Negócio Jurídico e A Escada Ponteana

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 8

William Margheti Pavei

Negócio Jurídico e a Escada Ponteana: existência, validade e eficácia

Negócio jurídico é uma relação jurídica que decorre da manifestação de vontade


negocial das partes. Para ser considerado existente, válido e eficaz, ele segue os
degraus da chamada escada ponteana.

O que é negócio Jurídico?

Até chegarmos ao negócio jurídico, disposto no art. 104 do Código Civil, é preciso
percorrer um longo caminho. Primeiro, o negócio jurídico decorre de uma relação
jurídica. É, desse modo, um ato lícito lato sensu. Isto porque decorre de fato humano
caracterizado pela vontade. O fato humano, por sua vez, é fato jurídico lato sensu.

Mas não vamos nos ater a isso, pelo menos neste texto.

O mais marcante do negócio jurídico é a manifestação da vontade das partes. Flávio


Tartuce¹ o caracteriza assim:

Ato jurídico em que há uma composição de interesses das partes com uma finalidade
específica.

Quais os tipos de negócio jurídico?

É, pois, o negócio jurídico, o ato pelo qual as partes, deliberadamente, manifestam sua
vontade acerca de determinado negócio. Esse pode, portanto, observar a seguinte
classificação:

1. Ônus: gratuito, oneroso, bifronte e neutro;

2. Formalidade: solene e não solene;

3. Conteúdo: patrimonial e extrapatrimonial;

4. Manifestação da vontade: unilateral, bilateral e plurilateral;

5. Tempo: inter vivos e causa mortis;

6. Efeito: constitutivo e declarativo;

7. Existência: principal e acessório;


8. Exercício de direito: de disposição ou de simples administração;

É dele que surgem os contratos. Ou seja, o mundo gira em torno de modelos de


negócios jurídicos. E esse instituto é, assim, o ponto principal da Parte Geral do Código
Civil. Já pensou como seria o mundo sem o contrato de compra e venda, por exemplo?

O que é Escada ponteana?


Mas não é tão simples assim. Além da manifestação da vontade, há outros requisitos
para que um negócio jurídico exista e seja válido.

É necessário, então, que ele passe por alguns degraus, até que seja reputado como
negócio jurídico perfeito. E que, assim, não seja inexistente, nulo ou anulável. Esses
degraus fazem parte de uma escada criada pelo jurista, filósofo, matemático,
advogado, sociólogo, magistrado e diplomata brasileiro Pontes de Miranda. É a
chamada Escada Ponteana.

Pontes de Miranda ensina, em sua obra Tratado de Direito Privado (composta por 60
tomos e escrita em 15 anos!), que:

Existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser,
valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz. As próprias normas jurídicas
podem ser, valer e não ter eficácia. O que se não pode dar é valer e ser eficaz, ou valer,
ou ser eficaz, sem ser; porque não há validade, ou eficácia do que não é.

A partir dessa construção, então, o negócio jurídico tem três planos ou degraus:

1. existência;

2. validade;

3. eficácia.

Esses planos foram esquematizados de modo a formarem uma escada:


O que é plano da existência?

No plano da existência encontram-se os requisitos mínimos do negócio. Sem eles,


portanto, torna-se inexistente o negócio jurídico. Esses requisitos formam
os pressupostos de existência. Como pode um negócio existir sem que hajam agentes
(quem contrata, contrata com alguém), sem um objeto, sem uma forma definida ou
sem a clara manifestação da vontade das partes?

Assim, o plano da existência engloba agentes, objeto, forma e vontade do negócio


jurídico.

O que é plano da validade?

Quando os requisitos do primeiro degrau forem satisfeitos, podemos passar para o


plano da validade. Aqui, então, vale o auxílio do já citado art. 104 do Código Civil, que
determina o que é necessário para a validade do negócio:

1. o agente deve ser capaz, conforme o art. 1º, CC;

2. o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável;

3. a forma deve ser prescrita ou não defesa em lei;

4. e, por último, a vontade deve ser livre, consciente e voluntária.

Uma vez que for ferido algum desses requisitos, o negócio se tornará nulo ou anulável.
E, para saber se a aplicação é de anulabilidade ou de nulidade, é necessário fazer a
leitura dos arts. 166 e 171 do CC, assim traduzidos no esquema abaixo:
Anulado o negócio jurídico, então, as partes deverão retornar ao seu status anterior.
Contudo, nos casos em que a reversão for impossível, deve-se proceder à indenização
do equivalente.

I. Há capacidade para validade do negócio jurídico?

Acerca da capacidade para a validade do negócio jurídico, contudo, é importante


observar o texto do art. 105 do CC, que assim dispõe:

Art. 105. A incapacidade relativa de uma das partes não pode ser invocada pela outra
em benefício próprio, nem aproveita aos co-interessados capazes, salvo se, neste caso,
for indivisível o objeto do direito ou da obrigação comum.

É o que ocorre, por exemplo, nos casos de menor relativamente incapaz que realiza
negócio jurídico, mas invoca a idade para sua anulação, quando ocultou-a de má-fé no
momento da obrigação.

II. O Objeto do negócio atende aos requisitos?

No tocante ao objeto, por sua vez, o art. 106, CC, estabelece, assim:

Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for
relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.

III. Qual a forma do negócio jurídico?

Quanto à forma, o art. 107 dispensa forma especial, exceto quanto previsto em lei.
Desse modo, são exemplos de negócio jurídico solene: o pacto antenupcial e o
testamento público. Dessa forma:
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão
quando a lei expressamente a exigir.

Além disso, a escritura pública é essencial a algumas espécies de negócio jurídico,


conforme se observa da redação do art. 108, CC, e do art. 109, CC:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos
negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de
direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo
vigente no País.

Art. 109. No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento
público, este é da substância do ato.

IV. Liberalidade

Por fim, acerca da liberalidade das partes no negócio jurídico e da manifestação de


vontade, é disposto no art. 110 ao art. 114, CC:

Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva
mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha
conhecimento.

Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o


autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas


consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos
do lugar de sua celebração.

Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente

O que é plano da eficácia?

Por fim, no plano da eficácia, os principais elementos, chamados de acidentais, são:

1. condição;

2. termo; e

3. encargo

Esses elementos estão relacionados com a suspensão e resolução de direitos e deveres


das partes envolvidas. De acordo com Flávio Tartuce:
Os elementos acidentais do negócio jurídico não estão no plano da sua existência ou
validade, mas no plano de sua eficácia, sendo a sua presença até dispensável.
Entretanto, em alguns casos, sua presença pode gerar a nulidade do negócio, situando-
se no plano da validade.

I. Condição suspensiva e condição resolutiva

A condição, que deriva da vontade das partes, faz com que o negócio jurídico dependa
de um evento futuro e incerto, de acordo com o art. 121 do CC.

Essa condição pode ser invalidada, de acordo com o art. 122 do CC, nos casos de
condições :

1. Física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas: Venda subordinada a


uma viagem do comprador ao Sol, por exemplo.

2. Ilícitas ou de fazer coisa ilícita: Venda dependente de um crime a ser praticado


pelo comprador.

3. Incompreensíveis ou contraditórias: João celebra com José um contrato de


locação residencial, sob a condição de José não morar no imóvel.

Além disso, a condição se divide em suspensiva e resolutiva. A primeira não gera


efeitos jurídicos até sua implementação. Por exemplo: um pai que promete dar um
carro a seu filho caso ele passe no vestibular. Enquanto o filho não passar no
vestibular, a condição não se implementará, ou seja, não existirão efeitos jurídicos.

Já a condição resolutiva é aquela em que os efeitos existirão até que o evento a


interrompa. Aqui, a aquisição dos direitos se opera desde logo. Por exemplo: Maria
promete emprestar seu carro a Marta até que esta passe no exame de Ordem. Após a
implementação da condição, o direito se extingue, de acordo com o art. 128 do Código
Civil.

II. Termo

O termo condiciona o negócio jurídico a um evento futuro e certo, conforme


demonstra o art. 131 do Código Civil. Ele se subdivide em termo inicial e termo final.

No termo inicial se tem o início dos efeitos negociais; suspendendo o exercício do


direito, mas não sua aquisição. Por exemplo: Caio aluga sua casa de praia a José a
partir do início do verão.

No termo final, se predefine o momento em que o direito se extinguirá. Por exemplo:


Fábio empresta seu carro a Manoel até o fim do mês de abril.

III. Encargo
Por fim, o encargo, previsto no art. 136 do CC, traz um ônus que pode ser posto ao
beneficiado por um ato gratuito. Aqui, contudo, não se suspende nem a aquisição nem
o exercício do direito. O art. 555 do CC trata da possibilidade de o estipulador exigir o
cumprimento do encargo.

É o caso, por exemplo, do donatário que doa um terreno a alguém com a condição que
seja construído, em parte do terreno, um asilo.

Além disso, merece especial atenção o art. 137 do Código Civil, que trata do encargo
ilícito ou impossível. Esse artigo diz que os encargos ilícitos ou impossíveis serão
considerados como não escritos, exceto se o encargo constituir o motivo determinante
da liberalidade, gerando a invalidade do negócio jurídico.

Para ilustrar: João doa a José uma fazenda para que ali se cultive maconha. Por se
tratar de motivo determinante, o negócio é inválido. Já se João doar uma fazenda a
José com o encargo de que ele plante maconha, o encargo será tido como não escrito,
ficando assim: João doa a José uma fazenda com o encargo de que ele plante
maconha.

Como funciona a escada ponteana na jurisprudência?

A escada ponteana do negócio jurídico também é utilizada na jurisprudência, como se


observa em acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Assim:

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535


DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. TRADIÇÃO DO VEÍCULO. CONTRATO DE NATUREZA REAL.
REQUISITO DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. ESCADA PONTEANA. ELEMENTOS
ESSENCIAIS DO CONTRATO. NEGLIGÊNCIA DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ DA EMPRESA
ALIENANTE. […]

Em negócio de alienação fiduciária em garantia, por se tratar de contrato de natureza


real, a tradição constitui requisito de validade do negócio jurídico.

[…] A exigência de registro do contrato de alienação fiduciária em garantia no cartório


de título e documentos e a respectiva anotação do gravame no órgão de trânsito não
constitui requisitos de validade do negócio, tendo apenas o condão de torna-lo eficaz
perante terceiros. […]

(STJ, 4ª Turma, REsp 1190372/DF, Rel. Min.Luis Felipe Salomão, julgado em


15/10/2015, publicado em 27/10/2015)

Por que saber a diferença dos negócios jurídicos?


Portanto, saber diferenciar com precisão cada um desses conceitos pode ser crucial
em determinado caso prático. Isso porque, dessa forma fica mais fácil saber qual a
melhor decisão a se tomar quando estiver mediando esse acordos.

Referências

1. [1] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 8 ed. rev, atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

2. [2] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti: Tratado de direito privado. 4.


ed. São Paulo: RT, 1974, t. III, p. 15.

3. [3] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 8 ed. rev, atual. e
ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.

Você também pode gostar