627 Geopolitica Brasileira e Relacoes Internacionais

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geopolítica brasileira e relações

internacionais nos anos 50:

o pensamento do general
golbery do couto e Silva
Ministério das Relações Exteriores

Ministro de Estado Embaixador Celso Amorim


Secretário-Geral Embaixador Antonio de Aguiar Patriota

Fundação Alexandre de Gusmão

Presidente Embaixador Jeronimo Moscardo

Instituto Rio Branco (IRBr)

Diretor Embaixador Georges Lamazière

A Fundação Alexandre de Gusmão, instituída em 1971, é uma fundação pública vinculada ao


Ministério das Relações Exteriores e tem a finalidade de levar à sociedade civil informações
sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomática brasileira. Sua missão é
promover a sensibilização da opinião pública nacional para os temas de relações internacionais
e para a política externa brasileira.

Ministério das Relações Exteriores


Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo, Sala 1
70170-900 Brasília, DF
Telefones: (61) 3411-6033/6034
Fax: (61) 3411-9125
Site: www.funag.gov.br
Thiago Bonfada de Carvalho

Geopolítica Brasileira e Relações


Internacionais nos Anos 50:
O Pensamento do General
Golbery do Couto e Silva

Brasília, 2010
Direitos de publicação reservados à
Fundação Alexandre de Gusmão
Ministério das Relações Exteriores
Esplanada dos Ministérios, Bloco H
Anexo II, Térreo
70170-900 Brasília – DF
Telefones: (61) 3411-6033/6034
Fax: (61) 3411-9125
Site: www.funag.gov.br
E-mail: [email protected]

Capa:
Mary Vieira - Ponto de Encontro, 1969 - polivolume
de alumínio de configuração variável - 230 placas de
alumínio móveis ao redor do eixo central mais blocos
de mármore
160 x 100 x 28 cm

Equipe Técnica:
Eliane Miranda Paiva
Maria Marta Cezar Lopes
Cíntia Rejane Sousa Araújo Gonçalves
Erika Silva Nascimento
Júlia Lima Thomaz de Godoy
Juliana Corrêa de Freitas

Programação Visual e Diagramação:


Juliana Orem e Maria Loureiro

Impresso no Brasil 2010


Carvalho, Thiago Bonfada de.
Geopolítica brasileira e relações internacionais nos
anos 50 : o pensamento do General Golbery do Couto
e Silva. / Thiago Bonfada de Carvalho. — Brasília :
Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.
132p.

Dissertação (Mestrado) – Instituto Rio Branco, Brasília,


2005.

ISBN: 978.85.7631.195-9

1. Política – Brasil. 2. Política exterior – Brasil. I.


Parola, Alexandre Guido Lopes. II. Silva, Golbery
do Couto e. III. Título. IV. Título : o pensamento do
General Golbery do Couto e Silva.
CDU 32(81)
CDU 327(81)

Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional conforme Lei


n° 10.994, de 14/12/2004.
Agradecimentos

“I have taken in hand that which I know not how to accomplish. Yea,
it hath even bereaved me of my wits to think of it”.

a frase, dita por Francis Drake à tripulação do Pelican, após ter se


comprometido junto à rainha Elizabeth I. à circunavegação do globo,
parece-me singularmente apropriada para o contexto totalmente diverso
da confecção de uma dissertação de Mestrado alguns séculos depois.
É exatamente por isso que essa página de “Agradecimentos” se faz
necessária.

à minha esposa, por mais que simples palavras possam dizer;

à minha família, por ter sempre me estimulado a realizar meus


sonhos;

aos meus velhos amigos, pelo companheirismo constante mesmo


após tantos anos fora de minha cidade;

aos meus novos amigos, colegas do Instituto Rio Branco,


que renovam sempre o sentimento de que a diplomacia brasileira
continuará a estar em boas mãos no futuro;
Abreviaturas

ADESG Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra


ALALC Associação Latino-Americana de Livre Comércio
ALADI Associação Latino-Americana de Integração
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CEN Conceito Estratégico Nacional
CGT Confederação Geral do Trabalho
DSN Doutrina de Segurança Nacional
EMFA Estado-Maior das Forças Armadas
ESG Escola Superior de Guerra
FFAA Forças Armadas
FIP Força Interamericana de Paz
FPN Frente Parlamentar Nacionalista
IBESP Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política
IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
ISEB Instituto Superior de Estudos Brasileiros
JG/Jango Presidente João Belchior Marques Goulart
JK Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira
JQ Presidente Jânio Quadros
MRE Ministério das Relações Exteriores
OEA Organização dos Estados Americanos
ONA Objetivos Nacionais Atuais
ONP Objetivos Nacionais Permanentes
ONs Objetivos Nacionais
ONU Organização das Nações Unidas
OPA Operação Pan-Americana
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PCUS Partido Comunista da União Soviética
PEB Política Externa Brasileira
PEI Política Externa Independente
PSB Partido Socialista Brasileiro
RBPI Revista Brasileira de Política Internacional
SUMOC Superintendência da Moeda e do Crédito
TIAR Tratado Interamericano de Assistência Recíproca
UNE União Nacional dos Estudantes
Sumário

Introdução, 11

PARTE I – O CONTEXTO

1. O Brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista,


17
i. Introdução, 17
ii. Os governos Dutra e Vargas, 21
iii. O governo Kubitschek, 22
iv. Os governos Jânio Quadros, João Goulart e a PEI, 29
v. O governo Castello Branco, 37

2. Três correntes de pensamento: nacionalistas, liberais, ESG, 45


i. O nacionalismo isebiano e a proposta neutralista, 45
ii. A visão americanista dos liberais: Eugenio Gudin e Roberto Campos,
61
iii. O pensamento da Escola Superior de Guerra e o americanismo,
69

PARTE II – O PENSAMENTO DO GENERAL GOLBERY DO COUTO


E SILVA

3. Golbery, a geopolítica e o Brasil, 79


i. Origem e desenvolvimento da geopolítica, 79
ii. As bases teóricas do pensamento de Golbery do Couto e Silva,
81
iii. A questão do planejamento estatal, 86
4. Golbery e as Relações Internacionais, 91
i. O realismo de Golbery, 91
ii. A bipolaridade e o sistema internacional, 98
iii. A grande estratégia do Brasil: a aliança americana, 102
Introdução

A década de 1950 representou um momento importante da


evolução do pensamento político brasileiro, com a grande questão do
desenvolvimento motivando pesquisadores dos mais variados ramos.
Inseridos na “quarta república” brasileira, no dizer de Edgard Carone
(1980, 1985), os intelectuais e ativistas participaram e sofreram o impacto
dos grandes eventos que marcaram o período, como a eleição de Vargas
em 1950, seu suicídio em 1954, o golpe “preventivo” de Lott em 1955, as
ameaças à posse de Kubitschek em 1956, o “Plano de Metas”, a renúncia
de Jânio Quadros e o movimento da “legalidade” em 1961, o interlúdio
parlamentarista, e a conturbada presidência João Goulart. A simples
listagem destes poucos nomes e datas mostra a intensidade das disputas
político-ideológicas no período, um dado que embasa a interpretação
corrente deste momento histórico como levando ao colapso do pacto
populista no Brasil (Ianni 1968).
A intelectualidade brasileira do momento sofria as mais diversas
influências, estando dividida em numerosas correntes, do marxismo-
leninismo à esquerda (Partido Comunista) até o neo-integralismo à
direita (Partido da Representação Popular), passando pelo catolicismo
conservador (a sociedade Tradição, Família e Propriedade e intelectuais
como Plínio Correia de Oliveira e Gustavo Corção), pelo catolicismo
liberal (Alceu Amoroso Lima), pelo liberalismo propriamente dito

11
thiago bonfada de carvalho

(Eugênio Gudin), e por várias correntes socialistas. Nesta dissertação,


nosso objetivo é analisar esse debate, centrando-nos no pensamento de
um dos participantes da fermentação intelectual do período, o general
Golbery do Couto e Silva (1911-1987)1. É verdade que sua influência
foi, à época, desprezível, tendo suas obras recebido maior atenção apenas
quando, após 1964, Golbery tornou-se um dos principais personagens
do novo regime2. E essa própria circunstância já nos fornece uma das
chaves a partir das quais ele foi interpretado: como um dos preparadores
da legitimação intelectual do regime militar3. Esse fato também nos
informa que suas ideias não foram discutidas academicamente, mas
sim polemizadas politicamente, de maneira que não houve sequer uma
tentativa de se buscar a sempre inalcançável “neutralidade” analítica4.
Golbery, elevado à categoria de “ideólogo do regime militar”, era anátema
para a esquerda, e, portanto, para grande parte da intelectualidade
acadêmica brasileira, desde 1964 até recentemente. Por isso, julgamos
existir um vácuo interpretativo sobre sua ideologia, que é nossa
justificativa para empreendermos o presente trabalho; e subscrevemos
as palavras de Shigenoli Miyamoto, ao falar da geopolítica brasileira em
geral: “Da geopolítica brasileira muito se fala e pouco se sabe”5.
Podemos iniciar nosso questionamento com a pergunta se, realmente,
a importância das ideias expressas por um obscuro coronel do Exército, na

1
Como na literatura já é padrão que as referências ao general Golbery do Couto e Silva sejam
feitas pelo primeiro nome ao invés do sobrenome (“Golbery” ou “general Golbery” ao invés de
“Silva” ou “Couto e Silva”), não irei inovar neste quesito no corpo do texto. Na bibliografia,
porém, as obras de Golbery estarão sob o nome “Couto e Silva”.
2
A pouca influência do general Golbery antes de 1964 é assinalada por vários autores, entre eles
Elio Gaspari (2003a) e Oliveiros Silva Ferreira (1988:14).
3
Essa visão tanto esteve presente que esse caráter legitimador é explicitamente negado por
Afonso Arinos de Melo Franco, em sua introdução de 1967 à Geopolítica do Brasil (Melo Franco
1967:xii-xiv). Os estudiosos, porém, ressaltam a influência sobre o governo Castello Branco ou
mesmo sobre o regime militar como um todo (e.g., Ferreira 1988).
4
Por exemplo, o livro Geopolítica do Brasil foi utilizado como “prova” da estratégia imperialista
do Brasil, tanto por autores hispano-americanos, quanto pela oposição brasileira de esquerda.
Como exemplo do primeiro caso, Morador-Wettstein 1978; do segundo, Schilling 1978.
5
Miyamoto (1995:16). É verdade, porém, que a partir dos anos 90 tem surgido algum interesse
acadêmico por Golbery. Localizamos duas dissertações recentes de mestrado a seu respeito, de
Birkner (1996) e Koch (1999). Ambas, porém, discutem apenas aspectos pontuais de sua obra: a
relação entre “segurança” e “desenvolvimento”, em Birkner, e o conceito de “Ocidente”, em Koch.
A última dissertação analisa o pensamento de Golbery em relação ao pensamento conservador
católico, representado principalmente pela obra do arcebispo de Porto Alegre D. João Becker,
indo em direções bastante específicas e distantes das almejadas pelo presente trabalho.

12
introdução

Escola Superior de Guerra (ESG) da década de 1950, é fruto unicamente


deste coronel ter depois fundado e chefiado o SNI, e ocupado a Casa Civil
dos governos Geisel e Figueiredo. Politicamente, sim, pois permitiriam –
talvez ao ator político compreender melhor os fatores que influenciavam
as decisões políticas do governo nesses momentos. Porém, nosso foco no
trabalho não é este, ou seja, não nos ocuparemos aqui diretamente com
a questão de qual a influência de Golbery, da geopolítica ou da Escola
Superior de Guerra sobre as decisões efetivamente tomadas pelo regime
militar. Nossa preocupação é: que projeto de política exterior Golbery
propunha? Valorizamos assim outro aspecto da importância da obra do
general: a de intelectual.
O pensamento e a ação em política externa geralmente estão
entrelaçados, explicita ou implicitamente, a projetos políticos mais
amplos para a nação. Isso é evidente, no caso brasileiro, desde o
surgimento do Estado independente, como as críticas de Cervo & Bueno
(2002) à política externa do reconhecimento da Independência mostram6.
Solucionadas as disputas fronteiriças durante o Império e a passagem
do barão do Rio Branco pelo Itamaraty (1902-1912), o eixo da política
externa brasileira passou à questão da promoção do desenvolvimento,
mais evidentemente a partir da Revolução de 1930. A disputa passa a ser
a respeito da questão do como atingir esse objetivo. A resposta de Golbery
é uma das que foram dadas, e aí reside parte da importância de estudá-la.
Evidentemente, o general não atuou num vácuo. Assim, para permitir
algumas observações sobre o debate intelectual do período, escolhemos
duas correntes de pensamento para uma análise menos aprofundada, com o
objetivo de análise comparativa da argumentação: o nacionalismo isebiano
e os liberais, escolhidos devido à importância política dessas correntes
de opinião no período. Para o estudo, além de obras de referência na
historiografia7, analisaremos algumas fontes primárias: O Nacionalismo
na Atualidade Brasileira (1958), de Hélio Jaguaribe; Análise de
Problemas Brasileiros (1965), de Eugênio Gudin, que reúne artigos
escritos em 1958-1964; e artigos de Roberto Campos sobre política
externa datando desse período (1953, 1959, 1961). Essa amostragem é
6
Para esses autores, o Brasil perdeu devido àquela política uma grande oportunidade histórica,
sacrificando possibilidades de desenvolvimento em troca de um reconhecimento mais rápido da
Independência por parte das potências europeias (Cervo & Bueno 2002:.47-50).
7
Toledo (1977) e Bresser Pereira (2004), sobre o ISEB; Borges (1996) e Bielschowsky (1988)
sobre os liberais.

13
thiago bonfada de carvalho

sem dúvida insuficiente para um estudo aprofundado das duas correntes,


mas nosso objetivo é apenas o de mostrar o contraponto e aclarar o
contexto do que estamos chamando “o debate dos anos 1950”.
Buscando atingir esses objetivos analíticos, a dissertação encontra-
se dividida em quatro capítulos. No primeiro, será discutida brevemente
a evolução da PEB no período 1945-1967, com especial atenção para
os governos Kubitschek, Quadros, Goulart e Castello Branco. Julgamos
importante dedicarmos espaço a esse tema por dois motivos: primeiro,
porque é o “pano de fundo” sobre o qual se desenrolam e ao qual se referem
os intelectuais trabalhados nessa dissertação; e segundo, porque geralmente
se considera, na historiografia, o período de 1961-1963 como de vitória
do “quase-neutralismo” da PEI, enquanto o período 1964-1967 seria de
supremacia das noções desenvolvidas na ESG, as quais seriam esmaecidas e
por fim abandonadas posteriormente8. Daremos, ainda, grande importância
ao período JK, por ser durante este Governo que se desenvolve mais
ativamente a formulação intelectual das propostas isebiana e esguiana.
Já o segundo capítulo tratará, sequencialmente, as formulações do ISEB,
dos liberais e da ESG, focando nas suas repercussões em política externa.
O terceiro capítulo fará um breve apanhado histórico sobre a evolução
da geopolítica como disciplina, das bases teóricas do pensamento do
general Golbery, e de sua visão sobre o planejamento estatal. O objetivo,
aqui, não é a geopolítica per se, mas fornecer informações sobre a história
intelectual das preocupações do general Golbery. O quatro capítulo se
concentrará sobre a obra de Golbery em sentido estrito, analisando em um
primeiro momento sua visão mais geral sobre Relações Internacionais, e
discutindo depois sua proposta de “grande estratégia”: a aliança com os
EUA. A conclusão resumirá o debate implícito entre o pensamento do
general Golbery do Couto e Silva e as demais correntes de pensamento
dos anos 1950. Devemos lembrar que não enfatizaremos, separadamente,
a questão do desenvolvimento, por serem temas famosos na literatura,
tendo já encontrado tratamento adequado9, e da geopolítica interna do
Brasil, alvo específico de alguns artigos do general10.
Resta fornecer algumas indicações biográficas sobre o autor no
período que aqui nos preocupa. Durante a Segunda Guerra Mundial,

8
V. abaixo, p. 15ss.
9
A questão do desenvolvimento no pensamento de Golbery foi analizada por Birkner (1996).
10
Por exemplo, Couto e Silva, 1952b e 1960b.

14
introdução

Golbery foi um dos militares que foi enviado aos Estados Unidos para
formação, servindo depois na FEB, mas sem chegar a combater. Depois,
a principal ligação institucional do então tenente-coronel foi com a
Escola Superior de Guerra, criada em 1948, para onde foi transferido
em março de 1952. Depois esteve na 4º Divisão de Infantaria, em Belo
Horizonte (novembro de 1955)11, sendo transferido para o Estado-Maior
do Exército, Seção de Operações, Subseção de Doutrina, em março de
1956. Em setembro de 1960 passou ao Estado-Maior das Forças Armadas,
e, em fevereiro de 1961, tornou-se chefe de gabinete do Conselho de
Segurança Nacional, cargo que ocupou até setembro, quando passou à
reserva, inconformado com o fato de João Goulart ter podido assumir
a presidência. Só retornou ao serviço público após o golpe de 1964,
quando fundou o Sistema Nacional de Informações (SNI). Nos governos
Costa e Silva e Médici, trabalhou no Tribunal de Contas da União e, na
iniciativa privada, como presidente da Dow Chemical do Brasil. Seu
último cargo público foi chefe do Gabinete Civil dos governos Geisel e
Figueiredo, permanecendo neste posto no período 1974-1981, quando
pediu demissão devido ao caso Riocentro.
Se a dissertação será sobre história intelectual, a análise, necessariamente
hermenêutica, deverá ser baseada sobre os textos produzidos na época.
Será utilizada a edição das obras de Golbery publicada em 2003, pela
UniverCidade do Rio de Janeiro, sob o título Geopolítica e Poder. O
livro contém toda a obra escrita do general, incluindo, além de seus dois
livros (Planejamento Estratégico, de 1955, e Geopolítica do Brasil, de
1967), alguns discursos e, principalmente os manifestos (não assinados)
11
Birkner traz a informação de que, no contra-golpe de Lott em novembro de 1955, Golbery
foi mantido preso incomunicável por oito dias (Birkner 1996:118), dado que não encontrei em
qualquer outro lugar e para o qual o autor não dá referências. De qualquer maneira, ele é provável,
pois a ESG era contra a posse de Juscelino Kubitschek (Magalhães 1982:141).
12
Foram eles: o Memorial dos Coronéis, de 1954, primeiro passo da crise que levaria ao suicídio
de Vargas; o discurso pronunciado pelo general Jurandyr de Bizarria Mamede, O Adeus a
Canrobert, origem do golpe “preventivo” do ministro da Guerra Henrique Teixeira Lott em 1955;
e o Manifesto dos Ministros Militares contra a posse de João Goulart em 1961. Como disse Élio
Gaspari, prefaciador dessa edição: “era o estilo de Golbery: os textos que ele assinou, pouco
barulho fizeram, os que não assinou foram estrondosos” (Gaspari 2003:vii).
13
Para facilitar a referência cruzada, os artigos publicados em 1967 são os seguintes: Couto e Silva
1952a; 1952b; 1958; 1959b; 1959f; 1960a; 1960b; 1967. Na edição de 2003 não é explicitado
quando os demais artigos tratados em nosso trabalho foram publicados, mas é possível que
alguns sejam inéditos.
14
É o único que tanto na edição de 1967 quanto na de 2003 aparece sem indicação da data em
que foi escrito.

15
Capítulo 1

O Brasil dos anos 1950: Política Externa e


Projeto Desenvolvimentista

1. Introdução

É lugar-comum na historiografia a percepção de que, a partir da


Revolução de 1930, há uma reorientação básica da política externa
brasileira, que passa a ser vista como fornecedora de insumos ao
desenvolvimento econômico. Essa visão vem normalmente aliada a uma
avaliação negativa da política externa anterior, vista como aristocrática
e ornamental, obcecada com o prestígio, e defensora dos interesses
específicos de um pequeno segmento populacional, os cafeicultores15.
Assim, após 1930 teria passado a prevalecer uma visão mais pragmática
e orientada, pelo menos idealmente, para a defesa dos interesses da
sociedade brasileira como um todo. Esse “paradigma” – para utilizarmos
o termo preferido por Amado Luiz Cervo (2003) – teria se estendido
até pelo menos 1990, ou, segundo alguns autores, ainda estaria em
vigor. Com uma duração mínima, portanto, de 60 anos, o paradigma
desenvolvimentista teria garantido um alto grau de continuidade na
15
Para uma análise geral desse período, ver Bueno (1995, 2003). Para um estudo do maior
exemplo da orientação “ornamental” da política externa brasileira do período, nossa participação
e as circunstâncias de nossa retirada da Liga das Nações, ver Garcia (2000).
16
Há variações na forma de compreender a estruturação do paradigma desenvolvimentista.
Flávia de Campos Mello – que define “paradigma” como “conjunto de ideias orientadoras da
atuação internacional do país” – vê sua estruturação nos anos 70 e vigência até fins dos anos 80,

17
thiago bonfada de carvalho

política externa brasileira do período16.


Isso não quer dizer que, nesse longo tempo, inexistiram mudanças,
apenas que elas teriam se mantido dentro de certos limites. Agora, se a
defesa da existência de um “paradigma desenvolvimentista” é comum
entre os analistas, a definição e caracterização de subperíodos em que ele
pudesse ser dividido é questão mais controversa. Alguns pontos são quase
consensuais: (a) o governo Dutra é de alinhamento com os EUA; (b) a PEI
é antecedente direta do pragmatismo responsável17; (c) o imediato pós-
1964 é um período de realinhamento; e (d) após 1967, a PEI é retomada.
A principal disputa se dá na interpretação do período pré-década de
1960 – nosso interesse mais direto neste trabalho – e se dá entre os que
defendem que o Brasil estava associado aos EUA, para os quais a PEI
seria uma ruptura18, e os que defendem que o Brasil já havia criado uma
política externa pragmática (e nesse sentido “independente”) com Vargas
e Juscelino19, em cujo caso, a PEI não seria uma ruptura, mas apenas
uma formulação de tendências subjacentes da política externa brasileira.
Uma diferença importante entre as duas correntes, como enfatiza Flávia
Mello, é o fato de a segunda corrente “associar diretamente as diretrizes
da política externa às orientações das estratégias de desenvolvimento
econômico-industrial” (Mello 2000:27).
Nota-se, portanto, que âmago do debate está em classificar
determinados períodos dentro dos polos opostos alinhamento ou
independência. Por isso, Gelson Fonseca Jr. (1998) tem uma visão distinta
dentro dessa discussão, pois enumera três modelos e não dois apenas:
“ocidental puro” (Dutra, Castelo Branco); “ocidental qualificado”,
mais próximo ao puro que ao autônomo (segundo governo Vargas, JK)
e “ocidental autônomo” (PEI, pragmatismo responsável). Fonseca não
chega, porém, a esmaecer totalmente a oposição, como a ressalva de
que o modelo “ocidental qualificado” está mais próximo ao “puro” que

mas com origens nas décadas de 50 e 60, na “contraposição e na busca de uma alternativa a um
outro paradigma anterior na história da política externa brasileira: o da ‘aliança especial’ com os
Estados Unidos” (2000:26). Vemos assim que, para alguns autores, a questão do relacionamento
com os EUA aparece na própria definição do “paradigma desenvolvimentista”.
17
A respeito desse tema, ver a recente tese de doutoramento de Luiz Fernando de Freitas Ligiéro
(Ligiéro 2000).
18
Nesse sentido vão autores como Rubens Ricupero (1996) e Maria Regina Soares de Lima
(Lima & Hirst 1994).
19
Nessa linha seguem autores como Paulo Vizentini (1994, 1998) e Amado Luiz Cervo (1994,
1998; Cervo & Bueno 2002).

18
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

ao “autônomo” indica.
Vemos assim que, perpassando as diferentes propostas de periodização
do nacional-desenvolvimentismo em política externa, há a questão da
relação Brasil-Estados Unidos ou, mais especificamente, da posição que
o Brasil dá a si mesmo nessa relação: “alinhado” ou “independente”20.
O debate ideológico em torno do tema ajuda a solidificar posições e, ao
mesmo tempo, a dificultar a análise, ao disseminar rótulos muitas vezes
pouco profundos e que podem ser utilizados de maneira propagandística.
Os melhores exemplos são exatamente os que acabamos de
citar: “alinhamento” e “independência”. Dizemos isso porque, vistos
abstratamente, os dois conceitos não delimitam objeto algum. Se
“alinhamento” é seguir a política de algum outro país, isso não nos diz
nada quanto ao valor intrínseco da política, ou às motivações que levaram
o tomador de decisão a “alinhar-se”. Assim, o conceito em si torna-se
apenas descritivo da política de um país X em relação a um país Y em
um determinado período de tempo21.
Problemas semelhantes afligem o termo “independência”. Primeiro,
porque sua a fronteira que a separa do “alinhamento” é no mínimo
indistinta: se o país X toma medidas que seguem a política de Y, ele o faz
porque está alinhado com Y – que portanto lidera o processo – ou tomaria
as mesmas decisões independentemente das posturas de Y? Em outros
termos, temos o paradoxo: como classificar um país que viesse a adotar
de maneira independente (processo) uma política alinhada (resultado)?
E como um país soberano poderia adotar políticas “não independentes”,
excetuando-se casos extremos como uma ocupação estrangeira?
Por isso, afirmamos que o debate entre “alinhamento” ou
“independência”, e a atribuição de um ou outro rótulo à política
externa de determinado período ou país, é na realidade um debate
sobre a definição do interesse nacional. Um corolário dessa definição

20
Dizemos que a diferença é quanto à posição que o Brasil dá a si mesmo na relação com os EUA
porque nem os defensores do “alinhamento” nem os defensores da “independência” afirmam
que os Estados Unidos não são importantes para o Brasil. Em 1961, o embaixador Henrique
Valle expôs de maneira clara as circunstâncias dessa relação, ao afirmar que: “Conviria sempre
atentarmos isso: a importância do Brasil para os Estados Unidos e a importância dos Estados
Unidos para o Brasil é uma importância permanente. Pode ser mais grave ou mais aguda num ou
noutro setor conforme a conjuntura, mas a importância independe da conjuntura: é permanente”
(Valle 1961:16).
21
Enfatizamos “apenas descritivo” no sentido de que perceber um “alinhamento” não é fator
explicativo.

19
thiago bonfada de carvalho

é que faz pouco sentido defender ou criticar qualquer das posições em


absoluto. Posições favoráveis ou contrárias ao “alinhamento de X a
Y” em termos abstratos dizem pouco; adquirem significado apenas se
lidas como favoráveis ou contrárias à tese de que “o apoio às políticas
de X serve aos interesses nacionais de Y”, o que, enfatizamos, não é a
mesma coisa22. Chamar uma política de “alinhada” pode descrever várias
situações diferentes, como por exemplo: (a) o país X segue a política
do país Y, independente de quaisquer outras considerações; (b) o país X
toma decisões que seguem a política do país Y, por considerar que cada
uma delas, analisada individualmente, está de acordo com seu próprio
interesse nacional; (c) o país X toma decisões que seguem a política do
país Y, inclusive algumas que vão contra seu próprio interesse nacional,
porque o apoio de Y em algumas áreas é considerado mais importante
22
O ponto é importante e merece esclarecimento. Imaginemos inicialmente dois países, X e Y,
com diferencial de poder em favor de Y, e com X alinhando-se (no sentido descritivo), num
momento t, às políticas de Y. Chamemos argumento a o daqueles que, no país X, defendessem
o alinhamento de X com Y per se; e argumento b o daqueles que defendessem que o apoio às
políticas de Y serve aos interesses nacionais de X. Imaginemos então que, num momento t+1, as
políticas seguidas por Y se alterassem. Qual será o impacto sobre X? O argumento a prediz que as
políticas de X se alterarão na mesma direção das políticas de Y; o argumento b, que permanecerão
inalteradas. As previsões diferentes evidenciam que os argumentos não são idênticos. Se os
tomadores de decisão de X seguirem o argumento a, toda mudança na política de X terá origem
externa, i.e., mudança da política de Y. Se aceitarem o argumento b, a política de X mudará
apenas por razões internas, i.e., mudança na concepção de interesse nacional. (Evidentemente,
esse exercício mental é esquemático, e pressupõe que todos os fatores que afetam a formulação
de política externa que não sejam a posição quanto ao “alinhamento” permanecem inalterados.
Consideramos que, se a utilidade explicativa do termo é duvidosa até assim, muito mais o será
quanto recolocarmos o tomador de decisão dentro da rica textura do mundo real).
23
Resumindo a discussão, podemos a priori postular as seguintes inter-relações entre os termos
“alinhamento”, “independência” e “interesse nacional”: (a) alinhamento desde que recomendado
pelo interesse nacional; (b) alinhamento mesmo contrário ao interesse nacional; (c) independência
desde que recomendada pelo interesse nacional; (d) independência mesmo contra o interesse
nacional. Árdua e infrutífera será a busca por um autor ou ator político que diga defender quer a
posição b, quer a posição d, mas isto não significa que, na realidade, o debate se dê apenas entre
defensores de a ou c. Isso porque, dentro da luta política, as paixões normalmente se exaltam,
de maneira que, dependendo do contexto específico e da posição de cada ator político, a defesa
de políticas específicas acabe se misturando com a defesa de algum grau de alinhamento ou
independência per se. Um exemplo hipotético: imaginemos que, num momento t, um grupo de
nacionalistas do país X defendesse que só se devia apoiar as políticas de Y caso Y fornecesse uma
ajuda substancialmente maior à que dava a X. Num momento t+1, Y altera sua política e aumenta
sua ajuda aos níveis anteriormente pedidos pelos nacionalistas de X. Logicamente, se seguiria
que os antigos nacionalistas de X tornar-se-iam os mais vigorosos defensores do alinhamento
a Y a partir de t+1; porém, as paixões de sua luta política no período que medeia entre t e t+1
torna mais do que provável que alguns elementos, pelo menos, criticassem a nova política de Y
como um “embuste”, e mantivessem-se na oposição ao alinhamento.

20
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

que as perdas sofridas por X em outras. Afirmamos, concluindo, que


uso das expressões “alinhamento” e “independência”, abundantes na
historiografia, como conceitos explicativos ou como rótulos sintéticos,
muitas vezes obscurecem as verdadeiras questões em pauta, dificultando
a compreensão do processo histórico23.
A política externa do governo Dutra, por exemplo, é frequentemente
descrita como de “alinhamento automático” com os Estados Unidos.
A partir da discussão acima, cremos que a afirmação só tem sentido se
for lida como “Dutra acreditava que o apoio aos EUA servia, naquele
momento, aos interesses nacionais brasileiros”. De fato, é difícil imaginar
como poderia ser diferente, ao lembrarmos que, nos anos 1946-1950, a
Europa ocidental e o Japão estavam arrasados, a URSS apenas iniciando
sua reconstrução, e grande parte da Ásia e da África ainda sob domínio
colonial. Assim, o “alinhamento com os EUA”, que respondiam à época
por mais da metade do PIB mundial, pode ser compreendido muito mais
como uma resposta quase forçada pela conjuntura do momento, do que
decisão tomada a partir do confronto de alternativas.

2. Os Governos Dutra e Vargas

Mesmo assim, durante o governo Dutra o Brasil depositou esperanças,


em suas relações com os EUA, que se revelariam frustradas. Ao invés
de uma “nova fase” nas relações EUA-América Latina, assistiu-se à
completa marginalização da área do ponto de vista norte-americano, cuja
atenção foi desviada para a Europa ocidental e a Ásia oriental. Assim, os
resultados da Missão Abbink (1948) e da Comissão Mista Brasil-EUA
(1950), se deixaram importante contribuição para o planejamento futuro
das diretrizes governamentais, como no Plano de Metas de JK, ficaram
muito aquém das expectativas brasileiras24. O apoio brasileiro durante
a II Guerra Mundial, continuado durante o governo Dutra, não estavam
24
Sobre a influência das missões americanas sobre o Plano de Metas, ver Cervo & Bueno (2002).
25
Entre as medidas “alinhadas” de Dutra, figuram principalmente a adesão ao Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca-TIAR, já previsto desde a Conferência de Chapultepec
de 1945, a cassação do PCB e a ruptura com a URSS (1947), e o voto contra a admissão da
China Popular na ONU (1949). O Brasil porém só reconheceria oficialmente Taiwan, com
abertura de embaixada, em 1952 [Fujita 2003]. A adesão à OEA (1948) não é comumente listada
como medida “alinhada”, mas pode ser vista como inserida no mesmo programa de cooperação
hemisférica do TIAR.

21
thiago bonfada de carvalho

tendo, aos olhos do Brasil, a retribuição que mereceria25.


Dada essa percepção por parte do Brasil, seria natural uma
reavaliação das expectativas. Isso de fato ocorre claramente no segundo
governo Vargas (1951-1954), que se distancia um pouco dos desejos
americanos ao fazer concessões internas à esquerda nacionalista26. Por
outro lado, Vargas mantém o alinhamento na área de segurança27. Assim,
poderia ser que, do ponto de vista dos EUA, os problemas causados pelas
medidas nacionalistas teriam pouco peso em comparação ao continuado
alinhamento brasileiro na área mais sensível, a da defesa hemisférica,
especialmente se lembrarmos que a Guerra Fria havia “esquentado” na
Coreia. De qualquer maneira, é perceptível um esfriamento das relações
bilaterais, especialmente notável com o fim da Comissão Mista Brasil-
EUA, decidida pelos americanos no governo do governo Eisenhower.
O breve interregno Café Filho teve pouco tempo para conceber e
executar uma política externa própria, o que não impede que alguns
o vejam como de retorno ao alinhamento automático com os EUA,
principalmente em função de suas medidas internas economicamente
ortodoxas, como o combate à inflação e a Instrução 113 da SUMOC28.

3. O Governo Kubitschek

Após Café Filho, o Brasil passa por um governo de múltiplas


iniciativas, tanto internas quanto externas. A política externa de Juscelino
Kubitschek é de difícil categorização, pois ao mesmo tempo promove
abertura ao capital internacional e é capaz de tomar medidas como
romper com o FMI. Ênfases diferentes podem, assim, ser encontradas
entre os analistas de seu governo: para autores como Vizentini (1994)

26
Como exemplos da orientação “nacionalista” de Vargas estão a criação da Petrobras (1953),
a lei de regulamentação das remessas de lucros (03 de janeiro de 1952), e a recusa ao envio de
tropas brasileiras à Coreia.
27
Como exemplos da orientação “americanista” de Vargas estão o acordo de assistência militar
recíproca (1952), que é colocado em termos de “defesa do Ocidente”, e a manutenção da
exportação de minerais atômicos sem “compensações específicas”, i.e., sem transferência de
tecnologia atômica.
28
É o caso de Paulo Vizentini, para quem não apenas Café Filho retorna ao alinhamento
automático, mas o faz de maneira consciente e premeditada. Vizentini afirma que Café Filho
significou “a afirmação da diplomacia da ESG e sua concepção de segurança e desenvolvimento”
(1994:27), o que parece dar peso demais à influência que ESG possuía no período 1954-1955,
quando mal havia completado cinco anos de existência, e, especificamente dá peso demais à
influência da ESG sobre o governo Café Filho.

22
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

e Cervo & Bueno (2002), Kubitschek retoma a barganha varguista de


1951-1954, interrompida pelo interregno Café Filho, enquanto que
outros, como Cardoso (1972) preferem enfatizar sua vinculação ao capital
internacional. Para nós, o aspecto mais interessante está na aparente
incongruência de sua política interna (“desenvolvimentista” apoiada na
aliança PSD-PTB) e externa (“alinhada”), que se inverte no governo que
se seguiu (de Jânio Quadros), de política interna “ortodoxa” e externa
“(quase-) neutralista”.
O contexto internacional enfrentado por Kubitschek foi muito
diferente do vivido por Vargas em 1951-1954. A Europa e o Japão
reconstruídos poderiam agora ser fontes de capital, o que antes seria
inviável; o processo de descolonização está em curso, com 25 países
tornando-se independentes em 1956-196029, e mais 15 em 1961-196330;
e a URSS inicia um degelo a partir do discurso de Kruschev no XX
Congresso do PCUS (fevereiro de 1956), sobre os crimes de Stalin. A
proposta neutralista do Movimento dos Não Alinhados surgira com a
Conferência de Bandung (abril de 1955), mas no ano seguinte, em que
Kubitschek assume, ocorrem dois fatos da maior importância e que
mostram a rigidez do sistema bipolar: a crise de Suez, em que os EUA
demonstram sua liderança do bloco ocidental ao forçar seus “aliados31”,
França, Inglaterra e Israel, a recuarem (outubro de 1956 a março de
1957), e o levante húngaro e sua repressão pela URSS, sem que a OTAN
tentasse apoiar o governo de Imre Nagy (outubro-novembro de 1956).
Ao longo de seu governo, Kubitschek veria ainda frutificar a proposta
de criação da ALALC (1960) e a vitória da Revolução Cubana (1959).
Juscelino chega ao poder com uma visão clara da tarefa de seu
governo, expressa no Plano de Metas formulado durante a campanha
eleitoral, e reiterada incessantemente durante seu governo. Miriam
Limoeiro Cardoso (1972) fez um amplo estudo da ideologia juscelinista,
baseando-se em livros, artigos e discursos de JK, desde a campanha
29
São eles: Sudão, Tunísia, Marrocos, Gana, Malásia, Guiné, Iraque, Nigéria, Somália, Chipre,
Benin, Burkina Faso, Camarões, Chade, Congo-Brazzaville, Congo-Kinshasa, Côte d’Ivoire,
Gabão, Mali, Senegal, Mauritânia, Niger, Togo, Madagascar, e República Centro-Africana.
30
Tanzânia, Serra Leoa, Kuwait, Zâmbia, Malawi, Gâmbia, Uganda, Jamaica, Argélia, Ruanda,
Burundi, Samoa Ocidental, Quênia, Cingapura e Trinidad e Tobago.
31
Kenneth Waltz enfatiza o quanto este termo – “aliado” – mudou de sentido com a Guerra Fria.
Nela, deixou de existir dependência mútua entre os membros da aliança: um só Estado fornecia
a segurança para todos, com o que a situação real era de um sistema de tratados de garantia e
não alianças militares reais (Waltz 2000).

23
thiago bonfada de carvalho

eleitoral até a década de 1960. A partir desses dados, a autora demonstra


a presença de algumas concepções que teriam grande impacto na
formulação da política externa, e que aqui nos interessam particularmente.
Apesar de se apresentar e ser visto como sucessor do varguismo, e
apoiado na mesma coalizão política que dera sustentação ao segundo
governo Getúlio Vargas (PSD-PTB), Juscelino tem uma visão de
soberania que exclui a desconfiança em relação ao capital estrangeiro,
pois a vê como “equivalente da autodeterminação, identificada como
igualdade com os grandes Estados” (Cardoso 1972:98), fazendo-se a
equação: plena soberania = prosperidade + democracia. Para o Brasil,
aos olhos de Juscelino, o problema não é resguardar uma soberania
ameaçada, mas conseguir afirmá-la. Assim, o capital internacional,
longe de ameaçar nossa soberania, nos auxilia a alcançá-la32; ele é
necessário para o arranque inicial em direção ao processo autosustentado
de desenvolvimento. O Brasil tem um trunfo: apesar de pobre, já
é democrático. A democracia, porém, está duplamente ameaçada,
internamente pela miséria (de maneira que lutar pelo desenvolvimento
é lutar pela democracia) e externamente pelo perigo comunista.
Assim, o discurso do Governo JK identifica vários conceitos de grande
importância que ligam o cenário internacional ao interno: “causa da
democracia = defesa do mundo democrático = segurança continental =
guerra ao comunismo = combate à miséria = luta pelo desenvolvimento”
(Cardoso 1972:151). O que for contra esse desenvolvimento é contra
tanto a democracia quanto a soberania nacional, e aí podem ser incluídas

32
Juscelino afirmava que “os capitais que vierem ajudar-nos nessa conquista [do desenvolvimento]
devem ser considerados amigos. Não há capital colonizador a não ser nas colônias. Num país
como o Brasil, o que é colonizador é a ausência de investimentos, ausência de emprego e capitais.
Não somos mais nação colonizável. Acreditar na possibilidade de sermos escravizados por
influências do dinheiro estrangeiro é o mesmo que concluir pela nossa fragilidade, pela nossa
anemia completa e irremediável, é ofensa à nossa personalidade nacional e ao nosso caráter de
povo formado” (1957:33).
33
O Presidente Kubitschek diria que “uma das mais importantes atribuições do Conselho de
Segurança Nacional diz respeito à defesa do País contra a ameaça de ideologias extremistas. O
problema do comunismo, sua expansão e articulação como movimento político internacional,
continua a ser preocupação constante do Governo” (1956:103).
34
Juscelino reclamaria disso em seu livro A Marcha do Amanhecer (1962): “O auxílio de fora
foi escasso – excetuada a colaboração de algumas empresas privadas. Enfrentamos ainda a
indiferença norte-americana. A nação pioneira, que tanto admiramos, nem sempre, através de seus
agentes oficiais, aceitou com simpatia que avançássemos o sinal que detém os pobres no estado
de pobreza. O esforço despendido – salvo com reduzidas ajudas – foi todo ele de brasileiros, de
nós próprios” (1962:32).

24
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

também agitações sociais ou ações subversivas. Vemos assim uma defesa


interligada de posições de defesa do desenvolvimento e da democracia,
mas também da ordem33.
É a partir dessa matriz ideológica que devemos compreender a
maneira como o governo JK viu as relações bilaterais Brasil-Estados
Unidos. É verdade que o governo brasileiro não conseguiu atrair
os capitais norte-americanos que desejava 34, e ensaiou mudanças
com o reatamento comercial com a URSS35, mas jamais questionou o
pertencimento brasileiro no campo ocidental e o apoio do país aos EUA36.
Muito pelo contrário, Juscelino disse claramente que:

[Temos] consciência de estarmos identificados numa mesma causa, que


é a de defender a paz no mundo e a integridade dos povos que desejam
continuar livres, e que pertencemos, juntamente com os norte-americanos,
a um mesmo sistema (1957:30-31).

Uma tal postura decorria da visão de Juscelino a respeito dos


interesses brasileiros, para quem uma visão benevolente dos EUA
seria indispensável para a consecução dos objetivos nacionais de
desenvolvimento dentro da ordem. A mais importante manifestação
da esperança brasileira em relação aos EUA, durante seu governo,
foi a Operação Pan-Americana (OPA), que trouxe mudanças
importantes na diplomacia brasileira. Apesar de ter conseguido,
como resultado concreto, apenas o BID, a ideia frutificaria
posteriormente, influenciando a ALALC e a futura Aliança para o
Progresso estadunidense. Mais importante que os resultados práticos
imediatos foi a mudança que sinalizou na orientação da PEB, como
enfatizou o embaixador Henrique Valle:

Ao lançar e patrocinar a Operação Pan-Americana, abandona o


Brasil sua tradicional posição no Continente, segundo a qual suas

35
Ver abaixo p. 26.
36
Esse apoio aparece inequivocamente no Acordo de Fernando de Noronha de 19 de janeiro
de 1957, mediante o qual permitimos aos EUA construir instalações para acompanhamento de
mísseis naquele arquipélago, e que ancorou ainda mais firmemente a segurança brasileira com a
aliança americana. Merece ser citado, ainda, o Acordo sobre Energia Atômica firmado no mesmo
ano de 1957, quando da visita de Eisenhower ao Brasil.

25
thiago bonfada de carvalho

relações bilaterais com os Estados Unidos primavam sobre quaisquer


outras, e se coloca na primeira fila do pan-americanismo. Mais do
que isso, passa a desempenhar papel avesso ao que até então se
acostumara, e, de intérprete dos Estados Unidos junto à América
Latina, se transforma em advogado dos latino-americanos frente à
potência do norte (Valle 1961:11).
A OPA era uma proposta de cooperação internacional, em âmbito
hemisférico, visando o desenvolvimento da América Latina37. A ideia
e o objetivo eram defendidos com base em vários argumentos como, por
exemplo: (a) dever moral – “cristão” - do Ocidente de auxiliar os povos
subdesenvolvidos; (b) “efeito demonstração” que o sucesso da América
Latina em desenvolver-se teria sobre as regiões recém-independentes da
África e da Ásia; e (c) vinculação entre os conceitos de “segurança” e
“desenvolvimento”.. Nesse caso, a relação que se fazia era a seguinte: o
desenvolvimento da América Latina (e portanto do Brasil) era necessário
para a segurança do Ocidente38. Por isso, os países capitalistas ricos,
e em especial os EUA, estariam seguindo seus próprios interesses ao
colaborar com nosso desenvolvimento.
O uso da segurança como argumento para a ajuda ao desenvolvimento
latino-americano e brasileiro é importante, e ele foi enfatizado numerosas
vezes pelo Presidente Juscelino Kubitschek39:

[A OPA tem como] fim colocar a América Latina, mediante um processo


de valorização total, em condições de participar mais eficazmente da
37
A OPA se diferencia da futura Aliança para o Progresso em pontos fundamentais: esta priorizava
capitais privados e relações bilaterais, enquanto aquela teria priorizado capitais públicos e relações
multilaterais (Vizentini 1994).
38
Destacamos, a respeito, alguns excertos de discursos do Presidente Juscelino Kubitschek: (1)
“Consentir que se alastre o empobrecimento neste Hemisfério é enfraquecer a causa ocidental.
Não recuperar, para um nível de vida compatível com os foros da dignidade humana, criaturas
que englobamos na denominação de povos irmãos, é semear males em terreno propício para as
mais perigosas germinações” (1958:247). (2) “A causa ocidental sofrerá inelutavelmente se lhe
faltar apoio no próprio Hemisfério em que o avanço do sistema materialista encontra resistências
morais mais decididas” (1958:248); (3) “É preciso que nos compenetremos da idéia de que a luta
contra o subdesenvolvimento na América Latina importa em promover a segurança do continente
e, nessas condições, deve inserir-se no programa estratégico da defesa ocidental” (1958:284);
(4) “Hoje, a América Latina está em situação mais precária do que a dos países reconstruídos da
Europa e constitui o elo mais fraco da coligação ocidental. É para esse fato que não cessaremos
de chamar a atenção dos nossos amigos dos Estados Unidos da América, com franqueza, com
lealdade e até com palavras duras e realistas” (1958:424-425).
39
As citações foram retiradas de aide-mémoires sobre a OPA, de 1958, apud Cardoso 1972:148;
133-134; 136.

26
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

defesa do Ocidente”. [...] “o desenvolvimento mais rápido do poder


econômico da América Latina se traduzirá num sentido crescente de
vitalidade e possibilitará o aumento de sua contribuição para a defesa
do Ocidente.

O subdesenvolvimento reinante neste Hemisfério compromete moral e


materialmente a causa que defendemos. Zonas subdesenvolvidas são zonas abertas
à penetração da ideologia antidemocrática. A batalha do Ocidente é, sob muitos
aspectos e todas as suas implicações, a luta pelo desenvolvimento.

[A OPA é uma] revisão da política interamericana com vistas ao fortalecimento


da unidade continental, diante do crescente inimigo comum.

Vemos assim que Kubitschek tinha uma visão ampla do conceito


segurança, incluindo nele o problema do desenvolvimento interno,
além da questão específica da defesa externa. A aceitação brasileira da
segurança coletiva no segundo aspecto, expressa na adesão ao TIAR
em 1947, encontrava agora, em 1958, a sua contraparte na demanda
brasileira de atenção do aliado ao “aspecto esquecido” da segurança, o
desenvolvimento40.
A tentativa de concertação hemisférica da OPA não excluía a uma
atuação especificamente latino-americana para a diplomacia brasileira,
que via a região com um misto de temor e de oportunidade. Como exemplo
do primeiro fator, temos a percepção de que os países vizinhos do norte
da América do Sul estavam desenvolvendo a sua porção da Floresta
Amazônica, com o que abria-se o risco de que a Amazônia brasileira,
relativamente abandonada, gravitasse para nossos vizinhos (Pinto 1959).
Por outro lado, a ideia de maior integração econômica latino-americana
40
A mudança do conceito de defesa para o de segurança, ocorrida no pós-II Guerra Mundial,
será tratada mais abaixo, pp. 71-72.
41
A ALALC, criada pelo Tratado de Montevidéu, teve como membros originários Brasil,
Argentina, Chile, México, Paraguai, Peru e Bolívia. Seus objetivos eram estabilidade e ampliação
do comércio, desenvolvimento de novas atividades, aumento da produção e substituição de
importações. Não teve o propósito de ser união aduaneira. Após duas décadas de funcionamento
e pífios resultados, foi substituída pela ALADI, de estrutura mais flexível.
42
Um exemplo claro desse grupo é o embaixador Luiz Bastian Pinto, que expõe suas ideias em
artigo de 1959. Ele defendia que a tendência ao regionalismo era estrutural no sistema pós-II
Guerra: “antes mesmo do fim da última guerra ficou claro que os Estados menores, em superfície
e população, tendiam a desaparecer como grandes potências e que em seu lugar surgiam,
incontrastáveis, as grandes massas dos Estados-continentes” (1959:61). A partir daí, concluía

27
thiago bonfada de carvalho

ganhava espaço, processo que culminaria na ALALC41. O fato essencial,


para o Brasil, era o fim do diferencial econômico favorável à Argentina:
com esse fato, desaparecia uma fonte de preocupação, e os benefícios
de uma aproximação tornavam-se mais evidentes. Assim, muitas vozes
levantaram-se defendendo uma política regionalista para o Brasil, com
ênfase nas relações com a Argentina42.
Outro debate importante que JK teve de enfrentar foi o relativo às
relações com o mundo socialista e, especificamente com a União Soviética,
com quem sequer tínhamos relações diplomáticas. Vozes influentes se
levantaram a favor e contra o reatamento com a URSS. Os contrários
defendiam os argumentos da inutilidade da existência de relações, da
facilitação da penetração comunista, da má repercussão do reatamento
nos EUA, e mesmo o argumento moral de que, sendo a URSS má, não
deveríamos ter relações com ela. Já os favoráveis lembravam que o
Brasil era um dos poucos grandes países sem relações com a URSS, e
afirmavam que o reatamento era fundamental para que o país tivesse
maior influência internacional. Aos argumentos contrários, respondiam
que reconhecimento não significa aprovação ideológica; que o crescimento
do comunismo dependia de condições outras que a diplomacia soviética;
e assinalavam a inconsistência do Brasil, que não reconhecia a URSS por
motivos ideológicos ao mesmo tempo em que reconhecia outros países
que o Brasil deveria liderar a integração regional em nossa área, pois “tudo indica que os esforços
para a unificação prosseguirão com ou sem nosso apoio, e qualquer atitude negativa, ou simples
restrição de nossa parte, virá debilitar, sensivelmente, nossa posição política, equivalendo, pois,
a renunciar ao nosso destino histórico no Continente” (1959:64). Assim, afirmava, “chegou . . . o
momento de procurarmos o caminho de uma cooperação da qual lucraremos ambos e também o
resto do Continente. Esta afirmativa . . . representa a chave da política brasileira no Continente”
(1959:58). É “através dessa política . . . que poderemos exercer no mundo, diante de amigos e
adversários, o papel de realce que nos está reservado” (1959:64).
43
No pós-II Guerra Mundial, o Brasil já assinara acordos com a Tchecoslováquia (17.mai.1950),
Polônia (24.out.1952), e Hungria (19.abr.1954). Assinaria, durante o governo Kubitschek, acordos
com a Romênia (01.jul.1958), Rússia (09.dez.1959) e outro com a Polônia (19.mar.1960).
[Dados de Onody (1960).]
44
Oswaldo Aranha lembraria textualmente que, mesmo que assim não fosse, “nossas tradicionais
e excelentes relações com aquele país [EUA], se nos levam em muitos pontos a seguir a mesma
política, nunca foram ao ponto de anular o nosso direito de iniciativa e a nossa capacidade de
discernimento, na orientação da nossa conduta entre as nações” (Aranha 1958:25). Ou seja: mesmo
que o reatamento tivesse repercussão negativa nos EUA, era de nosso interesse realizá-lo. Para
uma análise da questão do ponto de vista favorável ao reatamento, ver todo o artigo de Aranha
(1958). Para uma visão dos argumentos contrários, ver Gudin (1958-1964).
45
Essa política inicia-se na prática com o envio da missão comercial brasileira à URSS em 1958,
e na assinatura do Acordo de Compensação de 09.dez.1959. O Brasil troca café, essencialmente,
por trigo, petróleo bruto e óleo diesel soviéticos, via comércio compensado.

28
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

comunistas43. Sobre o argumento específico da repercussão sobre os EUA,


lembravam que, como quase todos os países tinham relações com a URSS,
os EUA não iriam ver o reatamento brasileiro com maus olhos44. Dentro
desse quadro, Kubitschek decide seguir uma linha intermediária entre a
manutenção do status quo e o reatamento diplomático: o estabelecimento
de relações apenas comerciais45.
Frente à descolonização, o Brasil manteve a distância entre a retórica
de apoio à autodeterminação dos povos do Itamaraty e o voto em apoio
às nações colonialistas na ONU46. O país passou ao largo da onda de
independências de 1958-1960, vendo-as inclusive com temor pelo
surgimento de um novo competidor, que ainda teria acesso privilegiado
ao Mercado Comum Europeu estabelecido pelo Tratado de Roma de
1957 (Saraiva 1994; 1996; 2001)47.

4. Os Governos Jânio Quadros, João Goulart, e a PEI

Apenas a partir de 1961, ocorre transformação notável nessa


conduta, com a “Política Externa Independente”, influenciada pelas
formulações do nacionalismo isebiano48. Como já mencionamos, os
autores divergem na sua avaliação da real transformação representada

46
O Brasil, por exemplo, se absteve na votação da ONU a favor da independência da Argélia
(Ligiéro 2000:25).
47
Porém, alguns setores da intelectualidade, tanto diplomática quanto extra-diplomática, começa
a defender uma política africana para o Brasil (José Honório Rodrigues, Álvaro Lins, Adolpho
Justo Bezerra de Menezes, etc.).
48
Vizentini (1994:34) afirma que o ISEB contribuiu para uma concepção “implícita” de “Brasil-
Potência”, que estaria presente na PEI.
49
A preocupação em enfatizar sua “novidade” é constante nos pronunciamentos da PEI. Em seu
principal artigo sobre política externa, Presidente Quadros marcaria a mudança dizendo que
“abandonamos a diplomacia subsidiária e inócua de uma Nação jungida a interesses dignos, mas
estrangeiros, e, para proteger nossos direitos, colocamo-nos na primeira linha, convencidos que
estávamos de nossa capacidade para contribuir com nossos próprios meios para a compreensão
entre os povos” (1961:19). E repetiria: “É preciso frisar que a idéia por trás da política externa do
Brasil, e sua implementação, tornaram-se agora o instrumento de uma política de desenvolvimento
nacional”. (1961:27, grifo meu). Quadros ainda qualificaria a política anterior de “irreal” e
“acadêmica”.
50
A PEI permaneceu como política de Estado através de mudanças de presidente (Jânio até
set.1961 e Jango até abr.1964), de regime (presidencialismo até set.1961, parlamentarismo em
set.1961, e presidencialismo após jan.1963), e numerosas alterações de ministros das Relações
Exteriores: Afonso Arinos de Melo Franco (jan.-set.1961), San Tiago Dantas (set.1961-jul.1962),
Afonso Arinos (jul.-set.1962), Hermes Lima (set.1962-jun.1963), Evandro Lins e Silva (jun.-
ago.1963) e João Augusto de Araújo Castro (ago.1963-abr.1964).

29
thiago bonfada de carvalho

pela PEI, mas é indubitável que ela permanece, até hoje, como um dos
grandes marcos da política externa brasileira. Para os contemporâneos,
ela representou uma grande ruptura, em especial no discurso diplomático
brasileiro49.
É difícil definir a PEI de uma maneira consistente e que ao
mesmo tempo englobe todo o período que existiu, bem como as
diferentes lideranças que teve 50. Em sua análise, José Humberto de
Brito Cruz (1989), após enfatizar as diferenças entre os vários momentos
da PEI, lista como elemento unificador a presença dos seguintes objetivos:
(a) expansão e diversificação das exportações brasileiras; (b) aumento do
poder de barganha com os EUA; e (c) contribuição à manutenção da paz
mundial51. A bipolaridade rígida é pressuposta, pois só aí é possível a ideia
de que os Estados menores podem ser mediadores entre as superpotências,
e a obtenção de trunfos com a potência hegemônica. Essa pressuposição
se coaduna bem com o cenário internacional do período, pois em 1961-
1963 a Guerra Fria agudizou-se na América Latina, com a invasão da Baía
dos Porcos (abr.1961) e o bloqueio norte-americano a Cuba (out.1962),
estopim da crise dos mísseis que quase levou à Terceira Guerra Mundial,
e na Europa, com a construção do Muro de Berlim (jun.1961). Frente
a essa situação internacional e à necessidade de impedir a exportação
da Revolução Cubana, os EUA alteraram sua política após 1959. Já
em setembro de 1960 é desenvolvido o Plano Eisenhower, que previa
uma ajuda de US$ 500 milhões à América Latina, e que seria depois
transformado na Aliança para o Progresso de Kennedy (Ligiéro 2000:26).
A PEI tornou-se política pública, paradoxalmente, sobre
o primeiro presidente eleito pela conservadora UDN, Jânio
Quadros, que aplicou domesticamente um plano de ajuste

51
Há variantes dessa visão. Se Cruz (1989) vê pouca coerência interna dentro da PEI, Paulo
Vizentini, a considera “um projeto coerente, articulado e sistemático visando transformar a
atuação internacional do Brasil” (1994:30). Para caracterizá-la, Vizentini lista os elementos:
(a) ampliação do mercado externo; (b) formulação autônoma dos planos de desenvolvimento
econômico; (c) paz mundial via coexistência pacífica e desarmamento geral; (d) não intervenção,
autodeterminação e primado do Direito Internacional; (e) emancipação completa dos territórios
não autônomos (1994:28-29).
52
Era essa a opinião, ao menos inicial, dos Estados Unidos (telegrama 7237, Embaixada dos EUA
no Rio de Janeiro ao Departamento de Estado, de 10.mar.1961, apud Ligiéro 2000:93, n. 86).
Alguns autores, como Vera Álvares, consideram por esse motivo que a PEI teve internamente
efeitos “francamente desastrosos” (1989:86), pois não conseguiu satisfazer ninguém, nem a
esquerda nem, muito menos, a direita.

30
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

econômico e combate à inflação de feitio ortodoxo (Skidmore


1967). A distância ideológica entre as duas políticas fez surgir
a visão que considera a PEI uma manobra política de Quadros,
visando angariar apoio de segmentos mais à esquerda para seu
governo, que seria, em si, conservador52. Já outros, como Miriam
Limoeiro Cardoso (1972) defenderam que, ao contrário, é em seus
pronunciamentos e suas diretivas de política externa que Quadros estaria
expondo mais profundamente a sua ideologia53.
Cardoso (1972) sintetiza a diferença de visão entre Juscelino e Jânio
da seguinte forma: dentre as quatro possibilidades lógicas de relação entre
prosperidade e libertação – libertação sem prosperidade, prosperidade
sem libertação, prosperidade como condição para a libertação e libertação
como condição para a prosperidade –, Juscelino ficaria com a terceira e
Jânio, com a quarta. Como o desenvolvimento exige autodeterminação,
o Brasil deve apoiar a luta contra a opressão e o colonialismo54, daí a
mudança de postura nas relações com a África e a Ásia subdesenvolvidas.
Quadros não chega negar a vinculação ocidental do Brasil, mas não retira
diretiva prática alguma dela55, com o que ela poderia permanecer apenas,
e se tanto, como elemento discursivo. Daí vários autores caracterizarem
a PEI com expressões como “neutralismo que rejeita ser rotulado como

53
Essa autora afirma que “se ponto havia que não pudesse suportar revisão na ideologia política
janista era a sua política externa, pois ela definia não só uma política, mas a condição de
sobrevivência da Nação” (1972:300); em momento posterior ela diria que “já de muito venho
insistindo, a partir da análise qualitativa, que este [Quadros 1961] é o texto mais relevante e
significativo da ideologia janista, e que ele é o que melhor define a sua feição política própria”
(1972:363). Essa posição também transparece nas interpretações que apontam que Afonso Arinos
moderou as tendências neutralistas do Presidente, em especial no episódio da invasão de Cuba
em abril de 1961 (Moniz Bandeira 1973:409).
54
Presidente Quadros: “O grau de intimidade das relações do Brasil com os países vizinhos do
Continente e com as nações afro-asiáticas, embora baseado em motivos diferentes, tende para
o mesmo fim. [...] O fato comum a todos eles é o de que a nossa situação econômica coincide
com o dever de formar uma frente unida na batalha contra o subdesenvolvimento e todas as
formas de opressão”. Depois retoma o ponto e o relaciona ao anti-colonialismo: “Sobressaem
certos pontos que podem ser considerados básicos para a política externa do meu Governo.
Um deles é o reconhecimento da legitimidade da luta pela liberdade econômica e política. O
desenvolvimento é um objetivo comum ao Brasil e às nações com as quais nós nos empenhamos
em ter relações mais estreitas, e a rejeição do colonialismo é o corolário inevitável e imperativo
deste objetivo” (1961:21-22).
55
Presidente Quadros: “A posição ideológica do Brasil é ocidental e não variará. O reconhecimento
dessa verdade, porém, não exaure o conteúdo de nossa política exterior. (1961b:91-92). Nas
palavras de Flávia de Campos Mello, com a PEI “o distanciamento [brasileiro dos EUA] tornou-
se uma atitude sistemática” (2000:29).

31
thiago bonfada de carvalho

tal” (Cruz 1989:68) ou “neutralismo temperado” (Vizentini 1995:196).


Se o elemento essencial da inserção internacional do Brasil não
é mais o Ocidente, o que o substituirá? Para Jânio, é a situação de
subdesenvolvimento do País: o fator que dá unidade aos relacionamentos
internacionais do Brasil é a presença ou ausência de um processo comum
de desenvolvimento, e isso é tão importante que nem mesmo diferenças
ideológicas sérias apagariam a identidade criada pela condição de
subdesenvolvido. Subjacente a essa ideia está a avaliação de que o Brasil
tem condições melhores dentro do conjunto subdesenvolvido para liderar
o processo comum de desenvolvimento. Através de nossa influência
poderíamos conseguir benefícios maiores na fase inicial da formação
do bloco, desenvolvendo-nos mais rapidamente, o que nos permitiria
depois ajudar aos demais, impedindo que desistissem da luta comum
dos subdesenvolvidos alinhando-se com algum dos blocos56.
Na prática, as novas diretivas se manifestaram em ações como, por
exemplo: (1) a criação da Divisão de África e do Serviço de Propaganda
à Exportação dentro do MRE; (2) a criação das primeiras embaixadas
na África Negra, em Senegal, Nigéria e Gana; (3) a missão João Dantas
à Europa Oriental; (4) a missão de João Goulart à China comunista,
com a qual o Brasil não tinha sequer relações comerciais; (5) a visita
de Jânio a Cuba em março de 1960. Os resultados também começam a
aparecer: o comércio Brasil-Europa oriental dobra em 1958-1961 (Cervo
& Bueno 2002). A política latino-americanista brasileira é adensada,
com várias visitas feitas a e recebidas de países da região57. Há alguns
revezes, como a recusa de Frondizi em aceitar uma aproximação mais
profunda com o Brasil58, mas por outro lado ela permite alguns dos gestos
mais controversos de Quadros, como a condecoração a “Che” Guevara,
ocorrida pouco antes da renúncia.
Por outro lado, em numerosas ocasiões o discurso da PEI não foi
traduzido em iniciativas reais. Apesar do discurso terceiro-mundista,

56
Cardoso (1972:437-438ss) tece considerações a respeito desse elemento do pensamento de Jânio.
57
Ligiéro (2000:113-115) lista as seguintes visitas: em mar.1960, Jânio vai a Cuba, e retorna
defendendo a autodeterminação de Cuba, o reatamento com a URSS, o reconhecimento da China
Popular e a legalização do PCB (2000:114). Em jul.1961, chanceler do Chile visita o Brasil, e,
em ago.1961, uma missão comercial é enviada a Cuba.
58
Segundo Moniz Bandeira (1995:125), Frondizi não aceitou a proposta de Quadros de formar
um bloco neutralista na América Latina, sugerida durante o Encontro de Uruguaiana em abr.1961

32
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

a ideia de “frente única dos subdesenvolvidos” não é colocada em


prática: o Brasil continua apenas como observador no Movimento dos
Não Alinhados. Várias justificativas foram dadas para isso, em especial
a de que a profissão de fé ocidental do Brasil e nossa participação no
TIAR e Acordo Militar inviabilizavam que fôssemos considerados não
alinhados. Ora, como lembra Cruz (1989), se isso fosse verdade, o
Movimento dos Não Alinhados não teria convidado o Brasil. Tanto era
possível a ideia que Jaguaribe pensara num neutralismo pró-ocidental,
análogo ao neutralismo pró-oriental da Iugoslávia59. O motivo real da
não participação brasileira era a descoberta de que, contrariamente às
expectativas presentes no discurso janista, o Brasil não poderia liderar
esse movimento, com o que as reivindicações brasileiras ficariam perdidas
em meio às demais. Carlos Estevam Martins (1972:16) adiciona a ideia
de que esse neutralismo da PEI era um elemento de chantagem, portanto
tático: a ameaça de neutralismo brasileiro seria mais ameaçadora para
os EUA do que o fato consumado.
É evidente que, mesmo na formulação dada por Quadros, a PEI
levantaria grande oposição dos setores que interpretavam nosso interesse
nacional de maneira favorável à aliança americana. A chegada ao poder
de João Goulart após a renúncia de Quadros, em setembro de 1961, altera
profundamente o quadro interno e posição da PEI dentro da política
interna. O processo decisório muda, com muito mais influência da Câmara
dos Deputados e do MRE (que assim sofre mais desgaste), enquanto
a influência do Presidente na formulação e direção da PEB cai. A PEI
transforma-se de asset em liability; com Jânio, com sua política interna
conservadora, uma política externa “nacionalista” poderia cooptar setores
de esquerda, e não geraria temores infundados na direita; já Goulart era a
priori extremamente “suspeito”. Assim, os EUA distanciam-se bem mais
do Brasil do que no período JQ, com a suspensão de seus financiamentos

59
Ver abaixo, p. 61.
60
Daí sua afirmação de que “a política exterior brasileira não sofreu, ao passar a ser chamada
de independente, nenhuma solução de continuidade, pois jamais a Chancelaria brasileira se
inspirou em outro objetivo que não fosse a defesa da soberania e da independência do Brasil.
O qualificativo apenas indica o alargamento voluntário de uma área de iniciativa própria” (San
Tiago Dantas 1962:14).
61
Presidente Quadros: “Não sendo membro de bloco algum, nem mesmo do bloco neutralista,
preservamos nossa liberdade absoluta de tomar nossas próprias decisões em casos específicos e à
luz de sugestões pacíficas em consonância com nossa natureza e história” (1961:26-27, grifo meu).

33
thiago bonfada de carvalho

ao país (dezembro de 1962) após os casos das encampações da IT&T


e da AMFORP. Por outro lado, a polarização ideológica em torno de
numerosas outras questões diminui a importância específica da PEI
dentro do conjunto de críticas ao governo.
Como vimos, Jânio Quadros sublinhava o caráter de novidade da PEI
na história da PEB. Alterado o contexto, o chanceler San Tiago Dantas
agora irá procurar enfatizar o quanto ela foi continuidade de diretivas
anteriores60. Por outro lado, enquanto Jânio manteve a referência à
vinculação brasileira à ideologia ocidental, e negou explicitamente que
sua política externa fosse neutralista61, San Tiago Dantas chegou mais
próximo a esse tipo de formulação, afirmando, por exemplo, que “a
independência é, acima de tudo, aquela posição que não se curva aos
interesses de um bloco nem de outro, [...] podemos um dia estar com um
bloco, como estar com o outro” (apud Mello 2000:30-31).
Após o período parlamentarista e iniciada a presidência normal de
João Goulart (out.1962 – mar.1964), passam a predominar na diplomacia
brasileira as teses de Araújo Castro. Com isso, a política externa brasileira
abandona o quadro de referência da guerra fria... e passa a denunciar
a ‘inconsistência do movimento neutralista”. O Brasil “abandona,
definitivamente, toda afinidade com o neutralismo, encontrando na
questão do desenvolvimento um veio diplomático [...] riquíssimo”
(Cruz 1989:72, 75, grifo no original). A expansão de mercados continua
como objetivo, mas agora a PEI enfatiza a transformação das estruturas
econômicas internacionais; e autores como Cruz levantam a possibilidade
de que o objetivo do Itamaraty sob Araújo Castro tenha sido diluir a
hegemonia afro-asiática dentro do grupo dos não alinhados. Passa-se
assim de uma visão talvez mais pragmática e orientada para a “barganha”

62
Quatro ex-chanceleres – José Carlos de Macedo Soares, João Neves da Fontoura, Vicente Ráo
e Horácio Lafer – publicaram, n’O Globo de 17.jan.1962, artigo criticando a posição brasileira
na conferência. O chanceler San Tiago Dantas lhes responderia citando elementos da atuação
deles no MRE que indicariam o caráter de continuidade da PEI frente às antigas diretivas, apenas
atualizadas para o momento presente (Dantas 1962:110-115).
63
Segundo Ligiéro (2000:109), citando documentos diplomáticos norte-americanos sem
numeração e sem data, Goulart teria, em encontro com Tito, deplorado a existência de dois
blocos de poder no mundo, dito que o Brasil não pertencia a nenhum deles, e afirmado que o
Brasil defende a reforma da carta da ONU, das relações econômicas internacionais, e a criação
de um sistema de segurança econômica coletiva.
64
Ligiéro (2000:113-115) lista as seguintes: em abril de 1962, Goulart visita o México, e recebe
o chanceler da Bolívia no Brasil; em abril de 1963, Goulart vai ao Uruguai e ao Chile e, em
julho de 1963, encontra Stroessner em

34
o brasil dos anos 1950: política externa e projeto desenvolvimentista

com os EUA para uma visão mais principista, e nesse sentido mais radical,
chegando a questionar o próprio quadro de referência Leste-Oeste, e
exigindo mudanças mais profundas no sistema internacional.
Podem ser listados como principais medidas da PEI no período de
João Goulart: (1) o reatamento diplomático com a União Soviética em 23
de novembro de 1961 – com a concomitante retirada do reconhecimento
da Lituânia, Letônia e Estônia – e reatamento com Hungria, Romênia,
Bulgária e Albânia, até abril de 1963; (2) a recusa brasileira, na Conferência
de Punta del Este, a aceitar a expulsão de Cuba da OEA, em 22-31 de
janeiro de 1962, a qual teve ampla repercussão interna62; (3) a visita de
João Goulart à Iugoslávia em setembro de 196363; (4) numerosas visitas
presidenciais à América Latina64.
Os resultados dessas iniciativas aparecem de várias maneiras, como
no adensamento das relações comerciais com o Leste: o comércio
bilateral Brasil-URSS, por exemplo, passou de US$ 70 milhões em
1962 para US$ 200 milhões em 1964 (Ligiéro 2000:109), e a URSS
ofereceu-se para financiar a longo prazo e construir a hidroelétrica de
Itaipu (Moniz Bandeira 1989:105). O aumento da influência brasileira no
sistema internacional é demonstrado pela atuação brasileira na Crise dos
Mísseis de Cuba, quando, aparentemente a pedido do embaixador norte-
americano, Lincoln Gordon, o Brasil envia o general Albino Silva, chefe
da Casa Militar da Presidência, a Cuba, para oferecer seus préstimos.
Albino conversa com Fidel Castro e com o Secretário-Geral da ONU,
U Thant, e retorna ao Brasil, sem resultados. Ligiéro, que relata esse
incidente, supõe que a iniciativa fora esvaziada pela recusa mexicana
ao pedido iugoslavo de que México e Brasil atuassem como mediadores
da crise (Ligiéro 2000:118).
Por outro lado, continua por vezes a existir uma distância entre
o discurso e a prática. O Brasil não votou consistentemente contra
as potências coloniais na ONU, tanto que uma frase de apoio à
independência de Angola presente em discurso de Goulart foi expurgada
pelo chanceler Hermes Lima (Saraiva 2001), e o Brasil se absteve na
votação da Resolução 1603, de abril de 1961, sobre a o mesmo tema.

65
Deve ser lembrado que, para essa autora, esse paradigma “tradicional” amadureceu apenas
com o pragmatismo responsável do governo Geisel. Mesmo assim, a discussão que ela faz desses
conceitos no discurso diplomático brasileiro nos interessa muito, pois as raízes do pragmatismo
responsável encontram-se nos anos 1950 e 1960.

35
thiago bonfada de carvalho

A questão da não participação plena do Brasil no Movimento dos Não


Alinhados persistiu até Araújo Castro, quando o paradoxo foi resolvido
mediante a denúncia simultânea das grandes potências e dos neutralistas.
Em 1961, 1962 e 1963, o Brasil votou contra resoluções que dariam o
assento permanente à China comunista, apesar de sua aproximação com
o Leste (Ligiéro 2000:126).
Em sua análise dos conceitos fundamentais do paradigma
“tradicional” da PEB, Flávia de Campos Mello destaca os conceitos de
independência, autonomia, diversificação, e universalismo65. A palavra
“independente” no nome da PEI era para contrastar com o anterior, e
“significava, essencialmente, não-alinhamento”. A “diversificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é
também um meio, ou etapa preliminar para alcançar o universalismo,
que36por sua vez deverá garantir maiores possibilidades de autonomia”,
enquanto o “unim mersificação é

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