Desvendando A Inovação Social
Desvendando A Inovação Social
Desvendando A Inovação Social
I
NOVAÇÃO SOCI
AL
CASOSDEENSI
NO
CLAUDIA BITENCOURT
ANA CLARISSA SANTOS
MANUELA AGOSTI NI
GABRIELA ZANANDREA
DESVENDANDO A
INOVAÇÃO SOCIAL
CASOS DE ENSINO
Editor
Cassiano Calegari
Conselho Editorial
Dra. Janaína Rigo Santin Dra. Gizele Zanotto
Dr. Edison Alencar Casagranda Dr. Victor Machado Reis
Dr. Sérgio Fernandes Aquino Dr. Wilson Engelmann
Dra. Cecília Maria Pinto Pires Dr. Antonio Manuel de Almeida Pereira
Dra. Ironita Policarpo Machado Dr. Eduardo Borba Neves
DESVENDANDO A
INOVAÇÃO SOCIAL
CASOS DE ENSINO
Editora Deviant
2022
Copyright © Editora Deviant LTDA
Categoria: Direito
Produção Editorial
Editora Deviant LTDA
ISBN
978-65-89033-03-5
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CDD 301
Sumário
PREFÁCIO 9
ORGANIZADORAS 335
AUTORES 337
8 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Prefácio - 9
Prefácio
EIXO 1
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL
A Inovação Social (IS) não é um tema recente, mas nos últimos anos obser-
vamos um interesse significativo de públicos distintos. Além disso, tem recebido
crescente atenção no âmbito dos definidores de políticas públicas, acadêmicos e
praticantes como uma forma de atendimento às necessidades sociais, sejam elas
novas ou até então não atendidas pelas soluções providas pelo poder público ou
pelo mercado (MURRAY; CAULIER-GRICE; MULGAN, 2010). Exemplos de
iniciativas nesta direção envolvem o “Office of Social Innovation and Civic Parti-
cipation” e o “Social Innovation Fund”, nos Estados Unidos, bem como o “Social
Innovation Europe”, uma iniciativa da União Europeia para aumentar a inovação
social em países europeus. Também as universidades têm encampado o tema, des-
tacando-se o “Centre de Recherche sur les Innovations Sociales - CRISES”, uma
rede formada por universidades em Québec que se se conectam através de projetos
comuns; o “Centre for Social Innovation at the Stanford Graduate School of Bu-
siness”, nos EUA; o “SI-Drive”, em Dortmund, na Alemanha; o “Transformative
Social Innovation Theory”- TRANSIT, na Bélgica que conecta pesquisadores de
universidades europeias, como centros de investigação de destaque.
As primeiras ideias sobre IS foram publicadas na década de 70. Um dos au-
tores seminais foi Taylor (1970). Para o autor, a inovação social pode resultar da
busca de respostas às necessidades sociais, introduzindo “novas formas de fazer as
coisas”, tais como novas maneiras de “lidar com a pobreza”.
14 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Além disso, destacamos que o tema se torna cada vez mais influente refletin-
do a ampla e profunda insatisfação com os resultados da “inovação” em tecnologia,
mercados, políticas e sistemas de governo, e particularmente com os benefícios
de tais inovações que não foram distribuídos equitativamente como deveriam
(SOLIS-NAVARRETE; BUCIO-MENDOZA; PANEQUE-GÁLVEZ, 2021;
MOULAERT et al., 2013). Nesse sentido, o tema ganha espaço, principalmen-
te, se for considerado seu papel de catalisador da transformação social (MAIR;
MARTÍ, 2006; ALVORD et al., 2004), defendido por um grupo de pesquisadores
no campo de estudos em organizações. As oportunidades para desenvolvimento
de inovações sociais são crescentes, principalmente, devido ao aumento da expec-
tativa de vida que requer novas formas de organização de programas de pensões,
de novos modelos de habitação e urbanismo e novos métodos para combater o
isolamento, tendo como recurso fundamental a utilização da tecnologia na promo-
ção da mudança de comportamento. Outras oportunidades que também podem
ser aproveitadas como insight para o desenvolvimento e implantação de inovações
sociais:
a) As desigualdades severas, que se acentuaram em muitas sociedades, ten-
dem a ser associadas a muitos outros males sociais, que vão desde a violência à
doença mental.
b) O aumento da incidência de doenças de longa duração, como artrite, de-
pressão, diabetes, câncer e doenças cardíacas, demandando novos modelos de as-
sistência médica.
c) Os problemas comportamentais ligados à riqueza, tais como obesidade,
dietas ruins, sedentarismo, bem como vícios do álcool, drogas e jogos de azar.
d) As dificuldades na transição para a idade adulta, exigindo novas formas de
ajudar o adolescente a buscar estabilidade emocional e profissional e buscar carrei-
ras mais estáveis, relacionamentos e estilos de vida.
e) Os problemas sociais e de relacionamento aluno/aluno e professor/aluno
enfrentados nas escolas, decorrentes tanto das mudanças ocorridas na estrutura e
rotina familiar como da transferência da responsabilidade da educação da família
para a escola.
Diante dos diferentes tópicos que podem ser abordados quando se discute
inovação social, organizamos a coleção de casos deste eixo em quatro capítulos que
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 19
Por fim, o último caso do Eixo, “E agora para onde vamos? Inovação social
como um caminho para a mudança”, proposto pelas autoras Gabriela Zanandrea,
Roselei Haag e Claudia Cristina Bitencourt, investiga o papel de uma organiza-
ção com fins lucrativos na busca por soluções para necessidades sociais. O caso
da empresa Mercur apresenta os desafios que o protagonista Jorge Hoelzer Neto
enfrentou ao lançar uma provocação questionando qual era o impacto da empresa
no mundo. Inspirados por essa provocação, diferentes stakeholders da empresa fo-
ram mobilizados para repensar toda a estratégia, organização, estrutura, portfólio
de produtos e focaram-se em soluções que realmente atendiam às necessidades
sociais.
A percepção destas problemáticas e de outras oportunidades pode variar com
a participação dos diferentes atores e beneficiários, pois distintos pontos de vista
permitem a identificação de novos aspectos ainda não explorados.
REFERÊNCIAS
GALEGO, D. et al. Social innovation & governance: a scoping review. Innovation: The
European Journal of Social Science Research, p. 1-26, 2021.
MOULAERT, F. et al. The return of social innovation as a scientific concept and a social
practice. General introduction. In: MOULAERT et al. The International Handbook on
Social Innovation: Collective Action, Social Learning and Transdisciplinary Research.
Edward Elgar Publishing, p. 528, 2013.
MULGAN, G. et al. Social Innovation - what it is, why it matters and how it can be
accelerated. Skoll Centre for Social Entrepreneurship. Working paper, 2007. Disponível
em: <https://www.youngfoundation.org/publications/social-innovation-what-it-is-why-
-it-matters-how-it-can-be-accelerated/>. Acesso em: 25 jan. 2022.
MURRAY, R.; CAULIER-GRICE, J.; MULGAN, G. The Open Book of Social Inno-
vation. London: Young Foundation/NESTA, 2010.
RICHTER, R.; CHRISTMANN, G. B. On the role of key players in rural social inno-
vation processes. Journal of Rural Studies, in press, 2021.
YUNUS, M.; JOLIE, A. Banker to the Poor. Dhaka, Bangladesh: The University Press
Limited, 1998.
24 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 25
Caso 1
Na época estava tendo aquela coisa de segurança, carro blindado para todo lado,
e os turistas filmaram, fotografaram. A gente entrou na favela, e surgiu todo o
contraste entre o jipe com os turistas e os canhões apontando para as favelas. Aí foi
legal, as agências compraram a coisa, e a coisa foi tomando forma. Então, assim
foi como surgiu o passeio na favela, da curiosidade de um grupo. Entrevistado do
Jornal Académico ( FREIRE-MEDEIROS, 2007).
Há pelo menos quatro pontos de venda de souvenirs, onde o turista pode encontrar
uma variedade de produtos “by Rocinha”; camisetas, pinturas, bolsas, porta-retra-
tos, bordados, esculturas, CDs, incluindo coisas como uma placa com as palavras
“ROCINHA: um lugar tranquilo e bonito - Copacabana - Rio de Janeiro”. Roci-
nha é promovida como um lugar “pacífico” e “bonito”, assim como Copacabana. As
cores - verde e amarelo - também sugerem outro plano de identificação que Roci-
nha é colocado como parte da nação brasileira, apesar das representações hegemô-
nicas que recorrentemente a exclui. A presença marginal, a favela é transformada
discursivamente em parte central da sociedade brasileira (FREIRE-MEDEI-
ROS, 2007).
Seu objetivo é recuperar, por meio das bases de policiamento militar situadas nas
favelas, o controle desses territórios para o Estado, impedindo o domínio armado
dos mesmos por bandos de traficantes de drogas, como explica o secretário de Se-
gurança do Rio de Janeiro: “A ideia é simples. Recuperar para o Estado territórios
empobrecidos e dominados por grupos criminosos armados. Tais grupos, na dispu-
ta de espaço com seus rivais, entraram numa corrida armamentista nas últimas
décadas, uma disputa particular na qual o fuzil reina absoluto. [...] Decidimos
então pôr em prática uma nova ferramenta para acabar com os confrontos. [...]
Fim do fuzil e início das pequenas revoluções que serão contadas nessas páginas”.
Deve-se ressaltar, desde logo, que a implementação deste programa está longe de
se generalizar para as mais de mil favelas existentes no Rio de Janeiro (LEITE,
2012, p.382).
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 31
de negócios, deve, pela sua essência, ser capaz de conduzir um trabalho com foco
no resultado em qualquer circunstância ou mercado, inclusive na favela.
O presente caso abrange o escopo de troca de experiência e crescimento mú-
tuo, quando envolve o contato de duas culturas, além da experiência do turismo
na favela. No âmbito social, a relevância do caso se dá para a comunidade e pela
troca cultural.
Uma iniciativa empreendedora na comunidade da favela traz, além de opor-
tunidades e novas referências para o ambiente, um crescimento e desenvolvimento
para a região. Algumas iniciativas governamentais e mesmo privadas de assisten-
cialismo, por vezes, são realizadas sem a participação e diálogo com os residentes
(público-alvo) e acabam por não serem tão efetivas nem para a comunidade e nem
para o investimento realizado. O caso estudado, além da perspectiva de negócio,
atua como desenvolvimento sociocultural da comunidade, pois retorna parte do
seu investimento por meio de aulas de línguas para crianças, através da Pavão
Acima, uma iniciativa social do próprio negócio de turismo que será apresentada
ao longo deste caso.
Ainda na comunidade, as iniciativas empreendedoras são alternativas de fu-
turo, uma vez que se caracterizam como referência de sucesso profissional, meio
de geração de renda, ética e desenvolvimento pessoal. O negócio de turismo, so-
bretudo, transforma a região em um espaço de circulação e inserção na sociedade
sob a ótica de quebra de paradigma, em que o residente da favela passa a ser visto
com mais respeito.
No que tange à troca cultural, o que se percebe é que, ao realizar visitas orien-
tadas na favela, o empreendedor revela a riqueza da interação cultural entre visi-
tantes e visitados e o quanto isso amplia a visão de ambos. As aulas de idiomas po-
tencializam essas trocas, gerando uma experiência mais rica para ambas as partes.
Mercadologicamente, percebe-se uma oportunidade de turismo para o Rio
de Janeiro que vai além do turismo tradicional, ao oferecer uma experiência mais
profunda e introspectiva. O turista vai além do voyeurismo e passa a interagir com
a cultura, a sociedade e com a economia da região, desfrutando da realidade, ou
seja, da experiência verdadeira na proposta de conhecer outro país ou região.
A maior parte dos passeios é realizada a pé pela proposta em si de imersão no
contexto e interação com os locais e pela acessibilidade. Uma característica das fa-
34 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Gabriel comenta que está buscando uma maneira de obter mais voluntários
envolvidos com o projeto, pois, com o tempo, eles deixam o projeto e, assim, as
crianças param de ir às aulas.
Nesse sentido, ele tem procurado maneiras de reinventar o interesse das
crianças pelas aulas. O empreendedor possui novas ideias para mantê-las com fre-
quência nas aulas, como por exemplo, oferecer um lanche ou combinar um jogo
de futebol na praia com as crianças de um colégio bilíngue para que, brincando,
pratiquem o inglês. A própria interação com os turistas que transitam pelo morro
já motiva o interesse pela língua e, assim, o negócio e a iniciativa beneficente de
Gabriel se realimentam.
3 OS DESAFIOS
Agradecimentos:
Advisor Global Business Project: Lynne Gerber
Equipe University of North Carolina: Sarah Kovalski; Faye Moussa; Justin
Reyes; Charles Collins; Cacilda Teixeira
CEO Favela Connection: Gabriel Abreu
NOTAS DE ENSINO
1. SUMÁRIO DO CASO
Esse caso de empreendedorismo social discute como uma iniciativa gera ren-
da para a comunidade local e mostra às crianças da localidade que há outras op-
ções além do envolvimento com o tráfico a partir do turismo e de aulas de inglês.
A iniciativa Favela Connection oferece passeios turísticos pelas favelas, expondo
os turistas à cultura, lojas e vistas panorâmicas oferecidas. Já Pavão Acima é um
projeto que oferece aulas de inglês para as crianças do morro do Pavão, como uma
forma de que as crianças possam servir de guias de turismo, além de incentivá-las
a ficarem afastadas do tráfico de drogas da comunidade em que vivem.
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
3. QUESTÕES
realidade diferente daquela a que estão acostumadas. Que outras iniciativas ainda
podem ser desenvolvidas a partir do Favela Connection?
c) Apesar da insegurança das favelas, quais iniciativas de marketing podem
ser desenvolvidas com o objetivo de dar maior visibilidade para os projetos?
d) De que forma a própria comunidade pode estimular outros empreende-
dores?
e) Como o turismo pode ser visto como uma oportunidade para as comuni-
dades de favela?
5. INDICAÇÃO DE LEITURA
REFERÊNCIAS
BLANKE, J.; CHIESA, T. The travel & tourism competitiveness report 2013. In: The
World Economic Forum, 2013.
MULGAN, G. et al. Social Innovation. What it is, why it matters and how it can be
Accelerated. Oxford: The Young Foundation, 2007.
Caso 2
Este caso trata de uma história fictícia inspirada por diferentes relatos dos
desafios e dificuldades que imigrantes senegaleses enfrentaram e enfrentam na sua
vinda ao Brasil. Somos guiados pela história de Omar, imigrante senegalês que
veio ao Brasil em busca de uma vida melhor para a sua família. Ele, assim como
outros milhares de imigrantes, deparou-se com dificuldades econômicas, sociais
e políticas que o impediam de inserir-se tanto no mercado de trabalho quanto
na sociedade. Observamos, sob a ótica do imigrante, os desafios que ele precisa
enfrentar, as iniciativas de inovação social e a mobilização de diferentes atores pú-
blicos e privados que buscam soluções para melhorar o processo de integração dos
imigrantes no novo país e na nova cultura. Este caso de ensino tem como objetivo
facilitar o processo de ensino-aprendizagem de temas relacionados às iniciativas
de inovação social voltadas ao processo de imigração e inserção do imigrante no
cenário nacional.
42 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
destaque no cenário mundial. Viajar para o Brasil representava uma rota mais se-
gura e um destino menos hostil do que ir para a Europa.
Então, em outubro de 2014, com uma mala pequena, algumas poucas coi-
sas, com pouco dinheiro e muita esperança, Omar iniciou sua grande aventura.
O caminho para chegar ao Brasil não foi fácil. A rota que Omar decidiu seguir é
complexa e demorada. Na busca por passagens para chegar ao Brasil, ele encon-
trou algumas opções com pontos de conexão em Casablanca e Madri que seguiam
direto para o Brasil. Contudo, esses voos eram muito caros. Por isso, Omar decidiu
por uma viagem mais longa, mas que cabia em seu orçamento. Ele percorreu mais
de dez mil quilômetros para chegar ao seu destino; partiu de Dakar com chegada
em Quito no Equador, de onde seguiu para o Acre pelo Peru e, de lá, pegou um
voo direto a São Paulo.
2 UM RECOMEÇO
Chegar ao Brasil não foi fácil. Apesar disso, os desafios estavam apenas co-
meçando. Ele não sabia quase nada sobre o país. Além da língua regional oficial do
Senegal, o wolof, Omar falava fluentemente francês e espanhol e tinha uma com-
preensão razoável do inglês. No entanto, infelizmente, não falava absolutamente
nada em português. Ele imaginou que, chegando ao Brasil, encontraria alguém que
falasse um dos idiomas que ele sabia e, assim, o auxiliaria a se orientar para qual
direção seguir; porém, isso não aconteceu. Ele tentou falar em todas as línguas que
conhecia. Contudo, as pessoas sabiam apenas o português. Ninguém o entendia e
ele não conseguia compreender a difícil língua portuguesa.
Para sua sorte, caminhando pelas ruas de São Paulo, encontrou outro imi-
grante senegalês. Omar, então, ficou mais tranquilo ao encontrar seu conterrâneo.
Culturalmente, os senegaleses possuem laços sociais fortes e defendem que, mes-
mo que as pessoas não se conheçam, elas devem se ajudar. Então, bastava um único
contato para que ocorresse a ajuda mútua. Essas redes baseadas na nacionalidade
em comum foram muito importantes para que Omar pudesse se organizar em um
novo lar.
Senegaleses que residiam em São Paulo informaram a Omar que, no Rio
Grande do Sul, havia muitas oportunidades de emprego e lhe indicaram alguns
contatos com os quais ele poderia buscar ajuda. Estabelecer grupos representava
uma forma de viver e vencer juntos os desafios (DIALLO, 2021).
Com doações desses novos amigos, Omar conseguiu comprar a passagem
para Porto Alegre. Entretanto, em Porto Alegre, o sonho de Omar de construir
um novo lar parecia cada vez mais distante. O acesso à moradia regular era prati-
camente impossível aos imigrantes, porque a maioria não possuía autorização de
residência no Brasil e o processo de visto era demorado e pouco eficiente; além
disso, os critérios de refúgio não atendiam à atual imigração. Por isso, Omar foi
morar em um apartamento alugado em conjunto com outros seis senegaleses que
estavam há mais tempo no país.
Já estabelecido em Porto Alegre, Omar saiu em busca de trabalho. No entan-
to, deparou-se com um dos principais entraves que também era vivido por muitos
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 45
sol, relógios, roupas, acessórios como colares e anéis entre outros itens. No entanto,
isso despertou a atenção dos órgãos públicos e sociedade civil. A comercialização
na rua era proibida, por isso muitas vezes eles tinham sua mercadoria apreendida.
Omar ficava triste com essa situação. O Brasil era um país legal, mas era preciso
buscar novas soluções para viabilizar a atuação desses imigrantes.
A crise econômico-financeira, a intolerância e o preconceito potencializam as
necessidades dos imigrantes e aumentam as desigualdades sociais. A distância da
família e a condição de vida precárias eram exemplos da negação de direitos hu-
manos aos estrangeiros. Com vistas a diminuir estas necessidades, diferentes atores
se conectaram em rede para promover iniciativas que reduzissem tais problemas.
Omar sempre teve em sua cultura a importância da ajuda mútua entre os imi-
grantes senegaleses. Todavia, muitas vezes, esse esforço não era suficiente. E, por
isso, novos atores precisavam envolver-se para buscar soluções às tantas questões
que esses imigrantes sofriam. Apesar de ainda passarem por muitas dificuldades,
Omar ficou feliz por perceber que diferentes atores se mobilizaram com o intuito
de apoiar os imigrantes senegaleses. Dentre os atores, Instituições de Ensino Su-
perior, Igrejas, Associações, Agentes Governamentais, Órgãos sem Fins Lucrati-
vos, Empresas, Sociedade civil, entre outros.
Contudo, Omar verificou que esses atores muitas vezes se organizavam se-
paradamente, não atuavam em conjunto. Ele viu boas iniciativas que buscavam
apoiar o imigrante, mas que eram esforços de um pequeno grupo de atores, que
não atuavam em conjunto com outras iniciativas. Omar via, porém, um esforço de
um importante ator que tentava organizar melhor essa rede: a Associação de Se-
negaleses. A Associação buscava, a partir de necessidades identificadas e relatadas
pelos imigrantes, assumir um papel mediador entre os atores voluntários, agentes
públicos e sociedade civil, buscando alternativas que sanassem o problema verifi-
cado.
A Associação foi muito importante para Omar. Quando ele chegou em Por-
to Alegre, foi por meio da Associação que ele conseguiu encontrar um local para
48 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
morar. E, quando ele estava já empregado, Omar passou a ajudar a Associação para
que outros senegaleses pudessem também ser ajudados. Por meio da Associação,
Omar também conseguiu regularizar sua documentação.
A Associação teve papel essencial como mediadora para as necessidades dos
imigrantes. A Associação foi algo criado a partir da cultura senegalesa. Omar lem-
bra que no Senegal cada bairro tem sua associação com atividades na parte social,
sem foco financeiro. Então, quando eles saem em qualquer lugar do mundo que
tenha uma comunidade senegalesa, mais de 10, 20, 30 pessoas, automaticamente,
eles formam a associação; e aqui no Brasil não foi diferente.
A Associação assumia um papel fundamental para os imigrantes na sua inser-
ção laboral e social. Não representava apenas um ponto de encontro de todos (cul-
turalmente falando), mas também era um ponto de referência para os imigrantes.
Eles sabiam que podiam recorrer à Associação quando um imigrante precisasse de
apoio. Esse papel era também reconhecido pelos outros atores envolvidos: institui-
ções de ensino, atores governamentais e ONGs.
Diante dos desafios dos imigrantes, que eram cada vez maiores, além da As-
sociação, outros atores também precisavam estar capacitados para auxiliar esses
indivíduos. Um grupo de trabalho foi criado pelo Comitê Estadual de Atenção
aos Imigrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas do Tráfico de Pessoas (Comirat-
-RS) para capacitar os agentes envolvidos na integração de imigrantes, abordando
temas como encaminhamentos sobre documentação, condição jurídica e demais
cadastros nos serviços públicos.
Além deste, outros grupos foram criados, por exemplo, o Grupo de Assesso-
ria a Imigrantes e a Refugiados (GAIRE), um grupo de extensão universitária que
prestava gratuitamente assessoria jurídica, psicológica e social aos imigrantes. Esse
grupo possuía um forte trabalho em rede, destacando-se a parceria com o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com a Associação
Antônio Vieira (ASAV) e com o CIBAI Migrações.
Ao perceber o crescimento no número de migrantes e de suas necessidades,
a Prefeitura de Porto Alegre abriu um Centro de Referência aos Imigrantes, com
o intuito de atender de forma planejada e focada às necessidades dessa população.
O centro também tinha como objetivo estabelecer novos projetos para promover a
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 49
inclusão social dos imigrantes e refugiados em Porto Alegre, além de integrar me-
lhor os serviços municipais e federais neste setor (PORTELLA; BORBA, 2021).
Percebeu-se que, apesar de ainda não serem suficientes, novas formas de re-
lacionamento e parcerias estavam sendo estabelecidas com foco nos imigrantes
que estão no Brasil. Nesses contextos, a ausência de uma arquitetura unificada de
governança faz emergir atores privados e voluntários, como ONGs, governos e
organizações locais (SAHIN MENCUTEK, 2021).
Quando essas e outras instituições identificavam algum problema relacio-
nado aos imigrantes, eles comunicavam à Associação, uma vez que lá se entendia
o senegalês, sua cultura e seus valores. Então, a partir da identificação de algum
problema ou carência enfrentada pelos imigrantes, os atores se mobilizam para
buscar soluções e, desse modo, a necessidade social torna-se um ponto de partida
para inovações.
Contudo, Omar percebia que as iniciativas ainda estavam desconectadas entre
si. O que se percebia era que havia diferentes iniciativas espelhadas, que lutavam
individualmente para buscar melhores condições para os imigrantes. Entretan-
to, havia muita dificuldade em promover uma maior integração desses diferentes
atores. Muitas vezes, uns não sabiam dos outros. Tornavam-se projetos pontuais e
que não conseguiam ter longevidade. Além disso, o alcance dessas iniciativas aca-
bava por ser restrito e muitos imigrantes nem ficavam sabendo da sua existência.
Apesar das iniciativas terem o mesmo objetivo, que é inserir o imigrante tanto no
contexto laboral quanto social, os esforços ainda não eram conjuntamente coor-
denados. Algumas iniciativas promissoras alcançavam alguma mobilização maior,
mas a maior parte não conseguia promover o engajamento necessário para reforçar
esse ecossistema social.
4 UM PONTO DE PARTIDA
sequer ouviram falar delas. Por isso, Omar iniciou um esforço para tentar mapear
essas ações e assim ampliar o alcance delas para o maior número de imigrantes
possível.
Em sua busca, Omar percebeu que essas iniciativas buscavam integrar os mi-
grantes na sociedade envolvendo várias áreas, incluindo emprego, educação, habi-
tação, saúde, inclusão sociocultural e participação política. Alguns atores, por sua
vez, contribuíam para o acolhimento e recebimento dos imigrantes. Havia ini-
ciativas para minimizar a burocracia para a regulamentação das documentações.
A atuação e mobilização para a regularização documental era uma importante
iniciativa, já que requeria o envolvimento e contribuição de vários atores para se
chegar a uma solução.
Para facilitar a comunicação, diferentes atores se mobilizaram para propiciar
o aprendizado da língua portuguesa. Instituições de Ensino Superior ofertavam
cursos de português, bem como professores voluntários também se engajavam para
ensinar o idioma aos imigrantes. Além da iniciativa de ensinar a língua materna
brasileira, era importante propiciar ao imigrante a criação de novas raízes à terra
que os acolhe, assim como inseri-los no novo contexto social por meio de pas-
seios, atividades culturais, oficinas de dança e de teatro (Missão Pompeia). Alguns
programas eram igualmente desenvolvidos para treinar e capacitar os imigrantes,
incluindo o desenvolvimento de competências para o empreendedorismo.
Assim, Omar se deparou com vários ações direcionadas para o imigrante,
como orientação sobre serviços, programas e benefícios sociais; incentivo à capa-
citação e ao ensino dos migrantes; orientação e ajuda financeira com a expedição
de documentos; encaminhamento a Consulados, Órgãos Governamentais, Fun-
dações, Associações, Abrigos, Hospitais e Redes de Ensino; visitas domiciliares
e hospitalares; doação de roupas e alimentos; atendimento à criança migrante;
acompanhamento psicológico (MISSÃO POMPEIA, 2019). Ele também obser-
vou iniciativas que buscam pressionar demandas públicas por maior da reorgani-
zação das autoridades em busca de apoio ao imigrante.
Essas iniciativas buscavam promover o empoderamento e a participação do
imigrante no contexto social em que ele estava inserido. Era importante que o
imigrante não fosse apenas um observador da nova realidade, mas que ele pudesse
aprimorar a sua participação na sociedade. E a partir disso, resgatar a sua cidadania.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 51
Contudo, para isso, ele precisava ter uma qualidade de vida adequada a partir da
inclusão e de condições justas no mercado de trabalho, e isso não era um processo
fácil. Além da barreira com o idioma, o imigrante muitas vezes não possuía o visto
necessário para ingressar no mercado de trabalho, sem contar que alguns emprega-
dores preferem não empregar trabalhadores de outras etnias. Tudo isso dificultava
a inserção em atividades formais. Por isso, as ações buscavam não só a inclusão de-
les no mercado de trabalho, mas também buscavam fiscalizar o trabalho para coibir
práticas ilegais e desumanas. É importante destacar que, para contornar esses obs-
táculos, os imigrantes passaram a empreender na cidade, sendo então empresários,
atuando também como empregadores de outros imigrantes.
Vale lembrar que o Brasil possui um passado colonial e foi destino de imi-
grantes em diferentes momentos de sua história. No entanto, desde 1980, vigorava
no país o Estatuto do Estrangeiro, que havia sido elaborado no período do regime
militar e adotava uma perspectiva de segurança nacional, segundo o qual o imi-
grante era visto como uma ameaça. Com o aumento do número de imigrantes, o
tema foi recebendo cada vez mais atenção por parte dos formuladores de políticas,
prova disso é refletida na introdução de medidas políticas específicas para esse
grupo. Por isso, a partir de 21 de novembro de 2017, entrou em vigor a nova Lei de
Migração que representou avanços na política migratória brasileira, com a mudan-
ça de enfoque para a garantia dos direitos das pessoas imigrantes.
Percebeu-se um aumento dos debates acadêmicos, políticos e da sociedade,
de que algo precisava ser feito. Omar precisava fazer a sua parte, então, aproximou-
-se ainda mais da Associação dos Senegaleses. Começou a se envolver em ações
para integrar e aproximar os imigrantes e os brasileiros através da cultura senegale-
sa. Além disso, tornou-se mais ativo nas discussões sobre a situação dos imigrantes,
passou a ir em eventos, palestras, encontros, workshops, enfim, ele queria cada vez
mais dar seu testemunho e contar a sua visão de tudo o que acontecia.
Apesar de, no Brasil, Omar perceber que o governo, principalmente na ins-
tância federal, ignorava indivíduos em situação como a dele (diferentemente da
migração europeia quando se discutia mais sobre o tema), e de observar a falta de
representatividade dos imigrantes nos órgãos públicos, cada vez mais havia uma
mobilização de diversos atores que tentavam encontrar soluções para suprir as
necessidades sociais enfrentadas pelos senegaleses e que aos poucos conseguiam
52 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
estabelecer alguns resultados, embora ainda não houvesse uma avaliação sistema-
tizada do real impacto gerado. Nesse contexto, as iniciativas de inovação social
emergiram como importantes alternativas para promover mudanças sociais mais
profundas e duradouras.
5 DESAFIOS
NOTAS DE ENSINO
1. RESUMO DO CASO
Este caso de ensino foi desenvolvido para ampliar a compreensão das questões
relacionadas aos desafios enfrentados pelos imigrantes senegaleses ao buscarem
inserção laboral e social no contexto brasileiro. O material apresentado permitirá
que os alunos tenham uma visão sobre os problemas mais urgentes relacionados à
imigração.
O presente caso de ensino não requer conhecimentos de disciplinas especí-
ficas, então ele pode ser utilizado em qualquer curso como uma ferramenta para
treinar as habilidades sociais dos alunos, bem como para aumentar sua consciência
sobre as necessidades enfrentadas pelos imigrantes senegaleses, buscando inspirá-
-los sobre os modos a partir dos quais esses problemas podem ser resolvidos.
3. QUESTÕES
A Europa, que antes era um destino, está em crise. A Argentina teve imigrantes
senegaleses há 10 anos. Agora, eles vieram para o Brasil [...]” (ESPEIORIN, 2014,
não paginado).
A opção dos imigrantes pelo Brasil se dá pelas fronteiras abertas do país, sem
as restrições impostas nos Estados Unidos e na Europa, bem como pelo cresci-
mento econômico que o país apresentou em anos anteriores (SIMON; LAUXEN,
2018). Em 2011, foram cerca de 1.450 autorizações. Em 2017, esse número era
de 4.801. No entanto, atingiu o pico em 2014, quando foram emitidas 36.292 au-
torizações (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACEDO, 2018). No Estado do Rio
Grande do Sul, a maior concentração desses indivíduos está nas cidades de Passo
Fundo e Caxias do Sul, conforme ilustra-se na Figura 2.
ativa do Senegal ainda é restrita e restringida àquelas que não professam a religião
islâmica. Entretanto, aproximadamente 94% da população senegalesa é muçulma-
na, o que justifica uma participação reduzida de mulheres imigrantes senegaleses
tanto no Brasil como no Rio Grande do Sul, correspondendo apenas a 1,6% do
estoque imigratório neste estado.
O perfil do imigrante senegalês no estado do Rio Grande do Sul foi com-
preendido como: homem, adulto (entre 19 e 50 anos), solteiro, alfabetizado, nível
secundário e profissionalizante de ensino, sem dependentes diretos de primeiro ou
segundo grau e uma formação profissional) (UEBEL, 2016).
No Brasil, a busca por mão de obra esteve relacionada principalmente à in-
dústria frigorífica, metalúrgica e de construção civil (HERÉDIA et al., 2015), bem
como ao comércio de rua (GONZZATO, 2017). Contudo, aqui no país, depara-
ram-se com a crise econômica e com a precariedade de políticas públicas, insufi-
cientes para dar conta de suas necessidades básicas (SIMON; LAUXEN, 2018).
Além disso, na chegada, a maioria dos migrantes não têm renda proveniente de
trabalho regular. Verifica-se, ainda, que a maioria não declara a profissão e se co-
loca à disposição de qualquer setor com necessidade de mão de obra. Nesse ponto,
verifica-se que o fato de aceitarem determinados trabalhos informais os coloca em
uma situação de vulnerabilidade (HERÉDIA; TEDESCO, 2015).
Nesse sentido, cabe mencionar que as dificuldades estão relacionadas tam-
bém ao acesso à moradia, visto que, muitas vezes, alugam imóveis em conjunto e
solucionam essa questão de forma coletiva (HERÉDIA; GONÇALVES, 2017).
Além disso, constatou-se que a maioria dos senegaleses não tem domínio do por-
tuguês (TEDESCO; GRZYBOVSKI, 2013). Apesar disso, observa-se aqueles
que são fluentes em línguas modernas como francês, inglês e espanhol, além das
línguas regionais oficiais (wolof, soninquê, serer, fulani, maninka e diola) utilizadas
principalmente quando estão reunidos (UEBEL, 2016).
O aumento no número de imigrantes para o Brasil apresenta um desafio, não
apenas em termos do amparo imediato a esse indivíduo que chega ao país com
poucas informações, mas também no que diz respeito a sua integração a longo
prazo na sociedade. Por isso, a mobilização de atores em prol de abordagens social-
mente inovadoras é necessária para promover a integração eficaz dos imigrantes.
58 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Grupos pobres e marginalizados: Beneficiários, por vezes, atores ativos nos processos de
inovação social.
Atores governamentais: São considerados como fornecendo o frame para estimular a
inovação social, são atores centrais quando se trata de inovação do setor público.
Sahin Mencutek (2021, p. 185) defende que as “[...] experiências e vozes dos
migrantes são cruciais não apenas para verificar as implicações, mas também para
moldar a governança de baixo para cima”. Isso porque somente com a participação
dos imigrantes as iniciativas poderão abarcar todas as características dos comuni-
cados para superar as barreiras do idioma, diferenças culturais e fontes dispersas de
informação. Por isso, o autor evidencia a importância da inserção dos imigrantes
nas iniciativas, principalmente que esses indivíduos participem de órgãos consul-
tivos em áreas como educação, emprego, saúde, habitação ou outros que forem
necessários (SAHIN MENCUTEK, 2021).
Frente ao que foi exposto até aqui, cabe reiterar que as iniciativas de inovação
social precisam construir pontes e criar vínculos entre esses atores. Promover a
colaboração entre eles é fundamental para criar consciência e empatia em torno
de uma visão compartilhada. Cada envolvido tem suas próprias visões, missões e
objetivos, por isso é importante reconhecer essas diferenças para promover um ali-
nhamento entre os diferentes interesses e expectativas (BELLANDI; DONATI;
CATANEO, 2021). Ao colaborarem e compartilharem recursos e conhecimentos,
eles desenvolvem uma visão conjunta das necessidades sociais e cocriam as possí-
veis soluções (CASTRO-ARCE; VANCLAY, 2020).
Diante disso, observando o contexto dos imigrantes senegaleses, percebemos
alguns elementos que podem orientar os atores em busca de uma melhor organi-
zação e por soluções para as necessidades dos desafios enfrentados pelos imigran-
tes. O primeiro elemento refere-se à identificação das necessidades e problemas
enfrentados pelos imigrantes, no sentido de mapear as carências observadas, bem
como os indivíduos impactados. O engajamento dos atores irá ocorrer quando
uma questão social emergente atrair a atenção deles. Por isso, o processo de inova-
ção social inicia com a identificação do interesse comum em um problema social
específico, em relação ao qual a comunidade de atores irá se mobilizar e estabelecer
novas formas de interação em prol desse objetivo.
Contudo, o que se verifica, no contexto de imigração, são várias ações isola-
das, que não estão conectadas e que muitas vezes possuem objetivos compartilha-
dos cujos esforços poderiam ser somados em direção a mudanças mais significa-
tivas. Por isso, um segundo elemento relevante no caso dos imigrantes é mapear e
analisar quem são os diferentes atores e quais são as iniciativas desenvolvidas para
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 61
Assim, a partir da história evidenciada neste caso, foi possível perceber que
os vários desafios enfrentados pelos imigrantes senegaleses são ocasionados princi-
palmente pela falta de uma governança para imigração estruturada tanto em nível
local quanto nacional. Há necessidade de se estabelecer políticas de imigração mais
eficientes que sustentem novas arquiteturas de governança e garantam o apoio e a
inclusão desses cidadãos. Além disso, o fato de a questão de migração extrapolar
os limites de atuação dos governos e requerer o envolvimento de diferentes atores,
a adoção de mecanismos de governança que orientem a cooperação e organização
desses atores minimiza os possíveis objetivos opostos que podem frustrar esses
esforços (VAN RIEMSDIJK; MARCHAND; HEINS, 2021).
Seguem, abaixo, algumas recomendações que apresentam mais informações sobre a imi-
gração no Brasil:
https://brazil.iom.int/
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 65
https://news.un.org/pt/focus/migrantes-e-refugiados
https://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/view/1765
https://www.ucs.br/site/revista-ucs/revista-ucs-11a-edicao/senegal-a-nova-cara-do- imi-
grante/
REFERÊNCIAS
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estudos futuros. Brazilian Business Review, v. 14, n. 4, p. 385-402, 2017.
BELLANDI, M.; DONATI, L.; CATANEO, A. Social innovation governance and the
role of universities: Cases of quadruple helix partnerships in Italy. Technological Fore-
casting and Social Change, v. 164, p. 120518, 2021.
ESPEIORIN, V. A nova cara do imigrante. Revista UCS Caxias do Sul. 2014. Disponí-
vel em: <https://www.ucs.br/site/revista-ucs/revista-ucs-11a-edicao/senegal-a-nova-cara-
-do-imigrante/>. Acesso em: 10 out. 2021.
KELLEY, Keith W.; FELDMAN, Sue S.; GRAVELY, Steven D. Engaging and Sus-
taining Stakeholders: Towards Governance. In: Health Information Exchange. Aca-
demic Press, 2016. p. 59-76.
KUMARI, Richa et al. Co-creation for social innovation in the ecosystem context: the
role of higher educational institutions. Sustainability, v. 12, n. 1, p. 307, 2020.
OECD. Working Together for Local Integration of Migrants and Refugees. OECD
Regional Development Studies, OECD Publishing, Paris, 2018. Disponível em: <https://
www.oecd.org/cfe/regionaldevelopment/OECD-migration-local-factsheet.pdf>. Acesso
em: 28 set. 2021.
VAN DER LAND, V.; FOURIER, J. Focus Senegal. In: Climate Change, Environment
and Migration in the Sahel Selected Issues with a Focus on Senegal and Mali. 2012.
Disponível em: <https://resourcecentre.savethechildren.net/pdf/6378.pdf/>. Acesso em:
28 set. 2021.
VAN RIEMSDIJK, M.; MARCHAND, M. H.; HEINS, V. M. New actors and con-
tested architectures in global migration governance: continuity and change. Third World
Quarterly, v. 42, n. 1, p. 1-15, 2021.
Caso 3
QUALIFICAÇÃO EMPREENDEDORA
DE PROJETOS INOVADORES E DE
EMPREENDIMENTOS DE IMPACTO
SOCIOAMBIENTAL EM ESTÁGIO INICIAL
Silvio Bitencourt da Silva
Claudia Cristina Bitencourt
Meu nome é Augusto1. Sou empreendedor e, com mais três colegas egressos da
Universidade, decidimos construir um negócio para promover soluções que geras-
sem mudanças na realidade de pessoas e/ou comunidades vulneráveis. Era 2020,
eu e meus colegas tínhamos concluído nossa graduação e havíamos feito a opção
pelo empreendedorismo. Queríamos unir uma ideia lucrativa com a possibilidade
de gerarmos impacto positivo na sociedade. Entendemos que se tratava de um
negócio com propósito e que devíamos alinhar nossas estratégias ao impacto so-
cioambiental positivo. Tínhamos em mãos o projeto de empreendimento de im-
1 A UNITEC
2 O PROGRAMA
3 OS ATORES DO PROGRAMA
4 O PLANO DE ATENDIMENTO
4 O APRENDIZADO
iv. Capital semente: a demanda por um dinheiro com mais apetite a risco
e que ajude o empreendedor a validar sua solução se mantém bastante
alta ao longo do tempo.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 79
Por outro lado, alguns aspectos positivos reforçaram que estamos seguindo
um caminho próspero:
i. Diversidade: o fortalecimento do Nordeste do país na agenda de im-
pacto colabora para o desafio de descentralização do setor e reflete
ações de importantes coalizões entre organizações da sociedade civil,
governo, empresas e investidores.
(US$ 343 milhões). O GUIA 2.5, em sua terceira edição (2019/2020) (QUIN-
TESSA, 2021), já mapeou 19 iniciativas de investimento em negócios de impacto
no ecossistema brasileiro. Além das iniciativas que trabalham com a modalidade
de investimento de risco (Venture Capital), temos também iniciativas de emprés-
timos com foco em impacto. Tais conhecimentos nos permitiram vislumbrar opor-
tunidades e definirmos com maior assertividade nosso potencial de crescimento.
Aliás, aprendemos que a denominação setor 2.5 trata dos negócios de impacto que
apresentam características tanto do 2º setor (empresas privadas, marcadas pelo
foco em sustentabilidade financeira e geração de lucro) quanto do 3º terceiro setor
(organizações sem fins lucrativos, marcadas pelo foco em gerar impacto socioam-
biental positivo). Os negócios de impacto que, por meio da venda de produtos e
serviços trazem soluções para superar desafios sociais e ambientais, configuram-se
então com esta combinação entre ambos, por isso setor 2.5.
NOTAS DE ENSINO
1. RESUMO DO CASO
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
3. PÚBLICO-ALVO
Popularizado por Carol Weiss (1995), entre outros, o termo ‘Teoria da Mu-
dança’ se refere a uma forma de descrever o conjunto de suposições (ou teorias)
que explicam todas as etapas que levam ao alcance de uma meta de longo prazo e
as conexões entre as atividades do programa e os resultados que ocorrem em cada
etapa do caminho.
A Teoria da Mudança consiste em, inicialmente, definir o impacto que o
empreendimento quer causar como um objetivo bem definido, para depois desen-
volver passos necessários para alcançar a meta. Para esse fim, é sugerido mapear a
sequência lógica de atividades, recursos, objetivos, resultados e impactos esperados
em uma perspectiva de longo prazo. Também, é essencial para monitorar o impac-
to de um projeto considerado de impacto socioambiental. Permite, ainda, mensu-
86 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
rar como está o progresso das atividades ao longo do tempo, por exemplo, como as
pessoas estão sendo beneficiadas pelo projeto e quantas são impactadas.
A definição da Teoria da Mudança pode ser buscada de diversas formas,
como ao seguir as dez etapas sugeridas por James Noble (2019):
a. Elaborar o Diagnóstico: Análise da Situação
b. Definir o público-alvo: Quem são as pessoas que a organização pretende
ajudar ou influenciar?
c. Definir o Impacto: Qual é a mudança sustentada ou de longo prazo que
vocês querem ver acontecer?
d. Definir os Resultados: Que alterações de curto prazo para o seu grupo-alvo
podem contribuir para o impacto?
e. Definir as Atividades: O que a organização (ou o projeto) vai fazer para
gerar os resultados (do Passo 4) ?
f. Explicitar os Mecanismos de mudança: Como as atividades causarão os
resultados desejados?
g. Explicitar o Sequenciamento: Qual é a ordem para que os resultados e o
impacto ocorram?
h. Elaborar o Diagrama da Teoria da Mudança: Construir um diagrama, ou
uma tabela do tipo marco lógico, para explicitar a relação esperada entre atividades,
mecanismos, resultados e impacto.
i. Definir demais públicos relevantes (parceiros) e “fatores facilitadores”:
Como o ambiente externo poderá afetar os objetivos e planos?
j. Estabelecer os pressupostos: Quais são os pontos frágeis e incertos da teoria
da mudança proposta? Importante colocar-se no lugar dos críticos mais ferozes ao
projeto: o que eles iriam questionar ou duvidar?
5.3.4 MODELO C
Duas ferramentas têm sido utilizadas para modelar negócios de impacto so-
cioambiental: o Business Model Canvas e a Teoria de Mudança. Consolidada em
um guia de referência, o Guia Modelo C – #changemodel, a nova abordagem des-
taca que é essencial aos negócios de impacto considerar que as suas duas dimensões
– impacto e retorno – são indissociáveis.
A proposta nasce da parceria que reuniu a Move Social e o Sense-Lab, em-
presas que atuam nos segmentos de planejamento estratégico e inovação, e contou
com o apoio do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e da Fundação Grupo
Boticário de Proteção à Natureza, conforme é observado na Figura 3.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 89
Figura 3. Modelo C
objetivo deste tipo de MVP é medir o nível de interesse dos seus clientes e captar
contatos e dados deles.
MVP é a sigla que representa o Mínimo Produto Viável (Minimum Viable
Product, em inglês). De um jeito simples, podemos definir o MVP como uma ver-
são enxuta de uma solução, que contém apenas suas funcionalidades básicas. Pode
ser um software, serviço, produto físico ou digital.
5.3.7 PITCH
Links: https://www.inovativabrasil.com.br/platafor-
ma/desafio/31
https://www.tecnosinos.com.br/
https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae
https://anprotec.org.br/site/
https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-
-a-informacao/institucional/quem-e-quem/
secretaria-especial-de-produtividade-empre-
go-e-competitividade
Redes Instagram
Sociais: https://www.instagram.com/inovativabr/
https://www.instagram.com/tecnosinos/
Facebook
https://pt-br.facebook.com/InovativaBrasil/
https://m.facebook.com/Tecnosinos/
REFERÊNCIAS
CAROLI, P. Lean Inception: how to align people and build the right product. Editora
Caroli, 2018.
MAURYA, A. Running lean: iterate from plan A to a plan that works. “ O’Reilly Media,
Inc.”, 2012.
NOBLE, J. Theory of change in ten steps. London: New Philanthropy Capital. Recu-
perado de https://www. thinknpc. org/resource-hub/ten-steps, 2019.
REIS, E. The lean startup. New York: Crown Business, v. 27, 2011.
SEBRAE. Aprenda sobre o quadro Lean Canvas e comece sua startup. 2019. Dis-
ponível em: <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/pb/artigos/aprenda-
-sobre-o-quadro-lean-canvas-e-comece-sua-startup,08c7190f394c9610VgnVCM-
1000004c00210aRCRD>. Acesso em: 30 jan. 2022.
SINEK, S. Start with why: How great leaders inspire everyone to take action. Penguin,
2009.
Caso 4
A Mercur, representando seu papel como ator social, também acreditava ser
responsável pelo desenvolvimento local e pela prosperidade social. Nesse sentido,
através de estratégias e ações, esforçou-se em promover uma ocupação significativa
e renda compatível a seus colaboradores. Como exemplo das boas práticas aplica-
das, citamos: (i) a redução da carga horária e consequente manutenção dos níveis
de emprego; (ii) incentivo ao desenvolvimento local e aos pequenos produtores
ligados à agroindústria local; (iii) estímulos de feiras internas nas quais os colabo-
radores vendem os seus produtos; e (iv) disponibilidade de espaços educacionais
que proporcionam debates sobre questões de ocupação e renda.
Desse modo, o processo de desenvolvimento de produtos na empresa pas-
sou a ser iniciado a partir da identificação de uma necessidade que emergia das
interações com a comunidade. Para tanto, a empresa apresentou um processo de
cocriação, que era desenvolvido por meio de linhas de trabalho específicas para
cada segmento de produtos. As linhas de trabalho eram processos que reuniam um
conjunto de indivíduos para o desenvolvimento de um produto, em relação ao qual
a empresa experimentava novas formas para desenvolver soluções, produtos e ser-
viços, que atendiam necessidades reais, cocriadas junto com as pessoas que viviam
no contexto do problema/solução.
104 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Por exemplo, havia uma linha de trabalho ligada à tecnologia assistida que
era direcionada à construção de dispositivos que facilitam a autonomia nas Ati-
vidades de Vida Diária (AVD’s). As ideias surgiam a partir de oficinas com a
participação de diferentes atores, que incluíam colaboradores das diferentes áreas
da empresa, bem como educadores, profissionais da área da saúde, familiares e os
próprios beneficiários. Dessa interação, novas soluções foram desenvolvidas, como
engrossadores para facilitar a prensa, fixadores de mão em tiras, produtos escolares
adaptados, entre outros. A inclusão desses atores no processo era feita de manei-
ra informal. A empresa convidava alguns parceiros voluntários, e estes acabavam
convidando novas pessoas para o grupo. A partir disso, uma rede de colaboração
se formou.
Nesse sentido, atores eram convidados a refletir sobre os propósitos pesso-
ais e da empresa. Todos deviam trabalhar na busca da consciência do “cidadão
planetário”, pois a nova gestão só se consolidaria, em sua totalidade, se esta fosse
compreendida por eles e fizesse parte do DNA da empresa. A empresa oferecia aos
envolvidos a oportunidade de participar em espaços de aprendizagem. Estes espa-
ços consistiam de encontros nos quais eram promovidos debates que abordavam
diversos temas, que iam desde conversas sobre o meio ambiente, diversidade até
temas como inclusão social, dentre outros. A ideia dessa interação derivou da cren-
ça de que a educação pode transformar a sociedade, incluindo a própria empresa.
Foi com a lógica de contemplar as necessidades das pessoas que a provocação
feita por Jorge à empresa a reaproximou de sua origem e de sua essência. Com
isso, a empresa passou a desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento
de sua região, levando a melhor saúde e bem-estar à comunidade. Ao desenvolver
produtos “com as pessoas” ao invés de apenas “para as pessoas”, estabeleceu um
novo papel para os negócios no mundo. E, para isso, as novas práticas tiveram que
ser apoiadas pela mudança de mentalidade em toda a empresa.
Contudo, incorporar a transformação social e a inovação social no core bu-
siness de uma empresa não parece ser uma questão relativamente fácil, tampouco
que apresente resultados a curto prazo. Jorge sabia que os desafios continuariam.
Entretanto, mantinha a esperança de que empresas como a Mercur S.A., com
“pequenas pílulas” de práticas de inovação social, conseguiriam fazer a diferença
no mundo.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 105
3 OS DESAFIOS
Apesar dos seus vários pontos fortes, a Mercur, como uma empresa que que-
brou um paradigma existente, tem sua cota de desafios e lacunas. O primeiro deles
diz respeito à mudança de mentalidade de seu público interno. Como a empresa
pode desconstruir os modelos mentais e convencionais existentes, com foco no lu-
cro e consumismo, e estimular cada vez mais a ideia de construção do mundo mais
sustentável, de um jeito bom para todo o mundo?
Outro desafio refere-se à orquestração de diferentes atores. Para a Mercur
criar impacto social, ela precisa engajar uma multiplicidade de atores, por exemplo,
colaboradores, usuários, instituições de ensino, fornecedores, entre outros. Por isso,
é crucial que a empresa crie uma rede que aumente o potencial de criação de valor,
orquestrando como irão trabalhar na busca de soluções adequadas para problemas
complexos. Assim, além de constantemente pensar alternativas para influenciar e
motivar esses atores internos e externos, a empresa precisa compreender e coorde-
nar processos, recursos e capacidades necessários para apoiar uma inovação mais
social e ambientalmente orientada.
Um terceiro desafio está relacionado à nova forma que a empresa toma suas
decisões. Como todas as decisões são tomadas de forma democrática por meio de
colegiados, com a participação do máximo de pessoas e a busca por um consenso,
acaba por se tornar um processo muito mais demorado. Então, um dos desafios
enfrentados pela Mercur é o tempo necessário para o aprofundamento da tomada
de decisão.
Em um cenário dinâmico em que respostas ágeis são essenciais para a com-
petitividade, demandar muito tempo para se chegar a uma decisão pode impactar
os resultados da empresa. Por isso, a empresa precisa adotar estratégias e utilizar
ferramentas adequadas que facilitem a organização das ideias e orientem as dis-
cussões, como pedagogia do círculo, Design Thinking e outras diferentes metodo-
logias colaborativas. Contudo, diante das inúmeras ferramentas, como escolher a
mais adequada?
Por fim, um quarto desafio enfrentado pela empresa é equilibrar as tensões de
criar valor para a sociedade ao mesmo tempo em que garante sustentabilidade eco-
106 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
nômica para a empresa. Como a empresa pode adotar uma decisão mais acertada?
Como ela pode resolver essas tensões? Como garantir a continuidade desse jeito
de ser da Mercur, pautado nos seus direcionadores em um contexto competitivo de
mercado e crise econômica?
Diante desses desafios, convidamos-lhe a explorar as práticas, os discursos e
as dinâmicas da empresa Mercur em relação à sua atuação no campo da inovação
social e na busca por soluções para os desafios da sociedade. Convidamos-lhe a
pensar neste caso e refletir sobre como empresas como a Mercur podem promover
a mudança para um futuro melhor.
NOTAS DE ENSINO
1. RESUMO DO CASO
Este caso busca refletir sobre a orquestração necessária para que organizações
com fins lucrativos inovem socialmente. As sociedades estão enfrentando novos
desafios que exigem soluções inovadoras. Essas iniciativas socialmente inovadoras
são muitas vezes atribuídas a atividades de organizações sociais, organizações não
governamentais e instituições de caridade. Pouco tem se falado sobre o papel e
os desafios das organizações com fins lucrativos que buscam por soluções para as
questões sociais. Com esse foco, este caso descreve os desafios enfrentados por uma
empresa que busca melhorar seu impacto na sociedade.
É apresentado, então, o caso da Mercur, que desenvolve produtos e projetos
nas áreas da saúde e educação. A empresa iniciou suas atividades em 1924, mas foi
a partir da visão da terceira geração gestores que a empresa mudou drasticamente.
O caso se desenrola logo após Jorge Neto, protagonista do caso, lançar uma pro-
vocação questionando qual era o impacto da empresa no mundo. Inspirados por
essa provocação, repensaram toda a estratégia, organização, estrutura, portfólio de
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 107
2. PÚBLICO-ALVO
3. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
5. QUESTÕES RELACIONADAS
Site: https://mercur.com.br/
https://mercur.com.br/sobre-a-mercur/narrativas/
https://mercur.com.br/sobre-a-mercur/trabalhos-academicos/
REFERÊNCIAS
KANTER, R. M. From spare change to real change: The social sector as beta site for
business innovation. Harvard business review, v. 77, n. 3, p. 122-123, 1999.
MIRVIS, Philip et al. Corporate social innovation: How firms learn to innovate for the
greater good. Journal of Business Research, v. 69, n. 11, p. 5014-5021, 2016.
116 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
SAUL, J. Social Innovation. In: 5 strategies for driving business growth through social
change. John Wiley & Sons, 2010.
EIXO 2
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO
DA INOVAÇÃO SOCIAL
REFERÊNCIAS
RIDDELL, Darcy; MOORE, Michele-Lee. Scaling out, Scaling up, Scaling deep:
Advancing systemic social innovation and the learning processes to support it. Journal of
Corporate Citizenship, v. 59, p. 2-36, 2015.
YOUNG FOUNDATION. Social Innovation: what is it, why it matters, how it can
be accelerated. 2007. Disponível em: <https://www.youngfoundation.org/publications/
social-innovation-what-it-is-why-it-matters-how-it-can-be-accelerated/>. Acesso em:
20 out. 2021.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 125
Caso 1
Meu nome é Francisco, mas aqui todos me conhecem por Chico da Qui-
tanda. Sou pai de sete filhos, avô de cinco guris e quatro gurias, filho da dona
Rosa e do seu Antônio da Quitanda e neto do lendário contador de estórias, o
seu Adamastor, o fundador da Quitanda da rua 15. Aqui na vila, dizem que meu
avô foi uns dos primeiros moradores desta região que é chamada Vila Maria da
Conceição, uma comunidade situada no alto de um morro na zona leste da minha
linda Porto Alegre.
Como um bom contador de estórias, meu avô contava, o que para mim sem-
pre soou como uma lenda, que a vila cresceu em torno de um local onde, em 1899,
126 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
ocorreu um crime hediondo. Uma jovem imigrante alemã, Maria Francelina Tre-
nes, foi degolada por seu amante, o soldado da brigada militar Bruno Bicudo. A
vila, por muito tempo ficou conhecida como “Maria Degolada”. Apesar de algumas
versões da história apontarem que Maria Francelina era prostituta, a comunidade
a transformou em santa, ergueu uma gruta em sua homenagem e atribui a ela inú-
meras graças atendidas. Acredite se quiser!
Meu avô era muito engraçado e contava cada história que era difícil de acre-
ditar. Uma delas, com certeza, era verdade, até porque meu pai a viveu na pele. Eles
me contaram que a nossa Vila Maria da Conceição começou a ser povoada em me-
ados de 1940, fruto do processo de modernização e higienização da zona central de
Porto Alegre. Este triste episódio se deu com a expulsão de uma dezena de famílias
que lá moravam e que foram jogadas para bairros mais afastados. Foi assim que
meu avô, sozinho com seus cinco filhos pequenos, veio parar aqui. Um morro que
na época só era mato e que só dava para chegar a pé, por trilhas ou a cavalo.
Mas não é só de histórias tristes que vivemos! Tem uma linda história, muito
real: a de Nely Capuzzo, uma Irmã da Congregação Missionárias de Jesus Cruci-
ficado, que dedicou a sua vida às crianças da comunidade na Vila Maria da Con-
ceição. A irmã Nely chegou muito jovem a Porto Alegre e iniciou um trabalho de
catequização com crianças da Doca das Frutas - aquela região do centro da cidade
que teve suas famílias, dentre elas, a do meu avô, removidas a jatos de mangueira
para a vila Maria Degolada. Nessa ocasião, a Irmã Nely subiu o morro com suas
crianças e lá continuou o trabalho, primeiramente sob as árvores e, depois, em um
galpão de madeira construído pela comunidade, onde hoje é a Instituição Pequena
Casa da Criança.
é um grande desafio para que estes jovens possam se inserir no mercado de traba-
lho e construir uma trajetória que mude a sua vida, de sua família e da comunidade,
minimizando as desigualdades sociais e abrindo novas possibilidades para a supe-
ração da vulnerabilidade social com empreendedorismo e autonomia sustentável.
Se isso não fosse tão presente e marcante, certamente, poderia ser mais uma
estória, mais uma lenda contada pelo seu Adamastor. Fico aqui me perguntando:
Como pode tudo isso ser real? Como todas essas maravilhas aconteceram nesses
65 anos? Para mim, a resposta está nas pessoas que acreditam no poder da trans-
formação. E, você, o que acha?
seus filhos sozinhas e, também, porque meu avô criou meu pai e meus outros qua-
tro tios sozinho, há mais de seis décadas. Ou seja, uma tragédia de longa data que
a cada dia só piora.
Mas temos um outro lado. Os jornais também mostram que a Vila Maria
da Conceição é uma comunidade sensível, criativa, solidária, alegre e que guarda
consigo parte da identidade negra do Rio Grande do Sul. Essa identidade pode
ser facilmente vista por meio da religiosidade e da música. Os nossos tambores
são a marca do morro. A qualquer hora do dia ou da noite batem tambores na
Conceição, seja nos ensaios da Academia Samba Puro ou da Academia de Samba
Realeza, seja nas casas de religião de Matriz Africana, no Bar do Ricardo ou no
samba de beco.
Nas ruas ou em casa, as crianças aprendem a percussão batucando em baldes
e caixas, misturando samba com funk, enquanto a velha guarda traz as lembranças
de um tempo que não volta mais, do velho samba de raiz afrogaúcha movido a
tambor de sopapo. Sem contar o trabalho da Pequena Casa, que capacita mais de
130 crianças e adolescentes de 12 a 17 anos, proporcionando a eles inserção cidadã
e a convivência social, o exercício intra e inter-relacional, os valores e os direitos
humanos, culturais, comunitários, políticos, ambientais, socioassistenciais e a cul-
tura da paz. Oferece aulas de violino, violoncelo, viola, flauta, percussão, violão,
teclado e voz.
Vocês podem perceber que aqui na Conceição temos os dois lados da mesma
moeda, mas acreditamos que no fundo, no fundo, o lado bom sempre vencerá e
que nunca devemos deixar de lutar por nossos ideais, por nossas ancestralidades,
por nossas culturas e principalmente pelos nossos jovens. Os jovens que serão o
futuro da Vila Maria da Conceição, o futuro de Porto Alegre, o futuro do Brasil
e o futuro do Mundo. Foi assim, pensando nos jovens como futuro, que comecei
a refletir como eu poderia mudar essa realidade cruel, desigual e cheia de precon-
ceito e mágoas. Uma realidade sem visão de futuro, sem expectativas de uma vida
melhor, sem dignidade e, resumindo, sem emprego.
Na verdade, eu só tinha uma certeza, que eu ia fazer acontecer. Mas, ao mes-
mo tempo, as perguntas borbulhavam em minha cabeça. Tipo: O que fazer? Como
fazer? Com quem fazer? Por onde começar? Com que dinheiro? As coisas só fi-
cavam martelando na minha cabeça. Eu precisava de ajuda e tinha que ser rápido.
130 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Num certo dia, Dona Carolina apareceu na Quitanda. Ela queria comprar
algumas frutas para levar para a Pequena Casa oferecer como sobremesa naquele
dia. Vocês sabem quem ela é? A pessoa que cuida de todos os projetos da Pequena
Casa e, é claro, eu não perderia aquela oportunidade! Ela era a pessoa certa para
ouvir e me ajudar. Dona Carolina, senta que lá vem história...
Coitada da Dona Carolina! Ficou quase uma hora segurando quatro sacolas
com frutas e me escutando sem parar. Como eu disse, não podia perder a oportu-
nidade de expressar em palavras todos os meus sonhos, todo o desejo que tenho em
um dia poder ver nossos jovens trabalhando e, consequentemente, ajudando seus
pais em casa e tendo melhores expectativas e um futuro melhor.
Por outro lado, Dona Carolina, muito atenciosa e prestativa, me ouviu e pro-
meteu levar a ideia para a Instituição. Em resumo, o meu sonho era que a Institui-
ção pudesse ter alguma outra ferramenta ou projeto que fosse além do Programa
Jovem Aprendiz, projeto que já promove para os nossos jovens de 14 a 24 anos.
Hoje, o Programa promove a formação profissional e a geração de renda para 45
jovens da nossa comunidade, contribuindo com o seu primeiro emprego e com
o seu desenvolvimento profissional e pessoal. Porém, apesar dessa bela iniciativa,
sabemos que outros quase 500 jovens estão na fila de espera e muito provavelmente
não terão esta oportunidade.
A ideia era simples, mas qualquer que fosse o projeto, sabia da sua comple-
xidade e que precisava ser assertivo. A Pequena Casa precisaria buscar parceiros
externos que pudessem tirar os sonhos da minha cabeça e que já estavam mate-
rializados no radar da Dona Carolina. Até que o mundo conspirou, uma possível
solução se aproximava. Um sonhador estudante de Mestrado chegava na Pequena
Casa com o mesmo ideal: ajudar quem precisa e usar o poder acadêmico e a força
da Universidade e dos professores para começar esta transformação social.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 131
Então, apresento o Matheus. Este sonhador estudante que não mediria esfor-
ços para fazer acontecer. Em um belo dia de primavera, Matheus bateu na porta da
Pequena Casa, por indicação de um professor da sua Universidade, com um edital
embaixo dos braços, intitulado “Chamada CNPq/MCTIC/MDS nº. 36/2018 -
Tecnologia Social”. Era um edital apresentado em conjunto por três instituições
federais: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,
o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC, por
intermédio da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento –
SEPED, e o Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, por intermédio da Secre-
taria de Inclusão Social e Produtiva – SISP.
A Chamada era destinada a quem quisesse apresentar propostas que apoias-
sem projetos que promovessem o desenvolvimento científico, tecnológico, econô-
mico e social do País por meio de Tecnologias Sociais. Era necessário, também,
que as propostas estivessem alinhadas às metas dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), com a Estratégia
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) e com o Plano Progredir, con-
tribuindo para o alcance das metas da Agenda 2030.
O objetivo desse edital era apoiar projetos de desenvolvimento, reaplicação,
aperfeiçoamento e avaliação de Tecnologias Sociais que promovessem geração de
renda, inclusão no mundo do trabalho e autonomia econômica das famílias inscritas
no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e que atendessem
aos requisitos de simplicidade, fácil aplicabilidade, reaplicabilidade, efetivo impacto
e repercussão social. Aqui, vale lembrar que, para fins desta Chamada, Tecnologia
Social era entendida como “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, de-
senvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de
transformação social” (RTS).
A Reaplicação pode ser entendida como adequação sociotécnica do produto
tecnológico, incluindo o entorno sociocultural e econômico da sociedade. E que
os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) fazem parte de um Protocolo
Internacional da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em
relação ao qual o Brasil assumiu o compromisso de implementar a Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável.
132 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Foi com muita alegria que eu, o velho Chico da Quitanda, recebi a notícia de
que o projeto havia sido aprovado. Tinha chegado a hora de dar vida ao meu sonho,
ou melhor, ao sonho de milhares de famílias e jovens que vivem em dificuldades
e nas mais diversas situações de vulnerabilidade. Os nossos jovens teriam mais
uma oportunidade de almejar o seu tão sonhado emprego. A sua empregabilidade
poderia ser mais bem gerida e desenvolvida. Uma nova janela estava se abrindo, o
mundo poderia ser aberto através da tecnologia, de uma tecnologia social criada
junto da comunidade. O mundo acadêmico e social estavam se abraçando. Um
mundo mais justo se aproximava.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 139
Era a hora de colocar a mão na massa. Tudo aquilo que tínhamos idealizado
precisava virar um produto. Os recursos foram recebidos, as bolsas de estudos soli-
citadas no projeto foram distribuídas, incluindo os três jovens da comunidade que
foram contemplados e que fariam parte do projeto e a empresa de tecnologia foi
contratada. O trabalho começou. Para compreender ainda melhor as necessidades
e percepções dos jovens, um aluno de mestrado realizou sua pesquisa, entrevistan-
do os jovens e os profissionais que trabalhavam com eles na Pequena Casa, prepa-
rando-os para o mercado de trabalho. Depois de todo o trabalho junto aos jovens
e com a equipe técnica, finalmente, após quase 18 meses de desenvolvimento, o
CONEXUS estava pronto, hospedado na nuvem. O acesso ao sistema poderia
ser realizado a partir de qualquer dispositivo, não existindo restrição quanto à sua
capacidade de processamento ou memória.
o cadastro dos dados dos jovens já estavam prestes a começar, mas foi neste mo-
mento que o mundo foi surpreendido. Chegou a pandemia da COVID-19 e tudo
parou. A Pequena Casa teve que fechar suas portas, os jovens não podiam acessar
a Instituição, a Universidade fechou suas portas, a comunidade teve que entrar em
isolamento social e o Conexus teve que cancelar todas as suas atividades previstas.
O sonho do velho Chico teve que esperar.
7 DESAFIO
NOTAS DE ENSINO
1. RESUMO DO CASO
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
3. PÚBLICO-ALVO
Diante da história do velho Chico, alguns pontos podem ser discutidos quan-
do pensamos no processo de implantação de uma inovação social. A partir do
relato, discutir sobre os seguintes questionamentos:
a) Quais etapas do processo de implantação já foram desenvolvidas neste
projeto?
b) Que atores estão envolvidos nesta inovação social?
c) Como integrar os diferentes atores e contar com a colaboração de todos?
d) Qual é o papel e o ganho de cada ator quando participam do projeto?
e) Como manter um grupo de mentores voluntários que possam auxiliar os
jovens no desenvolvimento de suas ideias?
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 143
Como trazido por Medeiros et al. (2017), entende-se que a inovação social
abrange novos arranjos sociais, organizacionais e institucionais que clamam por
transformação social e pode ser subdividida em três vertentes principais, em que
as iniciativas de inovação social estão relacionadas a políticas públicas, ao espírito
empresarial social e ao desenvolvimento participativo (GREGOIRE, 2016). E,
nesse sentido, “o papel de cada ator tem de ser reformulado para que eles se tornem
uma força motriz eficaz dos progressos técnicos e sociais” (OECD, 2011, p. 14).
Ainda, é importante atentar que os objetivos para a participação dos diferentes
atores no projeto de inovação social são complementares (SANTOS, 2012). Dito
de outro modo, cada ator decide participar de um projeto por ter objetivos que
nascem da sua percepção sobre as necessidades, mas, coletivamente, os propósitos
dos diferentes atores são complementares.
5.5. OS MENTORES
Vídeos: https://www.youtube.com/watch?v=WU71IeYIVow
Site: https://www.conexus.net.br
http://www.pequenacasa.org.br/
https://odsbrasil.gov.br/
REFERÊNCIAS
BIGNETTI, Luiz Paulo. As inovações sociais: uma incursão por ideias, tendências e
focos de pesquisa. Ciências Sociais Unisinos, v. 47, n. 1, p. 3-14, 2011.
GARCÍA, Miguel A. Alonso; CALLES, Ana María; ÁVILA, Carmen Sánchez. Diseño
y desarrollo de programas de mentoring en organizaciones. Editorial Síntesis, 2012.
GEISER, Cintia Maria Gilz; PARISOTTO, Iara Regina dos Santos; FERRARI,
Daniela. Projeto de Equoterapia Aliança sob a Perspectiva das Dimensões da Inovação
Social. ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO
E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO, v. 41, 2017.
KIMBELL, Lucy; JULIER, Guy. Confronting bureaucracies and assessing value in the
co-production of social design research. CoDesign, v. 15, n. 1, p. 8-23, 2019.
MEDEIROS, Carolina Beltrão et al. Inovação social além da tecnologia social: construc-
tos em discussão. Race: revista de administração, contabilidade e economia, v. 16, n. 3, p.
957-982, 2017.
MULGAN, Geoff et al. Social innovation: what it is, why it matters and how it can be
accelerated. London: The Young Foundation, 2007.
MURRAY et al. The open book of social innovation. London: The Young Foundation,
2010.
TORLIG, Eloisa Gonçalves da Silva et al. Inovação social em extensão universitária: per-
cepção dos atores envolvidos quanto às práticas cocriativas e geração de valor. REVISTA
EIXO, v. 10, n. 1, p. 94-105, 2021.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 153
Caso 2
Conceitua-se Inovação Social (IS) como a busca de soluções para atender de-
mandas da sociedade por meio de diferentes atores que promovem ações coletivas
com um objetivo em comum: a mudança social. A IS busca ainda superar as desi-
gualdades sociais existentes no contexto territorial aplicado. Ao estudar o caso da
comunidade do Bailique e a história do Protocolo Comunitário, considera-se uma
iniciativa de Inovação Social desenvolvida em região remota do Brasil, caracteriza-
da pelo distanciamento, difícil acesso, vazio institucional e infraestrutura precária.
Nesse contexto, também consideramos o Protocolo Comunitário uma inicia-
tiva de Inovação Social local, pois é um instrumento de gestão territorial baseado
em um processo participativo, consultivo e coletivo das comunidades. Não se trata
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 155
4 HISTÓRIA DO PROTOCOLO
COMUNITÁRIO DO BAILIQUE
“Meu nome é Diana Lopes de Araujo, tenho 45 anos, sou moradora do Ar-
quipélago do Bailique, especialmente na comunidade de Arraiol.
Eu nasci no Bailique, fui criada no Bailique, quando eu tinha 9 meses meu
pai faleceu e minha mãe criou eu e mais 6 irmãos sozinha. Quando eu tinha
9 anos, eu fui para Macapá morar com uma família que eu não conhecia para
eu poder estudar, fiquei até terminar o Ensino Médio.
Quando com 9 anos fui fazer a terceira série, terminei o Ensino Médio e
voltei para o Bailique, depois tive a oportunidade de voltar e fazer uma es-
pecialização na área da Educação e aí voltei para o Bailique para trabalhar
com Educação Infantil. E, até hoje, trabalho no Ensino Fundamental II na
Escola Estadual Rosa dos Santos Sarges.
Casei com o agricultor Dimauro Cordeiro que é cooperado na Amazonbai,
é um dos sócios-fundadores, com o qual nós tivemos 3 filhos. Na minha
primeira gravidez, a gente estava todo empolgado, eu resolvi ter a criança
lá no Bailique mesmo, com minha mãe que é parteira, mas tive eclampsia e
por pouco não morri. A criança morreu. Me trouxeram para Macapá já com
a criança morta, mas conseguiram me salvar. Depois de 2 anos, engravidei
de novo do Diego, o qual ficou comigo 9 anos, ficou conosco morando no
Arraiol 9 anos e depois veio a falecer afogado, na frente de casa, onde ele
brincava com as crianças em um botinho de remo e, pelo destino, o botinho
afundou e ele foi junto com o botinho para o fundo e depois de muito tem-
po, depois de 2 horas encontraram já o corpo dele.
Depois engravidei da Dara, a minha filha, que é casada com Josué, produtor da
Amazonbai e que me deu uma netinha, a Maria Manoela, que tem 1 ano e 8 me-
ses, que é a razão da minha vida. Também tenho um filho de coração, o Edielson.
Eu adotei ele no dia em que ele completava 2 anos, ele estava na comunidade de
Vila Progresso, vinha para Macapá para ficar na casa da criança, ficar em doação,
e aí eu fiquei com ele no Bailique. Era uma criança que estava cheia de ferida no
corpo, muito desidratada, e eu entrei no processo de adoção, depois de 5 anos, eu
consegui tirar os documentos dele. Foi um menino que veio para amenizar nossa
dor, que até hoje sentimos muito ainda, a falta do Diego.
O Diego foi um menino que ficou conosco por 9 anos, que sempre amou a natureza
e sempre protegeu a natureza. Depois do falecimento dele no Arraiol, nós fizemos
um acordo de convivência a qual eu e Dimauro estávamos à frente para proteger
a natureza. Nesse acordo de convivência, a gente tem responsabilidade de cada
morador com o espaço que convive, que é a natureza, né? Ninguém mata, nin-
guém atira em um passarinho próximo da comunidade, ninguém cria porco solto,
para as crianças poderem brincar no chão e não ter contato com a urina e fezes do
porco, o peixe se pega numa malha já grande para não pegar os filhos. Todo mundo
trabalha em mutirão, a comunidade toda é construída pela associação, tem posto de
saúde, uma biblioteca a qual é em homenagem ao meu filho, Diego.
A pandemia foi muito difícil, ano passado em maio eu tive Covid-19, tive depres-
são junto, crises de ansiedade, foi assim um momento bem difícil, que eu achava
que não iria sair, não conseguia sair, mas com a força de Deus e a força de toda
164 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
aquela comunidade me fez viver, voltar a viver, e voltar a agir! Maria todo dia
pegava na minha mão já falando e dizia: “vó, vem cá vó, bora passear”. Meu
caso foi tão forte que eu fiquei sem movimento nas minhas pernas, então eu
parei de andar e as minhas amigas na comunidade pegavam minha mão e a
gente fazia.... Pra eu voltar a andar eu tive ajuda das mulheres da comunidade
do Arraiol, que pegavam minha mão a tarde e eu saía jogando as pernas e os pés
para tentar dar os primeiros passos. Graças a Deus, em pouco tempo, eu já voltei
a andar e aí já voltei a sorrir. Só que logo em seguida teve a morte de uma amiga
minha, professora Danila, a qual sempre deu o maior apoio para mim dentro do
Protocolo, em especial dentro do CVT (Centro Vocacional Tecnológico), ela tinha
um cargo dentro da Secretaria de Educação do Bailique e ela sempre me disse: “eu
acredito em ti, se você está dentro desse projeto, eu acredito que vai dar certo, eu vou
te ajudar”. E ela me ajudou muito. E, num belo dia quando eu vinha pra Macapá,
foi quando, no meio da viagem, quando já tinha internet, eu vi que tinha acon-
tecido um assalto e vi que era com ela e ela faleceu. Então eu voltei a ter crises de
depressão de novo, bem fortes e eu voltei a fazer sessão com a psicóloga e, graças a
Deus, hoje eu estou bem.
que eu posso fazer para que o outro se sinta bem, acho que isso que fez nesse
momento de pandemia que foi difícil pra mim, eu ter tantos amigos do meu
lado me dando força. Eu perdi 15 pessoas próximas de mim, 15 pessoas,
meus tios, meus amigos, meus primos, meu padrasto e aí foi muito difícil. E
aí me deu o maior presente que foi a Maria”.
6 DESAFIOS E CONQUISTAS DO
PROTOCOLO PELO OLHAR DE DIANA
iniciativa. Esses comunitários, quando percebem que o projeto está rendendo fru-
tos, acabam retornando e se beneficiando das ações feitas por meio do Protocolo,
como cursos de capacitação.
Sobre a participação das mulheres, eu vejo muita empolgação ao colaborar,
principalmente quando se fala nas plantas medicinais e no conhecimento tradicio-
nal. Além de ter meu marido produtor de açaí, eu também me encaixo quando se
fala no cultivo de plantas medicinais. Sempre me identifiquei com remédio caseiro,
vou buscar na farmácia somente quando não consigo resolver com o que tenho no
meu jardim.
Percebo que a participação da juventude no início da criação do Protocolo
foi alta, mas de repente esfriou. Porém, conseguiram o desenvolvimento do CVT,
Centro de Vocação Tecnológica, em parceria com a FURG. Essa foi uma das
grandes conquistas na minha visão. Hoje, o jovem possui ensino de qualidade téc-
nico dentro do Arquipélago. O modelo é de Escola Família, onde 15 dias o aluno
passa estudando hospedado na casa de uma família na comunidade do Arraiol e 15
dias passa em sua residência. A bolsa de R$ 400 auxilia a não desistir de participar.
Na minha visão, o grande benefício da inserção do Protocolo Comunitário
no Bailique é a organização. Com a chegada do Protocolo, todas as comunidades
que participaram, aos poucos, tornaram-se mais organizadas e obtiveram acesso a
cursos de capacitação que objetivavam a preservação da floresta. Antes dos cursos,
algumas comunidades já trabalhavam se preocupando com a natureza e com o
meio ambiente, porém não detinham todo o conhecimento. Dessa maneira, con-
seguimos confirmar se as ações que já promoviam eram corretas e aprender novas
maneiras de trabalhar com a terra de maneira responsável.
Sobre a produção do nosso açaí, percebemos que grande parte dos agricul-
tores se doam todo o ano para o manejo da terra. Temos o costume de trabalhar em
mutirão, cada semana escolhemos o terreno de um morador aqui da comunidade
para auxiliar. Nos unimos para fazer o nosso melhor para obter um açaí de quali-
dade. Em 2016, não tivemos escoamento da nossa produção e, assim, pesou mui-
to. Temos esperança de que o modelo de manejo e colheita ensinado através dos
cursos do Protocolo venha ser uma forma de conseguirmos escoar nossa produção
com maior valor. A nova forma de produção traz maior consciência para cada
168 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
NOTAS DE ENSINO
Te convidamos a trabalhar com teus alunos uma história sobre os desafios dos
territórios ribeirinhos. Sobre povos e comunidades tradicionais. Sobre SER povos
e comunidades tradicionais. Sobre ser mulher, homem, jovem, adulto, idoso, crian-
ça e ser a força desse território. Mas também sobre habitar um em território com
uma rica biodiversidade e beleza impecável. Sobre ser guardião da floresta e lutar
continuamente para mantê-la em pé. Mas antes disso, é importante lembrar aos
alunos que: o que torna esse diálogo rico e saudável são as diferentes percepções
e opiniões que cada pessoa carrega consigo, portanto, pontos de vista divergentes
enriquecerão ainda mais essa discussão. Estimule seus alunos a refletir além da ges-
tão. Encoraje seus alunos a pensarem diferentes soluções para o mesmo problema.
Explore o lado criativo de seus alunos. E proponha que seus alunos viajem para a
Amazônia sem sair da sala de aula!!
1. SUMÁRIO DO CASO
Este caso visa apresentar a história de uma mulher, líder comunitária, e, por
meio dela, representar as dificuldades e aprendizados de toda uma comunidade do
meio da floresta amazônica. Esquecida por instituições, repleta de desigualdades
e injustiças sociais, os ribeirinhos desenvolvem uma metodologia denominada de
Protocolo Comunitário, que entendemos ser uma inovação social. Por meio des-
te caso, será possível descobrir conceitos e pré-conceitos sobre geração de renda
para comunidades isoladas, empoderamento feminino e comunitário, resiliência e
empatia. Mecanismos de gestão se misturam com um olhar humano e social, que
busca atravessar o “rio que nos separa”.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 171
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Desenvolver uma reflexão sobre uma iniciativa de Inovação Social (IS) de-
senvolvida em um território marcado pelo isolamento, infraestrutura precária e
invisibilidade do poder público, promovendo a compreensão de como superar os
típicos desafios locais enfrentados por uma comunidade localizada no meio da
floresta. A história contada visa apresentar na prática o conceito de IS, como um
processo. O caso apresenta a narrativa verídica do Arquipélago do Bailique e da
implementação de um Protocolo Comunitário na região. Durante a leitura do
caso, é possível entender o contexto da região, seus desafios e o processo de imple-
mentação do Protocolo como forma de superar os vazios desse território.
Este caso possui informações sobre essa iniciativa de Inovação Social tipica-
mente territorial baseados na narrativa de uma mulher guerreira, nascida e criada
na região. É sugerido para os cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de
Administração, Gestão e Design que envolvam aspectos relacionados à Inovação
Social, Sustentabilidade, Projeto Social, Gestão da Inovação, Empreendedorismo
Social e áreas correlacionadas.
3. QUESTÕES RELACIONADAS
f ) Diana, por sua história de luta, pode ser considerada uma líder no proces-
so de inovação social? Quais características você identifica nela que podem fazer
diferença nestes projetos?
g) A pandemia de Covid 19 impactou o mundo, mas o que você reflete ao ler
sobre como a pandemia atingiu comunidades como o Bailique? E o que podemos
fazer para minimizar estes impactos quando acontecerem?
meio ambiente, entre outros. Nesse sentido, a Inovação Social volta sua atenção
principalmente para grupos marginalizados, incluindo desempregados, idosos,
mulheres, analfabetos, imigrantes/refugiados e jovens (GRIMM et al., 2013).
Considerando o contexto de isolamento, falta de políticas públicas e ausência
do governo apresentado pela narrativa de Diana, a ênfase no território compreende
uma forma de superar os problemas sociais enfrentados. Nesse sentido, uma ma-
neira de fomentar o desenvolvimento de um contexto local é promover e sustentar
Inovações Sociais como respostas para as necessidades humanas e aos problemas
sociais (TAYLOR, 1970; CLOUTIER, 2003; MULGAN, 2007; WESTLEY et
al., 2014). Logo, destaca-se o território e os atores que podem ser apontados como
elementos importantes que permeiam esse contexto específico e ainda é repleto de
ações coletivas que tentam promover a harmonização das atividades locais. Nesse
sentido, assumindo que Diana e demais moradores do Bailique são considerados
os principais atores, mobilizando desde a organização de uma comunidade até a
repartição dos recursos, percebe-se que são eles que promovem a Inovação Social
em um contexto territorial.
Diante disso, podemos relacionar as questões tratadas pelo Protocolo Comu-
nitário do Bailique como uma Inovação Social, já que é uma iniciativa que surge
como uma resposta aos problemas sociais enfrentados nesse território por Diana,
sua família e demais moradores, os quais lutam contra a redução das desigualda-
des do seu território localizado no meio na floresta, é realizado de forma coletiva
pela mobilização de diversos atores e, por fim, promove o empoderamento das
lideranças e da comunidade (TAYLOR, 1970; ; CAJAIBA-SANTANA, 2014;
DESERTI; RIZZO, 2019).
Nesse cenário, observa-se um movimento de integração de diferentes atores,
que se mobilizam desde a organização e buscam reunir agentes capazes de facilitar
a resolução ou a amenização dos desafios enfrentados pelos ribeirinhos. Assim, os
esforços para integrá-los podem ser vistos como uma forma de Inovação Social
que pode contribuir para o desenvolvimento socioeconômico da região.
Para Tardif e Harrisson (2005), a inovação social é um processo localizado e
iniciado por diferentes atores, que procuram mudar as interações entre si e com seu
meio de organização institucional, bem como promover diferentes interações, de
174 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
forma a superar os efeitos das crises, com a tentativa de conciliar os diferentes ní-
veis de interesse particular, o interesse coletivo e o interesse geral ou bem comum.
Uma outra dimensão analisada pelos autores – atores envolvidos no proces-
so de inovação social – refere que a conexão dos atores constitui ‘jogadores hí-
bridos’ com comitês bi e tripartite, bem como redes que constituem projetos de
inovação local. Com a miscigenação de atores, chega-se ao aprendizado de novos
comportamentos para o desenvolvimento de novas regras e normas. O objeto fi-
nal em projetos de inovação é que todos os atores políticos estejam envolvidos
no processo de cooperação, comportando-se como facilitadores em negociações,
consultas e acordos formais e informais que permitirão a governança adequada do
projeto de inovação. Nesse prisma, a inovação coloca em perspectiva a participação
e o envolvimento de múltiplos intervenientes, sendo uma questão fundamental o
fortalecimento das condições para a participação das organizações da sociedade
civil (movimentos sociais, sindicatos, comunidade, voluntários e cooperativas) no
desenvolvimento e na implementação de projetos inovadores junto a outros atores
institucionais e particulares (TARDIF; HARRISSON, 2015).
2 Esta seção apresenta trechos da tese de uma das autoras do caso, conforme lista de
referências (AGOSTINI, 2017).
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 175
“Eles acharam que era necessário criar uma associação do protocolo comunitário.
Existia... existe ainda uma coisa que se chama Conselho Comunitário do Bailique,
que é uma instituição representativa deles, já existe há 20 e tantos anos, só que é
uma instituição que foi cooptada por partidos locais. A política do local é muito
complicada. Então, por muitos anos e ainda é, quem é eleito para esse conselho,
está... aquelas coisas que a gente sabe, de ‘Ah, é governo local, quem ganhar funcio-
na se o cara não ganhar não funciona’. E todo mundo sabe dessa história lá dentro.
3 Esta seção apresenta trechos da tese de uma das autoras do caso, conforme lista de
referências (AGOSTINI, 2017).
180 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Então eles falaram assim ‘Não, a gente quer uma associação que represente o que
o protocolo comunitário vai conversar. Que a gente não vai... a agenda vai ser
diferente, mas o que o protocolo comunitário decidir a gente vai ter essa associação’.
Então nesse processo eles criaram a ACTB, que é a Associação das Comunidades
Tradicionais do Bailique” (CONSULTORA DO GTA, informação verbal).
Sugere-se que os alunos façam a leitura prévia do caso para ensino e tenham
realizado anotações dos pontos que chamaram mais a sua atenção e quais relações
fizeram com as disciplinas já estudadas ao longo do seu curso. Dessa forma, a dis-
cussão promovida em aula poderá ser mais participativa, rica e interessante, uma
vez que os alunos já estão familiarizados com o caso. Para que o professor organize
a dinâmica da aula, deve chamar pelo número da chamada e pedir para que o aluno
aponte alguma reflexão que fez durante sua leitura. Ainda, pode solicitar a um se-
gundo aluno que comente a reflexão do aluno anterior. O professor pode avaliar o
comentário qualificado de cada um dos alunos. Deve sempre oferecer espaço para
que qualquer aluno exponha seu ponto de vista durante as rodadas.
Antes de iniciar a discussão, o professor também poderá utilizar de plata-
formas online de perguntas e respostas (Exemplo: Kahoot e/ou Mentimeter) para
fazer um quiz com os alunos sobre o texto. Além disso, também pode utilizar as
perguntas sugeridas nestas notas de ensino. De forma interativa, o professor pode
verificar o quão profunda foi a leitura para dar início ao debate.
Sugere-se a utilização de material complementar como vídeos, fotos e ma-
teriais escritos em outros meios para melhor compreensão do conceito e uma
visualização do contexto. A plataforma Youtube conta com um vídeo explicativo
sobre o Protocolo Comunitário no Bailique, bem como matérias que demonstram
a importância dessa iniciativa e que foram destacadas por seus parceiros: Instituto
Terroá e OELA.
Recomenda-se sempre desenvolver um fechamento com os pontos mais im-
portantes do texto, com foco na fixação do aprendizado. Sugere-se relacionar com
os conteúdos aprendidos anteriormente pelos alunos e exemplificar de acordo com
o contexto local.
Ainda, o uso do estudo pode introduzir a explicação de alguma área ou pon-
to desenvolvido no texto, ou seja, desenvolver uma aula baseada em problemas e
soluções reais. Se o professor optar em desenvolver com os alunos uma aula mais
prática, poderá propor:
182 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Vídeos https://www.youtube.com/watch?v=IEuZ-GBwVNs
Notícias https://blog.institutoterroa.org/cooperativa-amazonbai-conquista-certi-
ficacao-ao-mostrar-que-a-conservacao-florestal-tem-muito-valor/
https://portal.oela.org.br/protocolo-comunitario/
REFERÊNCIAS
AGOSTINI, Manuela Rösing. O processo de inovação social como resposta aos vazios
institucionais: uma análise multidimensional em diferentes contextos sociais. Tese (Dou-
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AGOSTINI, M. R. et al. Uma visão geral sobre a pesquisa em inovação social: Guia para
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50, n. 3, p. 234-260, 2014.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 185
Caso 1
de conforto, uma vez que não é uma estrutura comum de ser estudada em muitos
cursos de graduação.
No mês de julho de 2018, Anne chegou em uma nova cidade. O motivo era
assumir um cargo de professora adjunta, nos cursos superiores de Engenharia, na
Universidade Y. Desde o início, o que a preocupava era conquistar o respeito e a
confiança dos acadêmicos, uma vez que a maioria dos alunos seria do gênero mas-
culino, assim como os professores do respectivo Curso Superior.
As aulas começaram na noite da primeira sexta-feira de agosto. Foram
duas disciplinas e quatro horas de aula. Anne planejou iniciar o semestre com a
metodologia tradicional de ensino - isto é, uma aula expositiva - e, ao longo do
semestre, introduziria algumas metodologias ativas com vista a analisar o compor-
tamento dos acadêmicos a partir da utilização destas.
A nova professora criara uma persona pouco aberta à interação com acadê-
micos, principalmente, até compreender o universo das referidas turmas. Confor-
me análise do primeiro semestre, as turmas se adaptaram a metodologias ativas e
à nova professora. Isso fez com que, no segundo semestre como professora, Anne
se sentisse mais segura. Dessa forma, em seguida, a professora começou a assumir
outras responsabilidades, como a organização da semana acadêmica, ministrar al-
gumas palestras e organizar viagens de estudo.
Mesmo não sendo o objetivo inicial, Anne se aproximou dos alunos e,
rapidamente, identificou uma demanda acerca de orientações/informações sobre
alguns comportamentos machistas e sexistas. Assim, nasceu um Projeto unificado
com ênfase em Extensão com o objetivo de informar a comunidade universitária
sobre violência de gênero. Em 2020, já em março, a comunidade universitária e a
comunidade local demandavam ações do Projeto para o enfrentamento da violên-
cia de gênero.
Anne já havia se aproximado da temática Living Lab (LL) durante seu
pós-doutorado. Então, com a identificação de uma oportunidade, pensou em de-
senvolver um LL para cocriar tecnologias sociais de enfrentamento da violência de
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 187
gênero. E assim o fez. Logo, o Projeto mudou seu objetivo para “cocriar tecnolo-
gias sociais de enfrentamento da violência de gênero”.
Não foi fácil unir atores para constituir o LL. Anne fez cerca de duzen-
tos contatos com diferentes instituições, mas poucas responderam. Havia muita
demanda pela cocriação de tecnologias sociais, mas pouco engajamento de atores
locais. Em paralelo, Anne divulgava o Projeto nas redes sociais e promovia lives
sobre temas relacionados à violência de gênero. Aos poucos, voluntários foram se
aproximando e, em seguida, a resposta positiva de atores também chegou.
No ano de 2020, o Projeto conseguiu uma bolsa de iniciação científica do
CNPq. Em 2021, o Projeto conseguiu duas bolsas de iniciação científica do CNPq
e uma de extensão. Quanto aos voluntários, em 2021, somavam-se doze (12) pes-
soas. No que se refere aos atores que constituíram o LL, somaram-se oito (8).
Atualmente, o LL Mais Juntas tem a parceria de três Instituições de Ensi-
no Superior, sendo duas Federais e uma privada; três ONGs; quatro escritórios de
advogadas que trabalham com direito da mulher e enfrentamento da violência de
gênero; uma clínica de ginecologia; um supermercado com cinco lojas na cidade;
uma autarquia; duas secretarias municipais; o Centro de Referência à Mulher do
Município; duas empresas; e a Prefeitura. Além disso, também é berço de três (3)
tecnologias sociais, sendo duas paliativas e uma preventiva; duas campanhas pla-
nejadas e uma em execução.
3 COCRIANDO... COLABORANDO...
CONSTRUINDO JUNTXS
Uma das preocupações do Projeto Mais Juntas era não comprometer muito
tempo dos atores que constituíam o LL. Por isso, optou-se por utilizar a meto-
dologia de cocriação de tecnologias Design Sprint, que é um método de cocriação
rápido e eficiente, o qual apresenta resultado em cinco dias (no caso do LL Mais
Juntas, cinco encontros), sendo que cada um se refere a uma fase: mapeamento,
elaboração, decisão, prototipagem e teste – todas as etapas com foco em usuário
(GOOGLE VENTURES, 2018).
Assim, foram programados cinco (5) encontros com os atores, todos com
um propósito central. As reuniões ocorreram através de plataforma online Web-
conferência, com duração máxima de uma hora e trinta minutos (1h30min) e com
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 189
intervalo de duas semanas entre cada encontro. A Reunião 1 teve como objetivo a
definição de dois problemas a serem solucionados por tecnologias sociais cocria-
das pelo LL. A Reunião 2 serviu para cocriar uma tecnologia social e a Reunião
3 cocriou a segunda tecnologia social. Na Reunião 4, foi realizada a apresentação
de um protótipo e, finalmente, a Reunião 5 foi destinada ao teste/validação das
tecnologias sociais com as protagonistas (mulheres) por meio do Teatro Fórum.
A metodologia de cocriação Design Sprint, utilizada pelo LL Mais Juntas, está
ilustrada na Figura 1.
Depois de a copa ter tomado forma, esta foi exposta aos atores. A exposição,
como já explicado, é chamada de Museu de Artes. Na sequência, foi acionado o
modo multiusuário da Plataforma Webconferência (usada para realizar as reu-
niões), dando a oportunidade para que os atores votassem na consequência mais
importante. A dinâmica de votação/escolha chama-se Mapa de Calor. Ao final,
realizou-se a escolha de “Violência Psicológica” como a consequência da violência
de gênero sobre a qual o Living Lab deveria atuar.
Na segunda etapa, foram anotadas as causas do problema central. De igual
forma, como na primeira etapa, quando as raízes tomaram forma, depois de anota-
das todas as causas, foram realizadas as dinâmicas de exposição das contribuições
(Museus de Artes) e da votação/escolha (Mapa de Calor). Como resultado, teve-se
o levantamento de oito causas da violência de gênero, conforme mostrado na Fi-
gura 3.
192 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Assim que vários espaços tinham sido elencados, foi realizada a dinâmica
Museu de Artes (exposição) para refletir sobre a quais dos espaços elencados o
Living Lab teria acesso, tendo em vista que, por exemplo, o currículo das escolas
não poderia ser alterado.
A partir da escolha dos lugares em que o Living Lab pode atuar dentro
das escolas, foi cocriada a solução preventiva através de análise de viabilidade de
196 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
çar este número de respondentes porque se aplicou a multiplicação por cinco (5)
a cada questão, conforme literatura acerca de validação estatística. Dito de outro
modo, eram necessários cinco respondentes para cada questão, como o chatbot é
composto por dezesseis (16) questões, foram necessários oitenta respondentes. Na
sequência, e a partir do acesso aos dados de violência de gênero do município de
Pelotas/RS, foi aplicada inteligência artificial ao instrumento.
O Projeto unificado de extensão Mais Juntas seguiu ativo por todo perí-
odo de pandemia. No início de 2020, focou-se na criação de conteúdo e dissemi-
nação de informações através de perfil próprio (@maisjuntas.ufpel) na plataforma
de rede social Instragram, a fim de alcançar, principalmente, público de mulheres,
gerar engajamento e consolidar a razão de suas premissas de empoderamento de
mulheres por meio da propagação de conhecimento e de mostrar-se um canal de
comunicação/espaço seguro de acolhimento para todos.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 199
4.1.1 INSTAGRAM
4.1.2 YOUTUBE
4.1.3 BLOG
4.2 LIVES
zá-los (NERIS, 2020), a ser realizada na região Sul do Rio Grande do Sul, a fim
de conscientizar sobre o tema e arrecadar absorventes para ajudar o público de
mulheres afetadas por esse problema. Trata-se de uma parceria entre as seguintes
entidades: Projeto unificado com ênfase em extensão Mais Juntas, UFPel, SAS,
Clínica Ciclos Saúde Singular, Centro de Referência da Mulher Professora Cláu-
dia Pinho Hartleben, Prefeitura de Pelotas, Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC), GAMP, Instituto Buquê de Amor (IBA), Supermercado
Paraíso e Universidade Católica de Pelotas (UCPel).
Para a criação das artes e temática para a campanha, houve a inspiração
do documentário ‘Absorvendo o Tabu’, de 2018, que expõe a realidade cotidiana
de mulheres de uma comunidade rural na Índia, na qual o estigma da menstruação
persiste. No documentário, é desenvolvida uma máquina para criação de absor-
ventes biodegradáveis de baixo custo para melhorar a higiene feminina, quebrar os
estigmas e desenvolver a independência financeira por meio da participação dessas
mulheres diretamente na produção e venda do produto, além do próprio consumo
(NETFLIX, 2019). Há, também, a divulgação de arte com a representação das
mulheres de mãos dadas, Figura 7, sendo referência direta a arte final da campa-
nha, Figura 8.
5 DESAFIOS
NOTA DE FIM
ANEXO
VIOLÊNCIA DE GÊNERO
do número de casos, ainda existem vítimas que sofrem violência e têm seus corpos
violados, muitas vezes carregando traumas para o resto de suas vidas. Destaca-se,
ainda, a ocorrência de feminicídio, além de ameaças, lesões, estupros e tentativas
de estupro. Assim, também cabe destacar que os efeitos negativos da violência de
gênero não se limitam às vítimas, mas também recaem sobre todos os membros da
família, transferindo-se de geração em geração e a toda sociedade (KOTAN et al.,
2017).
Nesse contexto, identifica-se um vazio institucional acerca da violência
de gênero. Isso significa dizer que as instituições que coexistem na sociedade não
são completamente eficientes em se tratando da resolução de problemas referen-
tes à violência de gênero ou articulam-se de maneira disfuncional para o desen-
volvimento de soluções das referidas questões (AGOSTIN, 2017). Sob as lentes
de Agostini (2017), tecnologias sociais ou inovações sociais capazes de preencher
determinado vazio institucional tendem a ser transformador quando são desenvol-
vidas ou cocriadas pela interação de atores locais. Nesse sentido, a autora comple-
menta que, quando problemas que geram o vazio institucional e a solução que o
preenche acontecem na mesma localidade, os mesmos fatores atravessam ambos.
Importante tornar claro que o conceito de Tecnologia Social (TS) está
intrinsecamente associado aos valores humanos (LAYTON, 1988). Nesta investi-
gação, considera-se TS como um produto, uma técnica/método, ou ainda, um pro-
cesso que resulta na solução de algum problema social, com potencial transforma-
dor na sociedade, sem a proposta de descaracterização de sua cultura (FREITAS;
SEGATTO, 2014). As TS são desenvolvidas por um processo de cocriação, nesse
processo o ator principal é a sociedade onde ela será, futuramente, implementada
(DAGNINO, 2011).
implementação em larga escala caso vise aprimorar seu potencial de impacto sobre
o público-alvo (WEBB et al., 2010).
Há diferentes formas de propagar essa escalabilidade, ela pode ter sua
ocorrência por meio de scaling up, scaling out e scaling deep, e em alguns casos pode
ocorrer pela combinação de dois ou mais dos meios citados, assim sendo de modo
híbrido (BOLZAN; BITENCOURT; MARTINS , 2019).
A seguir, apresenta-se a contextualização de como se dá a ocorrência de
cada uma de suas formas. Elas estão ilustradas nas Figuras 10, 11 e 12:
NOTAS DE ENSINO
1. SUMÁRIO DO CASO
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
3. QUESTÕES RELACIONADAS
O professor poderá adaptar sua aula de acordo com suas preferências e tempo
disponível. Entretanto, sugere-se o seguinte plano de aula:
Duração: 30 minutos
Material/recursos: Caso para Ensino (impresso ou digital) para leitura.
Duração: 10 minutos
Material/recursos: lousa
Operacionalização: o professor deverá questionar ao grande grupo sobre
quais são os desafios enfrentados pelo projeto, construindo um mapa mental co-
laborativo.
Objetivo da atividade: estimular a síntese dos alunos e a identificação dos
principais desafios enfrentados pelo Living Lab.
Resultados esperados: que os alunos identifiquem os desafios presentes neste
caso, principalmente aqueles acerca do engajamento, da sustentabilidade e da es-
calabilidade.
Duração: 40 minutos.
Material/recursos: lousa
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 213
Duração: 40 minutos.
Material/recursos: projetor e lousa.
Operacionalização: cada grupo deverá apresentar para a turma as soluções
encontradas.
Objetivo da atividade: estimular as habilidades de comunicação, síntese e
apresentação das ideias.
Resultados esperados: os alunos deverão apresentar com clareza as soluções
cocriadas e argumentar acerca delas.
ATIVIDADE 5: FINALIZAÇÃO
Duração: 35 minutos.
Material/recursos: lousa
Operacionalização: o professor deverá destacar os pontos positivos de casa
solução, discutindo a utilização e operacionalização.
Objetivo da atividade: estimular a habilidade de argumentação e de cocriação
de soluções.
Resultados esperados: a cocriação de soluções efetivas para os desafios iden-
tificados.
214 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
REFERÊNCIAS
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TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 217
EIXO 3
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS
DA INOVAÇÃO SOCIAL
Diante da análise dos dois primeiros eixos deste livro e seus casos que
elucidaram sobre Governança da Inovação Social (IS) e Implementação e Difusão
da Inovação Social, reforçamos que o conceito adotado aqui é identificar a IS como
uma combinação e/ou nova reconfiguração de práticas sociais em contextos sociais,
motivada por uma constelação de atores para satisfazer necessidades e problemas
com base em práticas estabelecidas (HOWALDT; KALETKA; SCHRÖDER,
2016).
Para avançarmos para o terceiro eixo, voltado à análise das Transfor-
mações e Impactos da Inovação Social, apresenta-se um segundo conceito que
compreende a IS como a geração de novas soluções que impactam a resolução de
problemas sociais, envolvendo atores e partes interessadas na promoção de uma
mudança nas relações sociais (AGOSTINI; MARQUES; BOSSLE, 2016).
Nesse conceito, observa-se nitidamente a intenção de que as práticas ge-
rem um impacto para promover mudanças nas relações sociais pré-estabelecidas.
O termo impacto nos remete a um efeito sobre uma ação, ou seja, o resultado, a
consequência, implicação por ter realizado uma movimentação. Para a inovação
social, este é o objetivo de todos os projetos: que as ações gerem um resultado,
alterando as instituições dominantes.
218 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Karen Frances Medroa, Antonia Wallig e Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos
apresentam o caso do Vila Flores, que mais que um espaço cultural se tornou um
refúgio coletivo de transformação social baseado na arte e no ativismo. Por meio
do olhar da inovação social, os autores procuram transpor o leitor para os desafios
de uma família que herdou um espaço histórico na cidade de Porto Alegre – RS,
mas que, ao mesmo tempo, está rodeada de complexas relações.
O segundo caso, denominado de “Uma andorinha só não faz verão: o caso de
conexão de atores para a promoção de inovação social”, dos autores Bruno Anicet
Bittencourt e Paola Schmitt Figueiró analisa, por intermédio da história de Lara,
uma empreendedora criativa e conectada com causas sociais, a formação de uma
iniciativa de inovação social que desenvolve a ligação entre artistas e empresas, que
forma um ecossistema de inovação e gera impactos sociais na comunidade em que
está instalada.
O caso “Projeto Pescar: educação e trabalho para um futuro melhor” tem
a autoria de Tatiane Martins Cruz, Claudia Cristina Bitencourt, Kadigia Faccin
e Cristiane Froehlich e é o terceiro caso do Eixo Transformações e Impactos da
Inovação Social. Ele conta a história do empresário Geraldo Tolles Link que ide-
alizou um programa para o desenvolvimento dos jovens que viviam em situação
de vulnerabilidade social em parceria com sua rede de colaboração. Participando
do programa, os jovens podiam assumir o protagonismo de seu futuro por meio da
educação e do trabalho. Dentre os desafios propostos pelas autoras, salientamos a
reflexão acerca da escalabilidade desta inovação social.
O quarto caso denomina-se “Fraternidade Pulsante: O Café Orgânico como
Elo entre o Mercado Ocidental e Comunidades Indígenas” e aborda um projeto
instigante de uma cadeia produtiva de café orgânico dominada por seis empresas
sociais em uma comunidade no sul do México. Analisando um contexto social,
político e econômico extremamente complexo, o caso apresenta os desafios desta
comunidade e propõe aos leitores uma análise sobre os impactos da inovação so-
cial, escalabilidade e como trabalhar com diferentes culturas sem perder o foco do
negócio, que é eminentemente plural e comunitário.
Dessa forma, o terceiro eixo do livro é um mergulho em contextos sociais,
culturais e econômicos muito distintos, que podem servir de análise e espelho para
diferentes empreendedores sociais, pesquisadores da área de inovação social, estu-
224 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
dantes instigados a conhecer mais sobre estas temáticas, mas sobretudo, pessoas
que queiram pensar num outro olhar para a humanidade.
REFERÊNCIAS
GIIN. Global impact investmend network. Annual impact investor survey 2020. Dispo-
nível em: <https://thegiin.org/assets/GIIN%20Annual%20Impact%20Investor%20Sur-
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PIROTTI, T.M.C. et al. The Process of Social Innovation Scalability: What is the Role
of Dynamic Capabilities? Journal of Innovation Management, v. 9, n. 2, p. 21-38, 2021.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 225
RIDDELL, D.; MOORE, M.-L. Scaling Out, Scaling Up, Scaling Deep: Advancing
Systemic Social Innovation and the Learning Processes to Support It, 2015.
Caso 1
Meu nome é Antonia e, junto com a meu irmão, recebemos uma herança na
cidade de Porto Alegre, por parte de nossa mãe. Era 2009, eu morava em Florianó-
polis, e João, meu irmão, em São Paulo. Vínhamos a Porto Alegre apenas nas férias,
para visitar nossos parentes. Quando soubemos que este conjunto arquitetônico
fazia parte da herança, ficamos sem saber o que fazer no primeiro momento. Mas,
com o tempo e um pouco mais de conhecimento sobre o que o lugar significava,
entendemos que tínhamos uma oportunidade de fazer a diferença no mundo e
começamos a pensar nas possibilidades que existiam. Era um desafio gigante… tão
grande quanto o potencial de fazer algo muito significativo!
228 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
1 OS “PREDINHOS DO LUTZENBERGER”-
A HISTÓRIA DAS PESSOAS E O VALOR
HISTÓRICO PARA A CIDADE - PATRIMÔNIO
PRIVADO COM FINALIDADE PÚBLICA
Foram dois anos de obras para evitar o colapso estrutural, além das buscas
para conhecer experiências nacionais e internacionais de ocupação de espaços pri-
vados com finalidade pública. Como queríamos manter a história do conjunto,
partimos, também, para intensas pesquisas de referências sobre a história do imó-
vel e das pessoas que lá viveram e trabalharam.
A partir das nossas atuações profissionais como família, começamos a sonhar
com um projeto coletivo. Na época, eu havia ingressado no mestrado em Artes
Visuais e a minha pesquisa teve como base os processos artísticos colaborativos e a
arte relacional. Meu irmão havia fundado junto com seus colegas a Goma Oficina,
230 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
uma plataforma de arquitetura colaborativa. Junto ao nosso pai, com seu conheci-
mento em administração e nossa “boadrasta” que é designer, fizemos os primeiros
esboços do que poderia ser esse lugar, que abrigaria muita arte, educação, processos
comunitários e experiências transformadoras. Decidimos que iríamos nos dedicar
juntos a fazer este projeto florescer.
Assim, surgiu o DNA colaborativo do Vila Flores. Muitas pessoas de diversas
áreas de atuação e de conhecimento (ex-moradores, vizinhos, agentes públicos,
artistas, estudantes, professores, historiadores, arquitetos, entre outros) começaram
a frequentar o canteiro de obras e a sonhar junto com a gente esse espaço para a ci-
dade. A ideia de um centro cultural começou a tomar força e muitas pessoas foram
se apropriando e se engajando à proposta.
Foi em dezembro de 2012 que fizemos a primeira chamada oficial para que o
público pudesse conhecer (ou reconhecer) “os predinhos de Lutzenberger”. Como
não morávamos na cidade há bastante tempo, contamos com a ajuda de entusiastas
do projeto para convidar quem poderia se interessar em participar, especialmente
os vizinhos e a comunidade criativa da cidade. Era um momento crucial de sensi-
bilização para a preservação do patrimônio histórico, já que muitas edificações da
cidade estavam sendo demolidas. A nossa decisão familiar em preservar “os predi-
nhos” só se fez possível por uma grande mobilização coletiva e cidadã.
A articulação de todas essas pessoas foi muito importante, pois, quando tudo
ainda parecia apenas ruínas, elas vislumbraram que a proposta poderia trazer im-
pacto positivo para o bairro e para a cidade, criando espaço de convívio e de diálo-
go. A presença de grupos e projetos artísticos também foi crucial para que, desde
o início, pudéssemos pensar o uso do espaço a partir da perspectiva coletiva, com
base na arte e da sua relação com o território. No dia 19 de dezembro de 2012,
consideramos a criação do Vila Flores. Estavam presentes o coletivo Geodésica
Cultural Itinerante, da UDESC, o grupo de pesquisa Transitar da UFPEL, o Pro-
jeto Vizinhança de Porto Alegre, a Goma Oficina de São Paulo e muitos vizinhos
232 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Figura 3 - I Simultaneidade
Muitas coisas incríveis aconteceram no Vila depois da sua criação. Vou tentar
fazer uma linha do tempo para que você possa entender um pouco do caminho
que percorremos.
Em 2013, batizamos o espaço de Vila. Vila, porque acreditamos que é nas
Vilas que se cria um senso de comunidade verdadeiro, de cuidado mútuo e cola-
boração; onde se encontra sentido para a palavra vizinho e se acolhe as vulnerabi-
lidades de quem está por perto, para que todos possam crescer juntos. Flores, para
homenagear nossa avó Maria Luiza Flores que foi museóloga e teve uma atuação
muito forte na promoção da cultura em Porto Alegre. Com a adoção desse nome,
as pessoas que tinham suas iniciativas no espaço passaram a se autodenominar
“Vileiros” e tinham, como característica comum, a intenção de colaborar com os
demais e de contribuir para a transformação social. Além do nome, definimos os
pilares de atuação do coletivo: (a) arte e cultura, (b) arquitetura e urbanismo, (c)
educação e (d) empreendedorismo social e criativo. Para os Vileiros, é muito im-
portante criar espaços de convívio e troca de saberes, promovendo o acesso a todas
as pessoas, as que estão perto, as que vem de mais longe e que, independentemente
de onde estejam, onde vivem e a realidade social em que vivem, possam ter acesso
à arte, à cultura e ao empreendedorismo social e criativo e o direito à cidade.
Em 2014, o Vila já contava com 22 iniciativas e foi assim que fundamos ofi-
cialmente a Associação Cultural Vila Flores. Essa instituição cuida, hoje, de toda a
programação cultural do espaço promove a articulação entre Vileiros e o entorno,
desenvolve projetos baseados nos pilares de atuação definidos pelo coletivo, par-
234 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Skate na Vila, realizado a partir da construção de uma pista de skate na Vila Santa
Teresinha, em parceria com o Centro Social Marista Irmão Antonio Bortolini.
Em 2019, o Vila contava com 43 iniciativas. Realizamos a 4ª edição do Si-
multaneidade, com o tema Arte e Ativismo, promovendo uma profunda reflexão
sobre a arte como ferramenta de conscientização e transformação social. Foram
dois dias de oficinas, rodas de conversa, cine debates, intervenções, shows e exposi-
ções. As atividades abrangeram artes visuais, literatura, música, educação, sustenta-
bilidade e patrimônio histórico. Essa edição reconheceu que os cidadãos precisam
ser mais ativos na busca pela sociedade que querem e que a arte é uma potente fer-
ramenta de conscientização e transformação social. Esse ano também foi marcado
pelo projeto Lab Vila Flores, que atendeu a 350 alunos do ensino fundamental das
escolas municipais, com atividades culturais diárias, através de um convênio com a
Secretaria Municipal de Educação.
E chega o ano de 2020 e, com ele, a pandemia do COVID-19 trazendo inú-
meros desafios. Precisamos criar meios de apoiar a comunidade do entorno que,
como muitos outros territórios em todo o Brasil, sofreu com a redução de emprego
e renda, além do limitado acesso às condições de higiene e à saúde. Desenvolvemos
ações de apoio aos catadores de recicláveis e moradores de rua para que tivessem
condições de higienizar as mãos e receber alimentação. Mobilizamos pessoas, por
meio de campanhas, para arrecadação de alimentos, roupas, máscaras, material de
higiene e limpeza e distribuímos com o apoio da rede de parceiros. Também tive-
mos que pensar meios de apoio mútuo interno, pois muitos Vileiros tiveram que
parar suas atividades com a política de isolamento social e suspensão de atividades
que envolvessem grupos de pessoas. A migração para atividades virtuais e a mo-
bilização de recursos para a sustentabilidade das atividades e da estrutura também
foram desafios e proporcionaram um grande aprendizado. Criamos um banco de
contrapartidas, para que parte dos valores de aluguel pudesse ser pago em produ-
tos ou serviços de Vileiros que enfrentaram maiores dificuldades financeiras nesse
período.
Destaco que nossa prática de planejamento, que já fazia parte do processo
de gestão, contribuiu fortemente para que conseguíssemos perceber e responder
às demandas do entorno, mobilizar recursos variados e estreitar relações com par-
ceiros e financiadores, gerando aportes significativos para projetos que produziram
236 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
impacto social para o território. Muita criatividade e amor foram necessários para
dar conta desse período tão complexo! Mas o que fica deste momento é a consci-
ência de que o Vila é um ecossistema potente, pois permite ouvir todos os envol-
vidos, buscando “externalizar o interno e internalizar o externo”.
Uma das certezas das pessoas que se envolvem com o Vila é: este é um es-
paço que conta com claro comprometimento e intencionalidade de ser um espaço
relevante para a cidade, aberto e inclusivo, fomentando a vivência concreta da di-
versidade e da colaboração. Ao longo do tempo, desenvolvemos estratégias e ações
que buscam o bem-estar dos Vileiros, do coletivo e dos grupos da comunidade do
entorno. Nós sabemos que as pessoas aderem a uma iniciativa por diversos moti-
vos e que estes objetivos são complementares, mas só conseguimos nos preparar
para promover a transformação social quando compartilhamos conhecimento e,
coletivamente, geramos valor social. Nesses processos, com práticas colaborativas,
todos ganham.
5 EVOLUÇÕES NA GOVERNANÇA
Nós entendemos que o Vila é multifacetado por natureza, pois não se refere
somente ao espaço físico, mas também às pessoas que ocupam o espaço. Além dis-
so, sabemos que colaborar também é um processo de aprendizagem e de geração
e compartilhamento de valor e sentido. As mobilizações ou projetos são cocriados
com parceiros em alguns grupos da comunidade e entre os Vileiros, envolvendo
objetivos comuns e diversidade de atores e beneficiários.
A gestão do Vila vai se transformando ao longo do tempo, a partir dos apren-
dizados e legados dos processos vividos, e acontece de forma horizontal, depen-
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 237
6 E PROCURAMOS COMPARTILHAR
O CONHECIMENTO...
Eu poderia ficar falando infinitamente sobre isso, mas acho importante focar
em alguns aspectos mais significativos e que podem servir de inspiração para ou-
tros coletivos. Compreendemos que, para a colaboração acontecer e ser eficaz a fim
de desenvolver e identificar novas soluções para problemas, é preciso promover o
compartilhamento de conhecimentos e aprendizados. Com isso, as iniciativas pas-
sam a ter mais escalabilidade, tanto em tamanho, quanto em impacto, aumentam a
capacidade, reduzem os riscos ou facilitam a adaptação a ambientes em mudança.
No Vila, temos práticas e ferramentas para compartilhar conhecimento que
são muito importantes para os Vileiros. Algumas são mais espontâneas ou infor-
mais, como um bate papo no pátio; outras mais estruturadas ou formais, como
reuniões, eventos e projetos. Por outro lado, muitas ideias surgem, mas um número
bem menor acaba sendo prototipado ou realizado. Por isso, entendemos o Vila
como um espaço de experimentação, um laboratório vivo de relações e de cidada-
nia. Outro ponto que acho importante é que nossas rotinas são permeadas por três
aspectos: a afetividade, a intencionalidade e a relação com o entorno. Dito de outro
modo, nossas trocas de saberes são feitas de forma aberta, com diálogo e escuta
respeitosos e amorosos, comprometidos com o aprimoramento e desenvolvimento
de todos e inspirados nas interações que temos com as pessoas que vivem ou convi-
vem no entorno, pois só assim poderemos cocriar soluções colaborativas que façam
sentido e dialoguem com o território.
Ainda temos alguns aspectos que dificultam o compartilhamento do conhe-
cimento, como o tempo que pode ser uma forte barreira, uma vez que os Vileiros
precisam conciliar as demandas de suas iniciativas com o engajamento nas prática
de compartilhamento de conhecimento de forma intencional, mas entendemos
que pode ser parte da estratégia individual de cada Vileiro que se beneficia do bem
comum, do conhecimento compartilhado, gerando um ganho recíproco, potencia-
lizando a ampliação do valor e do impacto positivo da iniciativa.
Sabemos que ainda precisamos percorrer um bom caminho para ampliar os
momentos de compartilhamento de conhecimento, formais e/ou informais, diante
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 239
Vila são variados, por exemplo, iniciativas que se desenvolvem tanto que o espaço
disponível não dá mais conta da operação ou o contrário e por necessidade de
redução de custos não conseguem mais dar conta de pagar um espaço. Mas um
motivo que me chama a atenção é quando não há uma sintonia mais intensa com
o propósito e as práticas do coletivo, as iniciativas se desvinculam naturalmente.
Apesar de o Vila ser um conjunto arquitetônico privado, a sua finalidade pú-
blica e sua intencionalidade de colaboração e compartilhamento de conhecimento
desde o início das interações entre os Vileiros forjaram os pilares desta iniciativa.
As várias práticas de compartilhamento de conhecimento geram ganhos nas re-
lações, que habilitam o coletivo a criar valor social, por meio de ações concretas
para o bem-estar de grupos da comunidade do entorno e para a cidade, sendo um
espaço relevante e acessível, pois promove formas alternativas e sustentáveis de
viver em sociedade.
9 O CONTEXTO HISTÓRICO
Se você nunca visitou o Vila Flores, é importante entender que ele está loca-
lizado na Rua São Carlos, esquina com a Rua Hoffmann, no bairro Floresta, em
Porto Alegre (Rio Grande do Sul) - Figura 4. Nos últimos anos, a cidade passa por
um período de deterioração como consequência da crise política e fiscal que atin-
ge o governo estadual e o governo municipal. O bairro Floresta, por sua vez, tem
histórico industrial e operário e por ele passam três vias principais da cidade: Av.
Farrapos, Av. Cristóvão Colombo e Av. Voluntários da Pátria, misturando caracte-
rísticas comerciais e residenciais. Para quem visita pela primeira vez o bairro, fica
evidente o contraste dos limites invisíveis, mas existentes, destas vias, que destacam
o caráter conflituoso que possui o bairro. Por um lado, prostituição, tráfico e uso de
drogas, e condições de vida e trabalho marginalizadas e vulnerabilizadas; enquanto
isso, por outro lado, vemos o comércio tradicional de rua, grandes empreendimen-
tos comerciais e apartamentos residenciais de luxo.
O Bairro Floresta ainda conserva em sua arquitetura um pouco da sua his-
tória. Com o início da urbanização acelerada pelo trânsito do bonde que circulava
nas proximidades, passou a possuir características industriais e operárias, tanto que
foi conhecido como “o bairro das chaminés”, pois lá passaram a se instalar grandes
indústrias. Este tipo de concentração econômica deu origem à construção de resi-
dências destinadas a abrigar operários e suas famílias. O prédio é construído na dé-
cada de 1920 para atender famílias de operários que vinham do interior do estado.
242 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
10 O CONTEXTO TERRITORIAL
parte do terreno), sugerindo uma interação maior entre os vizinhos. Além disso,
tinha uma área destinada a um galpão de uso comercial e que hoje é usado como
espaço comum para eventos, encontros, atividades educativas e culturais, como
se o galpão e o pátio fossem o coração, o centro de onde toda energia coletiva é
emanada.
Então, o Vila de hoje é uma releitura contemporânea das práticas colaborati-
vas originais do prédio. A semente de um espaço colaborativo já estava desenhada
pelo arquiteto Joseph Lutzenberger na década de 20. Os arquitetos de hoje, como
meu irmão e seus colegas de profissão que são grandes parceiros nessa verdadeira
jornada arquitetônica chamada Vila Flores, tiveram a sensibilidade de identificar
essa característica preciosa do projeto original e potencializá-la.
No entanto, além da oportunidade surgida a partir da herança de uma pro-
priedade, foram as motivações pessoais para empreender socialmente que fizeram
a diferença e serviram de motivação. Poderia ser mais fácil se vendêssemos o espa-
ço, mas decidimos seguir por outro caminho. A profunda compreensão de que não
é possível realizarmos nada sozinhos e que uma propriedade por si só é algo esva-
ziado de sentido se não cumpre a sua função social, motivou-nos a ressignificar as
edificações, através de um grande esforço coletivo em devolver para a cidade a sua
memória e escrever novas narrativas para esse patrimônio que, hoje, faz parte de
sua história. Somos, portanto, um coletivo de empreendedores sociais e criativos.
Hoje, compomos uma equipe de gestão que atua em três frentes: (i) a condo-
minial, que cuida das questões relacionadas à locação dos espaços de trabalho e ao
bom funcionamento destes, (ii) a arquitetônica, que cuida das reformas, restauros
e das ações de preservação e (iii) a educação patrimonial e a cultural que cuidam
da realização e divulgação das atividades abertas ao público, da articulação entre o
público externo e interno e da manutenção das redes de colaboração. Assim como
eu, todos do núcleo familiar fazem parte dessa equipe de gestão, que é bastante
multidisciplinar e está sempre buscando ferramentas e metodologias para atuar em
horizontalidade e colaboração e em constante revisão de seus processos de gestão.
A nossa missão social é motivada pelas adversidades identificadas na comuni-
dade local. Essas adversidades são tanto a não satisfação de necessidades humanas,
quanto as dinâmicas de exclusão social provocadas pela ausência das instituições.
Pensando em necessidades não atendidas via mercado, notou-se que havia no con-
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 249
texto uma carência por consumir e produzir cultura. Além disso, a quantidade de
Vileiros que possui empreendimentos sociais sugeria que havia uma necessidade
em empreender de forma colaborativa, através de rede e não de competição. Por
sua vez, existem dinâmicas de exclusão social no bairro, que se mostram na falta de
senso de pertencimento que, por sua vez, traduz-se na falta de orgulho e de identi-
ficação com o bairro e na carência afetiva e de oportunidades de mobilidade social
dos indivíduos marginalizados.
Movidos pelos estímulos, a forma como os atores se relacionam com o Vila
é um dos fatores que gera o desenvolvimento local. Uma característica própria são
as relações colaborativas num sentido mais amplo, apresentando-se tanto na forma
de gerenciar o empreendimento social, como na constituição das parcerias estra-
tégicas. Como expliquei sobre a governança, nosso formato de gestão intercala
momentos de horizontalização e verticalização e com maior ou menor participa-
ção dos Vileiros na mesma. Além disso, os espaços físicos divididos influenciam
também a estratégia e estrutura dos empreendimentos dos Vileiros. Muitas vezes,
na hora de lançar um serviço ou um produto, eles levam em consideração o que as
pessoas que convivem com eles têm a dizer
O Vila também se relaciona com os atores por meio da promoção de inicia-
tivas alinhadas com a nossa missão social. Com isso, o Vila acabou se tornando,
na cidade, referência de práticas colaborativas e de inovação social. Hoje, esse pio-
neirismo atrai novas iniciativas (culturais e empreendedoras) ao bairro Floresta.
Sabemos que, antes, já existiam atores com esse perfil empreendedor e artístico na
região, mas a vizinhança percebe um aumento dessas iniciativas após a recuperação
do Vila. Seu poder catalizador fica mais evidente nas relações construídas com os
atores ativistas sociais, que se sentem acolhidos no espaço do Vila para, não só ide-
alizar iniciativas, como também para ampliar suas atividades e visibilidade através
de eventos e debates promovidos e realizados no Vila.
No bairro, existem muitos vizinhos que participam das atividades e veem
valor na ativação do espaço. Porém, uma parcela da vizinhança ainda não consegue
compreender totalmente o trabalho que o Vila realiza na comunidade. Apesar dos
nossos esforços para aproximá-los, com a realização de eventos culturais, muitos
deles envolvendo música, alguns vizinhos passaram a se sentir afetados pelo som,
associando o Vila a “barulho”. Quanto à relação com as trabalhadoras do sexo
250 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
que atuam na mesma rua, compreendemos que o fluxo de pessoas que circulam
no bairro aumentou após a ativação do Vila. Quem consome prostituição procura
zonas reservadas e com baixa movimentação e, com a movimentação gerada pelas
atividades do Vila e dos Vileiros, o trabalho das prostitutas acaba sendo afeta-
do, principalmente em dias de eventos. Tentamos mitigar esse conflito afinando
a comunicação ao divulgar a programação mensal nas paredes externas do prédio
e no drive in onde elas trabalham, além de construir bancos na calçada para que
elas possam se sentar. Alguns vizinhos achavam que a prostituição sairia da região
com as atividades do Vila, porém a nossa perspectiva sempre foi contrária: as tra-
balhadoras do sexo sempre estiveram nesse local. Tínhamos que criar condições de
convívio e respeito entre todos os grupos que compõem a diversidade do bairro:
precisamos nos acolher como seres humanos com toda a riqueza de características
(Figura 5).
12 DESAFIO
NOTAS DE ENSINO
1. RESUMO DO CASO
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
3. PÚBLICO-ALVO:
a) Quais as características do coletivo Vila Flores que indicam que sua atua-
ção pode ser entendida como uma iniciativa de inovação social?
b) Pensando na perspectiva de sustentabilidade do coletivo, quais os apren-
dizados mais significativos ao longo do tempo? Comente os aspectos sociais, am-
bientais e econômicos.
c) Considerando que os Vileiros entendem o Vila Flores como uma comuni-
dade criativa em constante mutação, quais os aspectos mais significativos no que se
refere à entrada de novos membros e aos ganhos das relações?
d) Quais pontos refletem a característica do Vila Flores como um empreen-
dimento social?
e) Com base no conceito de desenvolvimento local, quais são os principais
elementos do caso Vila Flores que demonstram seu impacto na Comunidade (Vila
Santa Teresinha e Vizinhança)?
5.2 SUSTENTABILIDADE
Site: http://vilaflores.org/
REFERÊNCIAS
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institucionais: uma análise multidimensional em diferentes contextos sociais. Tese (dou-
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mational leadership and not for profits and social enterprises. New York: Taylor &
Francis, 2018.
Caso 2
Lara sempre foi reconhecida por sua criatividade e por sua capacidade de
conectar pessoas. Desde criança, dava sinais do seu dom para o desenho, as flores
eram suas inspirações favoritas. Essa aptidão artística sempre foi sua marca regis-
trada entre familiares e amigos. Lara foi criada pela mãe e pela avó em uma cidade
do interior do Rio Grande do Sul. No cerne desse núcleo familiar, estavam a preo-
cupação com o outro e o exemplo de mulheres fortes que sempre lutaram pela sua
independência. Mesmo com muitas dificuldades, aos 27 anos, ela se formou em
Design. Com o seu dom nato, durante a sua formação, especializou-se em técnicas
de estamparia manual a partir dos desenhos que ela mesma criava. Seu plano era
usar suas habilidades e conhecimentos para empreender, mas o mundo dos negó-
cios sempre pareceu muito distante para uma menina do interior, que sabia dese-
264 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
nhar. Além disso, ela pensava que ao empreender não teria tempo disponível para
os projetos sociais de que participava na sua cidade, e isso tirava seu sono. Todas
as noites, ao deitar a cabeça no travesseiro, o questionamento que surgia era: como
usar meu talento para criar um negócio e ao mesmo tempo gerar impacto positivo
para a sociedade?
Muito criativa e cheia de ideias, Lara iniciou sua carreira profissional crian-
do estampas exclusivas, sob demanda. Seu trabalho impecável e sua facilidade de
comunicação e relacionamento fizeram-na conquistar muitos clientes, principal-
mente na indústria calçadista. Sua arte se tornou estampa em modelos de calçados
adultos e infantis, de marcas bastante conhecidas nacionalmente. Esse reconhe-
cimento foi fortalecendo a sua ideia de empreender. Ela sonhava em montar um
negócio que reunisse artistas e clientes para aproximar quem cria de quem vende e
para tornar produtos mais coloridos e bonitos. Contudo, como fazer isso se ela não
tinha conhecimentos em gestão e não se sentia preparada para gerir um negócio?
O fato de ela sempre ter sido muito envolvida com a universidade onde estu-
dou abriu portas para conhecer mais de perto o Parque Tecnológico da instituição.
E foi lá que viu a oportunidade de dar o primeiro passo: participar de um processo
de pré-incubação de negócios. Com isso, ela receberia apoio ao desenvolvimento
de uma ideia já arquitetada durante suas noites em claro e de muita inquietação.
Lara colocou sua ideia no papel e se inscreveu no processo seletivo que foi um di-
visor de águas na sua trajetória. Assim, desafiou-se a apresentar para uma banca a
ideia que somente ela conhecia, mas que sua experiência mostrou como oportuni-
dade. Apresentou, em formato de Pitch, a proposta de uma plataforma que conecta
artistas que produzem estampas a clientes interessados em criações exclusivas.
Se tudo desse certo, o seu projeto seria aprovado para incubação, o que pode-
ria durar até dois anos. O processo inicial era gratuito, mas a incubação não. Lara
não tinha dinheiro para investir, mas isso não a fez desistir, pois, quando chegasse
o momento, ela pensaria em como fazer. O fato é que veio a aprovação. Foram
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 265
voltados à capacitação de artistas para serem criadores de estampas. Com isso, eles
poderiam fazer parte do grupo que iria compor a plataforma idealizada por Lara.
Aqui, o ponto de inflexão foi: como inserir um viés social nesta proposta? Para
isso, ela teve a ideia de oferecer 20 vagas para artistas, sendo 10 delas para pessoas
de baixa renda ou que estivessem fora do mercado de trabalho. Primeiramente, os
participantes seriam apresentados a um desafio, proposto por uma empresa de cal-
çados integrante do Parque Tecnológico. Para a criação das estampas, este desafio
tinha como ponto de partida elementos como a inclusão e a diversidade de raça e
de gênero. O resultado desse processo, ou seja, uma das estampas criadas no curso,
tornar-se-ia um calçado a ser comercializado pela marca. Esta foi a proposta inicial
submetida ao edital.
Após a submissão, Lara precisou controlar a ansiedade até chegar ao re-
sultado. Ainda muito surpresa e feliz, ela viu sua proposta entre as aprovadas. Mais
uma conquista, depois de um trabalho árduo, de muita troca e aprendizado. Após
os trâmites legais, passados quatro meses da aprovação, o projeto foi iniciado, com
a preparação do curso, compra de materiais e conexão com professores e pales-
trantes que fariam parte da aula inaugural. Na sequência, Lara se debruçou sobre
o planejamento e a criação da identidade visual e dos materiais de divulgação do
curso nas redes sociais e em outras mídias. Não foram atividades solitárias, a rede
formada durante o processo de pré-incubação foi fundamental para essas articula-
ções, não somente as pessoas, mas também foi importante contar com a estrutura
física do Parque para a realização do curso, bem como o apoio na divulgação.
Estava tudo andando muito bem, recurso na conta, aulas planejadas, mate-
riais comprados, artistas inscritos. Contudo, Lara seguia inquieta. Ela, que sempre
acreditou no design social, na arte, e em técnicas de estamparia como forma de
expressar muito mais do que os olhos podem ver, sentia que faltava algo: como
fortalecer o viés social do projeto?
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 267
A partir dos desenhos e colagens feitas durante essa oficina, os artistas (alu-
nos do curso) foram convidados a criar ideias de estampas. Assim, todas as técnicas
e ferramentas para a criação das estampas foram sendo ensinadas. No entanto,
como gerar um benefício social para essas crianças e para a Associação? Isto ainda
não estava bem claro. Seria um produto que eles pudessem comercializar? Um
presente para as crianças? Como viabilizar? Que outros parceiros deveriam estar
envolvidos?
Lara, por trabalhar com estampas para a indústria calçadista, resolveu
aproveitar suas conexões para buscar parcerias. A ideia foi buscar apoiadores para
viabilizar a doação de pares de calçados que levassem uma das estampas criadas
no curso. Com essa ideia na cabeça, Lara agendou algumas visitas e se aproximou
de indústrias locais que pudessem dar vida a esse processo em formato de parceria.
Após muitos contatos, visitas e negociações, um total de cinco empresas aderiu ao
projeto e foi possível garantir a entrega de 60 pares de tênis para as crianças. Lara
estava realizada!
Durante o curso foram criadas 14 estampas para o desafio. Entretanto, como
seria escolhida aquela que estamparia os pares de tênis? Nada mais justo do que
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 269
A estampa escolhida pelas crianças se tornou tecido, produzido por uma das
empresas parceiras, e este tecido foi parar nos 60 pares de tênis produzidos por ou-
tra indústria parceira, localizada na região. Todos os pares foram entregues durante
a festa de final de ano da Associação, com a participação das famílias e de vários
envolvidos no projeto. Lara ainda não acredita em tudo que estava acontecendo.
Foram aproximações que surgiram de maneira diferente ao longo do processo, com
a Lara sempre sendo o ponto de contato e de articulação, de forma muito orgânica
e colaborativa.
Lara não tinha ideia, mas acabara de propiciar um processo de inovação so-
cial, a partir de um objetivo compartilhado, da mobilização de diferentes atores e
gerando impacto social positivo. Em uma mistura entre o empreendedorismo e a
ação social, Lara deixou sua marca em um ecossistema que se formou para dar vida
aos seus ideais. Primeiro, um empreendimento que ganhou vida. Depois, um pro-
jeto que saiu do papel, idealizado por uma jovem sonhadora e muito decidida. Um
270 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
NOTAS DE ENSINO
1. SUMÁRIO DO CASO
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A proposta deste caso é trabalhar uma visão mais ampla sobre o processo de
desenvolvimento de negócio e de promoção de inovação social, proporcionando
aos alunos um novo olhar sobre o formato tradicional da economia e das organiza-
ções. Pretende-se, pedagogicamente, desenvolver conhecimentos e habilidades de
análise e visão sistêmica sobre o cenário apresentado e aumentar o repertório de
argumentação sobre relações interorganizacionais e a construção de soluções cole-
tivas. A partir das discussões propostas, os alunos devem desenvolver competências
relacionadas a saber ouvir, opinar e argumentar, bem como se colocar no lugar do
outro. O caso tem por objetivo provocar no aluno uma reflexão sobre as decisões
e suas consequências no ecossistema em que o negócio está inserido. Dessa forma,
os objetivos específicos são:
· Objetivo 1: Incentivar a reflexão sobre o processo de desenvolvimento de
negócios e de geração de inovação social.
· Objetivo 2: Avaliar os papéis dos diferentes atores e levantar possibilidades
para engajá-los, prevendo suas consequências, benefícios e desafios.
· Objetivo 3: Propor um conjunto de ações que garantam a sustentabilidade
do negócio e a ampliação do impacto social, considerando os diferentes stakehol-
ders.
3. GRAU DE COMPLEXIDADE
4. PÚBLICO-ALVO
II. Em sala de aula – 1ª aula (divisão dos grupos, reflexão sobre os textos,
discussão dos possíveis cenários de continuidade do projeto, assim como possibili-
dades de implicação do impacto social e de engajamento de atores).
a) O professor deverá separar a turma em grupos de três pessoas (cinco mi-
nutos).
b) Os alunos preparam um compilado da discussão (25 minutos).
c) Os alunos apresentam as considerações iniciais do caso, cada grupo terá 10
minutos para isso (60 minutos).
d) No final da etapa, o professor avalia o entendimento dos alunos quanto ao
caso e aos aspectos teóricos.
e) Professor apresenta as questões para discussão (20 minutos).
f ) Os grupos iniciam a preparação das respostas das questões em uma apre-
sentação. Esta atividade irá ocupar o restante da aula e provavelmente deva ser
realizada em casa também.
III. Em sala de aula – 2ª aula
a) Apresentação dos grupos e considerações do professor – Apresentação das
decisões realizadas e discussão das questões.
6. QUESTÕES RELACIONADAS
O presente caso explora a necessidade de Lara envolver mais atores para am-
pliar e garantir o impacto social de seu negócio. A partir disso, a empreendedora
possui o seguinte dilema: como engajar pessoas e organizações de forma que todos
percebem valor em participar desse processo? Assim, o caso busca estimular os
alunos sobre como promover inovação social em rede. Além dessa questão, para
estruturar o problema e produzir uma resposta analítica, sugere-se estimular a re-
flexão em sala de aula a partir das seguintes questões:
a) Quais são os possíveis caminhos para o negócio de Lara?
b) Quais são os elementos-chave para a promoção de inovação social?
c) Quais são os possíveis públicos envolvidos com o projeto?
d) Como engajar diferentes atores para a geração de inovação social?
274 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
e) Como cada ator pode contribuir? Qual o impacto gerado para cada um
deles?
f ) Como garantir a continuidade de um projeto como este? Como ampliar o
seu impacto social?
Essa questão busca provocar uma visão sistêmica e de longo prazo nos alunos.
Dessa forma, pretende-se que as respostas contemplem a maximização do impac-
to social e possibilidades de continuidade do projeto. Espera-se um conjunto de
estratégias, levando em consideração a realidade da empreendedora e as oportuni-
dades de atuação em rede.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 277
9. INDICAÇÃO DE LEITURA
ANDION, C. et al. Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva
pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, p. 369-387, 2017.
BARKI, E. et al. Social entrepreneurship and social business: Retrospective and prospec-
tive research. Revista de Administração de Empresas, v. 55, p. 380-384, 2015.
REFERÊNCIAS
ANDION, C. et al. Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva
pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, p. 369-387, 2017.
BARKI, E. et al. Social entrepreneurship and social business: Retrospective and prospec-
tive research. Revista de Administração de Empresas, v. 55, p. 380-384, 2015.
Caso 3
3 REDE DE COLABORAÇÃO
como uma forma de atuar na área social, pelo desejo de impactar sua comunidade,
ou mesmo como solução para exigências legais ou de clientes.
4 OS DESAFIOS
NOTA DE FIM
NOTAS DE ENSINO
Convidamos você a trabalhar com seus alunos uma história que foi idealizada
para educar e profissionalizar jovens em situação de vulnerabilidade social contri-
buindo para amenizar problemas da sociedade. O conteúdo do caso apresentado
relaciona-se com o tema inovação social e sua escalabilidade. Convidamos você
a compartilhar este caso e instigar seus alunos a pensarem e buscarem iniciativas
que possam contribuir para a transformação de realidades sociais. Estimule seus
alunos a pensar, a questionar e a idealizar uma sociedade mais justa e inclusiva com
oportunidades para todos.
1. SUMÁRIO DO CASO
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
3. PÚBLICO-ALVO
a) Reflita sobre por que o Projeto Pescar pode ser considerado uma inovação
social?
b) Quais ações desenvolvidas no Projeto Pescar caracterizam a inovação so-
cial?
c) Quais foram os elementos que marcaram as fases do Projeto Pescar que
contribuíram para alavancar a sua escalabilidade no decorrer de sua trajetória?
d) Como o projeto poderá continuar a crescer em escala para consolidar o seu
propósito?
e) O que pode ser proposto para que o projeto desenvolva mais ações para
atendimento de necessidades de educação e profissionalização de pessoas em situ-
ação de vulnerabilidade social?
REFERÊNCIAS
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Scaling Up Social Innovation: Case Examples of Nonprofit Organizations From Canada.
Journal of Applied Behavioral Science, v. 50, n. 3, p. 234-260, 2014.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 295
Caso 4
Eu dou um passo, ela dá dois passos.Eu dou dois passos, ela dá quatro pas-
sos.Eu dou quatro passos, ela dá oito passos.Para isso serve a utopia, para eu
seguir caminhando.
(Eduardo Galeano)
Eu penso que não. Eu acho que também, uma das coisas que nos faltou,
porque o processo em si, como estamos organizados, é uma escola, onde
as empresas são escolas. O que nos faltou, eu acho, é mais uma formação
de um sujeito político. Na missão de Bachajón, os jesuítas fazem muito, é
um assunto religioso, mas também é político. A região é complicada, é re-
gião zapatista, diferentes partidos políticos. Na cooperativa tem zapatistas,
não zapatistas, de diferentes partidos. Nesse sentido, a cooperativa não toma
partido. Tentamos nos manter bastante equânimes. Temos tido muitas más
experiências com os governos em Chiapas. Nós não trabalhamos com o go-
verno. Os recursos são muito politizados. Chiapas há muito dinheiro, chega
muitos milhões, mas todo dinheiro é com “etiquetas”. Terrível, a verdade
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 303
é que é terrível. Nesse sentido, que nós preferimos não nos aproximar da
política (Alberto – diretor do projeto – Entrevista para a presente pesquisa).
7 Você pode compreender melhor sobre a volatilidade dos preços do café no Anexo 1.
304 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
4 INTERCULTURALIDADE E ESPIRITUALIDADE
Outro grande desafio que temos e que tivemos é a gestão dos dois ritmos.
Do ritmo indígena e Tsental e do ritmo global e ritmo do mercado, porque
cada ritmo necessita de uma atenção completamente diferente. Necessita da
construção de pontes, necessita de um serviço especializado, com diferentes
capacidades para cada ritmo. Isso é muito difícil. Sim, temos uma equipe
multidisciplinar que pode atender aos diferentes ritmos. Mas também o
que nos aconteceu é que muitas vezes, sentimos que esses ritmos caminham
separados. Controlamos a cadeia de valor, mas dentro da cadeia de valor
estamos muito separados. Para mim a imagem que eu tenho com “Bats’il
Maya” e com “Capeltic”, que são as empresas mais poderosas, é que são dois
cães da raça Gran Danès. Imagina dois Gran Danès mal-educados que te
levam para passear e vão te levando, e tem que te agarrar, porque o ritmo de
mercado te leva (Alberto – diretor do projeto – Entrevista para a presente
pesquisa).
Pela minha perspectiva Yomol A’tel foi uma mudança total na minha vida,
de formação e de relação. Por que assim, desde casa tenho muitos valores
éticos, em questão de espiritualidade também. Quando saí estudar, perdi
muito destes valores, porque a minha formação foi pela carreira técnica, que
induzem a todo esse mundo empresarial, sistema capitalista e, queira ou não,
se desprende de muitas coisas.
Para mim encontrar-me com Yomol A’tel significou uma irmandade, em que
realmente somos irmãos e não existem diferenças entre “morenito blanqui-
to”, de pensamentos. Temos uma liberdade quanto a pensar.
Aqui vivemos a espiritualidade, se tu crês em Deus, pois crê nele agora. Se
crês na natureza. Mas, temos a mesma espiritualidade e a mesma fé, a mes-
ma confiança para se realizar as coisas. Então, Yomol A’tel para mim foi um
encontro de pessoas, ideias e pensamentos.
Pois, Yomol A’tel é caminharmos juntos, orarmos juntos, eu agrego... chora-
mos juntos, nos abraçamos juntos (Cristy – coordenadora administrativa da
Bats’il Maya em Chilón – Dados da presente pesquisa).
6 OS DESAFIOS
NOTAS DE FIM
Os dados para esta pesquisa foram coletados pessoalmente por uma das pes-
quisadoras no mês de julho de 2015, período no qual ocorreu o conflito armado
entre os partidos políticos. A pesquisadora, juntamente com outras onze pessoas,
ficaram sitiadas na casa da Missão Jesuíta em Chilón por quatro dias. Os dados
foram atualizados com base em estudos e conversas em 2021.
312 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Agradecimentos
IFRS – Instituto Federal do Rio Grande do Sul; Unisinos Center for Social
Innovation and Entrepreneurship.
ANEXO 1
O grupo Yomol A’tel possui seis empresas sob sua tutela. Sendo três delas re-
lacionadas diretamente com a cadeia do café, duas delas com a cadeia do mel e uma
microfinanceira. Além disso, observam-se instituições e organizações que contri-
buem para o projeto, como o CEDIAC, universidades, fundações e empresas.
Irezabal (2020), em sua tese de doutorado, levanta dados com base nos úl-
timos relatórios disponíveis sobre o contexto. O México tem uma população que
já ultrapassa 120 milhões de pessoas, com idade média de 27 anos em 2015. Em
2018, era a 15ª economia do mundo e a segunda da América Latina em termos de
PIB total, mas número 68 no mundo em termos de PIB per capita. Esses dados
mostram o problema da pobreza no México, juntamente com a extrema desigual-
dade existente no país. A esses problemas, somam-se a crise de corrupção, pois,
segundo a organização Transparência Internacional, em 2018, o México ficou em
128º lugar entre 180 países analisados em
termos de corrupção em todo o mundo,
bem como a crise de segurança que assola o país, derivado de conflitos entre or-
ganizações do narcotráfico e seus confrontos com o governo, gerando os maiores
níveis de violência nos últimos 21 anos.
Para analisar melhor o sistema de educação e trabalho, é importante coletar
dados do Censo Mexicano (INEGI, 2015). Percebe-se que, de uma população
total de 111.554 habitantes, 21.878 não possuem escolaridade e a taxa de alfa-
betização é de 89%, índice muito aquém de países desenvolvidos ou da própria
taxa de alfabetização geral do México, que é de 94%. Outro fator interessante de
analisar é a discrepância entre homens e mulheres nos índices de alfabetização e
acesso à escolarização. Os homens possuem mais acesso à educação, com diferença
de quatro pontos percentuais. Essa realidade influencia as condições de empre-
gabilidade e acesso ao mercado. Outro dado marcante é que apenas 26 pessoas
possuem pós-graduação e apenas 927 pessoas possuem curso para atuação profis-
sional. Ademais, outro dado preocupante é que, na comparação entre as pessoas
que possuem ou não acesso aos bancos escolares, o número é superior para aqueles
que não possuem esse acesso.
Os dados analisados sobre educação demonstram uma falta de acesso a con-
dições mínimas para a garantia de um futuro mais digno. Esses dados refletem a
falta de políticas públicas voltadas para aquela região e o abandono de instituições
governamentais. Como consequência deste abandono, o sistema de trabalho e ren-
da ainda está muito vinculado a práticas locais de subsistência.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 315
NOTAS DE ENSINO
Convidamos você a trabalhar com seus alunos uma história sobre empresas
sociais e interculturalidade. Sobre comunidades indígenas e sobre o merca-
do ocidental. Sobre lucratividade, tomada de decisões e planejamento. Mas,
antes disso, lembre aos seus alunos de que: tudo para o que olhamos pode
ser visto sobre diferentes pontos de vista, não escolha o seu antes de com-
preender ambos os lados e examinar aspectos positivos e negativos de cada
um. O “bem conviver” se faz com diálogo, com abertura, com reciprocidade,
com respeito. Convidamos você a compartilhar este caso e a pensar o mundo
de uma forma um “tanto torta”, como Drummond propôs ao falar em “lado
gauche”. Estimule seus alunos a se abrir, pensar, propor, interrogar, pensar o
mundo e a Administração de uma forma diferente!
1. SUMÁRIO DO CASO
2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
3. QUESTÕES RELACIONADAS
d) O que pode ser proposto para que o projeto desenvolva mais ações e diver-
sifique sua atuação atendendo ao mercado?
e) Você considera mais interessante a diversificação de produtos ou a manu-
tenção no foco agregando novos parceiros?
f ) Como aprimorar as técnicas de comunicação interna?
g) Como levar esta cultura ao mercado consumidor?
h) E como o grupo deve agir frente a este desafio?
i) Você pensa que este modelo de gestão é sustentável no longo prazo?
Um dos desafios enfrentados pelo grupo Yomol A’tel foi a praga Roya que
atingiu os cafezais em 2014. Diante dessa situação, alguns fatores precisaram ser
enfrentados. O primeiro aspecto foi a dificuldade enfrentada pelas famílias da
comunidade, que possuíam como única ou principal renda a venda do café. As
famílias, que não possuem reservas econômicas, passaram por uma situação de
vulnerabilidade extrema, sendo que muitas estavam passando fome.
A solução momentânea encontrada pelo grupo foi a aquisição de milho para
distribuição às famílias. A Capeltic, empresa do grupo responsável pelas cafeterias,
realizou a compra do milho e doou para as comunidades. Um fator importante
a ser observado neste tópico refere-se ao fato de que a empresa não possui ainda
uma regulamentação fiscal e legal. Isso porque a legislação mexicana não permite
a integração em um único grupo de todas as empresas.
Dessa forma, a Capeltic, empresa do grupo que hoje possui maior lucrativi-
dade, não pode simplesmente transferir um valor monetário para as famílias. Para
conseguir reverter o lucro, a Capeltic deve fazer ações indiretas, mas que impactem
as comunidades.
A Roya afetou significativamente a produção de café da cooperativa. Com a
pouca produção de café pelos produtores associados, a microindústria foi afetada e,
consequentemente, os contratos de exportação e distribuição do café também esta-
vam em risco. Além disso, todo o café servido pela Capeltic vem das comunidades.
Sem café, sem produção na indústria, sem café nas taças.
A solução encontrada pelo grupo foi a parceria firmada com o que eles deno-
minam de “cooperativas irmãs”. Estas cooperativas possuem os mesmos princípios
e valores que a Yomol A’tel, ou seja, são formadas por comunidades indígenas, com
valores voltados à sustentabilidade social e ambiental. Um fator muito importante
para esta etapa foi encontrar cooperativas que possuíssem um café com a mesma
qualidade, produzido de forma orgânica e com as características de café de altura.
Resolvidos os dois problemas iniciais, a fome das famílias e a falta de café
para comercialização, o grupo precisou pensar em como resolver a praga. Para isso,
contrataram técnicos e profissionais especializados nesse fungo para auxiliar as
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 321
famílias. A solução encontrada para muitos cafezais foi a queima total e o replan-
tio. Esse processo é longo e o grupo precisará continuar assessorando as famílias e
encontrando alternativas para que o negócio social não pare.
Uma questão importante de ser trabalhada neste tópico é a escolha entre a
diversificação de produto ou o foco no café. Observa-se que o grupo Yomol A’tel
optou pelas duas práticas, já que, além de coordenar a cadeia do café com as três
empresas voltadas para este produto, está atuando também com produtos deriva-
dos do mel. O grupo optou por inserir as mulheres dos produtores de café, que
antes não exerciam nenhuma atividade fora das propriedades das famílias e que
hoje fazem parte de uma cooperativa de mulheres produtoras de mel. Esta coope-
rativa auxilia as mulheres na industrialização e comercialização do mel, bem como
na utilização do produto como matéria-prima para fabricar diversos cosméticos.
A possibilidade de crescimento desse segmento é grande, já que outros produtos
podem ser desenvolvidos com vistas à ampliação da atuação da cooperativa.
Quanto ao foco no café, a Yomol A’tel vem atuando fortemente para con-
seguir coordenar toda a cadeia do café, aumentando a lucratividade em quase 50
vezes, uma vez que o valor do quilo do café in natura é vendido por aproximada-
mente 32 pesos mexicanos e o café servido em taça pela Capeltic gera aproxima-
damente 1500 pesos mexicanos. Entretanto, para continuar atuando e crescendo
neste segmento, é necessário resolver o problema da Roya e aproximar novos pro-
dutores ou outras regiões com características semelhantes, aumentando o volume
de café e, consequentemente, a lucratividade do negócio.
Assim, observa-se que o grupo vem atuando em ambas as estratégias, porém
ainda em fase embrionária, visto que a cooperativa de mel é um projeto recente e o
problema da Roya e da aproximação com comunidades próximas também.
4.4 A INTERCULTURALIDADE
O professor poderá adaptar sua aula de acordo com suas preferências e tempo
disponível. Entretanto, sugere-se o seguinte plano de aula:
• Duração: 15 minutos.
• Duração: 10 minutos.
• Duração: 40 minutos.
• Duração: 40 minutos.
• Duração: 35 minutos.
• http://www.batsilmaya.org
• http://capeltic.org
• http://cediac.org/chabnichim/
• https://www.facebook.com/Xapontic
• http://www.uia.mx/web/files/publicaciones/tsubmal_xitalha.pdf
Recomendamos, também, algumas bibliografias básicas sobre os temas abor-
dados neste caso, principalmente, sobre economia social, empresas sociais e ino-
vação social.
REFERÊNCIAS
BATTILANA, J. et al. In Search of the Hybrid Ideal. Stanford Social Innovation Re-
view, v. Summer, p. 50-55, 2012.
CLOUTIER, Julie. Qu’est-ce que l’innovation sociale? Centre de Recherche sur les
Innovations Sociales. Document de travail de l’interaxe, Montreal, 2003.
MAIR, J.; MARTI, I. Entrepreneurship in and around institutional voids: A case study
from Bangladesh. Journal of Business Venturing, v. 24, n. 5, p. 419-435, set. 2009.
MATTEN, D.; MOON, J. “Implicit” and “Explicit” CSR: A Conceptual Framework for
a Comparative Understanding of Corporate Social Responsibility. Academy of Manage-
ment Review, v. 33, n. 2, p. 404-424, 1 abr. 2008.
MULGAN, G. et al. Social innovation: What it is, why it matters and how it can be ac-
celerated. 2007. Disponível em: <http://www.sbs.ox.ac.uk/sites/default/files/Skoll_Cen-
tre/Docs/Social Innovation - What it is%2C why it matters %26 how it can be accelerat-
ed.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2021.
POL, E.; VILLE, S. Social innovation: Buzz word or enduring term? The Journal of
Socio-Economics, v. 38, n. 6, p. 878-885, dez. 2009.
a questões sanitárias e de qualidade de vida, entre outros. Para dar conta dessa
complexidade e pensar na inovação social de forma sistêmica, é preciso, também,
refletir sobre uma sistemática de desenvolvimento dessas iniciativas, portanto uma
metodologia apropriada.
Organizadoras
Gabriela Zanandrea
Bolsista PNPD Capes no Programa de Pós-Graduação
em Administração da UNISINOS. Doutora em Ad-
ministração pela Universidade de Caxias de Sul com
período sanduíche na Universidade de Aveiro, Portugal
(2018). Mestre em Administração pela Universidade de
Caxias do Sul (2014). Integrante do Grupo de Pesquisa
GESMAC (Grupo de Estudos em Gestão Social, Mu-
danças, Aprendizagem e Competências Organizacio-
nais). Suas áreas de pesquisa incluem inovação e gestão
do conhecimento em cadeias produtivas, especificamen-
te a cadeia produtiva da maçã, e mais recentemente tem
se dedicado à pesquisa de inovação social e desenvolvimento territorial, e o pro-
tagonismo das organizações com fins lucrativos no contexto social. http://lattes.
cnpq.br/0382481576717324. https://orcid.org/0000-0002-0091-0229
Autores
Antonia Wallig
Mestre em Artes Visuais na linha de pesquisa Processos Artísticos Contemporâ-
neos pelo PPGAV/UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina (2012).
Graduada em Pedagogia pela mesma Universidade (2010). Atualmente atua como
gestora cultural na Associação Cultural Vila Flores em Porto Alegre-RS. Desen-
volve pesquisas principalmente nos seguintes temas: educação e cultura, arte-edu-
cação, terapia artística, educação popular, educação inclusiva, educação ambiental,
processos artísticos colaborativos e inovação social. Atua em projetos sociais, orga-
nizações não governamentais junto a comunidades e escolas da rede pública.
Cristiane Froehlich
Pós-Doutora em Administração pela UNISINOS. Doutora em Administração
pela Unisinos, com doutorado sanduíche no Instituto Superior de Economia e
Gestão da Universidade de Lisboa, Portugal. Mestre em Administração pela UNI-
SINOS. Docente do Programa de Pós-Graduação em Administração e Pesqui-
sadora do Grupo de Pesquisa em Gestão. Linhas de Pesquisa: Sustentabilidade
Socioambiental, Inovação para Competitividade da Universidade Feevale, Novo
Hamburgo/RS. http://lattes.cnpq.br/8931658058297667.
Kadigia Faccin
Pós-Doutora em Administração pela UNISINOS. Possui dupla titulação de dou-
torado: Doutora em Administração pela UNISINOS e em Sciences de LInforma-
tion et de la Communication pela Université de Poitiers/França (2016). Bolsista
de Produtividade em Pesquisa (PQ-2) desde 2022. Professora-Pesquisadora da
Escola de Gestão e Negócios (EGN) da UNISINOS e atualmente coordenadora
do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGAdm). Lidera o grupo
Autores - 339
Márcia Macedo
Graduada em Comunicação Social na Universidade Luterana do Brasil e com
MBA em Marketing Estratégico na UNISINOS. Atua na área de tecnologia e
inovação e é apaixonada por trabalho em equipe, principalmente, em times mul-
ticulturais. Trabalha em empresa de consultoria para um Empresas Globais e
equipes multifuncionais para entregar produtos, processos e eventos, facilitando a
comunicação entre os atores e com os stakeholders. Um dos trabalhos mais gratifi-
cantes de consultoria de negócios, juntamente com a equipe de alunos da Universi-
dade da Carolina do Norte, foi a imersão e o trabalho de inovação social realizado
Autores - 341
Roselei Haag
Doutora em Administração pela UNISINOS (Bolsista CAPES). Período sandu-
íche realizado no Sozialforschungsstelle Dortmund (Centro de Pesquisa Social
Dortmund) da Technische Universität Dortmund (TU Dortmund), Alemanha.
Professora substituta no IFSul - Instituto Federal Sul-rio-grandense. Experi-
ência na área de Administração, atuando principalmente nos seguintes temas:
operações, cadeia de suprimentos, desenvolvimento sustentável, inovação so-
342 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO