TGSC - 28 Jun. 2023 (Conciliação)

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Em inglês, a sigla ADR (alternative dispute resolution) vem sendo repensada para

que a letra A passe a representar appropriate: mais do que meramente


alternativos, os mecanismos devem ser adequados para a abordagem da
controvérsia a partir da consideração de fatores como o tipo de litígio e as
condições das partes.

A associação entre mediação e arbitragem ocorre por serem meios tradicionalmente


privados de composição de conflitos, sendo conduzidos por terceiros nomeados

AMBIGUIDADES E pelos litigantes para a gestão do impasse. As diferenças entre as técnicas são
significativas: enquanto o mediador colabora para o resgate da comunicação de
QUESTIONAMENTOS modo que os envolvidos possam identificar soluções convenientes, o árbitro exerce
a função de julgador e decide de forma imperativa. Assim, enquanto a mediação se
aproxima da conciliação (em que o terceiro facilitador não tem poder decisório), a
arbitragem se afina com a solução jurisdicional (ambos são mecanismos de
adjudicação em que terceiros resolvem o conflito, sendo suas decisões reconhecidas
como títulos executivos judiciais).
Tanto na mediação como na conciliação o terceiro imparcial irá colaborar para que
envolvidos dialoguem e tornem-se aptos a identificar os interesses sobre os quais
podem transacionar.

Nosso foco no momento é a conciliação judicial, instituto sobre o qual algumas


frases prodigalizadas merecem reflexão; para tanto, nada melhor do que o formato
interrogativo, técnica útil para fomentar ideias e viabilizar legítima
autocomposição.

AMBIGUIDADES E Prevalece (ou deve prevalecer) a máxima “antes um mau acordo do que uma boa

QUESTIONAMENTOS demanda”? E “conciliar é legal”? No que implica, exatamente, à prática


conciliatória, basta apenas perguntar se há acordo? Conciliar é expor as
desvantagens de estar em juízo? Ou colaborar para a conscientização dos
interesses relevantes? Como promover o diálogo? O que pode realmente pacificar
os contendores? Soluções criativas podem representar desfecho mais apropriado do
que o julgamento segundo a legalidade estrita? As perguntas são várias... Quem
sabe a partir de sua análise possamos chegar a algumas conclusões.
Associada a entidades sociais, a Unesco vem fomentando intensamente a cultura de
paz: conjunto de valores, atitudes, tradições, modos de comportamento e estilos de
vida sob os marcos dos direitos humanos, da educação e da transdisciplinaridade.
Por tal visão, busca-se abordar as controvérsias pelo diálogo, pela negociação e pela
mediação com vistas a inviabilizar a violência. A cultura de paz deve ser
compreendida “como um processo, uma prática cotidiana que exige o envolvimento
de todos: cidadãos, famílias, comunidades, sociedades e países”.

Como bem expôs Kazuo Watanabe, a cultura da sentença instalou-se


CULTURA DE PAZ E assustadoramente entre nós, prodigalizando o manejo da solução contenciosa e

ENSINO
adjudicada dos conflitos de interesses. Não obstante tal realidade, fomenta-se a
substituição paulatina da cultura da sentença pela cultura da pacificação.

Para mudar tal padrão de comportamento, deverá ser envidado grande esforço
coletivo. Não basta mobilizar apenas um dos elos; a adoção de técnicas
diferenciadas exige significativa mudança de postura de todos os integrantes da
cadeia do conflito, envolvendo o operador do direito, o jurisdicionado e o
administrador da justiça.
O caminho a ser trilhado, portanto, é longo e cheio de obstáculos. No aspecto educacional, apresentar
ao aluno um mecanismo consensual como uma das formas de acesso à justiça é um desafio a ser
desbravado pelo professor, que precisa se empenhar para demonstrar “que a justiça pode ser
acessada por meio de outra linguagem, advinda do próprio conhecimento jurídico”.

Como a situação ainda não se encontra consolidada no ensino, há um natural reflexo na postura dos
profissionais do direito, sendo facilmente constatável que a cultura da conciliação ainda não se
instalou em definitivo nos âmbitos da advocacia e da magistratura.

Contudo, as novas gerações revelam uma forte disposição para conceber possibilidades amplas e
eficientes de enfrentamento dos litígios. Muitos estudantes têm demonstrado grande interesse em

CULTURA DE PAZ E saber mais sobre técnicas diferenciadas que respondam de forma mais coerente aos questionamentos
sobre celeridade e eficiência na condução dos impasses. É preciso cuidado, porém, para que a dura

ENSINO prática porventura encontrada nas Cortes de Justiça não os desanime em sua busca.

Também os gestores do sistema judiciário têm percebido as grandes vantagens da autocomposição em


relação à decisão imperativa sobre o mérito: afinal, “devolver” o conflito às partes libera o juiz de
aprofundar sua análise sobre o objeto da demanda e permite-lhe finalizar o processo de forma mais
rápida e fácil. É imperioso lembrar, porém, que os meios consensuais só poderão cumprir seu
relevante papel na distribuição de justiça se concebidos em sua dimensão qualitativa.
A despeito da falta de informações e aprendizado sobre meios consensuais, ao atuar em
juízo os jurisdicionados e seus representantes são instados a cogitar sobre a
autocomposição.

Sendo dever do magistrado, a qualquer tempo, promover a autocomposição, audiências


são designadas para gerar oportunidades de conversação entre as partes. Para que
essas chances sejam bem aproveitadas, é de todo recomendável que, antes de participar

A CONCILIAÇÃO da sessão consensual, as partes e seus advogados cogitem sobre a possibilidade de


transação e busquem identificar pontos interessantes a serem abordados na negociação.
NO PODER Em audiência as partes poderão ser veementemente instadas a acreditar que conciliar é
JUDICIÁRIO: a melhor opção e acordos poderão ser celebrados sem a devida reflexão, olvidando
aspectos importantes para sua concretização com eficiência. Tal fato poderá ensejar a
CONCILIAR É necessidade de posterior execução do pacto, já que o descumprimento será resultado da

LEGAL? falta de genuína adesão aos seus termos.

O bom profissional, portanto, deve informar ao cliente a finalidade da audiência,


abordar as possibilidades de autocomposição e compreender com maior profundidade
eventuais resistências, conversando sobre elas com clareza.
O fomento ao consenso está presente no Código de Ética e Disciplina da OAB como dever: cabe ao
advogado estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes (prevenindo,
sempre que possível, a instauração de litígios) e desaconselhar lides temerárias (art. 2o, parágrafo
único, VI e VII).

Como bem destaca a Ministra Nancy Andrighi, é importante cotejar diversos elementos para reverter
o habitual desinteresse dos advogados pela conciliação: além de esta ser conveniente ante a
sobrecarga de atividades do magistrado que conduz o processo, ela traz notas de celeridade e

A CONCILIAÇÃO segurança porque “a homologação do acordo e a extinção do processo permitem o recebimento mais
rápido dos honorários, sem as surpresas inerentes a um julgamento”.

NO PODER A conciliação pode ser realizada antes da instauração do processo ou pode se verificar durante seu

JUDICIÁRIO: curso. Nos últimos tempos vem sendo estimulada a conciliação prévia para evitar o crescimento no
número de demandas e finalizar ações sem a necessária participação estatal.

CONCILIAR É Retomando os questionamentos, é relevante contextualizar e esclarecer: conciliar é legal? Em caso

LEGAL?
positivo, para quem: para o Poder Judiciário ou para os litigantes?

Para o Poder Judiciário a resposta, obviamente, tende a ser vista como positiva: promover os meios
consensuais é uma forma menos custosa e mais célere de gerir o conflito do que investir no complexo
aparato necessário à abordagem contenciosa do mérito das demandas.
Na mesma linha se manifesta João Baptista de Mello e Souza Neto: a celebração de acordos enseja
ganhos secundários para a administração da Justiça ao promover o encerramento de processos, a
diminuição dos feitos (com o “desafogamento” dos Tribunais) e evitar “a quase sempre dificultosa
fase de execução da sentença”. Contudo, como bem adverte, não obstante tais fatores, “é preciso ter
em mente que a vantagem primária e inspiração primeira da solução negociada é o atendimento à
reivindicação justa do litigante. Assim, a transação deve, fundamentalmente, atender aos interesses
dos litigantes, não dos advogados ou dos juízes”.

A CONCILIAÇÃO Assim, vale questionar: e para os jurisdicionados, a conciliação é a melhor saída? Sempre?

NO PODER
Como afirmado, não há como responder genericamente tal pergunta, a priori, sem conhecer diversos
elementos (como a história dos indivíduos, os meandros do conflito e os interesses envolvidos na

JUDICIÁRIO: disputa); em alguns casos, pode ser que sim: se bem conduzida, a conciliação auxiliará os
participantes a identificar e atender seus interesses, resgatando responsabilidades e colaborando

CONCILIAR É para a construção de uma saída conjunta para a pendência.

LEGAL?
Fatores diversificados podem levar à conclusão sobre não ser apropriado concentrar esforços nos
meios consensuais em certo momento: se uma das partes, por exemplo, atuou reiteradamente de má-
fé e já violou acordos anteriores, pode ser vista como essencial uma decisão impositiva da autoridade
estatal – inclusive com cominação de multa para o caso de descumprimento.
Nesse sentido, procede a observação de Botelho de Mesquita, para quem a certeza da
demora dos processos, aliada à forte insistência dos auxiliares da justiça e do juiz para
a celebração de acordos, conjugada à dúvida se o magistrado decidirá segundo a lei (e
não conforme a ideologia que prefere) pode gerar um grave problema: o “poderoso
estímulo ao descumprimento das obrigações e, portanto, à criação de litígios onde, não
fora isso, maiores seriam as probabilidades de adesão espontânea ao império da lei”.

A CONCILIAÇÃO Assim, a todos estes fatores devem estar atentos os administradores e protagonistas dos
meios de gestão de conflitos – sob pena de, contraditoriamente, estimularem a ida dos
NO PODER inadimplentes ao Poder Judiciário para se beneficiarem do fato de que suas agruras

JUDICIÁRIO:
estimulam qualquer acordo e comprometerem, significativamente, a almejada realização
da justiça.

CONCILIAR É Percebe-se, assim, que a situação deve ser tratada com equilíbrio: nem o Poder

LEGAL? Judiciário deve permitir ser usado para postergar o cumprimento de obrigações, nem o
jurisdicionado que tem direitos deve deles abrir mão em prol de celeridade e do suposto
alívio do sistema jurisdicional pela finalização rápida dos processos.
Conciliar transcende a ideia de simplesmente obter um acordo entre as partes. No dicionário, o verbo
conciliar tem como significados “conseguir acordo entre (pessoas) ou entrar em acordo com (outrem);
“congraçar(-se)”, “pôr ou ficar em paz; tranquilizar (-se)”, “fazer ou dizer (algo) com intenção de
conciliar, de acalmar os ânimos”; “fazer aliança; juntar(-se), reunir(-se), aliar(-se)”; “harmonizar ou
harmonizarem-se (coisas contrárias, contraditórias, incompatíveis ou que assim o pareçam)”; “fazer
ir [algo] (para alguém); granjear, atrair, conquistar”.

Como se percebe, diversos verbos são trazidos na forma reflexiva, sinalizando que o sujeito pratica e
sofre a ação simultaneamente: como se nota, a conciliação exige participação ativa dos envolvidos.

O QUE É
Vale então refletir: haverá verdadeira conciliação se o magistrado exagerar no esforço para que as
partes se componham e, pressionadas, aceitem o pacto proposto sem real adesão ao seu teor? No

CONCILIAR?
contexto em que as pessoas se sentem intranquilas e atemorizadas pela autoridade do juiz,
mantendo internamente a postura acirrada sem qualquer harmonia ou aliança, há como crer que a
autocomposição será genuína e alcançará os fins para os quais foi cogitada?

A resposta dificilmente será positiva: afinal, como a autêntica conquista do consenso é complexa, a
atividade conciliatória exigirá uma série de elaboradas condutas por parte do terceiro imparcial que
se propuser a promovê-la.
Conciliar implica participar ativamente da comunicação (aproximando os indivíduos), colaborar para
a identificação dos interesses, ajudar a pensar em soluções criativas e estimular as partes a serem
flexíveis, podendo apresentar sugestões para a finalização do conflito.

A clareza na atuação do terceiro imparcial é essencial para reduzir desconfianças e conferir


credibilidade ao mecanismo consensual. Assim, logo no início da sessão, o conciliador deve explicar o
procedimento a ser observado, aclarando os seus fins, as regras da conciliação e as implicações de
celebrar ou não um acordo.

PARTICIPAR
As atividades de falar, escutar, questionar e responder devem ser apropriadamente conduzidas pelo
conciliador, terceiro imparcial cuja missão é promover o diálogo a partir da identificação dos

VIVAMENTE DA
interesses envolvidos na relação interpessoal, colaborando, assim, para o encontro de uma solução
consensual entre os contendores. Como bem afirma a Ministra Nancy Andrighi, o conciliador deve se

COMUNICAÇÃO
dispor a “usar o tempo que for preciso, permitindo às partes o uso da palavra para desabafarem, e,
mais, com abnegada paciência, ouvi-las como se aquele fosse o único processo existente em suas
mãos, porque é assim que cada litigante imagina o juiz, propiciando com essa conduta o
desarmamento dos espíritos em conflito”.

Assim, o terceiro facilitador “deve estimular as partes a falarem sobre o conflito, provocando a escuta
recíproca e a identificação das posições e interesses das partes”. Até este ponto sua atuação é similar
à do mediador.
Pela autocomposição, uma terceira pessoa é adicionada à relação polarizada entre os
envolvidos na controvérsia; essa nova presença pode viabilizar mudanças na dinâmica
até então estabelecida. Ao autorizar a atuação do conciliador, as partes empreendem
importante abertura, e soluções que nunca estiveram presentes podem começar a ser
cogitadas.

É essencial que o conciliador estimule as pessoas a saírem de posturas de acirramento e


se abram a novas possibilidades.

ESTIMULAR A
A perspectiva nos meios consensuais deve ser colaborativa, não contenciosa. Não se está
diante do poder imperativo de um terceiro julgador, mas sim em ambiente no qual a

FLEXIBILIDADE solução pode ser construída pelos próprios protagonistas da relação controvertida. É
muito importante tal conscientização para que os indivíduos em crise abandonem
posturas fechadas e busquem adotar posicionamentos flexíveis.

Segundo Lilia Maia de Morais Sales, a abordagem antagonista do processo é um dos


problemas dos meios tradicionais de solução de conflitos: as partes são apontadas como
inimigas, como ganhadora e perdedora, como certa e errada.
O modelo contencioso de tratamento de conflitos sugere atuações combativas,
gerando nas partes (e em seus advogados) uma postura de luta que pode
acabar afastando-as dos interesses mais valiosos em jogo.

Para uma produtiva atuação, “o próprio espírito do sistema deve ser


transformado, tendo como prioridade a substituição da lógica de confronto
judicial (que exacerba o conflito) pela lógica da comunicação e da negociação”.
Efetivamente vêm surgindo novas abordagens no tratamento das controvérsias
ESTIMULAR A em que a tônica é buscar os pontos comuns nos interesses de ambas as partes;
FLEXIBILIDADE no modelo consensual, busca-se o “ganha-ganha”, de forma que os próprios
envolvidos sejam aptos a alcançar uma situação mais favorável em relação aos
seus interesses por meio de conversações.
Conciliar é colaborar para a conscientização sobre os interesses das partes, oferecendo espaço para
que elas os identifiquem, sobre eles negociem e encontrem opções para resolver as controvérsias.

Ao promover o diálogo entre os contendores, o terceiro imparcial deve estar atento à comunicação e
aos objetivos do encontro, sendo essencial, para que a negociação seja entabulada de forma eficiente,
identificar também as posições assumidas por cada um.

As posições expressam o que a pessoa quer (ou pelo menos diz querer), muitas vezes constituindo
saídas preestabelecidas por ela no início da controvérsia; costumam ser externadas em discursos,

COLABORAR PARA
sendo explícitas e concretas. Em alguns casos configuram exigências e condições, como na expressão
“não admito em hipótese alguma resultado diverso”.

A IDENTIFICAÇÃO Segundo o método baseado em interesses proposto pelo Projeto de Negociação de Harvard, a
discussão de simples posições pode gerar acordos insensatos, ser ineficaz e pôr em risco a

DE INTERESSES manutenção do relacionamento, sendo ainda pior quando a negociação abrange muitas partes.

Os interesses são os motivos determinantes da atuação dos indivíduos e incluem preocupações,


desejos, temores e expectativas; são imateriais e costumam não ser explicitados, constituindo o que
realmente define o conflito. Para piorar a situação, o indivíduo pode não ter clara consciência de seus
interesses por estar envolvido emocionalmente no compromisso com uma ferrenha posição.
Um exemplo que pode ajudar a compreender a negociação baseada em interesses. Duas irmãs
disputam a última laranja que têm em casa e a mãe intervém; como resolver? Suponhamos
que a mãe tenha optado por dividi-la ao meio e dar metade para cada uma. Ao chegar em
casa, o pai encontra as filhas insatisfeitas e pergunta a razão pela qual cada uma queria a
laranja. A primeira filha disse que queria o suco para preparar um molho, enquanto a
segunda afirmou que desejava a casca para fazer um doce.

O que faltou para que ambas pudessem ficar plenamente satisfeitas? Tirar o foco das
acirradas posições e negociar com base nos interesses para buscar contemplar o que realmente

COLABORAR PARA importava.

A IDENTIFICAÇÃO
Caso a identificação dos interesses tivesse sido feita no início, ambas poderiam ter ficado
satisfeitas porque seus desejos eram perfeitamente conciliáveis. Isso acontece muitas vezes: é

DE INTERESSES
comum que os indivíduos tenham desejos comuns em diversos aspectos (apesar de exporem
posições opostas). Assim, embora locador e locatário possam divergir sobre o reajuste do
aluguel, há outros interesses comuns como a reforma do imóvel, a manutenção do contrato etc.

Como trazer à tona os interesses? Uma técnica valiosa é questionar: por meio de perguntas, o
terceiro imparcial buscará identificar e aclarar os interesses envolvidos na disputa, dando voz
às partes e permitindo-lhes que exponham suas percepções e necessidades.
É comum que, com as respostas, outros temas venham à tona. E se, além do tema abordado
naquele litígio, outras pendências surgirem como prejudiciais ao restabelecimento da confiança
e/ou ao esclarecimento dos fatos? É natural que muitas controvérsias sejam identificadas como
a ponta de um grande iceberg...

Permitindo digressões, o conciliador deve gerar espaços para que os assuntos sejam debatidos,
atentando, contudo, para que não se perca o foco dos principais objetivos da sessão.

Caso se revelem necessários ou interessantes, os outros temas fomentados poderão integrar


eventual acordo; afinal, a transação obtida por força da conciliação frutífera pode trazer
COLABORAR PARA matérias outras além daquelas originariamente trazidas ao processo.

A IDENTIFICAÇÃO Assim, por exemplo, se o encontro tinha por objetivo inicial buscar o consenso sobre o valor da
pensão alimentícia e há ainda outras pendências entre os genitores (como o direito de
DE INTERESSES convivência/visita aos filhos), essas temáticas podem ser incluídas na negociação e, havendo
consenso, até no eventual acordo. Eis mais uma razão para o advogado preparar o cliente para
a audiência e as sessões de promoção de meios consensuais: como outros temas poderão surgir
nos debates, será importante que ele tenha refletido sobre pontos adicionais aptos a serem,
eventualmente, invocados.
Identificados os interesses, o conciliador deve ajudar as partes a transcenderem eventuais posições
rígidas e colaborar para que engendrem novas saídas para seus impasses. Vale destacar, contudo,
que o ideal é que as próprias partes tenham, inicialmente, a chance de delinear as saídas; como elas
conhecem com profundidade o relacionamento interpessoal, têm melhores condições de discernir
opções viáveis e produtivas. Para manter a imparcialidade, o conciliador não deve julgar o mérito das
questões nem dizer às partes o que devem fazer; seu papel é contribuir para que pensem em soluções
criativas.

CONTRIBUIR Exemplo: Dois homens, sentados lado a lado em uma biblioteca, não conseguem entrar em acordo se
a janela acima da mesa deve ficar aberta ou fechada. Após muita discussão, chamam a bibliotecária;

PARA A o que ela deve fazer: propor que deixem a janela semiaberta? Em vez de propor uma “solução”, ela
pergunta o motivo pelo qual cada um assume sua posição. Um homem quer a janela aberta para ter
ELABORAÇÃO DE ar fresco; o outro a quer fechada para evitar uma corrente de vento. A partir das informações sobre
seus interesses, a bibliotecária propõe uma alternativa que pode contemplar ambos: abrir a janela da
SOLUÇÕES sala vizinha. Tal saída, que atende aos interesses das duas partes, não teria sido encontrada se as

CRIATIVAS
partes simplesmente tivessem continuado a negociar em função de posições fechadas e a conciliadora
optasse pela saída mais óbvia sem aprofundar a pesquisa sobre os interesses subjacentes às
condutas dos envolvidos.

Conclui-se, portanto, que para trazer sugestões valiosas o conciliador deve ouvir os envolvidos antes
de sugerir e fazer pressuposições segundo sua particular visão.
Como abordado, nos tempos atuais a conciliação desponta como meio de abordagem de
controvérsias ao qual o legislador processual recorre de forma entusiasmada para reduzir a
imensa quantidade de processos.

Como exposto em outra oportunidade, não há como negar: “a conciliação é muito atraente por
liberar o magistrado de uma análise mais profunda do litígio; por meio dela, há uma
‘devolução do conflito’ às partes (que foram procurar o Poder Judiciário para uma definição e
“PSEUDOAUTOCO se veem confrontadas a encontrarem, por si próprias, uma saída de consenso)”.

MPOSIÇÃO”: MEIO Já na década de 1940, Francesco Carnelutti ressaltava a realidade italiana de fomentar a
autocomposição por sua maior comodidade ao Judiciário, destacando a tendência do órgão
APARENTE DE SE judicial de se valer da conciliação mais como um meio para se livrar do estudo do processo do

LIVRAR DO
que para obter, pela vontade das partes, a justa composição do litígio.

Tal postura não é condizente com a promessa de proteção judiciária estatal. Diante da garantia
LITÍGIO constitucional de inafastabilidade do Poder Judiciário, Este deve, quando provocado, atuar
para auxiliar as partes em suas necessidades. Vale considerar que talvez a parte tenha
procurado o sistema estatal após esgotar todas as chances de acordo; seria legítimo “obrigá-
la” a tentar negociar novamente com quem já agiu de má-fé em tratativas anteriores?
Algumas previsões legais seguem a tendência de fomentar a conciliação (sem cogitar elementos
subjetivos como este) em detrimento do acesso efetivo ao Judiciário. No âmbito dos Juizados Especiais
Cíveis, logo no início do procedimento é prevista a realização de conciliação impondo sanções
seríssimas aos litigantes que deixarem de comparecer à sessão de conciliação: no caso de ausência do
réu, ele sofrerá os efeitos da revelia e, faltando o autor, o processo será extinto sem julgamento de
mérito.

Nos Estados Unidos, Owen Fiss, localizando-se na contramão da tendência de prodigalizar a

“PSEUDOAUTOCO realização de acordos, afirma que o consenso acaba, irremediavelmente, sendo fruto de coerção.

MPOSIÇÃO”: MEIO
Como abordaremos adiante, realmente pode haver indevida intimidação e tal situação comprometer a
credibilidade da conciliação e do sistema judiciário. Quantas vezes as partes não são propriamente

APARENTE DE SE estimuladas a comporem seus conflitos, mas sentem-se coagidas a transacionar pela incisiva
insistência do conciliador? Não há estatísticas sobre o tema, mas qualquer advogado experiente

LIVRAR DO consegue se lembrar de pelo menos uma situação em que o “esforço conciliatório” excedeu os limites
inerentes à necessária imparcialidade. Entre nós, Calmon de Passos abordou o tema, como sempre,

LITÍGIO indo direto ao ponto:

“Nosso único receio é que nossa ‘tara’ por autoritarismo leve à irritação os magistrados que
pretenderem conciliar a todo custo, como temos visto tanto. Não é o aproximar as partes o que
importa para eles, mas sim acabar com o ‘abacaxi’ do processo e findá-lo nos moldes em que a
‘equidade’ do magistrado recomenda”.
Quero acreditar que as partes protagonizaram um bom acordo com a
colaboração da magistrada. Porque, se assim não foi, é muito possível
que aqueles litigantes voltem ao Poder Judiciário pela má gestão do
conflito, seja para executar a decisão (não cumprida espontaneamente),
para rever os termos da avença (que não atendeu aos seus interesses)
“PSEUDOAUTOCO ou para anular a transação (por vício de consentimento).

MPOSIÇÃO”: MEIO Quando a autocomposição é imposta, gera resultados perversos às

APARENTE DE SE partes, perdendo legitimidade e comprometendo a credibilidade do


Poder Judiciário. Tal conduta é altamente criticável e gera uma
LIVRAR DO ‘pseudoautocomposição’, fator que piora ainda mais o quadro de

LITÍGIO desalento e desconfiança quanto à eficiência do sistema judiciário.


• Perguntar se um acordo já foi obtido;
• Explorar as desvantagens da passagem judiciária;
• Intimidar e pressionar;
• Prejulgar e comprometer a parcialidade;
• “Forçar o acordo”.
O QUE NÃO É
CONCILIAR?

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