CATHARINA Pedro Paulo Uma Colec A o Duas
CATHARINA Pedro Paulo Uma Colec A o Duas
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gentes e
paisagens
luso-brasileiras
gentes e paisagens
luso-brasileiras
gentes e paisagens
luso-brasileiras
real gabinete português de leitura
Conselho editorial
Adriana Maciel
Júlio Diniz
Lia Duarte Mota
Luiz Guilherme Fonseca
Raïssa de Góes
Orlando Inácio
Coordenador do RGPL, cujo apoio técnico,
ao longo dos anos, revelou-se imprescindível ao PPLB.
Sumário
parte i Pórtico
Um percurso profícuo 15
gilda santos
ida alves
andreia castro
Um pensar Camões 31
luis maffei
Saudações 561
Memorial – 20 anos do PPLB 575
pedro paulo garcia ferreira catharina*
A coleção literária em pauta neste capítulo, que circulou nos últimos anos do
século XIX e primeiros do século XX, traça um dos inúmeros percursos inter-
culturais efetuados ao longo dos séculos entre Portugal e Brasil, porém com
uma particularidade que merece ser imediatamente destacada: a triangulação
com outras culturas, especialmente com a cultura francesa – no oitocentos,
dominante no mapa intelectual da República Mundial das Letras (CASANO-
VA, 1999) –, por meio de traduções para o português de romances e narrativas
que compõem a coleção.
Uma abordagem inicial da Coleção Econômica da livraria-editora Laem-
mert & C. se deu no âmbito de uma investigação desenvolvida na Biblioteca
Nacional, no Rio de Janeiro.1 Da elaboração do projeto à investigação in loco,
quando se pôde ter efetivamente em mãos os livros,2 a primeira evidência ao
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examinar os romances da Coleção Econômica Laemmert foi que não se trata-
va de uma coleção originalmente produzida por essa editora brasileira. Ales-
sandra El Far, desde 2014, já havia assinalado que se tratava de “uma parceria
com a casa de comércio de livros de A. M. Pereira, sediada em Portugal” (EL
FAR, 2014, p. 67), parceria que podemos entender como uma estratégia edito-
rial eficaz (OLIVERO, 1999, p. 115-158) por parte da Livraria Laemmert. Naque-
le momento de sua história, a editora investia na publicação de obras literá-
rias, após a morte, em 1893, do editor Baptiste-Louis Garnier, que dominava o
mercado literário brasileiro (HALLEWELL, 2012 [1985], p. 217-248 e p. 254-255).
A parceira portuguesa possuía vasta experiência na área, que havia acumula-
do desde sua criação, em 1848 (PEREIRA, 1998), inclusive em diversos acordos
comerciais com o Brasil.
Como figura no verso das folhas de rosto dos exemplares consultados, a
Coleção Econômica Laemmert era impressa em Lisboa, na Typographia e Ste-
reotypia Moderna, situada no Beco dos Apóstolos, n. 11, que havia sido adqui-
rida pela livraria-editora de António Maria Pereira, em sua segunda geração,
à época. Segundo Hallewell (2012 [1985], p. 260-261), no fim do século XIX,
os livros impressos fora do país ainda saíam mais baratos do que os impres-
sos aqui, o que permitia baixar o preço do produto brasileiro, tornando-o
bem acessível. A Typographia e Stereotypia Moderna foi uma das primeiras
em Portugal a possuir máquinas a vapor, o que significava, “em termos em-
presariais, uma boa economia de escala e a possibilidade de um maior con-
trolo sobre a qualidade gráfica das edições” (PEREIRA, 1998, p. 68). A editora
portuguesa oferecia, assim, uma boa opção de negócio para a editora brasi-
leira. Além disso, quando afirmo que não se tratava de uma coleção original
da Casa Laemmert, significa também que a empresa de António Maria Pe-
reira não funcionava apenas como a tipografia que imprimia os livros para a
Laemmert, mas era ela própria a criadora da coleção, cujos tradutores eram
portugueses. Na verdade, a coleção atendia ao mesmo tempo dois mercados
ginas finais contendo anúncios – elementos preciosos para o pesquisador que valoriza, como
Donald McKenzie (2018 [1986]), os suportes e a materialidade dos livros, e para quem “as for-
mas produzem sentidos” (CHARTIER, 1994, p. 13).
Folhas de rosto do romance O sonho (Le Rêve, 1888), de Émile Zola, vol. 4 da Coleção
Econômica Laemmert e António Maria Pereira (Acervo da Fundação Biblioteca Nacional).
António Maria Pereira, como a Revista Illustrada (PEREIRA, 1998, p. 99). Nela,
vemos a representação de uma leitora burguesa, branca, loura e bem-vestida,
confortavelmente recostada em seu sofá, com os pés apoiados numa almofa-
da, em ambiente bem-decorado e aconchegante, no ato da leitura. Na parte
superior da capa, vem o nome da coleção, em letras capitais vermelhas, com-
binando com a cor do vestido da distinta leitora. Na parte inferior, sob os pés
da mulher, o título em capitais, na cor preta, encimado pelo nome do autor,
em tamanho menor e à direita. Sob o título, é discretamente indicado o nome
do tradutor; e, do lado esquerdo, aos pés do aparador, a assinatura do artista-
-ilustrador. Mais abaixo, separado por uma pequena vinheta centralizada, o
nome da editora, sob o qual são designadas as cidades em que atua.
Todos esses elementos gráficos, que constituem um verdadeiro “disposi-
tivo material”, de certo modo atribuem a unidade necessária para que se ob-
tenha um efeito de coleção. No entanto, uma parte importante do que Isabel-
le Olivero denominou “trabalho da coleção” encontra-se ausente da Coleção
Econômica Laemmert/António Maria Pereira. Trata-se de intervenções espe-
cíficas em forma de paratextos, estabelecendo estratégias editoriais que “de-
senham a esfera social de recepção de uma coleção”, como: sistemas de notas
e referências, introduções, prefácios e posfácios, enfim, todo um aparato crí-
tico visando captar um público específico para aquela coleção (1999, p. 126,
tradução minha). No caso da Coleção Econômica, a inexistência desse lado
mais intelectualizado do “trabalho de coleção” deve-se ao fato de ela ser uma
coleção popular, de pequeno formato, impressa em papel de baixa qualidade e
vendida a preço baixo. O público visado era amplo, mas não necessariamente
6. Encontram-se, por exemplo, em pequeno anúncio intitulado “Leitura para homens”, publi-
cado na página 3 do Jornal da Tarde do Rio de Janeiro em 2 de junho de 1879, além de O primo
Basílio, também O crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, e Esposa e Virgem, de Adolphe
Belot – este último sendo um autor publicado na Coleção Econômica. Em anúncio da Livra-
ria do Povo de “Livros baratíssimos”, publicado na página 3 da Gazeta de Notícias do Rio de
Janeiro em 4 de maio de 1886, há, numa longa listagem da categoria “Leitura para homens”, a
presença, por exemplo, de Émile Zola com Germinal et Nana.
A propósito de “Volonté”
A propósito do último romance de Ohnet, autor tão apreciado por uma certa
classe de leitores, fez Anatole France as seguintes observações críticas, dignas de
serem lidas:
9. Cinco entre os dez primeiros volumes da coleção, contendo sete romances e novelas, são
traduções de obras de escritores naturalistas franceses, o que é bem revelador do gosto de uma
época e da aposta dos editores.
Do outro lado do Atlântico, não estando sujeita à mesma legislação da jovem re-
pública brasileira, a Coleção Económica da Livraria de António Maria Pereira
segue em frente como empreendimento editorial que aposta em livros baratos
e acessíveis a todo público, ao lado de outras coleções como a “Coleção António
Maria Pereira”, a “Nova Coleção Pereira” e “Coleção de Algibeira” (PEREIRA, 1998,
p. 108). Após a morte de António Maria Pereira, o filho, houve um período cha-
mado de “interregno”, que durou até 1920, pois em 1898, António Maria Perei-
ra (1895-1972), o terceiro da linhagem, tinha apenas 3 anos de idade. Nessa fase,
a editora foi dirigida por Henrique Monteiro, um empregado de confiança, que
buscou manter a qualidade gráfica dos livros editados (PEREIRA, 1998, p. 117-118).
Para acompanhar o desenvolvimento da Coleção Económica portuguesa
após julho de 1898, foram examinados alguns exemplares da Coleção António
Maria Pereira que trazem nas páginas iniciais e finais a lista dos números já
publicados e aqueles de outras coleções da casa, como a Coleção Económica.
No livro de contos Relâmpagos, de Armando Ribeiro10 (nº 52 da Coleção
APM), de 1904, a listagem dos romances publicados na Coleção Económica
10. Escritor e jornalista lisboeta, um dos poucos portugueses publicados na Coleção Económica
– volumes 82 e 83, com O Destronado, originalmente publicado em folhetim com o título D.
Afonso IV. O Destronado.
Páginas iniciais de O Mistério da Estrada de Sintra, vol. 26 de Coleção António Maria Pereira, 1913.
11. Há seis volumes da parte de António Maria Pereira que são, na verdade, o segundo volume
de uma mesma obra: Ódio antigo de Georges Ohnet, volumes 34 e 35; Nemrod & Cia, do mes-
mo autor, volumes 64-65; Educação sentimental de Gustave Flaubert, volumes 69-70; O herdei-
ro de Redclyffe da escritora inglesa Charlotte Mary Yongue, volumes 73-74; A filha do Dr. Jaufre
de Marcel Prévost, volumes 78-79; e O Destronado de Armando Ribeiro, volumes 82-83. Já na
parte da Coleção Econômica Laemmert, como havia sido mostrado, havia quatro obras inseri-
das em números da Coleção – uma referida na capa no volume 1 e três não indicadas.
12. Mesmo levando-se em conta aquelas cujos títulos originais e datas de publicação ainda não
foram identificados.
Para concluir