ROCHA, Sophia Cardoso - Tese de Doutorado SNC

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS


PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CULTURA E SOCIEDADE

DA IMAGINAÇÃO À CONSTITUIÇÃO: A TRAJETÓRIA DO SISTEMA


NACIONAL DE CULTURA DE 2002 A 2016

por

SOPHIA CARDOSO ROCHA

Orientador: Prof. Dr. ANTÔNIO ALBINO CANELAS RUBIM

SALVADOR,
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS
PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
CULTURA E SOCIEDADE

DA IMAGINAÇÃO À CONSTITUIÇÃO: A TRAJETÓRIA DO SISTEMA


NACIONAL DE CULTURA DE 2002 A 2016

por

SOPHIA CARDOSO ROCHA

Orientador: Prof. Dr. ANTÔNIO ALBINO CANELAS RUBIM


Co-orientador: Prof. Dr. ARTURO RODRÍGUEZ MORATÓ

Tese apresentada ao Programa


Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade do Instituto de
Humanidades, Artes e Ciências como parte
dos requisitos para obtenção do grau de
Doutora.

SALVADOR
2018
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA),
com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Rocha, Sophia Cardoso


Da Imaginação à Constituição: a trajetória do Sistema
Nacional de Cultura de 2002 a 2006 / Sophia Cardoso
Rocha. -- Salvador, 2018.
517 f. : il

Orientador: Antônio Albino Canelas Rubim.


Coorientador: Arturo Rodríguez Morató.
Tese (Doutorado - Programa Multidisciplinar de Pós-
graduação em Cultura e Sociedade) -- Universidade
Federal da Bahia, Instituto de Humanidades, Artes e
Ciências Professor Milton Santos, 2018.

1. Cultura. 2. Sistema Nacional de Cultura. 3.


Federalismo. 4. Políticas públicas. I. Rubim, Antônio
Albino Canelas. II. Morató, Arturo Rodríguez. III.
Título.
À minha mãe, que partiu, e ao meu filho, que chegou.
AGRADECIMENTOS

Entre 2012, quando decidi elaborar o projeto de pesquisa para desenvolver no doutorado, e
2018, quando finalizei a tese, passei por muitos momentos no quais contei com o apoio de
uma infinidade de pessoas. Para percorrer esse longo caminho, tive a felicidade de ter
sempre ao lado familiares, amigos, colegas e professores, aos quais gostaria de agradecer.

A Bruno, meu companheiro e amigo.

Ao meu filho, Heitor, que chegou no meio dessa trajetória para deixar o que era difícil quase
impossível, mas que me fez ultrapassar todas as barreiras com muito mais alegria e
esperança.

Aos meus familiares, especialmente meu pai, minha irmã Tita, meus irmãos Bobó e Júnior, e
meus sobrinhas e sobrinhos, que apesar da distância oceânica, sempre estiveram ao meu
lado. E aos novos familiares que Bruno me trouxe, especialmente Tel, Jaque e Cris.

Aos meus amigos da Adecult, especialmente Carol, Dani e Paula; aos que (re)encontrei em
Barcelona, Adalberto, Elisa, Carol e Álvaro; as queridas amigas Acylene e Leda; e aquelas da
vida inteira, Beth, Carol, Jéssica e Nanda.

Aos colegas, professores e funcionários da Universitat de Barcelona, Marc, Mariano, Matías,


Victoria e Maité. E, especialmente, ao querido professor Arturo Morató, que me acolheu no
Doutorado Sanduíche e aceitou participar como co-orientador dessa tese, contribuindo
enormemente para o trabalho.

Aos funcionários da Biblioteca Zona Nord/Barcelona.

Aos amigos, colegas, professores e funcionários do Cult e do Pós-Cultura da UFBA,


especialmente Delmira, Gleise, Hanayana, Lourivânia, Tony, Beto, Léo, Linda e José Márcio.

A todos que colocaram a mão na massa e me ajudaram das mais diversas maneiras a
produzir esse trabalho, especialmente Alexandre Barbalho, Ana Aragão, Bruno Oliveira, Carol
Marques, Estela Santana, Gabriela Sandes, Gleise Oliveira e Luana Vilutis.

A todos aqueles que participaram da tese, confiando a mim informações por meio de
entrevistas e documentos: Aloysio Guapindaia, Ana de Hollanda, Ângela Andrade, Armando
Almeida, Bernardo Mata Machado, Eloise Dellagnelo, Gustavo Gazzinelli, Hamilton Pereira,
Humberto Cunha Filho, Isaura Botelho, João Roberto Peixe, José Márcio Barros, Juca
Ferreira, Lia Calabre, Paulo Miguez, Pedro Ortale, Roberto Lima, Sergio Pinto, Silvana
Meireles e Vitor Ortiz. Obrigada pela confiança, generosidade e presteza.

Aos professores e pesquisadores que aceitaram participar da banca de doutorando, fazendo


uma leitura cuidadosa e crítica do material: Alexandre Barbalho, Ângela Maria Menezes de
Andrade, José Roberto Severino e Paulo Miguez.

Ao professor Albino Rubim, orientador presente, compreensível e cuidadoso, com quem


pude contar sempre nessa longa travessia. Obrigada pela leitura atenta, pela reflexão e
questionamentos, pelas sugestões, elogios e críticas que sempre me lançavam para frente.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que me


possibilitou financeiramente dedicar-me exclusivamente à pesquisa.

A minha mãe, que se aqui estivesse estaria comemorando ao meu lado cada desafio
superado com o carinho e amor que sempre dedicou.
Um sistema de cultura
Tá chegando pra valer
República federativa
Muito há pra se fazer
Gestão e financiamento
Reclamam a todo o momento
Pra cultura florescer

O sistema é ferramenta
Por isso vai precisar
De habilidades e saberes
Pra poder funcionar
Vencendo as oligarquias
Maus costumes e azias
Vamos revolucionar

Nas pequeninas cidades


Nas capitais mais famosas
Nos sertões e planalto
Nas distâncias assombrosas
Com o sistema e muito mais
Cada um será capaz
De lutas vitoriosas

Patrimônio, formação
Fomento e mais transparência
Com o controle social
Se vence a má influência
Mais dinheiro no orçamento
Da economia o sustento
Se fortalece assim nossa urgência

Em cada canto do país


Efervescência e sonho
Criação e livre acesso
Vencendo o mundo enfadonho
Democracia no ar
Comunicação exemplar
Com vocês é o que proponho

Paulo Rubem Santiago


Deputado responsável pela relatoria da
Proposta de Emenda Constitucional nº 416-A/2005
que instituiu o Sistema Nacional de Cultura
RESUMO

O objetivo principal dessa pesquisa é analisar o processo de construção do Sistema Nacional


de Cultura (SNC) no período de 2002 a 2016. A expectativa é compreender os motivos pelos
quais a política foi desenvolvida pelo Ministério da Cultura (MinC) de maneira descontínua.
O objetivo secundário é compreender como o SNC incorporou e desenvolveu dimensões e
elementos típicos do federalismo. A premissa principal da tese é que as atuações dos atores
vinculados ao Ministério da Cultura contribuíram para que a construção do SNC tenha se
configurado de maneira intermitente. A pesquisa utilizou como estratégia-metodológica a
observação sobre a atuação e dinâmica de interação dos atores públicos e privados, no
marco de uma análise sócio-histórica da política cultural. A pesquisa de campo consistiu na
realização de entrevistas com políticos, gestores, técnicos e especialistas que participaram
do desenvolvimento do SNC. Também foram utilizadas fontes documentais, como relatórios
e documentos formulados pelo MinC. As conclusões principais da pesquisa são: o
desenvolvimento do SNC sofreu avanços e retrocessos a depender do processo de interação
entre os atores vinculados ao Partido dos Trabalhadores (PT) e à alta cúpula do Ministério da
Cultura; o SNC não gozou de estabilidade nem mesmo em governos de continuidade; alguns
atores externos ao MinC se consolidaram como interlocutores privilegiados no SNC; grande
parte das dificuldades para implantação do SNC decorreram de resistências político-
institucionais.

Palavras-chave: cultura; sistema nacional de cultura; federalismo; políticas públicas.


ABSTRACT

The main objective of this research is to analyze the process of construction of the National
Culture System (NSC) from 2002 to 2016. The expectation is to understand the reasons why
the policy was developed by the Ministry of Culture (MinC) in a discontinuous way. The
secondary objective is to understand how the NCS has incorporated and developed
dimensions and elements typical of federalism. The main premise of the thesis is that the
actions of the actors linked to the Ministry of Culture have contributed to the fact that the
construction of the NCS has been configured intermittently. The research used as a
methodological strategy the observation about the performance and interaction dynamics of
public and private actors, within the framework of a socio-historical analysis of cultural
policy. Field research consisted of interviews with politicians, managers, technicians and
specialists who participated in the development of the NCS. Documentary sources, such as
reports and documents formulated by MinC, were also used. The main conclusions of the
research are: the development of the NCS underwent advances and setbacks depending on
the process of interaction between the actors linked to the Workers Party (PT) and the high
level of the Ministry of Culture; the NCS didn’t enjoy stability even in governments of
continuity; some actors external to the MinC have consolidated themselves as privileged
interlocutors in the NCS; most of the difficulties for implantation of the NCS stemmed from
political-institutional resistance.
Keywords: culture; national culture system; federalism; public policy.
LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Estratégia metodológica da pesquisa…………………………………………………….. 29


Quadro 02 Características da Democracia Majoritária e da Democracia
Consensual…………………………………………………………………………….…….………… 37
Quadro 03 Resultado do GT do SNC de 2004……………………………………….………………….. 107
Quadro 04 Estratégias para implantação do SNC em 2004…………………….………………… 120
Quadro 05 Propostas prioritárias da I CNC……………………………………………..………………… 139
Quadro 06 Territórios do Programa Mais Cultura…………………………………….…………..…. 188
Quadro 07 Diretrizes e Ações do Programa Mais Cultura………………………….…………..… 189
Quadro 08 Composição do Grupo de Trabalho do SNC………………………………..………….. 204
Quadro 09 Produtos do GT Arquitetura e Marco Legal do SNC……………….……….………. 208
Quadro 10 Princípios do SNC……………………………………………………………………………….….. 215
Quadro 11 Objetivos do SNC………………………………………………………………………………….… 216
Quadro 12 Componentes do SNC………………………………………………………………….…………. 216
Quadro 13 Estratégias para implantação do SNC………………………………………….………….. 225
Quadro 14 Perfil dos cursos pesquisados…………………………………………………………………. 239
Quadro 15 Cursos por área temática……………………………………………………………………….. 239
Quadro 16 Estrutura do PNC……………………………………………………………………………………. 262
Quadro 17 Componentes do SNC nos vários níveis de governo……………………………….. 329
Quadro 18 Projetos selecionados no eixo 01 do Edital do SNC de 2014…………..………. 377
Quadro 19 Projetos selecionados no Eixo 02 do Edital do SNC de 2014……………….….. 379
Quadro 20 Projetos selecionados no Eixo 03 do Edital do SNC de 2014…………………... 381
Quadro 21 Linhas de ação do Programa Nacional de Qualificação da Gestão e
Fortalecimento do SNC…………………………………………………………………………… 401
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 Percentual de municípios com Conselho Municipal de Cultura,


segundo ano de criação da lei do conselho-Brasil-2009………………………. 181
Gráfico 02 Trajetória da execução orçamentária do Cultura Viva de 2004 a 2009… 192
Gráfico 03 Percentual de municípios, por caracterização do órgão gestor da
cultura 2006/2014……………………………………………………………………………… 280
Gráfico 04 Evolução percentual da adesão ao SNC por parte dos municípios entre
2010 e 2015………………………………………………………………………………………… 287
Gráfico 05 Acompanhamento da Meta 01 do PNC relativa ao SNC nas Unidades
Federadas…………………………………………………………………………………………… 318
Gráfico 06 Acompanhamento da Meta 01 do PNC relativa ao SNC nos municipios 318
Gráfico 07 Comparativo entre os recursos mobilizados pelo FNC e pelo Incentivo
Fiscal entre 1995 e 2016……………………………………………………………………… 443
LISTA DE MAPAS

Mapa 01 Participação dos estados na I CNC (2005) e na II CNC (2010)………………. 256


LISTA DE TABELAS

Tabela 01 Adesão dos entes federados ao SNC em 2006………………………………………. 166

Tabela 02 Resumo do investimento no Cultura Viva entre 2004 e 2009……………….. 191


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABM Associação Brasileira de Municípios


ANCINE Agência Nacional de Cinema
CIB Comissões Intergestores Bipartites
CIS Comissões Interinstitucionais de Saúde
CIT Comissão Intergestores Tripartite
CF Constituição Federal
CFC Conselho Federal de Cultura
CGU Controladoria Geral da União
CNC Conferência Nacional de Cultura
CNIC Comissão Nacional de Incentivo à Cultura
CNM Confederação Nacional de Municípios
CNPC Conselho Nacional de Política Cultural
CPC Centro Popular de Cultura
CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
DF Distrito Federal
DOU Diário Oficial da União
EC Emenda Constitucional
FCP Fundação Cultural Palmares
FCRB Fundação Casa de Rui Barbosa
FGM Fundação Gregório de Mattos
FHC Fernando Henrique Cardoso
FICART Fundo de Investimento Cultural e Artístico
FNC Fundo Nacional de Cultura
FNM Frente Nacional dos Municípios
FUNARTE Fundação Nacional de Artes
FUNCEB Fundação Cultural do Estado da Bahia
FUNAI Fundação Nacional do Índio
GT Grupo de Trabalho
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRAM Instituto Brasileiro de Museus
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LDO Lei de Diretrizes Orçamentária
MEC Ministério da Educação
MINC Ministério da Cultura
OEI Organização dos Estados Iberoamericanos
ONGS Organizações Não-Governamentais
PAC Programa de Aceleração do Crescimento
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PEC Projeto de Emenda Constitucional
PIB Produto Interno Bruto
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAC Política Nacional de Cultura
PNC Plano Nacional de Cultura
PSB Partido Socialista Brasileiro
PT Partido dos Trabalhadores
PV Partido Verde
SAFPR Subchefia de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da
Presidência da República
SAI Secretaria de Articulação Institucional
SAV Secretaria do Audiovisual
SCC Secretaria de Cidadania Cultural
SEC Secretaria da Cultura Criativa
SEFIC Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura
SESC Serviço Social do Comércio
SFC Sistema Federal de Cultura
SID Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural
SNC Sistema Nacional de Cultura
SNIIC Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais
SNPC Sistema Nacional de Política Cultural
SPC Secretaria de Políticas Culturais
SPPC Secretaria de Programas e Projetos Culturais
STF Supremo Tribunal Federal
SUAS Sistema Único de Assistência Social
SUS Sistema Único de Saúde
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNE União Nacional dos Estudantes
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................... 21
1 FEDERALISMO E CULTURA NO BRASIL.................................................... 35
1.1 A AUTONOMIA DOS ENTES FEDERADOS NO BRASIL ……………………………. 45
1.2 DESAFIOS DO FEDERALISMO ................................................................... 52
2 PREMISSAS PARA A RECONSTRUÇÃO DA TRAJETÓRIA DO SNC............ 61
2.1 O SNC E OS CONCEITOS-CHAVE PARA A SUA ANÁLISE…………………………. 63
2.1.1 A organização e a sua natureza conflitiva.............................................. 64
2.1.2 O ator e a sua inerente margem de liberdade........................................ 64
2.1.3 O poder enquanto relação de negociação.............................................. 65
2.1.4 A organização e o seu entorno………………….……………………………………….. 66
2.1.5 As restrições das relações de poder........................................................ 68
2.1.6 As estratégias e a conformação de jogos............................................... 68
2.2 O USO DA METODOLOGIA NO ESTUDO DO SNC...................................... 70
2.3 O SNC E O A IMAGINAÇÃO A SERVIÇO DO BRASIL................................... 71
2.3.1 Os princípios e conceitos do documento de campanha......................... 76
2.3.2 Propostas para o Sistema Nacional de Política Cultural........................ 78
2.3.3 A inspiração e idealização do SNC.......................................................... 81
2.3.4 Importância do documento de campanha para a análise………………….. 86
3 O SNC NA GESTÃO GILBERTO GIL (2003-2006)....................................... 89
3.1 A COMPOSIÇÃO DO MINC E A PRIMEIRA REFORMA
ADMINISTRATIVA..................................................................................... 90
3.2 A CRIAÇÃO E COMPOSIÇÃO DA SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO
INSTITUCIONAL........................................................................................ 100
3.3 O SNC E AS ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO........................................... 106
3.3.1 Dimensão conceitual............................................................................... 106
3.3.1.1 O SNC em debate no Legislativo............................................................... 113
3.3.2 Dimensão institucional e operacional.................................................... 122
3.3.2.1 O Protocolo de Intenções......................................................................... 122
3.3.2.2 I Conferência Nacional de Cultura (2005)................................................ 131
3.3.2.3 Oficinas do Sistema Nacional de Cultura (2006)...................................... 145
3.3.3 Dimensão normativa............................................................................... 146
3.3.3.1 Emenda Constitucional nº 42/ 2003......................................................... 147
3.3.3.2 Proposta de Emenda Constitucional nº 150/2003………………………………… 148
3.3.3.3 Decreto nº 5.520/2005............................................................................. 151
3.3.3.4 A Proposta de Emenda Constitucional nº 416/2005................................ 160
3.3.3.5 A Emenda Constitucional nº 48/2005...................................................... 161
3.4 EXPECTATIVAS PARA O SEGUNDO MANDATO DE LULA DA SILVA………… 165
4 O SNC NAS GESTÕES GILBERTO GIL E JUCA FERREIRA (2007-2010)....... 171
4.1 A DESARTICULAÇÃO DA SAI NA GESTÃO GILBERTO GIL........................... 175
4.2 A INSTALAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL........ 182
4.3 O PROGRAMA MAIS CULTURA................................................................. 185
4.4 A SAI NA GESTÃO JUCA FERREIRA............................................................ 198
4.4.1 A retomada do SNC................................................................................. 203
4.4.1.1 GT 01 Arquitetura e Marco legal do SNC................................................. 207
4.4.1.2 GT 02 Mapeamento da Formação e Qualificação em Organização
Cultural no Brasil...................................................................................... 235
4.4.1.3 GT 03 Fortalecimento Institucional e Formação de Gestores Culturais... 241
4.4.2 Os Seminários do SNC (2009).................................................................. 250
4.4.3 II Conferência Nacional de Cultura (2010).............................................. 253
4.5 O PNC E O SNIIC....................................................................................... 260
4.6 A FINALIZAÇÃO DA GESTÃO JUCA FERREIRA............................................ 265
5 O SNC NA GESTÃO ANA DE HOLLANDA (2011-2012)............................ 269
5.1 A RECONFIGURAÇÃO DA SAI E AS AÇÕES DO SNC…………………………….… 272
5.1.1 O Guia de Orientações do SNC................................................................ 275
5.1.2 A adesão dos entes subnacionais ao SNC…………………………………………… 284
5.1.3 Projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais………. 287
5.1.4 Curso de Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste….. 293
5.1.5 Projeto de apoio técnico ao desenvolvimento de sistemas de cultura. 295
5.2 A ARTICULAÇÃO ENTRE A SAI E OUTROS SETORES DO MINC……………….. 304
5.3 PUBLICAÇÃO DAS METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA…………….. 311
5.4 O AVANÇO DA DIMENSÃO NORMATIVA DO SNC…………………………………. 320
5.4.1 Aprovação da PEC 416-A/2005……………………………………………………………. 320
5.4.2 Aprovação da PEC nº 34/2012……………………………………………………………. 321
5.4.3 O Projeto de Lei de regulamentação do SNC………………………………………. 325
5.5 FINALIZAÇÃO DA GESTÃO ANA DE HOLLANDA …………………………………… 333
6 O SNC NA GESTÃO MARTA SUPLICY (2012-2014)................................... 339
6.1 AS EXPECTATIVAS DA SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL.... 344
6.2 AS ALTERAÇÕES NO QUADRO DE DIRIGENTES DO MINC......................... 346
6.3 O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO CNPC.................................................. 350
6.4 AÇÕES EM TORNO DO SNC………………………………………………………………….. 353
6.4.1 Oficinas de implementação de Sistemas de Cultura…………………………… 355
6.4.2 1º Seminário Cultura e Universidade………………………………………………….. 356
6.4.3 Curso de Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste….. 360
6.4.4 Cursos de extensão para formação em gestão cultural………………………. 360
6.4.5 Projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais………. 363
6.4.6 III Conferência Nacional de Cultura (2013)…………..…………………………….. 366
6.4.7 Edital de fortalecimento do SNC para os estados……………………………….. 374
6.4.8 Projeto de Lei Complementar nº 338/2013………………………………………… 386

7 O SNC NA GESTÃO JUCA FERREIRA (2015-2016).................................... 393


7.1 CRÍTICAS E PERSPECTIVAS PARA O SNC……………………………………………….. 397
7.2 A RELAÇÃO COM OS FÓRUNS DE SECRETÁRIOS E DIRIGENTES DE
CULTURA.................................................................................................. 404
7.3 O PROCESSO ELEITORAL DO CNPC………………………………………………………. 410
7.4 AS INICIATIVAS PROMOVIDAS NO ÂMBITO DO SNC................................ 414
7.4.1 Programa de Formação de Gestores e Conselheiros Culturais do SNC.. 415
7.4.2 Oficinas Construindo os Sistemas Municipais de Cultura…………………… 418
7.4.3 Programa Nacional de Fortalecimento Institucional dos Órgãos
Gestores de Cultura……………………………………………………………………………. 419
7.4.4 Edital de Fortalecimento do SNC para municípios................................. 420
7.4.5 Seminário Internacional Sistemas de Cultura…………………………………….. 424
7.4.6 O Projeto de Lei de regulamentação do SNC………………………………………. 439
7.5 ENTRAVES E DESAFIOS PARA O FINANCIAMENTO DO SNC…………………… 441
7.6 NOTA SOBRE A INTERRUPÇÃO DA GESTÃO JUCA FERREIRA…………………. 447
CONCLUSÃO............................................................................................. 451
REFERÊNCIAS........................................................................................... 461
APÊNDICES
APÊNDICE A – Perfil dos atores participantes da pesquisa…………………… 483
APÊNDICE B – Roteiro das entrevistas…………………………………….…………… 491
APÊNDICE C – Minuta do Protocolo de Intenções (2005)…………..………… 493
APÊNDICE D – Panorama de ações do Programa Mais Cultura….………… 497
APÊNDICE E – Componentes do SNC…………………………………………………... 509
21

INTRODUÇÃO

Em novembro de 2012, a Constituição Federal do Brasil instituiu um novo artigo


proveniente da Emenda Constitucional nº71 que trata do Sistema Nacional de Cultura (SNC).
O artigo 216-A afirma que:

O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de


forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e
promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e
permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo
por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico
com pleno exercício dos direitos culturais. (BRASIL, 1988)
É, portanto, um Sistema que aciona uma série de questões importantes e complexas
no âmbito das políticas públicas de cultura, tais como: impulsão do pacto federativo;
instituição de processos participativos envolvendo Estado e sociedade civil; e promoção do
pleno exercício dos direitos culturais.

De acordo com o Art. 216-A, o SNC é composto estruturalmente por órgãos,


mecanismos, instâncias e instrumentos de gestão pública – órgãos gestores, conselhos,
conferências, planos, comissões intergestores, sistemas de financiamento, sistema de
informações e indicadores culturais, programas de formação e sistemas setoriais de cultura
–, previstos para serem replicados nas esferas federal, estadual e municipal. O objetivo é
fomentar ações sistêmicas nacionais de maneira descentralizada, coordenada e pactuada
entre Estado e sociedade civil. A sua perspectiva é, em síntese, estruturar e organizar as
políticas públicas de cultura no Brasil, proporcionando-lhes maior estabilidade e
combatendo, assim, o seu histórico de ações pontuais, descontínuas e frágeis. (RUBIM,
2007; CALABRE, 2010a).

Espera-se, também, que o SNC impulsione a formação de um federalismo cultural no


país, com o estabelecimento de competências e atribuições para cada ente federado. Apesar
da organização político-territorial do Brasil caracterizar um pacto federativo de tipo
cooperativo – que prevê constitucionalmente a interação entre todos os níveis de governo,
gerando um pacto que ao mesmo tempo cria interdependência entre os entes e preserva as
suas respectivas autonomias –, isso não vem se dando naturalmente no país, que
historicamente tem um federalismo hierarquizado e desequilibrado, com predomínio da
centralização do poder na instância federal (CUNHA FILHO, 2000; ABRUCIO, 1998; BARACHO,
22

1986). Para ir de encontro a essa situação, diversos setores, especialmente de políticas


sociais (saúde, educação, assistência social etc.), vêm construindo sistemas de interação
entre os diferentes níveis de governo e desenvolvendo políticas acionando mecanismos de
cooperação e coordenação entre os mesmos (ARRETCHE, 2011). Na cultura, a perspectiva é
que isso seja promovido por meio do Sistema Nacional de Cultura. Da sua implantação
podem e devem surgir ações descentralizadas, mas articuladas; planejamentos em conjunto
que podem melhorar o uso dos recursos da área cultural; participação social regular,
especialmente por meio dos conselhos, colegiados, comissões e conferências;
transversalidades entre as políticas governamentais; enfim, uma série de elementos que
possam resultar em uma política pública de cultura desenvolvida em um ambiente
democrático e republicano.

Estaríamos diante, portanto, de uma política que se propõe a enfrentar reconhecidos


problemas do campo cultural brasileiro e que, potencialmente, pode inaugurar um
momento profícuo na relação entre os entes federados e a sociedade. Há um aceno positivo
por parte de estados e municípios para integrarem o SNC e instituírem seus respectivos
sistemas, isso se considerarmos o número de entes que firmaram o Acordo de Cooperação
Federativa com o Ministério da Cultura, registrados em 2017: 96,3% dos estados e 45% dos
municípios (MINC, 2018)1. A sociedade civil também parece se posicionar favoravelmente a
essa política, conforme nos revela, por exemplo, o fato de o SNC ter estado entre as
propostas eleitas como prioritárias nas três Conferências Nacionais de Cultura (2005, 2010 e
2013).

Nesse sentido, seguindo o modelo racional de políticas públicas desenvolvido no


âmbito da Ciência Política, o SNC se enquadraria como solução possível a um problema
público que merece ser objeto de ação do Estado. Os reconhecidos problemas das políticas
culturais brasileiras – instabilidade, ausência e autoritarismo, cunhados pelo professor
Albino Rubim –, acrescidos de incipientes ações de fomento ao pacto federativo na cultura,
poderiam ser potencialmente enfrentados pelo SNC. Somada a essa perspectiva está o fato
da proposta do Sistema ter integrado o documento de campanha da área cultural do
candidato vencedor das eleições presidenciais de 2002, Luís Inácio Lula da Silva. A ideia de se

1
Informação disponível em: <http://pnc.culturadigital.br/metas/sistema-nacional-de-cultura-institucionalizado-
e-implementado-com-100-das-unidades-da-federacao-ufs-e-60-dos-municipios-com-sistemas-de-cultura-
institucionalizados-e-implementados-2/>. Acesso em: jun. 2018.
23

criar um sistema nacional para a cultura está expressa no A imaginação a serviço do Brasil,
programa de governo elaborado por um conjunto de pessoas próximas ao Partido dos
Trabalhadores (PT), parte delas ocupantes de importantes cargos no Ministério da Cultura
ao longo dos governos Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016). Assim sendo,
era de se esperar que o Ministério da Cultura elegesse o SNC como uma de suas políticas
prioritárias, reunindo os investimentos necessários para que fosse desenvolvido de maneira
regular e contínua, o que não ocorreu.

Diante desse panorama, essa pesquisa se defrontou com questões como: (1) Por quais
motivos o processo de construção do Sistema Nacional de Cultura se deu de forma
intermitente, com avanços e retrocessos, mesmo em governos, teoricamente, de
continuidade? (2) Por que uma proposta de política pública pautada em justificativas
plausíveis, e alçada ao mais alto grau normativo de um país – a Constituição Federal –, não
foi efetivamente implementada como ação prioritária por parte do MinC entre 2003 e 2016?
(3) Por que a dimensão sistêmica-federativa do SNC permaneceu por mais de quatorze anos
com questões-chave em aberto? O Projeto de Lei de regulamentação do SNC não foi
publicado; a instância de negociação e pactuação das ações intergovernamentais
relacionadas à operacionalização do SNC – Comissão Intergestores Tripartite (CIT) – nunca
foi instalada; há poucos debates sobre as definições das competências de cada ente
federado no Sistema, sobre compartilhamento de atribuições para o desenvolvimento de
políticas cooperadas ou sobre critérios de distribuição e repasse de verba por parte da União
aos estados e municípios.

Objetivos e Premissa

Esta tese tem por objetivo principal analisar o processo de construção do Sistema
Nacional de Cultura na perspectiva de compreender os motivos pelos quais a política foi
desenvolvida de maneira descontínua pelo Ministério da Cultura entre 2003 e 2016; e por
objetivo secundário compreender como o SNC incorporou e desenvolveu dimensões e
elementos típicos do federalismo. Para que tais objetivos sejam alcançados, propõe-se
analisar o SNC a partir da atuação e dinâmica de interação dos atores envolvidos nessa
política no período em que o Partido dos Trabalhadores esteve na direção da Presidência da
República do Brasil (2003 a 2016).
24

A principal premissa da tese é que as atuações dos atores vinculados ao Ministério da


Cultura contribuíram para que a construção do SNC tenha se configurado de maneira
intermitente.

Metodologia

O caminho de análise escolhido para a pesquisa foi orientado pelas relações


construídas em torno do Sistema Nacional de Cultura na perspectiva de obter chaves
explicativas sobre como se deu o seu processo de construção, o que poderia permitir
identificar como as dinâmicas de interação entre os atores envolvidos influenciaram no
desenvolvimento da política em questão.

Partindo dessa perspectiva, escolhemos como estratégia metodológica os referencias


de análise de políticas públicas desenvolvidos no âmbito da sociologia das organizações.
Fundada nos anos 60, essa vertente da sociologia buscou trazer para o foco de análise a
diversidade de atores envolvidos na lógica de decisão de uma instituição, as contradições
nos objetivos da política públicas, os riscos que envolvem os processos de tomada de
decisão etc. É possível destacar dois autores que produziram estudos nessa vertente: Aaron
Wildavwsky, nos Estados Unidos, e Michel Crozier, na França.

Aaron Wildavwsky e Jeffrey Pressman são autores da obra Implementação: como


grandes expectativas concebidas em Washington se frustram em Oakland [tradução nossa],
publicada originalmente em 19732. Neste estudo, os autores analisaram os motivos pelos
quais o processo de implementação de uma política pública (no caso, um programa federal
voltado para criação de empregos no município de Oakland) não correspondeu às
expectativas desenhadas na sua etapa de formulação, ainda que tal programa tenha
dialogado com as autoridades locais, tivesse asseguradas as fontes de financiamento, fosse
bem intencionado e, na teoria, perfeitamente desenhado.

A experiência deste programa, que começou com intenções, promessas e


um espírito inovador louvável, demonstra que a implementação de um
projeto federal em larga escala pode ser realmente muito difícil. Os
recursos foram devidamente autorizados e alocados pelo Congresso; a
agência federal aprovou os projetos e entregou os recursos com admirável

2
Título original: “Implementation: How great expectations in Washington are dashed in Oakland”, publicada
em 1973 pela editora da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
25

rapidez. Mas os ‘detalhes técnicos’ da implementação demonstraram ser


mais difíceis e prolongados do que havia pensado os financiadores federais,
os beneficiários locais ou observadores entusiastas. (tradução nossa)
(PRESSMAN; WILDAVWSKY, 1998, p.67)
Esse estudo buscou revelar, por exemplo, como se estruturou a rede de atores
envolvidos, identificando seus valores e interesses, e tentou responder os motivos pelos
quais persistiam desacordos entre os participantes, mesmo quando esses compartilhavam
objetivos específicos do programa. De acordo com Wildavwsky e Pressman (1998), desde o
início, o sucesso do programa federal em análise dependeu de acordos pactuados entre
diversos grupos de participantes que possuíam objetivos diferentes (Prefeitura de Oakland,
Agência de Desenvolvimento Econômico, Junta Revisora de Planos de Emprego, empresas
privadas, especialistas, comunidade local etc.). À medida que o programa foi sendo
implementado, novas organizações e pessoas foram sendo agregadas e passaram a intervir
sobre o mesmo. Essa multiplicidade de participantes produziu uma série de obstáculos ao
programa, que para ser executado necessitava de acordos e concessões, ocasionando
demoras e aumentando as incertezas. Em resumo, o fracasso do programa federal deveu-se
a fatores como: conflitos de interesses (aqueles que deveriam cooperar estavam em
desacordo), complexidade das regras de tomada de decisões e alto nível de incerteza na
consecução da proposta (demora em firmar acordos, mudanças dos principais participantes
etc.).

Para a pesquisa sobre o Sistema Nacional de Cultura, a obra de Wildavwsky e


Pressman aporta importantes contribuições, especialmente quanto à relevância da análise
incorporar a multiplicidade de atores que fazem parte do processo de construção de
políticas públicas, notadamente aquelas pautadas nas relações federativas. Nesse sentido, a
tese buscou revelar o conjunto de participantes que compuseram a trajetória do SNC,
reconhecendo a importância da atuação dos mesmos na consecução da política.

Outro estudo importante para esta pesquisa foi o que resultou na publicação L’acteur
et le système. Les contraintes de l’action collective publicada originalmente em 19773. Nessa
obra, os autores Michel Crozier4 e Erhard Friedberg defendem que o estudo de um sistema

3
CROZIER, Michel; FRIEDBERG, Erhard. L’acteur et le système. Les contraintes de l’action collective. Paris: Seuil,
1977.
4
Crozier fundou o Centre de Sociologie des Organisations, que possuía um programa de investigação dedicado
a temas culturais e contou com a participação de Philippe Urfanlino, Erhard Friedberg, Catherine Ballé, dentre
outros.
26

de ação organizado deve ser feito considerando as relações de poder que envolvem os
integrantes desse sistema, denominado de atores, que podem ser públicos ou privados,
individuais ou coletivos. Para Crozier e Friedberg (1990), a ação coletiva deve ser analisada
enquanto constructo social que apresenta problemas e cujas soluções são criadas,
inventadas ou instituídas por atores relativamente autônomos, que atuam com recursos e
capacidades próprias. Assim, é preciso questionar quais eram os problemas que os
integrantes da organização buscavam responder e quais foram as dificuldades e restrições
daí derivadas. A questão gira em torno da mediação entre o fim que se quer alcançar e os
meios utilizados para tanto, ou seja, das estratégias traçadas e aplicadas.
Metodologicamente, a partir dessa concepção é preciso identificar e obter informações
como: quem são os atores, quais são os seus recursos e que tipo de ações foram
implementadas em torno da política ou organização em análise. O pesquisador que utiliza a
metodologia sugerida nessa obra deve ter como meta recolher dados e informações a partir
do ponto de vista dos atores, e só posteriormente é que tenta reconstruir a lógica e as
propriedades especiais do sistema de ação em análise.

A metodologia proposta por Crozier e Friedberg (1977) já foi utilizada em pesquisas


sobre políticas culturais, a exemplo de Les contraintes de l’action culturelle dans les villes
(1984), de Erhard Friedberg e Philippe Urfalino, que analisou a política cultural do município
de Amiens (França) e do Estudio piloto de la política cultural en España (2006-2007) e El
sistema de la política cultural en España (2009-2011), que integram a publicação La política
cultural en España: los sistemas autonómicos (2012), coordenada pelo professor Arturo
Rodríguez Morató. Para a produção dessa pesquisa, Rodríguez Morató (2012) estabeleceu
três princípios que considera fundamentais para proceder a uma análise sociológica da
política cultural:

1) que o objeto de estudo se enquadre nos contextos institucionais que o constituiu,


fundamentalmente a cultura e o Estado. A cultura na sua dimensão antropológica5 e o
Estado enquanto poder que intervém na cultura ao afirmar identidades, legitimar posições,
redistribuir capitais culturais etc., e que se converte em uma arena de disputa onde estão
em jogo os interesses do próprio Estado e os múltiplos interesses sociais advindos do mundo

5
O autor, citando Bourdieu (1977), destaca que a cultura une, diferencia e conforma os atores sociais, e nesses
três sentidos participa das dinâmicas de poder.
27

da cultura. Tal dialética deve ser parte essencial do objeto de estudo, ainda que este se
centre em uma dada organização da administração cultural;

2) que os contextos institucionais sejam analisados a partir de uma perspectiva sócio-


histórica e processual. Há que se considerar a trajetória da intervenção institucionalizada do
Estado na cultura, ou seja, da política cultural, que desde os anos 60 vem se reconfigurando
de acordo com as transformações do Estado e da própria cultura. Nesse sentido, a
complexidade de tais mudanças se reflete, por exemplo, em novos âmbitos de intervenção,
bem como no uso de novos instrumentos, a exemplo de mecanismos de governança público-
privada, modalidades de financiamento etc.; e

3) que o horizonte de análise se situe nas relações sociais que constituem as políticas
culturais e que conformam sistemas de ação concretos, abertos e dinâmicos. Para Rodríguez
Morató (2012, p. 26): “O foco de uma análise sociológica da política cultural deveria se situar
no espaço social e institucional que a gera e apontar, a partir daí, para os interesses e ideias
que a motivam e aos efeitos que produz” (tradução nossa). Para o autor, a análise
sociológica da política cultural deve ser produzida a partir do espaço social da cultura e do
espaço social da política, o que implica em considerar: a) as instituições e os atores públicos
(cargos públicos, técnicos e profissionais da administração e das instituições culturais
públicas) que intervêm na regulação social da cultura; b) as instituições, os atores privados
(associações profissionais, criadores, gestores e empresários culturais) e o Terceiro Setor
(fundações e associações culturais), que têm alguma influência direta sobre as políticas. A
presença desses distintos atores, cada vez mais crescente no campo da cultura, implica, por
sua vez, em variadas formas de governança, tais como conselhos, consórcios ou planos
estratégicos, que também precisam ser levados em consideração na análise. Além disso, na
configuração do espaço da política cultural, também seria importante considerar a
perspectiva territorial, já que cada vez mais há uma diversidade de níveis territoriais,
materializados em instâncias governamentais e administrativas que atuam e intervêm na
área (desde organizações supranacionais, como a Unesco, até administrações locais).

Esta tese não possui a mesma abrangência da pesquisa coordenada pelo Prof.
Rodríguez Morató, e nesse sentido é importante destacar que ela se centra especialmente
no espaço social e institucional da política cultural, abordando a dinâmica de interação dos
atores dentro desse espaço, em uma perspectiva sócio-histórica. Além disso, há de se
28

reconhecer que a condução dada ao objeto de estudo por meio dessa metodologia
favoreceu a uma perspectiva por vezes mais narrativa do que analítica. O roteiro
metodológico que orientou a produção da tese está resumido no quadro a seguir.
29

Quadro 01 – Estratégia metodológica da pesquisa


Estratégia metodológica
Etapas Procedimentos Fontes de informação Produtos
1ª – Descritiva Identificação dos atores: indivíduos ou Informações documentais (organogramas Lista dos atores envolvidos no SNC
coletivos. Descrição do perfil, competências institucionais, legislações, relatórios de
Identificação dos posicionamentos dos
e funções de cada ator. governo etc.).
atores e dos vínculos entre os mesmos.
Identificação dos episódios de interação dos Informantes (consultas e conversas).
Formulação de hipóteses sobre a relação
atores.
Pesquisas produzidas em diálogo com o entre os atores entrevistados.
Compreensão da estrutura básica das objeto em questão.
Elaboração da estrutura formal da política
organizações institucionais (MinC, Fóruns
cultural em questão/Representação do
Nacionais de Secretários e Dirigentes de
ambiente do MinC e do SNC.
Cultura de estados e municípios, Conselho
Nacional de Política Cultural etc.), com seus
objetivos, realizações, relações com outros
órgãos (quando for o caso).
2ª – Investigativa Realização de entrevistas e/ou aplicação de Entrevistados: Confirmação dos vínculos estruturais entre
questionário com os atores identificados na os atores.
a) Integrantes do MinC e unidades
etapa anterior.
vinculadas (dirigentes, gestores e técnicos). Identificação das prerrogativas formais e dos
As entrevistas/questionários devem incluir recursos materiais que os atores manejaram.
b) Especialistas em cultura que participaram
questões sobre: histórico e trajetória
da política.
pessoal; estratégia de atuação no
setor/órgão cultural; visão sobre os c) Gestores de estados e municípios
problemas de articulação entre objetivos da integrantes de órgãos de representação.
política e os interesses de outros atores; d) Participantes do A imaginação a serviço
relato de conflitos; etc. do Brasil.
e) Integrantes do Poder Legislativo.
30

3ª – Analítica Análise do conteúdo das entrevistas e Entrevistados Análise da dinâmica das relações a partir das
questionários. (Observar convergências e entrevistas.
divergências nos discursos e buscar
identificar a lógica interna que estrutura
implicitamente o conjunto de suas
percepções, sentimentos e atitudes).
Identificação dos elementos estruturais que
condicionaram a ação dos atores envolvidos.
Análise processual dos episódios de
interação.
4ª – Conclusiva Explicação das problemáticas de articulação política do SNC, com base nas relações que o estruturam.
Reconstrução da trajetória do SNC a partir dos relatos dos atores.
31

De acordo com Hassentefel (2009), as análises de políticas públicas formuladas na


perspectiva da sociologia das organizações privilegiam as interações entre os indivíduos no
micro nível das políticas públicas e utilizam o método indutivo, baseado em entrevistas,
observação direta ou participativa, e na coleta de material em primeira mão, como notas,
dossiês, cartas etc. Nesse sentido, a pesquisa de campo teve papel fundamental no trabalho.
A pretensão foi entrevistar pessoas que participaram do processo de construção do Sistema
Nacional de Cultura das mais diversas formas e posições. Assim, buscou-se recolher
informações de: ministros da Cultura no período de análise; dirigentes e funcionários da
Secretaria de Articulação Institucional e de outros órgãos do MinC, como Secretaria
Executiva; membros dos fóruns nacionais de cultura de estados e municípios; deputados e
senadores envolvidos em matérias pertinentes à área da cultura; pesquisadores que
atuaram como consultores em programas e projetos do SNC; pessoas envolvidas na
formulação do documento de campanha A imaginação a serviço do Brasil (PT, 2002). No
total, 17 pessoas participaram diretamente da pesquisa, todas identificadas no Apêndice A
da tese, e aproximadamente outras dez foram pontualmente consultadas para dirimir
dúvidas ou contrastar respostas. Ressalta-se ainda que a pesquisa utilizou entrevistas feitas
por outros pesquisadores, publicadas em dissertações e revistas acadêmicas, ou não
publicadas, no caso das entrevistas realizadas pelo professor Alexandre Barbalho. A pesquisa
também utilizou diversas fontes documentais, como programas e relatórios de governo,
organogramas institucionais e marcos regulatórios, importantes para recompor a trajetória
do SNC e viabilizar a triangulação das informações concedidas pelos entrevistados.

Vale registrar que as entrevistas6, cujo roteiro consta no Apêndice B da tese, foram
produzidas entre 2016 e 2018 por meio de Skype, WhatsApp, telefone ou feitas
pessoalmente. A pesquisa também fez uso de questionário auto-aplicado composto por
questões abertas e encaminhado por e-mail, enquanto opção alternativa para a coleta de
informações.

Dentre as dificuldades encontradas ao longo da pesquisa, vale ressaltar que algumas


pessoas consideradas importantes não quiseram ou puderam contribuir por meio de
entrevista ou preenchimento de questionário. Todas essas pessoas estão devidamente

6
As transcrições das entrevistas concedidas para esta pesquisa não foram publicadas porque algumas pessoas
pediram para não terem seus depoimentos integralmente disponibilizados; outras, ao final da entrevista,
manifestaram desconforto em ter as falas reveladas, apesar de terem inicialmente autorizada a publicação.
32

identificadas ao longo da tese. Para tentar amenizar tal problema, buscou-se obter
depoimentos, entrevistas e discursos publicados em jornais, revistas e, especialmente, no
site do Ministério da Cultura. Especificamente no caso dos representantes do Congresso
Nacional, tentou-se, sem sucesso, entrevistar Fátima Bezerra, Paulo Pimenta, Gilmar
Machado, Paulo Rocha, Paulo Rubem Santiago, João Derly, Jandira Feghali e Marta Suplicy.
A intenção era saber como as matérias relativas ao SNC tramitaram pela Câmara dos
Deputados e pelo Senado Federal, e como deputados e senadores se relacionaram com os
dirigentes do MinC. Nesse caso, a pesquisa utilizou como fonte de informação os
documentos disponibilizados no site oficial das duas casas legislativas.

Por fim, registre-se que a autora dessa tese participou de alguns momentos que
integraram o processo de construção da política em análise: foi coordenadora do Projeto
Pontos de Cultura na Bahia, na Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult/BA), no bojo
do Programa Mais Cultura (2008/2009); participou do Curso de Formação de Gestores do
SNC, conhecido como curso piloto (Salvador/BA, 2009/2010); integrou o Grupo de Trabalho
dos Sistemas Municipais de Cultura da Secult/BA (2014); foi analista técnica do Plano
Estadual de Cultura da Bahia, no projeto de apoio para elaboração de planos estaduais de
cultura, parceria do MinC com a Universidade Federal de Santa Catarina (2012/2013); foi
tutora no projeto EAD Planos Municipais de Cultura, parceria do MinC com a Universidade
Federal da Bahia (2014/2015); participou de encontros como: Seminários do Plano Nacional
de Cultura: políticas públicas pela diversidade, onde foi relatora do GT Fortalecer a ação do
Estado no planejamento e execução das políticas culturais (Salvador/BA, 2008); 1º Seminário
Cultura e Universidade: bases para uma Política Nacional de Cultura para as Instituições de
Ensino Superior (Salvador/BA, 2013) e 1º Seminário de Planos de Cultura, onde foi
palestrante (Florianópolis/SC, 2014). A participação em tais projetos e eventos contribuiu
para o acesso à informações e pessoas entrevistadas ao longo da pesquisa.

Estrutura da tese

Esta pesquisa está estruturada em sete capítulos que pretendem reconstruir a


trajetória do Sistema Nacional de Cultura entre 2003 e 2016.

Em síntese, os capítulos foram divididos da seguinte maneira:


33

O primeiro capítulo – Federalismo e Cultura no Brasil – tem por objetivo identificar os


desafios que o Sistema Nacional de Cultura poderá enfrentar ao pretender dar estabilidade
às políticas culturais por meio da articulação dos entes federados e da sociedade civil. Para
tanto, buscou-se apresentar os principais conceitos e elementos que compõem as diversas
formas de federalismo, com destaque para aqueles adotados no Brasil e relacionados à
cultura.

O segundo capítulo – Premissas para a reconstrução da trajetória do SNC – apresenta


os pressupostos que guiaram essa pesquisa. São sinteticamente apresentados alguns
conceitos-chave da obra L’acteur et le système (1977), de Michel Crozier e Erhard Friedberg,
utilizada como referência metodológica. Também é apresentada outra publicação
considerada marco-zero do SNC, A Imaginação a Serviço do Brasil (PT, 2002), programa de
políticas culturais que integrou a campanha eleitoral presidencial de 2002 de Luís Inácio Lula
da Silva.

Do terceiro ao sétimo capítulo é feita a reconstrução da trajetória do Sistema Nacional


de Cultura, considerando as gestões de Gilberto Gil (2003-2006; 2007-2008); Juca Ferreira
(2008-2010); Ana de Hollanda (2011-2012); Marta Suplicy (2012-2014); e novamente Juca
Ferreira (2015-2016). A reconstrução do SNC foi feita subtancialmente a partir de entrevistas
e de documentos, e buscou apresentar a trajetória da política incorporando também
elementos que tangenciam a sua perspectiva federativa.

Nas considerações finais são recuperadas as principais questões do processo de


construção do SNC e desenvolvidas conclusões que dialogam com a premissa e objetivos
formulados no início da pesquisa.

Por fim, a tese é composta ainda de apêndices que visam fornecer informações extras
sobre determinados aspectos da pesquisa.
34
35

CAPÍTULO 1 – FEDERALISMO E CULTURA NO BRASIL

Apesar de possuir mais de 200 anos de história7, o federalismo é um tema de difícil


conceituação por ser um arranjo institucional que reflete a complexidade e a diversidade
social, econômica, política e cultural existentes nos países que o adotam.

Não há, assim, um modelo único de federalismo que possa ser tomado como
referência. A análise comparativa entre os países federalistas ou mesmo a trajetória
histórica do federalismo no âmbito de um só país, como é o caso do Brasil, revelam as
diversas possibilidades de arranjos territoriais e organizativos em uma federação.

Tal diversidade é reflexo de uma série de variáveis, tais como: quantidade de unidades
territoriais constitutivas do Estado; grau de centralização e descentralização do poder;
separação ou superposição de poder entre governo central e governos subnacionais;
sistemas de governo; sistemas de representação; modelos de repartição de competências
etc. (ANDERSON,2009; BARACHO, 1986). Apesar disso, há um esforço por parte dos
estudiosos sobre o tema em identificar alguns princípios, características e definições para o
federalismo.

Em síntese, há uma compreensão de que o federalismo é uma forma de organização


político-territorial no qual as unidades que compõem o Estado fundam uma aliança em prol
da construção de uma nação. Trata-se, assim, de um compartilhamento da autoridade
governamental entre os territórios constitutivos de um país. Nesse sistema de distribuição
de autoridade, governo central e governos locais devem possuir funções e poderes distintos
e atuar em posição de autonomia e de não subordinação, em distinção ao modelo de Estado
unitário, onde prevalece um governo central superior aos subnacionais, numa relação
hierárquica e piramidal (ABRUCIO e FRANZESE, 2007). O federalismo seria, portanto,
fundamental na democracia por vários motivos, tais como: (1) possibilitar o
compartilhamento de poder em diversos centros, estabelecendo limites e controles mútuos
entre cada um deles, evitando a concentração do poder; (2) favorecer a uma maior
aproximação entre governantes e governados pelo fato do povo ter mais acesso aos órgãos

7
O federalismo foi instituído com a Constituição dos Estados Unidos da América em 1787, sendo considerado
um fenômeno moderno.
36

do poder local e, através deste, influenciar o poder central (DALLARI, 2005); (3) promover a
integração entre regiões, convertendo oposições naturais em solidariedade (DALLARI, 2005).

A característica fundamental ao federalismo é a existência de, ao menos, dois níveis de


governo: central e local/regional. Para alguns autores, essa divisão de poder é a definição
primária do federalismo (LIJPHART, 2008). O governo central é, a depender do país,
designado de Estado Nacional ou Estado Federal, e possui jurisdição sobre todo o território.
Já os governos locais possuem jurisdição regionalizada e podem ser conhecidos como
unidades constitutivas, entes subnacionais, estados federados, estados membros, estados
particulares etc. Os países podem ter quantidade e tamanho de unidades constitutivas
diferentes (ANDERSON, 2009; BARACHO, 1986). São exemplos de unidades: comuna,
província, estado, território, município e distrito. No caso do Brasil, a Constituição Federal de
1988 estabelece como governo central a União e as unidades constitutivas: estados, Distrito
Federal e municípios. Compreender como as unidades se configuram e como se relacionam
com o governo central é fundamental para conhecer a organização federal de um país.

O federalismo possui também características consideradas como secundárias, que


dizem respeito ao tipo de Constituição, organização do Poder Legislativo e existência de uma
Corte Judicial Suprema, que no Brasil é representada pelo Superior Tribunal Federal (STF).
Arend Lijphart (2008), ao promover o diálogo entre democracia majoritária e democracia
consensual considerando variáveis do federalismo e do governo unitário 8 , propõe a
existência de cinco características, conforme quadro a seguir.

8
Lipjhart (2008) descreve as diferenças entre os dois tipos de democracia utilizando também a dimensão
executivos-partido, no qual vai tratar de temas como multipartidarismo, sistemas eleitorais, grupos de
interesse etc.
37

Quadro 2 – Características da democracia majoritária e da democracia consensual


Dimensão federal-unitária
Democracia majoritária Democracia consensual
Governo unitário e centralizado. Governo federal e descentralizado.
Divisão do Poder Legislativo entre duas Casas
Concentração do Poder Legislativo numa
igualmente fortes, porém diferentemente
legislatura unicameral.
constituídas.
Constituições flexíveis, que podem receber Constituições rígidas, que só podem ser
emendas por simples maiorias. modificadas por maiorias extraordinárias.
Sistemas nos quais as leis estão sujeitas à
Sistema em que as legislaturas têm a palavra
revisão judicial de sua constitucionalidade por
final sobre a constitucionalidade da legislação.
uma corte suprema ou constitucional.
Bancos centrais dependentes do Executivo. Bancos centrais independentes.
Fonte: Elaboração própria a partir de Arend Lijphart (2008, p.19)

Para o autor, um mesmo país pode se localizar em eixos diferentes de acordo com
cada uma das variáreis, ou seja, ter ao mesmo tempo características da democracia
majoritária e da consensual. É o que ocorre com o Brasil, que formalmente desenvolve
quatro dos cinco elementos típicos da democracia consensual, absorvendo da democracia
majoritária a dependência do Banco Central ao Poder Executivo.

Mas, para além dessas variáveis, o que diferencia uma democracia consensual de uma
majoritária? Para Lijphart, tudo começa pela definição de democracia como “governo pelo
povo e para o povo” e pela questão: “quem governará, e a quais interesses deverá o governo
atender, quando o povo estiver em desacordo e as suas preferências divergirem?”
(LIJPHART, 2008, p.17). Para o autor, o modelo democrático majoritário e o modelo
consensual vão responder as essas questões de maneira distinta. O primeiro defenderá que
a vontade da maioria do povo deve ser atendida. Nesse modelo, o poder político é
concentrado na mão de uma pequena maioria, e pode ser caracterizado como exclusivo,
competitivo e combativo. Já o modelo democrático consensual procurará compartilhar e
limitar o poder, e tentará ampliar a participação por meio de acordos e negociações, ainda
que considerem ser melhor o governo da maioria do que da minoria. De acordo com Lijphart
(2008), a democracia consensual pode ser considerada mais democrática do que a
majoritária.
38

Voltando à dimensão federal de uma democracia, seja consensual ou majoritária, uma


de suas características é a existência de uma Constituição. Em uma federação, a Carta
Magna é peça fundamental, pois é nela que o contrato federativo está formalizado,
indicando o limite de poderes e de funções dos governos central e locais, e atribuindo
formalmente competências aos mesmos (ABRUCIO, 1998). Por isso, consultar a Constituição
é fundamental para saber como cada ente federado deve atuar sobre determinado tema.

A definição e divisão dos poderes podem ser encontradas em uma Carta Magna com
bastante detalhamento ou de forma mais ampla, de acordo com cada país (ANDERSON,
2009). Os Estados Unidos possuem uma Constituição resumida, com 18 artigos que tratam
dos poderes privativos do governo federal, pertencendo aos estados as competências
remanescentes não enumeradas. Ou seja, aquilo que a Constituição não descreve como
competência da União, é matéria dos estados (ANDERSON, 2009; ALMEIDA, 2013). Já a
Constituição Federal do Brasil de 1988 é bastante detalhada, possuindo, na época de sua
aprovação, mais de 240 artigos. Além disso, constantemente são feitas alterações por meio
de Emendas Constitucionais, que, até 2018, somavam 999. É importante ressaltar que as
alterações sofridas pela Constituição brasileira não a caracteriza como flexível. A admissão
das Emendas no país passa por um longo trâmite que envolve apreciação e aprovação, com
dois turnos de discussão e votação, e com quórum qualificado nas duas Casas Legislativas:
Câmara dos Deputados e Senado Federal. Em caso de ameaça a algum dispositivo
constitucional, a matéria segue ainda para apreciação do STF.

Essa discussão sobre o detalhamento de um texto constitucional é importante porque


pode indicar a relação entre os distintos níveis de governo. Para Linhares Quitana (apud
BARACHO, 1986), quando uma Constituição é detalhada e busca relacionar todas as matérias
sobre as quais o governo central e os governos locais têm competência, há o risco de
surgimento de conflitos insolúveis no caso de haver omissões. Já quando uma Constituição é
ampla, e elenca as competências do governo central, deixando aos governos locais poderes
sobre matérias não indicadas, há uma tendência de fortalecimento da autonomia dos
estados membros e resistência à centralização. O Brasil se enquadra no primeiro caso, e os
Estados Unidos no segundo.

9
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/quadro_emc.htm>.
Acesso em: ago. 2018.
39

Outro elemento típico do federalismo é o bicameralismo. A organização do Poder


Legislativo e o sistema de representação eleitoral são, portanto, fundamentais. De acordo
com Anderson (2009), deve haver, ao menos, uma instância de representação dos entes
subnacionais no âmbito do governo central, possibilitando que os primeiros possam
participar de processos de tomada de decisão de interesse federal. Tal instância se
denomina Câmara Alta e nela todas as unidades federadas devem ter o mesmo número de
representantes (ANDERSON, 2009; DALLARI, 2005). No Brasil, o Senado Federal representa a
Câmara Alta e a sua composição envolve 81 senadores, eleitos por meio de sistema
majoritário, onde cada estado federado tem direito a eleger três representantes. A outra
Casa Legislativa, chamada em alguns países de Câmara Baixa, e no Brasil de Câmara dos
Deputados, deve reunir os representantes do povo (DALLARI, 2005). No caso brasileiro, esse
sistema de representação é objeto permanente de discussão entre pesquisadores. Alguns
autores afirmam que o sistema brasileiro apresenta graves distorções de representação.

Como se sabe, os distritos eleitorais coincidem, no Brasil, com os estados da


Federação. A Carta de 1988 estabeleceu que aos cidadãos de cada estado
correspondem, no máximo, 70 e, no mínimo, 8 representantes na Câmara
dos Deputados. Tal dispositivo provoca a sub-representação dos cidadãos
de São Paulo, o estado com maior número de habitantes do país, e a sobre-
representação dos eleitores de estados com população menor, como Acre,
Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins. [...] Portanto, tal dispositivo
constitucional viola o princípio de igualdade política, já que, por exemplo,
nas eleições de 2006, foi necessário número muito maior de cidadãos
paulistas (400.637) para eleger um deputado, do que de eleitores do Acre
(51.613), do Amapá (45.084), de Rondônia (123.597), de Roraima (29.202),
ou de Tocantins (110.349). (ANASTASIA, CASTRO E NUNES, 2007, p.121)
É importante considerar que esse sistema representativo desigual pode ser justificado
pela história política do Brasil, que favoreceu a poucos estados, como São Paulo e Minas
Gerais, provocando um desequilíbrio na federação brasileira (ABRUCIO, 1998). Assim, a
Constituição Federal de 1988 buscou um reequilíbrio por meio de medidas de representação
equitativa e não igualitária. Para Marta Arretche10 (2012) é importante salientar também
outra questão, a dos partidos políticos. Apesar dos distritos eleitorais no Brasil serem
baseados na divisão territorial, são os partidos políticos, com representantes eleitos através
dos estados, que estão diretamente representados na Câmara dos Deputados e no Senado.
Nesse sentido, a autora pontua que os políticos tendem a votar mais de acordo com o

10
Entrevista concedida ao jornalista Ederson Granetto, da Univesp TV, em 2012. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=L5i_GAXzpM0>. Acesso em: jun.2015.
40

entendimento dos seus respectivos partidos do que com os interesses de seus estados de
origem. Essa questão da representação territorial no Poder Legislativo é interessante. Ainda
que a tendência dos políticos seja votar de acordo com as definições de seus respectivos
partidos, em diversas matérias a questão territorial se coloca no centro do debate, a
exemplo da proposta de alteração das regras constitucionais de distribuição dos royalties do
petróleo, de 2003. A regra em vigor determinava que a União recebesse 40% dos royalties,
os estados produtores, 22,5%, e os municípios produtores, 30%. O restante (7,5%) era
distribuído pelas demais unidades constitutivas do país. A proposta debatida na Câmara dos
Deputados propunha alterar essa distribuição, não fazendo distinção entre entes produtores
e não-produtores. A nova configuração da divisão dos royalties seria: 40% para a União, 30%
para os estados e 30% para os municípios. Essa proposta ensejou grande debate, unindo na
oposição políticos de distintos partidos dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro
(principais produtores).

Além do sistema bicameral, outro pilar do federalismo descrito nas Constituições é a


divisão de poder e a definição de competências dos diversos níveis de governo. Tal definição
varia muito de acordo com cada país. Em alguns, a jurisdição é distinta para cada ente
federado, e cada qual organiza os programas e prestação de serviços que estão sob a sua
responsabilidade. É o chamado modelo dual ou clássico, e o seu princípio é o equilíbrio entre
União e estados (ANDERSON, 2009; BARACHO, 1986). Nesse sistema, nem os estados podem
interferir nos poderes da União, e nem esta pode intervir nos estados, já que as
competências são distribuídas horizontalmente, de forma exclusiva para cada ente
(ALMEIDA, 2013). Em outros países é possível perceber que parte das competências são
compartilhadas entre governo central e governos locais, é o chamado federalismo
cooperativo, e tem por princípio a suplementação das deficiências dos estados (ANDERSON,
2009; BARACHO, 1986). Nesse caso, além da Constituição descrever as competências
privativas de cada ente, estabelece, também, que o poder de legislar e atuar sobre algumas
matérias pode ser exercido por mais de um ente da federação, é o caso do Brasil. De acordo
com Fernanda Dias Almeida (2013, p. 724): “A definição constitucional das atribuições dos
diferentes integrantes da Federação é exigência que se impõe para permitir a coexistência
harmoniosa entre o conjunto e as partes, bem assim para dar substância à autonomia
recíproca”. Portanto, a divisão de atribuições deve contribuir para evitar conflitos e
41

promover uma relação pacífica entre os governos central e locais. O que não significa,
entretanto, ausência de atritos entre os mesmos. No caso das competências relativas às
matérias, algumas Constituições preveem que todos os entes federados podem atuar
conjuntamente, sem haver definição clara do papel de cada um deles; ou ainda serem
omissas, podendo provocar disputas ou descaso. Em geral, isso ocorre porque as
competências podem ser de tipo: (1) exclusiva; (2) privativa; (3) comum; e (4) concorrente.
Na competência exclusiva, o nível de governo é independente para decidir sobre determina
matéria (ANDERSON, 2009). Ou seja, se a um ente for atribuído este tipo de competência,
somente ele poderá exercê-la, não sendo possível delegá-la ou renunciá-la a outro ente. No
segundo tipo, a competência é privativa de um único ente, mas ele pode delegá-la a outro
nível de governo ou permitir que este participe da matéria de maneira suplementar (PINHO,
2005). Por sua vez, as competências comuns, também conhecidas como cumulativas ou
paralelas, permitem que todos os níveis de governo atuem sobre uma mesma matéria ao
mesmo tempo, estando todos os entes no mesmo nível hierárquico (PINHO, 2005). Já nas
competências concorrentes, apesar da matéria ser objeto da atuação conjunta de todos os
entes federados, a cada nível cabe determinada atribuição, e podem ser verificadas quando

[...] certas atividades e serviços são atribuídos, também concorrentemente,


a mais de um titular, indicando o bom senso que deverá haver uma
disciplina legal sobre o modo de exercê-lo conjuntamente, para que a
atuação concertada dos parceiros possa surtir os efeitos a que preordena,
ou seja, maior eficiência na execução de tarefas e objetivos de grande
relevância social, que são de responsabilidade do Poder Público de todos os
níveis da Federação. (ALMEIDA, 2013, p. 725)
No Brasil, a prática de compartilhamento das competências em termos de prestação
de serviços e promoção de atividades é tradicionalmente objeto de políticas sistêmicas,
existentes em áreas como a saúde, educação, meio ambiente e mais recentemente, a
cultura. Em resumo, tal modelo de organização de política pública tem por objetivo
“promover a integração de órgãos, otimizar recursos, propiciar eficiência e universalidade do
atendimento à população [...]” (CUNHA FILHO, 2010, p. 78). No livro Estado federativo e
políticas sociais: determinantes da descentralização (2011), Marta Arretche se dedica a
estudar quatro políticas setoriais – educação, assistência social, saneamento e habitação
popular – com foco nos processos de descentralização. Em resumo, a autora afirma que
desde o final dos anos 90 vem sendo desenvolvidos programas que paulatinamente vem
transferindo um conjunto importante de atribuições de gestão aos níveis estadual e
42

municipal, que até então estavam centralizadas no governo federal. Mesmo com variações
quanto ao grau de descentralização das políticas e quanto à adesão dos níveis de governo, a
autora considera que há um processo de redefinição de atribuições e competências que
alterará radicalmente o padrão centralizado que caracterizou o sistema de proteção social
do país. Para Arretche (2011, p. 17):

[...] Desde o início dos anos 80, um conjunto de reformas político-


institucionais redundou na recuperação das bases federativas do Estado
brasileiro. A retomada das eleições diretas para todos os níveis de governo,
a partir de 1982, a descentralização fiscal da Constituição de 1988, a
definição dos municípios como entes federativos autônomos nesta mesma
Carta implicaram que, nos anos 90, as relações entre os níveis de governo
passassem a ter relações próprias a um Estado Federativo.
Ser “próprias a um Estado Federativo” significa dizer que, a partir dos anos 90, a
descentralização das políticas sociais do governo federal necessitava ser negociada com os
demais entes federados, que poderiam aderir ou não aos programas da União. Tais adesões,
por sua vez, estavam vinculadas a um conjunto de fatores de natureza econômica, política e
administrativa (ARRETCHE, 2011).

O desenvolvimento de políticas sistêmicas tem vínculo direto com a organização


territorial do país e de como os entes federados se relacionam para elaborar e executar as
políticas púbicas, distribuindo as responsabilidades entre si. De acordo com Anderson
(2009), em alguns estados federados o poder central concentra o poder decisório e
legislativo em relação às unidades constitutivas de tal maneira que, no momento de
formular políticas públicas, há pouco espaço de participação dos demais níveis de governo.
Esse parece ser o caso do Brasil. Segundo Marta Arretche11 (2012), muitos cientistas sociais
consideram que a Constituição Federal de 1988 configurou um modelo de Estado
excessivamente descentralizado, o que tornaria a União fraca para prover bens públicos
nacionais, transformando os estados e municípios nos principais atores da Federação.
Fernando Luiz Abrucio (1998) parece ser adepto dessa perspectiva ao analisar a relação
entre estados e União na época da redemocratização do país.

O fortalecimento dos governadores na redemocratização teve como um


dos impulsos fundamentais o enfraquecimento da União no pacto
federativo, antes marcado por um modelo extremamente centralizador. O
fato é que o Governo Federal foi perdendo legitimidade e recursos ao longo

11
Entrevista concedida ao jornalista Ederson Granetto, da Univesp TV, em 2012. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=L5i_GAXzpM0>. Acesso em: jun.2015
43

da década de oitenta, ao passo que os Executivos estaduais ganharam


poder nos campos político e econômico, processo iniciado pelas eleições de
1982 e coroado pela ordem legal criada pela Constituição de 1988. O
enfraquecimento da União ocorreu concomitantemente à fragilização da
Presidência da República, núcleo do sistema político brasileiro durante
décadas, enquanto se fortaleciam os governadores de estados. (ABRUCIO,
1988, p.22-23)
Marta Arretche (2012) adverte que, ao contrário dessa perspectiva, é possível
perceber que o governo central manteve após a Constituição Federal de 1988 a sua
capacidade de coordenar políticas de âmbito nacional, a exemplo do Sistema Único de Saúde
(SUS) e de políticas de educação, que atingem todos os entes federados. A própria
aprovação de medidas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, que instituiu
controle de despesas com pessoal nos três níveis da Federação, seria um exemplo do poder
mantido pelo governo central. Para a autora, a Constituição de 1988 descentralizou a
execução das políticas, mas manteve nas mãos da União a definição das mesmas, dando
pequena margem de atuação aos estados e municípios. Arretche (2012) defende que todas
as decisões relevantes são atribuições exclusivas da União, ou a esta cabe o direito de
legislar sobre a matéria. Seria o caso, por exemplo, da competência para tratar do direito
eleitoral. Enquanto no Brasil isso é de competência privativa da União, nos Estados Unidos é
matéria de competência exclusiva dos estados. A tese defendida por Arretche parece ser
mais coerente que a de Abrucio. A análise de políticas públicas e de legislações elaboradas
após a promulgação da Constituição Federal de 1988, não nos leva a concluir que houve
diminuição do poder da União, pelo contrário. A quantidade de competências privativas ou
exclusivas da União previstas na Constituição brasileira é expressiva. O artigo 21 estabelece,
por exemplo, que a este ente cabe exclusivamente competência para explorar, diretamente
ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora e de
sons e imagens; ou ainda para exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões
públicas e de programas de rádio e televisão. O artigo 22 da Constituição estabelece que
somente à União cabe legislar sobre: IV – água, energia, informática, telecomunicações e
radiodifusão; XIV – populações indígenas12 etc. Ou seja, em todas essas matérias, os estados
e municípios não possuem autonomia para legislar.

12
No caso das populações indígenas, a exclusividade da União foi justificada pela preocupação em padronizar o
tratamento legal a ser dado a essas populações espalhadas pelo território nacional no intuito de evitar
discriminações regionais ou locais. (ALMEIDA, 2013).
44

Para alguns pesquisadores, o equilíbrio entre o poder da União e dos demais entes
subnacionais no Brasil poderia ser buscado a partir das competências legislativas do tipo
concorrente, onde a União estabelece as normas gerais e os estados e Distrito Federal
suplementam de acordo com as suas particularidades, sem que as normas específicas
estejam em desacordo com a norma editada pela União (ALMEIDA, 2013). De acordo com o
artigo 24 da Constituição de 1988, tais entes podem legislar concorrentemente sobre: VII -
proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII -
responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IX - educação, cultura, ensino, desporto,
ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação. Pelos incisos supracitados, as
legislações em torno da cultura podem ser editadas pela União, estados e Distrito Federal.
No caso dos municípios, a eles competem legislar sobre assuntos de interesse local;
suplementar a legislação federal e estadual do que couber; e “promover a proteção do
patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e
estadual”, conforme Art. 30, IX.

Ainda em relação ao desenvolvimento de políticas públicas de caráter sistêmico, vale


destacar que a Constituição Federal de 1988 previu as matérias sobre as quais os três entes
federados devem atuar de forma conjunta e permanente, com o intuito de alcançar o
interesse público, de relevante alcance social (ALMEIDA, 2013). A perspectiva é que sejam
estabelecidas bases políticas e normas operacionais que disciplinem a execução dos serviços
e atividades previstas de serem desenvolvidas de maneira concorrente por todos os entes
federados, na tentativa de conjugar esforços. À União caberá dar o norte da ação conjunta,
mantendo a unidade nacional, e editando normas gerais (ALMEIDA, 2013). Assim, o artigo 23
estabelece que todos os níveis de governo devem: III - proteger os documentos, as obras e
outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização
de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os
meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; etc.
Isso significa que na Constituição brasileira, a União, os estados e o Distrito Federal devem
atuar conjuntamente na área da cultura. Ocorre que como não houve um desdobramento
sobre as competências específicas de cada ente federado na área, isso poderia gerar um
45

caos considerando o grande número de estados e municípios do país, “[...] que poderiam
fazer leis contraditórias, repetir atividades, omitir ações, ou seja, atuar em desarmonia uns
com os outros” (CUNHA, FILHO, 2010, p.78), daí a importância de se aprofundar o debate
sobre as relações federativas em matéria de cultura, algo que deve ser objeto central do
Sistema Nacional de Cultura. Tal discussão deve partir considerando singularidades do
campo cultural, o histórico das relações construídas entre os diferentes níveis de governo e
as próprias características do Estado federal brasileiro.

1.1 A AUTONOMIA DOS ENTES FEDERADOS NO BRASIL

Uma das principais inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988 foi a de
garantir expressamente aos municípios autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira (BRASIL, 1988). Para Paulo Bonavides (2002), esse status do ente municipal
conferido pela Carta de 1988 é ímpar: “Não conhecemos uma única forma de união
federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau
de caracterização política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da
definição constitucional [...]” (BONAVIDES, 2002, p. 314). O reconhecimento dos municípios
como ente federado não possui unanimidade entre os estudiosos do federalismo. No livro
Comentários à Constituição do Brasil, Fernanda Dias Almeida e Martonio Barreto Lima (2013)
apresentam parte do embate sobre o municipalismo que ambientou a constituinte de 87/88.
Almeida (2013) revela que a tese municipalista defendida por doutrinadores como Hely
Lopes Meirelles e Celso Ribeiro Bastos predominou sobre aquela que rejeitava aos
municípios a condição de entidade federativa. Condição questionada, por exemplo, por José
Afonso da Silva e Gilmar Mendes. Fernanda Almeida (2013) revela que, na verdade, salvo
alguns momentos, desde a Constituição de 1891, os municípios figuraram com certa
autonomia na organização político-administrativo do país. Portanto, a Federação brasileira
historicamente envolveu não apenas a ordem central e ordens estaduais, mas também os
entes políticos locais, com competências e autonomia. “Se assim sempre foi, o constituinte
de 1988, ao incluir expressamente os Municípios no art. 1º, também no art. 18, mais não fez
do que ceder diante de uma realidade histórica” (ALMEIDA, 2013, p. 701). Barreto Lima
(2013) complementa tal pensamento ao afirmar que a experiência política brasileira sempre
esteve fortemente vinculada ao poder local. Para o autor, o governo local sempre integrou o
46

universo político-institucional do país, ainda que acompanhado da presença de fenômenos


como o coronelismo e o patrimonialismo.

O embate sobre o reconhecimento do município enquanto ente autônomo não é


restrito ao Brasil. De acordo com Paulo Bonavides (2002), a questão ultrapassa o âmbito
jurídico e recai sobre a história de cada país:

Em todos os sistemas constitucionais, de natureza federativa ou unitária, a


história da autonomia municipal é uma crônica política de oscilações, que
variam pendularmente do alargamento à contração, conforme haja
ocasiões mais propícias para concretizar o princípio da liberdade na
organização das estruturas estatais. (BONAVIDES, 2002, p. 313)
Para o jurista, tais oscilações históricas ora se direcionam para correntes liberais, que
estimulam a autonomia municipal, e ora para correntes que fortalecem o social, onde a
autonomia retrocede em favor da coletividade e do pensamento social. O autor ressalta,
também, que essa tensão entre município e ordenamento estatal sempre existiu, pois antes
do surgimento do Estado já havia comunidades, povoações, que são a origem primitiva dos
municípios: “Em verdade, o município, tanto quanto a família ou a tribo, antecede o Estado:
é um prius; um valor dotado de mais ancianidade” (BONAVIDES, 2002, p. 314). O Brasil, de
acordo com o autor, também teve seu poder municipal anterior ao Estado e à Nação, tendo
papel fundamental para o início do constitucionalismo nacional.

Vale ressaltar no debate sobre autonomia dos municípios brasileiros que alguns
autores defendem que isso não pode ser compreendido como uma declaração de
descentralização e de democracia, e sim como uma tentativa de o governo central transferir
encargos e responsabilidades aos entes municipais, em um processo mais reativo de
atendimento a antigas exigências políticas (ABRUCIO; FRANZESE, 2007; PFEIFFER, 2000).
Além disso, argumentam que a transferência de responsabilidades para os municípios não
foi seguida de um fortalecimento dos mesmos para dotá-los de melhores condições
organizativas, financeiras, técnicas e administrativas. Assim, a maior parte dos municípios
brasileiros são institucionalmente frágeis e dependentes do governo central (ABRUCIO;
FRANZESE, 2007). Apontam, ainda, que dado o contexto do neoliberalismo que passou a
prevalecer nos anos seguintes à promulgação da Constituição de 1988, os municípios
passaram a atuar de maneira cada vez mais competitiva e menos cooperativa, em busca de
investimentos para aumentar a arrecadação fiscal (PFEIFFER, 2000). Todas essas
perspectivas parecem defender os efeitos perversos da descentralização de poder, que
47

conduziriam a: (1) menor capacidade do monitoramento dos recursos transferíveis desde o


governo central para os governos locais e, por outro lado, desincentivo destes gerarem
receitas fiscais; (2) burocracias locais de baixa qualidade, sobretudo na área social,
comprometendo a oferta de bens e serviços; (3) maior corrupção e clientelismo devido à
porosidade do governo local em relação às elites locais e estaduais; (4) fragmentação
institucional com a proliferação de municípios etc. (MELO, 1996).

Ao mesmo tempo em que há essa visão mais desconfiada e crítica ao processo de


autonomia dos municípios no Brasil, é também perceptível um movimento favorável
baseado na possibilidade do âmbito local ter mais poder decisório para incentivar a
implementação de ideais democráticos, como o da participação social. Provavelmente, todos
esses debates que foram intensificados a partir dos anos 80, decorreram do contexto
histórico pós-Ditadura, quando descentralização passou a ser sinônimo de democracia e
centralização à impossibilidade de controle social, à falta de transparência das decisões, ou
seja, à práticas não-democráticas (ARRECTHE, 1996). Discurso, entretanto, questionável, já
que confunde descentralização com democratização. Para Marta Arrecthe (1996), a
descentralização por si não garante, por exemplo, a participação política ou o controle da
população sobre as ações dentro de órgãos municipais.

Assim, há, pelo menos, dois temas-chave para compreender a autonomia federativa
no Brasil pós-1988: de um lado, o aspecto de baixa qualidade das burocracias regionais, que
não promovem satisfatoriamente bens e serviços públicos, e o histórico de domínio das
oligarquias locais; e, por outro lado, a possibilidade dos poderes autônomos implementarem
princípios democráticos, como a participação social. As duas coisas, por sua vez, estão
relacionadas, já que romper com as relações clientelistas que envolvem historicamente o
poder local e que comprometem a implantação de políticas públicas, impactam na
capacidade institucional de promover bens e serviços. Assim, novos arranjos institucionais e
administrativos poderiam provocar uma melhor eficiência gerencial e qualificar as
burocracias locais (KERBAUY, 2001).

Em relação aos entes estaduais, rapidamente cabe ressaltar que a Constituição Federal
de 1988 não estabeleceu um rol de suas competências, como ocorreu com a União e os
municípios. Aos estados cabem, portanto, as competências do tipo remanescentes,
conforme artigo 25, §1º. Para Fernanda Almeida (2013), a análise sobre isso revela que
48

[...] muito pouco sobrou para os Estados, cujas competências materiais


resumem-se quase que somente a atribuições de ordem administrativa e
financeira. [...] No que concerne às competências legislativas não
enumeradas, vale igualmente o que se acaba de afirmar: é bastante restrita
a área de atuação do legislador estadual [...]. Percebe-se, destarte, que
malgrado a tendência pró-descentralização, proclamada durante os
trabalhos constituintes em 87/88, acabou não ocorrendo, na medida
desejável, a ampliação do espaço e da influência dos Estados no panorama
da Federação brasileira (ALMEIDA, 2013, p. 759-760).
Se na Constituição de 1988 o papel dos estados é pouco expressivo, não se pode falar
o mesmo em relação à presença de tais entes na política nacional. Diversos episódios da
história do Brasil estiveram pautados na relação dos estados com o poder central. Antes
mesmo de o país ser uma República Federativa, quando os estados ainda eram províncias,
houve episódios de disputa pela repartição do poder, a exemplo de diversas revoltas
eclodidas no Período Regencial, parte delas de caráter federalista, como a Cabanagem
(1835-1840), no Pará, a Revolução dos Farrapos (1835-1845), no Rio Grande do Sul, e a
Sabinada (1837 - 1838), na Bahia, que teve, para alguns autores, um caráter, inclusive,
republicano (BARACHO, 1986). O advento da República e da Constituição dos Estados Unidos
do Brasil de 1891, a primeira a instituir o federalismo no país, também foi ambientada pela
forte presença de tais entes, sobretudo de São Paulo e Minas Gerais, que a partir de 1894 se
revezaram na presidência do país, fundando a política dos governadores. De acordo com
Fernando Abrucio (1998), desde o momento inicial de criação do Estado federal brasileiro,
observou-se o não estabelecimento estrutural de uma relação de interdependência entre a
União e os estados, um dos princípios gerais do federalismo. Para o autor, o surgimento da
federação brasileira foi ambientada pela oposição entre dois estados fortes, São Paulo e
Minas, e uma União incapaz de se opor aos mesmos, acrescido de “[...] mais de uma dezena
de unidades estaduais que mal podiam sobreviver pelas ‘próprias pernas’, necessitando do
auxílio do Tesouro federal – o que na prática significava se filiar automaticamente ao bloco
do ‘café com leite’” (ABRUCIO, 1998, p.40). Para o autor:

A última consequência, resultado das outras, é que o federalismo no Brasil


surgiu dissociado da República. O federalismo da Primeira República foi o
reino das oligarquias, do patrimonialismo e da ausência do povo no cenário
político. Ou seja, anti-republicanismo por excelência. (ABRUCIO, 1998, p.40)
Isso não significa, entretanto, que na história do federalismo brasileiro o poder tenha
estado sempre descentralizado na mão de poucos estados. Não são irrisórios os momentos
em que o governo federal centralizou o poder, inclusive associado diretamente à figura do
49

Presidente da República. Foi o que aconteceu na Era Vargas (1930 – 1945), especialmente
após a Constituição de 1937 que dissolveu o Poder Legislativo e ampliou o domínio do
governo central frente aos estados. O período conhecido como Estado Novo caracterizou um
país que, constitucionalmente, se dizia federado, mas que na prática se enquadrava como
um Estado Unitário (BARACHO, 1986), permanecendo estados e municípios submetidos ao
governo federal. Uma cerimônia pública representa bem esse momento: em 1937, ao som
do Hino Nacional regido pelo maestro Heitor Villa Lobos, as 21 bandeiras dos estados foram
queimadas, dando lugar a 21 bandeiras nacionais, simbolizando a unidade do país.

O período da Ditadura Militar (1964-1985) também se inscreve em algo semelhante. A


análise da Constituição de 1967, dos Atos Institucionais e da Emenda nº1 à Constituição,
editada em 1969, revela o enfraquecimento dos poderes dos estados, que tiveram a sua
autonomia administrativa diminuída e passaram a sofrer intervenções em diversas áreas
(CUNHA FILHO; RIBEIRO, 2013).

O fortalecimento da União consubstancia-se como uma forma de


centralização do poder político e o seu predomínio sobre o ente jurídico,
vinculando todas as entidades federadas aos desmandos centrais. Contudo,
dentro da divisão orgânica do poder, percebe-se um engrandecimento do
Poder Executivo em relação aos demais. Sob a ideologia da consecução da
segurança nacional e desenvolvimento econômico, o totalitarismo avança e
deixa suas marcas no espírito popular, que agora temeroso, busca saídas às
escondidas. O nome de ‘Federalismo de Integração’ que recebeu essa
forma federalista, apenas representava a obsessão pela segurança nacional
como forma de se institucionalizar uma maneira legítima de se centralizar o
poder nas mãos de poucos. (ANDRADE; SANTOS, 2012, p.21)
Tais passagens históricas apenas ilustram que a discussão entre centralização e
descentralização do poder no âmbito da União acompanha a trajetória do federalismo
brasileiro. Para alguns autores, o país vive historicamente sob um movimento pendular,
onde ora há um Estado centralizado, de unidade e de integração regional, e ora há um
Estado descentralizado, de autonomia e diversificação regional 13 (LINHARES, MENDES,
LASSANCE, 2012; MONTEIRO NETO, 2014). Para outros estudiosos, entretanto, este pêndulo
tem estado sempre mais voltado para o lado centralizador, marcado pela supervalorização
do poder central e da autoridade do Presidente da República em relação às tímidas
competências atribuídas às demais unidades federadas. E, quando o pêndulo tendeu a se

13
Em síntese, a configuração foi: 1891-1930, descentralização; 1930-1945, centralização; 1946-1963,
descentralização; 1964-1985, centralização; 1985-1990, descentralização. (BRANDÃO, 2014).
50

movimentar para o lado descentralizador, o poder foi apropriado por elites regionais não
republicanas (ABRUCIO; FRANZESE, 2007; WALDEMAR, 1954 apud BARACHO, 1986). Assim,
mesmo após a Constituição Federal de 1988, que chegou a reconhecer autonomia dos entes
municipais, o país continuou com forte caráter centralizador (ISMAEL, 2014). Para Paulo
Bonavides (2002, p. 326): “O aspecto do centralismo continua, pois, presente, deitando
sombras e ameaças à ordem federativa, enquanto não se resolver a questão regional”.
Segundo o autor, uma instância de nível regional “[...] disporia de poderes muito mais
eficazes, perante o Governo Central, do que aqueles que, no seu insulamento e na sua
dispersão, os Estados componentes da Federação, seriam capazes de concentrar”
(BONAVIDES, 2002, p. 325). Assim, em sua opinião, é possível e desejável que as regiões se
tornem a quarta instância política da Federação.

Essa questão apontada por Bonavides se relaciona com a desigualdade histórica entre
as regiões do país e com a tímida cooperação existente entre os entes federados, que
continuam atuando de maneira desequilibrada e com pouca concertação. Para Celina Souza
(2009), questões não enfrentadas pelo federalismo brasileiro o tornam objeto de constante
tensão, pois

a) a federação está assentada em alto grau de desigualdade entre as


regiões, estados, municípios e até mesmo no interior de muitos municípios;
b) a federação conta com escassos mecanismos de coordenação e
cooperação intergovernamentais, tanto vertical quanto horizontal, coibindo
a criação de canais de negociação que tornem a ação coletiva entre os
entes federados mais baseada na cooperação e em regras operacionais do
que na coerção das regras legais e constitucionais. (SOUZA, 2009, p.12)

De acordo com Fernando Abrucio (1998), a hierarquia de importância dos estados


dentro da Federação brasileira e o desiquilíbrio na distribuição do poder fragiliza as relações
e as possiblidades de cooperação entre os entes.

Ora vivemos em períodos marcados pela irresponsabilidade dos estados,


ora vivemos fases de forte centralização – por muitas vezes autoritárias –, e
em ambos, os pactos federativos estabelecidos não são capazes de
engendrar relações intergovernamentais cooperativas e baseadas no
controle mútuo. (ABRUCIO, 1998, p.30)
Certamente, a organização financeiro-tributária do país tem relação direta com a
distribuição de poder dentro da federação. Para Dallari (2005), uma das características
fundamentais do Estado federal é a atribuição de renda própria para cada esfera de
competência.
51

Como a experiência demonstrou, e é óbvio isso, dar-se competência é o


mesmo que atribuir encargos. É indispensável, portanto, que se assegure a
quem tem os encargos uma fonte de rendas suficientes, pois do contrário a
autonomia política se torna apenas nominal, pois não pode agir, e agir com
independência, quem não dispõe de recursos próprios. (DALLARI, 2005, p.
260)
Para Anderson (2009), um dos temas fundamentais nessa discussão é a divisão de
competência tributária e o modo de arrecadação e transferência de recursos entre governo
central e unidades constitutivas. Em alguns casos, as unidades dependem substancialmente
dessa transferência para que os seus gastos sejam cobertos. Em outros, a dependência do
governo central é menor, pois as próprias unidades conseguem gerar receitas que cobrem os
gastos com as suas políticas públicas. Vale ressaltar, ainda, os casos em que os gastos são
bastante concentrados no governo central, o que poderá justificar menor transferência fiscal
para as unidades. Em geral, aponta Anderson (2009, p. 58):

As federações enfrentam um desafio, que consiste no fato de que os


governos das unidades constitutivas geralmente têm responsabilidades
muito semelhantes, se não idênticas, mas diferentes capacidades de
geração da receita necessária. Consequentemente, os governos de tais
unidades acabariam por prover programas e serviços de qualidade e
alcance bastante desigual se limitados a seus próprios recursos.
Outro debate interessante que perpassa a questão da transferência de recursos para
os entes subnacionais é aquela que possui interface direta com a execução de políticas
públicas.

Em muitas federações, desenrola-se um debate sobre a magnitude das


transferências condicionais, proporcionalmente às incondicionais. Estas
últimas tendem a favorecer a independência do governo das unidades
constitutivas, ao passo que os repasses condicionais promovem o alcance
de metas e padrões nacionais em áreas como a saúde, por exemplo.
(ANDERSON, 2009, p.59)
Em resumo, nos repasses incondicionais, os entes subnacionais definem a finalidade da
receita, enquanto as transferências condicionais são destinadas para programas específicos,
geralmente elaborados pelo governo central. Anderson (2009) adverte que há certa
desconfiança quanto às transferências condicionais porque essas poderiam permitir ao ente
central: (1) interferir em áreas de competência exclusiva das unidades, impondo
configuração aos seus programas; (2) distorcer as prioridades das unidades através da
exigência de contrapartida para recebimento dos repasses; e (3) usar os repasses para
favorecimento de aliados políticos. Em contraposição, continua o autor, há quem defenda as
52

transferências condicionais por entender que isso não afeta a competência para legislar por
parte das unidades constitutivas, não impedindo ainda que os distintos níveis de governo
possam gastar numa mesma área.

Esse tema é fundamental para compreender como funciona, no Brasil, a relação entre
União, estados, Distrito Federal e municípios no planejamento e execução de políticas
públicas de caráter sistêmicas, como pretende o Sistema Único de Saúde e o Sistema
Nacional de Cultura, que justamente preveem repasse de recursos financeiros entre os entes
federados para desenvolvimento de ações coordenadas a nível nacional. Para Antonio
Lassance (2012, p. 23):

Há uma lógica necessariamente contraditória nessa divisão de poderes em


linha vertical [de políticas sistêmicas], na medida em que serve, ao mesmo
tempo, para unificar um grande território e dividi-lo em unidades menores;
para estruturar ações que devem ocorrer nacionalmente; e,
concomitantemente, fragmentar as políticas públicas, obrigando à
multiplicação de programas para se adequar às diferentes realidades locais.
O federalismo adensa e fracciona interesses em disputa, o que reforça a
unidade e dá espaço à diversidade.
Na opinião de Humberto Cunha Filho (2017), o modelo de organização sistêmica de
políticas públicas fomentado pela União, fortalece ainda mais os seus poderes frente às
demais unidades constitutivas da federação:

Isso faz parte, eu acho, de uma estratégia geral de justificar os acúmulos de


poderes e recursos nas mãos da União. A União é no Brasil, na atual
federação, na atual configuração da federação brasileira, ela é agigantada,
não obstante ela tenha sido gigante em outros momentos, sobretudo nos
momentos autoritários, mas como ela é muito gigante e os municípios e
estados demandam recursos, e não se quer abrir mão ou se pensar
seriamente numa outra partilha de recursos, aí vamos elaborar sistemas,
que a gente fica com responsabilidades e justifica se estar do jeito que se
estar... eu acho que [o SNC decorre] da experiência dos outros Sistemas
[SUS, SUAS] e mais remotamente também de uma defesa prévia, por assim
dizer, da permanência da União com a força, a força política, a força
legislativa, a força tributária que hoje em dia tem (CUNHA FILHO, 2017).

1.2 DESAFIOS DO FEDERALISMO

Como se pode perceber, há várias questões complexas em torno do federalismo, como


ressalta Celina Souza (2013, p. 81):

Se não há modelo único de federalismo, as tensões enfrentadas pelos


países que optaram pelo modelo federativo são comuns e revolvem em
53

torno de como distribuir poder, autoridade e recursos dentro de um


mesmo território e como conciliar o objetivo último das federações:
preservar a unidade territorial e assegurar a diversidade.
Para Dalmo Dallari (2005), a complexidade do tema passa pela conjunção de dois
fatores que podem ser considerados até contraditórios: a adoção do federalismo
proporciona o aumento do poder do Estado e, ao mesmo tempo, a manutenção dos
particularismos. Explica o autor:

A necessidade de ação intensa e planificada, bem como as exigências de


serviços e o custo de uma organização militar eficiente, tudo isso exige
recursos que os pequenos Estados não podem obter sozinhos. E a
federação, propiciando a conjunção de esforços, permite a integração dos
Estados em unidades que são naturalmente mais fortes, em todos os
sentidos. [Por outro lado], o Estado se torna integrante de uma unidade
mais poderosa, convivendo dentro da federação, em condições de
igualdade com os demais integrantes, cada um preservando suas
peculiaridades sócio-culturais. (DALLARI, 2005, p.261-262)
Para Fernando Abrucio (1998), vários países com diversidade regional ou étnica
acreditam que o federalismo é o melhor modelo de organização político-territorial para
equacionar democraticamente conflitos entre os seus distintos níveis de governo. O autor
aponta que os mecanismos federativos são utilizados, inclusive, por países não-federalistas,
mas que convivem com conflitos intergovernamentais e demandas por autonomia local.
George Anderson (2009) reconhece tal tendência, mas chama atenção para a questão dos
grupos minoritários.

O federalismo pode ser útil na acomodação de tais diversidades, uma vez


que importantes populações regionalmente concentradas podem
estabelecer-se como maioria em suas respectivas unidades constitutivas.
Contudo, nem todos os grupos são suficientemente grandes ou
concentrados para ocupar ou limitar-se a ocupar uma determinada unidade
constitutiva, nem há unidade cujo território tenha população inteiramente
homogênea. Então, os direitos das minorias dentro das unidades
constitutivas e as demandas para a criação de novas unidades para
‘minorias que fazem parte de outras minorias’ precisam ser considerados.
(ANDERSON, 2009, p. 38)
A discussão sobre a diversidade enquanto eixo estruturante do federalismo é
fundamental, e tem, ou deveria ter rebatimento direto nas discussões sobre o Sistema
Nacional de Cultura. Um tema, entretanto, não muito considerado na pouca literatura
existente. Um dos autores que se debruça sobre o assunto é Francisco Humberto Cunha
Filho (2017), para quem é preciso lembrar que o federalismo busca o equilíbrio de dois
elementos: um relativo à identidade e unidade e outro à diversidade. O lado da identidade e
54

unidade se refere, por exemplo, à integração territorial, aos direitos fundamentais e direitos
humanos, a laicidade do Estado; e o lado da diversidade pode ser representado pela própria
questão da diversidade cultural, “[...] então, o que alimenta o federalismo e o que justifica a
existência do federalismo, diferentemente de um estado exclusivamente unitário, é
exatamente esses movimentos idealmente simultâneos e idealmente equivalentes em peso”
(CUNHA FILHO, 2017). Na opinião do pesquisador, o que vem ocorrendo de maneira geral
nos países é que o federalismo vem sendo construído de maneira desequilibrado, criando
estruturas que colocam o peso da balança mais do lado da unidade do que da diversidade.

[...] isso é um fenômeno que abraçou o mundo como um todo durante


quase oitenta anos, é tanto que a gente vai ter a Declaração Universal dos
Direitos Humanos em 1948 e a Declaração da Diversidade Cultural,
tentando compensá-la, só em 2001, e com o Pacto sobre a diversidade
cultural só em 2005. (CUNHA FILHO, 2017)
Diante dessa concepção, Cunha Filho considera que os elementos da
identidade/unidade e da diversidade devem ser considerados, refletidos e sopesados na
construção de uma política sistêmica. E, especificamente no caso do Sistema Nacional de
Cultura, o pesquisador destaca que é preciso aprofundar a discussão sobre como a
diversidade cultural deve permear o Sistema, já que o lado que mais avançou na política até
o momento foi o da unidade, com a determinação legal do aspecto estrutural, formal, de
organização administrativa da cultura a ser adotado nos três níveis federados, conforme Art.
216-A da Constituição Federal.

Outro desafio fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas pautadas em


princípios federativos e democráticos é o contexto em que são inscritas. Isso porque
determinados aspectos de um Estado federado – como a descentralização de poder e de
recursos –, e de um Estado democrático – como a participação social –, podem variar a
depender de movimentos políticos. Foi o que aconteceu com a chamada nova administração
pública ou administração pública gerencial, que ensejou a reforma do Estado em diversos
países sustentada no pensamento neoliberal e na teoria da escolha pública (PAULA, 2005).
No contexto internacional, vários países se encontravam no que foi chamado de crise do
Estado moderno de fins do século XX, compreendido pela Ciência Social em duas narrativas:
econômica e sociológica. A primeira, apontava um Estado sobrecarregado, com uma
burocracia ineficiente. A segunda, justificava a crise por questões internacionais – devido à
nova economia transnacional e consequente falta de controle do Estado – e por problemas
55

internos, com as demandas crescentes dos cidadãos, que buscavam um Estado mais efetivo,
transparente e aberto à participação popular (BEVIR, 2011). A primeira onda de reforma
neoliberal respondeu à primeira narrativa com a redução do tamanho do Estado e
transferência de organizações e atividades para o setor privado através de privatizações e
terceirizações de serviço, como maneira de substituir a burocracia ineficiente. Os papeis
foram redefinidos e os cidadãos passaram a ser nomeados de consumidores ou usuários de
serviços (BEVIR, 2011). No caso do Brasil, Ana Paula de Paula (2005) destaca que o processo
de reforma neoliberal respeitou o caráter formal/institucional da democracia, mas manteve
características autoritárias do antigo regime, cujo programa de ação governamental estava
baseado na linha tecnocrática, centralizando na cúpula do governo todas as decisões. Assim,

[...] o modelo de gestão se caracterizava pelo autoritarismo e a exclusão da


participação social. Também verificamos que a tecnocracia se caracterizava
pelo neopatrimonialismo, ou seja, os burocratas se apropriavam da
essência do Estado. (PAULA, 2005, p. 141)
De acordo com a autora, durante a transição democrática pós-Ditadura Militar, essa
tecnocracia foi questionada e passou a ser criticada no discurso da vertente gerencialista de
reforma do Estado. Porém, a implementação de um novo modelo de gestão pública não
rompeu com o passado, mantendo o processo decisório centralizado no núcleo estratégico
do Estado. Assim, “[...] a despeito do discurso participativo da nova administração pública, a
estrutura e a dinâmica do Estado pós-reforma não garantiram uma inserção da sociedade
civil nas decisões estratégicas e na formulação de políticas públicas” (PAULA, 2005, p. 141).
Em contraposição ao que ocorria na prática, a Constituição Federal de 1988, conhecida como
Constituição Cidadã, previu o controle do Estado por parte da sociedade civil por meio de
vários mecanismos, como o voto direto e secreto, plebiscito, referendo, iniciativa popular,
participação em conselhos de políticas públicas etc.; fruto da própria participação na
constituinte de 87/88 de movimentos populares, sindicais, sociais, de organizações não
governamentais, de setores acadêmicos, de entidades profissionais e representativas,
dentre outras. Portanto, tinha-se, por um lado, uma Carta Magna que ensejava uma
democracia representativa e participativa, e por outro lado, uma gestão pública que não
absorvia tal dimensão nos seus processos decisórios. Para Paula (2005), ao longo da década
de 90, no âmbito do governo federal, as decisões estavam centralizadas no núcleo executivo
liderado por partidos políticos que não incorporavam a sociedade civil em processos
consultivos ou deliberativos. Uma questão que começou a ser melhor enfrentada a partir
56

dos anos 2000, quando o Partido dos Trabalhadores (PT) conseguiu vencer as eleições
presidenciais de 2002, levando ao âmbito federal um conjunto de experiências
desenvolvidas nas prefeituras dirigidas pelo mesmo ou por outros partidos de esquerda, a
exemplo de: fóruns temáticos, conselhos de gestão tripartite, comissões de planejamento,
orçamentos participativos etc.

Ao longo dos governos dirigidos pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva e pela
presidenta Dilma Rousseff, ambos do PT, um dos mecanismos de participação social mais
presente foi a conferência, cujo objetivo é debater e congregar propostas para o
fortalecimento de políticas públicas específicas, agrupando contribuições advindas dos
âmbitos local, estadual e nacional, envolvendo poder público e sociedade civil. No governo
Lula da Silva (2003-2010), ocorreram 74 conferências pautadas por 40 temas de diversas
áreas (juventude, saúde, educação, cultura etc.), e no primeiro mandato de Dilma Rousseff
(2011-2014), o número de conferências foi de 28. Vale registrar que no governo Collor de
Mello (1990-1992) ocorreram duas conferências; o Governo Itamar Franco (1993-1994)
realizou seis; e 17 conferências foram convocadas ao longo dos dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002) (ARAGÃO, 2013; BRASIL, 201514).

No caso da cultura, a orientação por elaborar políticas públicas para a área,


submetendo-a ao crivo da sociedade, passou a ser um posicionamento permanente do MinC
entre 2003 e 2016. Uma série de temas – direitos autorais; plano e sistema de cultura;
financiamento; formação e qualificação; economia da cultura etc. – foram objeto de debate
e deliberação pública por meio de seminários, câmaras setoriais, conferências, consultas,
conselhos etc., aproximando atores não-estatais de processos decisórios. Com esse
posicionamento inédito, o MinC passou a circular pelo país dando início à criação de uma
rede de novos interlocutores (Calabre 2014), que ao longo do tempo foi se apropriando
desses espaços e consolidando um novo patamar na relação Estado-sociedade. De acordo
com Albino Rubim (2011), a construção de políticas públicas de cultura feita em diálogo com
a sociedade, permitiu o enfrentamento de uma das tristes tradições da política cultural
brasileira: o autoritarismo, que historicamente esteve presente no desenvolvimento de
políticas dirigidas por regimes ditatoriais, como o governo Vargas e a Ditadura Militar.

14
Dados do site http://www.brasil.gov.br/governo/2015/07/plataforma-digital-amplia-participacao-da-
sociedade. Acesso: 17 nov. 2016.
57

Especificamente sobre este último período, vale destacar o empenho do governo federal em
organizar políticas culturais voltadas para uma pretensa integração nacional. Em síntese, a
atuação do Estado na cultura entre 1964 e 1985 pode ser compreendida em dois eixos: por
um lado, ele repreendeu e censurou expressões que estavam em desacordo com o regime; e
por outro, fortaleceu as suas estruturas, e tentou utilizar a cultura como uma esfera de
legitimação do regime político, buscando adesão de artistas e intelectuais ao governo
(MOISES, 2001). O Estado se comportou como “incentivador da produção cultural e,
sobretudo, o criador de uma imagem integrada de Brasil que tenta se apropriar do
monopólio da memória nacional” (OLIVEN, 1984, p.50). A questão da integração não esteve
apenas no campo cultural, esteve também presente no futebol, “[…] símbolo máximo de
integração nacional, apresentando a conquista da Copa do Mundo como fruto do gênio, da
garra e do jeitinho nacional, qualidades suspostamente exclusivas do povo brasileiro.”
(OLIVEN, 1984, p.50).

A preocupação pelo nacional se manifestou de diversas formas, como por exemplo,


com a criação do Conselho Federal de Cultura (CFC), em 1966. De acordo com Lia Calabre
(2009), o então existente Conselho Nacional de Cultura “[...] não tinha uma efetiva atuação
nacional, limitava-se a ações pontuais, de pouca abrangência” (p.68). De fato, ao se observar
o Decreto-Lei nº 74, de 24 de novembro de 1966, que instituiu o CFC, observa-se que ele
possuía diversas atribuições em relação à articulação com órgãos estaduais e municipais de
cultura:

b) articular-se com os órgãos federais, estaduais e municipais, bem como as


Universidades e instituições culturais, de modo a assegurar a coordenação
e a execução dos programas culturais; [...]
k) estimular a criação de Conselhos Estaduais de Cultura e propor convênios
com esses órgãos, visando ao levantamento das necessidades regionais e
locais, nos diferentes ramos profissionais, e ao desenvolvimento e
integração da cultura no País; [...]
m) elaborar o Plano Nacional da Cultura, com os recursos oriundos do
Fundo Nacional da Educação, ou de outras fontes, orçamentárias ou não,
colocadas ao seu alcance; [...]
t) promover, articulando-se com os Conselhos Estaduais de Cultura,
exposições, espetáculos, conferências e debates, projeções
cinematográficas e toda qualquer outra atividade, dando, também, especial
atenção o meio de proporcionar melhor conhecimento cultural das diversas
regiões brasileiras. (BRASIL, 1966)
58

Além de prever uma atuação mais articulada, vale destacar a indicação do CFC para
elaboração do Plano Nacional de Cultura. Nesse sentido, em abril de 1968 foi realizada a
primeira reunião nacional dos Conselhos de Cultura com a presença de representantes de
todos os estados. De acordo com Calabre (2009), no discurso de abertura, o conselheiro
Josué Montello ressaltou que aquele encontro era o primeiro passo para a construção de um
Sistema Nacional de Cultura. O resultado desse trabalho só se concretizou anos mais tarde,
com a divulgação do documento Diretrizes para uma Política Nacional de Cultura, um plano
que descrevia a cultura como “meio indispensável para fortalecer e consolidar a
nacionalidade” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1975, p. 09). Este documento,
conhecido como PNAC, formalizou diretrizes programáticas na perspectiva de organizar a
política cultural a nível nacional, inclusive propondo criar um sistema de cultura com a
participação de múltiplos atores: (1) Conselho Federal de Cultura; (2) Departamento de
Assuntos Culturais (MEC); (3) Secretaria de Planejamento da Presidência da República; (4)
Ministério de Relações Exteriores; (5) outros ministérios e instituições; (6) Universidades; e
(7) Unidades federadas (estados, territórios, Distrito Federal e municípios). De acordo com o
texto do PNAC, o MEC, através do Departamento de Assuntos Culturais (DAC), deveria
“mobilizar recursos financeiros e intensificar programas, com a colaboração das unidades
que, em regime de subordinação ou vinculação, o integrem e, ainda, outras instituições,
públicas ou particulares, tendo em conta a especificidade de sua área de atuação”
(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 1975, p. 40); e, por sua vez, às unidades federadas
competiam fazer: Plano de preservação de acervos naturais e de valor cultural
(complementares ao âmbito federal); Plano de regionalização das atividades culturais;
Cooperação com iniciativas do Departamento de Assuntos Culturais; Promoção de festivais
para difundir as manifestações locais, regionais ou interregionais; e programas de ensino
para promover a vocação dos estudantes.

Um ano depois da divulgação do PNAC, foi realizado o Encontro Nacional de Cultura,


na cidade de Salvador/BA, com a proposta de instituir a política integrada na área cultural
envolvendo os vários níveis de governo. Este evento reuniu representantes do governo
central, sobretudo do MEC, secretários e conselheiros de cultura dos estados e
representantes da Unesco. A criação de um sistema nacional de cultura permeou o
encontro, que dentre os 14 temas tinha: sistema nacional de arquivos, sistema nacional de
59

bibliotecas, sistema nacional de museus históricos e a integração regional da cultura


(CALABRE, 2005; 2009).

Moniz Aragão [então presidente do CFC] reforça as palavras iniciais de Ney


Braga [na época, ministro da Educação e Cultura], reafirmando a
necessidade de harmonização entre as ações dos diversos níveis de
governo, com distribuição de responsabilidades, respeitadas as
competências e atribuições específicas de cada um, na busca da construção
de um Sistema Nacional de Cultura. Foram gerados relatórios para a
tentativa do estabelecimento do Sistema Nacional de Arquivos, do Sistema
Nacional de Bibliotecas, do Sistema Museológico Brasileiro e proposições
para a Política de Integração Nacional de Cultura. (CALABRE, 2009, p.82)
Por acontecimentos como esses, é tentador vincular a origem de um sistema nacional
de cultura ao Regime Militar. Na opinião de Sergio Miceli (1984), o PNAC representou

[...] a única vez na história republicana que o governo formalizou um


conjunto de diretrizes para orientar suas atividades na área cultural,
prevendo ainda modalidade de colaboração entre órgãos federais e de
outros ministérios, como por exemplo o Arquivo Nacional do Ministério da
Justiça e o Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores,
com secretarias estaduais e municipais de cultura, universidades, fundações
culturais e instituições privadas (MICELI, 1984, p.57)
É preciso questionar, no entanto, ao menos dois aspectos dessa compreensão: (1) se é
possível falar de Ditadura Militar como uma forma de governo republicano; (2) como esse
sistema, dito federativo, poderia articular os entes federados se os estados e municípios não
tinham autonomia e estavam subordinados aos poderes e vontades do governo central.

Nesse sentido, a proposta de criação do Sistema Nacional de Cultura, registrado no


programa de governo A imaginação a serviço do Brasil (PT, 2002), e iniciado pelo Ministério
da Cultura em 2003, pode e deve inaugurar um novo momento no federalismo cultural
brasileiro, articulando todos os entes federados e a sociedade civil em prol da construção de
políticas púbicas de cultura democráticas e republicanas.
60
61

CAPÍTULO 02 – PREMISSAS PARA A RECONSTRUÇÃO DA TRAJETÓRIA DO SNC

Os documentos publicados pelo Ministério da Cultura relativos ao Sistema Nacional de


Cultura, enquanto instrumentos de ação pública, refletem o posicionamento oficial do
governo e a sua estratégia para empreender tal política. Entretanto, para além dos atos
formalmente publicados, há outra dimensão que merece ser analisada: o seu processo de
construção.

Tal análise pode ser feita a partir de diversas perspectivas e por meio de distintas
metodologias propostas pelas várias correntes de pensamento dedicadas à análise de
políticas públicas, que são objeto de estudo de áreas como sociologia, ciência política,
economia, administração etc., daí a existência de diversos métodos e ferramentas teóricas
que permitem uma ampla gama de abordagens sobre a matéria. Mas, quais seriam os
elementos de caracterização e de definição de políticas públicas? De acordo com Patrick
Hassenteufel (2009), políticas públicas, a princípio, correspondem ao conjunto de ações do
Estado; e a origem dos termos política – o qual o autor analisa a partir de três expressões da
língua inglesa: polity, politics e policy – e pública, conduziriam à centralidade que o Estado
possui em tais ações. Entretanto, Hassenteufel adverte que a fronteira entre o público e o
privado é cada vez mais tênue considerando que atores não estatais também podem ser co-
produtores da ação pública, a exemplo do que ocorre com empresas privadas que prestam
serviços públicos (transporte, comunicação, energia etc.), e nesse sentido, a análise de
políticas públicas não pode mais ser limitada à ação do Estado.

Enquanto área do conhecimento, os estudos sobre políticas públicas iniciaram-se em


meados do século XX, nos Estados Unidos, quando pesquisas passaram a ser realizadas na
perspectiva de analisar a produção dos governos. Para tanto, partia-se do pressuposto de
que em democracias estáveis era possível analisar cientificamente as ações realizadas e não
realizadas por um governo (SOUZA, 2007). Segundo Hassenteufel (2009), a ciência política
(policy sciences) surge nesse contexto enquanto uma nova disciplina dedicada a produzir
conhecimento aplicável à resolução dos problemas da ação pública, com uma expressiva
vertente operacional dirigida a formular instrumentos de racionalização da ação estatal.
Para o autor, esta fase inicial da análise de políticas públicas corresponde a um projeto
simultaneamente científico e politico, desenvolvido em estreita articulação com o Estado,
62

com estudos predominantemente abordando questões das áreas econômicas e de gestão,


que levaram, por exemplo, à criação de instrumentos de planejamento orçamentário e à
produção de estratégias para otimizar a aplicação de recursos financeiros. Segundo
Hassenteufel, a análise de políticas públicas desenvolvida no âmbito da ciência política se
baseava, em síntese, em dois pressupostos:

[...] por um lado, o da racionalidade da decisão (ou, pelo menos, da


possibilidade de tornar a decisão racional por meio da elaboração de
instrumentos científicos de ação); por outro lado, o da natureza não
problemática da implementação [...], como se uma boa decisão (racional)
pudesse ser aplicada sem dificuldades. (tradução nossa) (HASSENTEUFEL,
2009, p. 20)
A partir da crítica a esses dois postulados, continua o autor, foi inaugurada a segunda
etapa de análise de políticas públicas baseada na discordância do modelo racional e do
funcionamento das administrações públicas, por parte da sociologia das organizações. Ao
longo da década de 1960, autores como March e Wildawsky (nos Estados Unidos), Scharpf
(na Alemanha) e Michel Crozier (na França) apontaram as numerosas deficiências da ação do
Estado e colocaram em xeque o mito da racionalidade da decisão pública.

Eles atualizam a diversidade das lógicas dos atores envolvidos na decisão,


as contradições nos objetivos das políticas públicas, as imperfeições da
informação (tanto da sua elaboração e circulação, quanto do seu
processamento e recepção), os riscos dos processos de tomada de
decisão... (tradução nossa) (HASSENTEUFEL, 2009, p. 20)
A partir daí, surgiram publicações voltadas, em resumo, para destacar os limites da
capacidade do Estado resolver problemas que pretensamente afirmava assumir.

De acordo com Hassenteufel (2009), tais críticas ao modelo racional abriram caminho
para uma terceira etapa na análise de políticas públicas, “[...] caracterizada por destacar os
atores das políticas públicas (compreendidos em uma dupla perspectiva estratégica e
cognitiva) e aos seus modos de interação” (tradução nossa) (p. 21). Segundo o autor: “A
superação do modelo racional ocorre, então, na tentativa de explicar políticas públicas
baseadas nas características estruturais das interações dos atores, sejam públicos ou
privados” (HASSENTEUFEL, 2009, p. 21-22).

Ao iniciarmos o estudo para a produção dessa tese, verificamos que a análise do


Sistema Nacional de Cultura enquanto política pública poderia encontrar um caminho
interessante a partir da visão proposta pela sociologia das organizações. A possibilidade de
63

analisar o processo de interação entre os atores que atuaram na construção de tal política
poderia nos permitir compreender e explicar algumas ações desenvolvidas ao longo de sua
trajetória. Isso nos possibilitaria analisar o SNC para além do organograma do órgão
responsável pela sua implantação (Ministério da Cultura), das suas regras de funcionamento
e dos instrumentos normativos produzidos no seu entorno, ainda que todos esses aspectos
tenham importância e estejam presentes ao longo do trabalho.

Além disso, a opção por buscarmos chaves explicativas sobre o Sistema Nacional de
Cultura a partir da atuação dos seus atores decorre da dificuldade de obtermos respostas
“imediatas” para questões como: por que uma política proposta como prioritária na
campanha de um candidato que foi eleito presidente da República, enfrentou tantos
percalços para ser constituída durante o seu mandato?

2.1 O SNC E OS CONCEITOS-CHAVE PARA A SUA ANÁLISE

O caminho para buscar tais respostas seguiu o método oferecido pela sociologia das
organizações e utilizou como referência a obra L’acteur et le système, de Michel Crozier e
Erhard Friedberg, publicada originalmente em 197715. Em resumo, eles propõem o estudo
de uma organização, ou sistema de ação, a partir das relações de poder por meio das quais
os seus integrantes, denominados atores, negociam. De acordo com Crozier e Friedberg
(1990), em toda organização há “[...] uma segunda estrutura de poder, paralela ao que o
organograma oficial codifica e legitima”. (tradução nossa) (p. 75). Essa outra estrutura se
conforma nas chamadas zonas de incerteza, onde os atores tem uma determinada margem
de liberdade para negociar continuamente.

Para os autores, o estudo das organizações deve envolver a observação das atitudes,
comportamentos e estratégias dos seus integrantes, bem como as restrições que os mesmos
sofrem para atuar, verificando como as regras do jogo são formadas dentro de um
determinado sistema de ação. Ao pesquisador cabe reconstruir esse jogo a partir da sua
lógica de conformação, observando um conjunto de elementos que serão resumidamente
apresentados neste capítulo.

15
Esta obra não foi traduzida para o português. As traduções de trechos feitas neste capítulo teve como
referência a publicação em espanhol “El actor y el Sistema”, de 1990, com o aporte do texto original, em
francês.
64

2.1.1 A organização e a sua natureza conflitiva

Como ponto de partida, Crozier e Friedberg (1990) combatem a visão simplista e


determinista que vê a organização como uma máquina de engrenagem complexa, mas bem
arranjada. Argumentam que uma organização não pode ser vista como um conjunto
transparente que ordena as relações entre seus integrantes de acordo com um esquema
lógico integrado, e sim ser compreendida como espaço das relações de poder, de influência,
de negociação, uma arena de disputa na qual seus membros, denominado de atores,
possuem certa margem de liberdade para atuar, ainda que de maneira desigual. É essa
margem que permitirá ao ator estabelecer as relações de poder com os demais integrantes
da organização, negociando a sua participação na mesma.

Por sua vez, os atores não podem ser analisados isoladamente, como se atuassem fora
de um contexto, com total racionalidade e liberdade para negociarem entre si. Eles operam
no âmbito de uma organização compreendida como um conjunto de mecanismos que
restringem consideravelmente as possibilidades de negociação dos seus integrantes. São os
mecanismos de restrição que permitem que a organização se mantenha como um conjunto,
e não se desintegre. Nesse sentido, a existência da organização depende da capacidade dos
seus integrantes se mobilizarem para atuar de forma favorável ao seu funcionamento. Por
sua vez, essa cooperação não deve ser confundida com a reunião de objetivos comuns dos
atores, pois no máximo há objetivos compartilhados. Isso porque a própria divisão do
trabalho na organização, o lugar previsto no organograma e a função correspondente, faz
com que cada membro priorize distintos objetivos e trace estratégias pessoais para ter
maior capacidade de negociação. Por isso, Crozier e Friedberg (1990) destacam que a
existência e o funcionamento de uma organização não dependem apenas da integração de
todas as atividades indispensáveis para o alcance de um resultado, mas de integrar as
relações de poder a as estratégias dos atores para a consecução de tais atividades, ou seja, a
organização é um espaço de ação, de conflito, com seus jogos e contratos.

2.1.2 O ator e a sua margem de liberdade

Para Crozier e Friedberg (1990), os atores gozam de uma determinada margem de


liberdade para atuar no âmbito das organizações, inclusive nas situações mais extremas.
Considerando o homem como agente autônomo capaz de se adaptar em função das
circunstâncias, a sua conduta não deve ser concebida como “[...] produto mecânico da
65

obediência ou da pressão das circunstâncias estruturais [...]” (tradução nossa) (CROZIER;


FRIEDBERG, 1990, p.39). Por exemplo, as relações hierárquicas de uma organização não
devem ser observadas como um modelo simplificado de obediência e de conformismo, mas
como um campo de negociação. Mesmo partindo de um conhecimento intuitivo, a
potencialidade de negociar de um subordinado passa pela utilização de uma série de
capacidades que ele possui para se relacionar com o próximo, para fazer ou desfazer
alianças etc.

Reconhecer que os atores possuem determinada margem de liberdade para atuar é


fundamental para compreender o funcionamento da organização, afinal, são as relações de
poder e de negociação entre eles que constituem “[...] o esqueleto e a trama de
funcionamento da organização” (tradução nossa) (CROZIER e FRIEDBERG, 1990, p. 77). Há,
assim, um campo de ação não determinado e não previsível, onde os atores tem certa
liberdade de escolha. Essa margem de liberdade não é ilimitada ou fixa, pois tanto a
liberdade do ator, como a sua racionalidade, sempre limitada, são restringidas pela
organização. O reconhecimento de tais limites é fundamental para compreender que “os
atores são constructos sociais e não entidades abstratas” (tradução nossa) (CROZIER e
FRIEDBERG, 1990, p.46), e que os arranjos informais que perfazem uma organização não
devem ser vistos como exceção ao seu modelo racional.

2.1.3 O poder enquanto relação de negociação

Um conceito indispensável para proceder a uma análise de política pública é o do


poder, que de acordo com Crozier e Friedberg (1990) permite observar melhor o ator e a sua
estratégia. Para os autores, ainda que uma organização possua um organograma
racionalmente bem elaborado e definido, há uma série de elementos que escapam do
controle e da previsão, e parte deles se dá no âmbito das relações de poder que se
estabelecem entre os atores.

Na concepção de Crozier e Friedberg, o poder não deve ser entendido como algo a ser
possuído, como uma propriedade ou atributo abstrato, mas como uma relação onde um
determinado ator pretende obter certa atitude por parte de outro ator para alcançar um
objetivo. Assim, o poder é uma relação de intercâmbio e negociação, que é construído a
cada situação. Para compreender a natureza dessa relação, os autores apresentam três
perspectivas do poder: (1) como uma relação instrumental; (2) não transitiva e (3) recíproca,
66

mas desequilibrada. A primeira considera que o poder é concebido na perspectiva de


alcançar determinado fim, o que não significa que os fenômenos afetivos devam ser
descartados, nem que toda ator aja de maneira consciente ou intencional. A ideia defendida
pelos autores é que na tentativa de alcançar um fim, um ator vai ajustando os recursos que
possui numa negociação à medida que se relaciona com outro. A segunda perspectiva –
poder enquanto relação não transitiva – explica que ele é inseparável dos atores e das ações
envolvidas em uma relação: “[...] cada ação constitui um desafio específico em torno do qual
se insere uma relação de poder particular” (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990
p.57). Assim, um ator A pode obter de um ator B uma ação X, mas não significa que vá
conseguir desse mesmo ator uma ação Y. O terceiro aspecto – relação de poder como
recíproca, mas desequilibrada – indica que ao considerar o poder como uma relação de
negociação, é imprescindível que os atores tenham algo para ser intercambiado, que cada
ator possua recursos para serem comprometidos em uma relação, daí a reciprocidade.
Porém, se a relação não é desequilibrada, ou seja, se dois atores possuem os mesmos
recursos, jogam com as mesmas cartas e estão em situação de igualdade, não se estabelece
uma situação de poder de uma pessoa sobre a outra. Assim, o poder pode ser entendido
como uma relação de intercâmbio desequilibrada, como “[...] uma relação de força da qual
um pode tirar mais proveito que o outro, mas na qual, do mesmo modo, um não está
totalmente desvalido frente ao outro”. (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p.58).
O poder de um ator A sobre um ator B seria a sua capacidade de conseguir, em uma
negociação, tirar proveito das condições desse intercâmbio, e fazer com que B atue de uma
maneira que lhe favoreça. Entende-se, assim, que se estabelece um jogo onde o poder está
“[...] na margem de liberdade de que disponha cada um dos participantes comprometidos
em uma relação de poder, isto é, em sua maior ou menor possibilidade de recusar o que o
outro lhe peça” (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p.58).

2.1.4 A organização e o seu entorno

Crozier e Friedberg (1990) explicam também que a margem de liberdade e a


capacidade de agir do ator vão configurar a sua estratégia em um jogo. Quanto maior for o
arbítrio, maior será a possibilidade de comportamentos e maior será a imprevisibilidade;
quanto mais restrita for a liberdade, menor possibilidade de comportamentos e maior
previsibilidade de ação. Em toda organização existe, assim, uma denominada zona de
67

incerteza na qual os comportamentos dos atores giram em torno do fator imprevisibilidade.


Para os autores, as fontes de incerteza correspondem às fontes de poder, e uma delas está
vinculada às relações construídas entre a organização e seu entorno, o seu exterior (que
podem ser múltiplos). Para a organização, o seu entorno constitui “[...] sempre e
necessariamente, uma fonte de potencial interferência no seu funcionamento interno, e por
tanto, uma zona de incerteza maior e inevitável.” (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG,
1990, p. 72). Para os autores, o entorno/exterior deve ser concebido como segmento da
sociedade com quem a organização se relaciona; e o poder de um ator de dada organização
está no seu capital de relações com os variados segmentos externos. Assim, o ator age como
um intermediário entre a organização e o seu entorno na perspectiva de controlar a zona de
incerteza: “[...] o poder de um ator que participa em vários sistemas de ação relacionados
entre si e que pode, por isso, representar o papel indispensável de intermediário e de
intérprete entre lógicas de ação diferentes e até contraditórias.” (tradução nossa) (CROZIER;
FRIEDBERG, 1990, p. 72). Vale ressaltar que um ator que tenha conhecimento sobre o
ambiente externo da organização, também se converte em um experto16, que integra outra
fonte de poder apontada na obra L’acteur et le système.

De acordo com Crozier e Friedberg, toda organização deve sempre negociar com o seu
entorno para que seus objetivos possam ser cumpridos. Para tanto, é preciso construir um
certo numero de redes mais permanentes, envolvendo interlocutores privilegiados que
possam atuar como representantes de um segmento exterior perante a organização. Nessa
relação de intercâmbio, o interlocutor pode prestar informações sobre a situação do seu
segmento de origem e, por outro lado, acabar atuando como espécie de representante da
organização e dos interesses destas no seu segmento originário. Para a organização, esse
interlocutor funciona como um redutor de incerteza, e esta sua capacidade é justamente o
que o interlocutor coloca em negociação no momento em que se relaciona com a
organização. Essa relação de cooperação acaba gerando sistemas de relação autônomos e
integrados, onde os atores da organização dependem dos interlocutores para que possam

16
Uma das fontes de poder é aquela que possibilita que um ator possua melhores condições de negociar
decorrentes de sua experiência (expertise, no termo original) na organização. Sendo um especialista
dificilmente substituível, capaz de resolver problemas cruciais, esse ator possui mais poder de barganha em
relação aos seus colegas. Mesmo que haja outras pessoas aptas a resolverem tais problemas, os especialistas
tornam os conhecimentos inacessíveis e convertem as suas experiências particulares em fundamentais e
custosas de serem substituídos. (Ibid., 1990).
68

definir seus objetivos e estratégias, e os interlocutores têm nessa relação com a organização
a sua fonte de poder.

2.1.5 As restrições das relações de poder

Na visão de Crozier e Friedberg (1990), todos os atores tem seu campo de negociação
delimitado pelas características estruturais de uma organização. É ela que define os lugares,
as condições e regula o desenvolvimento das relações de poder. As estruturas e as regras
oficiais de uma organização, seu organograma e regulamentos internos, ao mesmo tempo
em que organizam os setores e procedimentos, limitam a ação dos seus integrantes,
condicionando as suas estratégias. Essas regras e estruturas, porém, não são neutras e nem
indiscutíveis. Não são neutras porque, ao estruturar o campo de negociação, beneficiam uns
em detrimento de outros, e podem ser usadas tanto como ferramentas de proteção como
de ação por parte dos atores. E são discutíveis no momento em que os atores tentam
modificá-las para reestabelecerem a sua margem de liberdade e a sua capacidade de ação.

Assim, as estruturas e as regras tem dois aspectos contraditórios. Por um


lado são limitações que em determinado momento se impõem a todos os
membros de uma organização, incluindo aos dirigentes que as criaram; mas
por outro, não são em si mais do que o produto das relações de força e de
negociações anteriores. (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p.
89)
Em resumo, a situação pode ser explicada da seguinte maneira: por um lado, a
organização determina os trunfos com que cada ator pode jogar, e por outro, condiciona a
vontade de tais atores usarem de fato seus trunfos porque “[...] estabelece os termos das
apostas, ou seja, o que cada um espera ganhar ou se arrisca a perder por comprometer seus
recursos em uma relação de poder” (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p. 67).

2.1.6 As estratégias e a conformação de jogos

Partindo do pressuposto de que na análise de uma organização os fenômenos


essenciais a serem observados são os das relações, negociações de poder e de
interdependência dos atores, Crozier e Friedberg (1990) apresentam o jogo como um
mecanismo que permite aos atores estruturarem suas relações de poder reguladas a partir
de regras. O jogo é, assim, concebido como “[...] instrumento essencial da ação organizada.
O jogo concilia a liberdade com a restrição.” (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p.
94). O funcionamento de uma organização seria, nessa perspectiva, “[...] o resultado de uma
69

série de jogos nos quais participam os diferentes atores e cujas regras formais e informais
[...] delimitam um leque de estratégias racionais [...]” (tradução nossa) (CROZIER;
FRIEDBERG, 1990, p. 94), dito de outra maneira, a organização não seria mais do que “[...] o
conjunto de jogos articulados entre si” (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p. 95).

Nesse ponto vale ressaltar alguns aspectos: (1º) a existência do jogo não implica em
igualdade inicial entre os jogadores; (2º) dizer que há regras do jogo não significa que essas
tenham sido fruto de um consenso; (3º) os jogos não são idênticos entre si em todos os
níveis da organização, ou seja, o que ocorre na cúpula é distinto da base, entretanto eles se
relacionam por meio dos mecanismos de regulamentação ou de normais gerais da
organização, portanto, não são independentes; (4º) um jogo pode abarcar uma grande gama
de estratégias, sendo então concebido como um jogo aberto, ou aceitar apenas uma, sendo
assim um jogo fechado, mas, segundo Crozier e Friedberg, o mais recorrente nas
organizações é que haja um numero limitado de estratégias vencedoras.

Com a apresentação do que constituem os jogos na organização, fica mais claro


compreender a concepção dada por Crozier e Friedberg de ator como um sujeito que atua
dentro dos limites dos jogos dos quais participam. Vale ressaltar que a atuação dos atores
nos jogos não é fixa, eles podem mudar de posição de acordo com os recursos que tenham à
sua disposição, reestruturando seu campo estratégico. Assim, tem-se uma visão dinâmica da
ação, onde cada rodada do jogo envolve atores específicos, com diferentes estratégias e
recursos a serem mobilizados.

Outro elemento-chave na análise da organização se refere ao da estratégia. Crozier e


Friedberg (1990) consideram que o pesquisador não deve conduzir a sua reflexão a partir
dos objetivos dos atores na organização, já que isso poderia levá-lo a considerar o ator de
maneira isolada, apartado do seu contexto. Além disso, destacam que o comportamento do
ator não é mediado por um sujeito lúcido, que calcula suas ações de acordo com objetivos
pré-fixados. O ator possui objetivos variados, nem sempre explícitos, que podem ser
ambíguos e até contraditórios. Seus objetivos mudam ao longo do tempo, suas posições são
reconsideradas, sua visão sobre determinado assunto é reajustada. O que não implica,
porém, em considerar o seu comportamento como passivo. Pelo contrário, ainda que o
comportamento de um ator seja limitado e restringido, ele deve ser observado como um
sujeito ativo, pois mesmo a passividade é resultado de uma escolha. De acordo com Crozier
70

e Friedberg (1990, p. 47): “É um comportamento que sempre tem um sentido; o fato de que
não possa relacioná-lo com objetivos claros, não significa que não possa ser racional”
(tradução nossa). Além disso, o comportamento do ator deve ser relacionado com as
oportunidades definidas pelo contexto onde está inserido, e está vinculado ao
comportamento de outros atores e do próprio jogo que se estabelece entre eles.

É, em resumo, um comportamento que sempre apresenta dois aspectos:


um ofensivo, que é aproveitar as oportunidades para melhorar a sua
situação, e outro defensivo, que consiste em manter e ampliar a sua
margem de liberdade e, por consequência, sua capacidade de atuar.
(tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p.47)
Por tudo isso, os autores propõem que no lugar de se utilizar a perspectiva dos
objetivos dos atores se utilize o da estratégia, que “[...] podem ser mais ou menos arriscadas,
mais ou menos agressivas, ou pelo contrário, mais ou menos defensiva. De todas as formas,
as que são escolhidas não são necessariamente as únicas possíveis” (tradução nossa)
(CROZIER; FRIEDBERG, 1990, p. 99).

Além dos objetivos, outro termo que para Crozier e Friedberg deve ser utilizado com
cautela por parte do investigador é função, pois se referir à função de um ator em uma
organização pode levar o pesquisador a tecer descrições excessivamente formais,
produzindo um relato limitado do que o ator deveria fazer, e não de como realmente age.
Considerando que a organização é resultado de uma série de jogos, onde os atores definem
as suas estratégias a partir de suas próprias capacidades, é limitante analisar um ator apenas
pela sua função, como se ele atuasse de uma maneira única e pré-determinada.

2.2 O USO DA METODOLOGIA NO ESTUDO DO SNC

As concepções de Crozier e Friedberg foram apresentadas anteriormente para


evidenciar os elementos utilizados como guias no percurso de reconstrução do Sistema
Nacional de Cultura. O entendimento do SNC enquanto um sistema de ação organizado fez
com que a pesquisa buscasse apresentar o seu processo de construção como um espaço de
ação composto por um conjunto de atores que interagiram, intercambiaram e negociaram
dentro de estratégias específicas, configurando vários jogos.

A pesquisa buscou, assim, deixar espaço para que as atuações dos atores fossem
reveladas a partir de suas próprias falas e ações, sem ter por foco as motivações que os
71

levaram a agir de uma maneira ou de outra. O interesse foi, nesse sentido, desvelar as
consequências dos atos para a construção da política pública em análise.

Obviamente que, em determinados momentos, os posicionamentos dos atores no


âmbito do SNC ficaram mais evidentes, como naqueles de tensão ou mesmo crise
institucional ocorridas no Ministério da Cultura, momentos que, para Crozier e Friedberg,
são especialmente propícios para análise

[...] pois durante as crises se revelam mais facilmente e mais claramente os


equilíbrios de poder que sustentam as transações entre os membros da
organização. Durante as crises também se reage mais intensamente [...],
alguns atores mobilizam então seus recursos para exercer seu peso da
maneira mais restritiva possível sobre o desenvolvimento dos processos e
conflitos intraorganizacional. (tradução nossa) (CROZIER; FRIEDBERG, 1990,
nota de rodapé nº29, p. 148)
Vale ressaltar que a reconstrução da trajetória do SNC foi pautada na coleta de
informações fornecidas por/a partir de seus atores. Portanto, o que será apresentado não é
a mais verdadeira, única ou definitiva versão sobre como a política foi formulada e
implementada. Mesmo porque, apesar de ter sido elencando um rol grande de pessoas a
serem entrevistadas, nem todas responderam favoravelmente ao convite.

Além disso, consideramos importante registrar que os relatos dos atores foram
intercalados com informações e debates sobre a política em si, identificando seus conceitos,
objetivos, ações implementadas etc., mesmo com as dificuldades e riscos que isso
representou, já que as informações estão dispersas.

Por fim, vale esclarecer que no Apêndice-A desta tese consta a lista de todos os atores
que participaram da pesquisa, com um pequeno resumo de sua trajetória; e que a
construção do Sistema Nacional de Cultura foi apresentada cronologicamente, partindo do
seu marco inicial – a campanha à presidência do Brasil do candidato do Partido dos
Trabalhadores Luís Inácio Lula da Silva – e finalizando em 2016, com o impeachment da
presidente Dilma Rousseff.

2.3 O SNC E O A IMAGINAÇÃO A SERVIÇO DO BRASIL

Para esta pesquisa, o marco inicial do processo de construção do Sistema Nacional de


Cultura se deu a partir da criação do Programa de Governo A imaginação a serviço do Brasil,
72

da campanha eleitoral de 2002 de Luís Inácio Lula da Silva, candidato à presidência pelo
Partido dos Trabalhadores (PT) que compôs a coligação Lula Presidente, junto ao Partido
Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Liberal, Partido da Mobilização Nacional e Partido
Comunista Brasileiro. Ao longo da investigação, esse documento foi referenciado por
diversos atores como o momento primeiro de concepção do Sistema.

Em resumo, o Programa expressa o conjunto de diretrizes que deveriam nortear a


política cultural a ser desenvolvida pelo governo federal em caso de eleição do candidato
Lula da Silva. No texto, há um conjunto de análises sobre a situação da política cultural no
Brasil e sobre a necessidade de se rever o papel do Estado na condução da mesma, reflexões
feitas a partir da contribuição de um conjunto de pessoas que participaram do seu processo
de formulação.

Escolhemos ouvir as diferentes experiências que vamos construindo nas


administrações populares que governamos em todas as regiões do país, os
grupos culturais e a reflexão dos estudiosos das questões da cultura,
munidos de algumas convicções firmadas no Programa de Governo para
2002 da Coligação Lula Presidente, que defendemos para o Brasil. (PT,
2002, p.8)
Conhecer o processo de construção desse Programa e especificamente da proposta de
criação do Sistema Nacional de Cultura por meio dos relatos dos atores envolvidos no
mesmo, ajudará a compreender o significado do A Imaginação a serviço do Brasil, uma
referência que transbordou o período de campanha e fez parte dos jogos que ambientaram
as gestões do Ministério da Cultura a partir de 2003.

Para Roberto Lima (2016a), filiado ao PT e um dos gerentes da Secretaria de


Articulação Institucional (SAI) do MinC entre 2005 e 2007, os programas de governo das
campanhas presidenciais de Lula de 1989, 1994 e 1998, de modo geral, “refletiam uma
pauta que derivava mais do debate junto aos movimentos culturais, do que da experiência à
frente de governos” (LIMA, 2016a, p. 42), o que vai ser alterado na campanha de 2002.

Essa realidade começa a ser alterada a partir do acúmulo de experiências


nas administrações municipais e estaduais e em consequência da posição
que o partido tomou no debate sobre a reforma do Estado ao longo da
década de 1990, buscando um modelo baseado em governança com
participação social, matricialidade e transversalidade, sustentabilidade
econômica e ambiental, e planejamento estratégico que mudará na
campanha de 2002. (LIMA, 2016a, p. 42)
73

O texto programático da campanha de Lula da Silva dedicado exclusivamente à cultura


foi formulado a partir de encontros regionais realizados entre os anos de 2001 e 2002, nas
cidades de Porto Alegre/RS, Belém/PA, Recife/PE, Campo Grande/MS e Belo Horizonte/MG.
Participaram dos eventos gestores públicos de cultura, ativistas culturais, artistas, estudiosos
e pesquisadores da área que eram militantes ou simpatizantes do PT e de partidos aliados,
como o PCdoB e Partido Socialista Brasileiro (PSB). De acordo com Márcio Meira (2016a) e
Hamilton Pereira (2018), membros do PT que integraram a coordenação do documento de
campanha, os encontros tiveram como fio condutor as experiências práticas e teóricas de
políticas culturais desenvolvidas em municípios e estados dirigidos pelo PT ou partidos de
centro-esquerda, notadamente nas prefeituras de São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte,
Belém, Goiânia e Recife e no governo estadual do Acre, entre os anos 90 e 2000. Essa
articulação revelaria, por sua vez, “[...] o esforço de estabelecer o que seria o ‘modo petista’
de governar na área da cultura” (BARBALHO, 2014a, p.191).

Creio que a gênese de um ‘modo petista de gestão cultural’ está enraizada


no trabalho desenvolvido nas prefeituras governadas pelo partido e seus
aliados antes de chegar à presidência da República em 2003, também
inspirada nos preceitos da Unesco. (MEIRA, 2016b, p.19)
As contribuições advindas desses encontros foram consolidadas no documento A
imaginação a serviço do Brasil cuja coordenação foi composta por oito membros do Partido
dos Trabalhadores: Antônio Grassi (PT/RJ), Hamilton Pereira (PT/DF), João Roberto Peixe
(PT/PE), Márcio Meira (PT/PA), Marco Aurélio de Almeida Garcia (PT/SP), Margarete Moraes
(PT/RS) e Sérgio Mamberti (PT/SP). Todos eles com passagem em cargos de direção17 em
órgãos de gestão pública de cultura de municípios ou estados, exceto Mamberti. Além deles,
o texto foi escrito com a colaboração de cerca de 50 pessoas, dentre elas Aloysio
Guapindaia, Bernardo Mata Machado e Vítor Ortiz que, juntos aos coordenadores, tiveram
de distintas formas e em diferentes graus próximos à proposta do SNC ao longo dos
governos Lula da Silva e Dilma Rousseff.

17
Nesse período, as trajetórias eram: Antônio Grassi: secretário de Cultura do Estado do Rio de Janeiro (2002);
Hamilton Pereira: secretário de Cultura do Distrito Federal (1997-1998); Marco Aurélio Garcia: secretário
municipal de Cultura de Campinas/SP (1989-1990) e de São Paulo (2001-2002); João Roberto Peixe: secretário
municipal de Cultura do Recife/PE (2001-2008); Márcio Meira: presidente da Fundação Cultural do Município
de Belém (1998-2002); Margarete Moraes: secretária municipal de Cultura de Porto Alegre/RS (1995-2000);
Sérgio Mamberti: dramaturgo, produtor cultural e um dos membros fundadores do PT.
74

De acordo com Vitor Ortiz (2017) – que foi secretário de cultura de Porto Alegre/RS,
diretor da Funarte na gestão Gilberto Gil e secretário executivo do MinC na gestão Ana de
Hollanda –, no período que antecedeu a eleição de Lula, o PT articulou várias reuniões sob a
liderança de Hamilton Pereira com a intenção de construir uma política nacional de cultura:
“O Hamilton era um dirigente da Fundação Perseu Abramo18 e ele foi encarregado pelo
Partido de construir o programa A imaginação a serviço do Brasil.” (ORTIZ, 2017). Tal
programa, segundo Vitor Ortiz (2017), foi majoritariamente formulado por pessoas
vinculadas ao PT, sobretudo aquelas que possuíam experiência de governo, pois isso era
considerado um aspecto fundamental. Márcio Meira, ex-presidente da Fundação Cultural do
Município de Belém/PA e secretário de Articulação Institucional do MinC no primeiro
Governo Lula, também faz referência a Hamilton Pereira como um dos responsáveis pelo
Programa. De acordo com Meira (apud REIS, 2008), ele e Hamilton Pereira coordenaram o
processo que culminou na produção do documento programático para a área cultural.

Então, eu entrei na discussão no ano 2001, 2002 exatamente para


coordenar o Programa de Cultura do presidente Lula em 2002. Eu
coordenei junto com o Hamilton Pereira [...] e nós coordenamos aquele
processo que culminou naquele programa que foi feito em 2002 que chama
A Imaginação a serviço do Brasil. (MEIRA apud REIS, 2008, p. 120)
Sobre a proposta de formular o documento de campanha, Hamilton Pereira (2018)
comenta:

A coordenação estabeleceu o propósito de ouvir os militantes culturais das


regiões. Fixou um calendário e, dentro dos limites financeiros da campanha,
realizou encontros em Porto Alegre, Belém, Campo Grande e Recife para
debater políticas públicas de cultura a partir das experiências em âmbito
municipal, nas Capitais e Estados onde já havíamos assumido a gestão.
Chegamos a [...] Belo Horizonte, para trabalhar os resultados obtidos nos
encontros regionais. Nesse encontro buscamos traduzir em diretrizes e
propostas mais objetivas o que nos chegara dos Estados [...] (PEREIRA,
2018).
Além desse encontro de Belo Horizonte, outro momento considerado fundamental
nessa trajetória foi o evento ocorrido em 2001, em São Paulo. De acordo com Márcio Meira
(2016a), o encontro coordenado por Marco Aurélio Garcia19 e Luiz Dulci20 tinha por objetivo

18
Instituição criada pelo PT em 1996 com objetivo de desenvolver atividades de reflexão política, ideológica,
promoção de debates, estudos e pesquisas.
19
Marco Aurélio Garcia (falecido em 2017) foi um dos fundadores do PT. Trabalhou como assessor especial
para Assuntos Internacionais nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff. Era professor aposentado do
Departamento de História da Universidade de Campinas. Foi secretário municipal de Cultura de Campinas/SP
(1989-1990) e de São Paulo (2001-2002), na gestão de Marta Suplicy.
75

reunir vários atores envolvidos com as políticas culturais, “[...] realizar um diagnóstico das
várias experiências locais petistas e de outros partidos, e iniciar um processo de construção
de um projeto de política cultural mais integrado e de caráter nacional, com vistas à disputa
presidencial de 2002” (MEIRA, 2016a, p. 136).

Nesse momento, em 2001, nós fizemos um movimento de juntar estas


experiências, de reunir estas pessoas todas e fizemos um encontro em São
Paulo, e que teve na época a colaboração também da Fundação Perseu
Abramo, que é uma fundação vinculada ao PT e que de alguma maneira, na
época, apoiou essa iniciativa dos setores culturais do PT pra se construir um
projeto político mais integrado e nacional. (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p.
127)
Para Meira (2016a), desde a campanha presidencial do PT de 1989, essas experiências
vinham se expressando dispersamente nos programas de governo do candidato Lula, mas a
partir de 1999/2000 foi possível pensar em propostas de abrangência nacional.

Havia nesse encontro de 2001 uma avaliação de que tinha chegado a hora
de reforçar e articular as ideias e princípios programáticos já acumulados
com as experiências concretas de governo do PT e outros aliados políticos,
com vistas à disputa eleitoral de 2002. (MEIRA, 2016b)
Esse evento ocorrido em São Paulo também foi responsável pela rearticulação do
Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Municipais de Cultura das Capitais. De acordo
com João Roberto Peixe (2017), que assumiu a direção desse Fórum enquanto secretário de
Cultura do Recife e que posteriormente dirigiu a Secretaria de Articulação Institucional do
MinC na gestão Ana de Hollanda:

Na reunião deste Fórum organizada pelo Marco Aurélio Garcia, realizada na


cidade de São Paulo, aproveitando a presença de diversos secretários do
PT, foi organizado, em paralelo, um encontro de Cultura do PT que [...]
contribuiu para a formulação do programa de governo que resultou no
documento ‘A imaginação a serviço do Brasil’. (PEIXE, 2018)21
Portanto, a formulação do Programa excedeu os espaços exclusivamente voltados para
membros do Partido dos Trabalhadores, já que o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes
de Cultura das Capitais é uma instância que deve reunir representantes de órgãos públicos
de cultura dos municípios brasileiros, dirigidos por distintos partidos políticos.

20
Luis Dulci foi um dos fundadores do PT. Trabalhou como ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da
República durante os dois mandatos do presidente Lula. Na área cultural, foi secretário de Cultura de Belo
Horizonte (1997-1998), na gestão Célio de Castro (membro do Partido Socialista Brasileiro até 2001, quando
entrou para o PT). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo (1996-2003) e é um dos diretores do Instituto
Lula.
21
Informação enviada por e-mail em 24 de abril de 2018.
76

De acordo com Albino Rubim (2016a), também em 2001 foi criado o Fórum Petista de
Dirigentes Municipais de Cultura com o objetivo de organizar o setor dentro do Partido,
possivelmente um desdobramento desse movimento em torno do Fórum Nacional. Sobre a
movimentação dessa época, em entrevista concedida à Revista Isto É, Antônio Grassi (apud
LOBATO, 2002) comenta:

Fui convidado a integrar um fórum com alguns secretários de Estado para


trabalhar na costura do programa cultural do PT no governo de Lula. Faço
parte desse esforço conjunto. O PT já administra cinco Estados, sete
capitais e 183 municípios. É uma experiência acumulada de administração
capaz de fornecer uma formatação de programa para governo federal bem
mais consistente do que aquele que trabalhamos em campanhas
anteriores. [...] (GRASSI apud LOBATO, 2002).
2.3.1 Os princípios e conceitos do documento de campanha

Em termos conceituais, Marcio Meira (2004) destaca que o A Imaginação a serviço do


Brasil concebeu a construção da política pública a partir de três dimensões basilares: social,
democrática e nacional.

Ou seja, o papel central e estratégico da cultura para a inclusão social num


país marcado pela desigualdade, a importante contribuição da cultura para
o aprofundamento das instituições republicanas e democráticas no Brasil e
ainda o suporte fundamental da cultura para a retomada de um projeto
nacional, visto que se dá, em grande medida, pela valorização da
diversidade e identidade cultural da Nação, sem que isso se confunda com
um nacionalismo estreito. (MEIRA, 2004, p. 64)
Além disso, Meira (2016a) pontua a influência que o texto sofreu dos princípios da
Cidadania Cultural baseados nas definições e experiência de gestão da filósofa Marilena
Chauí, uma das fundadoras do PT e secretária municipal de Cultura de São Paulo entre 1989
e 1992. Em síntese, a perspectiva do desenvolvimento da cidadania cultural na política
contemporânea está relacionada com os ideais de partidos de esquerda, que vinculam a
política cultural aos direitos do cidadão, e atrelam as demandas dos movimentos sociais a
uma política suscetível de contestações, protegida tanto dos excessos do mercado quanto
do Estado. (MILLER e YÚDICE, 2002, p. 25). No Brasil, essa ideia foi marcada pelo
pensamento crítico de Chauí (2008), para quem a cultura deve ser compreendida como um
direito do cidadão de fazer cultura, de participar das decisões sobre a política cultural e de
ter acesso aos bens e obras culturais. Ao Estado cabe assegurar tais direitos: garantir que
seus cidadãos possam produzir cultura no sentido antropológico do termo, oferecendo
condições para a criação de uma memória social; assegurar o direito do acesso às obras
77

culturais, garantindo os processos de fruição, e garantir aos cidadãos o direito de intervir nas
decisões políticas, participando das definições das diretrizes para a cultura e dos orçamentos
públicos (CHAUÍ, 2008). Segundo Roberto Lima (2016a, p.39):

Desde então, o conceito de Cidadania Cultural vem desafiando militantes


petistas a pensar e implementar mecanismos de gestão adequados àquela
concepção, o que levou à construção de uma agenda própria, mas que só
veio a se consolidar no início do século XXI.
Nesse sentido, João Roberto Peixe (2017) pontua que nos munícipios dirigidos pelo PT,
avançou-se na criação e instituição de mecanismos de participação e articulação social que
resultaram na formação de conselhos paritários e orçamentos participativos. Também fazia
parte da proposta das prefeituras dirigidas pelo PT descentralizar as políticas culturais.

[...] era uma questão muito importante, era ir por bairro, ir pra
comunidade, então a gente fazia conferências municipais de cultura, nas
nossas prefeituras, ou fóruns municipais de cultura e era assim, carro de
som no bairro, dizer olha a prefeitura vai fazer reunião sobre politica
cultural, na igreja no sábado de manhã, estão todos convidados [...] (MEIRA
apud ARAGÃO, 2013, p. 128).
De acordo com Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013), foi nessa época que surgiu a ideia
de que a política cultural não deveria ser uma política para os artistas, e sim para a
sociedade “[...] os artistas são um parceiro, digamos privilegiado [...] Politica de cultura [...] é
pra população, agora os artistas, os operadores da cultura [...] são os principais parceiros da
política pra que a população tenha plena inserção na vida cultural do país etc” (MEIRA apud
ARAGÃO, 2013, p. 128).

Voltando à influência do pensamento de Marilena Chauí, destaca-se o seu


posicionamento expressamente contrário às políticas neoliberais: “Afirmar a cultura como
um direito é opor-se à política neoliberal, que abandona a garantia dos Direitos,
transformando-os em serviços vendidos e comprados no mercado e, portanto, em privilégios
de classe” (CHAUÍ, 2008, p. 66), pensamento também expresso no documento de campanha
do PT de 2002:

[...] há uma crescente negação de uma cultura da paz, que perde espaço
diante do avanço das políticas neoliberais, para as quais a dimensão cultural
de valores como o individualismo, a competitividade e o primado do
mercado, inclusive e principalmente de bens simbólicos que oprimem os
valores outros, tem um caráter capital. A economia de mercado se
sobrepõe à política e ao caráter humanista do desenvolvimento. (PT, 2002,
p. 11)
78

Além dessas reflexões oriundas de intelectuais e das experiências de gestores culturais


vinculados ao PT, Márcio Meira (2004, 2016b) destaca que o A imaginação a serviço do
Brasil foi influenciado pelos princípios estabelecidos pela Unesco e pela Constituição Federal
de 1988. Ao longo do texto é possível comprovar algumas dessas influências por meio das
referências ao conceito ampliado de cultura; reconhecimento da interdependência das
políticas nas áreas da cultura, educação, ciências e comunicação; inclusão da dimensão
cultural do desenvolvimento; preocupação com questões de identidade e diversidade
cultural etc. Quanto à Constituição Federal, para além das garantias e princípios relativos à
cultura citados no documento de campanha, há propostas de inclusão e regulamentação de
alguns dispositivos, a exemplo da defesa da aprovação da PEC 306-A/2000 que trata do
Plano Nacional de Cultura (PNC).

Para Márcio Meira (2016b), a Constituição Federal do Brasil é um avançado arcabouço


jurídico para a área cultural, tendo se antecipado em vários aspectos à Convenção da
Diversidade Cultural da Unesco, aprovada em 2005. Além disso, Meira ressalta que os
artigos 23 e 24 da Constituição trazem dispositivos sobre a atuação da União, estados,
Distrito Federal e municípios no que tange às competências para legislar e promover ações
na área da cultura. Entretanto, “O texto constitucional aprovado em 1988 [...] não introduzia
os mecanismos que induzissem o planejamento, o financiamento e a gestão sistêmica da
promoção e proteção da cultura brasileira” (MEIRA, 2016b, p. 23-24), o que para ele só
ocorreria a partir da instituição do Plano Nacional de Cultura e do SNC. Em contraposição a
esse pensamento de que seria preciso criar um sistema de cultura, Humberto Cunha Filho
(2010) considera que a Constituição Federal já estabelece um sistema para essa área.

O que há de leis, órgãos e atividades relacionadas à cultura já forma o


nosso sistema, neste setor. Evidencia-se, contudo, a timidez deste sistema,
a ponto de padecermos da convicção, algo falsa, é claro, da própria
inexistência do SNC. Esta sensação aumenta quando se toma como
paradigma o Sistema Único de Saúde – SUS, que já está disciplinado e em
constante aprimoramento há mais de 18 anos e, por tais razões, possuidor
de bens, serviços e fluxos de atuação integrados e visíveis, que ‘provam’
permanentemente não apenas a sua existência, mas a sua serventia.
(CUNHA FILHO, 2010, p. 93)
2.3.2. Propostas para o Sistema Nacional de Política Cultural

Ao longo do A imaginação a serviço do Brasil há referências à importância de se


conceber políticas culturais numa perspectiva federalista, acionando elementos como
79

descentralização de ações e recursos e a articulação de estados, municípios e União, a


exemplo de:

No caso do Brasil, a aposta na via da cultura como possibilidade de


desenvolvimento impõe uma ampla reforma do aparato nacional de
cultura, com a proposta de estruturas intermediárias entre estados e
municípios e governo federal. [...] A descentralização regional deve implicar
na institucionalização de fundos regionais, que podem ser fomentados
através dos mesmos subsídios fiscais que hoje financiam projetos isolados
nas grandes metrópoles, e na participação proporcional de estados,
municípios e governo federal. (PT, 2002, p. 17-18)
[...]
Qualquer política de cultura a ser adotada pelo país deve garantir a
abertura dos canais institucionais e financeiros, por meio da constituição do
Sistema Nacional de Política Cultural, a amplos setores tradicionalmente
atendidos pelas ‘políticas de recorte social ou assistencialistas’. (PT, 2002, p.
16)
Os elementos que vieram a compor a estrutura do SNC – então denominado Sistema
Nacional de Política Cultural (SNPC) –, tais como financiamento, instrumentos de
planejamento, programa de formação e qualificação, e participação social estão presentes
no documento de campanha dentro do eixo temático Gestão Democrática, mas também
podem ser encontrados dispersamente, inclusive em termos de propostas, a exemplo: “1.1
Estabelecer critérios de Planejamento Estratégico de curto, médio e longo prazos para as
Políticas Públicas de Cultura [...] buscando envolver estados e municípios” (PT, 2002, p.18).
Em relação ao financiamento, destaca-se a proposta de incremento do Fundo Nacional de
Cultura e da descentralização de recursos para todas as regiões do país (proposta 2.2). Nesta
seção, vale enfatizar a proposta 2.3 dirigida à implementação de uma Rede de Informações
Culturais voltada para a produção sistemática de dados sobre a cultura, a partir da atuação
conjunta de secretarias de estados e municípios, IBGE, IPEA, instituições culturais,
associações e sindicatos, o que pode ser considerada uma referência ao sistema de
informações e indicadores culturais, um dos componentes do SNC, conforme Art. 216-A, §2,
VII. Sistemas setoriais também foram citados no programa de campanha, que faz menção ao
Sistema Nacional de Museus, e respectivos sistemas estaduais, e ao Sistema Nacional de
Arquivo.

Especificamente no eixo Gestão Democrática constam propostas voltadas para o


Sistema e para o Plano Nacional de Cultura, que na época estava em tramitação no
Congresso Nacional (PEC 306-A/2000) e que, segundo o documento, deveria contar com o
80

empenho do governo para sua aprovação (item 3.1). A descrição do SNPC aparece na
proposta 3.2, cuja primeira frase indica que o sistema deveria ser implantado com base nas
prescrições constitucionais e que seria um meio para o poder público garantir a “[...]
efetivação de políticas públicas de cultura de forma integrada e democrática, em todo o
país, incluindo aí, especialmente, a rede escolar” (PT, 2002, p.20). De acordo com Márcio
Meira (2016a, p. 138), o contexto de mobilização cultural vivenciado no país a partir dos
anos 2000, “[...] já enfatizava a necessidade e a importância crucial da relação entre a
política cultural e a política educacional, ou seja, a necessidade de encarar a rede escolar
como estratégia, e a escola como um equipamento cultural fundamental”. A preocupação
em articular o tema da cultura com a educação também aparece no item 3.3, que propõe a
definição de Instituições Nacionais de Referência Cultural para atuarem na formação e
capacitação especializada de técnicos municipais, estaduais e federais. A seleção de
instituições já existentes e a integração ao SNPC deveria permitir o atendimento à “[...]
demandas de regiões do país desassistidas de pessoal qualificado para desenvolver
localmente políticas públicas de cultura.” (PT, 2002, p.21). Ainda que tardiamente, como
será observado ao longo dos próximos capítulos, o Ministério da Cultura desenvolveu ações
voltadas para a formação de gestores e conselheiros de cultura ao longo da implantação do
SNC, entretanto, o mesmo não ocorreu com relação à rede escolar, que até 2016 não fez
parte de qualquer ação do Sistema.

Em outro trecho da proposta sobre o SNPC aparece:

O SNPC será a condição necessária para a efetiva descentralização da


política nacional de cultura, pois os diversos projetos e/ou equipamentos
públicos culturais, das três esferas de governo, assim como as instituições
privadas e do terceiro setor, somente acessariam os recursos do FNC no
caso de estarem legalmente integradas ao Sistema. Com essa proposta, o
controle social do funcionamento e aplicação dos recursos advindos do FNC
– via SNPC – deverá ser feito, de forma democrática e participativa, pelos
conselhos de Cultura respectivos. Em caso da não existência desses, sua
criação será obrigatória para a inclusão do município ou estado no Sistema
(PT, 2002, p. 20).
A previsão de vinculação obrigatória ao Sistema por parte dos entes federados, de
instituições privadas e do terceiro setor para que pudessem acessar, de maneira geral,
recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC) sofreu ajustes ao longo das gestões do
Ministério da Cultura. De acordo com Hamilton Pereira (2018), no momento da formulação
81

da proposta descrita no programa, algumas questões não foram levadas em consideração,


mas vieram à tona posteriormente:

Não consideramos, no momento inicial da elaboração do texto, desafios


mais complexos que só viriam para o debate a partir da posse de um
Presidente que não tinha ao seu lado a maioria dos governadores – eleitos
pelo voto popular como ele, portanto tão legítimos quanto ele – e ciosos de
sua legitimidade para fazer valer sua autonomia nas decisões relativas às
políticas públicas de cultura a serem implantadas nos seus Estados. Enfim, o
governo federal deveria ater-se aos limites do pacto federativo, que
embora em crise, está vigente. (PEREIRA, 2018)
A relação entre a adesão dos entes subnacionais ao Sistema e o acesso a recursos do
FNC será um discurso que atravessará toda a construção do Sistema Nacional de Cultura,
não tanto no tom de “condição necessária”, como aparece na proposta 3.2, mas como uma
promessa de transferência de recursos do governo federal a estados e municípios que
voluntariamente aderissem à política. Fato que até a finalização desta pesquisa não ocorreu.
Essa promessa não cumprida pelo Minc de transferir recursos aos entes que aderissem ao
SNC e a estratégia de ação da SAI para conseguir a adesão por parte dos mesmos foi objeto
de debate por parte de diversos atores entrevistados.

Por fim, a proposta 3.5 do Programa propõe revitalizar instâncias de participação de


estados e municípios: “[...] O Fórum Nacional de Secretários de Estado da Cultura e também
de secretários das capitais é uma instância que deve ser revitalizada, como forma de
contribuir com a descentralização das políticas culturais” (PT, 2002, p. 21). Como será visto
mais adiante, esses fóruns tiveram atuação constante no processo de construção do SNC, o
que não implicou na presença formal dos mesmos no espectro do SNC. O Artigo 216-A da
Constituição Federal não faz referência a tais fóruns na estrutura do Sistema, que
contempla, por sua vez, comissões intergestores tripartite e bipartite, instâncias de
negociação e pactuacão das ações intergovernamentais relacionadas à operacionalização do
SNC e dos Sistemas Estaduais de Cultura (MINC, 2010a).

2.3.3 A inspiração e idealização do SNC

De acordo com Vitor Ortiz (2017), a ideia do SNC surgiu no bojo dos encontros que
levaram à concepção do A Imaginação a serviço do Brasil, tendo sido uma proposta
impulsionada por Márcio Meira:

Foi nesse período de início dos anos 2000, que no PT surgiu essa discussão
de criar um grupo nacional que pudesse contribuir com a formulação de
82

uma Política Nacional de Cultura e uma das principais bandeiras dessa


política acabou sendo a proposta de criação de um Sistema Nacional de
Cultura. [...] Na época, acho que foi um processo muito impulsionado pelo
Márcio Meira, que foi o primeiro a trazer com mais ênfase esse tema do
Sistema Nacional de Cultura. (ORTIZ, 2017)
Bernardo Mata Machado (apud BARBALHO, 201[?]) – colaborador do documento de
campanha de 2002, ex-dirigente de Cultura de Belo Horizonte e ex-diretor e secretário
interino de Articulação Institucional do MinC na gestão Marta Suplicy –, também situa a
concepção do SNC no processo de formulação do Programa de governo do PT:

Houve uma série de seminários no Brasil e ali então se começa a falar num
Sistema Único de Cultura, depois eu não sei quem... se foi Márcio Meira,
mas a sigla ia ficar SUC, aí todo mundo achou que não era bom SUC [risos],
a sigla acabou sendo Sistema Nacional de Cultura [no documento consta
Sistema Nacional de Política Cultural], que refletiu a posição política de
presença do Estado enquanto poder na formulação e execução de políticas
culturais. (MATA MACHADO apud BARBALHO, 201[?])
Hamilton Pereira (2018) também vincula a ideia do SNC à figura de Márcio Meira:

Devemos ao companheiro Márcio Meira [...] a ideia inicial do Sistema


Nacional. Márcio é Antropólogo, sua formação seguramente contribuiu
para uma visão que traduzisse em termos de estrutura administrativa a
anacrônica concepção vigente no país que enxerga cultura como
ornamento ou apenas como entretenimento. (PEREIRA, 2018)
Márcio Meira (2016b) explica que a ideia de uma política pública sistêmica para a
cultura estava fundamentada nas visões de política de Estado e gestão democrática
presentes no A Imaginação a serviço do Brasil. Para Meira (apud REIS, 2008), nos debates
sobre o papel do Estado brasileiro, havia uma crítica quanto à condução dada pelos
governos à política cultural, a exemplo do que ocorria com a Lei Rouanet, que transferiu a
decisão sobre aplicação de recursos públicos para as empresas, não colocou em
funcionamento o mecanismo do Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e não
fortaleceu o Fundo Nacional de Cultura, que se manteve fragilizado. Além disso, Meira cita o
desmonte do Ministério da Cultura durante o governo Collor de Mello como outro fator
importante na discussão sobre qual deveria ser o papel do Estado na cultura.

Como consequência de tudo isso havia um sentimento muito grande na


sociedade brasileira de que deveria haver uma mudança, uma proposta
nova, diferente, em que o Estado deveria ter o papel preponderante. A
responsabilidade constitucional do Estado brasileiro é a política cultural. Foi
colocado nessa época, ou recolocado, sempre a ideia de que a cultura
deveria ser encarada como direito, um direito social, um dos direitos
fundamentais como está na Constituição. (MEIRA apud REIS, 2008, p. 120)
83

Atribuir à sociedade brasileira o anseio pela mudança do papel do Estado na condução


da política pública de cultura é algo que merece ser problematizado. Como já foi citado por
Miller e Yúdice (2002), essa concepção pode ser atribuída ao pensamento da esquerda e,
portanto, não pode ser generalizada. Além disso, Isaura Botelho (2001) cita que na época do
desmonte do Ministério da Cultura, durante o governo Collor de Mello (1990-1992), não
houve mobilização da sociedade civil brasileira para frear o processo de desestruturação que
estava sendo implantado. É difícil imaginar que entre o fim do governo Collor e o de
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), esse comportamento da sociedade em relação à
política cultural tenha sido tão alterado, inclusive porque nesse período não houve
desenvolvimento de processos organizados de participação social a nível nacional no campo
da cultura, a exemplo de realização de conferências e instituição de conselhos paritários nos
diversos níveis de governo. Situação distinta do que aconteceu em 2016, quando houve uma
mobilização expressiva da comunidade cultural para contestar a decisão do presidente
Michel Temer (do PMDB) de transformar o MinC em uma secretaria vinculada ao Ministério
da Educação (MEC). Certamente o trabalho de fomento à participação social desenvolvido
pelo Ministério da Cultura entre 2003 e 2016 contribuiu para que parlamentares, artistas,
intelectuais, gestores, produtores, agentes culturais etc. questionassem a medida do
governo, que acabou revertendo sua decisão.

Em relação ao tema do federalismo e o seu reflexo na idealização do SNC, Hamilton


Pereira (2018) explica que na época do A imaginação a serviço do Brasil, o Sistema era “[...]
apenas um esboço, cuja ambição é comprometer a administração pública com um projeto
de defesa e desenvolvimento do que poderíamos chamar de cultura nacional popular [...]”
(PEREIRA, 2018). Já para Roberto Lima (2016b), havia já naquele época uma preocupação
com questões relativas ao pacto federativo, “[...] mas não uma ideia clara de como se daria
na prática. [...] seria exagerado dizer que, naquele momento, sabíamos que tipo de
institucionalidade deveria ser criada”(LIMA, 2016b). Em sua opinião, a proposta do SNPC
refletia a experiência dos militantes que, como ele, tinha passado pela direção de órgão
público de cultura e sabia que grande parte da fragilidade das políticas públicas se devia à
baixa institucionalidade do campo da cultura no país. “A ideia era articular um arcabouço
institucional com políticas públicas pactuadas e transversais, evitando engessar ou
burocratizar as relações entre sociedade e estado e dirigida aos grupos historicamente
84

alijados [...].” (LIMA, 2016a, p.43). Na opinião de Aloysio Guapindaia (2016) – um dos
colaboradores do A imaginação a serviço do Brasil e um dos gerentes da SAI/MinC entre
2003 e 2006 –, a ideia de Sistema previsto no documento de campanha só começou a se
estruturar na Secretaria de Articulação Institucional.

A concepção do sistema foi sendo construída a partir desse trabalho já no


MinC. O programa de governo só fala do compromisso de implantar um
Sistema Nacional de Cultura como também implantar o IBRAM, o Instituto
Brasileiro de Museu [...], a concepção mesmo do SNC, como iríamos realizar
dentro do pacto federativo que a nossa Constituição define, desenha, isso
foi sendo discutido dentro do MinC. (GUAPINDAIA, 2016)
Segundo Guapindaia (2016), o que já se tinha na época do A imaginação eram
discussões sobre como o Sistema deveria ser feito, e especialmente, se tinha a preocupação
de garantir o espaço da sociedade civil dentro da sua estrutura.

[...] não queríamos um sistema só de governo. Por isso que é dado ao


Conselho poderes inclusive de discutir o plano nacional, discutir os planos
estaduais, municipais de cultura, trazendo então o conselho para dentro da
estrutura, institucionalizando esse conselho como órgão gestor da política.
(GUAPINDAIA, 2016)
Para João Roberto Peixe (2017): “o Sistema não nasceu com essa visão clara federativa
[...] então por isso que eu disse que era mais difícil o Sistema ser entendido como ele foi
concebido, com essa visão federativa, no Ministério do que fora do Ministério.” Sobre essa
questão, Bernardo Mata Machado (2017) relata que a perspectiva federativa não estava
inicialmente no foco do Sistema porque a preocupação maior era quanto à retomada do
papel do Estado nas políticas culturais, em contraponto à visão neoliberal:

[...] a nossa preocupação desde o programa do Lula era muito mais com a
presença do Estado, mais aí o Estado enquanto gênero geral, federal,
estadual e municipal, na formulação e execução de políticas públicas de
cultura. A nossa visão era muito mais essa. A gente não tinha muito na
cabeça a questão federativa, a gente já partia dela como dada em função
da inspiração no Sistema Único de Saúde. (MATA MACHADO, 2017)
Por definição, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o conjunto de ações e serviços de
saúde prestados por órgãos e instituições públicas da União, estados e municípios, com
permitida participação complementar da iniciativa privada, conforme Lei nº 8.080/1990. Seu
modelo de organização é baseado na distribuição de competências envolvendo todos os
níveis de governo, que conformam uma rede regionalizada e hierarquizada, tendo por
diretrizes a descentralização, o atendimento integral e a participação da comunidade (Art.
198 da CF/1988). Em síntese, nessa distribuição de atribuições tem-se que a União fica
85

responsável pelos atendimentos de alta complexidade, os estados por aqueles de média


complexidade e os municípios pela assistência básica ou primária. Em termos estruturais, o
SUS integra uma série de elementos que, articulados, pretendem conferir maior estabilidade
à política nacional de saúde, a exemplo de: órgão gestor público, plano, conferência,
conselhos, fundo e comissões intergestores.

A influência do SUS na idealização do SNC está presente em documentos publicados


pelo Ministério da Cultura, como o Caderno Oficinas do Sistema Nacional de Cultura,
organizado por Lia Calabre e publicado pelo MinC em 2006, onde encontra-se o seguinte
trecho:

Do ponto de vista da cooperação dos entes federados [...] algumas premissas


nos parecem fundamentais: [...] a de que o SNC deverá se guiar pelos
princípios da descentralização e da participação social, e se constituirá, a
exemplo do Sistema Único de Saúde, em rede regionalizada e
hierarquizada, isto é, com crescente nível de complexidade dos serviços e
oportunidade de acesso à cultura. (grifo nosso) (CALABRE, 2006, p.19)
Em entrevistas e declarações de gestores que atuaram no Ministério da Cultura
também se comprova a referência à saúde, como nesse depoimento de Márcio Meira:

Então nós nos inspirávamos muito no Sistema Único de Saúde, tanto é que
você vai ver que na conferência nacional de cultura, na primeira, uma das
palestrantes era uma pessoa do Ministério da Saúde que veio pra fazer uma
palestra para delegados, sobre o funcionamento e a estrutura do SUS e a
história do SUS também; como é que o SUS surgiu, por que surgiu, como
surgiu e etc... como se constituiu, pra que o pessoal da cultura visse como é
que tem um outro sistema público que funciona e que, portanto, pode ser
aplicada também pra uma política pública de cultura. (MEIRA apud
ARAGÃO, 2013, p.128-129)
De acordo com Roberto Lima (2016b), o SUS e outros sistemas nacionais, como o de
educação e de assistência social, constituíram importantes referências para o sistema de
cultura, entretanto, desde o início se tinha a preocupação em observar as singularidades da
área cultural: “[...] era claro que no campo da cultura não caberia uma arquitetura
institucional que engessasse e tirasse a liberdade e a autodeterminação características do
processo cultural” (LIMA, 2016b). Segundo Márcio Meira (apud REIS, 2008), apesar de o SNC
ter sido inspirado no SUS, há aspectos distintos entre ambos, especialmente quanto ao
principio da universalidade: “[...] [no SNC] o universal é apenas o acesso, o direito, mas a
produção cultural é sempre plural. Então por isso um sistema nacional, porque ele precisa
86

ser nacional, mas ele tem que ser necessariamente plural, aberto, que dialogue com o
mundo” (MEIRA apud REIS, 2008, p.123).

Para Humberto Cunha Filho (2010), a referência do SUS para a área da cultura precisa
ser utilizada com muita cautela. O professor chama atenção para a impossibilidade de a área
cultural reproduzir, por exemplo, os critérios de partilha de atribuições por níveis de governo
como ocorre na saúde, em relação ao nível de complexidade do atendimento, e na
educação, onde a União responde pelo ensino superior, os estados pelo ensino médio e os
municípios pelo ensino fundamental. Nesse sentido, expõe Cunha Filho (2010, p. 129):

De pronto, qualquer pessoa com mínima reflexão sobre políticas públicas


nota serem inservíveis, ao menos como regra, os critérios acima referidos,
para o campo cultural, dadas a diversidade e multiplicidade das
manifestações, a impossibilidade de estabelecer níveis [...] para a grande
maioria das atividades em apreço e, tampouco, aferir, com segurança,
degraus de complexidade das mesmas, por padrões que tenham natureza
universal.
Na opinião de Albino Rubim (2010a, p.17): “O SNC reconhece a boa tradição de
sistemas existentes no País, como o SUS. Ele pretende articular um trabalho voluntário,
colaborativo e complementar, entre os entes federados – União, estados e municípios – no
campo da cultura, como já acontece na área da Educação. [...]”. Para o autor, o
desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura é fundamental para combater a triste
tradição da instabilidade das políticas culturais brasileiras, já que se configura como uma
política de Estado, “[...] vital para a consolidação de políticas e de estruturas, pactuadas e
complementares, que viabilizem a existência de programas culturais de prazos médios ou
longos, portanto não submetidas às intempéries conjunturais” (RUBIM, 2010a, p. 17).

2.3.4 Importância do documento de campanha para a análise

As considerações que acabamos de fazer sobre o A imaginação a serviço do Brasil e o


Sistema Nacional de Cultura visaram fornecer alguns elementos de análise importantes para
compreender a trajetória da construção da política iniciada em 2003, após a vitória de Luís
Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002.

Podemos destacar, por exemplo, o fato de o SNC ter a sua origem vinculada ao
documento de campanha e, especificamente, a determinados atores que integravam o
Partido dos Trabalhadores, especialmente Márcio Meira e João Roberto Peixe. Tal relação
aproxima diretamente a proposta do SNC ao PT. Nos relatos apresentados também fica
87

evidente a relação do processo de formulação do programa de campanha com o


fortalecimento de entidades de representação, como os fóruns nacionais de secretários e
dirigentes de cultura de estados e municípios, que vão se constituir enquanto interlocutores
privilegiados na trajetória do SNC. Outro ponto relevante que surge da narrativa do
programa de campanha é quanto a relação entre a proposta inicial do SNC e a perspectiva
federativa da política, já que alguns depoimentos indicam que originalmente não havia
vinculação estreita entre os dois assuntos. Por fim, ressaltamos a identificação da influência
do Sistema Único de Saúde na formulação do SNC, que reproduziu em sua estrutura muitos
componentes presentes no SUS, um dos aspectos criticados por parte de alguns atores
entrevistados na pesquisa. Todas essas questões terão rebatimento do processo de
construção do Sistema Nacional de Cultura, como será observado nos próximos capítulos.
88
89

CAPÍTULO 03 - O SNC NA GESTÃO GILBERTO GIL (2003 – 2006)

Após a vitória de Luís Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002, a
composição do quadro de dirigentes do Ministério da Cultura envolveu o protagonismo de
atores que não fizeram parte do movimento em torno do A imaginação a serviço do Brasil.
Para os dois mais altos cargos do MinC foram nomeadas pessoas não filiadas ao Partido dos
Trabalhadores: o músico Gilberto Gil para o cargo de ministro da Cultura e o sociólogo Juca
Ferreira para a Secretária Executiva, ambos filiados na época ao Partido Verde, que por sua
vez não havia integrado a coligação Lula Presidente, mas que posteriormente passou a
compor a base de apoio ao governo.

Apesar de o objetivo desta tese não ser o de apresentar uma retrospectiva profunda
da trajetória de cada um dos atores do Sistema Nacional de Cultura, é importante conhecer
minimamente alguns dos seus passos para compreender suas atuações no âmbito do
Ministério da Cultura, especialmente em se tratando de pessoas que ocuparam altos cargos
na instituição. Isso poderá facilitar o entendimento quanto a alguns discursos e ações, cujas
explicações não se esgotam em posicionamentos político-partidários.

Até assumir o Ministério da Cultura em 2003, Gilberto Gil, músico reconhecido


internacionalmente, possuía pouca experiência no exercício de cargo público de gestor.
Entre janeiro de 1987 e julho de 1988, Gil foi presidente da Fundação Gregório de Mattos
(FGM), órgão público responsável pela política cultural do município de Salvador/BA. Em
entrevista concedida a Albino Rubim et al (2008), Gilberto Gil fala sobre a sua nomeação
para a FGM:

Eu pedi para ser secretário, eu pedi a Mário Kertz [Kertész] [prefeito de


Salvador] para ser secretário de cultura do Município de Salvador. Eu disse:
‘não tem vaguinha aí, não? Não me bota para trabalhar com você, não?’
(risos) E eu vim. Porque eu queria, achava que exatamente a perestroika,
tudo aquilo que estava no plano ideal daquele desmonte, daquela
reconstituição do Estado propriamente nacional, tentativa de reconstrução
de um Estado minimamente democrático aos moldes de um modelo
ocidental universal e tal; aquilo tudo me estimulava muito, a ideia de
cidadania, enfim, a disposição de todos, todos com essa dimensão política a
ser cultivada em cada indivíduo independente de seu talhe. E eu vim para a
Bahia naquela época exatamente para isso. (GIL apud RUBIM et al, 2008, p.
190)
90

O ingresso de Gil na FGM se deu a partir da vitória do candidato do PMDB, Mário


Kertész, nas eleições para prefeito daquela cidade, em 1985, ano da primeira eleição direta
para o cargo após o período da Ditadura Militar (1964 a 1985). Logo no primeiro ano da
gestão de Kertész foi criada a Fundação Gregório de Mattos (Lei 3.601/1986), cujo projeto
de criação teve a participação do antropólogo Antônio Risério, do poeta Wally Salomão e do
antropólogo Roberto Pinho, que tinham participado da campanha de Kertész e que, após a
vitória deste, foram atuar em diversos setores da Prefeitura: Risério na primeira composição
da diretoria executiva da FGM; Pinho como dirigente da Secretária Extraordinária de
Programas Especiais e Wally Salomão como coordenador do carnaval e posteriormente
presidente da FGM (de julho de 1988 a maio de 1989) (KÖPP; ALBINATI, 2005). Do período
em que Gil e Risério estiveram juntos na FGM pode-se obter informações no texto assinado
por ambos – Fundação Gregório de Mattos: roteiro de uma intervenção político-cultural,
publicado em 1988 –, que revela o projeto que pretendiam implantar em Salvador, a
exemplo do conceito antropológico de cultura para as formulações das políticas; ampliação
do público-alvo para além de artistas; e uma dedicação especial a projetos dirigidos à cultura
afro-baiana. Tudo isso, combinado ao caráter inovador da gestão e à figura de Gilberto Gil,
deu destaque à instituição recém-criada.

A atuação da FGM no período estudado se guiou, então, por um conceito


de cultura baiana que incluía as manifestações negras [...] e também a
cultura da classe artística da cidade, a preservação do patrimônio e a
abertura à novidade. Este caráter inovador se revelava, por exemplo, nos
projetos e intervenções feitas em imóveis do Centro Histórico pela
arquiteta Lina Bo Bardi [...] Assim, a FGM, especialmente a partir da
integração do compositor Gilberto Gil ao seu quadro, funcionava na
administração de Kertész como um importante instrumento de marketing.
As ações da Fundação associavam à gestão uma aura de inovação, trazendo
para perto os artistas e intelectuais [...] (KÖPP; ALBINATI, 2005)
Um dos trechos interessantes do texto de Gilberto Gil e Antônio Risério é o que trata
da oposição a reproduzir a nível municipal os modelos e estruturas oriundos de órgãos
estaduais e federais de cultura:

[...] De outra parte, recusando-se igualmente a assumir o papel de réplica


municipalista de órgãos estaduais e federais. Se aceitássemos o papel de
réplica [...] estaríamos simplesmente fazendo transposição mecânica, para
realidade do município, de um modelo abstrato e alienado de repartição
cultural, estruturado segundo o padrão europeu das formas e práticas de
cultura, com seus departamentos de cinema, teatro, dança, literatura, etc.,
91

supostamente aplicáveis a qualquer realidade cultural. (GIL;RISÉRIO, 1988


apud KÖPP;ALBINATI, 2005)
A reprodução de estruturas institucionais da cultura em todos os níveis de governo é
justamente uma das faces do Sistema Nacional de Cultura. Obviamente que há de se discutir
que nível de réplica o SNC estimula, e no caso da fala de Gil e Risério é preciso contextualizá-
la, já que naquele momento o Ministério da Cultura estava especialmente dedicado a
consolidar a lei de incentivo fiscal publicada em 1986 (Lei Sarney) que, pelo caráter de seu
mecanismo, privilegiava as artes tradicionais e os artistas consagrados.

Gilberto Gil foi presidente da Fundação Gregório de Mattos durante aproximadamente


um ano e meio, de 31/12/1986 a 13/07/1988, quando se desligou do órgão para tentar ser
candidato pelo PMDB à prefeitura de Salvador, o que não aconteceu dado ao veto do
Partido. Nesse mesmo ano, Gil se lançou, ainda pelo PMDB, como candidato a vereador na
Câmara Municipal de Salvador, onde exerceu mandato de 1989 a 1992. A passagem de Gil
pelo Poder Legislativo municipal foi marcada por uma atuação próxima a temas ambientais,
tendo sido presidente da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Câmara; integrante dos
conselhos consultivos da Fundação Mata Virgem e da Fundação Alerta Brasil Pantanal;
representante oficial da Câmara Municipal no Congresso Mundial de Governos Locais para
um Futuro Sustentável, promovido por um órgão vinculado à ONU etc. Vale ressaltar desse
período a sua filiação ao Partido Verde, em março de 1990, e a criação no mesmo ano da
Fundação OndaAzul, organização sem fins lucrativos que tinha por objetivo promover e
participar de ações voltadas ao meio ambiente, especialmente a conservação e otimização
do uso sustentado das águas brasileiras, onde Gil era o presidente e Juca Ferreira o seu vice
22
. Não era a primeira vez que eles trabalhavam juntos, já que Juca Ferreira fez parte
da equipe do Centro da Referência Negro-mestiça, criada por Gilberto Gil e Antônio Risério
em 1989.

Sociólogo de formação, Juca Ferreira tem na sua trajetória profissional ações


relacionadas às áreas ambiental, social e cultural, tendo intercalado atuações em instituições
públicas e organizações da sociedade civil, a exemplo de sua passagem nos anos 80 pela
Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), logo após retornar do exílio, e nos anos 90,
no Projeto Axé, uma organização não governamental dedicada a promover ações
22
Informações obtidas por meio dos sites: http://www.gilbertogil.com.br/sec_bio.php?page=5&ordem=DESC e
http://ondazulsalvador.blogspot.com.es/, consultados em abril de 2018.
87

socioeducativas e culturais para crianças, adolescentes e jovens em situação de


vulnerabilidade social. Enquanto membro do Partido Verde, Juca Ferreira foi eleito vereador
na Câmara Municipal de Salvador por duas vezes: entre 1993 e 1996, período em que foi
licenciado para dirigir a Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Salvador (na gestão
Lídice da Mata); e entre 2000 e 2004, quando no último ano do seu mandato deixou a
Câmara para assumir o cargo de secretário Executivo do MinC a convite de Gilberto Gil. Em
entrevista, Juca Ferreira (2018) comenta sobre a sua trajetória até chegar ao Ministério:

[...] quando eu fui para o Ministério, eu já tinha uma experiência pública


tanto como parlamentar, vereador, como no Executivo, como secretário de
Meio Ambiente, e eu tinha uma larga tradição de trabalhar no terceiro
setor e os temas culturais, socioculturais, e ambientais já faziam parte do
universo das minhas atividades profissionais ou mesmo enquanto cidadão.
(FERREIRA, 2018)
A nomeação de Gilberto Gil para assumir o mais alto cargo do Ministério da Cultura
no Governo Lula foi considerada inesperada. Por um lado, ele possuía pouca experiência
enquanto gestor público de cultura e o partido político ao qual estava filiado não havia
composto a coligação do presidente eleito, por outro lado, havia uma grande expectativa
que algum membro do Partido dos Trabalhadores assumisse o cargo de ministro,
especificamente os que tinham participado da coordenação do A imaginação a serviço do
Brasil. Não só o ministro escolhido não foi do PT, como a maior parte dos coordenadores do
documento de campanha sequer integraram a equipe inicial do Ministério. Apenas Márcio
Meira, Antônio Grassi e Sérgio Mamberti assumiram cargos de direção no órgão em 2003.
De acordo com Albino Rubim (2011, p.39):

Havia uma expectativa entre os participantes deste processo de discussão


que o Ministério da Cultura ficasse sob o comanda do PT. Com indicação de
Gilberto Gil, foi realizado um complexo processo de negociação que
garantiu uma composição plural na equipe do ministério. Da formação
inicial participaram pessoas próximas à Gilberto Gil, ao Partido Verde, ao PT
e logo ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Esta composição, apesar de
tensões inevitáveis, garantiu uma boa abertura e a incorporação de um
conjunto amplo de idéias, inclusive muitas das contidas no documento
indicado acima [A Imaginação a serviço do Brasil], que foram vitais para o
trabalho desenvolvido posteriormente pelo ministério.
Em entrevista, Aloysio Guapindaia (2016), que havia participado da discussão do
documento de campanha junto a Márcio Meira, com quem trabalhou na Fundação Cultural
do Município de Belém entre 1999 e 2002, confirma essa expectativa:
88

Quando o Lula então se elege, a nossa perspectiva de fato era que


escolhesse para ministro alguém do PT cultural que participou de todo esse
movimento, dessa discussão, dessa construção do capítulo da cultura [...].
Então, nós achávamos que politicamente o PT cultural estaria ‘cacifado’ pra
assumir a gestão do Ministério da Cultura. (GUAPINDAIA, 2016)
Sobre essa época, quando Lula já estava eleito e se preparava para tomar posse, e não
havia definições quanto à nomeação de ministro da Cultura, o cineasta e então
subsecretário do audiovisual do estado do Rio de Janeiro, Orlando Senna23 comenta:

Nesse momento [dezembro de 2002] o que se pensava é que alguém do PT


iria ser o ministro da Cultura. Tanto que, como eu não era do PT, eu não sou
de nenhum partido, para elaborar esse plano [do audiovisual], eu pedi que
o PT trouxesse para as reuniões um grupo representativo do PT, e dessa
atividade, para que estivesse comigo, para que eu não ficasse solto como
um livre atirador. E aí sim, dentre várias pessoas que vieram, estavam três
pessoas que todo mundo achava que um deles seria ministro da Cultura,
tanto que eu até falei diretamente com um futuro ministro da Cultura, que
não seria. Se pensava no Pedro Tierra, pseudônimo de Hamilton Pereira,
coordenador do Programa de Cultura, Antônio Grassi e o Sérgio
(Mamberti). Então eu não encabecei este trabalho pensando no Gilberto
Gil, inclusive não se pensava no Gilberto Gil de maneira nenhuma naquela
época. (SENNA apud BARBALHO et al, 2009, p. 161)
Outro nome cotado para assumir o cargo de ministro da Cultura ou de secretário
Executivo, segundo atores entrevistados, era o de Márcio Meira, que além de ter participado
do A imaginação a serviço do Brasil, foi representante da área da cultura na Equipe de
Transição do Governo Lula. De acordo com Meira (2016a, p. 138):

Na época a indicação [de Gil] foi uma surpresa para a maioria das pessoas
que haviam participado dos processos de discussão cultural durante a
campanha, inclusive na caminhada de formulação do programa ‘A
imaginação a serviço do Brasil’. A vasta militância dos movimentos culturais
que mantinha relações políticas, proximidades e simpatias com o Partido
dos Trabalhadores e seus aliados, em todas as regiões do Brasil, esperava
que Lula indicasse um petista para o Ministério, mas Lula surpreendeu a
todos, e foi sábio em sua decisão. (MEIRA, 2016a, p. 138).
Segundo Paulo Miguez (2017) – professor e pesquisador da área da cultura, assessor
especial do ministro Gil e secretário de Políticas Culturais do MinC entre 2003 e 2005 – a ida
de Gilberto Gil para o Ministério da Cultura se deu por meio da articulação de Roberto Pinho
com Antônio Palocci.

23
Escritor e cineasta. Foi diretor da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños,
em Cuba; Diretor do Instituto Dragão do Mar de Arte e Indústria Audiovisual; membro da Fundación del Nuevo
Cine Latinoamericano; subsecretário do audiovisual do Rio de Janeiro, no governo Benedita da Silva (2002).
Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura entre 2003 e 2007.
89

A pessoa mais importante na chamada de Gil para o Ministério foi Roberto


Pinho. Não seria exagero dizer que Roberto foi quem fez o ministro no
sentido de que foi Roberto quem soprou no ouvido do Palocci a ideia de ter
Gil como ministro [...] E aí o Lula aceita... (MIGUEZ, 2017)
Antônio Palocci Filho era coordenador do programa de governo do PT em 2002 e
dirigiu a equipe de transição do governo Fernando Henrique Cardoso para o de Lula, onde
veio a assumir o Ministério da Fazenda. De acordo com Miguez (2017), Palocci e Roberto
Pinho possuíam uma relação de proximidade, tendo trabalhado juntos na prefeitura de
Ribeirão Preto entre 2000 e 2002, quando Palocci foi prefeito. Por sua vez, Pinho e Gilberto
Gil eram amigos desde os anos 60 e, como foi citado anteriormente, haviam trabalhado
juntos na prefeitura de Salvador nos anos 80.

Sobre a posição do presidente Lula da Silva em optar pela nomeação de Gil à alguém
do PT, Aloysio Guapindaia (2016) comenta: “O Lula pensou diferente, realmente ele preferiu
colocar um artista que tivesse projeção política no cenário nacional, além de projeção
artística como Gilberto Gil”. A nomeação de Gil para o cargo máximo do Ministério da
Cultura, para além da surpresa, sofreu resistências.

Quando o Presidente [Lula] bateu o martelo e disse que era Gilberto Gil,
alguns tornaram pública sua adesão e outros permaneceram durante algum
tempo questionando a indicação de Gil. Acho que duas razões levavam a
esse questionamento: primeiro porque havia dentro do PT quadros que
poderiam ocupar a pasta ministerial da cultura; e de outro porque havia um
certo desconforto em relação a Gilberto Gil, seja pelo fato dele ser um
artista, uma pessoa sem vinculação partidária ao PT – embora tivesse
filiação ao PV, não era uma escolha do Presidente por conta da sua
vinculação partidária, Gil não foi escolhido porque era do PV; e havia
também uma desconfiança em relação à passagem de Gil pela política,
tanto como vereador de Salvador, onde ele não teve uma atuação muito
boa, como na Fundação Gregório de Mattos. Então havia essa resistência.
(MIGUEZ apud REIS, 2008, p.56)
Sobre essa situação, Bernardo Mata Machado (2017) comenta: “[...] tinha muitas
expectativas que o Ministério fosse para o PT, inclusive houve reuniões com o Lula pra
reclamar da nomeação de Gil, depois o Gil surpreendeu, fez uma excelente gestão”. Para
Vitor Ortiz (2017), os problemas derivados da composição do MinC a partir da nomeação de
Gil não foi relativo a ele em si, mas às pessoas que foram levadas para trabalhar junto ao
ministro.

[...] uma coisa que aconteceu realmente é que logo no início se estabeleceu
uma disputa. A escolha do Gilberto Gil foi uma surpresa para esse
movimento que tinha se articulado em torno da Fundação Perseu Abramo,
90

em torno desse documento A imaginação a serviço do Brasil. Foi uma ideia


de Lula que foi muito bem recebida, muito bem acolhida, o nome Gilberto
Gil realmente era um nome muito interessante, mas Gil quando montou o
Ministério, ele trouxe suas pessoas. (ORTIZ, 2017)
Segundo José do Nascimento Junior, um dos membros do PT que colaborou com o
documento de campanha e assumiu um cargo diretivo no MinC nessa gestão, a escolha de
Gil como ministro e a expectativa frustrada do PT, marcou a história e a composição política
do órgão:

[...] Eu acho que isso criou uma tensão muito grande, naquele mês de
dezembro, eu lembro quantas vezes, em novembro e dezembro, estive em
Brasília, por conta disso, e na hora que se anunciou o Gil, essa temperatura
aumentou em “N” vezes... com uma indicação do centro de governo da
necessidade de Gil compor com o PT, do grupo Gilberto Gil compor com o
grupo do PT [...] (NASCIMENTO JUNIOR apud RUBIM, AMAZONAS e COSTA,
2009)
Aloysio Guapindaia (2016) também comenta sobre essa composição do Ministério, que
contou com a intermediação do presidente Lula.

No começo aquilo foi um choque para todos nós, houve uma divergência,
mas o Lula com a sua capacidade de fazer acordos, ele fez um acordo com o
setor cultural do PT, da turma do PV, porque o Gilberto Gil era do PV
naquela época, principalmente com o Juca Ferreira que o Gil estava
trazendo como Secretario Executivo para o Ministério e foi feita uma
composição entre o PT e PV dentro do Ministério. (GUAPINDAIA, 2016).
Vale ressaltar que no MinC havia a presença de outros partidos, como o PCdoB,
representado especialmente na figura de Manoel Rangel Neto, que foi assessor especial de
Gilberto Gil e secretário-substituto do Audiovisual entre 2004 e 2005, e de 2006 a 2017 foi
diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine).

3.1 A COMPOSIÇÃO DO MINC E A PRIMEIRA REFORMA ADMINISTRATIVA


O convite oficializado pelo presidente Lula foi aceito por Gilberto Gil, para quem
assumir aquele cargo expressava o seu entendimento de atuar na vida política pública a
partir do Estado democrático e da ideia de cidadania (GIL apud RUBIM et al, 2008).

Gilberto Gil tomou posse do cargo de ministro da Cultura no dia 2 de janeiro de 2003,
em Brasília. No seu discurso, citou que entendia a escolha de Lula por seu nome como:

Escolha prática, mas também simbólica de um homem do povo como ele.


De um homem que se engajou num sonho geracional de transformação do
país, de um negromestiço empenhado nas movimentações de sua gente, de
91

um artista que nasceu dos solos mais generosos de nossa cultura popular e
que, como seu povo, jamais abriu mão da aventura, do fascínio e do desafio
do novo. (GIL, 2003a)
Na oportunidade, Gil enfatizou a responsabilidade do Estado por criar condições de
acesso aos bens simbólicos, oferecer possibilidades para criação e produção de bens
culturais, promover o desenvolvimento cultural da sociedade, enfim, deixar de ser omisso e
passar a formular e executar políticas públicas. Também criticou o antigo posicionamento do
MinC de centrar suas ações nos mecanismos de isenção fiscal, “[...] entregando a política
cultural aos ventos, aos sabores e aos caprichos do deus-mercado” (GIL, 2003a); reconheceu
a diversidade cultural brasileira, “um dos nossos traços indenitários mais nítidos” (GIL,
2003a); propôs atuar transversalmente com outros ministérios, especialmente com o
Ministério das Relações Exteriores; e afirmou que o MinC precisava ser o espaço de
experimentação, “da disponibilidade para a aventura e a ousadia. O espaço da memória e da
invenção” (GIL, 2003a).Vale ressaltar que o discurso de posse de Gil apresenta, em geral,
consonância com os conceitos utilizado no A Imaginação a serviço do Brasil, mas traduz
também as suas próprias perspectivas sobre o que entende por cultura, por Estado, por
sociedade, por política cultural etc., refletindo a sua própria trajetória de vida. Nas palavras
do próprio Gil:

Os que conhecem a minha trajetória sabem que, desde os anos 60, tenho
participado da cultura brasileira de várias maneiras, seja no campo da
criação, seja nos campos da reflexão e da política. Foram e seguem sendo
intervenções complementares, que conduzem a um equilíbrio entre o
artista e o cidadão. (GIL, 2005a)
Em relação à posse da nova equipe de dirigentes do MinC, em cerimônia realizada em
15 de janeiro de 2003, Gilberto Gil teceu o seguinte comentário sobre a composição do
Ministério:

Li outro dia, nos jornais, uma nota curiosa. Dizia que o Ministério da
Cultura, hoje, era formado por três vertentes: a dos companheiros do PT, a
dos companheiros do PV e a dos integrantes do PG – isto é, do Partido do
Gil. Está bem, aceito de bom humor a suposta provocação. De fato,
encontram-se hoje aqui comigo companheiros do PT, do PV e
companheiros que, com ou sem partido, estão do meu lado e trabalham
comigo há muitos e muitos anos. (GIL, 2003b)
A formação anunciada por Gilberto Gil nesta cerimônia foi a seguinte: Juca Ferreira
(PV/BA), na Secretaria Executiva; Sérgio Xavier (PV/PE), na Chefia de Gabinete do ministro;
Roberto Pinho, Antonio Risério e Paulo Miguez, como assessores especiais de Gil; Maria Elisa
92

Costa, como presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan);


Antonio Grassi (PT/RJ), na presidência da Fundação Nacional de Artes (Funarte); Márcio
Meira (PT/PA), como secretário do Patrimônio, Museus e Artes Plásticas; Wally Salomão, na
Secretaria do Livro e da Leitura; Marcelo Carvalho Ferraz, Coordenador-Geral do Programa
Monumenta; Sergio Mamberti (PT/SP), como secretário de Música e Artes Cênicas; Pedro
Corrêa do Lago, presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN); Orlando Senna,
secretário do Audiovisual; José Almino de Alencar, presidente da Fundação Casa de Rui
Barbosa (FCRB).

Exceto pela ausência de Hamilton Pereira24, os principais nomes cotados para assumir
o posto de ministro da Cultura (Meira, Grassi e Mamberti) acabaram sendo incorporados na
gestão.

[...] vamos para o Ministério para fazer o que está colocado, para que os
compromissos que o PT colocou no programa possam realmente ser
traduzidos e encaminhados como políticas públicas. Então, o Marcio Meira
assume a Secretaria do Patrimônio [...], o Sérgio Mamberti assume uma
Secretaria de Música, o Antônio Grassi assume a Funarte, e eram essas
pessoas que estavam sendo colocadas como possíveis candidatos a ministro
pelo PT cultural, então todos foram acomodados em secretarias ou nas
unidades vinculadas do Ministério e aí a gente começa o nosso trabalho.
(GUAPINDAIA, 2016)
Além das pessoas vinculadas ao PT, membros do Partido Verde também assumiram
importantes cargos no MinC, especialmente Juca Ferreira, nomeado para a Secretaria
Executiva, espécie de “coração do Ministério, de qualquer ministério, é por ali que tramitam
os papéis, todos os processos passam por ali”(MIGUEZ, 2017), ou seja, uma espaço
fundamental para o funcionamento de uma organização. De acordo com Juca Ferreira
(2018), ele foi convidado por Gilberto Gil para trabalhar no Ministério, onde passou a cuidar
dos assuntos mais cotidianos.

[...] entre eu e Gil era uma divisão muito boa, era um desperdício botar Gil
para amarrar os nós cotidianos, e ele não tinha experiência nisso, então eu
acabei jogando um papel: eu era o segundo do Ministério, o secretário
executivo que outros países chamam vice-ministro...tinha coisas que antes
de fazer eu tinha que consultá-lo e conseguir sua concordância, tinha coisas
que eu podia fazer e avisar depois, e tinha coisas que não precisava [...]
(FERREIRA, 2018)

24
Hamilton Pereira assumiu a presidência da Fundação Perseu Abramo em 15 de abril de 2003, onde
permaneceu até maio de 2007, quando assumiu o cargo de secretário de Articulação Institucional e Cidadania
Ambiental no Ministério do Meio Ambiente, na gestão de Marina Silva.
93

Sobre a composição inicial do MinC, Juca Ferreira (2018) comenta que houve uma
resistência ao nome de Gil por parte do grupo do PT e que foi preciso fazer concessões:

[...] a primeira coisa que eu fiz com a delegação dele [Gilberto Gil] foi não
aceitar o loteamento do Ministério, tivemos que fazer algumas concessões,
principalmente na Funarte, porque havia uma expectativa de setores do PT
de assumir o Ministério e quando houve a indicação de Gil eles reagiram
muito mal e criavam um problema para o governo, e nós aceitamos [...] o
resto foi escolhido por afinidade com o tema [...] nós escolhemos pessoas
que tinham uma compreensão democrática, avançada, contemporânea da
cultura e fomos construindo uma equipe baseada nisso. (FERREIRA, 2018)
Passado o momento inicial dessas acomodações em cargos diretivos, uma das
primeiras ações da gestão foi promover uma reforma administrativa para solucionar as
duplicidades de funções derivadas da antiga estrutura do MinC, para reduzir entraves
burocráticos e para dar condições mínimas para os gestores atuarem (GIL, 2003c). A
superposição estrutural estava relacionada especialmente às atividades finalísticas do
Ministério, a exemplo da existência da Secretaria do Patrimônio, Museu e Artes Plásticas e
do Iphan e da Secretaria de Música e Artes Cênicas e da Funarte. De acordo com Aloysio
Guapindaia (2016), a necessidade da reforma era um consenso entre os dirigentes do MinC:
“Isso todos concordavam. O Ministério da Cultura precisava se reestruturar, ter uma
estrutura capaz de realizar as políticas que se pretendia a partir do programa”. De acordo
com Paulo Miguez (2017), a primeira reforma administrativa do Ministério feita em 2003
tinha também um outro objetivo, o de “[...] organizar um pouco o personograma, tanto que
demorou... a reforma ficou pronta em maio, aproximadamente, e só foi aprovada em
agosto... José Dirceu só assinou em agosto.” (MIGUEZ, 2017).

Em síntese, o Decreto nº 4.805, de 12 de agosto de 200325, levou o órgão ao seguinte


desenho: (1) criação de cinco novas secretarias: Secretaria de Articulação Institucional e de
Difusão Cultural, que com a reforma de 2004 passou a ser Secretaria de Articulação
Institucional (SAI), Secretaria de Apoio à Preservação da Identidade Cultural, posteriormente
chamada de Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural (SID), Secretaria de Formulação
e Avaliação de Políticas Culturais, a partir de 2004 conhecida por Secretaria de Políticas
Culturais (SPC), e Secretaria de Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais, depois
denominada Secretaria de Programas e Projetos Culturais (SPPC); (2) fortalecimento e

25
Revogado pelo Decreto nº 5.036/2004, que foi seguido por normas dedicadas à estrutura regimental e ao
quadro de cargos em comissão do Ministério.
94

ampliação da: Secretaria Executiva, que passou a contar com novas diretorias; Secretaria de
Fomento, que passou dirigir o sistema de financiamento do Ministério; e Secretaria do
Audiovisual, que passou a contar com a Cinemateca Brasileira e o Centro Técnico
Audiovisual, antes instalados, respectivamente, no Iphan e na Funarte; (3) criação de novas
representações regionais do Ministério, ampliando o número de quatro para sete; (4)
transferência para a estrutura do MinC da Agência Nacional de Cinema (Ancine), autarquia
criada em 2001 e até então vinculada à Casa Civil; (5) reformulação de dois órgãos
colegiados: a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), cujas competências estavam
estabelecidas no marco legal da Lei Rouanet, e o Conselho Nacional de Política Cultural
(CNPC), que necessitava de um reformulação com revisão da suas competências e
composição, objeto de regulamento específico; (6) fortalecimento das unidades vinculadas,
com destaque para o Iphan que passou a contar com novas superintendências regionais e
escritórios técnicos. Em relação ao personograma, a reestruturação administrativa levou às
seguintes acomodações: Sergio Xavier assumiu a Diretoria de Fomento e Incentivo Cultural,
na reforma de 2004 convertida em Secretaria (Sefic); Roberto Pinho ficou com a Secretaria
de Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais (SPPC); Paulo Miguez assumiu a
Secretaria de Políticas Culturais (SPC); Sergio Mamberti passou a dirigir a Secretaria da
Identidade e da Diversidade Cultural (SID) e Márcio Meira, a Secretaria de Articulação
Institucional (SAI). Os demais dirigentes permaneceram nos cargos definidos no momento da
posse.

Para Isaura Botelho (2007), especialista em cultura e por muitos anos integrante da
Funarte, e que nessa gestão assumiu uma das gerências na SPC (ver perfil no Apêndice A), o
redesenho institucional do MinC refletiu a retomada conceitual feita a partir da gestão
Gilberto Gil – conceito amplo da cultura considerando suas mais diversas dimensões –, o que
por sua vez permitiu que as instituições vinculadas ao Ministério pudessem conduzir
novamente políticas específicas para as áreas, recuperando a sua presença nacional e o
papel que haviam deixado de exercer desde o final da década de 80. Sobre o impacto dessa
reforma nas unidades vinculadas, Ana de Hollanda, na época diretora do Centro de Música
da Funarte, explica:

[...] começou a reestruturação com o Gil e sua equipe organizando,


reorganizando, e discutindo tudo. Realmente, a Funarte ficou bem mais
forte. A gente criou, por exemplo, as Câmaras Setoriais, um trabalho
95

fantástico que começou com uma discussão na área da música. [...] O


objetivo era mediar conflitos envolvendo todos os atores de processo,
como, no caso da música, a formação, a criação, a profissionalização, a
produção, os direitos, a distribuição, a divulgação, enfim, todos os setores
da cadeia. (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA e BARBALHO, 2017, p. 327)
Para Márcio Meira (2004), a reforma estrutural do Ministério da Cultura era prioridade
na gestão, e deveria proporcionar “[...] um desenho institucional que fortalecesse as
instituições vinculadas ao ministério, mas criasse secretarias cujas atribuições transversais
pudessem reforçar o que passou a ser chamado ‘sistema MinC’.” (MEIRA, 2004, p. 64). Com
o Sistema MinC fortalecido, seria possível, segundo Meira, garantir uma maior presença do
Ministério nacionalmente e melhorar a sua capacidade de interlocução com estados,
municípios e sociedade em geral. Em sua opinião: “Essa reforma institucional [...] cria novas
bases para que o MinC invista em outra prioridade: a implantação do Sistema Nacional de
Cultura” (MEIRA, 2004, p. 64). A fala do então secretário Márcio Meira registrada no
segundo ano da gestão Gil dá o tom da expectativa que ele tinha sobre o SNC ser
desenvolvido como ação prioritária do Ministério.

Apesar da necessidade da reforma administrativa ter sido um consenso entre todos,


segundo alguns atores a sua tramitação não foi tranquila. Além da questão já citada por
Miguez (2017), Aloysio Guapindaia (2016) reforça que a reestruturação foi seguida de atritos
entre o grupo do PT e do PV.

Politicamente esse processamento não se dá de forma tranquila. O PV,


principalmente na figura do Juca Ferreira, se colocava contra na medida em
que ele não queria ver o PT crescer politicamente dentro do Ministério em
razão do conflito inicial que se deu porque não aceitamos naquele
momento inicial que fosse o Gilberto Gil o ministro. [...] Nós estávamos
esperando do Lula uma outra posição, mas depois que entramos e fizermos
acordos, é bom que se diga isso, entramos porque fizemos um acordo
político e estava superado do ponto de vista do PT a questão do Gil
ministro. A partir daquele momento sempre apoiamos o Gilberto Gil como
ministro, mas não foi a mesma visão que alguns setores do PV assumiram
dentro do Ministério. (GUAPINDAIA, 2016)
Além da tensão entre esses dois grupos, em 2004 alguns dirigentes próximos a
Gilberto Gil saíram do MinC após a exoneração do secretário Roberto Pinho (da SPPC), em
16 de fevereiro daquele ano, decorrente de problemas relativos à implementação do projeto
Bases de Apoio à Cultura, conforme nota de esclarecimento assinada por Gil (2004). Em
solidariedade à Pinho, pediram demissão: Antônio Risério (assessor especial de Gil), Maria
Elisa Costa (presidenta do Iphan) e Marcelo Ferraz (coordenador geral do Programa
96

Monumenta). Na carta de demissão encaminhada ao ministro em 17 de fevereiro, um dia


após a exoneração de Pinho, os três declararam:

Mais uma vez, infelizmente, o sonho acabou. No caso, o sonho ou a utopia


de realizar, em nosso país e para o nosso povo, uma intervenção cultural
realmente densa, rigorosa, democrática e criativa, através do Ministério da
Cultura. [...] Mas é que o cotidiano rasteiro da politicagem e da intriga faz
as suas cobranças. E pode investir para tentar destruir pessoas grandiosas.
Pessoas preciosas, como é, para nós, o companheiro Roberto Pinho O que
está sendo feito com ele nos deixa perplexos. [...] E o nosso gesto, neste
momento, é da mais genuína solidariedade. A deslealdade, a mesquinharia
na disputa pelo poder, a ignorância, o descaso por tudo aquilo que é social
e culturalmente mais importante e profundo, nos afastam agora deste
Ministério. [...] Estamos nos recusando a pactuar com o que estão
lamentavelmente fazendo nesta casa. Estamos nos despedindo de tudo
isso. Estamos anunciando a nossa saída. (RISÉRIO, COSTA e FERRAZ, 2004)26
Jornais de grande circulação da época divulgaram a notícia como sendo uma grave
crise no Ministério. O Jornal Folha de São Paulo publicou matéria, em 18 de fevereiro de
2004,27 intitulada Três se demitem da Cultura, e Gil questiona permanência apresentando
declarações de Gilberto Gil sobre a situação:

O ministro declarou ontem que nos últimos meses vinha administrando


uma crise de ‘diálogo, confiança e autoridade’ entre [Juca] Ferreira e
[Roberto] Pinho. E disse que precisará de tempo para recompor a equipe.
‘Enquanto Lula continuar confiando a mim essa tarefa, e eu estiver disposto
a encará-la – e posso dizer que estou, porque senão teria aproveitado esse
episódio para entregar o cargo –, continuarei no MinC e pedirei tempo para
recompor a equipe’.
Vale ressaltar que em substituição a Roberto Pinho, assumiu a SPPC Célio Turino, na
época filiado ao PCdoB. De acordo com Turino (2009, p. 80):

Minha ida ao Ministério da Cultura não foi resultado de negociação política


e o ministro Juca Ferreira, à época secretário executivo, chegou a mim por
indicação de um amigo, houve análise de currículo, tempo de espera e o
convite. Depois da decisão foi tudo muito rápido e minha nomeação saiu
antes mesmo que o ministro Gilberto Gil me conhecesse pessoalmente.
Em julho de 2005, o Ministério da Cultura passou por uma nova alteração no seu
quadro de dirigentes, com a saída do secretário de Políticas Culturais Paulo Miguez e as
gerentes Isaura Botelho e Ângela Andrade. De acordo com Paulo Miguez (2017), o convite
para ele trabalhar no Ministério foi feito por meio de Juca Ferreira e Antônio Risério: “Juca e

26
Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/leila-reis-25672/ e <
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR62803-6009,00.html>. Acesso em 27 de abril de 2018.
27
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1802200421.htm> Acesso em 27 de abril de
2018.
97

Risério me chamam por causa de economia da cultura, então eu chego no Ministério por
conta desse negócio da economia da cultura, foi basicamente por aí que eu fui...” (MIGUEZ,
2017); e a sua saída decorreu de problemas enfrentados com o próprio Juca Ferreira e o
então chefe de gabinete de Gilberto Gil, Sérgio Sá Leitão: “[...] eu fiquei dois anos e meio [no
MinC], e do meu lado também começaram a surgir várias dificuldades, tive vários embates
com o secretário executivo, com o Juca, e com o atual ministro [da cultura, Sérgio Sá Leitão]”
(MIGUEZ, 2017). Após a saída de Miguez, a SPC passou a ser dirigida por Sá Leitão, que ficou
nessa secretaria entre julho de 2005 e maio de 2006, quando saiu do MinC para assumir um
cargo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Em seu lugar assumiu
Alfredo Manevy, até então assessor de Juca Ferreira.

Tanto a saída de Antônio Risério, Maria Elisa Costa e Marcelo Ferraz, como a de Paulo
Miguez e equipe, revelam que as desavenças internas no Ministério da Cultura não estavam
apenas relacionadas ao grupo do PT, e que se estendeu para outros núcleos do MinC.

A composição do Ministério continuou sendo pauta de discussão durante muito


tempo. Em agosto de 2005, Gilberto Gil foi convidado para falar na Comissão de Educação e
Cultura da Câmara dos Deputados, presidida na época pelo deputado Paulo Delegado
(PT/MG), sobre dois temas: a Conferência Nacional de Cultura e a formação da equipe do
MinC. No seu pronunciamento, Gil (2005) comentou: “Os deputados querem saber quem
são as pessoas que dividem comigo a direção do MinC, que critérios usei para convocá-los, e
que mérito têm para cuidar das políticas públicas de cultura do governo federal” e, sobre
isto, o ministro explicou que na época da configuração dos quadros do Ministério, compôs
um núcleo inicial formado por pessoas próximas a ele, que “Tinham, e ainda têm, visões e
estilos, idades e capacidades, profissões e formações diversas” (GIL, 2005a), além disso,
afirmou que procurou se aproximar dos militantes do PT que haviam elaborado o programa
de campanha, “[...] um documento excelente chamado ‘A imaginação a serviço do Brasil’”
(GIL, 2005a), e que com o apoio do presidente Lula, que lhe deu liberdade para formar a
equipe, escolheu os nomes prezando “[...] a capacidade e a pluralidade. Montei um time
que, sob todos os aspectos, merece o adjetivo ‘heterogêneo’” (GIL, 2005a).

Há, entre os dirigentes atuais do MinC, pessoas de todas a regiões do país.


Há militantes ou simpatizantes de pelo menos quatro partidos, e também
os ecumênicos e os apartidários. Há artistas, há gestores, há intelectuais, há
98

servidores, há técnicos, e há ainda os que vieram da iniciativa privada. (GIL,


2005a)
Apesar dessa instabilidade interna, o Ministério da Cultura não ficou paralisado nesse
período. Em meados de 2003 foi iniciada a série dos seminários Cultura para Todos com o
objetivo de debater junto a gestores públicos e a sociedade civil a reformulação do
Programa Nacional de Apoio à Cultura, mais conhecido como Lei Rouanet. Em síntese, o
Cultura para Todos foi realizado em três etapas: a primeira foi promovida no âmbito interno
do MinC, com intuito de obter uma espécie de diagnóstico sobre os mecanismos de
financiamento do Pronac, e pensar em proposições para alterar a Lei Rouanet e instituir
novos procedimentos administrativos para sua execução (CALABRE, 2006). A segunda etapa
foi voltada para articulação com dirigentes públicos de cultura de estados e municípios e, de
acordo com Aloyio Guapindaia et al (2006, p. 29):

No segundo momento, estiveram reunidos 91 secretários municipais e


estaduais de Cultura de todas as regiões brasileiras, além de colaboradores
do MinC. Na pauta dos debates, além da Lei Rouanet, constava a reforma
tributária, questão central para os governos estaduais naquele momento.
Resultaram dessa fase subsídios para a criação de mecanismos de
integração das diversas leis dos entes governamentais, importante
contribuição para a consolidação de um sistema nacional articulado com
sistemas estaduais e municipais de fomento e incentivo à cultura.
A terceira e última etapa foi a realização de encontros em diversas cidades das cinco
regiões do país28. Em relação à dinâmica de funcionamento dos seminários, em resumo, os
participantes deveriam responder a duas questões, uma identificando quais eram os
principais entraves para acessar o financiamento público federal da área da cultura e outra
sobre quais mecanismos deveriam ser adotados para garantir a democratização, a
transparência e a descentralização do financiamento da cultura. De acordo com Paulo
Miguez (2017), que coordenou o evento:

[...] ao final dos primeiros seis meses de governo nós tínhamos um


diagnóstico que envolveu 16 seminários no Brasil inteiro, tínhamos um

28
Não foi possível identificar a quantidade exata de seminários realizados e do público participante. De acordo
com Aloysio Guapindaia et al, em publicação do MinC organizado por Lia Calabre (2006), foram realizados
seminários em nove cidades (Manaus, Belém, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo,
Bonito e Porto Alegre), reunindo cerca de 2 mil produtores, artistas e gestores culturais. No artigo de Fabiana
Guimarães e Raiany Silva – publicado no livro Financiamento e Fomento à Cultura no Brasil: estados e Distrito
Federal, organizado por Albino Rubim e Fernanda Vasconcelos (2017) –, consta que foram promovidos 20
encontros em 14 cidades de todas as regiões, que reuniram cerca de 10 mil pessoas. Segundo Daniele Canedo
(2011), os 20 encontros reuniram cerca de 30 mil pessoas, conforme artigo publicado em Cultura &
Desenvolvimento: perspectivas políticas e econômicas, organizado por Alexandre Barbalho et al (2011). Em
entrevista, Paulo Miguez (2017) cita a realização de 16 encontros.
99

mapa, eu tenho esse mapa fantástico, todos os problemas ali localizados e


o que precisava fazer pra resolver ‘isso faz com portaria, isso aqui é a lei,
isso aqui é o decreto, isso aqui faz assim, isso aqui é uma norma de
procedimento’, estava tudo mapeado e até hoje tá parado. (MIGUEZ, 2017)
O Cultura para Todos tem um significado duplamente importante: (1) é o primeiro ato
da gestão que discute nacionalmente o financiamento público da política cultural brasileira
na perspectiva de implementar mudanças no sistema vigente, focado no mecanismo do
mecenato da Lei Rouanet; e (2) é o marco do início de um ciclo de diálogo entre o Ministério
e um conjunto de atores – artistas, gestores públicos, conselheiros de cultura,
pesquisadores, produtores culturais, membros do Poder Legislativo etc.–, que vai se
estabelecer como uma prática a partir de então sob as mais diversas formas, a exemplo da
realização de conferências nacionais de cultura (2005, 2010 e 2013); da reconfiguração do
Conselho Nacional de Política Cultural; da instalação da Ouvidoria; realização de consultas
públicas por meio virtual; produção de fóruns e seminários diversos (MINC, 2007a; CALABRE,
2013).

Outros programas, projetos e ações foram realizados ao longo dos primeiros anos da
gestão, a exemplo da instituição do Programa Cultura Viva/Projeto Ponto de Cultura; da
assinatura do acordo de cooperação técnica com o IBGE para construção de indicadores
relacionados ao setor cultural; da criação do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão
do Documentário Brasileiro (DOCTV) e do Projeto Revelando Brasis; da realização de um
concurso público para selecionar servidores para o Ministério; da criação do Sistema
Brasileiro de Museus; da participação contundente do Brasil na Convenção sobre a Proteção
e a Promoção da Diversidade de Expressões Culturais da Unesco etc. Um conjunto de
iniciativas que levaram a um processo de construção de políticas públicas que colocaram a
cultura em outro patamar no país, numa inédita perspectiva de inaugurar e promover a
cidadania cultural e de superar as tristes tradições das políticas culturais brasileiras: ausência
do Estado, autoritarismo e instabilidade (RUBIM, 2011).

De acordo com Juca Ferreira (2018), até o governo Lula, o Ministério vivia experiências
isoladas por parte de alguns órgãos que existiam previamente à sua própria criação, como o
Iphan, a Funarte e a Biblioteca Nacional, e a partir de 2003, considerando as experiências
desses órgãos, foi preciso iniciar a construção de uma política de Estado para o Brasil:

[...] quando nós chegamos ao Ministério, eu cunhei que o Ministério era


uma ficção administrativa, foi um dos primeiros atos do governo federal na
100

redemocratização, parecia que nós íamos ter um conceito de democracia


complexa, contemporânea, onde a cultura entrava como componente
essencial, mas na verdade de lá de 80 até nós chegarmos em 2003, o
Ministério não tinha feito grandes coisas, não se relacionava com os
grandes processos culturais, não tinha uma visão da sua missão, quem era
sua clientela, qual era o universo da cultura que cabia ao Estado participar,
não tinha nada definido [...] então, quando nós chegamos, era assustador a
falta de um lastro, uma experiência que pudesse nos servir de base. Nós
tivemos que iniciar praticamente do zero e, com isso, tínhamos que criar as
políticas culturais. (FERREIRA, 2018)
Segundo Juca Ferreira (2018), três níveis de prioridades guiaram a primeira gestão: 1º)
construção de políticas públicas por meio de processos participativos e incorporação de
formulações já existentes no país, ainda que dispersas; 2º) estruturação do Minc para
realizar as suas novas missões; 3º) modernização funcional coerente com a ideia de
democratização da cultura. Sobre a questão das políticas setoriais, Ferreira (2018) afirma
que não existia preferência, a exemplo de priorizar o teatro em relação à dança ou à cultura
popular, e a proposta do Ministério era incorporar as mais diversas expressões da cultura,
como a arquitetura, o design, o artesanato e a moda. De acordo com Albino Rubim (2011), a
abertura conceitual e prática que o MinC passou a ter a partir de 2003 significou uma
mudança na visão elitista e discriminadora de cultura, representando um contraponto ao
autoritarismo estrutural presente na história brasileira. Para o autor:

Este deslocamento de foco e de olhar está expresso de modo emblemático


na reiterada afirmação de Gil e de Juca que o público prioritário da atuação
do ministério é a sociedade brasileira e não apenas os criadores culturais.
Com isto, fica demarcada a nova relação política que se quer instituir no
campo cultural brasileiro. (RUBIM, 2011, p. 69)
Tal amplitude, ressalta Rubim (2011), acarretou por outro lado em mais desafios para
o Ministério, que não foi capaz de desenvolver, por exemplo, uma política dirigida para as
artes.

3.2 A CRIAÇÃO E COMPOSIÇÃO DA SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL

De acordo com Márcio Meira (2004), a equipe que assumiu o Ministério sob a
coordenação de Gilberto Gil tinha consciência dos enormes desafios que tinha pela frente e
que a fragilidade institucional vivida pelo Ministério, advinda dos governos anteriores, só
poderia ser enfrentada com a construção de uma política pública de cultura que passava
pela “[...] implantação de um Plano Nacional de Cultura [...], a promoção de mudanças no
101

sistema de financiamento e implantação de um Sistema Nacional de Cultura, de caráter


republicano, envolvendo a sociedade civil e os entes federados” (MEIRA, 2004, p. 64).
Portanto, em sua opinião, a implantação do SNC, do PNC e a reforma do sistema de
financiamento eram pilares para a construção da política cultural no país.

A articulação para o desenvolvimento do SNC foi iniciada já no primeiro ano da gestão


Gil. Em 19 de agosto de 2003 foi realizada reunião do Fórum dos Dirigentes Estaduais de
Cultura, em Foz do Iguaçu, e em 27 de outubro do mesmo ano, o Encontro de Secretários de
Cultura de Capitais, em São Paulo, que contaram com a participação do ministro Gilberto Gil.
No discurso proferido neste último evento, Gil (2003) afirmou que: (1) sua participação no
encontro tinha o “[...] claro propósito de estabelecer entre o Ministério da Cultura e órgãos
correlatos das metrópoles brasileiras um diálogo franco e permanente que nos permita
situar a cultura no coração da agenda da sociedade e dos governos deste país” (GIL, 2003d,
p. 270); (2) que a relação entre o Ministério e os estados e municípios deveriam construir
“redes para viabilizar horizontalmente as políticas articuladas. Porque é justamente nas
comunidades e localidades que as relações e expressões culturais se efetivam” (GIL, 2003d,
p. 271); (3) que dentre os três desafios centrais da gestão – retomada do papel
constitucional de órgão formulador, executor e articulador da política cultural; reforma
administrativa e capacitação institucional para operar a política; e obtenção de recursos para
implementar a política –; o Sistema Nacional de Cultura se inscrevia como uma meta para
atingir o desafio de articular a política cultural junto a estados e municípios; e (4) que
concebia o Sistema como um dos marcos da sua gestão

Quero que esta gestão entre para a história como a gestão que construiu o
Sistema Nacional de Cultura, que deu ao Ministério da Cultura referenciais
e ferramentas para atuar no campo da economia da cultura, que
estabeleceu, em tempos democráticos [...], um conjunto de políticas
públicas de cultura, e que realizou o mais abrangente programa de inclusão
cultural deste país, em parceria com os estados e municípios [...] (GIL,
2003d, p.271)
Este mesmo trecho é usado no discurso de Gil (2003) na Conferência Nacional de
Cultura do Partido dos Trabalhadores29, realizada em São Paulo em novembro de 2003.
Nesse encontro, além de destacar algumas políticas de sua gestão, como o SNC, Gilberto Gil
ressaltou a importância do processo de construção do A imaginação a serviço do Brasil, “[...]

29
A primeira conferência de cultura do Partido foi precedida de 23 encontros estaduais e levou à criação da
Secretaria Nacional de Cultura do PT e da formação do chamado setorial de cultura do PT. (RUBIM, 2016).
102

que atualmente orienta as ações do Ministério da Cultura” (GIL, 2003e, p. 279). Observa-se,
assim, que publicamente o ministro Gil assumiu o Sistema Nacional de Cultura como uma
das prioridades de sua gestão, e colocou o programa de cultura desenvolvido pelo PT como
orientador das ações do MinC.

Na estrutura do Ministério, coube à Secretaria de Articulação Institucional (SAI)


coordenar as ações em torno do SNC. De acordo com Aloysio Guapindaia (2016), a criação
da SAI foi uma demanda que partiu dos integrantes do Partido dos Trabalhadores para que
nesse órgão fosse gerido o SNC:

[...] criamos então a Secretaria de Articulação Institucional [...] responsável


por encaminhar a implantação do SNC. [...] o PT defendeu a criação dessa
Secretaria para que pudesse ser o local institucional de articulação, de
diálogo, de pactuação com os estados, municípios e sociedade para a
implantação do SNC. (GUAPINDAIA, 2016)
Ao longo da primeira gestão Gil, quatro decretos foram publicados tratando da
estrutura administrativa do MinC e, em todos eles, dentre as competências da SAI estava
previsto a de “promover a articulação intersetorial, no âmbito do Sistema Nacional de
Cultura, necessária à execução e integração dos programas e projetos culturais do Governo
Federal, bem assim com os demais níveis de governo” e a de “coordenar a implementação
dos fóruns de política cultural, responsáveis pela articulação entre o Ministério e a
comunidade cultural”, dentre outras. Duas competências previstas nos decretos de 2003 e
2004 foram revogadas a partir do Decreto nº 5.711/2006: “coordenar e supervisionar os
assuntos internacionais, bilaterais e multilaterais, no campo da cultura” e “auxiliar o
Ministro de Estado na supervisão e orientação às Representações Regionais”. Em termos de
quantidade de cargos comissionados alocados na SAI, não houve muitas alterações ao longo
da gestão, sendo composta por um secretário, dois assistentes técnicos, um coordenador,
quatro gerentes, três subgerentes e um chefe, uma equipe pequena considerando a
envergadura inerente a um sistema de cultura pretensamente nacional. A equipe principal
da SAI era formada pelo secretário Márcio Meira e por quatro gerentes: Aloysio Guapindaia,
Gustavo Gazzinelli, Roberto Lima e Silvana Meireles, que assumiram os respectivos cargos
em épocas distintas. Exceto por Silvana Meireles, todos os dirigentes da SAI eram então
membros do PT, o que permite deduzir que a SAI e o Sistema Nacional de Cultura tinham
uma clara e direta conexão com esse partido, o que vai gerar consequências para o
desenvolvimento da política. De acordo com Paulo Miguez (2017), o núcleo duro do PT
103

dentro do Ministério estava representado nas figuras de Márcio Meira, Aloysio Guapindaia e
José do Nascimento Júnior, “[...] e desde o primeiro momento havia um embate muito forte
por varias razões, entre a Secretaria Executiva, o Juca, e o pessoal do PT”. (MIGUEZ, 2017)

[...] uma das coisas que terminou compondo fortemente esse embate
foram ações tocadas diretamente por Márcio [Meira], especialmente, o
Sistema Nacional de Cultural e a Conferência Nacional de Cultura, e aí havia
uma resistência da Secretaria Executiva muito forte, Márcio teve muita
dificuldade... (MIGUEZ, 2017)
Márcio Meira, pesquisador de carreira do Museu Paraense Emílio Goeldi, foi diretor do
Arquivo Público do Estado do Pará e presidente da Fundação Cultural do Município de Belém
(1999-2002). Membro do PT, foi um dos coordenadores do A Imaginação a serviço do Brasil
e um dos nomes cotados para assumir o Ministério da Cultura. Aloysio Guapindaia, filiado ao
PT desde 1981, trabalhou junto com Márcio Meira na Fundação Cultural do Município de
Belém (1999-2002) e foi um dos colaboradores do documento de campanha de Lula. Na SAI,
era responsável por coordenar a articulação do MinC com os entes federados e a sociedade
civil, especialmente por meio da assinatura dos Protocolos de Intenções, e na ausência de
Márcio Meira, assumia a função de secretário interino. Gustavo Gazzineli trabalhou na
Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte, quando dirigida por Arnaldo Godoy
(PT/MG). De acordo com Gazzinelli (2016), que na época era filiado ao PT (já não é mais),
Márcio Meira tinha interesse em levar alguém de Minas Gerais para compor a equipe, e
dada a impossibilidade da ida de Bernardo Mata Machado naquele momento, foi sugerido o
seu nome. Na SAI, Gazzinelli assumiu a Gerência de Planejamento e Informação e trabalhou
especialmente nos estudos técnicos dirigidos ao desenho do SNC e na preparação do
decreto que criou o Sistema Federal de Cultura. Roberto Lima, membro do PT, trabalhou
como gerente de cultura na prefeitura de Ribeirão Pires/SP no final dos anos 90 e início dos
anos 2000, onde coordenou o processo de planejamento participativo da Agenda 21 da
Cultura. Em 2004 foi o coordenador geral da I Conferência Municipal de Cultura de São Paulo
e no ano seguinte entrou na SAI como gerente de Participação Social, onde trabalhou
especialmente na I Conferência Nacional de Cultura (CNC). Silvana Meireles, funcionária
pública da Fundação Joaquim Nabuco (instituição vinculada ao MEC), em 2003 foi convidada
para trabalhar na Representação Regional do Nordeste do MinC, em Recife, para participar
do desenho da Representação e da discussão sobre o papel que esta deveria ter no âmbito
da nova gestão. Tal trabalho a conduziu a integrar o processo de planejamento do próprio
104

MinC e a assumir em 2005 a gerência de relações institucionais na SAI, onde inicialmente


seria responsável por fazer a articulação do MinC com as Representações Regionais, mas ao
final foi designada para trabalhar no âmbito do Sistema Federal de Cultura.

[...] em 2005 recebi um convite do Márcio Meira [...] para fazer a


articulação do Ministério com as Representações Regionais no Brasil. [...]
mas entre o convite e a minha chegada lá em Brasília, algumas questões de
ordem interna, política, aconteceram ou se acirraram ou se agravaram [...].
O fato é que quando eu finalmente chego, que eles conseguem me nomear,
a encomenda não era mais essa, era outra, e o meu trabalho a partir
daquele momento era de uma certa forma tentar colocar em prática a
transversalidade da cultura que estava sendo feita ali [...] e trabalhar para
uma transversalidade numa articulação federal, não federativa. Então, era
colocar a cultura na pauta dos demais ministérios ou articular essas
algumas ações ou mesmo programas de cultura que existiam nos outros
ministérios [...] (MEIRELES apud BARBALHO, 2014)
A mudança de função de Silvana Meireles na SAI e a publicação do Decreto nº
5.711/2006 que retirou da SAI a competência de auxiliar o ministro na supervisão e
orientação às Representações Regionais, são indícios de que esse era um objeto de disputa
entre essa Secretaria e outros setores do Ministério, o que foi confirmado por Aloysio
Guapindaia (2018)30, que explicou haver divergência entre a SAI e a Secretaria Executiva
quanto ao papel das Representações.

[...] eu lembro é que havia uma diferença de concepção entre nós da


SAI (grupo cultural do PT) e a concepção do Juca Ferreira e outros
associados a ele. O PT cultural considerava que as Representações não
podiam ser meramente representantes do ministro em cada região.
Deveriam, também, atuar politicamente, realizando todas as ações de
política cultural do Governo Federal, principalmente no que diz respeito a
implantação do SNC. (GUAPINDAIA, 2018)
De acordo com Guapindaia (2018.), a reforma administrativa de 2004 expressou a
prevalência da concepção defendida pela SAI, e por isso as Representações Regionais
apareceram entre as competências da Secretaria, que “[...], então, assume papel político
importante no diálogo com as Representações e através dela com os governos estaduais e
municipais” (GUAPINDAIA, 2018). Entretanto, dado à dificuldade de solucionar problemas de
gestão relacionados a essas unidades descentralizadas do Ministério, a SAI não conseguiu
mantê-las dentre o seu rol de competência, conforme ficou registrado na reforma
administrativa de 2006.

30
Informação enviada por e-mail em 4 de maio de 2018.
105

No entanto, restou o problema da gestão administrativa de cada


Representação a cargo do Gabinete do Ministro e da Secretaria Executiva.
As Representações Regionais sempre tiveram problemas financeiros e de
recursos humanos. Nós da SAI, naqueles anos, não tivemos sucesso no
diálogo interno para mudar a realidade administrativa das unidades
regionais. Com a nova reforma administrativa (2006), a Secretaria Executiva
tomou para si a responsabilidade da gestão política e administrativa.
(GUAPINDAIA, 2018)
Quanto à Silvana Meireles, vale registrar que a sua nova função na SAI exigia o trânsito
por vários órgãos do Ministério da Cultura e outros externos a ele, o que lhe permitiu
estabelecer vínculos com alguns dirigentes do MinC que não se relacionavam bem com os da
SAI. De acordo com Meireles (apud BARBALHO, 2014), no exercício do seu cargo foi possível
estabelecer, por exemplo, uma grande aproximação com a Secretaria Executiva “[...] que era
o ponto de atrito, nem era mais tensão, era atrito que existia com a Executiva e o Gabinete
do ministro, mas muito claramente identificada como um atrito entre a Secretaria Executiva
e a SAI” (MEIRELES apud BARBALHO, 2014). Essa articulação que Silvana Meireles passou a
ter no âmbito do Ministério para desempenhar as atividades relacionas ao Sistema Federal
de Cultura ajudam a compreender a sua trajetória dentro do MinC, que passou pela gerência
da SAI, pela chefia de gabinete da Secretaria Executiva (2007) e pela direção da Secretaria de
Articulação Institucional (2008-2010).

Voltando à organização interna da SAI, apesar das quatro gerências terem definições
específicas – ações dirigidas aos entes federados; ao fomento da participação social; a
estudos técnicos para o desenho do Sistema; e às relações institucionais intra-governo –, os
depoimentos dos seus dirigentes expressam os seus envolvimentos em praticamente todas
as atividades organizadas pela Secretaria. De acordo com a pesquisadora da Fundação Casa
de Rui Barbosa, Lia Calabre31 (2017), que esteve próxima à equipe por conta da sua
participação na I Conferência Nacional de Cultura, a SAI tinha uma prática coletiva de
trabalho “[...] bastante interessante, a estrutura interna era pouca hierárquica. Márcio
Meira, que era secretário, estava muito próximo dos diretores [gerentes] e as discussões
eram bastante horizontalizadas” (CALABRE, 2017). Segundo o único servidor público que
trabalhava na SAI nesta época, Sérgio Pinto (2018), a SAI era um órgão muito pequeno,
“então todo mundo fazia um pouco de tudo [...] eu trabalhava com Silvana Meireles [...], só
que a gente sempre dava apoio para os outros setores.” Em síntese, essa foi a equipe do
31
Calabre, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, integrou a comissão executiva que organizou a I
Conferência Nacional de Cultura e foi responsável pela organização de documentos publicados nessa gestão.
106

Ministério que participou e promoveu as primeiras atividades relativas à construção do


Sistema Nacional de Cultura.

3.3. O SNC E AS ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO

As estratégias de implantação do SNC podem ser compreendidas a partir do


desenvolvimento de três dimensões: (1) conceitual; (2) institucional e operacional e (3)
normativa. A primeira está relacionada às referências conceituais, aos princípios e diretrizes
que influenciaram a formulação da política. Parte dela já foi descrita na apresentação do A
Imaginação a serviço do Brasil, portanto aqui será analisado o seu desdobramento e novas
referências. A segunda dimensão trata dos instrumentos de gestão, das instâncias de
formulação, execução e participação, além de ações implantadas no bojo do SNC, a exemplo
de criação de Grupos de Trabalho, de produção de documentos como o Protocolo de
Intenções e realização de encontros como a I Conferência Nacional de Cultura. Essa
dimensão se dedica também aos momentos de interlocução da SAI com atores externos ao
Ministério. A terceira e última dimensão, normativa, é dirigida aos instrumentos jurídicos
criados, implantados ou até sugeridos como fundamentais para a política em análise, como
projetos de lei ou emendas constitucionais. Obviamente que essa separação não se
observou na realidade, já que uma dimensão está profundamente relacionada e dependente
da outra.

3.3.1 Dimensão conceitual

De acordo com o texto publicado por Márcio Meira (2016a) sobre a trajetória que
envolveu a elaboração do SNC, o seu início é marcado pela criação, em março de 2004, de
um Grupo de Trabalho32 composto por representantes da SAI, da Secretaria Executiva, da
Secretaria de Identidade e Diversidade, da Secretaria de Políticas Culturais e do Gabinete do
ministro com objetivo de discutir e apresentar subsídios para a consolidação do SNC. Vale
registrar que, apesar de não ter sido citado por Márcio Meira como instituição participante,
o IPEA, por meio do pesquisador Frederico Barbosa da Silva, integrou o GT e as suas
reflexões foram publicadas no texto Notas sobre o Sistema Nacional de Cultura (2005).

32
Portaria MinC nº 53, de 31 de março de 2004.
107

Em síntese, esse GT teve um prazo de 40 dias para apresentar uma minuta de modelo
do SNC a ser discutido com outros dirigentes do MinC e com o Núcleo Estratégico. O quadro
a seguir sintetiza texto aprovado internamente no Ministério.

Quadro 03: Resultado do GT do SNC de 2004


“sistema de articulação, gestão, informação e promoção de políticas
Conceito do SNC públicas de cultura, pactuado entre os entes federados e a sociedade
civil, com participação e controle social” (MEIRA, 2016a, p. 140)
“implementar uma política pública de cultura democrática e
permanente, pactuada entre os entes da federação e sociedade civil,
Objetivo geral do SNC de modo a efetivar o Plano Nacional de Cultura, promovendo o
desenvolvimento com pleno exercício dos direitos culturais e acesso
às fontes da cultura nacional” (MEIRA, 2016a, p. 140)
Ministério da Cultura, com suas entidades vinculadas (sistema MinC);
sistemas setoriais (museus, bibliotecas, arquivos, etc.); sistemas de
Componentes do SNC cultura estaduais, municipais e do Distrito Federal ; e representantes
da sociedade civil vinculados à cultura, incluído o setor empresarial
do setor privado.
Fonte: Elaboração própria a partir do texto de Márcio Meira (2016a)

Segundo Márcio Meira, o trabalho em torno do SNC partiu de pressupostos


constitucionais:

Qual é a idéia, o princípio central, que estava por todo aquele trabalho que
nós fizemos: é o princípio constitucional. A Constituição brasileira diz muito
claramente que a cultura ou o patrimônio cultural é direito fundamental de
todo cidadão brasileiro, diz também que a promoção da cultura, a proteção
do patrimônio cultural, isso está tudo no artigo 215, 216 e outros artigos da
Constituição, é uma competência comum dos três entes federais: estado,
municípios e governo federal e DF. Então foi partindo desse pressuposto
constitucional que nós começamos a fazer o nosso trabalho, ou seja, ou o
Brasil tem um Sistema Nacional de Cultura que envolve município, estado,
DF, a União federal e a sociedade civil e também o setor privado, as
empresas etc., ou a gente vai ter que ficar naquela situação em que cada
um faz o que quer, não tem uma política articulada, com foco, com
prioridades [...] (MEIRA apud REIS, 2008, p.123).
De acordo com Gustavo Gazzinelli (2016), o desenho do SNC surgiu a partir de
pesquisas feitas sobre outros sistemas nacionais, como o SUS e o SUAS. Foi analisado, por
exemplo, como os conselhos e as conferências previstas nesses sistemas eram estruturados
e como funcionavam. A partir daí foi feito uma reflexão considerando as singularidades da
área cultural.

Qual deveria ser a natureza de um conselho? Deveria ser deliberativo,


deveria ser consultivo, em que deveria ser deliberativo ou consultivo?
108

Também no entendimento de que a área cultural é composta por


segmentos com naturezas de ações muitos diferentes. Você tem o
patrimônio cultural, a leitura, a biblioteca nacional, as artes, áreas do
espetáculo, audiovisual, cada uma com história própria, com instituição
própria, então a gente tentou imaginar uma engenharia e uma arquitetura
que pudesse congregar esses diferentes setores, pensando como poderia
ser isso do ponto de vista de estados e municípios, dependendo também do
porte dos municípios... o que seria uma estrutura básica para você ter uma
gestão cultural e que pudesse paulatinamente profissionalizar a gestão?
(GAZZINELLI, 2016)
Segundo Gazzinelli (2016) a intenção era criar um ponto de partida, “um mínimo para
que você possa falar que esse município está assumindo o compromisso junto com a gestão
cultural”, e a discussão era em torno do que seria esse mínimo, a exemplo de um
departamento ou setor exclusivo para tratar da cultura, um conselho, um plano, um fundo, e
de pensar sobre as responsabilidades de cada ente federado, “o que é responsabilidade do
governo federal, do governo estadual e do município?” (GAZZINELLI, 2016).

A partir do debate sobre o que seria o mínimo para uma gestão cultural, foi pensada a
estrutura preliminar para o Sistema com: fundo, conselho, plano, órgão gestor e
conferência. “Enfim, a coisa foi se estruturando, não foi uma ideia pré-concebida, era uma
ideia de que a gente pudesse criar algo como o SUS, que você pudesse estruturar isso no
plano nacional...” (GAZZINELLI, 2016). Aloysio Guapindaia (2016) confirma a influência do
SUS, inclusive quanto às comissões de negociação previstas no SNC (CIT e CIBs). De acordo
com Guapindaia, a Emenda Constitucional do SNC aprovada em 2012 reflete os
componentes que foram pensados nesse momento inicial.

Esses elementos do Sistema nós estruturamos já naquela época. É claro que


ele foi sendo aperfeiçoado até a aprovação da Emenda em 2012 [...] e nós
buscamos inspiração no SUS. Se você for ver ali, tem muita coisa que se
assemelha ao SUS, as comissões e tal, então o nosso referencial era um
sistema implantado em nosso país para a gestão da saúda publica que nós
considerávamos e consideramos até hoje um sistema de sucesso de política
pública, ele é um referencial, e ele foi um referencial também para o SUAS.
(GUAPINDAIA, 2016)
Para Isaura Botelho (2016), representante da SPC nas reuniões do Sistema, a questão
do federalismo e do reforço do pacto federativo não era o foco da política, e em sua opinião,
a utilização do SUS como referência para a construção do SNC era um equívoco:

[...] aquela coisa de modelar pelo SUS... eu disse: ‘Gente, SUS tem recurso
amarrado. Vocês não podem submeter os municípios, amarrar as criaturas
no tal do CPF [Conselho, Plano, Fundo], se vocês não vão pôr um tostão!’.
109

Mas achavam que iam botar... e eu dizia, ‘vocês sabem que não vão’
(BOTELHO, 2016).
Segundo Isaura Botelho (2016), ela chegou a sugerir em reunião que parte do Fundo
Nacional de Cultura fosse dividido entre os estados seguindo modelo norte-americano, onde
para cada dólar colocado pelo governo central, o estado coloca mais um “[...] desde que eles
tenham, aí sim, um CPF, um Fundo, um Conselho de Artes... E, por sua vez, o estado faz a
mesma coisa com os municípios [...]” (BOTELHO, 2016). Em sua opinião, se o Sistema fosse
pensando dessa maneira, seria possível montar um bom esquema de supervisão no
Ministério, mas essa proposta não teve prosseguimento.

Eu cheguei a sugerir a Juca que ele escolhesse uma parte do Fundo, já que
estavam trabalhando com isso, e dividisse pelos estados, desde que esses
criassem um Fundo, complementasse... que é o sistema norte americano.
Mas ele não aceitou... Primeiro, porque quem estava estabelecendo o
Sistema era o inimigo dele, então ele não ia colocar azeitona na empada do
cara. E segundo, porque ele precisava daquele dinheiro para fazer a política
dele. (BOTELHO, 2016)
Outro ponto de divergência em torno do SNC era sobre como ele deveria ser
desenvolvido. De acordo com Silvana Meireles (2017), esse debate estava polarizado no
Ministério: para uns, o modelo a ser seguido era o proposto no documento de campanha do
PT, para outros, esse modelo poderia engessar a política cultural e era preciso defender uma
estratégia onde o Estado não fosse ator exclusivo.

O SNC, como proposto pelo programa do então candidato Lula, o


Imaginação a serviço do Brasil, e desenvolvido pela SAI, gerou debates
internos e algumas divergências sobre o modelo proposto. Não foi
unanimidade. O debate também foi contaminado por uma disputa política
interna. Uma parte do grupo gestor (em sua maioria com vínculos ou muito
próximos do Partido dos Trabalhadores-PT) acreditava e defendia o Sistema
como idealizado. Nesse sentido, a Secretaria da Identidade e da Diversidade
era uma das mais próximas do projeto. Outros gestores, incluindo alguns
dirigentes, temiam um engessamento da política cultural pelo Sistema, caso
implantado nos moldes inicialmente propostos, e preferiam defender uma
‘estratégia cultural’. Propunham um modelo de planejamento que ‘tem
reconhecimento de uma articulação social onde o Estado teria um papel
importante, mas não exclusivista’. Eles acreditavam num processo iniciado
pela definição do papel do Estado e das responsabilidades dos entes
federados. (MEIRELES, 2017)
Em entrevista, Juca Ferreira (2018) comenta sobre a sua discordância do modelo
desenvolvido para o SNC:

[...] eu tinha uma outra visão, e eu fui voto vencido...na verdade, quem
liderou esse processo foi um quadro que tinha muita proximidade com o
110

setorial de cultura do PT e ele enrijeceu bastante, não só nesse aspecto que


você está falando [da reprodução dos elementos do SNC nos três entes
federados conforme Art. 216-A da Constituição Federal de 1988], que eu
concordo com sua observação, mas ele hiper exagerou a importância dessa
dimensão do Sistema Nacional. (FERREIRA, 2018)
Em documentos publicados pela SAI é possível encontrar referências dessa discussão,
a exemplo do texto assinado por Roberto Lima na publicação Oficinas do Sistema Nacional
de Cultura, que diz: “Nunca pensamos no SNC como uma estrutura estática e burocratizada,
mas como um conjunto de articulações dinâmicas, pactuadas pelo conjunto da sociedade
[...]” (LIMA, 2006a, p. 127). Em entrevista concedida à pesquisadora Ana Aragão, Márcio
Meira também comenta a resistência que havia, de maneira geral, quanto à estrutura do
SNC:

[...] na época tinha uma dicotomia, a gente falava assim, nós temos que ter
um Conselho Nacional de Política Cultura, nós temos que ter uma
conferência, nos temos que ter um sistema, aí todo mundo dizia assim que
nós estávamos criando uma estrutura stalinista, dirigista para a cultura e aí
a cultura é algo que não pode ser dirigida pelo estado, porque a cultura tem
que ser livre, a sociedade tem que ter liberdade para criar e tudo mais.
(MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p. 136)
Para Meira era importante situar nesse debate que a política cultural envolve
“procedimentos e medidas que os estados devem fazer para que a cultura [...] possa ter um
ambiente que ela possa florescer” (apud ARAGÃO, 2013, p. 136), daí a questão dos
elementos do Sistema, o que não deveria ser confundido com a cultura em si. É Interessante
observar que esse mesmo debate foi retomado por Bernardo Mata Machado em 2015, no
Seminário Internacional do SNC, ou seja, durante mais de dez anos isso acompanhou o
desenvolvimento do Sistema. Isso pode ser consequência de uma das críticas apontadas por
Albino Rubim (2011) sobre a ausência de um debate profundo nas gestões Gil/Juca quanto
ao lugar que o Estado contemporâneo deve ter na área da cultura. Segundo Rubim (2011),
houve poucas tentativas do MinC nesse sentido, e para superar a visão neoliberal da atuação
do Estado na cultura, seria preciso um debate crítico e a formulação de uma nova
perspectiva de atuação do poder público no campo cultural, condizente com a sua
complexidade.

Na avaliação de Roberto Lima (2016b), havia um consenso no MinC de que o campo da


cultura necessitava avançar no seu aspecto institucional, o problema era que não se tinha
111

claro de que modo isso deveria ocorrer, e a discussão em torno do Sistema sintetizava um
pouco esse debate.

Para alguns o SNC poderia vir a se tornar algo que engessasse as relações e
prejudicasse a dinâmica necessariamente livre e volátil que se desdobra da
própria natureza da atividade cultural. Para nós da SAI tratava-se de
encontrar uma estrutura que não comprometesse essa liberdade de ação e
autodeterminação, mas que também eliminasse fragilidades como a falta
de recursos financeiros e técnicos, o insulamento dos órgãos gestores, as
áreas de sombreamentos e lacunas nas ações dos entes governamentais, o
isolamento das políticas que não dialogavam federativamente nem com a
sociedade, entre outros aspectos. (LIMA, 2016b)
Para João Roberto Peixe (2017) – na época secretário de Cultura do Recife (2001 a
2008) e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura das Capitais:
“[...] Juca, tinha uma certa crítica e tinha certa dificuldade...quer dizer, era uma crítica que
ele fazia sobre a estruturação do Sistema, a concepção mais estrutural, mais orgânica do
Sistema” (PEIXE, 2017). Em sua opinião, parte dessa dificuldade de compreensão por parte
de Juca Ferreira era decorrente de um problema de construção do próprio SNC, que não
tinha no início uma visão sistêmica:

[...] você tinha os componentes do Sistema, vamos dizer assim, de certa


forma como componentes não sistêmicos, eles existiam, mas tinham uma
certa autonomia, não tinha uma inter-relação, uma integração, não se
constituíam de fato como um Sistema. (PEIXE, 2017)
Para o servidor público Sérgio Pinto (2018), a proposta do Sistema era de alguma
maneira aceita por Juca Ferreira e Gilberto Gil, o problema era mesmo a disputa política.

[...] existia uma relação muito conflituosa, acho que nem com a proposta do
Sistema em si, a proposta do Sistema em si era bem aceita pelo ministro Gil,
pelo secretário executivo Juca Ferreira, eu acho que existia uma relação
conflituosa entre o PT e o grupo do Juca, e essa relação conflituosa
respingava em algumas coisas, mas, assim, o desenvolvimento da proposta
sempre avançava. (PINTO, 2018)
As discussões em torno dos conceitos e estratégias de implantação do Sistema não
ficaram restritas ao Ministério da Cultura e envolveram atores externos. Após aprovação do
documento gerado pelo GT do SNC, foram feitas reuniões entre a SAI e integrantes da
Subchefia de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da
República (SAFPR), responsável por articular as políticas federais com os entes subnacionais.
Uma das sugestões da SAFPR foi a criação do Sistema Federal de Cultura para esclarecer as
responsabilidade do âmbito federal e evitar ferir a autonomia dos outros níveis de governo,
112

o que foi acatado pelo MinC. Para Gustavo Gazzinelli (2016), a SAFPR foi um canal
importante para a SAI porque lhe facilitou o acesso à Presidência da República e à agenda do
governo federal, possibilitando a participação do MinC em muitos encontros de
organizações como a Confederação Nacional de Municípios (CNM), a Associação Brasileira
de Municípios (ABM) e a Frente Nacional dos Municípios (FNM). “Então, a gente participou
de muitos desses encontros que eram feitos em diferentes regiões do país e aí fomos
vendendo essa ideia [do Sistema]”. (GAZZINELLI, 2016).

Os debates sobre o SNC envolveram também os integrantes do Fórum Nacional dos


Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e do Fórum Nacional de Secretários e
Dirigentes de Cultura das Capitais. Segundo discurso de João Roberto Peixe (2004)
apresentado na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados: “todo esse
processo que está ocorrendo no debate do Sistema Nacional de Cultura. Ele está sendo
trabalhado de maneira bastante ampla, em âmbito nacional e institucional, com os fóruns
dos Secretários dos Estados e das Capitais” (PEIXE apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E
CULTURA, 2004). De acordo com Silvana Meireles (2017), enquanto secretário, Márcio Meira
sempre buscou estreitar relações com os fóruns porque acreditava que a sua participação
era fundamental no processo de implantação do SNC, e ao final, a SAI acabou se tornando o
principal canal de interlocução entre o MinC e os fóruns. Segundo Márcio Meira (apud
ARAGÃO, 2013), a criação do Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Cultura está
relacionada com a redemocratização do Brasil, quando voltou a ter eleições para
governadores de estados e foram criadas algumas secretarias de cultura. A partir daí, os seus
dirigentes resolveram criar uma instância para negociar com o governo federal. Entretanto,
ao longo do tempo, o fórum foi se desarticulando com a falta de diálogo do ente federal, e
quando foi iniciada a gestão Gil o “fórum estava praticamente morto” (Ibid.):

[...] o governo Fernando Henrique não conversava com ninguém [...], eu era
secretário municipal de cultura em Belém na época, por exemplo, eu vinha
no ministério da cultura, a única pessoa [...] que me recebia [...] era o
secretário de patrimônio Museu e Artes Plásticas, era o Otávio Elísio [...],
secretário municipal de capital era tratado como o sub do sub do sub...eu
me lembro depois que a gente veio pro ministério da cultura a gente
recebia os secretários, era o ministro que recebia, [...] os secretários
vinham e a gente sempre ali discutindo tudo né [...] (MEIRA apud ARAGÃO,
2013, p.133)
113

De acordo com Meira (apud ARAGÃO, 2013), a partir de 2003 o MinC retomou o
diálogo com o Fórum Nacional numa nova postura baseada, por exemplo, em uma relação
mais institucional, o que em sua opinião era de interesse do próprio Ministério. Assim,
passaram a ocorrer reuniões periódicas onde eram pactuadas ações como a realização da I
Conferência Nacional de Cultura e a elaboração do Protocolo de Intenções, documento de
adesão dos entes subnacionais ao SNC. O que não significava que tais ações fossem aceitas
sem resistências, especialmente por parte de grandes estados como São Paulo “[...] alguns
estados que eram governados por tucanos [PSDB] mais sectários, eles não queriam nem
ouvir falar do ministério da cultura, de conferência, de Sistema Nacional de Cultura, Plano
Nacional” (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p. 133). Esse tipo de resistência proveniente de
divergência partidária entre os níveis de governo era, para Meira (apud REIS, 2008), algo que
poderia dificultar a implantação de políticas de cunho nacional, que deveriam ser feitas
numa perspectiva pluripartidária ou suprapartidária, já que inclusive ultrapassavam períodos
de governo. De acordo com Silvana Meireles (2017), “[...] em vários momentos as relações
[dos fóruns] com o Ministério foram tensas. O diálogo direto com estados e municípios
sempre houve e as tendências partidárias interferiram nessa interlocução, facilitando ou
dificultando a implantação do Sistema”. Segundo Meireles (2017):

Uma das primeiras discussões públicas da proposta [do SNC] ocorreu com o
Fórum, ainda em 2003, e algumas sugestões feitas ali foram incorporadas. A
maior resistência havida diz respeito à relação direta entre o governo
federal e os municípios que o Sistema propunha. E o maior interesse a
transferência fundo a fundo.
A relação direta entre o MinC e os municípios foi mantida ao longo do
desenvolvimento do SNC, inclusive porque como a Constituição Federal de 1988 confere
autonomia ao ente municipal, este não precisa ter a anuência do estado ao qual está
integrado para participar da vida política do país.

3.3.1.1 O SNC em debate no Legislativo

Em 25 de agosto de 2004 foi realizada na Câmara dos Deputados, no âmbito da


Comissão de Educação e Cultura, a Audiência Pública para debater as estratégias de
implantação do SNC. A coordenação da mesa coube ao deputado Paulo Rubem Santiago
(PDT/PE), que viria a ser o relator da PEC do SNC, e a iniciativa contou com a presença de
representantes do MinC e de órgãos públicos de cultura de estados e municípios, nas figuras
de: Aloysio Guapindaia, secretário interino da SAI; Pedro Henrique Lopes Borio, secretário de
114

Cultura do Distrito Federal; e João Roberto Peixe, secretário municipal de Cultura do Recife.
Foram registradas ainda as presenças de Sergio Xavier (Sefic), Célio Turino (SPPC) e de
Gustavo Gazzinelli (SAI), além de artistas e produtores culturais.

Nas quase três horas de duração da Audiência, os integrantes da mesa abordaram


diversos aspectos da política desenvolvida pelo MinC e, especificamente, do Sistema. A
apresentação de alguns tópicos desse encontro se faz importante por revelar os
posicionamentos dos atores quanto ao SNC e identificar os temas mais polêmicos da
proposta.

No discurso de abertura da Audiência, o deputado Paulo Rubem Santiago destacou


que a realização daquele encontro representava o esforço da Comissão de Educação e
Cultura para envolver os parlamentares da Câmara dos Deputados no tema da política
cultural para além da fase de tramitação de projetos, alcançando o debate do conteúdo da
política. E citou ser importante a provocação de certos temas como a proposta de vinculação
orçamentária para a cultura, considerando que algumas matérias não avançavam porque
não possuíam o mesmo status que outras e ressaltou que a vinculação nas áreas da saúde e
educação havia sido fundamental para a melhoria dessas políticas públicas (apud COMISSÃO
DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004).

A fala de João Roberto Peixe foi focada na defesa da implantação do SNC conforme as
diretrizes desenvolvidas pelo Ministério. Para Peixe, os responsáveis pela gestão cultural nos
três níveis de governo e os legisladores precisavam elaborar e implementar “[...] políticas
públicas consolidadas em planos estratégicos que articulem e integrem as ações municipais,
estaduais e nacionais” (PEIXE apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 3), e
para isso o Sistema Nacional de Cultura era imprescindível.

O Sistema Nacional de Cultura é, sem dúvida, o instrumento por meio do


qual o Estado brasileiro poderá exercer seu verdadeiro papel na gestão
cultural, de forma integral e democrática, envolvendo todos os atores da
cena cultural, públicos e privados, em todo o País, e estabelecendo em um
processo sistêmico os papéis, as relações, as atribuições e
responsabilidades, bem como os critérios de acesso, distribuição e uso dos
recursos públicos destinados à área cultural. (PEIXE apud COMISSÃO DE
EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 3)
Uma das principais pautas da Audiência era o documento que iria selar a adesão dos
entes subnacionais ao SNC, denominado nesse momento de Acordo de Cooperação. Sobre
115

ele, Peixe (2004) apresentou as quatro condições previstas para a adesão dos municípios e
estados: 1ª) existência de órgão específico público de cultura nas três esferas ou existência
de uma diretoria de cultura ou unidade no mesmo nível nos Municípios com menos de 100
mil habitantes, nos quais não existisse Secretaria de Cultura; 2ª) estabelecimento de
colegiados próprios, com representação paritária governo/sociedade, de caráter deliberativo
e consultivo; 3ª) criação ou manutenção de fundos ou sistemas de financiamento específicos
para a área cultural e 4ª) realização de um planejamento estratégico compartilhado entre
todos os níveis de governo para delimitação de metas e cronograma para a constituição do
SNC.

De acordo com Peixe, essas condições colocadas pelo MinC tinham a concordância do
Fórum Nacional de Secretários de Cultura das Capitais, com a ressalva de ser necessária a
implantação simultânea de um conjunto de medidas, sobretudo relativas ao financiamento
nos três níveis de governo:

As premissas exigidas para a adesão ao Sistema Nacional de Cultura serão


inócuas se não forem alocados recursos para os fundos de cultura, com a
transferência de responsabilidades acompanhadas dos recursos necessários
para implementação das ações previstas nos planos nacional, estaduais e
municipais de cultura. (PEIXE apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA,
2004, p. 6)
Nesse sentido, Peixe defendia: o aumento orçamentário do Ministério; a tramitação
e aprovação da PEC do Plano Nacional de Cultura e da PEC nº 150/2003 que previa
vinculação orçamentária para a Cultura. Sem isso, todo o esforço feito em torno do Sistema
poderia ser frustrante “porque não teremos os recursos suficientes para aprovar o que sairá
desses planos municipais, estaduais e nacional de cultura, sem ter os recursos mínimos
suficientes para implementação dessas ações.” (PEIXE apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E
CULTURA, 2004, p. 26). Além disso, o secretário defendeu também melhor distribuição dos
recursos disponíveis do MinC:

Entendemos que devem ser estabelecidos critérios para essa distribuição,


com percentuais máximos e mínimos definidos anualmente pelo Ministério
da Cultura, de tal forma que nenhum segmento cultural, região ou Estado
ultrapasse determinado patamar e, por outro, que se garanta um mínimo
para todos e que se corrijam rapidamente as enormes distorções ainda
verificadas nas leis de incentivo. Uma única região continua concentrando
77% dos recursos, enquanto outra fica com apenas 2%, o que representa
uma diferença de 38,5 vezes entre as mesmas. [...] (PEIXE apud COMISSÃO
DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p.7)
116

Outro ponto abordado por Peixe foi o da descentralização do próprio Ministério da


Cultura. Em sua opinião, as instituições vinculadas ao MinC precisavam atuar nacionalmente
e isso não ocorria nem mesmo com o Iphan, que tinha certa capilaridade nas regiões, mas
ainda insuficiente. Por outro lado, o secretário via o projeto Pontos de Cultura como
importante do ponto de vista da presença e da participação do MinC em âmbito nacional.

Apesar de o discurso de João Roberto Peixe expressar preocupação e uma cobrança


notadamente quanto ao financiamento do SNC, de maneira geral estava em sintonia com os
discursos que a SAI produzia, obviamente relacionado ao fato de o próprio secretário ter
sido um dos coordenadores do A imaginação a serviço do Brasil.

Diferentemente desse posicionamento, o secretário de Cultura do Distrito Federal,


Pedro Henrique Borio (2004), apresentou um discurso mais crítico e propositivo em relação
ao Sistema. O início de sua fala foi marcado pela concordância do Fórum Nacional dos
Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura quanto à proposta do SNC, mas já com uma
preocupação quanto ao prazo de implantação do mesmo:

Trata-se de ideia que, sem dúvida, vai exigir bastante prazo para a sua
completa consolidação, a exemplo dos outros grandes sistemas
implantados no País, mas que também tem possibilidades muito positivas
de resultados concretos imediatos ou de muito curto prazo. De novo, trata-
se de iniciativa que, acredito, deve ser trabalhada e enfatizada, para que
não seja transformada em alvo de partidarismos ou polarizações, mas, ao
contrário, seja objeto de construção de grandes consensos. (BORIO apud
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p.9)
Quanto à estrutura proposta pelo Ministério, Pedro Borio considerava que não se
podia “[...] impor aos Estados um modelo para a sua própria organização”, entretanto, era
importante que tais entes contassem, por exemplo, com uma Secretaria de Cultura. Outro
ponto abordado foi o das influências de outros sistemas, especialmente de Educação e
Saúde, no SNC. De acordo com Pedro Borio, era inegável os ganhos que tais sistemas haviam
produzido e eles poderiam ser usados como modelos para a área cultural, entretanto era
preciso considerar que aqueles sistemas tinham “atrativos muito concretos” que precisavam
ser desenvolvidos no SNC:

[...] é muito importante se ter em conta que a adesão aos sistemas de


saúde e de educação tinha, para Estados e Municípios, atrativos muito
concretos. Ou seja, de um lado, havia o atrativo do modelo e, de outro, um
interesse imediato de um ganho específico, que fazia com que os prazos
fossem cumpridos e o dever de casa, feito. Então, acredito que tanto o
117

Governo Federal quanto os Governos Estaduais (sobretudo) e Municipais


(um pouco menos) devem trabalhar, muito cuidadosamente essa questão
dos atrativos, para transformarem o Sistema Nacional de Cultura não só
numa construção elegante, mas também em algo que traga ganho
específico e a curto prazo para os participantes do sistema. (BORIO apud
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p.10)
No livro Estado federativo e políticas sociais: determinantes da descentralização,
Marta Arretche (2011) trata desses atrativos que conformam políticas sistêmicas baseadas
no pacto federativo, no caso em análise das políticas sociais (habitação; saneamento básico;
educação fundamental; assistência social e saúde). O estudo da autora revelou que o
sucesso da descentralização das políticas sociais depende de um conjunto de variáveis de
natureza política, estrutural e institucional33 e de um cálculo feito por parte dos governos
locais que levam em consideração os custos e benefícios que deverão emergir a partir de sua
decisão de absorver atribuições. Além disso, a autora considera que a transferência de
atribuições do governo central para os outros níveis de governo, especialmente para os
municípios, não ocorre de hipótese alguma de maneira espontânea, e depende da ação
deliberada dos níveis mais abrangentes de governo, assim “estratégias de indução
eficientemente desenhadas e implementadas são decisivas para o sucesso de processo de
transferência de atribuições” (ARRETCHE, 2011, p. 244). Guardadas as devidas distâncias,
especialmente porque as políticas sociais estudadas são baseadas na prestação de serviço
público por parte dos entes federados, o início do processo de construção do Sistema
Nacional de Cultura revela que havia uma postura indutora por parte do MinC, o que não
pode ser confundida com autoritária, mas uma ausência da garantia de atrativos muito
concretos para os estados e municípios. Algo que vai marcar a trajetória do SNC e que será
considerada por vários atores como uma das suas principais fragilidades.

Voltando ao discurso do secretário de cultura Pedro Borio, foram sugeridas iniciativas


que poderiam fazer o Sistema avançar independente da conclusão do seu processo de
formalização.

Cito, nesse sentido, um exemplo internacional [...] Falo de uma iniciativa


que me parece altamente engenhosa e inteligente: o Governo dos Estados
Unidos arca com o seguro relativo à circulação cultural das grandes
exposições. Como se sabe, hoje o seguro é o aspecto mais encarecedor e

33
“i)atributos estruturais das unidades locais de governo – capacidade econômica, fiscal e administrativa –; ii)
atributos institucionais das políticas – regras constitucionais, requisitos de engenharia operacional e legados
das políticas prévias; e – iii) fatores ligados à ação política – relações entre Estado e sociedade e relações
intergovernamentais.” (ARRETCHE, 2011, p. 13)
118

dificultador da circulação das grandes exposições, e esse fundo criado pelo


Governo norte-americano, na verdade, viabiliza a presença do país no
circuito das artes em plano internacional. Há também uma série de outros
aspectos que poderiam unir Estados e Municípios indistintamente, como,
por exemplo, consórcios para compra de equipamentos ou consórcios para
a contratação de seguros de seus planos. [...] A compra de equipamentos,
por exemplo - e basta citar o caso de equipamentos cênicos, de orquestras,
instrumentos e outros -, se for articulada entre Estados, Municípios e
Governo Federal pode ter muito significativa baixa de custos, inclusive no
que diz respeito a financiamento e outras condições. (BORIO apud
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 10)
Outro exemplo de articulação citado pelo secretário era quanto à participação dos
entes subnacionais na tramitação dos projetos elaborados pela comunidade cultural
voltados à obtenção de recursos federais.

Um exemplo seria a abertura do protocolo do que se apresenta ao


Ministério da Cultura no que diz respeito a financiamento para
conhecimento nos âmbitos estaduais e municipais. Ou seja, o fluxo de
projetos que está tramitando no Ministério e também um certo grau de
estímulo, para que os proponentes dos projetos, mesmo em âmbito
nacional, procurassem se articular localmente e eventualmente recebessem
um selo que lhes desse talvez algum grau de prioridade - claro que dentro
de critérios de política pública.
De modo algum está se tentando propor a criação de espécie de barreira ou
filtro local na legislação nacional, para o produtor apresentar seus projetos.
Ao contrário, está se procurando fazer com que os níveis locais conheçam o
que está tramitando e o que vem sendo apresentado pelos seus próprios
protagonistas no nível federal. (BORIO apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E
CULTURA, 2004, p. 11)
A possibilidade de estados e municípios participarem como instâncias intermediárias
no processo de apoio a projetos culturais submetidas à Lei Rouanet foi regulamentada por
meio do Decreto nº 5.761/2006. O seu Art. 8º prevê que “as atividades de acompanhamento
e avaliação técnica [não de todas as etapas, portanto] de programas, projetos e ações
culturais poderão ser delegadas aos Estados, Distrito Federal e Municípios [...] mediante
instrumento jurídico que defina direitos e deveres mútuos”. Para que isso ocorra, os entes
subnacionais deverão contar com lei de incentivo fiscal ou de fundos específicos para a
cultura, e órgão colegiado com atribuição de análise de programas e projetos culturais em
que a sociedade tenha representação ao menos paritária em relação ao Poder Público e no
qual as diversas áreas culturais e artísticas estejam representadas (BRASIL, 2006). Uma
possibilidade nunca explorada de compartilhamento de responsabilidades entre os entes
federados (CUNHA FILHO, 2010), e que pode ser um indicativo da dificuldade e resistência
119

do MinC em descentralizar e compartilhar o poder decisório, fundamental para as relações


federativas.

Em relação ao tema da concentração de recursos em determinados estados do país,


provocada especialmente por meio da Lei Rouanet, o secretário Pedro Borio apresentou um
posicionamento diferente do secretário João Roberto Peixe. Para ele, o discurso agressivo
em torno do tema poderia estar criando um ambiente de acirramento e era preciso “[...]
reduzir um pouco e tornar menos agressiva a discussão da concentração de recursos, que
tem sido muito repetida” (BORIO apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 12).

Vale a recomendação no sentido de não se ‘demonizar’ pura e


simplesmente a concentração. Ela não existe por acaso e não é fruto de
uma conspiração para favorecer A ou B. Ela reflete sobretudo a
concentração econômica no País. Seria muito perigoso ter um ambiente em
que Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e talvez Rio Grande do Sul se
sentissem em confronto com as demais regiões do País. (BORIO apud
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 12)
Em sua opinião, algumas propostas em discussão no campo da cultura naquela época
provocavam “certa exacerbação de ânimos muito forte no País, a meu ver, muito além do
necessário” e, no caso do SNC, era possível construir a “[...] formação de grandes consensos,
para uma implantação suave e negociada” (BORIO apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E
CULTURA, 2004, p. 12).

O discurso do secretário de cultura do Distrito Federal é interessante porque, dentre


outros aspectos, expressou uma concordância quanto à proposta do SNC, mas com
contrapontos a exemplo de: rejeitar a imposição de um modelo organizacional para os
estados; do Sistema não garantir retorno a curto prazo para os entes subnacionais, correndo
o risco de se configurar, nas suas palavras, apenas em “uma construção elegante”; e de
acenar para a possibilidade do Ministério já poder iniciar uma política de fomento ao pacto
federativo por meio de medidas que não dependiam da estruturação institucional ou
normativa do Sistema.

O terceiro integrante da mesa a discursar foi o representante SAI Aloysio Guapindaia,


que em síntese: (1) apresentou a concepção do SNC (ver Quadro 03); (2) destacou o caráter
do Sistema ser uma política de Estado, para o que era fundamental a consolidação dos
instrumentos de pactuação entre os entes federados; (3) realçou a importância da
participação da sociedade civil e das organizações não governamentais no processo de
120

construção e implantação da política; (4) apresentou artigos da Constituição Federal que


tratam do papel dos entes federados no campo da política cultural e (5) destacou a
tramitação da PEC do Plano Nacional de Cultura, instrumento considerado fundamental para
a consolidação da política nacional e para a integração das ações dos diferentes níveis de
governo (GUAPINDAIA apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004). Guapindaia
apresentou também as estratégias traçadas pela SAI para implantação do SNC, sintetizadas
no quadro a seguir.

Quadro 04: Estratégias para implantação do SNC em 2004


Estratégias Comentários na Audiência Pública (2004) Situação final34
“Estamos trabalhando na elaboração de um Criado por meio
decreto que vai instituir o Sistema de Cultura do Decreto nº
Publicação de Decreto Federal e criar responsabilidades e obrigações para 5.520/2005.
criando o Sistema de a União, em relação ao Sistema de Cultura Federal
Cultura Federal e aos instrumentos de pactuação que serão
elaborados para a consolidação de um Sistema
Nacional de Cultura”.
Assinatura da Carta de “Carta de Princípios será assinada pelos entes Substituída pelo
Princípios por parte dos desejosos da criação de um Sistema Nacional de Protocolo de
entes federados Cultura - democrático e federativo”. Intenções
Instituição de acordos de Esses acordos
“[...] firmando ações, metas e princípios comuns a
cooperação bipartites e não foram
serem buscados pelos entes”.
tripartites celebrados.
Publicação de Portaria Publicado por
ministerial sobre meio do
composição do Conselho Decreto nº
Nacional de Política 5.520/2005.
Cultura
Em 2010 foi
publicada a Lei
“[...]de caráter transversal, para acompanhar as
nº 12.343/2010
políticas culturais e democratizar a informação.
Implantação do Sistema instituindo o
Esse sistema é importantíssimo para que o Sistema
Nacional de Informações Sistema
Nacional possa ter acesso a informações sobre a
Culturais Nacional de
política cultural, para a consolidação e o
Informações e
acompanhamento delas”.
Indicadores
Culturais (SNIIC)
Fonte: Elaboração própria a partir de GUAPINDAIA (apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA,
2004; 2018)

No encontro, Guapindaia falou ainda sobre a importância da aprovação do SNC em lei:


“O Sistema Nacional de Cultura só existirá quando for consolidado em lei aprovada, pelo

34
Informações enviadas por Aloysio Guapindaia por e-mail em 14 de maio de 2018.
121

Congresso Nacional, instituindo-o, com as competências e obrigações de cada ente.


Sabemos que o processo é demorado, exige muita discussão, e é preciso que seja assim”
(GUAPINDAIA apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 24); e destacou ações
desenvolvidas pelo MinC que passavam pela articulação com os entes federados, a exemplo
do: Sistema Brasileiro de Museus; Projeto Pixinguinha, da Funarte; Programa Fome de Livro,
que pretendia implantar uma biblioteca em cada município; e Programa Cultura Viva/Projeto
Ponto de Cultura, considerado por ele um programa âncora para o SNC.

O ponto de cultura é fundamental para que as políticas públicas de cultura


tenham presença nacional. Ele está sendo pensado dentro da mesma
concepção do Sistema Nacional de Cultura que apresentei para os
senhores, de forma articulada com os Estados, com os Municípios, com a
participação da sociedade civil, das entidades não-governamentais.
Consideramos que o ponto de cultura está para o Sistema Nacional de
Cultura assim como o posto de saúde está para o SUS. (GUAPINDAIA apud
COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 18)
De acordo com Márcio Meira (2016a), a relação entre o Projeto Ponto de Cultura e o
Sistema Nacional de Cultura é pouco abordada, ainda que os dois estejam profundamente
relacionados. “Essa discussão não estava dissociada da discussão do Sistema. Era dito na
época, inclusive, que os Pontos de Cultura seriam, numa forma análoga ao SUS, mas de
caráter plural e diversificado, de ‘unidade básica’ do Sistema Nacional de Cultura” (MEIRA,
2016a, p. 143). Uma percepção que pode ser problematizada, já que para alguns
pesquisadores o Cultura Viva/Projeto Ponto de Cultura não esteve integrando à implantação
do SNC (BEZERRA, 2017). Além disso, nas entrevistas realizadas com alguns atores, foi citada
a existência de tensão entre os envolvidos no Projeto Ponto de Cultura (da SPPC) e no SNC.
De acordo com Vitor Ortiz (2017), havia no Ministério divergências ideológicas e disputas por
espaço de poder que foram materializados em discursos polarizados em torno dessas duas
propostas.

Eu acho que esse tema [Pontos de Cultura] foi um pouco mal colocado
como sendo em oposição ao Sistema Nacional de Cultura. É isso que eu falo
que é um contraponto que tornou a proposta do SNC uma proposta com
aparência burocrática. Tipo assim: ‘Ah, isso é burocratizante, isso aí é o PT
que governa as prefeituras, governo do estado etc., fazendo seu
movimento para fazer a sua política no espaço onde ele está existindo. E
nós pensamos diferente, nós queremos ter uma relação com as ONGs, com
os movimentos sociais, etc.’ O PT não era oposição a isso, ao contrário, o PT
gostava disso, mas naquele contexto de formulação de pensamentos, de
propostas, de disputa de território ali no Ministério da Cultura, essas coisas
122

meio que se confrontaram. Tipo assim, o PT ficou o partido do SNC e Juca


Ferreira ficou o partido dos Pontos de Cultura. (ORTIZ, 2017)
Para Gustavo Gazzinelli (2016) havia essa disputa e uma predileção pelos Pontos de
Cultura ao Sistema por parte da cúpula do MinC, o que pode ser comprovado no orçamento
disponibilizado para um e para o outro. Na opinião de Juca Ferreira (2018), a tensão em
torno das duas propostas não tinha grande relevância:

Não chegou a ter essa relevância não, na verdade, eles [o grupo do PT]
também concordavam com os Pontos de Cultura... tinha sido um processo
de formulação nossa, tinha uma certa tensão entre o cara que coordenava
os Pontos de Cultura, o Célio Turino, e esse setorial [do PT] porque ele
vinha de outra experiência...eu administrava isso procurando gerar
cooperação, coordenação, eu não levava muito a sério...(FERREIRA, 2018)
3.3.2 Dimensão institucional e operacional

3.3.2.1 O Protocolo de Intenções

Finalmente, depois de um ano de discussões, a Secretaria de Articulação Institucional


apresentou em janeiro de 2005 a versão final do Protocolo de Intenções que passou a ser
assinado com estados e municípios a partir de março daquele ano. Ou seja, somente no
início do terceiro ano da gestão Gilberto Gil é que o SNC foi lançado nacionalmente por meio
do seu instrumento de adesão. De acordo com Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013, p. 129):

[...] você tinha que começar a estimular os estados e municípios a criarem


as bases necessárias para o sistema, então foi aí que surgiu uma iniciativa
[...] que era a iniciativa de assinatura de protocolo de intenção entre união
e os estados e os municípios, protocolo bilateral [...] que não envolvia
recursos financeiros [...] que visava criar bases para implantação do Sistema
Nacional de Cultura.
O Protocolo de Intenções visava estabelecer as condições e orientar a
instrumentalização necessária para a implantação do SNC no âmbito dos estados e
municípios (MINC, 2005). Da minuta apresentada pelo MinC (detalhada no Apêndice C), vale
destacar a apresentação do SNC como

um processo de articulação, gestão e de promoção conjunta de políticas,


tendo como objetivo geral formular e implantar políticas públicas de
cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da
federação e sociedade civil, promovendo o desenvolvimento social com
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional.
(MINC, 2005)
Dentre os 14 compromissos a serem pactuados entre os entes estavam: formulação e
implementação de planos de cultura; criação, instalação, implementação ou fortalecimento
123

dos conselhos de política cultural; implantação das conferências de cultura; implantação


e/ou fortalecimento dos sistemas de financiamento específicos para cultura; implantação de
sistemas setoriais das diversas áreas da cultura; implantação e disponibilização democrática
do Sistema Nacional de Informações Culturais.

Dentre as obrigações previstas para o MinC estavam: criar condições de natureza legal,
administrativa, participativa e orçamentária para implantação do SNC; implantar o Conselho
Nacional de Política Cultural; realizar a primeira Conferência Nacional de Cultura até
dezembro de 2005; apoiar a realização das conferências de municípios e estados; implantar
e coordenar o Sistema Nacional de Informações Culturais; compartilhar recursos para a
execução de programas, projetos e ações culturais, no âmbito do SNC; fomentar a
integração/consorciamento de estados e municípios.

As obrigações por parte dos entes subnacionais eram bastante semelhantes entre si, a
exemplo de: consolidar os planos de cultura; assegurar o funcionamento ou implementar
conselho de política cultural; criar e implantar ou manter e assegurar Fundo de Cultura;
realizar conferência de cultura previamente à nacional e apoiar as conferências realizadas
nos outros níveis de governo; apoiar ou realizar a integração/consorciamento de
Municípios; compartilhar informações junto ao Sistema Nacional de Informações Culturais a
ser disponibilizado pelo MinC; criar ou manter em funcionamento órgão específico de gestão
da política cultural.

Quanto às conferências, o Protocolo estabelecia que deveriam ser convocadas pelo


Poder Executivo e que tinham por finalidade a definição de diretrizes e prioridades dos
planos de cultura, algo que tinha sido proposto por João Roberto Peixe no encontro na
Câmara dos Deputados anteriormente relatado. Para Peixe, as prioridades e diretrizes das
políticas culturais a integrarem o Plano Nacional de Cultura, deveriam partir das
conferências, e não do Conselho, como proposto inicialmente pelo MinC.

Cabe, no caso, ao Conselho, não como está posto nessa proposta original,
preparar a proposta de plano, quer dizer, convocar as conferências, e ter
papel fundamental na sua estruturação e mobilização. Depois de aprovado,
deverá haver acompanhamento, fiscalização. As conferências passam a ter
esse papel central na discussão, para envolver a sociedade e essa questão
ter base social bastante maior, a fim de que possamos inclusive também ter
força no sentido de ampliar os recursos do orçamento para a cultura. (PEIXE
apud COMISSÃO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, 2004, p. 7)
124

Uma proposta que foi incorporado ao Protocolo de Intenções, que apresentava os


conselhos de política cultural como “espaços de pactuação de políticas necessárias para
implantação do SNC, tendo em regra geral (grifo nosso), representação paritária governo-
sociedade, possuindo caráter deliberativo e consultivo”, com as seguintes competências:

a) elaborar e aprovar os planos de cultura a partir das orientações


aprovadas nas conferências, no âmbito das respectivas esferas de
competência; b) acompanhar a execução dos respectivos planos de cultura;
c) apreciar e aprovar as diretrizes dos Fundos de Cultura no âmbito das
respectivas esferas de competência; d) fiscalizar o cumprimento das
diretrizes e instrumentos de financiamentos da cultura. (MINC, 2005)
Após assinatura do Protocolo de Intenções, as atividades a serem desenvolvidas, bem
como o cronograma de execução e as metas a serem atingidas peles entes federados,
deveriam ser detalhadas em um Plano de Ação elaborado em comum acordo entre as
partes, em um determinado prazo a partir da publicação do Protocolo no Diário Oficial da
União. Esse prazo não era fixo, nos protocolos pesquisados ele variou entre 60 e 120 dias. Já
o prazo de vigência do Protocolo era da data da sua celebração até 31 de dezembro de 2006
e poderia ser renovado por meio de termos aditivos.

Juridicamente o Protocolo de Intenções é um instrumento que celebra o interesse dos


partícipes – instituições públicas – em atingir objetivos comuns e coincidentes,
diferentemente da figura do contrato, onde as partes possuem interesses diversos e
opostos. O intuito de um protocolo é ser um acordo que expressa um desejo compartilhado
de desenvolver ações conjuntas. Em geral, é um documento genérico, que não expressa
obrigações imediatas e não envolve compromissos financeiros ou orçamentários. No caso do
Protocolo de Intenções do SNC, observa-se que ele estabelecia diretrizes e conceitos, mas
também os componentes que deveriam compor a estrutura do Sistema, como plano de
cultura, órgão gestor, conselho de política cultural, conferência, fundo de cultura, sistemas
setoriais, Sistema Nacional de Informações Culturais. Além disso, em alguns pontos o
Protocolo era bastante detalhado, a exemplo das considerações sobre o conselho de política
cultural, para o qual estabelecia caráter e competências mínimas, algo que suscitava
debates, especialmente nos fóruns de secretários, já que alguns dirigentes entendiam a
determinação como uma intervenção do MinC. De acordo com Silvana Meireles (2015), a SAI
batalhava para que os conselhos de todos os níveis tivessem composição paritária entre
sociedade civil e poder público, mas como houve resistência por parte de alguns estados,
125

acabou se flexibilizando essa exigência:

[...] houve a flexibilização em relação a uma exigência que era o ponto mais
complicado dessa adesão, que era a paridade nos conselhos de cultura
entre sociedade civil e poder público. Então, houve uma flexibilização e
estados como Pernambuco, que é o estado de onde eu venho, assinou
naquela época a adesão porque essa flexibilidade foi possibilitada.
(Meireles, 2015)
Na opinião de Roberto Lima (2016b), o formato aberto do Protocolo de Intenções
permitiu uma maior adesão por parte dos estados e munícipios, já que não estabelecia
compromissos formais, e provocou um debate nacional em torno da natureza e finalidade
do Sistema. Em sua opinião, o desenho do Protocolo naquele momento revelou-se um
acerto.

Primeiro porque não conseguiríamos uma adesão tão intensa e tão


generalizada com um instrumento que impusesse compromissos formais
naquele momento, portanto não conseguiríamos alcançar a força política
que alcançamos. Segundo porque esse modelo menos pré-definido do que
seria o SNC propiciou um debate nacional sobre sua natureza e finalidades,
o que terminou por transformar a ideia de sistema num valor para o
conjunto de militantes e dirigentes culturais em todo o país. Prova disso é
que até hoje existem diversos grupos de gestores culturais debatendo e
lutando pelo SNC. (LIMA, 2016b)
Em sua opinião, o Protocolo foi utilizado pela SAI como uma estratégia de adesão
política, mais do que institucional, para criar um ambiente propício à criação do Sistema.

Mais do que uma adesão institucional, optamos por criar uma adesão
política para ir criando um ambiente de aceitação da ideia de um sistema
público participativo, e os fazedores de cultura dos diversos locais,
organizados ou não, contribuíram sempre e muito para que os dirigentes
governamentais assumissem esse compromisso, que na verdade era um
compromisso com o processo de construção do SNC. (LIMA, 2016b)

Analisando a minuta do Protocolo de Intenções, percebe-se que já havia no texto


praticamente todos os componentes do SNC. Nesse sentido, não era algo tão aberto e
indefinido. Por outro lado, apesar de ser um documento voltado a fomentar a articulação
entre os entes federados, o Protocolo não apresentava estratégias para que as relações
entre União e entes subnacionais pudessem ser desenvolvidas. De acordo com Gustavo
Gazzinelli (2016), naquele momento ainda não se tinha claro, por exemplo, as competências
dos entes federados no âmbito do SNC. Para ele, existia sim uma ideia sobre isso, mas seria
necessário que o Sistema avançasse efetivamente com a implantação dos componentes nos
vários níveis de governo, para que esses arranjos pudessem surgir. Sobre essa questão, o
126

texto do pesquisador do IPEA Frederico Barbosa da Silva já alertava sobre a importância de


definir as competências dos diferentes níveis de governo no SNC, considerando os diversos
recursos necessários para a sua construção.

Os recursos necessários para a consecução do SNC são de ordens diversas


e, sobre eles, o nível federal poderá atuar de forma significativa, criando-os
ou qualificando-os, como por exemplo: i) recursos humanos capacitados
para a gestão cultural; ii) capacidade de gestão ou funcionamento das
diversas políticas específicas (patrimônio, audiovisual, música, artes
cênicas, plásticas etc.); iii) recursos institucionais variados (com espaços
físicos, equipamentos, quadros técnicos e de atividades-meio etc.); iv)
capacidades de articulação com instituições ou agentes diversos, sejam eles
da administração pública ou entidades da sociedade civil; e v) recursos
financeiros. (SILVA, 2005, p.10)
A estratégia da SAI para conseguir a adesão de estados e municípios ao SNC é
interessante de ser analisada porque ela envolveu o reconhecimento do peso político de
Gilberto Gil no processo de articulação com os entes subnacionais. O processo de assinatura
dos Protocolos de Intenção viabilizou a ida de dirigentes do Ministério da Cultura, tanto da
SAI como de outras secretarias, para várias cidades de todas as regiões do país, incluindo o
próprio ministro Gilberto Gil que algumas vezes foi pessoalmente participar da celebração
do documento35, o que certamente contribuiu para dar visibilidade ao SNC.

Vários eventos de adesão ao SNC nos estados contaram também com a


importante presença do Ministro Gilberto Gil, que em vários discursos
enfatizou e esclareceu a proposta em curso. As mídias locais e regionais em
todo o país deram vasta cobertura a esses eventos, resultando em dezenas
de matérias jornalísticas sobre o tema, que a essa altura já estava
conectado com a agenda da Conferência [...] (MEIRA, 2016a, p. 142).
Segundo Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014): “[...] toda a equipe da SAI, sem
exceção, inclusive eu que não era ligada ao Sistema Nacional na época, nós fomos circular o
Brasil para difundir o Sistema, explicar o Sistema porque era tudo muito novo.” Sobre isso,
Guapindaia (2016) comenta: “[...] viajamos o Brasil inteiro feito malucos indo para tudo que
era lugar [...] para a gente conseguir fazer uma coisa mais democrática e republicana
possível.” Uma articulação importante dada a frágil presença nacional do Ministério da
Cultura na época. Para Lia Calabre (2017): “Esses momentos de 2004, 2005 e 2006, esses
momentos iniciais, se está experimentando a questão dessa integração nacional, desse

35
https://estado.rs.gov.br/rigotto-assina-protocolo-que-inclui-rs-no-sistema-nacional-de-cultura;
http://www.fatimanews.com.br/brasil/mato-grosso-do-sul-assina-protocolo-do-snc-no-dia-06/17838/;
127

diálogo com os entes federados... municípios e estados, muitos deles nunca haviam ouvido
falar na existência do Ministério da Cultura [...]”.

Vale registrar que todo o movimento em torno do Protocolo de Intenções foi


potencializado por conta de sua assinatura ser condição para que os entes subnacionais
participassem da I Conferência Nacional de Cultura36, já que para o MinC reconhecer as
conferências organizadas nos níveis municipal e estadual (que antecediam a etapa nacional),
era preciso que estados e municípios aderissem ao SNC.

[...] as etapas estaduais e municipais só faziam aqueles estados e


municípios que tivessem assinado o protocolo de intenções porque era a
única forma que a gente encontrou de fazer com que esse processo tivesse
alguma dinâmica no local. De nada ia adiantar aquele estado ou aquele
município fazer sua conferência e vir para etapa nacional se ele não tinha o
compromisso de criar as outras estruturas [do SNC] também. (GUAPINDAIA,
2016).
Essa condição levou a uma espécie de corrida pela assinatura do termo de adesão,
garantindo um importante número assinaturas por parte de estados e municípios
(MEIRELES, 2015; PEIXE, 2017). Segundo dados divulgados pelo MinC (CALABRE, 2006), entre
março de 2005 e janeiro de 2006, 20 estados (74% do total) e 1.920 municípios (35,4% do
total) haviam firmado o Protocolo de Intenções. Os estados que até então não tinham
aderido ao SNC eram: São Paulo (região Sudeste), Sergipe e Rio Grande do Norte (região
Nordeste) e Roraima, Rondônia, Pará e Amazonas (região Norte). Essa participação
significativa de estados e municípios em torno do Protocolo, para além de ser condição para
a I CNC, vale ser observada inclusive porque sua assinatura não dava garantias aos
partícipes. De acordo com Lia Calabre (2017): “[...]é interessante realmente perceber...e
olhando agora mais distante, é até estranho imaginar que adesão tenha sido tão grande
porque no fundo ele era um protocolo de intenções, ele tinha zero de garantia”. Em sua
opinião, parte dessa adesão era decorrente de um movimento otimista criado entorno da I
CNC, “[...] em alguns aspectos até excessivamente, de efetivamente trazer recursos para a
cultura local, municipal e para a cultura estadual”.

[...] eu acho que muitos dos entes não entendiam muito, não compreendia
as exigências dos protocolos. Tanto que nos anos seguintes pouca coisa foi
implementada, um município ou outro desdobrou as discussões para
construção de nova conferência, de plano, de sistema... na verdade, muitos

36
Os objetivos e modos de funcionamento da I CNC estão descritos na Ordem ministerial nº 180, de
31/08/2005.
128

dos entes ficaram esperando os próximos movimentos do Ministério da


Cultura. (CALABRE, 2017).
Comentando sobre o processo de articulação com os municípios para adesão ao SNC,
Marcio Meira fala que a vinculação da I Conferência à celebração do Protocolo foi uma
estratégia de indução da SAI:

[...] isso nós fizemos pra estimular o prefeito e o secretário também,


induzir, o município, se ele quisesse participar da conferência, ou seja,
eleger delegados para a conferência nacional, ele tinha que assinar o
protocolo de intenções, era um jogo meio de a gente ia lá às vezes e nós
vamos fazer isso e tal... mas o município tem que assinar o protocolo, o
prefeito tem que assinar o protocolo e tal. (MEIRA apud ARAGÃO, 2013,
p. 132)
Uma estratégia que, por sua vez, revelou que a assinatura do Protocolo gerava ganho
político para os atores do poder local:

[...] a gente descobriu que os prefeitos na verdade, adoraram assinar o


protocolo com o Ministério da Cultura porque eles botavam no jornal,
faziam lá na cidade que o Ministério da Cultura estava assinando, o prefeito
gastava dinheiro com aquilo, na pior das hipóteses ia um secretario do
ministério da cultura lá pra assinar com ele e com os jornalistas, fotografias
e tudo mais, então ele com isso, ele de alguma maneira dialogava com a
comunidade cultural do município né, os artistas e tal. Os artistas criavam a
expectativa de que de alguma maneira aquilo ia repercutir numa política
municipal de cultura, que não tinha, não tinha nada né, então e de fato isso
foi acontecendo, isso foi estimulando. (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p. 132)
Especificamente sobre a participação da sociedade civil nesse processo, Aloysio
Guapindaia (2016) recorda que quando a Secretaria planejava estabelecer diálogo com
algum estado ou munícipio, já se articulava antes com entidades representantivas da
sociedade daquele território. Isso gerava um mapa de cada local, com indicação de quem
eram as lideranças e as principais representações.

Nós fazíamos um mapeamento de quais representações tinham naquele


local, se tinha fóruns, se tinha um conselho de educação e cultura, [...]
então, durante o dia tínhamos reunião de governo, com o estado, com o
município, e à noite era reunião com a sociedade civil em um espaço que
essas representações conseguiam para a gente. (GUAPINDAIA, 2016)
Para Guapindaia (2016), era importante ir além dos conselhos de cultura que por
ventura existissem nessas localidades porque, em geral,

[...] eram conselhos chapa branca, então havia muita crítica a esses
conselhos porque eram controlados pelo governo, e quando tinha
representação de sociedade civil não era paritária e a sociedade não tinha
129

praticamente o que fazer dentro do conselho. Quando não, os conselheiros


da sociedade eram cooptados pelo governo [...] (GUAPINDAIA, 2016).
De acordo com ele, nesses encontros a equipe da SAI apresentava a estrutura do
Sistema e explicava o que estava sendo dialogado com os governos estaduais e municipais.
Por outro lado, os representantes da sociedade civil apresentavam suas críticas, explicavam
como se relacionavam com o poder público, e forneciam para a Secretaria uma espécie de
diagnóstico da situação local.

[...] Ouvíamos deles as críticas todas, as críticas das relações que eles
tinham com o estado, com o município, quer dizer, eram eles que nos
repassavam a realidade do local, não era o governo. O governo passa a
realidade, que podemos chamar hoje de pós-verdade [risos], ele passava
um cenário político que não era o real, e nós queríamos escutar da
sociedade qual era realmente o diagnóstico de sua cidade. (GUAPINDAIA,
2016)
Interessante observar a dinâmica presencial que acompanhou esse momento inicial de
adesão ao SNC, que já no final do Governo Dilma Rousseff passou a ser feito por meio da
plataforma digital. A ida de representantes do MinC a diversas cidades do país foi
importante não só para divulgar o SNC, mas também para descentralizar a atenção do
Ministério e aproximá-lo de um conjunto de atores que até então não dialogavam com o
órgão.

Ainda sobre esse processo de articulação do MinC para garantir a adesão dos
municípios, Aloysio Guapindaia (2016) revela que a estratégia passava pelo apoio dos
estados, entretanto, quando havia resistência por partes desses, quer seja em relação à
proposta do SNC, quer seja por questões partidárias, a articulação se dava diretamente com
os municípios, a exemplo do que ocorreu com São Paulo, então dirigido por Geraldo
Alckimin, “que se recusou a assinar o protocolo, um estado eternamente governado pelo
PSDB” (GUAPINDAIA, 2016). Na opinião de Roberto Lima (2016b), a resistência ao SNC não
se limitava à questão partidária, e dentro do próprio Ministério havia discussões.

É claro que havia uma resistência por se tratar de uma política proposta por
um governo petista, mas havia dúvidas também dentro do próprio Minc e
do Governo Federal, o que é natural. Fato é que o caráter estruturante do
SNC foi logo percebido por aqueles que lidavam com a gestão pública de
cultura, e, por gerar um compromisso público de prefeitos e governadores,
estimulou os gestores de todos os partidos a trabalhar pela adesão. (LIMA,
2016b)
130

O primeiro estado a assinar o Protocolo de Intenções, o Ceará, era justamente


governado na época pelo PSDB, principal partido de oposição ao governo federal. Para
Guapindaia (2016), isso foi possível por conta da então secretária de Cultura Cláudia Leitão,
que “[...] comprou o projeto muito fortemente e o estado do Ceará foi o único naquela
época que fez com que todos os municípios, com articulação do próprio estado, assinassem
o protocolo de intenções e participassem do processo de conferência” (GUAPINDAIA, 2016).
Além disso, o Ceará foi o primeiro a criar por lei o Sistema Estadual de Cultura (Lei nº 13.811,
de 16 de agosto de 2006). Para Cláudia Leitão, a adesão ao SNC era um ato de fé e foi com
este discurso que ela atuou junto aos prefeitos:

[...] Entre 2003 e 2006, quando era Secretária de Cultura do Ceará, eu dizia
para os prefeitos: ‘Prefeitos, vocês têm que aderir’. Eles perguntavam: ‘Mas
para quê, Secretária?’. Eu respondia: ‘Prefeito, isso aqui é um ato de fé no
Ministro Gilberto Gil e no Governo Lula; nós vamos ter que fazer isso, pois é
uma construção para o futuro; não vou lhe enganar, essa adesão não vai
trazer recursos para o seu município, mas precisamos começar a exercitar
uma relação integrada, mais próxima, entre União, estado e município para
pensarmos políticas de cultura’. Mas não basta aderir ao Sistema,
precisamos dar concretude, conteúdo e vitalidade a ele. E essa tarefa
envolve todos: o campo cultural, os juristas, os políticos, os pesquisadores.
37
(LEITÃO apud DOEK, 2013)
Para além de um posicionamento individual da secretária Cláudia Leitão, essa postura
pró-SNC por parte do Ceará pode ser interpretado também como uma tradição política
desse estado. De acordo com Marta Arretche (2011), dos seis entes estaduais analisados em
sua pesquisa sobre descentralização de políticas sociais – Bahia, Ceará, Paraná, Pernambuco,
Rio Grande do Sul e São Paulo –, o Ceará era o que mais municipalizava as funções de gestão
na área social, ainda que fosse o mais pobre da amostra, por outro lado, São Paulo, que
tinha uma quantidade considerável de municípios com capacidade de gasto e capacitação
administrativa, avançava muito lentamente nesse sentido. Algo que, segundo a autora, era
decorrente da estratégia dos executivos estaduais de transferir atribuições aos seus
municípios.

Para Isaura Botelho (2016), embora tenha havido esse empenho do Ceará para que os
seus municípios se associassem ao Sistema Nacional de Cultura e criassem a estrutura

37
Entrevista disponível em: < http://centrodepesquisaeformacao.sescsp.org.br/noticias/entrevista-com-
claudia-leitao>. Acesso em jun. 2018
131

exigida, isso não foi mantido ao longo do tempo e depois de alguns anos eles foram se
desassociando.

O Ceará, na gestão de Cláudia Leitão, na Munic de 2006 estava com 184


municípios com secretarias exclusivas, com conselho etc., no ano seguinte
já tinha mudado. No encarte anual do Suplemento da Munic, constava que
várias secretárias não eram mais exclusivas de Cultura. [...] (BOTELHO,
2016)
Na opinião de Botelho (2016), isso pode ser interpretado como consequência da
estratégia de construção do Sistema e do seu desenho: “a arquitetura vem de cima para
baixo... E tem coisas que têm que ser lentas, não é por decreto que você cria” (BOTELHO,
2016). De acordo com Frederico Barbosa da Silva (2005), o fato de os municípios e estados
brasileiros serem marcados pela heterogeneidade e dificuldade em destinar recursos
próprios à cultura, deveria levar o MinC a adotar uma estratégia gradual de construção do
Sistema:

A melhor estratégia para a construção do Sistema Nacional de Cultura


parece ser o gradualismo. As heterogeneidades entre os municípios e suas
dificuldades para destinar recursos próprios à cultura são significativas. A
realidade política e financeira dos estados coloca limites semelhantes à
adesão imediata ao Sistema. A definição de regras gerais e de prazos largos
para a adesão ao Sistema permitiriam o ajustamento gradativo dos agentes
públicos, como também dos privados, aos processos de construção do
Sistema. (SILVA, 2005, p. 19)
Isso é algo interessante de se observar porque apesar desse diagnóstico, e do
Protocolo de Intenções não oferecer garantias, houve um adesão significativa em torno da
política por parte de estados e municípios ao longo do tempo, ainda que a intensidade do
investimento do MinC em torno da política tenha variado.

3.3.2.2 I Conferência Nacional de Cultura (2005)

Coube à Secretaria de Articulação Institucional coordenar os trabalhos de organização


da I Conferência Nacional de Cultura, e ao secretário Márcio Meira a sua coordenação geral.
De acordo com Gustavo Gazzinelli (2016), a I CNC “[...] foi outra coisa com um dedo muito
forte do Márcio, e de outras pessoas que estavam mais alinhadas com ele”. Concebida por
Meira (apud REIS, 2008) enquanto uma verdadeira experiência sistêmica – na medida em
que cada nível de governo assumiu a realização da sua respectiva conferência –, a I CNC era
considerada pelo Ministério como uma estratégia para “estimular e induzir a mobilização da
sociedade civil e dos governos para a instituição de um novo modelo de gestão de política
132

territorial brasileira [...]” (CALABRE, 2006, p. 34). Para Roberto Lima (2016b), coordenador
executivo da I CNC, já havia em 2005 um nível importante de mobilização da sociedade civil
em torno da questão cultural provocada pelas ações do MinC a partir da Gestão Gilberto Gil,
e essa mobilização social deveria ser acionada pela Conferência.

Naquele momento havia uma verdadeira eclosão de movimentos culturais,


das mais diversos matizes e em todas as regiões do país. A ação indutora do
MinC sob o comando do ministro Gilberto Gil deu grande visibilidade a
esses movimentos e minha tarefa, muitas vezes, era identificá-los e
articular seu envolvimento na conferência junto a outras secretarias e
vinculadas do MinC. (LIMA, 2016b)
A tentativa de abarcar um grande e variado público em torno do evento foi
materializado na possibilidade da participação contemplar a sociedade civil como um todo,
extrapolando artistas, especialistas, gestores e grupos culturais. De acordo com Márcio
Meira (apud ARAGÃO, 2013, p. 131)

[...] o pressuposto que a gente utilizou foi: 1) o cidadão comum tem que
participar na conferência, [...] não é uma coisa só para artista, não é uma
conferência só para especialistas da universidade sobre intelectuais que
discutem cultura, não era uma conferência só pra as instâncias do governo
[...] ela deveria ser sobretudo uma conferência para o cidadão, então nós
definimos que as conferências de base, aquelas conferências municipais,
elas tinham que ser convocadas pela prefeitura para qualquer cidadão
participar, então o delegado eleito da conferência municipal pra estadual,
ele deveria vir do cidadão comum que era convocado pra conferência [...].
Além da I CNC contemplar a participação ampla da sociedade, ela articulou prefeituras
e governos estaduais de todo o país. A mobilização em torno dos entes federados e do SNC é
uma marca importante da I CNC e isso pode ser conferido, por exemplo: (1) por meio da fase
preparatória que envolveu a ida de gestores do MinC para reuniões com dirigentes de
municípios e estados; (2) dos objetivos previstos no regulamento da I CNC que perpassam
por questões federativas; (3) da condição imposta de celebração do Protocolo de Intenções
para que os entes subnacionais pudessem ter suas respectivas conferências reconhecidas
pelo MinC; (4) pela quantidade de conferências realizadas em estados e municípios e (5) pela
indicação de prioridade para várias propostas relacionadas ao SNC na Plenária Final. Para
Ana Aragão (2013, p. 81):

[...] a Conferência, da forma como desenhada, buscou incluir a cultura na


agenda política, além de ter um papel indutor para a estruturação das
bases necessárias para a futura implantação de um Sistema Nacional de
Cultura, inspirado no Sistema Único de Saúde – SUS, mas que ultrapassa,
em termos de princípios, a complexidade deste sistema; daí a importância
133

de se firmar um pacto federativo nesse sentido. Era uma Conferência muito


mais política, no sentido da articulação institucional do setor, do que
cultural, propriamente dita, pode-se inferir.
De acordo com Márcio Meira (2016a, p. 143), todo o processo que envolveu a I CNC foi
“[...] fundamental para que o Sistema Nacional de Cultura pudesse dar uma arrancada
importante, tanto que ao final da Conferência, o seu principal resultado foi a demanda pela
implantação do Sistema Nacional de Cultura.”

A etapa inicial da I CNC foi marcada pela realização conjunta de ações voltadas para a
adesão ao SNC. As chamadas oficinas de informação reuniram os gestores do MinC e dos
estados signatários do Protocolo de Intenções para afinar a construção das conferências
locais. De acordo com texto assinado por Aloysio Guapindaia, Márcio Meira, Roberto Lima e
Silvana Meireles (apud CALABRE, 2006, p. 34):

As oficinas de informação tratavam do regulamento, temário,


procedimentos e calendário da 1ª CNC, e surgiram da necessidade de
recolher as contribuições dos estados signatários do Protocolo de Intenções
e de auxiliá-los na construção das conferências locais. Essa etapa logrou
fortalecer os laços entre os governos nos três níveis, auxiliou no
esclarecimento de dúvidas sobre a organização e o conceito do processo da
Conferência e pautou o Ministério no ajuste do regulamento da 1ª CNC
para melhor atender à complexidade dos diversos locais do país.
O regulamento da I CNC, publicado por meio da Portaria nº 180, de 31 de agosto de
2005, refletiu assim essa etapa preparatória, tendo a sua elaboração, de acordo com
Roberto Lima (2016), contado com apoio do Sistema MinC, do Fórum Nacional de
Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, e do Conselho Nacional de Política Cultural38,
que referendou o documento.

No regulamento da I CNC consta uma série de informações, a exemplo do tema geral –


Estado e sociedade construindo as políticas públicas de cultura – e de cinco eixos temáticos
norteadores dos debates: (1) Gestão pública da cultura; (2) Cultura é cidadania; (3)
Economia da Cultura; (4) Patrimônio Cultural e (5) Comunicação é cultura. Os debates e as
propostas feitas nas conferências deveriam ser organizadas a partir desses eixos. Do texto-
base da Conferência, utilizado para subsidiar as discussões, vale a pena destacar o eixo
Gestão pública da cultura que, em resumo, lançou questões como “Qual a responsabilidade

38
De acordo com o Decreto nº 5.520, de 24 de agosto de 2005, que redesenhou o CNPC, a Conferência
Nacional de Cultura compunha a estrutura do Conselho, e o Plenário deste deveria aprovar o regimento
interno da Conferência, bem como o seu regulamento. Apesar de ter sido reformulado em 2005, a posse dos
novos membros só ocorreu em 2007.
134

de cada ente da federação em relação à cadeia produtiva da cultura e à garantia dos direitos
culturais?”, “Como garantir um processo permanente de capacitação de gestores e
produtores culturais?” “Como criar instrumentos de acompanhamento e avaliação das
políticas estabelecidas?” “Como fortalecer a participação efetiva e permanente dos
movimentos culturais organizados?” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007a, p. 144). Apesar de
não citar em momento algum o SNC, observa-se que essas questões perpassam pela
proposta da política. Vários objetivos do regulamento também expressaram a vinculação da
Conferência com o Sistema, com o Plano Nacional de Cultura e com a participação dos entes
federados no desenvolvimento de seus respectivos sistemas, a exemplo de:

I. Subsidiar o Conselho Nacional de Política Cultural na definição das


diretrizes do Plano Nacional de Cultura a ser encaminhado pelo Ministro de
Estado da Cultura ao Congresso Nacional; [...] III. Recomendar aos entes
federativos diretrizes para subsidiar a elaboração dos respectivos Planos de
Cultura; IV. Colaborar com a implantação dos Sistemas Municipais,
Estaduais, Federal e Nacional de Cultura; V. Colaborar e incentivar a
associação de municípios em torno de planos e metas comuns; [...] VII.
Identificar e fortalecer os mecanismos de articulação institucional entre os
entes federativos e destes com a sociedade civil; [...] XV. Identificar e
fortalecer a transversalidade da Cultura em relação às Políticas Públicas nos
três níveis de governo; XVI. Constituir a estratégia de implantação do
Sistema Nacional de Cultura pelos Entes Federados. (BRASIL; MINISTÉRIO
DA CULTURA, 2005).
Chama atenção a quantidade de dispositivos dedicados à questão federativa ao longo
do regulamento da I CNC. De acordo com Lia Calabre (2017), que integrou a comissão
executiva do encontro:

A grande preocupação da primeira Conferência era efetivamente articular


os entes, colocar a questão da cultura na pauta dos estados e dos
municípios. Na grande maioria deles, ela não estava, ou quando estava,
estava na verdade ainda muito vinculada [...] na discussão sobre
financiamento, Lei Rouanet, concentração, alteração da Lei... então, o
maior exercício da primeira Conferência era tentar fazer com que as
pessoas abstraíssem das questão locais e pensassem cultura numa pauta
em um cenário nacional. (CALABRE, 2017)
Para o secretário Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013), a motivação principal para
promover a I Conferência era justamente articular os entes federados em torno da
construção de uma política pública de cultura de âmbito nacional. O que naquele momento
ficou registrado na preocupação de iniciar uma mobilização em todas as regiões do país em
torno da elaboração do Plano Nacional de Cultura (PNC), tanto que a metodologia
135

desenvolvida na Conferência tinha o intuito de auxiliar a construção participativa das


propostas que deveriam integrar o documento.

Em síntese, a previsão da I CNC era que ela fosse desenvolvida nas seguintes etapas:
Conferência Virtual; Seminários Setoriais; Conferências Municipais ou Intermunicipais;
Conferências Estaduais e Plenária Nacional, assim especificadas: (1) Conferência Virtual:
prevista para ser disponibilizada no site do MinC no período de 1º de outubro de 2005 a 30
de novembro de 2005. O seu caráter era estritamente consultivo. De acordo com o MinC
(2007a), essa modalidade seria coordenada pela Secretaria de Política Cultural, sendo a
última etapa aberta à participação social. Os debates e proposições seriam feitos a partir de
diretrizes gerais estabelecidas pelo CNPC para o projeto do Plano Nacional de Cultura. O
conjunto das contribuições dessa Conferência subsidiaria a redação final do Projeto do PNC
antes ser encaminhado ao Congresso Nacional. No relatório da I CNC não consta
informações sobre a Conferência Virtual. De acordo com Silvana Meireles (2018)39, ela de
fato não chegou a acontecer. (2) Seminários setoriais: segundo o regulamento da I CNC, os
seminários seriam promovidos pelo MinC com apoio dos entes federados e entidades não-
governamentais, e deveriam reunir representantes de instituições e movimentos da
sociedade civil de acordo com as suas respectivas áreas de atuação no campo da cultura.
Para tanto, seria necessário que os participantes apresentassem comprovação de atuação na
respectiva área, ou seja, a participação não era aberta a qualquer cidadão como acontecia
nas outras modalidades de conferência. No total, foram realizados seminários setoriais nas
cinco macrorregiões do país, que contou com palestras ministradas por: Durval Muniz de
Albuquerque, em Juiz de Fora (Sudeste); Márcio Meira, em Manaus (Norte); Danilo Miranda,
em Petrolina/Juazeiro (Nordeste); Gilberto Gil, em Cuiabá (Centro-Oeste) e Teixeira Coelho,
em Londrina (Sul). (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2006; 2007a). De acordo com Márcio Meira
(apud ARAGÃO, 2013), a escolha dos locais que sediaram os seminários setoriais tinha a
pretensão de interiorizar os debates e, a delimitação do público em torno da afinidade
temática tinha o objetivo de “[...] equilibrar um pouco essa dose de participação da
sociedade civil, com o cidadão comum e o artista” (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p.131).
Segundo o relatório da I CNC, 581 pessoas se inscreveram nos seminários, sendo eleitos 124
delegados para a etapa nacional, entre representantes de instituições, de movimentos

39
Informação obtida por e-mail em 10 de maio de 2018.
136

sociais e de colegiados de diferentes segmentos: artísticos, de preservação do patrimônio,


gestão de equipamentos culturais, das culturas populares e de ações e políticas dirigidas à
inclusão cultural. De acordo com Lia Calabre (2017; apud ARAGÃO, 2013), palestrante em
todos os cinco seminários setoriais, cada um deles estava sob a responsabilidade de um
integrante da SAI e, como havia receio por parte da equipe de que alguns estados não
realizassem conferências, os seminários tiveram importância ainda maior: “No Rio de Janeiro
a conferência saiu no último segundo, ela saiu depois da macrorregional; na verdade a
secretária de cultura do estado do Rio de Janeiro acabou participando, assistindo o processo
da macrorregional e no último minuto comprou a ideia de fazer” (CALABRE apud ARAGÃO,
2013, p. 143). (3) Conferências Municipais ou Intermunicipais de Cultura: marcada pela
possibilidade de contemplar a participação de qualquer cidadão, sendo a sua realização
responsabilidade do Executivo local. No caso das conferências intermunicipais, eram
realizadas por agrupamento regional de municípios e seguiam os mesmo critérios das
municipais, sendo que o município-sede deveria convocar a conferência com o
consentimento das demais cidades envolvidas. Todas as conferências municipais ou
intermunicipais deveriam anteceder à etapa estadual, obedecendo aos prazos e
regulamentos dos estados, e para serem válidas deveriam ter quórum mínimo de 50
participantes. Os eixos temáticos dessas conferências deveriam seguir o temário nacional,
sem prejuízo das questões locais. Quanto às despesas da realização do encontro e do custeio
do envio dos delegados eleitos para a etapa seguinte, seriam de responsabilidade dos
executivos envolvidos. No caso daqueles municípios integrantes de estados que não
realizassem conferencia estadual, a sistematização dos relatórios da etapa municipal, bem
como a sua validação caberia ao Grupo Executivo Nacional da I CNC, previsto no
regulamento. Segundo o relatório da I CNC, um total de 1.158 municípios e 53.507 pessoas
participaram dessa etapa. (4) Conferências Estaduais de Cultura: sob a responsabilidade de
estados e do Distrito Federal, esses encontros deveriam anteceder a etapa nacional,
conforme prazos estabelecidos no regulamento. Cabia aos estados validarem e
sistematizarem os resultados das conferências municipais do seu território. Os eixos
temáticos das conferências estaduais deveriam seguir o temário nacional, sem prejuízo das
questões locais, e para serem válidas deveriam ter o quórum mínimo de 100 delegados
oriundos da conferência municipal e intermunicipal. As despesas da realização da etapa
estadual e o custeio do envio dos delegados até a Plenária Nacional, em Brasília, deveriam
137

correr por conta dos governos estaduais e do Distrito Federal. De acordo com o relatório da I
CNC, foram realizadas 20 conferências estaduais em 2005 e uma em 2006 (em Roraima),
reunindo um total de 6.294 representantes da sociedade civil e do poder público e 801
convidados, num total de 7.095 participantes. O relatório informa ainda que apesar do
regulamento estabelecer que a etapa estadual só deveria ocorrer após a
municipal/intermunicipal, alguns estados realizaram conferências sem cumprir esse
requisito. (5) Plenária Nacional: última etapa da I CNC que, de acordo com o regulamento,
deveria reunir os delegados eleitos das conferências estaduais, dos seminários setoriais e
das conferências municipais e intermunicipais (nos locais onde não fossem realizadas
conferências estaduais). Vale registrar que segundo o regulamento, os delegados da plenária
deveriam ser representantes do poder público e da sociedade civil na proporção de para
cada um representante do poder público, quatro participantes inscritos da sociedade civil e
de movimentos artísticos. De acordo com Aloysio Guapindaia (2016), a participação da
sociedade civil era fundamental e era preciso estabelecer garantias de sua efetiva presença
em todas as etapas das conferências.

Como é que eu recebo na etapa nacional delegados chapa branca, quer


dizer só de governo, sem articular com a sociedade civil? Isso não
interessava a gente, interessava que as etapas estaduais e municipais
tivessem dentro de uma dinâmica pactuada e comum a todos e o protocolo
de intenção trazia essas intenções no sentido de realização de uma
conferência ampla e democrática. (GUAPINDAIA, 2016)
A Plenária Nacional aconteceu em Brasília, entre 13 e 16 de dezembro de 2005, e
reuniu os delegados eleitos, observadores e convidados que debateram as propostas
oriundas das etapas anteriores. Segundo o relatório da I CNC, participaram da plenária: 640
delegados da sociedade civil; 217 delegados do poder público e 419
convidados/observadores, no total de 1.276 pessoas. Desses dados, destaca-se a expressiva
quantidade de convidados/observadores, que representaram 32,8% do total de
participantes, ou seja, quase 1/3. De acordo com Márcio Meira (2006), tais pessoas tinham
direito a voz nos grupos de discussão, e tudo o que opinavam deveria estar registrado no
Relatório Final do evento. No regulamento da I CNC não há informações sobre a presença de
tais figuras, e nos relatórios da mesma tampouco há referências sobre o perfil, filiação
institucional, município/estado de origem, critério utilizado pelo MinC para selecioná-las,
setor responsável pela expedição de convite etc. Ou seja, há uma zona de incerteza quanto
138

ao efetivo papel desempenhado por essas pessoas ao longo do evento e os motivos pelos
quais tiveram uma presença tão expressiva.

Quanto às discussões na Plenária, elas foram organizadas a partir dos eixos temáticos e
de sub-eixos (em torno dos quais os Grupos de Trabalhos se reuniram), gerando ao final 67
diretrizes. A partir dessas diretrizes foi realizada uma valoração por partes dos delegados
que indicaram o grau de prioridade das mesmas, elencando 30 propostas prioritárias. De
acordo com Márcio Meira (2006), a metodologia de valoração privilegiava a inclusão de
propostas ao invés da exclusão, como geralmente ocorre em conferências, e isso deveria
favorecer os debates em torno do conteúdo de cada uma delas.

[...] a gente chegou à conclusão: não vamos fazer conferência pra ter disputa
de A com B, do grupo do partido tal com grupo, porque conferência tem
muito isso, os movimentos se organizavam, aí tem o movimento das artes
plásticas com movimento não sei do quê, fica disputando na conferência
quem ganha a proposta, como a gente já conhecia essas práticas de outras
conferências, a gente resolveu que nós deveríamos fazer uma metodologia
diferente, que nós queríamos que a conferência fosse de construção de
consenso em torno da cultura, em torno da política cultural como algo
central [...] sair da marginalidade e ir para centralidade do governo. (MEIRA
apud ARAGÃO, 2013, p. 134)
O quadro a seguir reúne as dez propostas mais valoradas por parte da Plenária Final,
parte delas voltadas relativas ao Sistema Nacional de Cultura.
139

Quadro 05: Propostas prioritárias da I CNC


1. Regulamentar as leis dos meios de comunicação de massa.
2. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 150/03.
3. Vinculação orçamentária para a cultura de modo não contingenciável.
4. Garantir a participação da sociedade civil, através de seus fóruns, na discussão da
elaboração da lei geral de comunicação de massa.
5. Implantar o Sistema Nacional de Cultura como instrumento de articulação, gestão,
informação, formação e promoção de políticas públicas de cultura com participação e controle
pela sociedade.
6. Implantar o SNC nas três esferas de governo com conselhos deliberativos, fóruns e
conferências, garantindo: fundos de cultura, orçamento participativo, planos de cultura, censo
de cultura e relatórios de gestão.
7. Implementar um sistema de financiamento diversificado, nas três esferas de governo.
8. Criar um programa nacional de formação cultural integrado ao SNC e ao Plano Nacional de
Cultura.
9. Descentralizar e distribuir eqüitativamente os recursos públicos e privados para a cultura em
todas as regiões do Brasil.
10. Fomentar a criação nos municípios, de Centros de Memória com finalidade de promover
ações de preservação dos bens patrimoniais, materiais e imateriais.
Fonte: Elaboração própria feita a partir do Anexo 02 do relatório analítico da I CNC (MINISTÉRIO DA
CULTURA, 2006)

Algumas questões do desenho da I CNC merecem ser destacadas, a exemplo da


possibilidade de agrupamentos de municípios realizarem conferência (Art.3º, §3º do
regulamento). De acordo com Gustavo Gazzinelli (2016), essa possibilidade foi consequência
da conversa entre a equipe da SAI e da Subchefia de Assuntos Federativos da Secretaria de
Relações Institucionais da Presidência da República (SAFPR), que chamava atenção para a
fragilidade de alguns municípios, sendo importante fomentar a associação entre os mesmos.

Na hora que foi montar a proposta da Conferência tinha a ideia de começar


com conferências municipais ou intermunicipais e aí foi uma influência
muito forte da Secretaria [Subchefia] de Assuntos Federativos que mostrou
para gente o seguinte: existem certa políticas que você não resolve no
plano municipal porque às vezes o município é muito pequeno, e você não
consegue que ele supra vários serviços, por exemplo, de acesso aos bens
culturais, que em tese todo cidadão deveria ter. Então, talvez a maneira de
se resolver isso é fazer consórcio de município. Então, [...] nós
estabelecemos essa ideia que podia ser conferência municipal ou de
associações, de grupos de municípios, de microrregiões, não me lembro
140

exatamente, depois iria para conferências estaduais até chegar na


conferência federal, então isso também implicou na interlocução nossa com
várias pessoas de diferentes lugares do país. (GAZZINELLI, 2016)
A preocupação expressa pela SAFPR também foi contemplada nos objetivos da I CNC,
que conforme regulamento visava, dentre outros, “colaborar e incentivar a associação de
municípios em torno de planos e metas comuns”, algo que, segundo Silvana Meireles (2017)
e Bernardo Mata Machado (2017), chegou a ser fomentado pela SAI por meio de apoio à
formação de consórcios entre municípios40, mas que não avançou. De fato, o tema do
consórcio ou outra forma de associação entre os entes municipais foi algo que praticamente
desapareceu ao longo do processo de construção do SNC; e dada a grande quantidade de
municípios no país, mais de cinco mil, sendo boa parte deles de pequeno porte populacional,
o fomento à articulação entre os mesmos para o desenvolvimento compartilhado de
políticas culturais poderia ter sido algo importante para a implantação do SNC.

Outro aspecto destacável na I CNC foi a possibilidade da desvinculação entre as suas


etapas, ou seja, apesar de ter uma ordem sequencial (primeiro, o nível
municipal/intermunicipal, depois o estadual e por fim o nacional), a não realização de
conferência no nível municipal não impedia a realização no nível estadual e assim
sucessivamente. Algo que era importante diante da não participação de alguns entes, o que
por sua vez, pode estar vinculado à exigência da celebração do Protocolo de Intenções do
SNC. De acordo com o Art. 7º, §12 do regulamento da I CNC:

As Conferências referidas nos incisos III [Conferências Municipais ou


Intermunicipais de Cultura] e IV [Conferências Estaduais e do Distrito
Federal de Cultura], somente constituir-se-ão como habilitadas à 1ª
Conferência Nacional de Cultura, nos Municípios ou agrupamento de
municípios, Estados e Distrito Federal que tenham assinado protocolo de
intenções com a União por intermédio do Ministério da Cultura, que visa ao
desenvolvimento de condições institucionais para implantação do Sistema
Nacional de Cultura. (BRASIL; MINISTÉRIO DA CULTURA, 2005)
Quer seja pela não concordância em aderir ao SNC, quer seja pelo desalinhamento
político-partidário, pelo desinteresse ou impossibilidade de promover conferência, fato é
que sete estados não realizaram conferências estaduais, foram eles: Amazonas, Pará,
Rondônia e Roraima41 (região Norte); São Paulo (Sudeste); Goiás (Centro Oeste) e Sergipe

40
De acordo com Bernado Mata Machado (2017) esse impulso ocorreu na época em que Silvana Meireles
assumiu a direção da SAI, na gestão Juca Ferreira.
41
De acordo com o relatório da I CNC publicada pelo MinC, o estado de Roraima realizou conferência estadual
em 2006.
141

(Nordeste). No caso do estado do Rio de Janeiro, Lia Calabre explica que a resistência era
decorrente da cláusula do Protocolo de Intenções que previa a formação de um conselho de
política cultural paritário, o que não estava contemplando no conselho em vigor naquele
estado, cujo desenho era da década de 70.

A secretaria de cultura não estava disposta a fazer nenhum tipo de


mudança no que diz respeito ao desenho do conselho, o argumento é que
eles consideravam o conselho legítimo e se para acontecer a conferência
tinha que haver a assinatura do protocolo, se a assinatura do protocolo
exigia a alteração do conselho, a conferência do estado não aconteceria.
(CALABRE apud ARAGÃO, 2013, p. 143)
Para solucionar esse impasse, Calabre conta que foi feito uma alteração em algumas
cláusulas do Protocolo, o que permitiu a adesão do estado do Rio de Janeiro: “[...] eles [SAI]
acabaram permitindo a alteração de algumas cláusulas para alguns estados que eles
consideravam estratégicos para estarem presentes naquele momento, e deixando a questão
dos elementos do sistema para o futuro” (CALABRE apud ARAGÃO, 2013, p. 143). De acordo
com Silvana Meireles (2017), a questão da paridade entre representantes do poder público e
da sociedade civil nos conselhos era um elemento de divergência e empecilho de várias
adesões, além disso, “a realização de conferências também não foi consenso, levando o
MinC a estimular a realização de conferencias intermunicipais, nos casos de recusa dos
estados” (MEIRELES, 2017). O município do Rio de Janeiro também apresentou resistência à
assinatura do Protocolo de Intenções e à realização de conferência municipal. De acordo
com Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013), ele e Aloysio Guapindaia foram até o Rio para se
reunirem com o secretário de cultura do município, Ricardo Macieira, porque consideravam
complicada a ausência da cidade nesse processo, que já não contava com o estado de São
Paulo.

[...] aí nós fomos; reunião com ele, a gente falou né, explicamos tudo o
sistema, como é que era a política e tal...[...] ele nem entrou na discussão
do que eu estava falando, ‘o meu orçamento da secretaria de cultura do Rio
de Janeiro é maior do que o orçamento do ministério da cultura, nós
estamos fazendo isso, estamos fazendo aquilo... então nós não precisamos
do ministério da cultura’... aí eu olhei pra ele assim e disse assim, mas
Ricardo acho que você não entendeu que nós viemos aqui, não é o
ministério da cultura que precisa, não é o Rio de Janeiro que precisa do
ministério da cultura, é o Brasil que precisa do Rio de Janeiro, nós estamos
aqui pedindo pra você ajudar o Brasil, nós não estamos aqui pra oferecer
pra você alguma coisa, porque nós não temos o que oferecer pra você.
(MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p. 142).
142

Segundo Márcio Meira (Ibid.), a tentativa de convencimento acabou girando em torno


da importância do município e de que a assinatura do Protocolo de Intenções serviria de
exemplo para milhões de cidades e que, em termos orçamentários, não teria impacto. Ao
final, o município acabou assinando o Protocolo e participando da conferência. De acordo
com Roberto Lima (2016b), apesar dessas resistências houve uma forte adesão à I
Conferência, especialmente de municípios do interior do país.

Um aspecto importante, na minha percepção desse processo, é que havia


uma forte adesão dos ‘interiores’ do país. Em São Paulo, por exemplo,
diversas cidades realizaram conferências municipais ou intermunicipais, e
conseguiram eleger uma delegação significativa para a I CNC sem que o
governo do Estado estivesse participando [...]. (LIMA, 2016b)
Na avaliação de Lia Calabre (2017), esse movimento de adesão por parte dos
municípios pode ser compreendido como um momento único no país, com a colocação do
tema da cultura na pauta do Poder Executivo e Legislativo.

Então, isso permitia, por exemplo, levar para o Legislativo a pauta da


cultura que em muitos municípios e estados passava longe [...], muitos
velhos militantes, novos militantes, produtores, artistas, ativistas culturais
[...] olharam para aquele momento como uma possibilidade de realmente
colocar aquelas questões nas pautas do Executivo e aí eu digo do prefeito,
do governador, porque muitas vezes tinha secretaria, mas era secretaria da
festa, secretaria do evento, então aprofundar essa discussão sobre o lugar
da cultura nas políticas públicas com as outras secretarias nos governos
estaduais e municipais e com legislativo, era vista pelos ativistas com bons
olhos. (CALABRE, 2017)
Nesse sentido, a estratégia da SAI de vincular a Conferência ao Protocolo de Intenções
provocou a convergência de diversos atores no processo de discussão de temas culturais. O
que aconteceu não apenas nas grandes cidades, mas também nas pequenas, um movimento
muito impulsionado pela própria atuação do Ministério da Cultura, cujos representantes,
sobretudo da SAI, estiverem presentes em vários municípios do país. De acordo com Márcio
Meira (apud ARAGÃO, 2013, p. 132), o trabalho da SAI era “[...] missionário, eu fui em todos
os estados pessoalmente, minha equipe foi literalmente mais de uma vez em todos os
estados, às vezes eu ia, depois ia de novo uma outra pessoa da equipe e era uma equipe
pequena [...] e a gente fez essa peregrinação”. Roberto Lima (2016b) recorda que no período
em que esteve na SAI (de março de 2005 a 2007), fez mais de setenta viagens para todos os
estados do Brasil, algo que era estendido a todo o Ministério da Cultura, “[...] inclusive o
ministro, era radicalmente itinerante” (LIMA, 2016b). Depoimento semelhante ao de Aloysio
143

Guapindaia (2016), que comenta que articular o Protocolo de Intenções e trabalhar nas
conferências com uma equipe tão reduzida como a da SAI exigia uma dedicação extrema:
“[...] eu saía de um avião e entrava em outro, dormia numa cidade e amanhecia em outra, e
havia uma época que eu acordava em um hotel e não sabia nem dizer onde eu estava”.
(GUAPINDAIA, 2016).

Além das dificuldades decorrentes do tamanho da equipe da SAI, Gustavo Gazzinelli


(2016) aponta que para realizar a I CNC foi preciso enfrentar muitos problemas dentro do
Ministério: “[...] teve muita dificuldade no começo para viabilizar, teve muita coisa, não foi
fácil [risos], mas a gente acabou conseguindo” (GAZZINELLI, 2016). Segundo Paulo Miguez
(2016), Márcio Meira enfrentou dificuldades para conseguir realizar a primeira conferência
por conta, especialmente, da resistência da Secretaria Executiva. Em relação ao
envolvimento dos outros setores do Ministério, Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014)
relata:

A Conferência Nacional de Cultura foi algo que a SAI esteve sozinha até
quase os últimos minutos. O ministro Gil já próximo dela assumiu algumas
falas a favor da Conferência, se dispôs a ir alguns estados para falar sobre a
Conferência, para participar da Conferência Setorial, mas a Conferência de
fato foi feita pela Secretaria de Articulação Institucional e as demais
Secretarias se envolveram já na última etapa (MEIRELES apud BARBALHO,
2014).
Segundo Roberto Lima (2016b), dentro do Sistema MinC, ele contou especialmente
com o apoio dos secretários Sérgio Mamberti (SID), Celio Turino (SPPC), Orlando Senna
(SAV), José do Nascimento Jr (Ibram) e Antônio Grassi (Funarte). Quanto à participação do
ministro Gilberto Gil no evento, Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013) destaca que a sua
presença atraía muita gente, que a capacidade de conexão de Gil era muito forte e que a
SAI, de maneira geral, buscava sempre aproveitar ao máximo a sua presença:

Então quer dizer, é uma caminhada longa e árdua, então quer dizer,
quando nós fizemos a conferência que foi de 2004 pra 2005, nós já
tínhamos feito todo esse movimento, e aí, é claro, ajudava muito o fato do
ministro Gilberto Gil e o presidente Lula porque era um entusiasmo das
pessoas né, a gente dizia assim, olha eventualmente quando Gil ia nos
lugares então era um, as pessoas iam né, que era o Gil, pra ver o Gilberto
Gil e tal, e ele tinha essa capacidade de emulação muito forte né, então a
gente aproveitava a agenda dele também, por exemplo, o ministro ia numa
região no estado, porque ele ia na verdade com agenda, por exemplo, do
IPHAN ia lá inaugurar uma restauração da Igreja em Minas, no interior de
Minas. Então a gente colava na agenda dele alguma atividade lá, vinculada
à política sistêmica, digamos assim né, estruturante do ministério, então ele
144

ia pra uma coisa que era eventual, uma inauguração importante e tudo,
mas de alguma maneira a gente encaixava muitas vezes agendas também.
Isso foi muito importante e ele defendia e fazia o discurso que estimulava
os prefeitos e os governadores... (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p.133).
A fala estimuladora de Gil em torno do SNC e do PNC pode ser conferida na abertura
do seminário setorial da I CNC realizado em Cuiabá:

Quero convocar a todos para que se somem os esforços no sentido de que


estas especializações, de que os galhos de cada um de nós se juntem numa
grande árvore, na árvore do Sistema Nacional de Cultura, do Plano Nacional
de Cultura. Para que os esforços do pensar sejam cada vez mais unificados,
cada vez mais juntos, para que os resultados destes esforços reflitam os
desejos comuns, os desejos de todos. Vocês estão aqui para tratar destas
questões, as contribuições, as dúvidas, as queixas, os ceticismos e os
sonhos que todos têm com relação ao que deva ser cultura, ao que deva ser
o papel do Estado na cultura, o papel do empresário na cultura, do cidadão
na cultura. (GIL apud MINC, 2007a, p. 10)
Vale registrar que participaram desse seminário vinte secretários estaduais de cultura,
integrantes do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura “[...] que já
existe há muitos anos, que dentre outros é o embrião desta capacidade articuladora,
organizadora, planejadora que queremos que o Sistema Nacional do País dê à nação, dê ao
País” (GIL apud MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007a, p.10).

No discurso realizado em 12 de dezembro de 2005, na abertura da etapa nacional da I


CNC, o ministro Gilberto Gil também destacou o SNC e o PNC, lançando aos participantes
provocações relativas a essas iniciativas.

Espero que, de hoje ao dia 16, quando se encerra a conferência, vocês


possam responder, do modo mais preciso e rigoroso possível, três questões
fundamentais para o futuro do país e da cultura brasileira: 1) O que é, para
que serve, como deve se organizar, como deve funcionar e como deve ser
financiado o Sistema Nacional de Cultura? 2) Qual deve ser a estratégia
para a viabilização do Sistema Nacional de Cultura e que experiências
práticas de SNC podemos empreender já? 3) Que diretrizes devem orientar
a realização do Plano Nacional de Cultura e o funcionamento do Conselho
de Políticas Culturais do MinC? (GIL, 2005b, p. 386)
As falas do ministro Gil acima destacadas reforçam a sua adesão à proposta do SNC,
pelo menos a nível discursivo, algo que não foi mantido pelo ministro seguinte, Juca Ferreira,
que como será visto mais adiante, não contemplava o SNC em seus discursos. Segundo
Márcio Meira (apud REIS, 2008), apesar de o SNC ter sido um compromisso de campanha do
PT, Gil sempre defendeu a ideia e reiteradamente afirmou a sua prioridade para o
145

Ministério, inclusive publicamente. O que não significou, entretanto, a implementação do


mesmo:

Então eu posso dizer para você que a posição oficial do Ministério da


Cultura, que é a posição do ministro, sempre foi uma posição de afirmação,
de apoio, à concepção do Sistema. Agora, até que ponto isso conseguiu se
consolidar plenamente dentro desse conjunto de atores, isso a gente pode
dizer tranqüilamente que isso não se consolidou até o momento, na minha
visão, plenamente. Porque se trata de uma construção, um Sistema não se
faz por decreto, é um processo de construção. Se ele não é visto dessa
forma é melhor não fazer. Então, nesse sentido, a resposta é essa. Acho que
o ministério, o ministro, assumiu, afirmou, mas acho que não só o
ministério, mas o conjunto da sociedade brasileira ainda não consolidou
essa idéia que inclusive é necessária para cumprir a Constituição Federal.
(MEIRA apud REIS, 2008, p. 121-122).
Outros atores entrevistados também falam da importância de Gilberto Gil, como
Gustavo Gazzinelli (2016), para quem o ministro, apesar de ter certa dificuldade de
compreensão sobre o Sistema, teve atuação importante, já que gozava de muito prestígio
“[...] então, ele [SNC] conseguia ser mais bem aceito pelos cabeças dos governos e isso foi
útil pra nós” (GAZZINELLI, 2016). Para Aloysio Guapindaia (2016), apesar de todo conflito
inicial que houve após a nomeação de Gilberto Gil, a sua passagem pelo Ministério foi
positiva: “O ministro Gilberto Gil sempre foi visto como um ministro muito tranquilo,
politicamente muito bem posicionado e muito bem preparado, então o diálogo com ministro
Gil era um diálogo bem mais tranquilo”. (GUAPINDAIA, 2016). Segundo Roberto Lima
(2016b), a construção inicial do Sistema contou com o envolvimento pessoal de Gil e pode
ser considerada uma política que fez parte do eixo estruturante da ação do MinC, ainda que
não fosse a prioridade número um do órgão. Bernardo Mata Machado (2017) também
aponta que Gilberto Gil fez encaminhamentos importantes para o SNC, aceitando criar
inclusive uma secretaria exclusiva para tratar da política, mas “em nenhum momento o
Sistema Nacional de Cultura foi uma prioridade de Gabinete do Ministério” (MATA
MACHADO, 2017).

3.3.2.3 Oficinas do Sistema Nacional de Cultura (2006)

As oficinas do SNC realizadas entre agosto e setembro de 2006, desenvolvidas,


portanto, em época eleitoral, marcaram o final das atividades da SAI na primeira gestão
Gilberto Gil.
146

Dirigidas a gestores públicos e dirigentes culturais de municípios que tinham celebrado


o Protocolo de Intenções ou manifestado interesse em integrar-se ao Sistema, as oficinas
consistiam na realização de um ciclo de 30 módulos cujo objetivo era aprofundar o diálogo
entre o MinC, os entes federados e as entidades da sociedade civil, tendo como marco as
diretrizes para o SNC (LIMA, 2006b). De acordo com informações divulgadas pelo MinC42
(2006), as oficinas eram espaços de informação e articulação voltados a fortalecer a malha
institucional que sustentaria o Sistema; e sua realização contemplaria 30 cidades de
diferentes regiões do país, a exemplo de Blumenau/SC, São Luís/MA, Nova Friburgo/RJ,
Teresina/PI, Aparecida de Goiânia/GO e Santarém/PA.

Segundo Lia Calabre (2006), o projeto das oficinas teve como base o diagnóstico
realizado a partir dos resultados da I CNC, que apontou como uma das demandas a obtenção
de maior acesso a informações sobre a área de atuação do MinC. Neste sentido, parte do
encontro era voltado para tratar das ações e programas do Ministério. Nas oficinas era
também apresentado o processo de implantação do SNC e disponibilizados estudos sobre:
gestão cultural, participação social e direitos culturais, escritos por Isaura Botelho, Marta
Porto, Maria Helena Cunha e Humberto Cunha Filho (CALABRE, 2006).

De acordo com Roberto Lima (2016b), coordenador dessa ação, as oficinas


percorreram diversas cidades de porte médio buscando enraizar e ampliar a capilaridade do
SNC. Em sua opinião:

Todos esses processos de escuta tinham o objetivo de recolher informações


mais consistentes sobre como deveria ser a arquitetura institucional do
SNC, considerando as enormes diferenças e especificidades de cada ‘bacia
cultural’ brasileira, e o diagnóstico que acabamos construindo. Essa era a
orientação do Márcio Meira a todos os dirigentes da SAI. (LIMA, 2016b)
Apesar de serem realizadas em 30 cidades, as oficinas aglutinaram outros municípios
do seu entorno, e ao final, envolveu a presença de 1.738 participantes e 514 municípios
(BEZERRA, 2017).

3.3.3 A dimensão normativa

Concomitantemente ao processo de articulação junto à sociedade civil e aos


representantes de poderes públicos, o Ministério da Cultura intensificou sua atuação junto

42
http://www.cultura.gov.br/por-dentro-do-ministerio/-/asset_publisher/dhdgdV8fiG9W/content/oficinas-do-
snc-72251/10883. Acesso em Maio de 2018.
147

aos deputados e senadores para que um conjunto de normas voltadas à cultura fossem
encaminhadas e aprovadas no Poder Legislativo. A dimensão normativa é, aliás, um dos
marcos da gestão Gilberto Gil, ainda que algumas propostas tenham sido instituídas em
gestões seguintes ou que sigam pendentes de aprovação.

De acordo com Aloysio Guapindaia (2016), nos primeiros anos da gestão houve um
trabalho contínuo de amadurecer o que estava timidamente previsto no A imaginação a
serviço do Brasil e de articular junto a políticos da base aliada do governo a aprovação de
emendas relativas ao Sistema.

Já no final de 2003 veio a implantação da SAI e em 2004 começamos a


trabalhar mais fortemente essa estrutura, e já articulando com a base
aliada, com os nosso deputados e senadores do PT, as emendas
constitucionais necessárias que nós temos hoje. Foi tudo articulado naquela
época, 2004, as emendas constitucionais que a gente considerava
necessárias para implementar o SNC. (GUAPINDAIA, 2016)
Vale ressaltar que, segundo Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013, p.129), as emendas
foram elaboradas no âmbito do governo, mas foram encaminhadas como propostas do
Legislativo, “[...] mas por articulação nossa, do governo e das pessoas que estavam no
movimento antes do governo.”

3.3.3.1 Emenda Constitucional nº 42/2003

Em dezembro de 2003, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 42 que inseriu no Art.


216 da Constituição Federal o §6º, prevendo vinculação de receita tributária a fundos de
cultura de estados e Distrito Federal.

§ 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual


de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária
líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a
aplicação desses recursos no pagamento de:
I - despesas com pessoal e encargos sociais;
II - serviço da dívida;
III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos
investimentos ou ações apoiados.
De acordo com Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013), essa proposta foi feita no âmbito
de uma pequena reforma tributária feita no início do Governo Lula, e isso foi inserido a
partir da atuação do MinC.
148

3.3.3.2 Proposta de Emenda Constitucional nº 150/2003

Em 2003, o deputado Paulo Rocha (PT/PA) e outros43 apresentaram na Câmara dos


Deputados a PEC que propõe acrescentar o Art. 216-A à Constitucional Federal para
destinação de recursos á cultura, estabelecendo que:

A União aplicará anualmente nunca menos de dois por cento, os Estados e


o Distrito Federal, um e meio por cento, e os Municípios, um por cento, da
receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na preservação do patrimônio cultural brasileiro e na
produção e difusão da cultura nacional.
§ 1º - Dos recursos a que se refere o Caput, a União destinará vinte e cinco
por cento aos Estados e ao Distrito Federal, e vinte e cinco por cento aos
Municípios.
§ 2º - Os critérios de rateio dos recursos destinados aos Estados, ao Distrito
Federal, e aos Municípios serão definidos em lei complementar, observada
a contrapartida de cada Ente.
Na justificativa que acompanha a proposta inicial é ressaltado o dever do Estado para
com a cultura, sendo fundamental a sua participação no financiamento continuado da
mesma. Para tanto, tal financiamento deveria ser efetivado por meio da vinculação de
receitas, devendo uma parte ser aplicada pelo órgão federal e uma outra parte ser
transferida aos demais entes federativos, possibilitando o desenvolvimento de programas
nacionais sob a participação conjunta.

Do acompanhamento da tramitação da PEC 150/2003 no site da Câmara dos


Deputados é possível verificar que há um conjunto de iniciativas no Legislativo por parte de
diversos partidos políticos dirigido à questão da vinculação de receitas na área da cultura44.

Em 2014, foi apensada à PEC 150/2003, a PEC 421, de autoria da deputada Jandira
Feghali (PCdoB/RJ) e outros, que propõe aplicação de 2% da receita de impostos no caso da
União; 1,5% no caso dos Estados e do Distrito Federal, acrescido da receita do Fundo de
Participação dos Estados; e nos caso dos Municípios, 1% da receita resultante de impostos
mais a receita do Fundo de Participação dos Municípios. O § 1º estabelece que, dentre os 2%
da União, 20% será transferido aos Estados e ao Distrito Federal, e 30% aos Municípios,
desde que os respectivos entes tenham implementados seus Sistemas de Cultura, condição
inovadora. Essa PEC propõe também que a vinculação da receita seja processual: em um

43
Fátima Bezerra (PT/RN), Gilmar Machado (PT/MG) e Zezeu Ribeiro (PT, BA).
44
PEC 324/2001, da autoria do deputado Inaldo Leitão (PSDB/PB); PEC 427/2001, do deputado Regis
Cavalcante (PPS/AL); PEC 310/2004, do deputado Walter Feldman (PSDB/SP).
149

período de três anos no caso da União, ou seja, até o terceiro exercício financeiro após
promulgação da PEC, e de cinco anos para os demais entes. A transferência de recursos da
União para os demais níveis de governo deverá ser escalonada, sendo 15% para os
municípios e 10% para Estado e DF no segundo ano de vigência da Emenda, e no terceiro
ano 22% e 15,5%, respectivamente. Segundo texto45 que acompanha a PEC 421/2014:

Nesses quase 5 anos de debates e em defesa de um acordo para que a


matéria entre na Ordem do Dia procuramos um acordo entre todos os
envolvidos que viabilizasse essa conquista. Diante das dificuldades
encontradas em avançar junto ao Governo, nos moldes do substitutivo, um
texto alternativo foi elaborado. Seria a única possibilidade de concretizar a
vinculação. Ocorre que, regimentalmente, foi esgotado o prazo para
emendas.
Para ultrapassar este obstáculo, trazemos a presente Proposta de Emenda à
Constituição. Nela também propomos a vinculação de 2%, mas a ser
implementada de forma progressiva. Mesmo a vinculação para Estados e
Municípios se daria paulatinamente. Este o principal objetivo da presente
proposta. Garantir a vinculação, mas fazê-la de tal forma que não impeça a
aprovação de matéria tão relevante para a valorização de nossa produção
cultural. (FEGHALI, 2014)
A PEC 150/2003 e a PEC 421/2014 possuem como referência a vinculação
orçamentária prevista para a área da saúde, que por meio das Emendas Constitucionais
nº29/2000 e nº86/2015 e da Lei Complementar nº141/2012, conseguiu ter acesso a
montantes de recursos mínimos a serem aplicados por parte dos entes federados (15% no
caso dos municípios, 12% nos estados e 15% na União), o que provocou aumento e
estabilização da transferência de recursos da União para os demais níveis de governo, e o
incremento do volume de recursos destinados à saúde. De acordo com Tony Bezerra (2017,
p. 74):

Isso demonstra que a política pública de saúde está se consolidando e


conseguiu entrar na pauta legislativa como uma prioridade. Analogamente,
está em tramitação a PEC 150/2003, que pretende, entre outros fatores,
determinar a aplicação de 2% da receita resultante de impostos federais em
ações e serviços de preservação do patrimônio e produção e difusão
cultural. Embora se esteja propondo, para a cultura, um patamar muito
inferior ao da saúde, está-se enfrentando muitas dificuldades para aprová-
la no Parlamento.
Essa dificuldade, entretanto, não se dá apenas no âmbito parlamentar, mas
especialmente no Executivo, já que não há interesse do governo em vincular orçamento. A

45
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=C10C6B882A9470500523D865
F1C0780A.proposicoesWebExterno1?codteor=1267491&filename=PEC+421/2014
150

trajetória da PEC nº 150/2003 revela claramente esse enfrentamento no âmbito do governo


federal. De acordo com Aloysio Guapindaia (2016), apesar da equipe da SAI ter se articulado
para que a demanda fosse formalizada: “nós sabíamos que ia ser muito, muito difícil de ser
aprovada” (GUAPINDAIA, 2016). A resistência se dava no Legislativo e no Executivo Federal:
“[...] a Presidência da República não tinha interesse, a Casa Civil não tinha interesse, e dentro
da Câmera dos Deputados foi muito difícil pegar um deputado ou um grupo de deputados
que pudessem levar a diante esse processo” (GUAPINDAIA, 2016).

A questão da PEC é a seguinte: não havia durante esses anos todos


interesse por parte do governo de fazer aprovar essa PEC. Nós sabíamos
disso desde o inicio, inclusive nós formos desaconselhados... porque o
Governo Federal, o Governo Lula tinha orientação de não aprovar mais
nenhuma vinculação do orçamento, o que estava vinculado, estava e
acabou. E sempre tinha a discussão de desvincular a receita, mesmo no
Governo Lula e depois Dilma. (GUAPINDAIA, 2016)
João Roberto Peixe (2017) também situa a dificuldade da aprovação da PEC 150/2003
no âmbito do Poder Executivo, mesmo com as mudanças apresentadas pela PEC 421/2014.

a PEC de vinculação orçamentária, o problema é muito mais no Executivo...


a área econômica do governo, independente do partido, não quer
vinculação orçamentária, e, se pudessem retiravam as que tinham, eles não
tiveram força pra retirar, mas também não criaram novas vinculações,
então a PEC 150 ela sempre sofreu aí. (PEIXE, 2017)
A discussão em torno da vinculação orçamentária proposta pela PEC 150/2003 é longa,
tanto que esse é um tema que costuma estar presente quando se debate o financiamento
para a área da cultura. Vale destacar que a possibilidade de vincular receita para a cultura
não goza de consenso nem mesmo entre pessoas filiadas ao mesmo partido, como é o caso
do PT. Por exemplo, para Aloysio Guapindaia (2016) a vinculação das receitas era entendida
pela SAI como uma garantia de se ter um Fundo de Cultura robusto, que possibilitasse o
repasse de recursos para estados, Distrito Federal e municípios por meio de transferência
fundo-a-fundo, daí a importância da medida; já Vitor Ortiz (2017), reconhece a importância
do repasse por meio do Fundo de Cultura, mas não compartilha da ideia da PEC 150/2003:

[...] eu, por exemplo, sempre fui contra essa ideia de vinculação
orçamentária. Eu acho que não teria como impor isso. Tanto é que não
prosperou... tantos anos de defesa dessa ideia e nunca prosperou. E mesmo
que prosperasse, a prefeitura poderia dizer assim: ‘Eu não tenho como
cumprir isso, eu tenho outras responsabilidades aqui no município, eu não
posso’. (ORTIZ, 2017)
151

Em sua opinião, a ideia da PEC 150 foi pensada mais na perspectiva educativa do que
impositiva, pois a ideia era despertar nos outros entes federados a necessidade de investir
alguma coisa na área cultural.

Para Aloysio Guapindaia (2016), a aprovação da PEC exige um empenho político muito
forte, que transborda o Ministério da Cultura, e requer um momento oportuno para ser
encaminhada, o que nunca chegou a se concretizar: “[...] nós tínhamos que construir o
momento político adequado para ela ser aprovada, só que politicamente esse momento
nunca veio até porque o Executivo Federal não apostava nisso” (GUAPINDAIA). Apesar das
dificuldades, alguns atores continuam acreditando na aprovação da medida, como Juca
Ferreira (2018):

Tinha [perspectiva], tinha e um dia será... um índice mínimo em torno de


1%, como a Unesco recomenda no governo federal, 2% nos governos
regionais, eu acho que atingiremos isso... eu estive agora participando de
um seminário organizado pelos franceses e tinha vários secretários
municipais da França na área da cultura, a média na França é 20% do
orçamento municipal para cultura, imagine? aí sim, com 20% você pode
universalizar o acesso, você pode garantir uma estrutura profissional, você
pode garantir serviços... (FERREIRA, 2018)
3.3.3.3 Decreto nº 5.520/2005

Em 24 de agosto de 2005 foi publicado o Decreto nº 5.520 que instituiu o Sistema


Federal de Cultura (SFC) e tratou do funcionamento e da composição do Conselho Nacional
de Políticas Culturais (CNPC). Vale ressaltar que esta normativa foi um ato do Poder
Executivo.

De acordo com esse decreto, o Sistema Federal de Cultura tem por finalidade: (1)
integrar os órgãos, programas e ações culturais do Governo Federal; (2) contribuir para a
implementação de políticas culturais democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes
federados e a sociedade; (3) articular ações para estabelecer e efetivar no âmbito federal o
Plano Nacional de Cultura; e (4) promover iniciativas para apoiar o desenvolvimento social
com pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional. O SFC é
composto pelo Ministério da Cultura, órgão central do Sistema, os seus entes vinculados
152

(Funarte, Iphan, Ancine, CNPC, a Comissão Nacional de Incentivo a Cultura – CNIC46 etc.) e
outros órgãos conforme ato do ministro.

Dentre as competências previstas ao MinC no Sistema Federal estão: (1) estabelecer as


orientações e deliberações normativas e de gestão, consensuadas no plenário do CNPC e
instâncias setoriais; (2) desenvolver e reunir, com o apoio das unidades vinculadas,
indicadores e parâmetros quantitativos e qualitativos para a descentralização dos bens e
serviços culturais promovidos ou apoiados, direta ou indiretamente, com recursos da União;
(3) auxiliar o Governo Federal e subsidiar os entes federados no estabelecimento de
instrumentos metodológicos e na classificação dos programas e ações culturais no âmbito
dos respectivos planos plurianuais; (4) coordenar e convocar a Conferência Nacional de
Cultura.

Dentre os objetivos do Sistema Federal de Cultura, o decreto estabelece: (1) incentivar


parcerias no âmbito do setor público e com o setor privado, na área de gestão e promoção
da cultura; (2) reunir, consolidar e disseminar dados dos órgãos e entidades dele integrantes
em base de dados, a ser articulada, coordenada e difundida pelo Ministério da Cultura; (3)
incentivar, integrar e coordenar a formação de redes e sistemas setoriais nas diversas áreas
do fazer cultural e (4) estimular a implantação dos Sistemas Estaduais e Municipais de
Cultura.

A publicação do Decreto nº 5520/05 é a expressão normativa de ações que estavam


tentando ser implementadas pelo MinC, especialmente pela SAI, no que tange a articular
ações do Ministério com outras instâncias do governo federal. De acordo com Silvana
Meireles (apud BARBALHO, 2014), responsável por promover essa articulação, o trabalho foi
feito inicialmente na perspectiva de colocar a cultura na pauta de outros órgão da
administração pública federal ou articular ações e programas de cultura que por ventura
existissem nos mesmos,

[...] tarefa que não era fácil porque depois a gente percebeu que mais
importante era que nós tivéssemos um programa e pudéssemos objetivar
as demandas para esses ministérios, talvez fosse o caminho mais correto do

46
O Decreto nº 6.973/2009 promoveu alterações no SFC quanto aos seus entes vinculados. Além do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Agência Nacional de Cinema, Biblioteca Nacional, Fundação Casa
de Rui Barbosa, Fundação Nacional de Artes e Fundação Cultural Palmares, foi acrescido o Instituto Brasileiro
de Museus. Por outro lado, o CNPC e a CNIC foram excluídos dos SFC.
153

que está tentando integrar programas já existentes. (MEIRELES apud


BARBALHO, 2014).
Para Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013), o SFC pode ser compreendido como um
instrumento que permite ao MinC mobilizar outros ministérios e órgãos do governo federal
em prol da cultura, o que seria de grande importância considerando o papel do Ministério da
Cultura de “culturalizar o restante do governo para que [...] desenvolva a sua política com
um tempero de cultura.” (MEIRA apud ARAGÃO, 2013, p. 139).

Por sua vez, a criação do SFC está intrinsicamente relacionada com a tentativa da SAI
de instituir o Sistema Nacional de Cultura. De acordo com Gustavo Gazzinelli (2016),
responsável por acompanhar o desenvolvimento e tramitação desse Decreto, a criação do
SFC foi decorrente de uma estratégia pensada junto à Subchefia de Assuntos Federativos e à
Casa Civil. O centro da discussão era que a criação do SNC, por fazer referência aos demais
entes federados, não poderia ser feita por meio de decreto e exigiria um sistema mais
complexo de aprovação envolvendo o Poder Legislativo. Porém, era possível fazer um texto
restrito ao âmbito federal dependendo apenas da articulação do MinC com a Presidência da
República, o que garantiria celeridade na sua aprovação.

[...] na época o pessoal da Casa Civil teve compreensão, e acho que também
da Secretaria [Subchefia] de Assuntos Federativos, que para você criar o
Sistema Nacional de Cultura teria que ser por meio de lei, então eles
tiveram a percepção de que nós não tínhamos condições naquele momento
para isso e aí se trabalhou pela ideia de criar o decreto. (GAZZINELLI, 2016)
Dentro do Ministério, a implantação do Sistema Federal não era uma proposta
unânime. De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014): “[...] enquanto que para
Márcio [Meira] o mais importante era o Sistema Nacional na sua atuação federativa, o outro
grupo entendia que o Sistema Federal era mais importante, pelo menos como primeiro
passo”. Esses posicionamentos distintos em torno do SFC talvez ajudem a explicar o motivo
pelo qual, apesar de dever se ater apenas à esfera federal, o Decreto pontua objetivos e
competências relativas a uma articulação federativa, típica de um sistema nacional. Segundo
Humberto Cunha Filho (2010, p. 81), o referido decreto

redigido sob alguma ‘crise de identidade’, enumera as finalidades do


Sistema Federal de Cultura, mas com pretensões de já estar disciplinando o
Sistema Nacional de Cultura. [...] No mesmo sentido, a curiosa apartação
entre ‘finalidades’ e ‘objetivos’ do SFC enuncia a legítima ânsia dos seus
redatores pela construção do SNC.
154

Na opinião de Bernardo Mata Machado (2017), havia um sentido na criação do SFC


partindo do pressuposto de que o SNC deveria integrar um sistema federal, sistemas
estaduais e sistemas municipais, atendendo ao princípio da autonomia dos entes federados.

[...] na minha opinião, a ideia era que todos os três entes montassem a sua
estrutura. Agora, o ente federal seria o coordenador, óbvio, de todo o
processo e não significava que ele também não tivesse os seus deveres de
moldar a estrutura institucional, de coordenar as comissões intergestores
etc. (MATA MACHADO, 2017).
Uma visão distinta de outros atores: “Essa era uma discussão que o Peixe fazia, ele
achava que tinha sido um erro, porque o Sistema Nacional de Cultura englobava a União,
Estados e Municípios” (MATA MACHADO, 2017). Para João Roberto Peixe (2017), o SFC foi
criado, mas nunca funcionou de verdade, especialmente quanto à participação de outros
ministérios. Além disso, em sua opinião “[...] o Sistema Federal e o Sistema Nacional se
confundem muito e a tendência é de transformar o Sistema Nacional em Sistema Federal, e
isso foi uma preocupação muito minha, até porque eu vinha dos municípios, então eu tinha
outro olhar” (PEIXE, 2017). Sobre essa confusão, Cunha Filho (2010) esclarece que os dois
sistemas são coordenados pela União, mas os objetivos são distintos: o Sistema Nacional
tem o papel de integrar os subsistemas culturais do país e o Sistema Federal, que é parte do
Nacional, é formado unicamente por órgãos públicos dessa esfera de poder.

Destas diferenças decorre que, respeitados os princípios constitucionais


culturais, os órgãos gerenciais do ‘sistema federal da cultura’ podem ficar
sob a gestão de autoridades federais; diferentemente, o sistema geral
merecerá a designação de nacional se a coordenação respectiva for
composta por representação dos diversos segmentos formadores dos
subsistemas de cultura. (CUNHA FILHO, 2010, p. 80)
O SFC tal qual está no Decreto apresenta de maneira difusa elementos que compõem
o SNC, e como já foi pontuado, traz elementos que deveriam estar no âmbito deste último
sistema, a exemplo de subsidiar os entes federados no estabelecimento de instrumentos
metodológicos e na classificação dos programas e ações culturais no âmbito dos respectivos
planos plurianuais (Art. 3º, VII). Nesse sentido, é pertinente a crítica quanto a uma confusão
entre os dois sistemas, ainda mais considerando que como ainda hoje não foi estabelecida
no âmbito do SNC uma coordenação composta por representantes de todos os níveis de
governo, o Ministério da Cultura permanece como único órgão de coordenação nos dois
sistemas – federal e nacional. Interessante observar que em 2010, o MinC publicou o
documento Estruturação, institucionalização e implementação do SNC no qual consta que:
155

“Em razão da arquitetura a ser adotada no SNC não é pertinente a existência do Sistema
Federal de Cultura – SFC”. (MINC, 2010a, p.51). Entretanto, o Decreto nº 5.520/2005 não foi
revogado, e ainda que o Ministério tenha considerado o SFC obsoleto, ele continua
existindo.

O Decreto nº 5.520/2005 trata também da instituição de um novo desenho do


Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), apresentado como órgão colegiado integrante
da estrutura básica do MinC. A sua finalidade é propor a formulação de políticas públicas
visando promover a articulação e o debate dos vários níveis de governo e a sociedade civil
organizada.

Em síntese, a situação dessa instância até 2003 era de fragilidade e esvaziamento,


sendo composta por poucos membros, e todos eles vinculados ao poder público, ou seja,
desvirtuado de seu fundamental papel como esfera pública (CALABRE, 2010b). De acordo
com Márcio Meira (2016a), a problemática do Conselho se destacou no MinC especialmente
quando foram iniciadas as discussões sobre o Protocolo de Intenções que estabelecia, entre
outros elementos, a criação por partes dos entes subnacionais de um conselho de cultura
paritário. Isso suscitou no Ministério um encaminhamento para alterar o desenho do seu
próprio conselho, que deveria ter caráter consultivo e deliberativo e uma composição mais
ampla e paritária entre representação governamental e sociedade civil.

[...] a lei que criou o Ministério da Cultura criou o Conselho Nacional de


Cultura, só que o Conselho tinha sido regulamentado, por decreto, na
época de Fernando Henrique, estabelecendo que o Conselho era formado
na verdade pelo ministro e pelos secretários e presidente das vinculadas do
Ministério da Cultura, esse era o conselho, [...] como é que [...] o Conselho
Nacional de Política Cultural pode ser um conselho chapa branca total? não
tem ninguém da sociedade civil no conselho. (MEIRA apud ARAGÃO, 2013,
p. 130)
Documento publicado pelo MinC (CALABRE, 2006) explica que a reformulação do CNPC
pretendeu inverter a tradição predominante de indicação de personalidades por parte do
Poder Executivo, transferindo a decisão sobre a representação da sociedade civil no
Conselho à própria sociedade. Além disso, esta representação tinha duas dimensões, uma
setorial e outra difusa, por meio da participação de qualquer cidadão na Conferência
Nacional de Cultura. “Ou seja, a sociedade difusa que participa das conferências sinaliza, aos
segmentos setorizados e muito especialmente aos detentores eleitos e comissionados de
cargos públicos, as suas preocupações e aspirações” (CALABRE, 2006, p. 18). De acordo com
156

Gustavo Gazzinelli (2016), o desenho do CNPC pensado na época tinha a perspectiva de ser
formado a partir de uma organização setorial de baixo para cima, tal qual a Conferência
Nacional, onde cada setor faria o seu encontro e a sua agenda para encaminhar e encontrar
com a agenda nacional.

Em síntese, o novo desenho do CNPC contemplou a formação de cinco entes, cujas


competências e composição e foram tratadas no Decreto nº 5.520/2005, com alterações
introduzidas pelos decretos nº 6.973/2009; nº 7.743/2012 e nº 8.611/2015, conforme
resumo abaixo:

Plenário - presidido pelo ministro da Cultura, e em sua ausência, pelo secretário-


executivo. Ordinariamente deverá se reunir uma vez por trimestre, e extraordinariamente,
por convocação do seu presidente. As reuniões serão realizadas em Brasília; e para serem
instaladas precisarão ter presença mínima de 50% dos conselheiros. As decisões do Plenário
serão tomadas por maioria simples de voto, à exceção de situações que exijam quórum
qualificado seguindo regimento interno. Em caso de empate, o voto de qualidade será do
presidente do Conselho. Dentre as competências do Plenário estão: (I) estabelecer
orientações e diretrizes, bem como propor moções pertinentes aos objetivos e atribuições
do SFC; (II) propor e aprovar [...] as diretrizes gerais do Plano Nacional de Cultura (PNC);
(III) acompanhar e avaliar a execução do PNC; (IV) apoiar os acordos e pactos entre os entes
federados, com o objetivo de estabelecer a efetiva cooperação federativa necessária à
consolidação do SFC; (VI) aprovar o regimento interno da Conferência Nacional de Cultura.
Em relação às representações no Plenário, o Decreto nº 8.611/2015 ampliou em número e
em setor/tema o que estava previsto nos decretos anteriores, e em síntese, ficou composto
por: representantes do Poder Público Federal; do Poder Público dos estados e Distrito
Federal, sendo três indicados pelo Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura e um
pelo Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura; representantes do Poder Público
municipal, dirigentes da área de cultura, indicados pela Associação Brasileira de Municípios,
pela Confederação Nacional de Municípios, pela Frente Nacional de Prefeitos e pelo Fórum
dos Secretários das Capitais; representante do Fórum Nacional do Sistema S; de entidades
ou das organizações não-governamentais; representantes das áreas técnico-artísticas (artes
visuais, música popular, música erudita, teatro, dança, circo, audiovisual, literatura, livro e
leitura, arte digital, arquitetura e urbanismo, design, artesanato, moda e cultura hip hop);
157

representantes da área do patrimônio cultural (expressões artísticas culturais afro-


brasileiras, culturas dos povos indígenas, culturas populares, arquivos, museus, patrimônio
material, patrimônio imaterial, capoeira, cultura alimentar, culturas quilombolas, culturas
dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana); personalidades com comprovado
notório saber na área cultural; representante de entidades de pesquisadores na área da
cultura; representante do Grupo de Institutos, Fundação e Empresas; representante da
Associação Nacional das Entidades de Cultura; representante da Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior; representante do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro; e representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Comitê de Integração de Políticas Culturais (CIPOC) – formado pelos titulares das


secretarias, autarquias e fundações vinculadas ao Ministério da Cultura. Tem por
competência articular as agendas e coordenar a pauta de trabalho das diferentes instâncias
do CNPC.

Colegiados Setoriais (antes Câmaras Setoriais) – constituídos por representantes do


Poder Público e da sociedade civil, de acordo com regimento interno do CNPC. Tem por
competências fornecer subsídios para a definição de políticas, diretrizes e estratégias dos
respectivos setores culturais e apresentar as diretrizes dos setores representados no CNPC.

Comissões Temáticas ou Grupos de Trabalho – integrados por representantes do Poder


Público e da sociedade civil. Tem por competência fornecer subsídios para a tomada de
decisão sobre temas específicos, transversais ou emergenciais relacionados à área cultural.

Conferência Nacional de Cultura – constituída por representantes da sociedade civil e


do Poder Público dos entes federados, em observância ao disposto no regimento próprio da
conferência, a ser aprovado pelo Plenário do CNPC. Tem por competência analisar, aprovar
moções, proposições e avaliar a execução das metas concernentes ao Plano Nacional de
Cultura e às respectivas revisões ou adequações.

De maneira geral, a reestruturação do CNPC proporcionou uma mudança contundente


em relação ao modelo anterior com: previsão legal da presença da sociedade civil em
diversos entes do Conselho; representação de diversos setores culturais e com competência
de diferentes tipos, tais como de deliberação, avaliação e fiscalização. Entretanto, a
existência formal de um conselho nesses termos não basta para determinar seu caráter
158

democrático, já que isso vai depender também do ambiente societal e político no qual estão
inseridos (Côrtes 2010). No caso específico do CNPC, no momento pós-publicação do
decreto nº 5.520/2005, havia uma expectativa e uma demanda para que os membros
tomassem posse e o conselho pudesse iniciar suas atividades. Essa, aliás, foi uma das pautas
da I CNC. Na “Carta de Brasília” apresentada no encerramento da Plenária Nacional, consta
como medida fundamental: “3. A elaboração coletiva e ampla, com a participação do
Conselho Nacional de Política Cultural – cuja posse reivindicamos como urgente e necessária
–, seguida da aprovação pelo Congresso Nacional, do Plano Nacional de Cultura [...]”. A
posse, entretanto, só veio a acontecer dois anos depois, em dezembro de 2007. Para Aloysio
Guapindaia (2016), esse atraso se deveu a dois problemas: por um lado, à resistências
internas para se ter um conselho paritário no desenho proposto, conflito enfrentando com a
própria Casa Civil, e, por outro, à dificuldades decorrentes da própria dinâmica de indicação
de representantes para as linguagens artísticas e culturais: “[...] O conselho demorou muito
realmente a ser implantado porque tivemos que superar muitas questões nesse percurso
todo. Qual seria de fato essa estrutura? quais representantes da sociedade civil e em quais
linguagens iriam ter assento?” (GUAPINDAIA, 2016). De opinião semelhante é Lia Calabre
(2017), para quem uma parte do atraso era consequência da complexidade da área cultural
e do desenho do sistema de representação do CNPC:

[...] eu participei da primeira conferência e você já vai começar a ver


disputas e insatisfações no próprio desenho. Por exemplo, o pessoal da
música ou o pessoal de artes, teatro, dança [...] inclusive a disputa, a
reivindicação por desdobramento de cadeiras. (CALABRE, 2017)
Além disso, de acordo com Calabre (2017), havia dificuldades com a representação dos
entes federados: “Como você consegue fazer com que o Conselho, um processo ainda em
constante aprimoramento, efetivamente represente o conjunto dos Estados?” (CALABRE,
2017).

Pelo lado do Ministério da Cultura, também havia dificuldades especialmente quanto


às entidades vinculadas, que já contavam com seus próprios sistemas de representação, o
que criou uma espécie de “[...] processo interno de empoderamento e desempoderamento
das próprias vinculadas” (CALABRE, 2017). Além disso, Roberto Lima (2016b) relata que o
atraso na convocação do CNPC decorreu de um receio expresso por parte da equipe do
159

Ministério de que o Conselho fosse aparelhado por movimentos culturais mais próximos ao
PT:

Outro fator é que alguns dirigentes do Minc temiam um aparelhamento do


CNPC pelos movimentos culturais mais ligados ao PT.
O MinC, como de resto todos os ministérios em qualquer governo em
qualquer tempo, não era um corpo absolutamente coeso, e havia disputa
interna por espaços de decisão, muito embora seja necessário dizer que a
liderança do ministro Gilberto Gil amenizou isso. (LIMA, 2016b)
Em sua avaliação, o Conselho só foi implantado quando os setores artísticos e culturais
conseguiram se organizar para indicar representantes e quando a desconfiança de
aparelhamento por partidos políticos foi atenuada. Na opinião de Lia Calabre (2017), é
importante ponderar que se estava diante de uma proposta nova, que previa um Conselho
com paridade de representação, autonomia e poder de deliberação.

Então, tem também dentro do próprio Ministério dúvidas, inseguranças


que passam pela questão jurídica, pois a gente sabe que os processos da
área pública são morosos [...], mas tem também uma certa resistência das
próprias pessoas que estão nos postos de mando, que pensavam
‘efetivamente, qual vai ser o lugar desse conselho na estrutura?’ É
complexo...(CALABRE, 2017)
De acordo com o servidor público Sergio Pinto (2018):

[Não tomou posse] por causa das disputas políticas interna, ele [CNPC]
estava afastado do Sistema [SNC], quem tomava conta era o Manevy
[Alfredo Manevy], e o Marcio Meira tinha uma força política tremenda e
tinha um confronto sobre essa construção, aí eu acho que é uma besteira
né, todo mundo pensava mais ou menos igual nas ideias e nas propostas,
mas era como implementar...(PINTO, 2018).
Na avaliação de Márcio Meira, feita antes da posse do Conselho em 2007, esse foi um
dos pontos fracos do MinC durante o primeiro Governo Lula.

Eu acho que a gente poderia ter já instalado esse Conselho, já poderia estar
funcionando e ele seria o grande trunfo democrático de participação
popular ativa para consolidar, porque política pública só se consolida com
participação popular. [...] Você tem que ter instituições e o Conselho
Nacional de Política Cultural é uma instituição que foi criada por decreto
presidencial e esse Conselho não funcionou até hoje. Eu espero que até o
final do segundo mandato do presidente Lula esse Conselho seja instalado.
Quando eu estava no ministério eu lutei muito por esse Conselho para que
ele fosse instalado, inclusive foi eu que liderei o processo que levou a esse
decreto 5.520. (MEIRA apud REIS, 2008, p. 124).
Vale destacar que em 2012, já no Governo Dilma Rousseff, o apoio técnico e
administrativo ao CNPC passou a ser feito pela Secretaria de Articulação Institucional, uma
160

mudança importante considerando que até então ele esteve mais próximo à Secretaria
Executiva e à SPC.

3.3.3.4 A Proposta de Emenda Constitucional nº 416/2005

Em 16 junho de 2005, o Deputado Paulo Pimenta (PT/RS) apresentou na Câmara dos


Deputados a PEC para criar o SNC, propondo acrescentar ao texto constitucional o artigo
216-A, nos seguintes termos:

Art. o 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de


colaboração, de forma horizontal, aberta, descentralizada e participativa,
compreende:
I - o Ministério da Cultura;
II - o Conselho Nacional da Cultura;
III - os sistemas de cultura dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
organizados de forma autônoma e em regime de colaboração, nos termos
da lei;
IV - as instituições públicas e privadas que planejam, promovem,
fomentam, estimulam, financiam, desenvolvem e executam atividades
culturais no território nacional, conforme a lei;
V - os subsistemas complementares ao Sistema Nacional de Cultura como o
Sistema de Museus, Sistema de Bibliotecas, Sistema de Arquivos, Sistema
de Informações Culturais, Sistema de Fomento e Incentivo à Cultura,
regulamentados em lei específica.
Parágrafo único. O Sistema Nacional de Cultura estará articulado como os
demais sistemas nacionais ou políticas setoriais, em especial, da Educação,
da Ciência e Tecnologia, do Turismo, do Esporte, da Saúde, da
Comunicação, dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente, conforme
legislação específica sobre a matéria.
Art. 2º. Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação
Interessante observar que a proposta inicial não trazia como componentes
estruturais do SNC instâncias de coordenação do Sistema, e nem as figura do plano de
cultura e da conferência, temas que por sua vez estavam na pauta de debate e atuação do
MinC naquele momento. Tampouco determinava como municípios, estados e Distrito
Federal deveriam instituir seus sistemas, prevendo apenas que fossem constituídos de forma
autônoma e em regime de colaboração. Algo que sofreu uma mudança contundente no
texto que foi aprovado, conforme Art. 216-A, § 2º da Constituição Federal que indica a
estrutura do Sistema em todas as esferas da Federação.

Como houve alterações na proposta inicial do SNC, não será feita uma análise
detalhada da PEC neste momento. Mas vale ressaltar o seu processo de tramitação na
161

Câmara dos Deputados: a proposta foi apresentada em meados de 2005, mas somente a
partir de 2010 foi designada Comissão Especial para proferir parecer sobre o texto. Em 2006
não foi registrada movimentação alguma, e a proposta chegou a ser arquivada em 2007. O
processo de tramitação da PEC 416/2005 será pormenorizado quando da sua aprovação na
Câmara e no Senado, em 2012.

3.3.3.5 A Emenda Constitucional nº 48/2005


A proposta de criar um Plano Nacional de Cultura foi formalizada no âmbito legislativo
por meio da PEC nº306, de 29 de novembro de 2000, da autoria do Deputado Gilmar
Machado (PT/MG) e outros. De acordo com Márcio Meira (apud ARAGÃO, 2013), essa
proposta surgiu do grupo do PT mais vinculado ao tema da cultura que, posteriormente, veio
a se reunir em torno do A Imaginação a serviço do Brasil:

Quem fez essas emendas fomos nós, eu digo nós esse movimento que
reuniu esse pessoal todo aí que eu tô falando. Então nós fizemos [...] a
primeira emenda foi elaborada antes de 2003, foi a do Plano Nacional de
Cultura, o projeto de emenda constitucional foi de iniciativa do legislativo,
do deputado Gilmar Machado, do PT de Minas, ele assinou junto com os
deputados a iniciativa, mas fomos nós, tínhamos feito a proposta, e aí
discutindo com ele, ele apresentou a proposta no congresso (MEIRA apud
Aragão, 2013,p. 129)
O deputado Gilmar Machado pontua, por sua vez, que a proposta do Plano é resultado
da I Conferência Nacional de Educação, Cultura e Desporto, realizada em novembro do ano
2000 pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, que reuniu artistas e
intelectuais. Nesse processo de mobilização verificou-se a necessidade da área cultural ter
um plano, como já existia em outros setores. A partir daí foi formulada a PEC, que veio a
integrar o programa de campanha de Lula de 2002 e foi incorporada pelo Ministério da
Cultura a partir da gestão Gilberto Gil (MACHADO apud REIS, 2008).

A Emenda Constitucional nº 48, de 10 de agosto de 2005, previu a criação do Plano


Nacional de Cultura por meio da adição do § 3º no Art. 215 da Constituição Federal, nos
seguintes termos:

A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,


visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do
poder público que conduzem à:
I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II - produção, promoção e difusão de bens culturais;
162

III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas


múltiplas dimensões;
IV - democratização do acesso aos bens de cultura;
V - valorização da diversidade étnica e regional.
A EC indiciou ainda que o PNC deveria ser estabelecido por meio de lei e, nesse
sentido, um ano após a sua aprovação foi apresentado o Projeto de Lei nº 6.835/2006, de
autoria dos deputados Gilmar Machado (PT/MG), Iara Bernardi (PT/SP) e Paulo Rubem
Santiago (PDT/PE). Dos textos anexos47 à PL destaca-se as referências à I CNC, como fonte de
deliberação das diretrizes que deveriam nortear a política cultural; e ao SNC, apresentado
como novo paradigma de gestão e promoção conjunta de políticas públicas envolvendo os
entes federativos e a sociedade civil. Dentro desse novo modelo de gestão, o PNC foi
colocado como responsável pela operacionalização do Sistema “[...]sintetizando e
ordenando a pactuação de responsabilidades, a cooperação dos entes federados e destes
com a sociedade civil.” O PL do PNC tramitou na Câmara dos Deputados até dezembro de
2010, quando foi finalmente transformado na Lei Ordinária nº 12.343/2010.

Apesar de o texto anexo do PL apresentar a estreita vinculação entre o Plano, a


Conferência e o Sistema, e de Márcio Meira situar a idealização do PNC junto ao grupo do
PT, não coube à SAI ou a um dirigente petista conduzir o processo de formulação do Plano.
A responsabilidade pela sua coordenação coube à Secretaria de Políticas Culturais, nessa
época dirigida por Alfredo Manevy, ex-assessor do secretário executivo Juca Ferreira, e que
em maio de 2006 assumiu a SPC. De acordo com Sérgio Pinto (2018):

O Plano Nacional de Cultura era levado por outra secretaria, que era a
secretaria do Manevy [...], e o Plano estava desalinhado com o Sistema
Nacional de Cultura [...] esse desalinhamento do Plano e do Sistema eles
vinheram necessariamente por falta de alinhamento de uma política
interna no primeiro momento.
Segundo Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), era preciso rever o esboço do
Plano apresentado no PL 6.835/2006, e a coordenação desse trabalho acabou ficando com a
SPC, ao invés de a SAI:

o Ministério achava que esse Plano precisava ser melhor estruturado e


delegou essa tarefa à Secretaria de Políticas Culturais, não à SAI, e
contratou consultores para formatar e apresentar um novo plano que

47
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=384450&filename=PL+6835/200
6
163

substituiria ao apresentado pelos deputados. (MEIRELES apud BARBALHO,


2014).
Em sua opinião, o Plano continuou caminhando, “embora em uma direção um pouco
diferente da imaginada pela SAI, capitaneada pela outra Secretaria” (MEIRELES apud
BARBALHO, 2014). De acordo com Albino Rubim (2010), o fato de o PNC e o SNC estarem
sob a responsabilidade de diferentes setores do MinC, desfavoreceu o imprescindível vínculo
entre Plano e Sistema.

A possibilidade de superação desta triste tradição [instabilidade] depende


em ampla medida da existência, articulação e sintonia fina, entre SNC e
PNC. Mas esta relação não tem sido fluída no Ministério, a começar pela
localização deles em secretarias distintas: SNC, na Secretaria de Articulação
Institucional, e PNC, na Secretaria de Políticas Culturais, e pelos ritmos
diferenciados assumidos por estes processos em decorrência da atuação do
próprio Ministério. Intenso para o SNC até 2005. Forte para o PNC de 2007
em diante. E somente a partir de 2009 um ritmo de desenvolvimento mais
compartilhado e quiçá mais articulado entre estes dois movimentos vitais
para a constituição de políticas de Estado no campo cultural. (RUBIM,
2010a, p.18)
Para Bernardo Mata Machado (2017) esse ritmo diferenciado entre Plano e Sistema,
cuja PEC foi aprovada sete após a do PNC, são “[...] coisas do setor público, que umas coisas
caminham antes das outras, são os mistérios do setor público, o Plano caminhou na frente
do Sistema [...]” (MATA MACHADO, 2017). Em sua visão, isso decorreu porque o PNC tinha
dentro do MinC um peso maior que o Sistema, consequência também do próprio processo
de amadurecimento do Plano, que vinha passando por uma série de seminários e debates
nacionais até ser aprovado.

Sobre os motivos para o PNC e o SNC estarem em secretarias distintas, Gilberto Gil, em
entrevista concedida para o periódico Políticas Culturais em Revista comenta:

Ah, não tenho resposta não, não tenho resposta. Acho que talvez responda
um pouco por isso aquilo que eu falei no início, que eu falei de
idiossincrasias, enfim, de territorialidades, de personalidade, de gestores,
de atendimento a... Enfim, pode ter sido um erro mesmo, inadvertido,
provocado pela necessidade de contemplar aspectos idiossincráticos, ou
por não saber, propriamente. Por ser tudo muito novo, está sendo tudo
numa base ainda experimental e acabou-se fazendo isso. Muitas coisas que
estavam, que foram distribuídas de certa forma mais aleatória, ou em
função de critérios desse tipo que eu citei antes, podem acabar migrando
para suas localizações mais... (GIL apud RUBIM et al, 2008)
Sobre essa resposta, Paulo Miguez (2017), que participou dessa entrevista, comenta
que as tais idiossincrasias citadas por Gilberto Gil podem ser compreendidas como disputas
164

que ambientavam o Ministério da Cultura naquele momento e que envolveu a definição dos
lugares de gestão do Plano e do Sistema: “[...] havia ali uma disputa que fez com que esses
assuntos ficassem em um lugar, e do ponto de vista do desenho institucional não era o
melhor lugar, né?”(MIGUEZ, 2017).

Em entrevista, Gil comenta que em sua visão o PNC seria o responsável por dar
substância ao Sistema, que por sua vez deveria envolver questões para além da estrutura,
articulando conteúdos por meio de programas nacionais e locais. E, nessa perspectiva, o
lugar onde cada política seria coordenada dentro Ministério não teria tanto peso assim.

Ao mesmo tempo eu acho o seguinte: da mesma maneira que a ciência, a


neurociência estão descobrindo que o cérebro não tem localidades... Você
se lembra? Miguez é testemunha de eu dizendo ‘Olha, mais importante do
que planejar, do que gerir com plano é gerir com fluxo’, eu insistia nisso
fortemente, foi uma das noções que eu procurei incutir insistentemente no
Ministério. Eu acho que no fundo, no fundo é irrelevante a questão, se o
Plano está localizado numa Secretaria. Talvez esteja exatamente para isso,
para amenizar, para aliviar a carga de trabalho de uma e de outra. Uma
Secretaria só com duas coisas, duas Secretarias com as duas coisas, na
verdade é uma coisa só. As capacidades gestoras, as mentalidades
gestoras... Tem que compreender isso, não há localidades. (GIL apud RUBIM
et al, 2008)
Em pesquisa sobre a construção do PNC e do SNC durante a gestão Gilberto Gil, Paula
Félix dos Reis (2008) conclui que embora essas políticas tenham sido apresentadas como
complementares, os caminhos de elaboração e implantação das mesmas foram distintos, e a
associação só foi efetivada posteriormente. Para Reis (2008), o início do SNC foi marcado
mais por execução de ações, a exemplo da assinatura do Protocolo de Intenções e da
realização da I CNC, enquanto que o PNC teve por foco a questão normativa, com a
instituição da Emenda Constitucional nº 48/2005 para, só posteriormente, gerar atividades.
Além disso, destaca que o fato de o Plano e o Sistema estarem sob a gestão de secretarias
diferentes, acarretou consequências como: distanciamento da condução entre as políticas
dado o pouco contato e envolvimento entre a SPC e a SAI; e diferentes ritmos de
implantação das duas propostas, com maior intensidade para o Sistema no início do
primeiro Governo Lula, e com destaque para o Plano no segundo mandato, o que poderia
ser comprovado por meio de documentos publicados pelas duas secretarias, onde cada uma
defendia que sua política precisava ser desenvolvida para que a outra fosse concretizada.

Assim, apesar do Sistema e do Plano Nacional aparecer como ‘carne e


esqueleto’ nos discursos e documentos do governo, conforme palavras
165

citadas pelo gerente Gustavo Vidigal [da SPC], o Ministério da Cultura não
conseguiu aproximar de forma satisfatória o processo das duas políticas,
que mesmo tendo objetivos, necessidades e interesses semelhantes,
estranhamente foram conduzidas de forma distanciada no MinC, já no
começo do governo. (REIS, 2008, p. 105-106).
Apesar de a SPC ter sempre conduzido o Plano Nacional de Cultura, a partir de 2012 a
SAI assumiu a responsabilidade de apoiar estados e municípios a produzirem seus planos de
cultura, uma articulação que para Bernardo Mata Machado (2017) passou pelo
estreitamento das relações entre as duas secretarias, ambas dirigidas por membros do PT
nessa época. Além disso, registre-se que após a reforma administrativa do MinC de 2016
(Decreto nº 8.837/2016), a SPC e a SAI foram fundidas, e passaram a dar lugar à Secretaria
de Articulação e Desenvolvimento Institucional (Sadi).

3.4 EXPECTATIVAS PARA O SEGUNDO MANDATO DE LULA DA SILVA

Ao final de 2006, o Ministério da Cultura publicou o Programa cultural para o


desenvolvimento do Brasil no qual apresentou as principais ações realizadas entre 2003 e
2006, e projetou a política cultural a ser desenvolvida entre 2007 e 2010, durante o segundo
mandato de Lula da Silva. Dentre as dez ações estratégicas do Programa, o SNC aparece
como uma de suas prioridades:

1 – Elevar o orçamento da Cultura para 1% do Orçamento da União, para


assegurar o atendimento responsável ao processo cultural brasileiro e
viabilizar a implementação de um conceito federativo, com repasses aos
estados e municípios, visando efetivar o Sistema Nacional de Cultura. [...]. 5
– Desenvolver o Sistema Nacional de Cultura e aprovar o Plano Nacional de
Cultura, como instrumentos de articulação e pactuação entre Estado
brasileiro, em sua dimensão ao mesmo tempo unitária e federativa e a
sociedade. O Sistema Nacional de Cultura, expresso e operacionalizado pelo
Plano, deve ir além da União, estados e municípios: devem compô-lo,
também, institutos, instituições, entidades, setores públicos e privados,
numa lógica colaborativa, de compartilhamento, devidamente instituída,
com direito e obrigações. 6 – Criar um forte Sistema de Informações
Culturais [...]. 7 – Consolidar um sistema diversificado, abrangente e
nacionalmente integrado para o fomento e financiamento da cultura [...].
(MINC, 2007b, p.45-46)
Ainda nesse documento, consta como um dos desafios do MinC o aprofundamento
da articulação com gestores públicos de estados e municípios para “[...] consolidação de um
novo pacto federativo com definições mais claras e pactuadas de responsabilidades e
direitos entre os entes federados na gestão cultural” (MINC, 2007b, p. 49). Isto, de fato, não
166

foi desenvolvido ao longo desse primeiro período de governo. De acordo com Gustavo
Gazzinelli (2016), pensar nas questões relativas às competências e ao papel de cada ente
federado na estruturação do Sistema passava pelo aprofundamento das agendas setoriais, o
que não foi possível fazer juntos aos órgãos do MinC.

Dificilmente você conseguiria definir claramente essa divisão de


responsabilidades se você não estabelecesse um diálogo interno dentro dos
setores para ver quais eram as prioridades deles. [...] no período do Márcio
Meira, nós não conseguimos avançar muito nessas agendas específicas.
Esse foi um trabalho que a gente tentou fazer internamente com diferentes
setores dentro do Ministério da Cultura, mas aí eu acho que também tinha
muita gente com agenda própria, que não tinha essa compreensão
sistêmica. [...] Você teve agendas próprias, algumas concorrendo com
outras dentro do próprio Ministério (GAZZINELLI, 2016)
Para Gazzinelli, esse não foi, entretanto, o principal problema do SNC na época. A
maior dificuldade, em sua opinião, foi a falta de investimento do MinC na política, o que
implicou na impossibilidade da SAI de dar retorno efetivo aos entes federados que haviam
firmado o Protocolo de Intenções: “[...] a gente criou uma condição para implantar o
negócio, só que na hora que você vai implantar, você precisa de munição, não adianta você
ter as armas, só as assinaturas, aí complicou” (GAZZINELLI, 2016).

Sobre a adesão dos entes federados ao SNC ao final da primeira gestão Gilberto Gil, a
situação era a seguinte: 34,5% dos municípios e 74% dos estados brasileiros tinham aderido
ao Sistema, conforme Tabela 01.

Tabela 01 – Adesão dos entes federados ao SNC em 2006

Região Municípios Total de % Estados/DF no Total de %


no SNC municípios SNC estados
Centro- 137 466 29,36% 4 (DF, MS, MT, 4 100%
Oeste GO)
Nordeste 464 1.793 25,87% 7 (AL, BA, CE, 9 77,77%
MA, PB, PE, PI)
Norte 45 449 10,02% 3 (AC, AP, TO) 7 42,85%
Sudeste 727 1668 43,58% 3 (ES, MG, RJ) 4 75%
Sul 547 1188 46,04% 3 (PR, RS, SC) 3 100%
Total 1920 5.564 34,5% 20 27 74%
geral
Fonte: Elaboração própria feita a partir de Ministério da Cultura (CALABRE, 2006); IBGE (2005)

A adesão em torno do Sistema Nacional de Cultura apresenta um percentual nada


desprezível considerando que era uma política nova, que só começou a ser disseminada em
167

grande escala em 2005, com a I CNC. Entretanto, apesar de ter esse reconhecimento
nacional, a SAI não conseguiu desenvolver ações de contrapartida aos estados e municípios
que tinham firmado o Protocolo de Intenções. De acordo com Gazzinelli (2016), durante
toda a gestão Gil a SAI enfrentou muitas dificuldades para atuar: “as coisas tinham que ser
arrancadas para acontecer” e, em sua opinião, parte disso era derivado da relação difícil que
eles tinham com o secretário executivo Juca Ferreira:

O Juca, eu acho que por duas razões: primeira, porque ele não entendia o
projeto, e talvez até hoje não entenda. Segundo, porque eu acho que ele
via nesse projeto uma perspectiva de empoderamento de um outro grupo
que em algum momento vislumbrou a posição dele, e esse grupo era
representado especialmente pelo Márcio Meira. (GAZZINELLI, 2016)
Na opinião de Paulo Miguez (2017), o SNC poderia ter aproveitado muito mais da
figura de Gilberto Gil enquanto ministro se não houvesse ocorrido tanta divergência interna.

[...] acho que o momento inicial [do Sistema Nacional de Cultura] foi muito
difícil porque se essa clivagem não tivesse estabelecido, o primeiro
momento poderia ser um momento melhor aproveitado do ponto de vista
do capital simbólico de Gil, todo mundo fala e tal, mas as pessoas às vezes
não se dão conta do tamanho desse capital simbólico, abria qualquer
porta...[...] Caetano é que dizia de forma muito apropriada o ‘Gil é o Lula do
Lula’, é aquele cara capaz de fazer a diferença. (MIGUEZ, 2017)
Para Guapindaia (2016), parte das dificuldades para o desenvolvimento do SNC foi
decorrente de conflitos internos, mas ressalta que isso fazia parte do jogo democrático e o
saldo foi positivo.

E isso fazia parte do jogo democrático, do processo de construção mesmo,


não considerávamos que essa disputa era uma disputa que iria criar algum
efeito negativo ao nosso trabalho, [...] mas de qualquer maneira isso dava
muito trabalho para todos nós também...para você superar as divergência
políticas e chegar a um acordo, mas foi uma construção muito rica de
qualquer maneira. (GUAPINDAIA, 2016)
Sobre as divergências internas, Márcio Meira afirma que apesar de existirem, havia o
desejo comum dentro do MinC de fortalecer a política cultural de Estado:

No ministério sempre teve essas diferenças, o que é natural, nenhum


governo é monolítico, nenhum órgão é monolítico, tem diferenças,
divergências, mas nada que fosse mais forte do que a vontade de fortalecer
uma política cultural de Estado. Nisso nós todos sempre tivemos acordo lá
do ministério, dentro das nossas diferenças. Dizer que não há diferenças
dentro do Ministério da Cultura seria uma hipocrisia da minha parte, mas
não vejo essas diferenças como algo impeditivo dessa visão geral,
importante, que é o fortalecimento da política cultural como política
pública de Estado. (MEIRA apud REIS, 2008, p.123)
168

Para Meira (2016a), a passagem de Gilberto Gil pelo MinC, com a sua capacidade de
liderança, foi um dos melhores momentos que o órgão vivenciou desde sua criação. Segundo
o ex-secretário, durante a transição do governo FHC para o governo Lula, o programa A
imaginação a Serviço do Brasil foi oferecido ao ministro como uma contribuição do acúmulo
petista para a nova gestão, o que teria sido acolhido por parte de Gil: “O novo ministro não
somente acolheu aquela plataforma como a ampliou, acrescentando-lhe a sua própria marca
‘tropicalista’ e conferindo-lhe uma visibilidade jamais imaginada, tanto no Brasil quanto no
meio internacional.” (MEIRA, 2016a, p. 139). Segundo Meira (2016a), Gil soube reunir laços
políticos variados e renovar e fortalecer o projeto do PT. De opinião semelhante é Hamilton
Pereira (2018), para quem, depois da criação do Ministério da Cultura, o fato mais relevante
foi a política implementada por Gilberto Gil e Juca Ferreira, mesmo com as tensões do
período “[...] as naturais tensões que ocorreram foram reduzidas ao seu peso real:
contradições inevitáveis em um corpo heterogêneo, mas focado em tornar realidade uma
proposta inovadora de Política Pública de Cultura para o país.” (PEREIRA, 2018). Em sua
avaliação:

Avalio que a experiência prática de Gilberto Gil/Juca à frente do Ministério


surpreendeu os mais céticos e cumpriu um duplo papel no curso do
governo Lula: conferiu extraordinária visibilidade a um Ministério
sabidamente de segunda ou terceira linha para o país e para o exterior
ancorado no perfil do seu titular; e, em segundo lugar, mas não menos
importante, conduziu a Política Pública de Cultura mais democratizante que
já experimentamos, não apenas no sentido de ampliar o acesso aos bens e
serviços culturais, mas no sentido de estimular e abrir espaço para a
diversidade das identidades culturais do país e da produção cultural popular
ignorada pela indústria do entretenimento, pela pasteurização imposta
pelos critérios de mercado. (PEREIRA, 2018)
Possivelmente esse entendimento sobre a importância do papel do Estado na
condução das políticas culturais, expresso em vários discursos proferidos por Gilberto Gil,
Juca Ferreira, Márcio Meira etc., tenha sido um fator relevante para a coesão que o
Ministério da Cultura externava, apesar de todas as tensões internas. De acordo com Silvana
Meireles (apud BARBALHO, 2014): “[...] quando se estava diante de municípios, de
secretários, sociedade civil, o Ministério tinha essa característica, que sempre me chamou a
atenção, era muito coerente e todo mundo defendia todos os projetos, inclusive o Sistema”.
Sobre isso, João Roberto Peixe (2017) recorda que quando era secretário de Cultura do
169

Recife, percebia que apesar das disputas internas no MinC, havia uma imagem de conjunto
passada pelos dirigentes:

uma coisa que eu via como muito positiva na gestão de Gil [...] tinha muita
briga ali, era muita disputa interna, e quando o pessoal comentava, eu
falava: ‘rapaz, não adianta, todo mundo aparece bonitinho, em conjunto,
todo mundo acha que tá tudo unificado’ e nesse ponto eu acho ótimo, é um
ponto positivo do Ministério. (PEIXE, 2017)
Voltando à publicação do Programa cultural para o desenvolvimento do Brasil, o
documento sinalizava que o Sistema Nacional de Cultura permaneceria na pauta do MinC
enquanto uma das suas políticas prioritárias a ser desenvolvida ao longo do segundo
mandato do presidente Lula da Silva. De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO,
2014):

[...] a conversa na SAI era ‘bom, tudo indica que vem por aí mais uma
gestão, e agora a gente precisa estruturar o Sistema, porque a ideia está
disseminada, já tem uma adesão expressiva, mas a gente precisa avançar’,
então já começaram a debater [...] o que precisava ser estruturado, e foi
interrompido. (MEIRELES apud BARBALHO, 2014).
A interrupção dos trabalhados conduzidos e planejados pela SAI se deu no período do
segundo mandato do presidente Lula, quando a equipe foi desestruturada com a saída de
praticamente todos os seus integrantes, como será desdobrado no próximo capítulo.
170
171

CAPÍTULO 04 - O SNC NAS GESTÕES GILBERTO GIL E JUCA FERREIRA (2007-2010)

O período de transição entre o primeiro e o segundo mandato do presidente Lula foi


marcado por tensões decorrentes da incerteza da continuidade de Gilberto Gil à frente do
MinC e da possibilidade da nomeação de outra pessoa assumir o cargo. Segundo Silvana
Meireles (apud BARBALHO, 2014), à medida que se aproximava o período das eleições para
a presidência da República, as tensões dentro do MinC aumentavam e se agravaram com a
reeleição de Lula e com o convite para Gil continuar como ministro. De acordo com Gustavo
Gazzinelli (2016), como Gilberto Gil demorou em se manifestar sobre a sua continuidade no
cargo, o grupo do PT passou a reivindicar o espaço:

[...] ele [Gilberto Gil] ficou numa posição, meio que esperando ver como é
que fica, e o pessoal do PT na época sentiu que tinha legitimidade para
reivindicar o espaço político, às vezes até a cabeça do Ministério se o Gil,
por ventura, não topasse continuar. Como ele não se posicionava, esse
grupo não esperou e acabou se organizando. (GAZZINELLI, 2016)
Paralelamente, artistas, produtores, intelectuais, membros do governo etc.
manifestaram publicamente o desejo de que Gilberto Gil permanecesse no cargo, momento
que ficou conhecido como Fica Gil, e que envolveu a entrega ao ministro de uma carta
assinada por mais de 300 artistas pedindo a sua permanência no Ministério. O
reconhecimento do trabalho feito durante o primeiro mandato de Lula, com os resultados
positivos da gestão, e esse movimento em torno de sua continuidade, proporcionaram a
Gilberto Gil condições de negociar e alterar com liberdade quadros importantes do
Ministério, inclusive vinculados ao PT (REIS, 2008). Segundo Vitor Ortiz (2017): “[...] o Lula
pediu para o Gil ficar e o Gil colocou algumas condicionantes e dentre essas condicionantes
estava trocar uma parte da equipe”. Assim, no início de 2007, Antônio Grassi, presidente da
Funarte, e Márcio Meira, secretário da SAI, foram exonerados dos seus respectivos cargos.

De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), na transição do primeiro para o


segundo governo, o PT apoiou o nome de Antônio Grassi para assumir o MinC, e aí quando
Gilberto Gil iniciou o segundo mandato, não havia mais condições de alguns dirigentes se
manterem no órgão. Sobre esse período, Ana de Hollanda (2017) relata:

Depois da eleição do Lula, na mudança de governo, muita gente foi


mandada embora. Eu trabalhava com Antônio Grassi que era presidente da
Funarte e, como eu tinha sido convidada por ele, e ele foi exonerado,
172

também não me senti mais à vontade em permanecer. O clima no


Ministério já não estava tão bom. Na verdade, ele estava mesmo muito na
mão do Secretário Executivo, Juca Ferreira, e a relação dele com a gente, da
Funarte, era muito difícil então eu mesma pedi demissão. (HOLLANDA apud
ROCHA, OLIVEIRA E BARBALHO, 2017, p. 329).
Segundo Bernardo Mata Machado (2017): “[...] o Juca na verdade era o polo da
discórdia do grupo do PT, não era o Gil, que estava um pouco acima dessas disputas, né?”,
opinião compartilhada por Paulo Miguez (2017), para quem os embates não contavam com
a participação do ministro.

[...] havia essa disputa ali muito fortemente colocada, disputa da qual o
ministro não participava, Gil dizia ‘meu partido é o PS, Partido do Servidor e
o PC que é o Partido da Cultura’...ele nunca discriminou ninguém por ser do
partido A, B,C... ele queria que as coisas funcionassem e quem comandava
mais esses embates era a Secretaria Executiva diretamente. (MIGUEZ,
2017)
Aloysio Guapindaia (2016) também interpreta a situação nesse viés:

A saída do Márcio Meira não foi tranquila porque ele foi exonerado pelo
Juca. [...] o Juca convenceu o Gil que tinha que tirar todos os petistas,
depois o próprio Juca se torna ministro com a saída do Gil, mas todos os
petistas foram exonerados do Ministério, só o Sérgio Mamberti
permaneceu [...] O Juca considerou que os petistas estavam articulando
para derrubar o Gil, aliás, ele sempre tinha esse pensamento, era
permanente. (GUAPINDAIA, 2016)
Sobre esse período, Juca Ferreira (2018) comenta que a tensão decorreu da resistência
por parte do setorial de cultura do PT ao seu nome e ao de Gilberto Gil para dirigirem o
MinC. Também considera que existia uma valorização exacerbada por parte desse grupo do
PT ao documento de campanha A Imaginação a serviço do Brasil, enquanto projeto político
que deveria orientar o MinC.

[...] [A Imaginação a serviço do Brasil] não era nada que pudesse de fato ter
aquele significado que eles queriam, na verdade, eles queriam submeter o
processo do Ministério a uma... quando eu digo eles, eu estou dizendo o
setorial de cultura do PT [...] era uma visão política pequena, estavam
diante de uma possibilidade de viver o processo que nós vivemos de uma
riqueza enorme, e ficavam ali numa insistência infernal de valorização de
algo que eles haviam produzido... isso fazia parte de uma disputa porque
eles nunca aceitaram Gilberto Gil como ministro, porque eles tinham até
nomes para isso, e muito menos que eu substituísse Gil. (FERREIRA, 2018)

Especificamente sobre o A Imaginação a serviço do Brasil, Juca Ferreira (2018) afirma


que o programa de campanha não interferiu na gestão:
173

[...] aquele documento [A imaginação a Serviço do Brasil] não teve


interferência na construção do Ministério da Cultura do governo Lula, os
petistas tinham como referência principal e faziam um cavalo de batalha,
mas se você ler com calma as referências do documento, eram pinceladas
de tinta guache, com muito pouca capacidade de interferir nos processos
reais que nós tínhamos...eu inclusive sugeri um certo momento que Gil
lesse para diminuir a tensão política e fizesse um elogio ao documento e tal,
porque de alguma maneira era o único partido que tinha um projeto para a
cultura, o projeto era razoável do que está expresso ali no documento.
(FERREIRA, 2018)
O não reconhecimento de Juca Ferreira ao principal projeto político dirigido à cultura
feito pelo PT vai exatamente ao encontro da interpretação sobre esse momento do
Ministério formulada pelo pesquisador Alexandre Barbalho (2014a, p. 195):

A saída de Meira deve ser lida dentro da disputa interna ao MinC entre o
grupo mais afinado aos programas de governo e aqueles agentes que não
se sentiam compromissados com tais formulações, mesmo que não
discordassem necessariamente de todas elas.
De fato, pelas falas de alguns atores e do próprio Juca Ferreira percebe-se que não
chegava a existir oposição generaliza às formulações expressas no programa. Entretanto, na
opinião de Ferreira (2018), ainda que todos os envolvidos no Ministério compartilhassem da
mesma visão conceitual, a dimensão da política cultural desenvolvida por ele e Gil ao longo
da gestão possuía outro grau de complexidade.

[...] aos pouco eles [do setorial de cultura do PT] foram vendo que o que a
gente estava fazendo era dentro da mesma inflexão conceitual, mas muito
mais complexo e generoso e com muito mais resposta porque não era
tirado nem da manga do colete, nem da cabeça da gente, era uma
construção onde nós dialogamos com conjunto de atores e protagonistas
da cultura, fomos afirmando qual era o universo da cultura, ampliamos o
conceito de cultura, qual era o universo que cabia o Estado, como construir
política em cada área, esse processo gerou uma capacidade de formulação
bem maior e acabou até a tensão se mantendo muito mais pela disputa de
poder, a vontade de assumir ali diretamente através de seu próprio quadro
do setorial da cultura...(FERREIRA, 2018)
Sobre a exoneração de parte do grupo do PT, Armando Almeida (2018) – que
trabalhou com Gil e Juca Ferreira na Fundação OndaAzul e, dentro do MinC era um dos
assessores do secretário executivo –, comenta:

[...] Gil tinha dito que só ficaria uma gestão e aí Gil disse que iria sair e Lula
insistiu que ele ficasse e aí nesse momento Juca teve certamente um peso,
e eles todos sabem disso, e daí porque esse ódio pra cima de Juca, é que
Juca teria dito para Gil: ‘olhe, a gente continua, agora, a gente não pode
trabalhar desse jeito, a gente tem que ter mais aliados ao nosso redor’ e aí
174

pediu a saída de Márcio Meira, pediu a saída de Grassi e Lula autorizou, e


eles ficaram sabendo disso... (ALMEIDA, 2018)
Sobre esse episódio, Juca Ferreira (2018) declara que a decisão de exonerar Márcio
Meira e Antônio Grassi foi do próprio Gilberto Gil e que não havia propósito algum de
despetizar o Ministério como algumas pessoas diziam.

[...] alguns desses do setorial, desses militantes, eles nunca aceitaram o Gil
e conspiravam abertamente, às vezes falavam em reunião pública tentando
desmerecer o que estava construído, chega um ponto que há uma quebra
de confiança e esses dois que você citou [Antônio Grassi e Márcio Meira] foi
na passagem do primeiro para o segundo governo e foi uma demanda de
Gil, ele disse ‘olha, eu recebo muita informação de artistas e pessoas da
área cultural que essas pessoas estão falando de mim, não podem fazer
parte da equipe nesse nível’, e aí saíram, não havia despetização não, isso aí
é bobagem, esse conflito eu não levo muito a sério não porque, na verdade,
havia o desejo de substituir Gil. (FERREIRA, 2018)
De fato, apesar das saídas de Meira e Grassi, e de pessoas que trabalhavam com os
mesmos, outros petistas que ocupavam importantes cargos permaneceram no Ministério, a
exemplo de Sergio Mamberti (SID) e de José do Nascimento Júnior (Ibram). De acordo com
Armando Almeida (2018):

José do Nascimento Júnior era um dos maiores opositores a Juca [...], mas
ele foi um cara competente, isso ninguém pode negar. E o Ibram surge
junto com ele, e ele conduz muito bem o Ibram dentro das parcas
condições [...] então, os conflitos eram fortes com Nascimento, mas temos
que reconhecer que Nascimento foi um bom gestor do Ibram.
E sobre a permanência de Sérgio Mamberti, Almeida (2018) comenta que apesar dele
ser do PT, era uma pessoa com quem eles conseguiam manter conversação: “[...] embora ele
trabalhasse contra, Sérgio é mais light...com Sérgio dava pra conversar, o problema com
Sérgio era mais [...] era mais de gestão [...], mas com ele dava para conversar, não tinha uma
animosidade...” (ALMEIDA, 2018). Para Vitor Ortiz (2017), houve uma espécie de escolha que
culminou com a saída de uns e não de outros do PT, a exemplo da permanência de Sergio
Mamberti, “[...] que era um pessoal que tinha mais proximidade, vamos dizer assim, mais
afinidade política com o modo de pensar do Juca”. (ORTIZ, 2017)

O descontentamento de representantes do PT com toda essa situação veio a público


por meio de nota divulgada pela Secretaria Nacional de Cultura do Partido:

Salta aos olhos a contradição entre a avaliação interna e externa altamente


positiva do desempenho dos dois [Márcio Meira e Antônio Grassi] [...] e a
disposição do Ministério, confirmada pela imprensa, de demiti-los [...]. A
condução dada por Márcio Meira e sua equipe às atividades da SAI
175

resultou, depois de um árduo processo de diálogo com secretários de


Cultura de Estados e Municípios, na assinatura do protocolo que abre
caminho para a constituição pactuada do Sistema Nacional de Cultura, [...]
Trata-se, portanto, do afastamento de dois servidores competentes,
comprometidos com o programa apresentado pelo Presidente Lula ao
Brasil, que ao longo dos quatro anos de governo sempre foram leais ao
Presidente e ao Ministro da Cultura. [...] Manifestamos nosso total
desacordo, no mérito e na forma. (SECRETARIA NACIONAL DE CULTURA DO
PT, 2007)23.
Vale destacar que a articulação do MinC com estados e municípios relatada na nota
acima divulgada, foi justamente um dos argumentos utilizados por algumas pessoas que
pediam a continuidade de Gilberto Gil como ministro, no época do Fica Gil. Exemplo disso
pode ser observado na matéria publicada pelo Jornal do Tocantins24, em 04 de novembro de
2006, onde o presidente da Fundação Cultural desse estado, Júlio César Machado, aponta
que a relação com o governo federal estava na sua melhor fase, e onde a presidente do
Conselho Municipal de Cultura de Palmas/TO, cita expressamente ações vinculadas ao
Sistema Nacional de Cultura, e pede a continuidade das pessoas do MinC e dos rumos dados
pelo órgão a partir de 2003:

A presidente do Conselho Municipal de Cultura, Kátia Maia Flores,


complementa Machado dizendo que o Tocantins nunca teve tanta
aproximação com a gestão do ministro Gilberto Gil. 'Ele fez um trabalho de
articulação com o Sistema Nacional de Cultura. Não tratou de ações
pontuais, mas tentou organizar a cultura em um sistema', explica. [...]. De
acordo com Kátia, é preciso não só manter as pessoas, mas os rumos que o
MinC deu nestes quatro anos para a cultura brasileira. [...]

4.1 A DESARTICULAÇÃO DA SAI NA GESTÃO GIL

Apesar da permanência de Gil, os rumos do Sistema Nacional de Cultura foram


alterados com a desarticulação da equipe da Secretaria de Articulação Institucional após a
exoneração de Márcio Meira, que em seguida assumiu a presidência da Fundação Nacional
do Índio (Funai), em março de 2007. Duas avaliações podem ser feitas dessa situação: ainda
que Meira tenha sido um importante ator dentro do PT, de ter sido um dos coordenadores
da campanha de Lula na área da cultura e de ter composto inclusive a equipe de transição

23
Disponível em:<http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/pt-divulga-nota-criticando-demissoes-na-
funarte/>. Acesso em 20 mai. 2017
24
“Artistas não querem mudanças no MinC”, por Elisangela Farias. Disponível em: <
http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/artistas-nao-querem-
mudancas-no-minc-81494/10883/maximized>. Acesso em 23 mai. 2018
176

entre o governo FHC e governo Lula, isso não evitou sua exoneração; por outro lado, isso
não significou que a sua relação com a alta cúpula do governo tenha se fragilizado, já que ele
deixou a SAI para assumir a presidência da Funai. A Funai é o órgão do governo federal
responsável pela proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas do Brasil, o que
envolve a demarcação de terras e a regularização fundiária de áreas indígenas, indo de
encontro aos interesses de grandes latifundiários, empresários do agronegócio, companhias
exploradoras de minério etc. Ou seja, um órgão que enfrenta grandes opositores. A
nomeação de Márcio Meira, antropólogo de formação, para a presidência da Funai expressa,
nesse sentido, o reconhecimento de sua capacidade para atuar em relações de conflito e a
confiança que possuía junto ao alto escalão do governo.

Sobre os demais integrantes da SAI, os destinos após esse episódio foram: Aloysio
Guapindaia seguiu para a Funai, junto com Márcio Meira; Roberto Lima assumiu a assessoria
da Diretoria Colegiada da Ancine25 (2007 a 2013), permanecendo, portanto, vinculado ao
Ministério da Cultura; Gustavo Gazzinelli retornou a Belo Horizonte, onde desenvolveu
projetos nas áreas do meio ambiente e da cultura, mas sem vínculo com o MinC; e Silvana
Meireles assumiu a Chefia de Gabinete da Secretaria Executiva do MinC à convite de Juca
Ferreira. A aproximação de Meireles com essa Secretaria foi consequência de sua atuação na
SAI, que envolvia a articulação com vários dirigentes do Ministério: “[...] é o que justifica a
minha aproximação com a Secretaria Executiva porque chega um ponto que todas as
negociações ou projeto que envolvia a Secretaria Executiva era minha coordenação quem
assumia.” (MEIRELES apud BARBALHO, 2014). Para Silvana Meireles, esse trabalho “na
fronteira entre as duas secretárias” deve ter motivado o convite de Juca Ferreira: “[...] eu já
estava pronta pra ir embora, quando recebi um convite pra permanecer e exercer a chefia
de gabinete do então secretário executivo que se mantinha Juca Ferreira”. (MEIRELES apud
BARBALHO, 2014)

Relatos sobre o período que se seguiu à desestruturação da equipe da SAI indicam que
o Sistema Nacional de Cultura ficou praticamente paralisado por mais de um ano (PEIXE,
2017; MATA MACHADO, 2017; MEIRELES, 2017). De acordo com Silvana Meireles (apud
BARBALHO, 2014):

25
A Ancine é uma autarquia especial vinculada desde 2003 ao Ministério da Cultura. Enquanto agência
reguladora, ela tem como atribuições o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do
audiovisual no Brasil.
177

[...] com a saída de Márcio, isso termina passando por uma desestruturação
[das atividades da SAI], primeiro saiu seu principal defensor, ficou
dominando no Ministério um grupo que não achava que o Sistema era algo
prioritário, mas ao mesmo tempo você tinha como resultado da
Conferência Nacional a demanda por um Plano Nacional de Cultura.
Inicialmente, a SAI ficou sem secretário por aproximadamente seis meses, período em
que, segundo Sérgio Pinto (2018), as atividades ficaram basicamente restritas a dar
continuidade aos Protocolos de Intenções pensando em novos formatos e concluir algumas
ações da gestão anterior relacionadas à I Conferência, então “não teve muita coisa
realmente, foi um período curto que a gente tentou dar continuidade para as coisas que
estavam lá” (PINTO, 2018). Em sua opinião, “não tinha a cabeça pensante e precisava de
alguém para pensar o Sistema para o futuro” (PINTO, 2018). A ausência de um dirigente teve
consequências diretas na estrutura da SAI:

[...] no primeiro momento houve um espaço de tempo vago mesmo, a


secretaria ficou um pouco assim no abandono, e inclusive chegou a um
ponto de alguns cargos de coordenação que estavam vazios porque
algumas pessoas saíram pra acompanhar Márcio [...] e aí outras secretarias
começaram a solicitar esses cargos, então, isso também fez com que a SAI
diminuísse pelo menos naquele período. (MEIRELES apud BARBALHO, 2014)
Finalmente, entre junho e julho de 2007, a SAI passou a ter o cargo de secretário
ocupado. Segundo Sérgio Pinto (2018), após a saída de Márcio Meira, pelo que ele pôde
acompanhar, houve a intenção de se colocar alguém que pudesse alinhar as ações da SAI
com outras do Ministério, especialmente com o Plano Nacional de Cultura. Além disso, “[...]
eles acharam necessário ter alguém ali dentro que tivesse um alinhamento pleno com o
Juca”. (PINTO, 2018). A pessoa escolhida para assumir a SAI foi Marco Acco26, “que já era do
grupo do Juca, ele tinha uns técnicos, assessores... era ele, o Manevy que acabaram
ascendendo aqui dentro do Ministério... aí o Marco Acco veio assumir.” (PINTO, 2018).
Ocorre que em 2007, Acco era também secretário de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic),
secretaria do MinC responsável por cuidar da política de financiamento. Segundo Silvana
Meireles (apud BARBALHO, 2014), a ideia de colocar Acco na SAI partiu de Juca Ferreira, que

26
Por e-mail foi solicitada entrevista a Marco Acco que, inicialmente, aceitou a participar da pesquisa, mas
depois não respondeu às tentativas de agendá-la. Sobre Acco: possui graduação em Economia (1992),
mestrado em Ciência Política (1996) e Doutorado em Ciências Sociais (2009). No MinC passou por diversos
órgãos: entre 2004 e 2006 foi assessor de política cultural; entre 2006 e 2007, dirigiu a SEFIC; entre 2007 e
2008 passou pela direção da SAI. Saiu do MinC em julho de 2008, tendo retornado na gestão Ana de Hollanda,
quando trabalhou ao longo do ano de 2011 como secretário executivo adjunto, conforme seu Currículo Lattes.
178

pediu que ele assumisse o cargo enquanto se buscava outro secretário. Sobre isso, Juca
Ferreira (2018) comenta:

[Marco Acco] era um quadro técnico de primeira grandeza, ele reunia


capacidade de gestão, de formulação, e criativo, muito integrado com...
todos nós tínhamos muita admiração por ele e foi escolhido por isso, o
nosso critério era isso, melhorar o padrão dos quadros do Ministério e ele
era um quadro de primeira qualidade. (FERREIRA, 2018)
Durante aproximadamente oito meses, Marco Acco acumulou a direção da SAI com a
da Sefic.

Se internamente a situação a SAI era de fragilidade, externamente a articulação feita


com estados e municípios também passava por um momento de tensão. Sobre essa época,
João Roberto Peixe (2017) relata que havia pressão tanto por parte de representantes de
estados e municípios, quanto da sociedade civil para que o processo do Sistema não fosse
desativado.

Na verdade, houve muito embate... não se tinha uma posição clara [por
parte do MinC] [...] eu me lembro que houve uma reunião do Fórum lá em
Brasília e que Marco Acco ficou lá, e ficou calado a reunião toda [...] era um
pouco também o jeito dele, eu não sei se também ele não estava muito à
vontade, porque a rigor estava acumulando duas secretarias, então ficou
uma coisa assim...(PEIXE, 2017)
Em sua opinião, essa desaceleração do SNC criou um desgaste grande junto aos entes
federados que vinham se mobilizando para construir seus sistemas por meio da criação de
conselhos, planos de cultura etc. E, especificamente no caso dos municípios, havia uma
cobrança a nível local expressiva por conta da mobilização decorrente da I CNC: “o fato é
que se criou um desgaste muito grande, uma certa frustação” (PEIXE, 2017). Parte desse
distanciamento que a SAI teve nesse momento pode ser explicado por uma nova estratégia
de articulação federativa que tentava ser implantada. Segundo Sérgio Pinto (2018), Marco
Acco – que posteriormente optou por dedicar-se exclusivamente à SAI, se desligando da
Sefic – pretendia promover a aproximação com estados e municípios por meio de atividades
realizadas pelas unidades vinculadas do Ministério:

Marco Acco estava pensando em fazer a partir de uma relação com as


entidades vinculadas, fazer esse desenvolvimento da relação federativa a
partir das vinculadas, isso na verdade começou com um trabalho de
levantamento, de fazer um cruzamento de ações que eram executadas nas
vinculadas... (PINTO, 2018)
179

Pelo depoimento de Pinto, observa-se que essa perspectiva estava voltada ao


fortalecimento do Sistema Federal de Cultura, fomentando a articulação da SAI com outras
unidades do Ministério, para a partir daí engendrar ações com os outros níveis de governo,
um caminho diferente do que havia sido trilhado pela gestão de Márcio Meira, que priorizou
o relacionamento direto entre a SAI e os entes federados. A estratégia traçada pela nova
gestão da SAI talvez contribuísse para aproximá-la dos outros órgãos do Ministério e fazer
com que o Sistema Nacional de Cultura fosse compreendido e absorvido pelos mesmos,
combatendo uma das principais queixas dos gestores do SNC quanto ao isolamento e pouca
presença institucional da política. Desde a gestão de Márcio Meira, havia essa percepção de
afastamento ou resistência ao Sistema por parte de outros órgãos do MinC. Segundo
Roberto Lima (2016b):

Na minha opinião, havia dificuldade sobretudo com as vinculadas e


secretarias finalísticas. De certo modo, o IPHAN já havia constituído um
sistema setorial, e tanto FUNARTE quanto ANCINE acumulavam um
histórico de relacionamento direto com os respectivos setores, assim como
acontecia com as secretarias do ministério que operavam o programa
Cultura Viva e os editais voltados para a diversidade, e com a Secretaria do
Audiovisual (SAV), e poucos desses processos passava por algum tipo de
relação federativa naquela época.
Silvana Meireles (2017), João Roberto Peixe (2017) e Bernardo Mata Machado (2017),
que dirigiram a SAI posteriormente, também citam em entrevista que o Sistema sempre foi
visto como uma política apenas da SAI, tendo sido pouco incorporada pelo Ministério. Nesse
sentido, a proposta que teria sido pensada por Marco Acco poderia levar a essa articulação
interna e potencializar a perspectiva federativa de uma maneira mais transversal,
alcançando todo o MinC. Além disso, poderia gerar mais concretude ao Sistema, que até
então estava basicamente assentado na formalização dos Protocolos de Intenções, sem
envolver efetivamente recursos e planejamento compartilhado de atividades com estados e
municípios. Essa possibilidade, entretanto, não foi concretizada, já que em julho de 200827,
Marco Acco deixou o Ministério. Segundo Sérgio Pinto (2018), Acco também teria
enfrentado dificuldades internas:

O Marco Acco ele também foi uma pessoa que não conseguiu acomodar a
situação da SAI porque tinha muitos problemas nessas relações internas, e
ele não conseguiu fazer com que tivesse a força necessária, ele não

27
Portaria 529 de julho de 2008. Exonera Marco Antônio de Castilhos Acco do cargo de Secretário de
Articulação Institucional. Publicado no Diário Oficial da União em 1º de agosto de 2008.
180

conseguiu trazer politicamente a forca necessária de recursos, de


atividades... (PINTO, 2018)
Em síntese, entre a exoneração de Márcio Meira e a de Marco Acco, se passou um ano
e meio onde o SNC ficou praticamente reduzido à realização de oficinas e palestras sob a
condução de Frederico Maia28, um dos coordenadores da SAI que assumiu o cargo de
secretário substituto. De acordo com Silvana Meireles (2017), Maia criou e difundiu as
oficinas sobre o Sistema como uma estratégia para mantê-lo na pauta de estados e
municípios, viajando pelo país como uma espécie de Don Quixote, algo que por sua vez foi
insuficiente para avançar com o SNC por ser uma ação individual e isolada.

Maia tem uma enorme capacidade de atuação [...] e é uma pessoa que
defende muito o Sistema Nacional de Cultura, então o tempo em que ele
ficou na SAI, eu acho que ele fez uma espécie de peregrinação pelo país,
divulgando o Sistema Nacional de Cultura, chamando a atenção para a sua
importância. (MEIRELES apud BARBALHO, 2014)
Apesar desse esforço, Meireles (apud BARBALHO, 2014) aponta que esse período foi
muito complicado para a SAI, que foi perdendo sua identidade, já que o Plano Nacional de
Cultura estava sob a coordenação da SPC; o Fundo Nacional de Cultura, outro componente
do Sistema, estava sob os cuidados da Sefic; o CNPC estava vinculado à Secretaria Executiva;
e, portanto, a SAI ficou com o SNC, que não avançava, e com as Conferências, que não era
objeto de atuação porque não se tinha uma data para a sua segunda edição. De acordo com
Isaura Botelho (2011), esse período de quase paralisação do SNC se refletiu nos dados da
pesquisa da Munic/IBGE de 2006:

Motivado por disputas internas, troca do Secretário Márcio Meira,


responsável pela implantação do SNC, o processo ficou paralisado durante
um longo período, a ponto dos dados da Pesquisa sobre o Perfil dos
Municípios Brasileiros – Suplemento de Cultura (2006) ter mostrado essa
estagnação em seus resultados sobre a criação de conselhos, leis e fundos.
Esse é um dos importantes indicadores das diferenças entre o primeiro e o
segundo mandato iniciado por Gil. (BOTELHO, 2011, p.72)
De acordo com o pesquisador do IPEA Frederico Barbosa da Silva:

O número de municípios que não possuem conselhos é imenso, mas, de


qualquer forma, a intensidade da criação salta aos olhos. Chama atenção
que este movimento foi menos intenso entre 2001 e 2006. Apesar da
movimentação do MinC pela assinatura de protocolos e de
comprometimento de municípios com a construção do sistema, a lógica da

28
Frederico Hermann Barbosa Maia é jornalista de formação, escritor, educador social e arte-educador.
Tentamos diversas vezes realizar entrevista com o mesmo, mas, ao final, ele não atendeu às solicitações.
181

política ministerial, inclusive com a saída do primeiro secretário da SAI e de


sua equipe do ministério, impactou, de forma decisiva e negativa, a criação
dos órgãos de participação. (SILVA, 2011, p. 214)
Os dados apresentados na Munic/IBGE de 2009 permitem observar melhor o descenso
citado por Botelho e Barbosa, algo que só começou a ser revertido anos depois, conforme
gráfico a seguir.

Gráfico 01: Percentual de municípios com existência de conselho municipal de cultura, segundo
ano de criação da lei.

Fonte: Elaboração própria a partir de Pesquisa de Informações Básicas Municipais (IBGE, 2009).

O fato de o Ministério ter iniciado uma articulação junto aos municípios, mobilizando-
os para a construção dos sistemas de cultura, e depois ter interrompido a condução da
política pode ter gerado, para além do descenso na criação de componentes da gestão
pública, uma frustração e uma quebra de confiança na relação entre os entes. Apesar disso,
Silvana Meireles (2017) pontua:

A despeito da desaceleração do MinC, o processo de criação de Secretarias,


de instalação de conselhos, de elaboração de planos e de realização de
conferências continuou. Observou-se nesse período significativos avanços
nos estados e municípios na implantação de seus Sistemas. (MEIRELES,
2017)
182

É possível citar algumas ações nesse sentido, a exemplo da criação do Sistema Estadual
de Cultura do Ceará (2006), Sistema Municipal de Cultura de Rio Branco/Acre (Lei nº 1.676
de 20 de dezembro de 2007), da discussão da Lei Orgânica da Cultura no estado da Bahia e
da realização da segunda edição das conferências de cultura por parte de estados e
municípios, o que teria contribuído, na opinião de Isaura Botelho (2011), para a mobilização
da sociedade civil responsável por manter a pauta do SNC viva.

Também esse processo, diretamente ligado ao estabelecimento do SNC,


sofreu um período de quarentena motivado pela saída do Secretário de
Articulação Institucional, também em função de divergências com a
Secretaria Executiva. Talvez a mobilização da sociedade tenha sido um dos
fatores pelos quais a chama tenha se mantido viva, permitindo que a
retomada do processo tenha se viabilizado, sem grandes fraturas, cerca de
dois anos depois. (BOTELHO, 2011, p. 76)
Esse momento de retomada citado por Botelho se deu a partir da gestão de Silvana
Meireles na SAI e da reestruturação do Sistema a partir da criação de um Grupo de Trabalho
do qual Isaura Botelho fez parte, como será retratado mais adiante.

4.2 A INSTALAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL


Em dezembro de 2007, finalmente foi instalado o CNPC, ou seja, dois anos após a
publicação do Decreto 5.520/2005. Tal feito é considerado um dos poucos marcos desse
período no âmbito do Sistema, ainda que o Conselho não estivesse vinculado à SAI no
organograma do MinC, estando sob a coordenação de Gustavo Vidigal29, da Secretaria de
Políticas Culturais.

De acordo com Juca Ferreira (2018), depois da reforma de 2005, o CNPC tentou
abarcar a complexidade da área cultural no país com a representação de vários segmentos
da sociedade brasileira, “[...] tinha representação dos povos indígenas, de quilombolas, tinha
representação de todas as linguagens, tinha representação regional...” e as alterações no
Conselho representaram uma mudança de paradigma, com a participação dessa instância
em várias etapas do processo das políticas públicas.

[...] o conselho depois desse processo foi se consolidando e virou um


instrumento importante de construção dessas políticas, de avaliação das

29
Vidigal entrou no MinC em fevereiro de 2007 e assumiu a coordenação do Plano Nacional de Cultura na
Secretaria de Políticas Culturais. Em setembro de 2008, assumiu o cargo de secretário executivo adjunto do
MinC.
183

políticas e de formulação de novas, então eu acho que aí foi bem


sucedida... podendo haver aprimoramentos, eu acho que a gente devia
reforçar as câmaras técnicas, criar mais grupos temporários para enfrentar
questões da ordem do dia, mas no fundamental avançamos. (FERREIRA,
2018)
Para o conselheiro Hamilton Pereira30 (2018), representante do Ministério do Meio
Ambiente no CNPC, esta instância era caracterizada por uma assembleia heterogênea, com
representações de diversas esferas, “Um desenho que expressa preocupação com
legitimidade, pluralidade e exercício democrático.” (PEREIRA, 2008). Em sua opinião, muito
além da pauta do que era discutido no Plenário do Conselho, valia a preocupação do
desenho institucional que propunha uma real intervenção nos rumos da política traçada pelo
Ministério da Cultura.

Apesar de o Conselho ter sido instalado em dezembro de 2007, a primeira reunião do


Plenário só ocorreu nos dias 25 e 26 de março de 2008, e contou com as presenças do
ministro Gilberto Gil e do secretário executivo Juca Ferreira. Em síntese, Gil ressaltou a
importância do Conselho para avançar na tramitação da PEC 150/2003 que estava na
Câmara dos Deputados; para o desenvolvimento do PNC, e para a implantação de uma nova
ação do MinC, o Programa Mais Cultura:

Um programa que caracteriza pela primeira vez a incorporação plena da


cultura como setor, como elemento estratégico e transversal, um trabalho
que será feito com muitos ministérios, envolvendo, inclusive recursos
diretos de outros ministérios. [...] Pela primeira vez recursos significativos
irão permitir uma intervenção em escala jamais conhecida no Brasil na área
cultural. (GIL, 2008, p.1)
Dois pontos de pauta marcaram a primeira reunião do CNPC, a discussão do regimento
do Conselho e o Caderno de Diretrizes do Plano Nacional de Cultura. Não consta na Ata o
desdobramento desses pontos, pois, estranhamente, a maior parte do registro refere-se à
169ª reunião ordinária do Conselho Nacional de Saúde, provavelmente um erro por parte do
responsável pela Ata da reunião do Plenário.

Como a configuração do Conselho já foi apresentado anteriormente, bem como os


motivos para a demora na posse dos seus membros, será feito um recorte na análise voltado
apenas para a questão da representação de estados e municípios.

30
Um dos coordenadores do A imaginação a serviço do Brasil e um dos nomes cotados para assumir o MinC no
início do primeiro governo Lula. Na época da instalação do CNPC, Hamilton Pereira era secretário de
Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, onde ingressou em 2007.
184

De acordo com João Roberto Peixe (2017), o Fórum Nacional dos Secretários de
Cultura das Capitais já existia antes do início do primeiro Governo Lula, mas era uma
articulação política informal, sem estatuto e, quando foi publicada a primeira composição do
Plenário do CNPC (2005), verificou-se que esse Fórum não possuía assento:

Foi curioso porque quando foi criado o CNPC, o Fórum de Secretários de


Capitais, que era quem mais cobrava do MinC a instalação do Conselho e do
Sistema, o Fórum não teve assento...uma briga grande com Márcio Meira...
[...] é meio esquisito, foi dado assento para a Frente Nacional dos Prefeitos,
para os Estados foi dado assento ao Fórum dos Secretários Estaduais [...] na
época, o Márcio terminou alegando que era porque o Fórum de Secretários
Municipais era informal e, então, não podia participar do CNPC, e o Fórum
do Secretário Estaduais participava porque era formalizado. Só que passado
alguns anos – e o Fórum de Secretários Municipais criou o estatuto, se
formalizou, essa coisa toda –, eu fui convidado para uma reunião do Fórum
de Secretários Estaduais para passar a experiência dessa formalização
porque o Fórum de Secretários Estaduais não era formalizado. (PEIXE, 2017)
Apesar de não estar previsto no CNPC, Peixe (2017) comenta que eles conseguiram
“driblar o Ministério, porque a gente conseguiu negociar com a Frente Nacional de Prefeitos
(FNP)”. Tal negociação consistiu em que o representante da FNP no Conselho fosse o
presidente do Fórum Nacional de Secretário de Capitais, que na ocasião era o próprio Peixe:
“[...] a Frente cedeu a vaga [no CNPC] que tinha para o Fórum, e então eu fui representando
como presidente do Fórum, mas a rigor, a vaga era da Frente Nacional de Prefeitos.” (PEIXE,
2017). A leitura da ata da 2ª reunião ordinária do Plenário do CNPC, realizada nos dias 03 e
04 de junho de 2008, comprova a presença de João Roberto Peixe como representante da
FNP. Nessa reunião, a fala de Peixe em relação ao Sistema foi de cobrança na definição de
papeis e responsabilidades, e na “contundente necessidade de sair do plano do discurso e
adentrar no plano de ações concretas” (PEIXE apud CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA
CULTURAL, 2008).

A incorporação definitiva de representante do Fórum Nacional dos Secretários de


Cultura das Capitais no CNPC só foi acontecer em 2009, por meio do Decreto nº 6.973/2009,
que passou a prever: quatro representantes do Poder Público dos Estados e Distrito Federal,
sendo três indicados pelo Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura e um pelo
Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura; e quatro representantes do Poder
Público municipal, dirigentes da área de cultura, indicados pela Associação Brasileira de
Municípios, Confederação Nacional de Municípios, Frente Nacional de Prefeitos e Fórum dos
Secretários das Capitais.
185

Na opinião de Peixe (2017), a participação dos fóruns de dirigentes de estados e


municípios foi importante para manter de alguma maneira o SNC na pauta do MinC, e isso
esteve bastante presente no Conselho

[...] essa questão [do SNC] ela foi bem muito trabalhada e mesmo cobrada
de fora pra dentro, e aí os municípios, as secretarias municipais,
principalmente das capitais que tinham um peso político maior, tiveram um
atuação bastante forte, especialmente quando se instalou o Conselho
Nacional de Política Cultural. (PEIXE, 2017)
Sobre a atuação de instâncias de representação como os fóruns de secretários, Peixe
comenta que costuma ser instável porque “os personagens mudam e aí depende muito
também da visão, da mobilização, da concepção política” (PEIXE, 2017), mas apesar disso,
“acho que tem tido de forma geral um aspecto suprapartidário e tem tido algumas bandeiras
que tem unificado” (PEIXE, 2017), a exemplo do SNC. Para Peixe (2017): “havia uma
articulação muito boa [no CNPC] entre os secretários e os representantes da sociedade civil
[...] havia conflitos com o Ministério, mas com outras questões, não com o Sistema em si”.

4.3 O PROGRAMA MAIS CULTURA


Enquanto o SNC permanecia em ritmo desacelerado, o MinC lançou um programa que
tinha como um dos seus pilares a articulação federativa: o Mais Cultura, planejado e
inicialmente gestado pela Secretaria Executiva31, e não pela Secretaria de Articulação
Institucional, para onde foi remanejado posteriormente. De acordo com João Roberto Peixe
(2017), houve polêmicas envolvendo o Mais Cultura porque muitas pessoas consideravam
que o Programa iria acabar com o Sistema ou substituí-lo.

O Mais Cultura foi lançado com muito peso, ainda com Gil, com muita força,
um programa interministerial de peso grande e, exatamente em um
período em que o Sistema, vamos dizer, ficou em segundo plano...e você
tem uma situação do Sistema caindo, se esvaziando e lançam um programa
forte...então isso era uma polêmica grande. (PEIXE, 2017)
Criado oficialmente por meio do Decreto Nº 6.226, de 4 de outubro de 2007, o Mais
Cultura integrou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) cujo objetivo era estimular

31
A articulação do Mais Cultura no âmbito do governo federal foi prevista para ocorrer por meio de uma
Câmara Técnica (art. 5º do Decreto 6.226/2007) composta por diversos órgãos do Executivo e presidida pelo
MinC, representado pelo seu secretário executivo, a quem cabia propor e articular ações intersetoriais. Outra
instância presidida pelo secretário executivo era o Comitê Executivo composto apenas pelo MinC que
respondia pela sua coordenação, execução, acompanhamento e avaliação.
186

a eficiência produtiva dos principais setores da economia, fomentar a modernização


tecnológica, acelerar o crescimento das áreas que já estavam em expansão e ativar áreas
deprimidas, aumentar a competitividade e integrar o país com seus vizinhos e com o mundo
(BRASIL, 2008). Sob a gestão da Casa Civil, dirigida por Dilma Rousseff, o PAC foi considerado
uma inflexão na trajetória do governo federal expressando um posicionamento claro de que
o Estado deveria ser o indutor e articulador do crescimento do país (CARDOSO, 2007), uma
aspiração compartilhada com o Ministério da Cultura, que desde o primeiro mandato vinha
defendendo um posicionamento mais ativo por parte do Estado.

O ingresso da cultura no PAC se deu por meio da Agenda Social que contemplava
também as áreas da saúde, educação e segurança pública, e que tinha como perspectiva o
desenvolvimento de programas, projetos e ações que levassem à consolidação da garantia
dos direitos, da redução da desigualdade social e do fortalecimento do pacto federativo.
Assim, foram lançados programas como o Mais Educação e reforçados outros, como o Bolsa
Família. Para Juca Ferreira (2008), a inclusão da cultura na Agenda Social era fundamental
pela compreensão de que as necessidades humanas iam muito além das necessidades
materiais, assim, o acesso à cultura deveria estar agregado à inclusão social, dimensões
interdependentes entre si, “a cultura e as artes não se desenvolvem no vácuo” (FERREIRA,
2008, p. 484). Segundo Juca Ferreira (2008), os números divulgados pelo IBGE32 sobre a
situação da exclusão e da desigualdade do acesso à cultura no país, reforçavam ainda mais a
necessidade da associação entre desenvolvimento cultural, experimentação e criação com a
promoção do acesso à cultura.

De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), a proposta inicialmente feita
ao MinC era para que o órgão atuasse de maneira transversal, à medida que surgissem
demandas de outros ministérios, e contribuísse assim para as políticas sociais. Essa proposta,
entretanto, teria sido rebatida por Juca Ferreira, que apresentou como contraproposta o
Mais Cultura: “Juca fez todo um trabalho para convencer que a cultura deveria ter um
programa próprio, que de outra forma a cultura estaria diluída nos demais programas e

32
Em síntese, os números indicavam que: 90% dos municípios brasileiros não possuíam salas de cinema, teatro,
museus e espaços culturais multiuso; dos cerca de 600 municípios que nunca receberam uma biblioteca, 405
estavam no Nordeste e apenas dois no Sudeste; apenas 13% dos brasileiros frequentaram cinema alguma vez
ao ano e 92% nunca entraram em um museu etc.
187

novamente estaria como acessória, foi daí que surgiu o programa Mais Cultura” (MEIRELES
apud BARBALHO, 2014). Para Juca Ferreira (2018), o Mais Cultura

é um dos programas que eu me orgulho de ter participado desde o início da


sua construção, ele é muito complexo, ele procura ampliar a ação do Estado
através de estruturas criativas que são capazes de dialogar tanto com
outros setores de governo e do Estado, quanto da sociedade. (FERREIRA,
2018)
É interessante observar que a participação da área da cultura na Agenda Social do PAC
pode ser compreendida como o reconhecimento de sua potencialidade em integrar ações
com diversos segmentos sociais, e da capacidade de o MinC se articular com outros órgãos
do Executivo federal e de demais níveis de governo (RUBIM, 2010a). Na opinião do ministro
Gil (2007), a Agenda Social reconhecia o papel da cultura enquanto elemento de
fortalecimento da cidadania e autoestima e o Programa Mais Cultura cristalizava “o novo
patamar de importância que a cultura passou a ter na agenda social do Governo brasileiro. O
Mais Cultura não é, portanto, um programa apenas do Ministério da Cultura, mas é um
programa do governo Lula”. (GIL, 2007).

Sob o slogan Programa Mais Cultura: promover o acesso à cultura e à diversidade é


investir em um país de todos, foram determinadas áreas/regiões prioritárias para organizar
as ações do MinC até 201033, conforme quadro a seguir.

33
Texto apresentado pela Comunicação Social da Presidência da República no lançamento do Programa Mais
Cultura, em 05 de outubro de 2007 e exibido nas apresentações em eventos.
188

Quadro 06 – Territórios do Programa Mais Cultura


Territórios de Territórios de Identidade e de
Territórios de Urbanização
Vulnerabilidade Social Culturas Tradicionais

53 municípios com os
11 regiões metropolitanas 120 territórios rurais de cidadania
maiores índices de violência

Favelas, periferias e áreas de


27 capitais Reservas indígenas
precarização habitacional

1.251 municípios com os Comunidades remanescentes de


Distrito Federal
menores IDEBs quilombos

Municípios com até 50 mil


habitantes
Áreas de conflito e disputas
Comunidades artesanais
territoriais
67 sítios urbanos (áreas de
patrimônio histórico)

Fonte: ROCHA (2011)

Essa delimitação territorial que orientou a ação do MinC e de outros órgãos do


governo federal, refletia a concepção desenvolvida pelo PAC de que a aceleração do
desenvolvimento sustentável deveria ser responsável pelo aumento da produtividade, mas
também pela superação dos desequilíbrios regionais e sociais. E, para alcançar tal
perspectiva, o governo considerava fundamental a sinergia entre investimento público e
privado, e essencial a articulação entre entes federativos (ROUSSEFF, 2007). Nesse sentido, o
Mais Cultura previa (art. 4º do Decreto 6.226/2007) a assinatura de convênios, acordos e
outros instrumentos normativos com órgãos e entidades da administração pública federal,
dos estados, do Distrito Federal e municípios, bem como parcerias com organizações
públicas, privadas, internacionais, do Terceiro Setor, dentre outras, a exemplo do conjunto
de ministérios e secretarias do Executivo, instituições bancárias, Sistema S, Unesco,
Petrobrás, Fórum de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e Fórum de Secretários de
Cultura das Capitais. Era, portanto, um Programa complexo, que dialogava com diversos
atores institucionais, dentre eles alguns que vinham sendo acionados e fortalecidos pelo
SNC, como os fóruns de secretários. Só que, ao contrário do Sistema, que até então não
havia mobilizado recursos financeiros, o Mais Cultura tinha a previsão de mobilizar até 2010
o total de 4,7 bilhões de reais, sendo 2,2 bilhões do orçamento da União e 2,5 bilhões de
reais derivados de parcerias, contrapartidas, financiamentos e patrocínios. De acordo com
189

Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), o Mais Cultura movimentava um volume de


recursos que não circulava na SAI e nem mesmo na Secretaria de Cidadania Cultural que
coordenava o Cultura Viva, até então maior detentor de orçamento do Ministério. Segundo
Meireles (apud BARBALHO, 2014) : “no primeiro ano, o Mais Cultura começa a receber 300
milhões de reais, um orçamento bastante alto...o orçamento da SAI era 2 milhões, 3
milhões...”. Em síntese, a aplicação do recurso do Mais Cultura se dava por meio de ações
estruturadas em três grandes eixos, compostos de diretrizes e ações conforme quadro a
seguir34.

Quadro 07 – Diretrizes e Ações do Programa Mais Cultura

I: Cultura e Cidadania II – Cultura e Cidades III – Cultura e Economia

Gerar oportunidades de
emprego e renda para
trabalhadores, micro,
Qualificar o ambiente pequenas e médias
social das cidades por empresas do mercado
Promover melhoria da meio da construção, cultural brasileiro;
qualidade de vida; reforma, modernização e
adaptação de espaços Incorporar
Valorizar e fortalecer a culturais; progressivamente a
Diretrizes
diversidade cultural; parcela informal de
Democratizar o acesso a trabalhadores da cultura
Ampliar o acesso aos equipamentos culturais e na economia formal;
bens e serviços culturais. atrair, principalmente, as
populações de áreas Disponibilizar acesso a
menos favorecidas. créditos e meios de
circulação e veiculação de
bens e serviços culturais.

Pontos de Cultura
Promoção do Artesanato
Pontos de Leitura
de Tradição Cultural -
Pontinhos de Cultura Bibliotecas
Promoart
Cine Mais Cultura Espaços Mais Cultura
Microcrédito Cultural
Produção de conteúdos Pontos de Memória
Ações Microprojetos Mais
para TV Pública
Cultura
Agente de Leitura
Vale Cultura
Periódicos de conteúdo
Mais Cultura
Fonte: Elaboração própria a partir de informações do Ministério da Cultura.

34
O desdobramento das ações pode ser acompanhado no APÊNDICE D – Panorama de ações do Programa Mais
Cultura.
190

Vale ressaltar que parte dessas ações previstas já existiam antes da criação do Mais
Cultura, ou seja, ele se efetivava especialmente através de projetos e programas
implementados por diversas secretarias e órgãos do Ministério, a exemplo do Ponto de
Cultura, que era gestado pela Secretaria de Cidadania Cultural (SCC, antiga SPPC). De acordo
com Bernardo Mata Machado (2017):

Quando o Mais Cultura é criado, o Cultura Viva já estava relativamente


forte, e o Célio Turino se nega a abandonar a marca Cultura Viva, apesar
dela estar sob o guarda-chuva do Mais Cultura, ele não abandona a própria
marca do Programa, mantém uma gestão também separada, [...] o Célio
praticamente fazia a gestão do programa via emendas parlamentares do
PCdoB, inclusive o Juca não gostava muito disso, porque o Célio era
praticamente o ministro adjunto porque ele operava as próprias verbas via
emenda parlamentar. (MATA MACHADO, 2017)
Segundo Lia Calabre (2010a), o Programa Mais Cultura mobilizou recursos e parcerias
como nunca havia ocorrido antes no MinC e conseguiu alcançar municípios longínquos,
atendendo populações que não possuíam acesso à serviços e infraestrutura pública de
cultura. Só que, apesar disso, o Mais Cultura gozava de pouca visibilidade “enquanto um
todo orgânico e interligado” (CALABRE, 2010a), e parte disso era explicado, justamente,
porque incluía programas reconhecidos nacionalmente, como o Cultura Viva/Pontos de
Cultura, que como citado por Mata Machado, manteve sua marca. De acordo com o estudo
publicado pelo IPEA sobre o Programa:

O Mais Cultura era um programa ambicioso, reconheça-se. Tentou, com


graus discutíveis de sucesso, reorganizar vários projetos que já estavam em
andamento – alguns de média duração —, e criou alguns novos, dando-
lhes, no plano das justificativas e organizações conceituais, uma estrutura
coerente com algumas das grandes preocupações do então governo:
combate às desigualdades, redistribuição de recursos para os municípios
mais pobres, reinvenção do pacto republicano, reinvenção do Estado,
ênfase na participação popular etc. (SILVA; ABREU, 2011, p. 9).
Essa reinvenção do pacto republicano citado na pesquisa do IPEA estava em
consonância com o discurso de Juca Ferreira (2008) sobre o Programa Mais Cultura:
“Queremos envolver todos os governos estaduais nesse programa, de forma republicana. O
Brasil tem condições de melhorar seus investimentos e faremos isso de forma
compartilhada”. (FERREIRA, 2008). Tal compartilhamento se dava na prática por meio de
convênios firmados entre o MinC e, especialmente, os estados, o que terminou por envolver
alguns problemas como atraso do repasse de recursos, dificuldades no conveniamento e
demora no início das atividades (CALABRE, 2010a). Vale ressaltar que entraves não são raros
191

de ocorrer em políticas que envolvem distintos níveis de governo, diferentes regiões do país
e distintas atividades, já que “quando a ação depende de um certo número de elos numa
cadeia de implementação, então o grau necessário de cooperação entre as organizações
para que esta cadeia funcione pode ser muito elevado” (RUA, 1998, p.13 - 14). Mas, apesar
das dificuldades, o Programa teve considerável importância. De acordo com o Balanço do
Governo para área da Cultura (2003-2010), por meio do Mais Cultura foram
implantadas/criadas: 1.610 bibliotecas municipais (outras 1.774 foram modernizadas), 821
Cines Mais Cultura, 1.393 Pontos de Leitura e cerca de quatro mil Pontos de Cultura; e mais
de 135 acordos de cooperação foram assinados.

O impacto do Mais Cultura foi especialmente potencializado no Programa Cultura


Viva/Projeto Ponto de Cultura. Segundo dados divulgado pelo MinC35 em 2010, a partir do
Mais Cultura, a SCC firmou convênio com 24 estados e 16 municípios para implantação de
Redes de Pontos de Cultura, aumentando a quantidade de projetos no país e expandindo-o
territorialmente. Dados da Controladoria Geral da União expressam esse impacto em termos
orçamentários, conforme tabela e gráfico a seguir.

Tabela 02 – Resumo do investimento no Cultura Viva entre 2004 e 2009

Cultura Viva Limite liberado (R$) Executado (R$) Resultados Alcançados


(Nº de Pontos de Cultura)
2004 4.073.738 4.073.733 72

2005 53.854.365 53.822.384 442

2006 45.621.413 45.621.413 654

2007 127.333.929 126.550.088 742

2008 120.600.000 119.713.542 2. 446

200936 120.080.500 119.547.737 2.517

Fonte: ROCHA (2011)

35
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-cultura/pontos-de-red/>. Acesso em janeiro
de 2011.
36
Segundo o texto do Ministério da Cultura de introdução à prestação de contas de 2009, os recursos aplicados
na ação alcançaram R$ 139,6 milhões. Ao verificar o detalhamento da prestação de contas, verifica-se que esse
valor refere-se à dotação autorizada, e não à que foi empenhada. Neste caso, o valor confere com o declarado
pela CGU. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2010/02/19/prestacao-de-contas-do-presidente-da-
republica-pcpr-2009/>. Acesso em novembro de 2010.
192

Gráfico 02 – Trajetória da execução orçamentária do Cultura Viva de 2004 a 2009

Fonte: ROCHA (2011)

Segundo Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), a configuração do Mais Cultura


revelou um Programa que atingia todo o Ministério, incluindo as suas vinculadas, “[...] com
números gigantescos de desafios e metas e que precisava de um locus para abrigar esse
programa, que era incompatível com as tarefas de uma Secretaria Executiva.” E foi
justamente essa dimensão do Mais Cultura que o fez ser transferido para a SAI. De acordo
com Meireles (apud BARBALHO, 2014): “eu me lembro que numa reunião meio
brainstorming eu própria falei que achava que o Programa Mais Cultura deveria ir para a
SAI”. A justificativa conceitual para tanto era que o Mais Cultura tinha uma forte dimensão
federativa e “[...] era impossível atingir as metas, executar ou pensar o Programa Mais
Cultura sem incluir os estados e municípios” (MEIRELES apud BARBALHO, 2014), e apesar da
concepção de que todas as secretarias do Ministério devessem trabalhar numa perspectiva
federativa, “a única secretaria que de fato levantava essa bandeira era a SAI, então era
natural que esse projeto fosse pra SAI” (MEIRELES apud BARBALHO, 2014). A ida do
Programa Mais Cultura para a SAI envolvia também outra dimensão, que era a de tentar
reverter a situação de esvaziamento da mesma.

[...] a SAI não poderia continuar daquela forma, sem gestão, encolhendo a
cada dia que passava e com toda bagagem do Sistema Nacional de Cultura,
[...] com os avanços que já se percebia nos Estados e Municípios que já
começavam a cobrar do Ministério a continuidade, o retorno, no mínimo
cobrar o fato de que o Ministério levantou toda aquela expectativa [...],
193

então estava ficando uma situação inviável. (MEIRELES apud BARBALHO,


2014)
Finalmente, no final de 2008, a gestão do Mais Cultura foi transferida da Secretaria
Executiva para a Secretaria de Articulação Institucional. De acordo com Juca Ferreira (2018)
– que desde agosto de 2008 tinha assumido o cargo de ministro da Cultura após a saída de
Gilberto Gil – a Secretaria Executiva funcionava como uma espécie de incubadora de
projetos e programas para o Ministério da Cultura, e o Mais Cultura estava nessa lógica:

A gente era uma espécie de produtor de ideias e de programas... era um


berçário... uma das muitas funções da Secretaria Executiva era ser um
berçário desse projeto de política cultural desdobrando em programas,
ações, mas quando ganhava uma certa consistência, liberava... os Pontos de
Cultura, o Cultura Viva também... vários que mais tarde amadurecem na
mão de setores específicos do Ministério nasceram lá. (FERREIRA, 2018).
O que na visão de João Roberto Peixe (2017) se tratava de uma estratégia
equivocada, que levava a Secretaria Executiva a desenvolver políticas paralelamente aos
órgãos finalísticos do MinC, a priori responsáveis pelas mesmas.

[...] porque Juca também tinha uma forma que eu discordo de gestão, que
era a seguinte: quando tinha dificuldade de você implantar uma
determinada política, determinados programas, na estrutura responsável
pela aquela área, aí criava um artifício, um paralelo, criava um atalho... foi
isso com Livro e Leitura, foi isso com o Mais Cultura e o SNC. (PEIXE, 2017).
Sobre a justificativa da transferência do Mais Cultura para a SAI, Juca Ferreira (2018)
comenta que aconteceu

Porque em primeira instância era um projeto de articulação com outros


Ministérios, ele tinha nitidamente o caráter de ampliar a capacidade de
ação do Ministério através da parceria e sinergia com outros Ministérios e
com outras áreas do governo... agora, ampliamos também para a
sociedade, mas esse era o núcleo básico do projeto.
A fala de Juca Ferreira é interessante porque foca a transferência do Mais Cultura para
a SAI na perspectiva do Programa articular ações no âmbito do governo federal, ou seja, ele
pensa na dimensão do Sistema Federal de Cultura, e não da articulação entre os entes
federativos que é o foco do SNC. Já Silvana Meireles (2017) reforça esta última perspectiva:

Acreditava-se que o Programa [Mais Cultura] poderia colocar o Sistema


[Nacional de Cultura] num outro patamar, por meio da implementação de
projetos, ações e recursos financeiros nos estados e municípios, muitos
deles com seus sistemas, àquela altura, bem avançados.
Do processo de mudança do Mais Cultura para a SAI, vale destacar que foi
acompanhado pelo retorno de Silvana Meireles a essa Secretaria, em outubro de 2008, não
194

mais como gerente, mas como secretária: “foi feita a proposta para o Juca de aceitar essa
ideia de levar o Mais Cultura para a SAI e aí ele me convidou para assumir essa Secretaria”
(MEIRELES apud BARBALHO, 2014). De acordo com Meireles, foi preciso um período de
negociação para que ela assumisse esse cargo porque ela defendia que a SAI não poderia
ficar resumida ao Mais Cultura, era preciso retomar o SNC e reestruturar a Secretaria.

[...] depois de muitas negociações, eu terminei indo para a SAI com esse
compromisso de assumir a Secretaria levando o Mais Cultura, mas também
tendo o apoio do Ministério, do secretário Executivo [Juca] que tinha
acabado de virar ministro, de apoiar a retomada do Sistema Nacional de
Cultura, de realizar a Conferência [...] e de dar algumas condições para que
isso acontecesse, então do ponto de vista administrativo era a retomada
dos cargos que a SAI tinha perdido e a possibilidade de convidar algumas
pessoas que tinham uma afinidade com o Sistema [...].(MEIRELES apud
BARBALHO, 2014).
Dentre essas pessoas convidadas para trabalhar na SAI estavam João Roberto Peixe e
Bernardo Mata Machado. De acordo com Peixe (2017), a ida de Silvana Meireles para a SAI
possibilitou de fato uma melhora institucional no órgão por conta do desenvolvimento do
Mais Cultura e da política do Livro e Leitura, que tiveram suas estruturas ali incorporadas. O
que significou, por outro lado, que nesse período o SNC deixou de ser a única política
desenvolvida pela SAI, como aconteceu na gestão de Márcio Meira. A partir de 2008, o SNC
compartilhou espaço com o Mais Cultura, o Livro e Leitura e com o projeto Praças de Esporte
e Cultura, incluído no final da gestão Juca Ferreira.

Especificamente sobre a relação entre o SNC e o Mais Cultura, vale ressaltar que o fato
de o Programa ter se desenvolvido majoritariamente por meio de ações compartilhadas com
estados e municípios, e por estar também sob a gestão da SAI, provocou certa aproximação
entre os dois. Para alguns atores, o Programa Mais Cultura foi um experimento, uma espécie
de piloto do SNC, que injetou recursos e fomentou a relação entre o MinC e os entes
subnacionais por meio do compartilhamento de ações. Algo que precisa ser problematizado,
já que a articulação entre Mais Cultura e SNC não se deu de modo planejado e intencionado,
e a incorporação de um pelo outro não foi imediata e nem totalmente harmônica. De acordo
com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014) uma das dificuldades do Mais Cultura era que,
pelo fato de ser composto por um conjunto de projetos, as prefeituras tinham dificuldade
em enxergá-lo como um Programa, e muitas vezes agiam como se fossem demandantes de
ações ao Ministério, sem pensar em qualquer articulação com a política cultural local. Nesse
195

ponto, ela considera que o SNC poderia ter atuado para melhorar essa relação, o que não
aconteceu: “O Sistema poderia ter ajudado bastante nesses diálogos com as prefeituras,
mas, apesar de estarem na mesma Secretaria, essa ponte não foi estabelecida” (MEIRELES
apud BARBALHO, 2014). Segundo Meireles, ainda que ela estivesse na SAI e buscasse
sempre vincular o Mais Cultura ao Sistema, isso não era algo institucionalizado, “[...] embora
como mantra a gente sempre dissesse que o Mais Cultura [...] fosse sempre pensando
federativamente, sempre pensado na lógica do Sistema.” (MEIRELES apud BARBALHO,
2014). Apesar disso, Meireles (2017) destaca que o Mais Cultura contribuiu para o SNC
porque proporcionou uma melhora na relação do MinC com os entes federados, já que estes
finalmente passaram a receber recursos financeiros. Assim, as divergências e tensões que
havia entre Ministério, estados e municípios no âmbito do Sistema – causados por
diferenças partidárias, discordância de condições impostas pela SAI, como a existência de
conselho paritário, o modelo de conferência etc. – puderam ser amenizadas a partir da
transferência de recursos:

O MAIS CULTURA alterou um pouco esse comportamento [de divergência e


oposição], muito provavelmente por acenar investimentos significativos nos
estados e municípios, em projetos e ações de interesse de todos. Em alguns
estados, como o Rio Grande do Sul, onde o governo era de oposição e o
diálogo difícil, uma parcela significativa de municípios aderiu em bloco ao
Programa, resultado de uma articulação entre o Ministério, gestores
municipais e deputados estaduais e federais, a maioria vinculada ao PT.
(MEIRELES, 2017)
Outra diferença entre o SNC e o Mais Cultura se deu no âmbito dos mecanismos de
participação e controle da sociedade civil. De acordo com o Art. 11 do Decreto nº
6.226/2007 que criou o Mais Cultura:

Art. 11. O Ministério da Cultura, a Câmara Técnica e o CNPC promoverão o


aperfeiçoamento dos mecanismos de controle social e de participação da
sociedade civil na implementação, acompanhamento, fiscalização,
avaliação dos projetos e ações do Programa Mais Cultura.
Parágrafo único. O poder público local poderá designar conselhos já
constituídos, preferencialmente com atuação na área cultural, para
acompanhar e fiscalizar a implementação do Programa Mais Cultura.
(BRASIL, 2007)
Apesar de o Decreto se referir ao conselho, observa-se que esse não era previsto no
Acordo de Cooperação firmado entre a União e entes federados para a implementação do
Mais Cultura. A instância citada em tal Acordo era o Comitê de Acompanhamento e Gestão,
que deveria ser composto por “representação paritária entre integrantes indicados pelos
196

governos federal, estadual e municipal, pelo Poder Legislativo estadual, e pela sociedade
civil, preferencialmente ligada ao campo cultural do estado” atuando de maneira consultiva.
Portanto, o conselho de cultura não estava expressamente previsto enquanto instância de
controle e acompanhamento do Programa. Para Bernardo Mata Machado (2017), isso
significava uma diferença no modelo de gestão pensada pelo Mais Cultura e pelo SNC:
“Enquanto o Sistema previa conselhos estaduais e conselho municipais, o Programa Mais
Cultura tinha uma instância própria de participação vinculada unicamente ao Programa que
eles tentaram construir nos Estados” (MATA MACHADO, 2017). Uma questão que era
debatida internamente na SAI:

O que a gente falava com a Silvana [Meireles] era isso: ‘Oh, Silvana você
está construindo um mecanismo participativo que é fundamental para o
Sistema, mas fora do Sistema, só para o Programa’, mas já era, vamos dizer
assim, uma metodologia que ela tinha trazido do Gabinete do Juca para SAI.
(MATA MACHADO, 2017)
Além disso, Mata Machado relata que a gestão do Mais Cultura não se dava no âmbito
da Coordenação de Relações Federativas, onde estava o SNC, “[...] a gente tinha aquele
discurso que era Sistema na prática e tal, mas a gestão era separada” (MATA MACHADO,
2017). Apesar disso, ele considera que “[...] na concepção, o Mais Cultura é um programa
federativo, então ele seria a princípio a primeira experiência prática do Sistema Nacional de
Cultura.” Na opinião de Silvana Meireles (2017), existia uma percepção de que o Mais
Cultura deveria estar vinculado ao Sistema, mas era difícil ajustar o diálogo entre os dois,
inclusive porque nessa época estava em discussão na SAI o desenho da arquitetura do SNC.

O Programa Mais Cultura tentava o tempo todo se articular com o Sistema,


mas o diálogo era muito mais externo, ou seja, pensando na estrutura
sempre na relação federativa, mas não dialogando muito com esse trabalho
que estava sendo feito de disseminação do Sistema ou de desenho da
arquitetura do Sistema [a ser apresentado em seguida], por vários motivos,
inclusive pelo tempo, você tinha duas tarefas com o relógio, com o
cronômetro ligado. (MEIRELES apud BARBALHO, 2014).
Meireles (2017) também aponta dificuldades nessa articulação por conta de
resistências na própria SAI, que levou a construir instrumentos de adesão distintos.

Perante seus desafios, acreditávamos que o caminho para executá-lo estava


na estadualização e na municipalização do Programa e, naturalmente, o
veículo seria o SNC. Passamos a encarar o MAIS CULTURA como um
exercício do Sistema. [...] Infelizmente não fomos tão bem sucedidos na
implantação da proposta. E a falta de adesão começou no próprio
197

Ministério e na SAI. Só para exemplificar, não conseguimos reunir num


mesmo instrumento as adesões ao Programa e ao SNC. (MEIRELES, 2017)
No âmbito do SNC a adesão de estados e municípios era feita por meio do Protocolo
de Intenções e no Mais Cultura pelo Acordo de Cooperação específico37.

O reconhecimento de que o Mais Cultura e o Sistema Nacional de Cultura não eram


políticas coincidentes e que precisavam ser desenvolvidas estratégias de integração entre
ambas foi feito pelo próprio Ministério, que encomendou um estudo sobre essa relação ao
IPEA. Segundo Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), o estudo foi pensando na
perspectiva de apontar saídas e alternativas para integrar as duas políticas e finalmente
gerar a integração real entre as mesmas. Publicado em 2011 sob o título As políticas públicas
e suas narrativas: o estranho caso entre o Mais Cultura e o Sistema Nacional de Cultura, o
estudo revelou em síntese que “à medida que as ações e subprogramas que compunham o
Mais Cultura desenrolavam-se, mais claras ficavam as contradições entre o sistema e o
programa que lhe serviria como exemplo e base empírica” (BARBOSA; ABREU, 2011, p. 11).

Alguns aspecto do Mais Cultura merecem ser destacados. O programa tinha uma
grande dimensão e complexidade, envolvendo diversos projetos coordenados por distintos
setores do Ministério. Apesar disso, a sua coordenação ficou centralizada em um único
órgão, a SAI. Ainda que a implementação das ações passassem pela articulação com outras
secretarias, não houve descentralização da coordenação do Programa. Sobre o caráter
federativo do Mais Cultura, vale ressaltar que os projetos compartilhados com os entes
federados eram previamente elaborados, formatados e estruturados pelo Ministério, que
replicava assim as suas ideias e propostas de ação sem delegar aos demais entes poder
decisório, já que a esses cabiam pouca margem de negociação. No caso específico da
estadualização do Projeto Ponto de Cultura, aos estados cabiam cofinanciar o projeto e
executá-lo seguindo os termos definidos previamente pelo MinC (ROCHA, 2011). Nesse
sentido, vale a discussão se o Mais Cultura descentralizou ou desconcentrou políticas
culturais. Merece também discussão a relação entre o Programa e o SNC. A transferência de
recursos para estados e municípios mobilizada por meio do Mais Cultura pode ter, de fato,

37
Vale ressaltar que o Acordo de Cooperação do Mais Cultura fazia algumas referências ao SNC, a exemplo de
indicar que a descentralização do Mais Cultura desenvolveria e fortaleceria a gestão cultural compartilhada
entre os entes federativos, contribuindo para o fortalecimento do Sistema; e prevendo dentre os
compromissos do Ministério o aprimoramento e fomento dos mecanismos de financiamento da cultura, no
âmbito da União, com vistas ao fortalecimento do SNC.
198

refletido numa melhora na relação entre os dirigentes públicos dos entes subnacionais e os
da SAI, o que necessitaria de uma averiguação específica. Por outro lado, é preciso
reconhecer que mesmo a questão do financiamento precisa ser observada com cautela, já
que as transferências de recursos entre a União e os entes subnacionais no Mais Cultura não
se davam via fundo de cultura, como geralmente ocorre em políticas sistêmicas. Tampouco
o processo de selecionar as políticas que seriam financiadas via Mais Cultura passou por
definições coletivas envolvendo a sociedade civil e representantes de estados e municípios,
já que a decisão partiu do MinC.

4.4 A SAI NA GESTÃO JUCA FERREIRA

Entre agosto de 2008 e dezembro de 2010, o Ministério da Cultura passou a ser


dirigido por Juca Ferreira, segundo o qual a sua nomeação por parte do presidente Lula foi
consequência, justamente, do Programa Mais Cultura.

[...] quando Gil pediu para sair, ele [Lula] pediu para esperar querendo, por
um lado, manter Gil mais tempo no governo [...] e quando ele me viu
apresentando o Mais Cultura, ele disse: ‘esse é o cara’...isso ele já falou
quatro, cinco vezes em discurso público. (FERREIRA, 2018)
Na cerimônia de transmissão do cargo, ocorrido no dia 28 de agosto de 2008, Juca
Ferreira destacou em seu discurso o Mais Cultura, considerado o principal programa do
MinC; reforçou a ideia de continuidade da gestão de Gil, “nosso líder, nosso outdoor, nosso
escudo e nosso aríete” (FERREIRA, 2008, p. 491); manteve a fala sobre o papel do Estado,
sobre o fomento do diálogo e da luta pelo aumento do orçamento do MinC para atingir ao
menos 1% do orçamento federal; e colocou como prioridades da gestão as políticas dirigidas
às linguagens artísticas por meio do fortalecimento da Funarte, a reforma da Lei Rouanet e a
modernização da Lei dos Direitos Autorais. Vale destacar que nenhuma dessas três
prioridades foram alcançadas ao final da gestão: nem a reforma da Lei Rouanet e nem a dos
Direitos Autorais foram aprovadas, e sobre a questão das políticas para as artes, Albino
Rubim (2011, p. 71) considera:

Conforme foi repetido em vários momentos pelos ministros Gilberto Gil e


Juca Ferreira, o ministério não pode ter como seu público prioritário os
artistas, mas sim toda sociedade brasileira. Tomar os artistas como público
equivaleria ao Ministério da Saúde ter os médicos como seu público alvo.
Este deslocamento é correto. Resta a questão não resolvida de qual o lugar,
por certo notável, a ser ocupado pelas artes e pelos artistas nas novas
199

políticas culturais do ministério. O correto desvio do olhar para a sociedade


requer como complemento imprescindível a construção de uma política
específica para os criadores, que defina com clareza, justiça e relevância o
novo lugar a ser ocupado, em especial pelos artistas e cientistas, no cenário
da cultura e principalmente das políticas culturais executadas. Não parece
que isto tenha sido bem equacionado pelo ministério, como faz crer as
continuadas mudanças na direção da Fundação Nacional das Artes
(FUNARTE). Esta rememoração da instabilidade nos conduz a análise do
enfrentamento desta última tradição pelo ministério.
Voltando ao discurso de Juca Ferreira, nas mais de quatro mil palavras, não há uma só
citação ao Sistema Nacional de Cultura. Apesar disso, foi na sua gestão que o SNC passou por
uma de suas fases mais interessantes. Na avaliação de João Roberto Peixe (2017), foi na
gestão de Juca Ferreira que o conceito do Sistema se estruturou “[...] quer dizer, todo esse
trabalho do ponto de vista conceitual, que gerou toda a legislação e o documento-básico
[...], tudo isso foi feito durante a gestão de Juca” (PEIXE, 2017). Em sua opinião, o SNC
possuía algumas deficiências que justificavam as críticas de Juca Ferreira: “[...] eu acho que
também havia fundamento na crítica de Juca em relação à consistência do Sistema, [...] do
ponto de vista organizacional, do ponto de vista conceitual ele não estava bem definido”
(PEIXE, 2017). Essa fragilidade conceitual apontada por Peixe era algo que acompanhava o
Sistema desde o seu início. Em entrevista, Gilberto Gil comenta sobre a estratégia inicial de
construção do SNC:

[...] escolheu-se fazer um movimento de articulação em torno de um plano


que eu achei bom; eu propriamente estimulei, porque eu acho que é um
trabalho, que ainda que desprovido de um elemento fundamental que seria
um brain storm, uma reflexão mais aprofundada a ser realizada
anteriormente, de posse da qual você já fosse para articulação com algo
prático a propor, ainda assim eu acho que partimos para uma articulação
política isoladamente, e que foi boa, num certo sentido, porque contamos
também com a sorte, digamos assim, de que a proposta do Plano Nacional
de Cultura estava vindo logo em seguida, o que dava, digamos assim,
substância a uma mobilização política em torno de um sistema. (GIL apud
RUBIM et al, 2008)
Pela fala de Gil, percebe-se que o Sistema partiu para uma projeção nacional sem estar
conceitualmente consolidado no âmbito do Ministério. O que não significa que não tenha
sido feitos esforços na gestão de Márcio Meira para avançar na proposta esboçada do A
imaginação a serviço do Brasil. É possível citar, por exemplo, a criação do GT do Sistema e a
preocupação em qualificar os debates na I Conferência e nas Oficinas do SNC, que contou
inclusive com a participação de estudiosos e pesquisadores. Na avaliação de Sérgio Pinto
(2018), no início da gestão Gil, o Sistema não tinha um corpo definido, como depois passou a
200

ter, e o seu primeiro momento foi voltado especialmente para uma articulação com os entes
federados, sobretudo, com os municípios, “mas que não se consubstanciava numa proposta
de política efetiva, primeiro por essa dificuldade de relação interna, e eu acho que isso daí
vinha também por causa de uma falta de definição da proposta”. (PINTO, 2018). De acordo
com Frederico Barbosa Silva e Luiz Eduardo Abreu (2011), a conceituação do Sistema não era
clara e possuía várias dificuldades:

O Sistema Nacional de Cultura (SNC) não é fácil de conceituar. Já seria difícil


se ele fosse uma estrutura burocrática estabilizada, mais ainda, se ele é
uma ideia reguladora, algo para onde se pretende dirigir, que se quer
alcançar, algo sobre o que não é possível ter ainda uma ideia clara,
justamente porque colocada no adiante, no concreto do daqui a pouco. Nas
entrevistas com os funcionários do Ministério, muitos eram os sentidos que
ganhava o SNC. Qual o seu desenho? Quais os seus usos? Um instrumento
de política pública ou um conteúdo que a política pública deveria carregar?
Qual o seu interesse? Por que ele representaria uma mudança no pacto
federativo? Na participação social? Quais os seus desdobramentos? Qual o
seu sentido para o Estado? Estas eram algumas das questões para as quais
encontramos várias respostas. (SILVA; ABREU, 2011, p. 10-11)
Questões como essas vão acompanhar praticamente todo o processo de construção
do SNC, tendo o seu marco de debate o período em que Silvana Meireles assumiu a SAI e
constituiu um Grupo de Trabalho para aprofundar conceitos e metodologias do Sistema.
Para João Roberto Peixe (2017): “[...] se faça justiça à Silvana, como ela tinha uma história
antes, e ela tinha uma boa relação com Juca, ela conseguiu ir retomando também o SNC.”
Uma avaliação compartilhada com Bernardo Mata Machado, para quem “com a entrada da
Silvana [...] é retomada a discussão do Sistema Nacional de Cultura que estava um pouco em
refluxo dentro do Ministério da Cultura desde a saída do Márcio Meira” (MATA MACHADO,
2017). Na visão de Sérgio Pinto (2018), esse foi o período mais rico do Sistema:

eu acho que essa foi a época mais rica do sistema porque veio a Silvana
Meireles [...] que trouxe o Bernardo e o Peixe... o Peixe era uma pessoa
que participou da formulação do Sistema, estava desde o início, e o
Bernardo tinha essa capacidade fantástica de desenvolver
conceitualmente... tinha o Mais Cultura também, então, você tinha um
grupo envolvido muito fortemente desenvolvendo o Sistema Nacional de
Cultura e, paralelemente, você tinha um monte de ações sendo
desenvolvidas na SAI, [...] a Silvana tinha uma articulação interna no
Ministério muito positiva, muito boa, ela tinha muita articulação com o
Juca, com a Secretaria Executiva, com a SCDC, com o audiovisual, eu acho
que essa época foi a melhor na relação interna que o ministério já teve.
(PINTO, 2018).
201

Para Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014) era preciso recolocar o Sistema na
pauta e retomar o diálogo com os entes federados, inclusive por conta da expectativa da
realização da II Conferência Nacional de Cultura. Uma retomada que passava pela
reestruturação da SAI, que “não tinha equipe, nem quantitativa, nem qualitativamente para
estabelecer esse diálogo, as pessoas que poderiam fazer isso ou não estavam na Secretaria
ou não estavam interessadas no Sistema Nacional de Cultura” (MEIRELES apud BARBALHO,
2014). Foi nesse contexto que uma nova equipe foi designada para tocar a política do
Sistema, composta por atores que já possuíam vínculo com a proposta: João Roberto Peixe e
Bernardo Mata Machado.

Até 2008, Peixe atuava com como um ator externo ao MinC, já que enquanto
secretário de Cultura de Recife (2001-2008), ele assumiu a presidência do Fórum Nacional de
Secretário de Cultura das Capitais e uma das cadeiras da representação do poder público
municipal no CNPC. A passagem por tais instâncias foi importante para o Sistema porque
reforçou ainda mais a aproximação entre a SAI e essas representações, e justamente em um
período de retomada da política. Assim, a partir de 2009, Peixe passou a integrar o
Ministério da Cultura por meio do cargo de coordenador geral de Relações Federativas e
Sociedade da SAI, dedicando-se exclusivamente ao SNC.

De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), a ida de João Roberto Peixe
para o Ministério foi resultado de uma acomodação política, e a sua incorporação pela SAI
veio a partir de uma negociação feita entre ela e Juca Ferreira, que havia sinalizado um
movimento que estava ocorrendo para que Peixe fosse trabalhar no MinC: “[...] eles tinham
pensando em Peixe na Funarte por conta da formação dele em Design, mas estavam
querendo discutir um pouco isso...”. (MEIRELES apud BARBALHO, 2014). Foi nesse contexto
que Meireles recorda que defendeu a ida de Peixe para a SAI, já que o mesmo tinha
conhecimento sobre o Sistema, era um defensor dessa política e havia feito um bom
trabalho na Prefeitura do Recife. Além disso, ele poderia colaborar na articulação com o
grupo de consultores com quem a SAI estava dialogando e na retomada da relação da
Secretaria com os militantes do PT, já que Peixe era um quadro importante do Partido e a
proposta do SNC sempre esteve ligada a este.

[...] eu pensei politicamente que a SAI sempre foi bastante identificada com
o PT, o Sistema era uma proposta que vem desde A Imaginação a Serviço
do Brasil, que era, portanto, muito caro ao PT [...] Era uma questão para
202

mim estratégica, era uma dívida institucional, mas era também um


reconhecimento do trabalho de Márcio do qual eu fiz parte, e achei que
pessoalmente eu tinha me comprometido com o próprio Márcio a defender
o Sistema, Conselho, Conferência porque eu acreditava [...] (MEIRELES apud
BARBALHO, 2014)
Segundo Sérgio Pinto (2018):

o Peixe era uma representação do PT dentro da SAI, que era uma grande,
uma super secretaria porque a partir do momento que começou a trazer o
Mais Cultura, realmente a SAI ficou uma super secretaria [...]então a
concepção do sistema ficou muito em segundo plano, não se desenvolvia
muito a proposta de formalização, conceito... e nisso o Peixe veio, Peixe é
representação do PT, Peixe é histórico do PT, então ele veio fazer essa
discussão do Sistema dentro da Secretaria de Articulação.
De acordo com João Roberto Peixe (2017), a ida dele para o Ministério e o fato do
ministro Juca Ferreira tê-lo aceito na equipe é decorrente de uma “certa inflexão, uma certa
mudança...”.

Eu tive conversas com Juca antes de ir para o Ministério [...] e aí eu fui


quebrando algumas arestas, eu fui mostrando que era um erro ele
personalizar o Sistema na disputa política interna, como se o Sistema fosse
Márcio Meira, o Sistema não pode ser personalizado, inclusive o que se
avançou é um ganho político para a cultura, para o governo Lula, para o
ministro... (PEIXE, 2017)
Vale ressaltar que, em entrevista, Juca Ferreira (2018) citou que a tensão junto ao
setorial do PT não era apenas vinculada à figura de Márcio Meira, mas também do próprio
João Roberto Peixe: “Peixe que coordenava a ação e que tinha sido secretário de cultura de
Recife” (FERREIRA, 2018).

O outro ator que integrou esse processo de retomada do SNC foi Bernardo Mata
Machado, que havia sido convidado inicialmente por Márcio Meira para compor a equipe da
SAI38, mas que só começou a trabalhar nessa secretaria em 2009, a princípio por meio de
uma consultoria que compunha um convênio MinC-Sesc São Paulo, ao qual permaneceu
vinculado de março a setembro daquele ano. Posteriormente, Mata Machado passou a
integrar o quadro da SAI, trabalhando na coordenação do SNC junto a Peixe, responsável
pela sua ida ao Ministério (MATA MACHADO, 2017). Para João Roberto Peixe (2017), a ida de
Bernardo tinha a perspectiva de trazer um perfil mais acadêmico, contribuindo para a

38
Segundo Mata Machado (2017) a sua ida não foi concretizada por conta de sua dedicação à tese de
Doutorado que estava em curso.
203

dimensão conceitual do Sistema, aliada à sua experiência na gestão pública de cultura no


município de Belo Horizonte/MG.

Em síntese, a nova estrutura da SAI foi apresentada no Decreto nº 6.835/2009, que


ampliou as suas competências – recuperando inclusive a de coordenar e supervisionar as
atividades das Representações Regionais do MinC – e estabeleceu duas diretoriais: Diretoria
de Livro, Leitura e Literatura e Diretoria de Programas Integrados, esta composta por três
coordenações, uma delas a de Relações Federativas e Sociedade, onde Peixe era
coordenador-geral, com um cargo DAS4, e Bernardo Mata Machado, coordenador, com um
cargo DAS3. Era, portanto, uma equipe bastante pequena para dirigir uma política da
envergadura do SNC. Segundo João Roberto Peixe (2017): “[...] eu fui pra lá com a questão
de retomar o Sistema e na primeira etapa éramos um exército de Brancaleone porque era
uma equipe mínima”.

4.4.1 A retomada do SNC

Considerando as dimensões conceitual, institucional e operacional, e normativa, o


período do SNC na gestão Juca Ferreira foi marcado especialmente pelo desenvolvimento da
primeira dimensão. Essa, por sua vez, envolveu as outras duas, já que, por exemplo, o
desenvolvimento do debate sobre a arquitetura e os componentes do Sistema conduziram à
reformulação do texto da PEC 416/2005 e à elaboração da proposta de regulamentação do
SNC.

De acordo com Silvana Meireles (2015), o diagnóstico do SNC naquele momento era:

No campo conceitual o debate sobre o Sistema precisava ser aprofundado,


a sua arquitetura precisava ser melhor definida tanto no tocante aos
componentes quanto aos modelos de gestão e financiamento; e no campo
político, o Conselho Nacional de Política Cultural tinha sido implantado, mas
o Sistema precisava ser incorporado pelo próprio Ministério da Cultura. O
Sistema Nacional de Cultura era uma política da SAI, pouco absorvido pelas
demais secretarias e fundações que compunham o Ministério da Cultura. E
ainda faltava os outros 60% dos municípios e alguns estados mais
resistentes a aderirem ao Sistema. A pergunta que também estava se
delineado para aqueles que já tinham avançado ao longo desses dois anos
era: depois de cumprida as formalidades que o Ministério indicava após
adesão ao Sistema, qual será o próximo patamar? o que diferenciaria os
municípios signatários e não signatários? e, portanto, para que patamar nós
devíamos seguir? No campo jurídico era preciso instituir o Sistema por meio
da aprovação da Emenda Constitucional que incluía o artigo 216-A na
Constituição, o que finalmente foi realizado em 2012, período posterior a
esta gestão. Esse era o diagnóstico. (MEIRELES, 2015)
204

A estratégia da SAI para enfrentar essa situação foi traçada por meio da criação do
Grupo de Trabalho do Sistema Nacional de Cultura (GT SNC), viabilizado por meio do
convênio nº 702106-SNC firmado entre o MinC e o SESC-São Paulo. O GT, coordenado por
João Roberto Peixe, teve a seguinte composição:

Quadro 08: Composição do Grupo de Trabalho do SNC


Grupo de Trabalho do Sistema Nacional de Cultura
Vinculação Integrantes
João Roberto Peixe (Coordenação de Relações Federativas
e Sociedade/SAI)
Bernardo Novais da Mata Machado39 (Coordenação de
Relações Federativas e Sociedade/SAI)
Maria Cláudia Cabral (Coordenação de Articulação e
Integração/SAI)
Ministério da cultura
Cristiano Borges Lopes (coordenador-geral em Regulação
de Direitos Autorais)
Maria Beatriz Salles (Consultoria Jurídica)
Adélia Zimbrão (FCRB)
Lia Calabre (FCRB)
Marcelo Veiga (CNPC)
Secretaria de Relações Institucionais Juliana Carneiro
da Presidência da República Paula Ravaneli
Albino Rubim
Alexandre Barbalho
Humberto Cunha
Consultores do SNC
Isaura Botelho
(especialistas em cultura)
José Márcio Barros
Leonardo Costa
Maria Helena Cunha
Fórum Nacional de Secretários e Daniel Sant´Ana (AC)
Dirigentes
Estaduais de Cultura
Fórum Nacional dos Secretários e Jandira Feghali (Rio de Janeiro/RJ)
Dirigentes Mário Olímpio (Cuiabá/MT)
de Cultura das Capitais
Fonte: Elaboração própria a partir do documento Estruturação, Institucionalização e Implementação
do Sistema Nacional de Cultura. Ministério da Cultura, novembro de 2010.

Não foi possível verificar plenamente qual foi a composição efetiva desse GT porque,
apesar de no documento publicado pelo MinC constar os nomes acima listados, em
entrevistas e outros textos produzidos a partir desse GT, como artigos e relatórios, os nomes
nem sempre coincidem. Por exemplo, em algumas ações o nome de Fabiano Santos aparece
como representante do MinC, entretanto ele não consta no quadro acima, que por sua vez

39
Bernardo Mata Machado inicialmente esteve vinculado ao GT como consultor e, posteriormente, como
integrante da SAI.
205

apresenta o nome de Marcelo Veiga como representante do CNPC, mas que, segundo João
Roberto Peixe (2018)40, foi representado por Genival Oliveira Gonçalves, conhecido como
Gog. Inclusive, Peixe ressalta que Gog só participou das primeiras reuniões do grupo e
depois pediu afastamento por conta da incompatibilidade com a sua agenda profissional,
não tendo o CNPC indicado nenhum outro substituto. Outro ponto que vale ser esclarecido é
que a participação dos integrantes no GT não foi uniforme e, basicamente, ao longo dos
documentos e entrevistas foram citados os nomes dos consultores e dos membros da SAI
mais próximos ao Sistema Nacional de Cultura.

Em síntese, o GT foi instituído em 2008 (Portaria nº 22 de 23 de maio de 2008), mas só


começou efetivamente a funcionar em 2009. Suas atividades duraram até abril de 2010,
quando foi finalizado o curso piloto de formação de gestores culturais. Nesse ínterim, a
proposta para o Sistema definida no GT foi submetida à apreciação e aprovação do Plenário
do CNPC, que em reunião realizada em agosto de 2009 aprovou a reformulação do SNC por
unanimidade. O resultado desse trabalho foi publicado pelo MinC em novembro de 2010, no
final da gestão Juca Ferreira, sob o título Estruturação, Institucionalização e Implementação
do Sistema Nacional de Cultura. Conhecido como documento-básico do SNC, a publicação de
108 páginas foi dividida em duas partes, a primeira com o texto aprovado pelo CNPC, e a
segunda com informações posteriores a essa aprovação, que incluía os instrumentos legais e
minutas de termo de adesão ao Sistema.

Segundo Silvana Meireles (2015), dez premissas sobre o SNC guiaram o trabalho
desenvolvido pela SAI no âmbito do GT:

Primeira: o Sistema é um projeto político que propõe um modelo de


institucionalização da gestão cultural e cria plataforma para o
desenvolvimento das políticas públicas de cultura objetivando a garantia do
pleno exercício dos direitos culturais; segunda: o Sistema é uma maneira de
garantir a efetivação das políticas culturais; terceira: a estruturação do
Sistema deve estar baseada no pacto federativo, no respeito às autonomias
e à participação social; quarta: o Sistema induz uma cultura do
planejamento nas políticas culturais; quinta: o Sistema deve ter como
princípios a democratização e descentralização das políticas e a
territorialização de suas ações; sexta: o Sistema deve organizar a
participação social na elaboração das políticas públicas de cultura; sétima: o
Sistema deve favorecer a transparência; oitava: o SNC deve observar e
incentivar a qualificação dos gestores culturais; nona: o SNC deve respeitar
e dialogar com a diversidade cultural do país; décima: o Sistema não pode

40
Informações enviadas por e-mail em 06 de junho de 2018.
206

se tornar uma camisa de força para a cultura, intervindo em sua dinâmica,


engessando-a em formas burocráticas, inibindo características intrínsecas,
sobretudo a sua dimensão simbólica, como liberdade de criação, ousadia,
risco e experimentação. (MEIRELES, 2015)
No texto de apresentação do documento-básico, Meireles (2010) apresenta também
outra preocupação da SAI, a de pensar a gestão federativa da cultura refletindo sobre as
condições de estados e municípios gestarem suas respectivas políticas culturais por meio do
SNC. Segundo Meireles (2010) era preciso ter consciência “da inexistência de cultura
sistêmica e da precariedade institucional da cultura nos três níveis de governo, apesar dos
avanços verificados” (p. 14) e investir em um programa de trabalho para os próximos dez
anos que poderia fazer emergir uma nova institucionalidade para a cultura brasileira. Dentre
dessa perspectiva,

[...] o governo federal prevê um grande investimento em formação de


gestores e no fortalecimento das secretarias de cultura locais, consignados
na Política Nacional de Formação na Área da Cultura. [...] [Cujo objetivo] é
capacitar, atualizar e contribuir com a profissionalização de gestores
culturais de instituições públicas e privadas por meio de metodologias
pensadas a partir das demandas nacionais e locais. (MEIRELES, 2010, p. 14)
No mesmo documento, João Roberto Peixe afirma que apesar dos avanços realizados
por parte de estados e municípios com a criação de órgãos gestores da cultura, conselhos de
política cultural democráticos, realização de conferências, elaboração de planos de cultura
etc., ainda faltava uma visão e atuação sistêmica:

Por outro lado, verifica-se que apesar da existência e funcionamento dos


diversos componentes dos sistemas nacional, estaduais e municipais, de
forma geral não há, ainda, um visão e atuação ‘sistêmica’, em que as partes
se vejam como integrantes de um conjunto maior e atuem de forma
integrada, a partir de uma concepção comum de política cultural e uma
efetiva interação e complementaridade, capaz de provocar verdadeira
sinergia no processo, potencializando os resultados das ações
empreendidas e dos recursos disponibilizados. (PEIXE, 2010, p. 17)
Nesse sentido, era necessário criar uma estratégica comum para implementação dos
sistemas nos seus diversos níveis de governo.

Tanto a perspectiva traçada por Silvana Meireles, de inaugurar uma política nacional
de formação, como a de João Roberto Peixe, de buscar estratégias de integração e interação
entre os sistemas de cultura, estão presentes no trabalho desenvolvido pelo GT, que girou
em torno de três grandes temas: legislação, arquitetura e formação em cultura. Tais eixos
orientaram a criação de três subgrupos: Arquitetura e Marco legal do Sistema Nacional de
207

Cultura (GT1), responsável pela elaboração da proposta referente à estruturação e normas


do Sistema; e outros dois voltados para formação em cultura: Mapeamento da Formação e
Qualificação em Organização Cultural no Brasil (GT2), cujo objetivo era gerar um estudo e
diagnóstico sobre a situação da formação em política e gestão culturais no Brasil,
consolidados em um mapeamento, e sugerir caminhos para a criação de uma rede brasileira
de formação em políticas e gestão culturais; e Fortalecimento Institucional e Formação de
Gestores Culturais (GT2), responsável por pensar a formação em gestão de políticas públicas
de cultura, materializada na realização de um curso piloto que serviria de modelo a ser
expandido pelo país através do Programa de Formação Cultural.

Segundo Peixe (2018)41, esses três grupos trabalhavam de forma autônoma, mas
conectadas, já que a dinâmica de trabalho envolvia reuniões específicas e reuniões gerais
com todos os integrantes, onde questões como metodologia e entrega de produtos finais
eram debatidas coletivamente. Quanto ao perfil dos integrantes desses três subgrupos,
Peixe (2017) relata que havia uma preocupação por parte de Silvana Meireles em avançar
nas questões conceituais em torno do Sistema e por isso os consultores tinham um perfil
mais acadêmico.

O trabalho desenvolvido em cada uma das equipes será detalhadamente apresentado


a seguir considerando sua relevância para o Sistema Nacional de Cultura.

4.4.1.1 GT 01 Arquitetura e Marco legal do SNC

Segundo o documento-básico (MinC, 2010), uma série de elementos sobre o SNC, a


exemplo de seus princípios, constituição e forma de funcionamento necessitavam ser
desenvolvidos e explicitados, o que levaria à definição do seu conceito, estrutura e
instrumentos legais. De acordo com Silvana Meireles:

O Sistema Nacional de Cultura precisava em algum momento virar um


projeto de lei, e a gente precisava começar a discutir que projeto era esse,
que amparo legal ele teria, para apresentar uma proposta de que não fosse
só um... não caísse no risco de sempre, de ser apenas uma política de
governo, porque, por exemplo, a gente já tinha mostras que no mesmo
governo o Sistema poderia ser interrompido. (MEIRELES apud BARBALHO,
2014)

41
Informações enviadas por e-mail em 06 de junho de 2018.
208

Nesse sentido, foi composto o grupo Arquitetura e Marco Legal do SNC, que segundo
João Roberto Peixe (2018)42, deveria desenvolver suas atividades entre fevereiro e junho de
2009. Dentre essas atividades estavam reuniões externas com os fóruns dos secretários de
cultura de estados e municípios, com dirigentes do MinC e de unidades vinculadas, incluindo
o ministro Juca Ferreira, e com o CNPC. Todas as críticas e sugestões de alterações
decorrentes de tais encontros deveriam ser consideradas. Ainda segundo Peixe (2018), foi
prevista a entrega de uma série de produtos, conforme quadro a seguir.

Quadro 09: Produtos do GT Arquitetura e Marco Legal do SNC


Produtos Responsável
1. Texto com argumentos e justificativa para extinção do SFC
posto que o SNC cumprirá o duplo papel da União.
Maria Cláudia Cabral (SAI)
Proposta com novas instâncias para articulação e pactuação
interna (Sistema MinC) e intersetorial para as políticas
transversais.
2. Contextualização do SNC, conceito de cultura “adotado”,
Bernardo Mata Machado (SAI)
princípios do SNC e argumentação.
3. Instâncias de articulação, pactuação e deliberação: papel e
Adélia Zimbrão (FCRB/MINC) e
justificativa. Relação entre elas e entre os subsistemas
João Roberto Peixe (SAI)
setoriais.
4. Alternativas jurídico-políticas para o SNC. Humberto Cunha Filho
(Consultor)
5. Situação atual dos Sistemas de Cultura nos estados e
Daniel Sant´Ana e Jandira Feghali
municípios
6. PEC 416/2005 do SNC: sugestões de alteração Todo o grupo
Fonte: Elaboração própria a partir de informações disponibilizadas por João Roberto Peixe, em 06
de junho de 2018

O GT foi inicialmente composto também por Gog do CNPC, que como foi dito só esteve
nas primeiras reuniões, e teve a participação de Juliana Carneiro e Paula Ravaneli, da
Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, que deveriam ser
incorporados nas discussões sobre o suporte jurídico-legal infraconstitucional para
implementação do Sistema, em diálogo com o trabalho do único consultor do grupo,
Francisco Humberto Cunha Filho, professor e pesquisador da área de direitos culturais.

A trajetória profissional de Cunha Filho é interessante porque em pelo menos três


aspectos se relaciona com questões próximas ao SNC: primeiro por estar envolvido com
discussões em torno do federalismo, dada a sua atuação como professor de Direito

42
Informações enviadas por correio eletrônico em 06 de junho de 2018.
209

Constitucional; segundo pela sua passagem, enquanto advogado da União, pela Fundação
Nacional de Saúde, cuja política central é o SUS, política de referência do SNC; e terceiro
pelo seu envolvimento na gestão pública de cultura no âmbito municipal e estadual, por ter
trabalhado na Secretaria de Cultura do Estado do Ceará e ter sido secretário Municipal de
Cultura de Guaramiranga/CE entre 1991 e 1993. De acordo com Humberto Cunha Filho
(2017):

[...] enquanto secretário de cultura do município, eu tinha uma percepção


das relações, dos possíveis créditos e dos possíveis deveres daquele
município de Guaramiranga com relação ao estado do Ceará e com relação
à União, e quando eu trabalhei na Secretaria de Cultura [na gestão de
Violeta Arraes Gervasieu, iniciada em 1988], mas, sobretudo, quando eu me
reaproximei da Secretaria de Cultura na gestão da Cláudia Leitão, que ela
fez o Seminário Cultura 21 [onde ele tratou do tema do Federalismo
Cultural], aí eu voltei a fazer algumas reflexões a respeito da relação.
Sobre o trabalho de Cunha Filho enquanto consultor no GT é possível obter
informações através de seu livro Federalismo Cultural e Sistema Nacional de Cultura (2010).
No prefácio desta publicação, Cunha Filho relata que parte de suas ideias estava em
consonância com as dos coordenadores do processo, a exemplo da defesa das estruturas
essenciais de gestão pública, democrática e republicana das políticas culturais. Outras ideias
por ele sugeridas foram aceitas e incorporadas, como a de estruturar o Sistema em um
formato jurídico dinâmico, e não estático, como o SUS. Segundo documento-básico (MINC,
2010), essa configuração jurídico-política do SNC conduziria à estruturação de um sistema
misto, constituído por um núcleo estático, instituído por meio de Proposta de Emenda
Constitucional e Projeto de Lei Ordinária, e formado por elementos considerados pilares (os
componentes do SNC), e uma dimensão dinâmica, decorrente das necessidades oriundas da
implementação e gestão das políticas culturais por parte dos entes federados e que seriam
disciplinadas por normas infralegais – que possibilitam maior agilidade para ajustes – a partir
de processos de negociação e pactuação nas instâncias criadas para essa finalidade. Esta
dimensão possibilitaria atender às especificidades da administração pública de cada nível de
governo e às características da diversidade cultural, dando maior flexibilidade ao Sistema. As
condições para tanto estariam expressas no Acordo de Cooperação Federativa (em
substituição ao Protocolo de Intenções).

Para Cunha Filho (2010), a área da cultura é dotada de grande complexidade, o que
dificulta o estabelecimento prévio e universal de divisão de responsabilidades entre os entes
210

federados dentro de um Sistema. Além disso, há peculiaridades importantes na área, como o


fato, por exemplo, da Constituição brasileira prevê o resguardo da liberdade de criação ao
mesmo tempo em que estipula medidas de proteção ao patrimônio material, cabendo ao
Estado proteger os bens representativos da memória coletiva. Nesse sentido, seria preciso
refletir sobre como o SNC deveria ser desenvolvido considerando as singularidades da
Cultura, estando atento ao fato dos modelos sistêmicos já existentes, como o SUS e SUAS,
serem “inservíveis, demandando, por mais trabalho que seja, uma reflexão originária e
peculiar” (CUNHA FILHO, 2010, p. 135). Para o professor, sistemas como o de saúde e
educação permitem uma divisão de atribuições mais simples e estável possibilitando a
construção de um sistema estático, já a área da cultura não obedece a essa lógica:

Por outro lado, possuindo a gestão cultural características diferentes e até


antagônicas às dos setores que com ela estão sendo comparados, de
pronto oferece a reflexão de que um modelo sistêmico que atenda às suas
necessidades, não pode ser idêntico aos tradicionais sistemas estáticos.
(CUNHA FILHO, 2010, p. 137)
Nesse sentido, caberia a construção de um sistema que “se caracterizaria por definir as
atribuições dos entes públicos, mas com possibilidades e facilidades de alterações dos
distintos papéis, após experimentos que os demonstrem inadequados ou exauridos”
(CUNHA FILHO, 2010, p. 137). O sistema misto para o SNC poderia lhe oferecer uma série de
vantagens, como:

(1) Permitir ajustar os papeis dos diversos atores pactuantes, após certo
tempo [...]; (2) Possibilita enfatizar temas culturais, ou seja, o órgão
legitimado a dar a dinâmica do SNC pode eleger prioridades, como por
exemplo, esforço concentrado na política de bibliotecas [...]; (4) Enseja a
construção gradativa do SNC [...]; (5) Fortalece o Conselho Nacional de
Política Cultural – CNPC que incorporará às suas competências a de
normatizar o SNC e fiscalizar sua operacionalização; (6) Privilegia a dinâmica
democrática [...] pelas previsíveis pressões para definir ou alterar os
critérios, as atribuições e prioridades regentes do SNC; (7) Enseja saber o
tipo ideal de sistema para a cultura na Federação Brasileira, em decorrência
de experiências e não apenas de cogitações intelectuais [...] (CUNHA FILHO,
2010, p. 141-142)
Segundo João Roberto Peixe (2017), a participação de Humberto Cunha Filho no GT
impactou no desenho do SNC, já que ao final, na discussão entre um sistema mais rígido e
um mais flexivo, o Ministério terminou optando pelo caminho do meio, com um sistema que
seria publicado em lei, mas não se detalharia demasiadamente para não engessar.
211

Outra ideia colocada em discussão no GT por parte de Humberto Cunha Filho foi a de
que não seria necessário incluir expressamente na Constituição Federal um artigo dedicado
ao SNC, pois implicitamente ele já existe ali, cabendo às autoridades públicas promoverem
as complementações necessárias para que o sistema de políticas culturais entre em
funcionamento. Uma proposta que foi rejeitada pelo Ministério43.

A maior rejeição foi à ideia de que a Constituição de 1988 já instituiu,


mesmo sem expressamente mencionar, o Sistema Nacional de Cultura,
como decorrência lógica da própria organização do Estado brasileiro, no
qual a grande maioria das competências/responsabilidades, tanto no
âmbito da produção como na da execução das normas, é partilhada entre
os diversos entes públicos, o que faz o nosso ser conhecido como
federalismo de cooperação. (CUNHA FILHO, 2010, p.13-14)
Segundo o professor, o federalismo cooperativista adotado no Brasil já organiza as
políticas públicas de maneira sistêmica e a cultura não escapa a isso. Um exemplo é a
previsão constitucional de que os entes federados podem legislar concorrentemente sobre
cultura, conforme Art. 24, e que como à União cabe editar normas gerais e aos demais entes
editar normas específicas e complementares, “[...] impõe-se, nesta seara, um tipo especial
de atuação sistêmica, uma vez que todas as prescrições aludidas devem guardar harmonia
umas com as outras” (CUNHA FILHO, 2010, p. 92). Isso, contudo, não significa que a
Constituição tenha explicitado as atribuições de cada nível de governo e da sociedade civil, o
que se configura como grande desafio para a organização sistêmica das políticas culturais.
Para o professor, é preciso partir para a discussão do SNC reconhecendo que o conjunto de
leis, órgãos e atividades relacionados à cultura já formam um sistema, e que as prescrições
do Art. 216-A que instituiu o SNC não são substancias, mas “[...] apenas evidenciadoras
daquilo que automaticamente já existia na prática e que teve a virtude de deixar tudo só um
pouco mais evidente” (CUNHA FILHO, 2017). De opinião semelhante são Carlos Alberto
Molinaro e Fernando Antonio Dantas (2013), que ao comentarem os artigos 215 e 216 da
Constituição Federal avaliam que “A criação de um sistema nacional que estimulasse a
cooperação entre os diversos entes federados em prol da cultura sempre foi uma
possibilidade assegurada pelo texto constitucional desde a sua promulgação” (p. 1985).

43
Ainda que as falas dos atores demonstrem que a ideia da já existência de um sistema de cultura na
Constituição tenha sido rejeitada, no documento publicado pelo MinC em 2010 (p. 67) sobre a estruturação do
SNC consta que: “Apesar do entendimento de que o Sistema Nacional de Cultura já está juridicamente
instituído pela Constituição Federal, é imprescindível o seu reforço com a explicitação do seu perfil, princípios,
constituição e forma de funcionamento [...]”.
212

Entretanto, avaliam os autores, a União nunca havia assumido o seu papel de centralidade
no direcionamento de uma política nacional de cooperação em matéria de cultura. Fato que
começou a ser alterado com a previsão do Plano Nacional de Cultura, do Sistema Nacional
de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) e do Sistema Nacional de Cultura.

Em entrevista, Humberto Cunha Filho (2017) comenta sobre a reação do ministro Juca
Ferreira quando ele apresentou a perspectiva da já existência de um sistema de cultura no
Brasil:

Eu fui chamado para apresentar o meu ponto de vista [...] ao próprio


ministro Juca Ferreira. [...] Eu creio que ele concordou com alguns pontos e
com outros, reticentes, por exemplo, eu fiz a colocação, que era uma
colocação um tanto quanto polêmica, mas o meu objetivo não era esse, era
apenas o de advertir que tinha que ter consciência dessa configuração [do
federalismo cooperativista]. [...] ele [Juca Ferreira] tinha uma posição lá de
magistrado e colocava perguntas e depois fazia o juízo dele, então a
reticência a qual eu me referi era uma reticência no sentido de não
externar de pronto uma concordância, uma discordância, mas de sair
elaborando novas perguntas sobre as colocações formuladas... houve até
uma brincadeira lá porque ele disse assim: ‘como pode isso? se a gente tá
querendo construir um sistema e você diz que o sistema já existe?’, eu
disse: ‘não, mas existem sistemas que já existem e que a gente apenas não
os conhecem’, ele disse: ‘como assim? dê um exemplo’, eu disse: ‘sistema
solar, desde quando ele existe? milênios, mas desde quando a gente
conhece? faz trezentos anos ou pouco menos’... (CUNHA FILHO, 2017)
De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014; 2017), os textos produzidos
por Cunha Filho fundamentaram a legislação do SNC e dialogaram diretamente com o
trabalho feito por parte dos outros integrantes do grupo, responsáveis pelo desenho e
estruturação do SNC, e pelas bases conceituais e institucionais do Sistema, pensando, por
exemplo, como se estabeleceria o diálogo entre o Ministério, os municípios e os estados,
algo que não estava posto. Dentro do GT1, a tarefa de pensar nas questões relativas a
articulação, pactuação e deliberação coube a João Roberto Peixe e Adélia Zimbrão,
pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, que tinha produzido estudos sobre o SUS e
o SUAS44. Segundo Peixe (2017):

A gente teve a preocupação de não manter o Sistema reproduzindo ipsi


literis os outros sistemas pela complexidade e diversidade da cultura, mas

44
“As Relações Federativas e o Sistema Único de Assistência Social”, Brasília, dezembro de 2006, mimeo e
“SUS: avanços e obstáculos no processo de descentralização e coordenação intergovernamental” In Revista do
Serviço Público. Brasília: ENAP. 2004, 55(4): 67-70.
213

precisava também incorporar elementos e Adélia tinha estudos específicos


sobre o funcionamento e construção de sistemas.
O trabalho de Peixe e Zimbrão esteve bastante relacionado com o de Bernardo Mata
Machado, a quem coube cuidar da contextualização do Sistema, do conceito de cultura que
seria acionado, e dos princípios que deveriam reger a política. Segundo Mata Machado
(2017):

[...] eu na verdade partir o tempo inteiro disso, da importância dos direitos


culturais e o Estado como garantidor dos direitos culturais. Eu tinha uma
certa diferença com o Márcio Meira, no sentido de que, até corretamente
do ponto de vista constitucional, ele incluiu os direitos culturais entre os
direitos sociais e eu estava defendendo que os direitos culturais tinham
autonomia própria, um campo próprio, que ele não se processa
simplesmente só através do Estado, como os direitos sociais, mas ele
também tem componentes civis com direito autoral, componentes políticos
e componentes econômicos, então ele teria um campo autônomo entre os
direitos, isso é uma defesa pessoal, um pouco acadêmica, mas que faz
sentido na prática também.
Em sua concepção, o SNC é de fundamental importância para a efetivação dos direitos
culturais e está estreitamente vinculado à dimensão cidadã da cultura, que junto às
dimensões simbólica e econômica orientaram conceitualmente as gestões de Gilberto Gil e
Juca Ferreira.

[...] O conceito da tridimensionalidade era um bom conceito, mas do ponto


de vista da política cultural, [...] a dimensão cidadã deveria ser considerada
a principal, porque cabia ao Estado garantir o pleno exercício dos direitos
culturais da população, como está na Constituição, sendo que a dimensão
simbólica existe antes da existência do Estado e a dimensão econômica
existe também no mercado, precisa do Estado, mas tem uma
independência. (MATA MACHADO, 2017)
Nesse sentido, Mata Machado (2017) considera que apesar da conquista dos direitos
se dar no âmbito da sociedade civil, por meio das diversas formas de luta, a garantia do
direito só é possível por meio do Estado, e o SNC seria fundamental por sua base federativa,
pela capacidade do direito cultural ser expandido para todo o país por meio do pacto
federativo. Ainda que não caiba aqui um aprofundamento, vale esclarecer que os direitos
culturais são de difícil conceituação, tanto que diversos estudos sobre os mesmos atuam
mais na perspectiva de apresentar um rol daquilo que pode ser enquadrado como tal do que
a um conceito propriamente dito (CUNHA FILHO, 2000; ARAGÃO, 2013). O Ministério da
Cultura também procurou refletir em documentos o que o Art. 215 da Constituição Federal
quis dizer ao estabelecer que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
214

culturais”, e no âmbito do GT, surgiu a proposta de formular a lista de tais direitos, quais
sejam: direito à identidade e à diversidade cultural, direito à participação na vida cultural,
direito autoral e direito/dever de cooperação cultural internacional (MINC, 2010a).
Obviamente que há uma série de discussões a serem feitas sobre essa delimitação, mas a
busca por definir o que pode ser compreendido por direitos culturais é importante porque
implica em saber o que o Estado é obrigado a fazer, ou a não fazer, já que a efetivação
desses direitos requer uma atuação positiva e negativa por parte do poder público.

No campo da política cultural, ao mesmo tempo em que se tem como


premissa a liberdade de criação, de participação, de fruição, o deixar fazer,
sem a interferência do poder público constituído, o que representaria essa
posição ‘negativa’, no sentido do deixar fazer, implica, também, na
participação direta e ativa do Estado por meio da elaboração e
implementação de políticas públicas, envolvendo o planejamento, a
proteção ao patrimônio e o incentivo à produção de bens culturais, a título
de exemplo, sem perder de mira a diversidade. Atuação ‘positiva’, no
sentido de ação planejada. (ARAGÃO, 2011, p.30)
Outro trabalho desenvolvido nesse GT foi a definição do conceito, princípios,
elementos e objetivos do SNC. Nesse sentido, a partir do conceito de sistema cunhado por
Edgar Morin45, foram definidas as partes que compõe o SNC, como devem interagir e quais
são suas propriedades.

Considerando todo o debate ocorrido nos últimos anos [...], o SNC reúne a
sociedade civil e os entes federativos da República Brasileira – União,
Estados, Municípios e Distrito Federal – com suas respectivas políticas e
instituições culturais, incluindo os subsistemas setoriais já existentes e
outros que poderão vir a ser criados: de museus, bibliotecas, arquivos, do
patrimônio cultural, de informação e indicadores culturais, de
financiamento da cultura, etc. As leis, normas e procedimentos pactuados
definem como interagem suas partes e a Política Nacional de Cultura e o
Modelo de Gestão Compartilhada constituem-se nas propriedades
específicas que caracterizam o Sistema. (MINC, 2010a, p. 41)
Sobre essa questão de subsistemas, Humberto Cunha Filho (2017) explica que apesar
de a legislação falar em subsistemas a rigor eles são sistemas, inclusive a existência de alguns
antecede ao próprio SNC, como o de museus.

[...] eu acho que há uma pluralidade de sistemas porque a esfera cultural é


formada de vários campos [...] e eu acho que cada um deles pode ter um
sistema especifico, vamos dizer assim, com pactos muito diferenciados e
pactos cujos os papeis dos entes da federação eventualmente podem se

45
Sistema enquanto conjunto de partes interligadas que interagem entre si, sendo o sistema sempre maior ou
menor que a soma de suas partes, já que possui certas qualidades que não se encontram nos elementos
concebidos isoladamente.
215

inverter de um sistema para o outro, então quer dizer, é muito diferente do


campo da saúde cujo o objeto é um único, que é a obtenção do máximo de
saúde possível, mas você pode ter por exemplo, um sistema de patrimônio
cultural cuja a atuação estatal é aquela de mais fortemente resguardar os
bens que estão já protegidos, e uma atuação no campo das artes, eu acho
que é um papel mais fortemente de assegurar os exercícios da liberdade,
então eu imagino que a rigor a gente deveria entender essa complexidade
da esfera cultural e compreender seus múltiplos campos para entender
seus múltiplos sistemas. (CUNHA FILHO, 2017)
Outro aspecto aprofundado nesse GT foi quanto aos princípios que deveriam nortear
todas as ações do SNC e orientar a conduta dos entes federativos e da sociedade civil, assim
definidos:

Quadro 10 – Princípios do SNC

PRINCÍPIOS DO SNC

Cooperação entre os
Fomento à produção,
Universalização do entes federados, os
Diversidade das difusão e circulação de
acesso aos bens e agentes públicos e
expressões culturais conhecimento e bens
serviços culturais privados atuantes na
culturais
área cultural

Integração e interação Autonomia dos entes


na execução das Complementaridade
Transversalidade das federados e das
políticas, programas, nos papéis dos agentes
projetos e ações
políticas culturais instituições da
culturais
desenvolvidas sociedade civil

Democratização dos Descentralização


Transparência e
processos decisórios articulada e pactuada
compartilhamento das
com participação e da gestão, dos recursos
informações
controle social e das ações

Fonte: elaboração própria a partir de MINC (2010a)

A partir desses onze princípios é possível destacar que: (1) o SNC prevê a participação
de uma multiplicidade de atores: entes federados e seus respectivos organismos; sociedade
civil e agentes privados. Tais integrantes devem atuar de maneira complementar e
cooperada, garantida as respectivas autonomias; (2) o Sistema é regido por princípios que
desenham um modelo de pacto federativo descentralizado, mas com ações integradas. Não
se trata, portanto, de um sistema de simples repasse de verba entre os entes federados para
216

que estes atuem de maneira isolada; (3) o SNC incorpora elementos típicos da democracia
participativa, potencialmente deliberativa, prevendo que os processos decisórios possuam
participação e controle social e que haja transparência e compartilhamento das
informações. Vale registrar que no texto final aprovado pelo Congresso Nacional consta mais
um princípio: o da ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos
para a cultura. Outro desdobramento do GT foi a definição dos objetivos do SNC e o seus
componentes (a serem replicados nos três níveis de governo), conforme quadros a seguir:

Quadro 11 – Objetivos do SNC

OBJETIVO GERAL DO SNC


Formular e implantar políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os
entes da federação e a sociedade civil, promovendo o desenvolvimento – humano, social e
econômico – com pleno exercício dos direitos culturais e acesso aos bens e serviços culturais.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS DO SNC
Estabelecer um processo democrático de participação na gestão das políticas e dos recursos
públicos na área cultural.
Articular e implementar políticas públicas que promovam a interação da cultura com as demais
áreas sociais, destacando seu papel estratégico no processo de desenvolvimento.
Promover o intercâmbio entre os entes federados para a formação, capacitação e circulação de
bens e serviços culturais, viabilizando a cooperação técnica entre estes.
Criar instrumentos de gestão para acompanhamento e avaliação das políticas públicas de cultura
desenvolvidas no âmbito do Sistema Nacional de Cultura.
Estabelecer parcerias entre os setores público e privado nas áreas de gestão e de promoção da
cultura.
Fonte: Elaboração própria a partir de MINC (2010a).

Quadro 12 – Componentes do SNC

Órgãos Gestores da Sistemas de


Planos de Cultura
Cultura Financiamento à Cultura

Sistemas de Programa Nacional de


Conselhos de Política
Informações e Formação na Área da
Cultural
Indicadores Culturais Cultura

Comissões Intergestores Sistemas Setoriais de


Conferências de Cultura
Tripartite e Bipartites Cultura

Fonte: Elaboração própria a partir de MINC (2010a).


217

Cada um dos componentes previstos na estrutura do SNC pode ser objeto de análise
quanto às condições, necessidades e estágios de implantação por parte dos entes federados
etc. Entretanto, seria impossível aprofundar uma discussão sobre cada um deles nesse
momento, inclusive vários são objeto de estudos e pesquisas específicas. No Apêndice-E da
tese consta uma resumo dos componentes, e aqui será feita apenas algumas considerações
destacáveis do documento-básico.

(1) Conselho Nacional de Política Cultural: o texto publicado pelo Ministério (2010a)
adverte que deverá ser feita nova publicação normativa tendo em vista que o Decreto nº
5.520/2005 deverá ser substituído por uma lei, que possui maior segurança política e jurídica
do que o decreto. Isso nunca chegou a ser efetivado, e todas as alterações feitas na
legislação do CNPC continuaram a ocorrer no âmbito dos decretos. Outra indicação do
documento-básico era que a composição do CNPC deveria ser revista para que fosse
garantido assento para o Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Municipais de Órgãos
de Cultura das Capitais, para o que era importante a ampliação do número de municípios
contemplados ou fomentada a criação de uma nova instância de gestores municipais de
cultura que pudesse ter representação nos conselhos e nas comissões intergestores do SNC.
Isso foi contemplado por meio do Decreto nº 6.973/2009 que garantiu a indicação de um
representante do Poder Público municipal por meio de tal Fórum, que por sua vez passou a
integrar também os municípios das Regiões Metropolitanas. O documento sugere também
alteração das competências do CNPC, que deveriam incorporar questões relacionadas às
deliberações pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do SNC.

É central, também, inserir no leque de competências questões relacionadas


à efetivação do SNC, em especial, no que tange tanto à descentralização de
programas, projetos e ações e dos meios necessários à sua execução,
quanto à participação social, relacionada ao controle e fiscalização. E para
isso, cabe ao CNPC aprovar critérios de partilha e de transferência de
recursos para estados, Distrito Federal e municípios, negociados e
pactuados na CIT. Critérios que devem ser públicos, dando transparência ao
processo. (MINC, 2010a, p. 52)
Nas alterações produzidas em torno do CNPC, quer seja por meio dos decretos ou
regimentos internos, não há qualquer menção à CIT e à aprovação de suas deliberações
quanto ao uso dos recursos. Há sim nas duas normativas a previsão de competência do
Conselho para “apoiar os acordos e pactos entre os entes federados, com o objetivo de
estabelecer a efetiva cooperação federativa necessária à consolidação do SFC”. Há aí
218

algumas questões que chamam atenção: a primeira é que apesar de reconhecer como
competência do CNPC o apoio aos acordos federativos, a instância do SNC responsável por
isso – a CIT – não é citada. Isso poderia ser interpretado como uma decisão do Ministério de
não restringir a produção de tais acordos à CIT, mantendo outros canais de negociação
abertos; ou que tal instância não goza de reconhecimento como espaço legítimo para
produzir tais acordos; ou ainda que dado ao não funcionamento da CIT, optou-se por não
contemplar suas resoluções até que a mesma seja efetivada. Destaca-se também o fato de a
normativa do CNPC vincular equivocadamente a consolidação do Sistema Federal de Cultura
à cooperação federativa, já que como foi explicado anteriormente, o SFC se restringe à
esfera federal, não dependendo de articulação dos distintos níveis de governo. Vale ressaltar
que no documento-básico há indicação de que em função da arquitetura a ser adotada pelo
SNC, não será mais pertinente a existência do SFC, e que “serão necessários ajustes nas
competências atuais do CNPC relativas ao SFC, uma vez que este será ‘substituído’ pelo
SNC”. (MINC, 2010a, p.52)

(2) Sistemas de Informações e Indicadores Culturais: na esfera federal, coube à


Secretaria de Políticas Culturais coordenar a criação do Sistema Nacional de Informações e
Indicadores Culturais (SNIIC), previsto na Lei nº12.343/2010, que além de reunir
informações, deverá monitorar e avaliar as políticas culturais, especialmente a
implementação do PNC. O SNIIC também deverá integrar os cadastros culturais e os
indicadores que levem à produção de informações e estatísticas. Para tanto, será
fundamental a integração com sistemas que por ventura tenham sido criados no âmbito dos
municípios e estados. De acordo com o MinC (2010a, p. 49-50):

Vários estados e municípios também já criaram seus sistemas de


informações, sem entretanto estabelecerem uma base de dados comum e
uma estruturação da sua arquitetura que possibilitasse a comunicação
entre eles. Cabe ao Ministério da Cultura, no processo de implementação
do SNC, coordenar um processo de reestruturação desses sistemas locais a
partir de um modelo nacional, construído conjuntamente com os estados e
municípios que já constituíram seus sistemas. E, em seguida, disseminar
esse sistema para os demais estados e municípios.
Até o final desta tese, essa perspectiva não foi alcançada. Informações no site do SNIIC
<http://sniic.cultura.gov.br/> indicam que a integração das bases de dados se dá apenas no
âmbito do Ministério (Rede Cultura Viva, Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas e Cadastro
Nacional de Museus). Apesar disso, na seção Vocabulários consta que as taxonomias e
219

ontologias do SNIIC deverão ser modelos de referência para todos os sistemas


informacionais do MinC e para construção de sistemas de informação em todo o país. Tais
referências estão sendo produzidas no âmbito de um GT criado em 2015, composto por
representantes do MinC, da sociedade civil e dos fóruns nacionais de secretários e dirigentes
de cultura de estados e municípios.

(3) Comissões Intergestoras Tripartite (CIT) e Bipartite (CIB): são as principais instâncias
de negociação e pactuacão das ações intergovernamentais relacionadas à operacionalização
do SNC e dos Sistemas Estaduais de Cultura. Possuem caráter permanente e devem
funcionar como órgãos de assessoramento técnico aos conselhos de políticas culturais. No
âmbito federal a comissão é tripartite, sendo composta paritariamente por representantes
do governo federal e dos governos estaduais e municipais. Uma das atribuições dessa
Comissão é a definição de mecanismos e critérios de partilha e transferência de recursos do
Fundo Nacional de Cultura para os fundos estaduais e municipais (MINC, 2010a). As
pactuações produzidas na CIT devem ser submetidas à aprovação do CNPC. No âmbito
estadual, a Comissão passa a ser bipartite, composta paritariamente por representantes do
estado e de municípios. As suas definições devem ser submetidas ao Conselho Estadual de
Cultura, e os acordos aprovados devem ser enviados aos Conselhos Municipais, à CIT e ao
CNPC, para conhecimento.

De acordo com Humberto Cunha Filho (2017), as comissões intergestores tem um


comportamento operacional e executivo no âmbito dos sistemas, e como no caso da cultura
essa dimensão não foi materializada, fica difícil saber se a realidade demandaria outro tipo
de construção ou o aproveitamento de instâncias já existentes, como os conselhos.

[...] eu acho que a validade dessas comissões para o campo do setor


cultural talvez pudesse ser substituída pelo fortalecimento dos conselhos,
os conselhos de políticas culturais ou por órgãos fracionados desses
conselhos que se dedicassem mais fortemente à questão mais executiva
que é o campo de atuação dessas comissões (CUNHA FILHO, 2017).
Na opinião de Silvana Meirelles (2017), as comissões intergestores são importantes e
não podem ser substituídas por outras, como os fóruns de secretários de estados e
municípios:

O SUS é um modelo inspirador para o SNC e a solução das comissões


intergestores, como canais de diálogo e negociação entre os três entes
federados, me parece adequada para a gestão das políticas culturais. No
220

campo da cultura, as únicas instâncias de interlocução federativa são os


Fóruns de Secretários e Dirigentes Estaduais e o de Secretários e Dirigentes
Municipais de capitais e regiões metropolitanas, importantes para a troca
de experiências e articulação política, mas longe de serem espaços de
gestão. (MEIRELLES, 2017)
Sobre os problemas para a instalação da CIT, um dos desafios na proposta de
composição paritária é determinar o critério de seleção dos representantes dos diferentes
níveis de governo. Para João Roberto Peixe (2017), havia dois cenários para isso: um ideal e
complexo, com um fórum amplo em que a nomeação dos representantes passasse pelo
crivo de todos os municípios e estados integrantes do SNC, e um caminho mais curto e
simples, que seria reconhecer os fóruns nacionais de secretários de estados e municípios
como instâncias representativas de nomeação da CIT. Para ele, este caminho teria como
vantagens a rapidez do processo, a não criação de outras instâncias de representação de
entes federados e o reconhecimento e fortalecimento dos fóruns enquanto instâncias
fundamentais para o SNC. Sobre isso, Bernardo Mata Machado (2017) comenta que durante
o tempo em que esteve no MinC (até janeiro de 2015), essa foi a ideia que prevaleceu para
compor a CIT:

[...] a gente pensou em fazer [...] uma comissão-piloto a partir dos Fóruns
dos secretários de Estados e das capitais e municípios [...] a ideia era que a
gente tivesse cinco membros da União, cinco membros dos Estados,
pensando nas cinco macrorregiões do país, e não dos Estados, [...] e cinco
representantes municipais, que a gente não sabia como faria essa seleção,
mas pensou em utilizar o Fórum para isso, para dar uma legitimidade.
(MATA MACHADO, 2017)
Entretanto, isso não avançou:

[...] a gente nunca chegou a organizá-la [a CIT] porque você não tinha
exatamente um programa federativo com recurso para discutir divisão de
atribuições, porque, na verdade, a principal função dessas comissões é a
divisão de atribuições entre os órgãos federados, e aí a minha posição, e o
Francisco Humberto Cunha também defende isso [...] é que a gente deveria
fazer experimentalmente, não deveria estabelecer normas operacionais
como tem no SUS e o SUAS. (MATA MACHADO, 2017)
Do seu ponto de vista, para que a CIT fosse constituída e pudesse atuar, ainda que
experimentalmente, seria necessário recurso garantido, com a transferência fundo-a-fundo
normatizada. Mesma opinião expressa por Silvana Meireles, para quem

Reunir representações estaduais e municipais sem perspectiva de


investimentos deverá gerar mais desgaste do que diálogo. Dificilmente tais
entes federados aceitariam discutir exclusivamente estratégias e não a
221

implantação de programas, projetos, ações, que requerem financiamento.


Ou seja, implantar CIT requer fortalecimento do FNC. (MEIRELES, 2017)
Até a conclusão desta tese, o MinC não havia instalado a CIT.

(4) Sistemas de Financiamento à Cultura: de acordo com o documento-básico, para


que o SNC possa ser implantado e desenvolvido, é fundamental fortalecer o Fundo Nacional
de Cultura (FNC) enquanto “instrumento republicano e federalista de distribuição de
recursos orçamentários” (MINC, 2010a, p. 58). Para o que seria imprescindível a aprovação
de uma nova proposta para a política de financiamento da Cultura, expressa no Programa
Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura – Procultura, que prevê, dentre uma série de
medidas, o fortalecimento do FNC por meio da criação de fundos setoriais, da gestão
paritária e de aporte de recursos dos Fundos de Investimentos Regionais.

Da discussão sobre financiamento do SNC por meio do FNC vale destacar questões
sobre critérios e formas de repartição dos recursos entre os entes federados. Segundo
documento-básico (MINC, 2010a), a distribuição de recursos via transferência fundo-a-fundo
deve ser feita considerando critérios a serem negociados e pactuados pela CIT, e
posteriormente deliberado pelo CNPC. Para tanto, tais critérios devem utilizar um índice
unificado que aponte para uma correta e justa distribuição de receitas entre as regiões,
estados e municípios. Nesse sentido, o MinC vinha desenvolvendo alguns estudos sobre
indicadores culturais, a exemplo do acordo feito com o IPEA que levou à criação do Índice de
Gestão Municipal em Cultura (IGMC), elaborado a partir de dados da Munic/IBGE 2006. A
aplicação do IGMC levou à produção de um ranking dos municípios em gestão cultural, o
que, segundo o pesquisador Tony Bezerra (2017), aciona o critério meritocrático de partilha
de recursos, considerando que premia igualmente os desiguais; atende mais a quem
produziu ou se esforçou mais; e distribui os recursos de acordo com o mérito de cada um,
desconsiderando as desigualdades estruturais. Talvez por conta dessa característica do
IGMC, o GT do SNC tenha questionado a capacidade desse índice se constituir como ponto
de partida para categorização da situação dos municípios. E, nesse sentido, a defesa foi de
que o IGMC precisava ser combinado com outros indicadores que considerassem os índices
educacionais, sociais, econômicos, demográficos e territoriais, o que levaria à construção de
um Índice de Desenvolvimento das Políticas Culturais. Esse novo Índice permitiria classificar
os municípios e estados brasileiros em níveis de gestão considerando os graus de
complexidade de suas respectivas políticas culturais.
222

Sugere-se a criação de uma escala que possa ser representativa da


diversidade e das singularidades culturais dos municípios e estados. Será
necessário definir qual é o mínimo aceitável [...] num município para
caracterizá-lo como tendo uma política cultural. Com base nessa graduação
de complexidade é que serão feitos os aportes de recursos aos estados e
municípios que aderirem/habilitarem-se ao SNC. Os aportes precisam ser
distribuídos em percentuais de acordo com os tipos e necessidades das
políticas desenvolvidas pelos estados e municípios (patrimônio, bibliotecas,
teatro, “cultura popular”, digital etc.). As modalidades de classificação (por
exemplo: gestão 1, gestão 2, gestão 3, etc.) é que vão estabelecer quanto
de recurso será transferido para os entes federados que atenderem às
condicionalidades. (MINC, 2010a, p. 59-60)
Para Tony Bezerra (2017), a configuração da estrutura e metodologia da pactuação dos
critérios de repasse de recursos no SNC está profundamente inspirada no SUS e no SUAS,
entretanto, como ainda não foi colocada em prática, não se sabe exatamente como será o
seu funcionamento. O pesquisador alerta, entretanto, que “se cada segmento ou linguagem
cultural constituir um bloco de financiamento, haverá uma grande quantidade de blocos, o
que pode tornar o financiamento excessivamente complexo e difícil de ser gerido”
(BEZERRA, 2017, p. 97).

Além das dificuldades aventadas no modelo de repartição de recursos esboçado pelo


MinC, é preciso recordar que isso também passa pela discussão sobre a definição das
competências e atribuições de cada nível de governo, uma das questões mais polêmicas e
difíceis de serem solucionadas, inclusive porque a Constituição Federal do Brasil não
avançou nessas definições.

De acordo com Aloysio Guapindaia (2016), há um problema de base na Constituição


brasileira quanto ao pacto federativo, que dificulta a implantação de sistemas das diversas
áreas da política pública – educação, saúde, cultura etc. Parte dessa dificuldade passa pela
previsão de competências concorrentes e da grande autonomia dos entes, notadamente os
municipais, o que exige uma coordenação compartilhada para a gestão dos sistemas.

[...] a coordenação não pode ser feita só pelo governo federal, tem que ser
feita em conjunto com estados e municípios, e como é que você estrutura
isso dentro de um sistema que vai coordenar toda essa política? E tudo isso
respeitando o pacto federativo? Esse é o grande desafio... como respeitar o
pacto? Como é que eu não entro no território do outro quando eu preciso
me colocar como membro-coordenador dessa política? Como resolve isso?
porque a Constituição não resolveu esse problema, ela criou um problema
e não consegue resolver. (GUAPINDAIA, 2016)
223

No relato sobre a sua experiência na Secretaria de Articulação com os Sistemas de


Ensino (Sase), responsável pela implantação do Sistema Nacional de Educação, no MEC,
Guapindaia (2016) aponta que mesmo nessa área que tem recurso garantido, há um
problema grave de coordenação: “[...] um dos grandes problemas da política de educação no
Brasil é isso, o MEC não consegue coordenar [...]” (GUAPINDAIA, 2016).

No caso da Cultura, a Constituição Federal de 1988 reservou uma sessão exclusiva na


qual imbui o Estado de assumir obrigações para: (1) garantir o pleno exercício dos direitos
culturais e o acesso às fontes da cultura nacional; (2) apoiar e incentivar a valorização e
difusão das manifestações culturais; (3) proteger as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e de “[...] outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional”; e em colaboração com a comunidade (4) promover e proteger o patrimônio
cultural brasileiro46. A Constituição afirma também que à administração pública caberá a (5)
gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta (Art.
216, §2º); e que a lei estabelecerá (6) incentivos para a produção e o conhecimento de bens
e valores culturais (Art. 216, §3º).

Podemos inferir dos artigos 215 e 216 algumas coisas importantes para esse estudo.
Ao falar em Estado, Poder Público ou administração pública, o legislador não fez referência a
nenhum nível específico de governo. Inclusive, quando indica que a lei estabelecerá os
incentivos para produção etc., não há referência expressa sobre quem editará tal lei. Deduz-
se, portanto, que União, estados e municípios deverão responder conjuntamente pelo
cumprimento das obrigações citadas, sendo que no caso da promoção e proteção do
patrimônio cultural, deverá contar com a colaboração da comunidade. Os artigos citam
também que o Estado deve cumprir com obrigações de vários tipos – garantia, proteção,
apoio, incentivo, promoção e gestão –, o que certamente exige uma série de ações que
possuem custos financeiros, administrativos, políticos etc. Por isso, a cooperação entre os
três níveis de governo se apresenta ainda mais importante.

Neste ponto entra a ideia de federalismo cultural: é necessário estender as


regras de cooperação já centenária em alguns países organizados
semelhantemente ao nosso, à área cultural, para que haja justa e coerente

46
Definido como formas de expressão; modos de criar, fazer e viver; criações científicas, artísticas e
tecnológicas; obras, objetos, documentos edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
culturais; e conjuntos urbanos e sítios históricos, paisagísticos, artístico, arqueológico, paleontológico,
ecológico e científico (Art. 216, §1º).
224

distribuição de recursos e tarefas entre a União, estados e municípios.


(CUNHA FILHO, 2010, p. 48)
Sobre as bases de funcionamento de um federalismo cultural, a Constituição brasileira
de 1988 lança a possibilidade de compartilhamento de competências entre União, estados e
municípios por meio de atribuições comuns e concorrentes (Arts. 23 e 24), conforme vimos
no primeiro capítulo da tese. Essa previsão da atuação conjunta, sem haver algum tipo de
coordenação, poderia gerar, por exemplo, ações e gastos repetidos nos três níveis de
governo, e até mesmo uma competição por recursos entres os mesmos. Daí a importância
de definir as competências e de organizar um sistema com distribuição de tarefas de acordo
com o perfil de cada ente (CUNHA FILHO, 2010).

[...] a construção de um adequado sistema nacional de cultura que


contemple os objetivos básicos de evitar ações repetidas, otimizar os
recursos e implementar as vocações de cada um dos entes da federação, a
partir da lição básica de organização dos Estados complexos, qual seja, a de
competir à União ações culturais de interesse nacional bem como aquelas
que perpassem as divisas de mais de um Estado; do mesmo modo, deve-se
atribuir aos Estados as ações culturais de interesse de todo o seu território
ou população, bem como aquelas que extrapolem os limites de mais de um
município; a estes, os municípios, por fim, as responsabilidades sobre as
ações culturais basicamente de interesse local. (CUNHA FILHO, 2010, p. 72-
73)
Esse tipo de organização sistêmica na cultura pode gerar aproximações verticais e
horizontais entre os entes, através de ações compartilhadas entre estados e municípios, ou
entre os próprios estados e entre os municípios. O que poderia contribuir para gerar novos
modelos de políticas culturais, historicamente muito dependentes do governo central.

Todas essas questões pertinentes ao federalismo cultural e essenciais para o


funcionamento do Sistema Nacional de Cultura perpassam, por sua vez, pelo Projeto de Lei
de regulamentação do Sistema, ainda pendente de aprovação, e que será objeto de análise
mais adiante.

Além do trabalho quanto aos princípios, objetivos e elementos estruturantes do SNC, o


GT Arquitetura e Marco Legal traçou procedimentos para implementação do Sistema, a
exemplo da definição de nove etapas e da definição de estratégias a serem implantadas
conjuntamente por todos os níveis de governo e por atores privados envolvidos na política.
Nesse sentido, o desafio colocado era o de construir tais articulações a partir dos
componentes dos sistemas, reestruturando aqueles já existentes que não atendem aos
225

critérios do SNC, como conselhos de cultura de composição não paritária. Um trabalho que
deveria ser progressivo e contínuo, com os munícipios e estados implantando os
componentes e as instâncias de articulação, pactuação e deliberação do Sistema de forma
gradual e em ritmos distintos.

O mais importante é que não haja descontinuidade nesse processo e que,


mesmo tendo particularidades locais, o que é desejável, os Sistemas
Estaduais e Municipais mantenham uma base comum, que constitui o
componente estático da sua estrutura e que estabelece os vínculos e
conexões com os demais componentes do SNC. Aqueles estados e
municípios que avançarem mais rapidamente na implementação, além de
fortalecerem o SNC, servirão de exemplo e estímulo, devendo compartilhar
suas experiências com os demais. (MINC, 2010a, p.65)
A partir dessas considerações, o Ministério propôs uma estratégia composta de doze
passos a ser compartilhada com os entes subnacionais para implantação do SNC. Segundo o
MinC (2010a), as ações deveriam ser desenvolvidas simultaneamente e contar com a
mobilização de artistas, produtores culturais, gestores públicos e sociedade civil para, em
uma ação conjunta e articulada nacionalmente, fortalecer o Sistema. Também deveria ser
feito um trabalho junto às bancadas parlamentares para acelerar a tramitação e aprovação
das propostas que guardavam proximidade com o Sistema. No quadro a seguir consta as
estratégias e o resumo dos respectivos resultados.

Quadro 13: Estratégias para implantação do SNC

1. Consolidação da proposta de estruturação do SNC, pactuada entre os três entes federados – por
intermédio do MinC e dos Fóruns de Secretários Estaduais e dos Secretários das Capitais – a ser
submetida à analise e aprovação do CNPC.
Proposta aprovada por unanimidade pelo CNPC em reunião ocorrida nos dias 25 e 26 de agosto de 2009.

2. Retomada do processo de institucionalização com a assinatura do Acordo de Cooperação


Federativa
Em substituição aos Protocolos de Intenções, o MinC instituiu por meio da Portaria nº 47/2009 esse novo
instrumento de adesão ao SNC.

3. Promoção do fortalecimento institucional do SNC através da capacitação dos gestores públicos e


conselheiros de cultura, com a realização dos Seminários do SNC e dos Cursos de Formação em
Gestão Cultural.
Entre julho e dezembro de 2009, foram realizados 26 seminários do SNC em 24 estados. E a partir desse
mesmo ano, o MinC passou a realizar cursos de formação em gestão cultural.

4. Implementação do SNIIC, numa ação articulada do MinC com os estados e municípios.


O SNIIC foi criado pela Lei nº 12.343/2010, e a partir de novembro de 2013 o MinC passou a disponibilizar o
Registro Aberto da Cultura (RAC) que permite a inclusão de dados por parte de agentes públicos federais,
estaduais, municipais e cidadãos. Uma versão mais atualizada do RAC foi disponibilizada em maio de 2014.
226

5. Elaboração de substitutivo à PEC nº 416/2005 encaminhando-a ao relator da Comissão Especial


do Congresso Nacional que aprecia a matéria.
O substitutivo foi feito e encaminhado para a Câmara dos Deputados. Em 2012, a PEC 416-A/2005 foi
aprovada no Congresso.

6. Elaboração e encaminhamento ao Congresso Nacional do Projeto de Lei que regulamenta o SNC.


Até 2018 não houve publicação do Projeto de Lei de regulamentação do SNC

7. Substituição do Decreto nº 5.520/2005, que institui o Sistema Federal de Cultura e dispõe sobre a
composição e funcionamento do CNPC, compatibilizando-o com a estrutura proposta para o SNC.
Em algumas passagens do documento publicado pelo MinC (2010a), consta que o SFC deveria ser substituído
pelo SNC. Porém, no mesmo texto há proposta de um substitutivo para o Decreto que criou o SFC, tornando-o
mais claramente um sistema que cuidaria do âmbito federal. Tal proposta, porém, não prosseguiu.

8. Articulação no Congresso Nacional para aprovação da PEC nº 150/2003


Substituída pela PEC 421/2014; continua pendente de aprovação no Legislativo.

9. Articulação no Congresso Nacional para aprovação da PEC nº 236/2008, para inserção da cultura
no rol dos direitos sociais no Art. 6º da Constituição Federal.
Arquivada em 2015 na Câmara dos Deputados.

10. Compatibilização do substitutivo do Projeto de Lei Nº 6.835 que Institui o Plano Nacional de
Cultura com a estrutura proposta para o SNC e articulação no Congresso Nacional para sua
aprovação.
Em dezembro de 2010 foi publicada a Lei nº 12.343 que instituiu o PNC, no qual o SNC é considerado o seu
principal articulador federativo. Dentre as estratégias e ações do PNC, constam a consolidação do SNC e a
divisão de competências entre os órgãos federais, estaduais e municipais no âmbito do Sistema. Em
dezembro de 2011, as 275 ações previstas no Plano foram sintetizadas em 53 metas, tendo várias delas
relação direta com o Sistema e seus componentes estruturantes.

11. Compatibilização do Projeto de Lei que institui o Programa de Fomento e Incentivo à Cultura –
PROFIC – com a proposta para o SNC e articulação no Congresso Nacional para sua aprovação.
A reforma da política de financiamento do MinC proposta no Procultura (antes Profic) está em consonância
com o SNC, especialmente quanto ao fortalecimento do FNC e da previsão de transferência de recursos para
estados e municípios via fundo-a-fundo. Entretanto, dada a demora na tramitação da proposta dentro do
MinC e depois no Legislativo, ela continua sendo objeto de alterações, e não é possível predizer o que será ou
não mantido.

12. Elaboração e Aprovação de Projetos de Lei de Criação ou Reestruturação dos Sistemas de


Cultura, dos Conselhos de Política Cultural, dos Fundos e Planos de Cultura dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.
Estados e municípios vêm criando ao longo dos anos seus respectivos sistemas de cultura e componentes
47
estruturais. Segundo dados do Ministério (2018) , todos os estados e o Distrito Federal (100%) e 2.155
municípios (39%) possuem conselhos de cultura; 26 estados (96%) e 1.064 (19%) municípios possuem fundos
exclusivos de cultura; oito estados (30%) e 369 municípios (7%) possuem planos de cultura regulamentados; e
nove estados (33,3%) e 275 municípios (8,2%) possuem sistemas de cultura instituídos por leis próprias.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados publicados pelo Ministério da Cultura (2010a, 2018).

47
Informações disponíveis em: <http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/1/>. Acesso em jun.2018
227

Dentro do quesito da institucionalização do SNC, o documento-básico apresenta


alguns instrumentos fundamentais para a nova fase do Sistema, a exemplo da minuta do
Acordo de Cooperação Federativa que define os compromissos dos entes federados para a
construção do SNC. Como os Protocolos de Intenções vigoravam até 31 de dezembro de
2006, era preciso que o Ministério renovasse os acordos não mais vigentes e buscasse a
adesão de novos partícipes. De acordo com João Roberto Peixe (2017), isso envolvia um
desgaste grande com os municípios e os estados que já tinham firmado o Protocolo e não
tinham recebido retorno por parte do Ministério.

[...] tinha o desgaste grande com os municípios e estados que assinaram o


protocolo de intenção e o Ministério, na prática, abandonou porque
terminou o prazo, não foi feito gestões para uma nova assinatura, e aí
quando chegava lá se tinha essa dívida [...] e eles tinham que fazer tudo de
novo e de uma coisa que não deu certo. (PEIXE, 2017)
Apesar disso, Peixe (2017) aponta dois fatores positivos nessa nova reaproximação
com os entes federados. O primeiro era decorrente de sua passagem pelo Fórum Nacional
de Secretários das Capitais e pelo CNPC, onde atuou em defesa do Sistema e muitas vezes
em confronto com o MinC, o que lhe conferia credibilidade juntos aos demais secretários e
favorecia a relação entre eles. E o segundo era que toda essa renovação do Sistema,
facilitava o entendimento sobre a política por parte dos gestores públicos, pois a proposta
passou a ser “mais consistente, mais detalhada, com uma apresentação mais didática, numa
linguagem mais simples” (PEIXE, 2017).

Em relação ao novo termo de adesão ao Sistema, foram revistos itens como os


objetivos, os compromissos pactuados48 e as obrigações de cada ente federado. No caso do
Ministério, passou a vigorar, por exemplo, a obrigação de elaborar, institucionalizar e
implementar o PNC; de criar e implementar a CIT; de convocar as Conferências Nacionais de
Cultura a cada quatro anos; de criar e implementar o Programa Nacional de Formação na
Área da Cultura e de articular, em âmbito nacional, a formação de uma rede de instituições
de formação na área da cultura. No caso dos demais níveis de governo, foi adicionado a
obrigatoriedade de criar ou apoiar a criação da CIB; criar e implantar o conselho de política
cultural no modelo indicado pelo Ministério; criar e implementar, no caso dos estados, e
apoiar e participar, no caso dos municípios, do Programa Estadual de Formação na Área da

48
O Acordo de Cooperação passou a prever dentre os compromissos pactuados, por exemplo, a criação e
implementação de comissões intergestores para operacionalização do SNC.
228

Cultura etc. A minuta do Acordo de Cooperação além de promover tais alterações,


introduziu novos elementos, a exemplo dos princípios, funcionamento e estrutura SNC a ser
adotado por todos os níveis de governo49. Também acrescentou que os órgãos gestores
deveriam apresentar periodicamente relatórios de gestão para avaliação nas instâncias de
controle do SNC.

Assim como no Protocolo de Intenções, após a publicação do Acordo de Cooperação,


deveria ser elaborado o Plano de Trabalho detalhando os compromissos pactuados,
contendo o rol de atividades, o cronograma de execução e metas a serem atingidas. Cada
implementação de programas, projetos e ações deveria ser negociada entre as partes e
formalizadas em instrumentos específicos. Quanto à vigência, ficou determinado que seria
da data da celebração até 31 de dezembro de 2011, podendo ser modificado ou prorrogado
a qualquer tempo mediante termos aditivos. De maneira geral, a comparação entre as duas
minutas que celebram a adesão ao SNC permite observar que elas refletem o grau de
desenvolvimento da política dentro do Ministério. Assim, dado o processo de reflexão em
torno do SNC, o Acordo de Cooperação é mais detalhado e contem mais dispositivos que
tratam da articulação entre União, estados e municípios.

Por fim, o documento-básico do SNC também apresenta a proposta de texto


substitutivo à PEC 416/2005, apresentada no capítulo anterior, que deveria ser encaminhada
ao relator da Comissão Especial do Congresso Nacional que cuida da matéria. Em síntese, o
substitutivo elaborado a partir do novo desenho do SNC, introduzia todos os princípios do
Sistema; revisava a estrutura do mesmo em cada esfera de governo; indicava que as inter-
relações entre os órgãos gestores, sistemas setoriais, instâncias colegiadas e instrumentos
de gestão do Sistema seriam regulamentadas em lei específica; que os sistemas estaduais e
municipais seriam organizados por leis próprias, de maneira autônoma; e indicava que os
conselhos de política cultural deveriam ter na sua composição, no mínimo, 50% de
representantes da sociedade civil, eleitos democraticamente.

De acordo com João Roberto Peixe (2017), responsável por dialogar diretamente com
os deputados envolvidos na PEC, o processo de negociação junto à Câmara dos Deputados

49
Órgãos gestores da cultura, conselhos de política cultural, conferências de cultura, sistemas de
financiamento, em especial, fundos de fomento à cultura, planos de cultura, sistemas setoriais de cultura,
comissões intergestores, sistemas de informações e indicadores culturais e programas de formação na área da
cultura
229

foi longo e precisou ser retomado algumas vezes. Parte da demora deveu-se à formação da
Comissão Especial responsável pela apreciação da matéria, fundamental para que um
Projeto de Emenda Constitucional possa ser votado, e à definição de quem seria o
presidente da Comissão e o relator da matéria. Segundo Peixe (2017), a Comissão demorou
para ser nomeada porque os líderes das bancadas não indicavam seus representantes, e
então não havia número suficiente para criar tal instância, “[...] então, quando eu estava lá
no Ministério, foi que me articulei, procurando na época o Maurício Rands, que era
deputado federal [PT de Pernambuco] [...], já tinha sido presidente da Comissão de
Constituição e Justiça, tinha uma circulação grande...”. (PEIXE, 2017). A partir daí, teria
ocorrido uma mobilização, e finalmente em abril de 2009 a Comissão Especial foi criada, mas
só veio a ser instalada quase um ano depois, em 10 de fevereiro de 2010. A expectativa,
segundo Peixe (2017), era de que Maurício Rands assumisse a relatoria da Proposta, “ele
queria ser o relator da matéria, porque o relator é quem aparece mais, quem tem maior
protagonismo na história”, (PEIXE, 2017), mas segundo Peixe, quem se articulou com a Mesa
da Comissão e acabou sendo indicado para a relatoria foi o Deputado Paulo Rubem Santiago
(PDT/PE), e Rands foi indicado para a presidência da Comissão Especial.

o Maurício ficou louco da vida [...] até me disse, ‘Peixe, tu vai saber qual a
diferença de ser eu ou o Paulo Rubem, tu vai ver depois que esse Projeto
sair daqui [da Comissão], porque aqui eu vou defender vou mobilizar e tal’
[...], e realmente, o Maurício tinha um trânsito bem maior que o do Paulo
Rubem, por isso também uma das dificuldade para o projeto entrar na
pauta. (PEIXE, 2017)
Finalmente, após a Comissão Especial ter promovido Audiência Pública50 na Câmara
dos Deputados, em 07 de abril de 2010, o parecer de Paulo Rubem Santiago favorável à PEC
416-A foi aprovado por unanimidade em sessão realizada em 14 de abril de 2010, e a PEC
dedicada ao SNC passou a vigorar com o seguinte texto.

Substitutivo à proposta de emenda à constituição nº 416-a, de 2005


Acrescenta o art. 216-A à Constituição para instituir o Sistema Nacional de
Cultura.

50
Da Audiência Pública convocada pela Comissão Especial participaram representantes do MinC: Alfredo
Manevy, secretário executivo, João Roberto Peixe e Silvana Meireles, da SAI; a presidenta do Fórum Nacional
de Dirigentes e Secretários Estaduais de Cultura, Anita Pires, dirigente da Fundação Catarinense da Cultura/SC;
o presidente do Fórum Nacional dos Secretários de Cultura das Capitais, Francisco Márcio Caetano de Castro,
secretário de Cultura de Fortaleza/CE; a presidenta da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de
Pernambuco, Luciana Azevedo; e a representante do CNPC, Rosa Coimbra.
230

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do


art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao Texto
Constitucional:
Art. 1º. É acrescentado o art. 216-A a Constituição Federal, com a seguinte
redação:
Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de
colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo
de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura,
democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a
sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento – humano,
social e econômico – com pleno exercício dos direitos culturais.
§ 1º – O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de
cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e
rege-se pelos seguintes princípios:
I diversidade das expressões culturais;
II universalização do acesso aos bens e serviços culturais;
III fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens
culturais;
IV cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados
atuantes na área cultural;
V integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e
ações desenvolvidas;
VI complementaridade nos papéis dos agentes culturais;
VII transversalidade das políticas culturais;
VIII autonomia dos entes federados e das instituições da sociedade civil;
IX transparência e compartilhamento das informações;
X democratização dos processos decisórios com participação e controle
social;
XI descentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das
ações.
XII ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos
para a cultura.
§ 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas
esferas da federação:
I órgãos gestores da cultura;
II conselhos de política cultural;
III conferências de cultura;
IV comissões intergestores;
V planos de cultura;
VI sistemas de financiamento à cultura;
VII sistemas de informações e indicadores culturais;
231

VIII programas de formação na área da cultura; e


IX sistemas setoriais de cultura.
§ 3º – Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de
Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou
políticas setoriais de governo.
§ 4º – Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus
respectivos sistemas de cultura em leis próprias.
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua
publicação.
Sala da Comissão, em de abril de 2010.
Deputado Paulo Rubem Santiago
Relator

Quanto ao conteúdo desse substitutivo, houve mudanças em relação ao texto


originalmente proposto pelo MinC. De acordo com João Roberto Peixe (2017), teve uma
“queda de braço grande” com o deputado Paulo Rubem Santiago e a assessoria técnica na
Câmara por conta do nível de detalhamento apresentado pelo MinC, e, ao final, o texto
“ficou bem mais enxuto do que era proposto originalmente, embora não eram detalhes, mas
eram implementações.” (PEIXE, 2017). Segundo o parecer do relator51, a redução objetivou
corrigir distorções de ordem técnico-legislativa e constitucional, e a ideia era apresentar um
substitutivo que contemplasse a ideia central da instituição de um Sistema Nacional de
Cultura. Um dos itens que foi cortado pela Comissão foi o da paridade na composição dos
conselhos de política cultural. Segundo Peixe (2017): “isso daí não teve jeito, Paulo Rubem
não colocou [...] eles ainda queriam retirar mais outras coisas e terminou mantendo aquela
questão dos princípios e dos componentes”.

[...] quando eu fui conversar com ele sobre a questão do conselho ter 50%
da sociedade, e aí ele retirou isso, eu fui argumentar, eu disse ‘mas, Paulo,
você é um cara muito ligado a movimentos sociais, a sociedade e tudo, vai
ser negativo para você tirar esse ponto aí...’, aí ele me respondeu: ‘não,
Peixe, isso eu resolvo, eu vou entrar logo com o projeto de regulamentação’
[...]. (PEIXE, 2017)
Segundo parecer de Paulo Rubem Santigo, algumas sugestões apresentadas pelo
Ministério não possuíam matéria de natureza constitucional e, embora importantes, não

51
Disponível em: <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F7D4DA211184F2C099CB448452
9E8CC6.proposicoesWeb1?codteor=754998&filename=Tramitacao-PEC+416/2005>
232

foram incorporadas, “devendo, oportunamente, ser apresentadas em lei ordinária que


venha regulamentar o Sistema Nacional de Cultura, bem como a composição dos conselhos
de cultura como órgãos indispensáveis ao funcionamento do referido Sistema.” (SANTIAGO,
2010, p. 17).

Em termos de acréscimo ao texto enviado pelo MinC, a única coisa que foi adicionada
pelo relator foi o princípio XII ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos
públicos para a cultura. Segundo o deputado Paulo Rubem Santiago (2010), historicamente
os orçamentos destinados à cultura por parte da União, estados e municípios eram
insuficientes para o cumprimento dos dispositivos constitucionais. Mesmo no governo em
questão, que se esforçou para ampliar o orçamento do Ministério da Cultura, ele continuou
menor a 1% e ainda sofreu impactos dos contingenciamentos. Nesse sentido, a aprovação da
PEC de vinculação orçamentária era fundamental, já que sem a mesma “[...] as demais
matérias legislativas em tramitação nessa Casa se tornam inócuas, pois todas elas exigem
dos entes federados recursos financeiros para a constituição de seus respectivos sistemas e
planos de cultura” (SANTIAGO, 2010, p. 11). O deputado também destacou a importância de
gestores públicos, sobretudo os economistas, compreenderem que a melhoria da qualidade
de vida da população brasileira passa pelo investimento em cultura, pois a exclusão no país é
também de ordem cultural, com grande parte da população excluída do acesso aos bens e
serviços e culturais, para o que apresentou os dados do Anuário de Estatísticas Culturais52 do
MinC. Além disso, considerando o dever do Estado de prover os meios necessários para a
efetivação do acesso à cultura como um direito de todo cidadão, e do imprescindível aporte
financeiro para o pleno funcionamento das políticas culturais, era importante inserir dentre
os princípios do SNC a ampliação progressiva dos recursos.

Trabalhamos com a perspectiva de uma ‘caixa de ferramentas’, em que


cada uma dessas mudanças legislativas propostas, incluindo o Sistema
Nacional de Cultura, ora em discussão, constitui uma peça de uma
engrenagem maior. E, para seu pleno funcionamento, essas medidas
deverão, necessariamente, vir acompanhadas dos aportes financeiros
indispensáveis para sua implementação. Razão pela qual acrescentei ao
substitutivo da PEC a seguinte diretriz ao SNC: ‘ampliação progressiva dos
recursos contidos nos orçamentos públicos para a cultura’. (SANTIAGO,
2010, p. 10)

52
BRASIL. Ministério da Cultura. Cultura em Números: Anuário de Estatísticas Culturais. Brasília: 2009.
233

Apesar de reconhecer o histórico de parcos recursos dedicados à cultura e da


necessidade de incrementá-lo, inserir este inciso como princípio constitucional soa um tanto
estranho, já que, como ressalta Cunha Filho (2000), no conjunto de normas do ordenamento
jurídico, os princípios possuem como características “alto grau de subjetividade e o fato de
serem portadores de valores éticos adotados pelo ordenamento” (p. 43). Segundo Cunha
Filho (2017), o princípio da ampliação progressiva do orçamento pode ser interpretado como
inconstitucional e até mesmo absurdo:

A própria estruturação normativa do que foi condensado em definitivo na


Emenda Constitucional tem algumas coisas curiosas que se não forem
interpretadas adequadamente no contexto, elas podem parecer não só
inconstitucionais como absurdas, por exemplo, os orçamentos progressivos
para a cultura é uma regra que se você tomar na literalidade, em dado
momento, como o orçamento precisa ser progressivo e não se dizem em
qual dimensão, todo o orçamento chegaria para o campo cultural. (CUNHA
FILHO, 2017)
De acordo com João Roberto Peixe (2017), o deputado Paulo Rubem Santiago tinha em
sua trajetória profissional interesse em matérias dedicadas à educação, cultura e orçamento
e, além disso, queria deixar sua “marca” na PEC.

[...] é aquela história de botar a marca dele... mas como era uma coisa que
ninguém ia ser contra, de aumentar o orçamento da cultura... agora,
conceitualmente ficou uma coisa fora..., mas, assim, como o povo diz, não
dava em nada, porque a forma como ele coloca, a única utilidade daquilo
depois é você não diminuir o orçamento, que também não é respeitado.
(PEIXE, 2017)
Após a Comissão Especial aprovar o substitutivo da PEC 416-A/2005 em abril de 2010,
a matéria deveria ser votada em dois turnos na Câmara dos Deputados e em outros dois
turnos no Senado Federal, o que só ocorreu em 2012, já no mandato da presidenta Dilma
Rousseff.

Quanto ao projeto de lei que regulamenta o SNC, de acordo com o documento-básico


(MINC, 2010a), o mesmo já estava elaborado e deveria seguir para o Congresso Nacional.
Segundo João Roberto Peixe (2017), o GT do SNC trabalhou numa primeira proposta para o
projeto de regulamentação do Sistema, finalizada no segundo semestre de 2010, que foi
avaliada inicialmente por uma comissão do CNPC e, em seguida, aprovada pelo Plenário
deste sem grandes contestações e sugestões de alterações. Entretanto, o Projeto, que
deveria ter seguido para o Gabinete do Ministro, e com o aval do setor jurídico, ser
encaminhado para a Casa Civil, ficou parado: “no final do governo Lula, o Projeto estava
234

engavetado, ele foi feito, mas não seguiu para a Casa Civil” (PEIXE, 2017), e só teria sido
retomado em 2011, na gestão de Ana de Hollanda, quando Peixe assumiu a direção da SAI:
“[...] eu resgatei o projeto porque ele estava engavetado, não sei se Silvana por pressão
interna, eu sei que ficou lá, eu fui atrás da coisa, peguei o projeto, retomei...”. (PEIXE, 2017).
Tanto o processo de aprovação da PEC 416-A no Congresso Nacional como o da tramitação
da proposta de regulamentação do Sistema serão analisados mais adiante.

Ainda em relação ao GT Arquitetura e Marco Legal, vale ressaltar que toda a produção
acima apresentada foi colocada em discussão junto ao ministro Juca Ferreira. Segundo
Bernardo Mata Machado (2017): “[...] ele [Juca Ferreira] recebeu bem o material que a
gente produziu já na gestão da Silvana, eu me lembro bem que a preocupação dele foi só
que a gente incorporasse o conceito de tridimensionalidade da cultura”. De acordo com
Peixe (2017):

Quando o grupo que elaborou o documento-básico teve a primeira reunião


com o Juca para apresentar a primeira versão, ela estava voltada para o
funcionamento do Sistema, para a estruturação do Sistema em si, e aí um
dos pontos que Juca criticou – acho até que ele se surpreendeu...com as
certas restrições que ele tinha, acho até que ele ficou meio surpreso com o
conteúdo, e nesse dia ele se empolgou, a reunião se estendeu e ele entrou
no mérito e discutiu – então, ele colocou assim, que o Sistema era um
instrumento de uma política, então tinha que definir essa política, esse era
o primeiro ponto, seria definir a política e a gente concordou, e a partir daí
a gente desenvolveu esse primeiro capítulo que foi colocado [em uma das
versões do projeto de lei do regulamento do SNC] a partir dessa crítica de
Juca. (PEIXE, 2017)
Na avaliação de Peixe (2017), todo esse trabalhou da SAI mudou a relação do ministro
com a proposta do SNC: “isso daí mudou a atitude também de Juca em relação a restrições
que ele tinha” (PEIXE, 2017), uma fala de que merece ser ponderada, considerando que,
como o próprio Peixe sinalizou, o projeto de regulamentação do SNC ficou “engavetado”
justamente no Gabinete do Ministro, e que, em 2015, Juca Ferreira declarou:

[...] na minha administração foi aprovado o atual Sistema Nacional de


Cultura, mas eu não sou um defensor do projeto que foi aprovado. O
problema de gestão compartilhada é que às vezes você tem que engolir
aracnídeos e sapos... [...] saiu da minha gestão essa ideia desse Sistema,
com a minha discordância, mas saiu da minha gestão. Foi ser consolidado
logo depois, mas o monstro foi produzido durante o período em que eu era
ministro. (FERREIRA, 2015a)
Após ter passado pela avaliação e “aprovação” de Juca Ferreira, o texto produzido pelo
GT foi submetido à apreciação e votação no Plenário do CNPC em agosto de 2009, tendo
235

sido aprovado por unanimidade. De acordo com Sérgio Pinto (2018), o documento-básico foi
aprovado internamente no MinC, depois passou pelos fóruns de secretários de estados e
capitais até ser submetido para aprovação no Conselho, algo que se devia, especialmente, a
uma postura de João Roberto Peixe :

o Peixe articulou muito, muito para poder aprovar os documentos...todos


os documentos dele eram aprovados no Conselho [...] ele fazia questão de
que tudo fosse discutido dentro das instâncias, porque ele via os fóruns, via
o Conselho como instâncias do Sistema Nacional de Cultura [...].(PINTO,
2018)
Em sua opinião, Peixe fazia questão de ter a aprovação de todos esses grupos para
que o que estivesse escrito ali em relação a articulação federativa não fosse alvo de
questionamento, além disso, sua maneira de trabalhar teria sido fundamental para
consolidar a nova proposta do SNC: “Peixe é uma pessoa assim muito detalhista, e ele é bem
formalista, nisso ele teve um papel muito importante que é construir, sair da cabeça [...]
tentou fazer com que essas coisas saíssem das cabeças das pessoas e fossem colocadas no
papel.” (PINTO, 2018).

4.4.1.2 GT 02 Mapeamento da Formação e Qualificação em Organização Cultural no


Brasil
Dentre os componentes do SNC está o Programa Nacional de Formação em Cultura
cujo objetivo é estimular e fomentar, de maneira gradual e a longo prazo, a qualificação de
pessoal em áreas consideradas fundamentais para o funcionamento de um sistema cultural,
quais sejam: (a) Criação, inovação e invenção; (b) Difusão, divulgação e transmissão; (c)
Circulação, cooperação, intercâmbios, trocas; (d) Análise, crítica, estudo, investigação,
reflexão, pesquisa; (e) Fruição, consumo e públicos; (f) Conservação e preservação; (g)
Organização, gestão, legislação e produção da cultura. (MINC, 2010a). Considerando este
cenário, a SAI elegeu como área prioritária a formação voltada para a organização, legislação
e gestão da cultura, considerada estratégicas para a implementação do SNC.

A formação de pessoal em política e gestão culturais é estratégica para a


implementação e gestão do Sistema Nacional de Cultura, pois se trata de
uma área que se ressente de profissionais com conhecimento e capacitação
no campo da gestão de políticas públicas. O Programa Nacional de
Formação na Área da Cultura visa exatamente estimular e fomentar a
qualificação nas áreas consideradas vitais para o funcionamento do
Sistema, capacitando gestores públicos e do setor privado e conselheiros de
cultura, que são os responsáveis por sua implementação. (MINC, 2010a, p.
50).
236

De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), enquanto secretária de Articulação


Institucional, Silvana Meireles considerava as ações dedicadas à formação como uma
prioridade, já que para ela era imprescindível investir na qualificação e formação de gestores
para a implantação dos sistemas estaduais e municipais de cultura. Isaura Botelho (2016)
também destaca o papel de Silvana Meireles no investimento de recursos neste sentido: “Na
verdade, a compreensão que ela tem da importância do papel da formação tem sido
decisivo porque ela está nos lugares institucionais que permitem isso” (BOTELHO, 2016).
Segundo Silvana Meireles (2017), a formação, especialmente de gestores, era estratégica
para o desenvolvimento do SNC e havia uma reconhecida carência de políticas voltadas para
essa área.

[...] ficou muito claro essa necessidade de investir em formação [...] e era
melhor você ter gestores formados e o Sistema vir depois porque ele sabia
exatamente o que fazer com o Sistema, do que você ter um Sistema-
arcabouço super bem acabado, mas você não tem quem execute, porque
começa até pela compreensão... (MEIRELES apud BARBALHO, 2014)
A partir dessa perspectiva, foi pensada a realização de um amplo mapeamento e
avaliação de instituições promotoras de formação nos diversos níveis (desde cursos livres,
técnicos e de aperfeiçoamento a cursos superiores e de pós-graduação) que poderiam ser
potenciais parceiras no desenvolvimento de ações formativas. Nesse sentido, o
mapeamento tinha por objetivos realizar um diagnóstico da formação e aprimoramento em
política e gestão culturais no país; visualizar as áreas temáticas e os territórios que deveriam
ser priorizados em termos de qualificação; e propor medidas no âmbito do SNC para
construir uma Rede de Instituições de Formação na Área da Cultura composta por entidades
parceiras, começando por aquelas dirigidas à qualificação em políticas e gestão culturais.
(MINC, 2010a).

O grupo do mapeamento foi composto pelos consultores Albino Rubim53, Alexandre


Barbalho54 e Leonardo Costa55. De acordo com o relatório final56 dessa equipe, a pesquisa

53
Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (CULT). Professor do Programa
Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da UFBA. Secretário de Cultura do Estado da Bahia
(2011-2014). Membro do CNPC. Membro e presidente do Conselho Estadual de Cultura da Bahia. Possui
graduação em Comunicação (1975/UFBA) e Medicina (1975/Escola Baiana de Medicina), mestrado em Ciências
Sociais (1979/UFBA), doutorado em Sociologia (1987/USP) e pós-doutorado em Políticas Culturais
(2006/Universidade de Buenos Aires e Universidade San Martin).
54
Graduado em História (Universidade Estadual de Ceará – UECE) e em Ciências Sociais (Universidade Federal
do Ceará – UFC), mestre em Sociologia (UFC) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA). É
237

deveria apresentar o estado da arte da formação no setor de organização57 da cultura para


diagnosticar os problemas e potencialidades existentes, e ao mesmo tempo, identificar
possíveis parceiros para a construção conjunta do programa nacional de formação e
qualificação em cultura. Assim, como produto da consultoria obteve-se um mapeamento dos
cursos dirigidos à formação de organizadores culturais e a produção de dois textos, um
voltado à discussão em torno do campo e da formação da organização cultural e outro
dedicado à questão da rede de formação. Todo o material está disponível online58.

De acordo com Silvana Meireles (2015), não era possível pensar em um programa de
formação, sem ter noção de qual era a situação da área, quantos cursos existiam, de que
natureza eram, qual era o envolvimento das universidades, então “o mapeamento não só foi
fundamental para a estruturação, como confirmou e apontou alguns dados que são bastante
reveladores da necessidade e da urgência de se implantar esse programa de formação”
(MEIRELES, 2015).

Em síntese, a pesquisa do mapeamento – realizada entre 15 de junho e 15 de


setembro de 200959 – envolveu a produção de dados sobre as instituições formadoras, bem
como informações sobre os conteúdos, tecnologias e métodos pedagógicos utilizados nos
mais distintos níveis e modalidade de atividades voltadas à formação e qualificação em
política e gestão culturais (atividades presenciais e on-line de extensão, graduação, cursos
técnicos, especialização, mestrado, doutorado etc.60). Tais instituições poderiam ser
públicas, privadas ou da sociedade civil, a exemplo de universidades, fundações, empresas e
organizações não-governamentais.

professor do curso de História e dos Programas de Pós-graduação em Sociologia e em Políticas Culturais da


UECE, e em comunicação da UFC.
55
Na época do GT Leonardo Costa era aluno do Doutorado do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade. Atualmente, é professor da Faculdade de Comunicação da UFBA.
56
Disponível em: < http://www.organizacaocultural.ufba.br/mapeamento_da_formacao.pdf>. Acesso em: jun.
2018.
57
De acordo com Rubim, Barbalho e Costa, a organização da cultura envolve três patamares: a dos
formuladores e dirigentes, vinculados a uma dimensão mais sistemática e macro-social das políticas culturais; a
dos gestores, que atuam em instituições ou projetos culturais mais permanentes, processuais e amplos; e a dos
produtores, relacionados a projetos de caráter mais eventual e micro-social.
58
Disponível em: http://www.organizacaocultural.ufba.br/
59
Para complementação e revisão dos dados derivados da pesquisa foi preciso uma extensão do prazo (até
janeiro de 2010) por meio de termo aditivo.
60
O mapeamento não abrangeu seminários, congressos e encontros relativos ao tema por conta do seu caráter
mais eventual.
238

Segundo relatório, o banco de dados compreendeu no total 258 instituições, 356


setores61, 626 cursos e 97 publicações. Das instituições pesquisadas, quase a metade
(48,44%) se localizavam na região Sudeste (notadamente nas capitais São Paulo e Rio de
Janeiro), e apenas 3,52% na região Norte, sendo que os estados do Amapá, Roraima e
Tocantins não apresentaram a realização de nenhum curso de formação. Nesse sentido, os
pesquisadores consideraram que, apesar do esforço das gestões Gilberto Gil/Juca Ferreira
para enfrentar o problema da concentração territorial, era preciso uma articulação
coordenada por parte do MinC para que os demais entes federados pudessem atuar nessa
área.

Quanto ao perfil das instituições, 49% eram particulares (universidades, faculdades,


empresas de produção etc.), 29% eram públicas (universidades e órgãos de gestão estatal da
área cultural dos diversos níveis de governo) e 22% eram associações da sociedade civil,
organizações não-governamentais, dentre outras do mesmo perfil. Sendo assim, os
pesquisadores destacaram que o MinC necessitava coordenar um trabalho junto a essas
instituições para potencializá-las, além de fomentar a criação de novas, no intuito de
descentralizar e democratizar o acesso à formação em cultura.

Dos 626 cursos pesquisados, a maior parte (75,88%) eram cursos de extensão, com
caráter mais esporádico, seguidos de cursos de especialização (9,49%) e de cursos que
tinham dentro do seu quadro de disciplinas matérias da área da organização cultural
(6,11%). Os cursos de graduação (incluindo os de graduação tecnológica) representavam
3,37% e os técnicos, 2,73%. Ou seja, havia um grande número de cursos de extensão e
poucos de nível superior, o que somado à irregularidade da oferta, indicava para os
pesquisadores a fragilidade do setor organizativo da cultura, já que “Tal contexto não deixa
de marcar a qualidade dos profissionais do setor que, como veremos, vêm das mais diversas
áreas e muitas vezes não possuem os atributos exigidos para o exercício das atividades
organizativas da cultura [...]” (BARBALHO; COSTA; RUBIM, 2010, p. 13). O quadro a seguir
ilustra o perfil dos cursos ofertados.

61
Por setores se compreende o núcleo/órgão/setor de uma dada instituição que é responsável pela oferta do
curso. A exemplo de uma faculdade ou instituto dentro de uma universidade, ou de uma secretaria dentro de
um ministério.
239

Quadro 14 – Perfil dos cursos pesquisados

Fonte: BARBALHO; COSTA; RUBIM (2010)

Quanto ao campo dos cursos de formação, considerando o recorte daqueles voltados


ao setor da organização da cultura, obteve-se o seguinte resultado: 70,18% eram do campo
de produção cultural, 26,09% de gestão e 3,40% de políticas culturais. E, considerando as
áreas temáticas dos cursos, a maior parte (18,22%) estava dedicada ao financiamento da
cultura, que abrange cursos relacionados à captação de recursos, marketing cultural e uso de
leis de incentivo fiscal; seguida de cursos de elaboração de projetos (16,20%), conforme
quadro a seguir.

Quadro 15 – Cursos por área temática

Fonte: BARBALHO; COSTA; RUBIM (2010)


240

Na opinião dos pesquisadores, a concentração temática revelada no mapeamento era


consequência da predominância da política de financiamento da cultura baseada nas leis de
incentivo:

a concentração da temática e do conteúdo destes cursos em torno da


captação de recursos, da elaboração de projetos e da produção cultural
apontam para aquela situação, apresentada na Introdução, de uma política
cultural marcada pelo predomínio quase absoluto das leis de incentivo, o
que termina por estruturar o campo da cultura. Este contexto revela o
muito que há por fazer na política cultural do governo Lula que tenta
reverter este quadro com uma maior presença do Estado e de instituições
não submetidas à lógica das leis de incentivo. (BARBALHO; COSTA; RUBIM,
2010, p. 23)
Em relação aos professores dos cursos mapeados, a pesquisa demonstrou que eram
oriundos das mais diversas áreas, o que, por um lado, expressaria o caráter multidisciplinar
do campo da organização da cultura, mas também a fragilidade acadêmica por permitir o
ingresso de professores de diferentes formações quase de forma aleatória. Isso poderia ser
explicado pelo fato de ser um setor novo, que não apresenta exigências mínimas
curriculares, e que vem ganhando visibilidade dado ao potencial econômico da produção de
bens e serviços simbólicos.

Esses e outros dados aferidos na pesquisa, levaram o grupo à seguinte conclusão:

Podemos concluir, a partir das informações acima, que há no país um


processo concentrador no que se refere a instituições de formação em
organização cultural, tendo como outro lado perverso da moeda o fato de
alguns estados não possuírem nenhuma instituição. Outro elemento que
merece atenção por parte de uma política pública é a presença majoritária
de empreendimentos privados, o que dificulta a maior absorção da
demanda, uma vez que nem toda ela dispõe de recursos para investir em
formação. Por fim, é importante estar atento para o fato de que uma
grande parte destas instituições não possui o ensino, e muito menos a
pesquisa, como sua principal atividade, mas as áreas de gestão, marketing e
promoção. Isso sinaliza, primeiro, a fragilidade pedagógica destas
instituições e, segundo, que o fim último destes cursos seja a atuação no
mercado, em detrimento do setor público. (BARBALHO;COSTA;RUBIM,
2010)
Diante do exposto, os pesquisadores defenderam a urgência na elaboração de uma
política nacional voltada à formação em organização da cultura que pudesse combater a
fragilidade acadêmica caracterizada no mapeamento; e sugeriram a criação de uma rede
nacional de instituições formadoras em organização da cultura capaz de promover a parceria
entre o MinC e tais instituições na perspectiva de superar a histórica deficiência de formação
241

e atualização na área da cultura. Pontualmente, foram sugeridas ainda: articulação entre os


ministérios da Cultura e o da Educação para criação de cursos de graduação na área, para
além dos tecnológicos; oferta de cursos de extensão que incorporassem os aspectos da
gestão e da política cultural, indo além dos temas relacionados à produção, e a reflexão
quanto a uma política de pós-graduação para o setor envolvendo os níveis de especialização,
Mestrado e Doutorado para fomentar o saber crítico.

4.4.1.3 GT 03 Fortalecimento Institucional e Formação de Gestores Culturais

O outro grupo dedicado ao tema da formação era responsável por elaborar o


Programa de Formação de Gestores Culturais e executar um curso piloto. De acordo com
Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), a ideia era que o piloto ajudasse a desenhar um
programa mais amplo que, na sequência, seria negociado com o Ministério da Educação
para que fosse adotado por universidades por meio de cursos de níveis diversos.
Inicialmente, o programa seria financiado pelo MinC, como uma maneira de estimular essas
universidades a implantarem os cursos.

A equipe responsável pelo curso piloto foi composta pelos consultores José Márcio
Barros62, coordenador do GT, Isaura Botelho63 e Maria Helena Cunha64, que atuaram na
dimensão pedagógica da formação; por Marta Colabone, vinculada ao SESC São Paulo, que
coordenava a parte executiva do curso (gerenciamento de recursos, infraestrutura e suporte
técnico); por Lia Calabre (FCRB), que participou pontualmente, e por João Roberto Peixe e
Fabiano Santos, integrantes do MinC que acompanhavam o trabalho feito pelos GTs65.

De acordo com a proposta de trabalho apresentada pelo grupo de consultores ao


MinC66, datada de 16 de fevereiro de 2009, algumas questões precisavam ser colocadas

62
Graduado em Ciências Sociais (Universidade Federal de Minas Gerais), Mestre em Antropologia Social
(Universidade Estadual de Campinas), Doutor em Comunicação e Cultura (Universidade Federal do Rio de
Janeiro). Professor do Programa de Pós-Graduação em Artes (Universidade Estadual de Minas Gerais),
coordenador da Pós Graduação Lato Sensu em Gestão Cultural, professor colaborador do Programa de Pós
Graduação em Cultura e Sociedade da UFBa. Professor da PUC Minas nas áreas de Antropologia e
Comunicação; Gestão Cultural, Políticas Culturais e Diversidade Cultural. Coordena o Observatório da
Diversidade Cultural e integra o Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura e a Rede de Pesquisadores em
Políticas Culturais.
63
Ver perfil no Apêndice A da tese.
64
Maria Helena Cunha, formada em História e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas
Gerais, especialista em Planejamento e Gestão Cultural (PUC/MG). É gestora cultural, pesquisadora, consultora
e diretora da Inspire Gestão Cultural e da Duo Editorial.
65
Informações concedidas por José Márcio Barros por e-mail em 13 de junho de 2018.
66
Documento encaminhado por João Roberto Peixe por e-mail em 06 de junho de 2018.
242

preliminarmente quanto à situação do SNC. São reflexões pertinentes ao processo de


construção traçado até aquele momento, e que são interessantes de serem expostas.
Segundo Barros, Botelho e Cunha (2009), partindo da definição e do objetivo do SNC, se
reconhecia o seu caráter processual e participativo de pactuação envolvendo diferentes
atores institucionais e políticos e sua intenção de produzir a convergência de interesses e
estratégias. Nesse sentido, se apresentava o desafio de “desencadear um processo que
coloca diferentes e diferenças frente à frente com a tarefa de se produzir algo que expresse
unidade e respeite singularidades, ou seja, promova o pluralismo cultural” (BARROS,
BOTELHO, CUNHA, 2009, p.2). Também partindo da pretensão última do SNC de promover o
desenvolvimento social com pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, os consultores entendiam que isso exigia “[...] a superação da visão
ingenuamente sistêmica que acredita ser o planejamento moderno e a bandeira da
constitucionalidade da cultura, condições suficientes para que a cultura assuma a
centralidade no campo das políticas públicas” (BARROS, BOTELHO, CUNHA, 2009, p.2). Para
os consultores, era preciso ir além disso e enfatizar a participação cidadã e os mecanismos
de controle social na construção do Sistema, “[...] do contrário, não irá mais além da
produção de protocolos de intenções, rituais político-administrativos integrados e aumento
do número de reuniões entre técnicos.” (BARROS, BOTELHO, CUNHA, 2009, p.2). Quanto ao
processo de implantação do SNC, o grupo considerava um equívoco o caminho tomado pelo
Ministério da Cultura, já que o foco na criação dos componentes estruturais, apesar do
avanço que representava em si, não havia conduzido a um novo modelo de gestão pública
da cultura. Além disso, criticavam também a estratégia de adesão baseada em uma
promessa de futuro benefício, e não em compromissos e plataformas de trabalho.

Considerando essa situação, o grupo colocava a formação no SNC como uma dupla
necessidade: transformar a adesão de estados e municípios em um processo de construção
de novas práticas; e pensar em uma formação continuada, teórica-conceitual e prático-
atitudinal na área da gestão da cultura na esfera de um sub-sistema de formação, numa
dimensão contínua e processual. Tal sub-sistema de formação de gestores públicos deveria
ser construído por meio de uma experimentação piloto que considerasse os “princípios do
respeito e da promoção da diversidade de lógicas e práticas de gestão cultural, a
descentralização, a participação, a universalização do acesso à formação e o caráter
243

dinâmico e retro-alimentador do processo.” (BARROS, BOTELHO, CUNHA, 2009, p.2).


Tratava-se, assim, de transformar a adesão ao SNC em um processo de aderência:

Mais que dividir conteúdos e regiões entre diferentes entes, instituições e


consultores, trata-se de se pensar como contaminar o processo de
construção do sub-sistema do próprio objetivo e idealidades do SNC: fazer
junto, em processo, constituindo compromissos e transformando a adesão
ao SNC de concordância e disponibilidade formal em processo efetivo de
aderência, onde forças atrativas que se encontram em contato, possam se
opor criativamente à separação e dispersão, produzindo compromisso,
identidade, reconhecimento e solidária responsabilidade. (BARROS,
BOTELHO, CUNHA, 2009, p.5)
Partindo dessa perspectiva, o grupo apesentou a proposta de Formação em Gestão
de Políticas Públicas de Cultura, cujas etapas de trabalho compreendiam: (1) elaboração de
um marco/proposição conceitual, feito mediante leituras e debates internos ao GT; (2)
desenho de matrizes curriculares, percursos formativos e estratégias territoriais de
implementação, que conduziria à elaboração de conteúdos, metodologias e estratégias de
implantação; (3) acompanhamento e interlocução com o grupo de trabalho responsável pelo
mapeamento e avaliação de instituições formadoras, de forma a definir parceiros e modelos
de formação; (4) elaboração de proposta de curso piloto, acompanhamento e avaliação de
sua realização, considerando a modalidade presencial, ensino a distância (EAD) e/ou
assessoria; (5) desenho de um modelo a ser expandido e configurado no Programa de
Formação Cultural, considerando a pesquisa do mapeamento e da rede de instituições de
formação em cultura.

De acordo com Silvana Meireles (2015):

A produção desse grupo resultou em um documento contendo as linhas


básicas de um programa de formação em gestão cultural, testado através
de um projeto piloto que foi o curso desenvolvido na Bahia para gestores
municipais. E o resultado desse piloto foi uma grade flexível o suficiente
para que o Ministério desse o segundo passo, que era induzir universidades
e instituições de ensino a seguir, adotar e implementar cursos de gestão em
vários níveis, graduação, pós-graduação, extensão, e que a grade fosse um
passo inicial flexível o suficiente para que cada universidade em cada nível
pudesse fazer as adequações. Era muito mais um elemento indutor, do que
determinante ou obrigatório de adoção tal como estava.
Em entrevista, Isaura Botelho (2016) explica que a preocupação principal desse grupo
de consultores era dar prioridade aos gestores culturais de municípios menores que não
tinham recurso; e para que essas cidades pudessem participar da formação, seria
importante realizar o curso piloto em uma cidade que fosse polo da região, porque sendo
244

mais bem estruturada, com recurso econômico, equipamentos culturais etc., poderia
receber os municípios que são satélites a ela. Para tanto, foi feito um estudo utilizando a
pesquisa do IBGE denominada Regiões de Influências das Cidades (REGIC) que tem por
objetivo conhecer os relacionamentos entre os municípios com base na análise dos fluxos de
bens e serviços, produzindo uma hierarquia da rede urbana brasileira67. De acordo com
Botelho (2016), a partir desse estudo o grupo propôs realizar o curso piloto em Goiás,
envolvendo a região do Centro-Oeste. Tal proposta, entretanto, foi rejeitada pela SAI, que
limitou a realização do curso a estados e municípios que tivessem assinado o Protocolo de
Intenções/Acordo de Cooperação Federativa. Além disso, segundo Botelho, o MinC
considerou que não era possível utilizar a estratégia das fronteiras porque tinha que se
limitar ao espaço territorial do estado. “Então, teve essas divergências no programa de
formação: o curso não pôde pegar pelas fronteiras porque tinha que ser estado por estado”
(BOTELHO, 2016). Segundo Isaura Botelho (2016), no processo de desenho do curso de
formação houve alguns embates com o Ministério na figura de João Roberto Peixe. Um deles
era que ela não compartia do entendimento de que o curso deveria ser voltado para
implantação do SNC.

Essa foi uma das grandes discussões que eu tive com o Peixe. Eu sempre me
recusei a fazer um curso para implantação do Sistema. Eu acho que no curso
tem a discussão do Sistema, tem a discussão do plano, tem tudo isso. Se você
discute tudo isso, e se você qualifica bem o gestor, ele percebe qual é
vantagem de se associar. (BOTELHO, 2016)
A exigência de adesão ao Sistema foi outro ponto de discussão no GT:

Aí, o Peixe que cuidava do Sistema ... bem, aí vem o PT: não, não podia
ultrapassar a fronteira de estado. Porque de início queriam fazer só com
municípios e estados que tivessem assinado com o Sistema. Aí vem a coisa
minha de embate com o Peixe. Tive muitos embates com ele. E quando a
gente se encontra ele diz: ‘ai, que saudade de nossas brigas!’ [risos]. Mas
eram embates mesmo, porque era uma coisa quadrada! Eu ainda brinquei
um dia com ele, disse: ‘vocês do PT não confiam no povo, tem que ser tudo
amarradinho’. (BOTELHO, 2016)
Segundo João Roberto Peixe (2017), a escolha do local que sediaria o curso não
poderia ser pautada apenas em critérios técnicos, pois era preciso também avaliar a sua
receptividade para desenvolver aquela proposta.

67
Segundo REGIC de 2007, há quatro tipos de centros urbanos no Brasil: Metrópoles; Capitais Regionais;
Centros Sub-Regionais; e Centros de Zona. (IBGE, 2007)
245

[...] essa questão [do local] é muito mais de estar sintonizado com a
sociedade e com a dinâmica do processo, do que você está ligado em
critérios técnicos para dizer ‘vamos fazer o curso aqui’, sem a gente ter
receptividade, pelo menos um certo ambiente... você definir um desenho
que não corresponde a um recorte real (PEIXE, 2017).
No final das contas, a decisão tomada pelo Ministério foi que o curso piloto de
formação de gestores ocorreria no estado da Bahia, então governado por Jaques Wagner
(PT/BA), uma decisão inicialmente contestada por Isaura Botelho (2016): “De início, eu fui
totalmente contra que se fizesse alguma coisa na Bahia, eu disse: ‘Gente, se fizer na Bahia
vai ser sacanagem, né? Vão dizer que é porque é Gil, porque é Juca [ambos oriundos desse
estado], eu acho melhor não ter esse desgaste’”. De acordo com Silvana Meireles, o estado
da Bahia foi escolhido porque foi o que ofereceu as melhores condições para realizar o curso
piloto: “[...] a gente nem queria a Bahia, abrimos para vários estados, mas a Bahia foi o que
apresentou a proposta mais viável, inclusive com aporte de recursos.” (MEIRELES apud
BARBALHO, 2014). Segundo Lia Calabre (2012, p. 168):

Quanto à escolha do local de realização, foram elaborados alguns estudos e


algumas metodologias para subsidiar a escolha, mas havia uma questão
fundamental ao bom desenvolvimento da experiência: a parceria com o
governo local, o envolvimento e o comprometimento daqueles que
atuavam no campo. O estado da Bahia apresentou-se como parceiro para a
realização da atividade piloto, fornecendo as contrapartidas necessárias e
indicando como coordenadora pela Secult o nome de Ângela Andrade, que
agregou fortes contribuições ao processo.
Em síntese, a partir das eleições para governador do estado em 2006, a Bahia passou a
investir em políticas culturais em sintonia com a política desenvolvida pelo MinC. Sob a
direção do secretário Márcio Meirelles, a Secretaria de Cultura68 (Secult/BA) baseou as suas
ações nas seguintes linhas conceituais: diversidade; desenvolvimento; descentralização;
democratização e diálogo/transparência. Na Secult/BA, a Superintendência de
Desenvolvimento Territorial (Sudecult) era a responsável por promover ações relacionadas a
políticas de descentralização e integração regional. Dirigida por Ângela Andrade, que havia
trabalhado na SPC/MinC entre 2004 e 2005, a Sudecult manteve de 2007 a 2010 uma
destacada relação com o Ministério, sobretudo com a SAI, participando do Mais Cultura,
coordenando a estadualização do Projeto Ponto de Cultura na Bahia; produzindo as
conferências estaduais e articulando a participação do estado na Conferência Nacional;

68
Por meio da Lei nº 10.549, de 28 de dezembro de 2006, foi instituída a Secretaria de Cultura do Estado da
Bahia, antes Secretaria de Cultura e Turismo.
246

estimulando a formação de instâncias como o Fórum de Dirigentes Municipais de Cultura; e


trabalhando para a constituição do Sistema Estadual de Cultura da Bahia, coordenando as
assinaturas dos Protocolos de Intenção/Acordo de Cooperação entre o estado e municípios
(ROCHA, 2011).

Para João Roberto Peixe (2017), a Bahia possuía um ambiente favorável, e vinha
desenvolvendo ações no âmbito do Sistema Nacional de Cultura: “[...] foi feito na Bahia,
porque a Bahia tinha esse ambiente, tinha como isso ser uma experiência mais rica e ser
bem sucedida, você também não pode jogar recursos e não ter um retorno adequado
porque envolve perda de recurso e perda de credibilidade”. (PEIXE, 2017). Em sua opinião,
naquele estado já havia uma demanda local por atividades voltadas para a área da formação
e a Secult/BA trabalhava com o desenho dos territórios de identidade, que agregava outras
áreas além da cultura.

[...] lá se tinha experiências mais ricas nesse sentido de estruturação de


Sistema, mesmo com formatos que não seguem o modelo básico, mas que
também não se contradiz a ele [...] agora, a Bahia foi o primeiro, e era
importante, mas depois disso a questão já se expandiu por todas as regiões.
(PEIXE, 2017)
Os denominados Territórios de Identidade69 citados por Peixe era uma orientação de
divisão territorial do estado que levava em consideração uma série de fatores (social,
econômico, cultural, ambiental etc.) e que passou a ser seguida pelos seus órgãos públicos a
partir de 2007.

Antes, o Estado estava dividido em 15 regiões econômicas. Entretanto, na


prática, cada órgão público tinha autonomia para criar subdivisões em
conformidade com a execução de seus programas. Tais subdivisões
certamente se tornavam uma primeira barreira para a elaboração de
programas intersecretarias. Em 2007, o governo reconheceu a existência de
26 Territórios de Identidade (...), que foram cunhados por arranjos sociais e
locais. A adoção da nova territorialização teve como justificativa o
desenvolvimento de todas as regiões da Bahia, através da atuação
governamental de acordo com as características locais e as necessidades de

69
Denominação dada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e adotada pela Secretaria do
Planejamento do Estado da Bahia (Seplan) e Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI) a
partir de um estudo que reuniu informações e estatísticas econômicas e sociais do Estado. Segundo definição
encontrada no site da Seplan, território é “um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo,
caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a
política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam
interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que
indicam identidade, coesão social, cultural e territorial”. Informações disponibilizadas em:
<http://www.seplan.ba.gov.br/exibePrincipal.php?varCodigo=3070>, acesso em set. de 2010.
247

cada território. Os municípios que fazem parte do mesmo território


estariam ligados por traços culturais e sentimentos de pertencimento, o
que também facilita a realização de arranjos institucionais. (CANEDO, 2008,
p. 73).
O reflexo da adoção dos Territórios de Identidade por parte da Secult/BA pode ser
verificado em diversas ações, a exemplo do estabelecimento de cotas no Edital de Pontos de
Cultura da Bahia, publicado em 2008; do desenho das Conferências Estaduais de Cultura,
que incorporaram uma etapa territorial; e do próprio curso piloto de formação de gestores,
no critério de seleção de participantes aplicado pela Secult. Vale ressaltar que no curso
piloto, além de selecionar os alunos, a Secult também respondeu pela sua infraestrutura e
logística, incluindo deslocamento dos participantes do interior do Estado; enquanto que ao
Ministério coube tratar da parte pedagógica, pagamento dos professores, material e
manutenção da plataforma de ensino a distância, conforme convênio firmado entre as
partes (CALABRE, 2012).

Em resumo, o curso piloto para formação de gestores foi realizado no município de


Salvador, entre outubro de 2009 e abril de 2010, com carga horária total de
aproximadamente 340 horas, e teve a participação de 61 alunos, entre gestores públicos
municipais, convidados de universidades públicas70 e funcionários da Secult/BA,
notadamente os Representantes Territoriais da Cultura71 (CALABRE, 2012).

De acordo com a pesquisa de Ugo Mello (2014), a turma foi composta por pessoas
oriundas de 37 municípios do estado e a escolha dos dirigentes municipais por parte da
Secretaria seguiu o critério das cidades com maior articulação e desenvolvimento de
políticas culturais em sua esfera. Além disso, Mello ressalta a garantia de condições especiais
dada pela Secult e MinC para a participação daqueles que vinham do interior do estado.

Além de toda estruturação da proposta pedagógica, remuneração e


logística para o corpo de docentes, viabilização de recursos materiais, etc. o
curso-piloto garantiu para os alunos residentes no interior uma ajuda de
custo (bolsa) para deslocamento, hospedagem e alimentação durante os

70
Fui aluna do curso piloto como representante da UFBA, na condição de estudante de Mestrado do Pós-
Cultura e integrante do Centro de Estudos Multidisciplinares de Cultura (CULT).
71
Eram funcionários contratados pela Secult por tempo determinado dentro do Regime Especial de Direito
Administrativo (REDA). Para cada território de identidade, foi contratado um funcionário (no caso da Região
Metropolitana de Salvador, eram dois) para atuar como representante da Secretaria. Além da importância
política que a presença de funcionários da Cultura proporcionou para os territórios de identidade, foi
especialmente através deles que os projetos da Secult foram acompanhados presencialmente, o que pode ter
contribuído para fortalecer o vínculo de instituições e de pessoas relacionadas à área cultural com a política
desenvolvida pelo Estado. (ROCHA, 2011)
248

meses de realização das atividades presenciais, realizadas na cidade de


Salvador. Portanto, além da oferta gratuita de formação qualificada, houve
uma preocupação para que os alunos escolhidos tivessem condições ideais
de participação integral no projeto. (MELLO, 2014, p. 18)
Em termos de desenho, o curso foi composto de aulas presenciais, atividades a
distância por meio de ambiente virtual, imersões culturais, e atividades de diagnóstico e
planejamento, que resultaram no Trabalho de Conclusão de Curso. Quanto ao conteúdo, foi
estruturado em torno de três eixos: (1) Cultura como direito e as políticas públicas de
cultura; (2) Cultura, diversidade e desenvolvimento; e (3) Planejamento e gestão de políticas,
programas e projetos culturais. E a partir daí, foram constituídos dez módulos transversais72
que eram ministrados presencialmente por, pelo menos, dois professores/especialistas
simultaneamente. Segundo Lia Calabre (2012), os conteúdos de cada eixo foram
intensamente debatidos entre o grupo de consultores e, em seguida, submetidos à
aprovação do GT do SNC.

No total, o corpo docente do curso envolveu mais de quinze profissionais, oriundos de


diversas áreas e instituições, parte deles do próprio estado da Bahia (especialmente
professores da UFBA) e parte de outras regiões, um modelo que deveria ser adotado em
outros cursos de formação que viessem a ser replicados, já que deveriam contemplar o
conhecimento produzido tanto no âmbito local, como nacional (CALABRE, 2012). Vale
destacar que parte desses profissionais que ministraram aula no curso piloto já dialogavam
com o MinC, a exemplo de Humberto Cunha Filho, Adélia Zimbrão, Albino Rubim, Paulo
Miguez e Alexandre Barbalho. Além disso, ressalta-se que todos eles eram acompanhados
pelos consultores, Isaura Botelho, Maria Helena Cunha e José Márcio Barros, que nas suas
intervenções buscavam fazer a interconexão entre os conteúdos trabalhados pelos
professores. De acordo com Botelho (2016), isso foi importante na condução do curso
considerando os problemas do formato em módulos, onde “[...] os alunos não estabelecem
uma relação com o professor, que muitas vezes é alguém que vai uma só vez; e o módulo é

72
(1º) Oficina de Diagnóstico da Realidade Cultural Local e Regional; (2º) Políticas Públicas e Gestão Pública;
(3º) Processos Inclusivos e Participativos, Liderança e Cooperação, e Redes e Ações Colaborativas; (4º) As
Dimensões da Cultura e suas Interfaces e Mediações, e Cultura, Diversidade e Desenvolvimento; (5º) A Cultura
como Direito e Legislação e Direito Cultural; (6º) Diagnósticos, Análise de Conjuntura e Análise Institucional, e
Organização de Instituições Culturais; (7º) Planejamento e Políticas Públicas, e As Políticas Culturais no Brasil e
em Outros Países; (8º) As Políticas Culturais no Brasil na Atualidade, e Diversidade Cultural e seus Mecanismos
de Proteção e Promoção; (9º) Informação e Indicadores Culturais e Economia da Cultura e da Sustentabilidade.
O último módulo foi dirigido ao TCC.
249

muito intenso, então tem o cansaço, mas como você só trabalha com profissionais, não tem
como resolver isso” (BOTELHO, 2016).

Além das aulas presenciais, o curso contou com atividades de imersão cultural – visitas
técnicas guiadas em sete instituições culturais, como o Museu de Arte Moderna da Bahia e o
Teatro Vila Velha – e com EAD, desenvolvida no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).
Segundo Mello (2014), o objetivo do AVA, responsável por 60% da carga horário do curso,
era viabilizar um processo contínuo de aprendizagem, considerando que os encontros
presenciais ocorriam geralmente, uma vez ao mês, nos finais de semana. Além disso, Mello
(2014) aponta que como a equipe de professores era composta por profissionais de diversos
estados, e aproximadamente 83% dos alunos do curso eram do interior da Bahia, o AVA
permitia a continuidade das atividades e o contato entre todas as pessoas envolvidas no
curso, o que possibilitou uma formação interativa e colaborativa entre todos.

Um dos desafios enfrentados no curso piloto foi o fato de o seu período de realização
– outubro de 2009 a abril de 2010 – ter coincidido com a campanha eleitoral de 2010, com
as conferências municipais e territoriais73 (entre agosto e outubro de 2009), com a III
Conferência Estadual de Cultura da Bahia (realizada entre 26 e 29 de novembro de 2009), e
com a II Conferência Nacional de Cultura (11 a 14 de março de 2010). O que, para Lia Calabre
(2012), prejudicou de alguma maneira a dinâmica do curso, sobretudo as atividades em EAD.
De mesma opinião é Isaura Botelho (2016), para quem apesar desse problema de calendário,
o curso piloto foi bem sucedido, o que ajudou a garantir outros recursos para a continuidade
do processo de formação: “[...] tivemos um excelente piloto [...] e a partir desse curso piloto
é que também foi se tendo a justificativa dos outros recursos” (BOTELHO, 2016). De acordo
com Silvana Meireles (2017), a partir desse curso foi possível identificar problemas e
necessidades que contribuíram para a criação do Programa de Formação de Gestores
Culturais e uma série de ações que perduraram ao longo das gestões seguintes:

A partir dessa experiência, o MinC instituiu o Programa de Formação de


Gestores Culturais, articulando-se com Universidades e instituições de
ensino e pesquisa; lançou editais e estabeleceu parcerias para que essas
instituições realizassem cursos nos diversos estados do pais. No Nordeste, a
Fundação Joaquim Nabuco, em conjunto com a Universidade Federal Rural

73
Em 2005, 21 municípios baianos (5% do total) promoveram conferências municipais. Em 2007, esse número
saltou para 390, resultado da atuação da nova gestão da SECULT/BA. E em 2009, 368 municípios (88,75% do
total) promoveram seus encontros de cultura. Quanto às conferências territoriais, elas foram realizadas em
todos os 26 Territórios de Identidade da Bahia.
250

de Pernambuco, em 2012, e posteriormente com a Universidade Federal da


Bahia-UFBA, elaborou projeto de formação e vem realizando cursos de
especialização, aperfeiçoamento e extensão destinados a gestores dos
estados do Nordeste, desde 2014, com resultados imediatos observados
nas gestões municipal e estadual, na gestão de equipamentos culturais e de
pontos de cultura. (MEIRELES, 2017)
Na avaliação de João Roberto Peixe (2017), o programa de formação de gestores
caminhou bem, tendo desdobramentos e expansão, com o surgimento de novos cursos,
novos formatos e participação de mais instituições de ensino. Entretanto, ressalta que dada
a limitação financeira, essa expansão foi menor e menos rápida do que o necessário, não
sendo capaz de atender as demandas, necessidade e carência que a área de formação
possui. É possível acrescentar ainda a não implantação da Rede de formação em organização
da cultura, uma sugestão apontada no GT do mapeamento, o que pode ter impactado nos
cursos de formação do SNC, implementados através de pactuações pontuais com
instituições de ensino, sem passar por um processo de discussão mais amplo em um
ambiente de rede. Os desdobramentos do Programa de Formação serão verificados nos
capítulos seguintes.

4.4.2 Os Seminários do SNC (2009)

Em 2009, a SAI passou a coordenar a realização dos Seminários do SNC que tinham por
objetivo apresentar a nova proposta de estruturação do Sistema a gestores públicos de
cultura, membros de conselhos municipais e estaduais de cultura, gestores de equipamentos
privados de cultura de interesse público. De acordo com Sérgio Pinto (2018), que participou
da organização do evento, após a aprovação do documento-básico, a SAI saiu em uma
espécie de campanha do Sistema:

a partir daí [da aprovação do documento-básico] saiu, vamos chamar, em


campanha, porque na verdade foi quase uma campanha, saímos para o
Seminário do Sistema Nacional de Cultura no primeiro momento, e no
segundo momento na Conferência, na verdade foi tudo meio casado.
(PINTO, 2018)
O evento foi previsto para acontecer nas 27 unidades da federação mediante parceria
com órgãos públicos de cultura de estados e municípios. Assim, caberia ao MinC:
desenvolver a metodologia do seminário em conjunto com secretarias/fundações estaduais
de cultura; selecionar e indicar os palestrantes que tratariam dos temas relativos ao
Ministério; confeccionar material didático; custear despesas dos palestrantes, dentre outros.
Aos governos estaduais: auxiliar na coordenação da atividade, em consonância com as
251

orientações da SAI (coordenadora dos seminários); divulgar; fazer a inscrição e convocar os


municípios para participarem do evento; fornecer espaço e estrutura física para realização
do encontro; indicar os palestrantes que falariam sobre o estado e custear despesas de
transporte local, infraestrutura física e materiais de apoio dos eventos. Aos municípios
caberiam: inscrever os gestores públicos para participarem do evento; custear despesas de
transporte dos participantes da cidade de origem até a cidade sede do seminário e apoiar o
evento em caso de sediá-lo, fornecendo espaço e estrutura.

A ideia era que os seminários se constituíssem em espaços de socialização, reflexão,


articulação e formalização de acordos acerca da implantação do SNC. Dentre os seus
objetivos específicos estavam: (1) agregar e formar gestores municipais em torno da política
cultural de caráter federativo, fornecendo subsídios e informações para criação de órgãos
gestores, planos de cultura, fundo e conselhos; (2) apresentar as políticas e propostas do
MinC (Programa Mais Cultura, PNC, mudanças na Legislação Cultural etc.); (3) fomentar o
processo de integração regional, estimulando a formação de redes e parcerias para o
compartilhamento de experiências de política cultural; e (4) reiniciar o processo de adesão
ao SNC com a formalização dos Acordos de Cooperação Federativa.

Em termos de dinâmica de funcionamento, os seminários aconteciam durante dois


dias, para um público médio de 200 pessoas por estado, e envolvia a realização de quatro
oficinas (uma por turno) que abordavam temas como: sistemas setoriais de cultura,
instâncias de participação no SNC, planos de cultura, programas federativos na área cultural,
e construção do SNIIC. Para cada tema, era feita uma exposição seguida de debate, gerando
carga horária total de 16 horas (SAI/MINC, 2009)74.

Dentro desse desenho, entre agosto e dezembro de 2009, foram realizados seminários
em todos os estados do país, sendo que em alguns casos, como Minas Gerais e São Paulo,
foram produzidos mais de um encontro. Em todos eles havia presença de dirigentes da SAI,
mas outras secretarias e unidades do Ministério também participaram, a exemplo da SPC, do
Iphan e da Fundação Casa de Rui Barbosa. De acordo com Sérgio Pinto (2018): “A SPC
[dirigida então por José Luiz Herencia] participava muito, e nos seminários que a gente fez,

74
Documentos disponível em:
<http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/bitstream/20.500.11997/7250/1/608.%20SEMIN%C3%81RIO_SNC_PDF_22J
UL2009%5B1%5D.pdf.> Acesso em jun. 2018.
252

eles estavam sempre presentes, em todos eles mandavam um representante e o Peixe ia por
meio da SAI”. Segundo João Roberto Peixe (2017):

[...] no começo de dezembro, eu não sabia mais nem direito onde estava
(risos) porque a gente ficava segunda e terça em um estado, aí viajava na
quarta para outro estado e ficava quinta e sexta, às vezes voltava pra
Brasília, às vezes já ia direto para outro estado, aí você ia perdendo a noção
[...] mas, a minha avaliação é que o Sistema, a partir daí, foi se
consolidando, sendo entendido muito mais fora do Ministério do que
dentro do Ministério.
Essa perspectiva de uma consolidação externa do Sistema não era uma novidade, já
que a trajetória da sua construção na gestão de Márcio Meira foi pautada nessa estratégia,
que continuou sendo usada nessa gestão.

[...] a ideia [do SNC] cresceu muito mais de fora para dentro, mas também
foi uma estratégia nossa, quando a gente chegou no Ministério, quando a
gente apresentou e viu as dificuldades... [...] então a gente tinha uma
proposta, que aí dava mais segurança porque estava consistente, então a
gente foi para fora, pra criar o quadro também de fora para dentro. (PEIXE,
2017)
Sobre a pouca interação do Sistema MinC com o SNC, já apontado em falas de Silvana
Meireles (2015), Bernardo Mata Machado (2017) comenta: “[...] o Sistema nunca foi
prioridade do Ministério, sempre foi visto como uma coisa da SAI”. Para Peixe (2017), há
uma série de fatores que interferem na questão da relação do Sistema com outras
secretarias do MinC. Em sua opinião, o Sistema foi se consolidando mais fora do Ministério
do que dentro por falta de entendimento e compreensão sobre a proposta em si, pela
questão política e pelo fato de haver poucos recursos para a cultura, o que provocava uma
disputa grande dentro do Ministério: “depois, com o Sistema, terá que se transferir recursos
para os entes, e aí os órgãos do Ministério [...] diziam ‘ainda vai mandar dinheiro para
estados e municípios?’, isso teve muita discussão...” (PEIXE, 2017). Além desses pontos
abordados por Peixe, é possível pensar ainda que as resistências se devem, para além de
questões políticas pessoas ou coletivas, à questão da institucionalidade. O SNC se coloca
como um novo paradigma para a cultura política e organizacional, voltado para instituir
políticas públicas de médio e longo prazo, que ultrapassem o período de governo e que
passam por processos de pactuação com diversos atores, públicos e privados. A
implementação do SNC implica em mudar a maneira como a gestão pública de cultura é
conduzida, em contrariar interesses e nichos, enfim, a alterar os modos de gestão existentes
e sedimentados no Ministério.
253

Se internamente o SNC sofria altos e baixos no Ministério durante o segundo Governo


Lula, externamente ele foi se enraizando pouco a pouco por meio dos entes subnacionais,
que mantiveram algumas pautas do Sistema ativas. Nesse período foram criados no âmbito
dos municípios os sistemas de cultura de: Foz do Iguaçu/PR (2009), Gandu/BA (2009),
Senhor do Bonfim/BA (2010), Bujaru/PA (2010), Águas Belas/PE (2010), Limoeira/PE (2010),
Petrópolis/RJ (2010), Colina/SP (2010), Chapecó/SC (2010), Joinville/SC (2010), Criciúma/SC
(2010), Rio Negrinho/SC (2010) e Campo Novo do Parecis/MT (2010); e na esfera estadual foi
instituído o Sistema Estadual de Cultura do Acre (2010).

Sobre a situação da adesão ao SNC por parte dos entes federados, a SAI tinha como
desafio recuperar o número de participantes, reduzido consideravelmente entre 2006 e
2010. Segundo dados divulgados pelo MinC (apud CALABRE, 2006), em janeiro de 2006, 20
estados (74% do total) e 1.920 municípios (35,4% do total) tinham firmado o Protocolo de
Intenções; em 2010 o número caiu para 1 estado (3,7%), Santa Catarina, e 363 municípios
(6,5%). Para Silvana Meireles (2017), esses dados não podem ser creditados apenas ao
processo de desaceleração do Sistema observado nos primeiros dois anos do segundo
governo Lula.

Em primeiro lugar precisamos observar as razões do volume de assinaturas


feitas entre 2003 e 2005 e creditá-las aos esforços feitos pela SAI de difusão
da proposta e à realização da I Conferencia Nacional de Cultura. A condição
imposta pelo Ministério para participação de estados e municípios naquela
Conferencia era a adesão ao Sistema. O grande interesse nessa participação
levou a uma ‘corrida’ desses entes para assinar o Protocolo de Intenções
por meio dos quais se comprometiam a implantar o SNC em seus
territórios. A saída de Márcio Meira em 2007, o subsequente esvaziamento
da SAI e as mudanças ocorridas na gestão daquela Secretaria provocaram
uma desaceleração no processo de implantação do SNC por parte do
governo federal. Essa situação de certo modo paralisou as novas adesões e
impactou na renovação das existentes. Os Protocolos de Intenções tinham
validade de 2 anos ou seja, a maioria expirou em 2007. (MEIRELES, 2017)
Uma das iniciativas da SAI para retomar esse processo de adesão junto aos entes
subnacionais foi a elaboração, em 2010, do Guia de Orientações do SNC, disponibilizados no
blog do Sistema.

4.4.3 II Conferência Nacional de Cultura (2010)

Os seminários do SNC foram importantes em termos de mobilização porque


coincidiram com o período de realização das conferências municipais e estaduais de cultura.
254

Em alguns estados, o seminário era programado para anteceder a conferência estadual,


integrando uma só agenda, como ocorreu no Acre que criou a Semana Estadual de Cultura75.
Segundo Sérgio Pinto (2018), a estratégia de casar os seminários com as conferências foi
muito interessante, inclusive porque “muitas vezes o estado não tinha recurso pra fazer a
conferência, então a gente ia lá apoiava o seminário e fechava com a conferência” (PINTO,
2018). De acordo com Silvana Meireles (2015), a grande participação de municípios na II CNC
foi consequência dessa rodada de seminários feita pelo Brasil. Na opinião de Peixe (2017), a
articulação entre os dois eventos se refletiu especialmente na última etapa da II CNC,
realizada em abril de 2010, onde a proposta do SNC se destacou, segundo ele, por ter sido
objeto de divulgação e formação junto a estados e municípios.

Na opinião de Sérgio Pinto (2018):

a segunda [CNC] foi um grande debate, teve uma participação imensa, um


envolvimento imenso por causa disso também né, conseguia trazer um
monte de gente pra debater na área cultural e o Peixe tem uma grande
qualidade, ele estimula a participação, não é participação de gabinete, ele
quer que a comunidade artística, que a comunidade cultural se envolva,
então ele estimulava muito isso.
De acordo com Silvana Meireles (apud BARBALHO, 2014), a II CNC foi resultado do
trabalho feito pela equipe da SAI, especialmente de Bernardo Mata Machado e João Roberto
Peixe, que conduziram a retomada do Sistema e a sua rearticulação com os entes
subnacionais, “[...] então juntou a disseminação do Sistema, a possibilidade de adesão ao
Sistema, às próprias conferências” (MEIRELES apud BARBALHO, 2014). Vale ressaltar,
inclusive, que o texto-base da II CNC foi escrito por Mata Machado, que apresenta e aborda
conceitualmente o tema geral do encontro – Cultura, Diversidade, Cidadania e
Desenvolvimento – e os seus cinco eixos: (1) Produção simbólica e Diversidade cultural; (2)
Cultura, Cidade e Cidadania; (3) Cultura e Desenvolvimento sustentável; (4) Cultura e
Economia criativa; (5) Gestão e Institucionalidade da Cultura, este voltado para o tema dos
sistemas de cultura, planos de cultura e sistema de informações e indicadores culturais.

Em síntese, a II CNC, coordenada mais uma vez pela SAI, foi convocada por meio da
Portaria nº 46, de 10 de julho de 2009, que estabeleceu no cronograma que a etapa
municipal/intermunicipal deveria ocorrer até 31 de outubro de 2009; as etapas estadual e

75
Informação disponível em: < http://www.agencia.ac.gov.br/semana-estadual-de-cultura-acompanhe-ao-
vivo/>. Acesso em jun. 2018.
255

setorial até 15 de dezembro de 2009, e a nacional entre 11 e 14 de março de 2010, em


Brasília. A coordenação geral coube à Silvana Meireles e a coordenação executiva a João
Batista Ribeiro Filho e a Fred Maia (entre janeiro/julho de 2009), ex-integrante da SAI que
passou a trabalhar no Gabinete do ministro Juca Ferreira.

A abertura do evento contou com a presença de vários ministros (Dilma Rousseff, da


Casa Civil, Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Luís Dulci, da
Secretaria Geral da Presidência da República, Orlando Sena, dos Esportes, Franklin Martins,
da Comunicação etc.), além do ministro Juca Ferreira e do presidente Luís Inácio Lula da
Silva, que no seu discurso fez uma saudação especial às pessoas que vinham do interior do
país:

Eu quero, do fundo do coração, agradecer a presença de vocês aqui.


Sessenta por cento das pessoas aqui, companheiro Juca – você sabe disso –,
companheira Dilma, são companheiros que vêm de cidades do interior
deste país, que nunca tiveram a chance de participar de uma conferência
para discutir a política cultural do País, e muito menos de estarem diante do
Presidente da República e de tantos ministros (LULA DA SILVA, 2010)
Um dos destaques da II CNC em relação à I CNC foi a alteração do seu desenho
metodológico, que incluiu as conferências setoriais em substituição aos seminários setoriais.
Isso envolveu também um processo eleitoral para a escolha dos membros dos Colegiados
Setoriais e do Plenário do CNPC. A II CNC previu também a realização de conferências livres,
abertas a qualquer organização ou pessoas, com um mínimo de vinte participantes, mas que
ao contrário das demais conferências, não poderiam eleger delegados para a plenária
nacional, se limitando a contribuir com proposições. Sobre essa nova possibilidade, Aragão
(2013, p. 93-94) comenta:

Apesar da importância dessa modalidade de conferência como instância


autogestionada de consulta, com mais liberdade de discussão e de
proposição, inclusive, por possibilitar novos arranjos mais autônomos e
mais próximos dos contextos locais, não encontramos, nos dados
disponibilizados pelo Minc, registros sobre proposições advindas das
conferências livres, apesar da afirmação de Silvana Meireles – em texto da
Conferência em Revista – de que as propostas desses espaços de
participação foram incorporadas.
Quanto à participação dos entes subnacionais, segundo dados divulgados pelo MinC
(2010b), todos os 26 estados e o Distrito Federal realizaram conferências estaduais de
cultura (em 2005 esse número foi de 19), e 3.216 municípios estiveram envolvidos em
conferências municipais ou intermunicipais (na I CNC foram 1.159). Portanto, houve um
256

acréscimo considerável no número de entes federados envolvidos, notadamente os


municípios. Em alguns estados, a diferença da participação municipal foi contundente em
relação à I Conferência, a exemplo da Bahia (que pulou de 21 municípios para 372), de
Pernambuco (de 12 para 154) e do Paraná (de 7 para 355). O mapa produzido pelo
Ministério dá uma dimensão melhor desses números.

Mapa 01: Participação dos estados na I CNC (2005) e na II CNC (2010)

Fonte: MINC, 2010b, p. 38

Vale ressaltar que, ao contrário da I CNC, a segunda conferência não vinculou a


participação de estados e municípios à adesão ao SNC, o que não implicou numa redução do
número de entes participantes no evento, pelo contrário.

Especificamente em relação ao Sistema, ele continuou pautando a Conferência. Dentre


os objetivos da II CNC estabelecidos no seu regimento constava, por exemplo: “VI -
Aprimorar e propor mecanismos de articulação e cooperação institucional entre os entes
257

federativos e destes com a sociedade civil”; e “VIII - Propor estratégias para a implantação
dos Sistemas Nacional, Estaduais e Municipais de Cultura e do Sistema Nacional de
Informações e Indicadores Culturais”.

Seis propostas foram eleitas como prioritárias para o eixo 5 Gestão e Institucionalidade
da Cultura: (1) “Consolidar, institucionalizar e implementar o Sistema Nacional de Cultura
[...]”; (2) “Criar um sistema nacional de formação na área da cultura [...]”; (3) “Defender a
aprovação do Programa Cultura Viva e do Programa Mais Cultura no âmbito da proposta de
consolidação das leis sociais como políticas públicas de Estado [...]”; (4) “Garantir que as
conferências estaduais, municipais, distrital e nacional de Cultura tenham caráter de política
pública e que suas diretrizes e decisões sejam incorporados nos respectivos Planos
Plurianuais e nas Leis de Diretrizes Orçamentárias [...]”; (5) “Realizar imediatamente
mapeamento preliminar das manifestações culturais [...], criar um órgão federal de estudos
e indicadores culturais integrado ao SNC [...], investir em capacitação técnica de equipes
locais [...]”; (6) “Implantar o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais e os
respectivos sistemas estaduais e municipais [...]”. Essas seis propostas integravam o
conjunto das 3276 eleitas como prioritárias por parte dos delegados da plenária, selecionadas
de um universo de 347 propostas oriundas das etapas anteriores. Vale destacar que dentre
as 32 propostas prioritárias, a mais votada foi a que tratava especificamente do SNC.
Segundo a pesquisa de Aragão (2013), a partir da informação obtida por meio do blog da II
CNC, dos 883 delegados credenciados, 754 votaram na seguinte proposta:

Consolidar, institucionalizar e implementar o Sistema Nacional de Cultura


(SNC),constituído de órgãos específicos de cultura, conselhos de política
cultural (consultivos ,deliberativos e fiscalizadores), tendo, no mínimo, 50%
de representantes da sociedade civil eleitos democraticamente pelos
respectivos segmentos, planos e fundos de cultura, comissões
intergestores, sistemas setoriais e programas de formação na área da
cultura, na União, Estados, Municípios e no Distrito Federal, garantindo
ampla participação da sociedade civil e realizando periodicamente as
conferências de cultura e, especialmente, a aprovação pelo Congresso
Nacional da PEC 416/2005 que institui o Sistema Nacional de Cultura, da
PEC 150/2003 que designa recursos financeiros à cultura com vinculação
orçamentária e da PEC 049/2007, que insere a cultura no rol dos direitos
sociais da Constituição Federal, bem como dos projetos de lei que instituem

76
Além das 32 propostas prioritárias, houve indicação de 95 estratégias setoriais prioritárias para as áreas de:
artesanato, artes visuais, arquitetura, arte digital, audiovisual, arquivo, circo, culturas indígenas, culturas
populares, culturas afro-brasileiras, dança, design, livro/leitura/literatura, moda, museus, música, patrimônio
material, patrimônio imaterial e teatro.
258

o Plano Nacional de Cultura e o Programa de Fomento e Incentivo a Cultura


- Procultura e do que regulamenta o funcionamento do Sistema Nacional de
Cultura.
Considerando o conteúdo expresso nessa proposta, é possível verificar uma sintonia
fina com as direções apontadas no GT Marco Legal e Arquitetura do SNC. O que poderia
levar a uma desconfiança quanto a uma postura indutora junto aos delegados da
Conferência por parte da SAI. Na opinião de Lia Calabre (2017):

Eu concordo [sobre a indução], eu concordo inclusive que, em especial, na


questão do Peixe, que fez questão de trazer o Sistema como eixo... e acho
que em parte ele tinha razão porque o Sistema é complexo. [...] acho que
talvez ele precise continuar numa pauta de discussão [...]. (CALABRE, 2017)
Esse possível posicionamento indutivo da SAI na II CNC também foi objeto de diálogo
entre Juca Ferreira e João Roberto Peixe, conforme depoimento deste:

essa história... sempre era assim, uma coisa no bom humor, mas sempre
ficava essa coisa de Juca mexendo comigo e eu também ficava mexendo
com ele. Então, ele foi para a Conferência, mas não esperou até o final, na
votação das prioridades, ele não estava lá... e aí ele ligou para mim no dia
seguinte para perguntar uma outra coisa lá [...] e aí eu disse: ‘viu, Juca, o
resultado da Conferência?’ aí ele chegou e disse: ‘não, Peixe...vocês são
bons no lobby’ e aí eu fiquei indignado, eu disse: ‘lobby, não, Juca, a gente
trabalhou, você não foi a um seminário, eu insisti para você ir, você não foi
a um seminário, então você não entendeu o que aconteceu no Brasil,
porque isso se refletiu na Conferência’. (PEIXE, 2017)
É no mínimo intrigante que no discurso de abertura da II CNC, realizada em 11 de
março de 2010, o ministro Juca Ferreira não tenha citado o Sistema Nacional de Cultura
como uma das políticas desenvolvidas pelo Ministério, ou a ser impulsionada pelo mesmo. O
discurso cita o Plano Nacional de Cultura, os Pontos de Cultura, Pontos de Leitura, a Lei de
Incentivo à Cultura, o Fundo Nacional de Cultura etc., mas não se refere ao SNC (FERREIRA,
2010a). Nem mesmo quando o ministro ressalta a importância de aprovar propostas que
estavam pendentes no Congresso, ele faz alusão ao Sistema – cuja PEC 416-A/2005 estava
em tramitação – se referindo apenas ao Vale Cultura, ao PNC, à PEC 150, à nova Lei do
Direito Autoral e ao Procultura, que tramitava no Legislativo como Projeto de Lei
nº.6.722/2010 (apensada ao PL nº 1.139/2007). Apesar da ausência do Sistema no discurso
de Juca Ferreira, foi justamente na sua gestão que o SNC passou por uma de suas fases mais
interessantes, com o Ministério desconcentrando recursos para estados e municípios (ainda
que por meio do Mais Cultura); com o aprofundamento das discussões e aprimoramento da
arquitetura e marco legal do SNC; criação de um programa de formação para gestores
259

públicos de estados e municípios; promoção de oficinas do SNC em todos os estados do país;


e da realização da II CNC que elegeu como proposta prioritária a implantação do SNC. Ou
seja, na gestão daquele apontado por vários atores como principal polo de resistência ao
Sistema, foi quando este passou por um dos momentos mais intensos. Nesse sentido, vale a
questão colocada por Sérgio Pinto (2018):

eu não sei se o Juca era contrário à questão do sistema, [...] eu não via o
Juca como contrário assim a essa questão do sistema, ele questionava o
sistema [...]a Silvana fazia um contraponto, existia esse atrito entre o PT e o
pessoal do Juca mas, é o que te falei, as propostas não era muito diferentes,
era a forma de se implementar e um pouco de divergência conceitual....

O papel de interlocutora desempenhado por Silvana Meireles foi um dos fatores


apontados por partes dos entrevistados como responsável por essa boa fase do Sistema. A
capacidade de gestão de Meireles e a boa relação que mantinha com diversos dirigentes do
Ministério, inclusive com o ministro, teriam contribuído para que a política pudesse ser
melhor desenvolvida. Quanto a uma possível mudança na postura de Juca Ferreira, que
segundo Peixe passou a ser mais favorável ao Sistema a partir do trabalho de reestruturação
e aprofundamento conceitual, é preciso questionar se de fato ela ocorreu. Isso porque nos
discursos do ministro a política continuou ausente; elementos fundamentais para o
desenvolvimento do SNC continuaram bloqueados em sua gestão, como o não envio do
projeto de regulamentação para a Casa Civil, que permaneceu no seu Gabinete; e quando
Ferreira retornou ao Ministério em 2015, novamente o SNC passou por um momento de
tensão, com um grande questionamento por parte do ministro sobre a política, como será
tratado no último capítulo da tese. Os motivos pelos quais o SNC foi retomado a partir de
2009 na gestão daquele considerado como um dos seus principais questionadores é algo que
permanece pouco claro. Há algumas conjecturas nesse sentido, como a já citada capacidade
de atuação de Silvana Meireles; o fato de o SNC ter sido projetado nacionalmente e contar
com o apoio de dirigentes de estados e municípios, sendo inevitável algum nível de resposta
por parte do Ministério; e a proximidade das eleições presidenciais de 2010, para a qual o PT
havia indicado como candidata Dilma Rousseff. A possibilidade de um novo governo, ainda
que do mesmo partido, poderia levar à configuração de um novo quadro de dirigentes no
MinC. E, nesse sentido, seria importante para aqueles que tivessem interesse em
permanecer no órgão, se aproximar de pessoas e projetos que possuíssem identidade e
reconhecimento do Partido, algo que o SNC e os principais atores a ele vinculados tinham.
260

Assim, uma atuação mais favorável, ou menos resistente, de Juca Ferreira em relação ao
Sistema poderia ter sido motivada pelo seu interesse em continuar como ministro da Cultura
na gestão Dilma Rousseff, para o que precisava contar com o apoio de membros do PT. Vale
ressaltar que tudo isso são hipóteses não citadas em documentos ou entrevistas, mas que
tentam aventar respostas para esse aspecto não esclarecido da trajetória de construção do
SNC.

4.5 O PNC E O SNIIC

Um dos últimos atos registrados na gestão Juca Ferreira e no segundo mandato do


presidente Lula da Silva foi a publicação da Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010, que
instituiu o Plano Nacional de Cultura, aprovado após quatro anos de tramitação no
Congresso.

Em síntese, a Lei estabeleceu que o PNC (1) tem duração de dez anos; (2) é regido por
doze princípios, alguns similares ao do SNC; (3) possui 16 objetivos, dentre eles o de
“descentralizar a implementação das políticas públicas de cultura”, “consolidar processos de
consulta e participação da sociedade na formulação das políticas culturais” e “articular e
integrar sistemas de gestão cultural”, em sintonia com os objetivos específicos do Sistema,
conforme documento-básico; (4) estabelece as competências do poder público, como a de
“articular as políticas públicas de cultura e promover a organização de redes e consórcios
para a sua implantação [...]” e “organizar instâncias consultivas e de participação da
sociedade para contribuir na formulação e debater estratégias de execução das políticas
públicas de cultura”; (5) e informa que as conferências de cultura a serem realizadas pelo
MinC e pelos entes federados que aderirem ao PNC deverão debater estratégias e
estabelecer a cooperação entre os agentes públicos e pessoas da sociedade civil para a
implantação dos planos de cultura.

Especificamente em relação ao SNC, a lei estabelece que ele se constitui como


principal articulador federativo do PNC por meio de mecanismos de gestão compartilhada
entre os entes federados e a sociedade civil, algo que faz sentido considerando que o PNC
tem um caráter nacional, e não federal, dependendo da participação de estados, Distrito
Federal e municípios para ter o alcance previsto. Sobre isso, a lei informa que a vinculação
261

dos entes subnacionais às diretrizes e metas do Plano deverá ser feita por meio de termo de
adesão voluntária, para o que os entes deverão elaborar seus respectivos planos de cultura.
Esse aspecto vinculante do Plano merece ser analisado com cautela porque, como não é um
plano de adesão compulsória, uma série de ações estipuladas no documento podem sofrer
problemas na sua execução caso não haja uma participação contundente por parte dos três
níveis de governo, o que pode a vir a comprometer até mesmo a dimensão nacional do
documento (VARELLA, 2014). Por outro lado, é preciso lembrar que o federalismo brasileiro
tem como um dos seus pilares o princípio da autonomia dos entes federados e, portanto, há
limites no processo de interferência da esfera federal nos demais níveis de governo.
Obviamente que a busca pelo alinhamento entre as políticas públicas deve ser feita,
entretanto, isso não pode ser usado como justificativa para colocar em risco a autonomia de
estados e municípios. Outro nível de discussão que pode ser feita a partir daí é quanto ao
tipo de estímulo e garantia que o MinC, enquanto responsável por implantar o PNC, pode
oferecer aos entes subnacionais para que possam compartilhar das diretrizes, objetivos,
metas e ações estipuladas. O que, sem dúvida alguma, passa pela complexa questão do
financiamento da cultura. Isso porque, ainda que estados e municípios adiram ao PNC e
elaborem seus respectivos planos de cultura em afinidade com o nacional, como ficará a
questão da sua implantação, considerando os reduzidos recursos mobilizados pela Cultura
nos vários níveis de governo? Não é a toa que a Lei do PNC também prevê que o Poder
Executivo federal possa oferecer assistência técnica e financeira aos entes da federação que
aderirem ao Plano, uma previsão legal que foi inclusive utilizada como uma das justificativas
para que o MinC criasse e financiasse o projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e
municipais de cultura, implementado a partir de 2012.

Quanto ao financiamento do PNC, a lei estabelece que estará disposto nos planos
plurianuais, nas leis de diretrizes orçamentárias e nas leis orçamentárias da União e dos
entes federados que aderirem ao Plano; sendo o FNC, por meio de seus fundos setoriais, o
principal mecanismo de fomento às políticas culturais. A Lei afirma também que compete ao
MinC monitorar e avaliar periodicamente o alcance das diretrizes e eficácias das metas do
PNC com base em indicadores nacionais, regionais e locais, para o que contará ao longo
desse processo com a participação do CNPC, com apoio de especialistas, técnicos e agentes
262

culturais, institutos de pesquisas, universidades etc. Para tanto, o SNIIC77, instituído na


mesma Lei do PNC, tem papel importante, já que conta com objetivos como: (1) coletar,
sistematizar e interpretar dados, fornecer metodologias e estabelecer parâmetros à
mensuração da atividade do campo cultural [...] verificando e racionalizando a
implementação do PNC e sua revisão nos prazos previstos (a primeira revisão deveria
ocorrer após quatro anos da promulgação da Lei, um processo que não foi finalizado pelo
MinC); (2) disponibilizar estatísticas, indicadores e outras informações relevantes [...] dando
apoio aos gestores culturais públicos e privados; (3) exercer e facilitar o monitoramento e
avaliação das políticas públicas de cultura [...], assegurando ao poder público e à sociedade
civil o acompanhamento do desempenho do PNC.

As diretrizes, estratégias e ações do PNC foram apresentadas no anexo da Lei


12.343/2010, e em síntese ficou assim constituído:

Quadro 16: Estrutura do PNC


Capítulos do PNC Diretrizes Estratégias Ações
Capítulo I – Do Estado 3 11 92
Capítulo II – Da Diversidade 2 7 59
Capítulo III – Do Acesso 3 6 56
Capítulo IV – Do Desenvolvimento Sustentável 3 7 52
Capítulo V – Da Participação Social 3 5 16
Total 14 36 275
Fonte: Elaboração própria a partir da Lei nº 12.343/2010

O Sistema Nacional de Cultura está inscrito no primeiro capítulo do anexo, que indica
que o SNC, junto ao SNIIC, orientarão a instituição de marcos legais e instâncias de
participação social, o desenvolvimento de processos de avaliação pública, a adoção de
mecanismos de regulação e indução do mercado e da economia da cultura, assim como a
territorialização e a nacionalização das políticas culturais. Dentre as ações previstas no
Plano, a primeira (1.1.1) trata de consolidar a implantação do SNC elencando todos os seus
componentes. O texto dessa ação é o mesmo aprovado como proposta prioritária da II CNC,
já citado. O Sistema é também inscrito na ação 1.1.4, que prevê consolidar a implantação do
SNC como instrumento de articulação para a gestão e profissionalização de agentes

77
Uma das características do SNIIC é seu caráter declaratório, sendo o declarante responsável pela inserção de
dados no programa e pela veracidade das informações inseridas na base de dados.
263

executores de políticas públicas de cultura [...], e na ação 1.1.5, que trata de atribuir a
divisão de competências entre órgãos federais, estaduais e municipais, no âmbito do SNC,
bem como das instâncias de formulação, acompanhamento e avaliação da execução de
políticas públicas de cultura.

Para Albino Rubim (2008), a primeira versão das diretrizes do PNC, publicado em 2007,
apresenta escassas citações do SNC – cinco em um conjunto de 85 páginas –, o que foi
objeto de revisão no CNPC, cujo resultado pode ser conferido na segunda edição do caderno
das diretrizes do PNC publicado em 2008.

Existem alguns esquecimentos notáveis em um documento que pretende


abarcar tantas demandas. Eles podem expressar o silêncio de alguns
setores culturais, não tão participativos e ouvidos quanto outros, ou
mesmo refletir escolhas políticas do Ministério. Um emblemático
esquecimento é aquele relativo ao Sistema Nacional de Cultura, que vinha
sendo construído pelo Ministério desde 2003 com uma adesão significativa
dos estados e municípios brasileiros [...] Um esquecimento tão evidente
que parte importante das contribuições do Conselho Nacional de Políticas
Culturais sobre o PNC versou sobre o tema [...]. (RUBIM,2008a, p. 62)
O fato de o Sistema Nacional de Cultura estar vinculado à SAI e o Plano à SPC pode ter
interferido nesse “esquecimento notável”, já que nem sempre os seus dirigentes estiveram
alinhados politicamente. De acordo com o Sérgio Pinto (2018):

eu tenho uma visão que é a seguinte: independe de onde estão, depende


muito mais de como eles se relacionam... a gente viu isso no primeiro
governo que não existiu uma relação boa entre a Secretaria Executiva e a
SAI, nem a SAI e a SPC que era o Manevy, Juca e o Márcio Meira. Os dois
eram alinhados e esse aqui não era alinhado, alinhado politicamente, não é
nem ideias e propostas, é politicamente, e você vai no outro momento que
existiu um alinhamento da Silvana com a Secretaria Executiva e com a SPC e
com as demais secretarias, o negócio fluía muito mais independente de
onde estavam os órgãos. (PINTO, 2018)
Vale ressaltar que entre a aprovação da Emenda Constitucional do Plano, em 2005, a
elaboração e divulgação de suas Diretrizes, entre 2007 e 2008, e a publicação da Lei do PNC,
em 2010, houve mudanças no quadro de gestores da SPC e da SAI. Em 2008, a SPC estava
sob a direção de Alfredo Manevy e a SAI sob o comando de Marco Acco/Fred Maia. Já
quando se deu a aprovação da Lei do Plano, em 2010, o quadro de dirigentes era: Alfredo
Manevy na Secretaria Executiva, Silvana Meireles na SAI e José Luiz Herencia78 na SPC. De
acordo com Sérgio Pinto (2018): “existia neste segundo momento uma integração do

78
Herencia era consultor do MinC e, a partir de 2009, assumiu a SPC no lugar de Manevy.
264

Sistema e do Plano mesmo estando em secretaria separadas, eles começaram a se


conversar. Tanto que a Conferência foi tocada pela Silvana, mas a SPC participava muito”
(PINTO, 2018). Certamente o fato de o PNC e do SNC não estarem no mesmo lugar
institucional tem um peso para as suas implantações, que como foi já foi frisado, deveriam
estar profundamente vinculadas. Se por si só a articulação entre Plano e Sistema já se
constitui um desafio, as suas alocações em órgãos distintos só aumenta a complexidade
dessa relação, dado que passa pela aproximação entre os diferentes dirigentes e seus
posicionamentos sobre tais propostas.

No debate entre Plano e Sistema, vale ainda observar a ressalva feita por Guilherme
Varella (2014) que considera que os diferentes estágios entre as duas políticas – mais
avançado no PNC do que no SNC, ainda sem regulamentação – pode prejudicar a
concretização do Plano Nacional nos três níveis federativos:

[...] o Sistema deve caminhar de mãos dadas com o Plano, no mesmo passo.
Deve estar vigente e muito bem azeitado, com mecanismos voltados à
concretização do programa do PNC, de modo a permitir sua penetração
consistente nos municípios e estados e os consequentes resultados
duradouros. [...] No entanto, o Plano ainda não pode contar com ele [SNC]
como mais uma ferramenta garantidora de seu caráter de politica de
Estado. A sintonia entre os dois, portanto, ainda precisara acontecer.
(VARELLA, 2014, p. 114-115)
Quanto ao processo de elaboração do PNC, ele pode ser conferido na publicação
Diretrizes Gerais para o Plano Nacional de Cultura (MINC, 2008) e na página-web:
<http://pnc.cultura.gov.br/historico/>. Em síntese, um conjunto de eventos contribuíram
para a elaboração das diretrizes do Plano, a exemplo do Seminário Nacional Cultura para
Todos, Seminário Nacional dos Direitos Autorais, I Fórum Nacional de TVs Públicas e o
Seminário Internacional da Diversidade Cultural, ocorridos entre 2003 e 2007. Além disso,
serviram de subsídio documentos como: relatórios das Câmaras Setoriais (CNPC); estudos e
pesquisas publicadas pelo IBGE e IPEA; e resoluções aprovadas na I CNC (2005).
Especificamente para as diretrizes do Plano, foram realizadas: (1) aproximadamente dez
audiências públicas na Câmara dos Deputados, ocorridas entre julho e outubro de 2007; (2)
Seminários Estaduais do PNC, ocorridos entre junho e dezembro de 2008, nas capitais dos 26
estados e do Distrito Federal, com o intuito de gerar contribuições a cerca das cinco
265

estratégias que integravam as diretrizes gerais do PNC79, mobilizando, segundo dados do


Ministério (2009), um total de 4.240 participantes; e (3) fórum virtual destinado a receber
contribuições e críticas de qualquer parte do país, que reuniu um número de 100 sugestões
e comentários enviados via internet (MINC, 2008; 2009; REIS, 2008). Os resultados dos
debates públicos, somados a estudos e pesquisas, deveriam ser sistematizados pela SPC e
encaminhados para a relatoria e votação do Projeto de Lei do PNC na Câmara dos
Deputados.

Para Albino Rubim (2008), essa trajetória de construção do Plano trouxe, por um lado,
o reconhecimento de um conjunto de demandas da comunidade cultural e da sociedade civil
em um processo potencialmente democrático, mas por outro, implicou numa dificuldade do
MinC em trabalhar com o volume de materiais formulados. O que se refletiu na produção de
um documento sem foco e prioridades para as políticas culturais, especialmente
considerando o seu prazo de dez anos para implementação. Outro problema apontado pelo
autor é quanto ao diagnóstico do Plano “[...] frágil e fragmentado – que apenas tangencia,
mas não é capaz de produzir uma análise consistente, ainda que sintética, da cultura e das
políticas culturais brasileiras” (RUBIM, 2008a, p. 62), o que teria impossibilitado a
determinação precisa dos problemas, prioridades e metas do documento.

Apesar das fragilidades do PNC, é importante reconhecê-lo enquanto primeiro


instrumento de gestão para a área da cultura que possui força de lei, arcabouço institucional
e é derivado de um processo de construção pautado em padrões democráticos (VARELLA,
2014). Portanto, as críticas ao PNC não devem ser dirigidas no sentido de invalidar o
documento, e sim de torná-lo um efetivo instrumento de planejamento público, para o que
a sua articulação com o SNC é fundamental.

4.6 A FINALIZAÇÃO DA GESTÃO JUCA FERREIRA

No mesmo dia em que a Lei do Plano foi sancionada pelo presidente Lula, em 02 de
dezembro de 2010, foi realizada a cerimônia da entrega das medalhas de Ordem do Mérito

79
Segundo o MinC (2008), as estratégias são: 1. Fortalecer a ação do Estado no planejamento e na execução
das políticas culturais; 2. Incentivar, proteger e valorizar a diversidade artística e cultural brasileira; 3.
Universalizar o acesso dos brasileiros à fruição e à produção cultural; 4. Ampliar a participação da cultura no
desenvolvimento socioeconômico sustentável e 5. Consolidar os sistemas de participação social na gestão das
políticas culturais.
266

Cultural, que homenageia personalidades, grupos ou instituições que contribuem ou


contribuíram para a cultura brasileira. Em seu discurso, Juca Ferreira fez uma rápida
avaliação das ações do Ministério entre 2003 e 2010:

Também na cultura podemos repetir uma de suas [de Lula] frases mais
célebres neste governo: ‘como nunca antes na história deste país’.
Democratizamos, federalizamos e interiorizamos as políticas culturais. Não
ainda como sabemos ser necessário. Mas fincamos as bases de um
processo que já rende muitos frutos. [...]
Procuramos nortear nosso trabalho à frente do ministério pela noção de
que a cultura é a personalidade de um povo. É o seu espírito, a
manifestação vital do seu modo der ser. [...] Ter direito à cultura é ter o
direito de participar dessa socialização. (FERREIRA, 2010b, p. 571)
De acordo com um dos atores entrevistados para esta tese, que pediu para não ser
identificado, essa cerimônia foi marcada pelo pedido de parte da plateia para que Juca
Ferreira continuasse como ministro da Cultura no governo Dilma Rousseff (PT), que tomaria
posse da Presidência da República em janeiro de 2011: “[...] eu lembro na Ordem do Mérito,
o pessoal bateu palma ‘fica Juca’, ‘fica Juca’, fizeram isso...houve vários movimentos, e
mesmo assim o PT bancou a saída do Juca e a entrada da Ana de Hollanda”. De acordo com
o pesquisador e funcionário público do MinC Tony Bezerra (2017, p.58-59):

Juca Ferreira almejava continuar no ministério, sendo que se desenvolveu o


‘Movimento Fica Juca’, que contou com o apoio de diversos artistas e
intelectuais brasileiros, tais como José Celso Martinez, Adauto Novaes e
Chico Cesar [...] O grupo exaltava as conquistas dos oito anos de gestão Gil-
Juca a frente do MinC, entre elas a criação do Plano Nacional de Cultura e o
Programa Cultura Viva. [...]
Mas o tiro saiu pela culatra. A história de que Juca era candidato a ministro
não caiu bem no gabinete de Dilma, e foi visto como um questionamento à
autoridade da presidenta. Além disso, Rousseff já estava com a ideia de
nomear mulheres para pelo menos um terço dos ministérios.
Segundo Armando Almeida (2018), assessor de Juca Ferreira, o clima nesse final de
governo era de tensão, mais uma vez envolvendo o setorial de cultura do PT:

[...] o PT não se conformava, tinha uma relação partidarista na coisa muito


feia, corporativista, eu me lembro que o setorial do PT ainda antes de
finalizar o ano de 2010, a Ideli Salvatti na reunião da setorial disse que o PT
precisaria fazer a reintegração de posse, ela usou essa expressão, então pra
você ter uma ideia exata da dimensão da coisa e eu me lembro que a gente
conversava com Juca, a gente eu e outros assessores, dizíamos a ele ‘cara,
sai do PV logo, vai pro PT [...] você não tem nada a ver com esse PV que
está indo na direção de Marina, não tem nada a ver, esse partido já dançou,
267

é partido de aluguel de um bocado de gente, você tem sido leal à gestão do


presidente Lula’. (ALMEIDA, 2018)
De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), esse foi um período marcado pela
polarização entre o Fica Juca e o desejo do PT de finalmente nomear um ministro para a
área: “[a situação] se agrava mais na transição Lula – Dilma, porque aí o grupo do PT de novo
não apoia a continuidade de Juca e defende a indicação de um ministro do PT que acaba na
mão de Ana de Hollanda que não era do PT, era indicada pelo PT”. (MATA MACHADO, 2017).

Finalmente, em 03 de janeiro de 2011 foi feita a cerimônia de transferência de cargo


para a nova ministra da Cultura Ana de Hollanda. Em discurso, Juca Ferreira (2011) fez uma
série de agradecimentos e abordou algumas conquistas do MinC durante o Governo Lula, a
exemplo de atuar numa perspectiva republicana:

Nos relacionamos positivamente com todos os governos municipais e


estaduais, independente da coloração política do dirigente [...] fomos muito
além da frágil tradição republicana do nosso país e me orgulho muito de
termos protegido a cultura brasileira, seus artistas e criadores das querelas
e desavenças político-partidárias que fazem parte do mundo político em
todas as democracias. (FERREIRA, 2011, p. 578)
No pronunciamento, Juca Ferreira também destacou o novo patamar alçado pelo
MinC “[...] uma instituição que finalmente ganhou relevância, despertando um inédito
interesse da sociedade e da opinião pública. Uma instituição que possui hoje sete vezes mais
recursos orçamentários comparada àquela que encontramos. [...]” (FERREIRA, 2011, p. 579);
e ao final, desejou sorte ao novo governo e à nova ministra e se despediu com um profético
“Até logo”.
268
269

CAPÍTULO 05 – O SNC NA GESTÃO ANA DE HOLLANDA (2011-2012)

Em 03 de janeiro de 2011, Ana de Hollanda tomou posse do cargo de ministra da


Cultura no governo da presidenta Dilma Rousseff. Foi a primeira vez na história do Brasil que
mulheres ocuparam a Presidência da República e o Ministério da Cultura. Filha do
historiador Sérgio Buarque de Hollanda, um dos mais importantes intelectuais que o país já
teve, e irmã do músico Chico Buarque de Hollanda, a nova ministra tinha na sua trajetória
profissional trabalhos enquanto artista, produtora cultural e gestora em instituições públicas
de cultura, a exemplo da vice-presidência na Fundação Museu da Imagem e do Som (2007 a
2010), vinculada à Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro; da diretoria do Centro
de Música da Funarte/MinC (2003 a 2007) e do cargo de secretária de Cultura da Cidade de
Osasco/SP (1986 a 1988). Uma trajetória que a teria impulsionado a aceitar o convite para
assumir o mais alto cargo público da gestão cultural do país: “eu passei a metade da minha
vida discutindo política cultural, discutindo o que seria necessário mudar, o que estava
errado, o que teria que reformular, e como tem muita coisa que eu sabia que poderia
melhorar, poderia ser feito, fiquei nesse dilema, mas fui”. (HOLLANDA apud ROCHA,
OLIVEIRA, BARBALHO, 2017, p. 332).

Quanto ao processo de indicação ao cargo de ministra, Hollanda comenta não saber


exatamente como se deu e que foi uma verdadeira surpresa:

Realmente, eu levei um susto quando meu nome pintou nos jornais, porque
com ela [Dilma Rousseff] eleita estava rolando uma [...] disputa de nomes,
muita gente se articulando para ser indicada ou, no caso do Juca Ferreira,
para permanecer, e aí vieram sondagens e finalmente um telefonema do
comitê informando que a Dilma queria conversar comigo e se eu aceitaria,
eu falei ‘eu vou’. (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017, p.
332).
Ainda sobre esse período pré-nomeação, Hollanda comenta que sofreu resistência
especialmente advinda do grupo que apoiava a permanência de Juca Ferreira no Ministério.

O fato é que quando saiu essa notinha [sobre sua nomeação], estava
acontecendo um encontro de música organizado pelo MinC lá em Minas, aí
a turma da campanha ‘fica Juca’ surtou e a baixaria começou lá mesmo. Eu
virei tudo que havia de pior, sendo que essa turma que me metralhava nas
redes nem me conhecia. (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO,
2017, p. 332).
270

Resistência observada também no próprio Partido dos Trabalhadores, já que a escolha


de Hollanda não foi algo consensual, conforme depoimento de alguns entrevistados e do
episódio que se tornou público em torno do nome de Emir Sader, reconhecido intelectual
filiado ao PT. Em entrevista, a própria Ana de Hollanda comenta sobre o assunto:

Ali aconteceu uma crise com Emir Sader, que antes era um dos nomes
cotados para assumir o Ministério. Eu o convidei então para assumir a
presidência da Casa Rui, ele aceitou, o que chegou a ser anunciado, mas
antes da publicação da nomeação no Diário Oficial, ele desparafusou. Deu
uma entrevista à Folha de São Paulo em que disse, entre outras acusações
depreciativas, que eu era autista...[...] Foi uma ótima solução [a substituição
de Sader por Wanderley Guilherme dos Santos na Fundação Casa de Rui
Barbosa], porque antes do início percebi que estava se armando uma
nuvem de crise política. E até em reuniões coletivas dos dirigentes do MinC,
ele [Emir Sader] mantinha uma postura bastante arrogante, como se
considerasse superior a todos e a mim, principalmente. Acho que não se
conformava em não ter sido convidado para ser o Ministro. (HOLLANDA
apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017, p. 347-348).
Do discurso de posse da nova ministra proferido em cerimônia realizada em Brasília,
vale destacar a centralidade da figura do artista. De acordo com Ana de Hollanda (2011): “A
criação será o centro do sistema solar de nossas políticas culturais e do nosso fazer
cotidiano. Por uma razão muito simples: não existe arte sem artista”. Uma assertiva que, se
por um lado, revelava a intenção de implantar políticas públicas voltadas para as artes, uma
das áreas mais criticadas nas gestões Gil/Juca, por outro, indicava um deslocamento do
público que deveria ser o principal objeto de atuação das políticas do MinC.

Ana de Hollanda retornou ao tema, mas não para repensá-lo em um novo


horizonte, como necessário, mas tentando recuperar o antigo lugar das
artes e dos artistas, em visível tensionamento com a ampliação verificada
no conceito de cultura e com as políticas culturais implantadas.(RUBIM,
2015, p. 26)
Apesar disso, no seu discurso inaugural, Hollanda ressaltou que a sua gestão seria de
continuidade, o que não significava, entretanto, repetir o que havia sido feito, mas continuar
na perspectiva de avançar, “de dar passos novos e inovadores” (HOLLANDA, 2011). Assim, a
nova ministra se comprometeu a dar continuidade a iniciativas como os Pontos de Cultura, o
Programa Mais Cultura e a Praça dos Esportes e da Cultura; e a estar em sintonia com o
programa geral do governo, que pretendia ampliar a ascensão social, melhorar a qualidade
de vida nas cidades brasileiras, erradicar a miséria, promover a imagem, a presença e
atuação do Brasil no exterior. Para o que Hollanda considerava ser fundamental o papel da
Cultura e a promoção ao acesso à informação, ao conhecimento, às artes, democratizando
271

tanto a possibilidade de produzir cultura, como a de consumir. Do seu discurso de posse,


vale ainda ressaltar o pedido para que o Congresso Nacional aprovasse o Vale Cultura, e o
compromisso de aproximar o MinC do Ministério da Educação, desenvolvendo iniciativas
culturais nas escolas (HOLLANDA, 2011).

Apesar de a nomeação de Ana de Hollanda ter sido fruto de uma conjunção política
coordenada pelo PT, uma das principais bandeiras políticas do setor cultural do Partido – o
Sistema Nacional de Cultura – não foi incorporada no discurso de posse da ministra.
Inclusive, em um trecho do pronunciamento de Hollanda, parece até haver uma crítica a
políticas voltadas para o aspecto mais estruturante da cultura:

Visões gerais da questão cultural brasileira, discutindo estruturas e


sistemas, muitas vezes obscurecem – e parecem até anular – a figura do
criador e o processo criativo. Se há um pecado que não vou cometer, é
este. Pelo contrário: o Ministério vai ceder a todas as tentações da
criatividade cultural brasileira. A criação vai estar no centro de todas as
nossas atenções. (HOLLANDA, 2011).
Uma das primeiras ações da nova gestão foi uma reestruturação administrativa
(somente publicada um ano depois, por meio do Decreto nº 7.743, de 31 de maio de 2012)
que gerou: (1) criação da Secretaria de Economia Criativa, responsável pela formulação do
documento Plano Brasil Criativo; (2) criação da Secretaria da Cidadania e da Diversidade
Cultural (SCDC), resultado da fusão da SID e da SCC, que passou a responder pelo Programa
Cultura Viva e toda política dirigida à identidade e diversidade cultural; (3) criação da
Diretoria de Educação e Comunicação para a Cultura, na SPC, que deveria estimular a
formulação de políticas entre o MinC e o MEC; (4) reorganização da Secretaria de Articulação
Institucional, que voltou a ter como único foco de atuação o Sistema Nacional de Cultura.
Vale a pena ressaltar que o Mais Cultura, citado no discurso de posse de Ana de Hollanda
como iniciativa a ser continuada na sua gestão, perdeu força dentro do Ministério, o que
pode ser comprovado pelo espaço institucional que passou a ocupar com a nova reforma
administrativa: a única referência feita no decreto nº 7.743/2012 é que cabia a uma das
diretorias da Secretaria Executiva coordenar a implementação das Bibliotecas Mais Cultura.
Não há neste decreto indicação, por exemplo, do órgão responsável pela coordenação
executiva do Mais Cultura, que praticamente desapareceu nessa nova gestão do Ministério.

Em relação à composição do quadro de dirigentes do MinC, Ana de Hollanda comenta:


272

Estava claro que eu iria receber pedidos do PT e partidos aliados, e


realmente veio pressão de todos os lados e escalões. Eu examinava os
currículos, via se o perfil era adequado para o cargo e, em caso de dúvida,
discutia com Pallocci que era muito aberto e respeitava minha opinião
técnica. Acho que o bom senso prevaleceu. Não sou filiada ao PT, mas sou
próxima, sempre fui, e papai [Sérgio Buarque de Holanda] foi inclusive
fundador do Partido. (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO,
2017, p. 345).
Essa nova conjunção de força fez com que o PT ocupasse boa parte dos quadros
diretivos do MinC e das unidades vinculadas com: Vitor Ortiz na Secretaria Executiva, com
quem a ministra havia trabalhado na Funarte; João Roberto Peixe na SAI; Sérgio Mamberti
na SPC, antes secretário da SID; José do Nascimento Júnior no Ibram, que se manteve no
cargo; Galeno Amorim na Fundação Biblioteca Nacional, que havia atuado na Câmara
Setorial e participado da criação do Plano Nacional do Livro e Leitura; e Eloi Ferreira de
Araújo na Fundação Palmares, ex-ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção
da Igualdade Racial do governo Lula. O MinC foi ainda composto por Marta Porto na SCDC,
uma das colaboradoras do A Imaginação a serviço do Brasil e que só ficou no cargo até
setembro de 2011, quando foi substituída por Márcia Rollemberg; Henilton Menezes na
Sefic, funcionário de carreira do Banco do Nordeste que integrou a equipe do MinC em
janeiro de 2010, a convite de Juca Ferreira; Luiz Fernando de Almeida no Iphan, onde
ocupava a presidência desde 2006; Cláudia Leitão, professora, pesquisadora e ex-secretária
da Cultura do Estado do Ceará (2003 e 2006), na Secretaria da Economia Criativa (SEC); Ana
Paula Santana, funcionária de carreira do Ministério, na Secretaria do Audiovisual (SAV); e
Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político, na Fundação Casa de Rui Barbosa.

5.1 A RECONFIGURAÇÃO DA SAI E AS AÇÕES DO SNC

Uma das principais consequências da reforma administrativa implementada na gestão


Ana de Hollanda foi a reestruturação da SAI, que passou a contar com uma única diretoria e
quatro coordenações voltadas exclusivamente para o SNC. De acordo com João Roberto
Peixe (2017):

a SAI voltou a ter o papel original, como criada na primeira gestão de Lula,
para centralmente cuidar do Sistema Nacional de Cultura, então isso daí eu
consegui argumentar e ela [Ana de Hollanda] concordou, então eu não
apenas assumi a SAI, eu assumi a SAI com uma nova estrutura que, na
verdade, era retomando a estrutura original, mas em outro momento, [...] a
273

SAI se voltando fundamentalmente pra implementação do Sistema. (PEIXE,


2017)
De acordo com Ana de Hollanda (2016):

Quando assumi, entendendo a importância vital do Sistema Nacional de


Cultura dentro da definição das políticas federativas de cultura, ao
descentralizar as decisões e dar maior protagonismo à ponta, e sendo este
sistema um compromisso do PT desde a campanha de Lula em 2002,
procurei fortalecer a SAI, retirando de lá alguns setores, como o Programa
Mais Cultura e o DLL [Diretoria do Livro e Leitura], alheios do foco principal,
e deixando uma equipe voltada para o CNPC e as relações com estados e
municípios para buscar adesão ao SNC.
Na opinião de Peixe, a redefinição do papel da SAI foi decisiva, “pois fortaleceu
politicamente e ampliou os recursos humanos e financeiros disponibilizados para o SNC,
resultando num grande impulso no seu processo de construção” (PEIXE, 2016, p.228).

Quanto à nomeação de João Roberto Peixe para assumir a direção dessa secretaria,
Ana de Hollanda comenta: “Fui conversar com o Dutra [José Eduardo Dutra, presidente do
PT na época] que recomendou o Roberto Peixe, que era uma pessoa que eu já tinha a
intenção de manter e até promover” (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017,
p. 345). Segundo Bernardo Mata Machado, a ida de Peixe para o cargo de secretário “foi
muito em função da articulação política do Partido dos Trabalhadores para fazer o ministro,
só que nós não fizemos o ministro enquanto uma pessoa vinculada ao Partido dos
Trabalhadores” (MATA MACHADO apud BARBALHO, 201[?]).

Em síntese, a composição inicial da SAI foi a seguinte: João Roberto Peixe, como
secretário; Bernardo Mata Machado na Diretoria do Sistema Nacional de Cultura e
Programas Integrados, e que respondia pelo órgão na ausência do secretário; Marcelo
Veloso na Coordenação-Geral de institucionalização e monitoramento do SNC, responsável
pelos Acordos de Cooperação Federativa; Maurício Dantas na Coordenação-Geral de
articulação intersetorial, relações federativas e mobilização social; Maria Helena Costa
Signorelli na Coordenação-Geral de instâncias de articulação, pactuação e deliberação do
SNC, que atuava junto ao CNPC; e Ângela Maria Menezes de Andrade na Coordenação-Geral
de instrumentos de gestão do SNC, cujo foco de atuação era o programa de formação de
gestores culturais. Vale ressaltar que em 2012, Marcelo Veloso assumiu a chefia da
Representação Regional do MinC do Rio de Janeiro, e foi substituído por Pedro Ortale.
274

Essa equipe possui algumas características que merecem ser ressaltadas, já que parte
dela era composta por pessoas que haviam ocupado cargos de direção em órgãos públicos
de cultura de estados e municípios e/ou tinham atuado em outros setores do Ministério da
Cultura: Maria Helena Signorelli foi secretária municipal de Cultura de Vitória/ES (2005 a
2008); Ângela Andrade foi gerente da SPC (2004 a 2005) e superintendente da Secretaria
Estadual de Cultura da Bahia (2007 a 2010); Maurício Dantas foi coordenador-geral na SPC,
atuando junto ao PNC, na gestão Juca Ferreira; e Pedro Ortale foi dirigente da Fundação de
Cultura do Estado do Mato Grosso do Sul (2002 a 2006)80. Um conjunto de atores que
possuía experiência na gestão pública de cultura nos diversos níveis de governo e que,
considerando a passagens de alguns deles em outros setores do MinC, poderia potencializar
importantes aproximações, a exemplo das políticas do SNC e do PNC.

Em relação ao universo de ação da SAI, dentre as nove competências previstas após a


reforma administrativa, destacam-se a de apoiar os entes subnacionais na elaboração e
institucionalização dos Planos de Cultura e a de coordenar o Conselho Nacional de Política
Cultura. Para Bernardo Mata Machado (2017), a transferência do CNPC para a SAI fortaleceu
um pouco mais o Sistema.

O Conselho Nacional de Política Cultural nasceu na Secretaria Executiva,


mas com uma participação muito forte do Márcio Meira na SAI, [...] mas na
gestão de Ana de Hollanda ele passa para a Secretaria de Articulação
Institucional. Evidentemente que o presidente do Conselho continuou
sendo o ministro, o primeiro substituto dele é o secretário executivo e
terceiro o secretário da SAI. Mas, na prática, foi a SAI o tempo inteiro a
partir da gestão Ana de Hollanda e depois na gestão Marta que coordenou
o Conselho Nacional de Política Cultural [...] (MATA MACHADO apud
BARBALHO, 201?)
Quanto às iniciativas em torno do SNC, a gestão Ana de Hollanda marcou a retomada
da articulação da SAI junto aos entes federados no intuito de reativar o processo de adesão
e de promover ações efetivas de assistência técnica aos estados e municípios que tinham
aderido ao Sistema. A dimensão operacional e institucional do Sistema prevaleceu nesse
período, mas houve avanços importantes também na dimensão normativa, com a aprovação
da PEC 416-A/2005, na Câmara dos Deputados, e da PEC 34/2012, no Senado Federal, que
consolidou o SNC como matéria constitucional. A dimensão conceitual também esteve
presente, não na mesma dimensão da gestão anterior, mas como desdobramento desta.

80
Pedro Ortale trabalhou na Funai com Márcio Meira entre 2007 e 2009.
275

5.1.1 O Guia de Orientações do SNC

Em 2011, o MinC publicou duas versões do Guia de orientações do SNC. Perguntas e


Respostas81, espécie de cartilha dirigida aos municípios e aos estados que apresentava
pontos-chave do documento-básico aprovado em 2009. Em síntese, uma parte da
publicação era voltada ao conceito, objetivos, princípios e componentes do SNC; uma outra,
a informações sobre alguns componentes dos sistemas de cultura utilizando o formato
perguntas frequentes; e uma terceira, composta por dois anexos, um com o passo a passo
sobre como o ente federado poderia se integrar ao SNC e outro com um modelo básico de
Projeto de Lei que estados e municípios poderiam utilizar para instituir seus respectivos
sistemas de cultura. (MINC, 2011a; 2011b)

Desse documento vale ressaltar que estava dedicado especialmente a explicar os


componentes do Sistema que deveriam ser criados obrigatoriamente pelos entes
subnacionais. Como as versões para estados e municípios tinham muitas similitudes, aqui
será apresentada apenas o Guia dirigido aos entes municipais.

De acordo com a PEC 416-A/2005, estados, municípios e União deveriam implantar


todos os componentes estruturais do Sistema. Entretanto, o Guia trazia como orientação,
seguindo a proposta da Lei de regulamentação do SNC, que os sistemas municipais de
cultura deveriam conter, no mínimo, cinco componentes: Secretaria de cultura (ou órgão
equivalente), Conselho Municipal de Política Cultural, Conferência Municipal de Cultura e
Sistema Municipal de Financiamento da Cultura (com Fundo Municipal de Cultura). Assim, os
Sistemas de Informações e Indicadores Culturais, os Sistemas Setoriais e o Programa de
Formação na Área da Cultura ficaram como facultativos, considerando as necessidades ou
condições de municípios de pequenos e médios portes os instituírem. Segundo o Guia de
orientação:

É importante que todos os componentes do Sistema Nacional de Cultura


estejam presentes nas esferas federal, estadual, municipal e distrital (à
excessão das Comissões Intergestores, que fazem parte apenas das
instâncias federal e estadual). No entanto, nem todos os municípios têm
condições materiais, técnicas e políticas de implantar todos os
componentes do SNC. (MINC, 2011a, p. 32)

81
Os Guias de Orientações foram elaborados no final de 2010 e disponibilizadas para download no blog do
SNC, mas foram publicadas e distribuídas em 2011.
276

Sobre isso, João Roberto Peixe (2017) conta que foi um dos pontos negociados pelo
MinC com os fóruns de secretários e dirigentes de cultura de estados e capitais na época da
formulação do documento-básico do SNC.

[...] essa negociação feita com os fóruns dos secretários provocou algumas
mudanças, não chegou a ser uma coisa polêmica, mas eles questionaram e
a gente aceitou [...] o que houve foi a não exigência de todos os
componentes do Sistema para estados e municípios, então alguns
componentes não ficaram obrigatórios e isto foi muito por conta dos fóruns
de secretários. (PEIXE, 2017)
De acordo com Peixe, a reivindicação também era decorrente de uma preocupação
sobre o repasse de recursos por parte da União, “porque quando você tem a questão de
repasse de recurso, essas coisas que dependem da constituição do Sistema, na medida em
que você diminui algum componente, fica mais fácil deles [entes subnacionais] atenderem às
exigências” (PEIXE, 2017).

A possibilidade de que sistemas municipais de cultura possam ser instituídos sem tais
elementos, pode ser observado como algo positivo, considerando a fragilidade da gestão
pública de cultura no país, como demonstram pesquisas do IBGE. Além disso, os municípios
brasileiros são caracterizados pelo pequeno porte populacional, pela baixa densidade
econômica e alta dependência de transferência fiscal (ARRETCHE, 2011). Pensar que de
maneira indiscriminada todos os entes serão capazes de seguir um padrão de sistema
formulado no âmbito federal é no mínimo desconhecer ou ignorar as desigualdades que
marcam o país. Se o Ministério da Cultura tardou em desenvolver o SNIIC, é complicado
imaginar a capacidade de um município de 10 mil habitantes – porte populacional que
representa 45,2% dos municípios do país (IBGE, 2010) – implantar e manter um sistema de
tal perfil. É preciso questionar até mesmo essa necessidade, considerando que talvez o mais
estratégico fosse que esses municípios alimentassem diretamente o SNIIC. O que, por outro
lado, facilitaria a questão da compatibilidade entre os sistemas dos distintos níveis de
governo. Sobre isto, Bernardo Mata Machado (2017) comenta: “a gente achava que devia
ser estruturado nacionalmente e como era um sistema informatizado, tinha que ter uma
compatibilidade de infraestrutura de TI [Tecnologia da Informação]”. Reflexão semelhante
foi feita em relação ao Programa de Formação, que segundo Mata Machado (2017) deveria
ser de responsabilidade do MinC, ainda que outros entes pudessem implementar seus
respectivos programas.
277

Voltando ao Guia de orientações, parte da publicação estava dedicada a esclarecer


como os componentes do Sistema deveriam se conectar:

Por exemplo: a Conferência Municipal estabelece as macrodiretrizes da


política cultural, que devem ser detalhadas pelo Plano Municipal de Cultura
(PMC), elaborado pelo Órgão de Cultura, com a colaboração e aprovação do
Conselho Municipal de Política Cultural e a participação de Fóruns
organizados da sociedade civil. Para sua efetivação, o Plano deve prever os
recursos a serem alocados pelo Sistema Municipal de Financiamento da
Cultura, que deve ter seus instrumentos de apoio estabelecidos na lei.
(MINC, 2011a, p. 33)
Uma perspectiva importante e até então pouco explorada nos textos relativos ao
Sistema. A inter-relação e/ou interdependência entre os componentes do SNC praticamente
só começou a ter visibilidade no documento-básico de 2009, e considerando o caráter
sistêmico da política, a conexão entre seus elementos é fundamental.

Outro ponto abordado no Guia era quanto aos motivos para adesão ao SNC, “Quais
as vantagens dessa adesão?”, ao que o texto respondia que o estabelecimento de princípios
e diretrizes comuns, divisão de atribuições e responsabilidades entre os entes federados, a
montagem de mecanismos de repasse de recursos e a criação de instâncias de participação
“asseguram maior racionalidade, efetividade e continuidade das políticas públicas” (MINC,
2011a, p. 34). O texto ainda ressalta que a lei do Procultura estabeleceria que a União
destinaria no mínimo 30% dos recursos do FNC para os entes subnacionais por meio de
transferência fundo-a-fundo, o que estava condicionado à existência, nos respectivos entes,
de: Conselho de Política Cultural, com representação da sociedade, eleita
democraticamente; Plano de Cultura e Fundo de Cultura, exigência que ficou conhecida
como o CPF da Cultura. A convocação para que os municípios aderissem ao SNC e
implantassem seus respectivos sistemas no documento foi feita nos seguintes termos:

O governo federal já possui todos os componentes do Sistema (à exceção


da Comissão Intergestores Tripartite, que tem estreita relação com a
instituição, nos estados, das Comissões Intergestores Bipartite), e a
tendência natural é que os estados e municípios acompanhem essa
trajetória. Pelas novas regras, os primeiros beneficiados serão os municípios
que saírem na frente e constituírem seus Sistemas Municipais de Cultura.
(MINC, 2011a, p. 34)
Um estímulo que precisa ser problematizado na medida em que fomenta uma
espécie de concorrência entre os municípios baseada em benefícios futuros, uma estratégia
278

que foi, inclusive, objeto de críticas feitas por José Márcio Barros, Isaura Botelho e Maria
Helena Cunha (2009, p.3):

A primeira etapa/tentativa de implantação do processo revelou, no nosso


entendimento, com raras exceções, mais problemas que soluções, na
medida em que, de forma precoce, dissipou a necessidade formal, e muitas
vezes oportunística, de se aderir a algo que poderia trazer benefícios e não
a adesão a compromissos e plataformas de trabalho. Tanto a verdadeira
quanto a falsa expectativa, restaram frustradas pelo descompasso entre a
precocidade do processo e a arquitetura da instituição e os modelos
decisórios de financiamento da cultura.
Para Bernardo Mata Machado (2017), a discussão sobre o que move os entes
federados a aderirem ao SNC precisa ser ampliada, já que envolve fatores de distintas
ordens. Em sua opinião, há o interesse de se estruturar institucionalmente o setor cultural:
“eu acho que para os secretários de cultura, tanto estaduais quanto municipais, o Sistema é
uma oportunidade deles aumentarem a estrutura institucional” (MATA MACHADO, 2017); é
também uma possibilidade de receberem recursos por meio de transferência fundo-a-fundo,
como ocorre em áreas como assistência social e saúde, o que atrai o interesse do prefeito;
para o gestor cultural responsável pela pasta, é uma possibilidade de ter seu poder de
influência elevado; e por fim, especialmente para aqueles municípios que não recebem
recursos federais, aderir ao SNC pode significar também estar integrado a uma política
nacional:

[...] milhares de município brasileiro nunca viram um tostão do Ministério,


então, se você for ver o mapa da adesão, eu dizia isso para o Peixe, eu dizia
que o mapa da adesão ao Sistema era sertaneja [risos] porque ela refletia
muito o interior do país, esses municípios que nunca receberam recursos,
que nunca fizeram parte de um programa nacional e do planejamento
nacional. (MATA MACHADO, 2017)
No caso dos estados, Mata Machado (2017) explica que “era mais fácil da gente
convencer”, pois eram apenas 26 unidades e o Distrito Federal, além de contar com o fato
de parte dos estados já terem alguns componentes do Sistema instituídos: “[...] vários
estados já tinham organizado seus conselhos desde a década de 60, não eram os conselhos
que a gente queria, mas você já tinha uma estrutura nos estados que justificava a adesão e
também havia a expectativa de recurso” (MATA MACHADO, 2017). Das considerações sobre
as motivações para os entes federados aderirem ao SNC, vale a pena acrescentar a
possibilidade de gerar uma relação de proximidade entres os gestores públicos de cultura,
279

criando uma rede de apoio e compartilhamento de experiências, o que no contexto de


fragilidade organizacional da área tem sua relevância.

Em outro trecho, o Guia de orientações esclarece que na expressão secretaria de


cultura ou órgão equivalente, este se refere à possibilidade de que os entes subnacionais
criem uma Fundação Pública de Cultura. O texto chama atenção para os problemas
decorrentes de não se ter um órgão específico para a cultura: quando a área cultural é parte
de outros setores como educação ocupa uma posição marginal porque o gestor se dedica
prioritariamente à segunda; quando a cultura integra uma pasta junto ao turismo, em um
município onde essa área possui grande expressividade, a cultura fica a reboque, fornecendo
eventos atrativos; quando a cultura está vinculada ao gabinete do prefeito, passa a
funcionar como área produtora de eventos voltados ao fortalecimento da imagem do Poder
Executivo perante a população; e na pior das situações, quando a cultura é um
departamento subordinado a outra secretaria, o acesso a recursos humanos e materiais fica
prejudicado. Por tudo isso,

Do ponto de vista do Sistema Nacional de Cultura, o que se pretende é que


os municípios tenham um órgão específico para a cultura, que é um sinal
evidente de que a administração valoriza e dá importância ao setor. Nesse
caso, o órgão específico é a Secretaria de Cultura e o equivalente é a
Fundação Pública de Cultura. (MINC, 2011a, p. 37)
Segundo Bernardo Mata Machado (2017), esse entendimento estava pautado em que
uma secretaria é politicamente mais forte, mesmo em relação a uma fundação, que tem
mais facilidade de gestão, mas politicamente é mais fraca do que uma secretaria.

Para Pedro Ortale, a questão dos componentes do Sistema e a sua repetição nos três
níveis de governo “foram pontos de pautas e de divergências” (ORTALE, 2017) no MinC,
notadamente a exigência de órgão gestor exclusivo de cultura, que nem mesmo dentro da
SAI era unânime, uma previsão que acabou sendo alterada quando Marta Suplicy assumiu o
MinC, em setembro de 2012.

[...] teve um encontro de prefeitos e os caras falaram ‘pô, Marta [Suplicy],


nós vamos ter que fazer uma secretaria de cultura?’ e ela falou ‘não, pode
ser qualquer coisa, pode ser um departamento’ [risos], e essa era uma
questão porque o Peixe defendia intransigivelmente a questão da
Secretaria de Cultura... aí depois a gente mudou para um órgão gestor
exclusivo, e depois para um órgão gestor que podia ser com outras pastas
porque tem uma realidade que está posta para uma grande maioria dos
municípios brasileiros que é essa questão do órgão gestor porque o
280

prefeito fala: ‘pô, então vou ter que gastar dinheiro em vez de ganhar?’
(ORTALE, 2017)
Segundo os dados publicados na Munic 2014 (IBGE, 2015), na maior parte dos
municípios brasileiros (57,3%), a cultura integra uma secretaria junto com outras políticas, e
20,4% dos municípios possuem um órgão exclusivo para tratar da área. Um número
expressivo considerando os dados da MuniC 2006, quando isso se dava em apenas 4,3% dos
municípios, conforme gráfico a seguir:

Gráfico 03 - Percentual de municípios, por caracterização do órgão gestor da cultura


2006/2014

Fonte: IBGE (2007; 2015)

Esse incremento revelado pelo IBGE certamente tem relação com as ações de estímulo
promovidas por parte da SAI ao longo dos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, mesmo
que de maneira intermitente. Tal incremento, entretanto, não se deu de maneira uniforme
em todo país, sendo maior em determinadas regiões. A MuniC 2014 revelou, por exemplo,
que o estado do Maranhão foi o que apresentou maior proporção de municípios com
secretaria exclusiva para cultura (62,8%) e o menor foi Santa Catarina (2,4%). Da pesquisa do
IBGE vale ainda destacar o fato da indicação da maior a presença de instrumentos de gestão
281

(plano de cultura), participação (conselho e conferência de cultura) e mecanismos de


financiamento (fundo de cultura) naqueles municípios onde havia secretaria exclusiva para a
cultura. Uma situação oposta àqueles que não contavam com estrutura exclusiva de gestão.
Tais dados são interessantes porque, à primeira vista, confirmam o que a SAI defendia sobre
a importância de se ter órgão gestor exclusivo para a cultura, entretanto, é difícil fazer uma
avaliação mais profunda sobre o impacto real da criação de tais componentes porque isso
depende muito das condições de implantação e funcionamento dos mesmos. A existência
formal de um conselho, ainda que paritário, ou de um plano de cultura, não significa
desdobramentos efetivos no desenvolvimento de políticas culturais. Seria preciso a
realização de pesquisas qualitativas e a nível local para aferir tais resultados. Ainda assim, os
números expressos pelo IBGE merecem ser considerados como indicativos da recepção do
Sistema Nacional de Cultura por parte dos entes federados.

Outra questão abordada no Guia é quanto à criação de Conselho Municipal de Política


Cultural. De acordo com o documento, os conselhos não deveriam seguir antigos padrões –
de “notáveis”, “corporativos” ou de “especialistas” –, para o que era importante seguir o
conceito ampliado de cultura e incorporar diversos seguimentos, tais como artísticos; da
economia da cultura; de movimentos sociais de identidade; representações de
circunscrições territoriais (bairros distritos e povoados); e membros do Poder Legislativo.
“Esses são os critérios que devem nortear a composição dos Conselhos de Política Cultural,
mas é a realidade cultural de cada município que determinará quantos membros e quais
segmentos terão assento no Conselho” (MINC, 2011a, p. 39). Sobre a previsão da instância
de conselho de cultura no SNC, Vitor Ortiz (2017) acredita que deveria ser algo mais
discutido e até reavaliado:

[...] isso é um outro problema que realmente merece uma crítica ou pelo
menos uma análise mais aprofundada. Em geral, eles [os conselhos] são
extremamente burocratizados. Talvez na atualidade não seja mais através
de um conselho que haja a escuta da opinião da sociedade, tem que ter
uma nova forma. Acho que talvez até o próprio processo das redes sociais
mudou um pouco isso. Parece que os conselhos tendem a encastelar
algumas pessoas na mesma função e [...] que pode ser colocada em dúvida
seu grau de representatividade. Então esse negócio de conselho [...] já foi
muito importante no final da ditadura militar, no final dos anos 80, logo
depois na Constituição de 88 que se apoiou muito nessa ideia como forma
de representação da sociedade [...]. Hoje essa ideia de conselho já é uma
coisa mais desgastada, não tem mais o mesmo valor. (ORTIZ, 2017)
282

A questão colocada por Ortiz pode ser extrapolada para outros componentes na
perspectiva colocada por Humberto Cunha Filho (2017), para quem a previsão legal de tais
estruturas deveria ser voltada para o que elas representam. “Por exemplo, por que importa
ter um conselho? a ideia é que a axiologia é resguardadora da democracia, se o estado ou
município conseguir um outro método de resguardar a participação democrática, eu creio
que o Sistema deveria abraçar” (CUNHA FILHO, 2017.). Na opinião do professor, essa
definição do “objeto representativo do valor do que propriamente o valor” (CUNHA FILHO,
2017) no SNC é um olhar originário da União diante da sua dificuldade de lidar com situações
distintas.

Ainda sobre a questão dos conselhos, o Guia indica a mudança do nome Conselho de
Cultura para Conselho de Política Cultural, que “expressa a nova concepção dessa instância
de participação social, facilitando o entendimento de seu papel e significado” (MINC, 2011a,
p. 49).

É importante para a exata compreensão do Sistema Nacional de Cultura


unificar, nos três níveis de governo, a nomenclatura dos seus componentes.
Por esse motivo, ao se alterar a legislação, deve ser adotada a nova
nomenclatura; no entanto, mais importante é respeitar os princípios e
critérios que norteiam a nova concepção e funcionamento do Conselho. Se
houver grande dificuldade na mudança (ter de alterar a Lei Orgânica do
Município, por exemplo), excepcionalmente a nomenclatura tradicional
poderá ser mantida, desde que sejam adotados, na nova legislação, os
conceitos e procedimentos previstos no SNC. (MINC, 2011a, p. 49).
Ainda sobre conselho, na página 43 do Guia, há a pergunta: “Meu município já tem
Conselho de Patrimônio. Ele é suficiente para o Sistema Municipal de Cultura?”, respondido
da seguinte maneira:

Não. O município deve criar o Conselho Municipal de Política Cultural [...].


Não é necessário extinguir o Conselho de Patrimônio e criar um novo. Basta
propor à Câmara Municipal mudanças na lei que criou o Conselho de
Patrimônio, alterando sua denominação e ampliando suas atribuições. O
município também pode criar o Conselho Municipal de Política Cultural e
manter o Conselho de Patrimônio. Neste caso, deve estabelecer claramente
as atribuições de cada um e as conexões entre eles [...](MINC, 2011a, p. 43).
Sobre essa situação, especialmente em Minas Gerais, estado com maior quantidade de
municípios do Brasil (mais de 800), Lia Calabre (2017) comenta:

[...] se a gente pensar na estrutura de Minas Gerais, onde quase 80% dos
municípios tem conselho de patrimônio, e Minas que tem 700 e tantos
municípios, esses pequenos municípios [...] não conseguem abrir o segundo
conselho de política cultural. Então, há algumas coisas mais rígidas no
283

desenho [do SNC] que na prática precisavam ser analisadas, revistas. [...] a
gente pode dizer que é um excesso de rigidez e burocracia dizer que
prioritariamente os municípios tem que ter todos conselhos de políticas
cultural, e que eles não podem ter conselho de política cultural e de
patrimônio cultural, isso é um excesso de burocracia, ao meu ver, um
excesso de rigidez e até um erro estratégico, que precisa ser revisto.
(CALABRE, 2017)
Vale ressaltar que o elevado percentual de municípios com conselho de patrimônio em
Minas Gerais se deve tanto à vocação do estado, como ao fato da existência do mecanismo
de financiamento ICMS Patrimônio Cultural, que possibilita a distribuição de parte do
imposto estadual a municípios tendo como alguns de seus parâmetros o patrimônio cultural
(bens tombados e registrados nos municípios) e a existência de estruturas institucionais de
cultura, como conselhos, legislações, planos e inventários, o que dentre uma série de
consequências acarretou nesse percentual de conselhos municipais de patrimônio (RUBIM;
PAIVA NETO, 2017).

A situação do estado de Minas Gerais e a previsão de implantação dos componentes


do SNC provocou em Bernardo Mata Machado a seguinte reflexão, após a sua ida para a
Secretaria de Cultura de Minas Gerais, em 2015:

[...] quando eu cheguei a Minas, 853 municípios... como você vai exigir? A
maioria deles com 10 mil habitantes, vai ter que montar aquela estrutura
toda? foi aí que eu percebi um pouco mais daquilo da planície e não do
Planalto, como a coisa não era muito adequada [risos]. (MATA MACHADO,
2017)
A questão das exigências dos componentes do SNC é um dos pontos mais polêmicos
da política, e que a acompanha desde o seu início. Algo que foi questionado inclusive por
atores vinculados ao PT, como Vitor Ortiz (2017):

[...] é uma coisa que eu acho que sempre houve muita dificuldade de
compreensão, inclusive dos nossos quadros políticos, dos formuladores do
Sistema Nacional de Cultura, da diferença que existe entre os municípios.
Por exemplo, nós sempre defendemos que todos os municípios devem ter
uma Secretaria Municipal de Cultura. Eu não concordo com isso. Eu acho
que existem cidades que realmente não tem condições de ter uma
Secretaria Municipal de Cultura.
Na avaliação de Paulo Miguez (2017):

[...] do ponto de vista conceitual, aí você pode ter discordância,


especialmente depois que ele [SNC] começa a ser implementado mesmo,
que é com Peixe, acho que essa coisa impositiva, punitiva é complicado em
um Sistema que não tem recurso, em uma área extremamente atomizada
que não tinha uma tradição de organização dessa natureza, você tinha que
284

ter um trabalho e uma disposição de outra natureza para poder fazer com
que essa coisa funcionasse. (MIGUEZ, 2017)
Para Lia Calabre (2017), apesar das críticas quanto a essas exigências no SNC, é preciso
ter garantias mínimas por parte dos entes federados:

[...] se você não exigir alguma contrapartida do sujeito que recebe o


recurso, ele não vai fazer esforço e não vai se mobilizar para ter uma
secretaria de cultura, para ter sequer uma subsecretaria de cultura ou para
discutir cultura na pauta do Executivo e do Legislativo. (CALABRE, 2017)
Além da publicação Guia de Orientações do SNC. Perguntas e Repostas para os
municípios (com impressão de 56 mil exemplares) e para os estados (10 mil exemplares),
entre 2011 e 2014 a SAI produziu e distribuiu a apostila Oficinas de Implementação de
Sistemas Estaduais e Municipais de Cultura (600 exemplares impressos e 1.000 CDs) e
publicou o documento-básico de 2009 Estruturação, Institucionalização e Implementação do
SNC (20 mil exemplares) (PEIXE, 2016). Isso pode ser visto como uma estratégia da SAI de
gerar visibilidade ao Sistema, mas também de se aproximar de estados e municípios com
uma proposta mais direcionada a tais entes.

5.1.2 A adesão dos entes subnacionais ao SNC

De acordo com a ministra Ana de Hollanda (MINC, 2011c), desde 2003 o SNC vinha se
desenvolvendo no Ministério com avanços e recuos, parte destes decorrentes das incertezas
sobre a melhor maneira de organizar as atribuições do poder público na área cultural. Em
questionário respondido para esta pesquisa, quando perguntando sobre que tipo de
resistências o SNC havia enfrentado em gestões anteriores, Ana de Hollanda (2016)
declarou:

Pouco posso dizer sobre o processo anterior à minha posse, mas há


testemunhos e era visível que apesar do interesse e empenho de muitos
dos envolvidos no processo, não havia grande interesse político na
concretização desse sistema por parte do dirigente anterior [Juca Ferreira].
Também fomos testemunhas de que alguns municípios e estados,
principalmente os de oposição ao Governo e mais ricos - como São Paulo,
por exemplo - não estavam interessados em aderir ao Sistema. (HOLLANDA,
2016)

A adesão ao SNC foi um dos principais focos de trabalho da SAI nessa gestão. De
acordo com João Roberto Peixe (2017):

[...] no primeiro momento, o foco vai tá na adesão de estados e municípios,


[...] depois o foco central se voltaria para a constituição do Sistema, para
você consolidar de fato o Sistema Nacional nos três níveis de governo,
285

inclusive do Ministério fazer o dever de casa, cuidar da regulamentação do


ponto de vista da legislação, constituir a comissão tripartite...
Nesse processo, uma das medidas tomadas pela SAI foi rever o prazo de vigência dos
Acordos de Cooperação, uma responsabilidade que coube à Coordenação dirigida por Pedro
Ortale, ex-dirigente da Fundação de Cultura do Estado do Mato Grosso do Sul (2002-2006,
no governo do PT), época em que aponta ter tido boa relação com a equipe da SAI, o que
teria levado ao mesmo a trabalhar com Márcio Meira na Funai, onde permaneceu até 2009.
De acordo com Ortale (2017), em 2012 ele teve conhecimento de que o SNC estava sendo
retomado pelo MinC e decidiu enviar seu currículo para João Roberto Peixe, que após
entrevista o convidou para assumir o cargo de coordenação.

Segundo Pedro Ortale (2017), a questão dos Acordos e da adesão ao SNC era
considerado fundamental nessa gestão porque:

[...] quanto mais nós tivéssemos Estados e municípios aderindo ao Sistema


Nacional de Cultura, mais densidade política nós teríamos para dar mais
substância ao Sistema, inclusive fazendo as reformulações necessárias para
a ampliação dos recursos [...] que deveriam ser provenientes do Fundo
Nacional. (ORTALE, 2017)
O que evidencia novamente a estratégia da SAI de buscar nos atores externos
legitimidade para ter força política e poder de negociação dentro do Ministério.

Em síntese, a revisão do modelo de Acordo Federativo girou em torno do prazo de


vigência, que anteriormente era de dois anos porque “era o tempo que se pressupunha
necessário para um município ou estado organizar seu sistema, então fazer a lei que cria o
sistema, o plano [...] como um instrumento do sistema, mas também com uma lei própria
etc. [...]” (ORTALE, 2017), um prazo que se mostrou irreal:

[...], quando eu entrei em 2012 no Minc a gente tinha [...] de quatrocentos


a setecentos [Acordos], não me lembro bem, mas no final de 2012 esses
acordos todos venceram [...] tinha esse problema que a cada período de
dois anos a gente não tinha participantes, digamos assim, do Sistema
Nacional de Cultura se fosse considerar que para participar do Sistema teria
que ter uma adesão formal, tanto que tinha gente que defendia que não
tinha que se aderir ao Sistema, enfim, mas a tese que tinha que aderir
acabou vencendo. (ORTALE, 2017)
Segundo Ortale (2017), a tese da adesão era especialmente defendida pelo secretário
João Roberto Peixe: “lembro que o Roberto Peixe sempre foi defensor da adesão.”
286

Sobre o problema da vigência dos Acordos, Peixe (2016; 2017) explica que inicialmente
a equipe da SAI trabalhou na lógica de prazo determinado, mas isso gerava uma série de
problemas.

[...] a gente viu que não tinha muito sentido, que o Sistema não era um
programa ou um projeto, é uma questão permanente e central, então não
devia ter prazo [...] e isso daí também evitava de você ter toda uma
burocracia, toda uma trabalheira de dois em dois anos ter que renovar os
acordos. (PEIXE, 2017)
A partir de tal diagnostico, a SAI, com apoio da Consultoria Jurídica do MinC (Conjur),
alterou a minuta do Acordo, que passou a ter tempo de vigência indeterminada, cabendo a
renovação apenas do plano de trabalho, que tinha validade de dois anos e podia ser
renovado por ofício diretamente na plataforma digital do Sistema.

O ente federado [...] vai prorrogando o plano de trabalho até a conclusão


do respectivo sistema de cultura. O entendimento da Conjur era que não se
podia firmar um contrato sem que houvesse prazo de validade, com
previsão de finalização. Diante de nossa argumentação de que o SNC é um
processo continuado, que não se esgota na organização dos sistemas de
cultura, resolveu-se que a vigência do plano de trabalho seria suficiente pra
mensuração de prazo. (ORTALE, 2018)
Em resumo, os Acordos assinados por governadores (no caso dos estados) e prefeitos
(no caso dos municípios) continuaram sendo o documento que formalizava a integração dos
entes ao SNC. A partir dessa formalização, os entes federados deveriam criar por meio de lei
seus respectivos sistemas de cultura obedecendo à estrutura dos componentes obrigatórios
do SNC.

Em termos numéricos, a adesão ao SNC nesse período foi intensa. De acordo com Ana
de Hollanda (2016):

Entre 2011 e 2012 o MinC conquistou um considerável crescimento de


adesão dos Estados, Distrito Federal e Municípios ao Sistema Nacional de
Cultura, garantindo a assinatura do Acordo de Cooperação Federativa para
desenvolvimento do SNC por 1.237 municípios e 23 estados, o que
representa 22,2% dos municípios e 85,2% das unidades federativas.
(HOLLANDA, 2016)
O gráfico a seguir revela o percentual de municípios que assinaram ao SNC entre 2010
e 2015.
287

Gráfico 04: Evolução percentual da adesão ao SNC por parte dos municípios entre 2010 e 2015

Fonte: MINC apud PEIXE, 201682

O reflexo da atuação dessa gestão junto aos entes subnacionais pode ser percebido
também pela criação, entre 2011 e 2012, de sistemas de cultura por parte de alguns estados
e municípios: Sistema Estadual de Cultura da Bahia (Lei nº 12.565, de 30 de novembro de
2011); Sistema Estadual de Cultura de Rondônia (Lei nº 2.746, de 18 de maio de 2012); e 45
sistemas municipais distribuídos entre todas as regiões do país: 2 no Centro-Oeste, 6 no
Norte, 6 no Nordeste, 8 no Sudeste e 23 no Sul (MINC, 2013). Obviamente que a criação de
tais sistemas foi fruto do processo de articulação da SAI iniciada em 2003 e que, como já foi
dito, a existência normativa de tais sistemas não implica necessariamente em uma efetiva
melhora da política cultural em tais instâncias.

5.1.3 Projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais

Em março de 2012 foi divulgado o Programa Nacional de Fortalecimento Institucional


dos Órgãos Gestores de Cultura, criado em 2011 no âmbito do SNC. Três projetos integravam
esse Programa: (1) apoio à elaboração de planos estaduais e municipais de cultura; (2) apoio

82
Apresentação feita por João Roberto Peixe na ocasião do III Encontro de Políticas e Gestão Culturais da Bahia,
realizado em Feira de Santana, entre 9 e 10 de agosto de 2016.
288

técnico das representações regionais do MinC para o desenvolvimento dos sistemas de


cultura; e (3) apoio à formação de gestores de cultura do Nordeste. Todos esses projetos
foram coordenados pela Secretaria de Articulação Institucional.

O primeiro projeto – relativo aos planos de cultura – foi viabilizado mediante uma
parceria entre o MinC, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade
Federal da Bahia (UFBA), e órgãos públicos de cultura de estados e municípios. Na SAI, quem
respondia pelo projeto era a coordenadora Ângela Andrade. Vale destacar que a SPC
também integrou o projeto, já que deveria ser estabelecida sintonia fina entre o Plano
Nacional de Cultura, cujas 53 metas haviam sido publicadas no final de 2011, e os planos de
estados e munícipios.

O projeto dos planos de cultura foi fruto de um longo processo de discussão, iniciado
no ano da aprovação da Lei do PNC, em 2010, quando secretários e dirigentes de órgãos
públicos de cultura alegaram a necessidade de ações de capacitação e assistência técnica
para o desenvolvimento de seus respectivos planos, mediante apoio metodológico e técnico
de universidades. O embasamento da solicitação estava na própria Lei nº 12.343/2010, que
previa que o MinC poderia oferecer assistência técnica e financeira aos entes que aderissem
ao PNC. Outro aspecto importante foi a indicação da primeira meta do PNC: “Sistema
Nacional de Cultura institucionalizado e implementado, com 100% das Unidades da
Federação (UF) e 60% dos municípios com sistemas de cultura institucionalizados e
implementados” (BRASIL, 2013a).

O marco inicial do projeto se deu com a realização do 1º Seminário Planos de Cultura,


organizado pela SAI, em Brasília, entre os dias 29 de fevereiro e 2 de março de 2012. A mesa
de abertura contou com a participação de representantes do MinC, dos fóruns de
secretários e dirigentes de cultura de estados e municípios e das universidades federais. O
evento foi marcado pela assinatura do Termo de Cooperação, com a presença da ministra
Ana de Hollanda, dos reitores das universidades e de secretários de Cultura. Além do caráter
político, o evento envolveu programação dedicada à formação das equipes que atuariam nos
projetos, com palestras dedicadas ao SNC, PNC e apresentação das metodologias a serem
desenvolvidas pela UFSC e UFBA, metodologias essas que, em síntese, deveriam favorecer a
participação social, a criação e o uso de instâncias de governança, e abranger tanto a
dimensão setorial da cultura quanto territorial.
289

Assim, em 2012, o projeto foi iniciado com a UFSC sendo responsável por acompanhar
tecnicamente o Distrito Federal e 16 Estados, e a UFBA, 20 municípios. Vale ressaltar que
todos esses entes federados estavam integrados ao SNC.

A formalização da assistência técnica da UFSC/MinC aos órgãos públicos estaduais de


cultura foi iniciada por meio da assinatura de Termo de Compromisso no qual constava as
obrigações de cada um dos três partícipes. Assim, por exemplo, coube ao MinC indicar
diretrizes gerais e supervisionar o plano de trabalho; à UFSC, dar condições técnicas aos
estados para o desenvolvimento das atividades de elaboração do plano de cultura; e ao
órgão público de cultura prover uma série de condições para a construção do plano estadual
(acolhimento de técnicos; disponibilização de apoio interno, acesso a documentos,
instalações e equipamentos; garantia do processo de construção participativa etc.). O
financiamento do projeto coube ao MinC. Em relação à gestão do trabalho, em síntese, havia
três instâncias: (1) Conselho Gestor Nacional, responsável por decisões estratégicas em
relação ao projeto, composto por representantes do Fórum Nacional de Secretários e
Dirigentes Estaduais de Cultura, pela SAI/MinC e pela UFSC; (2) Unidade Gestora Nacional,
responsável pela produção de metodologias, conteúdos e material técnico e pelo
acompanhamento aos produtos elaborados pelos estados, além de responder pela
administração geral do projeto, uma equipe vinculada à UFSC (MATTIA, 2012);e (3) Núcleo
Executivo Estadual, existente em cada estado participante do projeto, composto por um
articulador (representante do órgão público de cultura) e dois técnicos – um coordenador83
e um analista técnico em políticas e gestão cultural – contratados especificamente para o
projeto. Os dois técnicos eram indicados pelo órgão gestor estadual e selecionados pela
UFSC após análise e aprovação dos perfis e currículos. O Núcleo Executivo tinha a
responsabilidade de conduzir a nível estadual o processo de formulação do plano
observando a metodologia proposta pela Universidade. O alinhamento entre esse conjunto
de atores e o desenvolvimento da assistência técnica ocorreram por meio de: (1) realização
de seminários presenciais (em Florianópolis), que contavam com a presença de professores,
representantes do MinC e integrantes de todos os Núcleos Executivos Estaduais; (2)
plataforma virtual, onde as equipes estaduais postavam o andamento das atividades e
83
Participei desse Programa enquanto coordenadora técnica indicada para trabalhar junto à Secretaria de
Cultura do Estado da Bahia. Sobre o processo específico do Plano Estadual de Cultura da Bahia, escrevi um
artigo que está disponível no periódico Políticas Culturais em Revista, na edição especial sobre planos de
cultura disponível em:< https://portalseer.ufba.br/index.php/pculturais/issue/view/869>.
290

tinham acesso ao material formulado pela UFSC; (3) contato telefônico e via e-mail por parte
da equipe da Universidade; e (4) envio mensal de relatórios por parte dos técnicos estaduais
sobre o desenvolvimento das ações.

A primeira edição do Projeto de Apoio à Elaboração dos Planos Estaduais de Cultura


abarcou 17 unidades federadas: o Distrito Federal e 16 Estados84, um conjunto caracterizado
pela heterogeneidade quanto às condições de implantação do SNC nas suas respectivas
estruturas. Por exemplo, poucos estados tinham publicado em lei o seu Sistema Estadual de
Cultura, como a Bahia e o Acre. Em alguns, havia órgão gestor exclusivo para a cultura, em
outros, ele integrava uma secretaria compartilhada com esporte, educação, turismo etc., ou
ainda, era um órgão da administração indireta. A situação dos conselhos estaduais de
cultura também mudava de um estado para o outro, em alguns sendo paritários, em outros,
não paritários, e sequer existindo em alguns. Situação similar quanto aos mecanismos de
financiamento – lei de incentivo e fundo de cultura – que não estavam regulamentados em
todos os estados. Essa diversidade de condições requereu flexibilidade e certo grau de
independência dos estados em relação à metodologia proposta pela equipe da UFSC, que
tinha por objetivo geral orientar a produção dos planos de cultura de maneira democrática e
participativa. Para tanto, a orientação era que o Núcleo Executivo de cada estado criasse
algumas instâncias de governança que abrangessem tanto a dimensão territorial quanto
setorial. As instâncias de governança deveriam ser constituídas na primeira fase do processo
de elaboração dos planos, desenvolvido nas seguintes etapas: (1) sensibilização e
mobilização dos atores sociais chave e articulação de parceiros; (2) análise situacional da
realidade do setor cultural (diagnóstico); (3) prognóstico para o futuro do setor cultural; e (4)
sistema de monitoramento e avaliação do plano (UFSC, 2012). Como resultado final, os
planos de cultura dos estados deveriam ter a seguinte estrutura/conteúdo: (1) Diagnóstico
do Desenvolvimento da Cultura; (2) Desafios e Oportunidades; (3) Diretrizes e Prioridades;
(4) Objetivos Gerais e Específicos; (5) Estratégias, Metas e Ações; (6) Prazos de Execução; (7)
Resultados e Impactos esperados; (8) Recursos materiais, humanos, financeiros disponíveis e
necessários; (9) Mecanismos e Fontes de Financiamento e (10) Indicadores de
Monitoramento e Avaliação.

84
Acre, Amapá, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do
Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.
291

A vigência do Termo de Compromisso firmado entre estados, MinC e UFSC era


inicialmente de doze meses, um prazo complicado considerando a complexidade de se
elaborar um instrumento de gestão pública nos termos acima descritos e, ao mesmo tempo,
dotado de legitimidade, o que requer tempo. Considerando essa inexequibilidade, foi
produzido Termo Aditivo para estender um pouco mais o contrato de prestação de serviço
dos dois técnicos do Núcleo Executivo (até fevereiro de 2013).

O Projeto de assistência aos estados teve ainda outras duas fases que abrangeu mais
seis unidades federadas, realizadas entre as gestões de Marta Suplicy e Juca Ferreira. No
total, entre 2011 e 2016, 22 estados e mais o Distrito Federal participaram dessa iniciativa.
Da avaliação final feita pela equipe da UFSC (2016)85, coordenada pela Profa. Eloise Helena
Dellagnelo, é possível destacar: (1) importância do comprometimento do secretário ou
dirigente de cultura do estado em relação à construção do Plano; (2) perfil dos técnicos
contratados que devem reunir competência técnica com familiaridade com o campo
cultural; (3) falta de informações e dados sistematizados na área da cultura, que dificultaram
a elaboração de diagnósticos, para o que é fundamental o SNIIC; (4) necessidade do
empenho do dirigente estadual de cultura no apoio à tramitação do projeto de lei do Plano
na Assembleia Legislativa; (5) falta de clareza por parte de alguns estados sobre o significado
do plano de cultura e sua importância no sistema estadual de cultura; e (6) desafio de
conciliar a participação social com a produção de um instrumento de gestão pública, no
prazo estipulado pelo projeto.

No caso do projeto de assistência técnica dirigido aos municípios, essa primeira edição
contemplou doze capitais86 e oito municípios de Regiões Metropolitanas87, selecionados
pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura de Capitais e Cidades de Regiões
Metropolitanas. O período de realização foi semelhante ao do projeto dos estados, e a sua
dinâmica de funcionamento teve similitudes com o mesmo. Para o projeto ser executado
nos municípios partícipes, foram contratados e capacitados técnicos locais que eram
diretamente acompanhados pela equipe da UFBA (Unidades Gestora). Os técnicos,
chamados de consultores, e o Coordenador do Plano (vinculado ao órgão gestor do

85
Relatório enviado por e-mail pela Profa. Eloise Helena Dellagnelo em 09 de julho de 2018.
86
Aracaju, Belo Horizonte, Campo Grande, Florianópolis, Fortaleza, João Pessoa, Manaus, Recife, Rio de
Janeiro, São Luiz, Porto Alegre, Vitória.
87
Betim, Sabará e Santa Luzia/MG, Laranjeiras/SE, São Leopoldo/RS, Joinvile/SC, Olinda/PE e São Caetano do
Sul/SP.
292

município) compunham o Núcleo Executivo Municipal, cuja composição variou a depender


das características e condições das cidades envolvidas. Em alguns casos, o Núcleo ficou
restrito aos consultores e coordenador do Plano, em outros, contou com a participação de
conselheiros de cultura, empresas, universidade e artistas, e em um caso específico foi
aberto à participação de qualquer cidadão. A diversidade no projeto não se dava apenas
quanto à composição dos Núcleos Executivos, mas também quanto à existência dos
componentes do Sistema Municipal de Cultura. Em alguns municípios foi registrada,
inclusive, a já existência de planos de cultura, como Recife e Olinda, e então o trabalho foi
direcionado para qualificar tais instrumentos de planejamento (VILUTIS, 2012).

Uma das maiores dificuldades para o desenvolvimento desse projeto se deu por conta
da sua época de realização, que coincidiu com o ano de eleições municipais (2012), e com o
fato de os planos municipais serem desenvolvidos no mesmo período dos planos estaduais,
o que dificultou o importante alinhamento entre os documentos. De acordo com Luana
Vilutis (2012, p. 143)

O desafio apresentado aos municípios neste Projeto tornou-se complexo,


em decorrência de dois fatores: um estrutural e outro conjuntural. De
modo geral, os planos municipais precisam estar sintonizados com os
planos estaduais e o plano nacional, além de considerar a dimensão setorial
e territorial de seu próprio contexto. Em termos conjunturais, a elaboração
dos planos de cultura contemplados neste Projeto coincidiu com o ano de
eleições municipais, o que intensificou o trabalho de pautar a cultura, de
forma mais vasta e estratégica, na agenda pública, além de evitar que o
plano entrasse em disputas políticas que dispersassem sua finalidade e
proposta.
Essas e outras dificuldades decorrentes da própria complexidade da formulação de um
plano de cultura estiveram presentes no desenvolvimento desse projeto. De acordo com
Kátia Costa e José Márcio Barros (2016), além da coincidência do período eleitoral, outros
problemas que incidiram no processo foram:

[...] a falta de estrutura física e funcional do órgão de cultura, a falta de


reconhecimento da cultura como relevante para o desenvolvimento,
instâncias de representação social insuficientes, inoperantes ou pouco
representativas, especialmente no caso do Conselho de Cultura. (COSTA;
BARROS, 2016, p. 137)
Além disso, vale destacar que mesmo no caso daquele estado ou município que
conseguiu formular o seu plano de cultura, outros desafios apareceram, como aprová-lo no
conselho, fazê-lo tramitar no Poder Legislativo para ser instituído enquanto lei, conforme
293

orientação do MinC, e colocá-lo em prática. Esse conjunto de fatores interferiu, segundo Lia
Calabre (2017), de maneira geral na efetividade do projeto:

[...] mesmo os cursos e as consultorias para construção de planos ou para


efetivação de planos tiveram uma efetividade razoável, de média para
baixa... porque aí é a questão mesmo de pensar a efetividade... o cara
aprova o plano, mas ele não coloca em vigor ou ele discute o plano, mas ele
não passa na assembleia, ou ele começa a discutir a lei do Conselho, mas
ele não nomeia. (CALABRE, 2017)
Apesar dessas dificuldades, o projeto mobilizou um inédito processo difusor e indutor
de metodologia de planejamento participativo da gestão pública da cultura para todo o país
(VILUTIS; ROCHA, 2017). Potencializado ainda mais pela realização de outras edições do
projeto que foi mantido nas gestões seguintes.

5.1.4 Curso de Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste


Outra ação que integrou o Programa Nacional de Fortalecimento Institucional pela
Implementação do Sistema de Cultura foi o projeto de apoio a formação de gestores
culturais do Nordeste, realizado em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e as secretarias de cultura dos estados
de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte88.

Em síntese, o curso visava contribuir para a formação e qualificação de gestores de


cultura, acadêmicos e conselheiros, neste caso, integrantes dos Conselhos Estaduais de
Cultura. O curso foi construído na perspectiva de fornecer subsídios teóricos e práticos que
permitissem compreender aspectos sociais, políticos, históricos, jurídicos, gerenciais e
econômicos presentes no campo da cultura, e sua metodologia buscava dar conta das
diversas realidades e contextos socioculturais da Região. O seu corpo docente foi formado
por especialistas, professores e pesquisadores de várias regiões do país e de áreas de
conhecimento distintas, buscando dar à formação abordagem interdisciplinar (FUNDAJ,
201289).

88
Os estados de Sergipe e Maranhão não quiseram participar do projeto, conforme informação do Prof. José
Márcio Barros concedida por e-mail em 25 de junho de 2018.
89
Informação disponível em: <
http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1919:fundaj-comunica-
276&catid=79:fundaj-comunica> e
<http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=340:aprovados-no-curso-de-
pos-graduacao-da-fundaj&catid=44:sala-de-impressa&Itemid=183> Acesso em jun. 2018
294

Apesar de ser um desdobramento do curso piloto de 2009/2010, houve algumas


inovações que merecem ser destacadas. A primeira delas era que a nova proposta se
formalizou enquanto um curso de Pós-graduação latu sensu que possibilitava a emissão de
título de especialização em Gestão Cultural. A falta dessa titulação foi uma das principais
queixas dos alunos que participaram do curso piloto, já que este tinha uma carga horária
elevada, mas não se consolidava como especialização. As atividades do curso também foram
organizadas em módulos, com encontros presenciais, ensino a distância e imersão cultural,
mas inovou no formato ao incluir atividades de laboratório e oficinas. Além disso, as aulas
presenciais ocorreram de modo itinerante, com cada módulo sendo ministrado ao longo de
quatro dias em uma capital do estado participante do projeto. Vale ressaltar que como eram
nove módulos e só havia sete capitais, Recife sediou mais encontros.

Em resumo, o curso foi realizado entre março e dezembro de 2012, com aulas
realizadas uma semana ao mês. Foram ministrados nove módulos que abordaram temas
como Diversidade Cultural; Gestão Patrimonial; Legislação da Cultura; Economia da cultura,
Economia criativa e financiamento da Cultura; Planejamento e orçamento da gestão pública;
Políticas Culturais; e Cenário Político da Cultura no Brasil.

A primeira turma dessa especialização foi formada por 50 participantes, selecionados a


partir de indicação feita por representantes da Fundaj, da UFRPE, do MinC (Representação
Regional do Nordeste e Representação Regional da Bahia) e das secretarias de Cultura dos
Estados acima citados. Todos os alunos deveriam apresentar diploma ou certificado de
conclusão de cursos de graduação ou tecnólogo em áreas indicados pelo projeto do curso.
Ao final da formação, os alunos deveriam apresentar de maneira individual o Trabalho de
Conclusão de Curso, que poderia ser feito em distintas modalidades: (1) Ensaio, de caráter
científico, desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica e/ou empírica; (2) Projeto de
Intervenção, de natureza empírica, planejado, executado e avaliado em seus resultados
pilotos; (3) Produção e Experimentação, de natureza técnico ou comunicacional, voltado à
produção de material inédito documental para ser utilizado em processos de formação ou
de gestão cultural (FUNDAJ, 2012)90. Uma interessante flexibilidade considerando o perfil

90
Disponível em:
<http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1029&Itemid=273>. Acesso em
jun. 2018.
295

dos inscritos no curso e a possibilidade de produzirem conhecimento a partir de sua


trajetória profissional.

Em relação à equipe responsável pela proposta pedagógica, ela foi formada por José
Márcio Barros e Isaura Botelho, integrantes do curso piloto, e por Paulo Miguez. Pela Fundaj,
o projeto ficou sob a responsabilidade de Silvana Meireles, diretora de Memória, Educação,
Cultura e Arte dessa Fundação, para a qual retornou após finalizar a gestão Juca Ferreira.
Segundo Isaura Botelho (2016), Silvana Meireles teve atuação decisiva no processo de
formação de gestores do SNC porque estava sempre em lugares institucionais que lhe
possibilitavam tal atuação. De acordo com Silvana Meireles (2017), após a realização desse
primeiro curso de especialização em Gestão Cultural, a Fundaj elaborou um projeto de
formação em 2014 e passou a realizar cursos de especialização, aperfeiçoamento e extensão
dirigidos a gestores dos estados do Nordeste, “com resultados imediatos observados nas
gestões municipal e estadual, na gestão de equipamentos culturais e pontos de cultura”
(MEIRELES, 2017).

5.1.5 Projeto de apoio técnico ao desenvolvimento de sistemas de cultura

Também no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento Institucional dos Órgãos


Gestores de Cultura, foi instituído o projeto de apoio técnico ao desenvolvimento de
sistemas de cultura por meio das Representações Regionais do MinC. A execução do projeto
se dava especialmente por meio da contratação de consultores que deveriam realizar
pesquisas sobre a situação dos componentes do SNC e promover debates, oficinas de
capacitação e palestras sobre o Sistema em estados e municípios de todas as regiões do
Brasil (PEIXE, 2016). Vale registrar que essa contratação se dava por meio do Projeto
Intersetorialidade, Descentralização e Acesso à Cultura no Brasil (Prodoc), que integrava o
Acordo de Cooperação Técnica Internacional, assinado em março de 2010, pela Unesco e o
Governo brasileiro (representado pelo MinC)91.

Uma das coisas interessantes no Projeto de apoio técnico coordenado pela SAI era o
envolvimento das Representações Regionais do MinC, instâncias que em alguns momentos
estiveram relacionadas administrativamente à essa Secretaria e em outros não, a depender

91
Informação disponível em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/1416227/0/Parecer+2017.0700+SADI+Coopera%C3%A7%C3%A3o_Int
ernacional_Projeto_Intersetorialidade_Descentraliza%C3%A7%C3%A3o.pdf/258bb3de-398d-4e13-b5ed-
b13cf39a7692>. Acesso em jun. 2018
296

do regimento. Especificamente em relação ao papel de tais instâncias no desenvolvimento


do SNC, Silvana Meireles (2017) acredita que não havia uma definição clara sobre como as
Regionais deveriam atuar, porém elas tiveram papel importante por estarem na ponta:

Nesse sentido, essas unidades foram fundamentais na articulação e na


difusão das ideias do Sistema para gestores públicos e sociedade civil.
Participaram ativamente na organização e concepção das conferências
municipais e estaduais e atuaram como formadores para o Sistema. Como
interlocutores dos estados e municípios, foram importantes portadores de
demanda desses entes. Na prática, as Representações se tornaram birôs de
informações e consultoria sobre o Sistema e termômetros e porta vozes de
gestores e sociedade civil dos estados e municípios, apoiando processo de
implantação do Sistema. (MEIRELES, 2017)
De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), as Representações Regionais foram
de grande ajuda para a SAI porque como o Sistema era uma proposta federativa que
acionava diretamente todas as regiões do País, era necessário manter uma relação de
proximidade com prefeituras e governos dos estados, para o que tais instâncias tiveram
grande importância. Além disso, em sua opinião, as Regionais tinham interesse em atuar no
SNC porque isso lhes dava visibilidade: “Lutar para conquistar a adesão dos estados e
municípios fazia parte também de mostrar serviço, então, pelo fato de exigir a cooperação
federativa, era do interesse da Regional assumir o Sistema Nacional de Cultura como
prioridade” (MATA MACHADO, 2017).

Em relação aos consultores do Prodoc do SNC, a sua seleção se dava por meio da
publicação de editais disponibilizados no site da Representação da Unesco do Brasil, onde
continha os requisitos profissionais exigidos (qualificação educacional e experiência
profissional), as atividades a serem desenvolvidas no projeto, os produtos/resultados
esperados, o local de trabalho e a duração do contrato. A partir daí, o candidato preenchia
um formulário/currículo e encaminhava por e-mail especificando o número do projeto/edital
a que estava se submetendo. Vários editais foram publicados pelo Prodoc entre setembro e
outubro de 2011, com vagas tanto para o consultor atuar diretamente na SAI, em Brasília,
como vinculado às Representações Regionais de todo o país. No caso do edital dirigido às
Regionais, cabia ao consultor as seguintes atividades: (1) realizar pesquisa sobre o
desenvolvimento do SNC, avaliando os sistemas municipais e estaduais; (2) elaborar
diretrizes e metodologias para a criação e estruturação dos sistemas municipais e estaduais;
(3) analisar e avaliar a organização do processo de integração do SNC nas áreas de atuação
297

da Regional; (4) participar em seminários e oficinas de orientação aos estados e municípios


para desenvolvimento do processo de integração ao SNC; (5) realizar reuniões e visitas
técnicas nos estados e municípios integrantes da Regional para orientação, avaliação e
implantação de estruturas propostas. Essas atividades deveriam resultar em cinco produtos
a serem entregues ao MinC. A vigência do contrato do consultor era de 360 dias e o período
de atuação inicialmente determinado foi entre janeiro e dezembro de 2012, ou seja, ano de
eleição municipal, o que certamente implicou em alguns entraves no desenvolvimento do
trabalho. Vale ressaltar que em alguns casos houve prorrogação da consultoria, e que
também houve publicação de edital para selecionar novos consultores para atuar em áreas
não atendidas neste primeiro momento. A quantidade de vaga de consultor por Regional
variou de acordo com a área de cobertura desta, assim, por exemplo, para a Regional Sul,
localizada na cidade de Porto Alegre, foram contratados dois consultores, um para atender o
estado do Rio Grande do Sul e outro para cuidar dos estados do Paraná e Santa Catarina. Já
para a Regional Nordeste, com sede no Recife, foram contratados três consultores dada a
quantidade de estados que essa Regional atendia (oito estados). No caso da Regional
Bahia92, com sede em Salvador, foram contratados dois consultores: Armando Almeida, que
concedeu entrevista para esta tese e nos enviou o relatório final de sua consultoria, e Paula
Félix dos Reis, que também compartilhou o seu relatório final.

A decisão de apresentar nesta tese o trabalho da consultoria realizada no estado da


Bahia se deve ao fato de possibilitar uma aproximação maior com o desdobramento das
decisões tomadas pelos gestores do SNC, em Brasília, no contexto local. Não é possível
assegurar se as potencialidades e dificuldades observadas por parte dos consultores no
desenvolvimento desse projeto foi similar aos demais estados, mesmo porque há variáveis
importantes nesse trabalho, como a própria atuação do órgão gestor de cultura estadual.

De acordo com Armando Almeida (2018), que havia trabalho no MinC como assessor
de Juca Ferreira na gestão anterior, o trabalho da consultoria foi realizado entre janeiro de
2012 e dezembro de 201393, e tinha como objetivo básico a realização de um diagnóstico
para saber o estado da arte para a implantação de sistemas de cultura no estado da Bahia e,
a partir daí, propor ações que pudessem avançar com o processo. Os municípios atendidos

92
Essa Regional foi criada em junho de 2010, e a partir de novembro de 2012 passou a contemplar também o
estado de Sergipe. A Representação Regional Bahia e Sergipe foi extinta no Governo Temer.
93
Inicialmente o contrato da consultoria era de um ano, mas foi prorrogado por mais um.
298

pela consultoria deveriam ter firmado o Acordo de Cooperação Federativa com o MinC e ter
apresentado Plano de Trabalho indicando como implantariam seus sistemas de cultura, o
que na sua opinião era um fator limitante considerando que nessa época poucos municípios
atendiam a esta demanda. Se, de fato, isso reduziu o universo de atuação do projeto,
excluindo a maior parte dos municípios baianos de receberem a consultoria do MinC, por
outro lado, significou o reconhecimento dos esforços empreendidos pelos que haviam
aderido ao Sistema e iniciado a execução do Plano de Trabalho do termo de adesão.

Quanto à dinâmica de trabalho, o estado foi dividido em duas áreas onde cada
consultor deveria atuar, considerando a delimitação dos Territórios de Identidade que
orientavam a atuação da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

De acordo com os relatórios dos consultores, dos 417 municípios que integravam o
estado da Bahia, 71 tinham firmado o termo de adesão ao SNC. Segundo relatório de
Almeida (2013, p.12):

Boa parte dos municípios mais populosos do Estado ainda não firmou
acordo. Dos 71 municípios que aderiram ao acordo para implantação do
SNC apenas três têm mais de 200 mil habitantes. Fora do Sistema ainda
estavam cidades como Salvador, Feira de Santana (as duas maiores cidades
do Estado), Juazeiro, Itabuna e Jequié. Muitos deles ainda continuam sem
adesão. Do ponto de vista populacional, o percentual de alcance do SNC é
ainda menor, como se vê.
Vale ressaltar que dos 71 municípios que tinham aderido ao SNC, apenas oito94
estavam em situação regular, ou seja, não apresentavam nenhuma pendência documental e
estavam aptos a executarem seus planos de trabalho. Esse oito municípios, de acordo com
orientação da SAI, deveriam ser o objeto principal de atuação dos consultores.

Em relação aos componentes do Sistema, segundo dados de 2009 disponibilizados pela


Secult/BA, conforme relatório de Paula Félix: 8,6% dos municípios possuíam Conselho
Municipal de Cultura; 4,1% possuíam Fundo Municipal de Cultura e 4,6% secretaria exclusiva
de cultura. No caso específico da Área I, onde a consultora atuava, 27 municípios haviam
aderido ao SNC, mas apenas dois95 estavam em situação regular. De acordo com Reis (2013),
a situação de fragilidade no âmbito municipal no estado da Bahia contrastava com a da
esfera estadual, que possuía uma “política cultural bem desenhada e articulada com os

94
Amargosa, Andaraí, Barreiras, Coribe, Ibiassucê, Lajedo do Tabocal, Itapetinga e Sobradinho.
95
Andaraí e Sobradinho.
299

princípios do SNC” (p.8), a exemplo da existência de secretaria de cultura exclusiva, sistema


de financiamento, conselho de cultura paritário e ativo, programa de formação, e um plano
estadual de cultura que na época estava em elaboração.

O resultado dessa primeira fase de coleta de informações foi apresentado durante o


encontro de capacitação realizado em Brasília entre os dias 06 e 9 de março de 2012. De
acordo com Armando Almeida (2018), esse foi o único encontro promovido pelo projeto, e
em sua avaliação, o acompanhamento dado aos consultores foi frágil, tanto por parte da SAI,
como da Regional Bahia: “um acompanhamento muito ruim [...], bastante limitado, as
pessoas não liam os nossos relatórios, não davam feedback [...] algumas coisas a gente tinha
que agir intuitivamente, tomar decisões e avançar porque orientações não vinham”
(ALMEIDA, 2018). Uma impressão compartilhada por Paula Félix, que no seu relatório
expressou:

Como ponto de partida, podemos salientar a forma de orientação e


relacionamento por parte da coordenação do projeto com os consultores
contratados. Em alguns momentos, sentimos um distanciamento, gerando
insegurança e dúvidas nas responsabilidades que competiam às partes
envolvidas na consultoria (UNESCO, MINC, Representação Regional e
consultores) e na elaboração dos produtos. Essa dificuldade apresentou-se
mais acentuada no início dos trabalhos. (REIS, 2013, p. 25)
A segunda fase do projeto consistiu na elaboração de um documento contendo
planejamento e estratégia dirigidas à integração dos municípios ao SNC. Segundo Reis
(2013), foram traçadas três linhas de atuação: (1) aumento da adesão ao SNC, que passava
pela articulação e sensibilização dos agentes políticos e culturais, e para ser desenvolvida
deveria contar com a parceria da Secult/BA, mais próxima aos dirigentes de cultura e
prefeitos, com seu sistema de cultura em fase de desenvolvimento e com servidores que
atuavam na ponta (os Representantes Territoriais da Cultura). Também deveria contar com o
apoio da Associação de Dirigentes Municipais de Cultura da Bahia96 (Adimcba); (2)
identificação de cidades-polo (definidas conforme representatividade econômica, política e
densidade populacional) que poderiam desenvolver mais facilmente os componentes do
SNC, uma orientação advinda do MinC; (3) acompanhamento do processo de adesão ao SNC
voltado para os municípios que estavam na fase de execução dos seus respectivos planos de

96
Também conhecida como Fórum de Dirigentes Municipais de Cultura da Bahia, é uma entidade de
representação dos municípios e seus órgãos de gestão da cultura, fundada em 01 de junho de 2010.
Informações disponíveis em: <https://territoriosculturaisbahia.wordpress.com/adimcba-2/>. Acesso em jun.
2018
300

trabalho, caso em que a atividade do consultor era orientá-los na implementação das


atividades ali previstas; e outro acompanhamento dirigido aos municípios que tinham
firmado o Acordo de Cooperação, mas precisavam elaborar ou finalizar seus planos de
trabalho. Na avaliação de Reis (2013), essas estratégias dependiam da atuação de vários
atores, a exemplo dos consultores, dos servidores da Representação Regional Bahia, dos
agentes municipais locais, funcionários da Secult/BA etc.

A terceira fase do trabalho era resultado da etapa acima descrita, e de acordo com o
relatório de Reis (2013), na área em que atuou, houve avanços na segunda estratégia com a
integração ao SNC de três das cinco cidades-polo selecionadas (as outras duas informaram
interesse em aderir e estavam em fase de organização documental). A terceira estratégia,
que buscou apoiar os municípios que tinham aderido ao SNC, mas estavam com problemas
na elaboração ou execução dos planos de trabalho, apontou como grande dificuldade a
criação de fundo de cultura, onde os dirigentes diziam ter dúvidas sobre o valor a ser
destinado ao mesmo e sobre a elaboração da lei que deveria tratar desse mecanismo de
financiamento. No caso dos conselhos, apesar de em alguns municípios existirem em lei, na
prática, os consultores observaram que alguns casos eles não estavam em funcionamento e,
em outros, abrangiam áreas para além da cultura. Quanto às conferências, foi observado um
elevado nível de participação nas suas várias edições97. Em relação à existência de órgãos
exclusivos para a cultura, o relatório aponta ser pouco presente nos municípios pesquisados,
o que segundo a consultora deveria ser objeto de reflexão por parte do Ministério: “Esse
ponto talvez precise ser discutido e revisto dentre as recomendações do MINC, que orienta a
criação de uma Secretaria de Cultura específica. É preciso considerar a realidade
administrativa desses municípios, muitos carentes de recursos e infraestrutura”. (REIS, 2013,
p. 19). Uma consideração que pode ser estendida para o resto do país considerando que,
conforme pesquisas do IBGE, essa fragilidade era observada nacionalmente. Segundo o
relatório, os planos de cultura também estavam presentes em poucos municípios; sistemas
de informação eram praticamente inexistentes e a maior parte não possuía programa de
formação, sendo revelado que os dirigentes culturais basicamente participavam de
formações quando essas eram oferecidas pelo MinC ou Secult. Segundo Reis (2013, p.19):
“Inclusive, esta foi uma das dificuldades mais apontadas pelos municípios: encontrar pessoas

97
O percentual de municípios baianos envolvidos nas Conferências Estaduais de Cultura na Bahia são: na I CEC
(2005), 5%; na II CEC (2007), 93,5%; na III CEC (2009), 88,4%; e na IV CEC (2011): 73%. (ROCHA, 2014)
301

capacitadas, dentro e fora da administração pública municipal, para elaborarem ou


executarem ações e políticas vinculadas ao setor cultural”.

Ainda em relação às estratégias, o relatório de Reis sugere alguns encaminhamentos


(quarta fase do trabalho) que poderiam ser adotados pelo MinC para ter uma atuação
melhor na região, a exemplo de realizar uma espécie de categorização de grupos de
municípios para serem acompanhados mais de perto com intuito de apoiar a finalização dos
planos de trabalho, para o que seria importante “reconhecer e distinguir as diferentes
realidades municipais e adotar estratégias diferenciadas para abordar cada grupo” (REIS,
2013, p. 20). O reconhecimento das desigualdades e singularidades regionais foi um ponto
bastante presente no trabalho dos consultores. Também foi sugerido um investimento em
comunicação com o objetivo de divulgar o Sistema e esclarecer dúvidas quanto à adesão, o
que poderia ser feito, por exemplo, através da publicação de material específico para os
prefeitos e câmara de vereadores buscando sensibilizá-los sobre a importância do Sistema e
os benefícios para a cidade. Segundo o relatório, “Muitos dos materiais impressos não
chegam aos municípios, são direcionados erroneamente ou não são lidos pelos gestores,
conforme afirmação dos mesmos” (REIS, 2013, p. 21). Ou seja, apesar de o grande
investimento feito pela SAI para produzir, publicar e distribuir documentos sobre o Sistema,
como os Guias de Orientações, isso não foi suficiente para garantir que a informação
chegasse na ponta, ou que tivessem a leitura e compreensão por parte dos gestores de
cultura.

Quanto às principais dúvidas transmitidas pelos gestores municipais, a consultora


Paula Félix dos Reis destaca:

I) A adesão ao Sistema Estadual de Cultura não é automática ao Sistema


Nacional de Cultura; II) Não é preciso ter todos os componentes do sistema
prontos antes de aderir ao mesmo. O plano de trabalho informará como
estes componentes serão implantados; III) Como criar os componentes do
sistema, especialmente o Fundo de Cultura. Os municípios apesentam
muitas dúvidas em relação à parte jurídica e financeira. (REIS, 2013, p.21)
Sobre a primeira questão, vale a pena recordar que como os entes federados são
autônomos, é possível que o município formalize sua adesão ao SNC ainda que o estado do
qual faça parte não seja integrante do mesmo.

Em relação à intenção do projeto de aumentar a quantidades de adesões ao SNC na


Bahia, isso foi pouco representativo, aumentou de 71 para 80 municípios. De acordo com o
302

relatório de Reis, isso ficou prejudicado por problemas em relação ao prazo de trabalho, a
recursos orçamentários disponíveis para atuação dos consultores e da Regional, e da não
concretização das parcerias com a Secult/BA e Adimcba. No caso da Secult, o relatório
aponta que os motivos teriam sido a priorização desta ao plano de cultura (tema da IV
Conferência Estadual de Cultura, de 2011), ao desfalque na equipe de nove Representantes
Territoriais e à falta de infraestrutura da Secult para atualização dos dados sobre os
componentes do SNC, bem como para prestar apoio diretamente aos municípios. Quanto à
não participação da Adimcba:

seus dirigentes demonstraram-se desmotivados em relação ao SNC, devido


às dificuldades para convencer os prefeitos sobre a importância do sistema.
Eles mesmos não conseguiam visualizar os benefícios do SNC sem o repasse
fundo a fundo. Informaram que os argumentos utilizados pelo MINC não
são suficientes para sensibilizar os prefeitos para instalação da
infraestrutura necessária a adesão ao sistema. (REIS, 2013, p.14)
Segundo a consultora, havia dificuldade por parte da administração pública – tanto
dos prefeitos quando dos dirigentes culturais – em compreender os propósitos do SNC. E
mesmo aqueles que firmavam o Acordo de Cooperação, nem sempre tinha um efetivo
comprometimento em avançar com a execução dos planos de trabalho, “Seja por
dificuldades técnicas ou por falta de apoio do legislativo ou do próprio executivo, as
atividades ficam paralisadas nos pontos mais básicos, a exemplo da entrega de documentos
ou da criação/implantação do sistema” (REIS, 2013, p. 25). Ainda segundo o relatório: “O
repasse de recursos parece ser o único argumento capaz de despertar o interesse e a
mobilização de muitos municípios” (REIS, 2013, p. 25).

O relato da consultora expressa um problema que sempre acompanhou a construção


do SNC: a fala institucional do MinC de promessa de transferência de recursos fundo-a-
fundo no caso de adesão do município ao Sistema, ainda hoje não concretizado. Na
avaliação de Armando Almeida (2018), isso era um discurso falso do Ministério,
considerando que o Fundo Nacional não tinha substrato para viabilizar tais transferências.

[...] havia um outro problema que era o fato de que o Sistema se apropriava
muito do discurso – a gente usa a expressão que é ‘dar uma iscazinha para
o peixe’ – e era assim: ‘se você fizer, você vai ter direito a participar de um
recurso público destinado àqueles que fazem o Sistema’, então isso é uma
coisa, inclusive, falsa porque não tinha um substrato para isso... (ALMEIDA,
2018)
303

De acordo com Armando Almeida (2018), ele não chegou a vivenciar isso diretamente
no trabalho do Prodoc porque a sua atuação se deu apenas junto a municípios que já tinham
aderido ao Sistema e criado o CPF, portanto não precisavam ser convencidos. Porém, ele
pôde acompanhar críticas a esse discurso quando foi ouvidor do MinC na gestão Marta
Suplicy, e participou de reuniões diversas (no CNPC, no Sistema MinC etc.) onde esse
problema era pauta de discussões e críticas:

[...] essa crítica rolou muito dentro da gestão de Marta, já se falava muito
disso lá [...],como ouvidor, eu participava de reuniões [...], então eu via essa
discussão também rolando lá dentro sobre isso, e na própria reunião do
Fundo, eu me lembro do próprio Américo Córdula, eu acho que o Bernardo
também, fazerem essa crítica porque eles estavam interessados em garantir
esses recursos para os municípios que afinal tinham feito o dever de casa,
mas eles não conseguiam porque o dinheiro ficava mesmo para problemas
internos do Minc. (ALMEIDA, 2018)
Segundo Bernardo Mata Machado (2017), havia mesmo uma espécie de promessa
feita pelo Ministério aos entes subnacionais quanto à transferência de recursos, e esse
discurso foi ampliado pelos consultores do Prodoc que atuavam em todo território nacional:
“[...] a gente teve muito consultor Prodoc viajando o Brasil inteiro, e aí para as estatísticas
deles de adesão ao Sistema, eles falavam abertamente ‘se construir o Sistema vai chegar
dinheiro do Ministério e tal...transferência fundo-a-fundo’” (MATA MACHADO, 2017). O que,
em sua opinião, era um erro: “eu pessoalmente, na minha pregação, porque era uma
pregação pelo país afora, eu falava muito mais nos direitos culturais da população, na
diversidade cultural, na importância de institucionalizar a cultura.” (MATA MACHADO, 2017).

Sobre essa estratégia utilizada pelo Ministério da Cultura para conseguir a adesão de
estados e municípios, Humberto Cunha Filho (2017) avalia que poderia ter sido feita sobre
outras bases que não a questão de obtenção de recursos.

O Sistema realizou umas promessas que ainda não consegue pagar, e não
sei se vai conseguir porque a grande convocatória foi para a obtenção de
recursos por parte dos estados e municípios, e talvez essa convocatória
com as especificidades da esfera cultural devesse ser em outro nível, talvez
na horizontalização, na aquisição de responsabilidade, no esforço que os
entes deveriam fazer pra se integrar e não no convite e até na sedução para
que eles integrem. (CUNHA FILHO, 2017)
Para finalizar a apresentação do Prodoc, vale a pena ressaltar algumas
potencialidades do projeto apontadas nos relatórios dos consultores Armando Almeida e
Paula Félix dos Reis: (1) formação de uma rede de trabalho com diversos agentes, tais como:
304

MinC e sua Representação Regional, a Unesco, pesquisadores e entes federativos dos três
níveis de governo; (2) acúmulo de informações obtidas ao logo do projeto; (3) aproximação e
diálogo com dirigentes e instituições culturais, que a partir do contato feito pelo projeto se
sentiram mais estimulados e integrantes de uma política nacional; (4) divulgação do Sistema
Nacional de Cultura; (5) identificação das dificuldades para a implantação do Sistema
considerando a atuação na ponta, o que pode gerar estratégias de ação mais adequadas às
peculiaridades de cada região; (6) visibilidade da Representação Regional na Bahia, o que
poderá facilitar a atuação desta na região; (7) adesão de Salvador ao SNC, município que
além de ser a capital do estado, responde por quase 25% da sua população e é uma das
referências culturais do país; (8) interesse do MinC em avançar com o SNC; (9) Promulgação
da Emenda Constitucional do SNC, abrindo caminho para que se torne política de Estado, e
não de Governo.

O Projeto de apoio técnico ao desenvolvimento de sistemas de cultura teve


continuidade na gestão seguinte, com a contratação de novos consultores Prodoc, que
atuaram em regiões ainda pendentes de atendimento.

5.2 A ARTICULAÇÃO ENTRE A SAI E OUTROS SETORES DO MINC

Considerando que a dimensão operacional e institucional também envolve as


instâncias de participação e os momentos de interlocução dos atores do SNC, vale a pena
averiguar como era a relação ente a SAI e outros atores na gestão Ana de Hollanda.

Se o Sistema Nacional de Cultura retomou sua articulação com estados e municípios a


partir de 2011, a relação da SAI dentro do Ministério continuou enfrentando obstáculos.
Segundo Sérgio Pinto (2018), a gestão Ana de Hollanda foi muito complicada e houve muita
disputa interna no PT e entre os órgãos do Ministério, que concorriam pelos recursos para
implementação de suas políticas. De acordo com João Roberto Peixe (2017), a perspectiva
de se trabalhar com uma política federativa, que envolve a questão da descentralização, da
pactuação, da divisão de poder, era algo complicado de se trabalhar no Ministério da
Cultura:

[...] no Brasil, o poder central, federal, concentra muito poder nos recursos,
então você tem um olhar muito de cima para baixo, e isso era uma das
questões de conflito que vinha desde a época que eu era secretário de
305

cultura e presidente do fórum de secretários municipais, eu tinha esse


outro olhar e isso gerou muitos conflitos. (PEIXE, 2017)
Para Peixe (2017), havia um problema interno no Ministério, onde conviviam
funcionários de carreira que estiveram sempre voltados para Brasília, “então a visão é muito
mais centrada nisso”, com a visão dos gestores, fechados em seus próprios interesses, o que
na área da cultura, em sua opinião, não seria surpreendente dada a sua própria
característica, “[...] você tem uma divisão natural pelas áreas de interesse de cada um, então
você já tem isso muito segmentado na área cultural e isso se mistura com a questão
federativa”, (PEIXE, 2017) e, por isso, “[...] era mais difícil o Sistema ser entendido como ele
foi concebido, com essa visão federativa, dentro do Ministério do que fora dele” (PEIXE,
2017). Peixe também relata que as oposições ao Sistema nem sempre eram colocadas
claramente:

[...] nem sempre a oposição ao Sistema ela se manifesta de maneira clara


porque o sistema tem uma força muito grande, tem uma força política, tem
uma força de conceito, então, a pessoa ir contra isso é desgastante
politicamente, então, o cara vai de maneira sorrateira, de outra forma...
isso acontece em todos os níveis lá no Ministério, também internamente
era muito difícil, principalmente quando ia se discutir a parte de recurso.
(PEIXE, 2017)
Em sua avaliação, essas dificuldades estavam relacionadas com uma questão mais
complicada de ser enfrentada que é a mudança da cultura política impulsionada pelo SNC.

o Sistema é o que mexe mais com a cultura política, o Sistema tenta


implementar uma política de Estado, com continuidade, quando todos os
governantes querem marcar a sua gestão, cada um quer personalizar [...] o
Sistema busca criar políticas permanentes, com continuidade, integração,
quando se tem uma tendência de disputa, de concorrência interna, além do
que o Sistema integra os três entes federados que é outro nível de disputa,
principalmente, quando você tem diferenças políticas, então o Sistema
busca quebrar esses comportamentos e estabelecer uma outra cultura
política, então isso não é fácil, eu acho que sempre tive consciência que era
o mas difícil. (PEIXE, 2017)
Apesar disso, Peixe (2017) avalia que havia pessoas com uma visão mais favorável à
questão federativa, geralmente aquelas que possuíam vivência em gestões municipais e
estaduais.

Especificamente sobre o relacionamento da SAI com a alta cúpula do Ministério, Lia


Calabre (2017) comenta:

[...] no caso de Ana de Hollanda por um desconhecimento, ela acabou não


dando muita atenção, [...] não fazendo muito esforço para que o processo
306

andasse, e permitindo que a Secretaria de Articulação Institucional, com o


Peixe e o Bernardo, tivesse uma certa autonomia para irem tocando essa
pauta junto do congresso. A pauta já estava lá, o Sistema estava para ser
aprovado, então ela permitiu que algumas experimentações de formação e
alguns primeiros desenhos sobre o Sistema fossem caminhando. (CALABRE,
2017)
De acordo com Sérgio Pinto (2018):

[...] não existia um alinhamento [da SAI] com a Secretaria Executiva [...] o
direcionamento político era para outro esforço, [...] Então, existia esse viés
e o Sistema ficou isolado e as coisas não andavam. Ele [Peixe] podia criar o
projeto, mas, no final das contas, o que estados, municípios e a
comunidade perguntava era ‘o que eu vou ganhar com isso? como é que eu
vou desenvolver minhas coisas?’, no final das contas, se você não tem um
apoio político que garanta essa implementação de atividades e ações você
acaba não fazendo com que os municípios e estados construam o
arcabouço institucional para poder desenvolver o sistema. (PINTO, 2018)
Algumas falas do secretário executivo Vitor Ortiz expressam a diferença de ideias que
existia com relação às de João Roberto Peixe. Por exemplo, em entrevista Ortiz (2017) afirma
que sempre foi contrário à ideia de vinculação orçamentária e que para ele a PEC 150/2003
tinha mais um sentido educativo, de chamar atenção do gestor público para a necessidade
de investir recursos na cultura, do que realmente algo impositivo, e que não seria “correto
impor a todas as cidades que ela tem que gastar 1% em cultura” (ORTIZ, 2017). Ele também
era contrário à ideia de que todos os municípios tivessem que ter secretaria de cultura
exclusiva e questionava se o formato de conselhos de cultura continuava sendo pertinente
considerando, por exemplo, novas formas de participação social advindas das redes sociais.
Apesar dessas divergência, Ortiz (2017) considera João Roberto Peixe era a pessoa mais
indicada para conduzir o Sistema pela sua militância desde a época em que era secretário de
Cultura de Recife. Sobre a relação entre os dois, Ortiz (2017) aponta que havia entre ele e
Peixe uma proximidade e que muitas vezes eles estiveram reunidos para tratar do SNC. Em
sua opinião, o problema de relação que houve nessa época foi mesmo com o Conselho
Nacional de Política Cultural.

O problema que tinha ali é que na verdade o Peixe teve que enfrentar um
pouco uma bola dividida porque ele era responsável pelo Conselho
Nacional de Política Cultural, mas justamente no período em que havia
muito conflito entre uma base do governo, que era mais próxima de Juca
Ferreira, com a Ana de Hollanda. Então o pessoal ficou mais próximo de
Juca e eles atuaram fortemente no conselho, questionando as decisões etc.
Eles atuaram muito e Peixe ficou meio que entre o mar e o rochedo nessa
questão. (ORTIZ, 2017)
307

Segundo Peixe (2017), dois momentos de tensão marcaram o CNPC na gestão Ana
de Hollanda. Um foi na época das eleições dos colegiados setoriais, já que algumas áreas do
Ministério, especificamente o audiovisual e os museus, já contavam em suas respectivas
estruturas com órgãos de participação, o Comitê Gestor do Sistema Brasileiro de Museus, do
Ibram, e o Comitê Consultivo da SAV, e havia um impasse em se criar outra instância de
representação98. O segundo momento foi quanto ao entendimento de Ana de Hollanda de
que o CNPC deveria ter caráter consultivo, e não deliberativo: “teve um desgaste enorme da
Ana de Hollanda pela questão de querer reduzir o Conselho só à parte consultiva [...] isso foi
um pau danado” (PEIXE, 2017).

[...] Ana de Hollanda não concordava que [o CNPC] fosse deliberativo, só


consultivo, e o Conselho questionou ela, e ela não respondeu, passou a bola
para mim, para eu responder, então eu respondi, porém com a minha
visão, baseada inclusive nos documentos do MinC, e ela achou que eu
estava desrespeitando a hierarquia, mas eu não iria assinar um documento
sem levar em conta toda a minha história e a do próprio Minc [...] esse é
um tema que vinha desde a I Conferência... foi o momento mais tenso na
gestão de Ana. (PEIXE, 2017)
De acordo com Peixe (2017), o documento com a visão de Ana de Hollanda
acabou sendo assinado por Vitor Ortiz.

Para Bernardo Mata Machado (2017), apesar de ter efetuada a reforma


administrativa de transferência do CNPC para a SAI, a ministra Ana de Hollanda apresentava
certa fragilidade na relação com o Conselho: “a presença dela nas reuniões do Conselho era
muito frágil, ela acabou não compreendendo bem o papel do Conselho” (MATA MACHADO,
2017).

Essa situação de tensão entre a cúpula do Ministério e o Plenário do CNPC pode


ser conferida por meio das atas das reuniões realizadas no período da gestão. Em uma delas,
na 17ª reunião do CNPC ocorrida nos dias 12 e 13 de abril de 2012, representantes da
sociedade civil que integravam o Conselho: (1) solicitaram esclarecimento por parte do MinC
sobre o cancelamento de vários editais lançados pelo órgão em 2009 e 2010, na gestão Juca
Ferreira, cujos resultados haviam sido publicados oficialmente, mas o MinC não havia
efetivado pagamento; (2) fizeram críticas quanto à ausência da ministra Ana de Hollanda nas

98
Este debate está registrado na ata da reunião do CNPC realizada em 28 e 29 fevereiro de 2012. Disponível
em: <http://plenario.cnpc.cultura.gov.br/wp-content/uploads/sites/26/2016/05/Ata-6%C2%AA-
Extraordin%C3%A1ria-CNPC-dias-28-e-29-de-fevereiro-5.pdf>
308

reuniões, que deveria estar “presente para poder haver um debate amplo, democrático e
civilizado sobre a crise dos representantes da sociedade civil e o MinC, mas mais
especificamente com a ministra Ana”, conforme declaração de Charles Narloch,
representante do setor Artes Visuais; (3) citaram que “o avançar seria colocar o dedo na
ferida, porque não adiantava ficar fingindo que nada estaria acontecendo. [...] que estaria
acontecendo uma crise entre a gestão do ministério e o conselho” (fala de Rosa Maria
Coimbra, do setor da Dança); (4) pediram esclarecimento sobre declaração que teria sido
feita pela ministra no jornal Folha de São Paulo sobre uma carta assinada por membros do
Conselho solicitando reunião com a Presidência da República. Na matéria, a ministra teria
declarado que sofre oposição sistemática por parte de alguns membros do CNPC, que teriam
assinado a tal carta, o que na opinião de alguns representantes na reunião, não era verdade;
e (5) que “não havia entendimento por parte da gestão do MinC com o papel do Conselho”
(fala de Nilton Bobato, representante do Livro, Leitura e Literatura). Em resposta a essas
colocações, o representante da ministra na reunião, Vitor Ortiz, esclareceu sobre alguns
problemas orçamentários do Ministério; considerou que a carta enviada à Presidência da
República poderia ter sido entregue diretamente ao Ministério, e comentou sobre a relação
entre o Conselho e o Ministério, conforme registro em ata:

[...] talvez o que estivesse faltando seria uma dose um pouco maior de
confiança mútua. Seria confiar na equipe atual. E acreditar um pouco
menos na pressão que o ministério vinha sofrendo por parte de alguns
setores principalmente explorados pela mídia [...]. Disse [Ortiz] acreditar
que seria possível ser superada as diferenças de pensamento, que
obviamente existiam e não seriam mera casualidade. Sugeriu que as
diferenças fossem discutidas, aprofundadas, para se encontrarem no meio
do caminho. Ressaltou que não havia nenhum problema em se discutir
conceito e aprofundar o debate sobre Direito Autoral. (CONSELHO
NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL, 2012, p. 40-42)
Apesar desse clima de tensão envolvendo o Ministério e representantes da
sociedade civil no Conselho, as matérias dedicadas ao SNC não eram objeto de grandes
divergências. De acordo com Hamilton Pereira (2018), nessa época secretário de cultura do
Distrito Federal e representante do Fórum dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura
no CNPC, o Conselho foi um espaço relevante de debate em torno da implantação do
Sistema Nacional de Cultura, ainda que em um contexto político polarizado, e a presença
sistemática de João Roberto Peixe na apresentação do desenho proposto pelo MinC era algo
a se destacar. Dentre as falas dos conselheiros citados anteriormente, verifica-se o
309

reconhecimento feito quanto à condução do SNC “prevendo de maneira exemplar a


continuidade de tudo isso que se consolida” (fala de Charles Narloch registrada na p. 20 da
Ata da 17ª reunião) .

De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), assim como Peixe, ele também se
deparou com dificuldades no âmbito do Conselho quando assumiu a SAI na gestão Marta
Suplicy, e passou a coordenar as reuniões. Apesar disso, em relação às matérias dedicadas
especificamente ao Sistema, Mata Machado relata que havia boa receptividade por parte
dos conselheiros, inclusive porque no CNPC havia representação do Fórum de Secretários de
Cultura dos Estados e do Fórum de Secretários de Cultura das Capitais e Regiões
Metropolitanas, que tinham afinidade com a proposta do Sistema.

A gente teve um apoio muito forte não só de setor público estadual e


municipal como também da sociedade que via no sistema uma forma de
fortalecer as políticas culturais locais ou estaduais, então, na verdade, a
gente teve muita aceitação, esse não era um problema dentro do conselho,
com certeza não era, mas dentro do ministério era um problema. (MATA
MACHADO, 2017).
Pela fala de Bernardo Mata Machado fica registrada mais uma vez que o SNC era mais
aceito por atores do entorno do MinC do que pelos dirigentes do órgão. Uma situação
exposta quando houve a discussão sobre o percentual de transferência de recursos do
Fundo Nacional de Cultura para estados e municípios, tema que passou pelo Plenário do
CNPC. De acordo com Ana de Hollanda (2016), o governo vinha trabalhando na proposta de
destinar 30% do FNC aos entes subnacionais, mas a partir da sugestão do CNPC, o percentual
passou para 40%, sendo aprovado pelo Conselho do Fundo Nacional de Cultura (CFNC).

Esse condicionamento de 40% sugerido pelo CNPC, que inicialmente estava


sendo discutido como 30%, foi acatado para o ano de 2012 pela Comissão
do Fundo Nacional de Cultura, formada pela Ministra, secretários e
presidentes das autarquias para transferência aos entes federados que
aderiram ao SNC. As secretarias e autarquias executoras se
comprometeram a reservar esse percentual em cada uma de suas ações,
para atender aos estados e municípios conveniados. Nada era
absolutamente pacífico, mas houve um entendimento político de que para
implantar o SNC o MinC deveria se adiantar nesse comprometimento.
(HOLLANDA, 2016)
Da fala de Hollanda, vale a ressalva feita por Mata Machado (2017) sobre o percentual
de transferência do FNC para os entes subnacionais:

aqueles 40% da transferência para estados e municípios não é transferência


via Sistema, é qualquer transferência! O Ibram faz um convênio, o Iphan faz
310

um convênio, aí considera... e como qualquer coisa, na verdade, que o


Ministério faça está em algum lugar, em um Estado ou algum município,
isso fica como se fosse transferência, mais não era via Sistema Nacional, é
uma coisa fajuta... (MATA MACHADO, 2017)
Um dos problemas na gestão do FNC no Ministério decorre do processo de disputa
entre os seus órgãos, que utilizam esse mecanismo para custear projetos próprios, ou seja, o
Fundo não é totalmente, e nem mesmo majoritariamente, destinado ao apoio a instituições
e projetos culturais da sociedade civil (PAIVA NETO, 2017). De acordo com Tony Bezerra
(2017), os recursos do Fundo são repassados para as secretarias do Ministério para
complementar seus orçamentos sem que haja um alinhamento sobre seu uso:

Os recursos do FNC, além de serem escassos, não são utilizados


adequadamente. Eles são repassados às secretarias do MinC para
complementar os seus orçamentos. Há uma falta de diálogo e
articulação entre as secretarias, de forma que as políticas são
fragmentadas, descontinuadas e sem escala. Cada secretaria possui os
seus próprios projetos prioritários e tenta ampliá-los com os recursos do
FNC. (BEZERRA, 2017, p. 102)
Segundo Bernardo Mata Machado (2017), esse uso do Fundo gera uma concorrência
interna no Ministério: “A Funarte disputa o Fundo, o Iphan disputa, o IBRAM disputa...”
(MATA MACHADO, 2017), algo que, na opinião de Pedro Ortale (2017), tem relação com um
problema maior e anterior:

[...] nem dentro do próprio Ministério da Cultura há uma compreensão


sobre a natureza do Fundo Nacional de Cultura, então as coisas começam a
ficar graves, e ficam graves porque o tempo passa super rápido e as coisas
que são importante de fato acabam sendo relegadas a uma instância
inferior. (ORTALE, 2017)
Especificamente da gestão de Ana de Hollanda, Vitor Ortiz (2017) relembra que entre
agosto e setembro de 2012 foram realizadas discussões sobre como inserir a diretriz da
transferência de recurso do Fundo dentro do orçamento do MinC de 2013, cuja proposta
seria consolidada junto à Secretaria do Orçamento Federal e encaminhada no final de 2012
para o Congresso Nacional aprovar. Tal previsão, entretanto, não foi implementada devido à
saída de Ana de Hollanda e parte da equipe em setembro daquele ano.

O que aconteceu foi que isso não se efetivou na prática porque a ministra
Ana saiu em setembro de 2012, eu saí em outubro, Peixe eu acho que saiu
em outubro ou novembro [João Roberto Peixe foi exonerado em 28 de
março de 2013], sei lá, e essa equipe não ficou. Embora tenhamos sido nós
que elaboramos o orçamento de 2013, [...] depois o orçamento foi para o
311

Congresso, em dezembro ele foi aprovado e em janeiro ele foi sepultado


pela ministra Marta com outra equipe. (ORTIZ, 2017)
Na avaliação de Ortiz, o processo de transferência fundo-a-fundo dentro da lógica do
Sistema Nacional de Cultura era algo que já poderia ter sido implantado, mas houve um
atraso nesse entendimento por parte da gestão:

Talvez a gente devesse ter entendido isso antes, mas quando a gente
entendeu isso em 2012, a nossa ideia, depois de destinar uma parte do
recurso do Fundo Nacional de Cultura para transferência direta entre
Fundos para Fundos Municipais, Estaduais e dentro da lógica do SNC,
quando a gente entendeu esse mecanismo, não houve tempo para
regulamentar e colocar em prática. E aí mudou os dirigentes, mudou a
política, não houve uma continuidade total. Houve continuidade, mas esses
detalhes infelizmente se perderam e aí eu acho que ai tá o grande nó.
(ORTIZ, 2017)
Apesar disso, Ortiz (2017) pontua que a proposta de transferência foi aceita na
formulação dos orçamentos dos anos posteriores, mas que não foi implementado por falta
de recursos.

5.3 PUBLICAÇÃO DAS METAS DO PLANO NACIONAL DE CULTURA

Instituído por meio da Lei nº 12.343/2010, o PNC possuía um conjunto de 14


diretrizes, 36 estratégias e 275 ações, que o tornavam um instrumento de gestão pública
pouco exequível, conforme análise do capítulo anterior. Nesse sentido, após publicação da
Lei do PNC, o Ministério da Cultura, sob a coordenação da Secretaria de Políticas Culturais
(então dirigida por Sérgio Mamberti), iniciou o trabalho de estabelecer metas prioritárias
para o documento. Segundo informações disponibilizadas no blog do PNC (MINC, 2011)99, foi
desenvolvida metodologia específica para definir quais metas deveriam integrar o Plano. O
ponto de partida foi as 275 ações, agrupadas em nove temas, que gerou um conjunto inicial
de 48 metas. Na avaliação de Luana Vilutis (2012), o fato de as metas do Plano terem sido
elaboradas após a existência das ações “não proporcionou um encadeamento lógico e direto
de seus componentes e tampouco favoreceu a compreensão de sua metodologia” (p. 140),
com ações que não correspondem a iniciativas que deveriam ser tomadas para o alcance das
metas.

99
Informações disponíveis em: <http://pnc.culturadigital.br/consultapublica/metodologia>. Acesso em jun.
2018.
312

Após a definição inicial das 48 metas por parte do MinC, elas foram submetidas a
debate público por meio da realização de oficinas, seminários e, por fim, consulta pública
feita via Internet, disponibilizada ao longo de 30 dias (entre 21 de setembro e 20 de outubro
de 2011), onde foram registradas a participação de 6.273 pessoas; a produção de 488
comentários sobre as propostas e 32 sugestões de novas metas (MINC, 2011). Finalizada a
consulta, a equipe da SPC se debruçou sobre as contribuições e sistematizou as propostas,
que foram submetidas a discussão entre os gestores do MinC, incluindo as vinculadas, e os
conselheiros do CNPC. A validação final das 53 metas do PNC foi feita pelo Plenário do
Conselho na reunião ocorrida em 28 de novembro de 2011. Vale registrar que ao CNPC não
cabia alterar as metas, e sim aprovar ou não o relatório produzido por um grupo de trabalho
que vinha acompanhando a produção das mesmas100. Após essa tramitação, foi publicada a
Portaria nº123, de 13 de dezembro de 2011, com as 53 metas a serem atingidas até 2020; e
em julho de 2012, o MinC publicou um caderno com textos sintéticos e ilustrações que
buscou apresentar as 53 metas de uma maneira mais simples e didática.

Em síntese, as metas foram organizadas a partir das três dimensões da cultura que
orientaram o MinC a partir da gestão Gilberto Gil, e foram divididas em eixos considerando a
dimensão simbólica, a cidadã e econômica, acrescido do eixo gestão das políticas e
participação social. Não há uma uniformidade e nem padrão entre as metas, por exemplo,
algumas estão em número absoluto – “300 projetos de apoio à sustentabilidade econômica
da produção cultural local” –, outras em percentual – “aumento em 95% do emprego formal
do setor cultural” – e algumas não trazem referência numérica – “política nacional da
proteção e valorização dos conhecimentos e expressões das culturas populares e
tradicionais implantada”. Algumas são objetivas e bem definidas – “150 filmes brasileiros de
longa-metragem lançadas ao ano em salas de cinema” –, outras são abrangentes –
“cartografia da diversidade das expressões culturais em todo o território brasileiro
realizada”, e algumas são desdobramentos de outras metas – “50% dos povos e
comunidades tradicionais e grupos de culturas populares que estiverem cadastrados no
SNIIC atendidos por ações de promoção da diversidade cultural”, que no texto que a
acompanha informa que isso depende da meta 3, relativa à cartografia.
100
Não foi possível verificar a discussão desenvolvida no CNPC porque a Ata da 16ª reunião está incompleta,
sendo relativa apenas ao primeiro dia de encontro. Informações em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10907/1277867/2011+Ata+16%C2%AA%20Reuniao+Ord.+Plenario.pd
f/42190cd2-03db-49fb-b2da-451ef46c0c86>. Acesso em jun. 2018
313

A responsabilidade pela execução das metas também varia, algumas dependem da


ação exclusiva do MinC, outras dependem da participação de órgãos como os ministérios da
Educação, Turismo ou do Trabalho e Emprego, das universidades, de empresas (meta
relativa ao Vale Cultura) e dos entes subnacionais. Todas essas metas devem ser
monitoradas pelo SNIIC com base em indicadores nacionais, regionais e locais, e revisadas
periodicamente a cada quatro anos.

Mesmo após todo o esforço coordenado pela SPC em dar concretude ao PNC por
meio do estabelecimento de metas prioritárias, foram feitos questionamentos sobre a real
condição do Ministério da Cultura implantá-las em um prazo de dez anos. A própria Ana de
Hollanda em entrevista expressa sua descrença considerando as condições estruturais e
orçamentárias do MinC.

Acho que tanto o PNC como o SNC são projetos bastante republicanos no
sentido de tirar o poder centralizador de dirigentes e dividir acertos e erros
com os representantes da sociedade no mundo da cultura. Eu sei que muita
coisa que foi sonhada e projetada nas 53 metas lançadas em 2012 seria
impossível de se alcançar, eu sinceramente achei isso na época, mas se o
CNPC votou achou que daria para cumprir, ótimo, tomara que dê certo. O
fato é que, conhecendo a máquina e a realidade do orçamento, eu não
acreditava que a gente teria esse gás, verba e estrutura para realizar tudo
aquilo. [...] (HOLLANDA APUD ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017, p.343).
Há críticas também quanto ao fato de as metas não serem acompanhadas de fontes e
dados que sustentem a sua expressão quantitativa. Nesse sentido, Isaura Botelho (2016)
comenta: “Já fizeram uma leitura desapaixonada desse Plano Nacional de Cultura? Estou
perguntando sério. Porque eu acho uma piada! Por que você vai formar 1.673 gestores e não
1.200 ou 5.000?”. (BOTELHO, 2016). Além disso, também é objeto de crítica os indicadores
das metas e o seu processo de monitoramento e avaliação, ainda não regulamentado:
“Trata-se de um lapso institucional que compromete a análise do desenvolvimento prático
do Plano, amputando-lhe a possibilidade de avaliar resultados, alcance, mensurar impactos e
rever, a partir disso, os rumos de implementação” (VARELLA, 2014, p. 167). Na opinião de
Aloysio Guapindaia (2016):

[...] os indicadores tirados a partir do Plano Nacional de Cultura não são


bons indicadores, ou nem são indicadores se você analisar com cuidado.
São extensos, enormes.... para cada meta tem vários indicadores, e [...]
dentro de uma meta você tem, na verdade, quatro ou cinco metas e para
cada submeta dessa foi estabelecido um ou dois indicadores. Quando você
vai ver, se tem um Plano enorme, com uma quantidade de indicadores que
314

você não consegue acompanhar [...] o Ministério da cultura não tem


estrutura para isso.
Para Guapindaia (2016), as metas estabelecidas são ambiciosas, considerando a
periodicidade decenal do PNC, e o SNIIC não fornece as ferramentas adequadas para
acompanhar a execução das mesmas, o que complica a avaliação do desenvolvimento das
políticas. Tudo isso rebate, em sua opinião, em todos os níveis de governo, que precisam
estar alinhados.

[...] os indicadores tem que servir para todo mundo, e o sistema [de
informações e indicadores] que precisávamos implantar é um sistema
único, não pode o município acompanhar de um jeito, o estado
acompanhar de outro e o governo federal acompanhar de outro, ninguém
vai se encontrar nunca nesse ambiente. Então o sistema [SNIIC] é o
ambiente onde todo mundo se encontra e trabalha em cima de uma
mesma metodologia, isso é muito difícil também de se fazer sem um
investimento político, e é o que não há. (GUAPINDAIA, 2016)
Uma das dificuldades de um sistema de acompanhamento na perspectiva apontada
por Guapindaia está relacionada justamente ao perfil das 53 metas aprovadas. Segundo
Vilutis (2012, p. 141): “as metas são diversas em relação a sua dimensão, alcance, formas e
graus de execução e aferição, não há como trabalhar com uma metodologia única, em seu
monitoramento”. Um desafio que só aumenta considerando que quase a metade das metas
depende da adesão de estados e municípios para serem alcançadas. Como já foi visto, o PNC
não é um plano restrito à esfera federal, e nesse sentido precisa estar articulado com os
entes subnacionais para que suas metas e diretrizes sejam alcançadas. Essa relação está
expressa na própria Lei do PNC, que estabelece que a vinculação de estados, Distrito Federal
e municípios ocorrerá por meio de termo de adesão voluntária, na forma do regulamento.
Tal regulamentação, entretanto, ainda não foi publicada, o que certamente prejudica a
articulação federativa em torno do Plano.

[...] apesar de a lei não limitar um tempo para que isso ocorra, a falta de um
regulamento atravanca objetivos que demandam a capilarização das
políticas em nível municipal e estadual, o estabelecimento de mecanismos
de gestão e financiamento compartilhado de ações públicas e a própria
interligação institucional com o Sistema Nacional de Cultura, principal
responsável pela articulação federativa do Plano. (VARELLA, 2014, p. 166)
Essa regulamentação poderia esclarecer, por exemplo, como cada um dos entes
federados atuaria para a implantação das metas, algo que não está claro. De acordo com
Silvana Meireles (2017), o debate sobre o federalismo no âmbito do Sistema não avançou
315

muito nem no âmbito do MinC e nem dos estados e municípios, o que prejudica a definição
das competências, refletida na ausência das mesmas no Plano Nacional de Cultura

O federalismo como um dos pilares do SNC é um conceito reconhecido por


todos. Contudo, o debate interno e mesmo com estados e municípios não
avançou muito nesse sentido. Há pouco acúmulo desse debate. Tampouco
houve progressos na discussão sobre os papéis e a divisão de
responsabilidades entre os entes federados. O Plano Nacional de Cultura-
PNC é reflexo desse cenário: nas metas estabelecidas não há qualquer
menção às competências das três esferas. (MEIRELES, 2017)
Ainda na dimensão federativa, o PNC enfrenta problemas quanto ao seu
financiamento, já que a Lei nº 12.343/2010 estabelece que os entes subnacionais que
aderirem ao Plano receberão recursos públicos federais para desenvolver ações culturais.
Tais recursos devem ser transferidos da União para os entes federados e aplicados
prioritariamente por meio de Fundo de Cultura, com acompanhamento e fiscalização do
Conselho de Cultura, na forma de regulamento (Art. 6º). Além da regulamentação estar
pendente, o FNC não tem recursos suficientes para financiar ações previstas em planos de
cultura de estados e municípios.

Muitas metas do Plano Nacional de Cultura não serão alcançadas por falta
de financiamento porque a maioria das metas colocadas ali é de
responsabilidade do governo de estados e municípios, nem é do Governo
Federal. Além de serem metas ambiciosas para um prazo de 10 anos –
quando você não resolveu certas questões do próprio Sistema [SNC]–, você
passa uma responsabilidade para estados e municípios quando eles não
tem como suportar essa responsabilidade. (GUAPINDAIA, 2016).
Além desses problemas, há uma questão de fundo na relação entre Plano e Sistema
que é a fragilidade da interligação entre ambos, que caminharam separadamente e em
ritmos distintos desde o início de suas formulações, como já foi visto no capítulo anterior.
Parte da aproximação entre Plano e Sistema passava pela relação entre SPC e SAI, que em
determinados momentos não estiveram alinhadas. Entretanto, especialmente a partir da
gestão Ana de Hollanda, houve uma aproximação maior entre tais secretarias, que estiveram
sob a direção de dirigentes filiados ao PT: Sérgio Mamberti e Américo Córdula, na SPC, e
Peixe e Mata Machado, na SAI. Essa vinculação pode ser verificada na realização de projetos
como o de apoio a elaboração de planos estaduais e municipais de cultura, ação coordenada
pela SAI em parceria com a SPC. De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), a SAI
tentou inclusive negociar com a SPC a transferência do PNC e do SNIIC para a sua estrutura,
mas não houve avanços na negociação. Apesar disso, Mata Machado relata que a relação
316

entre as duas secretarias nessa época era boa: “[...] a proximidade maior era com Secretaria
de Políticas Culturais também porque ela estava com o PT [...] eu acho que com a Ana de
Hollanda a secretaria vai para o Sérgio Mamberti e depois para o Américo Córdula, e aí a
relação foi muito próxima” (MATA MACHADO, 2017).

Quanto às 53 metas do PNC, vale a pena ressaltar algumas que estão mais diretamente
vinculadas ao SNC:

Meta 1: Sistema Nacional de Cultura institucionalizado e implementado, com 100% das


Unidades da Federação (UF) e 60% dos municípios com sistemas de cultura
institucionalizados e implementados. Segundo o MinC (2013a), o objetivo da meta é que
todos os 26 estados, o Distrito Federal e 3.339 municípios assinem e publiquem acordos de
cooperação federativa e tornem efetivos seus sistemas de cultura, instituídos por meio de
leis estaduais e municipais. Para acompanhar essa meta, o Ministério está utilizando como
medida o número de Unidades da Federação (UF), ou seja os estados e o DF, e municípios
que possuem Acordo de Cooperação Federativa assinado e publicado no Diário Oficial da
União, bem como a constituição e institucionalização dos componentes previstos para os
sistemas (secretaria de cultura ou órgão equivalente, conselho, conferência, plano, sistema
de financiamento com existência obrigatória do fundo, e no caso dos estados, comissão
integestores bipartite). Vale ressaltar que o Ministério estipulou que por acordo
institucionalizado entende-se o quantitativo de entes subnacionais com sistemas de cultura
instituídos por leis próprias. Dito isso, até junho de 2018, a situação da meta era a seguinte:
26 Unidades da Federação (96,3%) e 2.511 dos municípios (75,1% da meta, que não é
relativa ao total de municípios do Brasil, e sim a 60% deles) estavam com acordos firmados.
O único estado que não estava com acordo vigente era o Pará, cujo prazo estava expirado.
Do conjunto dessa adesão, 9 estados (33,3%) e 275 municípios (8,2%) tinham instituídos
seus sistemas por meio de leis próprias. Ou seja, há uma diferença marcante entre o
percentual de entes subnacionais que assinam o Acordo e aqueles que o instituem em lei
própria. Na avaliação de João Roberto Peixe (2017) isso ocorre porque os dois atos envolvem
dificuldades distintas, a exemplo do primeiro não requisitar o envolvimento do Poder
Legislativo local. De opinião semelhante é Silvana Meireles (2017):

Instituir o Sistema por lei própria requer um conjunto de inciativas que


envolvem pactuações com a sociedade civil e com o parlamento. Há
também discussões em alguns estados e municípios sobre a necessidade de
317

instituição do Sistema e mesmo do Plano por meio de Lei, alguns talvez por
temerem o engessamento da gestão cultural e prefiram tratar de planos de
governo, outros por acreditar que há uma onda conservadora nas
Assembleias e Câmaras podendo levar à aprovação de um projeto que
represente, em alguns aspectos, um retrocesso, como ocorreu
recentemente com vários planos de educação. Some-se a esses fatos, a
inexistência de sanções pela não instituição de Sistemas por lei, e em mais
ações coordenadas no sentido de estimular essas iniciativas. (MEIRELES,
2017)
Na avaliação de Meireles (2017), dificilmente a Meta 01 do Plano será alcançada até
2020, sobretudo por conta dos problemas que o MinC vem enfrentando a partir do governo
Michel Temer.

Apesar de tudo isso, e considerando o histórico intermitente da construção do SNC, os


gráficos demonstram uma tendência de crescimento tanto na formalização do processo de
adesão, quanto na criação de sistemas de cultura.
318

Gráfico 05 – Acompanhamento da Meta 01 do PNC relativa ao SNC nas Unidades Federadas

Fonte: Elaboração própria a partir de MinC (2018).

Gráfico 06 – Acompanhamento da Meta 01 do PNC relativa ao SNC nos municípios

Fonte: Elaboração própria a partir de MinC (2018).


319

Especificamente em relação à criação dos componentes dos sistemas de cultura, elas


estão retratadas nas seguintes metas do Plano:

Meta 37 - 100% das Unidades da Federação (UFs) e 20% dos municípios, sendo 100%
das capitais e 100% dos municípios com mais de 500 mil habitantes, com secretarias de
cultura exclusivas instaladas [Órgão gestor de cultura]. Segundo o MinC (2018)101, entre
2014-2015, 21 UFs (78%) possuíam secretaria de cultura exclusiva (as fundações foram
desconsideradas por serem órgãos da administração indireta) e no casos dos municípios, os
números eram de 11 capitais (41%), e 19 cidades (49%) acima de 500 mil habitantes e 1.073
municípios em geral (o que ultrapassava a meta prevista de 20%).

Meta 49: Conferências Nacionais de Cultura realizadas em 2013 e 2017, com ampla
participação social e envolvimento de 100% das Unidades da Federação (UFs) e 100% dos
municípios que aderiram ao SNC [Conferências de cultura]. Segundo o MinC (2018)102, em
2013 todos as 27 UFs que integravam o SNC realizaram conferências (100%), e dos 1.866
municípios aderidos ao SNC, 1.432 promoveram conferências (77%). Em 2017 deveria ter
sido realizada a IV Conferência Nacional de Cultura, entretanto o MinC não a convocou.
Sobre isso, a página de acompanhamento da Meta 49 informa que foram feitas reuniões
com o CNPC para debater o temário da IV CNC (27ª Reunião Ordinária do CNPC e reuniões
dos Colegiados Setoriais).

Os outros componentes obrigatórios do Sistema – Conselho, Plano e Fundo de Cultura


– aparecem vinculados à meta 01, e os dados divulgados pelo Ministério seguiram
informações coletadas na internet e pesquisas publicadas pelo IBGE. Assim, segundo o MinC:
30% (8) dos estados e 7% (369) dos municípios possuem planos de cultura regulamentados;
100% (27) dos estados e 39% (2.155) dos municípios possuem conselhos de cultura; e 96%
(26) dos estados e 19% (1.064) dos municípios possuem fundos exclusivos de cultura.

O Plano Nacional de Cultura apresenta ainda metas relativas ao SNIIC (Meta 02); ao
programa de formação, que perpassa mais de uma meta, mas que está especialmente
presente da Meta 36, voltada para gestores e conselheiros de cultura; e a sistemas setoriais,
como a Meta 5, que trata do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, e a Meta 46, relativa
aos colegiados e planos setoriais.

101
Informações disponíveis em: < http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/37/>. Acesso em jun. 2018
102
Informações disponíveis em: < http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/49/>. Acesso em jun. 2018.
320

5.4 O AVANÇO DA DIMENSÃO NORMATIVA DO SNC

5.4.1 Aprovação da PEC 416-A/2005

No dia 26 de junho de 2012, a PEC nº 416-A/2005, cujo substitutivo havia sido


aprovado em 2010, foi finalmente colocada em votação e aprovada na Câmara dos
Deputados. Como o texto aprovado é basicamente igual ao substitutivo, apresentado no
capítulo anterior, o seu conteúdo não será reexaminado.

Especificamente sobre a tramitação da PEC do SNC, disponível no site da Câmara dos


Deputados103, verifica-se que entre 2011 e 2012 houve diversos requerimentos solicitando a
inclusão dessa pauta para apreciação do Plenário, pedidos feitos inclusive por deputados de
diferentes partidos e estados (PCdoB/RJ, PT/RS-GO-AM, PMDB/RO, PSDB/PB e PR/MG).
Entretanto, a votação só foi ocorrer em junho de 2012, ou seja, a PEC do Sistema tramitou
durante sete anos nessa Casa. Na avaliação de Bernardo Mata Machado (2017):

[...] eu acho que toda vez que o Poder Executivo quer, ele faz o Poder
Legislativo caminhar. Eu arriscaria uma hipótese que fez parte um pouco
dessa ausência de prioridade do Sistema também não ter caminhado na
Câmara. É a partir de Ana de Hollanda é que se fortalece mais a SAI,
fortalece um pouco mais o Sistema, apesar também de não assumir como
prioridade, mas você tem o papel importante no Congresso de Jandira
Feghali, que aí me parece algum relacionamento do Gabinete com a Jandira
e com o Congresso. (MATA MACHADO, 2017)
O pedido da inclusão dessa PEC na pauta do Plenário da Câmara foi feito pela
deputada Jandira Feghali, que tinha sido secretária de Cultura do município do Rio de
Janeiro, tendo atuado inclusive no Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes de Cultura
das Capitais.

Segundo Vitor Ortiz (2017), a aprovação da PEC foi resultado de uma articulação feita
pelo MinC junto ao deputado Marco Maia (PT/RS), presidente da Câmara dos Deputados na
época.

[A aprovação da PEC está] um pouco relacionada a um trabalho que nós


fizemos com o então presidente do Congresso Nacional, que era o
Deputado Marco Maia. Nós pedimos para ele que fossem destravadas
algumas pautas que estavam no congresso do MinC, uma delas era a PEC. E
essa PEC não tinha oposição, ela era bastante razoável. (ORTIZ, 2017)

103
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=290677
321

O fato de a Proposta não ter oposição, conforme citação de Vitor Ortiz, e ter
permanecido todos esses anos em tramitação na Câmara dos Deputados, parece confirmar o
que supõe Bernardo Mata Machado quanto a uma necessária atuação do Executivo junto ao
Legislativo. Sobre a longa tramitação da PEC do SNC, João Roberto Peixe (2017) pontua que
decorreu também da própria exigência normativa para aprovação de Emendas
Constitucionais no país, ou seja, para a PEC ser votada na Câmara, necessitava um quórum
mínimo no Plenário e da Proposta receber votos favoráveis em uma maioria qualificada de
2/3. Caso isso não ocorresse, a PEC seria arquivada: “Então, só pode colocar em votação
quando tem segurança de ter quórum e votos favoráveis [...] porque se você colocar em
votação e não atingir, morreu, é arquivado e começa tudo de novo.” (PEIXE, 2017). Assim,
em 30 de maio de 2012, a PEC 416-A/2005 foi incluída na pauta do Plenário onde houve a
discussão em primeiro turno; e no mês seguinte, no dia 26 de junho de 2012, foi dado
prosseguimento com a discussão em segundo turno e submissão da Proposta à votação, cujo
resultado foi 326 votos a favor e um contra, do Deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ). De acordo
com Peixe (2017), a votação foi tranquila porque o Sistema Nacional de Cultura não era uma
matéria polêmica, e a tensão que permeou esse processo foi mais por conta do quórum
mínimo exigido.

Dois dias depois dessa votação, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados remeteu a
PEC aprovada para o Senado, onde passou a tramitar como PEC nº 34/2012.

5.4.2 Aprovação da PEC nº 34/2012

No Senado Federal, a PEC nº 34/2012 teve uma tramitação curta104: chegou na Casa
em 04 de julho de 2012; no mês seguinte, em agosto, foi distribuída para a Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde a Senadora Marta Suplicy (PT/SP) foi designada
como relatora; no dia 21 do mesmo mês, o relatório com voto favorável de Suplicy foi
remetido para a CCJ onde, em 29 de agosto, foi aprovado105. Nesse mesmo dia, o Parecer da
relatora foi apresentado no Plenário do Senado, onde foi solicitado calendário especial para
colocar a PEC na pauta de votação; ato que ocorreu em 12 de setembro, quando a matéria
tramitou em primeiro turno, sendo aprovada por unanimidade, às 18h39, e submetida a
nova votação em segundo turno neste mesmo dia, às 19:04, quando novamente foi
104
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106347>
105
O relatório aprovado pode ser conferido em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-
/materia/106347>
322

aprovada por unanimidade; ou seja, a tramitação de votação da PEC 34/2012 no Plenário se


deu em um só dia e em menos de uma hora.

De acordo com João Roberto Peixe (2017), a aprovação da PEC no Senado foi
consequência das manobras feitas pela então senadora do PT Marta Suplicy, que na época
era também vice-presidente da Casa e tinha interesse na rápida aprovação da Proposta
porque estava prestes a assumir o MinC.

[A aprovação no Senado] foi muito a influência da Marta Suplicy, foi na


véspera dela assumir o Ministério, eu pensei até que isso seria uma
complicação, que a oposição ia votar contra para tentar desgastar, mas ela
realmente tinha um prestígio lá muito grande, ela era vice presidente [do
Senado], e aí foi manobra... (PEIXE, 2017)
De acordo com Peixe (2017), como Marta Suplicy iria assumir o Ministério, ela tinha
que renunciar ao cargo de senadora e eleger seu substituto na vice-presidência do Senado.
Além disso, Suplicy queria votar os dois turnos exigidos para aprovação da PEC no mesmo
dia, e pelo regimento da Casa, era preciso haver cinco sessões entre um turno e outro.

Sarney era o presidente do Senado, aí não concordava com isso, mas ela então
lhe disse: ‘então, você não preside e o meu novo vice preside essa sessão’, e aí
Sarney saiu da mesa e [...] o cara que foi eleito na sessão assumiu
imediatamente e começou a colocar em discussão... aí precisa de quórum...se
teve o quórum, foi aprovada, mas só podia votar cinco sessões depois, aí ele
abria a sessão[...] tinha gente que se inscrevia para falar, ele encerrava a sessão
e começava outra atééé...tudo isso na sequência... (PEIXE, 2017)
Peixe (2017) relembra que apesar de todos os desafios dessa tramitação, como o risco
dos senadores não permanecerem no Plenário para votarem nos dois turnos, a proposta foi
aprovada por unanimidade.

Na opinião de Ana de Hollanda (apud ROCHA, OLIVEIRA, BARBALHO, 2017, p. 343):


Demos toda ênfase, mas o grande trabalho foi realmente de
convencimento e implementação do sistema, pois como lei, ele foi
aprovado no Senado exatamente na véspera da minha saída do MinC. Foi
desenvolvido na minha gestão, mas a Marta Suplicy, então senadora e
como relatora, se empenhou também pela aprovação no Senado.
De acordo com Bernardo Mata Machado (2017):

[...] ela [Marta Suplicy] como senadora, foi relatora da Emenda


Constitucional do Sistema no Senado, e o Senado aprova já com ela
indicada para ministra. No dia seguinte ela assume o Ministério. Então, a
aprovação da PEC no Senado tem muito a ver com uma homenagem à
Marta Suplicy que vai assumir o Ministério no dia seguinte. Houve uma
articulação própria dela.
323

A conversão da PEC 34/2012 na Emenda Constitucional nº 71/2012 foi feita em sessão


solene realizada no Congresso Nacional no dia 29 de novembro de 2012, quando foi
oficializado a inscrição do Artigo 216-A na Constituição Federal do Brasil, instituindo o
Sistema Nacional de Cultura. Uma aprovação considerada por alguns atores como um
importante avanço para as políticas culturais do Brasil. De acordo com João Roberto Peixe
(2017): “foi uma vitória muito importante politicamente e também do ponto de vista
institucional”, isso porque em sua opinião, com o Sistema previsto na Constituição, é mais
difícil que um governo extinga as estruturas/instâncias ali previstas, ainda que possa esvaziá-
las.

O texto final da EC nº71/2012 é praticamente igual ao do substitutivo de 2010. O caput


do Art. 216-A define o SNC:

Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de


colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo
de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura,
democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a
sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social
e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.
O parágrafo primeiro estabelece que o SNC fundamenta-se na política nacional de
cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no PNC, e deve ser regido por doze princípios,
exatamente os mesmos listados no substitutivo, descritos no capítulo anterior. O parágrafo
segundo apresenta a estrutura do SNC nas respectivas esferas da Federação:

I - órgãos gestores da cultura;


II - conselhos de política cultural;
III - conferências de cultura;
IV - comissões intergestores;
V - planos de cultura;
VI - sistemas de financiamento à cultura;
VII - sistemas de informações e indicadores culturais;
VIII - programas de formação na área da cultura; e
IX - sistemas setoriais de cultura.
O parágrafo terceiro informa que Lei federal disporá sobre a regulamentação do SNC,
bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de
governo. E o parágrafo quarto, que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias.
324

Assim, ficou constitucionalmente previsto um sistema de cultura para o país cujo


modelo de gestão deve ser adotado pelos três níveis de governo, que deverão instituir seus
sistemas conforme os componentes estabelecidos no parágrafo segundo. Uma previsão que,
para alguns autores, merece ser analisada com cuidado. De acordo com Carlos Alberto
Molinaro e Fernando Dantas (2013, p. 1984):

[...] a proposta de uma estrutura fixa para o Sistema, nas respectivas


esferas da Federação (§2º), não deixa claro se o que se quer é preordenar
as instituições governamentais de cultura no âmbito de cada esfera política
autônoma, risco que, por sua vez, nem mesmo a previsão de que “os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos
sistemas de cultura em leis próprias” (§4º) permite afastar de maneira
inequívoca. Ainda mais porque à União caberá dispor “sobre a
regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua
articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de
governo” (§3º), sem que se tenha estabelecido de maneira precisa limites à
ingerência federal nos sistemas regionais de cultura.
Os autores alertam, portanto, para o risco de o SNC ser estabelecido de tal modo que
fira o princípio da autonomia dos entes federados, uma avaliação contestada por Humberto
Cunha Filho (2017), que acredita que o texto revela mesmo é a intenção da União de “fixar
comportamentos padronizados para os entes da federação” (CUNHA FILHO, 2017). De
acordo com o professor:

Eu acho que não é propriamente uma agressão de autonomia, porque


inclusive é por adesão, mas é uma ausência de sensibilidade para com as
peculiaridades do próprio campo cultural, que eu acho que cumpre seu
papel quando está com a possibilidade de realizar inovações, não somente
de produtos, mas também de métodos, então, nesse sentido, eu imagino
que há uma falha nessa estrutura. (CUNHA FILHO, 2017)
Sobre a discussão da reprodução dos componentes do Sistema nos três níveis de
governo e a crítica de um possível engessamento da cultura, Bernardo Mata Machado (2017)
avalia que o SNC se dirige à política pública de cultura, e não à cultura em si, e que o seu
foco é a organização das políticas culturais na perspectiva de racionalizá-las por meio de
planejamento, avaliação, informação, dados estatísticos etc., tanto que, recorda Mata
Machado, o SNC chegou a ser chamado Sistema Nacional de Política Cultural. Além disso,
pontua que para o Estado garantir o pleno exercício dos direitos culturais, previsto na
Constituição, é preciso que o poder público possua uma estrutura capaz de efetivar tais
direitos, e o SNC reflete essa perspectiva e, por meio do pacto federativo, amplia a
institucionalização por todo o país. Além disso, Mata Machado considera que a abertura do
325

Sistema a mecanismos de participação social permite que a dinamicidade da sociedade seja


incorporada ao mesmo.

[o SNC] tem mecanismos de audiência, de ouvir a sociedade, então se a


cultura é dinâmica e você estiver sempre ouvindo através dos conselhos e
das conferências, e ouvindo mesmo, não entrando por aqui e saindo por ali,
você capta a dinâmica da sociedade...não tem nada de engessar, é
simplesmente racionalizar uma política pública. (MATA MACHADO, 2017)
Outra discussão gerada a partir do Art. 216-A e destacada por Molinaro e Dantas
(2013) é quanto aos “riscos de estabelecimento de uma política cultural vertical e
centralizada” e nesse sentido, a implementação de Emenda Constitucional deve ser
observada “de forma atenta nos próximos anos” (MOLINARO; DANTAS, 2013). Sobre essa
questão, Cunha Filho (2017) acredita que o Sistema deveria estimular mais a horizontalidade
e a sua operacionalização deveria ser feita “não a partir da perspectiva unificadora da União,
mas da perspectiva da relação entre os entes da federação mais horizontalizado possível”.
(CUNHA FILHO, 2017). Esse é um interessante debate que deve acompanhar o
desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura. Entretanto, um aprofundamento maior
dessa análise requer mais tempo, já que além de ser uma política de médio e longo prazo, o
Sistema efetivamente não foi implantado na sua perspectiva federativa. A Lei Ordinária que
deve regulamentá-lo não foi publicada; a Comissão Intergestores Tripartite não foi nomeada;
não há definições quanto às competências de cada ente no Sistema; não há garantia de
financiamento por meio de transferência de recursos fundo-a-fundo, e mesmo se houvesse
recurso, permanece indefinido os critérios de distribuição e repasse do mesmo. Questões
que estão inter-relacionadas e são importantes para que o Sistema seja de fato nacional e
possa articular os três níveis de governo na perspectiva de fundar um federalismo cultural.

5.4.3 O Projeto de Lei de regulamentação do SNC

Enquanto a PEC nº416-A/2005 tramitava na Câmara dos Deputados, a SAI trabalhava


na formulação do Projeto de Lei que regulamentaria o Sistema (PL SNC). Tal Projeto
começou a ser elaborado na gestão Juca Ferreira a partir do documento-básico do SNC e,
segundo João Roberto Peixe (2017), chegou a ser submetido e aprovado pelo Plenário do
CNPC em 2010, mas não seguiu para a Casa Civil. E então, quando ele assumiu a SAI na
gestão Ana de Hollanda, “[...] a primeira coisa que eu fiz foi pegar esse projeto... e a gente
teve que retomar, rediscutir, enfim, porque aí já tinha outros secretários... [...] porque o
Sistema não envolve só a SAI, envolve todo o Ministério.” (PEIXE, 2017).
326

A retomada da discussão em torno do PL SNC foi feita também no âmbito do CNPC,


onde foi novamente apreciado e aprovado. De acordo com Peixe (2017), o Conselho fez
poucas alterações, basicamente sendo alterada a questão relativa à indicação de
representantes para os colegiados setoriais e para o Plenário do CNPC: “na proposta [da SAI]
estava que os fóruns escolhiam os membros do colegiado como membros do Conselho, só
que o Conselho não aprovou isso, ficou: o fórum escolhe o colegiado, mas quem escolhe o
membro do Conselho é o colegiado, e não o fórum.” (PEIXE, 2017). Tal alteração, entretanto,
não constava na proposta encaminhada para a Casa Civil porque este envio foi feito antes da
discussão no CNPC:

a gente tinha encaminhado o Projeto para a Casa Civil quando surgiu isso e
aí eu negociei com eles [Conselho] que para não atrasar, eu faria uma
emenda depois, aí quando houve a mudança no Ministério, saiu a Ana e
entrou a Marta, e aí o projeto voltou para a Marta, aí eu aproveitei e fiz
essa alteração porque o Conselho tinha pedido. (PEIXE, 2017)
O fato de a proposta do PL SNC ter sido encaminhada para a Casa Civil sem ter a sua
discussão finalizada no Conselho pode revelar uma série de questões, como dificuldade de
ajuste do ritmo entre o MinC e o CNPC, que possuem dinâmicas de funcionamento distintas;
confiança por parte do secretário de Articulação Institucional de que a proposta seria
aprovada pelo CNPC, no marco de uma nova relação entre os dois órgãos; confiança
também por parte do Conselho de que a sua sugestão seria incorporada posteriormente;
mas ao mesmo tempo pode significar uma desvalorização da importância e papel do
Conselho na formulação das políticas públicas.

Em relação à tramitação do PL SNC dentro do Ministério, Peixe (2017) informa que


houve discussão durante todo o ano de 2011 e, somente no início de 2012, o documento
conseguiu ser enviado para a Casa Civil. Segundo Peixe, Ana de Hollanda aprovou a versão
do projeto sem restrições e “as questões ficavam mais entre a SAI e o setor jurídico...a gente
teve que ir pactuando e recuando em algumas coisas [...]”. (PEIXE, 2017). Segundo o
secretário, tal discussão se deu especialmente por conta do tamanho e densidade do texto,
que o setor jurídico queria reduzir já pensando na lógica da Casa Civil.
327

Em síntese, o PL do SNC106 dispõe sobre a Política Nacional de Cultura e o SNC, seus


princípios, objetivos, estrutura, organização, gestão, relações entre os seus componentes,
recursos humanos, financiamento, dentre outros. O texto está divido em três partes, a
primeira trata da Política Nacional de Cultura, a segunda do SNC, e a terceira do
Financiamento.

A primeira parte – Política Nacional de Cultura (Título I) – aborda temas relativos à


cultura enquanto direito fundamental do ser humano; ao papel do Estado nas políticas
públicas; ao desenvolvimento de parcerias, quando possível, com o setor privado para
“buscar a complementaridade das ações, evitando superposições e desperdícios”; à
transversalidade com as demais políticas públicas (educação, comunicação, relações
exteriores etc.). O capítulo um desse título arrola alguns direitos culturais no seu Art. 5º; o
capítulo dois apresenta os fundamentos da Política Nacional, assentado na
tridimensionalidade da cultura; e há ainda um artigo específico sobre o direito autoral.

De acordo com João Roberto Peixe (2017), essa era uma das partes que o setor jurídico
do MinC queria eliminar porque tratava de questões conceituais e havia o intento de
sintetizar o documento. O que, em sua opinião, era um erro porque essa primeira parte
evitava que o texto se tornasse algo genérico ou ambíguo. Este entendimento prevaleceu
por um tempo, tendo sido contemplado no Projeto enviado para a Casa Civil na gestão Ana
de Hollanda, mas acabou sendo retirada quando o PL retornou para o MinC na gestão
Suplicy.

[...] a gente já tinha tido um embate muito grande interno no Ministério pra
deixar isso, algumas coisas a gente teve que sair enxugando, mas isso a
gente manteve, mas depois, na última versão que eu tive acesso, já fora do
Ministério, essa parte já havia saído do Projeto. (PEIXE, 2017).
A segunda parte do PL está voltada para o SNC (Título II), e ocupa a maior parte do
documento. O capítulo um trata das definições e dos princípios do Sistema, destacando
aspectos relativos à sua dimensão federalista.

O capítulo dois trata dos objetivos gerais e específicos do SNC: I - estabelecer processo
democrático de participação na gestão das políticas e dos recursos públicos na área cultural;
II - assegurar partilha equilibrada dos recursos públicos da área da cultura entre as diversas
106
O Projeto de Lei de Regulamentação do SNC aprovado pelo CNPC e encaminhado, em 2012, pelo MinC à
Casa Civil da Presidência da República foi disponibilizado por João Roberto Peixe, via e-mail em 11 de maio de
2017.
328

regiões do país e entes federados; III - articular e implementar políticas públicas que
promovam a interação da cultura com as demais áreas, considerando seu papel estratégico
no processo de desenvolvimento; IV - promover o intercâmbio entre os entes federados
para a formação, capacitação e circulação de bens e serviços culturais, viabilizando a
cooperação técnica entre estes e a otimização dos recursos financeiros e humanos
disponíveis; V - criar instrumentos de gestão para acompanhamento e avaliação das políticas
públicas de cultura desenvolvidas no âmbito do SNC; e VI - estabelecer parcerias entre os
setores público e privado nas áreas de gestão, de fomento, de formação e de promoção da
cultura.

O capítulo três apresenta a estrutura do SNC nos três níveis de governo, conforme Art.
216-A. Uma parte do capítulo trata dos componentes do SNC no âmbito federal (Art. 18),
estadual/Distrital (Art. 19) e municipal (Art. 20), conforme quadro a seguir. Vale ressaltar
que nos últimos dois casos foram previstas estruturas mínimas dos respectivos sistemas de
cultura.
329

Quadro 17 – Componentes do SNC nos vários níveis de governo


Âmbito Federal Âmbito Âmbito Municipal
Estadual/Distrital

I - coordenação Ministério da Cultura Secretaria Estadual ou Secretaria Municipal de


Distrital de Cultura ou Cultura ou órgão
órgão equivalente equivalente.
a) Conselho Nacional de a) Conselho Estadual ou a) Conselho Municipal
II - instâncias de Política Cultural - CNPC; Distrital de Política de Política Cultural;
articulação, Cultural;
b) Conferência Nacional b) Conferência
pactuação e de Cultura - CNC; b) Conferência Estadual Municipal de Cultura.
deliberação ou Distrital de Cultura;
c) Comissão
Intergestores Tripartite - c) Comissão
CIT. Intergestores Bipartite.
a) Plano Nacional de a) Plano Estadual ou a) Plano Municipal de
Cultura - PNC; Distrital de Cultura; Cultura;
b) Sistema Nacional de b) Sistema Estadual ou b) Sistema Municipal de
Financiamento à Cultura Distrital de Financiamento à
III - - SNFC; Financiamento à Cultura.
instrumentos Cultura.
c) Sistema Nacional de
de gestão
Informações e
Indicadores Culturais -
SNIIC;
d) Programa Nacional de
Formação na Área da
Cultura - PRONFAC.
a) Sistema Nacional de
Patrimônio Cultural -
SNPC;
b) Sistema Brasileiro de
IV - sistemas
Museus - SBM;
setoriais de
cultura c) Sistema Nacional de
Bibliotecas Públicas -
SNBP; e
d) outros que venham a
ser constituídos,
conforme regulamento
Fonte: Elaboração própria a partir do Projeto de Lei do SNC (2012)

Outra parte desse capítulo trata da coordenação do SNC, a ser exercida pelo MinC e
suas unidades vinculadas. São descritas as competências do Ministério enquanto órgão
coordenador do Sistema, a exemplo de: (I) estabelecer procedimentos para integração de
entes subnacionais por meio de termo de adesão voluntária; (II) emitir orientações e
330

deliberações normativas de gestão, aprovadas no CNPC; (III) implementar as pactuações


acordadas na CIT e aprovadas pelo Conselho; (IV) subsidiar os entes federados no
estabelecimento de instrumentos metodológicos e na classificação dos programas e ações
culturais no âmbito dos respectivos planos de cultura; (V) formular e implementar o
Programa Nacional de Formação na Área da Cultura (PRONFAC); (VI) coordenar e convocar a
Conferência Nacional de Cultura (CNC). Esta seção guarda semelhança com o Sistema
Federal de Cultura (SFC), inclusive algumas competências previstas para o Ministério são
idênticas. No caso do PL, algo que merecer ser ressaltado quanto às instâncias de
articulação, pactuação e deliberação é a ausência de entidades vinculadas ao sistema de
financiamento do Ministério: a Comissão Nacional de Incentivo a Cultura (CNIC) e a
Comissão do Fundo Nacional de Cultura (CFNC)107. Considerando que o FNC é apontado
como principal mecanismo de financiamento do SNC, talvez fosse importante integrar tais
instâncias ao Sistema.

A Seção III do capítulo do SNC versa justamente sobre as suas instâncias de


composição: CNPC, CNC e CIT. Destaca-se aí as competências do CNPC voltadas para: (I)
definição de parâmetros gerais para aplicação dos recursos do FNC, considerando a
distribuição regional e o peso dos diversos segmentos culturais; (II) aprovação de critérios de
partilha e de transferência de recursos para demais entes federados, negociados e
pactuados na CIT e encaminhado para a CFNC e para a CNIC; (III) apreciação e aprovação das
diretrizes do PRONFAC, especialmente quanto à formação de conselheiros de cultura e de
recursos humanos para a gestão das políticas culturais; (IV) estímulo e acompanhamento
dos acordos de cooperação entre os entes federados para implementação do SNC; (V)
cooperação com os Conselhos de Política Cultural dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Com relação à CIT, as competências previstas foram: (I) propor mecanismos e critérios para
implantação e operacionalização do SNC; (II) estabelecer acordos sobre encaminhamentos
de questões operacionais referentes à implantação de políticas, programas, projetos e ações
que compõem o SNC; (III) atuar como fórum de pactuação de instrumentos, parâmetros,
mecanismos de implementação e regulamentação do SNC; (IV) pactuar mecanismos e
critérios transparentes de partilha e transferência de recursos do FNC para os fundos
estaduais, distrital e municipais; e (V) articular-se com as Comissões Intergestores Bipartites

107
Reinstituída pelo Decreto nº 5.761/2006.
331

e com os poderes públicos locais, de forma a otimizar a operacionalização do SNC. A


composição da CIT deverá ser paritária, com representantes dos governos federal, estaduais
e municipais, abrangendo as cinco regiões do país, a ser regulamentada. Em relação à essa
representação, o Parágrafo único do Art. 37 do PL prevê: “Cabe aos colegiados de dirigentes
dos órgãos gestores Estaduais, Distrital Municipais de Cultura, de cada uma das regiões do
País, a escolha do respectivo representante na Comissão Intergestores Tripartite - CIT, na
forma do regulamento”. No PL não há qualquer menção aos fóruns nacionais de secretários
e dirigentes de cultura de estados e municípios, instâncias que desde 2003 vinha dialogando
com o MinC na construção do SNC.

Outra parte do regulamento aborda os instrumentos de gestão do SNC: Plano


Nacional, Sistema de Financiamento, SNIIC e o Programa Nacional de Formação na Área da
Cultura (Pronfac). Dessa seção vale destacar que ao tratar do PNC, o PL indica a estrutura
que deve integrar os planos de cultura dos entes subnacionais (diagnóstico, diretrizes,
objetivos, metas, indicadores, recursos materiais, humanos e financeiros etc), algo que nem
mesmo compõe o documento nacional. Em relação ao SNIIC, destaca-se o Art. 52 do PL que
estabelece que cabe ao MinC “coordenar um processo de reestruturação dos sistemas locais
de informações e indicadores culturais a partir de um modelo nacional, construído
conjuntamente com os Estados e Municípios e disseminar esse sistema nacionalmente”.
Quanto ao Pronfac, tem-se que a sua elaboração, regulamentação e implementação deve
ser feita pelo MinC em articulação com os demais entes federados e em parceria com o
Ministério da Educação e instituições educacionais. O objetivo central do Pronfac é
“capacitar os gestores públicos e do setor privado e conselheiros de cultura, responsáveis
pela formulação e implementação das políticas públicas de cultura, no âmbito do Sistema
Nacional de Cultura” (PL SNC, 2012). A sua implementação deve ser feita por meio de uma
rede nacional de instituições públicas e privadas de formação na área cultural.

A última parte do Projeto de Lei é dirigida ao financiamento. O Fundo Nacional de


Cultura é considerado a principal fonte do SNC, integrado ainda pelos orçamentos do MinC e
de suas unidades vinculadas. Especificamente sobre a transferência de recursos fundo-a-
fundo, o Art. 64 prevê que a União deverá destinar no mínimo 30% de recursos do FNC a
fundos públicos de estados, municípios e Distrito Federal. Um percentual menor do que foi
definido pelo CNPC, que era 40%. De acordo com o PL, os recursos envolvidos nessa
332

operação deverão ser usados para financiar: (I) ações relativas ao PNC ou aos planos de
cultura de estados e municípios; e (II) projetos culturais escolhidos pelo respectivo ente
federado por meio de seleção pública. O PL prevê também que 50% do recurso recebido
pelo ente estadual deverá ser repassado aos seus municípios, num prazo máximo de 180
dias, por meio de transferência direta aos fundos municipais de cultura; e que para os entes
receberem recursos do FNC, devem ter Conselho, Plano e Fundo.

É previsto no PL que será exigido dos entes federados contrapartida para as


transferências previstas via FNC, mas não há detalhamento de percentuais de tal
contrapartida. Na Lei nº 8.313/1991 que ainda rege o FNC, não há citação sobre
contrapartida por parte de entes federados, nem a previsão de transferência de recursos
fundo-a-fundo. Neste sentido, a aprovação de nova lei que verse sobre os mecanismos de
financiamento do MinC é fundamental para o SNC. Quanto aos critérios de aporte de
recursos do FNC, o Art. 65 do PL prevê que deverão considerar a participação dos entes
subnacionais na distribuição total de recursos federais para a cultura, com objetivo de
promover a desconcentração regional do investimento, devendo ser aplicado, no mínimo,
10% em cada região do País. Os critérios devem considerar indicadores sociais, econômicos,
demográficos e outros específicos da área cultural, bem como as diversidades regionais,
conforme regulamento.

Ainda em relação à gestão financeira do SNC, o PL indica que os recursos serão


depositados em conta específica de cada esfera de atuação do Sistema, e administrados
pelos órgãos gestores da cultura sob fiscalização dos conselhos de política cultural. O Art. 67
prevê que os critérios de partilha e de transferência de recursos da União para os demais
entes federados, no SNC, devem ser públicos e transparentes, sendo estabelecidos e
regulamentados após negociação e pactuação na CIT e aprovação no CNPC. E que tais
critérios devem resultar de uma combinação de indicadores pertinentes, para o que
contarão com assessoria técnica do MinC. Caberá também à CIT e CIBs editar normas
específicas sobre os procedimentos de repasse de recursos para co-financiamento das
políticas culturais, considerando os critérios de partilha e transparência aprovados no CNPC.

Quanto às condições para que os entes subnacionais recebam recursos da União no


âmbito do SNC, é previsto que só ocorrerá no caso de adesão ao Sistema, com o
cumprimento das condicionalidades acordadas, que envolve a criação de sistema de cultura,
333

com institucionalização e funcionamento dos componentes mínimos exigidos, no prazo de


até dois anos após a assinatura do termo de adesão. Além disso, os entes subnacionais
beneficiários devem garantir destinação orçamentária de recursos próprios à cultura,
alocados no orçamento do órgão gestor da cultura e no fundo de cultura. Nesse trecho
dedicado às exigências para repasse de recursos há um problema considerando que o Art.
64, § 3o, exige como mínimo que os entes subnacionais tenham Conselho, Plano e Fundo,
enquanto o Art. 69 fala de sistemas de cultura, que obrigatoriamente devem ter além desses
três componentes, Conferência de Cultura e Secretaria de Cultura ou órgão equivalente. Não
fica clara, portanto, qual é esse mínimo a ser cumprido por parte dos entes subnacionais.

Como pode ser observado, essa versão do Projeto de Lei que deveria regulamentar o
SNC buscou destacar a sua perspectiva federativa. É um texto que está em consonância com
o documento-básico aprovado pelo CNPC em 2009, e pode ser considerado extensivo,
inclusive reproduzindo conteúdos já disponibilizados em outras normas do Ministério. Por
outro lado, uma série de questões devem ser desdobradas em regulamentos específicos.
Chama atenção o fato de o PL não aprofundar questões relativas às atribuições e
competências dos entes federados. De acordo com João Roberto Peixe (2017), o
detalhamento sobre essas questões no PL foi uma das mais discutidas na época do GT do
SNC, e acabou se optando por deixar que outros instrumentos legais mais flexíveis, como o
decreto, desse conta disso a partir das pactuações promovidas na CIT e CIBs.

Apesar de o PL SNC ter sido considerado por João Roberto Peixe uma das prioridades
da sua gestão, a regulamentação não foi publicada porque, quando o PL estava tramitando
na Casa Civil, houve mudança na direção do Ministério, que passou a ser exercida pela ex-
senadora Marta Suplicy, e então o projeto retornou para o Ministério. Vale esclarecer que
sempre que há mudança de ministro em uma pasta, os projetos encaminhados à Casa Civil
retornam para que a nova gestão aprecie a matéria.

5.5 FINALIZAÇÃO DA GESTÃO ANA DE HOLLANDA

A saída de Ana de Hollanda do MinC ocorreu em setembro de 2012 decorrente de


uma série de problemas, a exemplo do desgaste junto ao CNPC, à condução dada ao
Programa Cultura Viva/Projeto Ponto de Cultura, à relação da ministra com o tema das
334

culturas digitais, agravada no contexto de revisão da Lei de Direitos Autorais, ao não


enfrentamento de questões relativas à política para artes, considerada prioritária no seu
discurso de posse, dentre outros temas. De acordo com Lia Calabre (2015), mesmo antes da
posse de Hollanda já havia indícios de que o MinC passava por uma perda simbólica e efetiva
de poder e de sua centralidade política, materializada na demora na definição de quem
assumiria a pasta no governo Dilma Rousseff, acrescido da ausência de um projeto político
para o órgão. Segundo Calabre (2015), isso resultou, em última instância, na escolha de Ana
de Hollanda para o cargo, o que foi objeto de insatisfação por diversos grupos de atores:

Já de início, tal escolha gera um sentimento de insatisfação na maioria dos


atores envolvidos nos diálogos que vinham sendo estabelecidos desde
2003. Tal sentimento se estende tanto à área da gestão pública em cultura
quanto aos grupos da sociedade civil, ou ainda a muitos dos segmentos dos
produtores culturais e artistas. (CALABRE, 2015. p. 37)
Para Albino Rubim (2015), além dessa tensão marcada no processo de nomeação de
Hollanda, houve problemas na condução e diálogo com uma série de temas durante a sua
gestão, que revelou a sua fragilidade política.

Na gestão Ana de Hollanda, atitudes iniciais, em dissonância com as


políticas anteriores, alimentaram conflitos já presentes no processo de
indicação para a direção do Ministério. Temas como direitos autorais,
culturas digitais, Pontos de Cultura e política para artes estiveram no centro
da discórdia. O clima conturbado se estendeu por praticamente toda
gestão. O reduzido manejo político dificultou diálogos e interditou
alternativas. A frágil força política fez declinar o patamar de formulação e
atuação atingido pelo Ministério da Cultura no governo Lula. (RUBIM, 2015,
p. 27).
De opinião semelhante é João Roberto Peixe (2017), para quem:

Ana tinha uma visão, eu acho, conservadora, mas eu tenho muito respeito
por ela, é uma pessoa séria, mas era uma visão conservadora e também
sem a dimensão política que teria que ter como ministra do Ministério,
então se desgastou muito com coisas que poderiam ser melhor resolvidas,
e o atrito maior foi com a sociedade civil, com o Conselho... foi muito
difícil. (PEIXE, 2017)
Segundo entrevista de Juca Ferreira, concedida em janeiro de 2016 à jornalista Tatiana
Dias, do portal on-line Nexo e publicada no site do MinC108, quando perguntado sobre a
gestão Ana de Hollanda, o novamente ministro respondeu:

108
Entrevista feita pela jornalista Tatiana Dias portal on-line Nexo, veiculada em 05 de janeiro de 2016.
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/-
somos-um-ministerio-pos-crise-diz-juca-ferreira/10883> . Acesso em jul. 2018.
335

No caso de Ana de Hollanda, a responsabilidade não é dela. Foram os que


conspiraram contra Gil e depois contra mim e não tinham nada para botar
no lugar. Ana de Hollanda chegou despreparada porque não tinha um
projeto. Houve queda de qualidade em todos os aspectos. [...].
Para Ana de Hollanda (apud ROCHA, OLIVEIRA e BARBALHO, 2017), ela enfrentou uma
conjuntura fora do normal, com a realização de campanhas pela internet de cunho machista
e violenta, que a acusavam de “incompetente, fraca, de desconhecer o setor, de ser
malquista e sei lá mais o quê” e de estar ocupando o cargo apenas por ser irmã de Chico
Buarque (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA e BARBALHO, 2017, p. 365). Sobre a sua saída
do MinC, Hollanda (Ibid.) relata que em conversa com Dilma Rousseff, soube que estava em
jogo uma acomodação política, especialmente em função das eleições municipais de São
Paulo. E, posteriormente, compreendeu que isso se dava por conta da necessidade do apoio
da senadora Marta Suplicy (PT/SP) à candidatura de Fernando Haddad (PT/SP) à prefeitura
de São Paulo, e que para conceder tal apoio, lhe foi concedido o Ministério da Cultura. Além
disso, havia a pressão por parte de grupos da sociedade civil e de militantes do PT para que
ela fosse substituída.

Então foi assim que eu saí, com a sensação de que eu tinha feito o que eu
tinha que fazer e saí porque tinha que sair. [...] Agora, então, eu posso
dizer que a experiência no campo pessoal é a pior possível, mas eu não me
arrependo um pingo, e fiz o que tinha que fazer. É claro que se fosse
convidada hoje, conhecendo as cartas que não estavam na mesa, eu não
iria aceitar. (HOLLANDA apud ROCHA, OLIVEIRA e BARBALHO, 2017, p. 367;
371)
Apesar da turbulência que marcou a gestão de Ana de Hollanda, no caso do Sistema
Nacional de Cultura houve continuidades e avanços, com a reestruturação e fortalecimento
da Secretaria de Articulação Institucional, onde o Sistema voltou a ter centralidade;
implementação de atividades voltadas à formação de gestores culturais, como o curso
oferecido pela Fundaj e UFRPE; maior visibilidade à política a partir da publicação de
documentos relativos ao Sistema, como os Guias de Orientações; maior aproximação com os
órgãos públicos de cultura de estados e municípios por meio da concessão de apoio a
elaboração de planos de cultura, para o que foi fundamental a articulação do MinC com as
universidades públicas; maior presença do tema do Sistema na pauta do CNPC, possibilitada
pela nova atuação da SAI junto ao órgão; aumento do número de adesões ao Sistema por
parte de estados e municípios; e aprovação do SNC enquanto Emenda Constitucional. Para
336

Alexandre Barbalho (2015), o novo impulso que o processo de implantação do SNC ganhou
no governo Dilma Rousseff se deve, entre outros motivos,

ao reforço da corrente a favor do Sistema na lógica de poder interna ao


Ministério com a saída de agentes ligados aos ministros Gilberto Gil e Juca
Ferreira, agentes estes que não priorizaram a implantação do referido
programa. Pensando com Norbert Elias (2008), o que ocorreu foi um
equilíbrio após um momento de disputas mais acirradas no jogo de relações
de poder. (BARBALHO, 2015, p.52)
De acordo com Peixe (2017), na gestão Ana de Hollanda foi possível avançar para a
implementação do Sistema porque já se contava com o acúmulo de experiências das gestões
anteriores, e com o Sistema conceitualmente estruturado foi possível dar novos passos.

Contudo, todas essas iniciativas, continuadas ou inauguradas, não conseguiram


resolver antigos e persistentes entraves para o desenvolvimento do SNC, que passa, por
exemplo, pelo debate e definição das responsabilidades de cada ente federado na cultura.
Apesar de essa questão estar relacionada à regulamentação do Sistema, poderia ter havido
uma discussão séria e compartilhada sobre o tema, envolvendo todos os atores interessados
na política. Na avaliação de Humberto Cunha Filho (2017), a Emenda Constitucional que
criou o SNC não traz referência a mecanismos de coordenação ou cooperação
intergovernamental e a definição de competências, ou seja, isso permaneceu indefinido no
Sistema. Segundo o professor, o que foi apresentado no Art. 216-A foi a especificação do
que já existia na Constituição: “[...] os que tem certa habilidade na interpretação, na
hermenêutica jurídica já percebiam com certa facilidade, inclusive” (CUNHA FILHO, 2017).

Não se caminhou muito sobre qual o papel de cada um e eu acho difícil


caminhar exatamente porque pegaram um sistema de cultura com a
complexidade que a cultura tem para tentar definir um único sistema,
então, você vai perceber os papeis melhor definidos naqueles que foram
rebaixados para subsistemas porque eles já foram pensados mais
pontualmente, já foram pensados nesse sentido. (CUNHA FILHO, 2017)
Na gestão de Ana de Hollanda também não houve um aceno positivo para a mudança
no sistema de financiamento do MinC. O Procultura permaneceu em tramitação no
Legislativo, submetido a uma série de alterações no seu texto original, o que coloca ainda
outro desafio que é o de alinhar as propostas relativas ao FNC no PL SNC e no Procultura, já
que ambos fazem referência ao mesmo mecanismo, e portanto, devem estar alinhados
entre si para que não haja conflito entre as normas. Além disso, o orçamento do Ministério e
337

o volume de recurso do FNC foram reduzidos, o que coloca em risco a implementação do


SNC. De acordo com João Roberto Peixe (2013, p. 34):

O outro grande desafio a ser enfrentado é o fortalecimento do Fundo


Nacional de Cultura, pois sem um FNC forte o Sistema Nacional de Cultura
não atingirá os seus objetivos e poderá se transformar numa grande
frustração nacional. Sem recursos o SNC não funciona. Portanto, é
imprescindível que o Ministério da Cultura amplie os recursos do Fundo
Nacional de Cultura destinados a transferências para Estados, Distrito
Federal e Municípios e o que tem ocorrido nos últimos anos é exatamente o
inverso: decréscimo de recursos.
Questões como essas permaneceram na pauta do Ministério durante todo o Governo
Dilma Rousseff, e não conseguiram ser solucionadas nem na gestão Marta Suplicy (2012-
2014) e nem na de Juca Ferreira (2015-2016).
338
339

CAPÍTULO 06 – O SNC NA GESTÃO MARTA SUPLICY (2012-2014)

No dia 13 setembro de 2012, a ex-senadora Marta Suplicy (PT/SP) assumiu o cargo de


ministra da Cultura. Dada à sua participação em aprovação de projetos da área cultural no
Senado e à sua capacidade de articulação, a expectativa era que o Ministério da Cultura
retomasse com a nova ministra a sua força, superasse conflitos e redimensionasse as
políticas (RUBIM, 2015). De acordo com Armando Almeida (2018), Marta Suplicy “tinha
muita força dentro do Congresso, coisa que a gente não tinha [grupo de Juca Ferreira] [...] e
ela entrou toda poderosa”.

No discurso de posse, a ministra ressaltou a sua passagem pelo Senado, agradecendo


aos senadores pela aprovação da PEC do Sistema Nacional de Cultura, que “Muito ajudará
na sinergia da política cultural nas três esferas federativas” (SUPLICY, 2012a); destacou
características da cultura e do povo brasileiro; se posicionou criticamente quanto à “lógica
devastadora do mercado, a pasteurização de atividades e obras pautadas pela globalização”
(SUPLICY, 2012a); ressaltou a necessidade do diálogo com diversos atores, incluindo o
parlamento; apontou a relevância de se atuar com questões relativas à comunicação e ao
acesso à informação; e destacou que, enquanto prefeita de São Paulo (2001-2004),a partir
da criação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs)109, pôde atestar a importância de se
investir em iniciativas culturais para promover a melhoria da qualidade de vida da
população.

Já como ministra, um dos seus primeiros atos foi a participação na sessão de


promulgação da Emenda Constitucional nº 71/2012 que instituiu o SNC, realizada no dia 29
de novembro de 2012, no Senado Federal. No discurso proferido nesse evento, Marta
Suplicy afirmou que enquanto relatora do texto aprovado, sentia que havia cumprido uma
das mais relevantes missões na Legislatura, que era entregar “à nação brasileira a certidão
de nascimento da Política de Estado da Cultura” (SUPLICY, 2012b).

Assim como a certidão de nascimento é o primeiro passo para o pleno


exercício da cidadania porque comprova a existência da pessoa, seu local e
data de nascimento, o nome dos seus pais e avós, a promulgação do

109
Equipamentos públicos especialmente dirigidos à educação infantil e fundamental, e que oferecem também
práticas esportivas, recreativas e culturais. Os CEUs estão localizados em áreas periféricas da cidade de São
Paulo.
340

Sistema Nacional de Cultura legitima uma estrutura que articula e organiza


a gestão cultural, aproximando as administrações: federal, estaduais e
municipais e a sociedade civil. É assim que se cria a Política de Estado.
(SUPLICY, 2012b)
Nessa sessão, além de ressaltar a finalidade do SNC e os seus componentes, Suplicy
falou sobre a importância do Vale Cultura e destacou que o Procultura estava em tramitação
no Senado e que a sua sugestão era que o Senador José Sarney – ex-presidente da República
e em cuja gestão foi criado o Ministério da Cultura e a primeira Lei de Incentivo Fiscal do
Brasil – assumisse a sua relatoria:

Aqui falo aos colegas senadores e senadoras: o Procultura, na


verdade, começou com a Lei Sarney que depois virou Lei Rouanet e
que agora tem o nome de Procultura. De coração eu desejaria,
porque seria, não só justo, mas a pessoa na Casa com mais preparo,
mais bagagem para lidar com essa Lei tão importante, que realmente
fez uma revolução e ainda é um dos instrumentos mais importantes
que nós temos para a Cultura. (SUPLICY, 2012b)
Dizer que o Procultura começou com a Lei Sarney é, no mínimo, questionável. Apesar
de ambas tratarem de questões relativas ao financiamento da cultura, a primeira tem outro
nível de complexidade e foi proposta, inclusive, para corrigir equívocos das leis de incentivos
fiscais na cultura. Por fim, a ministra falou sobre a preparação da Cultura para a Copa do
Mundo e as Olimpíadas, com sede no Brasil, e destacou a implantação do projeto Centros de
Artes e Esportes Unificados, conhecido como CEUs das Artes e do Esporte. Segundo Marta
Suplicy, o CEUs e o Vale-Cultura “serão marcas do governo Dilma” (SUPLICY, 2012b).

O discurso proferido por Suplicy em novembro de 2012 revelou de fato as prioridades


de sua gestão. Apesar do seu envolvimento na aprovação da PEC do Sistema e de destacar
em público a questão do Procultura, as iniciativas que centraram a sua atuação foram o
Vale-Cultura e o CEUs das Artes e do Esporte. De acordo com Lia Calabre (2015), nessa
gestão: “O que temos é a priorização e a intensificação dos esforços nas ações de resultados
mais imediatos com potencial de capitalização política no curto tempo de gestão” (p. 40).

No caso do Vale-Cultura, integrante do Programa Cultura do Trabalhador, sua


instituição se deu por meio da aprovação da Lei nº 12.761/2012, com regulamento
publicado no Decreto nº 8.804/2013. O objetivo do Programa é possibilitar o acesso e a
fruição dos produtos e serviços culturais, estimular a visitação a estabelecimentos e o acesso
a eventos e espetáculos culturais e artísticos. Para alcançar tais objetivos, foi criado uma
341

espécie de cartão magnético com um crédito de 50 reais que permite ao trabalhador, que
possui vínculo empregatício formal com a empresa participante do Programa, gastar tal
montante na compra de CDs, livros, ingresso de cinema e teatro etc. O valor creditado no
Vale-Cultura é cumulativo e não possui prazo de validade. Quanto às empresas
participantes, é previsto isenção dos encargos sociais sobre o valor do benefício e, para
aquelas tributadas com base no lucro real, é permitido deduzir os custos com o Vale-Cultura
no limite de 1% do imposto de renda devido (PAIVA NETO, 2017). A proposta do projeto,
portanto, é atuar na esfera do consumo e acesso à cultura, deslocando o foco prioritário das
políticas do MinC centradas na produção e criação cultural. Apesar de ter sido vinculado à
figura de Marta Suplicy, especialmente por conta do seu envolvimento na aprovação da Lei
12.761/2012 e da sua regulamentação, ambas produzidas na sua gestão, o Vale-Cultura foi
um projeto elaborado na Gestão Gilberto Gil/Juca Ferreira, que em 2009 enviou a proposta
ao Congresso Nacional.

O projeto CEUs das Artes e Esporte também não foi idealizado na gestão Marta Suplicy,
apesar desta tê-lo registrado com nome semelhante ao projeto criado durante o seu
mandato na Prefeitura de São Paulo. Inicialmente chamado Praças dos Esportes e da Cultura
(PECs), o projeto foi criado em 2010 no bojo da segunda fase do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC 2), no eixo Comunidade Cidadã. Lançado no final da gestão Juca Ferreira, a
ação era coordenada pelo MinC, particularmente pela SAI, em parceria com outros
ministérios, como Esporte, Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e Justiça. Em síntese,
a previsão era que entre 2011 e 2014, 800 Praças dos Esportes e da Cultura (divididas em
duas etapas, com 400 Praças em cada uma) fossem construídas em áreas urbanas de vários
municípios brasileiros considerados territórios de alta vulnerabilidade social. O objetivo era
integrar em um único espaço físico atividades culturais, de inclusão digital, esportivas e de
lazer; ações voltadas para formação e qualificação para o mercado de trabalho; prestação de
serviços de assistência social; e políticas de prevenção à violência.

De acordo com João Roberto Peixe (2017), esse projeto começou na gestão de Juca
Ferreira – “[...] foi uma disputa até de Silvana Meireles para fazer esse negócio ir para o
Ministério” (PEIXE, 2017) – e avançou na gestão Ana de Hollanda, onde passou a ser gerido
pela Secretaria Executiva, que trabalhou na organização dos editais, nos projetos de licitação
e na articulação com a Caixa Econômica Federal (CEF) e entes federados, especialmente com
342

as prefeituras. Segundo Ana de Hollanda (apud ROCHA, OLIVEIRA e BARBALHO, 2017, p.


358): “A proposta era de se trabalhar em parcerias que envolvessem as prefeituras locais
que cederiam os terrenos e, depois deles prontos, iriam gerenciar essas PECs em conjunto
com as associações de moradores e culturais locais.” Segundo relato da ex-ministra e de
notícias divulgadas pelo governo110, foram feitos seminários em vários municípios do país
voltados para prefeitos e servidores de órgãos relacionados à proposta e para
representantes da sociedade civil, que deveriam estar envolvidos na co-gestão do espaço. A
dinâmica de implantação das PECs envolveu como passo inicial a elaboração de três projetos
arquitetônicos, formulados a partir de três medidas de terreno. Esses projetos eram
oferecidos como modelos básicos para a construção dos espaços, que deveriam contemplar
bibliotecas, telecentros, cineteatros, quadras poliesportiva etc. A prefeitura interessada em
participar dessa iniciativa, apresentava um plano de gestão das Praças e um projeto de
engenharia adaptado às condições do terreno e às especificidades locais, além de enviar um
conjunto de documentos técnicos, jurídicos e institucionais. Tudo isso seguindo modelos e
orientações do MinC. Após ser selecionada, o órgão municipal firmava um convênio com a
Caixa Econômica Federal (que recebia os recursos do MinC) e dava encaminhamento ao
projeto de obras. O repasse de recursos pela CEF à prefeitura era feito em parcelas e
dependia da prestação de contas das etapas previstas no convênio. A primeira fase das PECs
envolveu a seleção de 361 municípios e 401 projetos de Praças, que contemplavam todas as
regiões do país: 164 cidades do Sudeste, 110 do Nordeste, 67 do Sul, 34 do Norte e 26 do
Centro-Oeste. A maior parte das PECs, 340, seria construída em regiões metropolitanas, mas
o projeto também incluía em menor número municípios com população entre 50 mil, 70 mil
e 100 mil habitantes. Os investimentos envolvidos somavam 801 milhões de reais. De acordo
com Ana de Hollanda (apud ROCHA, OLIVEIRA e BARBALHO, 2017, p. 359):

Isso começou andando muito bem. Quando saímos, 360 obras estavam
contratadas (distribuídas em 325 municípios brasileiros), das quais 80 já se
encontravam em andamento, com as primeiras inaugurações previstas para
até dezembro de 2012. O problema foi que a Marta [Suplicy] alterou o
projeto, transformando Praças dos Esportes e da Cultura em CEUS das
Artes, mudando também as finalidades de algumas dessas áreas, o que,

110
http://www.pac.gov.br/noticia/2bcc8697;http://www.cultura.gov.br/praca-dos-esportes-e-da-cultura;
http://www.cultura.gov.br/banner2/-/asset_publisher/B8a2Gazsrvex/content/praca-ceu-e-inaugurada-em-
valparaiso-de-goias/10883; https://pracadajuventude.wordpress.com/tag/pracas-dos-esportes-e-da-cultura/
Acesso em jun. 2018.
343

pelo que soube, criou problemas com outros ministérios que viram seus
espaços de atuação reduzidos ou extintos.
Na opinião de João Roberto Peixe (2017), a mudança do nome para CEUs das Artes foi
a maneira de Marta Suplicy colocar a marca dela no projeto, o que também representou
“um retrocesso conceitual [...]reduzindo a questão às artes” (PEIXE, 2017).

Em síntese, em dezembro de 2012, começaram as inaugurações dos primeiros CEUs,


que continuaram nos anos seguintes. Entretanto, a previsão inicial da criação de 800 Praças
nunca foi concretizada. Segundo dados do blog <http://ceus.cultura.gov.br> foram
inauguradas até 2018, 358 CEUs, ou seja, nem a metade do previsto. Vale ressaltar que
nesse projeto, a atuação do MinC não se deu apenas por meio de repasse de verbas para a
construção dos Centros, e incorporou também ações relativas à sua dinamicidade. A
exemplo das atividades decorrentes do Edital Funarte de Ocupação dos CEUs das Artes,
lançado em 2013111, que contemplou projetos voltados para oferta de programações
artísticas, oficinas de capacitação artísticas e técnica; residências artísticas e realização de
seminários, encontros e debates.

Ainda em relação ao CEUs das Artes, vale destacar que nas entrevistas e textos lidos
sobre o mesmo, não foram verificadas ações de aproximação com o Sistema Nacional de
Cultura, apesar da potencialidade de vinculação entre os dois. O CEUs era implementado por
meio de parceria entre o MinC e governos municipais, envolvia recursos financeiros e
compartilhamento de responsabilidades, incluindo nessa relação a sociedade civil que
deveria participar da gestão do projeto. Acionava também outros ministérios e unidades
vinculadas do próprio MinC, como a Funarte. Um desenho que poderia ter fortalecido o
Sistema Nacional de Cultura, que continuava pendente de efetiva implantação. Tal relação,
entretanto, não se daria de forma automática, seria preciso uma real intenção por parte dos
gestores para que uma ação orquestrada fosse desenvolvida. A experiência do Programa
Mais Cultura já havia demonstrado que nem mesmo estando sob a mesma secretaria essa
inter-relação se estabelecia facilmente.

111
Disponível em: http://www.funarte.gov.br/funarte/ministerio-da-cultura-e-funarte-lancam-edital-de-
ocupacao-dos-ceus-das-artes/. Acesso em jun. 2018.
344

6.1 – AS EXPECTATIVAS DA SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL

A expectativa da equipe da SAI no início da gestão Marta Suplicy era que, dado o peso
politico da ministra e sua participação na aprovação da PEC do SNC no Senado, outros
assuntos relativos a essa política rapidamente fossem resolvidos, especialmente a aprovação
do PL SNC. Segundo Peixe (2017), o fato de Suplicy ter sido a relatora da PEC, levou a equipe
a acreditar que ela tinha conhecimento sobre o Sistema, o que não se confirmou:

[...] quando eu expliquei pra ela a situação, fiz um relato falando da


urgência que tinha da lei de regulamentação que está previsto na PEC, e
que o Ministério estava atrasado porque os estados e municípios já
estavam constituindo seus sistemas [...], ela disse: ‘ainda tem isso? eu achei
que estava tudo resolvido’ (PEIXE, 2017).
O desconhecimento da ministra em relação ao SNC foi também relatado por Bernardo
Mata Machado (2017), que conta que na primeira reunião que participou junto com Peixe e
Suplicy, ficou claro que ela desconhecia do que se tratava: “[...] ela não sabia o que era o
Sistema Nacional de Cultura [...], na primeira reunião [...] ela falou: ‘mas é só isso?’ [risos]”
(MATA MACHADO, 2017). Segundo Pedro Ortale (2017), Marta Suplicy “nem sabia o que era
o Sistema, ela só soube o que era o Sistema porque falaram pra ela no dia em que ela saiu
do Senado e que foi aprovada a Emenda Constitucional em sua homenagem”. Segundo
Ortale (2017):

[...] em uma reunião do chamado Sistema Minc, estava todo mundo lá,
presidente de Funarte, presidente do Iphan...e eu fiz uma apresentação
sobre o Sistema Nacional de Cultura e ela falou: ‘nossa, fala mais, explica
mais aí para o pessoal porque acho que eles não sabem’, então fiquei
imaginando que ela não soubesse também, né? (risos).
Em relação ao SNC, Peixe (2017) relata que o principal interesse da ministra era firmar
Acordos de Cooperação junto aos governadores e prefeitos de capitais e de grandes cidades.

A Marta quando chegou, aí veja a visão dela, ela entendeu a importância


política, ainda mais por ter sido relatora da PEC, então ela tinha um ganho
especial com isso, e o que ela pôde assinar de acordo de cooperação ela
assinou, só que quando ela chegou não tinha quase mais nada para assinar
com capitais e estados. (PEIXE, 2017)
A assinatura dos Acordos era, na avaliação de alguns atores entrevistados, um dos
poucos momentos de visibilidade do Sistema Nacional de Cultura, que dada a sua proposta
não gera retorno político como outras iniciativas, como o CEUS, que envolve a construção e
inauguração de espaços físicos. Para Bernardo Mata Machado (2017), o SNC “[...] não é uma
boa bandeira política, ele não é marqueteiro, ele é de organização, de estruturação de
345

política pública [...] é um negócio difícil de explicar, mais complexo, não dá pra se traduzir
em marketing político, então eu acho que tem isso também.” (MATA MACHADO, 2017). Na
opinião de João Roberto Peixe (2017), Marta Suplicy manifestava interesse no Sistema
quando este podia lhe garantir algum retorno político, “o que Juca não via nessa questão,
era o que interessava para Marta” (PEIXE, 2017). Uma postura, por sua vez, criticada por
Juca Ferreira (2018): “ela [Marta Suplicy] tinha uma ideia de capitalizar politicamente ações
ou que já existisse ou que ela criasse para se fortalecer, cacifar politicamente...”. De acordo
com Lia Calabre (2017), Marta Suplicy tomou o Sistema como pauta legislativa porque
naquele momento era um ganho para ela por estar no Senado, mas no momento da
efetividade, do desdobramento, não houve interesse de sua parte em investir na política:
“Então, ela ganha o bônus de ter feito a aprovação da lei, mas a efetividade que demandaria
um esforço, inclusive por recursos, orçamentos, não tá na pauta dela... ela tem outras
prioridades que são os CEUs”(CALABRE, 2017). Sobre isso, Peixe (2017) comenta:

o que eu acho que aconteceu é que quando ela [Marta Suplicy] viu o
quadro do avanço do Sistema, da demanda por repasse com recursos do
Fundo, por exemplo, como na reunião que ela teve com os secretários
estaduais, aí eu acho que ela pensou ‘isso é um pepino para mim, se eu
regulamento isso, então vai ter que ter dinheiro e não tem dinheiro...’ eu
tenho impressão que ela segurou, porque se ela tivesse interesse, ela teria
aprovado o regulamento, ela tinha trânsito e experiência... (PEIXE, 2017)
Acompanhando as publicações do “Notícias SAI”112 da época, disponível no site do
MinC, é possível verificar que vários eventos envolvendo o Sistema contaram com a
presença de Marta Suplicy, a exemplo de: assinatura do Acordo de Cooperação entre MinC e
Distrito Federal; abertura da Oficina de Implementação de Sistemas de Cultura realizado em
Fortaleza; mesa de debate sobre o SNC no II Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas,
realizado em Brasília; abertura da III Conferência Nacional de Cultura; encontro do Fórum
Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, realizado em Brasília. A presença
da ministra em diversos encontros poderia ser interpretada como um reconhecimento da
importância do SNC em sua gestão. Ou na perspectiva apontada quando da participação de
Gilberto Gil na construção inicial do SNC, como uma presença que fortaleceria o Sistema

112
Disponível em <http://www.cultura.gov.br/noticias-
sai?p_p_id=101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id
=column-
1&p_p_col_count=1&_101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV_delta=20&_101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV_keywords=&
_101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV_advancedSearch=false&_101_INSTANCE_QRV5ftQkjXuV_andOperator=true&
p_r_p_564233524_resetCur=false&cur=6 > Acesso em jun. 2018
346

pelo capital simbólico aportado pela figura da ministra. Entretanto, a interpretação que se
tinha dessa participação por parte dos atores entrevistados era que Marta Suplicy queria ter
visibilidade exclusiva nos atos públicos, tanto que, segundo Peixe (2017), geralmente ela não
levava ninguém da equipe do MinC para acompanhá-la, no máximo, tinha a presença da
secretária executiva, algo que não acontecia nas gestões anteriores, que mesmo com
diferenças internas, os atos e decisões eram mais compartilhados entre os dirigentes.

6.2 AS ALTERAÇÕES NO QUADRO DE DIRIGENTES DO MINC

Em 28 março de 2013, no contexto de mudanças de dirigentes do Ministério, João


Roberto Peixe113 foi exonerado do cargo de secretário de Articulação Institucional. Em sua
opinião, a sua saída e a de outros secretários do MinC vinculados ao PT já estava relacionado
com a decisão de Marta Suplicy deixar o Partido, efetivada em abril de 2015.

[...] a leitura que eu faço hoje é que ela já estava com os planos de sair do
PT, se você for analisar, Marta Suplicy tirou todos os dirigentes do primeiro
escalão do Ministério que eram do PT, eu fui um dos últimos a sair, fiquei
seis meses, mas desde o começo ela foi tirando, e algumas pessoas que já
conheciam a situação melhor, como Sérgio Mamberti, se anteciparam e
pediram para sair. (PEIXE, 2017)
Dentre os dirigentes do MinC integrantes do PT exonerados nessa gestão estavam:
José do Nascimento Junior (Ibram), Galeano Amorim (Fundação Biblioteca Nacional), Eloi
Ferreira de Araújo (Fundação Cultural Palmares), João Roberto Peixe (Secretaria de
Articulação Institucional), Vitor Ortiz (Secretaria Executiva), além de Sérgio Mamberti
(Secretaria de Políticas Culturais) e Antônio Grassi (Funarte), que pediram para deixar o
cargo. Matérias publicadas em jornais da época divulgavam que tais medidas representavam
a aproximação da ministra com outros partidos, dentre eles com o PMDB, partido ao qual
Suplicy veio a se filiar em setembro de 2015. Segundo matéria publicada no Jornal O Globo,
em abril de 2013, em entrevista feita com o então secretário Nacional de Cultura do PT
Edmilson Souza, este teria declarado que a ministra tinha o direito de fazer as substituições
e montar a sua equipe, mas que a situação do PT não era cômoda no Ministério:

[...] mas é óbvio que a situação para o PT não é boa. Ainda mais porque há
um avanço de outros grupamentos políticos [...] Nós, da Secretaria Nacional
do PT, achamos que essas substituições não deveriam ter sido feitas. Esses

113
Após sair do MinC, Peixe voltou ao Recife para trabalhar em sua empresa de design gráfico.
347

petistas eram pessoas que estavam fazendo contribuições importantes e


que tinham plena condição de continuar em seus cargos. (SOUZA apud
TARDÁGUILA, 2013)114
A exoneração de membros do PT, entretanto, não se deu de maneira igual no
Ministério, já que alguns permaneceram no órgão, como Bernardo Mata Machado e
Américo Córdula. Para Peixe (2017), Marta Suplicy retirou os dirigentes que tinham mais
força política e experiência, e que poderiam se contrapor a ela, e manteve em alguns casos
os secretários-adjuntos atuando como secretário.

[...] ela tirou os secretários e às vezes deixou os adjuntos como secretários,


[...] mas os adjuntos não tinham o mesmo peso políticos dos secretários,
então ela tirava as lideranças que tinham mais força política, que tinham
experiência e mais condição de se contrapor, e por outro lado, ela deixava
os com menos peso [...] (PEIXE, 2017)
Na opinião de Armando Almeida (2018), ex-assessor de Juca Ferreira e membro da
Ouvidoria do MinC na gestão Suplicy:

[...] na gestão 2009/2010, quando eu estive trabalhando lá [MinC], eu vi


como era complicado você gerir tendo pessoas que estão ali operando pra
lhe passar o sarrafo, tanto é que Marta, quando entra, um dos favores que
ela nos fez foi tirar essa galera toda, ela tirou todo mundo... Nascimento,
Grassi... ela saiu tirando todo mundo porque ela viu... ou ela tirava ou ela
não conseguia gerir o Minc. (ALMEIDA, 2018)
Armando Almeida (2018) pontua também que a mudança na equipe do Ministério
envolveu o retorno de pessoas que haviam trabalhado com Juca Ferreira: “Marta estava
levando para o Minc várias pessoas que tinham trabalhado com Juca, a exemplo do Marcos
Souza na área de Direitos Autorais, a exemplo do Fabiano na área de Livro e Leitura...”
(ALMEIDA, 2018). Tais pessoas, entretanto, não ocuparam os cargos diretivos do MinC e
nem das unidades vinculadas115. No caso das secretarias, algumas mudanças foram
efetivadas logo no início da gestão e outras foram feitas ao longo do mandato. Assim: (1) a
Sefic teve três dirigentes distintos em menos de um ano: Henilton Menezes (que estava no

114
Matéria intitulada “Petistas perdem espaço na Cultura para PMDB e PCdoB”, de autoria de Cristina
Tardáguila, publicada em 06 de abril de 2013 no site do jornal O Globo. Disponível em: <
https://oglobo.globo.com/brasil/petistas-perdem-espaco-na-cultura-para-pmdb-pcdob-8046880>. Acesso em
jun. 2018.
115
Dirigentes das unidades vinculadas na gestão Marta Suplicy: Funarte: Guti Fraga (jornalista, ator e diretor,
criador da ONG Nós do Morro); Fundação Palmares: Hilton Cobra “Cobrinha” (ator, diretor e gestor cultural);
Fundação Biblioteca Nacional: Renato Lessa (cientista político); Iphan: Jurema de Souza Machado (Arquiteta);
Ibram: Ângelo Oswaldo de Araujo Santos (ex-prefeito de Ouro Preto/MG); Fundação Casa de Rui Barbosa:
Manolo Garcia Florentino (professor e pesquisador da UFRJ). Vale ressaltar que no caso da Ancine, Manoel
Rangel teve o seu mandato renovado, uma decisão que independia da posição da ministra da Cultura.
348

cargo desde a gestão de Juca Ferreira) saiu em dezembro de 2013. Em seu lugar assumiu Ana
Cristina Wanzeler (arquiteta de formação e funcionária da Caixa Econômica Federal), que
permaneceu no cargo de fevereiro a abril de 2014, quando saiu para assumir a Secretaria
Executiva do MinC. A partir de maio de 2014, a Sefic passou a ser dirigida por Ivan
Domingues das Neves; (2) a Secretaria de Economia Criativa também passou por mudanças.
Antes dirigida por Cláudia Leitão, a partir de setembro de 2013 passou a ser conduzida por
Marcos André Carvalho (ex-coordenador de Economia Criativa na Secretaria de Cultura do
Estado do Rio de Janeiro); (3) a SAV iniciou a gestão com a mesma secretária, Ana Paula
Santana, mas em dezembro de 2012 passou a ser dirigida por Leopoldo Nunes (cineasta) que
permaneceu no cargo até outubro de 2013, quando saiu e em seu lugar assumiu Mario
Borgneth (assessor especial do MinC de 2004 a 2008 e um dos diretores da Empresa
Brasileira de Comunicação); (4) a SAI, com a saída de João Roberto Peixe em março de 2013,
foi dirigida por Marcelo Pedroso entre março e julho de 2013, e a partir daí foi conduzida por
Bernardo Mata Machado na condição de secretário interino; (5) a SPC esteve sob o comando
de Sérgio Mamberti até fevereiro de 2013. Daí até setembro desse ano, Américo Córdula
assumiu como secretário interino. A partir de 16 de setembro de 2013, depois de sete meses
como substituto, Córdula assumiu a titularidade da pasta. A única secretaria que não teve
mudança na direção foi a da Cidadania e da Diversidade Cultural (SCDC), que permaneceu
com Márcia Rollemberg. Sobre esta vale destacar que a sua formação (graduação em Serviço
Social e Educação Artística, com especialização em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde)
e experiência profissional (com atuação no Ministério da Saúde) favoreceram, segundo João
Roberto Peixe (2017), a sua aproximação com o Sistema Nacional de Cultura, já que a
secretária tinha conhecimento sobre o SUS e SUAS. De acordo com Peixe (2017), Márcia
Rollemberg foi uma das maiores defensoras do SNC no Ministério: “depois que ela foi ser
secretária, ela foi peça-chave na defesa do Sistema, muito melhor do que muita gente do PT
que ou era contra ou ficava caladinho” (PEIXE, 2017). Apesar dessa postura, vale registrar
que isso não significou que a SCDC tenha desenvolvido uma perspectiva mais federativa no
âmbito do Programa Cultura Viva, notadamente do Projeto Ponto de Cultura, sob sua
responsabilidade. Isso foi evidenciado no processo denominado Redesenho do Programa
Cultura Viva (iniciado na gestão Ana de Hollanda), que originalmente não incluiu os gestores
públicos estaduais. Esses, após um encontro realizado em Salvador/BA, em 2013, que reuniu
representantes de 17 Unidades Federadas, se manifestaram oficialmente por meio de uma
349

carta enviada ao MinC na qual reivindicavam participação no processo de discussão do


Redesenho (OLIVEIRA, 2018)116.

Em relação à Secretaria Executiva, houve uma verdadeira dança das cadeiras. Logo que
assumiu o MinC, Suplicy substituiu VItor Ortiz por Jeanine Pires, que até então não tinha
experiência em gestão cultural117. Pires permaneceu no cargo de secretária executiva de
outubro de 2012 a julho de 2013, quando saiu do Ministério e foi substituída por Marcelo
Pedroso, que havia entrado no MinC para assumir a SAI. Assim como Jeanine, a trajetória
profissional de Pedroso estava relacionada com a área de Turismo, tendo atuado durante
sete anos como um dos diretores da Embratur, época em que Marta Suplicy dirigiu o
Ministério do Turismo. Marcelo Pedroso permaneceu na Secretaria Executiva de julho de
2013 até abril de 2014, quando saiu para assumir um cargo diretivo na Autoridade Pública
Olímpica (consórcio público criado em 2011 por conta dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro
2016). No seu lugar assumiu Sérgio Braune118, que não chegou a permanecer 20 dias no
cargo, sendo substituído por Ana Cristina Wanzeler, que estava há três meses na direção da
Sefic e a partir de maio passou a ser secretária executiva, posto que ocupou de maio a
novembro de 2014, quando substituiu Marta Suplicy após esta ter pedido demissão do
MinC.

Essa grande rotatividade nos cargos diretivos, especialmente na Secretaria Executiva,


é mostra do quão instável era o Ministério da cultura naquele momento, refletido ainda no
seu baixo orçamento. Para Albino Rubim (2015), a força política de Marta Suplicy não foi
traduzida em um compromisso efetivo, não superou entraves e nem implicou em avanços, e
o MinC não conseguiu recuperar o patamar vivido nas gestões Gil/Juca.

A concentração de poder implicou em fragilizar a equipe dirigente, quase


toda substituída. A alta rotatividade da secretaria executiva emergiu como
símbolo dos momentos difíceis vividos pelo Ministério. O privilegiamento
dos interesses políticos mais imediatos da ministra tomou o lugar da
reanimação das políticas culturais e da retomada do patamar antes
alcançado pelo Ministério. Em 2014, de modo cabal, o orçamento

116
Informações concedidas por Gleise Oliveira, por telefone, em agosto de 2018. Além de ter sido
coordenadora da Rede de Pontos de Cultura da Secult/Bahia, Oliveira está produzindo uma dissertação de
Mestrado sobre a gestão do Programa Cultura Viva.
117
Pires foi presidente da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) entre 2006 e 2010 e presidiu também o
Conselho de Turismo e Negócio da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo
(Fecomercio).
118
Funcionário do Banco do Brasil que entre 1982 e 2011 trabalhou na Subchefia para Assuntos Jurídicos da
Casa Civil da Presidência da República.
350

escancarou o patamar rebaixado do Ministério da Cultura. (RUBIM, 2015, p.


27)
De acordo com Sérgio Pinto (2018), uma das coisas que ele observou desse período foi
a redução no diálogo interno do MinC, já que as decisões eram tomadas de maneira
centralizada no Gabinete da ministra, um comportamento contrário ao que vinha sendo
praticado por outros gestores.

quando a Ana de Hollanda saiu, entrou a Marta, [...] ela começou a trazer
uma outra política para o Ministério, eu acho que foi muito mais uma
política personalística, começou a esvaziar um pouco o que o Ministério
tinha desenvolvido no governo do Juca, que foi uma questão de uma
política mesmo, e começou mais a atender a determinados grupos,
determinadas linhas políticas. (PINTO, 2018)
Nesse período, os servidores públicos do MinC, incluindo das unidades vinculadas,
entraram em greve reivindicando por melhores salários, condições de trabalho e maior
participação das políticas públicas do Ministério. De acordo com Sérgio Pinto, essa foi uma
das greves mais fortes do Ministério “a gente saiu com vários questionamentos com relação
à Marta” (PINTO, 2018).

6.3 O PROCESSO DE RENOVAÇÃO DO CNPC

Até o final do primeiro Governo Dilma Rousseff, a SAI permaneceu com a mesma
estrutura e competências, dentre essas a coordenação do CNPC. Neste sentido, coube à SAI
dirigir o processo de renovação dos Colegiados Setoriais e do Plenário do Conselho, já que o
mandato dos antigos conselheiros tinha finalizado e era preciso eleger os novos para o
período 2012-2014. Cada Colegiado deveria ser composto por 15 representantes do poder
público e 15 da sociedade civil. A escolha dos representantes do poder público foi feita ainda
na gestão Ana de Hollanda, cujo resultado foi publicado na Portaria nº 58, de 17 de maio de
2012. Já a eleição dos representantes da sociedade civil passou por vários debates no
Plenário do CNPC até ter a sua configuração definida. Um dos pontos polêmicos recaiu sobre
as áreas do audiovisual e museus, que pleiteavam um processo diferenciado de eleição em
relação aos demais setores, gerando discussões intensas, conforme atas de reuniões
publicadas no site do CNPC. Também foi motivo de debate a decisão do MinC de que o
processo eleitoral fosse virtual, uma novidade considerando que a primeira eleição de
conselheiros da sociedade civil, feita em 2010, ocorreu de modo presencial durante os
351

encontros setoriais realizados nos estados, no contexto da II Conferência Nacional de


Cultura. Este modelo deveria ser mantido na opinião dos conselheiros representantes da
sociedade civil no Plenário.

A dinâmica de eleição para os Colegiados Setoriais envolveu a constituição de duas


comissões: uma de âmbito setorial, chamada Comissões Eleitorais Setoriais, com
participação de representantes do CNPC, SAI e Secretarias/Unidades vinculadas do MinC; e a
Comissão Organizadora Nacional, presidida pelo Secretário-geral do CNPC (secretário da SAI)
com participação de representantes do Sistema MinC e do Plenário do CNPC (um membro
da sociedade civil, um do Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura e outro do
Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura das Capitais e Regiões
Metropolitanas). Todo o processo eleitoral foi regido pelas portarias nº 51/2012 e nº
59/2012. Em síntese, exceto as áreas de Museus e Audiovisual, 17 áreas que possuíam
assento no Plenário do Conselho deveriam seguir as seguintes etapas do processo eleitoral:
(1) inscrição de eleitores e pré-candidatos a delegados por cada área/estado da federação
feita na plataforma virtual (fase de cadastramento). Nesta etapa, cada candidato (que só
podia concorrer a um setor) tinha que apresentar, dentre outros documentos, uma carta-
programa contendo pelo menos três propostas de diretrizes para a área a que estava
submetendo candidatura; (2) Análise dos cadastros de eleitores e registros de candidaturas,
seguida de sua homologação, feita pelas Comissões Eleitorais; (3) abertura de plataforma
virtual para debates e divulgação das propostas dos candidatos a Delegados Estaduais
Setoriais. Os debates poderiam ser realizados também presencialmente; (4) realização de
Fóruns Estaduais Setoriais para eleição dos delegados. Para cada área e estado deveria haver
um fórum, o que perfazia o total de 459 fóruns estaduais (27 unidades da federação x 17
áreas artístico-culturais). Esses fóruns eram virtuais e a escolha do delegado se dava por
meio de plataforma digital (onde estavam reunidas as propostas), mas caso houvesse
interesse em realizar fórum presencial, era preciso ter autorização prévia da Comissão
Organizadora Nacional. Um dos requisitos para a eleição de delegados nos estados era que
para cada setorial deveria haver um quórum mínimo de 15 eleitores válidos. Caso contrário,
o setor/estado não teria delegado na etapa nacional, o que foi um problema para alguns
setores:

Essa modalidade virtual ocasionou inúmeros problemas para alguns setores


e resultou num índice de inscritos abaixo da média da expectativa de
352

representatividade dos setores. Até os últimos dias de eleição, no sítio


eletrônico do Ministério da Cultura, havia a seguinte chamada: ‘Fóruns
Nacionais Setoriais – há mais vagas que candidatos inscritos’. [...] Setoriais
como os indígenas, circo, patrimônio imaterial, patrimônio material e
arquivos não conseguiram fechar suas vagas no final da eleição. (SOUZA,
2016)
Também foi previsto que para cada estado haveria um número de três vagas para
delegados, podendo variar de um a seis a depender de uma série de condições, incluindo a
proporção de eleitores cadastrados e vagas não ocupadas. A última etapa desse processo
era a reunião dos delegados estaduais setoriais (eleitos na fase anterior) para eleição dos
representantes dos Colegiados Setoriais do CNPC. Essa etapa foi chamada de Fóruns
Nacionais Setoriais e envolvia a realização de 17 encontros presenciais (um para cada área).
Cada Fórum Nacional Setorial poderia ter até 81 delegados estaduais setoriais. A
organização dessa etapa foi feita pelo MinC. Após a eleição dos membros dos Colegiados
Setoriais, cada setor realizava reunião para indicar seu representante no Plenário do CNPC.
Exceto pelo setorial culturas indígenas119, todos os Fóruns Nacionais Setoriais ocorreram no
mesmo período, entre 13 e 15 de dezembro de 2012, em Brasília. Uma parte do encontro foi
dedicado à discussão das diretrizes das políticas setoriais de cada área, e a outra à eleição
dos membros dos Colegiados e indicação dos respectivos representantes para o Plenário do
CNPC.

Esse modelo de eleição para os Colegiados Setoriais foi importante por articular a
sociedade civil a partir dos estados e setores, o que pode ter potencializado as discussões
locais. O fato de ter sido virtual também contribuiu para o seu alcance, já que com a
dimensão territorial do Brasil é complicado pensar em um sistema eleitoral abrangente que
não inclua processos digitais ou um grande volume de gastos das mais diversas ordens.
Entretanto, isso se mostrou um problema por conta de questões como dificuldade de alguns
setores em atuar no universo digital, considerando que as suas dinâmicas de interação não
se estruturam ou se desenvolvem prioritariamente nesse ambiente, a exemplo dos setoriais
do circo e indígenas; e também considerando que no Brasil, a acessibilidade a internet é um
problema, já que conforme pesquisas publicadas pelo IBGE, o acesso é concentrado e
limitado a determinados territórios e grupos sociais, nesse sentido, o processo pautado em
plataforma digital é potencialmente excludente.

119
O Fórum Nacional Setorial de Culturas Indígenas foi realizado em março de 2013, em Brasília.
353

Ao realizar os Fóruns Nacionais Setoriais em 2012, uma dinâmica


burocrática controversa dividiu a eleição em três estágios [...] tornaram
esse processo controverso e os critérios adotados para sua autoinscrições
questionáveis.
O mecanismo virtual da eleição foi contestado pelos conselheiros nacionais
membros da gestão do CNPC (2010-2012) e amplamente criticados pelos
grupos e movimentos culturais. Alguns denunciavam a plataforma virtual
criada pelo Ministério como excludente e burocrática. (SOUZA, 2016)
Segundo Bernardo Mata Machado (2017), pelo fato de ter sido uma iniciativa
inovadora no MinC, houve uma série de problemas: “deu um monte de erro, o sistema
errava, a gente tinha que conferir umas três ou quatro vezes, foi um sufoco porque era
primeira eleição nacional do Conselho via virtual” (MATA MACHADO, 2017). Mas, apesar
disso, considera ter sido uma experiência positiva, que mobilizou um número expressivo de
agentes culturais de todo o país.

Os novos conselheiros eleitos pela sociedade civil tomaram posse na 18ª Reunião
Ordinária do CNPC, realizada em 06 de fevereiro de 2013, que contou com a presença da
ministra Marta Suplicy. De acordo com a ata desse encontro, João Roberto Peixe, ainda
secretário da SAI, falou sobre o Projeto de Regulamentação do Sistema, que deveria ser
aprovado antes da III Conferência Nacional de Cultura, para o que contava com o empenho
da ministra, e citou a previsão da instalação da Comissão Intergestores Tripartite naquele
ano. Esse encontro teve como principal pauta a discussão sobre o Regimento da III CNC.

Sobre a coordenação do CNPC nessa época, Bernardo Mata Machado (2017) comenta:
“[...] uma coordenação complexa, difícil... a sociedade civil muito aguerrida, principalmente
na área da cultura, então não foi fácil pra presidir em 2014 [...]”. Para ele, a representação
do MinC no âmbito do CNPC acabava ficando à cargo da SAI.

Os secretários apareciam na abertura [das reuniões] quando o ministro ou a


ministra iam, mas as reuniões eram de dois, três dias, e aí a ministra saía,
passava a coordenação para a SAI e saía todo Ministério junto com ela.
Então, o Conselho Nacional de Política Cultural nunca foi muito
acompanhado pelo Ministério. (MATA MACHADO, 2017)

6.4 AÇÕES EM TORNO DO SNC

Com a saída de João Roberto Peixe, a SAI passou a ser dirigida por Marcelo Pedroso
que, como foi relatado, vinha atuando na área do Turismo. De acordo com Tony Bezerra
(2017, p. 75):
354

Ao ingressar na SAI, Marcelo conseguiu se apropriar com facilidade das


ideias e conceitos do SNC e os incorporou à sua gestão. Foi convidado a
analisar a minuta do acordo de cooperação federativa e decidiu manter o
mecanismo de adesão de estados e municípios.
Apesar desse entrosamento, a sua permanência na SAI durou poucos meses, de abril a
julho de 2013, pois em seguida Pedroso assumiu a Secretaria Executiva. Com essa
transferência, Bernardo Mata Machado passou a exercer o cargo de secretário interino de
Articulação Institucional e Pedro Ortale, que era coordenador-geral, respondia como diretor
substituto120. Segundo João Roberto Peixe (2017):

Bernardo nunca foi efetivado, ele ficou como secretário, trabalhando como
secretário, recebendo como secretário, mas como secretário interino, como
se ela [Marta Suplicy] tivesse deixando a pessoa ali porque na hora que ela
quisesse, ela botava alguém que tivesse interesse e também não dava força
à pessoa porque a pessoa era interina.
Em entrevista, Mata Machado (2017) confirmou que atuou durante toda a gestão de
Marta Suplicy como secretário substituto, mas isso se devia também a uma perspectiva de
mudança administrativa no MinC: “[...] a Marta queria unificar as duas secretarias, a
Secretaria de Políticas Culturais e a SAI, então ela não quis me efetivar, porque o projeto era
fazer a fusão e eu era a favor, então, eu também não insisti pra virar secretário”. (MATA
MACHADO, 2017). Segundo Tony Bezerra (2017), esse período pré-fusão gerou certa tensão
entre os servidores e dirigentes das duas secretarias:

[...] Em meados de 2014, os servidores foram surpreendidos com uma


inusitada mudança de local da SAI, da sede do MinC, [...] para o Edifício
Corporate Parque da Cidade, juntamente com a SPC. A mudança sinalizou a
intenção de integração das duas secretarias e também a perda de prestígio
da SAI, que deixaria o prédio da sede, afastando-se do gabinete da ministra.
Naquela ocasião, Bernardo Machado, secretário de articulação institucional
substituto, solicitou a instalação de uma parede separando as duas
secretarias. Enquanto não houvesse a alteração formal do regimento e do
organograma, as secretarias permaneceriam separadas, em atendimento às
reivindicações de servidores e dirigentes das secretarias em questão [...]
(BEZERRA, 2017, p. 63)
De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), ele era não era contrário à junção das
duas secretarias porque isso fortaleceria o SNC, que passaria a ter quase todos os seus
componentes sob o comando de um mesmo setor.

A única coisa que faltaria, no meu entender, para completar toda a


estrutura do Sistema dentro de uma mesma secretaria seria se o Fundo
Nacional de Cultura também fosse para essa estrutura, coisa que eu
120
Informação enviada por Pedro Ortale por Whataspp em 23 de agosto de 2018.
355

defendi, tirar o Fundo Nacional de Cultura, deixar a Secretaria de Fomento


só com a renúncia fiscal e o Fundo passar para a gestão dessa Secretaria.
(MATA MACHADO apud BARBALHO, 201[?])
A junção entre a SAI e a SPC, entretanto, não chegou a ocorrer nessa gestão porque a
reforma administrativa ficou pendente no Ministério do Planejamento, só sendo
concretizada no governo Temer, com a publicação do Decreto nº 8.837, de 17 de agosto de
2016, que instituiu a Secretaria de Articulação e Desenvolvimento Institucional (Sadi).

Em termos de desenvolvimento de ações voltadas para o SNC, durante a gestão Marta


Suplicy, a dimensão institucional e operacional do Sistema prevaleceu com a realização, ou
continuidade, de uma série de iniciativas, como cursos de formação de gestores, projeto de
assistência técnica para estados e municípios, e edital de fortalecimento do SNC.

A adesão dos entes subnacionais ao SNC foi mantida nesse período como objeto de
atuação da SAI, que continuou investindo na integração de estados e municípios por meio da
assinatura do Acordo de Cooperação Federativa. Uma das inovações neste sentido foi a
criação da Plataforma do Sistema Nacional de Cultura. Nessa Plataforma digital, o gestor
público poderia iniciar o processo de adesão através do preenchimento de um formulário
online, a partir do qual era gerado o Acordo de Cooperação a ser firmado pelas partes. Após
a tramitação do mesmo – que envolvia aprovação e assinatura do documento por parte dos
responsáveis pelos órgãos gestores, e publicação no Diário Oficial da União –, era possível
preencher o Plano de Trabalho. Certamente a Plataforma agilizou a tramitação do processo
de adesão ao Sistema.

6.4.1 Oficinas de implementação de Sistemas de Cultura

Entre março e julho de 2013, a SAI coordenou a realização do ciclo de oficinas dirigidas
à capacitação de agentes culturais para implementação de sistemas de cultura. Os encontros
aconteceram nas etapas preparatórias da III CNC; e foram realizados nas capitais da maioria
dos estados brasileiros, exceto: Sergipe, Paraíba, Piauí, Rondônia, Pará, Amazonas, Acre e
Distrito Federal. No caso do Espírito Santo, a realização se deu junto ao Rio de Janeiro.

Com duração de três dias, nas oficinas eram apresentados conceitos, princípios e
componentes do SNC por meio de palestras, debates e exercícios práticos de planejamento
de atividades dirigidas à construção dos sistemas. Para tanto, o MinC produziu material
356

didático específico, conhecido como apostila do SNC121,com uma linguagem mais simples e
direta.

Os encontros eram conduzidos pela equipe da SAI, em colaboração com integrantes


das Representações Regionais do MinC e dos consultores contratados no âmbito do Prodoc,
e contava com a parceria de governos estaduais e municipais. De acordo com Tony Bezerra
(2017), que foi um dos palestrantes da equipe da SAI, foram realizadas 21 oficinas em 18
estados, com a participação de 967 gestores e conselheiros de cultura. De acordo com
Bezerra (2017), dentre os temas das oficinas estava o do repasse de recursos do FNC para os
entes subnacionais, que estava previsto para acontecer, mas acabou não se concretizando.

No plano de trabalho do Fundo Nacional de Cultura de 2013 havia a


previsão de que 30% dos recursos do fundo seriam repassados para
estados, DF e municípios que tivessem aderido ao SNC. Esse plano de
trabalho foi bastante divulgado pela SAI, inclusive durante o ciclo de
oficinas. No entanto, a previsão não se confirmou e os recursos não foram
repassados para os entes federados, o que gerou certa frustração em
alguns gestores. (BEZERRA, 2017, p.61)
Vale ressaltar que houve publicação de novo edital para contratação de 15
consultores via Prodoc, que deveriam continuar atuando em relação ao SNC, mas em alguns
casos, a depender do edital, também junto às Conferências Estaduais, Municipais e
Intermunicipais de cultura.

6.4.2 1º Seminário Cultura e Universidade

Apesar de não ter sido um evento específico da SAI, o seu registro é importante por
ter sido um encontro pautado especificamente na perspectiva de articular de modo mais
organizado e permanente a participação das universidades públicas no desenvolvimento de
uma política nacional de cultura. Tratava-se, então, de pensar estratégias para a realização
de programas e cursos voltados à formação, pesquisa e extensão nas áreas artísticas e
culturais. Esse encontro foi consequência das ações iniciadas a partir Acordo de Cooperação
firmado em 2011 entre o MEC e o MinC.

O evento foi realizado entre os dias 22 e 24 de abril de 2013, em Salvador/BA, através


de parceria entre a UFBA, o Fórum de Pró-Reitores de Extensão e a SPC, SAI e SEC/MinC. O
seminário contou com a presença de mais de 300 pessoas, dentre professores,
121
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/documents/10907/963783/Apostila+-
+Oficina+de+Implementação+dos+Sistemas+de+Cultura.pdf/52b7f7bb-da35-4d1c-a18d-c5f7bacf9624>. Acesso
em jun. 2018.
357

pesquisadores, estudantes, representante das rádios, TVs e editoras universitárias, gestores


públicos do Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Tecnologia, Capes, CNPq e
FINEP, além de vários secretários do MinC.

Dentro da programação do Seminário foi realizada uma mesa dedicada à Formação


de Gestores Culturais e o Sistema Nacional de Cultura, composta por Bernardo Mata
Machado e pelo professor José Márcio Barros. O objetivo era aproximar as instituições
públicas de ensino superior da política de formação de gestores culturais, na perspectiva de
cumprir as previsões constitucionais (Arts. 215 e 216-A) e implementar o Plano Nacional de
Cultura (Meta 36). Nesse sentido, durante o encontro foi ressaltada a fundamental
participação das instituições de ensino, que deveriam assumir o papel de protagonista na
criação de estruturas de ensino, pesquisa e extensão dirigida para a formação em gestão e
política cultural. Dentre as questões discutidas nessa sessão estavam: definição das
competências necessárias para a formação de gestor cultural; necessidade de se pensar a
formação de gestores de um modo mais permanente, na perspectiva de políticas com
consequências concretas; e imprescindível aproximação entre os ministérios da Educação e
Cultura.

Ainda na programação do Seminário, foi realizado o Grupo de Trabalho Gestão Cultural


e as Instituições de Ensino Superior, onde foram apresentados relatos sobre as atividades de
formação realizadas pela SAI e instituições de ensino entre 2009 e 2012. O objetivo era
discutir princípios, estratégias, metas e ações do Programa Nacional de Formação de
Gestores e Conselheiros de Cultura pensando na oferta de cursos de extensão e
especialização em política e gestão cultural, e cursos de capacitação de consultores para
formulação de planos estaduais e municipais de cultura. O GT foi coordenado por Ângela
Andrade (SAI) e contou a presença de vários atores que vinham atuando nessa área, como
Isaura Botelho e José Márcio Barros. Dentre as questões colocadas por Barros (2013)122
sobre o curso de gestores, estava a importância da formação vir acompanhada de outras
ações dirigidas à ampliação de quadros e estabilidade profissional do gestor:

O curso é muito bem avaliado, mas não é suficiente pra formar o gestor. Se
o gestor não tem concurso, não tem estabilidade, não tem permanência na
instituição, ele se forma, e daí a pouco o mercado altera a presença dele.

122
Disponível em: <http://culturadigital.br/culturaeuniversidade/2013/04/23/gestor-cultural-formacao-em-
foco/>. Acesso em jun. 2018.
358

Então por exemplo, aqui na Bahia eu tenho o Reda, que é a estabilidade de


dois anos renováveis por mais dois anos, mas depois acaba. Claro, todo
investimento em educação é muito bom, mas essas medidas de formação
têm que estar acompanhadas também por medidas de ampliação de
quadros, de estabilidade de quadros, porque senão você forma e perde a
pessoa. (BARROS, 2013)
Várias propostas foram formuladas no GT123, a exemplo de: (1) publicação de editais
dirigidos à formação de maneira regular e nos vários níveis federados com intuito de
observar as particularidades e especificidades locais; (2) promoção de seminários de
avaliação após dois anos da realização dos cursos; (3) acompanhamento dos gestores
egressos dos cursos; (4) sistematização e compartilhamento das experiências envolvidas nos
cursos por meio de uma plataforma de referência na formação de gestores culturais.

De acordo com Telma Oliveri (2015) –, que em julho de 2013 assumiu a Coordenadoria
de Instrumentos de Gestão do SNC, responsável pelo programa de formação, em
substituição a Ângela Andrade –, em decorrência desse GT, foi realizado em julho do mesmo
ano (2013) um encontro entre professores e coordenadores dos cursos de formação de
gestores do SNC, pesquisadores e consultores convidados, e integrantes da SAI. A partir daí
foi aprofundada a discussão sobre eixos temáticos e grade curricular para novos cursos, bem
como os princípios que deveriam reger o Programa de Formação do SNC: (1) coerência com
o SNC e alinhamento à pactuação federativa; (2) perspectiva republicana e parâmetros
inclusivos; (3) formação do desenvolvimento cultural do país; (4) promoção do direito
cultural. Como objetivos para o Programa foram estabelecidos: (1) consolidar a
implementação do SNC; (2) habilitar instituições formadoras no âmbito do SNC; e (3) apoiar
a implementação de programas estaduais/regionais de formação em cultura para alcance
das metas do PNC. Como parâmetro curricular foi sugerido carga horária mínima de 120
horas e conteúdos que abrangessem três eixos temáticos: (1) Políticas públicas de cultura
(política cultural no Brasil; política cultural local, territorial, setorial e regional; federalismos
e políticas públicas de cultura etc); (2) Cultura, diversidade e desenvolvimento (economia da
cultura; financiamento da Cultura; diversidade cultural e desenvolvimento regional etc.); e
(3) Planejamento e gestão pública da cultura (princípios da gestão pública; o SNC e o PNC;
legislação da área cultural e instrumentos jurídicos internacionais; Ferramentas e práticas de

123
Disponível em: < http://culturadigital.br/culturaeuniversidade/files/2013/05/GT-2.pdf>. Acesso em jun.
2018.
359

gestão; etc.) (OLIVIERI, 2015). Esses eixos e disciplinas passaram a ser adotadas em
praticamente todos os cursos de extensão realizados no âmbito do SNC.

Outro destaque na área de formação em cultura foi a realização do Programa Mais


Cultura nas Universidades (PCMU), criado por meio da Portaria Interministerial MEC/MinC
nº18/2013. No âmbito do PCMU foi criado, em 2014, o Fórum Nacional de Formação e
Inovação em Arte e Cultura, instância de articulação, representação e deliberação composto
pelos diversos atores ligados ao Programa. Nesse mesmo ano foi lançado o edital Mais
Cultura nas Universidades124, que segundo as suas disposições preliminares:

1.2 O Edital Mais Cultura nas Universidades tem como objetivo criar Planos
de Cultura (grifo nosso) das Instituições Federais de Ensino Superior e das
Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, por meio da concessão de apoio financeiro, que estejam em
conformidade com a seguinte linha de ação
1.2.1 Apoiar programas, projetos e ações em espaços culturais que
articulem a formação, inovação e difusão em arte e cultura, inclusive
equipando e reestruturando espaços e ambientes de ensino e pesquisa já
existentes, voltados para o desenvolvimento de atividades artísticas e
culturais [...] (MEC; MINC, 2014).
Vale destacar que apesar do objetivo do Edital ser a criação de planos de cultura, ele
era dirigido mais para a realização de atividades do que de planejamento. De acordo com o
item 1.3 do Edital, o prazo de execução dos programas, projetos e ações culturais previstos
no Plano seria de até dois anos.

Em termos de financiamento, os planos aprovados pelo edital poderiam receber entre


quinhentos mil reais e um milhão e quinhentos mil reais; tais recursos eram oriundos do
orçamento do MEC. E a previsão no edital era que o resultado final fosse publicado em maio
de 2015, portanto já em outro período legislativo.

O impacto do edital foi representativo, com inscrição de 98 das 101 IFES existentes no
país, quase 100% da totalidade125. Um dos pontos mais criticados do processo seletivo foi o
fato de se restringir às instituições de ensino superior do âmbito federal, não contemplando

124
Disponível em: <
http://cultura.gov.br/documents/10883/1171222/Edital+Mais+Cultura+nas+Universidades+_07out.pdf/ce8f86
35-5fdc-4eb9-a96c-672fad5129a6> . Acesso em jul. 2018.
125
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/programa-mais-cultura-nas-universidades-tem-quase-100-de-
adesao/10883?redirect=http%3A%2F%2Fwww.cultura.gov.br%2Fo-dia-a-dia-da-
cultura%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_waaE236Oves2%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p
_mode%3Dview%26p_p_col_id%3Dcolumn-1%26p_p_col_count%3D1> . Acesso em jul. 2018
360

as do nível estadual e municipal, o que ia de encontro à proposta do SNC e do PNC. A


justificativa dada pela responsável pelo PMCU no Ministério, Juana Nunes, foi que isso
evitaria mais atrasos no lançamento do Programa e facilitaria a descentralização de recursos
do MEC para as IFES. Uma estratégia que se, por um lado, facilitou o desenvolvimento do
Programa, por outro impediu que o mesmo fosse articulado para além das instâncias do
nível federal, um contrassenso considerando a própria proposta do PMCU, que reconhecia a
importância nos processos de fortalecimento, qualificação e articulação no território
(CERRETI e BARROS, 2015).

6.4.3 Curso de Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste

No final de 2013, foi publicado o Edital UFBA/IHAC nº 01/2013 para selecionar


estudantes para a segunda turma do curso de especialização de formação de gestores
culturais dos estados do Nordeste, realizado pela UFBA, em parceria com a Fundação
Joaquim Nabuco (Fundaj) e o MinC, e com apoio de secretarias de cultura de estados e
municípios e de universidades públicas da região Nordeste. De acordo com o edital, as
instituições apoiadoras eram as principais responsáveis pela participação dos alunos no
curso, financiando despesas de passagens e diárias. O período planejado para o curso foi de
outubro de 2013 a junho de 2014, com entrega do trabalho de conclusão em setembro
deste ano. A coordenação do curso foi feita por Paulo Miguez e por Isaura Botelho, e contou
com a participação de professores de várias instituições de ensino. Assim como na primeira
edição, foi prevista a realização de nove módulos, com aulas presenciais e ensino a distância,
perfazendo a carga horária total de 425 horas/aula. Cada módulo deveria ser ministrado
durante uma semana por mês, com aulas de segunda a sexta-feira. O curso manteve seu
caráter itinerante, com encontros realizados em Salvador, Maceió, Fortaleza, Aracaju e
Olinda. Segundo o edital de seleção, foram oferecidas 50 vagas a serem distribuídas entre:
universidades públicas, órgãos públicos de gestão da cultura de estados e municípios, além
do Ministério da Cultura (cinco vagas para a SAI). Ao final do curso, 31 alunos apresentaram
monografia, e conseguiram o título de especialista. Dada a similitude com a sua primeira
edição, essa iniciativa não será aprofundada.

6.4.4 Cursos de extensão para formação em gestão cultural

No âmbito do Programa Nacional de Formação de Gestores e Conselheiros Culturais do


SNC, foram realizados diversos cursos de extensão envolvendo a participação de instituições
361

de ensino, órgãos públicos de cultura de estados e municípios e a SAI. Alguns desses cursos
estão resumidos a seguir:

No final de 2012, foi divulgada a realização de curso de extensão em Administração


Pública da Cultura, organizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em
parceria com a SAI, dirigido para gestores públicos e conselheiros de cultura dos 128
municípios do estado do Rio Grande do Sul que tinham aderido ao SNC. A coordenação do
curso coube à professora Rosimeri Carvalho da Silva e teve presença da profa. Eloisa
Dellagnello, ambas participantes do projeto de apoio técnico para elaboração dos planos
estaduais de cultura. O desenho do curso compreendeu sete módulos, cujos conteúdos
versavam sobre: Federalismo e Sistema Nacional de Cultura; Administração Pública
Contemporânea; Cultura, Diversidade e Desenvolvimento; dentre outros. O curso foi
desenvolvido de maneira semipresencial, entre março e setembro de 2013, e contou com a
participação de 67 gestores de cultura. A partir de 2015, o curso passou a ser oferecido
exclusivamente na modalidade de ensino a distância, com abertura de quatro turmas e
1.400 vagas, não mais destinadas apenas para gestores e conselheiros do Rio Grande do Sul,
e sim para todo o país. A carga horária do curso era de 63 horas e a sua duração de três
meses. De acordo com informações disponibilizadas no site
<https://www.ufrgs.br/admcultura/> foram abertas novas turmas em 2016 e 2017.

Em 2013, a Fundação de Educação Tecnológica e Cultural da Paraíba (Funetec/PB),


em pareceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Instituto de Educação
Tecnológico da Paraíba (IFPB), Secretaria de Estado da Cultura da Paraíba e a SAI, ofereceu
cursos de extensão para Formação de Gestores Culturais desse estado. A carga horária total
era de 200 horas, distribuídas em sete módulos: 1. Políticas Públicas de Cultura / Sistema
Nacional de Cultura; 2. Diversidade e Desenvolvimento Cultural; 3. Planejamento e Gestão,
Gestão em Rede e Instâncias de Governança; 4. Elaboração de Projetos, Editais, Marketing
Cultural e Captação de Recursos; 5. Licitação, Prestação de Contas e Convênios; 6. SICONV
(Passo a passo na elaboração de Convênios); 7. Seminário de Apresentação dos Projetos de
Intervenção na Ação Cultural dos Municípios. Tais conteúdos eram trabalhados tanto
presencialmente (em encontros quinzenais em cidades-polos do estado) quanto a distância
(plataforma moodle). Foram oferecidas 300 vagas para gestores públicos, conselheiros
362

municipais de cultura vinculados a municípios que tinham aderido ao SNC, e agentes


culturais da sociedade civil. O curso foi realizado entre setembro e dezembro de 2013126.

Entre outubro de 2013 e setembro de 2014 foi realizado o Curso de Formação de


Gestores Públicos e Agentes Culturais no Rio de Janeiro, promovido pela Secretaria de Estado
de Cultura/RJ em pareceria com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a SAI. O
Curso foi proposto no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cultural dos
Municípios (Padec), da Secult/RJ, e foi composto a partir dos eixos: Políticas públicas de
Cultura; Cultura, Diversidade e Desenvolvimento; e Planejamento e gestão pública da
cultura. A partir desses eixos foram estruturados cinco módulos: (1) De onde partimos: a
visão da Cultura; (2) Fundamentos: pilares estruturais; (3) A relação Estado e Cultura: das
concepções aos mecanismos; (4) Instrumentos para o trabalho em cultura: gestão e
planejamento; e (5) Instrumentos para o trabalho em cultura: projeto cultural-metodologias
e execução. Com carga horária total de 151 horas (135 horas a distância e 16 horas
presenciais), foram oferecidas 800 vagas, distribuídas em 23 turmas, dirigidas para gestores
e agentes culturais do estado do Rio de Janeiro. Participaram da formação professores e
profissionais de diversas regiões do país, parte deles atuantes em outras ações semelhantes,
a exemplo de Lia Calabre, Maria Helena Cunha e Humberto Cunha Filho. Em 2015, foi
realizada a segunda edição do Curso, também no formato semipresencial. Todo o conteúdo
do curso foi disponibilizado para download no site <http://www.cultura.rj.gov.br/curso-
gestores-agentes/>.

Entre dezembro de 2013 e maio de 2014 foi realizado o Curso de Extensão e


Aperfeiçoamento em Gestão Cultural, realizado pela Universidade Federal do Pará (UFPA)
em parceria com a SAI. O curso teve por público-alvo 80 gestores e conselheiros de cultura
de municípios do estado do Pará que tinham aderido ao SNC. O formato seguia a orientação
dos cursos anteriores, era semipresencial, com cinco módulos desenvolvidos a partir de três
eixos. A duração do curso foi de cinco meses, com carga horária total de 200 horas (50%
presencial e 50% a distância)127. Em 2015 foi realizada a sua segunda edição.

126
Informações disponíveis em: < http://static.paraiba.pb.gov.br/2013/07/EDITAL-COM-RETIFICAÇÕES_1.pdf>
e < http://paraiba.pb.gov.br/governo-inscreve-para-curso-de-formacao-de-gestores-culturais-da-paraiba/>.
Acesso em jul. 2018
127
Informações disponíveis em:<
http://www.aedmoodle.ufpa.br/pluginfile.php/103968/mod_resource/content/0/ava/AVA/GCULT%20Guia%2
0do%20Curso%20revisado.pdf>. Acesso em jul. 2018
363

Na modalidade EAD, a Universidade Federal do ABC (UFABC/São Paulo), em parceria


com a SAI, iniciou em 2014 a oferta de curso de Formação de Gestores para o
Desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura128. A carga horária foi de 132h e foram
oferecidas 168 vagas para 38 municípios da Grande São Paulo. O público-alvo era formado
por funcionários de órgãos públicos de cultura desses municípios e membros da sociedade
civil integrantes dos conselhos de cultura. No caso daqueles municípios que ainda não
possuíam tal instância, foi aberta possibilidade de indicar agentes e produtores locais. A
seleção dos alunos era feita em parceria com as secretarias municipais de cultura.

De acordo com Bernardo Mata Machado (2017), foram feitos diversos acordos entre
a SAI e universidades para a realização desses cursos, que tiveram continuidade na gestão
seguinte.

6.4.5 Projeto de apoio para elaboração de planos estaduais e municipais

Em 2014, a SAI, a UFSC e a UFBA deram continuidade ao projeto de apoio técnico e


capacitação a estados e municípios para elaboração de planos de cultura, cuja primeira
edição foi realizada em 2012.

A UFSC ficou responsável por acompanhar os estados de São Paulo, Paraná, Minas
Gerais, Maranhão e Pernambuco. O formato do projeto permaneceu semelhante à primeira
edição, com realização de seminários de integração com os estados participantes, site do
Projeto, visitas técnicas aos estados etc. As alterações destacáveis foram: redução dos
consultores contratados (antes eram dois, e passou a ser apenas um técnico por estado);
realização de, ao menos, duas oficinas em cada estado participante na quais a equipe da
UFSC se reunia com pessoas envolvidas na construção dos Planos; produção de material
didático, com publicação do livro em formato impresso e digital Proposta Metodológica para
Elaboração de Planos Estaduais de Cultura; folderes com o resumo do conteúdo, distribuídos
entre todos os entes federados; gravação de vídeo-aulas disponibilizadas em canal do
Youtube; e disponibilização do conteúdo na plataforma digital Moodle para possibilitar o
ensino a distância (DELLAGNELO, 2016).

128
Informações disponíveis em: < http://proec.ufabc.edu.br/images/editais-e-formularios/todos-os-
editais/Formação_para_Gestores_Públicos_e_Conselheiros_de_Cultura__Modalidade_EaD_2015/ChamadaPro
fs_CursodeGestores.pdf>. Acesso em jul. 2018.
364

No caso da UFBA, que na primeira edição apoiou 20 municípios, houve uma mudança
substancial nesse segundo momento por conta da ampliação do número de participantes,
que contemplou 439 municípios de todas as regiões do país. Considerando os mais de cinco
mil municípios brasileiros, era preciso repensar a estratégia do processo de formação,
assistência e acompanhamento para elaboração dos planos municipais de cultura. Nesse
sentido, para que o projeto ganhasse escala, a metodologia passou a ser pautada em
ambiente virtual de aprendizagem (plataforma Moodle), daí a denominação de Projeto EAD
Planos Municipais de Cultura.

De acordo com Kátia Costa e José Márcio Barros (2016), a mudança de estratégia no
projeto foi acompanhada da preocupação por parte da equipe coordenadora por conta do
uso das novas ferramentas tecnológicas.

Pelo fato de se dar à distância, houve a preocupação permanente quanto à


mobilização e efetiva presença dos participantes nas atividades previstas
em cada módulo, em face do alto risco de evasão, o que de fato ocorreu.
Atividades complementares e eventos de mobilização adicionais foram
previstos para mitigar a perda de interesse no projeto. (COSTA; BARROS,
2016, p. 138)
Em termos de estrutura de gestão, houve uma ampliação da equipe do projeto,
coordenado por professores da Escola de Administração da UFBA, e composta de
consultores técnicos, pesquisadores e equipe administrativa. Vale registrar que dentre os
novos quadros de consultores estava Ângela Andrade (ex-SAI) e o professor José Márcio
Barros, que atuou na coordenação do curso-piloto do SNC realizado na Bahia (2009/2010) e
participou, pelo Acre, do projeto de apoio à elaboração de planos estaduais de cultura
(2012). O projeto da UFBA integrou também a contratação de 40 tutores selecionados a
partir de um edital público, e avaliados por meio de currículo, carta de intenção e
entrevista129. Antes de iniciar as atividades de tutoria, os selecionados participaram da
Oficina de Capacitação de Tutores, realizada entre os dias 4 e 8 de agosto de 2014, na UFBA.
Os tutores também integraram dois encontros de avaliação sobre o projeto (em outubro de
2014 e janeiro de 2015), já que eram eles os que estavam mais próximos da ponta, sendo
responsáveis por apresentar os conteúdos dos módulos (elaborados por outra equipe),
acompanhar as atividades realizadas pelos participantes, mediar as discussões nos fóruns
virtuais etc. Em relação à atuação do MinC, a SAI foi responsável pela seleção dos

129
Participei desse projeto enquanto tutora responsável por acompanhar os municípios do estado da Bahia.
365

municípios, cujo principal critério de escolha foi a adesão do ente ao SNC. De acordo com
Kátia Costa (2017), integrante da equipe da UFBA, dada as eleições presidenciais
programadas para outubro de 2014, o Ministério enfrentou uma série de dificuldades para
mobilizar os municípios, o que acabou levando a UFBA a se envolver em “um exaustivo
trabalho de articulação municipal [...]. Como resultado, 439 municípios se inscreveram e
1.003 pessoas foram cadastradas, o que representou um aumento de mais de vinte vezes do
número de municípios participantes da primeira edição” (COSTA, 2017, p.72). Ainda segundo
a pesquisadora (2017), entre os 439 municípios participantes, 70,6% eram de pequeno
porte; 27,6% de médio porte e 1,8% de grande porte.

Em relação à dinâmica do processo formativo, Kátia Costa (2017) indica que após a
confirmação da seleção no projeto, os municípios deveriam indicar dois representantes para
integrar a iniciativa – um do órgão público de gestão da cultura ou do conselho de política
cultural e outro representante da sociedade civil, que poderia integrar ou não o conselho.
Vários requisitos foram solicitados para tais participantes, considerando que o projeto
demandava tempo e empenho, que exigia leitura de material, realização de exercícios,
participação em fóruns de discussão etc. Nesse sentido, para os representantes do órgão
público de cultura, foi solicitado que o tempo de dedicação ao projeto fizesse parte da carga
horária de trabalho dos mesmos.

Em síntese, o projeto foi dividido em três fases: aplicação de seis módulos básicos
voltados para o campo da cultura (com carga horária de 67 horas); seis módulos com
conteúdos especificamente desenvolvidos para elaboração de planos de cultura (com carga
horária de 74 horas); e realização de nove encontros regionais. No caso dos módulos, o
acesso era feito via plataforma virtual e tinha sempre acompanhamento dos tutores, que
atuavam em dupla, cada uma delas sendo responsável por um conjunto de
aproximadamente 20 municípios, agrupados a partir das oito Representações Regionais do
MinC (COSTA, 2017). No caso dos encontros regionais, o objetivo foi oferecer reforço
metodológico presencial àqueles municípios que elaboraram o roteiro do plano, mas que
não finalizaram a minuta. Essa última etapa foi importante considerando a evasão verificada
ao longo dos 18 meses de projeto. De acordo com Costa (2017, p. 128): “[...] dos 840
participantes do Projeto, 415 acessaram a plataforma e participaram do fórum; 193
acessaram a plataforma e não participaram do fórum e 232 nunca acessaram a plataforma e
366

nem participaram do fórum”. Além disso, observou-se que dentre os participantes ativos, à
medida que os módulos foram avançando, foi anotada uma queda sistemática na atuação
dos mesmos.

Apesar de adversidades como essas apontadas, algumas típicas e já esperadas de um


ambiente pautado em ferramentas digitais, o projeto conseguiu se redimensionar e alcançar
um expressivo número de municípios. Tanto que uma terceira edição foi publicada para
contemplar mais 400 municípios.

Os dados mais atualizados disponibilizados pelo MinC indicam que em 2015 oito
estados (30%) e 369 municípios (7%) possuíam planos de cultura regulamentados130. Um
percentual pequeno considerando o investimento feito junto aos órgãos de cultura, mas
compreensível diante da fragilidade institucional dos mesmos, sobretudo do nível municipal,
e as dificuldades inerentes à formulação e implantação de um instrumento de gestão pública
pautado na participação social.

6.4.6 III Conferência Nacional de Cultura (2013)

Um dos principais focos de atuação da SAI na gestão Suplicy foi a realização da III
CNC. As discussões em torno do evento pautaram diversas instâncias, dentre elas o CNPC,
cujo Plenário precisava aprovar o regimento interno. Neste sentido, a primeira reunião do
CNPC, realizada nos dias 06 e 07 de março de 2013, com a SAI ainda dirigida por João
Roberto Peixe, teve como pauta a aprovação de tal documento. Conforme Ata da 18ª
reunião do Plenário131, o então secretário da SAI apresentou o calendário previsto para os
encontros: de abril a julho, a etapa municipal; de julho a setembro, as etapas regionais e
estaduais; e em novembro, a nacional. A realização de Conferências Regionais era uma das
novidades da III CNC, e deveriam ocorrer entre os encontros municipais/intermunicipais e o
estadual. Outra medida inovadora apresentada na reunião foi quanto à ampliação da
participação da sociedade civil na Comissão Organizadora Nacional da Conferência, que
além da representação de um membro da sociedade civil integrante do Plenário do CNPC,
deveria ter um representante de cada Colegiado Setorial (17 no total), um representante do
setor Audiovisual, um do Conselho Superior do Cinema e outro do Comitê Gestor do Ibram.

130
Disponível em: <http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/1/>. Acesso em jun. 2018
131
Disponível em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10907/1277867/2013+Ata+18ª%20Reunião+Ord++Plenario.pdf/c8150
a7c-4ad1-48ac-a4f1-846700b93f77>. Acesso em: jun. 2018
367

Nessa reunião, um dos pontos mais polêmicos foi quanto à indicação por parte do MinC de
não realizar pré-conferências setoriais, já que as propostas setoriais deveriam ser discutidas
e aprovadas nos respectivos colegiados, algo contestado e reprovado pelo Plenário do CNPC.
Nesse sentido, o secretário da SAI sugeriu que os conselheiros elaborassem uma
contraproposta, no que alertou a todos as dificuldades orçamentárias do Ministério: “Na
verdade não é uma questão de não querer, mas sim de não poder, não ter recurso, não ter
orçamento público, feito no ano anterior” (PEIXE apud CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA
CULTURAL, 2013). Na ata desta reunião não ficou claro qual foi a resolução dessa questão, já
que não houve mais registro sobre o assunto. Outro ponto de discordância da proposta do
MinC foi a previsão de que os entes subnacionais precisariam ter aderido ao SNC para que
suas respectivas conferências pudessem ser validadas e habilitadas pra a etapa nacional. O
CNPC indicou a exclusão dessa exigência, prevista no parágrafo nono do Art. 8º da minuta
apresentada pelo MinC:

As Conferências referidas nos incisos I a III, somente constituir-se-ão como


habilitadas à 3ª Conferência Nacional de Cultura, nos Municípios, Estados e
Distrito Federal que tenham, até o dia 30 de junho de 2013, assinado
Acordo de Cooperação Federativa com a União, por intermédio do
Ministério da Cultura, visando ao desenvolvimento do Sistema Nacional de
Cultura.
Não era a primeira vez que o MinC tentava vincular a realização de conferência à
adesão dos entes federativos ao Sistema, já que em 2005 essa foi uma das condições
impostas. Entretanto, ao final, assim como na II CNC, a terceira também não estabeleceu tal
vinculação.

No mês seguinte à reunião do CNPC, em 16 de abril de 2013 – já com Marcelo


Pedroso como secretário de Articulação Institucional e Bernardo Mata Machado como seu
substituto –, o MinC publicou a Portaria nº 33 convocando a III CNC e homologando o seu
regimento interno, que estipulou como tema: Uma política de Estado para a Cultura:
desafios do Sistema Nacional de Cultura. O SNC foi colocado assim como principal objeto do
encontro. A etapa nacional foi prevista para ser realizada em Brasília, entre 26 e 29 de
novembro de 2013 (acabou ocorrendo entre 27 de novembro e 01 de dezembro) e a
coordenação da Conferência coube à SAI. Para Bernardo Mata Machado (2017), algo
marcante no processo de construção do SNC é o fato de a SAI ter sido sempre o órgão
responsável por coordenar as conferências, um dos componentes do Sistema mais
368

importantes, em sua opinião, por ter a participação social como objeto central. O fato de tal
coordenação pertencer à SAI certamente ajuda a compreender porque o SNC esteve sempre
na pauta dos encontros, tendo sido escolhido como uma das propostas prioritárias e, na
terceira edição, ter sido indicado para o tema geral do evento. Assim, o primeiro objetivo da
III CNC, conforme Art. 1º do regimento interno, era:

Propor estratégias de aprimoramento da articulação e cooperação


institucional entre os entes federativos e destes com a sociedade civil,
povos indígenas e povos e comunidades tradicionais que dinamizem os
sistemas de participação e controle social na gestão das políticas públicas
de cultura para implementação e consolidação dos Sistemas Nacional,
Estaduais/Distrito Federal, Municipais e Setoriais de Cultura, envolvendo os
respectivos componentes.
Dentre os objetivos dessa Conferência havia também a avaliação da execução das
metas do PNC a partir do monitoramento do SNIIC; o debate de experiência relativa à
elaboração, implementação e monitoramento de planos de cultura (municipais, estaduais,
distrital, regionais e setoriais); e avaliação dos resultados obtidos a partir da II CNC, dentre
outros. Esse último ponto é um dos mais controversos, já que muitas propostas indicadas
como prioritárias por parte dos delegados das conferências não são implementadas por
parte do poder público. Segundo Adélia Zimbrão (2013), o MinC não desenvolveu métodos
de processamento das definições dos encontros e não há garantia de que as deliberações
das conferências se desdobrem em políticas públicas ou em publicações de normas jurídicas.
O que pode ser comprovado pelo relato de Bernardo Mata Machado (2017):

[...] não havia um processo imediatamente pós-conferência de dizer ‘olha,


vamos ver quem é responsável no Ministério por isso e por aquilo’. Eu
cheguei a fazer isso, a separar as demandas por órgão do Ministério que
seria responsável pela execução e aí fui mandando correspondência para o
Ministério inteiro, e nós tentamos montar um esquema de
acompanhamento, mas acabou que a gente não conseguiu mesmo.
Nesse sentido, ele concorda com a posição de Adélia Zimbrão, e mesmo reconhecendo
as conferências como um importante instrumento de mobilização e de discussão nacional,
em sua avaliação, elas não tiveram consequências práticas:

[...] tanto o Plano Nacional quanto as temáticas das conferências, que eram
basicamente sempre o Sistema Nacional de Cultura, eram temas tão
amplos, que o discurso do Ministério era que ‘nós estamos tocando...isso tá
no Plano’, mas, na verdade, eu concordo com a Adélia, eu acho que as
conferências tem muito mais importância como um processo de
mobilização e discussão do que propriamente de consequências práticas.
(MATA MACHADO, 2017)
369

Por outro lado, em sua opinião, é provável que a nível local as conferências tenham
sido capazes de ter um desdobramento mais efetivo, “porque no plano local, aquelas
lideranças que se reuniram lá na primeira fase, elas ficavam ali cobrando aos seus
secretários diretamente” (MATA MACHADO, 2017). A relação do MinC com as conferências
nacionais de cultura precisa ser analisada com cautela, considerando que o exercício da
democracia participativa requer do poder público ações no sentido de garantir a sua
efetividade, sob o risco de, no mínimo, tornar os processos participativos desacreditados.

Voltando à III CNC, foi estipulado cinco eixos temáticos: I - Implementação do SNC; II -
Produção simbólica e Diversidade cultural; III - Cidadania e Direitos Culturais; III - Cidadania e
Direitos Culturais; IV - Cultura e Desenvolvimento. Os temas abordados nesses eixos foram
aprofundados no Texto-Base, cuja Introdução apresentava linhas programáticas prioritárias
para o MinC: (1) “Criar e descentralizar equipamentos culturais por meio da construção dos
Centros de Artes e Esportes Unificados (CEUs)”; (2) “Implantar o Vale-Cultura”; e (3)
“Fortalecer a presença do Brasil no mundo por meio do soft power”. Em outro parágrafo da
Introdução é citado que o SNC também foi eleito como prioridade pelo Ministério e elevado
a tema central da III CNC. Um discurso que, segundo depoimento de diversos atores, não era
verdadeiro, já que a gestão Marta Suplicy não colocou o SNC como prioridade. Na opinião de
Mata Machado (2017), “em nenhum momento o Sistema Nacional de Cultura foi uma
prioridade de Gabinete do Ministério”. Ou seja, mesmo nas gestões comandadas por uma
pessoa indicada pelo PT, no caso de Ana de Hollanda, e de uma dirigente filiada ao Partido,
com Marta Suplicy, o SNC não alçou o lugar de política prioritária.

Quanto ao desenho da III CNC, segundo o seu regimento interno, ela foi organizada em
quatro etapas: (1) municipal ou intermunicipal; (2) regional ou territorial; (3) estadual e
distrital e (4) nacional. O funcionamento se dava de maneira semelhante às conferências
anteriores, com todas essas etapas tendo caráter mobilizador, propositivo e eletivo, com
envio de delegados e propostas de uma etapa para a outra. Dentre essas etapas, vale
destacar que os encontros regionais/territoriais eram de caráter opcional e dirigida a
estados e Distrito Federal. Segundo §4º do Art. 8º, esse tipo de conferência era
especialmente sugerida para estados com grande número de municípios e que mobilizariam
muitos delegados para a etapa estadual. Os custos desses encontros territoriais deveriam
ser divididos entre os municípios – que respondiam pelo deslocamento e hospedagem dos
370

delegados eleitos para tal etapa – e o estado, que custeava as despesas relacionadas à
infraestrutura para a realização do evento. De acordo com os Anais da III CNC (MINC,
2013b), esse tipo de conferência foi realizada no estado da Bahia (31 encontros segundo
Anais do MinC, mas 27 encontros de acordo com informações da Secult/BA132), no Distrito
Federal (9 encontros) e em Pernambuco (1 encontro). Vale ressaltar que o expressivo
número de conferências territoriais na Bahia decorre da política cultural desenvolvida pela
sua Secretaria de Cultura desde 2007, que fomentava arranjos territoriais no Estado.

Além dessas quatro etapas, a III CNC previu a realização de Conferências Livres, que
poderiam ser promovidas tanto pela sociedade como pelo poder público, e que apesar de
não envolver a eleição de delegados, as propostas ali indicadas poderiam ser encaminhadas
para a etapa nacional. Segundo dados do MinC133, em 2013 foram realizadas 35 conferências
desse tipo, tais como: I Conferência Livre de Cultura do Estado do Amazonas, com 22
participantes, feita pelo Fórum Amazônico de Desenvolvimento Cultural; Conferência Livre
sobre Gestão Cultural, com 65 inscritos, organizada pela Fundação Joaquim Nabuco;
Conferência Livre Indígena – Aldeia Multiétnica, com 49 participantes, promovida pelo
Colegiado de Culturas Indígenas; I Conferência Livre Cultura Viva-SP, com 225 participantes,
feita pela Comissão Paulista de Pontos de Cultura; Conferência Livre de Democratização da
Comunicação e Cultura Digital, com 163 participantes, organizada pela SPC/MinC; 5º
Encontro Paulista de Museus, com 1.225 participantes, promovido pela Secretaria de Estado
da Cultura de São Paulo. Boa parte das conferências livres tinha relação com o Projeto Ponto
de Cultura ou com políticas setoriais, como museus, culturas indígenas, cultura digital,
cultura LGBT, etc. Isso pode ser compreendido pela ausência na III CNC da etapa de
encontros setoriais. Apesar de o Plenário do CNPC ter sido contra a retirada dessa etapa, que
havia ocorrido na II CNC (2009), o regimento interno não previu a realização de conferências
setoriais, apesar de incluir a figura de Delegados Setoriais. Esses, ao contrário dos demais
eleitos nas etapas anteriores à nacional, seriam os membros titulares dos Colegiados
Setoriais do CNPC. Cada Colegiado poderia ter até 20 delegados, sendo até 15
representantes da sociedade civil e até 5 representantes do poder público. No caso
específico do setor de museus, os delegados seriam provenientes do Comitê Gestor do
132
Informação disponível em: <https://conferenciadecultura.wordpress.com/etapas/etapa-territorial/>. Acesso
em: ago. 2018.
133
Disponível em: <http://cncvirtual.culturadigital.br/2013/11/conferencias-livres-que-enviaram-propostas-
para-a-iii-cnc-2/>. Acesso em: jul. 2018.
371

Sistema Brasileiro de Museus. A não realização dos encontros setoriais na III CNC é algo
complicado, considerando que na cultura, em geral, pessoas e políticas se organizam por
segmento, e nesse sentido, é preciso equilibrar a representação territorial com a setorial.

Outra novidade da III CNC foi a criação, pela Coordenação de Cultura Digital do MinC,
da plataforma <http://cncvirtual.culturadigital.br/> (ainda acessível), que viabilizou a
realização da primeira Conferência Virtual, já que a de 2009, apesar de prevista no
regimento, não foi implementada. A plataforma ficou disponível ao público entre os dias 19
e 26 de dezembro de 2013, quando os usuários puderam acessar as 614 propostas eleitas
para a etapa nacional, opinando sobre as mesmas e votando naquelas que consideravam
mais importantes. Além das propostas, o usuário poderia acessar várias informações sobre
o evento, como o Texto-Base, Regimento Interno, texto sobre o processo de sistematização
das propostas e a metodologia que seria debatida na etapa nacional134. Nos Anais da III CNC,
não há informações sobre a quantidade de usuários participantes da Conferência Virtual.
(MINC, 2013b). Na terceira edição da Revista MinC, dedicada à III CNC, há uma matéria
intitulada: MinC promove Conferência Virtual e atinge 16 milhões de internautas (MINC,
2013c, p. 70), só que essa quantidade de pessoas não se refere ao inscritos na plataforma
digital, e sim aos usuários das Redes Sociais, como a própria Revista indica: “Mais de 16
milhões de pessoas foram alcançadas no Twitter, a partir da hastag #IIICNC. Houve mais de
200 mil visualizações no Flickr e mais de 800 mil conteúdos postados falando sobre a
Conferência. Entre estes vídeos, fotos e textos” (MINC, 2013c, p. 70).

Sobre a participação geral no encontro, de acordo com os Anais (MINC, 2013b),


aproximadamente 450 mil pessoas estiveram envolvidas nessa Conferência, que
compreendeu a realização de: 1.701 conferências municipais; 170 conferências
intermunicipais; 41 conferências territoriais/regionais; 35 conferências livres e 27
conferências estaduais/distrital. No total, foram realizadas 1.974 conferências e 2.991
municípios estiveram envolvidos. A região que mais promoveu conferência foi o Nordeste
(1.105), seguida do Sudeste (825), Sul (739), Norte (164) e Centro-Oeste (158). A etapa
nacional, realizada em Brasília, reuniu um total de 1.745 pessoas, entre 953 delegados, 162
convidados, 391 observadores e 239 profissionais (expositores, imprensa e organização).

134
Informações disponíveis em: < http://www.cultura.gov.br/banner-1/-
/asset_publisher/G5fqgiDe7rqz/content/conferencia-virtual-da-iii-cnc/10883>. Acesso em> jul. 2018.
372

Sobre o resultado da Plenária Final, foram aprovadas 64 proposta (entre 614 oriundas das
etapas anteriores), sendo 20 prioritárias (cinco por cada eixo). Vale destacar que no Eixo 1 –
Implementação do Sistema Nacional de Cultura, as propostas mais votadas foram: (1ª)
Aprovação da PEC 150, com 663 votos; (2ª) Destinação de pelo menos 10% do Fundo Social
do Pré-Sal para a Cultura, com 540 votos; (3º) Aprovação da Lei de regulamentação do SNC,
com 524 votos; (4º) Formação e Capacitação em Gestão Cultural, 473 votos; e (5º)
Fortalecimento do FNC: paridade com renúncia fiscal e fundo-a-fundo, 375 votos.

Uma das novidades na dinâmica da etapa nacional da III CNC foi a redução da
quantidade de seminários e palestras em prol da ampliação de tempo para as discussões
entre os delegados nos Grupos de Trabalho, que passou a ocupar dois dias da programação.
Assim, foi realizado apenas um painel Os desafios do Sistema Nacional de Cultura, composto
por Bernardo Mata Machado (SAI), Américo Córdula (SPC), Gilberto Carvalho (ministro-chefe
da Secretaria-Geral da Presidência da República) e Albino Rubim (então secretário de Cultura
do Estado da Bahia). A proposta de reduzir a quantidade de palestras foi feita pelo Comitê
Executivo da Conferência135.

Segundo Bernardo Mata Machado (2017), apesar de vários órgãos e setores do MinC
cooperarem com a preparação da III CNC, quem respondia efetivamente pelo evento era a
SAI:

[...] a barra mais pesada da gestão ficava sempre com a gente, [...] na hora
do pau quebrar, quem abria a conferência era a SAI, quem tomava o cacete
era sempre o secretário da SAI e a presença mesmo na conferência do
Ministério da Cultura não era grande coisa não [...], mas na preparação a
gente tinha a cooperação. (MATA MACHADO, 2017).
Sobre a participação dos fóruns de secretários e dirigentes de cultura de estados e
municípios, Bernardo Mata Machado (2017) revela que os representantes dos estados
passaram a desenvolver uma estratégia de se reunir na Conferência, garantindo assim uma
participação forte no evento e gerando mais impacto: “isso fortaleceu esse primeiro edital
[do SNC] [...] ele [Hamilton Pereira, presidente do Fórum de Secretários e Dirigentes
Estaduais de Cultura] entrou com esse documento assinado por todos, que foi um

135
Na III CNC houve ampliação do Comitê Executivo da Conferência, que passou a ser composto por todas as
secretarias e unidades vinculadas do MinC, o Plenário do CNPC, a Secretaria Geral da Presidência da República,
o Fórum dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e o Fórum dos Secretários e Dirigentes de Cultura
das Capitais e Municípios de Regiões Metropolitanas. Na Conferência de 2010, tal instância foi composta
apenas por algumas secretarias e vinculadas do MinC (a Sefic, por exemplo, não integrava o Comitê) e do CNPC.
373

documento importante, lido publicamente [...]” (MATA MACHADO, 2017). Tal documento,
em resumo, reivindicava a transferência de recursos da União para os entes federados no
âmbito do SNC. Iniciativas como essas por parte dos fóruns de secretários de estados e
municípios foram importantes para fazer com que determinadas ações em torno do SNC
fossem efetivadas por parte do MinC. Para Bernardo Mata Machado (2017), as ações dos
fóruns eram importantes, inclusive para a própria SAI, que saía fortalecida no Ministério:
“[...] eles fizeram acordos políticos importantes, [...] estavam sempre se reunindo pra
fortalecer a própria SAI.” (MATA MACHADO, 2017).

Sobre a época em que esteve na presidência do Fórum de Secretários e Dirigentes


Estaduais de Cultura (2012-2013), Hamilton Pereira (2018) comenta que havia diferenças
explícitas entre os dirigentes de cultura que participavam da instância, já que cada um
representava uma Unidade da Federação e tinha alinhamento com os programas políticos de
seus respectivos estados, o que se refletia nos debates sobre o SNC:

Três Estados governados pelos tucanos [Minas Gerais, São Paulo e Paraná]
[...] buscavam polarizar uma oposição à perspectiva defendida pelo MinC.
[...] A rigor, os três Estados se opunham ao SNC por entenderem que sua
implementação fortalecia a centralização das políticas nas mãos da União
dentro de um Programa, dentro da área da Cultura, e fora dela, onde
prevalecia uma vigorosa presença do Estado e, portanto, contrariava a
perspectiva neoliberal, adotada por eles, assentada no entendimento de
que o mercado soluciona melhor esses desafios. (PEREIRA, 2018)
Sobre tais posicionamentos, Pereira (2018) pondera que é preciso observar as
especificidades de cada um em deles relação à resistência ao Sistema, especialmente no
caso de Minas Gerais, que não teria uma oposição frontal à política, mas sim
questionamentos e dúvidas.

Minas [...] apresentava naquele momento uma questão complexa à


proposta de implantação do SNC apresentada pelo MinC: como produzir o
processo no estado com o maior número de municípios do país, centenas
deles, sem a mínima condição de sustentabilidade orçamentária e
financeira para cumprir os critérios estabelecidos pelo Ministério e, por
consequência, ter acesso aos financiamentos federais para investir nas suas
políticas públicas de cultura? (PEREIRA, 2018)
De acordo com Pereira (2018), apesar dessas oposições, que pontualmente tinham
apoio de mais alguns estados, como Santa Catarina, a maioria do Fórum se posicionava
favorável à condução dada pela SAI ao Sistema, já que “A composição política alinhada
naquele momento com o governo federal era francamente majoritária” (PEREIRA, 2018).
374

Para João Roberto Peixe (2017), as dificuldades enfrentadas com os secretários do


PSDB, notadamente São Paulo, Minas Gerais e Paraná, se devia menos à proposta do SNC e
mais a uma disputa política pela presidência do Fórum de Secretário e Dirigentes Estaduais
de Cultura.

[...] eu acho que as tensões eram mais por conta de disputa interna do
Fórum dos Secretários do que pelo Sistema em si. O secretário na época,
por exemplo, do Paraná tinha sido secretário municipal quando eu era do
fórum [das Capitais e Regiões Metropolitanas], e nunca se levantou contra
o Sistema, [...] então eles se articularam para, enfim... era uma bandeira
que eles estavam querendo com o Sistema para disputar a presidência do
Fórum. (PEIXE, 2017)
De acordo com Peixe (2017), depois que terminou o processo eleitoral do Fórum, os
estados que ainda não tinham aderido ao Sistema, assinaram o Acordo de Cooperação
Federativa. Aqui caberia uma averiguação mais profunda sobre a resistência de alguns
estados quanto ao SNC, já que é preciso avaliar, por exemplo, se de fato a presidência do
Fórum de Secretários e Dirigentes teria tanta força política assim para motivar tais posturas.

6.4.7 – Edital de fortalecimento do SNC para os estados

“Temos o Sistema Nacional de Cultura, que aprovei no meu último dia como
Senadora. Foi aprovado. E, agora, estamos indo de vento em popa na implantação”. Essas
foram as palavras de Marta Suplicy no discurso proferido na cerimônia de abertura da III
CNC, quando a ministra iniciou sua fala sobre o SNC:

No Sistema Nacional nós já temos a adesão de, praticamente, todos os


Estados. [...] Nós temos dois mil e cem municípios que já fizeram a adesão.
Agora, nós temos que criar as estruturas para o diálogo, planejar os
recursos financeiros, e essa Conferência vai ajudar. Nós sabemos que o
Fundo de Cultura é limitado e é desse Fundo que vai o recurso para os que
aderiram. Para fazer um estímulo – isso, acho que é um gesto que estamos
fazendo – nós vamos... isso, o ano que vem, colocar trinta milhões para os
Estados que já fizeram adesão. Porque é diferente, gente. [...] Depois que
aderiu, tem que fazer um Fundo, tem que fazer um conselho: metade
prefeitura ou, metade Estado, metade sociedade civil; e um Plano de
Cultura. De todos os Estados que aderiram, quase todos, menos Minas, que
está assinando, só seis fizeram, até agora, tudo isso. Esses seis serão os
primeiros a receber os trinta milhões, ano que vem. (SUPLICY apud MINC,
2013b, p.98)
De acordo com Pedro Ortale (2017): “foi ela [Marta Suplicy] que prometeu os trinta
milhões na Conferência de 2013. Ela disse ‘vai ter um edital’, e eu falei ‘ótimo! pegamos ela
pela palavra’ e aí fizemos o edital.”
375

O Edital nº01/2014 Processo seletivo de fortalecimento do Sistema Nacional de


Cultura, com vigência de dois anos prorrogável por mais dois, foi publicado em março de
2014, e como foi previsto no discurso da ministra, foi destinado apenas aos entes estaduais
que tivessem instituído por leis próprias, até 31 de março de 2014, seus respectivos Sistemas
Estaduais ou Distrital de Cultura. Os estados que cumpriam esse critério na época eram
apenas seis: Acre, Bahia, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Sul e Rondônia. De acordo com
Bernardo Mata Machado (2017):

[...] a regra do edital era que só participavam os estados que tinham leis
próprias de criação de seus Sistemas e eram só seis estados, essa regra a
gente pôs porque era muito pouco dinheiro, então a gente ‘pô, vamos
botar essa regra aqui porque pelo menos seis estados vão ganhar alguma
coisa’.
Segundo Pedro Ortale (2017), o edital foi pensado como uma espécie de
reconhecimento pelo esforço feito por alguns estados na organização dos seus sistemas de
cultura, e, indiretamente, beneficiaria também os municípios que sediassem as atividades
previstas nos projetos selecionados. Em sua opinião, o edital era uma resposta mínima do
MinC aos entes que aderiram ao SNC, que pela primeira vez receberiam recursos por tal
condição.

Os recursos financeiros previstos no edital foram no valor de 30 milhões de reais,


oriundos do FNC e que correspondia a 21,6% do limite orçamentário deste para o ano de
2014, a serem liberados de acordo com a disponibilidade orçamentária e financeira do MinC
(BEZERRA, 2017). Um montante pequeno considerando, por exemplo, ser essa a primeira
vez que o Ministério repassava recursos para os entes subnacionais que tinham aderido ao
Sistema, apesar de o discurso de construção do SNC ter sido pautado desde 2003 nessa
perspectiva. Além disso, comparada com outras políticas do MinC, ficou evidente o pouco
investimento institucional recebido pelo Sistema, o que foi evidenciado na cerimônia de
lançamento desse edital. De acordo com Bernardo Mata Machado (2017):

[...] eu quis fazer esse lançamento do edital em uma reunião pequena, com o
Fórum dos Secretários dos Estados e mais alguns convidados, a Marta exigiu
que a gente fizesse no Palácio do Planalto junto com o lançamento do Brasil
de Todas as Telas da Ancine, foi uma das cerimônias mais tristes que eu
participei na vida [risos] porque o Brasil de Todas as Telas da Ancine tinha um
bilhão e duzentos milhões, uma coisa assim, e o Sistema Nacional de Cultura,
tinha trinta milhões [...] então, na verdade, eu como secretário fiquei meio
humilhado [risos], mas isso mostra um pouco a disparidade das coisas.
376

De acordo com o Edital nº 01/2014, o seu objetivo era fortalecer o SNC e contribuir
para os cumprimentos das metas do Plano Nacional de Cultura, especificamente as metas 6,
22, 24, 29, 30, 31, 32, 33 e 34. Tais metas, em geral, estão relacionadas à criação,
manutenção e/ou qualificação de equipamentos culturais, como bibliotecas, museus,
arquivos, teatro, cinema etc; produção e circulação de espetáculos e atividades artísticas;
promoção de ações dirigidas a povos e comunidades tradicionais e grupos de culturas
populares. Segundo Bernardo Mata Machado (2017), o edital foi baseado nas metas
federativas do PNC, selecionadas pela SAI após elencar todas aquelas que faziam referência
a estados e municípios, um ação inédita, segundo o secretário interino, de vincular o PNC ao
SNC: “[...] foi a primeira tentativa prática realmente de vincular o Plano Nacional ao Sistema
Nacional, e os Estados então apresentavam projetos nesses nessas áreas que a gente
elencou” (MATA MACHADO, 2017).

As metas do PNC selecionadas pela SAI foram associadas aos três eixos do edital:

Eixo 01 – Promoção da Diversidade Cultural Brasileira: Apoio a projetos de


desenvolvimento sustentável de comunidades tradicionais e grupos de culturas populares
(Meta 06). Esse eixo era composto por duas linhas de ação, uma dedicada ao fomento de
programas e projetos voltados à proteção e promoção da diversidade de manifestações
culturais de grupos e comunidades tradicionais e outra para fomentar iniciativas de estímulo
à economia criativa e solidária e equitável a partir da produção e promoção de bens e
serviços derivados de tais grupos. Para esse eixo foi previsto o valor de R$2.500.000,00 (dois
milhões e quinhentos mil reais) e foram aprovados os seguintes projetos:
377

Quadro 18 – Projetos selecionados no Eixo 01 do Edital do SNC de 2014


Estado Proponente Proposta Valor do repasse
Pontos de Cultura Indígena – Conectados na
Floresta
Trata da inclusão digital e do uso de novas
tecnologias por povos indígenas localizados
Fundação de em cinco estados da Amazônia brasileira. A
Cultura e proposta inclui produção, publicação e
Acre R$ 399.120,00
Comunicação distribuição de um livro de fotografias,
Elias Mansour realização de uma exposição montada a
partir deste mesmo material e produção de
dois vídeos pelos índios nas oficinas de
formação audiovisual desenvolvidas ao
longo do projeto.
Projeto de Valorização da Memória e
Fortalecimento da Economia Criativa e
Solidária das Comunidades de Terreiros e
Culturas Populares

Secretaria de Busca o reconhecimento, valorização, difusão


Bahia Cultura do e fortalecimento das comunidades de terreiro R$ 500 mil
Estado da Bahia e culturas populares por meio da realização de
seminários, oficinas, simpósio, feira e a
produção de material informativo e a
elaboração de um Plano Museológico-Modelo
a ser utilizado pelos museus e memoriais da
Rede de Memoriais e Museus de Terreiros
Raízes do Siará
Pretende fomentar, proteger e promover as
culturas das comunidades tradicionais do
Secretaria de Ceará, em especial as quilombolas,
Ceará Cultura do indígenas e ciganas, levando em conta as R$ 352.150,00
Estado do Ceará dimensões da economia criativa, questões
ambientais, sociais e políticas do
desenvolvimento sustentável. Eles irão
promover seminários, oficinas de
capacitação e de feiras tradicionais.
Rio Secretaria de II Prêmio Diversidade do Rio Grande do Sul R$ 500 mil
Grande Cultura do
Premiará por meio de edital público 55
do Sul Estado do Rio
personalidades, coletivos e ações que têm
Grande do Sul
contribuído para a promoção e
experimentação da diversidade no Rio
Grande do Sul. Cada premiado receberá o
valor de R$ 8 mil. Serão seis categorias:
culturas indígenas (4 premiações); culturas
negras (8); capoeira (10); hip hop (10);
outras manifestações de culturas populares
e tradicionais (14); e Cultura dos direitos
378

humanos, carnaval de rua, artes integradas


e outras ações de experimentação e
promoção da diversidade (9).
O Resgate da memória e preservação do
patrimônio cultural das comunidades
indígenas e quilombolas do Vale do
Guaporé (Rondônia)
Pretende identificar e registrar essas
comunidades tradicionais, compor uma
Superintendência base de dados; realizar buscas e pesquisas
Estadual dos aos acervos particulares; promover e
Rondônia R$ 438.400,00
Esportes da difundir a expressão cultural por meio da
Cultura e Lazer economia solidária, como artesanato,
culinária, músicas e danças, a partir de
feiras culturais e publicações de CD, vídeos
e livros/catálogos; desenvolver atividades
com a comunidade, in loco, a fim de melhor
compreender a história, os saberes e os
fazeres.
Fonte: MinC (2014)136

Eixo 02 – Fomento à Produção e Circulação de Bens Culturais (Metas 22 e 24). Esse eixo
tinha uma única linha de ação: financiamento de projetos de montagem e circulação de
espetáculos, mostras e eventos, priorizando a produção local, os espaços públicos (teatros,
centros culturais etc.) e buscando abranger o maio número possível de municípios. Segundo
o item 4.8 do edital, o proponente que tivesse proposta selecionada neste eixo, deveria
aplicar pelos menos 50% do valor recebido em municípios que tivessem instituído por leis
próprias seus respectivos sistemas de cultura, no limite de até 31 de março de 2014. Assim,
no momento de inscrição da proposta, deveriam ser identificados os municípios a serem
contemplados. Se no estado proponente não houvesse municípios nessa situação, os
recursos deveriam ser aplicados naqueles que tivessem firmado o Acordo de Cooperação
Federativa, ainda que estivesse em situação irregular. Neste aspecto, seria interessante
averiguar a situação de adesão dos municípios em cada um dos seis estados habilitados para
ver se isso limitou a elaboração de propostas por parte dos mesmos. Para o segundo eixo do
Edital foi previsto o valor de doze milhões e quinhentos mil reais, e foram selecionadas as
seguintes propostas.

136
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1170919/Resultado+Final+Edital+SNC-
+18.06.2014.pdf/a2259b8d-a5de-44e1-a782-bbc46c6aeb82>. Acesso em jul. 2018
379

Quadro 19 – Projetos selecionados no Eixo 02 do Edital do SNC de 2014


Estado Proponente Proposta Valor do repasse
Programa Jamaxin Cultural
Fundação de Tem como objetivo dar continuidade a projetos
Cultura e de circulação de espetáculos (Acústico em Som R$ 2.499.944,50
Acre
Comunicação Maior e Gameleira Cultural), com abertura de
Elias Mansour editais nas áreas de teatro, dança e artes visuais
nas cinco regionais do Estado do Acre.
Mapa Musical da Bahia 2014/2015
Pretende mapear, reconhecer e promover o
conhecimento sobre a música autoral dos mais
diversos estilos e vertentes musicais, produzida
por músicos e compositores que atuam nos 417
municípios da Bahia. O portal da fundação já
Fundação cadastrou 716 compositores e músicos e 1397
Bahia Cultural do obras, e pretende realizar 108 shows, com 54 R$ 2,5 milhões
Estado da Bahia artistas em 27 cidades que representam os 27
territórios de identidade da Bahia; além de dois
grandes festivais em Ilhéus e Salvador contando
com a participação de 24 artistas e cinco
oficinas de qualificação; e a produção de uma
coletânea de cinco CDs com 15 faixas e 2000
cópias cada.
Fonte: MINC (2014)137

Eixo 03 – Implantação, Instalação e Modernização de Espaços e Equipamentos


Culturais (Metas 30, 31, 32 e 33). Este eixo foi dividido em duas categorias: a primeira era
voltada para construção de espaços e equipamentos culturais (bibliotecas, teatros, museus,
cineclubes, espaços multiuso, arquivos ou centros de documentação, salas de espetáculo,
cinemas ou centros culturais). A proposta poderia abranger, no caso das bibliotecas, a
construção ou reforma de prédio, aquisição e informatização de acervo, mobiliário e
equipamentos tecnológicos, capacitação e formação de profissionais que atuassem em
bibliotecas, programação cultural, promoção e mediação de leitura. No caso da implantação
de cineclubes, a proposta poderia cobrir aquisição de acervo, equipamentos e móveis para o
público, equipamentos de projeção, capacitação e formação de profissionais que atuassem
em cineclubes e programação cultural. A depender do equipamento, o edital fazia algumas
considerações, de acordo com a meta do PNC. A segunda categoria do eixo 03 era destinada
a modernização de equipamentos e espaços culturais, especificamente de bibliotecas

137
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1170919/Resultado+Final+Edital+SNC-
+18.06.2014.pdf/a2259b8d-a5de-44e1-a782-bbc46c6aeb82>. Acesso em jul.2018
380

públicas municipais ou estaduais (linha de ação nº 1) e de museus municipais e estaduais


(linha de ação nº2). Para esse eixo foi previsto o valor de doze milhões de reais em despesas
de capital e três milhões de reais em despesas de custeio, no total de quinze milhões de
reais. Os projetos selecionados foram:
381

Quadro 20 – Projetos selecionados no Eixo 03 do Edital do SNC de 2014


Estado Proponente Categoria Proposta Valor do
repasse
Rede Estadual de Bibliotecas Públicas do
Acre – Modernização, Ampliação e
Informatização de Acervos.
Formada por oito unidades - tem como
objetivo modernizar as bibliotecas
Fundação de públicas estaduais e informatizá-las. A
Cultura e meta é, ao final do projeto, que as sete R$
Acre 2 bibliotecas estaduais tenham seus 1.853.206,00
Comunicação
Elias Mansour acervos totalmente catalogados, de
acordo com as regras e padrões da
biblioteconomia, em um sistema
gerenciador único; a disponibilização de
um catálogo único na rede e a
qualificação e capacitação de funcionários
dessas bibliotecas.
Bahia Fundação Construção de Salas Multiuso nos Centros
Cultural do de Cultura da Bahia.
Estado da
Trata da implantação de quatro Núcleos
Bahia
do Centro de Formação em Artes, que
realiza atividades de formação e R$
1 qualificação em artes visuais, audiovisual, 2.936.219,00
circo, dança, literatura, música e teatro. A
proposta inclui a implantação de quatro
salas multiuso, acompanhadas de salas
auxiliares situados em quatro grandes
polos regionais da Bahia.
Ceará Secretaria de 2 Modernização e Implementação do Setor
Cultura do Braille nas Bibliotecas Públicas Municipais
Estado do do Ceará.
Ceará
A proposta inclui a compra de
equipamentos e mobiliários, da formação
de 200 profissionais, da informatização R$ 2 milhões
dos acervos e da implementação do setor
Braille; melhorar o acondicionamento do
acervo das 53 bibliotecas cearenses e
capacitar 900 profissionais das
bibliotecas.
Proposta de implantação de atividades
culturais integradas no Cine Bangüê e
Secretaria de Cine-Teatro São José.
R$
Paraíba Estado de 1
Inclui a realização de um programa de 2.499.850,00
Cultura
formação pedagógico-cultural para
estudantes do Ensino Fundamental 2 e
Ensino Médio de escolas públicas; a
382

promoção da formação prévia de


professores de Artes da rede pública (por
meio de palestras, seminários e
oficinas); difusão de conteúdos
audiovisuais brasileiros e
paraibanos, entre o Cine Bangüê e o
Cine-Teatro São José, em conjunto com
28 cineclubes pilotos (2 por regiões
culturais da Paraíba); a promoção do
programa de apoio à circulação de grupos
artísticos, bandas musicais e espetáculos
paraibanos
Projeto de Reestruturação Física do R$ 3 milhões
Prédio do Museu Arqueológico do Rio
Grande do Sul (MARSUL).

Secretaria de Inclui a elaboração e execução dos


Rio projetos arquitetônico e
Cultura do
Grande 2 complementares; a reestruturação de
Estado do Rio
do Sul espaços de administração, de exposição,
Grande do Sul
de reserva técnica, laboratório; elevador
e sanitário; ampliação das condições de
acessibilidade universal ao museu e a
modernização da instituição.
Fonte: MINC (2014)138

Vale ressaltar que cada estado participante só poderia apresentar uma proposta por
cada eixo, e deveria ser executada entre julho de 2014 e dezembro de 2015. O edital previa
também que os proponentes deveriam apresentar contrapartida financeira de, no mínimo,
20% do valor total do projeto inscrito; e que a proposta poderia receber, a título de
complementação financeira, recursos oriundos de leis de incentivo fiscal e outros programas
ou apoios federais, estaduais e municipais, com a ressalva de não serem custeados itens
idênticos com tais recursos.

Em termos de dinâmica de seleção e da gestão do edital, a coordenação coube à SAI,


responsável por habilitar as inscrições apresentadas. A fase de habilitação envolvia uma
série de critérios, dentre eles o cadastro do proponente no SNIIC. A etapa seguinte era de
avaliação e seleção das propostas (mérito, qualidade e relevância), sendo estabelecido para
cada eixo um conjunto de critérios e pontuações (máximo de 22 pontos por eixo). Para a
classificação das propostas, a pontuação mínima era de 14 pontos/eixo. Vale ressaltar que o
item 11.3 do Edital previa uma bonificação de até 07 pontos extras para os proponentes que
138
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1170919/Resultado+Final+Edital+SNC-
+18.06.2014.pdf/a2259b8d-a5de-44e1-a782-bbc46c6aeb82>. Acesso em jul.2018
383

tivessem: I - Secretaria de Cultura ou Órgão Gestor equivalente (1 ponto); II - conselho de


política cultural instituído por Lei, assegurada, ao menos, a representação paritária da
sociedade civil em relação ao poder público, bem como a diversidade regional e de
expressões culturais (1 ponto); III - plano decenal de cultura instituído por Lei (2 pontos); IV –
fundo de cultura implementado (2 pontos); V – recursos orçamentários próprios destinados
à cultura, alocados no orçamento do órgão gestor da cultura ou no respectivo fundo de
cultura (1 ponto). Foi prevista também bonificação de 1 ponto para propostas que tivessem
ações a serem realizadas no CEU’s. Essa segunda fase de seleção era feita por uma comissão
cujos integrantes concediam, em par, uma pontuação para cada proposta habilitada na
etapa anterior. Segundo a Portaria nº1, de 13 de maio de 2014139, essa Comissão foi
composta por representantes (um titular e um suplente) dos seguintes órgãos do MinC: SAI,
que presidia a Comissão, coordenando os trabalhos; SPC; SEC; SAV; SCDC; Funarte; FCP;
Iphan; Ibram e FBN. Após a seleção das propostas, elas deveriam ser submetidas para
aprovação na Comissão do Fundo Nacional de Cultura (CFNC), responsável por indicar
também secretaria ou entidade vinculada do MinC que gerenciaria o projeto aprovado, cuja
indicação seria corroborada ou não pela ministra da Cultura.

Cada órgão do MinC responsável pelo gerenciamento do projeto deveria cuidar da


celebração dos convênios e de seu acompanhamento, incluindo avaliação da execução e
aprovação da prestação de contas, que envolvia o envio de informações de caráter
financeiro e de relatório contendo informações sobre a execução da proposta em
observância às metas do PNC. Por exemplo, em relação ao eixo 01, o relatório deveria conter
o número de povos, comunidades e grupos atendidos, além da relação dos municípios aos
que pertencem. Esse relatório deveria ser encaminhado para a SPC, e a parte financeira para
o órgão responsável pelo convênio.

Como pode ser observado, a dinâmica de gestão desse Edital, apesar de coordenado
pela SAI, envolveu diversos órgãos e unidades vinculadas do MinC. De acordo com Bernardo
Mata Machado (2017): “[...] o que eu fiz foi o seguinte: dependendo do tema, era o órgão
afim do Ministério que ia fazer convênio e não a SAI, por isso a SAI ficou com o controle de
fiscalização [...] tinha uma parte com a Funarte, tinha o Iphan, tinha o Ibram...”. Segundo

139
Informações disponíveis em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1170919/Portaria+Comissão+de+Seleção+e+Avaliação+Edital+
SNC.pdf/9d150418-b29a-45af-a1f1-83303b1c0a30>. Acesso em jul. 2018
384

Pedro Ortale (2017), a proposta desse edital partiu da SAI, mas o acompanhamento envolvia
outros setores do Ministério: “por exemplo, um projeto de quilombolas de Rondônia tinha
que ir pro Iphan... teve um projeto de circulação de música na Bahia, foi para a Funarte... o
projeto de reforma do museu arqueológico do Rio Grande do Sul foi para diretoria que
cuidava dos CEU´s” (ORTALE, 2017). Segundo Mata Machado (2017):

[...] a gente optou em dividir os convênios pelos órgãos afins a essas metas
dentro do Ministério e não pela SAI, em uma concepção também de que o
Sistema, e aí eu volto à ideia do Sistema Federal, ele só faz sentido se o
próprio Ministério praticar a cooperação entre as suas entidades.
De acordo com Pedro Ortale (2017), esse desenho de gestão do Edital sofreu críticas
por parte de setores do Ministério:

[...] aí o pessoal do Minc ficou puto com a gente porque nós fizemos o
edital, organizamos tudo e essas áreas, elas impactavam no sistema Minc
[...] e aí os caras ficavam ‘pô, vocês fazem o projeto, saem na foto e a gente
é que vai fazer o trabalho?’... aí você vê e percebe exatamente como a
instituição não comprou a ideia do Sistema como instrumento para
potencializar, para promover e para requalificar a própria realização da
política pública. (ORTALE, 2017)
Em sua avaliação, situações como essa comprovam que o SNC foi uma política
circunscrita à SAI, com pouco envolvimento de todo o Ministério: “[...] a compreensão da
importância do Sistema não chegou transversalmente, digamos assim, no Minc da forma
como deveria ter chegado”. (ORTALE, 2017)

Os problemas enfrentados pela SAI com esse primeiro edital fizeram com que a
segunda edição, publicada em 2015 e dirigida aos municípios, tivesse outra dinâmica. De
acordo com Pedro Ortale (2017):

[...] mudamos a história porque a Controladoria Geral da União veio nos


cobrar o andamento [do edital dos Estados], e aí eu falei: ‘não, minha
querida, esse projeto tá lá em tal lugar’, e eles: ‘não, mas tá lá em seu
plano’, aí lascou... aí no outro a gente fez já diferente.
A mudança consistiu em sediar os projetos vinculados ao edital diretamente nos
setores que seriam responsáveis pelos mesmos, e não na SAI:

[...] fomos para aquela reunião do Plano de Trabalho Anual e aí a gente


montou o edital junto com essas áreas. Então, a Diretoria do Livro já incluiu
o projeto no plano interno dele, a gente fez toda uma organização para o
edital dos municípios já com cada área desde o começo [...]. (ORTALE,
2017).
385

Pelas falas de diversos atores entrevistados, o SNC sempre foi uma política assumida
quase que exclusivamente pela SAI. No caso do desenvolvimento da proposta do primeiro
edital do SNC, a existência desse descompasso ficou evidenciada. Entretanto, especialmente
a partir da fala de Pedro Ortale, também é possível observar que a própria conduta da SAI
corroborava para essa situação, já que ela não compartilhou o momento de elaboração do
Edital com outros setores do Ministério que acabaram sendo envolvidos posteriormente. Tal
atitude, como primeira consequência, gerou problemas de gestão, o que foi verificado e
reconhecido pela própria SAI.

Em síntese, o Edital 01/2014 do SNC resultou na aprovação de 12 projetos, cujo valor


total envolveu o repasse de 19,5 milhões – ou seja, sequer os 30 milhões inicialmente
previstos. De acordo com Tony Bezerra (2017), houve contingenciamento de parte dos
recursos e a ocorrência de uma série de problemas na execução dos projetos, tanto relativo
ao edital de 2014, quanto ao que foi lançado em 2015:

Tanto nos editais de 2014 quanto nos de 2015, os recursos foram


repassados por meio de convênios, tendo em vista que o MinC ainda não
realiza repasses regulares e automáticos fundo a fundo. Sabe-se que houve
intercorrências na implementação dos projetos contemplados nos editais,
tanto em função de problemas no Ministério da Cultura, que teve que
contingenciar parte dos recursos previstos, quanto por parte dos demais
entes federados, que enfrentaram dificuldades para cumprir o cronograma
previsto e os requisitos relacionados à prestação de contas, que é muito
rigorosa no caso dos convênios. Deve-se reconhecer a precariedade dos
órgãos públicos de cultura, tanto a nível federal quanto estadual, distrital e
municipal. (BEZERRA, 2017, p. 65)
De acordo com Albino Rubim (2015), a publicação desse edital foi uma resposta do
MinC a pressões do Fórum dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura, que cobrava
iniciativas efetivas para o funcionamento do SNC. O MinC, então, “[...] propôs um edital
acanhado em termos de verbas, de alcance reduzido a poucos estados e de repercussão
diminuta” (RUBIM, 2015, p. 19). Apesar disso, o autor considera que o edital teve valor
simbólico inestimável por ter se configurado como um dos primeiros dispositivos dirigidos a
dar substância ao Sistema a partir da colaboração federativa. De opinião semelhante é João
Roberto Peixe (2017), que considera que os editais do Sistema foram um retorno do MinC à
pressão de estados e municípios, e apesar dos valores envolvidos terem sido pequenos, foi
um aceno importante para o SNC: “[...] foi uma pequena fatia de recursos dentro de um
Fundo muito esvaziado, mas foi de qualquer forma, uma iniciativa positiva de você começar
386

a repassar via editais, e na verdade, o repasse não seria via edital, seria um repasse direto,
via Fundo” (PEIXE, 2017).

É verdade que os editais tiveram relevância simbólica para o SNC por representarem o
primeiro aceno efetivo do MinC na aplicação de recursos financeiros através de convênio
firmado entre os entes federados. Também foi importante a proposta de vincular o edital do
Sistema à implantação das metas do PNC, que dependem da atuação de estados e
municípios para serem alcançadas. Por outro lado, o fato desse investimento ter sido por
edital, com um formato pré-estabelecido pelo MinC, diverge do modelo de desenvolvimento
e financiamento das políticas sistêmicas no Brasil, que tradicionalmente giram em torno de
transferência de recursos direto entre entes federativos. Para Humberto Cunha Filho, esses
primeiros ensaios de efetivação do SNC por meio de edital, “[...] lembravam o sistema antes
do Sistema, que foi uma tentativa de repasse Fundo a Fundo, mas a partir de projetos
resultantes de edital” (CUNHA FILHO, 2017). Para João Roberto Peixe (2017), o repasse por
edital não é a maneira mais adequada de implementar o SNC, e é preciso acionar o repasse
de recurso por meio do Fundo Nacional de Cultura, com critérios de proporcionalidade e
com previsão de um percentual mínimo por região.

6.4.8 Projeto de Lei Complementar nº 338/2013

Conforme previsão do § 3º do Art. 216-A da Constituição Federal, que afirma que Lei
federal disporá sobre a regulamentação do SNC, o deputado Paulo Rubem Santiago (PDT/PE)
apresentou em 03 de outubro de 2013, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 338/2013
que “Estabelece as normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal
e Municípios, com relação à responsabilidade no fomento e gestão pública da cultura
brasileira e organização do sistema nacional de cultura”140.

O PLP é sintético, apresentando no seu artigo segundo os princípios da cooperação


federativa, considerando o Art. 216-A e o Art. 1º da Constituição Federal. O artigo terceiro
versa sobre o apoio técnico e financeiro para desenvolvimento das ações do Sistema que
devem ser concedidos “I – da União a Estados, Distrito Federal e Municípios; II – dos Estados
aos respectivos Municípios”, cabendo aos entes federados estabelecer as formas de
colaboração em consonância com os planos de cultura. O artigo quarto trata da estrutura do

140
Informações disponíveis na tramitação da PLP 338/2013 disponível no site da Câmara dos Deputados: <
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=595187>. Acesso em jul. 2018
387

SNC, prevendo em relação aos conselhos de políticas culturais que tenham, em todas as
esferas, caráter normativo, deliberativo e fiscalizador das políticas de estados (§1º). A
proposta não faz referência, portanto, a questão da paridade na composição dos conselhos,
algo que era defendido pelo MinC. O § 3º do Art. 4º estabele que “O Fórum Nacional de
Cultura promoverá as conferências nacionais de cultura, articulando-as com as conferências
regionais e locais, e acompanhará permanentemente a execução do plano nacional de
cultura e o funcionamento do sistema nacional de cultura”. Possivelmente houve um
equívoco aqui considerando não existir na estrutura do SNC a figura de um Fórum Nacional
de Cultura, e que algumas funções apontadas nesse parágrafo correspondem ao MinC ou ao
CNPC. Já o § 4º desse mesmo artigo prevê a criação de “uma instância permanente de
formulação, negociação e cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, que poderá ser subdividida em câmaras segundo as políticas culturais em
execução”. Tais instâncias já estavam identificadas no Art. 216-A (a CIT e CIBs). Por fim, o
Art. 5º prevê a realização de, ao menos, uma reunião anual entre o CNPC e os conselhos de
Educação e de Ciência e Tecnologia para promover a articulação dos respectivos sistemas
nacionais e políticas setoriais.

De acordo com a tramitação da PLP 338/2013 na Câmara dos Deputados, em março de


2014, cinco meses após sua apresentação, foi declarado o voto favorável do relator da
Proposta, Deputado André Figueiredo (PDT/CE) na Comissão de Trabalho, de Administração
e Serviço Público. Mas, depois desse parecer, não houve andamento à PLP, que deveria ter
seguido para análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, e depois
submetida a análise e aprovação por voto do Plenário da Câmara. Ao final, no dia 31 de
janeiro de 2015, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados arquivou a PLP de
regulamentação do Sistema.

A análise do texto da PLP 338/2013 permite aferir que ele estava muito aquém do
projeto de regulamentação que a SAI vinha trabalhando desde 2009, e que foi enviado à
Casa Civil em 2012, na gestão Ana de Hollanda. De acordo com João Roberto Peixe (2017),
ele tentou fazer uma articulação com representantes do Poder Legislativo para que
houvesse uma proposta coletiva em torno da regulamentação do Sistema, uma proposta
que fosse suprapartidária para que tivesse mais força. Entretanto, o deputado Paulo Rubem
Santiago “se adiantou, e apresentou um projeto completamente inconsistente, só para ter a
388

paternidade” (PEIXE, 2017). Peixe (2017) recorda que estava em contato direto com o
deputado Paulo Rubem Santiago por conta da PEC 416-A/2005, onde este era o relator, e
que em um primeiro momento pensou que o deputado havia apresentado a cópia do
projeto de regulamentação que estava em discussão no MinC e que ele havia mostrado ao
deputado e assessores para explicar a relação entre o regulamento e a PEC do Sistema, que
iria para votação na Câmara.

[...] eu pensei que ele tinha pego a cópia do projeto [de regulamentação] e
tinha entrado com ela [...] mas, como ele viu que não podia fazer isso
[porque o projeto era de autoria do Poder Executivo], ele pegou a
assessoria e fez uma caricatura... parece que repetiu os princípios, mas
com outras palavras, uma coisa que não regulamenta nada, não avançava...
e quando eu reclamei, ele disse: ‘não tem problema não, Peixe, pode
apresentar um substitutivo’, então, ele já fez com intuito de ter a
paternidade porque aí quem apresenta o projeto é quem fica como autor
do projeto. (PEIXE, 2017)
Se o projeto de regulamentação do SNC por meio de proposta do Poder Legislativo não
avançou, tendo sido arquivado, coisa semelhante pode ser dita em relação ao projeto do
Executivo, pois ao longo dos quatro anos do primeiro Governo Dilma Rousseff, o projeto não
conseguiu sair do âmbito do governo para ser analisado e aprovado pelo Congresso.

Bernardo Mata Machado (2017) acredita que a não publicação da regulamentação do


Sistema é decorrente de vários fatores. A tramitação do Projeto de Lei dentro do Poder
Executivo envolve o seu envio para a Casa Civil, que vai consultar os ministérios afins
daquele tema, e então emitir um parecer. Pode ser que este parecer retorne ao Ministério
com indicativos de mudanças, e aí o procedimento se repete. Só então, depois de aprovado,
é que vai para o Planejamento e, acolhido por este, é encaminhado à Presidência da
República. Além disso, toda vez que há mudança de ministro e há um Projeto de Lei em
tramitação no Executivo, ele retorna automaticamente ao Ministério para que o novo chefe
da pasta tenha conhecimento e possa fazer suas considerações. Foi o que aconteceu com a
regulamentação do Sistema, que havia sido encaminhada para a Casa Civil na gestão de Ana
de Hollanda e retornou quando Marta Suplicy assumiu em seu lugar. Além disso, Mata
Machado (2017) pontua que nesse retorno da Casa Civil, o Projeto também veio com
algumas observações e questionamentos, e foi necessário alterar o documento.

[...] eu resolvi simplificar o Projeto dentro da perspectiva de que é mais fácil


você mexer em decreto do que em lei, então algumas coisas nós
simplificamos no Projeto e algumas coisas que estavam previstas em lei, a
389

gente pôs para regulamentação via decreto, inclusive a transferência Fundo


a Fundo, que necessitaria de uma reflexão maior, necessitaria estudar o
SUS, o SUAS etc. (MATA MACHADO, 2017)
De acordo com Pedro Ortale (2017), havia uma preocupação grande por parte de
Bernardo Mata Machado em dar andamento ao projeto de regulamentação:

[...] ele viu que ia passar o tempo e a gente tinha só a Emenda


Constitucional... deixando tudo aberto pra quem quisesse fazer a lei do
Sistema da forma como achasse mais adequado... isso poderia incidir em
pontos que até inviabilizaria a ideia central do Sistema que é a participação
da sociedade nos instrumentos que estão lá postos... o conselho, a
realização de conferência, enfim... (ORTALE, 2017)
Segundo Mata Machado (2017), o novo PL SNC foi encaminhado para a Casa Civil,
porém com a saída de Marta Suplicy em 2014 e a nomeação do novo ministro da Cultura em
janeiro de 2015, já no segundo mandato de Dilma Rousseff, o projeto retornou para o MinC.

Na opinião de João Roberto Peixe (2017), mesmo considerando as idas e vindas da


tramitação de um PL no âmbito do Executivo, havia condições da regulamentação do SNC ter
sido concluída na gestão de Marta Suplicy. Segundo Peixe (2017), quando Suplicy assumiu o
Ministério, ele conversou com ela sobre a urgência que se tinha nesse encaminhamento,
inclusive porque os estados e municípios estavam criando seus sistemas e poderia haver um
problema de integração. A ministra, então, teria cobrado andamento ao setor jurídico do
Ministério, onde se encontrava o PL, para que ele fosse novamente enviado à Casa Civil,
entretanto, ele não chegou a ser encaminhado para o Congresso. Para Peixe (2017): “Na
minha avaliação, se a Marta tivesse colocado o projeto de regulamentação como prioridade
dela, do jeito que ela fez para PEC [do SNC], ela conseguiria tirar isso da Casa Civil e tramitar
no Congresso porque ela tinha bom trânsito lá”. A impressão que Peixe diz ter é que,
quando Suplicy percebeu que o Sistema estava avançado e que já havia cobrança por parte
dos fóruns, sobretudo pelo repasse de recursos fundo-a-fundo, a ministra preferiu não
investir no projeto de regulamentação: “eu acho que ela analisou e viu as consequências
daquilo que para ela seria um problema, e aí falou: ‘vou segurar e esperar para outro pegar
esse abacaxi’” (PEIXE, 2017).

Nesse sentido, ficou frustrada a expectativa que se tinha quando Marta Suplicy
assumiu o Ministério. O capital político creditado à ministra não se materializou nos avanços
esperados para o SNC. Para Bernardo Mata Machado, apesar de pessoas que defendiam o
Sistema terem ocupado cargos altos no Ministério, o SNC permaneceu não sendo prioritário:
390

[...] há uma ambiguidade aí... as pessoas que defendiam o Sistema passam a


ocupar cargos de maior influência, mas isso não significa que o Sistema
Nacional de Cultura tenha assimilado como prioridade, então, na verdade o
Sistema Nacional de Cultura foi sempre visto como um programa, na falta
de outra palavra, uma política da Secretária de Articulações Institucional.
Então, nosso esforço de fazer com que essa política contaminasse todo o
ministério nunca resultou positivamente. (MATA MACHADO apud
BARBALHO, 201[?])
Em entrevista ao pesquisador Alexandre Barbalho, quando perguntado sobre o motivo
para tal situação, Mata Machado (201[?]) responde: “Olha, essa explicação é política, eu não
vejo outra explicação... evidentemente que esse grupo que formulou o programa [A
imaginação a serviço do Brasil] esperava ocupar os postos-chave da cultura no governo Lula
e não foi o que ocorreu”. Em sua opinião, mesmo tendo como dirigentes da SAI pessoas
vinculada ao A imaginação, como Márcio Meira e Peixe, os cargos de ministro e secretário-
executivo não foram exercidos por pessoas próximas à proposta do SNC. Quando
novamente questionado sobre o fato de nas gestões Ana de Hollanda e Marta Suplicy não
haver mais o mesmo tensionamento entre o PT e outros grupos políticos, e mesmo assim o
Sistema não ter sido escolhido como política prioritária, Mata Machado responde:

Ana de Hollanda acabou sendo um tiro que saiu pela culatra do próprio PT.
Ela é uma pessoa que não tinha uma visão petista da política cultural, basta
te dizer isso. Marta, embora tenha sido a relatora, quando ela assumiu o
Ministério, na primeira reunião é que ela foi compreender o que era o
Sistema Nacional de Cultura. E, ao tentar compreender o que é o Sistema
Nacional de Cultura, ela verificou que aquilo era muito maior do que ela
imaginava, e ela fez outras opções. Fez opção pelo Vale Cultura e pelas
Praças do PAC, que depois ela botou o nome do programa que ela tinha em
São Paulo, Céu das Artes. (MATA MACHADO apud BARBALHO, 201[?]).
A fala de Mata Machado e as prioridades de gestão colocadas por Marta Suplicy,
vinculadas a políticas de grande visibilidade e retorno político, reforçam que alterar a cultura
política é um dos enfrentamentos do SNC. O Sistema Nacional de Cultura é um processo de
pouca visibilidade e que requer tempo para ser maturado, envolvendo medidas de médio e
longo prazo. Além disso, ele não está atrelado à lógica de ações voltadas para promoção de
eventos ou realização de obras, que tradicionalmente são as que recebem mais
investimentos por parte de dirigentes públicos.

Em relação à finalização da gestão Marta Suplicy, vale informar que a então ministra
apresentou carta com pedido de demissão do cargo em 11 de novembro de 2014, e voltou a
assumir o posto de senadora pelo estado de São Paulo. Cinco meses após deixar o
391

Ministério, em abril de 2015, Marta Suplicy apresentou carta de desfiliação do PT, e em


setembro desse mesmo ano se filou ao PMDB. O final da gestão Suplicy coincidiu com o
período de eleição presidencial de 2014, na qual Dilma Rousseff era candidata mais uma vez
pelo PT. Na área da cultura, o responsável por coordenar o programa de campanha de
Rousseff foi Juca Ferreira, então secretário municipal de Cultura de São Paulo, e que em
janeiro de 2015 tomou posse novamente como ministro da Cultura do Brasil.
392
393

CAPÍTULO 07 – O SNC NA GESTÃO JUCA FERREIRA (2015-2016)

Após coordenar, em 2014, a campanha presidencial de Dilma Rousseff na área da


Cultura, Juca Ferreira foi nomeado para assumir novamente o mais alto cargo do Ministério
da Cultura, dessa vez não mais como membro do Partido Verde, e sim do Partido dos
Trabalhadores, ao qual se filiou em fevereiro de 2012.

No período em que esteve fora do MinC, entre 2011 e 2014, Juca Ferreira trabalhou na
Secretaria Geral Ibero-americana, na Espanha, e foi secretário municipal de Cultura em São
Paulo (2013-2014), na gestão de Fernando Haddad (PT/SP). Nesse período: “eu tive a
oportunidade de fazer uma reflexão muito crítica do que a gente tinha feito [no MinC], e de
desenvolver uma metodologia de agilizar a construção dos processos” (FERREIRA, 2018).
Segundo Juca Ferreira (2018), a primeira questão a ser enfrentada nessa nova gestão era a
reconstrução do projeto do Ministério:

Quando eu retorno no governo Dilma, eu percebi que muita coisa tinha sido
desmontada pela ministra Ana de Hollanda e pela ministra Marta. Ana de
Hollanda tinha uma visão mais conservadora do que a nossa, e concentrada
nos artistas, nos criadores, então era uma redução da amplitude do
Ministério, e a Marta estava ali passando a chuva, voltou a ideia de ministro
que passa chuva, ela queria ser indicada por uma coisa, não foi e para não
dar trabalho, foi assimilada ali [...] (FERREIRA, 2018).
No discurso de posse, em cerimônia realizada no dia 12 de janeiro de 2015, em
Brasília, Juca Ferreira fez referência ao período anterior em que esteve no MinC e afirmou
que o seu retorno se dava na perspectiva de continuar a política cultural desenvolvida no
Governo Lula.

Reassumo revigorado. Convencido de que foi o fôlego e a resistência de um


projeto coletivo que me trouxeram de volta para levar adiante a política
cultural que iniciamos em 2003. [...] As políticas culturais que nasceram
com o presidente Lula passaram a ser reconhecidas nacional e
internacionalmente pelo seu aspecto inclusivo, libertário e inovador.
(FERREIRA, 2015b)
Em sua fala, Juca Ferreira reafirmou a concepção da cultura em sua
tridimensionalidade e amplitude: “nada deve ficar de fora de nossa atenção: da literatura às
artes visuais, às expressões identitárias, aos conhecimentos, à memória; dos valores à
economia da cultura; bem como a moda, a arquitetura, a cultura digital, a cultura alimentar,
394

o design” (FERREIRA, 2015b), o que não implicaria em reduzir o papel da arte no projeto
estratégico do Ministério; e novamente ressaltou o papel do Estado nas políticas culturais:

Criar, fazer e definir obras, temas e estilos é papel dos artistas e de quem
produz cultura. Escolher o que ver, ouvir e sentir é papel do cidadão. Agora,
criar condições de acesso, produção, difusão, preservação e livre circulação,
regular as economias da cultura para evitar monopólios, exclusões e ações
predatórias, democratizar o acesso aos bens e serviços culturais: essa é a
responsabilidade do Estado democrático. (FERREIRA, 2015b)
O ministro reforçou também o lugar da cultura enquanto elemento central na agenda
política contemporânea e destacou a afinidade de sua trajetória com a da presidenta Dilma
Rousseff:

Aceitei, honrado e orgulhoso, o convite que me foi feito pela presidenta da


República. Como Dilma, fiz oposição à ditadura e a ela sobrevivi. Como
Dilma, também me comove pensar que uma geração de sobreviventes
venceu e permanece na luta pela construção desta democracia popular,
mestiça e tropical, que tantas paixões alimenta em seus filhos. Como Dilma,
tenho profundo amor pelo Brasil, fé em nosso povo e esperança em nosso
futuro comum. O Brasil foi o grande sonho de nossa geração e continua nos
inspirando a não fugir da luta. (FERREIRA, 2015b)
Em discurso, Juca Ferreira fez referência à escolha da Educação como principal
prioridade do segundo mandato de Dilma Rousseff – cujo lema foi Pátria Educadora –, para
o que a Cultura teria papel fundamental: “Não existe educação democrática e libertadora
sem o que a cultura pode oferecer. A produção e fruição cultural se qualificam a partir de
práticas educacionais abrangentes e inovadoras.” (FERREIRA, 2015b). No pronunciamento, o
ministro elencou também temas e políticas que seriam especialmente assumidas pela nova
gestão: (1) aprovação da PEC da Cultura [PEC 150/2003, substituída pela PEC 421/2014]; (2)
aceleração na implantação do Vale Cultura; (3) atuação sobre a área da comunicação,
considerada fundamental para realização dos direitos culturais; (4) na área do audiovisual,
atenção especial com a questão da exibição e circulação dos conteúdos para garantir mais
acessibilidade à população; (5) reafirmação do compromisso com o Plano Nacional de
Cultura “instrumento central de planejamento de médio e longo prazo das políticas
culturais” (FERREIRA, 2015b); (6) retomada da discussão sobre a modernização da legislação
de direito autoral, considerando especialmente o desenvolvimento digital; (7)
aprimoramento do sistema de financiamento da cultura, para o qual seria necessário um
esforço conjunto com o Congresso Nacional para aprovação do Projeto de Lei Procultura; (8)
dedicação ao campo das artes, tanto no nível da produção, quanto da fruição; e (9) busca de
395

melhoria nas condições de trabalho e remuneração dos servidores do Ministério. O discurso


de posse se referiu também à aprovação da Lei Cultura Viva, sancionada em 2014, que “nos
possibilita criar fluxos muitos mais horizontais e transparentes de gestão da política pública
em rede” (FERREIRA, 2015b); e citou a intenção do MinC de estreitar relações com redes
políticos-culturais e movimentos que surgiram no Brasil nos últimos 12 anos. De acordo com
Juca Ferreira (2015b): “Esses movimentos representam um novo impulso democrático
inspirado naquele esforço de participação que realizamos durante nossa gestão anterior”.

O discurso de posse do ministro destacou ainda o tema da participação social e


apresentou proposta de intensificar o diálogo com a sociedade civil por meio de: “reativação
vigorosa do Conselho Nacional de Políticas Cultural” (FERREIRA, 2015b); realização de
conferências de cultura; e uso de novos “mecanismos de deliberação online, com ativação
de um Gabinete Digital cujo intuito será o de dar transparência absoluta a nossos atos e de
ser uma interface de cogestão, aberta e colaborativa, com os cidadãos” (FERREIRA, 2015b). É
possível que essa perspectiva tenha se materializado na nova gestão pela nomeação de
pessoas como Vinicius Wu141, que assumiu o cargo de secretário de Articulação Institucional,
no lugar de Bernardo Mata Machado, que tinha pedido exoneração.

[...] eu fiz uma coisa muito rápida porque eu não esperei ser exonerado, eu
pedi a exoneração antes do Juca tomar posse, o fato de ter sido só dia 12
de janeiro [a publicação no DOU] foi atraso burocrático [...] eu antes de
terminar o mandato já articulava com Minas também pra ser secretário
adjunto (MATA MACHADO, 2017).
O currículo do novo secretário da SAI apresentava atuações relacionadas às áreas de
gestão pública, transparência e controle social, a exemplo da idealização e coordenação
geral do Gabinete Digital do Estado do Rio Grande do Sul, um portal de participação social
apoiado no uso de novas tecnologias da informação e da comunicação, e das redes sociais e
digitais. O projeto, criado em 2011 no governo estadual de Tarso Genro (PT/RS), teve
reconhecimento nacional e internacional142. Sobre a escolha de Vinícius Wu para dirigir a
SAI, Juca Ferreira (2018) em entrevista comenta:

141
Ao longo do Doutorado foram feitas diversas tentativas de entrevistas com Vinicius Wu, mas que ao final
não se concretizaram.
142
O projeto recebeu premiações nacionais e internacionais como os prêmios CONIP 2012, E-gov 2011, A Rede
2011, TI & Governo 2011, Prêmio Bank Beneficiary Feedback Awards, concedido pelo World Bank (Banco
Mundial BIRD) e prêmio ao Serviço Público concedido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
396

Eu conheci o Wu porque ele muitas vezes representou o governo do Rio


Grande do Sul, o governo do Tarso Genro, nas relações com o Ministério, e
[...] e me chamou atenção, um cara com o nível de formulação alta, com a
consciência muito grande da questão do Estado no Brasil, e achei que ele
seria uma contribuição porque o Ministério era povoado de artistas,
criadores, pessoas que atuavam no terceiro setor e a cultura institucional
deixava às vezes a desejar e ele era uma quadro público no sentido mais
completo da palavra e eu convidei por isso. (FERREIRA, 2018)
De acordo com Armando Almeida (2018), que voltou a trabalhar no MinC como
assessor do ministro, além do aspecto profissional: “Wu também tem uma ligação muito
forte com Tarso Genro, e Juca se dá muito bem com Tarso Genro, então isso também
aproxima, cria uma liga...”. Segundo Almeida (2018), diferentemente dos problemas
enfrentados durante o governo Lula por conta da disputa partidária, nesse segunda
passagem de Juca Ferreira pelo Ministério isso não aconteceu:

[...] na última gestão aí já foi diferente, Juca volta e volta com autoridade
grande para ser o ministro e aí praticamente não tivemos nenhuma
interferência, ele escolheu livremente, ele só não escolheu a Palmares
[Fundação Palmares] [...] e a Representação do Rio Grande do Sul, no mais,
todos os outros postos ele escolheu e deu autonomia para que cada um dos
gestores formasse sua equipe. (ALMEIDA, 2018)
A equipe de dirigentes do MinC foi composta nessa gestão por: João Brant (Secretaria
Executiva); Ivana Bentes (Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural); Guilherme Varella
(Secretaria de Políticas Culturais); Carlos Paiva Neto (Secretaria de Fomento e Incentivo à
Cultura); Vinícius Wu (Secretaria de Articulação Institucional); Pola Ribeiro (Secretaria do
Audiovisual); Francisco Bosco (Funarte); Carlos Roberto Ferreira Brandão (Ibram); Cida Abreu
(Fundação Cultural Palmares); Lia Calabre (Fundação Casa de Rui Barbosa)143; Renato Lessa
(Fundação Biblioteca Nacional); e Jurema Machado (Iphan), esses últimos dois já vinham
dirigindo os respectivos órgãos na gestão Marta Suplicy. No caso da Secretaria da Economia
Criativa, a proposta da nova gestão foi extingui-la e colocar a pauta da economia sob a
gestão da SPC. Por outro lado, o MinC contaria com uma nova secretaria, a de Educação e
Formação Artística e Cultural (Sefac). Conforme notícia publicada no site do Ministério144 em
19 de março de 2015, a Sefac era dirigida por Juana Nunes, antes diretora de Educação e
Comunicação para a Cultura, na SPC. Vale ressaltar que a Sefac não foi oficialmente

143
A nomeação de Lia Calabre foi decorrente de uma eleição interna ocorrida na FCRB, onde o seu nome foi
escolhido e, posteriormente, corroborado pelo ministro.
144
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/minc-cria-nova-secretaria-de-educacao-e-formacao-artistica-e-
cultural/10883>. Acesso em jul. 2018.
397

institucionalizada porque nessa gestão não chegou a ser publicada reforma administrativa
no Ministério.

7.1 CRÍTICAS E PERSPECTIVAS PARA O SNC

Mais uma vez, o Sistema Nacional de Cultura não foi citado no discurso de posse do
ministro Juca Ferreira. Segundo Aloysio Guapindaia (2016), que voltou a trabalhar no MinC à
convite do ministro e assumiu uma diretoria na Secretaria Executiva, o SNC não estava na
pauta de prioridades dessa gestão: “Do Sistema nada, não tinha discussão. O que se estava
discutindo muito quando estive lá era o Procultura, havia um investimento muito forte do
ministro Juca na época para aprovação do Procultura” (GUAPINDAIA, 2016).

De acordo com depoimento de vários atores, o Sistema não apenas estava fora das
prioridades da gestão como foi alvo de fortes críticas por parte do ministro. Segundo
Bernardo Mata Machado (2017), o retorno de Juca Ferreira ao MinC foi complicado para o
SNC. Em sua opinião, o fato de o Sistema ter sido uma proposta historicamente vinculada ao
grupo do PT, que não tinha apoiado a permanência de Juca Ferreira na transição do governo
Lula para o governo Dilma, teve consequências:

[...] quando o Juca entra [no MinC] a segunda vez ele entra um pouco com
essa mágoa... e [na época da transição entre Lula e Dilma] o Roberto Peixe,
naquela sinceridade dele, comunicou ao Juca ‘Olha, Juca, a gente não vai te
apoiar porque a gente acha que agora é a nossa vez’ e aí dessa segunda vez
o Juca entra com a posição francamente crítica ao Sistema. (MATA
MACHADO, 2017)
Para Lia Calabre (2017) e Silvana Meireles (2017), na segunda gestão, Juca Ferreira
expressou claramente o desacordo que tinha com a concepção do Sistema e com os rumos
que a política tinha tomado. Segundo Pedro Ortale (2017) – que permaneceu na SAI – a
equipe da Secretaria tinha consciência das ressalvas do ministro em relação ao Sistema, o
que, em sua opinião, era “uma resistência mais emocional do que racionalizada” (ORTALE,
2017), consequência de uma falta de conhecimento associado ao fato de que o SNC “vinha
de pessoas de outro setor político” (ORTALE, 2017). Segundo Pedro Ortale (2017): “[...] o
Juca, no primeiro dia que ele tomou posse como ministro, na reunião do Fórum de
Secretários, falou que ele não via com bons olhos o Sistema”. De acordo com Bernardo Mata
Machado (2017):
398

Eu participei da primeira reunião do segundo mandato do Juca, já como


secretário adjunto de Minas Gerais, [...] uma reunião só com secretários de
estados, [...] e a primeira coisa que ele disse foi: ‘vocês sabem que eu não
sou muito fã do Sistema Nacional de Cultura’ e aí ele desconheceu toda a
gestão da Ana e da Marta de construção. (MATA MACHADO, 2017)
De acordo com Guilherme Reis (2018)145, na época secretário de Cultura do Distrito
Federal e presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura:

Realmente, no dia da posse do ministro Juca Ferreira, em 2015, em uma


reunião informal com grupo de secretários e dirigentes estaduais de cultura
também recém empossados, ele manifestou sua insatisfação em relação os
avanços na implantação do Sistema Nacional de Cultura e a necessidade de
dar um novo impulso na relação entre os Órgãos federais estaduais de
cultura. (REIS, 2018)
A reunião do ministro com os secretários estaduais foi seguida do encontro Roda de
Conversa146, no qual agentes culturais de distintas regiões, segmentos culturais e filiações
institucionais dialogavam com Juca Ferreira. Uma das questões colocadas nesse evento foi:
“Qual é o nível de prioridade que o senhor pretende dar à relação federativa com os
municípios, com os estados, no processo de continuidade da implementação do Sistema
Nacional de Cultura e de todos os outros sistemas?”, pergunta feita por Gabrielle Corrêa,
secretária municipal de Cultura de Anápolis/GO. Ao qual o ministro respondeu:

[...] eu queria dizer uma coisa aqui que pode surpreender: na minha
administração foi aprovado o atual Sistema Nacional de Cultura, mas eu
não sou um defensor do projeto que foi aprovado. O problema de gestão
compartilhada é que às vezes você tem que engolir aracnídeos e sapos... é
simples compreender de que é preciso avançar muito, que o projeto foi
mistificado e não tem eficiência. Vocês viram que muita gente reclamou,
principalmente na reunião com os secretários, fizeram o dever de casa e
não aconteceu nada...fizeram o conselho, fizeram não sei o quê...porque, o
seguinte: fizeram o Sistema Nacional de Cultura baseado no da saúde e no
da educação, só que saúde e educação, quem presta os serviços é o Estado,
o Estado nos seus três níveis, então se você articula o Estado nos três níveis,
você tá razoavelmente perto de uma saída, de um sistema. Só que na
cultura, 99% ou é feito pela sociedade ou é feito pela propriedade privada,
o Estado tem outro papel, então um sistema que verdadeiramente preste
serviço à área cultural e apoie o desenvolvimento cultural tem outra
natureza do que apenas articular os três níveis do Estado brasileiro. Então,
foi criada uma ilusão [...] e aí, não acontece nada, não muda nada, então é
preciso ter humildade de reconhecer que é preciso avançar muito. Não é
que seja ruim articular o Estado nos três níveis, governo federal, estadual e

145
Informação fornecida por Guilherme Reis por e-mail em 11 de julho de 2018.
146
O encontro foi transmitido online pelo site do MinC e o vídeo encontra-se disponível atualmente em:
<https://www.youtube.com/watch?v=-
Q4Uka42YB8&index=3&t=7024s&list=PLWvc45u1845WffnrOMCb_n9oQyYbSjEdk>. Acesso em jul. 2018.
399

municipal, mas é porque é um detalhe dentro do todo da cultura [...] a


gente tá exigindo que os produtores culturais e os gestores gastem uma
energia enorme e depois não acontece nada. Eu detesto isso. Eu trabalho
para que o Estado seja eficiente. [...] o Sistema como é hoje não ajuda
porque é muito pouco em relação ao que precisa ser constituído como
serviço... [...] o poder público em sociedades como a brasileira, perde um
pouco o fio da meada e fica inventando história e isso é péssimo porque
você não avança a administração cultural, a gestão cultural [...] é preciso
montar sistemas públicos eficientes e eficazes que não se parecem com isso
que a gente tem hoje. Isso aqui é uma autocrítica porque saiu da minha
gestão, essa ideia desse Sistema, com a minha discordância, mas saiu da
minha gestão. Foi ser consolidado logo depois, mas o monstro foi produzido
durante o período em que eu era ministro. (FERREIRA, 2015a)
Para Juca Ferreira, era preciso trabalhar com o Sistema Nacional de Cultura em outra
direção:
[...] a gente quer criar uma estrutura que seja verdadeiramente sistêmica
para a área cultural no Brasil, onde municípios, estados e o governo federal
possam afinar a viola e produzir um resultado que gere serviços [...] é
possível articular sistemas horizontais, por exemplo, os grupos que circulam
no Brasil, os grupos de teatro, dança...podem contar com uma
infraestrutura articulada de todos os teatros, casas de cultura do Brasil, que
o cara possa no seu telefone celular ver as condições, os custos... a ideia de
sistema tem que ser outra, não é uma coisa burocrática [...] então, eu
pretendo trabalhar isso...porque a gente tem possibilidades enormes...por
exemplo, eu fui secretário municipal de São Paulo, toda hora alguém me
ligava, ou grupo ou gestor, dizendo ‘a gente quer se apresentar aí em São
Paulo’, genial, São Paulo precisa abrigar...São Paulo, Rio, Minas, as maiores
capitais do Brasil precisam ser plataformas de vitalização da produção
cultural brasileira, e é bom para o Brasil que circule a produção cultural, e
você pode, combinando governo federal, estadual e municipal, criar um
sistema que facilite isso...festivais e disponibilização das pautas dos
equipamentos...nada disso existe, então tudo é feito individualmente, cada
um tem que inventar a roda e desbravar todo o caminho até chegar até um
resultado X, [...] então é preciso montar sistemas públicos eficientes e
eficazes [...]. (FERREIRA, 2015a)
As críticas de Juca Ferreira e a sua perspectiva para o rumo do SNC foram
materializadas no documento produzido pela SAI Nova etapa na estruturação do Sistema
Nacional de Cultura: Fortalecimento Institucional, Qualificação da Gestão e Participação
Social147, que sobre o Sistema dizia:

Parte-se do pressuposto de que sua consolidação deve ser compreendida


enquanto um processo e que o reconhecimento dos esforços para a
afirmação de uma visão sistêmica na gestão cultural, realizados desde os
anos de 2003, não deve obstaculizar a análise crítica, indispensável à
identificação de lacunas e eventuais distorções, naturais em um desafio

147
Documento entregue aos participantes do Seminário Internacional Sistemas de Cultura, realizado pela SAI
em junho de 2015.
400

dessa magnitude. (SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p.


2)
Em síntese, o documento criticava o modelo de desenvolvimento feito até aquele
momento: “No último período, o processo de implantação do SNC vinha obedecendo a uma
dinâmica extremamente concentrada na relação entre os entes federados, com pouca
presença efetiva da sociedade na gestação e condução das etapas de estruturação do
Sistema” (SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 2); e como proposta
apresentava:

[...] rever essa dinâmica e envolver a ampla rede não-estatal de produtores,


gestores, fazedores culturais e demais setores da sociedade em todo o
processo de constituição dos sistemas de cultura. É necessário ir além dos
protocolos e compromissos formais referentes à participação social. [...] O
Sistema que propugnamos deve ter uma perspectiva pública não-estatal.
Deve ser concebido como um ‘sistema de vários sistemas’. (SECRETARIA DE
ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 2)
Segundo o documento, essa condição de um Sistema de sistemas deveria
proporcionar a articulação dos sistemas públicos e privados, dialogando com o de saúde,
meio-ambiente, educação etc.; e provocando uma atuação sistêmica dentro do próprio
MinC, com o desenvolvimento de ações transversais entre, por exemplo, os sistemas de
biblioteca, patrimônio e museus.

Na proposta da SAI, a nova dimensão do SNC se traduziria por meio do conceito


sistema-rede, que entrelaçaria “Estado e sociedade numa perspectiva colaborativa,
horizontal e aberta, o que exigiria colocar a participação e a transparência no centro da
estratégia de consolidação e aperfeiçoamento do Sistema” (SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO
INSTITUCIONAL, 2015, p. 3). Seria preciso, por exemplo, rever o funcionamento do CNPC,
fazer com que as conferências fossem “vistas mais como processos do que eventos” (p.3),
criar novos canais de participação e diálogo e avançar na “abertura de dados e informações
[...] para que gestores públicos superem a cultura do sigilo e da exclusividade no acesso a
dados e informações” (SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 3)

Para que essa nova perspectiva fosse implantada, a SAI apresentou três conjuntos de
iniciativas: (1) Programa Nacional de Qualificação da Gestão e Fortalecimento do Sistema
Nacional de Cultura; (2) Consolidação do Sistema de Participação Social do Ministério da
Cultura; e (3) Política de incentivo a ações sistêmicas.
401

O Programa Nacional de Qualificação da Gestão e Fortalecimento do Sistema Nacional


de Cultura tinha por pretensão:

aprimorar o processo de institucionalização do SNC através da ampliação e


valorização da participação social, do aperfeiçoamento das relações entre
os entes federados, da articulação entre os diversos sistemas setoriais e da
formação continuada de gestores e conselheiros. (SECRETARIA DE
ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 4)
E estava estruturado sobre as seguintes linhas de ações:

Quadro 21 – Linhas de ação do Programa Nacional de Qualificação da Gestão e Fortalecimento do


SNC
Linhas de ação Previsão de Objetivo
entrega
Elaboração de nova proposta de Projeto de Lei do
Projeto de Lei do SNC Outubro/2015 SNC, com consulta pública e envio ao Congresso
Nacional.
Criação de um ambiente interinstitucional para
estruturar um espaço de coordenação e cooperação
técnica do SNC.
Acompanhamento, avaliação e controle social do
desenvolvimento do Sistema e das políticas de
qualificação de gestores e conselheiros;
Criação do Observa
Janeiro/2016 assessoramento técnica a municípios e estados para
SNC
organização dos seus sistemas de cultura; qualificação
de dirigentes em políticas e gestão cultural; troca de
experiências e divulgação de conhecimento e Boas
Práticas na gestão do Sistema; e formação de Rede
Nacional de Gestores Culturais e Qualificação da
Gestão Cultural.
Aperfeiçoamento da Aprimoramento da plataforma eletrônica de gestão
Maio/2015
Plataforma do SNC de informação e adesão ao SNC
II Edital de [Não há detalhamento, mas essa ação já estava
Fortalecimento do Junho/2015 prevista em 2014]
SNC
Julho a Consolidação das novas diretrizes do SNC em todas as
Realização de Oficinas
novembro/2015 regiões do Brasil
Análise de 500 Planos [Ação não detalhada, mas se refere aos Planos de
de Trabalhos enviados Até Trabalho dos Acordos de Cooperação Federativa do
por estados e dezembro/2015 SNC]
municípios
Fonte: Elaboração própria a partir do documento Nova etapa na estruturação do Sistema Nacional
de Cultura: Fortalecimento Institucional, Qualificação da Gestão e Participação Social. (SAI, 2015)

Das seis linhas de ação previstas para esse programa, apenas o Observa SNC pode ser
considerada uma inovação. As demais já vinham sendo desenvolvidas em alguma medida
pelas gestões anteriores.
402

A segunda iniciativa proposta pela SAI era a Consolidação do Sistema de Participação


Social do Ministério da Cultura, que pretendia articular e integrar os canais de consulta e
participação existentes no Ministério, como a CNC, o CNPC e seus Colegiados e a TEIA
(Encontro Nacional dos Pontos de Cultura).

Instituir o sistema de participação social do MinC, articulando colegiados,


conferências e Gabinete Digital e outros instrumentos de governança
colaborativa, de consulta, diálogo social e compartilhamento de dados,
informações e indicadores é um passo decisivo à própria consolidação do
Sistema Nacional de Cultura. (SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO
INSTITUCIONAL, 2015, p. 6)
Apesar de exceder as instâncias previstas no SNC, a criação desse Sistema de
Participação coube à SAI porque era a “responsável pela coordenação dos canais de
participação social do MinC” (SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 6).
Não era novidade a atuação da SAI junto a instâncias de participação social, o que há de
especial nessa perspectiva é a interação com outras instância do MinC que antes não
integravam o rol de ação da Secretaria, e o redimensionamento dos canais de participação a
partir do uso de ferramentas digitais, voltadas para gerar novos processos na relação entre
sociedade e governo.

A terceira e última iniciativa do programa – Política de incentivo a ações sistêmicas –


previa aproximar entes não-estatais, integrantes do universo privado da gestão da cultura,
no processo de consolidação do Sistema, já que: “a maior parte do que é produzido,
promovido e ofertado em termos de bens culturais se realiza por fora da estrutura estatal.
Portanto, é preciso romper com o isolamento do Poder Público em relação aos esforços para
a consolidação do SNC” (SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 6). Nesse
sentido, “[...] será preciso, por um lado, aperfeiçoar os canais de participação social e, por
outro, aumentar a capacidade de envolvimento de outros atores na elaboração de
estratégias públicas relacionadas ao desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura”
(SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 6). Para tanto, a proposta era
aproximar o MinC do universo privado da gestão cultural, “aumentando o alcance das
estratégias públicas e potencializando projetos e iniciativas com origem na sociedade civil”
(SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 6).

A articulação do Sistema MinC também integrava essa iniciativa, já que tais unidades
“por vezes, atuam nos territórios de maneira fragmentada e dispersa, fragilizando políticas
403

públicas e desperdiçando oportunidades de aperfeiçoamento de estratégias comuns”


(SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL, 2015, p. 7). Nesse sentido, era preciso que
todos eles passassem a ter uma atuação sistêmica. As ação previstas para serem
implementadas na Política de incentivo a ações sistêmicas, eram: realizar uma série de
encontros com entes não-estatais para integrá-los ao processo de consolidação do SNC;
encontros do MinC com outros ministérios e órgãos federais; e promover a “retomada da
organização do Sistema Federal de Cultura [...] que pouco tem sido acionado no âmbito das
estratégias de fortalecimento do SNC”. (p. 7). Vale lembrar que no documento-básico
Estruturação, institucionalização e implementação do Sistema Nacional de Cultura (MINC,
2010), foi indicado a extinção do Sistema Federal de Cultura.

Em síntese, o novo programa da SAI expressa o alinhamento entre as pretensões de


Juca Ferreira e as de Vinícius Wu para com o SNC, uma nova perspectiva que mudaria, assim,
o foco de atuação da Secretaria e o rumo de desenvolvimento da política, até então mais
direcionada para os entes federados e seu aspecto organizacional. Na avaliação de Juca
Ferreira (2018), era preciso pensar em outro nível de articulação para o Sistema:

Se você monta uma articulação que responde apenas à articulação entre as


três instâncias do Estado, você está trabalhando um Delta X muito pequeno
de um problema bem maior, de uma questão bem mais ampla, então era
preciso que o Sistema Nacional de Cultura pensasse de uma maneira mais
generosa, que fosse capaz de articular o Estado nas suas três dimensões
com a sociedade, com essas iniciativas, instâncias, tanto setorialmente,
como regionalmente... (FERREIRA, 2018)
O escolhido para dirigir essa mudança foi Vinícius Wu, que até assumir o cargo de
secretário, era um ator estranho ao SNC, não possuindo em sua trajetória profissional
vínculo estreito com essa política, uma situação bastante diferente dos demais dirigentes
que tinham passado pela SAI. Por outro lado, sua carreira apontava afinidade com o tema da
governança, especialmente na interação entre atores sociais e políticos por meio de novas
tecnologias e ferramentas digitais. De acordo com Armando Almeida (2018):

Wu chega muito pra dar uma sacudida no Sistema, a gente sempre teve
uma crítica em relação ao Sistema de que ele não gerava processos. O
Sistema estava muito preso a questões de ordem formal, sem se preocupar
em gerar processos em cada lugar [...] E aí Wu, quando entra, ele entra com
essa disposição, cria uma plataforma, faz uma eleição para o Conselho
Nacional de Políticas Culturais que furou a boca do balão porque [...] foi um
negócio assim de participação...
404

Na visão de Pedro Ortale (2017), Wu era um incentivador do SNC, mas com um olhar
diferente e com o desejo de seguir por outros caminhos. Segundo Ortale (2017), o novo
secretário queria um sistema mais estatal e menos público, para o que seria preciso
incorporar a questão da comunicação e de pensar em como o Sistema poderia chegar mais
próximo da sociedade para que essa pudesse compreendê-lo:

[...] o Vinícius montou um negócio no Sul chamado Gabinete Digital [...] e


ele foi secretário de governo do Tarso, então eles montaram um sistema de
comunicação e participação social interessante e essa era a ideia que ele
vinha amadurecendo para trazer para o Sistema. [...] Vinícius é um
estudioso da área de comunicação, [...] ele queria fazer o SNC em rede,
tanto que a gente fez várias discussões, inclusive com a UFBA, [...]
queríamos montar um observatório do SNC...então são ideias que
incorporam e redimensionam o Sistema. (ORTALE, 2017).
Segundo Tony Bezerra (2017), ao ingressar na SAI, o novo secretário tinha por
pretensão reformular os mecanismos de participação social para que fossem mais dinâmicos
e interativos. Entretanto, ainda no primeiro ano de gestão houve problemas internos:

Ele [Vinícius Wu] também prometeu valorizar os servidores da secretaria.


Contudo, segundo relatos, houve embates políticos entre o secretário e os
servidores. O clima de tensão teve o seu ápice em outubro de 2015, quando
os servidores da SAI fizeram uma espécie de motim e foram apresentar
queixa ao coordenador-geral de gestão de pessoas. Em reunião, eles
fizeram reclamações e denúncias a respeito dos problemas da secretaria,
no que se refere ao tratamento dado aos servidores. Em resposta, Vinicius
decide liberar a saída de servidores para outras secretarias. O resultado é
que a SAI, que era afetada por um grande déficit de servidores, ficou ainda
mais defasada. Com isso, a implementação do SNC ficou nitidamente
prejudicada. (BEZERRA, 2017, p.66).
Segundo Pedro Ortale (2017): “Quando o Vinícius chegou, a primeira providência foi:
vamos distensionar internamente para que a gente possa seguir com o trabalho que vem
sendo colocado e ampliar a partir dessa nova concepção de sistema [...]”.

7.2 A RELAÇÃO COM OS FÓRUNS DE SECRETÁRIOS E DIRIGENTES DE CULTURA

Entre 2015 e 2016, foram realizadas reuniões entre o MinC e os representantes de


órgãos públicos de cultura de estados e municípios, cujas pautas incluíam a questão da
implantação do SNC, notadamente de seu financiamento. Segundo Guilherme Reis (2018)148:

148
Informação fornecida por Guilherme Reis por e-mail em 11 de julho de 2018.
405

Durante o ano de 2015 e parte de 2016, verificou-se um esforço por parte


do Ministério da Cultura na retomada das discussões sobre a efetivação do
Sistema Nacional de Cultura e, mais especificamente, sobre a necessidade
de que fossem iniciados os processos de transferências de recursos de
fundo-a-fundo, mesmo que timidamente, o que de fato não aconteceu.
A primeira reunião do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura
do ano de 2015 aconteceu em Brasília, entre os dias 6 e 8 de março, e contou com a
presença do ministro Juca Ferreira e de secretários do MinC, como Carlos Paiva (Sefic) e
Guilherme Varella (SPC). Segundo notícia publicada pelo Ministério149, nessa reunião, Juca
Ferreira pediu aos dirigentes estaduais de cultura para mobilizarem as bancadas de seus
estados no Congresso Nacional para aprovação do Procultura. O ministro comentou também
sobre as dificuldades orçamentárias que o Ministério enfrentava.

No encontro, Juca pediu que os secretários não fiquem desanimados com


os cortes orçamentários realizados nestes anos por vários governos. ‘Não
adianta falar de dificuldades. Vivemos em um período de cortes
orçamentários, em um cenário negativo, mas nós podemos construir algo
positivo e avançar nas políticas públicas na área da Cultura’, disse. ‘Essa
conjuntura dificulta, mas não inviabiliza o trabalho. Precisamos nos unir,
dialogar, conversar em nossos estados’. (MINC, 2015)
A notícia não traz nenhuma informação sobre discussões específicas em torno do
Sistema Nacional de Cultura, o que não significa que não tenha ocorrido.

Entre 08 e 11 de julho de 2015, foi realizada em Brasília a segunda reunião do Fórum


Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura. Segundo notícia divulgada no site
do Ministério150, o evento contou com a participação do presidente da Funarte, Francisco
Bosco, que falou sobre processo de construção da Política Nacional das Artes; do secretário
da Sefic, Carlos Paiva, que tratou da situação do Procultura e dos desafios relacionados ao
fomento no país; de Guilherme Varella, da SPC, que falou sobre a agenda programática do
Ministério, sobre a importância da elaboração dos Planos Estaduais de Cultura em
alinhamento com o Nacional e sobre a necessidade de aprimorar o SNIIC, com a integração
de informações dos estados; de Vinicius Wu, que tratou do SNC; e de Robson Almeida,
diretor do PAC Cidades Históricas, do Iphan, que falou sobre esse projeto. De acordo com

149
“Ministro pede mobilização dos secretários estaduais para aprovação do Procultura”. Texto elaborado pela
Ascom-MinC, publicado em 10 de março de 2015 e disponível em: <
http://culturadigital.br/mincnordeste/2015/03/page/7/> Acesso em jul. 2018.
150
Disponível em:< http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-participa-de-forum-de-secretarios-estaduais/10883>. Acesso em
jul. 2018.
406

outra notícia sobre o mesmo evento divulgada no site do Ministério151, Vinicius Wu declarou
em reunião que o SNC passava por reestruturação e que a relação entre os entes federados
não poderia ser “meramente protocolar”, conforme trecho a seguir:

O secretário de Articulação Institucional do MinC, Vinícius Wu, destacou em


sua fala o Sistema Nacional de Cultura (SNC), que passa por reestruturação.
Vinícius assinalou que para que este instrumento funcione de fato é
necessária a parceria do governo federal com os estados e municípios. ‘Essa
relação não pode ser meramente protocolar e sim viva, dinâmica, com
vários sistemas que se relacionem e com a participação ativa da sociedade’,
afirmou. O secretário anunciou que em agosto será publicado um edital
para fortalecer o SNC com acesso a recursos para os municípios que
aderiram.
Em 03 de agosto de 2015, foi realizada uma reunião entre Vinícius Wu e secretários e
dirigentes de cultura de cinco estados (Distrito Federal, Tocantins, Paraná, Pernambuco –
representado por Silvana Meireles – e Santa Catarina) para tratar sobre a regulamentação
do SNC. Segundo notícia divulgada no site do MinC152, o objetivo era “debater a estruturação
do projeto de Lei do Sistema Nacional de Cultura (SNC), previsto para ser entregue ao
Congresso Nacional em novembro deste ano”. A notícia ressalta algumas falas do secretário
Wu nessa reunião:

Vinicius Wu ressaltou que o SNC não pode ser pensado como uma mera
estrutura de repasse. ‘Tem de haver uma articulação entre todos os
integrantes do Sistema MinC. Além disso, também é preciso estabelecer
diálogos com as secretarias municipais e estaduais, que têm papel
importante na indução e no reposicionamento do sistema’, afirmou. [...] No
final da reunião, Wu afirmou que, para que o diálogo ocorra de maneira
clara, haverá discussões conjuntas e parcerias. ‘Vamos buscar apoio, tanto
no Fórum de Capitais como na Frente Nacional de Prefeitos, em
representantes da sociedade civil e em representantes da cultura em geral’,
finalizou.
A notícia informava ainda que durante o segundo semestre de 2015, seria
estabelecido o diálogo sistemático com os fóruns de secretários e dirigentes de cultura de
municípios e estados, além de organizações como a Associação Brasileira de Municípios,
para discutir o PL SNC, que deveria ser finalizado em setembro de 2015 e colocado em
consulta pública a partir de outubro desse ano, o que não ocorreu.

151
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-presente-no-segundo-dia-de-forum-de-dirigentes-
estaduais/10883>. Acesso em jul. 2018.
152
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-e-secretarios-de-cultura-debatem-pl-do-sistema-nacional-de-
cultura/10883>. Acesso em jul. 2018
407

Nos dias 24 e 25 de setembro de 2015, foi realizada em Belo Horizonte a terceira


reunião do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura. Segundo
informações disponibilizadas no site do MinC153(2015), participaram do encontro Francisco
Bosco (Funarte) e Carlos Paiva (Sefic), que falaram sobre o pacto federativo e a
descentralização do editais do MinC:

Francisco Bosco [...] Mencionou que o pacto federativo de fomento às artes


é uma das ações prioritárias e transversais do PNA [Programa Nacional das
Artes] e que a participação dos estados é fundamental. ‘A Funarte e a Sefic
que estão aqui representando o MinC estão construindo o processo em
conjunto com os gestores de Cultura, em uma ação colaborativa, de
corresponsabilidade e de parceria’, destacou.
O Secretário Carlos Paiva destacou a importância do Fórum como espaço
potente e estratégico para o desenvolvimento da política da cultura
brasileira. Afirmou, ainda, a importância de uma política integrada, em que
há sinergia e alinhamento das práticas dos estados e do Governo Federal.
‘O que estamos propondo aqui é avançar no campo do fomento das artes e
chegar em uma etapa mais efetiva, em que atuaremos de forma articulada
e cada vez mais assertiva’, mencionou o Secretário.
Em outubro de 2015, o Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes de Cultura das
Capitais e Regiões Metropolitanas realizou encontro cuja pauta de debate foi Articulação
Federativa e Modelos de Financiamento. Participaram do encontro representantes de 23
órgãos municipais de cultura e os secretários Carlos Paiva e Vinicius Wu. De acordo com
notícia divulgada pelo MinC (2015)154:

Vinicius Wu apresentou propostas de trabalho do MinC em conjunto com o


Fórum. A ideia é aproximar os entes federativo e municipais e traçar planos
que colaborem para o desenvolvimento da cultura nas cidades em
integração com o MinC. Depois, em palestra, o secretário Carlos Paiva fez
uma apresentação sobre a atual realidade do financiamento e incentivo à
cultura no Brasil, com destaque para esclarecimentos sobre a Lei Rouanet e
o Projeto de Lei que propõe instituir o Programa Nacional de Fomento e
Incentivo à Cultura (ProCultura), para consolidar uma nova perspectiva para
as políticas públicas de financiamento à cultura no País. Paiva também
discorreu sobre as diversas possibilidades e modelos de incentivo válidos
para os entes municipais.
Ainda segundo a notícia, o Fórum manifestou a expectativa da regulamentação do
SNC e da garantia da participação dos municípios na distribuição dos recursos.

153
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/secretarios-estaduais-de-cultura-estao-reunidos-em-mg/10883>.
Acesso em jul. 2018.
154
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/gestores-de-todo-o-brasil-discutem-desafios-da-cultura-nas-capitais-e-
regioes-metropolitanas/10883>. Acesso em jul. 2018.
408

Entre 15 e 17 de dezembro de 2015, foi realizada em Brasília uma série de reuniões


com integrantes dos fóruns de secretários de estados e municípios com objetivo de

[...] promover uma articulação federativa para aproximar os fóruns


estaduais e municipais do Sistema MinC, de forma a identificar programas e
ações em andamento do ministério que podem ser trabalhados,
aprimorados e ampliados em parcerias com estados e municípios. (MINC,
2015) 155
Além do ministro Juca Ferreira, participaram das reuniões os secretários e dirigentes
das seguintes secretarias/unidades do MinC: SAI, SCDC, Sefac, Sefic, SAV, SPC, Secretaria
Executiva – incluindo as diretorias do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB), de
Programas Especiais de Infraestrutura Cultural e de Direitos Intelectuais –, FCRB, Ibram,
Iphan, FBN, FCP e Funarte. Segundo notícia divulgada pelo MinC 156 (2015), Juca Ferreira
apresentou ações do Ministério dirigidas ao fortalecimento do pacto federativo; destacou a
importância de avançar em 2016 com medidas como aprovação do Procultura e citou o
processo eleitoral do CNPC, de acordo com o ministro (FERREIRA, 2015157):

Necessitamos construir um campo de gestão. Não importa se o governo é


de um partido ou de outro. O esforço de reativar o mecanismo de
participação social é para valer. Da vez passada, foram 5 mil. Neste ano,
mais de 70 mil pessoas participaram das eleições do CNPC (Conselho
Nacional de Política Cultural). Isso significa prestígio.
Nesse mesmo encontro, Vinícius Wu declarou sobre a importância e o ineditismo
desse encontro entre o Sistema MinC e os fóruns de secretários e dirigentes de cultura de
estados e municípios: "Todos os nossos secretários estão aqui. É uma reunião inédita.
Colocamos à disposição dos fóruns todo o Sistema MinC. Vamos aproveitar os meses de
janeiro e fevereiro para dar desdobramento às muitas ideias que tivemos aqui" (WU,
2015158).

155
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-se-reune-com-foruns-estaduais-e-municipais-de-cultura/10883>.
Acesso em jul. 2018.
156
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-recebe-representantes-de-foruns-de-secretarios-de-
cultura/10883>. Acesso em jul. 2018.
157
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-recebe-representantes-de-foruns-de-secretarios-de-
cultura/10883>. Acesso em jul. 2018.
158
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/minc-recebe-representantes-de-foruns-de-secretarios-de-
cultura/10883>. Acesso em jul. 2018.
409

No ano seguinte, nos dias 02 e 03 de março de 2016, foi realizado o II Encontro


Nacional de Gestores Municipais de Cultura, fruto da parceria entre a Associação Brasileira
de Municípios (ABM) e o MinC. De acordo com notícias divulgadas pelo Ministério 159 (2016),
a primeira mesa do encontro foi: Sistema Nacional de Cultura: a construção de políticas
culturais nos municípios, e contou com a participação de Marcos Cordiolli (presidente da
Fundação Cultural de Curitiba/PR), Eduardo Mattedi160 (diretor do SNC e Programas
Integrados da SAI/MinC) e Marília Tavares (assessora técnica em Cultura da Associação dos
Municípios do Arquipélago do Marajó). A segunda mesa foi sobre Pacto Federativo e o
financiamento das políticas culturais, e a terceira sobre Organização dos gestores municipais
de cultura. No evento, Eduardo Mattedi, destacou as iniciativas que vinham sendo
implementadas pelo MinC na perspectiva da construção de mecanismos de articulação
federativa, como o Plano Nacional de Cultura, a realização de oficinas do SNC e a
qualificação de gestores culturais. Segundo divulgação do MinC (Ibid.), nesse encontro
também foi feito o anúncio da nova plataforma do SNC que disponibilizaria um mapa
cultural do país para fomentar a articulação e o intercâmbio entre os gestores. Ao final do
evento, foi discutida a criação de uma associação nacional de gestores municipais de cultura
de cidades de pequeno e médio porte, e aprovado um manifesto com diversas demandas de
gestores municipais de cultura ao Ministério, dentre elas “o aprimoramento do Sistema
Nacional de Cultura com a definição de atribuições entre entes da Federação respeitando
sua autonomia, garantia de coparticipação na formulação, execução e avaliação das políticas
públicas”161.

159
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/banner-1/-/asset_publisher/G5fqgiDe7rqz/content/gestores-
municipais-de-cultura-estao-reunidos-em-brasilia/10883> e <http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/brasilia-recebe-encontro-de-gestores-municipais-de-cultura/10883>.
Acesso em jul. 2018.
160
Eduardo Mattedi Furquim Werneck, graduado em Ciências Sociais pela UFBA (1989, foi diretor do Sistema
Nacional de Cultura, na SAI, entre abril de 2014 e abril de 2015. Também no MinC, foi Chefe de Gabinete do
ministro Juca Ferreira (2010/2011). Entre 2011 e 2015 trabalhou no Ministério do Meio Ambiente como
gerente de Projeto da Secretaria Executiva, atuando como Coordenador Geral do Sistema Nacional de Meio
Ambiente (SISNAMA), trabalhou no Departamento de Apoio ao Conselho Nacional do Meio Ambiente.
161
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/gestores-municipais-de-cultura-formulam-associacao/10883>.
Acesso em jul. 2018.
410

Em 09 de maio de 2016, segundo notícias divulgadas pelo MinC162, foi realizada


reunião entre: secretários e dirigentes de cultura de municípios e estados; integrantes da
Associação Brasileira de Municípios e representantes do MinC (Juca Ferreira e Carlos Paiva),
cuja pauta passava pela discussão sobre a versão do Procultura defendida pelo Ministério e
sobre as ameaças de uma possível fusão da pasta da Cultura com o MEC, no caso da
confirmação de Michel Temer assumir a presidência do país. Vale lembrar que três dias após
essa reunião, em 12 de maio de 2016, tal fusão foi efetivada por decreto publicado por
Temer, que posteriormente retrocedeu.

O conjunto de reuniões realizadas entre dirigentes do MinC e representantes de


órgãos públicos de cultura de estados e municípios revela a manutenção do diálogo que
vinha sendo construído desde 2003. Porém, algo que se destaca, é a presença de outras
secretarias do Ministério nessa relação, antes centrada na SAI, e agora envolvendo
especialmente a Sefic. Vale também registrar que apesar de o tema do Procultura centrar
parte dos debates proposto pelo MinC, questões diretamente relacionadas à efetivação do
Sistema continuaram na pauta, especialmente por cobrança dos dirigentes de estados e
municípios, que exigiam a regulamentação do SNC e o repasse de recursos fundo-a-fundo.
Para Lia Calabre (2017), após a saída de João Roberto Peixe e de Bernardo Mata Machado da
SAI, o governo federal desacelerou em relação ao Sistema, entretanto, “[...] as discussões
nos fóruns de secretários, as discussões nas câmaras, floresceram, como um processo, e
continuam a ser implantadas” (CALABRE, 2017).

7.3 O PROCESSO ELEITORAL DO CNPC

Uma das principais ações realizadas pelo MinC na segunda gestão Juca Ferreira foi o
aperfeiçoamento do processo eleitoral dos representantes da sociedade civil para os
Colegiados Setoriais e Plenário do CNPC. Um novo sistema de eleição que, na opinião de
Bernardo Mata Machado (2017), foi mais exitoso do que o desenvolvido na gestão Suplicy:

[...] acho que ele [Wu] conseguiu aperfeiçoar aquele sistema de


informática, soube fazer uma eleição melhor do que a nossa, que deu um
monte de erro [...] foi um sufoco porque era primeira eleição nacional do

162
Informação disponível em: < http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/gestores-culturais-defendem-manutencao-de-minc/10883>. Acesso
em jul. 2018.
411

Conselho via virtual, mas o Wu como era especialista em TI, tinha


experiência. (MATA MACHADO, 2017)
O processo de eleição para o período 2015-2017 foi feito em três etapas: (1) Consulta
Pública do Edital do Processo Eleitoral do CNPC; (2) Etapa Estadual, com abertura do
processo de inscrição de candidatos e eleitores para cada Colegiado Setorial; e (3) Fóruns
Nacionais Setoriais, para composição dos Colegiados Setoriais, eleição para o Plenário e para
o Grupo de Trabalho Articulador do CNPC.

A primeira etapa foi uma consulta pública sobre as normas e metodologias a serem
aplicadas no processo eleitoral de renovação dos membros da sociedade civil do CNPC. Para
tanto, foi disponibilizado em plataforma digital a proposta aprovada na 25ª Reunião
Ordinária do Plenário do Conselho, sobre a qual poderiam ser sugeridas alterações em todos
os itens. A consulta ficou aberta ao público entre 18 de junho e 02 de julho de 2015, e os
resultados podem ser verificados no quadro comparativo disponível no site do MinC 163.

O Edital CNPC nº 01/2015164 pós-consulta dispôs sobre as normas para a escolha dos
representantes da sociedade civil nas áreas de: Artes Visuais; Música; Teatro; Dança; Circo;
Audiovisual; Literatura, Livro e Leitura; Arte Digital; Arquitetura e Urbanismo; Design;
Artesanato e Moda; e, das áreas de patrimônio cultural: Culturas Afro-brasileiras; Culturas
dos Povos Indígenas; Culturas Populares; Arquivos; Museus; Patrimônio Material e
Patrimônio Imaterial. Apesar de o edital incluir todos esses setoriais, alguns, como
Audiovisual e Museus, seguiriam dinâmicas próprias, conforme item 9.5 do edital. Nesse
sentido, o processo de renovação ficou restrito a 16 Colegiados Setoriais.

A participação no processo eleitoral era iniciada por meio do preenchimento de um


formulário que poderia ser entregue: via plataforma digital; durante os encontros estaduais
presenciais; via postal; entregue nas Representações Regionais e nas sedes de unidades
descentralizadas do MinC; informado por meio de telefone, disponibilizado pelo MinC para
atender casos específicos; e ainda entregue nas agências dos Correios cadastradas para
atendimento em áreas remotas. Alguns desses itens foram sugeridos na consulta pública, o
que resultou na ampliação das possibilidades de participação, lembrando que na eleição
anterior (período 2013-2015) essa fase foi restrita à plataforma digital e foi objeto de críticas
163
Disponível em: < http://culturadigital.br/editalcnpc/files/2015/06/Quadro-Comparativo-Edital-CNPC-
Vers%C3%A3o-consulta-p%C3%BAblica-final.pdf>. Acesso em jul. 2018
164
Disponível em: <http://culturadigital.br/editalcnpc/files/2015/06/Edital_Vers%C3%A3o-Consulta-
P%C3%BAblica-final.pdf>. Acesso em jul. 2018.
412

por conta de suas limitações. No formulário de cadastramento, o participante deveria


identificar sua condição de eleitor ou candidato e cumprir algumas exigências documentais.

Todo o processo eleitoral foi organizado por meio de plataforma digital e de realização
de encontros presenciais nas 27 unidades federadas, uma contribuição advinda também da
consulta pública. A primeira fase das eleições dos conselheiros ficou conhecida como etapa
estadual e tinha o objetivo de realizar debates, no primeiro dia do encontro, e eleger
representantes por estado e Distrito Federal para a etapa seguinte. Em síntese, a dinâmica
de votação por setor/estado era a seguinte:

O número de delegados que os setoriais de cada estado elegerá para a


etapa nacional dependerá do número de presentes nos encontro estaduais.
De 3 a 30 inscritos presentes, o Estado poderá eleger um delegado para o
Fórum Nacional. De 31 a 99 inscritos presentes, podem eleger 2 delegados
estaduais e, a partir de 101 inscritos presentes, eles poderão eleger 3
delegados para o Fórum Nacional. Na etapa nacional, os candidatos eleitos
nos estados mais os titulares da antiga formação dos colegiados setoriais
habilitados irão escolher entre si os ocupantes das 30 vagas de
representação da sociedade civil. (MINC, 2015)165
Segundo dados disponibilizados pelo MinC (2015)166, os encontros estaduais
ocorreram entre 09 e 26 de setembro de 2015 e essa segunda etapa do edital foi finalizada
em 19 de outubro do mesmo ano, após período de votação e divulgação da lista dos eleitos
de cada estado para os Fóruns Nacionais Setoriais. Ainda segundo dados do Ministério
(2015), foram cadastrados entre eleitores e candidatos 72.871 pessoas, número recorde de
participação. De acordo com declarações do secretário Vinícius Wu (apud MINC, 2015)167:

Nos últimos anos, o Brasil criou uma série de canais para interação com a
população. Nós conseguimos a partir de uma série de mecanismos
institucionalizados escrever na história do Brasil a cidadania real
compartilhada, nós precisamos colocar esses mecanismos no centro da
estratégia do poder público.

165
Informações disponíveis em: <http://www.cultura.gov.br/cnpc/materias-cnpc/-
/asset_publisher/4K62ztVDMFWz/content/mais-de-72-mil-inscritos-o-maior-conselho-de-cultura-da-historia-
do-brasil/10883>. Acesso em jul. 2018.
166
Informações disponíveis em:< http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/conselho-de-politica-cultural-bate-recorde-de-inscricao/10883>.
Acesso em jul. 2018.
167
Informações disponíveis em: < http://www.cultura.gov.br/cnpc/materias-cnpc/-
/asset_publisher/4K62ztVDMFWz/content/divulgado-o-resultado-da-etapa-estadual-do-cnpc/10883>. Acesso
em jul. 2018
413

Segundo Juca Ferreira (apud MINC, 2015168): "Esse foi um processo exemplar em meio
a um momento de crise. Nós somos o ministério que já está conectado com o futuro, com a
pós-crise. Trabalhamos com o respeito absoluto. Estamos construindo a consolidação do
espírito cultural".

O processo eleitoral envolveu também uma terceira etapa, feita de maneira


descentralizada e presencial, por meio dos Fóruns Nacionais Setoriais, que contaram com a
participação de vários órgãos do MinC. Assim, foram promovidos: (1) Fórum Nacional de
Culturas dos Povos Indígenas, realizado em São Paulo, entre os dias 9 e 16 de agosto de
2015, que contou com a participação da SAI, SCDC e SPC; (2) Fóruns Nacionais Setoriais dos
Colegiados de Cultura Popular, Artesanato, Patrimônio Imaterial, Cultura Afro-brasileira e GT
indígena. O encontro ocorreu entre os dias 24 e 29 de novembro de 2015, em Serra
Talhada/PE, com participação da SAI, SCDC, SPC, FCP e Iphan; (3) Fóruns Nacionais Setoriais
dos Colegiados de Moda, Design, Arquitetura e Urbanismo, Patrimônio Material, Arquivos, e
GT de Museu. O encontro ocorreu no Distrito Federal/DF, entre os dias 17 e 20 de novembro
de 2015, e contou com participação da SAI, SPC, Iphan e FCRB; (4) Fóruns Nacionais Setoriais
dos Colegiados de Dança, Teatro, Música, Arte Digital, Artes Visuais, Livro, Leitura e
Literatura e Circo. Os fóruns ocorreram no Rio de Janeiro/RJ, entre os dias 10 e 13 de
novembro de 2015, com participação da SAI, Diretoria do Livro, Leitura e Literatura e
Biblioteca e Funarte. Vale ressaltar que antes da consulta pública, o edital previa que todos
esses Fóruns teriam seus encontros presenciais apenas na cidade de Brasília.

Em síntese, na etapa nacional, os candidatos mais votados nos 26 estados e no Distrito


Federal e os membros da formação antiga dos Colegiados Setoriais, escolheram os
ocupantes das 30 vagas da representação da sociedade civil (15 titulares e 15 suplentes).
Destaca-se nessa fase a incorporação como eleitores dos conselheiros que seriam
substituídos, uma inovação considerando a eleição de 2013. Vale ressaltar também que, de
acordo com o edital, no mesmo dia da eleição dos membros dos Colegiados, os titulares
eleitos e empossados elegeriam os seus representantes para o Plenário do CNPC e para os
GTs de articulação de cada Colegiado (item 10.6 do edital).

168
Informações disponíveis em: < http://www.cultura.gov.br/cnpc/materias-cnpc/-
/asset_publisher/4K62ztVDMFWz/content/divulgado-o-resultado-da-etapa-estadual-do-cnpc/10883>. Acesso
em jul. 2018
414

Ao final do processo eleitoral, foram eleitos 545 representantes da sociedade civil


distribuídos entre 16 Colegiados Setoriais. Os novos conselheiros tomaram posse no Plenário
do CNPC no dia 16 de dezembro de 2015 e a primeira reunião ocorreu no dia seguinte. A
partir de então, o Plenário foi composto por 58 integrantes, 20 representantes da sociedade
civil e os demais do poder público federal, estadual e municipal. Vale ressaltar que: a posse
dos novos membros nos Colegiados Setoriais só ocorreu em 09 de maio de 2016; que cada
Colegiado foi composto por 20 titulares (15 da sociedade civil e cinco do poder público), com
respectiva suplência; e que o mandato dos conselheiros continuou sendo de dois anos,
renovável uma vez, por igual período.

Na avaliação de Lia Calabre (2017), o processo eleitoral de 2015 do CNPC foi


interessante por promover a participação de novos atores sociais que se colocaram
interessados em discutir, pensar e propor sobre questões culturais: “as últimas eleições que
aconteceram foram interessantes, trouxeram para cena muitos não-ativistas ou muitas
pessoas que não tinham acompanhado os processos desde o começo” (CALABRE, 2017).
Infelizmente, não foi possível acompanhar o desdobramento da participação desses novos
atores no Plenário do CNPC porque as últimas atas de reuniões disponíveis na internet são
do ano de 2014169.

Vale ressaltar que em maio de 2016, representantes de novos setoriais tomaram


posse no CNPC. Assim, foram criados por meio de decreto presidencial publicado em
dezembro de 2015 os seguintes assentos no Plenário do Conselho: Capoeira, Cultura
Alimentar, Cultura Hip Hop, Culturas dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz
Africana, Culturas Quilombolas e Expressões Culturais LGBTT. A eleição dos conselheiros foi
feita por meio de elaboração por parte do Conselho de uma lista tríplice, levada para decisão
do ministro Juca Ferreira. Ao final, o CNPC passou a ser composto por 24 Colegiados
Setoriais.

7.4 INICIATIVAS PROMOVIDAS NO ÂMBITO DO SNC

Uma das primeiras ações da SAI nesse período foi redimensionar a plataforma
eletrônica do SNC, que já permitia o acesso a documentos produzidos, a exemplo de planos
169
Disponível em: <http://plenario.cnpc.cultura.gov.br/reunioes/> e
<http://www.cultura.gov.br/cnpc/reunioes>. Acesso em jul. 2018
415

de cultura publicados por municípios e estados. De acordo com Ortale (2017), a equipe
estava trabalhando para incorporar essa plataforma ao SNIIC, e então os componentes dos
sistemas de cultura, os dados sobre os gestores públicos, e o mapa georeferenciado dos
equipamentos culturais estariam todos disponíveis e inter-relacionados. Algo que não
chegou a ser concluído por conta do desmonte da equipe do MinC em maio de 2016,
decorrente do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Vale registrar que em relação ao SNIIC, nessa gestão a SPC trabalhou para reestruturá-
lo com a intenção de incorporar a plataforma de software livre Mapas Culturais, modelo de
base de dados e informações desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo, em parceria com o
Instituto TIM, e que estava sendo disseminado para outras cidades e estados, como
Blumenau/SC, Sobral/CE, Rio Grande do Sul, Tocantins e Ceará. Segundo informações
disponíveis no site do MinC (2015)170, o objetivo era construir uma base nacional de
informações culturais a partir da integração de todos os sistemas locais; e conceder apoio
aos entes subnacionais para que implantassem seus próprios sistemas de informação por
meio da oferta de infraestrutura tecnológica aos sistemas locais. Não foi possível verificar se
estados e municípios receberam tal suporte por parte do MinC, mas o Mapas Culturais está
ativo atualmente e pode ser acessado por meio da página do SNIIC ou diretamente no
endereço:<http://mapas.cultura.gov.br/>.

7.4.1 Programa de Formação de Gestores e Conselheiros Culturais do SNC

Os cursos voltados para a área de formação cultural no âmbito do SNC continuaram a


ocorrer na gestão Juca Ferreira, que intensificou de maneira geral a relação entre Cultura e
Educação por meio de ações como: (1) realização do Seminário Nacional de Formação
Artística e Cultural (2015), que contou com mais de 800 inscritos entre professores, arte-
educadores, produtores culturais, mestres, gestores públicos, conselheiros etc; (2) retomada
do Programa Cultura e Pensamento171, que previa realização de congressos, pesquisas,
mapeamentos, publicações, processos de formação e qualificação de agentes culturais etc.;
(3) presença do MinC em eventos acadêmicos como o XI Encontro Nacional de Estudos

170
Disponível em: <http://culturadigital.br/sniic/2015/08/26/mapas-culturais-no-ministerio-da-cultura/>.
Acesso em jul. 2018
171
Mais informações em: <http://www.cultura.gov.br/banner-2/-
/asset_publisher/0u320bDyUU6Y/content/lancado-no-rio-novo-ciclo-do-cultura-e-pensamento/10883>.
Acesso em jul. 2018.
416

Multidisciplinares em Cultura (2015), organizado pela UFBA, que contou na mesa de


abertura com a participação do ministro Juca Ferreira e do secretário de Políticas Culturais,
Guilherme Varella, e ainda de Juana Nunes (Sefac) no debate sobre Políticas Culturais e
Universidades, que teve também como expositores Isaura Botelho e Márcio Meira (então
assessor especial do MEC); (4) instituição em 2016 do Programa Nacional de Formação
Artística e Cultural, no âmbito da Sefac; (5) criação do Programa Interação Cultura, Educação
e Cidadania, a partir de acordo de cooperação firmado entre o MinC e o MEC em maio de
2016, um dos últimos atos desses ministérios no Governo Rousseff, que além de integrar os
programas Mais Cultura nas Escolas, o Mais Cultura nas Universidades e o Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) Cultura, criados pelo acordo
firmado entre os dois órgãos em 2011, incorporou ações voltadas para a Educação Infantil e
definições de compromissos para alcançar as metas comuns previstas no Plano Nacional de
Cultura e no Plano Nacional de Educação.

Vale ressaltar que nessa gestão foi divulgado o resultado do Edital Mais Cultura nas
Universidades, parceria MinC-MEC, publicado em 2014. Foram selecionadas inicialmente 18
Instituições Federais de Ensino Superior, de todas as regiões do país172. O valor total previsto
para o repasse foi de 20 milhões de reais, a ser efetuado em duas parcelas: uma em 2015 e
outra em 2016. Em agosto de 2015, foi divulgada nova lista de selecionados, com mais 10
instituições contempladas. O Programa ficou sob a coordenação da Sefac/MinC e da
Secretaria de Educação Superior/MEC.

Especificamente em relação a cursos de formação voltados para o Sistema Nacional de


Cultura, foi dado continuidade a iniciativas desenvolvidas nas gestões anteriores. Assim,
nesse período foram realizados em cooperação com a SAI: (1) segunda edição do Curso de
Formação de Gestores Públicos e Agentes Culturais173, promovido pela Secretaria de Estado
de Cultura do Rio de Janeiro, em parceria com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do
mesmo estado; (2) terceira turma do Curso de Formação de Gestores Culturais dos Estados
do Nordeste, fruto da parceria entre a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de
Pernambuco (Fundarpe), Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE) e Instituto de

172
O resultado final está disponível em:
<http://www.cultura.gov.br/documents/10883/1269473/10.07.2015+Lista+Regional.pdf/f7e152e0-a27e-4d41-
a7ef-b17e87d86c4a>. Acesso em jul. 2018.
173
O material do curso está disponível para download em: < http://www.cultura.rj.gov.br/curso-gestores-
agentes-2015>. Acesso em jul. 2018.
417

Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia (IHAC-UFBA), com apoio da


Universidade de Pernambuco (UPE); (3) segunda edição do Curso de Extensão e
Aperfeiçoamento em Gestão Cultural, realizado em Belém, pela Pró-Reitoria de Extensão
da Universidade Federal do Pará (UFPA); (4) Curso de Aperfeiçoamento para Conselheiros e
Gestores Públicos de Cultura da Região do Cariri, promovido pela Universidade Federal do
Cariri; (5) Curso de Extensão e Aperfeiçoamento em Gestão Cultural voltado para 11
municípios da Região do Xingu, no Pará, realizado pela UFPA.

De acordo com notícia divulgada no site do MinC174 (2016), entre 2010 e 2015 foram
realizados 13 cursos, todos gratuitos, no âmbito do Programa de Formação de Gestores e
Conselheiros Culturais do SNC, fruto da parceria do MinC com universidades públicas e
fundações. Ao todo, mil e quinhentas pessoas concluíram os cursos de extensão e pós-
graduação em gestão cultural; e o investimento do MinC no Programa foi de cerca de dez
milhões e meio.

Uma ação importante ocorrida também no âmbito desse Programa foi a parceria
firmada em 2016 entre a SAI e o Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov), da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para realizar um estudo sobre tais
cursos. De acordo com notícias divulgadas no site do MinC175 (2016), o Cegov elaboraria um
estudo para verificar a eficácia dos métodos usados nos cursos, as ementas, o material
didático, o perfil dos professores, dentre outros aspectos. A avaliação se debruçaria
especificamente sobre os treze cursos realizados no âmbito do Programa que já haviam sido
finalizados176. De acordo com informações do site do Cegov
(https://www.ufrgs.br/cegov/projeto/181), esse projeto ainda está em andamento. Em

174
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/cursos-para-gestores-produzem-impactos-positivos-pelo-
brasil/10883>. Acesso em jul. 2018.
175
Disponível em:< http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-
/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/sai-realiza-pesquisa-qualitativa-sobre-cursos-de-capacitacao-do-
minc/10883>. Acesso em jul. 2018.
176
Curso para Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste 1ª Edição; Curso de Extensão em
Administração Pública da Cultura; Curso de Extensão e Aperfeiçoamento em Gestão Cultural; Programa de
Apoio ao Desenvolvimento Cultural dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro (PADEC) - Curso de Formação
de Gestores Públicos e Agentes Culturais; Curso de Gestão Cultural - Formação de Gestores Culturais do Estado
da Paraíba; Curso para Formação de Gestores Culturais dos Estados do Nordeste 2ª Edição; Metodologia para
Formação de Gestores Culturais dos Estados e Municípios do Centro-Oeste; Curso de Capacitação ao Sistema
Municipal de Cultura; Curso de Extensão e Aperfeiçoamento em Gestão Cultural Oeste do Estado do Pará;
Curso de Extensão em Administração Pública da Cultura - EAD - Continuidade – Turmas Trimestrais; Curso de
Extensão em Gestão Cultural - Municípios do Estado de Roraima e Curso de Extensão e Aperfeiçoamento em
Gestão Pública da Cultura – Acre.
418

contato feito por e-mail177 em 2018 com a Coordenação de Apoio aos Entes Federados e
Formação de Gestores Culturais, da Secretaria de Articulação e Desenvolvimento
Institucional (SADI)/MinC, a coordenadora Luisa Galiza informou que esse projeto está em
fase de prestação de contas e que os resultados não serão publicados, mas analisados pela
coordenadoria e trabalhados internamente para aperfeiçoamento dos projetos de
qualificação da gestão cultural.

7.4.2 Oficinas Construindo os Sistemas Municipais de Cultura

Em 2016, o Ministério da Cultura, por meio da SAI, e a Associação Brasileira de


Municípios (ABM) firmaram parceria para realizar o projeto Construindo os Sistemas
Municipais de Cultura, que previa a realização de um conjunto de oficinas em todas as
regiões do país dirigidas a gestores públicos de municípios que ainda não tinham aderido ao
SNC. O objetivo era oferecer assistência técnica para que tais entes se integrassem ao
Sistema e instituíssem seus respectivos sistemas municipais de cultura. Os custos com
hospedagem, alimentação e material didático eram de responsabilidade do MinC e da ABM,
e as prefeituras arcavam com o transporte do participante até o local de realização do curso.
Em cada oficina eram disponibilizadas 40 vagas e as inscrições eram gratuitas.

A programação da oficina era desenvolvida em um dia e meio. No primeiro, eram


realizadas apresentações e debates, com cerca de uma hora de duração cada, sobre os
temas: (1) Bases conceituais, jurídicas e institucionais do SNC; (2) Integração ao SNC (Acordo
de Cooperação Federativa); (3) Institucionalização do SNC/Leis dos sistemas de cultura; (4)
Componentes do SNC/Coordenação do sistema e órgão gestor; (5) Instâncias de Pactuação e
Deliberação: conferências e conselhos de política cultural; (6) Instrumentos de gestão:
elaboração dos Planos estaduais e municipais de cultura; (7) Instrumentos de gestão:
mecanismos de financiamento. O segundo dia da oficina era dedicado à apresentação dos
procedimentos exigidos para adesão ao SNC e preenchimento do Plano de Trabalho do
Acordo de Cooperação.

As oficinas foram iniciadas em abril de 2016, na Região Sul, sediadas em Santa


Maria/RS, Florianópolis/SC e Londrina/PR. Em geral, contaram com a participação de
representantes da SAI e da Representação Regional do MinC. Vale registrar que na oficina

177
E-mail enviado por mim e respondido por Luiza Galiza em 10/07/2018.
419

realizada em Santa Catarina, foi entregue a Pedro Ortale, a Carta de Chapecó178, documento
elaborado e aprovado durante o VI Fórum Catarinense de Gestores Municipais de Cultura,
realizado em março daquele ano, com representantes de 90 municípios do estado. A Carta
era uma reivindicação dos gestores para implantação de medidas efetivas e aceleradoras
para a regulamentação do SNC. Era apontada no documento a falta de celeridade e não
empenho do Ministério em aprovar a estrutura legal do SNC que estava pendente.

A perspectiva para as Oficinas Construindo os Sistemas Municipais de Cultura era que


ao longo de 2016 fossem realizados 16 encontros, entretanto, se tem apenas o registro da
realização das oficinas realizadas na Região Sul. De acordo com Tony Bezerra (2017), o ciclo
de oficinas foi interrompido por conta da saída da equipe do MinC, em maio de 2016.

7.4.3 Programa Nacional de Fortalecimento Institucional dos Órgãos Gestores de


Cultura

Nessa gestão, foi dado continuidade a esse programa iniciado em 2011, com a
realização do projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais de cultura, por
meio da parceria da UFBA e da UFSC.

No caso da UFBA, a segunda edição iniciada em 2014 do Projeto EAD Planos Municipais
de Cultura prosseguiu até 2016, e as informações sobre o mesmo podem ser verificadas no
capítulo anterior.

Quanto à UFSC, o projeto voltado para os entes estaduais seguiu até março de 2016,
quando foi finalizada a sua terceira edição. Neste caso, foi dada assistência técnica a um
novo estado – Piauí – e a outros dois que já haviam participado de edições anteriores –
Amapá e Pernambuco. Segundo relatório elaborado pela equipe da UFSC (2016) 179, entre
dezembro de 2011 e março de 2016 o projeto sofreu seis Termos Aditivos e concedeu apoio
a 23 entes federados. Os únicos estados que não integraram o projeto foram: Amazonas,
Pará, Alagoas e Espírito Santo. Também segundo o relatório, até março de 2016, quatro
estados estavam com a minuta de Plano de Cultura tramitando no Poder Legislativo: Ceará,
Tocantins, Sergipe e Paraná; e oito estados tinham aprovado em lei seus respectivos Planos:

178
Informação disponível em: <
http://ammvi.org.br/noticias/index/ver/codMapaItem/42467/codNoticia/381870>. Acesso em jul. 2018.
179
Relatório disponibilizado por email em 09 de julho de 2018 pela Professora da UFSC Eloise Dellagnello,
responsável pela coordenação do Projeto.
420

Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande
do Sul e Espírito Santo, estado que não integrou o Projeto do MinC, mas teve acesso ao
material produzido pela UFSC e participaram de alguns seminários e rodas de conversa.

Vale destacar que em relação ao Plano Nacional de Cultura, entre 2014 e 2015, foram
realizadas reuniões no âmbito do Grupo de Trabalho MinC PNC para revisar as metas
previstas para serem alcançadas até 2020. O relatório produzido pelo GT foi submetido ao
CNPC e à apreciação de gestores públicos e da sociedade civil por meio de encontros
presenciais, do envio de comentários por e-mail, pelos Correios ou postagem na plataforma
digital do PNC. Foi realizado também consulta pública entre 1º de setembro de 2015 e 15 de
fevereiro de 2016 por meio da plataforma virtual
<http://pnc.culturadigital.br/revisaodasmetas>. De acordo com o relatório do MinC
(2016)180, a dinâmica foi a seguinte:

Na plataforma virtual, a revisão se apresentava da seguinte forma: O texto


da meta original, seguido do texto com a proposta de revisão do GT MinC
PNC; logo abaixo duas alternativas de votação com as opções “concordo”
ou “discordo”, referente à proposta de revisão do GT MinC PNC, além de
um espaço para comentários. Para contribuir bastava clicar na alternativa
que mais refletia a opinião. Além disso, também poderia contribuir com
sugestões de alteração das propostas de revisão, por meio de comentários
que questionem ou corroborem com aspectos relacionados a elas. (p. 8)
Segundo tal relatório, as propostas de revisão das 53 metas do PNC tiveram 91,8% de
aprovação média na consulta pública, sendo registrados 1.796 votos favoráveis ao texto
proposto pelo MinC e 160 votos contrários (o voto era por proposta); o total de pessoas que
visitaram a plataforma foi de 4.624, mas apenas 101 se cadastraram. O resultado da consulta
pública deveria orientar as decisões do Comitê Executivo do PNC, responsável pela
deliberação final sobre a revisão das metas. Esse Comitê, entretanto, nunca foi instituído, e
não houve publicação sobre o resultado final desse processo de revisão. Assim, as 53 metas
do PNC continuam as mesmas.

7.4.4 Edital de Fortalecimento do SNC para municípios

Em agosto de 2015, foram publicados quatro editais do SNC dirigidos exclusivamente


aos entes municipais. Ao contrário da edição de 2014 (para os estados), quando a SAI
180
Disponível em: <
http://rubi.casaruibarbosa.gov.br/bitstream/20.500.11997/6782/1/Relat%C3%B3rio%20da%201%C2%AA%20f
ase%20da%20consulta%20p%C3%BAblica%20de%20revis%C3%A3o%20das%20metas%20do%20PNC.pdf>.
Acesso em jul. 2018.
421

publicou um único processo seletivo com vários eixos e categorias, dessa vez os editais
foram individualizados. Cada setor do MinC vinculado à área temática era responsável por
elaborar o edital, acompanhar a avaliação das propostas apresentadas e cuidar do
conveniamento, acompanhamento, avaliação e prestação de contas dos convênios firmados.
A SAI era responsável pela fase da habilitação dos inscritos no Edital e por compor a
Comissão de Avaliação e Seleção (exceto no edital da Fundação Palmares).

Os objetivos gerais do Edital eram basicamente os mesmos do anterior: fortalecer o


SNC; contribuir com o cumprimento das metas do PNC e apoiar projetos relevantes que
tivessem em consonância com diretrizes e princípios do Fundo Nacional de Cultura. A
perspectiva era selecionar no total até 97 projetos culturais apresentados por prefeituras ou
órgãos municipais de cultura, desde que esses tivessem firmado Acordo de Cooperação
Federativa (devendo estar em situação de vigência), e instituído por leis próprias seus
respectivos sistemas municipais de cultura (SMC). Caso o município não houvesse instituído
o SMC em lei, poderia ser apresentado a minuta do projeto de lei finalizado e, até a
assinatura do termo de convênio entre o MinC e o governo municipal, o PL deveria ter sido
aprovado na Câmara Municipal e publicado no Diário Oficial do município.

Dentre os critérios de pontuação das propostas, foi previsto bonificação extra para os
municípios que no ato da inscrição apresentassem documentos comprobatórios de: lei de
criação do SMC; lei de criação do Conselho Municipal de Cultura (com atas comprovando
atuação nos últimos 12 meses); lei de criação do Plano de Cultura; e lei de criação do Fundo
Municipal de Cultura (com comprovação de aporte financeiro). Em alguns editais foi previsto
também pontuação extra para os municípios que tivessem Plano Municipal de Livro e
Leitura; que integrassem a Amazônia Legal (Custo Amazônico) e que apresentassem projetos
com ações afirmativas, beneficiando grupos discriminados e vitimados pela exclusão
socioeconômica e sociocultural. Todos os projetos inscritos deveriam ter período de
execução de até 24 meses. Cada município só podia apresentar uma única proposta por
Edital. O total de investimento previsto foi de quinze milhões de reais, oriundos do FNC, e foi
exigido contrapartida por parte dos municípios de 20% do valor total dos projetos
selecionados. O resumo dos quatro editais pode ser verificado a seguir:

O Edital de Fortalecimento das Redes Municipais de Pontos de Cultura, coordenado


pela Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural, tinha dentre vários objetivos o de
422

contribuir para o cumprimento das Metas 01, 06, 22 e 23 do PNC. Para participar dessa
seleção, os municípios deveriam ter firmado convênio (em situação vigente ou encerrado)
ou estar em processo de, para implantação de Rede Municipal de Pontos de Cultura, o que
em agosto de 2015 contemplava 60 municípios, de acordo com tabela do edital. Os objetivos
específicos desse processo seletivo era fomentar 26 projetos apresentados por municípios
parceiros da Política Nacional de Cultura Viva, fortalecendo Redes Municipais de Pontos de
Cultura já existentes. Os projetos apresentados deveriam contemplar, ao menos, uma das
seguintes linhas de ação: a) Cursos e oficinas de gestão cultural; b) Teias Municipais –
Encontro de Pontos e Pontões de Cultura em âmbito municipal; c) Projetos de
empreendedorismo; d) Atendimento e orientação aos pontos, pontões e coletivos culturais;
e) Formação e intercâmbio com bolsas para os agentes comunitários de Cultura; f) Ações de
valorização e proteção de conhecimentos tradicionais e populares; g) Concessão de prêmios,
bolsas ou celebração de Termo de Compromisso Cultural. O valor total previsto para repasse
era de três milhões oitocentos e setenta mil reais. O resultado final da seleção foi publicado
por meio da Portaria nº 25, de 25 de abril de 2016. Apesar de o edital ter previsto a seleção
de 26 propostas, apenas nove foram selecionadas, e o investimento total do MinC foi de
menos da metade prevista.

O Edital de Fortalecimento do SNC Comunica Brasil181, coordenado pela Secretaria do


Audiovisual, tinha por objetivo apoiar a formação de sistemas audiovisuais para aquisição de
equipamentos indicados no Termo de Referência anexo ao Edital. O valor total envolvido era
de três milhões oitocentos e setenta mil reais, a serem aplicados em até 18 projetos, de
acordo com duas modalidades: (1) Cine Mais Cultura, que tratava de oferecer infraestrutura
para exibição de filmes com equipamento de projeção digital visando fortalecer a rede de
exibição não-comercial. A previsão era financiar até 15 projetos. Nessa mobilidade só
poderiam se inscrever municípios de até 50 mil habitantes. O valor do repasse por projeto
era de 100 mil reais, e o valor total envolvido era de um milhão e quinhentos mil reais; (2) a
segunda modalidade era voltada para municípios que tivessem acima de 50 mil habitantes,
no limite de até 200 mil, e previa selecionar até três municípios a serem contemplados com:
a) 01 Núcleo de Produção Audiovisual (NPD), com equipamentos para produção audiovisual
e atividades de formação, por meio de oferta de oficinas e cursos para capacitação e

181
Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/edital-snc-sav/10883?>. Acesso em jul. 2018.
423

aperfeiçoamento técnico; b) 04 Cines Mais Cultura; ou c) 01 Canal da Cidadania, canal de


televisão digital. Neste caso, o processo de outorga do Canal deveria estar em andamento
no Ministério das Comunicações. O valor do repasse nessa modalidade era de 790 mil reais
(390 mil para Canal da Cidadania, 300 mil para o NPD e 100 mil para o Cine Mais Cultura). O
resultado final foi divulgado em novembro de 2015, sendo selecionados, no total, 11
projetos: 10 na primeira modalidade (a previsão era 15) e 01 na segunda (a previsão era de
3).

O Edital de Fortalecimento do SNC Cultura Afro-brasileira182, coordenado pela


Fundação Cultural Palmares, tinha dentre seus objetivos reforçar o combate à intolerância, à
xenofobia e ao racismo e contribuir para o alcance da Meta 06 do PNC. A pretensão era
selecionar 12 projetos culturais apresentados por entes municipais nas áreas de Artes
Cênicas, Música e Manifestações Tradicionais e Cultura Urbana e de Periferia, no âmbito da
Cultura Afro-brasileira. Duas linhas de ação foram previstas no Edital, uma para projetos e
programas de “estímulo a transmissão de conhecimentos e práticas culturais para as novas
gerações e o reconhecimento identitário da comunidade em suas relações com outros
grupos socioculturais”; e outra para iniciativas de estímulo à “economia solidária e equitável
a partir da produção e promoção de bens e serviços derivados das expressões culturais
formadoras das identidades de comunidades tradicionais, com a participação e o
protagonismo dos atores locais”. O montante total de recursos envolvidos foi de três
milhões e sessenta mil reais. O resultado do edital foi divulgado em abril de 2016, tendo sido
selecionados quatorze projetos, dois a mais do que o previsto183.

O Edital de Fortalecimento do SNC e do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas184 foi


coordenado pela Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas. Além das metas do PNC
(metas 29, 32 e 34), o edital tinha dentre seus objetivos selecionar 17 projetos para
contribuir com o cumprimento do Plano Nacional de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas
(PNLL). Os projetos inscritos deveriam ser dirigidos a: (1) Instalação de Bibliotecas Públicas,

182
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/edital-snc-fundacao-cultural-palmares/10883>. Acesso em jul. 2018.
183
Resultado da seleção do edital coordenado pela FPC:
<http://www.palmares.gov.br/file/2016/04/RESULTADO-FINAL-EDITAL-SNC-01-2015.-SITE.pdf> . Acesso em jul.
2018.
184
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/o-dia-a-dia-da-cultura/-
/asset_publisher/waaE236Oves2/content/edital-snc-dlllb/10883>. Acesso em jul. 2018.
424

em municípios que não possuíam este equipamento ou que pretendiam criar uma nova
biblioteca pública; ou (2) Modernização de Bibliotecas Públicas, dirigida à qualificação de
bibliotecas públicas municipais já existentes. O montante total envolvido no edital foi de
quatro milhões e duzentos mil reais. O resultado final foi publicado por meio de Portaria nº5,
de 10 de maio de 2016, que contemplou a seleção de 17 projetos, conforme fora previsto.

Não foi possível encontrar muitas informações sobre os desdobramentos desses


editais De acordo com Tony Bezerra (2017, p. 93): “Em virtude de questões administrativas,
a SAI também não conseguiu fazer o acompanhamento da execução desses editais e não
possui informações precisas a respeito da execução dos projetos".

7.4.5 Seminário Internacional Sistemas de Cultura


Entre os dias 01 e 03 de junho de 2015, a SAI promoveu em Brasília o Seminário
Internacional do SNC, que contou com a participação de representantes do Brasil, Espanha,
Colômbia, Uruguai e França. Conforme programação do evento, seu objetivo era “refletir
sobre política e gestão cultural, com ênfase no fortalecimento do Sistema Nacional de
Cultura, a partir de experiências internacionais e nacionais”; e o seu público alvo era
formado por: gestores culturais dos estados, Distrito Federal e municípios brasileiros,
representantes de Pontos de Cultura, conselheiros de Políticas Culturais, artistas,
produtores, parlamentares e sociedade em geral. O evento foi transmitido ao vivo pelo site
do MinC e em 2016 foi publicado um livro sobre o Seminário com textos de quase todos os
seus participantes.

De acordo com Pedro Ortale (2017), que integrou a coordenação do evento:

[...] qual era a ideia desse seminário, [...] a gente queria de fato apresentar
para o Juca, o novo ministro, e pra o grupo que veio com ele, inclusive com
o Vinícius, mas o Vinícius já defendendo a história do Sistema, o que estava
acontecendo no país e qual era o pensamento dos gestores sobre o
Sistema.
O acompanhamento das discussões feitas no Seminário é importante por permitir
observar compreensões, críticas e perspectivas colocadas por vários atores que participaram
do evento. Nesse sentido, o texto a seguir se debruçou sobre os discursos de alguns
participantes, especialmente aqueles que não foram entrevistados para esta tese ou que nas
entrevistas concedidas não abordaram determinados pontos desenvolvidos no Seminário.
425

O primeiro dia do encontro foi dedicado à cerimônia de abertura, que contou com as
presenças do ministro Juca Ferreira, de Pepe Vargas (ministro-chefe da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República), Vinícius Wu, Gemma Garbó (diretora cátedra Unesco
de Políticas Culturais e Cooperação, da Universidade de Girona/Espanha), professor Albino
Rubim e Leandro Anton (representante dos Pontos de Cultura do Rio Grande do Sul).

O segundo dia do Seminário foi dedicado à realização de dois painéis. O primeiro teve
por tema Gestão Pública da Cultura: Visão Sistêmica – descentralização e participação e
contou com a participação de: Lia Calabre, expositora e moderadora (FCRB/MinC); Jean
Pascal Quiles (Adido cultural da Embaixada da França em Brasília e coordenador setorial
nacional da França no Brasil); Gemma Garbó (da Espanha); Javier Royer (coordenador do
projeto Sistema Nacional de Museus, do Uruguai); Sandra Suescún Barrera (coordenadora da
Rede Nacional de Bibliotecas Públicas da Colômbia). O segundo painel teve por tema o
Sistema Nacional de Cultura: Um panorama do processo de estruturação – acúmulo, desafios
e perspectivas e contou com a presença de: Vinicius Wu (expositor e moderador), Carlos
Paiva (Sefic), Márcio Meira (então assessor especial do Ministério da Educação), Albino
Rubim, Leandro Anton e Silvana Meireles (nessa época secretária-executiva de Cultura do
Estado de Pernambuco).

No último dia do evento foram realizados mais dois painéis. O primeiro - Planos
Estaduais e Municipais de Cultura: Ferramentas de planejamento e participação social –
contou com a participação de: Guilherme Varella, expositor e moderador (SPC/MinC); Eloise
Dellagnelo (UFSC); Ernani Coelho Neto (UFBA); Pedro Santos (gerente executivo de
Articulação da Secretaria de Estado da Cultura da Paraíba) e Karl Marx (ator, dançarino e
produtor cultural que falou sobre a implantação do Sistema Municipal de Cultura de Serra
Talhada, Pernambuco). O segundo painel – Rodas de Conversa e Troca de Experiências sobre
Sistemas Estaduais e Municipais de Cultura – foi composto por Ivana Bentes, expositora e
moderadora (SCDC/MinC); Karla Martins (presidenta da Fundação de Cultura do Estado do
Acre); Guilherme Sampaio (secretário de Cultura do Ceará); Belchior Cabral (secretário de
Cultura de Uruaçu/Goiás) e Vanderlei Guollo (secretário de Cultura e Turismo de Campo
Novo/Mato Grosso).

A primeira fala da cerimônia de abertura do evento coube ao secretário de


Articulação Institucional, Vinícius Wu, que afirmou que o objetivo do Seminário era:
426

[...] antes de tudo, de reafirmar o compromisso do MinC com a


continuidade e os esforços em direção à consolidação do SNC, esforços
esses iniciados no primeiro mandato do presidente Lula. Mas, ao mesmo
tempo, nós queremos afirmar, também, uma determinada visão sobre o
tipo de Sistema de Cultura que julgamos mais adequado à realidade
brasileira. Acreditamos que nós devemos imaginar e projetar para os
próximos anos a afirmação de um sistema que organize e aprimore a gestão
cultural no país, e que seguramente, para cumprir esse objetivo não pode
estar restrita apenas à mera pactuação protocolar entre União, Estados e
Municípios. É preciso ir muito além da mera mobilização dos diferentes
níveis de governo e mais do que isso, é muito importante e necessário
irmos além da mobilização do Estado se nós quisermos constituir um
sistema de cultura vivo, um sistema de cultura dinâmico, que corresponda
às necessidades e aos desafios que são colocados para a gestão cultural dos
próximos anos. Então, é preciso ir muito além da mera relação entre os
diferentes níveis de governo. (WU, 2015a)

Em seu discurso, Wu (2015a) apresentou a concepção de Sistema que se tinha naquela


gestão, “[...] um sistema de sistemas, um sistema que articule vários sistemas, um sistema
que se organize em rede, uma rede de colaboração que esteja fundamentalmente pautada
na colaboração democrática entre estado e sociedade”, já que, segundo o secretário:

Nós sabemos que é principalmente fora das estruturas estatais que se


organiza, que se reproduz e se celebra toda a diversidade cultural do nosso
país. E, portanto, o Estado não pode pretender a organização de um
Sistema Nacional de Cultura que simplesmente relegue aos entes públicos
toda a sua modelação, estruturação, conceituação. (WU, 2015a)
E nesse sentido, em sua opinião era fundamental que a sociedade participasse da
estruturação do Sistema e principalmente do cotidiano da gestão cultural. Na sua fala, Wu
destacou que era preciso pensar a gestão cultural a partir de uma visão sistêmica, e que o
Sistema MinC precisava “dar o exemplo, precisamos atuar de maneira sistêmica, o que
muitas vezes não foi feito, realizado nos últimos anos. Precisamos integrar os nossos
diferentes sistemas, sistema de patrimônio, sistema de museus, sistema de bibliotecas”
(WU, 2015a). E, citou a necessidade de dialogar também com outros sistemas públicos,
como de saúde, meio-ambiente e educação, para que as políticas culturais tivessem um
caráter mais transversal. O secretário falou também sobre o setor privado:

É importante, também, envolver o setor privado, é importante


reconhecermos que há um papel a ser cumprido pelo setor privado no
desenvolvimento e na afirmação do SNC, portanto, considerando que é fora
do Estado que se realiza e se promove a imensa diversidade cultural do
427

país, é fundamental que um sistema de cultura tenha essas características.


(WU, 2015a)

O Seminário Internacional era, segundo Wu (2015a), um momento de “pactuação, de


apresentação de soluções, de apresentação de iniciativas, e principalmente, apresentação
de uma agenda de colaboração entre estado e sociedade que busque enfrentar os desafios
da gestão cultural nos próximos anos”. Tais desafios estariam resumidos em três dimensões:
(1) qualificação da gestão cultural; (2) qualificação das instâncias de participação e
pactuação com a cidadania, para que a gestão pública fosse orientada pelas decisões
pactuadas pela sociedade

[...] e nesse sentido, é importante nós partirmos do reconhecimento que


muitas vezes os gestores públicos operam, realizam e desenvolvem suas
políticas públicas de costas para os planos elaborados coletivamente, para
as decisões de conferências, para as resoluções do Conselho Nacional de
Política Cultural. (WU, 2015a)
E, (3) levar a visão sistêmica para a ponta, integrando esforços governamentais em
torno da cultura. Por fim, o secretário falou sobre a questão do financiamento:

Não posso deixar de falar do tema do financiamento e, obviamente, na


expectativa que todos nós temos de constituição de um Fundo Nacional de
Cultura que efetivamente sirva para irrigar e fortalecer esse Sistema que
nós estamos debatendo aqui. Queremos sim um modelo de repasse fundo-
a-fundo, e queremos debater, inclusive, quais são seus pressupostos. [...]
Nós precisamos também caminhar em direção ao equilíbrio federativo, nós
precisamos corrigir as imensas distorções que nós temos em relação a
distribuição desses recursos que são públicos. (WU, 2015a)
O discurso apresentado pelo secretário Vinicius Wu foi uma reafirmação da proposta
que aquela gestão pretendia desenvolver no âmbito do Sistema, mudando o rumo até então
dado pelo MinC, alvo de crítica por parte do secretário. Percebe-se na fala do mesmo, que a
sua gestão daria menos foco ao desenvolvimento do SNC em torno da pactuação dos entes
federativos; e destacaria questões em torno da relação estado-sociedade, já que partia da
concepção de que fora do estado é que se “organiza, que se reproduz e se celebra toda a
diversidade cultural do nosso país” (WU, 2015a). Uma percepção alinhada com o discurso de
Juca Ferreira e criticada por Bernardo Mata Machado, como será observado adiante.

O segundo a discursar foi Albino Rubim, que fez uma breve fala, já que estaria em
uma das mesas do Seminário no dia seguinte, mas, em síntese, Rubim ressaltou que o
Sistema Nacional de Cultura, mesmo nos momentos mais difíceis do Ministério, havia se
mantido enquanto política, deixando de ser um documento, uma proposta, para ganhar
428

força na sociedade, nos estados e nos municípios, tanto que havia conquistado uma
importante adesão e se consolidado como previsão constitucional. A questão agora era
cumprir com as expectativas e fazer com que o Sistema passasse a existir efetivamente, e,
portanto, a discussão deveria ser na perspectiva do avanço, de como se daria esse passo
adiante para tornar o Sistema mais concreto e mais efetivo. Em entrevistas feitas para a
tese, a fala de Rubim foi considerada por alguns atores como um contraponto à proposta
que a gestão Juca Ferreira procurava desenvolver para o Sistema.

Quanto à fala do ministro da Cultura Juca Ferreira, de início foi marcada por uma
pequena retrospectiva da situação do MinC durante o Governo Lula, destacando o processo
de diálogo com a sociedade civil, que participou da formulação de políticas públicas por
meio de conferências e debates, inclusive dos projetos de lei encaminhados pelo MinC ao
Congresso, o que teria provocado a criação de “uma massa crítica, um volume de
informação, e uma densidade de posicionamentos que mesmo quando quiseram acabar com
essas políticas públicas não foi possível” (FERREIRA, 2015c).

Não porque nós orquestrávamos, mas porque a área cultural tem


consciência de que nós estamos vivendo um processo de construção de um
aspecto importante da democracia brasileira que é a disponibilização do
acesso à cultura e à arte para todos os brasileiros, em todas as regiões do
Brasil, e o Sistema vai ter que responder a isso. Não é mais um sisteminha
qualquer. (FERREIRA, 2015c)
Em seguida, o ministro falou sobre a obrigação do Estado de garantir a implementação
das três dimensões da cultura que orientavam a gestão, para o que o SNC tinha grande
importância.

A questão do Sistema é estratégica dentro disso. O Sistema é a maturidade


das políticas públicas porque no desenvolvimento das políticas públicas
você tem que formular, compreender qual é o papel do Estado, qual é o
estado da arte de cada área da cultura. Você não pode pensar na cultura,
uma ideia que é muito brasileira, de você escolher duas ou três coisas para
fazer bem feitas e abandonar o resto. Eu não posso escolher teatro e deixar
dança, não posso escolher teatro e dança e deixar música, o Ministério não
pode deixar de tratar a cultura popular na sua diversidade e na sua
grandeza, a memória, o fomento e incentivo à produção. Quer dizer, todos
os aspectos são relevantes e fazem parte de um contexto complexo que o
Estado tem obrigação de lidar. E para lidar com essa complexidade é
preciso montar um sistema que de fato seja eficiente, eficaz, que seja
democrático... a participação da sociedade, dos artistas em particular, é
estratégico para a construção dessas políticas. O Sistema responde a uma
instância dessa formulação. (FERREIRA, 2015c)
429

Segundo Ferreira, ao chegar ao Ministério em 2003, foi preciso mudar a lógica de


atuação do órgão, que deveria ser voltado não para atender demandas de artistas, mas para
trabalhar para o conjunto da população, o que “[...] foi uma guerra porque o corporativismo,
o patrimonialismo brasileiro impregna a área cultural com uma ideia meio de farinha pouca
meu pirão primeiro” (FERREIRA, 2015c). E, nesse sentido, era preciso trabalhar com uma
lógica ampla e generosa, com o Estado criando o ambiente favorável à mudança do
paradigma. E a ideia que ele propunha para o Sistema e que poderia contribuir para o seu
avanço, era que:

O Sistema Nacional de Saúde, o Sistema Nacional de Educação, podem se


basear na articulação dos três entes do Estado brasileiro – a instância
federal, estadual, municipal – porque os serviços são basicamente
prestados pelo Estado, e o que há de complementariedade é controlado e
parte do sistema do Estado. Na cultura não, ao contrário. Em torno de 90%
da vida cultural brasileira é feita pela sociedade ou pelos empreendedores
privados. O Estado faz alguma coisa ao nível da cultura, mas é secundário. E
articular os três entes do Estado é importante, mas não é suficiente. Não é
capaz de responder aos desafios de dar eficiência, eficácia a nossa ação.
Nós temos que ter a capacidade de gerar um sistema, e eu concordo
inteiramente com Wu, nós temos que na verdade fazer é uma articulação
de sistemas. (FERREIRA, 2015c)
A articulação de sistemas se daria, segundo Juca Ferreira, por exemplo, por meio dos
subsistemas como o Sistema Nacional de Museus:

[...] então, por exemplo, nós temos trinta museus com o tema afro-
brasileiro, é possível organizar um sistema de museus afros para aprimorar
a gestão desses museus, para disponibilizar circuitos, para dar potência ao
que eles representam dentro da sociedade, então aí já é um subsistema de
um sistema geral. (FERREIRA, 2015c)
Especificamente em relação à participação da sociedade no SNC, o ministro declarou:
E é preciso ir até a sociedade, não articular só o que é do âmbito do Estado
porque se não a gente fica com um Delta X muito pequeno do todo cultural
e não é capaz, de fato, de representar o incremento e a mudança de
qualidade e garantir o desenvolvimento cultural para todo o país. Então é
preciso abrir a cabeça, vamos avançar nessa formulação porque nós
estamos vivendo um momento de repactuação com a sociedade civil
brasileira. (FERREIRA, 2015c)
Segundo Juca Ferreira, a participação da sociedade era fundamental na formulação,
execução e na avaliação de políticas públicas, e o Seminário era importante também neste
sentido, e o momento era o “de aprofundar esse Sistema e, de fato, criar um Sistema que
seja capaz de nos dar eficiência e eficácia” (FERREIRA, 2015c).
430

O primeiro painel realizado no dia seguinte à cerimônia de abertura foi basicamente


voltado para experiências internacionais de desenvolvimento de políticas sistêmicas, e todos
os expositores tiveram textos publicados no livro resultante do Seminário (MINC;FCRB,
2016). Como é possível acessar tal conteúdo e os assuntos discutidos não são objeto central
desta tese, não será feita apresentação do debate. O segundo painel teve como tema o
processo de construção do SNC e seus desafios e perspectivas, sendo composto por
representantes do MinC da gestão em trâmite (Vinícius Wu e Carlos Paiva), por antigos
dirigentes da SAI (Márcio Meira e Silvana Meireles), pelo professor e pesquisador Albino
Rubim e pelo representante do Ponto de Cultura do Rio Grande do Sul Leandro Anton. Na
composição da mesa, chama atenção as ausências de João Roberto Peixe e Bernardo Mata
Machado, este presente entre o público do evento. Em relação às falas dos palestrantes, só
serão apresentados alguns trechos e temas, considerando que ao longo da tese vários
pontos abordados pelos mesmos foram citados.

A fala de Vinícius Wu nesse painel foi pautada nos desafios e perspectivas para o SNC.
Segundo o secretário, era importante reconhecer os esforços feitos desde o início dos anos
2000 para a construção do Sistema.

É sempre um ponto de partida importante nós recuperarmos a relevância


que o Sistema assumiu no último período, mobilizando centenas, talvez
milhares de gestores em todo o país. O que nos permite hoje dizer que
todos os estados estão integrados ao Sistema Nacional de Cultura, que mais
de dois mil municípios também com processos em aprofundamento
referentes à sua adesão e institucionalização dos seus Sistemas. E, nós,
tivemos avanços inquestionáveis em relação à qualificação da gestão
cultural no Brasil e a institucionalização de práticas e estratégias públicas
em diferentes níveis de governo. (WU, 2015b)
Mas, segundo o secretário, era também importante observar que alguns temas e
questões não foram suficientemente resolvidas no processo de institucionalização do SNC,
tais como: (1) dificuldade em colocar em prática a perspectiva de ação sistêmica: “O
Ministério da Cultura, em grande medida, nos últimos anos não tem conseguido atuar de
maneira sistêmica. O Sistema Federal de Cultura, por exemplo, é uma ficção. Ainda pouco
explorado em termos de mobilização institucional” (WU, 2015b); (2) precariedade do diálogo
com outros sistemas, como de saúde, educação e meio-ambiente; (3) pouca participação do
setor privado: “[...] nós temos uma baixa colaboração, se nós compararmos com o que
poderia fazer o setor privado. Muitas vezes o setor privado se comunica com o Ministério da
431

Cultura quase exclusivamente através das leis de incentivo” (WU, 2015b); (4) baixo grau de
institucionalização de políticas públicas como políticas de Estado: “[...] em geral, muitas
ações são feitas de maneira descontínua, com baixa capacidade de tornar-se perenes, de se
tornarem políticas de Estado, e eu citaria, inclusive, as políticas de formação de gestores,
que ainda são muito frágeis do ponto de vista institucional” (WU, 2015b). Enquanto
perspectiva de iniciativas, Wu citou a ampliação e qualificação dos canais de participação
social:

O Sistema Nacional de Cultura nasce com uma marca muito importante da


cidadania. Conformarmos conselhos, conferências nos diferentes níveis,
mas nós, gestores que estamos nas instituições públicas, devemos ter a
capacidade de olhar criticamente os processos de participação. [...] No
caso, por exemplo, das nossas Conferências Nacionais de Cultura, é sem
dúvida alguma o pressuposto para o início da próxima Conferência Nacional
nós revistarmos as resoluções das últimas conferências e fazer uma
verificação profunda e sincera a respeito da capacidade que o poder
público teve nos últimos anos de implementar resoluções de conferências
passadas. [...] Aliás, é importante dizer que é preciso buscar uma integração
sistêmica de integração entre esses canais porque nós hoje vemos:
conferências apontavam para um caminho, eu digo em termos de
funcionamento e comunicação para dentro do Estado, o CNPC funcionava
em uma outra lógica e, por exemplo, o encontro dos Pontos de Cultura, a
Teia, numa outra direção. Essas coisas precisam se comunicar, estar
integradas. (WU, 2015b)
Nesse sentido, a proposta era criar um sistema de participação na gestão cultural do
MinC, articulada com o princípio da transparência, onde a sociedade civil pudesse
acompanhar as demandas e a execução das decisões pactuadas com o governo. Nesse
tópico, Wu citou a proposta do MinC de criar um Gabinete Digital, utilizando novas
tecnologias que permitissem maior presença da sociedade nas decisões tomadas pelo MinC.

Estamos propondo criar um Gabinete Digital, que é uma instância de


participação, uma experiência já desenvolvida em alguns lugares.
Queremos implementar a possibilidade de participação, de interferência na
gestão cultural de sujeitos individualmente, e de toda essa massa
atomizada que muitas vezes não se vê representada nas instituições
formais, nos grupos organizados que se articulam no âmbito dos
movimentos culturais. Queremos que qualquer cidadão interessado em
contribuir para a gestão cultural possa também ter mecanismos que
permitam uma participação nas decisões públicas referentes à gestão na
área da cultura. (WU, 2015b)
Outra perspectiva para o SNC nessa gestão era promover maior integração por meio
de ações transversais dentro do próprio Ministério.
432

Precisamos perceber a consolidação do Sistema Nacional de Cultura como


um desafio de todo o Ministério da Cultura. Precisamos assumir nossa
responsabilidade [...] muitas vezes o Sistema de Patrimônio não dialogava
com o Sistema de Museus, que por sua vez, não dialogava com o Sistema de
Biblioteca e acabavam despontencializando políticas nas diferentes áreas.
Então, essa atuação sistêmica é fundamental. (WU, 2015b)
Para o secretário, era também fundamental se aproximar dos segmentos privados e de
outros sistemas públicos. Por fim, Wu falou da questão do financiamento da cultura e sua
importância na divisão de atribuições no âmbito do Sistema:

[...] Nós estamos esperançosos em relação à aprovação do Procultura no


Congresso Nacional, que possa estabelecer um rebatimento federativo na
repartição dos recursos que são públicos entre as diferentes regiões do
país, que nos permita estabelecer efetivamente repasse fundo-a-fundo
garantindo condições de previsibilidade, de planejamento para o
desenvolvimento de políticas públicas e, também, fazendo com que a gente
possa avançar em termos de divisão de responsabilidades e atribuições no
âmbito do Sistema Nacional de Cultura. [...] Então, um Fundo que
efetivamente tenha condições de ser um centro alimentador, irradiador
para o SNC, é visto como um passo importante para o próximo período de
consolidação do SNC, e para isso é fundamental que nós tenhamos a
aprovação do Procultura para que a gente tenha condição de promover
uma mudança importantíssima na atual estrutura de financiamento da
cultura no Brasil, que é elemento imprescindível para a consolidação do
SNC. (WU, 2015b)

O tema do financiamento foi o objeto da apresentação do dirigente da Sefic, Carlos


Paiva, da qual é possível destacar a fala sobre alto grau de concentração das leis de incentivo
fiscal, tanto no ente federal como nos estados e municípios; a atuação concorrente dos três
entes em determinadas matérias; a importância de se discutir o que deve ou não ser
descentralizado; a importância de ter um Fundo Nacional de Cultura com absolutamente
clareza de suas linhas de apoio e que possa ser descentralizado para os entes subnacionais,
ficando no âmbito federal aquilo que realmente lhe for próprio, não sento utilizado para
financiar linhas do MinC, que deve buscar recursos de outra maneira. Além disso, o FNC
deveria buscar reequilibrar o desequilíbrio provocado pela concentração de recursos da
isenção fiscal. Por fim, Paiva destacou a perspectiva de aprovação do Procultura que
permitiria que o FNC tivesse um mínimo de orçamento, e previa que ao menos 30% do seu
montante fosse repassado via fundo-a-fundo para outros entes subnacionais.
433

A fala do professor Albino Rubim nesse painel está disponível na íntegra na publicação
sobre o Seminário. Em síntese, Rubim (2016b) falou da importância do SNC, que, dentre
outras contribuições, tornava a atuação do Ministério efetivamente nacional numa
perspectiva federativa com participação da sociedade civil e da comunidade cultural. Citou
que o SNC e PNC estruturam as políticas de Estado no campo da cultura “[...] mesmo não
sendo os programas de maior visibilidade do Ministério da Cultura” (RUBIM, 2016b, p. 17).
Discorreu sobre o alinhamento do SNC com políticas assumidas pelo MinC a partir de 2003,
pautadas na democracia, na promoção e preservação da diversidade cultural, “Por
conseguinte, sua construção se contrapõe a qualquer tentação ou tentativa de
homogeneização” (RUBIM, 2016b, p. 17).

Suas estruturas, fundamentais para o desenvolvimento cultural, devem


assegurar a democracia, a diversidade e, ainda mais, buscar a ampliação
dos diálogos interculturais dentro e fora do país. Nesta perspectiva, as
estruturas não devem ter configurações complicadas ou enrijecidas. Antes,
elas devem ser leves e flexíveis, passíveis de serem permeadas pela
sociedade. Mas, ao mesmo tempo, consistentes para estimular e fortalecer
democracia, diálogos, diversidade e participação da área cultural. (RUBIM,
2016b, p. 17)
O professor citou a trajetória de construção do SNC, relembrando algumas iniciativas,
destacando que o “árduo e expressivo trabalho de pactuação com todos os estados, Distrito
Federal e milhares de municípios, não só merece ser reconhecido por todos, como também
cria uma poderosa e não desprezível rede de parceiros da cultura” (RUBIM, 2016b, p. 18), e,
nesse sentido, era preciso reconhecer os trabalhos especialmente coordenados por Márcio
Meira, Silvana Meireles, João Roberto Peixe e Bernardo Mata Machado. Na opinião de
Rubim (2016b), o SNC não mobilizou apenas dirigentes de órgãos públicos de cultura, mas
também agentes e ativistas culturais que o colocaram como demanda prioritária nas
conferências de cultura; e, em pouco mais de dez anos, o Sistema deixou de ser uma
proposta inscrita em um documento [A imaginação a serviço do Brasil] para ser incorporada
na Constituição Federal: “O SNC deixou de ser desejo e sonho de alguns, formulado em
documentos, para adquirir estatuto de realidade, para se tornar organismo efetivo da vida
cultural brasileira” (2016b, p. 18). Reconhecidos os avanços e impasses, Rubim pontua
algumas condições fundamentais para o desenvolvimento do Sistema e destacou sete
propostas: (1) apoio do MinC aos estados e municípios para implantação de seus respectivos
sistemas de cultura, a exemplo do programa de apoio técnico, em parceria com
434

universidades, para elaboração de planos de cultura; (2) ampliação do Fundo Nacional de


Cultura, principal fonte de recursos do SNC; (3) discussão sobre outras fontes de
financiamento do Sistema; (4) debate sobre as competências e responsabilidades dos entes
federados, envolvendo a sociedade civil e as comunidades culturais; (5) criação de uma rede
nacional de formação em cultura envolvendo diversas instituições; (6) criação de um
programa nacional de circulação e distribuição de bens culturais nacionais e internacionais
visando combater os entraves existentes nessas áreas do fazer cultural; (7) desenvolvimento
de uma estrutura de acompanhamento e monitoramento do SNC para aprimorar seu
funcionamento. Por fim, o professor Rubim (2016b) destacou a potencialidade do Sistema
em contribuir para a superação das três tristes tradições das políticas culturais no Brasil –
ausências, autoritarismos e instabilidades –, já que o SNC pode viabilizar a construção de
políticas públicas em diálogo com a sociedade; de longo prazo e de dimensão federativa.

A quarta palestrante do painel foi Silvana Meireles, que fez um retrospecto da


trajetória de construção do SNC e destacou desafios e perspectivas para o desenvolvimento
da política. Em relação ao histórico, dentre os pontos abordados, Meireles destacou as
limitações do período em que esteve na SAI, a exemplo do pouco avanço no tema do
financiamento do Sistema, basicamente restrito à inclusão no Projeto de Lei do Procultura
da previsão do repasse de 30% a estados e municípios. Também apontou que as dificuldades
enfrentadas no âmbito do Mais Cultura levou a constatar grandes desafios que se tinha para
a consolidação do Sistema, mesmo com repasse de recursos fosse fundo-a-fundo, além
disso: “Comprovou a falta de articulação interna dentro do MinC e o pouco reconhecimento
do próprio Sistema dentro da instituição, além da relação distante entre o Sistema e os
sistemas setoriais, a despeito de no projeto e arquitetura do Sistema isso já estar previsto”
(MEIRELES, 2015). Outra questão colocada por Meireles como fonte de preocupação foi
sobre as exigências de adesão ao SNC:

Do ponto de vista dos municípios, as exigências nos levaram a pensar na


precariedade de alguns, lembrando que nos municípios nós temos quase
80% com menos de 20 mil habitantes e isso significa que montar uma
estrutura complexa, como órgão gestor, desenho de planos e outras
estruturas do Sistema não é um desafio fácil. O que nos levou a pensar em
algumas soluções, inclusive nós deflagramos um processo ainda bem
incipiente de estímulo aos consórcios municipais de cultura no sentido de
que as cidades poderiam se organizar de tal forma a receber esses projetos,
a montar o próprio sistema [...] (MEIRELES, 2015)
435

Em relação a propostas a serem desenvolvidas no SNC, Silvana Meireles apontou a


necessidade de se realizar outro mapeamento sobre a situação da formação em cultura,
especialmente considerando as ações já induzidas no âmbito do SNC, e pontuou três
grandes desafios: (1) qualificação da gestão pública, “não haverá avanços enquanto a gestão
for orientada por um alto grau de informalidade, enquanto gestores aprendem
experimentando, com acertos e erros” (MEIRELES, 2015); (2) modelo de financiamento do
Sistema, com o fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura

O recurso do Fundo gira em torno de 91 milhões, se for fazer a divisão pelos


5.560 municípios, 26 estados e Distrito Federal... Se pensar que esse
recurso ainda é utilizado para editais, que ele também complementa os
recursos de unidades do Ministério da Cultura, o que vai sobrar para cada
um é ínfimo, não se faz política com isso. (MEIRELES, 2015)
Ainda dentro da questão do Fundo, Meireles ressaltou ser preciso avançar também na
discussão de como se darão as transferências fundo-a-fundo, para “que elas não incorram
nos mesmos erros que a Lei Rouanet comete de concentração de recursos nos grandes
centros [...], que aí não cumpre um dos papeis do Sistema que é o de amplo e pleno acesso
do exercício dos direitos culturais” (MEIRELES, 2015); por fim, o terceiro desafio era o (3)
aperfeiçoamento da participação social, considerando que as conferências e os conselhos,
ainda que tivessem avançados significativamente, não eram suficientes diante do tema da
representatividade, “que nos obriga a buscar alternativas ou complementaridades visando a
ampliação dessa participação” ( MEIRELES, 2015).

O penúltimo a falar nesse painel foi Márcio Meira, cujo discurso está transcrito na
íntegra no livro publicado sobre o Seminário. Trechos desse discurso foram utilizados ao
longo do terceiro capítulo da tese, portanto aqui será feita apenas uma síntese. A primeira
parte da fala de Márcio Meira foi dedicada aos acontecimentos entre o final dos anos 90,
quando houve um movimento envolvendo pessoas mais próximas à ideologia da esquerda
para discutir sobre políticas culturais. Em seguida, Meira descreveu o processo de
construção do A imaginação a serviço do Brasil e destacou o surgimento da proposta do
SNC, na época denominado Sistema Nacional de Política Cultural. Outra parte do texto de
Meira foi dedicado à primeira gestão Gilberto Gil e à uma apresentação mais detalhada dos
passos dados pela SAI para a construção do SNC. Por fim, Márcio Meira relembrou que o
SNC era uma política de longo prazo e nesse sentido:
436

O desafio permanente será sempre este: ao mesmo tempo em que se


recupera a memória, há que se renovar e projetar o futuro, porque é assim
que se constrói o novo, na perspectiva de uma sociedade democrática e
transformadora. Não há Sistema Nacional de Cultura pronto e acabado, e
nunca haverá em qualquer época, porque sempre surgirão novos desafios,
novas realizações, novas conquistas. (MEIRA, 2016a, p. 143)
Após a fala de Márcio Meira houve apresentação de Leandro Anton, representante do
Ponto de Cultura do Rio Grande do Sul (que não será apresentada aqui), e então o seminário
foi aberto para participação do público. Dessas intervenções, é possível destacar algumas
mais contundentes, que questionavam o movimento feito pela nova gestão do MinC em
torno do SNC. De acordo com Milton Dornellas (2015), gestor da Secretaria Estadual de
Cultura da Paraíba:

[...] agora nós temos um momento que eu considero crítico, é que o MinC
está construindo um discurso que contradiz tudo isso [o acúmulo do SNC
apresentado pelos expositores]... na fala aqui da SAI, ela reconhece o que já
foi feito, mas desqualifica o que já foi feito, desqualifica toda mobilização, a
consulta pública, as adesões ao Sistema, todo trabalho orientado pelo
próprio MinC, em um governo de continuidade [...] que quer mudar todo o
percurso que foi construído até agora. [...] o Sistema, com toda sua
dificuldade, tem uma importância muito maior dentro da construção e da
expectativa do povo brasileiro do que simplesmente uma vontade de
mudar o rumo. [...] Se não for feito uma reflexão nesse sentido, o MinC
erra, erra porque ele vai sustentar até o final do governo uma política
somente no discurso, ele não vai ter tempo de uma ação mais profunda, ele
não vai ter tempo, nós sabemos disso, [...] então tem quer ser revisto o
caminho que está sendo traçado, porque o discurso tá muito bem
construído, nós fazemos política, nós somos militantes, nós sabemos como
se constrói um discurso [...] (DORNELLAS, 2015)
Outra participante do Seminário que se manifestou nesta oportunidade foi Bernardo
Mata Machado, que na sua fala colocou três desafios para o SNC, uma de natureza
conceitual, outra quanto à divisão de atribuições entre os entes da federação e a terceira
sobre a participação do MinC como um todo em relação ao Sistema. De acordo com Mata
Machado (2015), em relação à questão conceitual, não era possível deixar de se refletir
sobre o papel do Estado na cultura, que ao contrário do consenso estabelecido no final da
ditatura do Brasil, produz cultura, e cabe a ele garantir a efetivação dos direitos culturais,
conforme o Art. 215 da Constituição Federal. O segundo desafio era sobre a divisão de
responsabilidades entre os entes federados, que segundo Mata Machado era muito mais
complexo na Cultura que em outras áreas, e nesse sentido, além de se debruçar sobre a
Constituição, era muito importante que o MinC instalasse rapidamente a Comissão
437

Intergestores Tripartite para discutir as atribuições na operação dessas políticas. Em sua


opinião, as atribuições não deveriam ser previstas em leis e nem decretos, mas em normas
operacionais flexíveis para que fossem feitos acordos em cada um dos programas, dos
setores, e das áreas do Ministério. O terceiro desafio era quanto à necessidade de todo o
MinC assumir de fato o Sistema Nacional de Cultura, o que nunca tinha acontecido.

Apesar de Bernardo Mata Machado não ter participado como expositor no Seminário,
o conteúdo da sua fala foi publicada no livro que registou o evento. Em entrevista, Mata
Machado (2017) comentou que o texto publicado foi “uma resposta às críticas feitas ao
Sistema Nacional de Cultura, mas é especificamente uma resposta ao discurso de abertura
do Seminário feito pelo Juca, porque aí ele coloca os argumentos dele contrários ao Sistema”
(MATA MACHADO, 2017). Em sua opinião, as críticas de Juca Ferreira ao Sistema são
basicamente de duas ordens, uma de que o SNC engessa a cultura e a segunda de que as
ações privadas, da sociedade civil, no âmbito cultural são mais importantes que as ações
públicas. Quanto à primeira crítica, Mata Machado (2016) responde que a estrutura
institucional prevista no SNC está dirigida ao universo da política e da gestão cultural e que
seu objeto é dotar o Estado brasileiro de estrutura capaz de lhe fazer cumprir com as
obrigações previstas na Constituição Federal.

[...] a segunda crítica que ele [Juca Ferreira] faz é de que, ao contrário do
SUS, que as ações públicas são muito mais importantes que as ações
privadas, na cultura, a produção cultural é muito mais da sociedade do que
do Estado. Essa crítica é mais sofisticada. (MATA MACHADO, 2017)
Sobre essa perspectiva, Juca Ferreira (2018) fala:

[...] no Brasil, por circunstância da natureza da dimensão cultural, o Estado


quase não faz cultura, o Estado tem um papel relevante, incontornável,
decisório para o desenvolvimento cultural, mas é a sociedade através dos
seus grupos, artistas, estruturas tradicionais ou contemporâneas, que
fazem cultura e os empresários investem, então tem toda uma estrutura da
sociedade e você se relacionar a partir do Estado, você tem que
compreender isso [...]
Para Mata Machado (2017), duas coisas poderiam ser ditas sobre essa visão: primeira,
que o Estado produz sim cultura e que seu papel nunca foi pequeno, mesmo no Estado
Liberal. Diversos seriam os exemplos: criação de corpos artísticos estáveis (orquestras,
companhias de dança, de teatro etc.); criação e administração de equipamentos públicos,
como teatros, museus, arquivos; criação de TVs e rádios públicas; instituição de políticas de
proteção ao patrimônio, como o tombamento; “[...] e se for ampliar o conceito de cultura, a
438

gente pode até considerar as políticas educacionais como parte disso” (MATA MACHADO,
2017). A segunda questão é que tanto o SUS quanto o SNC preveem a cooperação entre
instituições públicas e privadas. “[...] está lá no artigo 216-A, está lá claramente entre os
princípios a cooperação entre os entes públicos e o privado.”(MATA MACHADO, 2017). Além
disso:

O modelo de gestão do Sistema Nacional de Cultura, assim como de outros


sistemas públicos, é operacionalizado sempre em conjunto com a
sociedade, que se fez representar em especial nos conselhos de política
cultural e nas conferências de cultura, componentes do SNC responsáveis
pela formulação, acompanhamento e avaliação das políticas culturais. [...]
Ao invés de insistir nas críticas ao Sistema Nacional de Cultura, está na hora
de implantá-lo de fato [...] (MATA MACHADO, 2016, p. 37)
Comentando sobre as críticas feitas ao Sistema, Mata Machado (2017) acredita existir
um desentendimento por parte de Juca Ferreira sobre o que é o SNC: “na verdade, até hoje,
ele [Juca Ferreira] não entendeu o Sistema Nacional de Cultura, mas no resto, a cabeça do
Juca pensa igual a da gente...” (MATA MACHADO, 2017).

[...] tanto Juca quanto Gil concordam com a ideia básica do Estado
garantidor de direitos, isso eles concordam, o que eles não perceberam é
que para o Estado garantir direitos ele precisa se estruturar, e é essa
estrutura que é o Sistema Nacional de Cultura, nada mais (MATA
MACHADO apud BARBALHO, 201[?]).
Para Lia Calabre (2017), há realmente uma falta de entendimento por parte de Juca
Ferreira quanto ao Sistema, o que é compreensível porque tem questões que ainda não
foram respondidas.

[...] a primeira coisa que foi novamente colocada pelo Juca nessa gestão era
‘se precisávamos ter sistema, o que deveria ser o sistema? ou quem deveria
integrar o sistema? ou que formas sistêmicas deveriam ser essas?’ São
perguntas que ainda estão postas, que não estão respondidas. (CALABRE,
2017)
Na opinião de João Roberto Peixe (2017):

O Juca nunca priorizou as questões do Sistema, ele não tinha a dimensão


política do alcance do Sistema, inclusive da importância nacional e de
desdobramento disso político para o próprio Ministério e até pra ele... [...] é
uma coisa meio incompreensível essa questão do Juca, porque Juca teve
uma reação e muito conflito personalizado com Márcio Meira, depois, de
alguma maneira, essa coisa foi superada, eu inclusive procurei
despersonalizar essa coisa, enfim, esse período que eu estive lá as coisas
aconteceram, inclusive em termo de conteúdo...
439

Pelas falas de Juca Ferreira, especialmente a da Roda de Conversa, sua contraposição


ao SNC nunca foi superada, como acredita Peixe, e o avanço da política em sua primeira
gestão ocorreu sem que ele concordasse com o projeto formulado pela SAI.

7.4.6 O Projeto de Lei de regulamentação do SNC

Assim como vinha ocorrendo nas gestões anteriores, representantes de estados e


municípios continuaram cobrando do Ministério o avanço na institucionalização do SNC, que
continuava pendente de regulamentação. Inclusive no Seminário Internacional, algumas
colocações feitas por dirigentes públicos foram no sentido de cobrar do MinC a aprovação
do PL do SNC e as efetivas condições de repasse de recursos fundo-a-fundo. De acordo com
Pedro Ortale (2017), o debate sobre o financiamento e atribuições e competências dos entes
federados estavam planejadas para ocorrer posteriormente: “[...] isso deveria ser num
momento posterior, que era o debate que nós estávamos preparando para fazer sobre o
Projeto de Lei do Sistema Nacional de Cultura”. (ORTALE, 2017)

Seguindo o trâmite previsto no Poder Executivo, quando Juca Ferreira assumiu o


Ministério, o PL SNC, que estava na Casa Civil, retornou ao MinC. De acordo com Pedro
Ortale (2017), a equipe da SAI, em parceria com a SPC, fez uma avaliação interna da última
minuta do Projeto, que tinha voltada da Casa Civil com algumas diligências, e depois disso
resolveu submeter a nova minuta para apreciação dos fóruns de secretários e dirigentes de
cultura de estados e municípios. Bernardo Mata Machado (2017), confirma o envio da
minuta por parte da SAI e relembra suas sugestões:

Depois que eu vim pra Minas eu mandei uma emenda [...] em que eu
defendia a possibilidade também de Planos Intermunicipais ou Planos
Regionais, que você juntasse alguns municípios... e defendi também que a
gente colocasse a figura do consórcio, não dentro dos componentes do
Sistema, mas que consórcios também poderiam ter, por exemplo, Planos de
Cultura... Consórcio de Cultura poderiam ter planos também consorciados.
(MATA MACHADO, 207)
De acordo com Pedro Ortale (2017), após o recebimento das críticas feitas pelos
representantes de entes subnacionais, o passo seguinte seria novamente submeter o PL ao
CNPC e “fazer uma consulta pública nacional sobre o Projeto de Lei do Sistema, só que a
gente saiu antes e aí acabou não acontecendo” (ORTALE, 2017). Em sua avaliação, de uma
maneira geral, a regulamentação do Sistema demorou muito para tramitar no âmbito do
Executivo e acabou ficando essa importante pendência na institucionalização da política:
440

[...]a gente demorou, eu acho, para trabalhar na conclusão desse ciclo de


institucionalização do Sistema na parte federal, a gente tinha que ter
encaminhado o projeto de lei do Sistema, e aí a cada mudança ministerial
[...] os projetos todos voltam para o ministro fazer uma análise, enfim ....
[...]
O Projeto de Lei de Regulamentação do Sistema é aquele mesmo de 2009
[...] já tinha a Emenda Constitucional pronta, que foi aprovada em 2012, e o
Projeto de Lei é da mesma época da Emenda, é de 2009, então é
impensável, inadmissível esse nosso tempo para [...] se trabalhar ou, então,
não se dar a importância devida a um marco tão importante que trata da
política nacional de cultura, então eu acho que a gente perdeu tempo mais
com discussão interna achando que ia ficar talvez eternamente por lá [no
MinC]. (ORTALE, 2017)
Para João Roberto Peixe (2017):

[...] o fato de não ter a regulamentação é um elemento que fragiliza do


ponto de vista da operacionalização, da implementação do sistema, ficam
muitas coisas ambíguas porque um artigo da Constituição, pela própria
natureza, é muito genérico, é muito importante politicamente porque
garante, se não tivesse na Constituição com esse governo ilegítimo [de
Temer] o Sistema já tinha sido desconsiderado, agora o problema é que
começa a distorcer, você pega aquele elemento e dá outra leitura, dá outra
conotação, embora a gente não tenha nenhuma informação mais precisa.
Em relação ao trâmite da proposta elaborada no âmbito do Poder Legislativo, vale
ressaltar que apesar de o Projeto de Lei Complementar 338/2013, da autoria do Deputado
Paulo Rubem Santiago (PDT/PE), ter sido arquivada em 2015, novo projeto foi apresentado
em fevereiro de 2016 pelo Deputado João Derly (REDE/RS). De acordo com a justificativa que
acompanha o Projeto de Lei 4271/2016185, o PL está embasado, dentre outras fontes, no
documento Estruturação, Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de
Cultura, de 2009. Segundo Pedro Ortale (2017), o PL do Legislativo está em consonância com
tal documento do SNC, mas a versão que o MinC estava trabalhando era uma pouco
diferente:

[...] eu li rapidamente [...] o projeto de lei, mas ele tá numa versão, digamos
assim, mais desatualizada porque eu acho que a gente melhorou a redação
do projeto não fechando tanto algumas coisas, mas ele tá consoante com
aquele grupo de trabalho de 2009, então não dá para dizer que ele não é
um bom projeto, me parece que está bem interessante, principalmente as
questões de garantia das transferências na modalidade fundo-a-fundo,
enfim, ele não específica, o que eu acho inclusive bom pra deixar isso pra
um decreto de regulamentação. (ORTALE, 2017)

185
Tramitação disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2076622>. Acesso em jul.
2018
441

O PL 4271/2016 foi encaminhado para a Comissão de Trabalho, de Administração e


Serviço Público, onde permaneceu de fevereiro de 2016 a agosto de 2017, quando o Parecer
foi aprovado por essa instância, e seguiu em setembro do mesmo ano para a Comissão de
Cultura, onde, até o final desta tese, estava paralisado.

7.5 ENTRAVES E DESAFIOS PARA O FINANCIAMENTO DO SNC

Ao longo da narração sobre o processo de construção do SNC feita nesta tese, por
diversas vezes foram pontuadas questões quanto ao financiamento do Sistema. Desde 2003,
a falta de garantia de recursos para financiar a política era apontada como um obstáculo a
ser superado. Diversos atores apontaram que o Sistema só poderia se efetivar e ser
realmente implementado com aplicação de recursos financeiros, especialmente feito por
meio do Fundo Nacional de Cultura, e notadamente por meio de transferência fundo-a-
fundo.

O tema do financiamento de políticas sistêmicas no Brasil e especificamente da


Cultura é complexo e merece ser aprofundado, o que não é objeto desta tese. Nesse
sentido, sugere-se a leitura da dissertação de Tony Gigliotti Bezerra, intitulada Sistema
Nacional de Cultura: conceitos, histórias e comparações, apresentada em 2017, na qual o
pesquisador faz uma análise comparativa do SNC com o SUS e o SUAS, dedicando um
capítulo sobre a descentralização de recursos nos três sistemas. Em síntese, Bezerra (2017)
destaca que dada a não regulamentação do SNC, os critérios de admissão e partilha de
recursos permanecem sem clareza. Entretanto, aponta que o MinC estava atuando na
perspectiva de habilitar os entes subnacionais que tivessem instituído todos os
componentes do SNC, exceto programa de formação na área cultural, sistemas setoriais de
cultura e sistemas de informações e indicadores culturais. Também havia intenção por parte
do Ministério de dispensar a realização de conferência de cultura a municípios com menos
de 20 mil habitantes, e liberar a contrapartida de recursos aos municípios com menos de 50
mil habitantes. Vale registrar que a contrapartida financeira segue regras da Lei de Diretrizes
Orçamentárias para as transferências voluntárias da União para estados, Distrito Federal e
municípios. Em relação ao Projeto de Lei do Procultura, Bezerra (2017) destaca que, na
versão aprovada pela Câmara dos Deputados em 2014, há previsão de ao menos 30% dos
recursos do FNC ser repassado a entes subnacionais, para o que seria exigido: I - fundo de
442

cultura apto a efetuar transferência direta fundo a fundo; II - plano de cultura em vigor no
prazo de até um ano após a publicação da Lei; e III - órgão colegiado oficialmente instituído
para a gestão democrática e transparente dos recursos, com composição paritária entre
sociedade e poder público, assegurada também a diversidade regional e cultural. O
pesquisador ressalta também que, ao contrário do SUS e SUAS, onde a transferência de
recursos é direta, regular e automática, no caso do SNC, o Procultura só previu que essa
transferência fosse direta.

Outra pendência que segue sem resposta para o SNC são os critérios de partilha dos
recursos. Segundo o documento Estruturação, Institucionalização e Implementação do
Sistema Nacional de Cultura (MINC, 2010a), dentre as competências previstas para a
Comissão Intergestores Tripartite (CIT) estava a de pactuar a distribuição/partilha de
recursos destinados ao cofinanciamento das políticas culturais, baseados em critérios
públicos, pactuados na CIT e aprovados no CNPC. Como tal Comissão nunca foi nomeada
pelo Ministério, não se avançou nesse debate.

Paralelamente a essas indefinições, está posta a própria fragilidade do sistema de


financiamento da cultura no Brasil, algo que esteve na pauta do MinC desde o início da
gestão Gilberto Gil, que reafirmando o papel do Estado nas políticas públicas, reclamava por
recursos financeiros capazes de implementá-las.

De acordo com Rubim e Paiva Neto (2017), o modelo de financiamento adotado para a
Cultura no Brasil a partir dos anos 90 vem gerando inúmeros problemas para a área, a
exemplo de concentração de recursos em determinadas regiões e fomento de certas
expressões artísticas e culturais em detrimento de outras, configurando um cenário de
grande desigualdade e desequilíbrio, desfavorecedor da promoção e proteção da
diversidade cultural. A predominância da lei de incentivo fiscal como principal mecanismo de
financiamento da cultura coloca em risco a consolidação de políticas plurais, capazes de
atender a uma diversidade de demanda por parte de múltiplos atores, além de impedir o
desenvolvimento de políticas estruturantes, como o próprio SNC, que depende
especialmente de recursos do Fundo Nacional de Cultura, ainda que não exclusivamente.
Vale ressaltar que apesar de o FNC ter crescido ao longo do governo Lula, chegando a 622
milhões de reais em 2010, em 2016 esse valor chegou a cair para 68 milhões. Em ambas as
443

situações, um volume de recursos muito menor do que o acionado pela isenção fiscal,
conforme gráfico a seguir.

Gráfico 07 – Comparativo entre os recursos mobilizados pelo FNC e pelo Incentivo Fiscal entre
1995 e 2016

R$2,0
Montante (bilhões de reais)

R$1,5

R$1,0

R$0,5

R$0,0
1996

2003
1995

1997
1998
1999
2000
2001
2002

2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
FNC Incentivo fiscal

Fonte: Paiva Neto (2017)

Além de mobilizar poucos recursos, o FNC apresentou limitações como: (1) ausência de
normativa que estabelecesse critérios mais claros sobre a decisão do uso do recurso e (2) a
possibilidade dele ser acionado para custear despesas decorrentes de projetos elaborados
pelo próprio Ministério. Parte desse problema decorre, por sua vez, da insuficiência dos
recursos orçamentários do Ministério, que nunca passou de 1% do orçamento federal. Em
resumo, apesar de todas as críticas dos dirigentes do Ministério a respeito do modelo de
fomento e financiamento da cultura no país, o mecanismo de incentivo fiscal continuou
prevalecendo.

Especificamente sobre a relação SNC-financiamento vale registrar algumas


perspectivas apontadas ao longo da pesquisa:

Segundo Aloysio Guapindaia (2016), no início do processo de construção do SNC, havia


a previsão de que estados e municípios criassem seus respectivos sistemas de
444

financiamento, especificamente de fundo de cultura, porque a expectativa era que no


âmbito federal o FNC fosse reformado para possibilitar o repasse de recurso fundo-a-fundo,
o que nunca ocorreu.

[...] nós na área federal tínhamos o compromisso com o Fundo Nacional de


Cultura, coisa que até hoje não foi feito, e isso é um grande problema que
apareceu neste percurso e que não se resolveu, o Procultura não se
aprovou, ainda se discute e no atual contexto político, não sei o que vai
acontecer. (GUAPINDAIA, 2016)
Gustavo Gazzinelli (2016) destaca, por sua vez que, apesar de a SAI ter “vendido” a
ideia dos elementos do SNC, a criação do fundo vai além do interesse do gestor de cultura:

Eu acho que a gente conseguiu vender a ideia dos tópicos [órgão gestor,
conferência, conselho, plano e fundo] para muitos estados e muitos
municípios. Agora, o Fundo vai além da governança da área da cultura
porque mexe com a Secretaria da Fazenda e com a Secretaria do
Planejamento, e existe uma resistência enorme desses órgãos, dos gestores
desses órgãos, em criar Fundo, em criar mecanismos que possam trazer um
pouco mais de autonomia financeira pra setores. (GAZZINELLI, 2016)
Vitor Ortiz (2017) relata a falta de clareza do Ministério sobre a distribuição dos seus
recursos financeiros, o que se reflete no baixo nível de execução orçamentária do órgão e na
sua possibilidade de ganhar a disputa por aumento de recursos:

Se isso fosse mais claro, a Cultura poderia até ser um pouco melhor
acolhida no pleito da disputa com outras áreas. Porque quando você está
batalhando recurso para a cultura lá no nível federal, você está lutando com
portos, aviação, aeronáutica, obras, estradas, ferrovias, etc., você está
lidando com essas áreas todas. (ORTIZ, 2017)
Na opinião de Silvana Meireles (2017), dada a situação orçamentária do Ministério, é
difícil que se efetive a descentralização de recursos para estados e municípios, como indica o
SNC: “Acreditar na possibilidade de existência de recursos na União suficientes para
descentralizá-los para estados e municípios, principalmente para quem acompanha os
orçamentos da cultura, tem sido um ato de fé, de fato” (MEIRELES, 2017).

Para Lia Calabre (2017):

[...] eu acho que o risco das frustrações [em relação aos entes subnacionais
que aderiram ao SNC e que seguem sem receber recursos] está exatamente
em a gente não ter conseguido colocar efetivamente como prioridade
orçamentária para o restante do Governo Federal, para o Ministério do
Planejamento, para área de finanças e áreas econômicas do governo, a
prioridade da ampliação do orçamento da cultura.
445

Quanto à importância do FNC para o financiamento do SNC, há praticamente um


consenso entre os atores entrevistados de que o Fundo deve ser o seu principal mecanismo.
Para Bernardo Mata Machado (2017), não há sistemas públicos sem fundos públicos:

[...] eu acho que o grande problema está no sistema de financiamento


porque aí meu mantra é o seguinte: não existem sistemas públicos sem
fundos públicos, e se você olhar o sistema de financiamento da cultura no
Brasil a desproporção entre o Incentivo Fiscal e o Fundo é absurda!
[...]
Eu acho que enquanto você não tiver um Fundo Nacional de Cultura forte
não vai conseguir implantar o Sistema. E por isso a nossa esperança com o
Procultura, e aí nesse ponto o Juca sem saber que estava fortalecendo o
Sistema, estava pensando nisso também, quando mandou o Procultura
fortalecer o Fundo. (MATA MACHADO, 2017)
Segundo Mata Machado (2017), a grande fragilidade do SNC foi justamente ter sido
iniciado sem recurso garantido, ao contrário de outros sistemas públicos: “Eu diria que nos
sistemas públicos, como o SUS e o SUAS, o mais importante foi definirem os recursos com
antecedência porque isso estimulou a organização dos estados e municípios, porque aí era
condição para eles receberem e montarem a estrutura” (MATA MACHADO, 2017). A não
garantia do repasse de recurso por parte do governo federal é algo problemático para o
funcionamento do Sistema, e como disse Isaura Botelho (2011), o coloca sob o risco de ser
uma enorme frustração: “Tenho muitas ressalvas em relação à forma como foi concebido o
SNC, que mantém, de forma não clara, a possibilidade de repasse de recursos aos municípios
que aderem a ele, o que não está, de maneira alguma, estabelecido. [...]” (p. 77). Um risco
que permanece ainda hoje.

De acordo com João Roberto Peixe (2017), não há como pensar no SNC sem a
mobilização de recursos financeiros:

[...] evidentemente, a gente não pode reduzir o Sistema a questão do


repasse financeiro, o Sistema envolve outras questões mais amplas, mas
também não se pode pensar o Sistema sem recurso [...] e no caso do
Sistema que inclusive estimula, articula, promove, cria expectativa, amplia,
democratiza, então tem que ter recurso para isso. (PEIXE, 2017)
Quanto à estratégias de fortalecer o FNC, alguns atores apontam a necessidade de se
pensar em novas soluções, para além da ampliação orçamentária do MinC. Foi o que citou
Roberto Lima (2016b):

Há muito defendo a proposição de um projeto de Lei que crie uma


contribuição específica para o Fundo Nacional de Cultura, nos moldes do
446

que é a CONDECINE [Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria


Cinematográfica Nacional] para o FSA [Fundo Setorial do Audiovisual]. Uma
CIDE [Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico] que incidisse
sobre a venda de aparelhos eletrônicos, que só fazem sentido por serem
meios de acesso à fruição cultural. Não seria fácil de conseguir, mas
proporcionaria um debate que acho mais correto, uma vez que o ganho
econômico da venda desses equipamentos só ocorre por que há bens
culturais sendo disponibilizados ali, e é justo que essas economias
contribuam para a existência da economia da cultura da qual se beneficiam.
(LIMA, 2016b)
Em relação à demora da tramitação do Procultura, Pedro Ortale (2017) considera que
o Governo do PT errou ao não conseguir aprová-lo: “[...] a gente tem um péssimo retardo,
digamos assim, esquecendo do time político, e a gente acaba deixando passar...o Procultura,
por exemplo, tinha que ter sido encaminhado no nosso governo, tinha possibilidade para
isso [...]” (ORTALE, 2017). Para Juca Ferreira (2018), a não aprovação de matérias legislativas
como a reforma da Lei Rouanet, não se deve a uma perda de time, mas à configuração do
Congresso Nacional:

Não, não é perda de time não... o Congresso brasileiro é conservador,


pouco vinculado às demandas e necessidades da população e nós fomos
avançando aos poucos, tanto na mudança da Lei Rouanet, quanto nessa
questão [do SNC]...esse tempo não depende da vontade, são condições
políticas. (FERREIRA, 2018)
João Roberto Peixe (2017) também aponta que a não aprovação do Procultura no
Poder Legislativo decorre da composição do Congresso e da desinformação e ignorância
sobre as matérias de Cultura, mas destaca também a existência da pressão por parte de
grupos de interesses, como as grandes empresas de comunicação e de grupos de produção
cultural. Visão semelhante tem Roberto Lima (2016b):

O Procultura envolveu um amplo debate na sociedade, mas mesmo assim


ainda não produziu consenso. Parece que a maior resistência vem dos
segmentos da indústria cultural situados na região concentrada, que são
historicamente dependentes do Estado, e resistem a compartilhar recursos
que já são escassos, ou eventualmente ver diminuir o interesse das
empresas patrocinadoras nos seus projetos. Essas questões são superáveis,
mas precisam que haja continuidade do debate com o conjunto do setor.
O Projeto de Lei 6722/2010 (Procultura) foi apresentado em janeiro de 2010 pelo
Ministério da Cultura (autor do PL), tendo sido aprovado pela Câmara dos Deputados em
novembro de 2014, quando foi então remetido ao Senado Federal. Nesta Casa, permanece
em tramitação ainda hoje, sendo objeto de alterações por parte dos Senadores.
447

Para Paulo Miguez (2017) é assustador o fato de o MinC não ter conseguido avançar na
reforma do sistema de financiamento da cultura:

[...] estava tudo mapeado e até hoje está parado e o que sair dali a essa
altura é um Frankstein, todo mundo vai lá e cola alguma coisa, por quê?
como diria Gilberto Gil ‘idiossincrasias’, não é? esse preço a gente vai pagar
durante muitos anos...a mexida na Lei [Rouanet] era muito pequena para
atender a todas as questões, então, o problema é de outra natureza, foi
ficando, foi ficando e tanto quanto o Sistema está ai sem regulamentação.
(MIGUEZ, 2017)
Além de o Procultura ter recebido diversas emendas que colocam em xeque a sua
pretensão de alterar o modelo de financiamento da cultura no País, a possibilidade de
ampliar os recursos orçamentários do Ministério são pequenas diante do novo cenário do
Brasil. Para Vitor Ortiz (2017)

O principal problema que eu vejo aí é o fato de que o período de avanço


das políticas ditas direitos de quarta geração, [...] como, por exemplo, os
direitos culturais, eles estão numa fase de refluxo total no Brasil. Então, não
vejo possibilidade de prosperar uma ideia de SNC com transferência de
recursos e tal, embora o Governo Federal manteve o MinC e o MinC vai ter
que fazer alguma coisa, talvez eles pudessem pelo menos repensar essas
formas que foram aplicadas anteriormente e reordenar isso, mas eu não
vejo... é um momento péssimo, um momento de pessimismo. Eu acho que
na verdade nós perdemos a oportunidade de consolidar melhor porque
houve muita indefinição, indecisão, muita troca, muita mudança, eu acho
que isso aí prejudicou muito. Não houve clareza suficiente para entender
essas dificuldades que estavam na natureza do Ministério.
A expectativa, por exemplo, da aprovação da PEC 416/2014 (antiga PEC 150/2003), se
já era pequena nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, é praticamente impossível no de
Temer. O mesmo se pode dizer em relação à expectativa de que um percentual do Pré-sal
seja remetido para o FNC, um dos pleitos do MinC, já que o atual governo vem atuando para
a privatização de empresas brasileiras. O cenário, portanto, não é dos mais positivos para a
Cultura no Brasil.

7.6 NOTA SOBRE A INTERRUPÇÃO DA GESTÃO JUCA FERREIRA

Uma série de questões propostas pela gestão para o SNC ficaram pendentes, não só
iniciativas inéditas, mas também antigas, como a aprovação do Projeto de Lei que
regulamentaria o SNC e o cumprimento da promessa do repasse de recursos fundo-a-fundo
a estados e municípios. Segundo Juca Ferreira (2018), a perspectiva que a sua nova gestão
448

planejava dar ao Sistema foi iniciada: “nós estávamos começando a trabalhar, mas não
tivemos temos porque o golpe pegou a Dilma... eles começaram a conspirar dois dias depois
dela ter sido eleita e o tempo foi curto”. (FERREIRA, 2018)

Em 12 de maio de 2016 a presidenta Dilma Rousseff foi afastada do cargo após


aprovação do processo de impeachment no Senado Federal, tendo assumido de forma
interina o vice-presidente Michel Temer. Neste mesmo dia, o governo Temer publicou a
Medida Provisória 726/2016 que extinguiu o MinC e previu a criação de uma secretária de
Cultura dentro do Ministério da Educação, dentre uma série de outras medidas. A decisão de
extinguir o Ministério sofreu fortes críticas por parte de artistas, produtores culturais,
gestores públicos, acadêmicos, agentes culturais e a sociedade em geral, e acabou sendo
revista cerca de dez dias depois, fazendo com que o governo retroagisse e recriasse o
Ministério da Cultura.

Para Juca Ferreira (2018), o processo de construção de políticas públicas para a cultura
iniciado em 2003, na gestão de Gilberto Gil, teve uma intensa participação social, o que
contribuiu para a formação de uma base mobilizada em torno da instituição: “[...] nós
começamos do zero, foi um projeto ousado, nós tivemos a coragem de enfrentar todos os
nichos de privilégios e demos um retorno político importante para o governo porque esse
processo gerou uma base muito mobilizada” (FERREIRA, 2018). E, nesse sentido, em sua
opinião, tal base contribuiu para a resistência manifestada contra a extinção do MinC no
Governo Michel Temer:

é fácil compreender porque o Ministério da Cultura estranhamente foi o


ministério que gerou reação quando eles quiseram, depois do golpe em
2016, extinguir o Ministério...eles não conseguiram por isso, porque havia
uma base muito ampla entre os artistas, entre os produtores culturais e na
sociedade, a opinião pública reagiu contra e agora o que eles estão
fazendo: não conseguiram extinguir, mas esvaziaram o máximo possível as
características que o Ministério tinha ganho e agora estão reconstituindo
aquela ideia de apenas apoiar os processos que economicamente tenham
alguma relevância (FERREIRA, 2018).
Na opinião de Bernardo Mata Machado (2017):

Eu tô dando muita importância ao fato da resistência à extinção do


Ministério da Cultura ter sido tão forte no Brasil, [...] eu vejo mais pelo lado
de uma percepção da importância da existência do órgão federal, eu acho
que isso se estendeu para estados e municípios. [...]dentro da concepção
do papel do estado na cultura, o Sistema deve estar sendo fragilizado [no
MinC], mas aí dentro de uma outra concepção, provavelmente ele tá sendo
449

fortalecido ou pelo menos se tornou referência para fortalecer, e aí de


baixo pra cima.
Após a decisão do Governo Temer manter o Ministério da Cultura, tomou posse, em
24 de maio de 2016, o diplomata Marcelo Calero, que não chegou a completar seis meses no
cargo de ministro da Cultura e pediu demissão. Em seu lugar foi nomeado o Deputado
Federal Roberto Freire (PPS), que permaneceu como ministro de 23 de novembro de 2016 a
18 de maio de 2017, quando também entregou o cargo. Em seu lugar assumiu como
ministro interino o cineasta João Batista de Andrade, que ficou menos de um mês e também
pediu demissão em 16 de junho de 2017. Em 25 de julho desse ano, tomou posse Sérgio Sá
Leitão, que havia assumido o cargo de presidente da Ancine quatro meses antes e, que em
sua trajetória apresentava passagem pelo MinC, como chefe de gabinete de Gilberto Gil e
secretário de Políticas Culturais no Governo Lula, e havia sido secretário Municipal de
Cultura do Rio de Janeiro entre 2012 e 2015. Sá Leitão permanece até a finalização desta
tese na direção do Ministério.
450
451

CONCLUSÃO

O objetivo principal desta tese foi apresentar o processo de construção do Sistema


Nacional de Cultura na perspectiva de compreender os motivos pelos quais a política foi
desenvolvida de maneira descontínua no Ministério da Cultura, com avanços e retrocessos
entre 2003 e 2016. E, como objetivo secundário, buscou-se averiguar como questões típicas
do federalismo foram incorporadas na política em análise, a exemplo de propostas
relacionadas a mecanismos de coordenação e cooperação envolvendo os três entes
federados. A tese foi guiada pela premissa de que as atuações dos atores vinculados ao
Ministério da Cultura contribuíram para que o processo de construção do SNC tenha se
configurado de maneira intermitente.

A pesquisa utilizou como estratégia-metodológica a observação sobre a atuação e


dinâmica de interação dos atores envolvidos na política, baseada nos referenciais da obra
L’acteur et le système, de Michel Crozier e Erhard Friedberg (1977). Isso permitiu que o
processo de construção do SNC fosse reconstituído enquanto um sistema de ação
organizado, composto por um conjunto de atores que interagiram, intercambiaram e
negociaram em torno da política. E que o Ministério da Cultura fosse compreendido como
espaço de relações de poder, de influência e de negociação. Uma arena de disputa onde
seus integrantes encontravam certa liberdade para atuar, mas de maneira desequilibrada.

A partir de tais considerações, chegamos às seguintes conclusões:

O SNC foi idealizado por um conjunto de atores vinculados ao Partido dos


Trabalhadores que defendiam que essa política deveria ser desenvolvida pelo Ministério da
Cultura de maneira prioritária, conforme registrado no A imaginação a serviço do Brasil.
Nesse sentido, o SNC surge profundamente vinculado ao PT e a algumas pessoas,
especificamente Márcio Meira e João Roberto Peixe. Com a vitória de Luís Inácio Lula da
Silva nas eleições de 2002, criou-se entre os integrantes do processo de formulação do
referido documento de campanha a expectativa de ocupar os principais cargos dentro do
MinC e de implementar as propostas ali estipuladas. Entretanto, isso não ocorreu conforme
o esperado, já que os dois principais cargos do MinC – ministro e secretário executivo – não
foram ocupados por membros do setorial de cultura do PT ou de partidos que compuseram
a coligação Lula Presidente. A nomeação de Gilberto Gil e de Juca Ferreira, em detrimento
de nomes como o de Márcio Meira, Hamilton Pereira e Antônio Grassi, configurou um início
452

de gestão marcado pela presença de atores de origens diversas, que disputavam espaço
dentro do Ministério. Tais atores atuaram em muitos episódios de maneira contraditória e
até em oposição. Mas, apesar disso, houve no período de 2003 a 2006 certa estabilidade no
ambiente interno do MinC que possibilitou o desenvolvimento de diversas ações, algumas
delas relacionadas ao SNC, a exemplo da I Conferência Nacional de Cultura. Ou seja, apesar
de existir tensões entre atores próximos ao grupo do PT, ao secretário executivo Juca
Ferreira e ao ministro Gilberto Gil, isso não acarretou na paralisação do Ministério da
Cultura. Acionando a perspectiva traçada por Crozier e Friedberg, isso se justificaria porque,
apesar de os integrantes de uma organização terem objetivos distintos, eles são capazes de
se mobilizarem para atuar de forma favorável ao funcionamento da instituição, comungando
de princípios e objetivos maiores.

Neste sentido, os dirigentes do MinC compartilhavam objetivos como a


democratização do acesso à cultura e a promoção da participação social nas políticas
culturais. Entretanto, uma importante divergência evidenciada na pesquisa foi quanto ao
papel que o Estado brasileiro deveria desempenhar na cultura, um debate fundamental para
o SNC. Para alguns atores, como João Roberto Peixe e Bernardo Mata Machado, era
importante focar nos componentes estruturais do Sistema porque isso permitiria que os
órgãos públicos de cultura do país tivessem instrumentos e mecanismos para o
desenvolvimento permanente de políticas culturais. Na opinião desses atores, o Estado é o
principal responsável por garantir à população brasileira o pleno exercício dos direitos
culturais, e isso passa pela estruturação e organização da gestão pública. Além disso,
especialmente Mata Machado destaca o papel do Estado enquanto importante produtor de
cultura no país. Uma concepção contrária, por exemplo, à de Juca Ferreira, para quem o
Estado tem função menor nessa arena, sendo a iniciativa privada e a sociedade civil as
principais responsáveis pela produção cultural no Brasil. Na concepção de Juca Ferreira, o
SNC não deveria, portanto, estar arraigado na estruturação da gestão pública de cultura e
nem centrado nas relações entre os entes federados.

A pesquisa revelou também que o SNC ocupou um importante espaço no


organograma do Ministério, com a criação da Secretaria de Articulação Institucional (SAI),
voltada quase sempre exclusivamente para implantação do Sistema. Esse locus institucional,
não garantiu, entretanto, a estabilidade da construção dessa política, mesmo em governos
453

de continuidade. Exemplo disso foi a desaceleração no ritmo de implantação do SNC


verificada após a crise política que abateu o MinC, entre o final de 2006 e o início de 2007,
na virada do primeiro para o segundo mandato do presidente Lula da Silva. Nessa época,
houve uma acirrada disputa interna no Ministério pela ocupação dos dois mais altos cargos
da instituição. Na concepção de Crozier e Friedberg, esses momentos podem ser analisados
como de crise organizacional, que revelam mais claramente os equilíbrios de poder que
sustentam as negociações entre os atores, e os recursos mobilizados pelos mesmos. Nesse
sentido, a exoneração do secretário de Articulação Institucional Márcio Meira, figura
associada à idealização do SNC, demonstrou que naquele momento de negociação o
ministro Gilberto Gil e o secretário executivo Juca Ferreira, mantidos nos seus cargos no
segundo mandato de Lula, estavam numa relação de poder que lhes favorecia. Apesar de
Márcio Meira ser um importante ator dentro do PT, isso não evitou a sua exoneração. Por
outro lado, isso não significou que a sua relação com a alta cúpula do governo tivesse sido
fragilizada, já que Meira deixou a SAI para assumir a presidência da Fundação Nacional do
Índio (Funai). A saída de Márcio Meira e da equipe de gestores que compunha a SAI
impactou diretamente no desenvolvimento do Sistema, que entre 2007 e 2008 ficou
praticamente paralisado. Para isso colaborou o fato dos dirigentes do MinC terem tardado
seis meses para nomear um novo secretário para a SAI, e posteriormente terem escolhido
um secretário que dirigia naquele momento outro órgão do Ministério, a Secretaria de
Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic), uma das mais demandadas do Ministério.

Outro aspecto da trajetória do SNC destacado na pesquisa foi a participação


recorrente de alguns atores, feita por meio de espaços institucionais distintos. Isso ficou
evidenciado especialmente nas figuras de João Roberto Peixe e de Silvana Meireles. No caso
de Peixe, entre 2003 e 2008, ele atuou enquanto secretário de Cultura do Recife, época em
que ocupou a presidência do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Cultura das
Capitais e atuou no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) como representante da
Frente Nacional de Prefeitos. No MinC, entre 2009 e 2010, Peixe exerceu o cargo de
coordenador do SNC na SAI, e de janeiro de 2011 a março de 2013, ele foi secretário de
Articulação Institucional. Interpretando tal situação na perspectiva de Crozier e Friedberg, a
participação de João Roberto Peixe nesses vários lugares, potencialmente lhe proporcionou
atuar, em alguns momentos, como intermediário e, em outros, como intérprete das lógicas
454

de ações que envolviam esses diferentes espaços organizacionais. Em relação à Silvana


Meireles, no Ministério da Cultura, ela passou por uma das gerências da SAI, na época de
Márcio Meira, pela Chefia de Gabinete da Secretaria Executiva, na segunda gestão Gilberto
Gil, e pela direção da SAI na gestão Juca Ferreira. Ao deixar o Ministério, com o final do
segundo governo Lula da Silva e início do primeiro governo Dilma Rousseff, Silvana Meireles
assumiu uma das diretorias da Fundação Joaquim Nabuco, e nessa instituição, coordenou
ações relacionadas ao SNC, como o curso de especialização de formação de gestores
culturais dos estados do Nordeste. Portanto, mesmo estando fora da estrutura
organizacional do MinC, ela continuou atuando e interagindo com o SNC.

O processo de reconstrução do Sistema revelou também a existência de


interlocutores privilegiados em torno da política, evidenciada sobretudo por meio dos fóruns
nacionais de secretários e dirigentes de cultura de Estados e de Capitais e Regiões
Metropolitanas. A participação desses dois fóruns na construção do Sistema, fomentada
pela SAI, contribuiu para fortalecê-los enquanto organizações coletivas que representavam
os entes subnacionais na relação com o MinC. Por sua vez, a SAI se consolidou enquanto
principal interlocutora dos representantes de estados e municípios dentro do Ministério. A
relação de proximidade entre os Fóruns e a SAI permitiu a esta conhecer, por exemplo, o
estado de ânimo ou o grau de receptividade dos entes subnacionais às propostas do SNC,
identificando elementos que poderiam atravancar o desenvolvimento da política, como
exigência de conselhos de composição paritária ou da criação de órgãos de gestão púbica
exclusivos para a cultura. Assim, a relação entre os fóruns e a SAI pode ser analisada a partir
da influência que um exerceu sobre o outro, no limite das chamadas fronteiras
organizacionais, uma espécie de linha tênue que separa os ambientes interno e externo de
uma organização e que gera processos de interação, com mecanismos de intercâmbio e de
influência recíprocos. Para o SNC, essa interação gerou uma série de consequências, tais
como a implantação do projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais de
cultura e o Edital de Fortalecimento do SNC, ambos resultados da presença de tais fóruns no
entorno da política. Vale ressaltar que apesar de tudo isso, a participação desses organismos
de representação não teve desdobramento na dimensão normativa do Sistema. Em
nenhuma das normas, publicadas ou em tramitação, há menção dos fóruns como espaços
oficiais de diálogo do SNC. Também podem ser apontadas como importantes interlocutores
455

no processo de construção do Sistema as universidades públicas, a exemplo da Universidade


Federal da Bahia e da Universidade Federal de Santa Catarina, que desempenharam
importantes papeis nas iniciativas de formação e de assistência técnica, voltadas para
gestores públicos e conselheiros de cultura.

A pesquisa revelou também a estratégia da SAI de disseminar o SNC, ainda que em


fase embrionária, por todo o território nacional, mobilizando um conjunto de atores
externos ao MinC, tanto do poder público como da sociedade civil. Isso foi feito
especialmente por meio do Protocolo de Intenções ou Acordo de Cooperação Federativo,
que para além de serem instrumentos formais de adesão à política, foram utilizados pela SAI
como mecanismos de divulgação e aproximação de dirigentes de estados e municípios. A
disseminação do SNC foi feita também por meio das conferências nacionais de cultura, para
o que foi fundamental o fato da SAI ter sido sempre o órgão responsável pela sua
coordenação dentro do Ministério. As conferências possibilitaram ao SNC gozar, por
exemplo, de visibilidade nacional e de certa legitimidade, sendo reconhecido como uma
proposta a ser desenvolvida de maneira prioritária. Os conferências nacionais também
reforçaram a relação do MinC com estados e municípios, já que os encontros possuíam um
desenho e uma metodologia que impulsionavam a relação federativa, com a pactuação de
responsabilidades e o compartilhamento de ações ao longo das suas várias etapas. Isso, por
sua vez, pode ter contribuído para fomentar aproximações entre gestores e dirigentes
públicos dos entes federados, tanto a nível horizontal (entre municípios), quanto vertical
(entre municípios e estados), potencializando a criação de futuras redes de gestores. Algo
pendente de confirmação.

O empenho da Secretaria de Articulação Institucional em dotar o SNC de legitimidade


pode ser compreendido como uma estratégia traçada pelos seus dirigentes para tentar
aumentar o peso da política no âmbito interno do Ministério. Algo importante, já que
segundo os dirigentes da SAI entrevistados na pesquisa, o SNC era uma política pouco
absorvida por outros órgãos do MinC, tendo permanecido praticamente restrito à SAI. A
tímida e limitada interação com as ações do Sistema foram decorrentes de uma série de
fatores. Por exemplo, em determinados momentos, dirigentes da SAI e da Secretaria de
Políticas Culturais (SPC), não estavam alinhados politicamente, o que prejudicou a
imprescindível conexão entre Sistema Nacional de Cultura e Plano Nacional de Cultura,
456

componente basilar do SNC que estava sob os cuidados da SPC. Quando os dirigentes de tais
secretarias passaram a atuar de forma mais afinada, outro nível de relação entre Sistema e
Plano passou a existir. Isso foi fundamental, por exemplo, para que a SAI, e não a SPC,
ficasse responsável pela coordenação do projeto de apoio à elaboração de planos municipais
e estaduais de cultura. Vale destacar que o fato de o SNC ser uma proposta que demandou
permanentes e contínuos investimentos por parte do Ministério, que não chegaram a
acontecer, certamente contribuiu para essa resistência interna. A disputa por recursos
financeiros que ambientavam o órgão, especialmente notada no âmbito do Fundo Nacional
de Cultura, e a existência de interesses sedimentados em determinados espaços
institucionais, criavam um ambiente clivado por concorrência interna, o que desfavoreceu a
criação de ações compartilhadas no âmbito do Sistema.

A pesquisa também revelou que um dos motivos para essa resistência ao SNC
decorria da sua perspectiva de fomentar a descentralização de políticas culturais. O Sistema,
em síntese, requer por parte do MinC a implantação e o desenvolvimento de um modelo de
gestão que possa gerar compartilhamento de poder, incorporando distintos atores que
devem atuar de forma cooperada, atores que integram tanto a esfera pública como a
privada. Entretanto, observou-se uma postura preponderantemente avessa do Ministério à
descentralização de poder em torno de políticas culturais. Mesmo quando havia
mecanismos para tanto, o órgão continuou centralizando as decisões no âmbito federal, a
exemplo da não utilização de dispositivo do Decreto nº 5.761/2006, que regulamenta o
Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), e que prevê a possibilidade de estados e
municípios participarem das atividades de acompanhamento e avaliação de iniciativas
financiadas pelo MinC. Vale registrar que, de maneira geral, a atuação coordenada e
cooperada por parte dos entes federados no desenvolvimento de políticas sistêmicas
enfrenta diversos tipos de adversidades no Brasil. Historicamente o país concentrou o poder
no nível federal, com o governo central ditando regras e modelos com pouco ou nenhum
diálogo com estados e municípios. No caso da cultura, o primeiro intento de construção de
uma política nacional mais articulada, o PNAC (1975), se deu justamente em um momento
de ausência de autonomia por parte dos entes subnacionais. Ainda que o regime militar
tenha formalmente mantido o modelo de Estado federado no país, na prática os princípios
do federalismo estavam completamente comprometidos. Nesse sentido, o SNC é o primeiro
457

intento de construir políticas nacionais para a cultura pautadas em princípios como


democratização dos processos decisórios com participação e controle social, autonomia dos
entes federados, diversidades das expressões culturais, e descentralização articulada e
pactuada da gestão, dos recursos e das ações. O desenvolvimento de uma política cultural
em respeito a tais princípios requer dos atores envolvidos uma atuação democrática e
republicana, um desafio considerando a história da formação social e política do país.

Diversas questões relativas ao federalismo permearam o estudo sobre a trajetória do


SNC, o que permitiu verificar, por exemplo, que nem sempre tal aspecto ocupou espaço
central na construção dessa política. Nesse sentido, há de se destacar que notadamente a
partir de 2009 é que o tema do federalismo passou a ter maior centralidade no Ministério,
com a reunião de um conjunto de atores voltados para aprofundar conceitualmente o
Sistema. Isso foi fundamental para que o próprio aspecto sistêmico da política surgisse,
explicitando como os seus elementos estruturantes (plano, conferência, conselho etc.)
deveriam se articular. Apesar desse investimento em torno da dimensão federativa do SNC,
os entraves em torno dos elementos que fortalecem essa dimensão são sintomáticos. O
Projeto de Lei de regulamentação do SNC, que trata centralmente de questões relativas à
articulação dos entes federados, não foi aprovado, sequer tendo saído do âmbito do Poder
Executivo; a Comissão Intergestores Tripartite nunca foi nomeada; pouco se discutiu sobre
as definições das competências e atribuições de cada ente no Sistema; e pouco se avançou
no debate sobre os critérios de distribuição e repasse de verba da União para estados e
municípios no âmbito do Fundo Nacional de Cultura.

A outra perspectiva que merece ser destacada nesse tema é a da predominância no


desenho do SNC de apenas um eixo do federalismo, aquele voltado para elementos relativos
à unidade político-territorial do país. Prova disso foi o texto final aprovado no Art. 216-A da
Constituição Federal, que estipula um modelo único de sistema a ser adotada pelos três
níveis de governo, privilegiando assim a padronização da organização administrativa. Como
pontua Humberto Cunha Filho, a outra vertente do federalismo, concernente à diversidade,
pouco foi absorvida no Sistema. Uma construção gradual do mesmo, com desenvolvimento
de modelos experimentais ou transitórios, poderia ter contribuído para que tal dimensão
fosse mais amadurecida, incorporada e evidenciada no seu desenho final.
458

Outro aspecto apontado na pesquisa foi que, para além dos esforços da SAI em torno
das dimensões normativa e conceitual do Sistema, pouco foi feito em termos de sua
operacionalização. Repasse de recursos para os entes subnacionais só foi ocorrer a partir da
publicação do Edital de Fortalecimento, em 2014 e 2015, com a importante ressalva de: não
ter sido efetuado por meio de transferência fundo-a-fundo, tradicionalmente o principal
mecanismo de financiamento de políticas sistêmicas no Brasil; de mobilizar um volume de
recursos pequeno; e de ter atingido poucos estados e municípios. O Programa Mais Cultura,
este sim mobilizador de um significativo volume de recursos financeiros e envolvendo vários
entes subnacionais na consecução de seus projetos e ações, originalmente não tinha
vinculação com o SNC e a aproximação entre ambas as políticas era mais discursiva do que
efetiva, conforme declarações dos atores entrevistados. A implementação de ações voltadas
para o SNC praticamente só foram ocorrer mediante o Programa Nacional de Fortalecimento
Institucional dos Órgãos Gestores de Cultura (criado em 2011 e instituído a partir de 2012),
que integrou o projeto de apoio à elaboração de planos estaduais e municipais de cultura; o
projeto de apoio técnico para o desenvolvimento dos sistemas de cultura; e o projeto de
apoio à formação de gestores e conselheiros de cultura. Foi por meio desses projetos que a
SAI conseguiu mobilizar um pouco mais de recursos humanos e financeiros para o SNC. Vale
ressaltar que um dos aspectos positivos desse Programa foi a sua permanência ao longo das
gestões, que mantiveram, ainda que em diferentes níveis de investimento, ações relativas ao
mesmo.

Apesar de o SNC ter acionado poucos recursos e ações efetivas, a adesão por parte
de estados e municípios à política foi significativa: até 2017, aproximadamente 45% dos
municípios e 96% das Unidades Federadas. Certamente isso contribuiu para que o SNC tenha
sido mantido pelo MinC, ainda que em ritmos diversos. Uma passagem que ilustra a
apropriação do SNC por parte de gestores públicos de estados e municípios foi a tentativa de
alterar o seu rumo de construção ensaiado na segunda gestão Juca Ferreira. As novas
perspectivas traçadas pelo ministro e secretário de Articulação Institucional Vinícius Wu,
expostas durante o Seminário Internacional Sistemas de Cultura (2015), foram objeto de
críticas contundentes. Parte das falas contrapostas nesse encontro era de reconhecimento
de todo o processo de construção do SNC e de reinvindicação para o avanço do mesmo por
meio de medidas efetivas, e não da alteração do rumo da política considerando, inclusive,
459

que se tratava, teoricamente, de um governo de continuidade. Nesse sentido, a estratégia


de construção do Sistema pautada na adesão dos entes federados e no uso de espaços de
legitimação, como as conferências, teve rebatimento na manutenção da política.

A pesquisa apontou também que o Sistema Nacional de Cultura é uma política de


pouca visibilidade e de baixa potencialidade de gerar retorno político aos atores envolvidos.
Ao contrário de iniciativas que dão retorno mais imediato aos dirigentes do Ministério, como
eventos e construção de equipamentos culturais, o SNC pouco oferece nesse sentido, já que
é uma política de médio e longo prazo que atua mais no campo da organização da gestão e
da racionalização das políticas culturais. Certamente, a pouca visibilidade do Sistema
contribuiu para ele não ter se tornado uma política prioritária no Ministério. Isso ficou
especialmente latente na gestão de Marta Suplicy, que elegeu o Vale-Cultura e o CEUs das
Artes como prioridades de gestão.

Por fim, as considerações apontadas ao longo dessa tese revelaram que diversos
fatores colaboraram para que o SNC fosse construído de maneira intermitente, com ritmos
diferenciados ao longo das gestões Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Hollanda, Marta
Suplicy e Juca Ferreira. Contribuíram para isso tanto elementos da realpolitik – como
desavença pessoal, disputa por cargos e por apoio político, interesse em políticas que
garantissem retorno de imagem etc. –, como dificuldades inerentes a uma política pública de
tal envergadura. O SNC possui elevado grau de complexidade, e especialmente por estar
assentado em uma perspectiva federativa, democrática e republicana, requer profundas
mudanças no ambiente que envolve a gestão pública de cultura do país.
460
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Cultural - CNPC do Ministério da Cultura, e dá outras providências. Diário Oficial [da]
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______. Decreto n.º 5.761, de 27 de abril de 2006. Regulamenta a Lei no 8.313, de 23 de


dezembro de 1991, estabelece sistemática de execução do Programa Nacional de Apoio à
Cultura - PRONAC e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 28 abr. 2006. Seção 1, p. 1. Disponível em: <
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2010/2007/Decreto/D6226.htm>. Acesso em: 10 out. 2010.

______. Decreto nº 6.835, de 30 de abril de 2009. Aprova a Estrutura Regimental e o


Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da
Cultura, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6835.htm#art6>.
Acesso em: 20 jan. 2018.

______. Decreto nº 7.743, de 31 de maio de 2012. Aprova a Estrutura Regimental e o


Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da
Cultura, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7743.htm#art7>.
Acesso em: 28 fev. 2018.
480

______. Decreto nº 8.837, de 17 de agosto de 2016. Aprova a Estrutura Regimental e o


Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério
da Cultura, remaneja cargos em comissão e funções gratificadas e substitui cargos em
comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superior - DAS por Funções Comissionadas do
Poder Executivo Federal - FCPE. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Decreto/D8837impressao.htm>. Acesso em: 28 jun. 2018.

______. Proposta de Emenda à Constituição nº 416, de 16 de junho de 2005. Acrescenta o


art. 216-A à Constituição para instituir o Sistema Nacional de Cultura. Disponível em: <
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______. Ministério da Cultura. Portaria nº 180 de 31 de agosto de 2005. Aprova o


Regulamento da Primeira Conferência Nacional de Cultura e dispõe sobre sua convocação.

______. Ministério da Cultura. Extrato de Convênio nº 00427/2007. Publica a assinatura do


convênio entre o Ministério da Cultura e a Secretaria de Cultura da Bahia para implantação
da Rede de Pontos de Cultura da Bahia. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 14 de janeiro de 2008.

______. Ministério da Cultura. Acordo de Cooperação entre o Ministério da Cultura e


os entes subnacionais para implementar o Programa Mais Cultura. Disponível em:
<http://mais.cultura.gov.br/>. Acesso em: 15 nov. 2010.

Documento sonoro

ALMEIDA JÚNIOR, Armando Ferreira. Armando Almeida: depoimento [fev.2018]. 1 arquivo


.mp3 (90 min). Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese
de doutorado.

BOTELHO, Isaura. Isaura Botelho: depoimento [nov.2016]. 1 arquivo .mp3 (60 min).
Entrevistadora: VILUTIS, Luana. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.

CALABRE, Lia. Lia Calabre: depoimento [jan.2017]. 1 arquivo .mp3 (60 min).
Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.

CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Humberto Cunha Filho: depoimento [mai.2017]. 1


arquivo .mp3 (53 min). Entrevistador: BARBALHO, Alexandre Almeida. Entrevista concedida
para esta tese de doutorado.
481

FERREIRA, José Luís Silva. Juca Ferreira: depoimento [fev.2018]. 1 arquivo .mp3 (60 min).
Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.

GAZZINELLI, Gustavo Tostes. Gustavo Gazzinelli: depoimento [dez.2016]. 1 arquivo .mp3 (80
min). Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de
doutorado.

GUAPINDAIA, Aloysio Antonio Castelo. Aloysio Guapindaia: depoimento [dez.2016]. 1


arquivo .mp3 (80 min). Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para
esta tese de doutorado.

MATA MACHADO, Bernardo Novais da. Bernardo Mata Machado: depoimento [set.2017]. 1
arquivo .mp3 (120 min). Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para
esta tese de doutorado.

______. Bernardo Mata Machado: depoimento [abr.201?]. 2 arquivos .mp3 (50 min).
Entrevistador: BARBALHO, Alexandre Almeida. Entrevista concedida para a pesquisa de
Alexandre Barbalho.

MEIRELES, Silvana. Silvana Meireles: depoimento [out. 2014]. 1 arquivo .mp3 (70 min).
Entrevistador: BARBALHO, Alexandre Almeida. Entrevista concedida para a pesquisa de
Alexandre Barbalho.

MIGUEZ, Paulo. Paulo Miguez: depoimento [abr.201?]. 1 arquivo .mp3 (60 min).
Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.

ORTALE, Pedro Sérgio Lima. Pedro Ortale: depoimento [nov.2017]. 1 arquivo .mp3 (56 min).
Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.

ORTIZ, Vitor. Vitor Ortiz: depoimento [nov.2017]. 1 arquivo .mp3 (90 min). Entrevistadora:
ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.

PEIXE, João Roberto. João Roberto Peixe: depoimento [mai.2017]. 2 arquivos .mp3 (300
min). Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de
doutorado.

PINTO, Sérgio de Andrade. Sérgio Pinto: depoimento [abr.2018]. 1 arquivo .mp3 (100 min).
Entrevistadora: ROCHA, Sophia Cardoso. Entrevista concedida para esta tese de doutorado.
482
483

APÊNDICE A – PERFIL DOS ATORES PARTICIPANTES DA PESQUISA

Aloysio Antônio Castelo Guapindaia [Aloysio Guapindaia]


Sociólogo formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Filiado ao Partido dos
Trabalhadores (PT) desde 1981. Trabalhou na área de planejamento na Fundação Cultural do
Município de Belém entre 1998 e 2002, então dirigida por Márcio Meira. Participou da
formulação do programa de cultura da campanha de Lula da Silva de 2002 A Imaginação a
serviço do Brasil. De 2003 a fevereiro de 2007 foi gerente e secretário-adjunto na Secretaria
de Articulação Institucional (SAI) do Ministério da Cultura (Minc). Entre 2007 e 2012 foi
diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável na Fundação Nacional do Índio
(Funai). Entre 2013 e 2014 foi gerente de Projetos na Secretaria de Planejamento e
Investimentos Estratégicos, do Ministério do Planejamento, e coordenador de Cooperação e
Planos de Educação na Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino, do Ministério
da Educação (MEC). Entre 2015 e 2016 foi diretor de Programa na Secretária Executiva do
MinC.
[Entrevistado por Skype em 12/12/2016] [Aloysio Guapindaia respondeu a perguntas
pontuais feitas por e-mail durante 2018]

Anna Maria Buarque de Hollanda [Ana de Hollanda]


Artista e produtora cultural. Foi filiada ao Partido Comunista Brasileiro entre 1980 e 1992.
Foi chefe do Setor de Música na Divisão de Artes Cênicas do Centro Cultural São
Paulo/Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo, de 1982 a 1986. Foi secretária de
Cultura do Município de Osasco/SP entre 1986 e 1988. De março de 2003 a dezembro de
2006 foi diretoria do Centro de Música da Funarte, no MinC. Entre janeiro de 2007 e
setembro de 2010 foi vice-presidente da Fundação Museu da Imagem e do Som do Rio de
Janeiro/Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Foi ministra da Cultura do Brasil
entre janeiro de 2011 e setembro de 2012.
[Respondeu ao questionário da pesquisa em 17/11/2016] [A tese utilizou também entrevista
com Ana de Hollanda publicada em 2017 no periódico Políticas Culturais em Revista v.10 (1),
p. 324-271. A entrevista foi realizada pelos pesquisadores Renata Rocha, Gleise Oliveira e
Alexandre Barbalho, na cidade do Rio de Janeiro, em 18/05/2016]

Armando Ferreira de Almeida Júnior [Armando Almeida]


Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), é
mestre em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (1986) e doutor em Cultura e
Sociedade pela UFBA (2010). Trabalhou na Fundação OndaAzul de 1998 a 2009. Foi ouvidor
chefe no MinC entre julho e dezembro de 2009 e assessor especial do ministro da Cultura
Juca Ferreira entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011. Integrou a equipe de consultores do
Projeto Intersetorialidade, Descentralização e Acesso à Cultura no Brasil (Prodoc), entre 2012
e 2013, atuando junto à Secretaria de Articulação Institucional do MinC para prestar
assistência técnica aos entes subnacionais no âmbito do Sistema Nacional de Cultura,
durante a gestão Ana de Hollanda. De maio de 2013 a dezembro de 2014 foi ouvidor chefe
no MinC, na gestão Marta Suplicy. De janeiro de 2015 a maio de 2016 foi assessor especial
484

do ministro Juca Ferreira no MinC. Entre julho de 2016 e agosto de 2017, trabalhou na
Fundação Pedro Calmon, na Secretaria de Cultura da Bahia. A partir de 2017 passou a
exercer o cargo de assessor especial do secretário de Cultura do município de Belo
Horizonte, Juca Ferreira.
[Entrevistado por Skype em 24/02/2018]

Bernardo Novais da Mata Machado [Bernardo Mata Machado]


Pesquisador, diretor de teatro e gestor cultural. Graduado em História pela Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1976, e mestre em Ciência Política pela mesma
instituição, em 1985. Possui Especialização em Gestão Cultural pela Universitat de Barcelona
(1988). Filiado ao PT desde 1982. Desde 1977 é pesquisador da Fundação João Pinheiro,
órgão do Estado de Minas vinculado à Secretaria do Planejamento. Foi secretário municipal
adjunto da Cultura do município de Belo Horizonte entre 1993 e 1996, na gestão de Patrus
Ananias. Entre 1997 e 1998 foi diretor do Centro de Cultura Belo Horizonte, na Secretaria
Municipal de Cultura. Participou da formulação do programa de cultura da campanha de
Lula da Silva de 2002 A Imaginação a serviço do Brasil. No MinC, foi consultor do SNC por
meio de contrato com o SESC-São Paulo de março a setembro de 2009. Entre 2009 e janeiro
de 2011, trabalhou em uma das Coordenações da Secretaria de Articulação Institucional
(SAI), na gestão Juca Ferreira. A partir de 2011, na gestão Ana de Hollanda, assumiu a
Diretoria do SNC e Programas Integrados, na SAI. Entre 2013 e 2014 foi secretário substituto
na SAI, na gestão Marta Suplicy, época em que foi secretário-geral do Conselho Nacional de
Política Cultura (CNPC), do MinC. Em 2015 foi secretário de Estado Adjunto da Cultura, na
Secretaria de Cultura de Minas Gerais, no governo Fernando Pimentel. Desde 2016 é
professor na Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, onde a partir de 2017 passou a
exercer a função de diretor de Cultura, Turismo e Economia Criativa.
[Entrevistado por Skype em 19/09/2017] [A tese utilizou também a entrevista realizada pelo
pesquisador Alexandre Barbalho em 201?, não publicada]

Gustavo Tostes Gazzinelli [Gustavo Gazzinelli]


Jornalista, ambientalista e gestor cultural. Formado em Comunicação pela UFMG Gerais, em
1985. Pós-graduado em Artes, pela Universidade de São Paulo (USP), em 1991, e em Estudos
Literários pela UFMG, em 2001. Trabalhou na Secretaria Municipal de Cultura de Belo
Horizonte entre 1997 e 2002, na gestão do prefeito Célio de Castro (ex-PSB e a partir de
2001, do PT). Entre 2004 e 2007 integrou a Secretaria de Articulação Institucional como
gerente de Planejamento e Informação, na gestão do secretário Márcio Meira, época em
que era filiado ao Partido dos Trabalhadores (ao qual não está mais vinculado). Após sair do
MinC, voltou a trabalhar em Minas Gerais como ações relacionadas às áreas do patrimônio
cultural e do meio ambiente.
[Entrevistado por WhatsApp em 09/12/2016]
485

Hamilton Pereira da Silva [Hamilton Pereiro, pseudônimo Pedro Tierra]


Poeta e gestor cultural. Membro fundador do Partido dos Trabalhadores. Apoiou a criação
de sindicatos de trabalhadores rurais em todo o país e atuou durante vários anos no
Conselho Indigenista Missionário e na Comissão Pastoral da Terra. Acompanhou também o
Movimento dos Sem-Terra. Participou da criação, diretoria e conselho da Fundação Perseu
Abramo. Foi secretário de Cultura do Distrito Federal entre 1997 e 1998, durante o governo
de Cristovam Buarque. Foi um dos sete coordenadores do Programa de Cultura da
campanha de Lula de 2002 A Imaginação a serviço do Brasil. No segundo mandato de Lula da
Silva, atuou como secretário de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental (Saic) do
Ministério do Meio Ambiente, época em que ocupou uma das cadeiras do Plenário do CNPC,
do MinC. Entre 2011 e 2014, assumiu novamente a direção da Secretaria de Cultura do
Distrito Federal, período em que integrou a presidência do Fórum dos Secretários e
Dirigentes Estaduais de Cultura, entre 2012 e 2013, e como tal integrou o Plenário do CNPC.
[Respondeu ao questionário da pesquisa em 07/01/2018]. [Hamilton Pereira respondeu a
questões pontuais enviadas por e-mail em janeiro de 2017]

Francisco Humberto Cunha Filho [Humberto Cunha Filho]


Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade de
Fortaleza (UNIFOR), onde dirige o Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais.
Advogado da União desde 2001. Concluiu bacharelado em Direito pela Unifor (1990),
mestrado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1999) e doutorado em Direito pela
Universidade Federal de Pernambuco (2004). Representante da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB-CE) no Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural e no Conselho
Estadual de Cultura do Ceará de 2004 a 2011. Foi secretário de Cultura do município de
Guaramiranga/CE entre 1991 e 1993. Trabalhou como diretor de Ação Cultural na Secretaria
de Cultura do Ceará de 1988 a 1991. Integrou, como consultor convidado, o Grupo de
Trabalho do Sistema Nacional de Cultura em 2009, na SAI/MinC, e participou como professor
de vários cursos de formação de gestores do SNC.
[Entrevistado pelo pesquisador Alexandre Barbalho, em Fortaleza/CE, em 11/05/2017, a
partir de roteiro de entrevista encaminhado por mim]

Isaura Botelho
Pesquisadora e consultora da área de cultura. Graduada em Literaturas Vernáculas pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde também cursou Mestrado em
Comunicação, finalizado em 1981. Fez Mestrado profissional em Politiques Culturelles et
Action Artistique pela Universite de Bourgogne/França, entre 1991 e 1992. Em 1996
concluiu Doutorado em Ação Cultural na Escola de Comunicações e Artes da USP e em 1999
fez um pós-doutorado no Département des études de la prospective et statisques (DEPS) do
Ministério da Cultura da França. Entre 1978 e 1996 trabalhou na Funarte, onde chefiou a
Assessoria Técnica de 1982 a 1985. Acompanhou a criação do Ministério da Cultura e
participou de seus quadros, a partir de 1985, auxiliando na implantação de seu primeiro
desenho institucional e assumindo, em 1988, a Secretaria de Apoio à Produção Cultural. De
1996 a 2001 trabalhou na Fundação Biblioteca Nacional. Entre 2000 e 2003 foi pesquisadora
no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. De 2001 a 2005 trabalhou na Fundação
486

Memorial da América Latina. Entre 2003 e 2005 foi gerente de Planejamento, Pesquisa e
Avaliação na Secretaria de Políticas Culturais do MinC, na gestão Gilberto Gil. Integrou, como
consultora convidada, o Grupo de Trabalho do Sistema Nacional de Cultura em 2009, na
SAI/MinC, e participou como coordenadora de cursos de formação de gestores do SNC.
[Entrevistada pela pesquisadora Luana Vilutis, em Salvador/BA, em 18/11/2016, a partir de
roteiro de entrevista encaminhado por mim]

João Roberto Costa do Nascimento [João Roberto Peixe]


Designer, arquiteto e gestor cultural. Graduado em Arquitetura pela Universidade Federal de
Pernambuco (1972). Fundador da MultiDesign (1972); secretário geral da Asociación
Latinoamericana de Diseño Industrial y Gráfico (1984-1989) e presidente da Associação
Nacional de Designers/Brasil (1988-1991). Membro fundador do Partido dos Trabalhadores e
seu primeiro presidente em Pernambuco. Entre 1986 e 1988 foi diretor geral de
Descentralização Político-Administrativa da Prefeitura do Recife. Foi secretário do
Patrimônio Cultural e Turismo da cidade de Olinda (1995) e secretário de Cultura do Recife
(2001-2008), na gestão do prefeito João Paulo/PT. Neste período, foi presidente do Fórum
Nacional dos Secretários de Cultura das Capitais, tendo sido membro do Conselho Nacional
de Política Cultural. Um dos sete coordenadores do programa de cultura da campanha
presidencial de Lula da Silva (2002) A imaginação a serviço do Brasil. Membro da comissão
pró-Secretaria Nacional de Cultura do PT (2003). Foi coordenador geral de Relações
Federativas e Sociedade do Sistema Nacional de Cultura na SAI/MinC, entre 2009 e 2010, na
gestão Juca Ferreira. De janeiro de 2011 a março de 2013 assumiu a direção da SAI/MinC,
nas gestões Ana de Hollanda e Marta Suplicy.
[Entrevistado por Skype em 05/05/2017] [Respondeu a diversas questões pontualmente
feitas por e-mail entre 2017 e 2018]

José Luís Silva Ferreira [Juca Ferreira]


Sociólogo, ambientalista e gestor cultural. Graduado em Sociologia pelo Instituto de Estudos
do Desenvolvimento Econômico e Social (Iedes) da Sorbonne/França, em 1979. Na década
de 80, foi assessor na Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb). Nos anos 90, foi
assessor para assuntos de cultura, política e comunicação do Projeto Axé, ONG dedicada a
ações para crianças e adolescentes em situação de risco social. Participou da criação do SOS
Chapada Diamantina e foi presidente da Associação Nacional de Municípios e Meio
Ambiente. Foi membro do Conselho Estadual de Meio Ambiente como representante da
Sociedade Civil. Em 1988 filiou-se ao Partido Verde (PV), no qual foi membro da Executiva
Nacional. Em 1992 foi eleito vereador do município de Salvador/BA pelo PV. Entre 1993 e
1996 foi secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Salvador, na gestão da prefeita Lídice
da Matta. Entre 1997 e 2002 atuou na ONG Fundação OndAzul, junto a Gilberto Gil. Entre
2001 e 2002 exerceu novo mandato de vereador de Salvador pelo PV, tendo renunciado
para assumir um cargo no Ministério da Cultura em 2003. Foi secretário-Executivo do MinC
entre 2003 e agosto de 2008, na gestão Gilberto Gil. De agosto de 2008 a janeiro de 2011 foi
ministro da Cultura do Brasil. Em 2011, na Secretaria-Geral Ibero-Americana, coordenou a
realização do Ano Internacional dos Afrodescendentes. Se filiou ao PT em 02 de fevereiro de
2012. De 2013 a 2014 foi Secretário de Cultura do Município de São Paulo. Entre janeiro de
487

2015 e maio de 2016 foi ministro da Cultura do Brasil. Em 2017 assumiu a Secretaria de
Cultura de Belo Horizonte.
[Entrevistado por Skype em 13/02/2018]

Lia Calabre de Azevedo [Lia Calabre]


Pesquisadora, professora e historiadora. Possui graduação em História pela Universidade
Santa Úrsula (1988), Mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense (1999) e
Doutorado em História pela UFF (2002). Desde 2002 integra o quadro permanente da
Fundação Casa Rui Barbosa (FCRB) como pesquisadora titular. Entre 2003 e 2014 coordenou
o setor de políticas culturais da FCRB. Entre 2015 e 2016 assumiu a presidência desta
Fundação. É professora do Mestrado Profissional Memória e Acervos da FCRB; do Programa
de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da UFF. Professora colaboradora nos MBAs
de Gestão Cultural e Produção Cultural da Fundação Getúlio Vargas/RJ e da Universidade
Cândido Mendes/RJ. Desde 2017 é coordenadora da Cátedra UNESCO. Em relação ao
Sistema Nacional de Cultura, acompanha o seu processo de construção desde a gestão
Márcio Meira na SAI. Atuou como professora em vários cursos de formação de gestores do
SNC.
[Entrevistada por telefone em 25/01/2017] [Lia Calabre respondeu a questões pontuais
enviadas por e-mail entre 2017 e 2018]

Paulo César Miguez de Oliveira [Paulo Miguez]


Pesquisador, professor e economista. Graduado em Ciências Econômicas pela UFBA (1979),
mestre em Administração pela UFBA (1995) e doutor em Comunicação e Culturas
Contemporâneas pela UFBA (2002). Entre 1982 e 1993 foi um dos diretores da estatal
Telecomunicações de Moçambique, em Maputo. De 1993 a 1997 trabalhou na Empresa
Municipal de Turismo e Desenvolvimento Econômico, em Salvador/Ba. De janeiro a agosto
de 2003 foi assessor especial do Ministro de Estado da Cultura, Gilberto Gil. Entre agosto de
2003 e 2005 foi secretário de Políticas Culturais do MinC. De 2006 a 2009 foi professor na
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Desde 2009 é professor Associado do Instituto
de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA e docente do quadro permanente do Programa
Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade/UFBA. É pesquisador do Centro
de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Cult/UFBA). Desde 2014 é vice-reitor da UFBA.
[Entrevistado pessoalmente em Braga/Portugal, em 24/11/2017]

Pedro Sérgio Lima Ortale [Pedro Ortale]


É graduado em Geografia pela Universidade Católica Dom Bosco (1987), do Mato Grosso do
Sul. Possui Especialização em Gestão de Políticas Públicas de Cultura - Produção Cultural,
pela Universidade de Brasília (2008). Dirigiu a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul
entre 2003 e 2007. Trabalhou na Funai entre abril de 2007 e outubro de 2009, na gestão de
Márcio Meira. Dirigiu a empresa Mercado Cultural entre 2010 e 2011. No MinC, trabalhou de
2012 a 2016 na Secretaria de Articulação Institucional, onde exerceu o cargo de coordenador
geral de Institucionalização e Monitoramento do SNC e diretor substituto de Programas
488

Integrados, período em que a SAI foi dirigida por João Roberto Peixe, Bernardo Mata
Machado, Marcelo Pedrosa e Vinicius Wu.
[Entrevistado por WhatsApp em 21/11/2017] [Pedro Ortale respondeu a questões pontuais
enviadas por e-mail entre 2017 e 2018]

Roberto Gonçalves Lima [Roberto Lima]


Gestor cultural e dramaturgo. Graduado em Filosofia pela PUC/SP (1987). Filiado ao Partido
dos Trabalhadores. Desde 1985 atua como produtor, dramaturgo, diretor e iluminador em
espetáculos de Teatro e Dança. Foi gerente de Cultura na Prefeitura da Estância Turística de
Ribeirão Pires/SP, no final dos anos 90. Participou do processo de formulação do documento
de campanha de Lula da Silva (2002) A Imaginação a Serviço do Brasil. Em 2004 trabalhou na
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (2004). No MinC, foi gerente de Participação
Social da Secretaria de Articulação Institucional entre 2005 e 2007, onde coordenou a I
Conferência Nacional de Cultura (2005). A partir de 2007 assumiu assessoria da Diretoria
Colegiada da Agência Nacional do Cinema (Ancine), instituição do MinC da qual passou a ser
diretor em 2014.
[Respondeu ao questionário da pesquisa em 28/11/2016]

Sérgio de Andrade Pinto [Sérgio Pinto]


Servidor público do Ministério da Cultura desde 1996. Trabalhou na Secretaria de
Articulação Institucional do MinC entre 2005 e 2013, tendo acompanhado as gestões de
Márcio Meira, Marco Acco, Silvana Meireles, João Roberto Peixe, Marcelo Pedroso e
Bernardo Mata Machado. Presidente da Associação dos Servidores do Ministério da Cultura.
[Entrevistado por Skype em 24/04/2018]

Silvana Meireles
Possui graduação em Engenharia Elétrica e especialização em políticas culturais pela
Universidade Federal de Pernambuco. Funcionária pública da Fundação Joaquim Nabuco
(Fundaj), instituição de pesquisa vinculada ao Ministério da Educação. Na Fundaj dirigiu o
Centro Cultural Mauro Mota entre 1988 e 1998 e a Superintendência do Instituto de Cultura
de 1998 a 2003. Em 2003, por meio de um convênio de cooperação técnica entre o MEC e o
MinC, integrou a Representação Regional Nordeste do MinC, sediada em Recife/PE. Em 2005
assumiu a gerência de Relações Institucionais na Secretaria de Articulação
Institucional/MinC, então dirigida por Márcio Meira. Em 2007, a convite de Juca Ferreira,
assumiu a Chefia de Gabinete da Secretária Executiva. Entre outubro de 2008 e fevereiro de
2011 foi secretária de Articulação Institucional, na gestão do ministro Juca Ferreira. Entre
2011 e 2014 foi diretora de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundaj, período em que
essa Fundação apoio a realização de cursos de formação de gestores do SNC. Em janeiro de
2015 assumiu a Secretaria Executiva da Secretaria de Cultura de Pernambuco, no governo
Paulo Câmara (PSB/PE).
489

[Respondeu ao questionário da pesquisa em 26/03/2017] [A tese utilizou também a


entrevista realizada por Alexandre Barbalho em 2014, não publicada] [Silvana Meireles
respondeu a questões pontuais enviadas por e-mail entre 2017 e 2018]

Vitor Ortiz
Jornalista e gestor cultural. Estudante do curso de História da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Especialista em gestão cultural pelo Observatoire des Politiques
Culturelles (Grenoble/França). É servidor de carreira da Secretaria Municipal de Cultura de
Porto Alegre/RS desde 1994. Filiado ao Partido dos Trabalhadores. Coordenou o processo de
formulação do documento Agenda 21 da Cultura. Foi vereador da cidade de Viamão pelo PT
no ano 2000. Foi secretário de cultura nas cidades gaúchas de: Viamão (1997-2000), Porto
Alegre (2002-2004) e São Leopoldo (2009-2010). No MinC, foi um dos diretores da Funarte,
então dirigida por Antônio Grassi, na gestão do ministro Gilberto Gil. Dirigiu a Gerência
Regional da Empresa Brasileira de Comunicação, no Rio de Janeiro. Foi diretor de relações
institucionais da Bienal de Artes Visuais do Mercosul. De janeiro de 2011 a outubro de 2012
assumiu a Secretaria Executiva do MinC, na gestão Ana de Hollanda.
[Entrevistado por Skype em 22/01/2017]

ATORES ENTREVISTADOS EM OUTRAS PESQUISAS

Gilberto Passos Gil Moreira [Gilberto Gil]


Graduado em Administração pela UFBA nos anos 60. Trabalhou como fiscal do imposto
aduaneiro e trainee na multinacional Gessy-Lever. Também na década de 60 começou a se
destacar como músico ao lado de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa e Tom Zé. Em
1967 lançou seu primeiro LP e passou a se dedicar à carreira musical, participando de
festivais e do movimento Tropicalista. Entre 1969 e 1972 Gilberto Gil viveu exilado em
Londres por conta da Ditadura Militar no Brasil. Em julho de 1979, já de volta ao país,
integrou a Câmara de Música do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. Em 1984
participou do movimento Diretas Já, que pedia o retorno do voto direto para as eleições
presidenciais. Entre 1987 e 1988 foi presidente da Fundação Gregório de Mattos, órgão
público de cultura do município de Salvador/BA. Em 1988 foi eleito vereador pelo Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) para a Câmara Municipal de Salvador, tendo sido
o candidato mais votado. Exerceu mandato de vereador de 1989 a 1992, onde atuou
especialmente na área ambiental, tendo sido nomeado presidente da Comissão de Defesa
do Meio Ambiente. Mesma época em que presidiu o Centro de Referência Negro-Mestiça,
criado por ele e Antonio Risério, e criou em Salvador a Fundação OndaAzul, com o objetivo
de defender as águas brasileiras. Em 1989 participou da campanha presidencial de Luís
Inácio Lula da Silva (PT) e no ano seguinte, em março de 1990, filiou-se ao Partido Verde
(PV). Após o fim do seu mandato na Câmara de Vereadores de Salvador, em 1992, se afastou
dos cargos políticos, só retornando em 2003 para assumir o Ministério da Cultura, onde
permaneceu como ministro até meados de 2008.
490

[Entrevista realizada presencialmente em Salvador/Ba, em 30/03/2009. Entrevistadores:


Antônio Albino Canelas Rubim, Paulo Miguez, Giuliana Kauark e Naomar Almeida. Entrevista
publicada em Políticas Culturais em Revista, 2 (1), p. 187-212, 2008]

Márcio Augusto Freitas de Meira [Márcio Meira]


Pesquisador, antropólogo e gestor público. Graduado em Língua e Literatura Francesa pela
Aliança Francesa/Universidade de Nancy (1983) e em História pela Universidade Federal do
Pará (1987). Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (1993).
Doutor em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2017).
Desde 1988 é pesquisador de carreira do Museu Paraense Emílio Goeldi, do Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação. Entre 1995 e 1998 foi diretor do Arquivo Público do Estado
do Pará. Entre 1998 e 2002 presidiu a Fundação Cultural do Município de Belém. Foi um dos
coordenadores do Programa de Cultura do candidato à presidência Luís Inácio Lula da Silva
(2002) e coordenou a equipe de transição do MinC após eleição de Lula. De janeiro a agosto
de 2003 foi secretário de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas do MinC, e depois assumiu a
Secretaria de Articulação Institucional, entre setembro de 2003 e fevereiro de 2007. De
março de 2007 a abril de 2012 presidiu a Funai. De 2012 a 2016 foi assessor especial do
ministro da Educação.
[Entrevista concedida para a dissertação de mestrado de Ana Lúcia Aragão, realizada em
Salvador/BA, em 27/09/2012] [Entrevista concedida para a dissertação de mestrado de
Paula Félix dos Reis, realizada em 14/09/2007] [Palestra realizada no Seminário Internacional
Sistemas de Cultura: política e gestão cultura descentralizada e participativa promovido pelo
MinC em 2015 e publicado em livro em 2016]
491

APÊNDICE B - ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

Pesquisadora: Sophia Cardoso Rocha

Entrevista semi-estruturada com dirigentes, gestores públicos, especialistas, pesquisadores e


funcionários do Ministério da Cultura.

1 – Apresentação do entrevistado

Como foi a sua participação no Ministério da Cultura? Que cargos você ocupou? Quais foram
as principais atividades que participou ou desenvolveu? Em relação ao Sistema Nacional de
Cultura, que papel você desempenhou especificamente?

2 – O SNC em sua perspectiva federativa

2.1 Em que momento questões relacionadas ao pacto federativo se manifestaram no


SNC? Elas já estavam postas desde o documento A imaginação a serviço do Brasil? Quem
eram as pessoas que costumavam participar desse debate? Houve a participação de outros
órgãos/instituições nesse processo?

2.2 Por que não se avançou na instalação da CIT e na definição das competências e
responsabilidades dos entes federados? Como as diferenças regionais influenciaram no SNC?
Qual a sua opinião sobre a repetição dos componentes do SNC nos três níveis de governo?
Você acredita que o SNC foi construído verticalmente, a partir dos interesses da União?

3 – O processo de construção do SNC

3.1 Quando e como surgiu a ideia de se criar um sistema nacional de cultura? quem
participou desse processo? Quais referências guiaram a formulação do SNC? O sistema
imaginado naquela época foi o mesmo aprovado como Emenda Constitucional em 2012?
Quais eram as expectativas para o desenvolvimento da política após a vitória do presidente
Lula da Silva, em 2002?

3.2 Que impacto a configuração da gestão do MinC no Governo Lula/Dilma teve no


SNC? Quais foram as iniciativas realizadas pela SAI nesse período? Quem eram as pessoas
envolvidas?
492

3.3 Como era a relação da SAI com outros setores do Ministério, a exemplo da
Secretaria Executiva, Gabinete do Ministro, Secretaria de Políticas Culturais etc. Como o SNC
era percebido por outros dirigentes do MinC? Como as Representações Regionais atuaram
em torno do SNC? Você acredita que as gestões do MinC no período de 2003 a 2016 foram
de continuidade?

3.4 A SAI se articulou com instâncias representativas de gestores públicos de


municípios e estados (fóruns de secretários e dirigentes) e da sociedade civil (CNPC) para a
construção do SNC? Como foi feita essa articulação? Quem participou? Que tipo de
ações/temas foram abordados nesse diálogo? A participação dessas pessoas impactaram de
que maneira no SNC?

3.5 Que tipos de dificuldades e entraves envolveu a construção do SNC? Em algum


momento ele foi considerado uma política prioritária pelo MinC? Em que
instituições/pessoas havia mais resistência ou afinidade com o SNC?

3.6 Qual a sua opinião sobre o desenho do SNC previsto no Art. 216-A da Constituição
Federal? Como foi o processo de adesão de estados e municípios ao Sistema? Em sua
avaliação, o que faz um ente subnacional aderir ao SNC? Por que o percentual de adesão ao
SNC é alto? Que tipo de fala era utilizada pelo MinC para conseguir essas adesões? Havia no
discurso da SAI a vinculação da adesão ao SNC ao acesso a recursos do FNC?

3.7 Como era a relação do MinC com os deputados e senadores que tratavam de
matérias da área da cultura? Quem era o interlocutor ou os interlocutores do Ministério
nessa relação? Como foi a tramitação da PEC do SNC na Câmara dos Deputados e no
Senado? Como foi o processo de votação? Em sua opinião, qual importância tem o SNC estar
inscrito na Constituição Federal? Por que o Projeto de regulamentação do SNC não chegou
ao Congresso? Que fatores impediram a tramitação do mesmo?

3.8 Qual sua avaliação geral sobre o SNC? Você acredita que as metas do PNC serão
atingidas? O que o SNC tem de positivo e negativo, de potencialidade e fragilidade? Quais
suas expectativas para o seu desenvolvimento nos próximos anos?
493

APÊNDICE C– Minuta do Protocolo de Intenções (2005)

Objeto
Estabelecer as condições e orientar a instrumentalização necessária para a implantação do Sistema
Nacional de Cultura – SNC no âmbito dos estados e municípios
Conceito do SNC
constitui-se de um processo de articulação, gestão e de promoção conjunta de políticas, tendo como
objetivo geral formular e implantar políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes,
pactuadas entre os entes da federação e sociedade civil, promovendo o desenvolvimento social com
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional.
Objetivos específicos do SNC
a) promover parcerias entre os setores público e privado nas áreas de gestão e de promoção da
cultura;
b) promover o intercâmbio entre os entes federados para a formação e capacitação de pessoas, e
circulação de bens e serviços culturais;
c) estabelecer um processo democrático de participação na gestão das políticas e dos
investimentos públicos na área cultural;
d) implementar políticas públicas que viabilizem a cooperação técnica entre os entes federados
na área cultural;
e) articular e implementar políticas públicas que promovam a interação da cultura com as demais
áreas sociais, destacando seu papel estratégico no processo de desenvolvimento social;
f) promover agendas e oportunidades de interlocução e a interação entre as áreas de criação,
preservação, difusão e os segmentos da chamada indústria cultural.
COMPROMISSOS PACTUADOS entres os entes
a) formulação e implantação do Plano Nacional de Cultura;
b) implantação dos sistemas de cultura nas respectivas esferas administrativas;
c) efetivação dos planos de cultura nas respectivas esferas de suas competências;
d) criação, instalação, implementação e/ou fortalecimento dos conselhos de política cultural de forma
integrada;
e) implantação das conferências de cultura no âmbito de suas competências;
f) implantação e/ou fortalecimento dos sistemas de financiamento específicos para cultura, nas suas
esferas administrativas;
g) integração e otimização dos recursos financeiros destinados às políticas culturais;
h) implantação de sistemas setoriais das diversas áreas da cultura - bibliotecas, museus, centros
culturais, artes em geral, patrimônio cultural, entre outras - com participação e controle social;
i) implantação e disponibilização democrática do Sistema Nacional de Informações Culturais,
constituído de bancos de dados sobre bens, serviços, programas e instituições de natureza cultural;
j) implementação integrada de programas e projetos de capacitação e aprimoramento de setores e
instituições culturais específicos;
k) cooperação técnica para a realização de planejamento estratégico, no âmbito do Sistema Nacional
de Cultura;
l) articulação das diversas redes/setores da cultura brasileira;
m) facilitação do fluxo de projetos culturais em circuitos nacionais;
n) criação e implantação, ou manutenção de órgão específico de gestão da política cultural no âmbito
do Município. [Protocolo do Município]

RESULTADOS esperados
a) plano nacional de cultura implantado;
b) sistemas de cultura implantados nas respectivas esferas administrativas;
494

c) planos de cultura em execução nas respectivas esferas administrativas;


d) conselhos de política cultural instalados e em funcionamento nas respectivas esferas de
competência;
e) conferências de cultura realizadas nas respectivas instâncias de competências;
f) sistemas de financiamento específicos para cultura fortalecidos nas respectivas esferas
administrativas [Estado]; Sistemas de financiamento específicos para cultura implantados e em vigor
nas respectivas esferas administrativas [Município];
g) sistemas setoriais de cultura constituídos com participação e controle social;
h) sistema nacional de informações culturais implantado e disponibilizado; [Município];
i) programas e projetos de capacitação e aprimoramento de setores e instituições culturais em
desenvolvimento;
j) diversas redes/setores da cultura brasileira articulados e integrados;
k) circuitos nacionais de projetos culturais em plena execução;
l) Órgão específico de gestão da política cultural implantado e em funcionamento no âmbito do
Município. [Município]

Ações a serem desenvolvidas


As ações a serem desenvolvidas em decorrência deste Protocolo serão detalhadas em Plano de Ação,
que será parte integrante deste instrumento, do qual constará o rol de atividades, o cronograma de
execução e metas a serem atingidas, além de outras informações consideradas pertinentes.

Subcláusula Primeira – A elaboração do Plano de Ação deverá ser realizada em comum acordo entre as
partes no prazo máximo de noventa dias, a partir da publicação no Diário Oficial da União. [Estados]/ A
elaboração do Plano de Ação deverá ser realizada em comum acordo entre as partes no prazo máximo
de cento e vinte dias, a partir da publicação no Diário Oficial da União.[Municípios]/ A elaboração do
Plano de Ação deverá ser realizada em comum acordo entre as partes no prazo máximo de sessenta
dias, a partir da publicação no Diário Oficial da União [Municípios de MG].

Subcláusula Segunda – As ações que envolvam parcerias específicas e compartilhamento de recursos


materiais e financeiros serão efetivadas mediante a formalização, a qualquer tempo, de Termos de
Referência ou celebração de Convênios, segundo a natureza de cada uma, observados os dispositivos
legais pertinentes a cada caso e as negociações entre os partícipes, sendo tais instrumentos parte
integrante deste, independente de transcrição ou anexação
Obrigações do MinC
a) criar condições de natureza legal, administrativa, participativa e orçamentária para implantação do
SNC;
b) coordenar e desenvolver o SNC;
c) implantar o Conselho Nacional de Política Cultural;
d) realizar a primeira Conferência Nacional de Cultura até dezembro de 2005;
c) apoiar a realização da primeira conferência estadual de cultura [Estados];/ Apoiar a realização das
primeiras conferências estaduais, municipais e distrital de Cultura [Municípios]
e) coordenar, em âmbito nacional, o planejamento estratégico a ser realizado com Estados,
Municípios e DF para a implantação do SNC;
f) implantar e coordenar o Sistema Nacional de Informações Culturais;
g) aprimorar e fortalecer os mecanismos de financiamento da cultura, no âmbito da União;
h) compartilhar recursos para a execução de programas, projetos e ações culturais, no âmbito do
SNC;
i) acompanhar a execução de programas e projetos culturais, no âmbito do SNC;
j) fomentar e regulamentar a constituição de sistemas setoriais nacionais de cultura;
k) fomentar, no que couber, a integração/consorciamento de Estados e Municípios para a promoção
495

de metas culturais;
l) Manter em atividade o PRONAC [Municípios];
Obrigações do ente subnacional
a) criar condições de natureza legal, administrativa, participativa e orçamentária para sua integração
ao SNC;
b) integrar-se ao SNC [Estados/Municípios]; Integrar-se ao Sistema Estadual de Cultura
c) consolidar o Plano Estadual de Cultura [Estados]; Consolidar o Plano Municipal de Cultura
[Municípios];
d) assegurar o funcionamento do Conselho estadual de política cultural [Estados]; Assegurar o
funcionamento ou implementar o Conselho municipal de política cultural [Municípios];
e) manter o Fundo de Investimentos Culturais - FIC; [Estados]; Criar e implantar; ou manter e
assegurar Fundo Municipal da Cultura [Municípios];
a) realizar a Conferência Estadual de Cultura, previamente à primeira Conferência Nacional [Estados];
Realizar a primeira Conferência Municipal de Cultura, previamente à primeira Conferência Estadual
e Nacional [Municípios]
f) apoiar a realização das conferências nacional e municipais de Cultura [Estados]; Apoiar a realização
das conferências estadual e nacional de Cultura [Municípios];
g) compartilhar recursos para a execução de ações, programas e projetos culturais no âmbito do
SNC;
h) compartilhar informações junto ao Sistema Nacional de Informações Culturais disponibilizado pela
União;
i) implantar e regulamentar as normas específicas estaduais dos sistemas setoriais de cultura
[Estados]; Implantar e regulamentar as normas específicas dos sistemas setoriais de cultura
[Municípios];
j) cumprir as metas e prazos definidos no planejamento estratégico do Sistema Nacional de Cultura;
b) apoiar, no que couber, a integração/consorciamento de Municípios para a promoção de metas
culturais conjuntas [Estados]; Realizar a integração/consorciamento de Municípios para a
promoção de metas culturais conjuntas [Municípios]; No de Minas não tem isso, consta: cumprir as
metas e prazos definidos no planejamento estratégico do SNC;

CONFERÊNCIAS
As Conferências de política cultural deverão ser convocadas pelo Poder Executivo, no âmbito das
respectivas esferas de atuação, com a finalidade de definir respectivamente as diretrizes e prioridades
dos planos de cultura.

CONSELHOS
Os conselhos de política cultural referidos na alínea “d” da Cláusula Quarta constituem espaços de
pactuação de políticas necessárias para implantação do SNC, tendo em regra geral, representação
paritária governo-sociedade, possuindo caráter deliberativo e consultivo, apresentando pelo menos as
seguintes competências:
a) elaborar e aprovar os planos de cultura a partir das orientações aprovadas nas conferências, no
âmbito das respectivas esferas de competência;
b) acompanhar a execução dos respectivos planos de cultura;
c) apreciar e aprovar as diretrizes dos Fundos de Cultura no âmbito das respectivas esferas de
competência;
d) fiscalizar o cumprimento das diretrizes e instrumentos de financiamentos da cultura.

VIGÊNCIA
O prazo de vigência do presente Protocolo é da data de sua celebração até 31 de dezembro de 2006,
podendo ser prorrogado, subseqüentemente, mediante termos aditivos
496
497

APÊNDICE D – PANORAMA DE AÇÕES DO PROGRAMA MAIS CULTURA

O quadro a seguir foi elaborado com base no relatório do MinC de 2008, nas 78 edições do
“Informativo Mais Cultura” referentes ao período de 05 de janeiro de 2009 a 02 de julho de
2010186 (disponíveis no blog do Programa) e na apresentação187 da SAI que apresentou
alguns números de 2009 e expectativas para 2010.

EIXO I: CULTURA E CIDADANIA188

Linha de Conceito Dimensão Investimento/


ação Benefício
Até o final de 2008 foram Cada Ponto de
apoiados 800 projetos. Em 2009 Cultura recebia ao
foram implantados 1.531 Pontos longo de três anos o
de Cultura. A previsão para 2010 valor de R$
era alcançar a marca de 2.615. O 60.000,00.
processo seletivo e de
conveniamento era realizado
Apoio a projetos através dos órgãos públicos de
culturais já cultura dos estados e municípios.
desenvolvidos por
Em parceria com o Ministério da
instituições em
Saúde foram implantados dez
comunidades e redes.
Pontos de Cultura que atuavam
na promoção à saúde.
Pontos de
Cultura Apoio realizado Em parceria com o Ministério da
através de convênios Justiça, foram repassados
com estados e recursos para o Acre selecionar
municípios. quatro Pontos de Cultura em
áreas de vulnerabilidade social.
Em parceria com a FUNAI, em
Na ação dos Pontos
2009, foram destinados 30
Indígenas foi
Pontos de Cultura indígena para
investido cerca de
o Acre, Amazonas, Mato Grosso,
R$6,4 milhões.
Roraima e Rondônia. A proposta
era implantar 150 Pontos
Indígenas em todo país até 2010.

186
Por conta da Lei Eleitoral, a publicação do Informativo foi interrompida em julho.
187
Disponível em: http://mais.cultura.gov.br/files/2009/02/apresentacaomaiscultura-3.pdf>. Acesso em nov.
2010.
188
De acordo com o MinC, aproximadamente nove mil iniciativas foram fomentadas até 2010, totalizando
investimento de cerca de R$ 700 milhões.
498

Os Pontões Em 2008 foram conveniados 14 Investimento/MinC


(instituições públicas Pontões nos seguintes estados: 2008: R$ 5,2
ou privadas sem fins milhões.
 Seis em São Paulo
lucrativos) deveriam
articular os Pontos de  Dois no Rio de Janeiro
Cultura já existentes.  Dois no Piauí
Pontões de Os Pontões de Leitura  Um no Mato Grosso
Cultura e de deveriam: atuar na
Leitura área do livro,  Um no Paraná
literatura e leitura;  Um em Pernambuco
junto à formação de
agentes de cultura  Um no Ceará
vinculados aos Pontos Em 2009 foi publicado edital para
de Leitura; e selecionar 40 Pontões de Cultura, Cada Pontão de
promover eventos sendo cinco deles para o Livro e Leitura deveria
para articular os Leitura (um para cada região do receber em torno de
Pontos de Leitura. país). R$ 1 milhão.
Iniciativas que No período 2008/2009 foram Cada iniciativa
pudessem estimular, apoiadas 514 iniciativas, sendo contemplada recebia
fortalecer e fomentar que 175 foram oriundas dos um kit contendo 650
a leitura em diversos Territórios da Cidadania e 160 livros, mobiliário e
espaços, tais como dos municípios prioritários do computador
bibliotecas Pronasci. completo
comunitárias,
As 514 iniciativas foram assim
associações de bairro,
distribuídas:
sindicatos e Pontos de Investimento/MinC
Cultura.  204 no Sudeste 2008: R$ 15,26
milhões.
 188 no Nordeste
O objetivo principal  48 no Sul
era democratizar o  44 no Norte
acesso a materiais de
leitura.  30 no Centro-Oeste
Pontos de
Leitura
Em 2010 foi instalado um Ponto
de Leitura no Timor Leste, em
parceria com o Ministério das
Relações Exteriores.
Em 2010 foi lançado em
Diadema/SP o “Ponto de Leitura Investimento para os
nas fábricas”, envolvendo dez Pontos de Leitura
indústrias. A proposta era nas fábricas:
estimular a leitura no ambiente R$ 200.000,00.
de trabalho.
A previsão para 2010 era alcançar
um total de 1.214 Pontos de
Leitura.
499

Formação de agentes O projeto foi iniciado em 2010 e Cada agente recebia


de leitura para pretendia selecionar e formar um kit contendo
atuarem na 4.574 agentes em parceria com livros, mochila,
democratização do nove estados, 21 prefeituras e uniforme, bicicleta e
acesso ao livro e na três consórcios municipais, bolsa mensal de R$
formação leitora. beneficiando cerca de 450 mil 350,00 pelo período
pessoas nessas localidades. de um ano.
As atividades
envolveriam visitas
domiciliares,
Investimento/MinC:
empréstimos de
R$ 20,6 milhões
livros, rodas de
leitura, contação de
histórias, criação de Investimento/MEC:
Agentes de clubes de leitura e R$ 3 milhões
Leitura saraus literários.
Os agentes deveriam
ter ensino médio E contrapartida dos
completo e idade estados e
entre 18 e 29 anos. municípios.

Os agentes estariam
integrados às Total da ação:
bibliotecas públicas
municipais e R$ 30,3 milhões
escolares, bem como
aos Pontos de Leitura
e ao projeto Arca das
Letras do Ministério
do Desenvolvimento
Agrário.
Pretendia promover a Em 2008, 215 iniciativas foram Cada Potinho de
política nacional de contempladas, dessas 27 Cultura recebia um
transmissão e concentravam-se nos Territórios prêmio no valor de
preservação da da Cidadania e 93 em áreas do R$ 18.000,00.
Cultura da Infância e Pronasci.
da Adolescência,
Em agosto de 2009 foi realizado o
através de ações que Investimento/MinC
fortalecessem os I Encontro Nacional dos 2008: R$ 3,87
Pontinhos de Pontinhos de Cultura/Espaço de milhões.
direitos da criança
Cultura/ Brincar com o objetivo de
segundo o Estatuto da
Espaços de Criança e do promover discussões sobre a
Brincar Mais Adolescente, cultura da infância e da
Cultura sensibilizando e adolescência.
capacitando Em 2009 foi planejado o
profissionais de lançamento de editais para
instituições para a contemplar 551 Pontinhos de
implantação e/ou Cultura.
continuidade de ações
lúdicas. Para 2010 a expectativa era
atingir 865 projetos.
500

Apoio a atividades Em 2008 foram realizadas seis Cada Cine recebia


cineclubistas que oficinas que capacitaram 155 um kit contendo
promovessem agentes de audiovisual, de 82 telão (4m X 3m),
exibição de filmes em Cines Mais Cultura distribuídos aparelho de DVD,
áreas rurais e urbanas, em 22 estados e no Distrito projetor,
geralmente sem salas Federal. equipamentos de
de cinema. som e filmes
brasileiros
Em 2009 foram selecionadas 100 selecionados pela
Envolvia oficinas de propostas no país: Programadora Brasil,
capacitação para exibições
cineclubista, com semanais.
apoio para a formação  46% Nordeste
dos oficinandos  36% Sudeste
(conteúdos de Investimento/MinC:
introdução à história  11% Sul R$ 3,55 milhões
do cinema e  5% Norte
linguagem
Cine Mais cinematográfica); e  2% Centro Oeste
Cultura oferecia informações
sobre questões
Em novembro de 2009 foi
relevantes e atuais
publicado edital para selecionar
relativas à atividade
150 propostas elaboradas por
exibidora, como
prefeituras de municípios com
direitos autorais e
até 20 mil habitantes.
sustentabilidade.

Em 2010, através de uma


parceria com o IPHAN, foi
elaborado um projeto para
instalar o Cine Mais Cultura em
28 cidades históricas do Brasil.

A expectativa para 2010 era


atingir a marca de 1.600 Cines
Mais Cultura.

Produção de Em 2008 foi realizada pesquisa FICTV


conteúdos sobre o perfil psicossocial da
I Etapa :
audiovisuais para juventude das faixas C, D e E,
difusão nas emissoras articulada com o campo público R$ 250.000,00
públicas de TV com de TV. No mesmo ano foi II Etapa:
foco na inclusão realizado o Seminário Juventude
Conteúdos social. e Teledramaturgia. R$ 2,6 milhões.
para TVs Investimento/MinC:
públicas R$ 8 milhões
O projeto pretendia Em 2009, o Edital FICTV premiou
envolver a realização oito projetos da primeira etapa
de pesquisas dos (um do Rio Grande do Sul, três do
501

segmentos-alvo, Rio de Janeiro, três de São Paulo


realização de e um da Bahia). Em 2010,
seminários e seleção deveriam ser premiados três
de projetos de desses projetos (segunda etapa).
produção Cada um deveria apresentar 13
independente. capítulos, com custo de cerca de
R$ 180 mil reais, por episódio.
Programa Tô Sabendo: começou
FICTV: pretendia
a ser transmitido no início de
selecionar projetos de
2010 para todo o país através da
desenvolvimento e Programa Tô
TV Brasil.
produção de Sabendo
teledramaturgia Nós na Tela - O edital premiou no
seriada dirigidas a final de 2009 a produção de 20 Investimento/MinC:
jovens das classes C,D curtas-metragens sobre o tema R$ 6,328 milhões
e E , a serem Cultura e Transformação Social. Investimento/Secult
veiculadas nas Os trabalhos selecionados (BA)
emissoras públicas. tiveram a seguinte distribuição: R$ 1,582 milhão

Tô Sabendo: game  Nove no Nordeste


educativo entre
 Quatro no Sudeste Nós na Tela
estudantes com
conteúdos voltados  Três no Sul Prêmio de R$
para o ENEM.  Três no Norte 30.000,00
Conteúdos Resultado da parceria
para TVs  Um no Centro Oeste Investimento:
com o IRDEB
públicas R$600.000,00
(Secult/Bahia)

Nós na Tela – objetivo


de desenvolver
conteúdos educativos,
culturais e
teledramaturgia
seriada que
retratassem,
problematizassem e
apontassem
perspectivas para o
público juvenil. Tinha
a parceria da
Associação Brasileira
de Canais
Comunitários
(ABCCom).
502

A proposta integrava a O funcionamento do Vale-Cultura A expectativa era


reforma da Lei de envolveria o Governo federal que o Vale-Cultura
Fomento e Incentivo a (concederá renuncia fiscal de injetasse R$600
Cultura e ainda 30%), o empregador (arcará com milhões por mês na
dependia de 50%) e o trabalhador (contribuirá atividade cultural do
aprovação. com 20%). país.

Pretendia facilitar o
acesso dos
Vale Cultura trabalhadores aos
produtos e serviços
culturais através de
um vale de R$ 50 por
mês. Esse dinheiro
poderia ser utilizado
para ingressos em
espetáculos, aquisição
de livros, CDs, DVDs
etc.

Estímulo do hábito da Em 2009 foi publicado edital para Os valores recebidos


leitura e do selecionar publicações, com pelas publicações
pensamento crítico aquisição de sete mil assinaturas variaram de
através do acesso a por periódico. Em março de 2010
R$ 294.000,00 a
periódicos. foi publicado o resultado:
R$ 524.160,00.
As publicações
deveriam ser
 São Paulo/SP: Brasileiro,
distribuídas para Investimento/MinC:
Cult, Viração, Rolling
bibliotecas públicas,
Stones, Raça Brasil, Carta R$ 2,1 milhões.
Pontos de Leitura e
na Escola, Fórum Outro
Periódicos Pontos de Cultura.
Mundo em Debate, Le
de conteúdo Monde Diplomatique,
Mais Cultura Caros Amigos,
Almanaque Brasil de
Cultura Popular
 Rio de Janeiro/ RJ: Piauí
 Curitiba/ PR: Jornal
Rascunho
503

EIXO II: CULTURA E CIDADES


Linha de Conceito Dimensão Investimento /
ação Benefício
Promoção da cultura Implantação Cada kit era
do livro e da leitura composto de dois
Em 2008 foram distribuídos 300
através de implantação mil livros, mobiliário
kits, em 2009, mais 450
e modernização de e equipamentos
unidades.
bibliotecas públicas e (computador,
de apoio a Pontos de A soma desses kits deveria televisor, aparelho
Leitura. contemplar a totalidade de de DVD e som).
municípios sem biblioteca,
A ação envolvia O valor estimado de
identificados pelo Sistema
parcerias com o cada kit era de
Nacional de Bibliotecas Públicas.
Ministério das R$65.000,00.
Comunicações através
Investimento/MinC:
do “Telecentro
2008 e 2009:
Comunitário”, que
pretendia levar R$ 39,4 milhões.
computadores com Modernização Cada kit era
internet a todas as composto por mil
bibliotecas públicas Entre 2008 e 2009 foram
livros, mobiliário,
municipais. adquiridos 444 kits para
almofadas, tapetes,
modernização de bibliotecas
De acordo com o MinC, pufes e telecentro
públicas municipais, sendo 299
entre 2008 e 2009 foi digital com 11
localizadas nos Territórios da
investido R$161,4 computadores
Cidadania.
milhões para conectados em rede,
implantação e Em dezembro de 2009 foi com acesso à
modernização de publicado edital que selecionou internet banda larga.
bibliotecas 200 bibliotecas públicas O valor estimado de
Bibliotecas
municipais (cidades com ate 20 cada kit era de R$55
Mais Cultura
mil habitantes) para receberem mil reais.
o kit. O estado com maior
Investimento/MinC:
número de premiação foi Minas
2008: R$ 24,31
Gerais.
milhões.
Em 2010 foi publicado edital
Investimento/MinC:
para premiar 300 bibliotecas
2009: 6,8 milhões
públicas. A premiação foi
dividida em três categorias: I – Investimento/MinC:
Apoio a bibliotecas públicas 2010: R$ 30,6
municipais; II – Implantação de milhões.
bibliotecas de bairros, distritais
e/ou rurais; III – Apoio a
bibliotecas acessíveis. Os valores
variavam de R$ 85 mil a R$ 115
mil para cada projeto.
504

Bibliotecas de Referência O investimento do


MinC ultrapassou os
Modernização de bibliotecas
R$ 23 milhões.
públicas de grande porte
envolvendo ampliação do
acervo, digitalização de obras,
capacitação e acesso a mídias
diversas.
Entre 2008 e 2010, foram
selecionadas diversas
bibliotecas de referência dentre
elas a Biblioteca do Estado de
Pernambuco, Biblioteca de São
Paulo, Biblioteca Pública
Estadual de Alagoas, Biblioteca
Nacional (DF), Biblioteca de
Referência Governador Menezes
Pimentel (CE), Biblioteca Pública
do Estado da Bahia, Biblioteca
Bibliotecas
Parque de Manguinhos (RJ),
Mais Cultura
Biblioteca Thiago de Mello (AM)
e Biblioteca de Cruzeiro do Sul
(AC).
Construção de bibliotecas Não foi declarado
investimento no ano
Previa a construção de módulos
de 2008.
de 150m² adaptáveis, que
permitissem ampliações futuras.
Terreno de 500m², acervo em
torno de dois mil livros,
mobiliário e telecentro.
Bibliotecas Comunitárias Prêmio: R$
50.000,00 para cada
Apoio às iniciativas que atuavam
iniciativa.
como bibliotecas comunitárias
e/ou populares.
Os editais deveriam ser
publicados pelos órgãos
públicos de cultura estaduais.
Construção, Em 2008 foram selecionados Investimento/MinC:
recuperação ou projetos em sete capitais:
R$ 6,7 milhões.
ampliação de espaços
 Recife
já existentes, tanto nas Foram liberados, em
 Natal
periferias quanto nos 2009, R$ 18,5
 São Luís
centros urbanos, milhões para a
Espaço Mais  Belém
implantação de 19
Cultura para a prática de  Curitiba
Espaços Mais Cultura
atividades culturais, de  Florianópolis
em 18 capitais e um
criação, lazer e convívio  Brasília
em Santos.
social. A primeira inauguração foi
realizada em setembro de 2009
505

com o Espaço CUCA Che No edital de 2010,


Guevara, em Fortaleza. cada Espaço deveria
Ação desenvolvida em
receber R$
parceria com o Em 2009, Santos (SP) foi o
450.000,00.
Ministério das Cidades primeiro município a assinar a
e com a Caixa implantação do Espaço Mais O investimento foi
Econômica Federal. Cultura no Dique da Vila Gilda. O de R$ 9 milhões.
investimento foi de R$ 1,5
milhões.
Em 2010 um edital selecionou
20 propostas para construção
dos Espaços:
 20 no Nordeste (quatro
Espaço Mais na Bahia; dois em
Cultura Alagoas; dois em
Pernambuco e um no
Ceará)
 Cinco no Sudeste
(quatro em Minas
Gerais e um em São
Paulo)
 Cinco no Sul (dois no Rio
Grande do Sul; dois em
Santa Catarina e um no
Paraná)
 Um no Norte (Tocantins)

Atuava na Para 2009 foram selecionadas O projeto deveria ter


reconstrução e 11 regiões prioritárias para duração de três anos
proteção da memória implantação do projeto: e previa
social e coletiva das investimento total
- Maceió
comunidades a partir no valor de R$ 3,57
- Salvador
de seus moradores. O milhões.
- Fortaleza
espaço seria também
- Brasília
Pontos de um ponto de
- Belo Horizonte
Memória dinamização das Investimento/MinC:
- Belém
Mais Cultura atividades culturais e R$ 1 milhão (em três
- Curitiba
socioeducativas locais. anos).
- Recife
Tinha como parceiros o - Rio de Janeiro
Ibram, o Ministério da - Porto Alegre
Justiça e a Organização - São Paulo Investimento/ MJ:
dos Estados Ibero- Em 2010 foi noticiada a criação R$ 2,57 milhões.
Americanos para a do museu em Brasilândia (São
Educação, a Ciência e a Paulo)189 em Terra Firme (Belém

189
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2010/06/08/direito-a-memoria/>. Acesso em: nov. 2010
506

Cultura (OEI). do Pará)190 e no Distrito


Federal191
EIXO III: CULTURA E ECONOMIA
Linha de Conceito Dimensão Investimento /
ação Benefício
Incentivo à produção Entre 2008 e 2009 foram Entre 2008 e 2009
local e valorização dos selecionadas 65 comunidades foi repassado o
trabalhos de artesões. nas seguintes regiões: montante de R$ 1,3
milhão às 65
O recurso deveria ser  Norte (oito)
comunidades.
aplicado na
 Nordeste (32)
qualificação dos
espaços destinados à  Centro-Oeste (quatro)
Investimento/MinC:
produção do  Sudeste (nove)
Promoção R$ 5,12 milhões
artesanato no país e na
do  Sul (três)
realização de oficinas
Artesanato Investimento/
de capacitação, entre  Pólos Indígenas (seis)
de Tradição BNDES:
outras ações que
Cultural -
estimulassem a R$ 1,3 milhão
PromoArt
geração de emprego e A ação incluía diagnóstico
renda. realizado nos 65 pólos
Tinha parceria do selecionados, construção de
BNDES e da Associação indicadores de avaliação,
Cultural de Amigos do desenvolvimento de site e
Museu de Folclore realização de exposição na Sala
Edison Carneiro do Artista Popular (SAP).

Fomento de Cresce Nordeste Cultura (BNB) Investimento de R$


microcrédito para 9,9 milhões.
Destinado às empresas jurídicas.
empreendedores
Em 2008 foram desenvolvidas
culturais por meio de
282 operações.
linhas de crédito
destinadas às micro, Crediamigo (BNB) O valor médio
pequenas e médias unitário para cada
Dirigido às pessoas físicas do
empresas. atividade foi de R$ 1
setor cultural. No primeiro
mil.
semestre de 2008, financiou
cerca de 216 mil iniciativas
O financiamento era
Microcrédito relacionadas à economia da
feito por meio do
Cultural cultura.
Banco do Nordeste,
Banco da Amazônia, Programa Amazônia + Cultura Até outubro de 2008
Caixa Econômica e (Banco da Amazônia) foi investido R$ 9,9
Banco do Brasil. milhões.
Constituído de uma série de
ações, dentre elas capacitação
em projetos culturais, já
realizada em todas as capitais da

190
Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/2010/05/24/ponto-de-memoria/>. Acesso em: nov. 2010
191
Disponível em: <http://becocultural.com.br/?p=8727/>. Acesso em novembro de 2010
507

região Norte.

CAIXA Sem informações


sobre
A partir de um projeto piloto em
investimentos.
Porto Alegre, a CEF pretendia
desenvolver cinco novos
produtos de crédito para o
Microcrédito mercado da cultura.
Cultural Banco do Brasil Até 2010, os
investimentos do
O Banco do Brasil estudava a
Banco do Brasil na
possibilidade da criação do Dia
cultura somavam R$
da Cultura no BB.
2 bilhões.
Objetivava promover a Em 2008 foi definida a região do As iniciativas
diversidade cultural Semiárido para implementação. recebiam de um a
por meio do fomento e 30 salários mínimos.
incentivo aos artistas,
grupos artísticos Em 2009 foram beneficiados
independentes e 1.200 municípios de 11 estados
pequenos produtores que integram a região do
O edital era
culturais. Semiárido:
realizado através
 Alagoas dos órgãos públicos
de cultura dos
Micro- Visa beneficiar jovens  Bahia
estados.
projetos de 17 a 29 anos  Ceará
Mais Cultura residentes na região
 Espírito Santo
Investimento/ 2009:
 Maranhão cerca de R$ 13,5
Possuía parceria com a
 Minas Gerais milhões.
Funarte, o BNB e com
as secretarias de  Paraíba
cultura dos estados.
 Pernambuco
 Piauí
 Rio Grande do Norte
 Sergipe
Fonte: ROCHA (2011) .
508
509

APÊNDICE E – COMPONENTES DO SNC

(1) Órgãos gestores: organismos da administração pública responsáveis pela


elaboração e execução de políticas culturais. No caso da União, é o MinC, no caso de
estados, Distrito Federal e municípios são as secretarias de cultura, fundações ou órgão
equivalente. Apesar de não ser uma exigência do Sistema, a criação de secretarias exclusivas
de cultura era algo fomentado pelo Ministério, e conforme últimos dados divulgados por
este, consta que em 2015, 78% dos estados e em 41% das capitais192 possuíam secretaria
exclusiva de cultura.

(2) Conselhos de Política Cultural: órgãos colegiados de caráter permanente que


podem atuar em diversas fases das políticas públicas de cultura. De acordo com o MinC
(2010), os conselhos devem ter caráter consultivo e deliberativo, sendo compostos de, no
mínimo, 50% de representantes da sociedade civil, eleitos democraticamente. Devem ser
vinculados ao Poder Executivo, com estrutura integrante ao órgão da administração pública
responsável pela área cultural, que deverá dar apoio administrativo e financeiro para o seu
funcionamento. A finalidade dos conselhos é atuar na formulação de estratégias e no
controle da execução das políticas públicas de Cultura. Apesar de o MinC (2010a) considerar
que estados e municípios devam definir a organização e normas de funcionamento dos seus
respectivos conselhos, há uma série de recomendações quanto às suas competências
essenciais:

[...] propor e aprovar, a partir das orientações aprovadas nas conferências,


as diretrizes gerais dos planos de cultura no âmbito das respectivas esferas
de atuação; acompanhar a execução dos respectivos planos de cultura;
apreciar e aprovar as diretrizes dos fundos de cultura no âmbito das
relativas esferas de competência; manifestar-se sobre a aplicação de
recursos provenientes de transferências entre os entes da federação, em
especial os repasses de fundos federais; fiscalizar a aplicação dos recursos
recebidos em decorrência das transferências federativas; acompanhar o
cumprimento das diretrizes e instrumentos de financiamento da cultura.
(MINC, 2010a, p.46)
Também foi sugerida a seguinte estruturação para os conselhos: Plenário; Colegiados
e/ou Fóruns Setoriais, Temáticos e Territoriais; Câmaras Técnicas e/ou Comissões Temáticas;
Grupos de Trabalho; Comissões de Fomento e Incentivo à Cultura. Segundo o documento-

192
Informação obtida em: <http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/37/>. Acesso em jun. 2018.
510

básico (MinC, 2010a), a recomendação foi pensada a partir das experiências de conselhos já
instituídos e visa dar maior coerência com a racionalidade pretendida pelo Sistema. Também
é indicado mecanismo de escolha para representação da sociedade civil, devendo ser
observada a participação das diversas áreas artísticas e culturais, o critério regional e o fluxo
entre os sistemas federativos de cultura. Assim, por exemplo, na escolha ou eleição da
representação da sociedade civil para os Colegiados Setoriais (que integram o CNPC), devem
ser considerados os respectivos colegiados/fóruns na esfera estadual, e este considerar o da
esfera municipal, conforme figura a seguir.

Fonte: MINC (2010a)

A proposta do MinC para os conselhos de cultura é que eles tenham caráter


deliberativo e consultivo, e que seja de tipo fiscalizador, normativo e propositivo. Para
Albino Rubim (2010), um conselho pode ser apenas consultivo, mas atuar na definição de
políticas culturais; ser deliberativo, mas na prática não possuir poder efetivo de intervir na
configuração das mesmas; ou combinar as duas características a depender da matéria.
Portanto, há diversas possibilidades na configuração e execução das ações dos conselhos. O
autor chama atenção para os conselhos de caráter deliberativo, que por serem investidos do
poder de intervir na formulação e desenvolvimento de políticas públicas de cultura, exigem
um ambiente de discussão pública, ampla e aberta, e a possibilidade de compartilhar
511

decisões. Nesse sentido, é imprescindível algumas condições para o seu bom


funcionamento.

Primeiro, que a atribuição de deliberar possua possibilidade real de ser


plenamente exercida. Segundo que ela seja abrangente, envolvendo muitos
dos temas sob jurisdição do conselho. Terceiro que o conselho goze de
autonomia e independência para formular e intervir nas políticas culturais,
mas, por certo, em íntima conexão com a sociedade que representa.
(RUBIM, 2010b, p. 153)
Rubim (2010b) também destaca que dentre as competências dos conselhos, podem
ter atividades relativas à fiscalização do Estado, por exemplo, quanto ao uso dos recursos
púbicos; ter a possibilidade de formular normas, como pareceres e regulamentações que
podem ser transformadas em decretos e leis, a exemplo dos planos de cultura; ou ainda
propor programas, projetos e atividades ao poder executivo ou à sociedade. Para todas
essas competências, o autor considera fundamental que os conselhos assumam o papel de
mediador entre estado, sociedade civil e comunidade cultural, já que dada a dinâmica dessas
relações – que pode ser de complementação e/ou de conflito – é preciso garantir um espaço
de diálogo, crítica, negociação e pactuação. Para o que, por sua vez, é fundamental “[...] uma
postura democrática do estado e da sociedade. Segundo um conselho representativo e com
autonomia para ser capaz de mediar estas tensões” (RUBIM, 2010b, p. 156). Por fim, quanto
ao modelo paritário de composição dos conselhos, que o MinC sugere ser de no mínimo 50%
da sociedade civil, o autor considera que demanda como essa resulta de uma reivindicação
para que os conselhos deixem de ser compostos de maneira conservadora – apenas por
“notáveis” – e autoritária, sem passar por um processo de participação nessa escolha. Assim,
a “[...] paridade visava socializar o poder de designação dos membros do conselho,
destinando o percentual de metade de seus membros, pelo menos, para a escolha da
sociedade civil e comunidade cultural, com base em arranjos negociados em cada território”
(RUBIM, 2010, p. 157). Entretanto, há uma série de questões que surgem daí, a exemplo da
própria assimetria que pode haver entre as condições de participação dos representantes da
sociedade civil e do governo, que podem ter, por exemplo, maior acesso a informações e
acesso às estruturas do poder. Nesse sentido, para o autor é preciso “enfrentar uma
discussão acerca de modelos distintos de composição de conselhos visando efetivar de
modo mais adequado as funcionalidades demandadas aos conselhos pela sociedade civil e
pela comunidade cultural”. (RUBIM, 2010b, p. 159). Uma posição que, conforme documento
512

publicado pelo Ministério, não foi absorvida. Apesar de estar no tom de “sugestão”, o MinC
indica o caráter, tipo e modelo de composição dos conselhos a serem adotados pelos
estados e municípios sem propor uma reflexão mais profunda sobre a coerência entre o
modelo proposto e o contexto local onde o mesmo estará inserido.

(3) Conferências de cultura: espaços de participação da sociedade civil e de


articulação entre esta e o Estado. O objetivo principal é a proposição de diretrizes para
políticas públicas de Cultura que deverão conformar os planos de cultura. De acordo com o
MinC (2010), deve ser garantida a representação, no mínimo, paritária da sociedade civil em
relação ao poder público. A convocação da Conferência cabe ao Poder Executivo de cada
nível de governo. No âmbito federal, cabe ao Ministério coordenar e convocar as
conferências nacionais, pelo menos, a cada quatro anos. Cada conferência nacional é
antecedida de conferências estaduais e municipais, que devem seguir o tema e a
metodologia indicada pelo Ministério. A articulação entre as conferências se dão por meio
da eleição de delegados e da proposição de demandas. Assim, os delegados da Conferência
Nacional deverão ser eleitos em conferências estaduais/distrital; e os delegados dessas
serão eleitos em conferências municipais e intermunicipais. As demandas e propostas
também deverão ser feitas de maneira articulada, assim no âmbito municipal serão
elaboradas demandas e propostas que deverão ser encaminhadas para o nível estadual, e
assim sucessivamente até a Plenária Nacional.

Para Adélia Zimbrão (2013), uma das importâncias das conferências nacionais é a
potencialidade de influenciar o Poder Legislativo. Porém, isso se torna fragilizado por não
haver método de processamento das decisões dos encontros por parte do MinC, nem canais
formais para o encaminhamento das resoluções. Nesse ponto, o SNC teria papel
fundamental.

Ainda não há, na área da cultura, dispositivos e mecanismos


institucionalizados que garantam às deliberações das Conferências
Nacionais de Cultura desdobramentos conectados à elaboração de políticas
públicas e à proposição de leis.
Contudo, para que as deliberações das conferências de cultura não fiquem
à mercê do dirigente do órgão e tenham ‘força’ legal na esfera das decisões
do Executivo e do Legislativo, gerando implicações no ciclo de elaboração,
controle e gestão de políticas públicas, aposta-se na ‘engenharia
institucional’ Sistema Nacional de Cultura, inspirada no Sistema Único de
Saúde (SUS) e no Sistema Único de Assistência Social (SUAS). (ZIMBRÃO,
2013, p.15)
513

A autora chama atenção, ainda, para o fato dos temas e dos textos bases das
conferências serem elaborados pelo Ministério da Cultura, que pautam todo o processo. De
opinião semelhante, Ana Aragão (2013) afirma que os participantes, apesar de levarem suas
demandas e serem ouvidos, aderem a uma pauta preestabelecida pelo Ministério. Porém,
isso não desvalorizaria as conferências que “[...] além de proporcionar um grande encontro
dos mais diversos sujeitos envolvidos no setor, pode fomentar a criação de outros espaços
de articulação mais constantes, a exemplo dos colegiados, com poder de fala e de
deliberação [...]”. (ARAGÃO, 2013, p.86).

(5) Planos de cultura: instrumentos de gestão pública que tem por finalidade
estabelecer um conjunto de ações a serem executadas durante dez anos. Os planos devem
ser elaborados pelos órgãos gestores da política considerando as deliberações das
conferências de cultura, e devem apresentar a seguinte estrutura: diagnóstico do
desenvolvimento da cultura; objetivos gerais e específicos; diretrizes e prioridades
deliberadas; ações e estratégias necessárias para sua implantação; metas; resultados e
impactos esperados; recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis e necessários;
mecanismos e fontes de financiamento; estruturação e programação da rede de
equipamentos culturais; indicadores de monitoramento e avaliação; e espaço temporal de
execução.

Os planos e cultura depois de elaborados deverão ser submetidos para aprovação


nos conselhos de política culturais e no Poder Legislativo de cada esfera de governo. É
importante que os instrumentos orçamentários – Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LDO) – em seus respectivos níveis de
governo expressem o conteúdo dos planos de cultura, contemplando programas e ações que
deverão ser desenvolvidos pelos entes federados em regime de co-financiamento e de
cooperação (MINC, 2010a).

A partir do Governo Dilma Rousseff, o MinC desenvolveu algumas ações para


fomentar a instituição de planos de cultura em estados e municípios. Dados divulgados pelo
órgão193 afirmam que em 2015 oito estados (30%) e 369 municípios (7%) possuíam planos de
cultura regulamentados.

193
Informação disponível em: <http://pnc.cultura.gov.br/category/metas/1/>. Acesso em jun. 2018.
514

(6) Sistemas de Informações e Indicadores Culturais: constituído de banco de dados


que contempla produtos, serviços, equipamentos, instituições, agentes etc., relacionados
com a área cultural. O objetivo é que o sistema seja uma fonte de dados e indicadores para
gerar informações atualizadas sobre o campo da cultura visando subsidiar o planejamento
das políticas públicas. Assim, o sistema produzirá condições para gestão, monitoramento e
avaliação das políticas implantadas no âmbito do Sistema Nacional de Cultura (MINC, 2010a)

Na esfera federal, coube à Secretaria de Políticas Culturais coordenar a criação do


Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), previsto na Lei
nº12.343/2010, que além de reunir informações, deverá monitorar e avaliar as políticas
culturais, especialmente a implementação do Plano Nacional de Cultura.

(7) Programa Nacional de Formação na Área da Cultura: tem por objetivo estimular e
fomentar a qualificação nas áreas consideradas mais relevantes para o funcionamento do
SNC, permitindo a capacitação de gestores e conselheiros de cultura. De acordo com Albino
Rubim (2008b), havia a ausência de uma política sistemática de formação voltada para os
organizadores da cultura. Situação não enfrentada devidamente pelo MinC nos primeiros
anos da gestão de Gilberto Gil/Juca Ferreira. De acordo com Rubim (2008b), a pouca
visibilidade do assunto no relatório do primeiro mandato e no programa do segundo
refletem esse desinteresse. Além disso, o autor pontua que no PNC, apesar do tema
aparecer diversas vezes, não havia proposta de programa integrado na área de formação.

Urge que o Ministério passe a enfrentar o tema da formação com a atenção


e a grandeza que ele exige. Encaminhamentos razoáveis para a questão
podem ser a formulação e a implementação de um programa nacional de
formação e qualificação em cultura, com base em um sistemático
mapeamento da situação da capacitação no país, por meio do qual sejam
diagnosticados os problemas e potenciais existentes e, simultaneamente,
identificados os possíveis parceiros para a construção conjunta desse
programa. Além disso, o programa deve estar previsto de modo cristalino e
articulado no Plano Nacional de Cultura e funcionar como um dos pilares
integrados ao Sistema Nacional de Cultura. Desse modo, o Brasil poderia
em plenitude resolver o dramático quadro da formação e da qualificação do
pessoal dedicado à cultura, em especial a sua organização. (RUBIM, 2008b,
p. 54)
No âmbito do SNC, a formação passou a ser objeto de atuação da SAI a partir da
criação do GT do Sistema, que como será observado mais adiante, atuou na perspectiva
traçada pelo professor Rubim, e gerou uma série de cursos e eventos voltados para a
formação de gestores. Vale registar que a partir do governo Dilma Rousseff, o MinC passou a
515

atuar de uma maneira mais organizada no âmbito da formação. Na gestão de Ana de


Hollanda, na reforma administrativa publicada por meio do decreto nº 7.743/2012, foi criada
no âmbito da SPC a Diretoria de Educação e Comunicação para Cultura, e na gestão de Juca
Ferreira, em 2015, foi proposta a criação da Secretaria de Educação e Formação Artística e
Cultural (Sefac), que seria responsável pelo desenvolvimento da Política Nacional de
Formação Artística e Cultura, incluindo aí a formação de gestores e agentes culturais e
conselheiros de cultura194. A Sefac, porém, não chegou a ser formalizada e a Diretoria de
Educação e Comunicação da SPC acabou sendo extinta pelo Decreto nº 8.837, de 17 de
agosto de 2016, publicado na gestão que assumiu o MinC após o impeachment da
presidenta da República.

(8) Comissões Intergestoras Tripartite (CIT) e Bipartite (CIB): são as principais


instâncias de negociação e pactuacão das ações intergovernamentais relacionadas à
operacionalização do SNC e dos Sistemas Estaduais de Cultura. Possuem caráter permanente
e devem funcionar como órgãos de assessoramento técnico aos conselhos de políticas
culturais. No âmbito federal a comissão é tripartite, sendo composta paritariamente por
representantes do governo federal e dos governos estaduais e municipais, considerando-se
as regiões do país. Uma das atribuições dessa Comissão é a definição de mecanismos e
critérios de partilha e transferência de recursos do Fundo Nacional de Cultura para os fundos
estaduais e municipais (MINC, 2010a). A CIT também deve ser responsável por:

[...] manter contato permanente com as CIB para a troca de informações


sobre o processo de descentralização; pactuar estratégias para implantação
e operacionalização do sistema; estabelecer acordos sobre
encaminhamentos de questões operacionais referentes à implantação de
ações, programas e projetos que compõem o SNC; atuar como fórum de
pactuação de instrumentos, parâmetros, mecanismos de implementação
e regulamentação do sistema; e promover a articulação entre as três
esferas de governo, de forma a otimizar a operacionalização das ações .
(MINC, 2010a, p.55)
As pactuações produzidas na CIT devem ser submetidas à aprovação do CNPC.

No âmbito estadual, a Comissão passa a ser bipartite, composta paritariamente por


representantes do estado e de municípios, considerando-se critérios regionais. As suas
definições devem ser submetidas ao Conselho Estadual de Cultura, e os acordos aprovados

194
Informações disponíveis em: <http://www.cultura.gov.br/sefac-secretaria-de-educacao-e-formacao-
artistica-e-cultural>.
516

devem ser enviados aos Conselhos Municipais, à CIT e ao CNPC, para conhecimento. Dentre
as competências previstas para as CIBs estão:

Estabelecer acordos sobre encaminhamentos de questões operacionais


referentes à implantação de ações, programas e projetos que compõem o
Sistema Estadual de Cultura; atuar como fórum de pactuação de
instrumentos, parâmetros, mecanismos de implementação e
regulamentação complementar à legislação vigente, nos aspectos comuns à
atuação das duas esferas de governo; [...] pactuar a distribuição/partilha de
recursos estaduais e federais destinados ao cofinanciamento das políticas
culturais, com base nos critérios pactuados na CIT e aprovados no CNPC;
[...] estabelecer interlocução permanente com a CIT e com as demais CIB
para aperfeiçoamento do processo de descentralização, implantação e
implementação do SNC; [...] e pactuar consórcios públicos. (MINC, 2010a, p.
57)
Até agosto de 2018, o MinC não havia instalado a CIT.

(9) Sistemas setoriais: visam desenvolver políticas voltadas especificamente para


determinadas áreas da cultura, a exemplo de museus, bibliotecas e patrimônio. A criação
desses sistemas varia de acordo com o desenvolvimento de cada área, seu grau de
articulação, organização e complexidade. Instâncias de participação da sociedade civil
devem ser garantidas em cada um desses sistemas, a exemplo da criação de colegiados e
câmaras setoriais. Além disso, é possível promover conferências setoriais que poderão
contribuir para a elaboração de políticas dirigidas ao setor. De acordo com o Ministério
(2010), a previsão de sistemas setoriais visa atender a complexidade da área da cultura que
demanda formatos de organização adequados à sua singularidade. Todos os sistemas
setoriais devem ser integrados ao SNC e interconectados federativamente por meio,
sobretudo, das instâncias colegiadas. As políticas setoriais criadas nesse âmbito devem
seguir as diretrizes apontadas na Conferência e consolidadas nos planos de cultura.

Na opinião de Cunha Filho (2017), nos sistemas setoriais, como de museus ou


bibliotecas, é possível identificar melhor as competências de cada ente federado, já que
foram pensados mais pontualmente, ao contrário do SNC que é um único sistema. Assim,
por exemplo, se houvesse a definição de que cada município com X número de habitantes
devesse ter pelo menos um museu, seria possível atribuir para cada ente da federação uma
responsabilidade, como a União entrar com recursos financeiros, o estado com o acervo e o
município com o terreno, e passado um período de tempo em que todos os municípios com
esse perfil tivessem sido contemplados, seria possível redefinir os papéis.
517

No atual site do Ministério da Cultura não há informações organizadas sobre quais


sistemas de cultura estão instituídos, nem mesmo na página dedicada ao SNC.

(4) Sistemas de Financiamento à Cultura: formados por mecanismos diversificados e


articulados de financiamento público, a exemplo de fundos de cultura e de leis de incentivo
fiscal. Em todos os níveis de governo, o mecanismo principal de financiamento deverá ser o
fundo, cujos recursos dirigidos a programas, projetos e ações culturais deverão ser
implementados de maneira descentralizada, em regime de colaboração e co-financiamento
por parte dos estados, Distrito Federal e municípios. O repasse de recurso será feito
mediante transferência fundo-a-fundo, de acordo com critérios, valores e parâmetros
estabelecidos pelas instâncias apropriadas (MINC, 2010a)

De acordo com o documento-básico do SNC, a política de financiamento do MinC se


estrutura por meio de três instrumentos: (1) orçamento do órgão central e unidades
vinculadas; (2) Lei Rouanet que estabelece os mecanismos do Fundo Nacional de Cultura, da
renúncia fiscal (Mecenato) e do Fundos de Investimento nas Artes (nunca efetivado); (3)
mecanismos específicos para o setor do audiovisual (Fundo Setorial do Audiovisual e o
Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional). Desses, para que o SNC
possa ser implantado e desenvolvido, considera-se fundamental fortalecer o Fundo Nacional
de Cultura enquanto “instrumento republicano e federalista de distribuição de recursos
orçamentários” (MINC, 2010, p. 58). Para o que seria imprescindível a aprovação de uma
nova proposta para a política de financiamento da Cultura, expressa no “Programa Nacional
de Fomento e Incentivo à Cultura – Procultura” (antigo PROFIC) que prevê, dentre uma série
de medidas, o fortalecimento do FNC por meio da criação de fundos setoriais, da gestão
paritária e de aporte de recursos dos Fundos de Investimentos Regionais ao FNC. O
Procultura foi encaminhado ao Congresso em 2010 e permanece em tramitação no Senado
Federal.

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