ROCHA, Sophia Cardoso - Tese de Doutorado SNC
ROCHA, Sophia Cardoso - Tese de Doutorado SNC
ROCHA, Sophia Cardoso - Tese de Doutorado SNC
por
SALVADOR,
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CULTURA E SOCIEDADE
por
SALVADOR
2018
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA),
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Entre 2012, quando decidi elaborar o projeto de pesquisa para desenvolver no doutorado, e
2018, quando finalizei a tese, passei por muitos momentos no quais contei com o apoio de
uma infinidade de pessoas. Para percorrer esse longo caminho, tive a felicidade de ter
sempre ao lado familiares, amigos, colegas e professores, aos quais gostaria de agradecer.
Ao meu filho, Heitor, que chegou no meio dessa trajetória para deixar o que era difícil quase
impossível, mas que me fez ultrapassar todas as barreiras com muito mais alegria e
esperança.
Aos meus familiares, especialmente meu pai, minha irmã Tita, meus irmãos Bobó e Júnior, e
meus sobrinhas e sobrinhos, que apesar da distância oceânica, sempre estiveram ao meu
lado. E aos novos familiares que Bruno me trouxe, especialmente Tel, Jaque e Cris.
Aos meus amigos da Adecult, especialmente Carol, Dani e Paula; aos que (re)encontrei em
Barcelona, Adalberto, Elisa, Carol e Álvaro; as queridas amigas Acylene e Leda; e aquelas da
vida inteira, Beth, Carol, Jéssica e Nanda.
A todos que colocaram a mão na massa e me ajudaram das mais diversas maneiras a
produzir esse trabalho, especialmente Alexandre Barbalho, Ana Aragão, Bruno Oliveira, Carol
Marques, Estela Santana, Gabriela Sandes, Gleise Oliveira e Luana Vilutis.
A todos aqueles que participaram da tese, confiando a mim informações por meio de
entrevistas e documentos: Aloysio Guapindaia, Ana de Hollanda, Ângela Andrade, Armando
Almeida, Bernardo Mata Machado, Eloise Dellagnelo, Gustavo Gazzinelli, Hamilton Pereira,
Humberto Cunha Filho, Isaura Botelho, João Roberto Peixe, José Márcio Barros, Juca
Ferreira, Lia Calabre, Paulo Miguez, Pedro Ortale, Roberto Lima, Sergio Pinto, Silvana
Meireles e Vitor Ortiz. Obrigada pela confiança, generosidade e presteza.
A minha mãe, que se aqui estivesse estaria comemorando ao meu lado cada desafio
superado com o carinho e amor que sempre dedicou.
Um sistema de cultura
Tá chegando pra valer
República federativa
Muito há pra se fazer
Gestão e financiamento
Reclamam a todo o momento
Pra cultura florescer
O sistema é ferramenta
Por isso vai precisar
De habilidades e saberes
Pra poder funcionar
Vencendo as oligarquias
Maus costumes e azias
Vamos revolucionar
Patrimônio, formação
Fomento e mais transparência
Com o controle social
Se vence a má influência
Mais dinheiro no orçamento
Da economia o sustento
Se fortalece assim nossa urgência
The main objective of this research is to analyze the process of construction of the National
Culture System (NSC) from 2002 to 2016. The expectation is to understand the reasons why
the policy was developed by the Ministry of Culture (MinC) in a discontinuous way. The
secondary objective is to understand how the NCS has incorporated and developed
dimensions and elements typical of federalism. The main premise of the thesis is that the
actions of the actors linked to the Ministry of Culture have contributed to the fact that the
construction of the NCS has been configured intermittently. The research used as a
methodological strategy the observation about the performance and interaction dynamics of
public and private actors, within the framework of a socio-historical analysis of cultural
policy. Field research consisted of interviews with politicians, managers, technicians and
specialists who participated in the development of the NCS. Documentary sources, such as
reports and documents formulated by MinC, were also used. The main conclusions of the
research are: the development of the NCS underwent advances and setbacks depending on
the process of interaction between the actors linked to the Workers Party (PT) and the high
level of the Ministry of Culture; the NCS didn’t enjoy stability even in governments of
continuity; some actors external to the MinC have consolidated themselves as privileged
interlocutors in the NCS; most of the difficulties for implantation of the NCS stemmed from
political-institutional resistance.
Keywords: culture; national culture system; federalism; public policy.
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO........................................................................................... 21
1 FEDERALISMO E CULTURA NO BRASIL.................................................... 35
1.1 A AUTONOMIA DOS ENTES FEDERADOS NO BRASIL ……………………………. 45
1.2 DESAFIOS DO FEDERALISMO ................................................................... 52
2 PREMISSAS PARA A RECONSTRUÇÃO DA TRAJETÓRIA DO SNC............ 61
2.1 O SNC E OS CONCEITOS-CHAVE PARA A SUA ANÁLISE…………………………. 63
2.1.1 A organização e a sua natureza conflitiva.............................................. 64
2.1.2 O ator e a sua inerente margem de liberdade........................................ 64
2.1.3 O poder enquanto relação de negociação.............................................. 65
2.1.4 A organização e o seu entorno………………….……………………………………….. 66
2.1.5 As restrições das relações de poder........................................................ 68
2.1.6 As estratégias e a conformação de jogos............................................... 68
2.2 O USO DA METODOLOGIA NO ESTUDO DO SNC...................................... 70
2.3 O SNC E O A IMAGINAÇÃO A SERVIÇO DO BRASIL................................... 71
2.3.1 Os princípios e conceitos do documento de campanha......................... 76
2.3.2 Propostas para o Sistema Nacional de Política Cultural........................ 78
2.3.3 A inspiração e idealização do SNC.......................................................... 81
2.3.4 Importância do documento de campanha para a análise………………….. 86
3 O SNC NA GESTÃO GILBERTO GIL (2003-2006)....................................... 89
3.1 A COMPOSIÇÃO DO MINC E A PRIMEIRA REFORMA
ADMINISTRATIVA..................................................................................... 90
3.2 A CRIAÇÃO E COMPOSIÇÃO DA SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO
INSTITUCIONAL........................................................................................ 100
3.3 O SNC E AS ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO........................................... 106
3.3.1 Dimensão conceitual............................................................................... 106
3.3.1.1 O SNC em debate no Legislativo............................................................... 113
3.3.2 Dimensão institucional e operacional.................................................... 122
3.3.2.1 O Protocolo de Intenções......................................................................... 122
3.3.2.2 I Conferência Nacional de Cultura (2005)................................................ 131
3.3.2.3 Oficinas do Sistema Nacional de Cultura (2006)...................................... 145
3.3.3 Dimensão normativa............................................................................... 146
3.3.3.1 Emenda Constitucional nº 42/ 2003......................................................... 147
3.3.3.2 Proposta de Emenda Constitucional nº 150/2003………………………………… 148
3.3.3.3 Decreto nº 5.520/2005............................................................................. 151
3.3.3.4 A Proposta de Emenda Constitucional nº 416/2005................................ 160
3.3.3.5 A Emenda Constitucional nº 48/2005...................................................... 161
3.4 EXPECTATIVAS PARA O SEGUNDO MANDATO DE LULA DA SILVA………… 165
4 O SNC NAS GESTÕES GILBERTO GIL E JUCA FERREIRA (2007-2010)....... 171
4.1 A DESARTICULAÇÃO DA SAI NA GESTÃO GILBERTO GIL........................... 175
4.2 A INSTALAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL........ 182
4.3 O PROGRAMA MAIS CULTURA................................................................. 185
4.4 A SAI NA GESTÃO JUCA FERREIRA............................................................ 198
4.4.1 A retomada do SNC................................................................................. 203
4.4.1.1 GT 01 Arquitetura e Marco legal do SNC................................................. 207
4.4.1.2 GT 02 Mapeamento da Formação e Qualificação em Organização
Cultural no Brasil...................................................................................... 235
4.4.1.3 GT 03 Fortalecimento Institucional e Formação de Gestores Culturais... 241
4.4.2 Os Seminários do SNC (2009).................................................................. 250
4.4.3 II Conferência Nacional de Cultura (2010).............................................. 253
4.5 O PNC E O SNIIC....................................................................................... 260
4.6 A FINALIZAÇÃO DA GESTÃO JUCA FERREIRA............................................ 265
5 O SNC NA GESTÃO ANA DE HOLLANDA (2011-2012)............................ 269
5.1 A RECONFIGURAÇÃO DA SAI E AS AÇÕES DO SNC…………………………….… 272
5.1.1 O Guia de Orientações do SNC................................................................ 275
5.1.2 A adesão dos entes subnacionais ao SNC…………………………………………… 284
5.1.3 Projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais………. 287
5.1.4 Curso de Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste….. 293
5.1.5 Projeto de apoio técnico ao desenvolvimento de sistemas de cultura. 295
5.2 A ARTICULAÇÃO ENTRE A SAI E OUTROS SETORES DO MINC……………….. 304
5.3 PUBLICAÇÃO DAS METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA…………….. 311
5.4 O AVANÇO DA DIMENSÃO NORMATIVA DO SNC…………………………………. 320
5.4.1 Aprovação da PEC 416-A/2005……………………………………………………………. 320
5.4.2 Aprovação da PEC nº 34/2012……………………………………………………………. 321
5.4.3 O Projeto de Lei de regulamentação do SNC………………………………………. 325
5.5 FINALIZAÇÃO DA GESTÃO ANA DE HOLLANDA …………………………………… 333
6 O SNC NA GESTÃO MARTA SUPLICY (2012-2014)................................... 339
6.1 AS EXPECTATIVAS DA SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL.... 344
6.2 AS ALTERAÇÕES NO QUADRO DE DIRIGENTES DO MINC......................... 346
6.3 O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO CNPC.................................................. 350
6.4 AÇÕES EM TORNO DO SNC………………………………………………………………….. 353
6.4.1 Oficinas de implementação de Sistemas de Cultura…………………………… 355
6.4.2 1º Seminário Cultura e Universidade………………………………………………….. 356
6.4.3 Curso de Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste….. 360
6.4.4 Cursos de extensão para formação em gestão cultural………………………. 360
6.4.5 Projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais………. 363
6.4.6 III Conferência Nacional de Cultura (2013)…………..…………………………….. 366
6.4.7 Edital de fortalecimento do SNC para os estados……………………………….. 374
6.4.8 Projeto de Lei Complementar nº 338/2013………………………………………… 386
INTRODUÇÃO
1
Informação disponível em: <http://pnc.culturadigital.br/metas/sistema-nacional-de-cultura-institucionalizado-
e-implementado-com-100-das-unidades-da-federacao-ufs-e-60-dos-municipios-com-sistemas-de-cultura-
institucionalizados-e-implementados-2/>. Acesso em: jun. 2018.
23
criar um sistema nacional para a cultura está expressa no A imaginação a serviço do Brasil,
programa de governo elaborado por um conjunto de pessoas próximas ao Partido dos
Trabalhadores (PT), parte delas ocupantes de importantes cargos no Ministério da Cultura
ao longo dos governos Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). Assim sendo,
era de se esperar que o Ministério da Cultura elegesse o SNC como uma de suas políticas
prioritárias, reunindo os investimentos necessários para que fosse desenvolvido de maneira
regular e contínua, o que não ocorreu.
Diante desse panorama, essa pesquisa se defrontou com questões como: (1) Por quais
motivos o processo de construção do Sistema Nacional de Cultura se deu de forma
intermitente, com avanços e retrocessos, mesmo em governos, teoricamente, de
continuidade? (2) Por que uma proposta de política pública pautada em justificativas
plausíveis, e alçada ao mais alto grau normativo de um país – a Constituição Federal –, não
foi efetivamente implementada como ação prioritária por parte do MinC entre 2003 e 2016?
(3) Por que a dimensão sistêmica-federativa do SNC permaneceu por mais de quatorze anos
com questões-chave em aberto? O Projeto de Lei de regulamentação do SNC não foi
publicado; a instância de negociação e pactuação das ações intergovernamentais
relacionadas à operacionalização do SNC – Comissão Intergestores Tripartite (CIT) – nunca
foi instalada; há poucos debates sobre as definições das competências de cada ente
federado no Sistema, sobre compartilhamento de atribuições para o desenvolvimento de
políticas cooperadas ou sobre critérios de distribuição e repasse de verba por parte da União
aos estados e municípios.
Objetivos e Premissa
Esta tese tem por objetivo principal analisar o processo de construção do Sistema
Nacional de Cultura na perspectiva de compreender os motivos pelos quais a política foi
desenvolvida de maneira descontínua pelo Ministério da Cultura entre 2003 e 2016; e por
objetivo secundário compreender como o SNC incorporou e desenvolveu dimensões e
elementos típicos do federalismo. Para que tais objetivos sejam alcançados, propõe-se
analisar o SNC a partir da atuação e dinâmica de interação dos atores envolvidos nessa
política no período em que o Partido dos Trabalhadores esteve na direção da Presidência da
República do Brasil (2003 a 2016).
24
Metodologia
2
Título original: “Implementation: How great expectations in Washington are dashed in Oakland”, publicada
em 1973 pela editora da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
25
Outro estudo importante para esta pesquisa foi o que resultou na publicação L’acteur
et le système. Les contraintes de l’action collective publicada originalmente em 19773. Nessa
obra, os autores Michel Crozier4 e Erhard Friedberg defendem que o estudo de um sistema
3
CROZIER, Michel; FRIEDBERG, Erhard. L’acteur et le système. Les contraintes de l’action collective. Paris: Seuil,
1977.
4
Crozier fundou o Centre de Sociologie des Organisations, que possuía um programa de investigação dedicado
a temas culturais e contou com a participação de Philippe Urfanlino, Erhard Friedberg, Catherine Ballé, dentre
outros.
26
de ação organizado deve ser feito considerando as relações de poder que envolvem os
integrantes desse sistema, denominado de atores, que podem ser públicos ou privados,
individuais ou coletivos. Para Crozier e Friedberg (1990), a ação coletiva deve ser analisada
enquanto constructo social que apresenta problemas e cujas soluções são criadas,
inventadas ou instituídas por atores relativamente autônomos, que atuam com recursos e
capacidades próprias. Assim, é preciso questionar quais eram os problemas que os
integrantes da organização buscavam responder e quais foram as dificuldades e restrições
daí derivadas. A questão gira em torno da mediação entre o fim que se quer alcançar e os
meios utilizados para tanto, ou seja, das estratégias traçadas e aplicadas.
Metodologicamente, a partir dessa concepção é preciso identificar e obter informações
como: quem são os atores, quais são os seus recursos e que tipo de ações foram
implementadas em torno da política ou organização em análise. O pesquisador que utiliza a
metodologia sugerida nessa obra deve ter como meta recolher dados e informações a partir
do ponto de vista dos atores, e só posteriormente é que tenta reconstruir a lógica e as
propriedades especiais do sistema de ação em análise.
5
O autor, citando Bourdieu (1977), destaca que a cultura une, diferencia e conforma os atores sociais, e nesses
três sentidos participa das dinâmicas de poder.
27
da cultura. Tal dialética deve ser parte essencial do objeto de estudo, ainda que este se
centre em uma dada organização da administração cultural;
3) que o horizonte de análise se situe nas relações sociais que constituem as políticas
culturais e que conformam sistemas de ação concretos, abertos e dinâmicos. Para Rodríguez
Morató (2012, p. 26): “O foco de uma análise sociológica da política cultural deveria se situar
no espaço social e institucional que a gera e apontar, a partir daí, para os interesses e ideias
que a motivam e aos efeitos que produz” (tradução nossa). Para o autor, a análise
sociológica da política cultural deve ser produzida a partir do espaço social da cultura e do
espaço social da política, o que implica em considerar: a) as instituições e os atores públicos
(cargos públicos, técnicos e profissionais da administração e das instituições culturais
públicas) que intervêm na regulação social da cultura; b) as instituições, os atores privados
(associações profissionais, criadores, gestores e empresários culturais) e o Terceiro Setor
(fundações e associações culturais), que têm alguma influência direta sobre as políticas. A
presença desses distintos atores, cada vez mais crescente no campo da cultura, implica, por
sua vez, em variadas formas de governança, tais como conselhos, consórcios ou planos
estratégicos, que também precisam ser levados em consideração na análise. Além disso, na
configuração do espaço da política cultural, também seria importante considerar a
perspectiva territorial, já que cada vez mais há uma diversidade de níveis territoriais,
materializados em instâncias governamentais e administrativas que atuam e intervêm na
área (desde organizações supranacionais, como a Unesco, até administrações locais).
Esta tese não possui a mesma abrangência da pesquisa coordenada pelo Prof.
Rodríguez Morató, e nesse sentido é importante destacar que ela se centra especialmente
no espaço social e institucional da política cultural, abordando a dinâmica de interação dos
atores dentro desse espaço, em uma perspectiva sócio-histórica. Além disso, há de se
28
reconhecer que a condução dada ao objeto de estudo por meio dessa metodologia
favoreceu a uma perspectiva por vezes mais narrativa do que analítica. O roteiro
metodológico que orientou a produção da tese está resumido no quadro a seguir.
29
3ª – Analítica Análise do conteúdo das entrevistas e Entrevistados Análise da dinâmica das relações a partir das
questionários. (Observar convergências e entrevistas.
divergências nos discursos e buscar
identificar a lógica interna que estrutura
implicitamente o conjunto de suas
percepções, sentimentos e atitudes).
Identificação dos elementos estruturais que
condicionaram a ação dos atores envolvidos.
Análise processual dos episódios de
interação.
4ª – Conclusiva Explicação das problemáticas de articulação política do SNC, com base nas relações que o estruturam.
Reconstrução da trajetória do SNC a partir dos relatos dos atores.
31
Vale registrar que as entrevistas6, cujo roteiro consta no Apêndice B da tese, foram
produzidas entre 2016 e 2018 por meio de Skype, WhatsApp, telefone ou feitas
pessoalmente. A pesquisa também fez uso de questionário auto-aplicado composto por
questões abertas e encaminhado por e-mail, enquanto opção alternativa para a coleta de
informações.
6
As transcrições das entrevistas concedidas para esta pesquisa não foram publicadas porque algumas pessoas
pediram para não terem seus depoimentos integralmente disponibilizados; outras, ao final da entrevista,
manifestaram desconforto em ter as falas reveladas, apesar de terem inicialmente autorizada a publicação.
32
identificadas ao longo da tese. Para tentar amenizar tal problema, buscou-se obter
depoimentos, entrevistas e discursos publicados em jornais, revistas e, especialmente, no
site do Ministério da Cultura. Especificamente no caso dos representantes do Congresso
Nacional, tentou-se, sem sucesso, entrevistar Fátima Bezerra, Paulo Pimenta, Gilmar
Machado, Paulo Rocha, Paulo Rubem Santiago, João Derly, Jandira Feghali e Marta Suplicy.
A intenção era saber como as matérias relativas ao SNC tramitaram pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal, e como deputados e senadores se relacionaram com os
dirigentes do MinC. Nesse caso, a pesquisa utilizou como fonte de informação os
documentos disponibilizados no site oficial das duas casas legislativas.
Por fim, registre-se que a autora dessa tese participou de alguns momentos que
integraram o processo de construção da política em análise: foi coordenadora do Projeto
Pontos de Cultura na Bahia, na Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult/BA), no bojo
do Programa Mais Cultura (2008/2009); participou do Curso de Formação de Gestores do
SNC, conhecido como curso piloto (Salvador/BA, 2009/2010); integrou o Grupo de Trabalho
dos Sistemas Municipais de Cultura da Secult/BA (2014); foi analista técnica do Plano
Estadual de Cultura da Bahia, no projeto de apoio para elaboração de planos estaduais de
cultura, parceria do MinC com a Universidade Federal de Santa Catarina (2012/2013); foi
tutora no projeto EAD Planos Municipais de Cultura, parceria do MinC com a Universidade
Federal da Bahia (2014/2015); participou de encontros como: Seminários do Plano Nacional
de Cultura: políticas públicas pela diversidade, onde foi relatora do GT Fortalecer a ação do
Estado no planejamento e execução das políticas culturais (Salvador/BA, 2008); 1º Seminário
Cultura e Universidade: bases para uma Política Nacional de Cultura para as Instituições de
Ensino Superior (Salvador/BA, 2013) e 1º Seminário de Planos de Cultura, onde foi
palestrante (Florianópolis/SC, 2014). A participação em tais projetos e eventos contribuiu
para o acesso à informações e pessoas entrevistadas ao longo da pesquisa.
Estrutura da tese
Por fim, a tese é composta ainda de apêndices que visam fornecer informações extras
sobre determinados aspectos da pesquisa.
34
35
Não há, assim, um modelo único de federalismo que possa ser tomado como
referência. A análise comparativa entre os países federalistas ou mesmo a trajetória
histórica do federalismo no âmbito de um só país, como é o caso do Brasil, revelam as
diversas possibilidades de arranjos territoriais e organizativos em uma federação.
Tal diversidade é reflexo de uma série de variáveis, tais como: quantidade de unidades
territoriais constitutivas do Estado; grau de centralização e descentralização do poder;
separação ou superposição de poder entre governo central e governos subnacionais;
sistemas de governo; sistemas de representação; modelos de repartição de competências
etc. (ANDERSON,2009; BARACHO, 1986). Apesar disso, há um esforço por parte dos
estudiosos sobre o tema em identificar alguns princípios, características e definições para o
federalismo.
7
O federalismo foi instituído com a Constituição dos Estados Unidos da América em 1787, sendo considerado
um fenômeno moderno.
36
do poder local e, através deste, influenciar o poder central (DALLARI, 2005); (3) promover a
integração entre regiões, convertendo oposições naturais em solidariedade (DALLARI, 2005).
8
Lipjhart (2008) descreve as diferenças entre os dois tipos de democracia utilizando também a dimensão
executivos-partido, no qual vai tratar de temas como multipartidarismo, sistemas eleitorais, grupos de
interesse etc.
37
Para o autor, um mesmo país pode se localizar em eixos diferentes de acordo com
cada uma das variáreis, ou seja, ter ao mesmo tempo características da democracia
majoritária e da consensual. É o que ocorre com o Brasil, que formalmente desenvolve
quatro dos cinco elementos típicos da democracia consensual, absorvendo da democracia
majoritária a dependência do Banco Central ao Poder Executivo.
Mas, para além dessas variáveis, o que diferencia uma democracia consensual de uma
majoritária? Para Lijphart, tudo começa pela definição de democracia como “governo pelo
povo e para o povo” e pela questão: “quem governará, e a quais interesses deverá o governo
atender, quando o povo estiver em desacordo e as suas preferências divergirem?”
(LIJPHART, 2008, p.17). Para o autor, o modelo democrático majoritário e o modelo
consensual vão responder as essas questões de maneira distinta. O primeiro defenderá que
a vontade da maioria do povo deve ser atendida. Nesse modelo, o poder político é
concentrado na mão de uma pequena maioria, e pode ser caracterizado como exclusivo,
competitivo e combativo. Já o modelo democrático consensual procurará compartilhar e
limitar o poder, e tentará ampliar a participação por meio de acordos e negociações, ainda
que considerem ser melhor o governo da maioria do que da minoria. De acordo com Lijphart
(2008), a democracia consensual pode ser considerada mais democrática do que a
majoritária.
38
A definição e divisão dos poderes podem ser encontradas em uma Carta Magna com
bastante detalhamento ou de forma mais ampla, de acordo com cada país (ANDERSON,
2009). Os Estados Unidos possuem uma Constituição resumida, com 18 artigos que tratam
dos poderes privativos do governo federal, pertencendo aos estados as competências
remanescentes não enumeradas. Ou seja, aquilo que a Constituição não descreve como
competência da União, é matéria dos estados (ANDERSON, 2009; ALMEIDA, 2013). Já a
Constituição Federal do Brasil de 1988 é bastante detalhada, possuindo, na época de sua
aprovação, mais de 240 artigos. Além disso, constantemente são feitas alterações por meio
de Emendas Constitucionais, que, até 2018, somavam 999. É importante ressaltar que as
alterações sofridas pela Constituição brasileira não a caracteriza como flexível. A admissão
das Emendas no país passa por um longo trâmite que envolve apreciação e aprovação, com
dois turnos de discussão e votação, e com quórum qualificado nas duas Casas Legislativas:
Câmara dos Deputados e Senado Federal. Em caso de ameaça a algum dispositivo
constitucional, a matéria segue ainda para apreciação do STF.
9
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/quadro_emc.htm>.
Acesso em: ago. 2018.
39
10
Entrevista concedida ao jornalista Ederson Granetto, da Univesp TV, em 2012. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=L5i_GAXzpM0>. Acesso em: jun.2015.
40
entendimento dos seus respectivos partidos do que com os interesses de seus estados de
origem. Essa questão da representação territorial no Poder Legislativo é interessante. Ainda
que a tendência dos políticos seja votar de acordo com as definições de seus respectivos
partidos, em diversas matérias a questão territorial se coloca no centro do debate, a
exemplo da proposta de alteração das regras constitucionais de distribuição dos royalties do
petróleo, de 2003. A regra em vigor determinava que a União recebesse 40% dos royalties,
os estados produtores, 22,5%, e os municípios produtores, 30%. O restante (7,5%) era
distribuído pelas demais unidades constitutivas do país. A proposta debatida na Câmara dos
Deputados propunha alterar essa distribuição, não fazendo distinção entre entes produtores
e não-produtores. A nova configuração da divisão dos royalties seria: 40% para a União, 30%
para os estados e 30% para os municípios. Essa proposta ensejou grande debate, unindo na
oposição políticos de distintos partidos dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro
(principais produtores).
promover uma relação pacífica entre os governos central e locais. O que não significa,
entretanto, ausência de atritos entre os mesmos. No caso das competências relativas às
matérias, algumas Constituições preveem que todos os entes federados podem atuar
conjuntamente, sem haver definição clara do papel de cada um deles; ou ainda serem
omissas, podendo provocar disputas ou descaso. Em geral, isso ocorre porque as
competências podem ser de tipo: (1) exclusiva; (2) privativa; (3) comum; e (4) concorrente.
Na competência exclusiva, o nível de governo é independente para decidir sobre determina
matéria (ANDERSON, 2009). Ou seja, se a um ente for atribuído este tipo de competência,
somente ele poderá exercê-la, não sendo possível delegá-la ou renunciá-la a outro ente. No
segundo tipo, a competência é privativa de um único ente, mas ele pode delegá-la a outro
nível de governo ou permitir que este participe da matéria de maneira suplementar (PINHO,
2005). Por sua vez, as competências comuns, também conhecidas como cumulativas ou
paralelas, permitem que todos os níveis de governo atuem sobre uma mesma matéria ao
mesmo tempo, estando todos os entes no mesmo nível hierárquico (PINHO, 2005). Já nas
competências concorrentes, apesar da matéria ser objeto da atuação conjunta de todos os
entes federados, a cada nível cabe determinada atribuição, e podem ser verificadas quando
municipal, que até então estavam centralizadas no governo federal. Mesmo com variações
quanto ao grau de descentralização das políticas e quanto à adesão dos níveis de governo, a
autora considera que há um processo de redefinição de atribuições e competências que
alterará radicalmente o padrão centralizado que caracterizou o sistema de proteção social
do país. Para Arretche (2011, p. 17):
11
Entrevista concedida ao jornalista Ederson Granetto, da Univesp TV, em 2012. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=L5i_GAXzpM0>. Acesso em: jun.2015
43
12
No caso das populações indígenas, a exclusividade da União foi justificada pela preocupação em padronizar o
tratamento legal a ser dado a essas populações espalhadas pelo território nacional no intuito de evitar
discriminações regionais ou locais. (ALMEIDA, 2013).
44
Para alguns pesquisadores, o equilíbrio entre o poder da União e dos demais entes
subnacionais no Brasil poderia ser buscado a partir das competências legislativas do tipo
concorrente, onde a União estabelece as normas gerais e os estados e Distrito Federal
suplementam de acordo com as suas particularidades, sem que as normas específicas
estejam em desacordo com a norma editada pela União (ALMEIDA, 2013). De acordo com o
artigo 24 da Constituição de 1988, tais entes podem legislar concorrentemente sobre: VII -
proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII -
responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IX - educação, cultura, ensino, desporto,
ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação. Pelos incisos supracitados, as
legislações em torno da cultura podem ser editadas pela União, estados e Distrito Federal.
No caso dos municípios, a eles competem legislar sobre assuntos de interesse local;
suplementar a legislação federal e estadual do que couber; e “promover a proteção do
patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e
estadual”, conforme Art. 30, IX.
caos considerando o grande número de estados e municípios do país, “[...] que poderiam
fazer leis contraditórias, repetir atividades, omitir ações, ou seja, atuar em desarmonia uns
com os outros” (CUNHA, FILHO, 2010, p.78), daí a importância de se aprofundar o debate
sobre as relações federativas em matéria de cultura, algo que deve ser objeto central do
Sistema Nacional de Cultura. Tal discussão deve partir considerando singularidades do
campo cultural, o histórico das relações construídas entre os diferentes níveis de governo e
as próprias características do Estado federal brasileiro.
Uma das principais inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 foi a de
garantir expressamente aos municípios autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira (BRASIL, 1988). Para Paulo Bonavides (2002), esse status do ente municipal
conferido pela Carta de 1988 é ímpar: “Não conhecemos uma única forma de união
federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau
de caracterização política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da
definição constitucional [...]” (BONAVIDES, 2002, p. 314). O reconhecimento dos municípios
como ente federado não possui unanimidade entre os estudiosos do federalismo. No livro
Comentários à Constituição do Brasil, Fernanda Dias Almeida e Martonio Barreto Lima (2013)
apresentam parte do embate sobre o municipalismo que ambientou a constituinte de 87/88.
Almeida (2013) revela que a tese municipalista defendida por doutrinadores como Hely
Lopes Meirelles e Celso Ribeiro Bastos predominou sobre aquela que rejeitava aos
municípios a condição de entidade federativa. Condição questionada, por exemplo, por José
Afonso da Silva e Gilmar Mendes. Fernanda Almeida (2013) revela que, na verdade, salvo
alguns momentos, desde a Constituição de 1891, os municípios figuraram com certa
autonomia na organização político-administrativo do país. Portanto, a Federação brasileira
historicamente envolveu não apenas a ordem central e ordens estaduais, mas também os
entes políticos locais, com competências e autonomia. “Se assim sempre foi, o constituinte
de 1988, ao incluir expressamente os Municípios no art. 1º, também no art. 18, mais não fez
do que ceder diante de uma realidade histórica” (ALMEIDA, 2013, p. 701). Barreto Lima
(2013) complementa tal pensamento ao afirmar que a experiência política brasileira sempre
esteve fortemente vinculada ao poder local. Para o autor, o governo local sempre integrou o
46
Vale ressaltar no debate sobre autonomia dos municípios brasileiros que alguns
autores defendem que isso não pode ser compreendido como uma declaração de
descentralização e de democracia, e sim como uma tentativa de o governo central transferir
encargos e responsabilidades aos entes municipais, em um processo mais reativo de
atendimento a antigas exigências políticas (ABRUCIO; FRANZESE, 2007; PFEIFFER, 2000).
Além disso, argumentam que a transferência de responsabilidades para os municípios não
foi seguida de um fortalecimento dos mesmos para dotá-los de melhores condições
organizativas, financeiras, técnicas e administrativas. Assim, a maior parte dos municípios
brasileiros são institucionalmente frágeis e dependentes do governo central (ABRUCIO;
FRANZESE, 2007). Apontam, ainda, que dado o contexto do neoliberalismo que passou a
prevalecer nos anos seguintes à promulgação da Constituição de 1988, os municípios
passaram a atuar de maneira cada vez mais competitiva e menos cooperativa, em busca de
investimentos para aumentar a arrecadação fiscal (PFEIFFER, 2000). Todas essas
perspectivas parecem defender os efeitos perversos da descentralização de poder, que
47
Assim, há, pelo menos, dois temas-chave para compreender a autonomia federativa
no Brasil pós-1988: de um lado, o aspecto de baixa qualidade das burocracias regionais, que
não promovem satisfatoriamente bens e serviços públicos, e o histórico de domínio das
oligarquias locais; e, por outro lado, a possibilidade dos poderes autônomos implementarem
princípios democráticos, como a participação social. As duas coisas, por sua vez, estão
relacionadas, já que romper com as relações clientelistas que envolvem historicamente o
poder local e que comprometem a implantação de políticas públicas, impactam na
capacidade institucional de promover bens e serviços. Assim, novos arranjos institucionais e
administrativos poderiam provocar uma melhor eficiência gerencial e qualificar as
burocracias locais (KERBAUY, 2001).
Em relação aos entes estaduais, rapidamente cabe ressaltar que a Constituição Federal
de 1988 não estabeleceu um rol de suas competências, como ocorreu com a União e os
municípios. Aos estados cabem, portanto, as competências do tipo remanescentes,
conforme artigo 25, §1º. Para Fernanda Almeida (2013), a análise sobre isso revela que
48
Presidente da República. Foi o que aconteceu na Era Vargas (1930 – 1945), especialmente
após a Constituição de 1937 que dissolveu o Poder Legislativo e ampliou o domínio do
governo central frente aos estados. O período conhecido como Estado Novo caracterizou um
país que, constitucionalmente, se dizia federado, mas que na prática se enquadrava como
um Estado Unitário (BARACHO, 1986), permanecendo estados e municípios submetidos ao
governo federal. Uma cerimônia pública representa bem esse momento: em 1937, ao som
do Hino Nacional regido pelo maestro Heitor Villa Lobos, as 21 bandeiras dos estados foram
queimadas, dando lugar a 21 bandeiras nacionais, simbolizando a unidade do país.
13
Em síntese, a configuração foi: 1891-1930, descentralização; 1930-1945, centralização; 1946-1963,
descentralização; 1964-1985, centralização; 1985-1990, descentralização. (BRANDÃO, 2014).
50
movimentar para o lado descentralizador, o poder foi apropriado por elites regionais não
republicanas (ABRUCIO; FRANZESE, 2007; WALDEMAR, 1954 apud BARACHO, 1986). Assim,
mesmo após a Constituição Federal de 1988, que chegou a reconhecer autonomia dos entes
municipais, o país continuou com forte caráter centralizador (ISMAEL, 2014). Para Paulo
Bonavides (2002, p. 326): “O aspecto do centralismo continua, pois, presente, deitando
sombras e ameaças à ordem federativa, enquanto não se resolver a questão regional”.
Segundo o autor, uma instância de nível regional “[...] disporia de poderes muito mais
eficazes, perante o Governo Central, do que aqueles que, no seu insulamento e na sua
dispersão, os Estados componentes da Federação, seriam capazes de concentrar”
(BONAVIDES, 2002, p. 325). Assim, em sua opinião, é possível e desejável que as regiões se
tornem a quarta instância política da Federação.
Essa questão apontada por Bonavides se relaciona com a desigualdade histórica entre
as regiões do país e com a tímida cooperação existente entre os entes federados, que
continuam atuando de maneira desequilibrada e com pouca concertação. Para Celina Souza
(2009), questões não enfrentadas pelo federalismo brasileiro o tornam objeto de constante
tensão, pois
transferências condicionais por entender que isso não afeta a competência para legislar por
parte das unidades constitutivas, não impedindo ainda que os distintos níveis de governo
possam gastar numa mesma área.
Esse tema é fundamental para compreender como funciona, no Brasil, a relação entre
União, estados, Distrito Federal e municípios no planejamento e execução de políticas
públicas de caráter sistêmicas, como pretende o Sistema Único de Saúde e o Sistema
Nacional de Cultura, que justamente preveem repasse de recursos financeiros entre os entes
federados para desenvolvimento de ações coordenadas a nível nacional. Para Antonio
Lassance (2012, p. 23):
unidade se refere, por exemplo, à integração territorial, aos direitos fundamentais e direitos
humanos, a laicidade do Estado; e o lado da diversidade pode ser representado pela própria
questão da diversidade cultural, “[...] então, o que alimenta o federalismo e o que justifica a
existência do federalismo, diferentemente de um estado exclusivamente unitário, é
exatamente esses movimentos idealmente simultâneos e idealmente equivalentes em peso”
(CUNHA FILHO, 2017). Na opinião do pesquisador, o que vem ocorrendo de maneira geral
nos países é que o federalismo vem sendo construído de maneira desequilibrado, criando
estruturas que colocam o peso da balança mais do lado da unidade do que da diversidade.
internos, com as demandas crescentes dos cidadãos, que buscavam um Estado mais efetivo,
transparente e aberto à participação popular (BEVIR, 2011). A primeira onda de reforma
neoliberal respondeu à primeira narrativa com a redução do tamanho do Estado e
transferência de organizações e atividades para o setor privado através de privatizações e
terceirizações de serviço, como maneira de substituir a burocracia ineficiente. Os papeis
foram redefinidos e os cidadãos passaram a ser nomeados de consumidores ou usuários de
serviços (BEVIR, 2011). No caso do Brasil, Ana Paula de Paula (2005) destaca que o processo
de reforma neoliberal respeitou o caráter formal/institucional da democracia, mas manteve
características autoritárias do antigo regime, cujo programa de ação governamental estava
baseado na linha tecnocrática, centralizando na cúpula do governo todas as decisões. Assim,
dos anos 2000, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) conseguiu vencer as eleições
presidenciais de 2002, levando ao âmbito federal um conjunto de experiências
desenvolvidas nas prefeituras dirigidas pelo mesmo ou por outros partidos de esquerda, a
exemplo de: fóruns temáticos, conselhos de gestão tripartite, comissões de planejamento,
orçamentos participativos etc.
Ao longo dos governos dirigidos pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva e pela
presidenta Dilma Rousseff, ambos do PT, um dos mecanismos de participação social mais
presente foi a conferência, cujo objetivo é debater e congregar propostas para o
fortalecimento de políticas públicas específicas, agrupando contribuições advindas dos
âmbitos local, estadual e nacional, envolvendo poder público e sociedade civil. No governo
Lula da Silva (2003-2010), ocorreram 74 conferências pautadas por 40 temas de diversas
áreas (juventude, saúde, educação, cultura etc.), e no primeiro mandato de Dilma Rousseff
(2011-2014), o número de conferências foi de 28. Vale registrar que no governo Collor de
Mello (1990-1992) ocorreram duas conferências; o Governo Itamar Franco (1993-1994)
realizou seis; e 17 conferências foram convocadas ao longo dos dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) (ARAGÃO, 2013; BRASIL, 201514).
14
Dados do site http://www.brasil.gov.br/governo/2015/07/plataforma-digital-amplia-participacao-da-
sociedade. Acesso: 17 nov. 2016.
57
Especificamente sobre este último período, vale destacar o empenho do governo federal em
organizar políticas culturais voltadas para uma pretensa integração nacional. Em síntese, a
atuação do Estado na cultura entre 1964 e 1985 pode ser compreendida em dois eixos: por
um lado, ele repreendeu e censurou expressões que estavam em desacordo com o regime; e
por outro, fortaleceu as suas estruturas, e tentou utilizar a cultura como uma esfera de
legitimação do regime político, buscando adesão de artistas e intelectuais ao governo
(MOISES, 2001). O Estado se comportou como “incentivador da produção cultural e,
sobretudo, o criador de uma imagem integrada de Brasil que tenta se apropriar do
monopólio da memória nacional” (OLIVEN, 1984, p.50). A questão da integração não esteve
apenas no campo cultural, esteve também presente no futebol, “[…] símbolo máximo de
integração nacional, apresentando a conquista da Copa do Mundo como fruto do gênio, da
garra e do jeitinho nacional, qualidades suspostamente exclusivas do povo brasileiro.”
(OLIVEN, 1984, p.50).
Além de prever uma atuação mais articulada, vale destacar a indicação do CFC para
elaboração do Plano Nacional de Cultura. Nesse sentido, em abril de 1968 foi realizada a
primeira reunião nacional dos Conselhos de Cultura com a presença de representantes de
todos os estados. De acordo com Calabre (2009), no discurso de abertura, o conselheiro
Josué Montello ressaltou que aquele encontro era o primeiro passo para a construção de um
Sistema Nacional de Cultura. O resultado desse trabalho só se concretizou anos mais tarde,
com a divulgação do documento Diretrizes para uma Política Nacional de Cultura, um plano
que descrevia a cultura como “meio indispensável para fortalecer e consolidar a
nacionalidade” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1975, p. 09). Este documento,
conhecido como PNAC, formalizou diretrizes programáticas na perspectiva de organizar a
política cultural a nível nacional, inclusive propondo criar um sistema de cultura com a
participação de múltiplos atores: (1) Conselho Federal de Cultura; (2) Departamento de
Assuntos Culturais (MEC); (3) Secretaria de Planejamento da Presidência da República; (4)
Ministério de Relações Exteriores; (5) outros ministérios e instituições; (6) Universidades; e
(7) Unidades federadas (estados, territórios, Distrito Federal e municípios). De acordo com o
texto do PNAC, o MEC, através do Departamento de Assuntos Culturais (DAC), deveria
“mobilizar recursos financeiros e intensificar programas, com a colaboração das unidades
que, em regime de subordinação ou vinculação, o integrem e, ainda, outras instituições,
públicas ou particulares, tendo em conta a especificidade de sua área de atuação”
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1975, p. 40); e, por sua vez, às unidades federadas
competiam fazer: Plano de preservação de acervos naturais e de valor cultural
(complementares ao âmbito federal); Plano de regionalização das atividades culturais;
Cooperação com iniciativas do Departamento de Assuntos Culturais; Promoção de festivais
para difundir as manifestações locais, regionais ou interregionais; e programas de ensino
para promover a vocação dos estudantes.
Tal análise pode ser feita a partir de diversas perspectivas e por meio de distintas
metodologias propostas pelas várias correntes de pensamento dedicadas à análise de
políticas públicas, que são objeto de estudo de áreas como sociologia, ciência política,
economia, administração etc., daí a existência de diversos métodos e ferramentas teóricas
que permitem uma ampla gama de abordagens sobre a matéria. Mas, quais seriam os
elementos de caracterização e de definição de políticas públicas? De acordo com Patrick
Hassenteufel (2009), políticas públicas, a princípio, correspondem ao conjunto de ações do
Estado; e a origem dos termos política – o qual o autor analisa a partir de três expressões da
língua inglesa: polity, politics e policy – e pública, conduziriam à centralidade que o Estado
possui em tais ações. Entretanto, Hassenteufel adverte que a fronteira entre o público e o
privado é cada vez mais tênue considerando que atores não estatais também podem ser co-
produtores da ação pública, a exemplo do que ocorre com empresas privadas que prestam
serviços públicos (transporte, comunicação, energia etc.), e nesse sentido, a análise de
políticas públicas não pode mais ser limitada à ação do Estado.
De acordo com Hassenteufel (2009), tais críticas ao modelo racional abriram caminho
para uma terceira etapa na análise de políticas públicas, “[...] caracterizada por destacar os
atores das políticas públicas (compreendidos em uma dupla perspectiva estratégica e
cognitiva) e aos seus modos de interação” (tradução nossa) (p. 21). Segundo o autor: “A
superação do modelo racional ocorre, então, na tentativa de explicar políticas públicas
baseadas nas características estruturais das interações dos atores, sejam públicos ou
privados” (HASSENTEUFEL, 2009, p. 21-22).
analisar o processo de interação entre os atores que atuaram na construção de tal política
poderia nos permitir compreender e explicar algumas ações desenvolvidas ao longo de sua
trajetória. Isso nos possibilitaria analisar o SNC para além do organograma do órgão
responsável pela sua implantação (Ministério da Cultura), das suas regras de funcionamento
e dos instrumentos normativos produzidos no seu entorno, ainda que todos esses aspectos
tenham importância e estejam presentes ao longo do trabalho.
Além disso, a opção por buscarmos chaves explicativas sobre o Sistema Nacional de
Cultura a partir da atuação dos seus atores decorre da dificuldade de obtermos respostas
“imediatas” para questões como: por que uma política proposta como prioritária na
campanha de um candidato que foi eleito presidente da República, enfrentou tantos
percalços para ser constituída durante o seu mandato?
O caminho para buscar tais respostas seguiu o método oferecido pela sociologia das
organizações e utilizou como referência a obra L’acteur et le système, de Michel Crozier e
Erhard Friedberg, publicada originalmente em 197715. Em resumo, eles propõem o estudo
de uma organização, ou sistema de ação, a partir das relações de poder por meio das quais
os seus integrantes, denominados atores, negociam. De acordo com Crozier e Friedberg
(1990), em toda organização há “[...] uma segunda estrutura de poder, paralela ao que o
organograma oficial codifica e legitima”. (tradução nossa) (p. 75). Essa outra estrutura se
conforma nas chamadas zonas de incerteza, onde os atores tem uma determinada margem
de liberdade para negociar continuamente.
Para os autores, o estudo das organizações deve envolver a observação das atitudes,
comportamentos e estratégias dos seus integrantes, bem como as restrições que os mesmos
sofrem para atuar, verificando como as regras do jogo são formadas dentro de um
determinado sistema de ação. Ao pesquisador cabe reconstruir esse jogo a partir da sua
lógica de conformação, observando um conjunto de elementos que serão resumidamente
apresentados neste capítulo.
15
Esta obra não foi traduzida para o português. As traduções de trechos feitas neste capítulo teve como
referência a publicação em espanhol “El actor y el Sistema”, de 1990, com o aporte do texto original, em
francês.
64
Por sua vez, os atores não podem ser analisados isoladamente, como se atuassem fora
de um contexto, com total racionalidade e liberdade para negociarem entre si. Eles operam
no âmbito de uma organização compreendida como um conjunto de mecanismos que
restringem consideravelmente as possibilidades de negociação dos seus integrantes. São os
mecanismos de restrição que permitem que a organização se mantenha como um conjunto,
e não se desintegre. Nesse sentido, a existência da organização depende da capacidade dos
seus integrantes se mobilizarem para atuar de forma favorável ao seu funcionamento. Por
sua vez, essa cooperação não deve ser confundida com a reunião de objetivos comuns dos
atores, pois no máximo há objetivos compartilhados. Isso porque a própria divisão do
trabalho na organização, o lugar previsto no organograma e a função correspondente, faz
com que cada membro priorize distintos objetivos e trace estratégias pessoais para ter
maior capacidade de negociação. Por isso, Crozier e Friedberg (1990) destacam que a
existência e o funcionamento de uma organização não dependem apenas da integração de
todas as atividades indispensáveis para o alcance de um resultado, mas de integrar as
relações de poder a as estratégias dos atores para a consecução de tais atividades, ou seja, a
organização é um espaço de ação, de conflito, com seus jogos e contratos.
Na concepção de Crozier e Friedberg, o poder não deve ser entendido como algo a ser
possuído, como uma propriedade ou atributo abstrato, mas como uma relação onde um
determinado ator pretende obter certa atitude por parte de outro ator para alcançar um
objetivo. Assim, o poder é uma relação de intercâmbio e negociação, que é construído a
cada situação. Para compreender a natureza dessa relação, os autores apresentam três
perspectivas do poder: (1) como uma relação instrumental; (2) não transitiva e (3) recíproca,
66
De acordo com Crozier e Friedberg, toda organização deve sempre negociar com o seu
entorno para que seus objetivos possam ser cumpridos. Para tanto, é preciso construir um
certo numero de redes mais permanentes, envolvendo interlocutores privilegiados que
possam atuar como representantes de um segmento exterior perante a organização. Nessa
relação de intercâmbio, o interlocutor pode prestar informações sobre a situação do seu
segmento de origem e, por outro lado, acabar atuando como espécie de representante da
organização e dos interesses destas no seu segmento originário. Para a organização, esse
interlocutor funciona como um redutor de incerteza, e esta sua capacidade é justamente o
que o interlocutor coloca em negociação no momento em que se relaciona com a
organização. Essa relação de cooperação acaba gerando sistemas de relação autônomos e
integrados, onde os atores da organização dependem dos interlocutores para que possam
16
Uma das fontes de poder é aquela que possibilita que um ator possua melhores condições de negociar
decorrentes de sua experiência (expertise, no termo original) na organização. Sendo um especialista
dificilmente substituível, capaz de resolver problemas cruciais, esse ator possui mais poder de barganha em
relação aos seus colegas. Mesmo que haja outras pessoas aptas a resolverem tais problemas, os especialistas
tornam os conhecimentos inacessíveis e convertem as suas experiências particulares em fundamentais e
custosas de serem substituídos. (Ibid., 1990).
68
definir seus objetivos e estratégias, e os interlocutores têm nessa relação com a organização
a sua fonte de poder.
Na visão de Crozier e Friedberg (1990), todos os atores tem seu campo de negociação
delimitado pelas características estruturais de uma organização. É ela que define os lugares,
as condições e regula o desenvolvimento das relações de poder. As estruturas e as regras
oficiais de uma organização, seu organograma e regulamentos internos, ao mesmo tempo
em que organizam os setores e procedimentos, limitam a ação dos seus integrantes,
condicionando as suas estratégias. Essas regras e estruturas, porém, não são neutras e nem
indiscutíveis. Não são neutras porque, ao estruturar o campo de negociação, beneficiam uns
em detrimento de outros, e podem ser usadas tanto como ferramentas de proteção como
de ação por parte dos atores. E são discutíveis no momento em que os atores tentam
modificá-las para reestabelecerem a sua margem de liberdade e a sua capacidade de ação.
série de jogos nos quais participam os diferentes atores e cujas regras formais e informais
[...] delimitam um leque de estratégias racionais [...]” (tradução nossa) (CROZIER;
FRIEDBERG, 1990, p. 94), dito de outra maneira, a organização não seria mais do que “[...] o
conjunto de jogos articulados entre si” (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p. 95).
Nesse ponto vale ressaltar alguns aspectos: (1º) a existência do jogo não implica em
igualdade inicial entre os jogadores; (2º) dizer que há regras do jogo não significa que essas
tenham sido fruto de um consenso; (3º) os jogos não são idênticos entre si em todos os
níveis da organização, ou seja, o que ocorre na cúpula é distinto da base, entretanto eles se
relacionam por meio dos mecanismos de regulamentação ou de normais gerais da
organização, portanto, não são independentes; (4º) um jogo pode abarcar uma grande gama
de estratégias, sendo então concebido como um jogo aberto, ou aceitar apenas uma, sendo
assim um jogo fechado, mas, segundo Crozier e Friedberg, o mais recorrente nas
organizações é que haja um numero limitado de estratégias vencedoras.
e Friedberg (1990, p. 47): “É um comportamento que sempre tem um sentido; o fato de que
não possa relacioná-lo com objetivos claros, não significa que não possa ser racional”
(tradução nossa). Além disso, o comportamento do ator deve ser relacionado com as
oportunidades definidas pelo contexto onde está inserido, e está vinculado ao
comportamento de outros atores e do próprio jogo que se estabelece entre eles.
Além dos objetivos, outro termo que para Crozier e Friedberg deve ser utilizado com
cautela por parte do investigador é função, pois se referir à função de um ator em uma
organização pode levar o pesquisador a tecer descrições excessivamente formais,
produzindo um relato limitado do que o ator deveria fazer, e não de como realmente age.
Considerando que a organização é resultado de uma série de jogos, onde os atores definem
as suas estratégias a partir de suas próprias capacidades, é limitante analisar um ator apenas
pela sua função, como se ele atuasse de uma maneira única e pré-determinada.
A pesquisa buscou, assim, deixar espaço para que as atuações dos atores fossem
reveladas a partir de suas próprias falas e ações, sem ter por foco as motivações que os
71
levaram a agir de uma maneira ou de outra. O interesse foi, nesse sentido, desvelar as
consequências dos atos para a construção da política pública em análise.
Além disso, consideramos importante registrar que os relatos dos atores foram
intercalados com informações e debates sobre a política em si, identificando seus conceitos,
objetivos, ações implementadas etc., mesmo com as dificuldades e riscos que isso
representou, já que as informações estão dispersas.
Por fim, vale esclarecer que no Apêndice-A desta tese consta a lista de todos os atores
que participaram da pesquisa, com um pequeno resumo de sua trajetória; e que a
construção do Sistema Nacional de Cultura foi apresentada cronologicamente, partindo do
seu marco inicial – a campanha à presidência do Brasil do candidato do Partido dos
Trabalhadores Luís Inácio Lula da Silva – e finalizando em 2016, com o impeachment da
presidente Dilma Rousseff.
da campanha eleitoral de 2002 de Luís Inácio Lula da Silva, candidato à presidência pelo
Partido dos Trabalhadores (PT) que compôs a coligação Lula Presidente, junto ao Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Liberal, Partido da Mobilização Nacional e Partido
Comunista Brasileiro. Ao longo da investigação, esse documento foi referenciado por
diversos atores como o momento primeiro de concepção do Sistema.
17
Nesse período, as trajetórias eram: Antônio Grassi: secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (2002);
Hamilton Pereira: secretário de Cultura do Distrito Federal (1997-1998); Marco Aurélio Garcia: secretário
municipal de Cultura de Campinas/SP (1989-1990) e de São Paulo (2001-2002); João Roberto Peixe: secretário
municipal de Cultura do Recife/PE (2001-2008); Márcio Meira: presidente da Fundação Cultural do Município
de Belém (1998-2002); Margarete Moraes: secretária municipal de Cultura de Porto Alegre/RS (1995-2000);
Sérgio Mamberti: dramaturgo, produtor cultural e um dos membros fundadores do PT.
74
De acordo com Vitor Ortiz (2017) – que foi secretário de cultura de Porto Alegre/RS,
diretor da Funarte na gestão Gilberto Gil e secretário executivo do MinC na gestão Ana de
Hollanda –, no período que antecedeu a eleição de Lula, o PT articulou várias reuniões sob a
liderança de Hamilton Pereira com a intenção de construir uma política nacional de cultura:
“O Hamilton era um dirigente da Fundação Perseu Abramo18 e ele foi encarregado pelo
Partido de construir o programa A imaginação a serviço do Brasil.” (ORTIZ, 2017). Tal
programa, segundo Vitor Ortiz (2017), foi majoritariamente formulado por pessoas
vinculadas ao PT, sobretudo aquelas que possuíam experiência de governo, pois isso era
considerado um aspecto fundamental. Márcio Meira, ex-presidente da Fundação Cultural do
Município de Belém/PA e secretário de Articulação Institucional do MinC no primeiro
Governo Lula, também faz referência a Hamilton Pereira como um dos responsáveis pelo
Programa. De acordo com Meira (apud REIS, 2008), ele e Hamilton Pereira coordenaram o
processo que culminou na produção do documento programático para a área cultural.
18
Instituição criada pelo PT em 1996 com objetivo de desenvolver atividades de reflexão política, ideológica,
promoção de debates, estudos e pesquisas.
19
Marco Aurélio Garcia (falecido em 2017) foi um dos fundadores do PT. Trabalhou como assessor especial
para Assuntos Internacionais nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff. Era professor aposentado do
Departamento de História da Universidade de Campinas. Foi secretário municipal de Cultura de Campinas/SP
(1989-1990) e de São Paulo (2001-2002), na gestão de Marta Suplicy.
75
reunir vários atores envolvidos com as políticas culturais, “[...] realizar um diagnóstico das
várias experiências locais petistas e de outros partidos, e iniciar um processo de construção
de um projeto de política cultural mais integrado e de caráter nacional, com vistas à disputa
presidencial de 2002” (MEIRA, 2016a, p. 136).
Havia nesse encontro de 2001 uma avaliação de que tinha chegado a hora
de reforçar e articular as ideias e princípios programáticos já acumulados
com as experiências concretas de governo do PT e outros aliados políticos,
com vistas à disputa eleitoral de 2002. (MEIRA, 2016b)
Esse evento ocorrido em São Paulo também foi responsável pela rearticulação do
Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Municipais de Cultura das Capitais. De acordo
com João Roberto Peixe (2017), que assumiu a direção desse Fórum enquanto secretário de
Cultura do Recife e que posteriormente dirigiu a Secretaria de Articulação Institucional do
MinC na gestão Ana de Hollanda:
20
Luis Dulci foi um dos fundadores do PT. Trabalhou como ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da
República durante os dois mandatos do presidente Lula. Na área cultural, foi secretário de Cultura de Belo
Horizonte (1997-1998), na gestão Célio de Castro (membro do Partido Socialista Brasileiro até 2001, quando
entrou para o PT). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo (1996-2003) e é um dos diretores do Instituto
Lula.
21
Informação enviada por e-mail em 24 de abril de 2018.
76
De acordo com Albino Rubim (2016a), também em 2001 foi criado o Fórum Petista de
Dirigentes Municipais de Cultura com o objetivo de organizar o setor dentro do Partido,
possivelmente um desdobramento desse movimento em torno do Fórum Nacional. Sobre a
movimentação dessa época, em entrevista concedida à Revista Isto É, Antônio Grassi (apud
LOBATO, 2002) comenta:
culturais, garantindo os processos de fruição, e garantir aos cidadãos o direito de intervir nas
decisões políticas, participando das definições das diretrizes para a cultura e dos orçamentos
públicos (CHAUÍ, 2008). Segundo Roberto Lima (2016a, p.39):
[...] era uma questão muito importante, era ir por bairro, ir pra
comunidade, então a gente fazia conferências municipais de cultura, nas
nossas prefeituras, ou fóruns municipais de cultura e era assim, carro de
som no bairro, dizer olha a prefeitura vai fazer reunião sobre politica
cultural, na igreja no sábado de manhã, estão todos convidados [...] (MEIRA
apud ARAGÃO, 2013, p. 128).
De acordo com Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013), foi nessa época que surgiu a ideia
de que a política cultural não deveria ser uma política para os artistas, e sim para a
sociedade “[...] os artistas são um parceiro, digamos privilegiado [...] Politica de cultura [...] é
pra população, agora os artistas, os operadores da cultura [...] são os principais parceiros da
política pra que a população tenha plena inserção na vida cultural do país etc” (MEIRA apud
ARAGÃO, 2013, p. 128).
[...] há uma crescente negação de uma cultura da paz, que perde espaço
diante do avanço das políticas neoliberais, para as quais a dimensão cultural
de valores como o individualismo, a competitividade e o primado do
mercado, inclusive e principalmente de bens simbólicos que oprimem os
valores outros, tem um caráter capital. A economia de mercado se
sobrepõe à política e ao caráter humanista do desenvolvimento. (PT, 2002,
p. 11)
78
empenho do governo para sua aprovação (item 3.1). A descrição do SNPC aparece na
proposta 3.2, cuja primeira frase indica que o sistema deveria ser implantado com base nas
prescrições constitucionais e que seria um meio para o poder público garantir a “[...]
efetivação de políticas públicas de cultura de forma integrada e democrática, em todo o
país, incluindo aí, especialmente, a rede escolar” (PT, 2002, p.20). De acordo com Márcio
Meira (2016a, p. 138), o contexto de mobilização cultural vivenciado no país a partir dos
anos 2000, “[...] já enfatizava a necessidade e a importância crucial da relação entre a
política cultural e a política educacional, ou seja, a necessidade de encarar a rede escolar
como estratégia, e a escola como um equipamento cultural fundamental”. A preocupação
em articular o tema da cultura com a educação também aparece no item 3.3, que propõe a
definição de Instituições Nacionais de Referência Cultural para atuarem na formação e
capacitação especializada de técnicos municipais, estaduais e federais. A seleção de
instituições já existentes e a integração ao SNPC deveria permitir o atendimento à “[...]
demandas de regiões do país desassistidas de pessoal qualificado para desenvolver
localmente políticas públicas de cultura.” (PT, 2002, p.21). Ainda que tardiamente, como
será observado ao longo dos próximos capítulos, o Ministério da Cultura desenvolveu ações
voltadas para a formação de gestores e conselheiros de cultura ao longo da implantação do
SNC, entretanto, o mesmo não ocorreu com relação à rede escolar, que até 2016 não fez
parte de qualquer ação do Sistema.
De acordo com Vitor Ortiz (2017), a ideia do SNC surgiu no bojo dos encontros que
levaram à concepção do A Imaginação a serviço do Brasil, tendo sido uma proposta
impulsionada por Márcio Meira:
Foi nesse período de início dos anos 2000, que no PT surgiu essa discussão
de criar um grupo nacional que pudesse contribuir com a formulação de
82
Houve uma série de seminários no Brasil e ali então se começa a falar num
Sistema Único de Cultura, depois eu não sei quem... se foi Márcio Meira,
mas a sigla ia ficar SUC, aí todo mundo achou que não era bom SUC [risos],
a sigla acabou sendo Sistema Nacional de Cultura [no documento consta
Sistema Nacional de Política Cultural], que refletiu a posição política de
presença do Estado enquanto poder na formulação e execução de políticas
culturais. (MATA MACHADO apud BARBALHO, 201[?])
Hamilton Pereira (2018) também vincula a ideia do SNC à figura de Márcio Meira:
alijados [...].” (LIMA, 2016a, p.43). Na opinião de Aloysio Guapindaia (2016) – um dos
colaboradores do A imaginação a serviço do Brasil e um dos gerentes da SAI/MinC entre
2003 e 2006 –, a ideia de Sistema previsto no documento de campanha só começou a se
estruturar na Secretaria de Articulação Institucional.
[...] a nossa preocupação desde o programa do Lula era muito mais com a
presença do Estado, mais aí o Estado enquanto gênero geral, federal,
estadual e municipal, na formulação e execução de políticas públicas de
cultura. A nossa visão era muito mais essa. A gente não tinha muito na
cabeça a questão federativa, a gente já partia dela como dada em função
da inspiração no Sistema Único de Saúde. (MATA MACHADO, 2017)
Por definição, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o conjunto de ações e serviços de
saúde prestados por órgãos e instituições públicas da União, estados e municípios, com
permitida participação complementar da iniciativa privada, conforme Lei nº 8.080/1990. Seu
modelo de organização é baseado na distribuição de competências envolvendo todos os
níveis de governo, que conformam uma rede regionalizada e hierarquizada, tendo por
diretrizes a descentralização, o atendimento integral e a participação da comunidade (Art.
198 da CF/1988). Em síntese, nessa distribuição de atribuições tem-se que a União fica
85
Então nós nos inspirávamos muito no Sistema Único de Saúde, tanto é que
você vai ver que na conferência nacional de cultura, na primeira, uma das
palestrantes era uma pessoa do Ministério da Saúde que veio pra fazer uma
palestra para delegados, sobre o funcionamento e a estrutura do SUS e a
história do SUS também; como é que o SUS surgiu, por que surgiu, como
surgiu e etc... como se constituiu, pra que o pessoal da cultura visse como é
que tem um outro sistema público que funciona e que, portanto, pode ser
aplicada também pra uma política pública de cultura. (MEIRA apud
ARAGÃO, 2013, p.128-129)
De acordo com Roberto Lima (2016b), o SUS e outros sistemas nacionais, como o de
educação e de assistência social, constituíram importantes referências para o sistema de
cultura, entretanto, desde o início se tinha a preocupação em observar as singularidades da
área cultural: “[...] era claro que no campo da cultura não caberia uma arquitetura
institucional que engessasse e tirasse a liberdade e a autodeterminação características do
processo cultural” (LIMA, 2016b). Segundo Márcio Meira (apud REIS, 2008), apesar de o SNC
ter sido inspirado no SUS, há aspectos distintos entre ambos, especialmente quanto ao
principio da universalidade: “[...] [no SNC] o universal é apenas o acesso, o direito, mas a
produção cultural é sempre plural. Então por isso um sistema nacional, porque ele precisa
86
ser nacional, mas ele tem que ser necessariamente plural, aberto, que dialogue com o
mundo” (MEIRA apud REIS, 2008, p.123).
Para Humberto Cunha Filho (2010), a referência do SUS para a área da cultura precisa
ser utilizada com muita cautela. O professor chama atenção para a impossibilidade de a área
cultural reproduzir, por exemplo, os critérios de partilha de atribuições por níveis de governo
como ocorre na saúde, em relação ao nível de complexidade do atendimento, e na
educação, onde a União responde pelo ensino superior, os estados pelo ensino médio e os
municípios pelo ensino fundamental. Nesse sentido, expõe Cunha Filho (2010, p. 129):
Podemos destacar, por exemplo, o fato de o SNC ter a sua origem vinculada ao
documento de campanha e, especificamente, a determinados atores que integravam o
Partido dos Trabalhadores, especialmente Márcio Meira e João Roberto Peixe. Tal relação
aproxima diretamente a proposta do SNC ao PT. Nos relatos apresentados também fica
87
Após a vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002, a
composição do quadro de dirigentes do Ministério da Cultura envolveu o protagonismo de
atores que não fizeram parte do movimento em torno do A imaginação a serviço do Brasil.
Para os dois mais altos cargos do MinC foram nomeadas pessoas não filiadas ao Partido dos
Trabalhadores: o músico Gilberto Gil para o cargo de ministro da Cultura e o sociólogo Juca
Ferreira para a Secretária Executiva, ambos filiados na época ao Partido Verde, que por sua
vez não havia integrado a coligação Lula Presidente, mas que posteriormente passou a
compor a base de apoio ao governo.
Apesar de o objetivo desta tese não ser o de apresentar uma retrospectiva profunda
da trajetória de cada um dos atores do Sistema Nacional de Cultura, é importante conhecer
minimamente alguns dos seus passos para compreender suas atuações no âmbito do
Ministério da Cultura, especialmente em se tratando de pessoas que ocuparam altos cargos
na instituição. Isso poderá facilitar o entendimento quanto a alguns discursos e ações, cujas
explicações não se esgotam em posicionamentos político-partidários.
Na época a indicação [de Gil] foi uma surpresa para a maioria das pessoas
que haviam participado dos processos de discussão cultural durante a
campanha, inclusive na caminhada de formulação do programa ‘A
imaginação a serviço do Brasil’. A vasta militância dos movimentos culturais
que mantinha relações políticas, proximidades e simpatias com o Partido
dos Trabalhadores e seus aliados, em todas as regiões do Brasil, esperava
que Lula indicasse um petista para o Ministério, mas Lula surpreendeu a
todos, e foi sábio em sua decisão. (MEIRA, 2016a, p. 138).
Segundo Paulo Miguez (2017) – professor e pesquisador da área da cultura, assessor
especial do ministro Gil e secretário de Políticas Culturais do MinC entre 2003 e 2005 – a ida
de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura se deu por meio da articulação de Roberto Pinho
com Antônio Palocci.
23
Escritor e cineasta. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños,
em Cuba; Diretor do Instituto Dragão do Mar de Arte e Indústria Audiovisual; membro da Fundación del Nuevo
Cine Latinoamericano; subsecretário do audiovisual do Rio de Janeiro, no governo Benedita da Silva (2002).
Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura entre 2003 e 2007.
89
Sobre a posição do presidente Lula da Silva em optar pela nomeação de Gil à alguém
do PT, Aloysio Guapindaia (2016) comenta: “O Lula pensou diferente, realmente ele preferiu
colocar um artista que tivesse projeção política no cenário nacional, além de projeção
artística como Gilberto Gil”. A nomeação de Gil para o cargo máximo do Ministério da
Cultura, para além da surpresa, sofreu resistências.
Quando o Presidente [Lula] bateu o martelo e disse que era Gilberto Gil,
alguns tornaram pública sua adesão e outros permaneceram durante algum
tempo questionando a indicação de Gil. Acho que duas razões levavam a
esse questionamento: primeiro porque havia dentro do PT quadros que
poderiam ocupar a pasta ministerial da cultura; e de outro porque havia um
certo desconforto em relação a Gilberto Gil, seja pelo fato dele ser um
artista, uma pessoa sem vinculação partidária ao PT – embora tivesse
filiação ao PV, não era uma escolha do Presidente por conta da sua
vinculação partidária, Gil não foi escolhido porque era do PV; e havia
também uma desconfiança em relação à passagem de Gil pela política,
tanto como vereador de Salvador, onde ele não teve uma atuação muito
boa, como na Fundação Gregório de Mattos. Então havia essa resistência.
(MIGUEZ apud REIS, 2008, p.56)
Sobre essa situação, Bernardo Mata Machado (2017) comenta: “[...] tinha muitas
expectativas que o Ministério fosse para o PT, inclusive houve reuniões com o Lula pra
reclamar da nomeação de Gil, depois o Gil surpreendeu, fez uma excelente gestão”. Para
Vitor Ortiz (2017), os problemas derivados da composição do MinC a partir da nomeação de
Gil não foi relativo a ele em si, mas às pessoas que foram levadas para trabalhar junto ao
ministro.
[...] uma coisa que aconteceu realmente é que logo no início se estabeleceu
uma disputa. A escolha do Gilberto Gil foi uma surpresa para esse
movimento que tinha se articulado em torno da Fundação Perseu Abramo,
90
[...] Eu acho que isso criou uma tensão muito grande, naquele mês de
dezembro, eu lembro quantas vezes, em novembro e dezembro, estive em
Brasília, por conta disso, e na hora que se anunciou o Gil, essa temperatura
aumentou em “N” vezes... com uma indicação do centro de governo da
necessidade de Gil compor com o PT, do grupo Gilberto Gil compor com o
grupo do PT [...] (NASCIMENTO JUNIOR apud RUBIM, AMAZONAS e COSTA,
2009)
Aloysio Guapindaia (2016) também comenta sobre essa composição do Ministério, que
contou com a intermediação do presidente Lula.
No começo aquilo foi um choque para todos nós, houve uma divergência,
mas o Lula com a sua capacidade de fazer acordos, ele fez um acordo com o
setor cultural do PT, da turma do PV, porque o Gilberto Gil era do PV
naquela época, principalmente com o Juca Ferreira que o Gil estava
trazendo como Secretario Executivo para o Ministério e foi feita uma
composição entre o PT e PV dentro do Ministério. (GUAPINDAIA, 2016).
Vale ressaltar que no MinC havia a presença de outros partidos, como o PCdoB,
representado especialmente na figura de Manoel Rangel Neto, que foi assessor especial de
Gilberto Gil e secretário-substituto do Audiovisual entre 2004 e 2005, e de 2006 a 2017 foi
diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Gilberto Gil tomou posse do cargo de ministro da Cultura no dia 2 de janeiro de 2003,
em Brasília. No seu discurso, citou que entendia a escolha de Lula por seu nome como:
um artista que nasceu dos solos mais generosos de nossa cultura popular e
que, como seu povo, jamais abriu mão da aventura, do fascínio e do desafio
do novo. (GIL, 2003a)
Na oportunidade, Gil enfatizou a responsabilidade do Estado por criar condições de
acesso aos bens simbólicos, oferecer possibilidades para criação e produção de bens
culturais, promover o desenvolvimento cultural da sociedade, enfim, deixar de ser omisso e
passar a formular e executar políticas públicas. Também criticou o antigo posicionamento do
MinC de centrar suas ações nos mecanismos de isenção fiscal, “[...] entregando a política
cultural aos ventos, aos sabores e aos caprichos do deus-mercado” (GIL, 2003a); reconheceu
a diversidade cultural brasileira, “um dos nossos traços indenitários mais nítidos” (GIL,
2003a); propôs atuar transversalmente com outros ministérios, especialmente com o
Ministério das Relações Exteriores; e afirmou que o MinC precisava ser o espaço de
experimentação, “da disponibilidade para a aventura e a ousadia. O espaço da memória e da
invenção” (GIL, 2003a).Vale ressaltar que o discurso de posse de Gil apresenta, em geral,
consonância com os conceitos utilizado no A Imaginação a serviço do Brasil, mas traduz
também as suas próprias perspectivas sobre o que entende por cultura, por Estado, por
sociedade, por política cultural etc., refletindo a sua própria trajetória de vida. Nas palavras
do próprio Gil:
Os que conhecem a minha trajetória sabem que, desde os anos 60, tenho
participado da cultura brasileira de várias maneiras, seja no campo da
criação, seja nos campos da reflexão e da política. Foram e seguem sendo
intervenções complementares, que conduzem a um equilíbrio entre o
artista e o cidadão. (GIL, 2005a)
Em relação à posse da nova equipe de dirigentes do MinC, em cerimônia realizada em
15 de janeiro de 2003, Gilberto Gil teceu o seguinte comentário sobre a composição do
Ministério:
Li outro dia, nos jornais, uma nota curiosa. Dizia que o Ministério da
Cultura, hoje, era formado por três vertentes: a dos companheiros do PT, a
dos companheiros do PV e a dos integrantes do PG – isto é, do Partido do
Gil. Está bem, aceito de bom humor a suposta provocação. De fato,
encontram-se hoje aqui comigo companheiros do PT, do PV e
companheiros que, com ou sem partido, estão do meu lado e trabalham
comigo há muitos e muitos anos. (GIL, 2003b)
A formação anunciada por Gilberto Gil nesta cerimônia foi a seguinte: Juca Ferreira
(PV/BA), na Secretaria Executiva; Sérgio Xavier (PV/PE), na Chefia de Gabinete do ministro;
Roberto Pinho, Antonio Risério e Paulo Miguez, como assessores especiais de Gil; Maria Elisa
92
Exceto pela ausência de Hamilton Pereira24, os principais nomes cotados para assumir
o posto de ministro da Cultura (Meira, Grassi e Mamberti) acabaram sendo incorporados na
gestão.
[...] vamos para o Ministério para fazer o que está colocado, para que os
compromissos que o PT colocou no programa possam realmente ser
traduzidos e encaminhados como políticas públicas. Então, o Marcio Meira
assume a Secretaria do Patrimônio [...], o Sérgio Mamberti assume uma
Secretaria de Música, o Antônio Grassi assume a Funarte, e eram essas
pessoas que estavam sendo colocadas como possíveis candidatos a ministro
pelo PT cultural, então todos foram acomodados em secretarias ou nas
unidades vinculadas do Ministério e aí a gente começa o nosso trabalho.
(GUAPINDAIA, 2016)
Além das pessoas vinculadas ao PT, membros do Partido Verde também assumiram
importantes cargos no MinC, especialmente Juca Ferreira, nomeado para a Secretaria
Executiva, espécie de “coração do Ministério, de qualquer ministério, é por ali que tramitam
os papéis, todos os processos passam por ali”(MIGUEZ, 2017), ou seja, uma espaço
fundamental para o funcionamento de uma organização. De acordo com Juca Ferreira
(2018), ele foi convidado por Gilberto Gil para trabalhar no Ministério, onde passou a cuidar
dos assuntos mais cotidianos.
[...] entre eu e Gil era uma divisão muito boa, era um desperdício botar Gil
para amarrar os nós cotidianos, e ele não tinha experiência nisso, então eu
acabei jogando um papel: eu era o segundo do Ministério, o secretário
executivo que outros países chamam vice-ministro...tinha coisas que antes
de fazer eu tinha que consultá-lo e conseguir sua concordância, tinha coisas
que eu podia fazer e avisar depois, e tinha coisas que não precisava [...]
(FERREIRA, 2018)
24
Hamilton Pereira assumiu a presidência da Fundação Perseu Abramo em 15 de abril de 2003, onde
permaneceu até maio de 2007, quando assumiu o cargo de secretário de Articulação Institucional e Cidadania
Ambiental no Ministério do Meio Ambiente, na gestão de Marina Silva.
93
Sobre a composição inicial do MinC, Juca Ferreira (2018) comenta que houve uma
resistência ao nome de Gil por parte do grupo do PT e que foi preciso fazer concessões:
[...] a primeira coisa que eu fiz com a delegação dele [Gilberto Gil] foi não
aceitar o loteamento do Ministério, tivemos que fazer algumas concessões,
principalmente na Funarte, porque havia uma expectativa de setores do PT
de assumir o Ministério e quando houve a indicação de Gil eles reagiram
muito mal e criavam um problema para o governo, e nós aceitamos [...] o
resto foi escolhido por afinidade com o tema [...] nós escolhemos pessoas
que tinham uma compreensão democrática, avançada, contemporânea da
cultura e fomos construindo uma equipe baseada nisso. (FERREIRA, 2018)
Passado o momento inicial dessas acomodações em cargos diretivos, uma das
primeiras ações da gestão foi promover uma reforma administrativa para solucionar as
duplicidades de funções derivadas da antiga estrutura do MinC, para reduzir entraves
burocráticos e para dar condições mínimas para os gestores atuarem (GIL, 2003c). A
superposição estrutural estava relacionada especialmente às atividades finalísticas do
Ministério, a exemplo da existência da Secretaria do Patrimônio, Museu e Artes Plásticas e
do Iphan e da Secretaria de Música e Artes Cênicas e da Funarte. De acordo com Aloysio
Guapindaia (2016), a necessidade da reforma era um consenso entre os dirigentes do MinC:
“Isso todos concordavam. O Ministério da Cultura precisava se reestruturar, ter uma
estrutura capaz de realizar as políticas que se pretendia a partir do programa”. De acordo
com Paulo Miguez (2017), a primeira reforma administrativa do Ministério feita em 2003
tinha também um outro objetivo, o de “[...] organizar um pouco o personograma, tanto que
demorou... a reforma ficou pronta em maio, aproximadamente, e só foi aprovada em
agosto... José Dirceu só assinou em agosto.” (MIGUEZ, 2017).
25
Revogado pelo Decreto nº 5.036/2004, que foi seguido por normas dedicadas à estrutura regimental e ao
quadro de cargos em comissão do Ministério.
94
ampliação da: Secretaria Executiva, que passou a contar com novas diretorias; Secretaria de
Fomento, que passou dirigir o sistema de financiamento do Ministério; e Secretaria do
Audiovisual, que passou a contar com a Cinemateca Brasileira e o Centro Técnico
Audiovisual, antes instalados, respectivamente, no Iphan e na Funarte; (3) criação de novas
representações regionais do Ministério, ampliando o número de quatro para sete; (4)
transferência para a estrutura do MinC da Agência Nacional de Cinema (Ancine), autarquia
criada em 2001 e até então vinculada à Casa Civil; (5) reformulação de dois órgãos
colegiados: a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), cujas competências estavam
estabelecidas no marco legal da Lei Rouanet, e o Conselho Nacional de Política Cultural
(CNPC), que necessitava de um reformulação com revisão da suas competências e
composição, objeto de regulamento específico; (6) fortalecimento das unidades vinculadas,
com destaque para o Iphan que passou a contar com novas superintendências regionais e
escritórios técnicos. Em relação ao personograma, a reestruturação administrativa levou às
seguintes acomodações: Sergio Xavier assumiu a Diretoria de Fomento e Incentivo Cultural,
na reforma de 2004 convertida em Secretaria (Sefic); Roberto Pinho ficou com a Secretaria
de Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais (SPPC); Paulo Miguez assumiu a
Secretaria de Políticas Culturais (SPC); Sergio Mamberti passou a dirigir a Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural (SID) e Márcio Meira, a Secretaria de Articulação
Institucional (SAI). Os demais dirigentes permaneceram nos cargos definidos no momento da
posse.
Para Isaura Botelho (2007), especialista em cultura e por muitos anos integrante da
Funarte, e que nessa gestão assumiu uma das gerências na SPC (ver perfil no Apêndice A), o
redesenho institucional do MinC refletiu a retomada conceitual feita a partir da gestão
Gilberto Gil – conceito amplo da cultura considerando suas mais diversas dimensões –, o que
por sua vez permitiu que as instituições vinculadas ao Ministério pudessem conduzir
novamente políticas específicas para as áreas, recuperando a sua presença nacional e o
papel que haviam deixado de exercer desde o final da década de 80. Sobre o impacto dessa
reforma nas unidades vinculadas, Ana de Hollanda, na época diretora do Centro de Música
da Funarte, explica:
26
Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/leila-reis-25672/ e <
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR62803-6009,00.html>. Acesso em 27 de abril de 2018.
27
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1802200421.htm> Acesso em 27 de abril de
2018.
97
Risério me chamam por causa de economia da cultura, então eu chego no Ministério por
conta desse negócio da economia da cultura, foi basicamente por aí que eu fui...” (MIGUEZ,
2017); e a sua saída decorreu de problemas enfrentados com o próprio Juca Ferreira e o
então chefe de gabinete de Gilberto Gil, Sérgio Sá Leitão: “[...] eu fiquei dois anos e meio [no
MinC], e do meu lado também começaram a surgir várias dificuldades, tive vários embates
com o secretário executivo, com o Juca, e com o atual ministro [da cultura, Sérgio Sá Leitão]”
(MIGUEZ, 2017). Após a saída de Miguez, a SPC passou a ser dirigida por Sá Leitão, que ficou
nessa secretaria entre julho de 2005 e maio de 2006, quando saiu do MinC para assumir um
cargo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Em seu lugar assumiu
Alfredo Manevy, até então assessor de Juca Ferreira.
Tanto a saída de Antônio Risério, Maria Elisa Costa e Marcelo Ferraz, como a de Paulo
Miguez e equipe, revelam que as desavenças internas no Ministério da Cultura não estavam
apenas relacionadas ao grupo do PT, e que se estendeu para outros núcleos do MinC.
28
Não foi possível identificar a quantidade exata de seminários realizados e do público participante. De acordo
com Aloysio Guapindaia et al, em publicação do MinC organizado por Lia Calabre (2006), foram realizados
seminários em nove cidades (Manaus, Belém, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo,
Bonito e Porto Alegre), reunindo cerca de 2 mil produtores, artistas e gestores culturais. No artigo de Fabiana
Guimarães e Raiany Silva – publicado no livro Financiamento e Fomento à Cultura no Brasil: estados e Distrito
Federal, organizado por Albino Rubim e Fernanda Vasconcelos (2017) –, consta que foram promovidos 20
encontros em 14 cidades de todas as regiões, que reuniram cerca de 10 mil pessoas. Segundo Daniele Canedo
(2011), os 20 encontros reuniram cerca de 30 mil pessoas, conforme artigo publicado em Cultura &
Desenvolvimento: perspectivas políticas e econômicas, organizado por Alexandre Barbalho et al (2011). Em
entrevista, Paulo Miguez (2017) cita a realização de 16 encontros.
99
Outros programas, projetos e ações foram realizados ao longo dos primeiros anos da
gestão, a exemplo da instituição do Programa Cultura Viva/Projeto Ponto de Cultura; da
assinatura do acordo de cooperação técnica com o IBGE para construção de indicadores
relacionados ao setor cultural; da criação do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão
do Documentário Brasileiro (DOCTV) e do Projeto Revelando Brasis; da realização de um
concurso público para selecionar servidores para o Ministério; da criação do Sistema
Brasileiro de Museus; da participação contundente do Brasil na Convenção sobre a Proteção
e a Promoção da Diversidade de Expressões Culturais da Unesco etc. Um conjunto de
iniciativas que levaram a um processo de construção de políticas públicas que colocaram a
cultura em outro patamar no país, numa inédita perspectiva de inaugurar e promover a
cidadania cultural e de superar as tristes tradições das políticas culturais brasileiras: ausência
do Estado, autoritarismo e instabilidade (RUBIM, 2011).
De acordo com Juca Ferreira (2018), até o governo Lula, o Ministério vivia experiências
isoladas por parte de alguns órgãos que existiam previamente à sua própria criação, como o
Iphan, a Funarte e a Biblioteca Nacional, e a partir de 2003, considerando as experiências
desses órgãos, foi preciso iniciar a construção de uma política de Estado para o Brasil:
De acordo com Márcio Meira (2004), a equipe que assumiu o Ministério sob a
coordenação de Gilberto Gil tinha consciência dos enormes desafios que tinha pela frente e
que a fragilidade institucional vivida pelo Ministério, advinda dos governos anteriores, só
poderia ser enfrentada com a construção de uma política pública de cultura que passava
pela “[...] implantação de um Plano Nacional de Cultura [...], a promoção de mudanças no
101
Quero que esta gestão entre para a história como a gestão que construiu o
Sistema Nacional de Cultura, que deu ao Ministério da Cultura referenciais
e ferramentas para atuar no campo da economia da cultura, que
estabeleceu, em tempos democráticos [...], um conjunto de políticas
públicas de cultura, e que realizou o mais abrangente programa de inclusão
cultural deste país, em parceria com os estados e municípios [...] (GIL,
2003d, p.271)
Este mesmo trecho é usado no discurso de Gil (2003) na Conferência Nacional de
Cultura do Partido dos Trabalhadores29, realizada em São Paulo em novembro de 2003.
Nesse encontro, além de destacar algumas políticas de sua gestão, como o SNC, Gilberto Gil
ressaltou a importância do processo de construção do A imaginação a serviço do Brasil, “[...]
29
A primeira conferência de cultura do Partido foi precedida de 23 encontros estaduais e levou à criação da
Secretaria Nacional de Cultura do PT e da formação do chamado setorial de cultura do PT. (RUBIM, 2016).
102
que atualmente orienta as ações do Ministério da Cultura” (GIL, 2003e, p. 279). Observa-se,
assim, que publicamente o ministro Gil assumiu o Sistema Nacional de Cultura como uma
das prioridades de sua gestão, e colocou o programa de cultura desenvolvido pelo PT como
orientador das ações do MinC.
dentro do Ministério estava representado nas figuras de Márcio Meira, Aloysio Guapindaia e
José do Nascimento Júnior, “[...] e desde o primeiro momento havia um embate muito forte
por varias razões, entre a Secretaria Executiva, o Juca, e o pessoal do PT”. (MIGUEZ, 2017)
[...] uma das coisas que terminou compondo fortemente esse embate
foram ações tocadas diretamente por Márcio [Meira], especialmente, o
Sistema Nacional de Cultural e a Conferência Nacional de Cultura, e aí havia
uma resistência da Secretaria Executiva muito forte, Márcio teve muita
dificuldade... (MIGUEZ, 2017)
Márcio Meira, pesquisador de carreira do Museu Paraense Emílio Goeldi, foi diretor do
Arquivo Público do Estado do Pará e presidente da Fundação Cultural do Município de Belém
(1999-2002). Membro do PT, foi um dos coordenadores do A Imaginação a serviço do Brasil
e um dos nomes cotados para assumir o Ministério da Cultura. Aloysio Guapindaia, filiado ao
PT desde 1981, trabalhou junto com Márcio Meira na Fundação Cultural do Município de
Belém (1999-2002) e foi um dos colaboradores do documento de campanha de Lula. Na SAI,
era responsável por coordenar a articulação do MinC com os entes federados e a sociedade
civil, especialmente por meio da assinatura dos Protocolos de Intenções, e na ausência de
Márcio Meira, assumia a função de secretário interino. Gustavo Gazzineli trabalhou na
Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte, quando dirigida por Arnaldo Godoy
(PT/MG). De acordo com Gazzinelli (2016), que na época era filiado ao PT (já não é mais),
Márcio Meira tinha interesse em levar alguém de Minas Gerais para compor a equipe, e
dada a impossibilidade da ida de Bernardo Mata Machado naquele momento, foi sugerido o
seu nome. Na SAI, Gazzinelli assumiu a Gerência de Planejamento e Informação e trabalhou
especialmente nos estudos técnicos dirigidos ao desenho do SNC e na preparação do
decreto que criou o Sistema Federal de Cultura. Roberto Lima, membro do PT, trabalhou
como gerente de cultura na prefeitura de Ribeirão Pires/SP no final dos anos 90 e início dos
anos 2000, onde coordenou o processo de planejamento participativo da Agenda 21 da
Cultura. Em 2004 foi o coordenador geral da I Conferência Municipal de Cultura de São Paulo
e no ano seguinte entrou na SAI como gerente de Participação Social, onde trabalhou
especialmente na I Conferência Nacional de Cultura (CNC). Silvana Meireles, funcionária
pública da Fundação Joaquim Nabuco (instituição vinculada ao MEC), em 2003 foi convidada
para trabalhar na Representação Regional do Nordeste do MinC, em Recife, para participar
do desenho da Representação e da discussão sobre o papel que esta deveria ter no âmbito
da nova gestão. Tal trabalho a conduziu a integrar o processo de planejamento do próprio
104
30
Informação enviada por e-mail em 4 de maio de 2018.
105
Voltando à organização interna da SAI, apesar das quatro gerências terem definições
específicas – ações dirigidas aos entes federados; ao fomento da participação social; a
estudos técnicos para o desenho do Sistema; e às relações institucionais intra-governo –, os
depoimentos dos seus dirigentes expressam os seus envolvimentos em praticamente todas
as atividades organizadas pela Secretaria. De acordo com a pesquisadora da Fundação Casa
de Rui Barbosa, Lia Calabre31 (2017), que esteve próxima à equipe por conta da sua
participação na I Conferência Nacional de Cultura, a SAI tinha uma prática coletiva de
trabalho “[...] bastante interessante, a estrutura interna era pouca hierárquica. Márcio
Meira, que era secretário, estava muito próximo dos diretores [gerentes] e as discussões
eram bastante horizontalizadas” (CALABRE, 2017). Segundo o único servidor público que
trabalhava na SAI nesta época, Sérgio Pinto (2018), a SAI era um órgão muito pequeno,
“então todo mundo fazia um pouco de tudo [...] eu trabalhava com Silvana Meireles [...], só
que a gente sempre dava apoio para os outros setores.” Em síntese, essa foi a equipe do
31
Calabre, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, integrou a comissão executiva que organizou a I
Conferência Nacional de Cultura e foi responsável pela organização de documentos publicados nessa gestão.
106
De acordo com o texto publicado por Márcio Meira (2016a) sobre a trajetória que
envolveu a elaboração do SNC, o seu início é marcado pela criação, em março de 2004, de
um Grupo de Trabalho32 composto por representantes da SAI, da Secretaria Executiva, da
Secretaria de Identidade e Diversidade, da Secretaria de Políticas Culturais e do Gabinete do
ministro com objetivo de discutir e apresentar subsídios para a consolidação do SNC. Vale
registrar que, apesar de não ter sido citado por Márcio Meira como instituição participante,
o IPEA, por meio do pesquisador Frederico Barbosa da Silva, integrou o GT e as suas
reflexões foram publicadas no texto Notas sobre o Sistema Nacional de Cultura (2005).
32
Portaria MinC nº 53, de 31 de março de 2004.
107
Em síntese, esse GT teve um prazo de 40 dias para apresentar uma minuta de modelo
do SNC a ser discutido com outros dirigentes do MinC e com o Núcleo Estratégico. O quadro
a seguir sintetiza texto aprovado internamente no Ministério.
Qual é a idéia, o princípio central, que estava por todo aquele trabalho que
nós fizemos: é o princípio constitucional. A Constituição brasileira diz muito
claramente que a cultura ou o patrimônio cultural é direito fundamental de
todo cidadão brasileiro, diz também que a promoção da cultura, a proteção
do patrimônio cultural, isso está tudo no artigo 215, 216 e outros artigos da
Constituição, é uma competência comum dos três entes federais: estado,
municípios e governo federal e DF. Então foi partindo desse pressuposto
constitucional que nós começamos a fazer o nosso trabalho, ou seja, ou o
Brasil tem um Sistema Nacional de Cultura que envolve município, estado,
DF, a União federal e a sociedade civil e também o setor privado, as
empresas etc., ou a gente vai ter que ficar naquela situação em que cada
um faz o que quer, não tem uma política articulada, com foco, com
prioridades [...] (MEIRA apud REIS, 2008, p.123).
De acordo com Gustavo Gazzinelli (2016), o desenho do SNC surgiu a partir de
pesquisas feitas sobre outros sistemas nacionais, como o SUS e o SUAS. Foi analisado, por
exemplo, como os conselhos e as conferências previstas nesses sistemas eram estruturados
e como funcionavam. A partir daí foi feito uma reflexão considerando as singularidades da
área cultural.
A partir do debate sobre o que seria o mínimo para uma gestão cultural, foi pensada a
estrutura preliminar para o Sistema com: fundo, conselho, plano, órgão gestor e
conferência. “Enfim, a coisa foi se estruturando, não foi uma ideia pré-concebida, era uma
ideia de que a gente pudesse criar algo como o SUS, que você pudesse estruturar isso no
plano nacional...” (GAZZINELLI, 2016). Aloysio Guapindaia (2016) confirma a influência do
SUS, inclusive quanto às comissões de negociação previstas no SNC (CIT e CIBs). De acordo
com Guapindaia, a Emenda Constitucional do SNC aprovada em 2012 reflete os
componentes que foram pensados nesse momento inicial.
[...] aquela coisa de modelar pelo SUS... eu disse: ‘Gente, SUS tem recurso
amarrado. Vocês não podem submeter os municípios, amarrar as criaturas
no tal do CPF [Conselho, Plano, Fundo], se vocês não vão pôr um tostão!’.
109
Mas achavam que iam botar... e eu dizia, ‘vocês sabem que não vão’
(BOTELHO, 2016).
Segundo Isaura Botelho (2016), ela chegou a sugerir em reunião que parte do Fundo
Nacional de Cultura fosse dividido entre os estados seguindo modelo norte-americano, onde
para cada dólar colocado pelo governo central, o estado coloca mais um “[...] desde que eles
tenham, aí sim, um CPF, um Fundo, um Conselho de Artes... E, por sua vez, o estado faz a
mesma coisa com os municípios [...]” (BOTELHO, 2016). Em sua opinião, se o Sistema fosse
pensando dessa maneira, seria possível montar um bom esquema de supervisão no
Ministério, mas essa proposta não teve prosseguimento.
Eu cheguei a sugerir a Juca que ele escolhesse uma parte do Fundo, já que
estavam trabalhando com isso, e dividisse pelos estados, desde que esses
criassem um Fundo, complementasse... que é o sistema norte americano.
Mas ele não aceitou... Primeiro, porque quem estava estabelecendo o
Sistema era o inimigo dele, então ele não ia colocar azeitona na empada do
cara. E segundo, porque ele precisava daquele dinheiro para fazer a política
dele. (BOTELHO, 2016)
Outro ponto de divergência em torno do SNC era sobre como ele deveria ser
desenvolvido. De acordo com Silvana Meireles (2017), esse debate estava polarizado no
Ministério: para uns, o modelo a ser seguido era o proposto no documento de campanha do
PT, para outros, esse modelo poderia engessar a política cultural e era preciso defender uma
estratégia onde o Estado não fosse ator exclusivo.
[...] eu tinha uma outra visão, e eu fui voto vencido...na verdade, quem
liderou esse processo foi um quadro que tinha muita proximidade com o
110
[...] na época tinha uma dicotomia, a gente falava assim, nós temos que ter
um Conselho Nacional de Política Cultura, nós temos que ter uma
conferência, nos temos que ter um sistema, aí todo mundo dizia assim que
nós estávamos criando uma estrutura stalinista, dirigista para a cultura e aí
a cultura é algo que não pode ser dirigida pelo estado, porque a cultura tem
que ser livre, a sociedade tem que ter liberdade para criar e tudo mais.
(MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p. 136)
Para Meira era importante situar nesse debate que a política cultural envolve
“procedimentos e medidas que os estados devem fazer para que a cultura [...] possa ter um
ambiente que ela possa florescer” (apud ARAGÃO, 2013, p. 136), daí a questão dos
elementos do Sistema, o que não deveria ser confundido com a cultura em si. É Interessante
observar que esse mesmo debate foi retomado por Bernardo Mata Machado em 2015, no
Seminário Internacional do SNC, ou seja, durante mais de dez anos isso acompanhou o
desenvolvimento do Sistema. Isso pode ser consequência de uma das críticas apontadas por
Albino Rubim (2011) sobre a ausência de um debate profundo nas gestões Gil/Juca quanto
ao lugar que o Estado contemporâneo deve ter na área da cultura. Segundo Rubim (2011),
houve poucas tentativas do MinC nesse sentido, e para superar a visão neoliberal da atuação
do Estado na cultura, seria preciso um debate crítico e a formulação de uma nova
perspectiva de atuação do poder público no campo cultural, condizente com a sua
complexidade.
claro de que modo isso deveria ocorrer, e a discussão em torno do Sistema sintetizava um
pouco esse debate.
Para alguns o SNC poderia vir a se tornar algo que engessasse as relações e
prejudicasse a dinâmica necessariamente livre e volátil que se desdobra da
própria natureza da atividade cultural. Para nós da SAI tratava-se de
encontrar uma estrutura que não comprometesse essa liberdade de ação e
autodeterminação, mas que também eliminasse fragilidades como a falta
de recursos financeiros e técnicos, o insulamento dos órgãos gestores, as
áreas de sombreamentos e lacunas nas ações dos entes governamentais, o
isolamento das políticas que não dialogavam federativamente nem com a
sociedade, entre outros aspectos. (LIMA, 2016b)
Para João Roberto Peixe (2017) – na época secretário de Cultura do Recife (2001 a
2008) e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura das Capitais:
“[...] Juca, tinha uma certa crítica e tinha certa dificuldade...quer dizer, era uma crítica que
ele fazia sobre a estruturação do Sistema, a concepção mais estrutural, mais orgânica do
Sistema” (PEIXE, 2017). Em sua opinião, parte dessa dificuldade de compreensão por parte
de Juca Ferreira era decorrente de um problema de construção do próprio SNC, que não
tinha no início uma visão sistêmica:
[...] existia uma relação muito conflituosa, acho que nem com a proposta do
Sistema em si, a proposta do Sistema em si era bem aceita pelo ministro Gil,
pelo secretário executivo Juca Ferreira, eu acho que existia uma relação
conflituosa entre o PT e o grupo do Juca, e essa relação conflituosa
respingava em algumas coisas, mas, assim, o desenvolvimento da proposta
sempre avançava. (PINTO, 2018)
As discussões em torno dos conceitos e estratégias de implantação do Sistema não
ficaram restritas ao Ministério da Cultura e envolveram atores externos. Após aprovação do
documento gerado pelo GT do SNC, foram feitas reuniões entre a SAI e integrantes da
Subchefia de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da
República (SAFPR), responsável por articular as políticas federais com os entes subnacionais.
Uma das sugestões da SAFPR foi a criação do Sistema Federal de Cultura para esclarecer as
responsabilidade do âmbito federal e evitar ferir a autonomia dos outros níveis de governo,
112
o que foi acatado pelo MinC. Para Gustavo Gazzinelli (2016), a SAFPR foi um canal
importante para a SAI porque lhe facilitou o acesso à Presidência da República e à agenda do
governo federal, possibilitando a participação do MinC em muitos encontros de
organizações como a Confederação Nacional de Municípios (CNM), a Associação Brasileira
de Municípios (ABM) e a Frente Nacional dos Municípios (FNM). “Então, a gente participou
de muitos desses encontros que eram feitos em diferentes regiões do país e aí fomos
vendendo essa ideia [do Sistema]”. (GAZZINELLI, 2016).
[...] o governo Fernando Henrique não conversava com ninguém [...], eu era
secretário municipal de cultura em Belém na época, por exemplo, eu vinha
no ministério da cultura, a única pessoa [...] que me recebia [...] era o
secretário de patrimônio Museu e Artes Plásticas, era o Otávio Elísio [...],
secretário municipal de capital era tratado como o sub do sub do sub...eu
me lembro depois que a gente veio pro ministério da cultura a gente
recebia os secretários, era o ministro que recebia, [...] os secretários
vinham e a gente sempre ali discutindo tudo né [...] (MEIRA apud ARAGÃO,
2013, p.133)
113
De acordo com Meira (apud ARAGÃO, 2013), a partir de 2003 o MinC retomou o
diálogo com o Fórum Nacional numa nova postura baseada, por exemplo, em uma relação
mais institucional, o que em sua opinião era de interesse do próprio Ministério. Assim,
passaram a ocorrer reuniões periódicas onde eram pactuadas ações como a realização da I
Conferência Nacional de Cultura e a elaboração do Protocolo de Intenções, documento de
adesão dos entes subnacionais ao SNC. O que não significava que tais ações fossem aceitas
sem resistências, especialmente por parte de grandes estados como São Paulo “[...] alguns
estados que eram governados por tucanos [PSDB] mais sectários, eles não queriam nem
ouvir falar do ministério da cultura, de conferência, de Sistema Nacional de Cultura, Plano
Nacional” (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p. 133). Esse tipo de resistência proveniente de
divergência partidária entre os níveis de governo era, para Meira (apud REIS, 2008), algo que
poderia dificultar a implantação de políticas de cunho nacional, que deveriam ser feitas
numa perspectiva pluripartidária ou suprapartidária, já que inclusive ultrapassavam períodos
de governo. De acordo com Silvana Meireles (2017), “[...] em vários momentos as relações
[dos fóruns] com o Ministério foram tensas. O diálogo direto com estados e municípios
sempre houve e as tendências partidárias interferiram nessa interlocução, facilitando ou
dificultando a implantação do Sistema”. Segundo Meireles (2017):
Uma das primeiras discussões públicas da proposta [do SNC] ocorreu com o
Fórum, ainda em 2003, e algumas sugestões feitas ali foram incorporadas. A
maior resistência havida diz respeito à relação direta entre o governo
federal e os municípios que o Sistema propunha. E o maior interesse a
transferência fundo a fundo.
A relação direta entre o MinC e os municípios foi mantida ao longo do
desenvolvimento do SNC, inclusive porque como a Constituição Federal de 1988 confere
autonomia ao ente municipal, este não precisa ter a anuência do estado ao qual está
integrado para participar da vida política do país.
Cultura do Distrito Federal; e João Roberto Peixe, secretário municipal de Cultura do Recife.
Foram registradas ainda as presenças de Sergio Xavier (Sefic), Célio Turino (SPPC) e de
Gustavo Gazzinelli (SAI), além de artistas e produtores culturais.
A fala de João Roberto Peixe foi focada na defesa da implantação do SNC conforme as
diretrizes desenvolvidas pelo Ministério. Para Peixe, os responsáveis pela gestão cultural nos
três níveis de governo e os legisladores precisavam elaborar e implementar “[...] políticas
públicas consolidadas em planos estratégicos que articulem e integrem as ações municipais,
estaduais e nacionais” (PEIXE apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 3), e
para isso o Sistema Nacional de Cultura era imprescindível.
ele, Peixe (2004) apresentou as quatro condições previstas para a adesão dos municípios e
estados: 1ª) existência de órgão específico público de cultura nas três esferas ou existência
de uma diretoria de cultura ou unidade no mesmo nível nos Municípios com menos de 100
mil habitantes, nos quais não existisse Secretaria de Cultura; 2ª) estabelecimento de
colegiados próprios, com representação paritária governo/sociedade, de caráter deliberativo
e consultivo; 3ª) criação ou manutenção de fundos ou sistemas de financiamento específicos
para a área cultural e 4ª) realização de um planejamento estratégico compartilhado entre
todos os níveis de governo para delimitação de metas e cronograma para a constituição do
SNC.
De acordo com Peixe, essas condições colocadas pelo MinC tinham a concordância do
Fórum Nacional de Secretários de Cultura das Capitais, com a ressalva de ser necessária a
implantação simultânea de um conjunto de medidas, sobretudo relativas ao financiamento
nos três níveis de governo:
Trata-se de ideia que, sem dúvida, vai exigir bastante prazo para a sua
completa consolidação, a exemplo dos outros grandes sistemas
implantados no País, mas que também tem possibilidades muito positivas
de resultados concretos imediatos ou de muito curto prazo. De novo, trata-
se de iniciativa que, acredito, deve ser trabalhada e enfatizada, para que
não seja transformada em alvo de partidarismos ou polarizações, mas, ao
contrário, seja objeto de construção de grandes consensos. (BORIO apud
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p.9)
Quanto à estrutura proposta pelo Ministério, Pedro Borio considerava que não se
podia “[...] impor aos Estados um modelo para a sua própria organização”, entretanto, era
importante que tais entes contassem, por exemplo, com uma Secretaria de Cultura. Outro
ponto abordado foi o das influências de outros sistemas, especialmente de Educação e
Saúde, no SNC. De acordo com Pedro Borio, era inegável os ganhos que tais sistemas haviam
produzido e eles poderiam ser usados como modelos para a área cultural, entretanto era
preciso considerar que aqueles sistemas tinham “atrativos muito concretos” que precisavam
ser desenvolvidos no SNC:
33
“i)atributos estruturais das unidades locais de governo – capacidade econômica, fiscal e administrativa –; ii)
atributos institucionais das políticas – regras constitucionais, requisitos de engenharia operacional e legados
das políticas prévias; e – iii) fatores ligados à ação política – relações entre Estado e sociedade e relações
intergovernamentais.” (ARRETCHE, 2011, p. 13)
118
34
Informações enviadas por Aloysio Guapindaia por e-mail em 14 de maio de 2018.
121
Eu acho que esse tema [Pontos de Cultura] foi um pouco mal colocado
como sendo em oposição ao Sistema Nacional de Cultura. É isso que eu falo
que é um contraponto que tornou a proposta do SNC uma proposta com
aparência burocrática. Tipo assim: ‘Ah, isso é burocratizante, isso aí é o PT
que governa as prefeituras, governo do estado etc., fazendo seu
movimento para fazer a sua política no espaço onde ele está existindo. E
nós pensamos diferente, nós queremos ter uma relação com as ONGs, com
os movimentos sociais, etc.’ O PT não era oposição a isso, ao contrário, o PT
gostava disso, mas naquele contexto de formulação de pensamentos, de
propostas, de disputa de território ali no Ministério da Cultura, essas coisas
122
Não chegou a ter essa relevância não, na verdade, eles [o grupo do PT]
também concordavam com os Pontos de Cultura... tinha sido um processo
de formulação nossa, tinha uma certa tensão entre o cara que coordenava
os Pontos de Cultura, o Célio Turino, e esse setorial [do PT] porque ele
vinha de outra experiência...eu administrava isso procurando gerar
cooperação, coordenação, eu não levava muito a sério...(FERREIRA, 2018)
3.3.2 Dimensão institucional e operacional
Dentre as obrigações previstas para o MinC estavam: criar condições de natureza legal,
administrativa, participativa e orçamentária para implantação do SNC; implantar o Conselho
Nacional de Política Cultural; realizar a primeira Conferência Nacional de Cultura até
dezembro de 2005; apoiar a realização das conferências de municípios e estados; implantar
e coordenar o Sistema Nacional de Informações Culturais; compartilhar recursos para a
execução de programas, projetos e ações culturais, no âmbito do SNC; fomentar a
integração/consorciamento de estados e municípios.
As obrigações por parte dos entes subnacionais eram bastante semelhantes entre si, a
exemplo de: consolidar os planos de cultura; assegurar o funcionamento ou implementar
conselho de política cultural; criar e implantar ou manter e assegurar Fundo de Cultura;
realizar conferência de cultura previamente à nacional e apoiar as conferências realizadas
nos outros níveis de governo; apoiar ou realizar a integração/consorciamento de
Municípios; compartilhar informações junto ao Sistema Nacional de Informações Culturais a
ser disponibilizado pelo MinC; criar ou manter em funcionamento órgão específico de gestão
da política cultural.
Cabe, no caso, ao Conselho, não como está posto nessa proposta original,
preparar a proposta de plano, quer dizer, convocar as conferências, e ter
papel fundamental na sua estruturação e mobilização. Depois de aprovado,
deverá haver acompanhamento, fiscalização. As conferências passam a ter
esse papel central na discussão, para envolver a sociedade e essa questão
ter base social bastante maior, a fim de que possamos inclusive também ter
força no sentido de ampliar os recursos do orçamento para a cultura. (PEIXE
apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 7)
124
[...] houve a flexibilização em relação a uma exigência que era o ponto mais
complicado dessa adesão, que era a paridade nos conselhos de cultura
entre sociedade civil e poder público. Então, houve uma flexibilização e
estados como Pernambuco, que é o estado de onde eu venho, assinou
naquela época a adesão porque essa flexibilidade foi possibilitada.
(Meireles, 2015)
Na opinião de Roberto Lima (2016b), o formato aberto do Protocolo de Intenções
permitiu uma maior adesão por parte dos estados e munícipios, já que não estabelecia
compromissos formais, e provocou um debate nacional em torno da natureza e finalidade
do Sistema. Em sua opinião, o desenho do Protocolo naquele momento revelou-se um
acerto.
Mais do que uma adesão institucional, optamos por criar uma adesão
política para ir criando um ambiente de aceitação da ideia de um sistema
público participativo, e os fazedores de cultura dos diversos locais,
organizados ou não, contribuíram sempre e muito para que os dirigentes
governamentais assumissem esse compromisso, que na verdade era um
compromisso com o processo de construção do SNC. (LIMA, 2016b)
35
https://estado.rs.gov.br/rigotto-assina-protocolo-que-inclui-rs-no-sistema-nacional-de-cultura;
http://www.fatimanews.com.br/brasil/mato-grosso-do-sul-assina-protocolo-do-snc-no-dia-06/17838/;
127
diálogo com os entes federados... municípios e estados, muitos deles nunca haviam ouvido
falar na existência do Ministério da Cultura [...]”.
[...] eu acho que muitos dos entes não entendiam muito, não compreendia
as exigências dos protocolos. Tanto que nos anos seguintes pouca coisa foi
implementada, um município ou outro desdobrou as discussões para
construção de nova conferência, de plano, de sistema... na verdade, muitos
36
Os objetivos e modos de funcionamento da I CNC estão descritos na Ordem ministerial nº 180, de
31/08/2005.
128
[...] eram conselhos chapa branca, então havia muita crítica a esses
conselhos porque eram controlados pelo governo, e quando tinha
representação de sociedade civil não era paritária e a sociedade não tinha
129
[...] Ouvíamos deles as críticas todas, as críticas das relações que eles
tinham com o estado, com o município, quer dizer, eram eles que nos
repassavam a realidade do local, não era o governo. O governo passa a
realidade, que podemos chamar hoje de pós-verdade [risos], ele passava
um cenário político que não era o real, e nós queríamos escutar da
sociedade qual era realmente o diagnóstico de sua cidade. (GUAPINDAIA,
2016)
Interessante observar a dinâmica presencial que acompanhou esse momento inicial de
adesão ao SNC, que já no final do Governo Dilma Rousseff passou a ser feito por meio da
plataforma digital. A ida de representantes do MinC a diversas cidades do país foi
importante não só para divulgar o SNC, mas também para descentralizar a atenção do
Ministério e aproximá-lo de um conjunto de atores que até então não dialogavam com o
órgão.
Ainda sobre esse processo de articulação do MinC para garantir a adesão dos
municípios, Aloysio Guapindaia (2016) revela que a estratégia passava pelo apoio dos
estados, entretanto, quando havia resistência por partes desses, quer seja em relação à
proposta do SNC, quer seja por questões partidárias, a articulação se dava diretamente com
os municípios, a exemplo do que ocorreu com São Paulo, então dirigido por Geraldo
Alckimin, “que se recusou a assinar o protocolo, um estado eternamente governado pelo
PSDB” (GUAPINDAIA, 2016). Na opinião de Roberto Lima (2016b), a resistência ao SNC não
se limitava à questão partidária, e dentro do próprio Ministério havia discussões.
É claro que havia uma resistência por se tratar de uma política proposta por
um governo petista, mas havia dúvidas também dentro do próprio Minc e
do Governo Federal, o que é natural. Fato é que o caráter estruturante do
SNC foi logo percebido por aqueles que lidavam com a gestão pública de
cultura, e, por gerar um compromisso público de prefeitos e governadores,
estimulou os gestores de todos os partidos a trabalhar pela adesão. (LIMA,
2016b)
130
[...] Entre 2003 e 2006, quando era Secretária de Cultura do Ceará, eu dizia
para os prefeitos: ‘Prefeitos, vocês têm que aderir’. Eles perguntavam: ‘Mas
para quê, Secretária?’. Eu respondia: ‘Prefeito, isso aqui é um ato de fé no
Ministro Gilberto Gil e no Governo Lula; nós vamos ter que fazer isso, pois é
uma construção para o futuro; não vou lhe enganar, essa adesão não vai
trazer recursos para o seu município, mas precisamos começar a exercitar
uma relação integrada, mais próxima, entre União, estado e município para
pensarmos políticas de cultura’. Mas não basta aderir ao Sistema,
precisamos dar concretude, conteúdo e vitalidade a ele. E essa tarefa
envolve todos: o campo cultural, os juristas, os políticos, os pesquisadores.
37
(LEITÃO apud DOEK, 2013)
Para além de um posicionamento individual da secretária Cláudia Leitão, essa postura
pró-SNC por parte do Ceará pode ser interpretado também como uma tradição política
desse estado. De acordo com Marta Arretche (2011), dos seis entes estaduais analisados em
sua pesquisa sobre descentralização de políticas sociais – Bahia, Ceará, Paraná, Pernambuco,
Rio Grande do Sul e São Paulo –, o Ceará era o que mais municipalizava as funções de gestão
na área social, ainda que fosse o mais pobre da amostra, por outro lado, São Paulo, que
tinha uma quantidade considerável de municípios com capacidade de gasto e capacitação
administrativa, avançava muito lentamente nesse sentido. Algo que, segundo a autora, era
decorrente da estratégia dos executivos estaduais de transferir atribuições aos seus
municípios.
Para Isaura Botelho (2016), embora tenha havido esse empenho do Ceará para que os
seus municípios se associassem ao Sistema Nacional de Cultura e criassem a estrutura
37
Entrevista disponível em: < http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/noticias/entrevista-com-
claudia-leitao>. Acesso em jun. 2018
131
exigida, isso não foi mantido ao longo do tempo e depois de alguns anos eles foram se
desassociando.
territorial brasileira [...]” (CALABRE, 2006, p. 34). Para Roberto Lima (2016b), coordenador
executivo da I CNC, já havia em 2005 um nível importante de mobilização da sociedade civil
em torno da questão cultural provocada pelas ações do MinC a partir da Gestão Gilberto Gil,
e essa mobilização social deveria ser acionada pela Conferência.
[...] o pressuposto que a gente utilizou foi: 1) o cidadão comum tem que
participar na conferência, [...] não é uma coisa só para artista, não é uma
conferência só para especialistas da universidade sobre intelectuais que
discutem cultura, não era uma conferência só pra as instâncias do governo
[...] ela deveria ser sobretudo uma conferência para o cidadão, então nós
definimos que as conferências de base, aquelas conferências municipais,
elas tinham que ser convocadas pela prefeitura para qualquer cidadão
participar, então o delegado eleito da conferência municipal pra estadual,
ele deveria vir do cidadão comum que era convocado pra conferência [...].
Além da I CNC contemplar a participação ampla da sociedade, ela articulou prefeituras
e governos estaduais de todo o país. A mobilização em torno dos entes federados e do SNC é
uma marca importante da I CNC e isso pode ser conferido, por exemplo: (1) por meio da fase
preparatória que envolveu a ida de gestores do MinC para reuniões com dirigentes de
municípios e estados; (2) dos objetivos previstos no regulamento da I CNC que perpassam
por questões federativas; (3) da condição imposta de celebração do Protocolo de Intenções
para que os entes subnacionais pudessem ter suas respectivas conferências reconhecidas
pelo MinC; (4) pela quantidade de conferências realizadas em estados e municípios e (5) pela
indicação de prioridade para várias propostas relacionadas ao SNC na Plenária Final. Para
Ana Aragão (2013, p. 81):
A etapa inicial da I CNC foi marcada pela realização conjunta de ações voltadas para a
adesão ao SNC. As chamadas oficinas de informação reuniram os gestores do MinC e dos
estados signatários do Protocolo de Intenções para afinar a construção das conferências
locais. De acordo com texto assinado por Aloysio Guapindaia, Márcio Meira, Roberto Lima e
Silvana Meireles (apud CALABRE, 2006, p. 34):
38
De acordo com o Decreto nº 5.520, de 24 de agosto de 2005, que redesenhou o CNPC, a Conferência
Nacional de Cultura compunha a estrutura do Conselho, e o Plenário deste deveria aprovar o regimento
interno da Conferência, bem como o seu regulamento. Apesar de ter sido reformulado em 2005, a posse dos
novos membros só ocorreu em 2007.
134
de cada ente da federação em relação à cadeia produtiva da cultura e à garantia dos direitos
culturais?”, “Como garantir um processo permanente de capacitação de gestores e
produtores culturais?” “Como criar instrumentos de acompanhamento e avaliação das
políticas estabelecidas?” “Como fortalecer a participação efetiva e permanente dos
movimentos culturais organizados?” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007a, p. 144). Apesar de
não citar em momento algum o SNC, observa-se que essas questões perpassam pela
proposta da política. Vários objetivos do regulamento também expressaram a vinculação da
Conferência com o Sistema, com o Plano Nacional de Cultura e com a participação dos entes
federados no desenvolvimento de seus respectivos sistemas, a exemplo de:
Em síntese, a previsão da I CNC era que ela fosse desenvolvida nas seguintes etapas:
Conferência Virtual; Seminários Setoriais; Conferências Municipais ou Intermunicipais;
Conferências Estaduais e Plenária Nacional, assim especificadas: (1) Conferência Virtual:
prevista para ser disponibilizada no site do MinC no período de 1º de outubro de 2005 a 30
de novembro de 2005. O seu caráter era estritamente consultivo. De acordo com o MinC
(2007a), essa modalidade seria coordenada pela Secretaria de Política Cultural, sendo a
última etapa aberta à participação social. Os debates e proposições seriam feitos a partir de
diretrizes gerais estabelecidas pelo CNPC para o projeto do Plano Nacional de Cultura. O
conjunto das contribuições dessa Conferência subsidiaria a redação final do Projeto do PNC
antes ser encaminhado ao Congresso Nacional. No relatório da I CNC não consta
informações sobre a Conferência Virtual. De acordo com Silvana Meireles (2018)39, ela de
fato não chegou a acontecer. (2) Seminários setoriais: segundo o regulamento da I CNC, os
seminários seriam promovidos pelo MinC com apoio dos entes federados e entidades não-
governamentais, e deveriam reunir representantes de instituições e movimentos da
sociedade civil de acordo com as suas respectivas áreas de atuação no campo da cultura.
Para tanto, seria necessário que os participantes apresentassem comprovação de atuação na
respectiva área, ou seja, a participação não era aberta a qualquer cidadão como acontecia
nas outras modalidades de conferência. No total, foram realizados seminários setoriais nas
cinco macrorregiões do país, que contou com palestras ministradas por: Durval Muniz de
Albuquerque, em Juiz de Fora (Sudeste); Márcio Meira, em Manaus (Norte); Danilo Miranda,
em Petrolina/Juazeiro (Nordeste); Gilberto Gil, em Cuiabá (Centro-Oeste) e Teixeira Coelho,
em Londrina (Sul). (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2006; 2007a). De acordo com Márcio Meira
(apud ARAGÃO, 2013), a escolha dos locais que sediaram os seminários setoriais tinha a
pretensão de interiorizar os debates e, a delimitação do público em torno da afinidade
temática tinha o objetivo de “[...] equilibrar um pouco essa dose de participação da
sociedade civil, com o cidadão comum e o artista” (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p.131).
Segundo o relatório da I CNC, 581 pessoas se inscreveram nos seminários, sendo eleitos 124
delegados para a etapa nacional, entre representantes de instituições, de movimentos
39
Informação obtida por e-mail em 10 de maio de 2018.
136
correr por conta dos governos estaduais e do Distrito Federal. De acordo com o relatório da I
CNC, foram realizadas 20 conferências estaduais em 2005 e uma em 2006 (em Roraima),
reunindo um total de 6.294 representantes da sociedade civil e do poder público e 801
convidados, num total de 7.095 participantes. O relatório informa ainda que apesar do
regulamento estabelecer que a etapa estadual só deveria ocorrer após a
municipal/intermunicipal, alguns estados realizaram conferências sem cumprir esse
requisito. (5) Plenária Nacional: última etapa da I CNC que, de acordo com o regulamento,
deveria reunir os delegados eleitos das conferências estaduais, dos seminários setoriais e
das conferências municipais e intermunicipais (nos locais onde não fossem realizadas
conferências estaduais). Vale registrar que segundo o regulamento, os delegados da plenária
deveriam ser representantes do poder público e da sociedade civil na proporção de para
cada um representante do poder público, quatro participantes inscritos da sociedade civil e
de movimentos artísticos. De acordo com Aloysio Guapindaia (2016), a participação da
sociedade civil era fundamental e era preciso estabelecer garantias de sua efetiva presença
em todas as etapas das conferências.
ao efetivo papel desempenhado por essas pessoas ao longo do evento e os motivos pelos
quais tiveram uma presença tão expressiva.
Quanto às discussões na Plenária, elas foram organizadas a partir dos eixos temáticos e
de sub-eixos (em torno dos quais os Grupos de Trabalhos se reuniram), gerando ao final 67
diretrizes. A partir dessas diretrizes foi realizada uma valoração por partes dos delegados
que indicaram o grau de prioridade das mesmas, elencando 30 propostas prioritárias. De
acordo com Márcio Meira (2006), a metodologia de valoração privilegiava a inclusão de
propostas ao invés da exclusão, como geralmente ocorre em conferências, e isso deveria
favorecer os debates em torno do conteúdo de cada uma delas.
[...] a gente chegou à conclusão: não vamos fazer conferência pra ter disputa
de A com B, do grupo do partido tal com grupo, porque conferência tem
muito isso, os movimentos se organizavam, aí tem o movimento das artes
plásticas com movimento não sei do quê, fica disputando na conferência
quem ganha a proposta, como a gente já conhecia essas práticas de outras
conferências, a gente resolveu que nós deveríamos fazer uma metodologia
diferente, que nós queríamos que a conferência fosse de construção de
consenso em torno da cultura, em torno da política cultural como algo
central [...] sair da marginalidade e ir para centralidade do governo. (MEIRA
apud ARAGÃO, 2013, p. 134)
O quadro a seguir reúne as dez propostas mais valoradas por parte da Plenária Final,
parte delas voltadas relativas ao Sistema Nacional de Cultura.
139
40
De acordo com Bernado Mata Machado (2017) esse impulso ocorreu na época em que Silvana Meireles
assumiu a direção da SAI, na gestão Juca Ferreira.
41
De acordo com o relatório da I CNC publicada pelo MinC, o estado de Roraima realizou conferência estadual
em 2006.
141
(Nordeste). No caso do estado do Rio de Janeiro, Lia Calabre explica que a resistência era
decorrente da cláusula do Protocolo de Intenções que previa a formação de um conselho de
política cultural paritário, o que não estava contemplando no conselho em vigor naquele
estado, cujo desenho era da década de 70.
[...] aí nós fomos; reunião com ele, a gente falou né, explicamos tudo o
sistema, como é que era a política e tal...[...] ele nem entrou na discussão
do que eu estava falando, ‘o meu orçamento da secretaria de cultura do Rio
de Janeiro é maior do que o orçamento do ministério da cultura, nós
estamos fazendo isso, estamos fazendo aquilo... então nós não precisamos
do ministério da cultura’... aí eu olhei pra ele assim e disse assim, mas
Ricardo acho que você não entendeu que nós viemos aqui, não é o
ministério da cultura que precisa, não é o Rio de Janeiro que precisa do
ministério da cultura, é o Brasil que precisa do Rio de Janeiro, nós estamos
aqui pedindo pra você ajudar o Brasil, nós não estamos aqui pra oferecer
pra você alguma coisa, porque nós não temos o que oferecer pra você.
(MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p. 142).
142
Guapindaia (2016), que comenta que articular o Protocolo de Intenções e trabalhar nas
conferências com uma equipe tão reduzida como a da SAI exigia uma dedicação extrema:
“[...] eu saía de um avião e entrava em outro, dormia numa cidade e amanhecia em outra, e
havia uma época que eu acordava em um hotel e não sabia nem dizer onde eu estava”.
(GUAPINDAIA, 2016).
A Conferência Nacional de Cultura foi algo que a SAI esteve sozinha até
quase os últimos minutos. O ministro Gil já próximo dela assumiu algumas
falas a favor da Conferência, se dispôs a ir alguns estados para falar sobre a
Conferência, para participar da Conferência Setorial, mas a Conferência de
fato foi feita pela Secretaria de Articulação Institucional e as demais
Secretarias se envolveram já na última etapa (MEIRELES apud BARBALHO,
2014).
Segundo Roberto Lima (2016b), dentro do Sistema MinC, ele contou especialmente
com o apoio dos secretários Sérgio Mamberti (SID), Celio Turino (SPPC), Orlando Senna
(SAV), José do Nascimento Jr (Ibram) e Antônio Grassi (Funarte). Quanto à participação do
ministro Gilberto Gil no evento, Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013) destaca que a sua
presença atraía muita gente, que a capacidade de conexão de Gil era muito forte e que a
SAI, de maneira geral, buscava sempre aproveitar ao máximo a sua presença:
Então quer dizer, é uma caminhada longa e árdua, então quer dizer,
quando nós fizemos a conferência que foi de 2004 pra 2005, nós já
tínhamos feito todo esse movimento, e aí, é claro, ajudava muito o fato do
ministro Gilberto Gil e o presidente Lula porque era um entusiasmo das
pessoas né, a gente dizia assim, olha eventualmente quando Gil ia nos
lugares então era um, as pessoas iam né, que era o Gil, pra ver o Gilberto
Gil e tal, e ele tinha essa capacidade de emulação muito forte né, então a
gente aproveitava a agenda dele também, por exemplo, o ministro ia numa
região no estado, porque ele ia na verdade com agenda, por exemplo, do
IPHAN ia lá inaugurar uma restauração da Igreja em Minas, no interior de
Minas. Então a gente colava na agenda dele alguma atividade lá, vinculada
à política sistêmica, digamos assim né, estruturante do ministério, então ele
144
ia pra uma coisa que era eventual, uma inauguração importante e tudo,
mas de alguma maneira a gente encaixava muitas vezes agendas também.
Isso foi muito importante e ele defendia e fazia o discurso que estimulava
os prefeitos e os governadores... (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p.133).
A fala estimuladora de Gil em torno do SNC e do PNC pode ser conferida na abertura
do seminário setorial da I CNC realizado em Cuiabá:
Segundo Lia Calabre (2006), o projeto das oficinas teve como base o diagnóstico
realizado a partir dos resultados da I CNC, que apontou como uma das demandas a obtenção
de maior acesso a informações sobre a área de atuação do MinC. Neste sentido, parte do
encontro era voltado para tratar das ações e programas do Ministério. Nas oficinas era
também apresentado o processo de implantação do SNC e disponibilizados estudos sobre:
gestão cultural, participação social e direitos culturais, escritos por Isaura Botelho, Marta
Porto, Maria Helena Cunha e Humberto Cunha Filho (CALABRE, 2006).
42
http://www.cultura.gov.br/por-dentro-do-ministerio/-/asset_publisher/dhdgdV8fiG9W/content/oficinas-do-
snc-72251/10883. Acesso em Maio de 2018.
147
aos deputados e senadores para que um conjunto de normas voltadas à cultura fossem
encaminhadas e aprovadas no Poder Legislativo. A dimensão normativa é, aliás, um dos
marcos da gestão Gilberto Gil, ainda que algumas propostas tenham sido instituídas em
gestões seguintes ou que sigam pendentes de aprovação.
De acordo com Aloysio Guapindaia (2016), nos primeiros anos da gestão houve um
trabalho contínuo de amadurecer o que estava timidamente previsto no A imaginação a
serviço do Brasil e de articular junto a políticos da base aliada do governo a aprovação de
emendas relativas ao Sistema.
Em 2014, foi apensada à PEC 150/2003, a PEC 421, de autoria da deputada Jandira
Feghali (PCdoB/RJ) e outros, que propõe aplicação de 2% da receita de impostos no caso da
União; 1,5% no caso dos Estados e do Distrito Federal, acrescido da receita do Fundo de
Participação dos Estados; e nos caso dos Municípios, 1% da receita resultante de impostos
mais a receita do Fundo de Participação dos Municípios. O § 1º estabelece que, dentre os 2%
da União, 20% será transferido aos Estados e ao Distrito Federal, e 30% aos Municípios,
desde que os respectivos entes tenham implementados seus Sistemas de Cultura, condição
inovadora. Essa PEC propõe também que a vinculação da receita seja processual: em um
43
Fátima Bezerra (PT/RN), Gilmar Machado (PT/MG) e Zezeu Ribeiro (PT, BA).
44
PEC 324/2001, da autoria do deputado Inaldo Leitão (PSDB/PB); PEC 427/2001, do deputado Regis
Cavalcante (PPS/AL); PEC 310/2004, do deputado Walter Feldman (PSDB/SP).
149
período de três anos no caso da União, ou seja, até o terceiro exercício financeiro após
promulgação da PEC, e de cinco anos para os demais entes. A transferência de recursos da
União para os demais níveis de governo deverá ser escalonada, sendo 15% para os
municípios e 10% para Estado e DF no segundo ano de vigência da Emenda, e no terceiro
ano 22% e 15,5%, respectivamente. Segundo texto45 que acompanha a PEC 421/2014:
45
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C10C6B882A9470500523D865
F1C0780A.proposicoesWebExterno1?codteor=1267491&filename=PEC+421/2014
150
[...] eu, por exemplo, sempre fui contra essa ideia de vinculação
orçamentária. Eu acho que não teria como impor isso. Tanto é que não
prosperou... tantos anos de defesa dessa ideia e nunca prosperou. E mesmo
que prosperasse, a prefeitura poderia dizer assim: ‘Eu não tenho como
cumprir isso, eu tenho outras responsabilidades aqui no município, eu não
posso’. (ORTIZ, 2017)
151
Em sua opinião, a ideia da PEC 150 foi pensada mais na perspectiva educativa do que
impositiva, pois a ideia era despertar nos outros entes federados a necessidade de investir
alguma coisa na área cultural.
Para Aloysio Guapindaia (2016), a aprovação da PEC exige um empenho político muito
forte, que transborda o Ministério da Cultura, e requer um momento oportuno para ser
encaminhada, o que nunca chegou a se concretizar: “[...] nós tínhamos que construir o
momento político adequado para ela ser aprovada, só que politicamente esse momento
nunca veio até porque o Executivo Federal não apostava nisso” (GUAPINDAIA). Apesar das
dificuldades, alguns atores continuam acreditando na aprovação da medida, como Juca
Ferreira (2018):
De acordo com esse decreto, o Sistema Federal de Cultura tem por finalidade: (1)
integrar os órgãos, programas e ações culturais do Governo Federal; (2) contribuir para a
implementação de políticas culturais democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes
federados e a sociedade; (3) articular ações para estabelecer e efetivar no âmbito federal o
Plano Nacional de Cultura; e (4) promover iniciativas para apoiar o desenvolvimento social
com pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional. O SFC é
composto pelo Ministério da Cultura, órgão central do Sistema, os seus entes vinculados
152
(Funarte, Iphan, Ancine, CNPC, a Comissão Nacional de Incentivo a Cultura – CNIC46 etc.) e
outros órgãos conforme ato do ministro.
[...] tarefa que não era fácil porque depois a gente percebeu que mais
importante era que nós tivéssemos um programa e pudéssemos objetivar
as demandas para esses ministérios, talvez fosse o caminho mais correto do
46
O Decreto nº 6.973/2009 promoveu alterações no SFC quanto aos seus entes vinculados. Além do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Agência Nacional de Cinema, Biblioteca Nacional, Fundação Casa
de Rui Barbosa, Fundação Nacional de Artes e Fundação Cultural Palmares, foi acrescido o Instituto Brasileiro
de Museus. Por outro lado, o CNPC e a CNIC foram excluídos dos SFC.
153
Por sua vez, a criação do SFC está intrinsicamente relacionada com a tentativa da SAI
de instituir o Sistema Nacional de Cultura. De acordo com Gustavo Gazzinelli (2016),
responsável por acompanhar o desenvolvimento e tramitação desse Decreto, a criação do
SFC foi decorrente de uma estratégia pensada junto à Subchefia de Assuntos Federativos e à
Casa Civil. O centro da discussão era que a criação do SNC, por fazer referência aos demais
entes federados, não poderia ser feita por meio de decreto e exigiria um sistema mais
complexo de aprovação envolvendo o Poder Legislativo. Porém, era possível fazer um texto
restrito ao âmbito federal dependendo apenas da articulação do MinC com a Presidência da
República, o que garantiria celeridade na sua aprovação.
[...] na época o pessoal da Casa Civil teve compreensão, e acho que também
da Secretaria [Subchefia] de Assuntos Federativos, que para você criar o
Sistema Nacional de Cultura teria que ser por meio de lei, então eles
tiveram a percepção de que nós não tínhamos condições naquele momento
para isso e aí se trabalhou pela ideia de criar o decreto. (GAZZINELLI, 2016)
Dentro do Ministério, a implantação do Sistema Federal não era uma proposta
unânime. De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014): “[...] enquanto que para
Márcio [Meira] o mais importante era o Sistema Nacional na sua atuação federativa, o outro
grupo entendia que o Sistema Federal era mais importante, pelo menos como primeiro
passo”. Esses posicionamentos distintos em torno do SFC talvez ajudem a explicar o motivo
pelo qual, apesar de dever se ater apenas à esfera federal, o Decreto pontua objetivos e
competências relativas a uma articulação federativa, típica de um sistema nacional. Segundo
Humberto Cunha Filho (2010, p. 81), o referido decreto
[...] na minha opinião, a ideia era que todos os três entes montassem a sua
estrutura. Agora, o ente federal seria o coordenador, óbvio, de todo o
processo e não significava que ele também não tivesse os seus deveres de
moldar a estrutura institucional, de coordenar as comissões intergestores
etc. (MATA MACHADO, 2017).
Uma visão distinta de outros atores: “Essa era uma discussão que o Peixe fazia, ele
achava que tinha sido um erro, porque o Sistema Nacional de Cultura englobava a União,
Estados e Municípios” (MATA MACHADO, 2017). Para João Roberto Peixe (2017), o SFC foi
criado, mas nunca funcionou de verdade, especialmente quanto à participação de outros
ministérios. Além disso, em sua opinião “[...] o Sistema Federal e o Sistema Nacional se
confundem muito e a tendência é de transformar o Sistema Nacional em Sistema Federal, e
isso foi uma preocupação muito minha, até porque eu vinha dos municípios, então eu tinha
outro olhar” (PEIXE, 2017). Sobre essa confusão, Cunha Filho (2010) esclarece que os dois
sistemas são coordenados pela União, mas os objetivos são distintos: o Sistema Nacional
tem o papel de integrar os subsistemas culturais do país e o Sistema Federal, que é parte do
Nacional, é formado unicamente por órgãos públicos dessa esfera de poder.
“Em razão da arquitetura a ser adotada no SNC não é pertinente a existência do Sistema
Federal de Cultura – SFC”. (MINC, 2010a, p.51). Entretanto, o Decreto nº 5.520/2005 não foi
revogado, e ainda que o Ministério tenha considerado o SFC obsoleto, ele continua
existindo.
Gustavo Gazzinelli (2016), o desenho do CNPC pensado na época tinha a perspectiva de ser
formado a partir de uma organização setorial de baixo para cima, tal qual a Conferência
Nacional, onde cada setor faria o seu encontro e a sua agenda para encaminhar e encontrar
com a agenda nacional.
democrático, já que isso vai depender também do ambiente societal e político no qual estão
inseridos (Côrtes 2010). No caso específico do CNPC, no momento pós-publicação do
decreto nº 5.520/2005, havia uma expectativa e uma demanda para que os membros
tomassem posse e o conselho pudesse iniciar suas atividades. Essa, aliás, foi uma das pautas
da I CNC. Na “Carta de Brasília” apresentada no encerramento da Plenária Nacional, consta
como medida fundamental: “3. A elaboração coletiva e ampla, com a participação do
Conselho Nacional de Política Cultural – cuja posse reivindicamos como urgente e necessária
–, seguida da aprovação pelo Congresso Nacional, do Plano Nacional de Cultura [...]”. A
posse, entretanto, só veio a acontecer dois anos depois, em dezembro de 2007. Para Aloysio
Guapindaia (2016), esse atraso se deveu a dois problemas: por um lado, à resistências
internas para se ter um conselho paritário no desenho proposto, conflito enfrentando com a
própria Casa Civil, e, por outro, à dificuldades decorrentes da própria dinâmica de indicação
de representantes para as linguagens artísticas e culturais: “[...] O conselho demorou muito
realmente a ser implantado porque tivemos que superar muitas questões nesse percurso
todo. Qual seria de fato essa estrutura? quais representantes da sociedade civil e em quais
linguagens iriam ter assento?” (GUAPINDAIA, 2016). De opinião semelhante é Lia Calabre
(2017), para quem uma parte do atraso era consequência da complexidade da área cultural
e do desenho do sistema de representação do CNPC:
Ministério de que o Conselho fosse aparelhado por movimentos culturais mais próximos ao
PT:
[Não tomou posse] por causa das disputas políticas interna, ele [CNPC]
estava afastado do Sistema [SNC], quem tomava conta era o Manevy
[Alfredo Manevy], e o Marcio Meira tinha uma força política tremenda e
tinha um confronto sobre essa construção, aí eu acho que é uma besteira
né, todo mundo pensava mais ou menos igual nas ideias e nas propostas,
mas era como implementar...(PINTO, 2018).
Na avaliação de Márcio Meira, feita antes da posse do Conselho em 2007, esse foi um
dos pontos fracos do MinC durante o primeiro Governo Lula.
Eu acho que a gente poderia ter já instalado esse Conselho, já poderia estar
funcionando e ele seria o grande trunfo democrático de participação
popular ativa para consolidar, porque política pública só se consolida com
participação popular. [...] Você tem que ter instituições e o Conselho
Nacional de Política Cultural é uma instituição que foi criada por decreto
presidencial e esse Conselho não funcionou até hoje. Eu espero que até o
final do segundo mandato do presidente Lula esse Conselho seja instalado.
Quando eu estava no ministério eu lutei muito por esse Conselho para que
ele fosse instalado, inclusive foi eu que liderei o processo que levou a esse
decreto 5.520. (MEIRA apud REIS, 2008, p. 124).
Vale destacar que em 2012, já no Governo Dilma Rousseff, o apoio técnico e
administrativo ao CNPC passou a ser feito pela Secretaria de Articulação Institucional, uma
160
mudança importante considerando que até então ele esteve mais próximo à Secretaria
Executiva e à SPC.
Como houve alterações na proposta inicial do SNC, não será feita uma análise
detalhada da PEC neste momento. Mas vale ressaltar o seu processo de tramitação na
161
Câmara dos Deputados: a proposta foi apresentada em meados de 2005, mas somente a
partir de 2010 foi designada Comissão Especial para proferir parecer sobre o texto. Em 2006
não foi registrada movimentação alguma, e a proposta chegou a ser arquivada em 2007. O
processo de tramitação da PEC 416/2005 será pormenorizado quando da sua aprovação na
Câmara e no Senado, em 2012.
Quem fez essas emendas fomos nós, eu digo nós esse movimento que
reuniu esse pessoal todo aí que eu tô falando. Então nós fizemos [...] a
primeira emenda foi elaborada antes de 2003, foi a do Plano Nacional de
Cultura, o projeto de emenda constitucional foi de iniciativa do legislativo,
do deputado Gilmar Machado, do PT de Minas, ele assinou junto com os
deputados a iniciativa, mas fomos nós, tínhamos feito a proposta, e aí
discutindo com ele, ele apresentou a proposta no congresso (MEIRA apud
Aragão, 2013,p. 129)
O deputado Gilmar Machado pontua, por sua vez, que a proposta do Plano é resultado
da I Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto, realizada em novembro do ano
2000 pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, que reuniu artistas e
intelectuais. Nesse processo de mobilização verificou-se a necessidade da área cultural ter
um plano, como já existia em outros setores. A partir daí foi formulada a PEC, que veio a
integrar o programa de campanha de Lula de 2002 e foi incorporada pelo Ministério da
Cultura a partir da gestão Gilberto Gil (MACHADO apud REIS, 2008).
O Plano Nacional de Cultura era levado por outra secretaria, que era a
secretaria do Manevy [...], e o Plano estava desalinhado com o Sistema
Nacional de Cultura [...] esse desalinhamento do Plano e do Sistema eles
vinheram necessariamente por falta de alinhamento de uma política
interna no primeiro momento.
Segundo Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), era preciso rever o esboço do
Plano apresentado no PL 6.835/2006, e a coordenação desse trabalho acabou ficando com a
SPC, ao invés de a SAI:
47
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=384450&filename=PL+6835/200
6
163
Sobre os motivos para o PNC e o SNC estarem em secretarias distintas, Gilberto Gil, em
entrevista concedida para o periódico Políticas Culturais em Revista comenta:
Ah, não tenho resposta não, não tenho resposta. Acho que talvez responda
um pouco por isso aquilo que eu falei no início, que eu falei de
idiossincrasias, enfim, de territorialidades, de personalidade, de gestores,
de atendimento a... Enfim, pode ter sido um erro mesmo, inadvertido,
provocado pela necessidade de contemplar aspectos idiossincráticos, ou
por não saber, propriamente. Por ser tudo muito novo, está sendo tudo
numa base ainda experimental e acabou-se fazendo isso. Muitas coisas que
estavam, que foram distribuídas de certa forma mais aleatória, ou em
função de critérios desse tipo que eu citei antes, podem acabar migrando
para suas localizações mais... (GIL apud RUBIM et al, 2008)
Sobre essa resposta, Paulo Miguez (2017), que participou dessa entrevista, comenta
que as tais idiossincrasias citadas por Gilberto Gil podem ser compreendidas como disputas
164
que ambientavam o Ministério da Cultura naquele momento e que envolveu a definição dos
lugares de gestão do Plano e do Sistema: “[...] havia ali uma disputa que fez com que esses
assuntos ficassem em um lugar, e do ponto de vista do desenho institucional não era o
melhor lugar, né?”(MIGUEZ, 2017).
Em entrevista, Gil comenta que em sua visão o PNC seria o responsável por dar
substância ao Sistema, que por sua vez deveria envolver questões para além da estrutura,
articulando conteúdos por meio de programas nacionais e locais. E, nessa perspectiva, o
lugar onde cada política seria coordenada dentro Ministério não teria tanto peso assim.
citadas pelo gerente Gustavo Vidigal [da SPC], o Ministério da Cultura não
conseguiu aproximar de forma satisfatória o processo das duas políticas,
que mesmo tendo objetivos, necessidades e interesses semelhantes,
estranhamente foram conduzidas de forma distanciada no MinC, já no
começo do governo. (REIS, 2008, p. 105-106).
Apesar de a SPC ter sempre conduzido o Plano Nacional de Cultura, a partir de 2012 a
SAI assumiu a responsabilidade de apoiar estados e municípios a produzirem seus planos de
cultura, uma articulação que para Bernardo Mata Machado (2017) passou pelo
estreitamento das relações entre as duas secretarias, ambas dirigidas por membros do PT
nessa época. Além disso, registre-se que após a reforma administrativa do MinC de 2016
(Decreto nº 8.837/2016), a SPC e a SAI foram fundidas, e passaram a dar lugar à Secretaria
de Articulação e Desenvolvimento Institucional (Sadi).
foi desenvolvido ao longo desse primeiro período de governo. De acordo com Gustavo
Gazzinelli (2016), pensar nas questões relativas às competências e ao papel de cada ente
federado na estruturação do Sistema passava pelo aprofundamento das agendas setoriais, o
que não foi possível fazer juntos aos órgãos do MinC.
Sobre a adesão dos entes federados ao SNC ao final da primeira gestão Gilberto Gil, a
situação era a seguinte: 34,5% dos municípios e 74% dos estados brasileiros tinham aderido
ao Sistema, conforme Tabela 01.
grande escala em 2005, com a I CNC. Entretanto, apesar de ter esse reconhecimento
nacional, a SAI não conseguiu desenvolver ações de contrapartida aos estados e municípios
que tinham firmado o Protocolo de Intenções. De acordo com Gazzinelli (2016), durante
toda a gestão Gil a SAI enfrentou muitas dificuldades para atuar: “as coisas tinham que ser
arrancadas para acontecer” e, em sua opinião, parte disso era derivado da relação difícil que
eles tinham com o secretário executivo Juca Ferreira:
O Juca, eu acho que por duas razões: primeira, porque ele não entendia o
projeto, e talvez até hoje não entenda. Segundo, porque eu acho que ele
via nesse projeto uma perspectiva de empoderamento de um outro grupo
que em algum momento vislumbrou a posição dele, e esse grupo era
representado especialmente pelo Márcio Meira. (GAZZINELLI, 2016)
Na opinião de Paulo Miguez (2017), o SNC poderia ter aproveitado muito mais da
figura de Gilberto Gil enquanto ministro se não houvesse ocorrido tanta divergência interna.
[...] acho que o momento inicial [do Sistema Nacional de Cultura] foi muito
difícil porque se essa clivagem não tivesse estabelecido, o primeiro
momento poderia ser um momento melhor aproveitado do ponto de vista
do capital simbólico de Gil, todo mundo fala e tal, mas as pessoas às vezes
não se dão conta do tamanho desse capital simbólico, abria qualquer
porta...[...] Caetano é que dizia de forma muito apropriada o ‘Gil é o Lula do
Lula’, é aquele cara capaz de fazer a diferença. (MIGUEZ, 2017)
Para Guapindaia (2016), parte das dificuldades para o desenvolvimento do SNC foi
decorrente de conflitos internos, mas ressalta que isso fazia parte do jogo democrático e o
saldo foi positivo.
Para Meira (2016a), a passagem de Gilberto Gil pelo MinC, com a sua capacidade de
liderança, foi um dos melhores momentos que o órgão vivenciou desde sua criação. Segundo
o ex-secretário, durante a transição do governo FHC para o governo Lula, o programa A
imaginação a Serviço do Brasil foi oferecido ao ministro como uma contribuição do acúmulo
petista para a nova gestão, o que teria sido acolhido por parte de Gil: “O novo ministro não
somente acolheu aquela plataforma como a ampliou, acrescentando-lhe a sua própria marca
‘tropicalista’ e conferindo-lhe uma visibilidade jamais imaginada, tanto no Brasil quanto no
meio internacional.” (MEIRA, 2016a, p. 139). Segundo Meira (2016a), Gil soube reunir laços
políticos variados e renovar e fortalecer o projeto do PT. De opinião semelhante é Hamilton
Pereira (2018), para quem, depois da criação do Ministério da Cultura, o fato mais relevante
foi a política implementada por Gilberto Gil e Juca Ferreira, mesmo com as tensões do
período “[...] as naturais tensões que ocorreram foram reduzidas ao seu peso real:
contradições inevitáveis em um corpo heterogêneo, mas focado em tornar realidade uma
proposta inovadora de Política Pública de Cultura para o país.” (PEREIRA, 2018). Em sua
avaliação:
Recife, percebia que apesar das disputas internas no MinC, havia uma imagem de conjunto
passada pelos dirigentes:
uma coisa que eu via como muito positiva na gestão de Gil [...] tinha muita
briga ali, era muita disputa interna, e quando o pessoal comentava, eu
falava: ‘rapaz, não adianta, todo mundo aparece bonitinho, em conjunto,
todo mundo acha que tá tudo unificado’ e nesse ponto eu acho ótimo, é um
ponto positivo do Ministério. (PEIXE, 2017)
Voltando à publicação do Programa cultural para o desenvolvimento do Brasil, o
documento sinalizava que o Sistema Nacional de Cultura permaneceria na pauta do MinC
enquanto uma das suas políticas prioritárias a ser desenvolvida ao longo do segundo
mandato do presidente Lula da Silva. De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO,
2014):
[...] a conversa na SAI era ‘bom, tudo indica que vem por aí mais uma
gestão, e agora a gente precisa estruturar o Sistema, porque a ideia está
disseminada, já tem uma adesão expressiva, mas a gente precisa avançar’,
então já começaram a debater [...] o que precisava ser estruturado, e foi
interrompido. (MEIRELES apud BARBALHO, 2014).
A interrupção dos trabalhados conduzidos e planejados pela SAI se deu no período do
segundo mandato do presidente Lula, quando a equipe foi desestruturada com a saída de
praticamente todos os seus integrantes, como será desdobrado no próximo capítulo.
170
171
[...] ele [Gilberto Gil] ficou numa posição, meio que esperando ver como é
que fica, e o pessoal do PT na época sentiu que tinha legitimidade para
reivindicar o espaço político, às vezes até a cabeça do Ministério se o Gil,
por ventura, não topasse continuar. Como ele não se posicionava, esse
grupo não esperou e acabou se organizando. (GAZZINELLI, 2016)
Paralelamente, artistas, produtores, intelectuais, membros do governo etc.
manifestaram publicamente o desejo de que Gilberto Gil permanecesse no cargo, momento
que ficou conhecido como Fica Gil, e que envolveu a entrega ao ministro de uma carta
assinada por mais de 300 artistas pedindo a sua permanência no Ministério. O
reconhecimento do trabalho feito durante o primeiro mandato de Lula, com os resultados
positivos da gestão, e esse movimento em torno de sua continuidade, proporcionaram a
Gilberto Gil condições de negociar e alterar com liberdade quadros importantes do
Ministério, inclusive vinculados ao PT (REIS, 2008). Segundo Vitor Ortiz (2017): “[...] o Lula
pediu para o Gil ficar e o Gil colocou algumas condicionantes e dentre essas condicionantes
estava trocar uma parte da equipe”. Assim, no início de 2007, Antônio Grassi, presidente da
Funarte, e Márcio Meira, secretário da SAI, foram exonerados dos seus respectivos cargos.
[...] havia essa disputa ali muito fortemente colocada, disputa da qual o
ministro não participava, Gil dizia ‘meu partido é o PS, Partido do Servidor e
o PC que é o Partido da Cultura’...ele nunca discriminou ninguém por ser do
partido A, B,C... ele queria que as coisas funcionassem e quem comandava
mais esses embates era a Secretaria Executiva diretamente. (MIGUEZ,
2017)
Aloysio Guapindaia (2016) também interpreta a situação nesse viés:
A saída do Márcio Meira não foi tranquila porque ele foi exonerado pelo
Juca. [...] o Juca convenceu o Gil que tinha que tirar todos os petistas,
depois o próprio Juca se torna ministro com a saída do Gil, mas todos os
petistas foram exonerados do Ministério, só o Sérgio Mamberti
permaneceu [...] O Juca considerou que os petistas estavam articulando
para derrubar o Gil, aliás, ele sempre tinha esse pensamento, era
permanente. (GUAPINDAIA, 2016)
Sobre esse período, Juca Ferreira (2018) comenta que a tensão decorreu da resistência
por parte do setorial de cultura do PT ao seu nome e ao de Gilberto Gil para dirigirem o
MinC. Também considera que existia uma valorização exacerbada por parte desse grupo do
PT ao documento de campanha A Imaginação a serviço do Brasil, enquanto projeto político
que deveria orientar o MinC.
[...] [A Imaginação a serviço do Brasil] não era nada que pudesse de fato ter
aquele significado que eles queriam, na verdade, eles queriam submeter o
processo do Ministério a uma... quando eu digo eles, eu estou dizendo o
setorial de cultura do PT [...] era uma visão política pequena, estavam
diante de uma possibilidade de viver o processo que nós vivemos de uma
riqueza enorme, e ficavam ali numa insistência infernal de valorização de
algo que eles haviam produzido... isso fazia parte de uma disputa porque
eles nunca aceitaram Gilberto Gil como ministro, porque eles tinham até
nomes para isso, e muito menos que eu substituísse Gil. (FERREIRA, 2018)
A saída de Meira deve ser lida dentro da disputa interna ao MinC entre o
grupo mais afinado aos programas de governo e aqueles agentes que não
se sentiam compromissados com tais formulações, mesmo que não
discordassem necessariamente de todas elas.
De fato, pelas falas de alguns atores e do próprio Juca Ferreira percebe-se que não
chegava a existir oposição generaliza às formulações expressas no programa. Entretanto, na
opinião de Ferreira (2018), ainda que todos os envolvidos no Ministério compartilhassem da
mesma visão conceitual, a dimensão da política cultural desenvolvida por ele e Gil ao longo
da gestão possuía outro grau de complexidade.
[...] aos pouco eles [do setorial de cultura do PT] foram vendo que o que a
gente estava fazendo era dentro da mesma inflexão conceitual, mas muito
mais complexo e generoso e com muito mais resposta porque não era
tirado nem da manga do colete, nem da cabeça da gente, era uma
construção onde nós dialogamos com conjunto de atores e protagonistas
da cultura, fomos afirmando qual era o universo da cultura, ampliamos o
conceito de cultura, qual era o universo que cabia o Estado, como construir
política em cada área, esse processo gerou uma capacidade de formulação
bem maior e acabou até a tensão se mantendo muito mais pela disputa de
poder, a vontade de assumir ali diretamente através de seu próprio quadro
do setorial da cultura...(FERREIRA, 2018)
Sobre a exoneração de parte do grupo do PT, Armando Almeida (2018) – que
trabalhou com Gil e Juca Ferreira na Fundação OndaAzul e, dentro do MinC era um dos
assessores do secretário executivo –, comenta:
[...] Gil tinha dito que só ficaria uma gestão e aí Gil disse que iria sair e Lula
insistiu que ele ficasse e aí nesse momento Juca teve certamente um peso,
e eles todos sabem disso, e daí porque esse ódio pra cima de Juca, é que
Juca teria dito para Gil: ‘olhe, a gente continua, agora, a gente não pode
trabalhar desse jeito, a gente tem que ter mais aliados ao nosso redor’ e aí
174
[...] alguns desses do setorial, desses militantes, eles nunca aceitaram o Gil
e conspiravam abertamente, às vezes falavam em reunião pública tentando
desmerecer o que estava construído, chega um ponto que há uma quebra
de confiança e esses dois que você citou [Antônio Grassi e Márcio Meira] foi
na passagem do primeiro para o segundo governo e foi uma demanda de
Gil, ele disse ‘olha, eu recebo muita informação de artistas e pessoas da
área cultural que essas pessoas estão falando de mim, não podem fazer
parte da equipe nesse nível’, e aí saíram, não havia despetização não, isso aí
é bobagem, esse conflito eu não levo muito a sério não porque, na verdade,
havia o desejo de substituir Gil. (FERREIRA, 2018)
De fato, apesar das saídas de Meira e Grassi, e de pessoas que trabalhavam com os
mesmos, outros petistas que ocupavam importantes cargos permaneceram no Ministério, a
exemplo de Sergio Mamberti (SID) e de José do Nascimento Júnior (Ibram). De acordo com
Armando Almeida (2018):
José do Nascimento Júnior era um dos maiores opositores a Juca [...], mas
ele foi um cara competente, isso ninguém pode negar. E o Ibram surge
junto com ele, e ele conduz muito bem o Ibram dentro das parcas
condições [...] então, os conflitos eram fortes com Nascimento, mas temos
que reconhecer que Nascimento foi um bom gestor do Ibram.
E sobre a permanência de Sérgio Mamberti, Almeida (2018) comenta que apesar dele
ser do PT, era uma pessoa com quem eles conseguiam manter conversação: “[...] embora ele
trabalhasse contra, Sérgio é mais light...com Sérgio dava pra conversar, o problema com
Sérgio era mais [...] era mais de gestão [...], mas com ele dava para conversar, não tinha uma
animosidade...” (ALMEIDA, 2018). Para Vitor Ortiz (2017), houve uma espécie de escolha que
culminou com a saída de uns e não de outros do PT, a exemplo da permanência de Sergio
Mamberti, “[...] que era um pessoal que tinha mais proximidade, vamos dizer assim, mais
afinidade política com o modo de pensar do Juca”. (ORTIZ, 2017)
23
Disponível em:<http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/pt-divulga-nota-criticando-demissoes-na-
funarte/>. Acesso em 20 mai. 2017
24
“Artistas não querem mudanças no MinC”, por Elisangela Farias. Disponível em: <
http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/artistas-nao-querem-
mudancas-no-minc-81494/10883/maximized>. Acesso em 23 mai. 2018
176
entre o governo FHC e governo Lula, isso não evitou sua exoneração; por outro lado, isso
não significou que a sua relação com a alta cúpula do governo tenha se fragilizado, já que ele
deixou a SAI para assumir a presidência da Funai. A Funai é o órgão do governo federal
responsável pela proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas do Brasil, o que
envolve a demarcação de terras e a regularização fundiária de áreas indígenas, indo de
encontro aos interesses de grandes latifundiários, empresários do agronegócio, companhias
exploradoras de minério etc. Ou seja, um órgão que enfrenta grandes opositores. A
nomeação de Márcio Meira, antropólogo de formação, para a presidência da Funai expressa,
nesse sentido, o reconhecimento de sua capacidade para atuar em relações de conflito e a
confiança que possuía junto ao alto escalão do governo.
Sobre os demais integrantes da SAI, os destinos após esse episódio foram: Aloysio
Guapindaia seguiu para a Funai, junto com Márcio Meira; Roberto Lima assumiu a assessoria
da Diretoria Colegiada da Ancine25 (2007 a 2013), permanecendo, portanto, vinculado ao
Ministério da Cultura; Gustavo Gazzinelli retornou a Belo Horizonte, onde desenvolveu
projetos nas áreas do meio ambiente e da cultura, mas sem vínculo com o MinC; e Silvana
Meireles assumiu a Chefia de Gabinete da Secretaria Executiva do MinC à convite de Juca
Ferreira. A aproximação de Meireles com essa Secretaria foi consequência de sua atuação na
SAI, que envolvia a articulação com vários dirigentes do Ministério: “[...] é o que justifica a
minha aproximação com a Secretaria Executiva porque chega um ponto que todas as
negociações ou projeto que envolvia a Secretaria Executiva era minha coordenação quem
assumia.” (MEIRELES apud BARBALHO, 2014). Para Silvana Meireles, esse trabalho “na
fronteira entre as duas secretárias” deve ter motivado o convite de Juca Ferreira: “[...] eu já
estava pronta pra ir embora, quando recebi um convite pra permanecer e exercer a chefia
de gabinete do então secretário executivo que se mantinha Juca Ferreira”. (MEIRELES apud
BARBALHO, 2014)
Relatos sobre o período que se seguiu à desestruturação da equipe da SAI indicam que
o Sistema Nacional de Cultura ficou praticamente paralisado por mais de um ano (PEIXE,
2017; MATA MACHADO, 2017; MEIRELES, 2017). De acordo com Silvana Meireles (apud
BARBALHO, 2014):
25
A Ancine é uma autarquia especial vinculada desde 2003 ao Ministério da Cultura. Enquanto agência
reguladora, ela tem como atribuições o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do
audiovisual no Brasil.
177
[...] com a saída de Márcio, isso termina passando por uma desestruturação
[das atividades da SAI], primeiro saiu seu principal defensor, ficou
dominando no Ministério um grupo que não achava que o Sistema era algo
prioritário, mas ao mesmo tempo você tinha como resultado da
Conferência Nacional a demanda por um Plano Nacional de Cultura.
Inicialmente, a SAI ficou sem secretário por aproximadamente seis meses, período em
que, segundo Sérgio Pinto (2018), as atividades ficaram basicamente restritas a dar
continuidade aos Protocolos de Intenções pensando em novos formatos e concluir algumas
ações da gestão anterior relacionadas à I Conferência, então “não teve muita coisa
realmente, foi um período curto que a gente tentou dar continuidade para as coisas que
estavam lá” (PINTO, 2018). Em sua opinião, “não tinha a cabeça pensante e precisava de
alguém para pensar o Sistema para o futuro” (PINTO, 2018). A ausência de um dirigente teve
consequências diretas na estrutura da SAI:
26
Por e-mail foi solicitada entrevista a Marco Acco que, inicialmente, aceitou a participar da pesquisa, mas
depois não respondeu às tentativas de agendá-la. Sobre Acco: possui graduação em Economia (1992),
mestrado em Ciência Política (1996) e Doutorado em Ciências Sociais (2009). No MinC passou por diversos
órgãos: entre 2004 e 2006 foi assessor de política cultural; entre 2006 e 2007, dirigiu a SEFIC; entre 2007 e
2008 passou pela direção da SAI. Saiu do MinC em julho de 2008, tendo retornado na gestão Ana de Hollanda,
quando trabalhou ao longo do ano de 2011 como secretário executivo adjunto, conforme seu Currículo Lattes.
178
pediu que ele assumisse o cargo enquanto se buscava outro secretário. Sobre isso, Juca
Ferreira (2018) comenta:
Na verdade, houve muito embate... não se tinha uma posição clara [por
parte do MinC] [...] eu me lembro que houve uma reunião do Fórum lá em
Brasília e que Marco Acco ficou lá, e ficou calado a reunião toda [...] era um
pouco também o jeito dele, eu não sei se também ele não estava muito à
vontade, porque a rigor estava acumulando duas secretarias, então ficou
uma coisa assim...(PEIXE, 2017)
Em sua opinião, essa desaceleração do SNC criou um desgaste grande junto aos entes
federados que vinham se mobilizando para construir seus sistemas por meio da criação de
conselhos, planos de cultura etc. E, especificamente no caso dos municípios, havia uma
cobrança a nível local expressiva por conta da mobilização decorrente da I CNC: “o fato é
que se criou um desgaste muito grande, uma certa frustação” (PEIXE, 2017). Parte desse
distanciamento que a SAI teve nesse momento pode ser explicado por uma nova estratégia
de articulação federativa que tentava ser implantada. Segundo Sérgio Pinto (2018), Marco
Acco – que posteriormente optou por dedicar-se exclusivamente à SAI, se desligando da
Sefic – pretendia promover a aproximação com estados e municípios por meio de atividades
realizadas pelas unidades vinculadas do Ministério:
O Marco Acco ele também foi uma pessoa que não conseguiu acomodar a
situação da SAI porque tinha muitos problemas nessas relações internas, e
ele não conseguiu fazer com que tivesse a força necessária, ele não
27
Portaria 529 de julho de 2008. Exonera Marco Antônio de Castilhos Acco do cargo de Secretário de
Articulação Institucional. Publicado no Diário Oficial da União em 1º de agosto de 2008.
180
Maia tem uma enorme capacidade de atuação [...] e é uma pessoa que
defende muito o Sistema Nacional de Cultura, então o tempo em que ele
ficou na SAI, eu acho que ele fez uma espécie de peregrinação pelo país,
divulgando o Sistema Nacional de Cultura, chamando a atenção para a sua
importância. (MEIRELES apud BARBALHO, 2014)
Apesar desse esforço, Meireles (apud BARBALHO, 2014) aponta que esse período foi
muito complicado para a SAI, que foi perdendo sua identidade, já que o Plano Nacional de
Cultura estava sob a coordenação da SPC; o Fundo Nacional de Cultura, outro componente
do Sistema, estava sob os cuidados da Sefic; o CNPC estava vinculado à Secretaria Executiva;
e, portanto, a SAI ficou com o SNC, que não avançava, e com as Conferências, que não era
objeto de atuação porque não se tinha uma data para a sua segunda edição. De acordo com
Isaura Botelho (2011), esse período de quase paralisação do SNC se refletiu nos dados da
pesquisa da Munic/IBGE de 2006:
28
Frederico Hermann Barbosa Maia é jornalista de formação, escritor, educador social e arte-educador.
Tentamos diversas vezes realizar entrevista com o mesmo, mas, ao final, ele não atendeu às solicitações.
181
Gráfico 01: Percentual de municípios com existência de conselho municipal de cultura, segundo
ano de criação da lei.
Fonte: Elaboração própria a partir de Pesquisa de Informações Básicas Municipais (IBGE, 2009).
O fato de o Ministério ter iniciado uma articulação junto aos municípios, mobilizando-
os para a construção dos sistemas de cultura, e depois ter interrompido a condução da
política pode ter gerado, para além do descenso na criação de componentes da gestão
pública, uma frustração e uma quebra de confiança na relação entre os entes. Apesar disso,
Silvana Meireles (2017) pontua:
É possível citar algumas ações nesse sentido, a exemplo da criação do Sistema Estadual
de Cultura do Ceará (2006), Sistema Municipal de Cultura de Rio Branco/Acre (Lei nº 1.676
de 20 de dezembro de 2007), da discussão da Lei Orgânica da Cultura no estado da Bahia e
da realização da segunda edição das conferências de cultura por parte de estados e
municípios, o que teria contribuído, na opinião de Isaura Botelho (2011), para a mobilização
da sociedade civil responsável por manter a pauta do SNC viva.
De acordo com Juca Ferreira (2018), depois da reforma de 2005, o CNPC tentou
abarcar a complexidade da área cultural no país com a representação de vários segmentos
da sociedade brasileira, “[...] tinha representação dos povos indígenas, de quilombolas, tinha
representação de todas as linguagens, tinha representação regional...” e as alterações no
Conselho representaram uma mudança de paradigma, com a participação dessa instância
em várias etapas do processo das políticas públicas.
29
Vidigal entrou no MinC em fevereiro de 2007 e assumiu a coordenação do Plano Nacional de Cultura na
Secretaria de Políticas Culturais. Em setembro de 2008, assumiu o cargo de secretário executivo adjunto do
MinC.
183
30
Um dos coordenadores do A imaginação a serviço do Brasil e um dos nomes cotados para assumir o MinC no
início do primeiro governo Lula. Na época da instalação do CNPC, Hamilton Pereira era secretário de
Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, onde ingressou em 2007.
184
De acordo com João Roberto Peixe (2017), o Fórum Nacional dos Secretários de
Cultura das Capitais já existia antes do início do primeiro Governo Lula, mas era uma
articulação política informal, sem estatuto e, quando foi publicada a primeira composição do
Plenário do CNPC (2005), verificou-se que esse Fórum não possuía assento:
[...] essa questão [do SNC] ela foi bem muito trabalhada e mesmo cobrada
de fora pra dentro, e aí os municípios, as secretarias municipais,
principalmente das capitais que tinham um peso político maior, tiveram um
atuação bastante forte, especialmente quando se instalou o Conselho
Nacional de Política Cultural. (PEIXE, 2017)
Sobre a atuação de instâncias de representação como os fóruns de secretários, Peixe
comenta que costuma ser instável porque “os personagens mudam e aí depende muito
também da visão, da mobilização, da concepção política” (PEIXE, 2017), mas apesar disso,
“acho que tem tido de forma geral um aspecto suprapartidário e tem tido algumas bandeiras
que tem unificado” (PEIXE, 2017), a exemplo do SNC. Para Peixe (2017): “havia uma
articulação muito boa [no CNPC] entre os secretários e os representantes da sociedade civil
[...] havia conflitos com o Ministério, mas com outras questões, não com o Sistema em si”.
O Mais Cultura foi lançado com muito peso, ainda com Gil, com muita força,
um programa interministerial de peso grande e, exatamente em um
período em que o Sistema, vamos dizer, ficou em segundo plano...e você
tem uma situação do Sistema caindo, se esvaziando e lançam um programa
forte...então isso era uma polêmica grande. (PEIXE, 2017)
Criado oficialmente por meio do Decreto Nº 6.226, de 4 de outubro de 2007, o Mais
Cultura integrou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) cujo objetivo era estimular
31
A articulação do Mais Cultura no âmbito do governo federal foi prevista para ocorrer por meio de uma
Câmara Técnica (art. 5º do Decreto 6.226/2007) composta por diversos órgãos do Executivo e presidida pelo
MinC, representado pelo seu secretário executivo, a quem cabia propor e articular ações intersetoriais. Outra
instância presidida pelo secretário executivo era o Comitê Executivo composto apenas pelo MinC que
respondia pela sua coordenação, execução, acompanhamento e avaliação.
186
O ingresso da cultura no PAC se deu por meio da Agenda Social que contemplava
também as áreas da saúde, educação e segurança pública, e que tinha como perspectiva o
desenvolvimento de programas, projetos e ações que levassem à consolidação da garantia
dos direitos, da redução da desigualdade social e do fortalecimento do pacto federativo.
Assim, foram lançados programas como o Mais Educação e reforçados outros, como o Bolsa
Família. Para Juca Ferreira (2008), a inclusão da cultura na Agenda Social era fundamental
pela compreensão de que as necessidades humanas iam muito além das necessidades
materiais, assim, o acesso à cultura deveria estar agregado à inclusão social, dimensões
interdependentes entre si, “a cultura e as artes não se desenvolvem no vácuo” (FERREIRA,
2008, p. 484). Segundo Juca Ferreira (2008), os números divulgados pelo IBGE32 sobre a
situação da exclusão e da desigualdade do acesso à cultura no país, reforçavam ainda mais a
necessidade da associação entre desenvolvimento cultural, experimentação e criação com a
promoção do acesso à cultura.
De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), a proposta inicialmente feita
ao MinC era para que o órgão atuasse de maneira transversal, à medida que surgissem
demandas de outros ministérios, e contribuísse assim para as políticas sociais. Essa proposta,
entretanto, teria sido rebatida por Juca Ferreira, que apresentou como contraproposta o
Mais Cultura: “Juca fez todo um trabalho para convencer que a cultura deveria ter um
programa próprio, que de outra forma a cultura estaria diluída nos demais programas e
32
Em síntese, os números indicavam que: 90% dos municípios brasileiros não possuíam salas de cinema, teatro,
museus e espaços culturais multiuso; dos cerca de 600 municípios que nunca receberam uma biblioteca, 405
estavam no Nordeste e apenas dois no Sudeste; apenas 13% dos brasileiros frequentaram cinema alguma vez
ao ano e 92% nunca entraram em um museu etc.
187
novamente estaria como acessória, foi daí que surgiu o programa Mais Cultura” (MEIRELES
apud BARBALHO, 2014). Para Juca Ferreira (2018), o Mais Cultura
33
Texto apresentado pela Comunicação Social da Presidência da República no lançamento do Programa Mais
Cultura, em 05 de outubro de 2007 e exibido nas apresentações em eventos.
188
53 municípios com os
11 regiões metropolitanas 120 territórios rurais de cidadania
maiores índices de violência
Gerar oportunidades de
emprego e renda para
trabalhadores, micro,
Qualificar o ambiente pequenas e médias
social das cidades por empresas do mercado
Promover melhoria da meio da construção, cultural brasileiro;
qualidade de vida; reforma, modernização e
adaptação de espaços Incorporar
Valorizar e fortalecer a culturais; progressivamente a
Diretrizes
diversidade cultural; parcela informal de
Democratizar o acesso a trabalhadores da cultura
Ampliar o acesso aos equipamentos culturais e na economia formal;
bens e serviços culturais. atrair, principalmente, as
populações de áreas Disponibilizar acesso a
menos favorecidas. créditos e meios de
circulação e veiculação de
bens e serviços culturais.
Pontos de Cultura
Promoção do Artesanato
Pontos de Leitura
de Tradição Cultural -
Pontinhos de Cultura Bibliotecas
Promoart
Cine Mais Cultura Espaços Mais Cultura
Microcrédito Cultural
Produção de conteúdos Pontos de Memória
Ações Microprojetos Mais
para TV Pública
Cultura
Agente de Leitura
Vale Cultura
Periódicos de conteúdo
Mais Cultura
Fonte: Elaboração própria a partir de informações do Ministério da Cultura.
34
O desdobramento das ações pode ser acompanhado no APÊNDICE D – Panorama de ações do Programa Mais
Cultura.
190
Vale ressaltar que parte dessas ações previstas já existiam antes da criação do Mais
Cultura, ou seja, ele se efetivava especialmente através de projetos e programas
implementados por diversas secretarias e órgãos do Ministério, a exemplo do Ponto de
Cultura, que era gestado pela Secretaria de Cidadania Cultural (SCC, antiga SPPC). De acordo
com Bernardo Mata Machado (2017):
de ocorrer em políticas que envolvem distintos níveis de governo, diferentes regiões do país
e distintas atividades, já que “quando a ação depende de um certo número de elos numa
cadeia de implementação, então o grau necessário de cooperação entre as organizações
para que esta cadeia funcione pode ser muito elevado” (RUA, 1998, p.13 - 14). Mas, apesar
das dificuldades, o Programa teve considerável importância. De acordo com o Balanço do
Governo para área da Cultura (2003-2010), por meio do Mais Cultura foram
implantadas/criadas: 1.610 bibliotecas municipais (outras 1.774 foram modernizadas), 821
Cines Mais Cultura, 1.393 Pontos de Leitura e cerca de quatro mil Pontos de Cultura; e mais
de 135 acordos de cooperação foram assinados.
35
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-cultura/pontos-de-red/>. Acesso em janeiro
de 2011.
36
Segundo o texto do Ministério da Cultura de introdução à prestação de contas de 2009, os recursos aplicados
na ação alcançaram R$ 139,6 milhões. Ao verificar o detalhamento da prestação de contas, verifica-se que esse
valor refere-se à dotação autorizada, e não à que foi empenhada. Neste caso, o valor confere com o declarado
pela CGU. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2010/02/19/prestacao-de-contas-do-presidente-da-
republica-pcpr-2009/>. Acesso em novembro de 2010.
192
[...] a SAI não poderia continuar daquela forma, sem gestão, encolhendo a
cada dia que passava e com toda bagagem do Sistema Nacional de Cultura,
[...] com os avanços que já se percebia nos Estados e Municípios que já
começavam a cobrar do Ministério a continuidade, o retorno, no mínimo
cobrar o fato de que o Ministério levantou toda aquela expectativa [...],
193
[...] porque Juca também tinha uma forma que eu discordo de gestão, que
era a seguinte: quando tinha dificuldade de você implantar uma
determinada política, determinados programas, na estrutura responsável
pela aquela área, aí criava um artifício, um paralelo, criava um atalho... foi
isso com Livro e Leitura, foi isso com o Mais Cultura e o SNC. (PEIXE, 2017).
Sobre a justificativa da transferência do Mais Cultura para a SAI, Juca Ferreira (2018)
comenta que aconteceu
mais como gerente, mas como secretária: “foi feita a proposta para o Juca de aceitar essa
ideia de levar o Mais Cultura para a SAI e aí ele me convidou para assumir essa Secretaria”
(MEIRELES apud BARBALHO, 2014). De acordo com Meireles, foi preciso um período de
negociação para que ela assumisse esse cargo porque ela defendia que a SAI não poderia
ficar resumida ao Mais Cultura, era preciso retomar o SNC e reestruturar a Secretaria.
[...] depois de muitas negociações, eu terminei indo para a SAI com esse
compromisso de assumir a Secretaria levando o Mais Cultura, mas também
tendo o apoio do Ministério, do secretário Executivo [Juca] que tinha
acabado de virar ministro, de apoiar a retomada do Sistema Nacional de
Cultura, de realizar a Conferência [...] e de dar algumas condições para que
isso acontecesse, então do ponto de vista administrativo era a retomada
dos cargos que a SAI tinha perdido e a possibilidade de convidar algumas
pessoas que tinham uma afinidade com o Sistema [...].(MEIRELES apud
BARBALHO, 2014).
Dentre essas pessoas convidadas para trabalhar na SAI estavam João Roberto Peixe e
Bernardo Mata Machado. De acordo com Peixe (2017), a ida de Silvana Meireles para a SAI
possibilitou de fato uma melhora institucional no órgão por conta do desenvolvimento do
Mais Cultura e da política do Livro e Leitura, que tiveram suas estruturas ali incorporadas. O
que significou, por outro lado, que nesse período o SNC deixou de ser a única política
desenvolvida pela SAI, como aconteceu na gestão de Márcio Meira. A partir de 2008, o SNC
compartilhou espaço com o Mais Cultura, o Livro e Leitura e com o projeto Praças de Esporte
e Cultura, incluído no final da gestão Juca Ferreira.
Especificamente sobre a relação entre o SNC e o Mais Cultura, vale ressaltar que o fato
de o Programa ter se desenvolvido majoritariamente por meio de ações compartilhadas com
estados e municípios, e por estar também sob a gestão da SAI, provocou certa aproximação
entre os dois. Para alguns atores, o Programa Mais Cultura foi um experimento, uma espécie
de piloto do SNC, que injetou recursos e fomentou a relação entre o MinC e os entes
subnacionais por meio do compartilhamento de ações. Algo que precisa ser problematizado,
já que a articulação entre Mais Cultura e SNC não se deu de modo planejado e intencionado,
e a incorporação de um pelo outro não foi imediata e nem totalmente harmônica. De acordo
com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014) uma das dificuldades do Mais Cultura era que,
pelo fato de ser composto por um conjunto de projetos, as prefeituras tinham dificuldade
em enxergá-lo como um Programa, e muitas vezes agiam como se fossem demandantes de
ações ao Ministério, sem pensar em qualquer articulação com a política cultural local. Nesse
195
ponto, ela considera que o SNC poderia ter atuado para melhorar essa relação, o que não
aconteceu: “O Sistema poderia ter ajudado bastante nesses diálogos com as prefeituras,
mas, apesar de estarem na mesma Secretaria, essa ponte não foi estabelecida” (MEIRELES
apud BARBALHO, 2014). Segundo Meireles, ainda que ela estivesse na SAI e buscasse
sempre vincular o Mais Cultura ao Sistema, isso não era algo institucionalizado, “[...] embora
como mantra a gente sempre dissesse que o Mais Cultura [...] fosse sempre pensando
federativamente, sempre pensado na lógica do Sistema.” (MEIRELES apud BARBALHO,
2014). Apesar disso, Meireles (2017) destaca que o Mais Cultura contribuiu para o SNC
porque proporcionou uma melhora na relação do MinC com os entes federados, já que estes
finalmente passaram a receber recursos financeiros. Assim, as divergências e tensões que
havia entre Ministério, estados e municípios no âmbito do Sistema – causados por
diferenças partidárias, discordância de condições impostas pela SAI, como a existência de
conselho paritário, o modelo de conferência etc. – puderam ser amenizadas a partir da
transferência de recursos:
governos federal, estadual e municipal, pelo Poder Legislativo estadual, e pela sociedade
civil, preferencialmente ligada ao campo cultural do estado” atuando de maneira consultiva.
Portanto, o conselho de cultura não estava expressamente previsto enquanto instância de
controle e acompanhamento do Programa. Para Bernardo Mata Machado (2017), isso
significava uma diferença no modelo de gestão pensada pelo Mais Cultura e pelo SNC:
“Enquanto o Sistema previa conselhos estaduais e conselho municipais, o Programa Mais
Cultura tinha uma instância própria de participação vinculada unicamente ao Programa que
eles tentaram construir nos Estados” (MATA MACHADO, 2017). Uma questão que era
debatida internamente na SAI:
O que a gente falava com a Silvana [Meireles] era isso: ‘Oh, Silvana você
está construindo um mecanismo participativo que é fundamental para o
Sistema, mas fora do Sistema, só para o Programa’, mas já era, vamos dizer
assim, uma metodologia que ela tinha trazido do Gabinete do Juca para SAI.
(MATA MACHADO, 2017)
Além disso, Mata Machado relata que a gestão do Mais Cultura não se dava no âmbito
da Coordenação de Relações Federativas, onde estava o SNC, “[...] a gente tinha aquele
discurso que era Sistema na prática e tal, mas a gestão era separada” (MATA MACHADO,
2017). Apesar disso, ele considera que “[...] na concepção, o Mais Cultura é um programa
federativo, então ele seria a princípio a primeira experiência prática do Sistema Nacional de
Cultura.” Na opinião de Silvana Meireles (2017), existia uma percepção de que o Mais
Cultura deveria estar vinculado ao Sistema, mas era difícil ajustar o diálogo entre os dois,
inclusive porque nessa época estava em discussão na SAI o desenho da arquitetura do SNC.
Alguns aspecto do Mais Cultura merecem ser destacados. O programa tinha uma
grande dimensão e complexidade, envolvendo diversos projetos coordenados por distintos
setores do Ministério. Apesar disso, a sua coordenação ficou centralizada em um único
órgão, a SAI. Ainda que a implementação das ações passassem pela articulação com outras
secretarias, não houve descentralização da coordenação do Programa. Sobre o caráter
federativo do Mais Cultura, vale ressaltar que os projetos compartilhados com os entes
federados eram previamente elaborados, formatados e estruturados pelo Ministério, que
replicava assim as suas ideias e propostas de ação sem delegar aos demais entes poder
decisório, já que a esses cabiam pouca margem de negociação. No caso específico da
estadualização do Projeto Ponto de Cultura, aos estados cabiam cofinanciar o projeto e
executá-lo seguindo os termos definidos previamente pelo MinC (ROCHA, 2011). Nesse
sentido, vale a discussão se o Mais Cultura descentralizou ou desconcentrou políticas
culturais. Merece também discussão a relação entre o Programa e o SNC. A transferência de
recursos para estados e municípios mobilizada por meio do Mais Cultura pode ter, de fato,
37
Vale ressaltar que o Acordo de Cooperação do Mais Cultura fazia algumas referências ao SNC, a exemplo de
indicar que a descentralização do Mais Cultura desenvolveria e fortaleceria a gestão cultural compartilhada
entre os entes federativos, contribuindo para o fortalecimento do Sistema; e prevendo dentre os
compromissos do Ministério o aprimoramento e fomento dos mecanismos de financiamento da cultura, no
âmbito da União, com vistas ao fortalecimento do SNC.
198
refletido numa melhora na relação entre os dirigentes públicos dos entes subnacionais e os
da SAI, o que necessitaria de uma averiguação específica. Por outro lado, é preciso
reconhecer que mesmo a questão do financiamento precisa ser observada com cautela, já
que as transferências de recursos entre a União e os entes subnacionais no Mais Cultura não
se davam via fundo de cultura, como geralmente ocorre em políticas sistêmicas. Tampouco
o processo de selecionar as políticas que seriam financiadas via Mais Cultura passou por
definições coletivas envolvendo a sociedade civil e representantes de estados e municípios,
já que a decisão partiu do MinC.
[...] quando Gil pediu para sair, ele [Lula] pediu para esperar querendo, por
um lado, manter Gil mais tempo no governo [...] e quando ele me viu
apresentando o Mais Cultura, ele disse: ‘esse é o cara’...isso ele já falou
quatro, cinco vezes em discurso público. (FERREIRA, 2018)
Na cerimônia de transmissão do cargo, ocorrido no dia 28 de agosto de 2008, Juca
Ferreira destacou em seu discurso o Mais Cultura, considerado o principal programa do
MinC; reforçou a ideia de continuidade da gestão de Gil, “nosso líder, nosso outdoor, nosso
escudo e nosso aríete” (FERREIRA, 2008, p. 491); manteve a fala sobre o papel do Estado,
sobre o fomento do diálogo e da luta pelo aumento do orçamento do MinC para atingir ao
menos 1% do orçamento federal; e colocou como prioridades da gestão as políticas dirigidas
às linguagens artísticas por meio do fortalecimento da Funarte, a reforma da Lei Rouanet e a
modernização da Lei dos Direitos Autorais. Vale destacar que nenhuma dessas três
prioridades foram alcançadas ao final da gestão: nem a reforma da Lei Rouanet e nem a dos
Direitos Autorais foram aprovadas, e sobre a questão das políticas para as artes, Albino
Rubim (2011, p. 71) considera:
ter, e o seu primeiro momento foi voltado especialmente para uma articulação com os entes
federados, sobretudo, com os municípios, “mas que não se consubstanciava numa proposta
de política efetiva, primeiro por essa dificuldade de relação interna, e eu acho que isso daí
vinha também por causa de uma falta de definição da proposta”. (PINTO, 2018). De acordo
com Frederico Barbosa Silva e Luiz Eduardo Abreu (2011), a conceituação do Sistema não era
clara e possuía várias dificuldades:
eu acho que essa foi a época mais rica do sistema porque veio a Silvana
Meireles [...] que trouxe o Bernardo e o Peixe... o Peixe era uma pessoa
que participou da formulação do Sistema, estava desde o início, e o
Bernardo tinha essa capacidade fantástica de desenvolver
conceitualmente... tinha o Mais Cultura também, então, você tinha um
grupo envolvido muito fortemente desenvolvendo o Sistema Nacional de
Cultura e, paralelemente, você tinha um monte de ações sendo
desenvolvidas na SAI, [...] a Silvana tinha uma articulação interna no
Ministério muito positiva, muito boa, ela tinha muita articulação com o
Juca, com a Secretaria Executiva, com a SCDC, com o audiovisual, eu acho
que essa época foi a melhor na relação interna que o ministério já teve.
(PINTO, 2018).
201
Para Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014) era preciso recolocar o Sistema na
pauta e retomar o diálogo com os entes federados, inclusive por conta da expectativa da
realização da II Conferência Nacional de Cultura. Uma retomada que passava pela
reestruturação da SAI, que “não tinha equipe, nem quantitativa, nem qualitativamente para
estabelecer esse diálogo, as pessoas que poderiam fazer isso ou não estavam na Secretaria
ou não estavam interessadas no Sistema Nacional de Cultura” (MEIRELES apud BARBALHO,
2014). Foi nesse contexto que uma nova equipe foi designada para tocar a política do
Sistema, composta por atores que já possuíam vínculo com a proposta: João Roberto Peixe e
Bernardo Mata Machado.
Até 2008, Peixe atuava com como um ator externo ao MinC, já que enquanto
secretário de Cultura de Recife (2001-2008), ele assumiu a presidência do Fórum Nacional de
Secretário de Cultura das Capitais e uma das cadeiras da representação do poder público
municipal no CNPC. A passagem por tais instâncias foi importante para o Sistema porque
reforçou ainda mais a aproximação entre a SAI e essas representações, e justamente em um
período de retomada da política. Assim, a partir de 2009, Peixe passou a integrar o
Ministério da Cultura por meio do cargo de coordenador geral de Relações Federativas e
Sociedade da SAI, dedicando-se exclusivamente ao SNC.
De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), a ida de João Roberto Peixe
para o Ministério foi resultado de uma acomodação política, e a sua incorporação pela SAI
veio a partir de uma negociação feita entre ela e Juca Ferreira, que havia sinalizado um
movimento que estava ocorrendo para que Peixe fosse trabalhar no MinC: “[...] eles tinham
pensando em Peixe na Funarte por conta da formação dele em Design, mas estavam
querendo discutir um pouco isso...”. (MEIRELES apud BARBALHO, 2014). Foi nesse contexto
que Meireles recorda que defendeu a ida de Peixe para a SAI, já que o mesmo tinha
conhecimento sobre o Sistema, era um defensor dessa política e havia feito um bom
trabalho na Prefeitura do Recife. Além disso, ele poderia colaborar na articulação com o
grupo de consultores com quem a SAI estava dialogando e na retomada da relação da
Secretaria com os militantes do PT, já que Peixe era um quadro importante do Partido e a
proposta do SNC sempre esteve ligada a este.
[...] eu pensei politicamente que a SAI sempre foi bastante identificada com
o PT, o Sistema era uma proposta que vem desde A Imaginação a Serviço
do Brasil, que era, portanto, muito caro ao PT [...] Era uma questão para
202
o Peixe era uma representação do PT dentro da SAI, que era uma grande,
uma super secretaria porque a partir do momento que começou a trazer o
Mais Cultura, realmente a SAI ficou uma super secretaria [...]então a
concepção do sistema ficou muito em segundo plano, não se desenvolvia
muito a proposta de formalização, conceito... e nisso o Peixe veio, Peixe é
representação do PT, Peixe é histórico do PT, então ele veio fazer essa
discussão do Sistema dentro da Secretaria de Articulação.
De acordo com João Roberto Peixe (2017), a ida dele para o Ministério e o fato do
ministro Juca Ferreira tê-lo aceito na equipe é decorrente de uma “certa inflexão, uma certa
mudança...”.
O outro ator que integrou esse processo de retomada do SNC foi Bernardo Mata
Machado, que havia sido convidado inicialmente por Márcio Meira para compor a equipe da
SAI38, mas que só começou a trabalhar nessa secretaria em 2009, a princípio por meio de
uma consultoria que compunha um convênio MinC-Sesc São Paulo, ao qual permaneceu
vinculado de março a setembro daquele ano. Posteriormente, Mata Machado passou a
integrar o quadro da SAI, trabalhando na coordenação do SNC junto a Peixe, responsável
pela sua ida ao Ministério (MATA MACHADO, 2017). Para João Roberto Peixe (2017), a ida de
Bernardo tinha a perspectiva de trazer um perfil mais acadêmico, contribuindo para a
38
Segundo Mata Machado (2017) a sua ida não foi concretizada por conta de sua dedicação à tese de
Doutorado que estava em curso.
203
De acordo com Silvana Meireles (2015), o diagnóstico do SNC naquele momento era:
A estratégia da SAI para enfrentar essa situação foi traçada por meio da criação do
Grupo de Trabalho do Sistema Nacional de Cultura (GT SNC), viabilizado por meio do
convênio nº 702106-SNC firmado entre o MinC e o SESC-São Paulo. O GT, coordenado por
João Roberto Peixe, teve a seguinte composição:
Não foi possível verificar plenamente qual foi a composição efetiva desse GT porque,
apesar de no documento publicado pelo MinC constar os nomes acima listados, em
entrevistas e outros textos produzidos a partir desse GT, como artigos e relatórios, os nomes
nem sempre coincidem. Por exemplo, em algumas ações o nome de Fabiano Santos aparece
como representante do MinC, entretanto ele não consta no quadro acima, que por sua vez
39
Bernardo Mata Machado inicialmente esteve vinculado ao GT como consultor e, posteriormente, como
integrante da SAI.
205
apresenta o nome de Marcelo Veiga como representante do CNPC, mas que, segundo João
Roberto Peixe (2018)40, foi representado por Genival Oliveira Gonçalves, conhecido como
Gog. Inclusive, Peixe ressalta que Gog só participou das primeiras reuniões do grupo e
depois pediu afastamento por conta da incompatibilidade com a sua agenda profissional,
não tendo o CNPC indicado nenhum outro substituto. Outro ponto que vale ser esclarecido é
que a participação dos integrantes no GT não foi uniforme e, basicamente, ao longo dos
documentos e entrevistas foram citados os nomes dos consultores e dos membros da SAI
mais próximos ao Sistema Nacional de Cultura.
Segundo Silvana Meireles (2015), dez premissas sobre o SNC guiaram o trabalho
desenvolvido pela SAI no âmbito do GT:
40
Informações enviadas por e-mail em 06 de junho de 2018.
206
Tanto a perspectiva traçada por Silvana Meireles, de inaugurar uma política nacional
de formação, como a de João Roberto Peixe, de buscar estratégias de integração e interação
entre os sistemas de cultura, estão presentes no trabalho desenvolvido pelo GT, que girou
em torno de três grandes temas: legislação, arquitetura e formação em cultura. Tais eixos
orientaram a criação de três subgrupos: Arquitetura e Marco legal do Sistema Nacional de
207
Segundo Peixe (2018)41, esses três grupos trabalhavam de forma autônoma, mas
conectadas, já que a dinâmica de trabalho envolvia reuniões específicas e reuniões gerais
com todos os integrantes, onde questões como metodologia e entrega de produtos finais
eram debatidas coletivamente. Quanto ao perfil dos integrantes desses três subgrupos,
Peixe (2017) relata que havia uma preocupação por parte de Silvana Meireles em avançar
nas questões conceituais em torno do Sistema e por isso os consultores tinham um perfil
mais acadêmico.
41
Informações enviadas por e-mail em 06 de junho de 2018.
208
Nesse sentido, foi composto o grupo Arquitetura e Marco Legal do SNC, que segundo
João Roberto Peixe (2018)42, deveria desenvolver suas atividades entre fevereiro e junho de
2009. Dentre essas atividades estavam reuniões externas com os fóruns dos secretários de
cultura de estados e municípios, com dirigentes do MinC e de unidades vinculadas, incluindo
o ministro Juca Ferreira, e com o CNPC. Todas as críticas e sugestões de alterações
decorrentes de tais encontros deveriam ser consideradas. Ainda segundo Peixe (2018), foi
prevista a entrega de uma série de produtos, conforme quadro a seguir.
O GT foi inicialmente composto também por Gog do CNPC, que como foi dito só esteve
nas primeiras reuniões, e teve a participação de Juliana Carneiro e Paula Ravaneli, da
Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, que deveriam ser
incorporados nas discussões sobre o suporte jurídico-legal infraconstitucional para
implementação do Sistema, em diálogo com o trabalho do único consultor do grupo,
Francisco Humberto Cunha Filho, professor e pesquisador da área de direitos culturais.
42
Informações enviadas por correio eletrônico em 06 de junho de 2018.
209
Constitucional; segundo pela sua passagem, enquanto advogado da União, pela Fundação
Nacional de Saúde, cuja política central é o SUS, política de referência do SNC; e terceiro
pelo seu envolvimento na gestão pública de cultura no âmbito municipal e estadual, por ter
trabalhado na Secretaria de Cultura do Estado do Ceará e ter sido secretário Municipal de
Cultura de Guaramiranga/CE entre 1991 e 1993. De acordo com Humberto Cunha Filho
(2017):
Para Cunha Filho (2010), a área da cultura é dotada de grande complexidade, o que
dificulta o estabelecimento prévio e universal de divisão de responsabilidades entre os entes
210
(1) Permitir ajustar os papeis dos diversos atores pactuantes, após certo
tempo [...]; (2) Possibilita enfatizar temas culturais, ou seja, o órgão
legitimado a dar a dinâmica do SNC pode eleger prioridades, como por
exemplo, esforço concentrado na política de bibliotecas [...]; (4) Enseja a
construção gradativa do SNC [...]; (5) Fortalece o Conselho Nacional de
Política Cultural – CNPC que incorporará às suas competências a de
normatizar o SNC e fiscalizar sua operacionalização; (6) Privilegia a dinâmica
democrática [...] pelas previsíveis pressões para definir ou alterar os
critérios, as atribuições e prioridades regentes do SNC; (7) Enseja saber o
tipo ideal de sistema para a cultura na Federação Brasileira, em decorrência
de experiências e não apenas de cogitações intelectuais [...] (CUNHA FILHO,
2010, p. 141-142)
Segundo João Roberto Peixe (2017), a participação de Humberto Cunha Filho no GT
impactou no desenho do SNC, já que ao final, na discussão entre um sistema mais rígido e
um mais flexivo, o Ministério terminou optando pelo caminho do meio, com um sistema que
seria publicado em lei, mas não se detalharia demasiadamente para não engessar.
211
Outra ideia colocada em discussão no GT por parte de Humberto Cunha Filho foi a de
que não seria necessário incluir expressamente na Constituição Federal um artigo dedicado
ao SNC, pois implicitamente ele já existe ali, cabendo às autoridades públicas promoverem
as complementações necessárias para que o sistema de políticas culturais entre em
funcionamento. Uma proposta que foi rejeitada pelo Ministério43.
43
Ainda que as falas dos atores demonstrem que a ideia da já existência de um sistema de cultura na
Constituição tenha sido rejeitada, no documento publicado pelo MinC em 2010 (p. 67) sobre a estruturação do
SNC consta que: “Apesar do entendimento de que o Sistema Nacional de Cultura já está juridicamente
instituído pela Constituição Federal, é imprescindível o seu reforço com a explicitação do seu perfil, princípios,
constituição e forma de funcionamento [...]”.
212
Entretanto, avaliam os autores, a União nunca havia assumido o seu papel de centralidade
no direcionamento de uma política nacional de cooperação em matéria de cultura. Fato que
começou a ser alterado com a previsão do Plano Nacional de Cultura, do Sistema Nacional
de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) e do Sistema Nacional de Cultura.
Em entrevista, Humberto Cunha Filho (2017) comenta sobre a reação do ministro Juca
Ferreira quando ele apresentou a perspectiva da já existência de um sistema de cultura no
Brasil:
44
“As Relações Federativas e o Sistema Único de Assistência Social”, Brasília, dezembro de 2006, mimeo e
“SUS: avanços e obstáculos no processo de descentralização e coordenação intergovernamental” In Revista do
Serviço Público. Brasília: ENAP. 2004, 55(4): 67-70.
213
culturais”, e no âmbito do GT, surgiu a proposta de formular a lista de tais direitos, quais
sejam: direito à identidade e à diversidade cultural, direito à participação na vida cultural,
direito autoral e direito/dever de cooperação cultural internacional (MINC, 2010a).
Obviamente que há uma série de discussões a serem feitas sobre essa delimitação, mas a
busca por definir o que pode ser compreendido por direitos culturais é importante porque
implica em saber o que o Estado é obrigado a fazer, ou a não fazer, já que a efetivação
desses direitos requer uma atuação positiva e negativa por parte do poder público.
Considerando todo o debate ocorrido nos últimos anos [...], o SNC reúne a
sociedade civil e os entes federativos da República Brasileira – União,
Estados, Municípios e Distrito Federal – com suas respectivas políticas e
instituições culturais, incluindo os subsistemas setoriais já existentes e
outros que poderão vir a ser criados: de museus, bibliotecas, arquivos, do
patrimônio cultural, de informação e indicadores culturais, de
financiamento da cultura, etc. As leis, normas e procedimentos pactuados
definem como interagem suas partes e a Política Nacional de Cultura e o
Modelo de Gestão Compartilhada constituem-se nas propriedades
específicas que caracterizam o Sistema. (MINC, 2010a, p. 41)
Sobre essa questão de subsistemas, Humberto Cunha Filho (2017) explica que apesar
de a legislação falar em subsistemas a rigor eles são sistemas, inclusive a existência de alguns
antecede ao próprio SNC, como o de museus.
45
Sistema enquanto conjunto de partes interligadas que interagem entre si, sendo o sistema sempre maior ou
menor que a soma de suas partes, já que possui certas qualidades que não se encontram nos elementos
concebidos isoladamente.
215
PRINCÍPIOS DO SNC
Cooperação entre os
Fomento à produção,
Universalização do entes federados, os
Diversidade das difusão e circulação de
acesso aos bens e agentes públicos e
expressões culturais conhecimento e bens
serviços culturais privados atuantes na
culturais
área cultural
A partir desses onze princípios é possível destacar que: (1) o SNC prevê a participação
de uma multiplicidade de atores: entes federados e seus respectivos organismos; sociedade
civil e agentes privados. Tais integrantes devem atuar de maneira complementar e
cooperada, garantida as respectivas autonomias; (2) o Sistema é regido por princípios que
desenham um modelo de pacto federativo descentralizado, mas com ações integradas. Não
se trata, portanto, de um sistema de simples repasse de verba entre os entes federados para
216
que estes atuem de maneira isolada; (3) o SNC incorpora elementos típicos da democracia
participativa, potencialmente deliberativa, prevendo que os processos decisórios possuam
participação e controle social e que haja transparência e compartilhamento das
informações. Vale registrar que no texto final aprovado pelo Congresso Nacional consta mais
um princípio: o da ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos
para a cultura. Outro desdobramento do GT foi a definição dos objetivos do SNC e o seus
componentes (a serem replicados nos três níveis de governo), conforme quadros a seguir:
Cada um dos componentes previstos na estrutura do SNC pode ser objeto de análise
quanto às condições, necessidades e estágios de implantação por parte dos entes federados
etc. Entretanto, seria impossível aprofundar uma discussão sobre cada um deles nesse
momento, inclusive vários são objeto de estudos e pesquisas específicas. No Apêndice-E da
tese consta uma resumo dos componentes, e aqui será feita apenas algumas considerações
destacáveis do documento-básico.
(1) Conselho Nacional de Política Cultural: o texto publicado pelo Ministério (2010a)
adverte que deverá ser feita nova publicação normativa tendo em vista que o Decreto nº
5.520/2005 deverá ser substituído por uma lei, que possui maior segurança política e jurídica
do que o decreto. Isso nunca chegou a ser efetivado, e todas as alterações feitas na
legislação do CNPC continuaram a ocorrer no âmbito dos decretos. Outra indicação do
documento-básico era que a composição do CNPC deveria ser revista para que fosse
garantido assento para o Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Municipais de Órgãos
de Cultura das Capitais, para o que era importante a ampliação do número de municípios
contemplados ou fomentada a criação de uma nova instância de gestores municipais de
cultura que pudesse ter representação nos conselhos e nas comissões intergestores do SNC.
Isso foi contemplado por meio do Decreto nº 6.973/2009 que garantiu a indicação de um
representante do Poder Público municipal por meio de tal Fórum, que por sua vez passou a
integrar também os municípios das Regiões Metropolitanas. O documento sugere também
alteração das competências do CNPC, que deveriam incorporar questões relacionadas às
deliberações pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do SNC.
algumas questões que chamam atenção: a primeira é que apesar de reconhecer como
competência do CNPC o apoio aos acordos federativos, a instância do SNC responsável por
isso – a CIT – não é citada. Isso poderia ser interpretado como uma decisão do Ministério de
não restringir a produção de tais acordos à CIT, mantendo outros canais de negociação
abertos; ou que tal instância não goza de reconhecimento como espaço legítimo para
produzir tais acordos; ou ainda que dado ao não funcionamento da CIT, optou-se por não
contemplar suas resoluções até que a mesma seja efetivada. Destaca-se também o fato de a
normativa do CNPC vincular equivocadamente a consolidação do Sistema Federal de Cultura
à cooperação federativa, já que como foi explicado anteriormente, o SFC se restringe à
esfera federal, não dependendo de articulação dos distintos níveis de governo. Vale ressaltar
que no documento-básico há indicação de que em função da arquitetura a ser adotada pelo
SNC, não será mais pertinente a existência do SFC, e que “serão necessários ajustes nas
competências atuais do CNPC relativas ao SFC, uma vez que este será ‘substituído’ pelo
SNC”. (MINC, 2010a, p.52)
(3) Comissões Intergestoras Tripartite (CIT) e Bipartite (CIB): são as principais instâncias
de negociação e pactuacão das ações intergovernamentais relacionadas à operacionalização
do SNC e dos Sistemas Estaduais de Cultura. Possuem caráter permanente e devem
funcionar como órgãos de assessoramento técnico aos conselhos de políticas culturais. No
âmbito federal a comissão é tripartite, sendo composta paritariamente por representantes
do governo federal e dos governos estaduais e municipais. Uma das atribuições dessa
Comissão é a definição de mecanismos e critérios de partilha e transferência de recursos do
Fundo Nacional de Cultura para os fundos estaduais e municipais (MINC, 2010a). As
pactuações produzidas na CIT devem ser submetidas à aprovação do CNPC. No âmbito
estadual, a Comissão passa a ser bipartite, composta paritariamente por representantes do
estado e de municípios. As suas definições devem ser submetidas ao Conselho Estadual de
Cultura, e os acordos aprovados devem ser enviados aos Conselhos Municipais, à CIT e ao
CNPC, para conhecimento.
[...] a gente pensou em fazer [...] uma comissão-piloto a partir dos Fóruns
dos secretários de Estados e das capitais e municípios [...] a ideia era que a
gente tivesse cinco membros da União, cinco membros dos Estados,
pensando nas cinco macrorregiões do país, e não dos Estados, [...] e cinco
representantes municipais, que a gente não sabia como faria essa seleção,
mas pensou em utilizar o Fórum para isso, para dar uma legitimidade.
(MATA MACHADO, 2017)
Entretanto, isso não avançou:
[...] a gente nunca chegou a organizá-la [a CIT] porque você não tinha
exatamente um programa federativo com recurso para discutir divisão de
atribuições, porque, na verdade, a principal função dessas comissões é a
divisão de atribuições entre os órgãos federados, e aí a minha posição, e o
Francisco Humberto Cunha também defende isso [...] é que a gente deveria
fazer experimentalmente, não deveria estabelecer normas operacionais
como tem no SUS e o SUAS. (MATA MACHADO, 2017)
Do seu ponto de vista, para que a CIT fosse constituída e pudesse atuar, ainda que
experimentalmente, seria necessário recurso garantido, com a transferência fundo-a-fundo
normatizada. Mesma opinião expressa por Silvana Meireles, para quem
Da discussão sobre financiamento do SNC por meio do FNC vale destacar questões
sobre critérios e formas de repartição dos recursos entre os entes federados. Segundo
documento-básico (MINC, 2010a), a distribuição de recursos via transferência fundo-a-fundo
deve ser feita considerando critérios a serem negociados e pactuados pela CIT, e
posteriormente deliberado pelo CNPC. Para tanto, tais critérios devem utilizar um índice
unificado que aponte para uma correta e justa distribuição de receitas entre as regiões,
estados e municípios. Nesse sentido, o MinC vinha desenvolvendo alguns estudos sobre
indicadores culturais, a exemplo do acordo feito com o IPEA que levou à criação do Índice de
Gestão Municipal em Cultura (IGMC), elaborado a partir de dados da Munic/IBGE 2006. A
aplicação do IGMC levou à produção de um ranking dos municípios em gestão cultural, o
que, segundo o pesquisador Tony Bezerra (2017), aciona o critério meritocrático de partilha
de recursos, considerando que premia igualmente os desiguais; atende mais a quem
produziu ou se esforçou mais; e distribui os recursos de acordo com o mérito de cada um,
desconsiderando as desigualdades estruturais. Talvez por conta dessa característica do
IGMC, o GT do SNC tenha questionado a capacidade desse índice se constituir como ponto
de partida para categorização da situação dos municípios. E, nesse sentido, a defesa foi de
que o IGMC precisava ser combinado com outros indicadores que considerassem os índices
educacionais, sociais, econômicos, demográficos e territoriais, o que levaria à construção de
um Índice de Desenvolvimento das Políticas Culturais. Esse novo Índice permitiria classificar
os municípios e estados brasileiros em níveis de gestão considerando os graus de
complexidade de suas respectivas políticas culturais.
222
[...] a coordenação não pode ser feita só pelo governo federal, tem que ser
feita em conjunto com estados e municípios, e como é que você estrutura
isso dentro de um sistema que vai coordenar toda essa política? E tudo isso
respeitando o pacto federativo? Esse é o grande desafio... como respeitar o
pacto? Como é que eu não entro no território do outro quando eu preciso
me colocar como membro-coordenador dessa política? Como resolve isso?
porque a Constituição não resolveu esse problema, ela criou um problema
e não consegue resolver. (GUAPINDAIA, 2016)
223
Podemos inferir dos artigos 215 e 216 algumas coisas importantes para esse estudo.
Ao falar em Estado, Poder Público ou administração pública, o legislador não fez referência a
nenhum nível específico de governo. Inclusive, quando indica que a lei estabelecerá os
incentivos para produção etc., não há referência expressa sobre quem editará tal lei. Deduz-
se, portanto, que União, estados e municípios deverão responder conjuntamente pelo
cumprimento das obrigações citadas, sendo que no caso da promoção e proteção do
patrimônio cultural, deverá contar com a colaboração da comunidade. Os artigos citam
também que o Estado deve cumprir com obrigações de vários tipos – garantia, proteção,
apoio, incentivo, promoção e gestão –, o que certamente exige uma série de ações que
possuem custos financeiros, administrativos, políticos etc. Por isso, a cooperação entre os
três níveis de governo se apresenta ainda mais importante.
46
Definido como formas de expressão; modos de criar, fazer e viver; criações científicas, artísticas e
tecnológicas; obras, objetos, documentos edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
culturais; e conjuntos urbanos e sítios históricos, paisagísticos, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico (Art. 216, §1º).
224
critérios do SNC, como conselhos de cultura de composição não paritária. Um trabalho que
deveria ser progressivo e contínuo, com os munícipios e estados implantando os
componentes e as instâncias de articulação, pactuação e deliberação do Sistema de forma
gradual e em ritmos distintos.
1. Consolidação da proposta de estruturação do SNC, pactuada entre os três entes federados – por
intermédio do MinC e dos Fóruns de Secretários Estaduais e dos Secretários das Capitais – a ser
submetida à analise e aprovação do CNPC.
Proposta aprovada por unanimidade pelo CNPC em reunião ocorrida nos dias 25 e 26 de agosto de 2009.
7. Substituição do Decreto nº 5.520/2005, que institui o Sistema Federal de Cultura e dispõe sobre a
composição e funcionamento do CNPC, compatibilizando-o com a estrutura proposta para o SNC.
Em algumas passagens do documento publicado pelo MinC (2010a), consta que o SFC deveria ser substituído
pelo SNC. Porém, no mesmo texto há proposta de um substitutivo para o Decreto que criou o SFC, tornando-o
mais claramente um sistema que cuidaria do âmbito federal. Tal proposta, porém, não prosseguiu.
9. Articulação no Congresso Nacional para aprovação da PEC nº 236/2008, para inserção da cultura
no rol dos direitos sociais no Art. 6º da Constituição Federal.
Arquivada em 2015 na Câmara dos Deputados.
10. Compatibilização do substitutivo do Projeto de Lei Nº 6.835 que Institui o Plano Nacional de
Cultura com a estrutura proposta para o SNC e articulação no Congresso Nacional para sua
aprovação.
Em dezembro de 2010 foi publicada a Lei nº 12.343 que instituiu o PNC, no qual o SNC é considerado o seu
principal articulador federativo. Dentre as estratégias e ações do PNC, constam a consolidação do SNC e a
divisão de competências entre os órgãos federais, estaduais e municipais no âmbito do Sistema. Em
dezembro de 2011, as 275 ações previstas no Plano foram sintetizadas em 53 metas, tendo várias delas
relação direta com o Sistema e seus componentes estruturantes.
11. Compatibilização do Projeto de Lei que institui o Programa de Fomento e Incentivo à Cultura –
PROFIC – com a proposta para o SNC e articulação no Congresso Nacional para sua aprovação.
A reforma da política de financiamento do MinC proposta no Procultura (antes Profic) está em consonância
com o SNC, especialmente quanto ao fortalecimento do FNC e da previsão de transferência de recursos para
estados e municípios via fundo-a-fundo. Entretanto, dada a demora na tramitação da proposta dentro do
MinC e depois no Legislativo, ela continua sendo objeto de alterações, e não é possível predizer o que será ou
não mantido.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados publicados pelo Ministério da Cultura (2010a, 2018).
47
Informações disponíveis em: <http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/1/>. Acesso em jun.2018
227
48
O Acordo de Cooperação passou a prever dentre os compromissos pactuados, por exemplo, a criação e
implementação de comissões intergestores para operacionalização do SNC.
228
De acordo com João Roberto Peixe (2017), responsável por dialogar diretamente com
os deputados envolvidos na PEC, o processo de negociação junto à Câmara dos Deputados
49
Órgãos gestores da cultura, conselhos de política cultural, conferências de cultura, sistemas de
financiamento, em especial, fundos de fomento à cultura, planos de cultura, sistemas setoriais de cultura,
comissões intergestores, sistemas de informações e indicadores culturais e programas de formação na área da
cultura
229
foi longo e precisou ser retomado algumas vezes. Parte da demora deveu-se à formação da
Comissão Especial responsável pela apreciação da matéria, fundamental para que um
Projeto de Emenda Constitucional possa ser votado, e à definição de quem seria o
presidente da Comissão e o relator da matéria. Segundo Peixe (2017), a Comissão demorou
para ser nomeada porque os líderes das bancadas não indicavam seus representantes, e
então não havia número suficiente para criar tal instância, “[...] então, quando eu estava lá
no Ministério, foi que me articulei, procurando na época o Maurício Rands, que era
deputado federal [PT de Pernambuco] [...], já tinha sido presidente da Comissão de
Constituição e Justiça, tinha uma circulação grande...”. (PEIXE, 2017). A partir daí, teria
ocorrido uma mobilização, e finalmente em abril de 2009 a Comissão Especial foi criada, mas
só veio a ser instalada quase um ano depois, em 10 de fevereiro de 2010. A expectativa,
segundo Peixe (2017), era de que Maurício Rands assumisse a relatoria da Proposta, “ele
queria ser o relator da matéria, porque o relator é quem aparece mais, quem tem maior
protagonismo na história”, (PEIXE, 2017), mas segundo Peixe, quem se articulou com a Mesa
da Comissão e acabou sendo indicado para a relatoria foi o Deputado Paulo Rubem Santiago
(PDT/PE), e Rands foi indicado para a presidência da Comissão Especial.
o Maurício ficou louco da vida [...] até me disse, ‘Peixe, tu vai saber qual a
diferença de ser eu ou o Paulo Rubem, tu vai ver depois que esse Projeto
sair daqui [da Comissão], porque aqui eu vou defender vou mobilizar e tal’
[...], e realmente, o Maurício tinha um trânsito bem maior que o do Paulo
Rubem, por isso também uma das dificuldade para o projeto entrar na
pauta. (PEIXE, 2017)
Finalmente, após a Comissão Especial ter promovido Audiência Pública50 na Câmara
dos Deputados, em 07 de abril de 2010, o parecer de Paulo Rubem Santiago favorável à PEC
416-A foi aprovado por unanimidade em sessão realizada em 14 de abril de 2010, e a PEC
dedicada ao SNC passou a vigorar com o seguinte texto.
50
Da Audiência Pública convocada pela Comissão Especial participaram representantes do MinC: Alfredo
Manevy, secretário executivo, João Roberto Peixe e Silvana Meireles, da SAI; a presidenta do Fórum Nacional
de Dirigentes e Secretários Estaduais de Cultura, Anita Pires, dirigente da Fundação Catarinense da Cultura/SC;
o presidente do Fórum Nacional dos Secretários de Cultura das Capitais, Francisco Márcio Caetano de Castro,
secretário de Cultura de Fortaleza/CE; a presidenta da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de
Pernambuco, Luciana Azevedo; e a representante do CNPC, Rosa Coimbra.
230
[...] quando eu fui conversar com ele sobre a questão do conselho ter 50%
da sociedade, e aí ele retirou isso, eu fui argumentar, eu disse ‘mas, Paulo,
você é um cara muito ligado a movimentos sociais, a sociedade e tudo, vai
ser negativo para você tirar esse ponto aí...’, aí ele me respondeu: ‘não,
Peixe, isso eu resolvo, eu vou entrar logo com o projeto de regulamentação’
[...]. (PEIXE, 2017)
Segundo parecer de Paulo Rubem Santigo, algumas sugestões apresentadas pelo
Ministério não possuíam matéria de natureza constitucional e, embora importantes, não
51
Disponível em: <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F7D4DA211184F2C099CB448452
9E8CC6.proposicoesWeb1?codteor=754998&filename=Tramitacao-PEC+416/2005>
232
Em termos de acréscimo ao texto enviado pelo MinC, a única coisa que foi adicionada
pelo relator foi o princípio XII ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos
públicos para a cultura. Segundo o deputado Paulo Rubem Santiago (2010), historicamente
os orçamentos destinados à cultura por parte da União, estados e municípios eram
insuficientes para o cumprimento dos dispositivos constitucionais. Mesmo no governo em
questão, que se esforçou para ampliar o orçamento do Ministério da Cultura, ele continuou
menor a 1% e ainda sofreu impactos dos contingenciamentos. Nesse sentido, a aprovação da
PEC de vinculação orçamentária era fundamental, já que sem a mesma “[...] as demais
matérias legislativas em tramitação nessa Casa se tornam inócuas, pois todas elas exigem
dos entes federados recursos financeiros para a constituição de seus respectivos sistemas e
planos de cultura” (SANTIAGO, 2010, p. 11). O deputado também destacou a importância de
gestores públicos, sobretudo os economistas, compreenderem que a melhoria da qualidade
de vida da população brasileira passa pelo investimento em cultura, pois a exclusão no país é
também de ordem cultural, com grande parte da população excluída do acesso aos bens e
serviços e culturais, para o que apresentou os dados do Anuário de Estatísticas Culturais52 do
MinC. Além disso, considerando o dever do Estado de prover os meios necessários para a
efetivação do acesso à cultura como um direito de todo cidadão, e do imprescindível aporte
financeiro para o pleno funcionamento das políticas culturais, era importante inserir dentre
os princípios do SNC a ampliação progressiva dos recursos.
52
BRASIL. Ministério da Cultura. Cultura em Números: Anuário de Estatísticas Culturais. Brasília: 2009.
233
[...] é aquela história de botar a marca dele... mas como era uma coisa que
ninguém ia ser contra, de aumentar o orçamento da cultura... agora,
conceitualmente ficou uma coisa fora..., mas, assim, como o povo diz, não
dava em nada, porque a forma como ele coloca, a única utilidade daquilo
depois é você não diminuir o orçamento, que também não é respeitado.
(PEIXE, 2017)
Após a Comissão Especial aprovar o substitutivo da PEC 416-A/2005 em abril de 2010,
a matéria deveria ser votada em dois turnos na Câmara dos Deputados e em outros dois
turnos no Senado Federal, o que só ocorreu em 2012, já no mandato da presidenta Dilma
Rousseff.
engavetado, ele foi feito, mas não seguiu para a Casa Civil” (PEIXE, 2017), e só teria sido
retomado em 2011, na gestão de Ana de Hollanda, quando Peixe assumiu a direção da SAI:
“[...] eu resgatei o projeto porque ele estava engavetado, não sei se Silvana por pressão
interna, eu sei que ficou lá, eu fui atrás da coisa, peguei o projeto, retomei...”. (PEIXE, 2017).
Tanto o processo de aprovação da PEC 416-A no Congresso Nacional como o da tramitação
da proposta de regulamentação do Sistema serão analisados mais adiante.
Ainda em relação ao GT Arquitetura e Marco Legal, vale ressaltar que toda a produção
acima apresentada foi colocada em discussão junto ao ministro Juca Ferreira. Segundo
Bernardo Mata Machado (2017): “[...] ele [Juca Ferreira] recebeu bem o material que a
gente produziu já na gestão da Silvana, eu me lembro bem que a preocupação dele foi só
que a gente incorporasse o conceito de tridimensionalidade da cultura”. De acordo com
Peixe (2017):
sido aprovado por unanimidade. De acordo com Sérgio Pinto (2018), o documento-básico foi
aprovado internamente no MinC, depois passou pelos fóruns de secretários de estados e
capitais até ser submetido para aprovação no Conselho, algo que se devia, especialmente, a
uma postura de João Roberto Peixe :
[...] ficou muito claro essa necessidade de investir em formação [...] e era
melhor você ter gestores formados e o Sistema vir depois porque ele sabia
exatamente o que fazer com o Sistema, do que você ter um Sistema-
arcabouço super bem acabado, mas você não tem quem execute, porque
começa até pela compreensão... (MEIRELES apud BARBALHO, 2014)
A partir dessa perspectiva, foi pensada a realização de um amplo mapeamento e
avaliação de instituições promotoras de formação nos diversos níveis (desde cursos livres,
técnicos e de aperfeiçoamento a cursos superiores e de pós-graduação) que poderiam ser
potenciais parceiras no desenvolvimento de ações formativas. Nesse sentido, o
mapeamento tinha por objetivos realizar um diagnóstico da formação e aprimoramento em
política e gestão culturais no país; visualizar as áreas temáticas e os territórios que deveriam
ser priorizados em termos de qualificação; e propor medidas no âmbito do SNC para
construir uma Rede de Instituições de Formação na Área da Cultura composta por entidades
parceiras, começando por aquelas dirigidas à qualificação em políticas e gestão culturais.
(MINC, 2010a).
53
Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT). Professor do Programa
Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA. Secretário de Cultura do Estado da Bahia
(2011-2014). Membro do CNPC. Membro e presidente do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. Possui
graduação em Comunicação (1975/UFBA) e Medicina (1975/Escola Baiana de Medicina), mestrado em Ciências
Sociais (1979/UFBA), doutorado em Sociologia (1987/USP) e pós-doutorado em Políticas Culturais
(2006/Universidade de Buenos Aires e Universidade San Martin).
54
Graduado em História (Universidade Estadual de Ceará – UECE) e em Ciências Sociais (Universidade Federal
do Ceará – UFC), mestre em Sociologia (UFC) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA). É
237
De acordo com Silvana Meireles (2015), não era possível pensar em um programa de
formação, sem ter noção de qual era a situação da área, quantos cursos existiam, de que
natureza eram, qual era o envolvimento das universidades, então “o mapeamento não só foi
fundamental para a estruturação, como confirmou e apontou alguns dados que são bastante
reveladores da necessidade e da urgência de se implantar esse programa de formação”
(MEIRELES, 2015).
Dos 626 cursos pesquisados, a maior parte (75,88%) eram cursos de extensão, com
caráter mais esporádico, seguidos de cursos de especialização (9,49%) e de cursos que
tinham dentro do seu quadro de disciplinas matérias da área da organização cultural
(6,11%). Os cursos de graduação (incluindo os de graduação tecnológica) representavam
3,37% e os técnicos, 2,73%. Ou seja, havia um grande número de cursos de extensão e
poucos de nível superior, o que somado à irregularidade da oferta, indicava para os
pesquisadores a fragilidade do setor organizativo da cultura, já que “Tal contexto não deixa
de marcar a qualidade dos profissionais do setor que, como veremos, vêm das mais diversas
áreas e muitas vezes não possuem os atributos exigidos para o exercício das atividades
organizativas da cultura [...]” (BARBALHO; COSTA; RUBIM, 2010, p. 13). O quadro a seguir
ilustra o perfil dos cursos ofertados.
61
Por setores se compreende o núcleo/órgão/setor de uma dada instituição que é responsável pela oferta do
curso. A exemplo de uma faculdade ou instituto dentro de uma universidade, ou de uma secretaria dentro de
um ministério.
239
A equipe responsável pelo curso piloto foi composta pelos consultores José Márcio
Barros62, coordenador do GT, Isaura Botelho63 e Maria Helena Cunha64, que atuaram na
dimensão pedagógica da formação; por Marta Colabone, vinculada ao SESC São Paulo, que
coordenava a parte executiva do curso (gerenciamento de recursos, infraestrutura e suporte
técnico); por Lia Calabre (FCRB), que participou pontualmente, e por João Roberto Peixe e
Fabiano Santos, integrantes do MinC que acompanhavam o trabalho feito pelos GTs65.
62
Graduado em Ciências Sociais (Universidade Federal de Minas Gerais), Mestre em Antropologia Social
(Universidade Estadual de Campinas), Doutor em Comunicação e Cultura (Universidade Federal do Rio de
Janeiro). Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes (Universidade Estadual de Minas Gerais),
coordenador da Pós Graduação Lato Sensu em Gestão Cultural, professor colaborador do Programa de Pós
Graduação em Cultura e Sociedade da UFBa. Professor da PUC Minas nas áreas de Antropologia e
Comunicação; Gestão Cultural, Políticas Culturais e Diversidade Cultural. Coordena o Observatório da
Diversidade Cultural e integra o Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura e a Rede de Pesquisadores em
Políticas Culturais.
63
Ver perfil no Apêndice A da tese.
64
Maria Helena Cunha, formada em História e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas
Gerais, especialista em Planejamento e Gestão Cultural (PUC/MG). É gestora cultural, pesquisadora, consultora
e diretora da Inspire Gestão Cultural e da Duo Editorial.
65
Informações concedidas por José Márcio Barros por e-mail em 13 de junho de 2018.
66
Documento encaminhado por João Roberto Peixe por e-mail em 06 de junho de 2018.
242
Considerando essa situação, o grupo colocava a formação no SNC como uma dupla
necessidade: transformar a adesão de estados e municípios em um processo de construção
de novas práticas; e pensar em uma formação continuada, teórica-conceitual e prático-
atitudinal na área da gestão da cultura na esfera de um sub-sistema de formação, numa
dimensão contínua e processual. Tal sub-sistema de formação de gestores públicos deveria
ser construído por meio de uma experimentação piloto que considerasse os “princípios do
respeito e da promoção da diversidade de lógicas e práticas de gestão cultural, a
descentralização, a participação, a universalização do acesso à formação e o caráter
243
mais bem estruturada, com recurso econômico, equipamentos culturais etc., poderia
receber os municípios que são satélites a ela. Para tanto, foi feito um estudo utilizando a
pesquisa do IBGE denominada Regiões de Influências das Cidades (REGIC) que tem por
objetivo conhecer os relacionamentos entre os municípios com base na análise dos fluxos de
bens e serviços, produzindo uma hierarquia da rede urbana brasileira67. De acordo com
Botelho (2016), a partir desse estudo o grupo propôs realizar o curso piloto em Goiás,
envolvendo a região do Centro-Oeste. Tal proposta, entretanto, foi rejeitada pela SAI, que
limitou a realização do curso a estados e municípios que tivessem assinado o Protocolo de
Intenções/Acordo de Cooperação Federativa. Além disso, segundo Botelho, o MinC
considerou que não era possível utilizar a estratégia das fronteiras porque tinha que se
limitar ao espaço territorial do estado. “Então, teve essas divergências no programa de
formação: o curso não pôde pegar pelas fronteiras porque tinha que ser estado por estado”
(BOTELHO, 2016). Segundo Isaura Botelho (2016), no processo de desenho do curso de
formação houve alguns embates com o Ministério na figura de João Roberto Peixe. Um deles
era que ela não compartia do entendimento de que o curso deveria ser voltado para
implantação do SNC.
Essa foi uma das grandes discussões que eu tive com o Peixe. Eu sempre me
recusei a fazer um curso para implantação do Sistema. Eu acho que no curso
tem a discussão do Sistema, tem a discussão do plano, tem tudo isso. Se você
discute tudo isso, e se você qualifica bem o gestor, ele percebe qual é
vantagem de se associar. (BOTELHO, 2016)
A exigência de adesão ao Sistema foi outro ponto de discussão no GT:
Aí, o Peixe que cuidava do Sistema ... bem, aí vem o PT: não, não podia
ultrapassar a fronteira de estado. Porque de início queriam fazer só com
municípios e estados que tivessem assinado com o Sistema. Aí vem a coisa
minha de embate com o Peixe. Tive muitos embates com ele. E quando a
gente se encontra ele diz: ‘ai, que saudade de nossas brigas!’ [risos]. Mas
eram embates mesmo, porque era uma coisa quadrada! Eu ainda brinquei
um dia com ele, disse: ‘vocês do PT não confiam no povo, tem que ser tudo
amarradinho’. (BOTELHO, 2016)
Segundo João Roberto Peixe (2017), a escolha do local que sediaria o curso não
poderia ser pautada apenas em critérios técnicos, pois era preciso também avaliar a sua
receptividade para desenvolver aquela proposta.
67
Segundo REGIC de 2007, há quatro tipos de centros urbanos no Brasil: Metrópoles; Capitais Regionais;
Centros Sub-Regionais; e Centros de Zona. (IBGE, 2007)
245
[...] essa questão [do local] é muito mais de estar sintonizado com a
sociedade e com a dinâmica do processo, do que você está ligado em
critérios técnicos para dizer ‘vamos fazer o curso aqui’, sem a gente ter
receptividade, pelo menos um certo ambiente... você definir um desenho
que não corresponde a um recorte real (PEIXE, 2017).
No final das contas, a decisão tomada pelo Ministério foi que o curso piloto de
formação de gestores ocorreria no estado da Bahia, então governado por Jaques Wagner
(PT/BA), uma decisão inicialmente contestada por Isaura Botelho (2016): “De início, eu fui
totalmente contra que se fizesse alguma coisa na Bahia, eu disse: ‘Gente, se fizer na Bahia
vai ser sacanagem, né? Vão dizer que é porque é Gil, porque é Juca [ambos oriundos desse
estado], eu acho melhor não ter esse desgaste’”. De acordo com Silvana Meireles, o estado
da Bahia foi escolhido porque foi o que ofereceu as melhores condições para realizar o curso
piloto: “[...] a gente nem queria a Bahia, abrimos para vários estados, mas a Bahia foi o que
apresentou a proposta mais viável, inclusive com aporte de recursos.” (MEIRELES apud
BARBALHO, 2014). Segundo Lia Calabre (2012, p. 168):
68
Por meio da Lei nº 10.549, de 28 de dezembro de 2006, foi instituída a Secretaria de Cultura do Estado da
Bahia, antes Secretaria de Cultura e Turismo.
246
Para João Roberto Peixe (2017), a Bahia possuía um ambiente favorável, e vinha
desenvolvendo ações no âmbito do Sistema Nacional de Cultura: “[...] foi feito na Bahia,
porque a Bahia tinha esse ambiente, tinha como isso ser uma experiência mais rica e ser
bem sucedida, você também não pode jogar recursos e não ter um retorno adequado
porque envolve perda de recurso e perda de credibilidade”. (PEIXE, 2017). Em sua opinião,
naquele estado já havia uma demanda local por atividades voltadas para a área da formação
e a Secult/BA trabalhava com o desenho dos territórios de identidade, que agregava outras
áreas além da cultura.
69
Denominação dada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e adotada pela Secretaria do
Planejamento do Estado da Bahia (Seplan) e Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) a
partir de um estudo que reuniu informações e estatísticas econômicas e sociais do Estado. Segundo definição
encontrada no site da Seplan, território é “um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo,
caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a
política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam
interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que
indicam identidade, coesão social, cultural e territorial”. Informações disponibilizadas em:
<http://www.seplan.ba.gov.br/exibePrincipal.php?varCodigo=3070>, acesso em set. de 2010.
247
De acordo com a pesquisa de Ugo Mello (2014), a turma foi composta por pessoas
oriundas de 37 municípios do estado e a escolha dos dirigentes municipais por parte da
Secretaria seguiu o critério das cidades com maior articulação e desenvolvimento de
políticas culturais em sua esfera. Além disso, Mello ressalta a garantia de condições especiais
dada pela Secult e MinC para a participação daqueles que vinham do interior do estado.
70
Fui aluna do curso piloto como representante da UFBA, na condição de estudante de Mestrado do Pós-
Cultura e integrante do Centro de Estudos Multidisciplinares de Cultura (CULT).
71
Eram funcionários contratados pela Secult por tempo determinado dentro do Regime Especial de Direito
Administrativo (REDA). Para cada território de identidade, foi contratado um funcionário (no caso da Região
Metropolitana de Salvador, eram dois) para atuar como representante da Secretaria. Além da importância
política que a presença de funcionários da Cultura proporcionou para os territórios de identidade, foi
especialmente através deles que os projetos da Secult foram acompanhados presencialmente, o que pode ter
contribuído para fortalecer o vínculo de instituições e de pessoas relacionadas à área cultural com a política
desenvolvida pelo Estado. (ROCHA, 2011)
248
72
(1º) Oficina de Diagnóstico da Realidade Cultural Local e Regional; (2º) Políticas Públicas e Gestão Pública;
(3º) Processos Inclusivos e Participativos, Liderança e Cooperação, e Redes e Ações Colaborativas; (4º) As
Dimensões da Cultura e suas Interfaces e Mediações, e Cultura, Diversidade e Desenvolvimento; (5º) A Cultura
como Direito e Legislação e Direito Cultural; (6º) Diagnósticos, Análise de Conjuntura e Análise Institucional, e
Organização de Instituições Culturais; (7º) Planejamento e Políticas Públicas, e As Políticas Culturais no Brasil e
em Outros Países; (8º) As Políticas Culturais no Brasil na Atualidade, e Diversidade Cultural e seus Mecanismos
de Proteção e Promoção; (9º) Informação e Indicadores Culturais e Economia da Cultura e da Sustentabilidade.
O último módulo foi dirigido ao TCC.
249
muito intenso, então tem o cansaço, mas como você só trabalha com profissionais, não tem
como resolver isso” (BOTELHO, 2016).
Além das aulas presenciais, o curso contou com atividades de imersão cultural – visitas
técnicas guiadas em sete instituições culturais, como o Museu de Arte Moderna da Bahia e o
Teatro Vila Velha – e com EAD, desenvolvida no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).
Segundo Mello (2014), o objetivo do AVA, responsável por 60% da carga horário do curso,
era viabilizar um processo contínuo de aprendizagem, considerando que os encontros
presenciais ocorriam geralmente, uma vez ao mês, nos finais de semana. Além disso, Mello
(2014) aponta que como a equipe de professores era composta por profissionais de diversos
estados, e aproximadamente 83% dos alunos do curso eram do interior da Bahia, o AVA
permitia a continuidade das atividades e o contato entre todas as pessoas envolvidas no
curso, o que possibilitou uma formação interativa e colaborativa entre todos.
Um dos desafios enfrentados no curso piloto foi o fato de o seu período de realização
– outubro de 2009 a abril de 2010 – ter coincidido com a campanha eleitoral de 2010, com
as conferências municipais e territoriais73 (entre agosto e outubro de 2009), com a III
Conferência Estadual de Cultura da Bahia (realizada entre 26 e 29 de novembro de 2009), e
com a II Conferência Nacional de Cultura (11 a 14 de março de 2010). O que, para Lia Calabre
(2012), prejudicou de alguma maneira a dinâmica do curso, sobretudo as atividades em EAD.
De mesma opinião é Isaura Botelho (2016), para quem apesar desse problema de calendário,
o curso piloto foi bem sucedido, o que ajudou a garantir outros recursos para a continuidade
do processo de formação: “[...] tivemos um excelente piloto [...] e a partir desse curso piloto
é que também foi se tendo a justificativa dos outros recursos” (BOTELHO, 2016). De acordo
com Silvana Meireles (2017), a partir desse curso foi possível identificar problemas e
necessidades que contribuíram para a criação do Programa de Formação de Gestores
Culturais e uma série de ações que perduraram ao longo das gestões seguintes:
73
Em 2005, 21 municípios baianos (5% do total) promoveram conferências municipais. Em 2007, esse número
saltou para 390, resultado da atuação da nova gestão da SECULT/BA. E em 2009, 368 municípios (88,75% do
total) promoveram seus encontros de cultura. Quanto às conferências territoriais, elas foram realizadas em
todos os 26 Territórios de Identidade da Bahia.
250
Em 2009, a SAI passou a coordenar a realização dos Seminários do SNC que tinham por
objetivo apresentar a nova proposta de estruturação do Sistema a gestores públicos de
cultura, membros de conselhos municipais e estaduais de cultura, gestores de equipamentos
privados de cultura de interesse público. De acordo com Sérgio Pinto (2018), que participou
da organização do evento, após a aprovação do documento-básico, a SAI saiu em uma
espécie de campanha do Sistema:
Dentro desse desenho, entre agosto e dezembro de 2009, foram realizados seminários
em todos os estados do país, sendo que em alguns casos, como Minas Gerais e São Paulo,
foram produzidos mais de um encontro. Em todos eles havia presença de dirigentes da SAI,
mas outras secretarias e unidades do Ministério também participaram, a exemplo da SPC, do
Iphan e da Fundação Casa de Rui Barbosa. De acordo com Sérgio Pinto (2018): “A SPC
[dirigida então por José Luiz Herencia] participava muito, e nos seminários que a gente fez,
74
Documentos disponível em:
<http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/bitstream/20.500.11997/7250/1/608.%20SEMIN%C3%81RIO_SNC_PDF_22J
UL2009%5B1%5D.pdf.> Acesso em jun. 2018.
252
eles estavam sempre presentes, em todos eles mandavam um representante e o Peixe ia por
meio da SAI”. Segundo João Roberto Peixe (2017):
[...] no começo de dezembro, eu não sabia mais nem direito onde estava
(risos) porque a gente ficava segunda e terça em um estado, aí viajava na
quarta para outro estado e ficava quinta e sexta, às vezes voltava pra
Brasília, às vezes já ia direto para outro estado, aí você ia perdendo a noção
[...] mas, a minha avaliação é que o Sistema, a partir daí, foi se
consolidando, sendo entendido muito mais fora do Ministério do que
dentro do Ministério.
Essa perspectiva de uma consolidação externa do Sistema não era uma novidade, já
que a trajetória da sua construção na gestão de Márcio Meira foi pautada nessa estratégia,
que continuou sendo usada nessa gestão.
[...] a ideia [do SNC] cresceu muito mais de fora para dentro, mas também
foi uma estratégia nossa, quando a gente chegou no Ministério, quando a
gente apresentou e viu as dificuldades... [...] então a gente tinha uma
proposta, que aí dava mais segurança porque estava consistente, então a
gente foi para fora, pra criar o quadro também de fora para dentro. (PEIXE,
2017)
Sobre a pouca interação do Sistema MinC com o SNC, já apontado em falas de Silvana
Meireles (2015), Bernardo Mata Machado (2017) comenta: “[...] o Sistema nunca foi
prioridade do Ministério, sempre foi visto como uma coisa da SAI”. Para Peixe (2017), há
uma série de fatores que interferem na questão da relação do Sistema com outras
secretarias do MinC. Em sua opinião, o Sistema foi se consolidando mais fora do Ministério
do que dentro por falta de entendimento e compreensão sobre a proposta em si, pela
questão política e pelo fato de haver poucos recursos para a cultura, o que provocava uma
disputa grande dentro do Ministério: “depois, com o Sistema, terá que se transferir recursos
para os entes, e aí os órgãos do Ministério [...] diziam ‘ainda vai mandar dinheiro para
estados e municípios?’, isso teve muita discussão...” (PEIXE, 2017). Além desses pontos
abordados por Peixe, é possível pensar ainda que as resistências se devem, para além de
questões políticas pessoas ou coletivas, à questão da institucionalidade. O SNC se coloca
como um novo paradigma para a cultura política e organizacional, voltado para instituir
políticas públicas de médio e longo prazo, que ultrapassem o período de governo e que
passam por processos de pactuação com diversos atores, públicos e privados. A
implementação do SNC implica em mudar a maneira como a gestão pública de cultura é
conduzida, em contrariar interesses e nichos, enfim, a alterar os modos de gestão existentes
e sedimentados no Ministério.
253
Sobre a situação da adesão ao SNC por parte dos entes federados, a SAI tinha como
desafio recuperar o número de participantes, reduzido consideravelmente entre 2006 e
2010. Segundo dados divulgados pelo MinC (apud CALABRE, 2006), em janeiro de 2006, 20
estados (74% do total) e 1.920 municípios (35,4% do total) tinham firmado o Protocolo de
Intenções; em 2010 o número caiu para 1 estado (3,7%), Santa Catarina, e 363 municípios
(6,5%). Para Silvana Meireles (2017), esses dados não podem ser creditados apenas ao
processo de desaceleração do Sistema observado nos primeiros dois anos do segundo
governo Lula.
Em síntese, a II CNC, coordenada mais uma vez pela SAI, foi convocada por meio da
Portaria nº 46, de 10 de julho de 2009, que estabeleceu no cronograma que a etapa
municipal/intermunicipal deveria ocorrer até 31 de outubro de 2009; as etapas estadual e
75
Informação disponível em: < http://www.agencia.ac.gov.br/semana-estadual-de-cultura-acompanhe-ao-
vivo/>. Acesso em jun. 2018.
255
federativos e destes com a sociedade civil”; e “VIII - Propor estratégias para a implantação
dos Sistemas Nacional, Estaduais e Municipais de Cultura e do Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais”.
Seis propostas foram eleitas como prioritárias para o eixo 5 Gestão e Institucionalidade
da Cultura: (1) “Consolidar, institucionalizar e implementar o Sistema Nacional de Cultura
[...]”; (2) “Criar um sistema nacional de formação na área da cultura [...]”; (3) “Defender a
aprovação do Programa Cultura Viva e do Programa Mais Cultura no âmbito da proposta de
consolidação das leis sociais como políticas públicas de Estado [...]”; (4) “Garantir que as
conferências estaduais, municipais, distrital e nacional de Cultura tenham caráter de política
pública e que suas diretrizes e decisões sejam incorporados nos respectivos Planos
Plurianuais e nas Leis de Diretrizes Orçamentárias [...]”; (5) “Realizar imediatamente
mapeamento preliminar das manifestações culturais [...], criar um órgão federal de estudos
e indicadores culturais integrado ao SNC [...], investir em capacitação técnica de equipes
locais [...]”; (6) “Implantar o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais e os
respectivos sistemas estaduais e municipais [...]”. Essas seis propostas integravam o
conjunto das 3276 eleitas como prioritárias por parte dos delegados da plenária, selecionadas
de um universo de 347 propostas oriundas das etapas anteriores. Vale destacar que dentre
as 32 propostas prioritárias, a mais votada foi a que tratava especificamente do SNC.
Segundo a pesquisa de Aragão (2013), a partir da informação obtida por meio do blog da II
CNC, dos 883 delegados credenciados, 754 votaram na seguinte proposta:
76
Além das 32 propostas prioritárias, houve indicação de 95 estratégias setoriais prioritárias para as áreas de:
artesanato, artes visuais, arquitetura, arte digital, audiovisual, arquivo, circo, culturas indígenas, culturas
populares, culturas afro-brasileiras, dança, design, livro/leitura/literatura, moda, museus, música, patrimônio
material, patrimônio imaterial e teatro.
258
essa história... sempre era assim, uma coisa no bom humor, mas sempre
ficava essa coisa de Juca mexendo comigo e eu também ficava mexendo
com ele. Então, ele foi para a Conferência, mas não esperou até o final, na
votação das prioridades, ele não estava lá... e aí ele ligou para mim no dia
seguinte para perguntar uma outra coisa lá [...] e aí eu disse: ‘viu, Juca, o
resultado da Conferência?’ aí ele chegou e disse: ‘não, Peixe...vocês são
bons no lobby’ e aí eu fiquei indignado, eu disse: ‘lobby, não, Juca, a gente
trabalhou, você não foi a um seminário, eu insisti para você ir, você não foi
a um seminário, então você não entendeu o que aconteceu no Brasil,
porque isso se refletiu na Conferência’. (PEIXE, 2017)
É no mínimo intrigante que no discurso de abertura da II CNC, realizada em 11 de
março de 2010, o ministro Juca Ferreira não tenha citado o Sistema Nacional de Cultura
como uma das políticas desenvolvidas pelo Ministério, ou a ser impulsionada pelo mesmo. O
discurso cita o Plano Nacional de Cultura, os Pontos de Cultura, Pontos de Leitura, a Lei de
Incentivo à Cultura, o Fundo Nacional de Cultura etc., mas não se refere ao SNC (FERREIRA,
2010a). Nem mesmo quando o ministro ressalta a importância de aprovar propostas que
estavam pendentes no Congresso, ele faz alusão ao Sistema – cuja PEC 416-A/2005 estava
em tramitação – se referindo apenas ao Vale Cultura, ao PNC, à PEC 150, à nova Lei do
Direito Autoral e ao Procultura, que tramitava no Legislativo como Projeto de Lei
nº.6.722/2010 (apensada ao PL nº 1.139/2007). Apesar da ausência do Sistema no discurso
de Juca Ferreira, foi justamente na sua gestão que o SNC passou por uma de suas fases mais
interessantes, com o Ministério desconcentrando recursos para estados e municípios (ainda
que por meio do Mais Cultura); com o aprofundamento das discussões e aprimoramento da
arquitetura e marco legal do SNC; criação de um programa de formação para gestores
259
eu não sei se o Juca era contrário à questão do sistema, [...] eu não via o
Juca como contrário assim a essa questão do sistema, ele questionava o
sistema [...]a Silvana fazia um contraponto, existia esse atrito entre o PT e o
pessoal do Juca mas, é o que te falei, as propostas não era muito diferentes,
era a forma de se implementar e um pouco de divergência conceitual....
Assim, uma atuação mais favorável, ou menos resistente, de Juca Ferreira em relação ao
Sistema poderia ter sido motivada pelo seu interesse em continuar como ministro da Cultura
na gestão Dilma Rousseff, para o que precisava contar com o apoio de membros do PT. Vale
ressaltar que tudo isso são hipóteses não citadas em documentos ou entrevistas, mas que
tentam aventar respostas para esse aspecto não esclarecido da trajetória de construção do
SNC.
Em síntese, a Lei estabeleceu que o PNC (1) tem duração de dez anos; (2) é regido por
doze princípios, alguns similares ao do SNC; (3) possui 16 objetivos, dentre eles o de
“descentralizar a implementação das políticas públicas de cultura”, “consolidar processos de
consulta e participação da sociedade na formulação das políticas culturais” e “articular e
integrar sistemas de gestão cultural”, em sintonia com os objetivos específicos do Sistema,
conforme documento-básico; (4) estabelece as competências do poder público, como a de
“articular as políticas públicas de cultura e promover a organização de redes e consórcios
para a sua implantação [...]” e “organizar instâncias consultivas e de participação da
sociedade para contribuir na formulação e debater estratégias de execução das políticas
públicas de cultura”; (5) e informa que as conferências de cultura a serem realizadas pelo
MinC e pelos entes federados que aderirem ao PNC deverão debater estratégias e
estabelecer a cooperação entre os agentes públicos e pessoas da sociedade civil para a
implantação dos planos de cultura.
dos entes subnacionais às diretrizes e metas do Plano deverá ser feita por meio de termo de
adesão voluntária, para o que os entes deverão elaborar seus respectivos planos de cultura.
Esse aspecto vinculante do Plano merece ser analisado com cautela porque, como não é um
plano de adesão compulsória, uma série de ações estipuladas no documento podem sofrer
problemas na sua execução caso não haja uma participação contundente por parte dos três
níveis de governo, o que pode a vir a comprometer até mesmo a dimensão nacional do
documento (VARELLA, 2014). Por outro lado, é preciso lembrar que o federalismo brasileiro
tem como um dos seus pilares o princípio da autonomia dos entes federados e, portanto, há
limites no processo de interferência da esfera federal nos demais níveis de governo.
Obviamente que a busca pelo alinhamento entre as políticas públicas deve ser feita,
entretanto, isso não pode ser usado como justificativa para colocar em risco a autonomia de
estados e municípios. Outro nível de discussão que pode ser feita a partir daí é quanto ao
tipo de estímulo e garantia que o MinC, enquanto responsável por implantar o PNC, pode
oferecer aos entes subnacionais para que possam compartilhar das diretrizes, objetivos,
metas e ações estipuladas. O que, sem dúvida alguma, passa pela complexa questão do
financiamento da cultura. Isso porque, ainda que estados e municípios adiram ao PNC e
elaborem seus respectivos planos de cultura em afinidade com o nacional, como ficará a
questão da sua implantação, considerando os reduzidos recursos mobilizados pela Cultura
nos vários níveis de governo? Não é a toa que a Lei do PNC também prevê que o Poder
Executivo federal possa oferecer assistência técnica e financeira aos entes da federação que
aderirem ao Plano, uma previsão legal que foi inclusive utilizada como uma das justificativas
para que o MinC criasse e financiasse o projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e
municipais de cultura, implementado a partir de 2012.
Quanto ao financiamento do PNC, a lei estabelece que estará disposto nos planos
plurianuais, nas leis de diretrizes orçamentárias e nas leis orçamentárias da União e dos
entes federados que aderirem ao Plano; sendo o FNC, por meio de seus fundos setoriais, o
principal mecanismo de fomento às políticas culturais. A Lei afirma também que compete ao
MinC monitorar e avaliar periodicamente o alcance das diretrizes e eficácias das metas do
PNC com base em indicadores nacionais, regionais e locais, para o que contará ao longo
desse processo com a participação do CNPC, com apoio de especialistas, técnicos e agentes
262
O Sistema Nacional de Cultura está inscrito no primeiro capítulo do anexo, que indica
que o SNC, junto ao SNIIC, orientarão a instituição de marcos legais e instâncias de
participação social, o desenvolvimento de processos de avaliação pública, a adoção de
mecanismos de regulação e indução do mercado e da economia da cultura, assim como a
territorialização e a nacionalização das políticas culturais. Dentre as ações previstas no
Plano, a primeira (1.1.1) trata de consolidar a implantação do SNC elencando todos os seus
componentes. O texto dessa ação é o mesmo aprovado como proposta prioritária da II CNC,
já citado. O Sistema é também inscrito na ação 1.1.4, que prevê consolidar a implantação do
SNC como instrumento de articulação para a gestão e profissionalização de agentes
77
Uma das características do SNIIC é seu caráter declaratório, sendo o declarante responsável pela inserção de
dados no programa e pela veracidade das informações inseridas na base de dados.
263
executores de políticas públicas de cultura [...], e na ação 1.1.5, que trata de atribuir a
divisão de competências entre órgãos federais, estaduais e municipais, no âmbito do SNC,
bem como das instâncias de formulação, acompanhamento e avaliação da execução de
políticas públicas de cultura.
Para Albino Rubim (2008), a primeira versão das diretrizes do PNC, publicado em 2007,
apresenta escassas citações do SNC – cinco em um conjunto de 85 páginas –, o que foi
objeto de revisão no CNPC, cujo resultado pode ser conferido na segunda edição do caderno
das diretrizes do PNC publicado em 2008.
78
Herencia era consultor do MinC e, a partir de 2009, assumiu a SPC no lugar de Manevy.
264
No debate entre Plano e Sistema, vale ainda observar a ressalva feita por Guilherme
Varella (2014) que considera que os diferentes estágios entre as duas políticas – mais
avançado no PNC do que no SNC, ainda sem regulamentação – pode prejudicar a
concretização do Plano Nacional nos três níveis federativos:
[...] o Sistema deve caminhar de mãos dadas com o Plano, no mesmo passo.
Deve estar vigente e muito bem azeitado, com mecanismos voltados à
concretização do programa do PNC, de modo a permitir sua penetração
consistente nos municípios e estados e os consequentes resultados
duradouros. [...] No entanto, o Plano ainda não pode contar com ele [SNC]
como mais uma ferramenta garantidora de seu caráter de politica de
Estado. A sintonia entre os dois, portanto, ainda precisara acontecer.
(VARELLA, 2014, p. 114-115)
Quanto ao processo de elaboração do PNC, ele pode ser conferido na publicação
Diretrizes Gerais para o Plano Nacional de Cultura (MINC, 2008) e na página-web:
<http://pnc.cultura.gov.br/historico/>. Em síntese, um conjunto de eventos contribuíram
para a elaboração das diretrizes do Plano, a exemplo do Seminário Nacional Cultura para
Todos, Seminário Nacional dos Direitos Autorais, I Fórum Nacional de TVs Públicas e o
Seminário Internacional da Diversidade Cultural, ocorridos entre 2003 e 2007. Além disso,
serviram de subsídio documentos como: relatórios das Câmaras Setoriais (CNPC); estudos e
pesquisas publicadas pelo IBGE e IPEA; e resoluções aprovadas na I CNC (2005).
Especificamente para as diretrizes do Plano, foram realizadas: (1) aproximadamente dez
audiências públicas na Câmara dos Deputados, ocorridas entre julho e outubro de 2007; (2)
Seminários Estaduais do PNC, ocorridos entre junho e dezembro de 2008, nas capitais dos 26
estados e do Distrito Federal, com o intuito de gerar contribuições a cerca das cinco
265
Para Albino Rubim (2008), essa trajetória de construção do Plano trouxe, por um lado,
o reconhecimento de um conjunto de demandas da comunidade cultural e da sociedade civil
em um processo potencialmente democrático, mas por outro, implicou numa dificuldade do
MinC em trabalhar com o volume de materiais formulados. O que se refletiu na produção de
um documento sem foco e prioridades para as políticas culturais, especialmente
considerando o seu prazo de dez anos para implementação. Outro problema apontado pelo
autor é quanto ao diagnóstico do Plano “[...] frágil e fragmentado – que apenas tangencia,
mas não é capaz de produzir uma análise consistente, ainda que sintética, da cultura e das
políticas culturais brasileiras” (RUBIM, 2008a, p. 62), o que teria impossibilitado a
determinação precisa dos problemas, prioridades e metas do documento.
No mesmo dia em que a Lei do Plano foi sancionada pelo presidente Lula, em 02 de
dezembro de 2010, foi realizada a cerimônia da entrega das medalhas de Ordem do Mérito
79
Segundo o MinC (2008), as estratégias são: 1. Fortalecer a ação do Estado no planejamento e na execução
das políticas culturais; 2. Incentivar, proteger e valorizar a diversidade artística e cultural brasileira; 3.
Universalizar o acesso dos brasileiros à fruição e à produção cultural; 4. Ampliar a participação da cultura no
desenvolvimento socioeconômico sustentável e 5. Consolidar os sistemas de participação social na gestão das
políticas culturais.
266
Também na cultura podemos repetir uma de suas [de Lula] frases mais
célebres neste governo: ‘como nunca antes na história deste país’.
Democratizamos, federalizamos e interiorizamos as políticas culturais. Não
ainda como sabemos ser necessário. Mas fincamos as bases de um
processo que já rende muitos frutos. [...]
Procuramos nortear nosso trabalho à frente do ministério pela noção de
que a cultura é a personalidade de um povo. É o seu espírito, a
manifestação vital do seu modo der ser. [...] Ter direito à cultura é ter o
direito de participar dessa socialização. (FERREIRA, 2010b, p. 571)
De acordo com um dos atores entrevistados para esta tese, que pediu para não ser
identificado, essa cerimônia foi marcada pelo pedido de parte da plateia para que Juca
Ferreira continuasse como ministro da Cultura no governo Dilma Rousseff (PT), que tomaria
posse da Presidência da República em janeiro de 2011: “[...] eu lembro na Ordem do Mérito,
o pessoal bateu palma ‘fica Juca’, ‘fica Juca’, fizeram isso...houve vários movimentos, e
mesmo assim o PT bancou a saída do Juca e a entrada da Ana de Hollanda”. De acordo com
o pesquisador e funcionário público do MinC Tony Bezerra (2017, p.58-59):
Realmente, eu levei um susto quando meu nome pintou nos jornais, porque
com ela [Dilma Rousseff] eleita estava rolando uma [...] disputa de nomes,
muita gente se articulando para ser indicada ou, no caso do Juca Ferreira,
para permanecer, e aí vieram sondagens e finalmente um telefonema do
comitê informando que a Dilma queria conversar comigo e se eu aceitaria,
eu falei ‘eu vou’. (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017, p.
332).
Ainda sobre esse período pré-nomeação, Hollanda comenta que sofreu resistência
especialmente advinda do grupo que apoiava a permanência de Juca Ferreira no Ministério.
O fato é que quando saiu essa notinha [sobre sua nomeação], estava
acontecendo um encontro de música organizado pelo MinC lá em Minas, aí
a turma da campanha ‘fica Juca’ surtou e a baixaria começou lá mesmo. Eu
virei tudo que havia de pior, sendo que essa turma que me metralhava nas
redes nem me conhecia. (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO,
2017, p. 332).
270
Ali aconteceu uma crise com Emir Sader, que antes era um dos nomes
cotados para assumir o Ministério. Eu o convidei então para assumir a
presidência da Casa Rui, ele aceitou, o que chegou a ser anunciado, mas
antes da publicação da nomeação no Diário Oficial, ele desparafusou. Deu
uma entrevista à Folha de São Paulo em que disse, entre outras acusações
depreciativas, que eu era autista...[...] Foi uma ótima solução [a substituição
de Sader por Wanderley Guilherme dos Santos na Fundação Casa de Rui
Barbosa], porque antes do início percebi que estava se armando uma
nuvem de crise política. E até em reuniões coletivas dos dirigentes do MinC,
ele [Emir Sader] mantinha uma postura bastante arrogante, como se
considerasse superior a todos e a mim, principalmente. Acho que não se
conformava em não ter sido convidado para ser o Ministro. (HOLLANDA
apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017, p. 347-348).
Do discurso de posse da nova ministra proferido em cerimônia realizada em Brasília,
vale destacar a centralidade da figura do artista. De acordo com Ana de Hollanda (2011): “A
criação será o centro do sistema solar de nossas políticas culturais e do nosso fazer
cotidiano. Por uma razão muito simples: não existe arte sem artista”. Uma assertiva que, se
por um lado, revelava a intenção de implantar políticas públicas voltadas para as artes, uma
das áreas mais criticadas nas gestões Gil/Juca, por outro, indicava um deslocamento do
público que deveria ser o principal objeto de atuação das políticas do MinC.
Apesar de a nomeação de Ana de Hollanda ter sido fruto de uma conjunção política
coordenada pelo PT, uma das principais bandeiras políticas do setor cultural do Partido – o
Sistema Nacional de Cultura – não foi incorporada no discurso de posse da ministra.
Inclusive, em um trecho do pronunciamento de Hollanda, parece até haver uma crítica a
políticas voltadas para o aspecto mais estruturante da cultura:
a SAI voltou a ter o papel original, como criada na primeira gestão de Lula,
para centralmente cuidar do Sistema Nacional de Cultura, então isso daí eu
consegui argumentar e ela [Ana de Hollanda] concordou, então eu não
apenas assumi a SAI, eu assumi a SAI com uma nova estrutura que, na
verdade, era retomando a estrutura original, mas em outro momento, [...] a
273
Quanto à nomeação de João Roberto Peixe para assumir a direção dessa secretaria,
Ana de Hollanda comenta: “Fui conversar com o Dutra [José Eduardo Dutra, presidente do
PT na época] que recomendou o Roberto Peixe, que era uma pessoa que eu já tinha a
intenção de manter e até promover” (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017,
p. 345). Segundo Bernardo Mata Machado, a ida de Peixe para o cargo de secretário “foi
muito em função da articulação política do Partido dos Trabalhadores para fazer o ministro,
só que nós não fizemos o ministro enquanto uma pessoa vinculada ao Partido dos
Trabalhadores” (MATA MACHADO apud BARBALHO, 201[?]).
Em síntese, a composição inicial da SAI foi a seguinte: João Roberto Peixe, como
secretário; Bernardo Mata Machado na Diretoria do Sistema Nacional de Cultura e
Programas Integrados, e que respondia pelo órgão na ausência do secretário; Marcelo
Veloso na Coordenação-Geral de institucionalização e monitoramento do SNC, responsável
pelos Acordos de Cooperação Federativa; Maurício Dantas na Coordenação-Geral de
articulação intersetorial, relações federativas e mobilização social; Maria Helena Costa
Signorelli na Coordenação-Geral de instâncias de articulação, pactuação e deliberação do
SNC, que atuava junto ao CNPC; e Ângela Maria Menezes de Andrade na Coordenação-Geral
de instrumentos de gestão do SNC, cujo foco de atuação era o programa de formação de
gestores culturais. Vale ressaltar que em 2012, Marcelo Veloso assumiu a chefia da
Representação Regional do MinC do Rio de Janeiro, e foi substituído por Pedro Ortale.
274
Essa equipe possui algumas características que merecem ser ressaltadas, já que parte
dela era composta por pessoas que haviam ocupado cargos de direção em órgãos públicos
de cultura de estados e municípios e/ou tinham atuado em outros setores do Ministério da
Cultura: Maria Helena Signorelli foi secretária municipal de Cultura de Vitória/ES (2005 a
2008); Ângela Andrade foi gerente da SPC (2004 a 2005) e superintendente da Secretaria
Estadual de Cultura da Bahia (2007 a 2010); Maurício Dantas foi coordenador-geral na SPC,
atuando junto ao PNC, na gestão Juca Ferreira; e Pedro Ortale foi dirigente da Fundação de
Cultura do Estado do Mato Grosso do Sul (2002 a 2006)80. Um conjunto de atores que
possuía experiência na gestão pública de cultura nos diversos níveis de governo e que,
considerando a passagens de alguns deles em outros setores do MinC, poderia potencializar
importantes aproximações, a exemplo das políticas do SNC e do PNC.
80
Pedro Ortale trabalhou na Funai com Márcio Meira entre 2007 e 2009.
275
81
Os Guias de Orientações foram elaborados no final de 2010 e disponibilizadas para download no blog do
SNC, mas foram publicadas e distribuídas em 2011.
276
Sobre isso, João Roberto Peixe (2017) conta que foi um dos pontos negociados pelo
MinC com os fóruns de secretários e dirigentes de cultura de estados e capitais na época da
formulação do documento-básico do SNC.
[...] essa negociação feita com os fóruns dos secretários provocou algumas
mudanças, não chegou a ser uma coisa polêmica, mas eles questionaram e
a gente aceitou [...] o que houve foi a não exigência de todos os
componentes do Sistema para estados e municípios, então alguns
componentes não ficaram obrigatórios e isto foi muito por conta dos fóruns
de secretários. (PEIXE, 2017)
De acordo com Peixe, a reivindicação também era decorrente de uma preocupação
sobre o repasse de recursos por parte da União, “porque quando você tem a questão de
repasse de recurso, essas coisas que dependem da constituição do Sistema, na medida em
que você diminui algum componente, fica mais fácil deles [entes subnacionais] atenderem às
exigências” (PEIXE, 2017).
A possibilidade de que sistemas municipais de cultura possam ser instituídos sem tais
elementos, pode ser observado como algo positivo, considerando a fragilidade da gestão
pública de cultura no país, como demonstram pesquisas do IBGE. Além disso, os municípios
brasileiros são caracterizados pelo pequeno porte populacional, pela baixa densidade
econômica e alta dependência de transferência fiscal (ARRETCHE, 2011). Pensar que de
maneira indiscriminada todos os entes serão capazes de seguir um padrão de sistema
formulado no âmbito federal é no mínimo desconhecer ou ignorar as desigualdades que
marcam o país. Se o Ministério da Cultura tardou em desenvolver o SNIIC, é complicado
imaginar a capacidade de um município de 10 mil habitantes – porte populacional que
representa 45,2% dos municípios do país (IBGE, 2010) – implantar e manter um sistema de
tal perfil. É preciso questionar até mesmo essa necessidade, considerando que talvez o mais
estratégico fosse que esses municípios alimentassem diretamente o SNIIC. O que, por outro
lado, facilitaria a questão da compatibilidade entre os sistemas dos distintos níveis de
governo. Sobre isto, Bernardo Mata Machado (2017) comenta: “a gente achava que devia
ser estruturado nacionalmente e como era um sistema informatizado, tinha que ter uma
compatibilidade de infraestrutura de TI [Tecnologia da Informação]”. Reflexão semelhante
foi feita em relação ao Programa de Formação, que segundo Mata Machado (2017) deveria
ser de responsabilidade do MinC, ainda que outros entes pudessem implementar seus
respectivos programas.
277
Outro ponto abordado no Guia era quanto aos motivos para adesão ao SNC, “Quais
as vantagens dessa adesão?”, ao que o texto respondia que o estabelecimento de princípios
e diretrizes comuns, divisão de atribuições e responsabilidades entre os entes federados, a
montagem de mecanismos de repasse de recursos e a criação de instâncias de participação
“asseguram maior racionalidade, efetividade e continuidade das políticas públicas” (MINC,
2011a, p. 34). O texto ainda ressalta que a lei do Procultura estabeleceria que a União
destinaria no mínimo 30% dos recursos do FNC para os entes subnacionais por meio de
transferência fundo-a-fundo, o que estava condicionado à existência, nos respectivos entes,
de: Conselho de Política Cultural, com representação da sociedade, eleita
democraticamente; Plano de Cultura e Fundo de Cultura, exigência que ficou conhecida
como o CPF da Cultura. A convocação para que os municípios aderissem ao SNC e
implantassem seus respectivos sistemas no documento foi feita nos seguintes termos:
que foi, inclusive, objeto de críticas feitas por José Márcio Barros, Isaura Botelho e Maria
Helena Cunha (2009, p.3):
Para Pedro Ortale, a questão dos componentes do Sistema e a sua repetição nos três
níveis de governo “foram pontos de pautas e de divergências” (ORTALE, 2017) no MinC,
notadamente a exigência de órgão gestor exclusivo de cultura, que nem mesmo dentro da
SAI era unânime, uma previsão que acabou sendo alterada quando Marta Suplicy assumiu o
MinC, em setembro de 2012.
prefeito fala: ‘pô, então vou ter que gastar dinheiro em vez de ganhar?’
(ORTALE, 2017)
Segundo os dados publicados na Munic 2014 (IBGE, 2015), na maior parte dos
municípios brasileiros (57,3%), a cultura integra uma secretaria junto com outras políticas, e
20,4% dos municípios possuem um órgão exclusivo para tratar da área. Um número
expressivo considerando os dados da MuniC 2006, quando isso se dava em apenas 4,3% dos
municípios, conforme gráfico a seguir:
Esse incremento revelado pelo IBGE certamente tem relação com as ações de estímulo
promovidas por parte da SAI ao longo dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, mesmo
que de maneira intermitente. Tal incremento, entretanto, não se deu de maneira uniforme
em todo país, sendo maior em determinadas regiões. A MuniC 2014 revelou, por exemplo,
que o estado do Maranhão foi o que apresentou maior proporção de municípios com
secretaria exclusiva para cultura (62,8%) e o menor foi Santa Catarina (2,4%). Da pesquisa do
IBGE vale ainda destacar o fato da indicação da maior a presença de instrumentos de gestão
281
[...] isso é um outro problema que realmente merece uma crítica ou pelo
menos uma análise mais aprofundada. Em geral, eles [os conselhos] são
extremamente burocratizados. Talvez na atualidade não seja mais através
de um conselho que haja a escuta da opinião da sociedade, tem que ter
uma nova forma. Acho que talvez até o próprio processo das redes sociais
mudou um pouco isso. Parece que os conselhos tendem a encastelar
algumas pessoas na mesma função e [...] que pode ser colocada em dúvida
seu grau de representatividade. Então esse negócio de conselho [...] já foi
muito importante no final da ditadura militar, no final dos anos 80, logo
depois na Constituição de 88 que se apoiou muito nessa ideia como forma
de representação da sociedade [...]. Hoje essa ideia de conselho já é uma
coisa mais desgastada, não tem mais o mesmo valor. (ORTIZ, 2017)
282
A questão colocada por Ortiz pode ser extrapolada para outros componentes na
perspectiva colocada por Humberto Cunha Filho (2017), para quem a previsão legal de tais
estruturas deveria ser voltada para o que elas representam. “Por exemplo, por que importa
ter um conselho? a ideia é que a axiologia é resguardadora da democracia, se o estado ou
município conseguir um outro método de resguardar a participação democrática, eu creio
que o Sistema deveria abraçar” (CUNHA FILHO, 2017.). Na opinião do professor, essa
definição do “objeto representativo do valor do que propriamente o valor” (CUNHA FILHO,
2017) no SNC é um olhar originário da União diante da sua dificuldade de lidar com situações
distintas.
Ainda sobre a questão dos conselhos, o Guia indica a mudança do nome Conselho de
Cultura para Conselho de Política Cultural, que “expressa a nova concepção dessa instância
de participação social, facilitando o entendimento de seu papel e significado” (MINC, 2011a,
p. 49).
[...] se a gente pensar na estrutura de Minas Gerais, onde quase 80% dos
municípios tem conselho de patrimônio, e Minas que tem 700 e tantos
municípios, esses pequenos municípios [...] não conseguem abrir o segundo
conselho de política cultural. Então, há algumas coisas mais rígidas no
283
desenho [do SNC] que na prática precisavam ser analisadas, revistas. [...] a
gente pode dizer que é um excesso de rigidez e burocracia dizer que
prioritariamente os municípios tem que ter todos conselhos de políticas
cultural, e que eles não podem ter conselho de política cultural e de
patrimônio cultural, isso é um excesso de burocracia, ao meu ver, um
excesso de rigidez e até um erro estratégico, que precisa ser revisto.
(CALABRE, 2017)
Vale ressaltar que o elevado percentual de municípios com conselho de patrimônio em
Minas Gerais se deve tanto à vocação do estado, como ao fato da existência do mecanismo
de financiamento ICMS Patrimônio Cultural, que possibilita a distribuição de parte do
imposto estadual a municípios tendo como alguns de seus parâmetros o patrimônio cultural
(bens tombados e registrados nos municípios) e a existência de estruturas institucionais de
cultura, como conselhos, legislações, planos e inventários, o que dentre uma série de
consequências acarretou nesse percentual de conselhos municipais de patrimônio (RUBIM;
PAIVA NETO, 2017).
[...] quando eu cheguei a Minas, 853 municípios... como você vai exigir? A
maioria deles com 10 mil habitantes, vai ter que montar aquela estrutura
toda? foi aí que eu percebi um pouco mais daquilo da planície e não do
Planalto, como a coisa não era muito adequada [risos]. (MATA MACHADO,
2017)
A questão das exigências dos componentes do SNC é um dos pontos mais polêmicos
da política, e que a acompanha desde o seu início. Algo que foi questionado inclusive por
atores vinculados ao PT, como Vitor Ortiz (2017):
[...] é uma coisa que eu acho que sempre houve muita dificuldade de
compreensão, inclusive dos nossos quadros políticos, dos formuladores do
Sistema Nacional de Cultura, da diferença que existe entre os municípios.
Por exemplo, nós sempre defendemos que todos os municípios devem ter
uma Secretaria Municipal de Cultura. Eu não concordo com isso. Eu acho
que existem cidades que realmente não tem condições de ter uma
Secretaria Municipal de Cultura.
Na avaliação de Paulo Miguez (2017):
ter um trabalho e uma disposição de outra natureza para poder fazer com
que essa coisa funcionasse. (MIGUEZ, 2017)
Para Lia Calabre (2017), apesar das críticas quanto a essas exigências no SNC, é preciso
ter garantias mínimas por parte dos entes federados:
De acordo com a ministra Ana de Hollanda (MINC, 2011c), desde 2003 o SNC vinha se
desenvolvendo no Ministério com avanços e recuos, parte destes decorrentes das incertezas
sobre a melhor maneira de organizar as atribuições do poder público na área cultural. Em
questionário respondido para esta pesquisa, quando perguntando sobre que tipo de
resistências o SNC havia enfrentado em gestões anteriores, Ana de Hollanda (2016)
declarou:
A adesão ao SNC foi um dos principais focos de trabalho da SAI nessa gestão. De
acordo com João Roberto Peixe (2017):
Segundo Pedro Ortale (2017), a questão dos Acordos e da adesão ao SNC era
considerado fundamental nessa gestão porque:
Sobre o problema da vigência dos Acordos, Peixe (2016; 2017) explica que inicialmente
a equipe da SAI trabalhou na lógica de prazo determinado, mas isso gerava uma série de
problemas.
[...] a gente viu que não tinha muito sentido, que o Sistema não era um
programa ou um projeto, é uma questão permanente e central, então não
devia ter prazo [...] e isso daí também evitava de você ter toda uma
burocracia, toda uma trabalheira de dois em dois anos ter que renovar os
acordos. (PEIXE, 2017)
A partir de tal diagnostico, a SAI, com apoio da Consultoria Jurídica do MinC (Conjur),
alterou a minuta do Acordo, que passou a ter tempo de vigência indeterminada, cabendo a
renovação apenas do plano de trabalho, que tinha validade de dois anos e podia ser
renovado por ofício diretamente na plataforma digital do Sistema.
Em termos numéricos, a adesão ao SNC nesse período foi intensa. De acordo com Ana
de Hollanda (2016):
Gráfico 04: Evolução percentual da adesão ao SNC por parte dos municípios entre 2010 e 2015
O reflexo da atuação dessa gestão junto aos entes subnacionais pode ser percebido
também pela criação, entre 2011 e 2012, de sistemas de cultura por parte de alguns estados
e municípios: Sistema Estadual de Cultura da Bahia (Lei nº 12.565, de 30 de novembro de
2011); Sistema Estadual de Cultura de Rondônia (Lei nº 2.746, de 18 de maio de 2012); e 45
sistemas municipais distribuídos entre todas as regiões do país: 2 no Centro-Oeste, 6 no
Norte, 6 no Nordeste, 8 no Sudeste e 23 no Sul (MINC, 2013). Obviamente que a criação de
tais sistemas foi fruto do processo de articulação da SAI iniciada em 2003 e que, como já foi
dito, a existência normativa de tais sistemas não implica necessariamente em uma efetiva
melhora da política cultural em tais instâncias.
82
Apresentação feita por João Roberto Peixe na ocasião do III Encontro de Políticas e Gestão Culturais da Bahia,
realizado em Feira de Santana, entre 9 e 10 de agosto de 2016.
288
O primeiro projeto – relativo aos planos de cultura – foi viabilizado mediante uma
parceria entre o MinC, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade
Federal da Bahia (UFBA), e órgãos públicos de cultura de estados e municípios. Na SAI, quem
respondia pelo projeto era a coordenadora Ângela Andrade. Vale destacar que a SPC
também integrou o projeto, já que deveria ser estabelecida sintonia fina entre o Plano
Nacional de Cultura, cujas 53 metas haviam sido publicadas no final de 2011, e os planos de
estados e munícipios.
O projeto dos planos de cultura foi fruto de um longo processo de discussão, iniciado
no ano da aprovação da Lei do PNC, em 2010, quando secretários e dirigentes de órgãos
públicos de cultura alegaram a necessidade de ações de capacitação e assistência técnica
para o desenvolvimento de seus respectivos planos, mediante apoio metodológico e técnico
de universidades. O embasamento da solicitação estava na própria Lei nº 12.343/2010, que
previa que o MinC poderia oferecer assistência técnica e financeira aos entes que aderissem
ao PNC. Outro aspecto importante foi a indicação da primeira meta do PNC: “Sistema
Nacional de Cultura institucionalizado e implementado, com 100% das Unidades da
Federação (UF) e 60% dos municípios com sistemas de cultura institucionalizados e
implementados” (BRASIL, 2013a).
Assim, em 2012, o projeto foi iniciado com a UFSC sendo responsável por acompanhar
tecnicamente o Distrito Federal e 16 Estados, e a UFBA, 20 municípios. Vale ressaltar que
todos esses entes federados estavam integrados ao SNC.
tinham acesso ao material formulado pela UFSC; (3) contato telefônico e via e-mail por parte
da equipe da Universidade; e (4) envio mensal de relatórios por parte dos técnicos estaduais
sobre o desenvolvimento das ações.
84
Acre, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do
Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.
291
O Projeto de assistência aos estados teve ainda outras duas fases que abrangeu mais
seis unidades federadas, realizadas entre as gestões de Marta Suplicy e Juca Ferreira. No
total, entre 2011 e 2016, 22 estados e mais o Distrito Federal participaram dessa iniciativa.
Da avaliação final feita pela equipe da UFSC (2016)85, coordenada pela Profa. Eloise Helena
Dellagnelo, é possível destacar: (1) importância do comprometimento do secretário ou
dirigente de cultura do estado em relação à construção do Plano; (2) perfil dos técnicos
contratados que devem reunir competência técnica com familiaridade com o campo
cultural; (3) falta de informações e dados sistematizados na área da cultura, que dificultaram
a elaboração de diagnósticos, para o que é fundamental o SNIIC; (4) necessidade do
empenho do dirigente estadual de cultura no apoio à tramitação do projeto de lei do Plano
na Assembleia Legislativa; (5) falta de clareza por parte de alguns estados sobre o significado
do plano de cultura e sua importância no sistema estadual de cultura; e (6) desafio de
conciliar a participação social com a produção de um instrumento de gestão pública, no
prazo estipulado pelo projeto.
No caso do projeto de assistência técnica dirigido aos municípios, essa primeira edição
contemplou doze capitais86 e oito municípios de Regiões Metropolitanas87, selecionados
pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura de Capitais e Cidades de Regiões
Metropolitanas. O período de realização foi semelhante ao do projeto dos estados, e a sua
dinâmica de funcionamento teve similitudes com o mesmo. Para o projeto ser executado
nos municípios partícipes, foram contratados e capacitados técnicos locais que eram
diretamente acompanhados pela equipe da UFBA (Unidades Gestora). Os técnicos,
chamados de consultores, e o Coordenador do Plano (vinculado ao órgão gestor do
85
Relatório enviado por e-mail pela Profa. Eloise Helena Dellagnelo em 09 de julho de 2018.
86
Aracaju, Belo Horizonte, Campo Grande, Florianópolis, Fortaleza, João Pessoa, Manaus, Recife, Rio de
Janeiro, São Luiz, Porto Alegre, Vitória.
87
Betim, Sabará e Santa Luzia/MG, Laranjeiras/SE, São Leopoldo/RS, Joinvile/SC, Olinda/PE e São Caetano do
Sul/SP.
292
Uma das maiores dificuldades para o desenvolvimento desse projeto se deu por conta
da sua época de realização, que coincidiu com o ano de eleições municipais (2012), e com o
fato de os planos municipais serem desenvolvidos no mesmo período dos planos estaduais,
o que dificultou o importante alinhamento entre os documentos. De acordo com Luana
Vilutis (2012, p. 143)
orientação do MinC, e colocá-lo em prática. Esse conjunto de fatores interferiu, segundo Lia
Calabre (2017), de maneira geral na efetividade do projeto:
88
Os estados de Sergipe e Maranhão não quiseram participar do projeto, conforme informação do Prof. José
Márcio Barros concedida por e-mail em 25 de junho de 2018.
89
Informação disponível em: <
http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1919:fundaj-comunica-
276&catid=79:fundaj-comunica> e
<http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=340:aprovados-no-curso-de-
pos-graduacao-da-fundaj&catid=44:sala-de-impressa&Itemid=183> Acesso em jun. 2018
294
Em resumo, o curso foi realizado entre março e dezembro de 2012, com aulas
realizadas uma semana ao mês. Foram ministrados nove módulos que abordaram temas
como Diversidade Cultural; Gestão Patrimonial; Legislação da Cultura; Economia da cultura,
Economia criativa e financiamento da Cultura; Planejamento e orçamento da gestão pública;
Políticas Culturais; e Cenário Político da Cultura no Brasil.
90
Disponível em:
<http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1029&Itemid=273>. Acesso em
jun. 2018.
295
Em relação à equipe responsável pela proposta pedagógica, ela foi formada por José
Márcio Barros e Isaura Botelho, integrantes do curso piloto, e por Paulo Miguez. Pela Fundaj,
o projeto ficou sob a responsabilidade de Silvana Meireles, diretora de Memória, Educação,
Cultura e Arte dessa Fundação, para a qual retornou após finalizar a gestão Juca Ferreira.
Segundo Isaura Botelho (2016), Silvana Meireles teve atuação decisiva no processo de
formação de gestores do SNC porque estava sempre em lugares institucionais que lhe
possibilitavam tal atuação. De acordo com Silvana Meireles (2017), após a realização desse
primeiro curso de especialização em Gestão Cultural, a Fundaj elaborou um projeto de
formação em 2014 e passou a realizar cursos de especialização, aperfeiçoamento e extensão
dirigidos a gestores dos estados do Nordeste, “com resultados imediatos observados nas
gestões municipal e estadual, na gestão de equipamentos culturais e pontos de cultura”
(MEIRELES, 2017).
Uma das coisas interessantes no Projeto de apoio técnico coordenado pela SAI era o
envolvimento das Representações Regionais do MinC, instâncias que em alguns momentos
estiveram relacionadas administrativamente à essa Secretaria e em outros não, a depender
91
Informação disponível em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/1416227/0/Parecer+2017.0700+SADI+Coopera%C3%A7%C3%A3o_Int
ernacional_Projeto_Intersetorialidade_Descentraliza%C3%A7%C3%A3o.pdf/258bb3de-398d-4e13-b5ed-
b13cf39a7692>. Acesso em jun. 2018
296
Em relação aos consultores do Prodoc do SNC, a sua seleção se dava por meio da
publicação de editais disponibilizados no site da Representação da Unesco do Brasil, onde
continha os requisitos profissionais exigidos (qualificação educacional e experiência
profissional), as atividades a serem desenvolvidas no projeto, os produtos/resultados
esperados, o local de trabalho e a duração do contrato. A partir daí, o candidato preenchia
um formulário/currículo e encaminhava por e-mail especificando o número do projeto/edital
a que estava se submetendo. Vários editais foram publicados pelo Prodoc entre setembro e
outubro de 2011, com vagas tanto para o consultor atuar diretamente na SAI, em Brasília,
como vinculado às Representações Regionais de todo o país. No caso do edital dirigido às
Regionais, cabia ao consultor as seguintes atividades: (1) realizar pesquisa sobre o
desenvolvimento do SNC, avaliando os sistemas municipais e estaduais; (2) elaborar
diretrizes e metodologias para a criação e estruturação dos sistemas municipais e estaduais;
(3) analisar e avaliar a organização do processo de integração do SNC nas áreas de atuação
297
De acordo com Armando Almeida (2018), que havia trabalho no MinC como assessor
de Juca Ferreira na gestão anterior, o trabalho da consultoria foi realizado entre janeiro de
2012 e dezembro de 201393, e tinha como objetivo básico a realização de um diagnóstico
para saber o estado da arte para a implantação de sistemas de cultura no estado da Bahia e,
a partir daí, propor ações que pudessem avançar com o processo. Os municípios atendidos
92
Essa Regional foi criada em junho de 2010, e a partir de novembro de 2012 passou a contemplar também o
estado de Sergipe. A Representação Regional Bahia e Sergipe foi extinta no Governo Temer.
93
Inicialmente o contrato da consultoria era de um ano, mas foi prorrogado por mais um.
298
pela consultoria deveriam ter firmado o Acordo de Cooperação Federativa com o MinC e ter
apresentado Plano de Trabalho indicando como implantariam seus sistemas de cultura, o
que na sua opinião era um fator limitante considerando que nessa época poucos municípios
atendiam a esta demanda. Se, de fato, isso reduziu o universo de atuação do projeto,
excluindo a maior parte dos municípios baianos de receberem a consultoria do MinC, por
outro lado, significou o reconhecimento dos esforços empreendidos pelos que haviam
aderido ao Sistema e iniciado a execução do Plano de Trabalho do termo de adesão.
Quanto à dinâmica de trabalho, o estado foi dividido em duas áreas onde cada
consultor deveria atuar, considerando a delimitação dos Territórios de Identidade que
orientavam a atuação da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.
De acordo com os relatórios dos consultores, dos 417 municípios que integravam o
estado da Bahia, 71 tinham firmado o termo de adesão ao SNC. Segundo relatório de
Almeida (2013, p.12):
Boa parte dos municípios mais populosos do Estado ainda não firmou
acordo. Dos 71 municípios que aderiram ao acordo para implantação do
SNC apenas três têm mais de 200 mil habitantes. Fora do Sistema ainda
estavam cidades como Salvador, Feira de Santana (as duas maiores cidades
do Estado), Juazeiro, Itabuna e Jequié. Muitos deles ainda continuam sem
adesão. Do ponto de vista populacional, o percentual de alcance do SNC é
ainda menor, como se vê.
Vale ressaltar que dos 71 municípios que tinham aderido ao SNC, apenas oito94
estavam em situação regular, ou seja, não apresentavam nenhuma pendência documental e
estavam aptos a executarem seus planos de trabalho. Esse oito municípios, de acordo com
orientação da SAI, deveriam ser o objeto principal de atuação dos consultores.
94
Amargosa, Andaraí, Barreiras, Coribe, Ibiassucê, Lajedo do Tabocal, Itapetinga e Sobradinho.
95
Andaraí e Sobradinho.
299
96
Também conhecida como Fórum de Dirigentes Municipais de Cultura da Bahia, é uma entidade de
representação dos municípios e seus órgãos de gestão da cultura, fundada em 01 de junho de 2010.
Informações disponíveis em: <https://territoriosculturaisbahia.wordpress.com/adimcba-2/>. Acesso em jun.
2018
300
A terceira fase do trabalho era resultado da etapa acima descrita, e de acordo com o
relatório de Reis (2013), na área em que atuou, houve avanços na segunda estratégia com a
integração ao SNC de três das cinco cidades-polo selecionadas (as outras duas informaram
interesse em aderir e estavam em fase de organização documental). A terceira estratégia,
que buscou apoiar os municípios que tinham aderido ao SNC, mas estavam com problemas
na elaboração ou execução dos planos de trabalho, apontou como grande dificuldade a
criação de fundo de cultura, onde os dirigentes diziam ter dúvidas sobre o valor a ser
destinado ao mesmo e sobre a elaboração da lei que deveria tratar desse mecanismo de
financiamento. No caso dos conselhos, apesar de em alguns municípios existirem em lei, na
prática, os consultores observaram que alguns casos eles não estavam em funcionamento e,
em outros, abrangiam áreas para além da cultura. Quanto às conferências, foi observado um
elevado nível de participação nas suas várias edições97. Em relação à existência de órgãos
exclusivos para a cultura, o relatório aponta ser pouco presente nos municípios pesquisados,
o que segundo a consultora deveria ser objeto de reflexão por parte do Ministério: “Esse
ponto talvez precise ser discutido e revisto dentre as recomendações do MINC, que orienta a
criação de uma Secretaria de Cultura específica. É preciso considerar a realidade
administrativa desses municípios, muitos carentes de recursos e infraestrutura”. (REIS, 2013,
p. 19). Uma consideração que pode ser estendida para o resto do país considerando que,
conforme pesquisas do IBGE, essa fragilidade era observada nacionalmente. Segundo o
relatório, os planos de cultura também estavam presentes em poucos municípios; sistemas
de informação eram praticamente inexistentes e a maior parte não possuía programa de
formação, sendo revelado que os dirigentes culturais basicamente participavam de
formações quando essas eram oferecidas pelo MinC ou Secult. Segundo Reis (2013, p.19):
“Inclusive, esta foi uma das dificuldades mais apontadas pelos municípios: encontrar pessoas
97
O percentual de municípios baianos envolvidos nas Conferências Estaduais de Cultura na Bahia são: na I CEC
(2005), 5%; na II CEC (2007), 93,5%; na III CEC (2009), 88,4%; e na IV CEC (2011): 73%. (ROCHA, 2014)
301
relatório de Reis, isso ficou prejudicado por problemas em relação ao prazo de trabalho, a
recursos orçamentários disponíveis para atuação dos consultores e da Regional, e da não
concretização das parcerias com a Secult/BA e Adimcba. No caso da Secult, o relatório
aponta que os motivos teriam sido a priorização desta ao plano de cultura (tema da IV
Conferência Estadual de Cultura, de 2011), ao desfalque na equipe de nove Representantes
Territoriais e à falta de infraestrutura da Secult para atualização dos dados sobre os
componentes do SNC, bem como para prestar apoio diretamente aos municípios. Quanto à
não participação da Adimcba:
[...] havia um outro problema que era o fato de que o Sistema se apropriava
muito do discurso – a gente usa a expressão que é ‘dar uma iscazinha para
o peixe’ – e era assim: ‘se você fizer, você vai ter direito a participar de um
recurso público destinado àqueles que fazem o Sistema’, então isso é uma
coisa, inclusive, falsa porque não tinha um substrato para isso... (ALMEIDA,
2018)
303
De acordo com Armando Almeida (2018), ele não chegou a vivenciar isso diretamente
no trabalho do Prodoc porque a sua atuação se deu apenas junto a municípios que já tinham
aderido ao Sistema e criado o CPF, portanto não precisavam ser convencidos. Porém, ele
pôde acompanhar críticas a esse discurso quando foi ouvidor do MinC na gestão Marta
Suplicy, e participou de reuniões diversas (no CNPC, no Sistema MinC etc.) onde esse
problema era pauta de discussões e críticas:
[...] essa crítica rolou muito dentro da gestão de Marta, já se falava muito
disso lá [...],como ouvidor, eu participava de reuniões [...], então eu via essa
discussão também rolando lá dentro sobre isso, e na própria reunião do
Fundo, eu me lembro do próprio Américo Córdula, eu acho que o Bernardo
também, fazerem essa crítica porque eles estavam interessados em garantir
esses recursos para os municípios que afinal tinham feito o dever de casa,
mas eles não conseguiam porque o dinheiro ficava mesmo para problemas
internos do Minc. (ALMEIDA, 2018)
Segundo Bernardo Mata Machado (2017), havia mesmo uma espécie de promessa
feita pelo Ministério aos entes subnacionais quanto à transferência de recursos, e esse
discurso foi ampliado pelos consultores do Prodoc que atuavam em todo território nacional:
“[...] a gente teve muito consultor Prodoc viajando o Brasil inteiro, e aí para as estatísticas
deles de adesão ao Sistema, eles falavam abertamente ‘se construir o Sistema vai chegar
dinheiro do Ministério e tal...transferência fundo-a-fundo’” (MATA MACHADO, 2017). O que,
em sua opinião, era um erro: “eu pessoalmente, na minha pregação, porque era uma
pregação pelo país afora, eu falava muito mais nos direitos culturais da população, na
diversidade cultural, na importância de institucionalizar a cultura.” (MATA MACHADO, 2017).
Sobre essa estratégia utilizada pelo Ministério da Cultura para conseguir a adesão de
estados e municípios, Humberto Cunha Filho (2017) avalia que poderia ter sido feita sobre
outras bases que não a questão de obtenção de recursos.
O Sistema realizou umas promessas que ainda não consegue pagar, e não
sei se vai conseguir porque a grande convocatória foi para a obtenção de
recursos por parte dos estados e municípios, e talvez essa convocatória
com as especificidades da esfera cultural devesse ser em outro nível, talvez
na horizontalização, na aquisição de responsabilidade, no esforço que os
entes deveriam fazer pra se integrar e não no convite e até na sedução para
que eles integrem. (CUNHA FILHO, 2017)
Para finalizar a apresentação do Prodoc, vale a pena ressaltar algumas
potencialidades do projeto apontadas nos relatórios dos consultores Armando Almeida e
Paula Félix dos Reis: (1) formação de uma rede de trabalho com diversos agentes, tais como:
304
MinC e sua Representação Regional, a Unesco, pesquisadores e entes federativos dos três
níveis de governo; (2) acúmulo de informações obtidas ao logo do projeto; (3) aproximação e
diálogo com dirigentes e instituições culturais, que a partir do contato feito pelo projeto se
sentiram mais estimulados e integrantes de uma política nacional; (4) divulgação do Sistema
Nacional de Cultura; (5) identificação das dificuldades para a implantação do Sistema
considerando a atuação na ponta, o que pode gerar estratégias de ação mais adequadas às
peculiaridades de cada região; (6) visibilidade da Representação Regional na Bahia, o que
poderá facilitar a atuação desta na região; (7) adesão de Salvador ao SNC, município que
além de ser a capital do estado, responde por quase 25% da sua população e é uma das
referências culturais do país; (8) interesse do MinC em avançar com o SNC; (9) Promulgação
da Emenda Constitucional do SNC, abrindo caminho para que se torne política de Estado, e
não de Governo.
[...] no Brasil, o poder central, federal, concentra muito poder nos recursos,
então você tem um olhar muito de cima para baixo, e isso era uma das
questões de conflito que vinha desde a época que eu era secretário de
305
[...] não existia um alinhamento [da SAI] com a Secretaria Executiva [...] o
direcionamento político era para outro esforço, [...] Então, existia esse viés
e o Sistema ficou isolado e as coisas não andavam. Ele [Peixe] podia criar o
projeto, mas, no final das contas, o que estados, municípios e a
comunidade perguntava era ‘o que eu vou ganhar com isso? como é que eu
vou desenvolver minhas coisas?’, no final das contas, se você não tem um
apoio político que garanta essa implementação de atividades e ações você
acaba não fazendo com que os municípios e estados construam o
arcabouço institucional para poder desenvolver o sistema. (PINTO, 2018)
Algumas falas do secretário executivo Vitor Ortiz expressam a diferença de ideias que
existia com relação às de João Roberto Peixe. Por exemplo, em entrevista Ortiz (2017) afirma
que sempre foi contrário à ideia de vinculação orçamentária e que para ele a PEC 150/2003
tinha mais um sentido educativo, de chamar atenção do gestor público para a necessidade
de investir recursos na cultura, do que realmente algo impositivo, e que não seria “correto
impor a todas as cidades que ela tem que gastar 1% em cultura” (ORTIZ, 2017). Ele também
era contrário à ideia de que todos os municípios tivessem que ter secretaria de cultura
exclusiva e questionava se o formato de conselhos de cultura continuava sendo pertinente
considerando, por exemplo, novas formas de participação social advindas das redes sociais.
Apesar dessas divergência, Ortiz (2017) considera João Roberto Peixe era a pessoa mais
indicada para conduzir o Sistema pela sua militância desde a época em que era secretário de
Cultura de Recife. Sobre a relação entre os dois, Ortiz (2017) aponta que havia entre ele e
Peixe uma proximidade e que muitas vezes eles estiveram reunidos para tratar do SNC. Em
sua opinião, o problema de relação que houve nessa época foi mesmo com o Conselho
Nacional de Política Cultural.
O problema que tinha ali é que na verdade o Peixe teve que enfrentar um
pouco uma bola dividida porque ele era responsável pelo Conselho
Nacional de Política Cultural, mas justamente no período em que havia
muito conflito entre uma base do governo, que era mais próxima de Juca
Ferreira, com a Ana de Hollanda. Então o pessoal ficou mais próximo de
Juca e eles atuaram fortemente no conselho, questionando as decisões etc.
Eles atuaram muito e Peixe ficou meio que entre o mar e o rochedo nessa
questão. (ORTIZ, 2017)
307
Segundo Peixe (2017), dois momentos de tensão marcaram o CNPC na gestão Ana
de Hollanda. Um foi na época das eleições dos colegiados setoriais, já que algumas áreas do
Ministério, especificamente o audiovisual e os museus, já contavam em suas respectivas
estruturas com órgãos de participação, o Comitê Gestor do Sistema Brasileiro de Museus, do
Ibram, e o Comitê Consultivo da SAV, e havia um impasse em se criar outra instância de
representação98. O segundo momento foi quanto ao entendimento de Ana de Hollanda de
que o CNPC deveria ter caráter consultivo, e não deliberativo: “teve um desgaste enorme da
Ana de Hollanda pela questão de querer reduzir o Conselho só à parte consultiva [...] isso foi
um pau danado” (PEIXE, 2017).
98
Este debate está registrado na ata da reunião do CNPC realizada em 28 e 29 fevereiro de 2012. Disponível
em: <http://plenario.cnpc.cultura.gov.br/wp-content/uploads/sites/26/2016/05/Ata-6%C2%AA-
Extraordin%C3%A1ria-CNPC-dias-28-e-29-de-fevereiro-5.pdf>
308
reuniões, que deveria estar “presente para poder haver um debate amplo, democrático e
civilizado sobre a crise dos representantes da sociedade civil e o MinC, mas mais
especificamente com a ministra Ana”, conforme declaração de Charles Narloch,
representante do setor Artes Visuais; (3) citaram que “o avançar seria colocar o dedo na
ferida, porque não adiantava ficar fingindo que nada estaria acontecendo. [...] que estaria
acontecendo uma crise entre a gestão do ministério e o conselho” (fala de Rosa Maria
Coimbra, do setor da Dança); (4) pediram esclarecimento sobre declaração que teria sido
feita pela ministra no jornal Folha de São Paulo sobre uma carta assinada por membros do
Conselho solicitando reunião com a Presidência da República. Na matéria, a ministra teria
declarado que sofre oposição sistemática por parte de alguns membros do CNPC, que teriam
assinado a tal carta, o que na opinião de alguns representantes na reunião, não era verdade;
e (5) que “não havia entendimento por parte da gestão do MinC com o papel do Conselho”
(fala de Nilton Bobato, representante do Livro, Leitura e Literatura). Em resposta a essas
colocações, o representante da ministra na reunião, Vitor Ortiz, esclareceu sobre alguns
problemas orçamentários do Ministério; considerou que a carta enviada à Presidência da
República poderia ter sido entregue diretamente ao Ministério, e comentou sobre a relação
entre o Conselho e o Ministério, conforme registro em ata:
[...] talvez o que estivesse faltando seria uma dose um pouco maior de
confiança mútua. Seria confiar na equipe atual. E acreditar um pouco
menos na pressão que o ministério vinha sofrendo por parte de alguns
setores principalmente explorados pela mídia [...]. Disse [Ortiz] acreditar
que seria possível ser superada as diferenças de pensamento, que
obviamente existiam e não seriam mera casualidade. Sugeriu que as
diferenças fossem discutidas, aprofundadas, para se encontrarem no meio
do caminho. Ressaltou que não havia nenhum problema em se discutir
conceito e aprofundar o debate sobre Direito Autoral. (CONSELHO
NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL, 2012, p. 40-42)
Apesar desse clima de tensão envolvendo o Ministério e representantes da
sociedade civil no Conselho, as matérias dedicadas ao SNC não eram objeto de grandes
divergências. De acordo com Hamilton Pereira (2018), nessa época secretário de cultura do
Distrito Federal e representante do Fórum dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura
no CNPC, o Conselho foi um espaço relevante de debate em torno da implantação do
Sistema Nacional de Cultura, ainda que em um contexto político polarizado, e a presença
sistemática de João Roberto Peixe na apresentação do desenho proposto pelo MinC era algo
a se destacar. Dentre as falas dos conselheiros citados anteriormente, verifica-se o
309
De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), assim como Peixe, ele também se
deparou com dificuldades no âmbito do Conselho quando assumiu a SAI na gestão Marta
Suplicy, e passou a coordenar as reuniões. Apesar disso, em relação às matérias dedicadas
especificamente ao Sistema, Mata Machado relata que havia boa receptividade por parte
dos conselheiros, inclusive porque no CNPC havia representação do Fórum de Secretários de
Cultura dos Estados e do Fórum de Secretários de Cultura das Capitais e Regiões
Metropolitanas, que tinham afinidade com a proposta do Sistema.
O que aconteceu foi que isso não se efetivou na prática porque a ministra
Ana saiu em setembro de 2012, eu saí em outubro, Peixe eu acho que saiu
em outubro ou novembro [João Roberto Peixe foi exonerado em 28 de
março de 2013], sei lá, e essa equipe não ficou. Embora tenhamos sido nós
que elaboramos o orçamento de 2013, [...] depois o orçamento foi para o
311
Talvez a gente devesse ter entendido isso antes, mas quando a gente
entendeu isso em 2012, a nossa ideia, depois de destinar uma parte do
recurso do Fundo Nacional de Cultura para transferência direta entre
Fundos para Fundos Municipais, Estaduais e dentro da lógica do SNC,
quando a gente entendeu esse mecanismo, não houve tempo para
regulamentar e colocar em prática. E aí mudou os dirigentes, mudou a
política, não houve uma continuidade total. Houve continuidade, mas esses
detalhes infelizmente se perderam e aí eu acho que ai tá o grande nó.
(ORTIZ, 2017)
Apesar disso, Ortiz (2017) pontua que a proposta de transferência foi aceita na
formulação dos orçamentos dos anos posteriores, mas que não foi implementado por falta
de recursos.
99
Informações disponíveis em: <http://pnc.culturadigital.br/consultapublica/metodologia>. Acesso em jun.
2018.
312
Após a definição inicial das 48 metas por parte do MinC, elas foram submetidas a
debate público por meio da realização de oficinas, seminários e, por fim, consulta pública
feita via Internet, disponibilizada ao longo de 30 dias (entre 21 de setembro e 20 de outubro
de 2011), onde foram registradas a participação de 6.273 pessoas; a produção de 488
comentários sobre as propostas e 32 sugestões de novas metas (MINC, 2011). Finalizada a
consulta, a equipe da SPC se debruçou sobre as contribuições e sistematizou as propostas,
que foram submetidas a discussão entre os gestores do MinC, incluindo as vinculadas, e os
conselheiros do CNPC. A validação final das 53 metas do PNC foi feita pelo Plenário do
Conselho na reunião ocorrida em 28 de novembro de 2011. Vale registrar que ao CNPC não
cabia alterar as metas, e sim aprovar ou não o relatório produzido por um grupo de trabalho
que vinha acompanhando a produção das mesmas100. Após essa tramitação, foi publicada a
Portaria nº123, de 13 de dezembro de 2011, com as 53 metas a serem atingidas até 2020; e
em julho de 2012, o MinC publicou um caderno com textos sintéticos e ilustrações que
buscou apresentar as 53 metas de uma maneira mais simples e didática.
Em síntese, as metas foram organizadas a partir das três dimensões da cultura que
orientaram o MinC a partir da gestão Gilberto Gil, e foram divididas em eixos considerando a
dimensão simbólica, a cidadã e econômica, acrescido do eixo gestão das políticas e
participação social. Não há uma uniformidade e nem padrão entre as metas, por exemplo,
algumas estão em número absoluto – “300 projetos de apoio à sustentabilidade econômica
da produção cultural local” –, outras em percentual – “aumento em 95% do emprego formal
do setor cultural” – e algumas não trazem referência numérica – “política nacional da
proteção e valorização dos conhecimentos e expressões das culturas populares e
tradicionais implantada”. Algumas são objetivas e bem definidas – “150 filmes brasileiros de
longa-metragem lançadas ao ano em salas de cinema” –, outras são abrangentes –
“cartografia da diversidade das expressões culturais em todo o território brasileiro
realizada”, e algumas são desdobramentos de outras metas – “50% dos povos e
comunidades tradicionais e grupos de culturas populares que estiverem cadastrados no
SNIIC atendidos por ações de promoção da diversidade cultural”, que no texto que a
acompanha informa que isso depende da meta 3, relativa à cartografia.
100
Não foi possível verificar a discussão desenvolvida no CNPC porque a Ata da 16ª reunião está incompleta,
sendo relativa apenas ao primeiro dia de encontro. Informações em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10907/1277867/2011+Ata+16%C2%AA%20Reuniao+Ord.+Plenario.pd
f/42190cd2-03db-49fb-b2da-451ef46c0c86>. Acesso em jun. 2018
313
Mesmo após todo o esforço coordenado pela SPC em dar concretude ao PNC por
meio do estabelecimento de metas prioritárias, foram feitos questionamentos sobre a real
condição do Ministério da Cultura implantá-las em um prazo de dez anos. A própria Ana de
Hollanda em entrevista expressa sua descrença considerando as condições estruturais e
orçamentárias do MinC.
Acho que tanto o PNC como o SNC são projetos bastante republicanos no
sentido de tirar o poder centralizador de dirigentes e dividir acertos e erros
com os representantes da sociedade no mundo da cultura. Eu sei que muita
coisa que foi sonhada e projetada nas 53 metas lançadas em 2012 seria
impossível de se alcançar, eu sinceramente achei isso na época, mas se o
CNPC votou achou que daria para cumprir, ótimo, tomara que dê certo. O
fato é que, conhecendo a máquina e a realidade do orçamento, eu não
acreditava que a gente teria esse gás, verba e estrutura para realizar tudo
aquilo. [...] (HOLLANDA APUD ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017, p.343).
Há críticas também quanto ao fato de as metas não serem acompanhadas de fontes e
dados que sustentem a sua expressão quantitativa. Nesse sentido, Isaura Botelho (2016)
comenta: “Já fizeram uma leitura desapaixonada desse Plano Nacional de Cultura? Estou
perguntando sério. Porque eu acho uma piada! Por que você vai formar 1.673 gestores e não
1.200 ou 5.000?”. (BOTELHO, 2016). Além disso, também é objeto de crítica os indicadores
das metas e o seu processo de monitoramento e avaliação, ainda não regulamentado:
“Trata-se de um lapso institucional que compromete a análise do desenvolvimento prático
do Plano, amputando-lhe a possibilidade de avaliar resultados, alcance, mensurar impactos e
rever, a partir disso, os rumos de implementação” (VARELLA, 2014, p. 167). Na opinião de
Aloysio Guapindaia (2016):
[...] os indicadores tem que servir para todo mundo, e o sistema [de
informações e indicadores] que precisávamos implantar é um sistema
único, não pode o município acompanhar de um jeito, o estado
acompanhar de outro e o governo federal acompanhar de outro, ninguém
vai se encontrar nunca nesse ambiente. Então o sistema [SNIIC] é o
ambiente onde todo mundo se encontra e trabalha em cima de uma
mesma metodologia, isso é muito difícil também de se fazer sem um
investimento político, e é o que não há. (GUAPINDAIA, 2016)
Uma das dificuldades de um sistema de acompanhamento na perspectiva apontada
por Guapindaia está relacionada justamente ao perfil das 53 metas aprovadas. Segundo
Vilutis (2012, p. 141): “as metas são diversas em relação a sua dimensão, alcance, formas e
graus de execução e aferição, não há como trabalhar com uma metodologia única, em seu
monitoramento”. Um desafio que só aumenta considerando que quase a metade das metas
depende da adesão de estados e municípios para serem alcançadas. Como já foi visto, o PNC
não é um plano restrito à esfera federal, e nesse sentido precisa estar articulado com os
entes subnacionais para que suas metas e diretrizes sejam alcançadas. Essa relação está
expressa na própria Lei do PNC, que estabelece que a vinculação de estados, Distrito Federal
e municípios ocorrerá por meio de termo de adesão voluntária, na forma do regulamento.
Tal regulamentação, entretanto, ainda não foi publicada, o que certamente prejudica a
articulação federativa em torno do Plano.
[...] apesar de a lei não limitar um tempo para que isso ocorra, a falta de um
regulamento atravanca objetivos que demandam a capilarização das
políticas em nível municipal e estadual, o estabelecimento de mecanismos
de gestão e financiamento compartilhado de ações públicas e a própria
interligação institucional com o Sistema Nacional de Cultura, principal
responsável pela articulação federativa do Plano. (VARELLA, 2014, p. 166)
Essa regulamentação poderia esclarecer, por exemplo, como cada um dos entes
federados atuaria para a implantação das metas, algo que não está claro. De acordo com
Silvana Meireles (2017), o debate sobre o federalismo no âmbito do Sistema não avançou
315
muito nem no âmbito do MinC e nem dos estados e municípios, o que prejudica a definição
das competências, refletida na ausência das mesmas no Plano Nacional de Cultura
Muitas metas do Plano Nacional de Cultura não serão alcançadas por falta
de financiamento porque a maioria das metas colocadas ali é de
responsabilidade do governo de estados e municípios, nem é do Governo
Federal. Além de serem metas ambiciosas para um prazo de 10 anos –
quando você não resolveu certas questões do próprio Sistema [SNC]–, você
passa uma responsabilidade para estados e municípios quando eles não
tem como suportar essa responsabilidade. (GUAPINDAIA, 2016).
Além desses problemas, há uma questão de fundo na relação entre Plano e Sistema
que é a fragilidade da interligação entre ambos, que caminharam separadamente e em
ritmos distintos desde o início de suas formulações, como já foi visto no capítulo anterior.
Parte da aproximação entre Plano e Sistema passava pela relação entre SPC e SAI, que em
determinados momentos não estiveram alinhadas. Entretanto, especialmente a partir da
gestão Ana de Hollanda, houve uma aproximação maior entre tais secretarias, que estiveram
sob a direção de dirigentes filiados ao PT: Sérgio Mamberti e Américo Córdula, na SPC, e
Peixe e Mata Machado, na SAI. Essa vinculação pode ser verificada na realização de projetos
como o de apoio a elaboração de planos estaduais e municipais de cultura, ação coordenada
pela SAI em parceria com a SPC. De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), a SAI
tentou inclusive negociar com a SPC a transferência do PNC e do SNIIC para a sua estrutura,
mas não houve avanços na negociação. Apesar disso, Mata Machado relata que a relação
316
entre as duas secretarias nessa época era boa: “[...] a proximidade maior era com Secretaria
de Políticas Culturais também porque ela estava com o PT [...] eu acho que com a Ana de
Hollanda a secretaria vai para o Sérgio Mamberti e depois para o Américo Córdula, e aí a
relação foi muito próxima” (MATA MACHADO, 2017).
Quanto às 53 metas do PNC, vale a pena ressaltar algumas que estão mais diretamente
vinculadas ao SNC:
instituição do Sistema e mesmo do Plano por meio de Lei, alguns talvez por
temerem o engessamento da gestão cultural e prefiram tratar de planos de
governo, outros por acreditar que há uma onda conservadora nas
Assembleias e Câmaras podendo levar à aprovação de um projeto que
represente, em alguns aspectos, um retrocesso, como ocorreu
recentemente com vários planos de educação. Some-se a esses fatos, a
inexistência de sanções pela não instituição de Sistemas por lei, e em mais
ações coordenadas no sentido de estimular essas iniciativas. (MEIRELES,
2017)
Na avaliação de Meireles (2017), dificilmente a Meta 01 do Plano será alcançada até
2020, sobretudo por conta dos problemas que o MinC vem enfrentando a partir do governo
Michel Temer.
Meta 37 - 100% das Unidades da Federação (UFs) e 20% dos municípios, sendo 100%
das capitais e 100% dos municípios com mais de 500 mil habitantes, com secretarias de
cultura exclusivas instaladas [Órgão gestor de cultura]. Segundo o MinC (2018)101, entre
2014-2015, 21 UFs (78%) possuíam secretaria de cultura exclusiva (as fundações foram
desconsideradas por serem órgãos da administração indireta) e no casos dos municípios, os
números eram de 11 capitais (41%), e 19 cidades (49%) acima de 500 mil habitantes e 1.073
municípios em geral (o que ultrapassava a meta prevista de 20%).
Meta 49: Conferências Nacionais de Cultura realizadas em 2013 e 2017, com ampla
participação social e envolvimento de 100% das Unidades da Federação (UFs) e 100% dos
municípios que aderiram ao SNC [Conferências de cultura]. Segundo o MinC (2018)102, em
2013 todos as 27 UFs que integravam o SNC realizaram conferências (100%), e dos 1.866
municípios aderidos ao SNC, 1.432 promoveram conferências (77%). Em 2017 deveria ter
sido realizada a IV Conferência Nacional de Cultura, entretanto o MinC não a convocou.
Sobre isso, a página de acompanhamento da Meta 49 informa que foram feitas reuniões
com o CNPC para debater o temário da IV CNC (27ª Reunião Ordinária do CNPC e reuniões
dos Colegiados Setoriais).
O Plano Nacional de Cultura apresenta ainda metas relativas ao SNIIC (Meta 02); ao
programa de formação, que perpassa mais de uma meta, mas que está especialmente
presente da Meta 36, voltada para gestores e conselheiros de cultura; e a sistemas setoriais,
como a Meta 5, que trata do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, e a Meta 46, relativa
aos colegiados e planos setoriais.
101
Informações disponíveis em: < http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/37/>. Acesso em jun. 2018
102
Informações disponíveis em: < http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/49/>. Acesso em jun. 2018.
320
[...] eu acho que toda vez que o Poder Executivo quer, ele faz o Poder
Legislativo caminhar. Eu arriscaria uma hipótese que fez parte um pouco
dessa ausência de prioridade do Sistema também não ter caminhado na
Câmara. É a partir de Ana de Hollanda é que se fortalece mais a SAI,
fortalece um pouco mais o Sistema, apesar também de não assumir como
prioridade, mas você tem o papel importante no Congresso de Jandira
Feghali, que aí me parece algum relacionamento do Gabinete com a Jandira
e com o Congresso. (MATA MACHADO, 2017)
O pedido da inclusão dessa PEC na pauta do Plenário da Câmara foi feito pela
deputada Jandira Feghali, que tinha sido secretária de Cultura do município do Rio de
Janeiro, tendo atuado inclusive no Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes de Cultura
das Capitais.
Segundo Vitor Ortiz (2017), a aprovação da PEC foi resultado de uma articulação feita
pelo MinC junto ao deputado Marco Maia (PT/RS), presidente da Câmara dos Deputados na
época.
103
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=290677
321
O fato de a Proposta não ter oposição, conforme citação de Vitor Ortiz, e ter
permanecido todos esses anos em tramitação na Câmara dos Deputados, parece confirmar o
que supõe Bernardo Mata Machado quanto a uma necessária atuação do Executivo junto ao
Legislativo. Sobre a longa tramitação da PEC do SNC, João Roberto Peixe (2017) pontua que
decorreu também da própria exigência normativa para aprovação de Emendas
Constitucionais no país, ou seja, para a PEC ser votada na Câmara, necessitava um quórum
mínimo no Plenário e da Proposta receber votos favoráveis em uma maioria qualificada de
2/3. Caso isso não ocorresse, a PEC seria arquivada: “Então, só pode colocar em votação
quando tem segurança de ter quórum e votos favoráveis [...] porque se você colocar em
votação e não atingir, morreu, é arquivado e começa tudo de novo.” (PEIXE, 2017). Assim,
em 30 de maio de 2012, a PEC 416-A/2005 foi incluída na pauta do Plenário onde houve a
discussão em primeiro turno; e no mês seguinte, no dia 26 de junho de 2012, foi dado
prosseguimento com a discussão em segundo turno e submissão da Proposta à votação, cujo
resultado foi 326 votos a favor e um contra, do Deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ). De acordo
com Peixe (2017), a votação foi tranquila porque o Sistema Nacional de Cultura não era uma
matéria polêmica, e a tensão que permeou esse processo foi mais por conta do quórum
mínimo exigido.
Dois dias depois dessa votação, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados remeteu a
PEC aprovada para o Senado, onde passou a tramitar como PEC nº 34/2012.
No Senado Federal, a PEC nº 34/2012 teve uma tramitação curta104: chegou na Casa
em 04 de julho de 2012; no mês seguinte, em agosto, foi distribuída para a Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde a Senadora Marta Suplicy (PT/SP) foi designada
como relatora; no dia 21 do mesmo mês, o relatório com voto favorável de Suplicy foi
remetido para a CCJ onde, em 29 de agosto, foi aprovado105. Nesse mesmo dia, o Parecer da
relatora foi apresentado no Plenário do Senado, onde foi solicitado calendário especial para
colocar a PEC na pauta de votação; ato que ocorreu em 12 de setembro, quando a matéria
tramitou em primeiro turno, sendo aprovada por unanimidade, às 18h39, e submetida a
nova votação em segundo turno neste mesmo dia, às 19:04, quando novamente foi
104
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106347>
105
O relatório aprovado pode ser conferido em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/106347>
322
De acordo com João Roberto Peixe (2017), a aprovação da PEC no Senado foi
consequência das manobras feitas pela então senadora do PT Marta Suplicy, que na época
era também vice-presidente da Casa e tinha interesse na rápida aprovação da Proposta
porque estava prestes a assumir o MinC.
Sarney era o presidente do Senado, aí não concordava com isso, mas ela então
lhe disse: ‘então, você não preside e o meu novo vice preside essa sessão’, e aí
Sarney saiu da mesa e [...] o cara que foi eleito na sessão assumiu
imediatamente e começou a colocar em discussão... aí precisa de quórum...se
teve o quórum, foi aprovada, mas só podia votar cinco sessões depois, aí ele
abria a sessão[...] tinha gente que se inscrevia para falar, ele encerrava a sessão
e começava outra atééé...tudo isso na sequência... (PEIXE, 2017)
Peixe (2017) relembra que apesar de todos os desafios dessa tramitação, como o risco
dos senadores não permanecerem no Plenário para votarem nos dois turnos, a proposta foi
aprovada por unanimidade.
a gente tinha encaminhado o Projeto para a Casa Civil quando surgiu isso e
aí eu negociei com eles [Conselho] que para não atrasar, eu faria uma
emenda depois, aí quando houve a mudança no Ministério, saiu a Ana e
entrou a Marta, e aí o projeto voltou para a Marta, aí eu aproveitei e fiz
essa alteração porque o Conselho tinha pedido. (PEIXE, 2017)
O fato de a proposta do PL SNC ter sido encaminhada para a Casa Civil sem ter a sua
discussão finalizada no Conselho pode revelar uma série de questões, como dificuldade de
ajuste do ritmo entre o MinC e o CNPC, que possuem dinâmicas de funcionamento distintas;
confiança por parte do secretário de Articulação Institucional de que a proposta seria
aprovada pelo CNPC, no marco de uma nova relação entre os dois órgãos; confiança
também por parte do Conselho de que a sua sugestão seria incorporada posteriormente;
mas ao mesmo tempo pode significar uma desvalorização da importância e papel do
Conselho na formulação das políticas públicas.
De acordo com João Roberto Peixe (2017), essa era uma das partes que o setor jurídico
do MinC queria eliminar porque tratava de questões conceituais e havia o intento de
sintetizar o documento. O que, em sua opinião, era um erro porque essa primeira parte
evitava que o texto se tornasse algo genérico ou ambíguo. Este entendimento prevaleceu
por um tempo, tendo sido contemplado no Projeto enviado para a Casa Civil na gestão Ana
de Hollanda, mas acabou sendo retirada quando o PL retornou para o MinC na gestão
Suplicy.
[...] a gente já tinha tido um embate muito grande interno no Ministério pra
deixar isso, algumas coisas a gente teve que sair enxugando, mas isso a
gente manteve, mas depois, na última versão que eu tive acesso, já fora do
Ministério, essa parte já havia saído do Projeto. (PEIXE, 2017).
A segunda parte do PL está voltada para o SNC (Título II), e ocupa a maior parte do
documento. O capítulo um trata das definições e dos princípios do Sistema, destacando
aspectos relativos à sua dimensão federalista.
O capítulo dois trata dos objetivos gerais e específicos do SNC: I - estabelecer processo
democrático de participação na gestão das políticas e dos recursos públicos na área cultural;
II - assegurar partilha equilibrada dos recursos públicos da área da cultura entre as diversas
106
O Projeto de Lei de Regulamentação do SNC aprovado pelo CNPC e encaminhado, em 2012, pelo MinC à
Casa Civil da Presidência da República foi disponibilizado por João Roberto Peixe, via e-mail em 11 de maio de
2017.
328
regiões do país e entes federados; III - articular e implementar políticas públicas que
promovam a interação da cultura com as demais áreas, considerando seu papel estratégico
no processo de desenvolvimento; IV - promover o intercâmbio entre os entes federados
para a formação, capacitação e circulação de bens e serviços culturais, viabilizando a
cooperação técnica entre estes e a otimização dos recursos financeiros e humanos
disponíveis; V - criar instrumentos de gestão para acompanhamento e avaliação das políticas
públicas de cultura desenvolvidas no âmbito do SNC; e VI - estabelecer parcerias entre os
setores público e privado nas áreas de gestão, de fomento, de formação e de promoção da
cultura.
O capítulo três apresenta a estrutura do SNC nos três níveis de governo, conforme Art.
216-A. Uma parte do capítulo trata dos componentes do SNC no âmbito federal (Art. 18),
estadual/Distrital (Art. 19) e municipal (Art. 20), conforme quadro a seguir. Vale ressaltar
que nos últimos dois casos foram previstas estruturas mínimas dos respectivos sistemas de
cultura.
329
Outra parte desse capítulo trata da coordenação do SNC, a ser exercida pelo MinC e
suas unidades vinculadas. São descritas as competências do Ministério enquanto órgão
coordenador do Sistema, a exemplo de: (I) estabelecer procedimentos para integração de
entes subnacionais por meio de termo de adesão voluntária; (II) emitir orientações e
330
107
Reinstituída pelo Decreto nº 5.761/2006.
331
operação deverão ser usados para financiar: (I) ações relativas ao PNC ou aos planos de
cultura de estados e municípios; e (II) projetos culturais escolhidos pelo respectivo ente
federado por meio de seleção pública. O PL prevê também que 50% do recurso recebido
pelo ente estadual deverá ser repassado aos seus municípios, num prazo máximo de 180
dias, por meio de transferência direta aos fundos municipais de cultura; e que para os entes
receberem recursos do FNC, devem ter Conselho, Plano e Fundo.
Como pode ser observado, essa versão do Projeto de Lei que deveria regulamentar o
SNC buscou destacar a sua perspectiva federativa. É um texto que está em consonância com
o documento-básico aprovado pelo CNPC em 2009, e pode ser considerado extensivo,
inclusive reproduzindo conteúdos já disponibilizados em outras normas do Ministério. Por
outro lado, uma série de questões devem ser desdobradas em regulamentos específicos.
Chama atenção o fato de o PL não aprofundar questões relativas às atribuições e
competências dos entes federados. De acordo com João Roberto Peixe (2017), o
detalhamento sobre essas questões no PL foi uma das mais discutidas na época do GT do
SNC, e acabou se optando por deixar que outros instrumentos legais mais flexíveis, como o
decreto, desse conta disso a partir das pactuações promovidas na CIT e CIBs.
Apesar de o PL SNC ter sido considerado por João Roberto Peixe uma das prioridades
da sua gestão, a regulamentação não foi publicada porque, quando o PL estava tramitando
na Casa Civil, houve mudança na direção do Ministério, que passou a ser exercida pela ex-
senadora Marta Suplicy, e então o projeto retornou para o Ministério. Vale esclarecer que
sempre que há mudança de ministro em uma pasta, os projetos encaminhados à Casa Civil
retornam para que a nova gestão aprecie a matéria.
Ana tinha uma visão, eu acho, conservadora, mas eu tenho muito respeito
por ela, é uma pessoa séria, mas era uma visão conservadora e também
sem a dimensão política que teria que ter como ministra do Ministério,
então se desgastou muito com coisas que poderiam ser melhor resolvidas,
e o atrito maior foi com a sociedade civil, com o Conselho... foi muito
difícil. (PEIXE, 2017)
Segundo entrevista de Juca Ferreira, concedida em janeiro de 2016 à jornalista Tatiana
Dias, do portal on-line Nexo e publicada no site do MinC108, quando perguntado sobre a
gestão Ana de Hollanda, o novamente ministro respondeu:
108
Entrevista feita pela jornalista Tatiana Dias portal on-line Nexo, veiculada em 05 de janeiro de 2016.
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/-
somos-um-ministerio-pos-crise-diz-juca-ferreira/10883> . Acesso em jul. 2018.
335
Então foi assim que eu saí, com a sensação de que eu tinha feito o que eu
tinha que fazer e saí porque tinha que sair. [...] Agora, então, eu posso
dizer que a experiência no campo pessoal é a pior possível, mas eu não me
arrependo um pingo, e fiz o que tinha que fazer. É claro que se fosse
convidada hoje, conhecendo as cartas que não estavam na mesa, eu não
iria aceitar. (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA e BARBALHO, 2017, p. 367;
371)
Apesar da turbulência que marcou a gestão de Ana de Hollanda, no caso do Sistema
Nacional de Cultura houve continuidades e avanços, com a reestruturação e fortalecimento
da Secretaria de Articulação Institucional, onde o Sistema voltou a ter centralidade;
implementação de atividades voltadas à formação de gestores culturais, como o curso
oferecido pela Fundaj e UFRPE; maior visibilidade à política a partir da publicação de
documentos relativos ao Sistema, como os Guias de Orientações; maior aproximação com os
órgãos públicos de cultura de estados e municípios por meio da concessão de apoio a
elaboração de planos de cultura, para o que foi fundamental a articulação do MinC com as
universidades públicas; maior presença do tema do Sistema na pauta do CNPC, possibilitada
pela nova atuação da SAI junto ao órgão; aumento do número de adesões ao Sistema por
parte de estados e municípios; e aprovação do SNC enquanto Emenda Constitucional. Para
336
Alexandre Barbalho (2015), o novo impulso que o processo de implantação do SNC ganhou
no governo Dilma Rousseff se deve, entre outros motivos,
109
Equipamentos públicos especialmente dirigidos à educação infantil e fundamental, e que oferecem também
práticas esportivas, recreativas e culturais. Os CEUs estão localizados em áreas periféricas da cidade de São
Paulo.
340
espécie de cartão magnético com um crédito de 50 reais que permite ao trabalhador, que
possui vínculo empregatício formal com a empresa participante do Programa, gastar tal
montante na compra de CDs, livros, ingresso de cinema e teatro etc. O valor creditado no
Vale-Cultura é cumulativo e não possui prazo de validade. Quanto às empresas
participantes, é previsto isenção dos encargos sociais sobre o valor do benefício e, para
aquelas tributadas com base no lucro real, é permitido deduzir os custos com o Vale-Cultura
no limite de 1% do imposto de renda devido (PAIVA NETO, 2017). A proposta do projeto,
portanto, é atuar na esfera do consumo e acesso à cultura, deslocando o foco prioritário das
políticas do MinC centradas na produção e criação cultural. Apesar de ter sido vinculado à
figura de Marta Suplicy, especialmente por conta do seu envolvimento na aprovação da Lei
12.761/2012 e da sua regulamentação, ambas produzidas na sua gestão, o Vale-Cultura foi
um projeto elaborado na Gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, que em 2009 enviou a proposta
ao Congresso Nacional.
O projeto CEUs das Artes e Esporte também não foi idealizado na gestão Marta Suplicy,
apesar desta tê-lo registrado com nome semelhante ao projeto criado durante o seu
mandato na Prefeitura de São Paulo. Inicialmente chamado Praças dos Esportes e da Cultura
(PECs), o projeto foi criado em 2010 no bojo da segunda fase do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC 2), no eixo Comunidade Cidadã. Lançado no final da gestão Juca Ferreira, a
ação era coordenada pelo MinC, particularmente pela SAI, em parceria com outros
ministérios, como Esporte, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e Justiça. Em síntese,
a previsão era que entre 2011 e 2014, 800 Praças dos Esportes e da Cultura (divididas em
duas etapas, com 400 Praças em cada uma) fossem construídas em áreas urbanas de vários
municípios brasileiros considerados territórios de alta vulnerabilidade social. O objetivo era
integrar em um único espaço físico atividades culturais, de inclusão digital, esportivas e de
lazer; ações voltadas para formação e qualificação para o mercado de trabalho; prestação de
serviços de assistência social; e políticas de prevenção à violência.
De acordo com João Roberto Peixe (2017), esse projeto começou na gestão de Juca
Ferreira – “[...] foi uma disputa até de Silvana Meireles para fazer esse negócio ir para o
Ministério” (PEIXE, 2017) – e avançou na gestão Ana de Hollanda, onde passou a ser gerido
pela Secretaria Executiva, que trabalhou na organização dos editais, nos projetos de licitação
e na articulação com a Caixa Econômica Federal (CEF) e entes federados, especialmente com
342
Isso começou andando muito bem. Quando saímos, 360 obras estavam
contratadas (distribuídas em 325 municípios brasileiros), das quais 80 já se
encontravam em andamento, com as primeiras inaugurações previstas para
até dezembro de 2012. O problema foi que a Marta [Suplicy] alterou o
projeto, transformando Praças dos Esportes e da Cultura em CEUS das
Artes, mudando também as finalidades de algumas dessas áreas, o que,
110
http://www.pac.gov.br/noticia/2bcc8697;http://www.cultura.gov.br/praca-dos-esportes-e-da-cultura;
http://www.cultura.gov.br/banner2/-/asset_publisher/B8a2Gazsrvex/content/praca-ceu-e-inaugurada-em-
valparaiso-de-goias/10883; https://pracadajuventude.wordpress.com/tag/pracas-dos-esportes-e-da-cultura/
Acesso em jun. 2018.
343
pelo que soube, criou problemas com outros ministérios que viram seus
espaços de atuação reduzidos ou extintos.
Na opinião de João Roberto Peixe (2017), a mudança do nome para CEUs das Artes foi
a maneira de Marta Suplicy colocar a marca dela no projeto, o que também representou
“um retrocesso conceitual [...]reduzindo a questão às artes” (PEIXE, 2017).
Ainda em relação ao CEUs das Artes, vale destacar que nas entrevistas e textos lidos
sobre o mesmo, não foram verificadas ações de aproximação com o Sistema Nacional de
Cultura, apesar da potencialidade de vinculação entre os dois. O CEUs era implementado por
meio de parceria entre o MinC e governos municipais, envolvia recursos financeiros e
compartilhamento de responsabilidades, incluindo nessa relação a sociedade civil que
deveria participar da gestão do projeto. Acionava também outros ministérios e unidades
vinculadas do próprio MinC, como a Funarte. Um desenho que poderia ter fortalecido o
Sistema Nacional de Cultura, que continuava pendente de efetiva implantação. Tal relação,
entretanto, não se daria de forma automática, seria preciso uma real intenção por parte dos
gestores para que uma ação orquestrada fosse desenvolvida. A experiência do Programa
Mais Cultura já havia demonstrado que nem mesmo estando sob a mesma secretaria essa
inter-relação se estabelecia facilmente.
111
Disponível em: http://www.funarte.gov.br/funarte/ministerio-da-cultura-e-funarte-lancam-edital-de-
ocupacao-dos-ceus-das-artes/. Acesso em jun. 2018.
344
A expectativa da equipe da SAI no início da gestão Marta Suplicy era que, dado o peso
politico da ministra e sua participação na aprovação da PEC do SNC no Senado, outros
assuntos relativos a essa política rapidamente fossem resolvidos, especialmente a aprovação
do PL SNC. Segundo Peixe (2017), o fato de Suplicy ter sido a relatora da PEC, levou a equipe
a acreditar que ela tinha conhecimento sobre o Sistema, o que não se confirmou:
[...] em uma reunião do chamado Sistema Minc, estava todo mundo lá,
presidente de Funarte, presidente do Iphan...e eu fiz uma apresentação
sobre o Sistema Nacional de Cultura e ela falou: ‘nossa, fala mais, explica
mais aí para o pessoal porque acho que eles não sabem’, então fiquei
imaginando que ela não soubesse também, né? (risos).
Em relação ao SNC, Peixe (2017) relata que o principal interesse da ministra era firmar
Acordos de Cooperação junto aos governadores e prefeitos de capitais e de grandes cidades.
política pública [...] é um negócio difícil de explicar, mais complexo, não dá pra se traduzir
em marketing político, então eu acho que tem isso também.” (MATA MACHADO, 2017). Na
opinião de João Roberto Peixe (2017), Marta Suplicy manifestava interesse no Sistema
quando este podia lhe garantir algum retorno político, “o que Juca não via nessa questão,
era o que interessava para Marta” (PEIXE, 2017). Uma postura, por sua vez, criticada por
Juca Ferreira (2018): “ela [Marta Suplicy] tinha uma ideia de capitalizar politicamente ações
ou que já existisse ou que ela criasse para se fortalecer, cacifar politicamente...”. De acordo
com Lia Calabre (2017), Marta Suplicy tomou o Sistema como pauta legislativa porque
naquele momento era um ganho para ela por estar no Senado, mas no momento da
efetividade, do desdobramento, não houve interesse de sua parte em investir na política:
“Então, ela ganha o bônus de ter feito a aprovação da lei, mas a efetividade que demandaria
um esforço, inclusive por recursos, orçamentos, não tá na pauta dela... ela tem outras
prioridades que são os CEUs”(CALABRE, 2017). Sobre isso, Peixe (2017) comenta:
o que eu acho que aconteceu é que quando ela [Marta Suplicy] viu o
quadro do avanço do Sistema, da demanda por repasse com recursos do
Fundo, por exemplo, como na reunião que ela teve com os secretários
estaduais, aí eu acho que ela pensou ‘isso é um pepino para mim, se eu
regulamento isso, então vai ter que ter dinheiro e não tem dinheiro...’ eu
tenho impressão que ela segurou, porque se ela tivesse interesse, ela teria
aprovado o regulamento, ela tinha trânsito e experiência... (PEIXE, 2017)
Acompanhando as publicações do “Notícias SAI”112 da época, disponível no site do
MinC, é possível verificar que vários eventos envolvendo o Sistema contaram com a
presença de Marta Suplicy, a exemplo de: assinatura do Acordo de Cooperação entre MinC e
Distrito Federal; abertura da Oficina de Implementação de Sistemas de Cultura realizado em
Fortaleza; mesa de debate sobre o SNC no II Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas,
realizado em Brasília; abertura da III Conferência Nacional de Cultura; encontro do Fórum
Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, realizado em Brasília. A presença
da ministra em diversos encontros poderia ser interpretada como um reconhecimento da
importância do SNC em sua gestão. Ou na perspectiva apontada quando da participação de
Gilberto Gil na construção inicial do SNC, como uma presença que fortaleceria o Sistema
112
Disponível em <http://www.cultura.gov.br/noticias-
sai?p_p_id=101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id
=column-
1&p_p_col_count=1&_101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV_delta=20&_101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV_keywords=&
_101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV_advancedSearch=false&_101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV_andOperator=true&
p_r_p_564233524_resetCur=false&cur=6 > Acesso em jun. 2018
346
pelo capital simbólico aportado pela figura da ministra. Entretanto, a interpretação que se
tinha dessa participação por parte dos atores entrevistados era que Marta Suplicy queria ter
visibilidade exclusiva nos atos públicos, tanto que, segundo Peixe (2017), geralmente ela não
levava ninguém da equipe do MinC para acompanhá-la, no máximo, tinha a presença da
secretária executiva, algo que não acontecia nas gestões anteriores, que mesmo com
diferenças internas, os atos e decisões eram mais compartilhados entre os dirigentes.
[...] a leitura que eu faço hoje é que ela já estava com os planos de sair do
PT, se você for analisar, Marta Suplicy tirou todos os dirigentes do primeiro
escalão do Ministério que eram do PT, eu fui um dos últimos a sair, fiquei
seis meses, mas desde o começo ela foi tirando, e algumas pessoas que já
conheciam a situação melhor, como Sérgio Mamberti, se anteciparam e
pediram para sair. (PEIXE, 2017)
Dentre os dirigentes do MinC integrantes do PT exonerados nessa gestão estavam:
José do Nascimento Junior (Ibram), Galeano Amorim (Fundação Biblioteca Nacional), Eloi
Ferreira de Araújo (Fundação Cultural Palmares), João Roberto Peixe (Secretaria de
Articulação Institucional), Vitor Ortiz (Secretaria Executiva), além de Sérgio Mamberti
(Secretaria de Políticas Culturais) e Antônio Grassi (Funarte), que pediram para deixar o
cargo. Matérias publicadas em jornais da época divulgavam que tais medidas representavam
a aproximação da ministra com outros partidos, dentre eles com o PMDB, partido ao qual
Suplicy veio a se filiar em setembro de 2015. Segundo matéria publicada no Jornal O Globo,
em abril de 2013, em entrevista feita com o então secretário Nacional de Cultura do PT
Edmilson Souza, este teria declarado que a ministra tinha o direito de fazer as substituições
e montar a sua equipe, mas que a situação do PT não era cômoda no Ministério:
[...] mas é óbvio que a situação para o PT não é boa. Ainda mais porque há
um avanço de outros grupamentos políticos [...] Nós, da Secretaria Nacional
do PT, achamos que essas substituições não deveriam ter sido feitas. Esses
113
Após sair do MinC, Peixe voltou ao Recife para trabalhar em sua empresa de design gráfico.
347
114
Matéria intitulada “Petistas perdem espaço na Cultura para PMDB e PCdoB”, de autoria de Cristina
Tardáguila, publicada em 06 de abril de 2013 no site do jornal O Globo. Disponível em: <
https://oglobo.globo.com/brasil/petistas-perdem-espaco-na-cultura-para-pmdb-pcdob-8046880>. Acesso em
jun. 2018.
115
Dirigentes das unidades vinculadas na gestão Marta Suplicy: Funarte: Guti Fraga (jornalista, ator e diretor,
criador da ONG Nós do Morro); Fundação Palmares: Hilton Cobra “Cobrinha” (ator, diretor e gestor cultural);
Fundação Biblioteca Nacional: Renato Lessa (cientista político); Iphan: Jurema de Souza Machado (Arquiteta);
Ibram: Ângelo Oswaldo de Araujo Santos (ex-prefeito de Ouro Preto/MG); Fundação Casa de Rui Barbosa:
Manolo Garcia Florentino (professor e pesquisador da UFRJ). Vale ressaltar que no caso da Ancine, Manoel
Rangel teve o seu mandato renovado, uma decisão que independia da posição da ministra da Cultura.
348
cargo desde a gestão de Juca Ferreira) saiu em dezembro de 2013. Em seu lugar assumiu Ana
Cristina Wanzeler (arquiteta de formação e funcionária da Caixa Econômica Federal), que
permaneceu no cargo de fevereiro a abril de 2014, quando saiu para assumir a Secretaria
Executiva do MinC. A partir de maio de 2014, a Sefic passou a ser dirigida por Ivan
Domingues das Neves; (2) a Secretaria de Economia Criativa também passou por mudanças.
Antes dirigida por Cláudia Leitão, a partir de setembro de 2013 passou a ser conduzida por
Marcos André Carvalho (ex-coordenador de Economia Criativa na Secretaria de Cultura do
Estado do Rio de Janeiro); (3) a SAV iniciou a gestão com a mesma secretária, Ana Paula
Santana, mas em dezembro de 2012 passou a ser dirigida por Leopoldo Nunes (cineasta) que
permaneceu no cargo até outubro de 2013, quando saiu e em seu lugar assumiu Mario
Borgneth (assessor especial do MinC de 2004 a 2008 e um dos diretores da Empresa
Brasileira de Comunicação); (4) a SAI, com a saída de João Roberto Peixe em março de 2013,
foi dirigida por Marcelo Pedroso entre março e julho de 2013, e a partir daí foi conduzida por
Bernardo Mata Machado na condição de secretário interino; (5) a SPC esteve sob o comando
de Sérgio Mamberti até fevereiro de 2013. Daí até setembro desse ano, Américo Córdula
assumiu como secretário interino. A partir de 16 de setembro de 2013, depois de sete meses
como substituto, Córdula assumiu a titularidade da pasta. A única secretaria que não teve
mudança na direção foi a da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC), que permaneceu
com Márcia Rollemberg. Sobre esta vale destacar que a sua formação (graduação em Serviço
Social e Educação Artística, com especialização em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde)
e experiência profissional (com atuação no Ministério da Saúde) favoreceram, segundo João
Roberto Peixe (2017), a sua aproximação com o Sistema Nacional de Cultura, já que a
secretária tinha conhecimento sobre o SUS e SUAS. De acordo com Peixe (2017), Márcia
Rollemberg foi uma das maiores defensoras do SNC no Ministério: “depois que ela foi ser
secretária, ela foi peça-chave na defesa do Sistema, muito melhor do que muita gente do PT
que ou era contra ou ficava caladinho” (PEIXE, 2017). Apesar dessa postura, vale registrar
que isso não significou que a SCDC tenha desenvolvido uma perspectiva mais federativa no
âmbito do Programa Cultura Viva, notadamente do Projeto Ponto de Cultura, sob sua
responsabilidade. Isso foi evidenciado no processo denominado Redesenho do Programa
Cultura Viva (iniciado na gestão Ana de Hollanda), que originalmente não incluiu os gestores
públicos estaduais. Esses, após um encontro realizado em Salvador/BA, em 2013, que reuniu
representantes de 17 Unidades Federadas, se manifestaram oficialmente por meio de uma
349
Em relação à Secretaria Executiva, houve uma verdadeira dança das cadeiras. Logo que
assumiu o MinC, Suplicy substituiu VItor Ortiz por Jeanine Pires, que até então não tinha
experiência em gestão cultural117. Pires permaneceu no cargo de secretária executiva de
outubro de 2012 a julho de 2013, quando saiu do Ministério e foi substituída por Marcelo
Pedroso, que havia entrado no MinC para assumir a SAI. Assim como Jeanine, a trajetória
profissional de Pedroso estava relacionada com a área de Turismo, tendo atuado durante
sete anos como um dos diretores da Embratur, época em que Marta Suplicy dirigiu o
Ministério do Turismo. Marcelo Pedroso permaneceu na Secretaria Executiva de julho de
2013 até abril de 2014, quando saiu para assumir um cargo diretivo na Autoridade Pública
Olímpica (consórcio público criado em 2011 por conta dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro
2016). No seu lugar assumiu Sérgio Braune118, que não chegou a permanecer 20 dias no
cargo, sendo substituído por Ana Cristina Wanzeler, que estava há três meses na direção da
Sefic e a partir de maio passou a ser secretária executiva, posto que ocupou de maio a
novembro de 2014, quando substituiu Marta Suplicy após esta ter pedido demissão do
MinC.
116
Informações concedidas por Gleise Oliveira, por telefone, em agosto de 2018. Além de ter sido
coordenadora da Rede de Pontos de Cultura da Secult/Bahia, Oliveira está produzindo uma dissertação de
Mestrado sobre a gestão do Programa Cultura Viva.
117
Pires foi presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) entre 2006 e 2010 e presidiu também o
Conselho de Turismo e Negócio da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo
(Fecomercio).
118
Funcionário do Banco do Brasil que entre 1982 e 2011 trabalhou na Subchefia para Assuntos Jurídicos da
Casa Civil da Presidência da República.
350
quando a Ana de Hollanda saiu, entrou a Marta, [...] ela começou a trazer
uma outra política para o Ministério, eu acho que foi muito mais uma
política personalística, começou a esvaziar um pouco o que o Ministério
tinha desenvolvido no governo do Juca, que foi uma questão de uma
política mesmo, e começou mais a atender a determinados grupos,
determinadas linhas políticas. (PINTO, 2018)
Nesse período, os servidores públicos do MinC, incluindo das unidades vinculadas,
entraram em greve reivindicando por melhores salários, condições de trabalho e maior
participação das políticas públicas do Ministério. De acordo com Sérgio Pinto, essa foi uma
das greves mais fortes do Ministério “a gente saiu com vários questionamentos com relação
à Marta” (PINTO, 2018).
Até o final do primeiro Governo Dilma Rousseff, a SAI permaneceu com a mesma
estrutura e competências, dentre essas a coordenação do CNPC. Neste sentido, coube à SAI
dirigir o processo de renovação dos Colegiados Setoriais e do Plenário do Conselho, já que o
mandato dos antigos conselheiros tinha finalizado e era preciso eleger os novos para o
período 2012-2014. Cada Colegiado deveria ser composto por 15 representantes do poder
público e 15 da sociedade civil. A escolha dos representantes do poder público foi feita ainda
na gestão Ana de Hollanda, cujo resultado foi publicado na Portaria nº 58, de 17 de maio de
2012. Já a eleição dos representantes da sociedade civil passou por vários debates no
Plenário do CNPC até ter a sua configuração definida. Um dos pontos polêmicos recaiu sobre
as áreas do audiovisual e museus, que pleiteavam um processo diferenciado de eleição em
relação aos demais setores, gerando discussões intensas, conforme atas de reuniões
publicadas no site do CNPC. Também foi motivo de debate a decisão do MinC de que o
processo eleitoral fosse virtual, uma novidade considerando que a primeira eleição de
conselheiros da sociedade civil, feita em 2010, ocorreu de modo presencial durante os
351
Esse modelo de eleição para os Colegiados Setoriais foi importante por articular a
sociedade civil a partir dos estados e setores, o que pode ter potencializado as discussões
locais. O fato de ter sido virtual também contribuiu para o seu alcance, já que com a
dimensão territorial do Brasil é complicado pensar em um sistema eleitoral abrangente que
não inclua processos digitais ou um grande volume de gastos das mais diversas ordens.
Entretanto, isso se mostrou um problema por conta de questões como dificuldade de alguns
setores em atuar no universo digital, considerando que as suas dinâmicas de interação não
se estruturam ou se desenvolvem prioritariamente nesse ambiente, a exemplo dos setoriais
do circo e indígenas; e também considerando que no Brasil, a acessibilidade a internet é um
problema, já que conforme pesquisas publicadas pelo IBGE, o acesso é concentrado e
limitado a determinados territórios e grupos sociais, nesse sentido, o processo pautado em
plataforma digital é potencialmente excludente.
119
O Fórum Nacional Setorial de Culturas Indígenas foi realizado em março de 2013, em Brasília.
353
Os novos conselheiros eleitos pela sociedade civil tomaram posse na 18ª Reunião
Ordinária do CNPC, realizada em 06 de fevereiro de 2013, que contou com a presença da
ministra Marta Suplicy. De acordo com a ata desse encontro, João Roberto Peixe, ainda
secretário da SAI, falou sobre o Projeto de Regulamentação do Sistema, que deveria ser
aprovado antes da III Conferência Nacional de Cultura, para o que contava com o empenho
da ministra, e citou a previsão da instalação da Comissão Intergestores Tripartite naquele
ano. Esse encontro teve como principal pauta a discussão sobre o Regimento da III CNC.
Sobre a coordenação do CNPC nessa época, Bernardo Mata Machado (2017) comenta:
“[...] uma coordenação complexa, difícil... a sociedade civil muito aguerrida, principalmente
na área da cultura, então não foi fácil pra presidir em 2014 [...]”. Para ele, a representação
do MinC no âmbito do CNPC acabava ficando à cargo da SAI.
Com a saída de João Roberto Peixe, a SAI passou a ser dirigida por Marcelo Pedroso
que, como foi relatado, vinha atuando na área do Turismo. De acordo com Tony Bezerra
(2017, p. 75):
354
Bernardo nunca foi efetivado, ele ficou como secretário, trabalhando como
secretário, recebendo como secretário, mas como secretário interino, como
se ela [Marta Suplicy] tivesse deixando a pessoa ali porque na hora que ela
quisesse, ela botava alguém que tivesse interesse e também não dava força
à pessoa porque a pessoa era interina.
Em entrevista, Mata Machado (2017) confirmou que atuou durante toda a gestão de
Marta Suplicy como secretário substituto, mas isso se devia também a uma perspectiva de
mudança administrativa no MinC: “[...] a Marta queria unificar as duas secretarias, a
Secretaria de Políticas Culturais e a SAI, então ela não quis me efetivar, porque o projeto era
fazer a fusão e eu era a favor, então, eu também não insisti pra virar secretário”. (MATA
MACHADO, 2017). Segundo Tony Bezerra (2017), esse período pré-fusão gerou certa tensão
entre os servidores e dirigentes das duas secretarias:
A adesão dos entes subnacionais ao SNC foi mantida nesse período como objeto de
atuação da SAI, que continuou investindo na integração de estados e municípios por meio da
assinatura do Acordo de Cooperação Federativa. Uma das inovações neste sentido foi a
criação da Plataforma do Sistema Nacional de Cultura. Nessa Plataforma digital, o gestor
público poderia iniciar o processo de adesão através do preenchimento de um formulário
online, a partir do qual era gerado o Acordo de Cooperação a ser firmado pelas partes. Após
a tramitação do mesmo – que envolvia aprovação e assinatura do documento por parte dos
responsáveis pelos órgãos gestores, e publicação no Diário Oficial da União –, era possível
preencher o Plano de Trabalho. Certamente a Plataforma agilizou a tramitação do processo
de adesão ao Sistema.
Entre março e julho de 2013, a SAI coordenou a realização do ciclo de oficinas dirigidas
à capacitação de agentes culturais para implementação de sistemas de cultura. Os encontros
aconteceram nas etapas preparatórias da III CNC; e foram realizados nas capitais da maioria
dos estados brasileiros, exceto: Sergipe, Paraíba, Piauí, Rondônia, Pará, Amazonas, Acre e
Distrito Federal. No caso do Espírito Santo, a realização se deu junto ao Rio de Janeiro.
Com duração de três dias, nas oficinas eram apresentados conceitos, princípios e
componentes do SNC por meio de palestras, debates e exercícios práticos de planejamento
de atividades dirigidas à construção dos sistemas. Para tanto, o MinC produziu material
356
didático específico, conhecido como apostila do SNC121,com uma linguagem mais simples e
direta.
Apesar de não ter sido um evento específico da SAI, o seu registro é importante por
ter sido um encontro pautado especificamente na perspectiva de articular de modo mais
organizado e permanente a participação das universidades públicas no desenvolvimento de
uma política nacional de cultura. Tratava-se, então, de pensar estratégias para a realização
de programas e cursos voltados à formação, pesquisa e extensão nas áreas artísticas e
culturais. Esse encontro foi consequência das ações iniciadas a partir Acordo de Cooperação
firmado em 2011 entre o MEC e o MinC.
O curso é muito bem avaliado, mas não é suficiente pra formar o gestor. Se
o gestor não tem concurso, não tem estabilidade, não tem permanência na
instituição, ele se forma, e daí a pouco o mercado altera a presença dele.
122
Disponível em: <http://culturadigital.br/culturaeuniversidade/2013/04/23/gestor-cultural-formacao-em-
foco/>. Acesso em jun. 2018.
358
De acordo com Telma Oliveri (2015) –, que em julho de 2013 assumiu a Coordenadoria
de Instrumentos de Gestão do SNC, responsável pelo programa de formação, em
substituição a Ângela Andrade –, em decorrência desse GT, foi realizado em julho do mesmo
ano (2013) um encontro entre professores e coordenadores dos cursos de formação de
gestores do SNC, pesquisadores e consultores convidados, e integrantes da SAI. A partir daí
foi aprofundada a discussão sobre eixos temáticos e grade curricular para novos cursos, bem
como os princípios que deveriam reger o Programa de Formação do SNC: (1) coerência com
o SNC e alinhamento à pactuação federativa; (2) perspectiva republicana e parâmetros
inclusivos; (3) formação do desenvolvimento cultural do país; (4) promoção do direito
cultural. Como objetivos para o Programa foram estabelecidos: (1) consolidar a
implementação do SNC; (2) habilitar instituições formadoras no âmbito do SNC; e (3) apoiar
a implementação de programas estaduais/regionais de formação em cultura para alcance
das metas do PNC. Como parâmetro curricular foi sugerido carga horária mínima de 120
horas e conteúdos que abrangessem três eixos temáticos: (1) Políticas públicas de cultura
(política cultural no Brasil; política cultural local, territorial, setorial e regional; federalismos
e políticas públicas de cultura etc); (2) Cultura, diversidade e desenvolvimento (economia da
cultura; financiamento da Cultura; diversidade cultural e desenvolvimento regional etc.); e
(3) Planejamento e gestão pública da cultura (princípios da gestão pública; o SNC e o PNC;
legislação da área cultural e instrumentos jurídicos internacionais; Ferramentas e práticas de
123
Disponível em: < http://culturadigital.br/culturaeuniversidade/files/2013/05/GT-2.pdf>. Acesso em jun.
2018.
359
gestão; etc.) (OLIVIERI, 2015). Esses eixos e disciplinas passaram a ser adotadas em
praticamente todos os cursos de extensão realizados no âmbito do SNC.
1.2 O Edital Mais Cultura nas Universidades tem como objetivo criar Planos
de Cultura (grifo nosso) das Instituições Federais de Ensino Superior e das
Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, por meio da concessão de apoio financeiro, que estejam em
conformidade com a seguinte linha de ação
1.2.1 Apoiar programas, projetos e ações em espaços culturais que
articulem a formação, inovação e difusão em arte e cultura, inclusive
equipando e reestruturando espaços e ambientes de ensino e pesquisa já
existentes, voltados para o desenvolvimento de atividades artísticas e
culturais [...] (MEC; MINC, 2014).
Vale destacar que apesar do objetivo do Edital ser a criação de planos de cultura, ele
era dirigido mais para a realização de atividades do que de planejamento. De acordo com o
item 1.3 do Edital, o prazo de execução dos programas, projetos e ações culturais previstos
no Plano seria de até dois anos.
O impacto do edital foi representativo, com inscrição de 98 das 101 IFES existentes no
país, quase 100% da totalidade125. Um dos pontos mais criticados do processo seletivo foi o
fato de se restringir às instituições de ensino superior do âmbito federal, não contemplando
124
Disponível em: <
http://cultura.gov.br/documents/10883/1171222/Edital+Mais+Cultura+nas+Universidades+_07out.pdf/ce8f86
35-5fdc-4eb9-a96c-672fad5129a6> . Acesso em jul. 2018.
125
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/programa-mais-cultura-nas-universidades-tem-quase-100-de-
adesao/10883?redirect=http%3A%2F%2Fwww.cultura.gov.br%2Fo-dia-a-dia-da-
cultura%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_waaE236Oves2%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p
_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-1%26p_p_col_count%3D1> . Acesso em jul. 2018
360
de ensino, órgãos públicos de cultura de estados e municípios e a SAI. Alguns desses cursos
estão resumidos a seguir:
126
Informações disponíveis em: < http://static.paraiba.pb.gov.br/2013/07/EDITAL-COM-RETIFICAÇÕES_1.pdf>
e < http://paraiba.pb.gov.br/governo-inscreve-para-curso-de-formacao-de-gestores-culturais-da-paraiba/>.
Acesso em jul. 2018
127
Informações disponíveis em:<
http://www.aedmoodle.ufpa.br/pluginfile.php/103968/mod_resource/content/0/ava/AVA/GCULT%20Guia%2
0do%20Curso%20revisado.pdf>. Acesso em jul. 2018
363
De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), foram feitos diversos acordos entre
a SAI e universidades para a realização desses cursos, que tiveram continuidade na gestão
seguinte.
A UFSC ficou responsável por acompanhar os estados de São Paulo, Paraná, Minas
Gerais, Maranhão e Pernambuco. O formato do projeto permaneceu semelhante à primeira
edição, com realização de seminários de integração com os estados participantes, site do
Projeto, visitas técnicas aos estados etc. As alterações destacáveis foram: redução dos
consultores contratados (antes eram dois, e passou a ser apenas um técnico por estado);
realização de, ao menos, duas oficinas em cada estado participante na quais a equipe da
UFSC se reunia com pessoas envolvidas na construção dos Planos; produção de material
didático, com publicação do livro em formato impresso e digital Proposta Metodológica para
Elaboração de Planos Estaduais de Cultura; folderes com o resumo do conteúdo, distribuídos
entre todos os entes federados; gravação de vídeo-aulas disponibilizadas em canal do
Youtube; e disponibilização do conteúdo na plataforma digital Moodle para possibilitar o
ensino a distância (DELLAGNELO, 2016).
128
Informações disponíveis em: < http://proec.ufabc.edu.br/images/editais-e-formularios/todos-os-
editais/Formação_para_Gestores_Públicos_e_Conselheiros_de_Cultura__Modalidade_EaD_2015/ChamadaPro
fs_CursodeGestores.pdf>. Acesso em jul. 2018.
364
No caso da UFBA, que na primeira edição apoiou 20 municípios, houve uma mudança
substancial nesse segundo momento por conta da ampliação do número de participantes,
que contemplou 439 municípios de todas as regiões do país. Considerando os mais de cinco
mil municípios brasileiros, era preciso repensar a estratégia do processo de formação,
assistência e acompanhamento para elaboração dos planos municipais de cultura. Nesse
sentido, para que o projeto ganhasse escala, a metodologia passou a ser pautada em
ambiente virtual de aprendizagem (plataforma Moodle), daí a denominação de Projeto EAD
Planos Municipais de Cultura.
De acordo com Kátia Costa e José Márcio Barros (2016), a mudança de estratégia no
projeto foi acompanhada da preocupação por parte da equipe coordenadora por conta do
uso das novas ferramentas tecnológicas.
129
Participei desse projeto enquanto tutora responsável por acompanhar os municípios do estado da Bahia.
365
municípios, cujo principal critério de escolha foi a adesão do ente ao SNC. De acordo com
Kátia Costa (2017), integrante da equipe da UFBA, dada as eleições presidenciais
programadas para outubro de 2014, o Ministério enfrentou uma série de dificuldades para
mobilizar os municípios, o que acabou levando a UFBA a se envolver em “um exaustivo
trabalho de articulação municipal [...]. Como resultado, 439 municípios se inscreveram e
1.003 pessoas foram cadastradas, o que representou um aumento de mais de vinte vezes do
número de municípios participantes da primeira edição” (COSTA, 2017, p.72). Ainda segundo
a pesquisadora (2017), entre os 439 municípios participantes, 70,6% eram de pequeno
porte; 27,6% de médio porte e 1,8% de grande porte.
Em relação à dinâmica do processo formativo, Kátia Costa (2017) indica que após a
confirmação da seleção no projeto, os municípios deveriam indicar dois representantes para
integrar a iniciativa – um do órgão público de gestão da cultura ou do conselho de política
cultural e outro representante da sociedade civil, que poderia integrar ou não o conselho.
Vários requisitos foram solicitados para tais participantes, considerando que o projeto
demandava tempo e empenho, que exigia leitura de material, realização de exercícios,
participação em fóruns de discussão etc. Nesse sentido, para os representantes do órgão
público de cultura, foi solicitado que o tempo de dedicação ao projeto fizesse parte da carga
horária de trabalho dos mesmos.
Em síntese, o projeto foi dividido em três fases: aplicação de seis módulos básicos
voltados para o campo da cultura (com carga horária de 67 horas); seis módulos com
conteúdos especificamente desenvolvidos para elaboração de planos de cultura (com carga
horária de 74 horas); e realização de nove encontros regionais. No caso dos módulos, o
acesso era feito via plataforma virtual e tinha sempre acompanhamento dos tutores, que
atuavam em dupla, cada uma delas sendo responsável por um conjunto de
aproximadamente 20 municípios, agrupados a partir das oito Representações Regionais do
MinC (COSTA, 2017). No caso dos encontros regionais, o objetivo foi oferecer reforço
metodológico presencial àqueles municípios que elaboraram o roteiro do plano, mas que
não finalizaram a minuta. Essa última etapa foi importante considerando a evasão verificada
ao longo dos 18 meses de projeto. De acordo com Costa (2017, p. 128): “[...] dos 840
participantes do Projeto, 415 acessaram a plataforma e participaram do fórum; 193
acessaram a plataforma e não participaram do fórum e 232 nunca acessaram a plataforma e
366
nem participaram do fórum”. Além disso, observou-se que dentre os participantes ativos, à
medida que os módulos foram avançando, foi anotada uma queda sistemática na atuação
dos mesmos.
Os dados mais atualizados disponibilizados pelo MinC indicam que em 2015 oito
estados (30%) e 369 municípios (7%) possuíam planos de cultura regulamentados130. Um
percentual pequeno considerando o investimento feito junto aos órgãos de cultura, mas
compreensível diante da fragilidade institucional dos mesmos, sobretudo do nível municipal,
e as dificuldades inerentes à formulação e implantação de um instrumento de gestão pública
pautado na participação social.
Um dos principais focos de atuação da SAI na gestão Suplicy foi a realização da III
CNC. As discussões em torno do evento pautaram diversas instâncias, dentre elas o CNPC,
cujo Plenário precisava aprovar o regimento interno. Neste sentido, a primeira reunião do
CNPC, realizada nos dias 06 e 07 de março de 2013, com a SAI ainda dirigida por João
Roberto Peixe, teve como pauta a aprovação de tal documento. Conforme Ata da 18ª
reunião do Plenário131, o então secretário da SAI apresentou o calendário previsto para os
encontros: de abril a julho, a etapa municipal; de julho a setembro, as etapas regionais e
estaduais; e em novembro, a nacional. A realização de Conferências Regionais era uma das
novidades da III CNC, e deveriam ocorrer entre os encontros municipais/intermunicipais e o
estadual. Outra medida inovadora apresentada na reunião foi quanto à ampliação da
participação da sociedade civil na Comissão Organizadora Nacional da Conferência, que
além da representação de um membro da sociedade civil integrante do Plenário do CNPC,
deveria ter um representante de cada Colegiado Setorial (17 no total), um representante do
setor Audiovisual, um do Conselho Superior do Cinema e outro do Comitê Gestor do Ibram.
130
Disponível em: <http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/1/>. Acesso em jun. 2018
131
Disponível em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10907/1277867/2013+Ata+18ª%20Reunião+Ord++Plenario.pdf/c8150
a7c-4ad1-48ac-a4f1-846700b93f77>. Acesso em: jun. 2018
367
Nessa reunião, um dos pontos mais polêmicos foi quanto à indicação por parte do MinC de
não realizar pré-conferências setoriais, já que as propostas setoriais deveriam ser discutidas
e aprovadas nos respectivos colegiados, algo contestado e reprovado pelo Plenário do CNPC.
Nesse sentido, o secretário da SAI sugeriu que os conselheiros elaborassem uma
contraproposta, no que alertou a todos as dificuldades orçamentárias do Ministério: “Na
verdade não é uma questão de não querer, mas sim de não poder, não ter recurso, não ter
orçamento público, feito no ano anterior” (PEIXE apud CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA
CULTURAL, 2013). Na ata desta reunião não ficou claro qual foi a resolução dessa questão, já
que não houve mais registro sobre o assunto. Outro ponto de discordância da proposta do
MinC foi a previsão de que os entes subnacionais precisariam ter aderido ao SNC para que
suas respectivas conferências pudessem ser validadas e habilitadas pra a etapa nacional. O
CNPC indicou a exclusão dessa exigência, prevista no parágrafo nono do Art. 8º da minuta
apresentada pelo MinC:
importantes, em sua opinião, por ter a participação social como objeto central. O fato de tal
coordenação pertencer à SAI certamente ajuda a compreender porque o SNC esteve sempre
na pauta dos encontros, tendo sido escolhido como uma das propostas prioritárias e, na
terceira edição, ter sido indicado para o tema geral do evento. Assim, o primeiro objetivo da
III CNC, conforme Art. 1º do regimento interno, era:
[...] tanto o Plano Nacional quanto as temáticas das conferências, que eram
basicamente sempre o Sistema Nacional de Cultura, eram temas tão
amplos, que o discurso do Ministério era que ‘nós estamos tocando...isso tá
no Plano’, mas, na verdade, eu concordo com a Adélia, eu acho que as
conferências tem muito mais importância como um processo de
mobilização e discussão do que propriamente de consequências práticas.
(MATA MACHADO, 2017)
369
Por outro lado, em sua opinião, é provável que a nível local as conferências tenham
sido capazes de ter um desdobramento mais efetivo, “porque no plano local, aquelas
lideranças que se reuniram lá na primeira fase, elas ficavam ali cobrando aos seus
secretários diretamente” (MATA MACHADO, 2017). A relação do MinC com as conferências
nacionais de cultura precisa ser analisada com cautela, considerando que o exercício da
democracia participativa requer do poder público ações no sentido de garantir a sua
efetividade, sob o risco de, no mínimo, tornar os processos participativos desacreditados.
Voltando à III CNC, foi estipulado cinco eixos temáticos: I - Implementação do SNC; II -
Produção simbólica e Diversidade cultural; III - Cidadania e Direitos Culturais; III - Cidadania e
Direitos Culturais; IV - Cultura e Desenvolvimento. Os temas abordados nesses eixos foram
aprofundados no Texto-Base, cuja Introdução apresentava linhas programáticas prioritárias
para o MinC: (1) “Criar e descentralizar equipamentos culturais por meio da construção dos
Centros de Artes e Esportes Unificados (CEUs)”; (2) “Implantar o Vale-Cultura”; e (3)
“Fortalecer a presença do Brasil no mundo por meio do soft power”. Em outro parágrafo da
Introdução é citado que o SNC também foi eleito como prioridade pelo Ministério e elevado
a tema central da III CNC. Um discurso que, segundo depoimento de diversos atores, não era
verdadeiro, já que a gestão Marta Suplicy não colocou o SNC como prioridade. Na opinião de
Mata Machado (2017), “em nenhum momento o Sistema Nacional de Cultura foi uma
prioridade de Gabinete do Ministério”. Ou seja, mesmo nas gestões comandadas por uma
pessoa indicada pelo PT, no caso de Ana de Hollanda, e de uma dirigente filiada ao Partido,
com Marta Suplicy, o SNC não alçou o lugar de política prioritária.
Quanto ao desenho da III CNC, segundo o seu regimento interno, ela foi organizada em
quatro etapas: (1) municipal ou intermunicipal; (2) regional ou territorial; (3) estadual e
distrital e (4) nacional. O funcionamento se dava de maneira semelhante às conferências
anteriores, com todas essas etapas tendo caráter mobilizador, propositivo e eletivo, com
envio de delegados e propostas de uma etapa para a outra. Dentre essas etapas, vale
destacar que os encontros regionais/territoriais eram de caráter opcional e dirigida a
estados e Distrito Federal. Segundo §4º do Art. 8º, esse tipo de conferência era
especialmente sugerida para estados com grande número de municípios e que mobilizariam
muitos delegados para a etapa estadual. Os custos desses encontros territoriais deveriam
ser divididos entre os municípios – que respondiam pelo deslocamento e hospedagem dos
370
delegados eleitos para tal etapa – e o estado, que custeava as despesas relacionadas à
infraestrutura para a realização do evento. De acordo com os Anais da III CNC (MINC,
2013b), esse tipo de conferência foi realizada no estado da Bahia (31 encontros segundo
Anais do MinC, mas 27 encontros de acordo com informações da Secult/BA132), no Distrito
Federal (9 encontros) e em Pernambuco (1 encontro). Vale ressaltar que o expressivo
número de conferências territoriais na Bahia decorre da política cultural desenvolvida pela
sua Secretaria de Cultura desde 2007, que fomentava arranjos territoriais no Estado.
Além dessas quatro etapas, a III CNC previu a realização de Conferências Livres, que
poderiam ser promovidas tanto pela sociedade como pelo poder público, e que apesar de
não envolver a eleição de delegados, as propostas ali indicadas poderiam ser encaminhadas
para a etapa nacional. Segundo dados do MinC133, em 2013 foram realizadas 35 conferências
desse tipo, tais como: I Conferência Livre de Cultura do Estado do Amazonas, com 22
participantes, feita pelo Fórum Amazônico de Desenvolvimento Cultural; Conferência Livre
sobre Gestão Cultural, com 65 inscritos, organizada pela Fundação Joaquim Nabuco;
Conferência Livre Indígena – Aldeia Multiétnica, com 49 participantes, promovida pelo
Colegiado de Culturas Indígenas; I Conferência Livre Cultura Viva-SP, com 225 participantes,
feita pela Comissão Paulista de Pontos de Cultura; Conferência Livre de Democratização da
Comunicação e Cultura Digital, com 163 participantes, organizada pela SPC/MinC; 5º
Encontro Paulista de Museus, com 1.225 participantes, promovido pela Secretaria de Estado
da Cultura de São Paulo. Boa parte das conferências livres tinha relação com o Projeto Ponto
de Cultura ou com políticas setoriais, como museus, culturas indígenas, cultura digital,
cultura LGBT, etc. Isso pode ser compreendido pela ausência na III CNC da etapa de
encontros setoriais. Apesar de o Plenário do CNPC ter sido contra a retirada dessa etapa, que
havia ocorrido na II CNC (2009), o regimento interno não previu a realização de conferências
setoriais, apesar de incluir a figura de Delegados Setoriais. Esses, ao contrário dos demais
eleitos nas etapas anteriores à nacional, seriam os membros titulares dos Colegiados
Setoriais do CNPC. Cada Colegiado poderia ter até 20 delegados, sendo até 15
representantes da sociedade civil e até 5 representantes do poder público. No caso
específico do setor de museus, os delegados seriam provenientes do Comitê Gestor do
132
Informação disponível em: <https://conferenciadecultura.wordpress.com/etapas/etapa-territorial/>. Acesso
em: ago. 2018.
133
Disponível em: <http://cncvirtual.culturadigital.br/2013/11/conferencias-livres-que-enviaram-propostas-
para-a-iii-cnc-2/>. Acesso em: jul. 2018.
371
Sistema Brasileiro de Museus. A não realização dos encontros setoriais na III CNC é algo
complicado, considerando que na cultura, em geral, pessoas e políticas se organizam por
segmento, e nesse sentido, é preciso equilibrar a representação territorial com a setorial.
Outra novidade da III CNC foi a criação, pela Coordenação de Cultura Digital do MinC,
da plataforma <http://cncvirtual.culturadigital.br/> (ainda acessível), que viabilizou a
realização da primeira Conferência Virtual, já que a de 2009, apesar de prevista no
regimento, não foi implementada. A plataforma ficou disponível ao público entre os dias 19
e 26 de dezembro de 2013, quando os usuários puderam acessar as 614 propostas eleitas
para a etapa nacional, opinando sobre as mesmas e votando naquelas que consideravam
mais importantes. Além das propostas, o usuário poderia acessar várias informações sobre
o evento, como o Texto-Base, Regimento Interno, texto sobre o processo de sistematização
das propostas e a metodologia que seria debatida na etapa nacional134. Nos Anais da III CNC,
não há informações sobre a quantidade de usuários participantes da Conferência Virtual.
(MINC, 2013b). Na terceira edição da Revista MinC, dedicada à III CNC, há uma matéria
intitulada: MinC promove Conferência Virtual e atinge 16 milhões de internautas (MINC,
2013c, p. 70), só que essa quantidade de pessoas não se refere ao inscritos na plataforma
digital, e sim aos usuários das Redes Sociais, como a própria Revista indica: “Mais de 16
milhões de pessoas foram alcançadas no Twitter, a partir da hastag #IIICNC. Houve mais de
200 mil visualizações no Flickr e mais de 800 mil conteúdos postados falando sobre a
Conferência. Entre estes vídeos, fotos e textos” (MINC, 2013c, p. 70).
134
Informações disponíveis em: < http://www.cultura.gov.br/banner-1/-
/asset_publisher/G5fqgiDe7rqz/content/conferencia-virtual-da-iii-cnc/10883>. Acesso em> jul. 2018.
372
Sobre o resultado da Plenária Final, foram aprovadas 64 proposta (entre 614 oriundas das
etapas anteriores), sendo 20 prioritárias (cinco por cada eixo). Vale destacar que no Eixo 1 –
Implementação do Sistema Nacional de Cultura, as propostas mais votadas foram: (1ª)
Aprovação da PEC 150, com 663 votos; (2ª) Destinação de pelo menos 10% do Fundo Social
do Pré-Sal para a Cultura, com 540 votos; (3º) Aprovação da Lei de regulamentação do SNC,
com 524 votos; (4º) Formação e Capacitação em Gestão Cultural, 473 votos; e (5º)
Fortalecimento do FNC: paridade com renúncia fiscal e fundo-a-fundo, 375 votos.
Uma das novidades na dinâmica da etapa nacional da III CNC foi a redução da
quantidade de seminários e palestras em prol da ampliação de tempo para as discussões
entre os delegados nos Grupos de Trabalho, que passou a ocupar dois dias da programação.
Assim, foi realizado apenas um painel Os desafios do Sistema Nacional de Cultura, composto
por Bernardo Mata Machado (SAI), Américo Córdula (SPC), Gilberto Carvalho (ministro-chefe
da Secretaria-Geral da Presidência da República) e Albino Rubim (então secretário de Cultura
do Estado da Bahia). A proposta de reduzir a quantidade de palestras foi feita pelo Comitê
Executivo da Conferência135.
Segundo Bernardo Mata Machado (2017), apesar de vários órgãos e setores do MinC
cooperarem com a preparação da III CNC, quem respondia efetivamente pelo evento era a
SAI:
[...] a barra mais pesada da gestão ficava sempre com a gente, [...] na hora
do pau quebrar, quem abria a conferência era a SAI, quem tomava o cacete
era sempre o secretário da SAI e a presença mesmo na conferência do
Ministério da Cultura não era grande coisa não [...], mas na preparação a
gente tinha a cooperação. (MATA MACHADO, 2017).
Sobre a participação dos fóruns de secretários e dirigentes de cultura de estados e
municípios, Bernardo Mata Machado (2017) revela que os representantes dos estados
passaram a desenvolver uma estratégia de se reunir na Conferência, garantindo assim uma
participação forte no evento e gerando mais impacto: “isso fortaleceu esse primeiro edital
[do SNC] [...] ele [Hamilton Pereira, presidente do Fórum de Secretários e Dirigentes
Estaduais de Cultura] entrou com esse documento assinado por todos, que foi um
135
Na III CNC houve ampliação do Comitê Executivo da Conferência, que passou a ser composto por todas as
secretarias e unidades vinculadas do MinC, o Plenário do CNPC, a Secretaria Geral da Presidência da República,
o Fórum dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e o Fórum dos Secretários e Dirigentes de Cultura
das Capitais e Municípios de Regiões Metropolitanas. Na Conferência de 2010, tal instância foi composta
apenas por algumas secretarias e vinculadas do MinC (a Sefic, por exemplo, não integrava o Comitê) e do CNPC.
373
documento importante, lido publicamente [...]” (MATA MACHADO, 2017). Tal documento,
em resumo, reivindicava a transferência de recursos da União para os entes federados no
âmbito do SNC. Iniciativas como essas por parte dos fóruns de secretários de estados e
municípios foram importantes para fazer com que determinadas ações em torno do SNC
fossem efetivadas por parte do MinC. Para Bernardo Mata Machado (2017), as ações dos
fóruns eram importantes, inclusive para a própria SAI, que saía fortalecida no Ministério:
“[...] eles fizeram acordos políticos importantes, [...] estavam sempre se reunindo pra
fortalecer a própria SAI.” (MATA MACHADO, 2017).
Três Estados governados pelos tucanos [Minas Gerais, São Paulo e Paraná]
[...] buscavam polarizar uma oposição à perspectiva defendida pelo MinC.
[...] A rigor, os três Estados se opunham ao SNC por entenderem que sua
implementação fortalecia a centralização das políticas nas mãos da União
dentro de um Programa, dentro da área da Cultura, e fora dela, onde
prevalecia uma vigorosa presença do Estado e, portanto, contrariava a
perspectiva neoliberal, adotada por eles, assentada no entendimento de
que o mercado soluciona melhor esses desafios. (PEREIRA, 2018)
Sobre tais posicionamentos, Pereira (2018) pondera que é preciso observar as
especificidades de cada um em deles relação à resistência ao Sistema, especialmente no
caso de Minas Gerais, que não teria uma oposição frontal à política, mas sim
questionamentos e dúvidas.
[...] eu acho que as tensões eram mais por conta de disputa interna do
Fórum dos Secretários do que pelo Sistema em si. O secretário na época,
por exemplo, do Paraná tinha sido secretário municipal quando eu era do
fórum [das Capitais e Regiões Metropolitanas], e nunca se levantou contra
o Sistema, [...] então eles se articularam para, enfim... era uma bandeira
que eles estavam querendo com o Sistema para disputar a presidência do
Fórum. (PEIXE, 2017)
De acordo com Peixe (2017), depois que terminou o processo eleitoral do Fórum, os
estados que ainda não tinham aderido ao Sistema, assinaram o Acordo de Cooperação
Federativa. Aqui caberia uma averiguação mais profunda sobre a resistência de alguns
estados quanto ao SNC, já que é preciso avaliar, por exemplo, se de fato a presidência do
Fórum de Secretários e Dirigentes teria tanta força política assim para motivar tais posturas.
“Temos o Sistema Nacional de Cultura, que aprovei no meu último dia como
Senadora. Foi aprovado. E, agora, estamos indo de vento em popa na implantação”. Essas
foram as palavras de Marta Suplicy no discurso proferido na cerimônia de abertura da III
CNC, quando a ministra iniciou sua fala sobre o SNC:
[...] a regra do edital era que só participavam os estados que tinham leis
próprias de criação de seus Sistemas e eram só seis estados, essa regra a
gente pôs porque era muito pouco dinheiro, então a gente ‘pô, vamos
botar essa regra aqui porque pelo menos seis estados vão ganhar alguma
coisa’.
Segundo Pedro Ortale (2017), o edital foi pensado como uma espécie de
reconhecimento pelo esforço feito por alguns estados na organização dos seus sistemas de
cultura, e, indiretamente, beneficiaria também os municípios que sediassem as atividades
previstas nos projetos selecionados. Em sua opinião, o edital era uma resposta mínima do
MinC aos entes que aderiram ao SNC, que pela primeira vez receberiam recursos por tal
condição.
[...] eu quis fazer esse lançamento do edital em uma reunião pequena, com o
Fórum dos Secretários dos Estados e mais alguns convidados, a Marta exigiu
que a gente fizesse no Palácio do Planalto junto com o lançamento do Brasil
de Todas as Telas da Ancine, foi uma das cerimônias mais tristes que eu
participei na vida [risos] porque o Brasil de Todas as Telas da Ancine tinha um
bilhão e duzentos milhões, uma coisa assim, e o Sistema Nacional de Cultura,
tinha trinta milhões [...] então, na verdade, eu como secretário fiquei meio
humilhado [risos], mas isso mostra um pouco a disparidade das coisas.
376
De acordo com o Edital nº 01/2014, o seu objetivo era fortalecer o SNC e contribuir
para os cumprimentos das metas do Plano Nacional de Cultura, especificamente as metas 6,
22, 24, 29, 30, 31, 32, 33 e 34. Tais metas, em geral, estão relacionadas à criação,
manutenção e/ou qualificação de equipamentos culturais, como bibliotecas, museus,
arquivos, teatro, cinema etc; produção e circulação de espetáculos e atividades artísticas;
promoção de ações dirigidas a povos e comunidades tradicionais e grupos de culturas
populares. Segundo Bernardo Mata Machado (2017), o edital foi baseado nas metas
federativas do PNC, selecionadas pela SAI após elencar todas aquelas que faziam referência
a estados e municípios, um ação inédita, segundo o secretário interino, de vincular o PNC ao
SNC: “[...] foi a primeira tentativa prática realmente de vincular o Plano Nacional ao Sistema
Nacional, e os Estados então apresentavam projetos nesses nessas áreas que a gente
elencou” (MATA MACHADO, 2017).
As metas do PNC selecionadas pela SAI foram associadas aos três eixos do edital:
Eixo 02 – Fomento à Produção e Circulação de Bens Culturais (Metas 22 e 24). Esse eixo
tinha uma única linha de ação: financiamento de projetos de montagem e circulação de
espetáculos, mostras e eventos, priorizando a produção local, os espaços públicos (teatros,
centros culturais etc.) e buscando abranger o maio número possível de municípios. Segundo
o item 4.8 do edital, o proponente que tivesse proposta selecionada neste eixo, deveria
aplicar pelos menos 50% do valor recebido em municípios que tivessem instituído por leis
próprias seus respectivos sistemas de cultura, no limite de até 31 de março de 2014. Assim,
no momento de inscrição da proposta, deveriam ser identificados os municípios a serem
contemplados. Se no estado proponente não houvesse municípios nessa situação, os
recursos deveriam ser aplicados naqueles que tivessem firmado o Acordo de Cooperação
Federativa, ainda que estivesse em situação irregular. Neste aspecto, seria interessante
averiguar a situação de adesão dos municípios em cada um dos seis estados habilitados para
ver se isso limitou a elaboração de propostas por parte dos mesmos. Para o segundo eixo do
Edital foi previsto o valor de doze milhões e quinhentos mil reais, e foram selecionadas as
seguintes propostas.
136
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1170919/Resultado+Final+Edital+SNC-
+18.06.2014.pdf/a2259b8d-a5de-44e1-a782-bbc46c6aeb82>. Acesso em jul. 2018
379
137
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1170919/Resultado+Final+Edital+SNC-
+18.06.2014.pdf/a2259b8d-a5de-44e1-a782-bbc46c6aeb82>. Acesso em jul.2018
380
Vale ressaltar que cada estado participante só poderia apresentar uma proposta por
cada eixo, e deveria ser executada entre julho de 2014 e dezembro de 2015. O edital previa
também que os proponentes deveriam apresentar contrapartida financeira de, no mínimo,
20% do valor total do projeto inscrito; e que a proposta poderia receber, a título de
complementação financeira, recursos oriundos de leis de incentivo fiscal e outros programas
ou apoios federais, estaduais e municipais, com a ressalva de não serem custeados itens
idênticos com tais recursos.
Como pode ser observado, a dinâmica de gestão desse Edital, apesar de coordenado
pela SAI, envolveu diversos órgãos e unidades vinculadas do MinC. De acordo com Bernardo
Mata Machado (2017): “[...] o que eu fiz foi o seguinte: dependendo do tema, era o órgão
afim do Ministério que ia fazer convênio e não a SAI, por isso a SAI ficou com o controle de
fiscalização [...] tinha uma parte com a Funarte, tinha o Iphan, tinha o Ibram...”. Segundo
139
Informações disponíveis em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1170919/Portaria+Comissão+de+Seleção+e+Avaliação+Edital+
SNC.pdf/9d150418-b29a-45af-a1f1-83303b1c0a30>. Acesso em jul. 2018
384
Pedro Ortale (2017), a proposta desse edital partiu da SAI, mas o acompanhamento envolvia
outros setores do Ministério: “por exemplo, um projeto de quilombolas de Rondônia tinha
que ir pro Iphan... teve um projeto de circulação de música na Bahia, foi para a Funarte... o
projeto de reforma do museu arqueológico do Rio Grande do Sul foi para diretoria que
cuidava dos CEU´s” (ORTALE, 2017). Segundo Mata Machado (2017):
[...] a gente optou em dividir os convênios pelos órgãos afins a essas metas
dentro do Ministério e não pela SAI, em uma concepção também de que o
Sistema, e aí eu volto à ideia do Sistema Federal, ele só faz sentido se o
próprio Ministério praticar a cooperação entre as suas entidades.
De acordo com Pedro Ortale (2017), esse desenho de gestão do Edital sofreu críticas
por parte de setores do Ministério:
[...] aí o pessoal do Minc ficou puto com a gente porque nós fizemos o
edital, organizamos tudo e essas áreas, elas impactavam no sistema Minc
[...] e aí os caras ficavam ‘pô, vocês fazem o projeto, saem na foto e a gente
é que vai fazer o trabalho?’... aí você vê e percebe exatamente como a
instituição não comprou a ideia do Sistema como instrumento para
potencializar, para promover e para requalificar a própria realização da
política pública. (ORTALE, 2017)
Em sua avaliação, situações como essa comprovam que o SNC foi uma política
circunscrita à SAI, com pouco envolvimento de todo o Ministério: “[...] a compreensão da
importância do Sistema não chegou transversalmente, digamos assim, no Minc da forma
como deveria ter chegado”. (ORTALE, 2017)
Os problemas enfrentados pela SAI com esse primeiro edital fizeram com que a
segunda edição, publicada em 2015 e dirigida aos municípios, tivesse outra dinâmica. De
acordo com Pedro Ortale (2017):
Pelas falas de diversos atores entrevistados, o SNC sempre foi uma política assumida
quase que exclusivamente pela SAI. No caso do desenvolvimento da proposta do primeiro
edital do SNC, a existência desse descompasso ficou evidenciada. Entretanto, especialmente
a partir da fala de Pedro Ortale, também é possível observar que a própria conduta da SAI
corroborava para essa situação, já que ela não compartilhou o momento de elaboração do
Edital com outros setores do Ministério que acabaram sendo envolvidos posteriormente. Tal
atitude, como primeira consequência, gerou problemas de gestão, o que foi verificado e
reconhecido pela própria SAI.
a repassar via editais, e na verdade, o repasse não seria via edital, seria um repasse direto,
via Fundo” (PEIXE, 2017).
É verdade que os editais tiveram relevância simbólica para o SNC por representarem o
primeiro aceno efetivo do MinC na aplicação de recursos financeiros através de convênio
firmado entre os entes federados. Também foi importante a proposta de vincular o edital do
Sistema à implantação das metas do PNC, que dependem da atuação de estados e
municípios para serem alcançadas. Por outro lado, o fato desse investimento ter sido por
edital, com um formato pré-estabelecido pelo MinC, diverge do modelo de desenvolvimento
e financiamento das políticas sistêmicas no Brasil, que tradicionalmente giram em torno de
transferência de recursos direto entre entes federativos. Para Humberto Cunha Filho, esses
primeiros ensaios de efetivação do SNC por meio de edital, “[...] lembravam o sistema antes
do Sistema, que foi uma tentativa de repasse Fundo a Fundo, mas a partir de projetos
resultantes de edital” (CUNHA FILHO, 2017). Para João Roberto Peixe (2017), o repasse por
edital não é a maneira mais adequada de implementar o SNC, e é preciso acionar o repasse
de recurso por meio do Fundo Nacional de Cultura, com critérios de proporcionalidade e
com previsão de um percentual mínimo por região.
Conforme previsão do § 3º do Art. 216-A da Constituição Federal, que afirma que Lei
federal disporá sobre a regulamentação do SNC, o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT/PE)
apresentou em 03 de outubro de 2013, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 338/2013
que “Estabelece as normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal
e Municípios, com relação à responsabilidade no fomento e gestão pública da cultura
brasileira e organização do sistema nacional de cultura”140.
140
Informações disponíveis na tramitação da PLP 338/2013 disponível no site da Câmara dos Deputados: <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=595187>. Acesso em jul. 2018
387
SNC, prevendo em relação aos conselhos de políticas culturais que tenham, em todas as
esferas, caráter normativo, deliberativo e fiscalizador das políticas de estados (§1º). A
proposta não faz referência, portanto, a questão da paridade na composição dos conselhos,
algo que era defendido pelo MinC. O § 3º do Art. 4º estabele que “O Fórum Nacional de
Cultura promoverá as conferências nacionais de cultura, articulando-as com as conferências
regionais e locais, e acompanhará permanentemente a execução do plano nacional de
cultura e o funcionamento do sistema nacional de cultura”. Possivelmente houve um
equívoco aqui considerando não existir na estrutura do SNC a figura de um Fórum Nacional
de Cultura, e que algumas funções apontadas nesse parágrafo correspondem ao MinC ou ao
CNPC. Já o § 4º desse mesmo artigo prevê a criação de “uma instância permanente de
formulação, negociação e cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, que poderá ser subdividida em câmaras segundo as políticas culturais em
execução”. Tais instâncias já estavam identificadas no Art. 216-A (a CIT e CIBs). Por fim, o
Art. 5º prevê a realização de, ao menos, uma reunião anual entre o CNPC e os conselhos de
Educação e de Ciência e Tecnologia para promover a articulação dos respectivos sistemas
nacionais e políticas setoriais.
A análise do texto da PLP 338/2013 permite aferir que ele estava muito aquém do
projeto de regulamentação que a SAI vinha trabalhando desde 2009, e que foi enviado à
Casa Civil em 2012, na gestão Ana de Hollanda. De acordo com João Roberto Peixe (2017),
ele tentou fazer uma articulação com representantes do Poder Legislativo para que
houvesse uma proposta coletiva em torno da regulamentação do Sistema, uma proposta
que fosse suprapartidária para que tivesse mais força. Entretanto, o deputado Paulo Rubem
Santiago “se adiantou, e apresentou um projeto completamente inconsistente, só para ter a
388
paternidade” (PEIXE, 2017). Peixe (2017) recorda que estava em contato direto com o
deputado Paulo Rubem Santiago por conta da PEC 416-A/2005, onde este era o relator, e
que em um primeiro momento pensou que o deputado havia apresentado a cópia do
projeto de regulamentação que estava em discussão no MinC e que ele havia mostrado ao
deputado e assessores para explicar a relação entre o regulamento e a PEC do Sistema, que
iria para votação na Câmara.
[...] eu pensei que ele tinha pego a cópia do projeto [de regulamentação] e
tinha entrado com ela [...] mas, como ele viu que não podia fazer isso
[porque o projeto era de autoria do Poder Executivo], ele pegou a
assessoria e fez uma caricatura... parece que repetiu os princípios, mas
com outras palavras, uma coisa que não regulamenta nada, não avançava...
e quando eu reclamei, ele disse: ‘não tem problema não, Peixe, pode
apresentar um substitutivo’, então, ele já fez com intuito de ter a
paternidade porque aí quem apresenta o projeto é quem fica como autor
do projeto. (PEIXE, 2017)
Se o projeto de regulamentação do SNC por meio de proposta do Poder Legislativo não
avançou, tendo sido arquivado, coisa semelhante pode ser dita em relação ao projeto do
Executivo, pois ao longo dos quatro anos do primeiro Governo Dilma Rousseff, o projeto não
conseguiu sair do âmbito do governo para ser analisado e aprovado pelo Congresso.
Nesse sentido, ficou frustrada a expectativa que se tinha quando Marta Suplicy
assumiu o Ministério. O capital político creditado à ministra não se materializou nos avanços
esperados para o SNC. Para Bernardo Mata Machado, apesar de pessoas que defendiam o
Sistema terem ocupado cargos altos no Ministério, o SNC permaneceu não sendo prioritário:
390
Ana de Hollanda acabou sendo um tiro que saiu pela culatra do próprio PT.
Ela é uma pessoa que não tinha uma visão petista da política cultural, basta
te dizer isso. Marta, embora tenha sido a relatora, quando ela assumiu o
Ministério, na primeira reunião é que ela foi compreender o que era o
Sistema Nacional de Cultura. E, ao tentar compreender o que é o Sistema
Nacional de Cultura, ela verificou que aquilo era muito maior do que ela
imaginava, e ela fez outras opções. Fez opção pelo Vale Cultura e pelas
Praças do PAC, que depois ela botou o nome do programa que ela tinha em
São Paulo, Céu das Artes. (MATA MACHADO apud BARBALHO, 201[?]).
A fala de Mata Machado e as prioridades de gestão colocadas por Marta Suplicy,
vinculadas a políticas de grande visibilidade e retorno político, reforçam que alterar a cultura
política é um dos enfrentamentos do SNC. O Sistema Nacional de Cultura é um processo de
pouca visibilidade e que requer tempo para ser maturado, envolvendo medidas de médio e
longo prazo. Além disso, ele não está atrelado à lógica de ações voltadas para promoção de
eventos ou realização de obras, que tradicionalmente são as que recebem mais
investimentos por parte de dirigentes públicos.
Em relação à finalização da gestão Marta Suplicy, vale informar que a então ministra
apresentou carta com pedido de demissão do cargo em 11 de novembro de 2014, e voltou a
assumir o posto de senadora pelo estado de São Paulo. Cinco meses após deixar o
391
No período em que esteve fora do MinC, entre 2011 e 2014, Juca Ferreira trabalhou na
Secretaria Geral Ibero-americana, na Espanha, e foi secretário municipal de Cultura em São
Paulo (2013-2014), na gestão de Fernando Haddad (PT/SP). Nesse período: “eu tive a
oportunidade de fazer uma reflexão muito crítica do que a gente tinha feito [no MinC], e de
desenvolver uma metodologia de agilizar a construção dos processos” (FERREIRA, 2018).
Segundo Juca Ferreira (2018), a primeira questão a ser enfrentada nessa nova gestão era a
reconstrução do projeto do Ministério:
Quando eu retorno no governo Dilma, eu percebi que muita coisa tinha sido
desmontada pela ministra Ana de Hollanda e pela ministra Marta. Ana de
Hollanda tinha uma visão mais conservadora do que a nossa, e concentrada
nos artistas, nos criadores, então era uma redução da amplitude do
Ministério, e a Marta estava ali passando a chuva, voltou a ideia de ministro
que passa chuva, ela queria ser indicada por uma coisa, não foi e para não
dar trabalho, foi assimilada ali [...] (FERREIRA, 2018).
No discurso de posse, em cerimônia realizada no dia 12 de janeiro de 2015, em
Brasília, Juca Ferreira fez referência ao período anterior em que esteve no MinC e afirmou
que o seu retorno se dava na perspectiva de continuar a política cultural desenvolvida no
Governo Lula.
o design” (FERREIRA, 2015b), o que não implicaria em reduzir o papel da arte no projeto
estratégico do Ministério; e novamente ressaltou o papel do Estado nas políticas culturais:
Criar, fazer e definir obras, temas e estilos é papel dos artistas e de quem
produz cultura. Escolher o que ver, ouvir e sentir é papel do cidadão. Agora,
criar condições de acesso, produção, difusão, preservação e livre circulação,
regular as economias da cultura para evitar monopólios, exclusões e ações
predatórias, democratizar o acesso aos bens e serviços culturais: essa é a
responsabilidade do Estado democrático. (FERREIRA, 2015b)
O ministro reforçou também o lugar da cultura enquanto elemento central na agenda
política contemporânea e destacou a afinidade de sua trajetória com a da presidenta Dilma
Rousseff:
[...] eu fiz uma coisa muito rápida porque eu não esperei ser exonerado, eu
pedi a exoneração antes do Juca tomar posse, o fato de ter sido só dia 12
de janeiro [a publicação no DOU] foi atraso burocrático [...] eu antes de
terminar o mandato já articulava com Minas também pra ser secretário
adjunto (MATA MACHADO, 2017).
O currículo do novo secretário da SAI apresentava atuações relacionadas às áreas de
gestão pública, transparência e controle social, a exemplo da idealização e coordenação
geral do Gabinete Digital do Estado do Rio Grande do Sul, um portal de participação social
apoiado no uso de novas tecnologias da informação e da comunicação, e das redes sociais e
digitais. O projeto, criado em 2011 no governo estadual de Tarso Genro (PT/RS), teve
reconhecimento nacional e internacional142. Sobre a escolha de Vinícius Wu para dirigir a
SAI, Juca Ferreira (2018) em entrevista comenta:
141
Ao longo do Doutorado foram feitas diversas tentativas de entrevistas com Vinicius Wu, mas que ao final
não se concretizaram.
142
O projeto recebeu premiações nacionais e internacionais como os prêmios CONIP 2012, E-gov 2011, A Rede
2011, TI & Governo 2011, Prêmio Bank Beneficiary Feedback Awards, concedido pelo World Bank (Banco
Mundial BIRD) e prêmio ao Serviço Público concedido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
396
[...] na última gestão aí já foi diferente, Juca volta e volta com autoridade
grande para ser o ministro e aí praticamente não tivemos nenhuma
interferência, ele escolheu livremente, ele só não escolheu a Palmares
[Fundação Palmares] [...] e a Representação do Rio Grande do Sul, no mais,
todos os outros postos ele escolheu e deu autonomia para que cada um dos
gestores formasse sua equipe. (ALMEIDA, 2018)
A equipe de dirigentes do MinC foi composta nessa gestão por: João Brant (Secretaria
Executiva); Ivana Bentes (Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural); Guilherme Varella
(Secretaria de Políticas Culturais); Carlos Paiva Neto (Secretaria de Fomento e Incentivo à
Cultura); Vinícius Wu (Secretaria de Articulação Institucional); Pola Ribeiro (Secretaria do
Audiovisual); Francisco Bosco (Funarte); Carlos Roberto Ferreira Brandão (Ibram); Cida Abreu
(Fundação Cultural Palmares); Lia Calabre (Fundação Casa de Rui Barbosa)143; Renato Lessa
(Fundação Biblioteca Nacional); e Jurema Machado (Iphan), esses últimos dois já vinham
dirigindo os respectivos órgãos na gestão Marta Suplicy. No caso da Secretaria da Economia
Criativa, a proposta da nova gestão foi extingui-la e colocar a pauta da economia sob a
gestão da SPC. Por outro lado, o MinC contaria com uma nova secretaria, a de Educação e
Formação Artística e Cultural (Sefac). Conforme notícia publicada no site do Ministério144 em
19 de março de 2015, a Sefac era dirigida por Juana Nunes, antes diretora de Educação e
Comunicação para a Cultura, na SPC. Vale ressaltar que a Sefac não foi oficialmente
143
A nomeação de Lia Calabre foi decorrente de uma eleição interna ocorrida na FCRB, onde o seu nome foi
escolhido e, posteriormente, corroborado pelo ministro.
144
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/minc-cria-nova-secretaria-de-educacao-e-formacao-artistica-e-
cultural/10883>. Acesso em jul. 2018.
397
institucionalizada porque nessa gestão não chegou a ser publicada reforma administrativa
no Ministério.
Mais uma vez, o Sistema Nacional de Cultura não foi citado no discurso de posse do
ministro Juca Ferreira. Segundo Aloysio Guapindaia (2016), que voltou a trabalhar no MinC à
convite do ministro e assumiu uma diretoria na Secretaria Executiva, o SNC não estava na
pauta de prioridades dessa gestão: “Do Sistema nada, não tinha discussão. O que se estava
discutindo muito quando estive lá era o Procultura, havia um investimento muito forte do
ministro Juca na época para aprovação do Procultura” (GUAPINDAIA, 2016).
De acordo com depoimento de vários atores, o Sistema não apenas estava fora das
prioridades da gestão como foi alvo de fortes críticas por parte do ministro. Segundo
Bernardo Mata Machado (2017), o retorno de Juca Ferreira ao MinC foi complicado para o
SNC. Em sua opinião, o fato de o Sistema ter sido uma proposta historicamente vinculada ao
grupo do PT, que não tinha apoiado a permanência de Juca Ferreira na transição do governo
Lula para o governo Dilma, teve consequências:
[...] quando o Juca entra [no MinC] a segunda vez ele entra um pouco com
essa mágoa... e [na época da transição entre Lula e Dilma] o Roberto Peixe,
naquela sinceridade dele, comunicou ao Juca ‘Olha, Juca, a gente não vai te
apoiar porque a gente acha que agora é a nossa vez’ e aí dessa segunda vez
o Juca entra com a posição francamente crítica ao Sistema. (MATA
MACHADO, 2017)
Para Lia Calabre (2017) e Silvana Meireles (2017), na segunda gestão, Juca Ferreira
expressou claramente o desacordo que tinha com a concepção do Sistema e com os rumos
que a política tinha tomado. Segundo Pedro Ortale (2017) – que permaneceu na SAI – a
equipe da Secretaria tinha consciência das ressalvas do ministro em relação ao Sistema, o
que, em sua opinião, era “uma resistência mais emocional do que racionalizada” (ORTALE,
2017), consequência de uma falta de conhecimento associado ao fato de que o SNC “vinha
de pessoas de outro setor político” (ORTALE, 2017). Segundo Pedro Ortale (2017): “[...] o
Juca, no primeiro dia que ele tomou posse como ministro, na reunião do Fórum de
Secretários, falou que ele não via com bons olhos o Sistema”. De acordo com Bernardo Mata
Machado (2017):
398
[...] eu queria dizer uma coisa aqui que pode surpreender: na minha
administração foi aprovado o atual Sistema Nacional de Cultura, mas eu
não sou um defensor do projeto que foi aprovado. O problema de gestão
compartilhada é que às vezes você tem que engolir aracnídeos e sapos... é
simples compreender de que é preciso avançar muito, que o projeto foi
mistificado e não tem eficiência. Vocês viram que muita gente reclamou,
principalmente na reunião com os secretários, fizeram o dever de casa e
não aconteceu nada...fizeram o conselho, fizeram não sei o quê...porque, o
seguinte: fizeram o Sistema Nacional de Cultura baseado no da saúde e no
da educação, só que saúde e educação, quem presta os serviços é o Estado,
o Estado nos seus três níveis, então se você articula o Estado nos três níveis,
você tá razoavelmente perto de uma saída, de um sistema. Só que na
cultura, 99% ou é feito pela sociedade ou é feito pela propriedade privada,
o Estado tem outro papel, então um sistema que verdadeiramente preste
serviço à área cultural e apoie o desenvolvimento cultural tem outra
natureza do que apenas articular os três níveis do Estado brasileiro. Então,
foi criada uma ilusão [...] e aí, não acontece nada, não muda nada, então é
preciso ter humildade de reconhecer que é preciso avançar muito. Não é
que seja ruim articular o Estado nos três níveis, governo federal, estadual e
145
Informação fornecida por Guilherme Reis por e-mail em 11 de julho de 2018.
146
O encontro foi transmitido online pelo site do MinC e o vídeo encontra-se disponível atualmente em:
<https://www.youtube.com/watch?v=-
Q4Uka42YB8&index=3&t=7024s&list=PLWvc45u1845WffnrOMCb_n9oQyYbSjEdk>. Acesso em jul. 2018.
399
147
Documento entregue aos participantes do Seminário Internacional Sistemas de Cultura, realizado pela SAI
em junho de 2015.
400
Para que essa nova perspectiva fosse implantada, a SAI apresentou três conjuntos de
iniciativas: (1) Programa Nacional de Qualificação da Gestão e Fortalecimento do Sistema
Nacional de Cultura; (2) Consolidação do Sistema de Participação Social do Ministério da
Cultura; e (3) Política de incentivo a ações sistêmicas.
401
Das seis linhas de ação previstas para esse programa, apenas o Observa SNC pode ser
considerada uma inovação. As demais já vinham sendo desenvolvidas em alguma medida
pelas gestões anteriores.
402
A articulação do Sistema MinC também integrava essa iniciativa, já que tais unidades
“por vezes, atuam nos territórios de maneira fragmentada e dispersa, fragilizando políticas
403
Wu chega muito pra dar uma sacudida no Sistema, a gente sempre teve
uma crítica em relação ao Sistema de que ele não gerava processos. O
Sistema estava muito preso a questões de ordem formal, sem se preocupar
em gerar processos em cada lugar [...] E aí Wu, quando entra, ele entra com
essa disposição, cria uma plataforma, faz uma eleição para o Conselho
Nacional de Políticas Culturais que furou a boca do balão porque [...] foi um
negócio assim de participação...
404
Na visão de Pedro Ortale (2017), Wu era um incentivador do SNC, mas com um olhar
diferente e com o desejo de seguir por outros caminhos. Segundo Ortale (2017), o novo
secretário queria um sistema mais estatal e menos público, para o que seria preciso
incorporar a questão da comunicação e de pensar em como o Sistema poderia chegar mais
próximo da sociedade para que essa pudesse compreendê-lo:
148
Informação fornecida por Guilherme Reis por e-mail em 11 de julho de 2018.
405
149
“Ministro pede mobilização dos secretários estaduais para aprovação do Procultura”. Texto elaborado pela
Ascom-MinC, publicado em 10 de março de 2015 e disponível em: <
http://culturadigital.br/mincnordeste/2015/03/page/7/> Acesso em jul. 2018.
150
Disponível em:< http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-participa-de-forum-de-secretarios-estaduais/10883>. Acesso em
jul. 2018.
406
outra notícia sobre o mesmo evento divulgada no site do Ministério151, Vinicius Wu declarou
em reunião que o SNC passava por reestruturação e que a relação entre os entes federados
não poderia ser “meramente protocolar”, conforme trecho a seguir:
Vinicius Wu ressaltou que o SNC não pode ser pensado como uma mera
estrutura de repasse. ‘Tem de haver uma articulação entre todos os
integrantes do Sistema MinC. Além disso, também é preciso estabelecer
diálogos com as secretarias municipais e estaduais, que têm papel
importante na indução e no reposicionamento do sistema’, afirmou. [...] No
final da reunião, Wu afirmou que, para que o diálogo ocorra de maneira
clara, haverá discussões conjuntas e parcerias. ‘Vamos buscar apoio, tanto
no Fórum de Capitais como na Frente Nacional de Prefeitos, em
representantes da sociedade civil e em representantes da cultura em geral’,
finalizou.
A notícia informava ainda que durante o segundo semestre de 2015, seria
estabelecido o diálogo sistemático com os fóruns de secretários e dirigentes de cultura de
municípios e estados, além de organizações como a Associação Brasileira de Municípios,
para discutir o PL SNC, que deveria ser finalizado em setembro de 2015 e colocado em
consulta pública a partir de outubro desse ano, o que não ocorreu.
151
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-presente-no-segundo-dia-de-forum-de-dirigentes-
estaduais/10883>. Acesso em jul. 2018.
152
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-e-secretarios-de-cultura-debatem-pl-do-sistema-nacional-de-
cultura/10883>. Acesso em jul. 2018
407
153
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/secretarios-estaduais-de-cultura-estao-reunidos-em-mg/10883>.
Acesso em jul. 2018.
154
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/gestores-de-todo-o-brasil-discutem-desafios-da-cultura-nas-capitais-e-
regioes-metropolitanas/10883>. Acesso em jul. 2018.
408
155
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-se-reune-com-foruns-estaduais-e-municipais-de-cultura/10883>.
Acesso em jul. 2018.
156
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-recebe-representantes-de-foruns-de-secretarios-de-
cultura/10883>. Acesso em jul. 2018.
157
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-recebe-representantes-de-foruns-de-secretarios-de-
cultura/10883>. Acesso em jul. 2018.
158
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-recebe-representantes-de-foruns-de-secretarios-de-
cultura/10883>. Acesso em jul. 2018.
409
159
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/banner-1/-/asset_publisher/G5fqgiDe7rqz/content/gestores-
municipais-de-cultura-estao-reunidos-em-brasilia/10883> e <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/brasilia-recebe-encontro-de-gestores-municipais-de-cultura/10883>.
Acesso em jul. 2018.
160
Eduardo Mattedi Furquim Werneck, graduado em Ciências Sociais pela UFBA (1989, foi diretor do Sistema
Nacional de Cultura, na SAI, entre abril de 2014 e abril de 2015. Também no MinC, foi Chefe de Gabinete do
ministro Juca Ferreira (2010/2011). Entre 2011 e 2015 trabalhou no Ministério do Meio Ambiente como
gerente de Projeto da Secretaria Executiva, atuando como Coordenador Geral do Sistema Nacional de Meio
Ambiente (SISNAMA), trabalhou no Departamento de Apoio ao Conselho Nacional do Meio Ambiente.
161
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/gestores-municipais-de-cultura-formulam-associacao/10883>.
Acesso em jul. 2018.
410
Uma das principais ações realizadas pelo MinC na segunda gestão Juca Ferreira foi o
aperfeiçoamento do processo eleitoral dos representantes da sociedade civil para os
Colegiados Setoriais e Plenário do CNPC. Um novo sistema de eleição que, na opinião de
Bernardo Mata Machado (2017), foi mais exitoso do que o desenvolvido na gestão Suplicy:
162
Informação disponível em: < http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/gestores-culturais-defendem-manutencao-de-minc/10883>. Acesso
em jul. 2018.
411
A primeira etapa foi uma consulta pública sobre as normas e metodologias a serem
aplicadas no processo eleitoral de renovação dos membros da sociedade civil do CNPC. Para
tanto, foi disponibilizado em plataforma digital a proposta aprovada na 25ª Reunião
Ordinária do Plenário do Conselho, sobre a qual poderiam ser sugeridas alterações em todos
os itens. A consulta ficou aberta ao público entre 18 de junho e 02 de julho de 2015, e os
resultados podem ser verificados no quadro comparativo disponível no site do MinC 163.
O Edital CNPC nº 01/2015164 pós-consulta dispôs sobre as normas para a escolha dos
representantes da sociedade civil nas áreas de: Artes Visuais; Música; Teatro; Dança; Circo;
Audiovisual; Literatura, Livro e Leitura; Arte Digital; Arquitetura e Urbanismo; Design;
Artesanato e Moda; e, das áreas de patrimônio cultural: Culturas Afro-brasileiras; Culturas
dos Povos Indígenas; Culturas Populares; Arquivos; Museus; Patrimônio Material e
Patrimônio Imaterial. Apesar de o edital incluir todos esses setoriais, alguns, como
Audiovisual e Museus, seguiriam dinâmicas próprias, conforme item 9.5 do edital. Nesse
sentido, o processo de renovação ficou restrito a 16 Colegiados Setoriais.
Todo o processo eleitoral foi organizado por meio de plataforma digital e de realização
de encontros presenciais nas 27 unidades federadas, uma contribuição advinda também da
consulta pública. A primeira fase das eleições dos conselheiros ficou conhecida como etapa
estadual e tinha o objetivo de realizar debates, no primeiro dia do encontro, e eleger
representantes por estado e Distrito Federal para a etapa seguinte. Em síntese, a dinâmica
de votação por setor/estado era a seguinte:
Nos últimos anos, o Brasil criou uma série de canais para interação com a
população. Nós conseguimos a partir de uma série de mecanismos
institucionalizados escrever na história do Brasil a cidadania real
compartilhada, nós precisamos colocar esses mecanismos no centro da
estratégia do poder público.
165
Informações disponíveis em: <http://www.cultura.gov.br/cnpc/materias-cnpc/-
/asset_publisher/4K62ztVDMFWz/content/mais-de-72-mil-inscritos-o-maior-conselho-de-cultura-da-historia-
do-brasil/10883>. Acesso em jul. 2018.
166
Informações disponíveis em:< http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/conselho-de-politica-cultural-bate-recorde-de-inscricao/10883>.
Acesso em jul. 2018.
167
Informações disponíveis em: < http://www.cultura.gov.br/cnpc/materias-cnpc/-
/asset_publisher/4K62ztVDMFWz/content/divulgado-o-resultado-da-etapa-estadual-do-cnpc/10883>. Acesso
em jul. 2018
413
Segundo Juca Ferreira (apud MINC, 2015168): "Esse foi um processo exemplar em meio
a um momento de crise. Nós somos o ministério que já está conectado com o futuro, com a
pós-crise. Trabalhamos com o respeito absoluto. Estamos construindo a consolidação do
espírito cultural".
168
Informações disponíveis em: < http://www.cultura.gov.br/cnpc/materias-cnpc/-
/asset_publisher/4K62ztVDMFWz/content/divulgado-o-resultado-da-etapa-estadual-do-cnpc/10883>. Acesso
em jul. 2018
414
Uma das primeiras ações da SAI nesse período foi redimensionar a plataforma
eletrônica do SNC, que já permitia o acesso a documentos produzidos, a exemplo de planos
169
Disponível em: <http://plenario.cnpc.cultura.gov.br/reunioes/> e
<http://www.cultura.gov.br/cnpc/reunioes>. Acesso em jul. 2018
415
de cultura publicados por municípios e estados. De acordo com Ortale (2017), a equipe
estava trabalhando para incorporar essa plataforma ao SNIIC, e então os componentes dos
sistemas de cultura, os dados sobre os gestores públicos, e o mapa georeferenciado dos
equipamentos culturais estariam todos disponíveis e inter-relacionados. Algo que não
chegou a ser concluído por conta do desmonte da equipe do MinC em maio de 2016,
decorrente do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Vale registrar que em relação ao SNIIC, nessa gestão a SPC trabalhou para reestruturá-
lo com a intenção de incorporar a plataforma de software livre Mapas Culturais, modelo de
base de dados e informações desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo, em parceria com o
Instituto TIM, e que estava sendo disseminado para outras cidades e estados, como
Blumenau/SC, Sobral/CE, Rio Grande do Sul, Tocantins e Ceará. Segundo informações
disponíveis no site do MinC (2015)170, o objetivo era construir uma base nacional de
informações culturais a partir da integração de todos os sistemas locais; e conceder apoio
aos entes subnacionais para que implantassem seus próprios sistemas de informação por
meio da oferta de infraestrutura tecnológica aos sistemas locais. Não foi possível verificar se
estados e municípios receberam tal suporte por parte do MinC, mas o Mapas Culturais está
ativo atualmente e pode ser acessado por meio da página do SNIIC ou diretamente no
endereço:<http://mapas.cultura.gov.br/>.
170
Disponível em: <http://culturadigital.br/sniic/2015/08/26/mapas-culturais-no-ministerio-da-cultura/>.
Acesso em jul. 2018
171
Mais informações em: <http://www.cultura.gov.br/banner-2/-
/asset_publisher/0u320bDyUU6Y/content/lancado-no-rio-novo-ciclo-do-cultura-e-pensamento/10883>.
Acesso em jul. 2018.
416
Vale ressaltar que nessa gestão foi divulgado o resultado do Edital Mais Cultura nas
Universidades, parceria MinC-MEC, publicado em 2014. Foram selecionadas inicialmente 18
Instituições Federais de Ensino Superior, de todas as regiões do país172. O valor total previsto
para o repasse foi de 20 milhões de reais, a ser efetuado em duas parcelas: uma em 2015 e
outra em 2016. Em agosto de 2015, foi divulgada nova lista de selecionados, com mais 10
instituições contempladas. O Programa ficou sob a coordenação da Sefac/MinC e da
Secretaria de Educação Superior/MEC.
172
O resultado final está disponível em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1269473/10.07.2015+Lista+Regional.pdf/f7e152e0-a27e-4d41-
a7ef-b17e87d86c4a>. Acesso em jul. 2018.
173
O material do curso está disponível para download em: < http://www.cultura.rj.gov.br/curso-gestores-
agentes-2015>. Acesso em jul. 2018.
417
De acordo com notícia divulgada no site do MinC174 (2016), entre 2010 e 2015 foram
realizados 13 cursos, todos gratuitos, no âmbito do Programa de Formação de Gestores e
Conselheiros Culturais do SNC, fruto da parceria do MinC com universidades públicas e
fundações. Ao todo, mil e quinhentas pessoas concluíram os cursos de extensão e pós-
graduação em gestão cultural; e o investimento do MinC no Programa foi de cerca de dez
milhões e meio.
Uma ação importante ocorrida também no âmbito desse Programa foi a parceria
firmada em 2016 entre a SAI e o Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov), da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para realizar um estudo sobre tais
cursos. De acordo com notícias divulgadas no site do MinC175 (2016), o Cegov elaboraria um
estudo para verificar a eficácia dos métodos usados nos cursos, as ementas, o material
didático, o perfil dos professores, dentre outros aspectos. A avaliação se debruçaria
especificamente sobre os treze cursos realizados no âmbito do Programa que já haviam sido
finalizados176. De acordo com informações do site do Cegov
(https://www.ufrgs.br/cegov/projeto/181), esse projeto ainda está em andamento. Em
174
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/cursos-para-gestores-produzem-impactos-positivos-pelo-
brasil/10883>. Acesso em jul. 2018.
175
Disponível em:< http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/sai-realiza-pesquisa-qualitativa-sobre-cursos-de-capacitacao-do-
minc/10883>. Acesso em jul. 2018.
176
Curso para Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste 1ª Edição; Curso de Extensão em
Administração Pública da Cultura; Curso de Extensão e Aperfeiçoamento em Gestão Cultural; Programa de
Apoio ao Desenvolvimento Cultural dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro (PADEC) - Curso de Formação
de Gestores Públicos e Agentes Culturais; Curso de Gestão Cultural - Formação de Gestores Culturais do Estado
da Paraíba; Curso para Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste 2ª Edição; Metodologia para
Formação de Gestores Culturais dos Estados e Municípios do Centro-Oeste; Curso de Capacitação ao Sistema
Municipal de Cultura; Curso de Extensão e Aperfeiçoamento em Gestão Cultural Oeste do Estado do Pará;
Curso de Extensão em Administração Pública da Cultura - EAD - Continuidade – Turmas Trimestrais; Curso de
Extensão em Gestão Cultural - Municípios do Estado de Roraima e Curso de Extensão e Aperfeiçoamento em
Gestão Pública da Cultura – Acre.
418
contato feito por e-mail177 em 2018 com a Coordenação de Apoio aos Entes Federados e
Formação de Gestores Culturais, da Secretaria de Articulação e Desenvolvimento
Institucional (SADI)/MinC, a coordenadora Luisa Galiza informou que esse projeto está em
fase de prestação de contas e que os resultados não serão publicados, mas analisados pela
coordenadoria e trabalhados internamente para aperfeiçoamento dos projetos de
qualificação da gestão cultural.
177
E-mail enviado por mim e respondido por Luiza Galiza em 10/07/2018.
419
realizada em Santa Catarina, foi entregue a Pedro Ortale, a Carta de Chapecó178, documento
elaborado e aprovado durante o VI Fórum Catarinense de Gestores Municipais de Cultura,
realizado em março daquele ano, com representantes de 90 municípios do estado. A Carta
era uma reivindicação dos gestores para implantação de medidas efetivas e aceleradoras
para a regulamentação do SNC. Era apontada no documento a falta de celeridade e não
empenho do Ministério em aprovar a estrutura legal do SNC que estava pendente.
Nessa gestão, foi dado continuidade a esse programa iniciado em 2011, com a
realização do projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais de cultura, por
meio da parceria da UFBA e da UFSC.
No caso da UFBA, a segunda edição iniciada em 2014 do Projeto EAD Planos Municipais
de Cultura prosseguiu até 2016, e as informações sobre o mesmo podem ser verificadas no
capítulo anterior.
Quanto à UFSC, o projeto voltado para os entes estaduais seguiu até março de 2016,
quando foi finalizada a sua terceira edição. Neste caso, foi dada assistência técnica a um
novo estado – Piauí – e a outros dois que já haviam participado de edições anteriores –
Amapá e Pernambuco. Segundo relatório elaborado pela equipe da UFSC (2016) 179, entre
dezembro de 2011 e março de 2016 o projeto sofreu seis Termos Aditivos e concedeu apoio
a 23 entes federados. Os únicos estados que não integraram o projeto foram: Amazonas,
Pará, Alagoas e Espírito Santo. Também segundo o relatório, até março de 2016, quatro
estados estavam com a minuta de Plano de Cultura tramitando no Poder Legislativo: Ceará,
Tocantins, Sergipe e Paraná; e oito estados tinham aprovado em lei seus respectivos Planos:
178
Informação disponível em: <
http://ammvi.org.br/noticias/index/ver/codMapaItem/42467/codNoticia/381870>. Acesso em jul. 2018.
179
Relatório disponibilizado por email em 09 de julho de 2018 pela Professora da UFSC Eloise Dellagnello,
responsável pela coordenação do Projeto.
420
Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande
do Sul e Espírito Santo, estado que não integrou o Projeto do MinC, mas teve acesso ao
material produzido pela UFSC e participaram de alguns seminários e rodas de conversa.
Vale destacar que em relação ao Plano Nacional de Cultura, entre 2014 e 2015, foram
realizadas reuniões no âmbito do Grupo de Trabalho MinC PNC para revisar as metas
previstas para serem alcançadas até 2020. O relatório produzido pelo GT foi submetido ao
CNPC e à apreciação de gestores públicos e da sociedade civil por meio de encontros
presenciais, do envio de comentários por e-mail, pelos Correios ou postagem na plataforma
digital do PNC. Foi realizado também consulta pública entre 1º de setembro de 2015 e 15 de
fevereiro de 2016 por meio da plataforma virtual
<http://pnc.culturadigital.br/revisaodasmetas>. De acordo com o relatório do MinC
(2016)180, a dinâmica foi a seguinte:
publicou um único processo seletivo com vários eixos e categorias, dessa vez os editais
foram individualizados. Cada setor do MinC vinculado à área temática era responsável por
elaborar o edital, acompanhar a avaliação das propostas apresentadas e cuidar do
conveniamento, acompanhamento, avaliação e prestação de contas dos convênios firmados.
A SAI era responsável pela fase da habilitação dos inscritos no Edital e por compor a
Comissão de Avaliação e Seleção (exceto no edital da Fundação Palmares).
Dentre os critérios de pontuação das propostas, foi previsto bonificação extra para os
municípios que no ato da inscrição apresentassem documentos comprobatórios de: lei de
criação do SMC; lei de criação do Conselho Municipal de Cultura (com atas comprovando
atuação nos últimos 12 meses); lei de criação do Plano de Cultura; e lei de criação do Fundo
Municipal de Cultura (com comprovação de aporte financeiro). Em alguns editais foi previsto
também pontuação extra para os municípios que tivessem Plano Municipal de Livro e
Leitura; que integrassem a Amazônia Legal (Custo Amazônico) e que apresentassem projetos
com ações afirmativas, beneficiando grupos discriminados e vitimados pela exclusão
socioeconômica e sociocultural. Todos os projetos inscritos deveriam ter período de
execução de até 24 meses. Cada município só podia apresentar uma única proposta por
Edital. O total de investimento previsto foi de quinze milhões de reais, oriundos do FNC, e foi
exigido contrapartida por parte dos municípios de 20% do valor total dos projetos
selecionados. O resumo dos quatro editais pode ser verificado a seguir:
contribuir para o cumprimento das Metas 01, 06, 22 e 23 do PNC. Para participar dessa
seleção, os municípios deveriam ter firmado convênio (em situação vigente ou encerrado)
ou estar em processo de, para implantação de Rede Municipal de Pontos de Cultura, o que
em agosto de 2015 contemplava 60 municípios, de acordo com tabela do edital. Os objetivos
específicos desse processo seletivo era fomentar 26 projetos apresentados por municípios
parceiros da Política Nacional de Cultura Viva, fortalecendo Redes Municipais de Pontos de
Cultura já existentes. Os projetos apresentados deveriam contemplar, ao menos, uma das
seguintes linhas de ação: a) Cursos e oficinas de gestão cultural; b) Teias Municipais –
Encontro de Pontos e Pontões de Cultura em âmbito municipal; c) Projetos de
empreendedorismo; d) Atendimento e orientação aos pontos, pontões e coletivos culturais;
e) Formação e intercâmbio com bolsas para os agentes comunitários de Cultura; f) Ações de
valorização e proteção de conhecimentos tradicionais e populares; g) Concessão de prêmios,
bolsas ou celebração de Termo de Compromisso Cultural. O valor total previsto para repasse
era de três milhões oitocentos e setenta mil reais. O resultado final da seleção foi publicado
por meio da Portaria nº 25, de 25 de abril de 2016. Apesar de o edital ter previsto a seleção
de 26 propostas, apenas nove foram selecionadas, e o investimento total do MinC foi de
menos da metade prevista.
181
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/edital-snc-sav/10883?>. Acesso em jul. 2018.
423
182
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/edital-snc-fundacao-cultural-palmares/10883>. Acesso em jul. 2018.
183
Resultado da seleção do edital coordenado pela FPC:
<http://www.palmares.gov.br/file/2016/04/RESULTADO-FINAL-EDITAL-SNC-01-2015.-SITE.pdf> . Acesso em jul.
2018.
184
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/edital-snc-dlllb/10883>. Acesso em jul. 2018.
424
em municípios que não possuíam este equipamento ou que pretendiam criar uma nova
biblioteca pública; ou (2) Modernização de Bibliotecas Públicas, dirigida à qualificação de
bibliotecas públicas municipais já existentes. O montante total envolvido no edital foi de
quatro milhões e duzentos mil reais. O resultado final foi publicado por meio de Portaria nº5,
de 10 de maio de 2016, que contemplou a seleção de 17 projetos, conforme fora previsto.
[...] qual era a ideia desse seminário, [...] a gente queria de fato apresentar
para o Juca, o novo ministro, e pra o grupo que veio com ele, inclusive com
o Vinícius, mas o Vinícius já defendendo a história do Sistema, o que estava
acontecendo no país e qual era o pensamento dos gestores sobre o
Sistema.
O acompanhamento das discussões feitas no Seminário é importante por permitir
observar compreensões, críticas e perspectivas colocadas por vários atores que participaram
do evento. Nesse sentido, o texto a seguir se debruçou sobre os discursos de alguns
participantes, especialmente aqueles que não foram entrevistados para esta tese ou que nas
entrevistas concedidas não abordaram determinados pontos desenvolvidos no Seminário.
425
O primeiro dia do encontro foi dedicado à cerimônia de abertura, que contou com as
presenças do ministro Juca Ferreira, de Pepe Vargas (ministro-chefe da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República), Vinícius Wu, Gemma Garbó (diretora cátedra Unesco
de Políticas Culturais e Cooperação, da Universidade de Girona/Espanha), professor Albino
Rubim e Leandro Anton (representante dos Pontos de Cultura do Rio Grande do Sul).
O segundo dia do Seminário foi dedicado à realização de dois painéis. O primeiro teve
por tema Gestão Pública da Cultura: Visão Sistêmica – descentralização e participação e
contou com a participação de: Lia Calabre, expositora e moderadora (FCRB/MinC); Jean
Pascal Quiles (Adido cultural da Embaixada da França em Brasília e coordenador setorial
nacional da França no Brasil); Gemma Garbó (da Espanha); Javier Royer (coordenador do
projeto Sistema Nacional de Museus, do Uruguai); Sandra Suescún Barrera (coordenadora da
Rede Nacional de Bibliotecas Públicas da Colômbia). O segundo painel teve por tema o
Sistema Nacional de Cultura: Um panorama do processo de estruturação – acúmulo, desafios
e perspectivas e contou com a presença de: Vinicius Wu (expositor e moderador), Carlos
Paiva (Sefic), Márcio Meira (então assessor especial do Ministério da Educação), Albino
Rubim, Leandro Anton e Silvana Meireles (nessa época secretária-executiva de Cultura do
Estado de Pernambuco).
No último dia do evento foram realizados mais dois painéis. O primeiro - Planos
Estaduais e Municipais de Cultura: Ferramentas de planejamento e participação social –
contou com a participação de: Guilherme Varella, expositor e moderador (SPC/MinC); Eloise
Dellagnelo (UFSC); Ernani Coelho Neto (UFBA); Pedro Santos (gerente executivo de
Articulação da Secretaria de Estado da Cultura da Paraíba) e Karl Marx (ator, dançarino e
produtor cultural que falou sobre a implantação do Sistema Municipal de Cultura de Serra
Talhada, Pernambuco). O segundo painel – Rodas de Conversa e Troca de Experiências sobre
Sistemas Estaduais e Municipais de Cultura – foi composto por Ivana Bentes, expositora e
moderadora (SCDC/MinC); Karla Martins (presidenta da Fundação de Cultura do Estado do
Acre); Guilherme Sampaio (secretário de Cultura do Ceará); Belchior Cabral (secretário de
Cultura de Uruaçu/Goiás) e Vanderlei Guollo (secretário de Cultura e Turismo de Campo
Novo/Mato Grosso).
O segundo a discursar foi Albino Rubim, que fez uma breve fala, já que estaria em
uma das mesas do Seminário no dia seguinte, mas, em síntese, Rubim ressaltou que o
Sistema Nacional de Cultura, mesmo nos momentos mais difíceis do Ministério, havia se
mantido enquanto política, deixando de ser um documento, uma proposta, para ganhar
428
força na sociedade, nos estados e nos municípios, tanto que havia conquistado uma
importante adesão e se consolidado como previsão constitucional. A questão agora era
cumprir com as expectativas e fazer com que o Sistema passasse a existir efetivamente, e,
portanto, a discussão deveria ser na perspectiva do avanço, de como se daria esse passo
adiante para tornar o Sistema mais concreto e mais efetivo. Em entrevistas feitas para a
tese, a fala de Rubim foi considerada por alguns atores como um contraponto à proposta
que a gestão Juca Ferreira procurava desenvolver para o Sistema.
Quanto à fala do ministro da Cultura Juca Ferreira, de início foi marcada por uma
pequena retrospectiva da situação do MinC durante o Governo Lula, destacando o processo
de diálogo com a sociedade civil, que participou da formulação de políticas públicas por
meio de conferências e debates, inclusive dos projetos de lei encaminhados pelo MinC ao
Congresso, o que teria provocado a criação de “uma massa crítica, um volume de
informação, e uma densidade de posicionamentos que mesmo quando quiseram acabar com
essas políticas públicas não foi possível” (FERREIRA, 2015c).
[...] então, por exemplo, nós temos trinta museus com o tema afro-
brasileiro, é possível organizar um sistema de museus afros para aprimorar
a gestão desses museus, para disponibilizar circuitos, para dar potência ao
que eles representam dentro da sociedade, então aí já é um subsistema de
um sistema geral. (FERREIRA, 2015c)
Especificamente em relação à participação da sociedade no SNC, o ministro declarou:
E é preciso ir até a sociedade, não articular só o que é do âmbito do Estado
porque se não a gente fica com um Delta X muito pequeno do todo cultural
e não é capaz, de fato, de representar o incremento e a mudança de
qualidade e garantir o desenvolvimento cultural para todo o país. Então é
preciso abrir a cabeça, vamos avançar nessa formulação porque nós
estamos vivendo um momento de repactuação com a sociedade civil
brasileira. (FERREIRA, 2015c)
Segundo Juca Ferreira, a participação da sociedade era fundamental na formulação,
execução e na avaliação de políticas públicas, e o Seminário era importante também neste
sentido, e o momento era o “de aprofundar esse Sistema e, de fato, criar um Sistema que
seja capaz de nos dar eficiência e eficácia” (FERREIRA, 2015c).
430
A fala de Vinícius Wu nesse painel foi pautada nos desafios e perspectivas para o SNC.
Segundo o secretário, era importante reconhecer os esforços feitos desde o início dos anos
2000 para a construção do Sistema.
Cultura quase exclusivamente através das leis de incentivo” (WU, 2015b); (4) baixo grau de
institucionalização de políticas públicas como políticas de Estado: “[...] em geral, muitas
ações são feitas de maneira descontínua, com baixa capacidade de tornar-se perenes, de se
tornarem políticas de Estado, e eu citaria, inclusive, as políticas de formação de gestores,
que ainda são muito frágeis do ponto de vista institucional” (WU, 2015b). Enquanto
perspectiva de iniciativas, Wu citou a ampliação e qualificação dos canais de participação
social:
A fala do professor Albino Rubim nesse painel está disponível na íntegra na publicação
sobre o Seminário. Em síntese, Rubim (2016b) falou da importância do SNC, que, dentre
outras contribuições, tornava a atuação do Ministério efetivamente nacional numa
perspectiva federativa com participação da sociedade civil e da comunidade cultural. Citou
que o SNC e PNC estruturam as políticas de Estado no campo da cultura “[...] mesmo não
sendo os programas de maior visibilidade do Ministério da Cultura” (RUBIM, 2016b, p. 17).
Discorreu sobre o alinhamento do SNC com políticas assumidas pelo MinC a partir de 2003,
pautadas na democracia, na promoção e preservação da diversidade cultural, “Por
conseguinte, sua construção se contrapõe a qualquer tentação ou tentativa de
homogeneização” (RUBIM, 2016b, p. 17).
O penúltimo a falar nesse painel foi Márcio Meira, cujo discurso está transcrito na
íntegra no livro publicado sobre o Seminário. Trechos desse discurso foram utilizados ao
longo do terceiro capítulo da tese, portanto aqui será feita apenas uma síntese. A primeira
parte da fala de Márcio Meira foi dedicada aos acontecimentos entre o final dos anos 90,
quando houve um movimento envolvendo pessoas mais próximas à ideologia da esquerda
para discutir sobre políticas culturais. Em seguida, Meira descreveu o processo de
construção do A imaginação a serviço do Brasil e destacou o surgimento da proposta do
SNC, na época denominado Sistema Nacional de Política Cultural. Outra parte do texto de
Meira foi dedicado à primeira gestão Gilberto Gil e à uma apresentação mais detalhada dos
passos dados pela SAI para a construção do SNC. Por fim, Márcio Meira relembrou que o
SNC era uma política de longo prazo e nesse sentido:
436
[...] agora nós temos um momento que eu considero crítico, é que o MinC
está construindo um discurso que contradiz tudo isso [o acúmulo do SNC
apresentado pelos expositores]... na fala aqui da SAI, ela reconhece o que já
foi feito, mas desqualifica o que já foi feito, desqualifica toda mobilização, a
consulta pública, as adesões ao Sistema, todo trabalho orientado pelo
próprio MinC, em um governo de continuidade [...] que quer mudar todo o
percurso que foi construído até agora. [...] o Sistema, com toda sua
dificuldade, tem uma importância muito maior dentro da construção e da
expectativa do povo brasileiro do que simplesmente uma vontade de
mudar o rumo. [...] Se não for feito uma reflexão nesse sentido, o MinC
erra, erra porque ele vai sustentar até o final do governo uma política
somente no discurso, ele não vai ter tempo de uma ação mais profunda, ele
não vai ter tempo, nós sabemos disso, [...] então tem quer ser revisto o
caminho que está sendo traçado, porque o discurso tá muito bem
construído, nós fazemos política, nós somos militantes, nós sabemos como
se constrói um discurso [...] (DORNELLAS, 2015)
Outra participante do Seminário que se manifestou nesta oportunidade foi Bernardo
Mata Machado, que na sua fala colocou três desafios para o SNC, uma de natureza
conceitual, outra quanto à divisão de atribuições entre os entes da federação e a terceira
sobre a participação do MinC como um todo em relação ao Sistema. De acordo com Mata
Machado (2015), em relação à questão conceitual, não era possível deixar de se refletir
sobre o papel do Estado na cultura, que ao contrário do consenso estabelecido no final da
ditatura do Brasil, produz cultura, e cabe a ele garantir a efetivação dos direitos culturais,
conforme o Art. 215 da Constituição Federal. O segundo desafio era sobre a divisão de
responsabilidades entre os entes federados, que segundo Mata Machado era muito mais
complexo na Cultura que em outras áreas, e nesse sentido, além de se debruçar sobre a
Constituição, era muito importante que o MinC instalasse rapidamente a Comissão
437
Apesar de Bernardo Mata Machado não ter participado como expositor no Seminário,
o conteúdo da sua fala foi publicada no livro que registou o evento. Em entrevista, Mata
Machado (2017) comentou que o texto publicado foi “uma resposta às críticas feitas ao
Sistema Nacional de Cultura, mas é especificamente uma resposta ao discurso de abertura
do Seminário feito pelo Juca, porque aí ele coloca os argumentos dele contrários ao Sistema”
(MATA MACHADO, 2017). Em sua opinião, as críticas de Juca Ferreira ao Sistema são
basicamente de duas ordens, uma de que o SNC engessa a cultura e a segunda de que as
ações privadas, da sociedade civil, no âmbito cultural são mais importantes que as ações
públicas. Quanto à primeira crítica, Mata Machado (2016) responde que a estrutura
institucional prevista no SNC está dirigida ao universo da política e da gestão cultural e que
seu objeto é dotar o Estado brasileiro de estrutura capaz de lhe fazer cumprir com as
obrigações previstas na Constituição Federal.
[...] a segunda crítica que ele [Juca Ferreira] faz é de que, ao contrário do
SUS, que as ações públicas são muito mais importantes que as ações
privadas, na cultura, a produção cultural é muito mais da sociedade do que
do Estado. Essa crítica é mais sofisticada. (MATA MACHADO, 2017)
Sobre essa perspectiva, Juca Ferreira (2018) fala:
gente pode até considerar as políticas educacionais como parte disso” (MATA MACHADO,
2017). A segunda questão é que tanto o SUS quanto o SNC preveem a cooperação entre
instituições públicas e privadas. “[...] está lá no artigo 216-A, está lá claramente entre os
princípios a cooperação entre os entes públicos e o privado.”(MATA MACHADO, 2017). Além
disso:
[...] tanto Juca quanto Gil concordam com a ideia básica do Estado
garantidor de direitos, isso eles concordam, o que eles não perceberam é
que para o Estado garantir direitos ele precisa se estruturar, e é essa
estrutura que é o Sistema Nacional de Cultura, nada mais (MATA
MACHADO apud BARBALHO, 201[?]).
Para Lia Calabre (2017), há realmente uma falta de entendimento por parte de Juca
Ferreira quanto ao Sistema, o que é compreensível porque tem questões que ainda não
foram respondidas.
[...] a primeira coisa que foi novamente colocada pelo Juca nessa gestão era
‘se precisávamos ter sistema, o que deveria ser o sistema? ou quem deveria
integrar o sistema? ou que formas sistêmicas deveriam ser essas?’ São
perguntas que ainda estão postas, que não estão respondidas. (CALABRE,
2017)
Na opinião de João Roberto Peixe (2017):
Depois que eu vim pra Minas eu mandei uma emenda [...] em que eu
defendia a possibilidade também de Planos Intermunicipais ou Planos
Regionais, que você juntasse alguns municípios... e defendi também que a
gente colocasse a figura do consórcio, não dentro dos componentes do
Sistema, mas que consórcios também poderiam ter, por exemplo, Planos de
Cultura... Consórcio de Cultura poderiam ter planos também consorciados.
(MATA MACHADO, 207)
De acordo com Pedro Ortale (2017), após o recebimento das críticas feitas pelos
representantes de entes subnacionais, o passo seguinte seria novamente submeter o PL ao
CNPC e “fazer uma consulta pública nacional sobre o Projeto de Lei do Sistema, só que a
gente saiu antes e aí acabou não acontecendo” (ORTALE, 2017). Em sua avaliação, de uma
maneira geral, a regulamentação do Sistema demorou muito para tramitar no âmbito do
Executivo e acabou ficando essa importante pendência na institucionalização da política:
440
[...] eu li rapidamente [...] o projeto de lei, mas ele tá numa versão, digamos
assim, mais desatualizada porque eu acho que a gente melhorou a redação
do projeto não fechando tanto algumas coisas, mas ele tá consoante com
aquele grupo de trabalho de 2009, então não dá para dizer que ele não é
um bom projeto, me parece que está bem interessante, principalmente as
questões de garantia das transferências na modalidade fundo-a-fundo,
enfim, ele não específica, o que eu acho inclusive bom pra deixar isso pra
um decreto de regulamentação. (ORTALE, 2017)
185
Tramitação disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2076622>. Acesso em jul.
2018
441
Ao longo da narração sobre o processo de construção do SNC feita nesta tese, por
diversas vezes foram pontuadas questões quanto ao financiamento do Sistema. Desde 2003,
a falta de garantia de recursos para financiar a política era apontada como um obstáculo a
ser superado. Diversos atores apontaram que o Sistema só poderia se efetivar e ser
realmente implementado com aplicação de recursos financeiros, especialmente feito por
meio do Fundo Nacional de Cultura, e notadamente por meio de transferência fundo-a-
fundo.
cultura apto a efetuar transferência direta fundo a fundo; II - plano de cultura em vigor no
prazo de até um ano após a publicação da Lei; e III - órgão colegiado oficialmente instituído
para a gestão democrática e transparente dos recursos, com composição paritária entre
sociedade e poder público, assegurada também a diversidade regional e cultural. O
pesquisador ressalta também que, ao contrário do SUS e SUAS, onde a transferência de
recursos é direta, regular e automática, no caso do SNC, o Procultura só previu que essa
transferência fosse direta.
Outra pendência que segue sem resposta para o SNC são os critérios de partilha dos
recursos. Segundo o documento Estruturação, Institucionalização e Implementação do
Sistema Nacional de Cultura (MINC, 2010a), dentre as competências previstas para a
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) estava a de pactuar a distribuição/partilha de
recursos destinados ao cofinanciamento das políticas culturais, baseados em critérios
públicos, pactuados na CIT e aprovados no CNPC. Como tal Comissão nunca foi nomeada
pelo Ministério, não se avançou nesse debate.
De acordo com Rubim e Paiva Neto (2017), o modelo de financiamento adotado para a
Cultura no Brasil a partir dos anos 90 vem gerando inúmeros problemas para a área, a
exemplo de concentração de recursos em determinadas regiões e fomento de certas
expressões artísticas e culturais em detrimento de outras, configurando um cenário de
grande desigualdade e desequilíbrio, desfavorecedor da promoção e proteção da
diversidade cultural. A predominância da lei de incentivo fiscal como principal mecanismo de
financiamento da cultura coloca em risco a consolidação de políticas plurais, capazes de
atender a uma diversidade de demanda por parte de múltiplos atores, além de impedir o
desenvolvimento de políticas estruturantes, como o próprio SNC, que depende
especialmente de recursos do Fundo Nacional de Cultura, ainda que não exclusivamente.
Vale ressaltar que apesar de o FNC ter crescido ao longo do governo Lula, chegando a 622
milhões de reais em 2010, em 2016 esse valor chegou a cair para 68 milhões. Em ambas as
443
situações, um volume de recursos muito menor do que o acionado pela isenção fiscal,
conforme gráfico a seguir.
Gráfico 07 – Comparativo entre os recursos mobilizados pelo FNC e pelo Incentivo Fiscal entre
1995 e 2016
R$2,0
Montante (bilhões de reais)
R$1,5
R$1,0
R$0,5
R$0,0
1996
2003
1995
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
FNC Incentivo fiscal
Além de mobilizar poucos recursos, o FNC apresentou limitações como: (1) ausência de
normativa que estabelecesse critérios mais claros sobre a decisão do uso do recurso e (2) a
possibilidade dele ser acionado para custear despesas decorrentes de projetos elaborados
pelo próprio Ministério. Parte desse problema decorre, por sua vez, da insuficiência dos
recursos orçamentários do Ministério, que nunca passou de 1% do orçamento federal. Em
resumo, apesar de todas as críticas dos dirigentes do Ministério a respeito do modelo de
fomento e financiamento da cultura no país, o mecanismo de incentivo fiscal continuou
prevalecendo.
Eu acho que a gente conseguiu vender a ideia dos tópicos [órgão gestor,
conferência, conselho, plano e fundo] para muitos estados e muitos
municípios. Agora, o Fundo vai além da governança da área da cultura
porque mexe com a Secretaria da Fazenda e com a Secretaria do
Planejamento, e existe uma resistência enorme desses órgãos, dos gestores
desses órgãos, em criar Fundo, em criar mecanismos que possam trazer um
pouco mais de autonomia financeira pra setores. (GAZZINELLI, 2016)
Vitor Ortiz (2017) relata a falta de clareza do Ministério sobre a distribuição dos seus
recursos financeiros, o que se reflete no baixo nível de execução orçamentária do órgão e na
sua possibilidade de ganhar a disputa por aumento de recursos:
Se isso fosse mais claro, a Cultura poderia até ser um pouco melhor
acolhida no pleito da disputa com outras áreas. Porque quando você está
batalhando recurso para a cultura lá no nível federal, você está lutando com
portos, aviação, aeronáutica, obras, estradas, ferrovias, etc., você está
lidando com essas áreas todas. (ORTIZ, 2017)
Na opinião de Silvana Meireles (2017), dada a situação orçamentária do Ministério, é
difícil que se efetive a descentralização de recursos para estados e municípios, como indica o
SNC: “Acreditar na possibilidade de existência de recursos na União suficientes para
descentralizá-los para estados e municípios, principalmente para quem acompanha os
orçamentos da cultura, tem sido um ato de fé, de fato” (MEIRELES, 2017).
[...] eu acho que o risco das frustrações [em relação aos entes subnacionais
que aderiram ao SNC e que seguem sem receber recursos] está exatamente
em a gente não ter conseguido colocar efetivamente como prioridade
orçamentária para o restante do Governo Federal, para o Ministério do
Planejamento, para área de finanças e áreas econômicas do governo, a
prioridade da ampliação do orçamento da cultura.
445
De acordo com João Roberto Peixe (2017), não há como pensar no SNC sem a
mobilização de recursos financeiros:
Para Paulo Miguez (2017) é assustador o fato de o MinC não ter conseguido avançar na
reforma do sistema de financiamento da cultura:
[...] estava tudo mapeado e até hoje está parado e o que sair dali a essa
altura é um Frankstein, todo mundo vai lá e cola alguma coisa, por quê?
como diria Gilberto Gil ‘idiossincrasias’, não é? esse preço a gente vai pagar
durante muitos anos...a mexida na Lei [Rouanet] era muito pequena para
atender a todas as questões, então, o problema é de outra natureza, foi
ficando, foi ficando e tanto quanto o Sistema está ai sem regulamentação.
(MIGUEZ, 2017)
Além de o Procultura ter recebido diversas emendas que colocam em xeque a sua
pretensão de alterar o modelo de financiamento da cultura no País, a possibilidade de
ampliar os recursos orçamentários do Ministério são pequenas diante do novo cenário do
Brasil. Para Vitor Ortiz (2017)
Uma série de questões propostas pela gestão para o SNC ficaram pendentes, não só
iniciativas inéditas, mas também antigas, como a aprovação do Projeto de Lei que
regulamentaria o SNC e o cumprimento da promessa do repasse de recursos fundo-a-fundo
a estados e municípios. Segundo Juca Ferreira (2018), a perspectiva que a sua nova gestão
448
planejava dar ao Sistema foi iniciada: “nós estávamos começando a trabalhar, mas não
tivemos temos porque o golpe pegou a Dilma... eles começaram a conspirar dois dias depois
dela ter sido eleita e o tempo foi curto”. (FERREIRA, 2018)
Para Juca Ferreira (2018), o processo de construção de políticas públicas para a cultura
iniciado em 2003, na gestão de Gilberto Gil, teve uma intensa participação social, o que
contribuiu para a formação de uma base mobilizada em torno da instituição: “[...] nós
começamos do zero, foi um projeto ousado, nós tivemos a coragem de enfrentar todos os
nichos de privilégios e demos um retorno político importante para o governo porque esse
processo gerou uma base muito mobilizada” (FERREIRA, 2018). E, nesse sentido, em sua
opinião, tal base contribuiu para a resistência manifestada contra a extinção do MinC no
Governo Michel Temer:
CONCLUSÃO
de gestão marcado pela presença de atores de origens diversas, que disputavam espaço
dentro do Ministério. Tais atores atuaram em muitos episódios de maneira contraditória e
até em oposição. Mas, apesar disso, houve no período de 2003 a 2006 certa estabilidade no
ambiente interno do MinC que possibilitou o desenvolvimento de diversas ações, algumas
delas relacionadas ao SNC, a exemplo da I Conferência Nacional de Cultura. Ou seja, apesar
de existir tensões entre atores próximos ao grupo do PT, ao secretário executivo Juca
Ferreira e ao ministro Gilberto Gil, isso não acarretou na paralisação do Ministério da
Cultura. Acionando a perspectiva traçada por Crozier e Friedberg, isso se justificaria porque,
apesar de os integrantes de uma organização terem objetivos distintos, eles são capazes de
se mobilizarem para atuar de forma favorável ao funcionamento da instituição, comungando
de princípios e objetivos maiores.
componente basilar do SNC que estava sob os cuidados da SPC. Quando os dirigentes de tais
secretarias passaram a atuar de forma mais afinada, outro nível de relação entre Sistema e
Plano passou a existir. Isso foi fundamental, por exemplo, para que a SAI, e não a SPC,
ficasse responsável pela coordenação do projeto de apoio à elaboração de planos municipais
e estaduais de cultura. Vale destacar que o fato de o SNC ser uma proposta que demandou
permanentes e contínuos investimentos por parte do Ministério, que não chegaram a
acontecer, certamente contribuiu para essa resistência interna. A disputa por recursos
financeiros que ambientavam o órgão, especialmente notada no âmbito do Fundo Nacional
de Cultura, e a existência de interesses sedimentados em determinados espaços
institucionais, criavam um ambiente clivado por concorrência interna, o que desfavoreceu a
criação de ações compartilhadas no âmbito do Sistema.
A pesquisa também revelou que um dos motivos para essa resistência ao SNC
decorria da sua perspectiva de fomentar a descentralização de políticas culturais. O Sistema,
em síntese, requer por parte do MinC a implantação e o desenvolvimento de um modelo de
gestão que possa gerar compartilhamento de poder, incorporando distintos atores que
devem atuar de forma cooperada, atores que integram tanto a esfera pública como a
privada. Entretanto, observou-se uma postura preponderantemente avessa do Ministério à
descentralização de poder em torno de políticas culturais. Mesmo quando havia
mecanismos para tanto, o órgão continuou centralizando as decisões no âmbito federal, a
exemplo da não utilização de dispositivo do Decreto nº 5.761/2006, que regulamenta o
Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), e que prevê a possibilidade de estados e
municípios participarem das atividades de acompanhamento e avaliação de iniciativas
financiadas pelo MinC. Vale registrar que, de maneira geral, a atuação coordenada e
cooperada por parte dos entes federados no desenvolvimento de políticas sistêmicas
enfrenta diversos tipos de adversidades no Brasil. Historicamente o país concentrou o poder
no nível federal, com o governo central ditando regras e modelos com pouco ou nenhum
diálogo com estados e municípios. No caso da cultura, o primeiro intento de construção de
uma política nacional mais articulada, o PNAC (1975), se deu justamente em um momento
de ausência de autonomia por parte dos entes subnacionais. Ainda que o regime militar
tenha formalmente mantido o modelo de Estado federado no país, na prática os princípios
do federalismo estavam completamente comprometidos. Nesse sentido, o SNC é o primeiro
457
Outro aspecto apontado na pesquisa foi que, para além dos esforços da SAI em torno
das dimensões normativa e conceitual do Sistema, pouco foi feito em termos de sua
operacionalização. Repasse de recursos para os entes subnacionais só foi ocorrer a partir da
publicação do Edital de Fortalecimento, em 2014 e 2015, com a importante ressalva de: não
ter sido efetuado por meio de transferência fundo-a-fundo, tradicionalmente o principal
mecanismo de financiamento de políticas sistêmicas no Brasil; de mobilizar um volume de
recursos pequeno; e de ter atingido poucos estados e municípios. O Programa Mais Cultura,
este sim mobilizador de um significativo volume de recursos financeiros e envolvendo vários
entes subnacionais na consecução de seus projetos e ações, originalmente não tinha
vinculação com o SNC e a aproximação entre ambas as políticas era mais discursiva do que
efetiva, conforme declarações dos atores entrevistados. A implementação de ações voltadas
para o SNC praticamente só foram ocorrer mediante o Programa Nacional de Fortalecimento
Institucional dos Órgãos Gestores de Cultura (criado em 2011 e instituído a partir de 2012),
que integrou o projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais de cultura; o
projeto de apoio técnico para o desenvolvimento dos sistemas de cultura; e o projeto de
apoio à formação de gestores e conselheiros de cultura. Foi por meio desses projetos que a
SAI conseguiu mobilizar um pouco mais de recursos humanos e financeiros para o SNC. Vale
ressaltar que um dos aspectos positivos desse Programa foi a sua permanência ao longo das
gestões, que mantiveram, ainda que em diferentes níveis de investimento, ações relativas ao
mesmo.
Apesar de o SNC ter acionado poucos recursos e ações efetivas, a adesão por parte
de estados e municípios à política foi significativa: até 2017, aproximadamente 45% dos
municípios e 96% das Unidades Federadas. Certamente isso contribuiu para que o SNC tenha
sido mantido pelo MinC, ainda que em ritmos diversos. Uma passagem que ilustra a
apropriação do SNC por parte de gestores públicos de estados e municípios foi a tentativa de
alterar o seu rumo de construção ensaiado na segunda gestão Juca Ferreira. As novas
perspectivas traçadas pelo ministro e secretário de Articulação Institucional Vinícius Wu,
expostas durante o Seminário Internacional Sistemas de Cultura (2015), foram objeto de
críticas contundentes. Parte das falas contrapostas nesse encontro era de reconhecimento
de todo o processo de construção do SNC e de reinvindicação para o avanço do mesmo por
meio de medidas efetivas, e não da alteração do rumo da política considerando, inclusive,
459
Por fim, as considerações apontadas ao longo dessa tese revelaram que diversos
fatores colaboraram para que o SNC fosse construído de maneira intermitente, com ritmos
diferenciados ao longo das gestões Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Hollanda, Marta
Suplicy e Juca Ferreira. Contribuíram para isso tanto elementos da realpolitik – como
desavença pessoal, disputa por cargos e por apoio político, interesse em políticas que
garantissem retorno de imagem etc. –, como dificuldades inerentes a uma política pública de
tal envergadura. O SNC possui elevado grau de complexidade, e especialmente por estar
assentado em uma perspectiva federativa, democrática e republicana, requer profundas
mudanças no ambiente que envolve a gestão pública de cultura do país.
460
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Alexandre Barbalho.
MEIRELES, Silvana. Silvana Meireles: depoimento [out. 2014]. 1 arquivo .mp3 (70 min).
Entrevistador: BARBALHO, Alexandre Almeida. Entrevista concedida para a pesquisa de
Alexandre Barbalho.
MIGUEZ, Paulo. Paulo Miguez: depoimento [abr.201?]. 1 arquivo .mp3 (60 min).
Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.
ORTALE, Pedro Sérgio Lima. Pedro Ortale: depoimento [nov.2017]. 1 arquivo .mp3 (56 min).
Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.
ORTIZ, Vitor. Vitor Ortiz: depoimento [nov.2017]. 1 arquivo .mp3 (90 min). Entrevistadora:
ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.
PEIXE, João Roberto. João Roberto Peixe: depoimento [mai.2017]. 2 arquivos .mp3 (300
min). Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de
doutorado.
PINTO, Sérgio de Andrade. Sérgio Pinto: depoimento [abr.2018]. 1 arquivo .mp3 (100 min).
Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.
482
483
do ministro Juca Ferreira no MinC. Entre julho de 2016 e agosto de 2017, trabalhou na
Fundação Pedro Calmon, na Secretaria de Cultura da Bahia. A partir de 2017 passou a
exercer o cargo de assessor especial do secretário de Cultura do município de Belo
Horizonte, Juca Ferreira.
[Entrevistado por Skype em 24/02/2018]
Isaura Botelho
Pesquisadora e consultora da área de cultura. Graduada em Literaturas Vernáculas pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também cursou Mestrado em
Comunicação, finalizado em 1981. Fez Mestrado profissional em Politiques Culturelles et
Action Artistique pela Universite de Bourgogne/França, entre 1991 e 1992. Em 1996
concluiu Doutorado em Ação Cultural na Escola de Comunicações e Artes da USP e em 1999
fez um pós-doutorado no Département des études de la prospective et statisques (DEPS) do
Ministério da Cultura da França. Entre 1978 e 1996 trabalhou na Funarte, onde chefiou a
Assessoria Técnica de 1982 a 1985. Acompanhou a criação do Ministério da Cultura e
participou de seus quadros, a partir de 1985, auxiliando na implantação de seu primeiro
desenho institucional e assumindo, em 1988, a Secretaria de Apoio à Produção Cultural. De
1996 a 2001 trabalhou na Fundação Biblioteca Nacional. Entre 2000 e 2003 foi pesquisadora
no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. De 2001 a 2005 trabalhou na Fundação
486
Memorial da América Latina. Entre 2003 e 2005 foi gerente de Planejamento, Pesquisa e
Avaliação na Secretaria de Políticas Culturais do MinC, na gestão Gilberto Gil. Integrou, como
consultora convidada, o Grupo de Trabalho do Sistema Nacional de Cultura em 2009, na
SAI/MinC, e participou como coordenadora de cursos de formação de gestores do SNC.
[Entrevistada pela pesquisadora Luana Vilutis, em Salvador/BA, em 18/11/2016, a partir de
roteiro de entrevista encaminhado por mim]
2015 e maio de 2016 foi ministro da Cultura do Brasil. Em 2017 assumiu a Secretaria de
Cultura de Belo Horizonte.
[Entrevistado por Skype em 13/02/2018]
Integrados, período em que a SAI foi dirigida por João Roberto Peixe, Bernardo Mata
Machado, Marcelo Pedrosa e Vinicius Wu.
[Entrevistado por WhatsApp em 21/11/2017] [Pedro Ortale respondeu a questões pontuais
enviadas por e-mail entre 2017 e 2018]
Silvana Meireles
Possui graduação em Engenharia Elétrica e especialização em políticas culturais pela
Universidade Federal de Pernambuco. Funcionária pública da Fundação Joaquim Nabuco
(Fundaj), instituição de pesquisa vinculada ao Ministério da Educação. Na Fundaj dirigiu o
Centro Cultural Mauro Mota entre 1988 e 1998 e a Superintendência do Instituto de Cultura
de 1998 a 2003. Em 2003, por meio de um convênio de cooperação técnica entre o MEC e o
MinC, integrou a Representação Regional Nordeste do MinC, sediada em Recife/PE. Em 2005
assumiu a gerência de Relações Institucionais na Secretaria de Articulação
Institucional/MinC, então dirigida por Márcio Meira. Em 2007, a convite de Juca Ferreira,
assumiu a Chefia de Gabinete da Secretária Executiva. Entre outubro de 2008 e fevereiro de
2011 foi secretária de Articulação Institucional, na gestão do ministro Juca Ferreira. Entre
2011 e 2014 foi diretora de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundaj, período em que
essa Fundação apoio a realização de cursos de formação de gestores do SNC. Em janeiro de
2015 assumiu a Secretaria Executiva da Secretaria de Cultura de Pernambuco, no governo
Paulo Câmara (PSB/PE).
489
Vitor Ortiz
Jornalista e gestor cultural. Estudante do curso de História da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Especialista em gestão cultural pelo Observatoire des Politiques
Culturelles (Grenoble/França). É servidor de carreira da Secretaria Municipal de Cultura de
Porto Alegre/RS desde 1994. Filiado ao Partido dos Trabalhadores. Coordenou o processo de
formulação do documento Agenda 21 da Cultura. Foi vereador da cidade de Viamão pelo PT
no ano 2000. Foi secretário de cultura nas cidades gaúchas de: Viamão (1997-2000), Porto
Alegre (2002-2004) e São Leopoldo (2009-2010). No MinC, foi um dos diretores da Funarte,
então dirigida por Antônio Grassi, na gestão do ministro Gilberto Gil. Dirigiu a Gerência
Regional da Empresa Brasileira de Comunicação, no Rio de Janeiro. Foi diretor de relações
institucionais da Bienal de Artes Visuais do Mercosul. De janeiro de 2011 a outubro de 2012
assumiu a Secretaria Executiva do MinC, na gestão Ana de Hollanda.
[Entrevistado por Skype em 22/01/2017]
1 – Apresentação do entrevistado
Como foi a sua participação no Ministério da Cultura? Que cargos você ocupou? Quais foram
as principais atividades que participou ou desenvolveu? Em relação ao Sistema Nacional de
Cultura, que papel você desempenhou especificamente?
2.2 Por que não se avançou na instalação da CIT e na definição das competências e
responsabilidades dos entes federados? Como as diferenças regionais influenciaram no SNC?
Qual a sua opinião sobre a repetição dos componentes do SNC nos três níveis de governo?
Você acredita que o SNC foi construído verticalmente, a partir dos interesses da União?
3.1 Quando e como surgiu a ideia de se criar um sistema nacional de cultura? quem
participou desse processo? Quais referências guiaram a formulação do SNC? O sistema
imaginado naquela época foi o mesmo aprovado como Emenda Constitucional em 2012?
Quais eram as expectativas para o desenvolvimento da política após a vitória do presidente
Lula da Silva, em 2002?
3.3 Como era a relação da SAI com outros setores do Ministério, a exemplo da
Secretaria Executiva, Gabinete do Ministro, Secretaria de Políticas Culturais etc. Como o SNC
era percebido por outros dirigentes do MinC? Como as Representações Regionais atuaram
em torno do SNC? Você acredita que as gestões do MinC no período de 2003 a 2016 foram
de continuidade?
3.6 Qual a sua opinião sobre o desenho do SNC previsto no Art. 216-A da Constituição
Federal? Como foi o processo de adesão de estados e municípios ao Sistema? Em sua
avaliação, o que faz um ente subnacional aderir ao SNC? Por que o percentual de adesão ao
SNC é alto? Que tipo de fala era utilizada pelo MinC para conseguir essas adesões? Havia no
discurso da SAI a vinculação da adesão ao SNC ao acesso a recursos do FNC?
3.7 Como era a relação do MinC com os deputados e senadores que tratavam de
matérias da área da cultura? Quem era o interlocutor ou os interlocutores do Ministério
nessa relação? Como foi a tramitação da PEC do SNC na Câmara dos Deputados e no
Senado? Como foi o processo de votação? Em sua opinião, qual importância tem o SNC estar
inscrito na Constituição Federal? Por que o Projeto de regulamentação do SNC não chegou
ao Congresso? Que fatores impediram a tramitação do mesmo?
3.8 Qual sua avaliação geral sobre o SNC? Você acredita que as metas do PNC serão
atingidas? O que o SNC tem de positivo e negativo, de potencialidade e fragilidade? Quais
suas expectativas para o seu desenvolvimento nos próximos anos?
493
Objeto
Estabelecer as condições e orientar a instrumentalização necessária para a implantação do Sistema
Nacional de Cultura – SNC no âmbito dos estados e municípios
Conceito do SNC
constitui-se de um processo de articulação, gestão e de promoção conjunta de políticas, tendo como
objetivo geral formular e implantar políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes,
pactuadas entre os entes da federação e sociedade civil, promovendo o desenvolvimento social com
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional.
Objetivos específicos do SNC
a) promover parcerias entre os setores público e privado nas áreas de gestão e de promoção da
cultura;
b) promover o intercâmbio entre os entes federados para a formação e capacitação de pessoas, e
circulação de bens e serviços culturais;
c) estabelecer um processo democrático de participação na gestão das políticas e dos
investimentos públicos na área cultural;
d) implementar políticas públicas que viabilizem a cooperação técnica entre os entes federados
na área cultural;
e) articular e implementar políticas públicas que promovam a interação da cultura com as demais
áreas sociais, destacando seu papel estratégico no processo de desenvolvimento social;
f) promover agendas e oportunidades de interlocução e a interação entre as áreas de criação,
preservação, difusão e os segmentos da chamada indústria cultural.
COMPROMISSOS PACTUADOS entres os entes
a) formulação e implantação do Plano Nacional de Cultura;
b) implantação dos sistemas de cultura nas respectivas esferas administrativas;
c) efetivação dos planos de cultura nas respectivas esferas de suas competências;
d) criação, instalação, implementação e/ou fortalecimento dos conselhos de política cultural de forma
integrada;
e) implantação das conferências de cultura no âmbito de suas competências;
f) implantação e/ou fortalecimento dos sistemas de financiamento específicos para cultura, nas suas
esferas administrativas;
g) integração e otimização dos recursos financeiros destinados às políticas culturais;
h) implantação de sistemas setoriais das diversas áreas da cultura - bibliotecas, museus, centros
culturais, artes em geral, patrimônio cultural, entre outras - com participação e controle social;
i) implantação e disponibilização democrática do Sistema Nacional de Informações Culturais,
constituído de bancos de dados sobre bens, serviços, programas e instituições de natureza cultural;
j) implementação integrada de programas e projetos de capacitação e aprimoramento de setores e
instituições culturais específicos;
k) cooperação técnica para a realização de planejamento estratégico, no âmbito do Sistema Nacional
de Cultura;
l) articulação das diversas redes/setores da cultura brasileira;
m) facilitação do fluxo de projetos culturais em circuitos nacionais;
n) criação e implantação, ou manutenção de órgão específico de gestão da política cultural no âmbito
do Município. [Protocolo do Município]
RESULTADOS esperados
a) plano nacional de cultura implantado;
b) sistemas de cultura implantados nas respectivas esferas administrativas;
494
Subcláusula Primeira – A elaboração do Plano de Ação deverá ser realizada em comum acordo entre as
partes no prazo máximo de noventa dias, a partir da publicação no Diário Oficial da União. [Estados]/ A
elaboração do Plano de Ação deverá ser realizada em comum acordo entre as partes no prazo máximo
de cento e vinte dias, a partir da publicação no Diário Oficial da União.[Municípios]/ A elaboração do
Plano de Ação deverá ser realizada em comum acordo entre as partes no prazo máximo de sessenta
dias, a partir da publicação no Diário Oficial da União [Municípios de MG].
de metas culturais;
l) Manter em atividade o PRONAC [Municípios];
Obrigações do ente subnacional
a) criar condições de natureza legal, administrativa, participativa e orçamentária para sua integração
ao SNC;
b) integrar-se ao SNC [Estados/Municípios]; Integrar-se ao Sistema Estadual de Cultura
c) consolidar o Plano Estadual de Cultura [Estados]; Consolidar o Plano Municipal de Cultura
[Municípios];
d) assegurar o funcionamento do Conselho estadual de política cultural [Estados]; Assegurar o
funcionamento ou implementar o Conselho municipal de política cultural [Municípios];
e) manter o Fundo de Investimentos Culturais - FIC; [Estados]; Criar e implantar; ou manter e
assegurar Fundo Municipal da Cultura [Municípios];
a) realizar a Conferência Estadual de Cultura, previamente à primeira Conferência Nacional [Estados];
Realizar a primeira Conferência Municipal de Cultura, previamente à primeira Conferência Estadual
e Nacional [Municípios]
f) apoiar a realização das conferências nacional e municipais de Cultura [Estados]; Apoiar a realização
das conferências estadual e nacional de Cultura [Municípios];
g) compartilhar recursos para a execução de ações, programas e projetos culturais no âmbito do
SNC;
h) compartilhar informações junto ao Sistema Nacional de Informações Culturais disponibilizado pela
União;
i) implantar e regulamentar as normas específicas estaduais dos sistemas setoriais de cultura
[Estados]; Implantar e regulamentar as normas específicas dos sistemas setoriais de cultura
[Municípios];
j) cumprir as metas e prazos definidos no planejamento estratégico do Sistema Nacional de Cultura;
b) apoiar, no que couber, a integração/consorciamento de Municípios para a promoção de metas
culturais conjuntas [Estados]; Realizar a integração/consorciamento de Municípios para a
promoção de metas culturais conjuntas [Municípios]; No de Minas não tem isso, consta: cumprir as
metas e prazos definidos no planejamento estratégico do SNC;
CONFERÊNCIAS
As Conferências de política cultural deverão ser convocadas pelo Poder Executivo, no âmbito das
respectivas esferas de atuação, com a finalidade de definir respectivamente as diretrizes e prioridades
dos planos de cultura.
CONSELHOS
Os conselhos de política cultural referidos na alínea “d” da Cláusula Quarta constituem espaços de
pactuação de políticas necessárias para implantação do SNC, tendo em regra geral, representação
paritária governo-sociedade, possuindo caráter deliberativo e consultivo, apresentando pelo menos as
seguintes competências:
a) elaborar e aprovar os planos de cultura a partir das orientações aprovadas nas conferências, no
âmbito das respectivas esferas de competência;
b) acompanhar a execução dos respectivos planos de cultura;
c) apreciar e aprovar as diretrizes dos Fundos de Cultura no âmbito das respectivas esferas de
competência;
d) fiscalizar o cumprimento das diretrizes e instrumentos de financiamentos da cultura.
VIGÊNCIA
O prazo de vigência do presente Protocolo é da data de sua celebração até 31 de dezembro de 2006,
podendo ser prorrogado, subseqüentemente, mediante termos aditivos
496
497
O quadro a seguir foi elaborado com base no relatório do MinC de 2008, nas 78 edições do
“Informativo Mais Cultura” referentes ao período de 05 de janeiro de 2009 a 02 de julho de
2010186 (disponíveis no blog do Programa) e na apresentação187 da SAI que apresentou
alguns números de 2009 e expectativas para 2010.
186
Por conta da Lei Eleitoral, a publicação do Informativo foi interrompida em julho.
187
Disponível em: http://mais.cultura.gov.br/files/2009/02/apresentacaomaiscultura-3.pdf>. Acesso em nov.
2010.
188
De acordo com o MinC, aproximadamente nove mil iniciativas foram fomentadas até 2010, totalizando
investimento de cerca de R$ 700 milhões.
498
Os agentes estariam
integrados às Total da ação:
bibliotecas públicas
municipais e R$ 30,3 milhões
escolares, bem como
aos Pontos de Leitura
e ao projeto Arca das
Letras do Ministério
do Desenvolvimento
Agrário.
Pretendia promover a Em 2008, 215 iniciativas foram Cada Potinho de
política nacional de contempladas, dessas 27 Cultura recebia um
transmissão e concentravam-se nos Territórios prêmio no valor de
preservação da da Cidadania e 93 em áreas do R$ 18.000,00.
Cultura da Infância e Pronasci.
da Adolescência,
Em agosto de 2009 foi realizado o
através de ações que Investimento/MinC
fortalecessem os I Encontro Nacional dos 2008: R$ 3,87
Pontinhos de Pontinhos de Cultura/Espaço de milhões.
direitos da criança
Cultura/ Brincar com o objetivo de
segundo o Estatuto da
Espaços de Criança e do promover discussões sobre a
Brincar Mais Adolescente, cultura da infância e da
Cultura sensibilizando e adolescência.
capacitando Em 2009 foi planejado o
profissionais de lançamento de editais para
instituições para a contemplar 551 Pontinhos de
implantação e/ou Cultura.
continuidade de ações
lúdicas. Para 2010 a expectativa era
atingir 865 projetos.
500
Pretendia facilitar o
acesso dos
Vale Cultura trabalhadores aos
produtos e serviços
culturais através de
um vale de R$ 50 por
mês. Esse dinheiro
poderia ser utilizado
para ingressos em
espetáculos, aquisição
de livros, CDs, DVDs
etc.
189
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2010/06/08/direito-a-memoria/>. Acesso em: nov. 2010
506
190
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2010/05/24/ponto-de-memoria/>. Acesso em: nov. 2010
191
Disponível em: <http://becocultural.com.br/?p=8727/>. Acesso em novembro de 2010
507
região Norte.
192
Informação obtida em: <http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/37/>. Acesso em jun. 2018.
510
básico (MinC, 2010a), a recomendação foi pensada a partir das experiências de conselhos já
instituídos e visa dar maior coerência com a racionalidade pretendida pelo Sistema. Também
é indicado mecanismo de escolha para representação da sociedade civil, devendo ser
observada a participação das diversas áreas artísticas e culturais, o critério regional e o fluxo
entre os sistemas federativos de cultura. Assim, por exemplo, na escolha ou eleição da
representação da sociedade civil para os Colegiados Setoriais (que integram o CNPC), devem
ser considerados os respectivos colegiados/fóruns na esfera estadual, e este considerar o da
esfera municipal, conforme figura a seguir.
publicado pelo Ministério, não foi absorvida. Apesar de estar no tom de “sugestão”, o MinC
indica o caráter, tipo e modelo de composição dos conselhos a serem adotados pelos
estados e municípios sem propor uma reflexão mais profunda sobre a coerência entre o
modelo proposto e o contexto local onde o mesmo estará inserido.
Para Adélia Zimbrão (2013), uma das importâncias das conferências nacionais é a
potencialidade de influenciar o Poder Legislativo. Porém, isso se torna fragilizado por não
haver método de processamento das decisões dos encontros por parte do MinC, nem canais
formais para o encaminhamento das resoluções. Nesse ponto, o SNC teria papel
fundamental.
A autora chama atenção, ainda, para o fato dos temas e dos textos bases das
conferências serem elaborados pelo Ministério da Cultura, que pautam todo o processo. De
opinião semelhante, Ana Aragão (2013) afirma que os participantes, apesar de levarem suas
demandas e serem ouvidos, aderem a uma pauta preestabelecida pelo Ministério. Porém,
isso não desvalorizaria as conferências que “[...] além de proporcionar um grande encontro
dos mais diversos sujeitos envolvidos no setor, pode fomentar a criação de outros espaços
de articulação mais constantes, a exemplo dos colegiados, com poder de fala e de
deliberação [...]”. (ARAGÃO, 2013, p.86).
(5) Planos de cultura: instrumentos de gestão pública que tem por finalidade
estabelecer um conjunto de ações a serem executadas durante dez anos. Os planos devem
ser elaborados pelos órgãos gestores da política considerando as deliberações das
conferências de cultura, e devem apresentar a seguinte estrutura: diagnóstico do
desenvolvimento da cultura; objetivos gerais e específicos; diretrizes e prioridades
deliberadas; ações e estratégias necessárias para sua implantação; metas; resultados e
impactos esperados; recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis e necessários;
mecanismos e fontes de financiamento; estruturação e programação da rede de
equipamentos culturais; indicadores de monitoramento e avaliação; e espaço temporal de
execução.
193
Informação disponível em: <http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/1/>. Acesso em jun. 2018.
514
(7) Programa Nacional de Formação na Área da Cultura: tem por objetivo estimular e
fomentar a qualificação nas áreas consideradas mais relevantes para o funcionamento do
SNC, permitindo a capacitação de gestores e conselheiros de cultura. De acordo com Albino
Rubim (2008b), havia a ausência de uma política sistemática de formação voltada para os
organizadores da cultura. Situação não enfrentada devidamente pelo MinC nos primeiros
anos da gestão de Gilberto Gil/Juca Ferreira. De acordo com Rubim (2008b), a pouca
visibilidade do assunto no relatório do primeiro mandato e no programa do segundo
refletem esse desinteresse. Além disso, o autor pontua que no PNC, apesar do tema
aparecer diversas vezes, não havia proposta de programa integrado na área de formação.
194
Informações disponíveis em: <http://www.cultura.gov.br/sefac-secretaria-de-educacao-e-formacao-
artistica-e-cultural>.
516
devem ser enviados aos Conselhos Municipais, à CIT e ao CNPC, para conhecimento. Dentre
as competências previstas para as CIBs estão: