Desvendando A Inovação Social

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DESVENDANDO A

I
NOVAÇÃO SOCI
AL
CASOSDEENSI
NO

CLAUDIA BITENCOURT
ANA CLARISSA SANTOS
MANUELA AGOSTI NI
GABRIELA ZANANDREA
DESVENDANDO A
INOVAÇÃO SOCIAL
CASOS DE ENSINO
Editor
Cassiano Calegari

Conselho Editorial
Dra. Janaína Rigo Santin Dra. Gizele Zanotto
Dr. Edison Alencar Casagranda Dr. Victor Machado Reis
Dr. Sérgio Fernandes Aquino Dr. Wilson Engelmann
Dra. Cecília Maria Pinto Pires Dr. Antonio Manuel de Almeida Pereira
Dra. Ironita Policarpo Machado Dr. Eduardo Borba Neves

Editora Deviant LTDA


Rua Clementina Rossi, 585.
Erechim-RS / CEP: 99704-094
www.editoradeviant.com.br

O presente trabalho foi realizado com apoio


da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do


Rio Grande do Sul - Campus Sertão, Sertão, Brasil
Claudia Bitencourt
Ana Clarissa Santos
Manuela Agostini
Gabriela Zanandrea
Orgs.

DESVENDANDO A
INOVAÇÃO SOCIAL
CASOS DE ENSINO

Editora Deviant
2022
Copyright © Editora Deviant LTDA

Categoria: Direito

Produção Editorial
Editora Deviant LTDA

Todos os Direitos Reservados

ISBN
978-65-89033-03-5

Impresso no Brasil
Printed in Brazil

B624 Bitencourt, Claudia


Desvendando a Inovação Social Casos de Ensino / xxx -
Erechim: Deviant, 2022.
343 p. 23 cm.
ISBN: 978-65-89033-03-5
1. Sociologia e antropologia. I. Título.

CDD 301
Sumário

PREFÁCIO 9

EIXO 1 GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL 13

INOVAÇÃO SOCIAL E TURISMO: O CASO DAS


1 FAVELAS PAVÃO, PAVÃOZINHO E CANTAGALO  25
Márcia Macedo
Luciana Maines da Silva

DESAFIOS ALÉM-MAR: A HISTÓRIA DE


2 IMIGRANTES SENEGALESES NO BRASIL  41
Caroline Arenci Glória da Silva
Gabriela Zanandrea
Claudia Cristina Bitencourt

QUALIFICAÇÃO EMPREENDEDORA DE PROJETOS


3 INOVADORES E DE EMPREENDIMENTOS DE
IMPACTO SOCIOAMBIENTAL EM ESTÁGIO INICIAL  69
Silvio Bitencourt da Silva
Claudia Cristina Bitencourt

E, AGORA, PARA ONDE VAMOS? INOVAÇÃO


4 SOCIAL COMO UM CAMINHO PARA A MUDANÇA  95
Gabriela Zanandrea
Roselei Haag
Claudia Cristina Bitencourt
EIXO 2 IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL 117

CONEXUS - CONEXÃO SOCIAL: UM AMBIENTE


1 PARA PROMOVER O DESENVOLVIMENTO
HUMANO E PROFISSIONAL DE JOVENS EM
VULNERABILIDADE SOCIAL  125
Marcelo Ferreira de Souza
Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos
Marilaine Quadros Becker de Souza
Irmã Pierina Lorenzoni

DO OUTRO LADO DO RIO: O PROCESSO DE


2 INOVAÇÃO SOCIAL NO ARQUIPÉLAGO DO
BAILIQUE (AP) E SEUS DESAFIOS  153
Manuela Rösing Agostini
Ana Luiza Rossato Facco
Laura Chiattone Bollick

MAIS JUNTXS POR TODXS: O CASO DE UM LIVING


3 LAB QUE TRABALHA PARA O ENFRENTAMENTO DA
VIOLÊNCIA DE GÊNERO  185
Larissa Medianeira Bolzan
Daniela Mattos Fernandes

EIXO 3 TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL 217

UM ESPAÇO RESSIGNIFICADO PARA A CIDADE  227


1
Marcia Santos da Silva
Karen Frances Medroa
Antonia Wallig
Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos

UMA ANDORINHA SÓ NÃO FAZ VERÃO: O CASO


2 DE CONEXÃO DE ATORES PARA A PROMOÇÃO DE
INOVAÇÃO SOCIAL  263
Bruno Anicet Bittencourt
Paola Schmitt Figueiró
PROJETO PESCAR: EDUCAÇÃO E TRABALHO PARA
3 UM FUTURO MELHOR  279
Tatiane Martins Cruz Pirotti
Claudia Cristina Bitencourt
Kadigia Faccin
Cristiane Froehlich

FRATERNIDADE PULSANTE: O CAFÉ ORGÂNICO


4 COMO ELO ENTRE O MERCADO OCIDENTAL E
COMUNIDADES INDÍGENAS  295
Manuela Rösing Agostini
Luciana Marques Vieira
Yeda Swirski de Souza

IV. CAPÍTULO FINAL  331

ORGANIZADORAS 335

AUTORES 337
8 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Prefácio - 9

Prefácio

Nas últimas décadas, vimos a persistência de fenômenos como a pobreza, a


fome, a dificuldade de acesso à saúde e de qualidade na educação, assim como a
emergência de debates globais em torno das mudanças climáticas e dos desafios
para uma maior aceitação e promoção de diversidade, equidade e inclusão. Em
comum, estes desafios se convertem em problemas sociais presentes em diferentes
níveis em todos os países, tendo consequências globais e locais. Diferentes atores
têm tentado desenvolver iniciativas que nos ajudem a avançar na resolução desses
problemas. Tais iniciativas ou soluções também podem ser entendidas como ‘ino-
vação social’. No entanto, tal tarefa está longe de ser simples.
Nas últimas décadas, mais de uma perspectiva em como solucionar problemas
sociais emergiu e foi testada, com diferentes visões sobre quais atores deveriam ser
protagonistas nesse processo e qual nível de transformação social podemos atingir.
Uma primeira maneira de abordar o tema é comumente associada a atores com
grande quantidade de recursos que assumem o papel de ‘responsáveis’ pela reali-
zação de projetos. Aqui podemos pensar em ações tradicionalmente conhecidas
como ‘Responsabilidade Social’ ou ainda ‘Estratégias na base da pirâmide’. O foco
está em utilizar do poder econômico e de influência na cadeia de valor de grandes
grupos empresariais para direcionar recursos, capacidades e ações para resolver
problemas sociais. Embora a transformação possa ocorrer em alguns casos, aque-
les que mais são impactados pelos problemas societais frequentemente são vistos
aqui apenas como beneficiários, com pouca margem para desenvolver soluções por
eles mesmos. Uma outra perspectiva tem no empreendedor social o ator-chave
para a inovação social. Nesse caso, se confia aos atores, que vivem ou não o pro-
blema, a responsabilidade de criar organizações que vão enfrentar os problemas
sociais. Aqui, podemos pensar em empreendimentos que terão uma missão social
(para justificar sua existência) e que buscarão financiar suas operações através de
filantropia ou da comercialização de bens e serviços. Podemos ver que a figura
10 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

do empreendedor por trás da iniciativa é normalmente exaltada e encorajada.


Mais uma vez, a transformação social pode estar presente em diferentes níveis,
dependendo do papel conferido pelo empreendedor para os atores que são mais
impactados pelo problema. Por fim, podemos pensar em uma perspectiva de ino-
vação social que tenha como ator central aqueles que ‘vivem os problemas’ e que
precisariam ter voz e espaços de ação necessários para encontrar soluções por eles
mesmos. Normalmente, nessa perspectiva, soluções locais e gerenciadas de forma
democrática são privilegiadas. A transformação social é frequentemente o objetivo
principal de tais iniciativas, tendo promotores e beneficiários ocupando o mesmo
papel.
Embora o debate em torno dessas diferentes perspectivas seja intenso e os
benefícios e limites de cada perspectiva sejam bem documentados, acredito que
precisamos dos diferentes tipos de inovação social. Me explico: os problemas so-
cietais são complexos e como tal funcionam como um sistema, ou seja, diferentes
problemas são interdependentes e uma solução qualquer pode desencadear novos
desafios. Por exemplo, ao querer solucionar o problema de pobreza de uma família,
programas de empreendedorismo podem encorajar a criação de microempresas
que não se preocupem com os impactos sobre o meio ambiente. Se pensarmos em
uma região sem infraestrutura para coleta de resíduos ou reciclagem, a consequ-
ência de um aumento na produção de bens e serviços pode ser o acúmulo de lixo
nas ruas, mais animais em volta do lixo, mais inundações em períodos de chuva e
maior probabilidades de vulnerabilidade para certas doenças. Se adicionarmos ao
exemplo um contexto em que o acesso à saúde é restrito, as mesmas famílias men-
cionadas acima podem ser as que sofrerão mais com os novos problemas criados.
Sendo assim, entender a inovação social a partir dos tipos de problemas que ela
tenta solucionar parece ser fundamental. Dessa forma, as diferentes perspectivas
em inovação social podem ter um papel em um ecossistema de soluções, onde a
mobilização de diferentes atores, a capacidade de ter objetivos compartilhados e o
foco na transformação social são os fatores que tornam o ecossistema de inovação
social mais rico e resiliente. É justamente nessa linha que o livro ‘Desvendando a
Inovação Social’ contribui.
Os professores Claudia Bitencourt, Ana Clarissa M. Z. Santos, Manuela
Rosing Agostini e Gabriela Zanandrea organizaram uma coletânea de casos que
Prefácio - 11

exploram três eixos centrais na área de inovação social: governança, implementação


e difusão, transformação e resultados. Os casos cobrem projetos ligados a grandes
empresas que buscam ter um maior impacto na sociedade, empreendedores
tentando conectar seus negócios a uma missão de impacto socioambiental e ato-
res locais em favelas que usam do turismo para criar oportunidades de trabalho e
renda. Além de servir como uma fonte para a consulta de experiências na área de
inovação social no Brasil (o que seria um valor em si mesmo), os casos são escri-
tos na forma de caso de ensino, uma ferramenta pedagógica importante e efetiva,
utilizada em Universidades de todo o mundo. Casos de ensino permitem a outros
professores se apropriarem do material e utilizá-lo com grupos de alunos de dife-
rentes níveis e áreas. Ou seja, além de ser um material rico para os alunos em aula,
casos de ensino são uma forma de apoiar professores a utilizar material pedagógico
de qualidade para estruturar suas intervenções e basear sua abordagem pedagógica
na resolução de problemas.
Mesmo reconhecendo a complexidade dos problemas sociais com os quais
nossa geração e as próximas terão que lidar, bem como a dificuldade em desenvol-
ver soluções ou inovações sociais que terão um impacto relevante, o livro organiza-
do por Claudia Bitencourt, Ana Clarissa M. Z. Santos, Manuela Rosing Agostini
e Gabriela Zanandrea nos dá esperança, pois constitui uma peça importante na
formação das próximas gerações de gestores pelas universidades no Brasil.

Luciano Barin Cruz


Professor titular
Diretor Pôle Ideos – Social Impact Hub
HEC Montréal
12 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 13

EIXO 1
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL

A Inovação Social (IS) não é um tema recente, mas nos últimos anos obser-
vamos um interesse significativo de públicos distintos. Além disso, tem recebido
crescente atenção no âmbito dos definidores de políticas públicas, acadêmicos e
praticantes como uma forma de atendimento às necessidades sociais, sejam elas
novas ou até então não atendidas pelas soluções providas pelo poder público ou
pelo mercado (MURRAY; CAULIER-GRICE; MULGAN, 2010). Exemplos de
iniciativas nesta direção envolvem o “Office of Social Innovation and Civic Parti-
cipation” e o “Social Innovation Fund”, nos Estados Unidos, bem como o “Social
Innovation Europe”, uma iniciativa da União Europeia para aumentar a inovação
social em países europeus. Também as universidades têm encampado o tema, des-
tacando-se o “Centre de Recherche sur les Innovations Sociales - CRISES”, uma
rede formada por universidades em Québec que se se conectam através de projetos
comuns; o “Centre for Social Innovation at the Stanford Graduate School of Bu-
siness”, nos EUA; o “SI-Drive”, em Dortmund, na Alemanha; o “Transformative
Social Innovation Theory”- TRANSIT, na Bélgica que conecta pesquisadores de
universidades europeias, como centros de investigação de destaque.
As primeiras ideias sobre IS foram publicadas na década de 70. Um dos au-
tores seminais foi Taylor (1970). Para o autor, a inovação social pode resultar da
busca de respostas às necessidades sociais, introduzindo “novas formas de fazer as
coisas”, tais como novas maneiras de “lidar com a pobreza”.
14 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Depois disso, muitos outros autores relataram resultados de projetos e de


pesquisas em diferentes campos como geografia, design, economia, sociologia e
administração. Neste livro, enfatizaremos o contexto da gestão e trataremos das
questões centrais, representadas pelos principais eixos da IS:
1) Governança da Inovação Social.
2) Implementação e difusão da Inovação Social.
3) Transformação e resultados da Inovação Social.
Entretanto, antes de tratar desses eixos, questionamos: o que é inovação so-
cial? Devido ao interesse de diferentes campos na temática, não temos um conceito
único ou um consenso do que seja inovação social. O Quadro 1 apresenta os prin-
cipais conceitos registrados em publicações sobre o tema.

Quadro 1 - Conceitos de Inovação Social

Autor / Ano Conceito Especificidades no Conceito


Taylor (1970) São novas formas de agir para Conceito pioneiro que traz à
buscar uma resposta às necessi- tona a necessidade de solucio-
dades sociais não satisfeitas e se nar problemas sociais a partir
manifesta por meio de uma nova da ação social.
organização social.
Mumford (2002) É a geração e implementação O conceito ressalta a ideia de
de novas ideias sobre como as que a inovação social é um
pessoas devem organizar suas processo.
atividades interpessoais, ou
interações sociais, para atender
um ou mais objetivos comuns,
podendo variar quanto à amplitude
e impacto.
Cloutier (2003) É uma resposta nova, definida O conceito enfatiza o impacto
na ação e com efeito duradouro, gerado pela inovação social.
para uma situação social consi-
derada insatisfatória, que busca
o bem-estar dos indivíduos e/ou
comunidades.
Moulaert et al. A inovação social é contextual Os autores enfatizam a im-
(2005) e dependente da trajetória, ou portância de compreender o
seja, refere-se às mudanças nas contexto e a história da comu-
agendas, agências e instituições nidade para entender a inova-
decorrentes da construção social ção social.
que levam a uma melhor integra-
ção dos grupos excluídos. Está
relacionada, explicitamente, a uma
posição ética de justiça social.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 15

Autor / Ano Conceito Especificidades no Conceito


Moulaert et al. A inovação social, tanto em produ- O conceito é focado nos resul-
(2005) to como em processo, é caracteri- tados que a inovação social
zada por três atributos isolados ou pode gerar.
combinados e realizados de forma
coletiva:
a) contribui para atender às
necessidades humanas não sa-
tisfeitas
b) aumenta os direitos de acesso
c) melhora as capacidades hu-
manas
Heiscala (2007) Significa mudança em, pelo Relaciona os resultados da
menos, três estruturas sociais: inovação social com melhoria
cultural - novas interpretações da do desempenho social e eco-
realidade, transformando modelos nômico.
mentais e paradigmas; normati-
va - novos valores para as normas
legítimas; e reguladora - transfor-
mando regulamentos explícitos de
forma que eles sejam aceitos.
Mulgan et al. (2007) É o conjunto de atividades e ser- Aponta para a necessidade de
viços inovadores que tem como a inovação social ser desenvol-
objetivo satisfazer uma necessi- vida a partir de uma organiza-
dade social e que são desenvolvi- ção social.
das e difundidas através de organi-
zações cujos propósitos primários
são sociais.
Phills, Deiglmeier e É uma nova solução para um Enfatiza a busca de soluções
Miller (2008) problema social, sendo mais efeti- efetivas aos problemas sociais.
va e sustentável, ou apenas melhor
que as soluções existentes. O valor
social criado impacta a sociedade
como um todo e não individual-
mente.
Oeij et al. (2019) Invenção, desenvolvimento e Implementação da inovação
implementação de novas ideias social representa um indicador
para resolver problemas sociais de sucesso na solução de
enfrentados por indivíduos, grupos problemas sociais.
ou comunidades.
Avelino et al. (2019) Mudança nas relações e práticas Pressupõe que a inovação
sociais existentes, envolvendo social pode transformar o
novas formas de fazer, organizar, contexto e capacitar os atores
conhecer e resolver os problemas. para lidar com os desafios da
sociedade.
Galego et al. (2021) Práticas que visam satisfazer ne- A definição é focada nas ações
cessidades humanas negligencia- coletivas e relações sociais
das, baseadas em ações coletivas entre diferentes atores volta-
e relações sociais mais estreitas; das para problemas sociais
gerando, potencialmente, transfor- negligenciados.
mações sociopolíticas.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)


16 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Observamos a diversidade de conceitos e destacamos os principais elementos


envolvidos em cada um deles. Para este livro, utilizaremos o conceito proposto por
Howaldt, Kaletka e Schroder (2016, p. 98):

[...] uma nova combinação e/ou nova configuração de práticas sociais em


contextos sociais, motivada por certos atores ou constelações de atores de
uma forma intencionalmente orientada com o objetivo de melhor satisfazer
ou responder às necessidades e problemas do que é possível com base em
práticas estabelecidas.

Gostaríamos de enfatizar a importância de três elementos centrais, que são


recorrentes em diferentes estudos e conceitos. Estes elementos representam ques-
tões-chave sobre a governança da IS, que é o primeiro eixo de discussão proposto
neste livro.
1) Mobilização de diferentes atores – trata da articulação de pessoas que
ocupam diferentes papéis, entre eles gestores, beneficiários, representantes do po-
der público, universidade, ONGs, comunidade em geral. A mobilização desses
atores envolve um processo de cocriação, no qual os beneficiários possuem um
papel central. Portanto, as iniciativas de IS não tratam de projetos assistencialistas,
mas buscam o empoderamento dos beneficiários que participam ativamente da
iniciativa (MOULAERT; MEHMOOD, 2020; GALEGO et al., 2021).
2) Objetivo compartilhado – A partir da mobilização e engajamento dos
atores, é possível construir um objetivo compartilhado (RICHTER; CHRIST-
MANN, 2021). Não necessariamente o objetivo precisa ser comum, mas deve tra-
zer a ideia da complementaridade das intenções dos atores envolvidos, para que
todos caminhem na mesma direção.
3) Transformação social - O resultado esperado da inovação social é a trans-
formação social. A participação e a atuação conjunta dos atores, principalmen-
te dos beneficiários, fornecem uma forma eficaz de empoderar as pessoas e de
impulsionar a mudança social (MEHMOOD, 2020). Transformação refere-se às
“[...] mudanças profundas no conhecimento, atitudes, habilidades, aspirações ou
comportamento dos atores (incluindo suas crenças, normas, políticas e práticas), e
no fluxo, alocação e qualidade de poder e recursos” (CASTRO-ARCE; PARRA;
VANCLAY, 2019, p. 2). Portanto, um ponto central para se atingir maior trans-
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 17

formação social é garantir a longevidade das iniciativas. Projetos pontuais tendem


a ter um impacto limitado e não chegam a transformar a realidade social. Por isso,
a ideia da expansão ou da escalabilidade dos resultados da IS é um tema central
quando falamos na governança da IS. Essa transformação ou mudança social pode
ser observada em diferentes contextos.
De fato, iniciativas socialmente inovadoras, que produzam mudanças signifi-
cativas, implicam a mobilização de diferentes atores na busca de objetivos compar-
tilhados, cujas relações requerem novas formas de governança que articulem a ação
coletiva e a tomada de decisão conjunta (GALEGO et al., 2021).
Nesse sentido, a inovação social emerge como uma resposta aos crescentes
desafios sociais, ambientais e demográficos, muitas vezes considerados insolúveis
por conta do fracasso de soluções convencionais e dos paradigmas que permeiam as
configurações institucionais em setores convencionais da sociedade (NICHOLLS;
MURDOCK, 2012). Esse tipo de inovação pode ser observado a partir de projetos
sociais, empresariais ou mesmo no contexto dos emergentes como o de Living
Labs, observatórios e outras iniciativas comunitárias.
Em uma leitura mais atenta, pode-se dizer que o tema discute algumas pro-
blemáticas centrais que podem ser traduzidas como discussões acerca da terri-
torialidade (MOULAERT; MACCALLUM; HILLIER, 2013; MURRAY;
CAULIER-GRICE; MULGAN, 2010; MOULAERT et al., 2005; NOVY;
LEUBOLT, 2005), da mobilização de diferentes atores e redes colaborativas
(AVELINO et al., 2019; MAURER; SILVA, 2014; HOWALDT, SCHWARTZ,
2016; HARRISON; KLEIN; BROWNE, 2010), do papel do empreendedor
social (DWIVEDI; WEERAWARDENA, 2018; MAIR; MARTÍ, 2006; AL-
VORD; BROWN; LETTS, 2004) e das transformações sociais resultantes dessas
ações (WITTMAYER et al., 2019; MAURER, MARQUEZAN, SILVA, 2010;
PHILLS; DEIGLMEIER; MILLER, 2008; YUNUS; JOLIE, 1998). Mais es-
pecificamente, observamos problemas referentes à pobreza, à exclusão e aos va-
zios institucionais no contexto dos países da América Latina, entre eles o Brasil
(AGOSTINI; VIEIRA; BOSSLE, 2016). Na Europa, as iniciativas de inovação
social tratam da mobilidade urbana, do envelhecimento da população (veja, por
exemplo SI-DRIVE - www.si-drive.eu). Contudo, também temos problemas que
afetam o mundo todo, como o dos refugiados e, mais recentemente, a pandemia.
18 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Além disso, destacamos que o tema se torna cada vez mais influente refletin-
do a ampla e profunda insatisfação com os resultados da “inovação” em tecnologia,
mercados, políticas e sistemas de governo, e particularmente com os benefícios
de tais inovações que não foram distribuídos equitativamente como deveriam
(SOLIS-NAVARRETE; BUCIO-MENDOZA; PANEQUE-GÁLVEZ, 2021;
MOULAERT et al., 2013). Nesse sentido, o tema ganha espaço, principalmen-
te, se for considerado seu papel de catalisador da transformação social (MAIR;
MARTÍ, 2006; ALVORD et al., 2004), defendido por um grupo de pesquisadores
no campo de estudos em organizações. As oportunidades para desenvolvimento
de inovações sociais são crescentes, principalmente, devido ao aumento da expec-
tativa de vida que requer novas formas de organização de programas de pensões,
de novos modelos de habitação e urbanismo e novos métodos para combater o
isolamento, tendo como recurso fundamental a utilização da tecnologia na promo-
ção da mudança de comportamento. Outras oportunidades que também podem
ser aproveitadas como insight para o desenvolvimento e implantação de inovações
sociais:
a) As desigualdades severas, que se acentuaram em muitas sociedades, ten-
dem a ser associadas a muitos outros males sociais, que vão desde a violência à
doença mental.
b) O aumento da incidência de doenças de longa duração, como artrite, de-
pressão, diabetes, câncer e doenças cardíacas, demandando novos modelos de as-
sistência médica.
c) Os problemas comportamentais ligados à riqueza, tais como obesidade,
dietas ruins, sedentarismo, bem como vícios do álcool, drogas e jogos de azar.
d) As dificuldades na transição para a idade adulta, exigindo novas formas de
ajudar o adolescente a buscar estabilidade emocional e profissional e buscar carrei-
ras mais estáveis, relacionamentos e estilos de vida.
e) Os problemas sociais e de relacionamento aluno/aluno e professor/aluno
enfrentados nas escolas, decorrentes tanto das mudanças ocorridas na estrutura e
rotina familiar como da transferência da responsabilidade da educação da família
para a escola.
Diante dos diferentes tópicos que podem ser abordados quando se discute
inovação social, organizamos a coleção de casos deste eixo em quatro capítulos que
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 19

discutem alguns pontos centrais sobre a governança da IS, enfatizando a participa-


ção de diferentes atores para lidar com desafios sociais que favorecem a inclusão e
a coesão social em um futuro mais sustentável. Apresentamos casos de iniciativas
de IS em que os leitores poderão identificar as diferentes estruturas de governança
adotadas e como as relações sociais entre os atores envolvidos nessas iniciativas vão
se alterando ao longo do processo.
O primeiro caso do Eixo, “Inovação social e turismo: o caso das favelas
Pavão, Pavãozinho e Cantagalo”, das autoras Márcia Macedo e Luciana Maines
da Silva, aborda um caso de empreendedorismo social que, a partir do turismo e
de aulas de inglês, gera renda para a comunidade local e mostra para as crianças da
localidade que há outras opções além do envolvimento com o tráfico. A iniciativa
Favela Connection oferece passeios turísticos pelas favelas, expondo os turistas à
cultura, lojas e vistas panorâmicas oferecidas. Já Pavão Acima é um projeto que
oferece aulas de inglês para as crianças do morro do Pavão, como uma forma de
as crianças poderem servir de guias de turismo, além de incentivá-las a ficarem
afastadas do tráfico de drogas da comunidade em que vivem.
O segundo caso do Eixo, “Desafios Além-Mar: A história de imigrantes se-
negaleses no Brasil”, dos autores Caroline Arenci Glória da Silva, Gabriela Za-
nandrea e Claudia Cristina Bitencourt, narra os desafios que Omar, um imigrante
senegalês, enfrentou ao buscar melhores oportunidades no Brasil. É um caso fictí-
cio inspirado pelas diferentes histórias dos desafios e dificuldades que imigrantes
senegaleses enfrentaram e enfrentam durante sua vinda ao Brasil. Os autores apre-
sentam como a comunidade e os próprios senegaleses se mobilizaram para tentar
melhorar as condições desses imigrantes e até mesmo desafiar as leis de imigração
ultrapassadas dos sistemas governamentais.
O caso seguinte, “Qualificação empreendedora de projetos inovadores e
de empreendimentos de impacto socioambiental em estágio inicial”, apresenta-
do pelos autores Silvio Bitencourt da Silva e Claudia Cristina Bitencourt, relata
a percepção de um empreendedor a respeito de um programa para qualificação
empreendedora de projetos inovadores e de empreendimentos de impacto socio-
ambiental em estágio inicial. O caso apresenta ferramentas e métodos para em-
preender que facilitam a criação e o desenvolvimento de um negócio de impacto
socioambiental.
20 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Por fim, o último caso do Eixo, “E agora para onde vamos? Inovação social
como um caminho para a mudança”, proposto pelas autoras Gabriela Zanandrea,
Roselei Haag e Claudia Cristina Bitencourt, investiga o papel de uma organiza-
ção com fins lucrativos na busca por soluções para necessidades sociais. O caso
da empresa Mercur apresenta os desafios que o protagonista Jorge Hoelzer Neto
enfrentou ao lançar uma provocação questionando qual era o impacto da empresa
no mundo. Inspirados por essa provocação, diferentes stakeholders da empresa fo-
ram mobilizados para repensar toda a estratégia, organização, estrutura, portfólio
de produtos e focaram-se em soluções que realmente atendiam às necessidades
sociais.
A percepção destas problemáticas e de outras oportunidades pode variar com
a participação dos diferentes atores e beneficiários, pois distintos pontos de vista
permitem a identificação de novos aspectos ainda não explorados.

REFERÊNCIAS

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24 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 25

Caso 1

INOVAÇÃO SOCIAL E TURISMO: O CASO DAS


FAVELAS PAVÃO, PAVÃOZINHO E CANTAGALO
Márcia Macedo
Luciana Maines da Silva

1 O TURISMO COMO ESTÍMULO


À INOVAÇÃO SOCIAL

O Brasil, país de grande beleza natural, oferece opções de turismo, geralmen-


te voltada a conhecer alguns dos 19 Patrimônios Mundiais Culturais e Naturais
da UNESCO, como Ilhas Atlânticas Brasileiras, Complexo de Conservação da
Amazônia Central, Parque Nacional do Iguaçu, Santuário do Bom Jesus de Con-
gonhas, Rio de Janeiro. Essas atrações têm levado o país a atrair, cada vez mais,
visitantes internacionais. Segundo World Economic Forum, o turismo no Brasil está
crescendo, alcançando os maiores índices de turistas em um período superior a
dez anos (BLANKE; CHIESA, 2013). Um dos destinos mais visitados é o Rio de
Janeiro (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2021).
O Rio de Janeiro, além de ser composto pela beleza natural característica,
tem marcado em seu cenário a ocupação territorial, no qual estão presentes as
favelas. Carentes de infraestrutura, planejamento urbano e oportunidades para os
residentes, as favelas do Rio de Janeiro são conhecidas nacional e internacional-
26 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

mente como regiões de necessidades de desenvolvimento social e associadas com


a criminologia do Brasil.
Pavão, Pavãozinho e Cantagalo são favelas situadas entre Ipanema e Copa-
cabana, na zona sul do Rio de Janeiro. Com uma população de cerca de 10.000
habitantes, estas comunidades estão situadas no morro, a apenas cinco minutos de
distância das zonas mais valorizadas do Rio. Apesar da pobreza dessas favelas, elas
têm uma cultura vibrante e seus moradores fazem progressos no empreendedoris-
mo, colaboração e organização da comunidade. Durante um período, iniciado em
2008, o governo realizou investimentos por meio da vigilância policial e buscou
frequentemente a implementação de iniciativas de impacto social.
Essas iniciativas, observadas tanto nesta comunidade como em outras favelas
do Rio de Janeiro, não surtem efeitos a longo prazo. Em sua maioria, são oriundas
de investimentos de empresas apoiadoras e instituições que não mantêm esses
investimentos na região, transformando cada iniciativa em volátil.
Ao considerar a inovação social como o resultado do conhecimento aplicado
a necessidades sociais através da participação e da cooperação dos envolvidos, deve
gerar soluções novas e duradouras (BIGNETTI, 2011). Nesse contexto, as inicia-
tivas desenvolvidas dentro das favelas têm como objetivo sua sustentabilidade e os
consequentes benefícios à comunidade a que se presta.

2 INOVAÇÃO SOCIAL NO AMBIENTE DA FAVELA

Ao conhecer o contexto das favelas, as perspectivas tanto dos residentes,


quanto dos visitantes, são possíveis de serem analisadas sob o contexto de inovação
social nestes lugares, usando como uma das iniciativas de negócio social o turismo.
Para Fitzgeral, Wankerl e Schramm (2011, p.2), inovação é “o processo de colocar
ideias em forma útil e trazê-las para o mercado”. Nesse sentido, a ideia de turismo,
em um ambiente de favela, pode ser considerada uma ideia inovadora, visto que o
padrão carioca de turismo está voltado à visitação de belezas naturais. Nessa que-
bra de paradigma, encontra-se a “novidade” descrita como pré-requisito para ser
considerada inovação por Phillips Jr., Deiglmeier e Miller (2008).
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 27

Outro pré-requisito descrito pelos autores é a melhoria. As favelas, visitadas


pelo grupo de pesquisa em maio, oferecem opções de turismo. As iniciativas são
dos próprios residentes que buscam incubadoras, cursos e formação para poder
realizar os tours. As favelas passam a ser mais frequentadas pelo público: há hostels,
restaurantes, comércio de souvenirs e a economia gira nesse ambiente. Também
é abordada a sustentabilidade do negócio que se dá tanto pelo viés econômico,
quanto em relação à troca com a comunidade – a comunidade recebe o turista que
retorna investimento e troca de conhecimentos, o que acaba deixando a experiên-
cia de turismo interessante para ambas as partes.
Quando se trata de inovação social, a favela é um ambiente fértil para se
pensar nos conceitos de valor social, mudança social e negócio social. Quem visita
pela primeira vez uma favela carioca e se depara com realidades diferentes (muitas
vezes ocultas) como pobreza e falta de infraestrutura, por exemplo, pode ser levado
a pensar em como promover mudança social nesse ambiente.
O ponto fundamental é que mais do que investimentos e assistencialismo de
ONGs, grandes empresas, ao tratar com a comunidade, devem sobretudo ouvi-la.
Isso é o que diferencia o assistencialismo do processo de inovação social. Começa
por respeitar e ouvir o indivíduo a que se pretende oferecer quaisquer valores so-
ciais. Como comenta Mulgan et al. (2007), trata-se, especialmente, de envolver a
comunidade: parte fundamental para o sucesso do processo de inovação social é
ter a participação ativa da comunidade envolvida e comprometida com o ambiente
a ser trabalhado.

2.1 TURISMO NO RIO DE JANEIRO

O Brasil, país de imensa beleza natural e clima predominantemente tropical,


é composto por 26 estados, e a cidade do Rio de Janeiro foi apontada, em 2021,
pelo Ministério de Turismo (2021) como um dos cinco principais destinos turís-
ticos nacional.
A capital do Rio de Janeiro oferece opções de turismo que exploram esta
beleza natural, como as praias de Copacabana, Ipanema, Arpoador, além das vistas
28 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

do Cristo Redentor, Pão de Açúcar e Floresta da Tijuca. Essas opções de turismo


no Rio de Janeiro, apesar de contarem com constantes investimentos em infraes-
trutura e tecnologia para atender o turista, são as mesmas opções há, aproxima-
damente, 90 anos (considerando que o trem de tração elétrica que transita pelo
Morro do Corcovado foi inaugurado em 1912 e a estátua do Cristo Redentor, em
1931). São destinos que oferecem vistas exuberantes da beleza natural da região
e contextualização histórica, além de oportunidades de experimentar a culinária
brasileira e comprar souvenirs.

2.2 INÍCIO DO FAVELA TOUR

Em uma perspectiva que visa a uma proposta mais autêntica de conhecer


o Rio de Janeiro, em meados de 1992, iniciaram as visitas às favelas. Bianca Frei-
re-Medeiros (2007), em sua publicação ao Jornal Acadêmico, traz os primeiros
movimentos turísticos nas favelas do Rio de Janeiro. Esse tipo de turismo começou
na Rocinha antes das chamadas pacificações. A publicação traz que na ECO 92
iniciou o conhecido Jeep Tour. Um grupo de turistas estava fazendo a caminhada
pela floresta de Tijuca e, por sua vez, passando por São Conrado, tiveram a curio-
sidade de ver as favelas.

Na época estava tendo aquela coisa de segurança, carro blindado para todo lado,
e os turistas filmaram, fotografaram. A gente entrou na favela, e surgiu todo o
contraste entre o jipe com os turistas e os canhões apontando para as favelas. Aí foi
legal, as agências compraram a coisa, e a coisa foi tomando forma. Então, assim
foi como surgiu o passeio na favela, da curiosidade de um grupo. Entrevistado do
Jornal Académico ( FREIRE-MEDEIROS, 2007).

Embora os passeios feitos em jipes tenham se tornado ícone do turismo


na Rocinha - que levou à rápida associação do turismo em favelas a um “safári de
pobre” -, apenas três agências utilizavam este meio de transporte. Características
de pontos turísticos foram surgindo, concretizando este movimento.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 29

Há pelo menos quatro pontos de venda de souvenirs, onde o turista pode encontrar
uma variedade de produtos “by Rocinha”; camisetas, pinturas, bolsas, porta-retra-
tos, bordados, esculturas, CDs, incluindo coisas como uma placa com as palavras
“ROCINHA: um lugar tranquilo e bonito - Copacabana - Rio de Janeiro”. Roci-
nha é promovida como um lugar “pacífico” e “bonito”, assim como Copacabana. As
cores - verde e amarelo - também sugerem outro plano de identificação que Roci-
nha é colocado como parte da nação brasileira, apesar das representações hegemô-
nicas que recorrentemente a exclui. A presença marginal, a favela é transformada
discursivamente em parte central da sociedade brasileira (FREIRE-MEDEI-
ROS, 2007).

Outrossim, foram incentivadas doações em visitas a creches da região,


bem como aluguel das “lajes” (terraços dessas construções). Em 1996, na filmagem
de They don’t care about us, videoclipe de Michael Jackson, dirigido por Spike Lee,
o Morro Santa Marta, na zona sul carioca, foi escolhido como cenário, assim como
o Pelourinho na Bahia.

Enquanto os moradores do Santa Marta vibravam de alegria — receberam o me-


ga-astro com muito samba e lhe prometeram construir o Museu Michael Jackson
para comemorar a visita —, as autoridades governamentais eram pura indigna-
ção (FREIRE-MEDEIROS, 2007).

Entre os anos 1990 e 2008 iniciou, no Rio de Janeiro, o movimento de


pacificação das favelas. Essa pesquisa não objetiva aprofundar a questão do tráfico
e violência nas favelas, nem discorrer sobre problemas políticos e sociais do país,
mas apontar o cenário das favelas na época do movimento de pacificação.
Leite (2000), em seu artigo “Entre o individualismo e a solidariedade:
dilemas da política e da cidadania no Rio de Janeiro”, descreve o cenário do Rio
de Janeiro nos anos 90 relatando a criminalidade dos morros e as chacinas, re-
montando um ambiente de guerra muito apontado na época (1994-1998), meta-
foricamente. Esse cenário era caracterizado pelo tráfico de drogas, guerra entre as
favelas, arrastões, galeras do funk rivais e, por outro lado, uma polícia despreparada
e políticas sociais fracas. Diversas reportagens discutiam a favelização da cidade
com textos e imagens que acionavam a ideia de cerco e medo de aniquilamento
(LEITE, 2000). A autora separa o processo de pacificação em dois contextos:
30 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

O primeiro contexto, que atravessa os anos 1990 e década de 2000, caracteriza-se


pela promoção, por parte do Estado, de uma “guerra” aos traficantes de drogas ali
sediados. “Guerra” que termina por ser praticada também contra os moradores
(vistos como “quase bandidos” e, assim, inimigos a combater), demarcando o limite
das políticas públicas nessas localidades. O segundo contexto, que se abre a partir
de 2008, caracteriza-se pelo projeto estadual de “pacificação” das favelas, por meio
da implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (seguido pelo programa mu-
nicipal UPP Social) em algumas dessas localidades, com o objetivo de retomar o
controle armado desses territórios e, assim, “civilizar” seus moradores como condi-
ção para a integração desses territórios à cidade (LEITE, 2012, p.375).

Leite (2012) também traz, em seu estudo, que o movimento evoluiu de


uma questão primordial de terminologia referente à população das favelas que
as caracterizavam, dentro de um contexto de sociedade, como favelados (favela e
favelados), facilitando a associação do ambiente e pessoas com a criminalidade.

[...] a favela é representada como território da não cidadania, submetida a uma


força concorrente à do Estado. Segundo, a responsabilidade do Estado na prote-
ção dos favelados quando em combate ao crime é diluída tanto pela “situação de
guerra”, quanto pelo fato de que, responsabilizados por suas escolhas pretéritas,
não haveria inocentes entre eles. Assim, caberia aos mesmos arcarem com os custos
de terem “optado” por um dos “lados” da “cidade partida” (LEITE, 2012, p.380).

A partir do fortalecimento dessas ideias, deu-se continuidade ao Programa de


Pacificação das Favelas do governo estadual.

Seu objetivo é recuperar, por meio das bases de policiamento militar situadas nas
favelas, o controle desses territórios para o Estado, impedindo o domínio armado
dos mesmos por bandos de traficantes de drogas, como explica o secretário de Se-
gurança do Rio de Janeiro: “A ideia é simples. Recuperar para o Estado territórios
empobrecidos e dominados por grupos criminosos armados. Tais grupos, na dispu-
ta de espaço com seus rivais, entraram numa corrida armamentista nas últimas
décadas, uma disputa particular na qual o fuzil reina absoluto. [...] Decidimos
então pôr em prática uma nova ferramenta para acabar com os confrontos. [...]
Fim do fuzil e início das pequenas revoluções que serão contadas nessas páginas”.
Deve-se ressaltar, desde logo, que a implementação deste programa está longe de
se generalizar para as mais de mil favelas existentes no Rio de Janeiro (LEITE,
2012, p.382).
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 31

Em 2008, inaugurou a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na


favela de Santa Marta e, na sequência, o programa se estendeu às demais favelas.

2.3 FAVELA TOUR APÓS PACIFICAÇÃO

Os tours pelas favelas existiam mesmo antes deste movimento de pacifi-


cação como uma proposta de conhecer a cidade do Rio de Janeiro como um todo.
Como destaca a entrevistada, para o grupo do Global Business Program, as favelas
são lugares que merecem reconhecimento e têm seu valor. Ao visitar a favela, como
parte da cidade, você as valoriza.
Outra entrevistada reforça esta perspectiva quando afirma que “as favelas
são como o microcosmo de toda a sociedade” e cita que, “aparentemente, favelas
caóticas têm direito de propriedade, fronteiras, segurança e lei – fora da lei, normas
para punição, cumprimento da lei, vendas, etc. Quanto mais você puder mostrar
ao visitante, mais eles poderão ver que existem proprietários, inquilinos, posseiros,
veteranos, ... mais valor você dará a cada um”.
Estes dois relatos, em contraponto com o movimento de pacificação, colo-
cam a favela como parte integrante do Rio de Janeiro. E é sobre este ponto de vista
que a visita às favelas é pertinente enquanto opção de turismo.
Sabrina Lemos, guia turística da favela de Santa Marta, contextualiza
pontos positivos e negativos do movimento de pacificação. Como residente dessa
favela, reconhece os pontos positivos do movimento, uma vez que, diferente de
como era antes, agora, não se vê usuários de drogas e prostituição na entrada da
favela. Relata também que ela, como mãe de uma criança, na época, não desejava
expor seu filho a essa realidade na entrada de Santa Marta, caminho de sua casa.
Em contrapartida, expõe aspectos negativos no tratar com os residentes, que re-
monta ao conceito remanescente de Márcia Leite sobre os favelados. Atualmente,
a presença da polícia no território submete os moradores a um tratamento como
criminosos, com “paredões” para revista e a necessidade de pedir autorização à
polícia para fazer uma festa ou confraternização, por exemplo. A guia questiona o
quanto isso é construtivo no desenvolvimento da cidadania.
32 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Mercadologicamente, a ideia de policiamento nas favelas – ambiente ca-


racterizado pela mídia e condução histórica como de criminalidade – remete à
segurança, o que é positivo pela ótica do visitante. O professor entrevistado visita
o Brasil desde 1976 e relata que o Programa da Polícia Pacificadora foi aprovado
para que as favelas fossem vistas como seguras. Esse sentimento de segurança de-
nota outro significado ao realizar a experiência da visita, uma vez que a presença
policial causa desconforto àquela vivência. Community in Action, em entrevista,
relata que a presença das UPPs é um problema que resulta em confronto armado
nas ruas.
O ponto forte da visita guiada nas favelas é, indiscutivelmente, a interação
com a comunidade. A riqueza da experiência se dá no entender o modo de vida,
juntamente com a história da favela e permear com interações com os residentes.
Nesse ponto, é unânime que, mesmo sendo um lugar aberto ao público, o guia faz
a diferença no que se refere à experiência. Ele é o facilitador desta interação.

2.4 AS INICIATIVAS LOCAIS: FAVELA CONNECTION

Favela Connection é uma empresa de turismo que oferece um passeio nessas


favelas, expondo os turistas à cultura, lojas e vistas panorâmicas oferecidas pela
região. Seu fundador, Gabriel Abreu, realiza esses passeios desde 2010 e pretende
aumentar a quantidade de visitantes para as favelas, além de buscar a transforma-
ção das necessidades sociais das comunidades. A proposta de visitar a favela como
turismo engloba uma experiência de troca com cunho social e uma alternativa mais
verdadeira de imersão sociocultural. Isso reflete benefícios tanto para o visitante
quanto para o residente.
Assim, a iniciativa do Favela Connection compreende ambos os lados desta
experiência turística: a ótica da comunidade, enquanto inovação social; e a ótica do
visitante, enquanto cliente de uma opção turística no Rio de Janeiro. A Inovação
Social, por meio de iniciativas empreendedoras, como o turismo na favela do Rio
de Janeiro, é um tema que desafia o potencial empreendedor e de gestão, pois o
bom profissional, seja de administração, marketing, ou outros perfis do ambiente
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 33

de negócios, deve, pela sua essência, ser capaz de conduzir um trabalho com foco
no resultado em qualquer circunstância ou mercado, inclusive na favela.
O presente caso abrange o escopo de troca de experiência e crescimento mú-
tuo, quando envolve o contato de duas culturas, além da experiência do turismo
na favela. No âmbito social, a relevância do caso se dá para a comunidade e pela
troca cultural.
Uma iniciativa empreendedora na comunidade da favela traz, além de opor-
tunidades e novas referências para o ambiente, um crescimento e desenvolvimento
para a região. Algumas iniciativas governamentais e mesmo privadas de assisten-
cialismo, por vezes, são realizadas sem a participação e diálogo com os residentes
(público-alvo) e acabam por não serem tão efetivas nem para a comunidade e nem
para o investimento realizado. O caso estudado, além da perspectiva de negócio,
atua como desenvolvimento sociocultural da comunidade, pois retorna parte do
seu investimento por meio de aulas de línguas para crianças, através da Pavão
Acima, uma iniciativa social do próprio negócio de turismo que será apresentada
ao longo deste caso.
Ainda na comunidade, as iniciativas empreendedoras são alternativas de fu-
turo, uma vez que se caracterizam como referência de sucesso profissional, meio
de geração de renda, ética e desenvolvimento pessoal. O negócio de turismo, so-
bretudo, transforma a região em um espaço de circulação e inserção na sociedade
sob a ótica de quebra de paradigma, em que o residente da favela passa a ser visto
com mais respeito.
No que tange à troca cultural, o que se percebe é que, ao realizar visitas orien-
tadas na favela, o empreendedor revela a riqueza da interação cultural entre visi-
tantes e visitados e o quanto isso amplia a visão de ambos. As aulas de idiomas po-
tencializam essas trocas, gerando uma experiência mais rica para ambas as partes.
Mercadologicamente, percebe-se uma oportunidade de turismo para o Rio
de Janeiro que vai além do turismo tradicional, ao oferecer uma experiência mais
profunda e introspectiva. O turista vai além do voyeurismo e passa a interagir com
a cultura, a sociedade e com a economia da região, desfrutando da realidade, ou
seja, da experiência verdadeira na proposta de conhecer outro país ou região.
A maior parte dos passeios é realizada a pé pela proposta em si de imersão no
contexto e interação com os locais e pela acessibilidade. Uma característica das fa-
34 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

velas é a ausência de planejamento urbano, que resulta na constituição de acessos e


becos apertados, além de escadarias. Em Santa Marta, são 788 degraus para chegar
ao topo da favela. Pavão-Pavãozinho, 780.
Embora a empresa realize suas operações há cerca de cinco anos, ela não está
regularizada com o governo, nem mesmo organizada enquanto empresa. Gabriel
espera legalizar a sua empresa. É o único membro da equipe em tempo integral.
Ele, às vezes, utiliza os serviços de outros guias de turismo, tais como os de seu
amigo André, especialmente quando os grupos são grandes demais.
Atualmente, as empresas realizam tours de pequenos grupos de quatro turis-
tas três a cinco vezes por semana, em média, e abrigam grandes grupos, de cerca de
100 participantes, de 8 a 10 vezes por ano, através de uma parceria com empresas
de intercâmbio, por exemplo. Os tours incluem visitas às lojas da região, introdu-
ção à história das favelas, e uma caminhada cênica pela encosta da montanha para
uma vista da orla. Ocasionalmente, Favela Connection inclui ofertas especiais em
passeios, tais como jogos de futebol com os moradores, uma festa tradicional com
churrasco na casa de Gabriel e sessões educacionais lideradas por moradores sobre
aspectos culturais das favelas, tais como arte e música.

2.5 AS INICIATIVAS LOCAIS: PAVÃO ACIMA

Ao realizar o trabalho com a Favela Connection, Gabriel retorna à comu-


nidade, para, além do movimento no comércio da região, oferecer aulas de inglês
às crianças da região sem custo algum. Ele destina parte da renda dos tours para
o trabalho intitulado “Pavão Acima”. Esse projeto oferece aulas de inglês para as
crianças do morro do Pavão no terraço da casa de Gabriel.
Favela Connection e Pavão Acima são trabalhos idealizados e realizados por
Gabriel, que tem provido o sustento de suas necessidades e é aprovado pela comu-
nidade não só pelos benefícios que oferece, mas também porque tem o objetivo de
promover uma geração de moradores por meio de reforço na educação. Esse ne-
gócio conta apenas com as ideias, orçamento e recursos de Gabriel e tem crescido
de forma desestruturada.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 35

Gabriel comenta que está buscando uma maneira de obter mais voluntários
envolvidos com o projeto, pois, com o tempo, eles deixam o projeto e, assim, as
crianças param de ir às aulas.
Nesse sentido, ele tem procurado maneiras de reinventar o interesse das
crianças pelas aulas. O empreendedor possui novas ideias para mantê-las com fre-
quência nas aulas, como por exemplo, oferecer um lanche ou combinar um jogo
de futebol na praia com as crianças de um colégio bilíngue para que, brincando,
pratiquem o inglês. A própria interação com os turistas que transitam pelo morro
já motiva o interesse pela língua e, assim, o negócio e a iniciativa beneficente de
Gabriel se realimentam.

3 OS DESAFIOS

Ao analisar os impactos sociais que o turismo gera na comunidade, verifica-


-se que, apesar de ainda não ser suficiente, são bastante relevantes. A iniciativa de
Pavão Acima é pequena. Considerando que é sustentável financeiramente, tem
grande potencial de sucesso. Não depende de assistencialismo, o que é positivo.
Nasceu da comunidade, pela comunidade e para a comunidade.
O turismo na favela é um negócio que, bem conduzido, revela a ambos os
lados – visitantes e visitados – um crescimento. Aos visitados, inclusão social e or-
gulho de pertencimento a uma cidade tratada como maravilhosa, mas que esconde
grande parte de sua população. Aos visitantes, oportuniza um crescimento pessoal
e maior compreensão social e econômica de um contexto que se repete não só no
Brasil.
Ao visitar as favelas, o que se vê é uma comunidade unida e organizada em
busca de seu crescimento, com população trabalhadora e focada em desenvolvi-
mento e soluções. Há empreendedores e, muitos destes, investem o retorno de seus
investimentos em melhorias no ambiente em que vivem.
Nota de fim: Os dados para esta pesquisa foram coletados pessoalmente por
uma das pesquisadoras no mês de maio de 2015 e revisitados em maio de 2016.
Alguns nomes foram alterados com o objetivo de manter a privacidade e o ano-
nimato.
36 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Agradecimentos:
Advisor Global Business Project: Lynne Gerber
Equipe University of North Carolina: Sarah Kovalski; Faye Moussa; Justin
Reyes; Charles Collins; Cacilda Teixeira
CEO Favela Connection: Gabriel Abreu

NOTAS DE ENSINO

1. SUMÁRIO DO CASO

Esse caso de empreendedorismo social discute como uma iniciativa gera ren-
da para a comunidade local e mostra às crianças da localidade que há outras op-
ções além do envolvimento com o tráfico a partir do turismo e de aulas de inglês.
A iniciativa Favela Connection oferece passeios turísticos pelas favelas, expondo
os turistas à cultura, lojas e vistas panorâmicas oferecidas. Já Pavão Acima é um
projeto que oferece aulas de inglês para as crianças do morro do Pavão, como uma
forma de que as crianças possam servir de guias de turismo, além de incentivá-las
a ficarem afastadas do tráfico de drogas da comunidade em que vivem.

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Este caso pode ser aplicado em disciplinas de graduação que se proponham a


trabalhar com uma abordagem voltada para empresas sociais.
Inovação Social por meio de iniciativas empreendedoras, como o turismo na
favela do Rio de Janeiro, é um tema cuja importância acadêmica se dá por meio
de desafiar o potencial empreendedor e de gestão, pois o bom profissional, seja de
administração, marketing, ou outros perfis do ambiente de negócios, deve, pela sua
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 37

essência, ser capaz de conduzir um trabalho com foco no resultado em qualquer


circunstância ou mercado, inclusive na favela.
O caso abrange, ainda, o escopo de troca de experiência e crescimento mútuo
quando envolve o contato de duas culturas, além da experiência do turismo na
favela. Nesse âmbito social, o caso traz diferentes perspectivas de relevâncias como
análise:
a) para a comunidade: uma iniciativa empreendedora na comunidade da
favela traz, além de oportunidades e novas referências para o ambiente, um cres-
cimento e desenvolvimento para a região. Algumas iniciativas governamentais e
mesmo privadas de assistencialismo, por vezes, são realizadas sem a participação
e diálogo com os residentes (público-alvo) e acabam por não ser tão efetivas nem
para a comunidade e nem para o investimento realizado. O caso estudado, além da
perspectiva de negócio, atua como desenvolvimento sociocultural da comunidade,
pois retorna parte do seu investimento por meio de aulas de línguas para crianças.
Ainda na comunidade estudada, as iniciativas empreendedoras são alternati-
vas de futuro e referência de sucesso profissional, meio de geração de renda, ética
e desenvolvimento pessoal. O negócio de turismo, sobretudo, transforma a região
em um espaço de circulação e inserção na sociedade sob a ótica de quebra de para-
digma, em que o residente da favela passa a ser visto com mais respeito.
b) para a troca cultural: ao realizar visitas orientadas na favela, o protagonista
do caso estudado revela a riqueza da interação cultural entre visitantes e visitados
e o quanto isso amplia a visão dos residentes. As aulas de línguas oportunizam po-
tencializar essas trocas, o que gera uma experiência mais rica para ambas as partes.

3. QUESTÕES

a) De que forma iniciativas de inovação social geram valor para a comuni-


dade?
b) Gabriel criou, a partir do Favela Connection, outro projeto para auxiliar
sua comunidade. Através de aulas de inglês para crianças, a Pavão Acima cria uma
perspectiva para as famílias, afastando as crianças do tráfico e demonstrando uma
38 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

realidade diferente daquela a que estão acostumadas. Que outras iniciativas ainda
podem ser desenvolvidas a partir do Favela Connection?
c) Apesar da insegurança das favelas, quais iniciativas de marketing podem
ser desenvolvidas com o objetivo de dar maior visibilidade para os projetos?
d) De que forma a própria comunidade pode estimular outros empreende-
dores?
e) Como o turismo pode ser visto como uma oportunidade para as comuni-
dades de favela?

4. ANÁLISE DAS QUESTÕES

a) A geração de valor social diz respeito à “criação de benefícios ou reduções


de custos para os esforços da sociedade através do atendimento às necessidades so-
ciais e problemas de forma que vão além dos ganhos privados e benefícios gerais da
atividade do mercado” (PHILLIPS JR.; DEIGLMEIER; MILLER, 2008, p. 39).
b) A proposta é que os alunos possam pensar em novos modelos de negócio
a partir do turismo. Algumas iniciativas, como a venda de produtos artesanais,
produzidos pelos moradores, apresenta-se como uma das diversas alternativas que
podem ser sugeridas.
c) Iniciativas como pesquisas de marketing para identificar o que o turista
procura (geralmente aventura e uma forma de ajudar aquela comunidade)e apoio
aos empreendedores locais a partir do desenvolvimento de materiais de divulgação,
campanhas de marketing, inclusão digital para vendas on-line, entre outras, são
iniciativas que geram valor social.
d) Alguns exemplos para desenvolver as comunidades se mostram a partir
do estímulo ao empreendedorismo local e o emprego de pessoas da própria co-
munidade, fazendo com que os recursos gerados ali sejam gastos no mesmo local,
fortalecendo a economia dos pequenos negócios.
e) O turismo oferece oportunidades de desenvolvimento nos contextos social,
político, ambiental e urbano, por exemplo.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 39

5. INDICAÇÃO DE LEITURA

BLAU, C. Por dentro do mundo controverso do turismo em favelas. National Geogra-


phic Brasil, 30 de abr. de 2018. Disponível em: <https://www.nationalgeographicbrasil.
com/turismo/2018/04/por-dentro-do-mundo-controverso-do-turismo-em-favelas>.
Acesso em: 29 ago. 2021.

FAGERLANDE, S. M. R. Turismo e hospedagem nas favelas do Rio de Janeiro. Brazil-


ian Journal of Development, v. 6, n. 12, p. 99730-99747, 2020.

MADUREIRA, M. A. et al. Favela–lugar para se visitar ou evitar? As contradições na


mídia sobre o turismo em favelas no Rio de Janeiro. Verso e Reverso, v. 32, n. 81, p. 168-
186, 2018.

MANO, A. D.; MAYER, V. F.; FRATUCCI, A. C. Turismo de base comunitária na fa-


vela Santa Marta (RJ): oportunidades sociais, econômicas e culturais. Revista Brasileira
de Pesquisa em Turismo, v. 11, p. 413-435, 2017.

REFERÊNCIAS

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pesquisa. Ciências Sociais Unisinos, v. 47, n. 1, p. 3-14, 2011.

BLANKE, J.; CHIESA, T. The travel & tourism competitiveness report 2013. In: The
World Economic Forum, 2013.

FITZGERALD, E.; WANKERL, A.; SCHRAMM, C. Inside Real Innovation. Dan-


vers: World Scientific, 2011.

FREIRE-MEDEIROS, B. A favela e seus trânsitos turísticos. Revista Acadêmica Ob-


servatório de Inovação do Turismo, p. 03 a 04-03 a 04, 2007.

LEITE, M. P. Entre o individualismo e a solidariedade: dilemas da política e da cidada-


nia no Rio de Janeiro. Revista brasileira de ciências sociais, v. 15, p. 43-90, 2000.

MINISTÉRIO DO TURISMO. News RIMT 6 - Tendências do Turismo 2021. 2021.


Disponível em: <http://bibliotecarimt.turismo.gov.br/_layouts/15/start.aspx#/SitePages/
NEWS.aspx>. Acesso em: 13 dez. 2021.
40 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

MULGAN, G. et al. Social Innovation. What it is, why it matters and how it can be
Accelerated. Oxford: The Young Foundation, 2007.

PHILLS JR, J.; DEIGLMEIER, K.; MILLER, D. T. Rediscovering Social Innovation.


Califórnia: Stanford Social Innovation Review, 2008.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 41

Caso 2

DESAFIOS ALÉM-MAR: A HISTÓRIA DE


IMIGRANTES SENEGALESES NO BRASIL
Caroline Arenci Glória da Silva
Gabriela Zanandrea
Claudia Cristina Bitencourt

Este caso trata de uma história fictícia inspirada por diferentes relatos dos
desafios e dificuldades que imigrantes senegaleses enfrentaram e enfrentam na sua
vinda ao Brasil. Somos guiados pela história de Omar, imigrante senegalês que
veio ao Brasil em busca de uma vida melhor para a sua família. Ele, assim como
outros milhares de imigrantes, deparou-se com dificuldades econômicas, sociais
e políticas que o impediam de inserir-se tanto no mercado de trabalho quanto
na sociedade. Observamos, sob a ótica do imigrante, os desafios que ele precisa
enfrentar, as iniciativas de inovação social e a mobilização de diferentes atores pú-
blicos e privados que buscam soluções para melhorar o processo de integração dos
imigrantes no novo país e na nova cultura. Este caso de ensino tem como objetivo
facilitar o processo de ensino-aprendizagem de temas relacionados às iniciativas
de inovação social voltadas ao processo de imigração e inserção do imigrante no
cenário nacional.
42 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

1 FAMÍLIA DEIXADA PARA TRÁS

Omar nasceu em 21 de agosto de 1983 em Dakar, capital do Senegal. Omar


é wolof, maior grupo étnico do país, mas também há vários outros grupos étnicos
como fulas, sereres, tuculores, diolas, malinqués e soninqués. Seu pai, comerciante,
sempre trabalhou duro para sustentar Omar e seus outros cinco irmãos mais no-
vos, começando como vendedor de rua e depois abriu uma barraca de tecidos em
um grande mercado nos arredores de Dakar. Entretanto, a vida não estava fácil no
Senegal. Localizado na África Ocidental, o país possui uma área um pouco menor
que o Estado do Paraná, fazendo fronteira com a Mauritânia, o Mali, a Guiné-Bis-
sau e a Gâmbia, e a oeste o limite natural é o oceano Atlântico.
O país tem como principal atividade econômica os serviços, que representam
61,9% do seu produto interno bruto, seguido pela indústria (22,7%) e agricultura
(15%) (WENCZENOVICZ, 2016). É considerado relativamente industrializado,
tem importantes práticas de processamento de minerais e na produção de fertili-
zantes. No setor agropecuário, tanto pesca quanto produção agrícola ganham des-
taque. Mesmo assim, Omar não conseguia emprego, já que o país não conseguia
absorver grande parte de sua mão de obra, e a solução imediata para esses indiví-
duos era a migração. A migração estava mudando significativamente a sociedade
senegalesa, pois cerca de 70% das famílias possuíam pelo menos um membro da
família que migrou em busca de trabalho (VAN DER LAND; FOURIER, 2012).
Omar tinha escutado várias histórias de outros senegaleses que partiram para ou-
tros países e tinham conseguido melhorar a qualidade de vida de suas famílias.
Para os senegaleses, a migração vai além de um ato econômico; existe uma
influência religiosa e cultural nesse movimento. Desde muito cedo, é ensinado
aos senegaleses a importância do trabalho e em como sua trajetória na terra se
relaciona com sua vida espiritual (DE CÉSARO; ZANINI, 2017). Assim, Omar
acreditava que o trabalho duro aumentava suas perspectivas de ir para o Paraíso.
Então, ele sabia que precisava deixar sua família e buscar oportunidades em
outro país. Decidiu mudar-se para o Brasil. Ele leu algumas notícias que relatavam
que esse país estava apresentando um crescimento econômico e social que ganhava
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 43

destaque no cenário mundial. Viajar para o Brasil representava uma rota mais se-
gura e um destino menos hostil do que ir para a Europa.
Então, em outubro de 2014, com uma mala pequena, algumas poucas coi-
sas, com pouco dinheiro e muita esperança, Omar iniciou sua grande aventura.
O caminho para chegar ao Brasil não foi fácil. A rota que Omar decidiu seguir é
complexa e demorada. Na busca por passagens para chegar ao Brasil, ele encon-
trou algumas opções com pontos de conexão em Casablanca e Madri que seguiam
direto para o Brasil. Contudo, esses voos eram muito caros. Por isso, Omar decidiu
por uma viagem mais longa, mas que cabia em seu orçamento. Ele percorreu mais
de dez mil quilômetros para chegar ao seu destino; partiu de Dakar com chegada
em Quito no Equador, de onde seguiu para o Acre pelo Peru e, de lá, pegou um
voo direto a São Paulo.

Figura 1 - Rota de Imigração dos Senegaleses

Fonte: Uebel (2016, p. 59)


44 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

2 UM RECOMEÇO

Chegar ao Brasil não foi fácil. Apesar disso, os desafios estavam apenas co-
meçando. Ele não sabia quase nada sobre o país. Além da língua regional oficial do
Senegal, o wolof, Omar falava fluentemente francês e espanhol e tinha uma com-
preensão razoável do inglês. No entanto, infelizmente, não falava absolutamente
nada em português. Ele imaginou que, chegando ao Brasil, encontraria alguém que
falasse um dos idiomas que ele sabia e, assim, o auxiliaria a se orientar para qual
direção seguir; porém, isso não aconteceu. Ele tentou falar em todas as línguas que
conhecia. Contudo, as pessoas sabiam apenas o português. Ninguém o entendia e
ele não conseguia compreender a difícil língua portuguesa.
Para sua sorte, caminhando pelas ruas de São Paulo, encontrou outro imi-
grante senegalês. Omar, então, ficou mais tranquilo ao encontrar seu conterrâneo.
Culturalmente, os senegaleses possuem laços sociais fortes e defendem que, mes-
mo que as pessoas não se conheçam, elas devem se ajudar. Então, bastava um único
contato para que ocorresse a ajuda mútua. Essas redes baseadas na nacionalidade
em comum foram muito importantes para que Omar pudesse se organizar em um
novo lar.
Senegaleses que residiam em São Paulo informaram a Omar que, no Rio
Grande do Sul, havia muitas oportunidades de emprego e lhe indicaram alguns
contatos com os quais ele poderia buscar ajuda. Estabelecer grupos representava
uma forma de viver e vencer juntos os desafios (DIALLO, 2021).
Com doações desses novos amigos, Omar conseguiu comprar a passagem
para Porto Alegre. Entretanto, em Porto Alegre, o sonho de Omar de construir
um novo lar parecia cada vez mais distante. O acesso à moradia regular era prati-
camente impossível aos imigrantes, porque a maioria não possuía autorização de
residência no Brasil e o processo de visto era demorado e pouco eficiente; além
disso, os critérios de refúgio não atendiam à atual imigração. Por isso, Omar foi
morar em um apartamento alugado em conjunto com outros seis senegaleses que
estavam há mais tempo no país.
Já estabelecido em Porto Alegre, Omar saiu em busca de trabalho. No entan-
to, deparou-se com um dos principais entraves que também era vivido por muitos
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 45

outros senegaleses: dificuldade na comunicação. Sem domínio do idioma, a busca


por colocação no mercado de trabalho é prejudicada. Os empresários afirmam que
há uma barreira muito grande na contratação de alguém que não consegue com-
preender o idioma. Um empregador uma vez disse:

Às vezes tu pede que ele precisa pegar um papel higiênico e reabastecer


um banheiro e ele vai lá e coloca papel toalha no lugar, porque não sabe, ele
sabe que precisa papel higiênico e papel toalha exatamente, mas a palavra
em si não conhece. Tem todo um procedimento, é produtos específicos que
eles têm que usar, formas específicas de fazer essa limpeza, porque se tu
fizer errado vai gerar um uma infecção naquele local, e sem compreender o
idioma ele não consegue compreender como a tarefa deve ser realizada.

Omar precisava aprender o idioma. Ele foi em busca de cursos de português


que fossem gratuitos, já que não tinha dinheiro para arcar com mais esse gasto.
Para sua sorte, encontrou uma iniciativa de professores voluntários que ofereciam
cursos de português para imigrantes ou refugiados. Ele se matriculou e começou a
participar das aulas. Omar começou a aprender o idioma e passou a ter um pouco
mais de autonomia para lidar com as situações do cotidiano.
Na África, mais de 800 línguas autóctones e várias línguas crioulas eram em-
pregadas, além dos diferentes idiomas oriundos dos países colonizadores. Assim,
era comum para os senegaleses falarem vários idiomas, o que permitia a eles adap-
tarem-se aos diferentes contextos culturais e linguísticos (SANTOS; BRUM-
-DE-PAULA, 2020).
Todavia, o idioma não foi o único problema encontrado pelo imigrante para
se inserir no mercado de trabalho. Muitos imigrantes chegavam no Brasil, com
faculdade, cursos em ensino superior, mas havia muita dificuldade para validar o
diploma ou a certificação. A regularização dos documentos era vista como um pro-
blema a ser enfrentado. O processo era muito ineficiente, principalmente, na ques-
tão de tempo. Com a regularização dos documentos e fixação de moradia no Brasil,
o imigrante poderia ter uma perspectiva de trabalho formal e moradia melhores.
Quando conseguem, os imigrantes acabam sendo colocados em trabalhos
que muitas vezes não condizem com sua qualificação. A maioria se inseriu no mer-
cado de trabalho em setores em que existe dificuldade de mão de obra local devido
46 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

ao tipo e às condições de trabalho (insalubridade, precariedade, trabalho informal,


trabalho noturno e jornadas de trabalho duplas).
Omar buscava emprego, mas por não ter a documentação regularizada en-
contrava muita dificuldade. Por intermédio da Associação dos Senegaleses, Omar
conheceu um grupo na cidade que o ajudou e o orientou sobre a documentação e o
direcionou para solicitar sua carteira de trabalho. Enfim, Omar conseguiu empre-
go em uma empresa da construção civil na cidade de Porto Alegre! Isso o deixou
muito feliz, já que conseguiria enviar dinheiro para o sustento da sua família no
Senegal. Ele sabia que o trabalho ficava aquém das suas qualificações, já que ele
tinha curso superior na área de contabilidade. Entretanto, o custo para validar seu
diploma era alto e ele não tinha condições financeiras para fazer isso. Essa era uma
dificuldade constante na vida dos imigrantes. A maioria acabava aceitando todo
o tipo de colocação no mercado de trabalho, mesmo sendo empregos de baixa
qualificação, porque precisavam manter o seu próprio sustento e enviar dinheiro a
suas famílias.
A inserção no mercado de trabalho pelos imigrantes era complicada, não ape-
nas pela falta de compreensão do idioma, mas também por dificuldades culturais,
de adaptação do imigrante à cultura brasileira. Preconceito e discriminação eram
constantemente relatados pelos imigrantes. Havia certa resistência da população
quanto à aceitação do imigrante. Muitas vezes, a população via no imigrante um
intruso que podia tirar vagas de emprego dos nativos que já eram reduzidas.
A situação, que já não era fácil, foi agravada a partir de 2015. Uma crise
econômica no Brasil acarretou uma redução ainda maior dos empregos formais.
Apesar disso, a empresa de Omar estava bem e manteve seus funcionários. Con-
tudo, essa não era a realidade de outros senegaleses. Muitos trabalhadores foram
demitidos, e os imigrantes foram os primeiros da lista. Muitos perderam seus em-
pregos. Conseguir um trabalho formal se tornou ainda mais difícil. Como saída,
muitos optaram pelo comércio informal. A escolha pelo mercado informal estava
também muito ligada à cultura do seu país de origem - os senegaleses tinham por
cultura o comércio. Como no Senegal não havia muitos empregos, a maioria das
pessoas virava comerciante.
Independentemente do seu grau de formação e profissão, os imigrantes se
fortaleceram no mercado informal. Eles comercializam produtos como óculos de
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 47

sol, relógios, roupas, acessórios como colares e anéis entre outros itens. No entanto,
isso despertou a atenção dos órgãos públicos e sociedade civil. A comercialização
na rua era proibida, por isso muitas vezes eles tinham sua mercadoria apreendida.
Omar ficava triste com essa situação. O Brasil era um país legal, mas era preciso
buscar novas soluções para viabilizar a atuação desses imigrantes.
A crise econômico-financeira, a intolerância e o preconceito potencializam as
necessidades dos imigrantes e aumentam as desigualdades sociais. A distância da
família e a condição de vida precárias eram exemplos da negação de direitos hu-
manos aos estrangeiros. Com vistas a diminuir estas necessidades, diferentes atores
se conectaram em rede para promover iniciativas que reduzissem tais problemas.

3 A UNIÃO FAZ A FORÇA

Omar sempre teve em sua cultura a importância da ajuda mútua entre os imi-
grantes senegaleses. Todavia, muitas vezes, esse esforço não era suficiente. E, por
isso, novos atores precisavam envolver-se para buscar soluções às tantas questões
que esses imigrantes sofriam. Apesar de ainda passarem por muitas dificuldades,
Omar ficou feliz por perceber que diferentes atores se mobilizaram com o intuito
de apoiar os imigrantes senegaleses. Dentre os atores, Instituições de Ensino Su-
perior, Igrejas, Associações, Agentes Governamentais, Órgãos sem Fins Lucrati-
vos, Empresas, Sociedade civil, entre outros.
Contudo, Omar verificou que esses atores muitas vezes se organizavam se-
paradamente, não atuavam em conjunto. Ele viu boas iniciativas que buscavam
apoiar o imigrante, mas que eram esforços de um pequeno grupo de atores, que
não atuavam em conjunto com outras iniciativas. Omar via, porém, um esforço de
um importante ator que tentava organizar melhor essa rede: a Associação de Se-
negaleses. A Associação buscava, a partir de necessidades identificadas e relatadas
pelos imigrantes, assumir um papel mediador entre os atores voluntários, agentes
públicos e sociedade civil, buscando alternativas que sanassem o problema verifi-
cado.
A Associação foi muito importante para Omar. Quando ele chegou em Por-
to Alegre, foi por meio da Associação que ele conseguiu encontrar um local para
48 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

morar. E, quando ele estava já empregado, Omar passou a ajudar a Associação para
que outros senegaleses pudessem também ser ajudados. Por meio da Associação,
Omar também conseguiu regularizar sua documentação.
A Associação teve papel essencial como mediadora para as necessidades dos
imigrantes. A Associação foi algo criado a partir da cultura senegalesa. Omar lem-
bra que no Senegal cada bairro tem sua associação com atividades na parte social,
sem foco financeiro. Então, quando eles saem em qualquer lugar do mundo que
tenha uma comunidade senegalesa, mais de 10, 20, 30 pessoas, automaticamente,
eles formam a associação; e aqui no Brasil não foi diferente.
A Associação assumia um papel fundamental para os imigrantes na sua inser-
ção laboral e social. Não representava apenas um ponto de encontro de todos (cul-
turalmente falando), mas também era um ponto de referência para os imigrantes.
Eles sabiam que podiam recorrer à Associação quando um imigrante precisasse de
apoio. Esse papel era também reconhecido pelos outros atores envolvidos: institui-
ções de ensino, atores governamentais e ONGs.
Diante dos desafios dos imigrantes, que eram cada vez maiores, além da As-
sociação, outros atores também precisavam estar capacitados para auxiliar esses
indivíduos. Um grupo de trabalho foi criado pelo Comitê Estadual de Atenção
aos Imigrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas do Tráfico de Pessoas (Comirat-
-RS) para capacitar os agentes envolvidos na integração de imigrantes, abordando
temas como encaminhamentos sobre documentação, condição jurídica e demais
cadastros nos serviços públicos.
Além deste, outros grupos foram criados, por exemplo, o Grupo de Assesso-
ria a Imigrantes e a Refugiados (GAIRE), um grupo de extensão universitária que
prestava gratuitamente assessoria jurídica, psicológica e social aos imigrantes. Esse
grupo possuía um forte trabalho em rede, destacando-se a parceria com o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com a Associação
Antônio Vieira (ASAV) e com o CIBAI Migrações.
Ao perceber o crescimento no número de migrantes e de suas necessidades,
a Prefeitura de Porto Alegre abriu um Centro de Referência aos Imigrantes, com
o intuito de atender de forma planejada e focada às necessidades dessa população.
O centro também tinha como objetivo estabelecer novos projetos para promover a
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 49

inclusão social dos imigrantes e refugiados em Porto Alegre, além de integrar me-
lhor os serviços municipais e federais neste setor (PORTELLA; BORBA, 2021).
Percebeu-se que, apesar de ainda não serem suficientes, novas formas de re-
lacionamento e parcerias estavam sendo estabelecidas com foco nos imigrantes
que estão no Brasil. Nesses contextos, a ausência de uma arquitetura unificada de
governança faz emergir atores privados e voluntários, como ONGs, governos e
organizações locais (SAHIN MENCUTEK, 2021).
Quando essas e outras instituições identificavam algum problema relacio-
nado aos imigrantes, eles comunicavam à Associação, uma vez que lá se entendia
o senegalês, sua cultura e seus valores. Então, a partir da identificação de algum
problema ou carência enfrentada pelos imigrantes, os atores se mobilizam para
buscar soluções e, desse modo, a necessidade social torna-se um ponto de partida
para inovações.
Contudo, Omar percebia que as iniciativas ainda estavam desconectadas entre
si. O que se percebia era que havia diferentes iniciativas espelhadas, que lutavam
individualmente para buscar melhores condições para os imigrantes. Entretan-
to, havia muita dificuldade em promover uma maior integração desses diferentes
atores. Muitas vezes, uns não sabiam dos outros. Tornavam-se projetos pontuais e
que não conseguiam ter longevidade. Além disso, o alcance dessas iniciativas aca-
bava por ser restrito e muitos imigrantes nem ficavam sabendo da sua existência.
Apesar das iniciativas terem o mesmo objetivo, que é inserir o imigrante tanto no
contexto laboral quanto social, os esforços ainda não eram conjuntamente coor-
denados. Algumas iniciativas promissoras alcançavam alguma mobilização maior,
mas a maior parte não conseguia promover o engajamento necessário para reforçar
esse ecossistema social.

4 UM PONTO DE PARTIDA

É claro que os senegaleses ainda enfrentavam muitos desafios. As iniciativas,


ainda que representassem algumas práticas promissoras, não se traduziam em um
impacto que levasse a grandes transformações. Omar conheceu diversas iniciati-
vas que apoiam os imigrantes senegaleses, mas muitos de seus conterrâneos nem
50 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

sequer ouviram falar delas. Por isso, Omar iniciou um esforço para tentar mapear
essas ações e assim ampliar o alcance delas para o maior número de imigrantes
possível.
Em sua busca, Omar percebeu que essas iniciativas buscavam integrar os mi-
grantes na sociedade envolvendo várias áreas, incluindo emprego, educação, habi-
tação, saúde, inclusão sociocultural e participação política. Alguns atores, por sua
vez, contribuíam para o acolhimento e recebimento dos imigrantes. Havia ini-
ciativas para minimizar a burocracia para a regulamentação das documentações.
A atuação e mobilização para a regularização documental era uma importante
iniciativa, já que requeria o envolvimento e contribuição de vários atores para se
chegar a uma solução.
Para facilitar a comunicação, diferentes atores se mobilizaram para propiciar
o aprendizado da língua portuguesa. Instituições de Ensino Superior ofertavam
cursos de português, bem como professores voluntários também se engajavam para
ensinar o idioma aos imigrantes. Além da iniciativa de ensinar a língua materna
brasileira, era importante propiciar ao imigrante a criação de novas raízes à terra
que os acolhe, assim como inseri-los no novo contexto social por meio de pas-
seios, atividades culturais, oficinas de dança e de teatro (Missão Pompeia). Alguns
programas eram igualmente desenvolvidos para treinar e capacitar os imigrantes,
incluindo o desenvolvimento de competências para o empreendedorismo.
Assim, Omar se deparou com vários ações direcionadas para o imigrante,
como orientação sobre serviços, programas e benefícios sociais; incentivo à capa-
citação e ao ensino dos migrantes; orientação e ajuda financeira com a expedição
de documentos; encaminhamento a Consulados, Órgãos Governamentais, Fun-
dações, Associações, Abrigos, Hospitais e Redes de Ensino; visitas domiciliares
e hospitalares; doação de roupas e alimentos; atendimento à criança migrante;
acompanhamento psicológico (MISSÃO POMPEIA, 2019). Ele também obser-
vou iniciativas que buscam pressionar demandas públicas por maior da reorgani-
zação das autoridades em busca de apoio ao imigrante.
Essas iniciativas buscavam promover o empoderamento e a participação do
imigrante no contexto social em que ele estava inserido. Era importante que o
imigrante não fosse apenas um observador da nova realidade, mas que ele pudesse
aprimorar a sua participação na sociedade. E a partir disso, resgatar a sua cidadania.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 51

Contudo, para isso, ele precisava ter uma qualidade de vida adequada a partir da
inclusão e de condições justas no mercado de trabalho, e isso não era um processo
fácil. Além da barreira com o idioma, o imigrante muitas vezes não possuía o visto
necessário para ingressar no mercado de trabalho, sem contar que alguns emprega-
dores preferem não empregar trabalhadores de outras etnias. Tudo isso dificultava
a inserção em atividades formais. Por isso, as ações buscavam não só a inclusão de-
les no mercado de trabalho, mas também buscavam fiscalizar o trabalho para coibir
práticas ilegais e desumanas. É importante destacar que, para contornar esses obs-
táculos, os imigrantes passaram a empreender na cidade, sendo então empresários,
atuando também como empregadores de outros imigrantes.
Vale lembrar que o Brasil possui um passado colonial e foi destino de imi-
grantes em diferentes momentos de sua história. No entanto, desde 1980, vigorava
no país o Estatuto do Estrangeiro, que havia sido elaborado no período do regime
militar e adotava uma perspectiva de segurança nacional, segundo o qual o imi-
grante era visto como uma ameaça. Com o aumento do número de imigrantes, o
tema foi recebendo cada vez mais atenção por parte dos formuladores de políticas,
prova disso é refletida na introdução de medidas políticas específicas para esse
grupo. Por isso, a partir de 21 de novembro de 2017, entrou em vigor a nova Lei de
Migração que representou avanços na política migratória brasileira, com a mudan-
ça de enfoque para a garantia dos direitos das pessoas imigrantes.
Percebeu-se um aumento dos debates acadêmicos, políticos e da sociedade,
de que algo precisava ser feito. Omar precisava fazer a sua parte, então, aproximou-
-se ainda mais da Associação dos Senegaleses. Começou a se envolver em ações
para integrar e aproximar os imigrantes e os brasileiros através da cultura senegale-
sa. Além disso, tornou-se mais ativo nas discussões sobre a situação dos imigrantes,
passou a ir em eventos, palestras, encontros, workshops, enfim, ele queria cada vez
mais dar seu testemunho e contar a sua visão de tudo o que acontecia.
Apesar de, no Brasil, Omar perceber que o governo, principalmente na ins-
tância federal, ignorava indivíduos em situação como a dele (diferentemente da
migração europeia quando se discutia mais sobre o tema), e de observar a falta de
representatividade dos imigrantes nos órgãos públicos, cada vez mais havia uma
mobilização de diversos atores que tentavam encontrar soluções para suprir as
necessidades sociais enfrentadas pelos senegaleses e que aos poucos conseguiam
52 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

estabelecer alguns resultados, embora ainda não houvesse uma avaliação sistema-
tizada do real impacto gerado. Nesse contexto, as iniciativas de inovação social
emergiram como importantes alternativas para promover mudanças sociais mais
profundas e duradouras.

5 DESAFIOS

Infelizmente, nem todos os imigrantes tinham conhecimento de seus direi-


tos ou de iniciativas que podiam ajudá-los a integrarem-se na sociedade. Esse
era mais um dos desafios que atormentava Omar. Ele trabalhava continuamente
para aproximar as diferentes iniciativas ao mesmo tempo em que busca enfatizar
o envolvimento dos imigrantes como ator central dessas discussões. Omar partici-
pou ativamente de debates acadêmicos em instituições de ensino, de discussões de
entidades filantrópicas e órgãos governamentais para compartilhar as experiências
culturais de seu país, mostrar seus hábitos e sua cultura.
Ao mesmo tempo, buscou trabalhar com a comunidade de senegaleses para
criar uma rede que aumentasse as chances de inserção do imigrante. Seguidamen-
te, Omar organizava, juntamente com seus conterrâneos, eventos tradicionais da
cultura senegalesa para apresentar a esse público as potenciais iniciativas e como
estas poderiam auxiliá-los.
No entanto, seus esforços pareciam não promover a transformação necessária.
Omar se sentia um grão de areia em uma praia imensa. Faltava uma sistematização
dos esforços, algo que permitisse traçar um panorama de quem eram os imigrantes,
quais eram suas dificuldades e estabelecer ações mais organizadas no atendimento
às necessidades deles por meio da articulação da rede dos diferentes atores.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 53

NOTAS DE ENSINO

1. RESUMO DO CASO

O caso conta a história de Omar que saiu do Senegal em busca de uma


vida melhor para si e para sua família e rumou para o Brasil, vindo residir em
Porto Alegre. Em seu caminho, enfrentou vários desafios que teve que superar
para poder se inserir no contexto local, acessar o mercado de trabalho e se tornar
autossuficiente. Foi necessário, portanto, aprender o idioma de maneira suficiente e
possuir a documentação regulamentada que lhe permitiu ingressar em um trabalho
formal. Depois disso, ainda teve que encontrar empresas que oferecessem oportu-
nidades de emprego para imigrantes, e especialmente encontrar um empregador
que estivesse convencido de que ele era adequado para o trabalho específico. Omar
conseguiu e passou a trabalhar em uma empresa da construção civil.
Para tanto, ele contou com o apoio principalmente de outros imigrantes se-
negaleses, que o ajudaram nessa jornada, mas também contou com o apoio de um
conjunto de organizações e instituições que forneciam suporte aos migrantes em
seus diferentes estágios de progresso e em um amplo espectro de necessidades. Foi
possível perceber que há uma mobilização de diversos atores, incluindo sociedade
civil, institutos de ensino superior, igrejas, associações, agentes governamentais e
empresas. No entanto, cada ator é mobilizado separadamente e não há uma co-
nexão entre todos eles, sendo que o ponto de interação comum é a Associação de
Senegaleses, que desempenha o papel de olhar para além das necessidades dos
imigrantes pela facilidade de comunicação com os associados e pelo parentesco
cultural.
No entanto, ainda era preciso elaborar estratégias que permitissem mobilizar
e conectar todos esses atores que se envolviam no apoio aos imigrantes, identificar
os seus papéis, seus esforços e como seria possível contribuir na busca por soluções
para esse problema social.
54 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E PÚBLICO-ALVO

Este caso de ensino foi desenvolvido para ampliar a compreensão das questões
relacionadas aos desafios enfrentados pelos imigrantes senegaleses ao buscarem
inserção laboral e social no contexto brasileiro. O material apresentado permitirá
que os alunos tenham uma visão sobre os problemas mais urgentes relacionados à
imigração.
O presente caso de ensino não requer conhecimentos de disciplinas especí-
ficas, então ele pode ser utilizado em qualquer curso como uma ferramenta para
treinar as habilidades sociais dos alunos, bem como para aumentar sua consciência
sobre as necessidades enfrentadas pelos imigrantes senegaleses, buscando inspirá-
-los sobre os modos a partir dos quais esses problemas podem ser resolvidos.

3. QUESTÕES

a) Como melhorar o acolhimento e a integração dos imigrantes senegaleses


ao chegarem no país?
b) Como construir parcerias eficazes entre atores com diferentes culturas ins-
titucionais e dinâmicas de poder?
c) Como promover uma melhor integração entre os diferentes atores que se
mobilizam em prol dos imigrantes senegaleses?
d) Como garantir que as iniciativas para apoio aos imigrantes não sejam ape-
nas pontuais, mas que tenham longevidade?
e) Como melhorar a avaliação do impacto das iniciativas, analisando os fato-
res que contribuíram para o seu sucesso ou fracasso?
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 55

4. O CASO: OS DESAFIOS E ANÁLISE SOBRE AS MUDANÇAS


NECESSÁRIAS

4.1 UM POUCO MAIS SOBRE OS IMIGRANTES

O termo migração é entendido, de acordo com o que é pressuposto por Be-


cker (1997), como mobilidade da população no que se refere à sua posição espa-
cial, cujo deslocamento leva a mudanças nas relações interpessoais e na relação
dos sujeitos com o ambiente físico. Nesse ponto, Herédia e Gonçalves (2017, p.
211) determinam que esta questão migratória está “invariavelmente associada às
conjunturas políticas, sociais e econômicas, regidas a partir das inter-relações entre
os Estados-nação”, sendo que muitas vezes representa um meio de os indivíduos
escaparem da situação de pobreza.
Nesse contexto, insere-se o imigrante senegalês. O Senegal, localizado na
África Ocidental, é um país com uma área um pouco menor que o Estado do
Paraná, que alcançou a independência em 1960. A disputa europeia por colônias
africanas dissolveu tribos, levou o conflito ao continente e, mesmo que hoje o Se-
negal esteja em “paz”, as marcas das interferências bélicas ou políticas são visíveis
em muitos aspectos (WENCZENOVICZ, 2016).
O Produto Interno Bruto do Senegal é representado 15% pela agricultura,
22,7% pela indústria e 61,9% pelos serviços. O país é considerado relativamen-
te industrializado, destacando-se nas práticas de processamento de minerais e na
produção de fertilizantes. Há ainda que se destacar o papel agropecuário, já que
tanto pesca quanto produção agrícola ganham destaque no país. Entretanto, o país
não consegue absorver grande parte de sua mão de obra (WENCZENOVICZ,
2016).
O país apresenta elevados índices de desemprego, pois a população é com-
posta por 90% de jovens que, ao enfrentar a situação crítica que o país atravessa,
migram para outros lugares em busca de um futuro melhor para si e para suas
famílias. “É uma migração laboral. Isso acontece por meio da busca de empregos.
56 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

A Europa, que antes era um destino, está em crise. A Argentina teve imigrantes
senegaleses há 10 anos. Agora, eles vieram para o Brasil [...]” (ESPEIORIN, 2014,
não paginado).
A opção dos imigrantes pelo Brasil se dá pelas fronteiras abertas do país, sem
as restrições impostas nos Estados Unidos e na Europa, bem como pelo cresci-
mento econômico que o país apresentou em anos anteriores (SIMON; LAUXEN,
2018). Em 2011, foram cerca de 1.450 autorizações. Em 2017, esse número era
de 4.801. No entanto, atingiu o pico em 2014, quando foram emitidas 36.292 au-
torizações (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACEDO, 2018). No Estado do Rio
Grande do Sul, a maior concentração desses indivíduos está nas cidades de Passo
Fundo e Caxias do Sul, conforme ilustra-se na Figura 2.

Figura 2 - Mapa de Concentração de Imi-


grantes Senegaleses no RS

Fonte: Uebel (2016, p. 65)

Segundo Uebel (2016), o perfil demográfico-social da imigração senegalesa


demonstra que a maioria é do gênero masculino (98,40%). Uebel (2016) comple-
menta indicando que a participação das mulheres na população economicamente
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 57

ativa do Senegal ainda é restrita e restringida àquelas que não professam a religião
islâmica. Entretanto, aproximadamente 94% da população senegalesa é muçulma-
na, o que justifica uma participação reduzida de mulheres imigrantes senegaleses
tanto no Brasil como no Rio Grande do Sul, correspondendo apenas a 1,6% do
estoque imigratório neste estado.
O perfil do imigrante senegalês no estado do Rio Grande do Sul foi com-
preendido como: homem, adulto (entre 19 e 50 anos), solteiro, alfabetizado, nível
secundário e profissionalizante de ensino, sem dependentes diretos de primeiro ou
segundo grau e uma formação profissional) (UEBEL, 2016).
No Brasil, a busca por mão de obra esteve relacionada principalmente à in-
dústria frigorífica, metalúrgica e de construção civil (HERÉDIA et al., 2015), bem
como ao comércio de rua (GONZZATO, 2017). Contudo, aqui no país, depara-
ram-se com a crise econômica e com a precariedade de políticas públicas, insufi-
cientes para dar conta de suas necessidades básicas (SIMON; LAUXEN, 2018).
Além disso, na chegada, a maioria dos migrantes não têm renda proveniente de
trabalho regular. Verifica-se, ainda, que a maioria não declara a profissão e se co-
loca à disposição de qualquer setor com necessidade de mão de obra. Nesse ponto,
verifica-se que o fato de aceitarem determinados trabalhos informais os coloca em
uma situação de vulnerabilidade (HERÉDIA; TEDESCO, 2015).
Nesse sentido, cabe mencionar que as dificuldades estão relacionadas tam-
bém ao acesso à moradia, visto que, muitas vezes, alugam imóveis em conjunto e
solucionam essa questão de forma coletiva (HERÉDIA; GONÇALVES, 2017).
Além disso, constatou-se que a maioria dos senegaleses não tem domínio do por-
tuguês (TEDESCO; GRZYBOVSKI, 2013). Apesar disso, observa-se aqueles
que são fluentes em línguas modernas como francês, inglês e espanhol, além das
línguas regionais oficiais (wolof, soninquê, serer, fulani, maninka e diola) utilizadas
principalmente quando estão reunidos (UEBEL, 2016).
O aumento no número de imigrantes para o Brasil apresenta um desafio, não
apenas em termos do amparo imediato a esse indivíduo que chega ao país com
poucas informações, mas também no que diz respeito a sua integração a longo
prazo na sociedade. Por isso, a mobilização de atores em prol de abordagens social-
mente inovadoras é necessária para promover a integração eficaz dos imigrantes.
58 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

4.2 INOVAÇÃO SOCIAL NA CAUSA DOS IMIGRANTES


SENEGALESES

Inovação social tornou-se um tópico amplamente discutido nas últimas dé-


cadas em muitos países e áreas de estudo. Inovação social compreende formas
de mitigar os problemas sociais, resultando em solução nova ou melhorada para
uma comunidade específica (AGOSTINI et al., 2017). Murray, Caulier-Grice e
Mulgan (2010) complementam que a inovação social abrange um conjunto de
novas ideias (que poderão ser produtos, serviços ou modelos de ação) que visam
satisfazer necessidades humanas e que levam ao estabelecimento de novas relações
sociais, não apenas propiciam benefícios para a sociedade, mas também potenciam
a sua capacidade para agir. Assim, os principais aspectos da inovação social são:
- Processo de aprendizagem e troca de conhecimento.
- Colaboração.
- Principais atores e organizações envolvidas no processo.
- Mudança na interação e nas relações sociais, engloba novas formas de co-
nhecer e fazer.
- Empoderamento coletivo e mudança social.
- Desenvolvimento de novas ideias e ações para atender às demandas.
- Solução eficaz para resolver problemas sociais.
- Sustentabilidade ao resultado.
A inovação social trata de algo que é colaborativo, que requer a contribui-
ção de vários atores, tanto em termos de setores (público, privado, sociedade civil
etc.) quanto em se tratando de domínios ou até mesmo de áreas do conhecimento
(HORGAN; DIMITRIJEVIĆ, 2019; HOWALDT et al., 2016). Howaldt et al.
(2016) sistematizam diversos atores individuais e coletivos que se envolvem com
as inovações sociais sendo oriundos das mais diferentes funções, conforme mostra
o Quadro 1.

Quadro 1 – Tipos e Funções do Ator

Empresas sociais, outros atores da economia social: Desenvolvedores e implementado-


res de inovações sociais.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 59

Sociedade civil: Traz iniciativas para desenvolver inovações sociais.

Movimentos sociais: Geram mudanças, podem estimular a inovação social.

Redes: Comunidades de inovadores sociais.

Ciência, Universidades e Institutos de Pesquisa: O papel marginal, mais relacionado aos


estudos de inovação “clássicos”, quando envolvidos, fornece conhecimentos especiais.
Empresas: a) estão envolvidas em processos de inovação social (mas não são vistas como
principais iniciadoras); b) fornecer o quadro para inovações no local de trabalho.
Clientes / usuários / cidadãos / beneficiários: Esses atores devem ter um papel central
(como iniciadores e contribuintes), mas isso não é especificado.
Designers: Projetar o processo de inovação social.

Grupos pobres e marginalizados: Beneficiários, por vezes, atores ativos nos processos de
inovação social.
Atores governamentais: São considerados como fornecendo o frame para estimular a
inovação social, são atores centrais quando se trata de inovação do setor público.

Fonte: Howaldt et al. (2016, p. 97, tradução nossa)

Ao analisarmos o caso de Omar, torna-se possível perceber que as iniciativas


buscam promover mudanças sociais na vida dos imigrantes. Todavia, percebe-se
que a maioria trata de ações isoladas de organizações ou indivíduos, as quais são
muitas vezes insuficientes para abordar as desigualdades estruturais e os problemas
sociais existentes (IBRAHIM, 2017).
Esse fato denota a necessidade de ações coletivas, já que a inovação social é
baseada na interação direta entre diversos atores. Apesar de se ter observado du-
rante muito tempo uma governança de migração fragmentada, cada vez mais os
atores estão percebendo que não podem solucionar os problemas de migração por
conta própria, exigindo a cooperação com outros atores, até mesmo atores interna-
cionais, para se encontrar soluções comuns (VAN RIEMSDIJK; MARCHAND;
HEINS, 2021).
Dentre a constelação de atores, é importante destacar que, quando se fala em
iniciativas no contexto social, é essencial a participação e inserção do usuário final/
beneficiário, neste caso, o imigrante. A inserção desses atores que serão diretamen-
te impactados deve ocorrer desde a concepção da ideia até sua implementação, atu-
ando como provedores de conhecimento e soluções. Esse processo contribui para a
legitimação da iniciativa ao passo que permite desenvolver respostas que realmente
estejam alinhadas ao contexto para onde é proposto (KUMARI et al., 2020).
60 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Sahin Mencutek (2021, p. 185) defende que as “[...] experiências e vozes dos
migrantes são cruciais não apenas para verificar as implicações, mas também para
moldar a governança de baixo para cima”. Isso porque somente com a participação
dos imigrantes as iniciativas poderão abarcar todas as características dos comuni-
cados para superar as barreiras do idioma, diferenças culturais e fontes dispersas de
informação. Por isso, o autor evidencia a importância da inserção dos imigrantes
nas iniciativas, principalmente que esses indivíduos participem de órgãos consul-
tivos em áreas como educação, emprego, saúde, habitação ou outros que forem
necessários (SAHIN MENCUTEK, 2021).
Frente ao que foi exposto até aqui, cabe reiterar que as iniciativas de inovação
social precisam construir pontes e criar vínculos entre esses atores. Promover a
colaboração entre eles é fundamental para criar consciência e empatia em torno
de uma visão compartilhada. Cada envolvido tem suas próprias visões, missões e
objetivos, por isso é importante reconhecer essas diferenças para promover um ali-
nhamento entre os diferentes interesses e expectativas (BELLANDI; DONATI;
CATANEO, 2021). Ao colaborarem e compartilharem recursos e conhecimentos,
eles desenvolvem uma visão conjunta das necessidades sociais e cocriam as possí-
veis soluções (CASTRO-ARCE; VANCLAY, 2020).
Diante disso, observando o contexto dos imigrantes senegaleses, percebemos
alguns elementos que podem orientar os atores em busca de uma melhor organi-
zação e por soluções para as necessidades dos desafios enfrentados pelos imigran-
tes. O primeiro elemento refere-se à identificação das necessidades e problemas
enfrentados pelos imigrantes, no sentido de mapear as carências observadas, bem
como os indivíduos impactados. O engajamento dos atores irá ocorrer quando
uma questão social emergente atrair a atenção deles. Por isso, o processo de inova-
ção social inicia com a identificação do interesse comum em um problema social
específico, em relação ao qual a comunidade de atores irá se mobilizar e estabelecer
novas formas de interação em prol desse objetivo.
Contudo, o que se verifica, no contexto de imigração, são várias ações isola-
das, que não estão conectadas e que muitas vezes possuem objetivos compartilha-
dos cujos esforços poderiam ser somados em direção a mudanças mais significa-
tivas. Por isso, um segundo elemento relevante no caso dos imigrantes é mapear e
analisar quem são os diferentes atores e quais são as iniciativas desenvolvidas para
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 61

tratar da questão dos imigrantes senegaleses. É importante estabelecer um am-


biente dinâmico e estimulante que permita às inovações sociais se desenvolverem
e promoverem mudanças significativas no contexto social e econômico (TERS-
TRIEP; REHFELD; KLEVERBECK, 2020).
É preciso inserir a causa dos imigrantes na agenda de governos em nível na-
cional (VAN RIEMSDIJK; MARCHAND; HEINS, 2021). No Brasil, esse tema
ainda é tratado com certo descaso geral, pois faltam atualizações mais robustas e
significativas nas leis de proteção ao imigrante, principalmente no que se refere ao
fato do país manter as fronteiras abertas, sem, contudo, possuir o preparo necessá-
rio para amparar os imigrantes que ingressam no país.
Assim, um terceiro elemento é evidenciado: a presença atuante de um ator
principal. A partir do relato de Omar, percebe-se que o amparo e orientação para
os imigrantes senegaleses era muitas vezes dado pela Associação. A Associação
assume um papel central na condução das iniciativas e no estabelecimento das re-
des ao tentar aproximar e inserir os imigrantes no processo de inovação social. Por
isso, o desenvolvimento desse ator central e a sua inserção na busca de respostas é
essencial.
Nesse sentido, ao tratarmos de inovação social, é importante adotar mecanis-
mos de coordenação, gestão ou orquestração de atores priorizando uma governan-
ça mais horizontal, participativa e inclusiva (CASTRO-ARCE; PARRA; VAN-
CLAY, 2019; TERSTRIEP; REHFELD; KLEVERBECK, 2020), para garantir
o envolvimento efetivo de todos esses atores. Esses mecanismos não podem ser
impostos, mas precisam ser decididos e aceitos pelas partes envolvidas (KELLEY;
FELDMAN; GRAVELY, 2016). É preciso garantir, então, que a tomada de deci-
são seja compartilhada.
No caso dos imigrantes senegaleses, observa-se a necessidade de se estabe-
lecer políticas de integração mais eficazes com mecanismos de coordenação dos
atores nas diferentes áreas, incluindo, por exemplo, habitação, educação, emprego e
saúde. É preciso que haja o compartilhamento das suas experiências, que se iden-
tifiquem as melhores práticas e os principais desafios enfrentados. Essa integração
torna-se especialmente importante já que a falta de colaboração entre eles pode
levar a um acesso limitado dos imigrantes às iniciativas e, consequentemente, im-
pedir que se estabeleçam nesse novo país e nessa nova cultura.
62 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

4.3 INSPIRAÇÃO EM BOAS PRÁTICAS

A seguir, apresentamos alguns exemplos de iniciativas desenvolvidas para in-


tegrar imigrantes em nível local. As sugestões visualizadas no Quadro 2 são base-
adas e adaptadas para o contexto brasileiro a partir de iniciativas apresentadas em
um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OECD) e pela Comissão Europeia em 2018 (OECD, 2018). O relatório, com
o checklist de práticas, foi desenvolvido para ser considerado pelos formuladores
de políticas e profissionais locais, regionais e nacionais ao desenvolverem e imple-
mentarem programas de integração local para migrantes. Apesar dos exemplos
serem oriundos de cidades de diferentes tamanhos e localizadas em diversos países,
essas lições podem ser relevantes também para o nosso contexto. Os diferentes
atores envolvidos nessa temática podem se inspirar nessas ações para buscarem
promover uma integração mais eficaz de imigrantes senegaleses à sociedade.

Quadro 2: Iniciativas para Integração de Imigrantes

Objetivo O que pode ser feito Ação


Melhorar a coordenação Identificar claramente as funções Implementar grupos de tra-
de políticas de integração e responsabilidades por meio do balho de vários níveis insti-
em todos os níveis de mapeamento institucional; e tucionais e governamentais
governo promover o diálogo a todos os sobre migração visando
níveis com vistas a aumentar o melhorar o acesso à infor-
conhecimento mútuo das práticas mação para os migrantes.
de integração.
Melhorar a coerência das Fornecer treinamento a todos Desenvolver as competên-
políticas de integração os departamentos municipais cias dos funcionários da
para enfrentar as necessi- (incluindo professores, assisten- cidade e dos serviços públi-
dades dos migrantes tes sociais, polícia e serviços de cos para planejar e imple-
emprego) sobre seus papéis na mentar ações de integração
promoção da integração de mi- na comunidade local.
grantes; e garantir a igualdade
de tratamento no recrutamento
para a função pública, ter também
funcionários públicos de origem
migrante.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 63

Objetivo O que pode ser feito Ação


Acesso e uso eficaz de Estabelecer mecanismos de Estabelecer uma rede de
recursos financeiros em coordenação com ONGs, organi- acolhimento e apoio aos
nível local para apoiar a zações de migrantes e empresas imigrantes. Reunir o muni-
integração migrante que operam na área; avaliar os cípio, associações de bairro
serviços prestados aos migrantes e de migrantes e organiza-
e estabelecer padrões alinhados ções sociais sem fins lucra-
com os regulamentos nacionais tivos.
e regionais para a prestação de
serviços.
Levar em conta melhor Incluir mecanismos de monito- Desenvolver um sistema
as alterações ao longo do ramento nos planos de ação de único de interação entre as
tempo nas políticas de integração das cidades, acompa- cidades, onde serão inseri-
integração nhando os resultados das ações dos todos os dados coleta-
de integração; melhorar a coleta dos e os pontos de coleta
de dados qualitativos, com o pon- poderão interagir através
to de vista dos migrantes e das desse sistema único.
comunidades de acolhimento.
Diminuir o gap entre mi- Garantir a igualdade de acesso a Inserir nas instituições de
grantes e nativos serviços públicos de qualidade em ensino mais conteúdos
todos os bairros e investir na cria- étnicos além dos ensinados
ção de espaços públicos comparti- hoje, rodas de conversas e
lhados (bibliotecas, centros cultu- adaptação cultural.
rais, praças); e promover ações da Organizar momentos es-
sociedade civil para a integração. pecíficos para imigrantes e
nativos se encontrarem e se
relacionarem.
Melhorar a capaci- Fornecer treinamentos voltados Convidar imigrantes de
dade dos serviços ao atendimento de imigrante, acordo com sua capacitação
civis para responder sobre aspectos culturais, de ética para montar esses modelos
às necessidades dos e raça, e sobre seus papeis na de treinamentos e aplicá-los
migrantes promoção da integração dos mi- com a ajuda de pessoas
grantes. atuantes com conhecimen-
to na área, a fim de montar
um modelo de treinamento
abrangente e eficiente.
Melhorar a correspondên- Oportunizar ao imigrante ser atu- Através da coleta de in-
cia das habilidades dos ante em sua área de conhecimen- formação do imigrante, já
migrantes com oportuni- to e sanar algumas necessidades realizar um pré currículo
dades de trabalho locais de mão de obra local. com a área de atuação, criar
uma rede oficial para que
todos possam colocar seus
currículos e para que sejam
oferecidas algumas oportu-
nidades de freelancer, inclu-
sive empresas e comércios,
da região.
64 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Objetivo O que pode ser feito Ação


Garantir o acesso à habi- Criar centros habitacionais e de Estabelecer parcerias com
tação adequada acolhimento. prefeituras para a utilização
de prédios não usados nas
regiões centrais, sem neces-
sidade de invasão. Centros
regulares com atendimen-
tos internos aos imigrantes.
Pontos de referências para
esses sujeitos.
Alinhar os serviços de Realizar pesquisas prévias para Adaptar os serviços sociais
bem-estar social com as entender quais são essas necessi- para lidar com as barreiras
necessidades dos mi- dades além das que seguem: habi- que os migrantes enfren-
grantes tação, emprego e saúde. tam; estabelecer mecanis-
mos de encaminhamento
adequados aos serviços
públicos; garantir o acesso
aos serviços básicos, inclu-
sive para aqueles que não
preencham os critérios de
residência.

Fonte: Adaptado de OECD (2018)

Assim, a partir da história evidenciada neste caso, foi possível perceber que
os vários desafios enfrentados pelos imigrantes senegaleses são ocasionados princi-
palmente pela falta de uma governança para imigração estruturada tanto em nível
local quanto nacional. Há necessidade de se estabelecer políticas de imigração mais
eficientes que sustentem novas arquiteturas de governança e garantam o apoio e a
inclusão desses cidadãos. Além disso, o fato de a questão de migração extrapolar
os limites de atuação dos governos e requerer o envolvimento de diferentes atores,
a adoção de mecanismos de governança que orientem a cooperação e organização
desses atores minimiza os possíveis objetivos opostos que podem frustrar esses
esforços (VAN RIEMSDIJK; MARCHAND; HEINS, 2021).

5 MATERIAIS DE APOIO À DISCUSSÃO

Seguem, abaixo, algumas recomendações que apresentam mais informações sobre a imi-
gração no Brasil:

https://brazil.iom.int/
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 65

https://news.un.org/pt/focus/migrantes-e-refugiados

https://periodicos.claec.org/index.php/relacult/article/view/1765

https://www.ucs.br/site/revista-ucs/revista-ucs-11a-edicao/senegal-a-nova-cara-do- imi-
grante/

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68 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 69

Caso 3

QUALIFICAÇÃO EMPREENDEDORA
DE PROJETOS INOVADORES E DE
EMPREENDIMENTOS DE IMPACTO
SOCIOAMBIENTAL EM ESTÁGIO INICIAL
Silvio Bitencourt da Silva
Claudia Cristina Bitencourt

O que você faria se necessitasse de apoio


à estruturação e desenvolvimento de um
projeto inovador em estágio inicial e pro-
jetos de empreendimentos de impacto so-
cioambiental também em estágio inicial?
Onde buscar este apoio?!

Meu nome é Augusto1. Sou empreendedor e, com mais três colegas egressos da
Universidade, decidimos construir um negócio para promover soluções que geras-
sem mudanças na realidade de pessoas e/ou comunidades vulneráveis. Era 2020,
eu e meus colegas tínhamos concluído nossa graduação e havíamos feito a opção
pelo empreendedorismo. Queríamos unir uma ideia lucrativa com a possibilidade
de gerarmos impacto positivo na sociedade. Entendemos que se tratava de um
negócio com propósito e que devíamos alinhar nossas estratégias ao impacto so-
cioambiental positivo. Tínhamos em mãos o projeto de empreendimento de im-

1 Os nomes dos personagens aqui mencionados são fictícios.


70 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

pacto socioambiental em estágio inicial, fruto da ‘Trilha de Inovação Social’, per-


corrida em nossa graduação. Sabe aquele problema que você gostaria de resolver
em uma comunidade? Foi nesta Trilha que pensamos em soluções inovadoras que
poderiam se transformar em projeto social. Queríamos tirar a ideia do papel. Mas
como poderíamos avançar em nossa trajetória empreendedora? Quem poderia nos
apoiar? A partir de nossa interação com nossos professores, conectamo-nos com
a Incubadora UNISINOS - UNITEC. Assim, acessamos um Programa voltado
ao atendimento de ideias e projetos de pequenos negócios inovadores. Este caso
apresenta a trilha percorrida expressa no Plano de Atendimento, bem como as fer-
ramentas e métodos para empreender que facilitam a criação e o desenvolvimento
de um negócio de impacto socioambiental sem se deter nas especificidades do
empreendimento, incluindo a solução proposta.

1 A UNITEC

A Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS é uma instituição de


ensino superior privada e jesuíta, localizada na cidade de São Leopoldo, na Região
Metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. A UNISINOS é mantida pela
Associação Antônio Vieira e está vinculada à Companhia de Jesus. A UNISINOS
integra uma rede de 200 instituições de ensino superior jesuítas, com 2,2 milhões
de alunos no mundo todo. Prima pelo suporte ao desenvolvimento e pela inovação
e uma de suas iniciativas é a UNITEC, localizada no campus São Leopoldo – RS.
É um dos atores do Sistema de Ciência, Tecnologia, Empreendedorismo e Ino-
vação (SCTEI) da UNISINOS que envolve os ecossistemas de inovação (parque
tecnológico, institutos tecnológicos, núcleos de excelência em pesquisa aplicada)
e outros mecanismos de geração de empreendimentos (FabLab) da Universidade.
Foi credenciada no Programa Ideiaz – Powered by InovAtiva que será detalhado
a seguir.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 71

2 O PROGRAMA

O Programa Ideiaz – Powered by InovAtiva teve a finalidade de atender em


escala e com abrangência nacional ideias e projetos de pequenos negócios inova-
dores através da conexão gratuita com os mecanismos de geração de empreendi-
mentos existentes em todas as regiões do país. Uma iniciativa, desenvolvida pelo
Sebrae, a Anprotec e a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Com-
petitividade do Ministério da Economia (Sepec/ME), visou apoiar a estrutura-
ção e o desenvolvimento de projetos inovadores em estágio inicial e projetos de
empreendimentos de impacto socioambiental também em estágio inicial, através
da conexão desses projetos com incubadoras e aceleradoras credenciadas para o
Programa, dentre elas: a UNITEC. Os projetos inovadores foram atendidos de
forma virtual e gratuita pelas incubadoras e aceleradoras credenciadas durante um
período de dez semanas.

3 OS ATORES DO PROGRAMA

O InovAtiva Brasil foi criado em 2013 pelo Ministério da Economia, sendo


idealizado e articulado para se tornar uma ferramenta de gestão pública que rea-
liza aceleração, conexão, visibilidade e mentoria para startups em todo o território
nacional. Em 2016, o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae) somou esforços com o Ministério da Economia e se tornou correalizador,
trazendo capilaridade nas ações do programa pelo país. Atualmente, o programa é
coordenado pela Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitivida-
de do Ministério da Economia e pelo Sebrae.
A Anprotec - Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreen-
dimentos Inovadores foi criada em 1987 e reúne mais de 300 associados, entre
incubadoras, parques tecnológicos, aceleradoras, coworkings, instituições de ensino
e pesquisa, órgãos públicos e outras entidades ligadas ao empreendedorismo e à
inovação. Líder do movimento no Brasil, a Associação atua por meio da promoção
72 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

de atividades de capacitação, articulação de políticas públicas e geração e disse-


minação de conhecimentos. A trajetória da Anprotec está diretamente ligada ao
desenvolvimento de incubadoras de empresas e parques tecnológicos brasileiros. A
implantação desses ambientes em diferentes regiões disseminou a ideia do empre-
endedorismo inovador no país, desencadeando a consolidação de um dos maiores
sistemas mundiais de parques tecnológicos e incubadoras de empresas. Atualmen-
te, o Brasil conta com 363 incubadoras de empresas, 43 parques tecnológicos em
operação e 60 em implantação e projeto, e 57 aceleradoras. A atuação bem-sucedi-
da desses mecanismos de apoio à inovação caracteriza a trajetória e a evolução da
Anprotec e contribui de forma relevante para consolidar a formação de uma forte
e competitiva indústria baseada no conhecimento. Confiante no trabalho das insti-
tuições que representa, a Anprotec, em conjunto aos diversos parceiros envolvidos
em cada uma de suas ações, segue contribuindo para que o empreendedorismo
inovador colabore de forma decisiva para o desenvolvimento sustentável do Brasil.
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae) é
uma entidade privada sem fins lucrativos. É um agente de capacitação e de pro-
moção do desenvolvimento, criado para dar apoio aos pequenos negócios de todo
o país. Desde 1972, trabalha para estimular o empreendedorismo e possibilitar
a competitividade e a sustentabilidade dos empreendimentos de micro e peque-
no porte. Para garantir o atendimento aos pequenos negócios, o Sebrae atua em
todo o território nacional. Onde tem Brasil, tem Sebrae. Além da sede nacional,
em Brasília, a instituição conta com pontos de atendimento nas 27 unidades da
Federação. O Sebrae Nacional é responsável pelo direcionamento estratégico do
sistema, definindo diretrizes e prioridades de atuação. As unidades estaduais de-
senvolvem ações de acordo com a realidade regional e as diretrizes nacionais. Em
todo o país, mais de 5 mil colaboradores diretos e cerca de 8 mil consultores e ins-
trutores credenciados trabalham com o intuito de transmitir conhecimento para
quem tem ou deseja abrir um negócio.
A Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Mi-
nistério da Economia (Sepec/ME) é responsável pela gestão integrada das po-
líticas que viabilizem o aumento da produtividade, por meio da livre iniciativa,
do mercado concorrencial, do capital humano e da modernização das empresas
brasileiras. O Ministério da Economia (ME) é o órgão que, na estrutura adminis-
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 73

trativa do Brasil, cuida da formulação e execução da política econômica nacional,


da administração financeira da União e contabilidade pública, desburocratização,
gestão e governo digital, fiscalização e controle do comércio exterior, previdência
e negociações econômicas e financeiras com governos, organismos multilaterais e
agências governamentais. Uma das suas áreas de atuação é o fomento à inovação,
de acordo com a missão institucional da Subsecretaria de Inovação e Transforma-
ção Digital (SIN) da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competiti-
vidade (SEPEC). Dessa forma, o ME vem trabalhando na melhoria do ambiente
de inovação para favorecer o empreendedorismo inovador e todo o ambiente de
investimento privado em startups no país. As principais iniciativas da Secretaria
abrangem o InovAtiva Brasil, StartOut Brasil, Marco Legal de Startups, Estra-
tégia Nacional de Propriedade Intelectual, Manufatura Avançada, o Marco Legal
da Inovação e a Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto
(Enimpacto).

4 O PLANO DE ATENDIMENTO

O Programa Ideiaz – Powered by InovAtiva selecionou cerca de 150 ideias


ou projetos de negócio inovadores e projetos de empreendimentos de impacto
socioambiental que estavam ainda em fase de ideação ou criação, cujo modelo de
negócio ainda não esteja consolidado e ainda não necessariamente existam clientes
utilizando seu produto ou serviço. Os projetos inovadores, na primeira chama-
da, foram atendidos de forma virtual e gratuita pelas incubadoras e acelerado-
ras credenciadas durante um período de dez semanas. Uma vez acolhidos, cada
empreendimento recebeu individualmente, no mínimo, 18 horas de apoio ao seu
desenvolvimento, compreendendo as atividades de mentoria, consultoria organi-
zacional, suporte tecnológico, suporte para formalização do negócio e qualificação
empreendedora conforme detalhado em um plano de atendimento desenvolvido
pela UNITEC, o qual foi apresentado aos empreendimentos na ação de boas-vin-
das promovida pela UNITEC.
Aqui, nossa trajetória empreendedora começou a se concretizar, contando
com a nossa participação em treze tipos de qualificação previstas.
74 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Inicialmente, antes da primeira reunião de trabalho, a UNITEC enviou um


link para o formulário on-line, objetivando conhecer em mais detalhes a ideia de
negócio, o nível de aprofundamento de planejamento de mercado dos empreende-
dores e o perfil da equipe envolvida. Nesse formulário, nós descrevemos nossa ideia
de negócio, público-alvo, perfil da equipe, potenciais concorrentes e fornecedores.
Logo depois, participamos de um Workshop coletivo para alinhamentos do Pro-
grama que envolveu um momento de boas-vindas, apresentações da Incubadora e
projetos, etapas do programa, detalhamento técnico, expectativas, deveres e escla-
recimentos gerais.
Com certa ansiedade, participamos do primeiro encontro para as apresenta-
ções do time da UNITEC e exploração das informações recebidas via formulário.
Recebemos explicações sobre a trajetória do programa, etapas a serem vencidas e
alinhamentos necessários para o bom andamento das atividades.
Participamos de uma oficina em que tivemos a oportunidade de aplicar a
ferramenta Golden Circle. A equipe da UNITEC nos facilitou a reflexão sobre as
três dimensões da ferramenta: Why, How, What, delineando consenso sobre o pro-
pósito do empreendimento, o porquê da sua existência, como a startup iria atingir
seus objetivos, quais estratégias usar para realizar sua missão e o produto final/
resultados a serem atingidos. Seguindo essa linha de raciocínio, compreendemos a
necessidade de termos foco no que acreditamos, definimos nossos objetivos com
clareza e percebemos quais atitudes precisamos tomar para alcançar o que almeja-
mos em nosso empreendimento.
Recebemos uma capacitação para a utilização da ferramenta Teoria de Mu-
dança (TdM), através da qual construímos a direção a ser tomada pela startup,
como monitorá-la e avaliá-la. Visão de longo prazo, entendimento do problema a
ser resolvido, ações a serem tomadas para implementação da solução e indicadores
de impacto compuseram o programa metodológico a ser implementado.
Outra capacitação nos foi oferecida, durante a qual desenvolvemos a mo-
delagem de negócios fazendo uso da ferramenta Lean Canvas. Foram analisados
de maneira aprofundada os problemas que o mercado apresenta, além de ter sido
construída uma solução inovadora para resolver este problema identificado.
Como em nossa percepção se tratava de um negócio de impacto socioam-
biental, recebemos orientações adicionais sobre a aplicação da TdM com a abor-
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 75

dagem da metodologia Modelo C, a qual tem o potencial de amadurecer a mo-


delagem canvas, tornando a startup efetivamente sustentável e com capacidade de
transformação da sociedade. Essa ferramenta nos pareceu essencial aos negócios
de impacto socioambientais para integrar as dimensões de impacto e retorno.
Cabe acrescentar que uma nova capacitação, distribuída em dois encontros,
possibilitou-nos estruturar a aplicação do “teste de fumaça”, no qual colocamos
os potenciais clientes em situação real de contato com o problema de mercado
ou solução proposta, buscando atingir o maior número de prospects possíveis. Em
ambos os casos, a ideia foi levar os prospects a tomar uma ação que demonstrasse
a relevância do problema e a aceitabilidade da solução. Os canais para esse teste
foram criados com a intenção de unir as redes de contatos do projeto e incubadora
para aplicação. Os retornos e resultados foram processados ao final da atividade, a
fim de identificar melhorias para o produto e planejamento do negócio.
Depois, uma outra capacitação nos permitiu trabalhar com a ferramenta
MVP Canvas (Minimum Viable Product) usada para planejar e validar produto/
serviço e trazer insights necessários para a construção do MVP. Respondemos às
perguntas: (i) que jornadas os usuários terão? (ii) qual a visão estratégica do produ-
to? e (iii) que funcionalidades serão lançadas? Com a estratégia de lançamento de
MVPs, foi possível validar hipóteses de negócios com feedback imediato dos clien-
tes. Foi oportunizado, outrossim, utilizar a infraestrutura disponível da UNITEC
para ajudar na prototipação, tanto física quanto digital.
Em um novo encontro, utilizando a ferramenta Modelo C, focamos nas
oportunidades de mercado para validar o produto/serviço através da criação de
mecanismos para o desenvolvimento de protótipo.
Em novas agendas, moldamos a estrutura, linguagem, layout e os principais
recursos gráficos da composição da apresentação do pitch. Além disso, recebemos a
orientação para o treinamento da execução e o tempo máximo de fala aos avaliado-
res. Os critérios avaliativos foram: objetividade, grau de inovação, clareza, criativi-
dade e impacto do conteúdo apresentado. Recebemos dicas de possíveis perguntas
e respostas de uma banca de seleção de incubação e de investidores baseados nas
apresentações de cada projeto.
Em um encontro específico, simulamos a realização de uma banca de seleção
de startups com a participação de avaliadores qualificados e experientes, oriundos
76 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

de diferentes segmentos do ecossistema de inovação: professores mestres e dou-


tores, membros da equipe da UNITEC, empresários, investidores e aceleradoras,
mentores, parceiros técnicos e de fomento à inovação e ao empreendedorismo.
Após a apresentação de pitch de sete minutos, recebemos feedbacks de melhorias
para o plano de negócios, exploração de mercado, conteúdo da apresentação e me-
lhorias no layout.
Participamos de uma palestra de forma coletiva sobre a constituição socie-
tária e atração de investidores. Percebemos que a constituição societária é fator
crítico de sucesso no desenvolvimento e atração de investimentos para startups.
Iniciar uma atividade empreendedora com uma visão jurídica de cenários e com-
posição empresarial fará muita diferença para criar uma base sólida na jornada de
crescimento da empresa.
Também, de forma coletiva, participamos de uma palestra sobre a importân-
cia do registro de marcas e patentes nos negócios. A palestra abordou e indicou
caminhos para constituir e manter as marcas e patentes, ajudando-nos a entender a
relevância da marca como patrimônio, como protegê-la e como enfrentar os prin-
cipais riscos de cópia e uso indevido.
Posteriormente, aconteceram mentorias nas áreas de Marketing e Vendas,
Tecnologia, Recursos Humanos, Governança e Investimento, Contabilidade ou
Direito. A escolha da área abordada se deu de acordo com diagnóstico de princi-
pais necessidades mapeadas no projeto. Em nosso caso, a proteção de dados. Da
mesma forma, aconteceram mentorias nas seguintes temáticas: capital, mercado,
tecnologia, empreendedorismo ou gestão. Fomos orientados a explorar tecnologias
digitais que se baseiam em métodos de codificação e transmissão de dados de
informação.
Ocorreu uma reunião coletiva para fechamento do Programa e aplicação
de metodologia on-line para a conexão entre os projetos participantes – divisão
dos projetos em salas de bate-papo segmentadas por área de atuação e afinida-
des/convergências de produto/serviço, visando à troca de experiências, vivências e
aprendizados.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 77

4 O APRENDIZADO

Aprendemos que as incubadoras de empresas são uma forma de estimular


o empreendedorismo, pois possibilitam aos empreendedores desenvolverem seus
negócios de uma forma menos complicada. Além do apoio técnico com serviços
de recepção, internet, telefone, secretaria, salas de reunião, ou seja, a estrutura ne-
cessária para que se possa desenvolver o negócio (que não fizemos uso ao longo do
processo, mas que intencionamos fazer no aprimoramento do nosso empreendi-
mento), o apoio gerencial foi determinante no amadurecimento de nosso projeto.
Reconhecemo-nos como empreendedores sociais, pois nosso empreendimento
está comprometido com a geração de impacto socioambiental.
Nossa experiência foi extremamente proveitosa e, dentre outros aprendi-
zados, percebemos que nosso negócio tem a missão explícita de gerar impacto
socioambiental ao mesmo tempo em que gera resultado financeiro positivo e de
forma sustentável. Essa delimitação nos permitiu refinar nossa proposta de valor e,
especialmente, a forma como compreendemos nosso empreendimento e o comu-
nicamos para nossos potenciais clientes.
Entendemos, ao longo do Programa, que nosso empreendimento é um negó-
cio de impacto socioambiental, pois expressa de maneira clara a sua intencionali-
dade de resolver um problema. Somos um ecossistema de desenvolvimento social
que atua em rede para potencializar o poder de impacto de empreendedores de
comunidades que buscam criar oportunidades de trabalho e renda para si e para as
pessoas de seu entorno. A atividade principal do nosso negócio traz uma solução
para um problema socioambiental real, sendo essa solução o principal motivo que
justifica a existência do negócio. O negócio opera por meio da lógica de merca-
do buscando retorno financeiro, ou seja, gera receita própria por meio da venda
de produtos e/ou serviços, independentemente do seu formato jurídico. Somos
uma Associação, figura jurídica sem fins lucrativos formada pelo interesse de um
grupo de pessoas (associados) com uma finalidade comum que, como tal, tem seu
excedente (superávit, resultado financeiro positivo da operação) reinvestido na sua
manutenção e operação. Não depende, portanto, de subsídios, ainda que possa
recebê-los em diferentes etapas de sua jornada como ajudas pontuais. Além disso,
78 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

manifestamos explicitamente o compromisso com o monitoramento do impacto


socioambiental que gera na sociedade.
Mesmo que nos consideremos um negócio de impacto, sabemos que ainda
temos o que fazer para tornar o nosso modelo de negócio e nossa solução mais
relevantes. Por exemplo, demonstrando a conexão do empreendimento e da so-
lução com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um apelo global à ação
para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as
pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Particu-
larmente, entendemos que há uma relação forte com o Objetivo 8. Promover o
crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e pro-
dutivo e trabalho decente para todas e todos (BRASIL, 2021a).
Ainda, alguns aprendizados se destacaram nas mentorias recebidas no Pro-
grama. Conhecemos o 3º Mapa de Negócios de Impacto conduzido pela Pipe.
Labo (2021), divisão da Pipe.Social. Seus dados apontam para um aumento da
diversidade no perfil dos negócios, uma melhor compreensão da jornada empre-
endedora e o compromisso do empreendedor com o impacto gerado. Observamos,
atentamente, algumas variáveis que permitiram melhor definir nossas estratégias.
Alguns aspectos negativos, tais como:
i. Estrutura: os desafios do universo empreendedor brasileiro continuam
se refletindo em um número considerável de negócios sem formaliza-
ção.

ii. Realização: um pipeline, onde oito em cada 10 negócios continuam en-


tre os estágios de desenvolvimento da solução até organização de negó-
cio, apresenta um percentual relevante de empreendedores sem receita
recorrente para conseguir parar o negócio de pé.

iii. Apoio ao governo: nos últimos dois anos, diminuiu significativamente


o percentual de negócios que focam em vender para organismos públi-
cos.

iv. Capital semente: a demanda por um dinheiro com mais apetite a risco
e que ajude o empreendedor a validar sua solução se mantém bastante
alta ao longo do tempo.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 79

Por outro lado, alguns aspectos positivos reforçaram que estamos seguindo
um caminho próspero:
i. Diversidade: o fortalecimento do Nordeste do país na agenda de im-
pacto colabora para o desafio de descentralização do setor e reflete
ações de importantes coalizões entre organizações da sociedade civil,
governo, empresas e investidores.

ii. Experimentação: há uma importante base de negócios de impacto que


se move, ao longo desses seis anos, de uma fase de ideação para estágios
de desenvolvimento e provação.

iii. Impacto: os esforços do ecossistema em informar e incentivar o empre-


endedor a se reconhecer como promotor de impacto socioambiental e,
principalmente, medir e reportar a transformação que gera se refletem
na visão histórica do Mapa.
Especialmente, acessamos várias informações que permitiram fazer escolhas
baseadas em fatos e dados e compreender diversas políticas sociais que possibilita-
ram melhor delinear nossas soluções. Alguns exemplos de políticas sociais incluem:
pensões do governo, assistência social para os pobres, vale-alimentação, iniciativas
de moradia a preços acessíveis, assistência médica, benefícios de desemprego, leis
de igualdade de oportunidades, leis antidiscriminatórias e iniciativas políticas des-
tinadas a beneficiar pessoas carentes da sociedade. Também, aprofundamos nosso
entendimento em relação às demandas sociais, cujos dados podem ser obtidos em
documentos publicados por órgãos governamentais e internacionais, além de fun-
dações privadas, organizações sociais e universidades, entre outras fontes.
Vale destacar que conhecemos, também, o movimento coordenado pela Se-
cretaria de Inovação e Novos Negócios do Ministério da Indústria, Comércio Ex-
terior e Serviços (SIN/MDIC) sobre a Estratégia Nacional de Investimentos e
Negócios de Impacto - ENIMPACTO (BRASIL, 2021b), em articulação com os
setores competentes do governo, do setor privado, da comunidade científica e aca-
dêmica e da sociedade civil. O objetivo desta Estratégia é fomentar um ambiente
favorável ao desenvolvimento de Investimentos e Negócios de Impacto no Brasil,
de forma a promover desenvolvimento econômico, resolução de complexos pro-
blemas socioambientais e oferta de melhores serviços públicos para a população.
80 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Verificamos que ainda há muita discussão sobre como monitorar as ativida-


des e medir o impacto de negócios sociais. O desafio de nosso empreendimento
é ir além do acompanhamento de indicadores, para uma análise dos resultados
transformadores causados pelo negócio. Para isso, entendemos que será adotada a
abordagem de adicionalidade, de acordo com a qual o impacto é definido como a
diferença entre o que aconteceu aos indivíduos afetados pelo projeto em relação ao
que teria acontecido caso não tivessem recebido as intervenções.
Também foi possível nos posicionarmos em relação a alguns conceitos que
têm se popularizado e que pareciam guardar relação com nosso empreendimento.
Entendemos que os conceitos de Environmental, Social and Governance (ESG) e
investimentos de impacto partem do mesmo princípio e pertencem a uma cama-
da mais ampla de investimentos responsáveis. Os investimentos ESG focam na
forma com que a empresa opera, considerando práticas nos aspectos ambiental
(E), social (S) e governança (G) que geram impacto positivo ou negativo. Buscam
retorno financeiro e a mitigação de riscos não-financeiros (ambientais, sociais e de
governança) que podem afetar positivamente ou negativamente o valor do ativo,
enquanto os investimentos de impacto se referem ao tipo de investimento busca-
do e sua intencionalidade. Os investimentos de impacto atentam para a atividade
principal de um negócio e se, de fato, resolve desafios sociais e/ou ambientais. Fo-
cam na intencionalidade, nas soluções para os desafios sociais e ambientais e nos
impactos aliados ao retorno financeiro.
Compreendemos, ainda, o mercado global de investimento de impacto que
cresceu no período de 2018 e 2019, e possui atualmente um valor estimado de
aproximadamente US$ 715 bilhões. O mercado da América Latina reflete ten-
dências similares, embora enfrente desafios e oportunidades únicos, e possua, rela-
tivamente, poucos dados disponíveis para que possa caracterizar a natureza especí-
fica dos investidores e operações na região. De relatório ‘Investimento de Impacto
na América Latina’, elaborado pela Aspen Network of Development Entrepreneurs
(ANDE, 2020), dos 28 investidores respondentes, quase metade espera taxas ali-
nhadas às de mercado, enquanto uma parcela menor aceita taxas um pouco infe-
riores. Os 11 investidores, que respondem por menos de US$ 100 milhões, fazem
alocação com intenção de preservar capital. No final de 2019, os investimentos de
impacto no Brasil somavam US$ 785 milhões, mais que o dobro de dois anos antes
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 81

(US$ 343 milhões). O GUIA 2.5, em sua terceira edição (2019/2020) (QUIN-
TESSA, 2021), já mapeou 19 iniciativas de investimento em negócios de impacto
no ecossistema brasileiro. Além das iniciativas que trabalham com a modalidade
de investimento de risco (Venture Capital), temos também iniciativas de emprés-
timos com foco em impacto. Tais conhecimentos nos permitiram vislumbrar opor-
tunidades e definirmos com maior assertividade nosso potencial de crescimento.
Aliás, aprendemos que a denominação setor 2.5 trata dos negócios de impacto que
apresentam características tanto do 2º setor (empresas privadas, marcadas pelo
foco em sustentabilidade financeira e geração de lucro) quanto do 3º terceiro setor
(organizações sem fins lucrativos, marcadas pelo foco em gerar impacto socioam-
biental positivo). Os negócios de impacto que, por meio da venda de produtos e
serviços trazem soluções para superar desafios sociais e ambientais, configuram-se
então com esta combinação entre ambos, por isso setor 2.5.

NOTAS DE ENSINO

1. RESUMO DO CASO

Este caso, cujas reflexões são endereçadas ao eixo Governança da Inovação


Social, apresenta a UNITEC e a qualificação empreendedora de projetos inova-
dores e de empreendimentos de impacto socioambiental em estágio inicial, a partir
de uma narrativa que expressa a percepção de um empreendedor sobre a sua par-
ticipação no Programa. Por meio de um processo estruturado de apoio aos empre-
endedores, promovido pelo Programa Ideiaz – Powered by InovAtiva, desenvolvido
pelo Sebrae, a Anprotec e a Sepec/ME, foram aportados diversos conhecimentos
de gestão por meio de ferramentas e métodos para empreender que facilitam a
criação e o desenvolvimento de um negócio de impacto socioambiental.
82 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

a. Compreender as ferramentas e métodos para empreender negócios de im-


pacto social.
b. Identificar os aspectos que caracterizam um negócio de impacto socioam-
biental.
c. Refletir sobre o papel dos mecanismos de geração de empreendimentos.

3. PÚBLICO-ALVO

Este caso é destinado aos níveis de graduação e de pós-graduação Lato Sensu.

4. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

a. Quais são as características de um negócio de impacto socioambiental?


b. Qual é o papel dos mecanismos de geração de empreendimentos no apoio
à estruturação e desenvolvimento de um projeto inovador em estágio inicial e pro-
jetos de empreendimentos de impacto socioambiental também em estágio inicial?
c. Como as ferramentas e métodos auxiliam os empreendedores sociais?
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 83

5. SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

5.1 AMBIENTES PROMOTORES DE INOVAÇÃO

A UNITEC, objeto de estudo deste caso de ensino, é um ambiente promotor


da inovação, definido na Portaria nº 6.762, de 17 de dezembro de 2019 (BRASIL,
2019), como espaços propícios à inovação e ao empreendedorismo, que constituem
ambientes característicos da economia baseada no conhecimento, articulam as em-
presas, os diferentes níveis de governo, as Instituições Científicas, Tecnológicas e
de Inovação - ICTs, as agências de fomento ou organizações da sociedade civil, e
envolvem os ecossistemas de inovação e os mecanismos de geração de empreen-
dimentos.
De fato, um tipo de mecanismo de geração de empreendimentos, que atua
como mecanismo promotor de empreendimentos inovadores e de apoio ao de-
senvolvimento de empresas nascentes de base tecnológica, que envolvem negócios
inovadores, baseados em diferenciais tecnológicos, e que buscam solução de pro-
blemas ou desafios sociais e ambientais, oferece suporte para transformar ideias
em empreendimentos de sucesso, e compreende, entre outros, as incubadoras de
empresas: organizações ou estruturas que objetivam estimular ou prestar apoio
logístico, gerencial e tecnológico ao empreendedorismo inovador e intensivo em
conhecimento, com o objetivo de facilitar a criação e o desenvolvimento de em-
presas que tenham como diferencial a realização de atividades voltadas à inovação.

5.2 Empreendedorismo Social e Negócios de Impacto Social


Para Edson Marques Oliveira (2004), o empreendedorismo social, antes de
tudo, refere-se a uma ação inovadora voltada ao campo social, cujo processo se
inicia com a observação de determinada situação-problema local, para a qual se
procura, em seguida, elaborar uma alternativa de enfrentamento.
De acordo com a Pipe.Social (2020), trata-se de uma plataforma-vitrine que
conecta negócios com quem investe e fomenta o ecossistema de impacto no Brasil.
84 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Para ser considerado um negócio de impacto socioambiental, o empreendimento


deve atender, simultaneamente, a um conjunto com quatro critérios que formam o
requisito mínimo de um negócio de impacto. São eles: intencionalidade de resolu-
ção de um problema social e/ou ambiental, solução de impacto é a atividade prin-
cipal do negócio, busca de retorno financeiro, operando pela lógica de mercado, e
compromisso com o monitoramento do impacto gerado.

5.3 FERRAMENTAS E MÉTODOS

Tivemos a oportunidade de conhecer e aplicar diversas ferramentas e méto-


dos para empreender que facilitam a criação e o desenvolvimento de um negócio
de impacto socioambiental que nos auxiliaram em nossa qualificação empreende-
dora: Golden Circle, Teoria da Mudança, Lean Canvas, Modelo C, Teste de Fuma-
ça, MVP Canvas e Pitch.

5.3.1 GOLDEN CIRCLE

Criado pelo especialista em liderança Simon Sinek (2009), o Golden Circle,


representado na Figura 1, é um método para pensar, agir e comunicar com o intui-
to de inspirar e engajar pessoas. Com esse método, é possível responder a algumas
perguntas objetivas: Por que algumas pessoas e empresas são capazes de inspirar?
E por que outras não conseguem fazer isso? Qual é o segredo de sucesso da Apple,
de Martin Luther King e dos irmãos Wright?
Em síntese, trata-se de um círculo que tem três perguntas centrais: por quê,
como e o quê. A proposta é fazê-las exatamente nessa ordem, pois, antes de im-
plementar uma ideia ou criar um negócio, você pensa sobre o propósito que aquela
ação tem, ou seja, sobre sua razão de existir.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 85

Figura 1. Golden Circle

Fonte: Sinek (2009)

5.3.2 TEORIA DA MUDANÇA

Popularizado por Carol Weiss (1995), entre outros, o termo ‘Teoria da Mu-
dança’ se refere a uma forma de descrever o conjunto de suposições (ou teorias)
que explicam todas as etapas que levam ao alcance de uma meta de longo prazo e
as conexões entre as atividades do programa e os resultados que ocorrem em cada
etapa do caminho.
A Teoria da Mudança consiste em, inicialmente, definir o impacto que o
empreendimento quer causar como um objetivo bem definido, para depois desen-
volver passos necessários para alcançar a meta. Para esse fim, é sugerido mapear a
sequência lógica de atividades, recursos, objetivos, resultados e impactos esperados
em uma perspectiva de longo prazo. Também, é essencial para monitorar o impac-
to de um projeto considerado de impacto socioambiental. Permite, ainda, mensu-
86 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

rar como está o progresso das atividades ao longo do tempo, por exemplo, como as
pessoas estão sendo beneficiadas pelo projeto e quantas são impactadas.
A definição da Teoria da Mudança pode ser buscada de diversas formas,
como ao seguir as dez etapas sugeridas por James Noble (2019):
a. Elaborar o Diagnóstico: Análise da Situação
b. Definir o público-alvo: Quem são as pessoas que a organização pretende
ajudar ou influenciar?
c. Definir o Impacto: Qual é a mudança sustentada ou de longo prazo que
vocês querem ver acontecer?
d. Definir os Resultados: Que alterações de curto prazo para o seu grupo-alvo
podem contribuir para o impacto?
e. Definir as Atividades: O que a organização (ou o projeto) vai fazer para
gerar os resultados (do Passo 4) ?
f. Explicitar os Mecanismos de mudança: Como as atividades causarão os
resultados desejados?
g. Explicitar o Sequenciamento: Qual é a ordem para que os resultados e o
impacto ocorram?
h. Elaborar o Diagrama da Teoria da Mudança: Construir um diagrama, ou
uma tabela do tipo marco lógico, para explicitar a relação esperada entre atividades,
mecanismos, resultados e impacto.
i. Definir demais públicos relevantes (parceiros) e “fatores facilitadores”:
Como o ambiente externo poderá afetar os objetivos e planos?
j. Estabelecer os pressupostos: Quais são os pontos frágeis e incertos da teoria
da mudança proposta? Importante colocar-se no lugar dos críticos mais ferozes ao
projeto: o que eles iriam questionar ou duvidar?

5.3.3 LEAN CANVAS

Criada por Ash Maurya (2012) e representado na Figura 2, trata-se de uma


ferramenta baseada no Business Model Canvas (Quadro de Modelo de Negócios)
desenvolvida por Alexander Osterwalder e Alexander Pigneur (2010), cuja função
principal é desenvolver modelos de negócios novos ou existentes. O Lean Canvas
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 87

se concentra na relação cliente-problema-solução. Para sua execução, é necessário


percorrer os seguintes passos, respondendo as questões sugeridas:
a. Problema: Como os seus clientes em potencial estão resolvendo o problema
que o seu empreendimento se propõe solucionar?
b. Segmento de clientes: Quem são os clientes que podem se interessar e
precisam da sua solução?
c. Proposta de valor: Em que consiste o seu produto/serviço, demonstrando o
porquê de ele ser merecedor da opção de compra pelos seus clientes?
d. Solução: Quais são as melhores soluções do seu produto/serviço?
e. Canais: Como o seu produto/serviço chegará até os seus potenciais clientes
e quais os custos dessa comunicação?
f. Receitas: Qual será o modelo de receita e quais os valores para o produto/
serviço?
g. Estrutura de custos: Quais são os custos fixos e variáveis de seu empreen-
dimento?
h. Métricas chave: Quais são as principais ações e métricas que darão suporte
à geração de receitas e como será feito o contato com o usuário e a retenção dele?
i. Vantagem competitiva: Qual é o diferencial de seu empreendimento, que
o fará se destacar diante da concorrência e que irá trazer inovação para o mercado
em que atuará?
88 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Figura 2. Lean Canvas

Fonte: Sebrae (2019)

5.3.4 MODELO C

Duas ferramentas têm sido utilizadas para modelar negócios de impacto so-
cioambiental: o Business Model Canvas e a Teoria de Mudança. Consolidada em
um guia de referência, o Guia Modelo C – #changemodel, a nova abordagem des-
taca que é essencial aos negócios de impacto considerar que as suas duas dimensões
– impacto e retorno – são indissociáveis.
A proposta nasce da parceria que reuniu a Move Social e o Sense-Lab, em-
presas que atuam nos segmentos de planejamento estratégico e inovação, e contou
com o apoio do Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) e da Fundação Grupo
Boticário de Proteção à Natureza, conforme é observado na Figura 3.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 89

Traz uma lógica a partir da qual se observa um fluxo de negócios e a capaci-


dade organizacional dando suporte a uma intervenção que deve gerar mudanças
sociais e/ou ambientais.

Figura 3. Modelo C

Fonte: Modelo C (2018)

5.3.5 TESTE DE FUMAÇA

O termo teste de fumaça foi recentemente emprestado do mundo da pro-


gramação de computadores, e é utilizado para encontrar grandes falhas em um
artefato de software.
Este teste se baseia no conceito de “Onde há Fumaça, há Fogo”, ou seja, você
solta a “fumaça” que é anúncio/divulgação de um produto ou serviço, com o objeti-
vo de medir o interesse de seus clientes pelo “fogo” aparente, ou seja, pelo produto
ou serviço de fato, o qual não necessariamente precisa estar pronto. O principal
90 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

objetivo deste tipo de MVP é medir o nível de interesse dos seus clientes e captar
contatos e dados deles.
MVP é a sigla que representa o Mínimo Produto Viável (Minimum Viable
Product, em inglês). De um jeito simples, podemos definir o MVP como uma ver-
são enxuta de uma solução, que contém apenas suas funcionalidades básicas. Pode
ser um software, serviço, produto físico ou digital.

5.3.6 CANVAS MVP

O Canvas MVP, apresentado na Figura 4, é explicado em detalhes por Paulo


Caroli (2018) a partir da noção de Lean Inception (nome dado ao workshop cola-
borativo para alinhar um grupo de pessoas sobre o produto mínimo viável a ser
construído), uma combinação eficaz do Design Thinking proposta por David Kel-
ley, professor da Universidade de Stanford que fundou a consultoria de inovação
IDEO, e seu colega Tim Brown, atual CEO desta mesma consultoria (BROWN;
KATZ, 2011) que é uma ferramenta prática para a integração de habilidades e
mentalidade inovadora voltada para empresas e salas de aula, e do Lean StartUp,
desenvolvido por Eric Reis (2011) que envolve um conjunto de processos usados
por empreendedores para desenvolver produtos e mercados (combinando desen-
volvimento ágil de software, desenvolvimento de clientela e plataformas existentes
de software), para decidir o Produto Mínimo Viável. Parte da ideia de que a cons-
trução de qualquer projeto sempre começa com uma Lean Inception.
Segue a ordem recomendada para preencher e pensar sobre os blocos:
a) Proposta do MVP – Qual é a proposta deste MVP?
b) Personas segmentadas – Para quem é esse MVP? Podemos segmentar e
testar este MVP em um grupo menor?
c) Jornadas – Quais jornadas são atendidas ou melhoradas com este MVP?
d) Funcionalidades – O que vamos construir neste MVP? Que ações serão
simplificadas ou melhoradas neste MVP?
e) Resultado esperado – Que aprendizado ou resultado estamos buscando
neste MVP?
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 91

f ) Métricas para validar as hipóteses do negócio – Como podemos medir os


resultados deste MVP?
g) Custo & Cronograma – Qual o custo e a data prevista para a entrega deste
MVP? Depois de entregue, em quanto tempo precisamos coletar os dados para
decidir se pivotamos ou prosseguimos?

Figura 4. Canvas MVP

Fonte: Caroli (2018)

5.3.7 PITCH

O pitch é uma apresentação sumária de três a cinco minutos com objetivo de


despertar o interesse da outra parte (investidora, investidor ou cliente) pelo seu
negócio. Assim, deve conter apenas as informações essenciais e diferenciadas.
92 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

O termo surgiu em Hollywood quando os produtores e executivos de filmes


não tinham tempo para ler os roteiros escritos por completo e, então, demandavam
o Pitch, que seria nada menos que a versão breve da história ao ponto de ser conta-
da durante o trajeto de elevador (também conhecido como elevator pitch).

6. MATERIAIS DE APOIO À DISCUSSÃO

Links: https://www.inovativabrasil.com.br/platafor-
ma/desafio/31
https://www.tecnosinos.com.br/
https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae
https://anprotec.org.br/site/
https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-
-a-informacao/institucional/quem-e-quem/
secretaria-especial-de-produtividade-empre-
go-e-competitividade
Redes Instagram
Sociais: https://www.instagram.com/inovativabr/
https://www.instagram.com/tecnosinos/
Facebook
https://pt-br.facebook.com/InovativaBrasil/
https://m.facebook.com/Tecnosinos/

REFERÊNCIAS

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www.andeglobal.org/publication/investimentos-de-impacto-na-america-latina-tenden-
cias-2018-2019/>. Acesso em: 8 dez. 2021.

BRASIL. Programa Nacional de Apoio aos Ambientes Inovadores - PNI, visando


fomentar o surgimento e a consolidação de ecossistemas de inovação e de mecanismos
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 93

de geração de empreendimentos inovadores no País. 2019. Disponível em: <https://www.


in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-6.762-de-17-de-dezembro-de-2019-234748537>.
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BRASIL. Estratégia Nacional de Investimentos e Negócios de Impacto - ENIMPAC-


TO. 2021b. Disponível em: <https://www.gov.br/produtividade-e-comercio-exterior/
pt-br/assuntos/inovacao/enimpacto/DocumentoBaseEnimpactoversorevisada17.06.2021.
pdf>. Acesso em: 8 dez. 2021.

BROWN, T.; KATZ, B. Change by design. Journal of product innovation manage-


ment, v. 28, n. 3, p. 381-383, 2011.

CAROLI, P. Lean Inception: how to align people and build the right product. Editora
Caroli, 2018.

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MAURYA, A. Running lean: iterate from plan A to a plan that works. “ O’Reilly Media,
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94 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

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ponível em: <https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/pb/artigos/aprenda-
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tion for comprehensive community initiatives for children and families. New approaches
to evaluating community initiatives: Concepts, methods, and contexts, v. 1, p. 65-92,
1995.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 95

Caso 4

E, AGORA, PARA ONDE VAMOS? INOVAÇÃO


SOCIAL COMO UM CAMINHO PARA A MUDANÇA
Gabriela Zanandrea
Roselei Haag
Claudia Cristina Bitencourt

Jorge Hoelzer Neto é um dos diretores de uma importante empresa da Re-


gião Sul do Brasil, a Mercur S.A. Ele assumiu a vice-presidência em 1991, terceira
geração no comando, e desde cedo identificou a necessidade de repensar a estrutu-
ra da empresa, de se reinventar e retornar a sua origem e essência. Jorge acreditava
que a Mercur poderia contribuir para um mundo melhor. No entanto, como fazer
isso acontecer? Como reposicionar a empresa em direção a produtos e serviços que
tenham significado para as pessoas? Era preciso assumir um novo posicionamento,
assim como uma nova dinâmica de transformação organizacional. Essa reflexão
sobre o seu papel e legado na sociedade conduziu a empresa a se concentrar no de-
senvolvimento de soluções inovadoras focadas em necessidades sociais. A inovação
social corporativa se mostrou um caminho para o crescimento e prosperidade do
negócio a longo prazo, ao mesmo tempo que viabilizou a criação de valor para a
sociedade. Contudo, com essa nova forma de fazer as coisas, Jorge observou alguns
desafios já que a colaboração e participação de diferentes atores nas decisões da
empresa se tornou essencial, bem como a utilização de novas ferramentas para
a captação e organização de ideias para os produtos fabricados da empresa. Esse
caso de ensino tem como objetivo facilitar o processo de ensino-aprendizagem de
temas relacionados à Inovação Social Corporativa, especificamente observando as
96 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

mudanças necessárias, a mobilização de diferentes atores e os desafios enfrentados,


estimulando os alunos a solucionar o problema da empresa e sugerir ações.

1 CONHECENDO O CASO DA MERCUR


S.A., SINÔNIMO DE TRADIÇÃO

A Mercur S.A. é uma empresa brasileira pioneira em artefatos de borracha,


fundada, em 1924, pelos irmãos Carlos Gustavo Hoelzel e Jorge Emílio Hoelzel
em Santa Cruz do Sul, um dos principais núcleos da colonização alemã no estado
do Rio Grande do Sul. A empresa iniciou as suas atividades como oficina de reparo
de pneus e com a produção de artefatos de borracha.
A oportunidade em empreender com o desenvolvimento de novos procedi-
mentos técnicos para o conserto de pneus surgiu quando Carlos percebeu o pro-
blema do desgaste e avarias dos pneus dos carros vendidos em sua concessionária
de automóveis, devido à precariedade das estradas sem asfalto da época. Com uma
crescente demanda criada a partir do desenvolvimento do setor automotivo no país
(em 1919, foi inaugurada a primeira fábrica da Ford em São Paulo, onde também
se estabeleceu em 1925 a General Motors do Brasil), Jorge dedicou-se a criar for-
mulações de borracha, que só existiam nas grandes indústrias americanas e alemãs.
Essa jornada culminou em 11 de junho de 1924 com o nascimento da Hoelzel
Irmãos, depois transformada em Mercur S.A., e que funciona, desde 1932 até os
dias atuais, na Rua Cristóvão Colombo, em Santa Cruz do Sul/RS.
A partir da expertise dos irmãos e das competências acumuladas com a ma-
téria-prima da borracha, novos itens foram desenvolvidos, diversificando assim
o portfólio de produtos da empresa. Por volta de 1938, iniciaram a produção da
borracha de apagar Mercur, que até hoje é referência no Brasil. Esse produto, que
possui uma parte vermelha indicada para apagar escrita a lápis e lapiseira e uma
parte azul para remover tinta de caneta e lápis de cor, tornou-se um ícone e um
elemento essencial da alma da empresa. Outro produto que se tornou ícone no
mesmo ano foi a bolsa para água quente de uso terapêutico. Juntamente com a
borracha de apagar, tais produtos são exemplos bem-sucedidos do processo de di-
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 97

versificação adotado pela empresa, bem como de sua competência em desenvolver


inovações a partir de sua matéria-prima.
A empresa já era administrada pela segunda geração da família Hoelzel
quando um fato marcante se registrou na sua trajetória. No dia 7 de setembro de
1977, um incêndio, que teve início em caixas estocadas em um depósito, rapida-
mente se alastrou pelo setor de almoxarifado. Toda a matéria-prima foi queimada.
A Figura 1 retrata a destruição causada pelo incêndio e a mobilização das pessoas
na recuperação das estruturas atingidas.

Figura 1 - Incêndio de 1977

Fonte: Narrativas Mercur (2017, p. 48)

Os colaboradores, assim que souberam do fato, dirigiram-se à unidade com


extintores. O empenho dos colaboradores foi tão grande, que, em menos de vinte
dias, o setor já havia sido restaurado. O auxílio, porém, não ficou apenas limitado
ao público interno. Empresas concorrentes contribuíram enviando matérias-pri-
mas, enquanto alunos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)
construíram mesas de trabalho. No entanto, o principal aprendizado que advém
desse fato foi a importância da solidariedade e da cooperação. O valor da solidarie-
dade, no decorrer do tempo, passou a ocupar espaço na identidade da empresa, re-
lativizando a necessidade por competição e ampliando a relevância da cooperação.
Com o passar dos anos, a empresa continuou a crescer e a expandir a sua
capacidade industrial. Foi se modernizando, importando equipamentos da Ale-
98 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

manha, enquanto aumentava sua capacidade de produção e padronização dos pro-


dutos. Por outro lado, foi se afastando do seu modo original de operar, ou seja,
produzir produtos a partir da necessidade dos seus clientes. A ênfase nos retornos
financeiros e o imperativo de um lançamento cada vez maior de produtos levaram
a Mercur a desenvolver estratégias que desviaram o foco dos consumidores para
o mercado. Paralelamente a isso, houve também uma grande diversificação dos
negócios.
Em 1991, Jorge Hoelzer Neto, que é neto do fundador Jorge Emílio, assume
a vice-presidência da empresa, representando a terceira geração da família Hoelzel
no negócio. Formado em Administração de Empresas pela Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (UNISINOS), em São Leopoldo/RS, desde cedo, identificou a
necessidade de se pensar em uma estrutura adequada para o processo sucessório
da empresa. Foi nessas reflexões que ele percebeu que a segmentação dos negócios
dificultava a formação de uma cultura que expressasse a identidade da Mercur.
Vale ressaltar que essa década foi marcada pela abertura do mercado bra-
sileiro ao comércio internacional, o que causou um forte impacto nas indústrias
brasileiras. A competitividade agora global pressionava empresas como a Mercur,
que tinham um modelo tradicional de negócios, a reverem suas práticas. Era im-
prescindível que a empresa reduzisse o seu portfólio de produtos. As métricas de
sucesso de um empreendimento eram restringidas aos indicadores de desempenho
econômico. Ou seja, os números eram mais importantes do que as pessoas.
Contudo, Jorge estava insatisfeito com esse modelo de gestão. Segundo ele,
“todo mundo trabalhava demais”. Além disso, em relação ao licenciamento de per-
sonagens impressos nos produtos, “a criança precisa de duas borrachas no ano, pra
que vai comprar 15, para ter uma de cada carro? E claro que a criança pede isso
pro pai e pra mãe. Nosso papel não é o de iludir as crianças e fazer os pais gastarem
dinheiro à toa”.
Jorge percebeu que era imprescindível um alinhamento da identidade da em-
presa com os novos valores da sociedade, retomando a antiga vocação da empresa
de atender às demandas dos clientes. A sensação de distanciamento da origem e da
essência da empresa gerou tamanho desconforto, que Jorge questionava ser possí-
vel conciliar o propósito de trabalhar priorizando as pessoas sem deixar a natureza
econômica de lado. Como reposicionar a empresa em direção a produtos e serviços
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 99

que tivessem significado para as pessoas? A partir disso, começaram a retomar os


princípios e os valores, o legado da empresa, construído para e com a sociedade.

2 UMA NOVA IDENTIDADE INSTITUCIONAL

Durante o processo de consolidação da identidade e retorno à essência da


empresa, surgiram diversos questionamentos, tais como: “se o mundo acabasse
hoje, qual seria a contribuição da Mercur?”; “qual é o propósito da organização?”;
“o que a empresa tem que não está expresso no produto físico?”; “como desenvolver
itens que realmente importam para as pessoas?”; dentre outros. Essas incertezas
fizeram com que a empresa percebesse que suas atividades não estavam realmente
alinhadas com os seus valores. A partir dessas inquietações, os diretores e acionistas
passaram a refletir sobre uma melhor maneira de fazer negócios, e que pudesse
contribuir com a melhoria da qualidade de vida das pessoas.
O passo seguinte foi a contratação de uma consultoria especializada em sus-
tentabilidade e negócios sociais, e que resultou em um novo modelo de gestão ba-
seado em princípios de sustentabilidade. A proposta era integrar as dimensões da
sustentabilidade ao core business da empresa e criar valor compartilhado. Enquanto
muitas organizações usavam o discurso da sustentabilidade como estratégia de
marketing, a Mercur, no ano de 2008, transformou o discurso em prática mudando
a face do negócio.
A partir do dia 13 de julho de 2009, o novo compromisso institucional pas-
sou a ser: “Unir pessoas e organizações para construir encaminhamentos e criar
soluções sustentáveis”. Nesse momento, a empresa deixou de fabricar produtos
que pudessem impactar negativamente a vida de seus consumidores. Assim, ces-
saram as negociações e parcerias com indústrias de mercados com restrições que
contribuem para impactos negativos na sociedade, como por exemplo, indústria
de tabaco, armamentista, jogos de azar, agrotóxicos, bebidas alcóolicas ou que im-
ponham trabalho infantil, trabalho forçado ou maus-tratos aos animais. Um dos
colaboradores da empresa relembrando a história conta que:
100 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

A gente desenvolveu uma esteira de borracha para a indústria do tabaco, por


exemplo. Porque as esteiras eram de PVC e isso podia ser tóxico. Então nós
desenvolvemos, porque Santa Cruz do Sul é a terra do tabaco. E começamos
a exportar. Aí um dia eu fui dormir e acordei pensando: “Gente, nós vamos
ganhar dinheiro com esteira de tabaco? Não faz o menor sentido pra nós”.
Nós não queremos estar em negócios de tabaco, bebidas alcoólicas, arma-
mentos, produtos que produzam maus tratos aos animais nem, obviamente,
empresas que tenham trabalho infantil. A gente está fora desses negócios
aí, né? Aí fomos comunicar pra empresa de tabaco que a gente não faria
mais aquele produto... Aquilo foi um terremoto na cidade. Era um negócio
ainda pequeno, mas, por baixo, estávamos estimando chegar a 50 milhões de
dólares por ano. Tive que explicar para os amigos que não queria quebrar a
indústria de tabaco, só não queríamos participar disso.

A Mercur passou a focar na qualidade de vida de seus colaboradores e no ali-


nhamento dos valores da empresa com o propósito de vida deles. A partir disso, o
desempenho da empresa passou a ser julgado também pelas práticas realizadas em
benefício da sociedade como um todo, e não apenas pelos resultados financeiros.
A Mercur busca melhorar a sua vida e a de todos ao seu redor, por isso, seu novo
propósito versa sobre “O mundo de um jeito bom pra todo o mundo”, a partir do
desenvolvimento de produtos e projetos nas áreas da saúde e educação que buscam
contribuir para que as pessoas possam explorar suas habilidades e potencialidades.
Com a consolidação desse novo modelo de gestão, a empresa tem opera-
do em uma estrutura concebida para viabilizar a participação e cocriação entre
os indivíduos. Isso acontece, principalmente, por meio de construções coletivas
e sustentados pelo diálogo aberto e colaborativo com os seus diferentes públicos:
parceiros, fornecedores, clientes, usuários, instituições da sociedade e o poder pú-
blico. A substituição das relações tradicionais de subordinação por relações mais
horizontais e de parceria vem incentivando a criação de soluções relevantes para as
pessoas e para a sociedade.
Pensando nisso, a empresa implementou um Laboratório de Inovação Social,
um ambiente voltado para reunir pessoas, promover soluções para a melhoria da
vida e realizar atividades de aprendizagem e cocriação em rede. O Laboratório de
Inovação Social, ou LAB como é carinhosamente conhecido pelos colaboradores,
é um espaço que permite a promoção de interações entre a Mercur e a comunidade.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 101

A sua proposta é promover momentos de ensinar e aprender, bem como um


espaço para o desenvolvimento de soluções que melhorem a vida das pessoas, a
partir da convivência e da legitimação de suas necessidades. O LAB promove dois
modelos de atividades, um deles chamado de Espaços de Aprendizagem e outro,
Espaços de Criação. Nos Espaços de Aprendizagem, são realizadas atividades que
estimulam o compartilhamento de conhecimento. Nesse ambiente, também são
realizados os projetos de desenvolvimentos de novos produtos e serviços através
da cocriação entre a empresa e sua comunidade (indivíduos, profissionais e insti-
tuições). Nos Espaços de Criação, são realizadas atividades para inovação e mate-
rialização de ideias, por meio da construção de protótipos de produtos e serviços
relevantes para as necessidades das pessoas. Além desses dois modelos de ativida-
des, o LAB possui outros espaços distintos na sua estrutura, como apresentado nas
Figuras 1, 2, 3 e 4:

Figura 1 - Espaço Palavra e Imaginação

Fonte: Mercur (2021, não paginado)


102 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Figura 2 - Espaços Encontros

Fonte: Mercur (2021, não paginado)

Figura 3 - Espaço Aberto

Fonte: Mercur (2021, não paginado)


GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 103

Figura 4 – Espaço Oficina

Fonte: Mercur (2021, não paginado)

A Mercur, representando seu papel como ator social, também acreditava ser
responsável pelo desenvolvimento local e pela prosperidade social. Nesse sentido,
através de estratégias e ações, esforçou-se em promover uma ocupação significativa
e renda compatível a seus colaboradores. Como exemplo das boas práticas aplica-
das, citamos: (i) a redução da carga horária e consequente manutenção dos níveis
de emprego; (ii) incentivo ao desenvolvimento local e aos pequenos produtores
ligados à agroindústria local; (iii) estímulos de feiras internas nas quais os colabo-
radores vendem os seus produtos; e (iv) disponibilidade de espaços educacionais
que proporcionam debates sobre questões de ocupação e renda.
Desse modo, o processo de desenvolvimento de produtos na empresa pas-
sou a ser iniciado a partir da identificação de uma necessidade que emergia das
interações com a comunidade. Para tanto, a empresa apresentou um processo de
cocriação, que era desenvolvido por meio de linhas de trabalho específicas para
cada segmento de produtos. As linhas de trabalho eram processos que reuniam um
conjunto de indivíduos para o desenvolvimento de um produto, em relação ao qual
a empresa experimentava novas formas para desenvolver soluções, produtos e ser-
viços, que atendiam necessidades reais, cocriadas junto com as pessoas que viviam
no contexto do problema/solução.
104 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Por exemplo, havia uma linha de trabalho ligada à tecnologia assistida que
era direcionada à construção de dispositivos que facilitam a autonomia nas Ati-
vidades de Vida Diária (AVD’s). As ideias surgiam a partir de oficinas com a
participação de diferentes atores, que incluíam colaboradores das diferentes áreas
da empresa, bem como educadores, profissionais da área da saúde, familiares e os
próprios beneficiários. Dessa interação, novas soluções foram desenvolvidas, como
engrossadores para facilitar a prensa, fixadores de mão em tiras, produtos escolares
adaptados, entre outros. A inclusão desses atores no processo era feita de manei-
ra informal. A empresa convidava alguns parceiros voluntários, e estes acabavam
convidando novas pessoas para o grupo. A partir disso, uma rede de colaboração
se formou.
Nesse sentido, atores eram convidados a refletir sobre os propósitos pesso-
ais e da empresa. Todos deviam trabalhar na busca da consciência do “cidadão
planetário”, pois a nova gestão só se consolidaria, em sua totalidade, se esta fosse
compreendida por eles e fizesse parte do DNA da empresa. A empresa oferecia aos
envolvidos a oportunidade de participar em espaços de aprendizagem. Estes espa-
ços consistiam de encontros nos quais eram promovidos debates que abordavam
diversos temas, que iam desde conversas sobre o meio ambiente, diversidade até
temas como inclusão social, dentre outros. A ideia dessa interação derivou da cren-
ça de que a educação pode transformar a sociedade, incluindo a própria empresa.
Foi com a lógica de contemplar as necessidades das pessoas que a provocação
feita por Jorge à empresa a reaproximou de sua origem e de sua essência. Com
isso, a empresa passou a desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento
de sua região, levando a melhor saúde e bem-estar à comunidade. Ao desenvolver
produtos “com as pessoas” ao invés de apenas “para as pessoas”, estabeleceu um
novo papel para os negócios no mundo. E, para isso, as novas práticas tiveram que
ser apoiadas pela mudança de mentalidade em toda a empresa.
Contudo, incorporar a transformação social e a inovação social no core bu-
siness de uma empresa não parece ser uma questão relativamente fácil, tampouco
que apresente resultados a curto prazo. Jorge sabia que os desafios continuariam.
Entretanto, mantinha a esperança de que empresas como a Mercur S.A., com
“pequenas pílulas” de práticas de inovação social, conseguiriam fazer a diferença
no mundo.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 105

3 OS DESAFIOS

Apesar dos seus vários pontos fortes, a Mercur, como uma empresa que que-
brou um paradigma existente, tem sua cota de desafios e lacunas. O primeiro deles
diz respeito à mudança de mentalidade de seu público interno. Como a empresa
pode desconstruir os modelos mentais e convencionais existentes, com foco no lu-
cro e consumismo, e estimular cada vez mais a ideia de construção do mundo mais
sustentável, de um jeito bom para todo o mundo?
Outro desafio refere-se à orquestração de diferentes atores. Para a Mercur
criar impacto social, ela precisa engajar uma multiplicidade de atores, por exemplo,
colaboradores, usuários, instituições de ensino, fornecedores, entre outros. Por isso,
é crucial que a empresa crie uma rede que aumente o potencial de criação de valor,
orquestrando como irão trabalhar na busca de soluções adequadas para problemas
complexos. Assim, além de constantemente pensar alternativas para influenciar e
motivar esses atores internos e externos, a empresa precisa compreender e coorde-
nar processos, recursos e capacidades necessários para apoiar uma inovação mais
social e ambientalmente orientada.
Um terceiro desafio está relacionado à nova forma que a empresa toma suas
decisões. Como todas as decisões são tomadas de forma democrática por meio de
colegiados, com a participação do máximo de pessoas e a busca por um consenso,
acaba por se tornar um processo muito mais demorado. Então, um dos desafios
enfrentados pela Mercur é o tempo necessário para o aprofundamento da tomada
de decisão.
Em um cenário dinâmico em que respostas ágeis são essenciais para a com-
petitividade, demandar muito tempo para se chegar a uma decisão pode impactar
os resultados da empresa. Por isso, a empresa precisa adotar estratégias e utilizar
ferramentas adequadas que facilitem a organização das ideias e orientem as dis-
cussões, como pedagogia do círculo, Design Thinking e outras diferentes metodo-
logias colaborativas. Contudo, diante das inúmeras ferramentas, como escolher a
mais adequada?
Por fim, um quarto desafio enfrentado pela empresa é equilibrar as tensões de
criar valor para a sociedade ao mesmo tempo em que garante sustentabilidade eco-
106 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

nômica para a empresa. Como a empresa pode adotar uma decisão mais acertada?
Como ela pode resolver essas tensões? Como garantir a continuidade desse jeito
de ser da Mercur, pautado nos seus direcionadores em um contexto competitivo de
mercado e crise econômica?
Diante desses desafios, convidamos-lhe a explorar as práticas, os discursos e
as dinâmicas da empresa Mercur em relação à sua atuação no campo da inovação
social e na busca por soluções para os desafios da sociedade. Convidamos-lhe a
pensar neste caso e refletir sobre como empresas como a Mercur podem promover
a mudança para um futuro melhor.

NOTAS DE ENSINO

1. RESUMO DO CASO

Este caso busca refletir sobre a orquestração necessária para que organizações
com fins lucrativos inovem socialmente. As sociedades estão enfrentando novos
desafios que exigem soluções inovadoras. Essas iniciativas socialmente inovadoras
são muitas vezes atribuídas a atividades de organizações sociais, organizações não
governamentais e instituições de caridade. Pouco tem se falado sobre o papel e
os desafios das organizações com fins lucrativos que buscam por soluções para as
questões sociais. Com esse foco, este caso descreve os desafios enfrentados por uma
empresa que busca melhorar seu impacto na sociedade.
É apresentado, então, o caso da Mercur, que desenvolve produtos e projetos
nas áreas da saúde e educação. A empresa iniciou suas atividades em 1924, mas foi
a partir da visão da terceira geração gestores que a empresa mudou drasticamente.
O caso se desenrola logo após Jorge Neto, protagonista do caso, lançar uma pro-
vocação questionando qual era o impacto da empresa no mundo. Inspirados por
essa provocação, repensaram toda a estratégia, organização, estrutura, portfólio de
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 107

produtos e focaram-se no desenvolvimento de produtos e processos que realmente


atendam às necessidades sociais.
Vários elementos incorporam essa mudança. A empresa alterou sua forma de
gestão, de vertical para horizontal, priorizando o diálogo e a autonomia na tomada
de decisão. Incentivou a colaboração, o protagonismo e a responsabilidade de seus
colaboradores. Principalmente, a empresa se deu conta de que, para seguir nessa
nova forma de atuação, é necessário o envolvimento dos vários atores que pode-
riam ser impactados pelas soluções criadas, por isso passou a estimular a cocriação
com as pessoas que viviam no contexto do problema/solução. A partir disso, cola-
boradores da empresa, usuários, familiares dos usuários, fornecedores, instituições
de ensino, profissionais da área da saúde e da educação engajaram-se para pensar
em novas soluções.
Contudo, isso não foi um processo fácil ou ágil. Exigiu tempo e paciência, já
que os atores envolvidos estavam inseridos em diferentes contextos, com distintas
histórias e opiniões. No entanto, a empresa precisou superá-los! Precisou instigar
as pessoas a pensarem além do bem-estar próprio, ajudá-las a compreender que a
sua atuação é importante e que podem contribuir para um mundo bom para todo
o mundo.

2. PÚBLICO-ALVO

O caso de ensino da Mercur é apropriado para uso com estudantes de cursos


de graduação e pós-graduação em Administração, especialmente em disciplinas
de gestão e negócios que tratem de mudança organizacional, inovação social, sus-
tentabilidade e responsabilidade social corporativa. Portanto, diferentes disciplinas
nessas áreas podem utilizar este caso de ensino como um exemplo prático do im-
pacto social e ambiental das ações organizacionais, visando consolidar conheci-
mentos teóricos desta abordagem no estudo da inovação social corporativa.
108 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

3. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

a) Lançar um olhar sobre o conceito de inovação social corporativa através do


estudo das práticas de inovação social adotadas pela empresa Mercur S.A.
b) Evidenciar como o tema de inovação social corporativa é tratado concei-
tualmente.
c) Discutir como as iniciativas socialmente inovadoras podem refletir em um
melhor resultado para as organizações.
d) Encorajar a necessidade de um pensamento holístico e integrado nas or-
ganizações.
e) Reforçar o papel crítico da integração e alinhamento entre os diferentes
stakeholders em torno de objetivos e valores claramente definidos.
Sendo assim, os alunos devem realizar a leitura do caso e refletir sobre as
questões para as discussão sugeridas. Para finalizar, o professor pode mediar uma
discussão coletiva a respeito do tema. Sugere-se que as discussões sejam realizadas
com foco nas iniciativas de inovação social em organizações com fins lucrativos,
e seja discutido de que forma as empresas podem se tornar mais conscientes dos
impactos de suas atividades.

4. FONTES DE OBTENÇÃO DOS DADOS DO CASO

Para a elaboração deste caso de ensino, foram utilizadas informações disponi-


bilizadas no website oficial da empresa Mercur S.A. (http://www.mercur.com.br/)
e em notícias veiculadas na mídia sobre a empresa. Utilizaram-se também dados
fornecidos por colaboradores da organização durante entrevistas realizadas.
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 109

5. QUESTÕES RELACIONADAS

a) Como a Mercur incorporou a inovação social na organização? Quais fato-


res você considera críticos para o sucesso da mudança na empresa?
b) Quais estratégias e ferramentas a empresa pode utilizar para engajar os
diferentes atores e facilitar o processo de cocriação da empresa?
c) Como a empresa pode moldar a cultura da organização para estimular a
aceitação e colaboração para a inovação social?
d) Como a empresa pode superar as tensões de criar valor social e ambiental
ao mesmo tempo que busca garantir a sua sustentabilidade financeira?
e) Quais são os principais desafios que as empresas podem encontrar com
essa nova forma de fazer as coisas e como superá-las?
f ) Como a empresa pode tornar seu processo de tomada de decisão e de
criação de produtos e processos mais ágeis mantendo a orientação em seus dire-
cionadores?
g) De que forma as organizações podem empregar estratégias de inovação
social corporativa para auxiliar no gerenciamento de incertezas, como a ocasionada
pela pandemia do COVID 19?

6. ANALISANDO O CASO DA MERCUR: INOVAÇÃO SOCIAL


PARA UM MUNDO EM MUDANÇA

Este tópico apresenta um panorama de como a inovação social corporativa


é abordada na literatura e como o caso da Mercur relaciona-se a esse conceito. O
intuito é facilitar a compreensão do tema pelos alunos e contribuir para as discus-
sões em grupo.
110 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

6.1 O QUE SE ENTENDE POR INOVAÇÃO SOCIAL


CORPORATIVA

O caso trata da introdução de práticas de inovação social corporativa nas


estratégias organizacionais da Mercur S.A. A ideia de inovação social corporativa
ainda se encontra em desenvolvimento, sendo originária dos conceitos relaciona-
dos à inovação social, que têm mudado o paradigma dos estudos sobre inovação
(ESEN; MADEN-EYIUSTA, 2019). Diante dos desafios sociais cada vez mais
emergentes, as organizações empresariais têm enfrentado uma pressão crescente
sobre seu papel na sociedade (ESEN; MADEN-EYIUSTA, 2019). Por isso, pes-
quisadores têm se focado não apenas nos resultados das inovações para as organi-
zações, mas também investigando o seu impacto na sociedade (ALONSO‐MAR-
TÍNEZ; GONZÁLEZ‐ÁLVAREZ; NIETO, 2019).
Sob essa concepção, a inovação social é entendida como uma nova solu-
ção, mais eficaz, eficiente e sustentável para um problema social ou ambiental
(PHILLS; DEIGLMEIER; MILLER, 2008). Howaldt e Schwarz (2010) com-
plementam indicando que a inovação social pode ainda ser vista como uma nova
combinação e/ou configuração de práticas sociais que visam satisfazer as necessi-
dades ou problemas sociais, que não puderam ser respondidos pelas práticas até
então estabelecidas. Para tanto, deve incluir a atuação de diferentes atores, em uma
ação intencional, podendo estes serem relacionados ao governo, empresas sociais
e/ou privadas, redes, instituições de ensino e pesquisa, sociedade civil, beneficiários
ou quaisquer outros indivíduos que possam contribuir com a melhoria na qualida-
de de vida da sociedade através de novas formas tecnológicas, ambientais e sociais
(HOWALDT et al., 2016).
Nesse ponto, destaca-se o papel das empresas privadas para melhorar os pa-
drões da qualidade de vida da sociedade, adotando novas estratégias ou modelos de
negócios, por meio do investimento de seus recursos em inovação social; originan-
do-se, assim, a expressão inovação social corporativa (ALONSO‐MARTÍNEZ;
GONZÁLEZ‐ÁLVAREZ; NIETO, 2019; ESEN; MADEN-EYIUSTA, 2019).
A inovação social em empresas com fins lucrativos envolve a reformulação das suas
práticas em termos de sua capacidade de abordar problemas sociais de maneiras
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 111

inovadoras, melhorando o desempenho social (HERRERA, 2015; CARBERRY


et al., 2019).
O termo foi articulado inicialmente por Kanter (1999) ao preconizar que as
questões sociais podem representar oportunidades de negócios para as empresas,
porque servem como laboratórios de aprendizagem, já que, ao explorar as necessi-
dades sociais, ideias inovadoras podem surgir. Atualmente, Esen e Maden-Eyiusta
(2019) propõem que a inovação social corporativa seja compreendida como:

Práticas ou esforços de corporações (1) que visam encontrar soluções inova-


doras para problemas sociais (principalmente dentro dos limites do ambien-
te organizacional); (2) que são iniciados, moldados e coordenados com base
na capacidade de inovação e capacidade das organizações para identificar
problemas sociais (apoiados por uma cultura que enfatiza a inovação social);
e (3) que exigem o envolvimento de stakeholders na identificação e solução
de problemas (ESEN; MADEN-EYIUSTA, 2019, p. 39).

Em essência, para inovar socialmente, as empresas precisam estabelecer re-


lacionamentos mais próximos com seus vários stakeholders como: colaboradores,
usuários, fornecedores, comunidade, instituições de ensino etc (HOWALDT et al.,
2016). A colaboração adequada com esses atores torna-se uma importante fonte
de ideias para inovações que atendam aos problemas sociais e contribuam para o
bem-estar da sociedade. Além disso, com o intuito de inovar socialmente, as em-
presas dependem de um conjunto de ativos que incluem, por exemplo, habilidades
empreendedoras, capacidade inovativa e perspicácia gerencial. Como consequên-
cia, estas inovações irão impactar positivamente também a sustentabilidade dos
negócios (GOOGINS, 2013).
Assim, a inovação social pode ser utilizada como uma ferramenta estratégica,
através da qual a empresa alinha tanto benefícios econômicos quanto benefícios
sociais (ESEN; MADEN-EYIUSTA, 2019), gerando uma importante fonte de
vantagem competitiva para a organização (CHIN et al., 2019). Empresas que in-
vestem em inovação social exibem comportamento socialmente aceitável, podendo
servir de exemplo para outras organizações que buscam melhorar sua reputação
(ALONSO‐MARTÍNEZ; GONZÁLEZ‐ÁLVAREZ; NIETO, 2019) ao passo
que também melhora a confiança, aumenta a motivação e o comprometimento
112 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

dos colaboradores (ESEN; MADEN-EYIUSTA, 2019), fatores estes importantes


para a lucratividade e prosperidade da empresa.
Baseando-se nessas definições e utilizando como base o caso da empresa
Mercur S.A., pode-se perceber diferentes fatores que permitem caracterizar suas
ações como ISC. Primeiro, conforme visto, a empresa passou a inovar socialmente
ao abandonar a visão tradicional voltada exclusivamente à lucratividade, para uma
abordagem que contempla outros elementos, incluindo, além do propósito econô-
mico, objetivos sociais e ambientais. Foi necessário ainda que a empresa adotasse
a ideia de inovação social como uma competência essencial da empresa, e que essa
ideia fosse incorporada em suas estratégias. A empresa, ao mudar seus direciona-
dores, adotou uma postura para unir as pessoas e organizações com o intuito de
encontrar soluções sustentáveis.
Como resultado, pode-se constatar uma mudança significativa em sua estru-
tura e processos. Com o intuito de atender à sua nova posição no mundo, a Mercur
redesenhou seu portfólio de produtos, desenvolvendo novos produtos, mais sus-
tentáveis e com impacto positivo na vida dos indivíduos. Ao mesmo tempo, cessou
a produção de produtos considerados prejudiciais à qualidade de vida dos consu-
midores e ao meio ambiente. O foco em atender uma necessidade premente da
sociedade, inserir diferentes atores no desenvolvimento de soluções, sustentando
esse processo em um propósito claro e bem definido de obter resultados positivos,
tanto para os stakeholders quanto para a sociedade, parecem ser elementos impor-
tantes para a inovação social.

6.2 COMO A CULTURA SUSTENTA A INOVAÇÃO SOCIAL


CORPORATIVA

Além do alinhamento estratégico, cabe mencionar que propósitos respon-


sáveis, drivers institucionais, engajamento dos vários atores e o gerenciamento de
modelos de negócios são primordiais na institucionalização bem-sucedida das ISC.
Nesse ponto, a organização deve ter clareza do seu propósito e objetivos, os quais
devem estar articulados ao impacto social pretendido. Outrossim, deve-se atentar
para os drivers que podem impulsionar ou barrar as inovações. Os drivers explícitos
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 113

podem influenciar diretamente nos processos da empresa, dentre os quais desta-


cam-se as estratégias da empresa, sua estrutura e políticas (HERRERA, 2015).
No que tange aos fatores implícitos, incluem-se os valores, cultura e lideran-
ça, que poderão afetar principalmente as propensões dos funcionários e stakehol-
ders, já que os esforços de implementação da inovação social corporativa acabam
afetando a cultura, habilidades, sistemas e a estrutura da organização. Por isso,
o papel dos líderes no direcionamento para objetivos socialmente orientados é
essencial para o engajamento dos stakeholders e de outros atores na adoção de so-
luções socialmente benéficas (ESEN; MADEN-EYIUSTA, 2019). Do mesmo
modo, deve-se incentivar a inovação social por meio de valores da organização, no
apoio à experimentação, na assunção de riscos e colaboração. A cultura inovadora
também pode ser promovida a partir da recompensa aos empreendedores sociais
dentro das organizações. Esses indivíduos muitas vezes atuam como inspiradores
para outros colaboradores e incentivam outros na promoção das mudanças corpo-
rativas (SZEGEDI; FÜLÖP; BERECZK, 2016).
No caso Mercur, verifica-se que a empresa, ao pautar seu compromisso em
unir pessoas e organizações, propiciou o desenvolvimento de uma cultura de co-
laboração e cocriação, que não está somente presente no desenvolvimento de seus
produtos e processos, mas vai além, influenciando no modo como os indivíduos
envolvidos pautam a sua atuação também na sociedade. A educação e a comuni-
cação da empresa direcionada à reflexão do papel das organizações, auxilia não
só na adaptação à nova cultura, mas também na contribuição para a formação de
indivíduos mais críticos e atuantes para as necessidades do mundo.

6.3 COLABORAÇÃO E COCRIAÇÃO PARA ENCONTRAR


SOLUÇÕES INOVADORAS

Necessidades sociais complexas, como as enfrentadas pela inovação social,


requerem abordagens integradas e inovadoras capazes de combinar e gerir as con-
tribuições de diferentes atores. A colaboração e a coordenação da rede contribuem
para o desenvolvimento e disseminação das iniciativas.
114 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Nesse sentido, os processos de cocriação, apoiados em diferentes metodolo-


gias, tornam-se meios essenciais para fomentar as colaborações rumo a objetivos
comuns. Técnicas e ferramentas de colaboração são essenciais para gerenciar tais
processos. Design Thinking, brainstorming, facilitação e Human Centered Design
(PINHEIRO, CHUERI; SANTOS, 2020) podem ser utilizadas para potenciali-
zar o envolvimento dos atores no desenvolvimento dos produtos e processos que
atendam às necessidades observadas (CHOU, 2018).
A Mercur, a partir de seu novo propósito social, passou a investir em ativida-
des que priorizem a colaboração e estímulo às inovações sociais. Assim, o ato de
cocriar permite que os indivíduos legitimem e materializem os planos da empresa
em desenvolver estratégias com valor social. A empresa trabalha em estreita cola-
boração com a comunidade, por isso, diante das inúmeras ferramentas que apoiam
a cocriação, a escolha de quais serão utilizadas cabe àqueles que estão facilitando
o processo, buscando alinhamento entre a técnica e a intenção que se quer para o
momento.
Apesar do conceito de inovação social corporativa ter surgido recentemente,
ela representa uma importante estratégia para as organizações empresariais, e tem
se mostrado um tema promissor que permanecerá nas agendas acadêmicas e pro-
fissionais (ESEN; MADEN-EYIUSTA, 2019).

7 MATERIAIS DE APOIO À DISCUSSÃO

Vídeos: Mercur Oficial https://www.youtube.com/channel/UCcTkqGUW-


vlZmbrHJ1JPxIAA

Site: https://mercur.com.br/
https://mercur.com.br/sobre-a-mercur/narrativas/
https://mercur.com.br/sobre-a-mercur/trabalhos-academicos/

Redes Sociais: Instagram: mercuroficial | Spotify: Podcast Papo Mercur https://


open.spotify.com/show/32mAWlgdWKCuhgdfVgavTY
GOVERNANÇA DA INOVAÇÃO SOCIAL - 115

REFERÊNCIAS

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Environmental activism and the adoption of green information systems. Business &
Society, v. 58, n. 5, p. 1083-1127, 2019.

CHIN, T. et al. Co-creation of Social Innovation: Corporate Universities as Innovative


Strategies for Chinese Firms to Engage with Society. Sustainability, v. 11, n. 5, p. 1438,
2019.

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Computer Standards & Interfaces, v. 55, p. 73-79, 2018.

ESEN, A; MADEN-EYIUSTA, C. Delineating the concept of corporate social innova-


tion: toward a multidimensional model. International Journal of Entrepreneurship and
Innovation Management, v. 23, n. 1, p. 23-45, 2019.

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In: Social Innovation. Springer, Berlin: Heidelberg, 2013. p. 89-98.

HERRERA, M. E. B. Creating competitive advantage by institutionalizing corporate


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Analysis across Sectors and World Regions, a deliverable of the project. Social Innova-
tion: Driving Force of Social Change (SI-DRIVE), 2016.

HOWALDT, J.; SCHWARZ, M. Social Innovation: Concepts, research fields and


international trends. Sozialforschungsstelle Dortmund, 2010.

KANTER, R. M. From spare change to real change: The social sector as beta site for
business innovation. Harvard business review, v. 77, n. 3, p. 122-123, 1999.

MERCUR. Laboratório de Inovação Social. 2021. Disponível em: <https://mercur.


com.br/inovacao/laboratorio-de-inovacao-social/>. Acesso em: 21 dez. 2021.

MIRVIS, Philip et al. Corporate social innovation: How firms learn to innovate for the
greater good. Journal of Business Research, v. 69, n. 11, p. 5014-5021, 2016.
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Stanford Social Innovation Review, v. 6, n. 4, p. 34-43, 2008.

PINHEIRO, M.; CHUERI, L.; SANTOS, R. Identifying Topics and Difficulties on


Collaboration in Social Innovation Environments. In: XVI Brazilian Symposium on
Information Systems. 2020. p. 1-8.

SAUL, J. Social Innovation. In: 5 strategies for driving business growth through social
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SZEGEDI, K; FÜLÖP, G; BERECZK, Á. Relationships between social entrepre-


neurship, CSR and social innovation: In theory and practice. 2016.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 117

EIXO 2
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO
DA INOVAÇÃO SOCIAL

Para iniciar este capítulo, é fundamental retomarmos o conceito que utiliza-


mos para a inovação social:

[...] uma nova combinação e/ou nova configuração de práticas sociais em


contextos sociais, motivada por certos atores ou constelações de atores de
uma forma intencionalmente orientada com o objetivo de melhor satisfazer
ou responder às necessidades e problemas do que é possível com base em
práticas estabelecidas” (HOWALDT; KALETKA; SCHRÖDER, 2016, p.
98)

Sabemos que a inovação não se origina de um evento único, de sorte ou de


momentos de descoberta. Dito de outro modo, ela pode e deve ser gerida, sus-
tentada e alimentada, pois é um processo de busca e seleção de ideias e sinais de
mudança, seguida de um processo de concretização e implantação (BESSANT;
TIDD, 2009; DAVILA; EPSTEIN; SHELTON, 2009). Murray, Caulier-Grice
e Mulgan (2010) defendem que a inovação social também segue um processo se-
quencial, assim como acontece na inovação comercial ou tecnológica, indo desde a
percepção da necessidade ou problema até a aceitação da mudança pela sociedade.
118 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Alguns processos de desenvolvimento de uma inovação social são apresen-


tados na literatura. O Quadro 1 apresenta dois modelos que podem inspirar a
implementação de uma iniciativa.

Quadro 1 – Etapas de Desenvolvimento da Inovação Social

Fonte Etapas Descrição das etapas


Ponto inicial para o desenvolvimento de uma
inovação social. Considera desde as necessidades
mais óbvias (como diminuição da pobreza, contro-
le de doenças) até aquelas menos explícitas (como
diminuição da violência doméstica, preconceito
1) Percepção das
racial). Normalmente, vem à tona por meio de
necessidades
grupos ligados ao contexto em que a necessidade
é mais premente, de organizações voluntárias, de
empreendedores sociais, do aumento da expec-
tativa dos cidadãos e/ou de mudanças demográ-
ficas.
Quando as necessidades são percebidas, surgem
as ideias, que precisam ser desenvolvidas e tes-
Young Foun- 2) Desenvolvi- tadas. Frequentemente, as inovações sociais são
dation (2007) mento da ideia implementadas precocemente, porque os dife-
rentes atores não querem esperar pela ação dos
governos para colocar as ideias em prática.
Nesta etapa, a inovação alcança uma “curva em S”,
tendo uma fase inicial de crescimento lento com
um pequeno grupo que a utiliza, seguida de uma
3) Difusão da
fase de rápida decolagem, e logo após uma desa-
inovação
celeração que indica maturidade. Difundir uma
ideia requer estratégia, mobilização de recursos e
apoio dos principais atores.
Nesta etapa, a ideia já está implementada, mas há
4) Aprendizagem
a necessidade de transformá-las de acordo com a
e adaptação
realidade e as oportunidades que se impõem.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 119

Fonte Etapas Descrição das etapas


O objetivo desta fase é diagnosticar o problema e
formular a pergunta que contemple suas causas e
1) Inspiração e
seus sintomas, apontando o que precisa ser mo-
diagnóstico
dificado. Entender a causa do problema é a chave
para o processo de inovação.
Nesta fase, são gerados os insights. São vários os
métodos utilizados para fazer o levantamento
2) Propostas e de ideias: a) imaginando soluções, b) pensando
ideias diferente, c) inovação aberta e d) participação dos
envolvidos por meio de programas direcionados
ou não ao diagnóstico do problema.
Etapa na qual as ideias são colocadas em prática,
quando são desenvolvidos os testes mais simples
até pilotos e protótipos formais. É fundamental
para o desenvolvimento da inovação social, pois
3) Prototipagem e
o processo de tentativa e erro possibilita o cons-
pilotos
tante refinamento do projeto, seja por meio do
Murray, Cau- contato com os usuários ou do alinhamento de
lier-Grice e diferentes aspectos que possam gerar conflitos
Mulgan (2010) posteriores.
Nesta etapa, a ideia se torna uma prática cotidia-
na; é preciso buscar a sustentabilidade financeira
4) Manutenção do projeto para que ele possa ser levado adiante,
já que houve bons resultados na fase de prototi-
pagem.
5) Dimensiona- Quando são desenvolvidas estratégias para a
mento e difusão propagação da inovação.
Esta etapa se caracteriza por ser o objetivo da
inovação social e envolve a interação de vários
fatores (movimentos sociais, modelos de negó-
cios, legislação, novas formas de atuação e pensa-
6) Mudança mento). Há a criação de novas condições para que
a inovação social gere os resultados esperados:
novas tecnologias, habilidades desenvolvidas e/
ou adaptadas, regulamentações atualizadas envol-
vendo diferentes atores na sociedade.

Fonte: Adaptado de Santos (2012)

Comparando os dois modelos apresentados na literatura, percebe-se que


as cinco primeiras fases do modelo de Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010) es-
tão contempladas nas três primeiras fases do modelo da Young Foundation (2007).
Entretanto, a fase de mudança sistêmica do segundo modelo destaca, principal-
mente, a adoção da inovação pela comunidade onde ela foi implementada, mas
discute pouco sobre o que a fase Aprendizagem e Adaptação se preocupa no pri-
meiro modelo. Um aspecto importante é que as inovações devem estar em cons-
120 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

tante transformação, reiniciando o processo e criando um ciclo virtuoso. Além dis-


so, apontamos duas críticas aos dois modelos: (i) são modelos lineares que podem
não contemplar os elementos essenciais de desenvolvimento da inovação social; e
(ii) ambos não detalham os requisitos básicos para avançar para a próxima etapa.
Outro aspecto que ressaltamos é que a inovação social surge e se desenvolve
considerando os princípios da inovação aberta que se vale do conhecimento de di-
ferentes atores para o surgimento e desenvolvimento dos projetos (CHESBROU-
GH, 2012). Não é possível desenvolver uma inovação social sem a participação dos
diferentes atores que vão se incorporando ao projeto. Todos os participantes po-
dem ter contribuições significativas a partir de suas vivências e observações. Assim,
aproveitar os conhecimentos e competências de diferentes atores pode contribuir
para a criação de um valor social ainda mais perceptível e significativo, além de
estar aderido à realidade local.
Considerando a interação dos atores como indispensável, é importante aten-
tar para quatro características do sistema social que podem aumentar a complexi-
dade do processo: (i) a diversidade dos atores pode contribuir para a definição de
metas diferentes e, até mesmo, concorrentes; (ii) o fluxo contínuo e múltiplo de
ações e interações; (iii) o resultado das ações depende da ação e da interação entre
os atores e da influência do meio; e (iv) o significado dos eventos é construído a
partir dos modelos mentais de cada ator e do dinamismo do contexto. Conhe-
cendo estas características e compreendendo como a liderança pode organizar as
ideias e propostas, além de orientar o grupo envolvido, os resultados podem ser
mais significativos. Na Figura 1, apresentamos um processo que considera todos
os aspectos apontados até aqui neste capítulo.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 121

Figura 1 – Processo de Desenvolvimento da Inovação Social

Fonte: Adaptado de Santos (2012)

Este processo considera as fases de desenvolvimento de uma inovação pro-


posta por Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010), a inovação aberta (CHES-
BROUGH, 2012) e o modelo stage-gate proposto por Cooper (2008), além dos
elementos que são característicos da inovação social. Cada círculo pode ser con-
siderado uma etapa do desenvolvimento da inovação social, iniciando pela fase
denominada proposição, quando um grupo de atores apresenta a ideia. A seguir,
na etapa de diagnóstico, é realizada uma busca de informações sobre a realidade
local, necessidades e anseios, que servirão para definir as especificidades do projeto
piloto. Após a implementação do piloto, parte-se para a difusão da metodologia e
ajustes necessários. A mudança na comunidade é decorrência da implementação e
adaptação do projeto ao ambiente. Então, a partir da análise empírica, o framework
proposto ao final do referencial teórico foi alterado: a fase mudança só acontece
após a adaptação, pois a inovação social não é imposta, mas construída pelos ato-
res. Dessa forma, na medida em que o processo vai se desenvolvendo, ocorrem as
adaptações necessárias e, finalmente, a mudança da comunidade.
122 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Ressaltamos que as intersecções entre os círculos constituem os momentos


de avaliação do projeto visando à passagem para a próxima etapa. As descontinui-
dades nos contornos representam a necessidade da interação do ambiente com o
processo, já que a inovação social é proveniente de uma necessidade, caracterizan-
do-a como uma inovação aberta. A legenda apresentada na Figura 1 descreve as
ações específicas em cada etapa de avaliação.
Para compreendermos e analisarmos como se dá o processo de implementa-
ção e difusão da inovação social em diferentes contextos, trazemos três casos que
podem ser trabalhados em sala de aula. O primeiro caso é denominado Conexus
– Conexão social: um ambiente para promover o desenvolvimento humano e pro-
fissional de jovens em vulnerabilidade social. Os autores são Marcelo Ferreira de
Souza, Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos, Marilaine Quadros Becker de
Souza e a Irmã Pierina Lorenzoni. Ele conta a história de Francisco, um morador
de uma comunidade situada no alto de um morro na cidade de Porto Alegre. A
partir da observação das necessidades da comunidade, ele compartilhou suas ideias
com uma colaboradora da instituição Pequena Casa da Criança e suas sugestões
foram utilizadas para a elaboração de um projeto que foi financiado pelo CNPq. O
objetivo do projeto era desenvolver um sistema que proporcionasse a conexão en-
tre os jovens em situação de vulnerabilidade social e empresas que oferecem vagas
para jovens aprendizes, além de conectá-los com mentores que podem apoiar o de-
senvolvimento de ideias empreendedoras. Um dos desafios do caso é compreender
as etapas de desenvolvimento do projeto e a importância dos diferentes elementos
que o impactam.
O caso “Do outro lado do rio: o processo de inovação social no Arquipélago
do Bailique (AP) e seus desafios”, construído por Manuela Rösing Agostini, Ana
Luiza Rossato Facco e Laura Chiattone Bollick, é o segundo caso do Eixo Im-
plementação e Difusão da Inovação Social. O caso conta a história de Diana, uma
líder comunitária que apresenta a região do Arquipélago do Bailique, que fica no
Amapá, e da importância do Protocolo Comunitário, um instrumento de gestão
comunitária que possibilita a transformação coletiva. O desafio aqui apresentado é
a reflexão sobre os mecanismos de gestão de uma inovação social, considerando a
geração de renda de comunidades isoladas, bem como o empoderamento feminino
e coletivo.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 123

Finalmente, o caso, proposto por Larissa Medianeira Bolzan e Daniela Mat-


tos Fernandes, é intitulado “Mais Juntxs por Todxs: o caso de um Living Lab que
trabalha para o enfrentamento da violência de gênero”. Ele apresenta o projeto de
um Living Lab, coordenado pela professora Anne, que tinha como objetivo cocriar
tecnologias sociais a partir da utilização do método Design Sprint. São relatados
os desafios enfrentados e, a partir das informações disponíveis, é possível discutir
sobre o processo de criação do Living Lab, sua sustentabilidade financeira e a pos-
sibilidade de escalabilidade das tecnologias sociais criadas.
A riqueza dos casos pode inspirar a reflexão sobre a possibilidade de desen-
volver projetos que possam mudar a realidade das comunidades menos favoreci-
das. Além disso, subsidiam a discussão sobre as particularidades no processo de
desenvolvimento de uma inovação social e ressaltam a importância dos fatores
contextuais.

REFERÊNCIAS

BESSANT, John.; TIDD, Joe. Inovação e Empreendedorismo. Porto Alegre: Bookman,


2009.

BOLZAN, Larissa M.; BITENCOURT, Claudia C.; MARTINS, Bibiana V. Exploring


the scalability process of social innovation. RAI: Revista de Administração e Inovação, v.
16, p. 218-234, 2019.

CHESBROUGH, Henry W. Inovação Aberta: como criar e lucrar com a tecnologia.


Porto Alegre: Bookman, 2012.

COOPER, Robert. Perspective: The Stage-Gate Idea-to-Launch Process-Update,


What’s New, and NexGen Systems. The Journal of Product Innovation Management,
v.25, p. 213-232, 2008.

DAVILA, Tony; EPSTEIN, Marc J.; SHELTON, Robert. As Regras da Inovação.


Porto Alegre: Bookman, 2009.

HOWALDT, Jürgen; KALETKA, Christoph; SCHRÖDER, Antonius. Social entre-


preneurs: important actors within an ecosystem of social innovation. European Public
Social & Social Innovation Review, v. 1, n. 2, p. 95-110, 2016.
124 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

MORAIS-DA-SILVA, Rodrigo L.; TAKAHASHI, Adriana Roseli W.; SEGATTO,


Andrea Paula. Scaling Up Social Innovation: A Meta-Synthesis. RAM - Revista de
Administração da Mackenzie, v. 17, n. 6, p. 134-163, 2016.

MURRAY, Robin; CAULIER-GRICE, Julie; MULGAN, Geoff. The Open Book of


Social Innovation. The Young Foundation: NESTA, 2010.

RIDDELL, Darcy; MOORE, Michele-Lee. Scaling out, Scaling up, Scaling deep:
Advancing systemic social innovation and the learning processes to support it. Journal of
Corporate Citizenship, v. 59, p. 2-36, 2015.

SANTOS, Ana Clarissa M. Z. O desenvolvimento da inovação social: inibidores e


facilitadores do processo: o caso de um projeto piloto da ong parceiros voluntários. Tese
(Doutorado em Administração) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo,
2012.

YOUNG FOUNDATION. Social Innovation: what is it, why it matters, how it can
be accelerated. 2007. Disponível em: <https://www.youngfoundation.org/publications/
social-innovation-what-it-is-why-it-matters-how-it-can-be-accelerated/>. Acesso em:
20 out. 2021.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 125

Caso 1

CONEXUS - CONEXÃO SOCIAL: UM AMBIENTE


PARA PROMOVER O DESENVOLVIMENTO
HUMANO E PROFISSIONAL DE JOVENS
EM VULNERABILIDADE SOCIAL
Marcelo Ferreira de Souza
Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos
Marilaine Quadros Becker de Souza
Irmã Pierina Lorenzoni

1 A COMUNIDADE: COMO TUDO COMEÇOU,


DA LENDA A FATOS VIVIDOS

Meu nome é Francisco, mas aqui todos me conhecem por Chico da Qui-
tanda. Sou pai de sete filhos, avô de cinco guris e quatro gurias, filho da dona
Rosa e do seu Antônio da Quitanda e neto do lendário contador de estórias, o
seu Adamastor, o fundador da Quitanda da rua 15. Aqui na vila, dizem que meu
avô foi uns dos primeiros moradores desta região que é chamada Vila Maria da
Conceição, uma comunidade situada no alto de um morro na zona leste da minha
linda Porto Alegre.
Como um bom contador de estórias, meu avô contava, o que para mim sem-
pre soou como uma lenda, que a vila cresceu em torno de um local onde, em 1899,
126 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

ocorreu um crime hediondo. Uma jovem imigrante alemã, Maria Francelina Tre-
nes, foi degolada por seu amante, o soldado da brigada militar Bruno Bicudo. A
vila, por muito tempo ficou conhecida como “Maria Degolada”. Apesar de algumas
versões da história apontarem que Maria Francelina era prostituta, a comunidade
a transformou em santa, ergueu uma gruta em sua homenagem e atribui a ela inú-
meras graças atendidas. Acredite se quiser!
Meu avô era muito engraçado e contava cada história que era difícil de acre-
ditar. Uma delas, com certeza, era verdade, até porque meu pai a viveu na pele. Eles
me contaram que a nossa Vila Maria da Conceição começou a ser povoada em me-
ados de 1940, fruto do processo de modernização e higienização da zona central de
Porto Alegre. Este triste episódio se deu com a expulsão de uma dezena de famílias
que lá moravam e que foram jogadas para bairros mais afastados. Foi assim que
meu avô, sozinho com seus cinco filhos pequenos, veio parar aqui. Um morro que
na época só era mato e que só dava para chegar a pé, por trilhas ou a cavalo.
Mas não é só de histórias tristes que vivemos! Tem uma linda história, muito
real: a de Nely Capuzzo, uma Irmã da Congregação Missionárias de Jesus Cruci-
ficado, que dedicou a sua vida às crianças da comunidade na Vila Maria da Con-
ceição. A irmã Nely chegou muito jovem a Porto Alegre e iniciou um trabalho de
catequização com crianças da Doca das Frutas - aquela região do centro da cidade
que teve suas famílias, dentre elas, a do meu avô, removidas a jatos de mangueira
para a vila Maria Degolada. Nessa ocasião, a Irmã Nely subiu o morro com suas
crianças e lá continuou o trabalho, primeiramente sob as árvores e, depois, em um
galpão de madeira construído pela comunidade, onde hoje é a Instituição Pequena
Casa da Criança.

2 A INSTITUIÇÃO PEQUENA CASA DA


CRIANÇA CONTADA POR ELA MESMA

Desde 15 de agosto de 1956, quando foi fundada, a Pequena Casa, como é


carinhosamente chamada, atua com base na doutrina e nos princípios cristãos e
prioriza a ação preventiva dirigida a crianças, jovens, famílias e idosos. É uma insti-
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 127

tuição não governamental, sem fins lucrativos, filantrópica, educacional e de assis-


tência social. Desde 2002, a pequena Casa é dirigida pela Irmã Pierina Lorenzoni.
Com 65 anos de serviços gratuitos, completados em 2021, essa instituição financia
seus programas com recursos próprios, através de parcerias com o município e
contribuições provenientes de pessoas físicas e jurídicas. Na foto 1 é possível iden-
tificar a estrutura da Pequena Casa da Criança.

Figura 1 - Foto da região e da Pequena Casa da Criança

Fonte: Site da Pequena Casa da Criança (www. https://pequenacasa.org.br/)

O trabalho desenvolvido na Pequena Casa é reconhecido pela excelência,


sendo realizadas ações de educação, profissionalização, mobilização comunitária e
de assistência social junto a uma população em situação de extrema vulnerabilida-
de social. Ao longo de sua história, foi premiada por diversos segmentos da socie-
dade, sendo, inclusive, em 2017, reconhecida como uma das 100 melhores ONGs
para se doar, recebendo o Selo Doar e o Prêmio de Responsabilidade Social RS
2017, em nível estadual. Esta premiação é promovida pelo Instituto Doar e pela
Revista Época.
Além de atender às necessidades peculiares de crianças e idosos, a Peque-
na Casa tem ações direcionadas para os jovens da comunidade. Dentre elas, está
a promoção de uma educação profissionalizante e de cursos livres de capacitação
profissional, a fim de orientar os jovens para a melhoria da qualidade de vida. Este
128 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

é um grande desafio para que estes jovens possam se inserir no mercado de traba-
lho e construir uma trajetória que mude a sua vida, de sua família e da comunidade,
minimizando as desigualdades sociais e abrindo novas possibilidades para a supe-
ração da vulnerabilidade social com empreendedorismo e autonomia sustentável.
Se isso não fosse tão presente e marcante, certamente, poderia ser mais uma
estória, mais uma lenda contada pelo seu Adamastor. Fico aqui me perguntando:
Como pode tudo isso ser real? Como todas essas maravilhas aconteceram nesses
65 anos? Para mim, a resposta está nas pessoas que acreditam no poder da trans-
formação. E, você, o que acha?

3 ANTES ERA SÓ MATO, MAS AGORA A VILA


MARIA DA CONCEIÇÃO ESTÁ ASSIM...

Como eu já tinha dito, a comunidade Vila Maria da Conceição está localizada


na zona leste de Porto Alegre, mais exatamente no Partenon, bairro que possui cer-
ca de 120.000 habitantes e uma realidade de extrema vulnerabilidade social, em que
13,31% das famílias possuem renda per capita de meio salário-mínimo e 37,48%
declararam receber até um salário-mínimo. Além da condição econômica, é uma
realidade de violência, tráfico de drogas e interiorização de outras vulnerabilidades
que envolvem o cotidiano dos jovens. Infelizmente, segundo o último Relatório
da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) de 2018, em Leituras dos
Territórios das Regiões de Assistência Social, os dados mostram que 36,26% é o
percentual de morte por homicídio de jovens do sexo masculino de 15 a 29 anos.
É triste, mas basta dar um “Google” para perceber o que se fala sobre a Vila
Maria da Conceição: que é um território de tráfico de drogas, que as famílias vivem
diariamente sob fogo cruzado, que vivemos em meio a guerras entre as facções do
tráfico, que há violência policial nas ruas e que nossas casas são frequentemente
invadidas por policiais e traficantes. E, para piorar, os dados mostram que o geno-
cídio da população jovem e negra tem nome e endereço: muitas vezes são parentes
e amigos. Uma cruel realidade que só faz proliferar as mães de criação, tias, avós,
ou até mesmo vizinhas ou amigas que assumem as crianças cujos pais morreram
ou estão presos. Esta é uma das razões pelas quais muitas vezes as mulheres criam
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 129

seus filhos sozinhas e, também, porque meu avô criou meu pai e meus outros qua-
tro tios sozinho, há mais de seis décadas. Ou seja, uma tragédia de longa data que
a cada dia só piora.
Mas temos um outro lado. Os jornais também mostram que a Vila Maria
da Conceição é uma comunidade sensível, criativa, solidária, alegre e que guarda
consigo parte da identidade negra do Rio Grande do Sul. Essa identidade pode
ser facilmente vista por meio da religiosidade e da música. Os nossos tambores
são a marca do morro. A qualquer hora do dia ou da noite batem tambores na
Conceição, seja nos ensaios da Academia Samba Puro ou da Academia de Samba
Realeza, seja nas casas de religião de Matriz Africana, no Bar do Ricardo ou no
samba de beco.
Nas ruas ou em casa, as crianças aprendem a percussão batucando em baldes
e caixas, misturando samba com funk, enquanto a velha guarda traz as lembranças
de um tempo que não volta mais, do velho samba de raiz afrogaúcha movido a
tambor de sopapo. Sem contar o trabalho da Pequena Casa, que capacita mais de
130 crianças e adolescentes de 12 a 17 anos, proporcionando a eles inserção cidadã
e a convivência social, o exercício intra e inter-relacional, os valores e os direitos
humanos, culturais, comunitários, políticos, ambientais, socioassistenciais e a cul-
tura da paz. Oferece aulas de violino, violoncelo, viola, flauta, percussão, violão,
teclado e voz.
Vocês podem perceber que aqui na Conceição temos os dois lados da mesma
moeda, mas acreditamos que no fundo, no fundo, o lado bom sempre vencerá e
que nunca devemos deixar de lutar por nossos ideais, por nossas ancestralidades,
por nossas culturas e principalmente pelos nossos jovens. Os jovens que serão o
futuro da Vila Maria da Conceição, o futuro de Porto Alegre, o futuro do Brasil
e o futuro do Mundo. Foi assim, pensando nos jovens como futuro, que comecei
a refletir como eu poderia mudar essa realidade cruel, desigual e cheia de precon-
ceito e mágoas. Uma realidade sem visão de futuro, sem expectativas de uma vida
melhor, sem dignidade e, resumindo, sem emprego.
Na verdade, eu só tinha uma certeza, que eu ia fazer acontecer. Mas, ao mes-
mo tempo, as perguntas borbulhavam em minha cabeça. Tipo: O que fazer? Como
fazer? Com quem fazer? Por onde começar? Com que dinheiro? As coisas só fi-
cavam martelando na minha cabeça. Eu precisava de ajuda e tinha que ser rápido.
130 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Num certo dia, Dona Carolina apareceu na Quitanda. Ela queria comprar
algumas frutas para levar para a Pequena Casa oferecer como sobremesa naquele
dia. Vocês sabem quem ela é? A pessoa que cuida de todos os projetos da Pequena
Casa e, é claro, eu não perderia aquela oportunidade! Ela era a pessoa certa para
ouvir e me ajudar. Dona Carolina, senta que lá vem história...

4 APROXIMANDO OS MUNDOS: IDEALIZANDO


UM PROJETO DE EMPREGABILIDADE
PARA OS JOVENS DA COMUNIDADE

Coitada da Dona Carolina! Ficou quase uma hora segurando quatro sacolas
com frutas e me escutando sem parar. Como eu disse, não podia perder a oportu-
nidade de expressar em palavras todos os meus sonhos, todo o desejo que tenho em
um dia poder ver nossos jovens trabalhando e, consequentemente, ajudando seus
pais em casa e tendo melhores expectativas e um futuro melhor.
Por outro lado, Dona Carolina, muito atenciosa e prestativa, me ouviu e pro-
meteu levar a ideia para a Instituição. Em resumo, o meu sonho era que a Institui-
ção pudesse ter alguma outra ferramenta ou projeto que fosse além do Programa
Jovem Aprendiz, projeto que já promove para os nossos jovens de 14 a 24 anos.
Hoje, o Programa promove a formação profissional e a geração de renda para 45
jovens da nossa comunidade, contribuindo com o seu primeiro emprego e com
o seu desenvolvimento profissional e pessoal. Porém, apesar dessa bela iniciativa,
sabemos que outros quase 500 jovens estão na fila de espera e muito provavelmente
não terão esta oportunidade.
A ideia era simples, mas qualquer que fosse o projeto, sabia da sua comple-
xidade e que precisava ser assertivo. A Pequena Casa precisaria buscar parceiros
externos que pudessem tirar os sonhos da minha cabeça e que já estavam mate-
rializados no radar da Dona Carolina. Até que o mundo conspirou, uma possível
solução se aproximava. Um sonhador estudante de Mestrado chegava na Pequena
Casa com o mesmo ideal: ajudar quem precisa e usar o poder acadêmico e a força
da Universidade e dos professores para começar esta transformação social.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 131

Então, apresento o Matheus. Este sonhador estudante que não mediria esfor-
ços para fazer acontecer. Em um belo dia de primavera, Matheus bateu na porta da
Pequena Casa, por indicação de um professor da sua Universidade, com um edital
embaixo dos braços, intitulado “Chamada CNPq/MCTIC/MDS nº. 36/2018 -
Tecnologia Social”. Era um edital apresentado em conjunto por três instituições
federais: o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,
o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC, por
intermédio da Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento –
SEPED, e o Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, por intermédio da Secre-
taria de Inclusão Social e Produtiva – SISP.
A Chamada era destinada a quem quisesse apresentar propostas que apoias-
sem projetos que promovessem o desenvolvimento científico, tecnológico, econô-
mico e social do País por meio de Tecnologias Sociais. Era necessário, também,
que as propostas estivessem alinhadas às metas dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), com a Estratégia
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) e com o Plano Progredir, con-
tribuindo para o alcance das metas da Agenda 2030.
O objetivo desse edital era apoiar projetos de desenvolvimento, reaplicação,
aperfeiçoamento e avaliação de Tecnologias Sociais que promovessem geração de
renda, inclusão no mundo do trabalho e autonomia econômica das famílias inscritas
no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e que atendessem
aos requisitos de simplicidade, fácil aplicabilidade, reaplicabilidade, efetivo impacto
e repercussão social. Aqui, vale lembrar que, para fins desta Chamada, Tecnologia
Social era entendida como “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, de-
senvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de
transformação social” (RTS).
A Reaplicação pode ser entendida como adequação sociotécnica do produto
tecnológico, incluindo o entorno sociocultural e econômico da sociedade. E que
os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) fazem parte de um Protocolo
Internacional da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em
relação ao qual o Brasil assumiu o compromisso de implementar a Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável.
132 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Depois que Matheus apresentou os inúmeros detalhes do edital, Dona Ca-


rolina comentou sobre os sonhos que ora ouvira do seu Chico e que, de fato, en-
caixava-se perfeitamente com tudo o que estava sendo conversado e com o que o
edital se propusera a apoiar. Bingo! Não deu outra, estava claro que ali começaria
algo interessante e que ambos iriam fazer de tudo para acontecer: Dona Carolina
dentro da Pequena Casa, e Matheus levando essa ideia para a Universidade. Bingo
de novo!
Com uma equipe qualificada que contava com a Dona Carolina, o Ma-
theus, alguns professores e uma técnico administrativo da universidade, foi possível
pensar a sistematização das minhas ideias iniciais e transformar em um projeto
que de fato contribuísse para gerar impacto social positivo e que pudesse promover
a empregabilidade dos jovens da comunidade. E o melhor: o projeto até poderia
ser replicado para outras comunidades em vulnerabilidade social. Assim foi, assim
começou a nascer o projeto CONEXUS.

5 O PROJETO CONEXUS - UM AMBIENTE


PARA PROMOVER O DESENVOLVIMENTO
HUMANO E PROFISSIONAL DE JOVENS
EM VULNERABILIDADE SOCIAL

Meu ideal começava a se concretizar: passou do sonho para o papel e, com


o apoio de tantas pessoas, poderia se tornar realidade. Mas eu também sei que o
caminho estava apenas começando e que tinha muito trabalho para ser feito! O
mestrando, os professores e uma colaboradora da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS) especializada em projetos teriam que desenvolver
todo o projeto, submeter para o CNPq e ainda torcer para que fosse aprovado.
Não foi fácil! Reuniões foram feitas, muitas ideias foram expostas, mas foi
uma que de fato comoveu. Um dos nossos professores convidados para o projeto,
que inclusive é da área de tecnologia, deu a ideia de desenvolver uma plataforma
computacional que pudesse promover a empregabilidade desses jovens e que, ao
mesmo tempo, pudesse facilitar o contato deles com as empresas, que promovesse
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 133

cursos e espaços para o compartilhamento de ideias de empreendedorismo. O de-


senho começava a ser feito.

Figura 1: Primeiro Esboço do Projeto CONEXUS

Fonte: Equipe do projeto (2018)

A ideia foi levada à Pequena Casa e várias sugestões foram incorporadas.


Estavam todos alinhados, o start seria dado e a sorte seria lançada. O projeto seria
escrito e na sequência seria submetido ao CNPq. Matheus, com a ajuda de todos
os envolvidos, começou a colocar tudo no papel, o projeto estava nascendo. Fo-
ram vários dias de dedicação, com idas e vindas entre os envolvidos e o projeto,
enfim, ficou pronto. Tinha chegado a hora de submeter e torcer. E assim foi feito!
O projeto intitulado CONEXUS – Conexão Social: Um ambiente para promover o
desenvolvimento humano e profissional de jovens em vulnerabilidade social tinha sido
entregue. Mas tenho certeza de que vocês estão curiosos para conhecer qual é a
proposta do CONEXUS, não é mesmo?
O projeto CONEXUS foi caracterizado como Desenvolvimento de Tecno-
logia Social, com o intuito de alavancar a geração de renda, a inclusão no mercado
de trabalho e aumentar a autonomia econômica das famílias inscritas no Cadastro
Único para Programas Sociais do Governo Federal. Foi criado para servir de apoio
ao atendimento das demandas sociais no que diz respeito à formação complemen-
134 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

tar, ao estímulo ao empreendedorismo social e a maior integração entre empresas


e jovens em busca de oportunidades.
O principal objetivo do projeto foi desenvolver um ambiente computacional
que estimulasse e ampliasse o acesso dos jovens em vulnerabilidade social ao mer-
cado de trabalho, proporcionando melhores condições de emprego e renda. Assim
como: (i) criar oportunidades de aprendizagem para jovens com baixa formação
profissional e educacional; (ii) proporcionar a integração entre empresas e jovens
na busca do primeiro emprego ou recolocação no mercado de trabalho; (iii) opor-
tunizar qualificação profissional e capacitação técnica para jovens em situação de
desemprego; e (iv) promover a inclusão social e o crescimento profissional dos
jovens em situação de vulnerabilidade social.

Figura 2: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Fonte: Adaptado pelos Autores a partir de Nações Unidas Brasil (2018)

É importante dizer que o projeto estava alinhado com 3 (três) dos 17


(dezessete) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que fazem parte
de um Protocolo Internacional da Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU) no qual o Brasil também assumiu, juntamente com todas as insti-
tuições brasileiras, o compromisso de implementar a Agenda 2030 para o Desen-
volvimento Sustentável.
O quadro 1 apresenta os objetivos escolhidos pelo grupo.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 135

Quadro1. ODSs Escolhidos no Projeto

Fonte: Adaptado pelos Autores a partir de Nações Unidas Brasil (2018)

Ao definir os ODSs que seriam contemplados no projeto, foram analisados


aqueles que tratavam da promoção de uma educação de qualidade que garantisse
aos jovens em situação de vulnerabilidade o acesso ao emprego, impactando a re-
dução das desigualdades. Com o objetivo de atendê-los, o CONEXUS foi com-
posto por oito módulos. A Figura 1 ilustra os principais módulos e suas conexões.
O módulo que contém a inteligência de operação do sistema CONEXUS
é denominado Conexus Engine. Ele é o responsável por implementar a lógica
de negócio que corresponde à ligação entre as demandas e ofertas que estão na
plataforma, garantindo a conexão e a interface entre os diferentes módulos que
136 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

fazem parte do ambiente. Futuramente, a Conexus Engine poderá ser configurada


de acordo com as necessidades de cada comunidade e instituição parceira. Dessa
forma, cada comunidade poderá ter a sua Conexus Engine, transformando o am-
biente Conexus único para aquela comunidade.
No Módulo Jovem, são inseridas todas as informações de cada estudante
no sistema Conexus. Ele contém o perfil do estudante e as informações das suas
competências, interesses e habilidades, caracterizando-se como uma espécie de
currículo. A cada novo certificado que o estudante obtém, é possível fazer o upload
do documento e as informações são inseridas no perfil. Caso o certificado tenha
sido obtido através do módulo Formação do Conexus, este processo será realizado
automaticamente. Os currículos dos jovens ficam disponíveis no Módulo Banco
de Currículos.

Figura 3: Módulos do CONEXUS

Fonte: Elaborada pelos Autores (2020)

O Módulo Empresas contém as informações das empresas parceiras que


estão ofertando vagas de estágios e de menores aprendizes (Módulo Banco de
Vagas), formando um ecossistema de empresas. A partir do momento que a em-
presa cadastra uma oportunidade na Conexus, o módulo Conexus Engine busca
no seu banco de estudantes aqueles que atendem os requisitos da vaga oferecida e
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 137

disponibiliza no perfil do estudante a oportunidade. Caso o estudante demonstre


interesse na vaga, o seu CV, disponível na plataforma Conexus, é enviado para
análise da empresa. O processo de entrevista com os potenciais candidatos à vaga
poderá ser realizado via Módulo Entrevistas Online, pois isto resolverá o pro-
blema dos custos de deslocamento que o estudante teria caso a entrevista fosse
na sede da empresa. É importante ressaltar que estes custos são o grande motivo
de não comparecimento a entrevistas de potenciais candidatos a vagas de estágio.
A empresa poderá utilizar o módulo Sala Online para dar o feedback ao candidato
não selecionado. Esta etapa é muito importante porque na grande parte dos casos,
os jovens não sabem o porquê de não serem selecionados e acabam desistindo do
emprego formal, caindo na informalidade.
Caso o jovem não seja selecionado, ele pode completar a sua formação no
Módulo Formação para estar preparado para uma próxima oportunidade. Esse
módulo contém o conjunto de MOOCs (Massive Open Online Course) que estão
disponíveis no Conexus para que os jovens possam complementar a sua formação.
Os cursos previstos inicialmente são: (i) matemática básica, (ii) português básico,
(iii) redação, (iv) informática básica, utilizando processador de texto, planilha
eletrônica básica, introdução à criação/edição e exibição de apresentações gráficas
e (v) inglês para iniciantes. Ao concluir o curso escolhido, o jovem realizará uma
avaliação online na plataforma Conexus e, caso seja aprovado, receberá um certi-
ficado digital. Durante a realização do curso, o jovem tem acesso à tutoria online
para resolver suas dúvidas. Além disso, em parceria com a Pequena Casa, o jovem
poderá optar por realizar uma monitoria presencial para a solução de dúvidas. Os
MOOCs serão disponibilizados no Conexus pelas empresas parceiras e voluntá-
rios da Pequena Casa da Criança.
O Conexus também apoia e estimula o desenvolvimento de ideias empre-
endedoras. O Módulo Ideias de Empreendedorismo tem a função de coletar as
ideias e propostas de empreendedorismo oriundas da comunidade e, principal-
mente, dos jovens cadastrados. A partir do momento que alguém da comunidade
tem uma ideia de um negócio, mas não sabe como dar continuidade, ele pode
cadastrá-la neste módulo do Conexus. A partir do cadastro, a ideia é encaminhada
a um grupo de Mentores voluntários cadastrados que a avaliam e dão feedback
aos futuros empreendedores, de forma off-line ou online através do Módulo Sala
138 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Online (ferramenta de teleconferência ou chat para que os usuários do Conexus


possam realizar reuniões virtuais). De acordo com o feedback, os futuros empreen-
dedores poderão realizar formação complementar através do módulo Formação.
No Módulo Mentores, são cadastrados os mentores voluntários dispostos a
auxiliar os jovens das comunidades a empreender. A partir das ideias e propostas
cadastradas no módulo Ideias de Empreendedorismo, a Conexus busca na lista de
mentores aqueles que tenham o perfil mais próximo do negócio que está sendo
proposto e faz a conexão entre os mentores e os jovens empreendedores. O Módu-
lo Administrativo ou Dashboard contém as funções administrativas responsáveis
pelo gerenciamento e manutenção do ambiente Conexus.
Resumindo, o Conexus é uma plataforma que disponibiliza, em um único
ambiente, a possibilidade de os jovens cadastrarem seus currículos e as empresas
cadastrarem as suas vagas, permitindo que os contatos e as entrevistas sejam rea-
lizados de forma online. Caso ainda não tenham a capacitação exigida nas vagas
disponibilizadas, os jovens podem fazer cursos de formação através de aulas ao vivo
ou gravadas. Ainda, é um espaço para os jovens exporem suas ideias de empreen-
dedorismo e contarem com a ajuda de professores e alunos da Universidade para
concretizarem seus sonhos. Enfim, o Conexus é o espaço dedicado para que os
jovens da comunidade possam se desenvolver pessoal e profissionalmente.

6 A APROVAÇÃO DO PROJETO PELO CNPQ:


CHEGOU A HORA DE DAR VIDA AO SONHO

Foi com muita alegria que eu, o velho Chico da Quitanda, recebi a notícia de
que o projeto havia sido aprovado. Tinha chegado a hora de dar vida ao meu sonho,
ou melhor, ao sonho de milhares de famílias e jovens que vivem em dificuldades
e nas mais diversas situações de vulnerabilidade. Os nossos jovens teriam mais
uma oportunidade de almejar o seu tão sonhado emprego. A sua empregabilidade
poderia ser mais bem gerida e desenvolvida. Uma nova janela estava se abrindo, o
mundo poderia ser aberto através da tecnologia, de uma tecnologia social criada
junto da comunidade. O mundo acadêmico e social estavam se abraçando. Um
mundo mais justo se aproximava.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 139

Era a hora de colocar a mão na massa. Tudo aquilo que tínhamos idealizado
precisava virar um produto. Os recursos foram recebidos, as bolsas de estudos soli-
citadas no projeto foram distribuídas, incluindo os três jovens da comunidade que
foram contemplados e que fariam parte do projeto e a empresa de tecnologia foi
contratada. O trabalho começou. Para compreender ainda melhor as necessidades
e percepções dos jovens, um aluno de mestrado realizou sua pesquisa, entrevistan-
do os jovens e os profissionais que trabalhavam com eles na Pequena Casa, prepa-
rando-os para o mercado de trabalho. Depois de todo o trabalho junto aos jovens
e com a equipe técnica, finalmente, após quase 18 meses de desenvolvimento, o
CONEXUS estava pronto, hospedado na nuvem. O acesso ao sistema poderia
ser realizado a partir de qualquer dispositivo, não existindo restrição quanto à sua
capacidade de processamento ou memória.

Figura 4: Logomarca do CONEXUS

Fonte: Elaborada pelos Autores (2020)

Agora é só acessar o endereço web (www.conexus.net.br) e realizar a au-


tenticação através de usuário e senha. Caso o usuário não seja cadastrado no CO-
NEXUS, ele deverá realizar o cadastro através do formulário online que estará
disponível no site web.
A Pequena Casa era o ponto focal para todos os integrantes da comunidade
que não tivessem possibilidade de acessar o CONEXUS através de outros meios
de acesso, como telefone celular. A Casa possui um laboratório de informática que
pode ser utilizado pelos membros da comunidade e possui cobertura de rede wi-fi.
Assim, o sistema poderia ser acessado pelo telefone celular, utilizando a rede wi-fi
da instituição ou o próprio pacote de dados do jovem, além dos computadores do
laboratório de informática. Dito de outra forma, não havia dificuldade para aces-
sar o sistema e fazer o cadastro dos currículos e das ideias de empreendedorismo.
Enfim, tudo estava pronto para iniciar o projeto piloto. Os testes do sistema com
140 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

o cadastro dos dados dos jovens já estavam prestes a começar, mas foi neste mo-
mento que o mundo foi surpreendido. Chegou a pandemia da COVID-19 e tudo
parou. A Pequena Casa teve que fechar suas portas, os jovens não podiam acessar
a Instituição, a Universidade fechou suas portas, a comunidade teve que entrar em
isolamento social e o Conexus teve que cancelar todas as suas atividades previstas.
O sonho do velho Chico teve que esperar.

7 DESAFIO

Neste caso, nós convidamos professores e alunos a refletirem sobre uma


história que traz o desenvolvimento de um projeto de inovação social a partir de
uma tecnologia social destinada a jovens e a comunidades com vulnerabilidades
sociais. Trata-se de um projeto que fala sobre empregabilidade, tecnologia compu-
tacional e ambientes virtuais de aprendizagem, procurando aproximar as realidades
dos alunos com a dos jovens impactados pelo projeto, independente da distância
que possa existir. Reflitam sobre a importância do bem comum, da igualdade para
todos e dos direitos fundamentais, aqueles expressos na Constituição Brasileira e
no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lembrem-se de que os Direitos
Humanos são tudo o que um ser humano deve ter ou ser capaz de fazer para sobre-
viver, prosperar e alcançar todo o seu potencial. Todos os direitos são igualmente
importantes e estão conectados entre si. É o que diz a Declaração Universal dos
Direitos Humanos quando reconhece os direitos humanos como um pré-requisito
para a paz, a justiça e a democracia. Mas, principalmente, quando diz: “As crianças
e os adolescentes têm todos os direitos humanos, não porque são “o futuro”, mas
porque são seres humanos. Hoje”. Portanto, o caso convida para uma reflexão que
possa contribuir para a formação de pessoas mais disruptivas, proativas, questio-
nadoras, socialmente justas e compreensivas. Para que um mundo mais justo e
melhor para todos possa ser possível!
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 141

NOTAS DE ENSINO

1. RESUMO DO CASO

O caso apresenta a história de uma comunidade carente, que, na década


de 1940, fruto de um processo de modernização e “higienização” realizado pelo
estado, expulsou famílias pobres da zona central de Porto Alegre, para bairros mais
afastados, onde até então eram despovoados e inabitáveis. Hoje, oito décadas de-
pois, a comunidade, que é conhecida como Vila Maria da Conceição, conta com
mais de 180 mil moradores e que, mesmo depois de tanto tempo, ainda apresenta
um quadro de extrema vulnerabilidade social. É nesse cenário atual que a história
se desenrola, é nele que nasce o Conexus, um projeto de tecnologia social de-
senvolvido para melhorar a empregabilidade de jovens que vivem em situação de
vulnerabilidade social na comunidade. Esse cenário apresenta índices altíssimos
de desemprego, na sua população de forma geral, mas sendo os jovens os mais
impactados. O projeto Conexus inicia sua ideação em 2018 pela iniciativa de um
estudante e sua professora, em conjunto com outros atores da Universidade e da
Instituição Pequena Casa da Criança, além de alguns jovens da própria comu-
nidade. A partir da divulgação de um edital de Tecnologia Social do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, do Ministério
da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC (por intermédio da
Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento – SEPED), e
do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS (por intermédio da Secretaria
de Inclusão Social e Produtiva – SISP), o projeto começou a tomar forma.
O caso relata como foi desenvolvido o projeto, da sua idealização à sua fina-
lização técnica, assim também como o seu estágio em 2021. Devido à pandemia
da COVID-19, a implementação do projeto junto à comunidade foi adiada, não
estando, ainda, disponível para utilização pelos jovens. Portanto, é diante desse
contexto que este caso de ensino pretende promover nos alunos a reflexão e o
surgimento de ideias criativas e disruptivas que possam solucionar problemas. O
142 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

desafio é pensar nas diferentes etapas de desenvolvimento de uma inovação social,


identificando melhores práticas de implementação e continuidade.

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

a) Refletir sobre as etapas de desenvolvimento da inovação social, caracteri-


zando-as no caso estudado.
b) Identificar os diferentes atores envolvidos, compreendendo como os obje-
tivos de cada um deles se complementam.
c) Refletir sobre como a tecnologia social pode ser uma forma de escalar as
inovações sociais.

3. PÚBLICO-ALVO

Este caso é destinado aos níveis de graduação e de pós-graduação Lato Sensu.

4. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO:

Diante da história do velho Chico, alguns pontos podem ser discutidos quan-
do pensamos no processo de implantação de uma inovação social. A partir do
relato, discutir sobre os seguintes questionamentos:
a) Quais etapas do processo de implantação já foram desenvolvidas neste
projeto?
b) Que atores estão envolvidos nesta inovação social?
c) Como integrar os diferentes atores e contar com a colaboração de todos?
d) Qual é o papel e o ganho de cada ator quando participam do projeto?
e) Como manter um grupo de mentores voluntários que possam auxiliar os
jovens no desenvolvimento de suas ideias?
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 143

f ) Como manter o banco de cursos de formação atualizado para atender às


demandas das empresas e dos jovens?
g) Qual é o papel da tecnologia social no processo de uma inovação social?
h) Finalmente, propomos uma reflexão diante da situação de crise imposta
pela COVID-19. Para estas questões, ainda não temos respostas, mas elas podem
ser discutidas para a busca de soluções viáveis.
i) Como fazer o Conexus acontecer em meio a esse cenário?
j) Quais são as alternativas que temos para contornar esse desafio?

5. SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

5.1 ETAPAS DO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DE UMA


INOVAÇÃO SOCIAL

Segundo Santos (2012), o processo de implantação de uma inovação so-


cial inicia-se pela fase denominada proposição, quando um grupo de atores apre-
senta a ideia. A seguir, na etapa de diagnóstico, é realizada uma busca de infor-
mações sobre a realidade local, necessidades e anseios, que servirão para definir as
especificidades do projeto piloto. Após a implementação do piloto, parte-se para
a difusão da metodologia e ajustes necessários. A mudança na comunidade é de-
corrência da implementação e adaptação do projeto ao ambiente. Na sequência,
há a fase mudança que só acontece após a adaptação, pois a inovação social não é
imposta, mas construída pelos atores. Dessa forma, na medida em que o processo
vai se desenvolvendo, ocorrem as adaptações necessárias e, finalmente, a mudança
da comunidade.
Para melhor visualização, Santos (2012) apresenta um framework baseado
na inovação aberta proposta por Chesbrough (2003) e no modelo stage-gate pro-
posto por Cooper (2008), bem como nas fases de desenvolvimento de uma inova-
ção proposta por Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010). Neste framework, cada
144 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

círculo pode ser considerado uma etapa do desenvolvimento da inovação social.


Ressalta-se que as intersecções entre os círculos constituem os momentos de
avaliação do projeto visando à passagem para a próxima etapa. As descontinuidades
nos contornos representam a necessidade da interação do ambiente com o processo,
já que a inovação social é proveniente de uma necessidade, caracterizando-a como
uma inovação aberta.

Fig. 5: Etapas de Desenvolvimento da Inovação Social

Fonte: Santos (2012, p. 180)

No caso relatado, as etapas que já foram desenvolvidas são: (i) proposição,


quando o velho Chico apresenta as necessidades e a ideia que tinha para melhorar a
situação da comunidade, bem como quando a Pequena Casa apresenta a ideia para
o grupo da universidade; (ii) diagnóstico, quando é realizada a pesquisa junto aos
jovens e profissionais que trabalham com eles na Pequena Casa para compreender
que elementos eram importantes constarem no sistema; e (iii) Piloto, quando a
equipe técnica iniciou os testes com os envolvidos da universidade e iniciariam os
testes na Pequena Casa. Nesse momento, o projeto foi interrompido e aguarda a
abertura da Pequena Casa para reiniciá-lo. As demais fases serão realizadas assim
que a avaliação do Piloto for finalizada. Da mesma forma, os momentos de avalia-
ção 1 e 2 também aconteceram.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 145

5.2 ATORES ENVOLVIDOS EM UMA INOVAÇÃO SOCIAL

A evolução do processo de inovação social é conduzida por uma contínua


interação entre desenvolvedores e beneficiários. São atores que, segundo Bignetti
(2011), desejam suprir as necessidades, expectativas ou aspirações da comunidade,
e tendem a operar além das fronteiras entre os setores público, privado e sem fins
lucrativos. A mudança pode ser visualizada, segundo Mulgan et al. (2007), sob
três principais lentes: (i) indivíduos, (ii) movimentos sociais e (iii) organizações.
Ademais, o envolvimento também pode se dar pela colaboração entre os múltiplos
atores, ou seja, através de parcerias que se formam entre o governo, o setor empre-
sarial, o terceiro setor, os indivíduos e comunidades (BIGNETTI, 2011).
Nesse sentido, Tardif e Harrison (2005) destacam quatro tipos de atores:
sociais, podem ser atores da sociedade civil, do cooperativismo ou associativis-
mo, de sindicatos ou de associações comunitárias; organizações, inclui empresas,
organizações da economia social, empresas coletivas e beneficiários (stakeholders)
das organizações privadas; instituições, abarcam as instituições governamentais e a
identidade, as normas e os valores de cada ator; intermediários, chamados também
de “atores híbridos”, surgem da relação entre diversos atores e resultam em novas
redes sociais, por meio de alianças de cooperação ou de inovação.
Por fim, é importante ressaltar, assim como destaca Kimbell e Julier (2019),
que o desenho social se desenvolve por meio da coprodução com atores sociais
orientados para a mudança. Abordar questões sociais pode fornecer a motivação e
os fundamentos com os quais os participantes podem trabalhar, juntos, em direção
aos resultados pretendidos, ao mesmo tempo em que buscam a produção de novos
conhecimentos (TORLIG et al., 2021).
146 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

5.3 COLABORAÇÃO DE DIFERENTES ATORES NO


PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DE UMA INOVAÇÃO
SOCIAL

A colaboração é apontada na literatura como uma das características es-


senciais para o desenvolvimento da inovação social (BIGNETTI, 2011; MUR-
RAY; CAULIER-GRICE; MULGAN, 2010). É reconhecida como um processo
em que as partes trabalham em conjunto, por diferentes ângulos, exploram suas
diferenças de maneira construtiva e procuram soluções que vão além da própria
visão individual e limitada do que é possível, para uma solução integrada e coletiva
(SANZO et al., 2015). Para Murray et al. (2010), a inovação social ocorre por
meio de produtos, serviços e modelos que simultaneamente satisfaçam necessida-
des sociais e criem relações ou colaborações sociais. Em outras palavras, são ino-
vações que, ao mesmo tempo, são boas para a sociedade e aumentam a capacidade
de ação da sociedade. Neumeier (2012) destaca que a inovação social não é apenas
uma melhoria tangível, mas sim mudanças de atitudes, comportamentos e percep-
ções, que resultam em uma nova forma de ação colaborativa, que leva à melhoria
da qualidade de vida (GEISER; PARISOTTO; FERRARI, 2017).
Nessa linha, segundo Sanzo et al. (2015), para uma melhor colaboração
entre os atores envolvidos em uma inovação social, é necessária a criação de es-
paços que permitam o diálogo, discussão e a interação entre os indivíduos, para
que a colaboração floresça. São várias as formas de promover a colaboração entre
os parceiros, desde simples encontro e conversas informais até reuniões e agendas
com tecnologias de ponta.
De acordo com Raišiene (2012), existem alguns fatores que são determi-
nantes para a colaboração ocorrer. Eles podem ser de três origens: (i) Macro fatores
(de fora) como fatores sociais, culturais, políticos e econômicos; (ii) Meso fatores
(características das organizações que integram o grupo) como filosofias, valores,
estrutura de gestão e liderança; e (iii) Micro fatores (conexões e relações dos mem-
bros das equipes), como comunicação, decisões gestão, confiança, justiça, respeito
mútuo e atitudes positivas.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 147

5.4 O PAPEL E O GANHO DE CADA ATOR QUANDO


PARTICIPAM DO PROJETO DE INOVAÇÃO SOCIAL

Como trazido por Medeiros et al. (2017), entende-se que a inovação social
abrange novos arranjos sociais, organizacionais e institucionais que clamam por
transformação social e pode ser subdividida em três vertentes principais, em que
as iniciativas de inovação social estão relacionadas a políticas públicas, ao espírito
empresarial social e ao desenvolvimento participativo (GREGOIRE, 2016). E,
nesse sentido, “o papel de cada ator tem de ser reformulado para que eles se tornem
uma força motriz eficaz dos progressos técnicos e sociais” (OECD, 2011, p. 14).
Ainda, é importante atentar que os objetivos para a participação dos diferentes
atores no projeto de inovação social são complementares (SANTOS, 2012). Dito
de outro modo, cada ator decide participar de um projeto por ter objetivos que
nascem da sua percepção sobre as necessidades, mas, coletivamente, os propósitos
dos diferentes atores são complementares.

5.5. OS MENTORES

O mentor sempre esteve presente na história da humanidade sob formas


variadas, como conselheiros, educadores, orientadores e modeladores de conduta.
Desde a antiguidade, reis e nobres contratavam mentores para cuidar do aprendi-
zado e da educação de seus protegidos. A mentoria envolve a participação de uma
pessoa experiente (mentor) para ensinar e preparar outra pessoa (orientado) com
menos conhecimento ou familiaridade em determinada área ou assunto (SAN-
TOS, 2007).
Segundo García, Calles e Ávila (2012), a mentoria pode acontecer de duas
formas: (i) informal e (ii) formal. Na mentoria informal, o papel de mentor é
assumido voluntariamente dentro de uma relação flexível e informal, baseada no
respeito e na ajuda para além das obrigações, pois normalmente não tem um ponto
de partida definido ou identificável. Trata-se de uma relação baseada na confian-
ça, no compromisso e enriquecimento mútuo. A mentoria formal, por sua vez,
148 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

constitui-se em processo planejado, sistemático e proposital desenvolvimento de


pessoas dentro de uma organização. É um processo poderoso e dinâmico. Entre as
características mais relevantes desse tipo de mentoria estão: (i) o estabelecimento
de objetivos a serem alcançados e benefícios esperados; (ii) a duração do processo
com base nos objetivos definidos; e (iii) a exigência de controle, no curto, médio
prazo e monitoramento.
Antes de implementar um processo de mentoria, deve-se conhecer os
princípios básicos a serem levados em consideração se quiser que os programas
de mentoria funcionem adequadamente (GARCÍA; CALLES; ÁVILA, 2012):
(i) voluntário: para que um programa de mentoria seja bem-sucedido, os mem-
bros devem ser voluntários e deve haver o compromisso de ambos em participar
ativamente do processo; (ii) confiança: o programa funciona se você tiver um re-
lacionamento próximo e de confiança. Isso não é conseguido espontaneamente,
então, principalmente no início, o mentor terá que trabalhar muito, para tentar
não terminar o relacionamento prematuramente; (iii) foco nas necessidades do
mentorando: compreender quais os aspectos que mais o preocupam, e tentar apoi-
á-lo para superá-los é um objetivo que o mentor deve alcançar; (iv) aprendizagem
prática e ativa: o mentor deve promover a aprendizagem de forma prática, parti-
lhar novas situações em que seja desafiado na sua forma atual de compreensão da
realidade; e (v) compartilhamento de experiências: o diálogo é essencial para tirar
o máximo proveito das sessões de mentoria, momentos em que se deve comentar
sobre as situações de sucesso e fracasso.

5.6 CURSOS DE FORMAÇÃO EM AMBIENTES VIRTUAIS DE


APRENDIZAGEM

Com o desenvolvimento da internet e a popularização do uso do compu-


tador no dia a dia de toda sociedade, praticamente, surgiram diversas ferramentas
para auxiliar a criação e a oferta de cursos mediados por essas tecnologias, tais como
os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA). De acordo com Santos (2003), um
AVA refere-se ao uso de recursos digitais de comunicação, principalmente, através
de softwares educacionais via Web que reúnem diversas ferramentas de interação.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 149

Para Belmonte, Ramos e Grossi (2010), um AVA está relacionado ao de-


senvolvimento de condições, estratégias e intervenções de aprendizagem em um
espaço virtual na web, organizado de tal forma que propicie a construção de con-
ceitos, por meio da interação entre alunos, professores e objetos de conhecimento.
Grossi e Aguiar (2010) apontam que um AVA também se caracteriza pela pre-
sença de softwares educacionais via internet destinados a apoiar as atividades de
educação à distância. Estes softwares oferecem um conjunto de tecnologias de in-
formação e comunicação, que permite desenvolver as atividades no tempo, espaço
e ritmo de cada participante.

5.7 A TECNOLOGIA SOCIAL NO PROCESSO DE UMA


INOVAÇÃO SOCIAL

Conforme trazido por Medeiros et al. (2017), tecnologia, em seu sentido


mais amplo, significa a aplicação de conhecimento técnico e científico em pro-
cessos e produtos, que são criados ou podem ser modificados a partir desse co-
nhecimento. Por sua vez, o conceito de tecnologia social existe com o objetivo de
apontar aquelas tecnologias cujo potencial é incluir pessoas que estão à margem da
sociedade (MORAES, 2012).
As tecnologias são chamadas “sociais” quando apresentam as condições
para, a partir de sua implantação em determinados contextos, melhorar a qualida-
de de vida. Essas soluções devem ter potencial para gerar efetivas mudanças em
diversos campos, como educação, agricultura, saúde, meio ambiente e lazer. Além
disso, as tecnologias sociais também devem atender aos quesitos de simplicidade,
baixo custo, fácil aplicabilidade e geração de impacto social (MEDEIROS et al.,
2017). Como já apontado por Bignetti (2011), as tecnologias sociais são ferramen-
tas para o desenvolvimento de inovação social.
150 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

6. MATERIAIS DE APOIO PARA A DISCUSSÃO

Vídeos: https://www.youtube.com/watch?v=WU71IeYIVow

Site: https://www.conexus.net.br
http://www.pequenacasa.org.br/
https://odsbrasil.gov.br/

Redes Sociais: Facebook: https://pt-br.facebook.com/pequenacasa/ |


Instagram: ongpequenacasa | Twitter: @pequenacasa

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152 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

SOUZA, Marcelo Ferreira. A empregabilidade de jovens em vulnerabilidade social a


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IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 153

Caso 2

DO OUTRO LADO DO RIO: O PROCESSO


DE INOVAÇÃO SOCIAL NO ARQUIPÉLAGO
DO BAILIQUE (AP) E SEUS DESAFIOS
Manuela Rösing Agostini
Ana Luiza Rossato Facco
Laura Chiattone Bollick

Figura 1: Diana defendendo sua posição no En-


contrão das Comunidades 2017

E quando o que nos separa é a amplitude do rio? A


maior floresta tropical do planeta? Achar alternati-
vas para sobreviver e manter a comunidade em que
se vive se torna a força e o ideal para Diana, nossa
personagem.

Como proclama a canção de Jorge Drexler, com o Bai-


lique “creo que he visto una luz al otro lado del rio”!
Há sempre duas margens em um rio. Cada um escolhe
sobre qual quer estar!

Fonte: Pesquisa de campo (2017)


154 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Este caso para ensino apresenta a história do Protocolo Comunitário (um


instrumento de gestão territorial), criado pela comunidade do Arquipélago do Bai-
lique, território localizado no estado do Amapá, coração da floresta Amazônica no
Brasil. Com a participação de diferentes atores, esta história tem como propósito
narrar o empoderamento de uma mulher, ribeirinha e líder comunitária. Por meio
desta personagem, pretende-se mostrar a força da união e o sentido de transfor-
mação coletiva. Diana nos mostra a metodologia do Protocolo Comunitário, seus
objetivos, suas conquistas e desafios. Além disso, apresenta a região e a história da
sua principal fonte de renda: a produção de açaí. Com a narrativa verídica contada,
este caso pontua a trajetória do território e o contexto da comunidade, oferecendo
conhecimentos aplicados na área da Inovação Social para territórios distantes. O
Protocolo Comunitário implementado no Arquipélago do Bailique é visto como
uma Inovação Social de modo que possui ação coletiva, satisfação das necessidades
humanas e empoderamento da comunidade para a transformação social regional
pela coordenação da cadeia produtiva do açaí, permitindo geração de renda e novas
condições socioeconômicas, como a criação da Escola Família pela própria comu-
nidade e da Amazonbai (cooperativa dos produtores de açaí). Este caso demonstra
o processo de Inovação social que ocorre por meio da relação entre economia, cul-
tura, política e autonomia social de uma comunidade em transformação.

1 COMO COMEÇAR A COMPREENDER O CASO?

Conceitua-se Inovação Social (IS) como a busca de soluções para atender de-
mandas da sociedade por meio de diferentes atores que promovem ações coletivas
com um objetivo em comum: a mudança social. A IS busca ainda superar as desi-
gualdades sociais existentes no contexto territorial aplicado. Ao estudar o caso da
comunidade do Bailique e a história do Protocolo Comunitário, considera-se uma
iniciativa de Inovação Social desenvolvida em região remota do Brasil, caracteriza-
da pelo distanciamento, difícil acesso, vazio institucional e infraestrutura precária.
Nesse contexto, também consideramos o Protocolo Comunitário uma inicia-
tiva de Inovação Social local, pois é um instrumento de gestão territorial baseado
em um processo participativo, consultivo e coletivo das comunidades. Não se trata
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 155

apenas de uma resposta a ameaças externas, mas sim de um instrumento de em-


poderamento da comunidade, gerenciamento e controle dos seus próprios recur-
sos naturais, atuando no fortalecimento e desenvolvimento das comunidades para
agirem de forma autônoma visando superar os desafios desse singular território.
O Protocolo Comunitário é uma ferramenta/metodologia que demonstra um
processo de transformação, com etapas definidas e controladas, gerenciado pela
própria comunidade, com o envolvimento de atores externos, que possuem obje-
tivos comuns. Nesse sentido, o processo de IS desenvolvido neste caso apresenta
níveis de envolvimento diferentes, atores locais, organizações e instituições para
um processo de mudança social. Esse olhar sobre o processo é importante para
verificar o contexto deste caso e a metodologia adotada.
Os dados apresentados neste caso para ensino são advindos de pesquisa bi-
bliográfica e pesquisa de campo. A pesquisa aplicada foi realizada por meio de
entrevistas em profundidade com roteiro semiestruturado coletadas em três mo-
mentos: 15 entrevistas em outubro de 2016 in loco; 25 entrevistas em janeiro de
2020 in loco; e cinco entrevistas em março de 2021 online. As entrevistas foram
realizadas pelas três autoras deste caso, junto aos moradores da comunidade e com
atores externos que auxiliam na gestão das atividades realizadas na região.
Assim, o caso se refere a observações diretas (anotações em diário de campo),
à coleta de documentos e às entrevistas semiestruturadas realizadas com 45 atores.
Para compreender criticamente o conteúdo e as significações do material coletado,
utilizou-se a análise de narrativa como método de tratamento e análise de dados.
Nesse sentido, compreende-se que há diversos autores que abordam o concei-
to de IS sobre diferentes perspectivas: territorial, de mudanças sociais e de novas
soluções para problemas sociais. Assim, o conceito de Inovação Social adotado
aqui é sobre a geração de novas soluções para transformar a realidade social local,
que envolve múltiplos atores e instituições, por meio de um processo com etapas
definidas e controladas, mas repleto de subjetividades com base na cultura e no
contexto regional.
156 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

2 O PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE

O caso do Arquipélago do Bailique envolve mais do que uma atividade que


sustenta financeiramente uma região. É um caso que beneficia os ribeirinhos em
diferentes dimensões, sendo elas: educação, vulnerabilidade social, sustentabilida-
de, empoderamento, protagonismo, conservação da biodiversidade, entre outras.
Assim, para entender melhor o caso é importante entender o que é o Protoco-
lo, o contexto da população local e a história da principal fonte renda da região.
Quem nos conta a história desse caso é a Diana, uma mulher guerreira, ribeirinha,
professora, produtora de açaí, e que, além de todos esses papéis, também é líder
comunitária.

Figura 2: Conceito do Protocolo Comunitário

Fonte: Grupo de Trabalho Amazônio (2016, p. 80)

O Protocolo Comunitário constitui a sistematização do direito de opera-


cionalizar um território (CASTRO; RAMOS, 2016). As autoras complementam
que um dos fundamentos de sua implementação reside na capacitação e empode-
ramento dos moradores e das comunidades tradicionais, a fim de que se sintam
capazes de dialogar de forma igualitária com atores externos e, dessa forma, forta-
lecer a compreensão dos seus próprios direitos em vistas à conservação e uso sus-
tentável dos recursos naturais e ambientais. Assim, Diana e os demais moradores
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 157

da comunidade têm auxiliado na preservação e manutenção da diversidade bioló-


gica e constituem uma fonte vital de conhecimentos tradicionais para identificar
o uso dos recursos genéticos, incluindo organismos vivos, como plantas, animais e
microorganismos que são úteis aos seres humanos (GRUPO DE TRABALHO
AMAZÔNICO, 2014). Portanto, o desenvolvimento de um protocolo comuni-
tário representa uma importante iniciativa de Inovação Social em um território,
especialmente, no território do Arquipélago do Bailique.

3 CONHECENDO O CONTEXTO DA REGIÃO

Diana e sua comunidade vivem na margem do Rio Amazonas, afastados de


grandes centros. Cabe explicar que a região do arquipélago do Bailique se localiza
a aproximadamente 180 quilômetros, ou quase 12 horas de barco da capital do
estado do Amapá, Macapá. O único acesso à região é por meio de barco, sendo
que o conjunto de oito ilhas é formado por 51 comunidades tradicionais. Os 7.618
ribeirinhos têm como principais atividades econômicas o extrativismo do açaí, o
conhecimento de plantas medicinais e a pesca. O cultivo do açaí é a principal ati-
vidade da região e é cultivado de maneira natural.

Figura 3: Arquipélago do Bailique

Fonte: Pesquisa de campo (2020)


158 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Atualmente, o açaí produzido no arquipélago do Bailique possui a certifica-


ção Forest Stewardship Council (FSC), que garante uma produção mais sustentável
e segura, promovendo o desenvolvimento econômico do território, além da pos-
sibilidade de aumento na renda dos produtores locais. Essa conquista é bastante
importante visto que o Arquipélago do Bailique foi a primeira comunidade tra-
dicional do mundo a obter esse selo de qualidade. Tal conquista já é considerada
um ganho do Protocolo Comunitário, visto que os produtores aprenderam a fazer
o manejo do açaí de modo mais sustentável, cuidando de sua segurança, gerando
renda e garantindo a preservação da floresta.
Nossa personagem e os habitantes do arquipélago são pescadores, agricul-
tores e extrativistas, pequenos criadores de bubalinos, bovinos, porcos e galinhas,
marceneiros e construtores navais. Dentre os principais produtos encontrados em
suas terras, estão o açaí, o peixe e plantas medicinais utilizadas pela medicina tra-
dicional. A melancia e o maxixe são alternativas como produtos de entressafra
(GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014). Acerca dos habitantes da
comunidade, cabe explicar que 56,05% têm menos de 20 anos e a minoria (8,5%)
tem mais de 50 anos (ALMEIDA et al., 2014), ou seja, trata-se de uma população
majoritariamente jovem. Dentre estes, existem muitos homens e mulheres com
conhecimento tradicional como as parteiras, benzedeiras, puxadores e curandei-
ros - essas pessoas são grandes conhecedores da sociobiodiversidade da região e as
utilizam para a cura e medicina tradicional (GRUPO DE TRABALHO AMA-
ZÔNICO, 2014).
O Arquipélago do Bailique tem uma estrutura precária como a grande maio-
ria dos territórios das comunidades da Amazônia (AGOSTINI; RAMOS, 2020).
A maioria das comunidades não possui acesso à eletricidade e depende de gerador
a diesel para suprir as necessidades básicas. Além disso, a água não é potável e o
sistema de esgoto não é adequado. Quanto à saúde, existe apenas um posto de
saúde que fica localizado na maior comunidade pertencente ao arquipélago, Vila
Progresso. Contudo, ela somente consegue operar com assistência básica e, muitas
vezes, sem recursos e medicamentos necessários. O hospital mais próximo fica em
Macapá.
Quanto à educação, segundo Agostini e Ramos (2020), existe um número li-
mitado de escolas que oferece ensino médio e há dificuldade em encontrar profes-
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 159

sores que queiram lecionar em uma “comunidade no meio da floresta”. O resultado


é que muitos jovens acabam sendo obrigados a se mudar para Macapá para dar
continuidade aos estudos e acabam gerando problemas sistêmicos na região. Em
virtude disso, com o surgimento do Protocolo Comunitário, foi criada uma Escola
Família na comunidade do Arraiol, forma de educação em que o aluno se hospeda
na casa de uma família na comunidade para estudar, possibilitando aos jovens es-
tudarem no território e ainda com a possibilidade de obterem o título de Técnico
em a Alimentos pela Universidade Federal do Rio Grande no Rio Grande do Sul
(FURG). Durante o tempo de estudo do jovem na Escola Família, é garantido o
recebimento de R$400,00 mensais de bolsa para uso em despesas de transporte e
da casa em que irá se hospedar, de maneira que por 15 dias o estudante se encontra
em sua casa, e, nos demais 15 dias, fica na casa de uma família na comunidade onde
ocorrem as aulas.

4 HISTÓRIA DO PROTOCOLO
COMUNITÁRIO DO BAILIQUE

A história do Protocolo Comunitário implementado no Bailique inicia-se


com o protocolo de Nagóia, do qual o Brasil é signatário, que tem como objetivo
a repartição justa e equitativa dos benefícios, mantendo a biodiversidade e a uti-
lização sustentável de seus componentes. Sendo assim, o Protocolo visa proteger
as comunidades tradicionais e o uso dos seus recursos naturais, seus conhecimen-
tos tradicionais e suas terras. Pensando nisso, o Grupo de Trabalho Amazônico
(GTA), reconheceu essas dificuldades e o desejo dos sujeitos e criou uma metodo-
logia inovadora para realizar a gestão do território local. O Protocolo foi feito pela
comunidade e para a comunidade com o auxílio de atores externos.
Assim, a construção da metodologia do Protocolo é inspirada pelo Protocolo
de Nagóia no que diz respeito ao “Acesso a Recursos Genéticos e à Repartição
Justa e Equitativa dos Benefícios Advindos de sua Utilização” (ABS), como tam-
bém na Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) (GRUPO DE TRA-
BALHO AMAZÔNICO, 2014). A sua metodologia de construção permite a
participação plena das comunidades em todos os aspectos (RAMOS, 2016). O
160 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Protocolo Comunitário é considerado um processo de tomada de decisão, que for-


nece empoderamento de diferentes atores, facilita o diálogo igualitário com atores
externos e envolve questões sobre conservação da biodiversidade e uso sustentá-
vel dos recursos (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014; RAMOS,
2016).
O Protocolo Comunitário do Bailique é uma iniciativa local dos próprios
moradores da comunidade. A iniciativa é feita para o contexto dos Povos e Comu-
nidades Tradicionais (PCTs) que são territórios caracterizados pelo isolamento,
pobreza, invisibilidade, carências diversas, exclusão, desigualdades, desemprego,
entre outros (DA SILVA JUNIOR; DE SOUZA, 2009). Assim, o Protocolo ini-
ciou em 2013 pelo maior grupo de movimentos socioambientais da Amazônia, o
Grupo de Trabalho Amazônico - Rede GTA, em parceria com a Regional GTA
do Amapá, com o Conselho Comunitário do Bailique, Colônia de Pescadores, 36
comunidades pertencentes ao Arquipélago do Bailique e, ainda, com o apoio de
atores externos, como empresas privadas, com o Fundo Vale, ONGs, instituições
de ensino e institutos.
O desenvolvimento do Protocolo Comunitário do Bailique atende a uma
metodologia que contou com três fases: a) ano I, b) ano II e c) ano III. Durante a
aplicação dessa metodologia, foram realizadas quatro oficinas com diversos temas
e capacitações e dois Encontrões (reuniões gerais). No ano I, foram realizadas as
Oficinas 1 e 2 e o primeiro Encontrão. Já no ano II, foram feitas as oficinas 3 e 4 e
o segundo Encontrão. Por fim, no ano III, foi o momento da prática das atividades
propostas nos anos anteriores.
Na Oficina 1, foi realizado um diagnóstico socioeconômico, ambiental e cul-
tural do território, onde, além das questões sobre recursos, foi proposto que se pen-
sasse em relação à identidade cultural e reconhecimento como PCTs. Na Oficina
2, foram realizadas discussões sobre regulamentos nacionais e internacionais de
acesso ao patrimônio genético, conhecimento tradicional e repartição de benefí-
cios. Além disso, levou-se conhecimento sobre as políticas públicas existentes às
comunidades tradicionais. Após a realização das Oficinas 1 e 2, aconteceu, então,
o primeiro Encontrão, evento em que ocorreu a devolutiva das Oficinas anteriores,
caracterizado por ser uma grande reunião com a participação ampla de todas as
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 161

comunidades envolvidas no processo de construção para discussão em conjunto de


detalhes do Protocolo.
A Oficina 3 foi direcionada à capacitação de Acesso ao Patrimônio Genético
e Repartição de Benefícios (ABS) e de Políticas Públicas de interesse aos PCTs.
Nessa ocasião, há a participação de atores externos. Finalmente, na Oficina 4, foi
proposto que as comunidades iniciassem seus acordos para construção do seu Pro-
tocolo identificando riscos e oportunidades no território. Após essas Oficinas, foi
realizado o segundo Encontrão, dedicado à finalização dos acordos e aprovação do
Protocolo Comunitário com todas as comunidades envolvidas. Cabe destacar que
o início do processo da construção do Protocolo Comunitário do Bailique foi em
outubro de 2013 e totalizou 14 meses para a sua conclusão. A Figura 4 apresenta
a metodologia da elaboração do Protocolo Comunitário.

Figura 4: Metodologia do Protocolo Comunitário do Bailique

Fonte: Grupo de Trabalho Amazônico (2014, p. 15)

Portanto, a metodologia do Protocolo Comunitário trouxe inúmeros bene-


fícios e resultados que já podem ser vistos como pontos importantes, tais como a
melhora da qualidade de vida dos moradores e a definição das cadeias econômicas
162 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

prioritárias, sendo o açaí o principal produto, originando a certificação FSC do


fruto e a geração de renda para a comunidade por meio de sua extração. Além
disso, resultou na criação do Comitê Gestor do Protocolo Comunitário (composto
pelas lideranças locais), a criação da Escola Família Agroextrativistas do Bailique -
EFAB e a formação de parcerias com diversas instituições como o Instituto Terroá,
Oficina Escola de Lutheria da Amazônia - OELA e a Universidade Estadual do
Amapá - UEAP. Em 2017, ocorreu a criação da Cooperativa Amazonbai, uma
combinação dos termos “Amazon” de Amazônia e “Bai” de Bailique, possibilitando
um maior desenvolvimento social e econômico na região. Além disso, determinou-
-se que 5% do valor de cada lata de açaí vendida seja destinado ao fundo de apoio
financeiro a uma Escola Família destinada à formação de jovens do ensino médio.
Tal escola encontra-se em construção.

5 VAMOS CONHECER DIANA, SUA VIDA


É UM MARCO DE RESISTÊNCIA

Chegado o momento de falar sobre os desafios do caso, convidamos Diana,


personagem que contará sua vida para narrar sua trajetória e da sua comunidade.
Esta entrevista foi realizada à distância, pelo aplicativo WhatsApp, via sistema de
áudio, em setembro de 2021. Na íntegra, e com as palavras de Diana, transcreve-
mos sua história:

Figura 5: Diana no rio Amazonas

Fonte: Diana Lopes (2021)


IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 163

“Meu nome é Diana Lopes de Araujo, tenho 45 anos, sou moradora do Ar-
quipélago do Bailique, especialmente na comunidade de Arraiol.
Eu nasci no Bailique, fui criada no Bailique, quando eu tinha 9 meses meu
pai faleceu e minha mãe criou eu e mais 6 irmãos sozinha. Quando eu tinha
9 anos, eu fui para Macapá morar com uma família que eu não conhecia para
eu poder estudar, fiquei até terminar o Ensino Médio.
Quando com 9 anos fui fazer a terceira série, terminei o Ensino Médio e
voltei para o Bailique, depois tive a oportunidade de voltar e fazer uma es-
pecialização na área da Educação e aí voltei para o Bailique para trabalhar
com Educação Infantil. E, até hoje, trabalho no Ensino Fundamental II na
Escola Estadual Rosa dos Santos Sarges.
Casei com o agricultor Dimauro Cordeiro que é cooperado na Amazonbai,
é um dos sócios-fundadores, com o qual nós tivemos 3 filhos. Na minha
primeira gravidez, a gente estava todo empolgado, eu resolvi ter a criança
lá no Bailique mesmo, com minha mãe que é parteira, mas tive eclampsia e
por pouco não morri. A criança morreu. Me trouxeram para Macapá já com
a criança morta, mas conseguiram me salvar. Depois de 2 anos, engravidei
de novo do Diego, o qual ficou comigo 9 anos, ficou conosco morando no
Arraiol 9 anos e depois veio a falecer afogado, na frente de casa, onde ele
brincava com as crianças em um botinho de remo e, pelo destino, o botinho
afundou e ele foi junto com o botinho para o fundo e depois de muito tem-
po, depois de 2 horas encontraram já o corpo dele.
Depois engravidei da Dara, a minha filha, que é casada com Josué, produtor da
Amazonbai e que me deu uma netinha, a Maria Manoela, que tem 1 ano e 8 me-
ses, que é a razão da minha vida. Também tenho um filho de coração, o Edielson.
Eu adotei ele no dia em que ele completava 2 anos, ele estava na comunidade de
Vila Progresso, vinha para Macapá para ficar na casa da criança, ficar em doação,
e aí eu fiquei com ele no Bailique. Era uma criança que estava cheia de ferida no
corpo, muito desidratada, e eu entrei no processo de adoção, depois de 5 anos, eu
consegui tirar os documentos dele. Foi um menino que veio para amenizar nossa
dor, que até hoje sentimos muito ainda, a falta do Diego.
O Diego foi um menino que ficou conosco por 9 anos, que sempre amou a natureza
e sempre protegeu a natureza. Depois do falecimento dele no Arraiol, nós fizemos
um acordo de convivência a qual eu e Dimauro estávamos à frente para proteger
a natureza. Nesse acordo de convivência, a gente tem responsabilidade de cada
morador com o espaço que convive, que é a natureza, né? Ninguém mata, nin-
guém atira em um passarinho próximo da comunidade, ninguém cria porco solto,
para as crianças poderem brincar no chão e não ter contato com a urina e fezes do
porco, o peixe se pega numa malha já grande para não pegar os filhos. Todo mundo
trabalha em mutirão, a comunidade toda é construída pela associação, tem posto de
saúde, uma biblioteca a qual é em homenagem ao meu filho, Diego.
A pandemia foi muito difícil, ano passado em maio eu tive Covid-19, tive depres-
são junto, crises de ansiedade, foi assim um momento bem difícil, que eu achava
que não iria sair, não conseguia sair, mas com a força de Deus e a força de toda
164 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

aquela comunidade me fez viver, voltar a viver, e voltar a agir! Maria todo dia
pegava na minha mão já falando e dizia: “vó, vem cá vó, bora passear”. Meu
caso foi tão forte que eu fiquei sem movimento nas minhas pernas, então eu
parei de andar e as minhas amigas na comunidade pegavam minha mão e a
gente fazia.... Pra eu voltar a andar eu tive ajuda das mulheres da comunidade
do Arraiol, que pegavam minha mão a tarde e eu saía jogando as pernas e os pés
para tentar dar os primeiros passos. Graças a Deus, em pouco tempo, eu já voltei
a andar e aí já voltei a sorrir. Só que logo em seguida teve a morte de uma amiga
minha, professora Danila, a qual sempre deu o maior apoio para mim dentro do
Protocolo, em especial dentro do CVT (Centro Vocacional Tecnológico), ela tinha
um cargo dentro da Secretaria de Educação do Bailique e ela sempre me disse: “eu
acredito em ti, se você está dentro desse projeto, eu acredito que vai dar certo, eu vou
te ajudar”. E ela me ajudou muito. E, num belo dia quando eu vinha pra Macapá,
foi quando, no meio da viagem, quando já tinha internet, eu vi que tinha acon-
tecido um assalto e vi que era com ela e ela faleceu. Então eu voltei a ter crises de
depressão de novo, bem fortes e eu voltei a fazer sessão com a psicóloga e, graças a
Deus, hoje eu estou bem.

Figura 6: Diana na Comunidade com Camiseta da AmazonBai

Fonte: Diana Lopes (2021)

Hoje eu estou junto com o povo da Amazonbai, que é nossa cooperativa de


produtores de açaí, e como todos os produtores que já estão vacinados com
as duas doses a gente já está voltando a fazer os encontros e eu estou junto
deles, estou ajudando eles a trabalhar, principalmente ver se a gente consegue
construir nossa agroindústria para a gente sair da mão dos atravessadores.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 165

Eu também tenho um cargo dentro do Bailique, além de professora, eu sou


coordenadora da Igreja Católica do nosso setor, do setor 4 do Bailique. A
gente divide nossas experiências como comunidade, as nossas dificuldades,
o que a gente está passando e aí a gente se reúne uma vez no mês para ver
o que cada comunidade pode ajudar a outra e é muito interessante esses
momentos que a gente faz, é muito, muito gratificante para mim porque aí
eu entro em contato com todo mundo, da nossa região, do nosso espaço e eu
posso ajudar muitas pessoas assim.
Eu sou, eu já nasci, eu acho, com esse dom, de sempre ajudar, tudo onde eu
posso, e que eu vejo que realmente é sério, é de verdade, que não tem “poli-
ticagem” no meio eu estou, né? Eu sempre faço, sempre tento ajudar aquela
população de pescadores e agricultores, pois muitas vezes a política pública
não chega até eles.

Figura 7: Diana e sua Família na Comunidade

Fonte: Diana Lopes (2021)

Eu e Dimauro, somos casados já há 26 anos e nessa nossa história de vida


tem muitas perdas, mas muitas vitórias também. Vitória e superação, que foi
nesses momentos mais difíceis que eu encontrei forças para poder ajudar o
outro. Descobri que não é só eu que passo por momentos difíceis, tem gente
com muito mais problema que eu, e eu não poderia me abater, pois Deus me
deixou para continuar a missão, a missão de poder ajudar alguém, de ver o
166 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

que eu posso fazer para que o outro se sinta bem, acho que isso que fez nesse
momento de pandemia que foi difícil pra mim, eu ter tantos amigos do meu
lado me dando força. Eu perdi 15 pessoas próximas de mim, 15 pessoas,
meus tios, meus amigos, meus primos, meu padrasto e aí foi muito difícil. E
aí me deu o maior presente que foi a Maria”.

6 DESAFIOS E CONQUISTAS DO
PROTOCOLO PELO OLHAR DE DIANA

Toda a história começou com a minha participação no movimento de forma-


ção do Protocolo, quando vi que tinha um modelo diferente de organização e que
não era modelo “político politiqueiro”. Não havia partido envolvido no processo de
criação do Protocolo Comunitário. Era feito pela comunidade e para a comunida-
de. Meu medo sempre foi a promessa do poder público que nunca se concretizava,
além disso, sempre vinham nos visitar e colhiam informações e iam embora, sem
deixar nenhum benefício para o nosso território. Já não criamos mais expectati-
va com ações governamentais por aqui. Temos somente as Escolas Estaduais que
estão em situação precária de merenda e materiais. Assim, o meu envolvimento
começou através da escola em que eu trabalhava em 2013, Bosque. Nesta época, eu
era professora da primeira a quinta série do Ensino Fundamental. Como a meto-
dologia do Protocolo envolveu todos os ribeirinhos, eu comecei a participar como
representante da escola. Porém, logo percebi que todos que trabalharam junto com
o Protocolo, todos estão fazendo a diferença para a nossa região e tiveram impacto
nas suas vidas.
No início das atividades de formação do Protocolo, logo percebi que as ações
planejadas durante as oficinas e encontrões eram de extrema necessidade para o
Bailique e que seriam um diferencial para a vida de todos. Ainda, percebi que
grande parte da população da região levou a sério o projeto. Notei que o projeto
não conseguiu envolver todas as comunidades como gostaria por questão cultural
dos moradores. Percebo que nem todos os habitantes do Bailique possuem o mes-
mo pensamento. Vejo comunidades que não conseguem se organizar, ou ainda,
acreditam que o processo é muito moroso e trabalhoso e, assim, desacreditam da
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 167

iniciativa. Esses comunitários, quando percebem que o projeto está rendendo fru-
tos, acabam retornando e se beneficiando das ações feitas por meio do Protocolo,
como cursos de capacitação.
Sobre a participação das mulheres, eu vejo muita empolgação ao colaborar,
principalmente quando se fala nas plantas medicinais e no conhecimento tradicio-
nal. Além de ter meu marido produtor de açaí, eu também me encaixo quando se
fala no cultivo de plantas medicinais. Sempre me identifiquei com remédio caseiro,
vou buscar na farmácia somente quando não consigo resolver com o que tenho no
meu jardim.
Percebo que a participação da juventude no início da criação do Protocolo
foi alta, mas de repente esfriou. Porém, conseguiram o desenvolvimento do CVT,
Centro de Vocação Tecnológica, em parceria com a FURG. Essa foi uma das
grandes conquistas na minha visão. Hoje, o jovem possui ensino de qualidade téc-
nico dentro do Arquipélago. O modelo é de Escola Família, onde 15 dias o aluno
passa estudando hospedado na casa de uma família na comunidade do Arraiol e 15
dias passa em sua residência. A bolsa de R$ 400 auxilia a não desistir de participar.
Na minha visão, o grande benefício da inserção do Protocolo Comunitário
no Bailique é a organização. Com a chegada do Protocolo, todas as comunidades
que participaram, aos poucos, tornaram-se mais organizadas e obtiveram acesso a
cursos de capacitação que objetivavam a preservação da floresta. Antes dos cursos,
algumas comunidades já trabalhavam se preocupando com a natureza e com o
meio ambiente, porém não detinham todo o conhecimento. Dessa maneira, con-
seguimos confirmar se as ações que já promoviam eram corretas e aprender novas
maneiras de trabalhar com a terra de maneira responsável.
Sobre a produção do nosso açaí, percebemos que grande parte dos agricul-
tores se doam todo o ano para o manejo da terra. Temos o costume de trabalhar em
mutirão, cada semana escolhemos o terreno de um morador aqui da comunidade
para auxiliar. Nos unimos para fazer o nosso melhor para obter um açaí de quali-
dade. Em 2016, não tivemos escoamento da nossa produção e, assim, pesou mui-
to. Temos esperança de que o modelo de manejo e colheita ensinado através dos
cursos do Protocolo venha ser uma forma de conseguirmos escoar nossa produção
com maior valor. A nova forma de produção traz maior consciência para cada
168 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

trabalhador sobre a qualidade do açaí, higienização do fruto durante a colheita e a


segurança para não se machucar.
Nosso maior objetivo com a criação do Protocolo para a produção de açaí
na nossa região é vender nosso fruto sem o atravessador. Hoje toda a nossa pro-
dução é vendida para barcos que levam até as fábricas que transformam o fruto
em polpa. Chamamos de atravessadores esses barcos que compram dos produtores
e vendem para as grandes fábricas. Nosso sonho é que um dia possamos ter uma
fábrica nossa.
Ainda, espero que o maior fruto do projeto seja a Escola Família destinada à
formação de jovens do Ensino Médio. Sempre foi um sonho de todos aqui, como
o curso técnico, em seguida uma Escola Família que nós vamos poder administrar.
Assim, poderemos fazer parte realmente, e não somente receber as ordens que
vem, isso para mim é um sonho que realmente pode se tornar realidade com o
Protocolo e que eu vou brigar até quando eu não tiver mais força para que isso se
torne realidade para todos aqui.

7 E PARA ONDE VAMOS?

Esta nova perspectiva, criada pelo Protocolo Comunitário, demonstra a visão


sistêmica da Inovação Social, apresentando uma diversidade de atores para a cons-
trução de novas soluções para as comunidades. Esta variedade de atores demonstra
a necessidade de inter-relação entre diferentes realidades que compõem subsiste-
mas para compreender o todo.
O empoderamento das comunidades transformou subsistemas originalmente
dominantes. Há na região uma inconsistência de políticas públicas destinadas às
questões fundiárias, de educação, saúde e de subdesenvolvimento social e econô-
mico. Há, também, a presença de oligarquias familiares e de exploração de grandes
grupos empresariais. Todos estes vazios, de certa forma, estão sendo enfrentados
pelas práticas adotadas pelo Protocolo.
A forma como os produtores de açaí conseguiram se organizar para cortar
os intermediários, os atravessadores, assumindo as condições de negociação com os
grupos empresariais, fez com que eles coordenassem a cadeia de produção agrícola
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 169

do açaí, gerando incremento de renda e melhores condições sociais para as comu-


nidades. Esse processo de transformação justifica o conceito de Inovação Social,
bem como a visão sistêmica sobre os atores e mudanças sociais.
Assim, a Inovação Social compreende uma forma de mitigar os problemas
sociais, resultando em solução nova ou melhorada para uma comunidade específica
(AGOSTINI et al., 2017), sendo uma maneira de entender as causas que geram
os problemas sociais ao invés de apenas aliviar os seus sintomas, impulsionando o
desenvolvimento regional por meio de melhorias do bem-estar humano e ascensão
dos processos sociais.
Considerando a iniciativa de Inovação Social e os desafios latentes de se ha-
bitar nesse território, como incentivar as famílias a continuarem nesta comunida-
de? E quanto aos jovens? Como criar condições para atrair a juventude e motivá-
-los a morar em uma comunidade no meio da floresta? Como envolver os jovens
no desenvolvimento do território? Quais outras características da inovação social
você descreveria para o desenvolvimento do território?

Figura 9: Fotos de Diana e da Comunidade (2021)

Figura 9: Fotos de Diana e da comuni-


dade (2021).

Fonte: Diana Lopes (2021)


170 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

NOTAS DE ENSINO

Te convidamos a trabalhar com teus alunos uma história sobre os desafios dos
territórios ribeirinhos. Sobre povos e comunidades tradicionais. Sobre SER povos
e comunidades tradicionais. Sobre ser mulher, homem, jovem, adulto, idoso, crian-
ça e ser a força desse território. Mas também sobre habitar um em território com
uma rica biodiversidade e beleza impecável. Sobre ser guardião da floresta e lutar
continuamente para mantê-la em pé. Mas antes disso, é importante lembrar aos
alunos que: o que torna esse diálogo rico e saudável são as diferentes percepções
e opiniões que cada pessoa carrega consigo, portanto, pontos de vista divergentes
enriquecerão ainda mais essa discussão. Estimule seus alunos a refletir além da ges-
tão. Encoraje seus alunos a pensarem diferentes soluções para o mesmo problema.
Explore o lado criativo de seus alunos. E proponha que seus alunos viajem para a
Amazônia sem sair da sala de aula!!

1. SUMÁRIO DO CASO

Este caso visa apresentar a história de uma mulher, líder comunitária, e, por
meio dela, representar as dificuldades e aprendizados de toda uma comunidade do
meio da floresta amazônica. Esquecida por instituições, repleta de desigualdades
e injustiças sociais, os ribeirinhos desenvolvem uma metodologia denominada de
Protocolo Comunitário, que entendemos ser uma inovação social. Por meio des-
te caso, será possível descobrir conceitos e pré-conceitos sobre geração de renda
para comunidades isoladas, empoderamento feminino e comunitário, resiliência e
empatia. Mecanismos de gestão se misturam com um olhar humano e social, que
busca atravessar o “rio que nos separa”.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 171

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Desenvolver uma reflexão sobre uma iniciativa de Inovação Social (IS) de-
senvolvida em um território marcado pelo isolamento, infraestrutura precária e
invisibilidade do poder público, promovendo a compreensão de como superar os
típicos desafios locais enfrentados por uma comunidade localizada no meio da
floresta. A história contada visa apresentar na prática o conceito de IS, como um
processo. O caso apresenta a narrativa verídica do Arquipélago do Bailique e da
implementação de um Protocolo Comunitário na região. Durante a leitura do
caso, é possível entender o contexto da região, seus desafios e o processo de imple-
mentação do Protocolo como forma de superar os vazios desse território.
Este caso possui informações sobre essa iniciativa de Inovação Social tipica-
mente territorial baseados na narrativa de uma mulher guerreira, nascida e criada
na região. É sugerido para os cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de
Administração, Gestão e Design que envolvam aspectos relacionados à Inovação
Social, Sustentabilidade, Projeto Social, Gestão da Inovação, Empreendedorismo
Social e áreas correlacionadas.

3. QUESTÕES RELACIONADAS

a) Frente ao caso descrito, quais outras ações relacionadas à Inovação Social


você promoveria no território do Bailique? Quais seriam as soluções que gostaria
de promover?
b) Se o poder público não desenvolve essas ações, o que a comunidade ou ou-
tras instituições podem fazer para melhorar o desenvolvimento socioeconômico?
c) Como manter os jovens neste território? Quais mudanças seriam necessá-
rias para tentar manter a juventude participativa?
d) De acordo com os conceitos de Inovação Social abordados neste caso,
como você descreveria o conceito de Inovação Social direcionado a territórios?
e) Como a Inovação Social pode ser um processo de transformação desta
comunidade? Como você imagina esta comunidade daqui a cinco anos?
172 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

f ) Diana, por sua história de luta, pode ser considerada uma líder no proces-
so de inovação social? Quais características você identifica nela que podem fazer
diferença nestes projetos?
g) A pandemia de Covid 19 impactou o mundo, mas o que você reflete ao ler
sobre como a pandemia atingiu comunidades como o Bailique? E o que podemos
fazer para minimizar estes impactos quando acontecerem?

4. O CASO: SEUS DESAFIOS E POSSÍVEIS ANÁLISES

4.1 O PROCESSO DE INOVAÇÃO SOCIAL E SEU CONCEITO

Uma das abordagens mais próximas da definição mais sistêmica de IS é do


Centre for Social Innovation - Crises (2015) que estabelece que as Inovações Sociais
resolvem desafios sociais, culturais, econômicos e ambientais existentes. São siste-
mas de mudança - elas alteram permanentemente percepções, comportamentos
e estruturas que anteriormente deram origem a estes desafios. Ainda, o Crises
(2015) estabelece que a Inovação Social é um processo iniciado pelos atores sociais
para responder a uma aspiração, atender a uma necessidade, dar uma solução ou
aproveitar uma oportunidade de ação para mudar as relações sociais, para trans-
formar um quadro ou propor novas orientações culturais, a fim de melhorar a
qualidade e as condições de vida da comunidade.
Ao abordar a transformação das estruturas, Haxeltine et al. (2013) apontam
que IS provoca mudanças nas relações sociais, envolvendo novas formas de fazer,
organizar, enquadrar e/ou conhecer, que desafia, altera e/ou substitui instituições/
estruturas dominantes num contexto social específico. Dentre inúmeras definições,
segundo Moulart e Mehmood (2015), a Inovação Social é conceituada como solu-
ção para problemas sociais que não são resolvidos suficientemente pelas estruturas
institucionais e organizacionais atuais. As soluções podem ser em diversas frentes
de atuação, como pobreza, exclusão, saúde, educação, emprego, direitos humanos,
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 173

meio ambiente, entre outros. Nesse sentido, a Inovação Social volta sua atenção
principalmente para grupos marginalizados, incluindo desempregados, idosos,
mulheres, analfabetos, imigrantes/refugiados e jovens (GRIMM et al., 2013).
Considerando o contexto de isolamento, falta de políticas públicas e ausência
do governo apresentado pela narrativa de Diana, a ênfase no território compreende
uma forma de superar os problemas sociais enfrentados. Nesse sentido, uma ma-
neira de fomentar o desenvolvimento de um contexto local é promover e sustentar
Inovações Sociais como respostas para as necessidades humanas e aos problemas
sociais (TAYLOR, 1970; CLOUTIER, 2003; MULGAN, 2007; WESTLEY et
al., 2014). Logo, destaca-se o território e os atores que podem ser apontados como
elementos importantes que permeiam esse contexto específico e ainda é repleto de
ações coletivas que tentam promover a harmonização das atividades locais. Nesse
sentido, assumindo que Diana e demais moradores do Bailique são considerados
os principais atores, mobilizando desde a organização de uma comunidade até a
repartição dos recursos, percebe-se que são eles que promovem a Inovação Social
em um contexto territorial.
Diante disso, podemos relacionar as questões tratadas pelo Protocolo Comu-
nitário do Bailique como uma Inovação Social, já que é uma iniciativa que surge
como uma resposta aos problemas sociais enfrentados nesse território por Diana,
sua família e demais moradores, os quais lutam contra a redução das desigualda-
des do seu território localizado no meio na floresta, é realizado de forma coletiva
pela mobilização de diversos atores e, por fim, promove o empoderamento das
lideranças e da comunidade (TAYLOR, 1970; ; CAJAIBA-SANTANA, 2014;
DESERTI; RIZZO, 2019).
Nesse cenário, observa-se um movimento de integração de diferentes atores,
que se mobilizam desde a organização e buscam reunir agentes capazes de facilitar
a resolução ou a amenização dos desafios enfrentados pelos ribeirinhos. Assim, os
esforços para integrá-los podem ser vistos como uma forma de Inovação Social
que pode contribuir para o desenvolvimento socioeconômico da região.
Para Tardif e Harrisson (2005), a inovação social é um processo localizado e
iniciado por diferentes atores, que procuram mudar as interações entre si e com seu
meio de organização institucional, bem como promover diferentes interações, de
174 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

forma a superar os efeitos das crises, com a tentativa de conciliar os diferentes ní-
veis de interesse particular, o interesse coletivo e o interesse geral ou bem comum.
Uma outra dimensão analisada pelos autores – atores envolvidos no proces-
so de inovação social – refere que a conexão dos atores constitui ‘jogadores hí-
bridos’ com comitês bi e tripartite, bem como redes que constituem projetos de
inovação local. Com a miscigenação de atores, chega-se ao aprendizado de novos
comportamentos para o desenvolvimento de novas regras e normas. O objeto fi-
nal em projetos de inovação é que todos os atores políticos estejam envolvidos
no processo de cooperação, comportando-se como facilitadores em negociações,
consultas e acordos formais e informais que permitirão a governança adequada do
projeto de inovação. Nesse prisma, a inovação coloca em perspectiva a participação
e o envolvimento de múltiplos intervenientes, sendo uma questão fundamental o
fortalecimento das condições para a participação das organizações da sociedade
civil (movimentos sociais, sindicatos, comunidade, voluntários e cooperativas) no
desenvolvimento e na implementação de projetos inovadores junto a outros atores
institucionais e particulares (TARDIF; HARRISSON, 2015).

4.2 PROTOCOLO COMUNITÁRIO COMO FERRAMENTA


PARA O PROCESSO DE IS2

Para melhor compreender o projeto, deve-se retomar o Protocolo de Nagóia,


do qual o Brasil é signatário, que visa garantir a repartição justa e equitativa dos
benefícios, mantendo a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável de
seus componentes. Assumindo esse primeiro entendimento, formou-se o GTA –
Rede Grupo do Trabalho Amazônico, com o intuito de construir uma metodologia
de trabalho que gerasse um instrumento de proteção aos direitos dessas comuni-
dades, gestão de seu território, manejo e uso sustentável dos recursos naturais. Este
instrumento, denominado Protocolo Comunitário, contém regras internas criadas
pela própria comunidade (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014).

2 Esta seção apresenta trechos da tese de uma das autoras do caso, conforme lista de
referências (AGOSTINI, 2017).
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 175

O grupo observou que as comunidades tradicionais estavam sujeitas a grandes


grupos empresariais, que chegavam para ‘negociar’ os produtos da região munidos,
muitas vezes, de ‘más intenções’, visando explorar as comunidades e os recursos de
seus territórios. Os PCTs – Povos e Comunidades Tradicionais não tinham conhe-
cimento nem informações suficientes para estabelecer um contrato justo e equi-
tativo, ficando à mercê do valor e das condições impostas pelos grupos externos.

A construção de protocolos comunitários tem como objetivo empoderar po-


vos e comunidades tradicionais para dialogar com qualquer agente externo
de modo igualitário, fortalecendo o entendimento da comunidade dos seus
direitos e deveres e estabelecendo a importância da conservação da biodiver-
sidade e de seu uso sustentável. Além disso é uma importante ferramenta de
gestão de territórios, assim como do controle e da forma de uso de recursos
naturais (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014, p. 8).

A implantação de um Protocolo Comunitário requer, pelo menos, três


fases: a primeira corresponde ao desenvolvimento do Protocolo Comunitário pela
comunidade; a segunda envolve as melhorias de arranjos produtivos, quando a co-
munidade trabalha para identificar potencialidades econômicas em seu território,
iniciando acordos comerciais e seguindo as normas estabelecidas na primeira fase;
a terceira ocorre quando a comunidade desenvolve a certificação socioparticipativa
de seus produtos, almejando o incremento de renda e a melhoria dos processos de
produção (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014).
Os dados sobre estas oficinas e os resultados alcançados estão detalhados na
seção de análise de dados e entrevistas. Cumprida a fase 1 do protocolo, o GTA
deu início à segunda e à terceira fases, ou seja, à construção de um plano de desen-
volvimento sustentável local e ao fortalecimento institucional comunitário. Esta
segunda etapa teve os seguintes objetivos:
1. Fortalecimento institucional da organização comunitária.
2. Plano de desenvolvimento sustentável local.
3. Organização das cadeias produtivas locais – identificadas no diagnóstico
produtivo.
4. Desenvolvimento tecnológico e inovação.
5. Identificação de novos produtos, parceiros e mercados.
176 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

6. Prospecção e acesso às políticas públicas estruturantes (GRUPO DE


TRABALHO AMAZÔNICO, 2016).
Nesta segunda etapa, foram realizados mais seis “encontrões”. Considerando
a dinâmica do Encontrão VIII, as demandas do protocolo foram organizadas em
GTs – grupos de trabalho, para facilitar as discussões e agrupar os interessados: GT
conhecimento tradicional; GT produção e extrativismo; GT juventude; GT meio
ambiente; e GT questão fundiária.
Além dos grupos de trabalho, foi definida a implantação de um CVT – Cen-
tro de Vocação Tecnológico, responsável pelas análises e implementações do de-
senvolvimento econômico da região. Quatro produtos foram identificados como
prioritários: açaí, pescado, plantas medicinais e óleos. Após essas definições, o
GTA passou a procurar parceiros para desenvolver as práticas. Nessa ocasião, sur-
giu a parceria com a FURG – Universidade Federal do Rio Grande, que, com um
projeto de pesquisa, passou a coordenar o CVT, possibilitando a criação de um
curso tecnológico para os produtores do Bailique e de outros projetos secundários,
a fim de desenvolver as possibilidades produtivas da região.
Como resultado dessa parceria, foi realizada uma oficina de boas práticas no
manejo dos açaizais, com a participação de 134 famílias, e foram feitas hortas co-
munitárias com plantas medicinais para dar início ao projeto da Farmácia da Terra.
No Encontrão VI, em final de 2015, convidados externos foram chamados
até o Bailique, para a primeira rodada de negociação visando a possíveis negócios
e parcerias. Estiveram presentes, aproximadamente, 300 comunitários, de 40 co-
munidades do território. Fizeram-se também presentes a Coordenação das Or-
ganizações Indígenas da Amazônia (COIAB), o Fundo Vale, Fundação AVINA,
CENTROFLORA, Consultoria PLANT, Fundação CERTI, GREEN Bioetanol
Social, NATURA, Fundação Banco do Brasil, EMBRAPA/AP e Projeto Casa
Espírita Terra de Ismael. Em consequência desse encontro, dois principais proje-
tos foram iniciados: naquele relacionado à produção de açaí, foi analisado como
escoar o produto sem depender de intermediários; naquele referente ao Grupo
de Conhecimento Tradicional, definiu-se que a semente de ‘unha de gato’ deveria
ser mais bem estudada para fins de conservação e comercialização (GRUPO DE
TRABALHO AMAZÔNICO, 2016).
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 177

Outra iniciativa importante desta fase surgiu no segundo semestre de 2015: o


programa de apoio educacional para estudantes e universitários da Escola Família,
visando ao desenvolvimento dos jovens e a um novo protagonismo para as comu-
nidades. No entanto, somente em janeiro de 2017, teve início o primeiro Curso
Técnico em Alimentos, com 20 alunos matriculados.
Uma das maiores conquistas do projeto chegou em dezembro de 2016, com
o recebimento do selo de certificação da FSC – Forest Stewardship Council. A con-
quista de tal certificação é histórica por ser ela a primeira certificação de açaí no
mundo. Em matéria publicada no jornal Estadão, percebe-se a importância da
conquista para o Brasil e para a FSC:

Antes da certificação, que atesta a boa qualidade do produto, os cerca de


cem produtores do Bailique faziam vendas individuais e por um valor muito
baixo, numa média de R$ 0,30 o quilo do açaí. Agora pretendem alcan-
çar mercados diferenciados e conseguir preços melhores. O FSC, Forest
Stewardship Council, é um sistema de certificação florestal internacional-
mente reconhecido que identifica, por meio de sua logomarca, produtos ori-
ginados do bom manejo florestal (RIBEIRO, 2017, não paginado).

Na Figura 8, visualizam-se os processos mais importantes deste projeto.


178 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Figura 8: Processos do Protocolo Comunitário do Bailique

Fonte: Agostini (2017, p.129)

Alguns fatores a serem observados, neste caso, são a criação do Protocolo


Comunitário e a definição das principais atividades econômicas. Desse proces-
so, surgiu a certificação FSC, que possibilitou aumento no valor do açaí, além
de novas possibilidades para sua comercialização. O incremento de renda para os
produtores locais gerou um fundo cujos recursos foram investidos na criação da
Escola Família, fechando o importante ciclo de capacitação da comunidade para
dar seguimento ao projeto.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 179

4.3 ATORES ENVOLVIDOS E PERSONAGENS


IMPORTANTES3

O projeto do Protocolo Comunitário do Bailique conta com grande número


de atores envolvidos, em uma rede de articulação que cresce na medida em que as
comunidades identificam novas necessidades. Inicialmente, o projeto contou com
a Rede Grupo de Trabalho Amazônico (Rede GTA) e teve como apoiadores o
Fundo Vale e a Fundação Avina. Tem como parceiros a Regional Amapá da Rede
GTA, o Conselho Comunitário do Bailique (CCB), a Colônia Z-5 de Pescadores,
o Instituto Estadual de Florestas do Amapá e o DPG/ CGEN/Ministério do
Meio Ambiente (GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, 2014). Além des-
ses atores institucionais, identificaram-se (i) instituições de ensino, (ii) populações
locais, (iii) povos indígenas, (iv) comunidades tradicionais, (v) setor produtivo e
(vi) governo.
Outro parceiro sempre presente no processo do Protocolo é a OELA - Ofi-
cina Escola de Lutheria da Amazônia. O projeto começou com as duas organiza-
ções, OELA e GTA, estando ambas vinculadas à figura do ‘Rubão’, idealizador e
motivador do projeto. “Agora o projeto vira só OELA, porque como o Rubão, ele
estava presidente do GTA, mas acabou o mandato dele esse mês. A gente achou
mais seguro passar tudo para a OELA” (CONSULTORA DO GTA, informação
verbal). Observa-se a presença de uma liderança forte e agregadora, que faz de sua
história pessoal um diferencial para o projeto.
Para organizar as lideranças locais e gerar o empoderamento com representa-
tividade real das comunidades tradicionais, uma nova associação foi criada.

“Eles acharam que era necessário criar uma associação do protocolo comunitário.
Existia... existe ainda uma coisa que se chama Conselho Comunitário do Bailique,
que é uma instituição representativa deles, já existe há 20 e tantos anos, só que é
uma instituição que foi cooptada por partidos locais. A política do local é muito
complicada. Então, por muitos anos e ainda é, quem é eleito para esse conselho,
está... aquelas coisas que a gente sabe, de ‘Ah, é governo local, quem ganhar funcio-
na se o cara não ganhar não funciona’. E todo mundo sabe dessa história lá dentro.

3 Esta seção apresenta trechos da tese de uma das autoras do caso, conforme lista de
referências (AGOSTINI, 2017).
180 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Então eles falaram assim ‘Não, a gente quer uma associação que represente o que
o protocolo comunitário vai conversar. Que a gente não vai... a agenda vai ser
diferente, mas o que o protocolo comunitário decidir a gente vai ter essa associação’.
Então nesse processo eles criaram a ACTB, que é a Associação das Comunidades
Tradicionais do Bailique” (CONSULTORA DO GTA, informação verbal).

No processo de criação da ACTB, visualiza-se tanto o respeito pelas lide-


ranças antigas, como o empoderamento dos jovens. A liderança eleita presidente
dessa nova associação tem 35 anos e conquistou esse cargo por sua participação
ativa durante o Protocolo Comunitário.
Diana é uma das lideranças, com uma presença feminina e guerreira, ela
simboliza o empoderamento da mulher nesse processo. Em uma análise sobre mu-
lheres quilombolas em projetos de inovação social, D´Agostini, Freitas e Agostini
(2020) observam que as mulheres historicamente executam papéis importantes
para a manutenção de suas localidades, inclusive destacando a importância deste
papel como inspiração para futuras gerações. As mulheres demonstram maior in-
teresse do que os homens na manutenção da história e cultura das comunidades,
fazendo com que sua liderança gere empoderamento, busca por renda própria e
valorização. Além disso, destacam que, ao tomarem decisões, as mulheres se tor-
nam facilitadoras, mudando atitudes, inclusive machistas, em sua comunidade. As
autoras também destacam que as mulheres quilombolas estão desempenhando
cada vez mais papéis relevantes nas comunidades, algumas baseando-se em uma
liderança cultural, outras por meio de participações em associações, mas é explícito
o crescimento das mulheres nas representatividades locais.
Maguirre, Ruelas e Torre (2016) analisam como as mulheres indígenas no
México, por intermédio de projetos de empresas sociais, conseguiram prosperar e
aumentar o seu nível de bem-estar. As mulheres têm se beneficiado da oportuni-
dade de trabalhar e empreender, empoderando-se para criar negócios. Mudando
a cultura dominante por uma sociedade mais igualitária, o aumento de fontes de
rendimento tem promovido a participação das mulheres em questões de política e
de gestão, e tem inspirado mais mulheres a trabalhar na empresa social.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 181

4.4 POSSÍVEL ORGANIZAÇÃO DA AULA PARA USO DO


CASO PARA ENSINO

Sugere-se que os alunos façam a leitura prévia do caso para ensino e tenham
realizado anotações dos pontos que chamaram mais a sua atenção e quais relações
fizeram com as disciplinas já estudadas ao longo do seu curso. Dessa forma, a dis-
cussão promovida em aula poderá ser mais participativa, rica e interessante, uma
vez que os alunos já estão familiarizados com o caso. Para que o professor organize
a dinâmica da aula, deve chamar pelo número da chamada e pedir para que o aluno
aponte alguma reflexão que fez durante sua leitura. Ainda, pode solicitar a um se-
gundo aluno que comente a reflexão do aluno anterior. O professor pode avaliar o
comentário qualificado de cada um dos alunos. Deve sempre oferecer espaço para
que qualquer aluno exponha seu ponto de vista durante as rodadas.
Antes de iniciar a discussão, o professor também poderá utilizar de plata-
formas online de perguntas e respostas (Exemplo: Kahoot e/ou Mentimeter) para
fazer um quiz com os alunos sobre o texto. Além disso, também pode utilizar as
perguntas sugeridas nestas notas de ensino. De forma interativa, o professor pode
verificar o quão profunda foi a leitura para dar início ao debate.
Sugere-se a utilização de material complementar como vídeos, fotos e ma-
teriais escritos em outros meios para melhor compreensão do conceito e uma
visualização do contexto. A plataforma Youtube conta com um vídeo explicativo
sobre o Protocolo Comunitário no Bailique, bem como matérias que demonstram
a importância dessa iniciativa e que foram destacadas por seus parceiros: Instituto
Terroá e OELA.
Recomenda-se sempre desenvolver um fechamento com os pontos mais im-
portantes do texto, com foco na fixação do aprendizado. Sugere-se relacionar com
os conteúdos aprendidos anteriormente pelos alunos e exemplificar de acordo com
o contexto local.
Ainda, o uso do estudo pode introduzir a explicação de alguma área ou pon-
to desenvolvido no texto, ou seja, desenvolver uma aula baseada em problemas e
soluções reais. Se o professor optar em desenvolver com os alunos uma aula mais
prática, poderá propor:
182 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

a) O que faz o Protocolo Comunitário implementado no arquipélago do Bai-


lique ser considerado uma Inovação Social?
b) Você conhece alguma iniciativa que possa ser citada como uma Inovação
Social? Por que ela pode ser considerada uma IS? Sob quais aspectos?
c) Crie uma ação que envolva Inovação Social relacionada à resolução de
problemas locais para pessoas em situação de vulnerabilidade social na sua região.
d) Relacione a solução social encontrada pelos ribeirinhos do Bailique com
outras iniciativas de Inovação Social que você conheça ou criada por você e aponte
características em comum ou contrastes.

5. MATERIAIS DE APOIO PARA DISCUSSÃO

Vídeos https://www.youtube.com/watch?v=IEuZ-GBwVNs

Notícias https://blog.institutoterroa.org/cooperativa-amazonbai-conquista-certi-
ficacao-ao-mostrar-que-a-conservacao-florestal-tem-muito-valor/
https://portal.oela.org.br/protocolo-comunitario/

Redes sociais https://www.facebook.com/amazonbai/


https://www.instagram.com/

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institucionais: uma análise multidimensional em diferentes contextos sociais. Tese (Dou-
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do Bailique: cuidando da floresta e reduzindo desigualdades estruturais. 2020. Disponível
em: <https://archivo.cepal.org/pdfs/bigpushambiental/Caso83-OProtocoloComunitario-
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IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 185

Caso 1

MAIS JUNTXS POR TODXS: O CASO DE


UM LIVING LAB QUE TRABALHA PARA O
ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Larissa Medianeira Bolzan
Daniela Mattos Fernandes

Este caso para ensino versa sobre a criação e a implementação de um Living


Lab (LL) cuja finalidade é a cocriação de tecnologias sociais para o enfrentamento
da violência de gênero. O Living Lab surgiu de uma demanda identificada no am-
biente de trabalho da Professora Anne4. Em abril de 2021, o LL começou a atuar
na cocriação de tecnologias sociais. O Projeto unificado em ênfase em Extensão
Mais Juntas, coordenado por Anne, atuou como orquestrador para a cocriação
das tecnologias sociais, de forma que todas as cinco reuniões realizadas utilizan-
do o método Design Sprint (DS) foram mediadas pela Professora Anne. Como
resultado, até o presente momento (agosto/2021), tivemos três tecnologias sociais
cocriadas, sendo destas: duas implementadas e uma planejada para ser executa-
da no segundo semestre. Os desafios apresentados são: o engajamento dos atores
que constituem o Living Lab e dos voluntários e bolsistas; a sustentabilidade fi-
nanceira; e a possibilidade de escalabilidade. Explorando os referidos desafios, os
acadêmicos têm oportunidade de desenvolver habilidades de comunicação, argu-
mentação, liderança, trabalho em equipe, resiliência, pensamento analítico e ainda
têm a possibilidade de conhecer uma estrutura organizacional que o tire da zona

4 O nome Anne está sendo utilizado como codinome.


186 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

de conforto, uma vez que não é uma estrutura comum de ser estudada em muitos
cursos de graduação.

1 UM POUCO DA HISTÓRIA DO MAIS JUNTAS

No mês de julho de 2018, Anne chegou em uma nova cidade. O motivo era
assumir um cargo de professora adjunta, nos cursos superiores de Engenharia, na
Universidade Y. Desde o início, o que a preocupava era conquistar o respeito e a
confiança dos acadêmicos, uma vez que a maioria dos alunos seria do gênero mas-
culino, assim como os professores do respectivo Curso Superior.
As aulas começaram na noite da primeira sexta-feira de agosto. Foram
duas disciplinas e quatro horas de aula. Anne planejou iniciar o semestre com a
metodologia tradicional de ensino - isto é, uma aula expositiva - e, ao longo do
semestre, introduziria algumas metodologias ativas com vista a analisar o compor-
tamento dos acadêmicos a partir da utilização destas.
A nova professora criara uma persona pouco aberta à interação com acadê-
micos, principalmente, até compreender o universo das referidas turmas. Confor-
me análise do primeiro semestre, as turmas se adaptaram a metodologias ativas e
à nova professora. Isso fez com que, no segundo semestre como professora, Anne
se sentisse mais segura. Dessa forma, em seguida, a professora começou a assumir
outras responsabilidades, como a organização da semana acadêmica, ministrar al-
gumas palestras e organizar viagens de estudo.
Mesmo não sendo o objetivo inicial, Anne se aproximou dos alunos e,
rapidamente, identificou uma demanda acerca de orientações/informações sobre
alguns comportamentos machistas e sexistas. Assim, nasceu um Projeto unificado
com ênfase em Extensão com o objetivo de informar a comunidade universitária
sobre violência de gênero. Em 2020, já em março, a comunidade universitária e a
comunidade local demandavam ações do Projeto para o enfrentamento da violên-
cia de gênero.
Anne já havia se aproximado da temática Living Lab (LL) durante seu
pós-doutorado. Então, com a identificação de uma oportunidade, pensou em de-
senvolver um LL para cocriar tecnologias sociais de enfrentamento da violência de
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 187

gênero. E assim o fez. Logo, o Projeto mudou seu objetivo para “cocriar tecnolo-
gias sociais de enfrentamento da violência de gênero”.
Não foi fácil unir atores para constituir o LL. Anne fez cerca de duzen-
tos contatos com diferentes instituições, mas poucas responderam. Havia muita
demanda pela cocriação de tecnologias sociais, mas pouco engajamento de atores
locais. Em paralelo, Anne divulgava o Projeto nas redes sociais e promovia lives
sobre temas relacionados à violência de gênero. Aos poucos, voluntários foram se
aproximando e, em seguida, a resposta positiva de atores também chegou.
No ano de 2020, o Projeto conseguiu uma bolsa de iniciação científica do
CNPq. Em 2021, o Projeto conseguiu duas bolsas de iniciação científica do CNPq
e uma de extensão. Quanto aos voluntários, em 2021, somavam-se doze (12) pes-
soas. No que se refere aos atores que constituíram o LL, somaram-se oito (8).
Atualmente, o LL Mais Juntas tem a parceria de três Instituições de Ensi-
no Superior, sendo duas Federais e uma privada; três ONGs; quatro escritórios de
advogadas que trabalham com direito da mulher e enfrentamento da violência de
gênero; uma clínica de ginecologia; um supermercado com cinco lojas na cidade;
uma autarquia; duas secretarias municipais; o Centro de Referência à Mulher do
Município; duas empresas; e a Prefeitura. Além disso, também é berço de três (3)
tecnologias sociais, sendo duas paliativas e uma preventiva; duas campanhas pla-
nejadas e uma em execução.

2 JUNTANDO O “MAIS JUNTAS”

De acordo com a European Network of Living Labs (ENoLL), Living Lab


são “Ecossistemas de inovação abertos, centrados no usuário, com base na aborda-
gem sistemática de cocriação” (EUROPEAN, 2020, p.1). O Projeto Mais Juntas,
juntamente com outros sete atores locais, constituiu um Living Lab no primeiro
semestre do ano de 2021. Para a constituição do LL, mais de 200 contatos foram
realizados com diversas instituições. Os contatos iniciaram no dia 05 de março de
2021, as tentativas de contato se deram via contato/correio eletrônico encontrado
após pesquisa online e identificação de potenciais atores.
188 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Como resposta do contato inicial, foram obtidos retornos positivos de al-


gumas instituições e abstenção de outras. A fim de cumprir o cronograma esta-
belecido para a constituição do LL, fora pré-estabelecido uma data limite para o
retorno dos contatos, sendo esta 10 de abril de 2021. Para aqueles contatos sem
retorno inicial, houve também segunda tentativa de contato através de número
de telefone ou e-mail de terceiros identificados como relacionados diretamente à
entidade de enfoque.
Em 24 de abril, foi concluída a etapa de constituição do LL, assim, oficial-
mente, o Living Lab Mais Juntas foi constituído por oito (8) instituições, sendo
elas: o Projeto Unificado com ênfase em extensão Mais Juntas; o Projeto de ex-
tensão Direito de Olho no Social; o Núcleo de Gênero e Diversidade (NUGEN);
a empresa Gurias Tech; a ONG Grupo Autônomo de Mulheres em Pelotas
(GAMP); o Centro de Referência da Mulher Professora Cláudia Pinho Hartle-
ben; a Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) do município; e a ONG
Emancipa Mulher Pelotas. Cabe ressaltar que ocorreram reuniões individuais com
cada ator antes de integrá-los ao LL para alinhamento ao propósito do projeto e
para sanar dúvidas acerca do envolvimento e participação de reuniões e cocriação
durante todo período ativo do LL.

3 COCRIANDO... COLABORANDO...
CONSTRUINDO JUNTXS

Uma das preocupações do Projeto Mais Juntas era não comprometer muito
tempo dos atores que constituíam o LL. Por isso, optou-se por utilizar a meto-
dologia de cocriação de tecnologias Design Sprint, que é um método de cocriação
rápido e eficiente, o qual apresenta resultado em cinco dias (no caso do LL Mais
Juntas, cinco encontros), sendo que cada um se refere a uma fase: mapeamento,
elaboração, decisão, prototipagem e teste – todas as etapas com foco em usuário
(GOOGLE VENTURES, 2018).
Assim, foram programados cinco (5) encontros com os atores, todos com
um propósito central. As reuniões ocorreram através de plataforma online Web-
conferência, com duração máxima de uma hora e trinta minutos (1h30min) e com
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 189

intervalo de duas semanas entre cada encontro. A Reunião 1 teve como objetivo a
definição de dois problemas a serem solucionados por tecnologias sociais cocria-
das pelo LL. A Reunião 2 serviu para cocriar uma tecnologia social e a Reunião
3 cocriou a segunda tecnologia social. Na Reunião 4, foi realizada a apresentação
de um protótipo e, finalmente, a Reunião 5 foi destinada ao teste/validação das
tecnologias sociais com as protagonistas (mulheres) por meio do Teatro Fórum.
A metodologia de cocriação Design Sprint, utilizada pelo LL Mais Juntas, está
ilustrada na Figura 1.

Figura 1 – Metodologia de Cocriação De-


sign Sprint Utilizado pelo LL Mais Juntas

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021)

A seguir, os métodos utilizados para condução de cada reunião foram bre-


vemente apresentados. É importante destacar que o Projeto Mais Juntas sempre
atuou como orquestrador do LL. Para planejar cada reunião, foi feito um levan-
tamento de horários disponíveis entre os atores. Esse procedimento foi realizado
durante uma semana pela plataforma Typeform.
190 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

3.1 PRIMEIRA REUNIÃO

Na primeira reunião, com o objetivo de identificar os problemas a serem foco


de cocriação de tecnologias sociais pelo Living Lab, foram utilizados três métodos:
(i) a Árvore de Problemas, (ii) o Museu de Artes e o (iii) Mapa de Calor. Inicial-
mente, a professora Anne explicou cada método e, depois, com o auxílio da ferra-
menta Jamboard©, iniciou-se o desenho da Árvore de Problemas, em duas etapas.
Quanto às ferramentas utilizadas, de forma lúdica, na representação da
Árvore de Problemas, o tronco é o problema central a ser considerado, neste caso,
a violência de gênero; na copa, formada por galhos e folhas, apareciam as conse-
quências do problema central e, nas raízes, eram destacadas as causas do problema
(LEADER EDUCA, 2016). Depois das contribuições, construiu-se o Museu de
Artes. Esta ferramenta destina-se à exposição de todas as ideias para todos os
atores que estavam na reunião. O Museu de Artes serviu de base para realizar a
terceira etapa da reunião, usando outra ferramenta - o Mapa de Calor. O Mapa de
Calor consiste na identificação do senso comum, onde está a maior concentração/
densidade de pontos em determinada atividade, para evidenciar visualmente qual
a moda destes dados. Já a ferramenta Jamboard© é um aplicativo do Google com
intuito educativo de servir de quadro branco virtual para aprender, colaborar e par-
ticipar de atividades em equipe de forma simultânea, possibilitando a todos com
acesso alterarem em tempo real seu conteúdo e o deixar salvo na nuvem (GOO-
GLE WORKPLACES, 2017).
Como citado anteriormente, a árvore de problemas foi construída em duas
etapas. Na primeira etapa, a copa se fez, tendo sido anotadas as contribuições re-
ferentes às consequências do problema central. Como resultado, teve-se o levanta-
mento de dezessete (17) consequências da violência de gênero. Tais consequências
podem ser visualizadas na Figura 2.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 191

Figura 2 – Jamboard© do Levantamento de Consequências

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Depois de a copa ter tomado forma, esta foi exposta aos atores. A exposição,
como já explicado, é chamada de Museu de Artes. Na sequência, foi acionado o
modo multiusuário da Plataforma Webconferência (usada para realizar as reu-
niões), dando a oportunidade para que os atores votassem na consequência mais
importante. A dinâmica de votação/escolha chama-se Mapa de Calor. Ao final,
realizou-se a escolha de “Violência Psicológica” como a consequência da violência
de gênero sobre a qual o Living Lab deveria atuar.
Na segunda etapa, foram anotadas as causas do problema central. De igual
forma, como na primeira etapa, quando as raízes tomaram forma, depois de anota-
das todas as causas, foram realizadas as dinâmicas de exposição das contribuições
(Museus de Artes) e da votação/escolha (Mapa de Calor). Como resultado, teve-se
o levantamento de oito causas da violência de gênero, conforme mostrado na Fi-
gura 3.
192 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Figura 3 – Jamboard© do Levantamento de Causas

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Como resultado do Mapa de Calor, teve-se a escolha de “Educação nas


Escolas” como a causa sobre a qual o Living Lab deveria atuar.
Importante destacar que, dos oito (8) atores que constituem o LL, apenas
cinco participaram desta reunião.

3.2 SEGUNDA REUNIÃO

Na segunda reunião, o objetivo foi a cocriação da primeira tecnologia so-


cial. Conforme decidido na primeira reunião, este encontro seria de enfrentamento
à violência psicológica (consequência mais votada na primeira reunião). Para tal,
foi utilizada a técnica de brainstorming “Suposição Invertida”. Com receio de que
os atores que cocriariam a tecnologia social pudessem direcionar a dinâmica uma
vez que sabiam que as suposições seriam invertidas no futuro, a técnica não foi ex-
plicada pela mediadora. A Professora Anne apenas pediu contribuições/respostas
acerca da pergunta “de forma paliativa, como é enfrentada hoje a violência psicoló-
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 193

gica?”. Assim como na primeira reunião, para anotar as contribuições, a ferramenta


Jamboard© foi utilizada. No total, foram levantadas, pelos quatro atores que parti-
ciparam da reunião, dezesseis formas paliativas, conforme mostra a Figura 4.

Figura 4 – Jamboard© do Levantamento de Pontos de Re-


lação com Tratamento de Violência Psicológica

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Após as dezesseis contribuições serem anotadas em um post-it visual na


plataforma Jamboard©, foram realizadas as dinâmicas Museu de Artes (exposição
de todas as contribuições) e, em seguida, Mapa de Calor (votação/escolha) a fim
de escolher as formas mais efetivas para aliviar as consequências da violência psi-
cológica. Como resultado, obteve-se a escolha de quatro formas mais utilizadas/
efetivas.
Na sequência, a professora Anne explicou a técnica de suposição invertida
a ser utilizada para cocriação. Assim, as quatro suposições acerca das formas de
tratar violência psicológica foram invertidas. Dessa forma, obteve-se como ponto
de partida para cocriação da tecnologia social: a suposição “espaço para ser ouvida”
que se transformou em ‘sem lugar para ser escutada’; “encaminhamento para aten-
dimento psicossocial” transformada em “sem encaminhamento e sem orientação
para um atendimento psicossocial”; “ações educativas aos profissionais e à socie-
194 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

dade em geral quanto ao comportamento relacionado a essa violência psicológica”,


tornada “sem ações educativas para os profissionais de saúde”; e, por fim, a supo-
sição “facilitar o acesso ao auxílio correto/ajuda profissional qualificada” invertida
para “sem a facilidade/ajuda ao acesso ao auxílio correto/ajuda profissional qualifi-
cada”, conforme ilustra a Figura 5.

Figura 5 – Jamboard© da Dinâmica de Brainstor-


ming Utilizando a Técnica da ‘Suposição Inversa’

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

No processo de cocriação, depois de alguns minutos de silêncio, foram


levantadas algumas alternativas. Como resultado, foi cocriado um chatbot para o
aplicativo de mensagem instantânea WhatsApp. O objetivo do chatbot é oportuni-
zar que uma potencial vítima possa identificar o quão grave é a violência psicoló-
gica que está sofrendo e tenha informações sobre onde buscar ajuda. O aplicativo
WhatsApp foi escolhido porque permanece funcionando mesmo quando os dados
findam nos celulares cujo plano é pré-pago.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 195

3.3 TERCEIRA REUNIÃO

O objetivo da terceira reunião foi a cocriação de uma tecnologia social pre-


ventiva. Para isso, foi utilizada a técnica de brainstorming “Cortar e Fatiar”, cujo
objetivo é analisar as partes de um todo. Assim, a pergunta realizada pela mediado-
ra, Professora Anne, foi “em quais espaços de uma escola podem existir machismo/
sexismo?”. As contribuições foram anotadas em um post-it visual na plataforma
Jamboard©. Como resultado, inúmeros espaços foram citados, conforme Figura 6.

Figura 6 – Jamboard© da Dinâmica de Brainstor-


ming Utilizando a Técnica da ‘Cortar e Fatiar’

Fonte: Dados da pesquisa (2021)

Assim que vários espaços tinham sido elencados, foi realizada a dinâmica
Museu de Artes (exposição) para refletir sobre a quais dos espaços elencados o
Living Lab teria acesso, tendo em vista que, por exemplo, o currículo das escolas
não poderia ser alterado.
A partir da escolha dos lugares em que o Living Lab pode atuar dentro
das escolas, foi cocriada a solução preventiva através de análise de viabilidade de
196 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

inserção. A tecnologia social preventiva cocriada foi uma escolinha de podcast a


ser realizada quando as aulas presenciais reiniciarem. Vale observar que, dos oito
atores que constituíam o LL, apenas quatro atores participaram da reunião.

3.4 QUARTA REUNIÃO

O quarto encontro teve o objetivo de apresentar o protótipo para todos os


atores que constituíram o LL e que, portanto, cocriaram as tecnologias sociais.
A construção do protótipo ficou a cargo do Projeto Mais Juntas, uma vez que
era constituído por dois bolsistas e oito voluntários, coordenados pela Professora
Anne. A seguir, encontra-se a descrição do processo de prototipação de cada tec-
nologia social, bem como a apresentação.

3.4.1 PROTOTIPAGEM DO CHATBOT

Para o desenvolvimento do chatbot, inicialmente, foram lidos cerca de du-


zentos estudos sobre violência psicológicas e levantadas, a partir da literatura, ses-
senta e uma variáveis pelos atores do Projeto Mais Juntas. Essas variáveis foram
transformadas em perguntas e validadas por profissionais que trabalham com víti-
mas de violência psicológica. Depois de validadas por profissionais/especialistas, as
questões foram categorizadas pelos atores que constituem o LL. Em seguida, foi
realizada a validação semântica, ou seja, as questões e os termos que as constituem
foram validados junto ao público que utilizará a referida tecnologia social.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 197

3.4.2 PROTOTIPAGEM DA ESCOLINHA DE PODCAST

A prototipação da escolinha de podcast foi o desenvolvimento do planeja-


mento de realização desta tecnologia social junto às escolas. Assim, foi apresentado
aos atores um plano constituído por ações e as devidas datas para execução de cada
uma. Observou-se que apenas três atores participaram da quarta reunião.

3.5 QUINTA REUNIÃO

O quinto encontro refere-se ao processo de validação das tecnologias so-


ciais cocriadas. Ambas as tecnologias foram validadas com os usuários, ou seja, a
tecnologia social Chatbot foi validada junto às vítimas de violência psicológica e a
Escolinha de Podcast com os adolescentes.

3.5.1 VALIDAÇÃO DA TECNOLOGIA SOCIAL CHATBOT

O processo de validação foi realizado junto às usuárias por meio da dinâ-


mica Teatro Fórum. O Teatro Fórum é uma técnica oriunda do Teatro do Opri-
mido, que é sintetizado por Canda (2012) como um exercício teatral que busca
superar opressões de diferentes ordens, podendo ser realizado o exercício de ex-
pressões humanas, de vivências coletivas e formações políticas. No Teatro Fórum,
as pessoas são convidadas a participar do ato, e nele devem buscar estratégias e
ações para lidar com as problemáticas do exercício proposto (OLIVEIRA, 2014).
É importante destacar que o Teatro Fórum possui uma dinâmica de interação, na
qual existe um mediador denominado “Coringa”, que tem a função de mediar a
compreensão e participação do público (potenciais atores) com a opressão social
problematizada (OLIVEIRA, 2017).
Também foi realizada a validação estatística do instrumento que compõe
o chatbot, quando a marca de oitenta respondentes foi atingida. Foi preciso alcan-
198 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

çar este número de respondentes porque se aplicou a multiplicação por cinco (5)
a cada questão, conforme literatura acerca de validação estatística. Dito de outro
modo, eram necessários cinco respondentes para cada questão, como o chatbot é
composto por dezesseis (16) questões, foram necessários oitenta respondentes. Na
sequência, e a partir do acesso aos dados de violência de gênero do município de
Pelotas/RS, foi aplicada inteligência artificial ao instrumento.

3.5.2 VALIDAÇÃO DA TECNOLOGIA SOCIAL ESCOLINHA


DE PODCAST

Já a validação da tecnologia social Escolinha de Podcast ocorreu por meio


da aplicação de um questionário de avaliação ao participante. O objetivo deste
método de validação é coletar feedbacks para retroalimentar o processo e, a partir
das percepções, melhorar o processo.

4 PARA FICAR MAIS JUNTO DA


COMUNIDADE - AÇÕES EM PARALELO

O Projeto unificado de extensão Mais Juntas seguiu ativo por todo perí-
odo de pandemia. No início de 2020, focou-se na criação de conteúdo e dissemi-
nação de informações através de perfil próprio (@maisjuntas.ufpel) na plataforma
de rede social Instragram, a fim de alcançar, principalmente, público de mulheres,
gerar engajamento e consolidar a razão de suas premissas de empoderamento de
mulheres por meio da propagação de conhecimento e de mostrar-se um canal de
comunicação/espaço seguro de acolhimento para todos.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 199

4.1 REDES SOCIAIS

A base de contato via universo digital possibilita a realização de ações e in-


teração com atores pelo histórico criado durante ações, publicações e engajamento
angariado no período ativo, mostrando-se um projeto estruturado com causa, para
a então implementação do LL e maior alcance às meninas e mulheres em situação
de vulnerabilidade social. A criação de redes sociais próprias do projeto como nas
plataformas do Instagram e YouTube representa na era atual um canal fundamental
para contato e propagação bem-sucedida de informações, gerando maior aproxi-
mação com as protagonistas.

4.1.1 INSTAGRAM

Durante o ano de 2020 e 2021, foram abordados assuntos pertinentes ao


projeto, como os tipos de violência existentes, locais de atendimento especializados
para ajuda à mulher, empoderamento e feminismos, além de indicações de músi-
cas, de leitura, de locais de consumo, de filmes e séries e podcasts acerca da temática
empoderamento. Pretendeu-se dar enfoque em “feito por mulheres” para apoiar
e desbravar os ensinamentos de âmbitos diversos do universo feminino, dando
ao público o sentimento de identificação, de pertencimento, além de permitir a
acessibilidade às diferentes formas de adquirir conhecimento por meio de mídias
visuais e sonoras.

4.1.2 YOUTUBE

O canal do Mais Juntas no YouTube (intitulado Mais Juntas UFPel) foi


criado em março de 2020 para possibilitar a realização da transmissão das lives do
projeto.
200 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

4.1.3 BLOG

O blog Mais Juntas UFPEL (acesso através do domínio <https://mais-


-juntas-ufpel.webnode.com/>.), criado em maio de 2021, é organizado nas seguin-
tes abas para acesso às seções de:
1. Início: apresenta uma introdução com informações sobre o projeto Mais
Juntas, seu objetivo e ações realizadas.
2.Blog: onde estão concentrados os posts, com informações de títulos, ima-
gem de capa e data de publicação.
3.Sobre nós: expõe mais detalhes sobre o projeto e sobre o Living Lab e seus
atores.
4. Contato: informa o e-mail para contato direto e contém espaço com cam-
pos de preenchimento de nome, e-mail e mensagem, destinado ao leitor que tenha
alguma dúvida, queira saber mais informações sobre o trabalho realizado e/ou te-
nha dicas para compartilhar acerca de temas para realização de novos posts.
São exemplos de conteúdos já criados e compartilhados no blog por meio
de post com os seguintes títulos: “Feminismos”, “Gênero e violência contra a mu-
lher: o perigoso jogo de poder e dominação” e “Mulheres na Engenharia”. A vanta-
gem de se ter um blog, além da conta no Instagram para criação e compartilhamen-
to de conteúdo, é a de possibilitar a utilização de um maior número de caracteres.
Assim, torna-se possível apresentar maior gama de informações e referências sobre
um mesmo tema, não tendo de ramificar em mais de uma publicação ou simpli-
ficar o conteúdo. Agrega no potencial de alcançar público que não possui conta/
perfil em redes sociais específicas, por exemplo, mas consegue então encontrar o
projeto por meio do acesso e busca/pesquisa na plataforma do Google.

4.2 LIVES

O intuito da realização de lives, que são transmissões de vídeo realizadas


em tempo real, é o de estabelecer um contato mais direto com o público-alvo. Por
meio da transmissão de vídeo, é possível abrir um canal de comunicação mais claro
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 201

e acolhedor, quebrando um pouco as barreiras físicas estabelecidas pela situação


mundial de pandemia instaurada, pois se consegue expressar facilmente através de
gestos e do tom de voz de forma a estabelecer vínculos com o telespectador mesmo
que fisicamente distantes.
Os temas das lives foram pensados respeitando o vínculo com a temática
de mulheres, a fim de produzir um conteúdo necessário e pertinente à vida delas,
gerando conteúdo para empoderamento e de cunho informativo. Além dos assun-
tos pré-programados desde o início de 2021, houve também o desenvolvimento de
novas ideias a partir da troca entre atores e temáticas em destaque no momento de
sua realização.
Foram realizadas três lives: a primeira sobre “Formas de violência e a quem
recorrer”, ocorrida em 04 de junho de 2020, às 18h. Esta live foi mediada pela
Professora Anne e teve como convidada a advogada Samira Pereira, idealizado-
ra do primeiro escritório de advocacia feminista de Pelotas. A duração da live
foi de cinquenta e nove minutos e dezesseis segundos (59min16s) com alcance
de cento e noventa e nove visualizações. A segunda live foi sobre “Mercado de
trabalho e o Teto de Vidro para mulheres”, realizada em 22 de abril de 2021 às
19h. Também foi mediada por Anne e teve como convidada a pós-graduanda em
Direito Processual Civil Carla Kunde. É importante destacar o conceito de teto
de vidro: é a segregação hierárquica relacionada ao gênero dentro do mercado de
trabalho, caracterizado pela “menor velocidade com que as mulheres ascendem na
carreira, o que resulta em baixa participação de mulheres nos cargos comando das
organizações e, consequentemente, nas altas esferas do poder, do prestígio e das
remunerações” (LESCAUT, 2020, p.1). A live teve duração de uma hora, quarenta
e um minutos e vinte a quatro segundos (01h41min24s). A terceira e última live
encerrou a campanha ‘Ocupa e Conta pra Gente’, em comemoração ao Dia In-
ternacional das Mulheres na Engenharia. A live ocorreu em 12 de julho de 2021,
às 19h. Em forma de mesa redonda, a discussão sobre carreira de mulheres foi
mediada pela Professora Anne e teve as seguintes participantes: Alana Corrêa,
Munique Stone e Camila Peres, do Gurias Tech; Gizele Godotti, representante do
CREA no Programa Mulher Confea; Isabela Andrade, Reitora da UFpel e Paula
Mascarenhas, Prefeita de Pelotas. A live teve duração de duas horas, seis minutos
202 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

e quarenta e cinco segundos (02h06min45s), com gravação disponível para acesso


pelo canal do YouTube e obteve o alcance de cento e noventa e quatro visualizações.

4.3 TECNOLOGIA SOCIAL ADA

Em parceria com os atores do LL Centro de Referência da Mulher e Se-


cretaria de Assistência Social (SAS), foi pensada e desenvolvida a tecnologia social
contra a violência de gênero chamada Ada, em homenagem à Ada Lovelace, ma-
temática cujo trabalho originou a criação do primeiro algoritmo. Foram realizadas
algumas reuniões, com início em abril de 2021, com a coordenadora do Centro de
Referência da Mulher, Paola Fernandes e outras figuras públicas (secretário de se-
gurança ligado à Prefeitura Municipal de Pelotas) para validação, auxílio de verba
e implementação do projeto para o mês de maio de 2021.
A ideia para o nome de utilização padrão foi Maria Ada da Silva, por
combinar o original Ada com nome Maria e sobrenome Silva, ambos muito carac-
terísticos de famílias brasileiras, aproximando-se à cultura brasileira e utilizando
imagem de perfil como um desenho de mulher para representar de forma genérica
esta persona, e de forma conjunta transparecer na visão geral ser o perfil de uma
mulher fidedigna para não causar desconfiança e/ou levantar suspeita por parte do
agressor caso este investigue as redes sociais da vítima que busca por ajuda.
Na semana do dia 24 a 28 de maio de 2021, houve a programação de di-
versas ações alusivas à Semana Municipal de Combate ao Feminicídio e Violência
contra a Mulher, que parte da campanha “Nem pense em me matar”, incluindo o
lançamento oficial do Ada.

4.4 CAMPANHA ‘EU MENSTRUO’

A campanha ‘Eu Menstruo’ tem o objetivo de enfrentar a pobreza mens-


trual, que é o termo utilizado para designar menstruantes sem acesso a produtos
de higiene durante período menstrual ou sem acesso à informação de como utili-
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 203

zá-los (NERIS, 2020), a ser realizada na região Sul do Rio Grande do Sul, a fim
de conscientizar sobre o tema e arrecadar absorventes para ajudar o público de
mulheres afetadas por esse problema. Trata-se de uma parceria entre as seguintes
entidades: Projeto unificado com ênfase em extensão Mais Juntas, UFPel, SAS,
Clínica Ciclos Saúde Singular, Centro de Referência da Mulher Professora Cláu-
dia Pinho Hartleben, Prefeitura de Pelotas, Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial (SENAC), GAMP, Instituto Buquê de Amor (IBA), Supermercado
Paraíso e Universidade Católica de Pelotas (UCPel).
Para a criação das artes e temática para a campanha, houve a inspiração
do documentário ‘Absorvendo o Tabu’, de 2018, que expõe a realidade cotidiana
de mulheres de uma comunidade rural na Índia, na qual o estigma da menstruação
persiste. No documentário, é desenvolvida uma máquina para criação de absor-
ventes biodegradáveis de baixo custo para melhorar a higiene feminina, quebrar os
estigmas e desenvolver a independência financeira por meio da participação dessas
mulheres diretamente na produção e venda do produto, além do próprio consumo
(NETFLIX, 2019). Há, também, a divulgação de arte com a representação das
mulheres de mãos dadas, Figura 7, sendo referência direta a arte final da campa-
nha, Figura 8.

Figura 7 – Poster do Documentário ‘Absorvendo o Tabu’

Fonte: Netflix (2019)


204 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Figura 8 – Arte Campanha ‘Eu Menstruo’

Fonte: Mais Juntas (2021)

A campanha foi programada para ter início em 30 de agosto de 2021 e tér-


mino em 30 de novembro de 2021, contando com caixas de coleta personalizadas
com encapamento cor-de-rosa em pontos físicos na cidade de Pelotas, acompa-
nhadas da arte e cartazes da campanha para informar do que se trata. Foram reali-
zados contatos com farmácias e supermercados locais, a fim de convidá-los a par-
ticiparem e a oficializarem se autorizariam a disponibilização de um ponto físico
em seu estabelecimento para posicionar uma das caixas de coleta de absorventes
higiênicos com vistas a, posteriormente, serem retirados e entregues a mulheres em
situação de vulnerabilidade social.

5 DESAFIOS

Um dos principais desafios do orquestrador Mais Juntas é manter os ato-


res do LL e os membros (bolsistas e voluntários) engajados. Nos intervalos do ano
letivo, bolsistas e voluntários se afastam da instituição de ensino, por serem alunos
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 205

e estarem em férias; já os atores do LL, em sua maioria, afastam-se no intervalo das


reuniões, uma vez que essas são quinzenais.
Outro desafio do Projeto é a sustentabilidade, principalmente, a financeira.
O Projeto não tem subsídio e nem recebe apoio de qualquer instituição. Quando
é necessário fazer a impressão de cartazes para as campanhas, adquirir papéis para
encapar as caixas e até as próprias caixas para arrecadação de doações, bem como o
chip para o chatbot e equipamentos para a escolinha de podcast, a Professora Anne
tem pagado com o próprio salário.
Por fim, cita-se como desafio a escalabilidade do Living Lab. O LL tem
a capacidade de expandir e levar as tecnologias sociais para além de Pelotas e da
Região Sul do Rio Grande do Sul, bem como de cocriar outras tecnologias sociais.
Dessa forma, convidamos, você, a explorar esses três desafios. Convida-
mos-lhe a discutir e cocriar soluções para eles.

NOTA DE FIM

Os dados para esta pesquisa foram coletados pessoalmente pelas pesquisado-


ras no período de março a agosto de 2021.

ANEXO

VIOLÊNCIA DE GÊNERO

A violência de gênero é um problema social e de saúde pública, que se alas-


tra pelo mundo como uma epidemia (MAÇASTENA, 2019; UBILLOS-LAN-
DAA et al., 2020), e as Instituições que coexistem na sociedade não conseguem,
por inúmeros motivos, apresentar soluções para tal problema social. Cabe tornar
claro que a violência de gênero pode ocorrer sob forma de agressão física, sexual,
206 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

psicológica, emocional e perseguição (SALTZMAN et al., 2002; MONTERRO-


SA, 2019).
O desenvolvimento de tecnologias sociais contra a violência de gênero se
justifica, em especial, devido ao aumento exponencial no número de casos (LIMA;
MATTAR; ABRAHÃO, 2016). Sobretudo, nos anos de 2020 e 2021, o cresci-
mento no número de casos alcançou números jamais vistos, porque a pandemia
decorrente do COVID-19 obrigou mulheres (cis/trans) e meninas (cis/trans) per-
manecerem mais tempo sob o mesmo teto de seu agressor. Em 2020, segundo
dados das plataformas do Ligue 180 e do Disque 100, foram registradas 105.821
denúncias de violência contra a mulher. Além disso, dados do 14ª Anuário Bra-
sileiro de Segurança Pública mostram que houve alta de 1,9% nos feminicídios e
de 3,8% nos chamados para atendimento de violência doméstica feitos ao 190 no
primeiro semestre de 2020 em comparação a igual período de 2019.
No município de Pelotas, uma pesquisa realizada pelo Observatório de
Segurança Pública e Prevenção Social apresentou um comparativo de índices cri-
minais de violência de gênero no 1º quadrimestre dos anos de 2018 a 2021, con-
forme mostrado na Figura 9.

Figura 9 - Índices Criminais de Violência de Gêne-


ro no 1º Quadrimestre dos Anos de 2018 a 2021

Fonte: Elaborada pelos Autores a partir de Observatório de Segurança Públi-


ca e Prevenção Social (2021)

O gráfico mostra um decrescente número de registros de violência de gê-


nero no município de Pelotas. Entretanto, apesar de o gráfico mostrar a redução
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 207

do número de casos, ainda existem vítimas que sofrem violência e têm seus corpos
violados, muitas vezes carregando traumas para o resto de suas vidas. Destaca-se,
ainda, a ocorrência de feminicídio, além de ameaças, lesões, estupros e tentativas
de estupro. Assim, também cabe destacar que os efeitos negativos da violência de
gênero não se limitam às vítimas, mas também recaem sobre todos os membros da
família, transferindo-se de geração em geração e a toda sociedade (KOTAN et al.,
2017).
Nesse contexto, identifica-se um vazio institucional acerca da violência
de gênero. Isso significa dizer que as instituições que coexistem na sociedade não
são completamente eficientes em se tratando da resolução de problemas referen-
tes à violência de gênero ou articulam-se de maneira disfuncional para o desen-
volvimento de soluções das referidas questões (AGOSTIN, 2017). Sob as lentes
de Agostini (2017), tecnologias sociais ou inovações sociais capazes de preencher
determinado vazio institucional tendem a ser transformador quando são desenvol-
vidas ou cocriadas pela interação de atores locais. Nesse sentido, a autora comple-
menta que, quando problemas que geram o vazio institucional e a solução que o
preenche acontecem na mesma localidade, os mesmos fatores atravessam ambos.
Importante tornar claro que o conceito de Tecnologia Social (TS) está
intrinsecamente associado aos valores humanos (LAYTON, 1988). Nesta investi-
gação, considera-se TS como um produto, uma técnica/método, ou ainda, um pro-
cesso que resulta na solução de algum problema social, com potencial transforma-
dor na sociedade, sem a proposta de descaracterização de sua cultura (FREITAS;
SEGATTO, 2014). As TS são desenvolvidas por um processo de cocriação, nesse
processo o ator principal é a sociedade onde ela será, futuramente, implementada
(DAGNINO, 2011).

UM POSSÍVEL PROCESSO DE ESCALABILIDADE

O conceito de escalabilidade é muito recente, tendo seu primeiro trabalho


científico de exploração sobre o tema publicado em 2002. Diz-se que a escalabi-
lidade de um projeto de inovação social ocorre quando o próprio alcança nível de
plena performance, necessitando então de ações e/ou projetos auxiliares para sua
208 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

implementação em larga escala caso vise aprimorar seu potencial de impacto sobre
o público-alvo (WEBB et al., 2010).
Há diferentes formas de propagar essa escalabilidade, ela pode ter sua
ocorrência por meio de scaling up, scaling out e scaling deep, e em alguns casos pode
ocorrer pela combinação de dois ou mais dos meios citados, assim sendo de modo
híbrido (BOLZAN; BITENCOURT; MARTINS , 2019).
A seguir, apresenta-se a contextualização de como se dá a ocorrência de
cada uma de suas formas. Elas estão ilustradas nas Figuras 10, 11 e 12:

1. Scaling up: quando se intensifica o impacto social, alcançando maior nú-


mero de pessoas (SILVA; TAKAHASHI; SEGATTO, 2016). Ocorre usu-
almente através da criação de serviços e/ou produtos complementares ao
já existente, a fim de suprir necessidades de maior gama de indivíduos do
público-alvo (BOLZAN; BITENCOURT; MARTINS , 2019);
2. Scaling out: quando se toma o projeto como base para replicação em outro
espaço/área geográfica, necessitando de adaptações para funcionar conforme
características locais, ultrapassando possíveis barreiras do meio para con-
seguir operar em plena performance, além de um bom manejamento no
relacionamento com rede de contatos e partes interessadas no projeto (RI-
DDELL; MOORE, 2015):
3. Scaling deep: quando há incremento na geração de valor social na raiz de
origem, apresentando uma mudança na cultura e nos valores pessoais do
público-alvo local. Trata-se de um aprofundamento da transformação local,
envolvendo fatores qualitativos perceptíveis (RIDDELL; MOORE, 2015).

Figura 10 – Ilustração de scaling up

Fonte: Bolzan, Bitencourt e Martins (2019, p.220)


IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 209

Figura 11 – Ilustração de scaling out

Fonte: Bolzan et al. (2019, p. 220)

Figura 12 – Ilustração de scaling deep

Fonte: Bolzan et al. (2019, p. 221)

NOTAS DE ENSINO

Neste momento, convidamos você a trabalhar junto aos acadêmicos um caso


sobre a implementação de um Living Lab que objetiva cocriações de tecno-
logias sociais para o enfrentamento da violência de gênero. Este caso para
ensino versa sobre engajamento, metodologias de cocriação, enfrentamento
de problemas sociais e escalabilidade. Estimule os acadêmicos a saírem da
zona de conforto, a fim de refletirem sobre o papel social da Administração
frente a problemas sociais.
210 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

1. SUMÁRIO DO CASO

Este caso para ensino versa sobre a criação e a implementação de um Living


Lab cuja finalidade é a cocriação de tecnologias sociais para o enfrentamento da
violência de gênero. O Living Lab surgiu de uma demanda identificada no am-
biente de trabalho da Professora Anne.
O Projeto unificado com ênfase em Extensão teve, inicialmente, o objetivo de
disseminar informações sobre violência de gênero, machismo e sexismo, interna-
mente na universidade. No entanto, rapidamente, houve demandas da comunidade
local acerca de soluções para casos de violência de gênero. Dessa forma, Anne
alterou o objetivo e o planejamento do Projeto e criou um Living Lab com oito
atores locais.
A criação e implementação do Living Lab não foi fácil, pois, para oito res-
postas positivas de atores que constituiriam o Living Lab, foram cerca de duzentos
contatos. Em abril de 2021, o LL começou a atuar na cocriação de tecnologias
sociais. Em um semestre, obtiveram-se como resultado três tecnologias sociais,
duas implementadas até o mês de agosto de 2021 e uma planejada para ser execu-
tada no segundo semestre. Para a cocriação, foi utilizado como método o Design
Sprint (DS) e, em cada reunião, ferramentas sugeridas pelo DS foram utilizadas
para promover a cocriação.
A problemática do caso para ensino explora três desafios. São eles: o engaja-
mento dos atores que constituem o Living Lab e, também, dos voluntários e bolsis-
tas; a sustentabilidade financeira; e a possibilidade de escalabilidade. Os referidos
desafios instigam os acadêmicos a discutirem, argumentarem e cocriarem soluções,
respeitando as diferenças internas da equipe.

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Este caso para ensino pode ser aplicado em disciplinas de graduação e


pós-graduação que objetivem discutir formas para o enfrentamento de problemas
sociais.
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 211

Pedagogicamente, o objetivo deste caso é possibilitar o desenvolvimento


de habilidades como: comunicação pessoal, trabalho em equipe, resiliência, racio-
cínio lógico e analítico.
Como se trata de um assunto ainda pouco explorado, ao final da atividade,
os acadêmicos terão explorado temas como Living Lab, escalabilidade, violência de
gênero e metodologias de cocriação.

3. QUESTÕES RELACIONADAS

a) Como o Projeto poderá crescer sem perder sua identidade?


b) Como o Projeto poderá engajar mais atores sociais?
c) Como o Projeto poderá diversificar suas ações, mantendo o objetivo de
enfrentamento da violência de gênero?
d) Como promover maior comprometimento dos voluntários e atores que
constituem o LL?

4. ANALISANDO OS DESAFIOS E COCRIANDO SOLUÇÕES

O primeiro desafio elencado foi o engajamento. Por isso, espera-se que os


grupos tragam sugestões com vistas ao aumento do comprometimento da equipe
do Projeto, como um programa de reconhecimento, e o engajamento dos atores do
Living Lab, como uma proposta de impacto direto em seus resultados.
Quanto à sustentabilidade financeira, espera-se sugestões como a forma-
ção de redes, estabelecimento de parcerias e busca de recursos através de editais.
Tem-se a expectativa de que os grupos apresentem operacionalização das suges-
tões.
Por fim, no que se refere à escalabilidade, os grupos poderão trazer opções
de operacionalização acerca de scaling up, scaling out e scaling deep, ou até formas
híbridas para levar o Living Lab para além dos limites do município de Pelotas.
212 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

5. PLANEJAMENTO DE AULA (BASEADO NUMA AULA DE 150


MINUTOS)

O professor poderá adaptar sua aula de acordo com suas preferências e tempo
disponível. Entretanto, sugere-se o seguinte plano de aula:

ATIVIDADE 1: COMPREENSÃO DO CASO PARA ENSINO

Duração: 30 minutos
Material/recursos: Caso para Ensino (impresso ou digital) para leitura.

ATIVIDADE 2: IDENTIFICANDO OS DESAFIOS

Duração: 10 minutos
Material/recursos: lousa
Operacionalização: o professor deverá questionar ao grande grupo sobre
quais são os desafios enfrentados pelo projeto, construindo um mapa mental co-
laborativo.
Objetivo da atividade: estimular a síntese dos alunos e a identificação dos
principais desafios enfrentados pelo Living Lab.
Resultados esperados: que os alunos identifiquem os desafios presentes neste
caso, principalmente aqueles acerca do engajamento, da sustentabilidade e da es-
calabilidade.

ATIVIDADE 3: PROCURANDO SOLUÇÕES

Duração: 40 minutos.
Material/recursos: lousa
IMPLEMENTAÇÃO E DIFUSÃO DA INOVAÇÃO SOCIAL - 213

Operacionalização: a turma poderá ser dividida em pequenos grupos. Estes


deverão apresentar soluções para os desafios identificados. Ao final, cada grupo
relata para a turma sua construção.
Objetivo da atividade: estimular o trabalho em equipe, potencializar o de-
senvolvimento da habilidade de argumentação, promover a análise e a cocriação
de soluções.
Resultados esperados: os alunos deverão cocriar soluções para os desafios
identificados.

ATIVIDADE 4: COMPARTILHANDO SOLUÇÕES

Duração: 40 minutos.
Material/recursos: projetor e lousa.
Operacionalização: cada grupo deverá apresentar para a turma as soluções
encontradas.
Objetivo da atividade: estimular as habilidades de comunicação, síntese e
apresentação das ideias.
Resultados esperados: os alunos deverão apresentar com clareza as soluções
cocriadas e argumentar acerca delas.

ATIVIDADE 5: FINALIZAÇÃO

Duração: 35 minutos.
Material/recursos: lousa
Operacionalização: o professor deverá destacar os pontos positivos de casa
solução, discutindo a utilização e operacionalização.
Objetivo da atividade: estimular a habilidade de argumentação e de cocriação
de soluções.
Resultados esperados: a cocriação de soluções efetivas para os desafios iden-
tificados.
214 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

6. MATERIAIS DE APOIO À DISCUSSÃO

Abaixo, encontram-se as redes sociais do Projeto, do Living Lab, o meio para


acessar as tecnologias sociais e os links para o Blog do Mais Juntas e para o canal
do YouTube:
Instagram Mais Juntas: https://www.instagram.com/maisjuntas.ufpel/
Instagram Maria Ada da Silva: https://www.instagram.com/mariaadasilv/
Chatbot: (75) 8885-9788
Blog Mais Juntas: https://mais-juntas-ufpel.webnode.com/
YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCh553-HqRkU8winry9cx-
3sg

REFERÊNCIAS

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Pacto Pelotas pela Paz, 2021.
216 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

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OLIVEIRA, S. R. O Curinga no teatro Fórum: formação teatral e política pelo bufão.


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WEBB, W. et al. The entrepreneurship process in base of the pyramid markets: The
case of multinational enterprise/nongovernment organization alliances. Entrepreneurship
Theory and ractice, v. 34, p. 555-581, 2010.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 217

EIXO 3
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS
DA INOVAÇÃO SOCIAL

Diante da análise dos dois primeiros eixos deste livro e seus casos que
elucidaram sobre Governança da Inovação Social (IS) e Implementação e Difusão
da Inovação Social, reforçamos que o conceito adotado aqui é identificar a IS como
uma combinação e/ou nova reconfiguração de práticas sociais em contextos sociais,
motivada por uma constelação de atores para satisfazer necessidades e problemas
com base em práticas estabelecidas (HOWALDT; KALETKA; SCHRÖDER,
2016).
Para avançarmos para o terceiro eixo, voltado à análise das Transfor-
mações e Impactos da Inovação Social, apresenta-se um segundo conceito que
compreende a IS como a geração de novas soluções que impactam a resolução de
problemas sociais, envolvendo atores e partes interessadas na promoção de uma
mudança nas relações sociais (AGOSTINI; MARQUES; BOSSLE, 2016).
Nesse conceito, observa-se nitidamente a intenção de que as práticas ge-
rem um impacto para promover mudanças nas relações sociais pré-estabelecidas.
O termo impacto nos remete a um efeito sobre uma ação, ou seja, o resultado, a
consequência, implicação por ter realizado uma movimentação. Para a inovação
social, este é o objetivo de todos os projetos: que as ações gerem um resultado,
alterando as instituições dominantes.
218 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Em um relatório sobre o mapa dos investimentos de impacto no mundo,


a Global Impact Investment Network - GIIN (2020) analisa que em 2020 foram
investidos, aproximadamente, US$715 bilhões em negócios com impacto social
no mercado global, sendo que apenas 4% dos investidores têm sede na América
Latina, Caribe e México. Rios (2021) observa que há uma contradição nos núme-
ros analisados, já que as regiões com maior desigualdade social são as com menor
fatia de mercado.
O relatório aponta que o setor de impacto social estava acelerado no período
pré-pandemia de Covid 19, sendo que houve um aumento de 79,8% entre os anos
de 2014 e 2019. A expectativa é que o setor continue o seu crescimento, já que 57%
dos investidores pretendem manter suas alocações e 15% pretendem aumentar
suas participações (GIIN, 2020).
Analisa-se, também, o mercado brasileiro, pois este aponta que o país figura
como um dos protagonistas da indústria mundial, mas está entre as 10 economias
mais desiguais. Dito de outro modo, trata-se de um sistema que se retroalimenta
para gerar ainda mais desigualdade. Diante desse cenário, observa-se que o Brasil
tem um campo imenso de desenvolvimento para novas ações e práticas de inova-
ção social, seja no setor público ou no privado.
Após a identificação dos conceitos de inovação social e uma abordagem breve
sobre o contexto de negócios de impacto, ressaltam-se algumas características pre-
sentes nas definições: (i) inovação social é a geração de novas práticas; (ii) impacto
(qualitativo ou quantitativo) nas relações sociais; (iii) solução de problemas sociais;
(iv) promoção de mudança nas relações sociais; e (v) inovação desenvolvida por
diferentes atores, gerando empoderamento social.
Analisando vários modelos teóricos de inovação social, diversos estudos
apontam a importância das dimensões da IS. Estas dimensões são caracterizadas
por diferentes autores com o objetivo de demonstrar um processo sistêmico para
um conceito que vem sendo aplicado de diferentes formas envolvendo contextos
institucionais distintos. Na tabela abaixo, identificam-se alguns modelos, suas di-
mensões e o olhar específico sobre o impacto da IS.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 219

Quadro 1 – Dimensões da IS e o Fator de Impacto

Autor Dimensões de IS Impacto da IS


Seis dimensões de análise A autora aborda o bem-estar dos indivíduos e
para as inovações sociais: da coletividade com a resolução de problemas
1. Objeto; 2. Campo; 3. Alvo presentes, a prevenção de problemas futuros e a
Cloutier
de mudança; 4. Objetivo; 5. busca por aspirações. Na dimensão 6, em se tra-
(2003)
Processo; 6. Resultados. tando de resultados, opera diretamente sobre a
mensuração do impacto qualitativo dos resultados
da IS.
Indicam que o processo de avaliação e o impacto
Cinco dimensões de inova- do projeto constituem ferramentas essenciais e
ção social – transformação; intrinsecamente conectadas à inovação. De acordo
caráter inovador; inovação; com esses autores, a avaliação tem como finalida-
Tardif atores; processos. de descobrir alguns dos rigores institucionais que
e Har- acabam por limitar os processos de inovação e de
risson distribuição. É possível observar o contexto e as
(2005) condições para o surgimento da inovação social,
os processos que estão vinculados à inovação,
tais como atores, modos de coordenação, meios
e restrições existentes, para obter um retrato de
experimentação e avaliação.
As perguntas são: Apesar de o modelo não determinar nada especí-
1. O que é a IS? fico sobre o impacto das IS, a primeira dimensão,
2. Por que se produz IS? denominada natureza, responde a ‘o que é IS’ e
3. Como se produz IS? aborda de forma indireta o resultado da prática.
4. Quem produz IS? Ela está associada à essência da inovação social,
5. Onde se produz IS? ou seja, seu foco é a mudança social. As mudanças
As respostas a estas cinco ocorrem no âmbito das políticas, dos produtos
André e
indagações remetem a cinco ou dos processos, sendo mais natural associar
Abreu
dimensões de análise da a IS a este último, visto que a inclusão social e a
(2006)
inovação social. capacitação de agentes são processos, assim como
a mudança social é considerada como a transfor-
mação das relações de poder. Os mesmos autores
mencionam que a IS pode ocorrer em diferentes
domínios, dos quais ela emerge e se desenvolve:
econômico, tecnológico, político, social, cultural e
ético.
Identificou cinco estágios O framework proposto pela autora demonstra que
para o desenvolvimento de o processo de IS deve ser analisado considerando
uma inovação social: propo- que as intersecções entre os círculos são os mo-
sição; diagnóstico; projeto pi- mentos de avaliação do projeto, que conduzem à
Santos
loto; difusão da metodologia; próxima etapa. As descontinuidades nos contor-
(2012)
e mudança na comunidade. nos demonstram a necessidade de interação com
o ambiente, evidenciando uma inovação aberta.
Cada uma dessas etapas pode ser analisada como
uma avaliação para o impacto da IS.
São sugeridos cinco elemen- Na dimensão eficácia, os atores abordam que as
tos: (1) novidade; (2) da ideia inovações sociais são mais eficazes do que as solu-
The You- para a implementação; (3) ções existentes, visto que elas criam uma melhoria
ng Fou- atender a uma necessidade mensurável em termos de resultados, capacitando
ndation social; (4) eficácia; (5) melho- os beneficiários através da criação de novos papéis
(2012) rar a capacidade da socieda- e relacionamentos, desenvolvendo ativos e capa-
de para agir. cidades e/ou melhorando a utilização de ativos e
recursos.
220 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Autor Dimensões de IS Impacto da IS


As iniciativas de inovação A partir dos estudos empíricos realizados, con-
social devem ter pelo menos cluiu-se que os vazios institucionais são preen-
estas cinco dimensões: 1. chidos por múltiplos atores, que têm objetivos
Modificação/transformação diferentes e complementares e que podem atuar
de uma necessidade social; conjuntamente em iniciativas de inovação social.
2. Solução inovadora; 3. Identificou-se que este conjunto de atores pode
Agostini
Implementação do processo formar uma nova instituição, diferente das existen-
(2017)
de inovação social; 4. Envol- tes no contexto social já estruturado, a qual pode
vimento de atores e partes ser a potencial transformadora das realidades
interessadas; 5. efetividade locais. No entanto, para que essa transformação
de resultados. seja efetiva, há que se respeitar valores, normas
e cultura dos atores envolvidos, por meio de uma
negociação partilhada dos ideais coletivos.

Fonte: Elaborado pela autora (2021).

Além dessas definições e dimensões, Haxeltine et al. (2015), pelo grupo de


pesquisa europeu TRANSIT, introduzem um novo conceito sobre a temática, a
inovação social transformadora, sendo uma mudança nas relações sociais, envol-
vendo novas formas de fazer, organizar, enquadrar e/ou conhecer, que desafia, altera
e/ou substitui instituições/estruturas dominantes num contexto social específico.
Esta teoria apresenta uma abordagem mais sistêmica do conceito, elabo-
rando novos olhares sobre as mudanças que ocorrem nas relações sociais e como
as instituições também são alteradas por essas iniciativas. Diante disso, pode-se
pensar sobre como mensurar esse impacto sobre as mudanças sociais.
Assim, há que se repensar a questão de ‘escalabilidade’, que, na perspectiva
dos ambientes empresariais, é uma questão recorrente em estudos de inovação e
inovação social. Normalmente, pensa-se em escalabilidade numericamente, por
exemplo, quantos clientes são servidos ou em quantos países. No entanto, se o
que se busca é a mudança transformacional, o critério para avaliar o impacto deve
ser diferente: deve ser o impacto sobre a dinâmica e as relações que estruturam o
sistema (THORPE, 2014).
Há um esquema interessante para integrar ambas as perspectivas, o qual
apresenta três tipos de escalabilidade: scaling out – é o que se costuma chamar de
escala, ou seja, crescer em volume ou em números; scaling up – significa ter um im-
pacto sobre as leis e outros fatores externos que facilitam ou impedem a iniciativa;
scaling deep – quando uma inovação atinge os valores, a cultura e a mentalidade das
pessoas (RIDDELL; MOORE, 2015).
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 221

As iniciativas podem elaborar planos sobre como atingir escalabilidade nessas


três dimensões. Dito de outra forma, não devem se ater somente à quantidade e à
multiplicação de produtos ou lucro (out), mas também estas iniciativas precisam
estar atentas à influência sobre leis e instituições (up) e sobre a mudança de men-
talidade e de costumes da sociedade (deep). Assim, um dos desafios ao finalizar o
desenvolvimento de uma inovação social é a sua escalabilidade, ou seja, a possibi-
lidade de implementar a solução em diferentes comunidades. Bolzan, Bitencourt
e Martins (2019) apresentam três tipos de escalabilidade que são apresentados no
Quadro 2.

Quadro 2 – Tipos de Escalabilidade das Inovações Sociais

Tipo de Esca- Definição Representação


labilidade
Relaciona-se à expansão da inovação social com
o objetivo de maximizar o seu impacto, ou seja,
Scaling up – atingir um número maior de pessoas beneficia-
abrangência das (MORAIS-DA-SILVA; TAKAHASHI; SEGATTO,
2016). Pode gerar mudanças na legislação e cria-
ção de políticas públicas (RIDDEL; MOORE, 2015).

É o tipo de escalabilidade na qual a inovação so-


Scaling out – cial é replicada em diferentes áreas geográficas a
expansão partir da adaptação ao ambiente e da cogeração
de conhecimento (RIDDEL; MOORE, 2015).

Ocorre quando a inovação social envolve trans-


formação cultural e pessoal, gerando mudanças
Scaling deep
de crenças nos atores envolvidos (RIDDEL; MO-
- profundi-
ORE, 2015). O objetivo desse tipo de escalabili-
dade
dade é maximizar o valor social no seu local de
origem.

Fonte: Adaptado de Bolzan, Bitencourt e Martins (2019)

A escalabilidade depende de diferentes fatores, conforme apresentado por


Morais-da-Silva, Takahashi e Segatto (2016): (i) características do empreendedor
social, tais como liderança, capacidade de estabelecer parcerias e habilidade políti-
ca, (ii) fatores da organização, como a reputação da inovação social, a possibilidade
de treinamento dos envolvidos, a inserção cultural e a autonomia e, finalmente, (iii)
fatores do ambiente que estão relacionados ao apoio governamental, à sustentabi-
lidade financeira, ao estabelecimento de redes e ao envolvimento da comunidade.
222 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Pirotti et al. (2021) elaboraram um estudo para compreender o processo de


inovação social atrelado à escalabilidade, utilizando a teoria das capacidades dinâ-
micas como suporte teórico. Identificaram que vários eventos são essenciais para
garantir um nível de escalabilidade num processo de inovação social. Dentre eles,
estão: a padronização de planejamentos estratégicos e objetivos organizacionais;
o estabelecimento de parcerias com instituições de maior porte para captação de
aportes financeiros significativos; e o uso de questões legais para beneficiar a IS.
Identificaram, também, que o ciclo de escalabilidade não é linear, sendo que os
tipos de eventos e a quantidade variam. Perseverar na ideia de escalonamento per-
mite que a IS supere possíveis desafios organizacionais, preparando-a para prestar
serviços que são significativos não apenas para os beneficiários, mas também para
os apoiadores. Além disso, a escalabilidade depende de inúmeras variáveis, tanto
internas, que podem ser mais facilmente manipuladas pelo gerenciamento do pro-
cesso de IS, quanto externas, que requerem preparação ou adaptações vinculadas
ao contexto.
Em outro estudo, Bolzan, Bitencourt e Martins (2019) exploraram a esca-
labilidade em processos de inovação social. Cabe esclarecer que, por meio de uma
bibliometria, identificaram que a escalabilidade tem forte influência das networks,
bem como do perfil do empreendedor social, dos fatores organizacionais e do am-
biente externo. Dentre os desafios, a sustentabilidade financeira foi o fator mais
marcante, sendo que, para enfrentá-lo, as opções das iniciativas de IS são finan-
ciamentos, networking, benchmarking, comprometimento dos participantes, uso de
criatividade e parcerias com governo.
Assim, para que haja a efetiva transformação do complexo sistema composto
de diferentes instituições, há que se ter uma iniciativa de inovação social madura,
que passe por uma escalabilidade numérica, de influência externa e de mudança
da mentalidade e da estrutura do sistema social. Caso contrário, as mudanças per-
manecerão pontuais, solucionando problemas específicos, mas não modificando
estruturas e instituições com efetividade, como propõe a Inovação Social sob um
viés de transformação e de impacto.
Para esta análise das transformações e impactos da inovação social, este
eixo apresentará quatro casos para ensino. O primeiro deles é denominado de “Um
espaço ressignificado para a cidade” no qual os autores Marcia Santos da Silva,
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 223

Karen Frances Medroa, Antonia Wallig e Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos
apresentam o caso do Vila Flores, que mais que um espaço cultural se tornou um
refúgio coletivo de transformação social baseado na arte e no ativismo. Por meio
do olhar da inovação social, os autores procuram transpor o leitor para os desafios
de uma família que herdou um espaço histórico na cidade de Porto Alegre – RS,
mas que, ao mesmo tempo, está rodeada de complexas relações.
O segundo caso, denominado de “Uma andorinha só não faz verão: o caso de
conexão de atores para a promoção de inovação social”, dos autores Bruno Anicet
Bittencourt e Paola Schmitt Figueiró analisa, por intermédio da história de Lara,
uma empreendedora criativa e conectada com causas sociais, a formação de uma
iniciativa de inovação social que desenvolve a ligação entre artistas e empresas, que
forma um ecossistema de inovação e gera impactos sociais na comunidade em que
está instalada.
O caso “Projeto Pescar: educação e trabalho para um futuro melhor” tem
a autoria de Tatiane Martins Cruz, Claudia Cristina Bitencourt, Kadigia Faccin
e Cristiane Froehlich e é o terceiro caso do Eixo Transformações e Impactos da
Inovação Social. Ele conta a história do empresário Geraldo Tolles Link que ide-
alizou um programa para o desenvolvimento dos jovens que viviam em situação
de vulnerabilidade social em parceria com sua rede de colaboração. Participando
do programa, os jovens podiam assumir o protagonismo de seu futuro por meio da
educação e do trabalho. Dentre os desafios propostos pelas autoras, salientamos a
reflexão acerca da escalabilidade desta inovação social.
O quarto caso denomina-se “Fraternidade Pulsante: O Café Orgânico como
Elo entre o Mercado Ocidental e Comunidades Indígenas” e aborda um projeto
instigante de uma cadeia produtiva de café orgânico dominada por seis empresas
sociais em uma comunidade no sul do México. Analisando um contexto social,
político e econômico extremamente complexo, o caso apresenta os desafios desta
comunidade e propõe aos leitores uma análise sobre os impactos da inovação so-
cial, escalabilidade e como trabalhar com diferentes culturas sem perder o foco do
negócio, que é eminentemente plural e comunitário.
Dessa forma, o terceiro eixo do livro é um mergulho em contextos sociais,
culturais e econômicos muito distintos, que podem servir de análise e espelho para
diferentes empreendedores sociais, pesquisadores da área de inovação social, estu-
224 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

dantes instigados a conhecer mais sobre estas temáticas, mas sobretudo, pessoas
que queiram pensar num outro olhar para a humanidade.

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226 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 227

Caso 1

UM ESPAÇO RESSIGNIFICADO PARA A CIDADE


Marcia Santos da Silva
Karen Frances Medroa
Antonia Wallig
Ana Clarissa Matte Zanardo dos Santos

“O que você faria se recebesse de herança um conjunto arquitetônico em péssimas


condições em uma cidade com a qual você tem pouquíssima relação?
Boa pergunta, não é?!”

Meu nome é Antonia e, junto com a meu irmão, recebemos uma herança na
cidade de Porto Alegre, por parte de nossa mãe. Era 2009, eu morava em Florianó-
polis, e João, meu irmão, em São Paulo. Vínhamos a Porto Alegre apenas nas férias,
para visitar nossos parentes. Quando soubemos que este conjunto arquitetônico
fazia parte da herança, ficamos sem saber o que fazer no primeiro momento. Mas,
com o tempo e um pouco mais de conhecimento sobre o que o lugar significava,
entendemos que tínhamos uma oportunidade de fazer a diferença no mundo e
começamos a pensar nas possibilidades que existiam. Era um desafio gigante… tão
grande quanto o potencial de fazer algo muito significativo!
228 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

1 OS “PREDINHOS DO LUTZENBERGER”-
A HISTÓRIA DAS PESSOAS E O VALOR
HISTÓRICO PARA A CIDADE - PATRIMÔNIO
PRIVADO COM FINALIDADE PÚBLICA

Quando chegamos ao local para conhecer o imóvel, duas percepções distintas


se fizeram presente: encantamento e desespero. Apesar do estado de abandono, do
descaso e de como o prédio estava degradado, apaixonamo-nos já no primeiro dia
pela estrutura, pelo lugar e pela história; chamamos carinhosamente de “Predinhos
do Lutz” por conta do engenheiro-arquiteto José Franz Seraph Lutzenberger que
projetou o imóvel em 1928.
Na época, meu irmão, arquiteto em formação, soube que alguns projetos aca-
dêmicos já haviam sido feitos sobre essas edificações. Fomos à biblioteca da PU-
CRS pesquisar e encontramos materiais muito instigantes. O conjunto arquitetô-
nico é formado por dois prédios de três pavimentos de estrutura mista (alvenaria
e concreto armado), um galpão de alvenaria e um pátio interno, contando com
mais de 2.300m² construídos em um terreno de 1.415m². A finalidade inicial do
conjunto arquitetônico era abrigar casas de aluguel para os trabalhadores do bairro
Floresta que, junto aos demais bairros do 4º Distrito de Porto Alegre, formavam,
na época, um polo comercial e industrial na região. As unidades do imóvel tiveram,
também, diversas ocupações, o galpão, por exemplo, foi projetado originalmente
como uma cavalariça e, posteriormente, abrigou uma fábrica de cinzeiros e de
ladrilhos hidráulicos. Descobrimos, também, que as edificações são listadas como
de interesse cultural no inventário de patrimônio edificado do município. Isso quer
dizer que, as reformas não precisam seguir padrões de tombamento5, mas as facha-
das e a volumetria devem ser preservadas.

5 O tombamento é o ato de reconhecimento do valor histórico, artístico ou cultural


de um bem, transformando-o em patrimônio oficial público e instituindo um regime ju-
rídico especial de propriedade, levando em conta sua função social e preservando a cédula
de identidade de uma comunidade e, assim, garantindo o respeito à memória do local e a
manutenção da qualidade de vida. Um bem histórico é tombado quando passa a figurar na
relação de bens culturais que tiveram sua importância histórica, artística ou cultural reco-
nhecida por algum poder público (federal, estadual ou municipal) através de seus respec-
tivos órgãos de patrimônio. (Fonte: SECC – Secretaria Estadual da Comunicação Social
e da Cultura Patrimônio Cultural. Tombamentos – conceitos . Paraná. Disponível em: ht-
tps://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=4.)
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 229

Apesar do risco decorrente do estado de conservação do local, algumas fa-


mílias ainda residiam no imóvel e esse foi o primeiro desafio a ser enfrentado. Em
parceria com a Defesa Civil, as pessoas foram realocadas, com todo cuidado e aten-
ção às suas realidades. Começamos, então, um longo processo de recuperação ma-
terial e imaterial. Foram iniciadas as primeiras reformas emergenciais para evitar
desabamentos e problemas elétricos e hidráulicos mais severos. Também iniciamos
a trajetória de recuperação da história das pessoas que viveram ou trabalharam ali
e do próprio conjunto arquitetônico enquanto patrimônio histórico da cidade.
O que queríamos com isso? Ocupar este espaço (Figura 1) de forma relevante
para a comunidade do entorno e para a cidade, mantendo vivo esse patrimônio que
conta um pouco da história de muitos e muitas de nós.

Figura 1 - Parte do Conjunto Arquitetônico

Fonte: Folha de São Paulo (2016, não paginado)

Foram dois anos de obras para evitar o colapso estrutural, além das buscas
para conhecer experiências nacionais e internacionais de ocupação de espaços pri-
vados com finalidade pública. Como queríamos manter a história do conjunto,
partimos, também, para intensas pesquisas de referências sobre a história do imó-
vel e das pessoas que lá viveram e trabalharam.
A partir das nossas atuações profissionais como família, começamos a sonhar
com um projeto coletivo. Na época, eu havia ingressado no mestrado em Artes
Visuais e a minha pesquisa teve como base os processos artísticos colaborativos e a
arte relacional. Meu irmão havia fundado junto com seus colegas a Goma Oficina,
230 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

uma plataforma de arquitetura colaborativa. Junto ao nosso pai, com seu conheci-
mento em administração e nossa “boadrasta” que é designer, fizemos os primeiros
esboços do que poderia ser esse lugar, que abrigaria muita arte, educação, processos
comunitários e experiências transformadoras. Decidimos que iríamos nos dedicar
juntos a fazer este projeto florescer.
Assim, surgiu o DNA colaborativo do Vila Flores. Muitas pessoas de diversas
áreas de atuação e de conhecimento (ex-moradores, vizinhos, agentes públicos,
artistas, estudantes, professores, historiadores, arquitetos, entre outros) começaram
a frequentar o canteiro de obras e a sonhar junto com a gente esse espaço para a ci-
dade. A ideia de um centro cultural começou a tomar força e muitas pessoas foram
se apropriando e se engajando à proposta.

2 A RECUPERAÇÃO DOS ESPAÇOS

Entre 2011 e 2013, os primeiros espaços começaram a ser restaurados (Figu-


ra 2), envolvendo pessoas com conhecimentos variados juntamente com a minha
família, trabalhando a partir de um projeto arquitetônico amplo, que priorizava a
diversidade de usos e gerando condições para uma ocupação continuada e pulsan-
te, potencializando um espaço coletivo e dialógico com o entorno.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 231

Figura 2 - Planta do Conjunto Arquitetônico: apre-


sentando os espaços a serem restaurados

Fonte: Folha de São Paulo (2016)

Foi em dezembro de 2012 que fizemos a primeira chamada oficial para que o
público pudesse conhecer (ou reconhecer) “os predinhos de Lutzenberger”. Como
não morávamos na cidade há bastante tempo, contamos com a ajuda de entusiastas
do projeto para convidar quem poderia se interessar em participar, especialmente
os vizinhos e a comunidade criativa da cidade. Era um momento crucial de sensi-
bilização para a preservação do patrimônio histórico, já que muitas edificações da
cidade estavam sendo demolidas. A nossa decisão familiar em preservar “os predi-
nhos” só se fez possível por uma grande mobilização coletiva e cidadã.
A articulação de todas essas pessoas foi muito importante, pois, quando tudo
ainda parecia apenas ruínas, elas vislumbraram que a proposta poderia trazer im-
pacto positivo para o bairro e para a cidade, criando espaço de convívio e de diálo-
go. A presença de grupos e projetos artísticos também foi crucial para que, desde
o início, pudéssemos pensar o uso do espaço a partir da perspectiva coletiva, com
base na arte e da sua relação com o território. No dia 19 de dezembro de 2012,
consideramos a criação do Vila Flores. Estavam presentes o coletivo Geodésica
Cultural Itinerante, da UDESC, o grupo de pesquisa Transitar da UFPEL, o Pro-
jeto Vizinhança de Porto Alegre, a Goma Oficina de São Paulo e muitos vizinhos
232 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

que também são artistas, poetas, arquitetas e arquitetos, comerciantes da região e


professores. Um entusiasmo tomava conta de todos. Colocamos a maquete do pré-
dio em uma mesa bem no centro do galpão. Mais de 100 pessoas passaram por lá,
para conversar, colaborar com suas ideias e participar das atividades propostas para
o dia: construção de hortas verticais, grafitti e visita guiada sensorial pelo espaço.
Um ano depois, em dezembro de 2013, houve o grande marco: o “I Simul-
taneidade” (Figura 3), que foi um dos momentos mais significativos, pois mostrou
todo potencial do prédio como embrião de um coletivo criativo que abriu as portas
para a comunidade. O evento recebeu 63 artistas e cerca de 1.500 visitantes em
uma variedade de atividades culturais gratuitas, durante um final de semana. Nesse
momento, o Vila Flores pode ser celebrado como um espaço cultural e núcleo de
práticas colaborativas da cidade de Porto Alegre.

Figura 3 - I Simultaneidade

Fonte: Vila Flores – Slideshare (2014, não paginado)

A partir do Simultaneidade, muitas pessoas e coletivos sentiram vontade de


ter os seus ateliês e os espaços de trabalho ali instalados, mesmo observando que
o espaço ainda demandaria várias reformas e adaptações. Muitos deles se enga-
jaram nas reformas, investindo recursos para melhorias do espaço que gostariam
de utilizar, tendo como contrapartida descontos no aluguel. Era quase como se o
prédio fosse um ser vivo, porque as pessoas estavam ali, todo tempo, reconstruindo
e redesenhando.
Uma decisão muito importante foi mantermos espaços de uso coletivo, que
seriam usados por todos e para receber o público. O galpão, o pátio e o miolo foram
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 233

então destinados para reuniões, encontros, eventos, exposições, espetáculos e ofici-


nas. A reforma desses espaços comuns, também foi compartilhada, pois, conforme
as atividades ocorriam ali, iam deixando melhorias, como um legado do coletivo.
Muitos foram os exemplos: o que era produzido nas oficinas de mosaico ou de
paisagismo ia transformando o espaço, parte dos valores arrecadado em eventos
era destinado para este fim, em um processo de troca. As pessoas usavam o espaço
para as atividades e deixavam algo que, até hoje, transforma o ambiente coletivo.

3 CHEGOU O TEMPO DE O COLETIVO FLORESCER

Muitas coisas incríveis aconteceram no Vila depois da sua criação. Vou tentar
fazer uma linha do tempo para que você possa entender um pouco do caminho
que percorremos.
Em 2013, batizamos o espaço de Vila. Vila, porque acreditamos que é nas
Vilas que se cria um senso de comunidade verdadeiro, de cuidado mútuo e cola-
boração; onde se encontra sentido para a palavra vizinho e se acolhe as vulnerabi-
lidades de quem está por perto, para que todos possam crescer juntos. Flores, para
homenagear nossa avó Maria Luiza Flores que foi museóloga e teve uma atuação
muito forte na promoção da cultura em Porto Alegre. Com a adoção desse nome,
as pessoas que tinham suas iniciativas no espaço passaram a se autodenominar
“Vileiros” e tinham, como característica comum, a intenção de colaborar com os
demais e de contribuir para a transformação social. Além do nome, definimos os
pilares de atuação do coletivo: (a) arte e cultura, (b) arquitetura e urbanismo, (c)
educação e (d) empreendedorismo social e criativo. Para os Vileiros, é muito im-
portante criar espaços de convívio e troca de saberes, promovendo o acesso a todas
as pessoas, as que estão perto, as que vem de mais longe e que, independentemente
de onde estejam, onde vivem e a realidade social em que vivem, possam ter acesso
à arte, à cultura e ao empreendedorismo social e criativo e o direito à cidade.
Em 2014, o Vila já contava com 22 iniciativas e foi assim que fundamos ofi-
cialmente a Associação Cultural Vila Flores. Essa instituição cuida, hoje, de toda a
programação cultural do espaço promove a articulação entre Vileiros e o entorno,
desenvolve projetos baseados nos pilares de atuação definidos pelo coletivo, par-
234 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

ticipa de editais nacionais e internacionais e faz a comunicação interna e externa


do Vila.
Em 2015, aconteceu o “II Simultaneidade”, que passou a ser considerado
a Bienal do Vila Flores. Foi um momento no qual refletimos sobre as trocas de
saberes e ações colaborativas. Os Vileiros realizaram exposições, intervenções ar-
tísticas, rodas de conversa, oficinas, apresentações musicais e teatrais inspiradas na
perspectiva de revitalizar as relações cotidianas, ativar memórias e reinventar usos,
permanências e vivências da cidade. No ano seguinte, além do reconhecimento
internacional das ações de revitalização do patrimônio histórico com as obras ma-
teriais no conjunto arquitetônico, iniciamos os projetos junto à comunidade do
entorno, como o “De Vila a Vila”, na Vila Santa Terezinha. Em 2016, também
realizamos o nosso primeiro projeto com recursos provenientes do FAC, o fundo
de apoio à cultura, da Secretaria de Cultura do Estado do RS, o projeto “Vila Flo-
res, uma Experiência Aberta”, promoveu diversas atividades culturais gratuitas e
transdisciplinares.
O Vila estava crescendo e, em 2017, já contava com 36 iniciativas. Nesse
ano, mantendo a tradição, realizamos a 3ª edição do Simultaneidade com o tema
Transvercidade. Nosso desejo era mostrar que a cidade que se sonha e se quer já
estava sendo colocada em prática com a união de muitas mãos, ideias e ações,
mas que ainda havia muito para se refletir e reivindicar. Entendemos as edições
do Simultaneidade como marcos de reflexões e mudanças, além da reafirmação
de propósitos, construindo as ações dos anos seguintes a partir das percepções e
vivências ocorridas durante os eventos.
Um ponto marcante, em 2018, foi a produção e lançamento do Webdocu-
mentário Vila Flores – Território e Memória, fruto do trabalho de uma equipe
multidisciplinar de Vileiros, que se empenharam em contar a história do coletivo
que proporcionou, a todos os envolvidos, um exercício de entendimento de mui-
tos aspectos que compõem sua trajetória: físicos, humanos e contextuais. Foi um
processo de consolidar o Vila como um ambiente de experimentação seguro e
acolhedor, com outros tempos e olhares, e que tem a missão de inspirar e conectar
as pessoas entre si e com um outro mundo possível, muito diferente do comum.
O ano de 2018 também marcou o início de um projeto muito especial para nós, o
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 235

Skate na Vila, realizado a partir da construção de uma pista de skate na Vila Santa
Teresinha, em parceria com o Centro Social Marista Irmão Antonio Bortolini.
Em 2019, o Vila contava com 43 iniciativas. Realizamos a 4ª edição do Si-
multaneidade, com o tema Arte e Ativismo, promovendo uma profunda reflexão
sobre a arte como ferramenta de conscientização e transformação social. Foram
dois dias de oficinas, rodas de conversa, cine debates, intervenções, shows e exposi-
ções. As atividades abrangeram artes visuais, literatura, música, educação, sustenta-
bilidade e patrimônio histórico. Essa edição reconheceu que os cidadãos precisam
ser mais ativos na busca pela sociedade que querem e que a arte é uma potente fer-
ramenta de conscientização e transformação social. Esse ano também foi marcado
pelo projeto Lab Vila Flores, que atendeu a 350 alunos do ensino fundamental das
escolas municipais, com atividades culturais diárias, através de um convênio com a
Secretaria Municipal de Educação.
E chega o ano de 2020 e, com ele, a pandemia do COVID-19 trazendo inú-
meros desafios. Precisamos criar meios de apoiar a comunidade do entorno que,
como muitos outros territórios em todo o Brasil, sofreu com a redução de emprego
e renda, além do limitado acesso às condições de higiene e à saúde. Desenvolvemos
ações de apoio aos catadores de recicláveis e moradores de rua para que tivessem
condições de higienizar as mãos e receber alimentação. Mobilizamos pessoas, por
meio de campanhas, para arrecadação de alimentos, roupas, máscaras, material de
higiene e limpeza e distribuímos com o apoio da rede de parceiros. Também tive-
mos que pensar meios de apoio mútuo interno, pois muitos Vileiros tiveram que
parar suas atividades com a política de isolamento social e suspensão de atividades
que envolvessem grupos de pessoas. A migração para atividades virtuais e a mo-
bilização de recursos para a sustentabilidade das atividades e da estrutura também
foram desafios e proporcionaram um grande aprendizado. Criamos um banco de
contrapartidas, para que parte dos valores de aluguel pudesse ser pago em produ-
tos ou serviços de Vileiros que enfrentaram maiores dificuldades financeiras nesse
período.
Destaco que nossa prática de planejamento, que já fazia parte do processo
de gestão, contribuiu fortemente para que conseguíssemos perceber e responder
às demandas do entorno, mobilizar recursos variados e estreitar relações com par-
ceiros e financiadores, gerando aportes significativos para projetos que produziram
236 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

impacto social para o território. Muita criatividade e amor foram necessários para
dar conta desse período tão complexo! Mas o que fica deste momento é a consci-
ência de que o Vila é um ecossistema potente, pois permite ouvir todos os envol-
vidos, buscando “externalizar o interno e internalizar o externo”.

4 UM OLHAR PARA AS RELAÇÕES


INTERNAS: HABILITANDO-SE PARA
A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Uma das certezas das pessoas que se envolvem com o Vila é: este é um es-
paço que conta com claro comprometimento e intencionalidade de ser um espaço
relevante para a cidade, aberto e inclusivo, fomentando a vivência concreta da di-
versidade e da colaboração. Ao longo do tempo, desenvolvemos estratégias e ações
que buscam o bem-estar dos Vileiros, do coletivo e dos grupos da comunidade do
entorno. Nós sabemos que as pessoas aderem a uma iniciativa por diversos moti-
vos e que estes objetivos são complementares, mas só conseguimos nos preparar
para promover a transformação social quando compartilhamos conhecimento e,
coletivamente, geramos valor social. Nesses processos, com práticas colaborativas,
todos ganham.

5 EVOLUÇÕES NA GOVERNANÇA

Nós entendemos que o Vila é multifacetado por natureza, pois não se refere
somente ao espaço físico, mas também às pessoas que ocupam o espaço. Além dis-
so, sabemos que colaborar também é um processo de aprendizagem e de geração
e compartilhamento de valor e sentido. As mobilizações ou projetos são cocriados
com parceiros em alguns grupos da comunidade e entre os Vileiros, envolvendo
objetivos comuns e diversidade de atores e beneficiários.
A gestão do Vila vai se transformando ao longo do tempo, a partir dos apren-
dizados e legados dos processos vividos, e acontece de forma horizontal, depen-
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 237

dendo do momento pode ser coletiva, com o envolvimento de todos os Vileiros,


ou compartilhada, quando as definições são centralizadas em um grupo menor,
comunicadas e validadas com o coletivo. Entende-se que o reconhecimento desta
perspectiva híbrida vem do amadurecimento e do empoderamento das relações
entre os Vileiros.
Torna-se importante lembrar que o conjunto arquitetônico é um espaço pri-
vado com finalidade pública. A ocupação dos espaços conta com o acolhimento
de novos integrantes pelos Vileiros que atuam em áreas semelhantes ou comple-
mentares. Essa articulação produz conexões potentes e baseia-se no respeito aos
membros que fazem parte do coletivo. Existem alguns pontos importantes que
são considerados para a entrada de novos Vileiros, como a potencial contribuição
da área de conhecimento do novo Vileiro para o ecossistema como um todo e o
alinhamento com o propósito e a proposta colaborativa do Vila. Além disso, é co-
brada a contribuição condominial, sendo composta pelo rateio dos custos mensais
(água, luz, internet, limpeza e manutenção dos espaços comuns…) e a taxa asso-
ciativa, que apoia a existência da Associação Cultural Vila Flores e a realização
de projetos culturais, sociais e educativos e a comunicação de tudo que acontece
no Vila. Assim, para dar conta das diferentes demandas decorrentes da ocupação
do imóvel, definimos que a gestão de projetos de adequação dos espaços e das
atividades que neles acontecem seria dividida entre três equipes: Administração e
Imobiliário – trabalha as relações de demandas do condomínio, Arquitetura – ge-
rencia aspectos ligados à revitalização do prédio e adequação ao uso, e Associação
Cultural Vila Flores – faz a gestão cultural e de projetos que acontecem no Vila e
em parcerias externas, bem como atua como proponente em projeto financiados
pelo setor público e parcerias com outras organizações privadas.
A nossa tomada de decisão também varia de acordo com o contexto. Em
necessidades mais urgentes, que envolvem o bem comum, as equipes tomam as de-
cisões pensando no coletivo. Já, em relação às atividades e temas que serão priori-
zados nos espaços coletivos, é realizada uma reunião geral, com pauta pré-definida.
Cada iniciativa tem direito a um voto para definir o que deverá ser feito e como.
Assim, todos que fazem parte desse ecossistema e se sentem responsáveis por ele.
238 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

6 E PROCURAMOS COMPARTILHAR
O CONHECIMENTO...

Eu poderia ficar falando infinitamente sobre isso, mas acho importante focar
em alguns aspectos mais significativos e que podem servir de inspiração para ou-
tros coletivos. Compreendemos que, para a colaboração acontecer e ser eficaz a fim
de desenvolver e identificar novas soluções para problemas, é preciso promover o
compartilhamento de conhecimentos e aprendizados. Com isso, as iniciativas pas-
sam a ter mais escalabilidade, tanto em tamanho, quanto em impacto, aumentam a
capacidade, reduzem os riscos ou facilitam a adaptação a ambientes em mudança.
No Vila, temos práticas e ferramentas para compartilhar conhecimento que
são muito importantes para os Vileiros. Algumas são mais espontâneas ou infor-
mais, como um bate papo no pátio; outras mais estruturadas ou formais, como
reuniões, eventos e projetos. Por outro lado, muitas ideias surgem, mas um número
bem menor acaba sendo prototipado ou realizado. Por isso, entendemos o Vila
como um espaço de experimentação, um laboratório vivo de relações e de cidada-
nia. Outro ponto que acho importante é que nossas rotinas são permeadas por três
aspectos: a afetividade, a intencionalidade e a relação com o entorno. Dito de outro
modo, nossas trocas de saberes são feitas de forma aberta, com diálogo e escuta
respeitosos e amorosos, comprometidos com o aprimoramento e desenvolvimento
de todos e inspirados nas interações que temos com as pessoas que vivem ou convi-
vem no entorno, pois só assim poderemos cocriar soluções colaborativas que façam
sentido e dialoguem com o território.
Ainda temos alguns aspectos que dificultam o compartilhamento do conhe-
cimento, como o tempo que pode ser uma forte barreira, uma vez que os Vileiros
precisam conciliar as demandas de suas iniciativas com o engajamento nas prática
de compartilhamento de conhecimento de forma intencional, mas entendemos
que pode ser parte da estratégia individual de cada Vileiro que se beneficia do bem
comum, do conhecimento compartilhado, gerando um ganho recíproco, potencia-
lizando a ampliação do valor e do impacto positivo da iniciativa.
Sabemos que ainda precisamos percorrer um bom caminho para ampliar os
momentos de compartilhamento de conhecimento, formais e/ou informais, diante
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 239

do potencial e da diversidade existente no grupo de Vileiros e do propósito do


Vila, que pode gerar ainda mais impacto positivo e valor social, potencializando
soluções colaborativas mais efetivas, que se originam na construção de capacidades
e conjugação de recursos existentes na nossa constelação de atores.
Uma coisa que aprendemos foi que as transformações sociais não são reali-
zadas, isoladamente, por empreendedores solitários, mas são processos interativos
moldados pelo compartilhamento coletivo de conhecimentos, entre uma diver-
sidade de pessoas que constroem soluções para atender as necessidades sociais e
promover o desenvolvimento social. Essas interações demandam tempo de relação
e não apenas promovem a geração de novos conhecimentos, mas também ajudam
os atores envolvidos a adquirirem e a desenvolverem capacidades.

7 SER VILEIRO: GANHOS NA RELAÇÃO

Quando olhamos mais atentamente as interações colaborativas do coletivo,


percebemos que essas relações trazem ganhos para todos os envolvidos, em maior
ou menor grau. Esses ganhos podem ser na dimensão pessoal que envolve tanto
compreender o outro, como a melhoria de sua prática cotidiana; a dimensão fi-
nanceira que passa pelo equilíbrio entre os aspectos financeiro, ambiental e social,
traduzindo fortemente os valores sociais do coletivo. Também a dimensão estra-
tégica quando as conexões possibilitam a ampliação da rede de relacionamentos
e a dimensão do conhecimento que potencializa a cocriação de conhecimento
decorrente de debates e entendimentos diversificados. Contudo, a dimensão mais
intensa e característica do Vila é a do coletivo que envolve o propósito que tece as
relações do coletivo, o engajamento nas interações para a construção de soluções e
novas práticas sociais e o empoderamento na busca da justiça e equidade, vivendo
a diversidade cotidianamente.
Esse conjunto de ganhos das relações, bem como o compartilhamento de
conhecimento têm um papel bastante importante na transmissão da cultura e pro-
pósito do coletivo aos novos Vileiros, assim como a manutenção dos vínculos com
os Vileiros quando estes saem do espaço físico do Vila, seja em projetos, ocupações
eventuais dos espaços para atividades ou nas redes sociais. Os motivos para sair do
240 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Vila são variados, por exemplo, iniciativas que se desenvolvem tanto que o espaço
disponível não dá mais conta da operação ou o contrário e por necessidade de
redução de custos não conseguem mais dar conta de pagar um espaço. Mas um
motivo que me chama a atenção é quando não há uma sintonia mais intensa com
o propósito e as práticas do coletivo, as iniciativas se desvinculam naturalmente.
Apesar de o Vila ser um conjunto arquitetônico privado, a sua finalidade pú-
blica e sua intencionalidade de colaboração e compartilhamento de conhecimento
desde o início das interações entre os Vileiros forjaram os pilares desta iniciativa.
As várias práticas de compartilhamento de conhecimento geram ganhos nas re-
lações, que habilitam o coletivo a criar valor social, por meio de ações concretas
para o bem-estar de grupos da comunidade do entorno e para a cidade, sendo um
espaço relevante e acessível, pois promove formas alternativas e sustentáveis de
viver em sociedade.

8 CHEGOU A VEZ DE OLHAR AS


RELAÇÕES EXTERNAS

O Vila Flores é uma entidade responsável pela programação cultural do espa-


ço e pela articulação junto ao poder público, à iniciativa privada e à sociedade em
prol dos interesses da comunidade artística e criativa do Vila, buscando promover
a integração com a comunidade do entorno. Por isso, nossas iniciativas sempre
procuram envolver a comunidade, sendo ela o centro da iniciativa (ações exclusivas
para a vizinhança) ou colaborando com ela (conversas com vizinhos, saídas de
campo, oficinas). Para que possam entender melhor a importância e desafios de
construir as ações junto com a comunidade, vou contar um pouco mais sobre o
território do Vila.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 241

9 O CONTEXTO HISTÓRICO

Se você nunca visitou o Vila Flores, é importante entender que ele está loca-
lizado na Rua São Carlos, esquina com a Rua Hoffmann, no bairro Floresta, em
Porto Alegre (Rio Grande do Sul) - Figura 4. Nos últimos anos, a cidade passa por
um período de deterioração como consequência da crise política e fiscal que atin-
ge o governo estadual e o governo municipal. O bairro Floresta, por sua vez, tem
histórico industrial e operário e por ele passam três vias principais da cidade: Av.
Farrapos, Av. Cristóvão Colombo e Av. Voluntários da Pátria, misturando caracte-
rísticas comerciais e residenciais. Para quem visita pela primeira vez o bairro, fica
evidente o contraste dos limites invisíveis, mas existentes, destas vias, que destacam
o caráter conflituoso que possui o bairro. Por um lado, prostituição, tráfico e uso de
drogas, e condições de vida e trabalho marginalizadas e vulnerabilizadas; enquanto
isso, por outro lado, vemos o comércio tradicional de rua, grandes empreendimen-
tos comerciais e apartamentos residenciais de luxo.
O Bairro Floresta ainda conserva em sua arquitetura um pouco da sua his-
tória. Com o início da urbanização acelerada pelo trânsito do bonde que circulava
nas proximidades, passou a possuir características industriais e operárias, tanto que
foi conhecido como “o bairro das chaminés”, pois lá passaram a se instalar grandes
indústrias. Este tipo de concentração econômica deu origem à construção de resi-
dências destinadas a abrigar operários e suas famílias. O prédio é construído na dé-
cada de 1920 para atender famílias de operários que vinham do interior do estado.
242 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Figura 4 - Localização do Vila Flores

Fonte: Medroa (2019, p. 40)

Ao longo do tempo, com a fuga das indústrias, aumenta a degradação econô-


mica do bairro aliada à do espaço físico. Com isso, surgiram novos atores no bairro,
que desta vez se apresentam como marginalizados da sociedade, como é o caso das
trabalhadoras do sexo, usuários e traficantes de drogas e dos catadores de resíduos.
Como decorrência disso, hoje, o Bairro Floresta concentra aproximadamente 1%
dos habitantes da cidade com um perfil de renda baixo. Apesar disso, ele é suficien-
temente residencial, um bairro tranquilo, com praças, escolas, crianças brincando e
moradores passeando pelas calçadas. Ele é um bairro de cidade com características
interioranas.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 243

10 O CONTEXTO TERRITORIAL

Ao conviver no bairro, é possível identificar como existem múltiplos grupos


que criam territórios demarcados de forma invisível: o território do comércio de
rua, o dos serviços industriais, a parte residencial, o território da reciclagem, o da
prostituição e o território do tráfico de drogas. Territórios que, apesar de invisivel-
mente demarcados, são visivelmente identificados pela diversidade de realidades
socioeconômicas e que interagem entre si no cotidiano da região. A Avenida Cris-
tóvão Colombo faz a divisa com o bairro Moinhos de Vento (bairro de classe alta)
e se destaca pelo comércio tradicional de rua e moradias de classe média. A Av.
Farrapos acolhe diversos pontos comerciais e é uma das principais vias de acesso
à cidade, o que atribui ao bairro um fluxo significativo de pessoas durante o dia.
Entretanto, à noite, quando o comércio local fecha, a zona atrai pessoas pela pros-
tituição de rua. A própria Rua São Carlos, onde fica o Vila Flores, é conhecida por
ser uma das ruas de prostituição com maior movimento da cidade.
Por fim, a Avenida Voluntários da Pátria marca o limite do bairro com o fim
da cidade (Avenida Castelo Branco e o Rio Guaíba) e atualmente abriga coopera-
tivas de catadores e recicladores de resíduos, além de ser reconhecida como ponto
de tráfico de drogas. Nessa região, também está o Loteamento Santa Teresinha,
conhecido na cidade como “Vila dos Papeleiros”. O Vila tem parceria com o Cen-
tro Social Marista Ir. Antônio Bortolini – CSM, que tem sede no Loteamento,
para atuarem juntos na educação e inclusão cultural de jovens e adolescentes do
bairro. Uma das ações realizadas em parceria foi a caminhada de reconhecimento
do bairro com as crianças e jovens do Loteamento Santa Teresinha, promovida em
conjunto com o projeto Apézito. Durante a execução dessa atividade, ficaram cla-
ros os limites invisíveis do bairro, já que muitos pais expressaram sua preocupação
em relação ao trajeto a ser percorrido.
Esses múltiplos territórios têm sua própria cultura e, portanto, relacionam-
-se com o Vila de forma diferente. Algo que compreendemos com a presença do
Vila na região é que todos têm necessidade por acesso a programações culturais,
educativas e espaços de convívio e lazer. São esses espaços que criam a noção de
pertencimento e de respeito às diferenças. Alguns grupos estão mais habituados e
244 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

socialmente “autorizados” a acessarem determinados espaços, e outros menos, pois


são colocados à margem pela vulnerabilidade que o próprio sistema lhes impõe. O
desafio de um espaço que se propõe acessível e democrático é justamente refletir
sobre como os diferentes grupos se sentem convidados a participar dessa constru-
ção coletiva de lugar.
Quando o acesso à cultura por parte da vizinhança traz uma inclusão no sen-
tido de pertencimento ao bairro e à cidade na sua forma mais complexa e diversa,
sentimos que o Vila cumpre o seu papel. Para crianças e jovens, em especial, é uma
forma de perceber criticamente seu contexto social e despertá-los para as possibi-
lidades de transformar sua realidade individual e coletiva. Todas essas contradições
fazem com que a existência de um centro cultural no meio de tantas vulnerabilida-
des sociais seja bastante desafiadora e, por isso mesmo, muito necessária.

11 CRIAÇÃO E SUSTENTAÇÃO DE VALOR

Quando me perguntam o que é o Vila, sempre achei difícil de responder


em uma frase. Sua complexidade, multidisciplinaridade e constante mudança di-
ficultam essa definição. Para entender melhor o que é o Vila, podemos dividir a
explicação entre quem se relaciona com o Vila, os atores, como eles se relacionam
e o que faz o coletivo existir. Os atores são todos os indivíduos, organizações ou
instituições que, influenciados pelo contexto, de alguma forma, interagem através
de relações. Cada ator possui uma relação diferente com o Vila e entre eles.
A Associação Cultural Vila Flores em si é o regente, visto que, sustentando
suas ações na sua missão social, é ela quem direciona e integra os esforços da inova-
ção social. Como introduzido antes, quem realiza as atividades do Vila é a rede de
Vileiros (composta pelos Vileiros residentes e, também, por produtores culturais,
artistas e educadores que não estão ligados diretamente ao espaço físico, mas sim à
rede criativa e produtiva), com quem o Vila possui uma ligação de codependência
(um não existe sem o outro). Os Vileiros que ocupam os apartamentos contri-
buem constantemente para a manutenção e conservação do patrimônio cultural
arquitetônico. São agentes que valorizam e zelam pela existência deste lugar e
sua materialidade histórica, pelo simples fato de escolherem conviver e trabalhar
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 245

aqui. O coletivo de Vileiros também é um verdadeiro exemplo de diversidade e de


espaço democrático, já que eles convivem, no mesmo espaço coletivo e produtivo,
organizações do terceiro setor, creche parental, negócios sociais, ateliês de artistas
plásticos, estúdio de música, estúdios de arquitetos, entre outros.
Como já mencionado anteriormente, a comunidade local é composta por
realidades culturais e socioeconômicas muito diversas. Existem moradores e co-
merciantes que estão na região há muitas décadas e que viram a transformação
acontecer ao longo desse tempo. Viveram a enchente de 1942, lembram da passa-
gem do balão Zeppelin por lá e, inclusive, contam-nos histórias incríveis de quan-
do coletavam minhocas no terreno do Vila para ir pescar no Rio Guaíba, onde, na
época, chegava-se caminhando, sem obstáculos para impedir a passagem. Imagi-
nem que delícia!
Há, também, novos empreendedores, que, na última década, vêm chegando
na região com seus pequenos negócios, geralmente ligados à economia criativa. A
região também é conhecida por contar com muitos serviços de marcenaria, serra-
lheria e fornecimento de insumos e maquinário. Essa característica atrai os negó-
cios criativos que se abastecem desses serviços e insumos, potencializando não só
os novos negócios, mas a economia tradicional do bairro.
Também compõem essa comunidade local, os moradores das vilas mais pró-
ximas, como a Vila Santa Teresinha, o loteamento que abriga centenas de famílias,
que em sua maioria tiram sua subsistência do trabalho com a reciclagem. Algumas
famílias trabalham nas ruas com os carrinhos de coleta e outras nos galpões de
reciclagem. Muitos deles são formalizados como associações ou cooperativas, mas,
mesmo assim, sofrem com a marginalização decorrente da atividade que exercem.
É uma região com grande incidência de moradores de rua e que conta com diver-
sos serviços de assistência social e fortalecimento de vínculo para essa população,
que em sua maioria são conveniados à prefeitura, mas que tem mais demanda do
que possibilidade real de atendimento.
A chegada do Vila neste território exigiu muita atenção e observação. So-
mente com o tempo e muita participação, passamos a compreender as diferentes
realidades que compõem o território para elaborar formas de atuação coerentes
com essas realidades. E a verdade é que seguimos em processo constante de apren-
dizado.
246 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Desde seu surgimento, o Vila contou com diferentes parceiros estratégicos,


que são atores independentes que interagem em conjunto conosco e que são mo-
tivados por uma missão social em comum. Começamos participando da “rede de
sustentabilidade e cidadania da Vila Santa Teresinha e seu entorno”, que reunia os
serviços de assistência social da região em encontros periódicos para discutir ações
e projetos, pensando numa atuação coletiva dos serviços sociais do território. Algu-
mas reuniões aconteciam no Vila, outras no Centro Social Marista Irmão Antonio
Bortolini (CSM). Foi a partir de então que começamos a pensar em atividades
realizadas conjuntamente.
O CSM, junto com a creche Marista, possui forte vínculo com a comunida-
de do Loteamento Santa Teresinha e cumpre um importante papel de liderança
comunitária. Atuando na comunidade desde 2007, o CSM atende mais de 120
crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos, através de oficinas culturais, didático-
-pedagógicas e atividades lúdicas, que estimulam o desenvolvimento das relações
afetivas e sociais por meio do teatro, da música, dança, percussão e do esporte.
Tendo os eixos de educação e cultura em comum, o CSM e o Vila Flores realizam
atividades nessas áreas.
O projeto de Vila a Vila surgiu da parceria entre Vila Flores e Centro Social
Marista e teve início em 2016 com o intuito de pensar e agir conjuntamente para
a melhoria da qualidade de vida no território por meio de projetos culturais, artís-
ticos e educativos de base comunitária e colaborativa. As ações hoje fazem parte
de um programa que tem se expandido para mais comunidades da região. Além da
relação com o CSM, as articulações também se dão junto às entidades Ksa Rosa,
AINTESO, Cooperativa 20 de Novembro, Igualdade RS, Misturaí, Mulheres Mi-
rabal, Fé e Alegria e com serviços de assistência social e fortalecimento de vínculo:
Caps AD e Centro Pop. A Associação Cultural Vila Flores é reconhecida pelo
Conselho Municipal da Criança e do Adolescente como SARA (Serviço de Apoio
à Rede de Atendimento).
No programa, são oferecidas atividades educativas para o público jovem e in-
fantil, bem como atividades formativas para o público adulto com foco na inserção
produtiva e geração de renda, sempre considerando as vocações das comunidades
envolvidas. O projeto de Vila a Vila busca oportunizar, às pessoas e às comunida-
des do território, a formação em atividades ligadas à economia da cultura, podendo
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 247

expandir as possibilidades de geração de renda e inclusão social. Da mesma manei-


ra, contribuir para a democratização do acesso à cultura, atuando como catalisador
na redução das desigualdades socioeconômicas do território.
A ONG Mulher em Construção também é um exemplo muito presente na
constituição do Vila, visto que é uma organização que forma mulheres para o mer-
cado da construção civil com o objetivo de promover o empoderamento feminino
e reduzir as desigualdades de gênero. A ONG e o Vila começaram a atuar em con-
junto quando ambos identificaram que poderiam ter uma relação ganha-ganha,
pois o Vila precisava realizar reformas prediais enquanto a ONG buscava um lugar
para colocar em prática seus cursos de formação. Diferentemente do CSM, que já
atuava no contexto, a ONG criou um vínculo mais próximo conosco por participar
desde o início da nossa reconfiguração. Atualmente, o Vila, a ONG Mulher em
Construção e o Estúdio Sarasá desenvolvem o projeto Canteiro Vivo, que forma
mulheres para atuar na conservação, zeladoria e restauro do patrimônio cultural
arquitetônico.
Por fim, o Vila promove atividades em conjunto com ativistas sociais, que
estejam alinhados à missão social. Um exemplo disso está na seleção dos Vileiros.
Todas as iniciativas e coletivos que residem no Vila estão ligados direta ou indire-
tamente a algum tipo de ativismo social: economia sustentável, empoderamento
feminino, segurança afetiva, educação para todos, ocupação do espaço urbano, afro
empreendedorismo, causa LGBTQIA+.
Aqui, praticamos a micropolítica porque acreditamos que sempre é momento
de problematizar e de criar as propostas que queremos ver. Por isso, também incen-
tivamos e provocamos discussões de novas causas, mantendo-nos sempre abertos
a ouvir as necessidades da sociedade. Dessa forma, ajudamos no empoderamento
de grupos sociais minorizados, que encontram no espaço um ambiente acolhedor
e incentivador para debater suas questões.
Nós percebemos que existem diferentes estímulos que, conjugados, explicam
por que o Vila surgiu neste contexto e nos moldes em que atua. O primeiro deles
é a oportunidade, que, como família, identificamos lá no início, quando recebemos
os predinhos como herança, em estado grave de degradação estrutural. Na planta
original dos prédios, já eram considerados espaços de uso comum, como banheiros
e cozinhas, além das sacadas estarem voltadas para o pátio interno (que ocupa boa
248 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

parte do terreno), sugerindo uma interação maior entre os vizinhos. Além disso,
tinha uma área destinada a um galpão de uso comercial e que hoje é usado como
espaço comum para eventos, encontros, atividades educativas e culturais, como
se o galpão e o pátio fossem o coração, o centro de onde toda energia coletiva é
emanada.
Então, o Vila de hoje é uma releitura contemporânea das práticas colaborati-
vas originais do prédio. A semente de um espaço colaborativo já estava desenhada
pelo arquiteto Joseph Lutzenberger na década de 20. Os arquitetos de hoje, como
meu irmão e seus colegas de profissão que são grandes parceiros nessa verdadeira
jornada arquitetônica chamada Vila Flores, tiveram a sensibilidade de identificar
essa característica preciosa do projeto original e potencializá-la.
No entanto, além da oportunidade surgida a partir da herança de uma pro-
priedade, foram as motivações pessoais para empreender socialmente que fizeram
a diferença e serviram de motivação. Poderia ser mais fácil se vendêssemos o espa-
ço, mas decidimos seguir por outro caminho. A profunda compreensão de que não
é possível realizarmos nada sozinhos e que uma propriedade por si só é algo esva-
ziado de sentido se não cumpre a sua função social, motivou-nos a ressignificar as
edificações, através de um grande esforço coletivo em devolver para a cidade a sua
memória e escrever novas narrativas para esse patrimônio que, hoje, faz parte de
sua história. Somos, portanto, um coletivo de empreendedores sociais e criativos.
Hoje, compomos uma equipe de gestão que atua em três frentes: (i) a condo-
minial, que cuida das questões relacionadas à locação dos espaços de trabalho e ao
bom funcionamento destes, (ii) a arquitetônica, que cuida das reformas, restauros
e das ações de preservação e (iii) a educação patrimonial e a cultural que cuidam
da realização e divulgação das atividades abertas ao público, da articulação entre o
público externo e interno e da manutenção das redes de colaboração. Assim como
eu, todos do núcleo familiar fazem parte dessa equipe de gestão, que é bastante
multidisciplinar e está sempre buscando ferramentas e metodologias para atuar em
horizontalidade e colaboração e em constante revisão de seus processos de gestão.
A nossa missão social é motivada pelas adversidades identificadas na comuni-
dade local. Essas adversidades são tanto a não satisfação de necessidades humanas,
quanto as dinâmicas de exclusão social provocadas pela ausência das instituições.
Pensando em necessidades não atendidas via mercado, notou-se que havia no con-
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 249

texto uma carência por consumir e produzir cultura. Além disso, a quantidade de
Vileiros que possui empreendimentos sociais sugeria que havia uma necessidade
em empreender de forma colaborativa, através de rede e não de competição. Por
sua vez, existem dinâmicas de exclusão social no bairro, que se mostram na falta de
senso de pertencimento que, por sua vez, traduz-se na falta de orgulho e de identi-
ficação com o bairro e na carência afetiva e de oportunidades de mobilidade social
dos indivíduos marginalizados.
Movidos pelos estímulos, a forma como os atores se relacionam com o Vila
é um dos fatores que gera o desenvolvimento local. Uma característica própria são
as relações colaborativas num sentido mais amplo, apresentando-se tanto na forma
de gerenciar o empreendimento social, como na constituição das parcerias estra-
tégicas. Como expliquei sobre a governança, nosso formato de gestão intercala
momentos de horizontalização e verticalização e com maior ou menor participa-
ção dos Vileiros na mesma. Além disso, os espaços físicos divididos influenciam
também a estratégia e estrutura dos empreendimentos dos Vileiros. Muitas vezes,
na hora de lançar um serviço ou um produto, eles levam em consideração o que as
pessoas que convivem com eles têm a dizer
O Vila também se relaciona com os atores por meio da promoção de inicia-
tivas alinhadas com a nossa missão social. Com isso, o Vila acabou se tornando,
na cidade, referência de práticas colaborativas e de inovação social. Hoje, esse pio-
neirismo atrai novas iniciativas (culturais e empreendedoras) ao bairro Floresta.
Sabemos que, antes, já existiam atores com esse perfil empreendedor e artístico na
região, mas a vizinhança percebe um aumento dessas iniciativas após a recuperação
do Vila. Seu poder catalizador fica mais evidente nas relações construídas com os
atores ativistas sociais, que se sentem acolhidos no espaço do Vila para, não só ide-
alizar iniciativas, como também para ampliar suas atividades e visibilidade através
de eventos e debates promovidos e realizados no Vila.
No bairro, existem muitos vizinhos que participam das atividades e veem
valor na ativação do espaço. Porém, uma parcela da vizinhança ainda não consegue
compreender totalmente o trabalho que o Vila realiza na comunidade. Apesar dos
nossos esforços para aproximá-los, com a realização de eventos culturais, muitos
deles envolvendo música, alguns vizinhos passaram a se sentir afetados pelo som,
associando o Vila a “barulho”. Quanto à relação com as trabalhadoras do sexo
250 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

que atuam na mesma rua, compreendemos que o fluxo de pessoas que circulam
no bairro aumentou após a ativação do Vila. Quem consome prostituição procura
zonas reservadas e com baixa movimentação e, com a movimentação gerada pelas
atividades do Vila e dos Vileiros, o trabalho das prostitutas acaba sendo afeta-
do, principalmente em dias de eventos. Tentamos mitigar esse conflito afinando
a comunicação ao divulgar a programação mensal nas paredes externas do prédio
e no drive in onde elas trabalham, além de construir bancos na calçada para que
elas possam se sentar. Alguns vizinhos achavam que a prostituição sairia da região
com as atividades do Vila, porém a nossa perspectiva sempre foi contrária: as tra-
balhadoras do sexo sempre estiveram nesse local. Tínhamos que criar condições de
convívio e respeito entre todos os grupos que compõem a diversidade do bairro:
precisamos nos acolher como seres humanos com toda a riqueza de características
(Figura 5).

Figura 5 - Adaptação dos Arredores do Vila Flores

Fonte: Medroa (2019, p. 76)


TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 251

12 DESAFIO

A inspiração deste capítulo é refletir sobre a transformação gerada por meio


de uma inovação social, a partir de um caso real. Convidamos os professores e
seus alunos a construírem sua percepção sobre a potência do impacto social de
iniciativas, tanto na perspectiva interna dos atores envolvidos nas práticas colabo-
rativas, quanto em relação ao território no qual a iniciativa está inserida. A criação
e sustentação do valor social não passa somente pela entrega de uma solução para
um problema, mas envolve a processualidade da construção coletiva que se inicia
na identificação e compreensão profunda sobre o problema social, passando pela
articulação de uma diversidade de atores e valorização de saberes e valores locais,
bem como pela recombinação de práticas sociais que levam a novas percepções
e formas de organização, potencializando aprendizados e desenvolvimento para
todos os envolvidos. Apesar de instigante, este processo é cheio de desafios, como
você já deve ter percebido ao longo da leitura. Convidamos, você, a construir ce-
nários e visões coletivas sobre a potência da inovação social para gerar impacto e
transformar a realidade das comunidades e da sociedade.

NOTAS DE ENSINO

1. RESUMO DO CASO

Este caso, cujas reflexões são endereçadas ao eixo Transformações geradas


pela Inovação social, apresenta o coletivo Vila Flores, um empreendimento social
entendido pelos seus membros (Vileiros) como um espaço de experimentação, um
laboratório vivo de relações e de cidadania. Os eixos de atuação são: (i) arte e cul-
tura, (ii) educação, (iii) empreendedorismo e (iv) arquitetura e urbanismo. A partir
desses eixos, busca colaborar com a mudança de paradigmas sociais e econômicos,
252 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

tendo a diversidade e o impacto social como aspectos estratégicos. O valor social


do complexo Vila Flores é composto por: a) transformação das relações comunitá-
rias no 4º Distrito de Porto Alegre por meio de micro revoluções a partir da arte,
educação e cooperação; e b) oportunidades de cultura e empreendedorismo para a
comunidade do entorno. Os Vileiros entendem que o Vila Flores é multifacetado
por natureza, pois não se refere somente ao espaço físico, mas também às pessoas
que ocupam o espaço. Além disso, percebem que a colaboração é um processo de
aprendizagem e de geração e compartilhamento de valor e sentido. As mobiliza-
ções ou projetos são cocriados com parceiros em alguns grupos da comunidade e
entre os Vileiros, envolvendo objetivos comuns e diversidade de atores e benefici-
ários.

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

1. Compreender as características de uma inovação social, considerando a


integração da missão social e a sustentabilidade financeira.
2. Identificar os aspectos que caracterizam o coletivo como um empreendi-
mento social.
3. Discutir como se dá a interação entre os atores e quais os ganhos nessa
relação, considerando a alta rotatividade e as mudanças no coletivo.
4. Refletir sobre os impactos que o coletivo gera na comunidade e no entorno,
compreendendo como se dá o convívio com os diferentes atores e sua influência
nos diferentes perfis.

3. PÚBLICO-ALVO:

Este caso é destinado aos estudantes dos níveis de graduação e de pós-gra-


duação Lato Sensu.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 253

4. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

a) Quais as características do coletivo Vila Flores que indicam que sua atua-
ção pode ser entendida como uma iniciativa de inovação social?
b) Pensando na perspectiva de sustentabilidade do coletivo, quais os apren-
dizados mais significativos ao longo do tempo? Comente os aspectos sociais, am-
bientais e econômicos.
c) Considerando que os Vileiros entendem o Vila Flores como uma comuni-
dade criativa em constante mutação, quais os aspectos mais significativos no que se
refere à entrada de novos membros e aos ganhos das relações?
d) Quais pontos refletem a característica do Vila Flores como um empreen-
dimento social?
e) Com base no conceito de desenvolvimento local, quais são os principais
elementos do caso Vila Flores que demonstram seu impacto na Comunidade (Vila
Santa Teresinha e Vizinhança)?

5. SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

5.1 INOVAÇÃO SOCIAL

Ao longo do tempo, tem-se percebido a necessidade de buscar soluções sus-


tentáveis para problemas cada vez mais desafiadores. As inovações sociais focam
na busca de soluções efetivas e coletivas para o enfrentamento das crises e proble-
mas sociais que são altamente complexos (HOWALDT; KALETKA; SCHRÖ-
DER, 2016; MOULAERT et al., 2005; MULGAN, 2006), tais como: os efeitos
decorrentes das mudanças climáticas, migrações em massa, crise socioeconômica,
entre outros; de forma a melhorar a vida das pessoas e das comunidades. Há um
consenso crescente de que a inovação social é necessária para lidar com os desafios
254 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

que as sociedades enfrentam agora e no futuro (BIGNETTI, 2011; GRIMM et


al., 2013).
A inovação social não tem um conceito único, uma vez que as dinâmicas
são bastante diversas dificultando agrupá-las em uma definição específica. Mou-
laert et al. (2005) e Mulgan (2012) entendem a inovação social como uma nova
combinação de práticas sociais em certas áreas de ação ou contextos sociais com
o objetivo de melhor satisfazer ou responder às necessidades e problemas sociais.
Cajaiba-Santana (2014) destaca que as inovações sociais são imateriais, centradas
na construção de ativos, manifestando-se por meio de mudanças de atitudes, com-
portamentos ou percepções, resultando em novas práticas sociais e mudanças no
contexto social em que estas ações acontecem, através da criação de novas institui-
ções e novos sistemas sociais.
Por outro lado, existe consenso em relação aos aspectos que caracterizam as
inovações sociais, por exemplo: a intencionalidade da transformação social (COR-
REIA et al., 2018), a ampla participação dos atores (HOWALDT; DOMANSKI;
KALETKA, 2016; HULGÅRD; FERRARINI, 2010), a melhoria de condição e
a qualidade de vida de um grupo ou da sociedade (BOUCHARD, 2012; MOU-
LAERT et al., 2005; MURRAY; CAULIER-GRICE; MULGAN, 2010), entre
outros.

5.2 SUSTENTABILIDADE

A sustentabilidade de uma iniciativa de inovação social apoia-se nos pilares


do desenvolvimento sustentável: economicamente viável, socialmente justo, ecolo-
gicamente correto, bem como é fortemente influenciada por aspectos culturais e
pelo contexto no qual se insere.
Em abril de 1987, a Comissão Brundtland, como ficou conhecida, publicou
um relatório inovador, “Nosso Futuro Comum” – que traz o conceito de desen-
volvimento sustentável para o discurso público: “O desenvolvimento sustentável
é o desenvolvimento que encontra as necessidades atuais sem comprometer a
habilidade das futuras gerações de atender suas próprias necessidades” (BRUN-
DTLAND, 1987, p.41).
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 255

Após vários encontros internacionais sobre sustentabilidade, em 2015, foi di-


vulgada a Agenda 2030 - Transformando o nosso mundo, com os compromissos
globais voltados para a sustentabilidade e criados os Objetivos de Desenvolvi-
mento Sustentável (ODS) que são uma proposição orientadora global à ação para
acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pes-
soas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Os ODS são
compostos por 17 objetivos e 169 metas, tendo como lema: “Não deixar ninguém
para trás!”. Por isso, foram construídos, contemplando as cinco áreas de importân-
cia crucial para a humanidade e o planeta: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e
Parcerias (ONU, 2015).

5.3 GANHOS DAS RELAÇÕES

Na medida em que acontece a mobilização e interação dos atores sociais, é


provocada uma redefinição de práticas que impulsionam a adoção de uma nova
gestão das relações sociais e redireciona o estabelecimento de novas formas de
fazer as coisas, seja através do desenvolvimento de novos serviços, processos, pro-
dutos ou novas formas de organização das relações sociais (HOWALDT; DO-
MANSKI; KALETKA, 2016).
As práticas colaborativas promovem a construção de estratégias coletivas que
criam uma fonte inimitável de recursos, gerando ganhos relacionais, uma vez que
os atores envolvidos na iniciativa têm acesso relevante a informações, comparti-
lhamento de conhecimento, complementaridade de recursos, investimentos espe-
cíficos de relacionamento e governança efetiva (BALESTRIN; VERSCHOORE;
PERUCIA, 2014). Assim, a dinâmica de interação entre esses fatores impulsiona
a criação e a captura de valor e constitui coletivamente soluções legítimas e pro-
fundamente conectadas com o contexto (DYER; SINGH, 1998; DYER; SINGH;
HESTERLY, 2018, HOWALDT; DOMANSKI; KALETKA, 2016).
Os ganhos relacionais podem ser percebidos a partir da geração de valor de-
corrente das relações entre os atores ao longo do tempo e podem ser classificados
em cinco dimensões: valores pessoais, valores financeiros, valores de conhecimento,
256 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

valores estratégicos e valores coletivos (BIGGEMANN; BUTTLE, 2012; SILVA,


2020).

5.4 EMPREENDEDORISMO SOCIAL - ALINHAMENTO DE


PROPÓSITOS E PRÁTICAS

Os empreendimentos sociais partem de um posicionamento estratégico que


desenvolve atividades econômicas, agregando dois marcos essenciais: a sustentabi-
lidade financeira e a geração de valor social - impacto e benefícios sociais (YUNUS,
2010). Nas últimas décadas, houve uma mudança significativa nas organizações
e sua relação com o desenvolvimento e transformação social. Tanto as empresas
convencionais, incluindo o impacto social positivo como parte de sua estratégia
de negócios, como as organizações sociais qualificaram sua atuação, adequando
estratégias empresariais de gestão e geração de recursos para o âmbito filantrópico
(WILTSHIRE; MALHOTRA; AXELSEN, 2018).
Uma das mudanças mais significativas foi o surgimento e consolidação dos
empreendimentos sociais que são considerados modelos de negócios híbridos.
Dito de outro modo, o produto ou serviço oferecido diretamente gera impacto
social, não se trata de um projeto ou iniciativa separada do negócio e sim de sua
atividade principal. Esses empreendimentos são percebidos como novas maneiras
de se minimizar os passivos sociais que contribuem com o ciclo da pobreza e da
exclusão da população, de forma escalável (ASSAD, 2012).
Os empreendimentos sociais caracterizam-se por dinamizarem ações eco-
nomicamente viáveis, que têm como propósito atender às necessidades de pessoas
que vivenciam limites de acesso aos serviços básicos, permitindo que elas se de-
senvolvam e tenham uma vida digna. Em alguns casos, esses empreendimentos
diferenciados também adotam processos internos e formas de gestão colaborativos
e horizontais, com ampla participação das pessoas envolvidas (PETRINI; SCHE-
RER; BACK, 2016).
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 257

5.5 DESENVOLVIMENTO LOCAL

Um dos principais autores no debate sobre inovação social e desenvolvimento


local é Frank Moulaert, que depois de quatro anos de trabalhos liderados por ele
no grupo Social Innovation, Governance and Community Building – SINGOCOM,
criou um Modelo Alternativo de Inovação Local – ALMOLIN. O ALMOLIN
possui caráter interdisciplinar pois é resultado da reflexão sobre teorias de diversas
áreas do conhecimento. Assim, traz uma perspectiva holística, dispondo os ele-
mentos da inovação social sob a influência de dois eixos: tempo e espaço. Além
disso, o modelo considera uma perspectiva histórica e a influência da escala espa-
cial (bairro, cidade, região, território) para compreender as dinâmicas da inovação
social (MOULAERT et al., 2005), permitindo a discussão de alguns conceitos
como governança, comunidade e vulnerabilidade social (MEDROA, 2019; ME-
DROA; SANTOS; SOUZA, 2020). Inspirada no ALMOLIN e com base nas
evidências do caso Vila Flores, Medroa (2019) propõe um modelo para ajudar na
compreensão da inovação social e do desenvolvimento local (Figura 6). O modelo
é composto por cinco categorias: (i) contexto da inovação social, (ii) atores da
inovação social, (iii) estímulos da inovação social, (iv) relações entre os atores e (v)
resultado da inovação social.

Figura 6 – Modelo Dinâmico da Inovação So-


cial e Desenvolvimento Local

Fonte: Medroa (2019, p. 51)


258 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Este modelo busca apontar a influência do contexto da inovação social na


atuação dos atores envolvidos e nos estímulos para a inovação social. Essa influ-
ência se apresenta por meio da dependência da trajetória e das especificidades
locais. A presença desses atores no contexto combinada com os estímulos para a
inovação social, dando origem à inovação social per se. O ator da inovação social
constrói relações diferentes com cada tipo de agente envolvido no processo. Destas
relações, surge o resultado da inovação social. O resultado da inovação é o preen-
chimento dos vazios institucionais (AGOSTINI, 2017) ao mesmo tempo que gera
o empoderamento dos agentes da comunidade. A seta que une o resultado com
o contexto exemplifica o dinamismo do modelo, já que o empoderamento gerado
pelas relações de inovação social retroalimentam o ciclo, modificando o contexto
da inovação social, construindo uma nova realidade ao longo do tempo e podendo,
assim, até alterar o perfil dos atores e os estímulos da inovação social.

6. MATERIAIS DE APOIO À DISCUSSÃO

Vídeos: 1. Webdocumentário Vila Flores — Território e Memória (04 episódios)


https://vimeo.com/channels/vilafloreswebdoc?fbclid=IwAR2yz32kCUyye-
JMV-hK4yY4Q5az3oRx9RTISal7hSh1j3trQBNK4Yjv5jXY
Episódio 1 - https://www.youtube.com/watch?v=fW5-Tu_skY8
Episódio 2 - https://www.youtube.com/watch?v=PO5FivTelUs
Episódio 3 - https://www.youtube.com/watch?v=IC9QybhOJTg
Episódio 4 - https://www.youtube.com/watch?v=E8DAVAgjl-U

Site: http://vilaflores.org/

Redes Sociais: Instagram - @vilaflorespoa / Facebook - Vila Flores

REFERÊNCIAS

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institucionais: uma análise multidimensional em diferentes contextos sociais. Tese (dou-
torado) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2017.

ASSAD, Fernando Amiky. Negócios sociais no Brasil: oportunidades e desafios para o


setor habitacional. 2012. 143 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2012.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 259

BALESTRIN, Alsones; VERSCHOORE, Jorge Renato; PERUCIA, Alexandre. A


visão relacional da estratégia: evidências empíricas em redes de cooperação empresarial.
BASE -Revista de Administração e Contabilidade da Unisinos (ISSN: 1984-8196), v.
11, n. 1, p. 47-58, 2014.

BIGGEMANN, Sergio; BUTTLE, Francis. Intrinsic value of business-to-business


relationships: An empirical taxonomy. Journal of Business Research, v. 65, n. 8, p. 1132-
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BIGNETTI, Luiz Paulo. As inovações sociais: uma incursão por ideias, tendências e
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BOUCHARD, Marie J. Social innovation, an analytical grid for understanding the social
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BRUNDTLAND, Gro Harlem; COMUM, Nosso Futuro. Relatório Brundtland. Our


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CAJAIBA-SANTANA, Giovany. Social innovation: Moving the field forward. A con-


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FOLHA DE SÃO PAULO. Vila Flores - Prédios abandonados em Porto Alegre são
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viáveis podem solucionar os grandes problemas da sociedade. Elsevier, 2010.
262 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 263

Caso 2

UMA ANDORINHA SÓ NÃO FAZ VERÃO:


O CASO DE CONEXÃO DE ATORES PARA
A PROMOÇÃO DE INOVAÇÃO SOCIAL
Bruno Anicet Bittencourt
Paola Schmitt Figueiró

1 A IMPORTÂNCIA DO COLETIVO PARA


ALÇAR VOOS MAIS ALTOS E GERAR
IMPACTO POSITIVO AO BANDO

Lara sempre foi reconhecida por sua criatividade e por sua capacidade de
conectar pessoas. Desde criança, dava sinais do seu dom para o desenho, as flores
eram suas inspirações favoritas. Essa aptidão artística sempre foi sua marca regis-
trada entre familiares e amigos. Lara foi criada pela mãe e pela avó em uma cidade
do interior do Rio Grande do Sul. No cerne desse núcleo familiar, estavam a preo-
cupação com o outro e o exemplo de mulheres fortes que sempre lutaram pela sua
independência. Mesmo com muitas dificuldades, aos 27 anos, ela se formou em
Design. Com o seu dom nato, durante a sua formação, especializou-se em técnicas
de estamparia manual a partir dos desenhos que ela mesma criava. Seu plano era
usar suas habilidades e conhecimentos para empreender, mas o mundo dos negó-
cios sempre pareceu muito distante para uma menina do interior, que sabia dese-
264 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

nhar. Além disso, ela pensava que ao empreender não teria tempo disponível para
os projetos sociais de que participava na sua cidade, e isso tirava seu sono. Todas
as noites, ao deitar a cabeça no travesseiro, o questionamento que surgia era: como
usar meu talento para criar um negócio e ao mesmo tempo gerar impacto positivo
para a sociedade?

2 O INÍCIO DO VOO DA ANDORINHA:


O APOIO AO NEGÓCIO

Muito criativa e cheia de ideias, Lara iniciou sua carreira profissional crian-
do estampas exclusivas, sob demanda. Seu trabalho impecável e sua facilidade de
comunicação e relacionamento fizeram-na conquistar muitos clientes, principal-
mente na indústria calçadista. Sua arte se tornou estampa em modelos de calçados
adultos e infantis, de marcas bastante conhecidas nacionalmente. Esse reconhe-
cimento foi fortalecendo a sua ideia de empreender. Ela sonhava em montar um
negócio que reunisse artistas e clientes para aproximar quem cria de quem vende e
para tornar produtos mais coloridos e bonitos. Contudo, como fazer isso se ela não
tinha conhecimentos em gestão e não se sentia preparada para gerir um negócio?
O fato de ela sempre ter sido muito envolvida com a universidade onde estu-
dou abriu portas para conhecer mais de perto o Parque Tecnológico da instituição.
E foi lá que viu a oportunidade de dar o primeiro passo: participar de um processo
de pré-incubação de negócios. Com isso, ela receberia apoio ao desenvolvimento
de uma ideia já arquitetada durante suas noites em claro e de muita inquietação.
Lara colocou sua ideia no papel e se inscreveu no processo seletivo que foi um di-
visor de águas na sua trajetória. Assim, desafiou-se a apresentar para uma banca a
ideia que somente ela conhecia, mas que sua experiência mostrou como oportuni-
dade. Apresentou, em formato de Pitch, a proposta de uma plataforma que conecta
artistas que produzem estampas a clientes interessados em criações exclusivas.
Se tudo desse certo, o seu projeto seria aprovado para incubação, o que pode-
ria durar até dois anos. O processo inicial era gratuito, mas a incubação não. Lara
não tinha dinheiro para investir, mas isso não a fez desistir, pois, quando chegasse
o momento, ela pensaria em como fazer. O fato é que veio a aprovação. Foram
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 265

intensos seis meses de assessorias semanais, em diferentes áreas da gestão, gerando


um ciclo de aprendizados que mexeu muito com a Lara, pois foi necessário muito
apoio para ir além do processo criativo e abraçar tudo que envolve o empreender.
Cada vez mais questionamentos surgiam: Tenho habilidades empreendedoras?
Que tipo de parceiros vou precisar? Como realizar uma pesquisa de mercado? E
a validação do produto? Estratégias de vendas? O negócio é viável? E rentável?
Preciso de investimento? Em resumo: vou dar conta?
Lara respirou fundo e se sentiu mais aliviada e confiante por estar inserida
em um ecossistema de empreendedorismo e inovação. As instruções, ferramentas
e direcionamentos recebidos dos assessores, a participação em eventos e cursos,
bem como a troca com outros empreendedores foram oferecendo os subsídios que
precisava para mergulhar na sua ideia de negócios. Essa rede de colaboração foi
essencial para lapidar e direcionar o seu empreendimento. Com isso, a ideia estava
pronta para um próximo passo: passar novamente pelo crivo de uma banca, agora
com a intenção de incubar. A ideia de negócio da “menina do interior que sabia
desenhar” conquistou os avaliadores pelo potencial e viabilidade. Entretanto, em
meio à muita felicidade, surge mais um desafio: como viabilizar este processo?

3 VOANDO POR AÍ: O EDITAL

Lara, sempre muito conectada às oportunidades de desenvolver o seu ne-


gócio, ficou sabendo de um edital de estímulo à arte e à cultura, da Secretaria de
Cultura do seu município. Como havia recurso financeiro envolvido, isso poderia
viabilizar o seu processo de incubação. Assim, em um primeiro momento, para fins
de submissão de um projeto ao edital, Lara teve a ideia de usar a sua expertise na
criação de estampas para propor um curso que pudesse ensinar essas técnicas para
outros artistas. No entanto, mais uma vez ela se questiona: como vou escrever o
projeto para um edital se nunca fiz isso antes?
A sua rede de apoio, mais uma vez, entrou em ação. Contou com um
amigo que já submeteu alguns projetos para a captação de recursos à ONG em
que atua. Lara narrou sua intenção e, com isso, nasceu a proposta do curso que
foi submetida ao edital. Foram elencados conteúdos divididos em cinco encontros
266 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

voltados à capacitação de artistas para serem criadores de estampas. Com isso, eles
poderiam fazer parte do grupo que iria compor a plataforma idealizada por Lara.
Aqui, o ponto de inflexão foi: como inserir um viés social nesta proposta? Para
isso, ela teve a ideia de oferecer 20 vagas para artistas, sendo 10 delas para pessoas
de baixa renda ou que estivessem fora do mercado de trabalho. Primeiramente, os
participantes seriam apresentados a um desafio, proposto por uma empresa de cal-
çados integrante do Parque Tecnológico. Para a criação das estampas, este desafio
tinha como ponto de partida elementos como a inclusão e a diversidade de raça e
de gênero. O resultado desse processo, ou seja, uma das estampas criadas no curso,
tornar-se-ia um calçado a ser comercializado pela marca. Esta foi a proposta inicial
submetida ao edital.
Após a submissão, Lara precisou controlar a ansiedade até chegar ao re-
sultado. Ainda muito surpresa e feliz, ela viu sua proposta entre as aprovadas. Mais
uma conquista, depois de um trabalho árduo, de muita troca e aprendizado. Após
os trâmites legais, passados quatro meses da aprovação, o projeto foi iniciado, com
a preparação do curso, compra de materiais e conexão com professores e pales-
trantes que fariam parte da aula inaugural. Na sequência, Lara se debruçou sobre
o planejamento e a criação da identidade visual e dos materiais de divulgação do
curso nas redes sociais e em outras mídias. Não foram atividades solitárias, a rede
formada durante o processo de pré-incubação foi fundamental para essas articula-
ções, não somente as pessoas, mas também foi importante contar com a estrutura
física do Parque para a realização do curso, bem como o apoio na divulgação.
Estava tudo andando muito bem, recurso na conta, aulas planejadas, mate-
riais comprados, artistas inscritos. Contudo, Lara seguia inquieta. Ela, que sempre
acreditou no design social, na arte, e em técnicas de estamparia como forma de
expressar muito mais do que os olhos podem ver, sentia que faltava algo: como
fortalecer o viés social do projeto?
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 267

4 O IMPACTO POSITIVO DE UMA ANDORINHA


SOBRE O BANDO: A INOVAÇÃO SOCIAL

Lara tinha um interesse genuíno em proporcionar impacto social positivo a


partir da sua atividade, seja ela qual for. Ela não estaria plenamente realizada se
isso não acontecesse. Um certo dia, quando se deslocava até o Parque Tecnológico
para uma reunião, encontrou, por acaso, uma das assessoras que havia participado
do seu processo de pré-incubação. Por saber da sua forte ligação com projetos so-
ciais, resolveu compartilhar seu dilema. Foi então que resolveram tomar um café e
conversar melhor. Depois de muita inspiração e troca, a dupla idealizou um novo
desafio para os participantes do curso: criar estampas inspiradas em desenhos fei-
tos por crianças que também pudessem ser beneficiadas de alguma forma com
essa atividade. Mas, quais crianças? As ideias de possíveis beneficiados surgiram a
partir de um brainstorming que gerou algumas possibilidades. Com isso, um antigo
contato realizado com a Associação de Assistência em Oncopediatria da cidade
foi retomado. Nesse local, a maioria das crianças encontra-se em estado de atenção
social, e em tratamentos de grande complexidade.
Em poucos dias, Lara e a assessora do Parque fizeram a primeira visita ao
local para a apresentação do projeto e possível interesse em ser a instituição benefi-
ciada. O aceite foi imediato e os primeiros detalhes do novo desafio foram planeja-
dos. Assim, o desafio proposto aos participantes do curso, de desenvolver estampas
inspiradas em desenhos e criações de crianças, teve início em uma oficina realizada
com as crianças na Associação, com todo o cuidado e empatia. Elas foram condu-
zidas, de forma bastante lúdica, a expressar o que seria um mundo melhor e mais
divertido. A Figura 1 traz uma pequena amostra dessa interação.
268 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Figura 1. Oficina Realizada com as Crianças

Fonte: Elaborada pelos Autores (2021)

A partir dos desenhos e colagens feitas durante essa oficina, os artistas (alu-
nos do curso) foram convidados a criar ideias de estampas. Assim, todas as técnicas
e ferramentas para a criação das estampas foram sendo ensinadas. No entanto,
como gerar um benefício social para essas crianças e para a Associação? Isto ainda
não estava bem claro. Seria um produto que eles pudessem comercializar? Um
presente para as crianças? Como viabilizar? Que outros parceiros deveriam estar
envolvidos?
Lara, por trabalhar com estampas para a indústria calçadista, resolveu
aproveitar suas conexões para buscar parcerias. A ideia foi buscar apoiadores para
viabilizar a doação de pares de calçados que levassem uma das estampas criadas
no curso. Com essa ideia na cabeça, Lara agendou algumas visitas e se aproximou
de indústrias locais que pudessem dar vida a esse processo em formato de parceria.
Após muitos contatos, visitas e negociações, um total de cinco empresas aderiu ao
projeto e foi possível garantir a entrega de 60 pares de tênis para as crianças. Lara
estava realizada!
Durante o curso foram criadas 14 estampas para o desafio. Entretanto, como
seria escolhida aquela que estamparia os pares de tênis? Nada mais justo do que
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 269

envolver novamente as crianças. Então, amostras das estampas foram levadas à


Associação para que pudessem escolher a sua preferida (Figura 2).

Figura 2. Escolha da Estampa pelas Crianças

Fonte: Elaborada pelos Autores (2021)

A estampa escolhida pelas crianças se tornou tecido, produzido por uma das
empresas parceiras, e este tecido foi parar nos 60 pares de tênis produzidos por ou-
tra indústria parceira, localizada na região. Todos os pares foram entregues durante
a festa de final de ano da Associação, com a participação das famílias e de vários
envolvidos no projeto. Lara ainda não acredita em tudo que estava acontecendo.
Foram aproximações que surgiram de maneira diferente ao longo do processo, com
a Lara sempre sendo o ponto de contato e de articulação, de forma muito orgânica
e colaborativa.
Lara não tinha ideia, mas acabara de propiciar um processo de inovação so-
cial, a partir de um objetivo compartilhado, da mobilização de diferentes atores e
gerando impacto social positivo. Em uma mistura entre o empreendedorismo e a
ação social, Lara deixou sua marca em um ecossistema que se formou para dar vida
aos seus ideais. Primeiro, um empreendimento que ganhou vida. Depois, um pro-
jeto que saiu do papel, idealizado por uma jovem sonhadora e muito decidida. Um
270 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

movimento de diferentes agentes que, ao se conectarem, forneceram o apoio que


Lara precisava. Um ecossistema de inovação social que passou por vários desafios
antes de se concretizar, mas que deixa um legado e uma vontade de continuidade.
Com esta experiência, convidamos você a refletir sobre o processo de de-
senvolvimento de um novo negócio e de geração de inovação social. Como se
configuram os papéis dos diferentes atores envolvidos? Como engajá-los, preven-
do as consequências, benefícios e desafios deste envolvimento? Como garantir a
continuidade e sustentabilidade desse negócio? Como aumentar o impacto social
gerado?

NOTAS DE ENSINO

1. SUMÁRIO DO CASO

O caso tem como dilema o engajamento de diferentes atores para a promoção


de inovação social a partir do empreendedorismo. Lara (empreendedora) buscou
conectar sua vocação artística com o desejo de fazer ações sociais e de empreender
seu próprio negócio. O caso conta a história da trajetória de um negócio que, para
inovar e ampliar seu impacto, foi necessário mobilizar pessoas. A inovação social
ocorre a partir da colaboração de diferentes atores, em que cada um contribui com
a sua expertise e com sua visão de mundo. A partir de uma construção coletiva, é
possível garantir a legitimidade perante os diferentes beneficiários e, assim, am-
pliar seu impacto positivo. Contudo, engajar públicos tão diferentes como governo,
universidade, empresas e sociedade civil é um grande desafio. Percebe-se que cada
um possui realidades muito distintas, exigindo uma articulação para que a inovação
social seja cocriada. Ao longo do caso, evidenciam-se alguns fatores críticos e ga-
tilhos para a promoção desse engajamento. Sendo assim, a presente história busca
explorar os desafios da atuação em rede e provocar reflexões sobre a continuidade
de engajamento de diferentes atores para a geração de inovação e impacto social.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 271

Aliado a isso, espera-se discutir sobre a trajetória empreendedora e a necessidade


de planejar a continuidade de um negócio e, também, de garantir impacto social.

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

A proposta deste caso é trabalhar uma visão mais ampla sobre o processo de
desenvolvimento de negócio e de promoção de inovação social, proporcionando
aos alunos um novo olhar sobre o formato tradicional da economia e das organiza-
ções. Pretende-se, pedagogicamente, desenvolver conhecimentos e habilidades de
análise e visão sistêmica sobre o cenário apresentado e aumentar o repertório de
argumentação sobre relações interorganizacionais e a construção de soluções cole-
tivas. A partir das discussões propostas, os alunos devem desenvolver competências
relacionadas a saber ouvir, opinar e argumentar, bem como se colocar no lugar do
outro. O caso tem por objetivo provocar no aluno uma reflexão sobre as decisões
e suas consequências no ecossistema em que o negócio está inserido. Dessa forma,
os objetivos específicos são:
· Objetivo 1: Incentivar a reflexão sobre o processo de desenvolvimento de
negócios e de geração de inovação social.
· Objetivo 2: Avaliar os papéis dos diferentes atores e levantar possibilidades
para engajá-los, prevendo suas consequências, benefícios e desafios.
· Objetivo 3: Propor um conjunto de ações que garantam a sustentabilidade
do negócio e a ampliação do impacto social, considerando os diferentes stakehol-
ders.

3. GRAU DE COMPLEXIDADE

O caso é considerado de complexidade média, destinado a alunos nos se-


mestres finais do curso de graduação ou pós-graduação. Espera-se que os alunos
já tenham cursado disciplinas introdutórias de empreendedorismo e possuam ex-
periência mínima em ambientes organizacionais. Acredita-se que o entendimento
272 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

sobre o conceito de inovação social e visão ecossistêmica facilitaria a compreensão


e o aproveitamento do presente caso.

4. PÚBLICO-ALVO

O caso pode ser aplicado em cursos de graduação, pós-graduação e forma-


ção de executivos nas disciplinas de empreendedorismo, inovação e negociação.
Apropriado para discussão sobre visão sistêmica, atuação em rede e impacto social.
O caso contempla os dilemas de uma empreendedora no desenvolvimento de seu
negócio, a partir dos seguintes temas: atuação em rede, colaboração, geração de
inovação social e impacto social. As questões formuladas visam: (i) o debate sobre
o dilema do caso, sob a perspectiva da promoção de inovação social; (ii) a avaliação
do caso sob visão sistêmica a partir da ótica de diferentes atores; e (iii) a discussão
sobre cenários e suas consequências.

5. ESTRATÉGIA PARA ANÁLISE DO CASO

Recomenda-se que o caso seja aplicado da seguinte forma:


I. Preparação para aula
a) Sugerir a leitura do caso anteriormente à aula agendada.
b) Indicar a leitura prévia do seguinte artigo:
BITTENCOURT, B. A.; FIGUEIRÓ, P. S. A Criação de Valor Comparti-
lhado com base em um Ecossistema de Inovação. Cadernos EBAPE.BR [online],
v. 17, n. 4, 2019. https://doi.org/10.1590/1679-395174403
c) A partir das leituras, os alunos deverão levantar os principais pontos em
relação ao caso e ao referencial, tais como:
- Qual é o dilema do caso?
· Qual é a ideia central do artigo?
d) Solicitar aos alunos uma apresentação sobre os pontos principais do caso
e do artigo.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 273

II. Em sala de aula – 1ª aula (divisão dos grupos, reflexão sobre os textos,
discussão dos possíveis cenários de continuidade do projeto, assim como possibili-
dades de implicação do impacto social e de engajamento de atores).
a) O professor deverá separar a turma em grupos de três pessoas (cinco mi-
nutos).
b) Os alunos preparam um compilado da discussão (25 minutos).
c) Os alunos apresentam as considerações iniciais do caso, cada grupo terá 10
minutos para isso (60 minutos).
d) No final da etapa, o professor avalia o entendimento dos alunos quanto ao
caso e aos aspectos teóricos.
e) Professor apresenta as questões para discussão (20 minutos).
f ) Os grupos iniciam a preparação das respostas das questões em uma apre-
sentação. Esta atividade irá ocupar o restante da aula e provavelmente deva ser
realizada em casa também.
III. Em sala de aula – 2ª aula
a) Apresentação dos grupos e considerações do professor – Apresentação das
decisões realizadas e discussão das questões.

6. QUESTÕES RELACIONADAS

O presente caso explora a necessidade de Lara envolver mais atores para am-
pliar e garantir o impacto social de seu negócio. A partir disso, a empreendedora
possui o seguinte dilema: como engajar pessoas e organizações de forma que todos
percebem valor em participar desse processo? Assim, o caso busca estimular os
alunos sobre como promover inovação social em rede. Além dessa questão, para
estruturar o problema e produzir uma resposta analítica, sugere-se estimular a re-
flexão em sala de aula a partir das seguintes questões:
a) Quais são os possíveis caminhos para o negócio de Lara?
b) Quais são os elementos-chave para a promoção de inovação social?
c) Quais são os possíveis públicos envolvidos com o projeto?
d) Como engajar diferentes atores para a geração de inovação social?
274 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

e) Como cada ator pode contribuir? Qual o impacto gerado para cada um
deles?
f ) Como garantir a continuidade de um projeto como este? Como ampliar o
seu impacto social?

7. DISCUSSÃO TEÓRICA: INOVAÇÃO SOCIAL E A NECESSIDADE


DE ATUAÇÃO EM REDE

A inovação social envolve uma ruptura do status quo (ANDION et al.,


2017) e surge como uma via alternativa para garantir um futuro diferente para
a sociedade (BIGNETTI, 2011). Trata-se de um conceito ainda em construção,
com significativo aumento no número de publicações ligadas ao tema (REPO;
MATSCHOSS, 2020; ZARELLI; CARVALHO; KOCK, 2019). Cabe destacar
que ainda há lacunas a serem preenchidas por estudiosos, principalmente pelo fato
de as organizações sociais não estarem ligadas apenas ao retorno econômico-fi-
nanceiro, mas sim buscarem a criação de valores sociais, como a generosidade,
fortalecimento dos laços afetivos, inclusão etc (BARBOSA et al., 2019).
Pode-se dizer que a inovação social ocorre a partir de agentes impulsiona-
dores e, em geral, surge a partir de gaps dos governos, sendo o produto fruto da
pressão da sociedade (ANDRÉ; ABREU, 2006; BIGNETTI, 2011; BARKI et
al., 2015; BONFIM; PARISOTTO; MIRANDA, 2019). Faz-se necessária a in-
teração entre diversos atores para que a inovação social seja criada. Assim, surge
de um modelo participativo, onde governos, empresas, investidores, universidades,
comunidades e ONGs se engajam para solucionar problemas de ordem social e
ambiental, mesmo que a intensidade de participação varie de acordo com o tipo
de inovação social que está sendo criada (SEGATTO; SILVA; JUSTEN, 2019).
No que tange à universidade, um dos atores centrais desta pesquisa, entende-se
que ela pode permitir e incentivar a mobilização para a resolução de problemas
sociais, considerando que capacitam as organizações e comunidades ao fortalecer a
autonomia e o empoderamento (TORLIG; JUNIOR, 2019).
As interações sociais geradas a partir do envolvimento de diferentes atores
promovem a troca de experiências, estimulando o conhecimento e permitindo um
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 275

maior engajamento entre os envolvidos nos projetos. Todo o processo de colabo-


ração, aliado às interações sociais, tende a gerar um ambiente de confiabilidade
(CORREIA; OLIVEIRA; GOMEZ, 2016). Estes atores integram um sistema
que permite a geração da inovação social. O sistema de inovação social pode ser
definido como uma “interconexão de coisas ou atores para desenvolver, difundir, e
utilizar a inovação para questões ou necessidades sociais. Pode se dar em nível ins-
titucional, organizacional ou societal” (FULGENCIO; LE FEVER, 2016, p.12).
Cajaiba-Santana (2014) discute a inovação social como um condutor para
a mudança social, a partir de ações sociais legitimadas. Ou seja, trata-se de mu-
danças que não podem ser criadas a partir das práticas tradicionais, necessitando
de novas maneiras de pensar e agir. Nesse contexto, quando comparado a outros
sistemas de inovação, aqueles focados em inovação social apresentam algumas par-
ticularidades, tais como: um menor foco na atividade lucrativa, maior envolvimen-
to da sociedade, e a presença de indivíduos capazes de liderar o processo desse
tipo de inovação. Assim, estas articulações trazem para a cena novos atores como
a sociedade, os empreendedores sociais e instituições de financiamento privado
(FULGENCIO; LE FEVER, 2016).
Os resultados apresentados por Repo e Matschoss (2020) reforçam a ideia de
que a IS se difere dos demais tipos de inovação justamente pelas suas formas de
colaboração. Essa perspectiva pode ser relacionada à inovação gerada a partir de
diferentes atores que compõem a lógica do Ecossistema Empreendedor.

8. ANÁLISE DAS QUESTÕES

O presente caso explora a necessidade de atuação em rede no desenvolvimen-


to de um negócio com impacto social. Diante disso, Lara precisa buscar alternati-
vas para engajar diferentes atores e, assim, maximizar a inovação social gerada pelo
seu negócio. A partir desse dilema, estimula-se que os alunos tragam reflexões e
desenvolvam respostas analíticas frente às questões apresentadas.

1) Caminhos para o Desenvolvimento do Negócio


276 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Busca-se desenvolver uma capacidade criativa e visão de futuro com essa


questão. Acredita-se que, a partir da trajetória deste caso, os alunos possam iden-
tificar um mapa de possibilidades de modelos de negócios para a empreendedora.
Espera-se que estabeleçam estratégias que levem em consideração as potencialida-
des da rede de atores assim como o propósito do negócio.

2) Elementos-chave para a Promoção de Inovação Social

Entende-se que o aluno precisa problematizar e refletir sobre o conceito de


inovação social. Para isso, pontos como geração de valor e impacto positivo devem
ser abordados. Sabe-se que o conceito ainda é difuso e amplo, contudo, elementos
como o objetivo compartilhado, a mobilização de atores e a transformação social
poderiam ser explorados.

3) Engajamento dos Diferentes Atores

Espera-se que os alunos possam identificar o papel e os possíveis benefícios


para os diferentes atores envolvidos no desenvolvimento do negócio. Sendo assim,
a resposta deve conter estratégias para que cada ator se engaje no negócio, levando
em consideração sua expertise e atuação. Os alunos devem desenvolver uma argu-
mentação que evidencie o valor percebido pelo ator para a sua participação.

4) Públicos Envolvidos no Negócio e Impacto

A partir da apresentação deste caso, sugere-se que os alunos identifiquem


possíveis atores envolvidos no processo de desenvolvimento do negócio que pos-
sam não só contribuir para a sua consolidação, como também com a ampliação
de seu impacto na perspectiva social. Dentre os possíveis públicos, ressalta-se a
universidade, o governo, as empresas, as ONGS e a sociedade civil.

5) Continuidade do Projeto e Ampliação de Impacto

Essa questão busca provocar uma visão sistêmica e de longo prazo nos alunos.
Dessa forma, pretende-se que as respostas contemplem a maximização do impac-
to social e possibilidades de continuidade do projeto. Espera-se um conjunto de
estratégias, levando em consideração a realidade da empreendedora e as oportuni-
dades de atuação em rede.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 277

9. INDICAÇÃO DE LEITURA

ANDION, C. et al. Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva
pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, p. 369-387, 2017.

BARKI, E. et al. Social entrepreneurship and social business: Retrospective and prospec-
tive research. Revista de Administração de Empresas, v. 55, p. 380-384, 2015.

CAJAIBA-SANTANA, G. Social innovation: Moving the field forward. A conceptual


framework. Technological Forecasting and Social Change, v. 82, p. 42-51, 2014.

CARAYANNIS, E. G. et al. Social business model innovation: A quadruple/quintuple


helix-based social innovation ecosystem. IEEE Transactions on Engineering Manage-
ment, v. 68, n. 1, p. 235-248, 2019.

DE SILVA, M.; WRIGHT, M. Entrepreneurial co‐creation: societal impact through


open innovation. R&D Management, v. 49, n. 3, p. 318-342, 2019.

REFERÊNCIAS

ANDION, C. et al. Sociedade civil e inovação social na esfera pública: uma perspectiva
pragmatista. Revista de Administração Pública, v. 51, p. 369-387, 2017.

ANDRÉ, I.; ABREU, A. Dimensões e espaços da inovação social. Finisterra, v. 41, n.


81, 2006.

BARBOSA, F. V. et al. Inovação Social e Empreendedorismo: O caso do Projeto Incluir.


In: XLIII ENCONTRO DA ANPAD - ENANPAD 2019, 43, 2019, São Paulo. Anais
[...], São Paulo: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração,
2019.

BARKI, E. et al. Social entrepreneurship and social business: Retrospective and prospec-
tive research. Revista de Administração de Empresas, v. 55, p. 380-384, 2015.

BIGNETTI, L. P. As inovações sociais: uma incursão por ideias, tendências e focos de


pesquisa. Ciências Sociais Unisinos, v. 47, n. 1, p. 3-14, 2011.

BONFIM, G.; PARISOTTO, I. R. S.; MIRANDA, R. L. Os Estágios do Empreende-


dorismo Social no Projeto Gastromotiva. In: VIII Encontro de Administração Pública
278 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

da ANPAD, 2019, Fortaleza, CE. EnAPG, 2019.

CAJAIBA-SANTANA, G. Social innovation: Moving the field forward. A conceptual


framework. Technological Forecasting and Social Change, v. 82, p. 42-51, 2014.

CORREIA, S. E. N.; OLIVEIRA, V.; GOMEZ, C. R. P. Dimensions of social inno-


vation and the roles of organizational actor: the proposition of a framework. RAM.
Revista de Administração Mackenzie, v. 17, n. 6, p. 102-133, 2016.

FULGENCIO, H.; LE FEVER, H. What is the social innovation system? A state-of-


the-art review. International Journal of Business Innovation and Research, v. 10, n.
2-3, p. 434-452, 2016.

REPO, P.; MATSCHOSS, K. Social innovation for sustainability challenges. Sustaina-


bility, v. 12, n. 1, p. 319, 2020.

SEGATTO, A. P.; SILVA, R. L. M.; JUSTEN, G. S. Configuração de Parcerias em


Inovação Social nos Contextos Brasileiro e Britânico. In: XLIII Encontro do ANPAD -
EnANPAD, São Paulo, 2019.

TORLIG, E. G. S.; JUNIOR, P. C. R. Framework de Inovação Social em uma Aborda-


gem Integrativa: Dos Desafios Sociais aos Resultados em uma Perspectiva Universida-
de-Governo-Comunidade. In: XLIII Encontro do ANPAD - EnANPAD, São Paulo,
2019.

ZARELLI, P. R.; CARVALHO, A. P.; KOCK, M. L. Inovação Social: Análise em habi-


tats de inovação. In: XLIII Encontro do ANPAD - EnANPAD, 2019, São Paulo, 2019.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 279

Caso 3

PROJETO PESCAR: EDUCAÇÃO E


TRABALHO PARA UM FUTURO MELHOR
Tatiane Martins Cruz Pirotti
Claudia Cristina Bitencourt
Kadigia Faccin
Cristiane Froehlich

Inspirado pelo provérbio de Lao-Tsé, “se deres um peixe a um homem faminto,


vais alimentá-lo por um dia. Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida”,
o empresário Geraldo Tolles Linck cria uma solução que oportuniza aos jovens
terem a opção de escolher seu próprio destino, proporcionando um repertório di-
ferente do que era conhecido nas situações de vulnerabilidade social. O Programa
Social da Fundação Projeto Pescar conecta conhecimentos e atitudes para trans-
formar vidas, por meio do programa de formação socioprofissionalizante para o
acesso de jovens de baixa renda ao mundo do trabalho, em parceria com sua rede
colaborativa. O Projeto oportuniza o desenvolvimento de jovens para construção
de um futuro melhor a partir da educação e do trabalho, tornando-os protagonistas
de seus projetos pessoais e profissionais.
280 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

1 PROJETO PESCAR... UM POUCO DA HISTÓRIA

A história se inicia em 1976, e o seu idealizador foi o empresário Geraldo


Tollens Linck (1927-1998), gaúcho, empreendedor, velejador, escritor de livros de
viagens, que atuava no ramo de equipamentos rodoviários e industriais de Porto
Alegre, no Rio Grande do Sul. Naquela época, enquanto o empresário jantava
em um refinado restaurante de Porto Alegre, ele observou pela janela um menino
assaltando um idoso e, com isso, decidiu agir para transformar socialmente jovens
em situação de vulnerabilidade social.
A primeira iniciativa para atingir esse objetivo foi criar uma escola profissio-
nalizante para ensinar um ofício para jovens em vulnerabilidade social seleciona-
dos em Porto Alegre. A primeira turma de 15 jovens aprendeu sobre mecânica au-
tomotiva, em uma sala de aula, organizada nas instalações da empresa de Geraldo,
a Linck Máquinas. Além da formação técnica, eram abordados no curso assuntos
para desenvolver aspectos de cidadania. Essa foi a primeira unidade do Projeto
Pescar, denominada de Escola Técnica Linck.
O objetivo do fundador do Projeto era disseminar a ideia para outros em-
presários adotarem a iniciativa. Ele convidava empresários para serem paraninfos
das turmas com intuito de serem sensibilizados. Em 1988, o empresário Norberto
Farina, sensibilizado com a proposta, adotou na empresa em que atuava a metodo-
logia e o nome Pescar, implementando mais cinco unidades pelo Brasil, onde sua
organização tinha plantas.
Na década de 1990, o Projeto Pescar tinha uma metodologia estruturada
(detalhada na seção 2) e a iniciativa começou a ser reconhecida com prêmios de
entidades de classe, como o prêmio ECO da Câmara de Comércio Americana
(AMCHAM), entregue em 1991, para o Projeto Pescar ainda vinculado à empresa
Linck S/A.
Em síntese, o período de 1976 a 1995 foi marcado pela criação e imple-
mentação do Projeto Pescar, que se caracteriza como uma inovação social, pela
elaboração de processos de disseminação da ideia inicial, e verifica-se o início da
escalabilidade com a adesão da inovação social por outra organização.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 281

A partir de pesquisas e visitas a entidades sociais nos Estados Unidos, Ge-


raldo e sua esposa, Rose Marie Vieira Motta Linck (1941-2020), buscavam ideias
para a expansão do Projeto no país e desvinculação do Pescar da empresa Linck.
Em 1995, nasce a Fundação, responsável pela gestão do Projeto Pescar, com o
intuito de expandir e consolidar esse programa social pioneiro para formação so-
cioprofissionalizante voltado para o desenvolvimento de jovens, com o propósito
de “conectar conhecimentos e atitudes para transformar vidas”.
A sua Missão é “Transformar vidas gerando competências e experiências inesque-
cíveis de aprendizado para atuação empreendedora na construção de um mundo susten-
tável”.
A sua Visão é “Ser referência na promoção colaborativa de impacto social”. E os
seus valores são “Transparência, diversidade, co-criação, responsabilidade, ética, desen-
volvimento sustentável, inovação e empreendedorismo”.
O primeiro convênio da Fundação Projeto Pescar com o poder público ocor-
reu em 1996, quando o governo do estado do Rio Grande do Sul lançou o pro-
grama “Piá 2000”, chancelado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância –
UNICEF. O programa tinha como objetivo atender direitos de crianças e jovens à
sobrevivência, ao desenvolvimento e integridade, para lhes permitir o desenvolvi-
mento normal de seu ciclo físico e psicológico, sua integração familiar e social, bem
como sua formação educacional e cultural.
Em 1998, o fundador e responsável pela manutenção, planejamento e tomada
de decisão sobre o Projeto veio a falecer. Com isso, sua esposa Rose assumiu a ges-
tão e condução do Pescar. Esse acontecimento gerou muitas dúvidas sobre a con-
tinuidade e sustentabilidade do programa. A partir da necessidade de se preparar
para manutenção da existência do Pescar, em 1999, foi realizado o planejamento
estratégico da Fundação em parceria e com apoio técnico da Fundação Maurício
Sirotsky Sobrinho, e foi instituído o grupo de mantenedores institucionais que
contou com seis empresas na época: AES Sul, HSBC, Infraero, Linck, Volvo e
Varig.
O período de 1995 a 2000 foi marcado pela criação da Fundação Projeto
Pescar com o objetivo de promover a escalabilidade em todo território nacional,
convênio com o poder público do estado do Rio Grande do Sul, falecimento do
fundador e formalização do planejamento estratégico.
282 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Em 2000, a Fundação Avina, instituída na Suíça pelo empresário Stephan


Schmidheiny, estava iniciando suas atividades na América Latina e identificou no
Projeto Pescar um potencial parceiro. O objetivo da aproximação era disseminar
a responsabilidade social entre os empresários. O Projeto Pescar recebeu entre
2000 e 2005, a partir do cumprimento de metas estabelecidas pela Avina, 250 mil
dólares que foram essenciais para a execução do planejamento estratégico e para
expansão das unidades pelo Brasil. Ainda, foi feito um investimento no aperfei-
çoamento da metodologia de ensino empregada nas unidades, por meio de um
convênio com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ainda no ano de 2000, o Projeto recebeu o Prêmio Tecnologia Social, da
Fundação Banco do Brasil, um dos primeiros grandes reconhecimentos ao Projeto
Social. A partir disso, diversas outras premiações foram recebidas, favorecendo o
reconhecimento do Pescar para diversos públicos e, inclusive, fora do país.
Em 2003, foi implantada a primeira unidade no exterior, pois o presidente
da Volvo na América Latina articulou a instalação de uma nova unidade Pescar na
planta da Argentina. Em 2006, implantou-se a primeira unidade Pescar no Para-
guai. Em 2013, implantou-se a primeira unidade em Angola e, em 2015, no Peru.
Foi instituído o Dia Nacional do Pescar, em 2006, celebrado anualmente em
20 de maio. Este dia foi instituído através da proposta de uma Comissão de Egres-
sos que, em conjunto com a equipe da Fundação, planejou naquela ocasião ações
alusivas aos 30 anos de atividades do Projeto Pescar.
Em 2007, foi realizado o credenciamento do Projeto Pescar como entidade
formadora de aprendizagem profissional junto ao Ministério do Trabalho e Em-
prego. Essa ação facilitou a abertura de muitas portas para o Pescar, tornando-
-se mais um atrativo para a adoção do Pescar por empresas, já que, devido à Lei
10097/2000, as empresas brasileiras têm obrigação legal de efetuar contratação de
menores aprendizes, de acordo com seu quadro de funcionários.
Em 2012, a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do
Sul (FASE – RS) buscou o Pescar como alternativa para os menores internos. O
trabalho iniciou com o objetivo de preparar os jovens que estão em cumprimento
de medidas socioeducativas, atuando no seu processo de ressocialização.
No ano de 2013, foi realizada a formulação de um novo planejamento es-
tratégico e pela mudança no estatuto da Fundação com a implantação da prática
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 283

da assembleia geral composta por mantenedores, mantenedores institucionais, ex-


-presidentes e pela inclusão de pelo menos um egresso para composição do con-
selho curador. Essas ações ocorreram porque os dirigentes entenderam que esta
seria mais uma forma de criar espaços para troca de informação, conhecimento
e captação de ideias e engajar os diversos envolvidos a opinarem e trabalharem
juntos pela continuidade do Pescar.
Em síntese, o período de 2000 a 2014 caracteriza-se pela parceria com uma
instituição estrangeira com significativo aporte financeiro com foco na escalabili-
dade. Com isso, foram feitos investimentos no Programa Social e buscadas novas
fontes de recursos. Ainda, a Fundação decidiu apresentar em diversos canais de
comunicação os resultados do Pescar (transparência) para atração de novos apoia-
dores e investidores. Destaca-se que o Projeto Pescar iniciou a atuação na FASE, e
realizou a mudança no estatuto da Fundação nesse período.
Em 2014, a diretoria da Fundação observou que uma crise econômica se
configurava no Brasil, e as empresas parceiras do Projeto Pescar começavam a dar
sinais de dificuldades e o número de novas unidades crescente ano a ano começava
a diminuir o ritmo. Esses indícios demonstravam que o Pescar precisaria se prepa-
rar não somente para crescer, mas para sobreviver ao novo cenário. Com isso, fo-
ram executadas ações visando adaptar a forma de trabalho, reduzindo custos, sem
deixar de lado seu propósito. Fez-se a revisão dos processos de governança para
garantir transparência e uma imagem de credibilidade junto aos parceiros. Ainda,
foi feita a atualização da metodologia de trabalho, que envolveu diversos atores,
especialmente os ligados à prática pedagógica, visando adequar a sistemática do
Pescar para atender à demanda das organizações e comunidades parceiras.
No ano de 2016, foi implantado um sistema informatizado de gestão acadê-
mica para que os educadores informem o que ocorre nas unidades e para que possa
ser realizado follow-up pela gestão e área pedagógica em relação às especificidades
de cada unidade, assim como a possibilidade de obter a visão do todo. As licenças
para utilização dos novos sistemas foram disponibilizadas gratuitamente ao Pescar
por meio de parcerias. Ainda em 2016, o Projeto Pescar passou por uma nova re-
visão do processo de planejamento estratégico, que envolveu todos os participantes
da rede com foco na continuidade do programa.
284 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

No período a partir de 2014, houve a necessidade de adaptação à crise econô-


mica para continuidade do Projeto Pescar, e foram realizados investimentos para
otimizar a eficiência do programa e garantir transparência das ações realizadas
através da adoção de ferramentas para a comunicação estratégica.
Por fim, foram formados 33.783 jovens pelo Projeto Pescar, conforme o Rela-
tório de Atividades do Projeto Pescar (2020). Atualmente, o Projeto Pescar possui
70 unidades em nove estados do Brasil, e 47 unidades no Exterior (PROJETO
PESCAR, 2021).

2 O PROGRAMA SOCIAL PESCAR DE


INICIAÇÃO PROFISSIONAL

O Programa Socioprofissionalizante Pescar oferece cursos de aproximada-


mente um ano para iniciação profissional de jovens, e ocorrem nas unidades situ-
adas no Brasil e no Exterior. O Programa visa desenvolver competências pessoais
e profissionais dos jovens objetivando sua inserção, permanência e ascensão no
mundo do trabalho. Ele composto por três módulos:
1. Saber conviver: aborda conteúdos socioafetivos e de comunicação inter-
pessoal.
2. Cidadão: contempla questões relacionadas à sociedade e à cidadania.
3. Profissional: considera conteúdos técnicos profissionalizantes de acordo
com as especificidades de cada curso.
A carga horária total do Programa é distribuída em 40% em áreas divididas
em seis eixos tecnológicos: gestão e negócios, manutenção, produção e processos,
ambiente e saúde, informação e comunicação, petróleo e gás. As unidades definem,
juntamente com a Fundação, as áreas contempladas na iniciação profissional dos
jovens. Os demais 60% da carga horária visam à formação do jovem nos aspectos
de desenvolvimento pessoal e cidadania. Desse modo, o programa contribui para a
formação socioprofissionalizante.
Ao longo do curso, são desenvolvidas habilidades, que são acompanhadas pelo
educador social através da avaliação periódica de treze competências: autoestima e
valorização pessoal; comunicar-se e comunicar suas descobertas; ser democrático,
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 285

ético e cidadão; compreender atos, fatos e contextos; resolver situações proble-


ma; enfrentar incertezas; trabalhar e produzir em equipe; inteligências múltiplas;
aprender a aprender; espírito de liderança; aprender fazendo e fazer aprendendo;
competência profissional; e considerar o trabalho como valor moral humano.
A metodologia é disponibilizada gratuitamente nas unidades e a Fundação
presta apoio e realiza o acompanhamento sem custo adicional para as instituições.
Um ponto importante é a seleção dos jovens que participam das turmas. Inicial-
mente, são feitas análises desde os dados cadastrais do jovem inscrito até entrevis-
tas individuais e visitas domiciliares. O objetivo do processo seletivo é garantir que
jovens que realmente estejam em situação de vulnerabilidade acessem a formação.
As aulas iniciais são realizadas exclusivamente pelo educador social, para formação
de vínculos e aculturamento do jovem à uma nova realidade. Depois de algumas
semanas, iniciam as aulas com os voluntários e, mais próximo ao final do curso, os
jovens realizam as vivências no ambiente de trabalho das organizações parceiras.
Todos os participantes devem ter um percentual mínimo de participação para a
certificação.
Ao final do curso, a certificação é realizada numa cerimônia de formatura.
É um ato solene, em que as diretorias da empresa mantenedora e das empresas
apoiadoras são convidadas a participar, assim como os familiares dos jovens, re-
presentantes de instituições governamentais e os voluntários atuantes na unidade.
Esta certificação é uma forma de manter a família e todos os apoiadores envolvidos
na formação dos jovens. Ainda, é um dos momentos de evidenciar os resultados
do trabalho executado, mostrando a transformação que ocorre com o jovem no
decorrer do ano de curso.

3 REDE DE COLABORAÇÃO

O programa de formação socioprofissionalizante desenvolvido pela Funda-


ção Projeto Pescar, em parceria com a sua rede colaborativa, tem como objetivo a
transformação de vidas por meio da capacitação de jovens de baixa renda visando
ampliar as oportunidades para inserção no mercado de trabalho.
286 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Os recursos para existência da Fundação Pescar são advindos de várias fontes,


como de empresas, comunidades, consórcios, apoiadores, recursos obtidos em edi-
tais, via apoiadores, entre outros.
Para atingir o objetivo de criar oportunidades de transformação na vida dos
jovens em situação de vulnerabilidade social, o Projeto Pescar é mantido em rede
(Rede Pescar), formada pelas Unidades do Projeto Pescar (70 no Brasil e 47 no
Exterior) e seus respectivos mantenedores institucionais (11), mantenedores da
rede Pescar (124), municípios de atuação na rede socioassistencial (40), apoiadores
institucionais (57), apoiadores das unidades (109), voluntários (978), e jovens dire-
tamente beneficiados (33.783 formados) (PROJETO PESCAR, 2021).
As organizações podem fazer parte da Rede Pescar ao implantarem uma
Unidade Projeto Pescar na empresa, ao atuarem como mantenedoras da Fundação
Projeto Pescar, ao apoiar eventos pontuais ou, ainda, quando no Brasil, ao contratar
os jovens como aprendizes, de acordo com a Lei 10.097/2000.
Nos últimos anos, o Projeto Pescar conseguiu o apoio de diversas empresas na
busca de novas tecnologias e melhorias internas. Alguns exemplos são as licenças
de software de colaboração de conteúdo e do ERP, parcerias firmadas em 2015
com empresas que ofereceram apoio para atualização tecnológica e as consultorias
para a construção do Planejamento Estratégico.
Um dos fatores dessa transformação é o contato com o “mundo real” para
aprendizagem, uma vez que as aulas permitem contato com profissionais volun-
tários e realização de aulas e vivências nas dependências de empresas apoiadoras.
Anualmente, existe uma mobilização em que os jovens de todas as unidades são
envolvidos na execução de atividades voluntárias como forma de se colocarem no
papel não apenas de beneficiários, mas de agentes.
Os recursos para a existência do Projeto Pescar e da Fundação responsável
por sua gestão são advindos de várias fontes, como diversas empresas, comunida-
des, consórcios, apoiadores, recursos obtidos em editais, via apoiadores etc. A bus-
ca por parceiros impacta na sobrevivência e, por consequência, na escalabilidade,
sendo que todos esses apoiadores e mantenedores são convidados a acompanhar a
gestão e a prestação de contas.
O reconhecimento da marca Pescar, assim como a facilidade de implemen-
tação, em função da metodologia, faz com que organizações busquem o programa
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 287

como uma forma de atuar na área social, pelo desejo de impactar sua comunidade,
ou mesmo como solução para exigências legais ou de clientes.

4 OS DESAFIOS

O principal desejo do fundador do Projeto Pescar desde o início era ex-


pandir a aplicação da metodologia para capacitação do maior número possível de
jovens no Brasil. No decorrer da trajetória, observa-se a adoção de várias ações que
permitiram o crescimento do Pescar. Entretanto, alguns desafios para a escalabili-
dade desta inovação social são identificados.
A metodologia adotada pelo Pescar busca tratar de forma individualizada
cada jovem, em função disso, as turmas possuem capacidade limitada de partici-
pantes, podendo atender entre 15 e 20 jovens no máximo. O número de partici-
pantes por turmas torna-se um trade off da inovação social, visto que o método
é associado aos resultados satisfatórios alcançados. Para isso, é preciso focar na
qualidade e não na quantidade de beneficiários.
Outro desafio se refere à sensibilização do corpo diretivo de uma empresa
para que realize investimentos na causa. A mudança de algum membro da diretoria
pode afetar a permanência e os investimentos no Programa Social. Ainda, algumas
organizações podem ter interesses somente nas obrigações legais e burocráticas ou
em virtude de exigências de clientes para vínculo com algum projeto social. Essas
razões podem acarretar a desistência quanto à manutenção da unidade.
A própria prospecção de novos apoiadores é um desafio devido a algumas
exigências como o custeio de uniformes, alimentação, disponibilização de espaço
físico para realização das aulas, banheiro, transporte, entre outros.
Com a crise econômica e sanitária desencadeada pela pandemia da Co-
vid-19, os empresários e apoiadores podem optar pela desistência da manutenção
das unidades. Tal cenário implica a prospecção de novos apoiadores e a ampliação
de novas unidades no país e exterior.
288 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

NOTA DE FIM

Os dados primários para esta pesquisa foram coletados pessoalmente por


uma das pesquisadoras no período de agosto a dezembro de 2017. Dados secun-
dários foram coletados no site do Projeto Pescar em setembro de 2021.

NOTAS DE ENSINO

Convidamos você a trabalhar com seus alunos uma história que foi idealizada
para educar e profissionalizar jovens em situação de vulnerabilidade social contri-
buindo para amenizar problemas da sociedade. O conteúdo do caso apresentado
relaciona-se com o tema inovação social e sua escalabilidade. Convidamos você
a compartilhar este caso e instigar seus alunos a pensarem e buscarem iniciativas
que possam contribuir para a transformação de realidades sociais. Estimule seus
alunos a pensar, a questionar e a idealizar uma sociedade mais justa e inclusiva com
oportunidades para todos.

1. SUMÁRIO DO CASO

O caso apresenta a história de crescimento e expansão do Programa Social do


Projeto Pescar que visa à formação socioprofissionalizante para o acesso de jovens
de baixa renda ao mundo do trabalho, em parceria com uma rede colaborativa. O
Programa tem foco no desenvolvimento pessoal e socioafetivo, social e cidadão,
técnico e profissionalizante de jovens em situação de vulnerabilidade social.
Ao longo deste caso, são apresentados dados sobre as quatro fases principais
que denotam a escalabilidade do programa:
1. Da ideia inicial à execução do Projeto Pescar (1976 a 1995).
2. A criação da Fundação Projeto Pescar e a preparação para o crescimento
(1995 a 2000).
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 289

3. Entrada de novas fontes de recursos financeiros e o crescimento do Projeto


Pescar (2000 a 2014).
4. Busca de alternativas para a continuidade da escalabilidade (a partir de
2014).
Para a compreensão das fases, este caso apresenta dados que mostram as par-
ticularidades e desafios com vistas a alcançar maior escalabilidade do projeto. A
partir desta história, busca-se apresentar aos alunos elementos para a compreensão
da temática inovação social e escalabilidade para a transformação social, ou seja,
transformar a realidade de jovens que vivem em situação de vulnerabilidade social
por meio da educação.

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Este caso pode ser aplicado em disciplinas de graduação e pós-graduação


que se proponham a trabalhar com uma abordagem sobre ações sociais a partir de
Programas que buscam contribuir para amenizar problemas decorrentes de situa-
ções de vulnerabilidade social. A proposta deste caso é proporcionar aos alunos um
novo olhar sobre as iniciativas de inovação social.
Almeja-se trabalhar as habilidades de comunicação, trabalho em equipe,
negociação, argumentação e desenvolver habilidades para criar soluções novas para
problemas da sociedade, como os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável que
visam buscar soluções para transformar o mundo.
Ao final das discussões, os alunos terão obtido conhecimento na temática de
inovação social e escalabilidade. O professor poderá instigar seus alunos a busca-
rem outras relações com a disciplina trabalhada ou outros casos que possam ser
utilizados para complementar os ensinamentos trabalhados em sala de aula.

3. PÚBLICO-ALVO

Alunos de cursos de graduação e pós-graduação.


290 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

4. QUESTÕES PARA DISCUSSÃO

a) Reflita sobre por que o Projeto Pescar pode ser considerado uma inovação
social?
b) Quais ações desenvolvidas no Projeto Pescar caracterizam a inovação so-
cial?
c) Quais foram os elementos que marcaram as fases do Projeto Pescar que
contribuíram para alavancar a sua escalabilidade no decorrer de sua trajetória?
d) Como o projeto poderá continuar a crescer em escala para consolidar o seu
propósito?
e) O que pode ser proposto para que o projeto desenvolva mais ações para
atendimento de necessidades de educação e profissionalização de pessoas em situ-
ação de vulnerabilidade social?

5. ANÁLISE DAS QUESTÕES

5.1 O PROJETO PESCAR COMO UMA INOVAÇÃO SOCIAL

O objetivo do Projeto Pescar, desde sua concepção, é atuar na busca do aten-


dimento das necessidades reprimidas pelos sistemas existentes, sejam estes públi-
cos ou privados. Desse modo, quando se alcança o objetivo proposto pelo Projeto,
o jovem sai de uma situação inicial de vulnerabilidade para um papel de cidadão
a fim de buscar alternativas para seu sustento, seja por meio do trabalho formal
ou do empreendedorismo. Assim, o Projeto contribui para a transformação social,
para a melhoria da qualidade de vida do beneficiário e de sua família. O Projeto
Pescar atua em uma lacuna, na qual tem um déficit de inovações sociais, relaciona-
do com o difícil processo de transição dos adolescentes para a fase adulta. A partir
da proposta de uma formação socioprofissionalizante, o Projeto Pescar consegue
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 291

atender às necessidades com resultados efetivos de transformação social, justifican-


do o caso como inovação social.

5.2 AÇÕES DESENVOLVIDAS NO PROJETO PESCAR QUE


CARACTERIZAM A INOVAÇÃO SOCIAL

Algumas ações desenvolvidas pelo Projeto Pescar que caracterizam a inova-


ção social são: oferta de um curso socioprofissionalizante por meio da seleção com
critérios de jovens em situação de vulnerabilidade; formação de rede colaborativa;
participação de vários atores, inclusive os próprios jovens formados que são mul-
tiplicadores do projeto; escalabilidade do Projeto ofertado em várias unidades ins-
taladas nos estados: Ceará, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. O programa
gerou benefícios para mais de 33 mil jovens em parceria com empresas e, devido
aos resultados gerados, o projeto é replicado em outros países, como Argentina,
Paraguai e Angola.

5.3 OS ELEMENTOS QUE MARCARAM AS FASES


DO PROJETO PESCAR QUE CONTRIBUÍRAM PARA
ALAVANCAR A SUA ESCALABILIDADE NO DECORRER DE
SUA TRAJETÓRIA

A fase 1 destaca-se pela criação do Projeto Pescar com foco no atendimento


às necessidades das comunidades onde se inseria. Para isso, definiu-se uma meto-
dologia de trabalho para atender de forma personalizada estas comunidades, mas
sem perder os fatores essenciais ao Projeto em cada turma ou em cada unidade.
Na fase 2, houve a criação da Fundação Projeto Pescar, que objetivou a esca-
labilidade da inovação social por meio da criação de novas unidades no Brasil. Ao
assumir uma identidade voltada aos objetivos sociais, a marca, assim como a cre-
dibilidade do Projeto Pescar, passou a ser reconhecida e associada à transformação
292 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

social dos jovens atendidos. A implantação da governança e a criação do grupo de


mantenedoras foram os eventos marcantes para a escalabilidade.
A fase 3 foi abalizada pelo trabalho de busca pela escalabilidade atribuído à
profissionalização de processos e à adequação da gestão para alcance do aumento
do impacto positivo. O aporte financeiro do apoiador, Fundação Avina, foi essen-
cial nesta fase.
A fase 4 caracterizou-se pela identificação e necessidade de adaptação a um
mercado em crise. Foi desenvolvido o planejamento estratégico, com envolvimen-
to de diversos atores, para assimilação das mudanças do cenário e para criação
de alternativas à sobrevivência, como a comunicação, questões legais, a gestão de
processos e a atualização da metodologia do programa.

5.4 CONSOLIDAÇÃO DO PROPÓSITO DO PROJETO


PESCAR POR MEIO DA ESCALABILIDADE

A escalabilidade é impactada pelo desenvolvimento de uma inovação social


que tenha um grande público para ser atendido. Isso faz com que a escalabilidade
seja facilitada por diversos atores e não somente pela instituição responsável pela
gestão. O reconhecimento da marca Pescar, a facilidade de implementação, em
função da metodologia, faz com que organizações do Brasil e do Exterior bus-
quem o programa como uma forma de atuar na área social. Desse modo, torna-se
possível consolidar o propósito do Projeto: “conectar conhecimentos e atitudes para
transformar vidas”.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 293

5.5 OS FATORES EXTERNOS E INTERNOS QUE IMPACTAM


NA ESCALABILIDADE DA INOVAÇÃO SOCIAL DE UM
PROJETO

Os fatores externos que podem impactar a escalabilidade da inovação so-


cial de um projeto são: crise econômica, pois pode dificultar a captação de in-
vestidores; falta de recursos para manutenção do projeto; falta de leis e de apoio
governamental para fomento de projetos; e falta de colaboração e parcerias. Os
fatores internos que interferem são: cultura não voltada às demandas sociais; falta
de processos que estimulem a geração de ideias para busca de soluções que possam
gerar inovações sociais; e pouco engajamento das empresas e instituições com as
comunidades onde estão inseridas. Ressalta-se, por fim, a importância de que os
Projetos Sociais devem cumprir os aspectos legais e burocráticos para que seja
facilitada a adoção e a busca de apoiadores e investidores.

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294 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

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TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 295

Caso 4

FRATERNIDADE PULSANTE: O CAFÉ


ORGÂNICO COMO ELO ENTRE O MERCADO
OCIDENTAL E COMUNIDADES INDÍGENAS
Manuela Rösing Agostini
Luciana Marques Vieira
Yeda Swirski de Souza

Eu dou um passo, ela dá dois passos.Eu dou dois passos, ela dá quatro pas-
sos.Eu dou quatro passos, ela dá oito passos.Para isso serve a utopia, para eu
seguir caminhando.

(Eduardo Galeano)

Figura 1: Comunidade Tseltal em Chiapas – México


296 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Fonte: Yomol A´tel (2021, não paginado)

Belinda, após um longo percurso de avião, carro, van coletiva e caminhada,


chega ao seu destino, um pequeno povoado indígena, uma região de selva, no sul
do México. Agora, rodeada de diversos companheiros, que também compartilham
de seu sonho, pode reafirmar sua crença no projeto em que atua. Nada como voltar
a olhar nos olhos da comunidade para a qual ela trabalha e poder reafirmar que
aquele esforço todo está gerando bons resultados. Belinda mora e trabalha na Ci-
dade do México, onde administra uma das empresas sociais do Grupo Yomol’ Atel,
que coordena a cadeia do café orgânico e gera empoderamento financeiro e social
para comunidades indígenas, por meio de negócios sociais. Mesmo com toda a di-
ficuldade, Belinda uma vez a cada seis meses vai para o sul para poder acompanhar
e ouvir da própria comunidade produtora de café suas impressões sobre o anda-
mento dos negócios. Entretanto, uma coisa vem preocupando Belinda: o ritmo
do mercado é diferente do ritmo da comunidade. Durante as 12 horas de viagem,
Belinda se pergunta: como continuar o crescimento do negócio sem afetar o ritmo
e a identidade da comunidade local? Como transformar a dependência econômica
de uma comunidade? Como criar mais autonomia, independência e, mesmo assim,
garantir maiores ganhos econômicos?

1 TRABALHAR JUNTOS, CAMINHAR JUNTOS,


SONHAR JUNTOS... UM POUCO DA HISTÓRIA

A história se inicia em 2002, e o projeto é denominado Yomol A’tel. Está


situado na região de selva no sul do México, no município de Chilón, estado de
Chiapas, quase fronteira com a Guatemala. Naquela época, o Padre Oscar e seus
colegas chegaram na região para a Missão Jesuíta de Bachajón (ainda em 1958) e
criaram o CEDIAC – Centro de Direitos Indígenas (em 1992), a fim de proteger
direitos básicos das populações indígenas da região e encontrar um meio para a
obtenção de um valor justo pelos produtos gerados naquelas comunidades, princi-
palmente o café e o mel.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 297

O café é o produto mais importante da região, sendo a principal fonte de


renda das comunidades, mas é pela sua comercialização injusta que a comuni-
dade sofre uma de suas maiores explorações.. Os coyotes6 determinam o valor e
as condições de compra, já que os produtores locais não possuem acesso a outros
mercados ou até mesmo às informações sobre a qualidade de seu café e um preço
justo por ele.
Assim, seguindo os ensinamentos dos jesuítas e buscando parceiros externos
para agregar novos conhecimentos técnicos, a Yomol A’tel foi criada. Atualmente, é
composta por seis empresas sociais que são integradas por famílias indígenas tsen-
tales que unem esforços para o alcance de justiça social por meio de seu trabalho
e defesa de seu território. Um dos principais objetivos do projeto é não deixar os
produtores locais dependentes dos valores atribuídos pelos coyotes e pela volatili-
dade da bolsa de Nova York.
Nas sociedades rurais latino-americanas, a globalização tem sido especial-
mente impactante. Os governos foram oprimidos pelos grandes mercados finan-
ceiros, ao mesmo tempo em que as fronteiras comerciais são diluídas, gerando
uma setorização e aglutinação de clusters agroindustriais sob grandes multinacio-
nais. Diante dessas condições, torna-se imprescindível para a viabilização das eco-
nomias rurais a capacidade dos pequenos produtores de competir globalmente
e, principalmente, de garantirem sua economia familiar e meios de subsistência
(IREZABAL, 2020).
O nome da iniciativa advém da língua indígena Tsental e significa “trabalhar
juntos, caminhar juntos, sonhar juntos”. Com esta visão de comunidade, digni-
ficação do trabalho e inserção junto à economia social e solidária, o projeto visa
a uma alternativa sustentável à lógica econômica e empresarial atual. O projeto
é considerado aqui uma iniciativa de inovação social, por atender às dimensões
do conceito adotado na literatura, bem como pelo contexto no qual a comunida-
de desenvolveu suas atividades e a forma de organização do negócio para atingir
processos de escalabilidade e impacto. Vamos analisar um pouco mais sobre esse
contexto e essa temática?

6 Normalmente, na América Central e no México, o termo coyote refere-se a indi-


víduos envolvidos no tráfico de seres humanos, mas neste caso o termo também é usado
pela comunidade para se referir aos intermediários que os exploram, seja através de preços
baixos do café ou taxas de juros exorbitantes para empréstimos de dinheiro.
298 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

2 O GRUPO YOMOL A’TEL

Aos poucos, o projeto foi agregando novas competências e formando parce-


rias com diferentes organizações e instituições que permitiram uma integração da
cadeia do café e a geração de outras fontes alternativas de renda para 344 famílias
de produtores de café, mel e sabonetes, possuindo hoje seis empresas sociais sob
sua tutela. No Anexo 1, você pode observar a estrutura do grupo.
Assim, o projeto Yomol A’tel tem sua primeira empresa social denomina-
da como Ts’umbal Xitalha, uma cooperativa de 344 famílias de produtores rurais
tsentales de café, mel e sabão. A cooperativa faz parte da Escola do Café, com o
objetivo de disseminar conhecimentos para a geração agroecológica do território
por meio da produção orgânica.

Figura 2: Fotos Bats´il Maya

Fonte: Yomol A´tel (2021, não paginado)

A segunda empresa do projeto é a Bats’il Maya, microindústria em Chilón,


que transforma a matéria-prima (café) em produto terminado de qualidade gour-
met, para ser comercializado no México ou exportado. A microindústria também
faz parte da Escola do Café, uma vez que realiza o processo de transformação
industrial e padrões de qualidade.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 299

Assim, a primeira empresa é responsável pela organização dos produtores em


forma de cooperativismo e pela obtenção da matéria-prima, ou seja, o café in natu-
ra. A segunda empresa é responsável pelo processo de transformação e pelo estágio
inicial de agregação de valor ao produto, industrializando e comercializando o café.
A fim de garantir ainda mais agregação de valor e coordenar toda a cadeia do
produto, a Yomol A’tel, em 2010, abre a primeira Capeltic – nuestro café, cafeteria
que comercializa o café em grandes centros urbanos e comerciais no México. Hoje,
o café produzido pelos produtores no sul do país faz parte de um único projeto
que possui uma cooperativa que ajusta e equilibra o preço da matéria-prima, uma
empresa que industrializa e comercializa o café e outra que vende o café em taça.
Estimativas da cooperativa permitem mencionar que o quilo de café in natura gera
aproximadamente 32 pesos mexicanos para os produtores, mas se industrializado
pode gerar 160 pesos mexicanos e se vendido em taças de café pela Capeltic pode
gerar 1500 pesos mexicanos. Dito de outro modo, o valor estimado permite men-
cionar que o incremento de renda é de aproximadamente 40 vezes maior do que se
os produtores vendessem diretamente ao atravessador (coyote).

Figura 3: Fotos Xapontic

Fonte: Yomol A´tel (2021, não paginado)


300 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Apesar de conseguir coordenar a cadeia de café orgânico, o projeto ainda


conta com uma quarta empresa social, a Chabnichim – miel natural, empresa que
comercializa o mel produzido pelas famílias tsentales. Com o intuito de inserir as
mulheres dos produtores e gerar ainda mais perspectivas e empoderamento local,
a quinta empresa do projeto é a Xapontic – nuestro japón, nuestra esperanza, que
produz sabão de mel e aveia, além de outros subprodutos cosméticos desta maté-
ria-prima.
Os gestores do projeto, em 2013, perceberam que muitos avanços haviam
sido alcançados em termos de condições de qualidade de vida e formas alterna-
tivas de comercialização dos produtos. Entretanto, com frequência, os produtores
necessitavam recorrer a créditos externos para arcar com despesas de saúde, edu-
cação, entre outros. E, no norte de Chiapas, uma região de difícil acesso e poucas
instituições, os produtores estavam expostos a créditos com altas taxas de juros,
muitas vezes determinadas pelos coyotes. Dessa forma, os produtores, mais uma
vez, estavam reféns da falta de instituições e de acesso a alternativas de crédito. Os
coyotes apenas mudaram a forma de usurpação, que antes era pelo baixo preço pago
pelo café, e agora se dá pelas altas taxas de juros pelo empréstimo de dinheiro.
O projeto, com esta realidade, via seu esforço de cooperativa, de industria-
lização e venda em taças, retornar ao estágio inicial, pois todo o empoderamento
de renda concedido aos produtores voltava para as mãos dos coyotes. Foi assim que,
em 2013, um grupo de produtores da Yomol A’tel aportou fundos para dar início
a uma microfinanceira, denominada Comon Sit Ca’teltic, a sexta empresa social
do grupo. A microfinanceira hoje empresta dinheiro a uma taxa de juros baixa e
parcela o pagamento em prestações possíveis de serem pagas por cada família. O
interessante dessa sexta empresa é que os próprios produtores estão gerando recei-
ta e condições para os seus financiamentos em uma emergência.
Na Figura 4, destacam-se os princípios do grupo, que trabalha pela justiça so-
cial e pela defesa do território, gerando propriedade social e eficiência empresarial
em cada processo.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 301

Figura 4: Princípios da Yomol A´tel

Fonte: Yomol A´tel (2021, não paginado)

3 CONHECENDO A REGIÃO: HISTÓRIA,


POLÍTICA, ECONOMIA, EDUCAÇÃO

O contexto político da região é marcado por uma história de conflitos pela


propriedade de terras e direitos indígenas. Chiapas é o estado mais ao sul do Mé-
xico e um dos mais pobres do país, mundialmente conhecido como o estado no
qual ocorreu uma das maiores rebeliões de um grupo revolucionário de esquerda,
o Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN), que possui como um de seus
emblemas, “Para Todos Todo”. O grupo possui entre seus ideais a luta pelos direitos
indígenas, contra a globalização e o neoliberalismo no início dos anos 1990.
No dia 1º de janeiro de 1994, mesmo dia no qual o México passou a integrar
o tratado de livre comércio – NAFTA, os Zapatistas iniciaram a revolução arma-
da. O grupo escolheu o dia da assinatura do acordo por acreditar que o NAFTA
prejudicaria ainda mais as comunidades pobres e aumentaria as diferenças sociais.
Os conflitos armados entre os Zapatistas e o Exército Mexicano ocorreram até o
ano de 1999, sendo que atualmente os Zapatistas continuam suas intervenções em
algumas comunidades de Chiapas.
302 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Hoje, o EZLN permanece representando uma forte influência sobre a cul-


tura, o modo de vida, o trabalho, a educação e sobre as comunidades no sul do
México. Suas lideranças mantêm um certo isolamento da região, limitando a in-
tervenção do Estado Mexicano. Essa barreira pode ser interpretada de duas formas
diferentes: como um impedimento para o desenvolvimento econômico da região;
ou/e como uma forma alternativa de promoção de igualdades sociais.
A política partidária mexicana é marcada por inúmeras contradições e des-
mandos. Como exemplo, no mês de julho de 2015, ocorreram as eleições estadu-
ais em Chiapas, sendo que diversos incidentes eleitorais foram relatados, como
queima de urnas, incêndios, conflitos armados, bloqueios nas estradas, mortes e o
cancelamento da apuração dos votos em alguns municípios.
As eleições em Chiapas foram marcadas por conflitos entre dois partidos
políticos, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) e o Verde Ecologista de
México (PVEM). Em constante contradição, os dois partidos uniriam forças para
eleger seus candidatos em 16 dos 24 distritos eleitorais. Entretanto, em ao menos
12 municípios de Chiapas, foram registrados confrontos entre militantes dos dois
partidos, tendo ocorrido incidentes graves e agressões, inclusive, a mulheres.
Diante de todo esse contexto político, o grupo Yomol A’tel procura se manter
distante das constantes investidas dos partidos políticos para tentar uma inserção
no projeto. Os gestores mencionam que não há qualquer relação do projeto com
partidos políticos e que a intenção é manterem-se afastados desse contexto. Al-
berto, ao ser questionado sobre a existência de interferência política no projeto,
explica que:

Eu penso que não. Eu acho que também, uma das coisas que nos faltou,
porque o processo em si, como estamos organizados, é uma escola, onde
as empresas são escolas. O que nos faltou, eu ​​acho, é mais uma formação
de um sujeito político. Na missão de Bachajón, os jesuítas fazem muito, é
um assunto religioso, mas também é político. A região é complicada, é re-
gião zapatista, diferentes partidos políticos. Na cooperativa tem zapatistas,
não zapatistas, de diferentes partidos. Nesse sentido, a cooperativa não toma
partido. Tentamos nos manter bastante equânimes. Temos tido muitas más
experiências com os governos em Chiapas. Nós não trabalhamos com o go-
verno. Os recursos são muito politizados. Chiapas há muito dinheiro, chega
muitos milhões, mas todo dinheiro é com “etiquetas”. Terrível, a verdade
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 303

é que é terrível. Nesse sentido, que nós preferimos não nos aproximar da
política (Alberto – diretor do projeto – Entrevista para a presente pesquisa).

Sobre o sistema econômico da região há uma predominância de práticas


agrícolas baseadas na sustentabilidade e produção de orgânicos. Além disso, a cul-
tura e a língua indígena são preservadas, ou seja, o ritmo de vida das comunidades
locais e seus hábitos ainda mantém um forte respeito pela preservação da natureza,
concebendo a terra como uma santidade e não como um recurso a ser explorado.
Com todas estas características políticas e históricas, a situação econômica é
inadequada para permitir condições mínimas de qualidade de vida. Nessa região,
75% da população indígena vive abaixo da linha da pobreza e, enquanto a renda
per capita dos mexicanos é de US$9.640, a renda da população rural é de apenas
US$456 por ano7.
Para analisar o sistema de educação e trabalho da região, vamos conhecer
o Pedro, filho de um dos produtores de café, que hoje trabalha na Capeltic de
Chilón. Pedro sempre trabalhou no cafezal, ajudando sua família no campo. Tem
quatro irmãos e não conseguiu concluir seus estudos. Hoje, Pedro conseguiu um
emprego na Capeltic, servindo o café produzido por sua família e vizinhos. Ele
sempre teve a intenção de sair do município e ir para a universidade, mas as con-
dições fizeram com que ele retornasse para sua terra. Mesmo com todas as dificul-
dades, Pedro nos diz:

Eu quis seguir estudando, meu pai é campesino e trabalha no campo, então


não tínhamos muitos recursos para seguir estudando. Estudei o primário e
secundário em Chilón. Saí e tentei estudar em uma universidade por quase
dois anos. Não tinha recursos econômicos e regressei. Então comecei a per-
guntar na Yomol A’tel se poderia trabalhar com eles. Como meu pai é sócio,
comentou numa reunião e eu já me apresentei. [...] A verdade, gosto muito
do trabalho. Meus companheiros, conversamos bem, nos entendemos. Eles
me ajudaram e me integrei rápido na equipe. [...] Na verdade é um projeto
muito bonito, que ajuda as comunidades, e nos ajuda muito (Pedro – filho de
um produtor de café/sócio da cooperativa e trabalhador na planta industrial).

7 Você pode compreender melhor sobre a volatilidade dos preços do café no Anexo 1.
304 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Baseado na história de Pedro, podemos visualizar a semelhança com a de


muitos jovens daquela região, suas vidas estão ligadas à terra e às famílias. Grande
parte dos jovens dessa região não tem acesso à educação e a novas possibilidades de
vida fora da comunidade, o que os leva a ter que permanecer nas terras da família.
Além do mais, os jovens são vistos como fundamentais para a perpetuação da cul-
tura e dos hábitos das comunidades indígenas, sendo muito importantes para suas
famílias e para o crescimento econômico e social da região.

4 INTERCULTURALIDADE E ESPIRITUALIDADE

A região na qual se desenvolve boa parte do projeto é habitada por indígenas,


sendo que 97% da população de Chilón fala a língua indígena, predominantemen-
te a língua Tsental. Assim, nas comunidades e, principalmente, nas comunidades
que fazem parte do projeto Yomol A’tel, estão presentes duas tradições que giram
em torno do cristianismo, mas que mantêm suas singularidades: a cultura Tsental
Maya e a cultura ocidental.

Figura 5: Fotos dos Colaboradores

Fonte: Yomol A´tel (2021, não paginado)

Por um lado, a cultura ocidental se manifesta na região como uma cultura


cristã, pela evangelização, trabalho comunitário e princípios de coletividade. Isso
ocorre porque a região sempre foi evangelizada por missionários jesuítas. Por outro
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 305

lado, a cultura ocidental também é o culto ao mercado, ao tempo escasso, à osten-


tação pelo material e ao acúmulo pelo trabalho.
A cultura Tsental simplifica-se na referência à “vida buena”, convivendo de
forma harmônica com a natureza e com a “madre tierra”, situação em que o traba-
lho é fruto de um processo solidário e fraterno. A manutenção da língua indígena
e dos hábitos tsentales é fundamental para a comunidade.
Assim, o projeto apresenta o desafio do convívio de duas culturas: o café é
vendido para pessoas e empresas pertencentes à cultura ocidental, porém é pro-
duzido por produtores indígenas numa cultura Tsental. No contexto do grupo, a
interculturalidade é um dos fatores apontados como maior desafio, já que a união
entre os dois mundos, o indígena e o mercado, pode ser de difícil equilíbrio. Nesse
sentido, a primeira empresa, Ts’umbal Xitalha – cooperativa de café, ainda possui
uma raiz muito forte com as comunidades indígenas, respeitando o ritmo de vida
e cultura das comunidades locais.
A segunda empresa, Bats’il Maya, a micro-indústria, já inicia um processo de
articulação entre os dois mundos, do ritmo Tsental e o ritmo global de mercado.
A Capeltic, por sua vez, é uma ponte cultural entre a cultura Tsental e a cultura
ocidental. Alberto nos relata o que ele considera sobre este grande desafio:

Outro grande desafio que temos e que tivemos é a gestão dos dois ritmos.
Do ritmo indígena e Tsental e do ritmo global e ritmo do mercado, porque
cada ritmo necessita de uma atenção completamente diferente. Necessita da
construção de pontes, necessita de um serviço especializado, com diferentes
capacidades para cada ritmo. Isso é muito difícil. Sim, temos uma equipe
multidisciplinar que pode atender aos diferentes ritmos. Mas também o
que nos aconteceu é que muitas vezes, sentimos que esses ritmos caminham
separados. Controlamos a cadeia de valor, mas dentro da cadeia de valor
estamos muito separados. Para mim a imagem que eu tenho com “Bats’il
Maya” e com “Capeltic”, que são as empresas mais poderosas, é que são dois
cães da raça Gran Danès. Imagina dois Gran Danès mal-educados que te
levam para passear e vão te levando, e tem que te agarrar, porque o ritmo de
mercado te leva (Alberto – diretor do projeto – Entrevista para a presente
pesquisa).

Um dos exemplos marcantes sobre a interculturalidade são as reuniões


para a estruturação do planejamento estratégico do grupo, que seguem os prin-
306 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

cípios da cultura Tsental. Na sede da empresa, há um altar Maya, no qual, antes


de qualquer acontecimento, reunião ou decisão, os integrantes se reúnem e fazem
oferendas. Na frente desse altar Maya, há uma cruz católica e uma imagem de
Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, ordem religiosa na qual
o projeto foi alicerçado.
Uma das reuniões de definição do planejamento durou aproximadamente 24
horas, sendo que os integrantes não podiam se retirar da volta do altar; não po-
deriam, portanto, ir ao banheiro ou se alimentar. Para os membros tsentales, esse
ritual é natural e faz parte de sua cultura e crença. Contudo, para os integrantes que
fazem parte de uma cultura ocidental, como os gerentes ou diretores que moram na
Cidade do México, esses rituais podem ser difíceis e, até mesmo, incompreensíveis.
Um dos diretores mencionou que, nas primeiras 17h de uma sessão de pla-
nejamento estratégico, ele ainda se perguntava o que estava fazendo ali e como
aquelas pessoas, sem falarem nada ou discutirem as estratégias, iriam elaborar
o planejamento do grupo. No entanto, seu relato final menciona que, de forma
inexplicável, em um determinado momento, tudo pareceu fazer sentido, que todos
haviam compreendido o que deveria ser feito, pois entenderam o que realmente
era importante para aquelas pessoas, que creem na “madre tierra”, na força de seu
trabalho, no pertencimento sobre aquele território e na manutenção da sua cultura.
Com isso, o projeto definiu que suas ações seriam sempre alicerçadas na tentativa
de equilibrar o ritmo Tsental ao ritmo frenético do mercado, e que seus passos
seriam sempre curtos, mas firmes.
Ainda sobre o planejamento do grupo, as decisões mais emergenciais e de
rotina são tomadas pelo pessoal administrativo. Essas pessoas possuem cargos e
funções bem determinadas para executar as atividades. Entretanto, as decisões que
demandam mais atenção ou as de planejamento estratégico envolvem toda a co-
munidade, sendo que todos os sócios da cooperativa são convocados para a assem-
bleia e possuem poder de voto. Este modelo de gestão pode apresentar aspectos
positivos e negativos, tais como: o envolvimento de toda a comunidade no poder
de decisão sobre o negócio gera transparência e empoderamento para todos os
envolvidos; por outro lado, pode atrasar o processo de tomada de decisão o que,
consequentemente, não condiz com o ritmo que o mercado ocidental exige.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 307

Nesse sentido, o mercado demanda rapidez, eficácia, serviços e produtos en-


tregues em menor tempo, com qualidade superior e padrões cada vez mais sofisti-
cados. Essas são características que empresas ocidentais/globais estão acostumadas
a cumprir. Mas como fazer para que um grupo de empresas sociais numa comuni-
dade indígena possa alcançar tais padrões?
Estas questões rodeiam a cabeça de Che, diretor do grupo, que se questiona:
como fazer com que esta comunidade produza o café no tempo em que o mercado
demanda? Como fazer para que a quantidade de café seja suficiente para atender
a demanda das Capeltics? Como deverá ser o planejamento do grupo para que o
ritmo do mercado não atravesse o ritmo da comunidade?

5 OS COLABORADORES: SUAS VIDAS,


SEUS DESAFIOS, SUAS EXPECTATIVAS

Em 2021, são 61 colaboradores trabalhando no grupo Yomol A’tel, divi-


didos em quatro cidades, sendo oito unidades de negócio. O escritório central está
na Cidade do México e é responsável pelas ações de exportação, planejamento,
marketing e outras atividades relacionadas à gestão do grupo.
Entretanto, as principais atividades ocorrem em Chilón, município no qual as
famílias produzem o café e onde ele é industrializado. Em Chilón, também se con-
centra a maior parte dos colaboradores do projeto, sendo grande parte familiares
dos produtores e jovens que, no momento, escolheram permanecer na comunidade
e trabalhar na microindústria.
Além desses dois lugares, existem as cafeterias da Capeltic que estão distribu-
ídas em quatro cidades mexicanas, localizadas principalmente em centros universi-
tários: Jalisco, Puebla, Cidade do México e Chiapas.
Os colaboradores possuem perfis muito distintos. Grande parte dos traba-
lhadores da fábrica são filhos ou familiares dos produtores de café. Do pessoal que
está no administrativo, há histórias de vida distintas, mas em comum a ideologia
de trabalhar num projeto social.
Dos jovens que fazem parte das diretorias e coordenação, muitos conhece-
ram a Yomol A’tel na época de faculdade. Seus professores da universidade jesuíta
308 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Iberoamericana da Cidade do México os instigaram a elaborar projetos/planeja-


mentos para a Yomol A’tel e, ao se depararem com a história e com a realidade das
famílias, o grupo se tornou parte de suas próprias vidas. Muitos deles renunciaram
a postos de trabalho em grandes empresas para se mudar para o pequeno povoado
e trabalhar no projeto.
Para Cristy, administradora do grupo em Chilón, não foi nada fácil mudar
sua vida e se adaptar em um pequeno povoado. Entretanto, ela ressalta a impor-
tância do projeto para sua vida, para a recuperação de seus valores e para a forma
como enxerga hoje o projeto:

Pela minha perspectiva Yomol A’tel foi uma mudança total na minha vida,
de formação e de relação. Por que assim, desde casa tenho muitos valores
éticos, em questão de espiritualidade também. Quando saí estudar, perdi
muito destes valores, porque a minha formação foi pela carreira técnica, que
induzem a todo esse mundo empresarial, sistema capitalista e, queira ou não,
se desprende de muitas coisas.
Para mim encontrar-me com Yomol A’tel significou uma irmandade, em que
realmente somos irmãos e não existem diferenças entre “morenito blanqui-
to”, de pensamentos. Temos uma liberdade quanto a pensar.
Aqui vivemos a espiritualidade, se tu crês em Deus, pois crê nele agora. Se
crês na natureza. Mas, temos a mesma espiritualidade e a mesma fé, a mes-
ma confiança para se realizar as coisas. Então, Yomol A’tel para mim foi um
encontro de pessoas, ideias e pensamentos.
Pois, Yomol A’tel é caminharmos juntos, orarmos juntos, eu agrego... chora-
mos juntos, nos abraçamos juntos (Cristy – coordenadora administrativa da
Bats’il Maya em Chilón – Dados da presente pesquisa).

A mudança de vida para muitos dos colaboradores foi significativa. Ini-


cialmente, a transição de uma cidade grande para um pequeno povoado, além de
mudar de um pensamento tecnicista, aprendido nos bancos escolares, para um
pensamento mais social e espiritualizado, no qual o projeto era concebido. As via-
gens até Chilón são longas, desgastantes, mas todos mencionam a alegria de poder
ir até a planta industrial e viver o ritmo e a cultura daquilo que estão defendendo
e ajudando a manter.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 309

6 OS DESAFIOS

As comunidades precisavam encontrar formas de subsistência e de inserção


no mercado, já que assim poderiam encontrar alternativas que não as fizessem de-
pender de outras instituições. O projeto Yomol A’tel vem desenvolvendo suas ati-
vidades nesse sentido, com as empresas sociais sendo sustentáveis financeiramente
e proporcionando a inserção de famílias no mercado, possibilitando, então, que as
condições de vida dessas comunidades melhorem.
Contudo, para que o projeto continue promovendo ainda melhores condições
de vida, há a necessidade de uma maior inserção no mercado, com o aumento da
produção de café, mais industrialização e comercialização do produto. Desse modo,
um dos maiores desafios do grupo Yomol A’tel é como atender às demandas do
mercado sem perder o vínculo com as tradições e com o ritmo das comunidades.

Figura 6: Fotos que Demonstram a Intercul-


turalidade e Pluralidade do Projeto

Fonte: Yomol A´tel (2021, não paginado)

Um segundo desafio que o grupo está enfrentando desde o ano de 2014 é o


fungo Roya, uma praga que atinge o cafezal e o torna improdutivo. Muitas famílias
das comunidades tiveram seus cafezais atingidos por esse fungo, sendo que não
puderam plantar ou tiveram grande perda na colheita. A situação econômica, que
já é difícil, foi agravada e muitas famílias estavam em situação de extrema vulne-
rabilidade, já que não podiam plantar e, com a renda dependendo do café, a fome
passou a ser o principal desafio.
310 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Para o grupo, além de enfrentar a dificuldade junto com as famílias, acompa-


nhando seu sofrimento e suas necessidades básicas, era essencial pensar que esta-
vam com uma baixa produção de café. Como manter os contratos em dia, já que
as famílias não estavam produzindo o café? O mercado entenderia que uma praga
destruiu parte da colheita e que o grupo não conseguiria cumprir os prazos de
entrega?
Assim, neste segundo desafio, o grupo precisava pensar alternativas para que
a produção voltasse ao normal e pudesse abastecer a indústria, mas também pre-
cisava pensar em manter as famílias, que estavam em situação de vulnerabilidade.
Como achar uma alternativa para este desafio? Existe uma forma de conciliar estas
duas preocupações? Atender às famílias e esperar que os cafezais possam voltar
a produzir? Ou achar novos parceiros? Assim, a Yomol A’tel precisa atender ao
mercado, mas lembrando que seu principal objetivo sempre foi garantir melhores
condições de vida às comunidades locais.
Yomol A’tel está atualmente, em 2021, em fase de reconstituição e consoli-
dação. Em se tratando do campo, a praga da ferrugem implicou uma revisão da
estratégia de desenvolvimento local, apostando na diversificação e na reorganiza-
ção territorial produtiva. No nível dos trabalhadores, por mais de cinco anos, um
processo de “cooperativização” começou com pouco sucesso e mais frustração do
que motivação. Apesar do bom desempenho das empresas relacionadas ao café,
esse sucesso econômico contrasta com as dificuldades de relacionamento interno
que existem na cadeia de valor e que representam o desafio de dar o próximo passo
na construção de um projeto entre povos de grande diversidade cultural, histórica
e territorial (IREZABAL, 2020).
Um terceiro desafio está na comunicação, tanto interna quanto externa. O
grupo hoje possui sete estabelecimentos, localizados em quatro cidades, com dis-
tâncias geográficas significativas, em torno de 1500 quilômetros. Dessa forma, a
comunicação interna possui grandes desafios, pois, além de estarem geografica-
mente distantes, há também uma barreira de idioma. A maior parte dos produtores
de café e, portanto, sócios com poder de voto na cooperativa, falam somente a
língua indígena Tsental, enquanto o pessoal do administrativo fala espanhol. As
reuniões de planejamento e as principais tomadas de decisão são realizadas com a
ajuda de intérpretes. Outrossim, os documentos precisam ser redigidos em duas ou
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 311

três línguas. Além do mais, há uma dificuldade de acesso à internet e comunicação


rápida, já que a sede das empresas está localizada em um pequeno povoado.
Um dos exemplos vivenciados no projeto foi a negociação com um grupo ja-
ponês, que queria tornar-se parceiro do projeto, comprando o café para uma gran-
de rede de restaurantes. Os gestores japoneses foram até Chilón para a negociação,
que ocorreu em quatro línguas: Tsental, espanhol, inglês e japonês, com o auxílio
de intérpretes. Toda a tomada de decisão no projeto segue o princípio do “caminho
da palavra”, no qual a palavra passa por todos os membros presentes até chegar
na mesa diretiva para, depois, retornar. Este processo de negociação envolveu três
culturas muito distintas, pessoas com bagagens e expectativas diferentes. Apesar de
todas essas dificuldades, é o principal contrato de exportação que o grupo Yomol
A’tel tem hoje. Isso porque ocorreu uma troca, ocorreu uma entrega e ocorreu uma
sinergia entre culturas opostas.
A comunicação externa também passa por desafios, já que os clientes que
consomem o café em taças nas Capeltics não possuem a informação de que este
café é comercializado com práticas orgânicas e sociais. Nota-se, portanto, que ain-
da é necessário um avanço na comunicação e divulgação do produto.
Diante desses três desafios e considerando o final de ano que se aproxima,
é preciso pensar o planejamento para os próximos anos e readequar as ações do
grupo. Muitas questões precisam ser pensadas e novas soluções serem encontradas.
Convidamos você a pensar diferente, pensar num equilíbrio entre as duas culturas,
pensar em alternativas para que o negócio ganhe escala com sustentabilidade eco-
nômica, ambiental e social. Por fim, convidamos você a pensar num planejamento
para suprir os desafios.

NOTAS DE FIM

Os dados para esta pesquisa foram coletados pessoalmente por uma das pes-
quisadoras no mês de julho de 2015, período no qual ocorreu o conflito armado
entre os partidos políticos. A pesquisadora, juntamente com outras onze pessoas,
ficaram sitiadas na casa da Missão Jesuíta em Chilón por quatro dias. Os dados
foram atualizados com base em estudos e conversas em 2021.
312 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Agradecimentos
IFRS – Instituto Federal do Rio Grande do Sul; Unisinos Center for Social
Innovation and Entrepreneurship.

ANEXO 1

O grupo Yomol A’tel possui seis empresas sob sua tutela. Sendo três delas re-
lacionadas diretamente com a cadeia do café, duas delas com a cadeia do mel e uma
microfinanceira. Além disso, observam-se instituições e organizações que contri-
buem para o projeto, como o CEDIAC, universidades, fundações e empresas.

Figura 1: O Projeto Yomol A’tel

Fonte: Elaborada pelas Autoras (2021)

A Yomol A’tel possui como um de seus objetivos a manutenção do preço do


café para seus produtores. No gráfico abaixo, podemos observar pela linha marrom
como se comporta o preço do café na Bolsa de Nova Iorque, e pela linha verde
como a Yomol A’tel, desde 2011, vem conseguindo manter o valor pago pela ma-
téria-prima, apesar da queda do preço pela Bolsa. Este gráfico demostra um dos
benefícios para as famílias do projeto, já que não precisam depender da cotação do
produto em escala global.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 313

Figura: Preço local do café

Fonte: Yomol A’tel (2016, não paginado)

Sobre o contexto, dados importantes podem ser recuperados. O Banco


Mundial, em relatório de 2010, identifica que, em áreas rurais mexicanas, 61% das
pessoas vivem na linha da pobreza, sendo mais de 15 milhões de indivíduos. Os
fatores que determinam o status da pobreza no México são: a geografia do local
e a proximidade com centros urbanos; a etnia, sendo que a taxa de pobreza em
comunidades indígenas é muito mais elevada; e gênero, pois as mulheres enfren-
tam falta de oportunidade de emprego e acesso a recursos produtivos. De acordo
com o relatório do World Bank em 2011, 75% da população indígena vive abaixo
da linha da extrema pobreza, principalmente nos estados de Chiapas, Oaxaca e
Guerrero. Enquanto a renda per capita dos mexicanos é de US$9.640, a renda da
população rural é de apenas US$456 por ano. Em situação ainda mais desfavorá-
vel, encontram-se as famílias indígenas. Nestas, os índices de pobreza e extrema
pobreza são maiores do que das famílias rurais. Uma das razões para essa situação
é a concentração de subsídios agrícolas governamentais. Os gastos públicos com
estados do sul é de 20 a 30 vezes menor do que com os estados do norte do país.
Outro fator que influencia essa situação são as altas taxas de violência, muitas vezes
relacionadas ao tráfico de drogas (IFAD, 2014).
314 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Irezabal (2020), em sua tese de doutorado, levanta dados com base nos úl-
timos relatórios disponíveis sobre o contexto. O México tem uma população que
já ultrapassa 120 milhões de pessoas, com idade média de 27 anos em 2015. Em
2018, era a 15ª economia do mundo e a segunda da América Latina em termos de
PIB total, mas número 68 no mundo em termos de PIB per capita. Esses dados
mostram o problema da pobreza no México, juntamente com a extrema desigual-
dade existente no país. A esses problemas, somam-se a crise de corrupção, pois,
segundo a organização Transparência Internacional, em 2018, o México ficou em
128º lugar entre 180 países analisados em
​​ termos de corrupção em todo o mundo,
bem como a crise de segurança que assola o país, derivado de conflitos entre or-
ganizações do narcotráfico e seus confrontos com o governo, gerando os maiores
níveis de violência nos últimos 21 anos.
Para analisar melhor o sistema de educação e trabalho, é importante coletar
dados do Censo Mexicano (INEGI, 2015). Percebe-se que, de uma população
total de 111.554 habitantes, 21.878 não possuem escolaridade e a taxa de alfa-
betização é de 89%, índice muito aquém de países desenvolvidos ou da própria
taxa de alfabetização geral do México, que é de 94%. Outro fator interessante de
analisar é a discrepância entre homens e mulheres nos índices de alfabetização e
acesso à escolarização. Os homens possuem mais acesso à educação, com diferença
de quatro pontos percentuais. Essa realidade influencia as condições de empre-
gabilidade e acesso ao mercado. Outro dado marcante é que apenas 26 pessoas
possuem pós-graduação e apenas 927 pessoas possuem curso para atuação profis-
sional. Ademais, outro dado preocupante é que, na comparação entre as pessoas
que possuem ou não acesso aos bancos escolares, o número é superior para aqueles
que não possuem esse acesso.
Os dados analisados sobre educação demonstram uma falta de acesso a con-
dições mínimas para a garantia de um futuro mais digno. Esses dados refletem a
falta de políticas públicas voltadas para aquela região e o abandono de instituições
governamentais. Como consequência deste abandono, o sistema de trabalho e ren-
da ainda está muito vinculado a práticas locais de subsistência.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 315

NOTAS DE ENSINO

Convidamos você a trabalhar com seus alunos uma história sobre empresas
sociais e interculturalidade. Sobre comunidades indígenas e sobre o merca-
do ocidental. Sobre lucratividade, tomada de decisões e planejamento. Mas,
antes disso, lembre aos seus alunos de que: tudo para o que olhamos pode
ser visto sobre diferentes pontos de vista, não escolha o seu antes de com-
preender ambos os lados e examinar aspectos positivos e negativos de cada
um. O “bem conviver” se faz com diálogo, com abertura, com reciprocidade,
com respeito. Convidamos você a compartilhar este caso e a pensar o mundo
de uma forma um “tanto torta”, como Drummond propôs ao falar em “lado
gauche”. Estimule seus alunos a se abrir, pensar, propor, interrogar, pensar o
mundo e a Administração de uma forma diferente!

1. SUMÁRIO DO CASO

Este caso apresenta a história de um grupo de empresas sociais do sul do


México, que, coordenando a cadeia do café, vem proporcionando uma forma al-
ternativa de economia para as famílias indígenas da região. Baseado num contexto
histórico de desigualdades e lutas armadas pelo território, bem como de falta de
acesso ao mercado ocidental, a comunidade Tsental cria uma forma diferente de
organização: um grupo de empresas sociais.
A Yomol A’tel inicia sua trajetória em 2002 pela iniciativa de um padre jesuíta
que observa a necessidade da região de encontrar uma forma para não mais depen-
der dos coyotes (intermediários) para a venda do café. Hoje, o projeto conta com
seis empresas sociais que coordenam a cadeia do café e possuem sustentabilidade
financeira.
O caso inicia com Belinda, diretora do grupo, questionando-se sobre como
o projeto pode crescer em escala sem afetar a cultura das comunidades locais. Ao
longo do caso, são apresentados dados para compreender o contexto e as empresas
que formam o grupo. Além disso, apresentam-se informações sobre a intercultu-
316 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

ralidade (ocidente x indígena) e sobre os desafios de dar mais escalabilidade ao


projeto, sem que isso interfira na cultura local.
Com esta história, procura-se proporcionar aos alunos uma forma diferente
de compreender a Administração e o mercado, instigando questionamentos rela-
cionados a planejamento estratégico, tomada de decisões, cultura e identidade e
diversificação de produto e mercado.

2. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

Este caso pode ser aplicado em disciplinas de graduação e pós-graduação


que se proponham a trabalhar com uma abordagem voltada à interculturalidade e
inovação social. A proposta deste caso é trabalhar com uma nova visão do merca-
do, proporcionando aos alunos um olhar diferente sobre o formato tradicional da
economia e das organizações.
Pretende-se, pedagogicamente, trabalhar habilidades de comunicação
pessoal, trabalho em equipe, discussão em grupo – saber ouvir, opinar e argumen-
tar, bem como desenvolver habilidades que permitam a criação de soluções novas
para problemas organizacionais.
Ao final das discussões, os alunos terão obtido conhecimento nas temáticas
de inovação social, planejamento, tomada de decisão, cultura e identidade e diver-
sificação de produto e mercado. Além disso, o professor poderá instigar seus alunos
a buscarem outras relações com a disciplina trabalhada ou com outros casos que
possam ser utilizados para complementar os ensinamentos trabalhados em sala de
aula.

3. QUESTÕES RELACIONADAS

a) Como o projeto poderá crescer em escala sem perder a identidade?


b) Você concorda que o projeto possa ser considerado uma inovação social?
c) Como e quais são os impactos que o projeto trouxe para a comunidade?
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 317

d) O que pode ser proposto para que o projeto desenvolva mais ações e diver-
sifique sua atuação atendendo ao mercado?
e) Você considera mais interessante a diversificação de produtos ou a manu-
tenção no foco agregando novos parceiros?
f ) Como aprimorar as técnicas de comunicação interna?
g) Como levar esta cultura ao mercado consumidor?
h) E como o grupo deve agir frente a este desafio?
i) Você pensa que este modelo de gestão é sustentável no longo prazo?

4. ANALISANDO YOMOL A’TEL:


DESAFIOS PARA O FUTURO

Para auxiliar nas discussões e respostas aos questionamentos do tópico


anterior, aprofundamos algumas informações sobre os desafios enfrentados pelo
grupo. No tópico abaixo, descrevemos detalhes do desafio: dimensões do projeto
de inovação social, a praga Roya e suas intercorrências, a comunicação e a intercul-
turalidade como desafios para o futuro.

4.1 O CASO COMO UMA INOVAÇÃO SOCIAL

No contexto mexicano, dados do World Bank (2017) evidenciam que a eco-


nomia mexicana enfrenta um ambiente externo complexo, em que a persistência
de preços baixos para o petróleo; a normalização da política monetária nos Estados
Unidos; a desaceleração do comércio internacional e do crescimento econômico
global; bem como a diversidade de eventos geopolíticos elevam a aversão ao risco e
à volatilidade financeira, pois colocam em risco a estabilidade econômica e finan-
ceira do país, assim como as perspectivas de crescimento.
Diante dos dados apresentados e da observância de que a pobreza e as desi-
gualdades sociais são fatores que precisam ser tratados com prioridade no contexto
analisado, torna-se clara a relevância de entendimentos que enfatizem a busca por
318 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

mecanismos de auxílio para estes elementos, tais como a compreensão sobre os


processos e impactos da inovação social.
As intervenções com inovações sociais, promovidas por diferentes atores, vêm
sendo consideradas como alternativas para suprir as carências não alcançadas pelas
políticas públicas. Em diferentes contextos, iniciativas com objetivos sociais estão
se consolidando como alternativas para a inserção de pessoas no mercado, seja
pelo acesso à renda (atuando como empreendedores sociais), seja pela facilidade
de consumo (produtos e serviços mais acessíveis à população de baixa renda), bem
como promover alternativas para o enfrentamento de novas demandas sociais (en-
velhecimento, crises sanitárias, desigualdades sociais, entre outras).
As inovações sociais contribuem para a diminuição de desigualdades e vão
crescendo em número e em investimentos. Entretanto, a academia observa que
ainda há lacunas a serem investigadas, por exemplo, os conceitos ainda não es-
tão completamente alinhados, levando a inúmeras indagações sobre os fenômenos
relacionados a estas iniciativas, bem como sobre os fatores que interferem nes-
tes processos (BIGNETTI, 2011; MULGAN et al., 2007; POL; VILLE, 2009;
SOUZA; SILVA FILHO, 2014).
Analisando o caso por uma perspectiva multidimensional, o projeto é carac-
terizado como uma inovação social em quatro dimensões: (1) contexto institu-
cional (diferentes contextos e a interferência de sistemas políticos, financeiros, de
educação/trabalho e culturais); (2) múltiplos atores (dando voz a diferentes ato-
res, que possuem objetivos diversos); (3) aspectos institucionais (regulamentação,
aceitação, motivação, sanção); (4) inovação social propriamente dita (modificação/
transformação de uma necessidade social; solução inovadora; implementação do
processo de inovação social; envolvimento de atores e partes interessadas; e efeti-
vidade dos resultados).
A Yomol A’tel é concebida, neste estudo, como uma inovação social visto que
é analisada e interpretada conforme as dimensões propostas na literatura sobre o
tema. A iniciativa pode ser considerada uma inovação de práticas organizacionais,
uma inovação de mercado e uma inovação de produto, pois o projeto alterou a
forma de organização dos produtores tseltales, que hoje estão reunidos em coope-
rativa. Ele mudou o método organizacional nas práticas de negócio e o processo de
produção, agregando uma microindústria com padrões de qualidade; incrementou
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 319

novas possibilidades de mercado, abrindo canais de comercialização aos quais an-


tes os produtores não tinham acesso, inclusive exportando parte do café; e agregou
novos produtos, como mel e cosméticos.
Analisam-se, na sequência, dimensões da IS e como o projeto cumpre cada
uma delas.
1. O que é modificado? A qualidade de vida das comunidades tseltales é mo-
dificada por meio do empoderamento advindo do incremento de renda e do au-
xílio a novas práticas agroecológicas para produção de café orgânico. No ano de
2014, a solução foi mais específica, já que uma praga, denominada Roya, atingiu
os cafezais e as famílias não puderam plantar ou tiveram grande perda na colheita.
A situação econômica, que já era difícil, foi agravada e muitas famílias estavam
em situação de extrema vulnerabilidade. O projeto, por meio da Capeltic, adquiriu
milho e distribuiu para as famílias tseltales, a fim de sanar a fome.
2. Por que foi implantada? Tanto pelo histórico de abandono da região, caren-
te de instituições fortes que mantivessem condições mínimas de cidadania como
pelo contexto da região e pela presença de ‘coyotes’ que determinavam o preço do
café e as condições de venda.
3. Onde é implantada? No município de Chilón, estado de Chiapas, região de
selva no sul do México. Dados revelam que 75% da população vivem em condições
de extrema pobreza.
4. Quem está envolvido na solução? Diversos atores fazem parte do projeto:
produtores tseltales; CEDIAC - Centro de Direitos Indígenas; equipe de gestão;
fundações; organizações; e universidades.
5. Como o processo ocorre? Os produtores estão organizados na cooperativa
Ts’umbal Xitalha. O café é industrializado e comercializado pela Bats’il Maya,
sendo uma parte vendida nas cafeterias Capeltic. Duas outras empresas agregam
produtos, como mel e cosmético. A sexta empresa é uma microfinanceira para as
famílias tseltales.
320 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

4.2 A PRAGA ROYA

Um dos desafios enfrentados pelo grupo Yomol A’tel foi a praga Roya que
atingiu os cafezais em 2014. Diante dessa situação, alguns fatores precisaram ser
enfrentados. O primeiro aspecto foi a dificuldade enfrentada pelas famílias da
comunidade, que possuíam como única ou principal renda a venda do café. As
famílias, que não possuem reservas econômicas, passaram por uma situação de
vulnerabilidade extrema, sendo que muitas estavam passando fome.
A solução momentânea encontrada pelo grupo foi a aquisição de milho para
distribuição às famílias. A Capeltic, empresa do grupo responsável pelas cafeterias,
realizou a compra do milho e doou para as comunidades. Um fator importante
a ser observado neste tópico refere-se ao fato de que a empresa não possui ainda
uma regulamentação fiscal e legal. Isso porque a legislação mexicana não permite
a integração em um único grupo de todas as empresas.
Dessa forma, a Capeltic, empresa do grupo que hoje possui maior lucrativi-
dade, não pode simplesmente transferir um valor monetário para as famílias. Para
conseguir reverter o lucro, a Capeltic deve fazer ações indiretas, mas que impactem
as comunidades.
A Roya afetou significativamente a produção de café da cooperativa. Com a
pouca produção de café pelos produtores associados, a microindústria foi afetada e,
consequentemente, os contratos de exportação e distribuição do café também esta-
vam em risco. Além disso, todo o café servido pela Capeltic vem das comunidades.
Sem café, sem produção na indústria, sem café nas taças.
A solução encontrada pelo grupo foi a parceria firmada com o que eles deno-
minam de “cooperativas irmãs”. Estas cooperativas possuem os mesmos princípios
e valores que a Yomol A’tel, ou seja, são formadas por comunidades indígenas, com
valores voltados à sustentabilidade social e ambiental. Um fator muito importante
para esta etapa foi encontrar cooperativas que possuíssem um café com a mesma
qualidade, produzido de forma orgânica e com as características de café de altura.
Resolvidos os dois problemas iniciais, a fome das famílias e a falta de café
para comercialização, o grupo precisou pensar em como resolver a praga. Para isso,
contrataram técnicos e profissionais especializados nesse fungo para auxiliar as
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 321

famílias. A solução encontrada para muitos cafezais foi a queima total e o replan-
tio. Esse processo é longo e o grupo precisará continuar assessorando as famílias e
encontrando alternativas para que o negócio social não pare.
Uma questão importante de ser trabalhada neste tópico é a escolha entre a
diversificação de produto ou o foco no café. Observa-se que o grupo Yomol A’tel
optou pelas duas práticas, já que, além de coordenar a cadeia do café com as três
empresas voltadas para este produto, está atuando também com produtos deriva-
dos do mel. O grupo optou por inserir as mulheres dos produtores de café, que
antes não exerciam nenhuma atividade fora das propriedades das famílias e que
hoje fazem parte de uma cooperativa de mulheres produtoras de mel. Esta coope-
rativa auxilia as mulheres na industrialização e comercialização do mel, bem como
na utilização do produto como matéria-prima para fabricar diversos cosméticos.
A possibilidade de crescimento desse segmento é grande, já que outros produtos
podem ser desenvolvidos com vistas à ampliação da atuação da cooperativa.
Quanto ao foco no café, a Yomol A’tel vem atuando fortemente para con-
seguir coordenar toda a cadeia do café, aumentando a lucratividade em quase 50
vezes, uma vez que o valor do quilo do café in natura é vendido por aproximada-
mente 32 pesos mexicanos e o café servido em taça pela Capeltic gera aproxima-
damente 1500 pesos mexicanos. Entretanto, para continuar atuando e crescendo
neste segmento, é necessário resolver o problema da Roya e aproximar novos pro-
dutores ou outras regiões com características semelhantes, aumentando o volume
de café e, consequentemente, a lucratividade do negócio.
Assim, observa-se que o grupo vem atuando em ambas as estratégias, porém
ainda em fase embrionária, visto que a cooperativa de mel é um projeto recente e o
problema da Roya e da aproximação com comunidades próximas também.

4.3 A COMUNICAÇÃO INTERNA E EXTERNA

A comunicação interna e externa foi também um dos principais desafios


identificados neste projeto. A comunicação interna precisa de ajustes que permi-
tam uma maior fluidez para a tomada de decisões. Nesse tópico, é importante
incentivar os alunos a pensarem estratégias de comunicação interna que atendam
322 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

às especificidades do caso. A distância geográfica entre a planta industrial e os


centros, nos quais o café é comercializado deve ser considerada, bem como o fato
de o projeto estar distribuído em muitos municípios.
Outro fator relevante é a dificuldade da língua e o costume Tsental para
tomar decisões. Para que nem todas as decisões precisem passar pela mesa diretiva
da Assembleia da cooperativa, há alguns acordos internos que foram tomados.
Alguns diretores podem decidir ações emergenciais sem consultar a mesa, desde
que sigam as orientações estabelecidas no planejamento estratégico. As negocia-
ções que envolvem custos e contratos são tomadas pelos diretores que dominam
o inglês e que possuem tecnologia disponível para conferências e contatos. Essas
técnicas já estão possibilitando uma maior rapidez na tomada de decisão.
Quanto à comunicação externa, principalmente na sensibilização ao clien-
te, há muito o que melhorar. Os alunos podem ser incentivados a pensar formas de
aproximação do projeto com os clientes, demonstrando que o café é fruto de um
projeto social. A demonstração da cultura Tsental poderia ser mais bem explorada,
provocando uma maior sensibilização ao objetivo da Yomol A’tel e aos benefícios
do consumo do café orgânico. Os alunos podem ser incentivados a procurarem os
sites do grupo Yomol A’tel na internet e nas redes sociais para compreenderem a
comunicação que é desenvolvida hoje.
Uma sugestão adicional para trabalhar este tópico é o professor contatar
um professor da Universidade Iberoamericana da Cidade do México e propor uma
aula conjunta, com duas turmas reunidas por videoconferência. Se esta tecnologia
não estiver disponível, o professor poderia auxiliar os alunos a entrarem em contato
com alunos da universidade mexicana. Essa interação seria importante, inicial-
mente, para que os alunos possam ter contato com os clientes da Capeltic e, num
segundo momento, para que o intercâmbio de ideias sobre o caso possa proporcio-
nar ganhos acadêmicos e pessoais a todos os envolvidos.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 323

4.4 A INTERCULTURALIDADE

A questão da interculturalidade é um dos temas centrais deste caso, sendo


importante a clareza de que a cultura e a identidade Tsental são o centro do pro-
jeto desenvolvido pela Yomol A’tel. O paradigma entre as diferenças do mundo
ocidental e do mundo Tsental é um dos fatores que o grupo de empresas ainda
não conseguiu equacionar. Conforme relatado neste caso, o mercado ocidental é a
forma como o grupo comercializa e mantém suas atividades. A inserção dos pro-
dutos nesse mercado é a forma de manter e melhorar a qualidade de vida dessas
famílias. No entanto, o projeto somente existe para garantir que os costumes tsen-
tales prevaleçam e que essas famílias possam continuar vivendo em seus territórios
e produzindo em suas terras.
Importante, contudo, é observar que o mercado ocidental pratica ações e
valores opostos aos praticados pelas famílias tsentales. O ritmo de vida e de práticas
mercadológicas também são opostos. A maneira como ambas as culturas encaram
a natureza e os recursos advindos delaé antagônica. Enfim, as diferenças culturais
existem, porém é necessário encontrar um meio de coexistirem.
O grupo Yomol A’tel tomou algumas medidas para procurar equacionar
essas diferenças. O escritório de relações com o mercado está situado na Cidade
do México, composto por uma equipe que mora em um grande centro comercial,
ou seja, que compreende o ritmo do mercado ocidental e que atende a essa deman-
da. As cafeterias Capeltic também estão situadas em grandes centros urbanos no
México, com equipes de trabalho e gerentes oriundos de bancos universitários. Por
outro lado, a produção e industrialização do café continua ocorrendo no pequeno
povoado de Chilon, junto às comunidades indígenas, seguindo o ritmo e as tradi-
ções regionais.
Na planta industrial de Chilon também há uma equipe de trabalho de
escritório, que atua na contabilidade e na gestão de projetos. Essa equipe é formada
por profissionais oriundos de centros universitários, mas também por filhos dos
produtores locais. A interculturalidade começa a se fazer presente já nessa equipe
e se espalha por todo o projeto.
324 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

O respeito à manutenção dos hábitos locais deve ser observado na des-


crição sobre o processo de elaboração do planejamento estratégico descrito neste
caso.
O grupo, apesar de já praticar muitas ações para respeitar a cultura local,
ainda se questiona sobre como aumentar sua participação no mercado sem preju-
dicar sua identidade. A prática que foi adotada para toda a decisão é “passos curtos,
mas firmes”.

5. PLANEJAMENTO DE AULA (BASEADO NUMA AULA DE 150


MINUTOS)

O professor poderá adaptar sua aula de acordo com suas preferências e tempo
disponível. Entretanto, sugere-se o seguinte plano de aula:

ATIVIDADE 1: VÍDEO SOBRE A YOMOL A’TEL

• Duração: 15 minutos.

• Material/recursos: acesso à internet; projetor de vídeo e áudio; o vídeo


está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=ForR0ai-
jAUM&feature=youtu.be

• Operacionalização: projetar o vídeo.

• Objetivo da atividade: o vídeo possui como objetivo ilustrar aos alunos


a realidade do local, com falas dos indígenas e diretores do projeto.
O aluno conseguirá visualizar o contexto sobre o qual está estudando,
bem como compreender melhor as características da comunidade e o
processo produtivo e de comercialização.

• Resultados esperados: que os alunos se sintam sensibilizados com o


caso para discutir propostas e soluções para os desafios apontados.
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 325

ATIVIDADE 2: IDENTIFICANDO OS DESAFIOS

• Duração: 10 minutos.

• Material/recursos: quadro ou flip-chart.

• Operacionalização: o professor deverá questionar ao grande grupo


sobre quais são os desafios enfrentados pelo projeto, estimulando que
os alunos apresentem não só os desafios apresentados neste caso, mas
também novos desafios identificados no vídeo ou pela imaginação in-
dividual de cada estudante. Caso os alunos não apresentem todos os
desafios propostos, o professor poderá utilizar as questões indicadas. O
professor anotará os desafios identificados em local de fácil visualização
de todos.

• Objetivo da atividade: estimular a síntese dos alunos e a identificação


dos pontos fundamentais do caso.

• Resultados esperados: que os alunos identifiquem como desafios, pelo


menos: interculturalidade, acesso ao mercado, oscilação do preço do
café, praga Roya, comunicação interna e externa e escalabilidade.

ATIVIDADE 3: PROCURANDO SOLUÇÕES

• Duração: 40 minutos.

• Material/recursos: professor poderá fornecer uma tabela 5W2H (op-


cional).

• Operacionalização: a turma deverá ser dividida em pequenos grupos,


dependendo do número de alunos em sala de aula. Sugere-se, ao menos,
três grupos. Cada grupo deverá ficar responsável por um número x de
desafios identificados. O grupo deverá apresentar soluções para os de-
326 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

safios identificados. O grupo poderá escolher a forma como irá divulgar


esse material para o grande grupo (apresentação, material impresso etc).

• Objetivo da atividade: estimular os alunos a trabalharem em grupo, ar-


gumentando e formando uma ideia da equipe. Os alunos devem apre-
sentar soluções coerentes e viáveis, atendendo a teorias vistas em sala de
aula e ao contexto apresentado neste caso.

• Resultados esperados: os alunos deverão encontrar soluções que aten-


dam ao equilíbrio entre o mercado ocidental e a cultura Tsental, pen-
sando na sustentabilidade e escalabilidade do negócio, sem perder ca-
racterísticas sociais e ambientais.

ATIVIDADE 4: COMPARTILHANDO SOLUÇÕES

• Duração: 40 minutos.

• Material/recursos: projetor, quadro ou flip-chart.

• Operacionalização: cada grupo deverá apresentar para a turma as solu-


ções encontradas.

• Objetivo da atividade: estimular as habilidades de comunicação, síntese


e apresentação das ideias.

• Resultados esperados: os alunos deverão ser capazes de apresentar com


clareza suas ideias e saber argumentar sobre suas escolhas.

ATIVIDADE 5: NOSSA PROPOSTA

• Duração: 35 minutos.

• Material/recursos: projetor, quadro ou flip-chart.


TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 327

• Operacionalização: o professor deverá conduzir esta atividade com a


finalidade de unir em uma única proposta as soluções dos grupos. Cada
desafio deve ser novamente abordado, sendo que, nesse momento, os
demais grupos poderão inserir novas contribuições.

• Objetivo da atividade: estimular a habilidade de argumentação e orga-


nização das ideias em grupo.

• Resultados esperados: gerar um documento com as ideias da turma,


apresentando soluções para os desafios identificados.

6. MATERIAIS DE APOIO À DISCUSSÃO

Abaixo, recomendamos os sites do grupo Yomol A’tel para que os alunos


possam ter mais subsídios para a análise:
• http://www.yomolatel.org

• http://www.batsilmaya.org

• http://capeltic.org

• http://cediac.org/chabnichim/

• https://www.facebook.com/Xapontic

• http://www.uia.mx/web/files/publicaciones/tsubmal_xitalha.pdf
Recomendamos, também, algumas bibliografias básicas sobre os temas abor-
dados neste caso, principalmente, sobre economia social, empresas sociais e ino-
vação social.

REFERÊNCIAS

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330 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 331

IV. Capítulo Final

AGENDA DE FUTURAS POSSIBILIDADES

Apesar de estar atraindo cada vez mais atenção de gestores, pesquisadores


e praticantes, a inovação social ainda é considerada uma temática recente e que
precisa ser mais detalhada, aprofundada, disseminada, seja no campo teórico ou
prático. Nesse sentido, é necessário pensarmos em estratégias e ações que possam
realmente (1) gerar uma compreensão sistêmica do processo de inovação social;
(2) estabelecer uma metodologia apropriada que estimule a expansão do impacto
social; e (3) mobilizar diferentes atores, dando voz ao beneficiário. Esses são alguns
dos pontos centrais que apresentamos a seguir e que ficam como sugestões para
estudos futuros (no formato de questões).

GERAR UMA COMPREENSÃO SISTÊMICA DO PROCESSO DE


INOVAÇÃO SOCIAL

As iniciativas de inovação social, principalmente no Brasil, são caracte-


rizadas por projetos pontuais, com impacto local e muitas vezes com um prazo
muito curto de desenvolvimento. Para explorar o potencial de transformação que
a inovação social representa, é necessário pensar sistemicamente nessas iniciativas.
Afinal, os problemas sociais são complexos e, por isso, precisam ser (re)vistos de
maneira sistêmica, compreendendo o contexto, os fatores relacionados, os atores
envolvidos e as diferentes dimensões. Assim, os problemas sociais estão normal-
mente relacionados às políticas públicas, a questões culturais, a fatores econômicos,
332 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

a questões sanitárias e de qualidade de vida, entre outros. Para dar conta dessa
complexidade e pensar na inovação social de forma sistêmica, é preciso, também,
refletir sobre uma sistemática de desenvolvimento dessas iniciativas, portanto uma
metodologia apropriada.

ESTABELECER UMA METODOLOGIA APROPRIADA QUE


ESTIMULE A EXPANSÃO DO IMPACTO SOCIAL

Essa metodologia deve resgatar a vocação da comunidade envolvida, legi-


timando as etapas e ações que buscam o desenvolvimento da inovação social. Nes-
se sentido, o comprometimento da comunidade e a ação coletiva que se estabelece
a partir dessa mobilização é um ponto central que deve ser observado. Contudo,
destacamos que não existe uma metodologia única e que as especificidades de cada
contexto devem não ser apenas respeitadas, mas valorizadas como um elemento
diferenciador dessas iniciativas. Dessa forma, pensamos em estabelecer um proces-
so legítimo, no qual o beneficiário tem um papel ativo nas decisões.

MOBILIZAR DIFERENTES ATORES, DANDO VOZ AO


BENEFICIÁRIO

O beneficiário deve possuir um papel protagonista nas iniciativas de ino-


vação social. Afinal, ele é quem vai dar continuidade às ações desenvolvidas em sua
comunidade. Além de garantir a legitimidade dessas iniciativas, ninguém melhor
que o beneficiário para compreender a sua realidade e buscar soluções que sejam
efetivas para os seus problemas. Nesse contexto, chamamos a atenção da diferença
entre as ações assistencialistas e as iniciativas de inovação social. Enquanto a pri-
meira representa um auxílio externo para minimizar os problemas sociais, a segun-
da avança na busca de uma solução efetiva do problema envolvendo a comunidade
ativamente nas decisões e em cada etapa do processo construído coletivamente.
Estamos falando em uma ação de longo prazo, ou como discutimos anteriormente,
TRANSFORMAÇÕES E IMPACTOS DA INOVAÇÃO SOCIAL - 333

estamos pensando na escalabilidade da inovação social e de seus impactos. Como


já dizia um ditado antigo: “Dar o peixe é diferente de ensinar a pescar”.
Podemos resumir a nossa sugestão de estudos futuros resgatando a neces-
sidade de estudar os ecossistemas de inovação social, a fim de compreender como
maximizar os resultados e promover uma melhor identificação e interação entre os
atores. Nesse sentido, podemos avançar na compreensão do que é inovação social
e como os benefícios sociais gerados podem ser escalados. Algumas questões apre-
sentadas a seguir visam instigar o debate e podem servir de sugestões de estudos
futuros:
1) Quais são as instâncias envolvidas na inovação social, buscando a sua com-
preensão sistêmica?
2) Quais são as diferentes relações entre atores que precisam ser estabelecidas
no intuito de promover a inovação social?
3) Que etapas centrais poderiam caracterizar o desenvolvimento da inovação
social?
4) Quem são e qual é o papel dos diferentes atores envolvidos?
5) Como é possível buscar o empoderamento dos beneficiários da inovação
social?
6) Qual é a diferença entre inovação social e ação social?
7) Como as organizações poderiam desenvolver a inovação social?
8) Quais os limites e possibilidades que envolvem a inovação social?
9) Como tornar as iniciativas de inovação social escaláveis?
10) Quais são as metodologias mais apropriadas para mensurar as práticas de
inovação social?
11) O contexto interfere nas iniciativas de inovação social?
12) Como identificar iniciativas de inovação social que sejam prováveis de
escalonar e como propor uma metodologia para estas ações?
Esperamos que este livro possa auxiliar o trabalho docente no sentido de
estimular uma nova forma de pensar a inovação e o impacto que os negócios po-
dem ter na sociedade a partir de diversos casos brasileiros e um latino-americano,
demonstrando que, apesar das dificuldades enfrentadas, é possível pensarmos um
mundo mais justo.
334 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO
Organizadoras - 335

Organizadoras

Ana Clarissa Santos


Ana Clarissa Santos é Professora e Pesquisadora
na Escola de Negócios da PUCRS. Coordena-
dora do PPGAd. Coordenadora do Programa
Liderança Marista em Parceria com o Institu-
to Marista. Fez pós-doutorado na PUCRS e na
UNISINOS. Doutora e Mestre em Administra-
ção pela UNISINOS. É líder do grupo de pes-
quisa GESLIS - Grupo de Estudo em Gestão
Social, Liderança e Inovação Social. Sua área de
interesse de pesquisa e inovação social, negócios
de impacto social, ecossistemas de inovação so-
cial. Facilitadora da Metodologia LEGO® SERIOUS PLAY® certificada pela
Association of Master Trainers. Mãe do Leonardo (2003) e do Eduardo (2006).
https://orcid.org/ 0000-0003-3336-6001.

Claudia Cristina Bitencourt


Claudia Bitencourt é Doutora em Administração
de Empresas pela UFRGS, Brasil. Atualmente, é
professora titular e pesquisadora do Programa de
Pós-Graduação em Administração da UNISINOS;
Pesquisadora do CNPQ (Bolsista de Produtividade);
Diretora Científica da ANPAD (Associação Nacio-
nal de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração);
Embaixadora da Divisão de Recursos Humanos da
Academy of Management; Membro dos Conselhos da IAJBS e da ONG Parcei-
ros Voluntários. É líder do grupo de pesquisa GESMAC (Grupo de Estudos em
Gestão Social, Mudanças, Aprendizagem e Competências Organizacionais). Foi
bolsista Fulbright na Thunderbird School of Global Management e pesquisadora
visitante nas seguintes instituições: HEC Montreal, TU Dortmund, University of
336 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Stavanger, University of Texas-Pan American, University of Lisbon, The Univer-


sity of Queensland. A área de pesquisa se concentra em inovação social, apren-
dizagem organizacional e capacidades. http://lattes.cnpq.br/7715385604038814.
https://orcid.org/0000-0002-9383-6952

Gabriela Zanandrea
Bolsista PNPD Capes no Programa de Pós-Graduação
em Administração da UNISINOS. Doutora em Ad-
ministração pela Universidade de Caxias de Sul com
período sanduíche na Universidade de Aveiro, Portugal
(2018). Mestre em Administração pela Universidade de
Caxias do Sul (2014). Integrante do Grupo de Pesquisa
GESMAC (Grupo de Estudos em Gestão Social, Mu-
danças, Aprendizagem e Competências Organizacio-
nais). Suas áreas de pesquisa incluem inovação e gestão
do conhecimento em cadeias produtivas, especificamen-
te a cadeia produtiva da maçã, e mais recentemente tem
se dedicado à pesquisa de inovação social e desenvolvimento territorial, e o pro-
tagonismo das organizações com fins lucrativos no contexto social. http://lattes.
cnpq.br/0382481576717324. https://orcid.org/0000-0002-0091-0229

Manuela Rösing Agostini


Pós-doutoranda em Administração pela UNISINOS.
Doutora pela mesma instituição. Pesquisadora visitan-
te na Université Libre de Bruxelles - Bélgica. Mestre
em Administração pela Universidade de Caxias do Sul.
Docente do Instituto Federal do Rio Grande do Sul,
nas áreas de gestão, planejamento e cooperativismo. É
líder do grupo de pesquisa Inovação, Desenvolvimento
e Sociedade do IFRSe membro do grupo de pesquisa
GESMAC. Sua área de interesse de pesquisa e inova-
ção social, povos e comunidades tradicionais e contex-
tos institucionais. Membro do Conselho Consultivo de
Povos Indígenas na Emerald Publishing. Recente interesse em parentalidade na
ciência (como conciliar a vida acadêmica com a maternidade/paternidade). Rece-
beu menção honrosa pelo Prêmio Capes de Melhor Tese de Doutorado na área de
Administração, em 2018. Mãe do Bernardo (2017) e do Vicente (2020). http://
lattes.cnpq.br/8300799730653589. https://orcid.org/0000-0001-6007-2178
Autores - 337

Autores

Ana Luiza Rossato Facco


Doutoranda em Administração pela UNISINOS com foco em Inovação Social.
Mestre em Administração pela Universidade de Santa Maria. Docente no curso de
Administração da Universidade de Cruz Alta. Membro do Conselho Consultivo
de Povos Indígenas na Emerald Publishing. Em 2021, foi reconhecida como Most
Impacful Educator pelo Social Business Creation em Montreal, Canadá. http://
lattes.cnpq.br/7443268987745554.

Antonia Wallig
Mestre em Artes Visuais na linha de pesquisa Processos Artísticos Contemporâ-
neos pelo PPGAV/UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina (2012).
Graduada em Pedagogia pela mesma Universidade (2010). Atualmente atua como
gestora cultural na Associação Cultural Vila Flores em Porto Alegre-RS. Desen-
volve pesquisas principalmente nos seguintes temas: educação e cultura, arte-edu-
cação, terapia artística, educação popular, educação inclusiva, educação ambiental,
processos artísticos colaborativos e inovação social. Atua em projetos sociais, orga-
nizações não governamentais junto a comunidades e escolas da rede pública.

Bruno Anicet Bittencourt


Administrador, Mestre e Doutor na área de Inovação, Tecnologia e Sustentabi-
lidade (UFRGS) com período na KEDGE Business (França) e na Università di
Bologna (Itália). Atuou como consultor ou gestor em diferentes projetos nas áreas
de ensino-aprendizagem, de inovação, e impacto social em empresas, ONGS, uni-
versidade e governo. Atualmente é Professor e Pesquisador no Programa de Pós-
-Graduação em Administração na UNISINOS. Link para o lattes: http://lattes.
cnpq.br/3273936462544903.
338 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

Caroline Arenci Glória da Silva


Graduada em Administração de Empresas pela UNISINOS (2019) tendo in-
vestigado a temática de inovação social para inclusão de imigrantes senegaleses
no mercado de trabalho. Atualmente atua no setor imobiliário como corretora de
imóveis.

Cristiane Froehlich
Pós-Doutora em Administração pela UNISINOS. Doutora em Administração
pela Unisinos, com doutorado sanduíche no Instituto Superior de Economia e
Gestão da Universidade de Lisboa, Portugal. Mestre em Administração pela UNI-
SINOS. Docente do Programa de Pós-Graduação em Administração e Pesqui-
sadora do Grupo de Pesquisa em Gestão. Linhas de Pesquisa: Sustentabilidade
Socioambiental, Inovação para Competitividade da Universidade Feevale, Novo
Hamburgo/RS. http://lattes.cnpq.br/8931658058297667.

Daniela Mattos Fernandes


Graduada em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Pelotas
(UFPel), pós-graduanda em Gestão de Projetos pela UniRitter e mestranda no
Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCAmb) da UFPel,
com linha de pesquisa em Gestão e Avaliação de Ambientes Naturais e Antrópi-
cos. http://lattes.cnpq.br/6889757515472211.

Irmã Pierina Lorenzoni


Diretora-Presidente da obra social Pequena Casa da Criança desde 2002. É Irmã
pertencente à Congregação Missionárias de Jesus Crucificado.

Kadigia Faccin
Pós-Doutora em Administração pela UNISINOS. Possui dupla titulação de dou-
torado: Doutora em Administração pela UNISINOS e em Sciences de LInforma-
tion et de la Communication pela Université de Poitiers/França (2016). Bolsista
de Produtividade em Pesquisa (PQ-2) desde 2022. Professora-Pesquisadora da
Escola de Gestão e Negócios (EGN) da UNISINOS e atualmente coordenadora
do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGAdm). Lidera o grupo
Autores - 339

de pesquisa em Ecossistemas de Inovação, O EcoHubI - UNISINOS/CNPQ.


Temas de interesse: Estratégia e Relações Interorganizacionais, Inovação Colabo-
rativa, Ecossistemas de Inovação e Educação para a Inovação. http://lattes.cnpq.
br/9096213182112205

Karen Frances Medroa


Mestra em Administração pela PUCRS com ênfase em Estratégia, Organização
e Sociedade. Economista formada pela UFRGS. Pós-graduada em Business Inno-
vation pela Università de Barcelona. Empreendedora no ramo de consultoria em
gestão empresarial, atua a mais de 10 anos ajudando empresas a resolver problemas
complexos. Mentora de jovens e mulheres.

Larissa Medianeira Bolzan


Professora Adjunta da UFPel. Pós doutora, pela UNISINOS, com pesquisas sobre
Escalabilidade de Inovação Social. Doutora em Administração pela UFRGS, na
linha de pesquisa Gestão de Pessoas. Mestre em Administração pela UFSM, na
linha de pesquisa Sistemas de Informação e Finanças. Bacharel em Administração.
http://lattes.cnpq.br/5646345717919827

Laura Chiattone Bollick


Graduada em Relações Internacionais com ênfase em Marketing e Negócios pela
ESPM Porto Alegre. Pós-graduada em Estudos Estratégicos Internacionais pela
UFRGS e mestre em Administração e Negócios na linha de marketing pela PU-
CRS. Atuou como consultora do Programa Redes de Cooperação em parceria
com a PUCRS por um ano e do mesmo programa pela UCPEL. Além das expe-
riências citadas trabalhou na ESPM, AON, Compuletra e na Administração da
Youcom (Grupo Renner S.A.). Foi docente do curso de Relações Internacionais
e Design da ESPM e Técnica Temporária para desenvolvimento do Programa
Cidade Empreendedora da Gerência de Políticas Públicas no Sebrae RS. http://
lattes.cnpq.br/9376381443112714

Luciana Maines da Silva


Doutora em Administração pela UNISINOS, com período sanduíche junto a
Universitetet i Stavanger, Noruega (2020). É pesquisadora colaboradora junto
ao Mestrado Profissional em Gestão Educacional e professora em cursos de gra-
duação da Escola de Gestão e Negócios. Atualmente é membro dos grupos de
340 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

pesquisa em Ecossistemas de Inovação, EcoHubI - UNISINOS/CNPQ e GES-


MAC - UNISINOS/CNPQ. Líder do tema de Pesquisa e Inovação Responsável
junto à Divisão Acadêmica de Inovação, Tecnologia e Empreendedorismo (ITE)
na ANPAD (2020- ). Temas de Interesse para pesquisa: Pesquisa e Inovação Res-
ponsável, Ecossistemas de Inovação, Cidades Inteligentes, papel das Instituições
de Ensino, Coopetição. http://lattes.cnpq.br/5057065195398465

Luciana Marques Vieira


PhD em Economia agro-alimentar pela Universidde de Reading e Pós doutora em
Desenvolvimento no Institute of Develipment Studies, ambos no Reino Unido.
Senior Fellow no King´s College London desde 2018. É Professora Associada
do Departamento de Administração da Produção e Operações Industriais (POI)
da FGV EAESP atuando na linha de Pesquisa Gestão de Operações e Sustenta-
bilidade no Mestrado e Doutorado stricto sensu e no Mestrado Profissional em
Supply Chain.
http://lattes.cnpq.br/6760299710047895.

Marcelo Ferreira de Souza


Mestre em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul – PUCRS. Pesquisador com foco em negócios de impacto social, inova-
ção social, empreendedorismo social e sustentabilidade. Coordenador de Negó-
cios na Diretoria de Educação Continuada da PUCRS. Gestor de projetos sociais
com certificação PMDPro (Project Management for Development). Membro dos
Grupos de Pesquisa: Gestão social, liderança e inovação social (GESLIS – PU-
CRS); Estudos em Gestão Social, Mudanças, Aprendizagem e Competências Or-
ganizacionais (GESMAC - UNISINOS) e do Ecossistemas de Inovação Social
e Cidades Brasileiras ( JORNADA DE PESQUISA - ICE). http://lattes.cnpq.
br/7304539794666137

Márcia Macedo
Graduada em Comunicação Social na Universidade Luterana do Brasil e com
MBA em Marketing Estratégico na UNISINOS. Atua na área de tecnologia e
inovação e é apaixonada por trabalho em equipe, principalmente, em times mul-
ticulturais. Trabalha em empresa de consultoria para um Empresas Globais e
equipes multifuncionais para entregar produtos, processos e eventos, facilitando a
comunicação entre os atores e com os stakeholders. Um dos trabalhos mais gratifi-
cantes de consultoria de negócios, juntamente com a equipe de alunos da Universi-
dade da Carolina do Norte, foi a imersão e o trabalho de inovação social realizado
Autores - 341

na Favela Pavão-Pavãozinho e Cantagalo no Rio de Janeiro, juntamente com o


empreendedor Gabriel Abreu.

Marcia Santos da Silva


Mestra em Administração e doutoranda em Design pela UNISINOS. Pesquisa-
dora do tema Inovação Social. Administradora, designer, empreendedora e pro-
fessora. Integra o time editorial da revista Strategic Design Research Journal e
colabora no laboratório Seeding Lab, afiliado à Rede DESIS - Design for Social
Innovation and Sustainability. Fundadora da Projeccia - Cia de Projetos, atua em
iniciativas de desenvolvimento local, com a facilitação de projetos coletivos em co-
munidades e fortalecimento de redes intersetoriais, entre outras atividades. http://
lattes.cnpq.br/5967130502743035.

Marilaine Quadros Becker de Souza


Mestranda em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran-
de do Sul – PUCRS. Especialista em Finanças, Auditoria e Controladoria pela
Faculdade Estratego (2022). Especialização em Liderança, Inovação e Gestão 3. 0
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Analista
de Projetos I na Agência de Projetos da PUCRS. Membro do Grupo de Pesquisa
Knowledge For Practice - PUCRS. http://lattes.cnpq.br/2098935544536175

Paola Schmitt Figueiró


Bacharel em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Mestre e Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS) com ênfase em Inovação, Tecnologia e Sustentabilidade. Doutorado
sanduíche na HEC – Montreal, Canadá. Professora e pesquisadora na Universi-
dade Feevale, Rio Grande do Sul. Mentora de negócios no Parque Tecnológico
Feevale TechPark. Atua em projeto de pesquisa nas áreas de: Educação para a
Sustentabilidade, Negócios de Impacto Social, e Gestão da Diversidade e Inclusão.
http://lattes.cnpq.br/2774645447470843

Roselei Haag
Doutora em Administração pela UNISINOS (Bolsista CAPES). Período sandu-
íche realizado no Sozialforschungsstelle Dortmund (Centro de Pesquisa Social
Dortmund) da Technische Universität Dortmund (TU Dortmund), Alemanha.
Professora substituta no IFSul - Instituto Federal Sul-rio-grandense. Experi-
ência na área de Administração, atuando principalmente nos seguintes temas:
operações, cadeia de suprimentos, desenvolvimento sustentável, inovação so-
342 - DESVENDANDO A INOVAÇÃO SOCIAL: CASOS DE ENSINO

cial corporativa, pesquisa experimental e tomada de decisão. http://lattes.cnpq.


br/8885922069255230.

Silvio Bitencourt da Silva


Doutorado em Administração de Empresas pela UNISINOS. Atualmente exerce
a função de professor do Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Ne-
gócios e dos MBAs em Gestão nos campos da inovação e estratégia; e a função de
Diretor da Unidade de Tecnologia e Inovação da UNISINOS e gestor executivo
do TECNOSINOS. Sua pesquisa orbita nos temas sobre estratégias interorga-
nizacionais e gestão da inovação (tecnológica e social), com ênfase na adoção de
estratégias de inovação aberta pelas empresas, e políticas públicas para inovação
tecnológica. http://lattes.cnpq.br/5792727067633222

Tatiane Martins Cruz Pirotti


Mestra e Bacharel em Administração pela UNISINOS, pós-graduada em Psico-
logia Organizacional pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul.
Possui sólida experiência na área de gestão de pessoas, atua como Consultora de
Responsabilidade Social Corporativa e como professora convidada em cursos de
pós-graduação e extensão. Suas pesquisas têm foco em inovação social, estraté-
gia, sustentabilidade e diversidade e inclusão nas organizações. http://lattes.cnpq.
br/9014352565843629

Yeda Swirski de Souza


Professora titular na UNISINOS. Professora visitante na Deganat School of Ma-
nagement - Universidade Ramon Llull (2018 - 2019). Tem formação em Admi-
nistração (Mestrado) e em Psicologia (Graduação e Doutorado) com ênfase em es-
tudos organizacionais. Atua em docência e pesquisa nas áreas de Comportamento
Organizacional e Estratégia. Destaca-se a dedicação a projetos de pesquisa e atua-
ção no empreendedorismo, com ênfase em empreendedorismo internacional e ca-
pacidades de empresas para negócios internacionais, especialmente no contexto da
economia do conhecimento e da criação. http://lattes.cnpq.br/2454662413132139

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