As Estruturas Clínicas e A Criança - pt.1

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3a edição

ampiiada e
revisada
As
estruturas
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cranÇa
YüLAíUMA MI OL,! MNN M[!MA

3ê edição revisada e ampliada

M Flrtesõ
As estruturas clínicas e a criança
3'edição - 4" reimpressão 2019

Copyright o 2019 Artesá Editora


É proibida a reproduçáo total ou parcial desta publicaSo, para qualquer finalidade,
sem autorização por escrito dos editores.
Todos os direitos desta edição são reservados à Artesã Editora.

Coordenação editorial
Karol Oliveira

Direção de Arte
Tiago Rabello

Diagramação e Capa
Casa de Ideias

Diagramação
Berenicy Raelmy Silva

Dados Intemacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRJ,-B I 7 057

Meira, Yolmda Mourão


As estruturas clínicm e a crimça / Yolmda Mouão
Meira. Belo Horizonte: Artesã Editorâ" 2019.
-
Bibliogrúa
ISBN 975-8s-7074-023-6

1. Psicmálise infmtil. 2. Psicologia clínica. 3. Psicologia infantil.


4. A importância do diagnóstico na direção da cura. 5. Estrutura
ea crimça. I. Título

t2-0272 cDD 150.195083

Índices pm atálogo sistemático:


l. Crimças : tratmento: psicmálise infantil

Impmso no Brasil
Printed in Brzil

u
§ {r)usrr-zo+o @ l3)ee+oz-zzzt
@ wwwartesaeditora.com.br

§l Av. Rio Pomba 455, Carlos Prates- Cep: 30720-290 | Belo Horizonte - MG

@ @ /artesaeditora
Este liwo é uma coletânea de artigos realizados em mo-
- =:rtos distintos, mâs que têm um ponto em comum: eles bus-
-.::: situar ústa das estruturas clínicas.
a criança do ponto de
Gostaria de agradecer a todos que contribuíram de alguma
:::ra para a produção destes trabalhos: aos colegas, aos profes-
::s. aos alunos, aos analistas e analisantes, tão importantes,
, i. um de uma forma, para a minha prráxis analítica.
De forma muito especial, agradeço a Nilza Rocha Féres,
" -- quem discuti muitos desses temas, por toda a colaboração
-: :re prestou com sua interlocução atenta, disponibilidade
- --jado. As críticas foram fundamentais para um questiona-
- : - r -r contínuo e acarretaram um aprimoramento do trabalho
" -=rrido de um maior rigor teórico. Por outro lado, o seu
- --lo possibilitou-me arriscar e não recuar diante de temas,
. :r=s. um tanto controvertidos.
.......
Prefácio à primeira ediçao ....... ........... I I
Prefácio à segunda ediçao .......19
Prefácio à terceira ediçao ........23
A criança e o sintoma ..............27
Entrevistas preliminares: o sintoma da criança e o
fantasma dos pais ........,...........39
A importância do diagnóstico
na direção da cura ...................59
O Outro da histérica ...............77
A perversão na infância ........... 85

O sexual: além das marcas do tempo? .....101

Fobia: entre o vazio e o objeto .................109


YoLÀNDÁ ]vÍouRÁo MErRÁ

Da neurose de angústia à fobia;


considerações sobre a síndrome do pânico .................. 119

A neurose obsessiva e o real:


um nó na clínica ...................131

Psicossomática: uma escrita....... .............145

A criança e a escrita .............. I53

O tempo e a criança ..............167

A estrutura e a criança ..........183


PnsFÁcro À PRTMETRA rnlcÃo

Com a publicação de As estrwtwras clímicas e a criamça, a


-. canalistaYolanda Mourão lVIeira testemunha este encontro
- r-i o real da clínica e a exigênci a ética de tratá-lo pelo simbó-
-. por meio de uma escrita formalizada sobre a psicanálise
, n criança, demonstrando que esta é um analisante integral
- lo o adulto.
Embora a criança seja uma presença constante nos con-
, -,rórios de psicanálíse, aí chega conduzida pelas mãos dos

=.s que demandam um alívio para o seu sofrimento e de seus


- os. E, diante da demanda destes sofredores, o analista tem
-e\ er de dar uma resposta que não se encontra em manual

: qrrl1, mas que a éÍica da direção do tratamento exige que seja


-. entada, construída dentro de uma formalização teórica que
rr:rita uma transmissão que possa se fazer na escrita. Trata-se
YoLÁNDA lÍouRÀo MErRA

de uma tarefa difícil, complexa e trabalhosa, produzindo angús-


tia nos analistas, que muitas vezes se veem paralisados diante
destas operações - invenção, formalização, transmissão. Assim,
há os que atendem seus pequenos pacientes levando-os a um
final de análise, mas que recuam diante da tarefa da forma-
Tizaçáo teórica da direção do tratamento pela üa da escrita.
Há como explicar tais atitudes quando nos lembra-
mos que o analista tem horror de seu ato, mas sabemos
também que é justamente no trabalho de formalização de
sua invenção que poderá fazer o tratamento desse hor-
ror, desde que a psicanálise é o tratamento do real pelo
simbólico, tendo validade também no exercício deste
ofício. E é isso que esta publicação propõe, tomando questões
do dia a dia do analista que responde às vozes de quem sofre e
Ihe demanda alívio, examinando questões de sua práxis, como
as estruturas clínicas, que dão um novo caráter aos diagnósticos
e um tratamento diferencial a partir deste enfoque que enfatiza
a linguagem como a estrutura na qual o sujeito se posiciona,
estabelecendo, assim, que o tratamento psicanalítico se torna
possível a partir do momento em que se reconhece o estatuto
de sujeito na criança.
Com os títulos "Entrevistas preliminares: o sintoma da
criança e o fantasma dos pais", 'A criança e o sintoma", 'A
importância do diagnóstico na direção da cura", "A perversão
na infância", "O Outro da histérica", 'A estrutura e a criança",
a autora marcâ o seu percurso, dando arazáo de seu ato, não
recuando diante do real de uma clínica que só pode ser ética
na medida em que não pretende dar simples respostas, mas
formular questões e provocar debate.
Esse debate se inicia com o conceito de criança, o qual
passou por várias modiflcações, alcançando a criança o esta-
PiFicro À PRTMETRÁ EDrÇÁo

:uto de objeto da ciência, especialmente neste século, com o


desenvolvimento da pediatria e da psicologia.
A maioria das concepções sobre a criança partia do princí-
:io de que algo deveria ser superado para que ela pudesse che-
zar ao pleno desenvolúmento, que ocorreria hierarquicamente
em direção a uma maturação completa. De certa maneira, a
;riança seria uma miniatura do adulto.
Freud, com a psicanálise, vem colocar outro tipo de
:aciocínio para o desenvolvimento, indicando que este é
:nais efeito de rupturas do que de continuidade e que nada
,ssegurará o pleno desenvolvimento em função de uma
cronologia. E a sexualidade infantil, até então ignorada e
:eprimida, passa a ser compreendida de uma outra maneira
após os esclarecimentos trazidos pela descoberta do incons-
ciente. Esta passagem da cronologia para a estrutura pode
'er exemplificada com o primeiro contato da criança com o
seu eu: trata-se da clássica experiência da criança diante do
espelho, quando ela antecipa sua imagem completâ, em um
momento em que não tem ainda competência para sustentar
-ssa imagem, sequer do ponto de vista motor.
tl salto da Natureza à Cultura deixa um vazio, um abismo
- --.nsponível que chamamos falta, incompletude, castração.

- :-do que o ser falante faz - seja de positivo ou negativo,


-= mrição, de sofrimento, de sintomas - é uma resposta ou
-ma forma de lidar com a falta. Alguns tentâm tamponá-la,
enquanto outros frngem que não existe ou que, um dia, poderá
ser eliminada.
Esta operação acontece ao longo da üda e se fixa prova-
velmente na infância, não desaparecendo na fase adulta. Os
sintomas são os mensageiros da falta e, ao mesmo tempo, as
formas de tratár-la, aparecendo na infância ou na vida adulta,
Yor,lN».a. MouBÀo Mrnl

podendo desaparecer naturalmente. E a esftuturação do sujeito


nos esclarece que poderão ser tomados não como um defeito
a ser consertado, mas como uma marca da estrutura.
Assim, o sintoma - as dificuldades na fala, na escrita,
na marcha - pode ser as formas que a criança encontra para
expressar seu sofrimento e que, ao mesmo tempo, demons-
tram apenas um caminho de enfrentar e conüver com a falta.
Daí Freud ter falado da "neurose infantil" como sinônimo de
desenvolvimento da criança. E os pais, os promotores dessa
neurose, no sentido de que são os "embaixadores da cultura".
A questão ética que se coloca é exatamente perguntar-se:
qual é o momento em que o sintoma se torna sintoma a ser
tratado, deixando de ser uma expressão do desenvolümento?
Questão que implica uma tomada de posição ética de todos
os que trabalham com a criança: pais, médicos, professores e
psicanalistas.
O sintoma médico é um signo e como tal representa
alguma coisa para alguém. Assim, se alguém tem febre, dor
de garganta, coriza, por exemplo, comumente estes signos
apontam pâra o diagnóstico de gripe ou resfriado. Já na psi-
canálise, o sintoma não será tratado somente como algo que
representa alguma coisa para alguém e que deve ser elimina-
do, mas como um ponto de verdade do sujeÍto, enígma que
se endereça a um ser. Ele tem uma função clínica, ou seja,
o sintoma se endereça a um saber - ao psicanalista - para
fazer uma questão sobre: "o que o Outro quer de mim?" ou
"quem sou eu?". E o sintoma tem essa função quando já náo
se sustenta como resposta ao vazio, tornando-se um incômodo
e um sofrimento para seu portador. E é nesse momento que
se procura o analista: quando está sofrendo com o sintoma ou
com as formas que encontrou para lidar com a falta.
PREFÁcro À PRTMETRA EDrcÀo 15

Qual a diferença da criança e do aduito? Diversos setores


e instituições marcam tal diferença: a escola diz que a criança
é a que não sabe e que deve aprender; a sociedade afirma que
ela não está no mercado de trabalho, é uma dependente; a lei
determina que ela é inimputável, é menor e não é responsável
pelo que faz... Enflm, que "não é dona de seu nariz".
A psicanálise diz que ela é um pequeno sujeito, mas apesar
da pequenez, tem pulsões, sentimentos, emoções... e incons-
ciente. E isto para a psicanálise é o bastante para abordá-la e
levá.la muito a sério, Foi o que fez Freud, abordando a criança
por meio da análise de seus clientes adultos. Isto demonstra
que o inconsciente não tem idade e que não há um desen-
volvimento linear cronológico e evolucionista da infância à
idade adulta. E um conceito importante aqui é o aposteriori,
ou seja, quando um segundo acontecimento vem significar um
primeiro, que sem esse segundo não teria sentido.
A psicanálise com crianças testemunha a ética que coloca
a criança no discurso analítico como sujeito do inconsciente.
E para isso há dois lugares possíveis da criança encontrados
na clínica:
. como sintoma, representante da estrutura da família,
como verdade dos desejos do par parental;
. como fantasma, encarnando com seu corpo o objeto causa,
funcionando como objeto que tampona o desejo da mãe.

E a posição do analista é franquear um espaço pârâ que


a criança possa construir seu fantasma, sua possibilidade
de tomar sua posição singular na relação com o mundo,
destacando-se do fantasma dos pais.
Mas como tomar tal posição se a criança vai à análise
:errpre pelas mãos dos outros, dos pais?
t6 Youlml !ÍounÀo Mrna

Há que se ouvir os pais, acolhendo essa demanda que


endereçam ao analista por meio de sua crianÇa, para que o
pequeno sujeito possa chegar à análise por conta de seu
próprio inconsciente. Esta üa pode ser o sintoma, mas que
deverá ser escutado em análise como enigma, da mensagem
a ser decifrada, quando o sujeito faz dele questões: Por que
sou assinn? Por que não consigo escrelter, jogar, andar corno os
m.eus colegas? Sou norncal? Afinal quenn sou ew? Chegar a tais
questões já significa efeito de trabalho, momento da verda-
deira demanda de análise, ultrapassando a demanda dos pais,
deixando-se interrogar sobre o desejo do Outro por que rneus
pais querem que euuenha aquiT - e passa a interrogar-se sobre
seu próprio desejo, e o analista é colocado no lugar de alguém
que pode responder à sua questão.
Mas o analista só pode ser um sujeito-suposto-saber que
tem como função fazer o cliente trabalhar para encontrar o
que o causa. Por isso o tempo das chamadas Entrevistas Pre-
liminares é fundamental para que se estabeleça com clareza
a demanda e a transferência dos pais no que se diferenciam
da criança, já que se trata da análise para o filho e não da
análise dos pais. E saber, também, que em muitas demandas
de análises de crianças não se vai além dessas entrevistas,
quando se esclarece que os pais fazem suas demandas de
análise via sua criança, que se corporificam nos filhos. A
intervenção do analista pode trazer esta retificação subje-
tiva, com sua implicação na demanda própria, tornando-a
independente da do filho.
Há, portanto, uma diferença marcante entre a psicanálise
e outras abordagens pedagógicas que propõem a adaptação
do pequeno sujeito, muitas vezes submetido totalmente âo
desejo dos pais.
l\.rrcro À pnrr'rrrRA EDIÇÀo 17

A ética da psicanálise com crianças é saber, ao receber


,rs pacientes, aonde conduzi-los, sem impor valores, ou os
', alores dos pais
ou de qualquer pedagogia. Éti., q,r" p.o-
:Õe um final de análise no ponto em que alguma coisa se
:erde - chegar aonde a mãe é impossível como objeto de
:atisfação -, mas ao mesmo tempo propicia o encontro com
que o causa, que tem a ver com o desejo, que é exatamente
, lalta que os sintomas tamponavam. Desta forma, o final
la análise é possibilitar o bom convívio com os sintomas,
:ornando-os criacionistas.
Todas estas questões e muitas outras estão presentes nesta
:ublicação que mostra a unidade da psicanálise quando coloca
iro mesmo nível a psicanálise com adultos e com crianças, sem
romper com a especificidade de cada campo. Priülegiando
;onstruções elaboradas a partir de uma prática, sua leitura
abre para cada leitor o horizonte da implicação.

Nilza Rocha Féres


Psicanalista
A iniciativa da Editora Casa do Psicólogo de uma terceira
:dição - reüsada e ampliada - do presente liwo: As estruturas
:!ínicas e a crian4a, é um ato que, em si, já, diz da relevância de
-Lm trabalho. AIém de renovar a importância do assunto tratado
:las outras edições, constata a receptividade dos leitores a esta
,rbra, que se revelou um escrito psicanalítico de referência.
Yolanda Mourão Meira apresenta-nos um sólido percurso
:eórico do tema, com textos fundamentados na prática clínica
:om crianças, e revela, assim, um corajoso compromisso de
sustentar a Transmissão em Psicanálise, mesmo com os ine-
rentes desafios desse campo de estudo.
É ,-r "trabalhadora decidida", parafraseando Lacan na
\ta de Fundação da Escola Freudiana de Paris, quando aposta
nessa condição como valor e perspectiva de um trabalho.
You.roa MounÀo Mrln,a

A autora instiga e contribui, de forma marcante, ao trazer


questionamentos sobre a psicanálise com crianças, fiel à pro-
posta da psicanálise de manter o saber interrogado, sem verda-
des totalizantes e sempre uma escuta particular, do um a um.
Maurice Blanchot em A co'ruversq infinita aponta que é
necessário um espaço livre para saltar, para transformar o
movimento em salto, que é a liberdade de questionar.
Os avanços da clínica psicanalítica insistem na relevância
de se abrir espaço para escutar o sofrimento da criança e de
seus pais, tão logo se manifeste. O sintoma de uma criança,
e aqui fica registrado que independe da idade, é um ponto de
verdade do sujeito, um enigma que se endereça ao outro, e
pede atenção. Seja um fenômeno psicossomático, uma fobia
ou manifestações obsessivas, dentre outros sintomas, ali se
encontra um sujeito que busca "a instauração de uma nova
ordem", diante do fracasso do que se moümenta na sua rea-
lidade psíquica.
Foram incluídos três artigos nessa edição.
Da meurose de angústia à fobia: comsiderações sobre a sín-
dronoe do pânico é um artigo que reútaliza a contemporânea
discussão sobre a síndrome do pânico com o debate de que esse
fenômeno responde "ao que sempre foi central da patologia
psíquica que é defender-se da castração". Apresenta posições
de vários autores, inclusive Freud com suas contribuições sobre
a angústia e a neurose de angústia. Os pontos desenvolüdos
sobre a fobia trazem relevo de que esta "introduz no mundo da
criançau.ma estrutura, instaurando uma nova ordem do interior
e do exterior... A fobia é, pois, um tempo de espera que pode
fazer opetar o recalque".
O segundo novo artigo, A neurose obsessiua e o real: um nó
na clímica, articula a neurose obsessiva com os registros do Real
; -:ÁCIO À TERCEIRÂ EDIÇÁO

: ,l Dó borromeano, extrai de estudos da prática clínica como


.,: se desencadeia e apresenta as estratégias que o obsessivo
,--íliza no seu confronto com a questão morte, em seus vários
-esdobramentos, Tais aspectos são eüdenciados no caso de
-na criança avassalada pela angústia, uma vez que falha o
;calque. A autora lembra, pertinentemente, que Freud, desde
primórdios, tratou dos excessos da sexualidade do obsessivo
s

.-do horror com que se deparava com o gozo.


Psicosso'noátict umoa escrita é o terceiro texto incluído, com
ma mostração clínica da análise de uma criança de 4 anos,
= da implicação dos seus pais na "resposta somática a vivên-
-ias psíquicas" que o filho manifestava. A autora considera a
:isfunção psicossomática como um escrito no colpo, discute
. direção do tratamento, e aponta que o fenômeno psicosso-
rrático lança um desafio ao analista, de como levar o sujeito a
-alar desse enigma, dessa escrita ilegível.
Assim, temos em mãos essa significativa produção, uma
:ror,a volta no tema As estruturas clínicas e a criança. Um novo
circuito, que nos enlaça na condição de trabalho futuro com
,rs apontamentos indicados.
Uma especial conquista de Yolanda Mourão Meira, que
conta com nosso testemunho de seu empenho e entusiasmo
com a Psicanálise.

Rosely Gazire Melgaço


Psicanalista
Escola Freudiana de Belo Horizonte / IEPSI
Como as crianças chegam aos nossos consultórios?
-\s crianças rarâmente vêm à análise como os adultos,
t.tes vêm porque estão infelizes, ou porque não se entendem
= portanto, querem fazer uma análise. Mas e a criança?
Normalmente elas vêm trazidas pelos pais. Ouümos uma
.=rie de queixas. Estão preocupados porque João é muito
-rido e inibido, outras vezes porque Pedro é muito agitado
: sem limites, outras porque Paula não se comunica com
-nguém, outras, ainda, porque Renata tem umas manias
=squisitas, ou porque faz coisas com seu sexo que escandaliza
.. pais. Já Lucas preocupa os pais porque não consegue ler
-.:m escrever. Tereza úve frequentando consultórios médi-
: rs. sempre doente, até que um médico sugere aos pais que
-,squem um analista.
28 YoLaNoa lrÍoun io NÍeine

Vemos que a criança não vem ao analistâ com suas próprias


pernas. Ela vem usando uma muleta: os pais. Vem portando
um sintoma, que incomoda os pais em certa medida. Como o
analista opera com esse sintoma?
Sabemos, desde Freud, que o sintoma é um sinal e um
substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu
recalcada, isto é, fora da consciência. Resumidamente te-
mos que uma situação de perigo, ligada a alguma satisfação
pulsional proibida, ocasiona o aparecimento da angústia, e
as defesas são acionadas, Perante o conflito entre a satisfação
pretendida e o que interdita essa satisfação, surge o sintoma,
que busca uma conciliação. Desta forma se satisfaz um pou-
co a pulsão e um pouco as defesas. O sintoma é, pois, um
substituto deslocado, inibido e não reconhecível de uma sa-
tisfação, por estranho que isso possa parecer. Como podemos
entender que haja uma satisfação nos desmaios de Joana)
Sabemos que a satisfação da qual estamos tratando não é
aquela de felicidade, de bem-estar. Ela pode incluir a dor e
o desprazer. Dessa satisfação Joana não pode se dar conta,
pois se trata de algo proibido; a satisfação das pequenas
mortes que os desmaios representavam para ela, pois Joana
tinha de satisfazer o desejo da mãe de ser a sua irmã morta.
Freud coloca, assim, o sintoma como uma das formas pelas
quais o inconsciente se apresenta, o que determina algumas
considerações do analista:

l. Em primeiro lugar não há uma proposta de suprimir o


sintoma, pois ele traz em si a marca do inconsciente. Se
o inconsciente não se manifestar desta forma, outra será
usada. Na medida em que a psicanálise trabalha com
uma proposta de abertura do inconsciente, seria mesmo
inconcebível falar em suprimir uma manifestação sua.
r-.RIÂNÇÀÉOSINTOMA 29

2. Se não temos como objetivo suprimi-lo, o que podemos


fazer com esta criança que sofre dessa maneira? Tocamos
aqui no próprio objetivo do tratamento analítico.
3. Se devemos possibilitar a abertura do inconsciente e o
sintoma é uma das suas apresentações, é lógico que ele
mostra um caminho que não deve ser desconsiderado.
Acreditamos que, possibilitando esta experiência do
inconsciente, colocando o sintoma a trabalho, algo possa
ser mudado. Falaremos disto daqui a pouco.
-t. Por outro lado, se o sintoma concilia o desejo e a
interdição, o sujeito pode obter um ganho extra de
satisfação no uso que faz do sintoma, o que aumenta a

aderência a ele. Por exemplo, os pais de Maria me


procuram porque ela tem um diagnóstico de anorexia,
isto é, ela não se alimenta. Isto tem um sentido para ela: o
de não ser comida pela mãe, que a cumulou de cuidados.
É ,o^a se dissesse: me deixe querer! Assim, ao mesmo
tempo que esse sintoma representa um perigo para sua
sobreúvência pessoal, ela tem todo um ganho extra, que
é o da preocupação e cuidados constantes da mãe.
5. Um aspecto do sintoma não pode ser esquecido. Ele
também é uma proteção contra as vivências penosas da
criança. EIe representa até um pedido de socorro, uma
forma de mostrar que a criança não está bem.

Temos o caso de Ricardo, que era enurético, faziax.xina


cama jâ com seis anos. Os médicos muitas vezes receÍtam
remédios pâra essas crianças. É o .u.o de tapar a boca de
Ricardo, que só dá conta de falar de suas raivas dessa forma?
Há também sintomas que protegem as crianças de vivên-
cias de castração, por exemplo, os medos e as fobias, tão fre-
quentes em crianças de três anos. Para não se verem acossadas
1Ú Yor^tNon MouRÁo Mrm.À

nessa situação de ter que se deparar com a falta, elas eütam


essa confrontação por intermédio do medo do escuro, do pavor
do lobo mau, do pânico de elevador etc.
Colocada esta primeira leva de questões, gostaria detrazer
alguns subsídios para que elas possam ser mais bem encami-
nhadas. Trata-se de examinar a relação entre sintoma e fantasia.
Em geral, â pessoa vem ao analista com um sintoma que
a faz sofrer. Fala facilmente do sintoma e, apesar do descon-
forto que traz, ele é ligado ao prazer. Como isto se dá, se o
sintoma é motivo de desprazer e de lamentação por parte de
quem procura análise?A dica para esta resposta encontra-se na
articulação do sintoma com a fantasia, que é algo que permite
ao sujeito obter prazer.
Freud, no texto sobre as fantasias histéricas e sua relação
com a bissexualidader, parte do sintoma de uma histérica cuja
crise, ao mesmo tempo, continha os elementos masculinos
e femininos, isto é, com uma mão ela puxava a roupa como
se fosse um homem buscando despi-la e com a outra ela a
segurava, como que impedindo uma investida masculina. Ele
parte do sintoma e chega à fantasia subjacente que estaria
ligada à questão referente à sexualidade: sou homem ou sou
mulher?
Interessante esse caminho que nos conduz do sintoma à
fantasia.
As pessoas que chegam ao consultório de um analista
vêm com um pedido, uma demanda. "Estamos sofrendo",
ou "nosso filho está sofrendo. Gostaríamos que você nos
dissesse o que devemos Íazer para resolver esta situação".

TFREUDS.(1908).Fantasiashistéricasesuarelaçáocomabissexualidade.ln:EdiçaoStandard
Brasileira das obras psicológicas completas de. v.lX. Rio de .Janeiro lmago,1976.
i-'-\C.{ E O SINTOMÁ 3r

analista pode dar uma resposta que confirme a existên-


-. de alguém que tem respostas certas a serem dadas. O
:. fissional mantém-se em um nível terapêutíco e fecha
-: portâs ao nível da análise, que pressupõe uma abertura
. - iitra dimensão que é a do desejo. Nao desejamos o que
::-ros; ao contrário, desejamos algo que não temos, e su-
: ,:nos que a outra pessoa tem essa coisa. Cansamos de ver
.::r acontecer por aí, por exemplo, a máe que se queixa de
.=: brincado pouco na infância e cobre o filho de presentes
-=:os. A gente até brinca que o autorama que aquele pai dá
-::a o filho de um ano, e com que não deixa o filho brincar,
. lm brinquedo do pai. Também de outras formas menos
--'Ír-eis, isto costuma acontecer. Os pais desejam que o filho
.=-ia o que eles não foram, tenha o que não tiveram. Isto é

-:na característica do desejo: deseja-se o que não se tem, o


:-re não se é. Aquela criança que vive pedindo coisas aos
:eis não está só pedindo a bala, o chiclete, o carrinho, a
: lneca. Tanto isso é verdade que os pais dão essas coisas
:àra as crianças e elas continuam pedindo outras, como se
, felicidade estivesse aí, como se houvesse um objeto, uma
:oisa que fosse realizar o nosso desejo. Doce ilusãol Esse
-'bieto não existe, e é próprio do desejo desejar...
Então, o acesso ao desejo implica que o sujeito se depare
.om o que lhe falta, e não que a sua questão seja ilusoriamente
:espondida por alguém que se coloca na posição daquele que
:udo sabe...
Os pais de Rui chegam se queixando do filho, que não
respeita ninguém: nem a professora, nem a diretora da escola,
nem o pai, nem a mãe. Estão perdidos e pedem ao analista
que lhes diga como fazer para dar um jeito nesse filho tão
"custoso". O analista não responde deste lugar. Mesmo porque
32 Yolaror, MoueÀo Mrme

não adiantaria nada, porque esses pais não conseguem "parar"


esse menino que pede desesperadamente que eles funcionem
como àutondàôe.
Como, pois, ouvir essas diferentes demandas feitas ao
analista?
Se a "demanda vem vestida de qualquer roupâ"2, devemos
ouvi-la e dar uma resposta que possibilite a abertura para o
desejo. Este deve ser o nosso posicionamento ético.
Assim, a questão inicial é: como se move o desejo nesse
circuito pais e filhos? Para mim, esta é a questão diagnóstica
fundamental.
Freud, desde o início de sua obra, apontou para a impor-
tância da elaboração de um diagnóstico inicial, que tem um
papel decisivo na direção do tratamento. Ele aponta, também,
uma ambiguidade em torno da qual se coloca o problema do
diagnóstico no campo da clínica psicanalítica: deve-se esta-
belecer precocemente um diagnóstico para decidir quanto à
condução da cura. Contudo, a pertinência desse diagnóstico
só receberá confirmação após um certo tempo de tratamento.
Ele é feito na etapa preliminar do tratamento, e com relação
à criança há um complicador que é a forma particular da
procura. Quem está pedindo ajuda? O que é que se está
diagnosticando)
Os pais vêm com uma angústia, uma fantasia a respeito da
criança e um tanto de historinhas que eles (se) contam para
acalmar suas angústias, adquirir um certo saber sobre a coisa
que não tem nome. Essas histórias são importantes porque
nos informam sobre a posição dos vários membros da família
perante sua satisfação, ou seja, como cada um se coloca nessa

' FÉRES, Nilza Rocha. Frase frequentemente pronunclada por ela em seminários que realizava.
1§Ç.{ E O SINTOMA

::de. como as fantasias de uns tocam, tangenciam ou mesmo


::,mplementam as dos outros.
Lacan, nas Duas notas sobre a criança, entregues a Jenny
-ubry nos diz que "o sintoma da criança nos responde ao
: -re há de sintomático na estrutura familiar". O sintoma é
-:n representante da verdade e "pode representar a verdade
:rr casâl parental"3. Mas não só isso.
É, pois, fundamental esta etapa inicial, que consiste no
:.. antamento de uma hipótese diagnóstica para que posterior-
::ente possa haver uma entrada no inconsciente. Daí a impor-
:.=ncia do nosso instrumento de trabalho, que é a escuta, que
. rs possibilita perceber esta articulação criança-pais-sintoma.
Em se tratando da criança, não podemos perder de üsta
:ue estamos falando de um sujeito do inconsciente e, portanto,
-::dependente da sua idade cronológica. A criança tem uma
:articipação em tudo isto que está rolando, apesar de termos
:ruitas vezes a tentação de responsabilizar somente os pais
:elo que acontece com ela. Ouümos dizer: esses pais são au-
ientes... ou, com essa mãe bruxa... ou, com este pai tirano...
\las, como a criança se implica em tudo isto?
Para desenvolver esta questão, usaremos o conceito de
séries complementares de Freud e, posteriormente, o de como
se dá a estruturação psíquica.
Para Freud, pormeio do conceito de séries complementares,
iemos que a estruturação psíquica está relacionada tanto com a
primeira série - contendo elementos de ordem constitucional,
hereditários, e os trazidos pelas primeiras experiências - quanto
com os da segunda série, relacionados com as experiências a
que o indiúduo é submetido no decorrer da sua üda. Por que

'l
LACAN, Jacques. lntervenciones y textos 2. Buenos Aires: Manantial, 988, p. 55.
YoLlNoa MourÁo MÉgr

as criançâs respondem diferentemente a situações análogas? Há


uma interação de fatores que se complementam e funcionam de
forma particular. Não podemos nos esquecer de que a criança
está sujeita a essas séries de situações.
Em virtude do seu desamparo, de sua dependência, o
indiúduo quando nasce está submetido a alguém que cuida
dele, que assegurâ sua sobreúvência e lhe possibilita a entrada
na Cultura. A criança acredita, inicialmente, que esse Outro,
a quem chamamos de grande Outro, não tem falhas, que tudo
sabe e que a tudo pode responder. podemos chamar esse grande
Outro de diversas maneiras: lugar da verdade, código. A mãe
inicialmente encarnâ esse grande Outro. Ocor-re que, a certa
altura, a criança descobre que esse Outro não é pleno, que
algo the falta. É um grande Ourro barrado. A introdução d"r*
Íalta é da maior importância para a estruturação psíquica da
criança. A forma como cada um vai se deparar com essa farta
vai levar a diferentes estruturações psíquicas, pois implicam
diferentes posições diante do desejo do Outro.
Lembremos, com Lacan, que a castração é idêntica ao
desejo uma vez que desejo é faltal, O falo vem ocupar este
lugar vazio. O que é o falo? É o lugar para onde a mãe está
olhando, como se fosse um objeto que ela poderia teq que a
faria completa. Mas o falo vai marcar exatamente o contrário:
que não existe obieto para tamponar a falta. Ele é apenas um
significante, apenas uma palawa.
Disse anteriormente que o diagnóstico deve levar em conta
como se situa o desejo nesse circuito pais-filho, e também que
devemos sempre considerar a criança, os pais e o sintoma. A
que estava me referindo? À situação na qual os pais desejam

a LACAN, Jacq .l
ue s. Le sém i n a i re, I ivre Vl I I : Le tra n sfert. paris: Seu il. 99.1
.,.L!\CAEOS]NTOMA 35

: -e o filho complete alguma coisa que falta a eles, que o filho


."= a o falo. A críança entra nessa porque deseja ser amada e,

r.-;úanto, deve se colocar como objeto de desejo dos pais.


Devemos considerar não apenas os pais, nem a criança,
:-as a conjugação de todos estes fatores,
.{ndré foi levado para diagnóstico por sua mãe, que estava
--:rito preocupada com seus trejeitos femininos. Com apenas
: latro anos, pesava sobre ele a suspeita de homossexualidade.
-, :nãe era uma mulher que sempre disputava posições de po-
i=r e prestígio, até mesmo com o marido a quem considerava um
:.co. Ela, todo-poderosa, considerava-se, entretanto, muito feia.
E ocorre o nascimento de um menino muito bonito, com
-:ra pele muito bonita e olhos azuis. Realizaçáo totalpor parte
:= mãe, que agora tínha um outro que realizava o seu desejo
i: beleza. Agora ela poderia se considerar completa. A mãe
.rtra em pânico quando ele rebola, veste-se de mulher. Ela
.stá sempre identificando nele traços femininos. Diz se sentir
::assacrada pelo menino, perdendo o espaço, ao mesmo tempo
:-ue às vezes o filho the trazmuitaalegria. É evidente que ele se
,presenta como objeto de desejo dela, e que assim o faz porque
.abe que deste modo assume um lugar muito especial, o de que
-"
ai completar o que falta à mãe. Dessa forma compartilha com
tla seus poderes mágicos e onipotentes. Demonstra isto em
lmjogo: ou é o neném grudado no colo da mãe, se recusando
Jrescer, ou é a boneca mamãe que voa como uma "super".
A criança dirige-se, poís, a um grande Outro, que tem uma
ialta. Ela tenta se localizar como sujeito dirigindo uma pergun-
:a: o que o Outro quer de mim? O Che uuoiT - o que queres?
- é fundamental para pensarmos na posição do sujeito ante o
desejo, questão essencial para considerarmos a estruturação
psíquica do sujeito. Vemos, pois, que o nosso caminho partiu
Yor-l.ml. MornÁo Msrr

do sintoma, desembocou na fantasia e nos trouxe à questão


da estrutura.
O que seria uma estrutura? Já tratamos de elementos que
nos permitem falar dela. Tomemos uma analogia, a da cons-
trução de uma casa. Para levantar uma casa, usamos vigas,
elementos que sustentam a construção que vai ser realizaàa, e
outros elementos que se chamam de vedação - por exemplo as
paredes - que completam essa construção. Mas os elementos
de estrutura são fundamentais, pois permitem que a casa seja
levantada, e que o teto não nos caia, literalmente, na cabeça.
Então os elementos da estrutura são os de responsabilidade,
os essenciais, os que suportam.
Como isto ocorre no psiquismo humano? Quais são esses
elementos que suportam a construção psíquica? Trata-se da
relação do sujeito com a falta, com a castração, com o falo e
com a lei. Portanto, acreditamos que .,o Édipo se encontram
asügas para a nossa construção psíquica.
"A estrutura clínica é este lugar que o ser falante ocupa na
estrutura da linguagem, o qual determina a questão de cada
um com relação ao grande Outro."5
As estruturas clínicas podem ser situadas como modos de
resposta à questão do desejo do Outro. Optamos por um desses
lugares, mas é uma escolha forçada, ligada a como o sujeito se
coloca com relação à falta e, portanto, com relação ao desejo.
Aí temos as estruturas que são psicótica, neurótica e perversa.
Rapidamente, poderíamos dizer que o psicótico, quando
se depara com a falta do Outro, coloca-se como aquele que vai
completá-la, isto é, sendo o seu falo ele rejeita a sua castração.

5 FÉRES, Nilza Rocha. Estruturas clínicas e ética. Do desejo estragado ao salmão defumado
ou da neurose obsessiva à neurose histérica, p.21 -25.|nRev.Griphos-psicaná\ise,n.11,1993.
---r-r\ÇÁEOSINTOMA

O perverso perante a castração do Outro, trazida pela


--:erença dos sexos, desmente essa castração, atribuindo um
.-o à mãe e, assim, recusando a dura realidade da falta, que
=-e não consegue simbolizar.
Jáparao neurótico as coisas se passam de forma diferente.
t.e é submetido à castração e ao Édipo, utilizando basicamente
- :ecalcamento, que consiste em manter afastadas da cons-
--ência representações censuradas e perigosas. O neurótico
,-nboliza a castração, tem a marca do Édlpo.
Podemos dizer que â estruturação ocorre na infância?
Acreditamos que nâ infância seja organizado um indicador
:s estrutura que, depois, assumirá uma forma mais duradoura,
:.rr ocasião da adolescência, época em que, pela reedição do
:dipo, há uma confirmação da estrutura. Como já disse em ou-
::o trabalho6, esse indicador de estrutura seria algo da ordem de
-m jogo de cartas marcadas: há uma possibilidade de mudança
:. situação, mas ela é reduzida, pois houve uma trapaça anterior
:-ue reduz a variação do jogo. Assim, esse indicador de estrutura
:a infância aponta para um caminho que é o da cristalização
ia estrutura, isto é, os elementos básicos são estabelecidos na
:rimeira infância, mas construÍdos posteriormente de acordo
:,f,m o desejo, nos moldes da recordação encobridora.
Como ümos, pensâr no sintoma é pensar em todas estas
:uestões pelas quais transitamos: falta, desejo, fantasia, estrutura.

Referências
FERES, Nilza Rocha. Estruturas clínicas e ética. Do desejo estragado
;o salmão defumado ou da neurose obsessiva à neurose histérica, p.
)1 -25. In: Rev. Gríphos-psicandlise, n. I 1, I 993.

\4ElRA,Yolanda Mourão. Perversão na infância, p. 87-90.ln:Griphos-psiconó1ise,n.9,1991


YoLÁmÁ. MormÀo MÉrP

FREUD, S. (1908). Fantasias histéricas e sua relação com a bissexu-


alidade. In: Eüção Standard Brasileira das obras psicológicas cornpletas
de. v.lX. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
LACAN, Jac ques. lnteruenciones y turtos 2 . Buenos Aires: Manantial,
1988. 144 p.
LACAN, Jacques. Le séncinaire, livre VllI: Le transfert. Paris: Seuil,
t991.459 p.
MEIRA, Yolanda Mourão. Perversão na infância, p. 87-90. In:
Grtpkos-psi.canálise, n.9, I 99 I .
Para tratar o tema proposto, iniciarei tecendo algumas
considerações gerais sobre a cúança e a família, mostrando
como a psicanálise produz uma nova maneira de ver a criança
trazendo uma modificação no tratamento que a família lhe
dispensa. Aparece, então, uma ligação estreita do sintoma da
criança com as questões familiares. Parto da afirmação do sin-
toma da criança como expressão da verdade do par familiar e
do fantasma dos pais. E, a partir disso, busco uma interlocução
com a clínica, mostrando que as entrevistas preliminares são
um momento importante no sentido de escutar e operar com
esta articulação criança-pais.
You.r.o,q. I[orrRÁo MErRA

Acriançaeafarnília
Constatamos, considerando a história, que â criança foi
üsta de formas distintas no decorrer dos tempos, não possuindo
o stetus que possui atualmente. Assim, na Idade Média, não
haüa um lugar particular preüsto para a criança. Esta, depois
de desmamada, era misturada aos adultos e partilhava de seus
trabalhos e jogos. A família não se ocupava dela, não controlava
a sua socialização. Ela aprendia o que devia saber ajudando
os adultos a fazê-Iol.
Nos séculos XVI e XVII aparece a preocupação com a
educação cujo objetivo era produzir adultos convenientes para
os ideais da sociedade. Ao lado da educação prática dada às
classes populares, uma educação nova era ministrada às crian-
ças da classe burguesa, que implicava vigilância, disciplina e
segregação, o que era feito pelos colégios. Surge, pois, uma
nova criança, acriança escolar, que tem como efeito recentrar
a família em torno dela.
A promoção do signifrcante educação faz aparecer o
significante criança, operando um deslocamento no qual se
funda a ordem familiar modema, estabelecendo novos modos
de laços sociais ao redor dela2.
A psicanálise produz uma ruptura. A criança que Freud
põe em cena assinala o fracasso dos educadores. Ela não é
uma criança policiada, educada, disciplinada, mas uma crian-
ça üsada pelo gozo. Esta nova criança é, antes de tudo, um

r ARIÊS, Philippe . História social da crianço e da familrrr. Rio de Janeiro: Guanabara, 1 981 .

'? CLASTRES, Guy. A criança no adulto. ln: Acríança nodiscursoonalitico. Rio de Janeiro:
)orge Zaiar, 1991 .
ENTREVTSTAS pRxLIMINARt:s: o srNToMÁ DÀ cRrÀNcA E o FANrÀsMÁ Dos PArs 41

corpo, mas um corpo que não consegue fazer a aprendizagem


da satisfação, que não consegue regrar seu prazer segundo
as vias previstas pelo Outro (sempre é muito pouco, ou de-
mais, ou não é assim); em suma, é um corpo ineducável que
faz fracassar todas as ideias recebidas sobre uma progressão
harmoniosa. Freud anuncia que a criança goza, e de maneira
perversa-polimorfa. E a criança freudiana.
O que Freud faz aparecer com esta criança suja é o paí.
Há uma hiância do lado do pai, que leva Freud, a partir dos
sintomas produzidos por seus pacientes, a questionar: o que
é um pai?
Esta questão é desenvolvida no liwo de Lacan Os comple-
escrito em 1938, no qual ele tece considerações
xos faru.iliare.s,
sobre a estrutura familiar, sobre a Ímago do pai e da mãe. É o
complexo familiar que vem desempenhar o "papel organiza-
dor do desenvolvimento psíquico"3. A criança freudiana vai
ser aquela que libidiniza os objetos familiares, e é no seio da
família que se elaboram as condições de amor implicando
o determinismo de sua escolha de objeto. Esta constelação
familiar vem formar o complexo nodal das neuroses. Daí a
importância do complexo de Édipo, que foi descoberto pelos
sintomas neuróticos da criança e que vai definir as relações
psíquicas nas famílias humanas. Lér,y-Strauss considera as
estruturas elementares de parentesco como a instituição
fundamental de toda sociedade, e afirma a universalidade
do Édipo como estrutura. Lacan, paralelamente, toma esta
ideia principalmente em suâ formulação do Édipo como a
entrada da lei primordial, operação que se realiza graças à
função paterna.

i LACAN,Jacques.Oscomplexosfamiliares.Riode)aneiro: JorgeZahar,1987,p.22
YoLANDA MolrRÀo MErRÁ

Apesar de o Édipo ser definido como a forma universal da


família, Lacan afirma que o homem do complexo de Édipo e o
homem moderno. O progresso social acarretou a decadência
do grupo familiar e o declínio da imago paterna, o que para
Lacan constituiu a'verdadeira crise psicológica", Que deve ser
referida ao aparecimento da psicanálise. A família, evoluindo
para a forma conjugal, submete o indiúduo às variações e
desordens desse complexo.

II
O sintorua d.a criança
Como se articulam o sintoma da criança e o fantasma dos
pais? Como operar com essa articulação na clínica com criança?
A criança não vem ao analista com suas próprias pernas.
Quando os pais trazem uma criança ao analista, eles vêm com
um incômodo sobre a criança. Mas, a queixa é dos pais! O tra-
balho do analista é possibilitar que essa queixa se transforme
em uma demanda de análise da criança.
Os pais de Eduardo procuraram o analista com a queixa
de fobia escolar. Chamou a atenção que, na primeira entre-
üsta, o casal "não entendeu" que a sessão haüa sido marcada
só para eles e levaram o filho. Este fato poderia indicar como
a separação era difícil para eles, e como eles incluÍam o filho
nas suas questões. Logo na apresentação, a mãe diz que tirou
do seu nome o sobrenome paterno e que "o que tirou no seu
nome voltou no frlho". O que esse filho vinha recompor? O
que a mãe tirou e voltou no filho?
Sabemos, desde Freud, que o sintoma é um sinal e um
substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu re-
ENTREVTSTÀS pRxLrMrNARxs: o sINroMA DÁ CRIANCA E o FÀNTÁSMA Dos pAIs

calcada. Perante o conflito entre a satisfação pretendida e o


que interdita essa satisfação, surge o sintoma, que busca uma
conciliação. Desta forma se satísfaz um pouco a pulsão e um
pouco as defesas. O sintoma é, pois, um substituto deslocado,
inibido e não reconhecível de uma satisfação. Satisfação que
não é aquela de felicidade, bem-estaq mas que inclui a dor e
o desprazer, isto é, o gozo.
O sintoma apresenta, pois, duas faces interligadas. Se
de um lado ele é uma das formas pelas quais o inconsciente
se apresenta, de outro lado temos que sintoma é também
um modo de gozar. É ,*, parte do ser do sujeito que não se
representa na linguagem.
Eduardo diz que não gosta da escola, pois não gosta de
fazer colagem, de sujar a mão. "Sou muito ruim de colagem. A
cola demora a limpar". E continua: "Perdi um colega e fiquei
sozinho". Ouvimos os significantes: perda, colagem, sozinho.
Que relação teriam tais signiflcantes com o seu sintoma) E
com a castração? Como em toda fobia, há uma escolha de um
signiflcante na realidade - no caso a escola - que possibilita
que ele se esquive da angústia de castração, se proteja dela.
Por outro lado, colocar a castração a distância é também um
modo de gozar Assim ele se mantém ao abrigo da falha do
Outro e da sua, se prevenindo do aparecimento do seu desejo.
A mãe diz que brinca com o fllho do jeito que ele quiser,
que é o pai e a mãe, e queixa-se da ausência do pai. "Eu sou a
extensão dele - sempre à mão Minha
-, ele me tem sempre.
üda está altamente vinculada a ele." Queixa-se que o fllho não
gosta dela, e que ela própria se sentia uma criança rejeitada,
passando a ser boazinha para que os outros gostassem dela.
Eduardo gosta que a atenção seja dada só para ele, e só brinca
se ele é o líder da brincadeira.
YoLANDÂ lvÍouRÃo MErRÀ

Se a fobia aparece em resposta à angústia de castração,


decorrente do seu encontro com o desejo do Outro, ela é um
apelo ao pai, se endereça ao pai para se proteger da mãe "de-
voradora". Como nos diz a mãe de Eduardo, o sobrenome do
pai é buscado no filho, como se isso resolvesse algo da função
do Pai no simbólico. Mas, a questão com a castração insiste na
fala do frlho: "Hoje vou arrancar um dente, pois está nascendo
outro e estou flcando aleijado".
No texto Duas notas sobre a criançaa, a partir de notas ma-
nuscritas entregues por Lacan a Jenny Aubry são feitas duas
considerações a respeito do sintoma da criança.
No primeiro caso, para Lacan, o sintoma da criança res-
ponde ao que há de sintomático na estrutura familiar, podendo
representar a uerdade do par parental. Esta situação é mais
complexa, mas se mostra mais aberta à intervenção.
No segundo caso, o sintoma da criança compete à
subjetividade da mãe, isto é, a criança se apresenta como
o correlativo de um fantasma, encarnando com seu corpo o
objeto. Ela se corwerte no "obieto" da rnãe, revelando a verdade
desse objeto e funcionando como o objeto que tamponâ o
desejo da mãe.

III
O sintorna e & verd.ad.e do par familirar
Desde 1938 Lacan busca dar conta da relação do sintoma
da criança com os "complexos familiares": o complexo como
fator inconsciente é a causa do sintoma e permite dar conta dos

a LACAN, Jacques.lntervencionesy texros2. Buenos Aires: Mánantlal, 198& p,55.


Er-Iparrs'rA.s ppELIMTNÁRES: o SINToMÀ DÀ cRIÁNcA E o FÁNIASMA Dos PÀIs

ieitos psíquicos da família. Por intermédio das modalidades do


complexo de Édipo, ele mostra que atipias da estrutura famÍliar
correspondem a efeitos na criança. Observa a importância
dada a perturbações da libido da mãe e do pai e das relações
entre os pais, sendo porém impossível relacionar cada entidade
nosológica a uma anomalia constante das instâncias familiares.
\ão se deve confundir imagem da mãe, como elemento do com-
p'lexo, com aprópnamãe: aimagemnão seretere a caáaum àos
àtores familiares, mas às suas relações, ao "sentido escondido
dessas relações (...), à percepção por parte da criança do sentido
neurótico das barreiras que os separam"5. A determinação da
neurose, porém, é decorrente de uma interpretação do sujeito,
permanecendo estritamente individual e contingente.
A relação parental receberá mais tarde uma denomina-
ção, metáfora paterna, na medida em que ela permite es-
crever para o sujeito a relação do pai e da mãe. E possibílita
também escrever a metáfora impossível, a da não-relação-
-sexual. Da relação significante entre o Nome-do-Pai e o
Desejo da Mae sobra algo - a relação entre um homem e
uma mulher - que não pode se escrever em termos signifi-
cantes. O "caráter mal resolvido" da união do par parental
\Os Cowplexos Fam.iliares), as formas maís secretas de seus
mal-entendidos são a verdadeira conjuntura na qual se iden-
tificará a neurose da criança.
Se anteriormente a sua tese era de que a família se en-
caminha para um ponto de verdade, posteriormente Lacan
desenvolve a função de resíduo que sustenta a família con-
jugal. Não há mais esta exaltação do casamento como ato

IREVISTA QUARTO, A criança e a psicanálise. O sintoma da criança. n. 39, p. 1 0. Trad. Maria


Dolores Lustosa Cabral.
Yor-ÀNDA MouRÀo MÉrRÁ

significante, onde alguém àá aí a sua palavra, mas â família


é um resíduo, um obstáculo à reabsorção das famílias na
aliança de um homem e de uma mulher. Há algo do real que
se transmite por meio da organização familiar. Não se trata
somente da satisfação das necessidades, mas da constituição do
sujeito. Esta é a questão por excelência que coloca as funções
do pai e da mãe.
Contrapondo-se à mãe sufi.cienteucente boa, Lacan se
contenta com uma mãe suficientemente má. Suficiente-
mente má para não ser ideal, porque a mãe ideal seria um
desastre, como percebemos na clínica. A mãe tem de faltar
de alguma forma para que o desejo possa aparecer. Sua
maternagem deve ter a "mârca de um interesse particulari-
zado", e se faz por suas próprias faltas. O que precisamos
perceber é a particularidade da criança, não com relação
ao ideal maternal, mas na maneira pela qual ela foi o objeto
para a mãe. Uma mãe é essencial enquanto faz obstáculo
à mãe ideal6.
O papel do pai só tem sentido se esse lugar fica vazio.
O pior caso é aquele do pai da tirania doméstica, que co-
loca ordem na casa, que tem uma solução para tudo e um
regulamento para tudo. No final, todo mundo fica asÊxiado.
Exemplo de uma postura paternal é a de São José, aquele que
adota o filho que vem, aquele que sabe que não é a causa da
criança. A vantagem do Nome é ser um índex que designa
um lugar, "vetor de uma encarnação da lei no desejo". Esta
frase quer dizer também encarnação da Lei no que não
pode ser em nenhum caso um ideal.Todas as leis são feitas
em nome de um ideal. O paradoxo é fazer lei e humanizar o

6 LAURENI Êric. Laço inconsciente e laço social.Texto não publicado.Trad. Nilza Rocha Féres.
Er-rnevts'res pIELIMTNÂRES: o sINToM^ DA cRIANÇA E o FÁNrAsMÁ Dos pÂrs

gozo. A tarefa fundamental do pai é ser uma invenção, um


serublant que vem nomear o gozo.

ry
O lwgar dos pais e d.a criança:
o objeto e ofantasma
Qual é, pois, o lugar dos pais na direção da cura?
Há uma tentação de colocar os pais no lugar da causa,
=r ando o sujeito a encontrar sua
justificativa na transferência.
?cdemos levantar as seguintes questões: os pais são os res-
rnsáveis pela situação do filho? A experiência analítica leva
. lm afastamento dos pais? Enfim, como os pais aparecem na
,:-álise com criança?
Quando analisamos uma criança, a presença dos pais
siste na análise sob diferentes modalidades, que podemos
,
*fmar de momentos transferenciais.
Exemplificando, José é trazido para análise pelos pais,
-- se indagam se â separação do casal teria acarretado algum
:juízo para o filho. Muito ligado ao pai, queixa-se de medo de
' -,r sozinho e longe dos pais. Podemos resumir a demanda dos
. > na pergunta: será que a separação pode trazer algum dano?
)'Ja sessão José brinca que dois aüões tombam e explodem.

.- -em rrai consertar o aüão?", interroga. O avião é consertado/


:,lis voam/quase que esbarram/acaba a gasolina/um cola no
, do outro/um joga míssil no próprio companheiro./Só que

- iesr,.iou do míssil/mas os dois aúões colaram. Os dois fazem


'- i para descolar, e acabou a gasolina. Mas tava na "reserva".

-: cima grita: "descola, veadol". Mas os dois aterrissaram


Yorarlol MounÁo JvÍrma

colados. O mecânic o foi 1á, muito üolento, e descolou. Mas


o avião descolado cola na pista. E as ücissitudes do cola,
descola, tromba e cai atingem outros animais: o touro bravo,
dois touros, avaca. "Tudo cola", o "leite üra cola". No final, "o
touro salvou. Só que violentamente".
A questão de José seria análoga à dos pais? Existe
possibilidade de sair do gozo desse cola-descola? José é
atendido e os pais têm também seu atendimento. No meu
ponto de vista, é precÍso um espaço especial para que esses
pais possam falar da demanda, para que o desejo possa
surgir. É necessário que eles possam dizer do lugar em
que a criança é colocada, para que ela possa levar a ques-
tão adiante, experimentando uma nova posição subjetiva,
nesse movimento de báscula de alienação-separação. A
presença dos pais insiste, como momentos transferenciais.
Por exemplo, em uma sessão a mãe pergunta ao analista se
faziamal que o frlho ficasse sozinho algumas horas quando
a empregada sai. Eles pedem um aval do analista: José pode
se separar? E o trabalho prossegue...
Lembramos Alicia Hartmann quando diz que a ideia
da presença dos pais indica o aparecimento de questões na
dimensão do real ao longo da análise. "A criança não pode se
curar da presença de seus pais. Poderá somente se colocar de
maneira diferente frente à pergunta, pela castração e desejo
do Outro."7
A presença dos pais pode ser entendida como um fato
fenomênico ou como um efeito da estrutura. Como umfato
fenomênico, os pedidos, as perguntas, as reclamações ao

i HARTMANN,AIicia;TKACH,Carlos.Lospadres,bajotransferencia,enlaclínlcadeninos
neuróticos, p.58. ln: Nlôos en Psicoanálisis. Buenos Aires: Manantial, 1 989.
Exrnrvrstas pnELrMrNÀREs: o srNToMÁ DA cRrÁNÇA E o FÁNTASMA Dos pArs

analista a respeito da análise delimitam um lugar e marcam


um movimento particular na transferência.
Como efeito de estrutura, a presença dos pais relaciona-
-se com a constituição psíquica do sujeito, isto é, como o
sujeito depende do desejo do Outro e de seus significantes
para se constituir e para construir a frase de seu fantasma.
O desamparo da criança torna necessária a presença de um
outro que lhe assegure a sobreüvência e possibilite a entrada
na Cultura. Se a mãe inicialmente encarna esse grande Outro
sem falhas, depois a criança descobre que a esse Outro falta
algo. A introdução da falta determina a estruturação psíquica
da criança, introduzindo-a no registro do desejo. Para Lacan,
a castração é idêntica ao desejo uma vez que desejo é faltas,
O falo vem ocupar o lugar da falta.
Temos, então, a criança que se dirige a um grande Outro,
tentando se localizar como sujeito ao dirigir-lhe a pergunta: o
que o Outro quer de mim? O Che ruoi? localiza o sujeito pe-
rante o desejo do Outro. A criança interroga o desejo dos pais:
podem me perder? Propõe-se a si mesma, nessa pergunta, como
objeto do desejo do Outro, e jogando com sua própria falta,
com sua morte, lhe vem do Outro, não completo, a evidência
de sua própria castração.
Para a questão: o que eu sou para o Outro e, também,
para o que o Outro me demanda, o sujeito dá uma resposta:
o objeto. O fantasma vem para tampar o buraco decorrente
da castração imaginária. Como nos diz Millere, há uma
equação filho-falo. Mas não quer dizer que o filho é o que
falta à mulher, o filho é o objeto reencontrado. A criança está

8 LACAN, Jacques. Le séminaire, livre Vlll: Le tronsfert.Paris: Seuil, 1991.

'q MILLER, Jacques-Alain. Notas do seminário realizado em setembro de 1993: Sobre a lógico
do curo (anolaçoes pessoais).
Yolawoe lvÍounÀo Mnrne

relacionada com o sujeito feminino no que diz respeito à sua


falta, sua falta fálica. Ela se apresenta como uma solução
possível para a falta feminina. É uma solução somente de
substituição: a criança descobre que não é suficiente para
preencher ovazio da mãe, que não é o objeto adequado para
acalmar a falta. Se há alguma coisa que possa acalmar a falta
é o Nome-do-Pai. É pois da maior importância considerar a
relação da mãe com a própria falta.
Qual o lugar da criança diante dessas colocações?
Em se tratando de criança, não podemos perder de vista
que estamos falando de um sujeito, sujeito do inconscien-
te, independentemente da sua idade cronológica. Jâ que a
psicanálise dá à criança o estatuto de sujeito, tem-se, como
decorrência, a afirmação de Lacan de que somos sempre res-
ponsáveis por essa posição de sujeito. O analista, pois, quando
está diante de uma criança deve levá-la a se responsabilizar
como sujeito, isto é, qual é a participação dessa criança em
tudo isto que está acontecendo? Dessa forma eüta-se embar-
car na canoa furada de responsabilizar somente os pais pelo
que ocorre com ela.

E ntr euistds p r eliruinar es

Apesar das diferenças existentes entre criança e adulto,


mantém-se a unidade da psicanálise, não existindo uma
diferença no dispositivo analítico, pois a estrutura ultra-
passa a cronologia e o desenvolvimento. A despeito dessa
unidade, há uma especificidade própria do dispositivo
psicanalítico para atendimento da criança:
ir-rtrl.rsu.s pnrlDuNAREs: o srNToMA DÀ cRIÁNÇA E o FÂNrÁsMÁ Dos pAIs

o a criança tem pais que â apresentam ao analista;


o seu sintoma é expressão do desejo, veiculado pelo
discurso familiar, que pode presentificar idealizações;
o seu sintoma pode ser uma resposta ao desejo da mãe e/
ou do pai.

Os pais que chegam ao consultório de um analista vêm


com um pedido, uma demanda. "Estamos sofrendo" ou "Nosso
Êlho está sofrendo. Gostaríamos que você nos dissesse o que
devemos fazer para resolver esta situação".
Como, pois, ouür essas diferentes demandas feitas ao
-inalista?
No Seminário da Étir^, Lacan nos diz que a obra de
Freud traz algo muito geral e, ao mesmo tempo, muito
particular. Muito geral, na medida em que a experiência da
psicanálise é significativa de um momento em que vivemos,
em uma obra coletiva impregnada pelo mal-estar.
"E, por outro lado, muito particular, como é nosso tra-
balho de todos os dias, ou seja, a maneira pela qual temos
de responder (...) como uma demanda, demanda do doente
à qual nossa resposta confere uma signiflcação exata - uma
resposta da qual devemos conservar a mais severa disciplina
para não deixar adulterar o sentido, em suma profundamente
inconsciente, dessa demanda."lo
Quando se recorre a uma análise, geralmente se ma-
nifesta um pedido sobre o qual escutamos uma demanda.
Receber, escutar e responder por parte do analista é a
possibilidade e a forma de instalar a transferência. Os
pais vêm com uma demanda e temos de lhes dar uma

r0 LACAN,Jacques. Osemindrio, livroT:aéticadapsicanálise. RiodeJaneiro: )orgeZahar,


1 99'1, p. 1 0.
YoLÂNDA lv[ouRÂo MEIRÁ

resposta e fazer um julgamento com relação à direção


do tratamento. Se a "demanda vem vestida de qualquer
roupa"ll, devemos ouvi-la e dar uma resposta, segundo a
ética da psicanálise.
Muitas vezes existe uma demanda de análise da criança,
mas quem está realmente demandando é um dos pais. Por
exemplo, Paula foi encaminhada porque desmaiava e deixa-
va todos em pânico, achando que ia morrer. Ela não podia
ser contrariada. A mãe, constantemente "na cola", se sentia
sempre "amarrada" e impossibilitada de se distanciar da frlha,
temendo que alguma coisa pudesse lhe acontecer. Gerada em
plena crise do casamento, os pais se ligavam, entretanto, no
desespero que a crise da fllha trazia.
Durante as entrevistas preliminares, em que compare-
ceram os pais e a criança, foi ficando evidente o horror de
separâr-se da filha, especialmente por parte da mãe. Esse
horror se manifestou no parto, quando tinha muito medo que
algo lhe fosse tirado, e manifestava também na dedicação in-
tegral à filha, na paixão pelos bebês etc. Qual era o lugar que
essa frlha ocupava? Interessante que, em uma das sessões,
a menina trouxe um brinquedo de controle remoto fazendo
uma mostração: se encarnava o objeto dos pais, ela, porém,
os mantinha sob controle.
Resultado: a demanda de análise era da mãe e, por inter-
médio de seu atendimento, os sintomas da filha reduziram-se
a uma expressão mínima. Quando o casamento é posto em
questão, essa mãe manifesta muita vontade de ter mais um
filho, mas sabe que ele está no lugar de algo dela que, no en-
tanto, não sabe o que é.

rr FÉRES, Nilza R. Frase frequentemente pronunciada por ela em seminários que realizava.
-r IRE\IISIAS PMLIMINÀRES: O SINTOMA DA CRIÁNÇA E O FANTASMA DOS PAIS

As entrevistas preliruimqres sáo um momento importante


-rmbém na análise com criança, para situar a entrada em análi-
.e. Não se trata de um acordo sobre a quantidade e a qualidade
ias entrevistas - no final das quais se deve dar uma opinião,
rma devoluçáo -, ou de uma tarefa a cumprir. Preliminar in-
dica que há um limiar à crtfza\ uma diferença enlre um antes
e um depois, um corte nas relações naturais da pessoa com
seus semelhantes. É ,- tempo sem tempo, uma vez que se
defrne retroativamente pelo momento crucial de entrada em
análise. Um tempo em que as operações de inclusão e exclusão
em torno da função de palawa podem estar caracterizadas sob
duas formas muito precisas, dadas por Lacan: a aparição de
uma demanda verdadeira e a construção de um sintoma por
parte do analisante.
Miller12 destaca três níveis de entrada em análise: o pri-
meiro seria o da avaliação clínica; o segundo, o da localização
subjetiva; e o terceiro, o da introdução ao inconsciente.
No primeiro nível, o da avaliação clínica, deve-se buscar
sinais que identifiquem uma possível psicose e diferenciar a
estrutura psicótica da neurótica e da perversâ.
No segundo nível, o da localização subjetiva, trata-se de
questionar a posição de quem fala, em relação aos próprios
ditos, introduzindo o sujeito no inconsciente. As entrevistas
preliminares, além de uma investigação para descobrir onde
está o sujeito, efetuam uma mudança nâ sua posição, trans-
formando a pessoa que busca análise em um sujeito, em
alguém que se implica no que diz, guardando certa distância
em relação ao dito. Consequentemente, as entrevistas prelimi-
nâres constituem uma retificação subjetiva, que consiste em

1'z
MILLER,,lacques Alain. A entrada em análise. ln Falo n.2. Salvador: Fator, 1990.
54 Yor,c.Noi. IvÍorrRÁo MsrRÁ.

implicar o sujeito naquilo de que se queixa, apreendendo sua


responsabilidade no que ocorre.
A angústia, a fantasia a respeito da criança e as ficções
apresentadas pelos pais quando demandam ajuda nos infor-
mam sobre a posição dos membros da família perante o desejo e
o gozo, e sobre o lugar da criança nessa rede familiar, levando-se
em consideração como o fantasma de cada um toca, tangencia
ou mesmo complementa o fantasma do outro. Por outro lado,
devemos considerar que o importante é o que não se diz, o
que está fora da linguagem, ou seja, está nos interstícios, nos
vazios, na falta de palawa.
Assim, a questão inicial é: como se move o desejo nesse
circuito pais e filhos? É, pois, fundamental essa etapa inicial,
a das entrevistas preliminares, pois é tratando a demanda
que se possibilita a entrada em análise. Então as entreüstas
preliminares são "um ponto de partida que requer uma tática
pâra o contorno, uma estratégia - préiaverificação da deman-
da - que é a de manter a criança na cura, e uma política - a
do desejo"l3.

VI

Mornento d,e concluir ,

Partindo do que foi exposto anteriormente, a participação


dos pais na análise com criança é da maior importância. Assim,
se tempos atrás, sustentados em uma pretensa assepsia, nem se
cogitava em estar com os pais para não contaminar o campo da

r3 LESERRE,Anibal.Unninoesunhombre.Psicoanálisisconninos.BuenosAires: Atuel,1994
p.33.
PRELIMINARES: O SINTOMA DA CRIANÇA E O FÁNTASMA DOS PÁtS 55
=\TRE\TISTAS

:nálise com criança, hoje vemos que esse tipo de atendimento


: r'ariado. Depende da escuta que se faz do "um a um".
As entreüstas preliminares são da ordem do necessário,
:ois vão permitir a entrada em análise da criança. Essas pri-
rreiras entreústas costumam ser muito operativas, pois deixam
nislumbrar a interseção entre o sintoma da criança e a verdade
do par familiaç ou como o sintoma da criança está ligado ao
,rbjeto, ao fantasma dos pais. Habitualmente, atendo inicial-
mente os pais, para ouvir a demanda. A demanda destes deve
ser escutada para que o analista faça o julgamento (ético) e
lê uma resposta precisa em direção ao desejo. Por outro lado,
ievemos ouvir a demanda, estar atentos às suas roupagens e
lperar com elas. Este posicionamento ético é que vai nortear
a direção do tratamento.
Ouümos às vezes dizer: meu cliente é a criança! Será?
No caso já citado da menina encaminhada porque desmaia-
ra, as entreústas preliminares propiciaram a manifestação de
uma demanda de análise por parte da mãe. Lembremos que por
meio de seu atendimento houve redução dos sintomas da filha.
Já em outros casos, a criança é atendida e seus pais
simultaneamente têm seu atendimento. Isto aconteceu,
por exemplo, no caso de Eduardo. Seria possível que essa
criança se desvencilhasse desse lugar que lhe era assinalado
pelo fantasma da mãe, se os pais também não tivessem a
oportunidade de mudar sua posição com relação ao menino?
Tênho as minhas dúvidas... Sabemos que, quando a criança é
objeto do fantasma materno, a análise é muito mais difícil. Ela
depende da possibilidade de a mãe enunciar a verdade sobre
o lugar que a criança ocupa em seu gozo. Como nos diz Guy
Clastres, no caso em que a criança esteja presa no fantasma
materno, por intermédio deste lugar ela pode ocultar, preen-
Yor.ANDÂ ivÍouRÀo Mmn-r

cher a falha do sujeito, e impedir que a questão faça retorno


na palavra. "Não será suficiente que a criança fale, pois ela
só talará nos limites exatos e estreitos que não ponham em
questão o lugar de objeto que ocupa para a mãe."r4
Em outros casos, faz-se uma intervenção pontual à medida
que ocorrem situações que indicam essa ligação do sintoma da
criança com o fantasma dos pais. Algumas crianças inicialmen-
te não entram sozinhas na sala do analista, o que proporciona
o aparecimento de situações que indicam a ligação sintoma-
-fantasma e possibilita que se opere com elas.
João só entrava no consultório com um dos pais. Inicialmen-
te sempre na sala de adulto, que é do lado da sala de criança. Um
dia a mãe insistiu que o filho contasse a história do Chapeuzinho
Amarelo, que tinha medo do lobo e que depois perdeu esse medo
e achou o lobo muito bobo. A mãe falando por ele - João tinha
problemas de linguagem - e ele todo vestidinho de amarelo.
Fiz uma pontuação de como um falava pelo outro. Na sessão
dos pais, a mãe demonstrou muita raiva da analista, se sentindo
culpabilizada pelos medos do filho, pois afinal ela o haüavestido
assim. João era o "seu namoradinho", o que apareceu em várias
situações e foi produzindo outros significantes. Até que um dia
ele pediu à mãe uma mulher pelada, daquele tipo de borracha,
só para ele. Não queria mais a mãe. Mais tarde, quando já podia
entrar sozinho, brincava que o "touro", que antes só queria uma
vaca, não a queria mais. Queria outras vacas...
Em termos de conclusão, podemos pensar que em uma
análise com criança, em ürtude de questões circunstanciais

r4 CLASTRES, Guy. Semlnário: Sobre a perversão. ln: Letras da Coiso, n. 1 1, Transcrição do


seminário pronunciado na Coisa Freudiana nos dias 18 a 21 de abril de 1 990, p. 184. Publi-
cação revisada e autorizada pelo autor. A Causa, Curitiba. Publicaçáo da Associação Coisa
Freudiana -Transmissão em Psicanálise. 1995.
Errnnvrsu.s pntLMINAREs: o srNToMA DA cRrANÇÀ E o FÁNrASI.{A Dos pArs 57

e de estrutura, a presença dos pais vai sempre surgir, de


uma forma ou de outra. Se o sintoma da criança está ligado
à questão dos pais, ou seja, ligado à verdade do par parental,
ligado ao objeto, ao fantasma, acreditamos que seja funda-
mental operar com esta situação. Considerar cada caso na
sua especiflcidade e fazer um julgamento ético. Trabalhar
e não se esquivar.

Referências
-\RIÊS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Ja-
neiro: Guanabara, 198l ,279 p.
CLASTRES, Guy. A criança no adulto. ln A criança no üscurso
analítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, I 99 I . I 79 p.
CLASTRES, Guy. Seminário: Sobre a perversão. ln: Letras d.a Coi.sa,

n. I 1, Transcrição do seminário pronunciado na Coisa Freudiana nos


dias l8 a2l de abril de 1990. Publicação reüsada e autorizada pelo
autor. A Causa, Curitiba. Publicação daAssociação Coisa Freudiana

- Transmissão em Psicanálise, 1995.


HARTMANN, Alicia; TKACH, Carlos. Los padres, bajo transfe-
rencia, en la clínica de nif,os neuróticos. In: Nlfros en Psicoaruilisis.
BuenosAires: Mananrial, 1989. 156 p.
LACAN, Jacques. Os coruplexos faruiliares. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1987.92 p.
LACAN, Jac ques. Imtervenciones y texto s 2. Buenos Aires : Manantial,
1988. I44 p.
LACAN, Jacques. Le séminaire,livre Vlll: Le transfert. Paris, Seuil,
1991.459 p.
LACAN, Jacques. O serninário,litro 7: a ética da psicanálise. Rio de

Janeiro: JorgeZahar, 1991. 396 p.


58
YolaNne MounÁo MurRÁ

LAURENT, Enc. Laço inconsciente elaço socinl. Texto não publicado,,


Trad. Nilza Rocha Féres.
LESERRE, Anibal. (Jn nifro es un hornbre. psicoanálisis con nifros.
Buenos Aires: Atuel, 1994.203 p.

MILLER, Jacques-Alain. A entrada em análise. ln: Falo n.2. Salvador:


Fatoa 1990. 156 p.
MILLER, Jacques-Alain. Notas do seminário realizado em setembro
de I 993 : Sobre a ldglca da cura (anotações pessoais).
REVISTA QUARTO. A criança e a psicanálise. o sinroma da criança,
n. 39. Trad. Maria Dolores Lustosa Cabral.
à.rÉ+

A qwestão
A questão do diagnóstico foi, inicialmente, carregada
de elementos provenientes da psiquiatria clássica. Fazer um
diagnóstico era encaixar os distúrbios de um paciente em
uma classe, buscando uma entidade nosológica que pudes-
se abrigar indivíduos com tais distribuições de sintomas. A
doença vinha para primeiro plano e o doente, de uma certa
forma, desaparecia.
Isto gerou, mesmo dentro da psiquiatria, um movimento
no sentido contrário, que recusava toda e qualquer tentativa
de encaixar o sujeito em uma entidade nosológica. É .o-o r"
dissessem: não queremos tratar da doença e sim do doente.
YoLÁNDÂ MoURÁo MEIRÂ

Mas será que o diagnóstico implica um afastamento


do sujeito? O sujeito não é o doente, nem a doença, mas
é de outra ordem: o sujeito do inconsciente. Como pode-
mos pensar o diagnóstico em uma perspectiva analítica?
O diagnóstico poderia auxiliar na direção do tratamento?
Como) Buscaremos, inicialmente, a referência de Freud
para nos dar subsídios para desenvolver a questão.

II
Freud: diagnóstico e tratetnento
Freud, desde o início de sua obra, apontou para a impor-
tância da elaboração de um diagnóstico inicial, que tem um
papel decisivo na direção do tratamento. Diz ele em Sobre o
lnício do'Ilatamento:

"(...) tornei kábito meu, qu.ando conlceço pouco sobre wrn


paciente, só aceita-lo a princípio prwisoriamznte, por unx
períoda de uma ow duas sem.anas. Se se interrom.pe o trata-
me,nto dentro deste períoda, poupa-se ao paciente a im.pres-

são aflitiva de uma tentatita de cura Erc falkou. Esteve-se


apenas empreenÁendo utrna'sondagenc', a finc de comhecer
o caso e deciür se ele é apropriado para a psicanálise"l.

E continua abordando o método de tal diagnóstico:

"Nenltuvn owtro tipo de exauoe prelinoinar, exceto este


procedimento, encontra-se à nossa disposição; os mais

rFREUD,Sigmund(']913).Sobreoiníciodotratamento.EdiçãoStandardBrasileiradasobras
psicológicas completas de. v.Xll. Rio de Janeiro: lmago, '1 969, p.165.
I

{ I}ÍPORIÁNCIA DO DIAGNÓSTIC]O NA DIREÇÀO DA CURA

extensos debates e qwestiomafi4ento, em comsultas comllns,


não lhe ot'ereceriarn sub stituto"2.

E articula o diagnóstico com o tratamento:

"Este expenmento preLincinar, contwdo, é, ele próprio, o i.ní'


cio de umapsicanáliw e dove confonnar-se às regras desta"3 .

Neste trecho, Freud, com sua genialidade, destaca dois


aspectos referentes ao diagnóstico: em primeiro lugar, o mé-
todo, que é o da escuta do discurso, e, em segundo, que o
dragnóstico consiste no início do tratamento.
Continua o texto:

"Existenc tarubéru razões diagnósticas para conxeçar o


tratewento por unc período d.e experiência deste tipo, a
dwrar wtna ou duas seficanas. Cowt.bastante frequência,
quando se tê uvna neurose cont. sintoncas kistéricos ou
obsessi'vos, que não é excessilarnente acentuada e não
existe há mwito tencpo - isto é, exatalnente o tipo de
caso que se consideraria apropriado para tratatnento

- ten4-se de levar e1n conta a possibilidade de que ela


possa ser uno estádio prelinoinar do que é conlcecido por
demência precoce ('esquizofrenia', na terminologia de
a.
Blewler; ,.."

Aqui ele diz que um sintoma neurótico.rao rig.rifi.a uma


neurose, mas pode ser uma defesa neurótica em um quadro

' FREUD, Sigmund (191 3) 1969, p. 165.


3 ldem, p. 165.
a ldem, p. 165.
YoLAI*DÁ MouRÁo IÍErRÁ

de psicose. Isto, por exemplo, é muito frequente em sujeitos


que apresentam rituais obsessivos fechados, mas que possuem
uma estrutura psicótica.
Desta forma, Freud destaca a diferença entre o sintoma e
a estrutura. Apesar de não serem a mesma coisa há, entretanto,
uma relação entre os dois que deve ser considerada.
Outro aspecto importante, desenvolüdo por Freud nesse
texto, é que existem casos indicados para a psicanálise e outros
não, e que o analista deve se responsabilizar pela decisão de
tomar alguém em análise, pois os equívocos têm consequências
muito desfavoráveis.
Ele aponta, também, uma ambiguidade, em torno da
qual se coloca o problema do diagnóstico no campo da clínica
psicanalítica: deve-se estabelecer precocemente um diagnós-
tico, para se decidir quanto à condução da cura. Contudo, a
pertinência desse diagnóstico só receberá confirmação após
um certo tempo de tratamento.
Por outro lado, Freud em Recomendações aos médicos que
exercern a psicanálise diz que:

"Utna d.as reitindicações


psicanálise enc seu favor é,
d.a

indubitauelmente, o fato de que, ern sua execução, pes-


quisa e tratamento coincidem; não obstante, após certo
ponto, a técnica exigida por uruo opõe-se à requerida pelo
outro. Não é born trabalhar cientificarnelxte nurn caso
enquanto o tratarnento está comtinuando - reunir sua
estrutura, tentar predizer seu progresso futuro e obter, de
tenxpos enctel,tupos, utn quadro do estadn atual d.as coisas,

colt4o o interesse científico exigiria"t (grifos nceus).

s FREUD Sigmund (1912). Recomendaçoes aos médicos que exercem a psicanálise. ESB. v
Xll. Rio de Janeiro: lmago, 1969,p.152-153.
] -!\L']-.\ DO DIACNÓS]'ICO NÁ 1]IRECÀO I)A CI]I?A

- r-eucl apresenta uma diÍiculdade prática, isola uma contra-


. que tenta superar: o analista deve rejeitar o uso de todas
rrdenadas que não se refiram ao que procede do próprio
-.rento; ele não pode basear-se em um saber da preüsão.
rqui ele mostra a sua ruptura com o saber médico, aquele
., priori, tendo em vista as coordenadas do caso, possui
.eber antecipado sobre o paciente. Em vez da clínica do
- Freud introduz a clínica da escuta e quanto mais ele
:. Ineros usa esse saber acumulado.
irer,rd prossegue nesse texto:

"(...) ot ccLsos'mais betn-suceiliilos sôÍo aEteles em qTLe se

ayanÇa, por assiru dizer, setm qualqwer imtu.ito etn rista,


efl/L que se pe'rmite ser tonLado de u,rrpresa por qualqrter
moua reliratolta neles, e selnpre se os emfremta cotn libe-
ralidatle, sem q ua is quer pre s suposições "o ( grifos rueu.s ).

,{ contradição é que a psicanálise, no seu método,


:ssupõe que investigação e tratamento possam agir de
rdo e, no entanto, é preciso, para poder haver tratamento,
' ar-se dos meios habituais e necessários à investigação.
r'.ud continua insistindo que os analistas "tomem como
' delo, durante o tratamento psicanalítico, o cirurgião".
Leguil, comentando Freud, diz que:

"( ) o ciru.rgião é aqwele que isola a lesão ao lnesnto


tewpo que trata dela, swa intervemçtio é aquela e1n que o
'reconhecintento tle um tultlor correspontle à sua exérese
(extirpação), swa prtíticct é aquela em qlle o diagnóstico
se identifica concretalnente coln o tratatnento"T .

:-r'r't, p. 153.

: 3 U L, Fra nçois. Mais a lém dos fenômenos. ln. A querela dos diagnósticos - Jacques Lacan
,. ro5. Rio de .Janeiro: Jorge Zahar, 1989, p.60.
Yor.aNoa MouRÁo MErRA

Freud convida-nos, pois, a buscar a posição subjetiva


do cirurgião, que deixa de lado toda reação afetiva e até
toda simpatia humana e tem como objetivo único con-
duzir, tão habilmente quanto possível, a sua operação ao
sucesso. E, ao mesmo tempo, diz que o sentimento mais
perigoso para um psicanalista é o da ambição terapêutica
de alcançar algo que produza efeito convincente sobre
outras pessoas. O analista deveria se contentar com o
enunciado de um antigo cirurgião: "Eu trato e Deus cura".
Temos, então, que o diagnóstico cumpriria basica-
mente as funções de investigação e tratamento. Como
seria isto?

III
Entrad.a em andlise
Em primeiro lugar, nem todas as pessoas que vão ao ana-
lista têm uma demanda de análise. O diagnóstico inicial dá
subsÍdios para que o analista possa fazer o trabalho de torção
que possibilita constituir uma verdadeira demanda de análise.
A direção do tratamento seria diferente em sujeito de estru-
tura neurótica, psicótica ou perversa? Sabemos, por exemplo,
do risco que existe em se tomar um psicótico em análise: um
surto pode ser desencadeado por uma palawa. Por outro lado,
a simples proposta de deitar no divã pode ser suficiente para
desencadear uma psicose em um sujeito de estrutura psicótica.
Em segundo lugaq esta etapa do diagnóstico é uma etapa
inicial da análise, que poderíamos chamar, acompanhando
Lacan, de entreüstas preliminares. A que üsam?À entrada em
análise, que consiste na introdução ao inconsciente.
\ L\ÍpoR'IâNcrA Do DIAcNósTIco NÁ DIREÇÁo DÀ cuRÁ

Trataremos agora das entreústas preliminares.


Millers nos diz que o primeiro pedido que o indivíduo faz
ao analista é de ser admitido como paciente. Ele avalia seu
sintoma e pede um aval do analista sobre esta autoavaliação.
-\s entrevistas preliminares significam um adiamento da análise
até que o analista autorize a demanda de análise. Miller coloca
três níveis de entrada em análise: o primeiro é o da avaliação
clínica; o segundo, o da localização subjetiva; e o terceiro, o
da introdução ao inconsciente.
No primeiro, o da avaliação clínica, deve-se buscar
sinais que identifiquem uma possível psicose e diferenciar
a estrutura psicótica da neurótica e da perversa. Voltaremos
a esta questão posteriormente.
A localização subjetiva trata de questionar a posição de
quem fala em relação aos próprios ditos. Para permitir que o
próprio desejo se desenvolva, é necessário um lugar obscuro.
Temos de permitir que o sujeito continue a mentir um pouco
nos seus próprios ditos. A localização subjetiva introduz o
sujeito no inconsciente. Na perspectiva analítica, temos que
o sujeito se utiliza da palawa para enganar-se, por meio de
enganar o outro, mas, fundamentalmente, enganando-se a
si mesmo. Não há uma só frase, um só discurso, uma única
conversa que não traga a marca da posição do sujeito em re-
lação ao que diz. O sujeito diz uma frase e, logo em seguida,
sua posição em relação a essa frase. Por exemplo, se alguém
pergunta: 'Você acredita nisto?" - "Acredito sim", ou "Estou
certo disso" ou "Fulano me disse", são as respostas comumente
encontradas. Todos esses fenômenos se inscrevem na estrutura
da posição subjetiva com relação ao dito.

8 MILLER,Jacques-Alain.Aentradaemanálise.ln:Falo,n.2,Salvador:Fator,1990,
Yor-,c.No-A. MorrRÁo

Um analista jamais sabe o que o outro realmente lhe


demanda. Pode-se fazer uma demanda de análise por meio
de uma mediação, como demanda de supervisão, pedido de
ajuda para o filho etc.
Miller nos dá um exemplo interessante de uma pon-
tuação sobre a posição subjetiva em relação ao dito: uma
histérica que vem ao seu consultório dizendo que lhe parecia
que todo mundo ao seu redor falava em sua cabeça. Miller
corta a sua fala dizendo-lhe: "Você quer se apresentar como
louca". Por meio disto, ele indica para ela que nem todos
os seus ditos seriam levados a sério. Segundo ele, esta é
a direção da cura: saber o que deve e o que não deve ser
levado a sério.
A localização subjetiva não é, pois, apenas uma avaliação
da posição do sujeito, mas também um ato do analista, um ato
ético. O analista dirige o paciente em uma üa precisa ao en-
contro do inconsciente, leva-o em direção ao questionamento
de seu desejo e do que quer dizer. Miller diz que este é um ato
de direção do analista, e que o tempo da suposta neutralidade
vem depois, mas nas entrevistas preliminares há condução por
parte do analista.
Então, as entrevistas preliminares não são somente uma
investigação para descobrir onde está o sujeito, mas elas
tratam de efetuar uma mudança na posição do sujeito e de
transformar a pessoa que veio em um sujeito, em alguém que
se refere ao que disse, guardando certa distância em relação
ao dito. É por isto que as entrevistas preliminares constituem
uma retiflcação subjetiva, que consiste na passagem do fato
de queixar-se dos outros para queixar-se de si mesmo. As-
sim, esse dispositivo analítico consiste em implicar o sujeito
naquilo de que se queixa, implicá-lo nas próprias coisas das
\ I}IPoRTÂNCIA Do DIÀGNÓSTICo NÁ DIREÇÀO DA CURÁ 67

quais se queixa. O sujeito apreende a sua responsabilidade


:ssencial no que ocorre.
Temos, por exemplo, o caso de Dora que se queixa de
que seu pai a usava para satisfazer seus desejos com a Sra.
K. Freud pergunta-lhe o que ela tem a ver com isto, e Dora
é levada a se questionar sobre sua posição de assediada pelo
Sr. K., sendo que isto corresponde ao seu desejo. Fazê-la
perceber sua responsabilidade equivale a fazê-la enunciar seu
desejo, desejo esse que ela não conhece. Trata-se defazê-La
perceber a situação na qual se encontra. Essa situação só se
conhece a partir dos seus ditos, nos quais se apresenta como
rítima do desejo do Outro, do Outro paterno. A retificação
subjetiva consiste em fazer apârecer que é ela, de fato, que
tem lugar de agente em sua própria üda; e é ela que agencia
essa história.
O analista se responsabiliza por aceitar alguém em análi-
se. Como esta vai questionar as histórias que o sujeito conta,
as causas que ele defende para tampat o vazio em que ele
mesmo consiste, o perigo de uma análise consiste em aceitar
abrir de novo essa falta-a-ser, que talvez tenha sido tamponada
por uma causa mais ou menos boa. Miller nos diz que, se o
sujeito não pode mais suportar o ordenamento préúo de seu
mundo, se a causa lhe faz falta e se, como dizia Lacan, não
há, no sujeito, um desejo decidido, é melhor não aceitá-lo em
uma experiência analítica, pois a associação liwe vai dissociar
o sujeito de sua causa inventada, e levá-lo a questionar seus
valores, sua razáo de ser, as razões inventadas para justificar
sua própria existência.
umf ash clínico sobre a entrada
Gostaria de trazer agora
em análise de uma menina de sete anos. Esta, já nas ses-
sões de diagnóstico, apresentou de forma muito ilustrativa
YoLANDA lvlouRÀo MEIRÀ

os temas que abordamos aqui. Logo na primeira sessão, ela


trouxe uma boneca, a Barbie, e começou uma brincadeira na
qual ela morava sozinha na casa e achava ótimo. Não tinha
nem pai, nem mãe. Ela comia, dormia, ia para a escola. Até
que começou a ouvir uns barulhos estranhos fora da casa.
Ela ficou assustada, achando que podiam ser os bichos de
uma floresta ali perto. As sessões foram prosseguindo e a
história foi tomando outras nuances. A boneca começou
a ficar sobressaltada porque os barulhos começaram a ser
ouvidos: era o fantasma que começou a assombrar a casa.
Ela tinha de ficar deitada na cama e tinha medo até de ir ao
banheiro. O fantasma foi ficando mais próximo, até que um
dia a Barbie estava dormindo e teve um pesadelo; ela sonhou
com o monstro e caiu da cama. A analista disse: "Ih! agora o
monstro está dentro dela". Muito interessante esta situação.
A partir daí, a Barbie desapareceu de cena. Ela começou a
contar uma história de uma estrelinha que perdeu o rabo e
tinha de percorrer um longo e perigoso caminho para retomar
o que perdeu. No meio do caminho existiam perigosas setas
do mal que, eventualmente, impossibilitavam e dificultavam
o empreendimento. Essas sessões iniciais mostram uma su-
perposição de avaliação clínica e entrada em análise. Ela fala
de si como uma criança pode fazê-lo, ou seja, por intermédio
do brinquedo. Implica-se progressivamente, até que tem de
se dar conta do fantasma, que não está fora, que a assombra
e é dela. É o real que a assalta e alazcair da cama. "Caindo"
o objeto, o que vai aparecer no lugar é o sujeito dividido.
Prosseguindo, a história da estrelinha nos mostra a sua re-
lação com a castração e o desejo de recapturar o objeto perdido.
É ,ma criança que se estrutura de forma neurótica, ou, dizendo
diferentemente, possui um indicador de estrutura neurótica.
\ I}ÍPORTÀNCIA DO DIÁGNÓSTÍCO NÀ DIREÇÂO DA CURÁ 69

Voltando ao cirurgião que identiflca e ao mesmo tempo


:rata a lesão, temos que a clínica da experiência analítica
:rige o esvaziamento dos ideais do analista no processo do
:ratamento. Espera-se, pois, que o diagnóstico só diga as
:naneiras como se repartem, na estrutura, os efeitos de uma
.'onfrontação com o enigma do desejo do Outro e não as que
permitem dividir os fenômenos em função de modelos dados.
Iemos, pois, que, em termos diagnósticos, a psicanálise não
procura reagrupar os sintomas, mas busca uma coisa de outra
ordem, a estrutura.

IV

A estrutwra
Mas, afinal, o que é estrutura?
Lembremos a analogia da construção de uma casa,
citada no capítulo anterior. Para levantar uma casa usamos
vigas, elementos que sustentam a construção que vai ser
realizada, e outros elementos que se chamam de vedação,
por exemplo, as paredes, que completam essa construção. Os
elementos de estrutura são fundamentais, pois permitem que
a casa seja levantada e que o teto não nos caia na cabeça.
Então, os elementos da estrutura são os de responsabilidade,
os essenciais, os que suportam.
Como isto acontece no psiquismo humano? Quais são
esses elementos que suportam a construção psíquica? Como
se dá a estruturação psíquica?
Como vimos anteriomente, em úrtude do seu desamparo,
o indivíduo está submetido a um outro que the assegura sua
sobrevivência e que the possibilita a entrada na Cultura. A
YoLANDÁ llorrRÀo ]vÍÉRÂ

criânça acredita inicialmente que esse Outro, encarnado ini-


cialmente pela mãe, não tem falhas. Gradualmente descobre
que algo falta a ele. A forma como cada um vai se deparar com
essa falta vai levar a diferentes estruturações psíquicas.
O sujeito dirige-se a um grande Outro e tenta se localizar
dirigindo uma pergunta: o que o Outro quer de mim? Este
CLteuwoi} é fundamental para pensârmos na posição do sujeito
perante o desejo. Optamos por um desses lugares, mas é uma
escolha forçada ligada a como o sujeito se coloca com relação
à falta e, portanto, com relação ao desejo do Outro. "A estru-
tura clínica é este lugar que o ser falante ocupa na estrutura
da linguagem, o qual determina a questão de cada um com
relação ao grande Outro."e
O conceito de estrutura tem uma referência muito
estreita com a linguagem, com o significante e com o sim-
bólico, como podemos lembrar do aforisma de Lacan: o
inconsciente se estrutura como uma linguagem. Porém,
a estrutura ultrapassa o significante, pois nem tudo que é
estrutura é significante. Algo escapa, que é da ordem do
objeto, do real que se incrusta no simbólico. Miller, em Ló-
gicas de la Vida Amorosatl , coloca-nos que o grande Outro
é anônimo, igual para todos. O peculiar de cada um, o que
responde à invenção de cada um, está no nível de "a". O
objeto "a" é o que particulariza cada um, porque se põe no
lugar da suplementação do grande Outro barrado. Onde há
o grande Outro barrado, necessita-se da invenção, porque
não há nada para ser descoberto, só o vazio, Por esta razáo,
em vez de descobrir, deve-se inventar.

'q FÉRES, Nilza. Estruturas clínicas e ética. Do desejo estragado ao salmão defumado ou
da neurose obsessiva à neurose histérica, p.21-25.|n: Rev. Griphos-psicanálise, n. ll, Belo

r0 MILLER, Jacques-Alain. Lógicas de la vida omoroso. Buenos Aires: Manantial,


1991
\ L\rpoRttrNCIA Do DrAcNósrrco NA DIREÇ^o DA cuRÁ 71

\s estruturas : neurótic a, p erv ersa, p sicótic a


Conforme a resposta ao desejo do Outro, temos as estru-
-uras que são psicótica, neurótica e perversa.
O psicótico rejeita a castração. Isto significa a presença da
rejeição -Verwerfung- que leva a uma destruição da realidade
e a uma posterior reconstrução, por meio da criação de uma
nova realidade, de acordo com os impulsos desejantes do Isso,
.omo nos dizia Freud. Ele forclui a lei do pai, impossibilitando
que se transporte de ser o falo para ter o falo, o que implicaria
a marca do pai.
O perverso, ante a castração do Outro, trazida pela dife-
rença dos sexos, recusa essa castração, usando como operador
o desmentido -Verleugnung. Ante o horror da falta, atribui
um falo à mãe, assim recusando a dura realidade da falta que
ele não consegue simbolizar, pois a vive como uma possibili-
dade concreta. Ao mesmo tempo, ele reconhece a castração,
encontrando-se em um estado de diüsao do eu que, progres-
sivamente, se torna uma rachadura, como nos diz Freud, pois
ele nem bem recalca seus desejos, nem bem rejeita a realidade.
O fetiche é a sua solução: por intermédio deste, a castração do
Outro é afirmada e desmentida simultaneamente.
Já com onewrótico as coisas se passam de forma diferente.
Ele é submetido à castração e ao Édlpo utilizando basicamente
o recalcamento, que consiste em manter afastadas da cons-
ciência representações censuradas e perigosas. O neurótico
simboliza a castração, tem a marca do Édipo.
Em O desejo e sua imterpretaçãott, Lacan nos fala no grafo
do desejo, do desejo como desejo do Outro. Falta algo no Outro

'r LACAN,Jacques-Eldeseoysuinterpretación.ln:Losformacionesdelinconsciente.Buenos
Aires: Nueva Visión, 1979.
Yourr.oa ]vÍourÀo Mrrpa

e, portanto, ele quer algo. Che 1)uoi? O que quer de mim) O


fantasma se coloca como umâ resposta ao desejo do Outro. Esta
experiência do fantasma é algo que fi,xa o sujeito em um lugar
peculiar, um lugar fixo, escondido, que pode parecer ridículo.
Usando o grafo do desejo, Leguilr2 diz que o sujeito,
diante do enigma do Outro, vê suas respostas superporem-
-se em quatro níveis. O diagnóstico pode ser feito em nível
das identificações ideais e enclausurâr em uma etiqueta; em
nível do eu e dos semelhantes, que remete ao sociológico.
O diagnóstico pode ser feito em nível só do sintoma, mas é
perigoso enquanto este é significado do Outro [r(A)]. Deve-se
dar conta na clínica do que resulta do sujeito dividido, isto é,
o laço ao objeto que o cinde. Por isso, o diagnóstico não deve
ser situado no grafo em nível do sintoma, mas no nível em que
o fantasma se implique nesse sintoma. A pergunta feita sobre
o diagnóstico deve ser: qual a posÍção do sujeito no fantasma
e qual o real do objeto causa do desejo?
Como isto se daria na fobia, histeria e obsessão?
Para Lacan, afobia não é uma entidade clínica especial,
ela é uma placa giratória, um momento anterior do qual se
poderia escolher uma estrutura clínica. Lembramos que
essa escolha não é consciente, é uma escolha forçada. Em
uma verdadeira fobia não há fantasma. Lacan não fala de um
fantasma fóbico, mas de um desejo fóbico, que seria um de-
sejo prevenido, pois funciona como um sinal de que há um
desejo do Outro e o sujeito fica prevenido e avisado da sua
aproximação. Ele se defende e, assim, impede a aproximação
do desejo do Outro.

D LEGUIL, François, 1989,p.60-62


A D'{poRTÀNCrÀ Do DrAcNósTrco NÁ DrREÇÀo DA cuRA

Nalristeria e na obsessão maneja-se (não de forma cons-


ciente) o fantasma de maneira que o Outro apareça como
completo. Manejar as coisas de modo que o Outro apareça
como dono e senhor de seu desejo equivale também a frcar sem
desejo. Para que exista um desejo é necessário que se fechem
os olhos, pois tudo ver mata o desejo. O sujeito histérico se
apresenta como alguém que não tem seu lugar no Outro, e, por
excelência, é um sujeito barrado, um sujeito sem lugar, sem
habitação no Outro. É ,- desejo que lamenta essa falta de
signifrcante que poderia enganchá-lo no Outro. O que poderia
dar-lhe um lugar? Um significante que o representasse.
O sujeito histérico vem ao analista para buscar um lu-
gar no Outro e assim devemos recebê-lo, como um sujeito
que vem buscar um lugar no Outro e que pode encontrá-lo.
Porque imagina que o Outro seja completo e deva ensinar-
-lhe sobre a verdade do desejo, pensa que deve mostrar a
sua falta. Na direção da cura, é necessário "demonstrar" ao
analisante que o analista não é esse Outro completo, por-
tanto, falta-lhe algo.
A histérica coloca o objeto amoroso como obleto "a",
enquanto da castração não quer saber. Ela tem a posição
de quem porta a falta, acreditando que haverá alguém sem
essa falta, e que poderá dizer-lhe o que é uma mulher. Daí
a importância da Outra Mulher na fantasia da histérica. A
estratégia da histérica é colocar sua falta como uma ferida
que poderá ser curada pelo saber do Outro. O Outro é cons-
tituído como Mestre, para, logo a seguir, ser denegrido. A
característica de seu desejo é a insatisfação. A histérica é
o modelo do ser desejante, sempre em falta. Ela é doutora
em desejo e, por isto, sabe que desejo é desejo do Outro e
que esse nunca se satisfaz.
YoLANDA IÍouR to MEIrr

O problema do obsessiuo é dar garantias ao grande Outro. Ele


quer uma relação com o Outro, mas essa relação deve se ajustar
a determinadas regras. As mesmas regras que o histérico não
suporta, pois estar tudo em regraé uma forma de matar o desejo.
Diferentemente da questão do histérico, que é sobre o sexo (sou
homem ou sou mulher?), a questão do obsessivo é sobre a própria
existência (estou úvo ou estou morto?). Ele se queixa de uma
ausência de gozo, mas sabemos que ele goza,porémgoza em um
lugar que ele não conhece. É um lugar em que está como sujeito,
contudo não o sabe. A fantasia do obsessivo parte da divisão do
grande Outro, se inclui no saber do Outro e vai fazer tudo para
preservar esse todo-saber. Ele sabe ou saberá tudo. Mas não pode
desejar, senão, será um desastre: o pai pode morer, por exemplo,
como no "Homem dos Ratos". Por isto seu desejo é impossível. 0
desejo do obsessivo aparece de lado, estragado, no contrabando.
Ele goza sem saber. Ele deseja objetos que sempre têm a marca
da substituição, governado que está por algo que tem a ver com
a castração, mas os objetos são sempre depreciados.
Concluindo, reafirmamos que o diagnóstico em psicanálise
se faz pela estrutura, pela linguagem. Por meio da linguagem
podemos localizar a posição do sujeito diante da sua satisfação,
do seu gozo. Apartir daí, o analista dirige a cura.

Referências
FÉRES, Nilza. Estruturas clínicas e ética. Do desejo estragado ao sal-
mão defumado ou da neurose obsessiva à neurose histérica, p.21-25-
In: Rev. Grtpkos-psicanálise, n. I l, Belo Horizonte, 1993.
FRE,UD, Sigmund (1912). Recomendações aos médicos que exercem
a psicanálise. Edição SnnÁard Brasileira das obras psicológicas completas
de. v.I.Jl. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

:
Á rMpoRTÂNCIA Do DrÀcNósrICo NA DIREÇÀo DA cllRÀ

FREUD, Sigmund (1913). Sobre o início do tratamento. ESB. v.

XII. Rio de Janeiro: Imago, 1969.


LACAN, Jacques. El deseo y su interpretación. In: Las fon'naciones
del imconsciente. Buenos Aires: Nueva Visión, 1979.
LEGUIL, François. Mais além dos fenômenos. In: A querela d.os

diagnósticos - Jacques Lacan e outros. Rio de Janeiro: JorgeZahat,


1989. 103 p.
MILLER, Jacques-Alain. A entrada em análise. In: Falo, n' 2, Sal-
vador: Fator, 1990. 156 p.

MILLER, Jacques-Alaín. Lógicas d.e la ttida d1'norosa. Buenos Aires:


Manantial, 1991. I40 p.

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