Real Simbolico e Imaginario A Trindade I

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Real, simbólico e imaginário

A trindade infernal de Jacques Lacan

Marcus André Vieira

Origens
Quem procura o analista encontra alguém que não toma o sintoma como mal externo, acidental,
como faz, por exemplo, o médico. O sintoma em análise será tido como fazendo parte da
constituição de quem sofre, trazendo, ainda que de modo cifrado, um tanto de sua verdade.
Assim lançada, a experiência analítica se desenrola como a busca de um si-mesmo que desenha
uma verdadeira busca das origens. Porque sofro assim? Porque sou tão mal-feito? O que há no
começo disso tudo?
Quanto à origem, Freud oscila: tanto fala em cenas traumáticas, vividas ou fantasiadas pela
criança que fomos, quanto em traumas ancestrais, que parecem dar corpo a vivências de outra
era, de uma pré-história subjetiva. Para transmitir o modo de lidar com essas coisas primeiras
recorre a vários esquemas complexos e a fragmentações do aparato psíquico, as duas mais
famosas, ditas da primeira e da segunda tópicas, são tripartites: Ics, Pcs, Cs, e eu, isso e supereu. 1
Destaca-se, então, como nossa singularidade não é apenas resultado de traumas impostos pelo
Outro, ou a expressão da luta entre a criança e o adulto, ou entre o homem que somos e o
macaco que fomos. Nenhuma dicotomia, por mais cativante e simples que seja valerá, pois, na
experiência analítica, o que somos se apresenta a nós como estilhaçado em vários fragmentos,
nunca em um só. Quando chegamos perto dos confins encontramos não uma, mas várias
crianças, e não apenas elas, mas a mãe, o pai e muitos outros.
Lacan inventa sua trilogia, R.S.I. exatamente para distinguir e ao mesmo tempo articular essa
multiplicidade de base. São três categorias, ou três aspectos, três registros da experiência como
prefere descrever. Dizendo rapidamente, há o que há (R), o que se pode representar disso (I) e,
nisso, suas marcas, seus traços invariantes (S) – real, simbólico e imaginário, ou ainda, da
experiência analítica, sua espessura, sua estrutura e sua textura.2
Veremos como situar cada um dos elementos do ternário, mas de saída, importa destacar como,
ao criar sua “trindade infernal”, Lacan impede que recubramos essa multiplicidade originária
com o Um, de Deus por exemplo, ou o Dois, da luta entre um anjo e um demônio constitutivos,
corpo e alma ou animal e racional. No “fundo do fundo” estará o Três.3
Vejam o que ocorre se assumimos na origem o Um. Coloque-se o que se queira nesse lugar, um
trauma precoce, a genética, o contexto social, familiar, se houver um elemento primeiro a partir
do qual tudo se engendra, estaremos invariavelmente remetidos a um desejo original, de um
ser supremo que teima em se situar além de nossa busca, de cunho agora claramente místico.
É, aliás, o que oculta todo evolucionismo: se estamos indo para frente, o que nos impulsiona
senão algum tipo de ação maior do que nós, que nos criou? Por isso, Lacan afirma que o único
modo de sair da teologia é pela criação ex-nihilo.4 Ou bem tudo é como é “porque sim” e desde
sempre, ou bem as coisas evoluíram a partir de um desejo primeiro, divino. Toda teleologia é
uma teologia.


Este texto é a versão remanejada de dois encontros do Seminário A trilogia lacaniana, ocorrido na EBP-Rio em 2010
(transcrição, Leandro Reis e estabelecimento do texto e pesquisa inicial de referências, Maira Dominato Rossi).
Publicado em Jimenez, S e Bastos A., Nós e o sinthoma, Rio de Janeiro, Contra Capa, 2021.Agradeço empenhado o
convite para publicação, a edição inteligente e a paciência de Angélica Bastos sem os quais esse texto não teria vindo
à luz.

1
Pode-se ainda supor na origem o Dois, a diferença entre corpo e alma, por exemplo, em seus
correspondentes atuais, o orgânico e o psíquico. É o que faz Descartes com suas substâncias
cartesianas, infinitamente distintas, mas em articulação necessária. Por serem infinitas, nos
livramos da luta, da ideia de que uma deve vencer a outra, o que nos levaria a retornar ao Um.
No entanto, aparece a ideia de um elo, um intermediário necessário entre essas duas grandezas,
a pineal, neste caso, o que nos leva mais uma vez ao Um, que resiste e retorna.
Recusando o Dois, parecemos bem up to date, nessa crítica ao “erro” de Descartes, tal como a
sintetiza Antonio Damasio. De fato, os tempos são de crítica ao dualismo, só que por conta de
um monismo neuronal, que afirma a inutilidade do debate corpo-alma.5 A mente seria apenas
um epifenômeno do cérebro, esse sim, o real mais verdadeiro. No entanto, mais uma vez,
estaremos às voltas com Deus, ao postular, como faz Damasio, uma consciência, que ninguém
consegue localizar, que organizaria toda a multiplicidade absurda de conexões cerebrais. A
consciência seria o Um da imensa rede neuronal, que teima em esconder o modo como alguma
coisa a organiza e administra. Deus, hoje, é o neurônio, ou melhor, o neurônio esconde a fé cega
na ciência de nossos tempos profundamente obscurantistas.
O Um, do lado do analista, teologiza a experiência. E o Dois a lança na tensão, na busca de uma
supremacia, ou equilíbrio entre ambos, no ideal de uma harmonização que reconstruiria uma
unidade perdida, tal como no mito de Aristófanes-Platão.6
Desse ponto de vista radical quase tudo é teologia. É o ponto de vista de Lacan, quando no O
Seminário, livro 22: R.S.I. afirma que sua “trindade infernal se opõe a qualquer teologia”. 7
Isso não significa que esse grau zero do ser tenha que ser sempre múltiplo. Dele Freud faz,
ocasionalmente, a mãe, mas também um pai primevo, orangotango, Lacan faz um objeto, o
objeto a.8 O que importa é sabermos que ele é apenas a “substância episódica” de uma unidade
desde sempre perdida e que não poderá ser apreendida por uma teoria unificada que se
constitua em sistema. Talvez por isso, também, a psicanálise seja múltipla, desde sempre
fragmentada em diversos ângulos, tópicas, teorias, escolas e movimentos.

Um, dois, três


Lacan nunca explicitou de onde tirou R.S.I., recusou-se a uma genealogia. Apenas ministra uma
conferência de final de ano chamada “O simbólico, o imaginário e o real” em que parte de sua
tríade como um fato. Vamos usá-la como nosso fio condutor.9
Não é um momento qualquer. Ao retomar após as férias, seu Seminário já não está mais em seu
consultório, em um registro no estilo “grupo de estudos”, mas em Sainte-Anne, espaço público,
centro maior da psiquiatria francesa. Desde esse, que viria a ser publicado como seu Seminário
Livro 1, Lacan já se serve largamente dessa terminologia. Seu ensino, de certa forma, nasce junto
com sua trilogia. E se lembramos ainda que em meados deste ano apresenta um relatório no
congresso da IPA que ficou conhecido como “Função e Campo...”, 10 verdadeiro programa de
trabalho, vemos como RSI faz parte da fundação do lacanismo.
Mesmo esta conferência, que constitui, talvez, o que mais temos em termos de introdução ao
tema, não apresenta, não contextualiza sua invenção. É como se sempre houvesse existido.
A razão principal para que R.S.I. seja deixado sem muitas explicações parece seguir o que
dissemos sobre a multiplicidade da experiência. Se corremos muito atrás da origem, terminamos
nos braços de Deus. Que RSI seja, então, ele também, ex-nihilo.
Bem mais tarde, em 72-73, Lacan dedica um ano de seminário à sua trilogia, agora na ordem
que se tornou canônica, R.S.I. Lacan sustenta sua tríade na topologia e encontraremos ali, não
explicações, mas definições precisas que não haviam sido dadas até então. São elas que darão
o norte do trabalho aqui, mesmo que não as possamos desenvolver em um primeiro tempo.
Quero, antes, retornar às noções iniciais, da conferência de 53, passo a passo. Quem sabe esse
método sirva como introdução-sem-genealogia?

2
O essencial é que o analista, seja em sua clínica ou em suas leituras, não exija que em seu
horizonte esteja o Um, e que se oriente sempre contando ao menos três. Quem estiver
conduzindo o tratamento não precisa acreditar que há um sentido último. Essa esperança tende
a infinitizar a experiência, posto que sempre pode se encontrar um sentido a mais. Se uma
presença fundamental de minha vida foi o colo da mãe, posso encontrar antes dele o colo que
minha mãe contava ter recebido de minha avó e assim por diante. Pode-se chegar até vidas
passadas, o faraó que teria sido sem, no entanto, que se encontre certeza substancial de se ter
chegado ao fim.
Pode-se argumentar que nada garante que com três não sejamos levados de volta ao Um, o que
se observa de fato largamente em nossa comunidade. Nosso real muitas vezes é tomado como
o Um primordial, o que faria Lacan revirar-se no túmulo. Temos uma tendência espontânea a
esbarrar na teologia, mesmo, assim, negativa. O Três de Lacan a dificulta, mas não a torna
impossível.
Como escapar? Para começar levando a sério considerar que são três coisas inteiramente
heterogêneas, completamente diferentes entre si. Ou seja, não são três irmãos, pois estes
teriam em comum o pai que seria o Um anterior. São três, irredutíveis a um, pois não há
nenhuma afinidade entre eles, nem dois a dois. Pode-se fazer oposições entre eles, mas elas
serão locais, nunca gerais, pois a premissa é de uma incomunidade radical, que Lacan chamou
ausência de proporção/relação sexual e que é outra maneira de definir a famosa propriedade
borromeana. De fato, o nó borromeu, suporte topológico para esse tipo de laço, nos dá a
experiência de três unidos “a três”, como numa trança. Não são, “um, mais um, mais um...”,
nem “dois mais um”, mas sim, de saída, três. Por isso, rompendo um elemento do nó, saindo
um, os outros também se dispersam.11
Nas origens nada é muito claro, ainda que muito emocionante. Distinguir três aspectos
heterogêneos nessa experiência vai organizar nosso acesso. Se não supusermos esses três
registros, segundo Lacan perdemos a invenção freudiana em sua radicalidade revolucionária.
Vejam como é uma mudança grande: deste ponto de vista, o trauma não é obra de um vilão, de
uma incompatibilidade de linguagens, entre ternura e paixão, por exemplo, mas é uma mistura
de coisas distintas e por isso meio sem pé nem cabeça ou, como diz Lacan no Seminário 11, ao
falar da pulsão uma “colagem surrealista”.12 Algo como “um dínamo acoplado numa tomada de
gás de onde sai uma pena de pavão que vem fazer cócegas na barriga de uma bela mulher que
está lá só pela beleza da cena”. 13
Tomem, por exemplo, as construções freudianas, como a da cena primária do homem dos lobos.
Alguém vê os pais transando, o pai de pé e a mãe de quatro, através das barras do berço. Essa
cena reúne várias coisas que são completamente heterogêneas entre si para aquele sujeito, e ela
faz delas algo de aparência consistente. Porém, essa montagem não responde a algum princípio
de unidade e, por isso, é sem pé nem cabeça. O sujeito pode se apropriar daquela coisa e usar,
mas não se pode dizer que, a partir dela, ele entenda o princípio de tudo. Não! É algo acidental
que, contudo, se mantém junto.
Uma análise é, assim, encontrar um monte de coisas espalhadas e encontrar com elas um modo
de fazer. Abrem-se as gavetas, joga-se um tanto de coisas pela janela e a sobra é amarrada de
algum jeito que sirva.

Ferramenta transcendental
Então, proponho este oximoro: a trilogia lacaniana R.S.I. é uma ferramenta transcendental.
Onde está a contradição? No fato de que ferramentas não podem ser transcendentes, já que
serve, por definição, para um trabalho específico e local.
Os três registros lacanianos são coordenadas pré-experienciais. São coordenadas que
estruturam e formatam a experiência mesmo nela não se apresentando como tais. É por isso
que não devemos nos perguntar de onde vem R.S.I., pois se o fizermos saímos da experiência.
São condicionantes e não condicionados, axiomas que só podem ser assumidos e não

3
demonstrados. Neste sentido, podem fazer lembrar os esquemas transcendentais kantianos 14.
No entanto, só assumem esse posto por terem sido aceitos como tais e usados como
ferramentas. Basta lembrar que a vida não segue os princípios de Lacan. R.S.I. não existem na
natureza. São ferramentas. Se acreditarmos que estão no mundo talvez nos atrapalhemos. É
isso que faz Lacan afirmar na primeira lição do Seminário 24 que: "A extensão de «Lacan» ao
Simbólico, o Imaginário e ao Real é o que torna possível a estes três termos consistir” 15, algo
como: se R.S.I. existem é porque existe Jacques Lacan e não por que sempre existiram.
Isso posto, na conferência, “O Simbólico, O Imaginário e o Real” Lacan se permite definir alguns
pontos fundamentais que não vão mais variar ao longo de seu ensino e que situam o caráter
“ferramenta” de RSI.
Na vida, a diferença entre a realidade e a fantasia é quase imediata. A cadeira de que se fala é
diferente daquela em que se senta. Numa análise, porém, como saber o que é o mais importante
se, nela, tudo é narrado e a diferença entre real e imaginado se apaga? Para começar, Lacan
postula que na experiência analítica nem tudo é material de análise. Só é material o que pode
ser outra coisa que não ele mesmo.16 Ou seja, se sonho com o mapa do Brasil, ele só será material
se representar outra coisa que o Brasil. Por exemplo, temos o sol e um dado: estamos falando
de soldados. Isso vira material de análise, pois, claramente, aí sol e dado não representam a si
mesmos.
Dizendo de outra maneira: o material da análise é o significante. Significante é um termo semi-
inventado por Lacan a partir de Saussure para nomear algo que não tenha significado em si e
que remeta a outra coisa e cujo significado só possa ser apreendido dessa forma.
Outra indicação de Lacan é: “Toda relação analisável, isto é, interpretável simbolicamente, está
sempre inscrita em uma relação a três”. 17 O analisável fará sempre parte de alguma coisa
múltipla, no mínimo um ternário, ou seja, será sempre um aspecto ou um desmembramento de
três. Nunca será uma coisa só. Soa estranho, pois não segue nossa intuição que se baseia no um-
atrás-de-outro e assim por diante. Não buscaremos o que está atrás do material, pois assim
ficaremos reféns do Um - a origem das origens, nem buscaremos, em si, o conflito, entre
consciente e inconsciente etc.
Dito de outro modo, consideraremos que no material trazido à sessão analítica, se a coisa tiver
jeito de nó, vale.
A base para o que segue serão as definições de R.S.I. feitas por Lacan em seu seminário de 1972,
RSI: O imaginário é consistência, o Simbólico é o furo e o Real a ex-sistência. Vamos desenvolver
posteriormente essa nomenclatura, ficando aqui registrada, pela clareza de Lacan, uma
passagem: “O caráter fundamental dessa utilização do nó é ilustrar a triplicidade que resulta de
uma consistência que só é afetada pelo imaginário, de um furo como fundamental proveniente
do simbólico e de uma ex-sistência que, por sua vez, pertence ao real e é inclusive sua
característica fundamental”.18
Nesse contexto, para entendermos cada um dos três registros pareceu-me melhor dizer o que
não são, deixando evidente o deslocamento empreendido por Lacan em cada um desses termos
com relação a seu sentido comum para que eles possam nos servir nessa realidade semi-virtual
da psicanálise. Resumidamente, o imaginário não será imaginação, o simbólico não será
simbolismo e o real não será realidade.

O imaginário não é imaginação.


Imaginação no senso comum é ilusão, fábula, tendo conotação de algo meio falso por oposição
ao que seria real. Dada a sessão analítica constituir-se apenas de narrativa, teríamos que dizer
que, nela, tudo é imaginação. Seria necessário, então, apoiar-se em algum dispositivo de
verificação para definir a verdade do que é contado, ou então, basear-se em preconceitos:
‘Sempre que ele falar de sexo ou chorar, será mais próximo da verdade’.

4
Por isso, Lacan desloca o termo. O imaginário, ao contrário do senso comum, vai se definir como
tudo aquilo que faz corpo, que é Um, em que vejo começo, meio e fim, que não é nebuloso,
manchado ou confuso. Não é tanto o fato de ser uma imagem, tudo que for nítido e fizer sentido
será, consequentemente, imaginário. Não será, então, preciso contar com pré-conceitos ou
obscuros valores pré-determinados de veracidade ou importância. É ferramenta, basta usar,
basta olhar.
Assim definido, fica claro que a ideia de Lacan era de que o material da análise não é o
imaginário: “... o imaginário está longe de se confundir com o campo do analisável”. 19. A prática
freudiana tem como ação fundamental uma manipulação do simbólico e não do imaginário, e
por isso a diferença entre simbólico e imaginário é tão cara a Lacan.
Não é uma verdade radical, os três andam juntos e quando se interfere em um está se afetando
os outros, contudo, a matéria prima da análise segue sendo o simbólico. 20 Como afirma Miller:
“Na análise entra-se nas palavras pelo lado do sentido para fazê-las tocar no real”.21
O exemplo mais imediato é o sonho, pois quando ele está “redondinho” não é um bom sonho
para a análise. É aquele que as pessoas gostam de contar, mas o analista vai sempre procurar o
lado bagunçado dele, elementos que não encaixam. Em um sonho que é compreendido
completamente pelo sujeito há pouco a fazer mais que duvidar, fazer o famoso “hum hum” para
ver se algo se desloca. Porém, corremos o risco de tornar essa dúvida um embate, provocando,
vez por outra, angústia. Sonhos redondos, esféricos, concorrem mais para efeitos de pacificação,
que são muito necessários, mas não ajudam para os efeitos de subversão de uma análise. Para
isso, precisamos de elementos “asféricos” nos termos topológicos de Lacan.

O simbólico não é o simbolismo


Retomando: “um fenômeno só é analisável caso represente outra coisa além de si próprio”.22
Se em um sonho uma mãe representa a mãe, não há muito o que fazer. Se sonho com minha
mãe que pode ser minha tia, melhorou. É uma orientação técnica muito precisa. Para que
alguma coisa valha por outra é preciso que ela preencha ao menos um requisito, ela deve
necessariamente perder seu valor próprio. É o fundamento da teoria do significante de Saussure
retomada, mesmo que bem modificada, por Lacan.
O simbólico não reside no fato de que o charuto seja, por exemplo, um símbolo fálico. Sonhar
com o trono do imperador corresponderia a sonhar com o pai. Isso é o que Lacan chamaria de
imaginário. Nesse caso, não é uma coisa por outra, pois é algo que tem alguma afinidade com o
que representa, a forma do charuto, por exemplo. O simbólico, não o simbolismo, é quando um
detalhe vem ocupar o lugar de alguma coisa que nada tem a ver com ele.
A fala e a linguagem têm propriedades muito especiais: a ambiguidade, por exemplo. Mas que
se entenda, a ambiguidade não é apenas o fato de uma palavra dizer várias coisas. Não é apenas
outro sentido que ela carrega além de seu sentido original, tal como a palavra “pena”, que em
português remete a três sentidos. Não. É o fato de que, por ela não ter sentido, pode suportar
esses três e outros ainda possíveis em potencial.
Por exemplo, chumbo, fala do metal, mas também do peso de uma nuvem carregada, prestes
abrir um temporal, e muitas outras coisas que posso descobrir utilizando a metáfora. A condição
para isso é que quando eu usar a palavra chumbo ela não seja nem cinza nem pesada. É o
arbitrário do signo saussureano. É o que espanta as crianças quando começam a escrever.
Cismam, por exemplo, em escrever a palavra “trrrreeeemmm” assim, grande, por não aceitarem
que uma coisa tão gigante seja dita em uma palavra tão pequenina.
As palavras são fragmentos, pedaços, poesias que caem do Outro. Eles começam a se montar e
articular e sustentam um discurso articulado, mas, em si, não dizem nada. Vejam novamente o
termo “soldado”. Se sonho com um soldado, o sonho não é tão interessante. Porém, se sonho
com um soldado jogando dados e um sol brilhando e a partir disso se vai para outro lugar, temos
algo interessante por conta dos pedaços de palavras. É assim que funciona o sonho em Freud,
como se fosse uma carta enigmática, um rébus como indica Lacan. Estes elementos não valem

5
por seu sentido em si, mas pela articulação entre eles e, nessa articulação, seu sentido original
desaparece.
Esse é todo o ensino de Lacan nos primeiros tempos. A essência do simbólico, do significante,
não é que ele seja um signo, mas sim um significante, que poderia bem ser traduzido por um
elemento significativo, mas sem sentido em si. É uma marca, como lembra Freud em “A
Negação” é como um Made in Germany, nada, só um carimbo, mas carimbo que define uma
pertinência, uma relação invariante, que singulariza.
É o que Lacan já assinala nesta conferência com a referência à “senha” 23 e que, em várias
ocasiões, destaca a partir da referência de Freud ao termo schiboleth,24 da anedota dos judeus
que não conseguiam pronunciar exatamente como os outros o termo e que, nisso se distinguiam
(algo que foi retomado em outro plano recentemente por Quentin Tarantino em uma cena
antológica de Bastardos Inglórios).25
A propriedade maior do simbólico é essa: marcar e diferenciar – é aquela marca que se tem e
que nos distingue de todos os outros, mas que em si não tem sentido. O imaginário não sustenta
diferenças. Quando falamos pão-pão, queijo-queijo, estamos no imaginário em que temos o
sentimento de que “uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa”. Mas e o pão de queijo? O
imaginário não consegue sustentar sua solidez por muito tempo. Os sentidos se combinam, se
deslocam... E na selva dos sentidos nunca é possível por muito tempo ter certeza de que uma
coisa é uma coisa e outra coisa é outra. Para que seja assim precisa-se de uma marca. “Forno de
minas”, por exemplo, define que aquilo é aquilo por mais que o sabor varie. Se somos do totem
da tartaruga, somos cada um tartaruga.26
Não quer dizer que no real sejamos tartarugas. Não é o real que define, por exemplo, a
paternidade. O DNA é uma marca distintiva que só vale pelo valor simbólico dado à técnica
científica em nossa cultura. Não é porque o cientista é dono do sentido da paternidade. É porque
se supõe que ele saiba ler o real.
Portanto, o simbólico não é simbolismo, que, no sentido mais geral, seria dizer que o mapa do
Brasil simboliza o Brasil. O simbólico lacaniano é bem mais articulado à escrita como um jogo de
traços, do que aos símbolos.
No exemplo que usamos anteriormente, sol e dado são a base de uma escrita, e sol é a base da
representação (como uma mimesis- mimetiza-se a coisa e assim a represento). No momento em
que começo a juntar elementos e a reproduzi-los com o que não tem nada a ver com eles,
passamos a trabalhar no campo da escrita. O soldado torna-se “redondo”.
Todos os sentidos que nos orientam pertencem ao imaginário.
Digamos que alguém sonhe com o sol e o dado, e que poder-se-ia, dizer para ele: “Ah você está
sonhando com seu pai”, porque o pai é militar, por exemplo. Há a significação de soldado que
está no ar e isso é um saber redondo, portanto, imaginário. Mas o paciente fala e o sentido que
aparece é a perda do pai; e que ele teve que trabalhar para se sustentar e abandonar, por
exemplo, a pintura. Então, sol-dado representa tudo isso.
Quando busca-se a análise, essa história a princípio não está funcionando mais, ou está
funcionando mal, ou apareceu uma síndrome do pânico onde o eu, esse conjunto de histórias,
está muito perturbado. O que se faz? Em outras práticas há outras propostas como, por exemplo,
fazer o paciente perceber que ele foi mais importante do que se tivesse sido pintor. A psicanálise
a princípio não propõe isso. Há efeitos de originalidade que são impossíveis a partir do
imaginário, uma vez que ele só pode trazer aquilo que já é.
Qual é o sentido último? Não sabemos, e nem é esse o objetivo da análise. Em vez disso, ela vai
pegar isso que está múltiplo e espalhado e, usando o material de escrita que está lá, em meio a
tudo que é imaginário, montar um texto que se sustente. Em outros termos, o fundamental não
é ter ou não sentido, mas que ele, secundariamente, possa ser feito a partir de um trabalho
literal e não a partir dos próprios sentidos.
A metáfora célebre de Lacan é de que as palavras marcam o homem como o ferro marca o
gado.27 Não é nada que apele aos sentidos, mas é algo que tem um valor na vida humana. Mas

6
se essa marca perdeu seu valor próprio, ela é o que? Um pedaço da realidade sem sentido. Só
um traço distintivo, significativo, mas que nada significa em si. O simbólico é então, marcado
por essa duplicidade. Por um lado, é a estrutura, o jogo significante, por outro é a letra, o divino
detalhe, a marca que singulariza. Nas marcas sem sentido reside nossa singularidade, e não nos
sentidos bons ou ruins que damos a nossas vidas.
Antes de falarmos delas, vejamos o real.

O Real não é a realidade


Na vida uma coisa é a realidade imaginada de uma cena, outra é sua realidade concreta, a de
um quadro, por exemplo. Na análise não, pois o concreto da análise são as palavras. É o material
da palavra que é fixo e que a sustenta. Mas como vimos, esse material é sem sentido, feito de
puro traço. Ele designa uma existência única, mas não tem em si, o gozo dessa existência.
Então como localizar o real?
A vida que corre, diríamos que é o real. O real é o que não cabe em lugar algum, já que o
imaginário é o que faz corpo e forma, e ainda assim, é algo que fica querendo voltar. A presença
de uma ausência, por exemplo.
Com base no Seminário R.S.I. poderemos declinar o seguinte: Alguém é vivo, pois os sentidos
que fizeram ele ser quem é se singularizaram; porque nesses sentidos universais, marcas se
fizeram e que, por isso, a seiva da vida passa por ali em algum lugar.
Se vemos uma bela mulher, ok. Se nela nos toca algum detalhe, uma pinta, por exemplo, temos
o sentimento de que estamos diante de um ser bem mais vivo do que antes. A pinta não diz nada
dessa mulher, não é boa nem má, mas ela registra que aquela imagem é habitada por alguma
coisa além. No que uma imagem tem sua marca parece que ali circula uma espécie de ser.
Chamaremos isso de real. Não dá pra trabalhar com isso na análise, pois é muito geral e
inespecífico.
Lacan nos dá duas definições para o real.
A primeira: o real é aquilo que surpreende. A análise encontra o real como “surpresa ou como
trauma”.28 Quando se escuta algo surpreendente sabemos que ali há real. Não poderemos fazer
muito com isso se não houver o simbólico para localizá-lo e o imaginário para lhe dar um lugar
no laço e no sentido compartilhado, mas ele está ali.29
Se alguém fala: “sonhei com um trono, eu que surpreendentemente nunca pensei nisso”, um
dicionário de símbolos poderia dizer-lhe, um trono significa riqueza. A surpresa se foi. O real já
foi englobado. Em outros termos: aquilo que vem do inconsciente, uma vez tornado consciente,
desaparece como surpresa. Por isso, há todo um dispositivo para que se possa capturar pedaços
de simbólico que vão se manter ainda surpreendentes, ainda com um pé no real, sem
necessariamente serem mergulhados no sentido.
Contar com o real é sustentar que as marcas de nossas experiências, em si, não têm vida e que
nosso romance, em si, também não.30 A vida pulsando vai aparecer quando a marca e a imagem
se articularem. O real, então, é uma espécie de pulsação da vida que se esconde nessa
conjunção. O simbólico me singulariza, o imaginário me dá o corpo, e o real dá vida a esse
produto.
Em RSI fica clara a diferença. Se o imaginário dá a textura da situação e o simbólico dá os traços
para ter essa textura estruturada, o real ex-siste a isso, nos termos de Lacan - garante sua
existência estando fora. Simbólico é traço e furo, o imaginário é consistência e o real é ex-
sistência31 - termos colhidos por Lacan na topologia do nó borromeano para falar disso que nos
assombra.
Em 1977, ele fala do real como surpresa. Em 1964, a outra definição importante, o real será
aquilo que volta sempre no mesmo lugar. O real da surpresa traumática e o da repetição

7
incessante. O real não é só o que surpreende, porque se fosse apenas a contingência, ele, por
definição, desapareceria, ali mesmo, no momento em que se está falando.
O real se apresenta no começo de uma análise como surpreendente, ou seja, como aquilo que
rompe o imaginário e a conformidade daquilo que se é. Certamente numa análise temos as
coisas simbólicas, as coisas imaginárias, e outras coisas que, como dissemos, fazem sua entrada
como susto, angústia, ou o que Lacan chama de contingência. Mas o real, de fato, depois desse
início, tende a aparecer sempre no mesmo lugar.
Essa definição do real que retorna, coincide, até, com a vida cotidiana. O real em análise deve,
segundo Lacan, ser relacionado nem tanto a se perder em uma casa às escuras, mas sim quando
se bate com a cabeça na parede por faltar a planta. E mais ainda: por se perceber que, nestas
condições, por incrível que pareça, acaba-se batendo com a cabeça sempre mais ou menos na
mesma parede, apesar das várias tentativas de evitá-la.32
Na análise tudo é um pouco real e imaginário, tudo é um pouco mentira e verdade, mas uma
coisa é o que se apresenta como sólido e outra o que se apresenta como fugidio, embaçado, no
desencontro ou como aquilo com que se tropeça, uma pedra no meio do caminho. Para os
primeiros objetos, realidade, para os segundos, o Real.
A análise é uma profusão de cenas que começam a cair, criando pequenos detalhes que se
articulam. Quando isso acontece, esse algo encontrado que não é nem a mãe, nem a avó, talvez
a tia-avó, uma espécie de personagem híbrido, um parceiro que surpreende inicialmente, mas
com quem termina-se por topar a toda hora.
Essas duas definições, postas assim, parecem se opor. Voltemos ao início para concluir.
Na conferência de 53 Lacan quase não aborda o real. Deixa no ar. Talvez por estar mais
interessado em fazer a diferença entre simbólico e imaginário. Mas indica que é o que se
apresenta quando, por exemplo nasce um filho. Nesse pequeno exemplo já não ficam claros
esses os dois aspectos do real? Ao mesmo tempo já indica como eles se reúnem no mesmo
encontro, o real diz respeito à surpresa e ao mesmo tempo a alguma coisa com que se tropeça.
A análise começa pela surpresa, pela revelação e pela interpretação, mas segue pela repetição
na transferência, uma mesmice só.
J. A. Miller, nesse sentido, opõe a análise que começa e a análise que se prolonga. A análise que
começa é cheia de surpresas, e depois de um tempo, você começa a encontrar, sempre no
mesmo lugar, o real. Não vai ser mais a surpresa que vai resolver, e sim, fazer algo com esse real
que surge incessantemente no mesmo lugar. Aí o trabalho passa a ser mais de construção de
uma saída em vez de descoberta. É como se a análise tivesse dois tempos.

Pacto, laço, traço e nome


A ambiguidade do simbólico, ao mesmo tempo traço distintivo em um jogo significante e traço
de singularidade, como letra e assinatura é o decisivo em uma análise. Para concluir vejamos
essa diferença partindo do tema do pacto.
Lacan fala do simbólico diversas vezes usando a ideia de pacto. Pacto não é sinônimo de laço.
Vejam, por exemplo, em “Função e Campo...”, neste texto fundador do ensino de Lacan, é o
simbólico que permite o pacto 33. O que é isso? Se usamos um papel para prometer que não
vamos fazer isso ou aquilo, isso é um contrato. Quando porém, o assinamos, isso é um pacto.
Ao assinar o papel não se produz sentido nenhum. A assinatura transcreve o poder do simbólico
de trazer o o ser de gozo de alguém empenhando em seu nome. Este nome é feito de um vazio
de sentido que, sabe-se lá o motivo, os seres humanos são capazes de viver.
Diz-se que o simbólico é uma evolução do imaginário. Não! O imaginário não faz pacto, e este é
uma novidade da raça humana. Fazermos um pacto de sangue e isso querer dizer que seremos
amigos para sempre não tem sentido. Isso faz laço? Não! Fizeram um pacto, eles ainda
dependerão do imaginário para viver juntos. Dependerá de um reconhecimento mútuo, de terem
feitos coisas em comum ou se reconhecerem como semelhantes.

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O pacto é simbólico, o laço imaginário.
A rigor, o laço social é uma mistura de tudo. Mas a coisa essencial para que haja um laço é uma
comunhão imaginária, isto é, de sentidos. Todos achamos que não matar o outro é bom e isso
nos une. Isso não é pacto e sim o sentido de que a morte é ruim e, assim, comungamos desse
sentido.
Mas para que haja pacto é preciso que haja algo material que assinala e sustenta este pacto,
como o papel no exemplo que acabo de lhes dar. Valendo-se dos traços, perguntamo-nos o que
é isso que ao mesmo tempo tem alguns efeitos impossíveis para o imaginário. Não chamemos
esses efeitos de emocionais, ou afetivos, e sim de efeitos de singularidade. Pois ela está no
simbólico. É esse o ponto.
Exemplificando: Alguém conta a cena em que viu sua mãe morrer. E viu, na mesma circunstância,
uma vela acesa e a foto do Roberto Carlos no armário da empregada. Essas coisas estão lá e, fora
o momento emocionante da morte da mãe, nunca serviram para nada. Essa pessoa lembra-se da
vela, mas da foto do Roberto Carlos não. Freud, num caso como este começaria a explorar, a
partir da associação livre, esse desmembramento das lembranças, as relações de contiguidade e
não só as relações esperadas. E, se num determinado momento esse paciente tem um sonho
onde o Roberto Carlos dança com a mãe? Então, ele lembra que viu a foto e começa a fazer
conexões que estavam lá produzindo efeitos, mas que sumiram de cena.
Visto que é o imaginário do ideal do eu que manda, essas coisas que não encaixam ficam
sepultadas. Se há um trabalho do inconsciente é justamente o de operar com a materialidade
dos traços, mais do que fazer uma montagem imaginária deles. A leitura desses traços já foi feita
e já orienta a vida. A mãe morreu e o sujeito ficou arrasado. Porém, ao pensar no Roberto Carlos
pode ser que surja qualquer coisa que não tem a ver diretamente com a tristeza.
Para Lacan todo conhecimento é paranóico, no sentido em que só se conhece alguma coisa
podendo se colocar no lugar dela, pensá-la em comparação com outra, ou seja, por
reflexividade.34Esse é um dos nomes para esse jogo imaginário. Porém a ideia de simbólico traz
para a análise uma noção de artesanato da palavra. E é exatamente isso que Freud faz com
Signorelli,35 corta pedaços e chega a outra palavra.
A análise é um dispositivo feito para que o imaginário não comande e, assim, as outras coisas
começam a aparecer. Então, não se dá dois beijinhos, não se fala de futebol, pois tudo isso é uma
maneira de criar uma conjunção. O analista se afasta um pouco, cedo ou tarde o paciente começa
a falar coisas estranhas.
A certeza que engendra a montagem analítica dessas coisas estranhas é muito particular. Essa
certeza é feita pela construção com esses pedaços que surgem observadas as condições da
análise. Ela não se origina dos grandes sentidos imaginários.
A associação livre e a atenção flutuante são ferramentas para produzir pedaços e não sentidos.
Assim, quando ouvimos, nossa escuta não deve se direcionar para o sentido. Ou seja,
procuramos o texto e não o romance. Somos, ao ouvir, um poeta concreto, e não um sábio que
quer entender o que se passa.
Comparem a sabedoria de um homem culto com a sabedoria de um cientista, já que este mexe
com o simbólico. Ele trabalha com letras, usando a matemática e sistemas lógicos. Ele não sabe
nada da vida e das coisas que devem ser sabidas.36 Sabe fazer um trabalho de artesão com as
letras. Sabe que, quando tiver x, não pode vir y depois, mas isso não quer dizer nada. O analista
está mais do lado do matemático (e também do poeta) do que do sábio.
Perguntem para qualquer pessoa que se submeteu a uma análise o que ela descobriu nesse
processo. Se ouvirmos do ponto de vista imaginário parece uma coisa quase banal, fazendo,
inclusive, com que estranhemos o fato dela achar a análise algo tão bom. Porém, se ela contar
como foi, perceberemos que foi um quase artesanato para chegar nisso. Juntaram-se vários
pedaços de uma maneira que nunca tinham se juntado antes.

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Concluo remetendo ao dispositivo do passe, proposto por Lacan em 67 e que, em seu
desenvolvimento na Associação Mundial de Psicanálise, produziu diversos testemunhos de
como essas montagens se fazem e como elas engendram o que vimos a chamar “nome de gozo”.
O ponto conclusivo, veremos, será a montagem e o quanto ela engendra uma nomeação. A
chave é o tema da nomeação. O real, que desde o início, tende a aparecer sempre no mesmo
lugar, o real da repetição, será pescado em uma rede de letras e eventualmente, nomeado.
Ao mesmo tempo, como a transferência é o playground da repetição, essa nomeação marca o
que extrapola, em nossa singularidade a relação mais básica estabelecida com o Outro, nossa
fantasia, base da transferência. Ou seja, se essa nomeação se endereçar e sustentar um ponto
extra-fantasia, será ao mesmo tempo extra-transferência e, por isso mesmo, conclusivo de uma
análise.
Que tipo de laço essa nomeação engendra se ela é fora do laço e até mesmo, de certa forma,
fora do pacto? É uma aposta em curso. O fato é que essa nomeação só valerá como suspensão
da repetição se ela puder ser mantida fora do sentido por mais do que o instante conclusivo,
dito de passe clinico. É preciso que ela passe para o Outro. Por isso, nos deixarmos ensinar e
subverter pelos testemunhos de passe em nossa comunidade.

1
Primeira tópica freudiana a partir de 1900 com “A interpretação dos sonhos”; Segunda tópica
freudiana, a partir de 1920 com “Além do principio de prazer”.
2
Reproduzo à minha maneira a abertura de “Os Nomes indistintos” guia imprescindível para o ternário
lacaniano (Cf. Milner, J. C. Os Nomes indistintos, Rio de Janeiro, Cia de Freud, 2006).
3
Mesmo quando, em seu Seminário 19, interroga-se sobre o Um e o situa com a expressão Há-um ele deixa
claro que não há unidade original, mas apenas algum um, contingente e episódico (cf. Lacan, J. O
Seminário, livro 19, ...ou pior, Rio de Janeiro, JZE, 2013, sobretudo os capítulos IX e X).
4
Lacan, J. (1960) O seminário, livro 7: A ética da psicanálise. Rio de Janeiro, JZE, 1988, p. 145 e
seguintes.
5
Cf. Bassols, M. A psicanálise, a ciência, o real, Rio de Janeiro, Contra Capa, 2015.
6
Cf. Platão. O banquete. L&PM Pocket, 2009.
7
Lacan, J. (1974-75) O seminário, livro 22: R.S.I, Lição de 18 de fevereiro de 1975 (inédito.)
8
Esse objeto, que em Restos, comparei a um frango na corrida Cf. Restos – uma introdução lacaniana ao
objeto da psicanálise, Rio de Janeiro, Contra Capa, 2017, p. 5.
9
Lacan. J. (1953) “O simbólico, o imaginário e o real”, In: Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: JZE, 2005.
10
Lacan, J. (1953) “Função e Campo da fala e da linguagem em psicanálise”, Escritos. Rio de Janeiro:
JZE, 1998.
11
Milner o sintetiza dizendo, “O Imaginário só se imagina a partir do imaginário, o simbólico só se
simboliza a partir do simbólico e [algo] só se realiza a partir do real” (Milner, J. C., op. cit., p. 8).
12
Lacan, J. (1964) O Seminário 11: Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro:
JZE, 1998, p. 161.
13
Ibid.
14
Cf. “A critica da razão pura”, E. Kant. DominioPublico: www.dominiopublico.gov.br.
15
Lacan, J. (1976/77) O Seminário, livro 24: L'Insu que sait de l'unebévues'aile à mourre"., (inédito),
lição de 16/11/1976.
16
Idem. Pg22.
17
Idem. Pg33.
18
Lacan, J. (1976) O Seminário, livro 23 – O Sinthoma, Rio de Janeiro, JZE, 2007, p. 36.
19
Lacan, J. (1953) “O simbólico, o imaginário e o real”, op. cit. p. 21.
20
Como afirma Miller, uma análise age a partir do que as palavras (simbólico) tem de relação com o
sentido (imaginário) para atingir (e mudar) o que elas tem de relação com o fora do sentido (real) (cf. Miller,
J. A. ??)
21
Miller, J. “A formação do analista”, Opção lacaniana n. 37, São Paulo, EBP, set 2003, p. 27.
22
Lacan, J. (1953) “O simbólico, o imaginário e o real”. op. cit. p.22
23
Lacan, J. (1953) O simbólico, o imaginário e o real. p. 24.
24
Lacan cita o original alemão dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” onde Freud diz que o
complexo de Édipo é o Schiboleth da Psicanálise, porém a tradução brasileira não o registra assim, o
traduz por “traço distintivo” – Freud (1905b/ 1966, p. 124).

10
25
Bastardos Inglórios. Direção: Quentin Tarantino. Fotografia:Robert Richardson. EUA/Alemanha:
Universal Pictures 2009. 1 DVD (153min). NTCS, Color. Titulo Original: IgloriousBastards
26
Cf. Freud, S. (1987g). Totem e tabu (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud, Vol. 13). Rio Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1913[1912]).
27
Cf. Lacan J. Escritos, Rio de Janeiro, JZE, 1998, p. 629.
28
Lacan, J. Outros Escritos, Rio de Janeiro, JZE, 2003.
29
Laço social: articulação do campo do sujeito com o campo do Outro. Cf em Lacan, J. (1969-70) O
Seminário, livro7: O avesso da Psicanálise, Rio de Janeiro: JZE, 1991.
30
A bem da verdade, tem, mas é uma vida que tende a se perder, pois se pode duvidar dela a todo o
momento.
31
Lacan, J. (1976) O Seminário, livro 23 – O Sinthoma, Rio de Janeiro: JZE, 2007, p. 36.
32
Cf. A direção do tratamento e os princípios de seu poder, Escritos, Rio de Janeiro, JZE, 1998, parte III.
33
Cf. Lacan J. Escritos, Rio de Janeiro, JZE, 1998, p. 627.
34
Cf. Lacan J. Escritos, Rio de Janeiro, JZE, 1998, p. 181.
35
Freud, S. (1901), “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”, Vol. VI, Obras Completas. Imago.
36
Com relação a isso pode-se conferir a critica de Wittgenstein. Ele critica a matemática como uma
atividade puramente pratica que só tem legitimidade pela utilidade de suas aplicações. CfInvestigações
filosóficas (sem edição em português) - Wittgenstein, Ludwig (1958).
PhilosophicalInvestigations[Investigações Filosóficas].
Bilíngue Alemão/Inglês. G.E.M. Anscombe& Rush Rhees (eds.). Trad. G.E.M. Anscombe. Oxford:
Blackwell.)

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