Um Mundo Restaurado - Rubens Ricupero

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Folha de S.Paulo - Um mundo restaurado - 22/11/1997 https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/11/22/dinheiro/3.

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São Paulo, sábado, 22 de novembro de 1997

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Um mundo restaurado
RUBENS RICUPERO

Kissinger deu esse título ao livro que escreveu sobre o Congresso de


Viena de 1815. O tema é de quase 200 anos atrás, mas a obra se lê
com prazer, tendo envelhecido menos do que alguns dos outros livros
do autor sobre questões de estratégia nuclear dos anos 60. O então
professor de Harvard procurou mostrar em seu estudo como
Metternich, primeiro-ministro da Áustria-Hungria, se esforçou em
restabelecer a ordem política do antigo regime, abalada pela
Revolução Francesa e pelas guerras napoleônicas.
O sonho de voltar a antes de 1789, à verdadeira "douceur de vivre",
nas palavras de Talleyrand, outro protagonista do congresso, acabou
fracassando, pois, pouco a pouco, apesar da derrota temporária nas
revoluções de 1830 e 1848, as duas idéias-forças de revolução, o
liberalismo e o nacionalismo, se tornaram a nova ortodoxia. Não
obstante, por meio do "concerto europeu", restaurou-se um mínimo de
equilíbrio entre as grandes potências, que foi capaz de assegurar
quase um século de relativa paz, até 1914.
Desde então, em duas outras ocasiões, Paris, em 1919, após a
Primeira Guerra Mundial, e Bretton Woods, 1944, e São Francisco,
em 1945, após a Segunda Guerra, tentou-se reconstruir a ordem
internacional destruída pelos conflitos. Em cada um desses episódios,
o método foi o mesmo: um processo altamente formalizado e
institucionalizado de negociações entre países soberanos reunidos em
conferência, uma espécie de assembléia constituinte do mundo. Em
cada caso havia um projeto claro apoiado pela potência hegemônica.
O singular de nossa época é que pela primeira vez se assiste à morte
de um mundo e ao nascimento de outro sem um processo formal de
negociações. A nova ordem nascente, a ordem da globalização, se
impõe de maneira parcial, fragmentária, "ad hoc", sem um projeto
explícito. É um pouco como se, em vez da assembléia constituinte e
da constituição escrita introduzidas pelas revoluções americana e
francesa, se preferisse o sistema inglês de elaboração gradual e
pragmática de uma constituição não escrita. Por que as coisas se
passam desse modo? Não é obviamente apenas porque agora a morte
do comunismo tenha ocorrido sem guerra, que o fim do mundo tenha
vindo, como nos versos de Elliot, "não com um estrondo, mas com
um gemido". Nem por isso a profundidade das mudanças foi menor
que após as guerras mundiais, muito pelo contrário.
As razões são provavelmente outras. A primeira é que hoje em dia é
difícil, se não impossível, impor formalmente um projeto
hegemônico. Não é tanto por falta de poder, pois nunca houve

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tamanha concentração de poder em uma só nação. O problema é que


não se pode mais usar o poder sem o mínimo de legitimidade que a
evolução histórica de dois séculos firmemente inseriu nas Nações
Unidas.
De fato, se existe uma lição a tirar da história é que, do "concerto
europeu" à Liga das Nações, e desta à Carta da ONU, há uma nítida
tendência para a auto-organização da sociedade internacional em
torno da gradual realização de dois objetivos: a universalidade e a
democratização do processo decisório. Ora, tudo indica que, com a
totalidade dos países membros da ONU, quase 190, e com o princípio
"um país, um voto" na Assembléia Geral, esse processo atingiu o seu
limite, ao menos no atual estágio de evolução.
Não há sinal de que os poderosos deste mundo se disponham a aceitar
que seus interesses vitais sejam decididos nesse tipo de assembléia
planetária. É por isso que as questões realmente cruciais -moeda,
câmbio, finanças e comércio- são, em parte, da competência do FMI,
do Banco Mundial, da OMC, onde o peso do voto depende da cota de
capital ou do poder do mercado, ou então de grupos mais exclusivos
como o G-7 e até o G-5 ou G-3.
Uma outra razão é que já não existe consenso quanto ao projeto
hegemônico entre os grandes ou no seu interior, como se viu da
rejeição pelo Congresso norte-americano do pedido de "fast track". É
preciso não esquecer, com efeito, que tanto a Liga como a ONU
foram produtos de dois presidentes dos EUA, Wilson e Roosevelt. A
ONU foi a criação da mesma geração de grandes estadistas e
intelectuais americanos que haviam antes sido responsáveis pelo New
Deal, como o nome indica, uma reconstrução da ordem interna, do
pacto social e que, logo depois, fariam o Plano Marshal.
Havia nos Estados Unidos um consenso bipartidário sobre algumas
dessas questões. Hoje, tudo que era encarnado pelo New Deal é
questionado e às vezes rejeitado por setores significativos da nação
americana e entre os postulados ameaçados estão a liberalização
comercial, a ótica internacionalista. É por esse motivo que a reforma
em profundidade da ONU não avança, que não se pode convocar uma
nova reunião de Bretton Woods para pôr fim à repetição de crises
perigosas como a da Ásia, que não há como repetir a Conferência de
Havana sobre Comércio e Emprego, a cujo 50º aniversário devo
comparecer dentro de alguns dias.
A sensação que se tem em todos esses desafios é que não existe nos
países mais poderosos liderança política capaz de enfrentá-los, como
no passado. Ou melhor, o apoio dos líderes é tépido e vacilante, em
face de adversários resolutos e malignos. Como nos versos de Yeats,
em "The Second Coming": "The best lack all conviction, the worst
are full of passionate intensity" ou, em vernáculo,
"Os melhores não têm qualquer convicção, os piores estão cheios de
passional intensidade".
Que Deus nos ajude!

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marcada; No bloco; Contra-ataque; Entre latinos; Altas e baixas;
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cruz; "Alavancando" risos; Procura-se anunciante
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