batista, apesar de sair do Gover-
cultura desse pais toda e qualquer manifesta-
no em 1959, permanece em Cuba até a
¢ao artistica que estivesse, no entendimento
tentativa de invasdo norte-americana, atra-
das autoridades, associada ao chamado “‘espi-
vés da baia dos Porcos, em janeiro de 1966.
rito burgués’’. Foi criada, entéo, uma politica
II-O processo insurrecional que culminou cultural que decretava como arte oficial apenas
com a vitdria de Fidel Castro e seus compa- as expressdes que servissem de estimulo para a
nheiros, no final dos anos 50, tem inicio em ideologia do proletariado. Dessa forma, foi
julho de 1953, com a tentativa de assalto consagrado um estilo conhecido por:
ao quartel Moncada.
a) expressionismo soviético — que, através de
IIl-Em janeiro de 1962, a Conferéncia da uma orienta¢ao estética intimista, procurava
Organizagado dos Estados Americanos expor a “alma inquieta dos povos eslavos’’,
(OEA) decide o bloqueio econémico e po- que passaram a integrar a Unido das Rept-
litico a Cuba, por proposta dos Estados blicas Socialistas Soviéticas.
Unidos da América. 3 abstracionismo proletario — que, através da
IV—Cuba e Porto Rico, a exemplo da maioria decomposi¢ao geométrica do real, exprimia
dos paises latino-americanos, conseguiram a “ordenagao sincrénica da sociedade co-
suas independéncias no final do século munista’’.
passado através de lutas sangrentas coman- c) realismo socialista — que, através de com-
dadas por lideres oriundos das classes po- posi¢des didaticas, esteticamente simplifica-
pulares. das, procurava enaltecer a ‘“combatividade,
Acerca da historia politica cubana é correto a capacidade de trabalho e a consciéncia
apenas 0 afirmado em: social’’ do povo soviético.
a) le ll. d) romantismo comunista — que, através de um
b) le Ill. figurativismo apenas sugestivo, procurava
c) le lV. realizar a “‘idealizagdo do mujique”’, o cam-
d) le Ill. ponés russo tipico, como representante das
e) lle IV. rafzes culturais russas.
@ concretismo operario — que, através de uma
concep¢ao criadora aut6noma — nao resul-
61 (UE-Londrina-PR) Nos anos 80, a resisténcia tante de modelos -, utilizava elementos
sul-africana contra o apartheid ganhou cada visuais e tateis, com o objetivo de mostrar a
vez mais apoio internacional. O Governo de “‘prevaléncia do concreto sobre o abstrato”” —
Pret6ria comegou a receber diversas presses idéia basica no materialismo dialético.
para reformar o cédigo racista e libertar da
prisdo os lideres negros do CNA, como: 64 (Catanduva-SP) A respeito das transformacdes
a) Agostinho Neto. estruturais recentes, pelas quais passou o Leste
b) Sam Nujoma. europeu, assinale a alternativa correta.
c) Nelson Mandela. a) A Polénia foi o pais onde as transforma¢Ges
d) Bob Geldof. foram marcadas por uma grande instabili-
e) Desmond Tutu. dade e grandes convulsées politicas.
QUESTOES E TESTES

b) Foi no final dos anos 80, especialmente 67 (UF-Vigosa-MG) O inicio da década de 1990
pelos desdobramentos da politica de Gor- assistiu ao processo da desagregac¢éo do mun-
batchev, que as estruturas socialistas do do soviético e do “bloco socialista’’. So acon-
Leste europeu comegaram a tuir. tecimentos relacionados a esse processo, exceto:
c) Na tentativa de propiciar uma maior estabi- a) A ‘(Queda do Muro de Berlim’’.
lidade as ex-repdblicas soviéticas, em 1991, b) A “Primavera de Praga’.
foi criada uma organizac¢ao econdmica de c) Os conflitos de nacionalidades na antiga
ajuda comum, o Comecon. lugoslavia.
d) O primeiro efeito econdmico da politica d) O desmembramento da antiga Tchecoslo-
reformista de Lech Walessa foi um grande vaquia.
desenvolvimento industrial acompanhado e) A autonomizagao das republicas e a questao
de expressiva queda da inflacdo. das nacionalidades na antiga URSS.
oO A Bulgaria foi o primeiro pais da ex-Uniao
Soviética a fazer mudang¢as no sentido de
uma autonomia, e que se traduziu no
grande aumento de sua producao industrial,
68 (UF-Uberlandia-MG) Com relacao a histéria de
Cuba, no século XX, assinale a alternativa
em 1990.
verdadeira.

65 (UM-SP) Pela primeira vez na histéria, o mundo


a) A ditadura estabelecida sob a presidéncia de
Fulgéncio Batista (1951-1959) caracterizou-
encontrava-se inteiramente partilhado, direta se pela violéncia e pela repressao.
ou indiretamente, submisso as grandes potén- b) Fidel Castro era membro do Partido Comu-
cias européias e aos Estados Unidos da Amé- nista Cubano e, como os demais membros
rica. Em 1905, estavam conquistados 90% da do partido, defendia a implantagao da
Africa, 56% da Asia, 100% da Australia, 27%
“ditadura do proletariado’” na ilha, para
da América e 90% da Polinésia. Esta situacao combater o governo de Batista.
terminaria por provocar: Desde 1952, muitas das organizacGes das
@&
a) 0 avango cultural dos povos conquistados, camadas subalternas da populagéo, como
beneficiados pela civilizagao européia, da- sindicatos, tiveram autonomia para eleger
do o seu carater antiimperialista. seus proprios dirigentes, sem interferéncia
b) o choque de imperialismos entre grandes do poder estatal.
poténcias, resultando na Primeira Guerra d) Cuba foi 0 Gnico pais latino-americano que
Mundial. nao teve presidentes da Republica que pu-
c) a preservacao das identidades culturais e dessem ser identificados com os interesses
fronteiras étnicas dos povos submetidos. do imperialismo e dos Estados Unidos da
d) o prejuizo da burguesia metropolitana que América.
financiava esta expansdo. e) As reformas de 1960 prepararam o caminho
e) a redu¢ao dos salarios dos trabalhadores para a implantagdéo de uma democracia li-
europeus em concorréncia com a mao-de- beral fundada na livre concorréncia e no
obra cara nas areas recém-dominadas. pluripartidarismo.

66 (UE-Londrina-PR) Nas relagées internacionais


apds 1945, os Tratados de Genebra, de 1954, 69 (UF-Uberlandia-MG) Ronald Reagan foi eleito
representam: presidente dos EUA nas eleigdes de 1980 e
a) o fim da presenga do colonialismo francés, reeleito para 0 mesmo cargo nas eleicdes de
na Indochina. 1984. Acerca deste periodo conhecido como
b) o encerramento da Guerra da Coréia. “Era Reagan’’ marque a alternativa que nado é
c) a divisao definitiva do Vietna em dois Esta- verdadeira.
dos independentes. a) Para atender o seu eleitorado, formado ba-
d) o inicio dos preparativos para as eleigées sicamente pela parcela mais rica do pais,
gerais, para a reunificacdo
do Vietna. Reagan colocou em pratica uma politica
e) o inicio da Coexisténcia Pacifica entre URSS econémica conservadora, conhecida por
e EVA. “reaganomics”’.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

b) Como Reagan representava a ala mais oposi¢do ao governo ditatorial de Porfirio Dias,
conservadora do Partido Republicano, no institucionalizando-se no governo Lazaro Car-
inicio de seu mandato a guerra fria foi denas (1939-1934), com a criagao do Partido
retomada, reiniciando-se a politica de con- Revoluciondrio Mexicano (PRM), hoje chama-
fronto com a Unido Soviética. do de Partido Revolucionario Institucional
c) As relagdes conflituosas entre EUA e Libia (PRI). Sobre a Revolugao Mexicana, todas as
antecederam o governo Reagan, porém, afirmativas abaixo sao corretas, exceto:
com sua posse, as provocagées se multipli- a) Constituiu-se num processo do qual partici-
caram, de ambas as partes. param segmentos sociais que reivindicavam
d) Os recursos militares americanos foram a reforma agraria e a democracia politica de
ampliados com o objetivo de efetivar a cunho burgués.
Iniciativa de Defesa Estratégica (conhecida b) Foi apoiada pelo movimento camponés,
como projeto Guerra nas Estrelas). que reivindicava o direito a posse da terra.
e) O escandalo Ira-’‘contras” ndo s6 abalou o @ Contrap6s-se ao governo ditatorial de Porfi-
prestigio de Reagan como redundou na cas- rio Dias, apoiada pelos latifundiarios, co-
sa¢gao de seus direitos politicos, por doze merciantes, banqueiros mexicanos e inves-
anos, pelo Congresso norte-americano. tidores estrangeiros.
a Apresentou carater anticapitalista, acarre-
70 (UERJ) Esomos Severinos tando a socializa¢gdo da terra e da inddstria.
iguais em tudo na vida e) Acarretou a nacionalizagdo das companhias
morremos de morte igual de petrdleo e estradas de ferro, bem como a
mesma morte Severina: formagdo de sindicatos operarios e campo-
que é a morte de que se morre neses.
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia.
F2 (Fatec-SP) “Os sofrimentos dos combatentes e
da retaguarda levaram-nos a associar esponta-
(Joao Cabral de Melo Neto.
neamente o regime capitalista e a guerra, a
Morte e vida severina.)
considerar que esta guerra nado era a ‘sua
O canto das populagdes mais pobres, notada- guerra’; o prestigio das classes dirigentes, que
mente no campo, explica, em parte, o€xodo rural nao souberam evitar o conflito, nem abrevia-lo
e€aconcentra¢éo urbana de meados do século XX ou poupar as vidas humanas, debilitou-se tanto
na América Latina. Este processo desenvolveu mais quanto o enriquecimento rapido e espe-
mudangas em varios niveis, dando origemao que tacular de toda uma parte dessas classes con-
se convencionou denominar de populismo. A trastava com 0 luto e a afligao das massas. Por
alternativa que caracteriza o populismo é: um momento submergidos, no inicio das hosti-
a) expressou a participag¢do aut6noma das lidades, pela vaga nacionalista, os conflitos de
classes trabalhadoras, tanto rurais quanto Classe reaparecem, mais vigorosos e exacerba-
urbanas dos por quatro anos de miséria. As classes diri-
b) rompeu com a histérica tradi¢ao da interven- gentes tém consciéncia do fato, e o medo do
¢ao militar nos governos latino-americanos contagio revolucionario cria em seu meio um
yy recebeu forte apoio norte-americano, inte- intenso terror que se manifesta na vontade de
ressado na abertura que se realizou ao ca- destruir este novo Estado, onde, pela primeira
pital estrangeiro vez, 0 socialismo transporta-se do terreno da
d) contou com a lideran¢a dos setores agroex- teoria para o das realidades. A unido do mundo
portadores, como forma de se recuperar das branco esta rompida; doravante nao havera
conseqiiéncias da crise de 1929 mais neutros; conscientemente ou nao, é em
e) deu forma a um Estado administrador do con- relacdo a Revolugao Russa — objeto de receios
flito social, absorvendo e cooptando o tra- e repulsa para uns, de esperan¢a para outros —
balhador dentro de um projeto nacionalista que se classificarao governos, partidos e sim-
ples particulares.’”
71 (UF-Vigosa-MG) A Revolugao Mexicana ini- (CROUZET, M. Historia Geral das Civilizagées
ciou-se em 1910, com os movimentos de 15 — A Epoca Contempordanea)

532
QUESTOES E TESTES

A partir da descri¢ao do autor, é correto afirmar /4 (UM-SP) Ha vinte anos, terminava a Guerra do
que: Vietna, um dos mais importantes conflitos
a) 0 socialismo seria a Gnica solucao para evi- desde a Segunda Guerra Mundial.
tar uma luta de classes. Leia atentamente as alternativas abaixo.
b) o medo do socialismo levaria o empresaria- 1—O uso de tecnologia sofisticada para alterar
do a apoiar a¢des contrdrias, e isso provo- o ambiente natural, o desrespeito a vida de
cou, mais tarde, o estabelecimento do fas- civis, 0 auxflio a um governo corrupto
cismo e do nazismo. colaboraram para o desgaste e derrota
Cc) a passagem das idéias do socialismo a moral norte-americana.
pratica levou toda a Europa a se conscienti- ll—Cerca de 58 mil mortos e 300 mil feridos, o
zar do perigo comum. drama de veteranos que nao conseguiam
d) a unido do mundo branco rompeu-se, e, superar Os traumas de guerra foi o saldo
apds a Revolugdo Russa provocou reflexos deixado pela luta aos EUA.
imediatos na libertagdo dos povos coloniais. III-A opiniao publica internacional e interna,
e) a Europa saiu da guerra mais nivelada ativistas, intelectuais, pacifistas e liberais
politicamente, pois a guerra acabou com questionavam nao apenas a guerra, mas o
as grandes fortunas, dando chances para “american way of life’.
uma estabilizagdo socioecondmica. IV-Em 1976, o Vietna foi unificado sob o
dominio comunista, dando inicio a recons-
trugaéo do pais, passando Saigon a se
denominar Ho-Chi-Minh.
/3 (Enem) Em 1999, o Programa das Nacées Responda:
Unidas para o Desenvolvimento elaborou o a) se todas as alternativas forem corretas.
“Relatério do Desenvolvimento Humano”, do b) se todas as alternativas forem erradas.
qual foi extrafdo o trecho a seguir. c) se apenas |,Il e Ill forem corretas.
“Nos Ultimos anos da década de 90, 0 quinto d) se apenas IV for correta.
da populagao mundial que vive nos paises de e) se apenas | e III forem corretas.
renda mais elevada tinha:
86% do PIB mundial, enquanto o quinto de 73 (GV-SP) Relacione os presidentes dos Estados
menor renda, apenas 1%. Unidos com os fatos ocorridos durante seus
82% das exportagdes mundiais, enquanto o respectivos governos:
quinto de menor renda, apenas 1%. 1) Richard Nixon
74% das linhas telefonicas mundiais, enquanto 2) John Kennedy
0 quinto de menor renda, apenas 1,5%. 3) Franklin Roosevelt
93,3% das conexGes com a Internet, enquanto 4) Geoge Bush
0 quinto de menor renda, apenas 0,2%. 5) Harry Truman
A distancia da renda do quinto da popula¢gdo 1) Invaséo da Baia dos Porcos (Cuba)
mundial que vive nos paises mais pobres — que Il) Bomba Atémica contra 0 Japao
era de 30 para 1, em 1960 — passou de 60 para Ill) Caso ‘““Watergate’”’
1, em 1990, e chegou a 74 para 1, em 1997.” IV) “New Deal’
De acordo com esse trecho do relatério, o V) Guerra do Golfo
cenario do desenvolvimento humano mundial, O relacionamento correto é:
nas Uultimas décadas, foi caracterizado pela: a) 1-Ill; 2-V; 3-1; 4-Il; 5-IV
a) diminuigdo da disparidade entre as na¢Ges. b) 1-Ill; 2-1; 3-IV; 4-V; 5-II
b) diminuigéo da marginalizagéo de paises c) 1-Ill; 2-1; 3-V; 4-Il; 5-IV
pobres. d) 1-Ill; 2-1; 3-Il; 4-V; 5-IV
c) inclusdo progressiva de paises no sistema e) 1-V; 2-IV; 3-1; 4-H; 5-H
produtivo.
d) crescente concentra¢ao de renda, recursos e 76 (PUC-SP) Didspora € 0 termo que designa a
riquezas. dispersao dos hebreus por varias regides do
e) distribuigao eqijitativa dos resultados das mundo, apds serem expulsos de seu territério
inovagGes tecnoldgicas. no século Il. Somente depois de 1948, com a
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

criagdo do Estado de Israel, esse povo pdde d) na teoria de que a guerra pode ser justa
voltar a se reunir num mesmo pais. Entretanto, quando o fim é justo.
essa reconquista vem sendo, ha quase meio e) na necessidade de por fim a guerra entre os
século, motivo de contendas entre os israelen- dois paises citados.
ses € O povo ocupante daquela regido. O ano
de 1995, talvez, seja o marco do apazigua-
mento desses conflitos, uma vez que acordos 78 (UFG)
tém sido realizados por seus lideres, sob a O langamento da bomba atémica sobre Hiro-
chancela da diplomacia internacional — 0 que, xima e Nagasaqui, em 6 de agosto de 1945,
infelizmente, nado impediu o assassinato do provocou a rendi¢ao incondicional do Japao,
primeiro ministro de Israel. na Segunda Guerra. Nesse momento, o mundo
ocidental vivia a dualidade ideoldgica, capita-
O povo que provocou a dispersao dos hebreus
lismo e socialismo. Nesse contexto, o langa-
no século Il e 0 povo que manteve o confronto
mento da bomba esta relacionado com:
com 0s israelenses desde 1948 sdo, respectiva-
a) o descompasso entre o desenvolvimento da
mente,
ciéncia, financiado pelos Estados beligeran-
a ) os egipcios e os iranianos.
tes, e os interesses da populagao civil.
b ) Os romanos e os palestinos.
b) a busca de hegemonia dos Estados Unidos,
) os palestinos e os egipcios.
que demonstraram seu poder bélico para
a0Os ) romanos € Os iranianos.
conter, no futuro, a Unido Soviética.
oO ) os egipcios e os palestinos.
c) a persisténcia da luta contra o nazi-fascis-
mo, pelos paises aliados, objetivando a
expansao da democracia.
RE (Enem) d) a difuséo de politicas de cunho racista
|. Para o filésofo inglés Thomas Hobbes associadas a pesquisas que comprovassem
(1588-1679), o estado de natureza é€ um a superioridade da civilizagdo européia.
estado de guerra universal e perpétua. e) a convergéncia de posigdes entre norte-
Contraposto ao estado de natureza, enten- americanos e soviéticos, escolhendo o Ja-
dido como estado de guerra, o estado de pao como inimigo a ser derrotado.
paz € a sociedade civilizada.
Dentre outras tendéncias que dialogam com as
idéias de Hobbes, destaca-se a definida pelo 79 (Fatec-SP)
texto a seguir. O "Anschluss", ou seja, a anexacao da Austria
aos dominios alemaes em 1938, ocorreu por
Il. Nem todas as guerras sao injustas e corre-
meio:
lativas, nem toda paz é justa, razao pela
a) de uma ofensiva militar denominada blitzk-
qual a guerra nem sempre é um desvalor, e
a paz nem sempre um valor. rieg, que arrasou as for¢as armadas austria-
cas.
BOBBIO, N. Matteucci, e PASQUINO, G.
b) do pacto Ribentrop-Molotov, que dividiu a
Dicionario de Politica, 5. ed. Brasilia,
bacia do Dantbio entre a Alemanha e a
Universidade de Brasilia/ So Paulo,
Uniao Soviética.
Imprensa Oficial do Estado, 2000.
c) da troca da regido pelos Sudetos da Tche-
Tropas da Alianca do Tratado do Atlantico coslovaquia, numa negocia¢do com a Italia
Norte (Otan) invadiram o Iraque em 1991 e de Mussolini.
atacaram a Sérvia em 1999. d) de uma série de pressdes diplomaticas,
Para responder aos criticos dessas agGes, a Otan envio de tropas e de um plebiscito realizado
usaria, possivelmente, argumentos baseados: entre a populacdo austriaca mas controlado
a) na teoria da guerra perpétua de Hobbes. pelas autoridades nazistas.
b) tanto na teoria de Hobbes como na tendén- e) da compra da regido junto ao império
cia expressa no texto Il. austro-hingaro e do compromisso da incor-
c) no fato de que as regides atacadas nao pora¢ao do oficialato austriaco ao exército
possuiam sociedades civilizadas. alemao.
QUESTOES E TESTES

80 (PUC-RJ) A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) a) A liberdade de imprensa foi suprimida, e a


foi uma das experiéncias que, nas suas parti- comunica¢ao passou a ser controlada pelo
cularidades, representou grande parte das con- partido nazista, que incorporou a vontade
tradi¢des politicas do cenario europeu, durante do povo alemao.
oO entreguerras (1919-1939). Sobre esse aconte- b) O esporte e os grandes espetaculos ptiblicos
cimento, podemos afirmar que: foram explorados pelo nazismo como forma
I. na década de 1930, a sociedade espanhola de reafirmar a superioridade racial ariana.
foi palco de crescente polarizagao, no c) O projeto cultural do nazismo estimulava
tocante a promo¢ao de determinadas refor- valores tipicamente cosmopolitas, em detri-
mas sociais, entre os nacionais-socialistas, mento das expressGes tradicionais locais e
agrupados na "Falange", e diversas facgdes dos costumes rurais.
politicas de esquerda, reunidas na "Frente d) O nazismo recorreu a construgao de gran-
Popular". des obras arquitet6nicas como forma de
Il. com a vitéria da "Frente Popular", nas promover a coesao das massas e a consci-
eleicgdes de 1936, militares conservadores éncia nacional.
e nacionalistas, sob o comando do General
Francisco Franco, iniciaram a guerra civil 82 (PUC-PR) Em alguns paises europeus, apds a
que culminou com a vitdria dos grupos Primeira Guerra Mundial, houve enérgica in-
franquistas, em 1939, e a implantagao de flagéo. As conseqiiéncias dela, somadas ao
regime ditatorial, em vigor até 1975. receio do bolchevismo e a exacerbacdo do
Ill. o bombardeio da vila de Guernica, em nacionalismo, propiciaram o surgimento de
1937, pela aviagao alema, em apoio a governos de tendéncia:
ofensiva das tropas de Franco, tornou-se, a) anarquista.
na tela pintada por Pablo Picasso, um dos b) esquerdista.
episddios simbolo das atrocidades que ca- c) conservadora.
racterizaram a Guerra Civil Espanhola. d) liberal.
. © governo republicano da "Frente Popular", e) ) social-democrata.
a despeito dos apelos realizados, pouca
ajuda recebeu de governos e/ou voluntarios
estrangeiros, nao oferecendo resisténcia os- 83 (UEL-Londrina-PR) "A guerra européia que se
iniciou no 12 de setembro de 1939 foi a guerra
tensiva ao golpe militar franquista.
de Hitler. Historiadores continuarao a discutir
Assinale a alternativa correta:
as forcas sociais, econdmicas e politicas que o
a) Apenas as afirmativas | e IV estado corretas. levaram a assumir uma série de riscos calcula-
b) Apenas as afirmativas II e IV estao corretas. dos que culminaram em uma guerra em grande
c) Apenas as afirmativas |, II e Ill estao corretas.
escala".
d) Apenas as afirmativas Il, Ill e IV estado (KITCHEN, Martin. Um mundo em
corretas. chamas. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. p. 11.)
e) Todas as afirmativas estao corretas. Com base no texto e nos conhecimentos sobre
o tema, considere as afirmativas a seguir.
|. Hitler, apesar do poder absoluto que detinha
81 (PUC-MG) "Hitler considerava que a propagan- no Estado Maior Alemao, foi forgado a agir
em um contexto socioecondmico, no qual
da deveria ser popular, dirigida as massas,
desenvolvida de modo a levar em conta o nivel era dependente do apoio ativo de seus
de compreensdo dos mais baixos. [...] O subordinados.
essencial da propaganda era atingir 0 coragdo ll. Hitler se encontrava em pleno comando da
das grandes massas, compreender seu mundo politica externa alema, e suas agdes levaram
maniqueista, representar seus sentimentos". em conta as circunstancias sociais hist6ricas
(LENHARO, Alcir. "Nazismo, o triunfo da e culturais de sua época.
vontade". Sao Paulo: Atica, 1990. p. 47-48.) Ill. A guerra implementada por Hitler resultou
Considerando o trecho apresentado, assinale a de sua insanidade e de seus interesses
afirmativa INCORRETA: pessoais, 0 que isenta, assim, a sociedade
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

alema de qualquer responsabilidade sobre d) |. Fascismo; II. Franquismo


os resultados da empreitada. e) |. Franquismo; Il. Fascismo
IV. As decisdes de Hitler bem como a politica
interna e externa por ele encetada foram
respaldadas pelas elites diplomaticas e mi-
litares e pelas classes hegemGnicas alemas. 85 (UFC-CE) Analise as afirmagGes a seguir sobre a
Grande Guerra de 1914-1918 e suas conse-
Esto corretas apenas as afirmativas:
quéncias.
a) le lll.
|. Embora sua agao militar tenha ocorrido
b) le IV.
sobretudo na Europa, ela envolveu, direta
c) lle Ill.
ou indiretamente, grande parte do mundo, e
d) I, le lV.
americanos, canadenses, australianos, neo-
e) Il, Ile IV.
zelandeses, indianos e africanos lutaram
também na guerra, na Triplice Entente.
ll. As grandes perdas humanas e a desestrutu-
84 (UF-R)) racgao da produgao atingiram todos os paises
|. "A frase ‘os judeus devem ser eliminados’, do mundo, provocando um enfraquecimen-
com suas poucas palavras, meus senhores, é to generalizado das economias e um vazio
muito facil de ser dita. Para aqueles que tém de poder, com o fim da hegemonia euro-
que leva-la a efeito, € a mais dificil, a mais péia..
dura das tarefas que existem. (...) Nos Ill. Apés a guerra, uma onda revolucionaria
perguntaram: e 0 que acontecera com as atravessou a Europa que, nas décadas
mulheres e as criancas? (...) Eu nao acho seguintes, vivenciou o colapso dos valores
justo, eliminar os homens — falando claro, e instituicdes liberais, com a instalagao de
mata-los ou fazer que os matem — e deixar regimes autoritarios.
vivas as criangas deles que um dia se Com base nas trés assertivas, 6 correto afirmar
vingarao sobre nossos filhos e netos. A que somente:
dificil decisdo de eliminar este povo da face a) | é verdadeira.
da terra teve que ser tomada". b) Il é verdadeira.
Il. "O principal inimigo do povo alemao se c) Ill é verdadeira.
encontra exatamente na Alemanha: o impe- d) | e Il sao verdadeiras.
rialismo alemao (...). Ao povo alemdo esta e) | e Ill sao verdadeiras.
colocada a tarefa de enfrentar este inimigo
em seu proprio pais; de enfrenta-lo na luta
politica, em conjunto com o proletariado de
outros paises, cuja luta se trava em seu 86 (PUC-MG) Em 22/06/1941, os alemaes abriram
proprio pais contra seus prdprios imperia- nova frente de batalha. Por determinagao do
listas". Fuiher, numa a¢ao militar que ficou conhecida
por Operagao Barbarossa, 0 exército alemao
(Fontes: Himmler, H. Geheimreden 1933-1945. tem como meta:
Frankfurt/M, Berlin, Viena: Propylaen, 1974; a) atacar a Unido das Reptblicas Socialistas
e K. Liebknecht Soviéticas, vista por Hitler como o ultimo
In: Bartel, H. et al. Geschichte der Deutschen baluarte a sua politica expansionista.
Arbeiterbewegung. Berlim: Dietz, 1966. b) submeter a Poldnia, ponto estratégico para a
p. 452-453.) passagem do exército nazista em diregdo ao
leste europeu.
Os textos traduzem, respectivamente, princi- c) anexar a Austria, atendendo aos apelos
pios dos seguintes movimentos politicos con- nacionalistas da populagao de maioria ale-
tempordaneos: ma estabelecida nesse territdrio.
a) |. Anarquismo; II. Socialismo d) controlar a regido dos Sudetos, palco de
b) I. Nazismo; II. Socialismo exacerbadas manifestagdes, na luta pela
c) |. Salazarismo; II. Anarquismo defesa da unidade alema.
QUESTOES E TESTES

87 (PUC-PR) Apesar de possuirem zonas de influ- b) revelam que a Polénia, ao contrdrio da


éncia no mundo, alguns paises estavam insa- Russia e dos demais ex-paises do Pacto de
tisfeitos e, aliados, entraram na Segunda Guerra Varsovia, beneficiou-se com o fim da Unido
Mundial. Esses paises eram: Soviética.
a) Japdo, Espanha e Italia. c) mostram ainda ser cedo para afirmar que o
b) Estados Unidos, Italia e Inglaterra. desaparecimento da Unido Soviética nao foi
c) Russia, Let6nia e Franga. historicamente importante.
d) Alemanha, Italia e Japao. d) consideram que o fim da Unido Soviética,
e) Franga, Inglaterra e Italia. embora tenha sido uma tragédia, beneficiou
russos e poloneses.
e) indicam ja ser possivel afirmar, em cardter

88 (Unifesp-SP) Para o historiador Arno J. Mayer,


definitivo, que o fim da Unido Soviética foi
0 acontecimento mais importante da histd-
as duas guerras mundiais, a de 1914-1918 e a
ria.
de 1939-1945, devem ser vistas como consti-
tuindo um Unico conflito, uma segunda Guerra
dos Trinta Anos. Essa interpretagdo é possivel
pelo fato:
a) de as duas guerras mundiais terem envolvi-
90 (PUC-MG) Em 1989, o lider soviético Mikhail
Gorbatchev visita a ilha de Cuba. Nos tempos
do todos os paises da Europa, além de suas da Perestroika, o presidente russo tem como
coldnias de ultramar. meta:
b) de prevalecer antes da Segunda Guerra a) reaproximar o lider cubano do governo
Mundial o equilibrio europeu, tal como
norte-americano com 0 objetivo de derrubar
ocorrera antes de ter inicio a primeira
o bloqueio econémico imposto a ilha cari-
Guerra dos Trinta Anos, em 1618.
benha.
c) de, apesar da paz do periodo entreguerras, a
b) convencer Fidel Castro a abrir 0 regime para
Segunda Guerra ter sido causada pelos
garantir o ingresso de Cuba na nova ordem
dispositivos decorrentes da Paz de Versalhes
mundial capitalista.
de 1919.
c) informar ao dirigente cubano a retirada dos
d) de terem ocorrido, entre as duas guerras
investimentos soviéticos em Cuba, devido a
mundiais, rebelides e revolug¢Ges como na
grave crise econdmica em curso na URSS.
década de 1640.
d) integrar a URSS a nova Organiza¢ao Latino-
e) de, em ambas as guerras mundiais, o
Americana de Solidariedade patrocinada
conflito ter sido travado por motivos ideo-
légicos, mais do que imperialistas. pelo ditador Fidel Castro.

89 (Fuvest) "... a morte da URSS foi a maior 91 (UF-MG) Considerando-se a fragmentagao ter-

catdstrofe geopolitica do século. No que se ritorial da ex-lugoslavia, € CORRETO afirmar


refere aos russos, ela se tornou uma verdadeira que esse processo:
a) foi um desdobramento dos choques entre as
tragédia."
(Vladimir Putin, presidente diversas nacionalidades que, até entdo,

da Russia, abril de 2005.) compunham o pais.


"Para mim, o maior evento do século XX foi o b) decorreu da queda da Monarquia, respon-
colapso da URSS, que completou o processo de savel pela unidade politica e pela integrida-
emancipagao das nagoes." de territorial do pais.
(Adam Rotfeld, chanceler da Polénia, c) resultou da luta da Sérvia, apoiada pela
abril de 2005.) Bésnia, contra Montenegro, de popula¢ao
As duas declaragGes: majoritariamente muculmana.
a) coincidem, a partir de pontos de vistas d) derivou da resisténcia da Federacdo a
opostos, sobre a importancia do desapare- politica de Tito, que transformou o pais em
cimento da Unido Soviética. uma Republica Social Democrata.
IDADE CONTEMPORANEA (SECULO XX E INICIO DO XXI)

92 (Unesp 2006) "... a ampliacao do comércio foi que provocou a queda na produgao de arma-
acompanhada de um retardamento drastico do mentos.
progresso econdmico real. Entre 1960 e 1980,
a renda per capita média mundial subiu ainda 93 (UERJ-RJ) “A General Motors classifica 0 com-
em 83%. Nas duas décadas seguintes, a taxa de plexo industrial de Gravataf (RS) como o mais
aumento desceu exatamente para 33%. Esse moderno e eficiente do grupo em todo o
freio no crescimento atingiu os paises em mundo. Com todas as inovagées tecnoldgicas,
desenvolvimento de modo particularmente du- a produtividade da nova fabrica deve ser uma
ro. Na América Latina, onde a renda per capita das mais altas. Até os lideres sindicais ameri-
cresceu 75% de 1960 a 1980, os vinte anos canos foram conferir de perto se o novo
seguintes trouxeram nada mais que 6%". conceito de produ¢gao pode provocar desem-
prego. De fato, o ndmero de postos de trabalho
(Christiane Grefe. "Attac: o que querem
é reduzido na fabrica, mas cresce na cadeia de
os criticos da globalizagao", 2005.)
fornecedores.””
O texto apresenta um quadro da situacao (Adaptado de Exame, 14/06/2000.)
econdmica mundial contemporanea. Entre os
Nas Udltimas décadas do século XX, ocorreram
fatores capazes de explicar os dados referentes
mudang¢as na estrutura produtiva, inclusive no
aos Ultimos vinte anos, destacam-se:
setor secundario. Tais transforma¢ées, conside-
a) o afluxo e a stbita retirada do capital
radas por muitos autores como a Terceira
financeiro, que determinam o ritmo do Revolugao Industrial, produziram impactos na
crescimento econdmico de paises em de- dinamica do mercado de trabalho e, conse-
senvolvimento. quentemente, do movimento sindical.
b) a retragdo das trocas econémicas e a falta de A correta associa¢gado entre as transformac6es
dinheiro liquido e de capital nos mercados na estrutura produtiva e na organizagao sindi-
dos paises capitalistas centrais. cal, no periodo referido, esta descrita em:
c) anacionalizagao de empresas estrangeiras e a) automac¢do — redugao no numero de sindi-
a ampliagao da legislagao trabalhista nos catos patronais.
paises em desenvolvimento. b) flexibilizagéo — desaparecimento dos inte-
d) a emergéncia de regimes anticapitalistas na resses por Categoria.
América Latina e a suspensdo do pagamento c) terceirizagdo — enfraquecimento da articu-
de suas dividas para com os credores. lagao entre os trabalhadores.
e) a intervencao estatal na esfera econémica e d) desindustrializagao — precariedade de legi-
a redu¢ao internacional dos conflitos, o timac¢ao das centrais sindicais.
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RESPOSTAS Os era
Unidade I
A Antiguidade Oriental

Loa 16.4 29.4


2b I7,c¢ 30.b
3.d 18.b S1ee
4.¢ 19.b 32.b
6.b 20.4 33.¢
7.b 21.¢ 34.a
8.c 22.¢ 35.¢
9c 23.d 36.b
11. soma
= 12 24.a 37.¢
14.a 25.e 38.¢ AI 56.d
15.d 26.e 18.¢ 58. soma =69 —
19.d 59. soma = 18
20.b 60.¢
Unidade II PRISE
A Antiguidade Classica 22.d
23.d
1d 14.¢ 23.€
26 15.¢ 24.¢€
3.d 16.d Zid
4.d Lim 30.¢
6.b 18.c¢ 31.¢
> (séculos XV
7. EF, KF 19.¢ 33.¢ III e XIX)
7 |
Ns 20.b 34.d
a 20.¢ B.e
12.d 21.a 35.e
2.a 21d 44.4
13.soma = 77 22.a
36 22.4 45.4
4.b 23.d Ab6.¢
5.¢ 26.¢ 47.4
6.e 27.4 48.d
7a 28.b 49.d
8.a 30. soma = 31 50.€
10.e 33.b Sl.a
22.4 34.4 52.6
13.a 36.b 53.d
14.e 37.b 54.a
"38. soma = 1 15.d 38.a 55.¢
10.b 22.¢ 39. soma = 20 1l6.a 39a 56.d
Ie 23.e 40.a 17d 40.b SVG
12.b 25.a 18.b 41.c
13.d 26.b 19.d 42.b
44.
6.¢ ae
7% id
8.c : 52a
9.d— 53.4
10.¢ 54. soma = 53
12.C S5ue
14.4 56.d
16.c 57.d
L7.e 58.¢
18.d 38.d 59.¢
19.¢ 39.0, 2, 4,5 60.d
21.b 40.a 61.c
22.d 41.d 62.e
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