Iniciacao A Docencia em Artes Visuais Gu

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Iniciação à

Docência em Artes Visuais


Guia e experiências
Paola Zordan
(Organizadora)

Iniciação à
Docência em Artes Visuais
Guia e experiências

OI OS
EDITORA

2011
© Organizadora – 2011
E-mail: [email protected]

Editoração: Oikos
Capa: Juliana Nascimento
Revisão: Rui Bender
Arte final: Jair de Oliveira Carlos

Impressão: Rotermund S. A.

Conselho Editorial:
Antonio Sidekum (Ed. Nova Harmonia)
Arthur Blasio Rambo (UNISINOS)
Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL)
Danilo Streck (UNISINOS)
Elcio Cecchetti (ASPERSC)
Ivoni R. Reimer (UCG )
Luis H. Dreher (UFJF)
Marluza Harres (UNISINOS)
Martin N. Dreher (UNISINOS)
Milton Schwantes (UMESP)
Oneide Bobsin (EST)
Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/ Alemanha)
Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE)

Editora Oikos Ltda.


Rua Paraná, 240 – B. Scharlau – Cx. Postal 1081
93121-970 São Leopoldo/ RS
Tel.: (51) 3568.2848 / Fax: 3568.7965
[email protected]
www.oikoseditora.com.br

I56 Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências /


Organizado por Paola Zordan. – São Leopoldo: Oikos,
2011.
144 p.; 14 x 21cm.
ISBN 978-85-7843-179-2
1. Professor – Formação. 2. Artes visuais. 3. Prática peda-
gógica. I. Título. II. Zordan, Paola.
CDU 371.13
Catalogação na publicação:
Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/ 1184
“Quem é professor nato considera cada coisa apenas
em relação aos seus alunos – inclusive ele mesmo.”
Friedrich Nietzsche
Aforismo 63 de
Além do bem e do mal
SUMÁRIO

Prefácio .............................................................................. 9
Apresentação ................................................................... 13
Um breve histórico ..............................................................

PARTE I – um guia .......................................................... 19


1. Para ser professor de Artes ............................................ 19
2. Palavras de licenciandos ................................................ 23
3. Dicas variadas .............................................................. 27
4. Orientações sobre a prática ........................................... 28
a. Mapeamento institucional......................................... 28
b. Observações em sala de aula ..................................... 30
c. Os planos de ação ..................................................... 31
d. Postura didática ........................................................ 32
e. Prática de ensino ....................................................... 34
f. Avaliação .................................................................. 42

5. Material de apoio .......................................................... 46


a. Estratégias para elaborar propostas e projetos ............ 50
b. Matérias e conceitos das artes visuais ........................ 52
c. Materiais e possibilidades técnicas ............................. 55
d. Sugestões para compor uma Caixa de Ideias ............. 58
e. Fruição e compreensão da arte .................................. 60
f. Sobre o trabalho final ................................................ 62
g. Endereços e instituições de interesse .......................... 63
PARTE II – algumas experiências ..................................... 65
Um panorama específico sobre um subprojeto de
Artes Visuais .................................................................... 65
Paola Zordan
Mapeamento de uma escola e algumas observações ........... 75
Fernanda Kieling da Costa
Fragmentos de um relatório .............................................. 81
Júlia Berenstein
Do espaço físico à análise dos questionários ...................... 89
Simone Rodrigues
Sala das sensações: qual o sentido dos sentidos? ................ 95
Paola Zordan
Relatos de participação interdisciplinar e atividades
entre duas escolas ........................................................... 101
Ana Luíza Boeck
Relato de uma oficina e de uma atividade ....................... 113
Maria Eduarda Rangel Vieira da Cunha
Considerações diversas ................................................... 117
Polen Sato Pinheiro
O que fica ....................................................................... 127
Polen Sato Pinheiro
Dos restos, uma fabulação .............................................. 129
Paola Zordan
Referências bibliográficas ................................................ 139

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

PREFÁCIO

A produção coletiva que constitui este livro é fruto de um


trabalho cuidadoso e comprometido com a educação brasileira.
Foi desenvolvido no âmbito do Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação à Docência (PIBID), da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), com o objetivo de fortalecer as
atividades de formação inicial e continuada de professores dessa
Universidade.
O PIBID, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoa-
mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), tornou-se um
dos programas mais relevantes da atual política pública para a
formação de professores, constituindo-se em um elo funda-
mental entre a universidade e a escola básica pública. O pro-
grama possibilita a formação adequada dos licenciados das uni-
versidades enquanto favorece a qualificação do trabalho do-
cente nas escolas de educação básica.
O Programa possibilitou, em três anos de funcionamen-
to, a concessão de aproximadamente vinte e seis mil bolsas a
licenciandos, professores das escolas básicas e professores das
universidades. Além disso, promoveu, por meio do custeio
das ações pedagógicas desenvolvidas nas escolas, a qualifica-
ção e o desenvolvimento do trabalho docente e da aprendiza-
gem dos alunos.

9
Prefácio

N a UFRG S, até o final de 2010, o PIBID constituiu ele-


mento fundamental na formação de noventa e três licencia-
dos, bolsistas do Programa, nas áreas de Licenciatura em
Química, Licenciatura em Física, Licenciatura em Matemá-
tica, Licenciatura em Ciências Biológicas, Licenciatura em
Letras – Língua Portuguesa, Licenciatura em Artes Visuais,
Licenciatura em G eografia, Licenciatura em História e Li-
cenciatura em Ciências Sociais, Licenciatura em Teatro, Li-
cenciatura em Pedagogia e Licenciatura em Filosofia. Possi-
bilitou o fortalecimento das relações entre a Universidade e
oito escolas públicas de educação básica conveniadas, através
da execução de ações conjuntas para a melhoria da qualifica-
ção profissional do trabalho docente.
O processo de qualificação e aprimoramento das práti-
cas pedagógicas desenvolvidas nas escolas foi possibilitado por
meio do estimulo à utilização das novas tecnologias de infor-
mação e comunicação, ferramenta importante no processo en-
sino-aprendizagem; à criação e manutenção de laboratórios
didáticos das diferentes disciplinas nas escolas; à atualização
dos conteúdos tratados e das metodologias empregadas nas
diferentes disciplinas; e aproximando a abordagem utilizada
nas escolas das pesquisas mais recentes sobre abordagens cur-
riculares e metodológicas desenvolvidas na Universidade.
Este livro apresenta esta produção que articula licen-
ciandos, professores da UFRG S e das escolas de educação
básica em torno de uma discussão coletiva, num processo tam-
bém coletivo de conflitos, desafios e, certamente, muito pra-
zer na execução de um projeto de qualificação do trabalho
docente.

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Os relatos de experiência e estratégias de ensino aqui


apresentadas se constituem nas vivências desse coletivo de
aprendizagens que esperamos possam estimular outros pro-
fissionais da educação a participar de coletivos qualificados
de produção acadêmica e possam, dessa forma, contribuir para
a melhoria da educação brasileira.

Flávia Maria Teixeira dos Santos


Coordenadora Institucional
Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação à D ocência
Universidade Federal do
Rio G rande do Sul

11
12
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

APRESENTAÇÃO

Iniciar pressupõe aprendizagens. A Iniciação à Docên-


cia supõe a aprendizagem de ensinar. Uma Iniciação à Docên-
cia em Artes põe em prática todos os conceitos e elementos em
jogo no campo artístico. No âmbito do que hoje denominamos
Artes Visuais, o que se inicia em termos de docência envolve
uma intrincada gama de discursos, metodologias, movimentos
contemporâneos e as repercussões de pesquisas, produções
midiáticas e poéticas plásticas nas escolas. Não cabe a este sin-
gelo trabalho, restrito a dicas e relatos, dissertar sobre a com-
plexidade desse campo. Junto ao Programa Institucional de Bol-
sas de Iniciação à Docência da Coordenação de Aperfeiçoamento
do Pessoal de Ensino Superior (PIBID/ CAPES) confluem aqui,
dentro do que se desenvolveu como parte de pesquisas situadas
entre a arte e a educação, experiências de licenciandos de Artes
Plásticas, agora Artes Visuais, do curso da Universidade Fede-
ral do Rio G rande do Sul (U FRG S). São iniciações em sala
de aula que demandaram a produção do guia que compõe a
primeira parte desta publicação, assim como as experiências
das bolsistas e coordenadora das Artes Visuais vinculadas ao
PIBID / U FRG S, edital 2007, executado de 2009 até o início
de 2011, consistem na segunda parte.
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Do-
cência (PIBID), fomentado pela CAPES, é desenvolvido pelas
IES com a finalidade de valorizar a docência e trazer subsídios
para que estudantes de licenciatura de várias áreas da forma-
ção compreendam a natureza do trabalho docente nas escolas,

13
Apresentação

geralmente insuficiente nas poucas práticas de ensino vivencia-


das pelos estudantes. Justificado pela necessidade de maiores
conexões entre o Ensino Básico das redes públicas e as Univer-
sidades, o presente Programa traz um novo conceito, o de Ini-
ciação à Docência, cujos significados e reverberações ainda não
foram divulgados pelos pesquisadores que recentemente tomam
ciência dele. Devido ao primeiro edital ser datado de 2007 e do
Programa ter começado a funcionar efetivamente a partir de
2009, o que vem a reverberar na educação brasileira ainda foi
sentido na comunidade acadêmica e na sociedade como um
todo.
O curso de Licenciatura em Artes Visuais foi contempla-
do com quatro bolsas no Projeto UFRG S do Programa Institu-
cional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) da CAPES,
junto ao subprojeto Artes e Letras. Ao todo, duas bolsistas
permaneceram durante toda a vigência do projeto, duas bol-
sistas acompanharam na íntegra o segundo ano do projeto,
uma durante todo o primeiro ano e uma outra metade do pri-
meiro ano, tendo em vista que, no primeiro semestre de im-
plementação do projeto, tivemos uma bolsista que não pro-
duziu e não cumpriu com a participação exigida. N a segunda
parte, trazemos os relatos que pertencem a essas alunas bol-
sistas, sendo que suas participações e inserções na pesquisa
da coordenadora não aconteceram de forma equânime, de-
pendendo da disponibilidade e vontade de envolvimento ex-
presso por cada uma. Sendo assim, a inserção das bolsistas de
D ocência nas reuniões de pesquisa, seminários avançados e
reuniões de orientação científica eram facultativas e as pre-
senças esporádicas. Em função da demanda de horas nas es-
colas e da carga horária do próprio curso de Licenciatura, não
houve, ao longo do projeto, um trabalho específico para cons-
trução de textos, procedimentos de leitura e uso de autores,
pois no andamento do projeto UFRG S tais preocupações eram

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

expressas no grupo maior como algo que se caracteriza de Ini-


ciação Científica. A aproximação entre esses âmbitos somen-
te ocorreu no trabalho das Artes Visuais, em que inclusive
uma das bolsista de Iniciação Científica participante da pes-
quisa ocupou, pelo período de um mês, a vaga em aberto da
Iniciação à Docência. Em sua especificidade, as Artes Visuais
procura aproximar as questões contemporâneas que a atra-
vessam junto a práticas escolares. Os problemas da aprendi-
zagem artística são abordados na produção da professora res-
ponsável pelas bolsistas, as quais também participam de uma
pesquisa que, com N ietzsche e D eleuze, afirma uma vontade
de arte dentro das instituições educativas. Ao se inserir nas
escolas, a proposta conecta-se a outras disciplinas, seguindo o
viés transdisciplinar que, devido à miríade de confluências de
saberes que a constitui, a arte oferece. Já suficientemente con-
templada pela literatura específica, as dificuldades enfrenta-
das pelas Artes dentro da estrutura escolar precisaram ser
consideradas ao tecermos um guia e o relato de experiências
da Iniciação à D ocência em Artes. Os impasses encontrados
na primeira edição do Programa confirmaram aquilo que há
mais de vinte anos as pesquisas no campo do Ensino das Ar-
tes vêm apresentando: o desconhecimento das matérias artís-
ticas e a complexidade de relações transdisciplinares que es-
sas envolvem, a desvalorização das Artes como área de co-
nhecimento essencial dentro dos currículos, a não compreen-
são das estratégias de pensamento envolvidas nos saberes grá-
ficos e plásticos, a falta de profissionais qualificados para aten-
der essa disciplina nas escolas e a desconexão com as produ-
ções locais e contemporâneas dentro desse campo. Apesar das
dificuldades elencadas, é fundamental a existência das Artes
num Programa como o PIBID, não apenas para afirmar a pro-
liferação de saberes implicados nessa área como também para
atestar o quanto o desenvolvimento artístico contribui para o

15
Apresentação

desenvolvimento educacional em todos os âmbitos. D esse


modo, e por não ter existido no PIBID / UFRG S um supervi-
sor específico para as Artes Visuais, trabalhamos interdisci-
plinarmente com todos os demais subprojetos, aprimorando
a discussão com os colegas da Letras, com os quais dividimos
as bolsas e o traçado do subprojeto.
A equipe de Artes Visuais, antes de iniciar suas propo-
sições, fez estudos históricos e mapeamentos institucionais
das escolas onde foi solicitada sua inserção. Oportunamente,
as alunas da Licenciatura em Artes Visuais participantes do
subprojeto, juntamente com a coordenadora, fizeram uma
visita ao Colégio de Aplicação para analisar contrastes e se-
melhanças entre a escola sediada pela Universidade e escola
pública. Todas as ações foram planejadas de acordo com as
características e contextos culturais de cada escola, observan-
do as demandas da comunidade escolar. D esse modo, ofici-
nas específicas no turno inverso das aulas, projetos desenvol-
vidos com professores em sala de aula e intervenções artísti-
cas são propostos e acontecem ao longo da implantação do
PIBID, tanto na Faculdade de Educação como nas escolas
destinadas pelo Programa. Citamos a intervenção Sala das sen-
sações e as oficinas em processo, ligadas ao corpo, paisagismo
produtivo, arte de rua, grafite, design de superfícies e embala-
gens, assim como oficinas sobre obras em rede e demais estudos,
como os dos Seminários Avançados sobre arte dentro da Pós-
graduação em Educação, ministrados pela coordenadora. Via
o diálogo interdisciplinar, por meio da atividade estritamente
artística e pela aula expositiva composta com arte, que se con-
tribui para a formação de professores de artes atentos aos pro-
blemas ecológicos e às produções estéticas da atualidade.
A Iniciação à D ocência, mais do que um Programa de
incentivo à carreira docente, pode fortalecer os três eixos so-

16
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

bre o qual a Universidade compreende sua função de produ-


tora e disseminadora de conhecimentos. Aqui, mais do que
relatar tópicos dos estudos dos bolsistas, encontros de forma-
ção, capacitações, reuniões de estudo e como essas repercu-
tem nas experiências dos alunos nas escolas onde está o Progra-
ma, mostramos as articulações entre os saberes construídos na
Universidade e os conhecimentos básicos da prática escolar
por meio de um instrumento de consulta para professores ini-
ciantes, denominado guia, e textos produzidos pelas próprias
bolsistas do Programa. O que trazemos na primeira parte, além
de apaziguar as ansiedades das primeiras experiências na es-
cola, envolve motes para projetos de ensino como esquemas
implicadas em estudos de campo na escola básica. Seguindo
as intersecções pesquisa-ensino presentes no pensamento edu-
cacional contemporâneo, o presente texto deixa tópicos em
aberto a fim de que sejam revistos e explorados em projetos a
serem inventados. Seu objetivo é a formação de professores-
pesquisadores, configurando um avanço no que tange a uma
educação brasileira de qualidade.

17
Apresentação

18
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

PARTE I – UM GUIA

O presente instrumento foi criado para guiar professores


em formação em suas práticas de Iniciação à Docência. Aqui
encontram-se dicas, explicações sobre encaminhamentos em
sala de aula, utilidades e sugestões de vários tipos, as quais po-
dem ser usadas para compor projetos de ensino e planos de
aulas. G rande parte de seu conteúdo contempla problemas co-
locados por bolsistas, estagiários e professores de artes, os quais,
direta ou indiretamente, contribuíram para o resultado final
dessa versão.

INICIANDO...

1. Para ser professor de Artes


É preciso:
• G ostar de desafios
• Amar as matérias que vai ensinar
• Pesquisar estratégias, conceitos, técnicas
• Ler muito sobre as artes e a história de seu ensino
• Estar ligado na produção artística contemporânea
• Interagir com as culturas locais
• Conhecer História da Arte
• Intervir com seus alunos
• Criar projetos de ensino instigantes
• Preparar aulas atenciosamente

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Para ser professor de Artes

• Dominar materiais e recursos audiovisuais


• Fazer tudo acontecer num curto espaço de tempo
• Aprender a trabalhar em condições precárias
• Saber lidar com imprevistos de todos os tipos
• Mostrar a necessidade de limpeza
• Ensinar o cuidado com os materiais
• Não se importar em fazer faxina
• Dar valor à criação
• Estudar sempre

As tarefas de um professor se resumem:

• Na mestria da matéria
Não há como fugir. A matéria é aquilo que um professor experi-
menta, conhece, prova. Aquilo que se ama e se escolheu para cursar,
estudar e agora ensinar. Aqueles múltiplos recortes de universo junto
aos quais pode ser chamado aprendiz e posteriormente mestre. Ter a
mestria do que vamos trabalhar em sala de aula, conhecer o que efeti-
vamente constitui nosso campo de conhecimento e o atravessamento
de outros saberes por ele não é decorar e saber tudo e sim estar aberto a
buscar cada vez mais essa matéria e todo instrumental que ela deman-
da. Sim, matéria também envolve os materiais, aquilo tudo que man-
tém em pé conteúdos e continentes. E para pisar em terra firme, nave-
gar pelos mares bravios e atravessar o imenso planeta que toda maté-
ria circunscreve são precisos paixão, entrega, envolvimento.

• Na responsabilidade pela disciplina


Um docente responde por sua disciplina. Não apenas expres-
sando o ponto de vista de um campo e de um rol de saberes, mas por
aquilo que, no espaço disciplinar que lhe cabe, faz parte do percurso de
seus alunos. Um professor define como a matéria será ensinada, trans-
formando o currículo em matéria viva e não numa lista de conteúdos

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

“mortificadores”. O que acontece em sala de aula é responsabilidade


do professor, não em termos de controle e exigência de bom comporta-
mento e sim em termos de matéria a ser desenvolvida, pesquisada,
estudada conjuntamente, exercitada. Mestre acompanhado pelos seus
discípulos, o professor responde por eles enquanto aprendizes daquilo
que, em busca conjunta, um professor rege e sintetiza em prol de maior
aproveitamento e compreensão.

• Na coordenação de dinâmicas de grupo


Por mais que saiba a matéria que leciona e por mais compro-
metido com sua disciplina, um docente só consegue cumprir com sua
tarefa se conseguir estabelecer dinâmicas de grupo apropriadas à reali-
dade social encontrada e à faixa etária onde está atuando. Isso implica
não apenas didática e técnicas pedagógicas específicas, mas criação de
abordagens que tornem a matéria interessante e nunca tratamento dis-
ciplinar coercitivo. Coordenar um grupo é construir uma autoridade,
o reconhecimento pela autoria de um trabalho. Não se trata de fazer
valer de um lugar de poder e exercer alguma forma de coerção. Antes
de outra coisa, é preciso olhar para o grupo e perceber suas necessida-
des. Sentir o que cabe ou não dentro daquela junção de corpos e vidas
encontradas em uma turma.

O ofício de ensinar e concepção de disciplina

Ao professor, autor de uma aula, cabe a responsabilida-


de por sua disciplina. Disciplina compreendida como encontro
entre mestre e discípulos. Calcada sobre uma disciplina do cur-
rículo que forma professores de artes, seguimos, na Iniciação à
Docência em Artes, as linhas de matérias que se dão ao conhe-
cimento por meio das sensações experimentadas com a arte.
Seu olhar recai sobre maneiras de ensinar arte e os movimen-
tos feitos por sua matéria no espaço sedentário das escolas. Dis-
ciplinadamente trabalhada, a arte provoca sensações silencio-

21
Para ser professor de Artes

sas que nada têm a ver com as técnicas de disciplinamento do


modelo institucional moderno e suas imposições para calar.
Alheia aos sentidos da matéria, essa concepção de disciplina
não serve para a perspectiva de docência aqui construída. Ao
pensarmos o que é disciplinar, partimos do conceito no qual
uma disciplina existe em função de um encontro entre mestres
e discípulos lidando com certas matérias. Disciplinas que se
constituem nomeadas e enumeradas, prefiro “situações plásti-
co-estéticas-ambientais abertas – espaços de & encontros – que
contenham ambiguidades e nomeações ‘outras’” (FRANG E,
1995, p. 225). Ou seja, por disciplinas temos espaços de ensino
e aprendizagem sem limites, que não estejam impregnados de
sedimentações viciadas em controle de humores e adestramento
de corpos. Longe da ideia de adestrar corpos e moldar os pensa-
mentos, a disciplina conceituada aqui é, antes de outra coisa, o
pleno funcionamento desse encontro. Desse modo, pode-se en-
tender disciplina como comportamento junto a uma matéria e
seus agentes de transform ação. Uma disciplina institui-se como
espaço para ensinar e aprender uma matéria. Só é possível haver
disciplina com o acontecimento de uma matéria a se pesquisar,
experimentar, exercitar, testar, provar, enfim, estudar.
Mesmo junto a órgãos molares, que definem obrigatório
o estudo da arte, essa cria linhas de fuga, quadros que funcio-
nam como fissuras em modos preestabelecidos de ver o mun-
do, janelas de escape na rigidez dos modelos de referência, re-
voluções em aparelhos macrodeterminados. Há disciplina nos
trânsitos propostos pela arte, nunca controle de seus passos,
muito menos a vigilância sobre suas ações. Ainda que vincula-
do à organização das instituições terapêuticas e educativas, o
cunho disciplinar presente nas atividades artísticas faz passar
algo que jamais poderá ser controlado, rufares microscópicos,
multiplicidades da matéria e seus devires moleculares.

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

2. Palavra de licenciandos

Antes de tudo, creio que é impor-


Aprendemos com a dor? tante valorizar a matéria perante os
Sim, aprendemos, sabemos disso alunos, que é desprezada, pois
se estamos vivos. Mas acontece “não serve para nada” aos olhos
que em sala de aula o aprendiza- de muitos alunos de várias classes
do, quando prazeroso, chega mais sociais. Márcia Porto Trein
longe, envolve, é mais produtivo. No relatório Literatura Moderna de Cor-
Paula Lix Costalunga Lima del, p. 44

Pensar, improvi- Acho um pouco irônico me tornar professor, de-


sar, criar, isso não pois de rever meu trajeto como aluno (...). Mas
esgota nunca. é certo que eu crio os meus pequenos mitos, não
Roger Kichalowsky , estou livre disso. Encaro dar aula como mais um
no relatório Comu- passo na minha vida, e não pretendo parar por
nicar aí. Günther Natush Vieira

Apesar do desespero, CONFIE EM SI MESMO! O


que a gente não sabe, a gente aprende; o que a gente
não leu, a gente acaba tendo que ler e entender; e o
que a gente ainda não sabe, a gente aprende com a
experiência – NÃO SÓ O TRABALHO, QUE NEM
SEMPRE É EXPERIÊNCIA, MAS OS ACONTE-
CIMENTOS QUE NOS TOCAM, NOS ANIMAM
E MUDAM AS LENTES DOS NOSSOS ÓCULOS!
Katlin Jeske

Devemos pensar num jeito legal de ensinar e pra-


ticar a Arte e não “despejar” a matéria que a es-
cola nos impõe.
Se conseguirmos “capturar” um de nossos alu-
nos, já vai ter valido a pena.
Cristina Mello Souza
N o relatório Arte... O que é arte?

23
Palavra de licenciandos

O que um(a) professor(a) passa ... as coisas não são tão com-
para o aluno oficialmente é a plicadas como me pareceram
matéria de sua competência. Pro- antes de começar.
vavelmente o que “fica”mais no Juliana E. da Silveira
aluno é a sua atitude, o seu modo
de ver o mundo...
Maria Marleny Baptista, no relatório ... apenas repassar técnicas ar-
Meu livro de História da Arte tísticas não faz a diferença no
aprendizado artístico.
Paulo Ricardo Bartel
Com erros e acertos cres-
cemos. Enxergando erros
e acertos, crescemos ainda
mais. Tive uma experiên- Respire fundo e tenha calma, as ideias
cia difícil, saio fortalecida. vão aparecer. Conheça primeiro os teus
Mariane Rotter alunos e a realidade da escola. Obser-
N o relatório Dadá, colagem e ve e refaça o plano tantas vezes quanto
colagem necessário. Tudo o que você espera
das aulas acontece o mesmo aos teus
Sentia-me cansada depois alunos.
de cada aula dada – era Não tenha medo de dizer que não sabe,
como se eu tivesse corrido mas que irá pesquisar e que no próxi-
m ilh ões de qu ilôm etros mo encontro esclarecerá as dúvidas.
sem parar. E antes de che- Sempre estamos aprendendo. Boa sor-
gar a hora de dar aula, era te!!! Jocilda Mielke
como se os pensamentos
não deixassem que outros
assuntos tomassem lugar. Várias ideias foram se corres-
Tudo era sobre o estágio. pondendo a discussões minhas
Comer, dormir, ler, tomar enquanto aluno e sendo proje-
banho. tadas enquanto professor.
Vanessa Hackmann João Dalla Rosa Jr.

Você é hoje um batalhador melhor do que foi on-


tem? Independente da resposta, esforce-se para ama-
nhã ser um batalhador melhor do que é hoje.
Alexandre Soares

24
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Cada pessoa tem um tempo diferente para desenvolver o seu traba-


lho. Foi respeitando esse tempo que precisei fazer escolhas (...). Quan-
do fazemos uma escolha, sempre perdemos algo, e é preciso valorizar
o ganho que se teve com ela.
Aline Lanzer

Independente do que se quer trabalhar,


Acredito que todo professor
é impossível elaborar um plano sem
deve ter um mínimo de or-
que haja a pesquisa. É preciso estudar
ganização em relação ao tra-
para ensinar, pois para cada ideia lan-
balho que irá realizar com
çada há uma infinidade de dúvidas que
uma turma em sala de aula.
Roger Kichalowsky surgem, não só do aluno, mas no pro-
fessor também.
Rosana Conti Bonés

A bagunça, a falta de co-


laboração, o desinteres-
... não são os planos e metas escritas
se, tudo existe e coexiste
formalmente que fazem o perfil da
com o interesse, a dedi-
instituição, mas sim a vida diária, o
cação, o envolvimento.
ir e vir do convívio entre as pessoas,
(...) o respeito, o diálo-
que torna o projeto possível.
go e o estímulo na sala
Neusa Wagner
de aula são essenciais.
Somente esses dão aos
alunos a confiança ne- Não se trata de empurrar uma receita; a
cessária para trabalhar e minha preocupação é provocar os alu-
acreditar no que fazem. nos a experimentar. Isso é tentativa e
Giovana Ellwanger erro, isso leva tempo.
Luís Fernando Vicente Silva

Friedrich Nietzsche fala da grandeza do homem como ponte e não como


fim. (...)
Criar possibilidades consistentes para uma futura vivência estética, de
fruição com a arte e com a vida é para ele o valor primeiro do educador.
Luciane Mello

25
Palavra de licenciandos

O que podemos aprender com Como preencher um espaço vazio?


arte? Diante da pergunta, os alu- Como compreender uma ausência?
nos remetem-se à experiência Como escapar do espaço que nos
realizada, traduzida em sensa- cerca? Como transformá-lo?
ções vividas e novos conheci- Daniel Escobar
mentos produzidos.
Valdemar Schultz ... apesar dos aparentes lamentos
termino o semestre sem grandes
É um momento novo, reple- preocupações e conformada com
to de descobertas e revela- uma verdade a meu respeito: eu
ções. Um momento em que, não posso, não preciso e não que-
ainda sendo alunos, experi- ro ser perfeita!
mentamos ser professor. Daiane Ferrari Constante
Mariane Rotter

Uma das lições mais importantes dessa disciplina é a necessidade


de realizar uma constante autoanálise, uma avaliação periódica dos
rumos que tomamos, buscando sempre aprimorar-nos, sempre me-
lhorar, sempre conhecer mais e, ao mesmo tempo, possuindo a con-
vicção de que nunca sabemos tudo, nunca estaremos seguros.
Nina Magalhães Loguercio

O QUE ME RESTA?
Algumas certezas temporárias.
Certeza de que em educação é preciso querer muito, muito mesmo ser
professor.
Certeza de que os espaços nem sempre estão claros, mas precisam ser
ocupados.
Certeza de que as regras valem muito e a intuição vale muito também.
Certeza de que alunos merecem respeito, aliás, todo o respeito.
Certeza de que não existe neutralidade em lugar nenhum deste mundo,
muito menos na educação.
“O maior erro do ser humano é tentar tirar da cabeça aquilo que não sai
do coração.”
Marco Bandeira

26
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

3. Dicas variadas

Entre no clima da docência


Aproveite os finais de semana e o tempo de ócio para
assistir a filmes que mostram salas de aula, professores e alu-
nos, como O sorriso da Monalisa, especial para professores de
Artes, Sociedade dos poetas mortos, Ao mestre com carinho e tantos
outros. Procure nas locadoras!

Pense...
• Quais as suas concepções de Arte?
• O que entendes por “educação”?
• O que é ensinar artes?
• Como se aprende arte?
• Qual a importância da arte na escola?
• O que é desenvolver o gosto estético? E o que é desen-
volver o gosto artístico?
• Quais as diferenças entre estético e artístico?
• Que matérias fazem essa matéria chamada Artes Visuais?
... colocar-se frente a essas questões já é meio caminho
andado! Para andar mais....

Proposta de exercício 1
“Toda a criação é singular, e o conceito como criação
propriamente filosófica é sempre uma singularidade.” 1
Para Deleuze e G uattari, pensadores da diferença, criar
conceitos, atividade que traça um plano de consistência, é po-
voar um território virtual. Um conceito não se define, se cria.
Mesmo assim, os conceitos se definem junto a uma assinatura,

1
DELEUZE; G UATTARI. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, p.15.

27
Orientações sobre a prática

a um autor, a um traçado de pensamento. Para essa autoria de


duas cabeças e quatro braços, que se apresenta como ânus so-
lar, macaco, professor louco e lagosta, os conceitos são defini-
dos como devires do plano de imanência. E tu, como defines o
que é um conceito?

Exercício 2
O que entendes por imagem?

Exercício 3
Há um conceito muito importante para pensadores como
Foucault, Deleuze e outros afins: o conceito de acontecimento.
Um acontecimento não é um fato situado numa linha de tempo
cronológica, mesmo quando um fato cronológico possa ser rela-
cionado àquilo que dele devém. O acontecimento, sentido ex-
presso da proposição, é um efeito de superfície que se estende
num tempo infinitivo, passado e ao mesmo tempo futuro. Den-
tro do campo teórico-prático que define a profissão de um pro-
fessor de Artes, penso que os acontecimentos plenos para a vida
artística e também para a educação são saber – pensar – apren-
der – produzir – criar. Tente dissertar sobre uma ou todas essas
proposições e os sentidos que tais acontecimentos expressam.

4. Orientações sobre a prática

a. Mapeamento institucional
Começar o trabalho numa escola só funciona bem quan-
do conhecemos a realidade em que iremos desenvolver nos-
sas proposições.
1. Marque, juntamente com seu coordenador e equipe, a
data e o horário das entrevistas com o diretor ou coordenação

28
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

pedagógica, com a coordenação da área (se houver) e professo-


ra regente da classe.
2. Na entrevista com a diretora ou coordenadora peda-
gógica, descubra as linhas norteadoras da instituição e a peda-
gogia que ali se desenvolve. Nesse momento, é importante per-
guntar sobre o papel do trabalho de artes na escola e o modo
como ele se dá: dinâmicas adotadas, métodos de avaliação, a
frequência e estilo de reuniões entre os educadores da escola e
também como os projetos pedagógicos costumam ser traçados.
Procure sentir o quanto as aulas de artes são valorizadas den-
tro da escola em questão.
3. Ao entrevistar ou conversar com a professora de artes,
é preciso descobrir o que ela tem feito em sala de aula, suas
concepções de arte, quais as orientações que segue em seu tra-
balho, se desenvolve um trabalho de criação artística concomi-
tantemente com o magistério, sua formação como professora
de artes e o modo como avalia os alunos.
4. IMPORTANTE: Esses contactos são a oportunidade
para saber quais as condições em que desenvolverá seu traba-
lho, portanto, além de avaliar as condições do espaço físico da
escola, lembre de perguntar:
• O horário das aulas e a duração da hora/ aula.
• Os dias da semana em que a turma tem aulas de artes.
• A disponibilidade do espaço físico para atividades ex-
traclasse.
• O tipo de sala em que a aula de artes acontece (se possí-
vel, confira as condições pessoalmente), a disponibilidade das
pias, o tamanho das mesas, a luminosidade, os espaços de ex-
posição e acomodação de trabalhos.
• O número de alunos, conferindo se a turma é dividida
em grupos ou se mantém inteira.
• A faixa etária dos alunos.
• As condições socioeconômicas da comunidade escolar.

29
Orientações sobre a prática

• Os materiais que a escola oferece para os alunos.


• Os materiais de que os alunos dispõem (pergunte se há
alguma lista de material exigida para a disciplina e, se possível,
peça uma cópia).
• Sobre o programa da disciplina.
• Como são feitos os planos de ensino (se possível, consiga
aquele elaborado para as turmas onde um projeto será traçado).
• O calendário da escola.
• Como é feita a avaliação.
• Como é feito o controle de frequência.
• Quais são as regras sobre alunos que chegam atrasa-
dos, precisam sair mais cedo, etc.
• Se há “espelhos de classe”. Em caso afirmativo, tente
pedir uma cópia com o professor regente, mesmo que, em sua
aula, decida não utilizá-lo.
5. Já nesse momento de entrevistas, combine com a pro-
fessora e a direção ou coordenação pedagógica as datas de suas
observações e das aulas que vais acompanhar.

b. Observações em sala de aula


6. Quanto mais observações forem feitas, mais tranquilo
será o desenvolvimento das atividades de Iniciação à Docên-
cia. Para entrar na sala de aula e assumir um grupo, recomen-
da-se que o licenciando tenha feito no mínimo 6 horas/ aulas de
observação nas turmas envolvidas em seu projeto. O ideal é fa-
zer umas 16 horas/ aulas para analisar uma turma e o andamen-
to das aulas. Se conseguir observar mais do que isso, ótimo!
7. Quando entrar em sala de aula para fazer as observa-
ções, provavelmente a professora vai apresentar o licenciando
para a turma. Caso isso não aconteça, tome coragem e, com
delicadeza, peça licença e explique aos alunos quem você é.
8. O que observar:
• O espaço físico da escola.

30
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

• Que aulas há antes e depois dos períodos de artes.


• Como os alunos entram e saem da sala de aula.
• Como a professora se posiciona no início, no meio e no
final da aula.
• Os modos como a professora organiza o grupo e a ma-
neira como desenvolve sua aula.
• Como é feita a chamada.
• O nome dos alunos.
• O que está sendo trabalhado.
• Os materiais que os alunos trazem.
• O envolvimento dos alunos com a matéria.
• O comprometimento com as tarefas e materiais solici-
tados pela professora.
• Média de tempo em que os alunos se concentram nas
atividades.
• O modo como a professora usa os recursos que traz.
• Se a professora utiliza imagens, observe o tamanho, a
qualidade das reproduções e as fontes que utiliza para obtê-las.
• O encadeamento entre as propostas trabalhadas.
• A dinâmica do grupo.
• A movimentação dos objetos e dos corpos.
• A participação dos alunos em cada proposta.
• As interferências no trabalho.
• As peculiaridades dos alunos.
• Como se dão a limpeza e a reorganização da sala de aula.
• As regras estabelecidas entre a professora e os alunos.
• Tudo o que for marcante para você.

c. Os planos de ação
9. O planejamento é um instrumento elaborado para de-
finir o que será trabalhado, com que finalidades, de que manei-
ras e com quais materiais. Planeja-se para auxiliar a prática e
não para criar empecilhos nos acontecimentos em sala de aula.

31
Orientações sobre a prática

10. O plano de trabalho deve ser pensado a partir das


possibilidades físicas e materiais e das características etárias da
turma em questão. Você não precisa se restringir à bagagem
cultural dos alunos, mas deve sempre considerá-la.
11. Apesar de o plano apresentar um projeto de trabalho,
é importante organizar planilhas que especifiquem o que será
feito em cada encontro com a turma. Utilize suas observações
de como o grupo funciona para estimar o tempo de cada ativi-
dade planejada.
12. Um projeto de trabalho com tempo determinado deve
ser planejado para ter um começo, um desenvolvimento e uma
finalização que inclua um momento para avaliação, tanto dos
resultados obtidos em sala de aula como da experiência vivida
pelos alunos junto a essa iniciação à docência.
13. Os planos devem ser feitos com ANTECED ÊNCIA.
Muitas escolas exigem a apresentação do plano de ensino no
mínimo uma semana antes de qualquer proposição. Os pré-
planos precisam ser apresentados para supervisão e professo-
res de classe.

d. Postura didática
14. Ninguém pode dar uma boa aula sem conhecer a
matéria e saber muito bem o que está ensinando, por isso, caso
você tenha que trabalhar com alguma coisa que não saiba, tra-
te de estudar. Um bom professor está aberto a aprender e sem-
pre continua estudando.
15. As aulas devem ser dadas para toda a turma, o pro-
fessor deve dirigir sua fala para toda a classe. Contemplar alu-
nos específicos ou dar explicações somente para pequenos gru-
pos, salvo em momentos próprios durante o trabalho, é a ma-
neira mais fácil de perder o comando da turma. Para que uma
aula funcione, o professor precisa explicar o trabalho e combi-
nar as regras com todos os alunos em conjunto.

32
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

16. Evite ficar de costas para a turma. Quando precisar


escrever no quadro ou afixar imagens na parede ou painel, faça-
o com agilidade e rapidez 2, voltando-se para o grupo o maior
número de vezes possível.
17. Todos os comandos, regras e propostas colocadas pelo
professor devem ser enunciados da forma mais objetiva possí-
vel. Por isso, é bom formular em sua planilha de aula ordens
claras e concisas, que facilitem o andamento do trabalho. Evite
ficar falando com os alunos sobre aquilo que não é para fazer;
enfatize, quantas vezes precisar, cada passo do trabalho. Só passe
para a etapa seguinte depois de certificar-se de que a maioria
da turma entendeu a proposta.
18. Não existe uma boa aula sem uma boa demonstra-
ção, tanto teórica como prática. Mostrar uma matéria requer
domínio de seu conteúdo, elaboração de recursos audiovisuais
e abertura para receber as questões colocadas pelos alunos.
Nenhum professor sabe tudo, mas toda matéria é passível de
ser pesquisada. Instigue seus alunos a buscar respostas.
19. Embora, algumas vezes, seja necessário o professor
mostrar como se faz, deve-se evitar desenhar para os alunos,
salvo quando o professor leva materiais que mostrem outros
modos de construção e feitura dos objetos em questão. É im-
portante que os alunos presenciem processos de produção, mas
jamais podem ficar restritos ao modelo fornecido pelo professor.
Lembre que esse “ver como se faz” acontece dentro de um con-
texto significativo, nunca como mera atividade reprodutiva.
20. Fazer alguma coisa para o aluno (desenhar, escrever,
recortar) é atestar que ele é incapaz de realizar tal tarefa. Mos-

2
Dica da estagiária Aline Lanzer para economizar tempo: levar a fita adesiva já
cortada e enrolada, pronta para ser usada como elemento fixador entre duas
folhas plásticas.

33
Orientações sobre a prática

tre como você faz, peça que ele olhe como outros fazem, mas
jamais faça alguma coisa para um aluno, nem que seja dobrar
um papel, por mais que o aluno insista. Lembre que nas artes
plásticas e visuais a aprendizagem também passa pela mão.
21. O professor de artes precisa reconhecer as estereoti-
pias, tais como os lugares-comuns da produção escolar (sol com
montanha, ilha com coqueiro, etc.), as cópias midiáticas de íco-
nes de consumo, os estereótipos de gênero (meninas desenham
corações, flores e borboletas; meninos desenham meios de trans-
porte) e criar estratégias que criem alternativas a essas repre-
sentações canonizadas. Além de dar a ver aos alunos variedades
estilísticas da arte contemporânea, imagens da História da Arte
e artefatos culturais diversificados, é importante experimentar
todo tipo de imagem, explorar recursos, sair da folha de ofício e
da quadrangulação dos suportes tradicionais. Para os alunos cri-
arem seus próprios meios de representação e romperem com as
barreiras do senso comum, é necessário que o professor também
crie estratégias diferentes, que instiguem os alunos.
22. Evite o assédio dos alunos. Não forneça informações
privadas, número de telefones e endereço eletrônico. É preciso
cuidar para que o envolvimento afetivo com os alunos seja es-
tritamente profissional.
23. Bem diferente do trabalho artístico, a arte de dar au-
las envolve o domínio do tempo. O relógio é essencial na mar-
cação das dinâmicas pedagógicas. Se nunca o usou, vai preci-
sar se familiarizar com um.

e. Prática de ensino
24. Um bom trabalho pedagógico em artes, independen-
te da proposta prática e da técnica que desenvolva, nunca está
desprovido de um contexto e da produção de sentidos em tor-
no daquilo que se cria. Não se trata de seguir os “ismos” da
História da Arte ou trabalhar com a biografia de artistas, e sim

34
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

experimentar a matéria da arte naquilo que ela tem de mais


amplo, ou seja, em suas múltiplas conexões com todas as for-
mas de conhecimento.
25. Muitas vezes, os alunos irão testar sua resistência,
ver até que ponto você é firme nas regras e nas combinações
que estabeleceu com eles. Podem tentar relaxar na limpeza da
sala, pedir demais para ir ao banheiro, apresentar estratagemas
que podem comprometer o domínio da classe. Mantenha-se
firme em suas determinações, mas com o cuidado de não ser
inflexível demais.
26. Aulas nunca acontecem perfeitamente de acordo com
o que foi planejado. Fique atento às inúmeras situações que po-
dem atrapalhar e interferir no andamento do trabalho. Prepare-
se para, eventualmente, enfrentar qualquer uma dessas situações
(muitas das quais você presenciará já na observação das aulas):

Interferências e empecilhos que dificultam o trabalho


(situações corriqueiras e comuns)

• Alunos abordando o professor na porta ou no corredor


perguntando sobre o trabalho, avisando que esqueceram mate-
rial, etc. diga que, depois que todos estiverem sentados em seus
lugares, todas aquelas questões e problemas serão tratados.
• Mochilas sobre as mesas: mesmo que, aparentemente,
não sejam um empecilho para o trabalho, atrapalham a visão do
professor e ocupam espaços em que o material e outros elemen-
tos poderiam estar melhor dispostos.
• Entradas de pessoas para dar recados para a turma:
uma ou duas vezes, tudo bem, desde que não abusem do tem-
po e do número de vezes. Caso isso aconteça, comunique-se
com a coordenação pedagógica, a direção, etc.
• Idas ao banheiro ou ao bebedor: estabeleça regras de
acordo com o horário e tente ser sensível às reais necessidades

35
Orientações sobre a prática

do aluno. Se o período é depois do recreio, em que os alunos


tiveram tempo para beber água e ir ao banheiro, deixe somente
no final da aula ou somente durante o trabalho prático. Evite
que os alunos saiam em duplas ou grupos, embora isso seja ne-
cessário quando a proposta exigir limpeza de mãos e materiais e
não houver pia em sala de aula.
• Alunos que precisam sair da sala porque são chamados
pelo grêmio estudantil, pelo SOE, etc.: tudo bem, desde que
por curtos períodos de tempo e não por várias vezes consecuti-
vas. Nesse caso, comunique o aluno e os solicitantes sobre a
inconveniência de tantas requisições.
• Alunos que precisam sair no meio da aula: desde que
apresentem justificativa e estejam autorizados de acordo com
as regras da escola, tudo bem, desde que não aconteça sempre
com o mesmo aluno. Não é comum que aconteça duas vezes,
nesse caso, averigue a necessidade das saídas com os funcioná-
rios responsáveis da escola.
• Alunos que não prestam atenção quando a professora
fala ou que não respeitam a fala de outros colegas: chamar a
atenção com firmeza; caso o problema persista, converse com
os alunos particularmente.
• Alunos que terminam tudo muito rápido e ficam dis-
persos: tenha sempre livros relacionados aos assuntos traba-
lhados ou algumas fichas com propostas extras. Deixe o aluno
fazer um desenho livre ou peça algum trabalho feito a partir de
uma Caixa de Ideias3.
• Alunos que se negam a trabalhar: espere e veja que, à
medida que a turma começa suas produções, o aluno acaba
acompanhando o resto do grupo. Se a situação persistir, lem-

3
Caixa de sapatos ou similar com várias tiras sugerindo títulos e temas para
aqueles alunos que “não tem ideias” sobre o que fazer. Veja lista de sugestões
mais adiante.

36
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

bre o aluno que você não terá nenhum instrumento para saber
o quanto ele é capaz. Evite ameaçá-lo com o seu poder de ava-
liação sobre ele, argumentando que sem trabalhos ele ficará
sem nota ou, pior, ficará com conceito ou média insuficiente.
• Alunos que se atrasam: veja as regras da escola e a tole-
rância de tempo permitida.
• Alunos que saem sem avisar ou sem autorização no
meio da aula: comunicar à professora regente e não permitir
que aconteça novamente.
• Alunos que dormem em sala de aula (mais comum em
turmas noturnas, de adultos): sugerir que o sonolento dê uma
volta para lavar a cara ou tomar um café. Faça perguntas que o
estimulem e procurar algo na proposta que o incentive a vencer
o cansaço.
• Alunos que perderam aulas e não acompanharam par-
tes importantes do desenvolvimento do trabalho: retomar bre-
vemente o que foi feito (ótima oportunidade para fazer os alu-
nos que participaram integralmente explicar o trabalho ao co-
lega) e dar oportunidade ao aluno para elaborar as tarefas per-
didas em casa.
• Alunos que se isolam ou são rejeitados pelo grupo: pense
em estratégias integradoras, em que todos participem. Organi-
ze os grupos de trabalho de modo a dissolver as “panelinhas”
pela lista ou por sorteio.
• Alunos com necessidades especiais; caso tenha um em
sua turma, converse com os coordenadores e profissionais en-
volvidos no caso sobre como manejar as diferenças desses alu-
nos com o grupo.
• Alunos com forte liderança, que controlam o grupo mais
do que o professor: quem coordena o grupo sempre é o professor,
sua palavra é a ordem e esse tipo de aluno testa o professor quanto
a essa convicção. Seja firme, e mesmo que não simpatize com
eles, ganhe sua confiança e torne esse tipo de aluno seu aliado.

37
Orientações sobre a prática

• Alunos que não trazem o material: faça com que os


colegas emprestem, adapte a proposta aos materiais disponí-
veis, mas não o deixe ficar sem trabalhar (às vezes, é isso o que
o aluno negligente quer).
• Escolas onde outros professores costumam liberar os
alunos antes do período terminar: além do barulho nos corre-
dores, o hábito (observado principalmente nas escolas estadu-
ais) de não “prender” os alunos até o final dos períodos pode
atrapalhar muito o andamento de uma atividade, pois os alu-
nos tendem a fazer pressão para que o professor iniciante tam-
bém os “solte”. Lembre que as deficiências educacionais co-
meçam por aí. Explique à turma que você não está autorizado
a liberar ninguém antes do término do período e mostre a im-
portância do término de um trabalho.
• Conversas excessivas entre todos: invente estratégias em
que os alunos sejam obrigados a falar para todo grupo. Caso
isso seja difícil, crie artifícios como um “bate-bola” de pala-
vras, um “bastão que fala”, como os usados nos conselhos dos
índios norte-americanos.
• Choros: acontecem quase sempre meio escondidos, pois
principalmente os adolescentes colocam as faces voltadas para
dentro da mesa entre os braços. Com o trabalho encaminhado
e o resto da turma ocupada, converse particular e discretamen-
te com o aluno.
• Brigas: chame a atenção dos alunos envolvidos (veja
como é importante conhecer os nomes!). Se não lhe atende-
rem, tente apaziguar. Caso continuem, encaminhe os alunos
para o setor responsável.
• Gritarias: não tente gritar mais alto. Fique em silêncio,
olhando severamente para a turma até que todos se acalmem.
Quando o nível de som diminuir, comente sua perplexidade frente
àquela histeria e incentive os alunos a ter outras atitudes.

38
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

D etalhes que podem, ou não, atrapalhar o trabalho


• Uso de bonés: confira se não há restrições da parte da
escola ou da professora regente.
• Drops e chicletes: idem. Devem ser evitados nas apre-
sentações orais.
• Ouvir som durante a aula de artes: primeiro confira as
regras da escola. Caso essa iniciativa parta dos alunos, permita
somente se a trilha sonora ou rádio escolhida for uma unani-
midade na turma. Dizer um NÃO às vezes é melhor do que
violentar os seus ouvidos somente para agradar os alunos. Caso
queira trazer algum tipo de música, procure articular o compo-
sitor e o estilo musical com a proposta trabalhada e explicar as
relações entre a música e as artes visuais para os alunos.
• Figurinhas, cards, RPG s, jornais, revistas4, jogos eletrô-
nicos: mesmo quando o aluno estiver com seus trabalhos pron-
tos, esses materiais impressos podem comprometer a concen-
tração dos outros. Permita apenas quando o material em ques-
tão estiver articulado à proposta.

O que não permitir devido ao alto grau de dispersão


• Alunos que fazem temas e trabalhos de outras disciplinas
durante sua aula: mesmo que isso aconteça com um aluno com-
prometido e interessado, que já cumpriu as tarefas, você abre pre-
cedentes para que isso aconteça em outras situações, perdendo
poder de argumentação com alunos dispersivos, que fazem o tra-
balho em sua aula por estar em falta com outros professores, qua-
se sempre dos períodos que seguem a aula de artes.

4
No caso de trabalhar com revistas e jornais como suporte para recorte, colagem
ou papelagem, procure levar exemplares desmembrados para evitar que os alu-
nos se dispersem com artigos, reportagens, etc.

39
Orientações sobre a prática

• Uso de celulares: retire o aparelho e o desligue, prefe-


rencialmente mantendo sob sua guarda e devolvendo somente
no final da aula. Não deixe nada em cima de sua classe, pois
corre-se o risco do mesmo desaparecer sem que você perceba.
• Lanches e merendas em meio ao trabalho: além de dis-
persar e não ser higiênico e causar sujeira, podem estragar os
trabalhos.

Situações raras e extremas que podem complicar o andamento


de uma aula
• Roubos: situação rara, mas que algumas vezes aconte-
ce. Seja você ou algum aluno que tenha dado falta de algo na
mochila ou mesmo na mesa, não deixe que ninguém saia da
sala e chame a direção ou os funcionários responsáveis.
• Alunos com armas brancas em sala de aula: retire a faca
ou canivete, assim como qualquer outro objeto perfurante que
porventura tenha sido usado de forma ameaçadora, e entre-
gue-o à direção, explicando a ocorrência.
• Alunos com armas de fogo: mande um aluno de sua
confiança chamar a direção. Jamais recolha pessoalmente a
arma do aluno, muito menos o expulse da sala de aula 5.

Outros entraves, alguns sem solução, para os quais se deve


estar preparado
• Barulhos externos (trânsito de automóveis, aulas de edu-
cação física) que poluem sonoramente a sala.

5
Essa situação foi vivida, alguns anos atrás, por uma estagiária do curso de ma-
gistério das Séries Iniciais em uma escola estadual. A menina, acostumada com
armas de fogo por ser filha de um militar, foi expulsa do estágio por ter recolhi-
do a arma do aluno e ter passado a aula com ela em sua classe.

40
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

• Salas de aula com portas que não se fecham: colocar


uma classe na frente6.
• Janelas enguiçadas.
• Luminosidade insuficiente.
• G oteiras em sala de aula.
• N ão haver classes, cadeiras ou espaço para todos os
alunos.
• O recurso tecnológico estraga no dia planejado para o
uso: tenha sempre uma proposta extra para esse dia, para não
ficar sem saber o que fazer.
• Fitas crepes que não fixam os trabalhos a serem expos-
tos: tente fita dupla-face (averigue se pode retirar com facilida-
de depois) ou reze para que inventem algo melhor.

Problemas de ordem pedagógica


• Vários alunos fazem trabalhos iguais: invente estraté-
gias, trabalhos em que cada aluno fará um pedaço de uma ima-
gem ou elementos diferentes que componham uma só produ-
ção. Faça desenho “sem fio” (onde um aluno copia, sem ver a
totalidade da sequência, o desenho de um outro aluno, e assim
por diante) e compare os resultados. Repense como estão sen-
do tratadas as estereotipias em sala de aula.
• Alunos não apresentam habilidades motoras para de-
senvolver o trabalho: presume-se que o professor conheça as
aptidões da turma antes de elaborar uma proposta. Caso apa-
reçam dificuldades não previstas, os materiais e as técnicas de-
vem ser adaptados ou mesmo trocados.
27. Há muitos atravessamentos de questões relativas à
sexualidade, não apenas nas atitudes dos alunos, mas também

6
Solução apontada por uma aluna da Prática de Ensino I, Camila Nagy, em seu
relatório de estágio.

41
Orientações sobre a prática

na produção em sala de aula, junto à qual podem aparecer for-


mas fálicas ou desenhos de genitais. Trate o sexo como um tema
comum da arte, mas lembre o “artista” que ele está num ambi-
ente institucional cheio de tabus e que tal trabalho não é muito
conveniente.
28. Escreva suas impressões e relatos num diário de bordo
posteriormente. Evite fazer anotações enquanto ministra sua aula.
29. Elogie as produções e o desenvolvimento dos alunos.
Estimule-os!
30. Seja artista, professor, poeta, amigo e, se necessário,
até policial. Jamais seja um juiz. Ninguém está na escola para
ser condenado ou absolvido, ganhar o paraíso ou ir para o fogo
do inferno. Portanto evite qualquer tipo de julgamento, seja
sobre a escola, a professora regente e sobre os alunos e seus
trabalhos. Lembre que uma análise crítica é completamente di-
ferente de um tribunal.
31. Sua postura, comprometimento com o trabalho, in-
teração com a produção artística de sua terra e de seu tempo,
assim como sua inventividade frente aos problemas educacio-
nais contribuem para a imagem que as pessoas fazem da arte e
da importância que essa tem na educação e na sociedade. Mes-
mo que em dimensões microscópicas, você está trabalhando
para que o mundo seja pensado em termos éticos e estéticos e
não mais a partir dos racionalismos e sistemas morais produto-
res de uma realidade cheia de misérias e doenças. Ninguém vai
salvar o mundo dando aulas de artes, mas, certamente, sendo
professor de artes, poderá criar paisagens existenciais que fa-
zem a vida valer a pena.

f. Avaliação
32. A avaliação é um processo analítico contínuo, sobre o
qual se pauta quase todo o trabalho pedagógico. Não há plano,

42
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

proposta e procedimento didático que não impliquem uma análi-


se do que será feito, do que se faz, do que está acontecendo e do
que aconteceu. Avaliar é um acontecimento problemático, pois,
antes de qualquer outra coisa, envolve problematizar atitudes, con-
teúdos, conceitos e o envolvimento com as matérias trabalhadas.
33. Inicialmente, a avaliação é diagnóstica. Avaliam-se
as condições de trabalho, os referenciais prévios, as culturas
envolvidas, os níveis cognitivos, os interesses em jogo, as difi-
culdades, as facilidades, as possibilidades, os desejos, as vonta-
des coletivas e individuais.
34. No decorrer de um projeto de ensino, ou de qualquer
outro trabalho pedagógico, tanto os professores como os alu-
nos avaliam o funcionamento das aulas, a relevância dos temas
em questão, as relações dos conteúdos entre si, a dinâmica das
atividades, a pertinência dos assuntos, o uso e as características
dos materiais, os modos pelos quais a aprendizagem acontece,
entre tantas outras coisas. Avaliar é analisar o que se faz, o que
se diz e o que se sente, o que se deixa de fazer, de dizer, de
sentir. Analisamos constantemente o que está sendo ensinado
e o que está sendo aprendido.
35. No final de um período letivo ou ao término de um
projeto, a avaliação funciona como um panorama de tudo o
que foi trabalhado. Avaliar é construir uma espécie de mapa
dos enfrentamentos, conquistas e empecilhos que encontramos.
Uma avaliação final procura pensar como traçamos um per-
curso, fazendo o levantamento do bloco de experiências vivi-
dos num curso, numa disciplina, num seminário, num estágio,
em qualquer vivência que estamos deixando para trás. Avalia-
se para compreender os posicionamentos frente às matérias,
junto às quais se compreende uma certa passagem de vida.
36. A avaliação envolve professores, alunos, pais, coor-
denação pedagógica, setores administrativos e toda a comuni-
dade escolar. O processo avaliativo acontece tanto no âmbito

43
Orientações sobre a prática

individual como coletivo. Infelizmente, a burocracia escolar re-


quer apenas registro das avaliações individuais centradas ex-
clusivamente nos alunos e, dependendo dos encaminhamentos
internos, avaliações informais de turmas e grupos, em geral fei-
tas em conselhos de classe.
37. Muitas e muitas vezes, essas avaliações são quantita-
tivas, pois tentam medir o conhecimento e o comportamento
dos alunos. Outras vezes, as avaliações são qualitativas, pois
consideram fatores não mensuráveis do que o aluno faz, apre-
senta e produz. Preocupadas com a qualidade ou a quantida-
de, a avaliação escolar comum expressa-se por meio de algum
instrumento (boletim, parecer, conceito). Toda a complexida-
de, importância e riqueza do processo avaliativo terminam re-
duzidas a letras ou a números, tentativas de definir os níveis de
performance e aprendizagem.
38. Nem todas as escolas requerem que se avaliem os alu-
nos. No caso de sua escola exigir a entrega de uma avaliação desse
tipo (parecer por escrito, apontamento de objetivos alcançados,
conceituação ou nota), forneça exatamente de acordo como foi
solicitado pelo professor titular ou coordenação pedagógica.
39. Estabeleça os critérios que serão considerados na ela-
boração de uma avaliação formal e coloque-os claramente para
seus alunos. Pontualidade, assiduidade, comprometimento com
os materiais solicitados, cuidados com os equipamentos, com a
limpeza da sala, cordialidade e cooperação são critérios univer-
sais, facilmente colocados, que servem para todas as disciplinas.
40. Crie seus instrumentos de avaliação, tais como plani-
lhas de controle, tabelas com critérios a serem observados e
outros. Nesses constam o nome de todos os alunos, os dias de
cada aula e espaços para assinalar itens como presença, pontua-
lidade, participação em aula, envolvimento com a proposta,
comprometimento com os materiais, responsabilidade com a
limpeza da sala, etc.

44
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

41. Critérios específicos dos saberes artísticos, traçados


especialmente para cada projeto de trabalho, também podem
ser apontados, tais como certos modos de executar um traba-
lho, a compreensão dos conceitos envolvidos e a apropriação e
uso da matéria proposta.
42. Capricho é um conceito 7, portanto como critério de
avaliação sempre se equivoca. Não confunda capricho com uma
apresentação “limpinha” e “cuidadosa” dos trabalhos.
43. Por outro lado, o desleixo com os trabalhos e os ma-
teriais, que estamos acostumados a chamar de falta de “capri-
cho” ou “relaxamento”, merece ser avaliado. Questionar des-
cuidos e negligências é necessário para que todos aprendam a
zelar não apenas pelo que diz respeito a uma aula ou aos mate-
riais de uma disciplina, mas a toda a vida na Terra.
44. Obviamente, é preciso sempre considerar as especifi-
cidades etárias, culturais e econômicas quando se avalia. Um
processo de avaliação envolve a análise de diversas capacida-
des, das dificuldades encontradas no aprender, das falhas nos
modos de ensinar e todos os contextos emocionais e sociais
que cerceiam qualquer atividade pedagógica.
45. Avaliar não é constatar quais objetivos foram alcan-
çados, nem testar as habilidades dos alunos ou exigir que pro-
vem seus conhecimentos.
46. Cuidado! Avaliar não é julgar, dizer quem é bom ou
não, o que está feio ou está bonito, quem sabe ou não sabe
desenhar, quem é criativo ou não, quem tem talento ou não
tem. Muitas pessoas fazem isso, às vezes o tempo todo, e pen-
sam que estão “avaliando”.

7
Maneirista, o termo capricciosi, advindo de Capra (cabra), aparece nos escritos
de Vasari para designar os ornamentos grotescos, em especial os da pintura de
Michelangelo. Cf. WÖLFFLIN. Renascença e Barroco. São Paulo: Perspectiva,
1989. p. 95.

45
Material de apoio

47. A avaliação formal exigida no sistema educacional é


o ponto nevrálgico da Educação Artística ou do Ensino de Arte.
Há quem atribua a desvalorização da arte como consequência
dos mitos que circulam nos discursos escolares, como o de que
a arte é “matéria fácil”, porque “não roda” ninguém ou porque
não é um conhecimento que se preste a provas e nem faz parte
dos conteúdos tradicionais dos vestibulares. Por outro lado, o
fato da arte não ter que cumprir com um programa de conteú-
dos sistematizado para provas e concursos proporciona que seu
curso educacional siga livremente. O papel de cada um, como
professor de artes, é fazer com que os alunos gostem e valori-
zem a arte, que a experimentem e dela fruam.

“Arte é produzir não o conhecimento, mas o não-conhe-


cido & o a ser-conhecido; é não procurar, mas encontrar,
como diz Picasso.”
FRAN G E, Lucimar Bello Pereira. Por que se esconde a
violeta? São Paulo: Annablume, 1995. p. 289.

5. Material de apoio

Projetos de Artes
O que temos encontrado nas escolas ainda são ativida-
des artísticas esparsas, não relacionadas a temáticas capazes de
produzir sentido proporcionando aprendizagens efetivas. Se-
guir uma listagem de conteúdos ou um programa de ensino
pronto esvazia o sentido que toda matéria, em qualquer área
específica de conhecimento, produz. Ao contrário de seguir um
programa de matérias, chamadas de “conteúdos”, um projeto
dá a ver também seus “continentes”. Daí podermos entender
que um projeto é sempre uma busca, uma pesquisa, um mergu-
lho num rol de matérias a serem experimentadas, vividas, apren-
didas. O trabalho pedagógico a partir de temas geradores, como

46
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

propôs Paulo Freire, ou o trabalho com centros de interesse


não são novidade em termos de educação. Teóricos de diversi-
ficadas linhas de pensamento defendem um trabalho a ser cria-
do de acordo com elementos significativos, que tragam novos
códigos e matérias para os alunos dialogando com seu repertó-
rio cultural próprio, envolvendo experiências que tenham sen-
tido e tragam o gosto por aprender.
Pensando a partir de uma imagem antropofágica do apren-
der, um projeto apresenta fartura de pratos nutritivos, prepara-
dos com requinte culinário, enquanto que o trabalho em cima de
programas prontos é um lanche industrial que se come com pressa
e não fornece os nutrientes necessários. Deglutição de matérias,
pensar um projeto é dispor alguns elementos numa combinação,
como se prepara um banquete. Um projeto mais curto, com li-
mitações de tempo, restrições de materiais e impossibilidade de
deslocamentos pelo espaço, pode ser uma boa refeição. O im-
portante é que a matéria seja apreciada e bem digerida.
O que precisamos pensar? Um projeto pedagógico de
artes? Um projeto pedagógico em artes? Um projeto pedagógi-
co junto com a arte? Sem entrar na especificidade dessas ques-
tões, precisamos pensar o que se quer, o que se busca com um
projeto, ou seja, como desenvolver um tema de interesse que
possa ampliar o repertório dos alunos e gerar uma aprendiza-
gem efetiva no campo artístico. Por aprendizagem efetiva en-
tendemos uma experiência que jamais será esquecida, em que
todos os elementos nela implicados tenham sido aprendidos
em seus nomes, contextos e significados.
Um projeto pedagógico é sempre uma ação social, mes-
mo quando se dirige a um público restrito. Pode-se dizer que
um projeto é uma estratégia micropolítica, para usar as pala-
vras dos pensadores pós-estruturalistas, como G uattari, Deleu-
ze e Foucault. Mas, sem sair do estruturalismo pelo qual fun-
cionam os sistemas de ensino, essa estratégia requer clareza de
objetivos, definição de metas. Antes de mais nada, é necessário

47
Material de apoio

nos perguntarmos: para que elaborar um projeto, propor uma


série de experiências, atividades, exercícios?
Para saber a finalidade de um projeto, é preciso contex-
tualizar o território onde esse projeto acontece. Que lugar tem-
poral e geográfico é esse? Quem o povoa? Que discursos tecem
esse povo? Que possibilidades de trabalho se apresentam junto
a essa população? Que recursos existem nesse território? Sem
um olhar concreto, que levante o alcance das paisagens exis-
tenciais de todos os envolvidos, um projeto não se define muito
bem. Todo projeto cria um campo de ação, dado a partir dos
pontos de vista de seus autores sobre os universos de referên-
cias em questão.
Esses pontos de vista que determinam os temas que o
projeto irá desenvolver. A temática de um projeto ligado ao
campo das artes envolve o estudo de estilos, campos do imagi-
nário, tradições iconográficas, repertórios culturais, que são tan-
to locais como globais, representações e sistemas simbólicos
inerentes aos contextos sócio-históricos que o tema pode abran-
ger. Fazer escolhas frente à amplitude de uma temática é pen-
sar por quais linhas um projeto vai seguir. Todo projeto tem
uma maneira particular de se desenvolver. Não há projeto que
não tenha que decidir com quais imagens de pensamento vai
funcionar, com quais figuras, personagens, paisagens e planos
conceituais será traçado. A maneira de traçar um projeto de-
pende tanto dos modos pelos quais é conduzido como dos ma-
teriais, técnicas e recursos dos quais vai dispor. Um projeto fun-
ciona junto aos dispositivos pedagógicos que seu próprio de-
senvolvimento produz.
As produções de um projeto são viabilizadas por meio de
pesquisas, coletas, buscas incessantes. Mesmo quando não apre-
senta um produto final, um projeto cria. Todo projeto é uma
criação de percurso, o traçado de uma aprendizagem. Os proje-
tos mostram percursos transdisciplinares e a singularidade de

48
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

algumas criações. Documentar um projeto é registrar os modos


com que lidamos com a complexidade da matéria e como cons-
truímos compreensões do cosmos, da Terra, dos corpos, das ações
entre os mais diferentes tipos de corpos. Um projeto bem docu-
mentado coloca os problemas que seu processo apresenta. Pro-
cesso de aprendizagem que nunca acontece sem certo embate
caótico junto ao emaranhado de coisas que uma matéria com-
põe. Crivar esse caos é a tarefa do pensamento, atividade que
todo projeto, por mais voltado ao sensível que esse seja, procura
exercitar. Por isso todo projeto pedagógico abre-se aos devires
do pensamento, à sua volatilidade, às suas inúmeras possibilida-
des de movimentação. É difícil prever como um projeto irá ter-
minar, por mais clara que sua finalidade tenha sido colocada.
Trabalhar com um projeto é estar aberto ao novo, ao inu-
sitado aprendido no percurso. É saber-se vulnerável, mesmo com
as potências elevadas na aventura de uma busca. Sim, criar proje-
tos, como toda a atividade criadora, aumenta o poder, potencializa
ações e fortalece os agentes criadores desse processo. O profes-
sor é o autor do projeto, é ele quem o assina, seus projetos são as
suas criações. E diferentemente dos projetos de artistas, um pro-
jeto pedagógico sempre estará à mercê da repercussão que seu
desenvolvimento tem nos alunos e na comunidade em geral. Por
isso é uma criação ainda mais complexa do que um trabalho
poético de um artista, mesmo quando esse tem a intenção de
interagir com o público. Por isso, desenvolver um projeto, espe-
cialmente na escola, implica no mínimo que seu traçado inicial
seja construído conjuntamente com os alunos, partindo de suas
necessidades, carências e sintomas sociais. Obviamente, isso não
é fácil, pois exige dos coordenadores, professores e alunos muito
mais trabalho, estudo, envolvimento, dedicação. Burocraticamen-
te, com modelos prontos, receitas, prescrições, regras, normas,
ninguém trabalha, verdadeiramente, com um projeto. Trabalhar
com projetos é não ter medo de mergulhar no caos. Cuidado!

49
Material de apoio

Para fazer esse mergulho, é preciso estar equipado, é preciso ter


cordas que garantam que possamos ser puxados de volta. Não
dá, de jeito nenhum, para se atirar sozinho.
Junto com o docente que traça um projeto estão todos
aqueles para quem o projeto é pensado, sua cultura, seus hábi-
tos, seus valores, assim como todos os autores que o ajudam a
pensar, os artistas que serão mostrados e toda a sua bagagem de
referências. Ao traçar um projeto, um docente elenca matérias e
lista conhecimentos a serem desbravados. Muitos desses conhe-
cimentos possuem caráter interdisciplinar, dialogando com ou-
tra disciplina. Por exemplo, um projeto sobre cores pode utilizar
a Física para explicar fenômenos relativos aos efeitos coloríficos
observados na arte. Vários temas são, por si, multidisciplinares,
pois podem ser abordados por perspectivas diversas, como um
projeto sobre naturezas mortas, que pode ser abordado com a
biologia, explorando o aspecto das flores e vegetais pintados, da
sociologia, ao explicitar a importância do mercado de alimentos
e ornamentos no mundo moderno, trazendo também a história,
a geometria, quando analisar a disposição dos objetos, etc. Por
fim, à medida que qualquer tema específico das artes percorre
conhecimentos de muitos campos, todo projeto ligado às artes
tem um aspecto transdisciplinar.
Sem dúvida, há mais desafios em trabalhar com projetos
do que em seguir listagens de conteúdos ou programas de ensino
que já estão relativamente prontos. Mas é inegável que a docên-
cia que projeta não se acomoda e sente os frutos do seu trabalho
com muito mais prazer. Quanto mais o docente aprende, mais se
apaixona pela matéria que leciona. Quanto mais apaixonado,
mais enlevo, mais alegria, mais recompensas, mais potência.

a. Estratégia para elaborar propostas e planos


Projeto de trabalho: descreve e explica o que o professor
vai desenvolver em sala de aula. Há muitos modos de traçar um

50
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

projeto. O importante é que ele especifique os motivos para sua


elaboração, as maneiras ou formas de expressão pelas quais se
realizará e as matérias que seus conceitos substanciais contêm.
Parte-se da premissa de que o planejamento é um instru-
mento elaborado para definir o que será trabalhado, com que
finalidades, de que maneiras e com quais materiais. Planeja-se
para auxiliar a prática e não para criar empecilhos nos aconte-
cimentos que fluem em sala de aula. O plano de trabalho deve
ser pensado a partir das possibilidades físicas e materiais e das
características etárias em questão, de modo que sem um bom
mapeamento é impossível elaborar um projeto.

Sugestão de traçado seguindo perguntas:


1. O quê? A resposta pressupõe a definição das matérias,
conteúdos, contextos e temas dos quais o projeto trata.
2. De que modo? Como tais conteúdos-temas serão tra-
balhados? O projeto precisa descrever o tipo de procedimentos
e atividades junto aos quais a matéria será desenvolvida.
3. Com o quê? Quais recursos materiais e técnicas serão
utilizados para colocar o projeto em funcionamento? Essa per-
gunta exige o planejamento concreto do que o professor vai
dispor ou solicitar aos alunos, assim como a definição dos ma-
teriais didáticos a serem elaborados.
4. Por quê? Quais motivos implicados na elaboração de
um projeto? Aqui são apontadas as necessidades de aprendiza-
gem dos alunos e as justificativas que explicam para que traba-
lhar tais matérias de tais modos.
Planilhas de aula: documento que especifica, aula por
aula, o que vai ser feito. Além de apontar os materiais a serem
levados ou solicitados pelos alunos, a planilha pode conter um
cronograma de passos que estipula o tempo de cada procedi-
mento. Imprescindível para quem inicia, seja em oficinas, es-
tágios de curta duração e outros projetos com tempo restrito.

51
Material de apoio

b. Matérias e conceitos das artes visuais


As listagens que seguem, excessivamente formais, só ad-
quirem sentido dentro de um projeto que envolva outros aspec-
tos das artes visuais, como a experimentação e contextualiza-
ção de movimentos artísticos. Importante aqui é elencar, para
que o futuro docente extraia tópicos específicos dentro de seus
projetos, todos os elementos implicados na composição de um
trabalho artístico, seja o que é contemplado como aquele de-
senvolvido em sala de aula.

Enfoque construtivista
Primeira etapa:
– Manuseio de materiais: cola, tinta, argila, peças sólidas
– Manuseio de instrumentos: lápis, pincel, tesoura
– Variedades dimensionais: grande/ pequeno – alto/ baixo
– Limites das superfícies e linha de contorno
– Denominação das cores
– Proporção/ tamanho/ peso
– Repetição e sequência
– Semelhanças e diferenças
– Volume (uso e modelagem)
– Encaixes simples

Segunda etapa:
– Exploração de instrumentos e materiais
– Cores primárias e secundárias (experiência e denomi-
nação)
– Proporção formal (altura e largura)
– Diferenciação figura/ fundo
– Posição da forma (linha de base)
– Horizontal/ vertical (denominação)
– Direção do traçado (observação)
– Sequência/ repetição/ alternância

52
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

– Volume (construção)
– Simetria e assimetria
– Detalhes

Terceira etapa:
– Denominação e domínio dos materiais
– Bidimensional e tridimensional (denominação)
– Variedades de linhas: reta, curva, ondulada, pontilha-
da, etc.
– Equilíbrio/ peso
– Direções (denominação)
– Cores quentes e frias (análogas)
– Textura (exploração)
– Profundidade e diferenciação de planos no espaço (fren-
te, intermediário, fundo)
– Polígonos (uso e denominação informal)
– Sobreposição/ justaposição
– Movimento estático/ dinâmico
– Claro/ escuro

Quarta etapa:
– Abstração de pontos
– Concentração/ dispersão, densidade/ rareamento
– Variedades de texturas
– Cores complementares
– Positivo/ negativo
– Luminosidade (viva/ neutra)
– Monocromia e policromia
– Relevo
– Obliquidade
– Variações formais
– Curvilíneo, facetado, arredondado (denominação)
– Figuração/ abstração (diferenciar)

53
Material de apoio

– Polígonos regulares e irregulares


– Perspectiva euclidiana
– Construção cinética
– Ritmos

Quinta etapa:
– Articulações de elementos formais
– Poliedros
– Volume no bidimensional
– Escala cromática
– Escala dimensional
– Perspectiva topológica
– Extensão/ distensão
– Deformação
– Decomposição da forma/ anamorfose
– Elaboração sintética
– Nuances/ matizes/ tonalidades
– Módulos de encaixe

Outras listagens de matéria encontradas nas escolas


Geometria
– Ponto
– Linhas
– Polígonos: quadriláteros (quadrados, losangos, retân-
gulos, trapézios), triângulos
– Polígonos regulares: pentágono, hexágono, pentagra-
ma, hexagrama, etc.
– Círculo, oval e elipses
– Rosáceas e mandalas
– Cubo e paralelepípedo
– Cones e cilindros
– Pirâmides e outros poliedros

54
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

D esign
– Letreiros
– Logotipos e logomarcas
– Estamparia
– Embalagens

Estudo da cor e da luz


– Primárias
– Secundárias
– Círculo das cores (análogas e complementares)
– Variações e tonalidades
– Preto/ branco – positivo/ negativo
– Luz e sombra

Elementos visuais e suas relações compositivas


(Listagem amplamente difundida após programa propos-
to no livro Arte na Educação Escolar, de Fusari e Ferraz, de 1991)
– Linhas
– Superfícies
– Espaço
– Volume
– Texturas
– Cores
– Simetria-assimetria

c. Materiais e possibilidades técnicas


– Trabalho a partir de narrativas orais (histórias)
– Ditados gráficos (frases, situações, descrição objetiva
de ilustrações, textos ou obras de arte)
– Desenho cego
– Desenho “sem-fio”
– Desenhar ao ritmo da música

55
Material de apoio

– Desenho a partir de filmes


– Desenho de observação
– Desenho ininterrupto
– Desenho com carvão
– Desenho de contorno de sombras
– Desenhos sobre transparências
– Desenhos em grandes dimensões sobre projeções de sli-
des ou transparências em retroprojetor
– Desenho a partir de formas aleatórias colocadas no papel
– Desenho a partir de linhas sugestivas
– Transformação gráfica (reelaborar imagens)
– Pontilismo com hidrocor ou tinta
– Mosaicos (papel picado, bolinhas de crepom)
– Recorte e montagem de estruturas de papel colorido
– Colagens: papéis diversos, tecidos, areia, sementes, fo-
lhas secas
– Pintura aerografada (raspando escova de dentes em
ralador)
– Pintura a sopro
– Pintura com gravetos
– Pintura corporal
– Finger-painting (pintura a dedo)
– Nanquim ou anilina sobre papel molhado
– Nanquim sobre giz de cera
– Radiografias recortadas: grafitagem
– Fotogramas
– Origami
– Tapeçaria
– Corte e costura em TNT
– Emenda de retalhos
– Bordado
– Reimpressão, com tinner ou acetona, de imagens de
revistas

56
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

– Coleta de texturas (frotagem)


– Monotipias
– Monotipias com elementos texturizados
– Xilogravura ou gravura em superfície emborrachada
– Carimbos
– Placas para texturização em argila
– Modelagem em barro
– Modelagem em massa de farinha
– Papier-machê
– Papelagem
– Máscaras e moldes de atadura gessada
– Meias de nylon e sacos recheados com jornal
– Pedras unidas com massa epóxi
– Construção e decoração de sólidos
– Construções com isopor
– Isopor com gesso ou cimento
– Móbiles
– Cortinas ou penduricalhos com fios decorados
– M ontagens tridimensionais com tiras de cartolina
(grampeadas ou coladas)
– Montagens com palitos e isopor
– Montagens com canudinhos encaixados
– Montagens com canos PVC
– Montagens com copos e pratos de poliestireno
– Montagem de sucatas (junção com cola quente)
– Montagens efêmeras com objetos diversos
– Animação de objetos
– Fantoches de dedo ou mão
– Confecção de marionetes
– Maquiagem
– Tatuagens de hidrocor
– Confecção de roupas com TNT
– Confecção manual de slides
– Experiências de projeção de sombras

57
Material de apoio

– Pintura ou desenho sobre transparências


– Laboratório de projeções com retroprojetor
– Confecção de caixa ou lata escura para fotografia
– Câmera p in-hole
– Maquetes
– Recortes, montagens e colagens com E.V.A.
– Teares
– Bordados
– Emendas de retalhos

LEMBRE: Nenhuma das atividades ou conteúdos aqui elen-


cados, ao serem trabalhados de forma isolada, é passível de
produzir uma aprendizagem significativa. Exploração de
materiais, desenvolvimento de técnicas, conceitos e elemen-
tos gráficos e plásticos envolvidos na composição visual,
assim como a aplicação de saberes geométricos e cromáticos
só possuirão sentido quando articulados a um tema ou rol de
temas articulados, que seja capaz de produzir algum sentido
junto a matérias específicas e explorações estritamente técni-
cas. A escolha do tema, mais do que responder a interesses
dos alunos, dá-se na construção de novos repertórios e na
valorização da cultura que os aprendizes trazem.

d. Sugestões para compor uma Caixa de Ideias

Parque de diversões Caverna do dragão


Navio de piratas Campo de futebol
Casa assombrada Circo
Espaço sideral Fazenda
Loja de brinquedos Caravana no deserto
Supermercado Piquenique
Agência bancária Hotel de luxo
Sorveteria Zoológico

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Aquário Olimpíadas
Templo oriental Estação de trem
Posto de gasolina Banquete
Ruínas gregas Corrida de Fórmula I
Academia de ginástica Metrópole movimentada
Feira Armazém e fruteira
Partida de xadrez Piscina do clube
Formigueiro Banda de rock
Convenção das bruxas Escritório de executivos
Consultório de dentista Palácio do imperador
Jogo de basquete Confeitaria
Nave extraterrestre Orquestra sinfônica
Banca de revistas Salão de beleza
Festival de música Cinema
Berçário na maternidade Tribo de índios
Fliperama Ilha tropical
Noite de Natal Laboratório de química
Iglu de esquimós Autoestrada
Planetário Cassino
Baile de carnaval Castelo medieval
Carroças Livraria
Escola Peça de teatro
Morada de anjos celestiais Mina de pedras preciosas
Biblioteca Cripta de vampiros
Mundo submarino Delegacia Policial
Lançamento de foguete Alpinistas nas montanhas
Praia Colmeia
Cais do porto Missa católica
Vale dos dinossauros Cemitério
Casamento Festa de aniversário
Estúdio de televisão Reunião de super-heróis
Floresta selvagem Restaurante
Fábrica de automóveis Regata de barcos a vela
Jardim florido Mundo dos gnomos

59
Material de apoio

Passeata estudantil Corrida de cavalos


G rande magazine Um bairro da cidade
Museu de ciências Reunião dançante
Pampas gaúchos
Tendas de ciganos Maior grau de abstração
Corpo de bombeiros Tempestade
Antigo Egito Explosão de energia
País das Maravilhas Terra da fantasia
Saltos de asa-delta Amor
Corrida de balões Paraíso
Bosque das fadas Inferno
Pracinha A paz interior
Desfile de moda Discussão em família
Rodoviária Revoluções
Hospital Felicidade completa
Acampamento Saudades
Edifício em construção Ação
Batalha Naval Aventuras inesquecíveis
Mapa do tesouro As coisas do nunca
Tempos pré-históricos Lembranças perdidas
G uerra Sonhos reais
Exposição de artes Delícias e delírios

e. Fruição e compreensão da arte


A pesquisadora Abigail Housen, criadora das Estratégias
Visuais de Pensamento (VT S), propõe três perguntas frente a uma
obra ou imagem a ser apreciada:8
“O que se vê aqui?” ou “O que se vê nessa imagem?”.

8
W hat’s going on in this picture? W hat do you see that makes you say that?
W hat more can we find?

60
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Após as colocações dos alunos, em geral centradas em


relações imaginárias e narração de experiências pessoais, o pro-
fessor então pergunta:
“O que é que se vê aqui, nesta imagem, que faz ver isso?”
Essa segunda questão obriga os alunos a olhar uma se-
gunda vez para a obra para apresentar dados sobre aquilo que
narraram na apreciação inicial, de modo que são encorajados
a especular mais, a ponto de apontar os elementos da obra para
sustentar seus argumentos.
Tal estratégia exige certo tempo frente a uma imagem ou
obra a ser apreciada. Uma sugestão, dada pela profa. Lucimar
Bello na ocasião do lançamento do Arte Br, é que se permaneça
no mínimo 6 min junto a uma imagem.
Ao trabalhar com imagens, evite direcionar a fruição dos
alunos apontando aquilo que você julga importante. Utilize pa-
lavras e colocações extraídas dos depoimentos dados por eles
para fazer, posteriormente, as observações necessárias.
Depois que os elementos formais e expressivos forem ex-
plorados, contextualize a obra em questão, apontando a cultu-
ra na qual está inserida e, se for pertinente, mostre-a dentro de
uma linha de tempo ou mesmo de um mapa que descreva as
condições espaciotemporais de sua emergência e os movimen-
tos artísticos junto aos quais está ligada.
Antes de usar uma imagem em sala de aula ou selecionar
algum artista para compor um projeto, analise a pertinência
desse referencial com o tema em questão. Onde ele se aproxi-
ma, no que pode contribuir, que tipo de atividades aquele tra-
balho apreciado pode propulsionar. Obras de arte ou imagens
de qualquer natureza são motes riquíssimos, mas um projeto
interessante também pode ser desenvolvido sem imagens im-
pressas ou exemplos da História da Arte. O que importa é agu-
çar o olhar e os outros sentidos, o que pode ser feito não apenas
em reprodução de obras de arte, mas também em exercícios

61
Material de apoio

que envolvam o espaço físico da escola, o entorno, o próprio


material dos alunos. Tudo isso também é imagem.

f. Sobre o trabalho final


1. O chamado Relatório é o documento que registra o
aprendizado adquirido na Iniciação à Docência, sendo essen-
cial sua apresentação e entrega dentro do prazo. Esse trabalho,
de cunho acadêmico, envolve o registro e a elaboração de todas
as ações envolvidas no período da bolsa.
2. Existem regras para a elaboração de Relatórios; elas
estão à disposição dos alunos nas bibliotecas setoriais e em ou-
tros setores vinculados à Associação Brasileira de Normas Téc-
nicas (ABNT). Caso tenha interesse em fazer um trabalho es-
tritamente dentro das normas, consulte a pasta de textos da
disciplina. Dicas: palavras em língua estrangeira e títulos de
livros e obras de arte, usar itálico.
3. Dessas normas, vamos observar os seguintes itens:
• Capa com informações tais como cabeçalho identifi-
cando as instituições e o curso, o autor, o título do trabalho
(use a imaginação) e sua designação acadêmica, o nome do
professor supervisor, a cidade e a data.
Quando houver, índices de ilustrações e abreviaturas.
• Sumário indicando as páginas em que são abertas as
seções e as subseções.
• O corpo do texto, com início, meio e fim. O texto pode
iniciar com seu memorial descritivo, suas expectativas sobre o
estágio, seus sonhos e ideais. O corpo do trabalho, sempre em
consonância com a bibliografia estudada, deve apresentar a
escola escolhida, como foram as suas impressões, o mapeamen-
to feito sobre a instituição e a situação da disciplina de Artes
naquela escola, o relato das observações e todas as impressões
e reflexões feitas a partir da primeira etapa da prática. Depois,
é preciso apresentar o planejamento com suas justificativas e

62
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

motivos, assim como a pesquisa feita para elaborar seu projeto


de trabalho. Então, conte como foi sua prática, sendo que a
cada aula relatada acrescente o material relativo aos aconteci-
mentos em sala de aula (imagens mostradas, fotos daquela aula,
questionários e textos dados para os alunos, etc.). Lembre que
reflexões junto ao relato o tornam mais interessante, embora
essas possam ser feitas como finalização ou conclusão do tra-
balho. A conclusão do texto é a avaliação geral de todo o pro-
cesso, do que o licenciando aprendeu e pode ensinar. Enfim, é
uma digressão sobre suas conquistas, dificuldades encontradas,
superações e o que mais quiser elucubrar.
• Bibliografia (obrigatoriamente dentro das normas da
ABNT), preferencialmente, para tornar mais claras as referên-
cias para o leitor, apresentada em notas de rodapé, seguindo o
método francês de trabalhos acadêmicos.
4. Por motivos éticos, identifique os sujeitos envolvidos
no trabalho somente com as iniciais ou nomes fictícios.
5. Embora o trabalho tenha um padrão acadêmico, so-
mos professores de ARTES, portanto vamos fazer nosso rela-
tório com poesia e com arte. Por isso, embora considere inte-
ressante que sejam observadas as margens justificadas, o tama-
nho para a fonte 12 e o espaçamento entre linhas 1,5, cada
aluno pode abusar de sua intuição estética para definir forma-
tos e estilos de apresentação, assim como incluir traços e infe-
rências de seu próprio trabalho artístico no documento.
Observações: no relato, registre ações pertinentes ao tra-
balho da supervisora bolsista na escola e coordenadora.

g. Endereços e instituições de interesse


Fundação Iberê Camargo
http:/ / iberecamargo.uol.com.br/ Fone: 3242-1247
Museu de Artes do Rio G rande do Sul
http:/ / www.margs.org.br

63
Material de apoio

Santander Cultural
Rua Sete de Setembro, 1028 – Fone: 3287-5940
http:/ / www.santandercultural. com.br
Casa de Cultura Mario Quintana
Rua dos Andradas, 736, Centro – Fone: 3221.7147
Centro Municipal de Cultura:
Av. Érico Veríssimo, 307 – Fone: 3221-6622 – r. 203 e 204
Usina do G asômetro
Av. Pres. João G oulart, 551 – Fone: 3212. 5979
CDE: Centro de Desenvolvimento da Expressão
Av. Ipiranga, 389 – Fone: 3233-5032
Rede Arte na escola: www.artenaescola.org.br
História da Arte: http:/ / www.historiadaarte.com.br

64
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

PARTE II – ALGUMAS EXPERIÊNCIAS

1. Um panorama específico sobre


um subprojeto de Artes Visuais

Paola Zordan

Muito difícil escrever sobre uma experiência que, por mais


interessante que seja, assusta pela imensidão de trabalho que
demanda. Nessa primeira década do novo século, a realidade
encontrada nas escolas desespera almas sensíveis que vivem com
arte, para a arte e para ensinar arte. Mas longe de levar nosso
amor pela arte para onde aparentemente essa não existe, antes
de tomarmos nossas criações como verdades e felicidade para
o mundo, precisamos entender o que vem a ser arte para os que
fazem essa escola que em sua insípida paisagem nos deixa per-
plexas. De algum modo, só é possível existir uma Iniciação à
Docência a partir do estudo das realidades escolares. Por isso,
antes de qualquer proposição que possamos crer a solução,
mapeamos a comunidade onde as ações serão desenvolvidas,
dialogando com alunos, professores, supervisores escolares e
direção. Estudos de caso, concepções e práticas em relação à
arte, dentro de uma contextualização psicossocial, são levanta-
dos para melhor compreendermos os territórios junto aos quais
iremos intervir.
Atuamos, ao longo de vinte e quatro meses, em três esco-
las diferentes. Cada uma demandou um estudo, cada uma im-

65
ZORDAN, P. • Um panorama específico sobre um subprojeto de Artes Visuais

plicou atividades específicas. Foram muitas reuniões semanais,


reuniões ocasionais com equipes de outros subprojetos e tenta-
tivas para traçar projetos interdisciplinares. Insisti nessas arti-
culações apesar dos rechaços explícitos manifestados em reu-
niões de bolsistas por alunos de outras licenciaturas, que tinham
como certo o caráter recreativo e ilustrativo das artes e diversas
vezes solicitavam trabalhos puramente braçais de nossa equi-
pe. Antes de começar, nosso trabalho foi colocado em xeque
por um administrador escolar e por uma professora de Ensino
Médio da área das Ciências Exatas. Em busca de projetos inte-
gradores foram feitas quatro reuniões, duas na Faculdade de
Educação e duas na escola do projeto que intentamos chamar
Paisagismo Produtivo, envolvendo a equipe de Artes Visuais
com a equipe de Biologia, que desenvolve oficinas semanais na
escola onde o projeto procura reativar uma sala de artes subu-
tilizada, a fim de se planejar e pensar um projeto que envolve
uma horta, jardins, minifloresta e a criação de um espaço sus-
tentável permanente dentro da escola em que se concentram
um número significativo de bolsistas da UFRG S. Essa escola é
a única que solicitou a participação do subprojeto em que ha-
via inserção das artes, sendo que a vulnerabilidade social dos
alunos, muitos moradores de abrigos, demanda uma urgente
intervenção na realidade comunitária situada em zona de tráfi-
co de entorpecentes.
Noutra escola, onde a realidade socioeconômica não pos-
sui agravantes em relação à integridade física e psíquica dos
alunos, contrastes entre famílias com poder aquisitivo distinto
trazem alguns conflitos no convívio escolar. Ali tivemos sete
reuniões com a supervisora escolar, a fim de planejar a inser-
ção das alunas na escola, assim como as atividades da equipe
nessa instituição ao longo do ano, sendo solicitado à coordena-
dora encontros de formação em artes para as professoras das
séries iniciais (CAT – Currículo por Atividade) no período re-

66
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

gular das reuniões pedagógicas, assim como encontros de ca-


pacitação para as professoras de artes. Apesar de não terem
acontecido encontros formais, estabelecemos contato perma-
nente e constante conversação com as professoras, especialmen-
te a professora de artes, a qual sem formação específica em
artes acolheu um dos estágios docentes obrigatórios do Curso
de Licenciatura em Artes Visuais da UFRG S, sob a responsa-
bilidade da coordenadora do subprojeto. A equipe não apenas
conversa com supervisoras escolares como entrevista, na medi-
da em que essas se dispõem, as professoras de artes para co-
nhecer seus métodos de trabalho, o espaço físico e materiais da
sala de artes, caso essa sala exista.
Mesmo estudando muito bem o território e a população
para onde iríamos levar nossas proposições, inúmeros fatores
atestaram o quanto é difícil a escolha de uma carreira docente,
especialmente no âmbito escolar, para um artista. Apresentar
os pressupostos do trabalho em artes com projetos pedagógi-
cos para professores da rede estadual só foi possível numa ca-
pacitação da Coordenadora das Licenciaturas da UFRGS e não
dentro das atividades do PIBID. A pesquisa envolvendo inter-
venções artísticas no espaço escolar só foi exposta aos profes-
sores da escola onde começamos a trabalhar após meses ten-
tando um espaço, reduzido a 10 min. Uma professora da uni-
versidade falando em uma reunião de professores produz enor-
mes resistências, pois julgam que esteja tratando a escola de
fora. Caso descubram que é doutora, essa resistência piora, de
modo a ter que se perder um tempo valioso, que poderia ser
usado para elaboração de ações dentro da escola, para vencer
essa resistência apresentando experiência pessoal como profes-
sora de ensino básico com anos de escola. E ao se declarar pro-
fessora de Artes, recebe sorrisos estranhos, quando não explíci-
tas manifestações, da parte da direção ou de outros agentes es-
colares, que arte não tem muita serventia ali. Foi na escola onde

67
ZORDAN, P. • Um panorama específico sobre um subprojeto de Artes Visuais

encontramos um verdadeiro descaso ao nosso trabalho que fi-


zemos o mapeamento mais acurado, com aplicação de questio-
nários. Fato é que a escola não solicitou nossa presença e que
fomos designados a trabalhar ali por ordens superiores: isso foi
um primeiro aprendizado, pois é impossível trabalhar com o
que não nos quer. Para que o trabalho funcione, a escola preci-
sa querer o subprojeto.
Aprendemos muito com as dificuldades, manifestas, por
exemplo, no primeiro mapeamento aplicado. Os questionários,
elaborados com a finalidade de respondermos às demandas do
corpo docente, foram respondidos apenas por uma quinta parte
dos professores nessa primeira escola onde atuamos. Os textos
que se seguem, redigidos por cada bolsista, mostram o quanto,
em algum ponto do processo, estas questionaram seus esforços
para se manter no magistério, para querer atuar como profes-
soras de artes, especialmente na rede estadual. O que manteve
as licenciadas de Artes Visuais integrantes do subprojeto com
vontade de permanecer na docência, criar ações de sua autoria
e continuar estudando estratégias pedagógicas foi a articula-
ção com outros acontecimentos envolvidos no processo de Ini-
ciação à Docência. Reuniões sistemáticas, com dinâmicas de
análise dos problemas encontrados, foram extremamente ne-
cessárias para confortar, na medida do possível, o estado vul-
nerável em que toda a equipe se sentia. Esse sentimento envol-
veu tanto o tipo de aulas que estavam observando como o des-
caso que os alunos tinham em relação às aulas de artes e o que
observaram no âmbito geral das escolas: professores que dei-
xavam de dar aulas em função de jogos de futebol, supervisora
que esquecia combinações feitas conosco, as concepções sobre
arte muito simplistas e reduzidas a técnicas, como as extraí-
mos, a título de exemplificação, de vários questionários. O fato
de precisarem estudar muito antes de planejar oficinas ou ou-
tras intervenções no espaço escolar parecia extremamente in-

68
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

coerente com o “fazer qualquer coisa” sem uma contextualiza-


ção significativa que observavam dentro da escola. O grande
trabalho foi a constante transformação dos questionamentos
suscitados no processo de Iniciação à Docência em produção
intelectual, sistematizada no planejamento das oficinas e na
textualização sobre a prática e no desenvolvimento de poéticas
individuais. Isso porque todas as bolsistas também se envolve-
ram com exposições de seus trabalhos artísticos, aprimoramento
de técnicas (pintura, tatuagem, cerâmica, fotografia) e com as
ações da pesquisa da coordenadora, que trata de obras em rede
e outras proposições abertas à intervenção do público. As ações
das bolsistas, ao se articularem à pesquisa desenvolvida pela
professora que as orienta, levam a intervenções artísticas em
espaços públicos, como arte espontânea de rua, performances
e intervenções poéticas em espaços institucionais. Dentre os
muitos arquivos da pesquisa, destacamos, para o PIBID, a ação
Estante Pública nas paradas de ônibus de Porto Alegre e as ações
que constituem a Micropolis experimentais dos artistas em dispo-
nibilidade da 7a Bienal do Mercosul, especialmente o trabalho
de Diana Aisenberg junto ao Colégio de Aplicação. Ao traba-
lhar com Nietzsche, afirmam-se uma não separação entre arte
e vida e a possibilidade de uma vontade de criação nas escolas.
É nesse sentido que as alunas acompanham defesas de quali-
ficação e trabalhos finais e ainda são convidadas a participar
de Seminários Avançados no PPG ED U/ UFRG S na linha de
pesquisa Filosofia da D iferença. Junto a textos de D eleuze,
G uattari e Foucault, posições estabelecidas para o que seja
arte, quem pode ser um artista e o que designa uma produção
contemporânea como “artística” são problematizados, não ape-
nas teoricamente como também em ações específicas e suas
disposições pedagógicas, tais como a intervenção AMA nas
vidraças do oitavo andar da Faculdade de Educação. Dentro
dessas poéticas, tivemos o projeto de estágio desenvolvido em

69
ZORDAN, P. • Um panorama específico sobre um subprojeto de Artes Visuais

diálogo com a Iniciação à Docência, intitulado D eslocamen-


tos arte-cidade, pela bolsista que participou do PIBID em ape-
nas um semestre, já licenciada, Júlia Berenstein, também ba-
charel em fotografia. Seu objetivo foi a aproximação dos alu-
nos com conceitos e práticas acerca da arte contemporânea,
tendo como foco a sua relação com os espaços urbanos. De-
senvolvido a partir da apresentação e análise de obras de diver-
sos artistas com produção relacionada às cidades, seja por seus
deslocamentos, observações cotidianas, questionamentos de in-
cidências. O material são registros fotográficos, tais como a série
Sinal Vermelho, poética desenvolvida pela professora coordena-
dora, a série de guaritas de Elaine Tedesco ou as casas cegas de
Rochele Costi. A partir dessas e outras imagens, os alunos fo-
ram provocados a pensar sobre suas relações com a cidade em
que habitam – o que serve de ponto de partida para proposi-
ções práticas de registros visuais da paisagem cotidiana, traça-
do de percursos sobre mapas da cidade e outras atividades para
pensar como vemos e vivemos nosso próprio entorno.
O diálogo com outros professores de artes e o contato com
escolas variadas também contribuíram para apaziguar o desespe-
ro. Os alunos presentes nas oficinas criaram um vínculo positivo
com as bolsistas, sendo que o término das mesmas foi lastimado.
O incentivo foi articular os problemas vividos na instituição esco-
lar com estudos sobre a história do ensino e das artes, fazendo
com que essas conexões propulsionem vontade de seguir em fren-
te. Para tanto, a articulação com a pesquisa foi fundamental.
Dentro da pesquisa Paixões da Diferença: liberação de hu-
mores artísticos, uma das ênfases é a recepção e interação com
trabalhos de artistas contemporâneos, cuja execução e nature-
za dependem de sua inserção e disseminação pública em locais
prosaicos. A partir de estudos de obras como Inserções em circui-
tos ideológicos, de Cildo Meireles, do movimento Fluxus, e ou-
tras proposições mais contemporâneas, como N.B.P., objeto/

70
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

diagrama (desenho) disparador de redes internacionais via a


interpelação “você gostaria de participar de uma experiência
artística?”, de Ricardo Basbaum, pensamos a criação de ações
interdisciplinares. Ainda não foi possível, dentro do PIBID, o
desenvolvimento efetivo de obras em rede, caixas de fluxos, co-
leções e outras ações que coadunem com um dos principais
arquivos da pesquisa. Esse consiste numa microambiência si-
tuada fora de locais expositivos. Em âmbito restrito, configura-
se um receptáculo de obras em rede e outras intervenções frag-
mentadas, que são elementos extraídos de ações e objetos que
compõem obras de doação e recepção, inclusive adesivos e sti-
ckers, são dispostos numa assemblage, a fim de propulsionar pro-
jetos pedagógicos conectados à arte contemporânea. Partici-
par, pensar e criar com obras em rede têm o intuito de trazer a
arte para a vida que transcorre em sala de aula.
Ao contemplar as especificidades dos cursos de Licencia-
tura com os quais está envolvido, o subprojeto tentou manter
uma dinâmica de encontros com os bolsistas da Letras, estabe-
lecendo um diálogo sobre a diferença de seus propósitos e de-
mandas dentro das escolas e discussões sobre procedimentos
pedagógicos. Esse intercâmbio entre unidades distantes dentro
da universidade constituiu uma ação comum, de cunho inter-
disciplinar, aberta à participação de todos os outros licencian-
dos, visando fortalecer o diálogo entre as escolas participantes
do PIBID e outras. Com essa intenção se tentou um projeto
para aliar a produção escrita trabalhada pelos bolsistas da Le-
tras com produções gráficas, pictóricas e plásticas propostas
pelas de Artes Visuais. Havia a meta maior de troca de cartas,
postais, fanzines e outras produções passíveis de ser postadas,
seja via correio tradicional ou eletrônico, de uma escola para
outra, das escolas para a universidade e da universidade para
as escolas, proposta que apresentei ao grande grupo do PIBID/
UFRG S, chamando de Correspondências. Infelizmente, o máxi-

71
ZORDAN, P. • Um panorama específico sobre um subprojeto de Artes Visuais

mo que essa proposição conseguiu desencadear foram três ban-


cas de “recados”: uma em festa junina da escola de bairro, que
contou com a participação de bolsistas das Ciências Sociais e
Química, e duas em eventos na universidade, com a participa-
ção estrita das bolsistas de Artes Visuais. Esse estande colori-
do, cheia de papéis e canetas, interpelava a comunidade com a
pergunta: “Você gostaria de se expressar?”. A proposta de esta-
belecer correspondências, via arte postal e escrita manual de
cartas, bilhetes e outros veículos expressivos, entre bolsistas,
escolas e professores, citando coletivos artísticos como o Flu-
xus, obras abertas à participação do público, o estudo de obras
em rede e obras de recepção. Talvez por estar articulado à pro-
dução de poéticas contemporâneas, mesmo que o projeto te-
nha sido pensado entre a Letras e a Artes, sequer se expandiu
além da vontade de quem faz arte. Não visava uma ação espe-
cífica entre essas áreas e sim funcionar como propulsão para
que sejam criados vínculos em todos os âmbitos do conheci-
mento, tendo em vista que, após um ano de funcionamento, o
projeto UFRG S apresentava dificuldade em estabelecer ações
multidisciplinares. É possível dizer que esses dois anos de ex-
periência atestaram o quanto as demais áreas do conhecimen-
to, ao contrário das Artes, não costumam trabalhar de modo
interdisciplinar. Outra observação, de modo geral, é o fato de
que o trabalho com projetos pedagógicos, nos moldes já anti-
gos da Escola Nova, também não são uma prática estabeleci-
da, sendo as oficinas e reforços escolares observados pelas bol-
sistas desenvolvidos a partir de tópicos e não junto ao efetivo
traçado de um projeto.
Por tudo isso e pela difícil intersecção entre a produção
artística contemporânea, as práticas educacionais vigentes e o
descaso com as virtudes da arte, podemos afirmar que viver a
escola básica é entrar numa zona de extremo desconforto na
pesquisa entre a arte e a educação. No entanto, o que as produ-

72
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

ções contemporâneas vêm mostrando é o evidente caráter edu-


cativo da arte, seja como ilustração de um ideal, como na arte
épica, sacra ou publicitária, seja como provocação ao pensa-
mento, como tantas poéticas após o dadaísmo fazem. Ainda
assim, a arte é uma estranha. A escola, ao não aceitar bem o
que a arte traz, apavora os artistas, que ali não conseguem en-
contrar espaço para fortalecer a criação. Criar, independente
do campo onde a criação se insira, devém em obras que ensi-
nam valores, modos de vida, conceitos, sensibilidades. Por ou-
tro lado, desde a divisão clássica das disciplinas do conheci-
mento, a arte é uma indisciplina alheia aos compartimentos e
corroborações das ciências. E a educação, enquanto espaço de
convergência de saberes e confluências de discursos em todos
os âmbitos científicos, embora comumente canonize as artes,
foi criada como uma faculdade de cunho eminentemente cien-
tífico. Como professora-pesquisadora, ressalto o quanto é com-
plicado articular duas frentes de atuação, a Científica e a Do-
cência, sem integrar, em toda a sua extensão conceitual, as pro-
duções da pesquisa com os problemas e práticas apresentados
no cotidiano escolar, aqui especificamente no campo das artes,
essa que sempre escapa ao que a ciência circunscreve.

73
74
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Mapeamento de uma escola


e algumas observações

Fernanda Kieling da Costa

“A prisão é sinistra, marca e fria,


do velório tem pouca diferença, não
conheço quem vai pedir licença
pra entrar no portão de uma cadeia.”
Cordel do fogo encantado

Primeira impressão da aparência física dessa escola esta-


dual – parece uma mistura de internato religioso com prisão.
Falo prisão, pois há grades por todos os lados, cercas... O gran-
de portão de entrada não permite ver o que acontece e o que
tem no interior da escola. A placa de entrada também se asse-
melha muito às placas de orientação das penitenciárias. Assim
que se adentra, depois de certo desconforto, caminha-se por
um corredor de eucaliptos com estacionamento e o pátio da
escola, cercado ao lado. Na entrada, uma construção branca,
alta, um estranho quadrilátero, com uma grande cruz bem à
frente (lembrança do tempo em que a instituição era beneficen-
te e pertencia às freiras). Também há grades, e alguém que esta
lá dentro, supervisionando a entrada, controla o portão eletrô-
nico. No início, a porta somente era acionada para nós, bolsis-
tas e professora, depois de verificada pessoalmente nossa in-
tenção e destino.
Ao descer a escada, que faz a ligação com o restante da
escola, enxergam-se os banheiros: de um lado, rosa forte, de
outro, azul escuro. Cercados por meias paredes, que possibili-

75
DA COSTA, F. K. • Mapeamento de uma escola e algumas observações

tam ver os vasos sanitários, ou melhor, sua água sempre vazan-


do, úmidos e sujos, sem tampa, somente a privada. No saguão,
os grafites com algumas cores e palavras.
Logo se chega ao pátio, os pavilhões aos lados e ao fun-
do da quadra esportiva. Sensação árida, somente se percebe
que a escola não é um lugar abandonado quando surgem as
crianças e jovens. Na sala dos professores, acima, também há
reprodução do sentimento de penitência: os alunos só podem
entrar depois que toca o sinal, e aos gritos e conversas eles pas-
sam sabendo disso, resignados pela impossibilidade de conta-
to. Uma professora dá o grito de ordem lá de dentro: “Vamos,
abriram as portas do inferno”. Prossigo calada, a água desce
estranha, descubro um banheiro novinho e limpinho, somente
para os funcionários, bem equipado, azulejado das paredes ao
chão. Nas paredes da sala dos professores há frases lindas de
escritores, educadores e filósofos espalhadas por toda a sala.
Um enfeite? Uma motivação? Lidos atentamente, seriam a tá-
bua de salvação para a triste realidade encontrada lá?
Ontem, conheci uma das professoras de Artes, que não é
de Artes. Formada em Arquitetura, parece haver incorporado
prazos e simetria e cópias perfeitas como sendo o seu propósito
de ensino. Enquanto divulgo nossa oficina, ela se atravessa para
dar continuidade a seu trabalho; grita: “Vocês hoje vão traba-
lhar com Juan Miró”. O dito ficou realmente um pouco inau-
dível, e um aluno responde: “Que é isso professora? Tá me xin-
gando?”; e ela responde: “Eu disse Juan Miró; vocês devem
usar esta folha sulfite que é mais grossa e dividir esta obra (re-
produção em branco e preto e com um texto, A4 e um tanto
desbotada, mal se enxergam os desenhos, pois é uma de obra
em grande dimensões) em quatro e copiar uma das partes na
folha que eu estou dando; o fundo deve ser preto, bem preto”.
Ela ressalva, nada é dito sobre o artista e a obra, nem há texto
no quadro; os alunos já ignoram minha presença, me calei, faço
então antes de sair uma última observação, pois ainda não ha-

76
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

via terminado meu recado a eles. Enquanto falo, a professora


continua explicando e caminhando e distribuindo as folhas
como se ela não pudesse perder seu tempo e minha presença
deveria ser ignorada. Percebo que a intimidava bastante; era
preciso que eu saísse logo para ela continuar com seu compor-
tamento de autoridade presente. Tento me despedir dos alunos
e dela, mas ela não me escuta; os alunos me respondem meio
juntos e dizem: “Ela é surda”; chamam-lhe a atenção: “Profes-
sora, ela está falando com a senhora”. Na despedida, digo que
somente “gostaria de agradecer pelo tempinho de sua aula”;
ela balança a cabeça, assim enfim me despeço dos alunos, falo
bem alto, já um tanto desconcertada e provocativa: “Bom dia,
queridos alunos!”. Eles me respondem em coro e também bem
alto: “Bom dia querida professora!”. Rimos, ela não.

A pesquisa histórica escolar no exercício da docência


“A distinção entre passado e presente é um elemento essencial
da concepção do tempo. É, pois, uma operação fundamental
da consciência e da ciência históricas. Como o presente não
se pode limitar a um instante, a um ponto, a definição da estrutura
do presente, seja ou não consciente, é um
problema primordial da operação histórica.”
Jacques Le G off

Tendo como foco apresentar a importância da pesquisa


histórica para entender a atual estrutura de uma escola, ou seja,
o resgate da memória de sua constituição como um primeiro
meio eficiente de aproximação com essa comunidade escolar,
bem como a sua capacidade de gerar diversos desdobramentos,
fizemos um estudo da realidade de uma grande escola estadual
da cidade de Porto Alegre/ RS. Buscamos nos conscientizar dos
problemas e potenciais existentes, averiguar e sugerir ações na
escola.

77
DA COSTA, F. K. • Mapeamento de uma escola e algumas observações

Segundo Le G off: “Certos aspectos do estudo da memó-


ria (...) podem evocar, de forma metafórica ou de forma con-
creta, traços e problemas da memória histórica e da memória
social”. Assim, num primeiro momento, atuamos de forma a
compreender o perfil da escola a partir de pesquisa documen-
tal: registros (fotografias, ofícios, livros, objetos, desenhos, ar-
quitetura das edificações, pesquisas anteriores, artigos em jor-
nais e revistas) disponibilizados pela escola e encontrados na
pesquisa. Enquanto equipe, esses dados sobre a história da es-
cola nos fizeram perceber claramente que a condição escolar e
suas estruturas são deveras engessadas em hábitos inóspitos com
bastante dificuldade de aprimoramento e mudança. Nessa rea-
lidade, ressaltamos a importância do resgate da memória esco-
lar, como também os dados já disponíveis e de fácil acesso, como
o IDEB, obviamente abaixo da média 4,0.
O processo de releitura desses vestígios é capaz de pro-
porcionar um maior entendimento acerca do funcionamento
precário da escola, tanto em relação a suas instalações como
na atuação dos profissionais ali encontrados. Isso é devido a
diversos fatores: falta de professores qualificados, carência de
técnicos de limpeza, falhas na conservação e no âmbito admi-
nistrativo, como também na falta de recursos, comum a todas
as escolas estaduais. Diga-se que a conjuntura vigente não é
favorável ao ensino e sua potência a nível social; isso não é
novo, mas sabemos que a estrutura educacional nos últimos
anos vem sendo violentamente sucateada em função das políti-
cas adotadas. Infelizmente, o detrimento da educação em rela-
ção a outros setores: iniciativa privada, regalias para o judiciá-
rio, desvios tributários, etc.
Enquanto fui estudante, deparei-me com uma situação
escolar tão semelhante e quiçá igualmente vivida por mim no
ensino público brasileiro. Esse resgate histórico fez-me repen-
sar as maneiras de aproximação com a realidade do ensino que

78
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

é o vínculo e foco desse Programa de Iniciação à Docência,


entre instituição e universidade. Deparamo-nos com o grande
paradigma da educação brasileira, que teoricamente e na práti-
ca tenta há anos romper com o padrão educacional de repeti-
ção, cópia mecanicista e alienação na formação humana. Tam-
bém busca uma melhor estrutura física para acolher os estu-
dantes; sabe-se da relevância do espaço que exprime o contex-
to e qualidade do ensino aplicado. Vale lembrar que vivemos
num sistema democrático há mais de vinte anos e ainda luta-
mos para a visão crítica do mundo como construção de conhe-
cimento. Sabendo que esse programa tem como foco a aproxi-
mação dos estudantes de escolas com baixa média no ENEM
com a universidade pública, ele visa à construção de melhor
entendimento das necessidades da população excluída da qua-
lidade e das inovações educacionais. Como desdobramentos
possíveis há muitas formas de atuação crítica que podem se
tornar eficazes para chegarmos a um maior acesso da massa
excluída ao sistema e à universidade. Como futuros professo-
res, poderíamos pensar por que não abrimos nossa atuação den-
tro das escolas para uma discussão mais ampla, que englobe
também a desmistificação do preparo para o vestibular e a va-
lorização da formação técnica como qualidade e fonte de ren-
da, e acima de tudo romper com os nossos padrões de precon-
ceito – condição alienante.
Dentro do PIBID, de acordo com a agência de fomento,
a verba de custeio é direcionada a bens de consumo e não durá-
veis, o que a meu ver é um erro, pois essas escolas possuem um
gigantesco déficit de ferramentas. Exemplos: laboratório de ci-
ências praticamente abandonado; um pequeno laboratório de
informática improvisado com máquinas velhas e deficientes;
sala de artes inadequada e antigos ateliês abandonados, trans-
formados em salas de aula sujas, pequenas; biblioteca deficien-
te e desatualizada, onde tivemos dificuldade em encontrar os

79
DA COSTA, F. K. • Mapeamento de uma escola e algumas observações

títulos de artes, que estavam misturados em outras áreas de co-


nhecimento; além de banheiros com portas estragadas, vasos
sanitários sem assentos e vazamentos que escorrem pelo sa-
guão, gerando grande mau cheiro; etc. Ressalto que com a ver-
ba de custeio do PIBID não podemos ao menos comprar li-
vros, bem como equipamentos geradores de conhecimentos –
câmeras fotográficas, computadores com softwares adequados,
ferramentas de arte, música, etc. Por exemplo: se os estudantes
de música estivessem no projeto, não poderiam fazer a compra
de flautas doces?
Com o desenvolvimento dessa pesquisa de não basear-
mos nosso foco somente no Ensino Médio, tentamos abranger
as demais seriações com o propósito de ampliar nosso entendi-
mento. Buscando mapear social, cultural e sistematicamente
os problemas encontrados, que vão desde o despreparo para o
mundo do estudo e trabalho, a falta de conhecimentos dos cam-
pos de atuação profissional e o desinteresse pelo vestibular.
Chegamos a muitas conclusões, porém acredito que a maior
delas é a dificuldade de expressão dos estudantes, advinda do
vazio por soluções. Fica evidente primeiramente pelo excesso
de pichações em todo e qualquer lugar. Numa turma de sétima
série, um estudante respondeu a pergunta do questionário so-
bre suas aulas com a frase: “Como eu posso falar se estão ven-
do tudo”.
Acredito que todos os envolvidos no programa devem es-
tar buscando dentro de suas capacidades e talentos uma maior
efetividade e sucesso nesse campo: educar para a autonomia.
Não somente computando dados e repasses, mas pensando na
melhor utilização desses.

Referência bibliográfica
LE G OFF, Jacques. História e memória. tradução Bernardo Leitão ...
[et al.] – Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.

80
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Fragmentos de um relatório

Júlia Berenstein

5ª série Ensino Fundamental – durante a tarde

“Figuras geométricas para auxiliar as professoras de


Matemática, que não conseguem dar desenho geométrico” –
foi o que a professora me disse logo no início da aula, após dar
a orientação sobre o que os alunos deveriam fazer. No quadro
estava escrito: “Losango é o paralelogramo de quatro lados
iguais”. A turma deveria desenhar (copiar) as figuras do qua-
dro e colorir. Paralelamente, a professora devolveu alguns tra-
balhos para os alunos, que, automaticamente, viravam a folha
para ver a nota. Os alunos devem levar materiais para as aulas,
mas não levam. Régua para desenhar as figuras geométricas –
muitos não trouxeram. Dentro das formas geométricas dese-
nhadas, janelas para desenhos livres.
A conversa ao longo da aula é permitida, e mesmo assim
todos desenvolvem a atividade proposta. A professora comen-
tou comigo sobre os outros trabalhos que desenvolve em suas
aulas com as sétimas séries: vitrais de papel celofane e mosai-
cos, com papel de revista mesmo. Perguntei sobre as máscaras
que estavam expostas na sala e que haviam chamado minha aten-
ção. Elas haviam sido produzidas pela professora da manhã com
o Ensino Médio. Na sala, havia outros trabalhos expostos. A
maioria era desenho, mas havia também alguns mosaicos. To-
dos eles partindo de cópias, seja de alguma obra de arte, como o
caso da Madame Matisse, ou de desenhos / ilustrações, como a
Hello Kitty, ou senão emblemas de times de futebol.

81
BERENSTEIN, J. • Fragmentos de um relatório

Quarta-feira de manhã, dia de chuva (2 últimos períodos)


1º ano – Ensino Médio
Arte egípcia > desenho = cópia
A professora começou a aula falando sobre a continuida-
de do trabalho sobre Arte Egípcia e entregou cópias reprográfi-
cas aos alunos. De longe, vi que na folha havia uma imagem e
texto e fiquei feliz, pensando que algum conteúdo estava sendo
trabalhado com a turma. Pensei que eles leriam o texto e depois
conversariam a seu respeito. Terrível engano. A ordem do traba-
lho não deixava dúvidas: copiar a pequena imagem, ampliando-
a e usando apenas grafite. O texto da folha não servia para nada.
Bem pelo contrário, acusava a falta de cuidado da professora,
que poderia, pelo menos, ter ampliado a imagem ou tê-la recor-
tado, ao invés de simplesmente “arrancar” a página de um livro
e lançar uma atividade descontextualizada e gratuita.
Enquanto os alunos realizavam o trabalho, a professora
escreveu no quadro os materiais para a semana seguinte, para a
confecção de uma máscara. Também deu um recado sobre o
respeito com os trabalhos dos colegas que estavam expostos na
sala e que, ainda sem nota, haviam sido retirados das paredes.
Num tom de ameaça, disse que descobriria quem havia pegado
os trabalhos. Na parede da sala, entre os trabalhos expostos,
desenhos a partir da música Fico assim sem você.
Os alunos perguntam se precisam pintar os desenhos.
É grafite ou colorido? A professora não lembra qual havia sido
a orientação e rebate a pergunta.
Em uma das turmas observadas, os alunos movimenta-
vam-se muito dentro da sala de aula e, principalmente entre os
guris, houve muito contato físico. No meio da aula, um grupo
de guris começou a cheirar alguma coisa que era aplicada na
manga do blusão. Depois de um tempo, descobri que se tratava
de perfume, pois um dos alunos virou o vidro de perfume na
boca e tentou tomar um gole. Não conseguindo, cuspiu o líqui-

82
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

do pela janela e depois saiu da sala, acompanhado de mais al-


guns colegas. No lado de fora, começaram a tentar fazer expe-
riências com o perfume e um isqueiro. Todas as ações descritas
não foram realizadas de forma discreta, e mesmo assim não
houve, sequer uma vez, algum tipo de repreensão por parte da
professora. Esse mesmo aluno havia discutido e desrespeitado
a professora no início da aula, reagindo agressivamente quan-
do pediu uma folha de papel para realizar a atividade e ela
negou. Durante a aula, ele também deu dinheiro a um colega
e, em troca, guardou um pequeno pacote dentro da mochila.

Quarta-feira de manhã (3 primeiros períodos)


1º ano - Ensino Médio
No primeiro período, a aula inicia com 17 alunos e ter-
mina com 24. Dois alunos comentaram que, na noite anterior,
haviam trabalhado até as 20 e 21 horas. No quadro, a professo-
ra escreveu:

Material para a próxima aula


Máscara: balão, tesoura, cola, papel jornal, tintas coloridas
Depois, disse à turma para terminar o trabalho de Arte
Egípcia e fazer mais um desenho livre, porque precisava de mais
um trabalho para fechar as notas. Os alunos têm muitas coisas
para conversar entre si e mais conversam do que trabalham.
No segundo período, a turma deve trabalhar com a am-
pliação de uma obra de Picasso, usando apenas grafite. (Mas
quem é Picasso?) O trabalho é dado nos mesmos moldes do da
Arte Egípcia. Uma folha tamanho A4, cópia de um livro, uma
imagem pequena e um texto, sem começo nem fim. Não há
contextualização de quem é o artista, a que época ou movi-
mento artístico se relaciona.
No terceiro período, a outra turma também deve copiar
o Picasso. Surgiram alguns comentários por parte dos alunos,

83
BERENSTEIN, J. • Fragmentos de um relatório

que reclamaram que não dava para ver direito a imagem, por-
que a cópia estava muito ruim.

Sexta-feira de manhã (2 últimos períodos)


Turma do 2º e 3º ano Ensino Médio
O sinal bate, e a professora demora para chegar. A turma
entra na sala e deve fazer um desenho livre. Depois que o tra-
balho já está em andamento, a professora diz que o desenho é
livre, mas a pintura não. Sem dizer o porquê, diz que o dese-
nho deve ser pintado de verde e marrom. Alguns alunos já ha-
viam começado a pintar seus desenhos com outras cores e tive-
ram que começar tudo de novo. Quando um aluno questionou
por que tinham que ser usadas aquelas cores, a professora en-
rolou e não disse o motivo. Será que havia algum motivo? No
fundo da sala, quatro alunos tocam música em volume alto,
usando o aparelho celular. Nenhum comentário é feito sobre o
texto sobre Munch, que está escrito no quadro.
A professora veio nos mostrar (nessa ocasião, eu estava
com a colega Polen Sato) um livro que havia ganhado de um
aluno. O livro era do Iberê Camargo. Demos uma olhada no livro
e, ao devolvê-lo, perguntei se ela pretendia trabalhar Iberê com os
alunos. Disse que sim, que adorava o Iberê. Falei sobre a FIC
(Fundação Iberê Camargo) e sobre as formações de professores e
possibilidades de agendar visitas. Ela não sabia sobre a possibili-
dade de cursos de formação para professores.
A maioria da turma realizou a tarefa. Uma aluna não
tirou a mochila das costas durante o período inteiro. A profes-
sora não comentou nada a respeito e nem chamou a atenção
da menina. Tenho a impressão de que a professora procura não
olhar para a sala nem para os alunos. Anuncia a atividade e,
numa ilusão de porto seguro, passa o período sentada em sua
mesa, olhando sempre na direção contrária aos movimentos,

84
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

que distanciam cada vez mais os alunos do que pode, em ter-


mos potenciais, ser arte.
Bate o sinal, a turma do segundo ano sai e entra a do
terceiro, com 20 alunos. A professora encaminha o grupo que
está trabalhando com teatro e é composto por cinco alunos para
o fundo da sala. Quem não está participando do teatro (3/ 4 da
turma) deve copiar o conteúdo do quadro e fazer o trabalho.
Para reforçar a importância do conteúdo, que sequer foi abor-
dado pela professora, ela diz que “cai no vestibular”.
Um aluno que parece ter participado do teatro na semana
anterior substituindo um colega que havia faltado, mas impedido
de participar nessa aula, ficou tentando atrapalhar o grupo e, a
cada palavra que o grupo falava alto, o aluno começava a cantar
músicas tradicionais de religiões afro-brasileiras. Ele rondava o
grupo e, quando decidiu sair da sala, a professora desabafou para
a turma dizendo: “É um mal-educado, é um mal-encarado”.
Durante o período, a professora ficou acompanhando os
cinco alunos que faziam a leitura dramática da peça, exigindo
sempre silêncio dos outros alunos, que, na verdade, eram a mai-
oria da turma. A ideia de montar uma peça de teatro tem forte
influência e orientação de uma aluna, que se destaca dos de-
mais colegas pelo espírito de liderança.

D isparos e questões, ideias que rondam o período de obser-


vação:
• Expressão
• Sujeitos ativos
• História da Arte
• Experimentações
• Sensibilização
• Pensar o espaço > estêncil
• Criação de alfabetos > tipos, logos
• Apropriar-se
• Configuração da sala

85
BERENSTEIN, J. • Fragmentos de um relatório

Alguns pensamentos que acompanharam o período de ob-


servação:
• O que os alunos têm a dizer? Não há espaço para a ex-
pressão.
• Poesia! Classes riscadas com lápis. Assinaturas, grupos
[Desenfreados e \ | / os colina] > ser visto pelos outros grupos
> intervenções
• Olhos fechados – despertar outros sentidos – ver como
o outro te vê – espelho vazio
• Não pensar > reproduzir > homem máquina
• Histórias de vida – artistas – obra – livros de artista –
diários
• Pensar + envolver-se
• Desenhar observando o real usando o pátio da escola
Ao contrário das minhas colegas bolsistas, que iniciaram
suas atividades no início do ano e tiveram maior contato com a
realidade da escola antes do início das atividades práticas, em
apenas um semestre fiz meu mapeamento através de algumas
observações e, logo em seguida, dei início às oficinas e aulas
para a turma de primeiro ano do Ensino Médio. Acredito que
a experiência que obtive por meio das disciplinas de Prática de
Ensino, assim como outras experiências profissionais que en-
volvem as práticas de arte-educação, colaboraram para o de-
senvolvimento das atividades nesse semestre junto ao Progra-
ma Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, pois estar
dentro da escola não é uma tarefa fácil. A oportunidade de ter
participado desse programa foi muito rica para a minha forma-
ção como professora, que terá sua primeira etapa concluída
neste semestre com a colação de grau no curso de Licenciatura
em Artes Visuais. Além de ter tido a possibilidade de contato
prolongado com os alunos, visto que o tempo de estágio como
aluna do curso de Licenciatura não é muito longo, tive principal-
mente a oportunidade de participar e observar o cotidiano de

86
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

uma escola ao longo de um semestre. O que vivenciamos nesse


período, apesar de produtivo para a nossa formação, não foi ne-
cessariamente bom, visto que encontramos muitas dificuldades
e resistência para o desenvolvimento de nossas propostas.
Na maioria das vezes, a sensação que eu tinha quando
estava na escola era de intrusão. Ao contrário do que se espera-
va, não conseguimos fazer parcerias com as professoras de Ar-
tes e tão pouco desenvolver projetos em conjunto. Tudo pare-
cia estar acomodado em seu lugar, e nossa chegada levantou
uma poeira indesejada, que questionou práticas repetitivas e
vazias de sentido no que diz respeito ao ensino da arte. Nas
aulas, não encontramos nada daquilo que estudamos ao longo
de quatro anos no curso de Licenciatura; bem pelo contrário,
tivemos exemplos vivos do que não se deve fazer em uma aula
de Artes ou em aula alguma.
Quando precisaríamos ser avisadas de alguma coisa, houve
esquecimento ou indiferença, como chegou a acontecer duas ve-
zes, quando fui até a escola dar aula e não havia turma – uma vez
por motivo da entrega dos boletins e outra por visita a uma impor-
tante mostra de artes, atividade da qual não fui avisada. Todos
esses empecilhos foram enfraquecendo a vontade de atuar na es-
cola e esfriando o desejo de troca e crescimento em conjunto.
A experiência foi muito válida, mas trouxe muitos ques-
tionamentos sobre a realidade escolar, assim como sobre o en-
sino de Artes dentro da escola. O que fica é a vontade de fazer
diferente, mas ao mesmo tempo a sensação de impotência dei-
xa fortes marcas. Foi muito desanimador ter, a cada semana,
um número menor de alunos em sala de aula e ter que me con-
formar porque, no final de ano, é isso o que acontece, como
justificou o professor conselheiro da turma em questão. Da mes-
ma forma, foi desanimador oferecer oficinas gratuitas e não ter
público em uma delas e apenas dois alunos na outra. Eu pode-
ria dizer que de tudo isso aprendi uma lição e que, quando me

87
BERENSTEIN, J. • Fragmentos de um relatório

tornar professora, farei diferente. Será que vou conseguir? Será


que isso depende só de mim? Presenciei alunos desrespeitando
professores, assim como professores desrespeitando alunos.
Presenciei conversas na sala dos professores, nas quais o fute-
bol da quarta-feira justificava o cancelamento de aulas, nas quais
se elencavam as vantagens e facilidades de dar aula no estado e
não em uma instituição privada, devido ao grau de cobrança.
O que fica, no final deste semestre, são incertezas com relação
ao futuro trabalho como docente em escolas.

88
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Do espaço físico à análise


dos questionários

Simone Rodrigues

Primeiras abordagens na escola


Enquanto os demais bolsistas envolvidos no projeto do
PIBID iniciavam suas atividades junto à escola com oficinas
de suporte extraclasse, as bolsistas da área de Artes Visuais
optaram, por intermédio de sua orientadora, em fazer uma son-
dagem visual e histórica do local, visando colher o máximo de
informações pertinentes que auxiliassem na elaboração de ofi-
cinas que atendessem às expectativas dos alunos, de acordo com
a realidade que os circunda.
Para tanto, as bolsistas fotografaram e analisaram docu-
mentos históricos das escolas, a sala de aula específica para
atividades de artes, o espaço como um todo e suas interven-
ções. Na primeira escola, encontramos muitas grafias e pintu-
ras pelas paredes. Essa escola dispunha de um espaço físico
amplo, o que motivou o planejamento de atividades que inte-
ragissem com o meio, aproveitando tanto as áreas verdes como
as mal utilizadas. A empolgação com a escola foi instantânea,
mas a receptividade dentro dela não.
Desse levantamento inicial veio a intenção de melhorar
o espaço de convivência, a fim de incentivar os alunos com o
projeto de apropriação e identificação com o local; também
fora consultado o acervo de livros de arte na biblioteca, o que
acendeu a ideia de enriquecê-lo adquirindo outros títulos atra-

89
RODRIGUES, S. • Do espaço físico à análise dos questionários

vés da verba para material, que até então não havia sido repas-
sadas, tampouco explicitada suas restrições.
Alguns fatores dificultaram o processo de interação com
os alunos; dentre eles, o desconhecimento do projeto na escola
por parte dos professores, inclusive da própria diretora, o que os
fez pensar que os bolsistas nada mais eram do que estagiários de
final de curso. No primeiro semestre de 2009, as atividades na
escola resumiram-se a levantar dados para planejamento didá-
tico e para apresentação no Salão de G raduação; o próximo
passo seria a elaboração de questionários para alunos e profes-
sores, assim como a sua aplicação.

Elaboração, aplicação e
levantamento dos questionários
A elaboração do questionário dos alunos deu-se em uma
das reuniões das bolsistas na Faculdade de Educação/ UFRGS;
as perguntas foram elencadas em dois tópicos: dados pessoais e
referências culturais. Assim feito, seria possível traçar o perfil
dos alunos conforme seriação, idade e hábitos extracurriculares,
mas tudo isso mantendo os nomes no anonimato. O objetivo foi
fazer uma abordagem dos interesses pessoais de cada indivíduo,
o que faziam para se divertir e, claro, qual era o conceito de arte
para cada um deles. Foram elaboradas perguntas solicitando a
opinião dos alunos sobre as aulas de Artes: o que mais gostavam
e que descrevessem as atividades nela oferecidas.
Cada bolsista ficou responsável pela aplicação dos ques-
tionários em um tipo de série, desde as turmas finais do Ensino
Fundamental até as turmas de Ensino Médio, durante o perío-
do de uma semana. Dos 1.242 alunos (com exceção do EJA),
um pouco mais de 500 responderam ao questionário.
Houve uma reunião entre as bolsistas e a orientadora
para elaborar a tabulação das respostas, que resultou tanto
em dados quantitativos como também foi possível extrair enun-

90
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

ciados analisados de forma qualitativa, sobre os quais aqui


vamos nos deter.
As opiniões acerca das aulas são contraditórias; enquan-
to alguns elogiam, outros não demonstram interesse algum pelo
o que é proposto, mas possuem um conceito de arte razoavel-
mente aceitável. Outros, porém, consideram as aulas boas, mas
repetitivas. Sob o ponto de vista de um aluno, a professora é mui-
to chata, não faz ‘a gente’ gostar da matéria; já outro: as aulas são
legais e a professora mais ainda; e também: a professora só dá o tema
do trabalho e deu, não explica com detalhes os acontecimentos dos
artistas.
As respostas sobre o que entendem por arte foram cata-
logadas em três categorias: senso comum, padrão e absurdo,
sendo transcritos alguns exemplos abaixo:

Senso comum:
É cultura
Uma habidade que poucos tem
Uma forma de expressar no papel ou na tela
Quadros, esculturas
Aquilo que está no museu

Padrão:
É ter desenhos interessantes
É tudo, eu me expresso mais desenhando
É onde a gente aprende como desenhar e os tipos de desenho que
existem
É uma maneira de expressar o que se está sentindo em forma de
desenho

Absurdos:
Arte pra mim é só no spray
Botar fogo no colégio
Não gosto de artes, pra mim não é nada

91
RODRIGUES, S. • Do espaço físico à análise dos questionários

Depende, em que sentido?


É tudo o que tem em nosso dia a dia, exemplo: portas, obras,
caricaturas, etc.

Conclusão
O referencial artístico e cultural da maioria dos alunos
está vinculado à realidade que os circunda; baseado em mídias
como internet, televisão e rádio ou pela própria experiência
em sala de aula com as professoras de Artes. Apesar da limita-
ção dos exercícios propostos, muitos demonstraram grande po-
tencial criativo e interesse em conhecer novas abordagens artís-
ticas, principalmente aquelas ligadas ao espetáculo, como o te-
atro e a música. Na área das visuais, carece informação da par-
te das professoras em relação a assuntos ligados à arte contem-
porânea, desde abordagens em sala de aula quanto conheci-
mento pessoal.

D ado o levantamento como concluído, foram oferecidas as


seguintes oficinas:
1. Olhar e Pensar – Júlia Berenstein e Simone Rodrigues
Exibição quinzenal de filmes seguida de discussão, aber-
ta à comunidade. A oficina teve que ser cancelada, pois no pri-
meiro encontro contou com nenhum espectador.

2. Quando uma ideia vira arte – Júlia Berenstein


Experiência prática propondo atividades artísticas de in-
tervenção em espaços públicos; encontro semanal, totalizando
quatro encontros. A oficina ofereceu 15 vagas, das quais so-
mente duas foram ocupadas. O planejamento teve que ser alte-
rado para atender aos anseios dos inscritos, que tinham predi-
leção pelo desenho animado no estilo japonês.

92
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

3. Conhecendo o mundo das cores – Simone Rodrigues


Encontro semanal que visava a uma breve introdução no
universo das cores; contextualização e exercícios práticos. Das
15 vagas oferecidas, dois compareceram no primeiro encontro,
que não por coincidência eram os mesmos da oficina número
2. Com o andamento da oficina, que contou com quatro en-
contros, mais três alunos apareceram; todos fizeram atividades
voltadas à pintura, mas com base no desenho animado japo-
nês.

4. Recriando o corpo – Fernanda Kieling e Polen Sato


Atividades corporais aliadas a atividades de criação ar-
tística e apreciação literária, com intuito de estimular o traba-
lho em grupo; quatro encontros, um por semana; 15 vagas. Ou-
tra atividade que contou com poucos inscritos e que sofreu al-
teração no planejamento. Os dois alunos inscritos acabaram
tendo aulas de música.

5. Sala das Sensações – Profa. Paola Zordan e bolsistas: Fernanda


Kieling, Júlia Berenstein, Polen Sato e Simone Rodrigues.
De longe, a atividade mais significativa em questão de
público e de reconhecimento. Totalizando 92 visitantes, a ativi-
dade fora executada no tão aguardado Sábado Cultural. Alu-
nos, pais e professores puderam testemunhar a intenção das
bolsistas e sua orientadora em melhorar os ares da escola e le-
var atividades que fossem diferentes do cotidiano deles. Reco-
nhecimento e prestígio à equipe das Artes; pela primeira e últi-
ma vez.

93
94
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Sala das sensações:


qual o sentido dos sentidos

Paola Zordan

Trata-se de uma intervenção estética que funciona como


uma instalação visual em ambiente determinado pela escola
onde é montada. Visa problematizar o sentir, o perceber e o
significar as experimentações dos sentidos do corpo em rela-
ção às impressões que o espaço da instalação provoca. Articu-
lado a uma pesquisa em torno das artes, que pensa interven-
ções em espaços públicos e institucionais, o subprojeto, em sua
especificidade de Artes Visuais, procura provocar a comunida-
de das escolas participantes a pensar os sentidos do espaço, a
relação entre os povos que neles circulam e matérias de expres-
são ali em jogo. Após extenso estudo cartográfico, que envolve
tanto a área física da escola como as forças que a atravessam:
embates entre os corpos, perfil de docentes, funcionários, dis-
centes e comunidade em geral, configurando uma paisagem
existencial, a equipe decidiu montar algo que respondia às ne-
cessidades detectadas. O intuito é uma aproximação do que se
chama “arte contemporânea”, ainda hermética e pouco familiar
dentro do universo das escolas públicas estaduais.
O que se designou Sala das Sensações é um projeto aberto,
passível de ser montado em qualquer recinto ou nicho de no
mínimo quinze metros quadrados de uma edificação, consis-
tindo em uma instalação que funciona mediada. Configura um
happening, uma atividade tal como propôs o artista Alan Ka-
prow, aberta à participação ativa do espectador, envolvendo ou-

95
ZORDAN, P. • Sala das sensações: qual o sentido dos sentidos

tros sentidos além dos percebidos. Convida o participante a


pensar qual o sentido de tais ações e elementos dispostos ali.
Ao se tratar de uma intervenção estética, visa mexer com afec-
ções sensórias que erguem blocos de sensações (G UATTARI;
DELEUZE, 1992). Tais blocos problematizam o sentir, o per-
ceber e o significar experimentações de cunho estético junto às
impressões do espaço trabalhando artisticamente.
Considerando a amplitude de manifestações das artes con-
temporâneas, a experiência proposta opera com os cincos senti-
dos e com a produção de novos sentidos a partir dos sentidos do
corpo, sendo seu objetivo apaziguar a anestesia (avesso de este-
sia) observada nas escolas (DUARTE JR, 2001). Além de recriar
o espaço háptico, no local destinado pela instituição a esse traba-
lho, e alterar a relação com o espaço óptico (via uso do preto e
seu contraste com pequenas superfícies de luz/ cor), envolve o
tato, a degustação, a audição, o olfato e a intensificação da visão.
As estratégias para essa afecção se relacionam com a es-
trutura da montagem no ambiente e instalação dos elementos
em estações específicas, pontos de intensificação e intervenção
sensorial direta. Os participantes, público espontâneo ou agen-
dado da comunidade escolar em dia letivo ou dia de atividades
múltiplas são conduzidos em pequenos grupos a vivenciar os
elementos dispostos para experimentação. Esses se organizam
em mesas, nichos e fendas de observação e experimentação onde
será possível percorrer o espaço pisando em superfícies varia-
das (plástico bolha, restos de giz, sal grosso, fios), se possível
na alternância de planos e alturas, passando por elementos sus-
pensos com formas esféricas e cúbicas, escutando sons dos quais
não se identificam a origem da emanação, tocando objetos den-
tro de caixas sem enxergá-los, provando sabores contrastantes
e texturas diversas, olhando o espaço externo em dispositivos
que proporcionem uma visão peculiar a partir de recortes de
cores variadas e uma câmera escura que inverte a imagem re-

96
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

fletida pelo orifício do diafragma, cheirando ervas e essências,


percebendo o espaço da escola com outra luminosidade e inte-
ragindo com construções e instalações que atentam para os
contrastes entre linearidade e circularidade/ luz e escuridão/
interior e exterior.
Na sua primeira montagem, em novembro de 2009, a
intervenção demandou a compra de diversos materiais para
compor um espaço esteticamente provocador. Com orçamen-
tos para compra aprovados, saímos pelo centro da cidade à pro-
cura de plumas, um espelho, folhas de papel, pregos, caixas,
folhas de papel celofane colorido, lona preta, barbante, balões,
velas, bolas de isopor de diversos tamanhos, fios de nylon, po-
tes de tinta acrílica preta, potes plásticos para a degustação,
palitos de churrasco, fitas adesivas de vários tipos, vidros para
colocar velas, luzinhas de Natal. Os materiais que envolviam
as estações de experimentação direta foram pintados e traba-
lhados pelas bolsistas para melhor se adequar aos parâmetros
da intervenção e convidar ao manuseio e interação do público.
Foram comprados, em supermercado, sal grosso, doces em
barra, pipoca, amendoim com cobertura crocante, bolinhas de
polvilho, balas de goma, álcool em gel e toalha para higieniza-
ção das mãos antes da entrada no local. Seguindo premissas
ecológicas, aproveitamos o giz usado em outra instalação. Ins-
trumentos musicais, ervas de cheiro e equipamento de regis-
tro (câmeras) foram providenciados sem verba de custeio pe-
las integrantes da equipe. O filme Koyaanisqatsi, de G odfrey
Reggio, com música de Phillip G lass (que deu um tom especial
ao ambiente), foi exibido num nicho onde ficava a torre com
o aparelho de DVD e uma televisão comum, sendo que um
acrílico reaproveitado funcionava como janela, para as ima-
gens também serem vistas em espaço distinto (onde se pisava
nos tocos de giz sobre o plástico) de onde o equipamento se
encontrava.

97
ZORDAN, P. • Sala das sensações: qual o sentido dos sentidos

Em sua primeira edição, prevíamos, devido às dificulda-


des de participação e interesse da escola em nosso projeto (cu-
jas motivações e fundamentação tentei apresentar numa reu-
nião docente), um público de no máximo trinta pessoas, visto
nesse “sábado cultural” acontecerem campeonatos esportivos
e a sala destinada ser fora dos espaços de maior circulação,
situada ao lado de sanitários com vazamento fétido. Fizemos
dois cartazes para divulgação em espaços de passagem, mas
sem convicção de que seriam lidos. O projeto original planeja
que, após a vivência, o pequeno grupo converse com o condu-
tor sobre as experiências, observando imagens de obras de arte
que dialogam com a proposição, o que foi possível na segunda
edição da intervenção em outra escola. Essa conversa é vital
para que os participantes se aproximem das produções con-
temporâneas ligadas ao circuito das artes. Assim é possível que
façam relações entre essas produções e seu cotidiano, sua cul-
tura, seu modo de vida, sendo suas repostas e apontamentos
importantes para os compreendermos. Mesmo que o intuito
maior seja abrir novas possibilidades de estesia, sem diálogo não
há como se repensar os sentidos que costumamos atribuir aos
sentidos pelos quais o mundo é absorvido. O fato é que a mon-
tagem do espaço ficou, na primeira edição, a contento e muito
próxima do idealizado, mas essa parte mais “instrutiva” e ques-
tionadora não. Isso porque fomos surpreendidas com uma di-
vulgação “boca-a-boca” que fez multiplicar o exíguo número
dos primeiros participantes do início da manhã para um con-
tingente de pessoas que acabaram fora da experiência, pois foi
exigido o fechamento da escola ao meio-dia em ponto. Traba-
lhamos com cinco vezes mais pessoas dentro da sala do que o
número esperado. Os mais empolgados tiveram que ser impe-
didos de entrar novamente, e uma fila enorme se formou em
frente à sala, destarte o mau cheiro ao lado. Isso nos obrigou a
mudar os planos e conversar com os grupos em condições so-

98
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

noras e olfativas não muito favoráveis, antes de entrarem no


ambiente sala. As imagens das obras de Ligia Pape, de penetrá-
veis de Helio Oiticica, da instalação Volátil de Cildo Meireles,
de objetos relacionais de Lygia Clarck e de um cubo preto de
Tony Smith foram deixadas de lado em prol de explicações mais
objetivas, a fim de instrumentalizar o público de 89 pessoas
registrado no livro de presenças. O condutor dos grupos não
era a mesma pessoa que cuidava da porta, do livro de presen-
ças e conversava com o grupo que se formava antes da entrada.
Consideramos que o trabalho tenha sido um sucesso, prin-
cipalmente com os alunos e alguns pais. Quanto aos demais
agentes escolares, apenas uma professora nos prestigiou, além
de nossos parceiros da equipe de Letras. Devido à diversidade
de alunos, das séries iniciais até o terceiro ano do Ensino Mé-
dio, não foi possível retomar, em outros dias letivos, uma discus-
são sobre o que esse trabalho reverberou, nem mesmo nas ofici-
nas ou turma onde as bolsistas atuavam. Em função da pressa
em fechar a escola, tivemos que desmontar tudo correndo, com
a ajuda dos alunos que ainda estavam dentro da sala. Essa pressa
danificou alguns materiais e nos fez perder algumas coisas, tipo
as luzinhas sobressalentes dos jogos luminosos natalinos. Devi-
do à pressão, tudo foi socado de qualquer jeito, sem ser limpo,
dentro das sacolas enormes onde, separada e organizadamente,
tínhamos levado nosso trabalhoso material.
Na segunda edição, em escola mais receptiva ao subpro-
jeto, mediamos todas as turmas, em três turnos, durante sete
turnos distribuídos em três dias da mesma semana em que a
sala foi montada e desmontada. Debater e entender as premis-
sas do projeto antes e depois de sua visitação, essa ocorrendo
com o tempo de um período para cada turma, possibilitou uma
discussão in loco. Mesmo sem poder apresentar o projeto a todo
o corpo docente, vários professores participaram da experiên-
cia. Em sua acepção inicial, uma intervenção em espaço esco-

99
ZORDAN, P. • Sala das sensações: qual o sentido dos sentidos

lar se constrói junto aos professores e alunos e não elaborada


pela equipe a partir daquilo que presumimos ser a necessidade
deles. Outras intervenções e instalações podem ser propostas,
sendo que só produzirão novos sentidos se articuladas aos sen-
tidos que as pessoas pertencentes à instituição dão ao espaço
onde convivem. Espaços e relações são repensados e vistos sob
novos ângulos dentro de uma proposta artística.

Referências bibliográficas
BUORO, Anamelia. O Olhar em Construção: uma experiência de ensi-
no e aprendizagem da arte na escola. São Paulo: Cortez, 1996.
DELEUZE, G illes; G UATTARI, Félix. O que é a filosofia? Trad. Ben-
to Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Ed. 34, 1992.
DUARTE Jr., João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. São
Paulo: Cortez, 1981.
______. O sentido dos sentidos: a educação (do) sensível. Curitiba: Criar
Edições, 2001.

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Relatos de participação interdisciplinar e


atividades entre duas escolas

Ana Luíza Boeck

Entrei para o PIBID com a expectativa de adquirir experiên-


cia dentro da escola antes de realizar meu estágio de graduação.
Atendendo a pedidos, duas bolsistas das Artes foram colocadas
naquela escola de Ensino Fundamental com 175 alunos, num bair-
ro de Porto Alegre, próximo a zonas de narcotráfico. A proposta
da orientadora Paola Zordan era fortalecer as relações entre os
subprojetos do PIBID, buscando estabelecer um caráter interdis-
ciplinar nos projetos realizados nas escolas. A instituição onde
meu trabalho foi desenvolvido ao longo de um ano apresenta mui-
tos problemas, tanto com os alunos como com o corpo docente. A
situação da escola é difícil, pois não possui muitos alunos, o que
diminui sua verba consideravelmente. Faltaram vários professo-
res ao longo do ano, e os alunos tendem a ter um péssimo rendi-
mento em avaliações do governo. A situação dos alunos é difícil,
muitos deles são bastante carentes e vêm de famílias complicadas,
muitas vezes ligadas às drogas. Por esses motivos, eles sempre se
mostram inquietos e acreditam que estudar é pouco útil e chato.
Esse pensamento culmina em constantes problemas entre profes-
sores e alunos, assim como péssimos rendimentos e um nível de
aprendizagem muito ruim.
Um dos principais motivos para a escola aceitar o PIBID
foi poder abrir o espaço escolar para os alunos durante o turno
da tarde com a supervisão dos bolsistas. Existe um comporta-
mento destrutivo dos alunos em relação à escola, o que impos-
sibilitava a entrada deles no espaço durante as tardes. Outro

101
BOECK, A. L. • Relatos de participação interdisciplinar e atividades entre duas escolas

dado importante é a visível melhora no comportamento dos


alunos que participaram do PIBID em 2010. Eles aprenderam
a escutar os bolsistas e a se respeitar mais, juntamente com di-
versos conteúdos trabalhados nas oficinas de todas as áreas.

Observações em sala de aula


Uma das primeiras proposições para esse pequeno colé-
gio foi que as bolsistas observassem as aulas para aproximar o
PIBID da professora de Educação Artística. Desde o início, fo-
mos avisadas pela coordenadora do colégio que a relação da pro-
fessora de Artes com os alunos não era boa. A minha primeira
observação foi bastante complicada, pois os alunos estavam rea-
lizando uma prova de Artes, baseada no conteúdo que a profes-
sora colocou no quadro sem maiores explicações. O restante das
atividades realizadas pelos alunos nas demais observações não
diferem muito, principalmente em relação à ausência de diálogo
entre alunos e a professora. As aulas práticas foram focadas na
técnica e no resultado final, sendo comum a “mão de gato”, ou
seja, a professora fazendo o trabalho para os alunos.
O maior reflexo dessas aulas sem propósito ou planeja-
mento é a péssima relação dos alunos com o ensino das Artes e,
principalmente, com a professora. Os alunos demonstram detes-
tar a aula, agindo com descaso e desrespeitando a professora,
postura que a professora também assume. A aula é uma guerra
entre professora e alunos, pois desde o momento em que a aula
começava eles trocavam gritos e se recusavam a ouvir. Uma das
observações mais infelizes que fiz foi em uma aula que terminou
no intervalo, pois a escola entraria em Conselho de Classe. A
professora retirou-se da sala de aula, que estava caótica, para
atender pais de um aluno e me pediu que cuidasse da turma.
Mal se passaram alguns minutos e eles sentaram-se em seus lu-
gares, passaram a conversar baixinho e a realizar suas tarefas.
Alguns, inclusive, começaram a estudar. Assim que a professora
voltou, eles voltaram a se levantar e a gritar. Quando questionei

102
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

um aluno sobre o motivo da revolta, ele me disse que eles odia-


vam a aula de Artes porque a professora não ensinava nada.
A professora de Artes tem uma relação conflituosa tanto
com os alunos como com a direção da escola. Ela constante-
mente briga com todos em sua volta e fez questão de me infor-
mar de todas as questões com as quais ela não concorda, prin-
cipalmente a respeito da postura dos professores e da direção
em relação aos alunos que não cumprem as tarefas e desrespei-
tam os professores. As reclamações não são inválidas, princi-
palmente porque ela costuma ser ignorada quando assuntos im-
portantes são tratados. A maneira como os alunos são avalia-
dos na escola não contribui para a valorização das aulas de
Artes, pois as decisões de aprovação e reprovação são tomadas
em reuniões, mas ninguém é reprovado em Artes. O que acon-
tece, segundo a professora, é que a direção obriga a professora
a realizar provas de recuperação para os que repetiram o ano.

Salão de ensino
Um dos primeiros projetos que assumimos foi apresentar o
planejamento para o PIBID Artes Visuais do ano de 2010, assim
como mostrar o que já fora realizado no ano de 2009. Para isso,
construí um pôster, que ficou exposto durante todo o Salão de
Ensino da UFRGS. O pôster contava com as atividades já realiza-
das e com as que ainda estavam por vir. Essas atividades dialogam
entre si, mas cada uma tem sua própria estrutura e importância
dentro das nossas ações ligadas à Iniciação à Docência. Por esse
motivo escolhi fazer o layout utilizando círculos, sem dar a elas
uma hierarquia, mas aproximando-as através de sua forma. Cons-
truí, também, a parte visual do pôster sobre a oficina de Estêncil,
realizada pelas duas bolsistas das Artes Visuais que estavam traba-
lhando na escola onde realizamos a segunda edição da Sala das
Sensações. Aproveitei a ideia de círculos e criei um pôster que fosse
facilmente identificado como parte do mesmo projeto.

103
BOECK, A. L. • Relatos de participação interdisciplinar e atividades entre duas escolas

Juntamente com a Biologia, construí um pôster sobre o


nosso projeto conjunto, chamado de Paisagismo Produtivo. Esse
contava com questões relacionadas ao planejamento da horta
através da botânica e do paisagismo.

Sala das Sensações em outra escola


Construímos a Sala das Sensações na escola onde eu não
estava atuando semanalmente. Essa foi feita nos mesmos mol-
des da que havia sido feita na primeira escola onde o subproje-
to atuou, com a diferença do tempo em que foi percorrida. Uma
sala, no caso a sala de vídeo, foi alterada para que os alunos
tivessem uma experiência com os cinco sentidos. Primeiro blo-
queamos a entrada de luminosidade com lonas pretas, bloque-
ando as janelas e criando espaços dentro da sala. Colocamos
uma televisão, com um filme que possui uma trilha sonora bas-
tante marcante, em um pequeno espaço delimitado por lonas
pretas. Colamos isopor no chão para criar relevos, assim como
elementos pendurados no teto, como bolas de isopor com bar-
bante preto. Em um canto, colocamos potes com comidas para
degustação, próximos a uma lâmpada de luz negra e papéis
brancos picados no chão. No outro canto, havia caixas cheias
de coisas estranhas, que deveriam ser tocadas e não vistas. Cria-
mos uma câmara escura e colocamos cheiro de incenso.
Os alunos foram convidados a entrar na sala escura após
uma conversa com as bolsistas do lado de fora. Nesse início, expli-
camos o porquê dessa intervenção e os convidamos a pensar nos
cinco sentidos antes de experimentá-los daquela forma. Devido à
escuridão e aos sons estranhos, os alunos mostravam receio e um
pouco de medo. Após o choque inicial, eles liberavam sua curiosi-
dade e experimentavam tudo o que estava na sala, sempre acom-
panhados das bolsistas. Os professores também participaram da
atividade, assim como os funcionários da escola. Todas as turmas,
do ensino fundamental, médio e EJA, vieram prestigiar nossa Sala

104
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

das Sensações, que funcionou por uma semana. A maioria dos


professores aprovou a proposta, e alguns se propuseram a traba-
lhar com os sentidos após a experiência como uma continuação
do que eles experimentaram naquele espaço estranho.
Criar o espaço e estar disponível para visitação por tur-
nos inteiros foi muito cansativo e consumiu bastante tempo.
Felizmente, não houve problemas com a maioria das turmas,
sendo que os alunos do EJA foram os mais difíceis de organi-
zar e que mais depredaram a sala. Os demais alunos mostra-
ram-se interessados e curiosos, principalmente nas conversas
ao final de cada tour pela sala.

Projeto Paisagismo Produtivo


O projeto de Paisagismo Produtivo foi realizado em con-
junto com o subprojeto da área da Biologia e foi decidido entre
as orientadoras no início do ano, mas só foi mexer com um
terreno da escola depois de um semestre. Primeiramente, tra-
balhamos questões sobre reciclagem e poluição através de ati-
vidades práticas de separação de lixo e construção de cartazes
para expor nos corredores e aulas explanatórias sobre a impor-
tância do lixo orgânico para o crescimento das plantas. Os bol-
sistas da Biologia abriram um buraco para colocar uma com-
posteira, onde seria depositado lixo orgânico vegetal para criar
húmus, que cobriria os canteiros e alimentaria as plantas. A
merendeira da escola, os professores e pais dos alunos foram
convidados a juntar restos para o composto.
Em agosto de 2010, a horta teve início. O primeiro passo foi
limpar o terreno cedido pela escola. Encontramos muitas dificul-
dades, pois o terreno era repleto de pedras e restos de construção,
o que tornou inviável para os bolsistas trabalharem nisso sozinhos.
A Biologia, então, contratou alguém para limpar o terreno, capi-
nando e recolhendo as pedras. Esse trabalho foi realizado por duas
vezes, pois a cada tentativa de plantio descobriam-se mais pedras.

105
BOECK, A. L. • Relatos de participação interdisciplinar e atividades entre duas escolas

Enquanto a horta estava em sua fase inicial, as oficinas


passaram a ter como foco principal assuntos relacionados a ela.
O primeiro passo foi explicar para os alunos o que é paisagismo,
no qual montei slides com imagens de jardins e canteiros, al-
guns realizados por arquitetos e paisagistas famosos, como Hun-
dertwasser, Burle Marx e Frank Lloyd Wright. No momento
seguinte, as aulas passaram a tratar do planejamento da horta.
Os alunos desenharam a planta baixa do espaço e tentaram proje-
tar um jardim. Infelizmente, eles tiveram dificuldades em pensar
no espaço visto de cima, o que tornou seus projetos impossíveis.
Após o fracasso da primeira aula de planejamento, os bol-
sistas da Biologia decidiram apresentar uma variedade de plantas
que poderiam ser plantadas na horta, com textos informando de-
talhes e indicando onde seria o melhor lugar para colocá-las. Os
alunos foram desafiados a indicar os lugares onde cada planta fi-
caria melhor colocada, de acordo com o sol. Esse planejamento
funcionou melhor, e os alunos conseguiram selecionar áreas para
o plantio. Após o planejamento das áreas, fizemos um mapa gran-
de em papel pardo, onde eles deveriam desenhar os canteiros e os
espaços de circulação entre eles. O tamanho ajudou os alunos a
visualizar o espaço da horta, e eles conseguiram planejar a horta.
Enquanto as atividades de planejamento estavam sendo realiza-
das, dois bolsistas planejavam as compras de sementes, terra e
mudas a serem plantadas. Como o solo é muito fraco e pobre em
nutrientes, antes de montar os canteiros foi decidido cobrir tudo
com leguminosas, a fim de fazer uma adubação verde no solo.
Para ensinar aos alunos o processo de desenvolvimento
das plantas, os alunos de Biologia propuseram aos alunos a
confecção de um boneco cujo cabelo era alpiste. Para isso, os
alunos receberam meias, alpiste e serragem. Eles montaram os
bonecos e pintaram seus rostos. Após uma semana, regando
todos os dias, as sementes germinaram e o cabelo de capim
cresceu bastante. As primeiras mudas plantadas foram abaca-
teiros, uma árvore de araçá e três pés de maracujá. Desses, o

106
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

araçá foi destruído pelos alunos durante as aulas e um pé de


maracujá morreu. Após esses ocorridos, as mudas foram cer-
cadas com grade. Mais ao final do projeto, percebemos que o
solo estava contaminado demais com o cimento dos entulhos
de construção. Essa poluição atrasou o crescimento de algu-
mas plantas e não permitiu o desenvolvimento de outras. Fe-
chamos o ano escolar ainda no estágio de adubação verde, com
apenas uma pequena parte do espaço coberto.
Mesmo sem ter o resultado que esperávamos, os alunos
mostraram-se interessados na horta, tendo trabalhado na ter-
ra, utilizando ferramentas. Eles criaram mudas em sementei-
ras, cavaram buracos para plantar, construíram canteiros, rega-
ram, limparam o terreno e puderam observar a germinação das
leguminosas que semearam.
As atividades, a meu ver, poderiam ter sido melhores se a
forma de como as aulas planejadas pelos bolsistas da Biologia
seguisse a lógica de um projeto. O planejamento, no início do
ano, nem existia; eles decidiam o que fariam em uma reunião na
véspera e deixavam algumas atividades lúdicas preparadas para
o caso dos alunos terminarem muito cedo suas tarefas. Ao longo
do ano, eles começaram a planejar as oficinas, procurando utili-
zar o projeto de Paisagismo Produtivo como tema para as ativi-
dades, o que trouxe muito mais qualidade para as oficinas.
Outra questão difícil foi ter que oferecer merenda para os
alunos, o que não deveria ser função dos bolsistas, mas que é
uma necessidade dos alunos. Muitos não almoçavam porque mo-
ram longe da escola e chegavam nas oficinas com muita fome.
A dificuldade maior foi nos orçamentos, que atrasaram
a compra dos materiais para a horta. É impossível fazer três
orçamentos para mudas, já que elas são difíceis de achar, ainda
mais da mesma espécie. Além disso, o fato de não ser possível
comprar materiais permanentes, como pás e enxadas, atrapa-
lhou o trabalho na horta, pois tínhamos apenas as ferramentas
da escola à nossa disposição.

107
BOECK, A. L. • Relatos de participação interdisciplinar e atividades entre duas escolas

Barraca de bilhetes – no outro colégio


Durante montamos uma barraca de recados para os parti-
cipantes da festa junina. A ação fazia parte de um projeto de Arte
Postal, proposto para todos os subprojetos do PIBID e entre as
escolas, que acabou não se realizando por completo. A ideia da
barraquinha era que os participantes da festa deixassem recados
anônimos, ou não, pendurados para que todos pudessem ver. Para
isso, fiz o orçamento e comprei diversos papéis coloridos.
Bolsistas de várias áreas trabalharam na banca, o que foi
uma oportunidade de aproximação entre os subprojetos aloca-
dos naquele colégio. Ao contrário do que acontecia na escola
onde eu trabalhava, os bolsistas que atuavam ali não se conhe-
ciam e não estavam trabalhando juntos. Participei da barraca,
como membro do PIBID Artes, mas essa foi a última atividade
que realizei naquele colégio.

Salão de extensão
O PIBID Artes Visuais apresentou seus trabalhos no Salão
de Extensão da UFRGS. O Salão foi interessante, com trabalhos
variados. Nossa apresentação foi bastante dinâmica, sendo que as
quatro bolsistas apresentaram seus projetos em sequência. Os que
assistiram à apresentação ficaram bastante interessados no pro-
grama de Iniciação à Docência, que por ser recente ainda é pouco
difundido nos cursos de bacharelado. Apesar dos trabalhos serem
bons, os alunos que apresentaram seus trabalhos no primeiro blo-
co da manhã foram embora, deixando a sala quase vazia para
nós, que fazíamos parte do segundo bloco, juntamente com ou-
tros alunos. Isso mostra a pouca valorização que os alunos e seus
orientadores dão para as demais atividades de extensão da univer-
sidade. À tarde, montamos a barraquinha de recados na frente da
FACED e demos aos alunos que por ali passaram a possibilidade
de escrever algo que eles achassem relevante para deixar que os

108
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

demais alunos da UFRGS e visitantes pudessem ver e ler. Tive-


mos uma boa participação dos alunos da universidade.

Visita ao Santander Cultural e oficina de artes


Além da atividade interdisciplinar com a Biologia, pla-
nejei, juntamente com a outra bolsista de Artes que trabalhava
no colégio, uma oficina para as sétimas e oitavas. O planeja-
mento era para muitas aulas, mas acabamos tendo apenas duas,
o que tornou nossa Oficina de Vídeo e Animação inviável. Por
esse motivo, a oficina foi transformada em uma conversa com
os alunos. Essa oficina foi feita para funcionar a cada quinze
dias, gerando um diálogo com as oficinas sobre Identidade dos
bolsistas das Ciências Sociais. Felizmente, nesse mesmo perío-
do, conseguimos levar os alunos para uma visita mediada no
Santander Cultural, onde acontecia a exposição de artes Por-
traits, de Bob Wilson, que compilava retratos em vídeo de vários
atores e artistas. As obras tinham questões próprias que apare-
ciam nas imagens e eram bastante claras em algumas. Os alu-
nos foram convidados a anotar suas impressões em um bloco,
procurando descrever coisas que não estavam explícitas nas ima-
gens, mas que faziam sentido dentro do contexto.
Na segunda parte da visita, os alunos foram agrupados
em uma sala dentro do Santander e foi feita uma discussão em
conjunto sobre as questões que eles levantaram em suas anota-
ções. Os alunos mostraram uma variedade de observações bas-
tante grande e próxima aos significados atribuídos pelo autor
aos retratos. Na semana seguinte, fomos até a escola para reali-
zar a primeira oficina sobre a exposição, e nenhum aluno com-
pareceu. Isso cortou ainda mais nosso tempo com eles e fez
com que mudássemos novamente o planejamento. Duas sema-
nas após o passeio, acompanhamos a aula dos bolsistas das
Ciências Sociais e participamos da discussão sobre padrões de
beleza. Ao fim da aula, os alunos prometeram que comparece-

109
BOECK, A. L. • Relatos de participação interdisciplinar e atividades entre duas escolas

riam na semana seguinte para a atividade das Artes Visuais e


pediram que fosse realizada uma aula de desenho.
A nossa oficina funcionou bem, os alunos mostraram-se
interessados e compareceram em bom número. Mostramos ima-
gens de personagens variados, alguns bastante presentes na
mídia, outros nem tanto. Entre essas, colocamos imagens de
obras de arte com figuras humanas que sugeriam certos traços
de personalidade. O objetivo era identificar e questionar os alu-
nos sobre a forma como vemos as pessoas em diferentes con-
textos e com elementos estereotipados.
Após as questões sobre as imagens, cada aluno recebeu
uma imagem de uma obra de arte. A proposta era que eles crias-
sem um texto descrevendo a vida do personagem, com aconte-
cimentos possíveis de acordo com o que perceberam nas figu-
ras. Eles deveriam criar personalidades a partir da imagem.
Após a definição das características, as imagens foram re-
colhidas, para que eles criassem, através do desenho, seus perso-
nagens próprios. Alguns realizaram cópias, mas a maioria criou
personagens coerentes com o que haviam definido anteriormente.

Gincana interdisciplinar
A gincana foi idealizada pelos bolsistas das Ciências Soci-
ais, mas foi planejada e construída pelos bolsistas das áreas de
Biologia, Artes Visuais, Letras, Geografia e Ciências Sociais. O
objetivo era criar atividades culturais e interdisciplinares. Foram
quatro dias de gincana, em duas semanas diferentes. No primeiro
dia, os alunos definiram suas equipes, receberam cores e criaram
os nomes das equipes, baseados em personagens importantes das
áreas de Biologia, Artes Visuais, Letras, Geografia e Ciências So-
ciais. No segundo, foi realizado um quizz pelas áreas das Ciências
Sociais e Artes Visuais, com perguntas relacionadas às duas áreas,
assim como uma atividade sobre as regiões do Brasil, feita pela
Geografia. O terceiro dia foi da Biologia e das Ciências Sociais,

110
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

que intercalaram três atividades diferentes sobre sexualidade. No


último dia de gincana, os alunos fizeram paródias de um pagode,
organizado pela Letras. Ao fim da atividade, foram somados os
pontos e foi anunciada a equipe vencedora.
Fui a única bolsista a estar presente em todos os dias da
gincana, o que me levou a assumir a responsabilidade de fiscali-
zar e contabilizar os pontos das equipes todos os dias. Contruí as
questões de artes do quizz junto com a bolsista Simone, também
das Artes. Nos quatro dias, pude observar o empenho dos alu-
nos na gincana. Eles ficaram agitados no primeiro dia, mas per-
ceberam que seria melhor para as equipes que todos se compor-
tassem. Os outros três dias foram tranquilos, e os alunos estuda-
ram bastante para as provas, o que é uma prática bastante inco-
mum para a maioria dos frequentadores das oficinas do PIBID.

Minha ideia de escola


Quando entrei na sala de aula para a minha primeira ofici-
na, descobri que convencer um aluno de quinta série, que vive em
uma situação precária, não era fácil. Esse foi o maior risco que
corri, o de concordar com os alunos, de acreditar que o que estava
fazendo não fazia sentido. Que eles não deveriam aprender arte,
mas sobrevivência. Engano meu. Eles merecem algo melhor do
que sobreviver, os alunos merecem uma chance de buscar algo
melhor, de ter uma vida melhor. A bolsa do PIBID foi minha
primeira experiência em sala de aula com alunos da educação
básica e com certeza mudou a minha maneira de ver a educação.
Meus primeiros alunos me pegaram de surpresa. Lem-
bro de não me identificar com a realidade daquela escola, da-
quela região. Os alunos tinham condições de vida precárias e
sofriam com maus-tratos e abusos fora do ambiente escolar.
Após conhecê-los um pouco, ganhei confiança e aprendi que
os adolescentes não mudaram tanto desde que eu me formei
no Ensino Médio. Os alunos são pessoas e eles estão sob a res-

111
BOECK, A. L. • Relatos de participação interdisciplinar e atividades entre duas escolas

ponsabilidade do professor, que tem a obrigação de educá-los,


de lhes mostrar novos caminhos.
Ao longo do tempo, depois de algumas aulas, o susto foi
passando, e os alunos foram se acostumando comigo. De todas
as coisas que aprendi, as mais importantes foram: sempre ter
água e remédio para dor de cabeça na bolsa; usar relógio; evi-
tar gritos e sermões. Quem dá sermão é padre e mãe, eu sou
professora, não tenho que agir como mãe de meus alunos. Eu
não aceitaria que gritassem comigo, portanto não consigo pen-
sar que eles devam fazê-lo. A educação tem que partir do pro-
fessor; não podemos exigi-la de outra forma.
Uma situação em particular me fez perceber que a educa-
ção faz toda a diferença. Um aluno meu sofria bullying constante-
mente. Os colegas chamavam-o de gay o tempo todo, imitavam-
no e excluíam-no das atividades em grupo. Certo dia, um aluno
fez uma piada terrível com o rapaz, que quase chorou. Eu chamei
o aluno que praticou o ataque para conversar na rua e tentei fazer
com que ele percebesse o quão horrível era ser humilhado na fren-
te dos colegas, como não existem apenas diferenças entre as pes-
soas e que, depois de tudo o que trabalhamos nas aulas, ele sabia
que o que ele fez foi errado. O rapaz chorou e desculpou-se com o
colega. Esse foi um dos momentos em que tudo o que eu estava
trabalhando na escola fez sentido. A escola fez sentido.
Enfim, é impossível falar com razão sobre algo que não
conhecemos; o melhor jeito é tentando, experimentando. Traba-
lhar como professor não é fácil, mas nenhum trabalho é. Infeliz-
mente, por questões externas ao meio escolar, a educação tem
perdido a qualidade e criado um ambiente de trabalho insalubre.
O jeito é tentar adaptar-se e procurar fazer o melhor para os alu-
nos dentro de nossa capacidade e olhar para a escola como um
espaço de aprendizagem que deve evitar confrontos e violência. O
mundo já é violento com eles, então eu não vou ser. Foi assim que
a Iniciação à Docência mudou a minha ideia de escola.

112
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Relato de uma oficina e de uma atividade

Maria Eduarda Rangel Vieira da Cunha

“Todo ser humano é criador por


natureza. Fazê-lo participar da alegria de
criar é a melhor recompensa que lhe
pode dar o educador.”
Augusto Rodrigues

A primeira certeza que tive ao me deparar com uma aula


de Artes na escola estadual foi que aqueles alunos não criavam.
Não por incapacidade, pois qualquer ser humano é capaz de cri-
ar, mas por falta de estímulo. A professora de Artes fornecia fo-
lhas xerocadas em preto e branco e pedia que os alunos as colo-
rissem. Eles o faziam da forma mais grotesca possível: queriam
terminar a tarefa logo. Não viam sentido no que faziam, não
viam qualquer objetivo e não esperavam nenhum resultado.
No primeiro dia em que entrei em aula, perguntei se os
alunos gostavam das aulas de Artes. Um me respondeu: “Eu
odeio, a gente fica fazendo coisas chatas, não aprende nada. Nun-
ca tem que pensar”. Fiquei surpresa com a resposta. Até um
adolescente de quatorze anos era capaz de perceber que aquela
aula não acrescentaria nada em sua formação. Eu o questionei
novamente, perguntando se o que ele não gostava era da aula ou
da arte. Ele me respondeu que nunca aprendera o que era arte.
A partir dessas conversas, percebi que os alunos precisa-
vam de propostas que os deixassem curiosos, que os interessas-
sem e que mostrassem que eles eram capazes de produzir algo
com significado. A proposta Estêncil: uma forma de fazer arte de

113
DA CUNHA, M. E. R. V. • Relatos de uma oficina e de uma atividade

rua aproximou os alunos com a arte de rua, que estava inserida


em seu convívio diário, mas não era entendida como uma mo-
dalidade expressiva. Os alunos pensavam que a arte estava res-
trita a museus e galerias, locais que eles julgavam inacessíveis.
Quando mostrei imagens de estêncil e vários deles disseram
que já as haviam visto pelas ruas de Porto Alegre, a curiosida-
de veio. Qualquer um poderia fazer aquilo? O que aquilo que-
ria dizer? Era difícil cortar aquelas placas? “A gente vai apren-
der como se faz?” “Posso levar para casa depois de pronto?”
“Isso dá dinheiro?”
A divulgação das oficinas foi feita no período da manhã.
No período da tarde, realização de duas oficinas: uma com alu-
nos de sétima série, das 14 às 16 horas; e outra com alunos de
oitava série, das 16 às 18 horas. Para uma melhor compreensão,
realizamos encontros que consistiram em debates sobre arte de
rua, grafite e pichação e uma produção expressiva posterior en-
focando o estêncil. Para tanto, realizamos um conjunto de pro-
cedimentos, como discussão de vídeos enfocando artistas de rua,
apresentação de artistas brasileiros, abordagem sobre a interven-
ção urbana, mostra de imagens de estêncil e a produção do mes-
mo pelos alunos. Foram abordados conceitos visuais como con-
traste, positivo e negativo. Inicialmente tínhamos a ideia de, pos-
teriormente, com a autorização da direção, transpor a imagem
do estêncil para algumas paredes da escola, mostrando que a
arte de rua nem sempre está ligada ao vandalismo e que preocu-
pa-se com uma estética nas suas intervenções. Infelizmente, essa
proposta se inviabilizou por não ter sido autorizada pela direção
da escola. Com essa oficina buscamos a aproximação dos alu-
nos da técnica e a conexão entre diferentes linguagens. Tendo
Martins (2009) como referência teórica, acreditamos que a ex-
periência e a vivência em um processo expressivo, aliado com
conhecimentos artísticos, resultam aprendizagens significativas.
A autora, em seu livro Didática do ensino de artes: a língua no mun-

114
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

do, esclarece: “Nessa perspectiva, uma aprendizagem em arte só


é significativa quando o objeto de conhecimento é a própria arte”.
(p. 120). Os resultados desse trabalho serviram para a ampliação
do olhar estético dos alunos, bem como a apropriação de co-
nhecimentos artísticos e o reconhecimento da arte de rua.
Na festa junina, a equipe PIBID colocou em prática o
projeto criado pela professora Paola Zordan, denominado de
Correspondências. Esse projeto foi apresentado anteriormente na
reunião geral do PIBID no dia seis de julho de 2010. Tendo
como objetivo criar a ressignificação da produção expressiva, o
projeto mostra que a arte está aberta à participação de todos.
Nessa atividade, bolsistas e professores montaram uma banca
de recados destinada ao público da festa: alunos da escola, pais,
professores, funcionários e familiares. A equipe PIBID convi-
dava todos a se expressar das mais diversas maneiras, possibili-
tando o fruir das coisas simples, pensar o sentido daquilo que
nos repugna e atrai, compreender a força das matérias e o que
podemos fazer com a realidade que nos cerca.
Em um mural, os frequentadores da escola deixavam a
sua mensagem, escrita em papéis coloridos de formatos diver-
sos. Apesar da liberdade de expressão concedida pela equipe,
algumas vezes sugerimos enunciados, proposições, incitações
ou provocações. Entre esses enunciados, estavam as frases:
“quando eu crescer eu quero ser...”; “para ajudar o planeta
eu...”; “você gostaria de se expressar?”; “conhecer a si mesmo
é...”; “o que tem valor para você?”; “o que você acha que o
mundo valoriza?”; “como você pode melhorar a vida do ou-
tro?”; “amar ao próximo é...”, entre outros.
Surgiram recados com os mais variados temas, tais quais
o respeito aos diferentes, agradecimentos ao PIBID pelo apoio
dado à escola, o futuro profissional das crianças, sugestões de
melhorias para a escola e declarações de afeto entre os colegas.
Algumas dessas mensagens sugeriram um canal de protesto e

115
DA CUNHA, M. E. R. V. • Relatos de uma oficina e de uma atividade

denúncia evidenciando a opinião dos moradores daquela co-


munidade.
Pode-se perceber que um dos principais atrativos da nos-
sa banca foi o fato de ela não custar nada. Todas as outras ban-
cas cobravam um ingresso para a utilização das mesmas. A
nossa banca intimidava o público, despertando curiosidade so-
bre as propostas de enunciados dados pela equipe. Raras foram
as vezes em que alguém dirigiu-se sozinho a nós. Normalmen-
te, os alunos e familiares reuniam-se em grupos. Algumas ve-
zes, percebíamos certo constrangimento do público em assinar
os seus recados. Ficou evidente o estranhamento das pessoas
em encontrar um espaço onde elas pudessem expressar-se li-
vremente, demonstrando as suas opiniões, sentimentos e in-
quietações.
Já nas oficinas, a experiência e a vivência dos alunos ao
produzirem estêncils somaram-se a conhecimentos artísticos e
resultaram em aprendizagens significativas. Além do interesse,
não pude deixar de perceber o carinho e o respeito dos alunos
comigo. Ao levar para a sala de aula um tipo de arte conhecida
por eles, que falasse sobre as suas vidas, sobre seus problemas,
sobre o seu cotidiano, consegui prender a sua atenção e con-
quistá-los. Quando vi meus alunos criando com prazer, cons-
truindo sentido para aquilo que era criado, não tive mais dúvi-
das sobre seguir a carreira docente.

116
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Considerações diversas

Polen Sato Pinheiro

A escola e o professor de Artes


Eu, estudante de Licenciatura em Artes Visuais, ingres-
sei no início de 2009 como bolsista no Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). O programa tinha
como objetivo atender as escolas que possuiam o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e a média no
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) baixas. Fomos
atender a que foi destinada para o Projeto Artes e Letras, pre-
parando atividades extraclasse para alunos do Ensino Médio.
A primeira situação com que me deparo foi a má recep-
ção da própria escola com os bolsistas. A diretora mal sabia
sobre o que se tratava o programa, os professores estavam de-
sinteressados, os alunos desmotivados. Em reuniões com ou-
tros bolsistas, vejo que essa situação não é única; ela se repete
em outras escolas e outras áreas, não só nas Artes. Infelizmen-
te, constato que é um problema generalizado, embora algumas
escolas e professores ainda estejam lutando contra essa maré.
Os professores novos que chegam a elas acabam sendo conta-
giados pela má disposição e a velha frase de que “nada vai
mudar”. N esses momentos, vemos o quão difícil é ser um pro-
fessor diferente, que não seja sugado por esse sistema. A par-
tir do momento em que fazemos parte do contexto escolar,
mesmo sendo como bolsistas, abraçamos juntos “o desafio de
superar as visões reducionistas e preconcebidas sobre a arte”
(REIS, p. 45).

117
PINHEIRO, P. S. • Considerações diversas

As escolas estão defasadas, e as reformas que são feitas


hoje atendem um público que já saiu dela. Por exemplo: para
fazer uma reforma, é necessário pesquisar, escrever o que seria
a mudança, votar vendo quem é a favor ou contra e, só depois,
colocar em prática. Um processo que leva tempo até chegar à
última fase, sem contar que o colocar em prática também não é
simples, precisa de adaptação das próprias escolas e professo-
res. Ou seja, quando a mudança chega de fato na escola, já é
necessária outra. “A educação voltada para a construção de
um projeto de desenvolvimento sustentável [...] exige a inclu-
são de novos conteúdos, a mudança teórico-metodológica na
forma de tratá-los, possibilitando, assim, práticas pedagógicas
que auxiliem o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos”
(TREIN, p. 65).
Em muitos momentos, penso que o PIBID é mais uma
medida alternativa pra tentar resolver problemas que já estão
instaurados. Não desprezo a oportunidade que o PIBID dá aos
alunos da graduação de ter um contato mais próximo com a
docência, já que muitas vezes o contato se dá no último ano de
curso. Mas vejo esse atendimento um tanto injusto. São as es-
colas que estão mal que recebem essas oportunidades de incen-
tivar os alunos. De que adianta chegar a uma escola onde os
alunos realmente não têm interesse em estudar e participar das
atividades proporcionadas? Talvez as escolas que estão com mé-
dias altas tenham mais interesse em um programa como esse e
valorizem mais as atividades. Poderia ser como um incentivo
por irem bem e continuarem com o desempenho que estão apre-
sentando. Talvez as escolas com médias baixas, quando vissem
as outras recebendo oficinas e projetos legais, começassem a
incentivar seus alunos para esforçar-se mais.
Da mesma forma que acontece isso com as escolas em
geral, acontece mais especificamente com os alunos, na medi-
da em que os que estão indo bem não recebem incentivos en-

118
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

quanto os outros recebem até almoço e atestado para o traba-


lho para que participem das aulas de reforço. Observei esse acon-
tecimento na área de Matemática com alunos do segundo ano
do Ensino Médio; então percebo que o objetivo é que os alunos
vão bem na prova do Projeto Jovem de Futuro, do Unibanco,
para que a escola não perca esse projeto. Achei insensível da
parte dos professores incentivarem essa prática, pois, além de
expor os alunos que não estão bem, acabam incentivando os
outros alunos para o outro lado, no momento em que eles ob-
servam que indo bem na escola não recebem privilégios como
os demais alunos. É uma chantagem que pode dar errado e, ao
invés de melhorar, apenas piorar a situação da escola. Não vejo
isso como um incentivo, mas como uma chantagem, pois se a
escola permanece no Projeto do Unibanco, ela continua rece-
bendo o auxílio financeiro para alunos, professores e para a
própria escola. Eu acredito que os professores não têm o direi-
to de intervir dessa forma na vida dos alunos.
Outro ponto marcante é que os bolsistas não devem dar
aulas, mas sim oficinas. E o que observo, na maioria das vezes,
são aulas de reforço para preparar para a prova. Além de os
bolsistas estarem oferecendo mais um auxílio à escola, os alu-
nos acabam indo às oficinas por medo de ir mal nas provas. Eu
acredito que incentivo para participar das oficinas deveria ser
para aprender coisas novas, de outra forma mais dinâmica, e
não por uma aula de reforço.
As oficinas realizadas por nós das Artes Visuais aconte-
ciam em horários alternativos, e mesmo assim poucos alunos
foram. Sabemos da grande dificuldade que alguns alunos têm
de permanecer na escola, ou porque trabalham, ou porque
cuidam da casa, ou porque não têm dinheiro para almoçar.
Mas de uma escola do tamanho da que atendemos, com mais
de 1.400 alunos, em cada oficina apareceram em média três
alunos foi um pouco estranho. Observei em alguns momen-

119
PINHEIRO, P. S. • Considerações diversas

tos um boicote dos professores com os alunos. Eles não fazi-


am divulgação da oficina, não faziam questão de ceder dois
minutos de suas aulas para que nós nos apresentássemos.
Quando fizemos um questionário com os professores, deixa-
mos disponível na sala dos professores os questionários e uma
urna onde deveriam deixá-los depois de responder. A urna
ficou ali durante um mês, enquanto nós pedíamos aos profes-
sores que respondessem e que falassem aos colegas para res-
ponder também. D e 70 professores, apenas 11 responderam,
o que a mim parece um absurdo, uma grande falta de interes-
se. N ós tínhamos pensado em realizar alguma dinâmica com
os professores também, mas, tendo em vista esse resultado, a
ideia não saiu do papel.
Fizemos um questionário com os alunos também e vimos
que eles têm interesse em muitas atividades, que eles participam
das raras atividades culturais da escola e constatamos que a grande
maioria dos alunos do Ensino Médio não escreve corretamente.
Ficamos um pouco chocadas com esse acontecimento, já que
são futuros vestibulandos. Então encontramos outro ponto: a
maioria também não tem interesse em fazer vestibular. Uma
realidade triste, que seria necessário uma pesquisa bem maior
para descobrir o que estava causando esse desinteresse.
Tentando traçar uma linha de fuga da forma em que a
educação formal organiza e percebe as relações ensino-apren-
dizagem, educador-educando, oferecemos oficinas para ampliar
tempos e espaços para o fazer e pensar em arte. O que visamos
é fugir dos padrões dominantes da escola, onde os alunos são
agrupados por idade, inseridos no espaço da sala de aula com
horários fragmentados, onde e quando são obrigados a criar e
produzir.
A partir de cinco oficinas que oferecemos aos alunos, mais
um projeto aberto para toda a comunidade escolar, propuse-
mos diferentes processos e novas experimentações para os inte-

120
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

ressados, explorando o potencial criativo e desenvolvendo a pos-


tura crítica de cada um.
Os alunos que participaram das nossas oficinas perma-
neceram nelas até o final, muitas vezes fazendo a divulgação
para outros colegas do que estava sendo realizado. Mas por
serem tão pequenas as turmas das oficinas, nós resolvemos
mudar nossos planos, adaptando para as vontades e curiosida-
des que esses poucos alunos tinham.
Nas aulas de Artes em que observei vi aulas repetitivas;
toda aula era desenho ou cópia de alguma obra, e em todas as
turmas era a mesma atividade. A professora não é formada em
Artes e sequer tem interesse em atividades complementares para
melhorar o trabalho dela. Vejo isso como um descaso com o
professor de Artes, que dedica no mínimo quatro anos para
cursar Artes Visuais e acaba se deparando com um bacharel de
outro curso dando aulas de Artes. A Licenciatura já não prepa-
ra completamente para dar aula, e com essas observações vejo
que o bacharel está menos apto ainda. O professor de uma de-
terminada área não deveria ser colocado em outra apenas para
tapar buracos. Outra observação curiosa foi em uma conversa
que tive com os próprios alunos, em que eles me relataram que
não aguentavam mais desenhar, que toda a aula era “igual”.
Ouvindo as reclamações deles, perguntei o que eles tinham in-
teresse em fazer e, então, fico mais surpresa ainda. A vontade
que eles tinham era fazer maquetes. A professora não teve a
sensibilidade de conversar com os alunos e fazer essa mesma
pergunta. Se ela tivesse feito, poderia relacionar a própria área
dela, arquitetura, com as aulas. É uma falta de interesse gigan-
tesca. A aula poderia estar muito mais interessante, tanto para
os alunos como para a própria professora.
Falando um pouco sobre as cópias realizadas em aula,
não sei até que ponto essas podem ajudar ou não no processo
de criação da criança. Antigamente, era muito utilizada para

121
PINHEIRO, P. S. • Considerações diversas

aprender técnicas, jogos de luz e cor. Mas atualmente, com a


arte contemporânea, não acho isso crucial. Hoje, a diversidade
de materiais utilizados para realizar uma obra é muito grande,
e aprender todas as técnicas, com a dedicação de que se tinha
antigamente, toma muito tempo. Claro que, para quem gosta-
ria de aprofundar os estudos, a dedicação toma outra dimen-
são. Não vejo a cópia como algo auxiliar na arte contemporâ-
nea acho que mais dificulta do que facilita. Acredito que a arte
contemporânea vem para abrir horizontes, ampliar os materiais
que podem ser utilizados para fazer arte e não restringir ao que
é usual e cotidiano. Miriam Celeste Martins diz que a cópia é
uma prática perigosa, que pode ser adequada para aprender
técnicas ou coisas específicas. Ela também traz a questão da
arte contemporânea, dizendo que ela se utiliza da apropriação
de imagens, mas com outro propósito que não o mero fato de
copiar. Também concordo com ela quando diz que a ênfase
deve estar no processo de criação, a pretensão do artista.
Em alguns momentos, a professora transforma as aulas
de Artes em campeonatos, nos quais quem fizer o desenho
“mais bonito” ganha o troféu de exposição na parede. Mas,
mesmo assim, se alguém fizer um desenho mais bonito do que
o que está na parede, esse, por sua vez, substitui por ser mais
belo. Muitas vezes, ela afirmou que os trabalhos expostos são
obras de arte, que não devem ser tocadas, mas respeitadas. Isso
é uma atividade perigosa, primeiramente porque acaba expon-
do os alunos, montando a galeria da fama que pode ser substi-
tuída a qualquer momento, causando incerteza nos alunos.
Também é perigoso porque a arte hoje em dia, mais do que a
prática, é também reflexão. A arte deixa de ser afirmação: “isso
é uma obra de arte”, para questionar “pode isso ser uma obra
de arte? E por quê?”. Miriam Celeste, quando questionada so-
bre até que ponto o professor pode intervir na produção do
aluno, em entrevista, diz que a experiência de criação deve ser

122
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

um objetivo, fazendo o aluno refletir e expressar de outras for-


mas as próprias ideias. Que diferentemente do ensino de Artes
de tempo atrás, em que o deixar fazer predominava, é necessá-
rio aliar a leitura, a apreciação, a percepção de contextos e con-
ceitos à produção artística.
Após ler o PCN de Artes, destaco alguns objetivos bem
simples, que poderiam ser trabalhados por essa professora em
aula:
• Interagir com variedade de materiais naturais e fabrica-
dos, multimeios (computador, vídeo, ...), percebendo, analisan-
do e produzindo trabalhos de arte;
• Identificar a diversidade e inter-relações de elementos
da linguagem visual que se encontram em múltiplas realidades
(vitrines, cenário, roupas, adereços, objetos domésticos, movi-
mentos corporais, meios de comunicação), perceber e analisá-
los criticamente (PCN, 1998, p. 68).
Em seu segundo ano de trabalho, algumas das atividades
de Iniciação à Docência seguem para outra escola, mais inte-
ressada no que o PIBID tem a oferecer. Ali realizamos diversas
atividades na escola, capacitações para os professores, oficinas
diversas para os alunos e ainda uma atividade voltada para a
comunidade em geral, de forma a aproximar a arte do cotidia-
no das pessoas.
Em um primeiro momento, foi realizado um mapea-
mento da escola para saber quais são as vontades dos alunos,
o contexto sociocultural em que estão inseridos, o que os pro-
fessores trabalham e sua visão de arte. Após o mapeamento,
as oficinas são planejadas e oferecidas para a escola. Para tra-
zer mais arte aos alunos e professores, em 2010 foram desen-
volvidas quatro atividades. A primeira foi uma intervenção
no espaço escolar, chamada de Sala das Sensações. Interven-
ção essa que convida o participante a interagir, a experienciar
os cinco sentidos e a partir da experiência criar novas relações

123
PINHEIRO, P. S. • Considerações diversas

com o que muitas vezes passa despercebido. A segunda ativi-


dade realizada foi uma oficina de estêncil como complemen-
to às atividades realizadas em aula com arte de rua. A partir
de diversos referenciais levados pelas ministrantes da oficina
e referências dos próprios alunos, eles realizaram e pintaram
estênceis de acordo com a própria vontade, realizando, no fi-
nal, a produção de camisetas.
A terceira foi uma formação para as professoras das Sé-
ries Iniciais (Currículo por Atividade – CAT), em que foram
desenvolvidas atividades possíveis de trabalhar em aula com os
alunos. A outra atividade aconteceu na festa junina da escola,
onde montamos uma barraquinha de bilhetes e incentiváva-
mos a comunidade a se expressar a partir de enunciados cria-
dos pela equipe. A partir dessas atividades, pretendemos valo-
rizar a arte junto à comunidade escolar, torná-la mais acessí-
vel, aumentar o interesse e trabalhar os temas pertinentes à es-
cola. Os resultados são obtidos com o tempo, mas foi possível
perceber um maior respeito dos alunos e professores da escola
com a arte em geral.

Impressões e questões
Cada vez mais questões se formam em meus pensamen-
tos. À medida que respondo umas, já são formuladas novas. A
minha visão sobre a educação era esperançosa, como se eu
pudesse fazer algo que fosse mudar alguma coisa. Mas a verda-
de é que me deparo com situações cada vez mais estratificadas
dentro da escola e da própria universidade. É possível pensar
que a sociedade como um todo mantém essa situação. Claro
que disso não fica a desmotivação, pelo contrário, só uma grande
parcela unida é capaz de transformá-la. As pessoas precisam
conversar mais, expor mais seus pensamentos, lutar por aquilo
que acreditam. Só assim alguma coisa vai melhorar.

124
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Observei que existe um esforço de compreensão por par-


te dos alunos, tentando realizar os trabalhos no prazo e de acor-
do com o que foi solicitado. Mas faltam coisas novas, conheci-
mento novo, novas abordagens. A arte é tão ampla, abrange
tantos assuntos, é capaz de se interligar com tantas outras dis-
ciplinas. Falta para as professoras uma sensibilidade maior, já
que elas tiveram durante a sua formação alguma disciplina re-
lacionada com arte. A arquitetura, o design, o artesanato são
um bom começo para se pensar arte. A única coisa que falta
são as professoras saírem da bolha que as cerca e irem pro mun-
do, onde as coisas são diferentes e exigem outras dinâmicas.
Pensando no perfil do professor, concordo com Paulo
Freire quando diz que o educador deve estar em busca da hu-
manização, do “ser mais”. Educar a partir de somente técnicas
não é educação. O aprendizado envolve criação de símbolos,
recriação de conceitos. O professor deve estar aberto a apren-
der com os alunos, não deve ser o portador do conhecimento,
nem ter o que conhece como único e verdadeiro.
Eu vejo que existem recursos para professores que têm
interesse. A única coisa que falta é boa vontade, vontade de
conhecimento, curiosidade, vontade de arte mesmo. Afinal, se
o professor escolheu Artes para seguir uma formação e lecio-
nar sobre isso, não foi à-toa. O que deve ser feito é sair do que
se está acostumado e trilhar novos caminhos, ir atrás de coisas
novas. A arte contemporânea surpreende a cada momento, e o
professor deve estar preparado para lidar com o que surge e
para trabalhar os diversos assuntos com seus alunos.

Referências bibliográficas
BRASIL. SECRETARIA D E ED UCAÇÃO FUN DAMEN TAL.
Parâmetros curriculares nacionais: arte. Secretaria de Educação Funda-
mental. – Brasília: MEC / SEF, 1998.

125
PINHEIRO, P. S. • Considerações diversas

MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, G isa. Mediação cultural para


professores andarilhos na cultura. Rio de Janeiro: RDD Ltda, 2008.
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessi-
mismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
REIS, Ronaldo Rosas. O trabalho de arte e a arte do trabalho. In: FRI-
G OTTO, G.; CIAVATTA, M. (Orgs.). A experiência do trabalho e a edu-
cação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
TREIN, Eunice S. Projetos de desenvolvimento em disputa. Reflexões sobre
a questão ambiental e os limites do modelo fordista de produção. In: FRI-
G OTTO, G.; CIAVATTA, M. (Orgs.). A experiência do trabalho e a edu-
cação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
http:/ / revistaescola.abril.com.br/ arte/ fundamentos/ arte-explica-
vida-426395.shtml (acesso em 22/ 02/ 2010)

126
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

O que fica

Polen Sato Pinheiro

O que fica não são as vezes em que cedo acordei, muitas


vezes em dias chuvosos, para observar comportamentos, atitu-
des, gestos, rostos, sorrisos, decepções, acertos...
O que fica não são os momentos de aprovação ou repro-
vação...
O que fica não é a obrigação de estar sempre avaliando,
sempre sentindo, sempre percebendo situações...
O que fica não são as diversas chamadas de atenção...
O que fica não são as brigas compradas ou que simples-
mente fui inserida para poder realizar determinado trabalho
ou levar adiante outro já começado...
O que fica não são as chamadas de atenção vindas de
personagens de fora que sequer sabiam o que se passava dentro
da sala de aula...
O que fica não é o cansaço que domina o corpo depois
de três turmas completamente diferentes...
O que fica não são os trabalhos concluídos, os desenhos
coloridos ou os adesivos na porta...
O que fica são os momentos de descobrimento, de expe-
riências, de realizações e superações;
O que fica são as diversas vezes em que saí da aula cansa-
da, porém satisfeita com o meu trabalho e o retorno dos alu-
nos;
O que fica é a vontade deles de aprender, descobrir coi-
sas novas, materiais novos, combinações novas;
O que fica são as conversas no final de cada aula sobre
diversos assuntos;

127
PINHEIRO, P. S. • O que fica

O que fica são os momentos em que o fazer supera o


dizer-se incapaz de algo;
O que fica são os cartões recebidos no dia do professor;
O que fica são os rostos felizes ao completar os traba-
lhos;
O que fica é a imagem dos alunos apertados na janela
pedindo o meu retorno;
O que fica é a festa organizada pelos alunos no último
dia, as flores recebidas, os abraços, os beijos, as avaliações indi-
viduais;
O que fica é saber que a idade pouco importa, eles são
maduros o suficiente para resolver determinados assuntos em
sala de aula;
O que fica é saber que agora eles ampliaram um pouco o
repertório individual, mesmo sendo tão desprovidos de incen-
tivo para correr atrás das coisas novas ou simplesmente das pró-
prias ideias;
O que fica é invisível, se faz presente na memória, nas
lembranças do que foi vivido, em tudo aquilo que não pode ser
medido, explicado.

128
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

Dos restos, uma fabulação

Paola Zordan

O que restou de mim eu não sei. Há muito tempo deixei de ser o


que eu era. Há muito tempo venho deixando de ser aquilo que fui.
Uma pessoa que queria salvar o mundo ensinando arte. Cumprindo
com minha missão de professora. Professora de artes, a que entende de
criatividade, aquela que decora a escola em dia de festa e muitas vezes
é a responsável pelos materiais: colas, tesouras, lápis, canetas, folhas
de papéis, o rolo de papel pardo, as fitas adesivas, toda uma paraferná-
lia de artefatos que servem para as atividades chamadas “artísticas”.
Por isso, é quase sempre na sua porta que batem pedindo alguma coi-
sa. Coisas que somem circulando de mão em mão: tesouras para cor-
tar papéis, revistas velhas e fitas, as fitas adesivas para colar alguma
coisa na parede, pois na escola os trabalhos terminam em exposição.
Dependendo das condições da parede e do tipo de fita, caem no chão,
são pisoteados, viram lixo. A professora de artes tenta fazer a apologia
do cuidado, mas é vencida pela umidade das paredes, pela cola ruim
que colocam nas fitas e pela fragilidade do papel. Se houver dinheiro,
a escola poderá fazer painéis para os trabalhos serem fixados com ta-
chinhas. Há toda uma política de divisão do espaço desses painéis e do
tempo de exposição, à qual uma professora de arte não sobrevive sem
aprender a praticar. Aliás, ser professora de artes, antes de qualquer
coisa, é lidar com agenciamentos que dividem espaços. Para a arte, a
política dos materiais e dos espaços é tudo. Um exemplo disso é quan-
do a escola não tem uma sala específica para os trabalhos de arte.
Todos os trabalhos manuais, inerentes à matéria, ficam prejudicados,
restritos. Não há espaço para certas criações, as aulas se prendem nas
dimensões da classe. A maior superfície para criar são os limites de

129
ZORDAN, P. • Dos restos, uma fabulação

uma folha de cartolina, sobre a qual uma quantidade restrita de mate-


riais pode ser experimentada. Em muitas escolas, a arte é isto: um
livro para preencher com desenhos de lápis ou caneta, quando muito
fazer algum recorte e colagem, nada que suje muito as mãos, pois o ir
e vir até as pias pode ser problemático, um verdadeiro transtorno. Cor-
redor movimentado não condiz com uma escola, onde todos precisam
de certo silêncio para cada turma se concentrar em sua aula. Sem falar
na necessidade de ter cuidado com a limpeza, responsabilidade que o
professor reparte com seus alunos, que se comprometem a deixar a sala
limpa antes de a aula acabar. Por isso, a professora de artes também é
polícia, aquela que soa o alarme, avisa que acabou a bandidagem e
agora tudo tem que voltar a ser como era antes: sala sem papéis e
sucatas no chão, mesas ordenadas, espelho de classe refeito. Se a escola
é pobre, os alunos têm dificuldades de ter seus materiais. A professora
fica à mercê do almoxarifado ou do audiovisual, abastecido pela dire-
ção da escola, que, por sua vez, depende das políticas das secretarias de
Educação e sua relação com as verbas estatais. A professora ignora o
que acontece, tudo o que ela sabe é que na escola falta lápis, falta pa-
pel, falta cola, tesoura, pincel, tinta, música e alegria. Não há muito
que gastar, tudo precisa ser usado com comedimento, dividido entre
todas as professoras. Sem planejar o que vão fazer e do que vão preci-
sar, as professoras acabam sem nenhuma chance de variar o material.
Acabam tendo que encarar a mortificação de um quadro-negro, do
qual o giz faz superfície absoluta da inscrição de um saber. Só que
professoras de arte inscrevem o saber em uma multiplicidade de super-
fícies, nos mais variados e insólitos objetos, na relação com o espaço,
com o corpo e com a experiência concreta das coisas. Olhar, tocar,
manejar, alterar, moldar, marcar, riscar, grudar, destacar, recortar... as
ações são muitas. Se a professora tem fome pela vida e acredita demais
que a qualidade dessa depende do criar, não se intimida com a falta de
material e inventa uma aula com o que tem: cadeiras, classes, pátio,
terra, galhos secos, pedrinhas, folhas e sucata, essa sempre em oferta,
brinde sem graça que a sociedade do marketing e da embalagem pro-

130
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

duz. A professora de artes, mesmo que tenha desistido de estudar, é


uma mestra nesse assunto. Ela sabe tudo sobre como inventar coisas
com sucatas. Faz campanhas de arrecadação, mobiliza as famílias, é
peça fundamental na conscientização da separação do lixo e defensora
das políticas de reciclagem. Além de aproveitar o espólio da natureza,
inventa usos para as velharias, para objetos estragados, para os despo-
jos do comércio, para o jornal que todo mundo já leu. Trabalha exata-
mente na contramaré do consumo. Lamenta o desperdício, o uso im-
pensado do material e o desprezo para com todos aqueles instrumentos
e recursos que ela, artista, tem como sagrados. Por isso tantas vezes
não consegue ir embora no horário de saída, ocupada que fica com a
conservação de tão caros materiais. Não que custem tanto dinheiro
assim, mas são caros como todas as outras coisas extraídas da terra,
recursos da Patchamama cujo corpo não cansamos de explorar, ma-
téria de onde extraímos tudo o que nos faz criar. Gastar insensatamen-
te, sem preocupar se folhas brancas acabem parando no lixo, que pin-
céis sejam inutilizados em seus primeiros usos, que as tintas ressequem
nos potes, isso a professora não pode permitir. Um pote de tinta colori-
da está cheio de valor, a professora-artista sabe bem disso. E sabe
também das alquimias da arte e de como os seus alunos gostam de
experiências e misturas. Então ela sabe que não pode lhes dar um pote
inteiro de tinta sem que essa acabe em poucos minutos como mote
para algum tipo de experiência inusitada e esbanjadora. A saída já
está dada num dos mil usos da sucata, uma paleta especial para a
tinta guache usada nas escolas. A solução é colocar pouca quantidade
de cada cor de tinta nas semiesferas das caixas de ovos. De preferência
deixando espaços vazios para que os alunos possam fazer suas mistu-
ras, mesmo que às vezes toda a caixa vire um daqueles marrons acin-
zentados que a mistura de todos os pigmentos produz. Cor da terra,
dos excrementos, das cinzas, dos restos, da matéria.
Depois de tanto tempo vivendo de restos, aprendi a fazer ouro
da matéria bruta. “Diamantes com pedaço de vidro”, cantava meu
ídolo Renato Russo. Meus colares de sucata ficaram famosos, viraram

131
ZORDAN, P. • Dos restos, uma fabulação

as marcas de uma classe, fizeram estilo, o “das alternativas professoras


de artes”. Sempre sujando a roupa com argila ou com tinta, não dava
para ser chique (ainda mais com aquele salário), e sim ter um estilo
criativo. Aproveitar roupas velhas, tirar aquele chapéu enfeitado do
baú da vovó, inventar roupas reformadas, tingidas, pintadas, borda-
das. Estilo cheio de detalhes artesanais, esse era o tom das professoras
de artes e suas bijuterias diferentes, quase sempre de matéria ordiná-
ria, muitas vezes feitas pelo mesmo corpo que as expõe. Colares de
sementes, broches de papiê-machê, anéis de resina acrílica, pulseiras
de latão, pingentes de cerâmica, brincos de contas, de conchas e de
penas. A arte já era o tribalismo do currículo, mesmo quando ainda
não existia essa ideia para pensarmos isso. A Educação Artística sem-
pre deveio do tropicalismo da sucata, coisa de “bicho-grilo” mesmo.
No cruzamento das artes com a educação circulam essas figuras que
chamávamos “dinossauros”. Gente que, de um jeito ou de outro, viveu
o movimento hippie. Só que esse não era o meu tempo, que também já
foi embora, mesmo que alguma coisa ainda reste, se não aqui não
estaria a trazê-lo de volta. Dias de importação de ideias norte-ameri-
canas para valorizar o ensino da arte, de discussões sobre metodolo-
gias, integrações entre o fazer e o apreciar, um milhão de teorias para
salvar a Educação Artística da miséria e mantê-la dentro dos currí-
culos oficiais.
Apesar de todos os seminários e cursos de aprimoramento que
se fazia, passei todo o ano dando aula no saguão ou no corredor da
escola. A turma era dividida em dois grupos, um de música e outro de
artes, cuja sala especial era ocupada por outro professor, o qual cedia
esse espaço em outros horários. Como a outra metade da turma preci-
sava de um mínimo de isolamento para o som da aula de música não
invadir o resto do colégio, raramente eu podia usar a sala de aula. A
aula de artes vivia a sorte dos espaços razoavelmente vazios, onde alu-
nos pudessem trabalhar no chão. Duas metades de uma turma no chão,
cada uma em seu período. Sim, um só período, cinquenta minutos por
semana. Acha pouco? Eu também. Mas não foi por isso que desisti de

132
Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

ser professora de artes. A gente aprende a fazer cinquenta minutos vi-


rarem uma eternidade e descobre que o chão dos corredores até pode
ser interessante e que não há frio que um monte de jornal para colocar
a bunda não dê um jeito. Podia ter desistido de ser professora de artes
porque estava cansada de recolher trabalhos pisoteados pelo chão do
meu conhecido corredor ou porque não aguentava mais aquelas tur-
minhas que tinham a convicção de que a aula de artes era a melhor
oportunidade para burlar regras e fazer bagunça. Podia ter desistido
pela falta de apoio, por sentir que a escola não ajudava a mudar a
mentalidade dos alunos, por me darem os piores horários, pela minha
disciplina ser considerada fácil, sem dificuldade nenhuma. “A tua vida
é que é boa”, uma vez me disse a professora de Português, com uma
pilha de redações para corrigir. Na verdade, desisti de ser professora de
artes quando um dia cheguei na sala de aula e todos os potes de tinta
estavam com aquela cor de resto, naquela coisa indefinida entre o cin-
za e o marrom. Mas eu só deixei mesmo de ser professora quando a
necessidade de uma sala de computação, ideia das novas políticas do
governo, fez com que o laboratório de ciências e a sala de artes ficassem
num só lugar, dividissem a mesma sala. Não adiantava protestar, os
computadores já estavam chegando e não havia chance de negociação.
A escola precisava entrar no mundo da informática. Sem ter vontade
de passar o resto da vida fazendo os alunos desenharem no paint (isso
quando os computadores estivessem disponíveis para mim), fui apren-
dendo todas as maneiras possíveis de dar aulas sem lugar, por todos os
lugares, em qualquer lugar. Nessas andanças virei duas, duas professo-
ras que nunca mais conseguiram habitar a mesma pessoa.
Uma parte desistiu de ser professora de artes, e todo mundo
acha que isso foi pela sorte de um casamento com um empresário in-
fluente na sociedade. Acabei fazendo a promoção de grandes mostras
de arte, dessas que trazem uma centena de artistas estrangeiros e que
incentivam todas as escolas a visitar. Ainda acreditando em salvar o
mundo com a arte, criei um projeto pedagógico para que as pessoas
interagissem com as obras, saíssem dali imbuídas daquela riqueza,

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ZORDAN, P. • Dos restos, uma fabulação

daquele valor, mesmo que eu achasse quase tudo horrível e de mau


gosto. Mas aquilo era um problema da minha formação deficitária de
professora de artes, cujos saberes passavam muito longe de todas aque-
las vanguardas e conceitos. Por isso a empresária das artes que eu ha-
via me transformado, agora chique, com joias caras e exóticas, roupas
de seda, unhas feitas e cabelo tratado, procurava se instruir, estudar
cada vez mais, viajar patrocinada por órgãos da cultura, conhecer o
que estava exposto nos museus e galerias do mundo. Todo meu esforço
era em nome da cultura, mesmo que dentro de mim a professora de
artes que eu ainda era se perguntasse: “Que cultura?”. Mas como a
empresária das artes só estava interessada em afirmar a verdade da
arte, deu pouco caso para essa pergunta.
A outra parte, aquela que ficou no Laboratório, sala assim de-
signada pelo caráter empírico de suas aulas, aquela que cedeu seu es-
paço já restrito dando aulas pelos mais inóspitos espaços da escola,
essa estava cheia de perguntas. O que era mesmo que estava fazendo
ali? Por que tinha que deixar a sala vaga sempre que as Ciências a
solicitavam? Valia a pena um salário tão escasso para tanto trabalho?
Qual era mesmo o valor daquela disciplina? Por que a defendia como
um tipo de conhecimento tão importante quanto os outros? O que era
mesmo que conhecia? Qual era a importância de tudo o que sabia?
Por que todo mundo fazia tão pouco caso do que acontecia em sua
aula? Foi adoecendo aos poucos no meio das prateleiras que as tintas
precisaram ceder aos vidros de bichos mortos no formol, cada vez mais
histérica com as mesas que doravante tinham que estar sempre sem
manchas. Depois de tantos anos mendigando fitas adesivas para a fun-
cionária do escasso almoxarifado, a professora, tão mal paga e sem
marido rico para que pudesse ela mesma comprar material, enlouque-
ceu. Pirou de vez, pensaram todos os colegas. Cumpriu sua sina com o
lixo e quase acabou colocando fora sua vida, tão louca que ficou quan-
do viu sua outra parte numa dessas visitas por uma grande mostra que
promovia a arte e a cultura para todos os cidadãos. Com o mesmo
tênis e a mesma calça de brim, que usava antes de ter se dividido em

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

duas, foi ao encontro da dama distinta, que caminhava apreciando as


obras de arte entre homens barbeados de terno e gravata. Foi lá para
lhe dizer, quase no ouvido, que na escola ainda faltavam cola, lápis e
papel. Do resto, achou que nem precisava dizer, que só isso já era sufi-
ciente para a empresária das artes lembrar daquela pergunta: “Mas
que cultura mesmo?”
Foi nesse encontro que ambas, empresária da cultura e professo-
ra de artes, definharam, viraram pó. A primeira apodreceu como ca-
dáver de animal em longa performance de degradação. Acabou deteri-
orando-se tal qual aquelas intervenções artísticas que promoveu e pe-
las quais lutou até o último de seus dias para que ocupassem mais e
mais espaços dos prédios públicos, das ruas e praças da cidade. En-
quanto isso, a outra foi desaparecendo aos poucos e quase se extinguiu
quando passaram a considerá-la parte de um fazer dispendioso, cuja
exigência de espaços e de material é sempre um problema para os re-
cursos que chegam à escola. A escassez desses recursos mal garantia a
subsistência de seu corpo, tantos eram os pedaços que perdia cada vez
que sua prática era posta em julgamento. Obsoleta, tentaram transfor-
mar a professora de artes em peça publicitária, barata, para atender
certas políticas da cultura, completamente podres desde sua implanta-
ção. Mas não deu. Os restos da professora de artes não eram uma
matéria fácil, e a escola jamais soube os segredos de sua preciosa com-
posição. Parece que só agora começa a aprender que, mesmo sucatea-
da, a força educadora da arte é inextinguível. Alguns começaram a
perceber que a escola não sobreviverá sem reconhecer o brilho que dela
emana. Pois o pó da professora de artes, antes bem de ser um pó, era
uma espécie de purpurina que insistia em brilhar nas mesas grandes
da sala de artes, quer dizer, do Laboratório de Ciências.
Daquelas partículas quase imperceptíveis, daquele pequeno bri-
lho que grudava na pele, vinha um sopro sei lá de onde que recompu-
nha a professora de artes com todos os seus adereços, seu zelo aos ins-
trumentos de trabalho, suas manchas do acaso e toda a sua vontade de
criar. Mais uma vez, renascida das cinzas, a professora de artes afir-

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ZORDAN, P. • Dos restos, uma fabulação

mava a potência da vida, as delícias do fazer, do interagir com a maté-


ria. Por isso, refeita, se fazia outra coisa. Sôra. É assim que quase
todos os alunos a chamam.
Virei Sôra, aquela que sempre fui, mas só agora é meu devir. “A
Sôra disse”, “a Sôra vem vindo”, escuto eles dizerem. Quando não me
chamam, gritando bem alto:
– Sôraaa! Ajuda aqui!
Ou então, falando baixinho, bem perto do meu rosto:
– Eu não consigo fazer, Sôra.
Sôra chega perto, para olhar o que ali nasce, para ver porque lá
as coisas estão parecendo difíceis e precisam dela fazendo junto, dando
uma dica, explicando as propriedades e as possibilidades do material.
Sôra esquece do salário vergonhoso e acha que a vida vale a pena quando
vê um aluno descobrindo um traço diferente, inventando um outro
jeito de fazer deslizar um pincel. Quando vê outro rindo de satisfação
enquanto experimenta uma mistura. Quando o prazer de uma ativi-
dade faz toda a sala emanar uma alegria fluída, de risinhos e conver-
sas que são puro deleite no meio da rotina escolar. Sôra se entusiasma
quando os alunos querem saber como se faz. Sôra vai atrás de livros e
imagens para mostrar aos alunos o que já fizeram por este mundão
afora. Sôra é puro contentamento quando a escola é coberta com os
trabalhos de seus alunos, pequena e tão grande mostra de artes que
ama promover. Ao invés de reclamar da umidade das paredes e da
péssima qualidade das fitas adesivas, Sôra inventa outra coisa. Ao
invés de chorar as pitangas porque não há uma classe sequer para colo-
car os trabalhos de argila, Sôra inventa de expô-los nas esquadrias de
madeira. Sôra tenta fazer cola com farinha e ensina as inúmeras pos-
sibilidades do carvão. Intempestiva, Sôra faz o muro virar parede de
caverna, onde todo mundo marca com a mão. Criou uma política para
artistar todos os espaços, da tela de arame que marca o terreno da
escola até as portas rabiscadas dos banheiros, que depois disso passa-
ram a servir para poemas e desenhos coletivos. Também é dela o proje-
to maluco de destinar um pilar para os restos de chiclé. Uma verdadei-

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

ra obra de arte pop-conceitual coletiva que ninguém encosta e que li-


vrou classes, cadeiras, assoalho e roupas dos grudes indesejados. A pes-
quisa sobre as possibilidades do chiclé foi se aperfeiçoando, e os alunos
de Sôra descobriram novas tecnologias colantes para alguns tipos de
sucata. Ao invés de sofrer com a falta de recursos, Sôra aproveita a
brisa morna da primavera e inventa coisas com as folhas secas des-
prendidas pelo vento. Sôra é aquela que manda os alunos irem olhar o
que tem lá fora pela janela, para ver se ganham alguma ideia. Até
fogueira Sôra fez todo mundo fazer, e nem era dia de festa de São João.
Sôra pediu que todo mundo começasse a prestar atenção nos cheiros
das coisas queimadas, na cor das flores, nos tons do céu, na forma das
árvores, nas linhas das plantas, nas texturas do pátio, do corredor e da
sala, nas formas dos objetos e nas sombras que o telhado da escola
fazia na cancha de futebol. Sôra trabalha junto com as observações das
Ciências, com os textos da Linguagem e com os projetos de Estudos
Sociais. Até com a Matemática a Sôra se meteu, fazendo os alunos
tentarem medir uns galhos tortos, só para ver como era diferente de
medir a escada, como se fez na aula de Matemática. Como Sôra sabe
tudo sobre linhas, triângulos, quadrados, polígonos e estrelas de várias
pontas, ajuda com a geometria e põe número até para as quantidades
de tinta em cada verde que os alunos tentam conseguir. Sôra guarda
potes vazios para os alunos fazerem suas poções, colocarem terra na
água, cinza na terra, papel crepom usado, areia e tinta em tudo isso.
Dizem até que Sôra fez mágica no dia em que libertaram as poções
naquele canto inútil do pátio, deixando todo mundo boquiaberto com
aquele jeito que a terra dura do barranco passou a brilhar. Sôra passa
pensando no que pode fazer para que ela e seus alunos aprendam com
o que se apresenta para eles, nem que seja apenas o quadro-negro e um
pouco de giz. Porque Sôra, feiticeira que é, sabe que ali também se
encontra uma pedra filosofal.

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Iniciação à Docência em Artes Visuais – Guia e experiências

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