EBOOK - Ensino de Espanhol Na Infancia
EBOOK - Ensino de Espanhol Na Infancia
EBOOK - Ensino de Espanhol Na Infancia
Parte I
Livro financiado com recursos do Programa Prodocência (UERJ)
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Rodrigo da Silva Campos
Parte I
3
Copyright © Rodrigo da Silva Campos
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos do autor.
CDD – 410/370
4
AGRADECIMENTOS
5
6
APRESENTAÇÃO
7
línguas adicionais para crianças e pela reflexão sobre as imagens de
infância que se constroem no processo educacional. Boa leitura!
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
2. PERCURSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: O 53
LIVRO DIDÁTICO À LUZ DA CARTOGRAFIA E DA
ANÁLISE DO DISCURSO
3. O ESTATUTO DO ENUNCIADOR E DO 81
COENUNCIADOR EM LIVROS DIDÁTICOS DE
ESPANHOL PARA CRIANÇAS
3.1 Hiperenunciador x coenunciador-aluno 81
3.2 Enunciador-personagem x coenunciador-personagem 86
3.3 Enunciador-personagem x coenunciador-aluno 96
3.4 Enunciador objeto/animal x coenunciador-aluno 106
REFERÊNCIAS 115
9
10
INTRODUÇÃO
11
“Achei a atividade puxada!”
“Está puxado para o nível de alunos que temos!”
“As atividades estão um pouco pesadas.”
“As atividades poderiam ser mais simples.”
“Está tudo lindo, mas precisamos dosar a mão.”
“Não adianta fazer muitas perguntas elaboradas se eles não são
capazes de responder.”
12
epistemológica, é possível afirmar que esta pesquisa não começou
aqui, quando decidimos começar as primeiras palavras deste texto.
A pesquisa emergiu a partir de um campo de experiências que
vivenciamos e que nos conduziram até aqui.
Antes de tudo, cabe explicitar a opção pelo uso do “nós” e não
do “eu” ao longo do presente texto, o que pode parecer estranho
aos olhos do leitor pelo fato de o autor do texto ser uma única
pessoa. Entretanto, trata-se de uma escolha ético-política: o “eu”
nos incomoda e traz uma ideia de voz única, de sujeito que se
apresenta como origem do dizer, como se o que eu penso não
estivesse atravessado por uma massa de tantos outros textos que
constituem o meu dizer. Defendo aqui neste texto o “nós”, pois não
falo sozinho, mas falo com e a partir de tantos outros textos e
autores lidos para que esta pesquisa se concretizasse.
Dito isto, vamos explicar como chegamos à pergunta de
pesquisa, com o propósito de explicitar que o fazer metodológico
não se dá a priori, mas se constrói ao longo de um percurso
acadêmico e profissional e por meio dos encontros que fazemos no
decorrer de nossa trajetória.
Pode-se dizer, portanto, que o presente trabalho começou a ser
gestado a partir de nossa experiência como docente de língua
espanhola inicialmente nos anos finais (6° ao 9° ano) do EF em duas
prefeituras da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro:
Prefeitura de Niterói (Fundação Municipal de Niterói - FME) e
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (Secretaria Municipal de
Educação do Rio de Janeiro –SME-Rio). Trabalhamos como
professores de língua espanhola nas prefeituras supracitadas desde
o início de 2012 com turmas do 6° ao 9° ano.
Em julho de 2013, no entanto, na SME-Rio, fomos convidados
a atuar como professores de língua espanhola nos anos iniciais do
EF (1° ao 5° ano), em outra Unidade Escolar. Tal convite surgiu
como uma oportunidade nova de atuação profissional, haja vista
que nunca havíamos lecionado nos anos iniciais do EF - por um
motivo muito específico: nossa formação em Letras – Português /
13
Espanhol não nos habilita(va), em tese, a atuar como docentes nos
ciclos referidos1.
Tal convite nos deixou muito entusiasmados com a
possibilidade de poder ensinar uma LA a crianças, mas também
não podemos omitir que, juntamente com a alegria da
possibilidade do novo, veio-nos à tona um grande receio de
fracassar nessa empreitada que nos havia sido proposta naquele
momento. Entre o medo que paralisa e o desejo de enfrentar o
desafio, optamos pela segunda opção.
Ao chegarmos a essa escola, situada num bairro da Zona Norte
do Rio de Janeiro, a proposta que nos foi feita pela direção dessa UE
foi a seguinte: a língua espanhola seria oferecida aos alunos num
formato de “disciplina obrigatória extraoficial” do 3° ao 5° ano.
Concretamente, isso significava que não precisávamos seguir
nenhum programa de curso, absolutamente nenhum planejamento
nos foi proposto ou imposto. Houve uma total ausência de
orientação em relação ao trabalho que deveria ou poderia ser
desenvolvido, o que foi, por um lado, muito bom, pois teríamos a
oportunidade de criar um programa de ensino da língua espanhola
para crianças que dialogasse com a perspectiva teórica que
embasava nossa prática e também com as demandas e
especificidades das crianças daquele contexto educacional. Por
outro lado, num contexto completamente novo e sem nenhuma
orientação a ser seguida, nos vimos diante dos seguintes
questionamentos: “O que fazer e como fazer?”.
Nessa UE, assim como em toda a Prefeitura do Rio, o inglês
é a LA oficial do currículo. O ensino dessa língua, especificamente
1 Cabe explicar que a prática do ensino de espanhol nos anos iniciais sempre
existiu extraoficialmente para complementar a carga horária do professor na SME-
RIO. Não se tratava, na época, de um projeto oficial dessa rede de ensino.
Paralelamente a essa extraoficialidade, a SME-RIO começou com a implementação
das escolas bilíngues de inglês e posteriormente de espanhol. A primeira escola
bilíngue de espanhol surgiu ainda em 2014. E as Orientações Curriculares de
Espanhol (do 1º ao 5º ano) surgiram em 2015. Hoje, nós temos ensino de espanhol
para crianças nas chamadas Escolas Bilíngues.
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nas séries iniciais do EF, faz parte de um projeto político-
linguístico intitulado Rio Criança Global2, cujo objetivo é ofertar o
ensino da língua inglesa desde o primeiro ano do EF até o nono
dessa etapa de ensino.
Cabe destacar que a implantação desse projeto retirou
oficialmente a língua espanhola da grade curricular dessa rede de
ensino para a implantação somente da língua inglesa (antecipando
o que viria anos depois com a chamada Reforma do Ensino Médio).
Essa retirada do espanhol do currículo dessa prefeitura nos colocou
numa posição ainda mais confusa, pois havíamos sido convidados
para ministrar uma disciplina de maneira extraoficial. O espanhol
e nós, enquanto profissionais, nos encontrávamos numa espécie de
limbo profissional.
O projeto Rio Criança Global está fundamentado na crença de
que o ensino de uma única LA ao longo de todo o EF garantirá aos
alunos uma efetiva aprendizagem e tem como foco o
desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas: compreensão
oral, compreensão leitora, expressão escrita e expressão oral.
No referido projeto, adota-se um LD escolhido pela Prefeitura
do Rio, que foi elaborado por uma empresa que atua no ensino da
2“O programa Rio Criança Global, criado em 2009 pela Prefeitura do Rio, por meio
da Secretaria Municipal de Educação, tem como objetivo intensificar e estender o
ensino de inglês nas escolas da Prefeitura. Os alunos do 1º ao 3º ano têm uma aula
semanal do idioma, enquanto os estudantes do 4º ao 9º ano têm dois tempos
semanais de inglês, com ênfase na conversação. Até o momento, o programa já
beneficia mais de 500 mil alunos. (...) A SME oferece curso de inglês para os
profissionais das escolas bilíngues, em parceria com a Cultura Inglesa e formação
continuada em metodologia de ensino para professores de Língua Inglesa. As
formações acontecem por meio de diversas ações ao longo do ano para todos que
são funcionários públicos lotados na Secretaria.” O programa no ano de
lançamento deste livro encontra-se extinto pela referida prefeitura. Fragmentos
extraídos da página da Prefeitura do Rio de Janeiro: <http://www.rio.rj.
gov.br/web/sme/exibeconteudo?id=2320722>. Acesso em: 25/03/2023.
15
língua inglesa no âmbito dos cursos livres3. Tal postura nos permite
destacar dois pontos para reflexão:
a.o papel do professor, que se torna um aplicador/reprodutor
de um LD/método que lhe é imposto e lhe é anterior e exterior, não
havendo sido pensado para aquela realidade escolar específica;
b.o uso de um livro didático de LA no contexto escolar que foi
elaborado originalmente para outro contexto (o dos cursos livres)
iguala, de certa forma, se pensarmos o LD como um instrumento (e
um dispositivo) político, os objetivos do ensino de LA nos dois
contextos, o que contraria o que dizem alguns documentos
pensados para nortear o ensino de LA na Educação Básica no Brasil,
tais como PCN (1998) e OCEM (2006).
Tais informações sobre o ensino da língua inglesa nas séries
iniciais do EF na referida prefeitura foram de extrema importância
para que pudéssemos pensar em nossa prática docente, pois diante
do convite de se ensinar o espanhol para crianças num contexto
escolar em que o ensino do inglês possuía elementos norteadores
do trabalho do professor desse idioma, que caminho(s) poderíamos
seguir no exercício de nossa atividade de trabalho, se em relação ao
espanhol não havia nenhuma orientação?
Surgiram, portanto, algumas inquietações que, embora não
sejam o foco da presente pesquisa, valem ser destacadas pelo fato
de nos terem permitido avançar em nossas reflexões sobre o ensino
de espanhol para crianças. Eis os questionamentos que destacamos
a seguir:
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● De que maneira(s) poderíamos ensinar uma LA para
crianças se não tivemos uma formação inicial que nos
“preparasse”4 para tal atividade de trabalho?
● Diante da ausência de documentos norteadores do ensino de
LAC nos anos iniciais do EF, o que deveríamos fazer? Deveríamos
reproduzir nos anos iniciais o que fazíamos nos anos finais, nos
quais ensinávamos a língua espanhola com ênfase na leitura,
visando a formação de leitores críticos?
● Por outro lado, se optássemos por um trabalho focado na
leitura, não poderia se tornar esse ensino desinteressante e
inadequado para as crianças?
● Deveríamos realizar um ensino de língua espanhola baseado
no programa curricular da LA instituída na escola – o inglês (um
ensino principalmente baseado no léxico, sem relação com aspectos
culturais, sociais e históricos)?
Tais questionamentos nos motivaram a querer empreender
uma investigação sobre o ensino de língua adicional para crianças,
mas num primeiro momento, com foco no trabalho do professor de
LAC. Tínhamos como proposta inicial desenvolver uma pesquisa
articulando linguagem e trabalho, numa interface entre a
Linguística, especificamente a Análise de Discurso de base
enunciativa, e a Ergologia5.
Paralelamente a esse desejo de desenvolver a pesquisa, fomos
aprovados num concurso público para a vaga de professor
assistente do Instituto de Letras (Departamento de Letras
4 Não acreditamos que a Formação Inicial possa antecipar e prever a situação real
de trabalho, mas ao usarmos o verbo “preparar” nesse questionamento, trazemos
uma ideia do senso comum. O que, de fato, critica-se aqui é a ausência de reflexões
teórico-práticas ao longo da Formação Inicial sobre o ensino de línguas
estrangeiras para crianças.
5 Para maiores informações sobre essa articulação, ver: SANT'ANNA, V. L. A.;
17
Neolatinas / Setor de Espanhol) da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ).
Já como docentes do ensino superior, elaboramos um projeto
de extensão (com o auxílio e incentivo da professora e colega Vera
Sant’Anna) que visava levar para a formação inicial dos
graduandos algum tipo de reflexão teórico-prática sobre o ensino
de LAC.
O projeto, no entanto, não era necessariamente uma novidade,
pois não era a primeira vez que o Instituto de Letras se articulava
em torno a um projeto para atender a novas demandas sociais em
relação ao ensino do espanhol no contexto do Rio de Janeiro.
Durante dez anos, havia sido desenvolvido o projeto de
extensão “O ensino fundamental e o espanhol como língua
estrangeira (UERJ/SME-RJ)”, coordenado pelas professoras Vera
Lúcia de Albuquerque Sant’Anna e Maria Del Carmen F. González
Daher, numa parceria entre a universidade e a Secretaria Municipal
de Educação da Cidade do Rio de Janeiro.
Tal projeto havia nascido de um contato entre a equipe de
professores de espanhol do Instituto de Letras/UERJ, que atuavam
no curso de Especialização de Língua Espanhola – Instrumental
para Leitura e a equipe responsável pela coordenação do grupo de
Língua Portuguesa e Línguas Estrangeiras da SME- RJ.
A partir de um encontro inicial, em janeiro de 1998, houve um
desdobramento das negociações que culminaram em uma parceria
para a implementação de oficinas de língua espanhola,
inicialmente, em duas escolas polo da rede municipal, que a partir
de 1999, devido aos resultados positivos do projeto, tiveram as
atividades expandidas para duas outras UE. Finalmente, em 2000,
incorporou-se ao projeto o Colégio de Aplicação Fernando
Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ), pertencente ao Instituto de
Aplicação, retomando atividades desenvolvidas de 1991 a 1997.
O projeto consistia no oferecimento de oficinas de língua
espanhola no Ensino Fundamental e visava atender a uma
demanda do momento, pois se deu na época em que a SME-RJ
realizou dois concursos públicos para professores de língua
18
espanhola, em 1998 e em 2000, totalizando 317 professores que
atuavam, então, com o ensino de espanhol como língua adicional
no Ensino Fundamental. O CAp-UERJ, por sua vez, também
efetivou dois professores, um em 1995 e outro em 2001, para
atuação exclusivamente no Ensino Médio.
A proposta do projeto era de atuação de graduandos junto ao
Ensino Fundamental da escola pública, a partir de uma perspectiva
que priorizasse a LA não como um valor de “ascensão social” ou
de “modelo superior” a ser alcançado, mas sim como um caminho
para promover o autoconhecimento, desfazer estereótipos,
construir interculturalidades, ou seja, participar do processo de
promoção da cidadania dos alunos. Abria-se, portanto, um novo
espaço de discussões teórico-práticas para que o docente em
formação pudesse refletir sobre a sua futura atividade de trabalho.
O projeto que apresentamos e que estamos desenvolvendo no
momento evoca, portanto, essa experiência bem-sucedida do
passado e visa atender a novas demandas sociais em relação ao
ensino de espanhol, tal como ocorreu anteriormente, conforme foi
relatado, mas com foco na oferta de oficinas de ensino de espanhol
para crianças no CAp-UERJ.
Entendemos e defendemos que a Universidade precisa
incorporar ao seu arcabouço discussões que visem uma reflexão de
ordem teórico-prática sobre a atuação profissional do professor de
língua espanhola para crianças, de modo a dar embasamento ao
docente em formação e também a dialogar com a atual demanda
da sociedade.
Além de haver sido implementado na Prefeitura do Rio de
Janeiro, a partir de concurso realizado em 2012 (ainda que, como
vimos, de maneira extraoficial), o ensino da língua espanhola nos
anos iniciais do EF também integra atualmente a grade curricular
da Prefeitura de Niterói e da Prefeitura de Nova Iguaçu (ambas
cidades da Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro).
A relevância do atual projeto de extensão que estamos
desenvolvendo se apresenta ao observarmos o papel da
19
Universidade dentro de seu contexto sociohistórico. Daher e
Sant’Anna (2003, p. 1) nos alertam que
20
Como podemos observar, não constam disciplinas dedicadas ao
ensino de espanhol para crianças. Nosso projeto de extensão surgiu,
então, como já salientado anteriormente, com o objetivo de oferecer
aos licenciandos reflexões teóricas sobre o ensino de espanhol para a
referida faixa etária e sua inserção no currículo da Educação Básica
e atuação prática, no que tange à elaboração de materiais didáticos,
planos de aula, regência e projetos, oferecendo-se aos bolsistas uma
experiência que visa complementar a sua formação.
Cabe salientar que nosso projeto de extensão também tem
como objetivo desenvolver habilidades linguístico-discursivas em
língua espanhola nas crianças do CAp-UERJ (a comunidade
interna atendida pelo projeto), sempre apoiado numa perspectiva
intercultural.
É preciso destacar, no entanto, que a ausência de disciplinas
na Formação Inicial dos graduandos em Letras: Português/
Espanhol que abordam especificamente o ensino de espanhol para
crianças não é exclusividade da UERJ.
Rinaldi (2006, p. 149) salienta que, embora haja uma demanda
cada vez maior da sociedade em relação à inclusão da língua
espanhola na grade curricular dos anos iniciais do EF, em escolas
públicas e em escolas particulares,
21
leituras sobre o método cartográfico e as diferentes possibilidades
que tal modo de se conceber o fazer investigativo implica;
encontros com os bolsistas do projeto que coordenamos, com as
crianças da oficina etc. Percebemos que não queríamos mais ter
como foco o trabalho do professor de LAC, mas entendíamos que
nosso interesse continuava sendo o ensino de LAC. A partir da
delimitação da área temática, empreendemos uma busca por
leituras sobre o assunto. E encontramos, para nossa surpresa,
bastante material publicado no Brasil e em outros países.
Ao encontrar tantas leituras, tivemos que fazer um recorte
inicial e privilegiamos artigos, monografias, dissertações, teses e
livros que vislumbrassem o ensino de LAC no âmbito brasileiro,
preferencialmente no contexto da Educação Básica. Em outras
palavras, foram descartados os trabalhos que versavam sobre
educação em contexto bilíngue, em contexto de migrações, de
fronteira e também foram desconsiderados os trabalhos que
tratavam de LAC no âmbito dos cursos livres.
Tal recorte nos pareceu necessário devido à nossa motivação
anterior (o interesse por pesquisar tal assunto surgiu quando
lecionávamos língua espanhola na Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro para turmas de 3° a 5° anos do EF, conforme explicamos
recentemente) e também devido à nossa atual posição profissional,
na qual atuamos como formadores de professores no ensino
superior. Interessa-nos, portanto, o ensino de LAC pensado na e
pela escola básica (pública, de preferência).
E assim fomos nós, como aprendizes de cartógrafos
(desenvolveremos no capítulo 2 a noção de cartografia), ainda
muito presos ao “tema da pesquisa”, fazer tais leituras. E
começamos a perceber que a cada leitura, a cada texto novo que
encontrávamos, um incômodo surgia. E era um incômodo
crescente. Um incômodo que, de imediato, não sabíamos explicar
qual era exatamente, em função de quê, por qual motivo, etc. A
sensação que tínhamos era que não deveríamos começar a
pesquisa, ou numa formulação cartográfica, habitar o território do
22
ensino de LAC (e consequentemente construí-lo) pensando já o
ensino de línguas para crianças.
A partir de tais inquietações, nos propusemos os seguintes
questionamentos: por que não focalizamos a criança e a infância
também como objetos de estudo para se pensar um ensino de LA a
partir de tais reflexões? Quando vamos olhar para tais conceitos e
deixar de vê-los como algo que não merece problematização, como
um dado natural?
Alguns poderão oferecer como resposta: “isso não é de nossa
área de interesse”. De certa forma, quem assim o afirma, tem um
motivo: os estudos sobre a infância e a criança, geralmente, estão
sendo realizados pela Educação, pela Sociologia, pela
Antropologia, pela Psicologia, pela Filosofia etc. Não caberia,
então, a um pesquisador linguista aplicado investigar a infância e
a criança, já que esses saberes seriam, em tese, de outros campos.
Pois nós pensamos diferente: lembram daquele incômodo que
sentíamos ao ler as pesquisas sobre LAC? Com o passar dos meses
e após discussões com outros colegas e com o orientador,
começamos a perceber que tal estranhamento advinha muito em
função dessa ausência da criança (ou presença como objeto
naturalizado) nas pesquisas sobre ensino de LAC. E, portanto,
decidimos, habitar também esse território dos estudos sobre
criança e infância para poder tentar entender de que maneira(s) a
criança e a infância são teorizadas nesses outros campos do saber.
Isso nos pareceu muito importante, pois como podemos
pensar, do ponto de vista da Linguística Aplicada, um ensino de
LAC sem dialogar com quem vem ao longo de anos estudando a
criança e a infância? Que ensino de língua adicional é esse que
estamos propondo sem promover leituras, diálogos com os
educadores, pedagogos, antropólogos, filósofos e sociólogos da
infância? Por que um linguista aplicado/analista do
discurso/aprendiz de cartógrafo não poderia também habitar esses
espaços, traçar intercessões, estabelecer diálogos, refletir, deslocar
conceitos e também contribuir para construção de sentidos de
infância e de criança?
23
Fomos, então, a partir desse incômodo inicial, em busca de
leituras que tratassem do binômio “infância/criança”. E ao nos
depararmos com tais leituras, dialogando sempre com a
perspectiva cartográfica de não representação do objeto,
começamos a ver que nossa necessidade crescente era primeiro
pensar em como essa criança/infância foi/vem sendo construída
discursivamente ao longo da história (não numa perspectiva
cronológica6, pois não era nosso objetivo, mas por meio de
processos, pelo encontro de teorizações e práticas) para depois
pensar no ensino de LA.
Poderiam nos perguntar: “o foco da pesquisa não estaria
sendo alterado, então?” Num primeiro momento, diríamos que
SIM e isso é ótimo, do ponto de vista do fazer cartográfico, pois
sinaliza que não estávamos preconcebendo o objeto, mas
construindo-o ao longo do processo. Essa é a proposta da
cartografia como perspectiva teórico-metodológica.
Podemos manejar as linhas que compõem o percurso
ampliando o campo de problematizações, justamente porque ele não
está dado a priori. Assumimos, em nosso movimento, um
deslocamento em relação à própria imagem da instituição-pesquisa.
No lugar de “buscar soluções” para os problemas, estamos
propondo uma ampliação do nosso campo de problematizações.
Entendemos que a função do pesquisador cartógrafo, muito mais do
que apontar para “solução de problemas”, é reivindicar o paradigma
da “colocação de problemas”.
Concordamos com o questionamento feito por Corazza (2004,
p. 34):
24
moldada, cortada, alinhavada e costurada com os utensílios teóricos
de que disponho.
25
ideia é apresentar um apanhado de visões que costumam aparecer
em nossa sociedade sobre os referidos sujeitos de pesquisa e como
tais visões podem ser prejudiciais para pensarmos nas crianças
como público-alvo de nossas aulas de LA.
Depois, apresentamos a Parte II, intitulada “O livro didático
de espanhol para crianças”, que contém os capítulos 2 e 3. No
primeiro, apresentamos nossos percursos teórico-metodológicos
no que tange à análise de livros didáticos de espanhol para
crianças. Também é nesse capítulo que abordamos a cartografia e a
análise do discurso como arcabouço epistemológico para este
trabalho. No capítulo 3, apresentamos a primeira etapa de análise,
que consiste na análise das diferentes vozes que enunciam em dois
LDs de espanhol para crianças (Nuevo Recreo e Ventanita en Español).
Assim nos posicionamos como pesquisador cartógrafo-
aprendiz: as considerações que teceremos nos tópicos a seguir
sobre as noções de criança e infância não estavam prontas nos
textos que lemos e com os quais nos encontramos. Não assumimos
aqui uma atitude extrativista, de coleta de informações para uma
revisão da literatura. O texto que se segue está mais para um
grande ensaio rizomático, no qual faremos intercessões e
estabeleceremos relações entre diferentes teóricos de diferentes
tempos, espaços e perspectivas teóricas para se propor uma
reflexão sobre conceitos tão importantes a quem deseja se dedicar
ao ensino de LAC. Vamos a eles.
26
1. “O QUE É A CRIANÇA E O QUE É A INFÂNCIA?”:
SENTIDOS EM CIRCULAÇÃO
27
não anulam o pressuposto de que os sentidos se constroem (ou se
atualizam) em cada enunciado.
Foram consultados nos dicionários online Priberam da Língua
Portuguesa, Michaelis e Aulete os termos “infância” e “criança”
com o objetivo de se observar quais são os sentidos recompilados e
indicados como os do senso comum:
28
4. Fig. Início, começo de um elemento, entidade, instituição etc.
(infância da empresa; infância do expressionismo). [Antôn.: fim.]
5. Fig. Vivência e percepção do mundo a partir do olhar ou do
universo infantil: "E a gente não se cansa/ De ser criança/ Da gente
brincar/ Da nossa velha infância" (Arnaldo Antunes, Carlinhos
Brown e Marisa Monte, Velha infância)
6. Bras. Pop. Ingenuidade, simplicidade, inocência.
[F.: Do lat. infantia, ae.]
29
Quadro 6 – Significados de criança segundo o dicionário Aulete
criança
1.Ser humano, menino ou menina, com idade infantil, entre o
nascimento e o início da puberdade
2.Fig. Pessoa ainda não adulta, ou muito jovem [Pode ser termo
amistosamente jocoso, como referência a alguém mais jovem do que
quem o usa: Você só tem quarenta anos? Mas é uma criança!]
3.Fig. Pessoa ingênua, inexperiente, infantil: Ele é uma criança, acredita
em tudo que lhe dizem.
4.Cria, filho: Casaram há pouco tempo, mas já têm duas crianças.:
a criança da vaca
5.Gír. Fut. Em gíria de locutores de futebol, a bola: Matou a criança no
peito e chutou.
6.Fig. Diz-se de pessoa ingênua, inexperiente,infantil: Arranjou um
namorado muito criança. [ Antôn.: adulto, maduro. ]
Fonte: http://www.aulete.com.br/crian%C3%A7a Acesso em: 31 dez. 2017
30
identificada por características biológicas comuns em toda a espécie
humana, essa aparente naturalidade da infância não é suficiente para
compensar as profundas diferenças de ordem histórica,
antropológica e sociológica que distinguem as diferentes infâncias
no mundo de hoje.
31
Imagem 2 – Resultado de busca na página Google - crianças
32
Imagem 4 – Resultado de busca na página Google – infância
33
nos semáforos, as que estão em posição de vulnerabilidade, por
exemplo. Não seriam também esses outros modos de atualização
da infância? Cohn reconhece que “falar de uma cultura infantil é
um retrocesso em todo o esforço de fazer uma antropologia da
criança: é universalizar, negando as particularidades socioculturais
(COHN, 2005, p. 35, 36)”.
Como, então, ir além de uma concepção idealizada? Como
cartógrafos, entendemos que precisamos observar alguns discursos
que circulam no senso comum sobre infância / criança e que, como
consequência, contribuem para construí-las. Para isso, vamos
propor nos próximos subitens, um exercício de observação de
sentidos construídos discursivamente sobre infância/ criança a
partir das categorias elencadas por Cohn (2005).
Cohn (2005, p. 35, 36) salienta que
34
1.1 A criança como tábula-rasa / papel em branco / plantinha
7MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Verbete jardim de
infância. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - Educabrasil. São Paulo:
Midiamix, 2001. Disponível em: <http://www.educabrasil.com.br/jardim-de-
infancia/>. Acesso em: 01 de jan. 2018.
35
remete a uma ideia de infância como um eterno “ainda não”, como
uma constante preparação para dias vindouros. Não podemos
esquecer que tal metáfora também se relaciona com as práticas
profissionais de cultivo. A formação é vista como um cultivo que
semeia florescimentos, acompanha crescimentos e poda excessos.
A ideia do jardim de infância e da criança como plantinha, a
partir dos pressupostos de Froebel, pode ser considerada positiva
e um avanço dentro do contexto histórico em que surge, se
pensarmos que antes não havia a preocupação de se pensar na
infância como necessariamente uma fase especial da vida e,
consequentemente, não se idealizava a criança como um sujeito que
requereria cuidados especiais8.
A metáfora da plantinha, que pode sugerir uma ideia de
coisificação e animalização da criança (numa perspectiva que se
afastaria de Froebel), já figurava em Comenius (2011, p. 11), no
livro “A escola da infância”, escrito no século XVII:
8 Froebel compartilhava a ideia de que a criança é como uma planta em sua fase
de formação, exigindo cuidados periódicos para que cresça de maneira saudável.
Existe um misticismo nessa perspectiva, um papel divinizante, moralizante, mas
não diríamos propriamente uma coisificação. A criança trazia em si a semente
divina de tudo o que há de melhor no ser humano. Caberia à educação
desenvolver essa semente. O autor considera inclusive a importância de deixar a
criança livre para expressar seu interior e perseguir seus interesses. As atividades,
segundo ele, deviam centrar-se nos interesses e necessidades da criança,
respeitando seu ritmo natural de desenvolvimento. Existe, portanto, uma
preocupação que fossem desenvolvidas atividades ao ar livre para que as crianças
interagissem com o ambiente. Um elemento importante é que tal teórico
considerava a Educação Infantil, mediante o trabalho criativo lúdico,
indispensável para a formação da criança - e essa ideia sustenta parte dos teóricos
da Educação que vieram depois dele.
36
precisa ser preparado para os diversos movimentos do corpo que o
habilitam a comer, beber, correr, falar, pegar com as mãos e
trabalhar. Como então alguém poderia espontaneamente ficar perito
nessas coisas superiores e distantes dos sentidos que são a fé, a
virtude, a sabedoria e a ciência? Isso é obviamente impossível (...).
(COMENIUS, 2011, p. 11)
37
segundo o autor, ao “jardineiro-professor” e também às instâncias
religiosas e familiares, conforme podemos observar:
Ainda que seja fácil para Deus mudar o perverso crônico ainda em
germe e torná-lo bom, raramente a natureza altera algo que já
começou a tomar determinada forma desde o início: o processo
continua até a formação se completar. Os frutos colhidos na velhice
são determinados pelas sementes plantadas na juventude, como diz
o ditado: os estudos na juventude são os prazeres da maturidade. (...)
Por isso os pais repartem a educação de seus filhos com os
professores da escola e os ministros da Igreja, pois não é possível
endireitar a árvore que cresceu torta ou ergueu um pomar plantando
no meio do mato (COMENIUS, 2011, p. 15, 16).
38
1.2 A criança como paraíso perdido / inocência
39
Nesse caso, o adulto seria a degradação da criança mítica, isto
é, à medida que crescemos, vamos perdendo essa inocência original
e vamos assim nos tornando seres mais mundanos, contra a nossa
natureza, conforme sinaliza Rousseau, por meio de comparações:
Tudo é certo em saindo das mãos do Autor das coisas, tudo degenera
nas mãos do homem. Ele obriga uma terra a nutrir as produções de
outra, uma árvore a dar frutos de outra; mistura e confunde os
climas, as estações; mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo;
transtorna tudo, desfigura tudo; (...) não quer nada como o fez a
natureza (...) (ROUSSEAU, 1968, p. 9).
40
Meus oito anos10
10Casimiro de Abreu. Meus oito anos. In: Laurito Ilka. Casimiro de Abreu: seleção de
textos, notas, estudos biográficos, histórico e críticos e exercícios. São Paulo: Abril
Educação, 1982, p. 16 – 7.
41
Aqui, observa-se o contrário: a criança é o paraíso perdido.
Logo, o adulto representa a degradação do “ser criança”, devido à
perda dessa dita inocência. Na metáfora apresentada neste
subitem, portanto, a infância é mais valorizada do que a vida
adulta. Os adultos seriam corruptelas, deturpações do ser criança.
Se por um lado a criança é construída discursivamente pelo
viés da sacralização, do essencialismo e da inocência primitiva, por
outro lado também é concebida (como efeito de práticas distintas)
via discurso como um ser selvagem, animalesco e perverso. É a
metáfora que discutiremos no próximo tópico.
42
natureza irrefreável, e inclusive perversa, que as crianças mostram
ocasionalmente, algumas delas em especial. O menor é amado e
pensado como inocente, mas também sobre ele recai a suspeita de
ser uma ameaça para os demais e para a ordem social.
43
dominação de si mesmo. Ainda para o filósofo, “a disciplina
transforma a animalidade em humanidade” (KANT, 1999, p. 12).
O papel da escola no que tange a esse controle do estado
animalesco do ser criança é enfatizado por Kant:
44
As crianças e os jovens são os que ainda não são; os que não têm as
condições de ser adultos, aqueles que não são de todo inteligentes,
maduros, responsáveis, disciplinados ou úteis para o trabalho. A
meninice está associada, por um lado, a uma concepção linear do
tempo, de etapas que se sucedem seguindo uma trajetória
inexorável, cuja primeira e mais evidente manifestação é o processo
de desenvolvimento biológico de caráter mais material. A evolução
da dimensão psicológica e do papel social dos indivíduos foi
associada de alguma maneira a essa linearidade; ligação que
contaminou as visões um tanto deterministas do desenvolvimento
das facetas não materiais do ser humano. A mente, a inteligência, as
qualidades psicológicas em geral, assim como os diferentes papeis
que os sujeitos vão desenvolvendo na sociedade, viriam a ser
manifestações naturais de uma trajetória linear predeterminada
(GIMENO SACRISTÁN, 2005, p. 43).
45
classes abastadas: quanto a sua duração, forma de vivê-la,
experiências tidas durante a mesma. O conceito de menor (como o
de aluno) engloba situações de pessoas muito heterogêneas. Não
existem categorias universais, no sentido de que não são
homogêneas. Não existe infância, mas sujeitos que a experimentam
em algumas coordenadas e circunstâncias que diferem para cada um
deles e para cada grupo social. Não estamos diante de categorias
totalmente unívocas nem definitivas. Se somos criança, menor ou
jovem de muitas formas que não são equivalentes, então, na hora de
compreender o menor em seu papel de aluno, qualquer teoria da
evolução psicológica, qualquer explicação ou norma pedagógica
deve incorporar essa premissa (GIMENO SACRISTÁN, 2005, p. 22).
46
projetamos quando o percebemos e valorizamos (GIMENO
SACRISTÁN, 2005, p. 102).
47
Desde que foi constituída como instituição moderna, a escola tornou-
se um ponto de referência de diferentes setores sociais, enquanto
“espaço de disputas que concentra os olhares, gera discursos
especializados e expressa campos de força, tensões e
enfrentamentos” (ib., p. 13). Espaço contestado que, ao lado de
outros, põe em jogo a governamentabilidade da população,
especialmente a infantil, e seu disciplinamento em termos da
conformação de um corpo dócil e utilitariamente funcional às
diversas estratégias da dinâmica social. Entre algumas de suas linhas
invariáveis, ao lado das dissimilitudes regionais, nacionais ou locais,
a escola – com seus mecanismos e táticas de normalização,
implantação de hábitos e rotinas, transmissão de conteúdos
uniformes, horários, distribuição espacial, execuções disciplinares,
operacionalização de formas determinadas de racionalidade e de
subjetividades, criação de interesses, necessidades, afetos e desejos –
produz a infância, por meio do discurso pedagógico que, no infantil
e em seu desenvolvimento, encontra razões sociais, culturais,
econômicas e políticas que justificam sua necessidade cultural,
existência política e subsistência institucional.
48
[...] não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como
se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalhá-lo
detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de
mantê-lo ao mesmo nível da mecânica – movimentos, gestos, atitude,
rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. [...] Esses métodos
que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que
realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma
relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as
“disciplinas”. (FOUCAULT, 2014, p. 134, 135)
49
façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as
técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A
disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos
“dóceis” (FOUCAULT, 2014, p. 135).
E complementa:
11 Grifo do autor.
50
pesquisa) será vislumbrada como uma construção sociohistórica,
uma invenção, no sentido de que não constitui uma categoria dada
a priori, mas uma noção instaurada por meio de práticas sociais
concretas. Também dialogamos com a ideia de uma “infância-
escolar”, por entendermos que a escola é um aparelho que instaura
a figura do aluno e nos ajuda a pensar uma infância ligada
diretamente às práticas didático-pedagógicas da escola. Desse
modo, ao falarmos de criança e de infância aqui, já estamos
pressupondo um recorte dessa criança, que passa e se constrói por
meio (mas não somente) do processo de escolarização.
Depois de termos observados alguns sentidos de infância e
criança construídos por meio das metáforas mencionadas,
passaremos a explicitar, no próximo capítulo, os procedimentos
teórico-metodológicos que nos levaram ao encontro do que viria a
ser nosso primeiro corpus de investigação: o livro didático de
espanhol para crianças.
51
52
2. PERCURSOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: O LIVRO
DIDÁTICO À LUZ DA CARTOGRAFIA E DA ANÁLISE
DO DISCURSO
53
anteriormente, além de potencializar o diálogo desse olhar
epistemológico cartográfico com um olhar epistemológico dos
estudos discursivos.
Mas o que seria a cartografia, afinal? A pesquisa cartográfica
visa o acompanhamento de processos e não a representação de
objetos (BARROS; KASTRUP, 2015).
Tradicionalmente, desde o surgimento da ciência moderna, as
pesquisas tendem a serem entendidas como capazes de representar
o objeto, separar o objeto científico e o cientista, sendo estes
concebidos como categorias transcendentais, como se fossem
entidades isentas de um contexto de produção e de circulação. Há
um processo de purificação do objeto e do sujeito e,
consequentemente, constrói-se uma noção de ciência pautada na
objetividade e na neutralidade.
A cartografia, enquanto um olhar epistemológico, propõe que
olhemos para essas entidades, sujeito e objeto, não mais como
categorias atemporais e universais, mas como construções
históricas, sociais e culturais; como corpos ancorados num tempo e
num espaço. Tal concepção nos força a repensar o papel do
pesquisador quando este assume uma perspectiva cartográfica em
sua investigação.
Conforme começamos a narrar no capítulo introdutório, nossa
pesquisa tinha um objetivo inicial que foi se alterando ao longo do
processo, com evidente mudança de foco. Poderíamos omitir esse
percurso e apresentar apenas o objetivo recortado, mas, se
fizéssemos isso, criaríamos a falsa ilusão de que a pesquisa se deu
de maneira harmônica, linearmente, coesa, sem percalços e
sobressaltos, sem nenhuma alteração externa.
Entendemos que se faz necessário destacar esse processo, pois
vislumbramos que o pesquisar é esse ir ao encontro do inesperado
e observar o que há no campo, não vislumbrando o objeto como
algo pronto que se possa coletar. Entendemos e defendemos que o
objeto é construído pelo olhar do pesquisador, que não é e nem
pode ser um olhar neutro e desimplicado.
54
As mudanças no nosso foco de investigação começaram a se
dar a partir dos encontros que tivemos com outros pesquisadores,
com nosso orientador e com leituras sobre a cartografia. De acordo
com essa perspectiva,
55
O termo “processo”, entendido como processamento, “evoca
a concepção de conhecimento pautada na teoria da informação.
Nesta perspectiva, a pesquisa é entendida e praticada como coleta
e análise de informações” (BARROS; KASTRUP, 2015, p. 58). A
ideia de processamento remete à já comentada separação entre
sujeito e objeto e trabalha com as noções de objetividade e
neutralidade no fazer científico. Se, por outro lado, entendemos a
noção de “processo” como processualidade,
56
de pesquisa, mas entender-nos como um pesquisador
necessariamente implicado e que habita um território e não
somente o descreve a partir de uma exterioridade, mas que se
implica estando dentro.
A partir de uma perspectiva de pesquisa-intervenção, a
cartografia se apresenta com uma orientação de que o trabalho do
pesquisador não se dá de modo predefinido, prescritivo, com
objetivos estabelecidos previamente. Trata-se “não mais um
caminhar para alcançar metas prefixadas (...), mas o primado do
caminhar que traça, no percurso, suas metas” (PASSOS; KASTRUP;
ESCÓSSIA, 2015, p. 17).
O caminhar, portanto, alterou e constituiu o próprio percurso.
Retomando o que contávamos no capítulo introdutório, ao
instituirmos o projeto de extensão no CAp-UERJ, cujo título é “O
espanhol como língua estrangeira (E/LE) nas séries iniciais do
Ensino Fundamental: uma nova perspectiva na formação docente”,
efetuamos a compra de diversas coleções didáticas de espanhol
para crianças. Nosso objetivo com a aquisição de tais coleções era
montar um acervo para que pudesse estar à disposição do projeto,
pois uma das propostas era a análise crítica de tais materiais por
parte dos bolsistas.
Entendemos que, antes de elaborar materiais próprios,
precisávamos olhar para os materiais existentes no mercado
editorial brasileiro e espanhol12. E assim foi feito. A aquisição das
coleções não seguiu um rigor metodológico. Fomos comprando
(com verba própria, cabe o destaque) as coleções conforme nos
informávamos sobre tais materiais. As coleções adquiridas foram
as seguintes:
● Caramelitos (Santillana)- 3 volumes - Brasil
● Lola y Leo (Difusión) - 2 volumes - Espanha
● Nuevo Recreo (Santillana) - 5 volumes - Brasil
● Vamos al circo (Difusión) - volume único - Espanha
● Vamos al cole (Difusión) - volume único - Espanha
57
● Ventanita al Español (Santillana) - 5 volumes - Brasil
Antes e durante o andamento da oficina, nos reuníamos com
os bolsistas semanalmente para discutir textos teóricos sobre
ensino de LAC, para realizar análises dos livros didáticos de
espanhol para crianças adquiridos para o projeto e também para
(re)elaborar o plano de curso e os planos de aula da oficina. À
medida que analisávamos tais coleções didáticas, mais
percebíamos que deveríamos nos afastar das propostas ali
apresentadas.
Havia certa regularidade nos LDs analisados. Embora de
editoras e países diferentes, de modo geral, pode-se dizer que eram
recorrentes nas referidas obras: ensino da língua pautado no ensino
de vocabulário de maneira descontextualizada, uso de textos orais
e escritos artificiais (criados para os livros didáticos em questão),
uso de muitas cores, ênfase em propostas de jogos, colagem de
adesivos para fixação de léxico e atividades tais como recortar,
colar, pintar, etc.
Percebemos que aquele modo de propor atividades para o
ensino para crianças pressupunha uma imagem de criança
idealizada, atemporal, uma categoria genérica e que em nada nos
recordava as crianças com quem havíamos tido contato durante
nossa experiência como docentes naquela escola pública da
Prefeitura do Rio de Janeiro sobre a qual comentamos no capítulo
introdutório. As crianças com as quais havíamos lidado eram
questionadoras: questionavam desde a realidade que as (nos)
cercava às propostas de atividade que levávamos para a sala de aula.
Essa criança crítica e questionadora não dialogava com as
crianças apresentadas por essas coleções didáticas. Tal
descompasso nos foi causando uma grande inquietação, o que
acabou direcionando nosso olhar para os LDs de espanhol para
crianças, entendendo que os LDs não representam crianças, mas ao
lhes apresentarem determinadas práticas didático-pedagógicas, as
construía no fazer da sala de aula. O LD é entendido aqui, portanto,
como um dispositivo que contribui para a construção de imagens
de criança e infância.
58
Uma vez que percebemos que o LD de espanhol para crianças
nos despertou para um olhar mais atento, devido ao fato de o
vislumbrarmos como um dispositivo potente, tínhamos que decidir
qual ou quais coleções analisaríamos na presente pesquisa, pois
havia a necessidade de recorte.
Primeiramente, cabe destacar que o fator quantidade de
material a ser analisado não é um parâmetro para a Análise do
Discurso, pois de acordo com Deusdará e Rocha (2018, p. 20),
59
pretensão à neutralidade ou mesmo suposição de um sujeito e de
um objeto cognoscente prévios à relação que os liga” (PASSOS;
KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 30, 31).
Concordamos com Deusdará e Rocha (2018, p. 20, 21) quando
questionam
60
A coleção didática Ventanita al español (Santillana) é constituída
de cinco volumes com o objetivo de abarcar o ensino de espanhol
nos anos iniciais do EF. A obra, portanto, abrange do 1° ao 5° ano.
Cada volume da coleção apresenta oito unidades, com uma
pequena exceção no primeiro volume, no qual as unidades são
divididas em parte A e parte B. Nas demais unidades da coleção
não ocorre tal divisão.
A coleção intitulada Nuevo Recreo (Santillana), de modo
semelhante, está composta de 5 livros (volumes 1 ao 5), sendo cada
um destinado a um dos anos do primeiro segmento do Ensino
Fundamental (1° ao 5° ano). O primeiro livro é composto de 9
unidades e os demais volumes possuem 8 unidades cada.
Tais unidades, em ambas as coleções, se organizam, grosso
modo, com certa ênfase em campos semânticos ou em situações
comunicativas, de acordo com o que podemos vislumbrar a seguir:
61
Unidad 6 ¿Vamos a jugar?
Unidad 7 Mi casa, mi mundo
Unidad 8 ¡Qué desayuno tan rico!
Fonte: AMENDOLA, 2014.
62
Unidad 7 En el centro comercial
Unidad 8 Viaje de vacaciones
Fonte: AMENDOLA, 2014.
63
Unidad 8 Somos parte
Fonte: FEITOSA, 2013.
64
limite ao ensino de vocabulário (e quando falamos de
“vocabulário”, estamos basicamente referindo-nos aos
substantivos). Ou então quando se crê que só porque o ensino de
uma LA se destina a crianças, que elas só devem ter acesso às
palavras por elas serem estruturas linguísticas “mais simples”.
E mais: quando se ensinam palavras em outro idioma a crianças,
frequentemente trabalha-se com palavras descontextualizadas e,
consequentemente, com sentidos pré-concebidos, enraizados,
estabilizados. Não se oferece à criança a possibilidade de aprender
palavras a partir de textos autênticos e pelo viés da negociação de
sentidos a partir de enunciados concretos, como se as crianças não
fossem capazes de assim o fazerem.
No entanto, devemos pensar: haveria somente essa
possibilidade de se ensinar LA para crianças? O que esse tipo de
investimento expressa? Somente se aprende outra língua pelo viés
lexical? Não poderia ser feito outro tipo de proposta como, por
exemplo, por meio de gêneros escritos e orais, por um viés
tipológico, pelo enfoque por tarefas, etc.?14 A crítica que se tece
aqui não é somente ao modo de organização dessas coleções em si,
mas a toda uma historicidade no ensino de línguas para crianças,
que tende a reiterar em suas práticas essa tendência a colocar o
ensino das palavras no centro do processo de ensino/aprendizagem
de línguas estrangeiras para crianças.
Outro ponto que nos afetou e que direcionou nossa atenção
difusa (algo típico de uma perspectiva cartográfica) foram as
representações imagéticas das crianças ao longo das coleções
didáticas. Ao folhear o nosso corpus, de maneira mais livre,
começamos a perceber que havia uma predominância de um certo
perfil de criança que se desenhava (às vezes literalmente) nos
materiais em questão. Com a ideia de verificar se nossa hipótese
65
procedia ou não, decidimos efetuar a quantificação das crianças
que aparecem ao longo das coleções que analisamos no presente
trabalho. Nossa hipótese era de que essas imagens de criança /
infância trariam um recorte étnico-racial, com o predomínio de
crianças brancas. Ao efetuarmos tal quantificação, verificamos que
nossa hipótese inicial se confirmou.
A coleção Nuevo Recreo apresenta ao longo de seus LDs um
total de 1.153 imagens de crianças (nessa quantificação estamos
considerando todas as vezes em que uma criança aparece no LD,
seja em forma de fotografia ou em forma de ilustração). Desse total,
902 crianças são brancas, 209 são negras e 42 crianças entram na
categoria “outros”, na qual estamos considerando as
representações étnico-raciais que se apresentam de forma
minoritária ao longo da obra (orientais, indígenas, etc).
A coleção Ventanita al Español, por sua vez, não difere muito
dos dados observados na outra coleção. Apresenta ao longo de sua
obra um total de 1.133 crianças, dentre as quais 955 são brancas, 164
são negras e 14 entrariam na categoria “outros”.
A análise dos livros didáticos que desenvolvemos no presente
trabalho se insere em um projeto de investigações que se interessa
por problematizar a produção da infância, a partir de práticas
pedagógicas no âmbito do ensino de LA.
Analisá-los não é tarefa das mais simples, pois é um tipo de
corpus que possui múltiplas possibilidades de entrada, uma
materialidade linguística complexa e que evoca muitas vozes ao
enunciar: os professores, sugerindo encadeamentos entre os
saberes, propondo níveis de dificuldade, estabelecendo ritmos para
o desenrolar de sua atividade; os estudantes, convocando-os a se
inscreverem em diferentes situações; os sistemas de ensino, etc.
A partir dessa diversidade de entradas, alguns
questionamentos foram sendo constituídos, tais como os que
elencamos a seguir: que tipo de recorte deveríamos fazer para
empreender a análise das coleções didáticas? Um recorte temático?
Um recorte que privilegiasse maneiras como os textos escritos e orais
são trabalhados ao longo dos LDs? Uma análise dos gêneros
66
abordados (ou não) pelas coleções? Uma análise da imagem de
criança que se constrói ao longo das propostas didático-pedagógicas
das coleções? Que tratamento dar e que organização fazer para que
a análise não parecesse tão difusa, já que o LD nos exige um olhar
um pouco mais amplo, mais rizomático para (tentar) dar conta de
sua natureza complexa? Diante das dúvidas apresentadas
anteriormente, surgiu a necessidade de, primeiramente, pensar em
como conceber o LD no contexto de nossa pesquisa.
O LD, na presente pesquisa, é entendido como um dispositivo,
isto é, o LD não é apenas um instrumento de que o docente pode
lançar mão ou não numa determinada prática didático-pedagógica.
O LD tem implicações com seu contexto de produção (Quem o
produziu? Que editora? Com base em que pressupostos teóricos?
O que se almeja quando se produz um LD numa determinada
orientação teórica?), com seu contexto de circulação (Onde esse LD
vai efetivamente circular? Em que escolas? Dialogará com todas as
escolas que o adotarem? Os alunos vão gostar das atividades
propostas? E os docentes?) e com as pessoas que o manipularão (o
editor, o professor, o aluno, etc.).
Um livro didático não pode ser visto apenas como um livro
didático ingênuo. Seria uma visão muito limitada e romântica de
nossa parte se assim o pensássemos. Conceber o LD como um
dispositivo é pensar o livro didático que entra em cada sala de aula
da escola brasileira como:
a. um macrogênero, que traz em si tantos outros gêneros
escritos e orais, que por sua vez, fazem circular sentidos diversos
sobre assuntos diversos. O LD traz para a sala de aula uma massa
de textos para falarem junto sobre assuntos variados;
b. um instrumento político, que lança luz a determinados
assuntos em detrimento de outros. Tanto a presença quanto a
ausência constroem sentidos;
c. um material didático que pode ser encarado como um apoio
à prática docente ou como aquele que vai guiar o currículo do
professor;
67
d. uma materialidade que constrói sentidos diversos (e
também os reitera para uma manutenção do mesmo) a partir do
encontro com os alunos.
O dispositivo pode ser entendido como uma “máquina de
fazer ver e de fazer falar (DELEUZE, 1996, p. 1)”. Assim
entendemos o LD nesta pesquisa: é uma materialidade que se
apresenta como um livro de espanhol para crianças e que,
consequentemente, evoca em suas páginas imagens e atividades
pensadas para uma criança idealizada. Por meio dessas imagens e
atividades, o LD como um dispositivo, nos faz ver como esses
materiais entendem a criança e o infantil e como essas concepções
se constroem discursivamente.
Paralelamente a isto, quando esse mesmo LD está na mão de
um aluno na escola, esse LD serve como um reforço para que o
infantil siga sendo construído e visto de uma determinada forma.
É como a velha questão de quem veio primeiro: o ovo ou a
galinha? O livro didático constrói imagens de criança e infância
porque as crianças são daquela forma ou as crianças agem
daquela forma porque há na escola (e na sociedade em geral)
vários dispositivos (dentre eles o LD) que produzem
infantilidade(s)? São reflexões que nos vêm a mente ao optarmos
por pensar o LD como um dispositivo.
Ainda de acordo com Deleuze (1996), um dispositivo se
constitui a partir de linhas de força, que por sua vez, podem ser
entendidas como relações de poder. Há muitos embates
metodológicos e epistemológicos quando escolhemos um LD e o
levamos para nossa sala de aula. Há muitos textos que dialogam
entre si no LD e há também tantos outros que se repelem e no meio
dessas linhas e vetores de força está o aluno, isto é, o sujeito que
convencionamos entender como “criança”.
Para compor essa discussão, entendemos que se faz necessário
dialogar, ainda que brevemente, com o conceito de subjetividade
sob o prisma da produção, a partir dos pressupostos de Félix
Guattari. Com o objetivo de se iniciar tal discussão, cabe salientar
68
que podemos vislumbrar a subjetividade, grosso modo, a partir de
dois vieses: subjetividade substancial e subjetividade produzida.
O primeiro termo remete a uma subjetividade que nos
remonta a um “eu”, a algo que lhe é interno ao sujeito e, portanto,
essencial, homogêneo e centrado. Baseados nessa perspectiva de
subjetividade, encontram-se os discursos totalizantes sobre os
objetos e sujeitos, tais como aqueles que definem, por exemplo, as
categorias como um já-lá, como algo pronto previamente, com
sentidos estabilizados desde sempre: “A criança é assim...”; “As
crianças só aprendem desse jeito.”; “Essa atividade não tem a cara
das crianças”, etc.; como se o “ser criança” fosse algo inerente,
imutável, universal, intrínseco e não fruto de diferentes
agenciamentos, que produziriam permanentemente novas
configurações de “ser criança”.
Observe-se como o termo “criança” nos enunciados
mencionados anteriormente como forma de exemplo são
antecedidos pelo artigo definido, que possui esse nome não
gratuitamente: é um elemento sintático-morfológico responsável
por fazer determinações, por definir e achatar todas as
possibilidades de vir a ser de um termo, provocando um
apagamento do que é processual.
Encarar a subjetividade como produção, no entanto, vai de
encontro à perspectiva mencionada anteriormente: é um negar-se
às essencialidades, à homogeneidade, a um já-lá e atentar-se para
os processos e dispositivos diversos que nos atravessam todo o
tempo e que nos constituem e que com isso, contribuem também
para produzir a nossa subjetividade.
Soares e Miranda (2009, p. 9), leitores da obra de Deleuze e
Guattari, nos apontam que tal modo de se conceber a subjetividade
não escapa de uma permanente invenção. E acrescentam:
69
condicionante, ao contrário, para Deleuze e Guattari a subjetividade
está em deslocamentos, pois não existe um a priori que estabelece um
ser essencial, ou algo que não varia, que sempre se conserva e que só
precisa ser descoberto. Não há unificação, não há centro, mas sempre
trocas, movimentos, diferenças.
70
O leitor deve estar se perguntando: por que tal discussão sobre
subjetividade como produção interessaria para um trabalho sobre
análise de livro didático de espanhol para crianças? Pois bem:
evocamos tal conceito, pois ao entendermos que a subjetividade é
produzida por diferentes dispositivos de subjetivação, podemos
pensar, então, que o modo como um determinado LD apresenta
seus conteúdos e propostas didático-pedagógicas sobre o ensino de
língua adicional para crianças contribui para a construção de
sentidos sobre infância, criança, professor, visão de língua e de
ensino-aprendizagem.
Soares e Miranda (2009), ao retomarem Deleuze (2001, p. 22),
problematizam o modo cartesiano de criar uma suposta aderência
entre conceitos tão diversos, igualando-os e achatando as múltiplas
possibilidades de se vir a ser:
71
mas o entenderíamos como algo não-pronto, processual e
produzido a partir dos encontros que se produzem no ambiente
escolar: aluno-aluno; aluno-professor; aluno-LD; professor-LD, etc.
O LD seria, então, um dos múltiplos dispositivos de
subjetivação que contribuiria para sustentar e reiterar
determinadas práticas no que concerne ao ensino de espanhol para
crianças, produzindo-se assim subjetividades no ambiente escolar.
Além disso, tal perspectiva nos permite estabelecer um olhar sobre
a criança como um devir, um vir a ser, não se apagando as diversas
possibilidades de atualização de um modo de existência, mas
potencializando-se os diferentes modos de inscrição no mundo.
Apresentada nossa proposta de se pensar o livro didático
como um dispositivo, passamos a outras propostas de classificação
do LD ancoradas nos pressupostos teóricos da Linguística
Aplicada.
Há já, na literatura, algumas propostas de classificação do LD.
Pode-se vislumbrar o LD como um gênero de discurso, mas tal
classificação não deixa de nos provocar uma inquietação: se o LD
em si já é um gênero, o que seriam então os outros textos que
circulam ao longo da coleção didática?
Dell’Isola (2009, p. 102) propõe que o LD seja considerado ao
mesmo tempo como um gênero e um suporte textual para um
conjunto diverso de gêneros. E explica tal proposta de classificação:
72
gênero, de acordo com Maingueneau (2004): uma finalidade
reconhecida, o estatuto de parceiros legítimos, o lugar e o momento
legítimos, o suporte material e a organização textual.
No que tange à finalidade reconhecida, trata-se de um
dispositivo que tem como objetivo colaborar com o ensino de uma
língua adicional, servindo- se como apoio, como uma das
ferramentas possíveis para o professor de LAC. É bem verdade
que, em muitos contextos educacionais, o LD ganha outros
contornos, deixando de ser uma ferramenta de apoio para o
docente para passar a ocupar um papel central na sala de aula,
criando-se coerções para o trabalho do professor a partir da
premissa de que o LD seria o guia a ser seguido e usado sem o
mínimo de reflexão crítica por parte de quem o adota.
Nem mesmo a finalidade do uso de um LD está sedimentada,
pois há os que vão fazer do LD não um auxílio para o processo de
ensino-aprendizagem, mas o próprio objeto do ensino. Ainda
assim, grosso modo, podemos pensar que haveria, pelo menos,
algumas possibilidades de finalidade para o LD. De acordo com
Maingueneau (2004, p. 66),
73
da observação das vozes que enunciam nas diferentes partes do LD
e para quem tais vozes enunciam.
Num LD, podemos observar, pelo menos, duas relações de
enunciação entre parceiros (nome que ressalta a implicação de
várias instâncias no processo de ensino-aprendizagem de LAC): a)
Enunciador do LD – professor; b) Enunciador do LD – aluno.
Veremos mais adiante que essa relação entre coenunciadores no LD
pode apresentar ainda outras configurações.
No que se refere à interlocução no âmbito do LD, concordamos
com Dell’Isolla (2009, p. 103), ao afirmar que com o objetivo de
ensino de uma LE, o LD instaura parceiros legítimos “porque ele
envolve alunos que dele se utilizam, escolas que o adotam e
professores que dele fazem um recurso pedagógico”.
Em relação ao lugar e ao momento legítimos, tem-se o contexto
escolar como o locus de uso e de circulação do LD de LAC (no
contexto da Educação Básica) e a aula como um dos momentos
possíveis em que o LD pode circular e se constituir como gênero.
Maingueneau (2004) ressalta que os gêneros de discurso, de
maneira geral, inscrevem e legitimam um certo lugar e um certo
momento, de modo que são coerções não externas à materialidade
linguística, mas constitutivas do próprio gênero.
No que concerne à sua organização textual, o LD possui uma
estabilidade relativa em relação às suas partes, dentre as quais,
grosso modo, podem-se destacar: capa, frontispício, sumário,
índice ou syllabus, divisão em lições, unidades ou capítulos e
anexos que podem incluir apêndices gramaticais, glossário, cartelas
com adesivos (algo muito comum em LDs de LAC), material
complementar (anexado ao LD ou disponibilizado online para o
docente) e Manual do Professor.
Sobre o suporte material, “o que chamamos ‘texto’ não é,
então, um conteúdo a ser transmitido por este ou aquele veículo,
pois o texto é inseparável de seu modo de existência material: modo
de suporte/transporte (...)” (MAINGUENEAU, 2004, p. 68). Desse
modo, não podemos desconsiderar os aspectos materiais (físicos)
que constituem o LD e que, no caso do LD de LAC, possuem um
74
aspecto atraente não só para as crianças, mas também para os pais
que adquirem o LD.
Durante nossas pesquisas com LD de LAC, temos observado a
recorrência do uso de muitas cores nas capas e do uso do papel
couchê em sua versão envernizada na impressão dos LDs. Tal
papel é
75
essas outras textualidades que vão circular ao longo da obra, tais
como canções, diálogos, adivinhas, tiras cômicas, etc., o que
seriam? Seriam gêneros dentro do gênero LD? Ou poderíamos
pensar numa espécie de escala hierárquica entre os textos, de modo
que haveria o LD como “macrogênero” e os outros textos que
figurariam ao longo do LD seriam considerados “microgêneros”?
Essa divisão entre macro e microgêneros não nos parece produtiva,
além de não ser funcional para se pensar de que modo esses textos
circulam e contribuem para a construção de determinados sentidos
ao longo do material.
Concordamos que talvez faça mais sentido, dentro da nossa
proposta, pensar no LD como um plano enunciativo, isto é, o LD
como um enunciado que dá sustentação às tantas outras vozes e
enunciados que possam aparecer e circular ao longo da coleção
didática. É bem verdade que tal perspectiva não contradiz a ideia
do LD como gênero, mas a reforça, pois de acordo com
Maingueneau (2004, p. 56-57), “emprega-se também ‘enunciado’
para designar uma sequência verbal que forma uma unidade de
comunicação completa no âmbito de um determinado gênero de
discurso (...)”.
Tal modo de concepção do LD implica pensar que haveria,
então, um “hiperenunciador”, que se apresenta como a voz que se
dirige tanto ao aluno (no Livro do Aluno) quanto ao docente (no
Manual do Professor) e que organizaria a entrada desses
enunciados outros (desses outros gêneros) no corpo do LD. Isto
acarretaria, como consequência, a circulação de muitas outras
vozes ao longo do material. Tal proposta de se pensar a
organização do LD nos ajuda a entender que vozes circulam, quem
enuncia, para quem, em que momento e que efeitos se produzem a
partir de tais interlocuções.
A partir de tal entendimento, do LD como um plano
enunciativo no qual muitas vozes circulam, fizemos, num primeiro
momento, um mapeamento de cada volume de cada coleção com o
objetivo de mapear (quantitativamente) que tipos de textos
76
(gêneros) estavam circulando nos LDs e de que maneira tais
gêneros se atualizariam. Utilizamos os seguintes critérios:
• Qual é a quantidade total de textos escritos e orais?
• Quais são os gêneros de discurso contemplados?
• Da quantidade total de textos escritos e orais, quantos são
autênticos?
• Da quantidade total de textos escritos e orais, quantos textos
são autênticos com adaptações?
• Da quantidade total de textos escritos e orais, quantos são
artificiais?
• Que atividades lúdicas são propostas?
A partir de tais critérios, foram elaboradas tabelas (uma para
cada volume de cada coleção, num total de dez) a partir das quais
foi feita a quantificação e os apontamentos para que tivéssemos
essa visão mais macro das obras. Entendemos que esse passo de
construção das tabelas não é algo prévio à análise, mas já um
exercício analítico do aprendiz-cartógrafo, no sentido de que a
elaboração dessas tabelas e sua posterior leitura e análise, nos
possibilitou vislumbrar modos de aproximação desse corpus,
modos de entrar na materialidade linguística e estabelecer relações
com conceitos da Análise do Discurso.
Conforme pode-se observar nas tabelas, há um predomínio de
uso de textos artificiais e quando há o uso de textos autênticos,
muitos recebem um tratamento, o qual o próprio LD chama de
adaptação.
Ao pensar a produção de sentidos por meio de enunciados no
contexto da AD, partimos do pressuposto de que todo ato
enunciativo pressupõe a presença de um coenunciador, isto é, de
um par interlocutivo. Maingueneau (2004) salienta que a
enunciação, mesmo aquela produzida sem a presença de uma
entidade empírica, mesmo aquela supostamente monológica, já
inscreve um outro, o que caracterizaria uma interatividade
constitutiva do plano enunciativo.
De acordo com Maingueneau (2008, p. 75), “um procedimento
que se funda sobre uma semântica ‘global’ não apreende o discurso
77
privilegiando esse ou aquele dentre seus ‘planos’, mas integrando-
os todos ao mesmo tempo, tanto na ordem do enunciado quanto na
da enunciação”.
O termo “global” não tem a premissa de ser totalizante,
tampouco remete a uma teoria aplicável completamente a qualquer
corpus, como se todas as categorias elencadas pelo autor tivessem
que ser necessariamente localizadas no texto pelo analista. Não é
esse o sentido postulado por Maingueneau (2008).
“Global” instaura uma ideia de diferentes prismas ou de
diferentes elementos que atuam em conjunto e que contribuem
para a construção de sentidos numa determinada materialidade
linguística. Uma categoria ou outra pode ressaltar, a depender do
corpus em questão, mas a ideia de uma semântica global tem nos
ajudado no sentido de olhar para o LD como um enunciado no qual
há múltiplas instâncias ou dispositivos atuando para a construção
de sentidos diversos, tais como de criança, de aluno, de docente, de
ensino de LAC etc.
Maingueneau (2008), ao propor uma Semântica Global, evoca
os seguintes planos passíveis de serem observáveis numa
determinada materialidade linguística:
● Intertextualidade
● Vocabulário
● Tema(s)
● O estatuto do enunciador e do destinatário
● A dêixis enunciativa
● O modo de enunciação
● O modo de coesão
Partindo-se dessa ideia, enfocamos um dos tópicos elencados
por Maingueneau como constitutivo da Semântica Global: o
estatuto do enunciador e do destinatário (que no presente trabalho,
substituímos pelo termo coenunciador)16. Interessa-nos esse tópico
16Se admitimos que o discurso é interativo, que ele mobiliza dois parceiros, torna-
se difícil nomear “destinatário” o interlocutor, pois, assim, a impressão é a que a
78
para pensar, no que tange aos LDs de LAC em questão, as relações
que se estabelecem ao longo das coleções didáticas entre as
diferentes instâncias enunciativas.
Ao analisarmos os volumes das coleções, identificamos a
presença de diferentes enunciadores e, consequentemente, de
distintos coenunciadores, de modo que o caráter heterogêneo e
polifônico do LD se evidencia. De acordo com o senso comum,
acredita-se que num LD, somente haveria a voz do(s) autor(s) da
obra (o que justificaria, inclusive, a insistência de muitos LDs em
usar textos “artificiais”), mas mostraremos que outras vozes
também se manifestam.
Foram, portanto, observadas as seguintes instâncias de pares
interlocutivos nas coleções analisadas:
a. Hiperenunciador x coenunciador-aluno;
b. Enunciador-personagem x coenunciador-personagem;
c. Enunciador-personagem x coenunciador-aluno;
d. Enunciador inanimado x coenunciador-aluno.
Essas serão as categorias da primeira etapa de análise do
corpus do presente trabalho. O objetivo é observar imagens de
infância, criança e ensino que se constroem ao longo do LD por
meio da análise dessas diversas instâncias enunciativas.
Embora Maingueneau (2008) não tenha tratado especificamente
do conceito de “gênero de discurso” em seu texto sobre a Semântica
Global, ele aborda o “modo de enunciação” como sendo um dos
vetores que comporiam uma análise a partir desse viés semântico.
Consideramos aqui o modo de enunciação equivalente à noção de
gênero de discurso, pois segundo o próprio autor, “um discurso não
é somente determinado conteúdo associado a uma dêixis e a um
estatuto de enunciador e de destinatário, é também uma ‘maneira de
79
dizer’ específica, a que nós chamaremos um modo de enunciação
(MAINGUENEAU, 2008, p. 90)”.
Julgamos pertinente articular tais propostas na medida em que
uma análise realizada a partir desse conceito nos permite
vislumbrar o LD como um plano enunciativo no qual vários
dispositivos atuam para construção de sentidos. Dentre todas as
categorias elencadas por Maingueneau (2008) em sua teorização
sobre uma Semântica Global, no presente trabalho, vamos
privilegiar o estatuto do enunciador e do destinatário
(coenunciador). Tal recorte deve-se às especificidades do próprio
corpus: essa foi a categoria que mais ressaltou ao longo da leitura
das coleções didáticas. Isso não invalida que outros pesquisadores
possam empreender uma análise dos/nos mesmos materiais
contemplando outros pontos da Semântica Global que não
abordamos neste trabalho. No próximo tópico, portanto, teceremos
considerações sobre a categoria de análise elencada.
80
3. O ESTATUTO DO ENUNCIADOR E DO
COENUNCIADOR EM LIVROS DIDÁTICOS DE
ESPANHOL PARA CRIANÇAS
81
Os comandos das atividades são dados, em sua maior parte,
por meio do uso do Imperativo, com o uso de tratamento informal
(tú), que em português brasileiro, equivaleria à forma “você”.
De acordo com Matte Bon (1998), recorre-se ao modo
imperativo para dar ordens, conselhos, para oferecer, para pedir,
para expressar condições, etc; embora não seja essa a única forma
de se realizar esses atos comunicativos em língua espanhola.
O autor chama a atenção para o fato de que, ao se fazer uso do
imperativo, não há uma coincidência entre o sujeito gramatical do
enunciado e o enunciador. O enunciador é quem enuncia com a
forma imperativa e interpela um coenunciador a que aja, a que
produza uma ação, que será, por sua vez, efeito da enunciação. O
coenunciador inscrito pela forma imperativa é quem seria o sujeito
gramatical, mas designado a um papel meramente passivo no
contexto da interlocução:
82
1. Escucha y canta. (Nuevo Recreo)
2. Escucha y numera. (Nuevo Recreo)
3. Marca y pinta. (Nuevo Recreo)
4. Pega los adhesivos. (Nuevo Recreo)
5. Escucha y juega. (Ventanita al Español)
6. Escucha y dibuja. (Ventanita al Español)
7. Canta y muévete. (Ventanita al Español)
83
relação de ação que se realizaria num futuro próximo ao momento
de enunciação e no qual o enunciador se inclui e se implica na
realização dessa ação.
No entanto, nos comandos das atividades do LD não se constrói
uma ideia de futuro próximo, pois o hiperenunciador, ao se incluir
como também sujeito afetado pela ação, constrói uma relação de
cumplicidade com o seu par interlocutivo, no caso, o aluno.
Ao enunciar “¡Vamos a jugar al detective!”, esse
hiperenunciador se aproxima de seu coenunciador e se torna um
coparticipante daquela atividade, como efeito desse tipo de
construção. Sabe-se que, na realidade, é ainda uma ordem, um
comando para que o coenunciador faça isso, mas esse enunciado se
dá de maneira modalizada, o que pode mascarar o caráter deôntico
dos enunciados em questão. Não se trata de uma sugestão, nem de
uma atividade opcional, mas é como se o hiperenunciador estivesse
convidando o aluno (a criança) para realizar uma atividade:
“Vamos cantar juntos”, “Vou jogar com você”, etc.
O coenunciador instaurado por meio desses enunciados, apesar
de ainda estar recebendo direcionamentos no que tange à realização
das atividades, por meio de um tom mais modalizado e ameno,
adquire uma nova posição em relação àquela construída por meio dos
enunciados imperativos. A relação antes entre os pares da
interlocução sugeria uma hierarquia, na qual o hiperenunciador era
quem delegava as atividades ao coenunciador-aluno, que deveria
apenas cumprir com o comando dado.
Aqui, os coenunciadores estão mais próximos
hierarquicamente e, num primeiro momento, pode-se dizer que
estão numa relação mais horizontal. Afirmamos “num primeiro
momento”, pois pode-se perceber que a suposta horizontalidade
não significa que os parceiros estejam no mesmo nível hierárquico,
prevalecendo ainda o hiperenunciador diante do coenunciador
instaurado, conforme pode-se observar no enunciado seguinte:
84
Apesar do hiperenunciador construir seu enunciado com o
uso da primeira pessoa do plural, instaurando uma relação mais
horizontal com seu coenunciador, antes inicia o comando da
atividade com o pronome “tú”, que se direciona ao seu par
interlocutivo. Quem vai desenhar, afinal? É um convite a que
ambos possam compartilhar essa atividade ou somente o aluno
deverá desenhar e esse “vamos” seria uma espécie de encenação de
uma suposta cumplicidade, quando ainda predomina o
hiperenunciador diante do coenunciador?
No que concerne ao aluno, observa-se que esse ainda é
concebido numa posição passiva diante desse hiperenunciador. O
mesmo podemos observar nos enunciados a seguir, nos quais o
hiperenunciador usa a construção na primeira pessoa do plural
num primeiro momento e logo após, volta a usar a forma
imperativa, desfazendo-se rapidamente a suposta cumplicidade e
horizontalidade construída via discurso. É como se o
hiperenunciador estabelecesse um acordo com o coenunciador-
aluno: “Vamos jogar o bingo juntos, mas é você quem tem que
escolher as seis palavras, escutar e seguir os comandos...”
85
3.2 Enunciador-personagem x coenunciador-personagem
86
estão longe de um tratamento voltado para um discurso real,
autêntico, provável de ser ouvido ou lido fora do livro didático”.
Ao apresentar simulacros de situações comunicativas que
supostamente o aluno viveria, toma-se a generalização como regra
para definir quais situações fariam parte do cotidiano das crianças,
retomando-se assim novamente aquela concepção de infância
como algo único, universal e atemporal.
Grigoletto (1999, p. 68) destaca como pode ser problemático o
caráter homogeneizante que se constrói no LD de língua adicional,
Dias (2009, p. 207, 208), por outro lado, propõe que devemos
priorizar “a utilização de textos autênticos ou textos sociais tais
como eles se apresentam no original, evitando os que são
artificialmente produzidos para a situação de aprendizagem
visando prioritariamente o estudo de aspectos léxico- gramaticais”.
Observem-se alguns enunciados:
87
Imagem 5 - Enunciado 1 – Nuevo Recreo
88
trazer alguns dados contextuais para esse diálogo (que é artificial,
como se pode perceber): “Gabriel encuentra a su amiga Ana en una
tienda de mascotas. ¿Vamos a escucharlos?”.
Podemos afirmar que essa voz da narração que entra para
introduzir o diálogo (que no texto teatral recebe o nome de
“rubrica”) é a voz do hiperenunciador, que teria como papel,
orquestrar (como um maestro) essa polifonia presente no LD, isto
é, a presença de tantas vozes e instâncias enunciativas que se
constroem a partir daí.
Observe-se que quem se dirige ao coenunciador-aluno é o
hiperenunciador e não os personagens do diálogo, que apenas
enunciam entre si, num tempo e espaço próprios. Por esse motivo,
trouxemos do âmbito teatral a metáfora da “quarta parede” e então
falamos aqui que nessa relação entre os coenunciadores há uma
manutenção dessa “quarta parede”, separando-se assim ator e
público, ou no LD, os personagens e o coenunciador-aluno.
Essa lógica do diálogo entre os personagens e que coloca o
aluno nesse lugar de espectador pode-se afirmar que é a tônica da
coleção didática, variando apenas as situações nas quais a conversa
cotidiana é apresentada. Raro seria destacar momentos em que esse
movimento discursivo não ocorra. Por esse motivo, não cabe no
presente trabalho trazer todas as ocorrências da obra, inclusive
porque cairíamos em comentários muito semelhantes, pois
basicamente trata-se do mesmo fenômeno observável ao longo de
toda a obra.
89
Imagem 6 - Enunciado 2 – Nuevo Recreo
90
é outra: já se dá entre o hiperenunciador e o coenunciador-aluno. É
interessante observar que durante o diálogo entre os personagens,
anulam-se tanto o hiperenunciador quanto o coenunciador-aluno e
logo após o término da interação entre os enunciadores
personagens, esses coenunciadores voltam a assumir os seus
respectivos papeis. Dialogando, portanto, com a lógica teatral,
podemos afirmar que há ao longo da coleção didática, nesses
momentos em que enunciam os personagens entre si, uma
manutenção da “quarta parede”.
91
Podemos afirmar que a manutenção da “quarta parede”
também se instaura na atividade 8 da unidade 1 do livro 5, na qual
apresenta-se um diálogo entre os personagens, mas que tenta de
alguma forma, mimetizar o gênero chat. Observe-se que esse chat,
diálogo que se dá por meio de enunciados escritos e não oralizados
como os analisados anteriormente, encontra-se com algumas
palavras pendentes para que o aluno possa completar de acordo
com o áudio. Ora, por que uma atividade de compreensão oral
diante de um gênero que não é oral? Parece-nos uma incoerência
didático- pedagógica que desconsidera as características do gênero
chat e que tem claramente uma proposta estrutural de
reconhecimento de vocabulário por parte do aluno.
Ainda que o aluno necessite completar o texto com as palavras
que faltam, podemos observar que a “quarta parede” continua
presente, pois o aluno mesmo ao completar as palavras não é
interpelado pelos personagens que enunciam por meio do chat. Os
personagens enunciam entre si, deixando o coenunciador-aluno de
fora e novamente na posição de observador. Tal posição do aluno
dialoga com a ideia da “quarta parede”, pois, conforme já
discutimos, tal noção no âmbito do teatro implica “um limite
virtual que transforma o ato teatral em um quadro a ser admirado,
uma janela para outra realidade, intocável e distante (CIRINO,
2013, p. 10, 11)”.
92
Imagem 8 - Enunciado 4 – Ventanita al Español
93
Imagem 9 - Enunciado 5 – Ventanita al Español
94
personagem que enuncia para um coenunciador-personagem, o
que acaba excluindo o aluno da interação, procedimento que aqui
estamos chamando de manutenção da quarta parede.
Conforme vimos anteriormente, quando esse tipo de interação
acontece, o aluno tende a ocupar uma posição mais passiva, pois
em nenhum momento é convocado a tomar a palavra e se torna
apenas um observador de cenas que se desenrolam diante de seus
olhos. Podemos inferir que se desenha uma ideia de que o aluno
aprenderá as estruturas linguísticas da LA por meio da observação
da “língua em uso”.
No entanto, cabe o questionamento: que “uso” é esse quando
se apresentam ao longo da coleção didática mostras dialogais
complemente artificiais, isto é, elaboradas para fins didáticos. Cabe
destacar ainda que tais diálogos são de enunciadores fictícios, isto
é, personagens falando para outros personagens, desconsiderando-
se da interlocução diálogos autênticos e construídos numa
conjuntura social.
É importante considerar que nessa coleção didática é muito
forte a presença de diálogos com fins moralizadores, de modo a que
o aluno, mesmo sendo construído discursivamente como ausente
da interlocução, como um observador, é interpelado indiretamente
pela lição que muitos diálogos desejam transmitir. É como se fosse
uma mensagem enviesada: os personagens dialogam entre si, mas
para construir sentidos num terceiro que somente observa a cena.
Observamos tal característica mais fortemente na seção “Ventanita
a la lectura”, conforme pudemos observar nos enunciados
anteriores.
Observe-se que no enunciado 4, apresenta-se um menino que
desempenha atividades domésticas com a mãe e que, ao ser
convidado por seus amigos para brincar, somente o faz após
terminar de varrer o quintal. A partir dessa encenação discursiva,
constrói-se uma ideia moralizante de obediência aos pais e
cumprimentos deveres antes de qualquer diversão.
De maneira semelhante ocorre no enunciado 5, no qual tal
efeito moralizante é ainda mais explícito. Inicialmente, a cena se
95
desenvolve somente por meio de um monólogo, no qual uma
menina busca sua gata pela casa, a encontra e lhe dá um pouco de
leite. A gata fica doente e a interlocução entre os personagens
ocorre no momento em que a gata é levada à veterinária, onde se
verifica que a gata pode haver comido ou bebido algo que não
estivesse muito bom. Rapidamente, a personagem principal
constata que havia sido o leite dado à gata por ela e para explicitar
a ideia moralizante dessa cena, a personagem se encontra já no
último quadrinho posicionada ao lado de um quadro negro, no
qual consta a seguinte mensagem: “Sempre verifica a data de
vencimento dos alimentos antes de consumir os alimentos”.
Observe-se que a ideia desses diálogos não é oportunizar aos
alunos acesso a gêneros escritos e orais autênticos, mas sim, por
meio de enunciados rasos e artificiais, provocar um efeito
moralizante no observador da cena, que é o aluno. Ainda que se
tenha em mente em moralizar o aluno, a quarta parede não é
quebrada em nenhum momento.
Portanto, podemos concluir que tal estatuto entre os
coenunciadores personagens ao longo da obra contribui para,
novamente, construir uma imagem de aluno espectador passivo.
96
Imagem 10 - Enunciado 6 – Nuevo Recreo
97
personagem que enuncia. No tópico anterior, vimos que inúmeros
diálogos trazem personagens que enunciam entre si, estando o
coenunciador-aluno na perspectiva de ouvinte e/ou espectador.
Aqui é diferente. O coenunciador-aluno é interpelado diretamente
por esse enunciador-personagem e a direção do olhar do
personagem para “fora” do LD, como se estivesse olhando
diretamente para o aluno, contribui para que se crie esse efeito de
quebra da “quarta parede”.
No teatro, a quebra da “quarta parede” se dá quando o ator se
vira para a plateia e começa a interagir com ela, convocando-a,
interpelando-a a que participe da obra. Nessa lógica, ao fazer isso,
rompe-se aquela caixa cênica fechada e que mantinha um tempo e
um espaço próprios. Agora, ao romper essa “quarta parede”, o
público se desfaz da ilusão criada pelo teatro e percebe que aquilo
é uma grande “farsa”, isto é, que é uma ficção. O espectador e o
ator partilham então do mesmo tempo e do mesmo espaço: o teatro.
A quebra da “quarta parede” também é um recurso cênico usado
em obras audiovisuais, como, por exemplo, no cinema. Quando um
ator olha diretamente para a câmera, diz-se que houve a quebra da
“quarta parede”, justamente porque assim, cria-se uma conexão
entre o telespectador e a obra.
Tal efeito aparece ao longo da coleção didática, embora em
menor número do que o estatuto discutido no tópico anterior. Em
alguns momentos dos LDs, com o auxílio de ilustrações ou fotos, o
enunciador-personagem não somente interpela o coenunciador-
aluno pelo uso de determinadas marcas linguísticas, como também
o encara, num efeito semelhante ao do ator da obra audiovisual que
encara a câmera e inscreve o espectador naquele jogo cênico. É o
que ocorre nos enunciados de 7 a 10:
98
Imagem 11 - Enunciado 7 – Nuevo Recreo
99
Imagem 13 - Enunciado 9 – Nuevo Recreo
100
Nos enunciados 7, 8, 9 e 10, podem-se observar ilustrações e
uma fotografia de enunciadores personagens que, ao enunciarem,
posicionam-se olhando diretamente para o coenunciador-aluno,
falando-lhe diretamente, tal qual ocorre nas linguagens teatral e
cinematográfica.
Concordamos com Cirino (2013, p. 10, 11), ao afirmar que o
conceito de quebra da “quarta parede” significa “fazer o ator e o
público se perceberem, interagirem de forma direta deixando de
lado a ilusão do espectador de ser apenas um observador invisível
(ou ignorado) da ação cênica”.
Dialogamos tal noção com a questão da interatividade
constitutiva dos enunciados, pois, de acordo com Maingueneau (2004,
p. 54), “toda enunciação (...) é uma troca, explícita ou implícita, com
outros enunciadores, virtuais ou reais, e supõe sempre a presença de
uma outra instância de enunciação à qual se dirige o enunciador e com
relação à qual constroi seu próprio discurso”.
No enunciado 7, o coenunciador se inscreve pelo uso do
vocativo “amigos”, novamente construindo-se assim uma relação
de proximidade entre o personagem e os alunos que são os
potenciais usuários do LD.
Nos enunciados 8, 9 e 10, o coenunciador é inscrito pelo uso de
perguntas com o uso do “tú”17. Com as perguntas, abre-se um espaço
para que o aluno possa enunciar e interagir com os personagens. Aqui
percebemos que o aluno deixa aquele lugar de passividade que
vinhamos sinalizando que se constrói em outras partes do LD para
poder ter um papel mais ativo, pois lhe é dada a autorização para
poder também enunciar e se posicionar diante do que lhe é proposto.
Lamentamos, no entanto, que haja poucas propostas desse tipo ao
longo da coleção didática. Acreditamos que se deve dar voz ao aluno,
mas essa prática ao longo dos LDs não é a regra.
101
Imagem 15 - Enunciado 11 – Nuevo Recreo
102
Ao modular sua enunciação a partir da primeira pessoa do
plural, esse enunciador-personagem se aproxima do coenunciador,
constroi um sentido de cumplicidade, pois seriam ambos crianças
e partilhariam as mesmas questões e dificuldades. No enunciado,
problematiza-se o consumismo exacerbado da nossa sociedade e o
enunciador convoca o aluno a refletir, posicionando-se ao seu lado:
“Reflexionar sobre nuestras verdaderas necesidades es una gran
iniciativa”.
O enunciador também traz, no início, enunciados atribuídos a
outras crianças marcados pelas aspas, mas que também poderiam
ter sido enunciados pelo coenunciador. Usa-se o discurso direto
(mas um discurso direto hipotético, sem marcas contextuais) como
forma de argumentação contra a ideia do consumismo e também
como um recurso discursivo para instaurar uma cumplicidade
entre ambos os parceiros da enunciação.
Observe-se que, ao dizer “Seguramente ya has dicho o escuchado
alguna de estas frases”, instauram-se coenunciadores que
compartilham um mesmo saber, pois ambos já teriam dito ou
escutado tais enunciados citados. O advérbio “seguramente”
contribui para construir essa ideia de compartilhamento de um
conhecimento prévio entre as instâncias que participam dessa cena
enunciativa, pois não haveria dúvidas por parte do enunciador-
personagem quanto ao conhecimento dos enunciados atribuídos ao
coenunciador-aluno.
103
Imagem 16 - Enunciado 12 - Ventanita al Español
104
Imagem 17 - Enunciado 13 - Ventanita al Español
105
3.4 Enunciador objeto/animal x coenunciador-aluno
106
Imagem 18 - Enunciado 14 – Nuevo Recreo
107
Imagem 21 - Enunciado 17 – Nuevo Recreo
108
Soy un elegante señor.
Tengo hojas, pero no soy árbol ni flor.
Sin tener voz puedo hablar
y, si me abres, algo te puedo contar.
¿Quién soy?
(Enunciado 14 – Nuevo Recreo)
Soy quien vigila la casa, quien avisa si alguien pasa y soy fiel amigo del hombre.
¡Adivina mi nombre!
(Enunciado 15 – Nuevo Recreo)
¿Qué soy?
Dos buenas piernas tengo, pero no puedo andar.
Él o ella sin nosotros mal se pueden presentar.
(Enunciado 16 – Nuevo Recreo)
109
(¿Quién soy yo?). Em outro momento, o coenunciador é convocado
a interagir por meio de uma exclamação com forma imperativa,
sendo o enunciador mais incisivo com o aluno (¡Adivina mi
nombre!).
110
Adivina cuáles son las mascotas. (enunciado 15 – Nuevo Recreo)
¡Adivina el nombre de la prenda de vestir! (enunciado 16 – Nuevo Recreo)
¡Adivina! (enunciado 17 – Nuevo Recreo)
Lee y adivina las profesiones. (enunciado 18 – Nuevo Recreo)
111
112
4. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
113
114
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