Aquisicao de Perfect No Portugues Do Bra

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

NAYANA PIRES DA SILVA RODRIGUES

AQUISIÇÃO DE PERFECT NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Rio de Janeiro
2019
NAYANA PIRES DA SILVA RODRIGUES

AQUISIÇÃO DE PERFECT NO PORTUGUÊS DO BRASIL

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade Federal do
Rio de Janeiro como quesito para a
obtenção do Título de Mestre em
Linguística.

Orientador: Prof.a Dr.a Adriana Leitão Martins

Rio de Janeiro
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Dedico essa dissertação às mulheres que me trouxeram aqui: minha mãe e minha avó.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, devo agradecer a Deus e a todos os Santos que me deram a oportunidade


de estar terminando mais uma fase importante da minha vida.
Segundamente, devo agradecer à minha família por todo incentivo, fosse ele financeiro
ou moral, para passar por todas as etapas que me trouxeram até aqui.
Não posso deixar de agradecer à minha incrível orientadora por toda paciência e carinho
que me deu durante todo o período em que estivemos trabalhando juntas. Algumas pessoas
nasceram com a capacidade de ensinar e estimular seus alunos a serem sempre melhores, e a
professora Adriana é uma dessas pessoas.
Também devo agradecer a Juju (doravante Nespoli) pelo auxílio e humildade durante a
análise dos dados. Nespoli também se encaixa na descrição acima. Ela possui o dom de
estimular as pessoas a continuar a pesquisar e a se questionar.
Graças a CAPES, pude me dedicar exclusivamente à produção deste trabalho. A essa
instituição, o meu muito obrigada.
Aos amigos do grupo mais carinhoso e divertido que eu já participei, o Bioling, meus
sinceros agradecimentos. Vocês são incríveis. Sem vocês, não teria aprendido metade do que
sei hoje.
Aos amigos que adquiri no mestrado, todo meu amor. Vocês compartilharam suas
dificuldades comigo e isso fez com que eu não me sentisse sozinha durante esse período tão
difícil. Contar com o apoio de vocês ajudou a não desistir. Vocês foram o amor que me fez
recomeçar todos os dias.
E, é claro, não poderia deixar de agradecer a CM e EP por me emprestarem seus filhos.
Foram muitos papás, construções de castelos, desenhos e muito carinho compartilhado durante
esses 2 anos. Muito obrigada.
“‘Mas não quero me meter com gente louca’, Alice observou.
‘Oh! É inevitável’, disse o Gato; ‘Somos todos loucos aqui. Eu sou louco. Você
é louca.’”
(Lewis Carroll, As Aventuras de Alice no país das maravilhas)
RESUMO

RODRIGUES, Nayana Pires da Silva. Aquisição de perfect no português do Brasil. Rio de


Janeiro, 2019. 137f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Faculdade de Letras,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

Esta pesquisa tem como objetivo investigar a aquisição de perfect universal e perfect existencial
(IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003) associados ao tempo presente no
português do Brasil (doravante PB). Esperamos, dessa forma, contribuir para o estudo da
representação do conhecimento linguístico de perfect. A hipótese sugerida para esta pesquisa é
de que a realização de perfect universal associado ao tempo presente se dá simultaneamente à
realização de perfect existencial associado ao tempo presente na aquisição do PB. Para isso,
realizamos um estudo de caso de caráter qualitativo, com coleta de dados feita
longitudinalmente por meio de gravações da fala espontânea e semiespontânea de uma criança,
totalizando 33 gravações. Como resultado, temos a produção de perfect na fala da participante
somente a partir da gravação 15, realizada quando a criança estava com dois anos e seis meses.
Os dados obtidos revelaram que a realização do perfect existencial, mais especificamente a
expressão do resultado no presente de uma situação passada – também chamado de perfect de
resultado –, ocorreu anteriormente à realização do perfect universal. Dessa forma, refutamos a
hipótese deste estudo. Os dados obtidos revelaram ainda que, após a realização do perfect de
resultado e do perfect universal, houve realizações de perfect existencial que ressaltavam a
experiência no presente de uma situação passada – também chamado de perfect experiencial.
Logo, sugerimos que haja uma dissociação na representação linguística entre os seguintes tipos
de perfect: de resultado, universal e experiencial. Esses tipos de perfect projetariam,
respectivamente, os nódulos EPerfP, UPerfP e ExPerfP. Os traços alocados nos núcleos dessas
projeções seriam, respectivamente, resultativo, continuativo e experienciação. Os resultados
deste estudo ainda evidenciaram que tempo foi adquirido antes de perfect. Portanto,
defendemos nesta pesquisa a seguinte representação estrutural: ExPerfP > UPerfP > EPerfP >
TP.

Palavras-chave: aquisição de linguagem; aspecto; perfect; estudo longitudinal.


ABSTRACT

RODRIGUES, Nayana Pires da Silva. Acquisition of the perfect aspect in Brazilian


Portuguese. Rio de Janeiro, 2019. 137f. Master Thesis (Master in Linguistics) - Faculdade de
Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

The aim of this research is to investigate the acquisition of the universal perfect and existential
perfect (IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003), associated with the
present tense in Brazilian Portuguese. This way, we expect to contribute to the study of the
representation of the linguistic knowledge of the perfect aspect. The suggested hypothesis for
this research is that, in the process of acquisition of Brazilian Portuguese, the realization of the
universal perfect, associated with the present tense, takes place simultaneously to the realization
of the existential perfect, associated with the present tense. To this end, we conducted a
qualitative case study, with data collection longitudinally performed through the recording of a
child’s spontaneous and semi-spontaneous speech, with the total of 33 recordings. As a result,
the production of the perfect aspect in the child’s speech is perceived only from the recording
15 on, when the child was two years and six months old. The obtained data revealed that the
realization of the existential perfect, more specifically the expression of the result in the present
of a past situation – also called perfect of result – occurred prior to the realization of the
universal perfect. This way, we refute this study’s hypothesis. The obtained data also revealed
that, after the realization of the perfect of result and the universal perfect, there were realizations
of the existential perfect that emphasized the experience in the present of a past situation – also
called experiential perfect. So, we suggest that there is a dissociation in the linguistic
representation between the following types of perfect: of result, universal and experiential.
These types of perfect would project, respectively, the nodes EPerfP, UPerfP and ExPerfP. The
allocated traces in the nodes of these projections would be, respectively, resultative, continuous
and experiential. In addition, the results of this study demonstrate that tense was acquired before
perfect. In this research, therefore, we defend the following structural representation: ExPerfP
> UPerfP > EPerfP > TP.

Keywords: language acquisition; aspect; perfect; longitudinal study.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Representação sintática proposta por Pollock (1989, p.397).....................................18

Figura 2: Representação de tempo (COMRIE, 1985,p.2).........................................................20

Figura 3: Esquema de classificação do aspecto gramatical (COMRIE, 1976, p.25).................25

Figura 4: Poda da árvore sintática............................................................................................ 27

Figura 5: Representação sintática proposta por Novaes e Braga (2005) ................................ 28

Figura 6: Representação esquemática do intervalo PTS (NESPOLI, 2018, p.57 adaptado).... 33

Figura 7: Representação sintática proposta por Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003,
p.7)............................................................................................................................................42

Figura 8: Representação sintática proposta por Nespoli (2018, p.153)......................................44

Figura 9: Representação sintática proposta por Nespoli (2018, p.153)......................................95

Figura 10: Representação sintática contemplando os sintagmas de perfect e o sintagma de tempo


com a hierarquia UPerfP> EPerfP> TP ....................................................................................96

Figura 11: Representação sintática contemplando os sintagmas de perfect e o sintagma de tempo


com a hierarquia UPerfP> EPerfP> ExPerfP> TP..................................................................101
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Classificação verbal segundo Smith (1997) .............................................................24

Quadro 2: Fronteiras definidas no intervalo PTS pelos advérbios/expressões adverbiais que


ocorrem em contexto de realização de perfect universal e existencial (NESPOLI, 2018,
p.138)........................................................................................................................................38

Quadro 3: Fronteiras definidas no intervalo PTS pelos advérbios/expressões adverbiais que


ocorrem em contexto de realização de perfect universal e existencial (NESPOLI, 2018, p.138
adaptado).................................................................................................................................102

Quadro 4: Advérbios/expressões adverbiais que ocorrem em contexto de realização de perfect


universal e perfect existencial nas produções de AC..............................................................103

Quadro 5: Advérbios/expressões adverbiais que ocorrem em contexto de realização dos tipos


de perfect segundo Comrie (1976) nas produções de AC.......................................................105
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Tipos de perfect produzidos por AC segundo a classificação de Iatridou,


Anagnostopoulou e Izvorski (2003)..........................................................................................74

Gráfico 2: Tipos de perfect produzidos por AC segundo a classificação de Comrie (1976).....76

Gráfico 3: Relação quantitativa do uso de advérbios/expressões adverbiais nas produções de


AC.............................................................................................................................................78

Gráfico 4: Total de produções dos aspectos gramaticais e perfect nos dados de AC................85

Gráfico 5: Produção longitudinal de perfect de AC..................................................................86

Gráfico 6: Produção longitudinal de perfect de AC..................................................................90

Gráfico 7: Representação longitudinal da produção de advérbios e expressões adverbiais por


AC.............................................................................................................................................92
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 15

1 ASPECTO PERFECT ......................................................................................................... 17

1.1 REPRESENTAÇÃO ESTRUTURAL DAS LÍNGUAS NATURAIS .................................. 17


1.2 TEMPO E ASPECTO .................................................................................................... 20
1.2.1 Tempo .................................................................................................................. 20
1.2.2 Aspecto ................................................................................................................. 23
1.2.2.1 Nódulo Aspectual .................................................................................... 26
1.3 ASPECTO PERFECT ................................................................................................... 29
1.3.1 Classificação ......................................................................................................... 33
1.3.2 O aspecto perfect no PB ....................................................................................... 38
1.3.3 Nódulo(s) de perfect ............................................................................................ 42
2 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ....................................................................................... 45

2.1 AQUISIÇÃO DE CATEGORIAS FUNCIONIAS ....................................................... 45


2.1.1 Hipótese Maturacional ....................................................................................... 46
2.1.2 Hipótese Continuísta .......................................................................................... 50
2.2 AQUISIÇÃO DE TEMPO E ASPECTO ...................................................................... 55
2.2.1 Teoria de Reichenbach .................................................................................... 55
2.2.2 Hipótese “aspecto antes de tempo” ................................................................. 57
2.2.3 Teoria Prototípica ............................................................................................ 60
2.3 AQUISIÇÃO DO PRESENT PERFECT ....................................................................... 65
3 METODOLOGIA................................................................................................................ 68

3.1 TIPO DE ESTUDO......................................................................................................... 68

3.2 SUJEITOS SELECIONADOS ...................................................................................... 70


3.3 PROCEDIMENTOS....................................................................................................... 70
3.4 ANÁLISE DOS DADOS................................................................................................71
4 RESULTADOS E ANÁLISES ........................................................................................... 72

4.1 RESULTADOS GERAIS ............................................................................................... 72

4.2 RESULTADOS LONGITUDINAIS ............................................................................. 78


4.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS .................................................................................. 92
4.3.1 Aquisição de perfect segundo a proposta de classificação de Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003) ...................................................................................... 93
4.3.2 Aquisição de perfect segundo a proposta de classificação de Comrie (1976). 98
4.3.3 Aquisição de advérbios/expressões adverbiais associados a perfect ............ 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 107

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110

ANEXOS ............................................................................................................................... 118


15

INTRODUÇÃO

A faculdade da linguagem (doravante FL) é um módulo mental responsável por nossa


competência linguística. A competência linguística representa o conhecimento da nossa língua
materna (doravante L1) e é originada da nossa Gramática Universal (doravante GU). A GU
nada mais é que nosso dispositivo linguístico inato responsável por nos possibilitar a aquisição
de qualquer língua do mundo (CHOMSKY, 1988).
O desenvolvimento da L1 depende da exposição a uma língua natural para que seja
possível a fixação dos parâmetros dessa língua. Os parâmetros são propriedades previstas pela
GU relacionadas às especificidades sintáticas de cada língua, proporcionando a diferenciação
entre as línguas do mundo. Quando essa fixação está completa, já não temos mais uma GU e
sim a gramática de uma língua específica, ou seja, a competência em nossa L1 (CHOMSKY,
1988).
Haegeman e Guéron (1998), a partir da análise comparativa de algumas línguas,
concluíram que algumas propriedades linguísticas, que poderiam ser entendidas como
resultante da fixação de diferentes parâmetros, na verdade estariam relacionadas a um mesmo
traço sintático. Logo, para elas, o processo de fixação de um grupo específico de parâmetros
poderia ocorrer através da aquisição de um único traço.
Baseando-se nessa ideia de Haegeman e Guéron (1998), buscamos nesta pesquisa
contribuir para o entendimento da motivação de determinadas propriedades linguísticas do
português relacionadas à expressão do perfect nessa língua a partir do exame da aquisição de
traços de perfect no português do Brasil (doravante PB). Os núcleos funcionais que serão
estudados nesta pesquisa, portanto, serão os que comportam os traços de perfect. Esses traços
são aqueles responsáveis pela veiculação das informações que relacionam dois pontos no
tempo: de um lado, o tempo no qual uma situação se inicia ou ocorre e, de outro, o tempo do
estado resultante dessa situação (COMRIE, 1976).
Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) adotam uma classificação de perfect em
dois tipos: universal e existencial. Quando associado ao tempo presente, o perfect universal
representa situações que se iniciaram no passado e que persistem até o momento presente,
enquanto o perfect existencial representa situações que ocorreram no passado e ainda possuem
repercussão no momento presente.
Embora haja uma diferença semântica entre os tipos de perfect, propostas
representacionais, como a de Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003), sugerem um único
nódulo de perfect em nossa representação sintática.
16

Segundo Radford (1990), as crianças já nascem com todos os nódulos sintáticos em sua
GU, mas são necessárias a exposição a dados linguísticos e a maturação dos sistemas cognitivo
e físico para que elas possam ativar essas categorias. Essa ativação acontece, inicialmente, pelos
nódulos mais baixos da hierarquia arbórea e, assim, há paulatinamente a aquisição da
representação sintática pelas crianças.
Esta pesquisa tem como objetivo investigar a aquisição de perfect universal e perfect
existencial associados ao tempo presente no PB. Esperamos, através da análise de dados de
aquisição, contribuir para o entendimento da hierarquia da(s) categoria(s) funcional(is) que
abriga(m) traço(s) de perfect na FL dos falantes.
A hipótese sugerida para esta pesquisa é de que a realização de perfect universal
associado ao tempo presente se dá simultaneamente à realização de perfect existencial
associado ao tempo presente na aquisição do PB. Se tal hipótese se confirma, fornecemos
evidência de que um único nódulo de perfect na representação sintática pode abrigar os traços
de perfect universal e de perfect existencial que são adquiridos a um só tempo.
Para esta pesquisa, foi realizado um duplo estudo de caso de caráter longitudinal. Os
participantes escolhidos para este estudo se encontravam no início da fase de uma palavra, pois
desejávamos acompanhar todo o processo de aquisição das morfologias verbais e dos
advérbios/expressões adverbias. A coleta de dados foi realizada através de gravações da fala
espontânea e semiespontânea das crianças, as quais foram realizadas a cada duas semanas com
duração média de uma hora.
Esta dissertação se divide em cinco partes. A primeira trata de questões sobre o aspecto
perfect que são relevantes para o entendimento do objeto de estudo em questão. A segunda trata
dos estudos sobre a aquisição de linguagem de modo geral, e de modo específico, das categorias
funcionais tempo, aspecto e, ainda mais especificamente, aspecto perfect. A terceira trata da
metodologia. A quarta parte trata dos resultados obtidos e da análise dos dados. A última parte
se destina às considerações finais desta pesquisa.
17

1 ASPECTO PERFECT

Como já foi apresentado na introdução desta dissertação, esta pesquisa está ancorada a
teoria gerativa e, nessa teoria, mais especificamente na teoria X-barra (CHOMSKY, 1981), as
estruturas presentes nas sentenças podem estar representadas na mente humana através de
sintagmas. Inicialmente, só haviam sido propostas na literatura estruturas sintagmáticas na
camada lexical. Porém, a partir de Chomsky (1986b), passou-se a assumir uma estrutura
sintagmática também na camada funcional. O aspecto perfect, objeto de estudo desta
dissertação, é um dos elementos que compõem a camada funcional. Mais especificamente, o
aspecto perfect compõe a camada flexional.
Conforme foi abordado na introdução desta dissertação, o objetivo dessa pesquisa é
investigar a aquisição do aspecto perfect. Para tanto, temos, neste capítulo, uma revisão de
literatura sobre a camada funcional e sobre alguns elementos desta camada que estão
intimamente relacionados ao aspecto perfect, que são tempo e aspecto. O aspecto perfect
também é apresentado neste capítulo.
Essa revisão é composta pelas seguintes seções: 1.1 Representação estrutural das línguas
naturais; 1.2 Tempo e Aspecto; e 1.3 Aspecto perfect.

1.1 REPRESENTAÇÃO ESTRUTURAL DAS LÍNGUAS NATURAIS

Conforme é proposto pela teoria X-barra, o sintagma flexional IP1 é a projeção máxima
da sentença (CHOMSKY, 1986b). Pollock (1989) afirma, então, que a camada possui dois
diferentes traços, sendo esses [tempo] e [concordância], e que cada um desses traços projeta um
sintagma distinto, no caso, TP2 e AgrP3, respectivamente. Abaixo, podemos verificar a
representação sintática proposta por Pollock (1989):

1
Sigla referente ao Sintagma Flexional
2
Sigla referente ao Sintagma de Tempo.
3
Sigla referente ao Sintagma de Concordância.
18

Figura 1: Representação sintática proposta por Pollock (1989, p.397).

TP

T NegP

Neg´

Neg AgrP

Agr´

Agr VP

Pollock (1989) afirma que essa cisão de IP seria universal, ou seja, todas as línguas
possuiriam a mesma representação sintática. A partir dessa conclusão, Iatridou (1990) afirma
que, se isso for de fato verdadeiro, teríamos que esperar uma “explosão” na Representação
sintática de IP, pois há línguas que apresentam elementos que não verificamos em outras, como
informações além de tempo e concordância. Logo, a autora propõe que as línguas variariam
conforme as categorias funcionais que possuem e que, portanto, a representação estrutural de
IP não poderia ser universal.
Esse embate entre a universalidade ou não da representação estrutural da camada
funcional da representação sintática pode ser relacionado à discussão acerca de duas hipóteses:
a Hipótese da Uniformidade e a Hipótese da Seleção. Segundo a Hipótese da Uniformidade,
todas as línguas apresentariam a mesma representação estrutural, pois têm disponíveis os
mesmos traços. Essa hipótese foi defendida por Sigurðsson (2004). Esse autor afirma que todas
as línguas são iguais sintaticamente e que os níveis linguísticos lexical e fonológico seriam os
únicos responsáveis por diferenciar as línguas naturais.
Sigurðsson (2004) também propõe o que ele chama de Princípio do Silêncio. De acordo
com esse princípio, qualquer traço sintático pode não ser expresso morfologicamente em
alguma língua. Para esse autor, também haveria a possibilidade de expressarmos traços de
19

forma compacta, ou seja, mais de um traço pode ser realizado por meio de um único morfema.
Esses casos pertencem ao que Sigurðsson (2004) chama de Princípio de Compacidade.
A Hipótese da Seleção é defendida por Thráinsson (1996). Para esse autor, a criança
adquiriria apenas as categorias funcionais que são realizadas morfologicamente na língua a qual
ela é exposta. O autor ainda afirma que, mesmo que tenhamos línguas tipologicamente
parecidas, isso não garante que elas possuam o mesmo inventário de categorias funcionais.
Para a teoria gerativa, a criança adquiriria linguagem de forma inata, pois todos os seres
humanos nasceriam com um dispositivo genético, a GU, que nos capacitaria a adquirir
linguagem (CHOMSKY, 1982, 1986a, 1986b, 1988). A GU conteria os princípios e parâmetros
(CHOMSKY, 1986a). Os princípios seriam propriedades comuns a todas as línguas e os
parâmetros seriam os responsáveis por diferenciar as línguas e, por isso, deveriam ser fixados
ao longo do processo de aquisição.
Cinque (2013) afirma que a GU é a responsável por atribuir possibilidades e restrições
às gramáticas das línguas. Portanto, podemos supor que a estrutura configuracional da sentença
também seria derivada da GU.
A estrutura configuracional é o tema de pesquisa da Cartografia. Essa é uma linha de
pesquisa que tem como objetivo mapear as estruturas sintáticas utilizando-se do esquema
configuracional proposto pela teoria X-barra.
As pesquisas em Cartografia parecem estar alinhadas com a Hipótese da Uniformidade,
uma vez que assumem que todas as línguas possuiriam a mesma configuração estrutural na
camada funcional (CINQUE, 1999, 2002; RIZZI, 2004; CINQUE & RIZZI, 2008). Além disso,
na Cartografia, assume-se que todas as línguas também possuiriam a mesma hierarquia das
projeções funcionais, ou seja, não só os mesmos sintagmas, como a mesma ordem hierárquica
desses sintagmas nas diferentes línguas.
A Hipótese da Uniformidade é adotada para esta dissertação, pois assumimos neste
estudo que tal hipótese melhor se coaduna às propostas inatistas assumidas na gramática
gerativa, conforme abordamos no capítulo 2.
Na próxima seção, abordamos duas estruturas pertencentes à camada funcional, mais
especificamente, à camada flexional: tempo e aspecto.
20

1.2 TEMPO E ASPECTO

Assumindo-se a proposta de uniformidade de Sigurðsson (2004), acreditamos que as


categorias funcionais seriam parte da GU e que suas realizações morfológicas variariam entre
as línguas. Duas informações relacionadas ao conceito de tempo que podem ser realizadas nas
línguas morfologicamente são as de tempo e aspecto, que serão abordadas separadamente nas
seções a seguir.

1.2.1 Tempo

Para Comrie (1985, p.2), uma forma adequada para explicar o tempo na linguagem
humana seria através da representação desta categoria funcional com uma linha reta, como
podemos visualizar na figura 2. Nessa representação, temos como o marco 0 o tempo presente;
o tempo passado estaria convencionalmente representado à esquerda do presente e; o futuro, à
direita deste último. Abaixo, temos a figura 2 que nos mostra a representação de tempo
proposta por Comrie (1985, p.2):

Figura 2: Representação de tempo (COMRIE, 1985, p.2).

O tempo pode ser manifestado linguisticamente através das expressões de localização e


estas, por sua vez, estão dividas em três grupos: as expressões lexicais, os itens lexicais e as
marcações morfológicas (COMRIE, 1985).
A maior parte das expressões de localização temporal é composta pelas expressões
lexicais. Esse grupo é composto pelas expressões adverbiais, como “cinco minutos depois que
João saiu” ou “10-45 segundos após o Big Bang” (COMRIE, 1985, p.8). Esse conjunto é
potencialmente infinito em línguas que possuem recursos linguísticos para mensurar o tempo.
Os advérbios de tempo, como “agora”, “ontem” e “hoje”, constam no grupo de itens
lexicais. Em algumas línguas, esse segundo conjunto pode não existir e, nesse caso, os adjuntos
21

adverbiais temporais pertenceriam necessariamente ao grupo das expressões lexicais. Esse


grupo é composto por um estoque finito.
As marcações morfológicas compõem o grupo mais restrito e sensível dos três. A
quantidade de categorias gramaticais varia de língua para língua 4, porém, em todas elas, a
possibilidade de marcações é finita, ao contrário das expressões lexicais, que são infinitas.
Uma característica importante da categoria funcional tempo é que ela é dêitica, ou seja,
relaciona eventos a um ponto de referência. O centro dêitico para o tempo é um simples ponto
no tempo. O autor afirma ainda que qualquer tempo poderia ser utilizado como centro dêitico
e que a combinação de mais de um centro dêitico seria necessária para tempos que possuem
mais de um ponto de referência. O exemplo mais comum de um sistema dêitico é o que
relaciona o “aqui” ao “agora” (“here and now”), no qual temos o momento de fala como o
momento de referência. A partir disso, o autor propõe a existência de dois tipos de tempos: o
absoluto e o relativo.
O tempo absoluto é aquele que possui o presente momento como centro dêitico.
Baseando-se nessa proposta, o autor define como tempos absolutos os tempos presente, passado
e futuro. No tempo presente, o tempo da situação coincide com o ponto 0 da representação
apresentada na figura 2. No tempo passado, o tempo da situação é localizado antes do momento
presente. Já no tempo futuro, o tempo da situação será depois do momento presente. Vejamos
abaixo alguns exemplos dos tempos absolutos propostos por Comrie (1985, p.39-48):

(1) John goes to work at eight o’clock every day.


João ir.PRES trabalhar às 8 horas da manhã todos os dias
João vai trabalhar às 8 horas da manhã todos os dias.
(2) John was in Paris.
João estar.PASS em Paris
João estava em Paris.
(3) It will rain tomorrow.
3SG AUX.FUT chover amanhã.
Vai chover amanhã.

4 Como foi apresentado na seção anterior, assumimos para esta dissertação a Hipótese da Uniformidade de
Sigurðsson (2004), a qual é contrária a esta de Comrie (1985).
22

No exemplo (1), temos uma situação no tempo absoluto presente; no (2), uma situação
no tempo absoluto passado; e, no (3), uma situação no tempo absoluto futuro.
Para os tempos relativos é obrigatório identificar um ponto de referência, sendo a gama
de pontos de referência potenciais, em princípio, todos aqueles compatíveis com o contexto
dado. O momento presente pode ser utilizado como centro dêitico, se o contexto fornecer essa
informação. Logo, a diferença entre os tempos absoluto e o relativo é a especificação ou não do
momento presente como ponto de referência. Os tempos relativos possuem o momento presente
como um possível ponto de referência, mas está mais associado a uma interpretação do que a
seu significado em si.
As relações entre pontos temporais que observamos nos tempos absolutos e relativos
apresentadas em Comrie (1985) foram baseadas na proposta de Reichenbach (1947). Essa
proposta tem como base a presença e a relação entre três pontos temporais: tempo de fala
(speech time - ST), tempo do evento (event time - ET) e tempo de referência (reference time -
RT). O ponto ST representa o momento do discurso, sendo associado ao momento de fala; o
ponto ET representa o momento no qual o evento comentado aconteceu; e o ponto RT é o
responsável por mediar a relação entre ST e ET. Esses contextos temporais possuem as
seguintes relações: simultaneidade (=); anterioridade (<) e subsequencialidade (>).
Para os tempos absolutos de Comrie (1985), teríamos as seguintes relações
(REICHENBACH, 1947):

a. Tempo Presente: ET = ST= RT.


b. Tempo Passado: ET = RT > ST.
c. Tempo Futuro: ET < ST = RT.

Já para o tempo relativo perfect, que é o tema desta dissertação, teríamos as seguintes
relações (REICHENBACH, 1947):

d. Present perfect: ET > RT = ST.


e. Past perfect: ET > RT > ST.
f. Future perfect: ST > ET > RT.

A representação exposta acima evidencia uma discussão presente na literatura sobre a


definição do perfect. Para Reichenbach (1947), o perfect seria definido como um tipo de tempo.
23

Cinque (1999) é outro autor que defende essa proposta. Na representação sintática proposta por
este autor, há um nódulo denominado Tempo Anterior, que é definido como o tempo que marca
relação entre tempo do evento o tempo de referência aquele precedendo este. O advérbio
canônico desse tempo seria o already (já). Essa definição se assemelha à definição de perfect
existencial adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003)5.
Apesar de ser classificado como tempo pelos autores mencionados acima, autores como
Comrie (1985) defendem que o perfect quando associado ao tempo presente seria um tipo de
aspecto. Para defender essa proposta, o autor expõe diversas evidências, entre elas, a
incompatibilidade de associação entre o perfect e determinados advérbios temporais6) e a
distinção morfossintática apresentada por algumas línguas entre o present perfect e os tempos
absolutos e relativos. Para esta pesquisa, seguimos a proposta de Comrie (1976, 1985) e
classificamos o perfect como aspecto.
Comrie (1985) afirma que, embora haja uma distinção conceptual entre tempo e aspecto,
haveria uma relação importante entre elas. Um exemplo dessa relação está no fato de algumas
línguas combinarem em um mesmo morfema as informações de ambas as categorias (COMRIE,
1976). Isso ocorre no PB, língua que é estudada nesta dissertação.

1.2.2 Aspecto

O aspecto, ao contrário do tempo, não é dêitico, porém ele representa as diferentes


formas de se analisar a composição temporal de uma situação (COMRIE, 1976). Ainda,
segundo Comrie (1976), existem dois tipos de aspecto: o gramatical e o semântico. O aspecto
semântico refere-se a propriedades inerentes ao significado total de determinados itens lexicais
que expressam uma situação, como do verbo. O aspecto gramatical diz respeito à distinção
aspectual que se manifesta comumente em uma língua através de flexões ou marcações
sintáticas.
O aspecto semântico possui uma forte relação com o significado verbal. Vendler (1967),
a partir da análise do predicado verbal, propõe uma classificação verbal em quatro tipos:
estados, atividades, accomplishments (processos culminados) e achievements (culminações).
Smith (1997) acrescenta a essa classificação os verbos semelfactivos. O quadro 1, exposto
abaixo, nos mostra a classificação proposta por Smith (1997).

5
Essa classificação é explicada com mais detalhes na seção 1.3.1 deste capítulo.
6
Essa informação se encontra mais detalhada na seção 1.3 deste capítulo.
24

Quadro 1: Classificação verbal segundo Smith (1997).

Tipos de verbos Dinamicidade Pontualidade Telicidade

Estados - - x7

Atividades + - -

Accomplishments + - +
(Processos
culminados)

Achievements + + +
(Culminações)

Semelfactivos + + -

Como podemos ver na tabela acima, os verbos foram classificados a partir da presença
ou ausência de determinados traços, sendo eles: dinamicidade, pontualidade e telicidade. Os
verbos [+dinâmico] são aqueles que expressam situações que demandam fornecimento
contínuo de energia para ocorrer. Os verbos [+ pontual] são aqueles que não possuem duração
temporal. Já os verbos [+ télico] são os que possuem um ponto final linguisticamente
delimitado.
O aspecto gramatical é dividido em dois aspectos básicos nas línguas, que são o
perfectivo e o imperfectivo, como podemos ver no esquema proposto por Comrie (1976, p.25):

7 Smith (1997) afirma que o traço [telicidade] é irrelevante para situações com propriedade [-dinâmico].
25

Figura 3: Esquema de classificação do aspecto gramatical (COMRIE, 1976, p.25).

O aspecto gramatical perfectivo representa um evento como uma entidade completa e


limitada, ou seja, vista como um todo no tempo, como podemos ver no exemplo abaixo:

(4) Juliana chegou tarde em casa.

O aspecto imperfectivo representa um evento, destacando, ao menos, uma de suas fases


internas (COMRIE, 1976).
O aspecto imperfectivo pode ser classificado como habitual e contínuo. O aspecto
imperfectivo habitual (exemplo (5)) representa uma situação caracterizada por um período
prolongado a ponto de a situação referida não ser vista como uma propriedade acidental do
momento, mas, precisamente, como uma característica de um período inteiro (COMRIE, 1976).
Já o aspecto imperfectivo contínuo se refere a uma situação em andamento. Este último aspecto
pode ser realizado através de forma progressiva (exemplo (6)) ou não progressiva (exemplo (7))
no PB (COMRIE, 1976; MARTINS, 2006).

(5) Sabrina come uma banana toda manhã.


(6) João está cantando.8

8 Representada pela perífrase verbal “estar” + verbo principal no gerúndio.


26

(7) João canta agora.9

Como o aspecto pode ser gramaticalizado nas línguas e esta dissertação tratar de um
aspecto que é gramaticalizado, é importante trata de estudos acerca do nódulo da camada
flexional que abriga informações aspectuais.

1.2.2.1 Nódulo aspectual

A partir do advento do Programa Minimalista, Chomsky (1995) propôs que somente


nódulos que apresentassem traços interpretáveis pelos níveis de interface, mais especificamente
pelo sistema conceptual (interpretável na forma lógica), deveriam ser representados na
representação sintática. Com isso, o nódulo AgrP, proposto por Pollock (1989), foi retirado da
árvore, pois o mesmo não possui o requisito proposto por Chomsky (1995).
Após a saída do nódulo AgrP da árvore sintática (CHOMSKY, 1995), novas pesquisas
foram realizadas com o intuito de contemplar a indicação de Pollock (1989) da necessidade de
ao menos dois sintagmas flexionais na camada funcional. Bok-Bennema (2001), assim como
Koopman e Sportiche (1991), sugere que haveria a necessidade de termos o nódulo aspectual
na camada flexional. A autora analisou a posição dos verbos em relação aos advérbios nas
línguas francês e espanhol e concluiu que os traços de tempo e aspecto deveriam projetar
nódulos distintos em IP. Portanto, teríamos o nódulo aspectual AspP, que abarcaria os traços [±
perfectivo].
Estudos sobre perda de linguagem foram realizados para corroborar a proposta da
existência do nódulo aspectual na camada flexional. Abaixo, serão apresentados resultados de
pesquisas com indivíduos acometidos por afasia agramática10 (FRIEDMANN &
GRODINSKY, 1997; NOVAES & BRAGA, 2005) e pela demência de Alzheimer (MARTINS,
2010)
Friedmann e Grodinsky (1997) propõem, a partir de estudos com afásicos agramáticos
falantes do inglês, hebraico e árabe que as categorias sintáticas que estão em posição mais alta
na árvore sintática (CP11 e TP) são mais frequentemente afetadas por lesões cerebrais que

9
O valor de imperfectivo contínuo está apoiado do advérbio “agora”, visto que, sem sua presença a frase veicularia
preferencialmente o imperfectivo habitual no PB, pois o presente simples veicula também esse aspecto (COMRIE,
1976).
10
Os afásicos agramáticos apresentam fala com ausência marcante de verbos, de flexões nominais e verbais e de
palavras funcionais como artigos e preposições (PINTO & SANTANA, 2009).
11
Sigla referente ao Sintagma Complemetizador.
27

afetam o conhecimento linguístico. Logo, os nódulos mais altos não estariam mais disponíveis
para a checagem de traços no caso dos pacientes agramáticos. Essa hipótese ficou conhecida
como Hipótese da Poda da Árvore Sintática. Na figura abaixo, podemos verificar o ponto em
que a árvore sintática foi podada nos pacientes investigados (nessa proposta assume-se a
presença do nódulo de AgrP na representação sintática).

Figura 4: Poda da árvore sintática.

CP

C TP


ponto de poda da árvore
T NegP

Neg´

Neg ArgP

Arg´

Arg VP

Como vimos acima, para Friedmann e Grodinsky (1997), o nódulo temporal dominaria
o nódulo de concordância, pois, em seus resultados, os pacientes agramáticos apresentaram
dificuldades para produzir morfemas de tempo e não de concordância. Devido à proposta de
exclusão do nódulo de concordância da camada funcional e seguindo a proposta de Bok-
Bennema (2001) e Koopman e Sportiche (1991), Novaes e Braga (2005), ao analisar dados
28

obtidos de uma participante com afasia de Broca12, propõem uma estrutura hierárquica da
camada flexional diferente da apresentada na figura 4, como é apresentado a seguir.
Essa ideia surgiu através da análise da produção de fala de uma paciente agramática. A
partir desse estudo de caso, os autores concluíram que, embora a paciente não tivesse
apresentado dificuldades para produzir verbos no tempo passado, ela tinha dificuldade em
produzir verbos no pretérito imperfeito. Dessa forma, os autores entenderam que a dificuldade
para expressar a noção de aspecto e não a de tempo poderia indicar que o nódulo de aspecto
havia sido comprometido, enquanto o nódulo de tempo permanecia intacto. A poda da árvore a
partir desse nódulo indica que aspecto ocuparia uma posição mais alta na representação
sintática, quando comparado ao nódulo de tempo. Assim, a categoria de aspecto dominaria a
categoria de tempo na representação sintática, como apresentada na figura 5.

Figura 5: Representação sintática proposta por Novaes e Braga (2005).

AspP

Asp´

Asp TP ponto de poda da árvore

T VP

NP V´

V NP

Martins (2010) buscou investigar a origem dos comprometimentos linguísticos


apresentados por pacientes com demência do tipo Alzheimer (doravante DTA), mais

12
A afasia de Broca é classificada como um tipo de afasia disfluente devido à presença de fala laboriosa, muitas
hesitações e pausas, parafasias, repetições, dificuldades para encontrar palavras e pelo estilo telegráfico sobretudo
nos casos de agramatismo, com ausência marcante de verbos, de flexões nominais e verbais e de palavras
funcionais como artigos e preposições (PINTO & SANTANA, 2009).
29

especificamente, de seus comprometimentos linguísticos associados a tempo e aspecto. A


autora realizou testes de julgamento de gramaticalidade e preenchimento de lacuna e análise de
fala espontânea em 4 pacientes com DTA, sendo esses divididos em dois grupos: um com 2
pacientes com DTA com a déficit cognitivo diagnosticado pelo MEEM (doravante DTACD) e
outro com DTA sem déficit cognitivo diagnosticado pelo MEEM (doravante DTASD). Os
resultados dos testes mostraram que os pacientes com DTA possuíam desempenho linguístico
inferior ao esperado para adultos sem alteração neurológica/cognitiva e que os pacientes com
DTACD apresentaram desempenho inferior ao dos pacientes com DTASD. Martins (2010),
então, conclui que os pacientes possuem um comprometimento na expressão linguística
temporal e, ainda, que esse problema poderia ser atribuído a um comprometimento
essencialmente linguístico.
Outros resultados importantes obtidos pela autora em sua tese foram os apresentados
pelos pacientes com DTASC. Um dos pacientes apresentou apenas comprometimento
linguístico de tempo e o outro, apenas comprometimento linguístico de aspecto. A partir desses
dados, a autora assume que seriam necessários dois nódulos na camada funcional, um para
tempo e outro para aspecto, pois a presença de apenas um nódulo não explicaria o
comprometimento exclusivo de apenas um desses traços linguísticos.
Na próxima seção, fazemos uma revisão da literatura a respeito do fenômeno que é tema
desta dissertação: o perfect. Como é apresentado a seguir, tomamos como classificação
norteadora para esta seção a proposta de Comrie (1976), a qual classifica o perfect como um
aspecto.

1.3 ASPECTO PERFECT

Primeiramente, devemos ressaltar que não há um consenso na literatura sobre a


classificação de perfect. Ele pode ser classificado, dependendo do autor, como tempo ou
aspecto. Para autores como Comrie (1976), Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e
Pancheva (2003), ele é considerado um aspecto. Para esta dissertação, utilizamos essa
classificação, ou seja, o perfect é considerado um aspecto.
O perfect, apesar de ser classificado como aspecto por Comrie (1976), apresenta
características diferentes dos aspectos já tratados neste capítulo (gramatical e semântico).
Enquanto que esses últimos são definidos como aqueles que expressam a constituição temporal
interna de uma situação, o perfect não possibilita a expressão de nada a respeito da
temporalidade interna à situação em si, mas possibilita o estabelecimento da relação entre a
30

situação e um determinado ponto de referência (COMRIE, 1976; IATRIDOU,


ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003).
Segundo Comrie (1976), o perfect seria o aspecto que relaciona uma situação presente
a uma situação no passado. Abaixo, temos exemplos do inglês13. No exemplo (15) (COMRIE,
1976, p.52), temos uma sentença com o aspecto perfectivo e o aspecto perfect. Já no exemplo
(16) (COMRIE, 1976, p.52), temos uma sentença apenas com o aspecto perfectivo.

(8) I have lost my penknife.


1SG ter.PRES perder.PART meu canivete
Eu perdi meu canivete.
(9) I lost my penknife.
1SG perder.PASS meu canivete
Eu perdi meu canivete.

A utilização do aspecto perfect no exemplo (8) tem como objetivo transmitir a ideia de
que o canivete, que foi perdido em algum momento no passado, continua com paradeiro
desconhecido até o presente momento. A mesma interpretação não pode ser realizada a partir
da sentença presente no exemplo (9).
O exemplo (8) presenta o aspecto perfect combinado ao tempo presente. Essa
combinação é chamada de present perfect. Apesar de ser definido por Comrie (1976) como o
aspecto que relaciona uma situação presente a uma situação no passado, o próprio autor afirma
que o aspecto perfect pode se combinar aos tempos passado (past perfect) e futuro (future
perfect). Os exemplos (10) e (11) (COMRIE, 1976, p.53) mostram situações no past perfect e
no future perfect, respectivamente.

(10) John had eaten the fish.


João ter.PASS comer.PART o peixe
João tinha comido o peixe.

13
Para esta pesquisa, consideramos o significado e não a forma para analisarmos o perfect no PB, já que, nessa
língua, diferentemente do inglês, não há uma forma morfológica específica para veicular o aspecto perfect. Essa
proposta está em consonância com a Hipótese de Uniformidade de Sigurðsson (2004), tratada previamente neste
capítulo, segundo a qual as formas podem divergir mas os traços que subjazem as manifestações linguísticas são
os mesmos e todas as línguas.
31

(11) John will have eaten the fish.


João ter.FUT comer.PART o peixe
João terá comido o peixe.

Embora seja possível combinar o aspecto perfect com todos os tempos absolutos,
focamos apenas na combinação entre o aspecto perfect e o tempo presente nesta dissertação.
Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) apresentam três diferenças entre as
morfologias de present perfect e simple past (forma verbal comumente utilizada para expressar
o aspecto perfectivo desassociado do perfect) em seu trabalho. As ideias apresentadas nesta
seção serão exemplificadas com sentenças em inglês porque o perfect é amplamente estudado
nessa língua e porque essa língua dispõe tanto de uma morfologia que pode veicular apenas o
perfectivo, o simple past, quanto de uma que necessariamente veicula o perfect, o present
perfect (verbo to have + verbo no particípio). Mais adiante, temos uma seção que trata da
expressão do perfect no PB, língua estudada nesta dissertação.
As autoras afirmam, primeiramente, que, apesar das duas formas verbais apresentarem
uma ideia de anterioridade, elas a expressam de formas diferentes. Essa diferença foi observada
no trabalho de Reichenbach (1947). No simple past, o RT e o ET são simultâneos e precedem
o ST, enquanto, no present perfect, o ET precede o ST e o RT, que são simultâneos. Vejamos
novamente os exemplos (19), no qual temos uma sentença no simple past, e (20), no qual temos
uma sentença no present perfect (REICHENBACH, 1947, p.290):

(12) I saw John. (RT = ET < ST)


1SG ver.PASS João
Eu vi o João.
(13) I have seen Charles. (ET < ST = RT)
1SG ter.PRES ver.PART Carlos
Eu vi o Carlos.

Há uma segunda forma de diferenciar o present perfect do simple past proposta


por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003), que seria através das observações das
informações aspectuais da sentença. Segundo as autoras, por representar um estado decorrente
de uma situação anterior, sentenças com o perfect apresentariam traços de estatividade,
enquanto sentenças com o simple past receberiam as informações aspectuais do predicado. Essa
informação aspectual de estatividade se daria nas sentenças nas quais temos o aspecto perfect
32

representando situações ocorridas no passado que apresentam repercussões no presente, como


vimos no exemplo (8) anteriormente, em que o estado de “perdido” do canivete é provocado
pela situação da sua perda.
Ainda segundo Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003), outra forma de diferenciar
o simple past do present perfect seria através da relação desses com certos advérbios/expressões
adverbiais. Advérbios/expressões adverbiais como yesterday (ontem) e in 1959 (em 1959)
podem ocorrer com o simple past, mas não com o present perfect. Já expressões adverbiais
como aquelas iniciadas por since (desde) podem se associar ao present perfect, mas não ao
simple past. Vejamos os exemplos abaixo:

(14) a. *I have studied here in 1990.


1SG ter.PRES estudar.PART aqui em 1990
*Eu tenho estudado aqui em 1990.
b. I studied here in 1990.
1SG estudar.PASS aqui em 1990
Eu estudei aqui em 1990.
(15) a. *I worked here since 1990.
1SG trabalhar.PASS aqui desde 1990
*Eu trabalhei aqui desde 1990.
b. I have worked here since 1990.
1SG ter.PRES trabalhar.PART aqui desde 1990
Eu tenho trabalhado aqui desde 1990.

A relação de compatibilidade/incompatibilidade entre present perfect e certos


advérbios/expressões adverbiais é conhecida na literatura como Perfect Puzzle (Quebra-cabeça
do perfect). Essa teoria pode ser explicada a partir da Teoria do Agora Estendido (Extended
Now) proposta por Giorgi e Pianesi (1997). Segundo essa teoria, o present perfect representa
um intervalo que inclui o tempo do evento (ET) e se estende até o momento da fala (ST), ou,
mais especificamente, ele introduziria “um intervalo de tempo que começa com a situação
anterior e que estende até e necessariamente inclui o momento da fala” (MOLSING, 2010,
p.180). Mais especificamente, a noção de presente seria estendida a ponto de alcançar o início
de uma situação que ocorreu no passado. Dessa forma, temos um intervalo de tempo com uma
fronteira esquerda na linha do tempo, que representa o início da situação, e com uma fronteira
direita, que representa o momento presente. Advérbios/expressões adverbiais como “em 1990”,
33

que expressam um tempo determinado, não abarcariam o ST da situação; logo, esses seriam
incompatíveis com o aspecto perfect.
Em versões posteriores da teoria do Agora Estendido (IATRIDOU,
ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003; PANCHEVA, 2003), esse intervalo temporal
ficou conhecido como Perfect Time Span (doravante PTS). Esse intervalo inclui o ET e o RT,
podendo esse RT ser o presente, o passado ou o futuro. No caso do present perfect, teríamos
como RT o tempo presente. Abaixo, temos a representação esquemática do intervalo PTS:

Figura 6: Representação esquemática do intervalo PTS (NESPOLI, 2018, p.57 adaptado).

ET RT
ST

O perfect pode ser classificado de diversas formas, segundo diversos autores. Na


próxima subseção contrastamos as possíveis classificações para esse aspecto.

1.3.1 Classificação

O perfect pode ser classificado de diferentes formas, segundo diferentes autores. Uma
das classificações propostas na literatura é a de Pancheva (2003). Para esta classificação, temos
três tipos de perfect: perfect universal, perfect experiencial e perfect de resultado. A autora
afirma que a diferença entre os tipos de perfect é de caráter gramatical.
O perfect universal representa uma situação na qual a eventualidade subjacente estende-
se através de um intervalo delimitado por um tempo de enunciado e um certo tempo no passado,
como apresentado em (16) abaixo (PANCHEVA, 2003, p.277):

(16) Since 2000, Alexandra has lived in L.A.


Desde 2000, Alessandra ter.PRE viver.PART em L.A
Desde 2000, Alessandra tem vivido/vive/está vivendo em L.A.
34

Nesse caso, temos a situação de Alessandra ter se mudado para L.A. em algum momento
do passado (no ano 2000) e de continuar morando nesse local até o momento presente.
O perfect experiencial representa uma situação na qual a eventualidade subjacente
estende-se através de um subconjunto apropriado de um intervalo, estendendo-se de volta ao
evento enunciado. Podemos ver esse tipo de situação em (17) retirado de Pancheva (2003,
p.277):

(17) Alexandra has been in L.A. (before).


Alessandra ter.PRE estar.PART em L.A. (ADV)
Alessandra esteve em L.A. (antes).

O exemplo indica que Alessandra esteve na L.A. pelo menos uma vez no passado e que
essa experiência permanece no presente.
Já o perfect de resultado também representaria uma situação na qual a eventualidade
subjacente estende-se através de um subconjunto apropriado de um intervalo, estendendo-se de
volta ao evento enunciado, assim como o perfect experiencial, porém com o acréscimo de um
significado de eventualidade subjacente. Um exemplo desse tipo de situação está exposto em
(18) retirado de Pancheva (2003, p.277):

(18) Alexandra has (just) arrived in L.A.


Alessandra ter.PRE (ADV) chegar.PART em L.A.
Alessandra (recentemente) chegou em L.A.

No exemplo, temos como resultado da chegada de Alessandra o fato de ela ainda estar
no local.
Para esta dissertação, utilizamos as classificações adotadas por Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e por Comrie (1976), detalhadas a seguir. Apresentamos,
primeiramente, a proposta de classificação adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski
(2003)14 porque essa possui uma importância maior para esta pesquisa em função da hipótese

Essa classificação foi proposta inicialmente por McCawley (1981) e adotada por Mittwoch (1988) e Iatridou,
14

Anagnostopoulou e Izvorski (2003).


35

adotada nesta dissertação. Porém, há outras classificações do aspecto perfect que precedem a
essa, como a de Comrie (1976), que é apresentada mais adiante.
Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) adotam a classificação de perfect em dois
tipos: o perfect universal e o perfect existencial. Segundo as autoras, a diferença entre o perfect
universal e o perfect existencial é a persistência da situação até o momento presente. O perfect
universal representaria situações que se iniciaram no passado e que persistem até o momento
presente (exemplo (19)), enquanto o perfect existencial representaria situações que se iniciaram
e terminaram no momento passado, mas que possuem repercussão no momento de fala
(exemplo (20)).

(19) I have been sick since 1990.


1SG ter.PRE estar. PART doente desde de 1990
Eu tenho estado doente/estou doente desde 1990.
(20) I have read "Principia Mathematica" five times.
1SG ter.PRE ler. PART "Principia Mathematica" cinco vezes
Eu li "Principia Mathematica" cinco vezes.

No exemplo (19), retirado de Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003, p.155), temos


a situação de eu ter começado a estar doente em algum momento do passado (em 1990) e de
ainda estar doente no momento de fala. Já no exemplo (20), também retirado de Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003, p.155), temos como repercussão no momento presente a
experiência de ter lido o mesmo livro várias vezes no passado.
Mittwoch (1988) afirma que, mesmo que o intervalo PTS não inclua o momento exato
da fala, o evento pode veicular o perfect universal por se estender até o momento presente como
momento de referência. Jesus (2016) investigou, a partir da comparação entre o PB e o inglês
americano, qual das propostas melhor explicaria (de Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski
(2003) ou de Mittwoch (1988)) a caracterização do que constitui a fronteira direita. A autora
observou que as formas verbais utilizadas para expressar situações que persistem até o momento
da fala, como em “João tem sido indispensável na empresa”, foram as mesmas utilizadas para
expressar situações que persistem até o momento presente sem incluir necessariamente o
momento da fala, como em “João tem trabalhado muito”. Além disso, foram verificadas formas
progressivas expressando tanto situações que persistem até o momento da fala, como situações
que persistem até o momento presente sem incluir o momento da fala em ambas as línguas.
Dessa maneira, a autora conclui que não haveria necessidade de distinguir entre a persistência
36

até o momento da fala e a persistência até o momento de referência no presente sem incluir o
momento da fala para a caracterização do que constitui a fronteira direita, assim como propôs
Mittwoch (1988).
Nesta pesquisa, seguimos a proposta de Mittwoch (1988), assumindo que o perfect
universal é caracterizado como aquele que indica uma situação que se iniciou em um ponto no
passado e persiste até o momento presente, mesmo que o evento descrito por essa situação não
esteja ocorrendo no momento da fala.
Para Klein (1992, 1994 apud MOLSING, 2006), os tipos de perfect universal e
existencial sofrem restrições quando relacionados ao aspecto semântico. Segundo o autor, os
verbos estativos e as atividades dão origem a uma leitura de perfect universal e os achievements
e accomplishments podem dar origem a uma leitura de perfect existencial. Já Molsing (2006)
afirma que os achievements e accomplishments também podem se associar ao perfect universal
quando associados a uma leitura de iteratividade, como nos exemplos abaixo (MOLSING,
2006, p.146):

(21) A Lúcia tem chegado tarde ao escritório.


(22) O Paulo tem pintado a casa.

Em ambos os exemplos temos as situações “chegar tarde” e “pintar a casa” se repetindo


de forma iterativa.
Comrie (1976) propõe que o perfect pode ser dividido em quatro tipos, sendo esses:
perfect de situação persistente, perfect de resultado, perfect experiencial e perfect de passado
recente. A seguir, abordamos cada um dos tipos de perfect propostos por esse autor. Quando
comparada à classificação adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003), temos a
seguinte relação: o perfect universal corresponde ao perfect de situação persistente, já o perfect
existencial engloba o perfect de resultado, o perfect experiencial e o perfect de passado recente.
O perfect de situação persistente indica que uma situação que começou no passado
permanece até o presente, como no exemplo (23) (COMRIE, 1976, p.60) abaixo.

(23) We’ve lived here for ten years.


1PL ter.PRES morar.PART aqui por dez anos
Nós temos morado/moramos aqui há dez anos.
37

No exemplo (23), temos a situação de ter se mudado para o lugar em questão em algum
momento do passado (há 10 anos atrás) e de continuar morando nesse local até o momento
presente.
O perfect de resultado indica que uma situação finalizada no passado apresenta o seu
resultado no presente. Para Comrie (1976), esse tipo de perfect seria a manifestação mais clara
desse aspecto, como no exemplo (24) (COMRIE, 1976, p.60) a seguir.

(24) John has arrived.


João ter.PRES chegar.PART
João chegou.

No exemplo acima, temos como resultado da chegada de João o fato de ele ainda estar
no local.
O perfect experiencial indica que uma situação finalizada pelo menos uma vez no
passado gera uma experiência no presente. Essas situações correspondem a atividades genéricas
ou a estados, como “viajar” ou “ser feliz”, e não a uma atividade específica ou pontual, como
“comer a maçã” ou “morrer” (DAHL, 1985), como ilustrado no exemplo (25) (COMRIE, 1976,
p.59) a seguir.

(25) Bill has been to America.


Guilherme ter.PRES ir.PART para América
Guilherme foi à América.

O exemplo (25) indica que Guilherme esteve na América pelo menos uma vez no
passado e que essa experiência permanece no presente.
O perfect de passado recente indica a relevância no presente de uma situação no passado
que ocorreu recentemente, como no exemplo (19) (COMRIE, 1976, p.60) abaixo.

(25) Bill has just arrived.


Guilherme tem.PRES (ADV) chegar.PART
Guilherme acabou de chegar.

O exemplo (25) indica que a chegada do Guilherme ocorreu próximo ao momento da


fala.
38

Nespoli (2018), ao comparar a associação de advérbios/expressões adverbiais e formas


verbais na expressão de perfect, conclui que: na realização do perfect universal, as formas
verbais marcam a fronteira direita e os advérbios/expressões adverbiais marcam a fronteira
esquerda do intervalo PTS; já na realização do perfect existencial, as formas verbais marcam a
fronteira esquerda e os advérbios/expressões adverbiais marcam a fronteira direita do intervalo
PTS. Vejamos os advérbios/expressões adverbiais classificados como veiculadores de perfect
segundo Nespoli (2018, p.138):

Quadro 2: Fronteiras definidas no intervalo PTS pelos advérbios/expressões adverbiais que ocorrem em contexto
de realização de perfect universal e existencial (NESPOLI, 2018, p.138).

Advérbios/expressões adverbiais Tipos de perfect Fronteira

Sempre/Nunca/Ainda/Até X tempo (presente) Universal Esquerda e Direita

Desde X tempo/Há/Faz X tempo/Ultimamente15 Universal Esquerda

Já/Nunca/Ainda não Existencial Direita

Para esta dissertação, utilizamos as propostas de classificação do perfect de Iatridou,


Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e de Comrie (1976) e a proposta de classificação dos tipos
de advérbios/expressões adverbiais associados ao perfect universal e ao perfect existencial de
Nespoli (2018).

1.3.2 O aspecto perfect no PB

Muitas pesquisas já foram realizadas a respeito do aspecto perfect em língua inglesa


(COMRIE, 1976; IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003; PANCHEVA,
2003, entre outros). Esses trabalhos sugerem que essa língua tem uma forma verbal específica
para a realização desse aspecto, que seria através do present perfect, como já apresentado na

15
Sugerimos que o advérbio “ultimamente” seja retirado dessa tabela em função de não poder veicular uma
sentença de perfect universal que poderia estar associada aos tempos passado e futuro. Já as expressões adverbias
“há/faz X tempo” poderiam ser conjugadas em diferentes tempos para proporcionar a veiculação do perfect
universal associado aos diferentes tempos.
39

seção 1.3 deste capítulo. O uso dessa forma verbal pode ser ilustrado pelos exemplos abaixo
(IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003, p.156):

(27) I have lost my glasses.


1SG. ter.PRES perder.PART meus óculos.
Eu perdi meus óculos.
(28) He has just graduated from college.
3SG. ter.PRE (ADV) se formado na faculdade.
Ele se formou recentemente/acabou de se formar na faculdade.

Nos exemplos (27) e (28), temos o uso do present perfect, porém, no exemplo (27)
temos uma sentença veiculando o perfect universal e, no (28), uma sentença veiculando o
perfect existencial.
O PB não parece se comportar da mesma forma que o inglês pois aquela língua não
apresenta uma única forma verbal para expressar os tipos de perfect (universal e existencial).
Para expressarmos o valor de perfect no PB, podemos utilizar diferentes morfologias, sendo
que, muitas vezes, é necessária a presença de outros elementos na sentença, como
advérbios/expressões adverbiais (NOVAES & NESPOLI, 2014; LOPES, 2016; JESUS et al.,
2017; NESPOLI & MARTINS, 2018).
Uma das formas utilizadas para veicular o perfect universal seria a perífrase conhecida
como passado composto, formado pelo verbo “ter” + verbo no particípio (NOVAES &
NESPOLI, 2014; LOPES, 2016; JESUS et al., 2017; NESPOLI & MARTINS, 2018). Vejamos
abaixo um exemplo retirado de Molsing (2010, p.178):

(29) O vizinho tem recebido o jornal em casa desde 1990.

No exemplo (22), temos a representação de uma situação iterativa, ou seja, o evento de


“receber o jornal em casa” ocorreu repetidas vezes. Molsing (2006) afirma que o passado
composto no PB teria uma leitura obrigatória de iteratividade, mas seria possível também ter
uma leitura de duratividade. A distinção entre essas duas leituras é realizada por expressões
adverbiais. Vejamos abaixo um exemplo retirado de Novaes e Nespoli (2014, p.266):

(30) *Eu tenho morado no Rio de Janeiro.


(31) Eu tenho morado no Rio de Janeiro desde que meu irmão se mudou.
40

O exemplo (30) pode ser considerado agramatical por alguns falantes pelo fato de o
verbo “morar” não expressar iteratividade. Desse modo, podemos verificar que uma alternativa
para o exemplo (30) seria acrescentar uma expressão adverbial, como “desde que meu irmão se
mudou” (exemplo (31)).
Outra forma utilizada para vincular o perfect universal no PB é através da morfologia
de presente do indicativo (NOVAES & NESPOLI, 2014; MOLSING, 2010; JESUS et al., 2017;
NESPOLI & MARTINS, 2018), como podemos ver em (32) (NOVAES & NESPOLI, 2014,
p.267):

(32) Eu moro no Rio de Janeiro (desde 1990).

O perfect universal ainda pode ser expresso através da perífrase formada por um verbo
auxiliar + verbo principal no gerúndio (JESUS et al., 2017; NESPOLI & MARTINS, 2018),
como podemos ver nos exemplos (33) (NESPOLI, 2018, p. 278) e (34) (JESUS et al., 2017,
p.10) abaixo:

(33) Eu estou morando no Rio de Janeiro.


(34) A gente vem assistindo nesses últimos tempos uma nova onda de feminismo.

Já para expressar o perfect existencial, o PB se utiliza a morfologia de pretérito perfeito


(com informações adicionais, como advérbios/expressões adverbiais) (NOVAES & NESPOLI,
2014; LOPES, 2016; JESUS et al., 2017; NESPOLI & MARTINS, 2018). Vejamos o exemplo
abaixo:

(35) Ana já leu esse livro.

A sentença (35) só é capaz de veicular perfect por possuir o advérbio “já”. Esse advérbio
é um advérbio veiculador de perfect existencial (NESPOLI, 2018), como vimos na seção
anterior. Sem ele, a sentença perderia o valor de perfect existencial e passaria a veicular apenas
o aspecto perfectivo, como podemos verificar no exemplo (36).

(36) Ana leu esse livro (no mês passado).


41

A perífrase “acabar de” + verbo no infinitivo também é capaz de veicular o perfect


existencial no PB. Mais especificamente, essa perífrase seria utilizada para veicular o perfect
de passado recente, como podemos ver no exemplo abaixo (NESPOLI, 2018, p.64):

(37) João acabou de chegar.

Em (30), vemos que a chegada do João se deu recentemente em relação ao momento


presente. O português é uma língua que não distingue gramaticalmente o passado remoto do
não-remoto (COMRIE, 1985), apesar de, como vimos no exemplo acima, haver no PB uma
construção capaz de veicular a leitura do passado remoto (“acabar de” + verbo no infinitivo).
No entanto, o uso dessa expressão não é obrigatório (COMRIE, 1985), como podemos ver em
(31):

(38) João chegou (agora).

No exemplo (38), também vemos que a chegada do João se deu recentemente em relação
ao momento presente, assim como em (30). Além disso, Matos (2016), que tinha por objetivo
investigar a realização do perfect de resultado no PB, mostrou que essa mesma perífrase ocorre
sistematicamente em contextos de expressão de perfect de resultado, como no exemplo (39)
(MATOS, 2016):

(39) Tomara que não chova, pois acabei de lavar meu carro.

Assim, podemos pensar que, mesmo em casos como de (37), a interpretação de perfect
se dá pela informação de resultado no presente (a presença de João) da chegada de João e não
pelo grau de recência da situação. A pesquisa de Matos (2016) corrobora a discussão proposta
por Comrie (1985), a qual questiona até que ponto o grau de recência de uma situação poderia
ser gramaticalizado em uma língua.
Nesta subseção, vimos que o PB não possui uma forma única de realizar o aspecto
perfect. O perfect universal pode ser veiculado através do passado composto, do presente do
indicativo, da perífrase “verbo auxiliar” + verbo principal no gerúndio. Já o perfect existencial
é veiculado através da morfologia de pretérito perfeito combinado a outros elementos da
sentença, como os advérbios/expressões adverbiais e a perífrase “acabar de” + verbo no
infinitivo.
42

1.3.3 Nódulo(s) de perfect

Como vimos na seção 1.1 deste capítulo, a partir do trabalho de Pollock (1989), a
camada flexional começou a apresentar nódulos além do nódulo IP e passou a abarcar outros
nódulos sintáticos necessários para o processo de formação da sentença.
Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003) propõem a existência de um nódulo funcional
para o aspecto perfect, como podemos ver na figura 7 abaixo:

Figura 7: Representação sintática proposta por Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003, p.7).

TP

TP´

T PerfP

Perf´

Perf AspP

Asp´

Asp VP

Nessa estrutura, temos uma proposta de hierarquia da camada flexional na qual temos
como projeção máxima mais alta TP, a qual tem abarcado no núcleo o traço de tempo presente
no caso da expressão do present perfect. A projeção TP está acima da projeção máxima de
perfect (PerfP). O núcleo de PerfP está especificado positivamente na derivação de sentenças
com o aspecto perfect, ou negativamente, na derivação de sentenças sem o aspecto perfect. A
projeção PerfP está acima da projeção máxima de aspecto gramatical (perfectivo e
imperfectivo). A determinação do aspecto perfectivo se dá pela especificação do traço
[+delimitado] e a do aspecto imperfectivo se dá pela especificação do traço [-delimitado]
(IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003). Portanto, segundo essas
propostas, teríamos uma sentença veiculando perfect universal quando especificamos
43

positivamente o núcleo Perf e, com o traço [-delimitado], o núcleo de Asp. Por outro lado,
teríamos uma sentença veiculando perfect existencial quando especificamos positivamente o
núcleo Perf e, com o traço [+delimitado], o núcleo de Asp.
Nespoli (2018), ao comparar línguas românicas (PB, português europeu, espanhol,
italiano e francês), verificou que, mesmo essas línguas expressando o perfect universal e o
existencial com morfologias diferentes, as sentenças que expressavam perfect universal
continham, além da informação aspectual de não delimitação (proveniente do aspecto
imperfectivo), uma informação aspectual de continuidade, o que permite a leitura de que a
situação iniciada no passado persiste até o presente. Já as manifestações de perfect existencial
apresentavam, além da informação aspectual de delimitação (proveniente do aspecto
perfectivo), uma informação aspectual de resultatividade, o que permite a leitura de que a
situação que ocorreu no passado tenha o resultado da sua finalização no presente. A autora,
então, propõe que o perfect universal possui os traços [-delimitado] e [continuativo] e o perfect
existencial possui os traços [+delimitado] e [resultativo].
Logo, baseando-se nos dados encontrados por Nespoli (2018) e na proposta de Cinque
(1999), que afirma que a existência de uma projeção funcional depende da identificação de uma
classe de advérbios/expressões adverbiais associada a essa projeção, Nespoli (2018) e Nespoli
e Martins (2018) propõem a cisão do nódulo de perfect. Teríamos, então, o nódulo EPerfP para
perfect existencial e o nódulo UPerfP para o perfect universal. Teríamos a representação
sintática representada na figura 8 abaixo:
44

Figura 8: Representação sintática proposta por Nespoli (2018, p.153).

TP

T UPerfP

UPerf´

UPerf EPerfP

EPerf´

EPerf AspP

Asp´

Asp VP

Como podemos ver na representação sintática exibida acima, o nódulo EPerfP seria
dominado pelo nódulo UPerfP. Essa proposta é inspirada em Comrie (1976), que afirma que a
noção de resultado subsequente à finalização do evento seria a propriedade mais fundamental
do aspecto perfect. Além disso, esse aspecto foi inicialmente expresso, no latim, através
estruturas que apresentavam ideia de resultado. Nespoli (2018) assume, então, que o traço
sintático [resultativo] é mais básico do que o traço sintático [continuativo]. Ainda, segundo a
autora, o traço [resultativo] é primordial para se estabelecer um intervalo PTS tanto para
sentenças que expressam perfect existencial, quanto para as que expressam perfect universal.
Como já foi apresentado na introdução desta dissertação, o objetivo desta pesquisa é
investigar a emergência de perfect universal e perfect existencial associados ao tempo presente
na aquisição do PB. No próximo capítulo, abordamos pesquisas sobre aquisição de linguagem
que balizarão algumas discussões propostas neste estudo.
45

2 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM

Esta dissertação está ancorada na Teoria Gerativa e, portanto, seguimos a proposta da


Teoria dos Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981). A partir do trabalho de Borer (1984),
a fixação de parâmetros começou a ser associada exclusivamente às categorias funcionais. A
autora argumenta que os parâmetros sintáticos devem ser interpretados não como propriedades
gramaticais, mas, sim, como propriedades de elementos morfológicos e flexionais no léxico.
Este capítulo aborda as hipóteses que norteiam a aquisição das categorias funcionais, mais
especificamente, das categorias de tempo, aspecto e perfect; mas, primeiro, descrevemos como
ocorre a aquisição de linguagem através da análise de suas fases.

2.1 AQUISIÇÃO DE CATEGORIAS FUNCIONAIS

O período de aquisição de linguagem pode ser dividido em dois estágios: o pré-


linguístico e o linguístico (QUADROS, 2007).
No estágio pré-linguístico, a comunicação oral da criança ocorre através dos balbucios.
Essa manifestação ocorre em todos os bebês, inclusive nos surdos. Os balbucios ocorrem já nos
primeiros meses de vida e apresentam uma organização progressiva. Com aproximadamente 10
meses, a criança começa a selecionar os sons utilizados pela(s) língua(s) presente(s) no
ambiente linguístico passando a produzir um balbucio diferenciado: o jargão. Os jargões são
combinações de sons com controle melódico, porém sem estrutura de palavra (QUADROS,
2007).
O estágio linguístico é subdividido em três outros estágios: o estágio de uma palavra
(holofrástico), o de duas palavras e o de combinações múltiplas.
Por volta de 1 ano de idade, a criança produz sua primeira palavra reconhecível pelos
adultos. É esse fato que marca o início da fase de uma palavra (RADFORD, 1988). No estágio
de uma palavra, encontramos produções de nomes e verbos (BROWN, 1973), e ainda de
locativos, interrogativos e da negação (SCLIAR-CABRAL, 1977 apud LESSA, 2015, p.73).
Essa fase também é chamada de fase holofrástica porque uma palavra, normalmente, representa
uma sentença inteira (QUADROS, 2007).
O estágio de duas palavras acontece por volta dos dois anos de idade (QUADROS,
2007). Esse estágio também é conhecido como o de “fala telegráfica”, pois, nessa etapa, a
criança não produz os elementos de ligação que devem estar presentes em uma frase, como as
preposições e as conjunções. Nessa fase, a criança produz frases comumente na ordem verbo-
46

objeto (no português) (QUADROS, 2007), começa a distinguir os tipos de frase (interrogativas,
afirmativas e negativas), mas ainda não consegue referir-se corretamente às 1ª e 2ª pessoas do
discurso (SCLIAR-CABRAL, 1977 apud LESSA, 2015, p.73), apesar de já conseguir
determinar quem é o sujeito e o objeto de uma frase através da ordenação de suas palavras
(BROWN, 1973; PINKER, 1995).
Entre as idades de 2 anos e 2 anos e meio, a criança atinge o último estágio da fase
linguística: o estágio das combinações múltiplas (QUADROS, 2007). Nesse momento, ocorre
o que Pinker (1995) chama de “explosão gramatical”. Nessa fase, a criança já produz frases
curtas utilizando artigos e preposições. Além disso, consegue responder perguntas sim/não,
diferir sentenças com e sem auxiliares e realizar frases com interrogativos com o conjunto de
palavras qu- (por exemplo, “que”, “qual”, “quando”) e elementos conectivos (QUADROS,
2007). Ainda neste estágio, começam a surgir os morfemas de concordância, gênero e tempo
(PINKER, 1995).
Como sugerem os parágrafos acima, parece que as crianças começam a lidar com
fenômenos linguísticos relacionados às categorias funcionais entre o 2º e 3º estágio da fase
linguística. Sendo as categorias que dão conta do fenômeno estudado nesta dissertação
consideradas categorias funcionais, é de especial interesse para este estudo as hipóteses que dão
conta da aquisição dessas categorias, que é tema das próximas subseções.

2.1.1 Hipótese Maturacional

A hipótese maturacional é ilustrada neste capítulo por meio da apresentação dos estudos
de Radford (1988, 1990) e Tsimpli (1991). Felix (1984 apud TSIMPLI, 1991, p. 130) e Borer
e Wexler (1987) propuseram a Hipótese Maturacional. Segundo essa hipótese, o
desenvolvimento dos estágios da aquisição de linguagem é proporcionado por fatores
maturacionais inerentes, semelhante ao que acontece com o desenvolvimento de outros
fenômenos biológicos. Esses fatores são responsáveis por restringir a ordem de disponibilidade
dos princípios da GU para a criança, isto é, os princípios da GU não estariam acessíveis até que
a criança estivesse madura o suficiente para adquiri-los. A aquisição de um novo princípio pela
criança seria o marco de passagem de um estágio para o outro do desenvolvimento de aquisição
de linguagem.
Radford (1990), ao estudar a aquisição de linguagem de crianças falantes do inglês
britânico, propõe que a aquisição de linguagem ocorre em três estágios. No primeiro deles, a
linguagem infantil não possui categorias, nem lexicais nem funcionais. No segundo estágio,
47

que se dá por volta de um ano e oito meses e é chamado de estágio categorial, a linguagem
infantil possui elementos da categoria lexical. No terceiro estágio, a linguagem infantil passa a
possuir também categorias funcionais.
No segundo estágio de aquisição, as estruturas sintáticas produzidas pelas crianças
implicam em projeções dessas categorias. É nessa fase que as crianças apresentam uma
estrutura similar ao que Radford (1988, 1990) denomina small clauses (mini orações). Essas
small clauses apresentam a estrutura [NP XP], onde XP pode ser qualquer sintagma lexical
(VP, NP, PP ou AP16).
Como descrito no final do parágrafo anterior, Radford (1988, 1990) afirma que as
crianças também são capazes de produzir small caluses, mas essas não teriam as mesmas
características e propriedades daquelas produzidas pelos adultos. Ele compara as small clauses
produzidas pelas crianças às small clauses produzidas por um falante nativo adulto de uma
língua. Essas small clauses dos adultos só seriam gramaticais quando utilizadas como
complemento dos sintagmas CP e IP. Mais especificamente, elas só seriam possíveis quando
utilizadas como complemento de um subgrupo de verbos transitivos. Vejamos os exemplos
utilizados pelo próprio autor (RADFORD, 1990, p.28) para ilustrar small clauses produzidas
pelos adultos:

(1) Most people find [Syntax a real drag].


Muitas pessoas acham sintaxe um verdadeiro entrave.
*Syntax a real drag.
* Sintaxe um verdadeiro entrave.

(2) I believe [the President incapable of deception].


Eu acho o Presidente incapaz de nos decepcionar.
* The President incapable of deception.
* O Presidente incapaz de nos decepcionar.

Como vimos nos exemplos acima, as small clauses produzidas pelos adultos não podem
constituir como orações independentes. Porém, as small clauses das crianças podem ser usadas

16Entende-se VP como Sintagma Verbal, NP como Sintagma Nominal, PP como Sintagma Preposicional e AP
como Sintagma Adjetival.
48

como complemento de verbos transitivos ou como orações independentes. Vejamos exemplos


de Radford (1990, p.29) para ilustrar small clauses produzidas por crianças:

(3) Want [hat on].


Quer [chapéu na cabeça].
(4) Key down.
Chave chão.

O exemplo (3) mostra uma small clause utilizada como complemento do verbo
transitivo to want (“querer”). Já o exemplo (4) mostra um caso no qual temos o uso de uma
small clause como oração independente.
Essa possibilidade de usar ou não uma small clause como oração independente, isto é,
sem que a mesma seja uma oração encaixada em uma outra, é explicada pelo autor como
consequência da falta de domínio dos princípios básicos da Teoria do Caso por parte da criança.
Em outras palavras, esses princípios não estão operando na gramática da criança nesta fase
especificamente.
Outra diferença importante entre as sentenças produzidas por falantes nativos adultos
de uma língua natural e por crianças em fases iniciais de aquisição de linguagem estaria
relacionada à propriedade de atribuir papel temático (RADFORD, 1990). Segundo o autor, na
fala das crianças, encontramos somente relação de irmandade temática, enquanto que na fala
dos adultos podemos encontrar relações de irmandade temática e não-temática. Vejamos essa
situação no exemplo retirado de Radford (1988, p.23):

(5) Adulto: What did you draw?


O que você desenhou?
Criança: Hayley draw boat.
Hayley desenha barco.

Neste caso temos um verbo to draw (desenhar) na fala da criança sem a marcação
morfológica de tempo. O sintagma de tempo (TP) é um sintagma que não atribui papel temático,
assim como demais elementos da camada funcional. A ausência dessa marcação morfológica
na fala da criança em (5) leva o autor a concluir que não seria possível para a gramática da
criança estabelecer irmandade não-temática.
49

Radford (1988) conclui que as small clauses das crianças seriam caracterizadas,
basicamente, como sentenças que não apresentam elementos pertencentes à camada funcional
(CP e IP) e a ausência desses elementos proporcionará a ausência de outras estruturas com as
quais eles estão relacionados. A ausência dos elementos do sintagma IP está diretamente
relacionada à ausência da flexão verbal finita, do verbo to have (ter) como auxiliar na perífrase
de passado composto, da cópula be, do verbo to be (ser/estar) na perífrase progressiva e da
marcação de caso normativo. A ausência dos elementos do sintagma CP está relacionada à
ausência de auxiliares prepostos (como do, does, did e have, por exemplo) e palavras qu- de
forma preposta em interrogativas (RADFORD, 1990).
Isso significa, para o autor, que esses componentes são mais dependentes de uma
maturação por parte da criança para serem adquiridos, o que não ocorre, por exemplo, com os
elementos da camada lexical (RADFORD,1990). Os elementos da camada funcional
necessitariam dos dados do meio para poder passar pelo processo de parametrização e, por
conseguinte, emergirem na fala da criança. Ainda segundo ele, todas as categorias lexicais
seriam adquiridas ao mesmo tempo e antes das categorias funcionais.
Tsimpli (1991) propôs a Teoria da Maturação das Categorias Funcionais. Segundo esta
teoria, todos os princípios da GU estariam disponíveis para a criança desde do início do
processo aquisitivo de linguagem, mas, para que haja a aquisição das categorias funcionais, é
preciso que ocorra uma maturação da linguagem da criança. A autora chama a fase anterior a
da aquisição das categorias funcionais de fase pré-funcional. Sob o pressuposto de que os
parâmetros estão associados a categorias funcionais, Tsimpli (1991) dita que a fase pré-
funcional seria a fase na qual os parâmetros ainda não estariam fixados.
Uma observação importante feita pela autora é de que certos elementos relacionados a
uma dada categoria funcional podem aparecer na fala da criança antes mesmo de essa categoria
ter sido adquirida. Para explicar isso, a autora utiliza exemplos, dentre outros, de corpora do
francês e do grego. Vejamos alguns de seus exemplos retirados de Lightbown (1977 apud
TSIMPLI, 1991, p.135) abaixo:

(6) Michel dormir la.


Miguel dormir lá.
(7) Pji ato ego- (drink-3s this I)
Beber.3SIN isso eu.
50

No exemplo (6), temos uma sentença produzida por uma criança adquirindo o francês.
Nela, podemos verificar presença do sufixo de infinitivo, o qual ilustra uma morfologia
relacionada a traços de TP (POLLOCK, 1989). Ora, mas como a criança poderia estar
produzindo sentenças com marcações morfológicas de tempo, que é uma categoria funcional,
na fase pré-funcional? Na perspectiva de Tsimpli (1991), ao analisar o exemplo (6) do ponto de
vista morfofonológico, seria o sufixo de infinitivo presente no verbo dormir que permitiria que
a frase desse exemplo fosse considerada gramatical, uma vez que o radical do verbo sem
qualquer sufixo não seria uma palavra bem formada nessa língua. Isto é, segundo a autora, o
recurso exposto acima é um princípio da GU e, por isso, estaria presente desde início da
aquisição de linguagem.
Podemos ver condição semelhante no exemplo (7) do grego. Nele, temos o morfema de
concordância de terceira pessoa sendo utilizado para um sujeito de primeira pessoa. Novamente,
um princípio da GU é utilizado como recurso pela criança antes que a mesma tenha adquirido
a categoria funcional AgrP. Esse recurso teria como objetivo produzir sentenças gramaticais,
uma vez que o radical do verbo sem qualquer sufixo não seria uma palavra bem formada nessa
língua.
Tsimpli (1991) reconhece que não sabe qual seria a ordem para aquisição das categorias
funcionais, porém afirma que a ordem de aparição de cada categoria funcional é determinada
por uma programação pré-determinada pela GU. A autora ainda afirma que toda vez que uma
nova categoria funcional é adquirida, uma nova estrutura/um novo elemento é
projetado/adicionado na estrutura da sentença e, consequentemente, uma nova projeção da
representação sintática é adicionada. A introdução de uma nova categoria funcional marcaria a
passagem de um estágio de aquisição de linguagem para outro.

2.1.2 Hipótese Continuísta

Esta hipótese é ilustrada neste capítulo por meio da apresentação dos estudos de Yang
(2002), Pinker (1984, 1995), Hyams (1996) e Wexler (1996, 1998). Algumas críticas foram
realizadas à Hipótese Maturacional. Segundo Yang (2002), essa hipótese propõe que a
competência da criança e a competência do adulto são qualitativamente diferentes. A linguagem
da criança estaria sujeita a regras e restrições diferentes das da linguagem do adulto e, com isso,
poderíamos ter, por exemplo, um princípio linguístico funcionando de forma diferente em
crianças e adultos ou um conhecimento gramatical ausente nas crianças mais jovens, mas que
se tornaria disponível a medida que a criança sofresse uma maturação biológica (FELIX, 1984
51

apud TSIMPLI, 1991, p. 130; BORER & WEXLER, 1987). Isso significaria um desafio para
o conceito de GU para Yang (2002).
Segundo Hyams (1987 apud TSIMPLI, 1991, p.129) e Pinker (1984), defensores da
Hipótese Continuísta, a transição entre os estágios de aquisição de linguagem ocorre devido ao
reconhecimento por parte da criança de uma peça ou um conjunto de dados fundamentais,
denominados “dados de disparo”. Para esses autores, todos os princípios da GU estariam
disponíveis para a criança desde o início da aquisição e a introdução dos dados de disparo para
a criança possibilitaria a reconstrução, ou seja, a mudança de estágio da sua gramática.
De acordo com a Hipótese Continuísta, o sistema cognitivo das crianças é supostamente
idêntico ao dos adultos (LEWONTIN, 1996 apud YANG, 2002, p. 17; MAYNARD SMITH,
1989 apud YANG, 2002, p.17). Para Pinker (1984), as diferenças entre as gramáticas da criança
e do adulto estariam relacionadas ao desempenho, e não à competência linguística. Yang (2002)
afirma que isso é, em certo nível, verdadeiro, pois as crianças são mais propensas a realizar
erros que os adultos porque alguns dos componentes extralinguísticos importantes para o
desempenho, como memória, articulação e processamento, ainda estão em processo de
desenvolvimento. Porém, Yang (2002) defende que a linguagem infantil estaria sujeita aos
mesmos princípios e restrições que a linguagem adulta e cada enunciado produzido pelas
crianças seria potencialmente uma produção possível na linguagem adulta. O que diferenciaria
as gramáticas da criança e do adulto seria a organização de um sistema gramatical contínuo.
Para Yang (2002), gramática infantil em desenvolvimento reflete uma combinação de
possíveis gramáticas permitidas pela GU, porém apenas algumas destas são mantidas quando a
aquisição termina. O autor propõe um modelo de desenvolvimento de linguagem, chamado de
Modelo Variacional (Variational Theory). Esse modelo faz duas previsões gerais sobre o
desenvolvimento da linguagem:

a. A taxa de desenvolvimento é determinada pela probabilidade de existência de


gramáticas concorrentes;
b. À medida que a gramática da criança se aproxima da gramática alvo, a criança
contempla gramáticas coexistentes, que devem ser refletidas na não uniformidade e
inconsistência da sua língua.

Para o autor, a criança teria acesso a várias gramáticas especificadas pela GU. Cada uma
dessas gramáticas, chamadas de gramáticas variantes, teria um peso e competiria com as
demais. Inicialmente, as gramáticas não seriam diferenciadas, isto é, teriam o mesmo peso. No
52

início do processo de aquisição, a criança produziria sentenças permitidas por essas diferentes
gramáticas, já que, nesse momento, elas não estariam competindo entre si. Ao longo do
desenvolvimento da linguagem, algumas dessas gramáticas iriam perdendo força (devido aos
dados promovidos pelo input), e, portanto, nesse período intermediário, teríamos uma produção
maior de uma gramática em detrimento das outras (seria nesse momento que começaria a
competição entre as gramáticas). Terminando o processo de aquisição de linguagem, a
gramática alvo permaneceria, pois teria peso maior e, como consequência, conseguiria eliminar
as outras gramáticas.
Pinker (1995) estudou a aquisição de tempo passado em verbos regulares e irregulares
na língua inglesa. Os verbos regulares são conjugados nesse tempo verbal através do acréscimo
do sufixo –ed, como podemos ver em to work/worked (trabalhar). Já as formas irregulares são
expressas através do uso de outro item lexical, como no caso de to steal/stole (roubar). Vejamos
alguns exemplos utilizados pelo próprio autor em sua análise (PINKER, 1995, p.109):

(8) My teacher holded the baby rabbits and we patted them.


Meu professor abraçou os filhotes de coelho e nós fizemos carinho neles.

(9) I finded Renée.


Eu encontrei Renée.
(10) I love cut-upped egg.
Eu amo ovo cortado.

Os verbos destacados acima não foram conjugados corretamente, pois eles fazem parte
do grupo de verbos irregulares, logo o uso do sufixo –ed não é suficiente para conjugá-los no
tempo passado. Note que a criança fez isso até no exemplo (9), no qual temos um verbo
inventado por ela mesma (to cut up, uma combinação do verbo to cut + a partícula up).
Para o autor, as crianças estariam generalizando o processo de conjugação de tempo
passado. Esse fenômeno é chamado de overregularization e é um sinal claro de que a criança
adquiriu algo, como a regra de passado. Para superar o overregularization, a criança precisa
passar por três estágios. No primeiro deles, as crianças simplesmente memorizam as formas
verbais que expressam o tempo passado, não importando se o verbo é regular ou irregular. Ao
perceber o uso frequente do sufixo –ed para determinar tempo passado, a criança começa a
generalizar o uso dessa regra para todos os tipos de verbos. Esse é o segundo estágio e foi
53

ilustrado nos exemplos acima. Quando a criança começa a diferenciar os verbos regulares dos
irregulares segundo a formação de passado destes, ela atinge o terceiro estágio.
Para Hyams (1996), a gramática inicial da criança contém o conjunto completo de
categorias funcionais, mas os traços dos núcleos dessas categorias estariam subespecificados
(underspecified). Quando dizemos que um elemento está subespecificado significa que ele não
estaria “visível” para a criança. A subespecificação tem reflexos morfossintáticos na forma de
ausência de morfologia finita de determinantes, presença de sujeitos nulos em línguas não-pro-
drop, como o inglês, etc. A diferença entre as gramáticas da criança e do adulto se dá pela
possibilidade de ter ou não um núcleo funcional subespecificado (essa possibilidade está
marginalmente disponível na linguagem do adulto).
Um núcleo subespecificado não possui a capacidade para realizar checagem de traços
e, portanto, sua interpretação deve ser deiticamente atribuída. A interpretação dêitica não existe
na gramática adulta devido à relação sangradora entre gramática e pragmática, o que exige que
as variáveis - sejam elas temporais ou nominais - sejam interpretadas gramaticalmente sempre
que possível (REINHART, 1993 apud HYAMS, 1996, p.115). A mudança para a gramática
adulta envolveria, portanto, uma reestruturação (ou várias reestruturações) não da própria
sintaxe, como defendido por aqueles que assumem a Hipótese Maturacional, mas sim do
mapeamento entre gramática e pragmática.
Wexler (1996, 1998), apesar de ser classificado como um adepto da Hipótese
Continuísta, apresenta uma proposta diferente da dos outros autores apresentados
anteriormente. O autor acredita que a gramática da criança precisa passar por um processo de
maturação, porém não acredita que as categorias funcionais não estariam disponíveis nas fases
iniciais de aquisição, como defendido pelos adeptos da Hipótese Maturacional.
Segundo Wexler (1996), o desenvolvimento das categorias funcionais vai ocorrer de
acordo com uma programação biológica geneticamente determinada. Para este autor, a criança
já nasce com todos os componentes da GU em seu pacote genético, porém é necessário o
amadurecimento da gramática para que certos aspectos da GU possam emergir. O que
diferencia os pressupostos desta hipótese dos da Hipótese Maturacional é o fato de que, para a
Hipótese Continuísta, as categorias funcionais não são adquiridas, pois são componentes da
GU.
Para Wexler (1998), o desenvolvimento dessas categorias desdobra-se ao longo do
tempo seguindo um modelo genético. Este modelo é o mesmo para todas as crianças
independentemente da língua que estiver sendo adquirida. Os parâmetros fixados (propriedades
54

flexionais) interagindo com os elementos flexionais que se desenvolvem inatamente criam


efeitos de superfície bastante diferentes no desenvolvimento de diferentes línguas.
Baseando-se em trabalhos anteriores, Wexler (1998) propõe que a aquisição das
categorias funcionais ocorre em duas fases:

a. Very Early Parameter-Setting: os parâmetros básicos são fixados corretamente nas


primeiras fases de aquisição de linguagem, mais especificamente quando a criança
entra na fase de duas palavras (com aproximadamente 18 meses de idade);
b. Very Early Knowledge of Inflection: No estágio de duas palavras, a criança já
conhece as propriedades gramaticais e fonológicas de elementos flexionais
importantes da sua língua.

Apesar de apresentarem os conhecimentos previstos por estas hipóteses, a gramática da


criança ainda seria diferente da gramática do adulto. Isso ocorreria, às vezes, porque as crianças
em fase de aquisição omitiriam marcações morfológicas de tempo e concordância verbal. Essa
omissão aconteceria, segundo Wexler (1998), devido a uma restrição no momento de checagem
do DP sujeito na gramática da criança. Ou seja, a criança só seria capaz de checar TP ou ArgP
por vez.
A Hipótese Continuísta não está imune a críticas. Tsimpli (1991) propõe algumas
questões importantes a respeito dessa hipótese. Para a autora, Hyams (1987 apud TSIMPLI,
1991, p.129) e Pinker (1984) não deixaram claro em seus trabalhos quais seriam os dados de
disparo e suas origens ou quais seriam as propriedades que diferenciariam os dados de disparo
dos outros dados aos quais a criança está exposta durante o processo aquisitivo de linguagem.
Como vimos da seção 2.1.1, a Hipótese Maturacional se baseia na ideia de que os
princípios da GU não estariam acessíveis para a criança até que ela estivesse madura suficiente
para adquiri-los. Tsimpli (1991), apesar de adepta dessa hipótese, propõe que os princípios
estariam disponíveis para a criança desde seu nascimento, porém, seria necessária uma
maturação por parte da mesma para que houvesse a aquisição desses princípios.
Já os adeptos da Hipótese Continuísta (PINKER, 1984, 1995; HYAMS, 1996;
WEXLER, 1996, 1998; YANG, 2002) sustentam a ideia de que os princípios da GU estariam
disponíveis para a criança desde o nascimento e de que seria necessária a introdução dos
chamados “dados de disparo” para que a gramática da criança possa realizar mudanças de
estágios.
55

A Teoria de Maturação das Categorias Funcionais de Radford (1990), apresentada na


seção 2.1.1, é adotada para esta dissertação. Essa vertente da Hipótese Maturacional foi
escolhida porque, como vemos na revisão de literatura exposta na próxima seção, acreditamos
que a criança já nasça com os princípios da GU, porém a aquisição das categorias funcionais
não acontece ao mesmo tempo, mas sim ao longo do desenvolvimento da criança.

2.2 AQUISIÇÃO DE TEMPO E ASPECTO

Uma das maneiras pela qual o perfect diferencia-se dos outros aspectos (semântico e
gramatical) é que ele expressa uma relação entre dois pontos no tempo. De um lado, o tempo
de estado resultante de uma situação anterior e, do outro, o tempo dessa situação anterior
(COMRIE, 1976).
Devido à sua categorização como aspecto e sua importante relação com o tempo, esta
seção discutirá as diferentes hipóteses sobre aquisição de tempo e aspecto. A seguir, abordamos
a aquisição de tempo e aspecto através de três pontos de vista: Teoria de Reichenbach, Hipótese
da Primazia do Aspecto e Teoria Prototípica. Cada uma dessas teorias/hipóteses constitui uma
subseção.

2.2.1 Teoria de Reichenbach

Esta seção aborda a teoria de aquisição de linguagem proposta por Smith (1980) e Weist
(1997), as quais foram baseadas na Teoria de Reichenbach (1947). A capacidade de incluir
referência temporal em enunciados se desenvolve gradualmente, mesmo lentamente.
Aparentemente, o ritmo lento é devido a vários fatores: a complexidade sintática de uma
conversa de tempo completo, a complexidade semântica das noções envolvidas e o
desenvolvimento cognitivo relativamente avançado necessário para realizar as referências
temporais (SMITH, 1980).
Os conceitos de tempo e aspecto na fala da criança foram analisados com o auxílio do
desenvolvimento de quatro sistemas temporais (SMITH, 1980). O sistema temporal da
linguagem infantil foi conceptualizado utilizando-se a Teoria de Reichenbach (1947). Para isso,
três pontos temporais são necessários: tempo de fala (speech time - ST), tempo do evento (event
time - ET) e tempo de referência (reference time - RT) (REICHENBACH, 1947), conforme já
mencionado no capítulo 1 desta dissertação. Vejamos os exemplos abaixo (REICHENBACH,
1947, p.290):
56

(11) I´m seeing John. (ST = RT = ET)


Estou vendo o João.
(12) I saw John. (RT = ET < ST)
Eu vi o João.
(13) I have seen John. (RT = ST< ET)
Eu tenho visto/vi João.

Smith (1980) sugere que o sistema de ordenação temporal da criança difere do sistema
do adulto de duas maneiras: no sistema da criança apenas dois tempos estão envolvidos (ST e
ET) e a orientação é fixada em ST. Se essa abordagem estiver correta, ela dá um significado
preciso para o passado: o passado no sistema infantil indica um tempo anterior ao ST. O sistema
temporal infantil é mais simples mas não difere em organização do adulto: ambos têm a
propriedade essencial de relacionar um tempo por simultaniedade ou subsequencialidade.
A autora propõe, então, que a aquisição de tempo ocorra em três estágios. No primeiro
deles, temos uma orientação fixa a partir do ST. A criança se refere a um tempo que precede
ST, que está ancorado no presente. Ela já é capaz de identificar diferenças aspectuais, mas a
complexidade linguística (e talvez a complexidade nocional também) pode interferir na
integração de tempo e aspecto. O segundo estágio envolve os mesmos tempos e as relações de
ordenação que o primeiro estágio, mas permite um ponto focal diferente de ST. Possui mais
possibilidades de ordenação e seu alcance mais amplo vem do uso flexível dos tempos e das
relações, e não de adições ao sistema. A criança pode narrar uma sequência de um ponto de
vista diferente do presente. Esse estágio costuma iniciar-se por volta dos 4 anos de idade. O
sistema adulto tem um terceiro estágio, o qual se relaciona aos outros por simultaniedade ou
consequência. O sistema do adulto também possui um tempo de orientação que não é fixado, e
dependências temporais de mais de um tipo. Combinações de morfologia temporal e advérbios
temporais permitem essas e outras sutilezas.
Weist (1997) também utiliza a Teoria de Reichenbach para explicar a aquisição de
tempo, porém de forma um pouco diferente de Smith (1980). A proposta é que a criança passa
pela sequência de quatro sistemas temporais durante o desenvolvimento da capacidade de
expressar as configurações complexas dos conceitos temporais. O sistema temporal inicial,
denominado Sistema de Tempo de Fala, é um sistema do (aqui e) agora, no qual ET e RT estão
congelados em ST. O segundo sistema, o Sistema do Tempo do Evento, é caracterizado pela
capacidade das crianças de representar ET antes, depois e simultaneamente a ST. O conceito de
RT emerge no terceiro sistema proposto por Weist (1997), mas essa referência inicial é restrita.
57

Quando RT está estabilizado antes ou subsequente a ST, ET se torna restrito ao contexto de RT.
Finalmente, no quarto sistema, ST, ET e RT podem representar três diferentes pontos no tempo
e podem se relacionar livremente (WEIST, 1997).
Em línguas que marcam distinção clara na morfologia temporal, a hipótese mais simples
de aquisição de tempo seria a de que a criança pode representar uma relação dêitica entre ET e
ST quando elas podem usar a morfologia temporal de sua língua produtivamente. Essa hipótese
simples vem sendo desafiada por vários autores e Weist et al. (1984 apud WEIST, 1997, p.359)
chamam a hipótese alternativa a esta de Hipótese do Tempo Defectivo (WEIST, 1997).
A Hipótese do Tempo Defectivo, assim como a Hipótese da Primazia do Aspecto
(ANDERSEN, 1989), que é descrita na próxima seção, foi inspirada na proposta da Hipótese
de “Aspecto antes de Tempo” (BRONCKART & SINCLAIR, 1973; ANTINUCCI & MILLER,
1976).

2.2.2 Hipótese “Aspecto antes de Tempo”

Estudos sobre aquisição de linguagem têm mostrado que a morfologia verbal se


desenvolve primeiro para expressar noções aspectuais e, somente mais tarde, será utilizada para
expressar noções temporais (BRONCKART & SINCLAIR, 1973; ANTINUCCI & MILLER,
1976; ANDERSEN, 1989). Essas conclusões deram origem a Hipótese “Aspecto antes do
Tempo”.
Bloom, Lifter e Hafitz (1980) apresentam em seu trabalho dados com o objetivo de
criticar a Hipótese do “Aspecto antes do Tempo” da forma que a mesma foi proposta por
Bronckart e Sinclair (1973) e Antinucci e Miller (1976). Jakobson (1956 apud BLOOM,
LIFTER & HAFITZ, 1980, p.407) observou que, em russo, as partículas que vinculam noções
temporias (as quais o autor chama de “deslocamento das formas dêiticas”) são sufixadas na raiz
do verbo, enquanto que as partículas que vinculam noções aspectuais (as quais o autor chama
de “não-deslocamento das formas de aspecto”) operam no caule, ou seja, na parte mais
superficial do verbo. O autor conclui que, como cada língua dispõe de dispositivos linguísticos
diferentes para codificar essas categorias, haveria uma diferença entre a aquisição de tempo e
aspecto nas diferentes línguas. Em línguas nas quais tempo e aspecto são codificados de formas
diferentes, como em russo e em outras línguas eslavas, espera-se que aspecto seja adquirido
antes que tempo (JAKOBSON 1956 apud BLOOM, LIFTER & HAFITZ, 1980, p.407).
Portanto, a Hipótese do “Aspecto antes do Tempo” seria relativo e não absoluto quando
aplicado à aquisição de linguagem (BLOOM, LIFTER & HAFITZ, 1980). Bloom, Lifter e
58

Hafitz (1980) chegam à conclusão de que as crianças adquirem tempo e aspecto


simultaneamente. As evidências de que as crianças estariam codificando tempo e aspecto
simultaneamente seriam: (a) a ocorrência de flexões diferentes com o mesmo verbo e (b) flexão
de auxiliares. A este respeito, Brown (1973) relatou que as formas de tempo passado e presente
ocorreram ao mesmo tempo após a sua aquisição, que ocorre com aproximadamente 3 anos de
idade, como mostraram seus dados extraídos longitudinalmente sobre o inglês.
Weist et al. (1984 apud WEIST, 1997, p.359), baseando-se na Hipótese do “Aspecto
antes do Tempo”, propuseram a Hipótese do Tempo Defectivo. Segundo essa hipótese, o uso
inicial da morfologia temporal não estabeleceria a função dêitica. Ao invés disso, a morfologia
de tempo passado seria utilizada para expressar noções aspectuais de completude e a morfologia
de tempo futuro estaria relacionada a noções de intencionalidade (WEIST, 1997). Ainda
segundo essa hipótese, somente referências de situações de tempo passado imediato seriam
produzidas pelas crianças. As flexões de tempo passado seriam predominantemente anexadas a
verbos de aspecto semântico accomplishments (processo culminado) e achievements
(culminação), ou seja, verbos com traço [+télico], nos estágios iniciais de aquisição de
linguagem e a marcação imperfectiva de passado, que emerge mais tardiamente, seria usada
predominantemente com verbos de estado e atividade inicialmente (ANDERSEN & SHIRAI,
1996).
Por volta dos 1 ano e 8 meses de idade, as crianças começariam a formar perspectivas
interna e externa da situação (WEIST et al., 1984 apud WEIST, 1997, p.359). Quando a
situação é conceptualizada por uma perspectiva externa (perfectivo), propriedades como
“completude”, “pontualidade” e “resultado” se tornam salientes, e quando conceptualizadas
como propriedades internas (imperfectivo), propriedades como “continuidade”, “duratividade”
e “incompletude” se tornam proeminentes. Se a criança está adquirindo uma língua na qual a
marcação aspectual codifica a propriedade de “completude” (como, por exemplo, o perfectivo
do polonês) ou a propriedade de “continuidade” (como por exemplo o progressivo do PB), a
distinção será codificada rapidamente na morfologia da criança. Não se espera encontrar nas
fases iniciais de aquisição de tempo e aspecto combinações que requerem uma perspectiva
interna nas situações deslocadas no tempo (como, por exemplo, o progressivo passado). A
velocidade de aquisição vai depender em parte da maneira pela qual o aspecto é codificado na
superfície da estrutura da língua (WEIST, 1997).
Andersen (1989) reformulou a Hipótese do Tempo Defectivo de Weist et al. (1984 apud
WEIST, 1997, p.359) e, a partir daí, passou a chamá-la de Hipótese da Primazia do Aspecto.
Segundo essa hipótese, a produção de determinado morfema flexional nas fases iniciais de
59

aquisição de linguagem estaria veiculando a noção de aspecto semântico, e não de tempo ou


aspecto gramatical. Andersen e Shirai (1995), depois de realizarem uma vasta revisão de
literatura, ditam que a aquisição de tempo e aspecto ocorre da seguinte forma:

a. As crianças utilizam inicialmente as marcações de aspecto perfectivo


predominantemente associadas a verbos de accomplishments e achievements,
eventualmente estendendo o uso dessas marcações associadas à verbos de atividade e
estado;
b. Em línguas que apresentam o aspecto gramatical progressivo (como o PB), as crianças
inicialmente usam a morfologia do aspecto gramatical imperfectivo contínuo
predominantemente associada a verbos de atividade, estendendo o uso desta associada
a verbos de accomplishments e achievements;
c. As crianças não associam a marcação de aspecto gramatical progressivo a verbos de
estado.

De acordo com Friedrich (1974 apud BLOOM, LIFTER & HAFITZ, 1980, p.406),
distinções estativo/não estativo, durativo/não durativo, e télico/atélico parecem guiar o
surgimento das diferentes formas de flexão no discurso das crianças.
A ideia de que o processo de aquisição das categorias funcionais tempo e aspecto ocorre
conforme o descrito pela Hipótese da Primazia do Aspecto não é consensual na literatura. Essa
discordância é decorrente da dificuldade existente para explicar e descrever esses fenômenos e
é agravada pela complexa natureza das categorias funcionais tempo e aspecto, assim como pela
confusão na hora de definir essas categorias funcionais (SHIRAI & ANDERSEN, 1995).
Com relação ao PB, Lessa (2015) verificou em seu estudo de caso (através da análise de
fala espontânea e semi-espontânea) que nos estágios mais iniciais (estágio de uma palavra) não
houve associação do aspecto gramatical perfectivo ao tipo de verbo accomplishment, o que vai
contra o quê foi proposto por Shirai e Andersen (1995). Outro dado interessante foi a associação
inicial entre o aspecto gramatical imperfectivo contínuo progressivo ao tipo de verbo
accomplishment (era esperado que isso só acontecesse em fases mais tardias de aquisição de
linguagem). As conclusões da autora foram as seguintes:

a. A Hipótese da Primazia do Aspecto não pode ser refutada, pois, segundo o que foi
verificado, os morfemas temporais se relacionaram a uma classe específica de verbos.
60

Todavia, esse processo não ocorreu da forma como Shirai e Andersen (1995)
propuseram.
b. O tipo de verbo accomplishment apresenta traços [+durativo] assim como o aspecto
gramatical imperfectivo. Logo, segunda a autora, a associação entre duratividade e
imperfectividade foi derivada, provavelmente, dessa compatibilidade de traços.

Araujo (2015) também investigou o processo de aquisição de tempo e aspecto no PB


através da análise de fala espontânea e semi-espontânea, porém, diferentemente de Lessa
(2015), a mesma realizou um estudo duplo de caso. Uma das crianças estudadas (identificada
como Criança 1) produziu morfologia de aspecto gramatical perfectivo combinada
primeiramente a verbos de achievement e atividade, o que não era o esperado pela proposta da
Hipótese da Primazia do Aspecto. Já a Criança 2 apresentou o comportamento esperado por
Shirai e Andersen (1995), produzindo morfologia de aspecto gramatical perfectivo associada
verbos de accomplishment e achievement. A autora defende, a partir dos resultados, a
importância dos estudos de caso, pois eles nos permitem olhar mais profundamente as
produções linguísticas de cada indivíduo e analisar suas possíveis diferenças.
Com relação à aquisição de tempo, ambos os sujeitos da pesquisa apresentaram ausência
e/ou instabilidade no uso de auxiliar “estar” + verbo principal no gerúndio na produção do
imperfectivo contínuo nas fases mais iniciais do processo de aquisição de linguagem, o que
também foi observado em Lessa (2015). Esse dado pode constituir mais um argumento em
favor da Hipótese da Primazia do Aspecto, uma vez que a informação temporal está codificada
no auxiliar e a informação aspectual está contida na forma gerundiva (a qual foi produzida sem
dificuldades pelas crianças).
A próxima seção irá abordar mais uma teoria sobre a aquisição de linguagem: a Teoria
Prototípica (TAYLOR, 1995).

2.2.3 Teoria Prototípica

De acordo com essa teoria, há membros centrais (ou mais prototípicos) e membros
marginais (ou menos prototípicos) de uma determinada categoria. Essa classificação (central e
marginal) é determinada pela semelhança entre os traços desses membros e os do membro
prototípico de uma categoria. Quando essa teoria é aplicada aos estudos de aquisição de
linguagem, temos a seguinte hipótese: a criança adquire os membros centrais primeiramente e,
gradualmente, estende esse processo para os membros mais marginais.
61

Para Andersen e Shirai (1996), é possível classificar as morfologias de tempo e aspecto


como categorias prototípicas, com direito a membros centrais e marginais. Tratando-se do
inglês, duas categorias são relevantes: tempo passado e morfologia progressiva. Já em línguas
como o português e o espanhol, que distinguem perfectivo do imperfectivo no passado, os
autores sugerem que temos um evento pontual unitário como perfectivo prototípico e uma
descrição estativa como protótipo imperfectivo.
Taylor (1995) afirma que o membro mais central do tempo passado é “passado dêitico”
e os mais marginais seriam “irrealidade ou contrafactualidade” e “modalizador pragmático”. A
irrealidade (ou contrafactualidade) do tempo passado é restrita a um número pequeno de
situações, como nas orações condicionais (exemplo (14)), nas expressões de desejo (exemplo
(15)) e suposições e sugestões (exemplo (16)) (TAYLOR, 1995, p.150):

(14) If I had enough time...


Se eu tivesse tempo suficiente...
(15) I wish I knew the answer.
Gostaria de saber a resposta.
(16) Suppose we went to see him.
Suponha que fôssemos vê-lo.

O tempo passado nas sentenças (14) a (16) denota irrealidade no momento da fala, e
não em algum momento anterior. O uso do tempo passado como “modalizador pragmático”
também ocorre em contextos bem específicos. Através da escolha do tempo passado, o falante
pode amenizar o efeito que um enunciado pode ter no ouvinte. Vejamos alguns exemplos
(TAYLOR, 1995, p.151):

(17) You should speak to him.


Você deveria falar com ele.
(18) Could you help me?
Poderia me ajudar?

Ainda para esse autor, as crianças utilizam a morfologia de tempo passado em


associação a itens que designam eventos pontuais, e o significado central do tempo passado
pode ser “conclusão do passado imediato de um evento pontual, as consequências disso são
62

perceptualmente salientes no momento da fala17” (TAYLOR, 1995, p.243 – tradução nossa).


Para Andersen e Shirai (1996), essa definição estaria diretamente associada a verbos de
achievement e de accomplishment.
A partir da análise da proposta de Taylor (1995), Andersen e Shirai (1996) propõem
uma estrutura hierárquica interna para a categoria de tempo passado, partindo do protótipo e
indo em direção aos membros marginais:

Passado dêitico (aspecto semântico achievement --- aspecto semântico accomplishment ---
atividade + estado --- habitual ou passado iterativo) --- irrealidade/ contrafactualidade ou
modalizador pragmático.

Os passados habitual e iterativo são tipos de extensões de duratividade. O


desenvolvimento do passado habitual e iterativo pode começar a ocorrer gradualmente mesmo
quando às marcações potenciais verbais de passado ainda estão sendo adicionadas a
achievements.
A morfologia progressiva raramente é tratada como uma categoria prototípica. Não há
consenso entre os linguistas sobre o significado da morfologia progressiva. Para Sag (1973
apud ANDERSEN & SHIRAI, 1996, p.558), por exemplo, os significados seriam: progresso,
futuro próximo e habitualidade. Vejamos alguns exemplos (ANDERSEN & SHIRAI, 1996,
p.556):

(19) At the moment, we´re singing. (progresso)


No momento, estamos cantando.
(20) We´re leaving tomorrow. (futuro próximo)
Estaremos partindo amanhã.
(21) Nowadays we´re singing the song every day. (habitualidade)
Ultimamente estamos cantando a música todos os dias.

Atividades em processo ou em progresso parecem, para Andersen e Shirai (1996), o


protótipo de aspecto gramatical progressivo. Para esses autores, a ordem hierárquica da
categoria prototípica de progressivo seria a seguinte:

17
Essa acepção central de passado pode ser comparada à classificação de perfect existencial (IATRIDOU,
ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003).
63

Processo (aspecto semântico atividade -- aspecto semântico accomplishment) – iterativo +


habitualidade ou futuro próximo – estatividade progressiva.

Os achievements não estão incluídos nessa ordem pois, quando são utilizados em
associação à morfologia progressiva, ela possui um significado iterativo, de futuro próximo ou
habitual. Por não ser congruentemente associado ao aspecto progressivo, progressivos estativos
são tratados como o membro mais marginal dessa categoria.
Andersen e Shirai (1996) fazem críticas a essa proposta. Para começar, para eles, não
está claro se o processo de aquisição segue a hierarquia prototípica ou se a ordem prototípica
segue o processo de aquisição. Não há estabilidade e uma medida confiável para determinar a
estrutura interna de uma categoria prototípica. Outro problema em usar o processo aquisitivo
como determinante de protótipos é que não está claro se a aquisição da criança reflete a
competência linguística do adulto. É possível que o protótipo do adulto seja diferente daquele
que está sendo adquirido pela criança. Taylor (1995) afirma que a representação prototípica das
crianças vai se ajustando de acordo com as normas da dos adultos ao longo do processo de
aquisição.
Shirai e Andersen (1995) analisaram de forma longitudinal um corpus de fala de três
crianças adquirindo o inglês com o objetivo de responder as seguintes perguntas:

a. Qual é a relação entre os traços do aspecto semântico do verbo e a morfologia temporal-


aspectual?
b. Qual é a relação entre caretaker speech (maneira simples de falar que é usada quando
se fala com uma criança ou outra pessoa que está aprendendo a falar uma língua) e o
padrão aquisitivo das crianças?

Para responder a pergunta (b), foram analisadas as conversas entre mãe-criança.


Os autores utilizaram a Teoria da Categoria do Protótipo (TAYLOR, 1995) para auxiliar
sua discussão.
Os autores concluíram que os três traços característicos do aspecto semântico
(pontualidade, telicidade e dinamicidade) que demonstraram ser importantes para a marcação
de passado são inicialmente relevantes para a perspectiva da criança nas fases iniciais de
aquisição de linguagem. A telicidade se mostrou mais importante que pontualidade nos estágios
iniciais, já que os verbos que são atélicos não apareceram associados a marcações morfológicas
64

de passado/perfectivo. Todavia, os autores não descartaram a importância do traço de


pontualidade, pois eles viram em seus dados que as flexões de passado estavam associadas não
somente a telicidade, mas também à pontualidade. A conclusão dos autores é que a combinação
dos traços telicidade-pontualidade é a única capaz de favorecer marcação morfológica de
passado na aquisição de morfologia verbal.
Com relação à morfologia de imperfectivo, as três crianças inicialmente produziram esta
morfologia para se referir a atividade em progresso, a qual os autores acreditam ser o protótipo
da morfologia progressiva. O uso dessa morfologia apresentou-se restrita a verbos de atividade
e achievement. Os traços prototípicos de progressivo são [-telicidade] e [-pontualidade].
Shirai e Andersen (1995) também defendem que a proposta prototípica também dá
suporte à Hipótese da Primazia do Aspecto. Para eles, as crianças estão apenas anexando a
flexão de passado ao protótipo de aspecto gramatical perfectivo porque ambos são muito
similares. Portanto, podemos ver esse fenômeno de duas maneiras: (1) as marcações
morfológicas de passado produzidas por crianças em seus estágios iniciais de aquisição de
linguagem codificam um tempo passado de forma subestendida, ou seja, está anexado ao
protótipo de passado, e (2) as marcações morfológicas iniciais codificam traços aspectuais,
como pontualidade, telicidade, e assim por diante.
Como vimos na seção 2.2.1, como a Teoria de Reichenbach (1947) foi utilizada como
base para teorias de aquisição de tempo, Smith (1980) e Weist (1997) utilizam a relação entre
os três pontos no tempo propostos por Reichenbach para mostrar como a aquisição de tempo
ocorre. Na seção 2.2.2, expomos a Hipótese do “Aspecto antes de Tempo”, que, resumindo,
baseia-se na ideia de que morfologia verbal se desenvolve primeiro para expressar noções
aspectuais e, somente mais tarde, será utilizada para expressar tempo. Essa hipótese deu origem
a duas outras: Hipótese do Tempo Defectivo (WEIST, 19984 apud WEIST, 1997, p.359) e
Hipótese da Primazia do Aspecto (ANDERSEN, 1989). Esta pesquisa irá seguir a Hipótese da
Primazia do Aspecto, pois, além de ela ser uma versão mais fraca da Hipótese do “Aspecto
antes de Tempo”, vimos que ela não pode ser refutada por pesquisas recentes sobre aquisição
de categorias funcionais (LESSA, 2015; ARAUJO, 2015). Por fim, temos a Teoria Prototípica
de Taylor (1995), que se baseia na ideia de que a aquisição de tempo e aspecto ocorre a partir
dos membros mais centrais para os mais marginais.
A próxima seção aborda o tema que norteia esta dissertação: a aquisição do aspecto
perfect.
65

2.3 AQUISIÇÃO DO PRESENT PERFECT

Alguns autores (CROMER, 1968 apud GATHERCOLE, 1985, p.538-39; CROMER,


1971; NUSSBAUM & NAREMORE, 1975; WEIST, 1997) afirmam que a aquisição de present
perfect ocorre de forma relativamente tardia em crianças adquirindo o inglês.
A partir de seu estudo com trinta crianças com idades entre 4 e 6 anos, Nussbaum e
Naremore (1975) concluíram que elas foram capazes de utilizar o auxiliar have do present
perfect a partir dos 4 anos de idade, porém o seu uso só se estabilizou aos 6 anos. Para Piaget e
seus colegas (apud SMITH, 1980, p.266), um importante estágio de desenvolvimento cognitivo
é atingido aos 6 anos de idade: o estágio operacional concreto. Nesse estágio, as crianças são
capazes de implantar um complexo de atividades na vida e em testes. Sugeriu-se que as crianças
são limitadas, antes desse estágio, a uma egocêntrica visão do mundo. Essa seria a explicação
para a dificuldade apresentada pelas crianças mais jovens para falar sobre o tempo que não seja
o tempo presente (SMITH, 1980).
Segundo Weist (1997), a aquisição do present perfect no inglês ocorre tardiamente
porque essa morfologia necessita de um certo grau de desenvolvimento do sistema de referência
temporal. No caso do present perfect, o RT (tempo de referência) é simultâneo ao ST (tempo
de fala) e possui o ET (tempo do evento) anterior ao RT. O uso dessa morfologia aparenta
necessitar um conceito de RT independente de ST e a capacidade de estabelecer ET e RT em
diferentes pontos no tempo. O autor ainda destaca que, além dessa complexa configuração de
conceitos temporais, há outras complicações.
Essa referência temporal também vai depender do tipo de perfect. O present perfect
apresenta uma realização de superfície complexa utilizando-se de variações da forma do
passado composto. Weist (1997) conclui, após uma análise de literatura, que o present perfect
tem sido visto como uma configuração temporal que requer uma flexibilidade de um sistema
de RT livre.
Essa aquisição tardia do present perfect pode ser atribuída à complexidade cognitiva
requerida por essa morfologia (CROMER, 1971; KUCZAJ & DALY, 1979), já que o present
perfect necessita de uma habilidade para considerar relevante uma sequência temporal à outra
sequência (CROMER, 1968 apud GATHERCOLE, 1985, p.538-39). Mais especificamente, a
criança, nas fases mais iniciais de aquisição de linguagem, não consegue relacionar eventos no
passado às suas consequências no presente (CROMER, 1968 apud GATHERCOLE, 1985,
p.538-39). Cromer (1968 apud GATHERCOLE, 1985, p.538-39) denomina essa incapacidade
de Hipótese da Complexidade Cognitiva.
66

Antes de adentrarmos na Hipótese da Complexidade Cognitiva e suas principais críticas,


devemos deixar clara a diferença entre Complexidade Cognitiva e Complexidade Linguística.
A Teoria da Complexidade Cognitiva dita que, uma vez que a criança adquire um certo conceito
(como, por exemplo, eventos ocorridos antes do momento da fala), ela irá usá-lo em qualquer
contexto linguístico para se referir a esse conceito. Já a Teoria da Complexidade Linguística
diz que, quando a criança adquire um determinado conceito, ela irá usar a forma linguística
menos marcada possível para se referir a esse conceito. A forma mais marcada só será adquirida
mais tardiamente, quando a criança ganhar algum conhecimento de como as formas mais
marcada e menos marcada se relacionam (GATHERCOLE, 1985).
Gathercole (1985) diz que há dois grandes problemas relacionados à Teoria da
Complexidade Cognitiva proposta por Cromer (1968 apud GATHERCOLE, 1985, p.538-39).
O primeiro problema estaria relacionado ao uso do tempo passado por crianças em fases mais
iniciais de aquisição de linguagem. Como vimos na seção anterior, o uso do tempo passado
nessas fases não estaria diretamente relacionado ao conceito de tempo em si. A autora ainda
relata que os dois usos mais comuns nos quais o present perfect estaria envolvido são contextos
similares aos que a criança aplica o tempo passado nas fases iniciais de aquisição de linguagem.
Na verdade, segundo Gathercole (1985), muitos estudos comprovaram que as crianças usam a
morfologia de tempo passado em situações nas quais deveriam utilizar a morfologia de passado
composto. O fato de as crianças usarem a morfologia de tempo passado para se referirem a
eventos recentes, completos e àqueles que possuem relevância no presente (ou seja, no lugar do
present perfect) sugere que a Hipótese da Complexidade Cognitiva defendida por Kuczaj e
Daly (1979) e Cromer (1971) não seria uma boa explicação para a aquisição tardia do passado
composto no inglês (GATHERCOLE, 1985).
O segundo problema da Hipótese da Complexidade Cognitiva é que estudos têm
mostrado que nem todas as crianças que adquirem o inglês adquirem o present perfect
tardiamente (FLETCHER, 1981; GATHERCOLE, 1985). Fletcher (1981) e Gathercole (1985),
por exemplo, mostraram em seus estudos que crianças que estavam expostas ao inglês britânico
em seu período crítico18 de aquisição de linguagem começaram a utilizar a morfologia de
passado composto antes que as crianças americanas. Isso aconteceu porque, segundo Fletcher
(1981), o inglês britânico e o americano diferem na extensão de contextos que possibilitam a
expressão do present perfect. O inglês americano permite o uso da forma do simple past

18
Segundo Lenneberg (1967), a aquisição de uma língua materna só pode ocorrer durante o período crítico de
aquisição de linguagem, que, para ele, estende-se do nascimento até a puberdade.
67

(passado simples) em alguns contextos nos quais o inglês britânico admite somente o present
perfect.
Como vimos na subseção 2.2.3, Taylor (1995) propõe que a aquisição de tempo e
aspecto pode ocorrer seguindo a Teoria Prototípica. Para o mesmo autor, o significado central
do tempo passado pode ser “conclusão do passado imediato de um evento pontual, as
consequências disso são perceptualmente salientes no momento da fala” (TAYLOR, 1995,
p.243 – tradução nossa). Essa definição de tempo passado se assemelha à definição de perfect
existencial (IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003). Logo, se seguirmos
essa ideia e a proposta de hierarquia prototípica idealizada por Andersen e Shirai (1996),
podemos supor que a aquisição de perfect (mais especificamente, do existencial) não irá
acontecer tardiamente, como foi proposto por alguns dos autores mencionados acima. Pelo
contrário: o perfect associado ao tempo presente será adquirido e realizado através da
morfologia de tempo passado nos estágios iniciais de aquisição de linguagem.
Esta pesquisa tem como objetivo investigar a aquisição de perfect universal e perfect
existencial associados ao tempo presente no PB. Esperamos, através da análise de dados de
aquisição, conseguir entender a hierarquia da(s) categoria(s) funcional(is) que abriga(m)
traço(s) de perfect na FL dos falantes.
A hipótese sugerida para esta pesquisa é de que a realização de perfect universal
associado ao tempo presente se dá simultaneamente à realização de perfect existencial
associado ao tempo presente na aquisição do PB. A hipótese está calçada na classificação
adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003), mas para a análise dos resultados
utilizamos as classificações de Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e Comrie (1976).
68

3 METODOLOGIA

Com o intuito de atingir o objetivo da presente pesquisa, que é investigar a aquisição


das realizações morfológicas de perfect em uma criança que esteja adquirindo o PB, optou-se
por realizar um estudo de caso, de caráter longitudinal, a partir de amostras de fala espontânea
e semiespontânea da criança investigada dentro de seu período crítico de aquisição de
linguagem.
No presente capítulo, discutimos sobre questões metodológicas concernentes à pesquisa.
Na seção 3.1, discutimos sobre o tipo de estudo selecionado; na seção 3.2, falamos sobre a
participante selecionad para participar da pesquisa; na seção 3.3, abordamos os procedimentos
adotados para a realização da pesquisa; e, por fim, na seção 3.4, abordamos as questões
relacionadas à análise dos dados.

3.1 TIPO DE ESTUDO

Para esta dissertação, como anunciado anteriormente, optou-se por realizar um estudo
de caso de uma criança que se encontrava na fase de aquisição do PB, com o propósito de
contribuir para o entendimento da representação linguística de perfect. Crianças adquirindo
linguagem, assim como indivíduos com patologias que afetam o conhecimento linguístico,
possuem uma gramática desviante quando comparada à gramática do adulto19. Estudos desse
tipo de gramática podem contribuir para o entendimento da estrutura da gramática de um
indivíduo adulto saudável (AVRUTIN, HAVERKORT & VAN HOUT, 2001).
Os estudos de grupo possuem como objetivo realizar generalizações a respeito de
determinado fenômeno, a partir da análise de múltiplos resultados derivados de casos
semelhantes. Esses resultados são vistos de forma única, quantitativamente, e são analisados
com o auxílio de cálculos estatísticos. Segundo Grodzinksy et al. (1999) e Drai, Grodzinsky e
Zurif (2001), esse tipo de pesquisa é importante, pois, dessa forma, podemos estipular um
padrão de regularidade para o fenômeno pesquisado. Esses pesquisadores ainda acreditam que,
se analisarmos uma patologia que gere uma gramática desviante por meio de um caso
individual, podemos encontrar resultados errôneos a respeito da mesma.

19
As gramáticas desviantes dos sujeitos com patologia da linguagem e em fase de aquisição de linguagem são
causadas, respectivamente, por alterações neurológicas em função de lesões no cérebro de um adulto e pela falta
de maturação neurológica do cérebro de uma criança.
69

Por outro lado, um estudo de caso privilegia a descrição de um caso particular ou


múltiplo (VENTURA, 2007), de forma qualitativa, quantitativa (YIN, 2001), ou até mesmo de
ambas as formas (STAKE, 2000), sem, no entanto, realizar generalizações (ALVES-
MAZZOTTI, 2006). Esse tipo de estudo é vantajoso em situações nas quais não se têm muitas
informações a respeito de um fenômeno, pois ele auxilia no levantamento de hipóteses a
respeito do assunto através de uma descrição completa das informações. Segundo Novaes
(2004), a análise das médias dos resultados obtidos individualmente pelos sujeitos selecionados
para a pesquisa pode camuflar resultados importantes e únicos de cada um desses sujeitos, e
isso pode levar a conclusões errôneas a respeito do fenômeno estudado.
Já os estudos longitudinais destinam-se a estudar um processo ao longo de um período
de tempo com o objetivo de investigar mudanças, ou seja, refletem uma sequência de fatos
(HADDAD, 2004). Podem ser aplicados individualmente ou em grupos. Podem ter a
desvantagem de estar sujeitos a vieses originados de fatores extrínsecos, podendo mudar o grau
de comparabilidade entre os grupos (HOCHMAN et al., 2005).
Esse tipo de estudo foi escolhido para esta dissertação porque nos permite acompanhar
o desenvolvimento linguístico da criança adquirindo determinada língua. Araujo (2015), com
base em Neves (2011), defende a utilização de estudos longitudinais para estudar o processo de
aquisição de linguagem. Neves (2011) estudou a aquisição da categoria de aspecto no PB em
um grupo de crianças a partir de dados coletados transversalmente, ou seja, os dados de cada
participante foram coletados apenas uma vez. As crianças eram de diferentes idades, estando,
assim, em diferentes momentos do processo de aquisição. A autora destacou que, como o
desenvolvimento linguístico dos participantes não foi acompanhado com coletas regulares, o
trabalho acabou revelando apenas a frequência do uso de determinada morfologia verbal
combinada a determinados tipos de verbos em um dado momento do processo de aquisição.
Ainda segundo a autora, não foi avaliado se, antes daquele momento, as crianças já haviam
adquirido os morfemas investigados e tampouco se acompanhou o desenvolvimento linguístico
das crianças. Isso porque não foi determinado em que momento tais produções surgiram na fala
das crianças e, no caso daquelas que ainda não produziam morfologia verbal alguma, quando
as morfologias investigadas no trabalho começariam a ser produzidas.
Considerando as observações acerca dos diferentes tipos de estudo feitas nesta seção,
optamos nesta pesquisa por realizar um estudo de caso com extração de dados feita
longitudinalmente.
70

3.2 SUJEITOS SELECIONADOS

O sujeito escolhido para este estudo foi uma criança do sexo feminino que se encontrava
no período crítico de aquisição do PB. A mãe da criança é bióloga e fonoaudióloga e o pai é
veterinário e professor e ambos são monolíngues, falantes do PB.
O sujeito da pesquisa é identificado como AC no presente estudo. Ela possui somente
um irmão, seu gêmeo PP. Os dois são gêmeos dicoriônicos e diaminióticos, ou seja, não são
produto da fertilização de um mesmo óvulo e nem dividiram a mesma placenta 20. Eles vivem
em um bairro de classe média da cidade do Rio de Janeiro com os pais e recebem visitas
constates dos avós. Ambos frequentam creche desde 1 (um) ano de idade e lá interagem com
outras crianças da mesma idade. Na creche, as crianças são expostas também somente ao PB.
A criança selecionada para esta pesquisa foi acompanhada de 1 ano e 11 meses até o 3
anos e 8 meses de idade. AC encontrava-se na fase de transição jargão/uma palavra no início
das gravações. Sempre muito falante, demonstrou simpatia pela pesquisadora desde o começo
e participou de tudo o que lhe foi solicitado.

3.3 PROCEDIMENTOS

A coleta de dados foi realizada através de gravações da fala espontânea e


semiespontânea da criança. Entende-se como fala espontânea todas as manifestações de fala
realizadas pelo indivíduo sem a necessidade de interferência de outro, ou seja, o sujeito inicia
um assunto e persiste nele durante um momento. Já a fala semiespontânea é uma fala mediada
por perguntas eliciadoras, como as ocorridas em entrevistas. Esta última foi utilizada em
momentos de silêncio ou quando a criança utilizava uma ou pouquíssimas palavras para
expressar sua fala.
Essas gravações foram realizadas com um gravador acoplado a um celular, dentro da
casa da criança durante um momento de brincadeira e interação com a pesquisadora. Os
brinquedos utilizados eram pertencentes e escolhidos pela criança, para que a mesma ficasse à
vontade para participar da pesquisa. Contagem de histórias com o auxílio de livros infantis
também foi utilizada como modo de interação criança-pesquisadora ou criança-mãe. As

20 Isso significa que eles não são gêmeos idênticos; o fato de não terem o mesmo sexo é mais uma comprovação
disso.
71

gravações foram realizadas no intervalo de 15 a 35 dias, no máximo21, e tiveram duração média


total de 1 (uma) hora. Foram realizadas 33 (trinta e três) gravações, sendo a primeira quando a
criança tinha 1 ano e 11 meses e a última quando a criança tinha 3 anos e 8 meses.
A participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Ambos os pais da criança
assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). O modelo do TCLE utilizado
se encontra no anexo A. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Instituto
de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob
a numeração 2.581.925/2018. O comprovante de sua aprovação encontra-se no anexo B desta
dissertação.

3.4 ANÁLISE DOS DADOS

As gravações foram transcritas de forma similar à produção da criança, aproximando-se


de uma transcrição fonética em alguns momentos. Todas as gravações foram analisadas, mas
somente as realizações de perfect foram consideradas para a pesquisa. Dessas realizações,
foram excluídas aquelas que aparentavam ser cópias da fala da pesquisadora ou do responsável
presente durante as gravações, ou seja, quando a criança falava o mesmo verbo imediatamente
após a fala do adulto. Foram analisados durante as transcrições as realizações morfológicas e
os advérbios/expressões adverbiais utilizados em contextos de veiculação de perfect no
presente.
Na análise dos dados, eventualmente agrupamos os resultados por idade das crianças
(por exemplo, fazemos referência aos dados obtidos quando uma criança tinha 2 anos e 6 meses)
e, nesse agrupamento de dados, poderia haver dados de uma única gravação, como quando as
crianças tinham 3 anos, ou duas gravações, como quando tinham 3 anos e 5 meses.
Devemos ressaltar que, para análise dos dados, consideramos que as produções
veiculadoras de perfect realizadas pela criança seriam indícios de que o conhecimento
linguístico de perfect teria sido adquirido ou ainda estaria no processo de aquisição.

21
As gravações duraram um total de 22 meses, sendo que a periodicidade de realizações a cada 15 dias só foi
realizada em 11 dos 22 meses de gravações. Nos outros 11 meses, só foi possível realizar 1 gravação em média a
cada 30/35 dias.
72

4 RESULTADOS E ANÁLISES

O objetivo desta seção é apresentar os resultados desta pesquisa, assim como a análise
desses resultados. Para isso, são levados em consideração os dados obtidos através da coleta
realizada, de acordo com o que foi explicado no capítulo anterior.
Antes de iniciarmos a exposição dos resultados, devemos esclarecer que as transcrições
foram realizadas seguindo as orientações propostas pelo Grupo de Estudos Discurso &
Gramática, fundado em 1991 pelo Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (as instruções estão descritas no anexo C).
Este capítulo é dividido em três seções, a saber: a primeira seção apresenta os resultados
obtidos através da coleta de dados, de uma forma geral, para cada uma das crianças; a segunda
seção apresenta os resultados obtidos em cada uma das coletas feitas longitudinalmente para
cada criança; e a terceira seção apresenta a análise dos dados obtidos nesta pesquisa com o
intuito de responder à questão proposta na hipótese adotada nesta dissertação.

4.1 RESULTADOS GERAIS

Nesta seção, são apresentados os dados gerais da produção morfossintática de perfect


nos dados de fala espontânea da criança estudada.
Apresentamos o total de ocorrências de cada tipo de perfect segundo a proposta adotada
por tanto Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) quanto por Comrie (1976), levando em
consideração também os tipos de advérbios/expressões adverbiais apresentados em Nespoli
(2018) que se combinaram aos tipos de perfect considerados.
A participante produziu, ao longo de trinta e três (33) gravações, sessenta (60)
ocorrências que classificamos com sendo ocorrências veiculadoras de aspecto perfect (essas
ocorrências se encontram no anexo D). Exemplos de ocorrências de perfect existencial
produzidas por AC podem ser vistos abaixo. As palavras sublinhadas referem-se a morfologias
e ou advérbios/expressões adverbiais que classificamos como sendo de veiculadores de perfect:

(1) Gravação 13 - AC 2;06


Contexto: AC e NR estavam montando um castelo com peças de lego. Após montar o castelo
(o castelo já se encontra montado), AC mostra para NR e fala que deseja que ele fique mais
alto.
73

AC: Doidei (montei). Castelo (sentença exclamativa)


NR: Já montou o castelo? (sentença exclamativa) Deixa eu ajudar você, pera aí.
AC: Eu posso dada (montar)? Castelo... Tá alto.
NR: Está alto o castelo? Não? Tem que ficar mais alto?

(2) Gravação 15 - AC 2;07


Contexto: AC procura um brinquedo específico em seu armário de brinquedos. Quando o
encontra, mostra para NR.
AC: Aqui o outo. Vamos poculá. Vamos poculá o outo. Não sei. Não sei.
NR: Não sabe onde tá?
AC: Não sei. Não sei onde tá o outo. Não tô poculando o outo também... Achei (sentença
exclamativa) ((mostra para NR))
NR: Ai, que bom (sentença exclamativa) Vamos montar mais. Vai ficar maior. Vamos lá.

Os exemplos expostos acima representam as duas primeiras ocorrências de perfect


encontradas no corpus de AC. No exemplo (1), temos uma sentença que pudemos classificar
como perfect existencial porque, nessa situação, temos como resultado da brincadeira (situação
que se iniciou e terminou no passado) a montagem do castelo (fato que promove o fim da
situação inicial de montagem), que está ali no momento presente (comprovando a relevância da
situação no presente).
No caso do exemplo (2), temos uma sentença que pudemos classificar como perfect
existencial porque, nessa situação, temos como resultado da procura por um brinquedo (situação
que se iniciou e terminou no passado) o fato de o brinquedo ter sido encontrado (fato que
promove o fim da situação de procura) e estar ali no momento presente (sugerindo a relevância
da situação no presente).
Das 60 ocorrências de perfect na fala de AC, 59 foram classificadas como perfect
existencial e apenas uma foi classificada como perfect universal. A única manifestação de
perfect universal está exposta abaixo:

(3) Gravação 22 - AC 2;11


Contexto: CM manda AC conta para NR o que houve com seu pé.
CM: Conta pra tia Naná o que aconteceu com seu pé.
NR: O que aconteceu com seu pé?
CM: O que aconteceu com seu pé?
74

AC: Um mosquito me mordeu no pé ((mostrou o pé para NR)).


NR: Ai, meu [Deus (sentença exclamativa)]
AC: [Tô tomando] remédio.
NR: Tá tomando remédio?
AC: Sim.

Essa ocorrência foi classificada como perfect universal porque acreditamos que AC
esteja se referindo à ação de ter começado a tomar o remédio no passado (situação que se iniciou
no passado, mais especificamente após a picada do inseto) e de ainda estar tomando remédio (a
situação persiste até o momento presente). A morfologia progressiva foi utilizada para enfatizar
o fato de que a situação de “tomar remédio” persiste até o momento de referência (presente) e
não para evidenciar uma situação em progresso no exato momento de referência (AC não estava
tomando seu remédio no momento de fala).
O gráfico abaixo mostra a proporção de tipos de perfect produzidos por AC segundo a
classificação adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003):

Gráfico 1: Tipos de perfect produzidos por AC segundo a classificação adotada por Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003).

TIPOS DE PERFECT PRODUZIDOS POR AC,

Universal Existencial
59
(98%)

1
(2%)
75

A seguir, analisamos as produções de perfect de AC conforme a classificação de Comrie


(1976). Abaixo, apresentamos mais exemplos de produção de sentenças veiculadoras de perfect
produzidas por AC:

(4) Gravação 17 - AC 2;08


NR e AC estão desenhando. Após pintar um desenho, AC mostra o desenho para NR.
AC: Não. Olha que eu fiz.
NR: Huum, que lindo.

A ocorrência exposta em (4) foi classificada como perfect de resultado, pois, nessa
situação, temos como resultado da pintura do desenho (situação que se iniciou e terminou no
passado) o fato de o desenho estar pintado (fato que promove o fim da situação de pintura) e do
desenho estar ali no momento presente (comprovando a relevância da situação no presente).
Essa situação também poderia ser classificada como sendo um perfect de passado recente, pois
a ação aconteceu pouco antes da fala de AC. Optamos pela classificação da ocorrência como
perfect de resultado porque acreditamos que o fato de o desenho estar pronto no momento da
fala ser mais importante para a situação e para AC do que o fato de a situação ter acabado de
acontecer. Além disso, Pancheva (2003) afirma que só temos uma situação de perfect de
resultado quando temos um resultado que pode ser visualizado. Utilizamos esse critério para
todas as ambiguidades entre perfect de resultado e perfect de passado recente.

(5) Gravação 23 - AC 3;00


Contexto: AC encontra o ioiô.
AC: Em mim, já bateu isso. O ioiô.
NR: Já bateu em você?
AC: Já.

No caso do exemplo (5), AC conta para NR que o ioiô já bateu nela. Ou seja, temos uma
situação que se iniciou e terminou no passado (o ioiô ter batido nela) que tem como relevância
no presente a experiência de já ter se machucado com o brinquedo. Por isso, classificamos essa
ocorrência como sendo veiculadora de perfect experiencial.
76

(6) Gravação 33 - AC 3;08


Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Eu peguei plimeilo. Eu acabei de pegar.

Já no exemplo (6), acreditamos que AC queria dar evidência ao fato de ter pegado o
brinquedo recentemente (situação que se iniciou e terminou no passado) e, portanto, não ter
terminado a brincadeira com o mesmo. Além disso, a mesma utilizou a perífrase “acabar de” +
infinitivo, morfologia comumente utilizada para veiculador o perfect de passado recente no PB
(NESPOLI, 2018; NESPOLI & MARTINS, 2018), como já abordado na seção 1.3.2 do capítulo
1 desta dissertação. Logo, seguindo esses critérios, essa produção foi classificada como
veiculadora de perfect de passado recente.
Seguindo a classificação de Comrie (1976), a ocorrência vista em (3) pode ser
classificada como perfect de situação persistente porque AC está se referindo à situação de ter
começado a tomar o remédio no passado (situação que se iniciou no passado) e de ainda estar
tomando remédio até o momento presente.
Durante as 33 gravações, AC produziu 55 sentenças que classificamos como
veiculadoras de perfect de resultado, 3 de perfect experiencial, 1 de perfect de situação
persistente e 1 de perfect de passado recente, conforme apresentado no gráfico 2 exposto abaixo.

Gráfico 2: Tipos de perfect produzidos por AC segundo a classificação de Comrie (1976).

TIPOS DE PERFECT PRODUZIDOS POR AC

Situação persistente Resultado Experiencial Passado Recente

55
(91%)

3
(5%)
1
(2%)

1
(2%)
77

A seguir, analisamos o processo de aquisição dos advérbios/expressões adverbiais de


perfect de AC. Encontramos em algumas produções dessa criança o uso de
advérbios/expressões adverbiais para auxiliar nas marcações das fronteiras do intervalo PTS
(vide capítulo 1 desta dissertação). A seguir, temos alguns exemplos de sentenças com e sem o
uso de advérbios/expressões adverbiais:

(6) Gravação 17 - AC 2;08


Contexto: NR e AC estão desenhando. Após pintar um desenho de uma baleia, AC mostra o
desenho para NR.
AC: Eu pintei de azul.
NR: Você pintou de azul?
AC: Pintei... Olha a baleia azul.

(7) Gravação 22 - AC 2;11


Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha.
NR: Vamos fazer feijão?
AC: Não, eu já fiz.
NR: Já fez feijão?
AC: Já.

(8) Gravação 27– AC 3;04


Contexto: AC fala com sua avó sobre algo que NR ainda não tinha visto.
AC: A tia Naná ainda não viu.

Das 60 ocorrências de perfect produzidas por AC, 33 foram sem auxílio de


advérbios/expressões adverbiais, 25 foram produzidas com o advérbio “já” e 2 foram com a
expressão adverbial “ainda não”, conforme apresentado no gráfico abaixo:
78

Gráfico 3: Sentenças com e sem advérbios/expressões adverbiais de perfect produzidas por AC.

USO DE ADVÉRBIOS/ EXPRESSÕES


ADVERBIAIS NAS PRODUÇÕES DE AC

Ausência de advérbios/expressões adverbias Advérbio "Já" Expressão adverbial "Ainda não"

25
(42%)

2
(3%)
33
(56%)

Na próxima seção, apresentamos os resultados considerando as idades em que os dados


de realização de perfect foram obtidos.

4.2 RESULTADOS LONGITUDINAIS

Nesta seção, são apresentados os dados específicos da produção morfossintática de


perfect da criança estudada obtidos em cada uma das coletas feitas longitudinalmente.
Apresentamos o total de ocorrências de cada tipo de perfect em cada uma dessas coletas,
segundo as propostas tanto de Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) quanto de Comrie
(1976), levando em consideração também os tipos de advérbios/expressões adverbiais
apresentados em Nespoli (2018) que se combinaram aos tipos de perfect considerados.
Nas primeiras gravações, AC se encontrava na fase de transição entre a fase pré-
linguística e de uma palavra (linguística). Abaixo, podemos ver alguns exemplos de produção
da criança nas duas primeiras gravações:
79

(9) Gravação 1 - AC 1;11


Jargão: Ratata22.
Palavras: Não, Jessie, cavalo, cocô.

(10) Gravação 2 - AC 1;11


Palavras: Banana, vovô, mamãe.

Na gravação 3, encontramos as primeiras produções de sentença de AC, indicando que


ela estaria iniciando o processo de transição entre as fases de uma palavra e de duas palavras.
A seguir, temos um exemplo de produção de sentença de AC extraída dessa gravação.

(11) Gravação 3 - AC 1;11


Contexto: AC aponta para o celular da mãe.
AC: É mamãe.

Como podemos observar, faltam os elementos de ligação da frase (no caso, a preposição
“da”) nessa sentença produzida por AC. Isso pode nos levar a crer que a mesma se encontrava
no início da fase de duas palavras e essa fase parece perdurar até aproximadamente 2 anos e
três meses, como podemos observar através dos exemplos (12) a (14) explorados a seguir.
Na gravação 5, temos um exemplo que indica a compreensão da diferenciação entre os
tipos de frase (interrogativas, afirmativas e negativas), um dos marcos da fase de duas palavras.
Abaixo, podemos ver AC respondendo uma pergunta feita por sua mãe:

(12) Gravação 5 - AC 2;01


CM: Quem vai papá na escola hoje?
AC: Eu (sentença exclamativa)

Na gravação 6, encontramos a primeira produção de verbo com morfologia verbal de


tempo passado e complemento. O exemplo (13) abaixo nos mostra essa produção:

(13) Gravação 6 - AC 2;02


Contexto: AC queria brincar com um brinquedo que funciona a pilha.

22
Palavra repetida múltiplas vezes pela criança, porém a qual não estava associada a uma semântica específica.
80

AC: Oou ((acabou)) a pilha.

Na gravação 8, AC produziu associações entre determinados tipos de verbo


(VENDLER, 1967; SMITH, 1997) e morfologias de tempo e aspecto gramatical específicos,
como foi postulado pela Hipótese da Primazia do Aspecto (ANDERSEN, 1989; ANDERSEN
& SHIRAI, 1995). Abaixo, podemos ver alguns exemplos dessas manifestações:

(14) Gravação 8 - AC 2;03


Contexto: NR e AC procuram um brinquedo específico.
NR: Carrinho.
AC: Ah (sentença exclamativa) Achei (sentença exclamativa)
NR: Apareceu?

No exemplo exposto acima, interpretamos que a morfologia de perfectivo foi utilizada


porque a situação foi descrita por verbo um télico (achievement).
Na gravação 8, temos as primeiras produções de aspecto imperfectivo, com e sem a
presença do auxiliar. Essas produções se encontram sublinhadas nos exemplos (15) e (16):

(15) Gravação 8 - AC 2;03


NR: O que seu irmão tá fazendo?
AC: Tá mimindo.

(16) Gravação 8 - AC 2;03


CM: O que você tá fazendo?
AC: Toando ((tomando)).

Outras produções de aspecto imperfectivo, algumas sem o auxiliar “estar”, foram


observadas em gravações posteriores. A produção do auxiliar “estar” (e uma variação com o
verbo “ser”) se tornou mais frequente a partir da gravação 11 (2 anos e 5 meses). A produção
desse auxiliar poderia indicar a checagem do traço de tempo e a transição de AC para a fase de
combinações múltiplas. Sendo assim, talvez a partir desse momento, a criança tenha começado
a utilizar a morfologia verbal motivada não só pelo tipo de verbo no qual ela figura. A seguir,
podemos ver alguns exemplos:
81

(17) Gravação 11 - AC 2;05


AC: A PP. A PP tá tendo. O PP tá tendo.

(18) Gravação 11 - AC 2;05


AC: Tá babando. É babando. AC e PP. AC e PP.

(19) Gravação 15 - AC 2;07


CM: Não? Ela é chata?
NR: Eu sou chata? Então eu não venho mais aqui.
CM: Aaaaah (sentença exclamativa) Ela vai te largar.
AC: Eu tô bincando você.

Além desses dados com a presença do auxiliar “estar”, também encontramos em


produções de AC o uso do mesmo verbo tanto com morfologia de tempo passado, quanto com
morfologia de tempo presente. Essa seria outra evidência em favor da checagem do traço de
tempo. Vejamos exemplos dessas produções abaixo:

(20) Gravação 10 - AC 2;04


Contexto: NR e AC brincam de lego.
AC: Montá catelo. Tu, du du Miau. Eu mentei.
NR: Você montou?

(21) Gravação 12 - AC 2;05


Contexto: NR e AC brincam de lego.
AC: Eu monto isso.

(22) Gravação 12 - AC 2;05


Contexto: AC mostra um brinquedo quebrado para NR.
NR: Você quebrou?
AC: Não, foi o Fed.
(34) Gravação 12 - AC 2;05
Contexto: AC mostra um brinquedo para NR.
AC: É esse (sentença exclamativa)
82

Nos exemplos acima, podemos ver, primeiramente, o uso do verbo “montar” com
morfologia de tempo passado (exemplo (20)) e depois com morfologia de tempo presente
(exemplo (21)). O mesmo também pode ser visto nos exemplos (22) e (23) com relação ao
verbo “ser”. Acreditamos que os exemplos (20) e (21) são mais contundentes que os exemplos
(22) e (23), tendo em vista que é possível que, dada a irregularidade do verbo “ser”, a criança
não esteja, nestes casos, efetivamente checando traços de tempo passado e presente,
respectivamente.
Após essa análise de aquisição de linguagem inicial e, mais especificamente, das
categorias funcionais tempo e aspecto, podemos analisar de forma exclusiva como ocorreu a
aquisição do aspecto perfect de AC.
Como vimos na seção anterior, AC produziu 60 ocorrências que classificamos como
veiculadoras de perfect. As produções se iniciaram quando ela estava com 2 anos e 6 meses.
Nos exemplos abaixo, podemos ver novamente as primeiras produções de perfect de AC
durante as 33 gravações realizadas (alguns exemplos foram retomados):

(24) Gravação 13 - AC 2;06


Contexto: AC e NR estavam montando um castelo com peças de lego. Após montar o castelo
(o castelo já se encontra montado), AC mostra para NR e fala que deseja que ele fique mais
alto.
AC: Doidei (montei). Castelo (sentença exclamativa)
NR: Já montou o castelo? (sentença exclamativa) Deixa eu ajudar você, pera aí.
AC: Eu posso dada (montar)? Castelo... Tá alto.
NR: Está alto o castelo? Não? Tem que ficar mais alto?

(25) Gravação 15 - AC 2;07


Contexto: AC procura um brinquedo específico em seu armário de brinquedos. Quando o
encontra, mostra para NR.
AC: Aqui o outo. Vamos poculá. Vamos poculá o outo. Não sei. Não sei.
NR: Num sabe onde tá?
AC: Não sei. Não sei onde tá o outo. Não tô poculando o outo também... Achei (sentença
exclamativa) ((mostra para NR))

Na situação apresentada em (35), temos AC anunciando a montagem de seu castelo de


lego, sendo que o castelo pode ser visualizado no momento presente. No exemplo (36), temos
83

AC anunciando o encontro do brinquedo que procurava, estando este em sua mão no momento
de referência (momento presente). Em ambos os exemplos, temos ocorrências dissociadas de
um advérbio/expressão adverbial de perfect existencial, mas interpretamos que esse advérbio/
expressão adverbial possa já estar mentalmente representado em um nódulo de perfect a partir
dessas ocorrências.
Como já foi dito no ne seção 1.3.2 do capítulo 1 desta dissertação, o perfect não possui
uma morfologia específica no PB. Logo, para expressar o perfect, os falantes do PB utilizam as
mesmas morfologias que utilizam para expressar exclusivamente os aspectos gramaticais
imperfectivo e perfectivo. A diferença entre os aspectos gramaticais desassociados e um desses
aspectos gramaticais associados ao perfect é identificada pelo falante/ouvinte a partir das
combinações entre a morfologia verbal e alguns advérbios/expressões adverbiais temporais
específicos (GIORGI & PIANESI, 1997; IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU &
IZVORSKI, 2003; PANCHEVA, 2003) e pelo contexto semântico – pragmático (FONSECA,
2012). Por isso, levamos em consideração os advérbios/expressões adverbiais e o contexto
durante as análises.
Como pode ser visto na próxima seção deste capítulo, AC produziu sentenças
veiculadoras de perfect sem advérbios/expressões adverbiais foneticamente realizados durante
toda a amostra. Para diferenciarmos as produções do aspecto gramatical desassociado do perfect
daquelas com o perfect associado utilizamos a análise do contexto e realizamos o teste do
perfect puzzle, como podemos ver abaixo:

(26) Gravação 23 – AC 3;00


Contexto: AC acha uma caneca no braço do sofá.
AC: Você botou aqui, mãe?
CM: Botei porque eu tava sentada no sofá.

No exemplo (26), temos uma sentença com morfologia de perfectivo (morfologia


utilizada também para veicular perfect existencial no PB) e a veiculação apenas do aspecto
perfectivo. O contexto da situação apresentada é que AC quer confirmar se a mãe realmente
colocou a caneca no braço do sofá (local onde a caneca ainda está no momento presente).
Devido ao contexto, podemos considerar as combinações propostas abaixo, apesar de possíveis
no PB, agramaticais:

(26a) Você botou aqui, mãe? (e ela ainda está aqui).


84

*Você já botou aqui, mãe? (e ela ainda está aqui).


*Você ainda não botou aqui, mãe? (e ela ainda está aqui).
*Você nunca botou aqui, mãe? (e ela ainda está aqui).

Já as combinações expostas abaixo seriam, devido ao contexto, gramaticais:

(26b) Você botou aqui hoje, mãe? (e ela ainda está aqui).
Você botou aqui na semana passada, mãe? (e ela ainda está aqui).

A possibilidade de combinação com os advérbios/expressões adverbiais em (26b) e a


impossibilidade de combinação com os exemplos (26a), indicam que a sentença produzida em
(26) veicula perfectivo desassociado do perfect, já que os advérbios/expressões adverbiais
canonicamente associados ao perfect são impossíveis de serem combinados com a construção,
mas aqueles canonicamente possíveis de serem combinados com o perfectivo, podem ser
combinados com essa construção. O contrário pode ser feito com o exemplo (36). Ele aceita
advérbio “já”, como podemos ver abaixo:

(25) Não sei. Não sei onde tá o outo. Não tô poculando o outo também... (Já) Achei (sentença
exclamativa) ((mostra para NR))

O mesmo também pode ser feito com sentenças com morfologia de imperfectivo
(morfologia utilizada para veicular perfect universal no PB). Vejamos o exemplo (26) abaixo:

(26) Gravação 31 – AC 3;06


Contexto: PP pega um brinquedo de AC.
AC: Mas eu tô brincando. Tá comiiigo.

No exemplo (26), o contexto observado nessa sentença é o fato de AC estar no meio do


processo de brincadeira e, mesmo assim, seu irmão ter lhe tirado o brinquedo. A sentença “tá
comiiigo” só evidência que a situação estava acontecendo no momento presente, mais
especificamente, no momento de fala. A mesma conclusão não pode ser tirada do contexto do
exemplo (3), a qual foi interpretada da seguinte forma:

(3) Tô tomando remédio (desde que o mosquito me mordeu).


85

Utilizando esses critérios, classificamos as produções de AC em veiculadoras de aspecto


perfectivo ou aspecto imperfectivo desassociados de perfect ou aspecto perfect
(necessariamente combinados ao aspecto perfectivo ou ao aspecto imperfectivo). De todas as
produções de AC, 484 veicularam o aspecto imperfectivo desassociados do perfect, 163
veicularam o aspecto perfectivo desassociados do perfect e 60 veicularam o aspecto perfect
(associado ao aspecto perfectivo ou ao aspecto imperfectivo). O gráfico abaixo mostra o total
de produções desses aspectos por AC:

Gráfico 4: Total de produção dos aspectos gramaticais desassociados do perfect e de perfect


nos dados de AC.

TIPOS DE ASPECTOS GRAMATICAIS E


PERFECT PRODUZIDOS POR AC
Perfectivo Imperfectivo Perfect

484
(68%) 60
(9%)

163
(23%)

Como já apresentado na seção 4.1.2 e retomado no gráfico acima, das 60 produções


veiculadoras de perfect produzidas por AC, 59 foram classificadas como veiculadoras de
perfect existencial e somente uma foi classificada como veiculadora de perfect universal.
Abaixo, apresentamos em (27) novamente a única produção que pode ser classificada como
sendo veiculadora de perfect universal de AC, retomada do exemplo (3). Essa produção foi
realizada quando AC estava com 2 anos e 11 meses:

(27) Gravação 22 - AC 2;11


Contexto: CM manda AC conta para NR o que houve com seu pé.
CM: Conta pra tia Naná o que aconteceu com seu pé.
86

NR: O que aconteceu com seu pé?


CM: O que aconteceu com seu pé?
AC: Um mosquito me mordeu no pé ((mostrou o pé para NR)).
NR: Ai, meu [Deus (sentença exclamativa)]
AC: [Tô tomando] remédio.
NR: Tá tomando remédio?
AC: Sim.
Abaixo, temos um gráfico que mostra como ocorreu a produção de sentenças
veiculadoras de perfect de AC longitudinalmente. As produções foram separadas conforme a
classificação adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003).
Para fins de exibição dos resultados no gráfico, agrupamos as ocorrências de perfect
obtidas em todas as gravações feitas quando a criança tinha a mesma idade (em geral, duas
gravações). Como podemos observar no gráfico abaixo, as produções de perfect existencial se
iniciaram aos 2 anos e 6 meses e persistiram ao longo das coletas. Já o perfect universal foi
observado somente uma vez, aos 2 anos e 11 meses. Não encontramos produções veiculadoras
de perfect na única gravação referente aos 3 anos e 3 meses.

Gráfico 5: Realizações de perfect de AC extraídas longitudinalmente.

RELAÇÃO ENTRE OS TIPOS DE PERFECT E


IDADE DE AC
Universal Existencial

3
1 1 9 5 7 10 3 6 1 3 2 3 5

Agora, analisamos de forma longitudinal a aquisição dos tipos de perfect segundo


Comrie (1976). Nas nove primeiras gravações em que se evidenciou a produção de perfect,
87

constatamos somente produções de perfect de resultado. Vejamos alguns exemplos dessas


produções retirados de gravações realizadas quando a criança estava com 2 anos e 8 meses:

(28) Gravação 16 - AC 2;08


Contexto: AC estava desenhado e quando terminou o desenho, ela mostrou para NR.
AC: É. Desenhei.
NR: Arrasou. Tá atrapalhando você? Sua obra de arte. Pronto. Seu hipopótamo.

(29) Gravação 17 - AC 2;08


Contexto: NR e AC estão desenhando. Após pintar um desenho de uma baleia, AC mostra o
desenho para NR.
AC: Eu pintei de azul.
NR: Você pintou de azul?
AC: Pintei... Olha a baleia azul.

Os exemplos expostos acima representam algumas ocorrências de perfect encontradas


no corpus de AC. Ambas foram classificadas como veiculadoras de perfect de resultado. No
exemplo (28), temos uma sentença que pudemos classificar como perfect de resultado pois,
nessa situação, temos como resultado da situação de desenhar (situação que se iniciou e
terminou no passado) um desenho finalizado. No caso do exemplo (29), temos uma sentença
que também pudemos classificar como perfect de resultado pois, nessa situação, temos como
resultado da pintura do desenho (situação que se iniciou e terminou no passado) o fato do
desenho estar pintado.
Aos 2 anos e 11 meses, AC produziu sua primeira e única manifestação de perfect de
situação persistente. Até esse momento, só tínhamos produções de perfect que classificamos
como perfect de resultado. Vejamos o exemplo (3) retomado no exemplo (30) abaixo:

(30) Gravação 22 - AC 2;11


Contexto: Mãe de AC (identificada como CM nas transcrições) manda AC conta para NR o que
houve com seu pé.
CM: Conta pra tia Naná o que aconteceu com seu pé.
NR: O que aconteceu com seu pé?
CM: O que aconteceu com seu pé?
88

AC: Um mosquito me mordeu no pé ((mostrou o pé para NR)).


NR: Ai, meu [Deus (sentença exclamativa)]
AC: [Tô tomando] remédio.
NR: Tá tomando remédio?
AC: Sim.

Nesse exemplo, temos manifestação de perfect de situação persistente porque


acreditamos que AC estava se referindo à situação de ter começado a tomar o remédio no
passado (situação que se iniciou no passado) e de ainda estar tomando remédio (a situação
persiste até o momento presente).
Na gravação 23, encontramos as primeiras manifestações do perfect do tipo experiencial
por AC. Abaixo, temos ilustradas essas manifestações:

(31) Gravação 23 - AC 3;00


Contexto: AC encontra o ioiô.
AC: Em mim, já bateu isso. O ioiô.
NR: Já bateu em você?
AC: Já.

(32) Gravação 23 - AC 3;00


Contexto: AC e NR conversam enquanto brincam.
NR: Seu irmão não quer me dar um beijo.
AC: Eu ((ainda)) não te dei.
NR: Você também não me deu. Posso te dar um? Não? (sentença exclamativa)

No caso do exemplo (31), AC conta para NR que o ioiô já bateu nela. Ou seja, temos
uma situação que se iniciou e terminou no passado (o ioiô ter batido nela) que tem como
relevância no presente a experiência de já ter se machucado com o brinquedo. Como essa
situação deu origem a uma experiência, classificamos essa ocorrência como sendo veiculadora
de perfect experiencial. Já no exemplo (32), temos uma situação que se iniciou e terminou no
passado (não ter beijado NR) e que tem como relevância no presente a experiência de não ter
beijado NR.
Somente na gravação 27 voltamos a ter uma produção de perfect experiencial, sendo
que, até essa gravação, só havia produções de perfect de resultado. Na gravação 33, vimos a
89

primeira e única produção de uma sentença que pudemos garantir que veiculava perfect de
passado recente. Como já apresentado anteriormente, algumas outras ocorrências de perfect,
como aquelas classificadas como perfect de resultado, poderiam ser também classificadas como
perfect de passado recente, embora não houvesse uma realização linguística que pudesse
garantir claramente essa interpretação, diferentemente da ocorrência obtida na gravação 33
exposta em (6) e retomada a seguir:

(33) Gravação 33 - AC 3;08


Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Eu peguei plimeilo. Eu acabei de pegar.

No exemplo (33), AC quer dar evidência ao fato de ter pegado o brinquedo recentemente
(situação que iniciou e terminou no passado) e, portanto, de não ter dado tempo de terminar a
brincadeira com o mesmo. Além disso, AC utiliza a construção “acabar de” + infinitivo, típica
desse tipo de perfect no PB. Logo, seguindo esses critérios, essa produção foi classificada como
veiculadora de perfect de passado recente.
Abaixo, temos um gráfico que mostra como ocorreu a produção de sentenças
veiculadoras de perfect de AC longitudinalmente. As produções foram separadas conforme a
classificação de Comrie (1976).
Para fins de exibição dos resultados no gráfico, agrupamos as ocorrências de perfect
obtidas em todas as gravações feitas quando a criança tinha a mesma idade (em geral, duas
gravações). Segundo o gráfico, temos somente produções de perfect de resultado inicialmente.
Aos 2 anos e 11 meses, temos produções de perfect de resultado e a primeira e única produção
de perfect de situação persistente. Aos 3 anos, podemos ver as primeiras produções de perfect
experiencial. A única manifestação de perfect de passado recente foi coletada somente aos 3
anos e 8 meses. Não encontramos produções veiculadoras de perfect nas gravações referentes
aos 3 anos e 3 meses.
90

Gráfico 6: Realizações de perfect de AC extraídas longitudinalmente.

RELAÇÃO ENTRE OS TIPOS DE PERFECT E


IDADE DE AC
Situação persistente Resultado Experiencial Passado recente

2 1
1

3
1 1 9 7 6 3 5 1 2 3
8 4
2

2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS
E 6 E 7 E 8 E 9 E 10 E 11 E 1 E 2 E 3 E 4 E 5 E 6 E 7 E 8
MESESMESESMESESMESESMESESMESES MÊS MESESMESESMESESMESESMESESMESESMESES

Como vimos na seção 4.1.2, AC produziu sentenças sem advérbios/expressões


adverbiais, sentenças com o advérbio “já” e sentenças com a expressão adverbial “ainda não”.
Inicialmente, nas três primeiras gravações em que foram constatadas realizações de perfect,
tínhamos somente sentenças sem produção de advérbios/expressões adverbiais, como aquelas
exibidas nos exemplos (1) e (2), expostos no início deste capítulo. Naquelas ocorrências, a
marcação da fronteira foi realizada pelo contexto, ou seja, pela presença dos objetos montado
(exemplo (1)) e achado (exemplo (2)).
Na gravação 16, podemos ver a primeira produção do advérbio “já”. A partir daí, o uso
desse advérbio se torna frequente e aparece em quase todas as gravações seguintes (com
exceção das gravações 30 e 32). Abaixo, temos a primeira produção de uma sentença com
advérbio “já”:

(34) Gravação 16 - AC 2;08


Contexto: CM (mãe) pergunta se PP (irmão) quer tomar banho e AC disse que quer tomar
banho.
AC: Eu já tomei banho?
CM: Já.
NR: Já. Quando eu cheguei aqui, você estava com o cabelo molhado.
91

No exemplo acima, podemos ver a utilização da morfologia de perfectivo marcando a


fronteira esquerda (ou seja, indicando que a ação aconteceu no tempo passado) e o advérbio
“já” marcando a fronteira direita (indicando que a ação possui repercussão no tempo presente)
no intervalo PTS.
Na gravação 29, temos a primeira produção da expressão adverbial “ainda não”. Outra
ocorrência dessa expressão adverbial se dá na gravação 33. Vejamos exemplos dessas
produções:

(35) Gravação 29 - AC 3;05


Contexto: AC fala com sua avó sobre algo que NR ainda não tinha visto.
AC: A tia Naná ainda não viu.

(36) Gravação 33 - AC 3;08


Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Não (sentença exclamativa) Eu ainda não terminei de brincar. Não te dei.

Nos exemplos acima, temos a presença da expressão adverbial “ainda não” marcando a
fronteira direita do intervalo PTS. No exemplo (35), AC cometa sobre algo que até o momento
presente não tinha sido visto por NR. Já no exemplo (36), temos AC comentando que não tinha
terminado a brincadeira até o momento presente.
No próximo gráfico, vemos a quantidade de advérbios/expressões adverbiais de perfect
distribuídos ao longo do tempo.
Segundo o gráfico, temos somente produções de sentenças sem advérbios/expressões
adverbiais inicialmente e essas persistem em todas as gravações com presença de aspecto
perfect. Aos 2 anos e 8 meses, temos as primeiras produções do advérbio “já”. Temos a presença
desse advérbio ao longo de quase todas as gravações seguintes, menos nas gravações referentes
aos 3 anos e 6 meses e aos 3 anos e 7 meses. Aos 3 anos e 5 meses, podemos ver a primeira
produção da expressão adverbial “ainda não”. A partir daí, temos somente uma produção com
a expressão adverbial “ainda não” aos 3 anos e 8 meses.
92

Gráfico 7: Representação longitudinal da produção de advérbios e expressões adverbiais por


AC.

DISTRIBUIÇÃO LONGITUDINAL DAS


PRODUÇÕES DE ADVÉRBIOS/EXPRESSÕES
ADVÉBIAIS DE AC
Sentenças sem advérbios/expressões adverbiais Já Ainda não

1 1
2 1
5 2
4 6 2
2
1 1 1 2 3
4
4 2
4 2
3 4 2
1

2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS
E 6 E 7 E 8 E 9 E 10 E 11 E 1 E 2 E 3 E 4 E 5 E 6 E 7 E 8
MESES MESES MESES MESES MESES MESES MÊS MESES MESES MESES MESES MESES MESES MESES

Na próxima seção, analisamos os dados que foram encontrados e descritos nas seções
destinadas aos resultados.

4.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Esta seção aborda as análises realizadas a partir dos dados expostos na seção anterior.
A mesma é dividida em três subseções: na primeira delas, expõem-se as análises referentes à
aquisição de perfect seguindo as propostas adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski
(2003), Nespoli (2018) e Nespoli e Martins (2018); na segunda subseção, são abordadas as
análises referentes à aquisição de perfect seguindo a proposta de Comrie (1976); já na terceira
subseção, discutimos os dados relacionados à aquisição e associação dos advérbios/expressões
adverbiais com os tipos de perfect, primeiramente a partir da proposta de Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e, posteriormente, a partir da proposta de Comrie (1976).
93

4.3.1 Aquisição de perfect segundo a proposta de classificação de Iatridou,


Anagnostopoulou e Izvorski (2003)

Antes da produção das sentenças veiculadoras de perfect (gravação 13, AC com 2 anos
e 6 meses), AC produziu associações entre verbos de determinadas categorias lexicais
(VENDLER, 1967; SMITH, 1997) com morfologias de tempo e aspecto gramatical específicos,
como foi postulado pela Hipótese da Primazia do Aspecto (ANDERSEN, 1989; ANDERSEN
& SHIRAI, 1995).
Nas gravações posteriores, vimos que AC começou a produzir a perífrase “estar” +
gerúndio e os mesmos verbos com morfologia ora de tempo passado, ora de tempo presente.
Esses dados corroboram a proposta de Bloom, Lifter e Hafitz (1980) sobre a aquisição da
categoria gramatical tempo. Baseando-nos nesses autores, poderíamos supor que as categorias
de tempo e aspecto foram adquiridas quando encontramos as seguintes evidências na fala da
criança: (a) a ocorrência de flexões diferentes com o mesmo verbo e (b) a presença e flexão de
auxiliares.
Além disso, como vimos no capítulo 2, a aquisição do present perfect no inglês ocorre
tardiamente pois essa morfologia necessita de um certo grau de desenvolvimento do sistema de
referência temporal (WEIST, 1997). No caso do present perfect, o RT (tempo de referência) é
simultâneo ao ST (tempo de fala) e possui o ET (tempo do evento) anterior ao RT. O uso dessa
morfologia aparenta necessitar um conceito de RT independente de ST e a capacidade de
estabelecer ET e RT em diferentes pontos no tempo (WEIST, 1997). Logo, a partir da proposta
de Weist (1997), dos dados de AC até a gravação 12 (2 anos e 5 meses) e da definição de perfect
como aquele que relaciona uma situação a um ponto de referência, podemos propor que, aos 2
anos e 5 meses, a representação sintática da FL de AC já comporta um sintagma TP acima de
VP.
Como vimos na seção anterior, AC começou a produzir sentenças veiculadoras de
perfect aos 2 anos e 6 meses (gravação 13). Ao analisarmos seu processo aquisitivo de modo
longitudinal, pudemos ver que inicialmente a mesma só produziu sentenças veiculadoras de
perfect existencial sem advérbios/expressões adverbiais aos 2 anos e 6 meses e com
advérbios/expressões aos 2 anos e 8 meses, e somente aos 2 anos e 11 meses, produziu a sua
primeira (e única) sentença veiculadora de perfect universal (isso pode ser visto nos gráficos 7
e 5, respectivamente).
A respeito dessa única manifestação de perfect universal apresentada no exemplo (3) do
início deste capítulo, algumas considerações devem ser feitas.
94

A presença de somente uma produção desse tipo de perfect traz à tona algumas questões:

a. Será que o conhecimento linguístico de perfect universal foi efetivamente adquirido


por AC até a última gravação realizada?
b. Será que outras produções não foram realizadas por falta de contexto que
favorecesse o uso de perfect universal?

Para podermos responder à questão (a), poderíamos ter realizado um teste de


compreensão de perfect em AC. Esse teste não foi realizado porque acreditávamos, baseando-
nos em outras pesquisas de aquisição de linguagem (LESSA, 2015; ARAUJO, 2015), que uma
análise da produção seria eficiente para identificar a aquisição de uma categoria funcional.
Além disso, como vimos na análise da literatura a respeito da aquisição de present perfect, essa
categoria seria adquirida tardiamente quando comparada ao aspecto básico porque necessitaria
de um certo grau de desenvolvimento temporal (WEIST, 1997). Logo, já esperávamos que a
aquisição dos diferentes tipos de perfect se desse mais tardiamente, o que inviabilizaria a
aplicação de um teste linguístico e posterior análise dos resultados a serem contemplados nesta
dissertação.
Para respondermos à questão (b), devemos retomar a explicação da metodologia desta
pesquisa. As gravações foram realizadas com periodicidade aproximada de duas semanas de
distância e por somente uma hora. O processo de aquisição de linguagem parece ocorrer de
forma rápida nas crianças e, por isso, podemos supor que não foi possível capturar todo o
processo de aquisição das categorias funcionais de AC. Ela pode ter utilizado sentenças
veiculadoras de perfect universal em outros momentos/contextos mais favoráveis do dia a dia,
os quais não foram gravados pela pesquisadora.
Concluímos com base na discussão apresentada a partir das questões (a) e (b) acima,
que não é possível garantir que AC tenha efetivamente adquirido o perfect universal até o final
do período de gravações realizadas. No entanto, essa impossibilidade de garantia de aquisição
de perfect universal não nos impede de propor uma hierarquia arbórea que contemple uma
dissociação em consonância com a proposta de Nespoli (2018) e Nespoli e Martins (2018). A
partir dos dados de AC, podemos supor que o nódulo de perfect universal dominaria o nódulo
de perfect existencial, posto que este foi indubitavelmente adquirido antes daquele por AC.
Logo, no que diz respeito especificamente à dominância de perfect universal em relação ao
perfect existencial, poderíamos corroborar a proposta de hierarquia de Nespoli (2018), exposta
no capítulo 1 desta dissertação e retomada abaixo em (9):
95

Figura 9: Representação sintática proposta por Nespoli (2018, p.153).

TP

T UPerfP

UPerf´

UPerf EPerfP

EPerf´

EPerf AspP

Asp´

Asp VP

Para essa proposta, o nódulo referente ao perfect existencial (EPerfP) seria dominado
pelo nódulo de perfect universal (UPerfP). Nessa proposta, porém, teríamos o nódulo de tempo
dominando os nódulos de perfect, o que iria contra aos dados produzidos por AC e à proposta
de Radford (1990), que afirma que a aquisição das categorias funcionais ocorre primeiramente
pelos nódulos mais baixos da hierarquia arbórea. Como vimos na seção anterior, temos dados
que corroboram a ideia de que tempo seria adquirido antes de perfect. Portanto, acomodando
os resultados obtidos nesta dissertação à proposta de Nespoli (2018) exposta na figura 9,
poderíamos propor a seguinte hierarquia:
96

Figura 10: Representação sintática contemplando os sintagmas de perfect e o sintagma de tempo


com a hierarquia UPerfP > EPerfP > TP.

UPerfP

UPerf´

UPerf EPerfP

EPerf´

EPerf TP

T AspP23

Asp´

Asp VP

Para Nespoli (2018) e Nespoli e Martins (2018), o nódulo EPerfP carrega o traço de
[resultativo] enquanto que o nódulo UPerfP carrega o traço de [continuativo]. Nespoli (2018)
propõe que o traço [resultativo] seria mais básico quando comparado ao traço [continuativo].
Por essa razão, o traço [+ resultativo] seria essencial para se estabelecer o intervalo PTS tanto
para sentenças que veiculariam perfect existencial quanto para aquelas que veiculariam perfect
universal.

23
Embora tenhamos apresentado o nódulo AspP abaixo de TP nesta representação, o que está em consonância
com as propostas de Lessa (2015) e Nespoli (2018), destacamos que, nesta pesquisa, por não termos investigado
a aquisição dos aspectos gramaticais (imperfectivo e perfectivo), não apresentamos evidências de que TP
dominaria AspP na árvore sintática. Porém, destacamos que temos evidências de que UPerfP e EPerfP dominam
TP, o que sustenta pelo menos parte da proposta exibida na figura (9).
97

Defendemos aqui que a dissociação entre os dois tipos de perfect, isto é, a existência de
dois nódulos distintos, UPerfP e EPerfP, proposta por Nespoli (2018) e Nespoli e Martins
(2018), tem sustentação nos dados obtidos em pesquisas de aquisição de linguagem, como
naqueles obtidos nesta pesquisa e em algumas daquelas que se voltam para a aquisição de tempo
e aspecto básico.
Como vimos no capítulo 2 desta dissertação, mais especificamente na seção 4.2, muitas
pesquisas sobre aquisição de tempo e aspecto básico trazem como conclusões que as crianças
adquirem primeiramente o conceito de completude, o qual estaria relacionado ao traço
[resultativo]. Os resultados da pesquisa de Antinucci e Miller (1976), por exemplo, mostraram
que todas as crianças pesquisadas foram capazes de referenciar e codificar eventos no passado
somente quando eles possuíam como característica um resultado de mudança de estado
observado no estado final presente em algum objeto.
Analogamente, para a Hipótese da Primazia do Aspecto (ANDERSEN, 1989), as
flexões de tempo passado seriam predominantemente anexadas a verbos de aspecto semântico
achievement e accomplishment (ou seja, verbos com traço [+télico]) nos estágios iniciais de
aquisição de linguagem, e a marcação imperfectiva, que emerge mais tardiamente, seria usada
predominantemente com verbos de estado e atividade inicialmente (ANDERSEN & SHIRAI,
1996). Kratzer (1994) postula que somente os eventos télicos possuem resultado natural
associados a eles. O telos é o “ponto de mudança” que proporciona a transição de eventos télicos
para um estado de resultado.
Logo, a partir dos dados de AC e da revisão de literatura retomada acima, podemos
corroborar a proposta hierárquica de Nespoli (2018) com relação à dissociação entre os nódulos
de perfect existencial e universal. Já com relação à hierarquia dos nódulos de perfect e TP,
achamos necessário realizar uma mudança: em Nespoli (2018), propõe-se que TP dominaria
UPerfP e EPerfP; nesta pesquisa, propomos que UPerfP e EPerfP dominariam TP.
Essa proposta de que os nódulos de perfect, UPerfP e EPerfP, estão acima de TP é
sustentada nesta dissertação pelos dados apresentados nos exemplos (17) e (18), nos quais a
criança já demonstrava ter adquirido tempo por usar formas perifrásticas com auxiliar aos 2
anos e 5 meses e só depois, aos 2 anos e 6 meses, ela vai usar uma forma mais simples para
veicular o perfect (exemplo (1)). Destacamos que as formas perifrásticas são consideradas mais
complexas linguisticamente do que uma forma simples, como o pretérito perfeito, que pode
veicular o perfect.
98

Uma outra que pode emergir da análise da figura 10, é o fato de que o nódulo AspP, de
um lado, e os nódulos UPerfP e EPerfP, de outro lado, estariam separados na representação
pelo nódulo TP interveniente.
Como vimos na seção 1.2.1 desta dissertação, não há consenso na literatura a respeito
da definição do perfect. Alguns autores, como Reichenbach (1947) e Cinque (1999), definem o
perfect como um tempo. Já autores, como Comrie (1976, 1985), Iatridou, Anagnostopoulou e
Izvorski (2003) e Pancheva (2003), definem o perfect como um tipo de aspecto. Como resultado
desta pesquisa, vimos que o nódulo TP seria dominado pelos nódulos de perfect, o que os
distanciaria do nódulo de aspecto gramatical presente na representação sintática adotada por
Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003) e Nespoli (2018). Logo, nossos resultados nos fazem
questionar a definição escolhida para esta pesquisa, que foi a de que o perfect seria um tipo de
aspecto.
Essa escolha poderia ser mantida se nos apoiássemos em uma proposta estrutural como
a de Cinque (1999), na qual nódulos de diferentes categorias podem ser encontrar distanciados
na representação sintática. Portanto, mesmo assumindo a Hipótese da Maturação de Radford
(1990) e separando os nódulos de perfect do nódulo referente aos aspectos gramaticais, ainda
poderíamos sustentar a hipótese inicial de que o perfect é um tipo de aspecto.

4.2.2 Aquisição de perfect segundo a proposta de classificação de Comrie (1976)

Como vimos na seção anterior, AC começou a produzir sentenças veiculadoras de


perfect aos 2 anos e 6 meses. Ao analisarmos seu processo aquisitivo de modo longitudinal,
pudemos ver que inicialmente a mesma só produziu sentenças veiculadoras de perfect de
resultado (com 2 anos e 6 meses até 2 anos e 10 meses) e somente aos 2 anos e 11 meses
produziu a sua primeira (e única) sentença veiculadora de perfect de situação persistente. Temos
as primeiras produções de perfect experiencial aos 3 anos e a primeira (e única) sentença
veiculadora de perfect de passado recente aos 3 anos e 8 meses (isso pode ser visto no gráfico
5).
Como vimos no capítulo 1 desta dissertação, se equiparamos os tipos de perfect
propostos por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e os propostos por Comrie (1976),
teríamos a seguinte correspondência: o perfect universal equivaleria ao perfect de situação
persistente e o perfect existencial equivaleria aos perfect de resultado, experiencial e de passado
recente. Essa correspondência pode ser realizada devido à definição dos mesmos pelos autores.
O perfect de situação persistente, assim como o universal, veicula situações que se iniciaram
99

no passado e persistem até o momento de referência (COMRIE, 1976; IATRIDOU,


ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003). Já os perfect de passado recente, de resultado
e experiencial, assim como o perfect existencial, veiculam situações que se iniciaram e
acabaram no passado mas que possuem relevância no presente (COMRIE, 1976; IATRIDOU,
ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003).
Como o perfect de situação persistente (produzido aos 2 anos e 11 meses) equivaleria
ao perfect universal, as mesmas considerações feitas a respeito do perfect universal na subseção
anterior podem ser feitas com relação ao perfect de situação persistente.
O perfect de resultado indica que uma situação finalizada no passado apresenta o seu
resultado no presente (COMRIE, 1976). Para Comrie (1976), esse tipo de perfect seria a
manifestação mais clara desse aspecto. Como vimos na seção de resultados longitudinais de
AC, a mesma produziu, inicialmente, somente esse tipo de perfect (2 anos e 6 meses) e, mesmo
já produzindo os outros tipos, a quantidade de produção de perfect de resultado foi majoritária.
Para tratarmos dessa questão, devemos retomar a discussão de Nespoli (2018) que foi
abordada na subseção anterior. Os dados de AC analisados através de Comrie (1976) também
corroboram a proposta de que o traço [resultativo] seria mais básico quando comparado ao traço
[continuativo], sendo que esse último só seria valorado positivamente na veiculação de perfect
de situação persistente.
O perfect experiencial indica que uma situação finalizada pelo menos uma vez no
passado produz uma experiência no presente (COMRIE, 1976). Essas situações correspondem
a atividades genéricas ou a estados, como “viajar” ou “ser feliz”, e não a uma atividade
específica ou pontual, como “comer a maçã” ou “morrer” (DAHL, 1985). Comrie (1976) afirma
que o inglês e uma grande parte das línguas, inclusive as línguas europeias mais conhecidas,
não diferenciam sintaticamente o perfect experiencial e o perfect de resultado, que no caso do
PB seria manifestado através da morfologia de perfectivo. A primeira produção de perfect
experiencial por AC foi realizada aos 3 anos de idade. Embora tenha afirmado que a maioria
das línguas não diferencia morfossintaticamente os tipos de perfect experiencial de resultado,
o autor mostra exemplos de línguas, como o mandarim e o kpelle, que aparentemente possuem
marcas morfossintáticas específicas para expressar os perfect experiencial e o perfect de
resultado (COMRIE, 1976, p.58). A partir desses dados, seria possível sustentar a necessidade
de um nódulo específico para o perfect experiencial dissociado dos outros tipos de perfect, mas,
para isso, seriam necessários mais estudos sobre esse assunto.
O perfect de passado recente indica a relevância no presente de uma situação no passado
que ocorreu recentemente. Como vimos na seção anterior, só obtivemos uma manifestação que
100

classificamos como sendo indubitavelmente veiculadora de perfect de passado recente que


ocorreu quando AC estava com 3 anos e 8 meses. Algeo (1976) afirma que a noção de
proximidade temporal da situação não é um critério consistente para se definir o uso de formas
verbais, já que nenhuma forma verbal pode medir a distância temporal de uma situação. Dessa
forma, entendemos que o grau de recência de uma situação não é capaz de relacionar a situação
passada ao presente, característica essencial do aspecto perfect. O debate proposto por Comrie
(1985) exposto na seção 1.3.2 do capítulo 1 desta dissertação sobre a capacidade das línguas de
gramaticalizar o grau de recência de uma situação seria mais uma evidência a favor da proposta
de Algeo (1976).
Pancheva (2003), em sua classificação, propõe que haja apenas os perfect universal,
experiencial e de resultado e que eles são gramaticalmente distintos. Cinque (1999) propõe, a
partir da análise comparativa entre várias línguas, a presença de um nódulo aspectual específico
para expressar situações que acabaram de acontecer. Esse aspecto é denominado aspecto
retrospectivo. A partir dessa descrição, seria possível propor que o perfect de passado recente
de Comrie (1976) poderia se equivaler ao aspecto retrospectivo de Cinque (1999), mas, para
isso, seriam necessários mais estudos sobre esse assunto.
Como observamos acima, há discussões na literatura sobre se o perfect de passado de
recente pode constituir ou não um tipo de perfect. Associando essas questões à presença de
apenas um dado de AC que classificamos sendo veiculadora de perfect de passado recente e a
proposta de Radford (1990), propomos a seguinte estrutura arbórea:
101

Figura 11: Representação sintática contemplando os sintagmas de perfect e o sintagma de


tempo com a hierarquia ExPerfP > UPerfP > EPerfP > TP.

ExPerfP

ExPerf´

ExPerf UPerfP

UPerf´

UPerf EPerfP

EPerf´

EPerf TP

T AspP

Asp´

Asp VP

Na estrutura exposta cima, temos o nódulo referente ao perfect experiencial (ExPerfP)


dominando os nódulos UPerfP e EPerfP. Esse nódulo abrigaria o traço [experienciação]. Ainda,
segundo essa proposta, o traço [resultativo], por ser mais básico, estaria validado positivamente
na veiculação dos três tipos de perfect; o traço [continuativo] estaria validado positivamente
somente na veiculação do perfect universal; e o traço [experienciação] estaria validado
positivamente somente na veiculação do perfect experiencial.
Apresentamos essa dissociação e essa hierarquia porque talvez estejam em consonância
ao que Comrie (1976) sugere, como exposto no 6º parágrafo desta seção, e porque os resultados
102

desta pesquisa mostram que o perfect de resultado é adquirido antes do perfect experiencial.
Logo, essa dissociação entre o perfect de resultado e perfect experiencial tem sustentação nesta
dissertação, mas a dominação entre os nódulos ExPerfP e UPerfP apresenta fragilidade,
primeiramente, porque a emergência desses dois tipos de perfect ocorreu muito próximo
temporalmente (UPerfP na gravação 22 e o ExPerfP na gravação 23 e uma distância temporal
de 35 dias).
Em segundo lugar, já problematizamos na subseção anterior que podemos ter perdido
dados da produção desses tipos de perfect ao longo das coletas devido a distância temporal e a
falta de contextos específicos para a produção de determinados tipos de perfect nas gravações.
Dadas essas questões, pode ser que a dominância seja alterada, mas, para isso,
precisamos de mais estudos e, possivelmente, de dados obtidos através da aplicação de testes,
e isso não pôde ser contemplado nesta dissertação.

4.3.3 Aquisição de advérbios/expressões adverbiais associados a perfect

A respeito dos advérbios/expressões adverbiais que podem ocorrer no contexto de


perfect, Nespoli (2018) apresenta um resumo de quais advérbios/expressões adverbiais se
combinariam aos diferentes tipos de perfect segundo a proposta de classificação adotada por
Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003), considerando que eles marcariam diferentes
fronteiras do intervalo PTS. Vejamos o quadro de Nespoli (2018) apresentado no capítulo 1, de
forma adaptada, retomado abaixo:

Quadro 3: Fronteiras definidas no intervalo PTS pelos advérbios/expressões adverbiais que


ocorrem em contexto de realização de perfect universal e existencial (NESPOLI, 2018,
adaptado).

Advérbios/expressões adverbiais Tipos de perfect Fronteira

Sempre/Nunca/Ainda/Até X tempo (presente) Universal Esquerda e Direita

Desde X tempo/Há/Faz X tempo Universal Esquerda

Já/Nunca/Ainda não Existencial Direita


103

Os advérbios/expressões adverbiais referentes ao perfect universal possuem o valor


aspectual de continuidade, ou seja, quando associados ao tempo presente, indicam que a
situação se mantém durante um intervalo de tempo que inclui os tempos passado e presente. Já
os advérbios/expressões adverbiais referentes ao perfect existencial apresentam um valor
aspectual de resultatividade, isto é, quando associados ao tempo presente, indicam que há um
resultado no presente de uma situação realizada no passado (NESPOLI, 2018).
Nas seções 4.1.2 e 4.2.2, vimos que AC produziu sentenças sem a presença de
advérbios/expressões adverbiais, sentenças com o advérbio “já” e sentenças com a expressão
adverbial “ainda não”. O quadro abaixo apresenta um resumo desses resultados considerando-
se os tipos de perfect segundo Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003):

Quadro 4: Advérbios/expressões adverbiais que ocorrem em contexto de realização de perfect


universal e perfect existencial nas produções de AC.

Tipo de perfect Ausência/presença de Dados de AC


veiculado pela advérbios/expressões adverbiais
sentença

Sem advérbios/expressões adverbiais ✓


Universal
Com advérbios/expressões adverbiais X


Sem advérbios/expressões adverbiais

Existencial

Com advérbios/expressões adverbiais

(“já” e “ainda não”)

Molsing (2007) afirma que somente sentenças veiculadoras de perfect existencial


poderiam ser realizadas sem o auxílio de advérbios/expressões adverbiais. Nespoli (2018)
encontrou apenas produções de perfect universal sem advérbios/expressões adverbiais
foneticamente produzidos, embora defenda que tanto o perfect existencial quanto o perfect
universal podem ser veiculados em sentenças com o apagamento fonético de
advérbios/expressões adverbiais. Com base na única sentença produzida por AC veiculando o
104

perfect universal, na qual não havia advérbios/expressões adverbiais, esta dissertação se


encontra em consonância com a proposta de Nespoli (2018) e Nespoli e Martins (2018) segundo
a qual a expressão de perfect universal e perfect existencial pode se dar mesmo com o
apagamento fonético do advérbio/expressão adverbial.
Apesar disso, Nespoli (2018) afirma que os advérbios/expressões adverbiais são
elementos essenciais para a expressão do aspecto perfect e que os casos de não produção
fonética desses elementos são previstos pelo Princípio do Silêncio (SIGURÐSSON, 2004).
Sendo assim, é possível que os traços funcionais dos advérbios/expressões adverbiais que
ocupam a posição funcional de especificador (CINQUE, 1999; NESPOLI, 2018) estejam
sintaticamente ativos, embora não sejam foneticamente realizados através desses constituintes.
Dessa forma, informações contextuais que indicam a presença de um intervalo PTS além do
domínio da sentença (contextos) podem funcionar como pista para a identificação de um
advérbios/expressão adverbial não realizado foneticamente (NESPOLI, 2018).
Como pudemos ver nos dados apresentados acima, só foram produzidos
advérbios/expressões adverbiais referentes ao perfect existencial, quando produzidos. O fato de
terem sido realizados foneticamente somente advérbios/expressões adverbiais de perfect
existencial até o final do período das transcrições (esses advérbios/expressões adverbiais foram
usados com bastante produtividade, a saber, em 44% das manifestações de perfect de AC como
podemos observar no gráfico 3) evidencia a dominância de perfect universal com relação ao
perfect existencial. Se assumimos que a realização produtiva e consistente de
advérbios/expressões adverbiais constitui um argumento de que o sintagma flexional que o
abriga como especificador já emergiu (já foi adquirido), temos mais um argumento de que
EPerfP está abaixo de UPerfP, que pode ou não ter emergido até o final das transcrições (como
já foi discutido nas subseções anteriores).
Nespoli (2018) afirma que, a partir de uma análise das informações semânticas dos
advérbios/expressões adverbiais, a classe relativa ao perfect existencial parece ser
prototipicamente representada pelo advérbio “já”. Os dados encontrados nesta dissertação
corroboram essa proposta, visto que o advérbio “já” foi o primeiro a ser produzido para veicular
perfect existencial. Como relação aos advérbios de perfect universal, a classe relativa a esse
tipo de perfect parece ser representada prototipicamente pela expressão adverbial “desde X
tempo”. Como já foi apresentado na subseção 4.1.2, AC não produziu nenhum advérbio
veiculador de perfect universal durante as gravações e, portanto, não podemos fornecer
argumentos sobre qual seria o advérbio/expressão adverbial prototípico desse tipo de perfect.
105

A seguir, analisamos a relação entre os advérbios/expressões adverbiais e os tipos de


perfect segundo Comrie (1976).
O quadro abaixo apresenta a relação entre os advérbios/expressões adverbiais
produzidas por AC e os tipos de perfect segundo Comrie (1976):

Quadro 5: Advérbios/expressões adverbiais que ocorrem em contexto de realização dos tipos


de perfect segundo Comrie (1976) nas produções de AC.

Tipo de perfect Ausência/presença de Dados de AC


veiculado pela advérbios/expressões adverbiais
sentença

Sem advérbios/expressões adverbiais ✓

Resultado
Com advérbios/expressões adverbiais ✓
(“já” e “ainda não”)

Sem advérbios/expressões adverbiais ✓


Situação persistente
Com advérbios/expressões adverbiais X

Sem advérbios/expressões adverbiais X


Experiencial Com advérbios/expressões adverbiais
(“já” e “ainda não”)

Sem advérbios/expressões adverbiais ✓


Passado recente
Com advérbios/expressões adverbiais X

O perfect de resultado foi o único que se realizou tanto em sentenças sem


advérbios/expressões adverbiais foneticamente realizados, quanto em sentenças com o advérbio
“já” e com a expressão adverbial “ainda não”. Essas combinações também eram esperadas, já
que o perfect de resultado de Comrie (1976) se equivaleria ao perfect existencial de Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003), assim como o perfect experiencial e o de passado recente.
106

Além disso, situações veiculadoras de perfect de resultado necessitam ter um resultado que
possa ser visualizado no momento de referência (PANCHEVA, 2003), fato que pode ser
veiculado somente pelo contexto. Logo, esse tipo de perfect poderia ser veiculado por sentenças
sem advérbios/expressões adverbiais foneticamente realizados.
Como vimos no quadro acima, o perfect de situação persistente só se combinou com as
sentenças sem advérbios/expressões adverbiais foneticamente realizados. O perfect
experiencial foi realizado em sentenças com o advérbio “já” e a expressão adverbial “ainda
não” e não foi veiculado por sentenças sem advérbios/expressões adverbiais foneticamente
realizados. O perfect experiencial, ao contrário do perfect de resultado, não precisa que haja um
resultado que possa ser visualizado no momento de referência (PANCHEVA, 2003), nos
levando a crer que somente o contexto não seria suficiente para se veicular o perfect
experiencial.
O perfect de passado recente se realizou apenas em sentenças sem advérbios/expressões
adverbiais foneticamente realizados. A expressão “acabar de” + verbo no infinitivo utilizada
por AC seria capaz de expressar esse tipo de perfect, podendo, desta forma, deixar clara a ideia
de recência, de modo que o uso de advérbio foneticamente realizado parece ser dispensável
para a veiculação desse tipo de perfect.
Considerando a classificação de Cinque (1999), esse tipo de dado seria classificado
como veiculador de aspecto retrospectivo. O autor afirma que esse aspecto costuma ser expresso
nas línguas naturais por meio de partículas, perífrases ou afixos verbais. No exemplo retirado
do corpus de AC, podemos ver a utilização da perífrase “acabar de” + infinitivo, a qual poderia
ser a perífrase prototípica para se expressar esse aspecto no PB.
107

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Radford (1990), as crianças já nascem com todos os nódulos sintáticos em sua
gramática universal, mas, para que a aquisição das categorias sintáticas referentes a esses
nódulos ocorra, são necessárias a exposição a dados linguísticos de uma (ou mais de uma)
língua natural e a maturação dos sistemas cognitivo e físico. A aquisição dessas categorias
sintáticas acontece, primeiramente, pelos nódulos mais baixos da hierarquia arbórea e, assim,
há paulatinamente a aquisição da representação sintática pelas crianças. Portanto, estudos sobre
aquisição de linguagem podem nos auxiliar a entender a organização da representação sintática
presente em nossa FL.
Neste trabalho, utilizamos as classificações dos tipos de perfect apresentadas em
Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e Comrie (1976). Para as primeiras autoras, o
perfect pode ser classificado em universal e existencial. Já para Comrie (1976), o perfect pode
ser classificado em quatro tipos: perfect de situação persistente, perfect de resultado, perfect
experiencial e perfect de passado recente. Quando comparados os tipos de perfect apresentados
em Comrie (1976) àqueles apresentados em Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003),
temos a seguinte relação: perfect de situação persistente corresponde ao perfect universal, já o
perfect de resultado, o perfect experiencial e o perfect de passado recente correspondem ao
perfect existencial.
Esta pesquisa teve como objetivo investigar a aquisição de perfect universal e perfect
existencial associados ao tempo presente no PB. Para tanto, realizou-se um estudo de caso com
dados extraídos longitudinalmente de uma criança adquirindo o PB, denominada AC para esta
pesquisa. A hipótese sugerida para esta pesquisa foi de que a realização de perfect universal
associado ao tempo presente se dá simultaneamente à realização de perfect existencial
associado ao tempo presente na aquisição do PB. Para isso, considerou-se, de um lado, a
hipótese de um único nódulo de perfect na representação sintática apresentada por Alexiadou,
Rathert e von Stechow (2003) e, de outro, a hipótese de dissociação dos dois tipos de perfect
proposta por Nespoli (2018) e Nespoli e Martins (2018). Para as autoras, o perfect universal e
o perfect existencial estariam dissociados estruturalmente em nossa representação mental,
sendo que o nódulo referente ao perfect universal (UPerfP) carregaria o traço [continuativo] e
o referente ao perfect existencial (EPerfP), [resultativo]. Nespoli (2018) também propõe que o
nódulo UPerfP dominaria o nódulo EPerfP na estrutura arbórea.
Como vimos no capítulo destinado aos resultados e análises, podemos concluir que a
hipótese proposta para esta dissertação foi refutada. Os dados apresentados por AC nos
108

mostraram que a realização do perfect existencial ocorreu anteriormente à única produção de


perfect universal da participante. Esses dados, associados à proposta de Radford (1990),
corroboram a proposta de dominância estrutural de Nespoli (2018): o nódulo UPerfP dominaria
o nódulo EPerfP na estrutura arbórea.
Já segundo a proposta de Comrie (1976), vimos que, inicialmente, AC produziu apenas
sentenças veiculadoras de perfect de resultado, expandindo, posteriormente sua produção para
os tipos situação persistente, experiencial e passado recente nessa ordem. Devido a discussões
presentes na literatura sobre o passado recente, ser um tipo de perfect ou não e da presença de
somente uma manifestação veiculadora desse tipo de perfect, entendemos que seria mais
apropriada uma classificação de perfect em 3 tipos – perfect universal, perfect de resultado e
perfect experiencial –, tal como proposto por Pancheva (2003).
Os resultados de AC nos indicam que há uma dissociação entre esses três tipos de
perfect. Assim, teríamos que acrescentar na representação linguística um nódulo equivalente ao
perfect experiencial (ExPerfP), o qual carregaria o traço [experienciação], à proposta de Nespoli
(2018) e Nespoli e Martins (2018) de existência dos nódulos UPerfP e EPerfP. Dessa forma,
teríamos a seguinte proposta hierárquica para os nódulos de perfect: ExPerfP > UPerfP >
EPerfP. Portanto, podemos afirmar que o traço [resultativo] seria adquirido primeiramente, ou
seja, seria mais básico quando comparado aos traços [continuativo] e [experienciação].
Apesar de termos defendido a necessidade de dissociação entre os tipos de perfect de
resultado e experiencial e proposto uma hierarquia para esses nódulos a partir dos dados obtidos
nesta pesquisa, questionamos até que ponto essa hierarquia estaria de acordo com representação
linguística presente em nossa FL. A presença de somente uma sentença veiculadora de perfect
de situação persistente/universal e todos os questionamentos relacionados a esse dado, nos
fazem crer que haveria uma possibilidade de inversão dos nódulos ExPerfP e UPerfP. Devido
a essa dúvida, destacamos que novas pesquisas, como as comparativas entre línguas e com
gramáticas desviantes, precisam ser realizadas para investigar a dominância entre esses
nódulos.
Como vimos, não foi possível garantir que AC tenha adquirido o perfect de situação
persistente/universal somente a partir dos dados obtidos, então destacamos a importância de
associarmos a extração de dados de produção de caráter longitudinal à aplicação de testes de
compreensão. Desta forma, poderíamos obter dados mais fidedignos a respeito do
conhecimento linguístico dos participantes.
Os resultados desta pesquisa ainda evidenciam que o tempo é adquirido antes de perfect.
Uma expectativa com relação a este resultado já havia sido levantada na seção 2.3 desta
109

dissertação. Apesar de não ter analisado os dados de aquisição do aspecto perfect de forma
estrutural, Weist (1997) assumiu que a aquisição do present perfect no inglês ocorre
tardiamente, pois essa morfologia necessita de um certo grau de desenvolvimento do sistema
de referência temporal. Os resultados longitudinais de AC nos mostram que o início da
checagem do traço de tempo ocorreu antes das produções de perfect de qualquer tipo pela
mesma. Dessa forma, teríamos a seguinte proposta hierárquica: ExPerfP > UPerfP > EPerfP >
TP. Apesar de termos escolhido definir o perfect como um tipo de aspecto desde o início da
pesquisa, esses resultados nos fazem questionar essa definição. A dominância dos nódulos de
perfect em relação ao nódulo temporal reforça a discussão presente na literatura sobre a
definição do perfect como sendo um elemento sintático pertencente à categoria sintática de
tempo ou a de aspecto.
Como vimos nas análises deste trabalho, questões relevantes surgiram a respeito da
definição do perfect como aspecto e de uma classificação possível para essa categoria sintática.
Cinque (1999) é um dos autores que define o perfect como um tempo e propõe que o perfect de
passado recente de Comrie (1976) seja classificado como um aspecto. Devido à
correspondência entre as definições propostas por Cinque (1999) e os resultados encontrados
nesta pesquisa, decidimos investigar, no doutorado, os nódulos aspectuais e temporais
propostos por esse autor de forma aprofundada. Esperamos, desta forma, responder as questões
levantadas nesta pesquisa e outras que podem estar presentes na literatura a respeito das
categorias sintáticas tempo e aspecto.
Devemos destacar as relevâncias metodológicas deste estudo. O corpus longitudinal
produzido por esta pesquisa durou aproximadamente 2 anos e acompanhou várias fases de
aquisição de linguagem da criança estudada, proporcionando novos dados para pesquisas
futuras sobre tempo, aspecto e perfect. Além disso, este estudo inédito comprovou que os dados
de aquisição de linguagem e estudos longitudinais podem contribuir de forma relevante shlpara
a teoria gerativa.
110

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118

ANEXOS
119

ANEXO A: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Gostaríamos de convidar sua filha a participar como voluntária da pesquisa Aquisição


de Perfect no Português do Brasil. O motivo que nos leva a realizar esta pesquisa é contribuir
para o estudo da representação do perfect. Nesta pesquisa pretendemos investigar a emergência
de perfect universal e perfect existencial na aquisição do português do Brasil.
Caso você concorde que ela participe, vamos fazer as seguintes atividades com sua filha:
gravações de fala espôntanea, dentro de sua própria casa, a cada duas semanas, durante
aproximadamente uma hora. Esta pesquisa tem alguns riscos, que são: invasão de privacidade
e constrangimento da menor durante as gravações. Mas, para diminuir a chance desses riscos
acontecerem, a pesquisadora irá intervir o mínimo possível na rotina e nas vontades da criança
e fazer gravações somente de áudio. Ao participar desta pesquisa, a menor não terá nenhum
benefício direto. Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre o
processo de aquisição de linguagem para seus responsáveis legais, de forma que o
conhecimento que será construído a partir desta pesquisa possa contribuir para o entendimento
da representação do conhecimento linguístico na Faculdade da Linguagem.
Para participar deste estudo, você ou sua filha não terão nenhum custo, nem receberão
qualquer vantagem financeira. Apesar disso, se sua filha tiver algum dano por causadas
atividades que fizermos com ela nesta pesquisa, vocês terão direito a indenização. Você terá
todas as informações que quiser sobre esta pesquisa e estará livre para permitir ou recusar a
participação de sua filha nesta pesquisa. Mesmo que você permita a participação da menor
agora, você pode voltar atrás ou impedir a participação dela a qualquer momento. A
participação dela é voluntária e o fato de não querer participar não vai trazer qualquer
penalidade ou mudança na forma em que ela ou você são atendidos. O pesquisador não vai
divulgar seu nome. Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando finalizada. O
120

nome ou o material que indique a participação da menor não será liberado sem a sua permissão.
Vocês não serão identificados em nenhuma publicação que possa resultar.
Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias originais, sendo que
uma será arquivada pelo pesquisador responsável e a outra será fornecida a você. Os dados
coletados na pesquisa ficarão arquivados com o pesquisador responsável por um período de 5
(cinco) anos, e após esse tempo serão destruídos. Os pesquisadores tratarão a sua identidade
com padrões profissionais de sigilo, atendendo a legislação brasileira (Resolução Nº 466/12 do
Conselho Nacional de Saúde), utilizando as informações somente para os fins acadêmicos e
científicos.
Declaro que concordo em participar da pesquisa e que me foi dada à oportunidade de
ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Rio de Janeiro, _________ de __________________________ de 2018.

______________________

Assinatura do responsável legal do menor

______________________

Assinatura da pesquisador

Em caso de dúvidas, com respeito aos aspectos éticos desta pesquisa, você poderá
consultar:
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC
Praça Jorge Machado Moreira, 100 /Sala 15
Cidade Universitária – Ilha do Fundão/ Rio de Janeiro – R.J
CEP: 21.941-598
Fone: (21)3938-2598/ E-mail: [email protected]
121

ANEXO B: PARECER DE APROVAÇÃO DA PESQUISA PELO COMITÊ DE ÉTICA

UFRJ - INSTITUTO DE ESTUDOS E


SAÚDE COLETIVA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL

PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

1. DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: Aquisição de Perfect no português do Brasil


Pesquisador: NAYANA PIRES DA SILVA RODRIGUES
2. Área Temática:

Versão: 2
CAAE: 78583517.3.0000.5286
Instituição Proponente: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Patrocinador Principal: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

3. DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 2.581.925

4. Apresentação do Projeto:

Esta pesquisa constitui um estudo cuja temática é "Aquisição do perfect no português do


Brasil". Pretende esclarecer as diversas formas do perfect em dois tipos: universal e
existencial. O objetivo é investigar a emergência de perfect universal e perfect existencial na
aquisição do PB. Será realizado um duplo estudo de caso, de caráter qualitativo. Os
participantes serão duas crianças em período crítico de aquisição de linguagem, para poder
acompanhar todo o processo de aquisição das morfologias verbais de tempo. Eles serão filhos
de pais falantes nativos do português do Brasil e estarão expostos somente a essa língua. A
coleta de dados será realizada através de gravações da fala espontânea e semi espontânea das
crianças.
5. Objetivo da Pesquisa: O objetivo primário é investigar a emergência de perfect
universal e perfect existencial na aquisição do português do Brasil.

Objetivo Secundário: contribuir para o estudo da representação do perfect.


122

6. Avaliação dos Riscos e Benefícios:

Riscos: Há possibilidade de desconforto e invasão de privacidade dos menores durante as


gravações. Para minimizar esse risco, a pesquisadora irá interferir o mínimo possível na
rotina e nas vontades das crianças. As crianças a partir poderão escolher as atividades e os
brinquedos com os quais irá brincar durante as gravações.
Benefícios:Ao participar desta pesquisa, a menor não terá nenhum benefício direto.
Entretanto, a autora espera colaborar com informações importantes no processo de
aquisição de linguagem e o entendimento da representação do conhecimento linguístico.
A pesquisadora se compromete a divulgar os resultados obtidos.

7. Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:Algumas recomendações foram


atendidas, mas, é necessária a estruturação para adequação nas normas da plataforma
Brasil.

8. Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:


9. Recomendações:

10. Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:

O CEP delibera: A aprovação do Projeto.


11. Considerações Finais a critério do CEP:

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:

Situação do Parecer: Aprovado

12. Necessita Apreciação da CONEP: Não

RIO DE JANEIRO, 05 de Abril de 2018

Assinado por:
Maria Izabel de
Freitas Filhote
(Coordenador)
123

ANEXO C – SÍMBOLOS ADOTADOS NA TRANSCRIÇÃO DAS FALAS ESPONTÂNEAS


E SEMIESPONTÂNEA DOS PARTICIPANTES
Quadro com os símbolos adotados na transcrição, retirado do site
http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/, do Grupo de Estudos Discurso & Gramática,
fundado em 1991 pelo Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Além das convenções, foram adotados como regras os seguintes procedimentos,


também disponíveis no site do Grupo de Estudos Discurso & Gramática:
1) A fala da pesquisadora foi marcada com os mesmos critérios do informante:
fala da pesquisadora – P: entendi ... mas como assim era ... o dia a dia da senhora? [na ...]
fala do informante – I: [aí] eu ia pro colé::gio... volta::va ...
2) Não se utilizou o ponto de exclamação. Ao invés disso, entre parênteses, foi escrito
“sentença exclamativa”
4) Foram utilizados fáticos. Exemplos: ah, eh, ahn, uhn.
5) Eventualmente, foram combinados sinais. Exemplo: e::... (alongamento e pausa)
6) Não se utilizou pausa após interrogação.
124

ANEXO D – SENTENÇAS VINCULADORAS DE PERFECT PRODUZIDAS POR AC

LEGENDA PARTICIPANTE

NR PESQUISADORA

CM MÃE

PP IRMÃO

AC PARTICIPANTE DO SEXO FEMININO

GL AVÓ

Gravação 13 – AC 2;06
Contexto: AC e NR estavam montando um castelo com peças de lego. Após montar o castelo
(o castelo já se encontra montado), AC mostra para NR e fala que deseja que ele fique mais
alto.
AC: Doidei (montei). Castelo (sentença exclamativa)
NR: Já montou o castelo? (sentença exclamativa) Deixa eu ajudar você, pera aí.
AC: Eu posso dada (montar)? Castelo... Tá alto.
NR: Está alto o castelo? Não? Tem que ficar mais alto?

Gravação 15 – AC 2;07
Contexto: AC procura um brinquedo específico em seu armário de brinquedos. Quando o
encontra, mostra para NR.
AC: Aqui o outo. Vamos poculá. Vamos poculá o outo. Não sei. Não sei.
NR: Não sabe onde tá?
AC: Não sei. Não sei onde tá o outo. Não tô poculando o outo também... Achei (sentença
exclamativa) ((mostra para NR))
NR: Ai, que bom (sentença exclamativa) Vamos montar mais. Vai ficar maior. Vamos lá.

Gravação 16 - AC 2;08
Contexto: AC estava desenhado e quando terminou o desenho, ela mostrou para NR.
AC: É. Desenhei.
NR: Arrasou. Tá atrapalhando você? Sua obra de arte. Pronto. Seu hipopótamo.
125

Gravação 16 - AC 2;08
Contexto: CM (mãe) pergunta se PP (irmão) quer tomar banho e AC disse que quer tomar
banho.
AC: Eu já tomei banho?
CM: Já.
NR: Já. Quando eu cheguei aqui, você estava com o cabelo molhado.

Gravação 16 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estavam brincando com uma boneca.
NR: Você tava vendo a Cinderela quando eu cheguei?
AC: Eu tava vendo a Branca de Neve.
NR: Você tava vendo a Branca de Neve?
AC: Aí... Aí... Aí... Aí...Você chegou.
NR: Aí, eu cheguei?
AC: É.
NR: Quando eu cheguei, tava dando Cinderela.
AC: É. Tava?
NR: Tava. Ela já tava indo embora porque já era meia noite.

Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando. Após pintar um desenho, AC mostra o desenho para
NR.
AC: Não. Olha que eu fiz.
NR: Huum, que lindo.

Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando. Após pintar um desenho de uma baleia, AC mostra o
desenho para NR.
AC: Eu pintei de azul.
NR: Você pintou de azul?
AC: Pintei... Olha a baleia azul.

Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando.
126

AC: Já pintei.
NR: Já pintou?
AC: Já o cabelo dela. Uma Elsa.
NR: Vou desenhar.

Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando.
AC: Eu desenhei uma Anna bem gande aqui.
NR: ((risada))
AC: Já pintei. Já pintei. Falta a perna dela. A perna dela.

Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando.
AC: Já desenhou?
NR: Já. Acho que sim.

Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando.
AC: Tô desenhando...Tô desenhando. Já desenhei.
NR: Ficou lindo (sentença exclamativa) O que mais?

Gravação 18 – AC 2;09
Contexto: AC tinha retirado roupas e brinquedos do seu armário para brincar de viajar. Depois
disso, ela decidiu guardar todas as coisas.
AC: Já guardamos tudo, mamãe.

Gravação 19 – AC 2;09
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
AC: Já cortei. A outra panela. Essa panela.

Gravação 19 – AC 2;09
Contexto: AC pega uma boneca (filha) para brincar.
AC: Pega o pentinho dela.
NR: O pente?
127

AC: É.
NR: Ela vai pentear o cabelo? Ela vai passear?
AC: Ela vai pentear o cabelo.
NR: Vai, né? Porque ela tem que sair bonitinha. Ela não sai que nem eu.
CM: Nem eu.
NR: OPS.
AC: OPS. Ela caiu.
NR: Ela tá caindo. Ela vai passar um perfuminho. XU. XU. Ela vai encontrar com as amiga.
AC: Ela vai/ela já penteou o cabelo.
NR: Você vai pentear o cabelo?
AC: Não.

Gravação 19 – AC 2;09
Contexto: AC procura uma boneca (neném) e a boneca da Anna para brincar.
AC: Eu quero a neném e a Anna.
NR: Você quer a neném e a Anna?
AC: Eu quero.
NR: É essa a Anna que você quer? Você tem um milhão de Annas.
AC: É. A outra Anna. Essa tá sem roupa.
NR: Essa tá pelada? Pera aí, deixa eu achar a neném.
AC: Eu já ni/eu já achei a minha neném.

Gravação 19 – AC 2;09
Contexto: AC estava brincando com a boneca da Anna e seu irmão pega da mão dela. Então,
ela notifica o fato para NR e aponta para seu irmão enquanto faz isso.
AC: Não, PP. Ele pegou (sentença exclamativa) Ele pegou (sentença exclamativa) ((aponta
para PP))
NR: Pede de volta que ele te devolve.
AC: Ele pegou a Anna ((aponta para PP)).
NR: É só pedir de volta que ele te devolve.

Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: AC e NR estão brincando de lego. AC achou uma peça do brinquedo que é uma
cadeira.
128

AC: Vamos fazer uma cadeira?


NR: Vamos.
AC: Eu achei uma cadeia (sentença exclamativa) ((mostra a cadeira para NR))

Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
AC: Vai pra casinha dela. Eu achei/Eu achei o meu garfo. Aqui.

Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: NR, AC e PP estavam conversando. No meio da conversa, AC começa a procurar
algo.
AC: ( ) aqui. É. Ah! Já sei!

Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: AC começa a procurar algo. Ela acha o apito e mostra para NR.
NR: Quem é esse, PP?
PP: É.
AC: É o Alladin. Eu achei um apito (sentença exclamativa) Eu achei um apito (sentença
exclamativa)

Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: NR e AC estavam brincando de fazer cozinhar.
NR: Vai cortar a tangerina?
AC: (incompreensível – 13:59) Já cortei.
NR: Cortou?
AC: Cortei. Esse (incompreensível – 14:15)

Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: CM manda os filhos escovarem os dentes.
CM: Aqui, a pasta de dente. A pasta de dente, AC.
AC: A minha é da Minnie.
NR: É da Minnie?
AC: Sim.
NR: Que linda.
129

AC: E do Mickey/da Minnie e do...


PP: (grito)
AC: Mickey. ((depois de um tempo)) Já escovei.
NR: Já escovou?
CM: Bota lá no banheiro.

Gravação 21 – AC 2;10
Contexto: AC e PP estavam comendo biscoitos.
AC: Ele já comeu. Tá na sua boca.
NR: (risada)
AC: Ele já comeu?
CM: Você já comeu?

Gravação 22 – AC 2;11
Contexto: AC e PP estão escovando os dentes.
CM: O que você quer? Quer o fio-dental? Já passou?
AC: Já passei. (gritaria)

Gravação 22 – AC 2;11
Contexto: CM manda AC conta para NR o que houve com seu pé.
CM: Conta pra tia Naná o que aconteceu com seu pé.
NR: O que aconteceu com seu pé?
CM: O que aconteceu com seu pé?
AC: Um mosquito me mordeu no pé ((mostrou o pé para NR)).
NR: Ai, meu [Deus (sentença exclamativa)]
AC: [Tô tomando] remédio.
NR: Tá tomando remédio?
AC: Sim.

Gravação 22 – AC 2;11
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
NR: Vamos fazer feijão?
AC: Não, eu já fiz.
NR: Já fez feijão?
130

AC: Já.

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC pega um brinquedo e PP tenta pegar o mesmo. CM diz para ele esperar AC
terminar de brincar ou para pegar outro brinquedo. Ele não deseja fazer nenhumas das coisas.
Enquanto isso, AC brinca com o brinquedo.
AC: Eu já brinquei.
NR: Já brincou? Então, empresta pro seu irmão, então.

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC encontra o ioiô.
AC: Em mim, já bateu isso. O ioiô.
NR: Já bateu em você?
AC: Já.

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC mostra para NR um brinquedo que foi comido/mastigado pelo cachorro da
família.
NR: Hum...Não pode dar o brinquedo pro cachorro.
AC: [É].
NR: [Ele] come.
AC: Ele já comeu.
NR: Brigada.

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
NR: Tá cozinhando?
AC: Não. Eu botei ali ((mostrou para NR)).
NR: Botou no micro-ondas?
AC: Botei.

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: NR e AC estão brincando com um brinquedo que parece um sorvete.
AC: Esse aqui acabou ((mostrou para NR)).
131

NR: Cabô?

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR conversam enquanto brincam.
NR: Seu irmão não quer me dar um beijo.
AC: Eu ((ainda)) não te dei.
NR: Você também não me deu. Posso te dar um? Não? (sentença exclamativa)

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR conversam enquanto brincam.
AC: A minha sandália tá dentro da mochila do PP ((mostra para NR aonde está a mochila do
irmão)).
NR: ((risada))
AC: A sandália ficou ali na ( )
NR: Por que que a tua sandália tá ali? Você levou pra escola a sandália?
AC: Não. Minha mãe botou ali.
NR: Botou? Ela guardou ali?
AC: Guardou ((cópia)).

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
AC: Eu tô cortando.
NR: Ah, tá bom. Então, eu espero.
AC: ((depois de um tempo)) Já cortei.

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
AC: Tia Naná (sentença exclamativa) Tia Naná (sentença exclamativa)
NR: Oi, meu amor (sentença exclamativa)
AC: Eu já cortei o seu bolinho (sentença exclamativa)
NR: Já tô indo.

Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
132

AC: Eu já comi.
NR: Comeu esse? Todo?

Gravação 24 – AC 3;01
Contexto: AC pega um ferro de passar roupa de brinquedo e meias para passar
AC: OPA. A meia também.
NR: Vai passar a meia também?
AC: A minha meia da Anna.
NR: Você vai passar?
AC: Eu já passei.

Gravação 24 – AC 3;01
Contexto: AC e NR estão brincando de boneca.
AC: Peguei outra meia ((mostrou para NR)).

Gravação 24 – AC 3;01
Contexto: AC e PP estão brincando de carro. PP está dentro de um carro de brinquedo e AC
está em um patinete. Ela prende o patinete no carro com o intuito de ser puxada pelo carro de
PP.
AC: Eu já prendi.

Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC decide trocar de roupa.
AC: Tirei ((vai até NR)).
NR: Tirou a sua roupa?
AC: Tô pelada (sentença exclamativa)
NR: Tá de calcinha. Vai, escolhe uma roupa para você vestir.

Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC decide trocar de roupa. A resposta de NR evidência a presença de perfect
existencial nesse contexto.
AC: Peguei uma blusa de laço ((mostra para NR)).
NR: Que linda, sua blusa.
133

Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC pega um caixa de meias e mostra para NR uma meia específica.
NR: Vai botar na filha?
AC: Essa... eu perdi a outra dessa ((mostra a meia sem par para NR)).

Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC e NR conversam sobre presentes de Natal que AC pediu para Papai Noel.
NR: Qual é o tamanho do carro que você vai ganhar?
AC: Eu já ganhei um carro.
NR: Já ganhou?
AC: Já.
NR: Esse aqui?
AC: É.
NR: Mas você não falou que vai ganhar outro no Natal?
AC: Não.
NR: Não?
AC: Já tem esse, já tem esse.
NR: Aaaaah... Aí, você vai ganhar só a Minnie?
AC: Eu vou ganhar presente da Minnie e do carrinho.

Gravação 25
Contexto: NR, AC e PP estavam vendo/lendo livros.
NR: Você tava mexendo no outro, PP, e a sua irmã pegou.
PP: AC! (resmungo)
AC: Não, não, não. Já acabou? Toma, PP.
NR: Gente, que livro lindo.

Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC e NR fazem aviões de papel.
AC: PP. PP, toma aqui. Ele amassou (sentença exclamativa) ((mostra o avião amassado por
PP para NR))
NR: Não amassou, não. Tá só ajeitando.
134

Gravação 27 – AC 3;04
Contexto: AC e NR estão brincado com carrinhos.
NR: Ih! Quem é que tá sem roda?
AC: Qual?
NR: Qual que tá sem roda?
AC: Esse.
NR: Essa roda é muito grande. Tem que ser igual a essa.
AC: ( ) Eu já separei. Eu já separei... ( ) o volante.

Gravação 27– AC 3;04


Contexto: AC fala com sua avó sobre algo que NR ainda não tinha visto.
AC: A tia Naná ainda não viu.

Gravação 28 - AC 3;05
Contexto: AC conversa com GL (avó) na cozinha sobre um brinquedo quebrado.
AC: Consertei assim ((mostra para GL)).
GL: Ai, ficou ótimo.
AC: Eu botei assim ((mostra para GL)).
GL: Ficou ótimo.
AC: Eu botei assim ((mostra para GL)).

Gravação 29 – AC 3;05
Contexto: AC fala com sua avó sobre algo que NR ainda não tinha visto.
AC: A tia Naná ainda não viu.

Gravação 29 – AC 3;05
Contexto: AC e NR brincam de lego. AC possui diferentes tipos de lego e procura peças que
encaixem um lego específico em seu armário de brinquedos.
NR: Só tem esses. Os outros são de outro negócio.
AC: Achei.

Gravação 31 - AC 3;06
Contexto: AC e NR brincam de boneca.
AC: Ih (sentença exclamativa) Achei um pijama (sentença exclamativa)
135

NR: Achou pijama da Joana?


AC: Aqui (sentença exclamativa)
NR: É pra botar nela?
AC: Aqui, eu achei.
NR: É pra botar nessa?
AC: É. Pa ela dormir de chupeta.

Gravação 31 - AC 3;06
Contexto: AC e NR brincam de boneca. NR dá comida (papá) para a boneca enquanto AC
procura um paninho para colocar em cima da roupa da boneca como o intuito de não deixar
cair comida na roupa dela.
AC: Ih (sentença exclamativa) Achou o pano (sentença exclamativa) Achou o pano(sentença
exclamativa)
NR: Agora achou o pano?
AC: É, agola.

Gravação 32 – AC 3;07
Contexto: AC, NR e PP estão no quarto procurando brinquedos para brincar.
NR: Conseguiu?! Bate aqui. Arrasou.
AC: Bigodão! Bigodão! Bigodão!
NR: Oh! Cadê o outro? O pequenininho? O filho dele.
PP: Mimi.
NR: Oh! Você tem o bigode grande e o bigode pequeno?
AC: Esse aqui foi o meu pai que me deu.

Gravação 32 – AC 3;07
Contexto: AC mostra o livro de colorir que ganhou da avó.
AC: Vovó! Olha! A vovó me deu presente.
NR: Te deu presente? Cadê?
AC: Aqui.

Gravação 32 – AC 3;07
Contexto: AC está pintando um desenho com sua avó.
AC: Eu pintei de marrom. Olha, vovó!
136

Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: NR e AC brincam com os brinquedos da Patrulha Canina. Um dos bonecos está com
o chapéu solto.
NR: Ih, caiu o chapéu do coisinha de novo. Cadê o chapéu dele?
AC: Aqui. Achei.

Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Não (sentença exclamativa) Eu ainda não terminei de brincar. Não te dei.

Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Eu peguei plimeilo. Eu acabei de pegar.

Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Ele já soltou!
NR: Pronto. ((risada))
AC: Ele já soltou!
NR: Já? Viu? É só pedir.

Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: NR e AC estão brincando.
NR: Tá. Ele quer comer também? Eu vou fazer xixi porque estou muito apertada. E já volto.
AC: Eu já fiz xixi.

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