Salusvita v39 n1 2020 Art 15

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LESÃO CERVICAL NÃO CARIOSA: UMA

ABORDAGEM CLÍNICA E TERAPÊUTICA


Non-carious cervical injury:
a clinical and therapeutic approach

Kaianni Mangueira Farjala Almeida1


Vanessa Novaes Silva Paraguassu1
Lorena Gonçalves Cardoso1
Luara Novaes Coutinho1
João Pedro Cotrim Maia1
Luciana Thaís Rangel Souza2
Anne Maria Guimarães Lessa3

1
Discentes do curso de ALMEIDA, Kaianni Mangueira Farjala et al. Lesão cervical não ca-
Odontologia da Faculdade riosa: uma abordagem clínica e terapêutica. SALUSVITA, Bauru, v.
Independente do Nordeste
39, n. 1, p. 189-202, 2020.
– FAINOR.
2
Cirurgiã-Dentista.
3
Mestre em Odontologia
pela Faculdade de Odon- RESUMO
tologia da Universidade
Federal da Bahia. As lesões cervicais não-cariosas (LCNCs) são problemas frequentes
nos consultórios odontológicos. Possuem etiologia multifatorial e se
caracterizam pela perda de esmalte na região cervical dos dentes,
causando deficiência tanto funcional, quanto estética. Como conse-
quência dessas lesões, existe a hipersensibilidade dentária, causada
pela presença de fluídos no interior dos túbulos dentinários que atin-
gem as terminações nervosas. Nesse sentido, o objetivo desta revisão
de literatura foi realizar uma abordagem acerca das LCNCs, eviden-
Recebido em: 29/03/2020 ciando os fatores etiológicos, suas consequências e a importância do
Aceito em: 11/06/2020 correto diagnóstico e remoção do agente causador para a realização

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dos diferentes métodos de tratamentos. Diante dessa realidade, o tra- ALMEIDA, Kaianni
tamento varia de acordo com o diagnóstico do aparecimento dessas Mangueira Farjala et
lesões, sejam elas causadas por fatores intrínsecos ou extrínsecos ou al. Lesão cervical não
a união de ambos. Sendo de fundamental importância o controle dos cariosa: uma abordagem
mesmos para o sucesso do tratamento e uma maior longevidade das clínica e terapêutica.
estruturas dentárias. SALUSVITA, Bauru, v. 39,
n. 1, p. 189-202, 2020.
Palavras-chave: Lesões cervicais não-cariosas. Hipersensibilidade
dentinária. Tratamento.

ABSTRACT
Non-Carious Cervical Injuries (NCCIs) are frequent problems
in dental offices. They have a multifactorial etiology and are
characterized by the loss of enamel in the cervical region of the
teeth, causing both functional and aesthetic deficiencies. Because of
these injuries, there is tooth hypersensitivity, caused by the presence
of fluids inside the dentinal tubules that reach nerve endings. In
this sense, the objective of this literature review was to conduct an
approach about NCCI, highlighting the etiological factors, their
consequences and the importance of the correct diagnosis and
removal of the causative agent for the realization of the different
treatment methods. In view of this reality, treatment varies according
to the diagnosis of the appearance of these lesions, whether they are
caused by intrinsic or extrinsic factors or the union of both. Being
of fundamental importance the control of the same for the success of
the treatment and a greater longevity of the dental structures.

Keywords: Non-carious cervical lesion. Dental hypersensitivity.


Treatment.

INTRODUÇÃO
As complicações relacionadas à perda da estrutura dentária cau-
sada por fatores que não são associados à lesão de cárie estão cada
dia mais frequentes na Odontologia, como são os casos das Lesões
Cervicais Não Cariosas (LCNCs). Isso deve-se ao fato de que as
pessoas estão conseguindo permanecer com maiores quantidades
de dentes hígidos mesmo possuindo idade mais avançadas (XA-
VIER et al., 2012).

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ALMEIDA, Kaianni As LCNCs são condições patológicas de origem multifatorial, sem
Mangueira Farjala et envolvimento bacteriano, que ocasiona a perda da estrutura dentária
al. Lesão cervical não na região cervical, levando a um comprometimento tanto estético,
cariosa: uma abordagem quando funcional do dente (HOEPPNER et al., 2007). Os principais
clínica e terapêutica. fatores etiológicos que levam à ocorrência desse desgaste são: abfra-
SALUSVITA, Bauru, v. 39, ção, abrasão ou ainda a união de um ou mais fatores (XAVIER et al.,
n. 1, p. 189-202, 2020.
2012). O motivo de acometer com maior frequência a região cervical
ocorre devido ao fato de que, na junção amelo-cementária, (JAC) o
esmalte é menos espesso e a dentina e o cemento são pouco resisten-
tes (MACHADO et al., 2018).
Como consequência das LCNCs, a hipersensibilidade dentinária,
caracterizada por dor aguda, de curta duração e que causa descon-
forto ao paciente, é um problema que vem ocorrendo com maior fre-
quência na área odontológica. Essa hipersensibilidade ocorre devido
a estímulos térmicos, químicos ou táteis que, quando em contato
com os túbulos dentinários abertos, decorrente da exposição da den-
tina que, normalmente, permite que ocorra a movimentação de fluí-
dos em seu interior (KINA et al., 2019).
O tratamento para essas lesões é definido após anamnese deta-
lhada e exame clínico que norteiam para se chegar a um diagnóstico
preciso e que pode ser modificado de um paciente para outro depen-
dendo da etiologia. Assim, a terapia pode ser desde orientações em
relação à dieta, escovação, controle de ansiedade com acompanha-
mento psicológico até um ajuste oclusal ou tratamento restaurador
em resina composta (MACHADO et al., 2018).
Outro método de tratamento restaurador é o uso do Cimento de
Ionômero de vidro (CIV). Este material, além de possuir a capacida-
de de se ligar quimicamente á estrutura dentária, possuem um coefi-
ciente de expansão térmica similar ao dente e módulo de elasticidade
que compensa os desgastes causados pelas forças de tração sofridas
na região cervical (KAMPANAS et al., 2018).
Considerando a LCNC uma doença multifatorial e de alta inci-
dência na população mundial, o presente artigo tem por objetivo
abordar, através de uma revisão da literatura, aspectos inerentes a
essa patologia, ressaltando os fatores etiológicos e possíveis formas
de tratamento.

METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão de literatura, baseada em artigos cientí-
ficos sobre LCNCs, bem como, seus fatores etiológicos, as consequ-
ências desencadeadas e seus possíveis recursos terapêuticos. Para a

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busca dos artigos foram utilizadas as diversas bases de dados online ALMEIDA, Kaianni
(PubMed, Lilacs, Bireme), além do acervo da Biblioteca da Faculda- Mangueira Farjala et
de Independente do Nordeste. Foram pesquisados artigos científicos, al. Lesão cervical não
abstracts, monografias, teses e livros referentes aos últimos 15 anos, cariosa: uma abordagem
utilizando os seguintes descritores: “Lesões cervicais não-cariosas”; clínica e terapêutica.
“Hipersensibilidade dentinária”; “Tratamento”. Foram selecionados SALUSVITA, Bauru, v. 39,
n. 1, p. 189-202, 2020.
25 artigos para inserir-se neste trabalho, os quais serviram de base
para a realização de uma revisão de literatura clássica focando o ob-
jetivo do presente trabalho.

REVISÃO DE LITERATURA

Erosão
A erosão dental é resultante de fatores extrínsecos, intrínsecos e
idiopáticos, causada por um processo de dissolução ácida que não
envolve bactérias. O principal fator etiológico extrínseco é prove-
niente de ácidos presentes da dieta que são derivados de frutas, be-
bidas ácidas, e fármacos (XAVIER et al., 2012; KINA et al., 2019).
Por sua vez, a queda do pH na cavidade bucal é consequente de
processos fisiológicos, crônicos, como regurgitação do suco gástri-
co/vômitos, xerostomia, tratamento radioterápico, bulimia e acidez
local dos tecidos periodontais. A oclusão traumática é de origem in-
trínseca, enquanto os ácidos de origem desconhecida são considera-
dos fatores idiopáticos (MODANESE et al., 2018).
A função da saliva foi questionada por algum tempo, por acreditar
que poderia participar do processo de erosão devido às secreções li-
beradas pelas glândulas salivares. Contudo, atualmente, sabe-se que
a saliva possui um importante papel na proteção dos tecidos dentais
e que pacientes com baixo fluxo salivar e menor capacidade tampão
estão mais propensos a possuir LCNC (WOOD et al., 2008).

Abrasão
A abrasão desenvolve-se em decorrência de desgaste patológicos
das estruturas dentais por meios mecânicos anormais, envolvendo
substâncias constantemente, introduzidas na boca em contato com
o dente. Tendo os principais fatores relacionados a procedimentos
envolvendo técnicas, frequência, tempo e forças aplicadas durante
a higienização bucal do paciente. Em superfícies proximais, é ava-

192
ALMEIDA, Kaianni liado ainda o uso de “palitos de dente” e fio dental, principalmente
Mangueira Farjala et quando estes estão associados a uma substância abrasiva (MOLE-
al. Lesão cervical não NA et al., 2008).
cariosa: uma abordagem A escovação quando realizada de modo errôneo, utilizando forças
clínica e terapêutica. demasiadas, causa escoriações ao elemento dentário (HEASMAN
SALUSVITA, Bauru, v. 39, et al., 2015). A rigidez das cerdas das escovas e a abrasividade dos
n. 1, p. 189-202, 2020.
dentifrícios causam ranhuras à estrutura dentária pelo fato de uma
superfície dura deslizar sobre uma superfície mole (BARBOSA et
al., 2009).
Devido à perda de inserção óssea e gengival, a região cervical
irá conter maior área de cemento e dentina exposta para esse fator
etiológico das LCNCs, como abrasão da escova/dentifrício e espe-
cialmente agentes corrosivos (COSTA et al., 2018).

Abfração
Segundo Neville et al. (2009) definem abfração como a perda de
estrutura dentária resultante de um estresse oclusal, que por forças
repetidas provocam defeitos no esmalte e dentina na linha gengival.
Segundo resultados de um estudo de Modanese et al. (2018), no
qual verificou-se que a prevalência de lesões de abfração em pacien-
tes bruxômanos foi significativamente maior do que em pacientes
sem a presença desta alteração. Todavia, existem alguns outros estu-
dos, como o de Figueiredo et al. (2015) que não apontam a existência
desta correlação dos hábitos parafuncionais como apertamento dos
dentes com a presença de LCNC.
Quando o valor da tensão supera o limite elástico da estrutura
dentária, pode ocorrer o desenvolvimento de falhas iniciais, bem
como a disseminação de trincas e fissuras. E, apesar de alguns estu-
dos demonstrarem que não há evidências científicas suficientes para
correlacionar as LCNCs com fatores de risco oclusais, a incidên-
cia de uma oclusão com sobrecarga no elemento dentário é avaliada
como um fator significativo para a existência de LCNCs (MACHA-
DO et al., 2017).
É provável que os hábitos e oclusão parafuncionais favoreçam
mais a perda de substância dental na região cervical do que os pro-
cessos fisiológicos, visto que, as magnitudes de força durante o bru-
xismo são muito maiores do que as cargas funcionais normais (SA-
WLANI et al., 2015).
Indícios clínicos revelam que mesmo se as forças de tensão são
mais baixas em movimentos laterais, se elas não são cargas axiais,
não impedem a progressão da lesão promovida pela interferência

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oclusal em máxima intercuspidação (FIGUEIREDO et al., 2015). É ALMEIDA, Kaianni
também imprescindível salientar que a guia anterior adequada está Mangueira Farjala et
correlacionada com a ausência das LCNCs, isto é, pacientes sem al. Lesão cervical não
lesões têm menos interferências (MACHADO et al., 2018). Sendo cariosa: uma abordagem
assim, diferenciar qual o tipo de tensão predominante, as caracterís- clínica e terapêutica.
ticas e as propriedades das estruturas são primordiais para interpre- SALUSVITA, Bauru, v. 39,
n. 1, p. 189-202, 2020.
tar e instituir um tratamento no sentido de modificação dos hábitos
nocivos (TEIXEIRA et al., 2018).

Complicação devido LCNCs


Hoeppner et al. (2007) consideram que as LCNCs têm desen-
volvido alterações significantes na cavidade oral, como a hipersensi-
bilidade dentinária. Todos os tipos de dentes podem ser afetados pela
hipersensibilidade dentinária, porém, caninos e pré-molares, princi-
palmente os inferiores são os mais envolvidos por conta da sua lo-
calização na arcada dentária, o que pode proporcionar tanto trauma-
tismos gerados pela força durante a escovação, quanto interferências
oclusais por suportar uma maior carga mastigatória (HOEPPNER et
al., 2007). Macroscopicamente, a aparência da dentina sensível não
difere da dentina insensível, o tamanho e a forma da zona dentinária
exposta dependem do agente agressor (RIBEIRO et al., 2017).
A hipersensibilidade pode ser tratada com selantes que impediriam
a entrada de fluidos nos túbulos dentinários. Todavia, apesar dos tra-
tamentos propostos, pode também ocorrer remissão espontânea por
remineralização, pela saliva ou pela formação de dentina reacional.
O tratamento defi­nitivo seria aquele que diminuísse ou impedisse a
movimentação dos fluidos nos túbulos dentinários. Vale salientar que,
sempre que possível, deve-se tentar eliminar ou modi­car os fatores
predisponentes da hipersensibilidade dentinária para que as chances
de sucesso no tratamento sejam maiores (OH et al., 2015).
Segundo Calvacante (2015), a hipersensibilidade dentinária cer-
vical (HSDC) pode ser confundida com outras situações clínicas que
apresentam os mesmos sintomas, como por exemplo: síndrome do
dente rachado, fraturas de restaurações, cáries, sensibilidade pós-
-operatória, traumatismo oclusal e processos inflamatórios pulpares,
reversíveis e irreversíveis. Diante disso, o Cirurgião-Dentista deve
realizar uma anamnese precisa; exames intrabucais (testes mecâni-
cos e por desidratação) e radiográficos que descartem qualquer outra
condição clínica com características semelhantes às da HSDC.
Nota-se que a hipersensibilidade dentinária tem se tornado uma
queixa comum entre os jovens adultos e representado um dos pro-

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ALMEIDA, Kaianni blemas mais persistentes e comuns nos consultórios odontológicos,
Mangueira Farjala et estando os profi­ssionais cada vez mais cientes dessa condição. Sen-
al. Lesão cervical não do assim, torna-se de suma importância o conhecimento prévio do
cariosa: uma abordagem Cirurgião-Dentista dos fatores causadores tanto das LCNCs quanto
clínica e terapêutica. da hipersensibilidade dentária, e assim, utilizar a melhor forma de
SALUSVITA, Bauru, v. 39, tratamento para o alívio imediato e em longo prazo da sintomatolo-
n. 1, p. 189-202, 2020.
gia dolorosa (QUIRINO et al., 2016).

Tratamento
Os tratamentos para os casos de LCNCs estabelecem, além
da remoção dos fatores etiológicos e o acompanhamento para con-
trole emocional, o uso de materiais restauradores a fim de reconsti-
tuir a estrutura dentária, como, por exemplo, o cimento de ionômero
de vidro e a resina composta (TONETTO et al 2012; TEIXEIRA et
al., 2018).
Em um estudo Modena e colaboradores (2016) observaram
que não há um protocolo terapêutico para LCNC. O trabalho en-
volveu 503 CDs e procurou compreender através de questionários
aplicados, a conduta prestada pelos profissionais frente ao diagnós-
tico e o tratamento das LCNCs. Com base nos resultados obtidos os
autores observaram que os entrevistados não possuíam um protoco-
lo preestabelecido para o correto diagnóstico das LCNCs e a forma
de remuneração influenciava diretamente no uso de isolamento ou
afastamento gengival nas técnicas de tratamento (MODENA et al.,
2016).
Segundo estudos, na maioria dos casos é necessário um tra-
tamento multidisciplinar que vai além do âmbito odontológico. Nas
condições de erosão de natureza exógena, a adequação da dieta ali-
mentar deve ser implementada, via de regra. Enquanto que nas si-
tuações de natureza endógena, muitas vezes o tratamento médico
paralelo é imprescindível encaminhamento a médicos gastroentero-
logistas e acompanhamento psicológico.
Inadequados procedimentos de acabamento e polimento, alte-
rações no processo de polimerização do material restaurador, ab-
sorção de água e expansão higroscópica, com o passar do tempo
pode modificar a integridade marginal. A sorção de água e taxa de
desgaste, são mais frequentes nas restaurações de CIV modificado
por resina (CIV-MR) do que nas restaurações de resina compos-
ta, ocorrendo assim uma menor adaptação marginal com as res-
taurações de CIV-MR (KAMPANAS et al., 2018). Sendo assim,
o cimento ionômero de vidro é considerado o material restaurador

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mais compatível para essa região devido à adesão química e a umi- ALMEIDA, Kaianni
dade da região, já que a resina é hidrofóbica e necessita um ambien- Mangueira Farjala et
te seco (FARIA et al., 2016). al. Lesão cervical não
cariosa: uma abordagem
clínica e terapêutica.
SALUSVITA, Bauru, v. 39,
DISCUSSÃO n. 1, p. 189-202, 2020.

Em relação aos aspectos avaliados na presente revisão, res-


saltam-se que os diversos fatores causais determinam a etiologia
multifatorial das LCNCs (MACHADO et al., 2018; KINA et al.,
2019), uma vez que tais lesões não são causadas por envolvimento
bacteriano e sim por perda de estrutura dental dura na região cer-
vical do dente.
Iniciam-se subgengivalmente na região cervical dentária, mas po-
dem ocorrer em quaisquer das faces dentais e tornam-se mais pro-
fundas à medida que é prolongada a ação do seu fator desencadeante
(KAMPANAS et al., 2018). A exposição da superfície dentinária
cervical promove a abertura dos túbulos dentinários ao meio bucal
que, em presença de um estímulo, promove a movimentação dos flu-
ídos tubulares, atingindo as extremidades dos nervos pulpares e pro-
vocando a sensação de dor (MODANESE et al., 2018). Esse desgaste
é iniciado e mantido por mais de um processo de destruição (KINA
et al., 2019).
Segundo Perez et al., (2012), estão associadas comumente a re-
cessão gengival, provocando queixas estéticas, acúmulo de placa
bacteriana na região da lesão, hipersensibilidade dentária, compro-
metimento da integridade estrutural do dente e da vitalidade pulpar
(RIBEIRO et al., 2019).
Em outros estudos de Grippo et al., (2012) foi constatado que as
LCNCs não são causadas por uma causa exclusiva, devido a comple-
xa interação dos mecanismos, sendo eles: corrosão (causando degra-
dação química/erosão), estresse (manifestada por abfração) e fricção
(de escova dental / abrasão por dentifrício) (PEREZ et al., 2018).
Em um estudo feito por Molema et al., (2008), com 100 indivídu-
os, com média de idade de 71 ± 8 anos e variação de 60 a 93 anos,
relatou-se que a frequência de escovações diárias variou de uma a
cinco escovações/dia com 35% da amostra realizando apenas uma
escovação diárias, 29% duas escovações, 24% três, 11% quatro e 1%
cinco escovações/dia. Nele, o conhecimento das instruções sobre hi-
giene bucal era compartilhado por 92% da população e 8% informa-
ram desconhecer instruções específicas para esse fim. Em relação ao
tipo de escova utilizado obteve-se a informação de que 25% usavam
escovas duras, 40% escovas médias, 26% macias, 1% extra-macia

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ALMEIDA, Kaianni e 8% não souberam informar as características da escova utilizada
Mangueira Farjala et (HEASMAN et al., 2015).
al. Lesão cervical não No mesmo estudo foi analisada a ocorrência de fatores intrínsecos
cariosa: uma abordagem de acidez alimentar e foi observado em 60% da amostra com uma
clínica e terapêutica. distribuição quantitativa de 39% dos idosos com um fator intrínseco,
SALUSVITA, Bauru, v. 39, 25% com dois fatores, 14 com três, 17% com quatro e 5% com cinco
n. 1, p. 189-202, 2020.
fatores. A ocorrência de fatores dietéticos extrínseco contribuindo
para uma dieta ácida foi evidenciada em 100% dos casos com dis-
tribuição de 1% com um fator, 4% com dois e três fatores, 9% com
quatro, 14% com cinco, 25% com seis, 26% com sete, 10% com oito,
5% com nove e 1% com dez e doze fatores (HEASMAN et al., 2015).
Em relação à presença de LCNC, observou-se que 12% da amos-
tra apresentavam erosão dentária, 42% abfração e 63% abrasão. Foi
observada uma maior frequência (77%) da presença de apenas uma
lesão, 3% com nenhuma lesão, 20% com duas lesões e ausência de
participantes com três lesões (HEASMAN et al., 2015).
Em um trabalho publicado por Xavier et al. (2017), os autores
consideram que a intervenção restauradora deve ser precedida da
correção oclusal através da eliminação das interferências oclusais,
principalmente os ciclos mastigatórios. Dependendo da quantidade
de estrutura dental perdida, presença de sensibilidade e do envolvi-
mento estético, pode-se optar por resinas compostas, cimentos de
ionômero de vidro convencionais, modificados por resina e compô-
meros. A longevidade das restaurações depende da durabilidade do
material e de suas propriedades, tais como a resistência ao desgaste,
degradação de interface entre dente e restauração e do nível de des-
truição dentária. Sob condições ácidas, todos os materiais restaura-
dores dentários têm mostrado degradação ao longo do tempo.
Segundo Costa et al. (2018), o tratamento das lesões cervicais não-
-cariosas quando realizado utilizando resina composta devolve ao
dente sua integridade além de prevenir uma possível exposição pulpar.
Em um estudo realizado por Montagner et al. (2015) os autores
avaliaram a adesão de restaurações em LCNC e, ao fazer aplicação
da clorexidina após o ataque ácido e antes da aplicação do sistema
adesivo, com o intuito de causar inibição das enzimas metalopro-
teinase da matriz (MMP), que agem impedindo uma melhor adesão
entre estrutura dentária e material restaurador, pode-se perceber que
embora a clorexidina seja um inibidor das MMP não houve altera-
ções nos resultados das restaurações realizadas nas lesões de classe
V. Portanto, são necessários novos estudos para averiguar melhores
métodos de adesão visto que por mais que as restaurações realizadas
durante o estudo tenham sido feitas utilizando a resina composta,
tida com o material restaurador de primeira escolha para se restaurar

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essas cavidades, as restaurações em LCNC ainda apresentam difi- ALMEIDA, Kaianni
culdades clínicas para procedimentos restauradores. Mangueira Farjala et
Sartori et al. (2011), em seu estudo sobre a performance clínica de al. Lesão cervical não
dois sistemas adesivos em LCNC revelaram que o sistema adesivo cariosa: uma abordagem
autocondicionante (Futurabond NR), quando aplicados em restau- clínica e terapêutica.
rações classe V, apresentaram menor sensibilidade pós operatória SALUSVITA, Bauru, v. 39,
n. 1, p. 189-202, 2020.
e maior retenção quando comparados ao sistema adesivo de frasco
único (Solabond M). Em se tratando da sensibilidade pós operatória,
apresentaram, respectivamente, taxas de 81,2% e 89,4% dos casos
acompanhados.
No entanto, há Cirurgiões-Dentistas que possuem opiniões dife-
rentes tanto para o diagnóstico, quanto para a escolha do tratamento
para as LCNC, existindo assim uma interface de conhecimento em
relação a este tema (GRIPPO et al., 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os autores pertinentes consultados, é comprovado
o fato de que das LCNCs apresentam formato em cunha, poden-
do ser encontrada em todos os grupos etários, em especial, adultos
e idosos. O conhecimento da etiologia dessas lesões é significativo
para que sejam tomadas as devidas precauções sobre o desenvolvi-
mento de novos riscos, interrompendo a progressão das já presentes.
Além disso, a remoção do agente causal é um dos fatores fundamen-
tais para o sucesso do tratamento das LCNCs.
A literatura consultada considera, ainda, que existe dificuldade
de diagnosticar as LCNC, especialmente por sua etiologia ser mul-
tifatorial. Portanto, é essencial e obrigatório à necessidade de um
diagnóstico preciso e que o tratamento seja realizado visando à
eliminação das causas etiológicas juntamente com o controle psi-
coemocional, orientações ao paciente e conhecimento científico do
Cirurgião-Dentista, proporcionando assim, uma maior longevidade
das estruturas dentárias.

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