Teoria Da Religião - Princípio Pluralista
Teoria Da Religião - Princípio Pluralista
Teoria Da Religião - Princípio Pluralista
Resumo
O objetivo deste texto é apresentar um primeiro balanço sobre o princípio pluralista, após alguns anos de de-
bate, reproduzir suas bases conceituais mais importantes, com o registro dos principais autores e autoras que lhes dão
sustentação teórica, e indicar, em síntese, algumas aplicações que temos feito dele. Entre elas, destacamos a tarefa de
(i) investigar aspectos do quadro de pluralidade religiosa, sobretudo o valor da relação entre vida cotidiana e expres-
sões de fé; (ii) contribuir para a teologia ecumênica das religiões, com uma crítica aos modelos teológicos modernos
de interpretação, por não abarcarem a complexidade e a variedade presentes no quadro de diversidade religiosa,
especialmente as formas de espiritualidades de grupos populares e subalternos, em geral com perfis holísticos e inte-
grados à cultura; (iii) observar o princípio pluralista em relação aos estudos de religião no Brasil, especialmente como
elemento articulador de pesquisas desenvolvidas na área “Ciências da Religião e Teologia”; (iv) analisar as questões
suscitadas pelas ecoteologias e ecoespiritualidades, que realcem as relações necessárias de interdependência e de co-
operação vital; (v) realçar o valor de dimensões antropológicas que estão em torno da corporeidade, da sexualidade
e do prazer, em geral desprezadas pelas leituras teológicas hegemônicas; e (vi) destacar aspectos de novas linguagens
teológicas, forjadas nas expressões dos desejos humanos e associadas às dimensões lúdicas e místicas de formas de
vida marcadas pela festividade, pela alteridade, pela afirmação da diferença, pela poesia e pelo empoderamento de
grupos subalternizados que revelam visões plurais e criativas de vida.
Palavras-Chave: Princípio pluralista. Teologia das religiões. Entre-lugares. Polidoxia. Decolonialidade.
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O debate sobre o princípio pluralista:
Um balanço das reflexões sobre o
princípio pluralista e suas aplicações
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Cadernos Teologia Pública é uma publicação impressa e digital quinzenal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, que busca ser uma contribuição para a relevância pública da teologia na
universidade e na sociedade. A teologia pública pretende articular a reflexão teológica e a participação ativa nos debates que se desdobram na esfera pública da sociedade nas ciências, culturas e
religiões, de modo interdisciplinar e transdisciplinar. Os desafios da vida social, política, econômica e cultural da sociedade, hoje, constituem o horizonte da teologia pública.
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Conselho científico: Profa. Dra. Ana Maria Formoso, Pontificia Universidad Católica de 1. Teologia 2. Religião. I. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Instituto Humanitas
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O debate sobre o princípio pluralista:
Um balanço das reflexões sobre o princípio pluralista e suas aplicações
Introdução
A primeira vez que utilizei a expressão “princípio pluralista” foi em uma conferência no Programa de Pós-
-Graduação em Teologia, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, realizada no dia 17 de agosto de 2017,
cujo tema foi “Pluralismo Religioso na América Latina”. Eu estava bastante motivado pelas experiências de diálogo
inter-religioso que se abriam para mim, especialmente no contexto de participação no Fórum Inter-Religioso de San-
to André-SP e de outros canais de diálogo, tanto em nível local e nacional, como também nos espaços criados pelo
Programa de Cooperação e Diálogo Inter-Religioso do Conselho Mundial de Igrejas. Após a conferência, o Programa
da PUC teve a gentileza de publicar o texto em sua Revista de Cultura Teológica, com o título “O princípio pluralista:
bases teóricas, conceituais e possibilidades de aplicação” (2017a). No mesmo ano, o IHU publicou em seus Cadernos
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de Teologia Pública, com o título “O princípio pluralista” Universidade Metodista de São Paulo até 2017, onde tra-
(2017b), um aprofundamento do texto, o qual teve boa balhei por quase duas décadas, e tiveram continuidade
circulação e aceitação em alguns círculos dos estudos de nos Programas de Pós-Graduação em Ciência(s) da Re-
religião. ligião da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
A formulação deste princípio é resultado de duas (2018-2019) e da Universidade Federal de Juiz de Fora
décadas de pesquisas sobre temas ecumênicos em cha- (2019-2020). Uma obra mais extensa e detalhada, intitu-
ve teológica latino-americana e de análises da realidade lada O Princípio Pluralista, foi organizada e deve ser em
de pluralidade religiosa que marca o nosso tempo. Há breve publicada.
uma produção com certa amplitude, que antecede as Na referida produção há sempre uma preocupação
pesquisas recentes. Ela está dispersa em variados artigos interdisciplinar que articula, pelo menos, dois polos: (i)
acadêmicos e livros, mas os aspectos principais foram or- a perspectiva decolonial dos estudos culturais, especial-
ganizados em três obras: a) Testemunho e Libertação: a mente a noção de “entre-lugar” e de fronteiras, associada
teologia latino-americana em questão (2016), que dá um às tensões entre as sociologias das ausências e das emer-
balanço da metodologia da Teologia da Libertação e faz gências e às críticas às formas de colonialidade do poder,
a ela uma crítica ad intra pelas demandas crescentes e do saber e do ser; e (ii) a visão teológica de alteridade
intensificação da complexidade sociocultural, da emer- ecumênica, com variados desdobramentos inspirados em
gência das subjetividades e do pluralismo; b) Pluralismo diferentes setores das teologias pluralistas e com destaque
e Libertação (2014), que apresenta temas para uma teo- para a noção de polidoxia, considerando os diferenciais
logia ecumênica das religiões; e c) Religião, Democracia e de poder na sociedade que demarcam as relações inter-
Direitos Humanos (2016), que é uma análise da presença -religiosas e interculturais. O princípio pluralista se assenta
pública inter-religiosa no fortalecimento da democracia e sobre esses dois pilares conceituais e se propõe a ser um
na defesa dos direitos humanos no Brasil. elemento de cooperação na tarefa de melhor compreen-
Estas pesquisas foram realizadas no contexto do são da pluralidade religiosa e de outros aspectos antropo-
grupo de pesquisa “Teologia no Plural”, certificado pela lógicos que se destacam no cenário atual.
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Como amante da tradição teológica protestante, cação de respostas mais adequadas e mais consistentes
especialmente a do renomado teólogo Paul Tillich, que ao quadro crescente de complexidade da realidade social.
cunhou em sua Teologia Sistemática (1984) a noção de Este cenário, como sabemos, é emoldurado pelos fatores
‘princípio protestante’, e como herdeiro da visão teoló- econômicos e marcado por uma emergência de subjetivi-
gica latino-americana da libertação, em especial a ideia dades, além de ser também moldado por um quadro de
do ‘princípio misericórdia’, de Jon Sobrino (1994), intuí pluralismo cada vez mais intenso nas sociedades e cultu-
que o princípio pluralista¸ recorrente no pensamento de ras. No caso latino-americano, trata-se de avaliar o peso
variados autores e autoras, latino-americanos e de outros dos esquemas reducionistas que utilizaram em demasia a
continentes, possibilitaria uma contribuição singular e ex- bipolaridade “dominantes x dominados” devido à influ-
pressiva tanto para as análises teológicas quanto para o ência de certas formas mais dogmáticas de marxismo nas
campo das ciências da religião. análises sociais, ocultando por vezes a complexidade so-
Diante dos esforços em forjar e garantir o referido cial. Nesse sentido, seguindo as teorias de complexidade,
legado teológico latino-americano, há desafios enormes defendemos uma lógica plural para o conhecimento das
que marcam o contexto atual. Não obstante as muitas e situações em que vivemos.
diversificadas análises, reconhecemos que não é tarefa Um segundo desafio está em torno das questões
simples indicar tais desafios. Há, no entanto, três aspectos relativas à emergência das subjetividades na atualidade.
que têm mobilizado a atenção de teólogos e de teólogas, Esta dimensão se conecta com a espiritualidade. Não fo-
e que a mim tocam de forma bem intensa. ram poucas as vezes em que a Teologia da Libertação, por
O primeiro deles é a tarefa de alargamento me- exemplo, foi acusada de ‘não ter espiritualidade’. É fato
todológico e de atualização nas formas de compreensão que as dimensões racionais próprias do método teológi-
da realidade, pressuposto sempre presente nas teologias co latino-americano, como as mediações socioanalíticas
de caráter social e político. Trata-se de uma análise críti- para a compreensão da realidade, o rigor nas exegeses
ca da metodologia teológica latino-americana, tendo em bíblicas e nas avaliações históricas e as formas articuladas
vista contribuir com o seu aprimoramento e com a indi- de ação eclesial e política, marcam uma ambientação de
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racionalidade que talvez possa inibir formas mais subjeti- teológico, do quadro religioso ou de questões de natureza
vas de espiritualidade. No entanto, a mística evangélica é antropológica.
parte constitutiva da participação cristã nos processos de As reflexões sobre os três referidos blocos – ou seja,
libertação social. Daí a emergência de grandes desafios das questões que emergem da complexidade social, das
teológicos e pastorais, em geral requerendo uma abertura subjetividades humanas e das formas de pluralismo – têm
a visões que valorizem a subjetividade e formas mais au- pautado os conteúdos e as ênfases do meu trabalho. Os
tênticas e espontâneas de espiritualidade. esforços têm sido na direção de analisá-los a partir do
Um terceiro desafio reside em torno dos encontros princípio pluralista.
e desencontros da teologia com a pluralidade. A teolo- A formulação deste princípio se deu, como já re-
gia latino-americana priorizou o dado político para suas ferido, em variados ambientes acadêmicos nos quais eu
interpretações e nem sempre esteve devidamente atenta estive e estou inserido, mas encontrou solo fértil no Grupo
às diferenças culturais, que, no caso de nosso continen- de Trabalho “Espiritualidades contemporâneas, pluralida-
te, são fortemente híbridas e entrelaçadas com a diver- de religiosa e diálogo”, da ANPTECRE/SOTER, liderado
sidade das expressões religiosas. Também pouco esteve pelos profs. Gilbráz Aragão (UNICAP), Roberlei Pana-
atenta para as demandas da vida que surgem com as siewicz (PUC-Minas) e por mim.
dimensões e experiências do cotidiano e com os aspec- O princípio pluralista se constitui em um referen-
tos fundamentais da vida humana como a corporeidade cial de análise facilitador de melhor compreensão do
e a sexualidade. Consideramos, portanto, que diante da complexo e variado quadro religioso, que pode também
teologia latino-americana está a tarefa de aprofundar os ser utilizado como noção condutora de reflexões sobre o
seus esforços, mesmo com as limitações e ambiguidades pluralismo metodológico e antropológico, tanto em ter-
próprias de qualquer corrente de pensamento, e, guiada mos do caráter descritivo e sociológico das ciências da
pelo princípio pluralista, refletir sobre as demandas que a religião, quanto em termos da dimensão hermenêutica da
sociedade apresenta e que recaem sobre o quadro de plu- teologia. É um instrumento hermenêutico de mediação
ralismo, seja o que está em torno das questões do método teológica e analítica da realidade sociocultural e religiosa
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que procura dar visibilidade a experiências, grupos e posi- A formulação do princípio pluralista não é uma in-
cionamentos que são gerados nos “entre-lugares”, bordas dicação ética, moral ou “catequética”, do tipo “devemos
e fronteiras das culturas e das esferas de institucionalida- ser pluralistas”, embora consideremos que uma visão plu-
des (RIBEIRO, 2017b). ral seja importante para os processos democráticos, para
O princípio pluralista possibilita divergências e as mais diversas formas de relacionamento e também para
convergências novas, outros pontos de vista, perspectivas o avanço da pesquisa científica. Trabalhamos com outra
críticas e autocríticas para diálogo, empoderamento de ênfase. Com o princípio pluralista, consideramos que as
grupos e de visões subalternas e formas de alteridade e análises se tornam mais consistentes, uma vez que possi-
de inclusão, considerados e explicitados os diferenciais de bilitam melhor identificação do “outro”, especialmente as
poder e formas de colonialidade presentes na sociedade. pessoas e grupos que são invisibilizados dentro da visão
O princípio pluralista, formulado a partir de lógicas ecu- sociológica que Boaventura de Sousa Santos (2010) cha-
mênicas e de alteridade, possibilita melhor compreensão mou de “sociologia das ausências”. A sensibilidade com
da diversidade do quadro religioso e, também, das ações as distintas expressões culturais ou religiosas, majoritárias
humanas em geral. ou minoritárias, fronteiriças ou não, contribui para uma
A noção de pluralidade poderia ser vista, em pri- “sociologia das emergências” de novos rostos, variados
meira análise, como algo em contradição com a ideia de perfis religiosos, multiplicidades de olhares, perspectivas
um “princípio”. Este, em geral, mais constante, buscaria e formas plurais de atuação. Com essa perspectiva “po-
semelhanças e similares, em variações da realidade que licromática”, os esforços de análise poderiam encontrar
podem ser medidas em amostragens ou metodologias maior êxito e consistência.
afins. Ao menos, é o que se faz em algumas áreas do co- A lógica de uma visão pluralista está presente em
nhecimento. No entanto, em nosso campo, consideramos diferentes autores e autoras, mas a expressão princípio
que a constância é a diversidade. Esta se encontra, em pluralista tem certo caráter inédito. É fato que a nomen-
boa parte das vezes, ocultada ou invisibilizada nas pes- clatura, especialmente por sua sonoridade e constituição,
quisas e análises da realidade social e religiosa. nos remete à ideia do pluralismo de princípio, como nos
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indicaram Claude Geffré (2004), Jaques Dupuis (1999) e modelos teológicos modernos de interpretação, por não
outros autores. Para eles, além do ‘pluralismo religioso de abarcarem a complexidade e a variedade presentes no
fato’, como uma das marcas da realidade social, o ‘plu- quadro de diversidade religiosa, especialmente as formas
ralismo de princípio’ seria uma plataforma teológica que de espiritualidades de grupos populares e subalternos,
reconhece e valoriza a realidade do pluralismo religioso em geral com perfis holísticos e integrados à cultura; (iii)
como vontade e automanifestação divinas, para que a ul- observar o princípio pluralista em relação aos estudos de
timacidade se revele por meio da diversidade de culturas religião no Brasil, especialmente como elemento articu-
e religiões. O princípio pluralista contempla tal perspecti- lador de pesquisas desenvolvidas na área “Ciências da
va ecumênica, valorativa do diálogo e das aproximações Religião e Teologia”; (iv) analisar as questões suscitadas
inter-religiosas, mas é mais amplo, uma vez que também pelas ecoteologias e ecoespiritualidades, que realcem as
se constitui em instrumento de avaliação da realidade so- relações necessárias de interdependência e de coopera-
cial e cultural, sobretudo para melhor compreensão das ção vital; (v) realçar o valor de dimensões antropológicas
diferenças, religiosas ou não, que se forjam nos entre- que estão em torno da corporeidade, da sexualidade e do
-lugares das culturas. prazer, em geral desprezadas pelas leituras teológicas he-
O objetivo deste texto é apresentar um primeiro gemônicas; e (vi) destacar aspectos de novas linguagens
balanço sobre o princípio pluralista, após alguns anos de teológicas, forjadas nas expressões dos desejos humanos
debate, reproduzir suas bases conceituais mais importan- e associadas às dimensões lúdicas e místicas de formas de
tes, com o registro dos principais autores e autoras que vida marcadas pela festividade, pela alteridade, pela afir-
lhes dão sustentação teórica, e indicar, em síntese, algu- mação da diferença, pela poesia e pelo empoderamento
mas aplicações que temos feito dele. Entre elas, desta- de grupos subalternizados que revelam visões plurais e
camos a tarefa de (i) investigar aspectos do quadro de criativas de vida.
pluralidade religiosa, sobretudo o valor da relação entre
vida cotidiana e expressões de fé; (ii) contribuir para a
teologia ecumênica das religiões, com uma crítica aos
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As religiões e a força da economia fundamentais dos direitos, causando assim formas de co-
optação, assimilação e harmonização com visões oriundas
Um dos temas que mais tem interpelado a reflexão da democracia liberal formal (HINKELAMMERT, 2014).
teológica nas primeiras décadas deste milênio é o papel Por isso, assumimos a perspectiva de alguns au-
das religiões nos processos de estabelecimento da paz, tores, como Boaventura de Sousa Santos, por exemplo,
da justiça e da sustentabilidade da vida. Diversos círcu- especialmente em Se Deus fosse um ativista dos direitos
los teológicos e cientistas da religião têm se debruçado humanos (2013), que defendem a necessidade de se es-
no quadro sociorreligioso mundial para compreender os tabelecer uma visão contra-hegemônica dos direitos hu-
processos de abertura e de diálogo entre grupos de tra- manos. As lutas contra-hegemônicas pelos direitos huma-
dições religiosas distintas, em diversas frentes de ação, nos têm em perspectiva a mudança das estruturas sociais
assim como os processos de enrijecimento das perspecti- e econômicas responsáveis pelas formas de sofrimento in-
vas religiosas, com o fortalecimento de formas de caráter justo, segregações sociais e destruição da vida humana e
fundamentalista, com o aguçamento de conflitos e com o da natureza. São lutas materiais relacionadas à economia
reforço de culturas de violência. política que está subjacente à produção e à reprodução
Nossas pesquisas têm sido desenvolvidas com a de relações sociais desiguais.
consciência de que há limites nos discursos relativos ao Um dos elementos presentes em nossas análises
pluralismo religioso, incluindo aqueles construídos nas está ligado ao quadro de debates no campo dos estu-
práticas de defesa dos direitos humanos e na valorização dos das religiões sobre o papel delas na atual sociedade
dos processos de humanização e cidadania, comuns em e como se defrontam com as forças econômicas sistêmi-
nossas análises. Muitas vezes tais discursos são cooptados cas. Seguindo o princípio pluralista, consideramos que tal
pela força imperial do sistema capitalista e podem con- avaliação contribui para uma compreensão mais adequa-
viver com ela em certa harmonia e assimilação mútua da dos níveis de relevância das experiências, religiosas ou
(RIEGER, 2008). Há, por vezes, uma ausência de crítica à inter-religiosas, na defesa dos direitos humanos e da terra
força do sistema econômico, responsável pelas violações e no reforço de uma cultura democrática e de alteridade.
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Há diversas análises que revelam a atenuação da força imperiais na sociedade em tensão permanente com os
das expressões religiosas como tais como fator que, em processos contra-hegemônicos que visam ao aprofunda-
última instância, determina a organização e a reorganiza- mento da democracia para além dos aspectos formais e
ção da vida social. No lugar delas, para muitos autores, à defesa radical dos direitos humanos e da terra. É no
como Walter Benjamin (2013) e Paul Tillich (1956), por cruzamento da importância pública das religiões com a
exemplo, situaria o sistema econômico. Mais precisamen- força dos movimentos contra-hegemônicos na sociedade,
te é possível afirmar que para eles o capitalismo se tornou em boa parte associados direta ou indiretamente a movi-
uma religião; ou seja, o capitalismo como religião torna- mentos religiosos, que se reforça o interesse pelo plura-
-se a força mobilizadora da vida social. Um de nossos ob- lismo religioso entendido como valor e pelos esforços de
jetivos tem sido avaliar tal fronteira e entendê-la como um diálogos inter-religiosos em seus diferentes níveis (SANTA
elemento que não anula a importância das religiões como ANA, 2010).
tais nos processos que interferem no aprofundamento da Como sabemos, os processos contra-hegemônicos
democracia e na defesa e ampliação de direitos, assim são variados e de diversas procedências e colorações ide-
como em outros aspectos básicos da vida. As religiões, ológicas, sem uma estrutura centralizada de articulação, o
pela força histórica que possuem e pelo entrelaçamen- que dificulta uma descrição precisa. No entanto, é possível
to com a cultura em diferentes níveis, especialmente no afirmar que a complexidade deles pode ser equacionada
contexto latino-americano, têm sido molas propulsoras naquilo que, no campo político, foi denominado “espírito
ou legitimadoras de processos sociais os mais diversos dos Fóruns Sociais Mundiais”. Os movimentos em torno
(HINKELAMMERT, 2012). do Fórum Social Mundial, mesmo com suas contradições
Não obstante a influência do sistema econômico em função da natureza política ampla, variada e parti-
nas formas e expressões religiosas e o vigor do capita- cipativa, articulam a crítica ao sistema econômico com
lismo como religião no mundo atual, as religiões vivem lutas antissistêmicas, incluindo as de naturezas étnicas,
e assentam suas práticas e perspectivas teológicas nas raciais, sexuais e as de grupos minoritários. Há uma sé-
fronteiras do turbilhão conflitivo das forças hegemônicas rie substancial de grupos religiosos que estão, direta ou
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indiretamente, ligados ao Fórum. Boa parte deles prota- das religiões em suas formas explícitas, suas especificida-
gonizam experiências inter-religiosas de certa repercussão des e institucionalidades, especialmente no tocante ao or-
social e densidade no campo das espiritualidades. Todos denamento da vida e à formação dos valores individuais
se colocam com força anti-imperial (SANTOS, 2013). e coletivos. O debate sobre pluralismo religioso está dire-
Compreendemos a concepção atual de Império como tamente implicado nesta tensão. Em nossa perspectiva, o
algo que se funda pela identificação de um conglomera- princípio pluralista assume tais visões críticas e as amplia
do de forças econômicas, políticas e simbólico-culturais em diferentes direções, as quais passamos a descrever.
provenientes do funcionamento do capitalismo financeiro
tardio, que convergem, sem a consideração de fronteiras
ou de limites, para um domínio total na sociedade exerci- As noções de entre-lugares e fronteiras e a tarefa
do globalmente por elites de intenso poder econômico e decolonial
militar (NEGRI; HARDT, 2001).
O debate sobre as forças contra-hegemônicas re- O princípio pluralista segue a concepção de entre-
toma, assim, a produção teológica latino-americana que -lugar, como trabalho fronteiriço da cultura, conforme
relaciona religião e dominação (COMBLIN, 1996), espe- nos indica Homi Bhabha em sua obra O local da cultura
cialmente as análises que destacam os aspectos de ab- (2001), que requer um encontro com “o novo” que não
solutização do poder econômico e político e como tais seja mera reprodução ou continuidade de passado e pre-
aspectos incidem negativamente nos processos sociais a sente. O princípio pluralista renova e reinterpreta o pas-
ponto de inviabilizarem os processos democráticos, de sado, refigurando-o como um “entre-lugar” contingente,
formação de culturas de alteridade e diálogo e de garantia que inova, interrompe e interpela a atuação do presen-
dos direitos humanos e da terra (MIGUEZ; RIEGER; MO te. Ele está em sintonia com o horizonte hermenêutico
SUNG, 2012). e de intervenção social, configurado por Homi Bhabha,
Com essas reflexões, indicamos a necessidade de a partir da possibilidade de “negociação” da cultura ao
se avaliar a força da economia em contraposição à força invés de sua “negação”, comum nas posições dicotômicas
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e bipolares, tanto no campo político como nas análises vivências. Isso é inovador e politicamente importante,
científicas. Trata-se de uma temporalidade forjada nos pois são nestes terrenos que ocorrem as novas estraté-
entre-lugares e posicionada no “além”, que torna possível gias de construção de identidades. É daí que brotam os
conceber a articulação de elementos antagônicos ou con- novos signos que colaborarão e contestarão as definições
traditórios e possibilita novas realidades, ainda que sejam e ideias sobre as sociedades. “O que é teoricamente ino-
híbridas, sem forte coerência racional interna, mas nem vador e politicamente crucial é a necessidade de passar
por isso desprovida de potencial transformador e utópico. além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais
Dentro deste quadro de perspectivas é que temos e de focalizar aqueles momentos ou processos que são
avaliado que as identidades culturais são forjadas nas produzidos na articulação de diferenças culturais” (BHA-
fronteiras. Boaventura de Sousa Santos afirmara que elas: BHA, 2001, p. 20).
... não são rígidas nem, muito menos, imutáveis. São Além deste novo conceito, Bhabha afirma que é
resultados sempre transitórios e fugazes de processos nestes “entre-lugares” que ocorrem as negociações, ou-
de identificação. Mesmo as identidades mais sólidas, tro conceito importante do autor. Ou seja, é no limite,
como a de mulher, homem, país africano, país latino- nas fronteiras, que os sujeitos negociam suas convicções
-americano ou país europeu, escondem negociações de
sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades
e posturas, dando origem a novas culturas híbridas. O
em constante processo de transformação, responsáveis pluralismo religioso que se intensifica em nossos dias
em última instância pela sucessão de configurações her- está cada vez mais marcado pelas formas de hibridismos
menêuticas que de época para época dão corpo e vida a culturais. Devido a esta concepção é que afirmamos que
tais identidades. Identidade são, pois, identificações em
na noção de entre-lugar reside um dos fortes motivos
curso (SANTOS, 2010a, p. 135).
de se priorizar o diálogo com Bhabha para nossas refle-
Daí a importância de interpretações conjuntivas da xões sobre o pluralismo religioso. Além disso, para ele,
cultura, que reúnam e articulem as contradições presentes a condição pós-moderna não pode meramente celebrar
na globalidade, mas, sobretudo, que não desconsiderem a “fragmentação das ‘grandes narrativas’ do racionalis-
as particularidades, as singularidades e a concretude das
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mo pós-iluminista” (BHABHA, 2001, p. 23), mas se deve ço. Neste além, significados e símbolos culturais são rea-
interpretá-la e perceber suas ambivalências. propriados, traduzidos, re-historicizados, ressignificados e
Tal perspectiva converge com a crítica política de utilizados de outra maneira (BHABHA, 2001). As análises
Boaventura de Sousa Santos quando este afirma que “a sobre o pluralismo religioso, se atentas a esta perspectiva
celebração da fragmentação, da pluralidade e da proli- teórica, podem se tornar mais precisas e substanciais, na
feração das periferias oculta a relação desigual, central medida em que poderão captar mais adequadamente as
no capitalismo moderno, entre o Norte e o Sul” (SAN- nuances da complexidade cultural e religiosa.
TOS, 2010b, p. 30). Ao contrário, viver na “fronteira” das O pensamento complexo é essencialmente aquele
distintas situações deve produzir um novo sentido para a “que trata com a incerteza e que é capaz de conceber a
realidade. organização. É o pensamento capaz de reunir (complexus:
O “local da cultura” [para usar o sugestivo título da aquilo que é tecido conjuntivamente), de contextualizar,
obra já referida] é fundamental no processo de se estabe- de globalizar, mas, ao mesmo tempo, capaz de reconhe-
lecer mediações socioanalíticas para as interpretações te- cer o singular, o individual, o concreto” (MORIN, 2000,
ológicas e, também, para as análises científicas da religião p. 207). O pensamento complexo busca questionar e ex-
em geral. O conceito entre-lugar está relacionado à visão pandir de maneira crítica os pensamentos simplificadores,
e ao modo como grupos subalternos se posicionam frente partindo da não completude do conhecimento e da acei-
ao poder e como realizam estratégias de empoderamento. tação da diversidade dos saberes e percepções acerca do
Tais posicionamentos geram entre-lugares em que apare- mundo e da vida. A realidade é vista como um tecido de
cem com maior nitidez questões de âmbito comunitário, múltiplos fios interligados e em permanente processo de
social e político. construção e reconstrução.
O entre-lugar busca ultrapassar as lógicas da ne- O pensamento complexo critica os três pilares da
gação, as posições estáticas, as singularidades e caminha ciência moderna, sem, contudo, negar a eficácia deles:
para a mescla e para um hibridismo cultural por meio a ordem, a separabilidade e as lógicas indutiva e deduti-
da tradução/negociação, criando, assim, o terceiro espa- va. Como para ele tudo está em intrínseca relação, assim,
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teríamos a relativização das concepções simplificadoras, retóricos mais abrangentes ou universos de sentido de
dando lugar a concepções complexas e pluridimensionais determinada cultura ou religião, os topoi.
da realidade. Daí a proposta da transdisciplinaridade, que A hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os
parte de uma revisão crítica da fragmentação das ciências topoi de uma dada cultura, por mais fortes que sejam,
com seus efeitos diversos e propõe uma visão global da são tão incompletos quanto a própria cultura a que per-
realidade capaz de resgatar a totalidade dela e ser ao mes- tencem. Tal incompletude não é visível a partir do inte-
rior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade
mo tempo integradora e crítica (MORIN, 2010). induz a que se tome a parte pelo todo. O objetivo da
Isso nos leva a fazer um percurso que vai da di- hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a comple-
mensão transdisciplinar à perspectiva transreligiosa. A tude – um objetivo inatingível – mas, pelo contrário, am-
formulação do princípio pluralista bebeu das fontes deste pliar ao máximo a consciência de incompletude mútua
através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer,
caminho.
com um pé numa cultura e outro, na outra. Nisto reside
A transdisciplinaridade engrendra, pois, uma atitude o seu caráter dia-tópico (SANTOS, 2010b, p. 448).
trans-cultural e trans-religiosa. A atitude trans-cultural
designa a abertura de todas as culturas para aquilo que A posição de fronteira, portanto, permite maior vi-
as atravessa e ultrapassa, indicando que nenhuma cultu- sibilidade das estruturas de poder e de saber, o que pode
ra se constitui em um lugar privilegiado a partir do qual ajudar na apreensão das subjetividades de povos subal-
podemos julgar universalmente as outras culturas, como
ternos. Tal visão está associada à perspectiva dos estudos
nenhuma religião pode ser a única verdadeira e univer-
sal (ARAGÃO, 2008, p. 142-143). culturais, que em solo latino-americano ganhou, a partir
dos estudos, sobretudo do peruano Anibal Quijano, da
Somada a estas perspectivas, realçamos para me- estadunidense radicada no Equador Catherine Walsh e
lhor compreensão, tanto do quadro de pluralismo religio- dos argentinos Enrique Dussel e Walter Mignolo, um novo
so quanto o das possibilidades de diálogo inter-religioso, conteúdo crítico. Trata-se da perspectiva ou giro decolo-
o que Boaventura de Sousa Santos chamou de “herme- nial. Essas expressões, que se distinguem do “pós-colo-
nêutica diatópica”. Ela leva em conta os lugares comuns nial” ou do “descolonial”, possuem um sentido estratégi-
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co que revela interpelações políticas e epistemológicas de e, ao mesmo tempo, revela “os limites de uma ideologia
reconstrução de culturas, instituições e relações sociais, imperial que se apresenta como a verdadeira e única in-
tendo em perspectiva o empoderamento de grupos subal- terpretação” (MIGNOLO, 2007, p. 457). As proposições
ternos e construções críticas alternativas e plurais. conceituais dos estudos culturais decoloniais visam real-
Tais interpelações críticas são marcadas por certo çar a decolonialidade do poder, do saber e do ser (MIG-
caráter propositivo e prático e por ações concretas no NOLO, 2008).
âmbito cultural e político. O “decolonial” indica uma de- As perspectivas decoloniais reinscrevem ou "tra-
sobediência epistemológica sem a qual “não será possível duzem" o imaginário social moderno ou da metrópole a
o desencadeamento epistêmico e, portanto, permane- partir das condições fronteiriças. Tais condições são mar-
ceremos no domínio da oposição interna aos conceitos cadas pelo hibridismo cultural e possibilitam novas for-
modernos e eurocentrados, enraizados nas categorias de mas de compreensão da vida e das relações de poder na
conceitos gregos e latinos e nas experiências e subjetivida- sociedade.
des formadas dessas bases” (MIGNOLO, 2008, p. 288). A A noção de hibridismo revela, por assim dizer, o
tarefa decolonial consiste em construir a vida a partir de conceito de entre-lugar. Este, como já referido, se constitui
outras categorias de pensamento que estão para além dos como espaço intersticial, onde significantes e significados
pensamentos ocidentais dominadores. se encontram e produzem novos sentidos. Entre-lugar,
Trata-se de uma postura e atitudes permanen- portanto, é um espaço produtivo, onde ocorrem as diver-
tes de transgressão e de intervenção no campo político sas formas de hibridismos. A diversidade religiosa se visi-
e cultural, na incidência das culturas subalternalizadas e biliza mais intensamente se tais espaços são observados
invisibilizadas, nas quais se pode identificar, visibilizar e detidamente.
incentivar lugares de exterioridade e de construções crí- Além disso, se reconhecermos que a colonialida-
ticas alternativas e plurais. “O paradigma decolonial luta de está entrelaçada com todos os aspectos da vida e do
por fomentar a divulgação de outra interpretação que põe pensamento, devemos compreender que o conceito de
em evidência uma visão silenciada dos acontecimentos” religião no mundo moderno também está incorporado no
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pensamento colonial ocidental. Tal visão convergiu para ticos, os quais também interpelam os estudos de religião.
outro ponto importante nessa construção da noção oci- Entre tais desafios, é possível indicar: (i) a crítica à visão
dental de religião forjada durante o Iluminismo europeu, de um pensamento único, seja no campo global das rela-
quando o mito moderno da separação religioso/secular ções políticas, econômicas e socioculturais que marcam a
foi criado. Como se sabe, alguns aspectos da cultura oci- dominação Norte-Sul ou no campo das relações institu-
dental orientaram a noção moderna de religião. Entre eles cionais, coletivas, de governo etc.; (ii) a revisão da pers-
podemos citar o desenvolvimento da ciência e do pen- pectiva de um “centrocentrismo”, associado às formas de
samento racional, com ênfases excludentes, elitistas, pa- racismos, machismos, xenofobia e homofobia que inibem
triarcais e androcêntricas, mas que se apresenta pretensa- processos de contextualização e de recontextualização de
mente como universalista, e a redução das dimensões da identidades culturais e se colocam como monopólio regu-
vida a “escaninhos” compartimentalizados, fazendo da lador das consciências e das práticas sociais, em geral pa-
religião um âmbito específico da vida (e não algo integra- triarcais, dispensando a intervenção transformadora dos
do na totalidade dela). Isto redundou em eurocentrismos, contextos, das negociações culturais e dos diálogos; (iii) o
norte-americanismos e ocidentalismos diversos, e na vi- questionamento da visão de universalismo das ciências e
são de religião como o resultado de escolhas individuais da ética, uma vez que ela dissimula a particularidade que
e racionais, de certo recorte institucionalizado e com uma a produção de conhecimento e a normatização de valores
organização sistematizada e formal. Redundou também possuem, em geral marcadamente masculina, branca e
na desvalorização dos universos simbólicos das culturas, das elites econômicas, e encobre saberes locais e particu-
que, especialmente no campo popular, não comportam lares, em especial dos agrupamentos pobres da sociedade
esta rigidez e reducionismo (TOSTES; RIBEIRO, 2020). e grupos subalternos; (iv) análise crítica da supremacia
Considerando a tríplice demanda oriunda das ta- da racionalidade formal técnico-científica em relação às
refas de decolonizar o poder, o saber e o ser, nas quais formas de subjetividade, aos conhecimentos vivenciais,
o princípio pluralista está assentado, as análises sociais holísticos e integradores e ao corpo como fonte de ex-
procuram realçar vários aspectos e desafios teórico-prá- pressão e sabedoria; (v) avaliação da forma meramente
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conceitual da produção do conhecimento em detrimento As noções de alteridade ecumênica e polidoxia
das perspectivas narrativas, enredadas no cotidiano e nas
expressões da corporeidade, e em conexão com saberes O princípio pluralista arquitetado sob a noção de
alternativos e de grupos subalternos; (vi) revisão da no- entre-lugares da cultura e estabelecido também sob ou-
ção de indivíduo desprovida da interação constituinte do tras duas grandezas interconectadas – alteridade e ecu-
humano com a comunidade, a história, a natureza e o menicidade – pode realçar e reforçar espiritualidades e
cosmo; (vii) o exame da ideologia das identidades fixas, experiências religiosas que se constituem, não obstante
uma vez que as análises antropológicas mais apuradas suas ambiguidades e contradições, como aprofundamen-
mostram que as identidades são fluidas, híbridas e per- to dos processos de humanização, da democracia, da ci-
manentemente criadas e recriadas nos mais diferentes dadania e da capacidade contra-hegemônica na defesa
processos de fronteirização das experiências da vida. de direitos humanos e da terra. O mesmo é possível afir-
Com as perspectivas advindas da visão decolonial, mar em relação à necessidade de tais experiências serem
as aproximações religiosas e a valorização do pluralismo vistas e analisadas considerando-se as relações assimétri-
podem ser não somente percebidas e terem suas tendên- cas de poder e as formas de colonialidade presentes na
cias identificadas nas análises, mas elas podem ser sobre- sociedade. Em ambos os casos, alteridade ecumênica e
tudo construídas. É óbvio que isto se trata de tarefa dos polidoxia são chaves significativas de interpretação do
próprios grupos religiosos e da interação deles na socie- quadro de pluralismo religioso. É o que descreveremos
dade, mas os estudos de religião podem cooperar ofe- resumidamente a seguir.
recendo análises cujas bases sejam sólidas e ao mesmo
tempo criativas e indicadoras de novos caminhos. O que é alteridade ecumênica
Nossa intenção em articular o princípio pluralista
com análises sobre o pluralismo – metodológico, religioso Compreende-se alteridade como a capacidade de
e antropológico – se fundamenta, entre outros aspectos, se reconhecer um “outro” que está além da subjetivida-
nas demandas advindas da tarefa decolonial. de própria de cada pessoa, grupo ou instituição, como
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indicaram Emmanuel Lévinas (2002) e Martin Buber as possibilidades de aproximações inter-religiosas leva em
(1987). Trata-se de uma postura, método, ou sistema de conta que a visão pluralista nem anula as identidades reli-
ferramentas científicas que permitem redimensionar, em giosas, por um lado, nem as absolutiza, por outro. A pers-
perspectiva, a realidade. Assim, a plausibilidade de um pectiva pluralista olha as religiões e as espiritualidades em
dado sistema (religioso ou cultural) se evidenciaria no plano dialógico e diatópico, considerando cada contexto,
convívio com o “outro” e não na confrontação apologéti- especialmente os diferenciais de poder que neles estão
ca tentando desqualificá-lo. Dessa forma, permite-se uma presentes. Não se trata de igualdade de religiões, mas de
possibilidade criativa de aproximação e convívio da qual relações justas, dialógicas e propositivas entre elas.
decorrerá em melhor compreensão do “outro”, que não Tal perspectiva não anula nem diminui o valor das
mais será visto como exótico, como inimigo, como inferior identidades religiosas – no caso da fé cristã, a importância
ou como qualquer outra forma de desqualificação. de Cristo –, mas leva-as a um aprofundamento e ama-
A alteridade ecumênica está relacionada à valo- durecimento, movidos pelo diálogo e pela confrontação
rização da pluralidade religiosa e a uma série de outros justa, amável e corresponsável. Na visão pluralista cris-
elementos, entre os quais destacamos: a recuperação do tã, por exemplo, se realça a concepção de "Jesus como
sentido espiritual da gratuidade, a crítica às formas de fi- símbolo de Deus", expressão consagrada pelo teólogo
xismo, o interesse e inclinação para se repensar categorias Roger Haight e que se tornou título de um dos seus li-
filosóficas e teológicas tradicionais, a interface com as ci- vros (2003). A aproximação e o diálogo entre grupos de
ências e com a espiritualidade, a abertura à sedução gra- distintas expressões religiosas cooperam para que elas
tuita do sagrado como possibilidade amorosa e realizado- possam construir ou reconstruir suas identidades e princí-
ra, o diálogo com tradições religiosas diferentes formam pios fundantes. Tal visão potencializa o plano utópico das
placas de um caminho que necessita ser reinventado a experiências inter-religiosas e de diálogo interfés. Este é o
cada momento (BINGEMER, 2002). legado de variadas fontes teológicas pluralistas, como as
Nesta direção, a aplicação do princípio pluralista reflexões de Paul Knitter (2008), John Hick (2005), Hans
para a compreensão do quadro religioso em geral e para Küng (1999), Jürgen Moltmann (2004), Michael Amala-
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doss (1995), Wesley Ariarajah (2011) e de tantos outros ram superar as clássicas visões exclusivistas, inclusivistas e
que têm estado presentes nas reflexões que dão base para relativistas de compreensão mútua entre as religiões.
o princípio pluralista. Para isso, a perspectiva ecumênica, que tanto na
A perspectiva pluralista das religiões interpela for- dimensão intracristã como na inter-religiosa ganhou, nas
temente o contexto teológico latino-americano, especial- últimas décadas, forte destaque nos ambientes teológicos,
mente pela sua vocação libertadora e pelos desafios que é fundamental para toda e qualquer experiência religiosa
advêm de sua composição cultural, fortemente marcada ou esforço teológico ou hermenêutico. Esta visão, quan-
por diferenças religiosas que se interpenetram nas mais do vivenciada existencialmente e/ou assumida como ele-
diferentes formas. mento básico entre os objetivos, altera profundamente o
A Teologia Latino-Americana da Libertação, por desenvolvimento de qualquer projeto, iniciativa ou movi-
exemplo, dentre os seus muitos desafios, tem elaborado mento religioso. Daí o interesse pelos estudos ecumênicos
uma consistente reflexão sobre o pluralismo religioso. O em seu sentido amplo.
marco dessas reflexões foi a publicação de uma pequena O princípio pluralista contribui para a visibilidade
obra, sob os auspícios da Associação Ecumênica de Teó- da importância pública das religiões nos processos de
logos e Teólogas do Terceiro Mundo (ASETT), de vários promoção da paz, da justiça e da integridade da cria-
autores com o sugestivo nome, que também dá título à ção. Para isso, devemos pressupor a conhecida tríplice
coleção, Pelos Muitos Caminhos de Deus: desafios do plu- dimensão do ecumenismo: a unidade cristã, a partir do
ralismo religioso à Teologia da Libertação (2003). Na se- reconhecimento do escândalo histórico das divisões e de
quência, foram publicadas outras obras que aprofundam uma preocupação em construir perspectivas missionárias
e ampliam as questões inicialmente levantadas. Entre ecumênicas; a promoção da vida, firmada nos ideais utó-
tantos autores, destacamos José Maria Vigil (2006), Die- picos de uma sociedade justa e solidária e na compre-
go Irarrázaval (2007), Faustino Teixeira (2012) e Marcelo ensão que eles podem reger a organização da sociedade
Barros (2009). Em diálogo com esta produção, o princí- integrando todos os de ‘boa vontade’; e o diálogo inter-
pio pluralista realça as perspectivas teológicas que procu- -religioso, na busca incessante da superação dos confli-
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tos, da paz e da comunhão justa dos povos. Portanto, o tido único. Utopia, aqui, relaciona-se com uma atividade
diálogo inter-religioso não é “uma” expressão ao lado do visionária que – a partir da dimensão do futuro – cria in-
ecumenismo, mas o constitui em essência e proposta. Da tervenções e rupturas no presente, agora. É o sonho que
mesma forma, seguindo a lógica decolonial, ocorre o in- acampa o real, fazendo dele morada. Uma busca para
teresse pelo aprofundamento da democracia, da cidada- fazer-lugar aquilo que permanece apenas como desejo,
nia e a defesa dos direitos humanos e da terra. Eles não como movimentação. A utopia, o residir “no além” é “ser
são – ou não deveriam ser – uma opção dos movimentos parte de um tempo revisionário, um retorno ao presen-
inter-religiosos, mas constituem a sua base de ação. te para redescrever nossa contemporaneidade cultural;
O princípio pluralista nos leva a defender a visão reinscrever nossa comunalidade humana, histórica; tocar
de que cada expressão religiosa tem sua proposta salvífica o futuro em seu lado de cá” (BHABHA, 2001, p. 27).
e de fé, que devem ser aceitas, respeitadas, valorizadas Quando comunidades religiosas, ainda que de for-
e aprimoradas a partir de um diálogo e de aproximação ma incipiente, começam – movidas por uma utopia – a se
mútuas. Assim, a fé cristã, por exemplo, seria reinterpre- unir em torno de uma proposta socialmente responsável
tada a partir do confronto dialógico e criativo com as de- e comum, isso se torna uma ação política e profética. A
mais fés. O mesmo deve acontecer com toda e qualquer unidade gestada por formas de alteridade ecumênica, é,
tradição religiosa. portanto, uma tarefa religiosa sublime e nos cabe identi-
Outro significado teológico das aproximações ecu- ficá-la (ou mesmo as suas contraposições) nas diferentes
mênicas inter-religiosas é a referência utópica. A presença linguagens religiosas.
em conjunto de pessoas e de grupos com diferentes ex-
periências religiosas e espiritualidades aponta para o fu- A noção de polidoxia
turo e, necessariamente, precisa estar deslocada do real.
É a dimensão da imaginação. Este utópico, todavia, não O princípio pluralista também está em conexão
é uma perspectiva linear e progressiva da história em que com a noção de polidoxia, como Kwok Pui-Lan indicou
ela vai completando-se e conhecendo-se rumo a um sen- em Globalização, gênero e construção da paz (2015). A
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polidoxia possui importância na medida em que, no to- lismo religioso, feita sob a égide do princípio pluralista,
cante às aproximações inter-religiosas ou outras formas pode criar melhores condições de superação do binômio
de diálogo, evitaria interpretações e ações bipolares (do ortodoxia-heterodoxia, uma vez que este, em geral, gera
tipo ortodoxia versus heterodoxia, ou mesmo verdade formas excludentes de pensamento e ação.
versus heresia). Ela é constituída por intermédio da crítica Quando a heterodoxia é vista como heresia a par-
e do desmascaramento do pensamento único, e compre- tir de mecanismos coercitivos institucionais das diferentes
endida (i) no contexto de multiplicidade das experiências religiões, e isto é bastante recorrente em variados contex-
e concepções que marcam a vida, (ii) na postura do “não tos, os processos de exclusão se acentuam. No entanto,
saber” como questionamento das próprias certezas que uma visão ambientada na polidoxia, o que em geral ocor-
perpassam as identidades rígidas, o controle dos corpos re é o reforço da diversidade, da pluralidade e da fluidez
e os processos de exclusões e objetificações e (iii) na rela- e variedade da linguagem humana e suas falas acerca do
cionalidade das concepções espirituais e/ou religiosas de sagrado. “A polidoxia insiste que nenhuma teologia ou
divino ou de sagrado (TOSTES; RIBEIRO, 2000). credo pode exaurir o sentido de Deus e alegar infalibilida-
Considerando o contexto de hegemonia do amál- de doutrinal. [...] A polidoxia partilha a afinidade com a
gama Ocidente-modernidade-cristianismo-capitalismo teologia apofática, que insiste que a natureza de Deus não
(HALL, 1992), o conceito de polidoxia torna-se uma re- pode ser plenamente descrita, e que só podemos falar a
ferência teológica importante para a construção de ima- respeito do que Deus não é, em vez de sobre o que Deus
ginários dialógicos no contexto das aproximações e diálo- é” (PUI-LAN, 2015, p. 75-76).
gos inter-religiosos. A noção de polidoxia, como referido, A polidoxia é, portanto, uma “potência destituin-
visa a ultrapassar as visões dicotômicas, que em geral te”, para usar uma expressão do renomado filósofo italia-
reforçam imaginários e práticas de corte fundamentalista no Giorgio Agamben (2017), de continuação criativa da
ou, mesmo quando o contexto é de abertura, acabam por fé, mas como uma resistência à univocidade das narrati-
inibir a efetivação de diálogos inter-religiosos e culturais vas, doutrinas, credos das tradições. Ela reforça a aber-
autênticos. Com ela, a abordagem teológica do plura- tura aos processos da construção teológica construído às
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margens, que, em geral, são descredibilizadas por aque- mo, é possível ser facilmente cooptado para glorificar o
les que defendem a tradição como uma unidade plena e pluralismo e a multiplicidade em nosso mundo globaliza-
autossuficente. do, com livre movimento de comércio e de capital” (PUI-
Como Pui-Lan ressalta, as identidades híbridas -LAN, 2015, p. 67).
desafiam as noções da pureza identitária. A autora atenta Com isso, por intermédio da polidoxia, é possível
para as armadilhas conceituais que muitas vezes surgem expor os limites da razão ocidental e reforçar a perspecti-
pelo caminho teórico. Para ela, va de uma ética de alteridade. Ao demonstrar que a alte-
[...] a compreensão de identidade híbrida aponta para a ridade é constitutiva do ser – que, de fato, é sempre inter-
formação da identidade como um processo dinâmico e -ser – Pui-Lan mostra que o diálogo interfé é um canal
fluido, de tal modo que as pessoas podem mudar ao lon- de construção de uma cultura da solidariedade e da paz
go do tempo como resultado da interação com outros. com justiça, bases adequadas para que as religiões e as
No diálogo interfé, às vezes há o receio de que perdere-
mos nosso compromisso religioso se formos abertos a
espiritualidades estabeleçam práticas e concepções que
outras tradições. Esse temor, no entanto, baseia-se em reforcem a defesa dos direitos humanos e da terra e a
uma compreensão estática do eu. Se compreendermos o busca da dignidade humana e da cidadania.
eu como uma rede de relações a interagir constantemen- Dentro dessa lógica, o princípio pluralista realça
te com outras, seremos mais abertos à transformação e à
elementos-chave da vivência religiosa e humana como a
mudança (PUI-LAN, 2015, p. 64).
alteridade, o respeito à diferença e o diálogo e cooperação
prática e ética em torno da busca da justiça em relação a
Tal visão, em consonância com a noção de ambi- grupos empobrecidos e subjugados pelas mais diferentes
valência de Homi Bhabha (2001), coopera para se evitar formas de dominação e pela busca do bem comum. A
relativismos multiculturalistas que possam instrumentali- aproximação e o diálogo entre grupos de distintas expres-
zar o pluralismo religioso, assimilando-o à dinâmica do sões religiosas cooperam para que elas possam construir
capitalismo globalizado. Para Pui-Lan, “quando se supri- ou reconstruir suas identidades e princípios fundantes. Daí
mem o contexto colonial e o corte político do hibridis- nossa ênfase no diálogo justo como condição imprescin-
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dível para se construir uma identidade autêntica, levando circularidade teológica entre as noções de paradoxo, pre-
em conta os diferenciais de poder entre cada expressão sentes em várias teologias contemporâneas, mas vistas
religiosa. As diferentes perspectivas e expressões religiosas aqui a partir de Søren Kierkegaard (1995) e Paul Tilli-
podem, a partir do diálogo, reconstruir permanentemente ch (1966), e o princípio pluralista. Trata-se do texto “A
suas contribuições para o mundo, dentro dos critérios da circularidade teológica entre a noção de paradoxo e o
justiça, da paz e da integridade da criação que marcam o princípio pluralista” (2020a), cuja intenção foi demos-
processo político-teológico da libertação. trar que a concepção teológica de parodoxo favorece o
Entre os muitos aspectos decorrentes do equacio- alargamento conceitual do princípio pluralista, pois repre-
namento da delicada tensão entre libertação e gratuida- senta uma fonte de situações e decisões existenciais que
de, destacamos, por exemplo, que a teologia necessita cria e reforça interpretações plurais, mas, é, ao mesmo
integrar e articular mais adequadamente as linguagens de tempo, favorecida por ele, na medida em que por inter-
natureza “sapiencial-integrativa” e as de caráter “crítico- médio das visões de alteridade ecumênica e de polido-
-dialético-profético” (SEGUNDO, 1995), superar os re- xia, duas de suas mais destacadas bases, pode ser melhor
ducionismos antropológicos, que valorizam somente os compreendido.
aspectos mais racionais do ser humano, que podem tam- Baseado nos aspectos até aqui descritos, temos re-
bém gerar formas de autoritarismos, idealismos e machis- afirmado que a vocação ecumênica própria do princípio
mos, articular os temas especificamente existenciais com pluralista indica que o caráter de apologia, de sectarismo
os políticos e sociais (GEBARA, 2010) e destacar o hori- ou de exclusivismo são ou devem ser evitados. Deus é
zonte ecumênico necessário para a relevância teológica sempre maior do que qualquer compreensão ou realida-
de toda e qualquer iniciativa nos campos prático e teoló- de humana. Age livremente, em especial na ação salví-
gico, além da crescente valorização do pluralismo cultural fica. Nesse sentido, do ponto de vista da fé cristã, não
e religioso (SANTA ANA, 2010). é preciso estar excessivamente preocupado em descobrir
Visando o aprofundamento teórico do princípio quem é ou será salvo (para utilizar o imaginário comum
pluralista, procuramos em uma recente análise realçar a dos cristãos); mas quem é e o que representa Jesus Cristo
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para a comunidade cristã e como tal perspectiva incide Aplicações do princípio pluralista
nos diálogos e cooperações inter-religiosas.
O princípio pluralista, em função de seu caráter
relativizador, contribui para os processos de recupera- O pluralismo religioso
ção do sentido da gratuidade e nos leva à indicação da
presença – e, ao mesmo tempo, à necessidade – de uma As bases conceituais do princípio pluralista têm nos
espiritualidade que possa corresponder aos processos so- ajudado a compreender melhor o quadro de pluralidade
ciopolíticos decoloniais de aprofundamento democrático, religiosa, especialmente as relações complexas e revela-
de consolidação de direitos, de crítica às mais variadas doras que surgem entre a vida cotidiana e as expressões
formas de dominação, e à busca de alternativas à lógica de fé. Entre os vários esforços feitos nesta direção, des-
imperial econômica. Tais visões de espiritualidade se ex- tacamos dois textos. O primeiro exemplifica a aplicação
pressam em aspectos práticos e concretos da vida social deste princípio e, em certo sentido, dá um balanço em
e política, como os processos de defesa da justiça social e questões que consideramos prementes nos estudos sobre
econômica, dos direitos humanos e da terra, da cidadania o pluralismo religioso. Trata-se de “Dupla e Múltipla Per-
e da dignidade dos pobres. Elas reforçam, não obstante tença Religiosa no Brasil” (2018), onde indicamos ele-
suas limitações e ambiguidades, espaços de consciência mentos que possibilitam avaliações mais apuradas dessas
social, alteridade, coexistencialidade, cordialidade, hospi- experiências.
talidade, humanização e integração cósmica (TEIXEIRA, Entre tais elementos, destacamos na análise: (i) o
2017). dado conjuntural de maior atenção ao destaque que o
crescente quadro de pluralismo religioso tem para a vida
das pessoas e grupos, o que lhes possibilita maiores infor-
mações e mais fácil acesso às diferentes propostas religio-
sas; (ii) a importância de se pensar criticamente o quadro
de pluralismo religioso, não a partir do conceito moderno
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de religião, em geral compartimentalizado, racionaliza- mais de uma tradição religiosa; (iv) o que não adere a
do e formal, mas a partir de como se dá efetivamente uma religião específica, mas transita por mais de uma; e
a relação entre vida cotidiana e expressões de fé; (iii) a (v) aquele que, mesmo mantendo a sua pertença religio-
verificação de que tais experiências são vividas em es- sa, articula elementos simbólico-rituais de outras religiões.
paços de fronteiras e nos entre-lugares das culturas onde No entanto, é muito importante ressaltar que o
brotam os novos signos que colaborarão e contestarão as próprio termo “dupla ou múltipla pertença”, embora
definições e ideias sobre as sociedades; (iv) o reconheci- muito usado academicamente, parece em boa parte das
mento de que a matriz cultural e religiosa brasileira, em vezes não ser totalmente preciso, uma vez que as pessoas
razão de ser ela marcada historicamente por elementos em questão nessas experiências não se sentem necessa-
mágicos e místicos, fruto de uma simbiose das religiões riamente como protagonistas de algo que seja duplo ou
indígenas, africanas e do catolicismo ibérico, facilita os múltiplo. Há, por exemplo, muitas pessoas de Candomblé
processos de dupla ou múltipla pertença religiosa; e (v) a que se sentem cristãs e, de fato, não saberiam ser cris-
constatação de que o trânsito religioso se dá não apenas tãs de outra forma que não a que articula intimamente e
na migração de uma religião para a outra, mas também com certa harmonização práticas de ambas as tradições.
na recomposição simbólico-cultural de diferentes sistemas Trata-se de uma articulação interna do fiel como se fosse
de crenças, o que torna um fator gerador de dupla ou um diálogo espiritual de cada pessoa consigo mesma e
múltipla pertença. com a totalidade da vida que está ao seu redor, incluindo
Em relação a este último aspecto, destacamos tam- vivências não explicitamente religiosas (BARROS, 2019).
bém que a reconfiguração do campo religioso se expressa Alguns grupos têm preferido se referir à “múltipla partici-
em diferentes tipos de vivência religiosa: (i) o que afirma pação religiosa” ou expressões similares. Essa interação
determinada pertença e admite experimentar outras ex- integradora possibilita um amálgama espiritual e santo
pressões religiosas; (ii) o que, por motivos externos nem que não é em si dupla pertença. É outro modo de se viver
sempre confessáveis, declara uma religião mas exerce ou- a fé, o que alguns chamam de uma espiritualidade trans-
tra; (iii) o que harmoniza e integra, relativamente bem, religiosa (ARAGÃO, 2016).
27
Além desse quadro, a experiência religiosa brasi- são forte à vivência religiosa comunitária (TEIXEIRA &
leira foi e tem sido fortemente influenciada por uma es- MENEZES, 2013). Na fé privatizada, cada pessoa escolhe
piritualidade de cunho imagético e por narrativas míticas no que deseja crer, onde e como exercer a experiência
que se constituem mais por um conjunto de cosmovisões religiosa, não obstante os instrumentos e mecanismos
e experiências orientadas pela espontaneidade e sem ideológicos e massificantes que marcam esse cenário. No
maior rigor institucional do que por um corpus teológico entanto, tais expressões quase sempre são acompanha-
sistematizado. Sem possuir contornos fixos, as novas es- das por dimensões públicas e articuladas com aspectos
piritualidades se multiplicam, com traços flutuantes, dis- políticos.
persos e plurais. Muitos deles situam-se nas fronteiras e O quadro religioso tem apresentado tais caracterís-
cruzamentos da religião com a medicina, a arte, a física, a ticas e, além disso, tem sido fortemente marcado por ele-
filosofia, a psicologia, a ecologia e, especialmente, com a mentos de massificação e de reprodução de formas inti-
economia (RIBEIRO; CATENACI, 2017). Tais formas de mistas e com lógicas consumistas, de ascensão social e de
espiritualidades respondem a dimensões muito variadas prosperidade econômica e material no âmbito individual
do dado antropológico. A racionalidade própria dos mo- e familiar. As práticas de marketing, em geral aliadas aos
vimentos sociais de defesa dos direitos humanos e de bus- interesses do sistema econômico, apropriam-se de discur-
ca da cidadania, e também a de setores acadêmicos, nem sos religiosos para seus fins e vice-versa. Assim, muitas
sempre possibilita que tais grupos possam estar atentos a pessoas passam a viver a experiência religiosa apenas ou
estas novas-antigas formas de espiritualidades. preponderantemente com o recurso do rádio, da TV e da
O fato é que no campo religioso encontramos, nas internet. Não obstante isso, ao mesmo tempo, diversas
últimas décadas, intensas transformações. Ao olhar mais formas religiosas comunitárias se mantêm ou ressurgem
detidamente para o quadro religioso brasileiro, por exem- com vínculos e compromissos sociais quer seja dentro de
plo, verifica-se que há um crescente número de pessoas uma linha de humanização e de transformação social que
que desejam a experiência da fé sem a necessidade de vise à cidadania, à conquista de direitos, à sustentabilida-
submissão às instituições religiosas ou mesmo sem ade- de ecológica e demais aspectos da perspectiva de justiça
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social, quer seja a partir de elementos de manutenção do orientadas pela laicidade do Estado, grupos de mulheres,
status quo. Trata-se de um processo ambíguo e marcado católicas e evangélicas, que lidam com situações comple-
por contradições que diversifica intensamente o quadro xas e cotidianas em torno da corporeidade, da sexualida-
religioso. de e da liberdade, lideranças negras que discutem formas
Em termos do campo cristão brasileiro, temos elen- de inculturação da fé, articulação de grupos que deba-
cado uma série de questões que somente poderiam ser tem situações concretas em torno dos Direitos Humanos,
melhor equacionadas se as práticas das igrejas fossem Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA),
desenvolvidas mais livremente, sem engessamentos ou círculos e espaços teológicos autônomos. Ecumenismo e
amarras institucionais, em formas de redes ecumênicas crítica teológica têm de fundamentalmente ser feitos por
mais amplas, que envolvessem pessoas e grupos no inte- estes grupos. O Papa, os bispos, os fóruns eclesiásticos,
rior das igrejas e de fora delas. O ecumenismo formal das no campo cristão, e as lideranças das religiões em geral,
igrejas tradicionais deixa de beber de fontes preciosas ad- podem ajudar, mas dificilmente compreenderão ou acei-
vindas das experiências de uma série de pessoas e grupos tarão os princípios radicais de uma autêntica reforma reli-
que em geral estão fora da institucionalidade eclesiástica giosa inspirada no princípio pluralista.
ou ecumênica. Com o princípio pluralista procuramos dar Se ouvíssemos as vozes dos grupos aos quais nos
visibilidade, por exemplo, ao número significativo de pen- referimos, muito provavelmente manteríamos no hori-
tecostais e batistas que atuam em áreas periféricas como zonte a perspectiva de libertação sociopolítica, firmada
favelas e ocupações rurais e urbanas, comunidades evan- na visão evangélica do valor dos pobres e na lógica de
gélicas inclusivas que integram pessoas homoafetivas na “outro mundo possível” dentro das referências de uma
dinâmica eclesial, incluindo o ministério pastoral, grupos sociedade justa e participativa para além da democracia
de juventude ecumênica que transitam por diferentes ex- formal. No entanto, considerando o princípio pluralista,
pressões religiosas cristãs e não cristãs, e que propõem seríamos mobilizados para também dar outros passos.
novas pautas políticas e pastorais, fóruns inter-religiosos Por diferentes razões, mas todas elas calcadas em certa
em torno de místicas ou de discussão de políticas públicas sensibilidade com os “sinais dos tempos”, como se espe-
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ra de uma teologia ecumênica pluralista, alguns aspectos marcadas por violência simbólica e de caráter fundamen-
podem ser indicados. Como exemplo, poderíamos lem- talista, o campo religioso tem experimentado também
brar o desafio do cultivo de espiritualidades ecológicas formas ecumênicas de diálogo entre grupos religiosos dis-
devido à crise de sustentabilidade da vida, o de espiritu- tintos. Pressupomos um tipo de fundamentalismo, mais
alidades ecumênicas em função da valorização do plura- associado a certa refutação religiosa das perspectivas an-
lismo religioso crescente hoje na sociedade, o de espiritu- tropológicas que levam em conta as formas de evolução
alidades inclusivas, em especial movidas pelo lugar e pelo do universo e da vida humana e as explicações mais ra-
valor da sexualidade humana no processo teológico por cionais da vida, assim como reações contra posturas mais
ser elemento estrutural da vida, e o de espiritualidades abertas no campo da sexualidade, especialmente no que
comunitárias nas quais a vivência em comunidade realce se refere ao direito das mulheres ao próprio corpo e ao
a gratuidade, a liberdade e autenticidade humana como prazer e também à homoafetividade. O quadro religioso,
contraponto às formas de violência, de individualismo, de portanto, é variado, complexo e de difícil compreensão.
consumismo, de insensibilidade humana e de segregação. No segundo texto, “O Catolicismo brasileiro visto
Nas próximas décadas, a não ser que haja processos re- sob a ótica do princípio pluralista” (SERRA; RIBEIRO,
pressivos que comprometam o livre exercício democráti- 2020), analisamos o quadro da diversidade católica ro-
co, estas visões religiosas tenderão a ser fortalecer, mesmo mana no contexto brasileiro com o recurso ao princípio
em convivência simultânea e tensa com formas religiosas pluralista. Ele, como visto repetidas vezes aqui, é um ins-
de caráter mais sectário, fundamentalista ou piedoso. trumental de análise do pluralismo religioso que, a partir
Outro aspecto de destaque no quadro religioso dos estudos culturais decoloniais, prioriza o olhar das re-
brasileiro atual é o simultâneo e igualmente ambíguo cres- alidades socioculturais e religiosas a partir dos entre-luga-
cimento dos fundamentalismos e do pluralismo religioso res e fronteiras das culturas, sobretudo de grupos invisi-
(TEIXEIRA, 2008). Não obstante o fortalecimento institu- bilizados e subalternizados, e não a partir de identidades
cional e popular de propostas religiosas com acentos mais fixas, formais e institucionalizadas.
verticalistas, em geral conflitivas, fechadas ao diálogo,
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Enfatizamos nesta análise a pluralidade multidi- siológicas distintas e concomitantes, que se fortalecem e
mensional do Catolicismo romano, cuja variação e plura- se confrontam em torno dos enrijecimentos institucionais
lização interna é o resultado de uma dinâmica de dispu- por um lado e da capacidade crítica, criativa e construtiva
tas, resistências e negociações. Esse processo é complexo dos diferentes grupos que a compõem, por outro.
e permanente e se dá com descontinuidades e continui- Com o princípio pluralista, as análises podem se
dades, rupturas e reapropriações que se articulam histó- tornar mais consistentes por levarem em conta e se senti-
rica e sociologicamente, por vezes com certo ineditismo. rem constantemente desafiadas pelas novas visões sociais,
Destacamos a pluralidade interna nos modos de políticas e científicas e pelas demandas que a sociedade
“ser católico” e de “ser igreja”, mostrando o entrecruza- apresenta. As análises não podem se confinar aos dog-
mento e a multiplicação de identidades e modos de per- matismos eclesiásticos ou científicos que travam a visão
tencimento, não isentos de silenciamentos e invisibiliza- crítica, e nem às visões que não consideram detidamente
ções de diversas práticas, sobretudo as que realçam as as mudanças culturais e científicas na forma de compre-
questões de gênero, da sexualidade e as que estão em ender o mundo. Ao recorrer à hermenêuticas diatópicas
torno das culturas afro-indígenas. Aqui residem vários e passar por revisões, críticas e autocríticas, próprias do
exemplos como a chamada “missa afro”, as teologias princípio pluralista, por exemplo, a visão teológica e os
feministas, queer, negras e indígenas, diversas pastorais estudos de religião terão melhores condições de serem
inseridas na institucionalidade eclesial, como a pastoral iluminadores de novas práticas e de novas perspectivas
afro-brasileira e o acompanhamento das Comunidades conceituais.
Eclesiais de Base, e organizações paraeclesiais como Ca-
tólicas pelo Direito de Decidir e a Rede Nacional de Gru- A teologia ecumênica das religiões
pos Católicos LGBT.
Por fim, identificamos, com variados exemplos, As bases conceituais do princípio pluralista tam-
os modos de “ser Igreja” no mundo, e com o mundo, bém têm nos oferecido elementos para contribuir com a
engendrados a partir da tensão entre perspectivas ecle- teologia ecumênica das religiões. Em várias produções
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anteriores já havíamos procurado desenvolver esta tarefa fis holísticos e integradores tendo em vista os diferentes
e, agora, destacamos um texto recente que exemplifica campos da cultura e da vivência humana.
a aplicação deste princípio. Trata-se de “Modelos de in- As críticas à concepção moderna de religião, em
terpretação teológica das religiões: crítica e proposição” especial como tal visão reduz “religião” a um “escaninho”
(2020), escrito em conjunto com Alonso Gonçalves. Nele, compartimentalizado da vida, poderão ajudar a compre-
baseados no princípio pluralista, sistematizamos a crítica ender mais facilmente o quadro, muitas vezes ocultado,
às primeiras tentativas de classificação das posturas teoló- das experiências de múltiplas participações religiosas, as-
gicas diante do desafio de compreender as religiões, que sim como diversas particularidades das espiritualidades e
se deram a partir de três conhecidas perspectivas: exclusi- vivências religiosas, especialmente no campo popular.
vismo, inclusivismo e pluralismo. Na visão moderna ocidental, a religião seria um
De fato, a teologia das religiões, desenvolvida no âmbito específico da vida (e não a vida como um todo
campo cristão, tanto em setores católicos-romanos quan- ou algo integrado na totalidade dela). A religião seria o
to protestantes, tem procurado fazer as melhores adequa- resultado de escolhas racionais, ainda que não exclusi-
ções, em termos de posições e concepções teológicas, vas, mas com certo recorte institucionalizado e com uma
diante da realidade inconteste da pluralidade das religi- organização sistematizada e formal (GIUMBELLI, 2014).
ões e suas tradições, ritos, doutrinas, moralidade e ética No entanto, a vida não é assim! O universo simbólico das
e como elas se relacionam entre si. No entanto, embora culturas brasileiras, especialmente no campo popular, não
de importância histórica e singular, tais perspectivas têm comporta essa rigidez e reducionismo. O pluralismo reli-
sido consideradas limitadas e discutíveis por diferentes gioso que marca a sociedade na atualidade requer para
motivos. O principal deles é que elas são, em certo sen- a sua melhor compreensão uma crítica desse conceito
tido, reféns do conceito moderno de religião e, por isso, moderno.
não abarcam a complexidade e a variedade presentes no Em geral, tal concepção olha as experiências reli-
quadro de diversidade religiosa, sobretudo as formas de giosas dentro de um cânon de racionalidade que deter-
espiritualidades de grupos subalternos, em geral com per- minou uma área específica da vida, sem levar em conta
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as experiências totalizantes, que moldam estilos de vida, Ainda que as categorias sejam diversas, há um
culturas e formas de agir. Essa visão foi amalgamada com consenso de que a pluralidade religiosa convoca e pro-
o desenvolvimento político e filosófico do que ideologica- voca a teologia a refletir sobre a questão do pluralismo
mente se convencionou chamar de o Ocidente. religioso abordando seu aspecto dialógico, não obstante
Stuart Hall, figura de destaque dos estudos cultu- a intensa conflitividade nele presente. Daí a importância
rais, em seu livro Formations of Modernity (1992), articula de bases dialógicas dentro da visão teológica plural, e de
a construção do "Ocidente", usando a criativa expressão perspectivas críticas e propositivas na linha do diálogo
"O Ocidente e o Resto" (West and Rest). Tal concepção com os estudos culturais decoloniais, bases do princípio
é formada por um padrão de pensamento e de lingua- pluralista.
gem que, desde a sua gênese, é marcada por relações
econômicas de dominação. As análises científicas sobre Os estudos de religião no Brasil
o pluralismo religioso e sobre os decorrentes diálogos ou
conflitos que emergem deste quadro não podem, a nosso Outra aplicação que fizemos do princípio pluralista
ver, prescindir desta perspectiva. Mesmo porque, para se foi em relação aos estudos de religião no Brasil. A aná-
usar uma expressão popular: ninguém entende mais do lise, com o título “O princípio pluralista como elemento
"resto" do que os grupos que cultivam formas excluden- articulador de pesquisas na área Ciências da Religião e
tes e sectárias que marcam as identidades rígidas, ideo- Teologia” (2019), foi desenvolvida considerando o deba-
lógicas e conflitivas presentes no cenário de pluralismo te epistemológico que tem se dado no contexto da Área
religioso. No entanto, mesmo as experiências de diálogo Ciências da Religião e Teologia no Brasil. O objetivo
inter-religioso, ainda que abertas e marcadas por lógicas principal das avaliações feitas foi observar as relações en-
de alteridade, também estão sujeitas à reprodução dos tre essas duas frentes (ou disciplinas, como também são
imaginários que surgiram com a formação do Ocidente. chamadas), levando em conta o que tem sido refletido
Há necessidade de se repensar tais visões. por diferentes grupos e observando o princípio pluralista,
aqui descrito.
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Nossa pressuposição é a de que tal princípio, devi- Neste percurso, procuramos identificar as linhas de
do às suas bases conceituais oriundas dos estudos cultu- pesquisa da Área que destacam dimensões e concepções
rais decoloniais, pode oferecer maior visibilidade ao poder plurais. Entre as muitas ênfases e eixos, listamos: (i) Plu-
criativo das fronteiras que existem entre as duas frentes ralismo, diálogo e cooperação inter-religiosa; (ii) Religião,
em questão na análise feita e pode facilitar as reflexões gênero e sexualidade; (iii) Teologia e economia; (iv) Ex-
de ambas ao ser um elemento articulador das pesquisas, periência religiosa, cultura e empoderamento de grupos
sobretudo aquelas motivadas por realidades, temáticas e subalternizados; (v) Teologia e ecologia; (vi) Religião, lin-
situações forjadas pelos “entre-lugares das culturas” e por guagem e literatura; (vii) Ensino religioso e laicidade do
experiências fronteiriças. Estado; (viii) Pluralismo religioso, democracia e direitos
O passo metodológico principal da pesquisa foi o humanos; (ix) Religião, racismos, sexismo e homofobis-
cotejamento do princípio pluralista com aspectos de des- mo; (x) Transreligiosidade, cotidiano, sensações e mídia;
taque evidenciados no Documento da Área Ciências da (xi) Diversidade religiosa (pentecostalismos, catolicismos,
Religião e Teologia (2019) da Capes (Coordenação de múltiplas pertenças, tradições e sabedorias religiosas, cris-
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão tãs e não cristãs); (xii) Textos e linguagens de tradições
que acompanha e avalia o Sistema Nacional de Pós-Gra- não cristãs; (xiii) Mística e teologia; (xiv) Pluralismos e
duação brasileiro. Deu-se atenção especial a temas e sub- fundamentalismos. Para um aprofundamento do debate
temas da Área, conhecido como “árvore do conhecimen- epistemológico da Área Ciências da Religião e Teologia,
to”, e aos perfis dos egressos pós-graduados nessas duas consideramos importante uma atenção especial às linhas
frentes. Entre as perspectivas conceituais, priorizamos: (i) de pesquisa acima indicadas e como elas equacionam
as noções de diálogo multi, inter e transdisciplinar e a va- as questões fronteiriças das duas frentes em questão. O
lorização da pluralidade metodológica, (ii) a preocupação mesmo se dá para o aprimoramento teórico do princípio
específica com a diversidade religiosa e (iii) o caráter pro- pluralista.
positivo, prático e de inserção social inerente ao princípio Para os estudos de religião, o que temos levado
pluralista. em conta é a complexidade da realidade, não somente
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religiosa, mas também sociocultural. Há um ritmo ace- corrermos ao princípio pluralista nas análises, as possibi-
lerado das mudanças culturais em curso que engendram lidades de reducionismos e incompreensões são grandes.
novas características no quadro de pluralismo. Os efeitos As fronteiras se dão também na medida em que
dos processos de globalização são amplos e diversos e as diferentes expressões religiosas no Brasil, assim como
acentuam a velocidade das alterações culturais, e geram a diversidade interna de cada grupo religioso, possuem
certo ineditismo nas mais recentes configurações religio- diferentes e mutáveis compreensões políticas e variadas
sas e nas crescentes formas de hibridismo, que se fortale- visões de mundo, muitas vezes até mesmo antagônicas.
cem nas áreas fronteiriças e nos entre-lugares das culturas Além disso, a maioria das experiências religiosas e inter-
(MOREIRA, 2008). -religiosas no país tem mantido ora um forte apelo de ma-
Em nossas análises, a dimensão de fronteira se nutenção do status quo, ora é constituída de forte crítica
realça por variadas razões. A primeira delas está ligada social e estabelece, dessa forma, uma complexa relação
às intercomunicações entre diferentes experiências reli- entre religião, política e economia.
giosas. A diversidade interna de cada tradição religiosa Esse quadro desafia intensamente os estudos so-
envolvida no conjunto das experiências religiosas e as bre o pluralismo religioso e a relação dele com a socie-
relações assimétricas de poder que possuem na socieda- dade. Nossa consideração é que eles, se efetuados sob
de brasileira revelam espaços fronteiriços em boa parte o princípio pluralista, precisariam seguir a compreensão
inéditos e de difícil compreensão. Tal pluralidade acarreta de que toda e qualquer ação ou reflexão sobre demo-
diferentes formas de exercitar a fé, seja no campo político, cracia e/ou direitos humanos, típicas da visão decolonial,
nas compreensões éticas ou na visão sobre os espaços pú- requer análises mais consistentes e posicionamentos mais
blicos. Isto ocorre no interior de um mesmo grupo religio- nítidos acerca das questões que lhe são mais diretamente
so, além das diferenças entre eles, o que faz do quadro de relacionadas. A lista não é pequena, mas destacamos o
pluralismo religioso mais diversificado do que usualmente combate aos racismos, ao sexismo e ao homofobismo e a
imaginamos. Nossa pressuposição é a de que, se não re- crítica ao sistema capitalista como produtor de desigual-
dades sociais, violência e pobreza. Realçamos que não se
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trata de questões paralelas, uma ao lado da outra, mas, Boff, especialmente as noções de panenteísmo e perico-
sim, de um amálgama e entrelaçamento sociocultural que rese, e a segunda a partir do conceito de relacionalidade,
necessita de permanente e profunda crítica ao sistema apresentado pela teóloga Ivone Gebara. Além dele, há
econômico, com foco na reflexão e ação sobre as causas o destaque para a epistemologia ecofemini¬sta por ser
das divisões que acontecem na sociedade. No caso das inclusiva e holística, especialmente a suposição de que a
religiões no Brasil, tanto pelas históricas dificuldades no experiência mais profunda que o humano compartilha é
tratamento de tais questões quanto pela riqueza teológica a de interdependência recíproca entre todos os elementos
de vários grupos que reagiram aos processos dominantes do cosmo. Ambas as abordagens cooperam com a eluci-
e se colocaram francamente a favor do aprofundamen- dação do princípio pluralista.
to da democracia e dos direitos, esse processo avaliativo, Nossa pressuposição é que as visões acerca da
reflexivo e propositivo torna-se cada vez mais imperativo espiritualidade têm sido majoritariamente marcadas nas
para os estudos de religião. igrejas cristãs e, também, em outros grupos religiosos, por
uma concepção acentuadamente individualista. Associa-
Espiritualidade integral e ecológica dos a esta característica encontramos certo desprezo do
cuidado com a natureza e uma desconsideração da cria-
Uma quarta aplicação que fizemos se encontra em ção como um todo, das relações sociais e comunitárias
“Espiritualidade integral e ecológica e o princípio plura- e do compromisso com a vida, com a justiça, com a paz
lista” (2018). O texto apresenta os resultados da pesquisa e com os destinos políticos da história. Trata-se de uma
no tocante às análises sobre pluralismo antropológico, es- tendência. Isso, por exemplo, não é tão comum nas espi-
pecificamente sobre a visão do ser humano quando real- ritualidades e tradições afro-brasileiras e orientais.
çadas as suas múltiplas relações com a natureza e com o Nossa perspectiva teológica e prática, forjada sob o
cosmo. Metodologicamente, foram efetuadas duas abor- princípio pluralista, considera que para se reverter o refe-
dagens teóricas no campo da ecoteologia latino-america- rido cenário é necessária a elucidação de uma perspectiva
na. A primeira a partir de análises teológicas de Leonardo que realce a dimensão ampla e integral que a salvação
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possui. Obviamente, vários esforços teológicos precisam enfatiza a relacionalidade, tanto na dimensão coletiva
ser feitos, devidamente articulados com aspectos práticos presente na realidade de vida de cada pessoa, quanto
que possibilitem essa nova visão. O campo da coopera- na dimensão cósmica, uma vez que o humano está inte-
ção inter-religiosa é fértil para tais perspectivas. grado na imensidão do mistério que sustenta a vida. Ou
Elas estão baseadas na visão, imprescindível para seja, a relacionalidade se refere às forças vitais que deter-
o futuro da humanidade, de uma espiritualidade que seja minam a mútua conexão humana e a dos humanos com
valorizadora da vida, sensível ao cuidado com a natu- a terra. Ela é uma condição fundamentalmente humana
reza e com os pobres, que diga respeito ao todo, aberta e cósmica, age como uma força que une o humano à
aos mistérios do universo e atenta aos principais desa- terra, e o impulsiona para ações éticas e experiências reli-
fios sociais e políticos que hoje se apresentam ao mun- giosas autênticas. A relacionalidade faz emergir a questão
do. Tais sinais revelam uma abertura à sensibilidade com fundamental da epistemologia ecofeminista que perma-
os outros e à cooperação e respeito à vida humana e à nentemente se pergunta a que experiência uma certa afir-
natureza. Com isso, pode se perceber o mundo natural, mação se relaciona com a realidade. Tal questionamento
material e humano como fontes vivas de energia e ca- desconstrói a concepção do conhecimento como um pro-
minhar em direção à resposta ao chamado à comunhão cesso linear e de poder, e o descreve como uma circula-
entre eles. A contribuição da fé cristã à ecoespiritualidade, ridade, onde as pessoas e grupos, em suas diferentes cul-
como visto, é fundamental para as dimensões de integra- turas e entre-lugares, continuam a adicionar experiências,
ção pessoal, comunitária e ecológica, assim como é vital sobretudo cotidianas, que podem alterar o conhecimento
para a sobrevivência da biosfera (BOFF, 2015) (BOFF; que foi utilizado no ponto de partida. Uma epistemologia
HATHAWAY, 2012). Para o amadurecimento do diálogo ecofeminista pretende ser inclusiva e holística (GEBARA,
e da cooperação inter-religiosa tais elementos se tornam 2017). Daí a importância dela para o princípio pluralista.
imprescindíveis.
Em conexão direta com tais perspectivas está a
teologia ecofeminista. Em termos antropológicos, ela
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Corporeidade e sexualidade cialmente de mulheres, de negros e de jovens (GEBARA,
2010).
No caso da aplicação do princípio pluralista para Tal visão gera formas de espiritualidades centradas
a análise teológica de questões de fundo antropológico, na realidade corporificada no cotidiano, tanto nas dimen-
reconhecemos que temos no presente momento apenas sões de prazer como nas de dor, incluindo as mudanças e
uma limitada contribuição no campo da pesquisa. Um os processos do corpo, da vida pessoal, da autoafirmação
balanço do nosso trabalho transparecerá bem essa limi- e, ao mesmo tempo, conectada aos compromissos sociais
tação. Nosso desejo seria pensar teologicamente aspectos e atividades políticas delas decorrentes. Dessa espiritua-
cruciais da vida humana e do cosmo, em uma linguagem lidade surgem as possibilidades de afirmação do corpo,
nova, criativa, que pudesse fazer jus aos anseios e sonhos tanto em seu poder erótico como em seu poder criativo
que alimentam milhares de pessoas no cotidiano. Reco- de dar a vida e de ser fonte de cura e prazer.
nhecemos que estamos distantes desta realização. Outras Em “O princípio pluralista, corporeidade e sexuali-
pessoas e grupos oferecem contribuições relevantes nes- dade” (2020a), procuramos identificar estas bases concei-
tes aspectos e nem temos dado conta de segui-los. tuais que introduzem criticamente na teologia latino-ame-
O que temos feito até aqui é realçar que o princípio ricana o valor de dimensões antropológicas que estão em
pluralista possui e reforça uma visão antropológica aber- torno da corporeidade, da sexualidade e do prazer, em
ta, marcada por identidades em construção. Isto requer geral desprezadas pelas leituras teológicas hegemônicas.
uma nova linguagem teológica, ancorada nas expressões Metodologicamente, foi estabelecida a interação do prin-
da corporeidade, da sexualidade e dos desejos e associa- cípio pluralista com a produção teológica feminista e que-
da às formas de vida marcadas pela sensibilidade, pela er latino-americanas, especialmente as de Ivone Gebara
afirmação da diferença e pelo empoderamento de grupos (2017), Marcella Althaus-Reid (2000) e André Musskopf
subalternizados como os de homossexuais, indígenas, tra- (2012), e com a teopoética de Rubem Alves (1982). A re-
balhadores e trabalhadoras rurais, grupos de base, espe- flexão teológica sobre corporeidade, sexualidade e prazer
tem o seu histórico na contribuição das teologias feminis-
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tas e queer, sobretudo as formuladas no contexto latino- divinas menos autoritárias, que habitam ou se revelam no
-americano. O debate mostra que as definições acerca do meio da comunidade, e se baseiam em visões de inter-
corpo e das práticas sexuais, explícitas ou não, quer sejam -relacionalidade, de solidariedade e de maior respeito às
vivenciadas em contextos de prazer, autenticidade, afeto pessoas e à natureza.
e festividade, quer em formas sublimadas, repressivas e
violentas, são bases constituintes e definidoras da realida- As dimensões do lúdico e da festividade
de e se revelam nas fronteiras e entre-lugares das culturas.
Daí a importância delas para a reflexão teológica dentro Em nossas pesquisas sobre a elucidação do princí-
do princípio pluralista. pio pluralista, temos percorrido uma complexa trajetória
O esforço teológico em buscar novas imagens de que passa pelo debate em torno do pluralismo metodoló-
Deus está centrado nas expressões de fé que estejam pre- gico no contexto da teologia latino-americana, centra-se
ocupadas com as situações de opressão e de violência, nas questões relativas ao pluralismo religioso e culmina
que marcam a vida de parcelas consideráveis da popu- com dimensões do pluralismo de caráter antropológico,
lação, especialmente mulheres, e também nas dimensões ampliando, assim, nosso foco de análise. No campo an-
do prazer, da festividade e dos afetos. Tais expressões do tropológico, consideramos ser necessário, entre outros as-
sagrado, despidas de androcentrismos e as consequentes pectos, o aprofundamento de reflexões sobre a dimensão
formas de patriarcalismos, sexismos e heteronormativida- lúdica e da festividade, que marcam a vida humana e, de
des, promovem a cura, valorizam o corpo, a sexualidade, maneira especial, a pluralidade das experiências religio-
o cuidado e a proteção da natureza com uma consequen- sas, uma vez que as reflexões teológicas têm sido majori-
te responsabilidade ética pela criação. Aliás, tal perspec- tariamente conceituais e sistemáticas.
tiva estabeleceria saudáveis conexões com as espiritu- Nossos esforços têm sido no sentido de realçar
alidades e cosmovisões indígenas e africanas, uma vez como o princípio pluralista está presente em perspectivas
que elas, não obstante as ambiguidades e contradições teológicas críticas, sobretudo aquelas que prezam (i) pelas
de todos os agrupamentos humanos, possuem imagens dimensões da subjetividade humana, sem tanta visibilida-
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de no debate teológico, (ii) pela valorização da pluralida- guir na trilha de pensar a vida e as experiências religiosas
de das experiências, boa parte delas vividas nos entre-lu- a partir do lugar criativo e propositivo dos entre-lugares e
gares das culturas que incidem no cotidiano das pessoas, fronteiras das culturas, assim como estar atentos à pers-
e (iii) pela visão crítica que tais vivências podem forjar, pectiva dos estudos culturais decoloniais que destaca a
mesmo que não pelo viés linear e racionalista. Conside- tríplice demanda de decolonialidade do poder, do saber e
ramos que o princípio pluralista é, ao mesmo tempo, de- do ser. Para isso, nos esforçamos em articular o princípio
vedor destas visões teológicas críticas e criativas, e pode pluralista com visões antropológicas que valorizam o lú-
ser, ainda que modestamente, um elemento de aprofun- dico e a festividade, sobretudo o legado de Rubem Alves,
damento de tais perspectivas. uma vez que tais dimensões constituem intensa força mo-
Nesta direção, em “O princípio pluralista diante das bilizadora da vida.
dimensões do lúdico e da festividade” (2020b) procura- Outro autor que contribui nestas reflexões é Gior-
mos destacar narrativas teológicas que foram forjadas nas gio Agamben. Em linhas gerais, ele realça o valor da po-
expressões dos desejos humanos. Elas estão associadas esia, do jogo e do lúdico como redimensionamento da
às dimensões lúdicas e místicas de formas de vida mar- linguagem. O autor questiona os processos reducionistas
cadas pela festividade, pela alteridade, pela afirmação da que esvaziam a poíesis em função da práxis (AGAMBEN,
diferença, pela linguagem narrativa e poética e pelas ex- 2014). Ele opõe arte interessada e arte desinteressada,
pressões de grupos subalternizados que, nos entre-lugares sendo essa de potencial criativo e autenticamente artís-
de suas culturas, revelam visões plurais e criativas de vida tico. Tal oposição não ocorre de forma dualística, pois
(BINGEMER, 2013). todo o empreendimento filosófico do autor é de fugir das
Realçamos o valor das teologias narrativas e da formulações binárias, mas de introduzir as visões sobre a
teopoética, que representam visões de recriação da lin- arte em uma atmosfera de ambivalência e tensão criativa.
guagem teológica, com elementos simbólicos e de forte No tocante à política, ele traça o caminho da negativida-
apelo existencial que traduzem concepções teológicas de, do "não fazer", da inoperosidade criativa, de se pensar
fundamentais da fé. Metodologicamente, procuramos se-
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o fazer político fora da esfera do Estado e do poder sobe- tes, mostra “o outro lado da moeda” da vida, desnudada
rano que nele está amalgamado. e transparente.
A potência, na inoperosidade dos atos, não está O lúdico, a poíesis, o riso, a ironia, o choro, as in-
desativada. Esse aspecto é muito importante em nossas tuições, a capacidade de imaginação, a admiração extáti-
reflexões devido à dimensão propositiva do princípio plu- ca das artes, o olhar contemplativo, os arrepios do corpo,
ralista, especialmente o caráter de empoderamento dos ambientados nas noções agambenianas de inoperosida-
grupos subalternos. Ao contrário, a inoperosidade coin- de e de potência destituinte, formam um amálgama que
cide com o “contemplar”, o “fazer a festa”, o tempo não- desativa poderes constituídos e relativiza formas de alter-
-linear-festivo, o preferir-não-fazer, a festividade e, com nância do poder que perpetuam visões coloniais.
isso, se dá a libertação dos corpos de seus movimentos O lúdico faz deslumbrar o novo, aquilo “que vem”,
utilitários e repressivos e um desvelamento de novos usos o sonhado. O futuro antecipado pela compreensão utópi-
para as obras humanas, para além de dispositivos de con- ca cria, com a dimensão lúdica, outro tipo de relaciona-
trole. Trata-se de uma “potência destituinte”, ao mesmo mento com a realidade (TAMEZ, 2007). O lúdico é uma
tempo natural e política, fruto da contemplação na qual forma de contestação e de desestabilização do presente, e
“a obra é desativada e se torna inoperante, sendo assim sinaliza a infinitude e a misericórdia divina na subversão
restituída à possibilidade, aberta a um novo uso possível” do real.
(AGAMBEN, 2017, p. 277).
Agamben, com a noção de inoperosidade, que de-
sativa e desvela novos usos das obras humanas, e com a
concepção de potência destituinte, que permite desativar Considerações finais
e impedir o poder constituído rompendo a sua dialética
com o poder constituinte e com formas de racionalismo Nossas reflexões visam responder, ainda que mo-
que não valorizam a corporeidade, a imaginação e as ar- desta e parcialmente, a duas demandas, a partir do que
estamos chamando de princípio pluralista. A primeira de-
41
manda, no campo das ciências da religião, tem a tarefa cas, tornam o campo religioso cada vez mais complexo e
de analisar o pluralismo religioso. Consideramos que ele, plural. O local fronteiriço das culturas e as possibilidades
em função das novas configurações socioculturais, está de hermenêuticas diatópicas, dentro do quadro da tarefa
realçado em pelo menos três direções. decolonial, são fundamentais no processo de interpreta-
A primeira, dentro do campo especificamente reli- ção do pluralismo religioso e de criação de bases mais
gioso, tanto nas fronteiras das diversificações “doutriná- sólidas para os estudos da religião.
rias” e cúlticas de cada grupo – o que nos leva a referir A segunda demanda trata da revisão, recriação
sempre no plural: espiritismos, cristianismos, catolicismos, e aprofundamento da teologia latino-americana. Nesse
pentecostalismos, candomblés, umbandas, encantarias, sentido, nossa preocupação principal é o oferecimento
islamismos –, quanto nos contatos conflitivos ou harmo- de um legado às novas gerações, incluindo perspectivas
niosos dos grupos religiosos na sociedade. críticas que possam realçar os elementos fundantes des-
A segunda direção é a marcada por tensões ide- sa perspectiva teológica, especialmente o amor que Deus
ológicas e políticas horizontais que perpassam as religi- preferencialmente destina e revela às pessoas pobres.
ões e grupos confessionais diversos, que, dividindo-os e Dentro deste quadro teológico de referência, indicamos
subdividindo-os “por dentro”, formam uma variedade de também a dimensão comunitária da fé e seus desdobra-
subgrupos internos. mentos sociais e políticos, o compromisso com a defesa e
A terceira direção refere-se às interações das es- a sustentabilidade da vida, com a solidariedade humana,
piritualidades e vivências religiosas com dimensões pú- com as formas de inclusão social, de cidadania e de res-
blicas e seculares da cultura expressas na vida cotidiana, peito à pluralidade religiosa, com o exercício dos direitos
tais como práticas econômicas, midiáticas, formas de humanos e com a integridade da criação.
entretenimento e de lazer, exercícios terapêuticos e de No tocante ao método, consideramos que para
valorização da saúde, espiritualidades não explicitamen- conseguirmos mediações mais consistentes são necessá-
te religiosas e outras. Tais zonas fronteiriças, somadas à rios, entre outros aspectos: (i) uma percepção mais apu-
esfera especificamente religiosa e suas divisões ideológi- rada sobre as mudanças sociais, (ii) uma observação mais
42
atenta aos entre-lugares da cultura expressos no cotidiano, para a promoção da paz e da justiça e da integridade da
(iii) abordagens que deem valor à transdisciplinaridade e criação.
às teorias de complexidade para esse empreendimento e Nossa expectativa é que os resultados destas pes-
(iv) um destaque para a noção de polidoxia, consideran- quisas, sobretudo a formulação e o aprimoramento do
do os diferenciais de poder na sociedade que demarcam princípio pluralista, contribuam para o processo de cons-
as relações inter-religiosas e interculturais. trução de referenciais teóricos mais precisos para as aná-
O que reivindicamos com o princípio pluralista é a lises sociais, no tocante aos papéis da religião e do plura-
necessidade de uma abordagem metodológica sensível às lismo, especialmente tendo em vista o aprimoramento de
alteridades, boa parte delas invisibilizadas pelas sedimen- práticas sociais que visem ao fortalecimento democrático,
tações socioculturais tradicionais. Trata-se de um cami- à cidadania, à prática do diálogo e de alteridade, e à con-
nho que seja, sobretudo, capaz de acolher o contraditório solidação de direitos.
e dar conta de conviver com a complexidade dos fenôme- Esperamos também que tais resultados apresentem
nos e dos processos, sem com isso incorrer em equívocos respostas às necessidades advindas da prática de setores
metodológicos reducionistas que tendem a fracionar a re- que trabalham em variadas frentes, como a educação re-
alidade em polarizações maniqueístas. ligiosa nas esferas públicas e privadas, confessionais ou
Em relação aos conteúdos de natureza prática, não, os setores da imprensa e da mídia em geral nas abor-
nossa pressuposição teológica é que, diante do pluralismo dagens do quadro religioso, e mesmo setores governa-
religioso, faz-se necessária uma atenção especial à articu- mentais e não governamentais em torno da formulação
lação entre a capacidade de diálogo dos grupos religiosos de políticas públicas que devam considerar o pluralismo.
e os desafios em torno da valorização da vida, como a Nossa expectativa é semelhante com relação às deman-
defesa dos direitos humanos, da cidadania e do cuidado das que surgem para grupos que atuam na prestação de
com o meio ambiente, pressupondo que a espiritualidade serviços, de assessorias, de consultorias, docência e de
ecumênica requer visão dialógica, profunda sensibilida- avaliações do quadro religioso e do lugar das religiões nas
de às questões que afetam a vida humana e inclinação questões sociais e políticas.
43
Desejamos que a síntese que fizemos sobre o prin-
cípio pluralista e o primeiro balanço das possibilidades de
sua aplicação em diferentes perspectivas estimulem novas
ideias, práticas e caminhos para uma compreensão mais
adequada do pluralismo e possam gerar novos debates,
posicionamentos e horizontes mais amplos e plurais.
44
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48
Claudio de Oliveira Ribeiro é doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, com estágio de pesquisa de pós-doutorado em Teologia, na Southern Methodist University,
de Dallas-EUA (2015), com o tema “Pluralismo religioso, democracia e direitos humanos”, e em Ciên-
cias da Religião, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2018), com o tema “Movimentos
Inter-religiosos, política e espaço público no Brasil”. É professor visitante do Programa de Pós-Gradu-
ação em Ciência da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente é o coordenador
para Pós-graduação Profissional da Área Ciências da Religião e Teologia, da Capes.
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Cadernos Teologia Pública
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N. 19 A teologia na universidade do século N. 28 Fundamentação atual dos direitos hu-
XXI segundo Wolfhart Pannenberg – 1ª parte – Manfred manos entre judeus, cristãos e muçulmanos: análises
Zeuch comparativas entre as religiões e problemas – Karl-Josef
N. 20 A teologia na universidade do século Kuschel
XXI segundo Wolfhart Pannenberg – 2ª parte – Manfred N. 29 Na fragilidade de Deus a esperança das
Zeuch vítimas. Um estudo da cristologia de Jon Sobrino – Ana
N. 21 Bento XVI e Hans Küng. Contexto e María Formoso
perspectivas do encontro em Castel Gandolfo – Karl-Jo- N. 30 Espiritualidade e respeito à diversidade
sef Kuschel – Juan José Tamayo-Acosta
N. 22 Terra habitável: um desafio para a teolo- N. 31 A moral após o individualismo: a anar-
gia e a espiritualidade cristãs – Jacques Arnould quia dos valores – Paul Valadier
N. 23 Da possibilidade de morte da Terra à N. 32 Ética, alteridade e transcendência – Nilo
afirmação da vida. A teologia ecológica de Jürgen Molt- Ribeiro Junior
mann – Paulo Sérgio Lopes Gonçalves N. 33 Religiões mundiais e Ethos Mundial –
N. 24 O estudo teológico da religião: Uma Hans Küng
aproximação hermenêutica – Walter Ferreira Salles N. 34 O Deus vivo nas vozes das mulheres –
N. 25 A historicidade da revelação e a sacra- Elisabeth A. Johnson
mentalidade do mundo – o legado do Vaticano II – Frei N. 35 Posição pós-metafísica & inteligência da
Sinivaldo S. Tavares, OFM fé: apontamentos para uma outra estética teológica – Vi-
N. 26 Um olhar Teopoético: Teologia e cinema tor Hugo Mendes
em O Sacrifício, de Andrei Tarkovski – Joe Marçal Gon- N. 36 Conferência Episcopal de Medellín: 40
çalves dos Santos anos depois – Joseph Comblin
N. 27 Música e Teologia em Johann Sebastian N. 37 Nas pegadas de Medellín: as opções de
Bach – Christoph Theobald Puebla – João Batista Libânio
51
N. 38 O cristianismo mundial e a missão cristã N. 48 Ética global para o século XXI: o olhar
são compatíveis?: insights ou percepções das Igrejas asiá- de Hans Küng e Leonardo Boff – Águeda Bichels
ticas – Peter C. Phan N. 49 Os relatos do Natal no Alcorão (Sura
N. 39 Caminhar descalço sobre pedras: uma 19,1-38; 3,35-49): Possibilidades e limites de um diálogo
releitura da Conferência de Santo Domingo – Paulo Suess entre cristãos e muçulmanos – Karl-Josef Kuschel
N. 40 Conferência de Aparecida: caminhos e N. 50 “Ite, missa est!”: A Eucaristia como com-
perspectivas da Igreja Latino-Americana e Caribenha – promisso para a missão – Cesare Giraudo, SJ
Benedito Ferraro N. 51 O Deus vivo em perspectiva cósmica –
N. 41 Espiritualidade cristã na pós-moderni- Elizabeth A. Johnson
dade – Ildo Perondi N. 52 Eucaristia e Ecologia – Denis Edwards
N. 42 Contribuições da Espiritualidade Fran- N. 53 Escatologia, militância e universalidade:
ciscana no cuidado com a vida humana e o planeta – Ildo Leituras políticas de São Paulo hoje – José A. Zamora
Perondi N. 54 Mater et Magistra – 50 Anos – Entrevista
N. 43 A Cristologia das Conferências do Ce- com o Prof. Dr. José Oscar Beozzo
lam – Vanildo Luiz Zugno N. 55 São Paulo contra as mulheres? Afir-
N. 44 A origem da vida – Hans Küng mação e declínio da mulher cristã no século I – Daniel
N. 45 Narrar a Ressurreição na pós-moderni- Marguerat
dade. Um estudo do pensamento de Andrés Torres Quei- N. 56 Igreja Introvertida: Dossiê sobre o Motu
ruga – Maria Cristina Giani Proprio “Summorum Pontificum” – Andrea Grillo
N. 46 Ciência e Espiritualidade – Jean-Michel N. 57 Perdendo e encontrando a Criação na
Maldamé tradição cristã – Elizabeth A. Johnson
N. 47 Marcos e perspectivas de uma Cateque- N. 58 As narrativas de Deus numa socieda-
se Latino-americana – Antônio Cechin depós-metafísica: O cristianismo como estilo – Christoph
Theobald
52
N. 59 Deus e a criação em uma era científica – N. 69 (Im)possibilidades de narrar Deus hoje:
William R. Stoeger uma reflexão a partir da teologia atual – Degislando Nó-
N. 60 Razão e fé em tempos de pós-moderni- brega de Lima
dade – Franklin Leopoldo e Silva N. 70 Deus digital, religiosidade online, fiel
N. 61 Narrar Deus: Meu cami- conectado: Estudos sobre religião e internet – Moisés
nho como teólogo com a literatura – Karl- Sbardelotto
Josef Kuschel N. 71 Rumo a uma nova configuração eclesial
N. 62 Wittgenstein e a religião: A crença reli- – Mario de França Miranda
giosa e o milagre entre fé e superstição – Luigi Perissinotto N. 72 Crise da racionalidade, crise da religião
N. 63 A crise na narração cristã de Deus e o – Paul Valadier
encontro de religiões em um mundo pós-metafísico – Fe- N. 73 O Mistério da Igreja na era das mídias
lix Wilfred digitais – Antonio Spadaro
N. 64 Narrar Deus a partir da cosmologia con- N. 74 O seguimento de Cristo numa era cientí-
temporânea – François Euvé fica – Roger Haight
N. 65 O Livro de Deus na obra de Dante: Uma N. 75 O pluralismo religioso e a igreja como
releitura na Baixa Modernidade – Marco Lucchesi mistério: A eclesiologia na perspectiva inter-religiosa – Pe-
N. 66 Discurso feminista sobre o divino em um ter C. Phan
mundo pós-moderno – Mary E. Hunt N. 76 50 anos depois do Concílio Vaticano II:
N. 67 Silêncio do deserto, silêncio de Deus – indicações para a semântica religiosa do futuro – José
Alexander Nava Maria Vigil
N. 68 Narrar Deus nos N. 77 As grandes intuições de futuro do Con-
dias de hoje: possibilidades e limites – cílio Vaticano II: a favor de uma “gramática gerativa” das
Jean-Louis Schlegel relações entre Evangelho, sociedade e Igreja – Christoph
Theobald
53
N. 78 As implicações da evolução científica N. 88 Política e perversão: Paulo segundo
para a semântica da fé cristã – George V. Coyne Žižek – Adam Kotsko
N. 79 Papa Francisco no Brasil – alguns olhares N. 89 O grito de Jesus na cruz e o silêncio de
N. 80 A fraternidade nas narrativas do Gêne- Deus. Reflexões teológicas a partir de Marcos 15,33-39
sis: Dificuldades e possibilidades – André Wénin – Francine Bigaouette, Alexander Nava e Carlos Arthur
N. 81 Há 50 anos houve um concílio...: signifi- Dreher
cado do Vaticano II – Victor Codina N. 90 A espiritualidade humanística do Vatica-
N. 82 O lugar da mulher nos escritos de Paulo no II: Uma redefinição do que um concílio deveria fazer
– Eduardo de la Serna – John W. O’Malley
N. 83 A Providência dos Profetas: uma Leitura N. 91 Religiões brasileiras no exterior e missão
da Doutrina da Ação Divina na Bíblia Hebraica a partir reversa – Vol. 1 – Alberto Groisman, Alejandro Frigerio,
de Abraham Joshua Heschel – Élcio Verçosa Filho Brenda Carranza, Carmen Sílvia Rial, Cristina Rocha,
N. 84 O desencantamento da experiência re- Manuel A. Vásquez e Ushi Arakaki
ligiosa contemporânea em House: “creia no que quiser, N. 92 A revelação da “morte de Deus” e a teo-
mas não seja idiota” – Renato Ferreira Machado logia materialista de Slavoj Žižek – Adam Kotsko
N. 85 Interpretações polissêmicas: um balanço N. 93 O êxito das teologias da libertação e
sobre a Teologia da Libertação na produção acadêmica as teologias americanas contemporâneas – José Oscar
– Alexandra Lima da Silva & Rhaissa Marques Botelho Beozzo
Lobo N. 94 Vaticano II: a crise, a resolução, o fator
N. 86 Diálogo inter-religioso: 50 anos após o Francisco – John O’Malley
Vaticano II – Peter C. Phan N. 95 “Gaudium et Spes” 50 anos depois: seu
N. 87 O feminino no Gênesis: A partir de Gn sentido para uma Igreja aprendente – Massimo Faggioli
2,18-25 – André Wénin
54
N. 96 As potencialida- N. 104 A exortação apostólica Evangelii Gau-
des de futuro da Constituição Pastoral dium: Esboço de uma interpretação original do Concílio
Gaudium et spes: por uma fé que sabe interpretar o que Vaticano II – Christoph Theobald
advém – Aspectos epistemológicos e constelações atuais N. 105 Misericórdia, Amor, Bondade: A Miseri-
– Christoph Theobald córdia que Deus quer – Ney Brasil Pereira
N. 97 500 Anos da Reforma: Luteranismo e N. 106 Eclesialidade, Novas Comunidades e
Cultura nas Américas – Vítor Westhelle Concílio Vaticano II: As Novas Comunidades como uma
N. 98 O Concílio Vaticano II e o aggiornamen- forma de autorrealização da Igreja – Rejane Maria Dias de
to da Igreja – No centro da experiência:a liturgia, uma lei- Castro Bins
tura contextual da Escritura e o diálogo – Gilles Routhier N. 107 O Vaticano II e a inserção de categorias
N. 99 Pensar o humano em diálogo crítico históricas na teologia – Antonio Manzatto
com a Constituição Gaudium et Spes – Geraldo Luiz De N. 108 Morte como descanso eterno – Luís Ina-
Mori cio João Stadelmann
N. 100 O Vaticano II e a Escatologia Cristã: En- N. 109 Cuidado da Criação e Justiça Ecológi-
saio a partir de leitura teológico-pastoral da Gaudium et ca-Climática. Uma perspectiva teológica e ecumênica –
Spes – Afonso Murad Guillermo Kerber
N. 101 Concílio Vaticano II: o diálogo na Igreja N. 110 A Encíclica Laudato Si’ e os animais -
e a Igreja do Diálogo – Elias Wolff Gilmar Zampieri
N. 102 A Constituição Dogmática Dei Verbum e N. 111 O vínculo conjugal na sociedade aber-
o Concílio Vaticano II – Flávio Martinez de Oliveira ta. Repensamentos à luz de Dignitatis Humanae e Amoris
N. 103 O pacto das catacumbas e a Igreja dos Laetitia – Andrea Grillo
pobres hoje! – Emerson Sbardelotti Tavares N. 112 O ensino social da Igreja segundo o
Papa Francisco – Christoph Theobald
55
N. 113 Lutero, Justiça Social e Poder Político: N. 122 Ser e Agir, o Reino e a Glória: a Oikono-
Aproximações teológicas a partir de alguns de seus escri- mia Trinitária e a bipolaridade da máquina governamen-
tos – Roberto E. Zwetsch tal – Colby Dickinson
N. 114 Laudato Si’, o pensamento de Morin e a N. 123 A sensibilidade religiosa de Thoreau –
complexidade da realidade – Giuseppe Fumarco Edward F. Mooney
N. 115 A condição paradoxal do perdão e da N. 124 Diáconas na Igreja Maronita – Phyllis
misericórdia. Desdobramentos éticos e implicações políti- Zagano
cas – Castor Bartolomé Ruiz N. 125 Comportamentos normatizados e a no-
N. 116 A Igreja em um contexto de “Reforma ção de profanação: uma reflexão em Giorgio Agamben
digital”: rumo a um sensus fidelium digitalis? Moisés – Claudio de Oliveira Ribeiro
Sbardelotto N. 126 Teologalidade das resistências e lutas
N. 117 Laudato Si’ e os Objetivos de Desenvol- populares – Francisco de Aquino Júnior
vimento Sustentável: uma convergência? – Gaël Giraud e N. 127 A glória como arcano central do poder
Philippe Orliange e os vínculos entre oikonomia, governo e gestão – Colby
N. 118 Misericórdia, Compaixão e Amor: O Dickinson
rosto de Deus no Evangelho de Lucas – Ildo Perondi e N. 128 O Princípio Pluralista – Claudio de Oli-
Fabrizio Zandonadi Catenassi veira Ribeiro
N. 119 A constituição da Dignidade Humana: N. 129 Deus e o Diabo na política: compaixão e
aportes para uma discussão pós-metafísica – Thyeles Mo- vocação profética – Ivone Gebara
ratti Precilio Borcarte Strelhow N. 130 Deslocamentos genealógicos da econo-
N. 120 Renovação do espaço público: pente- mia teológica segundo Agamben – Joel Decothé Junior
costalismo e missão em perspectiva política – Amos Yong N. 131 A Heterodoxia do Pseudo-Dionísio: hie-
N. 121 Viver as Bem-aventuranças numa Igreja rarquia e burocracia na Teologia Medieval – Gerson Leite
em saída – Tea Frigerio de Moraes e Daniel Nagao Menezes
56
N. 132 O pensamento de Jorge Mario Bergo- N. 139 A Opção de Francisco: como evangelizar
glio. Os desafios da Igreja no mundo contemporâneos – um mundo em mudança? – Austen Ivereigh
Massimo Borghesi N. 140 A liturgia, 50 anos depois do Concílio
N. 133 Os documentos eclesiais pós-sinodais Vaticano II: marcos, desafios, perspectivas – Andrea Grillo
“Familiaris Consortio” de Wojtyla e “Amoris Laetitia” de N. 141 Franciscus non cantat: Um discurso, al-
Bergoglio como respostas aos desafios da pastoral matri- guns percursos e ressonâncias acerca da música litúrgica
monial – José Roque Junges pós-conciliar – Márcio Antônio de Almeida
N. 134 A universalidade e o (não) lugar político N. 142 Para além do limiar do Templo: apon-
da Igreja no mundo de hoje. A eclesiologia da globaliza- tamentos éticos para uma pastoral em modo on-line –
ção de Francisco – Massimo Faggioli Thiago Isaias Nóbrega de Lucena e José Joanees Souza
N. 135 A ética social do Papa Francisco: O Oliveira
Evangelho da misericórdia segundo o espírito de discer- N. 143 A Conversão de Agostinho de Hipona,
nimento – Juan Carlos Scannone S.I. interpretada em reflexões sobre a expressão Intellige Ut
N. 136 Amoris Laetitia: aspectos antropológicos Credas – Orlando Polidoro Junior
e metodológicos e suas implicações para a teologia moral N. 144 Teologia Pública e Práxis Pastoral: con-
– Todd A. Salzman e Michael G. Lawler siderações em vista de uma Pastoral Pública – Luis Carlos
N. 137 A Teologia da Missão à luz da Exortação Dalla Rosa
Apostólica Evangelii gaudium – Paulo Suess
N. 138 O pontificado de Francisco e o laicato na
missão da Igreja hoje. Avanços e impasses da “parrésia
eclesial” – Andrea Grillo
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