FAPF - 29 EUVUPalhota
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h i s t ó r i a d a c a s a m o ç a m b i c a n a
Apresentação
José Forjaz V
Recolha iconográfica
Sandro Bruschi, Júlio Carrilho e Luís Lage
José Forjaz
20 de Agosto de 2005
Breve nota histórica 01
É preciso todavia considerar que, embora os tipos de casa sejam normalmente referidos
a povos diferentes, os nomes deles representam definições com simples valor prático
que são utilizadas neste contexto para identificar agregados culturais e políticos, não
necessariamente étnicos, e que raramente possuem limites certos no tempo e no
espaço5. É preciso também estar cientes de que os tipos do que falamos, assim como
Casa Mousgoum em 1952 (Gardi, 1974, pág. 93).
A partir de meados do século XX, as casas as sociedades que os exprimem, mudaram e mudam constantemente no tempo,
construídas inteiramente em argila já eram raras
enquanto utilizava-se um novo tipo de casa só com embora esta mudança tenha sido acelerada progressivamente nos últimos anos. Pode,
metade da altura da antiga e com cobertura cónica
em capim. portanto, acontecer que o tipo analisado e considerado “clássico” nos nossos estudos
de arquitectura, na realidade corresponda a um período breve e transitório na história da
evolução cultural6, e a tentativa de conservá-lo artificialmente7 ou de reproduzi-lo,
embora rigorosamente8, pode ter efeitos negativos bloqueando o próprio processo de
evolução criativa. Evidentemente isso não é válido só para a arquitectura mas para todos
os objectos de estudo da antropologia cultural, embora só há pouco tempo os
estudiosos contemporâneos tenham iniciado a tomar em conta, no desenvolvimento de
uma determinada cultura, dos efeitos da imposição de modelos de interpretação vindos
Casa Mousgoum em construção em 2000, no do exterior9.
âmbito de um programa de revitalização
cultural. (Seignobos, 2003, ob. cit., pág. 165).
1 Hall, 19962, pág. 23-39. Tombouctou la mystérieuse, Flammarion, Paris, possuía uma arquitectura peculiar (Beguin J-P.,
2 Griaule Marcel, Dieu d’eau: entretiens avec 1897, e Guidoni, 19792). Hoje todavia tais edifícios Kalt M., Leroy J., Louis D., Macary J., Pelloux P.,
Ogotemmêli, Les Editions du Chêne, Paris, já não existem sendo substituídos por outros com Peronne H., L’Habitat au Cameroun: Présentation
1948. frentes muito menos elaboradas. De facto, as des Principaux Types d’Habitat, L’Office de la
3 Os princípios que permetiram a reavaliação da soluções arquitectónicas adoptadas nos modernos Recherche Scientifique Outre Mer, Editions de
arquitectura popular já eram presentes em edifícios apresentam vários pontos de semelhança l’Union Française, Paris, 1952), já
Giedion (Giedion Siegfried, The Eternal Present, com as dos edifícios ilustrados no início do século completamente transformada na segunda
Vol. 2, “The Beginning of Architecture”, Pantheon XIX por outros viajantes (Caillie René, Journal d’un metade do mesmo século (Gardi René, Auch im
Books, New York, 1964), e foram aplicados na voyage à Tombouctou et à Djenné dans l’Afrique Lehmhaus lässt sich’s leben, 1973, ed. ingl.
obra de Rudofsky (Rudofsky Bernard, centrale, Imprimerie royale, Paris, 1830 e Barth “Indigenous African Architecture”, Van Nostrand
Architecture without Architects: a Short Heinrich, Reisen und Entdedeckungen in Nord und Reinhold Company, New York, 1974, pág. 91) e
Introduction to Non-Pedigreed Architecture, Zentral Africa, 5 Bande, Gotha, Berlin, 1858), mas agora reproduzida com subvenções e ajuda
Academy, London, 1964), que foi bastante que pela maioria dos autores foram considerados exterior nas formas de um século atrás
popular entre os arquitectos non anos Sessenta. ter sido incorrectamente reproduzidos. (Seignobos Christian, Jamin Fabien, La Case
4 Denyer, 1978. 7 Por exemplo, o uso de reboco de cimento para Obus; Histoire et Reconstitution, Editions
5 Uma síntese recente do conceito de etnia e evitar a manutenção periódica dos edifícios em Parenthèses - Patrimoine sans Frontières,
uma bibliografia actualizada acerca do assunto terra em Djénné e em Mopti. Marseille, 2003).
encontra-se em Fabietti, 1995. 8 Em geral, no caso da arquitectura africana, se 9 Um exemplo famoso é a influência da
6 Por exemplo, a maioria dos textos de admite a reconstrução total ou parcial dos edifícios transcrição das crenças do povo Dogon (Mali)
arquitectura utilizam, para discutir as suas teses perdidos enquanto se considera mais importante feita por Griaule, (1948), no desenvolvimento
acerca do valor simbólico da arquitectura manter e proteger o conhecimento do processo de contemporâneo daquela sociedade e na
africana, a decoração das frentes dos edifícios construção do que conservar rigorosamente o estruturação da indústria turística. Uma síntese
de Tombouctou (Mali) como vistos pelos produto da actividade construtiva que degrada do problema encontra-se em Aime Marco, Diario
estudiosos e viajantes da primeira metade do inevitavelmente e rapidamente. Um caso pode ser dogon, Bollati Boringhieri, Torino, 2000.
século XX (ver entre outros: Dubois Félix, o do povo Mousgoum, que no início do século XX
03
As casas que existiam na África pré-colonial, entendendo-se como casa a residência de Kraal Zulu, por volta de 1956 (S. A. State
Information Office, reproduzida em Walton, 1956,
uma família que vive com recursos e meios de produção comuns, eram compostas por plate 113).
O primeiro grupo era caracterizado por casas constituídas por vários edifícios dispostos
à volta de um espaço circular comum em ordem hierárquica característica de cada
cultura. Os edifícios podiam ser cilíndricos, com cobertura cónica, ou inteiramente
cónicos (em forma de colmeia, em inglês beehive style), ou semiesféricos.
O segundo grupo, a que pertenciam os tipos difundidos na área da floresta pluvial e
Por fim, é importante notar que hoje pode ser difícil reconhecer os tipos mais antigos,
principalmente por causa do desaparecimento da família poligâmica e da conseguinte
drástica redução do número de edifícios que compunham a casa. Até o limite onde a
casa da família nuclear consiste de um único edifício que geralmente reproduz o tipo
arquitectónico antigamente utilizado para os numerosos edifícios destinados às
mulheres.
Como já dito, até a metade do século XX, as duas variantes deste tipo de casa circular, 12 Huffman, T. N., “Southern Africa to the South
of the Zambesi” em UNESCO, 1999, vol. 3,
com ou sem curral do gado no seu centro, estavam difundidas por toda a África Austral,
Africa from the Seventh to the Eleventh
embora com diferenças locais na forma dos edifícios, justificadas por características Century, pág. 318-326.
05
diferentes da economia familiar. Na área correspondente ao actual Moçambique os
edifícios das casas circulares, seja dos agricultores sedentários seja dos agricultores e
criadores de gado, eram sempre de tipo cilíndrico, com diâmetro maior que a altura, com
cobertura cónica e, em muitos casos, com uma varanda a toda a volta.
Este mesmo tipo de casa era utilizado nos antigos assentamentos chamados zimbabwe,
Casa clássica de planta redonda em construção
difundidos dos séculos XII a XV no planalto entre os rios Zambeze e Limpopo, em parte na província de Sofala em 1970 (Moura, 1986,
fig.7).
do actual Moçambique e Zimbabwe. Num primeiro momento, os numerosos restos de
construções em pedra dos zimbabwe não pareceram corresponder a nenhuma tipologia
utilizada pelos povos da região e foi imaginada uma intervenção de culturas estranhas
para justificá-los. Só com grande dificuldade e depois de muito tempo foi reconhecido
que os restos destas construções, embora imponentes, eram simples elementos
acessórios do tipo clássico de casa ainda presente na região. Hoje sabemos que as
muralhas circulares de pedra dos zimbabwe tiveram a função de isolar simbolicamente
os edifícios em materiais vegetais e argila onde moravam os membros da classe
Casa em construção em Ngaúma na província
dominante, e a torre cónica sempre de pedra, que se encontrava na casa do chefe do de Niassa, em 2002 (fotografia de Alfredo
Francisco, cortesia do Mined). Está patente a
assentamento principal de Grande Zimbabwe, assim como nas casas dos chefes dos derivação deste tipo de casa da casa cilíndrica com
cobertura cónica. De facto, embora a planta seja
quadrada, se mantém a disposição dos barrotes da
assentamentos menores, é interpretada como sendo um celeiro simbólico para
cobertura convergentes no cume, como era na
cobertura cónica. Nota-se também a presença de
testemunhar a riqueza do dono da casa13. Está também acertado que, fora das um poste central para apoio dos barrotes.
muralhas, se encontravam as casas dos membros das classes subalternas, do mesmo
tipo mas com vedações em materiais vegetais, e que existia uma hierarquia de centros
em que o último nível de subordinação era constituído por aldeias compostas
exclusivamente por agricultores onde não existia nenhuma diferenciação de classe nem
qualquer construção de pedra14.
Existe, embora presentemente seja bastante difícil de encontrar, uma variante onde o
edifício principal é constituído por dois cilindros coaxiais de estrutura independente mas
Um elemento de quebra sol imitado da com cobertura comum. Este tipo de casa, que parece ter sido relativamente frequente na
arquitectura formal (Carrilho, 2001, pág. 37, fig.
7.19). A protecção é inútil porque a fachada está na antiguidade no Grande Zimbabwe e em Khami20, foi assinalado até tempos recentes em
sombra do beiral do telhado, mas é patente a
imitação de uma casa formal. vários lugares do Centro de Moçambique. O anel externo pode ser diferentemente
utilizado simples varanda-armazém num caso observado em Manica, quarto para dormir
em alguns períodos do ano na alta vale do Zambesi21 sendo dividido em compartimentos
com funções diferenciadas na foz do Save22.
plataformas suportadas por postes independentes com um diâmetro de 20 metros e uma altura de 6
18 Nas construções com paredes em argila o das paredes que são utilizadas como celeiros o ou 7 metros. Neste caso vários postes, dispostos
telhado em materiais vegetais era apoiado armazéns. Nas construções de grande diâmetro, em três anéis concêntricos, colaboravam a
directamente nas paredes. No caso da cobertura hoje em dia muito raras, outros postes, colocados sustentar o peso da cobertura.
plana, que era muito mais pesada porque em posição central ou em volta do centro, 20 Walton, 1956, pág. 89.
constituída de madeira e argila, esta era em geral sustentavam a cobertura. Um autor do início do 21 Oliveira, 1976, pág. 30.
apoiada em postes independentes das paredes. século XX (Lupi, 1906, pág. 89) descreve a casa de 22 Dias G, e Dias M., pág. 28.
19 No interior do edifício podem-se encontrar um chefe (M’cuépére-muno) em Angoche (Nampula) 23 Junod, 1974, vol.1, pág. 286.
07
assumiu funções de defesa e transformou-se numa paliçada24, que ainda hoje se pode
esporadicamente encontrar a volta da casa de indivíduos importantes como símbolo do
prestígio25. No Norte as concentrações de população que facilitavam a defesa contra os
invasores eram localizadas em zonas de difícil acesso ou utilizavam igualmente robustas Casa Tallensi (aldeia de Tongo, em Ghana
Norte-oriental) em 1961. (Prussin Labelle,
paliçadas26. No caso do povo Makonde, as casas, espalhadas no mato, eram protegidas Architecture in Northern Ghana, A Study of Forms
and Functions, University of California Press,
por uma espessa cintura de arbustos espinhosos que tinha várias dezenas de metros de Berkeley and Los Angeles, 1969, pág. 43, fig. 2.3).
Na antiga concepção da casa africana o poder e a
largura27. riqueza do dono eram indicados pelo número dos
edifícios, e os edifícios, por sua vez, eram
visivelmente reconhecíveis através das suas
coberturas distintas.
Provavelmente no mesmo período, no centro do País difundiu-se a “casa de caniço”. Foi
ilustrada num quadro de Thomas Baines, pintor e explorador do século XIX que
acompanhou Livingstone na expedição de 1858 e executou a sua pintura nos arredores
de Tete, durante a viagem28. Esta representação é importante para o conhecimento da
evolução da arquitectura autóctone moçambicana entre os séculos XIX e XX. O edifício
principal é cilíndrico, com paredes de pau-a-pique e cobertura cónica de capim. Mas as
dependências são inteiramente em caniço, de forma rectangular e cobertura de uma
água. Trata-se da mais antiga representação do tipo de construção económica, fácil e
rápida de executar, que viria mais tarde a generalizar-se nos assentamentos urbanos de O esquema da casa com cobertura “em
ventoinha”, (Lage, 2001, pág. 79, fig. 2.7.). Neste
baixo custo do País, aos quais acabou por dar o nome29. tipo, actualmente o mais difundido nas periferias
das cidades, todos os compartimentos são
individualizados através de coberturas distintas.
Na arquitectura colonial do início do século XX, o novo interesse pelo ambiente africano
levou em alguns raros casos à utilização de modelos inspirados pela arquitectura
autóctone na tentativa de realizar com materiais modernos construções mais
“apropriadas” do ponto de vista estético e ambiental. Todavia a casa cilíndrica com
cobertura cónica, “a palhota”, que era o tipo mais difundido em Moçambique, só inspirou
alguns edifícios destinados às exigências do tempo livre (restaurantes, bares, quartos de
hotéis na praia), sendo muito rara a utilização do tipo para moradia particular30.
Hoje, as escolhas formais adoptadas nas novas construções que vão substituindo as
casas de caniço da periferia das grandes cidades são ainda mais interessantes,
porque permitem analisar não só a influência recíproca entre arquitectura formal e
informal31, mas também a influência da tradição do uso do espaço nas formas
24 Liesegang, 1974, pág. 313. modernas de habitar32. É importante notar que aqui também existe a necessidade de
25 Claude Dennis J., item “Tembe: stockade”
em Oliver P., 1995-1997, pág. 2167.
manter e transmitir conhecimentos técnicos complexos sem a ajuda de manuais
26 Liesegang, 1984, pág. 175.
técnicos ou desenhos e, por isso, como aconteceu no passado, utilizam-se mais uma
27 Dias, 1964/70, vol.2, pág. 33.
28 Thornton, 1990, pág. 49. vez tipos rigorosamente determinados. Analisando estes tipos não é difícil encontrar
29 Uma notícias anedótica acerca da origem do
uma sua justificação funcional ligada ao estilo de vida dos utilizadores e uma
nome “caniço” ou “bairro do caniço”, utilizado
para os subúrbios das cidades, pode-se explicação tecnológica ligada à simplicidade e economia da construção. É, todavia,
encontrar em: Cabral António Carlos Pereira, bastante fácil reconhecer na produção mais corrente da arquitectura formal os
Pequeno Dicionário de Moçambique, Edição do
Autor, Lourenço Marques, 1972, pág. 28. modelos a que os vários tipos originariamente se inspiraram, assimilando os símbolos
30 Bruschi e Sondeia, 2002, pág. 27.
mais acessíveis disponibilizados pelas classes dominantes. Por fim, não se pode
31 A utilização, no caso da arquitectura ou dos
assentamentos, dos adjectivos “formal” e excluir a hipótese que o sucesso desses tipos modernos, todos caracterizados por
“informal” não faz referência à qualidade do
uma volumetria complexa onde cada compartimento mantém uma própria cobertura
produto mas ao processo de produção, em
analogia com os termos universalmente distinta, responda inconscientemente à antiga concepção da casa africana onde o
utilizados na descrição da economia dos países
poder e a riqueza do dono eram visivelmente indicados no exterior pelo número dos
em desenvolvimento.
32 Lage, 2001. edifícios.
08
Como foi dito antes, os mercadores árabes ou de cultura islâmica que se estabeleceram
em África intercambiaram usos e arquitectura com os povos já ali residentes. Em
escavações arqueológicas de antigos assentamentos berberes da savana Sub-
sahariana encontram-se restos de casas das quais ao modelo vem patentemente do
Mediterrâneo. Igualmente, nos assentamentos Swahili da costa setentrional do Oceano
Principais itinerários do comércio Swahili para
o interior, a partir da costa do Oceano Índico,
Índico se encontram restos de casas rectangulares em pedra com cobertura plana,
após 1840 (Davidson Basil, The Growth of African
Civilisation - East and Central Africa to the late
parecidas com as casas da Arábia Meridional. Estas casas, que eram utilizadas pelos
Nineteenth Century, Longman, London, 1967, pág.
197, fig. 23).
habitantes mais ricos33, eram construídas sobre uma plataforma, onde era possível
sentar-se e acolher as pessoas que não eram da família, e podiam ser isoladas ou
organizadas em grupos em volta dum pátio comum34. Junto a elas existiam nos
assentamentos dois tipos de casas em materiais vegetais35 que constituíam
provavelmente uma tentativa de interpretar com materiais mais acessíveis a forma
rectangular da casa árabe, substituindo a cobertura plana com uma cobertura de colmo
em vegetais, relativamente fácil de realizar utilizando a técnica da cobertura cónica
tradicional. Estes tipos de casas posteriormente difundiram-se numa área muito mais
vasta que aquela própria da cultura Swahili e ainda hoje são extensivamente utilizados.
Casas de tipo Swahili, no posto comercial de
Ipoto, ao longo do rio Ituri (actual Zaire), em
1878 (Stanley Henry M., “Dans le Ténèbres de
l’Afrique - recherche, découverte et retraite d’Emin Um primeiro tipo era bastante elementar, possuindo uma única abertura, nenhuma
Pacha, gouverneur de l’Equatoria; 1887-1889”, Le
Tour du Monde, n. 2, 1890, pág. 37). O posto de
divisão interna, telhado em duas águas, estrutura de estacas de palmeiras, acabamento
Ipoto (no actual Zaire) distava mais de mil
quilómetros do grande entreposto comercial
Swahili de Unyamwezi (perto da actual Tabora, na
das paredes e da cobertura em esteiras de folhas de palmeiras (denominado em
Tanzânia). No fim do século XIX, vários postos
comerciais deste tipo controlavam toda a bacia a
kiswahili Nyumba ya Maiani). Este tipo encontra-se ainda hoje nos lugares onde é
montante do rio Zaire.
difundido o cultivo da palmeira que fornece o único material utilizado na sua construção
(macúti em emakhuwa). É presente esporadicamente nas áreas rurais ao longo da costa
moçambicana, até Inhambane onde provavelmente iniciou a ser extensivamente
utilizado só a partir da primeira metade do século XX36.
Hipótese de reconstrução de uma antiga casa
árabe (Lindhal Bernhard, Architectural History of
Ethiopia in Pictures, The Ethio-Swedish Institute of
Outro tipo, de execução mais sofisticada, com porta e janelas, telhado em quatro águas, Building Technology, Addis Ababa, 1970, pág. 9). A
casa é reconstruída a partir de um modelo de argila
paredes acabadas com matope e varanda (denominado em kiswahili Nyumba ya encontrado perto de Axum (Etiópia) em 1959, que
testemunha uma das mais antiga vias para a
Udongo), difundiu-se numa área muito mais extensa e se encontra na costa bem como penetração em África deste tipo de casa
proveniente da Península Arábica.
ao longo de todo o itinerário da penetração dos mercadores Swahili no interior do
continente africano (da costa do Oceano Índico até à região dos lagos Niassa e
Tanganyika, até atingir a bacia do rio Zaire).
As antigas cidades Swahili que existiam fora das fronteiras políticas do Moçambique 33 As casas em pedra dos assentamentos
Swahili eram muito poucas: uma centena, cento
actual, da Somália até a Tanzânia, deixaram testemunhos de uma arquitectura bastante e cinquenta no máximo, nas cidades mais
elaborada. Os edifícios possuíam abobadas e paredes em pedra e cal, tendo sida grandes e só uma ou duas nos assentamentos
menos importantes (Garlake, 2002, pág. 180 e
utilizada como material de construção a pedra coral. Nos assentamentos Swahili da Kusimba, 1999, pág. 121-123).
34 Garlake, 2002, pág. 180-181.
costa moçambicana, só em alguns raros casos existem restos de construções de pedra 35 Kusimba, 1999, págg. 149-152.
contemporâneos ou anteriores à conquista portuguesa37. Noutros casos a ausência de 36 Bruschi e Sondeia, 2003, pág. 30.
09
restos arqueológicos significativos põe em dúvida a existência de cidades
importantes38, embora alguns autores atribuam tal ausência exclusivamente à
dificuldade de procurar nesta região materiais de construção duráveis39. Presentemente
considera-se que a civilização urbana Swahili consistisse de uma hierarquia de centros
e que só os mais ricos e populosos utilizassem construções em pedra. Em alguns
casos, a contemporânea presença em partes distintas do mesmo assentamento de
habitações em pedra coral e de outras utilizando madeira, matope e cobertura de colmo
em vegetais, confirma que a utilização de diferentes materiais não correspondia à
disponibilidade de recursos ambientais mas a um diferente nível económico40.
das águas nas cumeeiras, as águas laterais são quase sempre inseridas dentro das
águas principais.
Por fim, a cobertura é acabada com folhas de palmeira ou capim em camadas fixadas
a ripas horizontais que, por sua vez, são amarradas aos barrotes.
Casa-fortaleza com vários andares do povo Outras diferenças se encontram nas soluções da varanda, que pode ter várias formas,
Sola na região oriental dos Montes Atakora
(Denyer, 1978, pág. 186, fig. 305). constantes nos diferentes locais e que denotam variantes de tipo bastante definidas44.
A varanda não existe na casa arábica clássica, da qual se pensa que os vários tipos
de casas utilizados pelo povo Swahili derivam, e poderá ter sido autonomamente
elaborada, resultando da transformação da varanda que existe em muitos dos tipos
autóctones de casa dos povos Bantu, que adoptaram a cultura Swahili. Nas casas do
Norte de Moçambique pode existir um simples beiral do telhado, um beiral do telhado
na frente com varanda posterior (Ilha de Moçambique), uma varanda limitada aos dois
lados principais ou uma varanda que se estende pelos quatro lados da casa. Este caso
Casa de dois andares com varanda na cidade é o mais comum e, claramente, a forma da varanda é um elemento de combinação
de Kumasi (moderno Ghana) em 1818 (Bowditch
T. Edward., Account of Mission from Cape Coast com o tipo originário de casa cilíndrica com cobertura cónica, que tinha uma varanda
Castle to the Kingdom of Ashantee, 1817/1818,
Murray, London, 1819). completa a toda a volta. Do ponto de vista climático, a varanda ou o beiral do telhado,
É também interessante observar a este respeito que a introdução do novo tipo de casa
no interior da região setentrional coincidiu com o único período de desenvolvimento
urbano pré-colonial conhecido pela região. De facto, na segunda metade do século XIX
o povo Yao organizou-se em várias unidades políticas locais, baseadas no comércio de
mercadoria e primariamente de escravos. A volta da sede dos chefes mais poderosos a
Casa em construção com muros em tijolos de
população iniciou a se concentrar em assentamentos muito mais populosos dos argila crua e cobertura em materiais vegetais,
encontrada em Lichinga (fotografia de G. Morelli).
tradicionais assentamentos familiares, embora não estáveis, dependendo da mudança
da situação estratégica ou política. Mwembe, capital de um chefe Yao (Mataka), foi a
Casa em acabamento com muros em tijolos de Existem também alguns exemplos de casas coloniais da costa, de arquitectura mais
argila crua e cobertura em quatro águas em
chapa metálica, encontrada em Lichinga pretensiosa, influenciadas pela arquitectura Swahili. Nesses casos a planta, o esquema
(Carrilho, 2001, pág. 31, fig. 6.2.).
da cobertura em quatro águas, a disposição simétrica das aberturas, a varanda posterior
no lado do quintal, correspondem com bastante exactidão aos elementos que caracteri-
zam a habitação Swahili da mesma região, embora reinterpretados com materiais e
tecnologia europeia56. Em alguns casos, encontrados na Ilha do Ibo, casas deste tipo
ainda possuem dois pilares de pedra que ultrapassam a altura da parede mediana para
sustentar a viga do cume, conforme o tipo Swahili clássico, onde toda a cobertura era
Casa em Lichinga com muros em blocos de sustentada por dois postes de madeira, colocados na mesma posição57.
argila e cobertura em duas águas em chapa
metálica (Carrilho, 2001, pág. 32, fig. 6.8.). Do tipo
Swahili a casa mantém só a distribuição interior,
mas volumes, fachada e técnica de construção são
totalmente modificados.
A casa mais antiga de Moçambique, a casa circular constituída por edifícios cilíndricos Casa em Lichinga com muros em blocos de
cimento e cobertura “em ventoinha” (Carrilho,
com cobertura cónica, presente no Sul do País, provavelmente poderia responder ainda 2001, pág. 33, fig. 6.17.).
hoje às exigências básicas da simples vida do camponês. Mas já nas zonas onde
aparece uma urbanização rudimental, o edifício cilíndrico é substituído por edifícios com
55 A estimativa dos aglomerados humanos
base rectangular mais práticos, embora de construção um pouco mais complexa.
africanos que mais impressionaram os antigos
Aparecem assim novos tipos locais que tendem a se difundir e se consolidar. Mas ao visitantes oscila em geral entre 10.000 e 30.000
habitantes, sendo de facto a dimensão máxima
mesmo tempo a facilidade de informação encoraja a experimentação de novas formas, da população vinculada pela necessidade de
produções arquitectónicas individualizadas impensáveis na antiga sociedade rural. beneficiar de uma agricultura de subsistência e
pela ausência completa ou insuficiência de
sistemas de saneamento.
56 Particularmente interessante é o caso de um
Pelo contrário, nas cidades, o edifício cilíndrico já desapareceu completamente, como
edifício de Inhambane denominado “Palácio
tende a desaparecer a casa rectangular de caniço que o substituiu, e vão consolidando- Fornasini”. Embora na fachada no lado da rua
sejam evidentes elementos (pilares e entabla-
se os novos tipos, resultados de uma complexa interacção com os modelos da mento) inspirados na arquitectura erudita
europeia, a disposição dos quartos, o esquema
arquitectura formal.
da composição das aberturas, a varanda
posterior entre as duas dependências, a cober-
tura de quatro águas permitem acertar a
A casa de tipo Swahili do Norte possui maior flexibilidade de adaptação que, no passado, influência da arquitectura Swahili na formação
facilitou a sua utilização por povos com tradições culturais bastante diferentes e que hoje deste tipo de casa. O “Palácio Fornasini” e as
casas rectangulares em estacas e folhas de
lhe permitiria responder às exigências de uma concepção mais moderna de habitar, na palmeira seriam portanto documentos da
penetração mais meridional da cultura Swahili
fase intermédia do processo de migração para as áreas urbanas que o País atravessa.
em Moçambique. Esta penetração é provavel-
mente recente no caso das casas em materiais
vegetais e, com certeza, é indirecta, através da
Neste caso, todavia, a ameaça à sua sobrevivência vem mais da introdução de novas e importação de soluções já experimentadas em
tipos consolidados pela penetração colonial, no
mais económicas tecnologias de construção do que de exigências funcionais. Uma das
caso do “Palácio”.
razões que, neste momento, começam a motivar a escolha de tipos de casa diferentes, 57 Carrilho, 2005.
13
nas áreas onde anteriormente a casa de tipo Swahili encontrava-se muito difundida, é
a introdução da chapa metálica na cobertura. A condição mais fácil e económica de
utilização da chapa metálica verifica-se nas coberturas de águas independentes.
Consequentemente, a cobertura com quatro vertentes convergentes no cume tende
actualmente a desaparecer, toda a organização interior é alterada pela facilidade de
organizar quartos com cobertura e estrutura independentes uns dos outros e,
finalmente, dado que as coberturas são independentes, não há razão para manter a
forma compacta do exterior da casa.
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Recolha iconográfica 17
2.3. Casa em Zambézia (cultura Chuabo) em 1900 (Denyer, 1978, pág. 149,
fig. 229).
3.1. Casa rural (um casal com três filhos menores) no distrito de Xai-Xai. Planta (levantamento de Júlio Pereira e Roberto João).
Edifícios anulares
6.3. Casa numa aldeia na província de Tete (Fonseca, 1968, pág. 48).
26
7.3. Edifício de dois andares numa aldeia na província de Tete (Oliveira, 1976,
fotografia 5).
8.2. Uma “casa de sombreio” de pedra e cal do mesmo tipo, ainda existente
na cidade de Inhambane.
Em Moçambique, até o fim do século XIX, existiam dois tipos de casas tradicionais, muito bem diferenciados.
No Sul era a casa cilíndrica com cobertura cónica e no Norte era a casa de planta rectangular com cobertura em quatro aguas.
Ambos os tipos de casa, embora bem distintos pela sua forma exterior, utilizavam para as paredes uma estrutura similar de pau a pique
maticada com terra, completando a cobertura com capim ou folhas de palmeira.
Hoje a situação è mais confusa, particularmente no Sul.
Aqui, nas zonas rurais ou na periferia das cidades, se encontram muitas outras diferentes formas de casas, de planta rectangular o
quadrada. Mas, a aparente confusão das formas, simplifica-se, observando com atenção os pormenores e as técnicas construtivas
utilizadas. Pode-se assim reconhecer que a maioria das casas pertencem a tipos recentes que vão surgindo da transformação da casa
cilíndrica tradicional para experimentar técnicas de construção mais eficazes e novas maneiras de habitar.
No Norte, pelo contrario, a casa de planta rectangular domina incontestada, embora ela também seja o resultado de uma transformação,
o melhor de uma hibridação da casa redonda. Mas, trata-se de uma hibridação relativamente antiga.
De facto em varias localidades da costa Moçambicana, Ilha de Moçambique, Pemba, Ibo, as casas são idênticas às de Zanzibar, da costa
da Tanzânia e do Quénia. São as casas típicas da cultura Swahili. Uma cultura mista árabe-africana, que originou no momento dos
contactos sistemáticos e do estabelecimento dos mercadores muçulmanos na costa africana, e que sobreviveu durante toda a época
colonial, até hoje.
Nas cidades Swahili perto das orgulhosas construções de vários andares em pedra coralina habitadas pelos ricos mercadores,
encontravam-se casas mais modestas, que imitavam a forma rectangular da casa árabe, a sua distribuição interior e disposição das
aberturas, mas utilizavam a tradicional técnica africana de construção em pau a pique, substituindo a cobertura plana, difícil a realizar e
impermeabilizar, com uma cobertura inclinada em materiais vegetais.
Os mercadores Swahili apareceram na costa moçambicana setentrional pouco antes da chegada dos Portugueses. Não tiveram
provavelmente tempo bastante para edificar cidades de pedra mas importaram as suas casas rectangulares em materiais vegetais, de
construção rápida, fácil e económica.
Quando no início do século XIX a trata dos escravos e o comercio do marfim obrigou os mercadores Swahili a penetrar sempre mais
profundamente no interior, com eles penetraram a sua religião, cultura e também o seu tipo de casa.
O famoso explorador Stanley, por exemplo, descreveu casas deste tipo encontradas num posto comercial Swahili na bacia do rio Zaire, a
cerca de dois mil quilómetros da costa.
É através deste processo que a casa rectangular com telhado em quatro água substituiu completamente os tipos autóctones preexistentes
em toda a região interior ocupada pelos povos Makhuwa, Makonde e Yao. Foi um processo de adaptação progressiva onde a varanda a
toda volta da casa rectangular, herdada da antiga casa cilíndrica, diferencia a casa do interior da casa da costa onde existe um simples
beiral do telhado limitado à frente.
Seja como for, no fim do processo de transformação nas casas circulares da família alargada os edifícios cilíndricos, com cobertura cónica
foram progressivamente substituídos por edifícios rectangulares. Sucessivamente, o edifício individual atribuído a cada membro da família
alargada, transformou-se na casa principal de uma família nuclear, constituída pelos pais e filhos menores, e tais casas, com quintal
próprio e dependências, passaram a ser dispostas em alinhamentos regulares nas aldeias.
Hoje em dia este tipo de casa encontra sucesso também nas cidades. De facto uma sua característica peculiar é a colocação da casa
principal em contacto directo com o exterior. Nas cidades, isso permite o acesso à casa directamente a partir da rua. Um corredor central,
dando acesso aos quartos, faz a ligação entre a entrada da rua e o quintal nas traseiras. À forma rectangular da casa principal sucede a
forma rectangular do quintal e a organização mais económica do espaço ao ar livre (lugar de estar, cozinha, casa de banho, latrina,
dependências, etc.). A utilização mais racional do espaço livre e edificado e a regularidade da sua forma permitem a mais fácil inserção
na malha urbana.
Dado que as funções principais da casa tendem a concentrar-se no edifício principal, o aumento do número de quartos, subdividindo
ulteriormente o espaço interior do edifício, constitui a resposta indispensável às exigências da vida moderna. O único limite ao número de
quartos deriva da impossibilidade de aumentar as dimensões do edifício porque, consequentemente, o peso da cobertura aumentaria
demasiado em relação à capacidade de suporte das paredes. As paredes presentemente são na maioria dos casos de tijolo de argila seco
ao sol ou cozido, e raramente de bloco de cimento.
A casa rectangular com telhado em quatro água de derivação Swahili, possui portanto uma grande facilidade de adaptação que, no
passado, facilitou a sua utilização por povos com tradições culturais bastante diferentes e que hoje permitiria, se se estudarem medidas
técnicas e financeiras apropriadas, que se adaptasse para responder às exigências de uma concepção moderna de habitar. Mas se, pelo
contrário, não houver nenhuma intervenção para apoiar e encorajar a produção tradicional, este tipo de casa, que no passado se difundiu
em tantas partes de África, está, provavelmente, destinada a desaparecer.
10.4. Edifício de tipo cilíndrico com cobertura cónica de uma 10.5. Edifício de tipo Swahili, com planta rectangular e telhado em
casa Makonde (Dias, 1964, vol.2, pág. 17). quatro águas de uma casa Makonde (Dias, 1964, vol. 2, pág. 18).
11.3. Pormenor da disposição em leque dos barrotes 11.4. Pormenor da disposição dos barrotes das águas
das águas laterais, na fase inicial da construção da laterais, antes do acabamento da cobertura, na Ilha do
cobertura, observado na Ilha do Ibo (arquivo fotográfico Ibo (arquivo fotográfico de J. Carrilho).
de J. Carrilho).
11.5. Pormenor do apoio de um poste que sustenta a 11.6. Pormenor da estrutura horizontal que liga os
cumeeira da cobertura, observado na Ilha do Ibo barrotes entre si, observado na Ilha do Ibo (arquivo
(arquivo fotográfico de J. Carrilho). fotográfico de J. Carrilho).
Campo e cidade
13.1. Frente decorado de uma casa Yao num bairro periférico da cidade
de Lichinga (Carrilho, 2001, pág. 29, fig. 7.13).
Entre os arbustos, de longe, aparece uma silhueta elegante, um signo emergente da presença de uma aldeia importante e populosa. De
longe não è fácil de identifica-lo: pode ser o campanário de uma igreja, o minarete de uma mesquita, ou, talvez, um edifício mais
importante dos outros ........
Agoura somos mais perto e a ilusão desaparece. Compreendemos de ter finalmente encontrado o primeiro exemplo das construções de
dois andares em pau e pique, das quais, continuando a nossa pesquisa, encontraremos depois muitos exemplares. Até este momento
eram por nos, construções ilusórias, mencionada nalgumas publicações dos antropólogos antigos, ilustradas em fotografias desfocadas
de algumas revistas, mas nunca vistas na realidade.
De facto, as construções de dois andares em pau e pique não se encontram nas cidades, porque ali uma estandardização pré-industrial
impõe uma produção constante e igualitária, sem fantasia quando a fantasia implica custos adicionais. Elas estão presentes, aqui e ali,
nas aldeias onde os vínculos ligados à presença dos materiais de construção são menos fortes, a fantasia dos construtores mais livre, a
ânsia de urbanidade mais sentida.
E trata-se realmente de ânsia de urbanidade, de desejo de modernização, de tentativa de reproduzir no ambiente rural aquela qualidade
do espaço que nos, os arquitectos, chamamos desenho urbano ou, quando o desenho das construções condiciona com a sua presença
a paisagem, chamamos com um termo inglês na moda sky line ou perfil dos edifícios mais altos contra o céu.
Vale a pena para uma modesta construção de dois andares isolada nos campos de utilizar palavras tão pomposas? Talvez sim, pelo
menos nas intenções do construtor, que sempre nesses casos tem bem clara a importância simbólica do seu esforço arquitectónico.
Há cinquenta anos, o antropólogo Diaz falou de uma construção de altura exagerada encontrada numa aldeia Makonde e explicava-la
com a tentativa do dono de reproduzir as construções vistas nas cidades por ele visitadas. No caso citado no início deste artigo, à pergunta
porque o dono tivesse iniciado uma casa de construção tão complicada ele respondeu com orgulho e maravilhosa ingenuidade: “Esta não
è uma casa: é um prédio!”.
A técnica do pau a pique è de outra parte uma técnica muito versátil que pode atingir níveis de sofisticação bastante elevados.
Presentemente è sempre menos utilizada por causa da dificuldade e do custo que implica a procura da grande quantidade de estacas
necessária. Um material que devêm sempre mais raro para encontrar em regiões já abundantemente desbravadas.
Mas construções em pau e pique de dois andares, não eram raras na arquitectura africana da época pré-colonial.
Antigamente, em algumas das cidades do Golfo de Guiné, os edifícios deste tipo podiam ser comuns. Conhecemo-los através dos
desenhos de um viajante do início do século XIX (Bowdicht) que ilustrou as ruas mais importantes de Kumasi, uma das cidades que
formavam a poderosa confederação Asante. As ruas eram bordadas de casas em pau a pique com pórticos no rez de chão e varandas
no primeiro andar. O pórticos eram utilizados por fins comerciais, mas das varandas podia-se assistir às cerimonias que periodicamente
desenvolviam-se longo das ruas. De facto, a arquitectura destas casas, tão diferente da do povo comum, possuía um forte valor simbólico
e só os dignitários de nível mais elevado possuíam o direito de construi-las.
As nossas casas de dois andares, pelo contrario, constituem com certeza uma evolução recente, uma consequência simpática do impacto
de culturas e estilos de vida diferentes na sociedade tradicional. Evoluíram a partir do tipo moderno de casa quadrangular, que no norte
do País substituiu a casa de planta redonda, sempre em pau a pique, por influência da casa do tipo Swahili. As casas em pau e pique de
dois andares se encontram, portanto, com relativa frequência nas zonas rurais da região de cultura Makhuwa, Yao, Nyanja, Makonde
(possivelmente) e aparecem, embora mais raras, nas áreas de contacto com as culturas da bacia do Zambesi.
15.4. Casa de tipo Swahili em Ilha de Moçambique (Ilha de Moçambique. Relatório 1982-1985, 1985, pág. 174).
15.5. Uma casa em pedra e cal influenciada pelo tipo Swahili na Ilha do Ibo (levantamento e desenho coordenado por J. Carrilho).
Os elementos de derivação Swahili são reconhecíveis na disposição dos quartos, no esquema da composição das aberturas, na varanda
realçada da frente, na cobertura de quatro águas. Nota-se a típica varanda posterior entre as duas dependências, que é também presente
na casa da Ilha de Moçambique.
15.6. Uma casa em pedra e cal (“Palácio Fornasini”) possivelmente influenciada pelo tipo Swahili na cidade de Inhambane
(Bruschi e Sondeia, 2003, pág. 66-67). Neste caso, os elementos de derivação Swahili são reconhecíveis na disposição dos quartos, na
cobertura de quatro águas e na típica varanda posterior entre as duas dependências. Existem elementos o bastante para acertar a
influência da arquitectura Swahili, provavelmente indirecta, através da importação de soluções já experimentadas em tipos consolidados
pela penetração colonial.
43
18.4. Gaiola para passaros que imita uma casa com cobertura “em
ventoinha”, a venda no Mercado Central de Maputo (comunicacão de Maria
Spina).
48
Se a pergunta tivesse sido feita a um viajante do século XV a resposta teria sido positivamente entusiasta. Embora as costas do Golfo de
Guiné, que na altura iniciavam a ser conhecidas, apareciam aos olhos europeus dramaticamente vazias, a gente falava de reinos
poderosos e cidades majestosas escondidas no interior das florestas ou na margem dos desertos. Outras grandes cidades foram pouco
depois descobertas na costa africana do Oceano Indico e no seu interior todos acreditavam existir outros reinos fabulosos e ainda outras
cidades.
Passaram os anos e a atitude europeia em relação à África mudou. Na época das grandes explorações e, mais tarde, na época colonial,
cada manifestação da cultura africana foi etiquetada como “produção de selvagens”, para justificar a sua pressuposta inferioridade racial.
As cidades, que precedentemente tiveram sido relatadas com entusiasmo, transformaram-se em “miseráveis conjuntos de palhotas”, ou
foram negadas como não existentes. Os restos arqueológicos, que não podiam ser negados, foram atribuídos à intervenção de
colonizadores alheios, melhor se chegados em época remota de outros continentes.
Os antigos viajantes acertaram melhor porque na verdade existiam cidades já antes da época da colonização europeia. Surgiram,
acompanhando a difusão da influencia islâmica, na área da savana da África Sub-sahariana e na costa do Oceano Indico, longo das rotas
comerciais dos barcos Swahili no sul e longo das rotas das caravanas berberes no norte. A partir destas cidades, uma nova arquitectura,
fruto de um amálgama das duas culturas, difundiu-se, transformando-se e adaptando-se de várias maneiras, nos assentamentos rurais.
Também fora da área da influencia islâmica existiam assentamentos extensos e populosos, capitais de reinos poderosos, que se poderiam
considerar cidades, se não fosse pelo feito de ser efémeros e desaparecer em pouco tempo, mudando frequentemente de lugar. De facto,
aqui a cidade era precária assim como era precária a residência do indivíduo. Dependia das limitações do ambiente, como o rápido
esgotamento da fertilidade do solo e a escassez de materiais de construção duráveis, e, no mesmo tempo, era consequência de uma
estrutura social centralizada a volta da pessoa do chefe e do rei divinizado, una sociedade que andava reestruturar-se com cada mudança
de chefia. Como a casa mudava de lugar para procurar nova terra para cultivo o quando da morte do chefe da família, assim a capital era
abandonada se esgotavam-se os recursos da área circunvizinha ou quando da sucessão dos reis.
É interessante notar que a presença de materiais de construção lapideis de fácil aproveitamento justificou em algumas regiões da nossa
África Austral a presença de assentamentos rurais muitos extensos ou de possíveis verdadeiras cidades. Estes assentamentos,
constituídos por materiais mais duráveis, eram também socialmente mais estáveis embora, depois alguns tempos, fossem eles também
abandonados por razões estratégicas ou ambientais. É este o caso do sistema de assentamentos do Grande Zimbabwe, do qual ainda
existem restos numerosos em Moçambique, a partir dos planaltos a norte do rio Zambeze, ao longo do planalto de Chimoio, até o sul do
rio Save, não longe de Vilanculos. Todo o sistema entrou em crise e foi abandonado no século XV, e, provavelmente, uma das causas foi
a exploração excessiva dos limitados solos férteis da região.
Só muito mais tarde, na segunda metade do século XIX, reapareceram em Moçambique alguns assentamentos que pelas suas dimensões
e importância política podiam merecer o nome de cidade.
No sul do País, onde existia o poderoso reino de Gaza, as capitais, embora meta de diplomáticos e políticos não eram grande coisa do
ponto de vista da arquitectura, consistindo numa muralha de matope e paus que protegia os poucos edifícios que constituíam as
residências do rei e da sua corte.
Era uma época insegura e turbulenta e a muralha de defesa era o signo mais evidente que caracterizava tão os pequenos postos militares
coloniais como as capitais semi-permanentes dos reinos indígenas da região.
A situação era diferente no norte, onde, mais o menos no mesmo período, o povo Yao organizou-se em vários reinos locais bastante
estáveis e poderosos, baseados no comércio de mercadoria e, em primeiro lugar, de escravos. Como consequência, a população
começou a concentrar-se em volta da residência do rei em assentamentos muito mais populosos do que os tradicionais assentamentos
familiares. Mwembe, capital do Mataka, foi a mais conhecida pelos europeus. Livingstone, em 1866, descreveu Mwembe como um
extenso e bem organizado conjunto de casas e machambas, estimou as casas em 1.000 e observou que a maior parte era de tipo árabe
(Swahili). Mais tarde, em 1886, um outro visitante, o bispo Johnson, estimou-as em 5.000. Aqui a necessidade de defesa contra ataques
direitos era menos urgente e a capital não possuía muralhas de defesa.
De todo isto resta hoje a memória e quase nada de mais. A cultura urbana tem de ser recreada com paciência, conhecendo e respeitando
os hábitos e as tradições dos que abandonam o campo para ir morar na cidade, para garantir uma transição sem traumas.