Fake News e Redes Coiais

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INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA

ESCOLA DE DIREITO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


MESTRADO

JOSÉ CÉLIO BELÉM DE PINHO FILHO

DESINFORMAÇÃO E REGULAÇÃO DE REDES SOCIAIS DIGITAIS

SÃO PAULO
2021
JOSÉ CÉLIO BELÉM DE PINHO FILHO

DESINFORMAÇÃO E REGULAÇÃO DE REDES SOCIAIS DIGITAIS

Dissertação de Mestrado, desenvolvida sob a


orientação do Dr. Flávio Henrique Unes Pereira
apresentado para obtenção do Título de Mestre
em Direito, Justiça e Desenvolvimento.

SÃO PAULO
2021
JOSÉ CÉLIO BELÉM DE PINHO FILHO

DESINFORMAÇÃO E REGULAÇÃO DE REDES SOCIAIS DIGITAIS

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Mestrado Interdisciplinar
Profissional em Direito, Justiça e
Desenvolvimento do IDP, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Direito, Justiça
e Desenvolvimento.

08 de julho de 2021.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Henrique Unes Pereira
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - IDP

_________________________________________________
Prof. Dr. Rafael de Paula Santos Cortez
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - IDP

_________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Resende Campos
Goethe Universität Frankfurt am Main
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, à minha esposa, que foi minha grande parceira nessa jornada de
desafio, abdicação e aprendizado, sendo parte fundamental dessa trajetória, que
agora se encerra com êxito, representando a conclusão de mais uma etapa da minha
formação e da constante busca por conhecimento e sabedoria.
À minha mãe, de quem recebi a maior lição: amor.
Ao meu pai, que sempre acreditou em mim e me deixou a educação como
legado.
À minha irmã, pela amizade singular e apoio de todas as horas.
Aos meus companheiros de trabalho, que apoiaram a busca desse sonho e
sempre me ajudaram quando necessário.
Aos amigos do curso de mestrado, em especial Victor e Johnny, por fazerem
parte dessa história, contribuírem de forma única com sua amizade e tornarem esse
período mais leve.
Ao professor Flávio Henrique Unes Pereira, por ter aceitado a incumbência de
orientar este trabalho, pelas importantes lições jurídicas e constante estímulo à
curiosidade acadêmica.
Aos professores Rafael de Paula Santos Cortez e Ricardo Resende Campos,
com os quais tive a oportunidade de qualificar esse trabalho, aprender com suas lições
e questionamentos e, agora, também contar com a satisfação de sua participação na
Banca Examinadora.
“A verdade se corrompe tanto com a
mentira quanto com o silêncio.” (Cícero)
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 09
1 COMPREENDENDO O FENÔMENO ...................................................... 14
1.1 Desordem da Informação ....................................................................... 14
1.2 Internet e liberdade de expressão ........................................................... 26
1.3 Direito à informação verídica .................................................................. 42
2 REDES SOCIAIS DIGITAIS ..................................................................... 50
2.1 A desinformação e os ordenamentos das redes sociais digitais .............. 53
2.1.1 Facebook ............................................................................................... 54
2.1.2 Instagram ............................................................................................... 58
2.1.3 Linkedin ................................................................................................. 61
2.1.4 Twitter .................................................................................................... 62
2.1.5 Conclusão ............................................................................................. 67
2.2 Autorregulação nas redes sociais digitais ............................................... 68
3 DESINFORMAÇÃO E CONTROLE JUDICIAL ........................................ 74
3.1 A desinformação e a legislação brasileira ............................................... 74
3.2 Controle Judicial ..................................................................................... 83
3.3 Limitações do Judiciário brasileiro no controle judicial da desinformação 87
4 DESINFORMAÇÃO E FORMAS DE REGULAÇÃO ................................ 93
4.1 A regulação ............................................................................................ 96
4.2 A autorregulação .................................................................................... 99
4.3 A autorregulação regulada ...................................................................... 104
4.4 A autorregulação regulada e a experiência alemã (NetzDG) .................. 112
4.5 A autorregulação regulada de redes sociais digitais no Brasil ................. 120
CONCLUSÃO .................................................................................................... 128
REFERÊNCIAS ................................................................................................. 133
APÊNDICES ...................................................................................................... 154
APÊNDICE I ...................................................................................................... 155
APÊNDICE II ..................................................................................................... 165
RESUMO

Esta pesquisa pretende contribuir para a análise de modelos de regulação para o


combate à disseminação de desinformação em redes sociais digitais. A partir de uma
reflexão crítica sobre o atual contexto da sociedade das plataformas que suplantou a
sociedade das corporações, conectando de forma instantânea bilhões de pessoas ao
redor do globo, procedeu-se à revisão bibliográfica sobre o tema. Assumiu-se a
hipótese de que somente a partir de um modelo regulatório que conjugue
prerrogativas da heterorregulação, tipicamente praticada pelo Estado, com atributos
da autorregulação, promovida por entidades privadas, será possível combater de
forma assertiva e eficaz a disseminação de desinformação em redes sociais digitais.
Para tanto, partiu-se, inicialmente, da análise da desordem da informação, fenômeno
que afeta todo o mundo, e possui especial repercussão no Brasil, com grande impacto
para o exercício de direitos e garantias fundamentais como a liberdade de expressão
e o acesso à informação verídica. Em seguida, objetivou-se dissertar sobre a relação
entre redes sociais digitais e a desinformação a partir da abordagem da forma como
algumas das principais plataformas tratam o fenômeno e como suas diretrizes e
códigos são capazes de influenciar mudanças nesse cenário. Após isso, analisou-se
o enquadramento da desinformação enquanto fato jurídico, de forma a avaliar a
legislação nacional e a participação do Judiciário, dentro do modelo vigente de reserva
de jurisdição previsto no Marco Civil da Internet, no combate à desinformação e a
impossibilidade de que todas as questões sejam reprimidas exclusivamente por esse
meio. Diante disso, apresentou-se uma série de modelos de regulação a partir de um
viés de vantagens e desvantagens, bem como efetividade no combate ao problema e
de que forma o assunto vem sendo tratado na Alemanha a partir da vigência da
NetzDG, norma que tem inspirado projetos legislativos no Brasil. Conclui-se a partir
da constatação de que o modelo da autorregulação regulada exsurge como uma
forma de compatibilizar as constantes mudanças tecnológicas sem deixar de atender
aos preceitos basilares do interesse público e das garantias fundamentais, mostrando-
se como um modelo plausível para o combate à desinformação em redes sociais
digitais que precisa ser aprimorado a partir do debate público.

Palavras-chave: Desinformação. Fake News. Autorregulação Regulada. Redes


Sociais Digitais.
ABSTRACT

This research aims to contribute to the analysis of regulatory models to combat


the spread of disinformation in digital social networks. Based on a critical reflection on
the current context of the platforms’ society that supplanted the corporations’ society,
instantly connecting billions of people around the globe, a bibliographical review on the
subject was carried out. It was assumed that only from a regulatory model that
combines the prerogatives of hetero-regulation, typically practiced by the State, with
attributes of self-regulation, promoted by private entities, it will be possible to
assertively and effectively combat the dissemination of disinformation in social
networks digital. To this purpose, we initially started with the analysis of the information
disorder, a phenomenon that affects the entire world, and has a special repercussion
in Brazil, with great impact on the exercise of fundamental rights and guarantees such
as freedom of expression and access to true information. Then, the objective was to
discuss the relationship between digital social networks and misinformation from the
approach of how some of the main platforms deal with the phenomenon and how their
guidelines and codes can lead changes in this scenario. After that, the framework of
misinformation as a legal fact was analyzed, in order to assess the national legislation
and the participation of the Judiciary, within the current model of reserve of jurisdiction
provided by the Marco Civil da Internet (Brazilian’s regulatory bill for internet), in the
fight against misinformation and the impossibility of all questions being repressed
exclusively by this means. Therefore, a series of regulation models were presented
based on a bias of advantages and disadvantages, as well as effectiveness in
combating the problem and how the subject has been addressed in Germany since
the NetzDG, a standard that has inspired legislative projects in Brazil. The conclusion
is that the model of regulated self-regulation emerges as a way to reconcile the
constant technological changes without failing to meet the basic precepts of public
interest and fundamental guarantees, showing itself as a plausible model for
combating misinformation on digital social networks that needs to be improved from
the public debate.

Palavras-chave: Desinformation. Fake News. Regulated Self-regulation. Digital social


networks.
9

INTRODUÇÃO

A pesquisa visa a análise da aplicabilidade dos modelos de regulação de redes


sociais virtuais, enquanto provedores de aplicação de internet, para o combate à
desinformação, perpassando pela análise da regulação estatal (heterorregulação), da
regulação dos provedores (autorregulação) e de sua forma conjugada, a
autorregulação regulada.
A disseminação de desinformação, em especial as notícias falsas (fake news),
tem ganhado dimensão cada vez maior no mundo nos últimos anos. No Brasil, a
preocupação com o uso político, eleitoral e até mesmo econômico de fake news tem
alcançado as mais altas esferas dos Poderes Legislativo e Judiciário.
No Congresso Nacional, mais de 50 tipos de medidas, entre projetos de lei e
requerimentos diversos, inclusive de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s),
estão atualmente em trâmite, tendo sido aprovado recentemente no Senado o Projeto
de lei n° 2630/2020, com o objetivo de instituir a Lei Brasileira de Liberdade,
Responsabilidade e Transparência na Internet, intitulado “Lei das Fake News”, que
agora tramita na Câmara dos Deputados gerando grande debate na sociedade.
No Judiciário, um inquérito criminal deliberadamente aberto por um Ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) visa investigar notícias fraudulentas que "atingem a
honorabilidade e a segurança" da Corte, de seus membros e familiares, levantando
questões jurídicas importantes sobre o tratamento legal dado a “agentes de
desinformação” e aos limites de atuação do Estado no seu combate.
Um dos epicentros dessas discussões, as redes sociais representam hoje um
dos principais meios de disseminação de desinformação na Internet, o que restou
evidenciado pelas eleições de 2018 e pela pandemia do Covid-19 que se iniciou em
2020 e perdura em 2021. Por essa razão, a maioria das soluções atualmente
consideradas passa por alguma forma de intervenção nessa esfera, o ciberespaço, o
que tem levantado o debate sobre os impactos e as limitações à liberdade de
expressão dos usuários de redes sociais digitais e também do cumprimento dos seus
deveres.
Muito embora o Marco Civil da Internet1, visando assegurar a liberdade de
expressão e impedir a censura, tenha previsto expressamente a possibilidade de

1 BRASIL. Lei n° 12.965, de 23 de abril de 2014. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 10 set. 2020.
10

responsabilização civil de redes sociais apenas em caso de descumprimento de


ordem judicial específica para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro
do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, o fato
é que o Judiciário demonstra não possuir capacidade (e nem deveria) de controlar
repressivamente toda a desinformação disseminada em aplicações de internet,
sobretudo diante da hipervelocidade com a qual se dá sua propagação cotidiana, o
que se agrava em contextos específicos (pleitos eleitorais, crises humanitárias,
pandemias etc.), mas também diante da própria necessidade de que ações judiciais
específicas e individuais sejam movidas pelas partes interessadas para cada situação.
Ou seja, pelo Marco Civil da Internet, somente partes interessadas podem ajuizar
medidas judiciais aptas a excluir ou impedir a disseminação de determinados
conteúdos, devendo essas partes demonstrarem o cumprimento de todos os
requisitos processuais e materiais para obterem o provimento de seus pedidos,
havendo, ainda, a necessidade de envolvimento de diferentes provedores de
aplicação no polo passivo da ação.
As limitações do atual modelo de combate à desinformação, que se dá mediante
necessária provocação do Judiciário é, como antecipado, ineficaz e mesmo
impossível, por assim dizer, considerando o grande volume de informações geradas
de forma constante e dinâmica na internet, como mostra o Relatório da Segurança
Digital no Brasil2, segundo qual, o terceiro trimestre de 2018 viu mais de 4,8 milhões
de notícias falsas serem disseminadas na rede.
Nesse sentido, observando o direito fundamental de acesso à informação
verídica, bem como o próprio dever de boa-fé para com seus usuários, parece-nos
que, complementar e interdependentemente à atuação do Judiciário, as redes sociais
digitais em geral também possuem papel imprescindível no combate repressivo à
disseminação da desinformação.
Isso porque fornecem um serviço pelo qual seus usuários pagam direta ou
indiretamente (mediante a disponibilização de dados utilizados para direcionamento
de publicidade), bem como, e especialmente, por serem as detentoras da tecnologia
(códigos, algoritmos e inteligência artificial) capaz de direcionar conteúdos, criar filtros

2DFNDR LAB. Relatório da Segurança Digital no Brasil. Terceiro trimestre – 2018. Disponível em:
<https://www.psafe.com/dfndr-lab/wp-content/uploads/2018/11/dfndr-lab-Relat%C3%B3rio-da-
Seguran%C3%A7a-Digital-no-Brasil-3%C2%BA-trimestre-de-2018-1.pdf>. Acesso em: 20/06/2020.
11

bolha3 e câmaras de eco4 que interferem diretamente no que é visto, consumido e


compartilhado por seus usuários, o que pode facilitar ou dificultar a disseminação de
desinformação em sentido amplo.
Parece-nos, oportuno, pois, que as redes sociais digitais, num movimento de
autorregulação possam prever medidas mais claras e adotar mecanismos mais
eficientes para regular esse fenômeno, como parte fundamental do seu dever de
informação e transparência com a rede de usuários. Ao mesmo tempo, cabe ao
Estado, a partir da heterorregulação, garantir padrões mínimos de observância dos
preceitos constitucionais referentes à liberdade de expressão e informação, em
especial verídica, e ao direito à privacidade.
O modelo de autorregulação regulada exsurge, assim, como um mecanismo de
corregulação que equilibra as vantagens e incentivos da autorregulação com a
definição de padrões mínimos uniformes da heterorregulação, evitando a
superregulação pelo Estado, ao impedir a edição desenfreada de leis específicas
incapazes de acompanhar a rapidez, a dinamicidade e a complexidade da evolução
tecnológica, e garantindo a adoção de requisitos mínimos capazes de assegurar o
respeito a garantias constitucionais pelos provedores de aplicações de internet, em
especial os operadores de redes sociais virtuais.
O estudo do tema aqui abordado se mostra adequado para registrar, de forma
científica, a análise de um modelo de regulação das mídias sociais no Brasil, tema
que ganhou destaque nos últimos anos e teve sua discussão acelerada em 2020,
inclusive com Projeto de Lei5 já aprovado no Senado, em função de investigações
relacionadas às eleições de 2018 e em meio à pandemia do Covid-19.
Ao longo do trabalho, a) delimitar-se-á o conceito de desinformação, de modo a
facilitar a compreensão de suas características e seu modo de disseminação, bem
como de que forma se relacionam e interferem nos direitos de liberdade de expressão
e de acesso à informação verídica; b) adentrar-se-á na análise do tratamento

3 Tratam-se de mecanismos de inteligência artificial que selecionam os assuntos apresentados aos


usuários nas redes sociais a partir de temas e preferências pessoais e políticas coletadas não apenas
pela interação dentro da rede, mas também a partir de cookies que monitoram o acesso de usuário a
outros recursos e aplicações fora da rede social.
4 Efeito segundo o qual os usuários tendem a visualizar informações e publicações que coincidem e

reforçam suas crenças, motivações ideológicas e entendimentos pessoais, o que, por sua vez, estimula
o compartilhamento desses mesmos conteúdos por esses usuários para a sua rede de contatos.
5 Trata-se do Projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e

Transparência na Internet. Disponível em:


<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2256735>. Acesso em
05 jul. 2020.
12

conferido pelas redes sociais acerca da desinformação disseminada em suas


plataformas; c) estudar-se-á a desinformação enquanto fato jurídico, as previsões
legais aplicáveis ao tema, as formas de controle judicial no combate à desinformação
no Brasil e os limites à atuação do Judiciário; e d) analisar-se-á as formas de regulação
e os modelos aplicáveis para o combate à desinformação em redes sociais digitais,
com especial atenção ao modelo de autorregulação regulada.
Diante da evolução acima explicitada, concluiremos com a apresentação de
conclusões/propostas que, seguindo critérios de racionalidade e respeito à legislação
e aos princípios constitucionais, mostram-se adequadas para balizar o modelo de
autorregulação regulada de redes sociais digitais no Brasil, valendo-se também das
análises de Georges Aboud, Ricardo Campos e Juliano Maranhão sobre a aplicação
do modelo à realidade nacional.
Adotar-se-á o método bibliográfico de pesquisa, valendo-se da legislação
nacional pertinente, dos estudos jurídicos disponíveis e da jurisprudência relevante.
Dessa forma, o método dogmático surge como meio essencial ao desenvolvimento do
presente estudo. O material será obtido por meio de livros, artigos e textos publicados
em revistas e na Internet e discussões e debates de exemplos estrangeiros sobre os
modelos de regulação para combate à desinformação.
Diante disso, haverá o levantamento e o estudo crítico do material bibliográfico
inerente ao tema, juntamente à análise da teoria e da legislação aplicáveis, a
identificação de aspectos pacíficos e controvertidos, bem como o destaque dos limites
explícitos e implícitos à autorregulação regulada de redes sociais digitais para o
combate à disseminação de desinformação no Brasil.
Adicionalmente, será feita a análise sobre os principais aspectos da NetzDG (Lei
Alemã Para a Melhoria da Aplicação da Lei nas Redes Sociais) e como, a partir dela,
podemos extrair relevantes aprendizados e discussões acerca da garantia de
liberdades constitucionais e da necessidade de atuação dos Estados e dos
provedores de redes sociais digitais para combater a desinformação e a prática de
outras condutas antijurídicas nas redes sociais digitais.
O presente trabalho, portanto, versará sobre a aplicação desse modelo de
autorregulação regulada e a definição de seus limites tendo como base o Marco Civil
da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), os projetos de lei
atualmente em trâmite no Congresso Nacional, outros modelos bem sucedidos de
autorregulação setorial no Brasil e no mundo, a doutrina e a jurisprudência, sempre
13

considerando as perspectivas e os desafios intrínsecos ao processo de popularização


da Internet e das redes sociais digitais e a sua relação com a disseminação da
desinformação, tudo com estrita observância da Constituição Federal de 1988, suas
garantias fundamentais e o respeito à harmonia do sistema jurídico brasileiro.
14

1 COMPREENDENDO O FENÔMENO

Nesse capítulo, adentra-se no estudo da desordem da informação enquanto


fenômeno da atualidade, tendo como escopo conceituar e estabelecer suas principais
características, destacando que muito embora o termo mais difundido ou popular
atualmente seja fake news, trata-se de espécie do fenômeno da desinformação, que
se caracteriza pela ação intencional de criar conteúdo falso para causar algum tipo de
dano.
Dar-se-á seguimento à descrição da relação entre Internet e liberdade de
expressão, apresentando a evolução do seu conceito ao longo dos últimos séculos
para as democracias modernas e de que forma o seu exercício se dá dentro do novo
paradigma criado pela Sociedade da Informação. Isso nos leva a abordar em tópico
específico a relação entre a Internet e o direito à informação, em especial à informação
verídica, afetado pela volumosa quantidade de conteúdo produzida diariamente sem
curadoria ou qualquer outro tipo de controle na Internet.
Essas questões serão fundamentais para as discussões dos próximos
capítulos, em especial para a análise da viabilidade da aplicação de um modelo de
autorregulação para redes sociais on-line.

1.1 DESORDEM DA INFORMAÇÃO

“Vivemos em uma era de desordem da informação”6 (tradução nossa). Notícias


falsas, fabricadas ou distorcidas, mentiras, enganos e desinformação não são
exatamente algo novo7. Já em um desenho de 1894, do cartunista Frederick Burr
Opper, é possível ver um homem andando apressado com um jornal que contém a
expressão fake news, entre outras tantas pessoas que parecem alvoroçadas também
por outras manchetes que indicam a difusão de boatos e lendas urbanas pela mídia
em troca de ganhos financeiros.

6 “We live in an age of information disorder”. FIRST DRAFT. Essential guide to understanding
information disorder. p. 6. Disponível em <https://firstdraftnews.org/wp-
content/uploads/2019/10/Information_Disorder_Digital_AW.pdf?x76701>. Acesso em 20 jun. 2020.
7 POSETTI, Julie. MATTHEWS, Alice. A short guide to the history of ‘fake news’ and

disinformation. p. 1. Disponível em: <https://blog.wan-


ifra.org/sites/default/files/field_blog_entry_file/A%20Short%20Guide%20to%20History%20of%20Fake
%20News%20and%20Disinformation_ICFJ%20Final.pdf>. Acesso em 20 jun. 2020.
15

Figura 1: “O Proprietário do Jornal o Fim do Século”8 (tradução nossa)

Fonte: LIBRARY OF CONGRESS. The fin de siècle newspaper proprietor / F. Opper. Disponível
em: < https://www.loc.gov/resource/ppmsca.29087/>. Acesso em 10 ago. 2020.

Figura 2: Cidadão segurando jornal com expressão “fake news” estampada

Fonte: LIBRARY OF CONGRESS. The fin de siècle newspaper proprietor / F. Opper. Disponível
em: < https://www.loc.gov/resource/ppmsca.29087/>. Acesso em 10 ago. 2020.

Apesar disso, a difusão de fake news no passado encontrava algumas


dificuldades, tais quais: a) o alto custo para alcançar uma audiência expressiva; b) a

8 No original: “The fin de siècle newspaper proprietor”.


16

ausência de flexibilidade para o conteúdo, já que, uma vez impresso, não poderia ser
facilmente modificado e redistribuído; c) a falta de informações detalhadas sobre o
público, suas práticas e crenças; d) a falta de um contexto adequado para conferir a
credibilidade necessária ao meio de distribuição da informação9.10
Foi somente com a popularização da internet, por meio da facilitação do seu
acesso e da difusão de novas tecnologias, que referidas barreiras começaram a ser
superadas, facilitando a disseminação de informações em volume, diversidade e
complexidade nunca vistos.
Os benefícios da revolução tecnológica do final do Século XX, em diversas
formas amplificados já no início do Século XXI, parecem ter criado a expectativa de
que as novas tecnologias digitais, em especial a Internet e sua rápida popularização,
solucionariam definitivamente uma série de antigos problemas, dentre eles o acesso
à informação. Essa visão idealizada, contudo, tem sido rapidamente substituída pela
constatação de que a quantidade e a hipervelocidade com as quais novas informações
são diariamente produzidas e disseminadas na rede mundial de computadores têm
colaborado para gerar um grande volume de conteúdo poluído11.
Por isso, para os fins do presente trabalho, é importante considerar o atual
contexto histórico para compreender e examinar as razões, os efeitos e as modos de
combate do fenômeno que se popularizou pela expressão fake news, mas que deve
ser analisado em todas as suas formas, cujo conjunto, conforme veremos, pode ser
tratado como “desordem da informação”12.
Em 2017 a expressão fake news foi considerada a palavra do ano pelo
Dicionário Collins13 e o aumento do seu uso desde então contrariou as expectativas
da BBC, registradas em artigo de janeiro de 2018, de que, no futuro, a expressão

9 Evidentemente atualmente é mais fácil alguém criar um site, blog ou perfil numa rede social e chamá-
la de jornal ou portal de notícias do que era antigamente criar, de fato, a sede de um jornal impresso
ou conferir confiabilidade a folhetins de procedência desconhecida.
10 ITAGIBA, Gabriel. Fake news e Internet: esquemas, bots e a disputa pela atenção. Disponível em:

<https://itsrio.org/wp-content/uploads/2017/04/v2_fake-news-e-internet-bots.pdf>. Acesso em 20 jan.


2021.
11 WARDLE, Claire. DERAKHSHAN, Hossein. Information Disorder: toward an interdisciplinary

framework for research and policy making. Disponível em: <https://rm.coe.int/information-disorder-


toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c>. Acesso 20 jun. 2020.
12 FIRST DRAFT. Essential guide to understanding information disorder. p. 6. Disponível em

<https://firstdraftnews.org/wp-
content/uploads/2019/10/Information_Disorder_Digital_AW.pdf?x76701>. Acesso em 20 jun. 2020.
13 COLLINS DICTIONARY. Collins 2017 Word of the Year Shortlist. Disponível em:

<https://www.collinsdictionary.com/word-lovers-blog/new/collins-2017-word-of-the-year-
shortlist,396,HCB.html>. Acesso em 10 jun. 2020.
17

pudesse ser vista como uma relíquia de 2017, muito embora o artigo ressalve que a
luta contra a desinformação não acabaria, devendo mobilizar governos e pessoas14.
Não obstante a fama que a expressão reconhecidamente ganhou ao longo dos últimos
anos, não nos referiremos, no presente trabalho, exclusivamente as chamadas fake
news, o que será justificado alguns parágrafos adiante.
A filosofia da informação se preocupa, especialmente, sobre como a
informação deve ser criada, processada, gerida e utilizada, não deixando de estudar
também os defeitos que podem ocorrer nesse processo. Isso porque informações
imprecisas, incorretas ou enganosas podem ser extremamente perigosas para a
sociedade e os indivíduos em si, que, por sua vez, podem ser prejudicados nos
estudos e na carreira, em oportunidades de investimentos e tratamentos médicos, na
escolha da marca de um produto e nas escolhas eleitorais, enfim, em inúmeros
aspectos práticos e cotidianos de suas vidas.15
Independentemente de sua origem, se decorre de erro honesto, negligência na
verificação das fontes, viés inconsciente ou de ação intencional (desinformação),
informações enganosas tem o potencial de confundir e prejudicar indivíduos. A
gravidade, contudo, de produção intencional de desinformação tem teor mais crítico
do que o simples erro honesto, já que aquela se motiva pelo objetivo deliberado de
causar dano, ainda que indireta ou difusamente.
A desinformação, quando concretizada em uma de suas formas, afeta
determinadas pessoas, grupos ou comunidades mais diretamente, mas também tem
alcance, ainda que indiretamente, sobre a sociedade em geral, na medida em que
desgasta a confiança nas relações e tende a inibir nossa habilidade de compartilhar
informação entre si.16
A popularização do acesso à Internet e o surgimento e a diversificação das
redes sociais virtuais, facilitaram sobremaneira as comunicações em suas mais
diversas formas (textos, áudios, vídeos e imagens fotográficas), tornando
praticamente instantânea a circulação de mensagens, anúncios e notícias entre

14 WENDLING, Mike. The (almost) complete history of “fake news”. Disponível em:
<https://www.bbc.com/news/blogs-trending-42724320>. Acesso em 10 jun. 2020.
15 FALLIS, Don. What is disinformation? p. 1. Disponível em:
<https://www.ideals.illinois.edu/bitstream/handle/2142/89818/63.3.fallis.pdf?sequence=2>. Acesso em
03 ago. 2020.
16 FALLIS, Don. What is disinformation? p. 2. Disponível em:
<https://www.ideals.illinois.edu/bitstream/handle/2142/89818/63.3.fallis.pdf?sequence=2>. Acesso em
03 ago. 2020.
18

milhões de pessoas de qualquer local do planeta ao mesmo tempo. Apesar, portanto,


de não ser algo novo, a desinformação, por meio das novas tecnologias da
informação, está sendo criada e disseminada de forma mais fácil e rápida do que em
qualquer outra época.
Para estabelecer as premissas e compreender os objetivos desse trabalho, e
na ausência de uma definição legal precisa no Brasil17, é importante partirmos de
certas definições conceituais que nos guiarão doravante, dentre eles os tipos e
desordem da informação (Figura 3): a) informação incorreta ou falsa; b)
desinformação; e c) má-informação. O objetivo da análise conceitual é identificar um
conjunto conciso de condições necessárias e suficientes para determinar
corretamente se algo se enquadra ou não sob um determinado conceito18.
Desinformação, como anteriormente exemplificado, é o conteúdo falso
intencionalmente criado para causar dano, tendo como motivação gerar receita
financeira, ter relevância política ou até mesmo simplesmente criar um problema per
se.19 Ou seja, “desinformação é informação não acidentalmente enganosa” 20
(tradução nossa), o que significa que o foco deve estar na intenção de enganar e não
apenas nos erros ou inverdades da informação compartilhada21.
Quando compartilhada por alguém que não a criou, a desinformação
comumente se transforma em informação incorreta ou falsa, em função da falta de
consciência de que se trata de conteúdo falso ou enganoso. Ou seja, a informação
originalmente criada com o intuito de enganar é passada adiante por alguém que não
possui esse fim, mas simplesmente acredita se tratar de informação correta ou, na

17 O próprio Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional identificou a necessidade de se


chegar a uma “definição clara e bem delimitada do que seja Fake News”, sendo necessário, portanto,
“estabelecer um conceito com limites práticos para sua aplicação, pois em termos penais, por exemplo,
eventual lacuna irá tisnar a norma como ‘norma penal em branco’, o que é vedado”. Vide: BRASIL.
Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Brasília/DF: Congresso Nacional, 2019.
Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=7740092&ts=1567520392686&disposition=inline>. Acesso em: 15 dez. 2020.
18 FALLIS, Don. A conceptual analysis of disinformation. p. 2. Disponível em:
<http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.569.304&rep=rep1&type=pdf>. Acesso em
03 ago. 2020.
19 FIRST DRAFT. Essential guide to understanding information disorder. p. 9. Disponível em

<https://firstdraftnews.org/wp-
content/uploads/2019/10/Information_Disorder_Digital_AW.pdf?x76701>. Acesso em 20 jun. 2020.
20 No original: “Disinformation Is Nonaccidentally Misleading Information”. Vide: FALLIS, Don. What is

disinformation? p. 6. Disponível em:


<https://www.ideals.illinois.edu/bitstream/handle/2142/89818/63.3.fallis.pdf?sequence=2>. Acesso em
03 ago. 2020.
21 FALLIS, Don. What is disinformation? p. 6. Disponível em:
<https://www.ideals.illinois.edu/bitstream/handle/2142/89818/63.3.fallis.pdf?sequence=2>. Acesso em
03 ago. 2020.
19

dúvida, deixou de verificar se é verdadeira ou enganosa. Já a má-informação, por sua


vez, é aquela verdade compartilhada com o intuito de causar dano, a exemplo da
divulgação, por alguém, de imagens privadas de uma pessoa.22
Vemos, portanto, que as diferentes formas de desordem da informação
possuem também motivações e formas de disseminação diferentes entre si. Não
obstante a delimitação dos conceitos acima indique a necessidade de um sujeito ativo
para cada tipo de desordem da informação, o “agente” que cria uma mensagem
fabricada pode ser diferente do agente que a dissemina, o que torna importante
conhecer quem são esses agentes e o que os motiva.23

Figura 3: Tipos de desordem da informação

Fonte: PROJETO CREDIBILIDADE. A desordem da informação. Disponível em:


<https://www.manualdacredibilidade.com.br/desinformacao>. Acesso em 02 ago. 2020.

Isso também demonstra a importância de entender como esses distúrbios da


informação são consumidos, interpretados e tratados. Ou seja, se a informação está
sendo compartilhadas como o seu criador pretendia, se está atingindo as redes e o
público-alvo para o qual foi criada, se está sendo compartilhada com uma mensagem
de oposição e/ou correção, ou até mesmo se ela migra do mundo virtual para as

22 FIRST DRAFT. Essential guide to understanding information disorder. p. 9. Disponível em


<https://firstdraftnews.org/wp-
content/uploads/2019/10/Information_Disorder_Digital_AW.pdf?x76701>. Acesso em 20 jun. 2020.
23 WARDLE, Claire. DERAKHSHAN, Hossein. Information Disorder: toward an interdisciplinary

framework for research and policy making. p. 6. Disponível em: <https://rm.coe.int/information-disorder-


toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c>. Acesso 20 jun. 2020.
20

conversas pessoais ou outros formatos de interação social, meios difíceis de serem


apreendidos.24
Por se tratar de capítulo introdutório com o objetivo de explicar e delimitar o
atual fenômeno da desinformação, decidimos, como já antecipado e por questões
conceituais, não restringir sua definição ou abrangência ao que hoje se conhece da
expressão fake news. Isso porque, no nosso entendimento, as notícias falsas devem
ser tratadas como uma espécie de desinformação.
A projeção da expressão fake news em redes sociais e na mídia em geral
coincide com a posse do 45° presidente dos Estados Unidos da América, Donald
Trump, conforme demonstra a pesquisa feita na ferramenta Google Trends, que
demonstra a quantidade de buscas, numa escala de 0 a 10025 desde de 01/01/2004
até 31/12/2017, demonstrando que o primeiro de um dos maiores picos de buscas por
essa expressão ocorreu no mês em que o referido presidente tomou posse, janeiro de
2017 (Figura 4).

Figura 4: Resultado das buscas nos Estados Unidos da América pela expressão “fake news” na
ferramenta Google Trends de 01/01/2004 a 31/12/2017

Fonte: Google Trends


Disponível em: < https://trends.google.com/trends/explore?date=2004-01-01%202017-12-
31&geo=US&q=fake%20news>. Acesso em 02 jun. 2021.

24 WARDLE, Claire. DERAKHSHAN, Hossein. Information Disorder: toward an interdisciplinary


framework for research and policy making. p. 7. Disponível em: <https://rm.coe.int/information-disorder-
toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c>. Acesso 20 jun. 2020.
25 Nessa escala, 100 deve ser visto como o maior número de pesquisas em determinado período. Como

o Google não indica, nessa ferramenta, a quantidade de buscas em números absolutos, os números
devem ser entidos como uma fração da maior quantidade de buscas em um período de tempo e em
um espaço geográfico delimitado, que pode ser uma cidade, um país ou até mesmo o planeta.
21

Foi em 11 de janeiro de 2017, na sua primeira coletiva de imprensa desde as


eleições, que Donald Trump26, ao se recusar a responder à uma pergunta de um
jornalista da CNN, criticou a rede e declarou: “Vocês são fake news”27 (tradução
nossa). Isso se repetiu nas semanas seguintes, com menções diretas a outros jornais
e grandes redes de notícias. No tweet abaixo, Donald Trump se refere ao jornal The
New York Times como meio de “fake news: “O falho @nytimes está errado sobre mim
desde o princípio. Disse que eu perderia as primárias, em seguida as eleições gerais.
FAKE NEWS!” (tradução nossa).

Figura 5: Donald Trump se referindo às previsões do jornal The New York Times como Fake News.

Fonte: Perfil de Donald J. Trump no Twitter. Disponível em:


<https://twitter.com/realDonaldTrump/status/825328817833123840?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp
%5Etweetembed%7Ctwterm%5E825328817833123840%7Ctwgr%5Eshare_3&ref_url=http%3A%2F
%2Fwww.ethanzuckerman.com%2Fblog%2F2017%2F01%2F30%2Fstop-saying-fake-news-its-not-
helping%2F>. Acesso em 03 ago. 2020.

Já em janeiro de 2018, mais precisamente no dia 18, data seguinte à divulgação


de uma relação com os “vencedores” do que Donald Trump chamou “Fake News
Awards”28, ocorreu o maior pico de buscas nos Estados Unidos pelo termo fake news
(Figura 6). A “premiação” criada por Trump visava a nomeação de uma série de
veículos e jornalistas considerados por ele os mais falsos e tendenciosos do país em
2017.

26 SNIDER, Mike. Trump invokes ‘fake news’ at press conference. Money. USA TODAY. Disponível
em: <https://www.usatoday.com/story/money/2017/01/11/trump-tackles-fake-news-press-
conference/96438764/>. Acesso em 5 ago. 2020.
27 No original: “You are fake news”.
28 Flegenheimer, Matt; Grynbaum, Michael M. Trump Hands Out ‘Fake News Awards,’ Sans the Red

Carpet. The News York Timess. Disponível em:


<https://www.nytimes.com/2018/01/17/business/media/fake-news-awards.html>. Acesso em 6 ago.
2020.
22

Figura 6: Resultado das buscas nos Estados Unidos da América pela expressão “fake news” na
ferramenta Google Trends de 01/01/2017 a 31/05/2021

Fonte: Google Trends


Disponível em: < https://trends.google.com/trends/explore?date=2017-01-01%202021-05-
31&geo=US&q=fake%20news>. Acesso em 02 jun. 2021.

No Brasil, de modo similar ao que aconteceu nos Estados Unidos, mas de forma
precoce, ainda em meio ao pleito eleitoral para a presidência da república, o pico de
buscas pela expressão fake news se deu em outubro de 2018. Nessa ocasião, o Brasil
teve eleito o seu 38º presidente, Jair Bolsonaro (Figura 6).

Figura 6: Resultado das buscas no Brasil pela expressão “fake news” na ferramenta Google Trends
no período de 01/01/2004 a 31/05/2021

Fonte: Google Trends – Disponível em: <https://trends.google.com/trends/explore?date=2017-


01-01%202021-05-31&geo=BR&q=fake%20news>. Acesso em 02 ago. 2020.
23

Num movimento semelhante ao de Donald Trump, o então recém-empossado


presidente brasileiro, passou a qualificar matérias e críticas do meio jornalístico às
suas declarações e ao seu governo como fake news.

Figura 7: Jair Bolsonaro se referindo à chamada “mídia fake news”

Fonte: Perfil de Jair Bolsonaro no Twitter. Disponível em:


<https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1238491455200649219?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5
Etweetembed%7Ctwterm%5E1238491455200649219%7Ctwgr%5Eshare_3&ref_url=https%3A%2F%
2Fpublish.twitter.com%2F%3Fquery%3Dhttps3A2F2Ftwitter.com2Fjairbolsonaro2Fstatus2F12384914
55200649219widget%3DTweet>. Acesso em 03 ago. 2020.

Em ambos os casos, os referidos presidentes utilizaram-se, em larga escala,


da expressão fake news em diversos momentos de suas trajetórias políticas,
popularizando-a em nível global (Figura 8).

Figura 8: Resultado das buscas em todo o mundo pela expressão “fake news” na ferramenta Google
Trends

Fonte: Google Trends – Disponível em:


<https://trends.google.com/trends/explore?date=all&q=fake%20news>. Acesso em 02 ago. 2020.
24

Embora os gráficos demonstrem uma redução visível na quantidade das


buscas por essa expressão nos Estados Unidos no último ano de mandato de Trump
(2020), o Brasil atualmente figura como o país onde o maior número de buscas é feito:

Figura 9: Resultado do interesse por região de acordo com as buscas em todo o mundo pela
expressão “fake news” na ferramenta Google Trends

Fonte: Google Trends – Disponível em:


<https://trends.google.com/trends/explore?date=all&q=fake%20news>. Acesso em 02 dez. 2020.

Esse cenário indica que a expressão fake news continua tendo grande
expressão e relevância no Brasil, movimentando o noticiário, o Judiciário, o debate
social e a pauta política, que, às vésperas das eleições de 2020, conseguiu mobilizar
o Congresso Nacional para a discussão do Projeto de Lei n° 2630/2020, aprovado no
Senado e, atualmente, em tramitação na Câmara do Deputados, enquanto o STF
conduz o chamado “inquérito das fake news”29, temas esses que serão objeto de
maiores ponderações em tópicos posteriores desse trabalho.
Nada obstante a atual popularidade do termo fake news, uma das
complexidades mais evidentes no estudo aqui proposto, e na forma como o tema vem
sendo abordado por estudiosos das mais diversas esferas, é a terminológica. Isso
porque, muito embora a produção de materiais acadêmicos, jornalísticos e até mesmo
jurídicos seja crescente, a falta de rigor terminológico prejudica o reconhecimento das
diversas formas de desordem da informação, suas motivações e formas de
disseminação.30

29 Trata-se de inquérito iniciado pela Portaria GP n° 69/2019 sobre o qual traremos mais detalhes no
decurso desse trabalho.
30 WARDLE, Claire. DERAKHSHAN, Hossein. Information Disorder: toward an interdisciplinary

framework for research and policy making. p. 16. Disponível em: <https://rm.coe.int/information-
disorder-toward-an-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c>. Acesso 20 jun. 2020
25

A expressão fake news, portanto, é inadequada para descrever com sucesso a


complexidade desse fenômeno, pois se trata de uma forma vaga e ambígua de
descrever praticamente tudo, desde notícias imprecisas ou de conteúdo questionável
ou pouco útil que não merecem nossa atenção, passando por propaganda travestida
de informação criada para apoiar um partido político ou um determinado ponto de vista
em detrimento de outro, até a própria desinformação criada com o sentido de gerar
confusão ou sanar incorretamente dúvidas, aumentando, inclusive, a desconfiança
nas instituições.31
A multiplicidade de sentidos plausíveis atribuídos à expressão fake news por
artigos jornalísticos e até mesmo científicos é tamanha: sátira, paródia, fabricação,
manipulação, publicidade, propaganda.32 Isso demonstra a inadequação do seu uso
como sinônimo de desinformação, especialmente no atual contexto em que a
expressão tem sido apropriada por grupos partidários e figuras políticas de todo o
planeta para desqualificar qualquer cobertura ou opinião opositora da qual discordem,
representando uma forma de assédio à liberdade de imprensa e expressão 33.
Visando, portanto, trabalhar com conceitos técnicos claros para o bom
desenvolvimento das bases que comporão as discussões de outros tópicos desse
trabalho, ressaltamos que será dada preferência ao uso da palavra “desinformação”,
sem prejuízo da possibilidade de utilizar a expressão fake news, quando adequada,
como uma de suas espécies.
Nesse sentido, o quadro abaixo nos ajuda a visualizar de que forma essas sete
categorias que compõem os três tipos de poluição da informação anteriormente
mencionados (informação errada ou falsa, desinformação e má-informação) podem
ser organizadas no ecossistema da desordem da informação em termos de
complexidade e grau de dano:

31 ZUCKERMAN, Ethan. Stop saying “fake news”. It’s not helping. Disponível em:
<http://www.ethanzuckerman.com/blog/2017/01/30/stop-saying-fake-news-its-not-helping/>. Acesso
em 5 ago. 2020.
32 TANDOC JR., Edson C.; LIM, Zheng Wei; LING, Richard. Defining “Fake News”. A typology of

scholarly definitions. Disponível em:


<https://www.researchgate.net/profile/Rich_Ling/publication/319383049_Defining_Fake_News_A_typo
logy_of_scholarly_definitions/links/5d021939299bf13a38512164/Defining-Fake-News-A-typology-of-
scholarly-definitions.pdf>. Acesso em 20 ago. 2020. p. 5.
33 O High Level Group (HLEG), Grupo de Peritos de Alto Nível sobre Notícias Falsas e Desinformação,

ao propor uma definição para a desinformação sugere que o termo “fake news” seja abandonado
justamente em função da confisão gerada em torno do mesmo, conforme relatório “Uma Abordagem
Multidimensional para a Desinformação”, dispinível em:
<https://ec.europa.eu/newsroom/dae/document.cfm?doc_id=50271>. Acesso em 22 ago. 2020.
26

Quadro 1: O ecossistema da desinformação da informação

Fonte: PROJETO CREDIBILIDADE. A desordem da informação. Disponível em:


<https://www.manualdacredibilidade.com.br/desinformacao>. Acesso em 02 ago. 2020.

Trata-se de um espectro que indica de forma visual como Claire Wardle


categoriza o risco de dano que cada espécie dessa é capaz de causar para a
sociedade, embora reconheça que as posições assumidas por cada uma dentro desse
diagrama são controversas e podem variar dentro de determinados contextos, como
eleições e notícias sobre outros eventos importantes.
Como visto, apesar de ter ganhado projeção recentemente, a partir da
popularização da expressão fake news, o fenômeno da desordem da informação é
complexo. Enquanto alguns de seus tipos podem ser considerados mera poluição
informacional de baixo nível, capaz de causar pequenos danos, como “manchetes
caça-cliques” ou notícias satíricas, outros são sofisticada e intencionalmente criados
para causar engano generalizado ou direcionado, afetando gravemente nossa
sociedade.

1.2 INTERNET E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Dentre os chamados direitos fundamentais de primeira geração ou dimensão,


conhecidos como direitos de liberdade, a defesa da liberdade de expressão exsurge
como corolário dessa construção, que decorre de séculos de discussões filosóficas,
disputas políticas e até mesmo revoluções armadas responsáveis pela queda do
27

modelo de Estado Absolutista e pela ascensão do Estado Liberal nas modernas


democracias ocidentais34, tendo o indivíduo como seu titular35.
Nos Estados Unidos da América, pouco antes da declaração de independência,
em 16 de junho de 1776, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia 36 já
abordava o respeito às liberdades individuais, ressaltando o respeito à liberdade, à
vida e à felicidade. Com o surgimento do constitucionalismo norte-americano a partir
de sua Constituição de 1787 e a promulgação de suas emendas em 1791 (Bill of
Rights), viu-se, pela primeira vez estabelecida de forma expressa em uma
Constituição, a garantia da liberdade de expressão.

Emenda I
O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou
proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra,
ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir
ao Governo petições para a reparação de seus agravos.37

Essa previsão constitucional refletia duas das principais características da


sociedade norte-americana de sua época, a “defesa das liberdades individuais e a
submissão dos poderes governamentais ao consentimento popular”38.
Na França, por sua vez, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789 destacou em seus artigos 10° e 11° que a liberdade de opinião importa e deve
ser observada nos seguintes termos:

Art. 10°. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões
religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública
estabelecida pela lei.
Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais
preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever,

34 Conforme Paulo Bonavides: “os direitos fundamentais de primeira dimensão representam


exatamente os direitos civis e políticos, que correspondem à fase inicial do constitucionalismo ocidental,
mas que continuam a integrar os catálogos das Constituições atuais (apesar de contar com alguma
variação de conteúdo), o que demonstra a cumulatividade das dimensões”. BONAVIDES, Paulo. Curso
de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 569.
35 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2012.
36 Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 16 de junho de 1776. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-
de-direitos-do-bom-povo-de-virginia-1776.html>. Acesso em 19 ago. 2020.
37 Constituição dos Estados Unidos da América. Disponível em:
<http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.p
df>. Acesso em 19 ago. 2020.
38 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5. ed. São Paulo:

Saraiva, 2007. pp. 99-102.


28

imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos


termos previstos na lei.39

Tais documentos, em especial o francês, influenciaram em grande medida o


desenvolvimento constitucional dos países europeus40 e, consequentemente, o das
democracias ocidentais modernas nos anos posteriores41. No Brasil, a Constituição
Imperial de 1824 previu o respeito à liberdade de expressão e de imprensa dentre o
rol de direitos civis invioláveis.

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos


Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
[...]
IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos,
e publical-os (“sic”) pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto
que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste
Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.42

Tal previsão foi mantida pela Constituição republicana de 1891, vedando-se,


contudo, o anonimato.

A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a


inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual
e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 12 – Em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento pela
imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada
um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar.
Não é permitido o anonimato.43

Apesar dessas conquistas, a ascensão do regime nazista na Alemanha foi um


marco relevante de desrespeito aos direitos individuais, em especial ao da liberdade

39 Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789. Disponível em:


<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-
de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-
1789.html#:~:text=Fran%C3%A7a%2C%2026%20de%20agosto%20de%201789.&text=Em%20raz%
C3%A3o%20disto%2C%20a%20Assembl%C3%A9ia,Art.>. Acesso em 19 ago. 2020.
40 MACHADO, E. M. Jónatas. Liberdade de Expressão: Dimensões constitucionais da esfera pública

no sistema social. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 69.


41 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5. ed. São Paulo:

Saraiva, 2007. p. 135.


42 BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em 19 ago. 2020.


43 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de setembro de 1891.

Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em 19


ago. 2020.
29

de expressão, revelando atrocidades que a humanidade relembra até hoje e que


motivaram a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, tendo a liberdade como
um de seus fundamentos.

Artigo 19°. Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão,


o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de
procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e
idéias por qualquer meio de expressão. 44

No mesmo ano, a Nona Conferência Internacional Americana aprovou a


redação do Artigo IV da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem:

Artigo IV. Toda pessoa tem direito à liberdade de investigação, de opinião e


de expressão e difusão do pensamento, por qualquer meio. 45

Tal previsão também foi feita posteriormente, no Pacto Internacional dos


Direitos Civis e Políticos criado em 1966 no âmbito da Assembleia Geral da ONU, que,
assim como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica), de 1969, só foi promulgado pelo Brasil em 1992 com a retomada do
regime democrático.

ARTIGO 19
1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a
liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer
natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente
ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de
sua escolha.
3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará
deveres e responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar
sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente
previstas em lei e que se façam necessárias para:
a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.46

44 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por>.
Acesso em 19 ago. 2020.
45 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Declaração Americana dos Direitos

e Devedes do Homem. Disponível em:


<https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.Declaracao_Americana.htm>. Acesso em 19 ago.
2020.
46 BRASIL. Decreto n° 592/1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos. Promulgação. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-


1994/d0592.htm>. Acesso em 19 ago. 2020.
30

ARTIGO 13 - Liberdade de Pensamento e de Expressão


1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse
direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e
idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por
escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de
sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito
à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente fixadas pela lei a ser necessária para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da
moral pública.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos,
tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa,
de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na
difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar
a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos à censura prévia, com o
objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância
e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2º.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda
apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à
discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. 47

A promulgação tardia desses instrumentos internacionais no Brasil, mais de 20


(vinte) anos depois de elaborados pelas respectivas organizações internacionais,
reflete a forma como essa garantia oscilou nas histórias constitucional e democrática
brasileiras. Muito embora todos os textos constitucionais tenham consagrado
expressamente a liberdade de expressão como uma de suas garantias, não raras
vezes esse direito veio acompanhado da possibilidade de censura prévia em maior ou
menor grau. Foi assim com a Constituição de 193448, que rapidamente se viu
substituída pela Constituição de 193749 (que não trazia a previsão de vedação ao

47 BRASIL. Decreto n° 678/1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica. Promulgação. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em 19 ago. 2020.
48 “Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos


termos seguintes: [...] 9) Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência
de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que
cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido anonimato. É segurado o direito
de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será,
porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou
social”. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em 19
ago. 2020.
49 “Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à

liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 15) todo cidadão tem o
direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante
as condições e nos limites prescritos em lei. A lei pode prescrever: a) com o fim de garantir a paz, a
ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da
radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação; b)
medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes, assim
31

anonimato como as demais) e, alguns anos depois, também na Constituição de


194650.
Com a instauração do Regime Militar em 1964 e seus Atos Institucionais, o
Brasil vivenciou profundo abalo no regime constitucional de proteção das garantias e
liberdades individuais. Não obstante o texto constitucional de 196751 ter formalmente
mantido a liberdade de expressão como direito assegurado aos brasileiros e
estrangeiros residentes no país, o Ato Institucional n° 5, de 1968, conferia poderes
praticamente ilimitados ao Presidente da República para cassar e restringir direitos de
quem se manifestasse contrariamente aos interesses do então chamado “Movimento
de março de 1964”, institucionalizando a censura nas suas mais diversas formas52,
como aborda Maria Aparecida Aquino:

Em um primeiro momento, entre 1968 e 1975, a censura assume um caráter


amplo, agindo indistintamente sobre todos os periódicos. De 1968 e 1972
tem-se uma fase inicial em que há uma estruturação da censura, do ponto de
vista legal e profissional, e em que o procedimento praticamente se restringe
a telefonemas e bilhetes enviados às redações. Na segunda fase (de 1972 a

como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude; c) providências destinadas


à proteção do interesse público, bem-estar do povo e segurança do Estado”. BRASIL. Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em 19 ago. 2020
50 “Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade,


nos termos seguintes: [...] § 5º - É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura,
salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a
lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de
resposta. A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será,
porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social,
ou de preconceitos de raça ou de classe”. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil, de 18 de setembro de 1946. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>. Acesso em 19 ago. 2020.
51 “Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 [...] Art 150 - A Constituição assegura aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 8º - É livre a manifestação de
pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura,
salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos
abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos
independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão
da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe”. BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil de 1967. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>. Acesso em 19 ago. 2020.
52 “Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968 [...] Art. 4º - No interesse de preservar a Revolução,

o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas


na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e
cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais. [...] Art. 5º - A suspensão dos direitos
políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em: [...] III - proibição de atividades ou
manifestação sobre assunto de natureza política; [...] § 1º - O ato que decretar a suspensão dos direitos
políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos
públicos ou privados”. BRASIL. Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm>. Acesso em 19 ago. 2020.
32

1975) há uma radicalização da atuação censória, com a institucionalização


da censura prévia aos órgãos de divulgação que oferecem resistência.
Observa-se que em parte desse período o regime político recrudesce em
termos repressivos, momento em que o controle do Executivo pertence aos
militares identificados com a “linha-dura”. O ano de 1972 marca a
radicalização e a instauração da censura prévia, e coincide com a discussão
da sucessão presidencial que levará à escolha do general Ernesto Geisel,
oriundo da ala militar da “Sobornne” e que terá uma grande dificuldade de
aceitação por parte dos militares da “linha-dura”. Estes prosseguirão
controlando altos cargos (por exemplo, o Comando do II Exército em São
Paulo), durante algum tempo. Entre 1975 e 1978, observa-se que a censura
passa a ser mais restritiva e seletiva: lentamente vai se retirando dos órgãos
de divulgação, bem como diminuem de intensidade as ordens telefônicas e
os bilhetes ás redações.53

A própria Lei de Imprensa, como ficou conhecida a Lei n° 5.520/1967, que


pretendia regular a liberdade de manifestação do pensamento e de informação,
apesar de ser a primeira lei brasileira a formalmente criminalizar, em seu art. 16, o ato
de “publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou
deturpados”54 capazes de gerar prejuízos, perturbação ou desconfiança, ainda que de
forma culposa, a determinadas entidades, esferas da sociedade e bens jurídicos, era
uma mostra de que o Governo Militar só garantiria a liberdade de expressão àqueles
que estivessem alinhados com a visão do Regime.
Somente com a redemocratização e a promulgação da Constituição de 1988,
também conhecida como Constituição Cidadã, o país viu reestabelecida a liberdade
de expressão ao seu rol de garantias fundamentais necessárias para o exercício de
direitos dentro do contexto de um Estado Democrático de Direito:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
[...]
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença; 55

53 AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado autoritário (1968-1978): o exercício
cotidiano da dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: EDUSC,1999.
p. 212.
54 BRASIL. Lei n° 5.250 de 9 de fevereiro de 1967. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5250.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
55 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 19 ago. 2020


33

Essas e outras previsões do texto constitucional, inclusive, levaram o STF a


considerar a Lei de Imprensa incompatível com a Constituição de 1988, dentro do
julgamento da ADPF 130-7/DF.
A previsão da garantia fundamental no texto constitucional, contudo, não é, per
se, suficiente para assegurar sua efetiva preservação e exercício, exigindo da
sociedade, em especial entes federativos e entidades privadas de proteção dos direito
civis, vigilância constante e atuação coordenada para sua a defesa, como podemos
extrair do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n°
187 do Distrito Federal, segundo a qual o STF decidiu em 2011 ser inconstitucional a
repressão policial a participantes ou até mesmo a proibição de realização da chamada
“Marcha da Maconha”, conforme argumentos:

[...] numa perspectiva pluralística, em tudo compatível com os fundamentos


estruturantes da própria ordem democrática (CF, art. 1º, V), [...] se impõe a
organização de um sistema de efetiva proteção, especialmente no plano da
jurisdição, aos direitos, liberdades e garantias fundamentais em favor das
minorias, quaisquer que sejam, para que tais prerrogativas essenciais não se
convertam em fórmula destituída de significação, o que subtrairia [...] o
necessário coeficiente de legitimidade jurídico-democrática ao regime político
vigente em nosso País.
Daí a inteira procedência da observação feita pela [...] Procuradora-Geral da
República:
“Uma idéia fundamental, subjacente à liberdade de expressão, é a de que
o Estado não pode decidir, pelos indivíduos, o que cada um pode ou não
pode ouvir. [...]
Daí porque o fato de uma idéia ser considerada errada ou mesmo perniciosa
pelas autoridades públicas de plantão não é fundamento bastante para
justificar que a sua veiculação seja proibida. A liberdade de expressão não
protege apenas as idéias aceitas pela maioria, mas também – e
sobretudo – aquelas tidas como absurdas e até perigosas. Trata-se, em
suma, de um instituto contramajoritário, que garante o direito daqueles que
defendem posições minoritárias, que desagradam ao governo ou contrariam
os valores hegemônicos da sociedade, de expressarem suas visões
alternativas.”
[...] nada se revela mais nocivo e mais perigoso do que a pretensão do
Estado de reprimir a liberdade de expressão, mesmo que se objetive, com
apoio nesse direito fundamental, expor idéias ou formular propostas que a
maioria da coletividade repudie, pois, nesse tema, guardo a convicção de que
o pensamento há de ser livre, sempre livre, permanentemente livre,
essencialmente livre.
[...]
Não custa insistir, neste ponto, na asserção de que a Constituição da
República revelou hostilidade extrema a quaisquer práticas estatais
tendentes a restringir ou a reprimir o legítimo exercício da liberdade de
expressão e de comunicação de idéias e de pensamento.
[...]
A liberdade de expressão representa, dentro desse contexto, uma projeção
significativa do direito, que a todos assiste, de manifestar, sem qualquer
possibilidade de intervenção estatal “a priori”, as suas convicções, expondo
as suas idéias e fazendo veicular as suas mensagens doutrinárias, ainda que
34

impopulares, contrárias ao pensamento dominante ou representativas de


concepções peculiares a grupos minoritários.
[...]
Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como
precedentemente assinalado, representa, em seu próprio e essencial
significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática.
Nenhuma autoridade pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em
outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, jurídica, social,
ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja
observância implique restrição à própria manifestação do pensamento. Isso,
porque “o direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem
restrições ou sem interferência governamental” representa, conforme adverte
HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos Estados
Unidos da América (1937-1971), “o mais precioso privilégio dos cidadãos...”
(“Crença na Constituição”, p. 63, 1970, Forense).
[...]
A livre circulação de idéias, portanto, representa um signo inerente às
formações democráticas que convivem com a diversidade, vale dizer,
com pensamentos antagônicos que se contrapõem, em permanente
movimento dialético, a padrões, convicções e opiniões que exprimem, em
dado momento histórico-cultural, o “mainstream”, ou seja, a corrente
dominante em determinada sociedade.
É por isso que a defesa, em espaços públicos, da legalização das drogas,
longe de significar um ilícito penal, supostamente caracterizador do delito de
apologia de fato criminoso, representa, na realidade, a prática legítima do
direito à livre manifestação do pensamento, propiciada pelo exercício do
direito de reunião, sendo irrelevante, para efeito da proteção constitucional
de tais prerrogativas jurídicas, a maior ou a menor receptividade social da
proposta submetida, por seus autores e adeptos, ao exame e consideração
da própria coletividade.56 (grifos nossos)

Os avanços e retrocessos que observamos na forma de tratamento da


liberdade de expressão no direito constitucional brasileiro demonstram que esse
direito, muito embora intrinsecamente ligado à noção mais básica de dignidade da
pessoa humana, enquanto forma de exteriorização de suas ideias e pensamentos,
teve sua construção lenta e gradualmente estabelecida ao longo dos últimos séculos,
e continua a passar, ainda hoje, por influência das mudanças sociais, culturais,
tecnológicas, organizacionais e das mais diversas naturezas, conforme indica
Norberto Bobbio, ao falar a construção histórica dos direitos: “(...) o que parece
fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental
em outras épocas e em outras culturas”57.

56 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Prefeito Fundamental 187


Distrito Federal. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF187merito.pdf>. Acesso em 21 ago.
2020.
57 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 1. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 19.
35

Nesse sentido, com a popularização do acesso à Internet e a multiplicação de


aplicações e formas de interação em rede, desponta um novo desafio58 à garantia
fundamental de liberdade de expressão, pensamento, opinião, enfim, à livre circulação
de ideias de forma geral.
Isso representa uma nova fronteira para a efetivação desse e de tantos outros
direitos fundamentais dentro da chamada “Sociedade da Informação”, segundo a qual
o conhecimento passou a ser a mola propulsora da economia59 e a Internet ganhou
relevância, passando a ser um dos pontos focais da livre circulação e troca de
informações e contribuindo para a popularização e a disseminação dos mais variados
conhecimentos e informações, bem como opiniões e ideias, atuando como um meio
ambiente de intensa interação social60.
Dentre suas diversas características, a democratização do acesso à informação
se destaca como uma das principais marcas da Internet. A disponibilidade e a
instantaneidade com a qual podemos acessar conteúdos diversos é uma das marcas
da Sociedade da Informação no Século XXI, que tem no ciberespaço um novo espaço
social, econômico e cultural constituído em um longo processo não planejado61. Ao
mesmo tempo, produzir e/ou disponibilizar informação também tem se tornado cada
vez mais fácil nesse meio.
Ou seja, na internet “é mais fácil tornar as coisas públicas e mais difícil mantê-
las privadas”62 e isso afeta o exercício da liberdade de expressão de diferentes e, de
certo modo, contrastantes formas, já que por um lado proporciona mais espaço para
que os indivíduos se expressem livremente e, de outro, torna públicas tais informações
para o conhecimento e o uso de todos (outros indivíduos, empresas, Estados).63

58 CAETANO, João Pedro Zambianchi. Evolução Histórica da Liberdade de Expressão. ETIC 2016
– Encontro de Iniciação Científica. Toledo Prudente – Centro Universitário. Disponível em
<http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/download/5581/5306>. Acesso em 21
ago. 2020. p. 15.
59 BELL, Daniel. O advento da Sociedade Pós-Industrial. São Paulo: Cultrix, 1974. p. 299.
60 CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. In: A Sociedade em rede.

São Paulo: Paz e Terra, 2000. pp. 88-90.


61 SANTOS, Maurício Nascimento dos. A sociedade da informação no século XXI: o cotidiano na

cultura digital e a leitura como prática cultural. 2016. 197 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. pp. 89-100. Disponível em:
<https://tede2.pucsp.br/handle/handle/3707>. Acesso em 5 ago. 2020.
62 JUNIOR MACEDO, Ronaldo Porto. Fake News e as novas ameaças à liberdade de expressão.

In: Fake News e Regulação: Georges Abboud, Nelson Nery Jr. e Ricardo Campos (org.). 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 235.
63 JUNIOR MACEDO, Ronaldo Porto. Fake News e as novas ameaças à liberdade de expressão.

In: Fake News e Regulação: Georges Abboud, Nelson Nery Jr. e Ricardo Campos (org.). 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. p. 235.
36

A sociedade da informação não é um modismo. Representa uma profunda


mudança na organização da sociedade e da economia, havendo quem a
considere um novo paradigma técnico-econômico. É um fenômeno global,
com elevado potencial transformador das atividades sociais e econômicas,
uma vez que a estrutura e a dinâmica dessas atividades inevitavelmente
serão, em alguma medida, afetadas pela infra-estrutura de informações
disponível. É também acentuada sua dimensão político-econômica,
decorrente da contribuição da infra-estrutura de informações para que as
regiões sejam mais ou menos atraentes em relação aos negócios e
empreendimentos. Sua importância assemelha-se à de uma boa estrada de
rodagem para o sucesso econômico das localidades. Tem ainda marcante
dimensão social, em virtude do seu elevado potencial de promover a
integração, ao reduzir as distâncias entre pessoas e aumentar o seu nível de
informação.64

A descentralização na produção de conteúdo remete à uma espécie de nova


democracia cultural, segundo a qual não mais existem papeis pré-estabelecidos e
todos podem consumir e gerar conteúdos.65
Essas mudanças contribuíram, evidentemente, para também democratizar a
forma como a informação é gerada e difundida, proporcionando a milhões de pessoas
em todos os lugares do mundo a oportunidade de serem mais do que consumidoras,
mas se tornarem protagonistas e geradoras de informações e conteúdos, o que antes
se restringia aos poucos grupos com poder econômico e/ou político para controlar as
mídias tradicionais, como a imprensa escrita, a televisão e o rádio.
Isso significa que as informações livremente produzidas e difundidas por
qualquer pessoa na rede mundial de computadores também passaram a ser dotadas
de valor econômico, na medida em que podem ser consumidas por um número
indefinido de pessoas com perfis variados e para os mais diversos fins.66

Mas como o capital social poderia influenciar a difusão de informação?


Primeiramente, se considerarmos que as redes que estamos analisando são
redes sociais, portanto, constituídas de atores sociais, com interesses,
percepções, sentimentos e perspectivas, percebemos que há uma conexão
entre aquilo que alguém decide publicar na Internet e a visão de como seus
amigos ou sua audiência na rede perceberá tal informação. A partir dessa
premissa, acreditamos que é preciso discutir informações que são difundidas
na rede a partir da percepção de capital social construído pelos atores
envolvidos.67

64 TAKAHASHI, Tadao. Sociedade da informação no Brasil: Livro verde. Brasília: Ministério da


Ciência e Tecnologia, 2000, p. 3.
65 CARDOSO, Gustavo. A mídia na sociedade em rede: filtros, vitrines e notícias. Rio de Janeiro,

Editora FGV, 2007. p. 120.


66 FAUSTINO, Andre. Fake News e a Liberdade de Expressão nas Redes Sociais na Sociedade da

Informação. 2018. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito da Sociedade da Informação) – Faculdades


Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2018. pp. 17-19. Disponível em:
<https://arquivo.fmu.br/prodisc/mestradodir/af.pdf>. Acesso em 6 ago. 2020.
67 RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 117.
37

As questões trazidas por essa reflexão evidenciam alguns dos motivos pelos
quais tantos indivíduos decidiram “[abrir] mão de sua privacidade em detrimento da
exposição da vida privada em redes sociais”68, com a consequente divulgação não
apenas dos aspectos mais prosaicos e ordinários de sua rotina, mas também e,
especialmente, dos seus pensamentos, opiniões e convicções, muitas vezes
carregados de um discurso com conteúdo incompatível com determinados valores,
dentre eles os de estirpe democrática.
O que parecia, então, um espaço reservado e privativo, passou a ser cada vez
mais aberto e público, facilitando o acesso a informações objetivas (dados pessoais,
acadêmicos, profissionais) e subjetivas (opiniões, gostos, crenças) por terceiros. Isso
contribui para demonstrar ser falsa a dicotomia entre o on-line e o off-line, outrora
tratados como mundos diferentes pela noção clássica de ciberespaço69 que
prevaleceu da década de 1980 até o início do Século XXI. Vemos, então, que o
binômio conexão/desconexão do ciberespaço está cada vez mais relativizado e sendo
superado por novos conceitos rapidamente assimilados socialmente, como a ideia de
“nuvem”70.71
Mesmo com a mudança de paradigma apresentada nos parágrafos anteriores
e a despeito do caráter cada vez mais público72 decorrente das exposições de suas

68 FAUSTINO, Andre. Fake News e a Liberdade de Expressão nas Redes Sociais na Sociedade da
Informação. 2018. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito da Sociedade da Informação) – Faculdades
Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2018. pp. 17-19. Disponível em:
<https://arquivo.fmu.br/prodisc/mestradodir/af.pdf>. Acesso em 6 ago. 2020.
69 Exemplo disso é a Declaração de Independência do Ciberespaço escrita por John Perry Barlow como

uma espécie de manifesto cuja mensagem principal indicava que Governos não podem – nem devem
– governar a Internet. Sem adentrar nas questões político-regulatórias por trás desse objetivo, chama
a atenção as palavras utilizadas no documento para indicar a clara existência entre dois mundos:
aquele construído e liderado pela atuação de governos e seus agentes escolhidos pelos governados e
o cibernético, onde não há escolha de lideranças, mas sim um processo natural e desregulado de
construção. Conforme o autor: “Estamos formando nosso próprio Contrato Social. Essa maneira de
governar surgirá de acordo com as condições do nosso mundo, não do seu. Nosso mundo é diferente.
[...] O nosso é um mundo que está ao mesmo tempo em todos os lugares e em nenhum lugar, mas não
é onde os corpos vivem. Estamos criando um mundo em que todos podem entrar sem privilégios ou
preconceitos de raça, poder econômico, força militar ou lugar de nascimento. Estamos criando um
mundo onde qualquer pessoa, em qualquer lugar, poderá expressar suas crenças, não importa o quão
singulares sejam, sem medo de ser coagido ao silêncio ou a conformidade. [...] Criaremos a civilização
da Mente no Ciberespaço. Ela pode ser mais humana e justa do que o mundo que seus governos
fizeram antes.”. BARLOW, John Perry. Uma Declaração de independência do Ciberespaço.
Disponível em <https://www.nic.br/publicacao/uma-declaracao-de-independencia-do-ciberespaco/>.
Acesso em 15 ago. 2020.
70 A informação está acessível em qualquer lugar e a qualquer tempo, de forma organizada e a partir

de de múltiplas plataformas e dispositivos.


71 SATUF, Ivan. Onde está o ciberespaço? A metáfora da nuvem aplicada aos estudos da cibercultura.

In: Ação Midiática. N. 11. Jan/jun. 2016. Curitiba. PPGCOM-UFPR. pp. 207-209. Disponível em:
<https://revistas.ufpr.br/acaomidiatica/article/view/43472>. Acesso em 20 ago. 2020.
72 Aqui no sentido de conhecimento público ou amplo.
38

vidas pessoais em redes sociais, as pessoas ainda permanecem, em certa medida,


com a sensação de anonimato73 proporcionada pelos perfis que utilizam em
determinada rede social, que pode conter informações verdadeiras ou falsas, no todo
ou em parte, sobre o indivíduo.
Ou seja, os indivíduos, a partir do uso das redes sociais expõe suas vidas,
consomem a vida de outros como uma espécie de conteúdo74, manifestam
publicamente suas ideias, pensamentos e emoções sem necessariamente saber
quem está vendo isso, mas ainda possuem a falsa sensação de que estão
protegidas75, ainda que, em parte, pela suposta separação que outrora reputava-se
sólida entre a vida on-line e off-line, utilizando o ciberespaço, então, como uma
espécie de proteção ou forma de isenção para agirem de maneiras que possivelmente
não agiriam se estivessem num espaço público físico.
Na visão de José Afonso da Silva, a “liberdade consiste na possibilidade de
coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal,
que é subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade [...] em harmonia com a
consciência de cada um”76. Trata-se, portanto, da exteriorização dos sentimentos,
pensamentos, opiniões e todas as formas de manifestação possíveis de serem
exteriorizadas por seres humanos. Daí porque a complexidade de delimitar a extensão
da liberdade de expressão dentro das redes sociais e de que forma o pensamento
nelas exteriorizado influenciará as relações nesse meio.77

73 MÜLLER, Fernanda Pascual. Direito Digital: Para especialista, “falsa sensação de anonimato” é um
dos motivos para a alta incidência dos crimes. Entrevista com Coriolano Camargo. Jornal JURID.
Disponível em: <https://www.jornaljurid.com.br/colunas/entrevistas/direito-digital-para-especialista-
falsa-sensacao-de-anonimato-e-um-dos-motivos-para-a-alta-incidencia-dos-crimes>. Acesso em 20
ago. 2020.
74 SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto,

2016. p. 4-6
75 FAUSTINO, Andre. Fake News e a Liberdade de Expressão nas Redes Sociais na Sociedade da

Informação. 2018. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito da Sociedade da Informação) – Faculdades


Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2018. pp. 24-25. Disponível em:
<https://arquivo.fmu.br/prodisc/mestradodir/af.pdf>. Acesso em 6 ago. 2020.
76 Conforme José Afonso: “O conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder

de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade. [...] Vamos um pouco
além, e propomos o conceito seguinte: liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente
dos meios necessários à realização da felicidade pessoal. Nessa noção, encontramos todos os
elementos objetivos e subjetivos necessários à ideia de liberdade; é poder de atuação sem deixar de
ser resistência à opressão; não se dirige contra, mas em busca, em perseguição de alguma coisa, que
é a felicidade pessoal, que é subjetiva e circunstancial, pondo a liberdade, pelo seu fim, em harmonia
com a consciência de cada um, com o interesse do agente. Tudo que impedir aquela possibilidade de
coordenação dos meios é contrário à liberdade”. SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 22.ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 232.
77 FAUSTINO, Andre. Fake News e a Liberdade de Expressão nas Redes Sociais na Sociedade da

Informação. 2018. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito da Sociedade da Informação) – Faculdades


39

A liberdade de expressão, em sua forma genérica, está relacionada à


possibilidade de um indivíduo se manifestar pública e socialmente, pelos mais
diversos meios, acerca de sua convicção, crença, ideia, teoria, ponto de vista,
pensamento ou mesmo mera suposição sobre algo. Trata-se, portanto, de uma
liberdade ativa individual78.

Nessa acepção, a liberdade de expressão genericamente, é o direito a


“difundir publicamente, por qualquer meio e ante qualquer auditório, qualquer
conteúdo simbólico”. Pode ser exercida verbalmente, em uma reunião,
concentração ou manifestação; por escrito, através de livros, periódicos,
cartazes e panfletos; por meio de ondas radioelétricas ou impulsos elétricos
(rádio e televisão); através de imagens projetadas em uma tela, ou mediante
o som registrado em discos, fitas magnéticas; pela ação dramática de atores
na presença de um público, [...].79

Assim também leciona Sylvio da Motta, para quem:

A liberdade de expressão garantida pelo texto constitucional, quanto aos


instrumentos pelos quais pode ser veiculada, é a mais ampla possível. Assim,
todo e qualquer instrumento, seja oral, escrito, mímico, por meio de
desenhos, pinturas, fotografias está abrangido no dispositivo. Da mesma
forma, todos os meios de transmissão da atividade estão nele albergados,
tais como jornais, livros, revistas, rádio, televisão, cinema, internet etc. 80

Para George Marmelstein, contudo, inobstante se tratar de valor indispensável


para a democracia, o exercício do direito de liberdade de expressão deve ser limitado
para impedir a violação de outros valores também preservados constitucionalmente,
tais quais a honra, a imagem e a intimidade.81 Em posição contrária, Mick Hume
entende que atualmente convivemos com a pseudodefesa da liberdade de expressão,

Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2018. pp. 42-44. Disponível em:


<https://arquivo.fmu.br/prodisc/mestradodir/af.pdf>. Acesso em 6 ago. 2020.
78 Conforme Paskin Neto: “A liberdade de expressão possui maior amplitude horizontal do que a de

imprensa porque tem a ver justamente com a leveza da alma. A liberdade de imprensa, todavia, tem
maior potencialidade vertical ou de penetração. Enquanto a primeira se refere a toda e qualquer
possibilidade de manifestação humana acerca do que seu intimo exprime, a liberdade de imprensa
pode ser subdividida em duas categorias: liberdade ativa e liberdade passiva, o que, respectivamente,
vem a ser a capacidade de o individuo publicar e difundir ou acessar informações e notícias, informando
e formando opiniões de seus pares, através dos meios de comunicação em massa”. PASKIN NETO,
Max. O direito de ser rude: liberdade de expressão e imprensa. Curitiba: Bonijuris, 2015. p. 59.
81Cf. Silva: “Nessa acepção, a liberdade de expressão, genericamente,
79 SILVA, Tadeu Antonio Dix. Liberdade de expressão e direito penal no Estado democrático de

direito. São Paulo: IBCCRIM, 2000, p.111.


80 MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. Direito constitucional: teoria, jurisprudência e questões. Ed.

rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. p. 228.
81 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 130.
40

que passa a ser encarada mais como uma liberdade condicional, custodiada por uma
série de exceções e regras que não garantem o seu pleno exercício.82

Liberdade significa que as palavras, a expressão, não devem ser manietadas


por nenhuma censura oficial imposta pelo governo, pela política, por um
tribunal ou outro órgão intrometido validado pelo Estado. Nem devem ser
restringidas por uma censura oficiosa exercidas por meio de códigos de
discurso e de zonas de segurança universitárias, ciberturbas de cruzados
contra tudo que é ofensivo [...].83

Ou seja, para a corrente defendida por Mick Hume, a liberdade de expressão,


como tratada atualmente em sociedades democráticas, tornou-se um privilégio
conferido aos que se encaixam em padrões gerais do que é considerado bom
comportamento84. Para os que não se comportam de acordo com isso, a liberdade de
expressão não lhes está garantida. Contra essa segregação, o autor defende que o
direito à liberdade de expressão não poderia ser suscetível ao uso de conjunções
adversativas.

Imaginar que se pode ser ‘a favor da liberdade de expressão mas’, quando


se trata de certas opiniões, é um pouco como dizer ‘sou a favor da prova
científica, mas não há motivos para descartar o Pai Natal e as fadas dos
jardins’; ou ‘sou a favor da igualdade de gênero, mas pagar o mesmo às
mulheres e ir demasiadamente longe’; ou, ‘sou a favor do casamento entre
pessoas do mesmo sexo, mas não entre lesbicas’. A adversativa não clarifica
a posição favorável que se expressa, na prática, anula-a.85

Sem prejuízo das contribuições trazidas pelo autor sobre os diferentes tipos de
limitações passíveis de aplicação ao exercício do direito à liberdade de expressão,
parece-nos que, embora essa garantia fundamental deva ser vista como um valor e
uma regra a ser maximizada no Estado Democrático de Direito, há situações nas quais
o conflito com outros valores fundamentais exige ponderações86 que garantam sua

82 HUME, Mick. Direito a ofender: a liberdade de expressão e o politicamente correcto. 1. ed. Lisboa:
Tinta da China, 2016. p. 45.
83 HUME, Mick. Direito a ofender: a liberdade de expressão e o politicamente correcto. 1. ed. Lisboa:

Tinta da China, 2016. pp. 34-35.


84 Para o autor, a liberdade de expressão deveria comportar todo e qualquer tipo de manifestação,

inclusive, dentre outras, as de natureza antidemocrática.


85 HUME, Mick. Direito a ofender: a liberdade de expressão e o politicamente correcto. 1. ed. Lisboa:

Tinta da China, 2016. p. 37.


86 GORZONI, Paula. Entre o princípio e a regra: teoria dos direitos fundamentais. Novos estudos –

CEBRAP. São Paulo, n. 85, p. 273-279, 2009. Disponível em:


<https://www.scielo.br/pdf/nec/n85/n85a13.pdf>. Acesso em 30 ago. 2020. p.
41

coexistência, ainda que mitigada. E isso deve ser visto também como papel do Direito,
conforme aduz Chaïm Perelman:

Faz algumas décadas que assistimos a uma reação que, sem chegar a ser
um retorno ao Direito natural, ao modo próprio dos séculos XVII e XVIII, ainda
assim confia ao juiz a missão de buscar, para cada litígio particular, uma
solução equitativa e razoável, pedindo-lhe ao mesmo tempo que permaneça,
para consegui-lo, dentro dos limites autorizados por seus sistema de Direito. 87

A ideia de respeito absoluto às garantias fundamentais e seu exercício é


sedutora. É assim com a liberdade de expressão, especialmente na Internet, onde os
indivíduos, em função da anteriormente mencionada falsa noção de dicotomia ou
segregação entre vida/realidade on-line e off-line, sentem-se livres para manifestar
seus pensamentos de qualquer forma. Cria-se, então, um ambiente favorável para a
propagação irrestrita de mensagens carregadas de discurso de ódio, incitação à
prática de crimes e, especialmente, desinformação.88
Isso não condiz com os fundamentos que sustentam essa garantia fundamental
tão valiosa em nossa sociedade e que abrangem o direito de opinião, imprensa,
discurso e à informação verdadeira, combatendo a censura característica de regimes
antidemocráticos. Para Meyer-Pflug, “a liberdade de expressão é um direito individual
que cada cidadão possui de expressar suas ideias sejam elas quais forem, sem sofrer
qualquer restrição ou ameaça por parte do Estado ou da sociedade”89.
Nesse sentido, Frank Michelmann assevera que a liberdade de expressão
comporta duas concepções. A primeira, tênue, relaciona-se ao limite negativo do
Estado, que deve evitar se abster de agir para restringir essa liberdade. A segunda,
densa, vai além do Estado, voltando-se aos demais atores da sociedade, que também
devem se privar de criar empecilhos ao exercício da liberdade de expressão.90
No ciberespaço todos são potenciais consumidores e produtores de conteúdo.
A universalidade, o alcance e a velocidade, entre outras características, contribuem

87 PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica: nova retórica. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 185.
88 FAUSTINO, Andre. Fake News e a Liberdade de Expressão nas Redes Sociais na Sociedade da
Informação. 2018. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito da Sociedade da Informação) – Faculdades
Metropolitanas Unidas, São Paulo, 2018. pp. 46-47. Disponível em:
<https://arquivo.fmu.br/prodisc/mestradodir/af.pdf>. Acesso em 6 ago. 2020.
89 MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso de ódio. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2009. p. 209.


90 MICHELMAN, Frank. Relações entre democracia e iberdade de expressão: discussão de alguns

argumentos. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Direitos fundamentais, informática e comunicação:
algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 51.
42

para a utilização da Internet como veículo para todos os tipos de plataformas e


ideologias, proporcionando impacto e interações em tempo real e escala global com
custos muito menores ao que outros veículos teriam para alcançar resultados até
mesmo bastante inferiores.

É esse princípio de universalidade que faz a web ter tamanha potência em


questões comerciais e de livre expressão. Ela chega até a nivelar a influência
de escala, amplificando pequenos empreendimentos, as vozes menos
audíveis. Um político pode sair do nada e chegar a milhões de pessoas via
web. Um site como o Facebook pode evoluir de uma estranha ideia até chegar
a centenas de milhões de usuários, tudo graças aos princípios
organizacionais implementados pela primeira vez por Tim Berners-Lee.O fato
de que hoje consideramos trivial esse poder de universalidade só mostra o
quanto era a forte a ideia inicial.91

A Internet, portanto, popularizou e potencializou o compartilhamento de ideias,


informações e conteúdos das mais diversas formas, bem como proporcionou o
engajamento político-ideológico de pessoas com diferentes perfis. Isso representa um
novo paradigma para o exercício da liberdade de expressão em todos os países
democráticos e também uma válvula de escape em meio a regimes antidemocráticos,
mas também permite que o ciberespaço seja utilizado para disseminar desinformação
em escala de forma abrangente, rápida e pouco custosa.

1.3 DIREITO À INFORMAÇÃO VERÍDICA

A autonomia e a liberdade de escolha desejáveis na sociedade democrática


moderna são reflexo da nossa atual capacidade de “digitalizar as informações,
armazená-las, tratá-las automaticamente, transportá-las e colocá-las à disposição do
usuário final”92. Quando isso se dá em meio a um cenário de desordem da informação,
tornando complexo, custoso e/ou moroso discernir entre o que é verdadeiro e falso,
ante o volume e a velocidade de disseminação das informações, direitos e garantias
fundamentais são negados aos cidadãos, afetando-os em todos os aspectos da vida.
Determinante para o exercício da cidadania em suas mais diversas expressões,
o direito de acesso à informação, seja governamental, privada, jornalística, científica,

91 WU, Tim. Impérios da comunicação: do telefone à internet, da AT&T ao Google. Rio de Janeiro:
Zahar, 2012. p. 339.
92 SILVA, Rosane Leal da. Cultura ciberlibertária x regulação da internet – A corregulação como

modelo capaz de harmonizar este conflito. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC,
Belo Horizonte, ano 6, n. 21, p. 279-312. jan./mar. 2012. p. 280.
43

entre tantos outros tipos, é reflexo do interesse público geral e da necessidade


cotidiana de tais informações para a tomada de decisões variadas.
A partir da ideia de Sociedade da Informação, anteriormente abordada em
linhas gerais, o acesso à informação deve ser encarado como fundamental para a
criação de um ambiente de desenvolvimento tecnológico e social. Sendo a informação
parte tão importante da sociedade moderna, a ponto de integrar o seu conceito, não
há como deixar de considerá-la componente vital para a (ciber)democracia93 no
Século XXI.

A sociedade da informação não é um modismo. Representa uma profunda


mudança na organização da sociedade e da economia, havendo quem a
considere um novo paradigma técnico-econômico. É um fenômeno global,
com elevado potencial transformador das atividades sociais e econômicas,
uma vez que a estrutura e a dinâmica dessas atividades inevitavelmente
serão, em alguma medida, afetadas pela infraestrutura de informações
disponível. É também acentuada sua dimensão político-econômica,
decorrente da contribuição da infraestrutura de informações para que as
regiões sejam mais ou menos atraentes em relação aos negócios e
empreendimentos. Sua importância assemelha-se à de uma boa estrada de
rodagem para o sucesso econômico das localidades. Tem ainda marcante
dimensão social, em virtude do seu elevado potencial de promover a
integração, ao reduzir as distâncias entre pessoas e aumentar o seu nível de
informação.94

A Constituição de 1988 inseriu, no rol de direitos e garantias fundamentais do


Art. 5°, o acesso à informação, ao indicar, no seu inciso XIV, que “é assegurado a
todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
exercício profissional”95. E, para evitar que a informação seja manipulada por
determinados grupos, prevê, no § 5° do Art. 220, que “os meios de comunicação social
não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”96.

93 É a “ágora virtual” que transmuta a democracia, conforme ensina Pierre Lévy, ao indicar que as
“inovações técnicas abrem novos campos de possibilidades que os atores sociais negligenciam ou
aprendem sem qualquer pretensão mecânica. Um vasto campo político e cultural, quase virgem, abre-
se para nós. Poderíamos viver um desses momentos extremamente raros em que uma civilização
inventa a si própria, deliberadamente”. Vide: LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma
antropologia do ciberespaço. 3ª ed. São Paulo: Loyola, 2000. p. 60.
94 TAKAHASHI, Tadao. Sociedade da informação no Brasil: Livro verde. Brasília: Ministério da

Ciência e Tecnologia, 2000, p. 33.


95 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em 19


ago. 2020.
96 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em 19


ago. 2020.
44

Nesse sentido, a liberdade de informação compreende a procura, o acesso,


o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e
sem dependência de censura, respondendo cada qual pelos abusos que
cometer. O acesso de todos à informação é um direito individual consignado
na Constituição, que também resguarda o sigilo da fonte, quando necessário
ao exercício profissional (art. 5º, XIV).97

Antes disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos consignou, em seu


Art. 19, que qualquer ser humano é livre para “procurar, receber e transmitir
informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” 98,
reforçando a relação natural entre a liberdade de expressão e o direito de informação.
Tais previsões existem não apenas para proporcionar o acesso a qualquer tipo
de informação, mas, por óbvio, à informação verdadeira, que proporcione a formação
e o conhecimento factual necessários para que cada pessoa possa pensar e agir
criticamente de forma autônoma, em especial sobre os temas de interesse público.
Trata-se, portanto, de um direito também de liberdade que não pode ser dissociado
do de liberdade de expressão.
A possibilidade de informar-se sobre qualquer assunto é condição fundamental
para a garantia da autonomia intelectual e crítica de qualquer indivíduo, permitindo o
desenvolvimento de sua personalidade e a realização de escolhas independentes e
fundamentadas.99 A propagação de informação inverídica, adulterada, manipulada ou
falsa, por sua vez, atua como empecilho para o pleno exercício do direito fundamental
de acesso à informação de qualquer pessoa.
Assim se manifesta Alexandre de Moraes sobre o tema:

O direito a receber informações verdadeiras é um direito de liberdade e


caracteriza-se essencialmente por estar dirigido a todos os cidadãos,
independentemente de raça, credo ou convicção político-filosófica, com a
finalidade de fornecimento de subsídios para a formação de convicções
relativas a assuntos públicos.100

97 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros,
2005. p. 246.
98 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. Declaração Universal dos Direitos

Humanos. Disponível em: <https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por>.


Acesso em 19 ago. 2020.
99 DOURADO, Giordane de Souza. Liberdade de expressão e direito à informação no ciberespaço:

o caso brasileiro. 2016. 183 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional) –


Universidade de Lisboa, Lisboa, 2016. p. 110. Disponível em:
<https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/32049/1/ulfd133301_tese.pdf>. Acesso em 12 ago. 2020.
100 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a

5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2000. p. 162.
45

Marcelo Novelino disserta sobre o que ele considera os três limites que
deveriam ser observados pela imprensa ao propagar informações:

I – veracidade: a velocidade de transmissão das informações os dias de hoje


exige uma investigação proporcional, no sentido de que seja feito todo o
esforço “possível” para se averiguar a veracidade da informação
(“constitucionalmente veraz”). Como os equívocos não serão raridade, o
direito de retificação, em contrapartida, também deve ser assegurado de
maneira rápida;
II – relevância pública: o que se protege é a informação necessária à
formação da opinião pública, em razão da sua importância dentro do sistema
político. Por isso, a informação deve ser de “interesse geral” ou “relevante
para a formação da opinião pública”, eixo em torno do qual gira este direito;
III – forma adequada de transmissão: a informação deve ser transmitida de
maneira adequada para a formação da opinião pública, sem se estender a
aspectos que não interessam a este ponto de vista e sem conter expressões
injuriosas ou insultantes às pessoas sobre cuja conduta se informa. 101

Embora discordemos da delimitação dada ao segundo critério, tendo em vista


o expressivo subjetivismo que a expressão “relevância pública” compreende, e da
forma como o terceiro critério é exposto em sua primeira parte, parece-nos que, em
linhas gerais, a veracidade da informação é algo fundamental para a sociedade,
ressalvados, por óbvio, conteúdos produzidos claramente com fins ficcionais, satíricos
ou lúdicos, por exemplo.
Nesse sentido, há que se concordar com Isadora Balem, ao delimitar de forma
sutil o que se espera, por exemplo, da atividade jornalística em relação à difusão de
informação:

Sabemos que a notícia circula em torno da ideia de verdade. Não


necessariamente a verdade utópica do jornalismo totalmente imparcial,
desprovido de interesses, mas aquela que dá o sentido à atividade
jornalística, como fonte de informação. Nesse contexto, emerge o conceito
das “fake news”, expressão que pode ser entendida como ‘notícia falsa’ e a
qual, em verdade, se refere a uma ‘mentira contada na forma de notícia’.
Declarações ambíguas, enviesadas, ou derivadas de enganos são na prática
equiparadas a mentiras inventadas pelos mais diversos motivos. 102

O fenômeno da desordem da informação também atenta contra a credibilidade


da imprensa, impedindo, por um lado, o exercício da liberdade de informar e, por outro,
o de ser informado. Se da imprensa se espera que atue com objetividade e isenção é

101NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. p.423.
102BALEM, Isadora Forgiarini. O impacto das fakenews e o fomento dos discursos de ódio na
sociedade em rede: a contribuição da liberdade de expressão na consolidação democrática.
Disponível em: <http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2017/1-12.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2020.
46

porque para a sociedade é relevante que nela circulem informações úteis e não
enviesadas para que seus cidadãos possam exercer plenamente seus direitos.
Como visto em linhas anteriores, a disseminação da Internet e seu uso em
massa provocou um aumento expressivo da quantidade de informação disponível
para acesso a qualquer momento e em qualquer lugar, especialmente ao permitir que
qualquer pessoa ou organização possa gerar conteúdo.
Nessa sociedade da informação os riscos são inerentes e proporcionais à
quantidade imensurável de informações disponíveis, o que massifica a propagação
de “informações superficiais, inúteis ou falsas que originam toda sorte de
problemas”103.
Até mesmo sob o ponto de vista de proteção do consumidor, há previsão no
seu Código de Defesa, de que as informações apresentadas pelo fornecedor,
independentemente do meio, devem ser precisas, corretas e claras. Informações
verdadeiras são necessárias, por exemplo, para a boa execução dos contratos,
promovendo equilíbrio de poder e de fato nas relações jurídicas, em especial as
consumeristas.104

A distribuição assimétrica de informações na economia é tida como uma das


mais importantes falhas de mercado e compõe com destaque o rol de custos
de transação, sendo um dos elementos que acentuam a vulnerabilidade do
consumidor.105

A propagação da desinformação, ao não apenas impedir o acesso à informação


verídica e útil, mas também disseminar informações com o intuito enganoso e em
diversos sentidos prejudicial, fomenta incertezas e desconfiança, polarizando opiniões
e estimulando a confirmação de vieses que retroalimenta a disseminação de
desinformação. Trata-se, portanto, de um ciclo vicioso e caótico que exige o emprego
de energia e esforços para sua quebra.
O acesso à informação não é apenas um direito, mas uma necessidade
contemporânea de todos os cidadãos, que precisam manter-se corretamente

103 DOURADO, Giordane de Souza. Liberdade de expressão e direito à informação no ciberespaço:


o caso brasileiro. 2016. 183 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Direito Constitucional) –
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2016. p. 77. Disponível em:
<https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/32049/1/ulfd133301_tese.pdf>. Acesso em 12 ago. 2020.
104 AFONSO, Luiz Fernando. Fake News e Direito do Consumidor: uma violação ao direito

fundamental à informação. PP. 176-182. In: RAIS, Diogo (coord). Fake News: a conexão entre a
desinformação e o Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
105 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellhamos. Defesa da concorrência e bem-estar do consumidor.

São Paulo: Ed. RT, 2015. p. 84.


47

informados para participar de forma ativa da vida em sociedade. Nesse sentido,


salutar a reflexão trazida por Clever Vasconcellos:

O livre acesso à informação nada mais é do que uma consequência inerente


a um Estado Democrático de Direito, que decerto se preocupa em garantir à
população o conhecimento sobre os diversos fatos e acontecimentos, que
formarão o cidadão esclarecido e devidamente instruído.106

No Brasil, a última pesquisa TIC Domicílio107, realizada entre outubro de 2019


e março de 2020, informa que 71% dos domicílios brasileiros possuem acesso à
internet, o que representa cerca de 134 milhões de habitantes. Esse número vem
crescendo constantemente ano contra ano, conforme gráfico abaixo:

Figura 10: Gráfico da Pesquisa TIC Domicílios 2019 que registra a evolução da quantidade de
usuários de internet entre os anos 2008 e 2019.

Fonte: CETIC (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).


Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios
Brasileiros – TIC Domicílios 2019. Principais resultados. Disponível em:
<https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf>. Acesso em: 25 jun.
2020.

106VASCONCELLOS, Clever. Curso de direito constitucional. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2019. (p. 197).
107 CETIC (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).

Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros
– TIC Domicílios 2019. Principais resultados. Disponível em
<https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf>. Acesso em 25 jun. 2020.
48

Dentre as atividades na internet que mais se destacam, chama a atenção o fato


de que 47% dos usuários indicam buscar informações sobre saúde e 39% fizeram
compras pela internet nos três meses anteriores. O uso de redes sociais e aplicativos
de mensageria se destaca entre as atividades de comunicação.

Figura 11: Gráfico da Pesquisa TIC Domicílios 2019 que indica as principais atividades realizadas
entre usuários de internet que se comunicação por meio dela.

Fonte: CETIC (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação).


Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios
Brasileiros – TIC Domicílios 2019. Principais resultados. Disponível em:
<https://cetic.br/media/analises/tic_domicilios_2019_coletiva_imprensa.pdf>. Acesso em: 25 jun.
2020.

Conquanto ainda haja grandes desafios para a inclusão digital de mais


brasileiros, a pesquisa mostra crescimento constante da população conectada, que
prioriza o uso de redes sociais digitais e aplicativos de mensageria para se comunicar
e interagir das mais diversas formas entre si e com o Estado.
“O ambiente digital apresenta-se como uma possibilidade de aumentar a
participação dos cidadãos”108 na medida em que permite aos seus usuários saírem da

108SANTOS, Diego Fruscalso dos. A invenção da ciberdemocracia: o conceito de democracia na era


do ciberespaço. Dissertação (mestrado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-
Graduação em Filosofia. São Leopoldo, 2013. Disponível em:
<http://www.repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/4070/Diego%20Fruscalso%20dos%
20Santos.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 8 jan. 2021. p. 57.
49

condição de meros espectadores do cenário político, que se viam obrigados a votar


periodicamente em candidatos com os quais não mantinham contato, para passar
manifestar suas opiniões, buscar informações e criar novos canais de comunicação,
interação e atualização.109
Em tempos em que o uso da internet é cada vez mais importante e até mesmo
fundamental, inclusive para o exercício de direitos fundamentais dos cidadãos, a
garantia de que as informações transmitidas são verídicas se mostra cada vez mais
essencial para proporcionar escolhas públicas e privadas conscientes e embasadas,
sem as quais as instituições democráticas correm verdadeiro risco de deterioração110.

109 SANTOS, Diego Fruscalso dos. A invenção da ciberdemocracia: o conceito de democracia na era
do ciberespaço. Dissertação (mestrado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-
Graduação em Filosofia. São Leopoldo, 2013. Disponível em:
<http://www.repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/4070/Diego%20Fruscalso%20dos%
20Santos.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 8 jan. 2021. p. 57-58.
110 Há uma percepção crescente de que a democracia está entrando em recessão em todo o mundo.

Vide: DIAMOND, Ver Larry. Facing up to the democratic recession. Journal of Democracy 26, n. 1
(jan 2015), p. 141-155. Disponível em: <https://www.journalofdemocracy.org/wp-
content/uploads/2015/01/Diamond-26-1_0.pdf>. Acesso em: 5 abr. 2021.
50

2 REDES SOCIAIS DIGITAIS

Com o Marco Civil da Internet no Brasil, a definição de responsabilidades dos


provedores de aplicações de internet (fornecedores das diversas funcionalidades
acessíveis por meio de terminais conectados à internet) se tornou mais clara. Dentre
as formas mais popularmente utilizadas de aplicações de internet estão as redes
sociais digitais, locais onde um grande volume de informações circula diária e
instantaneamente entre milhões de usuários aptos a criar, consumir e compartilhar
tais informações de forma massiva e instantânea.
Embora tenha surgido na primeira metade do século XX, foi apenas a partir da
segunda metade que o conceito de rede social se tornou mais relevante na
sociologia.111

[...] o termo era sobretudo usado em sentido metafórico: os autores não


identificavam características morfológicas, úteis para a descrição de
situações específicas, nem estabeleciam relações entre as redes e o
comportamento dos indivíduos que as constituem.112

Nada obstante o conceito abstrato de rede social tenha sua origem nos
aspectos da natureza, o que atualmente chamamos de rede social é uma construção
linguística e cultural. A multiplicidade de sentidos da palavra “rede” em diferentes
contextos (históricos, econômicos, químicos, biológicos, tecnológicos, entre outros)
denota a sua importância para a forma como a sociedade atual é estruturada.113
Nesse sentido, podemos indicar que uma rede social pode ser definida por dois
elementos: atores e conexões. Os atores podem ser quaisquer pessoas, grupos ou
organizações públicas ou privadas. As conexões devem ser vistas como a forma das
interações ou os laços sociais entre os atores.114

111 VERMELHO, Sônia Cristina. VELHO, Ana Paula Machado. BERTONCELLO, Valdecir. Sobre o
conceito de redes sociais e seus pesquisadores. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 4, p. 863-881,
out./dez. 2015. P. 865. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v41n4/1517-9702-ep-1517-
97022015041612.pdf>. Acesso em 25 set. 2020.
112 PORTUGAL, Silvia. Contributos para uma discussão do conceito de rede na teoria sociológica.

P. 4. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/271/271.pdf>. Acesso em: 21 set. 2020.


113 VERMELHO, Sônia Cristina. VELHO, Ana Paula Machado. BERTONCELLO, Valdecir. Sobre o

conceito de redes sociais e seus pesquisadores. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 4, p. 863-881,
out./dez. 2015. P. 865-872. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v41n4/1517-9702-ep-1517-
97022015041612.pdf>. Acesso em 25 set. 2020.
114 RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Coleção Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2009.

P. 24.
51

Como avalia Sônia Cristina Vermelho, a estrutura das redes sociais é de caráter
eminentemente vertical na história da cultura/sociedade ocidental, estando as
relações sociais baseadas em hierarquias das mais diversas. Em função disso,
experiências e relações sociais horizontais nunca passaram do campo da utopia
dentro das redes sociais não-digitais, por assim dizer. Com o advento das redes
sociais digitais, contudo, seus usuários passaram a experimentar relações sociais
horizontalizadas entre si, não obstante o claro viés econômico vertical em que suas
titulares (controladoras, provedoras ou operadoras) estão inseridas na sociedade.115
Ou seja, muito embora a relação entre usuários e controladoras das redes
sociais digitais ainda tenha uma natureza eminentemente vertical, considerando o
caráter de adesão que os termos e as políticas dessas costumam impor àqueles, a
relação entre os usuários é comumente de tipo horizontal, proporcionando a todos
semelhantes experiências, oportunidades e poder de fala. Importante ressalvar que
isso não impede que determinados usuários consigam transportar parte do seu poder
de influência construído em meio às relações verticais típicas do mundo off-line para
o mundo on-line, trazendo, em algum grau, assimetria à horizontalidade da relação
com os demais usuários (capacidade de alcance, quantidade de seguidores ou
autoridade de fala).
As relações entre produtores e consumidores de informação deixam também
de ser passivas e dispersas, como o eram quando a grande imprensa, o rádio e a
televisão eram os detentores da máquina comunicativa (comunicação um-todos).
Agora, com o advento do ciberespaço, a comunicação se dá de forma progressiva e
cooperativa entre todos os atores (dispositivo todos-todos).116 Daí a possibilidade de
que uma mensagem on-line atinja milhões de pessoas simultaneamente e até mesmo
fazer com que um usuário outrora anônimo no mundo real possa, em questão de
segundos, se tornar conhecido em larga escala no mundo virtual (“viralização”117).
Ou seja, a partir da popularização das redes sociais, seus usuários passaram
também a ser emissores de informações e não apenas consumidores, passaram a ser
protagonistas das narrativas e editores de suas próprias histórias, gerando

115 VERMELHO, Sônia Cristina. VELHO, Ana Paula Machado. BERTONCELLO, Valdecir. Sobre o
conceito de redes sociais e seus pesquisadores. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 4, p. 863-881,
out./dez. 2015. P. 873-874. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v41n4/1517-9702-ep-1517-
97022015041612.pdf>. Acesso em 25 set. 2020.
116 LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 2. ed. São Paulo:

Loyola, 2000. p. 63.


117 .
52

informações que circulam de forma livre, ágil e dispersa, limitadas, a priori, apenas
pelas restrições objetivas ditadas pelos algoritmos que compõem o código fonte, e, a
posterori, pelo controle subjetivo de Políticas de Comunidade e Termos e Condições
de Uso, a exigir a atuação coercitiva das plataformas.
A partir do acesso a redes sociais digitais, portanto, seus usuários passaram a
vivenciar experiências relacionais muito diferentes das que estão habituados no
mundo analógico ou off-line. Isso não significa, contudo, que fora das redes sociais
digitais as experiências estejam se tornando mais horizontalizadas. Ao contrário, a
estrutura social atual permanece bastante verticalizada.118
Pierre Lévy nos ajuda a compreender melhor o potencial transformacional que
o meio virtual e, por consequência, as redes sociais digitais possuem na sociedade
moderna.

Se a virtualização fosse apenas a passagem de uma realidade a um conjunto


de possíveis, seria desrealizante. Mas ela implica a mesma quantidade de
irreversibilidade de seus efeitos, de indeterminação em seu processo e de
invenção em seu esforço quanto à atualização.119

O papel das redes sociais digitais no controle da disseminação de


desinformação ainda é confuso no Brasil, tendo o Marco Civil da Internet limitado sua
obrigação/responsabilidade pela remoção de conteúdos gerados por terceiros à
existência de ordem judicial específica, de forma que, legalmente, o provedor de
aplicações de internet não pode ser civilmente responsabilizado por danos
decorrentes de conteúdo criado e divulgado por usuários, salvo a exceção feita pelo
o Art. 21, que torna inexigível a necessidade de decisão judicial, mas condiciona à
atuação do provedor à existência de prévia notificação da parte interessada.
Paralelamente, projetos legislativos como o Projeto de Lei n° 2630/2020,
intitulado “Lei das Fake News” e já aprovado no Senado, atualmente tramita na
Câmara do Deputados e tem o objetivo de instituir a Lei Brasileira de Liberdade,
Responsabilidade e Transparência na Internet com o propósito de definir de forma
objetiva o grau de responsabilidade de aplicações de internet, dentre elas as redes
sociais, pela difusão de desinformação.

118 VERMELHO, Sônia Cristina. VELHO, Ana Paula Machado. BERTONCELLO, Valdecir. Sobre o
conceito de redes sociais e seus pesquisadores. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. 4, p. 863-881,
out./dez. 2015. P. 874-877. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v41n4/1517-9702-ep-1517-
97022015041612.pdf>. Acesso em 25 set. 2020.
119 LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996, p. 5.
53

Ao longo desse capítulo, abordaremos os principais aspectos das redes sociais


digitais, a forma como essas organizam e apresentam seus ordenamentos e
estruturas jurídicas para seus usuários, regulando essa relação que possui natureza
privada, muito embora cada plataforma atribua para si funções legislativas, executivas
e judicativas com poucas oportunidades de interação e/ou contestação pelos seus
usuários.
Nesse sentido, importa também identificar, entender e caracterizar quais os
limites para a (autor)regulação das redes sociais digitais em diferentes aspectos,
como isso afeta sua relação com os usuários e de que forma a disseminação de
desinformação é tratada por diferentes plataformas.

2.1 A DESINFORMAÇÃO E OS ORDENAMENTOS DAS REDES SOCIAIS DIGITAIS

Como visto, com o advento das redes sociais digitais, as relações sociais na
rede, contrariamente ao que acontece fora do mundo virtual, onde a verticalização das
relações entre os diversos atores sociais é a regra, assumem um aspecto de
horizontalidade entre seus usuários. Nesse cenário, as condições oferecidas pelas
plataformas, ao definir regras de utilização, têm papel fundamental para a forma como
os usuários participam da rede social digital.120
As plataformas das redes sociais digitais possuem, portanto, importante
“função configuradora da socialidade”121. Essa função extrapola os limites do mundo
virtual e, atualmente, também tem efeitos no mundo analógico ou off-line, que aprende
com a arquitetura dessas plataformas e replica ou ressignifica suas práticas e
costumes122.
Essas regras, visíveis ou não, são criadas pelos próprios provedores de redes
sociais digitais, que conseguem impô-las aos usuários, também por conta própria, já
que são os detentores do controle sobre a arquitetura das plataformas. Em
decorrência disso, os operadores, além de criarem as regras (legislativo), são

120 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de
Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. P. 92.
121 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de

Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. P. 92.
122 Expressões, vocabulário, estruturas organizacionais e até modelos de interação, entre outros

comportamentos, são externalizados do mundo on-line para o off-line.


54

responsáveis pela sua implantação (executivo) e pela definição/aplicação das


sanções cabíveis em caso de descumprimento (judicativo), o que levanta uma série
de questões sobre o papel normativo naturalmente assumido por esses operadores e
sua influência na sociedade.123
Esse papel normativo tão relevante para a forma como milhões de usuários de
redes sociais digitais se relacionam entre si e com a própria plataforma, com reflexos
também no mundo analógico, assume cada vez mais importância e não pode ser
ignorado pelo mundo jurídico. Tais regras, muito embora tenha o seu cerne calcado
em princípios e normas de direito privado, possuem inegável conexão com princípios
e constitucionais fundamentais assegurados a qualquer cidadão.
Como veremos, as plataformas baseiam suas políticas em princípios e regras,
garantindo para si autonomia interpretativa para uma série de situações que envolvem
remoção de conteúdo e exclusão de usuários com base no que cada plataforma
compreende como violação a suas políticas.

2.1.1 Facebook

O Facebook, em sua plataforma, destaca uma página exclusiva para suas


Políticas, que inclui, entre outras, seções sobre seus “Princípios”, “Termos de Serviço”
e “Padrões da Comunidade”.
Nos “Padrões da Comunidade”, o Facebook reconhece sua importância
enquanto meio de comunicação entre as pessoas, ressaltando o respeito aos
diferentes pontos de vista e crenças, ainda que determinados temas possam gerar
controvérsias e objeções. A rede social afirma que tudo é avaliado de acordo com o
interesse público e o risco de dano, além de considerar padrões internacionais de
direitos humanos.124

Em alguns casos, permitimos conteúdo que poderia ir contra os nossos


Padrões da Comunidade para fins de conscientização pública, caso ele seja
interessante e de utilidade pública. Para fazer esses julgamentos,
consideramos o valor do interesse público e o risco de dano. Também
observamos os padrões internacionais relativos a direitos humanos. Dessa
forma, avaliamos a importância do conteúdo publicado por alguém, incluindo

123 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de
Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. P. 93.
124 FACEBOOK. Padrões da Comunidade. Disponível em:
<https://www.facebook.com/communitystandards/?locale=pt_BR>. Acesso em 5 out. 2020.
55

organizações de notícias e usuários individuais. Por exemplo, permitimos


conteúdo que retrate graficamente uma guerra ou as consequências dela
quando isso é importante para o discurso público.125

Nesse sentido, a plataforma ressalta seu compromisso com a liberdade de


expressão sem deixar de reconhecer que a internet proporciona novas e maiores
formas de abuso dessa liberdade. Por isso, a limitação da liberdade de expressão feita
ativamente pela plataforma observa os seguintes valores: autenticidade (identidade
verdadeira e conteúdo autêntico), segurança (combate a ameaças e intimidações),
privacidade (proteção da privacidade e das informações pessoais) e dignidade
(combate ao assédio e à difamação).126
O Facebook reconhece, assim, que, a fim de garantir a proteção de outros
valores, tais quais a privacidade e dignidade, sua plataforma limita a liberdade de
expressão de seus usuários com base em princípios e regras definidos pelos seus
titulares.
Embora tais políticas se apliquem em todo o mundo, o Facebook reconhece a
limitação da própria plataforma para identificar todas as nuances que permeiam
diferentes contextos e culturas, reforçando que seus usuários podem denunciar
conteúdo com potencial de violação de seus padrões. As sanções previstas vão de
advertência, restrição de acesso ou exclusão de perfil, além de notificação às
autoridades em casos de risco real de danos físicos ou ameaça à segurança
pública.127
Na especificação dos Padrões da Comunidade, o Facebook adentra em
considerações sobre diversos temas, incluindo “Comportamento Violento e
Criminoso”, “Segurança”, “Conteúdo Questionável, “Respeito à Propriedade
Intelectual”, entre outros, mas, para fins desse trabalho, importa ressaltar o tópico de
“Integridade e Autenticidade”, que aborda o tema notícias falsas como um de seus
subtópicos, ressaltando que o Facebook assume de forma séria sua responsabilidade
pela redução da disseminação de notícias falsas.
A plataforma, contudo, assume que não remove notícias falsas do Facebook,
mas reduz significativamente sua distribuição, pois considera essa uma questão

125 FACEBOOK. Padrões da Comunidade. Disponível em:


<https://www.facebook.com/communitystandards/?locale=pt_BR>. Acesso em 5 out. 2020.
126 FACEBOOK. Padrões da Comunidade. Disponível em:
<https://www.facebook.com/communitystandards/?locale=pt_BR>. Acesso em 5 out. 2020.
127 FACEBOOK. Padrões da Comunidade. Disponível em:
<https://www.facebook.com/communitystandards/?locale=pt_BR>. Acesso em 5 out. 2020.
56

desafiadora e delicada, além de reconhecer que há uma linha tênue entre notícias
falsas, sátiras e opiniões.128
Numa página dedicada a falar sobre a estratégia do Facebook para impedir a
disseminação de notícias falsas129, a plataforma afirma que as mesmas são ruins para
as pessoas e para o Facebook, que está investindo de forma significativa para impedir
sua propagação e para promover jornalismo de qualidade.130
Entre as estratégias, contudo, não consta, como apontado anteriormente, a
remoção de conteúdo falso, mas sim a redução da sua distribuição e a instrução sobre
o contexto das publicações que os usuários veem. Para o Facebook, essa abordagem
reduz drasticamente o alcance dessas publicações, elimina os responsáveis por
disseminar notícias falsas e mantém as pessoas informadas sem que, para isso, o
discurso público tenha de ser sufocado.131
Vemos, portanto, que o Facebook não considera a divulgação de notícias falsas
uma violação aos seus “Padrões da Comunidade”, mas entende que elas
frequentemente podem violar outras políticas da plataforma, como a prática de
discurso de ódio ou o uso de contas falsas, o que é removido por padrão.
Nesse sentido, o Facebook atualmente não considera a desinformação um
problema imediato para a sua plataforma, atuando diretamente para excluir
publicações apenas quando uma de suas Políticas é afetada diretamente por notícias
falsas e outras modalidades de desinformação.
Nesse sentido, o Facebook busca atuar contra o que chama de “malfeitores”132
que trabalham conjuntamente para disseminar má-informação na rede. Para o
Facebook, boa parte da desinformação espalhada na plataforma decorre de
motivações financeiras, razão pela qual tenta bloquear perfis e combater sites que se
utilizam da estratégia de caça-cliques133, o que exige um combate proativo contra esse

128 FACEBOOK. Integridade e autenticiade. Disponível em:


<https://www.facebook.com/communitystandards/integrity_authenticity>. Acesso em 5 out. 2020.
129 Nessa página, o Facebook fala em “false news” e não “fake news”, o que parece demonstrar um

interesse da rede em tornar essa abordagem menos midiática e mais técnica.


130 FACEBOOK. Hard Questions: What’s Facebook’s Strategy for Stopping False News. Disponível

em: <https://about.fb.com/news/2018/05/hard-questions-false-news/>. Acesso em 5 out. 2020.


131 FACEBOOK. Hard Questions: What’s Facebook’s Strategy for Stopping False News. Disponível

em: <https://about.fb.com/news/2018/05/hard-questions-false-news/>. Acesso em 5 out. 2020.


132 Tradução livre de “bad actors”.
133 Manchetes cativantes, curiosas, chamativas ou sensacionalistas que têm por objetivo atrair pessoas

para uma determinada página ou site, aumentando a quantidade de acessos, visualizações,


compartilhamentos e crescimento desses endereços. Em inglês são também chamados “clickbait”.
57

tipo de agente134. Isso vai ao encontro do que defende o Código de Conduta da União
Europeia Sobre Desinformação135.
Além dessas medidas, o Facebook indica que também faz parte de sua
estratégia a realização de parceria com agências independentes de checagem de
fatos que avaliam a acuracidade de publicações na rede. Quando uma agência
classifica o conteúdo de uma publicação como falso, a plataforma a ranqueia de forma
significativamente baixa, reduzindo sua visualização em mais de 80%.136
Concluímos, portanto, que, embora o Facebook reconheça o poder disruptivo
e as consequências destrutivas da desinformação no mundo atual, a sua Política da
Comunidade não prevê como resposta ao fenômeno a simples eliminação de
conteúdo reconhecidamente falso, mas tenta, a partir de ferramentas internas, reduzir
sua disseminação e educar seus usuários.
No que diz respeito aos “Termos de Serviço”, anteriormente chamados
“Declaração de direitos e deveres”, trata-se de “acordo integral”137 (n° 5.1/FB-2020)
entre o usuário e o Facebook, trazendo grande carga da esfera cível do direito para a
relação entre a empresa detentora da plataforma e seus usuários. Nessa “Política”, o
operador da plataforma explica o que espera de seus usuários e informa a maneira
como a rede trata dados e é remunerada, por exemplo. Dentre “os serviços
fornecidos”, estão, entre outros, o de permitir que as pessoas se expressem e falem
sobre o que consideram importante e o combate, pela plataforma, de condutas
prejudiciais à comunidade.138
Por mais evidente que pareça, é importante destacar, para os fins do presente
trabalho, que a tais regras, não apenas para o Facebook, mas para qualquer
plataforma de rede social digital, são de adesão, impedindo qualquer tipo de discussão
ou ajuste pelos seus usuários, que se limitam à possibilidade de alterar apenas

134 FACEBOOK. Hard Questions: What’s Facebook’s Strategy for Stopping False News. Disponível
em: <https://about.fb.com/news/2018/05/hard-questions-false-news/>. Acesso em 5 out. 2020.
135 UNIÃO EUROPEIA. Código de Conduta da UE sobre Desinformação. Disponível em:

<file:///C:/Users/99793903/Downloads/cnect-2019-20022-00-00-pt-tra-00_225C1392-B110-B47A-
80E5F075D6032A1D_59123.pdf>. Acesso em 12 out. 2020.
136 FACEBOOK. Hard Questions: What’s Facebook’s Strategy for Stopping False News. Disponível

em: <https://about.fb.com/news/2018/05/hard-questions-false-news/>. Acesso em 5 out. 2020.


137 FACEBOOK. Termos de Serviço. Disponível em:
<https://www.facebook.com/terms.php?locale=pt_BR>. Acesso em 6 out. 2020.
138 FACEBOOK. Hard Questions: What’s Facebook’s Strategy for Stopping False News. Disponível

em: <https://about.fb.com/news/2018/05/hard-questions-false-news/>. Acesso em 5 out. 2020.


58

algumas configurações mais simples, geralmente relacionadas à usabilidade da


plataforma139.
Observamos, pois, que o Facebook não possui uma política específica para
combate à desinformação, utilizando-se de sistemas automatizados para analisar as
denúncias recebidas. A rede trabalha com agências de checagem de fatos para ajudar
a ranquear e rotular publicações falsas ou parcialmente falsas, reduzindo sua
circulação entre os usuários sem, contudo, excluí-las, à exceção de casos que
envolvam a prática ou o estímulo à violência ou possa comprometer disputas
eleitorais.
Da análise das “Políticas” do Facebook aqui tratadas, observamos que
especialmente nos “Padrões da Comunidade” há uma maior flexibilização regulatória,
tendo em vista que boa parte das medidas previstas possui um viés principiológico
que possibilita maiores margens interpretativas, o que também acaba por tornar
menos claro quais previsões possuem um caráter jurídico vinculativo entre as partes
(plataforma e usuário).140

2.1.2 Instagram

O Instagram, por sua vez, possui uma seção denominada “Central de


Privacidade e Segurança” na qual diversos temas são abordados, entre eles as
“Diretrizes da Comunidade”, os “Termos de Uso” e a “Política da Plataforma”.
Curiosamente, por exemplo, o Instagram, cuja interação entre seus usuários se dá
prioritariamente a partir de fotos e vídeos, possui também uma página, dentro da sua
Central de Privacidade e Segurança, sobre os distúrbios alimentares, na qual discorre
sobre alguns dos principais distúrbios, os principais sinais para identificá-los e
algumas ações que podem ser adotadas.141

139 O usuário pode definir, por exemplo, se deseja localizar ou bloquear outros usuários a partir de
certos parâmetros, ativar ou desativar confirmações de leitura, deixar as informações de seu perfil
públicas ou restritas.
140 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de

Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. P. 93.
141 INSTAGRAM. Central de Ajuda – Central de Privacidade e Segurança. Sobre o distúrbios

alimentares. Disponível em:


<https://help.instagram.com/252214974954612/?helpref=hc_fnav&bc[0]=Ajuda%20do%20Instagram&
bc[1]=Central%20de%20Privacidade%20e%20Seguran%C3%A7a>. Acesso em: 10 out. 2020.
59

Como parte do grupo de empresas do Facebook, o Instagram, a partir de sua


Central de Ajuda, direciona os usuários interessados em saber mais sobre os
mecanismos da plataforma para a redução da disseminação de informações falsas142
para a mesma página mantida pelo Facebook143, que aborda “as questões difíceis” da
rede social, razão pela qual, acerca dos comentários sobre esse conteúdo, fazemos
remissão aos pontos abordados no tópico anterior.
O Instagram destaca que trabalha com 45 verificadores de fatos terceirizados
ao redor do mundo com o objetivo de identificar, analisar e rotular informações falsas.
Assim como o Facebook, a rede focada no compartilhamento de imagens e pequenos
vídeos não exclui publicações com informações falsas, mas reduz sua visibilidade aos
demais usuários e aplica rótulos (Figura 12) para facilitar sua identificação pela rede,
defendendo que cada usuário pode “decidir por conta própria o que ler, em quem
confiar e o que compartilhar”144.

Figura 12: Alerta sobre publicação compartilhada no perfil do Instagram do presidente Jair Bolsonaro
em 11 de maio de 2021.

Fonte: Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/instagram-


classifica-como-fake-news-postagem-sobre-coronavirus-compartilhada-por-bolsonaro.shtml>

142 INSTAGRAM. Central de Ajuda – Quais são as dicas para identificar informação falsa no
Instagram? Disponível em:
<https://help.instagram.com/975917226081685?helpref=search&sr=1&query=not%C3%ADcia%20fals
a&search_session_id=9145a68de6b6650a2fc74ebb580f03be>. Acesso em: 10 out. 2020.
143 Somos direcionados para a página “Hard Questions: What’s Facebook’s Strategy for Stopping False

News”. Disponível em: <https://about.fb.com/news/2018/05/hard-questions-false-news/>. Acesso em 5


out. 2020.
144 INSTAGRAM. Central de Ajuda – Quais são as dicas para identificar informação falsa no

Instagram? Disponível em:


<https://help.instagram.com/975917226081685?helpref=search&sr=1&query=not%C3%ADcia%20fals
a&search_session_id=9145a68de6b6650a2fc74ebb580f03be>. Acesso em: 10 out. 2020.
60

Assim, o Instagram garante que, sempre que uma publicação é marcada como
informação falsa, a classificação foi feita por um verificador de fatos independente. 145
A rede também permite que os próprios usuários sinalizem que uma publicação
dissemina informação falsa146, permitindo ao usuário denunciado contestar
fundamentadamente a qualificação como informação147.
Na sua seção de “Termos de Uso”, o Instagram descreve os serviços prestados
pela rede aos seus usuários e quais são os compromissos do usuário com a rede,
bem como as permissões concedidas pelos mesmos.148 As previsões sobre direitos e
deveres dos usuários e da plataforma são complementadas pela seção “Informações
sobre aplicação da lei”, na qual a rede aborda temas de privacidade de dados,
segurança infantil e consentimento do usuário, entre outros.149
Observamos, pois, que o Instagram segue, em linhas gerais, a postura adotada
pelo Facebook, não possuindo uma política específica para combate à desinformação
e também se utilizando de sistemas automatizados para analisar as denúncias
recebidas e agências de checagem de fatos para ajudar a ranquear e rotular
publicações falsas ou parcialmente falsas, reduzindo sua circulação entre os usuários
sem, contudo, excluí-las.
No caso da Covid-19, a rede passou não apenas a rotular conteúdos
relacionados à pandemia como potencialmente sensíveis, como também adicionou
links que redirecionam os usuários para o portal do Ministério da Saúde e outras
organizações de saúde, como a Organização Mundial da Saúde.

145 INSTAGRAM. Central de Ajuda – Por que uma publicação está marcada como informação falsa?
Disponível em:
<https://help.instagram.com/388534952086572?helpref=search&sr=2&query=not%C3%ADcia%20fals
a&search_session_id=c86e448a7a264664a35b8ee351c0dd67>. Acesso em: 10 out. 2020.
146 INSTAGRAM. Central de Ajuda – Como faço para sinalizar uma informação falsa no Instagram?

Disponível em:
<https://help.instagram.com/2442045389198631?helpref=search&sr=3&query=not%C3%ADcia%20fal
sa&search_session_id=c53154a82285d2de73bc2e9cb91cb520>. Acesso em: 10 out. 2020.
147 INSTAGRAM. Central de Ajuda – Como faço para apelar de uma classificação de informação falsa

no Instagram? Disponível em:


<https://help.instagram.com/759619721131409?helpref=search&sr=4&query=not%C3%ADcia%20fals
a&search_session_id=c53154a82285d2de73bc2e9cb91cb520>. Acesso em: 10 out. 2020.
148 INSTAGRAM. Central de Ajuda – Central de Privacidade e Segurança. Termos de Uso. Disponível

em:
<https://help.instagram.com/581066165581870/?helpref=hc_fnav&bc[0]=Ajuda%20do%20Instagram&
bc[1]=Central%20de%20Privacidade%20e%20Seguran%C3%A7a>. Acesso em: 10 out. 2020.
149 INSTAGRAM. Central de Ajuda – Central de Privacidade e Segurança. Informações sobre

aplicação da Lei. Disponível em:


<https://help.instagram.com/494561080557017/?helpref=hc_fnav&bc[0]=Ajuda%20do%20Instagram&
bc[1]=Central%20de%20Privacidade%20e%20Seguran%C3%A7a>. Acesso em: 10 out. 2020.
61

2.1.3 Linkedin

O Linkedin, rede social com foco na trajetória profissional de seus usuários,


diferentemente da postura adotada pelo Facebook e pelo Instagram, ressalta de forma
expressa, nas suas “Políticas para Comunidades Profissionais”, que seus usuários
não devem compartilhar conteúdo falso ou enganoso. A rede, portanto, exige
ativamente de seus usuários que não compartilhem conteúdo que o usuário “sabe ou
acredita que possa ser enganoso ou impreciso, incluindo informações incorretas ou
desinformações”150. Para o Linkedin, portanto, a mera suspeita de que algo não é
verdadeiro ou preciso deve ser suficiente para que os usuários se abstenham de
compartilhar com a rede.

Não compartilhe conteúdo falso ou enganoso: não compartilhe conteúdo que


você sabe ou acredita possa ser enganoso ou impreciso, incluindo
informações incorretas ou desinformações. Não compartilhe conteúdo para
interferir ou influenciar indevidamente uma eleição ou outro processo cívico.
Podemos impedir que você publique conteúdo de sites que produzam ou
contenham informações falsas. Não compartilhe conteúdo que contrarie
diretamente as orientações das principais organizações globais de saúde e
autoridades de saúde pública. Não publique conteúdo que negue um evento
histórico bem documentado, como o Holocausto ou a escravidão. Não
compartilhe conteúdo ou informações falsas, incluindo notícias que
apresentem fatos ou eventos falsos como se fossem verdadeiros ou
provavelmente verdadeiros. Não publique imagens ou vídeos “deepfake” de
outras pessoas, nem publique conteúdo que tenha sido manipulado para
enganar.151

Em uma página dedicada a instruir como reconhecer e denunciar conteúdos


impróprios, o Linkedin reforça que não tolera a disseminação de desinformação na
rede, classificando como informação enganosa a apresentação de informações falsas
como se fossem corretas. Essa postura do Linkedin indica que a rede não apenas
exige que seus usuários não gerem ou compartilhem conteúdo falso, mas também
que a própria rede atue para remover conteúdos que violem suas políticas.152
A postura proativa do Linkedin de combate à disseminação de desinformação
na sua rede tem se mostrado positiva, deixando-a de fora dos noticiários ou
discussões sobre as plataformas em que as notícias falsas e desinformação em geral

150 LINKEDIN. Professional Community Policies. Disponível em:


<https://br.linkedin.com/legal/professional-community-policies?>. Acesso em: 12 out. 2020.
151 LINKEDIN. Professional Community Policies. Disponível em:
<https://br.linkedin.com/legal/professional-community-policies?>. Acesso em: 12 out. 2020.
152 LINKEDIN. Como reconhecer e denunciar um conteúdo como spam, inadequado e ofensivo.

Disponível em: <https://www.linkedin.com/help/linkedin/answer/37864>. Acesso em: 12 out. 2020.


62

são mais difundidas entre usuários.153 O propósito da rede e o perfil dos usuários
também contribui para que a plataforma não seja a mais adequada para o
compartilhamento de informações falsas ou enganosas.154
Isso fica claro no mais recente relatório do Reuters Institute ao deixar de listar,
entre as plataformas que mais preocupam relativamente à disseminação de
informação falsa ou enganosa.

Figura 13: Plataformas mais preocupantes por informação falsa ou enganosa – Países Selecionados

Fonte: Reuters Institute Digital News Report 2020. p. 19. Disponível em:
<https://reutersinstitute.politics.ox.ac.uk/sites/default/files/2020-06/DNR_2020_FINAL.pdf>. Acesso
em: 20 out. 2020

2.1.4 Twitter

Os “Termos de Serviço” do Twitter apontam, objetivamente, que a plataforma


não garante a integridade, veracidade, exatidão ou confiabilidade de qualquer
conteúdo publicado na rede, deixando claro ao usuário que ele pode ser exposto a
conteúdo impreciso ou fraudulento e que a plataforma é incapaz de monitorar ou

153 HERRMAN, John. Redes em crise, exceto uma: por que ninguém fala sobre o Linkedin?
Disponível em: <https://exame.com/negocios/por-que-ninguem-fala-sobre-o-linkedin/>. Acesso em: 13
out. 2020.
154 JOHNSON, Eric. Why is there no fake news on Linkedin? Disponível em:
<https://www.vox.com/2016/12/29/14100064/linkedin-daniel-roth-fake-news-facebook-recode-
podcast>. Acesso em: 13 out. 2020.
63

controlar o conteúdo publicado por seus usuários, razão pela qual não pode ser
responsabilizada por ele.155
Dessa forma, o Twitter se isenta de responsabilidade e apenas modera ou
remove conteúdos que violem diretamente suas regras e políticas. Como suas regras
e políticas não proíbem diretamente o compartilhamento de informações falsas ou
enganosas, não há uma atuação direta e constante da plataforma para excluir esse
tipo de conteúdo da rede.
A plataforma prevê também que mesmo conteúdos que violem suas regras
poderão ser excepcionalmente mantidos para a compreensão ou discussão de um
assunto de interesse público, o que se aplica especialmente a representantes públicos
eleitos e governos. Esse tipo de mensagem é mantido com uma limitação de
visualização por meio de um aviso que contextualiza a violação da regra e permite
que apenas pessoas que cliquem nele possam ver o conteúdo.156

Figura 14: Post de Jair Bolsonaro tem aviso por violar regras.

Fonte: Perfil no Twitter de Jair Bolsonaro. Disponível em:


<https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1350149912009334784 >

Vemos que, embora o Twitter não preveja expressamente o combate à


desinformação em sua rede, a plataforma tem disponibilizado recursos para difundir
discussões mais informadas. Em junho de 2020, a plataforma divulgou que estava
testando um novo comando157 para usuários do sistema operacional Android que
questiona ao usuário que retuitou um artigo sem abrir para ler se ele deseja abrir o

155 TWITTER. Termos de Serviço do Twitter. Disponível em: <https://twitter.com/pt/tos>. Acesso em:
16 out. 2020.
156 TWITTER. Diretrizes e Políticas Gerais. Sobre as exceções devido ao interesse público no Twitter.

Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/rules-and-policies/public-interest>. Acesso em: 16 out. 2020.


157 Tradução livre do termo usado pelo Twitter: “prompt”.
64

artigo antes. Já em setembro de 2020, um novo recurso também em fase de teste foi
identificado por alguns usuários: o Birdwatch, que visa permitir que os usuários insiram
anotações ao rodapé de conteúdos compartilhados na rede apontando suas razões
para defender que aquela mensagem possui informação falsa ou enganosa.158

Figura 15: Suporte do Twitter explica a nova ferramenta de comando do sistema.


Em tradução própria: “Estamos vendo resultados promissores nesse comando do sistema, por isso
estamos expandindo o teste para o sistema iOS. Compartilhando um artigo por meio de Retweet ou
uma citação de Tweet? Se você ainda não tiver lido o artigo, nós poderemos perguntar se você
gostaria de abri-lo primeiro.”

Fonte: Twitter Support. Disponível em:


<https://twitter.com/TwitterSupport/status/1270783537667551233?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp
%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1311758161708081152%7Ctwgr%5E&ref_url=https%3A%2F%2Fca
naltech.com.br%2Fredes-sociais%2Ftwitter-testa-nova-ferramenta-para-conter-desinformacao-e-fake-
news-172513%2F>. Acesso em 16. out. 2020.

Já na sua “Política de Integridade Cívica”, o Twitter, na sua versão mais


atualizada de outubro de 2020, reforçou suas políticas de combate à distribuição de
informações falsas ou enganosas com foco em eleições ou atos cívicos. 159 Essa foi
uma forma preventiva da plataforma de se preparar especialmente para as eleições

158 DEMARTINI, Felipe. Twitter testa nova ferramenta pra conter desinformação e fake news.
Disponível em: <https://canaltech.com.br/redes-sociais/twitter-testa-nova-ferramenta-para-conter-
desinformacao-e-fake-news-172513/>. Acesso em: 16 out. 2020.
159 TWITTER. Política de Integridade Cívica. Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/rules-and-

policies/election-integrity-policy>. Acesso em: 17 out. 2020.


65

presidenciais nos Estados Unidos da América, visando conter possíveis interferências


da rede nos resultados do pleito.160
Na sua “Política de Integridade Cívica”, o Twitter prevê a possibilidade de
marcar e reduzir a visibilidade de conteúdo com informações falsas e enganosas,
fornecendo contexto adicional aos usuários da rede sobre isso. Nessa seção, a
plataforma indica, expressamente, que qualquer tentativa de manipular o conteúdo na
plataforma “é uma prática antiética que vai contra nossos direitos fundamentais e
enfraquece os mais importantes princípios da liberdade de expressão”161.
Essa Política do Twitter tem especial foco nas eleições e em atos cívicos, razão
pela qual suas principais previsões estão relacionadas à difusão de informações
enganosas sobre como participar ou impedir a participação nesses momentos, o
desfecho dos mesmos ou o questionamento infundado de sua credibilidade,
falsificação de perfis para associação a um candidato, representante público, partido
político, autoridade eleitoral ou entidade governamental.162
Além de não permitir anúncios pagos de políticos e veículos estatais de
comunicação, a rede proíbe a publicação/compartilhamento de conteúdos que tentem
enganar as pessoas sobre quando, onde e como votar. Já em função da pandemia,
passou a considerar danosos conteúdos contrários às recomendações das
autoridades de saúde ou o compartilhamento de informações falsas ou enganosas
que possam gerar danos163.

Política de informações enganosas sobre a COVID-19


(...)
O que viola essa política?
(...)
● promover uma declaração de fato, expressa em termos definitivos;
● ser comprovadamente falsa ou enganosa, conforme fontes confiáveis e
amplamente disponíveis; e
● possibilidade de afetar a segurança pública ou causar danos graves.
Esta política aborda quatro categorias de comportamentos e conteúdos
enganosos:
Informações falsas ou enganosas sobre a natureza do vírus.
(...)

160 CARNEIRO, Igor Almenara. Twitter renova políticas contra fake news para eleições dos EUA.
Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/internet/205055-twitter-renova-politicas-fake-news-
eleicoes-eua.htm>. Acesso em: 17 out. 2020.
161 TWITTER. Política de Integridade Cívica. Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/rules-and-

policies/election-integrity-policy>. Acesso em: 17 out. 2020.


162 TWITTER. Política de Integridade Cívica. Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/rules-and-

policies/election-integrity-policy>. Acesso em: 17 out. 2020.


163 Importa salientar que o entendimento do que é dano é subjetivo e exige da rede social o exercício

de juízos de valor sobre as mensagens publicadas e suas consequências.


66

Informações falsas ou enganosas sobre a eficácia e/ou segurança de


medidas de prevenção, tratamentos ou outras precauções para mitigar ou
tratar a doença.
(...)
Informações falsas ou enganosas sobre regulamentações oficiais, restrições
ou isenções relacionadas a orientações de saúde.
(...)
Informações falsas ou enganosas sobre a prevalência do vírus, risco de
infecção ou morte.
(...)
O que não representa uma violação desta política?
Procuramos proteger um debate público robusto sobre a resposta à COVID-
19 e reconhecemos que o estado do conhecimento científico sobre
determinados aspectos da pandemia e da resposta pública a ela (inclusive o
desenvolvimento de vacinas) ainda está dando seus primeiros passos. Na
ausência de outras violações da política, as atitudes a seguir não costumam
ser consideradas violação desta política:
● Comentários, opiniões e/ou sátira fortes, desde que não contenham
afirmações falsas ou enganosas sobre o fato.
● Contradiscurso. Permitimos respostas diretas a informações enganosas
que busquem minar o impacto ao corrigir a gravação, ampliar informações
críveis e informar a comunidade sobre a prevalência e a dinâmica das
informações enganosas.
● Contas para anedotas pessoais ou em primeira pessoa.
● Debate público sobre o avanço da ciência e da pesquisa sobre COVID-19,
inclusive debate sobre pesquisas relacionadas à COVID-19, como eficácia de
tratamentos e medidas de mitigação, desde que as alegações não
representem erroneamente os achados de pesquisa. 164

O Twitter ressalta, contudo, que não são consideradas falsas ou inverídicas,


entre outros comportamentos, declarações imprecisas ou conteúdo orgânico
polarizado, tendencioso, hiperpartidário ou que contenha controvérsias sobre as
eleições ou a política.165
As consequências previstas pela plataforma são a solicitação de exclusão do
conteúdo, o bloqueio temporário da conta ou de atividade, suspensão permanente da
conta ou o fornecimento de filtros e contexto adicional ao conteúdo compartilhado
(exibição de viso, redução de visibilidade, fornecimento de links externos com
contrapontos, entre outros).166

164 TWITTER. Política de informações enganosas sobre a COVID-19. Disponível em:


<https://help.twitter.com/pt/rules-and-policies/medical-misinformation-policy>. Acesso em: 18 out.
2020.
165 TWITTER. Política de Integridade Cívica. Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/rules-and-

policies/election-integrity-policy>. Acesso em: 17 out. 2020.


166 TWITTER. Política de Integridade Cívica. Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/rules-and-

policies/election-integrity-policy>. Acesso em: 17 out. 2020.


67

2.1.4 Conclusão

O estudo das políticas e demais documentos e padrões legais das principais


redes sociais digitais atualmente utilizadas no Brasil é parte fundamental para a
compreensão do seu papel regulador das condutas dos seus usuários dentro de suas
plataformas.
O posicionamento adotado pelos seus operadores no que diz respeito à
disseminação de informações falsas em suas plataformas é cauteloso e
predominantemente pautado pela combinação de fatores subjetivos e objetivos de
análise. Subjetivamente, moderadores e/ou terceiros independentes – agências de
checagem de fatos, por exemplo – classificam os conteúdos, indicando se há
informações falsas ou enganosas para a plataforma, que, objetivamente, por meio do
seu código reduz algoritimicamente o grau de compartilhamento e exposição desse
conteúdo.
A nosso ver, é papel das plataformas, nesse sentido, atuar para reduzir
drasticamente a visibilidade e o alcance de conteúdos enganosos ou fraudulentos
enquanto incrementa a rastreabilidade de conteúdo confiável, incentivando os
usuários a sempre buscarem informações adicionais que tragam contexto e
enriquecimento de detalhes.
Como uma medida mais proativa e recente de combate à propagação de
desinformação em suas plataformas, algumas redes sociais digitais passaram a
marcar, rotular ou ocultar conteúdo considerado falso ou enganoso. A proposta é
permitir que os usuários decidam se desejam ou não acessar o conteúdo mesmo
sabendo que existem inconsistências nas suas informações. Ou seja, o conteúdo
continua disponível na rede, mas sua capacidade de viralização é artificialmente
reduzida pelo código e, até certo ponto, desincentivada a partir de rótulos e filtros que
questionam seus fundamentos.
Esse tratamento tem sido adotado pelas plataformas indistintamente nos
países em estão presentes, oscilando apenas de acordo com as diferenças
legislativas pontuais observadas em cada um. Cenário diferente tem sido observado
na Alemanha em função da vigência da NetzDG, também conhecida como “Lei Alemã
para a Melhoria da Aplicação da Lei nas Redes Sociais”, sobre a qual falaremos
68

posteriormente. No Brasil, enquanto não há legislação específica tratando do tema167,


as plataformas aplicam suas Políticas de Comunidade e seus Termos e Condições de
Uso como principal instrumento de regulação da sua relação com os usuários e
desses entre si.
Em função da pandemia da Covid-19 e de recentes episódios de intolerância e
violência em diversas partes do mundo organizados ou incitados via redes sociais
digitais, como a invasão ao Capitólio em janeiro de 2021, as plataformas têm adotado
posturas menos neutras e reforçado que conteúdos que gerem dano ou tentem
desestabilizar o exercício democrático não podem ser tolerados.
Exemplo disso foi a suspensão ou o banimento em massa do perfil do ex-
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de redes sociais como Twitter168,
Facebook e Instagram169, movimento justificado pelas mesmas como uma mostra de
como tentam balancear valores como a liberdade de expressão e a segurança em
suas plataformas. O que para alguns tem sido visto como uma mostra de que a
responsabilidade corporativa é capaz de se sobrepor aos lucros170.
Observamos, portanto, que na ausência de previsão legal que regule de que
forma as redes sociais digitais devem tratar a circulação de conteúdos falsos ou
enganosos entre seus usuários, os mecanismos adotados atualmente tendem a
privilegiar a garantia da liberdade de expressão, se entendida como o direito de
divulgar qualquer conteúdo, inclusive aquele reconhecidamente falso ou impreciso,
em detrimento da precisão ou acuracidade da informação à qual seus usuários são
expostos.

2.2 AUTORREGULAÇÃO NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS

Conforme observamos a partir da análise das políticas e termos de algumas


das principais redes sociais digitais atuais acerca do seu papel no controle da

167 Considerando que o Marco Civil da Internet não prevê hipótese de moderação ativa de conteúdo
por provedores de aplicações, mas a moderação decorrente de decisão judicial.
168 TWITTER. Permanent suspension of @realDonaldTrump. Disponível em:
<https://blog.twitter.com/en_us/topics/company/2020/suspension>. Acesso em: 25 mar. 2021.
169 FACEBOOK. In Response to Oversight Board, Trump suspended for two years; Will only be

reinstated if Conditions Permit. Disponível em: <https://about.fb.com/news/2021/06/facebook-


response-to-oversight-board-recommendations-trump/>. Acesso em 5 jun. 2021.
170 BOLAND, Michael James. Donald Trump: social media ban shows corporate responsabilitu can win

out over profit. The conversation. Disponível em: <https://theconversation.com/donald-trump-social-


media-ban-shows-corporate-responsibility-can-win-out-over-profit-155531>. Acesso em: 25 mar. 2021.
69

disseminação de desinformação, a prática da comunicação e do compartilhamento de


conteúdo em cada plataforma é estruturada de acordo com as regras de cada
operador, essas, por sua vez, prescritas a partir de algoritmos.171
Isso fica ainda mais claro a partir das medidas adotadas por plataformas como
Facebook e Twitter, cujas políticas de combate à propagação de informações falsas
ou enganosas não são formuladas a partir da premissa de remoção de conteúdo, mas
de redução do seu alcance e da sua relevância no mural de publicações 172 dos seus
usuários. Isso pressupõe a pré-existência de códigos algorítmicos capazes de
identificar, classificar e aplicar as regras previstas nessas políticas.
Tais códigos regem todas as possibilidades de interação dos usuários entre si
e com a plataforma, havendo, contudo, uma autoconferida e permanente licença da
operadora da rede social para alterações nos mecanismos da rede, permitindo
mudanças constantes e sem aviso prévio das políticas e das formas como essas são
implementadas na plataforma. Esse formato, por óbvio, impede que haja a discussão,
pelos usuários, dos impactos que tais alterações têm na sua experiência, direitos e
deveres dentro de uma rede social digital.
Para Dan Wielsch, isso demonstra os riscos para as autonomias individuais e
sociais decorrentes da autorregulação de redes sociais digitais a partir de suas
próprias diretrizes expressas em forma de políticas e termos de uso. Assim,
observamos que atualmente a criação, a aplicação e a execução das normas se
fundem de tal maneira que afetam seus usuários dentro e fora das redes socais,
faltando transparência acerca de que forma tais mecanismos são aplicados pelas
plataformas.173
Isso se torna ainda mais evidente se analisada a forma como padrões de
comunidade, geralmente com prescrições de valor principiológico, são convertidos em
regras a partir da ação repressiva dos moderadores de conteúdo, cujas diretrizes e
definições partem de políticas internas das empresas que operam as respectivas

171 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de
Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. PP. 96-97.
172 Os termos mais comumente utilizados são “feed de notícias”, “feed de publicações” ou “news feed”.
173 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de

Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. PP. 98-99.
70

plataformas, permanecendo obscuras para seus usuários.174 Ou seja, a


materialização do princípio em regra se dá a partir de sua aplicação no caso concreto,
não havendo, em diversos casos, regras previamente bem definidas sobre
determinadas questões.
Inobstante a pertinência de tais discussões, importa ressaltar que, à relação
mantida entre usuários e plataformas, aplicam-se, além das prescrições
constitucionais sobre garantias e direitos fundamentais, legislações brasileiras
bastante relevantes, tais quais o Código de Defesa do Consumidor (Lei n°
8.078/1990), o Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014) e a Lei Geral de Proteção
de Dados (Lei n° 13.709/2018).
Diferentemente da bilateralidade corriqueira do direito privado, cujo foco está
nos direitos e obrigações entre duas partes e nas consequências de sua
inobservância, os regulamentos constituídos entre usuários e plataforma podem
assumir proporções e possuir nuances que extrapolam os moldes de uma relação civil
meramente privada. Isso se torna mais claro a partir do momento em que a liberdade
de expressão e comunicação numa determinada rede social digital pode ser
restringida, alterada ou mesmo removida de acordo com decisões de uma pessoa
jurídica de natureza privada. É o que Dan Wielsch chama de “controles constitucionais
de Direito não legislativo”.175
A falta de legislações específicas prescritivas de padrões mínimos a serem
observados pelos ordenamentos de redes socais digitais, em especial termos e
condições de uso, testemunha e reforça a natureza privada que tais regramentos
possuem no Brasil. Isso também revela a natureza transnacional com a qual aqueles
são construídos, numa tentativa das plataformas de padronizar prescrições, ações e
reações à sua atuação em todos os países em que estão localizadas, adaptando
apenas o mínimo necessário de suas políticas às nuances culturais e/ou às exigências
legais/regulatórias locais.
É possível concluir, nesse sentido, que atualmente já existe uma
autorregulação prática das redes sociais digitais no Brasil. Essas determinam de

174 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de
Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. PP. 98-99.
175 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de

Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. PP. 98-99.
71

forma unilateral um conjunto de regras e princípios válidas para todos os seus usuários
e, portanto, com natureza de normas abstratas, inclusive, como destacam tais
regramentos passíveis de monitoramento, análise e valoração individual de acordo
com o caso concreto.
O aceite individual de cada usuário aos termos e condições de uso de uma
plataforma não pode ser visto como um consenso transacional sobre todos os
conteúdos relevantes da norma, embora possa ser entendido como uma derivação de
uma concordância global válida, à qual não se pode, a princípio, associar nenhuma
forma de pressuposto de correção.176
Sob essa perspectiva, os operadores de redes sociais digitais, enquanto
detentores do poder privado decorrente dos termos e condições de uso de suas
plataformas, podem intervir nas liberdades de uns para proteger outros. Isso indica,
portanto, que tais agentes privados assumem prerrogativas de ponderação sobre
direitos fundamentais de seus usuários, tais quais liberdade de expressão e
informação. As decisões daí decorrentes não afetam apenas a relação bilateral
mantida entre o usuário e rede, mas possuem alcance geral, já que as limitações
impostas a um usuário podem afetar todos os demais. Por exemplo, a remoção de um
determinado conteúdo considerado impróprio pela plataforma priva os demais
usuários de acesso ao mesmo.177
Vale relembrar que essas ponderações não se dão apenas por meio da análise
humana e subjetiva, mas também através de milhões de linhas de códigos, cujos
algoritmos automatizam a análise e a tomada de decisões sobre diferentes contextos,
nesse último formato sem garantia de revisão humana.
Não se olvida, aqui, que o Marco Civil da Internet prevê a possibilidade de
análise, no caso concreto, de pedidos de remoção de conteúdo de provedores de
aplicações, o que inclui as redes sociais digitais. Da mesma forma, mas sob outra
perspectiva, a exclusão de usuários ou a remoção de conteúdo feitas unilateralmente
pelo operador de uma plataforma são passíveis de discussão judicial, o que

176 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de
Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. PP. 103-104.
177 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de

Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. PP. 115.
72

proporciona o julgamento, no caso concreto, da “capacidade de justificação social da


autorregulação das redes sociais”178.
A partir das reflexões aqui trazidas, observamos que as redes sociais digitais
já regulam suas plataformas, definindo princípios e regras de caráter geral e abstrato
que afetam individual e coletivamente seus usuários em diversos aspectos não só da
vida virtual, mas também off-line. A moderação de conteúdos é apenas uma dentre as
matizes desse poder de regulação autoatribuído que alcança as definições (termos e
condições de uso – poder legislativo), as implementações (código e algoritmos – poder
executivo) e as moderações (padrões e ponderações – poder judicativo).
Falamos em uma espécie de autorregulação porque, apesar de se tratar da
relação entre particulares, usuário-operador, o fato é que o usuário tem pouca, para
não dizer praticamente nenhuma, interferência sobre os termos e condições de uso
da plataforma, que são fixados de forma unilateral pela sua titular e aderidos pelo
usuário. Ou seja, trata-se de formato de adesão, segundo o qual ao usuário cabe
aceitar as cominações previstas nos Termos e Condições de Uso.
O papel de disciplinar e controlar a plataforma, por conseguinte, é do provedor,
que deve se valer de procedimentos transparentes e conhecidos pelos usuários,
evitando ameaças a garantias como a liberdade de expressão e o direito à
privacidade. Sobre tal aspecto do papel dos provedores, assim se pronuncia
Domingos Farinho:

O papel disciplinador e controlador das redes socais digitais não deve ser
obnubilado pela sua dimensão de facilitador comunicacional. Pelo contrário,
é a própria liberdade de expessão e a privacidade, entre outros direitos dos
utilizadores, que é colocada em causa se estes não conhecem de forma clara
quais as regras auto-ordenadoras ou auto-reguladoras que podem restringir
as suas liberdades fundamentais. É aqui obrigatório assegurar que existe
transparência e um procedimento devido na aprovação e comunicação das
regras que sustentam as ponderações realizadas pela própria rede social e
que podem conduzir a limitações de liberdades dos utilizadores. Estas
ponderações são a parte oculta do que muitas vezes se manifesta como a
eliminação de uma publicação de um utilizador ou a venda dos seus dados
pessoais a entidades terceiras.179

178 WIELSCH, Dan. Os ordenamentos das redes: Termos e condições de uso – Código – Padrões de
Comunidade. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. PP. 118.
179 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 59-60. In:

ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
73

A pergunta, então, é “como harmonizar a atuação dos provedores de aplicação


de internet para evitar o uso abusivo e desvirtuado de suas plataformas e, ao mesmo
tempo, garantir que a sua eventual intervenção não viole garantias mínimas do Estado
Democrático de Direito?”180
Voltaremos a abordar essas questões no Capítulo 4 desse trabalho quando nos
aprofundaremos no estudo das formas de regulação das redes sociais, dentre elas
autorregulação e a autorregulação regulada, inclusive sob o viés proceduralizado do
direito.

180GIACCHETTA, André Zonaro. Atuação e responsabilidade dos provedores diante das fake
news e da desinformação. p. 24. In: RAIS, Diogo (coord). Fake News: a conexão entre a
desinformação e o Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. PP. 23-49
74

3 DESINFORMAÇÃO E CONTROLE JUDICIAL

Nesse capítulo abordaremos de que forma o combate à disseminação de


desinformação pode ser tratado na legislação brasileira, de que forma o controle
judicial ocorre e a incapacidade do Poder Judiciário de controlar repressivamente, em
sua função típica, a disseminação da desinformação no país.

3.1 A DESINFORMAÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Como visto anteriormente nesse trabalho, conceituar o fenômeno da desordem


da informação é um desafio moderno e multidisciplinar. Sua influência variada sobre
os mais heterogêneos aspectos da vida denota a complexidade de proceder com a
sua segmentação nas ciências sociais em geral, inclusive do ponto de vista jurídico.
Conforme estudo conduzido pela Nanyang Technological University de
Singapura acerca das diferentes iniciativas legislativas no mundo para o combate à
desinformação, qualquer tentativa de legislar sobre o tema necessariamente enfrenta
desafios atinentes à definição/delimitação do fenômeno, à sua dimensão global
(extraterritorialidade), à dificuldade de identificação dos responsáveis e à sofisticação
das campanhas de desinformação.181 Do nosso ponto de vista, acrescentamos, ainda,
fatores como a predominância da prática no meio virtual e a multiplicidade de
plataformas e meios de difusão.
No Brasil não é diferente. Atualmente, o país não possui um diploma legal que
regule a desinformação em todos os seus aspectos ou pelo menos de forma mais
abrangente. Legislações variadas de diferentes searas buscam regular, no âmbito de
suas atribuições e, na maior parte das vezes, indiretamente, os impactos e as
consequências de práticas relacionadas à criação e à disseminação de
desinformação, muitas vezes se utilizando metonímica e, a nosso ver, incorretamente
do termo fake news como sinônimo de desinformação.
Apesar disso, parece-nos que o grande volume de projetos de lei propostos nos
últimos quatro anos por membros do Congresso Nacional que não se converteram em

181HACIYAKUPOGLU, Gulizar; YANG HUI, Jennifer; SUGUNA, V.S.; LEONG, Dymples; RAHMAN;
Muhammad Faizal Bin Abdul. Countering Fake News. A survey of recent global iniciatives.”.
Disponível em:
<https://www.rsis.edu.sg/wp-content/uploads/2018/03/PR180416_Countering-Fake-News.pdf>.
Acesso em 06 jan. 2021.
75

lei e/ou ainda estão tramitando em meio ao debate público, que busca formatar
soluções que combatam a disseminação de desinformação preservando a liberdade
de expressão, demonstram que a “dinamicidade da tecnologia da comunicação e do
mercado que, a partir dela, se estrutura, [demanda a observância de] uma regra de
ouro em termos de regulação: evitar grandes saltos e dar passos seguros”182.
Em tópico anterior, abordamos a proteção conferida pela Constituição Federal
de 1988 à liberdade de expressão e comunicação, bem como o direito de informação,
informação essa que, por óbvio, ressalvados os contextos com claros fins satíricos ou
humorísticos, deve ser verídica e não enganosa para cumprir seu papel dentro de um
regime democrático. Tais normas constitucionais coexistem e devem ter sua aplicação
ponderada de acordo com o caso concreto, conforme ensina Luís Roberto Barroso.

A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de


ponderação. A subsunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema,
por não ser possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas.
Tampouco podem ser úteis os critérios tradicionais de solução de conflitos
normativos - hierárquico, cronológico e da especialização - quando a colisão
se dá entre disposições da Constituição originária. Esses são os casos
difíceis, assim chamados por comportarem, em tese, mais de uma solução
possível e razoável. Nesse cenário, a ponderação de normas, bens ou
valores (v. infra) é a técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele
(i) fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de
cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii) procederá à escolha do
bem ou direito que irá prevalecer em concreto, por realizar mais
adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o
princípio instrumental da razoabilidade.183

Já mencionamos aqui que a Lei de Imprensa, Lei n° 5.250/1967, criminalizava,


em seu art. 16, o ato de “publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros
truncados ou deturpados”184 capazes de gerar prejuízos, perturbação ou
desconfiança, ainda que de forma culposa, a determinadas entidades, esferas da
sociedade e bens jurídicos.

Art. 16. Publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou


deturpados, que provoquem:

182 CAMPOS, Ricado; ABRUSUIO, Juliana; MARANHÃO, Juliano. Armadilhas e saídas para a
regulação de fake news. In: Clipping de Imprensa. Associação Brasileira da Propriedade Intelectual.
p. 4-8. 25/06/2020. Disponível em: <https://abpi.org.br/wp-content/uploads/2020/06/1593081979.pdf>.
Acesso em 15 fev. 2021.
183 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. Ed. Saraiva, 2ª ed., 2010. p. 354.


184 BRASIL. Lei n° 5.250 de 9 de fevereiro de 1967. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5250.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
76

I - perturbação da ordem pública ou alarma social;


II - desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição
financeira ou de qualquer emprêsa, pessoa física ou jurídica;
III - prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do
Município;
IV - sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos
imobiliários no mercado financeiro.

Pena: De 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção, quando se tratar do autor do


escrito ou transmissão incriminada, e multa de 5 (cinco) a 10 (dez) salários-
mínimos da região.

Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, se o crime é culposo:

Pena: Detenção, de 1 (um) a (três) meses, ou multa de 1 (um) a 10 (dez)


salários-mínimos da região.185

Em que pese possa ser considerada a primeira legislação do país diretamente


voltada a combater a disseminação de desinformação, referida lei foi considerada, em
2009, mediante o julgamento da ADPF 130-7/DF pelo STF, incompatível com a
Constituição de 1988, que, como visto anteriormente, está repleta de garantias à
liberdade de expressão.
É certo que a referida lei foi criada em meio a um sistema jurídico fortemente
influenciado pelo pensamento do regime militar vigente no país pós-64, cujas formas
de censura eram muitas vezes escancaradas e outras maquiadas a partir de
mecanismos legais bem articulados e fundamentados na necessidade de proteção do
Estado. Apesar de datada e, a nosso ver, corretamente não recepcionada pela ordem
constitucional vigente, o fato é que nenhuma lei posterior disciplinou de forma
expressa as consequências advindas da divulgação de notícias falsas ou, o que seria
melhor, desinformação por qualquer via e por qualquer pessoa (física ou jurídica).
Com o estabelecimento do Marco Civil da Internet em 2014, a legislação
nacional passou a prever que o uso da internet no Brasil está fundado, entre outros
princípios, no da “garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação
de pensamento”186, restringindo, nos termos do Art. 19187, a responsabilidade do

185 BRASIL. Lei n° 5.250 de 9 de fevereiro de 1967. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5250.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
186 BRASIL. Lei n° 12.965 de 23 de abril de 2014. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
187 Referido artigo é, atualmente, objeto de discussão no RE 1.037.396, tendo a repercussão geral da

discussão sobre a sua constitucionalidade, à luz dos Arts. 5°, incisos II, IV, IX, XIV, XXXVI, e 220, caput
e §§ 1° e 2° da CF/88, sido reconhecida no STF (TEMA 987). Em suma, o Facebook Brasil questiona
o entendimento da Segunda Turma Recursal Cível do Colégio Recursal de Piracibaca/SP, que
entendeu não ser condição para a exclusão de perfil falso o ajuizamento de ação própria, de forma que
isso ensejaria a responsabilidade objetiva da aplicação de internet pelo conteúdo nela veiculado.
77

provedor de aplicações de Internet pela remoção de conteúdo somente aos casos em


que, intimado, descumpra ordem judicial.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a


censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser
responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para,
no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado,
tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as
disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de


nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como
infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou


a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar
a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da
Constituição Federal.

§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de


conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou
a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses
conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser
apresentadas perante os juizados especiais.

§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total


ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo
prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na
disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos
de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação.188

Dessa forma, fica claro que a determinação judicial será direcionada ao


provedor de aplicações de internet, de forma que o “provedor de conexão à internet
não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros” 189, nos termos do Art. 18, do Marco Civil da Internet.
Já no âmbito da legislação eleitoral, desde sua edição original, em 1997, a Lei
n° 9.504 prevê, em seu Art. 58, que “é assegurado o direito de resposta a candidato,
partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou
afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica” 190.

188 BRASIL. Lei n° 12.965 de 23 de abril de 2014. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
189 BRASIL. Lei n° 12.965 de 23 de abril de 2014. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
190 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Portaria n° 949 de 7 de dezembro de 2017. Disponível em

<https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/prt/2017/portaria-no-949-de-7-de-dezembro-de-2017>.
Acesso em: 06 jan. 2021.
78

Ainda em 2013, por meio da chamada microrreforma do sistema, a legislação


eleitoral passou a criminalizar, no Art. 57-H, § 1°, a contratação de grupo de pessoas,
ainda que indiretamente, para emitir mensagens ou comentários visando ofender a
honra ou macular a imagem de candidato, partido ou coligação.

Art. 57-H. (...)


§ 1° Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com
a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para
ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação,
punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00
(quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). (Incluído pela Lei nº
12.891, de 2013)191

A partir de 2015, a Lei Eleitoral passou a permitir, conforme redação do Art. 57-
A, a propaganda eleitoral na internet. Tal permissão foi restringida, em função de uma
nova microrreforma eleitoral em 2017, por meio da qual o Art. 57-B da Lei Eleitoral foi
modificado para vedar, em seu § 3°, a utilização de impulsionamento de conteúdos e
ferramentas digitais para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral,
ficando o provedor de aplicação responsável por danos decorrentes de eventual
conteúdo impulsionado apenas se não adotar as providências necessárias para deixar
de disponibilizar o conteúdo após ordem judicial.

Art. 57-B. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas


seguintes formas:
(...)
§ 3° É vedada a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas
digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que
gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto
próprios quanto de terceiros. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)
§ 4° O provedor de aplicação de internet que possibilite o impulsionamento
pago de conteúdos deverá contar com canal de comunicação com seus
usuários e somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes do
conteúdo impulsionado se, após ordem judicial específica, não tomar as
providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro
do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como
infringente pela Justiça Eleitoral. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017) 192

Também em 2017, por meio da Portaria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) n°


949, foi criado o Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, que, dentre outras
atribuições, se dedica à “desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais

191 BRASIL. Lei n° 9.504 de 30 de setembro de 1997. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504compilado.htm>. Acesso em: 06 jan. 2021.
192 BRASIL. Lei n° 9.504 de 30 de setembro de 1997. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504compilado.htm>. Acesso em: 06 jan. 2021.
79

e a influência da Internet nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de
robôs na disseminação das informações”193.
Tal portaria conversa com a preocupação externada pelo TSE no Art. 22 da
Resolução n° 23.551/2017, segundo o qual “a livre manifestação do pensamento do
eleitor identificado ou identificável na Internet somente é passível de limitação quando
ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente
inverídicos”194. Referida Resolução, revogada pela Resolução n° 23.610/2019195, teve
essa previsão mantida, sendo acrescida apenas a previsão de que a ofensa poderia
se dar a candidatos, partidos ou coligações tanto relativamente à sua honra quanto à
sua imagem.
Em ambos os casos, ficou disciplinada a aplicação da previsão inclusive às
manifestações anteriores ao período regulamentar de propaganda eleitoral, o que
exige análise acurada para evitar que a aplicação da legislação possa configurar
censura prévia, como ressaltado no julgado abaixo.

ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO. CENSURA PRÉVIA. NOTÍCIA


FALSA. INTERNET. BLOG. MANIFESTAÇÃO ESPONTÂNEA DE PESSOA
NATURAL. IMPROCEDÊNCIA. 1 - Não deve o Poder Judiciário, em caráter
antecipatório, conferir sanção à veiculação futura e incerta do conteúdo ora
analisado. Ademais, trata-se de pedido demasiado genérico, que poderia
gerar uma ordem judicial amplamente proibitiva. 2 – Nesse sentido, não há
outra resposta senão negar o pedido da candidata representante, pois a
Justiça Eleitoral incorreria em censura prévia, de forma que, somente após a
apreciação da ilegalidade da propaganda eleitoral, seria possível imputar ao
responsável as sanções cabíveis, podendo ser proibida a nova veiculação da
mesma peça de propaganda. 3 – Representação julgada improcedente.
(TRE-PE – RP: 060280394 Araripina-PE, Relator: Stênio José de Sousa
Neiva Coêlho, Data de Julgamento: 03/10/2018, Data de Publicação: PSESS
– Publicado em Sessão, Data 03/10/2018)196

Tal entendimento também observa o disposto no Art. 33 da Resolução n°


23.551/2017 do TSE, que, após sua revogação, teve o comando repetido no artigo 38

193 BRASIL. Lei n° 9.504 de 30 de setembro de 1997. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9504compilado.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
194 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resolução n° 23.551 de 18 de dezembro de 2017.

Disponível em <https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2017/resolucao-no-23-551-de-18-de-
dezembro-de-2017>. Acesso em: 06 jan. 2021.
195 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resolução n° 23.610 de 18 de dezembro de 2019.

Disponível em <https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2019/resolucao-no-23-610-de-18-de-
dezembro-de-2019>. Acesso em: 06 jan. 2021.
196 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE PERNAMBUCO. Representação 0602803-
94.2018.6.17.0000. Relator: Stênio José de Sousa Neiva Coêlho. 03 de outubro de 2018. Disponível
em <https://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/TRE-PE/attachments/TRE-
PE_RP_060280394_03ec9.pdf?AWSAccessKeyId=AKIARMMD5JEAO67SMCVA&Expires=16228238
78&Signature=0dtbQRXLQ%2BX5roujzkeRf0A6zGc%3D>. Acesso em: 07 jan. 2021.
80

da Resolução n° 23.610/2019 do TSE para registrar que “a atuação da Justiça Eleitoral


em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor
interferência possível no debate democrático (Lei n° 9.504/1997, art. 57-J)”197.
Como pode ser visto, a Justiça Eleitoral, ciente dos efeitos negativos que a
desinformação pode causar ao regime democrático, tem realizado grandes esforços
para combatê-los, traçando, a cada pleito, um plano estratégico para, juntamente com
instituições parceiras, como Facebook e Twitter198, fomentar a circulação de
informações oficiais, verídicas e checadas sobre o processo eleitoral.199
Do ponto de vista da ultima ratio, muito embora o Código Penal200 não tipifique
expressamente como crime a disseminação de desinformação, a divulgação de
notícia/informação sabidamente inverídica com o objetivo de ofender a honra de
alguém se enquadra no disposto no art. 138 e ss., bem como no art. 339, do referido
diploma.

Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como
crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala
ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
(..)
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
(...)
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
(...)
Denunciação caluniosa
Art. 339. Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento
investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo
disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra

197 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Resolução n° 23.610 de 18 de dezembro de 2019.


Disponível em <https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2019/resolucao-no-23-610-de-18-de-
dezembro-de-2019>. Acesso em: 06 jan. 2021.
198 Além do Facebook e do Twitter, fazem parte do grupo WhatsApp, Google e TikTok, conforme

Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020 – Anexo I. Disponível
em:
<https://www.justicaeleitoral.jus.br/desinformacao/arquivos/Programa_de_enfrentamento_web.pdf>.
Acesso em: 07 jan. 2021.
199 JUSTIÇA ELEITORAL. Desinformação. Disponível em
<https://www.justicaeleitoral.jus.br/desinformacao/#>. Acesso em: 07 jan. 2021.
200 Existem projetos de lei tramitando com o objetivo de criar ou alterar tipos penais para incluir a criação

ou divulgação de notícia falsa no rol de ilícitos penais, tais quais os PLs 473/2017, 471/2018, 3682/2020
1015/2021, todos os Senado, e os PLs 3857/2019, 718/2020 e 4096/2020, da Câmara dos Deputados.
81

alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que


o sabe inocente:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.201

Em função disso, observamos que a atual legislação penal não contempla


hipótese em que a disseminação de desinformação possa ter como sujeito passivo a
sociedade em geral, exigindo, portanto, que a vítima seja uma pessoa física. Isso
reduz também a possibilidade de atuação de órgãos de controle e defesa de direitos
coletivos e difusos, dificultando a possibilidade de discutir danos à sociedade e à
coletividade decorrentes da divulgação de conteúdos que que propaguem
desinformação.
Muito embora a criminalização da prática possa, a princípio, parecer uma forma
mais eficaz, célere e abrangente de combate à disseminação de desinformação, na
medida em que se volta para os potenciais responsáveis pela prática do ato e deixa
de depender da ação de operadores de aplicações de internet para a
detecção/eliminação de conteúdos claramente falsos, remanesce o desafio de
conseguir chegar a um tipo penal que não ameace a garantia constitucional e a atual
regulação da liberdade de expressão ou fomente a prática de (auto)censura.202
No campo do direito privado, por sua vez, não há legislação especificamente
destinada à regulação do fenômeno da desinformação, mas o Código Civil traz
previsões que podem ser utilizadas para fundamentar eventual pretensão reparatória
em caso de lesão à direito decorrente da disseminação de desinformação.
Os artigos 20, caput, e 21, bem como os artigos 186 e 187 combinados com o
927 do Código Civil refletem as regras gerais de responsabilidade extracontratual que
se aplicam na esfera privada, sempre tendo em conta a ação (ou omissão) humana,
o dano e o nexo causal como seus pressupostos gerais.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça


ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão
da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
(...)

201 BRASIL. Código Penal. Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 06 jan. 2021.
202 MENESES, João Paulo. Como as leis estão a definir (e a criminalizar) as fake news.

Comunicação Pública [Online], Vol. 14, n° 27, 2019. Disponível em


<http://journals.openedition.org/cp/5423; DOI: https://doi.org/10.4000/cp.5423>. Acesso em: 15 fev.
2021.
82

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento


do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer
cessar ato contrário a esta norma.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social,
pela boa-fé ou pelos bons costumes.
(...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem,
fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.203

A proteção ao direito do consumidor, como anteriormente suscitado, também


exige que as informações apresentadas pelo fornecedor, independentemente do
meio, devem ser precisas, corretas, claras e verdadeiras. Tal exigência pode ser
caracterizada como uma decorrência da boa-fé objetiva nas relações de consumo que
deve garantir o seu equilíbrio, assegurando a equidade informacional e garantindo que
o consumidor possa ver correspondida a legítima expectativa gerada quando adquire
um serviço ou um produto.204
O Código de Defesa do Consumidor, portanto, elenca, no inciso III do Art. 6°,
que é direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem”205. Também a Seção II do Capítulo V do referido Código, ao tratar da
forma e dos requisitos da oferta de produtos e serviços, exige da mesma veracidade
e honestidade, evitando prejuízo ao mercado de consumo por meio da adoção de
práticas para enganar consumidor, conforme destaca o caput do Art. 31.

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar


informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa
sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço,

203 BRASIL. Código Civil. Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 06 jan. 2021.
204 AFONSO, Luiz Fernando. Fake News e Direito do Consumidor: uma violação ao direito

fundamental à informação. PP. 176-182. In: RAIS, Diogo (coord). Fake News: a conexão entre a
desinformação e o Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 178-179.
205 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990. Disponível

em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 06 jan. 2021.


83

garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre
os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. 206

Sob o viés das relações de consumo, portanto, a utilização de técnicas de


desinformação para a divulgação e venda de produtos e serviços desrespeita as
previsões da legislação em vigor, contaminando a manifestação de vontade para o
consumo, o que suscita responsabilidade tanto por danos particulares como
coletivos.207
Sem prejuízo da possibilidade de se valer da legislação aqui exposta para
pleitear a reparação de lesões decorrentes de práticas de desinformação, a falta de
legislações específicas ainda representa clara dificuldade para que ao jurisdicionado
seja conferido o grau de segurança e o tratamento necessários. Dessa forma, vemos
que, legislar sobre o tema, independentemente da esfera, não é uma tarefa fácil. A
atual legislação esparsa apresenta alguns mecanismos de reparação e a legislação
específica algumas formas de controle, à exemplo da legislação eleitoral e do Marco
Civil da Internet.
Aqui não é demais ressaltar que os diferentes diplomas e previsões permitem
que a disseminação de desinformação possa, a depender do contexto, infringir
simultaneamente normas de diversas esferas do direito.

3.2 CONTROLE JUDICIAL

O legislador brasileiro optou, até o presente momento, pelo modelo de reserva


de jurisdição no que diz respeito a danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros em aplicações de internet, como as redes sociais digitais.
Ao prever, no Art. 19 do Marco Civil da Internet, a necessidade de decisão
judicial para que o provedor de aplicações de internet possa ser “responsabilizado
civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros”208, o legislador
indicou que a responsabilidade dos provedores é subjetiva, não havendo, portanto, do

206 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990. Disponível
em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 06 jan. 2021.
207 AFONSO, Luiz Fernando. Fake News e Direito do Consumidor: uma violação ao direito

fundamental à informação. PP. 176-182. In: RAIS, Diogo (coord). Fake News: a conexão entre a
desinformação e o Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
208 BRASIL. Lei n° 12.965 de 23 de abril de 2014. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
84

ponto de vista da principal legislação sobre o uso da internet no país, responsabilidade


objetiva relacionada à geração de conteúdos que disseminem desinformação.
Tal modelo foi assim justificado na exposição de motivos do Projeto de Lei
2.126/2011, que se converteria no Marco Civil da Internet, como uma forma de
“proteger os diversos intermediários responsáveis apenas pela transmissão e
roteamento de conteúdos”209, de forma que a “responsabilidade por eventuais
infrações por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros [caiba] àqueles que
as cometeram, e não àqueles que mantêm a infraestrutura necessária para o trânsito
de informações na Internet”.
A exigência de que haja uma decisão judicial que determine a exclusão de
conteúdos danosos gerados em redes sociais digitais confere ao Judiciário brasileiro
um amplo espectro para o exercício do livre convencimento motivado à luz do caso
concreto, inclusive no que tange à ponderação de princípios constitucionais como os
aqui anteriormente abordados, a exemplo da liberdade de expressão e do direito à
informação.
Sobre o tema, assim se posiciona Ricardo Villas Bôas Cueva:

(...) a Lei 12.965/2014 disciplina o uso da internet no Brasil de modo genérico


e não contempla especificamente as redes sociais. A remoção de conteúdos
ilícitos é tratada de modo abrangente, sem uma definição expressa do que
seja conteúdo infringente e sem a imposição de prazos para sua remoção. O
legislador parece ter se fiado em amplíssima discricionariedade judicial para
assegurar a observância dos princípios e garantias associados ao uso da
internet, entre eles, a garantia das liberdades de expressão, comunicação e
manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal.210

A exceção à reserva de jurisdição está no que prevê o Art. 21 do Marco Civil


da Internet, que confere ao provedor de aplicações responsabilidade subsidiária pela
violação da intimidade que decorra da divulgação de material que contenha cenas de
nudez ou atos sexuais se, uma vez notificado corretamente, não agir de forma
diligente para tornar o conteúdo indisponível. O objetivo, com essa previsão, foi

209 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Sessão 013.4.54.O. 12 de fevereiro de 2014. Disponível em:
<https://www.camara.leg.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=013.4.54.O%20%
20%20%20%20&nuQuarto=74&nuOrador=1&nuInsercao=15&dtHorarioQuarto=19:26&sgFaseSessao
=OD%20%20%20%20%20%20%20%20&data=12/02/2014&txApelido=ALESSANDRO+MOLON+PT-
RJ&txFaseSessao=Ordem+do+Dia++++++++++++++++++&txTipoSessao=Deliberativa+Ordin%E1ria
+-+CD+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++&txEtapa=>. Acesso em
28 fev. 2021.
210 CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Alternativas para a remoção de fake news das redes socais. PP.

271-279. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020.
85

conferir celeridade ao procedimento de indisponibilização do conteúdo em função da


sua natureza sensível, preocupação211 que visa garantir a proteção da intimidade e
da dignidade da pessoa humana.

Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo


gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da
intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes,
de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou
de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação
pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma
diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização
desse conteúdo.
Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de
nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material
apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da
legitimidade para apresentação do pedido.212

À exceção, portanto, de situações que se enquadram na redação do Art. 21 do


Marco Civil da Internet, o modelo de controle em vigor leva aos tribunais a análise de
problemas decorrentes da criação e disseminação de desinformação relacionados,
por exemplo, à imagem, honra, privacidade e liberdade de expressão, restando clara
a intenção do legislador de não permitir que os intermediários da rede (provedores)
se vejam pressionados a retirar, por sua conta, conteúdos de suas plataformas.
Ou seja, toda e qualquer violação a esses bens jurídicos exigirão da vítima a
busca ativa do Judiciário para ver resguardado ou reparado o seu direito, o que
representa verdadeiro entrave ao combate às práticas de criação e disseminação de
desinformação, na medida em que não só exige uma postura proativa da vítima de
buscar o socorro dos tribunais como também sobrecarrega o sistema.
No âmbito da Justiça Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais e o Tribunal
Superior Eleitoral vêm exercendo importante papel fiscalizador, jurisprudencial e, no
caso do último, inclusive regulamentador, ao editar Resoluções que estabelecem,
entre outras, diretrizes acerca da divulgação de fatos sabidamente inverídicos, a
exemplo das previsões feitas pela Resolução 23.610/2019.
Importante ressaltar que ao longo de quase três décadas as campanhas
eleitorais no Brasil se fundaram na veiculação gratuita de propaganda nos sistemas

211 A inclusão dessa previsão se deu, conforme exposição de motivos, em razão de solicitações
específicas de componentes da bancada feminina da Câmara dos Deputados, que alertaram sobre
práticas como a vigança pornográfica, cujo intuito é constranger e humilhar pessoas que eventualmente
tenham se deixado, de forma privada, retratar ou filmar.
212 BRASIL. Lei n° 12.965 de 23 de abril de 2014. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 05 jan. 2021.
86

de rádio e televisão, seguindo um roteiro bem definido pelo marketing político para
uso em um espaço demarcado, um tempo limitado e sem interação com o público-
alvo.213
Somente a partir de 2015, com a reforma eleitoral promovida pela Lei n° 13.165,
é que a propaganda política na internet passou a ter previsão na legislação que
estabelece normas para as eleições, trazendo um novo território em termos de volume
e complexidade à relação entre candidatos e eleitores e, consequentemente na
relação entre esses atores e a seus pleitos perante a Justiça Eleitoral.
No que tange à apuração criminal, muito embora, como já tenhamos explicado,
algumas condutas relacionadas à disseminação de desinformação possam ser
subsumidas em tipos penais já existentes no Código Penal em vigor, observado o rito
processual penal, em 14 de março de 2019, o presidente do Supremo Tribunal
Federal, instaurou o Inquérito n° 4.781, que ficou conhecido como “Inquérito das Fake
News”, para investigar, de forma sigilosa, supostas práticas de denunciações
caluniosas e ameaças contra a Corte, seus membros e familiares.
Pouco mais de um ano depois, em 26 de maio de 2020, o Ministro Alexandre
de Moraes, em meio à decisão proferida no âmbito do inquérito indicou que “as provas
colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real
possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos
depoimentos dos parlamentares como ‘Gabinete do ódio”, dedicada à disseminação
de notícias falsas”214 por meio de publicações em redes sociais que atingem milhões
de pessoas diariamente, cujo financiamento se dá por empresários com o objetivo de
“desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes”.
Ressalvadas as críticas215 de diversas naturezas e escalas à atuação proativa
(sem provocação externa) do STF ao determinar de ofício a abertura do inquérito,

213 CRUZ, Francisco Brito (coord.); MASSARO, Heloisa; OLIVA, Thiago; BORGES, Ester. Internet e
eleições no Brasil: diagnósticos e recomendações. InternetLab, São Paulo, 2019. Disponível em:
<https://www.internetlab.org.br/wp-content/uploads/2019/09/policy-infopol-26919_4.pdf>. Acesso em:
18 fev. 2021.
214 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inquérito 4.781 Distrito Federal. Decisão de 26 de maio de

2020. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/mandado27maio.pdf>.


Acesso em: 20 fev. 2021.
215 Sobre isso, vide a análise segundo o qual é apontada a ocorrência de diversas violações à ordem

jurídica em decorrência do modus operandi do STF no Inquérito 4.781, cada uma delas capaz,
individualmente, de levar à nulificação de todo o processo e das provas nele produzidas. In: ARAUJO,
Fernando Henrique de Moraes; MACIEL NETO, Aluísio Antônio. Supremo Tribunal Federal ou de
Exceção? O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 de abril de 2019. Disponível em:
<https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/supremo-tribunal-federal-ou-de-excecao/>.
Acesso em: 20 fev. 2021.
87

mantido sob sigilo216, e proativamente conduzir a produção de provas variadas ao


longo do processo, o fato é que referida medida demonstra também uma clara
preocupação, ainda que autocentrada, do Poder Judiciário brasileiro com a criação e
a disseminação de desinformação no país, inclusive supostamente financiada por
grupos empresariais.217
É importante salientar que a legislação em vigor e a própria prática
constitucional brasileira exige que o Judiciário seja provocado dentro de
procedimentos que respeitem o devido processo legal para poder decidir sobre a
investigação de pessoas e também sobre a retirada ou indisponibilização de
conteúdos em páginas e plataformas on-line, inclusive redes sociais digitais.
A adoção de medidas excepcionais pela maior Corte do país, ainda que
justificada pelo pretenso combate a práticas de desinformação, como a disseminação
de notícias fraudulentas contra um dos Poderes da República e seus maiores
representantes, não pode ser bem recebida pela ordem democrática em vigor e
demonstra, conforme veremos a seguir, os percalços decorrentes do modelo de
reserva de jurisdição definido pelo legislador brasileiro para o tema.

3.3 LIMITAÇÕES DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO NO CONTROLE JUDICIAL DA


DESINFORMAÇÃO

O modelo de reserva à jurisdição atualmente em vigor no país, segundo o qual,


à exceção do que prescreve o Art. 21 do Marco Civil da Internet, os provedores de
aplicações de internet não podem ser responsabilizados pela disseminação de
conteúdos falsos, caluniosos, difamatórios ou que se enquadrem dentro dos tipos de
desinformação aqui estudados, exige do cidadão que acione o Judiciário para ver seus
direitos resguardados ou reparados.
Inobstante o engajamento de outros atores no combate à desinformação no
país, o fato é que, no atual panorama normativo brasileiro, cabe exclusivamente ao

216 LORENZETTO, Bruno Meneses; PEREIRA, Ricardo dos Reis. O Supremo Soberano no Estado
de Exceção: a (des)aplicação do direito pelo STF no âmbito do Inquérito das “Fake News” (Inquérito
n. 4.781). Disponível em: <https://www.scielo.br/j/seq/a/3rd8dS8fb5j5pVH4rBbsfbB/?lang=pt>. Acesso
em: 25 fev. 2021.
217 LORENZETTO, Bruno Meneses; PEREIRA, Ricardo dos Reis. O Supremo Soberano no Estado

de Exceção: a (des)aplicação do direito pelo STF no âmbito do Inquérito das “Fake News” (Inquérito
n. 4.781). Disponível em: <https://www.scielo.br/j/seq/a/3rd8dS8fb5j5pVH4rBbsfbB/?lang=pt>. Acesso
em: 25 fev. 2021.
88

Judiciário a tutela inibitória da desinformação. Ocorre que, a nosso ver, o controle da


desinformação se insere num tema mais amplo e desafiador, incapaz de ser efetivo,
célere e significativo se as medidas coercitivas de atuação estiverem apenas sob a
responsabilidade dos nossos tribunais.
Isso fica bastante evidente, por exemplo, se verificarmos a rápida ascensão no
número de novos processos submetidos à Justiça Eleitoral quando confrontamos
pleitos que elegem candidatos para os mesmos cargos eletivos, como os de 2012 e
2016, quando ocorreram eleições municipais, e os de 2014 e 2018, quando as
eleições se voltaram para o preenchimento de cargos no executivo e no legislativo
nos níveis federal e estadual.
O acompanhamento do relatório Justiça em Números, divulgado anualmente
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é a principal fonte de estatísticas oficiais do
Poder Judiciário, retratando a realidade dos tribunais brasileiros em suas diversas
esferas. Dele podemos extrair importantes e interessantes informações sobre o
cenário do Judiciário do país ao longo dos anos.218
Nos próximos parágrafos apresentaremos números decorrentes desse
relatório, comparando anos em que os pleitos eleitorais versavam sobre os mesmos
cargos eletivos, com especial ênfase para a transição ocorrida após as reformas
eleitorais que passaram a prever a possibilidade de campanhas políticas nas redes
sociais.
No pleito de 2012, a quantidade de novos processos na Justiça Eleitoral foi de
734.912219 enquanto em 2016, quando os mesmos cargos eram disputados, o número
de processos saltou para 972.032220, um aumento de 32,26%.
Utilizando-se do mesmo raciocínio entre os pleitos federais e estaduais de 2014
e 2018, observamos que a quantidade de novos processos em 2014 foi de 109.059221,

218 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números. Disponível em:


<https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/>. Acesso em 10 mar. 2021.
219 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2013: ano-base 2012. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/relatorio_jn2013.pdf>.


Acesso em 10 mar. 2021. p. 253.
220 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/2019/08/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf>. Acesso em 10 mar. 2021. p.
38.
221 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/2011/02/ddc698fd91379c539513cf5e2416f131.zip>. Acesso em 10 mar. 2021. p. 128
e 140 do arquivo Justiça Eleitoral.
89

enquanto em 2018, o número de processos saltou para 208.968222, um aumento de


91,61%.
Observamos que, em ambos os casos, o grande incremento de processos se
deu após a entrada em vigor da Lei n° 13.165, que passou a permitir a propaganda
eleitoral na internet e, por consequência, nas redes sociais digitais.
A título de comparação, na Justiça do trabalho a quantidade total de novos
casos em 2012 foi de 3.859.621223, enquanto, em 2016, o número total de casos novos
foi de 4.262.444224, representando um aumento da ordem de 10,43% no transcorrer
de quatro anos. Se feita a mesma comparação entre os anos de 2014, com
3.191.601225 de casos novos, e 2018, cujo total de novos casos foi de 3.460.875226,
observamos que o aumento foi de apenas 8,43% no período.
Já na esfera da Justiça Estadual, a quantidade de novos processos em 2012
foi de 20.040.039227, enquanto em 2016 foi de 19.787.004228, o que representa uma
variação negativa de 1,26%. Já 2014 vs. 2018, revela incremento de apenas 5,88%
de novos casos entre os referidos anos: 18.490.828229 vs 19.579.314230.

222 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2019: ano-base 2018. Brasília: CNJ,
2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acesso em 10 mar.
2021. p. 36.
223 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2013: ano-base 2012. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/relatorio_jn2013.pdf>.


Acesso em 10 mar. 2021. p. 151.
224 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/2019/08/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf>. Acesso em 10 mar. 2021. p.
38.
225 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/2011/02/ddc698fd91379c539513cf5e2416f131.zip>. Acesso em 10 mar. 2021. p. 252
do arquivo Justiça do Trabalho.
226 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2019: ano-base 2018. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acesso em 10 mar.
2021. p. 36.
227 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2013: ano-base 2012. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/relatorio_jn2013.pdf>.


Acesso em 10 mar. 2021. p. 79.
228 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/2019/08/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf>. Acesso em 10 mar. 2021. p.
38.
229 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/2011/02/ddc698fd91379c539513cf5e2416f131.zip>. Acesso em 10 mar. 2021. p. 424
do arquivo Justiça Estadual.
230 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2019: ano-base 2018. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


90

Por fim, se considerarmos a Justiça Federal, comparando 2012, com o total de


novos casos de 3.114.670231, contra o ano de 2016, com uma quantidade de novos
casos de 3.801.911232, observamos que o aumento foi da ordem de 22,06%. Já de
2014, com 3.875.113233 novos casos, para 2018, com 4.203.804234 novos casos,
observamos um incremento da ordem de 8,48%.
Considerando, por conseguinte, a evolução de novos casos na Justiça Eleitoral
entre os anos de 2012 e 2016, quando os pleitos municipais foram realizados,
veremos que houve um aumento de novos casos da ordem de 32,26% contra uma
média, nas demais esferas do Judiciário, de 10,41%. Essa comparação mostra ainda
maior discrepância quando observamos a mudança no número de casos na Justiça
Eleitoral entre os anos de 2014 e 2018, ocasião em que os pleitos federais e estaduais
tiveram curso, com aumento de casos na ordem de 91,61% enquanto a média das
demais Justiças foi de 7,59%.
A Justiça Eleitoral, em especial, parece ter sido bastante afetada, com um
grande aumento na quantidade de novos processos judiciais entre pleitos que visavam
preencher os mesmos tipos de cargo, após a autorização de propaganda eleitoral por
meio da internet, o que abrange, por óbvio, as redes sociais digitais. Os números
demonstram um aumento expressivo de casos no segmento especializado entre os
anos de 2012 e 2016 e 2014 e 2018.
Mesmo após as previsões inseridas na legislação eleitoral pela microrreforma
de 2017, que disciplinou, por exemplo, a propaganda eleitoral por meio de blogs, redes
sociais e sítios de mensagens instantâneas, entre outras aplicações de internet

content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acesso em 10 mar.


2021. p. 36.
231 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2013: ano-base 2012. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/relatorio_jn2013.pdf>.


Acesso em 10 mar. 2021. p. 184.
232 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/2019/08/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf>. Acesso em 10 mar. 2021. p.
38.
233 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/2011/02/ddc698fd91379c539513cf5e2416f131.zip>. Acesso em 10 mar. 2021. p. 275
do arquivo Justiça Federal.
234 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2019: ano-base 2018. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-


content/uploads/conteudo/arquivo/2019/08/justica_em_numeros20190919.pdf>. Acesso em 10 mar.
2021. p. 36.
91

assemelhadas, o aumento expressivo do número de novos processos judiciais traz


preocupação.
Embora o relatório Justiça em Números 2021 (ano-base 2020) ainda não tenha
sido publicado235, será importante observar de que forma a evolução na quantidade
de novos casos vem impactando a Justiça Eleitoral, cujo bem jurídico tutelado é um
dos mais visados e afetados pela disseminação de informação, que, ao atentar contra
a prática democrática, a liberdade de expressão e de informação dos eleitores, afeta
toda a sociedade brasileira.
Importante registrar aqui, inclusive, que o TSE deixou, por questões
processuais, de analisar a consulta n° 0601018-71.2018.6.00.0000 formulada pelo
Partido Novo (NOVO), apesar da relevância e contemporaneidade da matéria.236

a) quais as medidas não contenciosas que vêm sendo tomadas por esta c.
Corte Superior para impedir a desinformação do eleitor por meio da
disseminação pulverizada de informações falsas, injuriosas, caluniosas e
difamatórias sobre candidatos em plataformas digitais? b) a pretensão de
garantir a liberdade do voto, considerando a relevância desse ato decisório
que é concentrado no tempo, que é datado e cujos efeitos se estendem por
anos, exige que a Justiça Eleitoral determine que as plataformas digitais
retirem, independentemente da indicação individual e específica da URL de
cada postagem, todo o conteúdo idêntico que dissemine informação falsa,
injuriosa, caluniosa ou difamatória a respeito de candidatos? c) A disrupção
tecnológica e a interferência na manifestação de vontade do eleitor exige a
releitura dos art. 35, incisos IV, V e XVII, no art. 129 e no art. 242, parágrafo
único, todos do Código Eleitoral no sentido de que os juízes eleitorais
possuem competência para exercer poder de polícia administrativa
determinando a retirada de conteúdo falso, injurioso, calunioso ou difamatório
de plataformas digitais e aplicativos de mensagens? 237

Em 2019, conforme Relatório Justiça em Números 2020, o Judiciário brasileiro


contava com 77.096.939238 processos ativos tramitando e aguardando uma solução
definitiva. Muito embora esse número represente uma redução na quantidade total de

235 Comumente o relatório é divulgado no mês de agosto de cada ano.


236 GRAÇA, Guilherme Mello. Fake News e Processo Eleitoral: A cruzada quixotesca do Tribunal
Superior Eleitoral de combate às notícias falsas. Disponível em: <http://ole.uff.br/wp-
content/uploads/sites/34/2019/10/FAKE-NEWS-E-PROCESSO-ELEITORAL-A-cruzada-quixotesca-
do-Tribunal-Superior-Eleitoral-de-combate-%C3%A0s-not%C3%ADcias-falsas.pdf>. Acesso em: 18
fev. 2021.
237 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Consulta nº 0601018-71.2018.6.00.0000. Relator: Ministro

Tarcisio Vieira de Carvalho Neto. Sessão de 25.09.2018. Disponível nos autos eletrônicos (ID nº
311698 – p. 6). Também disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/211860563/tse-05-10-
2018-pg-52?ref=topic_feed>. Acesso em: 12 mar. 2021.
238 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2020: ano-base 2019. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-


em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf>. Acesso em 12 mar. 2021. p. 49.
92

processos da ordem de 3% em relação ao número final do ano de 2017239, é preciso


ressaltar que 2019 não foi ano eleitoral e que a quantidade de processos novos na
Justiça Eleitoral foi de apenas 93.429240.
Fica evidente que o volume de processos judiciais em curso no país é
extremamente elevado, numa proporção de uma ação para cada três habitantes. A
manutenção do modelo de reserva de jurisdição, que retira dos provedores de
aplicações a responsabilidade pela atuação ativa no combate à desinformação,
exigindo a adoção de medidas judiciais individuais para prevenir ou reparar direitos,
não apenas coloca sob o Judiciário a responsabilidade de resolver todos os conflitos
sob o tema, como retira dos provedores a responsabilidade de adotar medidas mais
proativas.
Observa-se, pois, que em decorrência do atual papel atribuído exclusivamente
ao Judiciário para a inibição de conteúdos que causem danos a um indivíduo ou à
coletividade, nos termos do Marco Civil da Internet, e diante do grande volume e da
hipervelocidade com a qual conteúdos impróprios, em especial a desinformação, se
propagam, o Poder Judiciário não é capaz (e nem deveria ser) de controlar
repressivamente a disseminação de desinformação de forma satisfatória nas redes
sociais. Mostra-se necessário buscar novo(s) modelo(s) de combate à desinformação
em nossa sociedade, sobre o que trataremos no próximo capítulo.

239 O relatório Justiça em Números 2020 (ano-base 2019) indica que a redução total de um milhão de
processos que ocorreu na Justiça do Trabalho nos anos 2018 e 2019 pode estar relacionada à reforma
trabalhista que entrou em vigor em novembro.de 2017.
240 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2020: ano-base 2019. Brasília: CNJ,

2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-


em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf>. Acesso em 12 mar. 2021. p. 48.
93

4 DESINFORMAÇÃO E FORMAS DE REGULAÇÃO

Há bilhões de usuários de internet no mundo. Eles se utilizam dos inúmeros


recursos oferecidos pela rede mundial de computadores para se comunicar, criar
conteúdos e trocar informações. Isso se dá de forma extremamente veloz,
perpassando pelos mais variados aspectos de nossa sociedade, como o educacional,
o político, o financeiro, entre tantos outros.241
A delimitação de um espectro regulatório de qualquer atividade exige que
conheçamos o objeto dessa regulação. Enquanto a regulação das relações sociais e
econômicas de setores tradicionais da sociedade, como transportes, saúde e energia
são vastamente explorados pela ciência jurídica, há novos desafios decorrentes das
mudanças advindas na dinâmica das relações nas sociedades contemporâneas,
exigindo tratamentos jurídicos diferenciados e inovadores, típicos de conjunturas de
transição paradigmática.242
Estamos, nesse momento, passando pelo que podemos identificar como uma
conjuntura de transição paradigmática, segundo a qual a sociedade das
corporações/organizações se converte, em ritmo cada vez mais acelerado, em
sociedade das plataformas. Não é demais dizer que o contexto de desenfreada
disseminação da desinformação em nossa sociedade, notadamente por meio das
redes sociais digitais, é um claro exemplo da necessidade de definir novos
mecanismos de regulação e controle para um novo problema. Afinal, como ressaltam
Georges Abboud e Ricardo Campos, não é “nenhum exagero afirmar que as fake
news constituem uma espécie de quebra de accountability243 na formação e circulação
das informações” 244.

241 BÂRGĂOANU, Alina; RADU, Loredana. Fake News or Disinformation 2.0? Some Insights into
Romanians’ Digital Behaviour. Romanian Journal of European Affairs, v. 18, n. 1, p. 24-38, 2018.
Disponível em: <http://rjea.ier.gov.ro/wp-
content/uploads/articole/RJEA_vol.18_no.1_June2018_art.2.pdf>. Acesso em 02 abr. 2021.
242 GUIMARÃES, Patrícia Borba Vilar; SILVA, Lucas do Monte. Autorregulação jurídica no

urbanismo contemporâneo: smart cities e mobilidade urbana. Revista de Direito da Cidade, vol. 08,
n. 4. pp. 1231-1253 Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/23468/19142 >. Acesso em 05 mar. 2021.
243 No sentido de garantia da correção da criação e disseminação de informações.
244 ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A auto-regulação regulada como modelo do Direito

proceduralizado – Regulação de redes sociais e proceduralização. PP. 121-141. In: ABBOUD,


Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. p. 136.
94

Até agora, nesse contexto de transição, os provedores/operadores de redes


sociais digitais, também chamados intermediários das redes, vivenciaram o melhor
dos mundos. Embora figurassem como as aplicações mais populares da internet, a
legislação não os responsabilizava de qualquer forma pelas atividades ilegais
amplamente praticadas por seus usuários por meio de seus serviços. Anos depois do
surgimento das primeiras redes sociais digitais e com o aumento desenfreado de sua
influência nos mais diversos aspectos da sociedade, os países se mobilizam para
legislar sobre esses atores e sua responsabilidade perante os usuários.245
Centrado nesse desafio, o presente trabalho, ao analisar as formas de
regulação às quais as redes sociais digitais estão ou podem ser submetidas, busca
também identificar a melhor forma de regular essa atividade para o específico fim de
combater a disseminação desenfreada e prejudicial de desinformação.
Quando se trata de redes sociais digitais, colocamo-nos diante de um objeto
complexo formado pelas diversas relações estabelecidas entre aqueles que nelas
interagem (usuário-operador246 e usuário-usuário247 ou usuário-terceiro248), conforme
vimos no capítulo 2 do presente trabalho.249
Segundo Virginia Haufler, a atividade regulatória se divide em quatro
categorias: (i) regulação tradicional; (ii) corregulação250; (iii) regulação por múltiplas
partes interessadas; e (iv) autorregulação.251
Enquanto a regulação tradicional atribui ao Estado o dever de formular,
implementar e fiscalizar a norma (regras da atividade econômica), a corregulação, por
sua vez, combina a definição de diretrizes estatais macro baseadas em limites
constitucionais positivos e negativos com a expertise da iniciativa privada, entregando

245 WISCHMEYER, Thomas. What is illegal offline is also illegal online – The German Network
Enforcement Act 2017. In: PETKOVA, Bilyana & OJANEN, Tuomas, Fundamental Rights Protection
Online: The Future Regulation of Intermediaries. London: Edward Elgar Publishing, 2019. Disponível
em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3256498>. Acesso em 25 ago. 2020.
246 A relação entre o operador ou provedor da aplicação e o utilizador da aplicação.
247 A relação entre usuários de uma mesma rede social digital.
248 A relação entre o usuário de uma rede social digital e um sujeito externo).
249 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regulatório de redes sociais. p. 36-37.

In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed.
São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
250 A corregulação pode ser aqui entendida ou tratada como sinônimo de autorregulação regulada. A

depender do autor, haverá predileção por uma ou outra forma da expressão.


251 HAUFLER, Virginia. New forms of governance: Certification regimes as social regulations of the

global market. p. 36-37. Social and Political Dimensions of Forest Certification. p. 237-247, 2003.
Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/252743812_New_forms_of_governance_Certification_regi
mes_as_social_regulations_of_the_global_market>. Acesso em: 25 abr. 2021.
95

à essa a responsabilidade por estabelecer parâmetros e critérios técnicos de


regulação.
Já no modelo de regulação por múltiplas partes interessadas, além do Estado
e da iniciativa privada, participam também outros atores, como a sociedade civil não
organizada, movimentos sociais e até mesmo organizações do terceiro setor. Aqui, o
consumidor atua como principal fiscalizador do cumprimento das normas na medida
em que tem o poder de escolher consumir apenas de empresas que respeitem as
regras fixadas.
Por fim, na autorregulação, cabe aos atores privados regularem, a partir de
regras e parâmetros privados, determinada atividade ou setor, valendo-se não apenas
do seu conhecimento sobre as especificidades da área, mas também da sua
capacidade de controlá-la em alguma medida. Nesse sentido, Boris Lisbois destacava
que: “a autorregulação é, então, concebida como um método que visa resolver os
problemas funcionais da regulação acima mencionados [referindo-se aqui à regulação
tradicional] como modelo de reestruturação das formas e objetivos de intervenção
legal”252 (tradução nossa).
O desarrolhar das tecnologias da informação e comunicação (TICs) revela um
vasto universo de novas situações e temáticas jurídicas, todas dotadas de
complexidade própria, o que torna inviável formular um modelo de regulação pública
não só para as redes sociais digitais, mas, até de forma mais ampla, para a própria
internet, capaz de disciplinar todas as suas questões.253
Isso não significa que não seja possível regular qualquer aspecto da internet,
mas sim que é necessário definir bem quais aspectos regular e qual o modelo de
regulamentação mais adequado. Para o propósito desse trabalho, os esforços de
modelagem estão relacionados à necessidade de encontrar formas de combater e
controlar a disseminação de desinformação por meio das redes sociais digitais.
Nesse cenário de indefinição, tanto os usuários quanto o Estado e o mercado
são ou se sentem afetados. Os primeiros porque esperam sofrer menos ingerência

252 No original: “L’autorégulation se conçoit alors comme un proceed destiné à rencontrer les problèmes
fonctionnels de regulation susmentionnés dans le cadre d’une recomposition des formes et des objectifs
de l'intervention juridique”. LISBOIS, Boris. Autorégulation ou démocratisation? Recherches en
Communication, v. 9, n. 9, p.25-32, 1998. Disponível em:
<https://ojs.uclouvain.be/index.php/rec/article/view/46663/44863>. Acesso em 20 mai. 2021. p. 26.
253 SILVA, Rosane Leal da. Cultura ciberlibertária x regulação da internet – A corregulação como

modelo capaz de harmonizar este conflito. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC,
Belo Horizonte, ano 6, n. 21, p. 279-312. jan./mar. 2012. p. 280.
96

(menor restrição de direitos e garantias) de regulações estatais, mas não deixam de


reclamar do Estado sua proteção quando se sentem prejudicados. O Estado, por sua
vez, vê fragilizado o seu poder de normatização ante a complexidade, velocidade e
desmaterialização do real no virtual. O mercado, na figura dos titulares das redes
sociais, por sua vez, deseja menor intervenção sem, contudo, conseguir garantir o
respeito aos valores democráticos e a manutenção de direitos e garantias
fundamentais de seus usuários.254

4.1 A REGULAÇÃO

A prerrogativa regulatória conferida originalmente pelo Estado pelo Art. 174 da


Constituição Federal de 1988 se viu reiterada e reforçada a partir das emendas
constitucionais n°s 8 e 9, que determinaram a instituição de órgãos reguladores dos
setores de telecomunicações e petróleo.255

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o


Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para
o setor privado.256

A regulação pública, portanto, decorre “da opção do Estado por influir na


organização das relações humanas de modo constante e profundo, com o uso do
poder de autoridade”257. Assim, a regulação deve ser entendida para os fins desse
trabalho como a intervenção estatal em um setor da sociedade por meio da qual o
Estado condiciona (cria normas), coordena (implementa as normas) e disciplina
(fiscaliza o cumprimento das normas) a sua atividade.

Em sentido amplo, a função da regulação comporta três operações ou etapas:


emissão de normas de atuação (rule making) – regulação em sentido estrito;
aplicação e supervisão de aplicação de normas (rule implementarion e rule
supervision); aplicação de sanções pelo incumprimento das normas (rule

254 SILVA, Rosane Leal da. Cultura ciberlibertária x regulação da internet – A corregulação como
modelo capaz de harmonizar este conflito. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC,
Belo Horizonte, ano 6, n. 21, p. 279-312. jan./mar. 2012. p. 280.
255 MOREIRA, Vital; LIMA, Luís Vale. Autorregulação professional official – O caso dos corretores

de seguros no Brasil. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 10, n. 39,
p. 181-225, jul./set. 2012. p. 183.
256 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 20 mai. 2021.


257 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito público e regulação no Brasil. pp. 111-142. In: GUERRA, Sérgio

(org.). Regulação no Brasil: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. p. 112-113.
97

enforcement). A regulação pode incidir sobre o acesso à atividade


económica, sobre a estrutura dos negócios e a orgnização e gestão
empresarial (regulação estrutural), sobre a condução da atividade económica
(preços, etc.).258

Para atingir seus fins, são esperadas importantes qualidades das normas
regulatórias: (i) a racionalidade, decorrente de decisões fundamentadas e embasadas
na lei; (ii) a simplicidade, com a definição clara e objetiva das regras do jogo; (iii) a
previsibilidade, propiciada pelo estabelecimento de direitos e obrigações bem
determinados; (iv) a estabilidade, que evita a introdução de alterações constantes e
arbitrárias; e (v) a adaptabilidade, necessária à habitual mudança da dinâmica das
relações dentro da sociedade moderna e tecnológica do Século XXI. Isso faz com que
o “ambiente jurídico dos negócios [seja], em grande medida, determinado pelas
características do direito administrativo dos negócios em vigor”259.
Sabe-se que nos campos em que tradicionalmente não há reserva estatal,
como o comércio, a indústria e a tecnologia, os agentes privados possuem liberdade
econômica para definir seus negócios, o que não impede que a regulação pública
possa, em alguma medida, estender-se a esses setores/negócios e condicionar sua
execução a determinados padrões.
No âmbito das aplicações de internet, em especial as redes sociais digitais,
somente após muitos anos de tratamento do tema exclusivamente por meio do
Judiciário260, a disciplina estatal brasileira passou a regular importantes aspectos do
uso da Internet no país a partir da edição do Marco Civil da Internet, definindo
princípios, direitos e obrigações para quem usa a rede e o papel do Estado.
Muito antes disso, contudo, a determinação, em 1995, pelo Ministério das
Comunicações e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, para a criação do
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br)261, já demonstrava uma tentativa do
Estado brasileiro de ver estabelecidas, por meio dessa ferramenta, diretrizes
estratégicas relacionadas ao uso e ao desenvolvimento da Internet no país. Passados

258 MOREIRA, Vital; LIMA, Luís Vale. Autorregulação professional official – O caso dos corretores
de seguros no Brasil. Revista de Direito Público da Economia – RDPE. Belo Horizonte, ano 10, n. 39,
p. 181-225, jul./set. 2012. p. 183.
259 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito público e regulação no Brasil. pp. 111-142. In: GUERRA, Sérgio

(org.). Regulação no Brasil: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. p. 112.
260 SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. Responsabilidade civil dos provedores de internet: uma

década à procura de regulação. pp. 143-170. In: GUERRA, Sérgio (org.). Regulação no Brasil: uma
visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. p. 147-162.
261 COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Portaria Interministerial n° 147 de 31 de maio de

1995. Disponível em: <https://www.cgi.br/portarias/numero/147/>. Acesso em: 15 mai. 2021.


98

pouco mais de 20 anos, tal figura da administração pública viria a ditar diretrizes
regulatórias para o bom funcionamento da Internet, nos termos do Decreto 262 que
regulamentou o Marco Civil da Internet.
Isso demonstra que o ciberespaço não pode ser tratado como um ambiente
alheio ao direito e à regulação. Independentemente de se passar na esfera virtual, a
Internet comporta inúmeros fatos jurídicos relevantes para a vida que impactam
concretamente a esfera jurídica de inúmeros sujeitos de direito, muitas vezes
constituindo ilícitos não apenas de natureza civil, mas também penal.
Apesar disso, não se pode cair na armadilha de regular as redes sociais digitais
para combater a desinformação a partir de um viés prioritariamente punitivo, como
vemos atualmente em diversos projetos de lei em curso. A regulação da rede deve, a
nosso ver, ter uma finalidade preventiva e pedagógica, o que só parece ser possível
com a participação ativa dos provedores de aplicações de internet, a partir da
arquitetura das plataformas (código) e dos Termos e Condições de Uso, e da
sociedade civil, educada e consciente de seu papel.
Do ponto de vista da regulação pública, portanto, é preciso salientar que os
direitos fundamentais funcionam tanto como limites negativos como positivos do que
o Estado pode e deve exigir. Negativos, do ponto de vista dos titulares das redes
sociais digitais, que têm a expectativa de manutenção da liberdade de propriedade e
de iniciativa econômica, bem como da liberdade de expressão a partir de uma
perspectiva de moderação de seu conteúdo, na medida em que os usuários veem
aquilo que as plataformas entendem que lhes interessa. E positivos no que diz respeito
à observância do interesse público, posto que a constituição confere ao legislador
ordinário ou regulador incumbências específicas para preservar os valores e objetivos
constitucionais.263
No que tange especificamente à regulação das fake news, Raúl Magallón Rosa
assevera que ela deve ser observada com base em pelo menos duas perspectivas: (i)
a necessidade de regulamentar os conteúdos, desconsiderando a forma como se
apresentam; ou (ii) a necessidade de legislar acerca do modo como os conteúdos

262 BRASIL. Decreto n° 8.771 de 11 de maio de 2016. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8771.htm>. Acesso em: 15 mai.
2021.
263 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 45-46. In:

ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
99

devem se apresentar, garantindo a sua transparência e a defesa dos direitos dos


usuários enquanto consumidores.264
No Brasil ainda não há regulação que discipline qualquer desses dois aspectos,
sendo certo que apenas a definição de normas pelo Estado não será suficiente para
garantir que esses objetivos sejam atingidos. Isso porque, para que qualquer
regulação sobre o tema possa ser efetiva, haverá a necessidade de participação ativa
dos provedores na construção de padrões e, à medida que a tecnologia avança e a
dinâmica das redes evolui, sua constante adaptação.
Por mais robusta que uma regulação estatal possa ser, não temos como saber
para onde a evolução tecnológica e a inovação das redes sociais nos direcionará. A
dinâmica de redes sociais há uma década é completamente diferente da atual em
modelo, participação e escala. A evolução é constante, dinâmica e viral, dificultando
o acompanhamento do direito, em especial legislativo, que não possui a mesma
velocidade de construção, aprovação e efetivação.
Nesse cenário, a participação das empresas de tecnologia não só é desejável,
mas necessária. Sua expertise sobre o tema e seu poder de influenciar o futuro do
setor a partir de pequenas mudanças nos códigos ou alterações disruptivas dos
modelos de negócios das redes sociais são peças-chave para a construção de um
modelo de accountability dos provedores e de combate eficiente e transparente da
desinformação na internet.

4.2 A AUTORREGULAÇÃO

Objetivamente, a autorregulação é a modalidade regulatória por meio da qual


os atores privados estabelecem a regulação de determinada atividade ou setor a partir
de regras e parâmetros privados, valendo-se não apenas do seu conhecimento sobre
as especificidades da área, mas também da sua capacidade de controlá-la em alguma
medida. A partir da autorregulação, a entidade autorreguladora também passa a ser
regulada pelas normas regulatórias por ela definidas.
Como observamos ao longo desse trabalho, “o tema da responsabilidade dos
provedores de aplicação de internet pelo conteúdo gerado e compartilhado por seus

264 ROSA, Raúl Magallón. Leyes ‘fake news’. Telos. Madri: Fundación Telefónica. Disponível em:
<https://telos.fundaciontelefonica.com/las-leyes-las-fake-news-problema-la-libertad-informacion-no-
legislar/>. Acesso em 14 mai. 2021.
100

usuários continua – e penso que continuará – atual”265 e desperta debates em todo o


mundo. Isso revela que ainda não foi encontrado um modelo que consiga equilibrar o
exercício de garantias fundamentais básicas, como o respeito à liberdade de
expressão, com mecanismos de controle eficientes no combate à desinformação e
outras práticas negativas observadas em redes sociais digitais.
No estudo da regulação de redes sociais digitais é importante destacar que não
se está falando apenas da regulação de conteúdos, mas também sobre a regulação
do código. Isso porque a regulação de conteúdo depende da regulação do código.266
Nesse sentido, não é demais ressaltar que as redes sociais já promovem, em
grande medida, a autorregulação de suas atividades a partir do seu código fonte, por
meio do qual as regras do jogo são colocadas em funcionamento a partir dos
algoritmos e da linguagem de programação utilizada.
A autorregulação nessas plataformas também se dá, entre outros meios, via
Padrões de Comunidade e Termos e Condições de Uso, os quais preveem
comportamentos desejados e indesejados para os seus usuários, definindo regras de
conduta e dando margem aos operadores das plataformas para tomar decisões
subjetivas e arbitrárias em relação a conteúdos de seus usuários e à própria relação
entre usuários de sua rede.
Tal autorregulação ou autodisciplina quando traduzida nos Termos e Condições
de Uso que as plataformas estabelecem para seus usuários, permite que certos
aspectos de sua interação sejam definidos pelo usuário a partir de opções de
configurações e outros aspectos não sejam passíveis de alteração, seguindo
necessariamente as políticas da plataforma, que poderão, a critério de sua titular
(provedor/operador) ser alteradas a qualquer tempo.
É o que ocorre relativamente à regulação promovida pelas redes sociais digitais
acerca das relações mantidas entre seus utilizadores, quando visa assegurar
indiretamente que seus interesses sejam preservados e proteger também os usuários
entre si. Nesse caso, os operadores assumem uma posição de mediação desse
vínculo, trazendo para si a responsabilidade de resguardar certos direitos desses

265 GIACCHETTA, André Zonaro. Atuação e responsabilidade dos provedores diante das fake
news e da desinformação. p. 23. In: RAIS, Diogo (coord). Fake News: a conexão entre a
desinformação e o Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. pp. 23-49
266 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 42. In:

ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
101

indivíduos entre si enquanto usuários da rede social digital. Isso se dá porque os


usuários somente podem estabelecer relações entre si se previamente tiverem
estabelecido uma relação jurídica autônoma com a plataforma, relação essa regulada
pelos Termos e Condições de Uso que definem obrigações e garantias entre as
partes.267
Dada a sua dimensão social, a autorregulação exercida por provedores de
redes sociais digitais se vale de institutos de direito privado e princípios de direito da
concorrência, sendo também influenciados por padrões e regras de comportamento
de seus usuários, possuindo um largo espectro de autonomia no direito brasileiro. Tal
autonomia tem sido questionada e até mesmo restringida em outros países por meio
de audiências e/ou atos regulatórios ou normativos estatais que se fundam na alegada
tentativa de proteger os indivíduos enquanto usuários de redes sociais digitais.
Abordaremos tais questões mais adiante nesse trabalho.
Para Patricia Peck Pinheiro, a autorregulação se apresenta como um modelo
para evitar a burocracia e a demora legislativa:

O Direito Digital tem como princípio normativo a Autorregulação, ou seja, o


deslocamento do eixo legislativo para os participantes e interessados diretos
na proteção de determinado direito e na solução de determinada controvérsia.
Sendo assim, o Direito Digital possibilita uma via paralela que não a via
legislativa para criar regras de conduta para a sociedade digital ditadas e
determinadas pela própria sociedade.
(...)
O princípio que norteia a autorregulação é o de legislar sem muita burocracia,
observando a Constituição e as leis vigentes. Isso permite maior adequação
do Direito à realidade social, assim como maior dinâmica e flexibilidade para
que ele possa perdurar no tempo e manter-se eficaz. Tal tendência de
autorregulamentação por meio do exercício da liberdade responsável e das
práticas de mercado sem intervenção estatal é uma das soluções que mais
atendem à necessidade de que o Direito Digital deve não apenas conhecer o
fenômeno social para aplicar uma norma, mas ter uma dinâmica e uma
flexibilidade que a sustentem na velocidade das mudanças da sociedade
digital que serão sempre sentidas, primeiramente pela própria sociedade. 268

Antes, contudo, é importante ressaltar que, quando se fala em regulação de


atividades, a premissa é de que se está tratando da regulação estatal. Essa,
observada a disponibilidade do legislador e a discricionariedade admitida em Estados
democráticos, deve visar proteger determinados interesses públicos sem impedir a

267 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 66-67. In:
ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
268 PECK, Patricia Pinheiro. Direito digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 90-91.
102

atuação da iniciativa privada. O equilíbrio desses dois valores dentro do papel


regulador do Estado é fundamental.
Por isso, tanto a regulação pública (quando definida pelo Estado) quanto a
privada (quando definida no acordo das partes) devem observar importantes limites
constitucionais e democráticos.
Do ponto de vista da iniciativa privada, a defesa dos direitos fundamentais, em
especial as liberdades individuais, exsurgem como limites à atuação regulatória. Sob
o prisma do interesse público, cabe ao Estado assegurar, por meio da regulação de
uma atividade, que determinados direitos e interesses dos destinatários sejam
respeitados, garantindo que o funcionamento do serviço siga exigências e regras
mínimas de qualidade.269
Para Domingos Farinho, os direitos fundamentais, portanto, são limites a serem
observados pelos operadores de redes sociais digitais, cujo objetivo é prevenir que a
regulação feita pela própria plataforma não malfira esses direitos. Nesse sentido, as
redes sociais não apenas não poderiam eliminar conteúdos ou perfis
discricionariamente, como também não deveriam consentir com a divulgação de
informações proibidas, como pornografia não consensual.270
Tem-se aqui: a) uma questão de conflito entre o direito de liberdade empresarial
e propriedade, que garantem aos proprietários das plataformas definir os seus Termos
e Condições de Uso; versus b) a possibilidade de violação, por esses Termos e
Condições de Uso, dos direitos assegurados legalmente aos usuários, a exemplo de
garantias fundamentais, como a liberdade de expressão e a privacidade, e direitos de
terceira geração, como a proteção do consumidor.271
Já do ponto de vista da regulação pública, como abordamos, os direitos e
garantias fundamentais atuam tanto como limites negativos como positivos, exigindo
a proteção da liberdade expressão, propriedade e iniciativa privada por um lado,

269 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 32-44. In:
ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
270 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 45. In:

ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
271 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 48. In:

ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
103

enquanto deve garantir a observância do interesse público para os usuários das


redes.272
Assim também pensa Domingos Farinho, para quem a “regulação de redes
sociais dificilmente poderá ser apenas autodisciplinada, na medida em que diz
respeito a um domínio onde se cruzam vários interesses privados e públicos”273.
As considerações acima conversam com um dos mais relevantes problemas
do ponto de vista da autorregulação: a sua tendência a ser transnacional. É que as
plataformas tendem a tentar traduzir e aplicar seus Padrões de Comunidade, Política
de Privacidade e Temos e Condições de Uso a todos os seus usuários,
independentemente de sua origem, ignorando, nesse caso as peculiaridades da
cultura e das legislações locais.274
O modelo de autorregulação de redes sociais digitais expressa a capacidade
de seus titulares de, a partir de um intrincado conjunto de regras, definir para seus
usuários o que é proibido e permitido na plataforma. Tais regras, configuradas a partir
de códigos algorítmicos, políticas de comunidade e termos de uso possuem caráter
praticamente unilateral, concedendo pouquíssima margem para alteração ou
questionamento pelos usuários.
Por essa razão, a mecânica autorregulatória exige, de seus definidores,
atuação transparente, pautada nos valores democráticos e garantias fundamentais,
de forma a assegurar que suas resoluções também atendam valores constitucionais
básicos e não apenas interesses puramente privados.
A dificuldade de estabelecer modelos bem sucedidos de autorregulação em
redes sociais digitais tem a ver justamente com o abismo que separa o provedor do
usuário, caracterizado, entre outros, pela grande disparidade de conhecimento
técnico-científico, a evidente vantagem decorrente do controle da aplicação por aquele
e também o acesso praticamente irrestrito à uma série detalhada de dados e
informações constantemente fornecidas e geradas por parte dos usuários e utilizadas
pelo provedor de forma automatizada.

272 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 45-46. In:
ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
273 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 42. In:

ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
274 FARINHO, Domingos Soares. Delimitação do espectro regultório de redes sociais. p. 57. In:

ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São
Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 29-89.
104

4.3 A AUTORREGULAÇÃO REGULADA

Lawrence Lessing, um dos primeiros teóricos da relação entre o Estado e o


Direito do Ciberespaço, defende que há diferenças elementares em como o direito se
aplica ao espaço real (físico) e ao ciberespaço (ou espaço virtual).

Nesse sentido, portanto, a lei, as normas e o código regulam o ciberespaço,


assim como a lei, as normas e a natureza (ou o que chamo de "código do
espaço real") regulam o espaço real. Mas há uma diferença importante entre
esses dois regimes. No espaço real, as restrições são alteradas pela
mudança da lei; no ciberespaço, as restrições serão alteradas alterando o
código. Isso sucederá por causa de duas características desses dois
diferentes mundos. Primeira: no espaço real a lei é que é flexível; no
ciberespaço, o código é flexível. E, segunda: no espaço real é relativamente
difícil escapar das restrições da lei; no ciberespaço é muito mais fácil. O efeito
de ambas as diferenças será deslocar o locus da mudança regulatória da lei
para o código. No espaço real, a lei está no centro do palco e o código é uma
reflexão ulterior. No ciberespaço, o jogo é código. A lei é coadjuvante.275
(tradução nossa)

Para Lessing, portanto, há duas formas de regular o ciberespaço: modificar sua


arquitetura a partir de alterações do código ou aprovar leis que ativamente exijam a
alteração ou conformação do código, sem o que não teriam a eficácia pretendida.
Assim, o código passa a ser o foco e não mais a conduta humana. Ou seja, as regras
legais e os costumes sociais dão lugar ao código, que determina os recursos
necessários para restringir/proibir (por exemplo, extração de determinados dados) ou
estimular/exigir (por exemplo, requisitos mínimos para a definição de senhas seguras)
condutas.276
Faz parte do passado o mundo em que a tecnologia e o direito aparentemente
não se comunicavam, em que um mundo codava e o outro processava. A sociedade

275 No original: “In this sense, then, law, norms and code regulate cyberspace just as law, norms and
nature (or what I call ‘real space code’) regulate real space. But there is an important difference between
these two regimes. In real space, constraints are changed by changing law; in cyberspace, constraints
will be changed by changing code. This will follow because of two features of these two different worlds:
First: In real space, it is law that is plastic; in cyberspace, it is code that is plastic. And second: In real
space, it is relatively hard to escape the constraints of law; in cyberspace, it is much easier. The effect
of both differences will be to shift the locus of regulatory change from law to code. In real space, law is
at center stage, and code is an afterthought. In cyberspace, the game is code. Law is a side-show.”.
LESSIG, Lawrence. The constitution of code: limitations on choice-based critiques of cyberspace
regulation. Common Law Conspectus, n. 5, Rev. 181, 1997. p. 183-184. Disponível em
<https://scholarship.law.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1119&context=commlaw>. Acesso em: 10 abr.
2021.
276 ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A auto-regulação regulada como modelo do Direito

proceduralizado – Regulação de redes sociais e proceduralização. PP. 121-141. In: ABBOUD,


Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 123-124.
105

moderna, a economia renovada e a grande relevância do virtual no real não mais


permitem que cada um trabalhe no seu quadrado. As regras fazem parte do direito e
do código, seu modo de alteração, embora distinto, depende da interferência humana
e sua coexistência nunca foi tão aproximada. Os limites entre o mundo real e o mundo
virtual há muito se confundiram e, na atualidade, há inúmeras situações em que não
se é mais capaz de distinguir diferenciações relevantes entre tais mundos.
Ao tentar intervir no ciberespaço por meio da criação de normas que visam a
alterar o código, contudo, o Estado traz para si a responsabilidade de regular um
ambiente altamente dinâmico e mutável, capaz de ter suas regras facilmente
modificadas pela substituição de poucas linhas do código, e atualmente influenciado
pelo uso de formas de inteligência artificial, notadamente machine learning277, que se
valem da flexibilidade do ciberespaço para se adaptar às novas realidades, o que
desafia qualquer forma de controle ativo-repressivo pelo Estado.
Como vimos anteriormente, segundo o seu conceito clássico, a regulação é
vista como atividade do Estado, que edita, aplica e fiscaliza o cumprimento das regras
estabelecidas. Assim também ensina Rachel Sztajn:

[R]egular significa formular e impor regras em forma de integração do Estado


no domínio econômico. [...] Regulação pode ser entendida como o conjunto
de regras predispostas por um órgão ou agência da administração indireta,
visando a fiscalizar e garantir, pela observância ou cumprimento, a disciplina
de certas atividades ou setores da atividade econômica. 278

Ocorre que, os parâmetros regulatórios tradicionais, a nosso ver, não são


satisfatórios ou adequados para tratar as necessidades sociais decorrentes do uso de
novas tecnologias.279 Não é razoável tratar a regulação das redes sociais da mesma
forma que se trata a regulação da aviação, assim como, num exemplo mais realista,
continua não sendo apropriado regular os provedores de aplicação de internet, em

277 Como uma espécie dentro do gênero inteligência artificial, os sistemas de machine learning
permitem a modificação autônoma de comportamento com base na própria experiência do sistema,
contando com mínima interferência humana. Ou seja, o sistema é capaz de estabelecer regras lógicas
de acordo com a sua experiência para melhorar o desempenho de uma tarefa ou a tomada de decisão
em um determinado contexto a partir da repetição e do reconhecimento de padrões a partir de um
grande volume de dados analisados.
278 SZTAJN, Rachel. Regulação e o Mercado de Valores Mobiliários. In: RDM – Revista de Direito

Mercantil, n. 135, 2004, p.137.


279 HORTON, John J.; ZECKHAUSER, Richard J. Owning, using and renting: some simple economics

of the “sharing economy”. 2016. Cambrige: NBER Working Paper, n. 22029. Disponível em:
<https://www.nber.org/system/files/working_papers/w22029/w22029.pdf>. Acesso em 28 abr. 2021.
106

especial de redes sociais digitais, da mesma forma que são regulados os meios
tradicionais de telecomunicação, como a televisão e o rádio.
A incerteza acerca da eficácia dos mecanismos regulatórios tradicionais para
controlar esse peculiar fenômeno da sociedade moderna conectada em rede, que é a
desinformação, exige um novo modelo de regulação capaz de se adaptar às
constantes mudanças tecnológicas sem deixar de atender aos preceitos basilares do
interesse público e das garantias fundamentais.
O fato é que, não se apresentando de forma unitária, o ciberespaço, suas
interações e problemas dificultam a unificação de regras a partir de uma regulação
única. Seu caráter transnacional, sua dinamicidade e alto grau de especialização
tecnológica também representam fronteiras regulatórias. Assim o é igualmente em
relação às redes sociais digitais, cuja dificuldade de conceituação legal demonstra per
se as limitações de uma abordagem puramente estatal para o fenômeno da
desinformação.

O que se pode concluir do exposto é que o ciberespaço requer poucas novas


regulamentações substantivas, que muitos dos problemas que agora
preocupam, embora tenham conotações especiais, já foram considerados em
regulamentações anteriores; que não é necessário, portanto, criar um direito
especializado inédito, mas acordar as adaptações necessárias ao existente;
que tampouco é conveniente empenhar-se em uma regulamentação
excessiva; e, por fim, que o necessário poderá ser disposto tanto por decisões
dos poderes públicos em diferentes níveis quanto por órgãos independentes
ou por autorregulação.280

Como bem ressaltam Georges Abboud e Ricardo Campos, em obra que aborda
de forma inovadora no Brasil a temática da regulação de redes sociais digitais para o
combate à propagação de fake news, a regulação do Estado sobre as plataformas
passa a se dar de forma legislativa indireta, tendo em vista a necessidade de
endereçar soluções que garantam o respeito aos direitos fundamentais dentro dessas
esferas privadas nas quais as relações se dão entre sujeitos privados.281

280 No Original: Lo que se concluye de lo expuesto es que el ciberespacio precisa pocas regulaciones
sustantivas nuevas, que muchos de los problemas que ahora preocupan, aunque tengan conotaciones
especiales, ya habían sido considerados en normaciones antecedentes; que no es necesario, por tanto,
crear un derecho especializado ex novo sino acordar las adaptaciones necesarias del existente; que
tampoco es conveniente empeñarse en una reglamentación excesiva; y, en fin, que la precisa poderá
ser dispuesta tanto por decisiones de los poderes públicos de diferentes niveles como por organismos
independientes o mediante autorregulaciones. MACHADO, Santiago Muñoz. La regulación de la red:
poder y derecho en Internet. Madri: Grupo Santillana de Ediciones, 2000. p. 60.
281 ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A auto-regulação regulada como modelo do Direito

proceduralizado – Regulação de redes sociais e proceduralização. PP. 121-141. In: ABBOUD,


107

Assim, apontam a autorregulação regulada como uma forma de regulação


indireta adequada para frear a disseminação de desinformação em redes sociais
digitais na medida em que essa mecânica é capaz de garantir implementação de
garantias fundamentais mínimas sem desconsiderar a presença e a influência que o
código exerce. Trata-se, portanto, da inovação do modelo de regulação para o meio
dinâmico das redes sociais, capaz de integrar elementos de autorregulação privada
sem deixar de garantir a efetivação do interesse público, ainda que por influência
indireta.282
É o chamado modelo da proceduralização, que pode ser mais bem
compreendido a partir das características de outros dois modelos: o da positivação
por meio da politização das discussões283 e o da ponderação por meio da articulação
de princípios abstratos. No primeiro modelo, há uma constante externalização dos
problemas sociais para a dimensão política, por meio da qual o parlamento passa a
centralizar e produzir o direito. No segundo modelo, a normatividade do direito deixa
de ser geral e passa a ser casuística, abandonando a centralidade legislativa e
abraçando a aplicação de princípios gerais e, muitas vezes, abstratos.284
O paradigma da proceduralização, por sua vez, conjuga relevantes
características dos modelos anteriores, assegurando a centralidade do Estado para a
promoção de regras jurídicas básicas sem deixar de observar a materialização do
direito em princípios abstratos segundo os preceitos constitucionais.285
Ao falar sobre a regulação publicitária, Frisque Momberger indicava a
existência de três formas de controle:

Sistema de controle exclusivamente estatal: somente o Estado estabele as


normas para o controle da publicidade.

Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 123-124.
282 ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A auto-regulação regulada como modelo do Direito

proceduralizado – Regulação de redes sociais e proceduralização. PP. 121-141. In: ABBOUD,


Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 125-126.
283 Representado pela máxima “quod omnes tangit, ab omnibus tractari et approbari debt”, segundo a

qual, em tradução nossa, “o que diz respeito a todos, por todos deve ser discutido e aprovado”.
284 ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A auto-regulação regulada como modelo do Direito

proceduralizado – Regulação de redes sociais e proceduralização. PP. 121-141. In: ABBOUD,


Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 126-128.
285 ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A auto-regulação regulada como modelo do Direito

proceduralizado – Regulação de redes sociais e proceduralização. PP. 121-141. In: ABBOUD,


Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. p. 128.
108

Sistema de controle exclusivamente privado: neste sistema somente os


participantes é que ditam as suas normas, em um sistema de auto-
regulamentação, não havendo participação do Estado. As regras neste
sistema se aplicam no limite do pacto entre os que aderem ao auto sistema
de regulamentação. Um exemplo pode ser o CONAR e o Código de Auto
Regulamentação da Publicidade.
Sistema de controle misto: trata-se de um sistema integrado, onde atuam
atores privados articulados com o Estado (Poder Público e Judiciário), sendo
esta a opção da legislação federal, haja vista que a Lei 4.680, de 18 de junho
de 1965 previu expressamente a adoção de um Código de Ética adotado por
entes privados.286

Nesse contexto, o incremento da complexidade social se mostra como um dos


principais desafios ao direito regulatório moderno. Isso porque não se pode esperar
que o Estado compreenda todas as áreas do conhecimento, em especial a das novas
tecnologias, razão pela qual se mostra essencial cooperar com os atores a serem
regulados e permanecer aberto ao constante aprendizado exigido pela sociedade da
informação. Daí porque, a autorregulação regulada, enquanto diferenciado instituto de
direito administrativo se apresenta como uma forma moderna de proceduralização.287

A mais-valia de um modelo de proceduralização do direito concretizado aqui


no instituto da autorregulação regulada, como caso de regulção das redes
sociais no tocante às notícias fraudulentas, decorre especificamente do fato
de que, por um lado ele não consiste numa forma de regulação mais direta,
como das agências reguladoras, e, por outro lado, ele incorpora dentro do
seu conceito regulatório a participação do setor privado objeto da regulação,
incorporando um conhecimento de áreas tecnológicas, o qual o Estado não
dispõe. Com isso, o modelo da autorregulação regulada responde ao déficit
de conhecimento, gerando procedimentos (proceduralização) e uma abertura
temporal do direito para lidar com uma sociedade cada vez mais complexa. 288

Como vimos, a autorregulação atualmente praticada pelos operadores de redes


sociais digitais tem a eficiência de sua aplicação, a alta especialização técnica e a
velocidade de adaptação como algumas de suas vantagens mais evidentes. Por outro
lado, não há garantias de que ela observará o interesse público e respeitará as

286 MOMBERGER, Frisque Noemí. A publicidade dirigida às crianças e adolescentes:


regulamentações e restrições. Porto Alegre: Memória Jurídica, 2002. p. 51.
287 ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A auto-regulação regulada como modelo do Direito

proceduralizado – Regulação de redes sociais e proceduralização. PP. 121-141. In: ABBOUD,


Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. pp. 128-129.
288 ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo. A auto-regulação regulada como modelo do Direito

proceduralizado – Regulação de redes sociais e proceduralização. PP. 121-141. In: ABBOUD,


Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. p. 138.
109

garantias e direitos fundamentais de seus usuários.289 Ou mesmo de que será capaz


de atuar com a transparência desejada na tomada de decisão e na definição de
procedimentos para o tratamento da desinformação.
Igualmente, o modelo de autorregulamentação sofre com o dissenso dos
inúmeros atores envolvidos na intrincada teia das redes sociais e seus interesses
econômicos. Como vimos no Capítulo 2 do presente trabalho, as maiores redes
sociais da atualidade não concordam com a forma de tratamento a ser dada à
circulação de desinformação por meio de suas plataformas. Muito embora todas
reconheçam que a desinformação é um problema mundial especialmente agravado
pelo uso das redes sociais, não há, entre os operadores, consenso sobre a solução
e, nem mesmo, sobre o seu papel nessa trama.
Enquanto isso, a regulação estatal, muito embora direcionada à satisfação dos
valores públicos, não é capaz de acompanhar a intensa dinâmica de mudanças que
marca a passagem da sociedade das corporações para a sociedade das plataformas.
Nesse sentido, é necessário, como bem sustenta Pérez Luño, que os juristas tenham
“consciência tecnológica”290, compreendendo que o Estado nunca será capaz de
acompanhar a evolução da tecnologia com a mesma velocidade, profundidade e
competência que possuem os atores privados que lideram essa corrida.
Importa reforçar que não é possível confundir a regulação estatal com a
autorregulação privada, em especial no que concerne à realidade dessas modalidades
de regulação às redes sociais digitais, cuja manutenção dos interesses privados não
é capaz de assegurar, a partir de uma política exclusiva de autorregulamentação, a
observância de certos valores públicos e garantias individuais.

A regulação estatal não se confunde com a autorregulação. Nesta confusão


incorre parte da doutrina quando enxerga na construção dos subsistemas
regulatórios pelo Estado instrumentos de desregulação ou autorregulação. A
menos que não se consiga conceber a atuação estatal sem o traço da
unilateralidade e do autoritarismo (por exemplo, tomando por inconcebível a
participação efetiva do administrado na atividade estatal), não se há de
baralhar regulação estatal com autorregulação pelo mercado ou por
instituições organizadas e geridas pelos agentes econômicos.
Autorregulação é a forma de regulação que surge a partir do interesse dos
atores econômicos atuantes num dado subsistema, buscando a preservação

289 MARANHÃO, Juliano; CAMPOS, Ricardo. Fake news e autorregulação regulada das redes
sociais no Brasil: fundamentos constitucionais. PP. 321-335. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY,
Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista
dos Tribunais, 2020. pp. 323-324.
290 LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constitución. 9. ed.

Madri: Tecnos, 2005. p. 35.


110

das condições de explocação econômica, o fechamento deste sistema a


novos entrantes ou a anulação ou absorção das interferências externas, de
origem estatal ou não. A autorregulação tem caráter quase exclusivamente
de regulação econômica. Seu caráter de regulação social é nulo ou
meramente residual. Ela é bastante ineficiente para coibir externalidades ou
para implementar políticas públicas.291

A autorregulação regulada, por sua vez, proporciona um mecanismo para


conciliar a coercitividade necessária para que as garantias individuais e o interesse
público sejam respeitados a partir da regulação do estado sem deixar de se valer do
conhecimento e da expertise sobre novas tecnologias que garante aos operadores a
capacidade de autodisciplina adequada, garantindo, assim, capacidade de adaptação
à dinâmica de constantes mudanças do setor.
Esse modelo igualmente ajuda a unificar o tratamento, pelos diferentes atores,
de determinadas práticas indesejadas numa sociedade democrática, reservando ao
Estado o papel de regular o tratamento de determinadas condutas ilícitas mais graves
para a sociedade, como a prática de crimes. Também consolida o papel das esferas
pública e privada dentro de determinado contexto, “setando” de forma mais clara os
limites de atuação e influência de cada frente e, por consequência, trazendo o
desejado incremento de segurança jurídica às relações.
Nesse formato, a definição de processos claros e transparentes dentro da
plataforma digital, que proporcione aos usuários não apenas denunciar os
descumprimentos das regras por outros usuários, mas também contestar as medidas
de controle adotadas pelos operadores das redes sociais digitais é condição
fundamental para que a autorregulação regulada cumpra o seu desiderato.292
Esclarece-se aqui que a autorregulação pode ser espontânea ou fruto da
determinação estatal. Em sua modalidade privada, a autorregulamentação se utiliza
de ferramentas do direito privado para criar uma relação de subordinação entre o ente
autorregulador e os indivíduos autorregulados. Já em sua vertente pública, o
fundamento legal para a autorregulação de determinada atividade ou setor está

291 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Regulação econômica e suas modalidades. Revista de
Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 7, n. 28, p. 37, out./dez. 2009.
292 MARANHÃO, Juliano; CAMPOS, Ricardo. Fake news e autorregulação regulada das redes

sociais no Brasil: fundamentos constitucionais. PP. 321-335. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY,
Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista
dos Tribunais, 2020. pp. 325-326.
111

baseada em instrumentos de direito público, sendo implementada pelos entes


autorreguladores a partir de determinação expressa do Estado.293
A proposta, portanto, é que o Estado defina os padrões mínimos de controle
para o cumprimento das garantias perseguidas pela heterorregulação, deixando para
os provedores de aplicação a responsabilidade de definir os meios técnicos capazes
de assegurar que tais valores sejam observados pela plataforma, respeitando as
liberdades individuais, bem como conferindo-lhes a liberdade para definir outros
padrões e regras para os seus negócios.
Dessarte, não se defende aqui que a adoção do modelo de autorregulação
regulada para o combate à desinformação seja utilizada como justificativa para instalar
um Estado de vigilância e, muito menos, para conferir poderes absolutos de
moderação a entes privados, afetando a garantia de direitos fundamentais de seus
usuários. Defende-se, na verdade, que a regulação estatal aliada à expertise técnica
privada seja utilizada em benefício do estabelecimento de mecanismos capazes de
assegurar que esses direitos poderão ser exercidos de forma livre e transparente.
Entre suas vantagens estão: (i) a proximidade da instituição
autorregulamentadora, que também é regulada, com a atividade autorregulamentada;
(ii) a capacidade de acompanhar a dinâmica das mudanças dos negócios, a exigir
intensa e constante revisão de normas e procedimentos; (iii) a concessão às entidades
autorreguladoras para estabelecer e ponderar com maior flexibilidade normas e
princípios de conteúdo ético; (iv) o estímulo ao dever de accountability decorrente da
autonomia conferida às entidades para criar sua autorregulação; (v) o desestímulo à
adoção de práticas corporativistas que visem elidir ou prejudicar direitos fundamentais
dos usuários; (vi) maior segurança jurídica, porquanto fica clara a divisão de
responsabilidades entre o regulador público e o autorregulador privado.
Dada a existência de previsão constitucional que estabelece os paradigmas da
atuação publicitária, a exemplo do que ditam o Art. 22 e os §§ 3º, II, e 4º, do Art. 220,
Luís Awazu entende que o Brasil utiliza-se de um modelo híbrido de regulação da
atividade publicitária, conferindo à iniciativa privada amplo espaço para que, de forma
complementar, autorregulamente sua atividade.294 Isso se dá por meio do Conar

293 ROCHA, Glauco da. Autorregulação e poder disciplinar das bolsas de valores, mercadorias e
futuros. Revista Direito & Justiça, v. 41, p. 182-194, jul./dez. 2015.
294 AWAZU, Luís Alberto de Fischer. Apontamentos sobre a globalização, o papel regulatório do

Estado e algumas possíveis ações da iniciativa privada no sentido da regulação, e a


112

(Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária)295, criado em 1980 como


uma forma de evitar a ingerência da censura prévia do governo militar instalado.296
A partir da autorregulação regulada, portanto, definem-se obrigações basilares
e padrões regulatórios mínimos às entidades reguladas, dando-lhes margem para
regular outros aspectos e/ou implementar outros padrões às suas atividades. Esse
modelo revela a necessidade de atuação plural a partir da coexistência da
heterorregulação com a autorregulação.
Conclui-se aqui com a perspectiva de que o estabelecimento de um modelo de
autorregulamentação regulada de qualidade e racional atende a finalidades variadas,
reforçando o ambiente de negócios e trazendo segurança jurídica às relações entre
operadores e usuários e usuário-usuário, sem perder a adaptabilidade necessária às
tecnologias inseridas na sociedade das plataformas do Século XXI.

4.4 A AUTORREGULAÇÃO REGULADA E A EXPERIÊNCIA ALEMÃ (NETZDG)

No início de 2018, passou a ter eficácia a Netzwerkdurchsetzungsgesetz297 ou


NetzDG, que pretende melhorar a aplicação das leis nas redes sociais. A lei compele
as principais plataformas de redes sociais a definir sistemas de compliance que
garantam a remoção de conteúdo ilegal. Antes de adentrar na especificidade da lei,
vale entender o contexto no qual a mesma foi concebida.
Em 2015, a proliferação de discurso de ódio na internet se tornou uma questão
política relevante na Alemanha e, na ocasião, o governo instituiu uma força-tarefa que
incluía membros das empresas provedoras de redes sociais para combater o
problema. Twitter, Facebook e Google se comprometeram, a partir de um modelo de
autorregulação, a remover mais rapidamente publicações com conteúdo ilegal, a criar

autorregulação da publicidade. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais - RBEC, Belo


Horizonte, ano 6, n. 21, p. 221-239, jan./mar. 2012.
295 CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA - CONAR. Sobre o

CONAR. História. Contra a censura na publicidade. Disponível em: <http://www.conar.org.br/>. Acesso


em 20/06/2020.
296 Não obstante a avaliação de Luís Awazu, o CONAR agora posição institucional e polítca contrária á

regulação estatal na publicidade, sendo, portanto, contrário à corregualção do setor.


297 A Lei para a melhoria da aplicação da lei nas redes sociais está disponível em alemão em:

<https://www.gesetze-im-internet.de/netzdg/BJNR335210017.html> e em inglês:
<https://web.archive.org/web/20200519032842/https://www.bmjv.de/SharedDocs/Gesetzgebungsverfa
hren/Dokumente/NetzDG_engl.pdf?__blob=publicationFile&v=2>. Acesso em 25 mai. 2021.
113

e aprimorar seus mecanismos de denúncia e a dedicar mais especialistas para a


supervisão das plataformas.298
Já em 2016, os ânimos se agitaram subitamente na opinião pública alemã em
decorrência do grande afluxo de refugiados que começaram a entrar no país a partir
do outono de 2015. Muito embora seja difícil estimar o impacto das redes sociais sobre
o clima político do país, o fato é que enquanto a maior parte da mídia tradicional
continuava apoiando a política migratória do governo, os seus críticos encontraram
nas redes sociais um espaço alternativo para se articular e organizar. 299
O sentimento de que o regime regulatório até então existente era ineficaz para
incentivar as redes sociais a proteger os cidadãos do discurso ilegal e de ódio foi
fortalecido quando um estudo300, divulgado por uma agência de monitoramento301,
concluiu que (i) as principais plataformas eram muito lentas para atender pedidos de
remoção, (ii) o procedimento de notificação disponibilizado pelas plataformas eram
excessivamente complicados e (iii) a taxa de remoção de conteúdos considerados
ilegais variava de 1% a 90%, a depender da plataforma.302
Além disso, a ocorrência de crimes que chocaram o país a partir de atos
xenofóbicos contra um político que apoiava a abertura de fronteiras a imigrantes, e o
ataque antissemita em 2019, que resultou na morte de duas pessoas numa sinagoga
e foi transmitido ao vivo na plataforma Twitch, também tiveram sua relevância.303
Essas questões e acontecimentos estimularam acadêmicos e políticos a
repensar o papel das redes sociais enquanto intermediárias e qual o seu grau de
responsabilidade perante usuários, vítimas e Estado, o que levou o governo à

298 WISCHMEYER, Thomas. What is illegal offline is also illegal online – The German Network
Enforcement Act 2017. In: PETKOVA, Bilyana & OJANEN, Tuomas, Fundamental Rights Protection
Online: The Future Regulation of Intermediaries. London: Edward Elgar Publishing, 2019. Disponível
em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3256498>. Acesso em 25 ago. 2020.
299 WISCHMEYER, Thomas. What is illegal offline is also illegal online – The German Network

Enforcement Act 2017. In: PETKOVA, Bilyana & OJANEN, Tuomas, Fundamental Rights Protection
Online: The Future Regulation of Intermediaries. London: Edward Elgar Publishing, 2019. Disponível
em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3256498>. Acesso em 25 ago. 2020.
300 O estudo foi posteriormente criticado em função da metodologia considerada frágil, mas sua

publicação deixou a impressão na opinião pública de que as mídias sociais estavam fazendo pouco
demais.
301 Vide: <jugendschutz.net.>
302 WISCHMEYER, Thomas. What is illegal offline is also illegal online – The German Network

Enforcement Act 2017. In: PETKOVA, Bilyana & OJANEN, Tuomas, Fundamental Rights Protection
Online: The Future Regulation of Intermediaries. London: Edward Elgar Publishing, 2019. Disponível
em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3256498>. Acesso em 25 ago. 2020.
303 SCHREIBER, Mariana. A controversa lei alemã que inspira projeto de lei das Fake News. BBC

News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53914408>. Acesso em: 25 mai.


2021.
114

conclusão de que a autorregulação precisava ser suplementada por uma estrutura de


governança vertical capaz de suprir essa lacuna. O trâmite da lei foi rápido e entre a
publicação de seu primeiro rascunho até a sua promulgação foram menos de sete
meses.304
A NetzDG estabelece critérios, prazos e deveres que devem ser observados
pelas redes sociais com mais de dois milhões de usuários registrados no país 305,
isentando sua aplicação a plataformas de cunho jornalístico, prestadoras de serviços
de comunicação individuais (aplicativos de mensageria em geral e e-mails, entre
outros) ou difusoras de conteúdos específicos (técnicos, científicos, profissionais,
entre outros).
Descrita, quando do seu surgimento e ainda que de uma forma superficial,
como uma lei contra o discurso de ódio, a NetzDG aponta suas medidas contra o que
chama de conteúdo ilícito, o que não é exatamente o mesmo que conteúdo falso.306
Parece-nos, em alguma medida, que a lei está mais focada em ver fiscalizados e
combatidos determinados tipos penais do que, como se alardeou, controlar a
desordem da informação promovida pelo uso das redes sociais digitais.
Ao deixar de criar tipos penais relacionados à difusão de desinformação ou à
propagação de discurso de ódio e se limitar à disciplinar o combate nas redes sociais
a práticas anteriormente já consideradas criminosas, a NetzDG assume uma postura
conservadora em relação à responsabilidade do intermediário. Verifica-se, aqui, que
a novidade trazida pela lei diz respeito às obrigações procedimentais e
organizacionais, não as penais propriamente ditas.307
A lei, cuja tradução pode ser consultada no Apêndice I (Lei alemã para a
melhoria da aplicação da lei nas redes sociais - Lei de aplicação nas redes - NetzDG)
do presente trabalho, define obrigações periódicas aos provedores de redes sociais,

304 WISCHMEYER, Thomas. What is illegal offline is also illegal online – The German Network
Enforcement Act 2017. In: PETKOVA, Bilyana & OJANEN, Tuomas, Fundamental Rights Protection
Online: The Future Regulation of Intermediaries. London: Edward Elgar Publishing, 2019. Disponível
em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3256498>. Acesso em 25 ago. 2020.
305 Aqui a legislação visa proteger empresas entrantes no mercado, assegurando-lhes a possibilidade

de crescimento e incentivando o desenvolvimento do mercado a partir de tratamento diferenciado no


que tange às obrigações regultoriamente previstas para atores maiores do mercado.
306 MENESES, João Paulo. Como as leis estão a definir (e a criminalizar) as fake news.

Comunicação Pública [Online], Vol. 14, n° 27, 2019. Disponível em


<http://journals.openedition.org/cp/5423>. Acesso em: 15 fev. 2021.
307 WISCHMEYER, Thomas. What is illegal offline is also illegal online – The German Network

Enforcement Act 2017. In: PETKOVA, Bilyana & OJANEN, Tuomas, Fundamental Rights Protection
Online: The Future Regulation of Intermediaries. London: Edward Elgar Publishing, 2019. Disponível
em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3256498>. Acesso em 25 ago. 2020.
115

como a apresentação de relatórios e a realização de treinamentos para seus


funcionários. E não cria tipos penais, mas apenas os arrola de forma concreta, fazendo
remissão à sua disciplina no Código Penal, nem desenvolve dispositivos que regulem
outras esferas passíveis de violação nas redes sociais, como os direitos autorais ou a
privacidade de dados.
Os conteúdos ilícitos estão caracterizados em tipos penais previstos no Código
Penal Alemão:

(...) disseminação de material de propaganda de organizações


inconstitucionais, utilização de símbolos de organizações inconstitucionais,
preparação de crime, incitção à prática de crime grave contra o Estado,
falsificação, perturbação da paz pública com ameaças de cometimento de
crimes, formação de organizações terroristas ou criminosas, incitação ao
ódio, disseminação de imagens de violência, premiação ou aprovação de atos
criminosos, difamação de religiões e de associações ideológicas ou
religiosas, distribuição, aquisição e posso de pornografia infantil, insulto e
difamação, violação da intimidade em consequência de fotografias, ameaça
à prática de crime e falsificação de dados com o intuito de fornecer prova
(artigos 86, 86a, 89a, 91, 100a, 111, 126, 129a e b, 130, 131, 140, 166, 184b,
185 a 187, 201a, 241 e 269 do Código Penal alemção, respectivamente). 308

Cabe às plataformas, portanto, erigir procedimentos claros para a remoção dos


conteúdos dentro de prazos que variam de 24 (vinte e quatro) horas a, no máximo, 7
(sete) dias, a depender da sua gravidade, nocividade e evidência de ilicitude. Nesse
sentido, conforme avalia Martin Eifert, a NetzDG “prescreve um compliance-regime309
para as empresas em questão com a meta de eliminar efetivamente violações ao
direito e específica para tanto um performance-standard310”311.
Além disso, como forma de controlar, em alguma medida, a qualidade da
regulação pretendida, a NetzDG prevê a obrigatoriedade de fornecimento de relatórios
periódicos que devem ser publicados semestralmente demonstrando não apenas os
resultados do período, mas também o quão preparado está o provedor para cumprir
os fins da legislação. Aqui, a lei demonstra que está preocupada não apenas com a

308 CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Alternativas para a remoção de fake news das redes socais. PP.
271-279. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e
Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. p. 276.
309 Cabe ao provedor configurar esse procedimento que possibilita a reclamação de violações, o seu

recebimento e consequente tratamento.


310 Requer-se aqui o cumprimento de prazos e a garantia de meios efetivos e transparentes de denúncia

e tratamento, ficando também a cargo do provedor sua configuração.


311 EIFERT, Martin. A Lei Alemã para a Melhoria da Aplicação da Lei nas Redes Sociais (NetzDG)

e a Regulação da Plataforma. pp. 161-191. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS,
Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais,
2020.
116

remoção do conteúdo ilícito, mas com a transparência e responsividade dos sistemas


de monitoramento.
A transparência acerca dos procedimentos adotado, seu funcionamento e
consequentes resultados é, certamente, uma das grandes contribuições da NetzDG
para a implementação, pelas redes sociais, de portais da transparência que permitam
acompanhar questões relevantes relacionadas à responsabilidade das plataformas
pelos conteúdos gerados por seus usuários em todo o mundo.
Chama a atenção também, em especial para os fins desse trabalho, a
possibilidade trazida pela NetzDG de remissão da decisão sobre a ilicitude de um
conteúdo à uma “instituição de autorregulação regulada”. Nesse caso, o provedor
deve se submeter à decisão dessa instituição que, para ser reconhecida nos termos
da lei, deve cumprir 5 (cinco) requisitos:

1. A independência e o conhecimento técnico de seus analistas sejam


garantidos;
2. Ela disponha de uma estrutura e de equipamentos que sejam
tecnicamente apropriados e garanta uma rápida comprovação de conteúdo
dentro de sete (7) dias;
3. Ela disponha de um regramento procedimental que regule a
abrangência e o procedimento da análise, bem como as obrigações de
submissão da rede social associada, além de prever a possibilidade de
revisão das decisões;
4. Ela disponha de um setor ou gabinete de serviço de reclamações
(Beschwerdestelle) e
5. A instituição seja composta por diversos provedores de redes sociais
ou instituições que assegurem uma estrutura e equipamentos tecnicamente
adequados. Ademais, a instituição deve ser aberta para a entrada de outros
provedores, principalmente redes sociais. 312 (Tradução conforme capítulo 16
da obra: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo (org.),
Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos
Tribunais, 2020. P. 338-344)

A lei estimula, assim, a autorregulação setorial a partir do estabelecimento de


uma entidade, que deve cumprir determinados padrões mínimos para ser reconhecida
(regulação), mas que possui liberdade, a partir daí, para definir suas diretrizes e
princípios (autorregulação).

312 No original: “1. die Unabhängigkeit und Sachkunde ihrer Prüfer gewährleistet ist, 2. eine
sachgerechte Ausstattung und zügige Prüfung innerhalb von sieben Tagen sichergestellt sind, 3. eine
Verfahrensordnung besteht, die den Umfang und Ablauf der Prüfung sowie Vorlagepflichten der
angeschlossenen sozialen Netzwerke regelt und die Möglichkeit der Überprüfung von Entscheidungen
vorsieht, 4. eine Beschwerdestelle eingerichtet ist und 5. die Einrichtung von mehreren Anbietern
sozialer Netzwerke oder Institutionen getragen wird, die eine sachgerechte Ausstattung sicherstellen.
Außerdem muss sie für den Beitritt weiterer Anbieter insbesondere sozialer Netzwerke offenstehen”.
117

Inobstante a sistemática instalada pela NetzDG valorize a transparência das


redes sociais e a padronização dos procedimentos para o tratamento de reclamações
sobre conteúdos tidos como ilícitos, sobressai-se, dentre as críticas apresentadas à
lei, a relacionada às restrições impostas às liberdades de expressão, na medida em
que transfere para o operador da rede social a responsabilidade de decidir se o
conteúdo se caracteriza ou não como ilícito, hipótese essa na qual passa a ser
responsável pela sua remoção ou bloqueio.
Considerando os conteúdos definidos pela lei como ilícitos, observamos que há
tipos complexos, que exigem análise jurídica acurada para sua apuração, como
“preparação de crime” ou “incitação à prática de crime grave contra o Estado”, ambos
previstos nos artigos 89a e 91 do Código Penal Alemão, respectivamente. Não há
garantias de que manifestações humorísticas, satíricas ou críticas em geral não serão
interpretadas como ilícitos (penais) ou apuradas fora de contexto pelos operadores
das plataformas, representando, assim, verdadeira possibilidade de repressão à livre
manifestação dos usuários.
Especialmente em cenários onde são submetidos ao crivo do provedor a
análise de casos complexos, que geralmente envolvem temas sensíveis e polêmicos
de uma sociedade, há alta suscetibilidade para considerações unilaterais ou decisões
baseadas em vieses. Aqui também, os valores elevados de multas, podem estimular
a supressão indiscriminada de conteúdos, o que a crítica ao modelo vem chamando
de overblocking313.
Assenta-se, contudo, contra essa possibilidade, o argumento de que, enquanto
empresas privadas, é do interesse das plataformas manter sua neutralidade para
atrair o máximo de usuários, buscando construir uma reputação positiva. Isso gera
segurança e aceitação dos seus mecanismos pelos usuários, garantindo que a
plataforma continuará sendo monetizada pela publicidade que lhes é direcionada.314

313 Uma crítica bastante razoável feita por Martin Eifert, em artigo aqui mencionado, acerca dessa
preocupação diz respeito à desconsideração de que tipicamente os provedores preveem a
possibilidade de exclusão de conteúdos que, a seu critério, não se enquadrem dentro de suas Termos
e Condições de Uso. Isso faz com que as críticas sejam direcionadas exclusivamente à atuação
regulatória do Estado enquanto as restrições impostas de forma autorregulatória pelos provedores a
partir dos padrões de comunidade permanecem fora do debate ou são vistas como permitidas dentro
da dinâmica de poder que envolve a rede social e o papel do provedor.
314 EIFERT, Martin. A Lei Alemã para a Melhoria da Aplicação da Lei nas Redes Sociais (NetzDG)

e a Regulação da Plataforma. pp. 161-191. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS,
Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais,
2020.
118

Essa visão nos parece ignorar, em alguma medida, a realidade do surgimento


e da prática cotidiana desse modelo de negócio, que tende iniciar suas atividades a
partir de regulações pouco complexas, focadas justamente na simplicidade necessária
a atrair novos usuários, evoluindo, posteriormente, para modelos mais complexos que
costumam acompanhar o crescimento da rede em si, dificultando, inclusive, que seus
usuários possam questioná-los posteriormente.
Nesse sentido, a NetzDG excluiu do seu âmbito de atuação redes sociais com
menos de 2 (dois) milhões de usuários, número de certa forma arbitrário, a partir do
momento em que não fica claro porque haveria diferença entre uma rede social com
1.999.999 usuários e outra com 2.000.000 que justificasse a isenção daquela.
Embora a lei não adentre nessa temática (complexidade das normas fixadas
pelas redes sociais) e deixe para as plataformas sua definição, o fato é que os padrões
de comunidade criados pelos provedores de redes sociais atualmente existentes
possuem variadas e, às vezes, até mesmo conflitantes previsões acerca da remoção
de conteúdos. Enquanto são mais severos com relação ao decoro e à moral sexual,
tendem a ser menos restritivos quanto a conteúdos que questionem fundamentações
históricas, como a negação do holocausto praticado pelo regime nazista ou, no Brasil,
o que equivale à prática regular de tortura pelo regime militar ou a própria
caracterização como ditatura do referido regime.315
Apesar de amplamente contestada e criticada na Alemanha por diversos atores
sociais e até mesmo pela ONU316, a NetzDG tem influenciado a reflexão sobre os
caminhos da regulação das redes sociais em todo o mundo. No Brasil, o Projeto de
Lei n° 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, possui algumas semelhanças
com as prescrições da lei alemã, como a exclusão de empresas jornalísticas de seu
alcance e sua aplicação alçada a plataformas que tenham mais de 2 (dois) milhões
de usuários. Por outro lado, diferencia-se ao incluir aplicativos de mensagens e não
obrigar a exclusão de conteúdos.

315 EIFERT, Martin. A Lei Alemã para a Melhoria da Aplicação da Lei nas Redes Sociais (NetzDG)
e a Regulação da Plataforma. pp. 161-191. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS,
Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais,
2020. p.176.
316 UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Mandate of the Special Rapporteur on the promotion and

protection of the right to freedom of opinion and expression. OL DEU 1/2017. Disponível em:
<https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Opinion/Legislation/OL-DEU-1-2017.pdf>. Acesso em: 29
mai. 2021.
119

Num resumo desse movimento legislativo ao redor do globo, a análise trazida


pela Nanyang Thechnological University, aponta que os governos de todo o mundo
estão buscando adotar diversas medidas para combater a desinformação, entre elas
a criação de leis que responsabilizem as empresas de tecnologia e os indivíduos pela
divulgação de notícias falsas.317
Numa visão geral acerca da responsabilização pelo controle dos conteúdos, o
levantamento feito aponta que as empresas de tecnologia são majoritariamente
responsabilizadas por essa frente nas propostas legislativas.

Tabela 1: Legislação sobre fake news no mundo

LEI
PAÍS
STATUS STAKEHOLDER RESPONSÁVEL
Alemanha Aprovado Empresas de tecnologia
Usuários, administradores de websites,
Italia Pendente
provedores de serviço de internet, escolas
Filipinas Pendente Usuários e empresas de tecnologia
Rússia Pendente Empresas de tecnologia
Pendente Empresas de tecnologia
Estados unidos
Pendente Empresas de tecnologia
Reino unido Pendente Empresas de tecnologia
Empresas de tecnologia, anunciantes on-line
Austrália Em andamento e outras partes que se beneficiem de
desinformação
Israel Pendente Empresas de tecnologia
India Aprovado Administradores de grupos de redes sociais
Canadá Em execução Veículos de mídia em massa

Fonte: HACIYAKUPOGLU, Gulizar; YANG HUI, Jennifer; SUGUNA, V.S.; LEONG, Dymples;
RAHMAN; Muhammad Faizal Bin Abdul. Countering Fake News. A survey of recent global
iniciatives. Disponível em:
<https://www.rsis.edu.sg/wp-content/uploads/2018/03/PR180416_Countering-Fake-News.pdf>.
Acesso em: 06 jan. 2021.

Será possível obter mais detalhes sobre o que dizem propostas legislativas em
diferentes países verificando o Apêndice II (Visão global geral da legislação sobre fake
news) do presente trabalho, no qual são indicadas as ações prescritas, as partes
responsáveis pelo cumprimento das medidas e também de que forma as companhias

317HACIYAKUPOGLU, Gulizar; YANG HUI, Jennifer; SUGUNA, V.S.; LEONG, Dymples; RAHMAN;
Muhammad Faizal Bin Abdul. Countering Fake News. A survey of recent global iniciatives. Disponível
em:
<https://www.rsis.edu.sg/wp-content/uploads/2018/03/PR180416_Countering-Fake-News.pdf>.
Acesso em: 06 jan. 2021.
120

de tecnologia têm se manifestado sobre as tentativas de limitação e responsabilização


de sua atividade pela disseminação de desinformação mundo afora.
Considerando o aqui exposto, em que pese a contribuição alemã para o debate
mundial acerca da necessidade de (maior) regulação (hetero, auto e co) para o
combate à desinformação na internet, não nos parece que a NetzDG resolve definitiva
ou democraticamente a questão da desinformação nas redes sociais digitais. Ao
contrário, a lei força para as empresas de tecnologia o fardo de criar mecanismos
unilaterais de remoção de conteúdos, monitorar denúncias e comportamentos de
usuários e produzir provas contra particulares que ficam à disposição das autoridades
por períodos definidos.
Apesar disso, as redes sociais continuam desobrigadas de combater
ativamente a disseminação de desinformação, ficando na dependência de denúncias
espontâneas de seus usuários para ser capaz de decidir sobre a licitude de
determinado conteúdo. Ou seja, não há um estímulo para que as redes sociais utilizem
o código para combater ativamente a desinformação em suas plataformas, valendo-
se de medidas como a eliminação ou a redução de filtros bolha318 e câmaras de eco319,
e a adição de filtros e alertas sobre a (falta de) veracidade dos conteúdos
compartilhados.

4.5 A AUTORREGULAÇÃO REGULADA DE REDES SOCIAIS NO BRASIL

Apesar de não ser objetivo do presente trabalho analisar o Projeto de Lei n°


2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, importa ressaltar que esse é,
atualmente, o movimento mais avançado no legislativo brasileiro para regular a
desinformação na internet. Aprovado no Senado em 30 de junho de 2020, o texto-
base agora se encontra sob a análise da Câmara dos Deputados.
Apesar de possuir algumas semelhanças com a NetzDG, como a exclusão de
empresas jornalísticas de seu alcance e sua aplicação alçada a plataformas que

318 Tratam-se de mecanismos de inteligência artificial que selecionam os assuntos apresentados aos
usuários nas redes sociais a partir de temas e preferências pessoais e políticas coletadas não apenas
pela interação dentro da rede, mas também a partir de cookies que monitoram o acesso de usuário a
outros recursos e aplicações fora da rede social.
319 Efeito segundo o qual os usuários tendem a visualizar informações e publicações que coincidem e

reforçam suas crenças, motivações ideológicas e entendimentos pessoais, o que, por sua vez, estimula
o compartilhamento desses mesmos conteúdos por esses usuários para a sua rede de contatos.
121

tenham mais de 2 (dois) milhões de usuários, diferencia-se ao incluir aplicativos de


mensageria privada e não obrigar a exclusão de conteúdos.
Referido projeto visa instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e
Transparência na Internet, indicando, no seu Art. 1º, que seu objetivo é garantir a
segurança e a ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do
pensamento, fundando-se em legislações-base como a Lei nº 9.504, de 30 de
setembro de 1997 (Lei das Eleições), a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990
(Código de Defesa do Consumidor), a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco
Civil da Internet), e a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção
de Dados Pessoais).
O projeto brasileiro parece ter assimilado algumas das críticas à lei alemã e,
diferentemente da NetzDG, expõe de forma mais clara o seu interesse de combater o
que chama de comportamento inautêntico nas redes sociais, que também são
maculadas por redes de distribuição artificial de conteúdo. Apesar disso, a legislação
continua transferindo ao provedor deveres e obrigações de fiscalização e atuação que
interferem na esfera de privacidade dos usuários, além de maximizar o tratamento de
dados pessoais em diversos aspectos.
Dentre as críticas apresentadas, ressaltam a de imprecisão de definições e
dispositivos que revelam a dificuldade do legislador de adentrar num tema novo,
complexo e que envolve questões técnicas distantes da expertise do Estado, bem
como a de violação à privacidade a partir de várias de suas prescrições, em especial
a de determinação do armazenamento dos registros dos envios de mensagens
veiculadas em encaminhamentos em massa.

Dentre os inúmeros problemas identificados no texto, podem ser listados a


redação, que por diversas vezes se mostra imprecisa quanto ao limite das
obrigações e pouco claras quanto a própria estruturação do texto; a
consequência prática das disposições que basicamente impõe às
plataformas a obrigação de moderação de conteúdo; a alteração do modelo
de responsabilidade dos provedores na forma como hoje é previsto no Marco
Civil da Internet; a regulação de conteúdo patrocinados, que responsabiliza
diretamente o meio de distribuição pela veiculação de publicidade abusiva
e/ou ilegal, e não ao anunciante10; a criação do Conselho de Transparência
e Responsabilidade na Internet, com atribuições semelhantes da Autoridade
Nacional de Proteção de Dados, e já atualmente previstas no artigo 55-A e
seguintes da Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados); as
excessivas, desproporcionais e por vezes desnecessárias diretrizes impostas
122

aos provedores de aplicação, oferecendo riscos de inviabilizar a operação


destas empresas no Brasil ou de alguns de seus serviços, dentre outros. 320

Ao abordar expressamente a autorregulação regulada, o legislador estimula a


criação de uma instituição capaz de autorregular a transparência e a responsabilidade
no uso da internet, que possui atribuições mínimas definidas pela lei. O formato como
tais atribuições estão dispostas, contudo, parece estimular muito mais a criação de
um órgão de controle do que necessariamente a formação de uma entidade liderada
pelos titulares das redes para definir questões gerais, assemelhando-se, inclusive, à
entidades reguladoras existentes, como a ANATEL e a ANCINE.
Apesar desse movimento legislativo, a proposta de uma regulação estatal não
foi bem recebida pelos provedores de redes sociais sediados no Brasil. Muitas
apontam que a aprovação de um projeto às pressas e em meio à acusações de
utilização de notícias falsas contra agentes públicos e políticos pode representar
verdadeiro prejuízo à democracia, além de riscos à privacidade e à segurança dos
usuários.
Mais de 50 entidades, entre elas Human Rights Watch e associações de
jornalistas, assinaram, em 2020, uma carta afirmando ser necessário tempo para
discutir grandes mudanças e regulações, o que geralmente é prejudicado em
momentos de crise política e, nesse caso, também social e humanitária, em
decorrência da pandemia.

Novo relatório do PL 2630/2020 ameaça privacidade, liberdade de


expressão e segurança de milhões de brasileiros, com impacto direto
sobre a economia do país.

Mesmo durante a pandemia, Senado pode votar texto sem tempo para amplo
debate.

O relatório sobre o Projeto de Lei 2630/2020, divulgado no fim da tarde desta


quarta-feira, menos de 24 horas antes do horário marcado para sua votação
pelo Senado Federal, cria diversos problemas que podem provocar um
impacto desastroso e amplo para milhões de brasileiros e para a economia
do país, afetando significativamente o acesso à rede e direitos fundamentais
como a liberdade de expressão e a privacidade dos cidadãos e cidadãs na
Internet.

320SOUZA, Adalthon de Paula. Comentários ao PL N° 2.630/2020, o “PL das Fake News” – Contas
inautênticas, identificação de usuários e rastreabilidade de mensagens. ITS Rio. Disponível em:
<https://itsrio.org/wp-content/uploads/2021/03/Adalthon-de-Paula-Souza_COMENTARIOS-AO-PL-N-
2.630_2020-O-PL-DAS-FAKE-NEWS-%E2%80%93-CONTAS-INAUTENTICAS-IDENTIFICACAO-DE-
USUARIOS-E-RASTREABILIDADE-DE-MENSAGENS.pdf>. Acesso em 12 mai. 2021. p. 11.
123

As entidades representativas, instituições acadêmicas, organizações da


sociedade civil, empresas e cidadãos que subscrevem esta nota e que
defendem o direito de todos e todas à informação de qualidade, sendo
contrárias ao uso da Internet para promover ódio e crimes e disseminar
mentiras, alertam para os altos riscos da votação de um relatório que não foi
debatido com o conjunto dos senadores, nem com a sociedade.

Em um contexto em que o Senado realiza deliberações por meio de sistema


remoto, sem comissões, o debate aprofundado sobre o tema se mostrou
comprometido desde o início. Mesmo assim, nas últimas semanas, diversos
esforços foram feitos, por diferentes setores, no sentido de apresentar
propostas para coibir o uso indevido de plataformas de Internet, ampliar sua
transparência e combater a desinformação, sem violar a liberdade de
expressão e a privacidade dos brasileiros. Apesar desse esforço de
construção conjunta, o relatório oficial foi divulgado no fim da tarde de quarta-
feira e está agendado para ser votado nesta quinta-feira, ou seja, menos de
24 horas para análise e debate entre senadores e a sociedade brasileira.

Nesta nova versão do relatório, o PL 2630/2020 tornou-se um projeto de


coleta massiva de dados das pessoas, pondo em risco a privacidade e
segurança de milhões de cidadãos. Sem tempo hábil para debate e
amadurecimento, o texto pode resultar numa lei que instaure um novo marco
regulatório de Internet baseado na identificação massiva e na vigilância e
inviabilize o uso das redes sociais e de aplicativos de comunicação.

Além disso, o projeto atinge em cheio a economia e a inovação, em um


momento crucial em que precisamos unir esforços para a recuperação
econômica e social do país.

Em função disso, pedimos que o Projeto de Lei 2630/2020, que Institui a Lei
Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, seja
retirado da pauta do Senado a fim de que seja amplamente debatido, e que
um novo relatório, mais consensual e equilibrado, seja proposto. 321

O Twitter, por exemplo, indicou a necessidade de se promover um debate


profundo sobre o tema na sociedade:

O Twitter apoia iniciativas para endereçar a questão da desinformação, desde


que sejam tomadas de modo a preservar direitos fundamentais da população
como privacidade, segurança, proteção de dados e liberdade de expressão.
O projeto de lei ainda traz questões controversas em relação a esses temas
e, por isso, pedimos à Câmara que reconsidere a regulação proposta e, antes
de votar este texto, promova um debate real, democrático e significativo sobre
o assunto com todos os interessados em combater a desinformação e
proteger a integridade do atual ecossistema da internet no Brasil. 322

O Facebook, por sua vez, num tom mais drástico ressaltou que a regulação
proposta compromete o acesso da população à informação em meio à pandemia:

321 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JORNALISMO INVESTIGATIVO (ABRAJI). PL das Fake News


ameaça privacidade e liberdade de expressão. Disponível em: <https://www.abraji.org.br/noticias/pl-
das-fake-news-ameaca-privacidade-e-liberdade-de-expressao>. Acesso em 25 mar. 2021.
322 CRUZ, Bruna Souza. PL das fake news: senadores festejam; ativistas e empresas criticam. Tilt.

Disponível em: <https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/07/01/pl-das-fake-news-veja-a-


repercussao-da-votacao-do-senado.htm>. Acesso em: 26 mar. 2021.
124

O Projeto de Lei aprovado pelo Senado compromete a operação de


aplicações de internet no país, no momento em que a população brasileira
conta com eles para se manter conectada diante da pandemia e milhões de
pequenos negócios usam essas plataformas para enfrentar a crise
econômica resultante da covid-19. O combate à desinformação é prioridade
para o Facebook, e acreditamos que qualquer regulação de conteúdo online
deve ser resultado de um amplo debate envolvendo toda a sociedade, para
que não traga efeitos indesejados sobre a privacidade e a liberdade de
expressão.323

O acalorado debate social do tema na mídia, estimulado também pela


proximidade do pleito eleitoral de 2020 e impulsionado pelo Inquérito 4.781, foi
responsável por acelerar a aprovação do PL no Senado, que durou apenas 48 dias.
Esse movimento, contudo, não foi acompanhado pela Câmara, que viu o foco do tema
ser amortizado por outras questões que assumiram a pauta da vez e acabaram por
desacelerar o seu trâmite na Câmara, que também se viu pressionada por diversos
atores sociais preocupados com a falta de debate sobre o tema.
Vemos, pois, que a matéria ainda não está resolvida do ponto de vista
legislativo e o fato é que os provedores de redes sociais digitais, independentemente
disso, são responsáveis e guardiões da cultura de debate na nossa sociedade, missão
que por si denota a relevância de seu papel.
Enquanto o tema é debatido em audiências públicas e passa por comissões da
Câmara, parece-nos que a questão do combate à desinformação nas redes sociais
digitais remanesce como uma faculdade que depende da iniciativa dos titulares das
redes a partir da definição de seus próprios mecanismos.
Muito embora concordemos que não tenha havido suficiente e ampla discussão
sobre o projeto pela sociedade, algo absolutamente necessário dentro do regime
democrático, remanesce a necessidade de fixação de padrões e deveres mínimos
para que provedores também sejam responsabilizados, em alguma medida, por
participar do combate à desinformação em suas plataformas de redes sociais digitais.
Isso não significa que se está aqui a defender a instituição de regulações
intervencionistas ou turvas, que permitam ao Estado adentrar em aspectos
comezinhos do dia a dia das redes sociais digitais, mas sim a previsão legal expressa
de responsabilidade dos provedores em garantir que seus códigos sejam capazes de

323CRUZ, Bruna Souza. PL das fake news: senadores festejam; ativistas e empresas criticam. Tilt.
Disponível em: <https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/07/01/pl-das-fake-news-veja-a-
repercussao-da-votacao-do-senado.htm>. Acesso em: 26 mar. 2021.
125

reduzir a propagação de desinformação e também inserir previsões claras e


transparentes sobre o seu papel e os mecanismos adotados para o combate a esse
mal que põe em risco a democracia e afeta a vida dos usuários.
Nesse sentido, parece-nos salutar que qualquer legislação observe o conjunto
de premissas assumidas por Ricardo Campos e Juliano Maranhão em artigo que
aborda de forma bastante atual e pertinente um exercício de regulação das redes
sociais para combate às fake news.
Muito embora algumas das premissas destinem-se ao tratamento as fake news,
entendemos que, com as pertinentes adaptações, é possível aplicá-las ao âmbito da
desinformação.

1. O discurso pode ser lesivo a bens individuais, como a privacidade, a


imagem e a honra;
2. No ambiente virtual criado pela rede mundial de computadores,
particularmente no âmbito da Internet 2.0, em que a produção de conteúdo é
pulverizada e sua disseminação, além de abrangente e veloz (viralização),
tem seus efeitos potencializados pelas ferramentas de micro-direcionamento,
o discurso de natureza enganosa pode ser lesivo à própria liberdade de
expressão e à democracia;
3. As fake news são um fenômeno peculiar da transição da sociedade de
organizações para a sociedade de redes e sua lesividade decorre não apenas
da falsidade, mas sobretudo de sua enganosidade, ao se aproveitar da
credibilidade das empresas de jornalismo, para divulgar conteúdo que não é
filtrado pelos mecanismos de controle e de responsabilização próprios
daquelas organizações;
4. Entendemos por fake news o que chamamos de “notícias fraudulentas” ou
“notícias falsificadas”, ou seja, o conteúdo falsificado como jornalístico,
produzido e divulgado no formato típico das empresas de jornalismo, nas
diferentes mídias, com potencial lesivo; como corolário, empresas
jornalísticas não produzem “fake news”.
5. A conceituação, identificação ou medidas de controle de fake news devem
respeitar o livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação
artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário ou
qualquer outra forma de manifestação cultural;
6. As fake news ocorrem em ambiente digital em rápida e constante
transformação, de modo que a adequação de sua compreensão, identificação
e combate é mutável, ao longo do tempo, incluindo-se aqui não só as
tecnologias e possíveis remédios para seu tratamento, mas a sua própria
conceituação e critérios de identificação;
7. O reconhecimento dessa mutabilidade e especialidade técnica do seu
domínio, é fundamental que a conceituação e tratamento das fake news
sejam desenvolvidos pelos próprios atores relevantes de mercado, como as
empresas de tecnologia, provedores de conteúdo e provedores de redes
sociais na Internet;
8. Porém, como os mercados de tecnologia, em particular de comunicação
na Internet, possuem efeitos de rede e, consequentemente, tendem a se
estabilizar com empresas líderes detentoras de elevada participação e poder
de mercado, o controle das fake news não deve ser integralmente transferido
aos próprios agentes de mercado, devendo o Estado assumir um papel
regulador, porém, mínimo, com a função de induzir e chancelar, mediante
atendimento de condições mínimas de interesse público, a organização de
autorregulação pelos provedores de redes sociais;
126

9. Qualquer mecanismo de controle que envolva a exclusão ou retirada de


conteúdo ou perfis tem o potencial de afetar a liberdade de expressão, de
modo que a solução deve, ao contrário, combater a desinformação gerada
pela notícia fraudulenta com mais informação e esclarecimentos aos usuários
que acessam aquele conteúdo lesivo veiculado nas redes, o que pode incluir
classificação e visualização privilegiado ao conteúdo esclarecedor em
detrimento do lesivo;
10. A indicação de falsificação para determinada notícia ou perfil pelas
provedoras de redes sociais exige justificação, de modo que seu exercício
deve envolver mecanismos procedimentais que garantam o contraditório e a
possibilidade de defesa daquele conteúdo ou perfil pelo interessado afetado;
11. O efeito lesivo da notícia fraudulenta é célere, de modo que a reação e
controle devem ocorrer em tempo útil;
12. O Poder Judiciário não possui a expertise e velocidade necessárias para
a reação eficiente contra a produção e divulgação de fake news, e, por atuar
caso a caso, não tem ferramentas institucionais para identificar e combater
organizações que estejam por trás de disseminação massiva e articulada de
notícias fraudulentas. Mas deve preservar sua competência exclusiva para
determinar o bloqueio ao acesso ou retirada de conteúdos nas redes sociais,
tal como estabelecido no Marco Civil da Internet.324

Além das premissas acima elencadas, consideramos importante estimular a


colaboração entre diferentes plataformas. O compartilhamento de experiências bem-
sucedidas de combate à desinformação é fundamental, pois a disseminação de
conteúdos enganosos e fraudulentos muitas vezes idênticos ou bastante semelhantes
se dá simultaneamente em diversas plataformas. Nesse sentido, a sensibilização
coletiva e a união de forças contribuem para a enfrentar melhor um inimigo comum ao
mesmo tempo em que estimulam respostas mais rápidas e alinhadas, o que tende a
garantir melhores resultados do que esforços isolados.
Garantir que temos as salvaguardas necessárias contra a propagação de
desinformação na internet não é simples. O fenômeno que coloca em xeque a verdade
no Século XXI e influencia a vida de milhões de pessoas todos os dias não será
derrotado apenas com medidas paliativas, exigindo compromisso de todos, Estado,
empresas e usuários, na adoção de medidas coordenadas e eficazes para reduzir a
disseminação de desinformação enquanto paralelamente implode as redes
organizadas de criação de conteúdos falsos.
Assim, a partir de um movimento regulatório minimalista, mas significativo, será
possível conduzir e estimular práticas autorregulatórias que atendam às expectativas
dos provedores, garantindo-lhes a liberdade de iniciativa e autodisciplina, e aos

324MARANHÃO, Juliano; CAMPOS, Ricardo. Fake news e autorregulação regulada das redes sociais
no Brasil: fundamentos constitucionais. PP. 321-335. In: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson;
CAMPOS, Ricardo (org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos
Tribunais, 2020. p. 321-322.
127

anseios da sociedade, assegurando a transparência e a liberdade de expressão e


informação dos usuários das redes sociais digitais.
128

CONCLUSÃO

A disseminação de desinformação é um problema atual que afeta todo o


mundo. No Brasil, a utilização de táticas de desinformação tem afetado as mais
diversas esferas da sociedade, prejudicando o exercício pleno pelos nossos cidadãos
de direitos e garantias fundamentais constitucionalmente assegurados e afetando o
exercício democrático a partir da circulação de informações distorcidas.
Nesse contexto, as redes sociais digitais estão sob os holofotes da
sociedade. Como um dos principais meios de disseminação de desinformação na
internet, tem-se exigido cada vez mais das plataformas a adoção de medidas mais
claras e eficazes de combate às práticas de disseminação de conteúdos falsos em
suas várias formas.
Apesar disso, as principais redes sociais digitais da atualidade, não
obstante reconheçam publicamente o dano causado às instituições e aos seus
usuários em função da disseminação de desinformação em suas plataformas, ou
ressalvam que não são capazes de controlar o fenômeno ou assumem sua
preocupação com medidas proativas que possam minar a liberdade de expressão nas
redes.
Em função disso, os operadores de redes sociais digitais indicam que
apesar de não procederem com a remoção proativa de conteúdos sabidamente falsos
ou checados por agências especializadas e classificados como enganosos em alguma
medida, utilizam-se de ferramentas de redução da sua visibilidade e a inserção de
rótulos que estimulam os usuários a se informar melhor sobre determinadas
discussões.
Tal medida, apesar de demonstrar algum grau de tratamento do problema
pelos titulares das plataformas, não tem se mostrado eficaz no combate às fontes
promotoras de desinformação, muitas vezes organizadas como verdadeiras redes, e
não tem trazido a transparência esperada para seus usuários sobre os mecanismos
utilizados para reduzir ou classificar publicações e, excepcionalmente, até mesmo
excluí-las ou bloquear usuários.
Isso se dá porque, enquanto entidades privadas, as redes sociais digitais
atribuem para si o direito de definir livremente e como bem entenderem suas Políticas
de Comunidade e os Termos e Condições de Uso das plataformas aos quais os
usuários são submetidos. Ou seja, muito embora travestida de natureza privada, a
129

relação existente entre a plataforma e os seus usuários, uma vez que assimétrica,
supera essa esfera, não estando regida exclusivamente a partir da premissa de livre
consentimento.
Aos usuários as plataformas impõem normas que devem ser seguidas sem
oportunidade de negociação ou questionamento. De igual modo, os operadores, além
de criarem as regras (legislativo), são responsáveis pela sua implantação (executivo)
e pela definição/aplicação das sanções cabíveis em caso de descumprimento
(judicativo), o que fala muito sobre o papel normativo naturalmente assumido por
esses operadores e sua influência na sociedade.
O modelo atual, portanto, enseja questionamentos sobre a sua
compatibilidade com o sistema jurídico brasileiro. Para alguns, o exercício da
liberdade de expressão se encontra ameaçado em função do modelo de tomada de
decisão baseado no arbítrio ou subjetivismo das redes, que parecem incapazes de
assegurar a observância de valores e princípios constitucionais caros e necessários à
efetivação dos direitos e das garantias fundamentais, essenciais dentro de um Estado
Democrático de Direito.
Exige-se, pois, que, na ausência de cominações legais expressas, tais
normas de direito privado, às quais os usuários simplesmente devem aderir sem
direito a questionamento, possuam alguns de seus pilares fundados nos princípios e
garantias constitucionais que regem nossa democracia, assegurando aos seus
usuários o respeito às suas liberdades e direitos.
Apesar de ainda não haver legislação no país que expressamente
discipline, em alguma esfera, o tratamento da disseminação de desinformação nas
redes sociais digitais, o Marco Civil da Internet aborda a retirada de conteúdos do
mundo virtual a partir do requerimento judicial dos interessados, prevendo que os
provedores de aplicações de internet somente serão responsabilizados em caso de
descumprimento de determinação judicial, o que indica que a responsabilidade dos
provedores é subsidiária.
Tanto no âmbito da responsabilidade civil quanto penal, nossos códigos
não abordam expressamente cominações relacionadas à disseminação de
desinformação, cabendo aos jurisdicionados se valerem de dispositivos gerais de
responsabilidade extracontratual, para fins cíveis, e crimes contra a honra, no âmbito
criminal.
130

E, na esfera eleitoral, uma das mais afetadas em função da disseminação


de desinformação, com clara ameaça à credibilidade das instituições e à estabilidade
da democracia, cabe reconhecer o esforço do Tribunal Superior Eleitoral para
combater os efeitos da desinformação e minar os seus agentes, atuando em parceria
com outros agentes públicos e privados para preservar a integridade do processo
eleitoral no país, em especial dos dois últimos pleitos.
Apesar disso, o modelo de reserva de jurisdição adotado pelo Brasil até
aqui, segundo o qual às plataformas não são responsabilizadas enquanto não houver
uma decisão judicial descumprida, limita sobremaneira o interesse das plataformas de
mudar suas práticas e mecanismos de controle, ao mesmo tempo em que transfere
ao Judiciário uma sobrecarga desnecessária a ter de decidir casuisticamente o que é
ou não antijurídico.
Ocorre que, diante do grande volume e da hipervelocidade com a qual
conteúdos impróprios, em especial a desinformação, se propagam, o Poder Judiciário
não é capaz (e nem deveria ser) de controlar repressivamente a disseminação de
desinformação de forma satisfatória nas redes sociais, mostrando-se necessário
buscar novo(s) modelo(s) de combate à desinformação em nossa sociedade.
Nesse cenário, observamos que tanto do ponto de vista público quanto do
ponto de vista privado, as críticas aos modelos de combate à desinformação são
prolíficas. De um lado, inquire-se a legitimidade das redes para moderar o exercício
de direitos e garantias muito caros à sociedade democrática. Do outro, questiona-se
a capacidade do Estado de assimilar o volume, a dinamicidade e a complexidade
desse fenômeno e encontrar formas eficazes de combatê-lo.
Desse conflito nascem as discussões acerca do modelo adequado de
regulação para o combate à desinformação nas redes sociais, perpassando pela
análise da regulação tradicional, promovida pelo Estado (heterorregulação), a
regulação promovida pelos agentes privados detentores do controle das plataformas
(autorregulação) e a combinação de diretrizes públicas advindas do Estado com a
expertise da iniciativa privada, entregando à essa a responsabilidade por estabelecer
parâmetros e critérios técnicos de regulação.
Observamos que por mais robusta que a regulação estatal possa ser, as
incertezas decorrentes da dinamicidade e da velocidade da evolução tecnológica
aliadas à natural dificuldade de quebra da inércia do Estado, dificultam o
131

acompanhamento das mudanças da sociedade das plataformas a partir de um modelo


puramente heterorregulatório.
Assim, a participação das empresas de tecnologia por trás das redes sociais
digitais não só é desejável, mas necessária, tanto porque elas são as detentoras do
poder sobre o código quanto porque nos parece necessário construir um modelo de
accountability que envolva todos os atores capazes de influenciar e interferir no atual
cenário de desordem da informação.
Nesse contexto, o modelo da autorregulação regulada exsurge como uma
forma de compatibilizar as constantes mudanças tecnológicas sem deixar de atender
aos preceitos basilares do interesse público e das garantias fundamentais. É o modelo
da proceduralização, que assegura a centralidade do Estado para a promoção de
regras jurídicas básicas sem deixar de observar a materialização do direito em
princípios abstratos segundo os preceitos constitucionais.
Alia-se, assim, a coercitividade do Estado necessária para que as garantias
individuais e o interesse público sejam respeitados ao poder de influência e a expertise
que garante aos titulares das redes sociais digitais a capacidade de autodisciplinar
suas operações para o cumprimento de certos padrões.
Conscientes da complexidade desse formato, é importante ressaltar que o
presente trabalho não teve o propósito de formular um tratado capaz de teorizar
acerca de todos os aspectos da autorregulação regulada aplicável ao universo das
redes sociais digitais. Tentou-se, ante o exercício reflexivo da aplicação de diferentes
modelos de regulação conjugado à análise da atual conjuntura de desordem da
informação, apontar premissas e fundamentos que refletem a viabilidade e a
adequação de aplicação desse modelo.
Dentre as vantagens apontadas, sobressaem-se, (i) a proximidade da
instituição autorregulamentadora, que também é regulada, com a atividade
autorregulamentada; (ii) a capacidade de acompanhar a dinâmica das mudanças dos
negócios, a exigir intensa e constante revisão de normas e procedimentos; (iii) a
concessão às entidades autorreguladoras para estabelecer e ponderar com maior
flexibilidade normas e princípios de conteúdo ético; (iv) o estímulo ao dever de
accountability decorrente da autonomia conferida às entidades para criar sua
autorregulação; (v) o desestímulo à adoção de práticas corporativistas que visem elidir
ou prejudicar direitos fundamentais dos usuários; (vi) maior segurança jurídica,
132

porquanto fica clara a divisão de responsabilidades entre o regulador público e o


autorregulador privado.
A experiência alemã com a NetzDG, apesar de estimular o debate sobre o
modelo de autorregulação regulada, gerou e continua a passar por críticas a alguns
dos seus aspectos, em especial no que tange à atribuição ao operador da rede social
da responsabilidade por excluir conteúdos que se enquadrem em tipos penais, além
da exigência de criação de mecanismos de monitoramento de comportamentos de
usuários e produção de provas contra particulares que ficam à disposição das
autoridades por períodos definidos.
No Brasil, o modelo alemão influenciou, em certa medida, a propositura do
Projeto de Lei n° 2630/2020, que tem o objetivo de instituir a Lei Brasileira de
Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Em meio a turbulências
políticas e sociais, inclusive no contexto da pandemia da Covid-19, chamou a atenção
de diversas entidades da sociedade civil a velocidade com a qual o projeto tramitou e
foi aprovado no Senado. A falta de debate sobre a proposta legislativa que afeta a
vida de tantas pessoas e empresas vem sendo constantemente reiterada.
A matéria, contudo, ainda não está resolvida do ponto de vista legislativo.
Enquanto o tema é debatido em audiências públicas e passa por comissões da
Câmara dos Deputados, parece-nos que a questão do combate à desinformação nas
redes sociais digitais remanesce como uma faculdade que depende da iniciativa dos
titulares das redes a partir da definição de seus próprios mecanismos.
Independentemente de sua aprovação, o PL n° 2630/2020 abre um leque de
discussões sobre o modelo de autorregulação regulada, suas vantagens e
desvantagens e sua capacidade de se adaptar à realidade do Brasil. Num contexto
em que as redes sociais digitais possuem caráter transnacional, remanesce o desafio
de coordenar o sistema jurídico nacional com padrões e diretrizes globais das
plataformas.
Diante do exposto e dadas as limitações desse trabalho, essa proposta não
deve ser superestimada, mas também não pode ser subestimada, pois tem como
escopo contribuir, ainda que trazendo mais questionamentos, para uma crítica mais
coerente e eficaz dos modelos possíveis de regulação das redes socais para o
combate à desinformação em suas plataformas.
133

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154

APÊNDICES
155

APÊNDICE I

LEI ALEMÃ PARA A MELHORIA DA APLICAÇÃO DA LEI NAS REDES SOCIAIS


(LEI DE APLICAÇÃO NAS REDES - NETZDG)325

1. Setembro de 2017 (BGBI. I p. 3352)

A Lei foi promulgada como “Art. 1 da L. v. 1. 9.2017I3352” do Parlamento


Alemão (Bundestag). Ela entrou em vigor em 01.10.2017 de acordo com o Art. 3º
desta L.
O Parlamento Alemão promulgou a seguinte lei:

Artigo 1
Lei para a Melhoria da Aplicação da Lei nas Redes Sociais
(NetzDG)

§1
Âmbito de Aplicação

(1) Esta lei é válida para os provedores de serviços de telecomunicação que, com
cunho lucrativo, operam plataformas na internet que funcionam de modo que
os usuários possam compartilhar conteúdos indeterminados com outros
usuários ou torná-los acessíveis ao público (redes sociais). Plataformas com
ofertas de cunho jornalístico e redacional que sejam de responsabilidade dos
provedores de serviços não são consideradas como redes sociais no sentido
desta lei. O mesmo é valido para plataformas que são direcionadas para
comunicação individual ou para a difusão de conteúdos específicos.

(2) O provedor de uma rede social está liberado das obrigações dos §§ 2 e 3
quando a rede social tiver, domesticamente, menos do que dois milhões de
usuários registrados.

325Tradução conforme capítulo 16 da obra: ABBOUD, Georges; JR. NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo
(org.), Fake News e Regulação. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2020. P.
338-344.
156

(3) Conteúdos ilícitos considerados no sentido do parágrafo primeiro (nti) são


aqueles que preenchem os tipos penais dos §§ 86, 86a, 91, 100a, 111, 126,
129 a 129b, 130, 131, 140, 166, 184b em conexão com 184d, 185 a 187, 201a,
241 ou 269 do Código Alemão de Direito Penal.

§2
Obrigação de prestar informações

(1) Provedores de redes sociais que tiverem, no ano civil, mais de 100 reclamações
que tratem de conteúdos ilícitos são obrigados a apresentar um relatório
redigido na língua alemã sobre os procedimentos e medidas tomadas em
relação às reclamações relacionadas a conteúdo ilícito em suas plataformas,
respeitando as indicações obrigatórias do parágrafo 2º, a cada seis meses e
publicá-lo tanto no Diário Oficial da República Federal da Alemanha
(Bundesanzeiger) quando no próprio website no mais tardar um mês após o fim
de cada meio ano. O relatório que constar na própria homepage deve ser de
fácil reconhecimento e tornado acessível de forma direta e contínua.

(2) O relatório deve abordar no mínimo os seguintes aspectos:


1. Considerações gerais sobre quais esforços o provedor da rede social
tomou para impedir ações ilícitas na plataforma;
2. Apresentação dos mecanismos de envio e submissão de reclamações
sobre conteúdos ilícitos, além dos critérios de decisão para o apagamento,
retirada ou bloqueio de conteúdos ilícitos;
3. Número de reclamações relativas a conteúdos ilícitos recebidas no período
abarcado pelo relatório, devidamente categorizados por reclamações
provenientes de setores ou gabinetes de reclamações; reclamações
provenientes de usuários e também categorizados segundo motivo da
reclamação;
4. Organização, recurso de pessoal, competência técnica e linguística das
unidades de trabalho responsáveis para o processamento de reclamações,
além do treinamento e supervisão do pessoal competente para o
processamento das reclamações;
157

5. Associações ou filiação à associação profissional ou comercial com


indicação se existe um setor de reclamações nessas associações;
6. Número de reclamações nas quais uma agência ou entidade externa foi
consultada para se chegar a uma decisão;
7. Número de reclamações recebidas no período abarcado pelo relatório que
levaram ao apagamento, retirada ou bloqueio de conteúdos contestados,
devidamente categorizados por reclamações provenientes de setores ou
gabinetes de reclamação; provenientes de usuários, sendo ademais todas
as informações categorizadas por motivo da reclamação; caso se tratou de
um caso de acordo com o § 3, parágrafo 2, número 3, alínea a; se nesse
caso houve um encaminhamento bem sucedido ao usuário; bem como se
houve envio para uma instituição reconhecida de autorregulação regulada,
tal como dispõe o §3, parágrafo 2, número 3, alínea b;
8. O tempo decorrido entre a entrada da reclamação na rede social e a
retirada, apagamento ou bloqueio do conteúdo ilícito, devidamente
categorizados por reclamações de gabinete ou setor de processamento de
reclamações; provenientes de usuários; separadas por motivo da
reclamação, bem como pelos períodos “dentro de 24 horas”/ “dentro de 48
horas”/ “dentro de uma semana”/ “mais do que uma semana”;
9. Medidas tomadas para orientação e instrução sobre a decisão que recaiu
sobre a reclamação, tanto no que toca o reclamante, quanto no que toca o
usuário, cujo conteúdo contestado foi salvo ou armazenado.

§3
Tratamento de reclamações sobre conteúdos ilícitos

(1) O provedor de uma rede social deve dispor de um procedimento contínuo,


efetivo e transparente de acordo com os parágrafos 2 e 3 para o tratamento de
reclamações sobre conteúdos ilícitos. O provedor deve colocar à disposição
dos usuários um procedimento de tratamento, processamento e
encaminhamento de reclamações sobre conteúdos ilícitos que seja de fácil
reconhecimento, acessível diretamente e de forma ininterrupta.

(2) O procedimento deve garantir que o provedor da rede social:


158

1. Tome conhecimento imediato da reclamação e comprove se o conteúdo


indicado na reclamação é ilícito, devendo ser retirado, ou se o acesso a ele
deve ser bloqueado,
2. Retire ou bloqueie acesso a um conteúdo que seja manifesta e
evidentemente ilícito dentro de 24 horas após o recebimento da
reclamação. Isso não se aplica nos casos em que a rede social tenha
acordado em conjunto com as autoridades policiais e o Ministério Público
(Strafverfolgungsbehörde) em adotar um período mais longo para retirada
ou bloqueio do conteúdo evidentemente ilícito,
3. Retire ou bloqueie o acesso de todo conteúdo ilícito rapidamente, em regra
dentro de sete dias após o recebimento da reclamação; o prazo de sete
dias pode ser ultrapassado quando:
(a) A decisão sobre a ilicitude do conteúdo dependa da inverdade de uma
alegação de fato ou dependa evidentemente de outras circunstâncias
de natureza factual; nestes casos, a rede social pode dar ao usuário a
oportunidade de defesa e posicionamento no âmbito da reclamação
antes da tomada de decisão;
(b) A rede social remeta a decisão sobre a ilicitude para instituição de
regulação autorregulada, devidamente reconhecida conforme os
parágrafos 6 a 8, dentro de um prazo de sete dias contados a partir do
recebimento da reclamação e se submeta à decisão;
4. Assegure e salve, para fins de comprovação, o conteúdo eventualmente
retirado, e o mantenha, para essa finalidade, por um período de dez
semanas dentro do âmbito de validade das Diretivas 2000/31/CE e
2010/13/UE,
5. Informe sem atraso o reclamante e o usuário sobre toda decisão e as
fundamente e justifique em relação a eles.

(3) O procedimento deve prever que toda reclamação, bem como todas as
medidas que foram tomadas em decorrência delas, devem ser documentadas
dentro do âmbito de validade das Diretivas 2000//31/CE e 2010/13/EU.

(4) O tratamento e processamento de reclamações deve ser supervisionado pela


diretoria da rede social por controles mensais. Deficiências organizatórias no
159

tratamento das reclamações recebidas devem ser imediatamente retificadas. A


diretoria da rede social deve, regularmente, no mínimo semestralmente,
oferecer às pessoas encarregadas de processamento de reclamações, cursos
e suporte em orientação, assessoria e treinamento a serem realizados na
língua alemã.

(5) Os procedimentos de acordo com o parágrafo 1 podem ser supervisionados


por uma agência especificamente autorizadas por autoridade administrativa
conforme disposto no § 4.

(6) Uma instituição deve ser considerada uma instituição de autorregulação


regulada no sentido dessa lei, quando:
1. A independência e o conhecimento técnico de seus analistas sejam
garantidos;
2. Ela disponha de uma estrutura e de equipamentos que sejam tecnicamente
apropriados e garanta uma rápida comprovação de conteúdo dentro de
sete (7) dias;
3. Ela disponha de um regramento procedimental que regule a abrangência e
o procedimento da análise, bem como as obrigações de submissão da rede
social associada, além de prever a possibilidade de revisão das decisões;
4. Ela disponha de um setor ou gabinete de serviço de reclamações
(Beschwerdestelle) e
5. A instituição seja composta por diversos provedores de redes sociais ou
instituições que assegurem uma estrutura e equipamentos tecnicamente
adequados. Ademais, a instituição deve ser aberta para a entrada de outros
provedores, principalmente redes sociais.

(7) A decisão sobre o reconhecimento de uma instituição de autorregulação


regulada compete às autoridades administrativas arroladas no § 4.

(8) O reconhecimento pode ser retirado total ou parcialmente, ou tornar-se


dependente da comprovação de outros requisitos suplementares, caso alguma
das condições para o reconhecimento se tornem subsequentemente não
satisfeitas.
160

(9) A autoridade administrativa nomeada de acordo com o § 4 pode também


determinar que a possibilidade de um provedor de rede social de remeter as
decisões do parágrafo 2, número 3, alínea “b” seja passível de ser barrada por
um período de tempo determinado, quando há expectativa razoável de que
esse provedor não cumprirá com as obrigações do parágrafo 2, número 3, ao
se filiar a uma entidade de autorregulação regulada.

§4
Disposições sobre multas pecuniárias

(1) Comete infração administrativa (handelt ordnungswidrig) quem, intencional ou


negligentemente,
1. Em desacordo com o § 2, parágrafo 1, frase 1, falha em produzir um
relatório, ou o faz de maneira incorreta, incompleta ou intempestiva ou falha
em publicá-lo, ou o faz de forma incompleta, de forma distinta da forma
prescrita ou de forma intempestiva;
2. Em desacordo com o § 3, parágrafo 1, frase 1, deixa de prover e garantir,
ou o faz de maneira incorreta ou incompleta, o procedimento mencionado
neste dispositivo legal que prevê o tratamento de reclamações de setores
de reclamação (Beschwerdestellen) ou de usuários residentes ou
domiciliados no país;
3. Em desacordo com o § 3, parágrafo 1, frase 2, falha em colocar à
disposição um procedimento lá mencionado, ou o faz de maneira incorreta;
4. Em desacordo com o § 3, parágrafo 4, frase 1, falha em supervisionar o
tratamento das reclamações, ou o realiza de forma incorreta;
5. Em desacordo com o § 3, parágrafo 4, frase 2, falha em retificar uma
deficiência organizacional ou o faz de maneira intempestiva;
6. Em desacordo com o § 3, parágrafo 4, frase 3, deixa de oferecer orientação
ou treinamento, ou o faz intempestivamente;
7. Em desacordo com o § 5, falha em nominar um mandatário autorizado a
receber citações na República Federativa da Alemanha ou destinatário
autorizado a receber e responder pedidos de informações das autoridades
do Governo Federal Alemão; ou
161

8. Em desacordo com o § 5, parágrafo 2, frase 2, deixa de prestar informações


requeridas enquanto atuando como pessoa autorizada a receber serviço.

(2) A infração administrativa, nos casos do parágrafo primeiro, números 7 e 8, pode


ser sancionada com uma multa pecuniária em valor de até quinhentos mil euros
(500.000,00 EUR) e nos outros casos do parágrafo primeiro como uma multa
pecuniária de até 5 (cinco) milhões de euros. Deve-se aplicar o § 30, parágrafo
2, frase 3 da Lei de Infrações Administrativas (Gesetze über
Ordnungswidrigkeiten).

(3) A infração administrativa pode ser sancionada ainda que tenha sido cometida
fora da República Federativa da Alemanha.

(4) As autoridades administrativas competentes, no sentido do § 36, parágrafo


primeiro, número 1 da Lei de Infrações Administrativas (Gesetze über
Ordnungswidrigkeiten), é o Gabinete Federal de Justiça da Alemanha
(Bundesamt für Justiz). O Ministério Federal de Justiça e Proteção ao
Consumidor, NT2, em concordância com o Ministério Federal do Interior e o
Ministério Federal para Economia e Energia, além do Ministério Federal para
Tráfego e Infraestrutura Digital, NT3, deverá emitir princípios administrativos
sobre o exercício deste poder das autoridades de aplicação de multas
pecuniárias na redação de um procedimento para a aplicação e cálculo das
multas.

(5) Caso a autoridade administrativa queira basear sua decisão na ilicitude do


conteúdo não retirado ou bloqueado no sentido do §1, parágrafo 3º, ela deverá
primeiramente obter uma decisão judicial declarando a ilicitude. O tribunal
competente é aquele que decido sobre o recurso contra a multa pecuniária. O
pedido para decisão com título prejudicial deve ser encaminhado ao tribunal
juntamente com o posicionamento da rede social. O pedido pode ser decidido
mesmo sem audiência oral. Não caberá recurso da decisão, que é vinculante
para as autoridades administrativas.
162

§5
Representantes legais domésticos

(1) Provedores de redes sociais devem nomear imediatamente um mandatário


judicial na República Federativa da Alemanha e devem tornar essa informação
disponível em sua plataforma de forma facilmente reconhecível e diretamente
acessível. A esta pessoa poderão ser dirigidos os atos processuais de acordo
com o § 4 ou processos judiciais de tribunais alemães em decorrência da
difusão de conteúdos ilícitos. Isso vale também para as intimações e
recebimento de documentos, que iniciam tais procedimentos e processos.

(2) Para requerimentos de informações de autoridades penais da República


Federativa da Alemanha é necessário nomear um representante legal capaz
no país. A pessoa competente para a representação legal é obrigada a prestar
as informações requisitadas na frase 1 em período de 48 horas. Quando os
requerimentos não forem respondidos com informações que esgotem as
demandas deve-se apresentar os motivos para estas omissões na resposta.

§6
Disposições transitórias

(1) O relatório referido no § 2 será exigido pela primeira vez no primeiro semestre
de 2018.

(2) Os procedimentos referidos no § 3 devem ser depositados dentro de três


meses da entrada em vigor dessa lei. Caso o provedor de uma rede social
cumpra com as condições do § 1 apenas em um momento mais tardio que este,
então os procedimentos relativos ao § 3 devem ser depositados três meses
após este momento.
163

Artigo 2
Alteração da Lei de Telecomunicações

A Lei de Telecomunicações de 26 de fevereiro de 2007 (BGB1. I S. 179, 251),


que foi alterada pela última vez pelo Artigo 1 da Lei de 21 de julho de 2016 (BGB1.
I S. 1766), é alterada da seguinte maneira:

1. Os parágrafos 3 a 5 serão adicionados ao § 14, como segue:


(3) O prestador de serviço poderá, em casos determinados, fornecer
informações sobre dados de subscritos que estejam em sua posse, apenas
na medida em que isso seja indispensável para o cumprimento de
demandas civis resultantes de violações de direitos absolutamente
protegidos por parte de conteúdos ilícitos que são regulados pelo §1,
parágrafo 3 da Lei de Melhoria da Aplicação da Rede
(Netzwerkdurchsetzungsgesetzt).
(4) Para o fornecimento de informações de acordo com o parágrafo 3 é
necessária uma permissão judicial sobre a admissibilidade e possibilidade
desse fornecimento de informação; o requerimento para essa permissão
judicial deverá ser feito pelo ofendido. A competência para essa permissão
é do Tribunal de Comarca (Landgericht), independentemente do valor da
causa. Competência territorial recai ao tribunal que está na jurisdição em
que o ofendido tem seu domicílio ou residência. A decisão é tomada pela
Vara Cível (Zivilkammer). Para o procedimento valem os dispositivos
correspondentes da Lei sobre o Processo em matérias de Famílias e
matérias não contenciosas (Gesetztes über das Verfahren in
Familiensachen und in den Angelegenheiten der freiwilligen
Gerichtsbarkeit). Os custos do mandado judicial recaem sobre o ofendido.
Cabe reclamação contra a decisão do tribunal de comarca.
(5) O fornecedor de serviços pode adentrar o processo como interessado
conforme disposto no parágrafo 4. Ele pode instruir os usuários sobre o
início do processo.

2. No § 15 parágrafo 5, a frase 4 recebe a seguinte redação:


“§ 14 parágrafo 2 a 4 recebem aplicação correspondente”.
164

Artigo 3
Entrada em vigor

Esta Lei entra em vigor no dia 1º de outubro de 2017.


São observados os direitos constitucionais do Conselho Federal Alemão
(Bundesrat).
A Lei acima está promulgada e deve ser publicada no Diário Oficial da
República Federativa da Alemanha (Bundesgesetzsblatt).

Berlim, 1º de setembro de 2017.

O Presidente da República Federativa Alemã (Der Bundespräsident)


Steinmeier

A Chanceler (Die Bundeskanzlwerin)


Dr. Angela Merkel

O Ministro de Justiça para a Proteção do Consumidor (Der Bundesminister


der Justiz für Verbraucherschutz)
Heiko Maas
165

APÊNDICE II

VISÃO GLOBAL GERAL DA


LEGISLAÇÃO SOBRE FAKE NEWS326

LEGISLAÇÃO
RESPOSTAS DAS
PAÍS EMPRESAS DE
PARTE TECNOLOGIA
STATUS AÇÕES PRESCRITIVAS
RESPONSÁVEL
Facebook ressaltou
que essa lei pode
encorajar as redes
A lei de uso das redes sociais a removerem
estabelece multas para conteúdos que não são
redes sociais de até 50 evidentemente ilegais,
milhões de euros se eles em razão da multa
falharem em remover estabelecida ser
conteúdos obviamente desproporcional. Isso
ilegais no prazo de 24 horas iria transferir a
após o recebimento da responsabilidade de
reclamação. Nos casos em decisões legais que
que seja necessária uma Empresas de são complexas das
Alemanha Aprovado
investigação a fundo a tecnologia autoridades
respeito do conteúdo online responsáveis para
ofensivo, as redes sociais empresas privadas. O
devem bloquear o conteúdo Facebook testou suas
em questão dentro do prazo próprias ferramentas
de sete dias. Em não sendo para combater fake
adotado tal medida, será news durante as
aplicável multa. A Lei não eleições na Alemanha
parece ser aplicável fora do em 2017, como uma
território nacional. resposta ao pedido do
governo de ações a
serem adotadas com
tal finalidade.
O Facebook afirmou
não possuir bots em
Legislação Anti Bots
sua plataforma graças
proposta por Ministros de
a sua política de banir
Justiça em três estados
perfis falsos. O Twitter
alemães diferentes (Hessen,
Alemanha Pendente Desconhecido insistiu que a empresa
Saxony-Anhalt e Bavaria)
aplica estritamente
para regular contas em
suas políticas anti-bot,
redes sociais automatizadas
como a proibição de
que compartilham fakenews.
automação de retuítes
e favoritamento.

326HACIYAKUPOGLU, Gulizar; YANG HUI, Jennifer; SUGUNA, V.S.; LEONG, Dymples; RAHMAN;
Muhammad Faizal Bin Abdul. Countering Fake News. A survey of recent global iniciatives. Disponível
em: <https://www.rsis.edu.sg/wp-content/uploads/2018/03/PR180416_Countering-Fake-News.pdf>.
Acesso em: 06 jan. 2021..
166

LEGISLAÇÃO
RESPOSTAS DAS
PAÍS EMPRESAS DE
PARTE TECNOLOGIA
STATUS AÇÕES PRESCRITIVAS
RESPONSÁVEL
Uma proposta legislativa
submetida em em 7 de
fevereiro de 2017 no
Senado da República prevê
a adoção do Artigo 656-bis
do Código Penal. Usuários
que publicarem ou
compartilharem online fake
news e informações
exageradas ou enviesadas
Itália Pendente Indivíduos Não se manfestaram
que induzam ao erro
deverão enfrentar multas de
até 5.000 euros. Esta
disposição se aplicaria
apenas a publicações online
que não sejam registradas
como “jornais online”. A
legislação proposta não
parece abordar a aplicação
extraterritorial.
Todas as plataformas online
deverão publicar dentro de
48hrs após pedido,
declarado ou pedido de
retificação enviado por
qualquer pessoa que tenha
se sentido prejudicado por Administradores
Itália - Não se manfestaram
alguma publicação ou ainda de websites
que declare que aquela
informação é falsa, contato
que tais declarações sejam
legais. A não retificação é
punível com multas de 500
a 2000 euros.
Provedores de serviços de
internet devem monitorar
todo conteúdo,
especialmente aqueles que
gerem grande comoção e
interesse dos usuários com
a finalidade de avaliar a Provedores de
Itália - confiabilidade e veracidade serviços de Não se manfestaram
do conteúdo. Se esses internet
provedores entenderem que
certo conteúdo não atende a
esses requisitos, devem
removê-lo imediatamente ou
serão passíveis de
aplicação de multa.
167

LEGISLAÇÃO
RESPOSTAS DAS
PAÍS EMPRESAS DE
PARTE TECNOLOGIA
STATUS AÇÕES PRESCRITIVAS
RESPONSÁVEL
Escolas seriam obrigadas a
ensinar os alunos sobre
alfabetização midiática e
Itália - Escolas Não se manifestaram
jornalismo cidadão a fim de
protegê-los contra fake
news.
O projeto de lei nº 1492 do
Senado proposto, intitulado
“Uma lei que penaliza a
distribuição maliciosa de
notícias falsas e outras
violações relacionadas”,
define notícias ou
informações falsas como
“aquelas que pretendem
causar pânico, divisão,
caos, violência e ódio, ou
aqueles que exibem uma
propaganda para denegrir
ou desacreditar a reputação
de alguém”. Qualquer
pessoa provada culpada
de estar envolvida na Indivíduos e
Filipinas Pendente criação ou distribuição de empresas de Não se manifestaram
notícias falsas enfrentará tecnologia
multas e prisão. Se o
infrator for funcionário
público, deverá pagar o
dobro da multa e cumprir o
dobro do período de
reclusão, inabilitado para
exercer qualquer cargo
público. Empresas de mídia
de massa ou plataformas de
mídia social que falharem,
negligenciarem ou se
recusarem a remover
notícias falsas enfrentarão
multas e prisão. O projeto
de lei proposto não trata da
aplicação extraterritorial.
168

LEGISLAÇÃO
RESPOSTAS DAS
PAÍS EMPRESAS DE
PARTE TECNOLOGIA
STATUS AÇÕES PRESCRITIVAS
RESPONSÁVEL
Um dos autores
da lei, Deputador
Sergey
Boyarsky,
Dois legisladores russos do confirmou aos As empresas de redes
Estado de Duma, maior críticos que a lei sociais russas reagiram
partido da Rússia Unida, tem como de maneira negativa a
propuseram uma lei para principal lei. Vkontakte, uma
que a publicação de destinatários as plataforma de rede
informação falsa em redes empresas de social russa, por
Russia Pendente sociais seja considerado redes sociais e exemplo, ressaltou que
crime e punível com severas não os usuários. as medidas propostas
multas. A lei seria aplicável Afirmou que não podem conter o
a indivíduos e grandes ficaria a cargo de impacto das
corporações. O projeto de "organizadores informações falsas e
lei não parece ser aplicável de são impossíveis de
fora do território nacional. compartilhament serem implementadas.
o de informação
deletar as
informações
ilegais".
Nas audiÊncias do
Senado Americano em
O Ato de Anúncios
novembro de 2017,
honestos, um projeto
representantes do
bipartidário, exigiria que as
Facebook, Google,
empresas de internet
Twitter foram
divulgassem detalhes sobre
questionados se as
as políticas dos anúncios
empresas apoiariam
colocados nas plataformas.
essa lei. Sem
Estados O ato proposto se aplicará a Empresas de
Pendente consentirem
unidos outros países através da tecnologia
explicitamente com as
procura de contribuições,
condições da lei, os
despesas e desembolsos
representantes
para comunicação em
afirmaram que as
campanha eleitoral de
empresas de
nações estrangeiras na
tecnologia fariam tudo
forma de propagandas
que estivessem ao seu
online.
alcance para conter as
fakenews.

Um inquérito de Fakenews
foi convocado em 2015 pelo
Comitê de Digital, Cultura,
Mídia e Esportes da Câmara O comitê escreveu
dos Comuns para entender para o Facebook e o
o fenômeno das fakenews e Empresas de Twitter solicitando
Reino unido Pendente
o seus impacto na tecnologia detalhes de anúncios
sociedade, segurança de contas ligadas a
nacional e processos Rússia.
democráticos. Atualmente
não está claro se o inquérito
irá analisar legislação.
169

LEGISLAÇÃO
RESPOSTAS DAS
PAÍS EMPRESAS DE
PARTE TECNOLOGIA
STATUS AÇÕES PRESCRITIVAS
RESPONSÁVEL
O Parlamento Australiano
está estabelecendo um
Empresas de Na audiência pública
Comitê Selecionado para o
tecnologia, que aconteceu em 22
futuro do interesse público
anunciantes de agosto de 2017, o
Em no jornalismo a fim de
online e outras Google e o Facebook
Austrália andament examinar o impacto das
partes que fizeram uma submissão
o fakenews e contramedidas.
possam se que inclui ações se
Isso inclui estudar se é
beneficiar de comprometendo ao
necessário legislação
desinformação. trato de fakenews.
específica para conter as
fakenews.
Após uma reunião em
Israel em setembro de
2016, o Facebook
disse que não tolera o
Em janeiro de 2017, o terrorismo e concordou
parlamento israelense em criar equipes
aprovou a primeira leitura de conjuntas para
um novo projeto de lei que combater o incitamento
permitiria aos Tribunais de online. A plataforma
Assuntos Administrativos de também espera
Empresas de
Israel Pendente Israel ordenar às empresas continuar um “diálogo
Tecnologia.
de mídia social a remoção construtivo” com Israel
de conteúdo online que discuta as
considerado incitamento à “implicações deste
violência. O projeto de lei projeto de lei para a
proposto não trata da democracia israelense,
aplicação extraterritorial. a liberdade de
expressão, a Internet
aberta e o dinamismo
do setor de Internet
israelense”.
O magistrado do distrito de
Varanasi emitiu uma ordem
conjunta declarando que um
primeiro relatório de
investigação pode ser feito
Administradores
contra o administrador de
India Aprovado de grupos de "NIL"
um grupo de mídia social se
redes sociais
notícias falsas estiverem
circulando em seu grupo de
mídia social. A ordem
conjunta não trata da
aplicação extraterritorial.
170

LEGISLAÇÃO
RESPOSTAS DAS
PAÍS EMPRESAS DE
PARTE TECNOLOGIA
STATUS AÇÕES PRESCRITIVAS
RESPONSÁVEL

Em Outubro de 2017, as
comissões de Rádio-
Televisão e Comunicação
do Canadá retiraram uma
proposta para revogar uma
Implement regra a respeito de
Canada Mídia de massa "NIL"
ado "proibição de conteúdo de
programação" que incluía a
transmissão de fakenews.
Essa regra não possui
aplicação fora do território
canadense.

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