A Conversa Da Escola Com A Cidade 2013
A Conversa Da Escola Com A Cidade 2013
A Conversa Da Escola Com A Cidade 2013
Rio de Janeiro
Agosto de 2012
1
A CONVERSA DA ESCOLA COM A CIDADE
- do espaço escolar ao território educativo -
Aprovada por:
_________________________________________
Prof. Giselle Arteiro Nielsen Azevedo, D.Sc.
_________________________________________
Prof. Paulo Afonso Rheingantz, D.Sc.
_________________________________________
Prof. Ligia Maria Motta Lima Leão de Aquino, D.Sc.
_________________________________________
Prof. Maria Ligia Fortes Sanches, D.Sc.
Rio de Janeiro
Agosto de 2012
2
Faria, Ana Beatriz Goulart de
agradecimento em DEDICATÓRIA
3
em nome da Cidade
dedico este trabalho
para as Pessoas da Escola e
para a Escola em Pessoa
em agradecimento
por estarem devolvendo para a Cidade
as crianças que lhe foram tiradas.
em nome da Escola
dedico este trabalho
para as Pessoas da Cidade e
para a Cidade em Pessoa
em agradecimento
por estarem emprestando para a Escola
a imprevisibilidade de suas ações e as formas surpresivas de seus territórios
dedicatória em AGRADECIMENTO
4
(onde estou)
à Giselle Arteiro Nielsen Azevedo, minha orientadora
ao Paulo Afonso Rheingantz, meu co-orientador
e aos demais membros da Banca:
Ligia Maria Motta Lima Leão de Aquino, pedagoga
e Maria Ligia Fortes Sanches, arquiteta
ao Milton Santos
por nos deixar provas e pistas de um outro mundo possível
RESUMO
5
Orientadora: Giselle Arteiro Nielsen Azevedo, D.Sc
Co-Orientador: Paulo Afonso Rheingantz, D.Sc.
Rio de Janeiro
Agosto de 2012
ABSTRACT
THE CONVERSATION BETWEEN THE SCHOOL AND THE CITY
: from school spaces to an educative territory
6
Ana Beatriz Goulart de Faria
This dissertation refers to the relations between the school and the
city, based on the dynamics of correspondence between school premises
and its surroundings, taking as reference the student practice in these
territories in the light of the ideas of Integral Education and Educating City.
Rio de Janeiro
August, 2012
SUMÁRIO
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PRÓLOGO
1. PRIMEIRAS PALAVRAS 10
1.1 HISTÓRIA DE UM ARMÁRIO 11
1.2 EM BUSCA DO ESSENCIAL 12
APRESENTAÇÃO
2. A CONVERSA DA ESCOLA COM A CIDADE 23
2.1 CIRCUNSTÂNCIAS E ARGUMENTOS 2
2.2 ROTEIRO 2
PARTE I
3. OS LUGARES DA EDUCAÇÃO 1
3.1 SOBRE A ESCOLA 2
3.2 SOBRE A CIDADE 2
3.3 SOBRE A ESCOLA NA CIDADE 2
PARTE II
4. PERSPECTIVAS DESAFIADORAS 1
4.1 EDUCAÇÃO INTEGRAL 2
4.2 CIDADE EDUCADORA 2
PARTE III
6. REVERBERAÇÕES CONCEITUAIS 1
6.1 TERRITÓRIO USADO, MULTITERRITÓRIO 2
6.2 REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO, ESPAÇO DE REPRESENTAÇÃO 2
6.3 DO ESPAÇO ESCOLAR AO TERRITÓRIO EDUCATIVO 2
7. CENÁRIOS POSSÍVEIS 1
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1
8
PRÓLOGO
1. PRIMEIRAS PALAVRAS
9
Uma metáfora não é um ornamento. É um órgão de percepção.
Neil Postman
10
e também um amestrador de resmungos, com sua grande vara de marmelo.
11
Seguia buscando argumentos para encontrar modos de reinvenção
destes lugares, que lhe pareciam um tanto desatualizados às urgências da
contemporaneidade, principalmente com relação aos desejos e
necessidades de quem os frequentava diariamente. Pois, por anda andava o
que mais ouvia dos estudantes e dos professores era quase sempre a
mesma coisa: apesar de todos quererem um bem danado às suas escolas e
dizerem que sem ela não seriam ninguém na vida, reclamavam muito da
situação. Um colocando a culpa no outro: os estudantes a reclamar dos
professores e do sistema; os professores dos estudantes, das famílias, do
governo e dos salários; e os gestores, da falta de estrutura; e todos,
unanimemente, reclamavam da falta de espaços adequados adequada para
a escola funcionar bem, cumprir seu papel, ou seja: que os estudantes
aprendessem!
Diante disso, no começo sua primeira vontade foi sumir com os
armários, digo, com as escolas-em-forma-de-armário. E se punha a
resmungar:
Por que continuarmos insistindo nisso, nesse modelo?
Por que não inventarmos outros tipos de espaços para ensinar-e-
aprender?
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estavam gostando muito de uma proposta onde tudo isso tinha sido diluído.
E lhe disseram:
Entenda senhora arquiteta, não nos leve a mal mas...tirando tudo
isso você nos tira a essência da escola. Fomos treinados dentro
de armários para trabalhar neles, do jeitinho que são e que
sempre foram. Por favor: não nos tire o chão!
Ela havia causado um grande mal estar, isso sim! Os professores e
demais adultos reagiram como se lhes tivessem arrancado um pedaço de si
mesmos, quase como uma agressão física. Foi algo tão forte que faz
lembrar uma cena de uma passagem escrita por Clarice Lispector na
abertura do livro Paixão Segundo GH:
Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não
me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna
que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um
tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa
que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei
que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência
inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim
uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me
procurar.
Era como se tivesse sendo arrancada a terceira perna da escola, de
sua gente.
Mas mesmo sabendo que estava tocando em algo quase sagrado, a
arquiteta-urbanista seguia obstinada, e não desistia. E, tentando justificar e
consertar o mal feito, insistia em compartilhar com todos a compreensão da
personagem acima, procurando convencê-los dizendo:
Vejam minha gente: duas pernas! Perderam uma mas...Agora
vocês podem andar! Para andar bastam duas não é mesmo? Que
tal? Experimentem! Ex-pe-ri-men-tem...por favor....
Tentava explicar que tripé não anda e mostrar-lhes que poderiam ser
algo que nunca foram. Mas que nada! não obteve sucesso.
Algo que nunca fomos? Mas...e a estabilidade? Não podemos
perder a estabilidade. Ela nos mantém em território conhecido e o
movimento nos levará não se sabe para onde. É muito arriscado...
Não! melhor deixar como está.
O argumento principal da rejeição era que a instabilidade iria
ameaçar a qualidade do ensino, as notas das crianças, a confiança dos pais,
e tudo isso colocaria em risco a avaliação e o sucesso escolar. Não queriam
e nem podiam arriscar.
E assim foi que nossa protagonista, percebendo que não estava
agradando e que se passava por irresponsável, quase desistiu de se
envolver com os armários. O que ela queria querendo tudo mudar,
convencer professores, gestores?... : ela, que nem curricóloga era!?...
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Diante de sua teimosia e obsessão parou um instante para se
perguntar: será que continuava repetindo o que diziam que os arquitetos de
todos os tempos sempre fizeram? que era não ouvir o que os usuários
querem e, a todo custo, com argumentos malabarísticos, imporem sua
vontade em nome da técnica e do (próprio) gosto e vontade?
Para seu desaponto, sim! : ela estava fazendo exatamente isso!
E então, muito sem graça, mas, por incrível que pareça, ainda
bastante entusiasmada, mudou a estratégia mais uma vez, e passou a se
empenhar em descobrir como fazer escolas melhores, mas... desta vez
havia parendido a lição: não poderia colocar em risco a essência-armário da
escola.
Retomou os estudos sobre a história dos armários, armários
brasileiros, armários do estrangeiro. Estudou toda a legislação e foi
conhecer novos métodos para fazê-los mais sustentáveis, confortáveis,
bonitos e baratos. Além disso, para não correr o risco de ficar falando
sozinha outra vez, aprendeu a importância dos métodos participativos,
aprimorou modos de ouvir as opiniões dos usuários e interessados. Para isso
aproximou-se das crianças, e também dos jovens, pois estes também são
colocados em armários pelos adultos. E, claro, para não morrer na praia de
novo, foi ouvir melhor os professores, e também os funcionários, inspetores,
gestores públicos e , por garantia, incluiu na lista os curricólogos. Foi
perguntar a todos sobre que tipo de espaço queriam como escola.
Tentavam disfarçar, mas a verdade é que todos estavam meio
desconfiados achando aquela pergunta muito estranha. A pergunta e a
perguntadeira. Todos olhavam para ela com uma cara de:
...mas...como assim que tipo de escola queremos? Escola não é
sempre igual? Dá prá ser diferente? Sei não...
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atividades, disfarçadas em brincadeiras, que foram abrindo novas
perspectivas, provocando todo mundo para imaginar outros formatos de
escola. Assistiram filmes, leram textos, visitaram escolas e outros espaços
interessantes, discutiram muito, misturando os diferentes grupos. Fizeram
poemas, desenhos, projetos, maquetes.
Depois disso as discussões sobre as mudanças na escola ficaram
mais ricas e surgiram muitas propostas sobre como deveriam ser os
espaços da escola. Mas conforme as discussões foram se aprofundando não
demorou muito para perceberem que não havia muito consenso entre os
quereres de cada grupo: estudantes queriam coisas e professores queriam
outras. Os funcionários outras ainda e os gestores e as famílias mais outras.
Algumas se complementavam, mas outras eram conflitantes. Internamente
aos grupos também haviam desacordos e conflitos. Mas não era só isso: aos
poucos foram se dando conta que não daria para mudar os espaços da
escola se não mudassem também os horários, os formatos das aulas, a
organização dos móveis, o modo de preparar a merenda, de limpar a escola
e... e quando perceberam, estavam discutindo as matérias e para desespero
dos especialistas e curricólogos, se puseram a questionar até as provas, a
avaliação. Todo mundo dando palpite e debatendo. Perceberam inclusive
uma coisa essencial: que aquele tempo que estavam dedicando para as
discussões não era considerado “tempo letivo”. E, à vista de alguns, poderia
parecer então “perda de tempo”. Essas percepções encorajaram ainda mais
o grupo que ia dando conta do quanto estavam indo pelo caminho certo,
pelo caminho de se fortalecerem como grupo, de buscarem sentido naquilo
para que todos ali se dedicavam diáriamente, que era estar ali na escola,
para conhecerem e produzirem conhecimento. Estavam ressignificando o
ato de ensinar-e-aprender.
Ou seja, percebiam que perdendo tempo ganhavam espaço!
A discussão avançou tanto que numa certa altura acabavam
reparando também no lado de fora do armário, digo, da escola. E não é que
descobriram muitas coisas interessantes em volta da escola?! Lugares que
nunca tinham reparado: uns feios e outros bonitos, uns grandes outros
minúsculos e um monte de espaço largado, mal cuidado, mas que pareciam
loucos para serem apropriados, ocupados, regenerados. Encontraram
também uma árvore caída, perfeitinha para virar um escorregador bem
grandão. Seria ótimo, pois na escola só tinha brinquedo pras crianças da
creche.
Por que será? Pensam que depois dos 6 não somos mais crianças. E,
além do mais: adulto não escorrega, não?
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A cada dia era uma novidade. Numa das reuniões-expedição
encontraram um terreno ideal para fazer uma horta da escola, já que o
pátio da escola tinha sido todo cimentado, pois a diretora tinha horror de
sujeira dentro da escola. De quem seria aquele terreno? Alguém se
prontificava a descobrir. Além disso, descobriram também onde cada um
morava, e perceberam que os professores, quase todos, não conheciam o
bairro, pois não moravam lá. Então escreveram um projeto juntando
português e geografia onde os professores visitariam as casas dos seus
alunos, junto com toda turma da respectiva sala.
Acontece que não demorou muito e se deram conta que não tinham
autonomia para mexer nos espaços da escola e muito menos nos terrenos e
nas ruas do bairro. Decidiram então formar uma comissão com
representantes dos alunos, dos professores, funcionários e também dos pais
e da comunidade e decidiram procurar o setor de obras da prefeitura
responsável pelas reformas e construção de escolas e também o que
cuidava dos projetos urbanos. Foram apresentar as novas idéias para a
reforma da escola, e também sugestões para a construção de outra nova e
algumas propostas para melhorias nos espaços do bairro.
Mas qual não foi a surpresa de todos ao ouvirem dos arquitetos e dos
engenheiros dos respectivos departamentos:
Olha: sinto muito, mas só podemos fazer escolas-armário. E, logo
de cara já se vê que essa escola não se parece nada com um
armário. Além do que já temos os projetos-padrão prontos, não se
preocupem.
E outra coisa: projeto de escola não tem nada a ver com projetos
urbanos. Cada coisa no seu lugar. São leis e procedimentos
completamente independentes. Não sabiam não? Vocês que são
leigos entendam: uma coisa é arquitetura, e outra desenho
urbano, urbanismo, ok?
E, desculpem a pergunta, mas... vocês não tinha que estar na
escola aprendendo? Ou hoje é feriado escolar?
Pois é! Para espanto de todos ficava claro que a burocracia da gestão
publica desconhecia completamente o que se passava na escola. Parecia
que eles se relacionavam com a escola do século XX, sem se darem conta
que já estavam no XXI!
E a comissão, muito desapontada e sem saber como contra-
argumentar tamanho balde de água fria, voltou para a escola tentando
entender. Um silêncio tomou conta de tudo até que a merendeira, que
falava pouco, mas sempre ia direto ao ponto, perguntou:
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Digam uma coisa: essas leis, essas regras? De onde surgiram?
Não fomos nós que fizemos? Ou veio da onde? Então! Então
vamos refazer tudo isso, de acordo com o que a gente quer, com
o que a gente precisa. Essas leis são para um tempo que já
passou, ora bolas!Não nos servem mais!
Os estudantes ficaram bem empolgados com a proposta corajosa da
merendeira. Os pais, meio calados, olharam para os professores e a
diretora, que se olhavam entre si com uma cara de “não sei não... Melhor
deixarmos como está”.
Silêncio! ...E um abismo se abriu sob todos. Uma grande interrogação.
E a arquiteta-urbanista, causadora de toda aquela confusão, se deu
conta que lhes faltavam argumentos, entendimento, comunicação. Cada um
falava uma língua que o outro mal entendia. Mundos distintos, a parte: de
um lado o chão-da-escola e do outro a gestão publica, a legislação. E cada
um desses lados também, subdivididos em mil partes isoladas, auto-
centradas.
Mas...Não foi sempre assim mesmo? Por que mudar? Precisava
mudar? Alguém queria mudar? Apesar de muitos dizerem que a escola
estava em crise, que os estudantes não aprendiam mais, era como se o
espaço da escola não tivesse nada a ver com isso. Seus ambientes, a forma
e os materiais com que ela tinha sido construída, as texturas, seus
tamanhos, seus altos e baixos, suas aberturas, a luz, os sons, os cheiros, as
passagens, as sensações, sua arquitetura, enfim – pois isso tudo é
arquitetura - era como não tivesse nenhuma relação com tudo aquilo. A
fábrica de escolas continuava produzindo suas fornadas, aprimorando
tecnicamente seus ingredientes, mas mantendo a mesma receita de
sempre. E assim seguiam sendo inauguradas escolas-armário em cidades-
máquinas-de-deseducar. Ambas se desconhecendo e se evitando
mutuamente.
Então, diante situação, a arquiteta-urbanista deu dois passinhos
atrás e, mais uma vez, reviu seus planos em busca do ponto certo a ser
tocado, em busca do essencial. E voltou ao começo, na questão final da
História de um Armário, se perguntando: ...que catso é essencial no meio de
todo esse imbróglio?
E fortalecendo a cada passo sua porção pesquisadora, foi se dando
conta de que o que ela queria entender era:
Por que o espaço escolar tinha se naturalizado, se con-sagrado de tal
forma que conseguia ficar alheio às mudanças do lado de fora dos seus
muros?
Por que as discussões, o debate, a reflexão crítica sobre a escola, não
chegavam a mudar o processo da produção de sua materialidade, de sua
edificação? O que mantinha essa situação, essa separação?
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Este seria a partir dali o seu “essencial”: organizar um campo
conceitual comum para o entendimento desta questão, para o alargamento
de perspectivas e de horizontes, onde pudesse juntar o que ela encontrara
tão separadinho.
Então arregaçou as mangas e começou a trabalhar para ir ao
encontro deste lugar onde esses desencontros pudessem se encontrar. Um
lugar onde pudessem conversar arquitetos, urbanistas, comunidade escolar.
Conversar, refletir, propor, transformar.
E para isso ela saiu a buscar idéias fundamentadas em teorias e
práticas que estivessem à altura dos desejos e necessidades dos implicados
na melhoria da qualidade da educação e dos ambientes onde ela se dá.
Resolveu começar pelo modo de pensar, de abordar a questão. Novas
referências para pensar outras concepções de espaço escolar, livrando-o da
condição única de ser armário ou algo parecido. Abordagens que pudessem
ser compartilhadas com os demais campos envolvidos na questão,
superando as dicotomias que haviam consolidado tamanha separação.
Seu objetivo começava a se esboçar: queria encontrar uma espécie
de conceito-ação, com função de abre-caminho, que teria a força de mudar
as coisas de lugar, colocando juntos, em ação reflexiva, os que pensam, os
que fazem e os que usam esses lugares. De maneira que todos pudessem
se entender a partir de parâmetros comuns, mesmo que se
desentendessem depois, por outros motivos.
E a partir deste (des)entendimento comum, pudessem refletir juntos
e então rever as normas, os princípios, os projetos, a produção, a
organização e os usos dos espaços educativos escolares e urbanos.
Conceitos amplos, extensos, quase fluidos, para que dessem conta do
desafio de pensar os espaços escolares e os espaços urbanos de uma só
vez, juntinhos. De maneira que escola e cidade pudessem se ajudar
mutuamente a resolver os seus problemas e a reinventarem-se
mutuamente.
Conceitos-ponte, que tivessem uma tripla função: 1. entender os
abismos e as separações; 2. ampliar concepções e, além disso: 3. encorajar
intervenções. Pois só lhe interessava provocar reflexões para melhorar a
situação. Disso ela não abria mão.
Ela sabia que queria demais, mas não sabia como querer menos.
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ambiente escolar ganharia muito com isso. E ela queria explicitar e explorar
este vínculo.
Ela se perguntava, sonhando alto:
Quem sabe se a cidade - com seus imprevistos e descontroles,
pudesse enfim redimir a escola da impregnância de si mesma, da solidão
de ser eternamente armário?
Quem sabe se a escola, se abrindo para a cidade, e lhe emprestando
seus estudantes, a tornasse mais humana a cada passo deles sobre
ela, que a leriam como a um livro, que nela escreveriam como deles
fosse o caderno.
Era uma esperança...Uma esperança que precisava territorializar.
Precisava de um endereço a partir do qual pudesse organizar tantas idéias e
desenvolver a pesquisa.
Até que...num belo dia... recebeu um convite para dar uma palestra.
Era para falar sobre um projeto no qual ela estava trabalhando havia
alguns anos. Um projeto inovador onde a prefeitura de uma grande cidade
da baixada fluminense, Nova Iguaçu, com seus mais de 1 milhão de
habitantes, colocou em prática o programa Bairro-Escola. Todas as escolas
da rede municipal de ensino fundamental passaram a ter jornada integral de
ensino. Os estudantes ficavam um período nos espaços internos da escola e
no outro, ocupavam os chamados espaços-parceiros– academias, igrejas,
clubes, praças, residências, bibliotecas, etc. Lá tinham aulas
complementares ao currículo, nos campos da cultura, esporte e meio
ambiente, além das oficinas de acompanhamento pedagógico para as
disciplinas curriculares. Além de ser um programa voltado para a melhoria
da qualidade da educação publica, o Bairro-Escola envolvia e integrava
todas as secretarias municipais com o objetivo de melhorar a qualidade de
vida na cidade, atingindo todos os setores da gestão municipal.
A oportunidade de participar da criação e implantação do Bairro-
Escola e depois de ocupar o cargo de Secretária Adjunta de Educação do
Cotidiano Escolar em Nova Iguaçu, permitiu-lhe conhecer melhor os
meandros de uma gestão publica municipal. E também aproximou a
arquiteta-urbanista da realidade das escolas, que ela passara a conhecer
por dentro, pelo avesso. E falar sobre isso para estudantes de arquitetura e
para seus colegas era um belo desafio. Ela que naquele momento estava
muito mais perto da lousa e do giz do que da prancheta... percebia que toda
aquela experiência trazia novos ingredientes para pensar os projetos e
construções das escolas e dos demais espaços públicos da cidade.
E era sobre isso foi falar aos estudantes da Faculdade de Arquitetura
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O convite foi feito pela arquiteta
19
e professora Dra Maria Ligia Fortes Sanches, uma das professoras da
disciplina de Projeto de Arquitetura no 5º período, cujo tema de trabalho
daquela disciplina era qual? - escolas! Projeto de escolas! Pois é! Coisas do
destino.
Para discutir com os estudantes e colegas ela juntou o tema da
Arquitetura Escolar com o da Educação Integral na perspectiva da Cidade
Educadora, a partir do Bairro-Escola,. O que ela queria era explicitar os
nexos entre uma coisa e outra de maneira que pudesse compartilhar o que
tinha percebido: que um projeto de arquitetura para uma escola deveria
considerar muito mais do que vinha sendo considerado nas escolas de
arquitetura e nas administrações publicas. Isto exigiu dela um esforço para
concatenar suas referencias teóricas e experiências práticas, o que resultou
em um conjunto de questões bastante interessante que sintetizava suas
preocupações e desafios recentes.
Escolas para quê? Era o título da palestra. E partir desta pergunta ali
mesmo começava a ser gestado o embrião de uma futura pesquisa da qual
ela não teria mais como escapar. Pois a coincidência não parava ali. Dentre
os professores da disciplina foi recebida com entusiasmo pelo professor Dr
Paulo Afonso Rheingantz que, junto com outros pesquisadores, havia criado
o Grupo Ambiente-Educação (GAE). Este encontro foi de grande importância
para a maturação da porção pesquisadora da arquiteta-urbanista. O GAE,
nascido dentro do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura naquela
Universidade, juntava pesquisadores de várias áreas de conhecimento em
torno da Arquitetura, Psicologia e Educação, conectando saberes e se
dedicando à causa da melhoria da qualidade dos ambientes educativos.
Para isso criava abordagens bastante inovadoras e até então desconhecidas
para nossa arquiteta. Inovações metodológicas e conceituais que
apontavam caminhos alternativos para que as escolas pudessem ser algo
além de armários.
Era o ano de 2009 e no ano seguinte ela ingressaria oficialmente no
programa de pós-graduação daquela faculdade, pelas portas generosas do
GAE, com orientação da professora Dra Giselle Arteiro Nielsen Azevedo.
20
APRESENTAÇÃO
21
Compartilhar aqui estas duas histórias não foi uma escolha, mas uma
necessidade. Pois, como diz o sociólogo português Boaventura Sousa
Santos,
as nossas trajetórias de vida pessoais e coletivas (enquanto
comunidades científicas) e os valores, as crenças e os preconceitos
que transportam são a prova íntima do nosso conhecimento. Sem
isso nossas investigações laboratoriais ou de arquivo, os nossos
cálculos ou os nossos trabalhos de campo constituiriam um
emaranhado de diligências absurdas sem fio nem pavio. No
entanto, este saber de nossas trajetórias e valores, do qual
podemos ou não ter consciência, corre subterrânea e
clandestinamente, nos pressupostos não-ditos do nosso discurso
científico. (SANTOS, 2005:84)
Daqui por diante, revelados meus subterrâneos, passo para o outro
lado, agora em primeira pessoa, dissertando sobre o que descobri e aprendi
na conversa da escola com a cidade.
A ver!
22
Nilda Alves, Mayumi Souza Lima
As propostas para
DO lado da Pedagogia
Mas....
23
Minha proposta é darmos um passo para o lado, e tomarmos a via por onde
corre a reflexão crítica sobre Educação na perspectiva do entendimento da
função social da escola. Dentre os autores que tratam desta questão escolhi
aqueles que dentro de suas reflexões se dedicaram à questão dos espaços e
tempos escolares, dentro do estudo do que chamam forma e organização
escolar.
Estes autores
Do lado da pesquisa
Do lado da produção
Mas o caminho para atender esta qualidade que proponho vai na direção de
questionar o conceito de espaço escolar que construímos historicamente até
o momento e como esta concepção pode se alargar de modo a se alinhar
com as necessidades .....
24
2. A CONVERSA DA ESCOLA COM A CIDADE
25
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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37