Oliveira - 2004 - O Trabalho e Seu Significado
Oliveira - 2004 - O Trabalho e Seu Significado
Oliveira - 2004 - O Trabalho e Seu Significado
Apesar de alguns autores como Offe (1995) e Gorz (1982) afirmarem a perda da
centralidade do trabalho e da tendência ao fim do emprego, o trabalho ainda representa
um dos aspectos mais importantes da vida pessoal, organizacional e societal, sendo um
dos pilares fundamentais em que se assenta a sociedade. Contra a idéia do fim do
trabalho, Sorj (2000) argumenta que:
Castel (1998b) também não comunga a tese do fim da sociedade do trabalho. Ele
coloca que a relação com o trabalho se alterou,
Mas é ainda sobre o trabalho, quer se o tenha, quer este falte, quer seja
precário ou garantido, que continua a desenrolar-se, hoje em dia, o destino
da grande maioria dos atores sociais. Nesse sentido, pode-se continuar a
falar de centralidade do trabalho, no sentido de que ele permanece, positivo
ou, muitas vezes, negativamente, no centro das preocupações da maior parte
das pessoas. (1998b, p.157)
A atualidade mostra não o fim do trabalho, mas, como argumenta Meyer (2000), sua
reafirmação como obrigação e fonte de exploração. Como resultado das novas
tecnologias o tempo de trabalho necessário reduz-se ao mínimo. Contudo, a riqueza daí
decorrente cresce sem que seja repartida com os trabalhadores, o que evidencia um
crescimento na taxa de exploração. A relação entre crescimento da riqueza social e
elevação da taxa de mais-valia indica que o trabalho continua no epicentro das
transformações em curso.
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Dejours (2001) corrobora esta idéia quando afirma que:
Pode se afirmar que, como aponta Sorj (2000), ocorreu uma grande mudança em relação
ao regime de emprego que prevaleceu nas sociedades avançadas desde o pós-guerra -
período chamado de "a idade de ouro do capitalismo". Denominado por Castel (1998a)
de "sociedade salarial", este momento histórico caracterizou-se por um alto grau de
padronização em vários aspectos como: o contrato de trabalho, o lugar do trabalho, a
duração da jornada de trabalho. Buscava-se combinar trabalho e proteção, concedendo à
condição de assalariado não apenas uma retribuição monetária em forma de salário, mas
um certo número de garantias e de direitos, essencialmente direito ao trabalho e à
proteção social. Neste sentido,
Entretanto, nos dias de hoje, torna-se cada vez mais evidente que o emprego como uma
carreira contínua, coerente e estruturada não é mais uma opção que esteja amplamente
disponível, manifestando a ruptura da relação salarial que associava trabalho e
segurança (CASTEL, 1998b; SORJ, 2000). Os novos postos tendem a ser flexíveis no
tempo, no espaço e na duração, dando origem a uma grande variedade de contratos de
trabalho. Tais mudanças, longe de representarem ganhos para o trabalhador, revestem-
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se de um sentido extremamente negativo para estes, pois "proliferam estudos em que se
observa um indisfarçável saudosismo dos sistemas produtivos tayloristas ou fordistas
que, até ontem, eram considerados modelos supremos da alienação do trabalho"
(SORJ, 2000, p.26).
Para que haja trabalho, é necessária a existência de alguns elementos que, de acordo
com Marx (1987), conformam o conceito de processo de trabalho. São eles: o próprio
trabalho como atividade adequada a um fim; a matéria a que se aplica o trabalho, o
objeto de trabalho; e os meios de trabalho, o instrumental de trabalho. Os objetos e os
meios de trabalho, utilizados na produção social para a criação dos bens materiais,
formam os meios de produção.
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Marx (1987, p.187) define força de trabalho como "o conjunto das faculdades físicas e
mentais, existentes no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele
põe em ação toda vez que produz valores-de-uso de qualquer espécie". Esta força de
trabalho é trocada por um valor para que o trabalhador possa assegurar os meios de
subsistência diário. Todavia, o valor pago pelo capitalista é muito inferior ao valor
efetivamente produzido, o que dá origem a um excedente de produção - mais-valia -,
cujo destino é a apropriação pelo capitalista.
Para o capitalista, o processo de trabalho é um processo que ocorre entre coisas que lhe
pertencem (MARX, 1987). Nesta concepção, o trabalhador está desumanizado, reduzido
a uma mercadoria, a um "fator de produção" (BRAVERMAN, 1977). O cuidado do
dono do capital é com a força de trabalho enquanto energia para a movimentação das
máquinas, e não com os operários como seres humanos.
O interesse dos industriais não permite que os operários fiquem em casa por
doença; estes não têm o direito de ficar doentes, se não o industrial poderia
ter que parar suas máquinas ou incomodar a sua nobre cabeça para
proceder a uma substituição temporária. Antes disso acontecer, despede as
pessoas quando estas se permitem não gozar de saúde. (ENGELS, 1985;
apud PENA, 1990)
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Como argumenta Foucault (1988), o exercício de dominação do capital sobre o
trabalhador é feito através de seu corpo. Este é investido por relações de poder e
dominação quando tomado como força de produção, o que se torna possível porque o
trabalhador está preso em um sistema de sujeição, isto é, tem que assalariar-se para
garantir sua subsistência. Deste modo, o corpo só se torna força útil se é ao mesmo
tempo corpo produtivo e corpo submisso.
É possível apreender que Foucault (1979) não considera o poder como uma realidade
concreta que tenha em si uma essência. Para ele, o que existem são formas distintas e
heterogêneas de poder, que se caracterizam como uma prática social historicamente
constituída e em constante transformação. Poderes ditos periféricos e moleculares
estariam disseminados por toda a sociedade, assumindo formas mais regionais e
pontuais. Neste sentido, não existiriam indivíduos que têm poder ou não o têm, posto
que o poder não se caracterizaria como uma propriedade, e sim como relações que se
estabelecem entre atores sociais. Da mesma forma que o poder não é considerado uma
mercadoria que possa ser dada ou negociada, não é também um lugar que se ocupa. O
poder, conforme este autor, é algo que se exerce, que se concretiza e acontece nas
relações sociais.
Já Poulantzas (1986, p.100) designa poder como "a capacidade de uma classe social de
realizar os seus interesses objetivos específicos". Este conceito reporta-se aos tipos de
relações sociais caracterizadas pelo conflito, pela luta de classe, pela capacidade de uma
determinada classe social realizar seus interesses próprios, os quais são opostos aos das
outras classes. Isto determina uma relação específica de dominação e subordinação das
práticas de classes, que é precisamente caracterizada como relação de poder. A relação
de poder implica pois na possibilidade de demarcação de uma linha nítida, a partir desta
oposição, entre os lugares de dominação e de subordinação. Essas relações de poder,
lastreadas na produção da mais-valia e na ligação aos poderes político-ideológicos,
materializam-se nas unidades de produção, lugares de extração da mais-valia e de
exercício desses poderes (POULANTZAS, 1980).
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daqueles que a exploram. O poder é então exercido por aquele que detém o capital sobre
aqueles que são explorados, sendo improvável se pensar em uma cooperação.
O trabalho, consoante inúmeros estudos (LIMA, 1988; ZALUAR, 1994; SARTI, 1996),
representa um valor moral na sociedade, algo central na vida das pessoas que subsidia
tanto a sobrevivência material como social. Independentemente do seu conteúdo, dos
objetivos que visa atingir, do prazer que proporciona a quem o executa, o trabalho
representa um valor. A busca de realização através do trabalho é descrita por Lima
(1988) como a finalidade última da existência, e o desempenho de uma atividade
profissional como o cumprimento de um dever. A autora, contudo, chama atenção para
o fato de que esta concepção de trabalho teria sido forjada por uma ideologia capitalista.
À medida que o trabalho vai perdendo seu conteúdo, seu significado mediante o
processo de desenvolvimento industrial, maior valor vai sendo atribuído ao trabalho em
si, qualquer que seja a atividade desenvolvida.
Zaluar (1994), em um estudo sobre o modo de vida das classes populares, no conjunto
habitacional Cidade de Deus na cidade do Rio de Janeiro, descreve que o termo
"trabalhador", quando utilizado por um adulto - homem ou mulher - é sempre dito com
orgulho. A categoria "trabalhador" é usada para indicar um valor moral superior das
pessoas assim referidas em relação a outras rotuladas de "vagabundos", "bêbados",
"malandros" ou "bandidos". Contudo, os filhos jovens de pais que, exercendo o papel de
provedor principal da casa, trabalham um número excessivo de horas "sem descanso",
têm a visão do trabalho como algo que aprisiona, que torna seus pais "escravos", cujas
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vidas não comportam mais o prazer. O trabalho, que assume uma conotação positiva
para alguns integrantes de uma família, significando um diferencial de superioridade
moral, para outros mostra-se um elemento de rebaixamento à condição de escravo.
Esta autora coloca também a oposição que se configura entre a categoria trabalhador e a
categoria patrão. Nesta relação são atualizados os conflitos entre o capital e o trabalho,
quando invocada a condição de subalterno e dependente do trabalhador frente ao patrão.
Muitas vezes a situação do trabalhador é descrita, conforme Zaluar (1994), com
palavras que falam da humilhação ou da exploração que sofrem. O autoritarismo é um
dos problemas que marca esta relação de trabalho, fazendo emergir o ethos masculino,
esta "moral do homem" que "clama pela democratização das relações de trabalho". As
relações autoritárias tornam-se fonte permanente de conflitos e razão para macular a
imagem do trabalho, podendo levar até ao abandono deste. Entretanto, como apontam
os sujeitos entrevistados por Zaluar (1994), o "pobre" não tem como fugir desta
situação, pois necessita trabalhar para conseguir o dinheiro que lhe permite sobreviver,
enquanto que o "rico" - o patrão - já tem o dinheiro e não precisa trabalhar para viver.
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A saúde, como pontua Sarti (1996), também é trazida pelos trabalhadores como um
valor moral relacionado ao trabalho. "Mesmo não tendo nada, o pobre tem saúde e
disposição para trabalhar. Assim, a saúde, sendo uma condição para o trabalho, faz
com que aquele que, no registro do poder, é fraco e pobre, torne-se forte e rico"
(SARTI, 1996, p.69).
Esta mesma autora descreve ainda que a honra, entre os pobres, vincula-se a virtude
moral, sendo o trabalho um dos instrumentos fundamentais desta afirmação pessoal e
social.
1) Função integrativa ou significativa: algo que pode dar sentido a vida na medida em
que permite a realização pessoal;
2) Função de proporcionar status e prestígio social: funciona como uma fonte de
respeito e reconhecimento;
3) Função de formação da identidade: dimensão importante para a formação e o
desenvolvimento da identidade pessoal;
4) Função econômica: possibilita a sobrevivência material e a aquisição de bens de
consumo;
5) Função social: fonte de oportunidades para a interação e contatos sociais;
6) Função de estruturar o tempo: papel dominante na estruturação do tempo das
pessoas em períodos regulares e previsíveis, se constituindo em um marco de
referência temporal útil;
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7) Função de manter o indivíduo numa atividade mais ou menos obrigatória: um dever
para com a sociedade;
8) Função de ser uma fonte de oportunidades para desenvolver habilidades:
proporciona ao sujeito uma prática diária que permite a aquisição e/ou o
melhoramento de suas habilidades;
9) Função de transmitir normas, crenças e expectativas sociais: a comunicação entre
os trabalhadores proporciona uma transmissão de normas, crenças, valores, idéias,
desempenhando um papel socializador;
10) Função de proporcionar poder e controle: pode-se experienciar relações de poder e
controle sobre outras pessoas e processos;
11) Função de comodidade: as pessoas podem ter a oportunidade de desfrutar de boas
condições físicas e segurança financeira.
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outro lado, a possibilidade de decidir de que forma ocupar o tempo, podendo se dedicar
à contemplação da natureza em busca da "verdade e da virtude" era considerada um
patrimônio dos cidadãos livres.
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mesma. Fundava-se assim, baseada nas características do modo de produção capitalista,
a subordinação do indivíduo como meio para fins econômicos, tendo a acumulação de
capital como objetivo da atividade econômica.
Em um artigo que teve como objetivo oferecer um panorama das pesquisas nacionais e
estrangeiras sobre significado do trabalho nos últimos quinze anos, Mourão e Borges-
Andrade (2001) ratificam a noção de que as representações de trabalho vêm sendo
alteradas com as diferentes concepções de sociedade. Contudo, consideram que três
proposições sintetizam as formas mais freqüentes de apreensão do significado do
trabalho: a de que sua função é instrumental ou econômica; a de que o trabalho é algo
inseparável da natureza e das necessidades humanas; e a proposição de que o trabalho
tem uma natureza sócio-psicológica. Também, nessas pesquisas, torna-se manifesto o
caráter central do trabalho na vida das pessoas.
Um dos maiores estudos sobre o significado do trabalho foi o desenvolvido pelo Grupo
MOW - Meaning of Working -, nos anos oitenta, ao conduzir uma ampla pesquisa
comparativa acerca do significado do trabalho em oito países (BASTOS, COSTA e
PINHO, 1995; SALANOVA, GRACIA e PEIRÓ, 1996; MOURÃO e BORGES-
ANDRADE, 2001). Neste estudo, o Grupo concluiu que os indivíduos atribuem muitos
significados ao trabalho e que o padrão desses significados varia de acordo com
características individuais, características e qualidade das experiências, ocupação e
outros antecedentes, resultando em um padrão complexo de significado do trabalho.
Segundo Mourão e Borges-Andrade (2001), uma das maiores contribuições do Grupo
foi demonstrar que grande porção do significado atribuído ao trabalho é moldada pela
institucionalização do trabalho e por sua relação com outros papéis da vida do
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indivíduo. As pessoas não desenvolvem os significados do trabalho somente como
resultado das experiências e condições de trabalho, mas atribuem significados ao
trabalho para mudar organizações e estruturas sociais.
Utilizando-se de uma versão reduzida dos itens que integram o questionário proposto
pelo MOW, Bastos, Costa e Pinho (1995) desenvolveram um estudo entre trabalhadores
inseridos em organizações formais na Região Metropolitana de Salvador. Os autores
afirmaram que o trabalho é considerado uma importante esfera da vida, sendo elemento
ponderável na definição da identidade dos indivíduos. Os motivos relacionados ao
trabalhar estão predominantemente associados ao fato de desenvolver uma atividade
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interessante e auto-realizadora, como também à função econômica do trabalho.
Contrariando os achados de Lima (1988), esses autores descrevem que o trabalho foi
colocado mais como um direito, em detrimento da idéia de obrigação ou dever do
indivíduo para com a sociedade.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MEYER, V. A proibição do tempo livre nos tempos da terceira revolução industrial. In:
CABEDA, S.T.L.; CARNEIRO, N.V.B.; LARANJEIRA, D.H.P. (Org.). O corpo ainda
é pouco: seminário sobre a contemporaneidade. Feira de Santana: NUC/UEFS, 2000. p.
293-299.
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OFFE, C. Capitalismo desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1994.
POULANTZAS, N. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
SARTI, C. A. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. Campinas,
SP: Autores Associados, 1996.
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