Aquisicao de Perfect No Portugues Do Bra
Aquisicao de Perfect No Portugues Do Bra
Aquisicao de Perfect No Portugues Do Bra
Rio de Janeiro
2019
NAYANA PIRES DA SILVA RODRIGUES
Rio de Janeiro
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Dedico essa dissertação às mulheres que me trouxeram aqui: minha mãe e minha avó.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa tem como objetivo investigar a aquisição de perfect universal e perfect existencial
(IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003) associados ao tempo presente no
português do Brasil (doravante PB). Esperamos, dessa forma, contribuir para o estudo da
representação do conhecimento linguístico de perfect. A hipótese sugerida para esta pesquisa é
de que a realização de perfect universal associado ao tempo presente se dá simultaneamente à
realização de perfect existencial associado ao tempo presente na aquisição do PB. Para isso,
realizamos um estudo de caso de caráter qualitativo, com coleta de dados feita
longitudinalmente por meio de gravações da fala espontânea e semiespontânea de uma criança,
totalizando 33 gravações. Como resultado, temos a produção de perfect na fala da participante
somente a partir da gravação 15, realizada quando a criança estava com dois anos e seis meses.
Os dados obtidos revelaram que a realização do perfect existencial, mais especificamente a
expressão do resultado no presente de uma situação passada – também chamado de perfect de
resultado –, ocorreu anteriormente à realização do perfect universal. Dessa forma, refutamos a
hipótese deste estudo. Os dados obtidos revelaram ainda que, após a realização do perfect de
resultado e do perfect universal, houve realizações de perfect existencial que ressaltavam a
experiência no presente de uma situação passada – também chamado de perfect experiencial.
Logo, sugerimos que haja uma dissociação na representação linguística entre os seguintes tipos
de perfect: de resultado, universal e experiencial. Esses tipos de perfect projetariam,
respectivamente, os nódulos EPerfP, UPerfP e ExPerfP. Os traços alocados nos núcleos dessas
projeções seriam, respectivamente, resultativo, continuativo e experienciação. Os resultados
deste estudo ainda evidenciaram que tempo foi adquirido antes de perfect. Portanto,
defendemos nesta pesquisa a seguinte representação estrutural: ExPerfP > UPerfP > EPerfP >
TP.
The aim of this research is to investigate the acquisition of the universal perfect and existential
perfect (IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003), associated with the
present tense in Brazilian Portuguese. This way, we expect to contribute to the study of the
representation of the linguistic knowledge of the perfect aspect. The suggested hypothesis for
this research is that, in the process of acquisition of Brazilian Portuguese, the realization of the
universal perfect, associated with the present tense, takes place simultaneously to the realization
of the existential perfect, associated with the present tense. To this end, we conducted a
qualitative case study, with data collection longitudinally performed through the recording of a
child’s spontaneous and semi-spontaneous speech, with the total of 33 recordings. As a result,
the production of the perfect aspect in the child’s speech is perceived only from the recording
15 on, when the child was two years and six months old. The obtained data revealed that the
realization of the existential perfect, more specifically the expression of the result in the present
of a past situation – also called perfect of result – occurred prior to the realization of the
universal perfect. This way, we refute this study’s hypothesis. The obtained data also revealed
that, after the realization of the perfect of result and the universal perfect, there were realizations
of the existential perfect that emphasized the experience in the present of a past situation – also
called experiential perfect. So, we suggest that there is a dissociation in the linguistic
representation between the following types of perfect: of result, universal and experiential.
These types of perfect would project, respectively, the nodes EPerfP, UPerfP and ExPerfP. The
allocated traces in the nodes of these projections would be, respectively, resultative, continuous
and experiential. In addition, the results of this study demonstrate that tense was acquired before
perfect. In this research, therefore, we defend the following structural representation: ExPerfP
> UPerfP > EPerfP > TP.
Figura 7: Representação sintática proposta por Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003,
p.7)............................................................................................................................................42
Gráfico 4: Total de produções dos aspectos gramaticais e perfect nos dados de AC................85
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 15
INTRODUÇÃO
Segundo Radford (1990), as crianças já nascem com todos os nódulos sintáticos em sua
GU, mas são necessárias a exposição a dados linguísticos e a maturação dos sistemas cognitivo
e físico para que elas possam ativar essas categorias. Essa ativação acontece, inicialmente, pelos
nódulos mais baixos da hierarquia arbórea e, assim, há paulatinamente a aquisição da
representação sintática pelas crianças.
Esta pesquisa tem como objetivo investigar a aquisição de perfect universal e perfect
existencial associados ao tempo presente no PB. Esperamos, através da análise de dados de
aquisição, contribuir para o entendimento da hierarquia da(s) categoria(s) funcional(is) que
abriga(m) traço(s) de perfect na FL dos falantes.
A hipótese sugerida para esta pesquisa é de que a realização de perfect universal
associado ao tempo presente se dá simultaneamente à realização de perfect existencial
associado ao tempo presente na aquisição do PB. Se tal hipótese se confirma, fornecemos
evidência de que um único nódulo de perfect na representação sintática pode abrigar os traços
de perfect universal e de perfect existencial que são adquiridos a um só tempo.
Para esta pesquisa, foi realizado um duplo estudo de caso de caráter longitudinal. Os
participantes escolhidos para este estudo se encontravam no início da fase de uma palavra, pois
desejávamos acompanhar todo o processo de aquisição das morfologias verbais e dos
advérbios/expressões adverbias. A coleta de dados foi realizada através de gravações da fala
espontânea e semiespontânea das crianças, as quais foram realizadas a cada duas semanas com
duração média de uma hora.
Esta dissertação se divide em cinco partes. A primeira trata de questões sobre o aspecto
perfect que são relevantes para o entendimento do objeto de estudo em questão. A segunda trata
dos estudos sobre a aquisição de linguagem de modo geral, e de modo específico, das categorias
funcionais tempo, aspecto e, ainda mais especificamente, aspecto perfect. A terceira trata da
metodologia. A quarta parte trata dos resultados obtidos e da análise dos dados. A última parte
se destina às considerações finais desta pesquisa.
17
1 ASPECTO PERFECT
Como já foi apresentado na introdução desta dissertação, esta pesquisa está ancorada a
teoria gerativa e, nessa teoria, mais especificamente na teoria X-barra (CHOMSKY, 1981), as
estruturas presentes nas sentenças podem estar representadas na mente humana através de
sintagmas. Inicialmente, só haviam sido propostas na literatura estruturas sintagmáticas na
camada lexical. Porém, a partir de Chomsky (1986b), passou-se a assumir uma estrutura
sintagmática também na camada funcional. O aspecto perfect, objeto de estudo desta
dissertação, é um dos elementos que compõem a camada funcional. Mais especificamente, o
aspecto perfect compõe a camada flexional.
Conforme foi abordado na introdução desta dissertação, o objetivo dessa pesquisa é
investigar a aquisição do aspecto perfect. Para tanto, temos, neste capítulo, uma revisão de
literatura sobre a camada funcional e sobre alguns elementos desta camada que estão
intimamente relacionados ao aspecto perfect, que são tempo e aspecto. O aspecto perfect
também é apresentado neste capítulo.
Essa revisão é composta pelas seguintes seções: 1.1 Representação estrutural das línguas
naturais; 1.2 Tempo e Aspecto; e 1.3 Aspecto perfect.
Conforme é proposto pela teoria X-barra, o sintagma flexional IP1 é a projeção máxima
da sentença (CHOMSKY, 1986b). Pollock (1989) afirma, então, que a camada possui dois
diferentes traços, sendo esses [tempo] e [concordância], e que cada um desses traços projeta um
sintagma distinto, no caso, TP2 e AgrP3, respectivamente. Abaixo, podemos verificar a
representação sintática proposta por Pollock (1989):
1
Sigla referente ao Sintagma Flexional
2
Sigla referente ao Sintagma de Tempo.
3
Sigla referente ao Sintagma de Concordância.
18
TP
T´
T NegP
Neg´
Neg AgrP
Agr´
Agr VP
Pollock (1989) afirma que essa cisão de IP seria universal, ou seja, todas as línguas
possuiriam a mesma representação sintática. A partir dessa conclusão, Iatridou (1990) afirma
que, se isso for de fato verdadeiro, teríamos que esperar uma “explosão” na Representação
sintática de IP, pois há línguas que apresentam elementos que não verificamos em outras, como
informações além de tempo e concordância. Logo, a autora propõe que as línguas variariam
conforme as categorias funcionais que possuem e que, portanto, a representação estrutural de
IP não poderia ser universal.
Esse embate entre a universalidade ou não da representação estrutural da camada
funcional da representação sintática pode ser relacionado à discussão acerca de duas hipóteses:
a Hipótese da Uniformidade e a Hipótese da Seleção. Segundo a Hipótese da Uniformidade,
todas as línguas apresentariam a mesma representação estrutural, pois têm disponíveis os
mesmos traços. Essa hipótese foi defendida por Sigurðsson (2004). Esse autor afirma que todas
as línguas são iguais sintaticamente e que os níveis linguísticos lexical e fonológico seriam os
únicos responsáveis por diferenciar as línguas naturais.
Sigurðsson (2004) também propõe o que ele chama de Princípio do Silêncio. De acordo
com esse princípio, qualquer traço sintático pode não ser expresso morfologicamente em
alguma língua. Para esse autor, também haveria a possibilidade de expressarmos traços de
19
forma compacta, ou seja, mais de um traço pode ser realizado por meio de um único morfema.
Esses casos pertencem ao que Sigurðsson (2004) chama de Princípio de Compacidade.
A Hipótese da Seleção é defendida por Thráinsson (1996). Para esse autor, a criança
adquiriria apenas as categorias funcionais que são realizadas morfologicamente na língua a qual
ela é exposta. O autor ainda afirma que, mesmo que tenhamos línguas tipologicamente
parecidas, isso não garante que elas possuam o mesmo inventário de categorias funcionais.
Para a teoria gerativa, a criança adquiriria linguagem de forma inata, pois todos os seres
humanos nasceriam com um dispositivo genético, a GU, que nos capacitaria a adquirir
linguagem (CHOMSKY, 1982, 1986a, 1986b, 1988). A GU conteria os princípios e parâmetros
(CHOMSKY, 1986a). Os princípios seriam propriedades comuns a todas as línguas e os
parâmetros seriam os responsáveis por diferenciar as línguas e, por isso, deveriam ser fixados
ao longo do processo de aquisição.
Cinque (2013) afirma que a GU é a responsável por atribuir possibilidades e restrições
às gramáticas das línguas. Portanto, podemos supor que a estrutura configuracional da sentença
também seria derivada da GU.
A estrutura configuracional é o tema de pesquisa da Cartografia. Essa é uma linha de
pesquisa que tem como objetivo mapear as estruturas sintáticas utilizando-se do esquema
configuracional proposto pela teoria X-barra.
As pesquisas em Cartografia parecem estar alinhadas com a Hipótese da Uniformidade,
uma vez que assumem que todas as línguas possuiriam a mesma configuração estrutural na
camada funcional (CINQUE, 1999, 2002; RIZZI, 2004; CINQUE & RIZZI, 2008). Além disso,
na Cartografia, assume-se que todas as línguas também possuiriam a mesma hierarquia das
projeções funcionais, ou seja, não só os mesmos sintagmas, como a mesma ordem hierárquica
desses sintagmas nas diferentes línguas.
A Hipótese da Uniformidade é adotada para esta dissertação, pois assumimos neste
estudo que tal hipótese melhor se coaduna às propostas inatistas assumidas na gramática
gerativa, conforme abordamos no capítulo 2.
Na próxima seção, abordamos duas estruturas pertencentes à camada funcional, mais
especificamente, à camada flexional: tempo e aspecto.
20
1.2.1 Tempo
Para Comrie (1985, p.2), uma forma adequada para explicar o tempo na linguagem
humana seria através da representação desta categoria funcional com uma linha reta, como
podemos visualizar na figura 2. Nessa representação, temos como o marco 0 o tempo presente;
o tempo passado estaria convencionalmente representado à esquerda do presente e; o futuro, à
direita deste último. Abaixo, temos a figura 2 que nos mostra a representação de tempo
proposta por Comrie (1985, p.2):
4 Como foi apresentado na seção anterior, assumimos para esta dissertação a Hipótese da Uniformidade de
Sigurðsson (2004), a qual é contrária a esta de Comrie (1985).
22
No exemplo (1), temos uma situação no tempo absoluto presente; no (2), uma situação
no tempo absoluto passado; e, no (3), uma situação no tempo absoluto futuro.
Para os tempos relativos é obrigatório identificar um ponto de referência, sendo a gama
de pontos de referência potenciais, em princípio, todos aqueles compatíveis com o contexto
dado. O momento presente pode ser utilizado como centro dêitico, se o contexto fornecer essa
informação. Logo, a diferença entre os tempos absoluto e o relativo é a especificação ou não do
momento presente como ponto de referência. Os tempos relativos possuem o momento presente
como um possível ponto de referência, mas está mais associado a uma interpretação do que a
seu significado em si.
As relações entre pontos temporais que observamos nos tempos absolutos e relativos
apresentadas em Comrie (1985) foram baseadas na proposta de Reichenbach (1947). Essa
proposta tem como base a presença e a relação entre três pontos temporais: tempo de fala
(speech time - ST), tempo do evento (event time - ET) e tempo de referência (reference time -
RT). O ponto ST representa o momento do discurso, sendo associado ao momento de fala; o
ponto ET representa o momento no qual o evento comentado aconteceu; e o ponto RT é o
responsável por mediar a relação entre ST e ET. Esses contextos temporais possuem as
seguintes relações: simultaneidade (=); anterioridade (<) e subsequencialidade (>).
Para os tempos absolutos de Comrie (1985), teríamos as seguintes relações
(REICHENBACH, 1947):
Já para o tempo relativo perfect, que é o tema desta dissertação, teríamos as seguintes
relações (REICHENBACH, 1947):
Cinque (1999) é outro autor que defende essa proposta. Na representação sintática proposta por
este autor, há um nódulo denominado Tempo Anterior, que é definido como o tempo que marca
relação entre tempo do evento o tempo de referência aquele precedendo este. O advérbio
canônico desse tempo seria o already (já). Essa definição se assemelha à definição de perfect
existencial adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003)5.
Apesar de ser classificado como tempo pelos autores mencionados acima, autores como
Comrie (1985) defendem que o perfect quando associado ao tempo presente seria um tipo de
aspecto. Para defender essa proposta, o autor expõe diversas evidências, entre elas, a
incompatibilidade de associação entre o perfect e determinados advérbios temporais6) e a
distinção morfossintática apresentada por algumas línguas entre o present perfect e os tempos
absolutos e relativos. Para esta pesquisa, seguimos a proposta de Comrie (1976, 1985) e
classificamos o perfect como aspecto.
Comrie (1985) afirma que, embora haja uma distinção conceptual entre tempo e aspecto,
haveria uma relação importante entre elas. Um exemplo dessa relação está no fato de algumas
línguas combinarem em um mesmo morfema as informações de ambas as categorias (COMRIE,
1976). Isso ocorre no PB, língua que é estudada nesta dissertação.
1.2.2 Aspecto
5
Essa classificação é explicada com mais detalhes na seção 1.3.1 deste capítulo.
6
Essa informação se encontra mais detalhada na seção 1.3 deste capítulo.
24
Estados - - x7
Atividades + - -
Accomplishments + - +
(Processos
culminados)
Achievements + + +
(Culminações)
Semelfactivos + + -
Como podemos ver na tabela acima, os verbos foram classificados a partir da presença
ou ausência de determinados traços, sendo eles: dinamicidade, pontualidade e telicidade. Os
verbos [+dinâmico] são aqueles que expressam situações que demandam fornecimento
contínuo de energia para ocorrer. Os verbos [+ pontual] são aqueles que não possuem duração
temporal. Já os verbos [+ télico] são os que possuem um ponto final linguisticamente
delimitado.
O aspecto gramatical é dividido em dois aspectos básicos nas línguas, que são o
perfectivo e o imperfectivo, como podemos ver no esquema proposto por Comrie (1976, p.25):
7 Smith (1997) afirma que o traço [telicidade] é irrelevante para situações com propriedade [-dinâmico].
25
Como o aspecto pode ser gramaticalizado nas línguas e esta dissertação tratar de um
aspecto que é gramaticalizado, é importante trata de estudos acerca do nódulo da camada
flexional que abriga informações aspectuais.
9
O valor de imperfectivo contínuo está apoiado do advérbio “agora”, visto que, sem sua presença a frase veicularia
preferencialmente o imperfectivo habitual no PB, pois o presente simples veicula também esse aspecto (COMRIE,
1976).
10
Os afásicos agramáticos apresentam fala com ausência marcante de verbos, de flexões nominais e verbais e de
palavras funcionais como artigos e preposições (PINTO & SANTANA, 2009).
11
Sigla referente ao Sintagma Complemetizador.
27
afetam o conhecimento linguístico. Logo, os nódulos mais altos não estariam mais disponíveis
para a checagem de traços no caso dos pacientes agramáticos. Essa hipótese ficou conhecida
como Hipótese da Poda da Árvore Sintática. Na figura abaixo, podemos verificar o ponto em
que a árvore sintática foi podada nos pacientes investigados (nessa proposta assume-se a
presença do nódulo de AgrP na representação sintática).
CP
C´
C TP
T´
ponto de poda da árvore
T NegP
Neg´
Neg ArgP
Arg´
Arg VP
Como vimos acima, para Friedmann e Grodinsky (1997), o nódulo temporal dominaria
o nódulo de concordância, pois, em seus resultados, os pacientes agramáticos apresentaram
dificuldades para produzir morfemas de tempo e não de concordância. Devido à proposta de
exclusão do nódulo de concordância da camada funcional e seguindo a proposta de Bok-
Bennema (2001) e Koopman e Sportiche (1991), Novaes e Braga (2005), ao analisar dados
28
obtidos de uma participante com afasia de Broca12, propõem uma estrutura hierárquica da
camada flexional diferente da apresentada na figura 4, como é apresentado a seguir.
Essa ideia surgiu através da análise da produção de fala de uma paciente agramática. A
partir desse estudo de caso, os autores concluíram que, embora a paciente não tivesse
apresentado dificuldades para produzir verbos no tempo passado, ela tinha dificuldade em
produzir verbos no pretérito imperfeito. Dessa forma, os autores entenderam que a dificuldade
para expressar a noção de aspecto e não a de tempo poderia indicar que o nódulo de aspecto
havia sido comprometido, enquanto o nódulo de tempo permanecia intacto. A poda da árvore a
partir desse nódulo indica que aspecto ocuparia uma posição mais alta na representação
sintática, quando comparado ao nódulo de tempo. Assim, a categoria de aspecto dominaria a
categoria de tempo na representação sintática, como apresentada na figura 5.
AspP
Asp´
T´
T VP
NP V´
V NP
12
A afasia de Broca é classificada como um tipo de afasia disfluente devido à presença de fala laboriosa, muitas
hesitações e pausas, parafasias, repetições, dificuldades para encontrar palavras e pelo estilo telegráfico sobretudo
nos casos de agramatismo, com ausência marcante de verbos, de flexões nominais e verbais e de palavras
funcionais como artigos e preposições (PINTO & SANTANA, 2009).
29
A utilização do aspecto perfect no exemplo (8) tem como objetivo transmitir a ideia de
que o canivete, que foi perdido em algum momento no passado, continua com paradeiro
desconhecido até o presente momento. A mesma interpretação não pode ser realizada a partir
da sentença presente no exemplo (9).
O exemplo (8) presenta o aspecto perfect combinado ao tempo presente. Essa
combinação é chamada de present perfect. Apesar de ser definido por Comrie (1976) como o
aspecto que relaciona uma situação presente a uma situação no passado, o próprio autor afirma
que o aspecto perfect pode se combinar aos tempos passado (past perfect) e futuro (future
perfect). Os exemplos (10) e (11) (COMRIE, 1976, p.53) mostram situações no past perfect e
no future perfect, respectivamente.
13
Para esta pesquisa, consideramos o significado e não a forma para analisarmos o perfect no PB, já que, nessa
língua, diferentemente do inglês, não há uma forma morfológica específica para veicular o aspecto perfect. Essa
proposta está em consonância com a Hipótese de Uniformidade de Sigurðsson (2004), tratada previamente neste
capítulo, segundo a qual as formas podem divergir mas os traços que subjazem as manifestações linguísticas são
os mesmos e todas as línguas.
31
Embora seja possível combinar o aspecto perfect com todos os tempos absolutos,
focamos apenas na combinação entre o aspecto perfect e o tempo presente nesta dissertação.
Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) apresentam três diferenças entre as
morfologias de present perfect e simple past (forma verbal comumente utilizada para expressar
o aspecto perfectivo desassociado do perfect) em seu trabalho. As ideias apresentadas nesta
seção serão exemplificadas com sentenças em inglês porque o perfect é amplamente estudado
nessa língua e porque essa língua dispõe tanto de uma morfologia que pode veicular apenas o
perfectivo, o simple past, quanto de uma que necessariamente veicula o perfect, o present
perfect (verbo to have + verbo no particípio). Mais adiante, temos uma seção que trata da
expressão do perfect no PB, língua estudada nesta dissertação.
As autoras afirmam, primeiramente, que, apesar das duas formas verbais apresentarem
uma ideia de anterioridade, elas a expressam de formas diferentes. Essa diferença foi observada
no trabalho de Reichenbach (1947). No simple past, o RT e o ET são simultâneos e precedem
o ST, enquanto, no present perfect, o ET precede o ST e o RT, que são simultâneos. Vejamos
novamente os exemplos (19), no qual temos uma sentença no simple past, e (20), no qual temos
uma sentença no present perfect (REICHENBACH, 1947, p.290):
que expressam um tempo determinado, não abarcariam o ST da situação; logo, esses seriam
incompatíveis com o aspecto perfect.
Em versões posteriores da teoria do Agora Estendido (IATRIDOU,
ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003; PANCHEVA, 2003), esse intervalo temporal
ficou conhecido como Perfect Time Span (doravante PTS). Esse intervalo inclui o ET e o RT,
podendo esse RT ser o presente, o passado ou o futuro. No caso do present perfect, teríamos
como RT o tempo presente. Abaixo, temos a representação esquemática do intervalo PTS:
ET RT
ST
1.3.1 Classificação
O perfect pode ser classificado de diferentes formas, segundo diferentes autores. Uma
das classificações propostas na literatura é a de Pancheva (2003). Para esta classificação, temos
três tipos de perfect: perfect universal, perfect experiencial e perfect de resultado. A autora
afirma que a diferença entre os tipos de perfect é de caráter gramatical.
O perfect universal representa uma situação na qual a eventualidade subjacente estende-
se através de um intervalo delimitado por um tempo de enunciado e um certo tempo no passado,
como apresentado em (16) abaixo (PANCHEVA, 2003, p.277):
Nesse caso, temos a situação de Alessandra ter se mudado para L.A. em algum momento
do passado (no ano 2000) e de continuar morando nesse local até o momento presente.
O perfect experiencial representa uma situação na qual a eventualidade subjacente
estende-se através de um subconjunto apropriado de um intervalo, estendendo-se de volta ao
evento enunciado. Podemos ver esse tipo de situação em (17) retirado de Pancheva (2003,
p.277):
O exemplo indica que Alessandra esteve na L.A. pelo menos uma vez no passado e que
essa experiência permanece no presente.
Já o perfect de resultado também representaria uma situação na qual a eventualidade
subjacente estende-se através de um subconjunto apropriado de um intervalo, estendendo-se de
volta ao evento enunciado, assim como o perfect experiencial, porém com o acréscimo de um
significado de eventualidade subjacente. Um exemplo desse tipo de situação está exposto em
(18) retirado de Pancheva (2003, p.277):
No exemplo, temos como resultado da chegada de Alessandra o fato de ela ainda estar
no local.
Para esta dissertação, utilizamos as classificações adotadas por Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e por Comrie (1976), detalhadas a seguir. Apresentamos,
primeiramente, a proposta de classificação adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski
(2003)14 porque essa possui uma importância maior para esta pesquisa em função da hipótese
Essa classificação foi proposta inicialmente por McCawley (1981) e adotada por Mittwoch (1988) e Iatridou,
14
adotada nesta dissertação. Porém, há outras classificações do aspecto perfect que precedem a
essa, como a de Comrie (1976), que é apresentada mais adiante.
Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) adotam a classificação de perfect em dois
tipos: o perfect universal e o perfect existencial. Segundo as autoras, a diferença entre o perfect
universal e o perfect existencial é a persistência da situação até o momento presente. O perfect
universal representaria situações que se iniciaram no passado e que persistem até o momento
presente (exemplo (19)), enquanto o perfect existencial representaria situações que se iniciaram
e terminaram no momento passado, mas que possuem repercussão no momento de fala
(exemplo (20)).
até o momento da fala e a persistência até o momento de referência no presente sem incluir o
momento da fala para a caracterização do que constitui a fronteira direita, assim como propôs
Mittwoch (1988).
Nesta pesquisa, seguimos a proposta de Mittwoch (1988), assumindo que o perfect
universal é caracterizado como aquele que indica uma situação que se iniciou em um ponto no
passado e persiste até o momento presente, mesmo que o evento descrito por essa situação não
esteja ocorrendo no momento da fala.
Para Klein (1992, 1994 apud MOLSING, 2006), os tipos de perfect universal e
existencial sofrem restrições quando relacionados ao aspecto semântico. Segundo o autor, os
verbos estativos e as atividades dão origem a uma leitura de perfect universal e os achievements
e accomplishments podem dar origem a uma leitura de perfect existencial. Já Molsing (2006)
afirma que os achievements e accomplishments também podem se associar ao perfect universal
quando associados a uma leitura de iteratividade, como nos exemplos abaixo (MOLSING,
2006, p.146):
No exemplo (23), temos a situação de ter se mudado para o lugar em questão em algum
momento do passado (há 10 anos atrás) e de continuar morando nesse local até o momento
presente.
O perfect de resultado indica que uma situação finalizada no passado apresenta o seu
resultado no presente. Para Comrie (1976), esse tipo de perfect seria a manifestação mais clara
desse aspecto, como no exemplo (24) (COMRIE, 1976, p.60) a seguir.
No exemplo acima, temos como resultado da chegada de João o fato de ele ainda estar
no local.
O perfect experiencial indica que uma situação finalizada pelo menos uma vez no
passado gera uma experiência no presente. Essas situações correspondem a atividades genéricas
ou a estados, como “viajar” ou “ser feliz”, e não a uma atividade específica ou pontual, como
“comer a maçã” ou “morrer” (DAHL, 1985), como ilustrado no exemplo (25) (COMRIE, 1976,
p.59) a seguir.
O exemplo (25) indica que Guilherme esteve na América pelo menos uma vez no
passado e que essa experiência permanece no presente.
O perfect de passado recente indica a relevância no presente de uma situação no passado
que ocorreu recentemente, como no exemplo (19) (COMRIE, 1976, p.60) abaixo.
Quadro 2: Fronteiras definidas no intervalo PTS pelos advérbios/expressões adverbiais que ocorrem em contexto
de realização de perfect universal e existencial (NESPOLI, 2018, p.138).
15
Sugerimos que o advérbio “ultimamente” seja retirado dessa tabela em função de não poder veicular uma
sentença de perfect universal que poderia estar associada aos tempos passado e futuro. Já as expressões adverbias
“há/faz X tempo” poderiam ser conjugadas em diferentes tempos para proporcionar a veiculação do perfect
universal associado aos diferentes tempos.
39
seção 1.3 deste capítulo. O uso dessa forma verbal pode ser ilustrado pelos exemplos abaixo
(IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003, p.156):
Nos exemplos (27) e (28), temos o uso do present perfect, porém, no exemplo (27)
temos uma sentença veiculando o perfect universal e, no (28), uma sentença veiculando o
perfect existencial.
O PB não parece se comportar da mesma forma que o inglês pois aquela língua não
apresenta uma única forma verbal para expressar os tipos de perfect (universal e existencial).
Para expressarmos o valor de perfect no PB, podemos utilizar diferentes morfologias, sendo
que, muitas vezes, é necessária a presença de outros elementos na sentença, como
advérbios/expressões adverbiais (NOVAES & NESPOLI, 2014; LOPES, 2016; JESUS et al.,
2017; NESPOLI & MARTINS, 2018).
Uma das formas utilizadas para veicular o perfect universal seria a perífrase conhecida
como passado composto, formado pelo verbo “ter” + verbo no particípio (NOVAES &
NESPOLI, 2014; LOPES, 2016; JESUS et al., 2017; NESPOLI & MARTINS, 2018). Vejamos
abaixo um exemplo retirado de Molsing (2010, p.178):
O exemplo (30) pode ser considerado agramatical por alguns falantes pelo fato de o
verbo “morar” não expressar iteratividade. Desse modo, podemos verificar que uma alternativa
para o exemplo (30) seria acrescentar uma expressão adverbial, como “desde que meu irmão se
mudou” (exemplo (31)).
Outra forma utilizada para vincular o perfect universal no PB é através da morfologia
de presente do indicativo (NOVAES & NESPOLI, 2014; MOLSING, 2010; JESUS et al., 2017;
NESPOLI & MARTINS, 2018), como podemos ver em (32) (NOVAES & NESPOLI, 2014,
p.267):
O perfect universal ainda pode ser expresso através da perífrase formada por um verbo
auxiliar + verbo principal no gerúndio (JESUS et al., 2017; NESPOLI & MARTINS, 2018),
como podemos ver nos exemplos (33) (NESPOLI, 2018, p. 278) e (34) (JESUS et al., 2017,
p.10) abaixo:
A sentença (35) só é capaz de veicular perfect por possuir o advérbio “já”. Esse advérbio
é um advérbio veiculador de perfect existencial (NESPOLI, 2018), como vimos na seção
anterior. Sem ele, a sentença perderia o valor de perfect existencial e passaria a veicular apenas
o aspecto perfectivo, como podemos verificar no exemplo (36).
No exemplo (38), também vemos que a chegada do João se deu recentemente em relação
ao momento presente, assim como em (30). Além disso, Matos (2016), que tinha por objetivo
investigar a realização do perfect de resultado no PB, mostrou que essa mesma perífrase ocorre
sistematicamente em contextos de expressão de perfect de resultado, como no exemplo (39)
(MATOS, 2016):
(39) Tomara que não chova, pois acabei de lavar meu carro.
Assim, podemos pensar que, mesmo em casos como de (37), a interpretação de perfect
se dá pela informação de resultado no presente (a presença de João) da chegada de João e não
pelo grau de recência da situação. A pesquisa de Matos (2016) corrobora a discussão proposta
por Comrie (1985), a qual questiona até que ponto o grau de recência de uma situação poderia
ser gramaticalizado em uma língua.
Nesta subseção, vimos que o PB não possui uma forma única de realizar o aspecto
perfect. O perfect universal pode ser veiculado através do passado composto, do presente do
indicativo, da perífrase “verbo auxiliar” + verbo principal no gerúndio. Já o perfect existencial
é veiculado através da morfologia de pretérito perfeito combinado a outros elementos da
sentença, como os advérbios/expressões adverbiais e a perífrase “acabar de” + verbo no
infinitivo.
42
Como vimos na seção 1.1 deste capítulo, a partir do trabalho de Pollock (1989), a
camada flexional começou a apresentar nódulos além do nódulo IP e passou a abarcar outros
nódulos sintáticos necessários para o processo de formação da sentença.
Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003) propõem a existência de um nódulo funcional
para o aspecto perfect, como podemos ver na figura 7 abaixo:
Figura 7: Representação sintática proposta por Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003, p.7).
TP
TP´
T PerfP
Perf´
Perf AspP
Asp´
Asp VP
Nessa estrutura, temos uma proposta de hierarquia da camada flexional na qual temos
como projeção máxima mais alta TP, a qual tem abarcado no núcleo o traço de tempo presente
no caso da expressão do present perfect. A projeção TP está acima da projeção máxima de
perfect (PerfP). O núcleo de PerfP está especificado positivamente na derivação de sentenças
com o aspecto perfect, ou negativamente, na derivação de sentenças sem o aspecto perfect. A
projeção PerfP está acima da projeção máxima de aspecto gramatical (perfectivo e
imperfectivo). A determinação do aspecto perfectivo se dá pela especificação do traço
[+delimitado] e a do aspecto imperfectivo se dá pela especificação do traço [-delimitado]
(IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003). Portanto, segundo essas
propostas, teríamos uma sentença veiculando perfect universal quando especificamos
43
positivamente o núcleo Perf e, com o traço [-delimitado], o núcleo de Asp. Por outro lado,
teríamos uma sentença veiculando perfect existencial quando especificamos positivamente o
núcleo Perf e, com o traço [+delimitado], o núcleo de Asp.
Nespoli (2018), ao comparar línguas românicas (PB, português europeu, espanhol,
italiano e francês), verificou que, mesmo essas línguas expressando o perfect universal e o
existencial com morfologias diferentes, as sentenças que expressavam perfect universal
continham, além da informação aspectual de não delimitação (proveniente do aspecto
imperfectivo), uma informação aspectual de continuidade, o que permite a leitura de que a
situação iniciada no passado persiste até o presente. Já as manifestações de perfect existencial
apresentavam, além da informação aspectual de delimitação (proveniente do aspecto
perfectivo), uma informação aspectual de resultatividade, o que permite a leitura de que a
situação que ocorreu no passado tenha o resultado da sua finalização no presente. A autora,
então, propõe que o perfect universal possui os traços [-delimitado] e [continuativo] e o perfect
existencial possui os traços [+delimitado] e [resultativo].
Logo, baseando-se nos dados encontrados por Nespoli (2018) e na proposta de Cinque
(1999), que afirma que a existência de uma projeção funcional depende da identificação de uma
classe de advérbios/expressões adverbiais associada a essa projeção, Nespoli (2018) e Nespoli
e Martins (2018) propõem a cisão do nódulo de perfect. Teríamos, então, o nódulo EPerfP para
perfect existencial e o nódulo UPerfP para o perfect universal. Teríamos a representação
sintática representada na figura 8 abaixo:
44
TP
T´
T UPerfP
UPerf´
UPerf EPerfP
EPerf´
EPerf AspP
Asp´
Asp VP
Como podemos ver na representação sintática exibida acima, o nódulo EPerfP seria
dominado pelo nódulo UPerfP. Essa proposta é inspirada em Comrie (1976), que afirma que a
noção de resultado subsequente à finalização do evento seria a propriedade mais fundamental
do aspecto perfect. Além disso, esse aspecto foi inicialmente expresso, no latim, através
estruturas que apresentavam ideia de resultado. Nespoli (2018) assume, então, que o traço
sintático [resultativo] é mais básico do que o traço sintático [continuativo]. Ainda, segundo a
autora, o traço [resultativo] é primordial para se estabelecer um intervalo PTS tanto para
sentenças que expressam perfect existencial, quanto para as que expressam perfect universal.
Como já foi apresentado na introdução desta dissertação, o objetivo desta pesquisa é
investigar a emergência de perfect universal e perfect existencial associados ao tempo presente
na aquisição do PB. No próximo capítulo, abordamos pesquisas sobre aquisição de linguagem
que balizarão algumas discussões propostas neste estudo.
45
2 AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM
objeto (no português) (QUADROS, 2007), começa a distinguir os tipos de frase (interrogativas,
afirmativas e negativas), mas ainda não consegue referir-se corretamente às 1ª e 2ª pessoas do
discurso (SCLIAR-CABRAL, 1977 apud LESSA, 2015, p.73), apesar de já conseguir
determinar quem é o sujeito e o objeto de uma frase através da ordenação de suas palavras
(BROWN, 1973; PINKER, 1995).
Entre as idades de 2 anos e 2 anos e meio, a criança atinge o último estágio da fase
linguística: o estágio das combinações múltiplas (QUADROS, 2007). Nesse momento, ocorre
o que Pinker (1995) chama de “explosão gramatical”. Nessa fase, a criança já produz frases
curtas utilizando artigos e preposições. Além disso, consegue responder perguntas sim/não,
diferir sentenças com e sem auxiliares e realizar frases com interrogativos com o conjunto de
palavras qu- (por exemplo, “que”, “qual”, “quando”) e elementos conectivos (QUADROS,
2007). Ainda neste estágio, começam a surgir os morfemas de concordância, gênero e tempo
(PINKER, 1995).
Como sugerem os parágrafos acima, parece que as crianças começam a lidar com
fenômenos linguísticos relacionados às categorias funcionais entre o 2º e 3º estágio da fase
linguística. Sendo as categorias que dão conta do fenômeno estudado nesta dissertação
consideradas categorias funcionais, é de especial interesse para este estudo as hipóteses que dão
conta da aquisição dessas categorias, que é tema das próximas subseções.
A hipótese maturacional é ilustrada neste capítulo por meio da apresentação dos estudos
de Radford (1988, 1990) e Tsimpli (1991). Felix (1984 apud TSIMPLI, 1991, p. 130) e Borer
e Wexler (1987) propuseram a Hipótese Maturacional. Segundo essa hipótese, o
desenvolvimento dos estágios da aquisição de linguagem é proporcionado por fatores
maturacionais inerentes, semelhante ao que acontece com o desenvolvimento de outros
fenômenos biológicos. Esses fatores são responsáveis por restringir a ordem de disponibilidade
dos princípios da GU para a criança, isto é, os princípios da GU não estariam acessíveis até que
a criança estivesse madura o suficiente para adquiri-los. A aquisição de um novo princípio pela
criança seria o marco de passagem de um estágio para o outro do desenvolvimento de aquisição
de linguagem.
Radford (1990), ao estudar a aquisição de linguagem de crianças falantes do inglês
britânico, propõe que a aquisição de linguagem ocorre em três estágios. No primeiro deles, a
linguagem infantil não possui categorias, nem lexicais nem funcionais. No segundo estágio,
47
que se dá por volta de um ano e oito meses e é chamado de estágio categorial, a linguagem
infantil possui elementos da categoria lexical. No terceiro estágio, a linguagem infantil passa a
possuir também categorias funcionais.
No segundo estágio de aquisição, as estruturas sintáticas produzidas pelas crianças
implicam em projeções dessas categorias. É nessa fase que as crianças apresentam uma
estrutura similar ao que Radford (1988, 1990) denomina small clauses (mini orações). Essas
small clauses apresentam a estrutura [NP XP], onde XP pode ser qualquer sintagma lexical
(VP, NP, PP ou AP16).
Como descrito no final do parágrafo anterior, Radford (1988, 1990) afirma que as
crianças também são capazes de produzir small caluses, mas essas não teriam as mesmas
características e propriedades daquelas produzidas pelos adultos. Ele compara as small clauses
produzidas pelas crianças às small clauses produzidas por um falante nativo adulto de uma
língua. Essas small clauses dos adultos só seriam gramaticais quando utilizadas como
complemento dos sintagmas CP e IP. Mais especificamente, elas só seriam possíveis quando
utilizadas como complemento de um subgrupo de verbos transitivos. Vejamos os exemplos
utilizados pelo próprio autor (RADFORD, 1990, p.28) para ilustrar small clauses produzidas
pelos adultos:
Como vimos nos exemplos acima, as small clauses produzidas pelos adultos não podem
constituir como orações independentes. Porém, as small clauses das crianças podem ser usadas
16Entende-se VP como Sintagma Verbal, NP como Sintagma Nominal, PP como Sintagma Preposicional e AP
como Sintagma Adjetival.
48
O exemplo (3) mostra uma small clause utilizada como complemento do verbo
transitivo to want (“querer”). Já o exemplo (4) mostra um caso no qual temos o uso de uma
small clause como oração independente.
Essa possibilidade de usar ou não uma small clause como oração independente, isto é,
sem que a mesma seja uma oração encaixada em uma outra, é explicada pelo autor como
consequência da falta de domínio dos princípios básicos da Teoria do Caso por parte da criança.
Em outras palavras, esses princípios não estão operando na gramática da criança nesta fase
especificamente.
Outra diferença importante entre as sentenças produzidas por falantes nativos adultos
de uma língua natural e por crianças em fases iniciais de aquisição de linguagem estaria
relacionada à propriedade de atribuir papel temático (RADFORD, 1990). Segundo o autor, na
fala das crianças, encontramos somente relação de irmandade temática, enquanto que na fala
dos adultos podemos encontrar relações de irmandade temática e não-temática. Vejamos essa
situação no exemplo retirado de Radford (1988, p.23):
Neste caso temos um verbo to draw (desenhar) na fala da criança sem a marcação
morfológica de tempo. O sintagma de tempo (TP) é um sintagma que não atribui papel temático,
assim como demais elementos da camada funcional. A ausência dessa marcação morfológica
na fala da criança em (5) leva o autor a concluir que não seria possível para a gramática da
criança estabelecer irmandade não-temática.
49
Radford (1988) conclui que as small clauses das crianças seriam caracterizadas,
basicamente, como sentenças que não apresentam elementos pertencentes à camada funcional
(CP e IP) e a ausência desses elementos proporcionará a ausência de outras estruturas com as
quais eles estão relacionados. A ausência dos elementos do sintagma IP está diretamente
relacionada à ausência da flexão verbal finita, do verbo to have (ter) como auxiliar na perífrase
de passado composto, da cópula be, do verbo to be (ser/estar) na perífrase progressiva e da
marcação de caso normativo. A ausência dos elementos do sintagma CP está relacionada à
ausência de auxiliares prepostos (como do, does, did e have, por exemplo) e palavras qu- de
forma preposta em interrogativas (RADFORD, 1990).
Isso significa, para o autor, que esses componentes são mais dependentes de uma
maturação por parte da criança para serem adquiridos, o que não ocorre, por exemplo, com os
elementos da camada lexical (RADFORD,1990). Os elementos da camada funcional
necessitariam dos dados do meio para poder passar pelo processo de parametrização e, por
conseguinte, emergirem na fala da criança. Ainda segundo ele, todas as categorias lexicais
seriam adquiridas ao mesmo tempo e antes das categorias funcionais.
Tsimpli (1991) propôs a Teoria da Maturação das Categorias Funcionais. Segundo esta
teoria, todos os princípios da GU estariam disponíveis para a criança desde do início do
processo aquisitivo de linguagem, mas, para que haja a aquisição das categorias funcionais, é
preciso que ocorra uma maturação da linguagem da criança. A autora chama a fase anterior a
da aquisição das categorias funcionais de fase pré-funcional. Sob o pressuposto de que os
parâmetros estão associados a categorias funcionais, Tsimpli (1991) dita que a fase pré-
funcional seria a fase na qual os parâmetros ainda não estariam fixados.
Uma observação importante feita pela autora é de que certos elementos relacionados a
uma dada categoria funcional podem aparecer na fala da criança antes mesmo de essa categoria
ter sido adquirida. Para explicar isso, a autora utiliza exemplos, dentre outros, de corpora do
francês e do grego. Vejamos alguns de seus exemplos retirados de Lightbown (1977 apud
TSIMPLI, 1991, p.135) abaixo:
No exemplo (6), temos uma sentença produzida por uma criança adquirindo o francês.
Nela, podemos verificar presença do sufixo de infinitivo, o qual ilustra uma morfologia
relacionada a traços de TP (POLLOCK, 1989). Ora, mas como a criança poderia estar
produzindo sentenças com marcações morfológicas de tempo, que é uma categoria funcional,
na fase pré-funcional? Na perspectiva de Tsimpli (1991), ao analisar o exemplo (6) do ponto de
vista morfofonológico, seria o sufixo de infinitivo presente no verbo dormir que permitiria que
a frase desse exemplo fosse considerada gramatical, uma vez que o radical do verbo sem
qualquer sufixo não seria uma palavra bem formada nessa língua. Isto é, segundo a autora, o
recurso exposto acima é um princípio da GU e, por isso, estaria presente desde início da
aquisição de linguagem.
Podemos ver condição semelhante no exemplo (7) do grego. Nele, temos o morfema de
concordância de terceira pessoa sendo utilizado para um sujeito de primeira pessoa. Novamente,
um princípio da GU é utilizado como recurso pela criança antes que a mesma tenha adquirido
a categoria funcional AgrP. Esse recurso teria como objetivo produzir sentenças gramaticais,
uma vez que o radical do verbo sem qualquer sufixo não seria uma palavra bem formada nessa
língua.
Tsimpli (1991) reconhece que não sabe qual seria a ordem para aquisição das categorias
funcionais, porém afirma que a ordem de aparição de cada categoria funcional é determinada
por uma programação pré-determinada pela GU. A autora ainda afirma que toda vez que uma
nova categoria funcional é adquirida, uma nova estrutura/um novo elemento é
projetado/adicionado na estrutura da sentença e, consequentemente, uma nova projeção da
representação sintática é adicionada. A introdução de uma nova categoria funcional marcaria a
passagem de um estágio de aquisição de linguagem para outro.
Esta hipótese é ilustrada neste capítulo por meio da apresentação dos estudos de Yang
(2002), Pinker (1984, 1995), Hyams (1996) e Wexler (1996, 1998). Algumas críticas foram
realizadas à Hipótese Maturacional. Segundo Yang (2002), essa hipótese propõe que a
competência da criança e a competência do adulto são qualitativamente diferentes. A linguagem
da criança estaria sujeita a regras e restrições diferentes das da linguagem do adulto e, com isso,
poderíamos ter, por exemplo, um princípio linguístico funcionando de forma diferente em
crianças e adultos ou um conhecimento gramatical ausente nas crianças mais jovens, mas que
se tornaria disponível a medida que a criança sofresse uma maturação biológica (FELIX, 1984
51
apud TSIMPLI, 1991, p. 130; BORER & WEXLER, 1987). Isso significaria um desafio para
o conceito de GU para Yang (2002).
Segundo Hyams (1987 apud TSIMPLI, 1991, p.129) e Pinker (1984), defensores da
Hipótese Continuísta, a transição entre os estágios de aquisição de linguagem ocorre devido ao
reconhecimento por parte da criança de uma peça ou um conjunto de dados fundamentais,
denominados “dados de disparo”. Para esses autores, todos os princípios da GU estariam
disponíveis para a criança desde o início da aquisição e a introdução dos dados de disparo para
a criança possibilitaria a reconstrução, ou seja, a mudança de estágio da sua gramática.
De acordo com a Hipótese Continuísta, o sistema cognitivo das crianças é supostamente
idêntico ao dos adultos (LEWONTIN, 1996 apud YANG, 2002, p. 17; MAYNARD SMITH,
1989 apud YANG, 2002, p.17). Para Pinker (1984), as diferenças entre as gramáticas da criança
e do adulto estariam relacionadas ao desempenho, e não à competência linguística. Yang (2002)
afirma que isso é, em certo nível, verdadeiro, pois as crianças são mais propensas a realizar
erros que os adultos porque alguns dos componentes extralinguísticos importantes para o
desempenho, como memória, articulação e processamento, ainda estão em processo de
desenvolvimento. Porém, Yang (2002) defende que a linguagem infantil estaria sujeita aos
mesmos princípios e restrições que a linguagem adulta e cada enunciado produzido pelas
crianças seria potencialmente uma produção possível na linguagem adulta. O que diferenciaria
as gramáticas da criança e do adulto seria a organização de um sistema gramatical contínuo.
Para Yang (2002), gramática infantil em desenvolvimento reflete uma combinação de
possíveis gramáticas permitidas pela GU, porém apenas algumas destas são mantidas quando a
aquisição termina. O autor propõe um modelo de desenvolvimento de linguagem, chamado de
Modelo Variacional (Variational Theory). Esse modelo faz duas previsões gerais sobre o
desenvolvimento da linguagem:
Para o autor, a criança teria acesso a várias gramáticas especificadas pela GU. Cada uma
dessas gramáticas, chamadas de gramáticas variantes, teria um peso e competiria com as
demais. Inicialmente, as gramáticas não seriam diferenciadas, isto é, teriam o mesmo peso. No
52
início do processo de aquisição, a criança produziria sentenças permitidas por essas diferentes
gramáticas, já que, nesse momento, elas não estariam competindo entre si. Ao longo do
desenvolvimento da linguagem, algumas dessas gramáticas iriam perdendo força (devido aos
dados promovidos pelo input), e, portanto, nesse período intermediário, teríamos uma produção
maior de uma gramática em detrimento das outras (seria nesse momento que começaria a
competição entre as gramáticas). Terminando o processo de aquisição de linguagem, a
gramática alvo permaneceria, pois teria peso maior e, como consequência, conseguiria eliminar
as outras gramáticas.
Pinker (1995) estudou a aquisição de tempo passado em verbos regulares e irregulares
na língua inglesa. Os verbos regulares são conjugados nesse tempo verbal através do acréscimo
do sufixo –ed, como podemos ver em to work/worked (trabalhar). Já as formas irregulares são
expressas através do uso de outro item lexical, como no caso de to steal/stole (roubar). Vejamos
alguns exemplos utilizados pelo próprio autor em sua análise (PINKER, 1995, p.109):
Os verbos destacados acima não foram conjugados corretamente, pois eles fazem parte
do grupo de verbos irregulares, logo o uso do sufixo –ed não é suficiente para conjugá-los no
tempo passado. Note que a criança fez isso até no exemplo (9), no qual temos um verbo
inventado por ela mesma (to cut up, uma combinação do verbo to cut + a partícula up).
Para o autor, as crianças estariam generalizando o processo de conjugação de tempo
passado. Esse fenômeno é chamado de overregularization e é um sinal claro de que a criança
adquiriu algo, como a regra de passado. Para superar o overregularization, a criança precisa
passar por três estágios. No primeiro deles, as crianças simplesmente memorizam as formas
verbais que expressam o tempo passado, não importando se o verbo é regular ou irregular. Ao
perceber o uso frequente do sufixo –ed para determinar tempo passado, a criança começa a
generalizar o uso dessa regra para todos os tipos de verbos. Esse é o segundo estágio e foi
53
ilustrado nos exemplos acima. Quando a criança começa a diferenciar os verbos regulares dos
irregulares segundo a formação de passado destes, ela atinge o terceiro estágio.
Para Hyams (1996), a gramática inicial da criança contém o conjunto completo de
categorias funcionais, mas os traços dos núcleos dessas categorias estariam subespecificados
(underspecified). Quando dizemos que um elemento está subespecificado significa que ele não
estaria “visível” para a criança. A subespecificação tem reflexos morfossintáticos na forma de
ausência de morfologia finita de determinantes, presença de sujeitos nulos em línguas não-pro-
drop, como o inglês, etc. A diferença entre as gramáticas da criança e do adulto se dá pela
possibilidade de ter ou não um núcleo funcional subespecificado (essa possibilidade está
marginalmente disponível na linguagem do adulto).
Um núcleo subespecificado não possui a capacidade para realizar checagem de traços
e, portanto, sua interpretação deve ser deiticamente atribuída. A interpretação dêitica não existe
na gramática adulta devido à relação sangradora entre gramática e pragmática, o que exige que
as variáveis - sejam elas temporais ou nominais - sejam interpretadas gramaticalmente sempre
que possível (REINHART, 1993 apud HYAMS, 1996, p.115). A mudança para a gramática
adulta envolveria, portanto, uma reestruturação (ou várias reestruturações) não da própria
sintaxe, como defendido por aqueles que assumem a Hipótese Maturacional, mas sim do
mapeamento entre gramática e pragmática.
Wexler (1996, 1998), apesar de ser classificado como um adepto da Hipótese
Continuísta, apresenta uma proposta diferente da dos outros autores apresentados
anteriormente. O autor acredita que a gramática da criança precisa passar por um processo de
maturação, porém não acredita que as categorias funcionais não estariam disponíveis nas fases
iniciais de aquisição, como defendido pelos adeptos da Hipótese Maturacional.
Segundo Wexler (1996), o desenvolvimento das categorias funcionais vai ocorrer de
acordo com uma programação biológica geneticamente determinada. Para este autor, a criança
já nasce com todos os componentes da GU em seu pacote genético, porém é necessário o
amadurecimento da gramática para que certos aspectos da GU possam emergir. O que
diferencia os pressupostos desta hipótese dos da Hipótese Maturacional é o fato de que, para a
Hipótese Continuísta, as categorias funcionais não são adquiridas, pois são componentes da
GU.
Para Wexler (1998), o desenvolvimento dessas categorias desdobra-se ao longo do
tempo seguindo um modelo genético. Este modelo é o mesmo para todas as crianças
independentemente da língua que estiver sendo adquirida. Os parâmetros fixados (propriedades
54
Uma das maneiras pela qual o perfect diferencia-se dos outros aspectos (semântico e
gramatical) é que ele expressa uma relação entre dois pontos no tempo. De um lado, o tempo
de estado resultante de uma situação anterior e, do outro, o tempo dessa situação anterior
(COMRIE, 1976).
Devido à sua categorização como aspecto e sua importante relação com o tempo, esta
seção discutirá as diferentes hipóteses sobre aquisição de tempo e aspecto. A seguir, abordamos
a aquisição de tempo e aspecto através de três pontos de vista: Teoria de Reichenbach, Hipótese
da Primazia do Aspecto e Teoria Prototípica. Cada uma dessas teorias/hipóteses constitui uma
subseção.
Esta seção aborda a teoria de aquisição de linguagem proposta por Smith (1980) e Weist
(1997), as quais foram baseadas na Teoria de Reichenbach (1947). A capacidade de incluir
referência temporal em enunciados se desenvolve gradualmente, mesmo lentamente.
Aparentemente, o ritmo lento é devido a vários fatores: a complexidade sintática de uma
conversa de tempo completo, a complexidade semântica das noções envolvidas e o
desenvolvimento cognitivo relativamente avançado necessário para realizar as referências
temporais (SMITH, 1980).
Os conceitos de tempo e aspecto na fala da criança foram analisados com o auxílio do
desenvolvimento de quatro sistemas temporais (SMITH, 1980). O sistema temporal da
linguagem infantil foi conceptualizado utilizando-se a Teoria de Reichenbach (1947). Para isso,
três pontos temporais são necessários: tempo de fala (speech time - ST), tempo do evento (event
time - ET) e tempo de referência (reference time - RT) (REICHENBACH, 1947), conforme já
mencionado no capítulo 1 desta dissertação. Vejamos os exemplos abaixo (REICHENBACH,
1947, p.290):
56
Smith (1980) sugere que o sistema de ordenação temporal da criança difere do sistema
do adulto de duas maneiras: no sistema da criança apenas dois tempos estão envolvidos (ST e
ET) e a orientação é fixada em ST. Se essa abordagem estiver correta, ela dá um significado
preciso para o passado: o passado no sistema infantil indica um tempo anterior ao ST. O sistema
temporal infantil é mais simples mas não difere em organização do adulto: ambos têm a
propriedade essencial de relacionar um tempo por simultaniedade ou subsequencialidade.
A autora propõe, então, que a aquisição de tempo ocorra em três estágios. No primeiro
deles, temos uma orientação fixa a partir do ST. A criança se refere a um tempo que precede
ST, que está ancorado no presente. Ela já é capaz de identificar diferenças aspectuais, mas a
complexidade linguística (e talvez a complexidade nocional também) pode interferir na
integração de tempo e aspecto. O segundo estágio envolve os mesmos tempos e as relações de
ordenação que o primeiro estágio, mas permite um ponto focal diferente de ST. Possui mais
possibilidades de ordenação e seu alcance mais amplo vem do uso flexível dos tempos e das
relações, e não de adições ao sistema. A criança pode narrar uma sequência de um ponto de
vista diferente do presente. Esse estágio costuma iniciar-se por volta dos 4 anos de idade. O
sistema adulto tem um terceiro estágio, o qual se relaciona aos outros por simultaniedade ou
consequência. O sistema do adulto também possui um tempo de orientação que não é fixado, e
dependências temporais de mais de um tipo. Combinações de morfologia temporal e advérbios
temporais permitem essas e outras sutilezas.
Weist (1997) também utiliza a Teoria de Reichenbach para explicar a aquisição de
tempo, porém de forma um pouco diferente de Smith (1980). A proposta é que a criança passa
pela sequência de quatro sistemas temporais durante o desenvolvimento da capacidade de
expressar as configurações complexas dos conceitos temporais. O sistema temporal inicial,
denominado Sistema de Tempo de Fala, é um sistema do (aqui e) agora, no qual ET e RT estão
congelados em ST. O segundo sistema, o Sistema do Tempo do Evento, é caracterizado pela
capacidade das crianças de representar ET antes, depois e simultaneamente a ST. O conceito de
RT emerge no terceiro sistema proposto por Weist (1997), mas essa referência inicial é restrita.
57
Quando RT está estabilizado antes ou subsequente a ST, ET se torna restrito ao contexto de RT.
Finalmente, no quarto sistema, ST, ET e RT podem representar três diferentes pontos no tempo
e podem se relacionar livremente (WEIST, 1997).
Em línguas que marcam distinção clara na morfologia temporal, a hipótese mais simples
de aquisição de tempo seria a de que a criança pode representar uma relação dêitica entre ET e
ST quando elas podem usar a morfologia temporal de sua língua produtivamente. Essa hipótese
simples vem sendo desafiada por vários autores e Weist et al. (1984 apud WEIST, 1997, p.359)
chamam a hipótese alternativa a esta de Hipótese do Tempo Defectivo (WEIST, 1997).
A Hipótese do Tempo Defectivo, assim como a Hipótese da Primazia do Aspecto
(ANDERSEN, 1989), que é descrita na próxima seção, foi inspirada na proposta da Hipótese
de “Aspecto antes de Tempo” (BRONCKART & SINCLAIR, 1973; ANTINUCCI & MILLER,
1976).
De acordo com Friedrich (1974 apud BLOOM, LIFTER & HAFITZ, 1980, p.406),
distinções estativo/não estativo, durativo/não durativo, e télico/atélico parecem guiar o
surgimento das diferentes formas de flexão no discurso das crianças.
A ideia de que o processo de aquisição das categorias funcionais tempo e aspecto ocorre
conforme o descrito pela Hipótese da Primazia do Aspecto não é consensual na literatura. Essa
discordância é decorrente da dificuldade existente para explicar e descrever esses fenômenos e
é agravada pela complexa natureza das categorias funcionais tempo e aspecto, assim como pela
confusão na hora de definir essas categorias funcionais (SHIRAI & ANDERSEN, 1995).
Com relação ao PB, Lessa (2015) verificou em seu estudo de caso (através da análise de
fala espontânea e semi-espontânea) que nos estágios mais iniciais (estágio de uma palavra) não
houve associação do aspecto gramatical perfectivo ao tipo de verbo accomplishment, o que vai
contra o quê foi proposto por Shirai e Andersen (1995). Outro dado interessante foi a associação
inicial entre o aspecto gramatical imperfectivo contínuo progressivo ao tipo de verbo
accomplishment (era esperado que isso só acontecesse em fases mais tardias de aquisição de
linguagem). As conclusões da autora foram as seguintes:
a. A Hipótese da Primazia do Aspecto não pode ser refutada, pois, segundo o que foi
verificado, os morfemas temporais se relacionaram a uma classe específica de verbos.
60
Todavia, esse processo não ocorreu da forma como Shirai e Andersen (1995)
propuseram.
b. O tipo de verbo accomplishment apresenta traços [+durativo] assim como o aspecto
gramatical imperfectivo. Logo, segunda a autora, a associação entre duratividade e
imperfectividade foi derivada, provavelmente, dessa compatibilidade de traços.
De acordo com essa teoria, há membros centrais (ou mais prototípicos) e membros
marginais (ou menos prototípicos) de uma determinada categoria. Essa classificação (central e
marginal) é determinada pela semelhança entre os traços desses membros e os do membro
prototípico de uma categoria. Quando essa teoria é aplicada aos estudos de aquisição de
linguagem, temos a seguinte hipótese: a criança adquire os membros centrais primeiramente e,
gradualmente, estende esse processo para os membros mais marginais.
61
O tempo passado nas sentenças (14) a (16) denota irrealidade no momento da fala, e
não em algum momento anterior. O uso do tempo passado como “modalizador pragmático”
também ocorre em contextos bem específicos. Através da escolha do tempo passado, o falante
pode amenizar o efeito que um enunciado pode ter no ouvinte. Vejamos alguns exemplos
(TAYLOR, 1995, p.151):
Passado dêitico (aspecto semântico achievement --- aspecto semântico accomplishment ---
atividade + estado --- habitual ou passado iterativo) --- irrealidade/ contrafactualidade ou
modalizador pragmático.
17
Essa acepção central de passado pode ser comparada à classificação de perfect existencial (IATRIDOU,
ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003).
63
Os achievements não estão incluídos nessa ordem pois, quando são utilizados em
associação à morfologia progressiva, ela possui um significado iterativo, de futuro próximo ou
habitual. Por não ser congruentemente associado ao aspecto progressivo, progressivos estativos
são tratados como o membro mais marginal dessa categoria.
Andersen e Shirai (1996) fazem críticas a essa proposta. Para começar, para eles, não
está claro se o processo de aquisição segue a hierarquia prototípica ou se a ordem prototípica
segue o processo de aquisição. Não há estabilidade e uma medida confiável para determinar a
estrutura interna de uma categoria prototípica. Outro problema em usar o processo aquisitivo
como determinante de protótipos é que não está claro se a aquisição da criança reflete a
competência linguística do adulto. É possível que o protótipo do adulto seja diferente daquele
que está sendo adquirido pela criança. Taylor (1995) afirma que a representação prototípica das
crianças vai se ajustando de acordo com as normas da dos adultos ao longo do processo de
aquisição.
Shirai e Andersen (1995) analisaram de forma longitudinal um corpus de fala de três
crianças adquirindo o inglês com o objetivo de responder as seguintes perguntas:
18
Segundo Lenneberg (1967), a aquisição de uma língua materna só pode ocorrer durante o período crítico de
aquisição de linguagem, que, para ele, estende-se do nascimento até a puberdade.
67
(passado simples) em alguns contextos nos quais o inglês britânico admite somente o present
perfect.
Como vimos na subseção 2.2.3, Taylor (1995) propõe que a aquisição de tempo e
aspecto pode ocorrer seguindo a Teoria Prototípica. Para o mesmo autor, o significado central
do tempo passado pode ser “conclusão do passado imediato de um evento pontual, as
consequências disso são perceptualmente salientes no momento da fala” (TAYLOR, 1995,
p.243 – tradução nossa). Essa definição de tempo passado se assemelha à definição de perfect
existencial (IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU & IZVORSKI, 2003). Logo, se seguirmos
essa ideia e a proposta de hierarquia prototípica idealizada por Andersen e Shirai (1996),
podemos supor que a aquisição de perfect (mais especificamente, do existencial) não irá
acontecer tardiamente, como foi proposto por alguns dos autores mencionados acima. Pelo
contrário: o perfect associado ao tempo presente será adquirido e realizado através da
morfologia de tempo passado nos estágios iniciais de aquisição de linguagem.
Esta pesquisa tem como objetivo investigar a aquisição de perfect universal e perfect
existencial associados ao tempo presente no PB. Esperamos, através da análise de dados de
aquisição, conseguir entender a hierarquia da(s) categoria(s) funcional(is) que abriga(m)
traço(s) de perfect na FL dos falantes.
A hipótese sugerida para esta pesquisa é de que a realização de perfect universal
associado ao tempo presente se dá simultaneamente à realização de perfect existencial
associado ao tempo presente na aquisição do PB. A hipótese está calçada na classificação
adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003), mas para a análise dos resultados
utilizamos as classificações de Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e Comrie (1976).
68
3 METODOLOGIA
Para esta dissertação, como anunciado anteriormente, optou-se por realizar um estudo
de caso de uma criança que se encontrava na fase de aquisição do PB, com o propósito de
contribuir para o entendimento da representação linguística de perfect. Crianças adquirindo
linguagem, assim como indivíduos com patologias que afetam o conhecimento linguístico,
possuem uma gramática desviante quando comparada à gramática do adulto19. Estudos desse
tipo de gramática podem contribuir para o entendimento da estrutura da gramática de um
indivíduo adulto saudável (AVRUTIN, HAVERKORT & VAN HOUT, 2001).
Os estudos de grupo possuem como objetivo realizar generalizações a respeito de
determinado fenômeno, a partir da análise de múltiplos resultados derivados de casos
semelhantes. Esses resultados são vistos de forma única, quantitativamente, e são analisados
com o auxílio de cálculos estatísticos. Segundo Grodzinksy et al. (1999) e Drai, Grodzinsky e
Zurif (2001), esse tipo de pesquisa é importante, pois, dessa forma, podemos estipular um
padrão de regularidade para o fenômeno pesquisado. Esses pesquisadores ainda acreditam que,
se analisarmos uma patologia que gere uma gramática desviante por meio de um caso
individual, podemos encontrar resultados errôneos a respeito da mesma.
19
As gramáticas desviantes dos sujeitos com patologia da linguagem e em fase de aquisição de linguagem são
causadas, respectivamente, por alterações neurológicas em função de lesões no cérebro de um adulto e pela falta
de maturação neurológica do cérebro de uma criança.
69
O sujeito escolhido para este estudo foi uma criança do sexo feminino que se encontrava
no período crítico de aquisição do PB. A mãe da criança é bióloga e fonoaudióloga e o pai é
veterinário e professor e ambos são monolíngues, falantes do PB.
O sujeito da pesquisa é identificado como AC no presente estudo. Ela possui somente
um irmão, seu gêmeo PP. Os dois são gêmeos dicoriônicos e diaminióticos, ou seja, não são
produto da fertilização de um mesmo óvulo e nem dividiram a mesma placenta 20. Eles vivem
em um bairro de classe média da cidade do Rio de Janeiro com os pais e recebem visitas
constates dos avós. Ambos frequentam creche desde 1 (um) ano de idade e lá interagem com
outras crianças da mesma idade. Na creche, as crianças são expostas também somente ao PB.
A criança selecionada para esta pesquisa foi acompanhada de 1 ano e 11 meses até o 3
anos e 8 meses de idade. AC encontrava-se na fase de transição jargão/uma palavra no início
das gravações. Sempre muito falante, demonstrou simpatia pela pesquisadora desde o começo
e participou de tudo o que lhe foi solicitado.
3.3 PROCEDIMENTOS
20 Isso significa que eles não são gêmeos idênticos; o fato de não terem o mesmo sexo é mais uma comprovação
disso.
71
21
As gravações duraram um total de 22 meses, sendo que a periodicidade de realizações a cada 15 dias só foi
realizada em 11 dos 22 meses de gravações. Nos outros 11 meses, só foi possível realizar 1 gravação em média a
cada 30/35 dias.
72
4 RESULTADOS E ANÁLISES
O objetivo desta seção é apresentar os resultados desta pesquisa, assim como a análise
desses resultados. Para isso, são levados em consideração os dados obtidos através da coleta
realizada, de acordo com o que foi explicado no capítulo anterior.
Antes de iniciarmos a exposição dos resultados, devemos esclarecer que as transcrições
foram realizadas seguindo as orientações propostas pelo Grupo de Estudos Discurso &
Gramática, fundado em 1991 pelo Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (as instruções estão descritas no anexo C).
Este capítulo é dividido em três seções, a saber: a primeira seção apresenta os resultados
obtidos através da coleta de dados, de uma forma geral, para cada uma das crianças; a segunda
seção apresenta os resultados obtidos em cada uma das coletas feitas longitudinalmente para
cada criança; e a terceira seção apresenta a análise dos dados obtidos nesta pesquisa com o
intuito de responder à questão proposta na hipótese adotada nesta dissertação.
Essa ocorrência foi classificada como perfect universal porque acreditamos que AC
esteja se referindo à ação de ter começado a tomar o remédio no passado (situação que se iniciou
no passado, mais especificamente após a picada do inseto) e de ainda estar tomando remédio (a
situação persiste até o momento presente). A morfologia progressiva foi utilizada para enfatizar
o fato de que a situação de “tomar remédio” persiste até o momento de referência (presente) e
não para evidenciar uma situação em progresso no exato momento de referência (AC não estava
tomando seu remédio no momento de fala).
O gráfico abaixo mostra a proporção de tipos de perfect produzidos por AC segundo a
classificação adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003):
Gráfico 1: Tipos de perfect produzidos por AC segundo a classificação adotada por Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003).
Universal Existencial
59
(98%)
1
(2%)
75
A ocorrência exposta em (4) foi classificada como perfect de resultado, pois, nessa
situação, temos como resultado da pintura do desenho (situação que se iniciou e terminou no
passado) o fato de o desenho estar pintado (fato que promove o fim da situação de pintura) e do
desenho estar ali no momento presente (comprovando a relevância da situação no presente).
Essa situação também poderia ser classificada como sendo um perfect de passado recente, pois
a ação aconteceu pouco antes da fala de AC. Optamos pela classificação da ocorrência como
perfect de resultado porque acreditamos que o fato de o desenho estar pronto no momento da
fala ser mais importante para a situação e para AC do que o fato de a situação ter acabado de
acontecer. Além disso, Pancheva (2003) afirma que só temos uma situação de perfect de
resultado quando temos um resultado que pode ser visualizado. Utilizamos esse critério para
todas as ambiguidades entre perfect de resultado e perfect de passado recente.
No caso do exemplo (5), AC conta para NR que o ioiô já bateu nela. Ou seja, temos uma
situação que se iniciou e terminou no passado (o ioiô ter batido nela) que tem como relevância
no presente a experiência de já ter se machucado com o brinquedo. Por isso, classificamos essa
ocorrência como sendo veiculadora de perfect experiencial.
76
Já no exemplo (6), acreditamos que AC queria dar evidência ao fato de ter pegado o
brinquedo recentemente (situação que se iniciou e terminou no passado) e, portanto, não ter
terminado a brincadeira com o mesmo. Além disso, a mesma utilizou a perífrase “acabar de” +
infinitivo, morfologia comumente utilizada para veiculador o perfect de passado recente no PB
(NESPOLI, 2018; NESPOLI & MARTINS, 2018), como já abordado na seção 1.3.2 do capítulo
1 desta dissertação. Logo, seguindo esses critérios, essa produção foi classificada como
veiculadora de perfect de passado recente.
Seguindo a classificação de Comrie (1976), a ocorrência vista em (3) pode ser
classificada como perfect de situação persistente porque AC está se referindo à situação de ter
começado a tomar o remédio no passado (situação que se iniciou no passado) e de ainda estar
tomando remédio até o momento presente.
Durante as 33 gravações, AC produziu 55 sentenças que classificamos como
veiculadoras de perfect de resultado, 3 de perfect experiencial, 1 de perfect de situação
persistente e 1 de perfect de passado recente, conforme apresentado no gráfico 2 exposto abaixo.
55
(91%)
3
(5%)
1
(2%)
1
(2%)
77
Gráfico 3: Sentenças com e sem advérbios/expressões adverbiais de perfect produzidas por AC.
25
(42%)
2
(3%)
33
(56%)
Como podemos observar, faltam os elementos de ligação da frase (no caso, a preposição
“da”) nessa sentença produzida por AC. Isso pode nos levar a crer que a mesma se encontrava
no início da fase de duas palavras e essa fase parece perdurar até aproximadamente 2 anos e
três meses, como podemos observar através dos exemplos (12) a (14) explorados a seguir.
Na gravação 5, temos um exemplo que indica a compreensão da diferenciação entre os
tipos de frase (interrogativas, afirmativas e negativas), um dos marcos da fase de duas palavras.
Abaixo, podemos ver AC respondendo uma pergunta feita por sua mãe:
22
Palavra repetida múltiplas vezes pela criança, porém a qual não estava associada a uma semântica específica.
80
Nos exemplos acima, podemos ver, primeiramente, o uso do verbo “montar” com
morfologia de tempo passado (exemplo (20)) e depois com morfologia de tempo presente
(exemplo (21)). O mesmo também pode ser visto nos exemplos (22) e (23) com relação ao
verbo “ser”. Acreditamos que os exemplos (20) e (21) são mais contundentes que os exemplos
(22) e (23), tendo em vista que é possível que, dada a irregularidade do verbo “ser”, a criança
não esteja, nestes casos, efetivamente checando traços de tempo passado e presente,
respectivamente.
Após essa análise de aquisição de linguagem inicial e, mais especificamente, das
categorias funcionais tempo e aspecto, podemos analisar de forma exclusiva como ocorreu a
aquisição do aspecto perfect de AC.
Como vimos na seção anterior, AC produziu 60 ocorrências que classificamos como
veiculadoras de perfect. As produções se iniciaram quando ela estava com 2 anos e 6 meses.
Nos exemplos abaixo, podemos ver novamente as primeiras produções de perfect de AC
durante as 33 gravações realizadas (alguns exemplos foram retomados):
AC anunciando o encontro do brinquedo que procurava, estando este em sua mão no momento
de referência (momento presente). Em ambos os exemplos, temos ocorrências dissociadas de
um advérbio/expressão adverbial de perfect existencial, mas interpretamos que esse advérbio/
expressão adverbial possa já estar mentalmente representado em um nódulo de perfect a partir
dessas ocorrências.
Como já foi dito no ne seção 1.3.2 do capítulo 1 desta dissertação, o perfect não possui
uma morfologia específica no PB. Logo, para expressar o perfect, os falantes do PB utilizam as
mesmas morfologias que utilizam para expressar exclusivamente os aspectos gramaticais
imperfectivo e perfectivo. A diferença entre os aspectos gramaticais desassociados e um desses
aspectos gramaticais associados ao perfect é identificada pelo falante/ouvinte a partir das
combinações entre a morfologia verbal e alguns advérbios/expressões adverbiais temporais
específicos (GIORGI & PIANESI, 1997; IATRIDOU, ANAGNOSTOPOULOU &
IZVORSKI, 2003; PANCHEVA, 2003) e pelo contexto semântico – pragmático (FONSECA,
2012). Por isso, levamos em consideração os advérbios/expressões adverbiais e o contexto
durante as análises.
Como pode ser visto na próxima seção deste capítulo, AC produziu sentenças
veiculadoras de perfect sem advérbios/expressões adverbiais foneticamente realizados durante
toda a amostra. Para diferenciarmos as produções do aspecto gramatical desassociado do perfect
daquelas com o perfect associado utilizamos a análise do contexto e realizamos o teste do
perfect puzzle, como podemos ver abaixo:
(26b) Você botou aqui hoje, mãe? (e ela ainda está aqui).
Você botou aqui na semana passada, mãe? (e ela ainda está aqui).
(25) Não sei. Não sei onde tá o outo. Não tô poculando o outo também... (Já) Achei (sentença
exclamativa) ((mostra para NR))
O mesmo também pode ser feito com sentenças com morfologia de imperfectivo
(morfologia utilizada para veicular perfect universal no PB). Vejamos o exemplo (26) abaixo:
484
(68%) 60
(9%)
163
(23%)
3
1 1 9 5 7 10 3 6 1 3 2 3 5
No caso do exemplo (31), AC conta para NR que o ioiô já bateu nela. Ou seja, temos
uma situação que se iniciou e terminou no passado (o ioiô ter batido nela) que tem como
relevância no presente a experiência de já ter se machucado com o brinquedo. Como essa
situação deu origem a uma experiência, classificamos essa ocorrência como sendo veiculadora
de perfect experiencial. Já no exemplo (32), temos uma situação que se iniciou e terminou no
passado (não ter beijado NR) e que tem como relevância no presente a experiência de não ter
beijado NR.
Somente na gravação 27 voltamos a ter uma produção de perfect experiencial, sendo
que, até essa gravação, só havia produções de perfect de resultado. Na gravação 33, vimos a
89
primeira e única produção de uma sentença que pudemos garantir que veiculava perfect de
passado recente. Como já apresentado anteriormente, algumas outras ocorrências de perfect,
como aquelas classificadas como perfect de resultado, poderiam ser também classificadas como
perfect de passado recente, embora não houvesse uma realização linguística que pudesse
garantir claramente essa interpretação, diferentemente da ocorrência obtida na gravação 33
exposta em (6) e retomada a seguir:
No exemplo (33), AC quer dar evidência ao fato de ter pegado o brinquedo recentemente
(situação que iniciou e terminou no passado) e, portanto, de não ter dado tempo de terminar a
brincadeira com o mesmo. Além disso, AC utiliza a construção “acabar de” + infinitivo, típica
desse tipo de perfect no PB. Logo, seguindo esses critérios, essa produção foi classificada como
veiculadora de perfect de passado recente.
Abaixo, temos um gráfico que mostra como ocorreu a produção de sentenças
veiculadoras de perfect de AC longitudinalmente. As produções foram separadas conforme a
classificação de Comrie (1976).
Para fins de exibição dos resultados no gráfico, agrupamos as ocorrências de perfect
obtidas em todas as gravações feitas quando a criança tinha a mesma idade (em geral, duas
gravações). Segundo o gráfico, temos somente produções de perfect de resultado inicialmente.
Aos 2 anos e 11 meses, temos produções de perfect de resultado e a primeira e única produção
de perfect de situação persistente. Aos 3 anos, podemos ver as primeiras produções de perfect
experiencial. A única manifestação de perfect de passado recente foi coletada somente aos 3
anos e 8 meses. Não encontramos produções veiculadoras de perfect nas gravações referentes
aos 3 anos e 3 meses.
90
2 1
1
3
1 1 9 7 6 3 5 1 2 3
8 4
2
2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS
E 6 E 7 E 8 E 9 E 10 E 11 E 1 E 2 E 3 E 4 E 5 E 6 E 7 E 8
MESESMESESMESESMESESMESESMESES MÊS MESESMESESMESESMESESMESESMESESMESES
Nos exemplos acima, temos a presença da expressão adverbial “ainda não” marcando a
fronteira direita do intervalo PTS. No exemplo (35), AC cometa sobre algo que até o momento
presente não tinha sido visto por NR. Já no exemplo (36), temos AC comentando que não tinha
terminado a brincadeira até o momento presente.
No próximo gráfico, vemos a quantidade de advérbios/expressões adverbiais de perfect
distribuídos ao longo do tempo.
Segundo o gráfico, temos somente produções de sentenças sem advérbios/expressões
adverbiais inicialmente e essas persistem em todas as gravações com presença de aspecto
perfect. Aos 2 anos e 8 meses, temos as primeiras produções do advérbio “já”. Temos a presença
desse advérbio ao longo de quase todas as gravações seguintes, menos nas gravações referentes
aos 3 anos e 6 meses e aos 3 anos e 7 meses. Aos 3 anos e 5 meses, podemos ver a primeira
produção da expressão adverbial “ainda não”. A partir daí, temos somente uma produção com
a expressão adverbial “ainda não” aos 3 anos e 8 meses.
92
1 1
2 1
5 2
4 6 2
2
1 1 1 2 3
4
4 2
4 2
3 4 2
1
2 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 3 3 3 3
ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS ANOS
E 6 E 7 E 8 E 9 E 10 E 11 E 1 E 2 E 3 E 4 E 5 E 6 E 7 E 8
MESES MESES MESES MESES MESES MESES MÊS MESES MESES MESES MESES MESES MESES MESES
Na próxima seção, analisamos os dados que foram encontrados e descritos nas seções
destinadas aos resultados.
Esta seção aborda as análises realizadas a partir dos dados expostos na seção anterior.
A mesma é dividida em três subseções: na primeira delas, expõem-se as análises referentes à
aquisição de perfect seguindo as propostas adotada por Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski
(2003), Nespoli (2018) e Nespoli e Martins (2018); na segunda subseção, são abordadas as
análises referentes à aquisição de perfect seguindo a proposta de Comrie (1976); já na terceira
subseção, discutimos os dados relacionados à aquisição e associação dos advérbios/expressões
adverbiais com os tipos de perfect, primeiramente a partir da proposta de Iatridou,
Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e, posteriormente, a partir da proposta de Comrie (1976).
93
Antes da produção das sentenças veiculadoras de perfect (gravação 13, AC com 2 anos
e 6 meses), AC produziu associações entre verbos de determinadas categorias lexicais
(VENDLER, 1967; SMITH, 1997) com morfologias de tempo e aspecto gramatical específicos,
como foi postulado pela Hipótese da Primazia do Aspecto (ANDERSEN, 1989; ANDERSEN
& SHIRAI, 1995).
Nas gravações posteriores, vimos que AC começou a produzir a perífrase “estar” +
gerúndio e os mesmos verbos com morfologia ora de tempo passado, ora de tempo presente.
Esses dados corroboram a proposta de Bloom, Lifter e Hafitz (1980) sobre a aquisição da
categoria gramatical tempo. Baseando-nos nesses autores, poderíamos supor que as categorias
de tempo e aspecto foram adquiridas quando encontramos as seguintes evidências na fala da
criança: (a) a ocorrência de flexões diferentes com o mesmo verbo e (b) a presença e flexão de
auxiliares.
Além disso, como vimos no capítulo 2, a aquisição do present perfect no inglês ocorre
tardiamente pois essa morfologia necessita de um certo grau de desenvolvimento do sistema de
referência temporal (WEIST, 1997). No caso do present perfect, o RT (tempo de referência) é
simultâneo ao ST (tempo de fala) e possui o ET (tempo do evento) anterior ao RT. O uso dessa
morfologia aparenta necessitar um conceito de RT independente de ST e a capacidade de
estabelecer ET e RT em diferentes pontos no tempo (WEIST, 1997). Logo, a partir da proposta
de Weist (1997), dos dados de AC até a gravação 12 (2 anos e 5 meses) e da definição de perfect
como aquele que relaciona uma situação a um ponto de referência, podemos propor que, aos 2
anos e 5 meses, a representação sintática da FL de AC já comporta um sintagma TP acima de
VP.
Como vimos na seção anterior, AC começou a produzir sentenças veiculadoras de
perfect aos 2 anos e 6 meses (gravação 13). Ao analisarmos seu processo aquisitivo de modo
longitudinal, pudemos ver que inicialmente a mesma só produziu sentenças veiculadoras de
perfect existencial sem advérbios/expressões adverbiais aos 2 anos e 6 meses e com
advérbios/expressões aos 2 anos e 8 meses, e somente aos 2 anos e 11 meses, produziu a sua
primeira (e única) sentença veiculadora de perfect universal (isso pode ser visto nos gráficos 7
e 5, respectivamente).
A respeito dessa única manifestação de perfect universal apresentada no exemplo (3) do
início deste capítulo, algumas considerações devem ser feitas.
94
A presença de somente uma produção desse tipo de perfect traz à tona algumas questões:
TP
T´
T UPerfP
UPerf´
UPerf EPerfP
EPerf´
EPerf AspP
Asp´
Asp VP
Para essa proposta, o nódulo referente ao perfect existencial (EPerfP) seria dominado
pelo nódulo de perfect universal (UPerfP). Nessa proposta, porém, teríamos o nódulo de tempo
dominando os nódulos de perfect, o que iria contra aos dados produzidos por AC e à proposta
de Radford (1990), que afirma que a aquisição das categorias funcionais ocorre primeiramente
pelos nódulos mais baixos da hierarquia arbórea. Como vimos na seção anterior, temos dados
que corroboram a ideia de que tempo seria adquirido antes de perfect. Portanto, acomodando
os resultados obtidos nesta dissertação à proposta de Nespoli (2018) exposta na figura 9,
poderíamos propor a seguinte hierarquia:
96
UPerfP
UPerf´
UPerf EPerfP
EPerf´
EPerf TP
T´
T AspP23
Asp´
Asp VP
Para Nespoli (2018) e Nespoli e Martins (2018), o nódulo EPerfP carrega o traço de
[resultativo] enquanto que o nódulo UPerfP carrega o traço de [continuativo]. Nespoli (2018)
propõe que o traço [resultativo] seria mais básico quando comparado ao traço [continuativo].
Por essa razão, o traço [+ resultativo] seria essencial para se estabelecer o intervalo PTS tanto
para sentenças que veiculariam perfect existencial quanto para aquelas que veiculariam perfect
universal.
23
Embora tenhamos apresentado o nódulo AspP abaixo de TP nesta representação, o que está em consonância
com as propostas de Lessa (2015) e Nespoli (2018), destacamos que, nesta pesquisa, por não termos investigado
a aquisição dos aspectos gramaticais (imperfectivo e perfectivo), não apresentamos evidências de que TP
dominaria AspP na árvore sintática. Porém, destacamos que temos evidências de que UPerfP e EPerfP dominam
TP, o que sustenta pelo menos parte da proposta exibida na figura (9).
97
Defendemos aqui que a dissociação entre os dois tipos de perfect, isto é, a existência de
dois nódulos distintos, UPerfP e EPerfP, proposta por Nespoli (2018) e Nespoli e Martins
(2018), tem sustentação nos dados obtidos em pesquisas de aquisição de linguagem, como
naqueles obtidos nesta pesquisa e em algumas daquelas que se voltam para a aquisição de tempo
e aspecto básico.
Como vimos no capítulo 2 desta dissertação, mais especificamente na seção 4.2, muitas
pesquisas sobre aquisição de tempo e aspecto básico trazem como conclusões que as crianças
adquirem primeiramente o conceito de completude, o qual estaria relacionado ao traço
[resultativo]. Os resultados da pesquisa de Antinucci e Miller (1976), por exemplo, mostraram
que todas as crianças pesquisadas foram capazes de referenciar e codificar eventos no passado
somente quando eles possuíam como característica um resultado de mudança de estado
observado no estado final presente em algum objeto.
Analogamente, para a Hipótese da Primazia do Aspecto (ANDERSEN, 1989), as
flexões de tempo passado seriam predominantemente anexadas a verbos de aspecto semântico
achievement e accomplishment (ou seja, verbos com traço [+télico]) nos estágios iniciais de
aquisição de linguagem, e a marcação imperfectiva, que emerge mais tardiamente, seria usada
predominantemente com verbos de estado e atividade inicialmente (ANDERSEN & SHIRAI,
1996). Kratzer (1994) postula que somente os eventos télicos possuem resultado natural
associados a eles. O telos é o “ponto de mudança” que proporciona a transição de eventos télicos
para um estado de resultado.
Logo, a partir dos dados de AC e da revisão de literatura retomada acima, podemos
corroborar a proposta hierárquica de Nespoli (2018) com relação à dissociação entre os nódulos
de perfect existencial e universal. Já com relação à hierarquia dos nódulos de perfect e TP,
achamos necessário realizar uma mudança: em Nespoli (2018), propõe-se que TP dominaria
UPerfP e EPerfP; nesta pesquisa, propomos que UPerfP e EPerfP dominariam TP.
Essa proposta de que os nódulos de perfect, UPerfP e EPerfP, estão acima de TP é
sustentada nesta dissertação pelos dados apresentados nos exemplos (17) e (18), nos quais a
criança já demonstrava ter adquirido tempo por usar formas perifrásticas com auxiliar aos 2
anos e 5 meses e só depois, aos 2 anos e 6 meses, ela vai usar uma forma mais simples para
veicular o perfect (exemplo (1)). Destacamos que as formas perifrásticas são consideradas mais
complexas linguisticamente do que uma forma simples, como o pretérito perfeito, que pode
veicular o perfect.
98
Uma outra que pode emergir da análise da figura 10, é o fato de que o nódulo AspP, de
um lado, e os nódulos UPerfP e EPerfP, de outro lado, estariam separados na representação
pelo nódulo TP interveniente.
Como vimos na seção 1.2.1 desta dissertação, não há consenso na literatura a respeito
da definição do perfect. Alguns autores, como Reichenbach (1947) e Cinque (1999), definem o
perfect como um tempo. Já autores, como Comrie (1976, 1985), Iatridou, Anagnostopoulou e
Izvorski (2003) e Pancheva (2003), definem o perfect como um tipo de aspecto. Como resultado
desta pesquisa, vimos que o nódulo TP seria dominado pelos nódulos de perfect, o que os
distanciaria do nódulo de aspecto gramatical presente na representação sintática adotada por
Alexiadou, Rathert e von Stechow (2003) e Nespoli (2018). Logo, nossos resultados nos fazem
questionar a definição escolhida para esta pesquisa, que foi a de que o perfect seria um tipo de
aspecto.
Essa escolha poderia ser mantida se nos apoiássemos em uma proposta estrutural como
a de Cinque (1999), na qual nódulos de diferentes categorias podem ser encontrar distanciados
na representação sintática. Portanto, mesmo assumindo a Hipótese da Maturação de Radford
(1990) e separando os nódulos de perfect do nódulo referente aos aspectos gramaticais, ainda
poderíamos sustentar a hipótese inicial de que o perfect é um tipo de aspecto.
ExPerfP
ExPerf´
ExPerf UPerfP
UPerf´
UPerf EPerfP
EPerf´
EPerf TP
T´
T AspP
Asp´
Asp VP
desta pesquisa mostram que o perfect de resultado é adquirido antes do perfect experiencial.
Logo, essa dissociação entre o perfect de resultado e perfect experiencial tem sustentação nesta
dissertação, mas a dominação entre os nódulos ExPerfP e UPerfP apresenta fragilidade,
primeiramente, porque a emergência desses dois tipos de perfect ocorreu muito próximo
temporalmente (UPerfP na gravação 22 e o ExPerfP na gravação 23 e uma distância temporal
de 35 dias).
Em segundo lugar, já problematizamos na subseção anterior que podemos ter perdido
dados da produção desses tipos de perfect ao longo das coletas devido a distância temporal e a
falta de contextos específicos para a produção de determinados tipos de perfect nas gravações.
Dadas essas questões, pode ser que a dominância seja alterada, mas, para isso,
precisamos de mais estudos e, possivelmente, de dados obtidos através da aplicação de testes,
e isso não pôde ser contemplado nesta dissertação.
✓
Sem advérbios/expressões adverbiais
Existencial
✓
Com advérbios/expressões adverbiais
Resultado
Com advérbios/expressões adverbiais ✓
(“já” e “ainda não”)
✓
Experiencial Com advérbios/expressões adverbiais
(“já” e “ainda não”)
Além disso, situações veiculadoras de perfect de resultado necessitam ter um resultado que
possa ser visualizado no momento de referência (PANCHEVA, 2003), fato que pode ser
veiculado somente pelo contexto. Logo, esse tipo de perfect poderia ser veiculado por sentenças
sem advérbios/expressões adverbiais foneticamente realizados.
Como vimos no quadro acima, o perfect de situação persistente só se combinou com as
sentenças sem advérbios/expressões adverbiais foneticamente realizados. O perfect
experiencial foi realizado em sentenças com o advérbio “já” e a expressão adverbial “ainda
não” e não foi veiculado por sentenças sem advérbios/expressões adverbiais foneticamente
realizados. O perfect experiencial, ao contrário do perfect de resultado, não precisa que haja um
resultado que possa ser visualizado no momento de referência (PANCHEVA, 2003), nos
levando a crer que somente o contexto não seria suficiente para se veicular o perfect
experiencial.
O perfect de passado recente se realizou apenas em sentenças sem advérbios/expressões
adverbiais foneticamente realizados. A expressão “acabar de” + verbo no infinitivo utilizada
por AC seria capaz de expressar esse tipo de perfect, podendo, desta forma, deixar clara a ideia
de recência, de modo que o uso de advérbio foneticamente realizado parece ser dispensável
para a veiculação desse tipo de perfect.
Considerando a classificação de Cinque (1999), esse tipo de dado seria classificado
como veiculador de aspecto retrospectivo. O autor afirma que esse aspecto costuma ser expresso
nas línguas naturais por meio de partículas, perífrases ou afixos verbais. No exemplo retirado
do corpus de AC, podemos ver a utilização da perífrase “acabar de” + infinitivo, a qual poderia
ser a perífrase prototípica para se expressar esse aspecto no PB.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo Radford (1990), as crianças já nascem com todos os nódulos sintáticos em sua
gramática universal, mas, para que a aquisição das categorias sintáticas referentes a esses
nódulos ocorra, são necessárias a exposição a dados linguísticos de uma (ou mais de uma)
língua natural e a maturação dos sistemas cognitivo e físico. A aquisição dessas categorias
sintáticas acontece, primeiramente, pelos nódulos mais baixos da hierarquia arbórea e, assim,
há paulatinamente a aquisição da representação sintática pelas crianças. Portanto, estudos sobre
aquisição de linguagem podem nos auxiliar a entender a organização da representação sintática
presente em nossa FL.
Neste trabalho, utilizamos as classificações dos tipos de perfect apresentadas em
Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003) e Comrie (1976). Para as primeiras autoras, o
perfect pode ser classificado em universal e existencial. Já para Comrie (1976), o perfect pode
ser classificado em quatro tipos: perfect de situação persistente, perfect de resultado, perfect
experiencial e perfect de passado recente. Quando comparados os tipos de perfect apresentados
em Comrie (1976) àqueles apresentados em Iatridou, Anagnostopoulou e Izvorski (2003),
temos a seguinte relação: perfect de situação persistente corresponde ao perfect universal, já o
perfect de resultado, o perfect experiencial e o perfect de passado recente correspondem ao
perfect existencial.
Esta pesquisa teve como objetivo investigar a aquisição de perfect universal e perfect
existencial associados ao tempo presente no PB. Para tanto, realizou-se um estudo de caso com
dados extraídos longitudinalmente de uma criança adquirindo o PB, denominada AC para esta
pesquisa. A hipótese sugerida para esta pesquisa foi de que a realização de perfect universal
associado ao tempo presente se dá simultaneamente à realização de perfect existencial
associado ao tempo presente na aquisição do PB. Para isso, considerou-se, de um lado, a
hipótese de um único nódulo de perfect na representação sintática apresentada por Alexiadou,
Rathert e von Stechow (2003) e, de outro, a hipótese de dissociação dos dois tipos de perfect
proposta por Nespoli (2018) e Nespoli e Martins (2018). Para as autoras, o perfect universal e
o perfect existencial estariam dissociados estruturalmente em nossa representação mental,
sendo que o nódulo referente ao perfect universal (UPerfP) carregaria o traço [continuativo] e
o referente ao perfect existencial (EPerfP), [resultativo]. Nespoli (2018) também propõe que o
nódulo UPerfP dominaria o nódulo EPerfP na estrutura arbórea.
Como vimos no capítulo destinado aos resultados e análises, podemos concluir que a
hipótese proposta para esta dissertação foi refutada. Os dados apresentados por AC nos
108
dissertação. Apesar de não ter analisado os dados de aquisição do aspecto perfect de forma
estrutural, Weist (1997) assumiu que a aquisição do present perfect no inglês ocorre
tardiamente, pois essa morfologia necessita de um certo grau de desenvolvimento do sistema
de referência temporal. Os resultados longitudinais de AC nos mostram que o início da
checagem do traço de tempo ocorreu antes das produções de perfect de qualquer tipo pela
mesma. Dessa forma, teríamos a seguinte proposta hierárquica: ExPerfP > UPerfP > EPerfP >
TP. Apesar de termos escolhido definir o perfect como um tipo de aspecto desde o início da
pesquisa, esses resultados nos fazem questionar essa definição. A dominância dos nódulos de
perfect em relação ao nódulo temporal reforça a discussão presente na literatura sobre a
definição do perfect como sendo um elemento sintático pertencente à categoria sintática de
tempo ou a de aspecto.
Como vimos nas análises deste trabalho, questões relevantes surgiram a respeito da
definição do perfect como aspecto e de uma classificação possível para essa categoria sintática.
Cinque (1999) é um dos autores que define o perfect como um tempo e propõe que o perfect de
passado recente de Comrie (1976) seja classificado como um aspecto. Devido à
correspondência entre as definições propostas por Cinque (1999) e os resultados encontrados
nesta pesquisa, decidimos investigar, no doutorado, os nódulos aspectuais e temporais
propostos por esse autor de forma aprofundada. Esperamos, desta forma, responder as questões
levantadas nesta pesquisa e outras que podem estar presentes na literatura a respeito das
categorias sintáticas tempo e aspecto.
Devemos destacar as relevâncias metodológicas deste estudo. O corpus longitudinal
produzido por esta pesquisa durou aproximadamente 2 anos e acompanhou várias fases de
aquisição de linguagem da criança estudada, proporcionando novos dados para pesquisas
futuras sobre tempo, aspecto e perfect. Além disso, este estudo inédito comprovou que os dados
de aquisição de linguagem e estudos longitudinais podem contribuir de forma relevante shlpara
a teoria gerativa.
110
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118
ANEXOS
119
nome ou o material que indique a participação da menor não será liberado sem a sua permissão.
Vocês não serão identificados em nenhuma publicação que possa resultar.
Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias originais, sendo que
uma será arquivada pelo pesquisador responsável e a outra será fornecida a você. Os dados
coletados na pesquisa ficarão arquivados com o pesquisador responsável por um período de 5
(cinco) anos, e após esse tempo serão destruídos. Os pesquisadores tratarão a sua identidade
com padrões profissionais de sigilo, atendendo a legislação brasileira (Resolução Nº 466/12 do
Conselho Nacional de Saúde), utilizando as informações somente para os fins acadêmicos e
científicos.
Declaro que concordo em participar da pesquisa e que me foi dada à oportunidade de
ler e esclarecer as minhas dúvidas.
______________________
______________________
Assinatura da pesquisador
Em caso de dúvidas, com respeito aos aspectos éticos desta pesquisa, você poderá
consultar:
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC
Praça Jorge Machado Moreira, 100 /Sala 15
Cidade Universitária – Ilha do Fundão/ Rio de Janeiro – R.J
CEP: 21.941-598
Fone: (21)3938-2598/ E-mail: [email protected]
121
Versão: 2
CAAE: 78583517.3.0000.5286
Instituição Proponente: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Patrocinador Principal: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
3. DADOS DO PARECER
4. Apresentação do Projeto:
Assinado por:
Maria Izabel de
Freitas Filhote
(Coordenador)
123
LEGENDA PARTICIPANTE
NR PESQUISADORA
CM MÃE
PP IRMÃO
GL AVÓ
Gravação 13 – AC 2;06
Contexto: AC e NR estavam montando um castelo com peças de lego. Após montar o castelo
(o castelo já se encontra montado), AC mostra para NR e fala que deseja que ele fique mais
alto.
AC: Doidei (montei). Castelo (sentença exclamativa)
NR: Já montou o castelo? (sentença exclamativa) Deixa eu ajudar você, pera aí.
AC: Eu posso dada (montar)? Castelo... Tá alto.
NR: Está alto o castelo? Não? Tem que ficar mais alto?
Gravação 15 – AC 2;07
Contexto: AC procura um brinquedo específico em seu armário de brinquedos. Quando o
encontra, mostra para NR.
AC: Aqui o outo. Vamos poculá. Vamos poculá o outo. Não sei. Não sei.
NR: Não sabe onde tá?
AC: Não sei. Não sei onde tá o outo. Não tô poculando o outo também... Achei (sentença
exclamativa) ((mostra para NR))
NR: Ai, que bom (sentença exclamativa) Vamos montar mais. Vai ficar maior. Vamos lá.
Gravação 16 - AC 2;08
Contexto: AC estava desenhado e quando terminou o desenho, ela mostrou para NR.
AC: É. Desenhei.
NR: Arrasou. Tá atrapalhando você? Sua obra de arte. Pronto. Seu hipopótamo.
125
Gravação 16 - AC 2;08
Contexto: CM (mãe) pergunta se PP (irmão) quer tomar banho e AC disse que quer tomar
banho.
AC: Eu já tomei banho?
CM: Já.
NR: Já. Quando eu cheguei aqui, você estava com o cabelo molhado.
Gravação 16 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estavam brincando com uma boneca.
NR: Você tava vendo a Cinderela quando eu cheguei?
AC: Eu tava vendo a Branca de Neve.
NR: Você tava vendo a Branca de Neve?
AC: Aí... Aí... Aí... Aí...Você chegou.
NR: Aí, eu cheguei?
AC: É.
NR: Quando eu cheguei, tava dando Cinderela.
AC: É. Tava?
NR: Tava. Ela já tava indo embora porque já era meia noite.
Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando. Após pintar um desenho, AC mostra o desenho para
NR.
AC: Não. Olha que eu fiz.
NR: Huum, que lindo.
Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando. Após pintar um desenho de uma baleia, AC mostra o
desenho para NR.
AC: Eu pintei de azul.
NR: Você pintou de azul?
AC: Pintei... Olha a baleia azul.
Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando.
126
AC: Já pintei.
NR: Já pintou?
AC: Já o cabelo dela. Uma Elsa.
NR: Vou desenhar.
Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando.
AC: Eu desenhei uma Anna bem gande aqui.
NR: ((risada))
AC: Já pintei. Já pintei. Falta a perna dela. A perna dela.
Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando.
AC: Já desenhou?
NR: Já. Acho que sim.
Gravação 17 - AC 2;08
Contexto: NR e AC estão desenhando.
AC: Tô desenhando...Tô desenhando. Já desenhei.
NR: Ficou lindo (sentença exclamativa) O que mais?
Gravação 18 – AC 2;09
Contexto: AC tinha retirado roupas e brinquedos do seu armário para brincar de viajar. Depois
disso, ela decidiu guardar todas as coisas.
AC: Já guardamos tudo, mamãe.
Gravação 19 – AC 2;09
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
AC: Já cortei. A outra panela. Essa panela.
Gravação 19 – AC 2;09
Contexto: AC pega uma boneca (filha) para brincar.
AC: Pega o pentinho dela.
NR: O pente?
127
AC: É.
NR: Ela vai pentear o cabelo? Ela vai passear?
AC: Ela vai pentear o cabelo.
NR: Vai, né? Porque ela tem que sair bonitinha. Ela não sai que nem eu.
CM: Nem eu.
NR: OPS.
AC: OPS. Ela caiu.
NR: Ela tá caindo. Ela vai passar um perfuminho. XU. XU. Ela vai encontrar com as amiga.
AC: Ela vai/ela já penteou o cabelo.
NR: Você vai pentear o cabelo?
AC: Não.
Gravação 19 – AC 2;09
Contexto: AC procura uma boneca (neném) e a boneca da Anna para brincar.
AC: Eu quero a neném e a Anna.
NR: Você quer a neném e a Anna?
AC: Eu quero.
NR: É essa a Anna que você quer? Você tem um milhão de Annas.
AC: É. A outra Anna. Essa tá sem roupa.
NR: Essa tá pelada? Pera aí, deixa eu achar a neném.
AC: Eu já ni/eu já achei a minha neném.
Gravação 19 – AC 2;09
Contexto: AC estava brincando com a boneca da Anna e seu irmão pega da mão dela. Então,
ela notifica o fato para NR e aponta para seu irmão enquanto faz isso.
AC: Não, PP. Ele pegou (sentença exclamativa) Ele pegou (sentença exclamativa) ((aponta
para PP))
NR: Pede de volta que ele te devolve.
AC: Ele pegou a Anna ((aponta para PP)).
NR: É só pedir de volta que ele te devolve.
Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: AC e NR estão brincando de lego. AC achou uma peça do brinquedo que é uma
cadeira.
128
Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
AC: Vai pra casinha dela. Eu achei/Eu achei o meu garfo. Aqui.
Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: NR, AC e PP estavam conversando. No meio da conversa, AC começa a procurar
algo.
AC: ( ) aqui. É. Ah! Já sei!
Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: AC começa a procurar algo. Ela acha o apito e mostra para NR.
NR: Quem é esse, PP?
PP: É.
AC: É o Alladin. Eu achei um apito (sentença exclamativa) Eu achei um apito (sentença
exclamativa)
Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: NR e AC estavam brincando de fazer cozinhar.
NR: Vai cortar a tangerina?
AC: (incompreensível – 13:59) Já cortei.
NR: Cortou?
AC: Cortei. Esse (incompreensível – 14:15)
Gravação 20 – AC 2;10
Contexto: CM manda os filhos escovarem os dentes.
CM: Aqui, a pasta de dente. A pasta de dente, AC.
AC: A minha é da Minnie.
NR: É da Minnie?
AC: Sim.
NR: Que linda.
129
Gravação 21 – AC 2;10
Contexto: AC e PP estavam comendo biscoitos.
AC: Ele já comeu. Tá na sua boca.
NR: (risada)
AC: Ele já comeu?
CM: Você já comeu?
Gravação 22 – AC 2;11
Contexto: AC e PP estão escovando os dentes.
CM: O que você quer? Quer o fio-dental? Já passou?
AC: Já passei. (gritaria)
Gravação 22 – AC 2;11
Contexto: CM manda AC conta para NR o que houve com seu pé.
CM: Conta pra tia Naná o que aconteceu com seu pé.
NR: O que aconteceu com seu pé?
CM: O que aconteceu com seu pé?
AC: Um mosquito me mordeu no pé ((mostrou o pé para NR)).
NR: Ai, meu [Deus (sentença exclamativa)]
AC: [Tô tomando] remédio.
NR: Tá tomando remédio?
AC: Sim.
Gravação 22 – AC 2;11
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
NR: Vamos fazer feijão?
AC: Não, eu já fiz.
NR: Já fez feijão?
130
AC: Já.
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC pega um brinquedo e PP tenta pegar o mesmo. CM diz para ele esperar AC
terminar de brincar ou para pegar outro brinquedo. Ele não deseja fazer nenhumas das coisas.
Enquanto isso, AC brinca com o brinquedo.
AC: Eu já brinquei.
NR: Já brincou? Então, empresta pro seu irmão, então.
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC encontra o ioiô.
AC: Em mim, já bateu isso. O ioiô.
NR: Já bateu em você?
AC: Já.
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC mostra para NR um brinquedo que foi comido/mastigado pelo cachorro da
família.
NR: Hum...Não pode dar o brinquedo pro cachorro.
AC: [É].
NR: [Ele] come.
AC: Ele já comeu.
NR: Brigada.
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
NR: Tá cozinhando?
AC: Não. Eu botei ali ((mostrou para NR)).
NR: Botou no micro-ondas?
AC: Botei.
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: NR e AC estão brincando com um brinquedo que parece um sorvete.
AC: Esse aqui acabou ((mostrou para NR)).
131
NR: Cabô?
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR conversam enquanto brincam.
NR: Seu irmão não quer me dar um beijo.
AC: Eu ((ainda)) não te dei.
NR: Você também não me deu. Posso te dar um? Não? (sentença exclamativa)
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR conversam enquanto brincam.
AC: A minha sandália tá dentro da mochila do PP ((mostra para NR aonde está a mochila do
irmão)).
NR: ((risada))
AC: A sandália ficou ali na ( )
NR: Por que que a tua sandália tá ali? Você levou pra escola a sandália?
AC: Não. Minha mãe botou ali.
NR: Botou? Ela guardou ali?
AC: Guardou ((cópia)).
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
AC: Eu tô cortando.
NR: Ah, tá bom. Então, eu espero.
AC: ((depois de um tempo)) Já cortei.
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
AC: Tia Naná (sentença exclamativa) Tia Naná (sentença exclamativa)
NR: Oi, meu amor (sentença exclamativa)
AC: Eu já cortei o seu bolinho (sentença exclamativa)
NR: Já tô indo.
Gravação 23 - AC 3;00
Contexto: AC e NR estão brincando de fazer comidinha (papá).
132
AC: Eu já comi.
NR: Comeu esse? Todo?
Gravação 24 – AC 3;01
Contexto: AC pega um ferro de passar roupa de brinquedo e meias para passar
AC: OPA. A meia também.
NR: Vai passar a meia também?
AC: A minha meia da Anna.
NR: Você vai passar?
AC: Eu já passei.
Gravação 24 – AC 3;01
Contexto: AC e NR estão brincando de boneca.
AC: Peguei outra meia ((mostrou para NR)).
Gravação 24 – AC 3;01
Contexto: AC e PP estão brincando de carro. PP está dentro de um carro de brinquedo e AC
está em um patinete. Ela prende o patinete no carro com o intuito de ser puxada pelo carro de
PP.
AC: Eu já prendi.
Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC decide trocar de roupa.
AC: Tirei ((vai até NR)).
NR: Tirou a sua roupa?
AC: Tô pelada (sentença exclamativa)
NR: Tá de calcinha. Vai, escolhe uma roupa para você vestir.
Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC decide trocar de roupa. A resposta de NR evidência a presença de perfect
existencial nesse contexto.
AC: Peguei uma blusa de laço ((mostra para NR)).
NR: Que linda, sua blusa.
133
Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC pega um caixa de meias e mostra para NR uma meia específica.
NR: Vai botar na filha?
AC: Essa... eu perdi a outra dessa ((mostra a meia sem par para NR)).
Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC e NR conversam sobre presentes de Natal que AC pediu para Papai Noel.
NR: Qual é o tamanho do carro que você vai ganhar?
AC: Eu já ganhei um carro.
NR: Já ganhou?
AC: Já.
NR: Esse aqui?
AC: É.
NR: Mas você não falou que vai ganhar outro no Natal?
AC: Não.
NR: Não?
AC: Já tem esse, já tem esse.
NR: Aaaaah... Aí, você vai ganhar só a Minnie?
AC: Eu vou ganhar presente da Minnie e do carrinho.
Gravação 25
Contexto: NR, AC e PP estavam vendo/lendo livros.
NR: Você tava mexendo no outro, PP, e a sua irmã pegou.
PP: AC! (resmungo)
AC: Não, não, não. Já acabou? Toma, PP.
NR: Gente, que livro lindo.
Gravação 25 – AC 3;02
Contexto: AC e NR fazem aviões de papel.
AC: PP. PP, toma aqui. Ele amassou (sentença exclamativa) ((mostra o avião amassado por
PP para NR))
NR: Não amassou, não. Tá só ajeitando.
134
Gravação 27 – AC 3;04
Contexto: AC e NR estão brincado com carrinhos.
NR: Ih! Quem é que tá sem roda?
AC: Qual?
NR: Qual que tá sem roda?
AC: Esse.
NR: Essa roda é muito grande. Tem que ser igual a essa.
AC: ( ) Eu já separei. Eu já separei... ( ) o volante.
Gravação 28 - AC 3;05
Contexto: AC conversa com GL (avó) na cozinha sobre um brinquedo quebrado.
AC: Consertei assim ((mostra para GL)).
GL: Ai, ficou ótimo.
AC: Eu botei assim ((mostra para GL)).
GL: Ficou ótimo.
AC: Eu botei assim ((mostra para GL)).
Gravação 29 – AC 3;05
Contexto: AC fala com sua avó sobre algo que NR ainda não tinha visto.
AC: A tia Naná ainda não viu.
Gravação 29 – AC 3;05
Contexto: AC e NR brincam de lego. AC possui diferentes tipos de lego e procura peças que
encaixem um lego específico em seu armário de brinquedos.
NR: Só tem esses. Os outros são de outro negócio.
AC: Achei.
Gravação 31 - AC 3;06
Contexto: AC e NR brincam de boneca.
AC: Ih (sentença exclamativa) Achei um pijama (sentença exclamativa)
135
Gravação 31 - AC 3;06
Contexto: AC e NR brincam de boneca. NR dá comida (papá) para a boneca enquanto AC
procura um paninho para colocar em cima da roupa da boneca como o intuito de não deixar
cair comida na roupa dela.
AC: Ih (sentença exclamativa) Achou o pano (sentença exclamativa) Achou o pano(sentença
exclamativa)
NR: Agora achou o pano?
AC: É, agola.
Gravação 32 – AC 3;07
Contexto: AC, NR e PP estão no quarto procurando brinquedos para brincar.
NR: Conseguiu?! Bate aqui. Arrasou.
AC: Bigodão! Bigodão! Bigodão!
NR: Oh! Cadê o outro? O pequenininho? O filho dele.
PP: Mimi.
NR: Oh! Você tem o bigode grande e o bigode pequeno?
AC: Esse aqui foi o meu pai que me deu.
Gravação 32 – AC 3;07
Contexto: AC mostra o livro de colorir que ganhou da avó.
AC: Vovó! Olha! A vovó me deu presente.
NR: Te deu presente? Cadê?
AC: Aqui.
Gravação 32 – AC 3;07
Contexto: AC está pintando um desenho com sua avó.
AC: Eu pintei de marrom. Olha, vovó!
136
Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: NR e AC brincam com os brinquedos da Patrulha Canina. Um dos bonecos está com
o chapéu solto.
NR: Ih, caiu o chapéu do coisinha de novo. Cadê o chapéu dele?
AC: Aqui. Achei.
Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Não (sentença exclamativa) Eu ainda não terminei de brincar. Não te dei.
Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Eu peguei plimeilo. Eu acabei de pegar.
Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: PP pega o brinquedo que AC está brincando.
AC: Ele já soltou!
NR: Pronto. ((risada))
AC: Ele já soltou!
NR: Já? Viu? É só pedir.
Gravação 33 – AC 3;08
Contexto: NR e AC estão brincando.
NR: Tá. Ele quer comer também? Eu vou fazer xixi porque estou muito apertada. E já volto.
AC: Eu já fiz xixi.