Escola Que Protege
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Escola que
Protege:
enfrentando
a violência
contra crianças
e adolescentes
Lançada pelo Ministério da Educação
e pela UNESCO em 2004, a Coleção Edu-
cação para Todos é um espaço que visa,
por meio da divulgação de textos, docu-
mentos, relatórios de pesquisas e eventos
e estudos de pesquisadores, acadêmicos
e educadores nacionais e internacionais,
a aprofundar o debate em torno da busca
da educação para todos.
A partir desse debate, espera-se pro-
mover a interlocução, a informação e a for-
mação de gestores, educadores e demais
pessoas interessadas no campo da edu-
cação continuada, assim como reafirmar
o ideal de incluir socialmente um grande
número de jovens e adultos excluídos dos
processos de aprendizagem formal, no
Brasil e no mundo.
Para a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade
(Secad), órgão do Ministério da Educação
responsável pela Coleção, a educação
não pode separar-se, nos debates,
de questões como desenvolvimento
socialmente justo e ecologicamente
sustentável; direitos humanos; gênero e
diversidade de orientação sexual; escola e
proteção a crianças e adolescentes; saúde
e prevenção; diversidade étnico-racial;
políticas afirmativas para afrodescendentes
e populações indígenas; educação para
as populações do campo; educação de
jovens e adultos; qualificação profissional e
mundo do trabalho; democracia, tolerância
e paz mundial.
O livro Escola que Protege: enfrentan-
do a violência contra crianças e adoles-
centes tem como objetivo compartilhar
com profissionais de educação, entre
outros, os conhecimentos acumulados so-
bre as diferentes formas pelas quais essa
violência se manifesta, os espaços sociais
que promovem as ações agressivas e as
principais situações de risco.
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Escola que
Protege:
enfrentando
a violência
contra
crianças e
adolescentes Vicente de Paula Faleiros
Eva Silveira Faleiros
2ª Edição
Brasília, 2008
Edições MEC/Unesco
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Escola que
Protege:
enfrentando
a violência
contra
crianças e
adolescentes Vicente de Paula Faleiros
Eva Silveira Faleiros
2ª Edição
Brasília, 2008
© 2008. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da
Educação (Secad/MEC) e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (Unesco)
Coordenação Editorial
Coordenação: Fernanda Severo
Assistente e revisor: Fábio Peroni
Projeto gráfico: Carmen Machado
Diagramação: César Kieling
Tiragem: 42.000 exemplares
ESCOLA QUE PROTEGE: Enfrentando a violência contra crianças e adolescentes / Vicente de Paula
Faleiros, Eva Silveira Faleiros, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2008, 2ª edição
ISBN 978-85-60731-56-5
1. Crianças e adolescentes. 2. Violência infantil 3. Rede de proteção aos direitos humanos. I. Faleiros,
Vicente de Paula. II. Faleiros, Eva Silveira
CDU - 379.2 Fa
Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como
pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO e do Ministério da
Educação, nem comprometem a Organização e o Ministério. As indicações de nomes e a apresentação
do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
e do Ministério da Educação a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.
Apresentação
A escola é um espaço privilegiado para a construção da cidadania, onde um
convívio harmonioso deve ser capaz de garantir o respeito aos Direitos Humanos e
educar a todos no sentido de evitar as manifestações da violência. Dentre os pro-
blemas mais pungentes que temos enfrentado no Brasil, estão as diversas formas
de violência cometidas contra crianças e adolescentes. A análise desse quadro
social revela que as marcas físicas visíveis no corpo deixam um rastro de marcas
psicológicas invisíveis e profundas. Combater a teia de violência que muitas vezes
começa dentro de casa e em locais que deveriam abrigar, proteger e socializar
as pessoas é uma tarefa que somente poderá ser cumprida pela mobilização de
uma rede de proteção integral em que a escola se destaca como possuidora de
responsabilidade social ampliada.
O Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Educação Conti-
nuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), desenvolveu em 2004 o Projeto Esco-
la que Protege, que tem como finalidade promover ações educativas e preventivas
para reverter a violência contra crianças e adolescentes.
No ano de 2006, estabeleceu-se como prioridade básica a formação de pro-
fessores e demais profissionais envolvidos com a educação para atuarem como
aliados na garantia dos direitos de crianças e adolescentes. A formação se con-
cretizou por meio de um curso de educação a distância, desenvolvido pela Univer-
sidade Federal de Santa Catarina, seguido de uma etapa presencial, realizada em
todas as regiões do Brasil por Universidades Federais e Estaduais.
Esta publicação, originalmente, foi elaborada como um instrumento didático
de apoio aos participantes do Curso Formação de Educadores: subsídios para
atuar no enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes. Devido ao in-
teresse despertado pela obra em sua primeira edição, optou-se por reeditá-la para
distribuição a toda a rede de proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
Introdução ......................................................................................................... 11
11
No último capítulo, apresentamos elementos para uma reflexão sobre o
trabalho de crianças e adolescentes no Brasil. As informações adaptadas para
esta obra são frutos de uma pesquisa mais ampla desenvolvida pelo Programa
Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da Organização Internacional
do Trabalho. O balanço histórico do problema foi subdividido por faixas-etárias e
principais espaços de ocorrência, conferindo precisão ao diagnóstico. Paralelamente,
são observadas as supostas justificativas para uso da mão-de-obra infantil e as
propostas para a erradicação dessas atividades pela via da educação integral.
A realização desta publicação nos fez experimentar um sentimento de que
o percurso está iniciado. Evidencia-se, a partir do conhecimento coletado, que
ainda há muito que fazer para desconstruir as tradições cruéis que colocam em
risco o desenvolvimento pleno dos cidadãos em fase de formação. Nesse sentido,
almejamos oferecer para a comunidade, especialmente para os profissionais
envolvidos com crianças e adolescentes, elementos para cumprir seus
compromissos éticos como responsáveis pelo livre desenvolvimento das gerações
mais novas e para uma futura política de educação integral.
12
Visão
Histórica
Uma visão
histórica da
violência contra
crianças e
adolescentes
E
ste primeiro capítulo é um convite à reflexão, em uma perspectiva his-
tórica, sobre as vulnerabilidades da infância e da adolescência frente às
relações de violência. A história da violência contra crianças e adoles-
centes denota a persistência de diferentes tipos de agressões (físicas e
psicológicas) e a disseminação dessas práticas nas instituições sociais.
16
Os jovens começavam a tomar parte na Assembléia com cerca de 15 anos e, depois
de passar por várias provas, eram, antes de completar 20 anos, incorporados como
cidadãos. Permaneciam alistados até os 30, 35 anos de idade. Uma dessas provas,
para a elite, consistia em matar um escravo que fosse encontrado pelas ruas da cida-
de. Aos escravos, era destinado somente o trabalho braçal.
Em Atenas, o serviço militar durava dois anos e somente se iniciava aos 18
anos de idade. Antes disso, a educação doméstica e em escolas de grandes mestres
predominava na vida da criança de elite. Platão recomendava a educação para a
cidadania, desde que controlada pelos magistrados e membros dos conselhos mais
elevados. Xenofonte considerava que o direito de palavra não deveria ser atribuído
ao povo, por sua ignorância, mas aos “sábios e aos melhores”. As mulheres atuavam
apenas na esfera doméstica, e as meninas, fortalecidas por exercícios físicos desde a
infância mais precoce, casavam-se aos 14 ou 15 anos de idade.
No Império Romano, meninos e meninas permaneciam juntos, protegidos
por seus deuses Lares, até os doze anos de idade. A partir daí, separavam-se. A eles,
tocava a vida pública, o aprimoramento cultural, militar e mundano. A elas, o casa-
mento, no mais tardar, aos 14 anos. Também essas regras se aplicavam à nobreza. À
plebe e aos escravos, restavam os trabalhos subalternos. O pátrio poder, em Roma,
durava até a morte do pai, quando o filho o sucedia como Pater Familias. Com o
advento do Cristianismo e a decadência do Império Romano, uma nova moralidade
foi-se gestando.
A Idade Média encerra o indivíduo nos limites territoriais do feudo, onde
ele pode contar com a comunidade, mas é também por ela vigiado. A partir de
uma releitura de Aristóteles, propõe-se a divisão das idades humanas, para fins de
educação, em períodos de sete anos. A infância duraria até os sete anos de idade; a
puerilidade, até os 14; a adolescência, até os 21. Para Isidoro, a adolescência prolon-
gava-se até os 35 anos de idade. Apesar dessas delimitações cronológicas, a caracte-
rização da infância como um estágio oposto ao da idade adulta não existia.
A formação de Cidades-Estado e de Estados Nacionais, com a ascensão da
burguesia comercial, a Reforma Religiosa e a ampliação da educação inauguram a
Idade Moderna. A sociedade busca um fortalecimento do espaço privado.
Segundo Ariès, somente a partir do Século XV é que surge o sentimento de
família, mas ainda até o século XVII “a vida era vivida em público”. Na Europa,
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC Ed., 1981.
ARIÈS, 1981. Op. Cit. p.273.
17
“a civilização medieval havia esquecido a paidéia dos antigos e ainda ignorava a
educação dos modernos. Este é o fato essencial: ela ainda não tinha a idéia da edu-
cação. Hoje, nossa sociedade depende e sabe que depende do sucesso de seu sistema
educacional”.
Também na Idade Média, o colégio surgiu como instituição educacional. Ao
mesmo tempo, a família, ao resgatar crianças e adolescentes para dentro do lar,
experimenta crescentes relações de afetividade. Os mestres moralistas começam a
denunciar a frouxidão dos costumes. O Estado e a Igreja reagiram e assumiram a
responsabilidade educacional. Os adolescentes passam a formar grupos chamados
de “abadias” ou “corpos juvenis”.
18
A violência contra crianças e adolescentes
no cenário brasileiro
Desde seu descobrimento, em 1500, até 1822, o Brasil foi uma colônia de
Portugal, dependendo econômica, política e administrativamente do poder instala-
do em Lisboa. As leis e as ordens para as crianças também vinham de Portugal e
eram aplicadas através da burocracia, dos representantes da corte e da Igreja Católi-
ca. A Igreja e o Estado andavam juntos, unindo a conquista armada e a religião. O
cuidado com as crianças índias pelos padres jesuítas tinha por objetivo batizá-las e
incorporá-las ao trabalho.
Os padres, embora não aceitassem os castigos violentos e a matança de ín-
dios pelos portugueses, fundaram casas de recolhimento ou casas para meninos e
meninas índias, nas quais, após separá-los de sua comunidade, impunham-lhes os
costumes e normas do cristianismo, tais como o casamento religioso e outros dog-
mas, com o intuito de introduzi-los na visão cristã do mundo.
A escravidão
A economia Brasileira dessa época dependia de exportações de riquezas na-
turais, como madeira e ouro, ou de produtos agrícolas. Para isso, foi muito utilizada
a mão-de-obra escrava proveniente da África.
Os escravos eram considerados uma mercadoria. A criação de crianças escra-
vas era mais cara que a importação de um escravo adulto, já que com um ano de
trabalho o escravo pagava seu preço de compra. Havia grande mortalidade de crian-
ças escravas. As mães eram alugadas como amas-de-leite. Essa era uma maneira de
separar os filhos de suas próprias mães.
A criança escrava, mesmo depois da Lei do Ventre Livre, em 1871, podia ser
utilizada pelo senhor desde os 8 até os 21 anos de idade se, mediante indenização
do Estado, não fosse libertada. Antes dessa lei, começavam bem cedo a trabalhar ou
serviam de brinquedo para os filhos dos senhores.
Este capítulo foi compilado a partir do texto: FALEIROS, Vicente de Paula (Coord.) Crianças e Adolescentes:
Pensar & Fazer. Brasília: Curso de Ensino a Distância. CEAD- 1995. Vol. 1- Módulo 1. O material encontra-se
publicado na íntegra e sua utilização foi autorizada pelo autor.
19
A Roda: escondendo a ilegitimidade
Era grande o número de filhos ilegítimos, muitos deles filhos de senhores
com escravas. Segundo a moral dominante, a família normal era somente a família
legítima. Os filhos nascidos fora do casamento, com raras exceções, eram fadados
ao abandono. A pobreza também era causa de abandono. As crianças eram deixadas
nas portas das casas e, muitas vezes, comidas por ratos e porcos. Esta situação che-
gou a preocupar as autoridades, levando o vice-rei a propor, em 1726, duas medidas:
coleta de esmolas na comunidade e internação de crianças.
Para atender à internação de crianças ilegítimas foi implantada a Roda, um
cilindro giratório na parede da Santa Casa que permitia que a criança fosse co-
locada de fora sem que fosse vista de dentro, e, assim, recolhida pela Instituição
que criou um local denominado “Casa de Expostos”. O objetivo desse instrumento
era esconder a origem ilegítima da criança e salvar a honra das famílias. A grande
maioria dessas crianças enjeitadas ou expostas era branca ou parda, filhos de brancos
ou de brancos e negros. A primeira roda, na Bahia, foi criada em 1726, e a última
só foi extinta nos anos cinqüenta do século XX.
As crianças enjeitadas, uma vez colocadas na Roda, poderiam permanecer na
instituição até um ano e meio. Em geral, eram entregues a amas-de-leite alugadas
ou a famílias que recebiam pensões muito pequenas e utilizavam as crianças para o
trabalho doméstico.
Na Casa de Expostos, havia grande mortalidade. Em torno de 90% das crian-
ças morriam, por omissão ou falta de condições da própria Santa Casa ou por de-
sinteresse da Corte.
Além das Santas Casas, cabia às Câmaras Municipais cuidar dos abandona-
dos, podendo para isto criar impostos. Algumas Câmaras prestavam assistência aos
órfãos e abandonados através da colocação familiar, ou seja, entrega de crianças a
algumas famílias em troca de pagamento.
As instituições privadas e semi-oficiais cuidavam dos pobres de forma a favo-
recer os ricos, isto é, encaminhavam as crianças ao trabalho precoce, transformando-
as em futuros subalternos. Já em 1854 havia a intenção de recolher os meninos que
vagavam pelas ruas, segundo um decreto imperial daquele mesmo ano. Mas só em
1871 foi criado o asilo de meninos desvalidos. As meninas desvalidas indigentes
eram acolhidas na Santa Casa desde 1740. No final do século XIX, havia trinta
asilos de órfãos, sete escolas industriais e de artífices e quatro escolas agrícolas.
20
Higienismo e filantropia
Com a Proclamação da República, em 1889, precedida pela Abolição da Es-
cravidão, em 1888, não foi mudado o comportamento oficial relativo aos asilos. Os
asilos se expandiram, mas foi por iniciativa privada, já que as relações entre Igreja
e Estado foram abaladas. Predominou a política da omissão do Estado, apesar dos
discursos de preocupação com a infância abandonada.
Os higienistas, em geral médicos preocupados com a saúde da espécie, pro-
punham a intervenção no meio ambiente, nas condições higiênicas das instituições
e das famílias. O modelo de atenção à maternidade, implantado na Casa dos Ex-
postos da Santa Casa do Rio de Janeiro, onde uma sala de partos fora criada em
1822, foi questionado pelos higienistas. A principal crítica era à promiscuidade e à
falta de condições de higiene, com conotações morais, porque a Casa dos Expostos
estaria acobertando os filhos nascidos fora do casamento, o que para essa socieda-
de era considerado “pecado”. Havia uma preocupação médica com a mortalidade
infantil, com a amamentação e com a inspeção escolar. Nesse contexto, são criadas
creches em substituição à Roda, para propiciar condições para que os pais trabalha-
dores pudessem exercer suas funções.
Os tribunais
Desde o início do século XX, os juristas, em congressos internacionais da
Europa e América Latina, preocuparam-se com o combate à “criminalidade de me-
nores” de forma distinta da dos adultos. Na perspectiva de “salvar o menor” do
ambiente perigoso, propunham uma “nova Justiça para a infância, para corrigir os
desvios do bom comportamento”. Desde 1913 a idéia de criação de Tribunais para
Menores foi defendida pelo desembargador Ataulpho de Paiva. No Código de Me-
nores de 1927 fica estabelecida a distinção entre “abandonados” e “vadios”. Estes,
maiores de 14 e menores de 18 anos, eram submetidos a um processo penal especial,
ficando a critério do Juiz estabelecer a sanção segundo sua avaliação “ da boa ou má
índole” dos que eram julgados, com encaminhamentos para seu disciplinamento.
Movimento conduzido por médicos e engenheiros que independentemente da área de formação eram
chamados de sanitaristas. Internacionalmente esse movimento se desenvolveu a partir do século XVIII. Seu
foco de atuação foi o ordenamento espacial em suas prerrogativas de controle das relações sociais por
meio de práticas de saneamento, educação higiênica, profilaxia dos ambientes e de doenças consideradas
infecto-contagiosas e instalação de postos de saúde. Inspirados em doutrinas francesas de limpeza física e
social, os agentes do sanitarismo previam a consolidação de uma sociedade renovada em termos de proje-
tos político-institucionais e livre dos “miasmas” proliferados pelo aglomeramento humano indisciplinado. No
Brasil, um dos expoentes máximos do higienismo foi Oswaldo Cruz.
21
Em 1902, o Congresso Nacional discutia a implantação de uma política
chamada de “assistência e proteção aos menores abandonados e delinqüentes”. Em
1903, foi criada a Escola Correcional 15 de Novembro. Em 1923, foi autorizada a
criação do Juizado de Menores, e, em 1924, foram criados o Conselho de Assistên-
cia e Proteção aos Menores e o Abrigo de Menores. Em 1927, toda essa legislação
é consolidada no primeiro Código de Menores.
O Código de 1927 cuidava, ao mesmo tempo, das questões de higiene da in-
fância e da delinqüência e estabelecia a vigilância pública sobre a infância. Vigilância
sobre a amamentação, os expostos, os abandonados e os maltratados, podendo reti-
rar o pátrio poder. O menor de 14 anos não era mais submetido ao processo penal
e, se fosse maior de 16 e menor de 18 e cometesse crime, poderia ir para prisão de
adultos em lugares separados destes. O juiz devia buscar a regeneração do menor.
A industrialização
A mão-de-obra escrava foi sendo substituída, a partir de 1860 e de forma
mais acentuada no final do século, pela dos imigrantes. Muitas crianças precisavam
trabalhar para complementar a renda familiar por causa do baixo salário dos pais.
Os industriais justificavam essa exploração como sendo uma proteção dos menores,
para evitar “que ficassem nas ruas”, e foram contra o primeiro Código de Menores,
que autorizava o trabalho a partir dos 12 anos se o menino estivesse freqüentando
o ensino primário, ou, caso contrário, a partir dos 14 anos.
O governo implantou, nas décadas de 30 e 40 do século passado, algumas
escolas de ensino profissional. Foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC),
cuja manutenção foi garantida através de descontos na folha de pagamento, autori-
zados pelo governo, mas controlados por empresários.
A promessa republicana de escola para todos foi um fracasso. A maioria da
população infantil não teve acesso ao ensino público ou privado, principalmente os
meninos e meninas da zona rural.
22
as delegacias de menores, para onde eram enviados os meninos encontrados na rua
e considerados suspeitos de vício e crime. Foi criado ainda, em 1941, um Serviço
Nacional de Assistência aos Menores, o SAM, vinculado ao Ministério da Justiça
e Negócios Interiores, para extirpar a ameaça dos meninos “perigosos e suspeitos”.
Nos internatos do SAM, predominava a ação repressiva e o desleixo contra os in-
ternos, ao invés da ação educativa.
O SAM, que funcionou até 1964, foi muito criticado, principalmente pela
Igreja Católica, pois violentava, surrava e torturava crianças. Ao invés de ser um ór-
gão de proteção, tornou-se um órgão de repressão, que deixava as crianças à míngua,
com instalações em péssimas condições.
Criou-se também o Departamento Nacional da Criança (DNCr), que lutou
contra as “criadeiras”, mulheres que cuidavam de crianças e que eram considera-
das causadoras de doenças pela pobreza e falta de condições higiênicas. Estimulou
a amamentação materna e a vigilância dos bancos de leite. O DNCr estimulou
também a implantação de creches, junto com a Legião Brasileira de Assistência,
fortalecendo a presença das mães nos cuidados e criação dos filhos. Esta política
continuou até 1964.
23
Cuidando da segurança nacional: a Funabem e o código de 1979
O golpe militar de 1964 mudou as relações de poder no Brasil. A oposi-
ção foi silenciada, os sindicalistas defensores de melhores salários foram afastados,
muitos militantes políticos foram presos e torturados. O poder foi centralizado, o
Congresso Nacional controlado e os governadores passaram a ser nomeados, em
nome da segurança nacional.
Com a extinção do SAM, no início de 1964, foi criada a Funabem - Funda-
ção Nacional do Bem-Estar do Menor, independente do Ministério da Justiça, com
autonomia e propósitos tais como evitar a internação de menores.
A doutrina da segurança nacional deu forma à organização política, à peda-
gogia e à estrutura física da Funabem. No paradigma da situação irregular vigente
nos Códigos de Menores de 1927 e de 1979, os menores de 18 anos que viessem a
cometer atos infracionais ou estivessem em situação de pobreza, ameaça moral ou
risco eram considerados, respectivamente, “marginais ou marginalizados”, diferen-
temente das crianças bem integradas na família, que eram consideradas “em situa-
ção regular”. Ao criar uma comissão parlamentar de inquérito sobre o assunto, em
1976, a Câmara dos Deputados também distinguiu as figuras de criança e menor
ao elaborar seu Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar
o problema da criança e do menor carentes no Brasil .
A Funabem estabeleceu um sistema de combate à marginalidade, fazendo
convênios com entidades privadas, estados e alguns municípios, que em sua maioria
visavam possibilitar internações e distribuição de per capita. Essa medida criava mais
problemas do que soluções para as crianças, como, por exemplo, o isolamento, os
maus tratos, a submissão e a aprendizagem de condutas contrárias à lei.
A política da Funabem não reduziu o processo de marginalização. Durante a
ditadura, acentuou-se a exclusão social, ou seja, a marginalização do menor pela po-
breza da família, pela exclusão da escola, pela necessidade do trabalho, pela situação
de rua que, não raramente, expõe os menores a toda sorte de violência, tais como
ações de grupos de extermínio.
Em 1979, criou-se um novo Código de Menores, no qual a exclusão era vista
como “doutrina da situação irregular”, o que significava patologia social, ou seja,
uma doença, um estado de enfermidade e, também, estar fora das normas.
Nessa perspectiva do Código, ser pobre era considerado uma doença, assim
Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o problema da criança e do menor
carentes no Brasil. Brasília: Coordenação de Publicações, 1976 (grifos nossos).
24
como também o eram as situações de maus tratos, desvio de conduta, infração e
falta dos pais ou de representantes legais. O médico era o juiz, que, pelo Código,
tinha o poder de decidir quais eram os interesses do menor nessa situação. O poder
do juiz era enorme, mas ele agia sobre os destinos da criança fundamentalmente
decidindo as questões relacionadas a sua internação, colocação, adoção ou punição.
O juiz era também o vigia dos espetáculos e atos de ir e vir das crianças. A verifica-
ção da situação irregular era policialesca (fosse feita por policiais ou não), e ao juiz
cabia pôr tudo em ordem. Enfim, no Código de 1979, os direitos da criança só eram
protegidos quando em situação de risco ou de “doença social”.
Para finalizar
O resgate histórico apresentado neste capítulo evidencia que maus tratos,
violência e abandono marcaram a trajetória da infância pobre no Brasil. Crianças
e adolescentes foram inseridos em um processo sócio-político de trabalho precoce,
futuro subalterno, controle político, disciplina e obediência vigiada, quadro que, ao
olhar de hoje, mostra-se completamente inadequado para o desenvolvimento de
crianças e adolescentes saudáveis. Somente no século XX a “doutrina da proteção
integral” formulou uma resposta a esses problemas, conferindo um lugar mais efeti-
vo para crianças e adolescentes nas relações de cidadania.
25
Referências
AZEVEDO, M.A. & GUERRA, V.N.A. Infância e violência fatal em família. São
Paulo: Iglu, 1998.
DE MAUSE, Lloyd. The history of childhood. In: The New Psychohistory. New York:
The Psychohistory Press, 1975.
26
Formas de
Violência
A violência
contra crianças e
adolescentes e
suas principais
formas
N
este capítulo vamos conhecer um pouco mais a fundo a problemática
da violência contra crianças e adolescentes: seus conceitos, formas e
autores. Questão polêmica de responsabilidade da família, da socieda-
de, do Estado e também da escola.
30
adequada. No entanto, é ainda corrente em instituições Brasileiras - família, escola,
igrejas, serviços de assistência e de ressocialização - a defesa e o exercício de uma
pedagogia perversa de submissão de crianças e adolescentes ao poder autoritário,
arbitrário e violento dos adultos. Infelizmente, ainda causa estranheza o fato de
crianças e adolescentes terem se tornado sujeitos de direitos a partir do advento do
ECA, razão pela qual se explicam as reações contrárias ao Estatuto.
A violência, de qualquer tipo, contra crianças e adolescentes é uma relação
de poder na qual estão presentes e se confrontam atores/forças com pesos/poderes
desiguais, de conhecimento, força, autoridade, experiência, maturidade, estratégias e
recursos. Segundo Minayo:
[...] a violência contra crianças e adolescentes é todo ato ou omis-
são cometido pelos pais, parentes, outras pessoas e instituições
capazes de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima.
Implica, de um lado, uma transgressão no poder/dever de prote-
ção do adulto e da sociedade em geral e, de outro, numa coisifi-
cação da infância. Isto é, uma negação do direito que crianças e
adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em
condições especiais de crescimento e desenvolvimento.
MINAYO, M. C. S. (Org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001.
31
Violência estrutural: a expressão das desigualdades
O Brasil, um país com enormes desigualdades econômicas e sociais e histo-
ricamente classista, adultocêntrico, machista e racista, é extremamente violento com
crianças e adolescentes pobres. Trata-se de uma violência cumulativa e excludente.
Exemplos atuais da violência estrutural são os altos índices de mortalidade de
crianças e adolescentes, provocada por causas externas, ligadas ao tráfico de drogas,
atuação de gangues e extermínio de adolescentes em conflito com a lei, bem como
homicídios e acidentes de toda ordem.
Para Minayo, a violência estrutural
[...] caracteriza-se pelo destaque na atuação das classes, grupos
ou nações econômica ou politicamente dominantes, que se uti-
lizam de leis e instituições para manter sua situação privilegia-
da, como se isso fosse um direito natural.
Apesar das garantias democráticas, claramente expressas na Constituição de
1988 e no ECA, políticas públicas descomprometidas com o princípio constitu-
cional da prioridade absoluta a crianças e adolescentes, tornam o Estado um dos
principais responsáveis pela violência estrutural. Para vencer essa realidade o Gover-
no Federal vem implementando projetos, tais como: Escola que Protege, Sentinela,
PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e PAIR - Programa de
Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Ju-
venil no Território Brasileiro.
MINAYO, M.C.S. A violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
Janeiro, N. 10 (Suplemento 1), 1993. pp. 07-18.
BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de
ensino. Lisboa: s/ed.1970.
32
O sistema simbólico de uma determinada cultura é uma construção social, e
sua manutenção é fundamental para a perpetuação de uma determinada socieda-
de, através da interiorização da cultura dominante pelas pessoas. Ele se traduz na
imposição “legítima” e dissimulada dos valores e símbolos de poder que se tornam
naturais, inquestionáveis e mesmo invisíveis no dia-a-dia.
33
Negligência e Abandono: a negação da existência
A negligência é um tipo de relação entre adultos e crianças ou adolescentes
baseada na omissão, na rejeição, no descaso, na indiferença, no descompromisso, no
desinteresse, na negação da existência. Dados estatísticos de serviços de proteção e
assistência a crianças e adolescentes, disque-denúncia e SOS vêm revelando que a
negligência é uma das formas de violência mais freqüente.
A negligência nem sempre é claramente compreendida em todas suas formas
e extensão. Para a área da saúde, por exemplo, crianças negligenciadas são as que
apresentam baixo peso e as não vacinadas. Consideram-se também negligenciadas
as crianças que não freqüentam a escola. Há, no entanto, muitas formas e graus de
negligência, como por exemplo: o abandono (forma extrema); crianças não registra-
das; pais que não reconhecem sua paternidade; crianças “deixadas/entregues/dadas
sem papel passado” a familiares, conhecidos ou mesmo desconhecidos; crianças “pin-
gue-pongue”, que circulam de “mão em mão” e que “não são de ninguém”; crianças e
adolescentes que assumem responsabilidades de adultos (cuidam de si próprios e/ou
de irmãos pequenos, assumem todas as tarefas domésticas, contribuem com a renda
familiar e/ou se sustentam através da mendicância, trabalho infantil, prostituição);
meninos e meninas de rua, sem controle ou proteção e expostos à violência familiar
ou comunitária.
Muitas vezes, por preconceito, a negligência é considerada de exclusiva res-
ponsabilidade das mães. É importante reafirmar, contudo, que, segundo o artigo
4º do ECA, a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público são
responsáveis pela proteção de crianças e adolescentes e devem assegurar a efetivação
de seus direitos.
A negligência é a negação e a falta de compromisso com as responsabilidades
familiar, comunitária, social e governamental. É a falta de proteção e de cuidado
da criança e do adolescente, a não existência de uma relação amorosa, a falta de
reconhecimento e de valorização da criança e adolescente como sujeitos de direitos.
É o desrespeito às suas necessidades e à sua etapa particular de desenvolvimento.
Crianças e adolescentes negligenciados vivem, pois, situações de abandono, de pri-
vação e de exposição a riscos.
É importante destacar que a negligência é o “primeiro estágio” e também “o
fio da meada” das diferentes formas de violência praticadas contra crianças e ado-
lescentes. Quando são protegidos, cuidados, amados e respeitados eles dificilmente
serão expostos a alguma forma de violência.
34
As conseqüências e seqüelas físicas, psicológicas e sociais da negligência so-
frida na infância e na adolescência são extremamente graves, pois se configuram
como ausência ou vazio de afeto, de reconhecimento, de valorização, de socializa-
ção, de direitos (filiação, convivência familiar, nacionalidade, cidadania) e de pleno
desenvolvimento.
35
A violência física é praticada principalmente na própria família, pelos geni-
tores ou responsáveis, avós, irmãos. No entanto, há outras pessoas que a praticam,
como: profissionais de instituições educacionais, de saúde, de assistência e principal-
mente da segurança, empregadores, grupos de extermínio e traficantes de drogas.
As situações de violência física são, muitas vezes, atendidas pelas instituições
da área da saúde que devem obrigatoriamente encaminhar os casos ao Conselho
Tutelar. Estas ocorrências, por se caracterizarem como crime, devem também ser
notificadas aos órgãos policiais.
36
A violência psicológica situa-se no conceito geral de violência como uso ile-
gítimo da autoridade decorrente de uma relação de poder. Assim, no lugar de ofe-
recer a proteção, que é o seu dever, o adulto se relaciona com a criança por meio da
agressão verbal ou psicológica e do domínio, substituindo e invertendo o papel que
dele se espera. Essa inversão da proteção em opressão configura uma “despaternali-
zação”, ou seja, a negação das funções sociais e pessoais dos papéis de pai e mãe, do
poder familiar, muitas vezes ancorada em uma tradição autoritária da disciplina.
Nesse caldo cultural que transmite, de geração em geração, uma relação com-
plexa de dominação/submissão, parece normal, natural e mesmo inquestionável o
domínio do adulto macho, da mãe repressiva e dos chefes arbitrários. Esse auto-
ritarismo se expressa nas formas incorporadas de violência de gênero, de massacre
da individualidade, de opressão do subordinado. Não é somente na família que essa
violência se manifesta, mas também na escola, nos serviços públicos, nos meios de
transportes ou nas relações entre os próprios adolescentes ou com irmãos menores.
A violência psicológica tem como pressuposto a representação de que a
criança é alguém que somente age sob o medo, a disciplina e a intimidação, deven-
do aceitar intolerância do dominante. O lugar da criança, ao longo da história, foi
desenhado como lugar de objeto, de incapaz, de menor valor. Esse lugar é mantido
com estratégias que forçam crianças e adolescentes a serem obedientes sem discus-
são, a se submeter, por meio de punições que castigam qualquer desvio dessa ordem
estabelecida de cima para baixo.
As relações psicologicamente opressoras se expressam nas formas pelas quais
a família e os responsáveis pela criança usam sua autoridade. Em vez de buscar
atender às necessidades da criança, a autoridade é utilizada para dar vazão às ex-
pressões de um poder que quer impor ao outro seu desejo de mando ou de força,
desconsiderando as necessidades de desenvolvimento da criança e do adolescente e
a sua capacidade de compreensão de limites.
Os projetos familiares e os desejos dos pais, quando não bem elaborados,
podem constituir-se em violência psicológica. Crianças e adolescentes são muitas
vezes forçados a realizar projetos familiares quanto à profissão a seguir ou usados
como objeto de chantagem nas brigas de casais. Interferem também na violência
psicológica as situações de alcoolismo, de ciúmes e de vingança.
Do ponto de vista da intervenção profissional, a violência psicológica é
vista como uma questão de saúde mental, a ser tratada tanto no âmbito das
relações familiares quanto no contexto cultural. Assim, é preciso construir uma
37
intervenção em redes, levando-se em conta as relações das crianças e adolescen-
tes com todos os adultos que a cercam, incluindo, dentre outros, pais, parentes,
responsáveis e professores.
Essas relações precisam ser trabalhadas em suas múltiplas dimensões: cul-
tural, educativa e afetiva. Nesse trabalho, o sofrimento psíquico da criança deve
ser abordado como um dos focos da intervenção, buscando-se transformar as
relações de dominação, inclusive com o tratamento dos agressores, para inter-
romper o ciclo da violência.
38
Nessa forma de violência, se estabelece uma relação que:
a) deturpa as relações sócio-afetivas e culturais entre adultos e crianças/ado-
lescentes ao transformá-las em relações genitalizadas, erotizadas, comer-
ciais, violentas e criminosas;
b) confunde, nas crianças e adolescentes violentados, os papéis dos adultos,
descaracterizando as representações sociais de pai, irmão, avô, tio, professor,
religioso, profissional, empregador, quando violentadores sexuais; perde-se a
legitimidade da autoridade do adulto e de seus papéis e funções sociais;
c) inverte a natureza das relações entre adultos e crianças/adolescentes defini-
das socialmente, tornando-as: desumanas em lugar de humanas; negligen-
tes em lugar de protetoras; agressivas em lugar de afetivas; individualistas
e narcisistas em lugar de solidárias; dominadoras em lugar de democráticas;
controladoras em lugar de libertadoras; perversas em lugar de amorosas;
desestruturadoras em lugar de socializadoras;
d) estabelece, no ser violentado, estruturas psíquicas, morais e sociais deturpa-
das e desestruturantes, principalmente nos abusos sexuais de longa duração
e na exploração sexual comercial;
A violência sexual pode acontecer de várias formas: através do contato físico,
ou seja, por meio de carícias não desejadas, penetração oral, anal ou vaginal, com
o pênis ou objetos, masturbação forçada, dentre outros; e sem contato físico, por
exposição obrigatória a material pornográfico, exibicionismo, uso de linguagem ero-
tizada em situação inadequada.
Abuso Sexual
O abuso sexual contra crianças e adolescentes é um relacionamento interpes-
soal sexualizado, privado, de dominação perversa, geralmente mantido em silêncio
e segredo. Os episódios de abusos sexuais, longe de serem idênticos, distinguem-se
profundamente, seja pelo autor da violência sexual, seu grau de parentesco com a
vítima, autoridade e responsabilidade em relação ao vitimizado, idade e sexo da
vítima e do abusador, tipo de violência cometida, duração e freqüência e o local em
que ocorrem.
Nas situações de abuso sexual, crianças ou adolescentes são usados para gra-
tificação de um adulto ou mesmo de um adolescente mais velho, com base em uma
relação de poder que pode incluir desde manipulação da genitália, mama, ânus,
39
exploração sexual, voyeurismo, pornografia, exibicionismo, até o ato sexual com ou
sem penetração, com ou sem violência.
A dominação sexual perversa é uma construção deliberada, paciente e ri-
tualizada de um relacionamento perverso, que se mantém através da dominação
psicológica de longa duração. Começa por um processo de sedução, que consiste na
conquista sutil, que anula a capacidade de decisão da vítima, e acaba em sua domi-
nação e aprisionamento.
Furnisss, Perrone e Nannini identificam nos abusos sexuais repetitivos uma
dinâmica que gera uma sorte de “enfeitiçamento” que mantém a pessoa vitimizada
como que “seqüestrada” e envolvida em uma armadilha da qual não pode e nem
sabe como se livrar. Esse processo de aprisionamento é construído através de uma
trama emocional contraditória de amor/ódio, sedução/ameaça, o que faz com que
a vítima, aterrorizada, permaneça imobilizada ou “anestesiada”. Essa trama se man-
tém e se solidifica através de rituais, do silêncio, da chantagem e de uma forma de
comunicação muito particular.
A comunicação perversa é uma anticomunicação, um monólogo que tem por
objetivo ocultar, confundir, amedrontar e manter o poder através de não-ditos, si-
lêncios, reticências, subentendidos. Suas formas preferenciais de “comunicar” são:
a mentira, o paradoxo, o sarcasmo, o desprezo, a desqualificação, as mensagens de
duplo sentido, a tonalidade de voz fria, a intriga, o olhar dominador, as ordens.
A dominação sexual perversa exercida por adultos contra crianças e adoles-
centes pode ser incestuosa ou não, heterossexual ou homossexual. Ocorre, geral-
mente, em lugares fechados (residências, consultórios, igrejas, internatos, hospitais,
escolas) e inclui diferentes e variadas formas de relações abusivas.
É incestuosa quando o violentador é parte do grupo familiar (pai, mãe, avós,
tios, irmãos, padrasto, madrasta, cunhados). Nesses casos, considera-se família não
apenas a consangüínea, mas também as famílias adotivas e substitutas. Os violen-
tados conhecidos da vítima e/ou de sua família aproveitam-se da confiança que
gozam, do status, do papel e do poder que possuem, do lugar de privilégio que os
põe em contato direto e continuado com a vítima, da cobertura legal e pouco sujeita
a suspeitas de que dispõem.
Nas situações em que o abusador é amigo da família, invariavelmente exerce
uma espécie de fascinação, tanto sobre sua vítima como sobre seus familiares, apre-
ABRAPIA. Maus tratos contra crianças adolescentes: proteção e prevenção. Guia de orientação para profis-
sionais de saúde. Rio de Janeiro: Autores e Agentes e Associados, 1992.
FURNISSS, Tilman. (1993) Abuso sexual da criança: uma abordagem multidisci-
plinar, manejo, terapia e intervenção legal integrados. Porto Alegre, Artes Médicas.
PERRONE, Reynaldo; NANNINI, Martine. Violence et abus sexuels dans la famille – Une approche sys-
témique et communicationnelle. Paris: ESF Éditeur, 1995.
40
sentando-se como uma pessoa agradável, simpática, generosa, serviçal e atenta com
todos, mas muito especialmente com a vítima e seus pais. Em não poucas ocasiões,
favorece economicamente a família.
10 LEAL, Maria Lúcia Pinto e LEAL, Maria de Fátima (Org.). Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e
adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Brasil. Brasília: CECRIA, 2002.
41
desenvolveu-se extraordinariamente a indústria pornográfica, ou seja, a produção de
mercadorias e serviços sexuais. Atualmente, encontra-se no mercado do sexo uma
grande variedade de produtos e serviços, com diversos níveis de qualidade e preço.
Há também uma significativa diversidade no perfil do grande número de consumi-
dores e de profissionais que esse mercado emprega.
Existe um enorme mercado consumidor de serviços sexuais. O sexo é uma
mercadoria altamente vendável e valorizada, e especialmente o sexo com jovens pos-
sui grande valor comercial. São muitos os produtos comercializados: pessoas, shows
eróticos, fotos, revistas, objetos, vídeos e filmes pornográficos. O mercado do sexo,
até por atuar, na maioria dos casos, na clandestinidade, é de alta lucratividade.
O conceito e as concepções da exploração sexual comercial de crianças e
adolescentes evoluíram nas duas últimas décadas. Durante muitos anos, a presença
de crianças no comércio sexual confundia-se com a prostituição infanto-juvenil.
O incremento do turismo sexual e o surgimento e rápida expansão do sexo via
Internet levaram à compreensão de que a pornografia, o turismo sexual e o tráfico
para fins sexuais são também formas de exploração de crianças e de adolescentes no
extremamente organizado mercado de produção e comercialização de “mercadorias”
sexuais.
Hoje também há melhor compreensão das dimensões política e ética do fe-
nômeno, encarado como uma questão de cidadania e de direitos humanos, cuja vio-
lação constitui um crime contra a humanidade. Há diversas visões a respeito do uso
de crianças e adolescentes no mercado do sexo: uma forma moderna de escravidão;
uma das piores formas de trabalho infantil (OIT); uma exploração sexual comercial
(concepção adotada no 1º Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comer-
cial de Crianças, realizado em agosto de 1996 em Estocolmo).
A seguir, serão apresentadas e dissecadas as diferentes formas da exploração
sexual comercial de crianças e adolescentes. É importante ressaltar que as distintas
modalidades da exploração sexual comercial são de tal modo articuladas e inter-re-
lacionadas que se torna difícil definir uma delas sem citar as demais. Um exemplo
claro disso é o tráfico de mulheres, que abastece os mercados da prostituição, por-
nografia e turismo sexual.
42
Prostituição
A prostituição é definida como a atividade na qual atos sexuais são nego-
ciados em troca de dinheiro, da satisfação de necessidades básicas (alimentação,
vestuário, abrigo) ou do acesso ao consumo de bens e serviços.
A prostituição tem diferentes formas, serviços e preços. Pode ser exercida
por garotas ou garotos de programa, em bordéis, nas ruas, em estradas, em barcos.
Testemunhos de vítimas, pesquisas e a bibliografia sobre essa problemática no Brasil
evidenciam que crianças e adolescentes envolvidos na prostituição trabalham, em
geral, nas ruas das cidades, nos portos, nas estradas ou em bordéis. Muitas vezes,
em especial na Região Norte, atuam em regime de escravidão, e normalmente estão
envolvidos nas articulações do turismo sexual e do tráfico para fins sexuais.
Muitas dessas crianças e adolescentes são moradores de rua, tendo vivencia-
do situações de violência física ou sexual e/ou de extrema pobreza e exclusão. De
ambos os sexos, são crianças, pré-adolescentes e adolescentes pouco ou não escola-
rizados. Desnecessário dizer que se trata de um trabalho extremamente perigoso e
sujeito a todo tipo de violência, repressão policial e discriminação.
Profissionais, pesquisadores e estudiosos da exploração sexual vêm questio-
nando a adoção do termo “prostituição” quando essa é praticada por crianças e ado-
lescentes. Consideram que esses não optam por este tipo de atividade, mas são
cooptados para praticá-la e, portanto, são prostituídos. São induzidos por adultos,
por suas próprias carências e imaturidade emocional, bem como pelos apelos da
sociedade de consumo. Neste sentido, não podem ser caracterizados como traba-
lhadores do sexo, mas sim como seres prostituídos, abusados e explorados sexual,
econômica e emocionalmente.
É importante chamar a atenção para o fato de que a prática sexual envol-
vendo adultos com crianças e adolescentes é considerada crime, mesmo quando
caracterizada como prostituição. Os clientes, os empregadores e os intermediários,
que induzem, facilitam ou obrigam crianças e adolescentes a se prostituir, são todos
considerados exploradores sexuais.
Pornografia
Trata-se da produção, exibição (divulgação), distribuição, venda, compra, pos-
se e utilização de material pornográfico. A pornografia encontra-se presente não só
em material normalmente considerado pornográfico (fotos, vídeos, revistas, espetá-
43
culos), mas também na literatura, fotografia, publicidade, cinema, quando apresen-
tam ou descrevem com claro caráter pedófilo situações envolvendo crianças deseja-
das, expostas e usadas sexualmente por adultos.
Por utilização de criança na pornografia se entende toda represen-
tação por qualquer meio, de uma criança dedicada a atividades se-
xuais explícitas, reais ou simuladas, ou toda representação das par-
tes genitais de uma criança com fins primordialmente sexuais.11
11 KEIROZ, Katia. Abuso sexual: conversando com esta realidade. Disponível em: www.cedeca.org.br/PDF/
abuso_sexual_katia_keiroz.pdf. Acesso em 30 Abr. 2006.
44
cenas de sexo perverso e sádico. Há sites que vendem espetáculos de pornografia
com crianças em tempo real, e mesmo de necrofilia. É importante destacar a estreita
articulação da pornografia infanto-juvenil com o tráfico de crianças e adolescentes
para fins sexuais.
A pornografia na internet exerce uma grande atração sobre crianças e adoles-
centes. Torna-se indispensável que os educadores (pais e professores) estejam pre-
parados para enfrentar essa questão discutindo-a com os jovens sob sua responsabi-
lidade e orientando-os sobre como se proteger dessas ações criminosas.
Turismo sexual
O turismo sexual pode ser autônomo ou vendido em excursões e pacotes
turísticos, que prometem e vendem prazer sexual “organizado”. É o comércio sexual,
em cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros e, principalmente,
mulheres jovens, de setores pobres e excluídos, de países do Terceiro Mundo.
O serviço sexual comercializado no turismo sexual é a prostituição, porém a
atividade está geralmente associada ao tráfico de pessoas para fins sexuais ou para tra-
balho escravo. O turismo sexual é, talvez, a forma de exploração sexual mais articulada
com atividades econômicas, inclusive com o próprio desenvolvimento do turismo.
As redes do turismo sexual muitas vezes são as mesmas que promovem e
ganham com o turismo em geral, podendo estar envolvidos profissionais (guias tu-
rísticos, porteiros, garçons, taxistas etc.) e empresas (agências de viagem, hotéis, res-
taurantes, bares, barracas de praia, boates, casas de show etc.).
Crianças e adolescentes que trabalham no turismo sexual em geral são pou-
co escolarizadas e vivenciaram situações de abandono, negligência, violência sexual,
pobreza e exclusão. Mais do que em outras modalidades de exploração sexual, o
turismo sexual é a atividade que mais responde, e de forma imediata, às demandas
da juventude pobre e excluída por uma inclusão social associada ao consumo (acesso
a boates, bares, hotéis, restaurantes, shoppings, butiques).
O turismo sexual e o turismo em geral desenvolveram-se simultaneamente no
Brasil a partir do final da década de 1980, principalmente em cidades litorâneas do
Nordeste Brasileiro. Na década de 1990, houve uma grande mobilização governa-
mental e não governamental visando o enfrentamento dessa problemática por meio
de ações em rede, algumas delas mantidas até hoje. Participam dessa rede a Secre-
taria Especial de Direitos Humanos, a EMBRATUR, o Ministério de Relações
45
Exteriores, companhias aéreas, órgãos da Segurança Pública, o Comitê Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes e organismos
internacionais, entre outros. No entanto, apesar de todos os esforços empreendidos,
o Brasil ainda não conseguiu erradicar essa forma de exploração sexual.
46
Muitas jovens, seduzidas pelo sonho de uma vida diferente e exitosa (ca-
samento e/ou vida em outros países, sucesso profissional, trabalho altamente re-
munerado), embarcam para outros estados do país ou para outros paises, onde são
forçadas a trabalhar no mercado do sexo.
As redes do tráfico de pessoas para fins sexuais costumam “maquiar” suas
atividades clandestinas e criminosas através de cobertura legal e o uso de nomes de
fantasia que não correspondem à verdadeira atividade comercial ou serviços oferta-
dos, como agências de modelos, agências de viagem, empresas de turismo, de oferta
de trabalho e emprego, de namoro-matrimônio e, mais raramente, por agências de
adoção internacional. Essa forma de atuar e os esquemas de segurança do crime
organizado, do qual fazem parte as redes de tráfico, tornam aparentemente invisível
essa modalidade de exploração sexual.
A primeira importante pesquisa nacional sobre o tráfico de mulheres, crian-
ças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Brasil foi realizada
nos anos 2000, 2001 e 2002. Coordenada por Maria de Fátima Leal e Maria Lúcia
Leal, a pesquisa tornou-se referência obrigatória sobre esta realidade e identificou
a existência de um grande número de rotas nacionais e internacionais de tráfico e
um importante contingente de adolescentes do sexo feminino traficadas para fins de
exploração sexual comercial, turismo sexual e pornografia.14
No entanto, o Brasil ainda se ressente da ausência de uma maior consciência
da sociedade e de uma atenção especial de governantes e operadores das redes de
atenção e defesa de crianças e de adolescentes para a implementação de um mais
efetivo combate a esse tipo de crime.
14 LEAL, Maria Lúcia Pinto e LEAL, Maria de Fátima (Org.). Pesquisa sobre tráfico de mulheres, crianças e
adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Brasil. Brasília, CECRIA, 2002.
47
crianças e adolescentes, ele raramente é relacionado como uma das formas de vio-
lência, apesar de tratar-se de exploração econômica e violação dos direitos, punido
na forma da lei (artigo 5º do ECA).
Trata-se de negligência, como vimos anteriormente, quando crianças, por ve-
zes de tenra idade, são exploradas pelos pais, são “alugadas” para estranhos, mendi-
gam em meio ao trânsito, vendem em bares, moram na rua, têm de cuidar sozinhos
de suas vidas e até sustentam economicamente adultos. Crianças e adolescentes que
vivenciam esse tipo de relação parental são levadas a crer que têm obrigação de se
deixar explorar porque estão ajudando os pais.
Há crianças e adolescentes que trabalham, com a anuência ou negligência dos
pais, em atividades ilegais e altamente perigosas (correndo risco de vida), muitas
vezes em regime de escravidão. O tráfico de drogas, a prostituição, a pornografia e
mesmo a participação em roubos e assassinatos são atividades que estruturam per-
sonalidades anti-sociais.
Há também crianças e adolescentes, em geral do sexo feminino, que, traba-
lhando como domésticas e babás, são exploradas em jornadas de trabalho excessivas
e, não raro, abusadas sexualmente por patrões e/ou seus filhos.
48
Nas violências privadas, classificadas como violência intra e extra-familiar, é
importante identificar os atores que se encontram implicados. A violência intra-
familiar pode ser praticada tanto por pais ou responsáveis, como por parentes mais
ou menos próximos dos vitimizados (irmãos, avós, cunhados, tios, primos, entre
outros). Evidentemente, o mais importante é estabelecer nem tanto o parentesco
civil, mas sim o grau de autoridade do violentador sob a vítima.
Na violência extra-familiar, também é importante definir o grau de conheci-
mento e de convivência existente entre o autor e o violentado, ou seja, se o violen-
tador é:
a) ligado a familiares, com estreita convivência com a vítima (filho do padras-
to, segundo marido da avó, namorado da tia ou da irmã);
b) conhecido, com estreita convivência com a vítima (morador na mesma casa
ou no mesmo terreno, vizinho, professor ou outro profissional, religioso,
amigo da família, patrão, comerciante do bairro ou outros);
c) desconhecido da vítima.
Na violência pública, mercantilizada, extra-familiar, como a exploração sexual
comercial, por exemplo, os autores da violência podem ser desconhecidos (clientes,
internautas pedófilos) ou conhecidos (empregadores, gigolôs). Os demais atores,
que testemunham ou até estimulam a violência, são em geral conhecidos (amigas,
aliciadores, taxistas, donos de hotéis e de casas de show, fotógrafos e outros).
49
É importante distinguir a violência doméstica da violência familiar. A violên-
cia doméstica refere-se ao lugar onde ela ocorre, na casa, no lar; a violência familiar
se refere à natureza dos laços parentais que unem as vítimas e os autores da violên-
cia. Não são, portanto, sinônimos.
Na violência doméstica podem viver e ser violentadas pessoas que não são da
família, como empregadas domésticas e agregados. A violência familiar pode ocor-
rer entre cônjuges, entre pais e filhos, entre irmãos, com parentes idosos, habitantes
ou não da mesma casa. Familiares podem se odiar e ser violentos a muitos quilôme-
tros de distância ou vivendo sob o mesmo teto. São exemplos disso o pai que nunca
reconheceu o filho, o filho que sequer conhece o pai, a mãe separada do marido que
não deixa os filhos verem o pai, filhos e pais que se agridem verbal ou fisicamente.
Muitas das agressões e violências praticadas por pais ou responsáveis contra
filhos crianças e adolescentes são, em geral, justificadas como “medidas educativas”
pelos autores e pelos demais atores coniventes com elas.
Todas as pesquisas, nacionais e internacionais, indicam que os familiares são
os maiores autores de violências contra crianças e adolescentes. São freqüentes a
violência física e psicológica praticada pelas mães e a violência sexual praticada pe-
los pais. Em seguida, nas estatísticas, aparece a violência praticada por conhecidos.
Desconhecidos raramente são autores de violência.
50
Com a expansão crescente do mercado do sexo, as organizações e empresas
que atuam na exploração sexual comercial passaram a atuar em redes, articuladas
em nível nacional e internacional. O comércio e a indústria do sexo articulam-se
com outras redes de corrupção, como as de tráfico de pessoas e de drogas, e as de
pedofilia e de pornografia via Internet.
As redes de prostituição organizam o tráfico de pessoas para o comércio se-
xual, estabelecem “rotas”, abastecem prostíbulos, boates, casas de show e a indústria
pornográfica (produção de revistas, fotos, filmes, vídeos, objetos). O tráfico nacional
e internacional de pessoas é, por vezes, articulado com o turismo sexual. Trata-se da
globalização de mercados da contravenção, que atua através de redes clandestinas,
muito poderosas, mafiosas e violentas, vigiadas por fortes esquemas de segurança.
É importante ter presente que, sem essas redes privadas e societárias de si-
lêncio e de conivência, dificilmente haveria espaço para a grande incidência de vio-
lência contra crianças e adolescentes existente. Por isso, os artigos 13, 56 e 245 do
Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem que profissionais e dirigentes
das áreas de educação e de saúde são obrigados a notificar (comunicar oficialmente)
aos órgãos competentes todos os casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos
contra crianças e adolescentes.
Para finalizar
A caracterização dos espaços sociais com maior incidência de violência e das
diferentes formas de ações agressivas que acabamos de ver revelam que a conduta
violenta está disseminada por toda a sociedade. Estamos mais perto dela do que
gostaríamos e ela é mais extensiva do que imaginamos. Em função dessas caracte-
rísticas intensivas e extensivas da violência, sua desarticulação somente poderá ser
alcançada se sua busca for adotada como um dever social de todos, em uma rede de
proteção integral.
51
Referências
______. Aspectos relevantes na definição de abuso sexual. In: OLIVEIRA, Antonio Car-
los (Org) Abuso sexual de crianças e adolescentes. Rio de Janeiro: Editora Nova Pes-
quisa, 2003.
52
KEIROZ, Katia. Abuso sexual: conversando com esta realidade. Disponível em:
www.cedeca.org.br/PDF/abuso_sexual_katia_keiroz.pdf. Acesso em 30 Abr. 2006.
LEAL, Maria Lúcia Pinto e LEAL, Maria de Fátima (Org.). Pesquisa sobre tráfico
de mulheres, crianças e adolescentes para fins de exploração sexual comercial no Brasil.
Brasília, CECRIA, 2002.
______. A violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cadernos de Saúde Pú-
blica, Rio de Janeiro, n. 10 (Suplemento 1), 1993. pp. 07-18.
53
Trabalho
Infantil
Exploração
do trabalho
de crianças e
adolescentes
N
este capítulo abordaremos o trabalho de crianças e adolescentes, dando
ênfase aos direitos da infância e da juventude. Para erradicar o traba-
lho infantil, a principal medida que vem sendo adotada é a de atribuir
prioridade à educação. O direito à educação integral e de qualidade
pode garantir a crianças e adolescentes o direito fundamental de viver as experi-
ências desse período de sua vida como uma consolidação do desenvolvimento do
potencial e das capacidades humanas.
58
e adolescentes. Nesse mesmo ano, o Departamento de Estatística e Arquivo do
Estado de São Paulo registrava que ¼ da mão de obra empregada no setor têxtil
da capital paulista era formada por crianças e adolescentes. Vinte anos depois, esse
equivalente já era de 30%, segundo dados do Departamento Estadual do Trabalho.
Já em 1919, segundo o mesmo órgão, 37% do total de trabalhadores do setor
têxtil eram crianças e jovens; e, na capital paulista, esses índices chegavam a 40%.
Mas não só na indústria havia exploração do trabalho infantil. De modo geral, as
cidades, apesar dos baixos salários, ofereciam mais oportunidades de trabalho, in-
clusive informais, como os de vendedor ambulante, engraxate e jornaleiro. Assim, o
espaço urbano representava um atrativo para a família inteira migrante do campo,
pois acenava com a possibilidade de emprego para os adultos e seus filhos. Entre
os operários, de uma maneira geral, o salário pago às crianças era entendido como
forma de complementar o orçamento familiar. No entanto, ao contrário dessa ex-
pectativa, o agenciamento de mão-de-obra de crianças e adolescentes pressionava
para baixo os salários dos trabalhadores adultos.
Para Russ, o trabalho pode ser compreendido como uma “atividade cons-
ciente e voluntária, pela qual o homem exterioriza, no mundo, fins destinados a
modificá-lo, de maneira a produzir valores ou bens sociais ou individualmente úteis
e satisfazer, assim, suas necessidades”. No entanto, pelo que se conhece da evolução
das formas de trabalho ao longo do tempo, pode-se afirmar que essa definição vale
mais para algumas sociedades do que para outras.
Ao mesmo tempo em que modificam o mundo pelo trabalho, os seres hu-
manos também se modificam, estabelecendo relações entre si, criando e renovando
culturas. Nesse sentido, o trabalho desenvolve capacidades do indivíduo e contribui
para seu desenvolvimento como ser humano. Por outro lado, o modo pelo qual
uma determinada sociedade se organiza para o trabalho e o tipo de relações que se
estabelecem na produção podem também levar à desumanização e à alienação do
ser humano.
Há trabalhos que embrutecem e deformam, além de não proporcionarem
condições para o ser humano escapar da situação de penúria e privação na vida
pessoal, familiar e social. É fácil incluir o trabalho infantil nessa última perspectiva.
A entrada precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho, nas condições
atuais e históricas do capitalismo no Brasil, exemplifica bem essa perspectiva.
59
Trabalho de crianças e adolescentes no Brasil atual
Algumas formas de exploração do trabalho de crianças e adolescentes, como
a prostituição e a participação no tráfico de drogas, são especialmente trágicas. No
primeiro caso, o machismo que impera em amplos setores da sociedade favorece o
acobertamento e a tolerância dessa prática infame em muitas regiões; no segundo, a
falta de perspectiva, a escassez de recursos e a desesperança têm levado milhares de
crianças e adolescentes ao circuito do crime organizado, vislumbrando possibilida-
des de ganhos fáceis e imediatos.
Crianças e adolescentes envolvidos na prostituição e no tráfico de drogas
tornam-se ao mesmo tempo autores e vítimas de ações violentas, como tem sido
verificado em estatísticas sobre jovens infratores e sobre mortes em chacinas. Em
ambos os casos, crianças e adolescentes são expostos a todos os riscos que a vida
oferece nessas condições, sendo o pior deles o da perda do senso de dignidade da
existência humana.
Necessidade, oportunismo e incompreensão mesclam-se para explicar o tra-
balho precoce. A situação de pobreza obriga os pais tanto a utilizar os filhos como
mão-de-obra doméstica, quanto a oferecê-los no mercado de trabalho para aumen-
tar a renda familiar. Como uma das expressões da pobreza e da injusta distribuição
de renda, o trabalho infantil sempre se fez presente em nossa sociedade.
A década de 1980 foi marcada por grande instabilidade econômica, fazendo
com que o Brasil entrasse nos anos 1990 com um dos piores desempenhos entre os
países pobres do Terceiro Mundo no que diz respeito ao enfrentamento da pobreza
e da distribuição de renda.
A década de 1990 foi decisiva para o início do movimento contra o trabalho
infantil, tanto para a mobilização da sociedade civil como para a implementação de
políticas públicas de assistência social. Em 1992, o número de crianças e adolescen-
tes exercendo algum tipo de atividade econômica era de 9,7 milhões. A estimativa
do total de crianças e adolescentes (10 a 17 anos) trabalhando no Brasil em 1998 é
de 7,7 milhões. Isso aponta uma tendência de redução que, embora deva ser cele-
brada, é, no entanto, muito lenta ainda.
Em 2001, havia, segundo o IBGE, 5.482.515 pessoas ocupadas na faixa etá-
ria de 5 a 17 anos, sendo 3.570.216 homens e 1.912.299 mulheres. Do total, 45,2%
são empregados ou trabalhadores domésticos, 6,2% trabalham por conta própria e
41,2% são não remunerados. 37,4% são trabalhadores para o próprio consumo ou
na construção para o próprio uso (IBGE, 2003). Cabe notar que, em 2001, 31,5%
60
dos adolescentes na faixa etária de 15 a 17 anos estavam trabalhando; 11,6%, na
faixa de 10 a 14 anos; 1,8%, na faixa de cinco a nove anos, com maior participação
de meninos que de meninas.
Para conhecer melhor o fenômeno do trabalho precoce, é preciso desagregar
os dados por faixa etária. Os indicadores sobre a participação de crianças na força
de trabalho mostram que essa participação:
• cresce com a idade;
• é maior entre os meninos do que entre as meninas (com a ressalva da invi-
sibilidade e maior dificuldade de estimativa do trabalho doméstico);
• decresce com o aumento do nível de renda das famílias onde estão inseridas; e
• é mais elevada na área rural do que na urbana.
61
Dos 10 aos 14 anos
O número e a proporção de crianças trabalhadoras elevam-se substancial-
mente na faixa dos 10 aos 14 anos. Desta faixa etária, o contingente dos que traba-
lhavam em 1995 representava 18,7% (3,3 milhões), composto majoritariamente por
meninos (87,4%). Novamente, mais da metade (54,6%) moravam em áreas rurais.
Em 1999, esse contingente havia baixado para 2,5 milhões – 16,6% do total de
crianças e jovens entre 10 e 14 anos –, o que indicava uma tendência à redução.
Os meninos são mais precocemente empurrados para o trabalho do que as
meninas, em todo o país. No entanto, o trabalho infantil feminino doméstico é uma
das formas de trabalho mais difundidas e menos pesquisadas, devido a sua pouca
visibilidade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD de
1998 mostram que quase 400 mil meninas na faixa de 10 a 16 anos trabalhavam
como empregadas domésticas. Em 2001, contavam-se 1.935.269 crianças e ado-
lescentes no trabalho na faixa de 10 a 14 anos. A regra geral é não terem carteira
assinada, e sua remuneração, em média, não chega a um salário mínimo.
No campo e na cidade
No item anterior você pôde vislumbrar um quadro geral do trabalho in-
fantil na história do Brasil e sua continuidade nos dias atuais. A seguir, você vai
conhecer um pouco mais da realidade de crianças e adolescentes brasileiros nos
diversos ambientes.
Conhecer a realidade do trabalho infantil implica conhecer também as con-
dições desumanas em que ele ocorre. As crianças trabalhadoras desenvolvem ati-
vidades penosas, perigosas, em ambientes insalubres – no mais, inadequadas tam-
bém para adultos. Vários desses aspectos podem ser mais facilmente identificados
no campo, na cultura da cana de açúcar, nas carvoarias, no sisal e nas pedreiras,
dentre outros.
Diversas informações sobre o trabalho infantil no Brasil foram colhidas por
fiscais das Delegacias Regionais do Trabalho e publicadas no Mapa de Indicativos
do Trabalho da Criança e do Adolescente. Algumas das atividades eram caracte-
rísticas de determinados estados brasileiros, e muitas delas infelizmente perduram
até hoje.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Mapa de indicativos do
trabalho da criança e do adolescente. Brasília, 1999.
62
Segundo os levantamentos, milhares de crianças e jovens trabalhavam nos
canaviais e no engenho, principalmente em Alagoas, Bahia e São Paulo. Na safra,
faziam o corte da cana, ajudavam a transportar os feixes para o engenho e traba-
lhavam no cozimento do caldo da cana. Na entressafra, ajudavam os pais a limpar
o canavial. Esse tipo de trabalho expunha esses jovens a vários riscos de acidentes
– lesões por facão ou foice, queimaduras, picadas de cobras. Além disso, o transporte
até o local de trabalho era feito em veículos inadequados. As jornadas eram longas,
os salários baixíssimos e a situação era agravada pela falta de alimentação, de água
potável e de instalações sanitárias adequadas.
Sob o calor do sol e dos fornos que queimavam lenha para fazer carvão,
centenas de crianças e jovens trabalhavam em carvoarias, principalmente nos esta-
dos da Bahia, Goiás e Minas Gerais. Seu trabalho era encher os fornos com lenha,
fechá-los com barro e, depois, retirar o carvão. Ainda ajudavam no corte das árvores
para fornecer a lenha, no ensacamento do carvão e no carregamento dos caminhões.
Fumaça e calor faziam parte do ambiente de trabalho. A jornada excessiva, o traba-
lho noturno e a exposição a variações bruscas de temperatura comprometiam a saú-
de. Crianças e adultos trabalhavam sem proteção alguma e sem descanso semanal.
Em algumas localidades do Mato Grosso do Sul, constatou-se a existência
de trabalho semi-escravo, ou seja, a empresa fornecia alimentos e descontava seu
valor sem apresentar notas; na hora do acerto de salário, muitos trabalhadores ainda
ficavam devendo à empresa.
No sertão da Bahia e da Paraíba, crianças e adolescentes trabalhavam nas
plantações de sisal: cortavam as pontudas folhas e carregavam-nas para a máquina
de desfibrar, transportando também a fibra processada para a secagem. Nesse tra-
balho, não raro sofriam mutilações pelo uso da máquina e ainda eram expostos ao
ruído excessivo e à alta concentração de poeira.
Detectado em 12 estados brasileiros, dentre os quais estão Alagoas, Bahia e
São Paulo, o trabalho de crianças e adolescentes em pedreiras lembra os trabalhos
forçados que prisioneiros eram obrigados a realizar no passado. As crianças traba-
lhavam a céu aberto, em meio a explosões de rochas, provocadas com cartuchos
de pólvora. Com marretas e talhadeiras, quebravam os blocos de pedras sob o sol,
num esforço físico excessivo para suas idades. Também trabalhavam no polimento
e carregamento de pedras, inalando pó o tempo inteiro. A jornada era excessiva, o
trabalho, insalubre, ninguém usava óculos ou qualquer outro meio de proteção.
HUZAK, Iolanda, AZEVEDO, Jô. Crianças de fibra. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p.22.
63
Nos centros urbanos, o trabalho infantil é visível nas ruas e, especialmente,
nos depósitos de lixo. Crianças e adolescentes recolhem garrafas, latas, plástico e
papel para reciclagem e convivem com materiais contaminados e gases de fermen-
tação dos dejetos. Alimentam-se em meio a enxames de moscas. Além do que reco-
lhem para venda, costumam selecionar alimentos e objetos reaproveitáveis para uso
próprio. Com o que vendem, crianças conseguem obter a quantia de no máximo
R$ 2,00 por dia. É comum encontrar famílias inteiras trabalhando, numa jornada
ininterrupta, sem descanso semanal ou qualquer vínculo empregatício.
Pequenos trabalhadores nas cidades vêem-se por toda parte. São vendedores
de picolé, fruta, cigarro, biscoito, doces e balas; são guardadores de carro, jornaleiros
ou engraxates, dentre outras tantas atividades. Vendendo produtos diversos entre
veículos em congestionamentos, pontos de ônibus, em frente a centros comerciais
ou estádios de futebol, eles fazem parte da paisagem urbana, sendo por muitas vezes
vistos como estorvo ou mesmo como futuros marginais.
A rua é um local de trabalho cruel e perigoso: as relações que se estabelecem
com outros atores sociais (adultos agenciadores, policiais, traficantes e adultos de
rua) em muitos casos põem em risco sua vida. Além disso, esses meninos e meninas
fazem longos percursos a pé, alimentam-se de maneira e em horários inadequados
e, por vezes, trabalham em locais e horários impróprios para a idade, como bares ou
boates, à noite.
Nas cidades, além dos lixões e do trabalho nas ruas, outra forma de inserção,
menos visível, é o emprego doméstico e em pequenos empreendimentos (lojas, fá-
bricas e escritórios familiares ou de pequeno porte). Para os empregadores, o traba-
lho infantil apresenta-se como recurso barato e sem necessidade de regularização.
Embora talvez cause menor impacto, esse trabalho não perde suas características
e condições de exploração, exposição a riscos e prejuízo ao desenvolvimento das
crianças e jovens.
O trabalho doméstico, realizado geralmente por meninas, constitui freqüen-
temente uma forma de exploração oculta, como mencionado anteriormente. Na
maioria das vezes, as condições de vida e trabalho são inadequadas, muitas meninas
dormem no emprego – condição que favorece uma jornada de trabalho extrema-
mente alongada – e muitas chegam a sofrer humilhações e abusos sexuais.
Em 2001, o IBGE constatou a existência de 494.002 crianças e adolescentes
no trabalho doméstico, sendo 45,1% na faixa etária de cinco a 15 anos, ou seja, em
64
situação de ilegalidade. É um tipo de trabalho existente em todo território nacional,
em condições de grande exploração, sem registro formal, em condições de humilha-
ção e muitas vezes de violência.
A PNAD de 2002 constatou o significativo número de cerca de três milhões
de trabalhadores infantis em situação ilegal, o que representava 8,2% de taxa de
trabalho de crianças e adolescentes.
65
Segundo Kaka Werá Jecupé ( 1998) entre os índios guaranis
[...] o domínio sobre si mesmo começa na infância: as crianças
são conscientizadas da diferença entre alimentação e gula. Os ri-
tos de passagem criança-jovem-adulto têm por finalidade ética
atentar para o domínio dos reflexos, dos sentidos, dos desejos e
paixões. Nunca tais ritos tiveram ou têm por premissa a repressão
e sim o desafio de viver no espaço da liberdade. Por isso, não
se castigam os filhos, mas estimulam sua liberdade individual e
contam com o ciclo do tempo e das estações internas do ser para
aos poucos mostrar-se a responsabilidade da liberdade.
JECUPÉ, Kaka Werá. A terra dos mil povos. História indígena do Brasil contada por um índio. São Paulo:
Peirópolis, 1998. p.93.
HUZAK; AZEVEDO, 2000. Op. Cit. p.100.
66
trabalho. As famílias empobrecidas muitas vezes não encontram alternativas a não
ser buscar a complementação de renda por meio do trabalho dos filhos. Portanto, o
combate a essa forma de exploração não pode ser dissociado de outras políticas que
tenham como objetivo intervir na diminuição da pobreza.
Uma das maneiras de agir na busca da redução da pobreza é propiciar mais
e melhor educação às camadas pobres. Estudos recentes demonstram que o baixo
índice de escolaridade da população gera e realimenta as desigualdades sociais e a
concentração de renda. Investir na educação básica é uma estratégia para reduzir as
desigualdades e melhorar a qualidade de vida da população.10
No Brasil, a luta pela prevenção e eliminação do trabalho infantil está cen-
trada na garantia do direito à educação básica e associada a outras ações, como a
complementação da renda familiar e a implantação e desenvolvimento de progra-
mas sócio-educativos no período complementar à escola.
O Brasil é signatário da Declaração Mundial de Educação para Todos, con-
solidada em Jomtien em 199011, que aponta para a necessidade de a educação estar
apoiada numa concepção de aprendizagem que contemple o aprender a conhecer,
a fazer, a conviver e a ser. A perspectiva é a de que os cidadãos acessem e apreen-
dam os conhecimentos construídos e acumulados socialmente, que compreendam e
atuem criticamente não só na realidade social mais próxima, como também na mais
ampla, no sentido de modificação, preservação ou ampliação das conquistas sociais.
Trata-se, portanto, de incorporar os conhecimentos à própria prática, ao pró-
prio fazer do dia-a-dia. Para isso, é necessário desenvolver competências pessoais
que envolvam flexibilidade, criatividade e predisposição para um contínuo processo
de aprendizagem. Desenvolver plenamente o potencial presente em cada criança
não é tarefa somente da escola, mas da família e da sociedade como um todo.
Os programas sócio-educativos que se desenvolvem no contra-turno da esco-
la têm a função de criar oportunidades para que crianças de famílias de baixa renda
pratiquem esportes, desenvolvam atividades artísticas e culturais e competências so-
ciais, brinquem e tenham seu estudo acompanhado. A intenção não é a de substituir
ou repetir o que a criança faz na escola, mas complementar e enriquecer a educação
que ela recebe de seus professores e de sua família.
Complementar a educação das crianças é contribuir para a maior eqüidade
nas oportunidades educacionais. Assim, parte dos esforços para combater o trabalho
67
infantil deve ser destinada a fortalecer essas ações complementares à escola. Nessa
perspectiva é que se justifica a luta por uma escola de qualidade, que garanta o
ingresso, regresso, permanência e sucesso da criança e, ao mesmo tempo, a luta por
espaços, públicos ou não, que ofereçam oportunidade de prática de esportes, arte,
cultura e lazer.
68
• Em 1994, o 5º Congresso inclui o tema “Do Direito da Criança e do Adolescente”;
• Membro do CONANDA em 1992 e ação com o DIEESE;
• UNICEF e UNESCO.
É fundamental destacar a emergência de uma nova cultura social em relação
ao trabalho de crianças e adolescentes, que passou da defesa de sua inserção no
trabalho à defesa da erradicação desse trabalho.
No século XIX, a revolução industrial colocou a infância nas fábricas, com
horas extensas, trabalhos intensos, salários reduzidos e condições insalubres.13
Somente em 1833 é que o Factory Act limitou, na Inglaterra, o trabalho dos
adolescentes de 13 a 18 anos a doze horas diárias e o de 9 a 13 anos a oito horas
diárias, fixando-se a proibição do trabalho abaixo dos nove anos, assim como o
trabalho noturno.14
Para compensar a retirada de certo número de crianças e adolescentes do tra-
balho, a indústria adotou o sistema de turnos. Da limitação e proteção do trabalho
das crianças, um dos primeiros freios à exploração capitalista, passou-se à luta por
sua eliminação, que é um dos objetivos centrais da Organização Internacional do
Trabalho, através do IPEC.
A passagem do paradigma da proteção do trabalho ao paradigma da erra-
dicação do trabalho infantil ainda está em processo, pois a própria OIT prioriza a
abolição do trabalho infantil em situações especialmente perigosas, como o trabalho
escravo, em minas e em ocupações que prejudicam a saúde ou a moral, como a
prostituição, o corte de cana e as carvoarias.
No Brasil, o trabalho de adolescentes vem sendo regulado pela Consolidação
das Leis do Trabalho de 1943, hoje com várias propostas de modificação no Con-
gresso Nacional. Na CLT, está clara a perspectiva de proteção, e cabe aos órgãos
fiscalizadores do Ministério do Trabalho controlar a aplicação da Lei.
Quanto à legislação, cabe destacar, nos últimos dez anos, além da ratificação
das referidas convenções, a promulgação da Lei 9854, de 27/10/99, que obriga as
empresas que queiram participar de licitações públicas ao cumprimento das garan-
tias dispostas no Art. 7, inciso XXXIII da Constituição Federal.
13 MARX, Karl, O Capital, Livro I. Editora Abril: São Paulo 1976.13 O limite de oito horas diárias para menores
de 13 anos só veio em 1836.
14 O limite de oito horas diárias para menores de 13 anos só veio em 1836.
69
Legitimadas por um expressivo e qualificado grupo de 190 pessoas da área,
reunidas pela OIT em Brasília em maio de 2000, as Diretrizes para Formulação de
uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil são listadas a seguir.
Eixos básicos das diretrizes de combate ao trabalho infantil
1. Integração e sistematização de dados sobre o trabalho infantil;
2. Análise do arcabouço jurídico relativo ao trabalho infanto-juvenil;
3. Promoção da articulação institucional quadripartite (Governo, Organiza-
ções de Trabalhadores e de Empregadores, e Organizações Não governa-
mentais);
4. Garantia de uma escola pública de qualidade para todas as crianças e ado-
lescentes;
5. Implementação dos efetivos controle e fiscalização do trabalho infantil;
6. Melhoria da renda familiar e promoção do desenvolvimento local integra-
do e sustentável.
Como se pode observar no quadro acima, a garantia de escola pública de
qualidade para todas as crianças e adolescentes é um dos eixos centrais no enfren-
tamento do trabalho infantil. Não menos importante é mudar a cultura segundo
a qual o trabalho da criança cria hábitos saudáveis de disciplina, ajuda a formar o
caráter e as faz “ser alguém na vida”. Colocar e manter as crianças na escola traz
melhores resultados do que fazê-las arriscar a vida, a saúde e o futuro no trabalho.
Além disso, a criança não pode ser responsabilizada pelo sustento dos pais
ou responsáveis. Eles é que são responsáveis pelo sustento das crianças. O programa
Bolsa Família, que tem como uma de suas origens o Bolsa Escola, tem como um
dos requisitos de concessão a inclusão escolar das crianças.
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), implantado em
1996, tem três dimensões integradas: concessão de Bolsa Criança Cidadã, a manu-
tenção da jornada ampliada e o trabalho junto às famílias.
Além do programa PETI, existe o Programa Sentinela, destinado a combater
o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Trata-se de serviço espe-
cializado e continuado de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças
e adolescentes que atua com vistas a construir, em um processo coletivo, a garantia
de seus direitos fundamentais, o fortalecimento da sua auto-estima e o restabeleci-
70
mento do seu direito à convivência familiar e comunitária, em condições dignas.
Efeitos perversos do trabalho infantil
O trabalho precoce de crianças e adolescentes interfere diretamente em seu
desenvolvimento:
• físico – porque ficam expostas a riscos de lesões, deformidades e doenças,
muitas vezes superiores às possibilidades de defesa de seus corpos;
• emocional – podem apresentar, ao longo de suas vidas, dificuldades para
estabelecer vínculos afetivos em razão das condições de exploração a que
estiveram expostas e dos maus-tratos que receberam de patrões e emprega-
dores;
• social: antes mesmo de atingir a idade adulta, realizam trabalho que re-
quer maturidade de adulto, afastando-as do convívio social com pessoas
de sua idade.
Ao mesmo tempo, ao ser inserida no mundo do trabalho, a criança é impedi-
da de viver a infância e a adolescência, deixando de exercer seus direitos. O traba-
lho priva crianças e adolescentes da vivência de experiências fundamentais para seu
desenvolvimento e compromete seu bom desempenho escolar, condição necessária
para a transformação dos indivíduos em cidadãos capazes de intervir na sociedade
de forma crítica, responsável e produtiva. Entre as crianças que trabalham há maior
repetência e abandono da escola.
71
Além disso, explicita claramente a condenação legal contra toda e qualquer forma
de ameaça ou violação desses direitos, sob forma de violência, exploração, discrimi-
nação ou negligência, responsabilizando o Poder Público pela implementação de
políticas sociais “que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmo-
nioso, em condições dignas de existência” (Art. 7º).
O Estatuto também assegura a crianças e adolescentes o direito à convivência
comunitária e familiar, à livre expressão de opiniões e crenças, o direito de brincar,
de praticar esportes e de se divertir. Cabe aos adultos preservar-lhes a integridade
física, moral e psíquica, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violen-
to ou constrangedor.
Cabe ao Estado oferecer ensino fundamental, obrigatório e gratuito, bus-
car a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade para o ensino médio,
além de assegurar a oferta de creche e pré-escola para as crianças de até seis anos.
O Estatuto determina ainda que sejam oferecidos, ao adolescente trabalhador,
ensino noturno regular e atendimento especializado para os portadores de neces-
sidades especiais, estabelecendo a obrigação dos pais de matricular seus filhos na
escola e definindo como direito dos responsáveis a participação na definição das
propostas educacionais.
No que se refere ao trabalho de crianças e adolescentes, os artigos 60 a 69
do ECA são inteiramente dedicados ao tema. A legislação determina a idade mí-
nima de 16 anos para o ingresso no trabalho. O trabalho da criança de zero a 14
anos permanece terminantemente proibido. Ao adolescente entre os 14 e 16 anos
é facultado o trabalho na condição de aprendiz. Ao ingressar em um emprego, o
adolescente maior de 16 anos tem todos os direitos assegurados ao trabalhador na
CLT. O emprego doméstico somente pode ser efetivado, portanto, a partir dos 16
anos, com todos os direitos assegurados ao empregado.
O Estatuto determina, porém, em seu artigo 68, sobre o trabalho educativo,
que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do edu-
cando prevaleçam sobre o aspecto produtivo. A única possibilidade de trabalho sem
vínculo de emprego para o adolescente é a condição de estagiário, mas essa forma
de aprendizagem profissional é regida por legislação específica, que exige, entre ou-
tras coisas, que haja compatibilidade entre a atividade do estágio (“parte prática”)
e o horário escolar (“parte teórica”). A jornada de estágio não deve ultrapassar seis
horas diárias, o que objetiva priorizar a freqüência à escola diurna.
Para fazer valer os direitos que arrola, o Estatuto também determina a criação
72
de um sistema de garantia de direitos e de proteção integral, o que significa dizer
que não apenas descreve os direitos, mas cria mecanismos para que os mesmos pos-
sam ser assegurados na prática.
A proteção integral obriga todas as políticas sociais a se articularem para
viabilizar o atendimento às necessidades de crianças e adolescentes. A exigibilidade
torna legítima a defesa comunitária desse atendimento por meio dos Conselhos de
Direitos (nacional, estaduais e municipais) e dos Conselhos Tutelares.
O Estatuto institui, pois, direitos dos quais não podemos abrir mão e tam-
pouco podemos deixar de lutar para sua efetiva implementação.
73
ças e adolescentes (pobres, pois raramente se refere às das famílias ricas), o trabalho
é disciplinador - como se oferecesse uma solução contra a desordem moral e social
a que essa população estaria exposta. O roubo nunca foi e não é alternativa ao tra-
balho infantil. O lema que deve ser difundido para refutar esse argumento é “antes
crescer saudável que trabalhar”.
O trabalho infantil marginaliza a criança pobre, privando-a das oportuni-
dades que são oferecidas às outras. Sem poder viver a infância de forma adequada,
estudando, brincando e aprendendo, a criança que trabalha não é preparada para
vir a ser cidadã plena e tende a contribuir para a perpetuação do círculo vicioso da
pobreza e da baixa instrução.
Outro argumento presente na sociedade é o de que o “trabalho é um bom
substituto para a educação”. É usado principalmente no caso de crianças com di-
ficuldades no desempenho escolar. Muitas famílias, sem vislumbrar outras possibi-
lidades de enfrentamento das dificuldades, acabam incorporando a idéia de que é
melhor encaminhar seus filhos ao trabalho. Nesse caso, cabe à escola repensar sua
adequação a essa parcela da população, pois a função social da escola em uma socie-
dade democrática é permitir o acesso de todos os alunos ao conhecimento.
O trabalho de crianças e adolescentes, apesar de ainda ser aceito por parce-
la da sociedade brasileira, não tem justificativa. Para erradicá-lo, faz-se necessário
prover as famílias de baixa renda de recursos que assegurem a suas crianças um
desenvolvimento saudável e uma educação de qualidade.
Apesar das proteções legais existentes, os direitos da infância e da juventude
seguem sendo violados e os projetos que focam a proteção integral precisam ainda
consolidar-se com mais efetividade.
74
Referências
AZEVEDO, Jô, HUZAK, Iolanda, PORTO, Cristina. Serafina e a criança que tra-
balha. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000.
BARROS, Ricardo P., MENDONÇA, Rosane S. P. Determinantes da participação
de menores na força de trabalho. Brasília: IPEA, 1990.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho.
Mapa de indicativos do trabalho da criança e do adolescente. Brasília, 1999.
BRASIL. Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e proteção do
trabalhador adolescente. Brasília: Ministério do Trabalho em Emprego, 2004.
BRASIL. Análise situacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Brasí-
lia: MDS/UNICEF, 2004.
BRASIL. Leis, decretos etc. Lei 10.097 de 19 dez. 2000 [altera dispositi-
vos da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, dispondo sobre a proi-
bição do trabalho a menores de 16 anos...] Brasília, 2000a. Na Internet:
http://www.fundabrinq.org.br/peac/Base/legislacoes/lei10097.htm.
DIEESE – DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E
ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS. O trabalho tolerado de crianças até quatorze
anos. Boletim. São Paulo, v.16, n.193, p.6-25, abr.1997.
FALEIROS, Vicente e PRANKE, Charles (Coords). Estatuto da Criança e do Ado-
lescente - uma década de direitos. Campo Grande: Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, 2001.
HUZAK, Iolanda, AZEVEDO, Jô. Crianças de fibra. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2000.
IBGE. Trabalho Infantil-2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2003.
RUSS, Jacqueline. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Scipione, 1994.
OIT - ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO; CECIP -
CENTRO DE CRIAÇÃO DE IMAGEM POPULAR. Criança que trabalha com-
promete seu futuro. Brasília: OIT; Rio de Janeiro: CECIP, 1995. Fascículo 1. A luta
contra o trabalho infantil: ações da OIT. p.8-9.
75
Considerações
Finais
Redes de
proteção de
crianças e
adolescentes
A
s redes sociais se definem como o compartilhamento de poder e de
recursos humanos e materiais de um conjunto social, formal ou infor-
mal, de atores, grupos e instituições, em um determinado território.
São tecidos sociais que se articulam em torno de objetivos e focos de
ação comuns, cuja teia é construída num processo de participação coletiva e de
responsabilidades compartilhadas, assumidas por cada um e por todos os partícipes.
As decisões são tomadas e os conflitos resolvidos democraticamente, buscando-se
consensos mínimos que garantam ações conjuntas.
A Rede de Proteção de crianças e adolescentes é o conjunto social consti-
tuído por atores e organismos governamentais e não governamentais, articulado
e construído com o objetivo de garantir os direitos gerais ou específicos de uma
parcela da população infanto-juvenil. Como exemplos, podem-se citar a Rede de
Proteção de Adolescentes em Conflito com a Lei, a Rede de Enfrentamento da
Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e a Rede de Proteção dos Meni-
nos e Meninas de Rua, entre outras. Essas redes podem ter abrangência municipal,
estadual, nacional ou internacional.
Assim como ocorre com o Sistema de Garantia de Direitos, as Redes de
Proteção instaladas em diferentes municípios podem ser muito distintas. A articu-
lação entre organismos com diferentes funções, poderes e recursos pode ser uma ta-
refa de alta complexidade. A construção das redes exige, portanto, muita habilidade,
flexibilidade e persistência.
As Redes de Proteção dos direitos de crianças e adolescentes têm como mar-
co de referência o Sistema de Garantia de Direitos estabelecido no ECA. Como se
verifica no esquema a seguir, a garantia de direitos de crianças e adolescentes é res-
ponsabilidade de múltiplos organismos, governamentais e não-governamentais, em
nível federal, estadual e municipal, com diferentes funções, objetivos e instrumentos
de ação, como veremos a seguir.
É um conjunto articulado de ações do Governo e da Sociedade Civil, previsto pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente, para garantir a execução de suas determinações. As instituições que integram o SGD são
encarregadas da elaboração, controle e fiscalização das políticas públicas voltadas para a infância e a ado-
lescência. Disponível em: http://www.estacaodajuventude-ba.org.br/transformese.htm. Acesso em: 02 mar.
2006.
80
ECA - Sistema de Garantia de Direitos
* Essas conferências são fóruns de recomendações e avaliação das políticas para a infância e a adolescência
que devem ser realizadas articuladamente nos níveis nacional, estadual e municipal.
81
Continuação
CONTROLE /
VIGILÂNCIA / EXIGIBILIDADE/ DEFESA RESPONSABILIZAÇÃO
FISCALIZAÇÃO
• Requisição de serviços
(Conselhos Tutelares).
• ONG’s e Universidades
que oferecem assistência
Jurídica
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Organismos do sistema de garantia dos direitos de
crianças e adolescentes
Conselhos Tutelares
Os Conselhos Tutelares são órgãos públicos municipais, previstos no ECA,
cuja missão institucional é zelar pelo cumprimento dos direitos de crianças e ado-
lescentes. Como sua criação gera despesas, cabe ao prefeito a iniciativa de criá-los.
Têm caráter permanente e gozam de autonomia hierárquica no cumprimento de
suas competências e atribuições, ou seja, não estão vinculados nem aos Conselhos
de Direitos nem à Secretaria de governo a que pertencem.
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Cabe ao Conselho Municipal dos Direitos, sob fiscalização do Ministério
Público (ECA, art. 139º), regulamentar, organizar o processo de eleição de seus
membros pela comunidade e dar posse ao Conselho Tutelar.
Em relação às instituições de saúde e estabelecimentos de ensino fundamen-
tal, o Conselho Tutelar deve ser notificado, obrigatoriamente (Artigos 13º e 56º do
ECA):
a) dos casos de suspeita ou confirmação de maus tratos contra crianças e
adolescentes, sem prejuízo de outras providências legais por parte do de-
nunciante;
b) das situações de reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, após
esgotados os recursos escolares;
c) de elevados níveis de repetência.
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Promotorias da Infância e Juventude
São órgãos do Ministério Público que têm como função institucional de-
fender e assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, através da
aplicação de medidas judiciais previstas no ECA.
Centros de Defesa
São organizações não governamentais que atuam no campo da defesa jurídica
de crianças e adolescentes que têm seus direitos violados. Atuam, também, na divul-
gação dos direitos infanto-juvenis, na sensibilização da população local sobre esses
direitos e no controle da execução das políticas públicas.
Defensoria Pública
A Defensoria Pública é um órgão do Judiciário que visa garantir o direito de
assistência jurídica aos que não dispõem de meios para contratar advogado. Embora
não atue exclusivamente nas situações de violação de direitos de crianças e adoles-
centes, faz parte da Rede de Proteção dessa população.
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A Escola tem também a função de Atendimento, ou seja, de proteger seus
estudantes crianças e adolescentes contra qualquer violação de seus direitos e de
oportunizar-lhes condições de pleno desenvolvimento escolar, mental, psicológico,
sexual, moral e social. Evidentemente, essas responsabilidades não são exclusivas da
Escola, mas de toda a Rede de Proteção, da qual ela é parte integrante e na qual
tem papel preponderante.
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Bibliografia Recomendada
BIANCHI, Ana (Org.) Plantando Axé. Uma proposta pedagógica. São Paulo: Cortez,
2000.
87
CUNHA, L. A. Educação, estado e democracia no Brasil. São Paulo: Cortez, 1991.
Del PRIORE, Mary. (Org.) História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto,
1999.
FREITAS, Marcos Cezar de. (Org.) História social da infância no Brasil. São Paulo:
Cortez, 1997.
GABEL, Marceline (Org). Crianças vítimas de abuso sexual. São Paulo: SUMMUS, 1999.
88
Simbólica. Revista Eletrônica de Ciências. Disponível em: http://www.cdcc.sc.usp.
br/ciencia/artigos/art_20/violenciasimbolo.html. Acesso em 01 maio 2006.
MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. São Paulo: Huci-
tec, 1999.
ORLANDI, Orlando. Teoria e prática do amor à criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1985.
RIZZINI, Irene. O século perdido. Raízes históricas das políticas públicas para a infân-
cia no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Santa Úrsula/Amais Editora, 1997.
RIZZINI, Irma. Assistência à Infância no Brasil. Uma análise de sua construção. Rio
de Janeiro: USU, 1993, p 91.
VIVARTA, Veet (Coord) Que país é este? Pobreza, desigualdade e desenvolvimento hu-
mano e social no foco da imprensa Brasileira. São Paulo: Cortez/Unicef/Andi, 2003.
89
Sobre o autor e a autora
FALEIROS, V. P. A questão da violência. In: SOUSA Jr., José Geraldo et al. (Org.).
Educando para os Direitos Humanos. 1 ed. Porto Alegre, 2004, v. 1, p. 83-98.
FALEIROS, V. P. Infância e processo político no Brasil. In: Irene Rizzini; Francisco Pi-
lotti. (Org.). A arte de governar crianças. 1 ed. Rio de Janeiro, 1995, v. 1, p. 47-98
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Eva Faleiros Mestre pela Faculté de Service Social, Université Laval (Canadá).
Graduada pela Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (RS). Atualmente, é pesquisadora do CECRIA, ONG criada
em 1993, especializada em estudos, pesquisa, capacitação e banco de dados sobre a
violência contra crianças e adolescentes. Consultora dos projetos Banco de Dados
(RECRIA) e do Disque-Denúncia do CECRIA. Coordenadora do Movimento
Pró-Saúde Mental do Distrito Federal. Membro da Comissão Saúde Mental do
Conselho Nacional de Saúde, como representante do CFESS/FENTAS (Fórum
dos Profissionais da Área da Saúde) e membro da diretoria colegiada da INVER-
SO, ONG de Saúde Mental.
Desenvolveu atividades docentes, pesquisa, supervisão de estágios e coordenações
na área do Serviço Social nos níveis de graduação e pós-graduação. Iniciou sua car-
reira universitária nas Faculdades de Serviço Social da Pontifícia Universidade Ca-
tólica do Rio Grande do Sul e na Faculdade de Pelotas (RS), em seguida ingressou
na Universidade de Brasília. Lecionou e atuou como pesquisadora na Universidad
Católica de Valparaiso (Chile), CEGEP Lévis-Lauzon (Canadá) e Universidade
Federal da Paraíba (PB). Foi Vice-Presidente do Conselho de Direitos da Crian-
ça e do Adolescente do Distrito Federal, 1992-1994. De 1998 a 2000, participou
do Projeto Latino-Americano do Bureau International Catholique de L`Enfance
(BICE), como representante do Brasil/CECRIA no Uruguai. Realizou a coordena-
ção da pesquisa nacional Circuito e Curtos-circuitos no Atendimento, Prevenção,
Defesa e Responsabilização do Abuso Sexual de Crianças e de Adolescentes. MJ/
DCA/UNIFEM, 2000/2002.
Ao longo de sua carreira acumulou experiências na área de Serviço Social, Políticas
Públicas e Políticas Sociais com ênfase nos seguintes temas: crianças e adolescentes,
abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, violência e direitos humanos
de crianças e adolescentes, redes de proteção, assistência social, saúde pública e saú-
de mental.
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de Governar Crianças. Rio de Janeiro: Editora Universitária Santa Úrsula/Amais
Livraria e Editora/IIN, 1995, pp. 221-236.
FALEIROS, Eva T. Silveira. Aspectos relevantes na definição de abuso sexual. In: OLI-
VEIRA, Antonio Carlos (Org.) Abuso sexual de crianças e adolescentes.Rio de
Janeiro, Editora Nova Pesquisa, 2003.
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Coleção Educação para Todos
Volume 01: Educação de Jovens e Adultos: uma memória contemporânea, 1996-2004
Volume 02: Educação Anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03
Volume 03: Construção Coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos
Volume 04: Educação Popular na América Latina: diálogos e perspectivas
Volume 05: Ações Afirmativas e Combate ao Racismo nas Américas
Volume 06: História da Educação do Negro e Outras Histórias
Volume 07: Educação como Exercício de Diversidade
Volume 08: Formação de Professores Indígenas: repensando trajetórias
Volume 09: Dimensões da Inclusão no Ensino Médio: mercado de trabalho, religiosidade e educação
quilombola
Volume 10: Olhares Feministas
Volume 11: Trajetória e Políticas para o Ensino das Artes no Brasil: anais da XV CONFAEB
Volume 12: O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje.
Série Vias dos Saberes n. 1
Volume 13: A Presença Indígena na Formação do Brasil. Série Vias dos Saberes n. 2
Volume 14: Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença. Série Vias dos Saberes n. 3
Volume 15: Manual de Lingüística: subsídios para a formação de professores indígenas na área de
linguagem. Série Vias dos Saberes n. 4
Volume 16: Juventude e Contemporaneidade
Volume 17: Católicos Radicais no Brasil
Volume 18: Brasil Alfabetizado: caminhos da avaliação. Série Avaliação n. 1
Volume 19: Brasil Alfabetizado: a experiência de campo de 2004. Série Avaliação n. 2
Volume 20: Brasil Alfabetizado: marco referencial para avaliação cognitiva. Série Avaliação n. 3
Volume 21: Brasil Alfabetizado: como entrevistamos em 2006. Série Avaliação n. 4
Volume 22: Brasil Alfabetizado: experiências de avaliação dos parceiros. Série Avaliação n. 5
Volume 23: O que fazem as escolas que dizem que fazem Educação Ambiental? Série Avaliação n. 6
Volume 24: Diversidade na Educação: experiências de formação continuada de professores. Série
Avaliação n. 7
Volume 25: Diversidade na Educação: como indicar as diferenças? Série Avaliação n. 8
Volume 26: Pensar o Ambiente: bases filosóficas para a Educação Ambiental
Volume 27: Juventudes: outros olhares sobre a diversidade Este livro foi composto em
Adobe
Volume 28: Educação na Diversidade: experiências e desafios na Caslon
educação Pro e bilíngüe
intercultural Helvética.
Volume 29: O Programa Diversidade na Universidade e a Construção de Papel mioloEducacional
uma Política ofset 90 g.
Anti-racista Para Mec/Bid/Unesco e para
Volume 30: Acesso e Permanência da População Negra no Ensino Superior
a Editora Publisher Brasil,
Volume 31: Escola que Protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes
no outono de 2007.
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Este livro foi
composto em Adobe
Caslon Pro e Helvética
para o MEC e a Unesco
em 2008.
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As informações reunidas nesta obra
fazem parte dos resultados de pesquisas
desenvolvidas pelo Programa Internacio-
nal para Eliminação do Trabalho Infantil
da Organização Internacional do Trabalho
e de observações colhidas no projeto Es-
cola que Protege, iniciado em 2004 pelo
Ministério da Educação, por intermédio
da Secad, com a finalidade de promover
ações educativas e preventivas para re-
verter a violência contra crianças e ado-
lescentes.
Esta obra tem sua origem no curso
Formação de Educadores: subsídios para
atuar no enfrentamento à violência con-
tra crianças e adolescentes, que buscou
agregar à formação de professores e
demais profissionais de educação subsí-
dios que viabilizassem sua atuação como
agentes fundamentais na missão de ga-
rantir os direitos de crianças e adolescen-
tes, por meio do enfrentamento de desafi-
os e da implementação de ações práticas.
A experiência de formação abrangeu
atividades de educação a distância, de-
senvolvidas pela Universidade Federal de
Santa Catarina, com etapas presenciais
realizadas em todas as regiões do Brasil
por Universidades Federais e Estaduais.
Em função do interesse despertado
pelo material bibliográfico utilizado no cur-
so de formação de educadores, a Secad/
MEC decidiu reeditar seu conteúdo para
distribuição à toda a Rede de Proteção de
Direitos de Crianças e Adolescentes.
ISBN 856073156-3
9 7 8 8 5 6 0 7 3 1 5 6 5