FAPF - 29 EUVUPalhota

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 60

era uma vez uma palhota

h i s t ó r i a d a c a s a m o ç a m b i c a n a

Sandro Bruschi, Júlio Carrilho, Luís Lage


Ficha Técnica
título: Era uma vez uma palhota
autores: Sandro Bruschi, Júlio Carrilho e Luís Lage
pesquisa iconografica: Francisca Tapia

registo legal: 4571/RLINLD/2005

capa: Luís Correia


layout: Inês Chilundo
edição: FAPF, Maputo 2005
UEM - Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico
Avenida Mártires da Machava, nº 181, Maputo - Moçambique
http://www.architecture.uem.mz
tiragem: 500 exemplares
Índice

Apresentação
José Forjaz V

Breve nota histórica


Sandro Bruschi

Como mudou a percepção da arquitectura africana 01


Os tipos de casa de África antiga, esquematizando uma situacao complexa 03
A casa de planta redonda com edificios cilíndricos e com cobertura conica 04
A difusão da casa rectangular de tipo Swahili 08
Para concluir: uma arquitectura em evolução 12
Bibliografia 13

Recolha iconográfica
Sandro Bruschi, Júlio Carrilho e Luís Lage

A aparente confusão de linguagens 17


A casa circular com edifícios cilíndricos do fim do século XIX até hoje 18
Levantamento de uma casa em Gaza 20
O valor simbólico da vedação circular 23
Edificios anulares 24
Decoração mural dos edifícios cilíndricos 25
A transformação da planta circular em quadrada e os edifícios de dois andares 26
A influência recíproca entre arquitectura colonial e arquitectura tradicional: a casa de caniço e a palhota de pedra e cal 28
texto de apoio: A palhota cilíndrica, a casa Swahili e a história complicada das suas transformações 29
A casa Swahili com telhado em duas águas, estrutura, acabamento e cobertura em palmeira 30
A casa Swahili com telhado em quatro águas, paredes acabadas com matope e varanda 31
Levantamento de casas do litoral de Cabo Delgado 33
Campo e cidade 35
Decoracao mural na casa tipo Swahili 36
texto de apoio: Ânsia de urbanidade: os “prédios” em pau-a-pique 37
Os edifícios rectangulares de dois andares 38
A influência da casa Swahili na arquitectura colonial 41
texto de apoio: Arquitectura tradicional, arquitectura pobre ... ou, mais simplesmente, arquitectura 43
Os novos tipos rurais 44
Os novos tipos urbanos: os modelos na arquitectura formal 46
A casa com cobertura “em ventoinha” 47
texto de apoio: Uma dúvida: existiam cidades na África antiga? 48
Apresentação

Em Moçambique a grande maioria das pessoas e das famílias vive em casas


construídas por si próprias ou pelo esforço colectivo da família ou da comunidade.
Os conhecimentos necessários para cumprir esse acto técnico são o produto da
evolução de uma cultura material antiquíssima e com níveis de sofisticação que não
são imediatamente percebidos por observadores menos atentos, e preparados, para
uma análise multidisciplinar desta arquitectura, tão variada e tão rica de espacialidade
e de forma.
A nossa Faculdade, que tem responsabilidades únicas no panorama técnico e cultural
do país, procurou sempre, desde o inicio da sua actividade formativa e de investigação,
interessar estudantes e professores pelos aspectos caracterizadores do ambiente
construído moçambicano, para assim poder melhor compreender e melhor responder
ao que a sociedade de nós espera.
Não tem sido fácil esta luta pois que esse estudo só pode ser verdadeiramente
aprofundado ao longo de um processo de investigação que envolve necessariamente
outras disciplinas, técnicas e das ciências humanas, que não se conjugam ainda,
facilmente, á volta de temas como o do habitat humano. Difícil ainda pois que os
modelos e os sistemas didácticos consagrados não são sensíveis às dimensões de
uma realidade que lhes é desconhecida e longínqua. Difícil, finalmente, porque a
actividade profissional, que se desenvolve primariamente no ambiente urbano, não
motiva nem estimula um interesse mais imediato por aquelas dimensões do nosso
genius loci.
O património arquitectónico vernáculo moçambicano abrange vastas regiões
ecológicas e diversos sistemas de estruturação social, cujo conhecimento é
indispensável á compreensão dos seus processos construtivos.
É a compreensão da natureza desse processo, e das suas íntimas relações com o
quadro de vida rural, prevalecente na sociedade moçambicana, que interessa
interiorizar para, através da análise da sua dinâmica de transformação, perceber as
novas determinantes duma arquitectura que melhor possa servir a nossa sociedade.
Por outras palavras: só conhecendo melhor quem somos e de onde vimos poderemos
melhor definir para onde devemos ir na criação de uma expressão endógena das
maneiras de habitar em Moçambique
Numa sociedade em acelerada urbanização os modelos do habitat rural não são
mais adaptáveis, quer na sua tecnologia quer no seu processo económico e constru-
tivo e menos ainda nas suas relações cosmogónicas, às novas maneira de habitar a
cidade post colonial.
Esta publicação que os investigadores da nossa Faculdade Sandro Bruschi, Júlio
Carrilho e Luís Lage nos trazem agora é uma excelente contribuição ao debate, para
nós tão vital, sobre as raízes e as razões de ser de um espaço urbano e de uma
arquitectura nos quais os moçambicanos se sintam em casa.
Para com eles, portanto, ficamos mais uma vez com esta divida de gratidão pelo
esforço e qualidade deste valioso contributo á produção científica da FAPF.

José Forjaz
20 de Agosto de 2005
Breve nota histórica 01

Como mudou a percepção da arquitectura africana

Até o século XIX, os Europeus possuíam conhecimentos muito nebulosos acerca da


África Sub-sahariana. Os mais antigos geógrafos e viajantes que trataram do assunto,
árabes do século VIII e europeus do século XVI, falaram de impérios poderosos e
ilustraram palácios imponentes e cidades majestosas escondidas no interior das
florestas ou na margem dos desertos. Mais tarde, na época das grandes explorações e,
ainda mais tarde, na época colonial, cada manifestação da cultura africana, incluindo os
Casa de Tombouctou nos anos cinquenta
assentamentos, foi etiquetada como “produção de selvagens”, para justificar a (Musée de l’Homme, Paris, reproduzida em
Guidoni, 19792, pág. 170, fig. 296).
presumível inferioridade racial dos africanos. Os assentamentos, que precedentemente
tinham sido relatados com entusiasmo, transformaram-se em “miseráveis conjuntos de
palhotas”. Quando os restos arqueológicos não podiam ser negados, foram atribuídos à
intervenção de míticos colonizadores chegados de outros continentes1.

A situação mudou na segunda metade do século XX, graças às escolas da moderna


antropologia cultural. A partir deste período estudaram-se os símbolos arquétipos aos
quais se refere a forma das habitações e foram identificadas as alegorias e as metáforas
que caracterizam a produção das diferentes culturas africanas2. Todavia, do ponto de
vista dos arquitectos os resultados destes estudos são limitados em quanto a A mesma casa hoje em ruínas.

interpretação simbólica dos elementos formais descuida a análise tipológica e


tecnológica da arquitectura. Ademais é preciso considerar que numa cultura quase
exclusivamente oral, como era a cultura africana, a interpretação simbólica do espaço
edificado era provavelmente também uma maneira para garantir a possibilidade de
reprodução e transmissão das suas regras compositivas e construtivas. Portanto, não
é sempre fácil decidir se a interpretação simbólica representa realmente a intenção
primária do construtor ou é um instrumento para a codificação e a transmissão cultural
Uma casa de Tombouctou num desenho do
início do século XIX (Caillie, 1830., T II, Pl. 5). das características formais dos edifícios ou do organismo urbano.

Um outro ponto de vista para ler as arquitecturas africanas veio da revalidação do


folclore. Neste caso, é sublinhado o resultado formal, com interesse escasso para o seu
processo de formação e para as suas afinidades culturais. Tende-se a exaltar o valor
estético e emocional do produto arquitectónico final e põe-se num segundo plano o seu
processo de formação e as relações com o contexto. Este limite está também presente
em todos os estudos que visam catalogar e classificar as manifestações da arquitectura
“tradicional”, “primitiva”, “espontânea”, “sem arquitectos”, de África como de outros
Uma casa contemporânea de Tombouctou. As continentes, sem referir-se explicitamente a critérios históricos ou tipológicos3.
casas ilustradas nos textos clássicos do século XX
estão hoje em ruínas e as contemporâneas
assemelham-se às ilustradas no início do século
XIX (ver nota 6 ao texto). Finalmente, començarm a ser publicados estudos sobre as habitações africanas
utilizando os instrumentos próprios da crítica arquitectónica, para aprofundar,
juntamente com os aspectos formais, as características distributivas, tecnológicas e
02

funcionais4. É a partir deste momento, que se pode falar oficialmente de “arquitectura


africana”. De facto, só analisando os tipos de edifícios, com os instrumentos que fornece
a crítica arquitectónica e com a ajuda da história económico-política dos povos ou
grupos culturais que utilizaram os diferentes tipos, pode-se interpretar a diversidade dos
assentamentos que se encontram nas regiões de África. Mais importante ainda, com
Casa Mousgoum em 1912, na planície na base
dos montes Mandara, em Cameroun (Denyer,
base no conhecimento das migrações, das relações económicas, da mudança do estilo
1978, pág. 131, fig. 207).
de vida dos vários povos, pode-se explicar a eventual coexistência de tipos diferentes
numa mesma região, e pôr uma ordem na aparente confusão de formas e linguagens
arquitectónicas que caracteriza a presente situação de transição da sociedade africana.

É preciso todavia considerar que, embora os tipos de casa sejam normalmente referidos
a povos diferentes, os nomes deles representam definições com simples valor prático
que são utilizadas neste contexto para identificar agregados culturais e políticos, não
necessariamente étnicos, e que raramente possuem limites certos no tempo e no
espaço5. É preciso também estar cientes de que os tipos do que falamos, assim como
Casa Mousgoum em 1952 (Gardi, 1974, pág. 93).
A partir de meados do século XX, as casas as sociedades que os exprimem, mudaram e mudam constantemente no tempo,
construídas inteiramente em argila já eram raras
enquanto utilizava-se um novo tipo de casa só com embora esta mudança tenha sido acelerada progressivamente nos últimos anos. Pode,
metade da altura da antiga e com cobertura cónica
em capim. portanto, acontecer que o tipo analisado e considerado “clássico” nos nossos estudos
de arquitectura, na realidade corresponda a um período breve e transitório na história da
evolução cultural6, e a tentativa de conservá-lo artificialmente7 ou de reproduzi-lo,
embora rigorosamente8, pode ter efeitos negativos bloqueando o próprio processo de
evolução criativa. Evidentemente isso não é válido só para a arquitectura mas para todos
os objectos de estudo da antropologia cultural, embora só há pouco tempo os
estudiosos contemporâneos tenham iniciado a tomar em conta, no desenvolvimento de
uma determinada cultura, dos efeitos da imposição de modelos de interpretação vindos
Casa Mousgoum em construção em 2000, no do exterior9.
âmbito de um programa de revitalização
cultural. (Seignobos, 2003, ob. cit., pág. 165).

1 Hall, 19962, pág. 23-39. Tombouctou la mystérieuse, Flammarion, Paris, possuía uma arquitectura peculiar (Beguin J-P.,
2 Griaule Marcel, Dieu d’eau: entretiens avec 1897, e Guidoni, 19792). Hoje todavia tais edifícios Kalt M., Leroy J., Louis D., Macary J., Pelloux P.,
Ogotemmêli, Les Editions du Chêne, Paris, já não existem sendo substituídos por outros com Peronne H., L’Habitat au Cameroun: Présentation
1948. frentes muito menos elaboradas. De facto, as des Principaux Types d’Habitat, L’Office de la
3 Os princípios que permetiram a reavaliação da soluções arquitectónicas adoptadas nos modernos Recherche Scientifique Outre Mer, Editions de
arquitectura popular já eram presentes em edifícios apresentam vários pontos de semelhança l’Union Française, Paris, 1952), já
Giedion (Giedion Siegfried, The Eternal Present, com as dos edifícios ilustrados no início do século completamente transformada na segunda
Vol. 2, “The Beginning of Architecture”, Pantheon XIX por outros viajantes (Caillie René, Journal d’un metade do mesmo século (Gardi René, Auch im
Books, New York, 1964), e foram aplicados na voyage à Tombouctou et à Djenné dans l’Afrique Lehmhaus lässt sich’s leben, 1973, ed. ingl.
obra de Rudofsky (Rudofsky Bernard, centrale, Imprimerie royale, Paris, 1830 e Barth “Indigenous African Architecture”, Van Nostrand
Architecture without Architects: a Short Heinrich, Reisen und Entdedeckungen in Nord und Reinhold Company, New York, 1974, pág. 91) e
Introduction to Non-Pedigreed Architecture, Zentral Africa, 5 Bande, Gotha, Berlin, 1858), mas agora reproduzida com subvenções e ajuda
Academy, London, 1964), que foi bastante que pela maioria dos autores foram considerados exterior nas formas de um século atrás
popular entre os arquitectos non anos Sessenta. ter sido incorrectamente reproduzidos. (Seignobos Christian, Jamin Fabien, La Case
4 Denyer, 1978. 7 Por exemplo, o uso de reboco de cimento para Obus; Histoire et Reconstitution, Editions
5 Uma síntese recente do conceito de etnia e evitar a manutenção periódica dos edifícios em Parenthèses - Patrimoine sans Frontières,
uma bibliografia actualizada acerca do assunto terra em Djénné e em Mopti. Marseille, 2003).
encontra-se em Fabietti, 1995. 8 Em geral, no caso da arquitectura africana, se 9 Um exemplo famoso é a influência da
6 Por exemplo, a maioria dos textos de admite a reconstrução total ou parcial dos edifícios transcrição das crenças do povo Dogon (Mali)
arquitectura utilizam, para discutir as suas teses perdidos enquanto se considera mais importante feita por Griaule, (1948), no desenvolvimento
acerca do valor simbólico da arquitectura manter e proteger o conhecimento do processo de contemporâneo daquela sociedade e na
africana, a decoração das frentes dos edifícios construção do que conservar rigorosamente o estruturação da indústria turística. Uma síntese
de Tombouctou (Mali) como vistos pelos produto da actividade construtiva que degrada do problema encontra-se em Aime Marco, Diario
estudiosos e viajantes da primeira metade do inevitavelmente e rapidamente. Um caso pode ser dogon, Bollati Boringhieri, Torino, 2000.
século XX (ver entre outros: Dubois Félix, o do povo Mousgoum, que no início do século XX
03

Os tipos de casa da África antiga


esquematizando uma situação complexa.

As casas que existiam na África pré-colonial, entendendo-se como casa a residência de Kraal Zulu, por volta de 1956 (S. A. State
Information Office, reproduzida em Walton, 1956,
uma família que vive com recursos e meios de produção comuns, eram compostas por plate 113).

grupos de edifícios e espaços abertos destinados a várias funções, em geral delimitados


por uma vedação. A forma dos edifícios era diferente em relação à sua função: quartos
para dormir; cozinha; celeiros diferenciados em relação ao seu dono e por material
armazenado ou que podiam ser integrados nos outros edifícios; lugar de reunião dos
homens; abrigos para os animais domésticos. Na família poligâmica, em geral, a cada
mulher correspondia um edifício próprio com cozinhas e celeiros; o homem podia não
ter casa própria e dormir com uma ou outra das mulheres ou possuir uma casa própria
distinta das restantes também pela sua forma10.
Assentamento na bacia do rio Ituri (Zaire
meridional) em 1888 (Stanley Henry M., “Dans le
Ténèbres de l’Afrique - recherche, découverte et
A articulação dos espaços abertos, disposição, colocação relativa recíproca, forma dos retraite d’Emin Pacha, gouverneur de l’Equatoria;
1887-1889”, Le Tour du Monde, n. 2, 1890, pág.
edifícios, e em particular dos edifícios destinados às mulheres, caracterizavam os tipos 29).

de casas utilizados em diferentes épocas e por diferentes povos. Esquematizando e


simplificando uma situação muito complexa e articulada, os tipos referiam-se a dois
grupos principais.

O primeiro grupo era caracterizado por casas constituídas por vários edifícios dispostos
à volta de um espaço circular comum em ordem hierárquica característica de cada
cultura. Os edifícios podiam ser cilíndricos, com cobertura cónica, ou inteiramente
cónicos (em forma de colmeia, em inglês beehive style), ou semiesféricos.
O segundo grupo, a que pertenciam os tipos difundidos na área da floresta pluvial e

10 A casa para dormir do homem podia ter uma


áreas adjacentes, possuía o carácter de a casa ser sempre constituída por edifícios
forma completamente diferente das outras, por
exemplo rectangular quando as das mulheres quadrangulares com cobertura em duas águas, dispostos à volta de um pátio também
eram cilíndricas.
11 A influência da cultura Swahili da costa do
quadrangular ou alinhados em duas séries paralelas, uma à frente da outra.
Oceano Índico sobre as culturas do interior é
bastante acertada. Também no caso da
arquitectura Sudanesa a hipótese mais
Em ambos os grupos, os tipos diferenciavam-se ulteriormente em relação à organização
difundida entre os especialistas é a da do espaço comum, ao número e à disposição recíproca dos edifícios e às soluções
derivação da arquitectura urbana a partir da
arquitectura do Norte de África e da influência arquitectónicas neles adoptadas. Em alguns casos extremos, os edifícios, cilíndricos ou
da arquitectura urbana sobre a rural quando
rectangulares, que constituíam a casa, podiam fundir-se numa construção
esta igualmente utiliza a forma rectangular dos
edifícios e organiza-os em volta de um pátio aparentemente unitária.
(Huet Jean-Christophe, Villages Perchés des
Dogon du Mali, habitat espace et société,
L’Harmattan, Paris, 1994, pág. 150). É todavia Já antes da época da colonização europeia, com a difusão da influência islâmica na área
preciso notar que, segundo a opinião de outros
estudiosos, exactamente nesses casos, a da savana da África Sub-sahariana e ao longo da costa do Oceano Índico, apareceram
peculiaridade da arquitectura rural da região novos tipos de habitação quadrangular derivados das casas da bacia do Mediterrâneo
justificaria, pelo contrário, a hipótese de que a
casa rectangular com pátio, apesar da analogia ou das da península arábica. Em ambos os casos estes novos tipos difundiram-se, a
com as casas do Mediterrâneo antigo e com as
partir das cidades, transformando-se e adaptando-se de várias maneiras, nos
dos árabes, deriva de um tipo autóctone
(Denyer, 1978, pág. 160). assentamentos rurais11.
04
Mais tarde, a partir do século XIX, a ruptura de isolamentos seculares conduziu de
maneira generalizada à contaminação de elementos entre culturas africanas diferentes,
à importação de novos tipos de outros continentes ou à transformação progressiva dos
tipos autóctones, introduzindo elementos imitados das construções dos colonizadores,
viajantes e mercadores.

Por fim, é importante notar que hoje pode ser difícil reconhecer os tipos mais antigos,
principalmente por causa do desaparecimento da família poligâmica e da conseguinte
drástica redução do número de edifícios que compunham a casa. Até o limite onde a
casa da família nuclear consiste de um único edifício que geralmente reproduz o tipo
arquitectónico antigamente utilizado para os numerosos edifícios destinados às
mulheres.

A casa de planta redonda com edifícios cilíndricos em cobertura


cónica

A maioria dos assentamentos que se encontravam até a primeira metade do presente


século na região da África Austral era constituída por casas possuindo vários edifícios
dispostos em círculo, pertencentes, portanto, ao primeiro dos dois grupos descritos. Faz
A “torre cónica” da área arqueológica do
“edifício elíptico” do Grande Zimbabwe excepção uma ampla área, que vai da costa do Norte de Moçambique até os lagos
(Cooke,C. K., ed., Guide to the Zimbabwe Ruins
and other antiquities near Fort Victoria, Rhodesia Niassa (Malawi) e Tanganyika, onde a situação teria mudado durante o século XIX pela
Histórical Monuments Comission, Bulawayo, 1972,
pág. 17). A torre do “edifício elíptico” não possuía influência da cultura Swahili como está explicado no parágrafo a seguir.
espaço interior aproveitável e portanto não tinha
funções utilitárias. O mesmo elemento, embora
com dimensões menores, encontra-se presente em
vários outros assentamentos do tipo zimbabwe, no
actual Zimbabwe e em Moçambique.
No tipo mais antigo de casa (casa tipo kraal), o recinto do gado encontrava-se no centro

e, enterrados em baixo do recinto, estavam os celeiros comuns. Na parte oposta à


entrada, localizava-se geralmente o edifício onde morava o membro mais importante da
família (chefe ou a sua primeira esposa); nos lados, por ordem de importância na
hierarquia familiar, colocavam-se os edifícios destinados aos outros membros (outras
esposas, filhos casados, estrangeiros acolhidos sob a protecção do chefe). Perto da
entrada principal, ficavam os edifícios onde viviam, divididos por sexo, rapazes e
raparigas já crescidos.
Celeiro em argila de uma casa do povo Sotho,
por volta de 1801, possível modelo da “torre
cónica” (pintura de S. Daniell, “Booshuana women
A concepção originária deste tipo de casa relaciona-se provavelmente com a manufacturing earthen ware”, National Museum
and Art Gallery, Gaborone, reproduzida em Walton,
importância que o gado possuía para os antigos povos do grupo Bantu, sendo o tipo já 1956, plate 111). Uma hipótese acerca do
significado da “torre cónica” é que tenha sido um
utilizado antes do século VII, quando a actividade de criação de gado e a actividade de grande celeiro simbólico para representar a riqueza
do rei ou do chefe.
cultivo ainda não correspondiam a economias distintas. Com a diferenciação da
economia familiar, os agricultores continuaram a dispor os edifícios conforme o mesmo
esquema circular, embora no espaço central o curral do gado fosse substituído por um
espaço comum ou por um lugar de reunião12.

Como já dito, até a metade do século XX, as duas variantes deste tipo de casa circular, 12 Huffman, T. N., “Southern Africa to the South
of the Zambesi” em UNESCO, 1999, vol. 3,
com ou sem curral do gado no seu centro, estavam difundidas por toda a África Austral,
Africa from the Seventh to the Eleventh
embora com diferenças locais na forma dos edifícios, justificadas por características Century, pág. 318-326.
05
diferentes da economia familiar. Na área correspondente ao actual Moçambique os
edifícios das casas circulares, seja dos agricultores sedentários seja dos agricultores e
criadores de gado, eram sempre de tipo cilíndrico, com diâmetro maior que a altura, com
cobertura cónica e, em muitos casos, com uma varanda a toda a volta.

Este mesmo tipo de casa era utilizado nos antigos assentamentos chamados zimbabwe,
Casa clássica de planta redonda em construção
difundidos dos séculos XII a XV no planalto entre os rios Zambeze e Limpopo, em parte na província de Sofala em 1970 (Moura, 1986,
fig.7).
do actual Moçambique e Zimbabwe. Num primeiro momento, os numerosos restos de
construções em pedra dos zimbabwe não pareceram corresponder a nenhuma tipologia
utilizada pelos povos da região e foi imaginada uma intervenção de culturas estranhas
para justificá-los. Só com grande dificuldade e depois de muito tempo foi reconhecido
que os restos destas construções, embora imponentes, eram simples elementos
acessórios do tipo clássico de casa ainda presente na região. Hoje sabemos que as
muralhas circulares de pedra dos zimbabwe tiveram a função de isolar simbolicamente
os edifícios em materiais vegetais e argila onde moravam os membros da classe
Casa em construção em Ngaúma na província
dominante, e a torre cónica sempre de pedra, que se encontrava na casa do chefe do de Niassa, em 2002 (fotografia de Alfredo
Francisco, cortesia do Mined). Está patente a
assentamento principal de Grande Zimbabwe, assim como nas casas dos chefes dos derivação deste tipo de casa da casa cilíndrica com
cobertura cónica. De facto, embora a planta seja
quadrada, se mantém a disposição dos barrotes da
assentamentos menores, é interpretada como sendo um celeiro simbólico para
cobertura convergentes no cume, como era na
cobertura cónica. Nota-se também a presença de
testemunhar a riqueza do dono da casa13. Está também acertado que, fora das um poste central para apoio dos barrotes.
muralhas, se encontravam as casas dos membros das classes subalternas, do mesmo
tipo mas com vedações em materiais vegetais, e que existia uma hierarquia de centros
em que o último nível de subordinação era constituído por aldeias compostas
exclusivamente por agricultores onde não existia nenhuma diferenciação de classe nem
qualquer construção de pedra14.

Desaparecidos os antigos reinos, vedações e plataformas de pedra para isolar


simbolicamente as casas dos membros mais importantes da sociedade15 continuaram a
ser utilizadas só em poucas áreas limitadas16, enquanto as casas constituídas por
edifícios cilíndricos, com cobertura cónica, dispostos à volta de um espaço circular,
podiam-se encontrar numa área muito vasta, incluindo o inteiro actual Moçambique
onde, até o início do século XIX, eram igualmente utilizadas pelo povo Yao, Makonde,
Makhuwa no Norte e pelo povo Shona e Tsonga no Centro-Sul.

Casa moderna de planta rectangular com


cobertura em pavilhão, em construção na
A técnica recorrente para a construção dos edifícios cilíndricos, como para a maioria das
província de Sofala, em 1970 (Moura, 1986, fig.
8). Neste caso, forma e estrutura não estão
casas presentes na Africa Austral, era, e ainda hoje é, a de pau-a-pique sendo, na
relacionadas com as do tipo clássico. Em particular,
a cobertura apresenta uma estrutura mais
maioria dos casos, a construção realizada sobre um soco de argila e pedra17. As paredes
complexa, com os barrotes dispostos em linhas
paralelas à pendente das águas, não convergentes
podem ser compostas por um entrelaçado cerrado constituído por estacas grossas, com
no cume mas apoiados nas cumeeiras.
primeira metade do século XVI. O zimbabwe “em abelha ou semi-esférica onde utilizava-se uma
pedra solta sem argamassa” que viu edificar António estrutura contínua em materiais vegetais para as
13 Garlake, 1982. Fernandes (Tracey Hugh, António Fernandes paredes e a cobertura. Na restante parte da
14 Connah, 2001, pág. 223-262. descobridor do Monomotapa. 1514-1515, Arquivo África Sub-sahariana podiam-se encontrar
15 A utilização de muralhas e plataformas de Histórico de Moçambique, Lourenço Marques, 1940, técnicas ainda diferentes utilizando paredes
pedra já no século XVI era limitadas à parte sul pág. 24) é a última construção deste tipo da qual construídas exclusivamente de argila (em tijolos
do planalto, sendo substituídas nas outras áreas temos notícia. ou blocos ou em camadas de argila sobrepostas)
por vedações em materiais vegetais ou robustas 16 Cultura Venda na actual RSA, Hammond-Tooke,
ou no caso dos assentamentos da floresta
paliçadas (Newitt, 1987, pág. 58). Possivelmente 1993, pág. 29 e 94. exclusivamente de madeira.
as últimas muralhas de pedra foram edificadas na 17 Faz excepção o caso das casas em cortiço de
06

funções estruturais e estacas de menor diâmetro de enchimento, ligadas por feixes de


varas em anéis; ou podem ser compostas por um entrelaçado mais aberto, sendo-lhe
atadas esteiras de varas de madeira, ou, como hoje é mais comum, de caniço. A
cobertura cónica, é de estrutura independente das paredes, realizada à parte e montada
depois de ter acabado a sua construção. É constituída por barrotes de madeira ou
bambu que convergem no topo e são ligados entre eles através de varas, sempre em
anéis de diâmetro decrescente da base ao topo. Os barrotes são amarrados no topo
através do seu entrelaçamento, ou nas construções modernas, são pregados a um
Reconstrução hipotética das casas do espigão de base circular. A cobertura é assente sobre um anel de varas que é também
assentamento de Khami, de acordo com os
dados das investigações arqueológicas montado à parte, e depois erguido e amarrado no extremo das estacas grossas das
(Walton, 1956, pág. 89, fig. 35).
paredes18. Todas as junções da armação e desta com as paredes são atadas com
cordas de material vegetal. As paredes são depois maticadas e geralmente rebocadas e
caiadas em ambas as faces. A cobertura é acabada com capim em duas ou mais
camadas fixadas às varas19.

Existe, embora presentemente seja bastante difícil de encontrar, uma variante onde o
edifício principal é constituído por dois cilindros coaxiais de estrutura independente mas

Um elemento de quebra sol imitado da com cobertura comum. Este tipo de casa, que parece ter sido relativamente frequente na
arquitectura formal (Carrilho, 2001, pág. 37, fig.
7.19). A protecção é inútil porque a fachada está na antiguidade no Grande Zimbabwe e em Khami20, foi assinalado até tempos recentes em
sombra do beiral do telhado, mas é patente a
imitação de uma casa formal. vários lugares do Centro de Moçambique. O anel externo pode ser diferentemente
utilizado simples varanda-armazém num caso observado em Manica, quarto para dormir
em alguns períodos do ano na alta vale do Zambesi21 sendo dividido em compartimentos
com funções diferenciadas na foz do Save22.

Conforme a documentação apresentada por um antropólogo23, parece que no Sul de


Moçambique, no século XIX, foi utilizado um tipo de casa intermediário entre o tipo
clássico kraal e o tipo de casa dos agricultores, provavelmente por efeito da influência do
Uma construção em caniço encontrada num povo Nguni. De facto, em posição central existia um recinto para o gado semelhante ao
bairro periférico de Inhambane (Lage, 2001, pág.
79, fig. 2.8.). que caracterizava o tipo kraal, mas com dimensões e importância reduzidas,
considerando a prevalência da actividade de cultivo na economia da família Tsonga. Hoje
em dia, esse esquema já não se encontra, embora no campo se tenha mantido a forma
circular da casa da família e a forma cilíndrica das casas isoladas. A casa rural é
constituída por um conjunto de casas isoladas, de número muito reduzido devido ao
desaparecimento da família poligâmica, de árvores e espaços ao ar livre, utilizando um
esquema aproximadamente circular que pode ou não ser circundado por uma vedação
de altura muito escassa.

.Sempre no século XIX, para responder às condições de insegurança causadas pelas


invasões dos Nguni no Sul, concentrando-se as casas em pequena aldeias, a vedação

plataformas suportadas por postes independentes com um diâmetro de 20 metros e uma altura de 6
18 Nas construções com paredes em argila o das paredes que são utilizadas como celeiros o ou 7 metros. Neste caso vários postes, dispostos
telhado em materiais vegetais era apoiado armazéns. Nas construções de grande diâmetro, em três anéis concêntricos, colaboravam a
directamente nas paredes. No caso da cobertura hoje em dia muito raras, outros postes, colocados sustentar o peso da cobertura.
plana, que era muito mais pesada porque em posição central ou em volta do centro, 20 Walton, 1956, pág. 89.
constituída de madeira e argila, esta era em geral sustentavam a cobertura. Um autor do início do 21 Oliveira, 1976, pág. 30.
apoiada em postes independentes das paredes. século XX (Lupi, 1906, pág. 89) descreve a casa de 22 Dias G, e Dias M., pág. 28.
19 No interior do edifício podem-se encontrar um chefe (M’cuépére-muno) em Angoche (Nampula) 23 Junod, 1974, vol.1, pág. 286.
07

assumiu funções de defesa e transformou-se numa paliçada24, que ainda hoje se pode
esporadicamente encontrar a volta da casa de indivíduos importantes como símbolo do
prestígio25. No Norte as concentrações de população que facilitavam a defesa contra os
invasores eram localizadas em zonas de difícil acesso ou utilizavam igualmente robustas Casa Tallensi (aldeia de Tongo, em Ghana
Norte-oriental) em 1961. (Prussin Labelle,
paliçadas26. No caso do povo Makonde, as casas, espalhadas no mato, eram protegidas Architecture in Northern Ghana, A Study of Forms
and Functions, University of California Press,
por uma espessa cintura de arbustos espinhosos que tinha várias dezenas de metros de Berkeley and Los Angeles, 1969, pág. 43, fig. 2.3).
Na antiga concepção da casa africana o poder e a
largura27. riqueza do dono eram indicados pelo número dos
edifícios, e os edifícios, por sua vez, eram
visivelmente reconhecíveis através das suas
coberturas distintas.
Provavelmente no mesmo período, no centro do País difundiu-se a “casa de caniço”. Foi
ilustrada num quadro de Thomas Baines, pintor e explorador do século XIX que
acompanhou Livingstone na expedição de 1858 e executou a sua pintura nos arredores
de Tete, durante a viagem28. Esta representação é importante para o conhecimento da
evolução da arquitectura autóctone moçambicana entre os séculos XIX e XX. O edifício
principal é cilíndrico, com paredes de pau-a-pique e cobertura cónica de capim. Mas as
dependências são inteiramente em caniço, de forma rectangular e cobertura de uma
água. Trata-se da mais antiga representação do tipo de construção económica, fácil e
rápida de executar, que viria mais tarde a generalizar-se nos assentamentos urbanos de O esquema da casa com cobertura “em
ventoinha”, (Lage, 2001, pág. 79, fig. 2.7.). Neste
baixo custo do País, aos quais acabou por dar o nome29. tipo, actualmente o mais difundido nas periferias
das cidades, todos os compartimentos são
individualizados através de coberturas distintas.

Na arquitectura colonial do início do século XX, o novo interesse pelo ambiente africano
levou em alguns raros casos à utilização de modelos inspirados pela arquitectura
autóctone na tentativa de realizar com materiais modernos construções mais
“apropriadas” do ponto de vista estético e ambiental. Todavia a casa cilíndrica com
cobertura cónica, “a palhota”, que era o tipo mais difundido em Moçambique, só inspirou
alguns edifícios destinados às exigências do tempo livre (restaurantes, bares, quartos de
hotéis na praia), sendo muito rara a utilização do tipo para moradia particular30.

Hoje, as escolhas formais adoptadas nas novas construções que vão substituindo as
casas de caniço da periferia das grandes cidades são ainda mais interessantes,
porque permitem analisar não só a influência recíproca entre arquitectura formal e
informal31, mas também a influência da tradição do uso do espaço nas formas
24 Liesegang, 1974, pág. 313. modernas de habitar32. É importante notar que aqui também existe a necessidade de
25 Claude Dennis J., item “Tembe: stockade”
em Oliver P., 1995-1997, pág. 2167.
manter e transmitir conhecimentos técnicos complexos sem a ajuda de manuais
26 Liesegang, 1984, pág. 175.
técnicos ou desenhos e, por isso, como aconteceu no passado, utilizam-se mais uma
27 Dias, 1964/70, vol.2, pág. 33.
28 Thornton, 1990, pág. 49. vez tipos rigorosamente determinados. Analisando estes tipos não é difícil encontrar
29 Uma notícias anedótica acerca da origem do
uma sua justificação funcional ligada ao estilo de vida dos utilizadores e uma
nome “caniço” ou “bairro do caniço”, utilizado
para os subúrbios das cidades, pode-se explicação tecnológica ligada à simplicidade e economia da construção. É, todavia,
encontrar em: Cabral António Carlos Pereira, bastante fácil reconhecer na produção mais corrente da arquitectura formal os
Pequeno Dicionário de Moçambique, Edição do
Autor, Lourenço Marques, 1972, pág. 28. modelos a que os vários tipos originariamente se inspiraram, assimilando os símbolos
30 Bruschi e Sondeia, 2002, pág. 27.
mais acessíveis disponibilizados pelas classes dominantes. Por fim, não se pode
31 A utilização, no caso da arquitectura ou dos
assentamentos, dos adjectivos “formal” e excluir a hipótese que o sucesso desses tipos modernos, todos caracterizados por
“informal” não faz referência à qualidade do
uma volumetria complexa onde cada compartimento mantém uma própria cobertura
produto mas ao processo de produção, em
analogia com os termos universalmente distinta, responda inconscientemente à antiga concepção da casa africana onde o
utilizados na descrição da economia dos países
poder e a riqueza do dono eram visivelmente indicados no exterior pelo número dos
em desenvolvimento.
32 Lage, 2001. edifícios.
08

A difusão da casa rectangular de tipo Swahili.

Como foi dito antes, os mercadores árabes ou de cultura islâmica que se estabeleceram
em África intercambiaram usos e arquitectura com os povos já ali residentes. Em
escavações arqueológicas de antigos assentamentos berberes da savana Sub-
sahariana encontram-se restos de casas das quais ao modelo vem patentemente do
Mediterrâneo. Igualmente, nos assentamentos Swahili da costa setentrional do Oceano
Principais itinerários do comércio Swahili para
o interior, a partir da costa do Oceano Índico,
Índico se encontram restos de casas rectangulares em pedra com cobertura plana,
após 1840 (Davidson Basil, The Growth of African
Civilisation - East and Central Africa to the late
parecidas com as casas da Arábia Meridional. Estas casas, que eram utilizadas pelos
Nineteenth Century, Longman, London, 1967, pág.
197, fig. 23).
habitantes mais ricos33, eram construídas sobre uma plataforma, onde era possível
sentar-se e acolher as pessoas que não eram da família, e podiam ser isoladas ou
organizadas em grupos em volta dum pátio comum34. Junto a elas existiam nos
assentamentos dois tipos de casas em materiais vegetais35 que constituíam
provavelmente uma tentativa de interpretar com materiais mais acessíveis a forma
rectangular da casa árabe, substituindo a cobertura plana com uma cobertura de colmo
em vegetais, relativamente fácil de realizar utilizando a técnica da cobertura cónica
tradicional. Estes tipos de casas posteriormente difundiram-se numa área muito mais
vasta que aquela própria da cultura Swahili e ainda hoje são extensivamente utilizados.
Casas de tipo Swahili, no posto comercial de
Ipoto, ao longo do rio Ituri (actual Zaire), em
1878 (Stanley Henry M., “Dans le Ténèbres de
l’Afrique - recherche, découverte et retraite d’Emin Um primeiro tipo era bastante elementar, possuindo uma única abertura, nenhuma
Pacha, gouverneur de l’Equatoria; 1887-1889”, Le
Tour du Monde, n. 2, 1890, pág. 37). O posto de
divisão interna, telhado em duas águas, estrutura de estacas de palmeiras, acabamento
Ipoto (no actual Zaire) distava mais de mil
quilómetros do grande entreposto comercial
Swahili de Unyamwezi (perto da actual Tabora, na
das paredes e da cobertura em esteiras de folhas de palmeiras (denominado em
Tanzânia). No fim do século XIX, vários postos
comerciais deste tipo controlavam toda a bacia a
kiswahili Nyumba ya Maiani). Este tipo encontra-se ainda hoje nos lugares onde é
montante do rio Zaire.

difundido o cultivo da palmeira que fornece o único material utilizado na sua construção
(macúti em emakhuwa). É presente esporadicamente nas áreas rurais ao longo da costa
moçambicana, até Inhambane onde provavelmente iniciou a ser extensivamente
utilizado só a partir da primeira metade do século XX36.
Hipótese de reconstrução de uma antiga casa
árabe (Lindhal Bernhard, Architectural History of
Ethiopia in Pictures, The Ethio-Swedish Institute of
Outro tipo, de execução mais sofisticada, com porta e janelas, telhado em quatro águas, Building Technology, Addis Ababa, 1970, pág. 9). A
casa é reconstruída a partir de um modelo de argila
paredes acabadas com matope e varanda (denominado em kiswahili Nyumba ya encontrado perto de Axum (Etiópia) em 1959, que
testemunha uma das mais antiga vias para a
Udongo), difundiu-se numa área muito mais extensa e se encontra na costa bem como penetração em África deste tipo de casa
proveniente da Península Arábica.
ao longo de todo o itinerário da penetração dos mercadores Swahili no interior do
continente africano (da costa do Oceano Índico até à região dos lagos Niassa e
Tanganyika, até atingir a bacia do rio Zaire).

As antigas cidades Swahili que existiam fora das fronteiras políticas do Moçambique 33 As casas em pedra dos assentamentos
Swahili eram muito poucas: uma centena, cento
actual, da Somália até a Tanzânia, deixaram testemunhos de uma arquitectura bastante e cinquenta no máximo, nas cidades mais
elaborada. Os edifícios possuíam abobadas e paredes em pedra e cal, tendo sida grandes e só uma ou duas nos assentamentos
menos importantes (Garlake, 2002, pág. 180 e
utilizada como material de construção a pedra coral. Nos assentamentos Swahili da Kusimba, 1999, pág. 121-123).
34 Garlake, 2002, pág. 180-181.
costa moçambicana, só em alguns raros casos existem restos de construções de pedra 35 Kusimba, 1999, págg. 149-152.
contemporâneos ou anteriores à conquista portuguesa37. Noutros casos a ausência de 36 Bruschi e Sondeia, 2003, pág. 30.
09
restos arqueológicos significativos põe em dúvida a existência de cidades
importantes38, embora alguns autores atribuam tal ausência exclusivamente à
dificuldade de procurar nesta região materiais de construção duráveis39. Presentemente
considera-se que a civilização urbana Swahili consistisse de uma hierarquia de centros
e que só os mais ricos e populosos utilizassem construções em pedra. Em alguns
casos, a contemporânea presença em partes distintas do mesmo assentamento de
habitações em pedra coral e de outras utilizando madeira, matope e cobertura de colmo
em vegetais, confirma que a utilização de diferentes materiais não correspondia à
disponibilidade de recursos ambientais mas a um diferente nível económico40.

As casas rectangulares em materiais vegetais com telhado em duas ou quatro águas


eram provavelmente as únicas utilizadas nos antigos assentamentos Swahili da costa
moçambicana e, presentemente, a casa com telhado em quatro águas substituiu
completamente os tipos autóctones preexistentes em toda a região interior ocupada
pelos povos Makhuwa, Makonde e Yao. Aqui, a partir da segunda metade do século
XIX, nas casas circulares da família alargada, os edifícios cilíndricos com cobertura
cónica foram progressivamente substituídos por edifícios rectangulares.
Sucessivamente, o edifício individual atribuído a cada membro, transformou-se na casa
principal de uma família nuclear, constituída pelos pais e filhos menores, e tais casas,
com quintal próprio e dependências, passaram a ser dispostas em alinhamentos
regulares nas aldeias41. Uma das variantes para a cobertura da casa de
tipo Swahili encontrada em Ilha de Moçambique
(Ilha de Moçambique. Relatório 1982-1985). Os
postes centrais que sustentam a cumeeira são
Como no caso das casas cilíndricas, este tipo de casa é realizado com a técnica de apoiados num soalho de barrotes dispostos
perpendicularmente do lado mais longo do edifício.
construção de pau-a-pique; mas, junto com outros sistemas, as paredes podem ser Nas águas laterais não é utilizada a disposição em
leque dos barrotes e estes são sustentados por
compostas por um entrelaçado cerrado preenchido com pedras miúdas e maticado. A duas vigas oblíquas, tornadas rígidas por cavaletes
também apoiados no soalho.

cobertura é de folhas de palmeira ou capim assente em bambu. Toda a construção é


37 O recente estudo de Duarte (1993) relata um realizada sobre um alto soco de argila e pedra ou sobre uma plataforma.
assentamento Swahili com construções de
pedra na costa moçambicana contemporâneo à
conquista portuguesa. Todos os outros casos A estrutura da cobertura em quatro águas é muito característica. No sistema construtivo
referidos na literatura (Monteiro, 1966) são
clássico, no centro do edifício, existem dois postes mais altos que suportam a cumeeira.
provavelmente muito mais tardios.
38 Duarte e Meneses, 1999, pág. 555. Os dois postes partem do pavimento ou apoiam numa viga colocada sobre as paredes
39 Newitt, 1997, pág. 31.
40 Kusimba, 1999, pág. 149-152. interiores. Os barrotes, fixados na cumeeira, desenvolvem-se em leque e são apoiados
41 Os visitantes antigos, como Livingstone, já
numa viga que acompanha todo o perímetro externo do edifício. A disposição em leque
tinham notado a mudança na forma das casas
e a tinham atribuido à influência Swahili dos barrotes, como acontece na cobertura cónica, garante a repartição uniforme das
proveniente da costa, mas os antropólogos
solicitações estáticas na estrutura, evitando cargas concentradas.
mais modernos como Dias (1964), a propósito
dos Makonde, e Macaire (1996), a propósito
dos Makhuwa, limitam-se a falar de imitação do
Este é o sistema construtivo quase invariavelmente utilizado nas casas do interior do
estilo de vida dos estrangeiros.
42 Pode acontecer com frequência bastante País, mas as casas da costa apresentam uma grande variedade de soluções42.
que os postes centrais que sustentam a
cumeeira estejam apoiados num soalho de Nalgumas construções em bambu são, por exemplo, experimentadas variantes que
barrotes dispostos perpendicularmente do lado exploram a elasticidade e o escasso peso do material para criar estruturas mais
mais longo do edifício, e que nas aguas laterais
não seja utilizada a disposição em leque dos complexas, onde postes e cumeeira estão sempre presentes em posição central mas
barrotes, sendo estes sustentados por duas
perdem a sua função fundamental de sustento e o peso da cobertura é repartido em
vigas oblíquas tornadas rígidas por cavaletes
sempre apoiados no soalho. várias componentes estruturais43. Sempre na costa, para evitar infiltrações na junção
10

das águas nas cumeeiras, as águas laterais são quase sempre inseridas dentro das
águas principais.

Por fim, a cobertura é acabada com folhas de palmeira ou capim em camadas fixadas
a ripas horizontais que, por sua vez, são amarradas aos barrotes.

Casa-fortaleza com vários andares do povo Outras diferenças se encontram nas soluções da varanda, que pode ter várias formas,
Sola na região oriental dos Montes Atakora
(Denyer, 1978, pág. 186, fig. 305). constantes nos diferentes locais e que denotam variantes de tipo bastante definidas44.
A varanda não existe na casa arábica clássica, da qual se pensa que os vários tipos
de casas utilizados pelo povo Swahili derivam, e poderá ter sido autonomamente
elaborada, resultando da transformação da varanda que existe em muitos dos tipos
autóctones de casa dos povos Bantu, que adoptaram a cultura Swahili. Nas casas do
Norte de Moçambique pode existir um simples beiral do telhado, um beiral do telhado
na frente com varanda posterior (Ilha de Moçambique), uma varanda limitada aos dois
lados principais ou uma varanda que se estende pelos quatro lados da casa. Este caso

Casa de dois andares com varanda na cidade é o mais comum e, claramente, a forma da varanda é um elemento de combinação
de Kumasi (moderno Ghana) em 1818 (Bowditch
T. Edward., Account of Mission from Cape Coast com o tipo originário de casa cilíndrica com cobertura cónica, que tinha uma varanda
Castle to the Kingdom of Ashantee, 1817/1818,
Murray, London, 1819). completa a toda a volta. Do ponto de vista climático, a varanda ou o beiral do telhado,

protegendo as paredes do sol e da chuva, garantem a melhor conservação do edifício


43 Em vários casos observados na província de
e uma temperatura confortável no interior da casa.
Cabo Delgado, os barrotes são ligados entre si
através um rectângulo horizontal formado por
Do ponto de vista estático a construção é bastante sólida, embora o pouco peso da quatros ripas. Esta estrutura horizontal por sua
vez é fixada, a cerca de um metro do topo, a um
estrutura em elevação e o efeito do vento sobre a cobertura façam com que as paredes cavalete com ligações contravento, que
corresponde aos dois postes e à viga da
se desloquem independentemente umas das outras, com efeitos negativos sobre o
cumeeira. O cavalete é apoiado num soalho,
reboco dos cantos, que são a parte mais vulnerável da construção. mas os barrotes da cobertura, ligados entre si,
sustentam-se mutualmente no topo e
descarregam o seu peso principalmente nas
A solidez da construção é confirmada pela existência de edifícios de dois andares. paredes externas.
44 Carrilho, 2002.
Edifícios sobrelevados já foram notados no início do século XX nas povoações de 45 Weule, 1908, pág. 154-156.
46 Dias, 1964, vol. 2, pág. 14.
diferente origem cultural do baixo Rovuma45, mais tarde edifícios de dois andares 47 Cunha, 1966, pág. 108.
foram assinalados nos Makonde46 e Yao47. De facto, edifícios em pau e pique de dois 48 Oliveira Carlos, 1976, fig. 5.
49 As construções de dois andares em pau-a-
andares se encontram, ainda hoje com relativa frequência nas zonas rurais da região pique são hoje exclusivamente rurais e não se
de cultura Makhuwa, Yao, Nyanja, Makonde e aparecem, embora mais raros, nas encontram nas cidades, do momento que nas
zonas rurais em geral não se aplicam as regras
áreas de contacto com as culturas da bacia do Zambesi48. É bastante certo que os rígidas do código de postura urbano e são
disponíveis com mais facilidade os materiais
edifícios de dois andares aparecem quando da transformação do edifício cilíndrico
necessários para a construção.
tradicional em edifício de base quadrangular49. É possível que o edifício, que se 50 Construções rectangulares sobre estacas
para defesa contra homens ou animais foram
considera de dois andares porque possui dois soalhos habitáveis, derive da habitação
também assinaladas no Barué (Lima, pág. 28)
elevada do solo com estacas para proteger os ocupantes do ataque dos animais50 ou, e em Mopeia no vale do Zambesi (Liesegang,
1984, pág. 182). Construções sobre palafitas
mais indirectamente, derive da casa de guarda nas machambas que era igualmente para defender-se dos invasores foram
sobrelevada. Hoje, todavia, este tipo de construção é quase sempre motivado por assinaladas no lago Amaramba (Liesegang,
1984, pág. 178) e em lagoas interiores do
razões de prestígio51. Gaza, genericamente entre algumas
povoações Tsonga (Lima, pág. 28), ou mais
Um elemento peculiar da casa de tipo Swahili moderna é a colocação da casa principal
precisamente em Marrangua e Nhambavale
em relação ao exterior e ao quintal. A maioria das casas rurais africanas fica isolada e (Liesegang, 1984 pág. 182).
11

protegida do exterior e a sua entrada é escondida ou pelo menos não particularmente


evidenciada. O tipo Swahili, pelo contrário, coloca sempre a casa principal em contacto
directo com o exterior e, nas cidades, permite muitas vezes o acesso à casa
directamente a partir da rua52. Um corredor central faz a ligação entre a entrada da rua
e o quintal nas traseiras, dando acesso aos quartos. À forma rectangular da casa
principal sucede a forma rectangular do quintal e a organização mais económica do
espaço ao ar livre (lugar de estar, cozinha, casa de banho, latrina, dependências, etc.). Casa em Lichinga com fachada cega na rua
pública e com porta e janela pintadas (Carrilho,
A utilização mais racional do espaço livre e edificado e a regularidade da sua forma 2001, pág. 29, fig. 4.13). Este caso demonstra a
importância atribuída à presença da fachada no
permitem uma inserção mais fácil deste tipo de casa na malha urbana53. meio urbano.

É também interessante observar a este respeito que a introdução do novo tipo de casa
no interior da região setentrional coincidiu com o único período de desenvolvimento
urbano pré-colonial conhecido pela região. De facto, na segunda metade do século XIX
o povo Yao organizou-se em várias unidades políticas locais, baseadas no comércio de
mercadoria e primariamente de escravos. A volta da sede dos chefes mais poderosos a
Casa em construção com muros em tijolos de
população iniciou a se concentrar em assentamentos muito mais populosos dos argila crua e cobertura em materiais vegetais,
encontrada em Lichinga (fotografia de G. Morelli).
tradicionais assentamentos familiares, embora não estáveis, dependendo da mudança
da situação estratégica ou política. Mwembe, capital de um chefe Yao (Mataka), foi a

mais conhecida pelos europeus54. Livingstone descreveu Mwembe, em 1866, como um


51 Na parte restante de África, antigamente, os extenso e bem organizado conjunto de casas e machambas, estimou as casas em
edifícios de dois andares eram na maioria
urbanos. Existiam edifícios de dois andares em 1.000 e observou que a maioria era de tipo árabe (Swahili). Mais tarde, um outro
algumas áreas isoladas dos montes Atakora viajante, Johnson, em 1886 estimou-as em 5.00055.
(Africa Ocidental) como evolução extrema das
casas cilíndricas rurais em argila. Edifícios de
dois andares eram comuns nas cidades da
savana Sub-sahariana, possivelmente inspira-
Presentemente, dado que as funções principais da casa tendem a se concentrar no
dos em modelos que provinham da bacia do edifício principal, o aumento do número de quartos, subdividindo ulteriormente o espaço
Mediterrâneo, e existiam nalgumas cidades do
Golfo de Guiné. Neste último caso podiam interior do edifício, constitui a resposta indispensável às exigências da vida moderna. O
representar uma evolução de modelos
aumento do número de quartos, começando pelos dois originais e chegando a quatro
autóctones de casas com base quadrangular,
em pau-a-pique. Conhecemo-los através dos ou seis, constitui portanto uma outra importante evolução por que passou a casa de tipo
desenhos de um viajante do início do século
XIX (Bowditch T. Edward., Account of Mission Swahili, não comportando modificações na estrutura nem no aspecto exterior das
from Cape Coast Castle to the Kingdom of
construções. O único limite ao número de quartos deriva da impossibilidade de aumentar
Ashantee, 1817/1818, Murray, London, 1819),
que ilustrou as ruas mais importantes de as dimensões do edifício porque, consequentemente, o peso da cobertura aumentaria
Kumasi, uma das cidades que formavam a
confederação Asante. As ruas principais eram demasiado em relação à capacidade de suporte das paredes.
bordadas de casas com pórticos no rés de chão
e varandas no primeiro andar. Os pórticos eram
utilizados para fins comerciais, e as varandas Como já foi dito, na sua origem, a técnica de construção das paredes da casa era de
para fins cerimoniais. De facto, a arquitectura
destas casas, tão diferente das casas do povo
pau-a-pique. A dificuldade de encontrar estacas a baixo custo em ambiente urbano
comum, possuía um forte valor simbólico e só sugeriu a utilização alternativa do tijolo de argila seco ao sol ou cozido. Actualmente,
os dignitários de nível mais elevado tinham o
direito de construi-las. também se utiliza o bloco de cimento. Por outro lado, hoje, em toda a África, a utilização
52 Actualmente, para garantir a intimidade da
do tijolo de argila ou do bloco de cimento de produção artesã substitui as técnicas
família, entra-se preferivelmente no quintal e
não através da porta do edifício principal. Em tradicionais de construção, embora em muitos casos continuem a se reproduzir as
consequência, nalguns casos, as aberturas da
frente do edifício desaparecem e transformam- formas exteriores dos tipos de casa tradicionais.
se em elementos decorativos.
53 Carrilho, 2001.
54 Alpers, 1964, pág. 408. Na época colonial, tentou-se conservar o aspecto exterior do edifício, aumentando as
12

dimensões e substituindo todos os materiais de construção tradicionais por materiais


modernos (tijolo cozido nas paredes e chapa metálica na cobertura). Manteve-se
também a varanda, substituindo os postes em madeira por pilares em tijolo, e a
cobertura com quatro águas, embora em chapa metálica.

Casa em acabamento com muros em tijolos de Existem também alguns exemplos de casas coloniais da costa, de arquitectura mais
argila crua e cobertura em quatro águas em
chapa metálica, encontrada em Lichinga pretensiosa, influenciadas pela arquitectura Swahili. Nesses casos a planta, o esquema
(Carrilho, 2001, pág. 31, fig. 6.2.).
da cobertura em quatro águas, a disposição simétrica das aberturas, a varanda posterior
no lado do quintal, correspondem com bastante exactidão aos elementos que caracteri-
zam a habitação Swahili da mesma região, embora reinterpretados com materiais e
tecnologia europeia56. Em alguns casos, encontrados na Ilha do Ibo, casas deste tipo
ainda possuem dois pilares de pedra que ultrapassam a altura da parede mediana para
sustentar a viga do cume, conforme o tipo Swahili clássico, onde toda a cobertura era
Casa em Lichinga com muros em blocos de sustentada por dois postes de madeira, colocados na mesma posição57.
argila e cobertura em duas águas em chapa
metálica (Carrilho, 2001, pág. 32, fig. 6.8.). Do tipo
Swahili a casa mantém só a distribuição interior,
mas volumes, fachada e técnica de construção são
totalmente modificados.

Para concluir: uma arquitectura em evolução.

A casa mais antiga de Moçambique, a casa circular constituída por edifícios cilíndricos Casa em Lichinga com muros em blocos de
cimento e cobertura “em ventoinha” (Carrilho,
com cobertura cónica, presente no Sul do País, provavelmente poderia responder ainda 2001, pág. 33, fig. 6.17.).

hoje às exigências básicas da simples vida do camponês. Mas já nas zonas onde
aparece uma urbanização rudimental, o edifício cilíndrico é substituído por edifícios com
55 A estimativa dos aglomerados humanos
base rectangular mais práticos, embora de construção um pouco mais complexa.
africanos que mais impressionaram os antigos
Aparecem assim novos tipos locais que tendem a se difundir e se consolidar. Mas ao visitantes oscila em geral entre 10.000 e 30.000
habitantes, sendo de facto a dimensão máxima
mesmo tempo a facilidade de informação encoraja a experimentação de novas formas, da população vinculada pela necessidade de
produções arquitectónicas individualizadas impensáveis na antiga sociedade rural. beneficiar de uma agricultura de subsistência e
pela ausência completa ou insuficiência de
sistemas de saneamento.
56 Particularmente interessante é o caso de um
Pelo contrário, nas cidades, o edifício cilíndrico já desapareceu completamente, como
edifício de Inhambane denominado “Palácio
tende a desaparecer a casa rectangular de caniço que o substituiu, e vão consolidando- Fornasini”. Embora na fachada no lado da rua
sejam evidentes elementos (pilares e entabla-
se os novos tipos, resultados de uma complexa interacção com os modelos da mento) inspirados na arquitectura erudita
europeia, a disposição dos quartos, o esquema
arquitectura formal.
da composição das aberturas, a varanda
posterior entre as duas dependências, a cober-
tura de quatro águas permitem acertar a
A casa de tipo Swahili do Norte possui maior flexibilidade de adaptação que, no passado, influência da arquitectura Swahili na formação
facilitou a sua utilização por povos com tradições culturais bastante diferentes e que hoje deste tipo de casa. O “Palácio Fornasini” e as
casas rectangulares em estacas e folhas de
lhe permitiria responder às exigências de uma concepção mais moderna de habitar, na palmeira seriam portanto documentos da
penetração mais meridional da cultura Swahili
fase intermédia do processo de migração para as áreas urbanas que o País atravessa.
em Moçambique. Esta penetração é provavel-
mente recente no caso das casas em materiais
vegetais e, com certeza, é indirecta, através da
Neste caso, todavia, a ameaça à sua sobrevivência vem mais da introdução de novas e importação de soluções já experimentadas em
tipos consolidados pela penetração colonial, no
mais económicas tecnologias de construção do que de exigências funcionais. Uma das
caso do “Palácio”.
razões que, neste momento, começam a motivar a escolha de tipos de casa diferentes, 57 Carrilho, 2005.
13

nas áreas onde anteriormente a casa de tipo Swahili encontrava-se muito difundida, é
a introdução da chapa metálica na cobertura. A condição mais fácil e económica de
utilização da chapa metálica verifica-se nas coberturas de águas independentes.
Consequentemente, a cobertura com quatro vertentes convergentes no cume tende
actualmente a desaparecer, toda a organização interior é alterada pela facilidade de
organizar quartos com cobertura e estrutura independentes uns dos outros e,
finalmente, dado que as coberturas são independentes, não há razão para manter a
forma compacta do exterior da casa.

Bibliografia

ABDALLAH Yohana Barnaba, Chiikala cha Wayao, (ed. Sanderson M.), Government Printer, Zomba, 1919; 1st reprint Wayao’we, 1954;
2nd repr., intr. Alpers Edward A., London, 1954; ed. port., Os Yaos, Imprensa Universitária UEM, Maputo, 1983.
ALPERS Edward A., “Trade, State, and Society among the Yao in the Nineteenth Century”, Journal of African History, vol. 10, n. 3, 1964,
pág. 405-420.
ALPERS Edward A., Ivory and Slaves: changing patterns of international trade in East and Central Africa to the late nineteenth century,
University of California Press, Berkley, 1975.
ANDERSON David M., RATHBONE Richard, (eds.), Africa’s Urban Past, James Currey, Oxford, 2000.
ANÓNIMO, “A Arquitectura Indígena”, Moçambique - Documentário Trimestral, n. 65, ano XVII, Lourenço Marques, 1951, pág. 57-66.
BAPTISTA J. Renato, Caminho de Ferro da Beira a Manica. Monumenta Excursões e Estudos Efectuados em 1891, Imprensa Nacional,
Lisboa, 1892.
BARRADAS Lereno, “Os Construtores dos Zimbáuès”, Monumenta - Boletim da Comissão dos Monumentos Nacionais de Moçambique,
VIII, 8, Lourenço Marques, 1972, pág. 41-54.
BRUSCHI Sandro, Campo e Cidade da África Antiga, Edições FAPF, Maputo, 2001.
BRUSCHI Sandro, SONDEIA Benjamin, (eds.), Inhambane. Elementos de história urbana, Edições FAPF, Maputo, 2003.
BRUSCHI Sandro, CARRILHO Júlio, LAGE Luís, “Conservazione e trasformazione dell’architettura tradizionale”, ARKOS. Scienza e
Restauro dell’Architettura, V, 1, gennaio/marzo 2004, pág. 26-28.
CARRILHO Júlio, “Habitação nos bairros periféricos da cidade de Lichinga” em: Carrilho Júlio, Bruschi Sandro, Menezes Carlos, Lage
Luís, Um Olhar sobre o Habitat Informal Moçambicano: de Lichinga a Maputo, Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico,
(Universidade E. Mondlane), Maputo 2001, pág. 1- 41.
CARRILHO Júlio, “A Varanda: Serventia, fronteira e carácter das casas da Ilha do Ibo” palestra no âmbito da exposição Espaços e
Cidades em Moçambique, Maputo, Maio de 2002.
CARRILHO Júlio, Ibo: a casa e o tempo, Edições Fapf, Maputo, 2005.
CASTRO HENRIQUEZ Isabel, Espaços e Cidades em Moçambique, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses, Lisboa, 1998.
14

CHAMI Felix, The Tanzanian Coast in the First Millennium AD - An archaeology of the iron-working, farming comunities, Societas
Archaeologica Uppsaliensis, Uppsala, 1994.
CONNAH Graham, African Civilizations, Cambridge University Press, Cambridge, 1987; 2nd ed. 2001.
CORNEVIN, Marianne, Archéologie Africaine, Maisonneuve et Larose, Paris, 1993.
CUNHA (da) Antonio Raimundo, Contribuição para o Estudo do Povo Wayao, manuscrito (dissertação para licenciatura), s.l., 1966.
DENYER Susan, African Traditional Architecture: An Historical and Geographical Perspective, Heinemann Educational Books Ltd.,
London, 1978.
DIAS Jorge, (ed.), Os Macondes de Moçambique, vols. 1-4, Junta de Investigação do Ultramar - Centro de Estudos de Antropologia
Cultural, Lisboa, 1964/70.
DIAS Jorge, DIAS Margot, “Moçambique” em Lima Fernando de Castro Pires (de) (ed), A Arte Popular em Portugal, Ilhas Adjacentes e
Ultramar, vol. 3, Editorial Verbo, Lisboa, (s. d.), pág. 1-161.
DIREÇÃO NACIONAL DE HABITAÇÃO, Contribuição para o Estudo do Habitat Moçambicano, Maputo, 1983.
DIREÇÃO NACIONAL DE HABITAÇÃO - UNCHS, Manual de Sociologia do Habitat Rural, Maputo, 1983.
DUARTE Ricardo Teixeira, Northern Mozambique in the Swahili World. An archaeological approach, Uppsala University - Department of
Archaeology, Uppsala, 1993.
DUARTE Ricardo Teixeira, MENESES M. Paula, “The Archaeology of Mozambique Islands”, in Pwiti Gilbert, Soper Robert (eds.),
Aspects of African Archaeology - Papers from the 10th Congress of the Pan African Association for Prehistory and Related Studies,
University of Zimbabwe Publications, Harare, 1996, pág. 555-560.
FABIETTI U., L’identità etnica. Storia critica di un concetto equivoco, La Nuova Italia Scientifica, Roma, 1995; 2 ed., “L’identità etnica”,
Carocci, Roma, 2002.
FAGE J. D., OLIVER Roland (eds), The Cambridge History of Africa, vols. 1-8, Cambridge University Press, Cambridge, 1977.
FIALHO José Feliciano, Antropologia Económica dos Thonga do Sul de Moçambique, Arquivo Histórico de Moçambique, Estudos, n. 12,
Maputo, 1998.
FONSECA Pedro Quirino (da), “Breves Notas sobre a Evolução da Habitação e Construção em Moçambique” Monumenta - Boletim da
Comissão dos Monumentos Nacionais de Moçambique, IV, 4, Lourenço Marques, 1968, pág. 45-48.
GAMITTO António Candido Pedroso, O Muata Cazembe e os Povos Maraves, Chevas, Muizas, Muembas, Lundas e Outros de África
Austral. Diário da Expedição Portuguesa Comandada Pelo Maior Monteiro e Dirigida Áquele Imperator nos Anos de1831 e 1832.
Redigido pelo Major A.C.P. Gamito, segundo comandante da expedição. Com um mapa do país observado entre Tete e Lunda, Lisboa,
1834; reed. vols.1-2, Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1937; ed. engl. Junta de Investigação do Ultramar - Centro de Estudos
Políticos e Sociais, vols. 1-2, Estudos de Ciência Políticos e Sociais, n. 42, 43, Lisboa, 1960.
GARLAKE Peter S., “An investigation of Manekweni, Mozambique”, Azania, vol. XI, 1976, pág. 25-47.
GARLAKE Peter S., Life at Great Zimbabwe, Mambo Press, Harare, 1982.
GARLAKE, Peter S., Early Art and Architecture of Africa, Oxford University Press, London, 2002.
GENTILE Anna Maria, Il leone e il cacciatore: storia dell’Africa Sub-Sahariana, sec. XIX e XX, La Nuova Italia Scientifica, Roma, 1995;
ed. port. O Leão e o Caçador: uma História da África Sub-Sahariana dos séculos XIX e XX, Arquivo Histórico de Moçambique, Estudos,
n. 14, Maputo, 1999.
GOMES DA GAMA Manuel Amaral, O Povo Yao: Subsídios para o Estudo de um Povo do Noroeste de Moçambique, Instituto de
Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1990.
GUEDES Amâncio (Pancho) Miranda d’Alpoim, “The Caniços of Mozambique”, in Oliver Paul (ed), Shelter in Africa, Barrie e Jenkins,
London, 1971, pág. 200/209.
GUIDONI Enrico, Architettura Primitiva, Electa Editrice, Milano, 19792.
HALL Martin, Archaeology Africa, David Philip Publishers, Claremont, 1996.
HAMMOND-TOOKE David, NETTLETON Anitra, The Black Root of South Africa, University of Witwatersrand Press, Johannesburg,
1993.
15

HOUBEN Hugo, Guillaud Hubert, Traité de Construction en Terre, Parenthèses, Marseille, 1989.
JUNOD Henri Alexandre, The Life of a South African Tribe, vols. 1-2, Attinger Frères, Neuchâtel, 1912/13; trad. port. da edição ingl. por
Bivar Carlos, A vida de uma Tribu Su l- Africana, Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, 1917; ed. franc. Moeurs et coutumes des
Bantous, Genève, 1934 (?); trad. port. da edição franc. Usos e Costumes dos Bantos, a vida duma tribo sul-africana, 1944; reed. Usos
e Costumes dos Bantos, a vida duma tribo do Sul de África, Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, 1974 - 1975; reed.
Usos e Costumes dos Bantu, Arquivo Histórico de Moçambique, Documentos, n. 3, Maputo, 1996.
KUSIMBA Chapurukha M., The Rise and Fall of Swahili State, Altamira Press, Walnut Creek, 1999.
LIESEGANG Gerhard, “A survey of the 19th century stokades of Southern Mozambique: the Khokholwene of Manjakaze area”, in AA.
VV., In memoriam of António Jorge Dias, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa, 1974, pág. 303-320.
LIESEGANG Gerhard, “Guerras, terras e tipos de povoações: sobre uma ‘Tradição Urbanística’ do Norte de Moçambique no século XIX”,
Revista Internacional de Estudos Africanos, n. 1, Lisboa, Janeiro/Junho 1984, pág. 169-184.
LAGE Luís, “Produção de habitações informais: o caso de Maputo” in Carrilho Júlio, Bruschi Sandro, Menezes Carlos, Lage Luís, Um
Olhar sobre o Habitat Informal Moçambicano: de Lichinga a Maputo, Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico, (Universidade E.
Mondlane), Maputo 2001, pág. 68-85.
LUPI Eduardo do Couto, Angoche, breve memoria sobre uma das capitanias-móres do districto de Moçambique, Ministerio do Negocio
Estrangeiro da Marina e Ultramar, Lisboa, 1907.
MACAIRE Pierre, L’Héritage Makhuwa au Mozambique, L’Harmattan, Paris, 1996.
MADEIRA Maria Emilia Santos, Viagens de Exploração Terrestre dos Portugueses em África, Instituto de Investigação Cientifica Tropical,
Lisboa, 1978.
MARTINEZ Francisco Lerma, O Povo Macua e a sua Cultura, Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1989.
MARWICK M. G., “An Early Nineteenth-Century Model for Modern Ethnographers”, in In memoriam of António Jorge Dias, Junta de
Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa, 1974, pág. 325-342.
MATOS M. L. Correia de, “Notas sobre o direito da propriedade da terra dos povos Angoni, Acheua e Ajaua da Província de
Moçambique”, Memórias do Instituto de Investigação Científica de Moçambique, Vol.7, Série C, 3-128, Lourenço Marques, 1965.
MITCHELL J.Clyde, The Yao Village - A Study in the Social Structure of a Nyasaland Tribe, Manchester University Press, Manchester,
1956.
MONTEIRO A., “Pesquisas arqueológicas nos estabelecimentos de Kiuya, M’buezi e Quisiva”, Monumenta - Boletim da Comissão dos
Monumentos Nacionais de Moçambique, II, 2, Lourenço Marques, 1966, pág. 51-56.
MOURA REIS, Armando, “Sobre os Vandaus (Sofala-Moçambique)”, in AA. VV., Moçambique: Aspectos da Cultura Material, Centro de
Estudos Africanos do Instituto de Antropologia, Coimbra, 1986.
NEWITT Malyn, History of Mozambique, C. Hurst and Co., London, 1995; ed. port. História de Moçambique, Publicações Europa-
America, Mem Martins, 1997.
OLIVEIRA Octávio Roza (de), Amuralhados da cultura Zimbaué - Monomotapa de Manica e Sofala, União Nacional, Beira, 1963.
OLIVEIRA Octávio Roza (de), “Zimbáuès de Moçambique (proto-história africana)”, Monumenta, IX, 9, Lourenço Marques, 1973, pág.
31-64.
OLIVEIRA Carlos Ramos (de), "Um ensaio sobre os Tauaras do vale do Zambeze" em Geographica - Revista da Sociedade de Geografia
de Lisboa, ano VIII, n° 32, 1972, pág. 22-51.
OLIVEIRA Carlos Ramos (de), Os Tauaras do vale do Zambese, Junta de investigações Científicas do Ultramar, Lisboa, 1976.
OLIVER Paul (ed.), Encyclopedia of Vernacular Architecture of the World, vols. 1-3, Cambridge University Press, Cambridge, 1995-1997.
PEIRONE Frederico José, A Tribo Ajaua do Alto Niassa (Moçambique) e Alguns Aspectos da sua Problemática Neo-Islámica, Junta de
Investigações de Ultramar - Centro de Estudos Missionários, Lisboa, 1967.
PEREIRA Alberto Feliciano Marques, A Arte em Moçambique - Primeira Parte: a Arte e a Natureza em Moçambique, ?, Lisboa, 1966.
PIKIRAYI Innocent, The Archaelogical Identity of Mutapa State - Towards an Historical Archaeology of Northern Zimbabwe, Societas
Archaeologica Uppsaliensis, Uppsala, 1993.
16

RAFAEL Dias Saul, “Milange e os Seus Povos - Memória Etnográfica” Moçambique - Documentário Trimestral, Lourenço Marques, n.
82, 1955; n. 83, 1955; n. 84, 1955; n. 85, 1956.
REIS Moura Armando, “Sobre os Vandaus (Sofala-Moçambique)”, in AA. VV., Moçambique Aspectos da Cultura Material, Centro de
Estudos Africanos do Instituto de Antropologia, Coimbra, 1986.
RITA-FERREIRA A., “Os Cheuas de Macanga”, Memórias do Instituto de Investigação Científica de Moçambique, vol. 8, série C,
Lourenço Marques, 1966, pág. 1-332.
RITA-FERREIRA A., “Etno-história e cultura tradicional do grupo Angune (Nguni)”, Memórias do Instituto de Investigação Científica de
Moçambique, vol.11, série C, Lourenço Marques, 1974, pág. 1-247.
RITA-FERREIRA A., “Grupos Étnicos e História pré-colonial de Moçambique”, in AA. VV., Moçambique Aspectos da Cultura Material,
Centro de Estudos Africanos do Instituto de Antropologia, Coimbra, 1986.
RONCHETTA Alfredo, “La casa rurale Swahili in terra”, in Zanzibar. Studi sull’abitazione. Studies in Housing, video Betacam, col., 24,
“Stonetown Workshop”, Zanzibar, 19-20 nov. 1990.
SANTOS Nuno Beja Valdez Thomas (dos), O desconhecido Niassa, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa, 1964.
SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA - MOÇAMBIQUE, ARKITEKTSKOLEN I AARHUS - DANMARK, Ilha de Moçambique.
Relatório 1982-1985, Phønix A/S, Aarhus, 1985.
SERRA Carlos, Para a História da Arte Militar Moçambicana (1505 - 1920), Cadernos Tempo, Maputo, 1983.
SILVEIRA Camilo Manuel da Costa, Niassa visto por dentro (apontamentos), Associação dos Naturais de Moçambique, Lourenço
Marques, 1959.
SINCLAIR Paul P. P., Space, Time and Social Formation - Territorial Approach to the Archaeology and Antropology of Zimbabwe and
Mozambique c 0-1700 AD., Societas Archaeologica Uppsaliensis, Uppsala, 1987.
SOARES DE CASTRO, Os Achirimbas (ensaio etnográfico), Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques, 1941.
THORNTON Lynne, Les Africanistes Peintres Voyageurs, 1860-1960, ACR Edition, Paris, 1990.
UNDP/UNCHS (Habitat), Housing and Living Conditions in Peri-Urban Areas of Maputo City, Project MOZ/86/005, Maputo, 1991.
UNESCO, Histoire Générale de l’Afrique, vols. 1-8, Paris, 1980; ed. port., História Geral da África, Atica, São Paulo, 1980; engl. ed.,
General History of Africa, James Currey, Oxford, 1980; abriged edition 1999.
WALTON James, African Village, J. L. Van Schaik Lmd, Pretoria, 1956.
WEULE Karl, Wissenshaftliche Ergebnisse meiner Ethnographischen Forshungsreise in den Südosten Deutsch-Ostafricas, Berlin, 1908;
reed. “Resultados Científicos da minha Viagem de Pesquisas Etnográficas no Sudeste da África Oriental”, intr. Liesegang Gerhard,
Ministério da Cultura, Maputo, 2000.
Recolha iconográfica 17

A aparente confusão de linguagens

1.1. Postais de Moçambique dedicados às casas tradicionais. São representados os


tipos de edifícios cilíndricos com cobertura cónica e de edifícios quadrangulares de
derivação Swahili, juntamente com os derivados da contaminação com as construções
coloniais de baixo custo.
18

A casa circular com edifícios cilíndricos


do fim do século XIX até hoje

2.1. Casas do Vale do Busi, na aldeia de Xamba perto de


Dondo (Sofala) em 1891 (fotografia do cap. Sousa
Machado reportada em: Baptista J. Renato, Caminho de
Ferro da Beira a Manica. Monumenta Excursões e Estudos
Efectuados em 1891, Imprensa Nacional, Lisboa, 1892.
pág. 68).

2.2. Casa em Marávia (Zambesia) a volta de 1970 (Boléo


José de Oliveira, Monografia de Moçambique, Agência-
Geral do Ultramar, Lisboa, 1971, pág. 224). A distância de
cerca de um século o tipo ainda persiste sem modificações
importantes.

2.3. Casa em Zambézia (cultura Chuabo) em 1900 (Denyer, 1978, pág. 149,
fig. 229).

2.4. Casa de um chefe (M’cuépére-muno) em Angoche (Nampula) antes de


1905 (Lupi, 1907, pág 89). Esta casa possuía um diâmetro de 20 metros e uma
altura de 6 ou 7 metros. Vários postes dispostos em três anéis concentricos,
colaboravam a sustentar o peso da cobertura.
19

2.5. Edifício de uma casa rural no distrito de Manjacaze


(Gaza) em 2003.

2.6. Edifício de uma casa rural no distrito de Manjacaze


(Gaza) em 2004.

2.7. Pormenor do interior da cobertura do edifício antecedente.

2.8. Edifício moderno cilíndrico com cobertura cónica e paredes acabadas


em caniço no distrito de Marraquene, província de Maputo (Manual de
Sociologia do Habitat Rural, 1983, pág. 290).
20

Levantamento de uma casa em Gaza.

3.1. Casa rural (um casal com três filhos menores) no distrito de Xai-Xai. Planta (levantamento de Júlio Pereira e Roberto João).

3.2. Capoeira e suporte para almofariz.


21

3.3. Planta e alçado do edifício principal.

3.4. Secção esquemática. Pormenor do remate da cobertura e da


porta de entrada.
22

3.5. Planta, alçado e pormenores de um edifício a uso misto com celeiro.


23

O valor simbólico da vedação circular.

4.1. Casa da família alargada (muti) do sul de


Moçambique (cultura Thonga), no início do século XX.
Planta (Junod, 1974, vol. I, pág. 286).

4.2. Casa da família alargada de um chefe (rei de


Tembe) do Sul de Moçambique, no início do século XX.
Pormenor da vedação (Junod, 1974, vol. I, pág. 290).

4.3. Reconstrução hipotética do zimbabwe de Manyikeni (autor anónimo, O


Zimbabwe de Manyikeni, Maputo, s.d.).

4.4. Zimbabwe de Manyikeni. Pormenor da vedação em pedra (Garlake, 1976,


plate Ia).
24

Edifícios anulares

5.1. Edifício de uma casa rural nos arredores da cidade


de Chimoio em 2003. Neste exemplo, hoje bastante raro,
o espaço da varanda é protegido por pilares espessos e
pode ser utilizado, para além de um lugar de descanso,
como armazém ou depósito temporâneo de produtos
agrícolas.

5.2. Edifício rural em construção numa aldeia na


província de Tete. O espaço habitacional è limitado ao
anel exterior da casa, no centro encontram-se elementos
cilíndricos de construção independente, destinados a
celeiros (Oliveira, 1972, pág. 31).

5.3. Edifício anular encontrado nos anos Setenta em Mambone, na foz


do rio Save. Fase de construção (fotografia da Agência Geral do
Ultramar, reproduzida em Dias & Dias, s.d., pág. 30).

5.4. Edifício anular encontrado nos anos Setenta em Mambone, na foz


do rio Save. Planta e alçado (Dias & Dias, s.d., pág. 29).
25

Decoração mural dos edifícios cilíndricos

6.1. Casa perto de Zavala. (Anónimo, “A Arquitectura


Indígena”, Moçambique - Documentário Trimestral, n. 65,
ano XVII, Lourenço Marques, 1951, pág. 60).

6.2 Edifício de uma casa rural nos arredores da vila de


Manica.

6.3. Casa numa aldeia na província de Tete (Fonseca, 1968, pág. 48).
26

A transformação da planta circular em


quadrada e os edifícios de dois andares

7.1. Edifício de planta quadrada numa aldeia perto da vila de


Manica. Nota-se no fundo outro edifício, ainda em construção,
onde a cobertura, embora a planta seja quadrada, mantém a forma
cónica e a disposição em leque dos barrotes.

7.2. Edifício de planta quadrada em Gorongosa, na província


de Sofala (Dias & Dias, s.d., pág. 30).

7.3. Edifício de dois andares numa aldeia na província de Tete (Oliveira, 1976,
fotografia 5).

7.4. Edifício de dois andares contemporâneo encontrado na província de


Manica. (Arquivo fotográfico de L. Lage).
27

7.5. Casa Nyanja (Santos, 1964, pág. 136).

7.6. Casa Nyanja em construção perto do lago


Niassa, em 1998 (fotográfia de G. Morelli). Está patente
a derivação deste tipo de casa da casa cilíndrica com
cobertura cónica. De facto, embora a planta seja
quadrada, mantém-se a disposição dos barrotes da
cobertura convergentes no cume, como era na cobertura
cónica.

7.7. Edifício de dois andares, possivelmente de cultura Nyanja, numa


região não precisada nos margens do Zambesi, antes 1950 (Anónimo, “A
Arquitectura Indígena”, Moçambique - Documentário Trimestral, n. 65, ano
XVII, Lourenço Marques, 1951, pág. 61).

7.8. Casa Nyanja de dois andares em construção, perto do lago Niassa em


1998 (arquivo fotográfico do CEDH-UEM).
28

A influência reciproca entre arquitectura colonial e arquitectura


tradicional: a casa de caniço e a palhota de pedra e cal

8.1. Projecto (1924) de transformação duma “casa de sombreio” para


habitação na cidade de Inhambane (Arquivo Municipal de Inhambane). Na
época colonial a utilização deste tipo, transformado com materiais modernos, é
muito rara quando destinada para moradia particular, donde o interesse do caso
ilustrado.

8.2. Uma “casa de sombreio” de pedra e cal do mesmo tipo, ainda existente
na cidade de Inhambane.

8.3. Casas numa aldeia perto da cidade de Tete, em 1859


(pintura de Thomas Baines, Museum of Mankind, London,
reproduzida em Thornton, 1990, pág. 49). Thomas Baines,
pintor e explorador do século XIX, acompanhou Livingstone na
expedição de 1858 e executou a sua pintura no próprio lugar,
durante a viagem. Esta representação é importante para o
conhecimento da evolução da casa moçambicana entre os
séculos XIX e XX. O edifício principal da casa é cilíndrico com
paredes de pau-a-pique e cobertura cónica de capim, de tipo
clássico. Mas as dependências são inteiramente em caniço, de
forma rectangular e cobertura de uma água.

8.4. Casa moderna quadrangular em caniço e cobertura de


uma água em chapa metálica na periferia da cidade de
Maputo, em 1990 (UNDP/UNCHS, 1991, pág. 83, foto 1)
29

A palhota cilíndrica, a casa Swahili e a história complicada das suas transformações

Em Moçambique, até o fim do século XIX, existiam dois tipos de casas tradicionais, muito bem diferenciados.
No Sul era a casa cilíndrica com cobertura cónica e no Norte era a casa de planta rectangular com cobertura em quatro aguas.
Ambos os tipos de casa, embora bem distintos pela sua forma exterior, utilizavam para as paredes uma estrutura similar de pau a pique
maticada com terra, completando a cobertura com capim ou folhas de palmeira.
Hoje a situação è mais confusa, particularmente no Sul.
Aqui, nas zonas rurais ou na periferia das cidades, se encontram muitas outras diferentes formas de casas, de planta rectangular o
quadrada. Mas, a aparente confusão das formas, simplifica-se, observando com atenção os pormenores e as técnicas construtivas
utilizadas. Pode-se assim reconhecer que a maioria das casas pertencem a tipos recentes que vão surgindo da transformação da casa
cilíndrica tradicional para experimentar técnicas de construção mais eficazes e novas maneiras de habitar.
No Norte, pelo contrario, a casa de planta rectangular domina incontestada, embora ela também seja o resultado de uma transformação,
o melhor de uma hibridação da casa redonda. Mas, trata-se de uma hibridação relativamente antiga.
De facto em varias localidades da costa Moçambicana, Ilha de Moçambique, Pemba, Ibo, as casas são idênticas às de Zanzibar, da costa
da Tanzânia e do Quénia. São as casas típicas da cultura Swahili. Uma cultura mista árabe-africana, que originou no momento dos
contactos sistemáticos e do estabelecimento dos mercadores muçulmanos na costa africana, e que sobreviveu durante toda a época
colonial, até hoje.
Nas cidades Swahili perto das orgulhosas construções de vários andares em pedra coralina habitadas pelos ricos mercadores,
encontravam-se casas mais modestas, que imitavam a forma rectangular da casa árabe, a sua distribuição interior e disposição das
aberturas, mas utilizavam a tradicional técnica africana de construção em pau a pique, substituindo a cobertura plana, difícil a realizar e
impermeabilizar, com uma cobertura inclinada em materiais vegetais.
Os mercadores Swahili apareceram na costa moçambicana setentrional pouco antes da chegada dos Portugueses. Não tiveram
provavelmente tempo bastante para edificar cidades de pedra mas importaram as suas casas rectangulares em materiais vegetais, de
construção rápida, fácil e económica.
Quando no início do século XIX a trata dos escravos e o comercio do marfim obrigou os mercadores Swahili a penetrar sempre mais
profundamente no interior, com eles penetraram a sua religião, cultura e também o seu tipo de casa.
O famoso explorador Stanley, por exemplo, descreveu casas deste tipo encontradas num posto comercial Swahili na bacia do rio Zaire, a
cerca de dois mil quilómetros da costa.
É através deste processo que a casa rectangular com telhado em quatro água substituiu completamente os tipos autóctones preexistentes
em toda a região interior ocupada pelos povos Makhuwa, Makonde e Yao. Foi um processo de adaptação progressiva onde a varanda a
toda volta da casa rectangular, herdada da antiga casa cilíndrica, diferencia a casa do interior da casa da costa onde existe um simples
beiral do telhado limitado à frente.
Seja como for, no fim do processo de transformação nas casas circulares da família alargada os edifícios cilíndricos, com cobertura cónica
foram progressivamente substituídos por edifícios rectangulares. Sucessivamente, o edifício individual atribuído a cada membro da família
alargada, transformou-se na casa principal de uma família nuclear, constituída pelos pais e filhos menores, e tais casas, com quintal
próprio e dependências, passaram a ser dispostas em alinhamentos regulares nas aldeias.
Hoje em dia este tipo de casa encontra sucesso também nas cidades. De facto uma sua característica peculiar é a colocação da casa
principal em contacto directo com o exterior. Nas cidades, isso permite o acesso à casa directamente a partir da rua. Um corredor central,
dando acesso aos quartos, faz a ligação entre a entrada da rua e o quintal nas traseiras. À forma rectangular da casa principal sucede a
forma rectangular do quintal e a organização mais económica do espaço ao ar livre (lugar de estar, cozinha, casa de banho, latrina,
dependências, etc.). A utilização mais racional do espaço livre e edificado e a regularidade da sua forma permitem a mais fácil inserção
na malha urbana.
Dado que as funções principais da casa tendem a concentrar-se no edifício principal, o aumento do número de quartos, subdividindo
ulteriormente o espaço interior do edifício, constitui a resposta indispensável às exigências da vida moderna. O único limite ao número de
quartos deriva da impossibilidade de aumentar as dimensões do edifício porque, consequentemente, o peso da cobertura aumentaria
demasiado em relação à capacidade de suporte das paredes. As paredes presentemente são na maioria dos casos de tijolo de argila seco
ao sol ou cozido, e raramente de bloco de cimento.
A casa rectangular com telhado em quatro água de derivação Swahili, possui portanto uma grande facilidade de adaptação que, no
passado, facilitou a sua utilização por povos com tradições culturais bastante diferentes e que hoje permitiria, se se estudarem medidas
técnicas e financeiras apropriadas, que se adaptasse para responder às exigências de uma concepção moderna de habitar. Mas se, pelo
contrário, não houver nenhuma intervenção para apoiar e encorajar a produção tradicional, este tipo de casa, que no passado se difundiu
em tantas partes de África, está, provavelmente, destinada a desaparecer.

Sandro Bruschi, Luís Lage e Júlio Carrilho


Docentes da FAPF
Notícias, 23/ 12/ 2003, pág. 3
30

A casa Swahili com telhado em duas águas, estrutura,


acabamento e cobertura em palmeira.

9.1.Casa de tipo Swahili com telhado em duas águas, estrutura,


acabamento e cobertura em palmeira em Angoche (Nampula) antes de
1905 (Lupi, 1907, pág. 64).

9.2. Casa rural contemporânea em Inhambane. Esta casa, como todas as


que se encontram nas zonas rurais nos arredores da cidade, é do tipo Swahili
mais simples e económico com única abertura, sem divisões internas, telhado
em duas águas, estrutura de estacas de palmeiras, acabamento das paredes
e da cobertura em esteiras de folhas de palmeiras (denominado em kiswahili
Nyumba ya Maiani).

9.3. Casa de tipo Swahili com telhado em duas águas, de estacas e


folhas de palmeira, em Inhambane. Nas zonas rurais do distrito de
Inhambane o tipo substitui hoje quase completamente a casa cilíndrica
com cobertura cónica, mais dispendiosa e difícil de realizar. Na cidade o
tipo é mais raro sendo preferida a construção em caniço, menos
económica, mas mais sólida e durável.

9.4. Casa rural em Inhambane, numa fotografia da primeira metade


do século XX (Repartição Central de Estatística, Imagens de
Moçambique, Imprensa Nacional, Lourenço Marques, 1938). É
interessante notar que na altura da fotografia (antes de 1938) as casas
eram de tipo cilíndrico com cobertura cónica e ainda não estavam
presentes casas rectangulares de tipo Swahili.
31

A casa Swahili com telhado em quatro aguas


paredes acabadas com matope e varanda

10.1. Casa de tipo Swahili com telhado em quatro


águas, na cidade de Pemba. Esta casa pertence ao tipo,
de execução mais sofisticada, com porta e janelas, telhado
em quatro águas, paredes acabadas com matope e
varanda (denominado em kiswahili Nyumba ya Udongo).
Uma característica das casas da costa de Moçambique é
a maneira como as águas laterais são inseridas dentro das
águas principais, para evitar infiltrações na junção das
águas nas cumeeiras.

10.2. Casa Makhuwa em Milange, na província de


Zambesia (Rafael, 1956, pág. 76). Nota-se a presença
contemporânea de edifícios cilíndricos com cobertura
cónica pertencentes ao tipo mais antigo da região e de
edifícios rectangulares de tipo Swahili.

10.3. Casa moderna urbana Yao, encontrada na cidade de Lichinga


(Carrilho, 2001, pág. 33, fig. 7.11.). As casas dos grupos de cultura Makhuwa
Yao e Makonde, devido à influência Swahili, atravessaram o mesmo processo
de transformação. O edifício individual atribuído a cada membro, transformou-
se na casa principal de uma família nuclear com quintal próprio e dependências.
No caso ilustrado, nota-se o aumento do número dos quartos da casa principal
e as construções acessórias, para hospedar os membros da família ou com
funções de cozinha e armazéns, colocadas a volta do quintal.
32

10.4. Edifício de tipo cilíndrico com cobertura cónica de uma 10.5. Edifício de tipo Swahili, com planta rectangular e telhado em
casa Makonde (Dias, 1964, vol.2, pág. 17). quatro águas de uma casa Makonde (Dias, 1964, vol. 2, pág. 18).

10.6. Casa de família alargada Makonde, em 1960. (Dias, 1970,


vol.3). A casa acolhia um grupo familiar alargado sob a autoridade
de um chefe de família. Os edifícios pertencentes a cada membro da
família eram dispostos em círculo e eram, seja do tipo clássico
cilíndrico, seja de planta rectangular de tipo Swahili moderno. No
centro da área encontrava-se o lugar de reunião dos homens
(chitala).
33

Levantamento de casas do litoral de Cabo


Delgado

11.1. Casa de tipo Swahili encontrada no bairro de


Paquitequete, na cidade de Pemba. Planta, alçado e corte
(levantamento e desenho coordenado por J. Carrilho). Esta casa
apresenta a peculiaridade, bastante vulgar na cidade e na Ilha do
Ibo, da ampliação da casa em correspondência às varandas laterais.

11.2. Esquema da estrutura central da cobertura utilizada numa


casa levantada na Ilha do Ibo (Carrilho, 2005). Os barrotes são
ligados entre si através um rectângulo horizontal formado por
quatros ripas. Esta estrutura horizontal por sua vez é fixada, a cerca
de um metro do topo, a um cavalete vertical com ligações contra-
vento, apoiado no soalho. Os barrotes da cobertura sustentam-se
mutualmente e descarregam o seu peso principalmente nas
paredes externas.
34

11.3. Pormenor da disposição em leque dos barrotes 11.4. Pormenor da disposição dos barrotes das águas
das águas laterais, na fase inicial da construção da laterais, antes do acabamento da cobertura, na Ilha do
cobertura, observado na Ilha do Ibo (arquivo fotográfico Ibo (arquivo fotográfico de J. Carrilho).
de J. Carrilho).

11.5. Pormenor do apoio de um poste que sustenta a 11.6. Pormenor da estrutura horizontal que liga os
cumeeira da cobertura, observado na Ilha do Ibo barrotes entre si, observado na Ilha do Ibo (arquivo
(arquivo fotográfico de J. Carrilho). fotográfico de J. Carrilho).

11.7. Pormenor do sistema de apoio da cumeeira da


cobertura, observado na Ilha do Ibo (arquivo fotográfico
de J. Carrilho).

11.8. Pormenor do barrotes nos quais apoia o soalho e


que participam no sustento da cobertura, observado na
Ilha do Ibo (arquivo fotográfico de J. Carrilho).
35

Campo e cidade

12.1. Casa rural Yao no distrito de Maniamba, província de Niassa


(Carrilho, 2001, pág. 19, fig. 1.1 e 1.2).

12.2. Casa Yao num atalhoamento informal na sede do distrito de


Maniamba, província de Niassa (Carrilho, 2001, pág. 20, fig. 1.5 e 1.6).

12.3. Casa urbana Yao num bairro periférico da cidade de Lichinga


(Carrilho, 2001, pág. 20 fig. 1.7 e 1.8).
36

Decoração mural na casa de tipo Swahili

13.1. Frente decorado de uma casa Yao num bairro periférico da cidade
de Lichinga (Carrilho, 2001, pág. 29, fig. 7.13).

13.2. Pormenor da decoração da casa precedente (Carrilho, 2001, pág.


29, fig. 7.14).

13.3. Decoração de uma casa Makonde (Dias & Dias, s.d.,


pág. 159).

13.4. Casa Makhuwa decorada em Milange, província de


Zambézia (Rafael, 1956, pág. 59).
37

Ânsia de urbanidade: os “prédios” em pau a pique

Entre os arbustos, de longe, aparece uma silhueta elegante, um signo emergente da presença de uma aldeia importante e populosa. De
longe não è fácil de identifica-lo: pode ser o campanário de uma igreja, o minarete de uma mesquita, ou, talvez, um edifício mais
importante dos outros ........
Agoura somos mais perto e a ilusão desaparece. Compreendemos de ter finalmente encontrado o primeiro exemplo das construções de
dois andares em pau e pique, das quais, continuando a nossa pesquisa, encontraremos depois muitos exemplares. Até este momento
eram por nos, construções ilusórias, mencionada nalgumas publicações dos antropólogos antigos, ilustradas em fotografias desfocadas
de algumas revistas, mas nunca vistas na realidade.
De facto, as construções de dois andares em pau e pique não se encontram nas cidades, porque ali uma estandardização pré-industrial
impõe uma produção constante e igualitária, sem fantasia quando a fantasia implica custos adicionais. Elas estão presentes, aqui e ali,
nas aldeias onde os vínculos ligados à presença dos materiais de construção são menos fortes, a fantasia dos construtores mais livre, a
ânsia de urbanidade mais sentida.
E trata-se realmente de ânsia de urbanidade, de desejo de modernização, de tentativa de reproduzir no ambiente rural aquela qualidade
do espaço que nos, os arquitectos, chamamos desenho urbano ou, quando o desenho das construções condiciona com a sua presença
a paisagem, chamamos com um termo inglês na moda sky line ou perfil dos edifícios mais altos contra o céu.
Vale a pena para uma modesta construção de dois andares isolada nos campos de utilizar palavras tão pomposas? Talvez sim, pelo
menos nas intenções do construtor, que sempre nesses casos tem bem clara a importância simbólica do seu esforço arquitectónico.
Há cinquenta anos, o antropólogo Diaz falou de uma construção de altura exagerada encontrada numa aldeia Makonde e explicava-la
com a tentativa do dono de reproduzir as construções vistas nas cidades por ele visitadas. No caso citado no início deste artigo, à pergunta
porque o dono tivesse iniciado uma casa de construção tão complicada ele respondeu com orgulho e maravilhosa ingenuidade: “Esta não
è uma casa: é um prédio!”.
A técnica do pau a pique è de outra parte uma técnica muito versátil que pode atingir níveis de sofisticação bastante elevados.
Presentemente è sempre menos utilizada por causa da dificuldade e do custo que implica a procura da grande quantidade de estacas
necessária. Um material que devêm sempre mais raro para encontrar em regiões já abundantemente desbravadas.
Mas construções em pau e pique de dois andares, não eram raras na arquitectura africana da época pré-colonial.
Antigamente, em algumas das cidades do Golfo de Guiné, os edifícios deste tipo podiam ser comuns. Conhecemo-los através dos
desenhos de um viajante do início do século XIX (Bowdicht) que ilustrou as ruas mais importantes de Kumasi, uma das cidades que
formavam a poderosa confederação Asante. As ruas eram bordadas de casas em pau a pique com pórticos no rez de chão e varandas
no primeiro andar. O pórticos eram utilizados por fins comerciais, mas das varandas podia-se assistir às cerimonias que periodicamente
desenvolviam-se longo das ruas. De facto, a arquitectura destas casas, tão diferente da do povo comum, possuía um forte valor simbólico
e só os dignitários de nível mais elevado possuíam o direito de construi-las.
As nossas casas de dois andares, pelo contrario, constituem com certeza uma evolução recente, uma consequência simpática do impacto
de culturas e estilos de vida diferentes na sociedade tradicional. Evoluíram a partir do tipo moderno de casa quadrangular, que no norte
do País substituiu a casa de planta redonda, sempre em pau a pique, por influência da casa do tipo Swahili. As casas em pau e pique de
dois andares se encontram, portanto, com relativa frequência nas zonas rurais da região de cultura Makhuwa, Yao, Nyanja, Makonde
(possivelmente) e aparecem, embora mais raras, nas áreas de contacto com as culturas da bacia do Zambesi.

Sandro Bruschi, Júlio Carrilho e Luís Lage


Docentes da FAPF
Notícias, 24/ 3/ 2004, pág. 5
38

Os edifícios rectangulares de dois andares

14.1. Edifício sobre estacas no distrito de Barué, província de


Manica (Anónimo, “A Arquitectura Indígena”, Moçambique -
Documentário Trimestral, n. 65, ano XVII, Lourenço Marques,
1951, pág. 63). po Swahili.

14.2. Edifício sobre estacas no vale do rio Rovuma perto de


Ntxitxira (Tanzânia). (Weule, 1908, reed. 2000, pág. 228, fig. 2).

14.3. Construção sobre-alcada no vale do rio Rovuma perto de Ntxitxira, na


actual Tanzânia (Weule,1908, reed. 2000, pág. 220, fig. 5).

14.4. Casa de tipo Swahili de dois andares, encontrada no distrito de


Angónia, província de Tete (fotografia de Kok Nam publicada em Savana,
2/5/2003)
39

14.5. Casa de tipo Swahili de dois andares, encontrada


no distrito de Chiure, província de Cabo Delgado, 2002.
(fotografia de E. A. Bernarde, cortesia do Mined).

14.6. Casa de tipo Swahili de dois andares, encontrada


no distrito de Chiure, província de Cabo Delgado, 2002.
(fotografia de E. A. Bernarde, cortesia do Mined).

14.7. Casa de tipo Swahili de dois andares, encontrada no distrito de Palma


(Cabo Delgado), 2002. (fotografia anónima, cortesia do Mined).

14.8. Casa de tipo Swahili de dois andares em construção, encontrada na


província de Cabo Delgado (arquivo fotográfico de L. Lage).
40

14.9. Casa de tipo Swahili de dois andares, em cons-


trução, encontrada na província de Cabo Delgado, distrito
de Montepuez, em 1982 (arquivo fotográfico de L. Lage).

14.10. Casa de tipo Swahili de dois andares, encontrada


no distrito de Macomia, província de Cabo Delgado, em
1999 (fotografia de J. Cabral, arquivo fotográfico de Júlio
Carrilho).

14.11. Casa Makonde com altura exagerada, encontrada em 1960 (Dias,


1964, vol. 2, fig. 13).

14.12. Casa de tipo Swahili de dois andares, encontrada na província de


Cabo Delgado (arquivo fotográfico de L. Lage).
41

A influência da casa Swahili na arquitectura


colonial

15.1. Casa da época colonial, imitando o tipo Swahili mas em


materiais modernos, encontrada na cidade de Lichinga
(Carrilho, 2001, pág. 33, fig. 6.14.). Actualmente a tendência é
contrária: imita-se, com materiais locais, como o tijolo rectangular de
argila não cozida, os tipos de construção modernos, com cobertura
independente com mais de duas águas.

15.2. Pormenor dos postes que sustentam a cumeeira da


cobertura numa casa de tipo Swahili em pau-a-pique, Ilha do Ibo
(arquivo fotográfico de J. Carrilho).

15.3. Pormenor dos pilares que sustentavam a cumeeira da


cobertura numa casa em pedra e cal influenciada pelo tipo
Swahili, Ilha do Ibo (arquivo fotográfico de L Lage). Esta casa
apresenta clara influência da arquitectura europeia na decoração
das aberturas. Todavia, embora os materiais sejam diferentes, a
solução estática para o sustento da cobertura é idêntica à das casas
Swahili típicas, substituindo os postes de madeira por pilares de
pedra e cal.
42

15.4. Casa de tipo Swahili em Ilha de Moçambique (Ilha de Moçambique. Relatório 1982-1985, 1985, pág. 174).

15.5. Uma casa em pedra e cal influenciada pelo tipo Swahili na Ilha do Ibo (levantamento e desenho coordenado por J. Carrilho).
Os elementos de derivação Swahili são reconhecíveis na disposição dos quartos, no esquema da composição das aberturas, na varanda
realçada da frente, na cobertura de quatro águas. Nota-se a típica varanda posterior entre as duas dependências, que é também presente
na casa da Ilha de Moçambique.

15.6. Uma casa em pedra e cal (“Palácio Fornasini”) possivelmente influenciada pelo tipo Swahili na cidade de Inhambane
(Bruschi e Sondeia, 2003, pág. 66-67). Neste caso, os elementos de derivação Swahili são reconhecíveis na disposição dos quartos, na
cobertura de quatro águas e na típica varanda posterior entre as duas dependências. Existem elementos o bastante para acertar a
influência da arquitectura Swahili, provavelmente indirecta, através da importação de soluções já experimentadas em tipos consolidados
pela penetração colonial.
43

Arquitectura tradicional, arquitectura pobre ... ou, mais simplesmente, arquitectura.

Falar de arquitectura, descrevendo palhotas e casas de caniço... que heresia!


De facto, na sociedade moderna, a arquitectura é uma produção artística complexa e, do ponto de vista técnico, minuciosamente
regulamentada. Toma a forma através da acção de muitos intervenientes especializados e, entre eles, o utilizador raramente encontra
meios para exprimir as suas exigências e as suas preferencias.
Na sociedade tradicional, pelo contrario, a casa era e, conforme os resultados das pesquisas de que vamos a falar, ainda é produzida
com participação activa do utilizador. De facto, as suas regras de composição, por serem consolidadas no tempo, são conhecida por todos
e todos podem, no seu âmbito, fornecer o próprio contributo.
Podemos portanto concluir que a arquitectura tradicional é arquitectura porque responde sempre a regras e códigos universalmente
reconhecíveis, como acontece na arquitectura culta, e ainda melhor porque a arquitectura culta por vezes fala apenas para os
especialistas. Não há obstáculo a que não seja conhecido o nome do autor. Isso não impede no entanto de falar de arquitectura e tipos
arquitectónicos. Apenas confirma que a arquitectura tradicional tem de ser interpretada como um processo contínuo, onde não é fácil isolar
personalidades e monumentos.
É arquitectura, produção económica, bem social, e não só curiosidade folclórica ou documento antropológico. Não vale a pena, como
acontece noutros sectores da produção artística africana, pesquisar para encontrar os exemplos míticos da produção verdadeiramente
autóctone, pura, não poluída pela civilização contemporânea. Não vale a pena, porque a arquitectura tradicional ainda é viva, é um
processo continuo e em continua transformação, para adaptar-se a exigências novas e, porque não, a novos estímulos estéticos.
E, agora, a pergunta mais difícil. Porquê que, se a arquitectura tradicional è tão valiosa e interessante, os jovens arquitectos africanos não
utilizam as formas tradicionais, em lugar de aceitar passivamente os exemplos que vêm do estrangeiro? A resposta imediata é que, tendo
a arquitectura que a satisfazer sempre as exigências do seu tempo, não seria correcto repetir modelos fora do contexto social e económico
e tecnológico que os justificaram. O interesse dos arquitectos africanos modernos pela a arquitectura tradicional existe, mas é dirigido
principalmente ao seu processo de formação e transformação, mais do que aos modelos produzidos: para compreender e respeitar as
necessidades e as exigências de uso do espaço de uma sociedade em transição e cheia de contradições; para apoiar e dirigir a
transformação, sem traumas, do habitat tradicional; para atingir padrões habitacionais modernos, com respeito, com humildade.
Por todas estas razões a Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da UEM, em colaboração com a Faculdade de Arquitectura de
Roma e com o apoio da Cooperação Italiana, tem iniciado a redigir e publicar uma serie de estudos que dizem respeito à arquitectura
tradicional moçambicana e à nova arquitectura que vai surgindo, com trabalho e muitas contradições, nos bairros periféricos das cidades
(Lichinga, Inhambane, Maputo, a Ilha do Ibo, o distrito de Manica, Pemba, Xai-Xai).
De facto as escolhas formais adoptadas nas novas construções que vão substituindo as casas de caniço da periferia urbana são tão
interessantes quanto os exemplos da arquitectura tradicional nas zonas rurais, porque permitem analisar a influência da tradição do uso
do espaço nas formas modernas de habitar. É interessante notar que aqui também existe a necessidade de manter e transmitir
conhecimentos técnicos complexos sem utilizar as ferramentas da educação formal, e por isso, como aconteceu na arquitectura
propriamente tradicional, aparecem ainda uma vez os tipos e os modelos de casa, rigorosamente determinados. Assim como a
complexidade volumétrica dos compartimentos que são individualizados através de coberturas distintas, faz lembrar os modelos da
arquitectura africana antiga onde o poder e a riqueza do dono da casa eram visivelmente expressos no exterior pelo numero dos edifícios.
Para enriquecer este património de conhecimentos acumulado nos anos, estão a chegar agora os primeiros resultados de uma pesquisa
estendida ao Pais inteiro, utilizando a disponibilidade do MINED que aceitou envolver-se numa campanha de documentação fotográfica
da arquitectura local.
O resultado mais interessante da pesquisa não consiste na quantidade de informações recebidas, que é enorme, nem na confirmação da
vitalidade da arquitectura tradicional que vem do passado e ainda existe e continua ser reproduzida em todas as regiões, mas consiste
nos próprios critérios de escolha dos casos utilizados pelos pesquisadores voluntários, funcionários locais do MINED.
De facto se os pesquisadores tivessem sido só especialistas, arquitectos ou antropólogos, teriam com certeza ficados satisfeitos com a
documentação da arquitectura tradicional “clássica”. Teriam ficado profundamente comovidos reencontrando na realidade contemporânea
os exemplos já conhecidos através dos livros e das revistas. E, possivelmente, teriam descuidado as tímidas mas inequívocas
manifestações de uma nova arquitectura e de novos tipos, que, aqui e ali, vão surgindo, da transformação da arquitectura tradicional, da
contaminação de culturas diferentes, da fantasia individual.

Sandro Bruschi, Luís Lage e Júlio Carrilho


Docentes da FAPF
Notícias, 9/ 12/ 2003, pág. 3
44

Os novos tipos rurais

16.1. Edifício rural encontrado na província de Cabo Delgado (arquivo


fotográfico de L. Lage).

16.2. Edifício rural encontrado na província de Cabo Delgado (arquivo


fotográfico de L. Lage).

16.3. Edifício rural na Ilha do Ibo, província de Cabo


Delgado (fotografia de A. A. Sufu, cortesia do Mined).

16.4. Edifício rural em Nangade distrito de Palma,


província de Cabo Delgado (fotografia de C. Salassini,
cortesia do Mined).
45

16.5. Edifício rural em Nangade distrito de Palma, província de


Cabo Delgado (fotografia de C. Salassini, cortesia do Mined).

16.6. Edifício rural em Nhassunge distrito de Quelimane,


província de Zambézia (fotografia de F. E. Chefe, cortesia do
Mined).

16.7. Edifício rural em Nhassunge distrito de Quelimane, província


de Zambézia (fotografia de F. E. Chefe, cortesia do Mined).

16.8. Edifício num bairro periférico de Quelimane, província de


Zambézia (fotografia de A. C. Cuvula, cortesia do Mined).
46

Os novos tipos urbanos: os modelos na


arquitectura formal

17.1. Casa da época colonial (entre 1970 e 1973) encontrada


na parte formal da cidade de Lichinga (Carrilho, 2001, pág. 33,
fig. 6.13.).

17.2. Uma construção informal contemporânea em materiais


duráveis num bairro periférico da cidade de Lichinga
(Carrilho, 2001, pág. 33, fig. 6.15.). É facilmente compreensível
como as soluções banalizadas utilizadas para dignificar a
arquitectura das casas formais de baixo custo constituem o
modelo da arquitectura informal mais pretensiosa.

17.3. Outra construção informal encontrada no bairro Balane em Inhambane


(Bruschi e Sondeia, 2003, pág. 85, fig. 6.3). A sofisticação da concepção espacial
e o cuidado da execução implicam um custo pouco compatível com a precarieda-
de dos edifícios ilustrados. Provavelmente as suas peculiares características
dependem do facto de a Municipalidade dificultar construções informais em
materiais duráveis. Portanto quem possui meios económicos a investir na própria
habitação, mas não tem acesso a um título legal do uso do talhão, dirige-se a
construções formalmente semelhantes às em materiais duráveis, para a
sofisticação da concepção e da execução, embora utilizando materiais precários
como é o caniço.

17.4. O edifício do “palácio dos casamentos” em Inhambane, possível


modelo da construção precedente (Bruschi e Sondeia, 2003, pág. 85, fig. 6.2).

17.5. Uma Insolita aplicacão do modelo: uma gaiola para passaros,


encontrada no Mercado Central de Maputo (comunicacão de Maria Spina)
47

A casa com cobertura “em ventoinha”.

18.1. Esquema da casa com cobertura “em ventoinha” (Lage, 2001,


pág. 79, fig. 2.7.). Nos bairros periféricos das cidades moçambicanas, as
casas, embora de materiais permanentes, são consideradas de produção
informal enquanto não respeitam os processos e as regras oficias. A
maioria deles pertence a um tipo bem identificado caracterizado pela
complexidade volumétrica da sua cobertura. De facto os compartimentos
da casa são individualizados através de coberturas distintas, resultando
um desenho peculiar que justifica o nome que atribuímos de casa com
cobertura “em ventoinha”.

18.2. Esquema do crescimento progressivo da casa com cobertura


“em ventoinha” (Lage, 2001, pág. 78, fig. 2.4.). A casa em princípio
cresce por um processo de aglutinação, conforme o crescimento da
família e ao melhoramento das condições económicas.

18.3. Casa pertencente ao tipo com cobertura “em ventoinha” encontrada


na periferia de Maputo (Lage, 2001, pág. 82, fig. 2.22.).

18.4. Gaiola para passaros que imita uma casa com cobertura “em
ventoinha”, a venda no Mercado Central de Maputo (comunicacão de Maria
Spina).
48

Uma duvida: existiam cidades na África antiga?

Se a pergunta tivesse sido feita a um viajante do século XV a resposta teria sido positivamente entusiasta. Embora as costas do Golfo de
Guiné, que na altura iniciavam a ser conhecidas, apareciam aos olhos europeus dramaticamente vazias, a gente falava de reinos
poderosos e cidades majestosas escondidas no interior das florestas ou na margem dos desertos. Outras grandes cidades foram pouco
depois descobertas na costa africana do Oceano Indico e no seu interior todos acreditavam existir outros reinos fabulosos e ainda outras
cidades.
Passaram os anos e a atitude europeia em relação à África mudou. Na época das grandes explorações e, mais tarde, na época colonial,
cada manifestação da cultura africana foi etiquetada como “produção de selvagens”, para justificar a sua pressuposta inferioridade racial.
As cidades, que precedentemente tiveram sido relatadas com entusiasmo, transformaram-se em “miseráveis conjuntos de palhotas”, ou
foram negadas como não existentes. Os restos arqueológicos, que não podiam ser negados, foram atribuídos à intervenção de
colonizadores alheios, melhor se chegados em época remota de outros continentes.
Os antigos viajantes acertaram melhor porque na verdade existiam cidades já antes da época da colonização europeia. Surgiram,
acompanhando a difusão da influencia islâmica, na área da savana da África Sub-sahariana e na costa do Oceano Indico, longo das rotas
comerciais dos barcos Swahili no sul e longo das rotas das caravanas berberes no norte. A partir destas cidades, uma nova arquitectura,
fruto de um amálgama das duas culturas, difundiu-se, transformando-se e adaptando-se de várias maneiras, nos assentamentos rurais.
Também fora da área da influencia islâmica existiam assentamentos extensos e populosos, capitais de reinos poderosos, que se poderiam
considerar cidades, se não fosse pelo feito de ser efémeros e desaparecer em pouco tempo, mudando frequentemente de lugar. De facto,
aqui a cidade era precária assim como era precária a residência do indivíduo. Dependia das limitações do ambiente, como o rápido
esgotamento da fertilidade do solo e a escassez de materiais de construção duráveis, e, no mesmo tempo, era consequência de uma
estrutura social centralizada a volta da pessoa do chefe e do rei divinizado, una sociedade que andava reestruturar-se com cada mudança
de chefia. Como a casa mudava de lugar para procurar nova terra para cultivo o quando da morte do chefe da família, assim a capital era
abandonada se esgotavam-se os recursos da área circunvizinha ou quando da sucessão dos reis.
É interessante notar que a presença de materiais de construção lapideis de fácil aproveitamento justificou em algumas regiões da nossa
África Austral a presença de assentamentos rurais muitos extensos ou de possíveis verdadeiras cidades. Estes assentamentos,
constituídos por materiais mais duráveis, eram também socialmente mais estáveis embora, depois alguns tempos, fossem eles também
abandonados por razões estratégicas ou ambientais. É este o caso do sistema de assentamentos do Grande Zimbabwe, do qual ainda
existem restos numerosos em Moçambique, a partir dos planaltos a norte do rio Zambeze, ao longo do planalto de Chimoio, até o sul do
rio Save, não longe de Vilanculos. Todo o sistema entrou em crise e foi abandonado no século XV, e, provavelmente, uma das causas foi
a exploração excessiva dos limitados solos férteis da região.
Só muito mais tarde, na segunda metade do século XIX, reapareceram em Moçambique alguns assentamentos que pelas suas dimensões
e importância política podiam merecer o nome de cidade.
No sul do País, onde existia o poderoso reino de Gaza, as capitais, embora meta de diplomáticos e políticos não eram grande coisa do
ponto de vista da arquitectura, consistindo numa muralha de matope e paus que protegia os poucos edifícios que constituíam as
residências do rei e da sua corte.
Era uma época insegura e turbulenta e a muralha de defesa era o signo mais evidente que caracterizava tão os pequenos postos militares
coloniais como as capitais semi-permanentes dos reinos indígenas da região.
A situação era diferente no norte, onde, mais o menos no mesmo período, o povo Yao organizou-se em vários reinos locais bastante
estáveis e poderosos, baseados no comércio de mercadoria e, em primeiro lugar, de escravos. Como consequência, a população
começou a concentrar-se em volta da residência do rei em assentamentos muito mais populosos do que os tradicionais assentamentos
familiares. Mwembe, capital do Mataka, foi a mais conhecida pelos europeus. Livingstone, em 1866, descreveu Mwembe como um
extenso e bem organizado conjunto de casas e machambas, estimou as casas em 1.000 e observou que a maior parte era de tipo árabe
(Swahili). Mais tarde, em 1886, um outro visitante, o bispo Johnson, estimou-as em 5.000. Aqui a necessidade de defesa contra ataques
direitos era menos urgente e a capital não possuía muralhas de defesa.
De todo isto resta hoje a memória e quase nada de mais. A cultura urbana tem de ser recreada com paciência, conhecendo e respeitando
os hábitos e as tradições dos que abandonam o campo para ir morar na cidade, para garantir uma transição sem traumas.

Sandro Bruschi, Júlio Carrilho e Luís Lage


Docentes da FAPF
Notícias, 7/ 4/ 2004, pág. 5
Edições:FAPF
Impressão e encadernação: Académica, Lda - Maputo
Setembro de 2005

Você também pode gostar