Getulio Vargas e Seu Tempo, Resumo Do Governo

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O desenvolvimento econômico sob

Getúlio Vargas
Fabio Sá Earp

George Kornis

G
etúlio Dornelles Vargas nasceu em
1882, mas modificou seu registro ofi-
cial para 1883, o mesmo ano em que
morreu Karl Marx e nasceu John
Maynard Keynes. Simbolicamente, um
personagem da passagem de um capitalismo libe-
ral selvagem para um regime em que capital e tra-
balho conviviam sob a égide de um Estado que
administrava seus conflitos. Getúlio vinha da fron- 29
teira gaúcha e descendia de duas famílias que eram
adversárias tradicionais nas guerras civis gaúchas; na infância, assistiu o O Plano Qüinqüenal
de 1940 previa a
enfrentamento dos Vargas, fiéis aos republicanos de Julio de Castilhos, contra instalação da
os tios Dornelles, engajados com os maragatos de Gaspar Silveira Martins. Go- Companhia
vernador do Rio Grande de 1928 a 1930, uniu as duas correntes, colocando Siderúrgica
lado a lado velhos inimigos como Borges de Medeiros e Assis Brasil, assim como Nacional que foi
instalada em Volta
jovens exaltados que se tinham enfrentado nas cavalhadas de 1923, do calibre Redonda, RJ, no ano
de Osvaldo Aranha, Flores da Cunha e Batista Luzardo. A todos utilizou para seguinte. Ag. Nac.
dominar o governo federal em 1930, e alguns passaram a combatê-lo já em
1932. Suas políticas econômicas foram caudatárias desta habilidade em adiar
conflitos e conciliar opostos em seu proveito, o que por vezes atraía a oposição
dos que o haviam ajudado a implantá-la.

Getúlio Vargas subiu ao poder central da República em 1930 e dele reti-


rou-se em 1954, com um interregno em que seus antigos auxiliares dirigiram o
país sob a presidência de Dutra. Propomos chamar este período de 24 anos de
“os anos de Getúlio” 1 e compará-lo com os períodos de mesma duração que o

1
Existem dúvidas sobre a extensão da “Era Vargas”. Para não polemizar , preferimos nos
referir a este período como “Anos de Getúlio”, até porque todos no Brasil, do político ao
descamisado, o chamavam pelo prenome - a denominação “Vargas” é um anglicismo
introduzido pelos brasilianistas.
antecedeu e sucedeu. O resultado é surpreenden-
te. Entre 1905 e 1929 tivemos o apogeu da eco-
nomia cafeeira, enquanto entre 1955 e 1979 tive-
mos a industrialização pesada. Portanto, os anos
de Getúlio constituem a transição entre o mais
bem sucedido projeto de controle do mercado
mundial de uma commoditie por parte de uma eco-
nomia primário-exportadora antes da OPEP e o
mais bem sucedido programa de industrialização
implantado na América Latina.

Este caráter de transição aparece nas estatís-


A Missão Abbink
ticas abaixo apresentadas (Quadro 1). Os anos de Getúlio mostraram, em rela-
sendo
homenageada pela ção ao apogeu da economia da República Velha, uma redução na taxa de cresci-
Desenvolvimento

Câmara de mento da população (fruto da redução do fluxo de imigrantes), uma aceleração


Comércio no crescimento do PIB e da renda per capita (fruto da urbanização) e uma taxa
Americana, em
de inflação duas vezes superior (fruto do pragmatismo na condução das políti-
banquete no
Automóvel Clube cas monetária e fiscal). Já em relação ao período subseqüente, salta aos olhos
do Rio de Janeiro. que os anos de Getúlio tiveram um crescimento econômico menos expressivo,
Jonh Abbink mas em compensação não foram assolados pela alta inflação que acompanhou a
discursa, vendo-se
industrialização pesada.
à sua dir. Herschell
V. Johnson,
embaixador norte- Quadro 1
Taxas de crescimento durante os anos de Getúlio e
30 americano e à esq.
Valentim Bouças, períodos antecedente e subsequente (%)
membro da População Produto Renda per Inflação
Comissão Interno capita acumulada
Brasileira. Arq. Bruto
Nac.
1905 a 1929 173 300 174 339
1930 a 1954 165 346 210 712
1955 a 1979 197 562 285 131.412
Fontes: dados de IPEADATA e Sá Earp (1996), nossa elaboração.

Ao mesmo tempo observou-se uma importante modificação nas relações


cidade-campo. Como mostrou Celso Furtado, nos anos 1930 ocorreu a mu-
dança do eixo dinâmico da economia, da agricultura exportadora para o con-
junto de atividades industriais e de serviços. Sua expressão estatística aparece
em 1950, quando o produto industrial superou o produto agrícola, enquanto
a população urbana só superaria a do campo em meados dos anos 60.

Getúlio conduziu, então, uma ponte entre o passado agro-exportador e o


presente industrial e centrado no mercado interno. E conseguiu fazê-lo, porque
manteve e aprofundou uma característica que distinguiu a política econômica
brasileira nestes três quartos de século - a firme disposição dos policy makers em
enfrentar e corrigir falhas de mercado, mesmo que por vezes contrariando a suas
convicções ideológicas. É por isto que a compreensão do período exige o rom-
pimento com três mitos, difundidos por uma visão simplista da história econô-
mica do país: (i) de que os governos da República Velha adotavam políticas
econômicas liberais; (ii) de que o governo Vargas teve como eixo o
industrialismo; (iii) de que foi exacerbadamente nacionalista.

A intervenção estatal na economia brasileira está longe de ser uma inven-


ção varguista. Durante a República Velha a ideologia liberal era dominante,
mas freqüentemente era deixada de lado. Como mostra Topik, durante a Re-
pública Velha o governo federal controlava os principais bancos, portos, o
Lóide Brasileiro e ferrovias e regulava as exportações do principal produto da
economia, o café. Nada disto foi feito com vistas a aumentar o controle esta-
tal sobre a economia, mas para atender a necessidades de manutenção de ativi-
dades econômicas essenciais e agredir o menos possível o balanço de paga-
mentos e as finanças públicas. Em especial o controle das exportações de café
era feito buscando atender a necessidades de manter elevado o nível de expor-

Desenvolvimento
tações e em estreita associação com o oligopólio de torrefadores e atacadistas
que controlava o mercado mundial de café. Por mais firmes que fossem as
convicções liberais de seus ministros, o pragmatismo acabava prevalecendo e
se acumularam medidas que levaram o Estado a controlar o sistema financei-
ro, os transportes e as exportações. No entanto, o liberalismo implicava em
uma postura firmemente antiinflacionista, o que levou à freqüente adoção de
políticas deflacionárias, de forma que o nível de
preços cresceu apenas três vezes; nos períodos pos-
teriores haveria mais tolerância à inflação, vista 31
como um preço a pagar pelo crescimento. Um dos
últimos ministros da Fazenda deste período foi o
próprio Getúlio, que participou da montagem da
política de defesa permanente do café pelo governo
do estado de São Paulo, nos anos de 1926 e 1927.

Em continuação às práticas da República Ve-


lha, Getúlio não começou a governar com um pro-
jeto industrializante; este acabou sendo forjado pro-
gressivamente a partir das restrições verificadas na
segunda década do governo. O eixo condutor da
política econômica sempre esteve subordinado aos
interesses de manutenção no poder, daí a importân-
cia atribuída à criação de fóruns onde os diversos
representantes da sociedade fossem integrados em sistemas corporativos capazes O Presidente recebe
de expressar suas demandas sem contestar a autoridade instituída. É neste senti- João Pinheiro
Filho, do Conselho
do que se compreende a afirmação de Octavio Ianni, para quem as inúmeras “...
Nacional de
medidas adotadas pelo governo alcançaram praticamente todas as esferas de so- Economia.
ciedade nacional. Tratava-se de estudar, coordenar, proteger, disciplinar, reorientar Arq. Nac.
e incentivar as atividades produtivas em geral”. 2

2
Ianni (1977:22).
É impressionante a relação de iniciativas produzidas, incluindo órgãos,
estatutos legais e fóruns de debate, mesmo em uma listagem não exaustiva.
No primeiro governo temos: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
Conselho Nacional do Café, Instituto do Cacau, Ministério da Educação e
Saúde Pública, Departamento Nacional do Café, Instituto do Açúcar e do
Álcool, Conselho Federal do Comércio Exterior, Instituto Nacional de Esta-
tística, Código de Minas, Código de Águas, Plano Geral de Viação Nacional,
Instituto de Biologia Animal, Conselho Brasileiro de Geografia, Departamen-
to Administrativo do Serviço Público, Instituto Nacional do Mate, Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, Plano de Obras Públicas e Aparelhamen-
to da Defesa, Comissão de Defesa da Economia Nacional, Instituto Nacional
do Sal, Fábrica Nacional de Motores, Companhia Siderúrgica Nacional, Com-
panhia Vale do Rio Doce, Instituto Nacional do Pinho, Missão Cooke, Servi-
ço Nacional de Aprendizagem Industrial, Coordenação da Mobilização Eco-
Desenvolvimento

nômica, Companhia Nacional de Álcalis, Fun-


dação Brasil Central, Usina Siderúrgica de Volta
Redonda, Companhia Hidro Elétrica do São
Francisco, Consolidação das Leis do Trabalho,
Serviço Social da Indústria, Plano de Obras e
Equipamentos, I Congresso Brasileiro de Econo-
mia, Conselho Nacional de Política Industrial e
Comercial, Serviço de Expansão do Trigo, Con-
ferência de Teresópolis, Superintendência de Moe-
32 da e Crédito, Decreto-Lei 7.666 (sobre atos con-
trários à ordem moral e econômica). No segun-
do governo temos as seguintes criações: Plano
Nacional de Reaparelhamento Econômico, Fun-
do Nacional de Reaparelhamento Econômico,
02.07.1944. No
Espírito Santo, Banco do Nordeste do Brasil, Superintendência do Plano de Valorização Eco-
Vargas comparece a nômica da Amazônia, Carteira de Comércio Exterior, BNDE, Petrobrás, Pla-
uma feira de no Nacional do Carvão, além das propostas do Plano Nacional de Eletrifica-
amostras de ção e da criação da Eletrobrás.
produtos
industrializados e
uma exposição Estes diversos organismos foram criados segundo as necessidades do mo-
agro-pecuária. mento, sempre em busca de encontrar melhores formas de aglutinar atores
Ag. Nac. sociais do setor privado e da burocracia estatal para tratar de velhos problemas
com mais competência. Durante os anos 30 sua primeira preocupação foi com o
equilíbrio do balanço de pagamentos, do qual a defesa do café era um compo-
nente. Mas apenas depois da Revolução Constitucionalista de 1932 a recupera-
ção econômica da cafeicultura ganhou contornos definitivos, com medidas como
a compra e queima de grandes estoques do produto, o perdão de metade das
dívidas dos fazendeiros, o refinanciamento da outra metade em 10 anos, a inde-
nização aos bancos com títulos públicos de longo prazo e o financiamento
público à erradicação de cafezais e sua substituição por algodoais. Esta inter-
venção não fez com os preços do café crescessem no mercado internacional, mas
permitiu o saneamento das finanças e a recupera-
ção da renda dos cafeicultores, o que por sua vez
exerceu um poderoso efeito multiplicador sobre
o conjunto da economia, gerando taxas elevadas
de crescimento do PIB (8,9% em 1933 e 9,2%
em 1934). Com isto o Brasil foi um dos primei-
ros países a recuperar-se da Grande Depressão (ao
lado da Suécia com seu programa social-demo-
crata), antecedendo a todas as grandes potências
– que em sua maioria só se recuperaram da crise
quando implantaram economias de guerra.
03.04.1945. O
O crescimento da economia brasileira levou ao aumento da procura por industrial Américo
manufaturados nacionais, gerando um processo de substituição de importa- Giannetti (dir.)
entrega ao
ções. Houve um aumento expressivo da produção quando o produto indus-

Desenvolvimento
Presidente a
trial cresceu de 11 a 17% anualmente entre 1933 e 1937, mas este foi um primeira barra de
efeito colateral da política econômica, não seu objetivo principal. A priorida- alumínio fundida no
de para projetos industriais só teve sua origem no estrangulamento do merca- Brasil. Ag. Nac.
do internacional originado da Segunda Guerra Mundial, que restringiu nossas
exportações de alimentos e tornou excepcionalmente escassos combustíveis e
bens de capital importados. A consciência da fraqueza da economia brasileira
diante da redução do comércio internacional trouxe a preocupação com o
aumento expressivo da oferta interna de manufaturados. Ao mesmo tempo,
nossa precária indústria de bens de consumo mostrou-se capaz de exportar 33
para diversos países latino-americanos, suprindo a ausência de fornecedores
tradicionais enquanto durou a guerra.

A consciência de que o país poderia enveredar pela senda industrial e os


esforços daí decorrentes logo mostraram que o Brasil sofria de um estrangula-
mento muito mais grave, o da oferta de energia e de meios de transporte. De
fato, mesmo que as condições favoráveis do comércio internacional do pós-
guerra permitissem a importação dos bens de capital necessários para a expansão
da indústria, ainda seria preciso algo muito mais caro e mais demorado, uma
ampliação dramática da infra-estrutura. Assim surgiu a consciência de que o
país teria que passar por um profundo reaparelhamento econômico caso quises-
se de fato romper os limites da economia primário-exportadora. Dimensionar
estes gargalos foi uma preocupação do governo Dutra, que providenciou os
estudos da missão Abbink e da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que
calcularam o esforço financeiro necessário para romper com os limites ao cresci-
mento da indústria manufatureira.

É no bojo deste esforço de planejamento estatal, por sinal em total conso-


nância com as práticas de todos os países desenvolvidos, que se vai formar uma
elite de técnicos especializados em estudos econômicos no país. Neste esforço
se inclui a fundação de dois organismos: a Fundação Getúlio Vargas (FGV), em
1944, estreitamente ligada ao DASP (ambos eram dirigidos por Luiz Simões
Lopes), que criou seu Instituto Brasileiro de Economia em 1946; e a Escola
Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil (atual Instituto de
Economia da UFRJ), fundada por Eugênio Gudin em 1945 e fortemente liga-
da à FGV. A partir de então começam a ser realizados estudos econômicos de
qualidade e a serem formados quadros para diferentes áreas da burocracia. Um
organismo técnico que vai ter imensa importância será a Assessoria Econômica
da Presidência da República, que orientará os projetos essenciais do segundo
governo de Getúlio Vargas, em especial a Petrobrás, o BNDE e a Eletrobrás.

Ao perseguir a industrialização nos anos 1950, Getúlio foi um nacionalis-


ta, mas não do tipo xenófobo. Ao contrário, sempre procurou atrair capitais de
risco estrangeiro, e apenas ao ver seus objetivos frustrados radicalizou o discur-
so contra firmas estrangeiras, que preferiam remeter lucros ao exterior a prosse-
guir reinvestindo no país, fragilizando ainda mais o balanço de pagamentos. O
Desenvolvimento

recurso a empresas estatais foi um atendimento a demandas de lideranças indus-


triais como Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi que desde o período de guerra
clamavam pela intervenção estatal para atender à demanda interna sempre que
capitais privados – nacionais ou estrangeiros – não o fizessem.

Ainda assim, Getúlio buscou o quanto possível financiamentos norte-


americanos. Apenas quando o governo republicano de Eisenhower anun-
ciou que esta possibilidade estava fechada é que foram buscadas fontes ex-
clusivamente internas para o financiamento dos investimentos. E ainda nes-
te momento não houve uma preocupação marcadamente estatista; o projeto
34
que o governo enviou para o Congresso com vistas à criação da Petrobrás,
por exemplo, não propunha o monopólio estatal – este item acabou incor-
porado pelo esforço conjunto de forças heterogêneas: nacionalistas, comu-
nistas e até mesmo segmentos da UDN, em outros momentos tão afeita à
entrada de capital estrangeiro.

O aguçamento do conflito político levou


Getúlio ao suicídio, mas seus adversários tiveram
que suportar uma herança irresistível. Os proje-
tos preparados na primeira metade dos anos 50
foram implantados e desenvolvidos por um polí-
tico mineiro extremamente habilidoso, Juscelino
Kubitschek, que tinha por lema conduzir o país a
crescer 50 anos em 5. Mas o maior legado econô-
mico getulista ainda não foi este governo de ex-
tensas realizações conduzido por um homem de
sua entourage. A consagração do projeto econô-
mico de Getúlio Vargas veio duas décadas mais
28.11.1945. Vista tarde e pelas mãos dos homens que o depuseram: seus adversários, militares
geral da usina de alinhados com a UDN que o combateram, deram continuidade à industrializa-
Volta Redonda.
ção do país. A obra econômica varguista foi completada pelo II Plano Nacional
Cor.da Manhã
de Desenvolvimento, implantado nos governos de Ernesto Geisel e João Batis-
ta Figueiredo, simplesmente porque seria impensável para a cúpula militar abrir
mão da tentativa de transformar este país em uma potência econômica – sonho
de todos os revolucionários desde 1922.

Getúlio foi o mais importante governante da história do Brasil. Não foi o


mais longevo – D. Pedro II permaneceu no poder por mais do dobro do tempo
e teve o imenso mérito de impedir que o país se fragmentasse como nossos
vizinhos hispânicos –, mas mudou a face do país a ponto de conduzi-lo
irreversivelmente até a implantação da sociedade industrial. O país em 1954 era
radicalmente diferente daquele de 1930, e muito mais ainda seria o Brasil de
1979. Conseguiu dirigir este processo porque usou de todos os meios até então
conhecidos para permanecer no poder, e deixou sua herança por um meio até
então inédito, o sacrifício da própria vida.

A importância de Getúlio Vargas consiste em ter transformado um sonho

Desenvolvimento
dos tenentes em destino de toda a nação.

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Transformações Sociais
e Legislação Trabalhista Sob
Getúlio Vargas
George Kornis

Fabio Sá Earp

N
o Brasil, a transição de uma sociedade organizada em torno de um
modelo agro-exportador centrado na monocultura do café para um
modelo urbano-industrial demandou um conjunto de iniciativas
orientadas para promover mudanças na estrutura e na dinâmica da
economia. Mas uma transição desta complexidade exigiu, também,
um outro conjunto complementar de iniciativas, voltadas para promover trans-
formações sociais em um país de acelerado crescimento populacional e intensa 37
migração do campo para a cidade.

Nessa perspectiva, a criação, em novembro


de 1930, de um Ministério do Trabalho, Indús-
tria e Comércio – que abre espaço à presença do
Estado na regulamentação e na fiscalização das
relações entre capital e trabalho no país –repre-
senta um complemento e confere nova importân-
cia a ações pioneiras da intervenção do Estado em
matéria trabalhista, tomadas ainda na República
Velha, como a lei de acidentes de trabalho de
1919, a lei Eloy Chaves, que criou as Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAPs) em 1923, a cria-
ção, nesse mesmo ano, de um Conselho Nacional 22.3.1935. Alunos e
do Trabalho, a introdução, em 1925, de uma lei de férias, e a elaboração, em professores do
Colégio Pedro II, no
1926, de um Código de Menores.
Rio de Janeiro,
escutam palestra do
Uma vez vitoriosa a Revolução de 1930, o Governo Provisório chefiado mestre Antenor
por Getúlio Vargas deu os primeiros passos de sua ação transformadora no cam- Nascentes
po do trabalho. Já em dezembro de 1930 foi decretada a “Lei dos 2/3”, mediante Ag. Nac.
a qual se impunha às empresas a exigência de 2/3 de trabalhadores nacionais
em seus quadros funcionais. Após essa lei de nacionalização do trabalho, o
Transformações Sociais e Legislação Trabalhista

governo, através do Decreto nº 19.770, de mar-


ço de 1931, estabeleceu a unicidade e a tutela sin-
dicais para empregados e empregadores e conver-
teu os sindicatos na célula básica desse processo
de organização social de corte corporativo.

Na seqüência, o governo Getúlio Vargas ins-


tituiu em 1932 um importante instrumento de
controle sobre os trabalhadores: a carteira de tra-
balho. Ao conferir uma identidade, uma biogra-
fia e um estatuto de cidadania ao trabalhador bra-
sileiro, a carteira de trabalho acabaria se conver-
13.10.1952. Vargas
preside em Santos, tendo no mais importante documento de uma parcela da população que se
SP, o Congresso dos encontrava em franca expansão: o assalariado urbano. Nesse mesmo ano, en-
Municípios. tram em operação as Comissões Mistas de Conciliação e as Juntas de Concilia-
Ag. Nac.
ção e Julgamento, órgãos atuantes no enfrentamento dos conflitos entre o
capital e o trabalho.

A intervenção do Estado na esfera dessas relações, entendida por Vargas


como instrumento privilegiado na construção de uma pax social, avança via
regulamentação do horário de trabalho para comerciários e industriários, regu-
lamentação das condições de trabalho para mulheres e menores, nova regula-
mentação das férias e ampliação – para várias categorias profissionais – do esta-
tuto da estabilidade, pensões e aposentadorias a ser provido por Institutos de
38
Aposentadoria e Pensões (IAPs), a começar pelo dos marítimos (IAPM), criado
em 1933. A este se somaram o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Comerciários (IAPC), em 1934, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI) e o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Trabalhado-
res em Transporte e Cargas (IAPTEC), em 1938.

Estruturava-se, assim, desde o início do Governo Provisório, um modelo


de proteção social focado nos trabalhadores urbanos em expansão e sob prote-
ção de um Estado intervencionista que passara a se instrumentalizar para agir
através de um amplo conjunto de instituições.

A Constituição brasileira de 1934 consagrou o princípio da intervenção


do Estado em matéria de política econômica e social e a representação classista
nas Assembléias Legislativas do país, aprovou o pluralismo e a autonomia sin-
dicais (Decreto nº 24.694) e previu a instalação da Justiça do Trabalho para
dirimir conflitos e estabelecer acordos entre sujeitos individuais e coletivos.
Deve-se observar, porém, que a preocupação governamental não se resumiu ao
controle dos trabalhadores. Igual importância foi conferida à organização das
entidades patronais, que ganharam o estatuto de outra peça essencial para a
organização corporativa da sociedade.
Transformações Sociais e Legislação Trabalhista
A instalação, em novembro de 1937, do Estado Novo, inaugurou uma
nova era no governo de Getúlio Vargas. Em 1939, uma nova lei de sindicalização
(o Decreto-lei nº 1402) retomava a de 1931, reinstituindo a unicidade e a
tutela sindicais, elementos fundamentais para a afirmação de um Estado
corporativo. Ainda nessa segunda fase, foi instituído, em 1940, o salário míni-
mo garantido pelo Estado; no ano seguinte, passou a operar a Justiça do Traba-
lho dentro dos marcos de um quadro legal que proibia a realização de greves. A
criação, em 1942, do imposto sindical – contribuição compulsória equivalente
à remuneração de um dia de trabalho do trabalhador da categoria representada
pelo sindicato –, ao prover recursos monetários para os sindicatos, habilitava-
os a oferecer benefícios a seus associados e, portanto, a ampliar as bases da
sindicalização oficial. Nesse mesmo ano foi criado o Serviço Nacional de Apren-
dizagem Industrial (SENAI), instituição de direito privado, subordinada à
Confederação Nacional da Indústria (CNI) e voltada para o aperfeiçoamento
profissional dos trabalhadores brasileiros.

O ápice do projeto trabalhista dos governos Vargas ocorreu em maio de


1943, quando foi anunciada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), docu-
mento básico da regulação do mercado de trabalho do país e pilar da ideologia
trabalhista materializada na identidade cidadania/direitos sociais, em especial
os do trabalho. O modelo corporativo de controle social, agora sistematizado,
conferia centralidade ao Estado na regulação da relação capital/trabalho e si-
tuou claramente a questão social no campo legal.
39
O colapso do Estado Novo e a conseqüente restauração da ordem demo-
crática em 1945 conduziram à promulgação da Constituição de 1946. A nova
Constituição, muito embora tenha restituído o direito à greve negado pela Car-
ta de 1937, manteve intocado o modelo de organização sindical corporativista,
centrado na unicidade sindical (e na contribuição sindical compulsória a ela
associada) e na tutela estatal, e deslocou a Justiça do Trabalho do Poder Execu-
tivo para o Poder Judiciário.

A Constituição de 1946 consolidou o controle do Estado sobre os sindi-


catos –que permanece na Constituição brasileira de 1988 – e, por essa via, rea-
firmou o salto qualitativo operado na legislação trabalhista do país. O novo
marco constitucional produziu estabilidade no tocante ao direito dos trabalha-
dores associados ao sindicalismo, ao corporativismo e ao trabalhismo desenvol-
vidos ao longo de um processo histórico de regulação das relações capital/tra-
balho que atravessou os governos chefiados por Vargas e se projetou, com rela-
tivamente poucas mudanças, para o futuro do país. A expansão do sindicalismo
no curso do governo democrático de Getúlio Vargas (1951-1954) – expressa
na ampliação no montante de sindicatos, no número de trabalhadores sindica-
lizados e, sobretudo, na crescente força do movimento sindical – só conhecerá
declínio com a repressão desencadeada pelo movimento militar de 1964.
Transformações Sociais e Legislação Trabalhista

Assim, o controle e a regulação estatal nas relações entre o capital e o


trabalho, ao possibilitar a construção de uma pax social, converteram-se em
um elemento importante na transição de uma sociedade fundada em uma eco-
nomia agro-exportadora para uma sociedade urbano-industrial com base num
processo de desenvolvimento econômico e social orientado por um Estado
nacional intervencionista, centralizador, corporativista e, especialmente, ca-
paz de construir instituições capazes de lastrear um significativo processo de
transformação do Brasil.

No entanto, nesse processo histórico, a importância da regulação das rela-


ções entre capital e trabalho não deve subtrair a atenção de outras iniciativas de
Vargas no enfrentamento da chamada questão social. Assim, vale lembrar que a
iniciativa do Governo Provisório de criar, também em novembro de 1930, o
Ministério da Educação e Saúde Pública, se soma àquela que criou, no mesmo
mês, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. A prioridade conferida
por Vargas à reestruturação do ensino nacional, um dos pilares da construção
de uma sociedade moderna, tornou-se evidente em 1932, quando, sob a orien-
tação de Anísio Teixeira, foi criado o Instituto de Educação. A escolha desse
intelectual – educador comprometido com o desenvolvimento de um ensino
público, apto a dar fundamento à democracia e que desde meados dos anos 20
atuava na reforma do ensino público na Bahia – só indica o grau de engajamento
de revolucionários de 1930 como Pedro Ernesto Batista, interventor nomeado
pelo Governo Provisório no Distrito Federal, e o próprio Vargas com a
40 reestruturação do ensino no país.

O Instituto de Educação, nova e modelar instituição de ensino, integrou-


se em 1932 à antiga Escola Normal, criando em um único estabelecimento um
jardim de infância e os cursos primário e secundário. Ainda nesse ano, Anísio
Teixeira, para quem educação não era um privilégio e sim um direito de cidada-
nia, assumiu a presidência da Associação Brasileira de Educação, criada em 1924.
Também em 1932, foi redigido por Fernando de Azevedo o Manifesto dos Pio-
neiros da Educação Nova. Intitulado “A Reconstrução Educacional no Brasil”,
o documento preconizava uma escola pública, laica, obrigatória e gratuita e foi
assinado por 26 intelectuais do calibre de Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto e
Cecília Meireles, entre outros.

Em 1933, Anísio Teixeira assumiu a direção do Departamento de Educa-


ção do Distrito Federal, dando curso a uma reforma educacional que abrangia
da escola primária ao ensino de adultos e que se apresentava como um processo
estratégico para a reestruturação do ensino que fundaria um Brasil moderno e
socialmente mais justo. Dois anos depois, a criação da Universidade do Distri-
to Federal (UDF), cujo objetivo era disseminar o espírito científico e estimular
o trabalho intelectual, foi o passo conseqüente desse processo, brutalmente in-
terrompido em 1937 pelo advento do Estado Novo. Nesse momento, o
autoritarismo do governo Vargas colidiu com as propostas modernizantes for-
Transformações Sociais e Legislação Trabalhista
muladas no campo educacional por Anísio Teixeira e em 1939, após persegui-
ções político-ideológicas, foi colocado um ponto final na experiência da UDF.

A centralização do sistema educacional constituiu um importante elemen-


to da ideologia estadonovista. Criada no Distrito Federal, às vésperas do golpe
que inauguraria o Estado Novo, a Universidade do Brasil terá seus primeiros
anos de atividade marcados pela centralização e pelo autoritarismo vigentes no
país. Nesse período, mais precisamente em 1940, foi oficialmente criado o
movimento Juventude Brasileira, cuja finalidade era fornecer instrução cívica,
moral e paramilitar à juventude escolar de todo o país e estimular o culto à
pátria. No ano seguinte, a I Conferência Nacional de Educação incluiu em seus
objetivos prioritários a organização em todo o território nacional da Juventude
Brasileira. Em fevereiro de 1942, Vargas institucionalizou a União Nacional
dos Estudantes, que fora criada em dezembro de 1938. A promulgação, em
abril de 1942, da Lei Orgânica do Ensino Secundário (também conhecida como
Reforma Capanema, em referência ao titular do Ministério da Educação e Saú-
de), entre outras iniciativas, deu continuidade ao projeto educacional
estadonovista. Porém, em 29 de outubro de 1945, os chefes militares afastaram
Getúlio do poder, encerrando, assim, o Estado Novo.

Nessa perspectiva, entre 1930 e 1945, concebeu-se no interior do Poder


Executivo federal, sob o comando de Vargas, um aparelho nacional de ensino
com diretrizes e estruturas organizativas para os diferentes segmentos da educa-
ção no Brasil. A Constituição de 1946 reafirmou a competência da União para
41
fixar as bases e diretrizes da educação nacional. O projeto de Diretrizes e Bases,
datado de 1948, iniciou um longo debate nacional que passou, em 1953, pela
criação de ministérios específicos, operando a desvinculação entre educação/
cultura e saúde, e que só foi passível de conversão em lei em 1961. Nesse mo-
mento, uma vez aprovadas as diretrizes e bases e criado o Conselho Federal de
Educação, completou-se a centralização dos dispositivos básicos do controle
estatal sobre a educação. Nesse sentido, só tardiamente, ao longo de um proces-
so que se estende dos anos 1930 ao início dos anos 1960, conformou-se no
Brasil um aparelho educacional centralizado, dotado de instrumentos legais
adequados para efetivar um plano geral de educação capaz de integrar o sistema
nacional de ensino.

A convergência dos processos de centralização e controle no âmbito da


constituição de um aparelho educacional integrado com os processos opera-
dos no âmbito da regulação das relações capital/trabalho, em que pese as
iniciativas realizadas anteriormente à década de 1930, permite considerá-los
como intervenientes na transição de uma sociedade agro-exportadora para
uma sociedade urbano-industrial operada ao longo dos governos Vargas.
No entanto, vale observar que as iniciativas orientadas para a organização de
um aparelho de saúde também representaram um processo convergente com
os relativos à educação e trabalho na transformação social operada no curso
Transformações Sociais e Legislação Trabalhista

do processo histórico de transição rumo a constituição de uma sociedade


urbano industrial no Brasil.

No período anterior a 1930, a intervenção estatal em saúde no Brasil teve


um caráter débil, fragmentado e pontual, que contrasta fortemente com a emer-
gência de uma política nacional em saúde pública
na esfera do aparelho social do Estado, construída
ao longo dos governos Vargas. Nessa perspectiva,
a criação em 1930 do Ministério da Educação e
Saúde Pública iniciou um processo de centraliza-
ção institucional dos programas de saúde pública
relacionados com a migração, a urbanização e a
industrialização do país. O Departamento Nacio-
nal de Saúde converteu-se em 1934 na Diretoria
Nacional de Saúde e Assistência Médico-Social,
estruturando diretorias e serviços e ampliando a
esfera de atuação federal no âmbito sanitário para
30.10.1953.
além dos limites do Distrito Federal e dos portos da República.
Expostos nos jardins
do Palácio do No período compreendido entre 1930 e 1934 interrompeu-se a prática
Catete, no Rio, os das “campanhas sanitárias”, retomadas a partir de 1935 como elemento central
“volks” que da institucionalização das ações de saúde pública no Brasil. Dada a crescente
servirão de modelo
presença, como interventores, dos assistentes técnicos do governo federal junto
à industria
aos serviços estaduais de saúde, as “campanhas sanitárias” atuavam agora no
42 nacional. Ag. Nac.
sentido da centralização da política de saúde, podendo, portanto, ser caracteri-
zadas enquanto ações nacionais. A Diretoria Nacional de Saúde e Assistência
Médico-Social assumiu em 1937 a coordenação
dos departamentos estaduais de saúde, impondo
um padrão uniforme de organização específico
tanto para órgãos centralizados (como os serviços
de combate à tuberculose e à lepra, os hospitais e
os laboratórios) quanto para órgãos descentrali-
zados como os centros de saúde urbanos e os pos-
tos de higiene em áreas rurais. Nesse mesmo ano,
em convênio com a Fundação Rockefeller, foi cria-
do o Serviço Nacional de Febre Amarela, o pri-
meiro serviço de saúde pública de envergadura
nacional, e em 1939 implantou-se o Serviço de
Malária do Nordeste. No ano seguinte foram cria-
Outra imagem do
dos o Serviço de Malária da Baixada Fluminense e o Departamento Nacional da
mesmo
acontecimento. Criança.
Ag. Nac.
Em 1941 ocorreu uma reorganização do Ministério da Educação e Saúde
na qual o Departamento Nacional de Saúde incorporou os serviços existentes
de combate a endemias, assumiu o controle da formação de técnicos em saúde
pública e institucionalizou as campanhas sanitárias. É essa estrutura que será,
Transformações Sociais e Legislação Trabalhista
em 1953, convertida numa estrutura autônoma, o Ministério da Saúde, que
incluía os Serviços Nacionais de Febre Amarela, de Tuberculose, de Peste, de
Lepra, de Malária, de Câncer, de Doenças Mentais, da Criança, de Educação
Sanitária, de Fiscalização da Medicina, de Bioestatística e de Biometria Médica ,
todos eles criados ainda em 1937, além de um curso de Saúde Pública e do
Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), organizado durante a 2ª Guerra
Mundial, em convênio com a Fundação Rockefeller, para atuação específica na
Amazônia e no vale do Rio Doce.

O Plano SALTE, apresentado pelo presidente Eurico Dutra ao Congresso


Nacional em maio de 1948, já conferia à saúde um estatuto de prioridade nacio-
nal, mas seria apenas em 1956, com a criação do Departamento Nacional de
Endemias Rurais, órgão concebido para atuar principalmente no campo do sa-
neamento, que a estruturação dos organismos de saúde pública completou o
ciclo de expansão institucional iniciado sob o governo Vargas nos anos 1930.

As transformações sociais verificadas no Brasil ao longo da transição de


um modelo agro-exportador para um modelo urbano-industrial não foram de
pequena monta nem se processaram em pequeno lapso de tempo, embora te-
nham tido lugar, significativamente, no curso dos anos Vargas (1930-1954,
considerando-se o governo Dutra, entre 1946 e 1950, como parte integrante
desse período). Embora essas transformações tenham sido freqüentemente re-
duzidas à regulação estatal das relações capital/trabalho, o enfrentamento da
chamada questão social visando à produção de uma pax necessária ao bom ter-
43
mo dessa transição requereu a existência de políticas nacionais emanadas de um
Estado centralizador, tais como foram as políticas de educação e saúde. E mais:
requereu a construção de um arcabouço institucional apto a gerar uma
governabilidade em meio a um processo de construção de um novo modelo de
sociedade em grau superior de complexidade.

Nessa perspectiva, as políticas econômica e social dos anos Vargas foram


ambas responsáveis pela produção, sob a égide do Estado, de um estatuto de
cidadania que, embora regulada, representou uma notável expansão da prote-
ção social dispensada aos brasileiros. E isso não é pouco, em uma nação com a
nossa história.

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