Susana & Uma Brincadeira Chamada Amor. 091804

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 22

Susana

&
Uma Brincadeira Chamada Amor

2
7h 15min
Sexta – feira.

3
Barulho e confusão.
Mesmo quem estava fora da escola, conseguia ouvir os murmúrios, risos e gritos
que ecoavam nas salas de aula e no pavilhão. A conversa entre as meninas da turma
B se mistura naquela trilha sonora de escola.
— A festa vai ser mesmo na minha casa – Disse Poliana.
— Que horas – Perguntou Suzana.
— As 18h. Ah, e levam alguma coisa, tipo salgadinhos ou bolos, Ya!?
— Tá bom – Responderam as meninas.
— Até entendo né, nós é quem estamos a organizar, e os rapazes? – Questionou
Suzana.
— Ah, já falei com eles, vão levar gasosas, sumos e rebuçados – Respondeu
Poliana.
— Era melhor lhes lembrar, os rapazes são muito distraídos, senão vai chegar a hora
da festa, e vamos comer bolo com água!
As meninas riram. Elas concordaram e foram relembrar aos rapazes o que eles
tinham de levar. Todos estavam tão ansiosos que naquele dia nem prestaram
atenção na aula da professora Tânia. As meninas estavam ansiosas para ir trançar o
cabelo, comprar roupa nova, emprestar roupa, preparar a comida, para a festa. Os
rapazes estavam ansiosos, já que iam ter um motivo para finalmente tomarem
banho, comer muito, e dançar com as meninas. E quem sabe, conseguir um beijo
de bochecha.
No fim do dia, Susana correu até casa. Ao entrar, atirou a mochila no cadeirão,
e correu até a cozinha.
— Mamã, mamã, posso ir na festa mais tarde?
— Boa tarde!
— Eh, desculpa mamã! Posso ir na festa mais tarde?
— Tá desculpada. Que tipo de festa?
— É mais tarde, na casa da Poliana.
—Hum... Poliana – Disse com um tom de desconfiança – Quem fez anos?
— Ninguém.
— E é uma festa mesmo só assim?
Ela ainda estava ofegante. Com a respiração acelerada.

4
— Sim mamã. É uma festa mesmo só assim – Passou a mão no rosto para limpar o
suor – Vai ser lá no prédio dela. As meninas vão levar salgadinhos ou bolos, e os
meninos vão levar sumos.
— Ahmm....
— Posso ir mamã?
— Vai ter lá adultos?
— Vai mamã, todos da casa dela vão tá lá.
— Ahmm... Vai começar que horas?
— As 18h. Posso ir mamã?
— Muito tarde.
— Já tenho 13 anos mamã!
— Humm... Espera quando seu pai chegar.
Aquilo era quase um não. Ela olhou pra mãe com a cara de quem pede
compaixão. Virou e enquanto caminhava em passos lentos, sua mãe disse:
— Em todo caso... Queres que eu faça bolinhos ou bolo para tu levares?
Os olhos dela brilharam, tipo acenderam lá fósforo, e ela virou contente:
— Pode ser bolo mamã!
— Tá bom. Agora vai banhar para tirar todo esse cheiro de catinga!
Ela foi correndo toda alegre. Depois do banho, foi até na rua de trás, na casa da
sua prima Solela, que também iria para festa e estava a trançar o cabelo de quase
todas as miúdas do bairro. As meninas sentavam a espera da vez, uma das outras, e
conversavam conversas de soltar gargalhadas e de falar no ouvido.
— Sabiam que a Maura vai ir também na festa? – Disse a Solela.
— Hum... Já ouvi fama dela. Dizem que é muito assanhada! – disse uma que não
dava pra lhe ver bem, no meio das meninas.
— Fama de quê? – Perguntou Susana.
— Eh, dizem que já deu beijo num miúdo da rua 11! – Respondeu a menina
— Uaaaah! – Gritaram a meninas de espanto.
— Se já ouvi que ela já se fez Mal-criado com um moço! – Disse a Solela.
— Eehhhhh!!! – Gritaram outra vez, criando murmúrios.
— Assanhada Ya! – Disse a Solela.
Todas elas riram. Solela é que parecia saber muito. A maioria das meninas nunca
nem tinha recebido um beijo. Aos 13, 14, 15 anos, as meninas ainda brincavam de

5
saltar a corda, trançavam "bobys", se enviavam cartinhas de amor, sorriam ao ouvir
falar de amor, e viravam a cara ao ver uma cena de beijo na televisão.
Susana voltou para casa, muito bonita, com sua nova trança. Ajudou a mãe a
fazer o bolo. O bolo era de banana e tinha um cheiro de ternura, que fazia a fome
dançar na barriga.
No fim da tarde, pai de Susana chegou em casa. Depois de passar várias vezes
na sala, enquanto ele lia o jornal, agarrou coragem, para pedir a ele.
— Papá, posso ir mais logo...
— Tua mãe já me disse – interrompeu ele — Podes ir.
Ela começou a estranhar de alegria e abraçou o pai.
— Começa as 18h né?
— Sim papá!
— Então volta às 19h.
— Papá, bem bocado!
— Tens 13 anos. Uma hora numa festa chega para ti!
— Nem vai dar tempo de quase nada, nem de dançar bem.
— Camarada, dança rápido! – Disse e voltou a ler o jornal.
Quando se aproximava a hora, Susana se preparou e partiu junto com o pai.
Demoraram a chegar um pouco, porque o pai parava no caminho para cumprimentar
seus amigos e camaradas. O pai a deixou na entrada do prédio, que era dois
quarteirões depois da casa deles. Ela entrou, e ele ficou por um tempinho lá fora
conversando com alguns conhecidos, e depois voltou para casa.

6
18h 10min
Casa da Poliana.

7
A música já tocava, e já havia chegado algumas pessoas, quando Susana havia
chegado. Cada um trazia alguma coisinha de comer ou beber, e a mesa começou a
ficar cheia de coisas muito apetitosas, que tiveram de trazer mais outra mesa
comprida para colocar as coisas.
Pouco a pouco, a mesa ficou cheia, a festa ficou cheia. A música tocava, e eles
se divertiam. O irmão mais velho da Poliana, tirava fotos, daquelas que saem na
hora, e oferecia a quem quisesse ficar com ela.
As meninas ficavam depois sentadas, a espera dos meninos as chamar para
dançar, assim descobriam quem gosta de quem. As meninas começaram a rir,
quando a Maura foi chamar o irmão da Poliana para dançar.
— Muito assanhada Ya! – Disse a Solela.
Enquanto conversavam, entrou na sala um rapaz. Bonito, bem vestido e com um
cabelo grande e crespo. Os olhos dele se encontraram com os de Susana. Ele sorriu
ao ve - la. Ela olhou para o lado, e encostou a trança atrás da orelha. Voltou a olhar
para ele e sorriu, timidamente. Os meninos começaram a chamar as meninas para
dançar e aquele rapaz chamou Susana. Ela aceitou.
Primeiro tocou That's Amore de Dean Martin, e eles dançaram juntos, entre
sorrisos e encontro de olhares.
— Como te chamas? – Perguntou ele.
— Susana. E você?
— Sou o Benjamin.
— Você também é da nossa escola?
— Não. Meu amigo é que estuda lá, ele me convidou para vir.
— Ahm – Respondeu Susana e fez um silêncio.
— Você tá muito bonita, Susana. Acho você muito bonita.
Ela virou para o lado e sorriu.
— Obrigada. Você também – Soltou ela.
Ele sorriu. Ela também. E conversaram enquanto dançavam no meio daquela
grande sala. Depois tocou Ana Júlia dos Los Hermanos.
— Gosto bué dessa música!
— Eu também!
E cantavam enquanto dançavam tipo malucos, no meio da sala. Mas dançaram
meio agarradinhos, quando a música chegou em uma parte que fica mais lenta.
Quase abraçados, tanto até que o irmão da Poliana teve que os vir separar. E eles
riram quando isso aconteceu.

8
As 19h, Susana se despediu das amigas e amigos e começou a caminhar de volta
para casa. Benjamin também teve que ir, depois de dizer que a barriga estava a dar
voltas, depois de comer vários bolos diferentes.
A rua estava cheia e movimentadas. Tocava música de um lado, e no outro, altas
gargalhadas em meio as conversas. No bairro, se você ficar distraído, acabas por
achar que no mundo não tem problema. As vezes isso é bom.
— O que você quer ser quando crescer? – Perguntou Benjamin.
— Quero ser uma grande professora. E tu?
— Quero ser escritor... De romances!
Ela sorriu.
— Teu sorriso é bem bonito.
Ela quis sorrir, mas tapou a boca com as mãos.
— Tá bom. Vou esperar um dia pra ler um livro teu nas minhas aulas.
Ele sorriu.
— Podes ser minha amiga?
— Ya, posso.
Ele voltou a rir, e colocou as mãos no bolso.
— Onde é a tua casa?
— É aquela ali — apontou ao fundo da rua — com as aquelas trepadeiras e flores
vermelhas.
— É bonita.
— E a tua?
— A minha é três quarteirões mais a frente. É a única casa pintada de amarela na
minha rua e tem acácias no quintal.
— Vou lembrar quando um dia desses ir te visitar!
— Eu ia gostar muito. Vou viajar, e só volto daqui a três semanas. Podemos marcar
de nos ver até lá?
— Posso passar lá, quando chegares.
— Eu ia gostar muito — E sorriu novamente.
Ele seguiu caminho para casa, e Susana foi para a sua casa, cantarolando e
saltitando.
— Aprontaste já o que? — Perguntou sua irmã ao abrir a porta.
— Vou casar com um escritor de romances! — Gritou e entrou a correr.
— Te fizeram o que naquela festa, miúda! — Disse fechando a porta.

9
*****

Susana esperou ansiosa naquelas três semanas para ver Benjamin. Quando
chegou a semana, em um fim de tarde de quarta-feira, ela foi a casa dele. Ela
colocou um vestido bonito, perfume, que tirou do quarto da irmã mais velha. Ela
encontrou a casa. Só tinha de ser aquela. Amarela, com Acácias que dava para ver
de fora. Era colorida e muito bonita.
Ela bateu a porta. Bateu. Bateu outra vez. Achou que talvez não tivesse ninguém,
ou talvez ainda não tivessem voltado da viagem, até que a porta da casa ao lado se
abriu, e uma mulher idosa colocou o rosto para fora.
— Tudo bem menina?
— Sim, avó. Desculpa só, a avó sabe se tem alguém aqui?
A mulher não respondeu de primeira. Fez uma cara de admiração. Susana achou
que talvez tivesse encontrado a casa errada, e que talvez aí não morasse ninguém.
— És amiga do Benjamin?
— Sim avó. Sabe se ele já veio?
O rosto da mulher entristeceu. Ela mexeu a cabeça, como se estivesse
lamentando.
— Ah, minha querida, essa família se mudou e vendeu a casa. A algumas semanas,
dias depois de viajarem, houve um acidente, e Benjamin acabou por falecer, e a
família se mudou depois disso.
Susana ficou parada, sem saber como reagir. Parecia que havia encarnado uma
estátua. E começou a chorar.
— Não fica assim, minha querida – Falou abraçando - a.
Depois de se acalmar, Susana voltou triste para casa. Disse para sua mãe que
estava a sentir-se mal. Que a cabeça estava a doer, e foi deitar. Foi até a gaveta, e
tirou a foto que Poliana havia lhe dado, um dia após a festa. Na foto estava ela e
Benjamin. Ela deitou na cama, abraçou a foto no peito e chorou, chorou até
adormecer.

10
Alguns anos
depois

11
Susana já não era a mesma.
Quer dizer, aparentemente ela já havia superado tudo aquilo, mas ainda havia
um um vazio no meio do seu coração. Ela se esquivava de qualquer rapaz que
tentasse se aproximar dela. Tratava - os com aversão para afasta - los. Temia que
talvez fosse acontecer algo como o que aconteceu com Benjamim.
Era difícil ver seu sorriso. Apenas mostrava aos mais próximos ou da família,
já não saia assim tanto como antes. Voltava da Faculdade e ia para casa. Saia as
vezes com a irmã, ou com a mãe.
— Agora que vou casar, vais ficar sozinha aqui, miúda!
— Ahahah. Ainda tenho amigas.
— Então não estás com elas agora porquê?
— Estou sem vontade mana.
— Tás sempre sem vontade. É ano novo, vai ainda se divertir um pouco com tuas
amigas!
Se aproximou e sussurrou no ouvido dela:
— Quem sabe conhecer alguém, dar uns beijinhos!
Ela se afastou e começou a rir sem jeito.
— Sua maladra! – Brincou Susana.
— Escuta: se ires até o Quintalão e ficares lá por pelo menos até a meia-noite te
dou o dinheiro para comprares aqueles livros que tanto passas o tempo a dizer.
Ela parou de ler. Olhou para ela, cerrando os olhos.
— Só até a meia-noite noite?
— Só até a meia-noite.
— Tá bom.
Se levantou. Colocou meias, um casaco amarelo, umas pantufas, uma calça
jeans. Abriu a gaveta, tirou a fotografia dela e do Benjamin, olhou, passou os dedos
nela e guardou em dos bolsos da calça e saiu.
Eram 22h 30min, quando ela saiu. Faltava pouco para o ano novo. Passou pela
casa de algumas amigas, para não ficar sozinha, mas elas já haviam saído para
outros lugares.
Continuou andando. As ruas estavam muito movimentadas e todos eufóricos e
ansiosos para o novo ano. A noite parecia dia. Crianças correndo de um lado pelo
outro. Adultos dançando no meio da rua.
Susana foi até o Quintalão, e lá estava bem decorado. Havia mesas organizadas,
servia - se comidas e bebidas e tocava boa música. Susana cumprimentou os seus
conhecidos e sentou em uma mesa, em um lugar que chamava pouco atenção. Pegou
o telefone e viu as horas: 22h 45min. Parecia que o tempo havia abrandado. Ao

12
levantar os olhos, percebeu que um rapaz estava de longe olhando para ela. Tinha
um pano no ombro, e uma bandeja na mão com petiscos. Sorriu pra ela, quando ela
cruzou o olhar com ele. Um sorriso de bebê. Ele meio que contia o sorriso, o que
dava um certo charme ao rosto, de um jeito próprio. Ela franziu o rosto e desviou o
olhar.
Tocou Semba, Kizomba e um Kuduro dos bons. Ela passou maior parte do tempo
observando outros dançar, e negava qualquer convite que recebia de um rapaz para
dançar.
Voltou a ver as horas no telefone. 23h 00. Deu um suspiro. Pegou a fotografia
do bolso e voltou a olhar para ela. Ela distraída com a foto, o rapaz sorridente se
aproximou, pousou a bandeja na mesa e sentou.
— Sou o Janeiro. Comé tudo bem?
Ela guardou rápido a fotografia e fez uma cara de indignação.
— Janeiro? – Disse ela.
— Ya. Meu pai se chamava Janeiro, meu avô também se chamava Janeiro, e
adivinha só qual era o nome do meu bisavô?
— Dezembro? — Respondeu ironicamente.
— Não, Janeiro, sua tonta!
Ela sorriu e cruzou os braços. Olhou para ele que estava com o rosto sério como
se tivesse dito algo sério e riu outra vez. Virou para o lado para esconder o sorriso.
Ele ficou parado a olhar para ela com um rosto sério. Ela parou de rir.
— Fiz alguma coisa?
— Não. É o meu cão.
— O que aconteceu com ele?
— Nome dele também é Janeiro.
Ela colocou a mão na boca para conter o riso.
— Sério?
— Ya. As vezes me dá pena quando olho para ele. Me dá vontade de chorar.
— E não choras porquê?
Ele abanou a cabeça, e com um ar sério, olhando para o nada, respondeu:
— Não sei chorar.
Ela soltou gargalhadas coloridas, e ele também. Ela riu tanto que saiu umas gotas
de lágrimas nos olhos.
— Qual é o teu nome? – Perguntou em um tom suave, mas seguro e tranquilo.
Ela parou por uns segundinhos. Tipo aquelas pausas dos filmes, pra fazer mesmo
só drama.

13
— Susana.
No mesmo instante em que ela pronunciou o seu nome, começou a tocar a música
"Susana" dos Salti Sol. Ele abri os olhos de espanto, erguendo os braços.
— Bué estranho Ya! – Diz ela sorrindo.
Ele convida ela para dançar, mas ela nega. Ele insiste, e pedi para aceitar, e ela
acaba cedendo. Os dois dançam e ela vai se soltando a cada batida da música e sem
perceber se solta e já começa a dançar mais a vontade. No fim da música os dois
olharam um no outro. E os olhos diziam coisas óbvias que podiam ser entendidas.
A música que começou a tocar depois, era Ana Júlia, da banda Los Hermanos, e
Susana voltou a lembrar de Benjamin. Começou a sentir a tristeza subir do coração
para os olhos.
— Ah, tenho que ir — Dizia tentando conter as lágrimas — Gostei de te conhecer
Janeiro! – Disse saindo em passos largos do local.
Janeiro tentou impedi - la, mas ela foi mais rápida com os passos.
No caminho ela conseguia ouvir o som das pessoas eufóricas com a contagem
do ano novo. O céu trovejou e caiu uma gota de água sobre o cabelo de Susana. Ela
olhou para o chão e apanhou sacos e embrulhou o telefone entre eles, colocou dentro
da casaco. As pessoas gritavam... 5...4...3...2...1... Feliz ano novo!!! E a chuva
começou a cair, misturando suas lágrimas com a água do céu. Susana olhou para a
rua ao lado e lá no fundo, viu a antiga casa de Benjamin. As luzes acesas e as ácacias
balançando com o vento. Há muito tempo que ela não passava por ali.
Provavelmente já vivia lá outras pessoas. Ela ficou parada olhando para a casa.
Ficou por lá uns 2 min. Depois continuou andando lentamente, a caminho de casa.
Janeiro surgiu na sua frente. Ela parou e recuou de susto.
— Tás maluco, ias me assustar do coração!
— Desculpa Susana. Tás bem mesmo? Saíste assim do nada, nem viste o fogo de
artifício nem nada...
— Ya, é que eu não estava nada a me sentir bem.
— Então não era melhor ir te acompanhar até casa?
Ela virou o rosto para lado, como se esperasse o sinal de alguém para responder.
Janeiro viu um lugar que podiam ficar até a chuva acalmar e foram para lá. Susana
lembrou da fotografia e a tirou do bolso. Estava toda borracha e desfeita por causa
da chuva. Dos seus olhos, voltaram a sair lágrimas. Com raiva, ela pegou a
fotografia já estragada e jogou pra um canto escuro, e as águas que corriam levaram
pela rua abaixo. Ela voltou a chorar. Janeiro a abraçou até ela se acalmar. Minutos
depois, a chuva se acalmou. Os dois ficaram em silêncio por um bom tempo.
Depois conversaram. Susana contou sobre a fotografia, o rapaz da fotografia, a
festa, a dança, a música. Sobre a paixão. E ficaram mais um pouco em silêncio. A
chuva havia parado, e o ambiente estava calmo, tranquilo. Soprava aquele ventinho
da madrugada bem gostoso de se sentir.

14
— Desculpa te atirar tudo isso.
— Não faz mal.
E ficaram mais um pouco em silêncio.
— Porque veio falar comigo? – Perguntou Susana.
— O carinho no seu olhar me comoveu.
Ela olhou para ele. Ele olhava para o nada como se estivesse pensando. No
mesmo instante, passou Maura, a antiga menina assanhada, que agora era uma
mulher formosa e esguia. Ela os cumprimentou e seguiu caminho.
— Porquê não foi falar também com ela? – Disse Susana apontando para ela.
— Ela não. Ela é feita... de frente e de lado – Respondeu ironicamente.
Ela riu.
— Ela tem corpo bonito – Brincou.
— Corpo bonito é que tem alguém feliz lá dentro – Respondeu olhando para ela.
Ela ficou parada, com os olhos a brilharem devagarinho. Ele falava de um jeito
mavioso, que trazia paz dentro dela. Ela tirou o telefone do embrulho, e estava
intacto. Viu as horas. 2h 05 min.
— Ah, tenho que ir. Obrigada por tudo Janeiro.
— Nada por isso. Posso ir te acompanhar, se quiseres.
— Não precisa, minha casa é já ali – Falou apontando pra sua casa no fundo da rua.
— Tá bom. Gostei de te conhecer Susana.
Olhou para a casa dela, como se estivesse planejando uma traquinice.
— Quem sabe, não vou te visitar um dia desses!
— Pode ser.
— Tá bom.
E ela foi. Ele ficou de longe olhando para ela, até ela entrar em casa, e só assim,
foi para a casa dele também.

15
13h 20min
3 de Janeiro

16
Susana regava as plantas no quintal, e ouvia as músicas que soavam do rádio na
varanda. Sua irmã lia um dos livros que ela havia acabado de comprar com o
dinheiro da aposta entre elas. Era uma tarde tranquila e serena. Susana parou o que
fazia, quando percebeu que as trepadeiras se moviam, e seus olhos se ergueram
quando viu Janeiro subir e ficar de pé por cima do muro.
— Susana!!!
— Janeiro, tás a fazer o quê?
— Susana, eu gosto dos teus olhos castanhos! – Disse com um sorriso, erguendo os
braços.
Ela sorriu e depois tapou os olhos.
— E agora?
— Agora gosto do nariz, das suas orelhas, sua pele cor da terra, seu cabelo, e tudo
o que ainda não vi sem roupa.
Ela sorriu e tapou a boca. Sua irmã pousou o livro e levantou para se aproximar.
— Então esse é que é Janeiro?
— É – Respondeu Susana.
— Falaste sobre mim, isso é bom.
As pessoas na rua começaram a se aproximar e a mãe de Susana também saiu
para ver o que era aquela confusão.
— Susana, das coisas óbvias que precisam ser ditas, eu quero dizer que tô a gostar
ti. É apaixonado que se diz nê?
Ela sorriu e encostou o cabelo por trás da orelha. Quando ele a viu sorrir,
atrapalhou - se e caiu do muro. Foram ajuda - lo a levantar. Ela se aproximou dele
e disse:
— Janeiro, tás mesmo bem da cabeça?!
— Tenho me perguntado a mesma coisa desde o dia que te vi.
Ele se levantou, e sacudiu a poeira na roupa. Ela ficou olhando para ele com uns
brilhos que brilham devagarinho. Janeiro pediu desculpa para mãe de Susana por
causa de toda confusão. A irmã dela só ficou conter o riso, ao voltar para a varanda
e fez um sinal de "fixe" com as mãos quando ele estava a sair. Todos na rua ficaram
a olhar e murmurar entre si, sobre o que aquilo acabara de acontecer, e cada um
dizia uma coisa diferente.
— Quando disseste que ias me visitar, não achei que ias fazer uma coisa dessas —
Disse Susana.
Ele sorriu timidamente. Ficou em silêncio. Em seguida disse:

17
— Susana, eu entendo tudo o que passou, mas me deixe estar próximo de você. Eu
tô aqui, não vou a lado nenhum.
— Janeiro....
— Tá bom – Interrompeu ele – Se não quer nada comigo e não gostou de mim pisca
uma vez, mas se sente algo por mim, pisca duas vezes.
Ela olhou nos olhos dele, e o abraçou. Ele a abraçou de volta. Pegou na mão e
olhou bem nos olhos dele, e piscou duas vezes. Ela conseguia sentir as mãos dele
tremeram naquele instante. Ele se aproximou para beija - la, mas ela travou
colocando a mão na cara dele.
— Ainda não? É bué cedo?
— Sim, nos conhecemos anteontem! Se controla rapaz!
— Tá bom. Tá bom.
— Primeiro vamos ser amigos, nos conhecermos — Disse ela enquanto
caminhavam.
— Você tem razão. Agora, onde é que tamos a ir?
— Pra sua casa, que inclusive quero saber onde é.
Ele parou e virou para ela.
— Você esteve a olhar pra ela. No dia em que nos conhecemos.
— Hãmm?
— É aquela ali – Apontou pra uma casa amarela e com acácias.
Os olhos dela se ergueram. Colocou a mão sobre o peito. Olhou para ele e voltou
a olhar para casa.
— Tá tudo bem Susana?
— A quanto tempo você mora ali?
— A uns 7 anos. Compramos a casa. Contaram - nos que a antiga família teve uma
tragédia. Porquê tás assim?
Ela quis contar que ali era a antiga casa de Benjamin, mas preferiu calar. Ela
olhou para a casa e percebeu que seu coração voltou para o mesmo ponto. Corações
se encontram, no ponto em que o amor querer. Seus olhos ficaram cheios de
lágrimas, mas ela conteve e não derramou.
— Podes me dar um copo de água?
— Sim, sim. Vem, pode entrar.
Janeiro foi na frente. A mesma mulher, agora idosa, que havia dado a notícia
sobre Benjamin a Susana, saiu e ao ve - la sorriu.
— Estás de volta!

18
Susana sorriu e assentiu com a cabeça. A mulher se aproximou e limpou as
lágrimas que caíam de seu rosto.
— O amor as vezes brinca, e vai embora. Mas ele sempre volta, nem que seja de
um jeito diferente.
Susana assentiu novamente com a cabeça. A mulher colocou as mãos no peito e
exclamou:
— Isso. Isso tudo. É muito bonito. Muito bonito, minha querida.
E entrou. Susana deu um suspiro. Respirou fundo, fechou os olhos entrou na
casa. Dessa vez ela conheceria o amor. Dessa vez ela teria o seu tudo bem.

Fim.

19
Copyright© 2021 by Tribo Ler & Muzeri Kizenza.
Todos os direitos reservados.

Título
Susana & Uma brincadeira chamada amor.
Autor
Muzeri Kizenza.
Gênero
Conto.

Primeira edição em Português: 2021.


Coleção: Wattpad.
Edição, Formatação e Revisão: Tribo Ler.
© Tribo Ler

PROIBIDA A REPRODUÇÃO DESTE LIVRO POR QUAISQUER MEIOS, SEM


A PERMISSÃO DOS EDITORES E DO AUTOR, SALVO EM BREVES
CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

20
SOBRE O AUTOR
Muzeri Kizenza (Wilson F. Lucas Domingos) nasceu e cresceu em Luanda –
Angola, onde mora atualmente. É escritor, poeta e compositor. Apaixonado por
fotografia, desenho e arte em geral. Vencedor da primeira edição do concurso
Angola – Wattpad, na categoria de contos, com o livro “Se Meu Coração Falasse”.
Ainda, há outras obras como Kandengue Atrevido, A Última Jazzomba, Oxalá
Cresçam Ácacias no Céu (Poesia), e muitas outras, bem como uma coleção de
contos angolanos chamado “Ontem em Angola” que está também na plataforma
Wattpad, onde icluí está e muitas outras obras, desde poesia a ficção.
Poderá acompanhar outras obras do autor como:

21
22

Você também pode gostar