16-Texto Do Artigo-72-2-10-20171206

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Carolina Carvalho Sena

O cordel e a Fundação Casa de Rui Barbosa

Carolina Carvalho Sena

Resumo

Este texto se apresenta como parte da pesquisa desenvolvida pela autora em sua dissertação
de mestrado em Memória e Acervos na Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), ainda em
andamento. Nele, é possível conhecer um pouco mais sobre o acervo de folhetos de cordel
dessa instituição, assim como obter um olhar diferenciado quanto à origem histórica dessa
literatura, abrindo margem para reflexões sobre o tema. A autora acredita que os escritores de
folhetos de cordel brasileiros tenham recebido a literatura ibérica como inspiração para a
composição de algo genuinamente próprio, tomando como base alguns autores que defendem
essa ideia, contrária ao senso comum. Nesse sentido, considera-se que as condições
características do Nordeste brasileiro tenham proporcionado uma literatura própria dessa
região. Por meio deste texto, também é possível observar a importância do cordel como fonte
de informação e de pesquisa para as diversas camadas sociais e como patrimônio cultural
brasileiro, que merece ser preservado tanto por sua forma quanto por seu conteúdo.

Palavras-chave: Literatura de cordel; Memória; Patrimônio; Identidade; Fundação Casa de


Rui Barbosa.

Abstract

This text is presented as part of the research developed by the author in her master’s thesis in
Memória e Acervos at the Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), still in progress. In it, it is
possible to know a little more about the collection of cordel leaflets of this institution, as well
as to obtain a differentiated look at the historical origin of this literature, opening space for
reflections on the theme. The author believes that the writers of Brazilian cordel leaflets
received the iberian literature as inspiration for the composition of something genuinely own,
based on some authors who defend this idea, contrary to common sense. In this way, it is
considered that the characteristic conditions of the Brazilian northeast provided a literature of
this region. Through this text, it is also possible to observe the importance of cordel as a
source of information and research for the various social strata and as Brazilian cultural
heritage, which deserves to be preserved both in its form and in its content.

Keywords: Cordel literature; Memory; Heritage; Identity; Fundação Casa de Rui Barbosa.

1 Introdução


Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Memória e Acervos pela Fundação Casa de Rui Barbosa
(FCRB). Servidora bibliotecária da FCRB. E-mail: [email protected].

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A Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB) é reconhecida por possuir um rico acervo
com grande diversidade documental, como livros, periódicos, arquivos pessoais, objetos
museológicos, entre outros. Dentre eles, pode-se destacar seu acervo bibliográfico, que
corresponde a cerca de 37 mil volumes. (FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA, 2015).
Há de se comentar que a FCRB abriga obras de posse do próprio Rui Barbosa, inclusive com
anotações pessoais.
Ainda no conjunto bibliográfico dessa instituição, pode-se destacar a coleção de
folhetos de cordel, que conta com cerca de 10 mil títulos, composto inicialmente por seu
Centro de Pesquisa (CP). Esse tipo de documento1 merece ser lembrado, pois além de sua
importância como fonte de informação, possui caráter patrimonial evidente tanto em sua
forma quanto em seu conteúdo.
Outra questão que merece ser discutida, aqui apenas com caráter reflexivo, é a origem
da literatura de cordel, não sendo necessariamente ibérica, como diz o senso comum.

2 O cordel

A literatura de cordel corresponde a uma expressão literária baseada nas formas


métrica e versificada de conteúdos diversos, desde relatos cotidianos nordestinos a fatos
políticos internacionais. A partir da difusão da imprensa no Brasil, ela ganhou maior
notoriedade, mas o caráter oral de sua comunicação não pode ser esquecido, visto que a
oralidade é característica marcante, ainda presente mesmo nos folhetos impressos.

Foram os cantadores, carregados de tradição medieval dos trovadores,


jograis e menestréis, os precursores dos poetas da literatura de cordel escrita.
Referindo-se a essa tradição oral Luyten (1980, p. 3) afirma: “A vinda da
imprensa, apenas em 1808, e outros pormenores fizeram com que o Brasil
viesse a constituir-se um dos países de maior tradição oral de todo o Novo
Mundo”. (PEIXOTO, 2003, p. 38).

Para a grande maioria das pessoas, conhecedoras íntimas ou não da literatura de


cordel, a origem dessa forma de expressão é ibérica. Entretanto, ao se aprofundar nas obras
sobre cordel, é possível encontrar divergências quanto a essa teoria, já que há autores que,

1
“Para Paul Otlet, documento é o livro, a revista, o jornal; é a peça de arquivo [...]. Qualquer meio (suporte)
onde se encontre registrada evidência de uma realização intelectual. [...] informação registrada, que pode ser
considerada como uma unidade no decorrer de um processamento documentário.” (CUNHA, 2008).

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mesmo aceitando que vieram para o Brasil livretos trazidos de Portugal à época da
colonização, preconizam que as condições do Nordeste permitiram que surgisse uma literatura
genuinamente brasileira, com características próprias quanto a sua forma, métrica na escrita,
oralidade, e tematicidade (PEIXOTO, 2003), apontando a “impossibilidade de vinculação
dessas duas formas literárias”. (ABREU, 1999).
Essas questões podem ter sido geradas pela ausência ou pelo desconhecimento de
registros escritos dos primeiros poemas. Mas essa ocorrência tende a reiterar a ideia
supracitada, já que tem-se conhecimento de que o cordel iniciou seu processo de comunicação
por meio da oralidade, antes até da popularização da imprensa no Brasil. (ABREU, 1999).
O cordel já aparecia no Nordeste brasileiro entre os séculos XVI e XVII,
consolidando-se e difundindo-se entre o final do século XIX e o início do século XX.
(PEIXOTO, 2003; QUINTELA, 2015). Em alguns países da Europa, já havia se popularizado
a partir do século XVII. Na década de 1930, o cordel nordestino conheceu o sistema editorial
(QUINTELA, 2015), bem depois da chegada da imprensa no Brasil, com a família real, em
1808. “No final dos anos oitocentos, parte do universo poético das cantorias começa a ganhar
forma impressa guardando entretanto fortes marcas de oralidade”. (ABREU, 1999).
Tomando como base o panorama teórico utilizado, considera-se que a literatura de
cordel brasileira atuou nos seus primórdios como adaptação de temas (e não cópias),
principalmente portugueses. Acredita-se que houve um processo de inspiração no que diz
respeito ao conteúdo dos folhetos, seguido de uma adaptação à realidade brasileira,
especialmente nordestina.
Em Portugal, os cordéis eram produzidos, em geral, como adaptações de outros textos,
como peças de teatro, para esse formato. Já os folhetos brasileiros possuem características
próprias, como regras rígidas quanto à métrica e quanto à estruturação do texto (contagem do
número de sílabas e versos das estrofes do poema, uso de neologismos, atenção às rimas etc.).
(ABREU, 1999).
Os romances espalharam-se carregados cada vez mais pelo elemento
nacional, adquirindo características ambientais próprias, marcados pela forte
presença da oralidade, que tem papel fundamental na consolidação do gênero
literário no Brasil. A poesia sertaneja do Nordeste adquire identidade
própria, adaptando e criando novas formas, ainda bem vivas até hoje.
(PEIXOTO, 2003)

Abreu (1999) elenca as diferenças para ela mais importantes entre os folhetos de
cordel brasileiros e portugueses, pois considera que “os folhetos portugueses eram

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completamente diferentes dos nordestinos. [Com] nenhuma semelhança formal [e] condições
de produção radicalmente distintas”.

Quadro 1: Algumas diferenças entre o cordel brasileiro e o português, de acordo com Abreu (1999).
BRASIL PORTUGAL
Texto em versos, com simplificação dos Texto em prosa, com períodos longos e de
períodos e substituição de vocabulário difícil compreensão devido às dificuldades
sintáticas
Composição dos folhetos como forma de Adaptação de textos de sucesso
sustento do cordelista
Autores e parcela significativa do público Textos direcionados para todo o conjunto
pertencentes às camadas populares2 da sociedade
Forte vínculo com a tradição oral Cultura escrita fornecia os textos extraídos
para o formato de cordel
Cotidiano nordestino como tema Vida dos nobres e cavaleiros como tema
importante
Autores como proprietários de suas obras, Os editores trabalhavam especialmente
podendo vendê-las para editores, que com obras em domínio público
também eram autores

O formato dos cordéis em pequenas brochuras,3 utilizando papel barato, com vistas à
economia apresenta-se como semelhança na publicação de folhetos de várias origens. Assim
foi no Brasil, como também em Portugal e Índia, por exemplo. (PEIXOTO, 2003). A
influência portuguesa pode ter-se dado no que diz respeito ao conteúdo dos folhetos, mas a
questão da forma cabe a uma característica específica da manifestação brasileira. Por outro
lado, também é importante lembrar que os conteúdos dos folhetos podem ter tido como base
qualquer inspiração, seja ela indígena, negra ou mesmo portuguesa, já que o Brasil, desde os
primórdios, abarcou culturas diversas.
As apresentações orais de narrativas, poemas, charadas, disputas não são
peculiares ao Nordeste brasileiro. Todos os povos as conhecem,
principalmente aqueles nos quais a cultura escrita não é dominante. Índios,

2
Pelo menos em seus primórdios, já que com o tempo tornou-se interesse de pessoas do meio acadêmico e das
elites sociais, inclusive.
3
Os folhetos de cordel deveriam ser impressos com número de páginas sempre múltiplo de quatro (8, 16, 24, 32
páginas), com folhas de papel jornal dobradas duplamente ao meio (ABREU, 1999).

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negros e portugueses contavam histórias e faziam jogos verbais oralmente,


não sendo portanto de se estranhar que esta prática tenha se difundido por
todo o Brasil, assumindo entretanto formas específicas em cada região.
(ABREU, 1999).

O Brasil teria, portanto, se inspirado no cordel português, resgatando a tradição de


oralidade sob influências histórico-sociais, como em outras culturas, mas não o copiado. Essa
teoria de cópia, segundo Abreu (1999), teria surgido como mais uma questão eurocêntrica de
colonização, em que nada do colono seria original ou melhor que do colonizador, ou seja, não
era concebida a originalidade de manifestações dos colonos, sendo tratadas como folclore ou
cultura popular – ideia essa reproduzida até os dias de hoje. O próprio nome “literatura de
cordel”, utilizado como alusão aos varais nos quais eram pendurados para venda em Portugal,
só passou a ser aceito pelos poetas depois de seu uso por estudiosos da área, pois no Brasil era
conhecido como “literatura de folhetos”, assim como “folhas volantes” em Portugal, “pliegos
soltos” na Espanha, “littérature de colportage” na França, “corrido” no México, Argentina,
Nicarágua e Peru e “contrapuento” apenas no México. Além disso, conheceu-se também
folhetos na Índia, no Japão e na Nigéria. (PEIXOTO, 2003).
Antes de tudo, é preciso esclarecer uma questão terminológica. Apesar de,
atualmente, utilizarmos o termo “literatura de cordel” para designar as duas
produções, os autores e consumidores nordestinos nem sempre reconhecem
tal nomenclatura. Desde o início desta produção, referiam-se a ela como
“literatura de folhetos” ou, simplesmente, “folhetos”. A expressão “literatura
de cordel nordestina” passa a ser empregada pelos estudiosos a partir da
década de 1970, importando o termo português que, lá sim, é empregado
popularmente. (ABREU, 1999).

Menezes (1994) propõe uma caracterização desse tipo de literatura de acordo com um
recorte histórico. Com essa configuração, fica claro que no início do cordel no Brasil, os
cordelistas escreviam principalmente como uma espécie de rememoração dos romances de
cavalaria medieval, assim como o surgimento da figura do “boi indomável e misterioso”. Isso
se deu, segundo o autor, pelo fato de os poetas e seu público não se reconhecerem como
pertencentes ao Brasil recém-independente de Portugal e ainda escravista. A aventura
cavaleiresca e o combate heroico atuavam como busca de identidade por parte dos sertanejos
nordestinos, principais autores dos cordéis brasileiros nessa época, em um Brasil que eles não
reconheciam como seu. Num segundo momento, passou-se a escrever, entre outros temas,
sobre os cangaceiros famosos que lutam contra os “coronéis” e líderes religiosos. Atualmente,
a tendência se pauta na narração do que acontece no presente.

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3 Público do cordel

Como dito no item anterior, outra questão quanto à literatura de cordel se encontra na
tradição em tratá-la como popular. Entretanto, assim como há autores que discordam da
origem ibérica dos folhetos de cordel, há também a divergência quanto à noção dessa poesia
como estritamente popular: “É correto dissociar ‘cordel’ e ‘popular’, uma vez que tanto
autores quanto público dessa literatura não pertencem exclusivamente às camadas populares”.
(ABREU, 1999).
Sabemos que o cordel se destacou primeiramente no contexto brasileiro na região
Nordeste, pois graças à sua forma versificada e cantada4, atraía os habitantes e os
trabalhadores da zona da mata do sertão nordestino como autores e leitores/ouvintes dos
folhetos. Especialmente essa oralidade conferia a confiança que a população dessa região
depositava no poeta. Por meio da oralidade e das técnicas de memorização, era possível que,
nesse primeiro momento, as pessoas ainda não alfabetizadas, principalmente do interior do
Nordeste, também ficassem informadas sobre os acontecimentos do Brasil e do mundo –
notícias essas que ainda chegavam com bastante custo no sertão nordestino. (PEIXOTO,
2003). Cabe ressaltar que a alfabetização no Brasil prevaleceu por um bom tempo nos centros
urbanos, o que começou a mudar somente com a proclamação da República, em 1889.
(RAMOS, 2010).
As condições sociais da região eram favoráveis ao surgimento e
desenvolvimento de tal forma de comunicação literária, tornando o Nordeste
área favorável à sua difusão. A organização da sociedade patriarcal, o
surgimento de manifestações messiânicas, o aparecimento dos cangaceiros,
as secas periódicas causando desequilíbrios econômicos e sociais, bem como
as lutas de famílias, eram fatores que contribuíam para tornar os grupos de
cantadores em instrumentos do pensamento coletivo de um povo carente de
instrução, através das manifestações da memória popular”. (PEIXOTO,
2003).

Os membros da elite econômica também tinham como lazer os folhetos e suas


cantorias. (ABREU, 1999; QUINTELA, 2005). Por outro lado, sabemos também que depois
do movimento Romântico do século XIX, que trazia questões saudosistas e de valorização
nacional, o meio acadêmico e as elites sociais também passaram a se interessar pelo cordel
mais estreitamente, extrapolando sua notoriedade apenas como lazer. (PEIXOTO, 2003).

4
“Expedito [Sebastião da Silva – poeta popular entrevistado por Abreu em 1989] indica a importância da rima
como auxiliar mnemônico” (ABREU, 1999, p. 113). Além disso, ela também serve para a “gestão e a
preservação da memória social” (PEIXOTO, 2003, p. 38).

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Além disso, nos anos de 1970 e 1980, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, o
êxito entre os migrantes nordestinos despertou na classe média brasileira e nos turistas
estrangeiros o interesse pelo cordel.
Entre os diversos papéis desempenhados pela literatura popular em verso, evidencia-se
a sua função informativa (GALVÃO, 2001), justamente por apresentar uma linguagem
acessível a todo tipo de público (letrado, não letrado, semiletrado, do interior, dos centros
urbanos etc.), assim como a sua importância como patrimônio histórico e cultural do povo,
especialmente no que tange ao Nordeste brasileiro. (ALBUQUERQUE, 2013). “Ricardo
Noblat, jornalista e repórter de revistas nacionais como Fatos e Fotos e Manchete, nos anos
1960 apresentou a ideia do cordel como jornalismo a um público mais amplo, urbano e
sofisticado”. (CURRAN, 2003).
Verificamos que o cordel tem sido visto, desde seu aparecimento até os dias atuais,
como mais uma fonte real de informação para a sociedade, já que possui dimensão literária,
estética e difusão relativamente expressivas na sociedade, e que devem ser consideradas,
extrapolando a necessidade de preservação e valorização apenas de seu suporte físico.
(GALVÃO, 2001; MEDEIROS, 2005).

4 A coleção de cordel da Fundação Casa de Rui Barbosa

Dada a importância da literatura de cordel, reconhecida inclusive por grandes


escritores, como Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado, Guimarães
Rosa, Mário de Andrade e João Cabral de Melo Neto (FUNDAÇÃO CASA DE RUI
BARBOSA, 2015), há no Brasil instituições que abrigam coleções de folhetos de cordel,
sendo a FCRB uma delas, já que possui notável acervo de cerca de 10 mil itens. (BRASIL,
2012).
A FCRB possui aproximadamente 9 mil folhetos de cordel – acervo esse que começou
a ser composto na década de 1960, mediante um projeto iniciado pelo Centro de Pesquisa da
instituição. Nessa década, a direção desse setor era exercida por Thiers Martins Moreira,5 pelo
período de 1952 a 1970, no qual demonstrou preocupação em reunir os folhetos que restaram
no Nordeste brasileiro e formar assim uma coleção na FCRB. Essa iniciativa foi possível em

5
“Trabalhou ainda como advogado e professor secundário, foi catedrático de literatura portuguesa e professor de
direito administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além de professor de estudos
brasileiros da Universidade de Lisboa” (CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA DO BRASIL, 2009).

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virtude da influência que algumas personalidades exerceram sobre Thiers, como os escritores
Manuel Cavalcanti Proença e Orígenes Lessa e o antropólogo social Manuel Diégues Júnior.
A instituição também passou a publicar obras sobre o tema, reunidas na Coleção Literatura
Popular em Verso, coordenada por Thiers. (CURRAN, 2003).
Atualmente, essa coleção está sob a guarda do Serviço de Biblioteca da FCRB, que
continua dedicando esforços para a disponibilização de cada vez um maior número de itens.
Boa parte dessa coleção, cerca de 2.340 folhetos, pode ser acessada em base digital da FCRB,
respeitando todas as questões relativas aos direitos autorais. De acordo com relatório interno
do sistema6, no ano de 2016 ocorreram 35.313 acessos ao acervo digital de literatura de
cordel.

5 O cordel como patrimônio cultural

A literatura de cordel por muito tempo, especialmente antes do alastramento da


imprensa no Brasil, atuou como respeitada fonte de informação, para as mais diversas
camadas da sociedade. Apesar do surgimento de outros meios de comunicação, o cordel ainda
atinge um grande público. (GAUDÊNCIO; BORBA, 2010).
Neste texto, acredita-se que por esse motivo de difusão entre as diversas camadas da
sociedade desde o século XVI até os dias de hoje, assim como suas características singulares
de expressão, com atenção a questões como métrica, por exemplo, o cordel se encaixa
perfeitamente na noção de patrimônio cultural brasileiro. Cabe aqui, portanto, apresentar
definições de identidade, de memória, de lugares de memória e de patrimônio, já que essa
literatura está em vias de aprovação pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional como patrimônio imaterial, o qual perdura através da comunicação de geração a
geração, adequando-se ao ambiente em que estão, promovendo um sentimento de identidade.
(INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, 2014).
O conceito de identidade se refere aos processos de identificações que promovem
sentido de pertencimento ao grupo, tendo como origem, portanto, os processos
sociointerativos e de apego constante ao passado. A memória reforça o sentimento de
“pertença identitária” (individual e coletiva), garantindo coesão e continuidade histórica do
grupo. (HALBWACHS, 2006).

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Documento de acesso interno à FCRB.

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Dentro da concepção de memória, Nora (1993) apresenta a ideia de lugar de memória,


que seria uma construção (não espontânea) histórica com valores manifestados em arquivos,
museus, bibliotecas e monumentos, por exemplo. Um lugar de memória seria algo
reconhecido por determinado grupo como símbolo de processos sociais que tenham ocorrido
ao longo do tempo, expressando assim sua identidade. Os lugares de memória legitimam a
história, constituindo-se em uma “produção voluntária e organizada na memória perdida”.
(NORRA, 1993).
Por último, a noção de patrimônio se refere ao conjunto de bens, sejam eles materiais
ou imateriais, declarado como de grande relevância para a perpetuação no tempo. O
patrimônio contribui para manter e preservar a identidade de uma nação, materializando a
identidade de determinado grupo ao evocar seu passado. (CHOAY, 2001).
Sendo assim, a FCRB se apresenta como mais um lugar de memória da literatura de
cordel, já que possui rico acervo anteriormente citado, assim como forte ligação com muitos
cordelistas, a qual precisa ser reforçada. (NEMER; GALVÃO, 2008).

6 Considerações finais

A partir do panorama teórico apresentado, verificamos que o cordel tem sido visto,
desde seu aparecimento até os dias atuais, como mais uma fonte confiável de informação para
a sociedade, já que, como mencionado anteriormente, possui dimensão literária e estética
relativamente expressivas na sociedade que devem, portanto, ser consideradas, extrapolando a
necessidade de preservação e valorização apenas de seu suporte físico. (GALVÃO, 2001;
MEDEIROS, 2005).
Além disso, acredita-se que este texto, assim como outras obras que discutem o tema,
possa contribuir para a reflexão sobre a origem da literatura do cordel e sua importância para
a memória cultural brasileira, destacando sempre suas características próprias envolvidas.
As análises baseadas na literatura de cordel contribuem para a preservação da memória
brasileira (CURRAN, 2003) e, além disso, corrobora com o atendimento à demanda dos
pesquisadores da FCRB. Essa afirmação se justifica por se observar que o cordel é o
documento mais solicitado ao Serviço de Biblioteca da FCRB, conforme comprovam os

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relatórios estatísticos.7 Há também de se considerar os processos de identificação e de


memória da sociedade com esse acervo e com a FCRB.
Através de sua Coleção de Folhetos Raros, composta por obras originais
publicadas, ainda em vida, pelos poetas pioneiros, a Casa de Rui Barbosa
coloca à disposição do pesquisador uma fonte de inestimável valor para o
estudo da história social e cultural do Nordeste nas três primeiras décadas do
século XX, período compreendido pela referida coleção. (NEMER;
GALVÃO, 2008).

Referências

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Documento de acesso interno à FCRB.

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INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Patrimônio


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