(R. PAUL) A Questão Do Aborto (Instituto Rothbard)

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A questão do aborto sempre dividiu

amargamente populações de vários países. É um


triste espetáculo, principalmente quando
consideramos que o fato de uma política social
ficar a cargo do estado, principalmente em nível
federal, já é uma violação das liberdades
individuais de qualquer cidadão. É igualmente
triste perceber que um grande número de
indivíduos acredita que sua liberdade depende
exclusivamente de leis estatais, seja do Supremo
Tribunal ou de qualquer outra instância pública.
Não há qualquer argumento que justifique
haver um “direito ao aborto” patrocinado pelo
governo. A federalização da lei do aborto,
permitindo-o ou proibindo-o, baseia-se
unicamente nas idéias sociais e políticas criadas
pelos tribunais estatais.
Portanto, o governo federal não tem
qualquer autoridade para regular a questão do
aborto. Por que ao menos não deixar a cargo das
legislaturas estaduais ou municipais decidirem
sobre política social? Certamente as pessoas em
ambos os lados do debate sobre o aborto sabem
que é muito mais fácil influenciar o governo em
níveis estaduais e municipais. A federalização
das questões sociais, originalmente propugnadas
pela esquerda, mas hoje amplamente adotadas
pela direita, simplesmente impede que os estados
aprovem leis que reflitam mais de perto as visões
de seus cidadãos. Ao aceitarmos a federalização
da lei do aborto – bem como de qualquer outra
lei – perdemos a capacidade de aplicar os padrões
da comunidade local às questões éticas.
Aqueles que defendem uma cultura pró-
vida têm de aceitar que nunca conseguiremos
convencer toda uma nação a concordar conosco.
Uma cultura pró-vida pode ser construída apenas
de baixo para cima, começando em nível local e
dali aumentando seu escopo de influência, de
pessoa para pessoa. Há muito temos encarado a
batalha como sendo algo puramente político, mas
nenhuma vitória política pode mudar uma
sociedade já degradada. Nenhuma decisão do
Supremo Tribunal, contra ou a favor, pode
instituir o respeito pela vida. E nenhum juiz de
um Supremo Tribunal pode salvar nossas
liberdades se nós mesmos não estivermos
dispostos a lutar por elas.
Uma postura libertária contra o aborto
Minha posição pró-vida foi fortalecida pela
minha própria experiência como obstetra. Creio
sem qualquer sombra de dúvida que um feto é
uma vida humana merecedora de proteção legal,
e que o direito à vida é a base de qualquer
sociedade moral. A questão do aborto forjou
minha crença de que a lei e a moralidade devem
se cruzar para proteger os mais vulneráveis entre
nós. E se há alguma função para o estado, esta
deveria ser a proteção dos direitos naturais dos
indivíduos.
Mas será que ter essa postura antiaborto é
inerentemente inconsistente com a filosofia
libertária? Muitos libertários parecem acreditar
que sim. O aborto, de acordo com eles, é uma
moralidade legislativamente forçada e defendida
por conservadores pró-estado que querem impor
sua fé e sua moral sobre o resto de uma sociedade
avessa a isso. E mais: eles dizem que essa postura
é estatista e totalitária, pois invalida o direito da
mãe em terminar sua gravidez. Sendo assim, o
estado estaria sobrepujando os direitos dos pais e
decidindo pela mãe – contra sua vontade – que
ela deve sim trazer uma criança ao mundo.
Mas seria isso mesmo? Sustento que não,
em absoluto. Ao invés de ser uma emancipadora
manifestação da liberdade de escolha pessoal
contra a intrusão governamental, o “direito” ao
aborto é em si uma medida estatista totalmente
consistente com a ideologia esquerdista que
pretende ditar como a sociedade e o governo
devem funcionar. Essa postura em nada ajuda a
promover a causa da liberdade. Ao contrário, ela
faz com que os princípios da liberdade e da
responsabilidade pessoal fiquem anos-luz
atrasados. A postura pró-vida é muito mais
consistente com o ideal libertário do que a
postura alternativa acima delineada.
Dado que muito material já foi escrito
debatendo quando a vida de fato começa, seria
tolice gastar tempo sobre o assunto neste espaço.
Direi apenas que aqueles que argumentam que
um feto em desenvolvimento não é de maneira
alguma um ser humano têm muita evidência
científica contra eles. Já está bem documentado
que há um coração batendo após 18 dias de
fertilização e que a formação de ondas cerebrais
já ocorre após um mês e meio (tenha em mente
também que a maioria dos abortos ocorre bem
depois desses desenvolvimentos).
Longe de ser apenas uma “bolha de carne”
ou um acessório sem vida dentro de uma mulher,
os defensores do aborto cada vez mais estão
sendo confrontados com a inerente humanidade
do feto em desenvolvimento. Tentar determinar
um tempo preciso para o início da vida ignora
várias evidências científicas que mostram
justamente que todos os ingredientes necessários
para isso já são apresentados logo no início da
gravidez. A idéia comumente aceita para se
decretar o status de vida é aquela que compara o
feto a um humano completamente desenvolvido
(ou, utilizando o argumento mais extremo dos
abortistas, que a vida começa realmente apenas
quando o bebê já saiu completamente do corpo
da mãe durante o parto). Isso é uma
irresponsabilidade. Longe de ser apenas uma
bolha de carne, ou uma simples forma de vida
análoga a uma bactéria ou a uma fruta em
crescimento, uma abordagem moral e filosófica
mais responsável seria ver aquilo que está dentro
do útero como sendo aquilo que realmente é: um
ser humano em desenvolvimento.
Considerando-se tudo isso, a sanção estatal
do aborto nada mais é do que uma troca de
direitos. Lembre-se que, como foi dito, o aborto
é defendido por alguns como um caminho para a
liberação e para a responsabilidade pessoal da
mãe. O argumento é que nem o estado nem
qualquer outro ser humano (especialmente os
homens) têm o direito de dizer à mãe o que fazer
com seu próprio corpo. Parece correto, certo?
Nem tanto.
Tal postura convenientemente ignora o fato
de que dentro da mãe jaz uma entidade que é
completamente distinta dela. (O argumento de
que o aborto é legítimo pois a criança depende da
mãe para sua sobrevivência não precisa ser
limitado ao útero; ele pode facilmente ser
estendido a crianças recém-nascidas e até mesmo
a incapacitados e idosos). Portanto, está havendo
uma troca de liberdades e direitos. A mãe está
ganhando direitos e privilégios especiais ao
mesmo tempo em que a criança está perdendo
seus direitos. Um lado está ganhando à custa do
outro. Esse arranjo em nada difere das várias
outras invenções esquerdistas e estatistas que
prejudicam alguns para o benefício de outros.
É de se pensar como exatamente esse
arranjo é libertário e pró-liberdade. Ao dar às
mães o direito aprovado pelo estado de terminar
uma gravidez está-se ignorando os direitos e
interesses das outras partes envolvidas na
questão. Primeiro, essa medida anula
completamente o poder de decisão do homem na
questão (ainda que reconhecidamente a maioria
dos homens que engravidam essas mulheres nada
mais são do que “doadores de esperma”, por
assim dizer, mas esse nem sempre é o caso).
Segundo, há uma anulação completa da vida da
criança em gestação, em meio a evidências cada
vez mais conclusivas de que aquilo que está no
útero é de fato uma vida. Mas como ese bebê foi
concebido em um momento inoportuno, azar o
dele. Ele simplesmente não tem direitos. Esse
não parece ser um conceito muito libertário.
E quanto à liberdade pessoal e à
responsabilidade? Mais uma vez, percebe-se que
aqueles que defendem o aborto em termos da
liberdade pessoal estão vendo apenas um lado da
história. Eles não têm qualquer problema em
negar o direito à vida e à liberdade da criança que
está no útero (baseando-se, veja bem, não em
filosofia, ciências biológicas ou na razão moral,
mas apenas em argumentos políticos e
sociológicos).
Já é hora de os defensores da liberdade e da
responsabilidade pessoal colocarem mais pressão
sobre as pessoas promíscuas e sexualmente
irresponsáveis para que elas tomem medidas
adequadas para evitar a gravidez. É moral e
intelectualmente injusto fazer com que uma
criança indesejada carregue o fardo pelas ações
irresponsáveis de terceiros. Ao passo que os
libertários diriam corretamente que não é função
do estado tentar corrigir o comportamento e as
atitudes equivocadas dos outros, também não faz
sentido que o estado sancione leis agressivas e
contra a vida que irão punir inocentes pelos erros
de seus pais. Isso não é nada libertário. Trata-se
de uma liberdade seletiva, que utiliza agressão
contra crianças indefesas.
Isso nos leva à consideração final: o aborto
viola o princípio da não-agressão. A mãe (ou os
pais), normalmente como resultado da própria
irresponsabilidade, toma (tomam) a decisão
unilateral de acabar com uma vida. A criança
obviamente não tem voz nessa questão. Os pais
abortistas e o estado tomam a decisão pela
criança, e prematuramente terminam sua vida.
De novo, não é uma atitude muito libertária.
A questão política
Entretanto, esse embate não deve se dar no
campo político. Sabemos que a moralidade é
algo que deve ser intrínseca às leis, não importa o
que os secularistas digam. Mas a moralidade não
é intrínseca à política. A política nada mais é do
que um mecanismo de se obter poder sobre as
vidas das pessoas através do poder estatal. A
política é a rejeição da santidade da vida. Assim,
é um erro supor que uma cultura pró-vida possa
ser implantada por meio da persuasão política ou
do poder governamental. O respeito pela vida
humana se origina de indivíduos agindo de
acordo com sua consciência. A moralidade não é
algo que pode ser imposto. Uma consciência pró-
vida é estimulada pela religião, pela família e pela
ética, não pelo governo. A história já nos ensinou
que os governos esmagadoramente violam a
santidade da vida humana; eles nunca a
defendem.
A idéia de que um estado todo-poderoso e
centralizado deva fornecer soluções monolíticas
para os nossos dilemas éticos é completamente
descabida e equivocada. As decisões, como foi
dito, devem ser tomadas descentralizadamente,
em nível local ou, no máximo, estadual.
Entretanto, atualmente estamos sempre
procurando uma solução federal para todo e
qualquer problema social, ignorando os saudáveis
limites que devem ser impostos a um governo
federal, solapando assim nossas liberdades. O
resultado é um estado federal que
crescentemente vai tomando decisões ao estilo
“tudo ou nada”, alienando grandes segmentos da
população.
Como libertário, defendo a causa pela vida
não apenas em termos morais e espirituais, mas
também filosoficamente, utilizando os princípios
da não-agressão e da liberdade individual. Um
governo que sanciona o aborto sanciona a
agressão (não à toa, o aborto foi a política de
todos os países comunistas), dando direitos e
privilégios a alguns (as mães) enquanto injuria e
tira os direitos de outros (as crianças não-
nascidas). Essa troca de direitos, bem como a
agressão patrocinada pelo estado, não é algo
libertário, como a maioria dos libertários
“mainstream” presume. Trata-se unicamente do
modelo-padrão estatista que determina como a
sociedade e o governo devem funcionar. Tal
postura é, em última análise, injusta, imoral e
destrutiva.
Esse conceito tem muito mais em comum
com a filosofia da esquerda intervencionista do
que com a filosofia da liberdade. E não há nada
de libertário nisso.

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