Ciência e Conhecimento Científico
Ciência e Conhecimento Científico
Ciência e Conhecimento Científico
ta, dois anos seguidos, numa única faixa. O início da Revolução Agrícola
não se prende ao aparecimento, no século XVIII, de melhores arados, en-
xadas e outros tipos de maquinaria, mas à introdução, na segunda meta-
Ciência e de do século XVII, da cultura do nabo e do trevo, pois seu plantio evitava
o desperdício de se deixar a terra em pousio: seu cultivo “revitalizava” o
solo, permitindo o uso constante. Hoje, a agricultura utiliza-se de semen-
tes selecionadas, de adubos químicos, de defensivos contra as pragas e
conhecimento tenta-se, até, o controle biológico dos insetos daninhos.
Mesclam-se, neste exemplo, dois tipos de conhecimento: o primeiro,
vulgar ou popular, geralmente típico do camponês, transmitido de gera-
científico ção para geração por meio da educação informal e baseado em imitação
e experiência pessoal; portanto, empírico e desprovido de conhecimento
sobre a composição do solo, das causas do desenvolvimento das plantas,
da natureza das pragas, do ciclo reprodutivo dos insetos etc; o segundo,
científico, é transmitido por intermédio de treinamento apropriado, sendo
Marina de Andrade Marconi um conhecimento obtido de modo racional, conduzido por meio de proce-
Eva Maria Lakatos dimentos científicos. Visa explicar “por que” e “como” os fenômenos ocor-
rem, na tentativa de evidenciar os fatos que estão correlacionados, numa
visão mais globalizante do que a relacionada com um simples fato – uma
1.1 O conhecimento científico e outros tipos cultura específica, de trigo, por exemplo.
de conhecimento
1.1.1 Correlação entre Conhecimento Popular e
Ao se falar em conhecimento científico, o primeiro passo consiste em Conhecimento Científico
diferenciá-lo de outros tipos de conhecimento existentes. Para tal, anali-
semos uma situação histórica, que pode servir de exemplo. O conhecimento vulgar ou popular, às vezes denominado senso co-
Desde a Antiguidade, até aos nossos dias, um camponês, mesmo mum, não se distingue do conhecimento científico nem pela veracidade
iletrado e/ou desprovido de outros conhecimentos, sabe o momento cer- nem pela natureza do objeto conhecido: o que os diferencia é a forma, o
to da semeadura, a época da colheita, a necessidade da utilização de modo ou o método e os instrumentos do “conhecer”. Saber que determi-
adubos, as providências a serem tomadas para a defesa das plantações nada planta necessita de uma quantidade “X” de água e que, se não a
contra ervas daninhas e pragas e o tipo de solo adequado para as dife- receber de forma “natural”, deve ser irrigada, pode ser um conhecimento
rentes culturas. Tem também conhecimento de que o cultivo do mesmo verdadeiro e comprovável, mas, nem por isso, científico. Para que isso
tipo, todos os anos, no mesmo local, exaure o solo. Já no período feudal, ocorra, é necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua
o sistema de cultivo era em faixas: duas cultivadas e uma terceira “em composição, seu ciclo de desenvolvimento e as particularidades que dis-
repouso”, alternando-as de ano para ano, nunca cultivando a mesma plan- tinguem uma espécie de outra. Dessa forma, patenteiam-se dois aspec-
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tos: 1.1.2 Características do Conhecimento Popular
a) a ciência não é o único caminho de acesso ao conhecimento e à
verdade; “Se o ‘bom-senso’, apesar de sua aspiração à racionalidade e objetivi-
b) um mesmo objeto ou fenômeno – uma planta, um mineral, uma dade, só consegue atingir essa condição de forma muito limitada”, pode-
comunidade ou as relações entre chefes e subordinados – pode ser se dizer que o conhecimento vulgar ou popular, lato sensu, é o modo co-
matéria de observação tanto para o cientista quanto para o homem mum, corrente e espontâneo de conhecer, que se adquire no trato direto
comum; o que leva um ao conhecimento e outro ao vulgar ou popu- com as coisas e os seres humanos: “é o saber que preenche nossa vida
lar é a forma de observação. diária e que se possui sem o haver procurado ou estudado, sem a aplica-
Para Bunge (1976:20), a descontinuidade radical existe entre a Ciência ção de um método e sem se haver refletido sobre algo” (Babini, 1957:21).
e o conhecimento popular, em numerosos aspectos (principalmente no Para Ander-Egg (1978:13-4), o conhecimento popular caracteriza-se por
que se refere ao método); não nos deve se fazer ignorar certa continuida- ser predominantemente:
de em outros aspectos, principalmente quando limitarmos o conceito de a) superficial – isto é, conforma-se com a aparência, com aquilo
conhecimento vulgar ao “bom-senso”. Se excluirmos o conhecimento mítico que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas:
(raios e trovões como manifestações de desagrado da divindade pelos expressa-se por frases como “porque o vi”, “porque o senti”, “por-
comportamentos individuais ou sociais), verificamos que tanto o “bom- que o disseram”, “porque todo mundo o diz”;
senso” quanto a ciência almejam ser racionais e objetivos: “são críticos e b) sensitivo – ou seja, referente a vivências, estados de ânimo e
aspiram à coerência (racionalidade) e procuram adaptar-se aos fatos em emoções da vida diária;
vez de permitir-se especulações em controle (objetividade)”. Entretanto, c) subjetivo – pois é o próprio sujeito que organiza suas experiênci-
[o ideal de racionalidade, compreendido como uma sistematização coe- as e conhecimentos, tanto os que adquire por vivência própria quanto
rente de enunciados fundamentados e passíveis de verificação, é obtido os “por ouvir dizer”;
muito mais por intermédio de teorias, que constituem o núcleo da Ciên- d) assistemático – pois esta “organização” das experiências não
cia, do que pelo conhecimento comum, entendido como acumulação de visa a uma sistematização das ideias, nem na forma de adquiri-las
partes ou “peças” de informação frouxamente vinculadas. Por sua vez, o nem na tentativa de validá-las;
ideal de objetividade, isto é, a construção de imagens de realidade, ver- e) acrítico – pois, verdadeiros ou não, a pretensão de que esses
dadeiras e impessoais, não pode ser alcançado se não ultrapassar os es- conhecimentos o sejam não se manifesta sempre de uma forma
treitos limites da vida cotidiana, assim como da experiência particular; é crítica.
necessário abandonar o ponto de vista antropocêntrico, para formular hi-
póteses sobre a existência de objetos e fenômenos além da própria per-
cepção de nossos sentidos, submetê-los à verificação planejada e inter- 1.1.3 Os Quatro Tipos de Conhecimento
pretada com o auxílio das teorias. Por esse motivo é que o senso comum,
ou o “bom-senso”, não pode conseguir mais do que uma objetividade li- Verificamos, dessa forma, que o conhecimento científico diferencia-se
mitada, assim como é limitada sua racionalidade, pois está estreitamen- do popular muito mais no que se refere a seu contexto metodológico do
te vinculado à percepção e à ação. que propriamente a seu conteúdo. Essa diferença ocorre também em re-
lação aos conhecimentos filosófico e religioso (teológico).
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Trujillo (1974:11) sistematiza as características dos quatro tipos de co- 1.1.3.2 Conhecimento filosófico
nhecimento:
Conhecimento O conhecimento filosófico é valorativo, pois seu ponto de partida con-
Conhecimento Conhecimento Conhecimento
Religioso siste em hipóteses, que não poderão ser submetidas à observação: “as
Popular Científico Filosófico
(Teológico) hipóteses filosóficas baseiam-se na experiência, portanto, este conheci-
mento emerge da experiência e não da experimentação” (Trujillo, 1974:12),
Valorativo Real (factual) Valorativo Valorativo por este motivo, o conhecimento filosófico é não verificável, já que os
Reflexivo Contingente Racional Inspiracional enunciados das hipóteses filosóficas, ao contrário do que ocorre no cam-
Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático po da ciência, não podem ser confirmados nem refutados. É racional, em
Verificável Verificável Não verificável Não verificável virtude de consistir num conjunto de enunciados logicamente
Falível Falível Infalível Infalível correlacionados. Tem a característica de sistemático, pois suas hipóte-
Inexato Aproximadamente exato Exato Exato ses e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estu-
dada, numa tentativa de apreendê-la em sua totalidade. Por último, é
infalível e exato, já que, quer na busca da realidade capaz de abranger
1.1.3.1 Conhecimento popular todas as outras, quer na definição do instrumento capaz de apreender a
realidade, seus postulados, assim como suas hipóteses, não são subme-
O conhecimento popular é valorativo por excelência, pois se funda- tidos ao decisivo teste da observação (experimentação).
menta numa seleção operada com base em estados de ânimo e emoções: Portanto, o conhecimento filosófico é caracterizado pelo esforço da
como o conhecimento implica uma dualidade de realidades, isto é, de um razão pura para questionar os problemas humanos e poder discernir entre
lado o sujeito cognoscente e, de outro, o objeto conhecido, e este é pos- o certo e o errado, unicamente recorrendo às luzes da própria razão hu-
suído, de certa forma, pelo cognoscente, os valores do sujeito impregnam mana. Assim, se o conhecimento científico abrange fatos concretos, posi-
o objeto conhecido. E também reflexivo, mas, estando limitado pela fa- tivos, e fenômenos perceptíveis pelos sentidos, pelo emprego de instru-
miliaridade com o objeto, não pode ser reduzido a uma formulação geral. mentos, técnicas e recursos de observação, o objeto de análise da filoso-
A característica de assistemático baseia-se na “organização” particular fia são ideias, relações conceptuais, exigências lógicas que não são
das experiências próprias do sujeito cognoscente, e não em uma sistema- redutíveis a realidades materiais e, por essa razão, não são passíveis de
tização das ideias, na procura de uma formulação geral que explique os observação sensorial direta ou indireta (por instrumentos), como a que é
fenômenos observados, aspecto que dificulta a transmissão, de pessoa a exigida pela ciência experimental. O método por excelência da ciência é
pessoa, desse modo de conhecer. É verificável, visto que está limitado ao o experimental: ela caminha apoiada nos fatos reais e concretos, afir-
âmbito da vida diária e diz respeito ao que se pode perceber no dia-a-dia. mando somente aquilo que é autorizado pela experimentação. Ao contrá-
Finalmente, é falível e inexato, pois se conforma com a aparência e com rio, a filosofia emprega “o método racional, no qual prevalece o processo
o que se ouviu dizer a respeito do objeto. Em outras palavras, não permite dedutivo, que antecede a experiência, e não exige confirmação experi-
a formulação de hipóteses sobre a existência de fenômenos situados além mental, mas somente coerência lógica” (Ruiz, 1979:110). O procedimento
das percepções objetivas. científico leva a circunscrever, delimitar, fragmentar e analisar o que se
constitui o objeto da pesquisa, atingindo segmentos da realidade, ao pas-
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so que a filosofia encontra-se sempre à procura do que é mais geral, inte- 1.1.3.4 Conhecimento científico
ressando-se pela formulação de uma concepção unificada e unificante do
universo. Para tanto, procura responder às grandes indagações do espíri- Finalmente, o conhecimento científico é real (factual) porque lida com
to humano e, até, busca as leis mais universais que englobem e harmoni- ocorrências ou fatos, isto é, com toda “forma de existência que se mani-
zem as conclusões da ciência. festa de algum modo” (Trujillo, 1974:14). Constitui um conhecimento con-
tingente, pois suas proposições ou hipóteses têm sua veracidade ou fal-
1.1.3.3 Conhecimento religioso sidade conhecida por meio da experimentação e não apenas pela razão,
como ocorre no conhecimento filosófico. É sistemático, já que se trata de
O conhecimento religioso, isto é, teológico, apoia-se em doutrinas que um saber ordenado logicamente, formando um sistema de ideias (teoria)
con-têm proposições sagradas (valorativas), por terem sido reveladas pelo e não conhecimentos dispersos e desconexos. Possui a característica da
sobre-natural (inspiracional) e, por esse motivo, tais verdades são consi- verificabilidade, a tal ponto que as afirmações (hipóteses) que não po-
deradas infalíveis e indiscutíveis (exatas); é um conhecimento sistemáti- dem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência. Constitui-se
co do mundo (origem, significado, finalidade e destino) como obra de um em conhecimento falível, em virtude de não ser definitivo, absoluto ou
criador divino; suas evidências não são verificadas: está sempre implíci- final, por este motivo, é aproximadamente exato: novas proposições e o
ta uma atitude de fé perante um conhecimento revelado. Assim, o conhe- desenvolvimento de técnicas podem reformular o acervo de teoria exis-
cimento religioso ou teológico parte do princípio de que as “verdades” tente.
tratadas são infalíveis e indiscutíveis, por consistirem em “revelações” Apesar da separação “metodológica” entre os tipos de conhecimento
da divindade (sobrenatural). A adesão das pessoas passa a ser um ato de popular, filosófico, religioso e científico, no processo de apreensão da
fé, pois a visão sistemática do mundo é interpretada como decorrente do realidade do objeto, o sujeito cognoscente pode penetrar nas diversas
ato de um criador divino, cujas evidências não são postas em dúvida nem áreas: ao estudar o homem, por exemplo, pode-se tirar uma série de con-
sequer verificáveis. A postura dos teólogos e cientistas diante da teoria clusões sobre sua atuação na sociedade, baseada no senso comum ou na
da evolução das espécies, particularmente do Homem, demonstra as abor- experiência cotidiana; pode-se analisá-lo como um ser biológico, verifi-
dagens diversas: de um lado, as posições dos teólogos fundamentam-se cando, com base na investigação experimental, as relações existentes
nos ensinamentos de textos sagrados; de outro, os cientistas buscam, em entre determinados órgãos e suas funções; pode-se questioná-los quanto
suas pesquisas, fatos concretos capazes de comprovar (ou refutar) suas a sua origem e destino, assim como quanto a sua liberdade; finalmente,
hipóteses. Na realidade, vai-se mais longe. Se o fundamento do conheci- pode-se observá-lo como ser criado pela divindade, a sua imagem e se-
mento científico consiste na evidência dos fatos observados e experimen- melhança, e meditar sobre o que dele dizem os textos sagrados.
talmente controlados, e o do conhecimento filosófico e de seus enuncia- Por sua vez, essas formas de conhecimento podem coexistir na mesma
dos, na evidência lógica, fazendo com que em ambos os modos de conhe- pessoa: um cientista, voltado, por exemplo, ao estudo da física, pode ser
cer deve a evidência resultar da pesquisa dos fatos, ou da análise dos crente praticante de determinada religião, estar filiado a um sistema filo-
conteúdos dos enunciados, no caso do conhecimento teológico o fiel não sófico e, em muitos aspectos de sua vida cotidiana, agir segundo conhe-
se detém nelas à procura de evidência, mas da causa primeira, ou seja, cimentos provenientes do senso comum.
da revelação divina.
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1.2 Conceito de ciência ções ou imagens que se refletem em um estado de ânimo, como o
conhecimento poético, e da compreensão imediata, sem que se
Diversos autores tentaram definir o que se entende por Ciência. Os busquem os fundamentos, como é o caso do conhecimento intuiti-
conceitos mais comuns, mas, a nosso ver, incompletos, são os seguintes: vo;
• “Acumulação de conhecimentos sistemáticos.” b) certo ou provável – já que não se pode atribuir à ciência a cer-
• “Atividade que se propõe a demonstrar a verdade dos fatos expe- teza indiscutível de todo o saber que a compõe. Ao lado dos conhe-
rimentais e suas aplicações práticas.” cimentos certos, é grande a quantidade dos prováveis. Antes de
• “Caracteriza-se pelo conhecimento racional, sistemático, exato, tudo, toda lei indutiva é meramente provável, por mais elevada que
verificável e, por conseguinte, falível.” seja sua probabilidade;
• “Conhecimento certo do real pelas suas causas.” c) obtidos metodicamente – pois não se os adquire ao acaso ou na
• “Conhecimento sistemático dos fenômenos da natureza e das leis vida cotidiana, mas mediante regras lógicas e procedimentos técni-
que o regem, obtido pela investigação, pelo raciocínio e pela expe- cos;
rimentação intensiva.” d) sistematizadores – isto é, não se trata de conhecimentos
• “Conjunto de enunciados lógica e dedutivamente justificados por dispersos e desconexos, mas de um saber ordenado logicamente,
outros enunciados.” constituindo um sistema de ideias (teoria);
• “Conjunto orgânico de conclusões certas e gerais, metodicamen- e) verificáveis – pelo fato de que as afirmações, que não podem ser
te demonstradas e relacionadas com objeto determinado.” comprovadas ou que não passam pelo exame da experiência, não
• “Corpo de conhecimentos consistindo em percepções, experiênci- fazem parte do âmbito da ciência, que necessita, para incorporá-
as, fatos certos e seguros.” las, de afirmações comprovadas pela observação;
• “Estudo de problemas solúveis, mediante método científico.” f) relativos a objetos de uma mesma natureza – ou seja, objetos
• “Forma sistematicamente organizada de pensamento objetivo.” pertencentes a determinada realidade, que guardam entre si certos
caracteres de homogeneidade.
1.2.1 Conceito de Ander-Egg
1.2.2 Conceito de Trujillo
Um conceito mais abrangente é o que Ander-Egg apresenta em sua
obra Introducción a las técnicas de investigación social (1978:15): Apesar da maior abrangência do conceito de Ander-Egg, consideramos
mais precisa a definição de Trujillo, expressa em seu livro Metodologia
“A ciência é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prová- da ciência, que nos serve de ponto de partida.
veis, obtidos metodicamente sistematizados e verificáveis, que fazem Assim, entendemos por ciência uma sistematização de conhecimen-
referência a objetos de uma mesma natureza.” tos, um conjunto de preposições logicamente correlacionadas sobre o com-
portamento de certos fenômenos que se deseja estudar. “A ciência é todo
a) conhecimento racional – isto é, que tem exigências de método um conjunto de atitudes e atividades racionais, dirigidas ao sistemático
e está constituído por uma série de elementos básicos, tais como conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação”
sistema conceitual, hipóteses, definições; diferencia-se das sensa- (1974:8).
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1.2.3 Visão Geral dos Conceitos 1.2.4 Natureza da Ciência
Desses conceitos emana a característica de apresentar-se a ciência A palavra ciência pode ser entendida em duas acepções: latu sensu
como um pensamento racional, objetivo, lógico e confiável, ter como par- tem, simplesmente, o significado de “conhecimento”; stricto sensu não
ticularidade o ser sistemático, exato e falível, ou seja, não final e definiti- se refere a um conhecimento qualquer, mas àquele que, além de apreen-
vo, pois deve ser verificável, isto é, submetido à experimentação para a der ou registrar fatos, os demonstra por suas causas constitutivas ou
comprovação de seus enunciados e hipóteses, procurando-se as relações determinantes. Por outro lado, se fosse possível à mente humana atingir
causais; destaca-se, também, a importância da metodologia que, em últi- o universo em sua abrangência infinita, apresentar-se-ia a ciência una e
ma análise, determinará a própria possibilidade de experimentação. também infinita, como seu próprio objeto; entretanto, as próprias limita-
É dessa maneira que podemos compreender as preocupações de ções de nossa mente exigem a fragmentação do real para que possa atin-
Ogburn e Nimkoff (1971:20-1), assim como de Caplow (1975:4-5), ao dis- gir um de seus segmentos, resultando, desse fato, a pluralidade das ciên-
cutirem até que ponto a Sociologia, como ciência, inserida no universo cias.
mais amplo das Ciências Sociais ou Humanas, aproxima-se das Físicas e Por sua vez, em se tratando de analisar a natureza da ciência, podem
Biológicas, em geral, também denominadas de Exatas. Os primeiros dois ser explicitadas duas dimensões, na realidade, inseparáveis, ou seja, a
autores, sem conceituar expressamente o que é uma ciência, afirmam compreensiva (contextual ou de conteúdo) e a metodológica (operacional),
que ela é reconhecida por três critérios: a confiabilidade de seu corpo de abrangendo tanto aspectos lógicos quanto técnicos.
conhecimentos, sua organização e seu método. Não havendo dúvidas quan- Pode-se conceituar o aspecto lógico da ciência como o método de raci-
to às duas últimas características, pergunta-se até que ponto a primeira – ocínio e de inferência acerca dos fenômenos já conhecidos ou a serem
conhecimento confiável – é inerente à Sociologia, em particular, e às Ci- investigados; em outras palavras, pode-se considerar que o “aspecto ló-
ências Sociais ou Humanas, em geral. gico constitui o método para a construção de proposições e enunciados”,
Na realidade, essa discussão existe até hoje. Perdeu um pouco de in- objetivando, dessa maneira, uma descrição, interpretação, explicação e
tensidade quando a separação, baseada na “ação do observador sobre a verificação mais precisas.
coisa observada”, que era nítida entre as Ciências Físicas e Biológicas e A logicidade da ciência manifesta-se por meio de procedimentos e ope-
as Sociais, deixou de ser imperativa: o princípio de incerteza de Heisenberg rações intelectuais que:
leva ao domínio da física subatômica ou quântica, essa mesma ingerên- “a) possibilitam a observação racional e controlam os fatos;
cia, até então característica das Ciências Sociais ou Humanas. Caplow b) permitem a interpretação e a explicação adequadas dos fenôme-
traz mais subsídios: “Mesmo que os resultados obtidos pelas Ciências nos;
Físicas sejam, geralmente, mais precisos ou dignos de crédito do que os c) contribuem para a verificação dos fenômenos, positivados pela
das Ciências Sociais, as exceções são numerosas. (...) A Química é, mui- experimentação ou pela observação;
tas vezes, menos precisa do que a Economia.” d) fundamentam os princípios da generalização ou o estabelecimento
dos princípios e das leis” (Trujillo, 1974:9).
A ciência, portanto, constitui-se em um conjunto de proposições e enun-
ciados, hierarquicamente correlacionados, de maneira ascendente ou des-
cendente, indo gradativamente de fatos particulares para os gerais, e vice-
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versa (conexão ascendente = indução; conexão descendente = dedução),
comprovados (com a certeza de serem fundamentados) pela pesquisa MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia cien-
empírica (submetidos à verificação). tífica. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 15-25.
Por sua vez, o aspecto técnico da ciência pode ser caracterizado pelos
processos de manipulação dos fenômenos que se pretende estudar, ana-
lisar, interpretar ou verificar, cuidando para que sejam medidos ou calcu-
lados com a maior precisão possível, registrando-se as condições em que
os mesmos ocorrem, assim como sua frequência e persistência, proce-
dendo-se a sua decomposição e recomposição, sua comparação com ou-
tros fenômenos, para detectar similitudes e diferenças e, finalmente, seu
aproveitamento. Portanto, o aspecto técnico da ciência corresponde ao
instrumento metodológico e ao arsenal técnico que indica a melhor ma-
neira de se operar em cada caso específico.
As ciências possuem:
a) objetivo ou finalidade – preocupação em distinguir a caracterís-
tica comum ou as leis gerais que regem determinados eventos;
b) função – aperfeiçoamento, por meio do crescente acervo de co-
nhecimentos, da relação do homem com seu mundo;
c) objetos – subdividido em:
– material, aquilo que se pretende estudar, analisar, in-
terpretar ou verificar, de modo geral;
– formal, o enfoque especial, em face das diversas ci-
ências que possuem o mesmo objeto material.